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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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AMEAÇAS E RISCOS

TRANSNACIONAIS

NO NOVO MUNDO GLOBAL

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Título Ameaças e Riscos Transnacionais no novo Mundo Global

Autores

Alice Feiteira Américo Zuzarte Reis António José Telo Carlos Mendes Dias

Francisco Proença Garcia Jaime Ferreira da Silva João Serra Pereira João Vieira Borges

José Loureiro dos Santos Nuno Lemos Pires Paulo Viegas Nunes

Teresa Ferreira Rodrigues

Coordenadores João Vieira Borges

Teresa Ferreira Rodrigues

Todos os Direitos Reservados Fronteira do Caos Editores Lda. e Autores

Capa

Karbono

Impressão e Acabamento XXXXXXXX

Depósito Legal

XXXXXXX

ISBN XXXXXXXXX

1.ª Edição

PORTO – JANEIRO 2016

FRONTEIRA DO CAOS EDITORES LDA. Apartado 52028 4202-801 Porto

[email protected] www.fronteiradocaoseditores.pt

http://nafronteiradocaos.blogspot.com/

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AMEAÇAS E RISCOS

TRANSNACIONAIS

NO NOVO MUNDO GLOBAL

JOÃO VIEIRA BORGES

TERESA FERREIRA RODRIGUES

(COORD.)

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i

ÍÍÍÍNDICENDICENDICENDICE

ÍNDICE DE TABELAS ii

ÍNDICE DE FIGURAS iii

ABSTRACTS v

PREFÁCIO xxi

AUTORES xv

INTRODUÇÃO 1

1. UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA 7

2. AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS 29

3. TERRORISMO TRANSNACIONAL 51

4. UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI 71

5. CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS

E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

109

6. PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR 133

7. DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS

CIVIS

153

8. CONFLITOS REGIONAIS 175

9. CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO 199

10. DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS 217

11. MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS 233

12. CHOQUES DEMOGRÁFICOS 255

13. TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS.

ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE

283

14. CONSIDERAÇÕES FINAIS: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS:

UMA VISÃO DE FUTURO

297

BIBLIOGRAFIA 303

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ii

ÍÍÍÍNDICE DE NDICE DE NDICE DE NDICE DE TTTTABELASABELASABELASABELAS

Tabela 1.1. Poder naval da Europa da NATO e da Ásia do Pacífico, sem China e resto da Ásia (1990, 2015)

16

Tabela 2.1. Ameaças explícitas nas Estratégias de Segurança Nacional dos EUA

38

Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63

Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64

Tabela 3.3. Características da investigação 64

Tabela 3.4. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido 65

Tabela 3.5. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados obtidos 66

Tabela 4.1. Custos económicos da pirataria marítima na Somália 88

Tabela 10.1. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (final do ano de 2014) 219

Tabela 10.2. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (países) (final do ano de 2014)

220

Tabela 10.3. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (final do ano de 2014)

220

Tabela 10.4. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (países) (final do ano de 2014)

220

Tabela 10.5. Carvão: reservas provadas e razão R/P (final do ano de 2014) 221

Tabela 10.6. Carvão: reservas provadas e razão R/P (países) (final do ano de 2014)

221

Tabela 10.7. Maiores produtores mundiais (final do ano de 2014) 221

Tabela 11.1. População Mundial por Grandes Regiões, 2015, 2013 e 2050. Variação 2015N2050 (de acordo com a projecção variaçãoNmédia).

250

Tabela 11.2. Índice de Risco climático a longo prazo (CRI): os 10 países mais afectados desde 1994 a 2013 (médias anuais)

252

Tabela 12.1. Vetores de índole demográfica a considerar na ligação populaçãoNsegurança

280

.

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iii

ÍÍÍÍNDICE DE NDICE DE NDICE DE NDICE DE FFFFIGURASIGURASIGURASIGURAS

Figura 1.1. Evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB (1990, 2015)

13

Figura 1.2. Despesas com a Defesa em diferentes países e regiões (1990, 2015)

15

Figura 2.1. Os 15 maiores países do Mundo em termos de orçamento de defesa (em biliões de dólares) relativo a 2014

31

Figura 3.1. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Taxas de sucesso.

66

Figura 3.2. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxas de sucesso

67

Figura 3.3. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxas de fracasso

67

Figura 4.1. Áreas geográficas consideradas no estudo 76

Figura 4.2. Evolução anual do número de incidentes (2000N2014) 77

Figura 4.3. Número de ataques de pirataria por região (2000N2014) 78

Figura 4.4. Principais rotas marítimas do Mundo 78

Figura 4.5. Evolução anual do número de incidentes por região (2000N2014) 80

Figura 4.6. Distribuição dos ataques ao longo do ano (2004N2014) 81

Figura 4.7. Principais tipos de navios atacados (2000N2014) 82

Figura 4.8. Distância a costa da pirataria no Golfo de Adém (2005N2011) 83

Figura 4.9. Número de navios sequestrados por ano em cada região (2004N2014)

84

Figura 4.10. Situação dos navios quando atacados (2004N2014) 84

Figura 4.11. Evolução anual do número de reféns, feridos, mortos, rapNtados ou desaparecidos (2004N2014)

85

Figura 4.12. Número de raptados, feridos e mortos por região (2004N2014) 86

Figura 9.1. Cenários associados ao Ciberterrorismo 207

Figura 11.1. Alterações climáticas e deslocação e conflito. Evidências do 5º Relatório de Avaliação.

240

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

iv

Figura 11.2. População refugiada por regiões UHNCR – 2014 241

Figura 11.3. Relações entre recursos, stress ambiental e respostas sociais 245

Figura 12.1. Modelo de transição demográfica. Diferentes cronologias 260

Figura 12.2. Hoje e amanhã. Os 10 países mais populosos do Mundo (2013, 2050)

264

Figura 12.3. População Mundial. Ritmos de Crescimento (1950N2100) 265

Figura 12.4. Escassez Ambiental e Conflito. Duas tipologias 271

Figura 12.5. Causas e Consequências da Escassez Ambiental. Um exemplo 272

Figura 12.6. Jogo de Espelhos. As leis da geopolítica demográfica 274

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v

AAAABSTRACTSBSTRACTSBSTRACTSBSTRACTS

ChapterChapterChapterChapter 1. A changing world. The decay of Europe1. A changing world. The decay of Europe1. A changing world. The decay of Europe1. A changing world. The decay of Europe

This article aims to raise questions and an approach the new world in a difN

ferent way, not politically correct and that few people are prepared to listen and

accept. The author assesses recent developments in the world, as a way to preN

dict the future. This assessment contains the relative economic and military

strength, the characterization of the bizarre world we live in, the value system

inherited from the industrial societies and the chaos of the world. On the other

hand, let us think about the decline of Europe and the dreams overtaken by a

reality that marks "the end of the beginning".

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Transnacional, Security, Economy, Europe, Future

Chapter 2. Transnational threats and risks. Institutional perspectivesChapter 2. Transnational threats and risks. Institutional perspectivesChapter 2. Transnational threats and risks. Institutional perspectivesChapter 2. Transnational threats and risks. Institutional perspectives

This article aims to analyze the institutional perspectives of transnational

threats and risks, based on a comparative analysis of national strategies of the

five permanent members of the Security Council of the United Nations. As a

result we have identified threats in common, regardless of the values, interests

and political objectives of the different political actors. Far beyond the analysis

of the common and the different, the explicit and implicit, the transparent and

secret, we have identified a picture of all the transnational threats in an openly

institutional perspective of the states whose weigh is recognized in the internaN

tional political system in 2015.

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Threats, Risk, Transnacional, Security, Defense

Chapter 3. Transnational terrorismChapter 3. Transnational terrorismChapter 3. Transnational terrorismChapter 3. Transnational terrorism

Hillary Clinton declared in 2010 that transnational terrorist networks repreN

sented the greatest threat to world peace, in contrast to the opinion of Professor

John Mueller, to whom thethreat of terrorism is largely exaggerated. After all, only

a few hundred people die annually victims of terrorist attacks and, for Americans,

the risk of dying from an attack is lower than by allergy to peanuts. After a brief

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

vi

discussion about the fundamental concepts of terrorism, domestic terrorism, interN

national and transnational terrorism, we propose a methodology for evaluating the

results of terrorist campaigns to know the real purpose of terrorism.

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: terrorism, international terrorism, transnacional terrorism, utility.

Chapter 4. A global vision of maritime piracy in the 21st centuryChapter 4. A global vision of maritime piracy in the 21st centuryChapter 4. A global vision of maritime piracy in the 21st centuryChapter 4. A global vision of maritime piracy in the 21st century

In a globalized and interdependent world, the resurgence of maritime piracy

drew international community attention to the need of finding ways to fight this

problem. In this paper, we present an overview of piracy in the twentyNfirst century

and trends of this illicit are identified. Therefore, we start by defining the concept of

piracy and identifying some of its causes. Afterwards, we continue with the analysis

of the phenomenon’s evolution, as well as its human and economic costs. We conN

clude this study observing the instruments developed to fight piracy. The analysis

we developed allowed us to identify some issues that need to be addressed by the

international community, in order to reduce piracy in the world.

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Maritime Piracy. Law of the Sea. Maritime Security. InternaN

tional Maritime Transport.

Chapter 5. Transnational Organised Crime. Paradoxes and Conceptual and Chapter 5. Transnational Organised Crime. Paradoxes and Conceptual and Chapter 5. Transnational Organised Crime. Paradoxes and Conceptual and Chapter 5. Transnational Organised Crime. Paradoxes and Conceptual and

operational policy challengesoperational policy challengesoperational policy challengesoperational policy challenges

The article aims to build critically the conceptual framework of organized

crime and its connection to the volume crime. The challenges and opportunities

of European cooperation are addressed and the criminal procedure reform in

Portugal to tackle the threats and risks increasingly reticular and transnational.

The balance between the right to security, the right of victims and the protecN

tion of rights, freedoms and guarantees of the accused is essential, as a vital

contribution to the rule of law.

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Globalization, security, organized crime, mass crime, justice.

Chapter 6.Chapter 6.Chapter 6.Chapter 6. Proliferation of weapons of mass destruction. The nuclear caseProliferation of weapons of mass destruction. The nuclear caseProliferation of weapons of mass destruction. The nuclear caseProliferation of weapons of mass destruction. The nuclear case

The article seeks to be a contribution to characterize the proliferation of nuN

clear WMD. Initially describes the different dynamics associated with this pheN

nomenon, identifying some of the motivations that lead the various actors to

pursue this aim as well as what the different risks and dangers to international

security associated with it. In a second phase focuses on some of the internaN

tional instruments adopted to address it, including the Treaty on the NonN

Proliferation. Finally addresses today's nuclear deterrent strategy.

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ABSTRACTS _____________________________________________________________________________________

vii

KeywordsKeywordsKeywordsKeywords: Dissuasion, proliferation, NATO, Non Proliferation Treaty, MisN

sile Defence, Terrorism

Chapter 7.Chapter 7.Chapter 7.Chapter 7. FromFromFromFrom ThreatsThreatsThreatsThreatsNNNNIntangible Risks to fragile States and civil warsIntangible Risks to fragile States and civil warsIntangible Risks to fragile States and civil warsIntangible Risks to fragile States and civil wars

There are threats and risks which are usually not spelt out in view of the fact

that they are difficult to measure, clearly identify or even consider as such, given

their lack of a direct connection with the issue of security and defence. In an

analysis of the reasons behind the emergence of Fragile or Failed States and

Civil Wars, one finds apparent reasons which seem to hide others that are

much more relevant complex and profound and which, in some cases, have

deep roots that extend very far back in time. These profound causes are, at

times, triggered by intangible threats and risks, which range from social anomy

to situations of forced lack of occupation, from the nation’s memories to geopoN

litical pressure, from the power of ideologies and religions to the acceleration of

the pace at which things change and to a crisis of principles and values which,

although present already in the past, were not taken due care of in time.

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Intangible threats and risks, Failed and Fragile States, Civil Wars.

Chapter 8. Regional ConflictsChapter 8. Regional ConflictsChapter 8. Regional ConflictsChapter 8. Regional Conflicts

At all times and in all regions, politically organized communities have always

been able to find reasons for a disagreement of interests to degenerate into

conflict situation, accompanied by minor or major outbreaks of violence. BeN

cause the proximity amplifies the sensitivities and favors the projection of

power, regional conflicts remain the most common phenomenon in the field of

conflict situations. Several reasons can be evoked. Some seem common to all

potential actors, like the reasons of history or the reasons of resources, while

others, such as security reasons, seem more tailored for large global players.

Finally, doctrinal reasons are probably those that generate the most excessive

violence.

Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Conflict, Regional, Geopolitics, Geostrategy

Chapter 9.Chapter 9.Chapter 9.Chapter 9. Cyber threats aCyber threats aCyber threats aCyber threats and legal framework of conflicts in cyberspacend legal framework of conflicts in cyberspacend legal framework of conflicts in cyberspacend legal framework of conflicts in cyberspace

The rapid pace of technological development, recorded over the last three

decades, largely concurred to expand the use of internet worldwide. CyberN

space, only accessible through the internet, has become a true mediator of soN

cial relations and a driver of economic development in most developed

countries. This new virtual space came to promote and simplify the relationship

between citizens, government and businesses assuming a central role in providN

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

viii

ing essential and critical services that support the functioning of Information

Age societies.

Cyberspace, as a global common, has no physical borders and no spaces of

sovereignty clearly defined. It makes it difficult to differentiate between what is

public or private, civil or military, national or international. Leveraging existing

regulatory difficulties that may arise, new threats emerged. They explore innoN

vative virtual features and somewhat less traditional ways of thinking and actN

ing, increasingly linked to cyberspace. Both the number of cyberNattacks and

their disruptive impact have been experiencing a sharp growth over the past

few years.

In a networked and hyperNconnected world, this new global space has been

transformed into a privileged vector for conducting attacks against individuals,

enterprises, public or private networks, critical infrastructures or even against

the very processes that control the information systems of states’ electronic

governance. In this context new social risks arise that have to be properly anaN

lyzed and managed. The increasing number of cyber conflicts in general and the

progressive militarization of cyberspace in particular, boost the probability of

the “use of force” situations and the occurrence of armed conflicts in cyberN

space. This calls for a concerted effort conducted by the international community

in order to guarantee the convergence and to promote the adjustment of national

legislation in order to facilitate the fight against cybercrime and reduce the numN

ber of cyber conflicts. Collective consciousness on the existing vulnerabilities, the

increase in cyber threats impact and risks arising therefrom, has led to the develN

opment of national synergies and international cooperative efforts. The most

recently issued national policies and strategies, specifically designed to cope with

all forms of cyberNattacks, have already started to deepen a culture of cyber secuN

rity and cyber defense at both national and international levels.

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Internet; Ciberspace; Ciberthreats, Cibersecurity, Ciberdefense

Chapter 10.Chapter 10.Chapter 10.Chapter 10. Competition for scarce natural resourcesCompetition for scarce natural resourcesCompetition for scarce natural resourcesCompetition for scarce natural resources

With this article we intended to identify, to question and to think about a set

of issues which converge in the title. We try to achieve that purpose putting

together theory and practice also fetching, in that way, some level of science (at

least some).

The text will not forget the mandatories conceptual concerns and it looks

some examples that intend to verify the used definitions as general reality repN

resentations. Resources classification criteria, some indicators about natural

resources, expressed ideas, justified with several evidences and occurred facts

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ABSTRACTS _____________________________________________________________________________________

ix

in different areas/regions, regarding to energy, water and food resources, withN

out forgetting consequences and links with other subjects, can be pointed as

typical elements of the text

KeywordsKeywordsKeywordsKeywords: Natural resources, international relations, geopolitics, strategy

Chapter 11.Chapter 11.Chapter 11.Chapter 11. Natural disasters and climate change Natural disasters and climate change Natural disasters and climate change Natural disasters and climate change

Researches into the relationships between environmental fators and violence

or environmental related conflicts constitute a much debated research field

nowadays. Over the past two decades much attention has been paid to the role

of natural resources and climate change in postNcold war internal conflicts.

Several authors think that environmental scarcity and climate change can conN

tribute to generate violence or social unrest, particularly within states scarcely

endowed with technical knowNhow and social structures, such as developing

countries.

Climate change and natural hazardous are likely to worsen the situation in

parts of the world that already experience high levels of food insecurity. Climate

change has significant repercussions for food security, the livelihoods of milN

lions of people, and forced migration.

KeywordsKeywordsKeywordsKeywords: Natural resources, climate change, natural disasters, national seN

curity

Chapter 12. Demographic ShocksChapter 12. Demographic ShocksChapter 12. Demographic ShocksChapter 12. Demographic Shocks

Can the dynamics of the population represent a threat to global security? In

this chapter we identify some issues and uncertainties that the different rhythms

of growth and structural characteristics of the world's population put to current

and future balance of the international system. We discuss the relationship beN

tween demographics and security, appealing to existing literature, particularly

in the context of Political Demography. The atual and future relationship beN

tween population growth and resources is outlined, emphasysing how the variN

ous actors try to manage the asymmetries that characterize this link. The final

pages highlight some examples of the complex relationship between populaN

tions and security within the framework of global insecurity.

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Globalization, Population, demographic transition, security

Chapter 13. Trends of global threats. International legal order and intellChapter 13. Trends of global threats. International legal order and intellChapter 13. Trends of global threats. International legal order and intellChapter 13. Trends of global threats. International legal order and intelliNiNiNiN

gencegencegencegence

The majority of the threats that the States are now facing cannot be preN

vented or fight back through independent local actions but rather with joint

Page 14: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

x

actions at regional or even global level. In the area of the internal and external

security of the States, the activity of the Intelligence Services is all about anticiN

pating and detecting threats and determining its impact in the normal activity of

the States and the quality of life of the citizens.

However, the intensity of those threats depends on the efficiency of the

counterNmeasures adopted by the public authorities, but also by the level of

permeability or resilience of the societies where they develop.

Within the European Union the solution found has privileged the cooperaN

tion between Member States and the European institutions, including police

and intelligence services, as a way to ensure an integrated perspective of the

common security.

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: State, Security, Threats, Prevention, Informations

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xi

PPPPREFÁCIOREFÁCIOREFÁCIOREFÁCIO

ADRIANO MOREIRA

O presente estudo responde, em primeiro lugar, ao reconhecimento e

exercício da transdisciplina, o desafio mais urgente e complexo do aparelho

da investigação e ensino, que no século passado tinha adiantado com a interN

disciplina. Por outro lado, não podendo deixar de dar relevo às ciências

sociais, destacandoNse as humanidades que ainda não conseguiram vencer as

resistências do atual clima dos poderes políticos efetivos, e não apenas legais

ou sequer conhecidos, afirmando com segurança a importância crescente da

Estratégia do Saber, quer se trate do globalismo, quer de unidades como os

regionalismos crescentes de que a União Europeia é exemplo, quer se trate

das unidades que conservam a semântica do Estado, quando já se discute

se este ainda é uma invenção útil para as exigências atuais da humanidade.

Por invencível natureza das coisas, quanto ao presente que se oferece à

observação, é impossível ter segurança incriticável nas propostas, é sempre

tardia a verificação dos erros, pelo que a arte do prognóstico corre inevitáveis

riscos, mais frequentes do que correu o Padre António Vieira ao escrever a

História do Futuro. Isto levaNnos à conclusão modesta de que a identificação

das ameaças e riscos transnacionais no novo mundo global, uma tarefa que

honra o grupo de investigadores que nos enriquecem com este valioso trabaN

lho, é sobretudo uma definição proposta para avaliar se virá o fim do mundo

único sonhado no século passado, quando no rescaldo da segunda guerra

mundial, a ONU mais que se atreveu a prever, porque verdadeiramente decreN

tou o futuro a que se propunha. Um dos serviços deste grupo de investigadoN

res é a identificação da longa série de falências das ilusões que se verificaram

antes de entrarmos neste século XXI sem bússola, com a exigível determinaN

ção filiável na que levou os marinheiros portugueses à Índia, também sem ela.

É inevitável que observadores europeus, hoje raros porque o tempo passou,

mas que viveram a época em que a Europa era considerada a “Luz do munN

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

xii

do”, e o Ocidente detinha o domínio político do Planeta Terra, se encontrem

surpreendidos, tentando compreender “um mundo em crise de modelo”, porN

que o sonhado pela ONU foi logo substituído pela Ordem dos Pactos Militares

(NATONVARSÓVIA), o qual durou, com guerras marginais graves, até à queN

da do Muro de Berlim, após a qual ninguém definiu e fez vigorar uma nova

ordem, embora sendo de lembrar a urgente proposta que já em 2006 foi apreN

sentada por G. John Ikenberry e AnneNMarie Slaughter, com o título Forgen a

World of Liberty Under Law, ainda apoiados na convicção da supremacia

americana, do seu lugar no Alto da Colina desempenhando uma função munN

dial indispensável, uma convicção contrária à de Seyman Brown que pregou

um chamado “higher realism” a exigir a adoção da sua famosa “Declaração de

Interdependência”. Parece exato que o texto da ONU, que teve a debilidade de

ter sido escrito apenas por ocidentais, viria a ser surpreendido pelo que antes

fora chamado “resto do mundo”, e que, pela primeira vez na história, proclaN

maram em liberdade as suas formas de ver o mundo, a sua realidade, e o seu

futuro, como que inaugurando também um mundo sem projeto, ou, se prefeN

rível, sem centralismo. Por isso, se a ONU teve como paradigmas “O Mundo

Único” e “A Terra Casa Comum dos Homens”, de facto fomos conduzidos a

um “Mundo Fracionado” e a uma “Terra Ferida” pelos abalos humanos, tenN

dendo visivelmente para não ser capaz de sustentar o género humano, e a

vida em geral. Alguns dos principais paradigmas estruturantes da ordem

mundial imaginada depois do fim da Segunda Guerra Mundial, ou perderam

sentido, ou cobrem equivocamente realidades diferentes: fronteira, soberania,

nação, guerra, cidadania, e assim por diante, foram atingidos. A hierarquia

das potências medeNse por critérios inovadores, destacandoNse o poder ecoN

nómico, a economia do conhecimento a ultrapassar o poder militar, os podeN

res emergentes obrigando a redefinir ou reinventar a diplomacia em todas as

suas faces, os mitos raciais acrescentados pela islamofobia, “guerras em toda

a parte”, as instâncias internacionais, começando pela ONU, aparentemente

em pousio e à espera de reanimação ou reforma, as finanças mundiais desorN

ganizadas, os meios de comunicação a substituir a realidade pela imagem cria,

da, a irradicação da fome um voto em suspensão, a batalha pela terra arável

em curso, e o medo, de composição plural, com o terrorismo a tomar a proeN

minência. É difícil eliminar a palavra pessimismo para a substituir por realisN

mo, consciência da mudança em que estamos sem bússola, mas sem esquecer,

para reanimar a esperança, que foi sem bússola que se chegou à Índia. Faltam

as vozes encantatórias que possuíram os grandes estadistas que definiram o

projeto de futuro, agora em crise, sobretudo pelo generalizado mau governo,

Page 17: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

PREFÁCIO _____________________________________________________________________________________

xiii

e pelo progresso da indiferença denunciado pelo Papa Francisco. A UniversiN

dade tem de novo uma função urgente, que é a de reconstruir um projeto de

futuro, a sua quarta dimensão de uma história longa. É nessa linha que se

inscreve o presente promissor trabalho.

Dezembro de 2015

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xv

AAAAUTORESUTORESUTORESUTORES

Alice Maria Feiteira Alice Maria Feiteira Alice Maria Feiteira Alice Maria Feiteira é doutoranda da Faculdade de Direito da Universidade

Nova de Lisboa, mestre em Direito (ciências jurídicas) e docente universitária.

Membro fundador do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da FaculN

dade de Direito da Universidade de Lisboa e colaboradora do Centro de ExceN

lência Jean Monet da mesma Faculdade. Publicação de diversos artigos

científicos na área do Direito e da Segurança com revisão por pares. ColaboraN

dora do CEDIS – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e invesN

tigadora da Ratio Legis da Universidade Autónoma de Lisboa.

EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]

Américo Zuzarte Reis Américo Zuzarte Reis Américo Zuzarte Reis Américo Zuzarte Reis é professor convidado no Instituto de Geografia e

Ordenamento do Território, da Universidade de Lisboa e investigador no CenN

tro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Trabalha também em

Consultoria Ambiental e Geográfica. Anteriormente foi Major (aposentado) e

Professor na Academia da Força Aérea Portuguesa (1991N2004). Tem como

áreas principais de estudo a geopolítica dos recursos naturais e conflitos, a

análise quantitativa de conflitos por recursos, a segurança ambiental, a mudanN

ça climática e segurança.

EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]

António José TeloAntónio José TeloAntónio José TeloAntónio José Telo é professor catedrático de História na Academia Militar.

Foi Diretor do Instituto da Defesa Nacional e é autor de uma vasta obra no

campo da História, Defesa e Relações Internacionais, onde se contam mais de

20 livros e 200 artigos e colaborações em obras coletivas, publicados em cinco

países.

EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]

Carlos Mendes DiasCarlos Mendes DiasCarlos Mendes DiasCarlos Mendes Dias é Comandante do Regimento de Artilharia N.º 4, sedeado

em Leiria. Licenciado em Ciências Militares, na especialidade de Artilharia (AcadeN

mia Militar), pósNgraduado em Estudos da Paz e da Guerra (UAL), pósNgraduado e

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

xvi

mestre em Estratégia (ISCSP/UL), doutor em Ciências Sociais na especialidade

de Relações Internacionais (ISCSP/UL). Possui ainda o Curso de EstadoNMaior

(IAEM), o Curso de Defesa Nacional (IDN), o Curso de Análise de Dinâmicas

Regionais de Segurança e Defesa e o Estágio de Operações Conjuntas e CombiN

nadas. Tem como principais indicadores de produção 55 participações em evenN

tos, 52 participações em júris de graus académicos, 25 artigos científicos e 12

livros/capítulos. Tem como áreas principais de estudo as Relações InternacioN

nais, a Estratégia, a Geopolítica, a Segurança e Defesa.

EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: [email protected]

FranciscoFranciscoFranciscoFrancisco Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia é TenenteNCoronel do ExérN

cito, Professor Associado com Agregação no Instituto de Estudos Políticos da

Universidade Católica Portuguesa; Professor Convidado da Faculdade de DireiN

to da Universidade Nova de Lisboa. Professor da Academia Militar e do InstituN

to de Estudos Superiores Militares. Foi Adjunto do GeneralNChefe do EstadoN

Maior do Exército (2011N14); Conselheiro Militar junto da Delegação Portuguesa

na Organização do Tratado Atlântico Norte (2008N11), Presidente do Conselho

Científico do Instituto Superior de Comunicação Empresarial (2013); ViceN

presidente do Centro de Investigação do Exército (2002 e 2014). Atualmente é o

representante nacional na Science and Technology Organization/North Atlantic

Treathy Organization e SecretárioNGeral da Academia Internacional da Cultura

Portuguesa. Tem 8 livros e várias dezenas de artigos científicos publicados nas

áreas das Relações Internacionais, Estudos de Segurança e Estudos Africanos.

EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: [email protected])

Jaime Ferreira da Silva Jaime Ferreira da Silva Jaime Ferreira da Silva Jaime Ferreira da Silva é CapitãoNdeNfragata da Marinha Portuguesa. LicenN

ciado em Ciências Militares Navais, pela Escola Naval; mestre em Estratégia,

pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e doutorando em Ciência

Política, na especialidade de Estudos Estratégicos, no mesmo Instituto. No mar,

foi oficial de guarnição da corveta “Jacinto Cândido” e das fragatas “ComanN

dante Roberto Ivens”, “Comandante João Belo”, “Comandante Hermenegildo

Capelo” e “Álvares Cabral”; comandou o navioNescola “Polar”. Em terra,

desempenhou funções de docência na Escola Naval e no Instituto de Estudos

Superiores Militares. É Investigador Associado do Centro de Investigação em

Segurança e Defesa do IESM e do Centro de Investigação e Políticas Públicas

do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. É autor e coautor de artiN

gos no âmbito da estratégia, geopolítica e assuntos do mar. É ainda autor dos

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INTRODUÇÃO

xvii

dois livros. Atualmente presta serviço na Divisão de Planeamento do EstadoN

Maior da Armada.

EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: [email protected]

João Serra PereiraJoão Serra PereiraJoão Serra PereiraJoão Serra Pereira é atualmente professor de Ciência Política e Relações

Internacionais na Universidade de San Agustin, Iloilo, Filipinas. É licenciado em

Relações Internacionais e doutorado em Ciência Política e Relações InternacioN

nais pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.

Em 2008, foi distinguido pela mesma instituição com o prémio Alexis de TocN

queville, atribuido ao melhor aluno de doutoramento. Nos últimos anos tem

exercido a actividade de professor universitário, apresentado ensaios em diverN

sas publicações académicas e proferido várias conferências. Tem colaborado

regularmente com a comunicação social escrita e audiovisual, particularmente,

em Macau. Entre os principais temas a que se tem dedicado, o terrorismo e

questões de geoestratégia têm merecido particular atenção.

EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: [email protected]

João Vieira Borges é João Vieira Borges é João Vieira Borges é João Vieira Borges é MajorNGeneral do Exército, 2º Comandante e Diretor

de Ensino da Academia Militar (AM). É licenciado em Ciências Militares, na

especialidade de Artilharia (AM), mestre em Estratégia (ISCSP/UL) e em CiênN

cias Militares (AM), e doutor em Ciências Sociais na especialidade de Ciência

Política (Universidade dos Açores). Possui ainda, entre outros, o Curso de EstaN

doNMaior (IAEM), o Curso de Defesa Nacional (IDN), o Curso “Terrorism and

Security Studies” (Marshall Center) e o Curso de Promoção a Oficial General

(IESM). Foi Comandante de unidades de escalão Pelotão, Companhia, Batalhão

e Regimento (RAAA1) durante mais de dez anos, oficial de EstadoNMaior duranN

te mais de cinco anos no EME, assessor de estudos no IDN, professor, coordeN

nador de grupo disciplinar, chefe de departamento e viceNpresidente (e

fundador) do Centro de Investigação (CINAMIL) na AM. Investigador do

CINAMIL e integrado do Centro de História da Faculdade de Letras da UniverN

sidade de Lisboa, é autor de 110 artigos e 21 livros (8 dos quais como coNautor)

publicados sobre História, Estratégia e Segurança e Defesa. É ainda sócio da

Revista de Artilharia, sócio e vogal efetivo da Revista Militar e da Sociedade de

Geografia de Lisboa, membro do conselho editorial da Revista Nação e Defesa,

da Revista Globo, do conselho consultivo da Revista Proelium e da comissão

científica da Comissão Portuguesa de História Militar.

EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]

Page 22: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

xviii

José Alberto Loureiro dos SanJosé Alberto Loureiro dos SanJosé Alberto Loureiro dos SanJosé Alberto Loureiro dos Santos,tos,tos,tos, General (reforma), desempenhou, entre

outras distintas funções, as de Ministro da Defesa Nacional (nos IV e V GoverN

nos Constitucionais), de Chefe do EstadoNMaior do Exército, de comandanteN

chefe das Forças Armadas na Madeira, de Diretor do Instituto de Altos Estudos

Militares, e de encarregado do Governo e ComandanteNChefe de Cabo Verde. É

sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa, membro do Conselho CientiN

fico do Centro de Investigação de Segurança e Defesa do IESM e do Conselho

de Honra do ISCSP. Tem 17 títulos publicados, na área da estratégia, segurança,

defesa, história e relações internacionais. Efetua conferências e colabora em

vários órgãos de comunicação social.

EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: [email protected]

José Filipe da Silva Arnaut MoreiraJosé Filipe da Silva Arnaut MoreiraJosé Filipe da Silva Arnaut MoreiraJosé Filipe da Silva Arnaut Moreira é MajorNGeneral do Exército Português

e tem 37 anos de carreira militar. Entrou para a Academia Militar em 1977,

tendo completado a Licenciatura em Ciências SocioNMilitaresNTransmissões,

pela Academia Militar e a Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica e CompuN

tadores pelo Instituto Superior Técnico. Entre vários cursos de promoção e

qualificação, destacamNse o Curso de Estado NMaior pelo Instituto de Altos

Estudos Militares, o Curso do Collège Interarmées de Défense, Paris e o Curso

de Promoção a Oficial General pelo Instituto de Estudos Superiores Militares.

Como oficial superior foi Professor na Academia Militar e no Instituto de Altos

Estudos Militares, Intelligence Officer no QuartelNgeneral da NATO em Madrid,

2.º Comandante da Escola Prática de Transmissões, Adjunto do General Chefe

de Estado NMaior do Exército, Comandante da Escola Prática de Transmissões e

Subdiretor de Comunicações e Sistemas de Informação do Exército. Foi proN

movido a MajorNGeneral em 2010, tendo desempenhado as funções de SubdireN

torNGeral de Política de Defesa Nacional e Chefe do Gabinete do Ministro da

Defesa Nacional. Desde 2013 é Diretor de Comunicações e Sistemas de InforN

mação do Exército. Desde o ano letivo de 2014/15 ministra a Cadeira de GeopoN

lítica e Geoestratégia na PósNGraduação de Estudos Estratégicos e de

Segurança da FCSHNNOVA.

EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]

Nuno Lemos Pires Nuno Lemos Pires Nuno Lemos Pires Nuno Lemos Pires é Coronel de Infantaria / Operações Especiais, é ComanN

dante do Corpo de Alunos e Professor na Academia Militar (AM). É Doutor em

História, Defesa e Relações Internacionais pelo ISCTENIUL (com a AM) e Mestre

em Ciências Militares pela AM. Colabora como Professor Convidado no ISCTEN

IUL, na Universidade Nova de Lisboa, no Instituto de Estudos Superiores MiliN

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INTRODUÇÃO

xix

tares e no Instituto de Defesa Nacional. Iniciou a carreira na Escola Prática de

Infantaria; Professor de História Militar e Relações Internacionais no IAEM e

AM; Intelligence Officer no NATO / Rapid Deployable Corps em Espanha; AssisN

tente Militar do Comandante do NATO / Joint Command Lisbon; Comandante

do 2º Batalhão de Infantaria Mecanizado e Diretor de Formação da Escola das

Armas. Participou em missões em Moçambique, Angola, Paquistão, Etiópia e

Afeganistão.Tem 8 livros publicados, 41 capítulos em livros e 43 artigos em

publicações variadas, nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola. É ViceN

Presidente da Liga dos Amigos do Museu Militar de Lisboa; Sócio da Revista

Militar; Investigador do CINAMILNAM, do CEINISCTE/IUL e CEISDTAD; MemN

bro Correspondente do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de HistóN

ria Militar; Membro do Conselho Editorial das Revistas de Geopolítica, Ciências

Militares e Proelium; Sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa; Membro do

Foro para el Estudio de la Historia Militar de España e Representante militar

português no Peninsular War 200 e Waterloo Dispatch.

EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: https://academiamilitar.academia.edu/NunoPires

Paulo ViegaPaulo ViegaPaulo ViegaPaulo Viegas Nuness Nuness Nuness Nunes é Coordenador Científico e Professor do Mestrado em

Guerra de Informação da Academia Militar (AM). É também Professor ConviN

dado no IESM, IDN, Academia Militar de SaintNCyr, Universidade do Minho,

Universidade Nova e ISCTE. Oficial do Exército da Arma de Transmissões,

obteve a sua Licenciatura e Mestrado em Ciências Militares na AM (1990). É

também Licenciado e Mestre em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores

pelo IST. Em 2010, completou o Doutoramento em Ciências da Informação na

Universidade Complutence de Madrid. Durante a sua carreira, participou em

vários Projetos de Investigação e Grupos de Trabalho relacionados com o

desenvolvimento de capacidades de Cibersegurança e Ciberdefesa, ao nível da

NATO, EU e Nacional. É atualmente Gestor do Projeto NATO de Smart Defence

“Multinational Cyber Defence Education and Training (MNCDE&T)” e Presidente

da Direção da Competitive Intelligence and Information Warfare Association

(CIIWA). Tem trabalhos científicos e artigos publicados em diversas revistas

nacionais e internacionais.

EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]

Teresa Ferreira Rodrigues Teresa Ferreira Rodrigues Teresa Ferreira Rodrigues Teresa Ferreira Rodrigues é professora no Departamento de Estudos PolítiN

cos da Faculdade de Cências Sociais e Humanas e Professora Convidada da

NOVA Information Management School da Universidade NOVA. Auditora de

Defesa Nacional (IDN/08). Professora Associada com Agregação em Relações

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

xx

Internacionais pela Universidade NOVA de Lisboa. Coordenadora do Curso de

Doutoramento em Relações Internacionais (FCSHNNOVA) e de três PósN

graduações: Estudos Estratégicos e de Segurança (parceria entre a NOVA e o

IDNNMinistério da Defesa Nacional); Globalização, Diplomacia e Segurança

(parceria entre a NOVA, o IDNMinistério dos Negócios Estrangeiros e IESMN

Estado Maior General das Forças Armadas); Gestão de Informações e SeguranN

ça (parceria entre a NOVA, o IDNNMinistério da Defesa Nacional e o SIRPN PreN

sidência do Conselho de Ministros). É membro da Direção do IPRIN

Universidade NOVA de Lisboa, onde coordena a área dos Estudos Prospetivos.

Membro de várias associações nacionais e internacionais no âmbito dos estuN

dos demográficos, das relações internacionais. Responsável e membro de projeN

tos de âmbito nacional e internacionais financiados, nomeadamente, pelo

Ministério da Defesa Nacional, pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e por

Fundos Comunitários, autora de centena e meia de artigos e nove livros publiN

cados nas áreas das migrações, mortalidade, envelhecimento, saúde, análise

prospetiva e planeamento, segurança.

EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]

Page 25: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

1

IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO

JOÃO VIEIRA BORGES TERESA FERREIRA RODRIGUES

O presente texto propõeNse fornecer uma visão geral sobre os aspetos crítiN

cos da segurança global, suas ameaças e riscos transnacionais no Mundo globaN

lizado. É certo que não se trata em si mesmo de um tema inédito. Na verdade,

muitas das questões e temas aqui referidos já foram reconhecidos e abordados

pela literatura international, tendo sido adiantadas hipóteses e sugestões de

resposta conducentes à possível solução ou mitigação de algumas das ameaças

identificadas. Mas não em língua portuguesa e de uma forma tão abrangente e

simultaneamente acessível ao publico em geral. Foi esse o desafio abraçado pela

equipa que deu origem ao livro AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO

NOVO MUNDO GLOBAL.

Cumpre a este propósito contar a história do projeto. No âmbito da Pós,

Graduação em Gestão e Informações e Segurança, resultante de uma parceria

entre a UNL (Universidade NOVA de Lisboa), o IDN (Instituto da Defesa NacioN

nal) e o SIRP (Serviços de Informações da Republica Portuguesa), e da confeN

rência sobre “Terrorismo e Ameaças difusas num Mundo global”, em que

entivemos envolvidos enquanto coordenadora e conferencista, fomos desafiaN

dos pelos alunos a publicar uma obra que abrangesse a caracterização das

ameaças e riscos transnacionais no novo Mundo global.

EmpenhamoNnos então na sua organização, após alguma pesquisa que nos

permitiu confirmar a nossa suspeita inicial, ou seja, que o estado da arte e a

bibliografia publicada sobre a matéria não só era escassa, como parco o númeN

ro de publicações que contivessem o conjunto das ameaças que tocam os difeN

rentes atores das relações internacionais e em especial os mais de sete milhões

de cidadãos do Mundo. São as pessoas o epicentro deste estudo, porque se

trata de identificar algumas das ameaças atuais e futuras, sempre com vista à

proteção e tendo por referência os valores da liberdade, da democracia, do

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

2

estado de direito e dos direitos humanos. O conhecimento permite uma melhor

monitorização e prevenção de riscos e ameaças, permite divulgar, dar a conheN

cer e deste modo formar consciências a alterar atitudes.

Cientes da complexidade e multiplicidade de temas a incluir, convidamos

vários especialistas prestigiados para tratarem, de um modo simultaneamente

rigoroso e sintético, algumas das que considerámos representarem as princiN

pais ameaças e riscos transnacionais, explicitas na maioria das estratégias

nacionais dos estados e organizações internacionais.

O desafio de partida (uma primeira síntese de fácil leitura, embora salvaN

guardando o rigor científico) foi conseguido à custa de opções, a primeira das

quais implicou a exclusão de algumas temáticas. Por seu turno, atendendo ao

elevado número de autores, com procedências, experiências e formações acaN

démicas muito díspares, tornouNse inevitável que as perspetivas de análise de

cada autor, ao tratar dos temas que assumiram, iriam refletir essa mesma diverN

sidade, o que poderia originar uma obra dispersa ou mera sequência de artigos

heterogéneos. Entenderam no entanto os coordenadores que da diversidade

resultaria maior riqueza e multiplicidade de “formas de ver” a realidade global,

pelo que a todos foi dada completa liberdade para redigir o seu capítulo. AcreN

ditamos que o texto final veio confirmar a razoabilidade da opção tomada.

A presente publicação mantém uma configuração clássica, que compreende

o desenvolvimento de treze grandes temas, a que acresce uma síntese final.

Nesse sentido, começamos com um prefácio do Professor Doutor Adriano

Moreira, que tem tido um papel determinante no pensamento e na construção

dos Estudos de Segurança.

SeguemNse um conjunto de artigos sobre ameaças transnacionais, enquaN

drados inicialmente por um texto da autoria do Professor Doutor António José

Telo, sobre a sua perspetiva relativamente ao novo Mundo em transformação, e

na parte final, por um texto do General Loureiro dos Santos, relativo à sua visão

de futuro sobre as ameaças e riscos transnacionais. Os restantes artigos, um

total de doze, apresentam outras tantas ameaças transnacionais, sem obedeceN

rem a qualquer critério de importância ou hierarquização.

No capítulo 2, João Vieira Borges apresenta uma imagem do conjunto das

ameaças transnacionais na perspetiva assumidamente institucional dos Estados

com peso reconhecido no sistema político internacional. Para tanto, parte de

uma análise comparativa das estratégias nacionais dos cinco membros permaN

nentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e, não

obstante reconhecer as diferenças de valores, interesses e objetivos políticos

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INTRODUÇÃO

3

dos diferentes atores políticos, identifica as ameaças comuns que os une no

atual contexto.

SegueNse o tema do terrorismo transnacional, desenvolvido por João Serra

Pereira. Na primeira parte o autor discute vários conceitos (designadamente os

de terrorismo, terrorismo doméstico, internacional e transnacional) e apresenta

alguns resultados quantitativos sobre as campanhas terroristas. De seguida

baseiaNse em posições constrastadas (como as de Hilaty Clinton e John Mueller),

para refletir sobre a verdadeira utilidade do terrorismo e discutir o seu efetivo

impacto em termos de perdas humanas.

O recrudescimento da pirataria marítima despertou a atenção da comunidaN

de internacional para a necessidade de encontrar formas de reprimir este ilícito.

É este o tema desenvolvido por Ferreira da Silva, que nos apresenta a sua visão

global da pirataria no século XXI, identificando possiveis tendências de evoluN

ção e sugestões de atuação. Define o conceito, analisa algumas das suas causas,

descreve o fenómeno e avalia os respetivos custos humanos e económicos. A

terminar, o autor analisa e discute alguns dos instrumentos já criados para

combater o fenómeno e possíveis linhas de ação a desenvolver.

O quinto capítulo propõeNse reconstruir, de forma crítica, o enquadramento

conceptual da criminalidade organizada e a sua conexão com a criminalidade de

massa. Luís Elias trata os desafios e oportunidades da cooperação europeia e da

reforma processual penal em Portugal para fazer face a ameaças e riscos, cada

vez mais transnacionais. Na segunda parte do estudo desenvolve a questão do

compromisso entre o direito à segurança, o direito das vítimas e a protecção

dos direitos, liberdades e garantias do arguido, entendidos como fator impresN

cindível para o Estado de direito.

Passamos de seguida para o tópico da proliferação de Armas de Destruição

Massiva (ADM), com destaque para a questão nuclear. Proença Garcia descreve

as diversas dinâmicas associadas ao fenómeno, identificando algumas das motiN

vações que levam diferentes atores a prosseguir esse desiderato e destaca os

diferentes riscos e perigos para a segurança internacional que lhe estão assoN

ciados. São elencados alguns dos instrumentos internacionais adotados para lhe

fazer face, nomeadamente o Tratado de NãoNProliferação e discutida a estratéN

gia da dissuasão nuclear mantida pelos diversos detentores de armas nucleares.

De seguida, o Nuno Lemos Pires falaNnos das ameaças e riscos intangíveis

aos estados frágeis e às guerras civis. AlertaNse o leitor para a dificuldade em

medir e elencar ou até considerar como tal algumas ameaças ou riscos, dado o

seu não relacionamento direto com questões de segurança e defesa. O autor

sublinha que na origem de Estados Frágeis ou Falhados ou de Guerras Civis

Page 28: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

4

existem motivos aparentes que podem esconder outros mais relevantes, em

alguns casos, com raízes longínquas. Essas causas muito variadas podem ser

potenciadas por ameaças e riscos intangíveis (anomia social, desemprego,

memória dos povos, pressões geopolíticas, cultura e religião) que, embora semN

pre presentes, não foram atempadamente atendidos e percebidos.

O ciberespaço assumeNse hoje como um global common, sem fronteiras físiN

cas e espaços de soberania perfeitamente definidos, o que torna difícil diferenN

ciar público e privado, civil e militar, nacional e internacional e potencia o

aparecimento de novas ameaças. Como afirma o Viegas Nunes, este novo espaN

ço global temNse vindo a converter num vetor privilegiado para a realização de

ataques contra indivíduos, empresas, redes públicas e privadas, infraestruturas

críticas ou mesmo contra os próprios processos e sistemas de governação eleN

trónica do Estado. O aumento da ciberNconflitualidade e a crescente militarizaN

ção do ciberespaço potenciam o uso da força e a ocorrência de conflitos

armados no ciberespaço, o que exige um esforço concertado da comunidade

internacional para fazer convergir e promover o ajustamento das várias legislaN

ções nacionais, de forma a facilitar o combate ao cibercrime e reduzir o nível da

ciberconflitualidade mais violenta. Viegas Nunes falaNnos da tomada de consN

ciência coletiva sobre as vulnerabilidades existentes, do aumento das ciberaN

meaças e dos riscos daí decorrentes, das políticas e estratégias cooperativas

criadas para combater ataques cibernéticos e da consolidação de uma cultura

de cibersegurança e ciberdefesa.

No capítulo 10 falaNse da disputa por recursos naturais escassos. José MenN

des Dias identifica e questiona os mais relevantes. O texto procura articular

preocupações de índole concetual, com casos e exemplos concretos. Apresenta

os critérios de classificação de recursos, indicadores sobre alguns recursos

naturais, referências a recursos energéticos, hídricos e alimentares, exemplifiN

cadas com evidências, em diferentes espaços e com naturais repercussões e

ligações com outras matérias, constituemNse como elementos caraterizadores

deste texto.

Um pouco na continuidade deste tema surge o das relações entre fatores

ambientais e violência ou conflitos de cariz ambiental, que desde há umas duas

décadas se tornaram objeto de especial atenção, pelo reconhecimento do papel

assumido pelos recursos naturais e pelas alterações climáticas nos conflitos

internos. Zuzarte Reis debate a intensidade com que a escassez ambiental e as

alterações climáticas podem contribuir para a eclosão de violência ou distúrbios

sociais, particularmente em Estados escassamente capacitados em conhecimenN

to e em estruturas sociais, como sucede em certos países em desenvolvimento.

Page 29: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

INTRODUÇÃO

5

Alterações climáticas e desastres naturais são susceptíveis de agravar situações

de crise e repercutemNse na segurança alimentar, nos meios de subsistência de

milhões de pessoas e na migração forçada.

O capítulo 12 fala de algumas questões e incertezas que os ritmos diferenN

ciados de crescimento e características estruturais da população do Mundo

colocam aos equilíbrios atuais e futuros do sistema internacional. Teresa RodriN

gues apresenta as caracteristicas da relação entre volumes e dinâmicas populaN

cionais e ameaças e riscos de segurança em diferentes partes do Mundo, com

especial destaque para o impacto da pressão demográfica sobre os recursos, e

para a forma como os diferentes atores do sistema internacional tentam gerir as

assimetrias que caracterizam esse binómio, numa ótica sustentável de futuro no

quadro de insegurança global.

Falamos por último de informações e intelligence. A atividade dos Serviços

de Informações implica a prevenção e combate dos riscos e ameaças, consideN

rando o seu impacto no regular funcionamento das instituições democráticas

dos Estados e na vida dos cidadãos. A intensidade dessas ameaças depende da

eficácia das contraNmedidas adoptadas pelas autoridades públicas, mas também

dos níveis de permeabilidade ou de resiliência das sociedades onde se desenN

volvem. A maioria das ameaças que os Estados atualmente enfrentam não se

previnem nem combatem com simples atuações locais, mas exigem respostas e

ações concertadas a nível regional ou global. Alice Feiteira exemplifica a sua

posição referenciando o caso da União Europeia, onde a manutenção da seguN

rança comum se alicerça na cooperação entre os Estados membros, através da

colaboração institucional entre as forças e serviços de segurança, incluindo os

serviços de informações, de modo a garantir um modelo integrado funcional.

Não obstante, a avaliação efetuada deixar alguma esperança sobre a capaciN

dade do homem para se superar e encontrar respostas adequadas para desafios

e situações complexas, as grandes tendências desenhadas ao longo dos capítuN

los que constituem este livro não conseguem evitar alguma inquietação sobre o

futuro. As turbulências económicas desencadeadas a nível mundial pela globaliN

zação e a subsequente reconfiguração do poder à escala planetária situamNnos

num cenário de incerteza e transformação. Nestas circunstâncias, a academia e

bem assim toda a sociedade global será obrigada a realizar um exercício da

reflexão sobre o já conseguido e as opções que nos são oferecidas.

O conjunto de artigos sobre diferentes ameaças e riscos transnacionais,

cujas linhas orientadoras acabámos de descrever, não pretende esgotar uma

matéria tão importante e consequente, mas tão só dar ao público em geral uma

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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perspetiva mais abrangente, específica e rigorosa, sem deixar de abrir as portas

da curiosidade e a busca de mais saber e conhecimento.

Convictos de que existem maisNvalias neste exercício de sistematização dos

conhecimentos, que inclui diferentes formas de avaliar a importância e o deterN

minismo de algumas das ameaças e riscos identificados do passado recente ao

futuro próximo, é, no entanto, característica própria dos coordenadores e autoN

res alguma insatisfação face ao que poderia ter sido realizado e o que é hoje

possível apresentar. Pensamos, porém, ter conseguido alcançar os nossos

desígnios fundamentais.

Os nossos sentidos agradecimentos ao Professor Doutor Adriano Moreira, à

editora Fronteira do Caos, à Academia Militar e ao IPRI, pois sem todos e cada

um deles não seria possível dar à estampa esta obra. Não poderíamos terminar

estas páginas introdutórias sem expressar publicamente o nosso apreço pelos

valiosos contributos que os mais de uma dezena de especialistas e consultores

externos imprimiram a esta síntese. As suas reflexões e sugestões representaN

ram um mais valia de importânncia inestimável para levar a bom termo o atual

projeto. De sublinhar, entre todos, a disponibilidade e entuasiasmo com que o

General José Loureiro dos Santos acedeu dispensar a esta nossa iniciativa. A

todos aqui fica o nosso obrigado.

Agradecemos ainda aos nossos leitores, e em especial aos nossos alunos, os

quais têm constituído a semente dos nossos desafios do saber e do conhecimenN

to.

Para além dos merecidos agradecimentos, deixamos ainda uma mensagem

final de esperança no futuro, num Mundo com menos ameaças e mais paz e

desenvolvimento. Como escreveu Fernando Pessoa, “o Homem é do tamanho

do seu Sonho”. Certamente que depois de lermos e estudarmos as ameaças que

nos rodeiam ficamos mais motivados para as enfrentar. Por isso, desafiamos a

que sonhem todos com um Mundo melhor.

Lisboa, 3 de dezembro de 2015

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1.1.1.1. UUUUM M M M MMMMUNDO EM UNDO EM UNDO EM UNDO EM TTTTRANSFORMAÇÃORANSFORMAÇÃORANSFORMAÇÃORANSFORMAÇÃO.... AAAA DECADÊNCIA DA DECADÊNCIA DA DECADÊNCIA DA DECADÊNCIA DA EEEEUROPAUROPAUROPAUROPA

ANTÓNIO TELO

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

Este artigo pretende levantar questões e abordar o novo Mundo de uma for,

ma diferente, não politicamente correta e que poucas pessoas estão preparadas

para ouvir e aceitar. O autor avalia a evolução recente do Mundo, como forma de

prever o futuro. Dessa avaliação consta a relação de forças económica e militar, a

caracterização do Mundo bizarro em que vivemos, do sistema de valores herdado

das sociedades industriais e do Mundo do Caos. Por outro lado, deixa,nos a pen,

sar na decadência da Europa e nos sonhos ultrapassados por uma realidade que

marca “o fim do começo”.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: Transnacional, Segurança, Economia, Europa, Futuro

É normal dizer que os prognósticos só se fazem depois do jogo e compreenN

deNse que assim seja. Quando falamos da realidade internacional, a sua compleN

xidade é tal que qualquer tentativa de antever o futuro está condenada a um

quase certo fracasso. Isso não impede, porém, que se trate de um exercício

essencial, pois sem ele dificilmente há uma estratégia. Na realidade, como se

pode ter uma ideia do caminho a seguir, se não se conhecem as tendências da

evolução e se não se faz uma previsão sobre o que se irá passar? Serve isto de

atenuante para explicar porque nos vamos abalançar a esta tentativa “condenaN

da a um quase certo fracasso”.

A primeira noção básica para entender o Mundo atual é a da sua extrema

complexidade. Isto resulta de quatro fatores conjugados.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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a) Há cada vez mais agentes, a começar pelos estados que não param de

crescer e a continuar pelos restantes que têm um peso crescente no sisN

tema internacional (empresas, ONG, senhores da guerra, crime organiN

zado, religiões, etc…).

b) Há cada vez mais níveis de interacção, desde os tradicionais a outros

recentes, como o cibermundo, a ecologia, o espaço exterior ou os fundos

marítimos, para citar somente alguns. Os fundos marítimos para lá da

plataforma continental, por exemplo, sempre existiram desde que há

humanidade, mas só recentemente se tornaram um objeto de rivalidade

no sistema internacional, porque só recentemente se desenvolveu a tecN

nologia que permite o seu aproveitamento.

c) Há cada vez mais sistemas de valores, desde os inspirados por ideologias

às religiões, transformadas em projetos de sociedade, ou às culturas,

transformadas em política. Todos estes sistemas estão interligados e parN

tilham uma mesma realidade.

d) É cada vez mais difícil para um qualquer agente isolado ter uma ação

executiva consequente, pois as suas mãos estão amarradas a muitos

níveis, num grau muito superior ao que acontecia no passado. No caso da

Europa, por exemplo, a gestão de aspetos essenciais da vida comum,

como a política financeira ou monetária, passou para entidades não eleiN

tas e sem rosto, enquanto os Governos, que dependem do voto, têm cada

vez menos poderes e margem de manobra.

Comecemos pelo mais elementar: avaliar a evolução recente, como forma de

prever a futura.

AAAA RELAÇÃO DE FORÇAS E RELAÇÃO DE FORÇAS E RELAÇÃO DE FORÇAS E RELAÇÃO DE FORÇAS ECONÓMICACONÓMICACONÓMICACONÓMICA1

Nas últimas décadas deuNse uma muito rápida mudança da distribuição do

poder e das capacidades económicas.

Em termos simples, a Europa como um todo (sem a Rússia ou exNURSS, mas

incluindo os outros estados que não pertencem à UE) passou de cerca de um

terço da economia mundial em 1990 medido em termos do PIB (32,3%) para

pouco mais de um quarto em 2015 (28%), enquanto os EUA passaram de 25%

para 22%. No total, a Europa e América do Norte, passaram de mais de metade

do total mundial em 1990 (57%) para metade em 2015 (50%). Pode haver quem

1 Todos os cálculos são feitos pelo autor com base nas estatísticas do “The Military BalanNce”, IISS, 1990, 2000, 2010 e 2015.

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UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA

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pense que 7% a menos do total mundial não tem grande significado, mas para

colocar este valor em perspectiva, ele representa o conjunto do peso económico

da África e da Iberoamérica, ou seja, representa a perda do equivalente a dois

continentes.

A quebra é forte no caso da Europa, com a agravante que, aqui, a descida se

dá principalmente no que era a Europa da NATO em 1990, enquanto o antigo

Pacto de Varsóvia (sem a Rússia) e o que era, em 1990, a Europa neutra, manN

têm no essencial o peso relativo, com uma ligeira descida.

A evolução negativa mais acentuada é a da Rússia, por comparação com a

antiga URSS: passa de 9% para 3% do total mundial entre 1990 e 2015, embora

tenda recentemente a recuperar. Há que ter em conta, porém, que a comparaN

ção neste caso é feita entre a antiga URSS e a atual Rússia, entidades geografiN

camente distintas, e que o valor de 1990 é uma estimativa americana.

A descida do poder económico relativo ocorre igualmente noutras regiões

do planeta, mas numa escala menor. A África do Norte, por exemplo, passa de

1,05% para 1,04% do total mundial entre 1990 e 2015. A Ásia do Pacífico (sem a

China) e a Oceânia registam igualmente uma queda, mas muito desigual. A

principal descida do peso relativo dáNse em estados como o Japão, Laos, CamN

boja, Coreia do Norte e Filipinas; em contrapartida, outros aumentam o seu

peso relativo, como Singapura, Coreia do Sul, Taiwan e a Austrália.

Como estamos a falar de pesos relativos, em que a soma é obrigatoriamente

100%, se há quedas, tem de haver subidas. O grande aumento do peso relativo é

a China, que passou nos anos considerados de 2% para 13,4% do total mundial,

o que significa que passou da 10ª para a 2ª economia mundial. Dito de outra

forma, a China em 1990 tinha uma economia que era um sétimo da Japonesa;

em 2015 é mais do dobro da Japonesa (que é a terceira mundial). Nunca se

assistiu na História da Humanidade a uma mudança tão rápida como esta. Nem

a Alemanha depois da sua unificação, em 1871, conheceu um aumento do peso

relativo tão fulgurante. É um verdadeiro tsunami na economia mundial, que

muda por completo as regras do jogo.

Alguns analistas gostam de dizer que o “milagre” chinês já passou, que as

tensões na sociedade chinesa são muito fortes e que a tendência de crescimento

não se vai manter, havendo mesmo quem aposte numa guerra civil a curto praN

zo. É uma possibilidade, mas remota. A verdade é que as tensões internas são

relativamente pequenas em relação à gigantesca mudança registada, que a

moderna economia chinesa é uma realidade, que o amplo sector tradicional

ainda existente é a base de um crescimento forte futuro, que a tecnologia chineN

sa atual está no essencial ao nível da Europeia, embora restrita a uma classe

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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média que representa só cerca de um terço da população, quando na Europa é

mais de metade. Haverá, sem dúvida crises e abalos de crescimento, como os

resultantes da dificuldade de manter o nível das exportações perante a crise ecoN

nómica mundial. Mas a China mostra que está consciente dos seus problemas de

crescimento e, por exemplo, decidiu passar a dar maior importância ao mercado

interno no futuro, tentando diminuir a sua dependência das exportações.

A classe média chinesa nas últimas décadas aumentou em cerca de 300 milhões

de indivíduos, o que corresponde à população da Europa Ocidental; há ainda na

China cerca de 900 milhões de classe baixa, numa sociedade complexa e com muiN

tos contrastes, mas isso significa que o potencial de crescimento é imenso.

A vertente financeira é particularmente favorável à China. Ela é o principal

credor mundial, emprestando capitais sobretudo aos EUA, que estão profunN

damente dependentes do crédito chinês numa escala que a administração ObaN

ma acentuou ainda mais. A China empresta dinheiro a todo o Mundo, com um

peso crescente nos últimos anos à África e Iberoamérica, muito em particular

desde que os rendimentos do petróleo tendem a cair. Este imenso papel finanN

ceiro tem uma vantagem adicional para a China: pode comprar o que quiser no

Ocidente em crise desde 2008. Pequim aproveitou isto para adquirir empresas

de informática, energia, transportes e todas as que necessita dentro de um penN

samento estratégico económico coordenado. A organização chinesa é nisto

muito flexível, um pouco como a Casa das Índias dos Portugueses de 1500: a

lógica central é estatal, mas a maioria dos capitais e dos agentes são privados,

actuando dentro de uma política coordenada.

Não pode haver dúvidas que a melhor maneira de superar rapidamente as

deficiências de desenvolvimento tecnológico próprio, é comprar as empresas de

alta tecnologia de que se necessita no mercado mundial. A URSS, depois da

crise de 1929, ficou muito atrás, porque não tinha divisas: comprou no OcidenN

te, não empresas, mas pequenas séries de tudo o que não tinha, que depois

passou a fabricar através de um processo de engenharia invertida (obter os

planos a partir do modelo e não o contrário). Foi assim que a URSS conseguiu

fabricar na década de 1930 modernos carros de combate (“inspirados” na tecN

nologia da Vickers inglesa e da Christie americana), camiões (“inspirados” na

Ford), aviões, etc… A China vai mais longe: compra as próprias empresas, o

que lhe permite adquirir a tecnologia e os seus agentes ao mesmo tempo. É a

solução ideal para dar um imenso pulo tecnológico em pouco tempo.

A China é atualmente o grande “banco mundial”, o mesmo papel que a GB

tinha no século XIX ou os EUA em grande parte do XX. Tal como acontecia com

os EUA na década de 1930, isto ainda não se traduziu num aumento corresponN

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UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA

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dente do papel político da China, o que se deve, em larga medida, a uma sábia

opção da sua estratégia. A verdade é que a China evita envolverNse nos locais de

tensões internacionais, mesmo os que estão às suas portas; passa ao lado da

tentação que outros têm (ou tiveram) de ser um “polícia internacional” ou de

exportar um qualquer modelo social ou político pela força das armas. Isto, aliás,

seria impossível, pois o atual modelo chinês é tão original, tão adaptado à situaN

ção concreta, que não tem exportação possível.

A preocupação central da política chinesa é a gestão da imensa mudança

interna e é uma preocupação de grande envergadura. Em pouco tempo um

quarto da humanidade saltou vários séculos, com um crescimento que muda o

panorama global. Os EUA em 1930 tinham exatamente a mesma aproximação:

estavam num esplêndido isolamento, preocupados quase só com a gestão dos

problemas de crescimento internos. Passados poucos anos, venciam uma guerN

ra mundial e criavam a nova ordem internacional.

A China começa agora a entrar na fase em que fará ouvir cada vez mais a

sua voz nos fóruns internacionais, apoiando a sua política com capacidades de

intervenção que até agora lhe faltavam. É uma transição ainda não completa,

mas já muito visível e clara. A china não tem pressa, não quer surgir como uma

ameaça, não bate com o punho na mesa; faz o que a Alemanha não fez, ou caso

se prefira, ainda é a Alemanha de Bismarck, antes de o Kaiser Guilherme ter

deitado tudo a perder com a sua falta de visão estratégica. Uma das característiN

cas mais notórias desta mudança é que os estrategas Chinesas pensam no

médio e longo prazo, ao contrário dos Ocidentais, para quem “longo prazo” são

os quatro anos até às próximas eleições.

A China tem neste momento já o domínio do instrumento financeiro, algo

essencial numa altura em que todo o Ocidente se debate com uma imensa crise

de endividamento, tendo nas últimas décadas vivido acima das suas capacidaN

des reais. Quando os EUA e grande parte da Europa estão dependentes do

crescimento da dívida para manter o seu estilo de vida, quem empresta tem um

poder imenso. Para compreender a importância disto basta referir, por exemN

plo, que quando os EUA quiseram obrigar a GB e a França a recuar na sua

aventura no Suez (em 1956) se limitaram a dizer que, se isso não fosse feito,

venderiam no mercado internacional a libra e os títulos de dívida da GB que

tinham acumulado; passadas menos de 12h, a GB recuava, saía do Suez e aliN

nhava com os EUA; tudo se passou nos bastidores e só muitos anos depois esta

crise nas relações atlânticas foi conhecida. Hoje em dia é a China que tem esse

poder, enquanto os EUA só têm a maior dívida do planeta, seguidos de perto

pela Europa. Serão precisos mais comentários?

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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O aumento do peso relativo da China é o maior de todos, mas não é único. A

Índia passou de 1,3% do total da economia mundial (em 1990) para 2,6%, um

valor bastante mais modesto que o Chinês, mas que representa um aumento

para o dobro do seu peso relativo. A Ásia do Índico como um todo passou de

1,7% para 3,4% do total mundial. Um crescimento semelhante deuNse na IbeN

roamérica (4,3% para 7,4%) e um ainda maior na África a Sul do Saara (1,03%

para 2,1%). Em termos globais estas três regiões continuam a pesar pouco

(12,9% do total mundial em 2015), mas duplicaram o peso relativo, o que é muiN

to significativo e nunca antes tinha acontecido.

Assistimos neste período à continuação da desindustrialização do Ocidente

em larga escala, particularmente forte no caso da Europa. Cerca de 25% da

indústria mundial mudouNse do Norte para o Sul ou do Ocidente para o Oriente

desde o fim da Guerra Fria, em particular a indústria pesada. Hoje em dia o

Ocidente importa a maioria dos produtos industriais que consome. Mesmo os

produtos com marcas ocidentais, são na maior parte dos casos fabricados no

exterior. Nas últimas décadas, por exemplo, a indústria Britânica passou para

menos de metade do que era, com o desaparecimento de muitas das suas marN

cas tradicionais. Algumas das que sobrevivem, muitas vezes só o fazem por

estratégias comerciais, não passando de componentes de uma empresa externa

(como a Jaguar, por exemplo). Indústrias que foram durante décadas o centro

do poder Europeu, como a naval ou os automóveis, estão hoje fundamentalN

mente na Ásia e noutros continentes. Do mesmo modo, industrias que fizeram o

poder americano depois da 2ª Guerra Mundial, como a aeronáutica ou a inforN

mática, estão a ser transferidas a rápido ritmo. O desemprego estrutural na

Europa incide em larga medida sobre os trabalhadores altamente qualificados,

colocados na rua pela migração da indústria. Muitos acompanham a indústria

em migração, com a fuga dos cérebros e da parte mais ousada e jovem da

população; outros ficam, principalmente os idosos que já não se sentem com

coragem para recomeçar tudo.

Em resumo, nos últimos 25 anos assistimos a uma ampla mudança do poder

económico mundial, com a ascensão fulgurante de novos gigantes (China, Índia,

Brasil, por exemplo) e a queda dos tradicionais, em particular da Europa OciN

dental e da Rússia. Assistimos igualmente a uma mudança imensa do poder

industrial e financeiro. Hoje os grandes gigantes industriais estão no que era

normal em 1990 chamar de 3º Mundo, enquanto o Ocidente como um todo se

debate com uma imensa crise de endividamento, que está longe de estar resolN

vida ou sequer estabilizada.

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UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA

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Sem uma drástica mudança das regras financeiras internacionais, é de preN

ver a curto prazo uma crise financeira maior que a de 2008, possivelmente

começando numa interacção entre o mercado chinês e americano e, embora ela

se vá traduzir num forte abalo para todos, no final será o Ocidente o principal

afectado. A verdade é que muitas das dívidas soberanas actuais são insustentáN

veis, a começar na americana e, ou as regras financeiras mudam depressa, ou a

crise de grande envergadura é inevitável. Basta, por exemplo, que a China deixe

de comprar títulos de dívida ao ritmo atual, para que a bola de neve se ponha

em movimento.

Não vamos entrar aqui na discussão de qual a mudança necessária nas

regras financeiras para o evitar (está ligado à gestão do sistema financeiro

internacional), mas convém referir que ela será muito difícil de implementar em

condições estáveis, pelo simples motivo que os principais prejudicados com

essa mudança são justamente os que têm o poder para a levar a cabo. Assim

sendo, a reforma é muito duvidosa, pois raras mentes entendem que mais vale

um prejuízo calculado e controlado, do que a continuação artificial da prosperiN

dade, seguida de uma queda brusca. O Ocidente está acomodado e comodista,

não quer ouvir falar em sacrifícios, em reformas duras ou em debates, pelo que

prefere empurrar a crise para a frente com a barriga.

A evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB, é resuN

mida na Figura 2.1.Figura 2.1.Figura 2.1.Figura 2.1. (a NATO corresponde à sua composição de 1990 e não

inclui os EUA).

Figura 2.1. Evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB (1990, 2015)Figura 2.1. Evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB (1990, 2015)Figura 2.1. Evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB (1990, 2015)Figura 2.1. Evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB (1990, 2015)

Fonte: Elaboração própria com base em IISS, The Military Balance, 1990 e 2015.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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AAAA RELAÇÃO DE FORÇAS M RELAÇÃO DE FORÇAS M RELAÇÃO DE FORÇAS M RELAÇÃO DE FORÇAS MILILILILIIIITARTARTARTAR

A evolução no campo militar é semelhante à económica, só que mais acenN

tuada.

Em termos simples, há uma transferência em larga escala do poder e das

capacidades militares. Vamos começar por a avaliar em termos das despesas com

a defesa medidos em US$. Quem desce em termos relativos (sempre entre 1990 e

2015), sem qualquer surpresa, é a Rússia (14,5% para 3,9%), a Europa da NATO

na composição de 1990 (20,2% para 14,3%), a outra Europa (4,2% para 2,3%) e os

EUA (35,6% para 33% N uma queda reduzida). A diferença, é que no caso da RúsN

sia se trata de uma entidade bastante menor que a URSS de 1990, enquanto a

NATO de 1990 aumentou mesmo o seu território (a RDA foi incorporada na AleN

manha), mas isso não impediu uma queda muito significativa.

Todas as outras regiões do Mundo aumentam o seu peso relativo, mas umas

mais do que outros. A China está na frente, tendo passado de 5,2% para 15,7%

do total mundial, um destacado segundo lugar em termos das despesas com a

defesa, muito acima do terceiro lugar2. Dito de outra forma, a China em 1990

gastava com a defesa a quarta parte da Europa da NATO; hoje em dia gasta

cerca de 10% a mais do conjunto da NATO europeia. O maior aumento a seguir

à China surge no Médio Oriente (6,2% para 9,9%) e na Iberoamérica (1,1% para

4,2%). Fazendo outro tipo de comparação, agora por continente, a Europa (sem

a URSS) gastava com a defesa mais do que a Ásia em 1990; hoje em dia, a Ásia

gasta mais do dobro que a Europa. É uma mudança ainda mais forte que no caso

do poder económico. A Figura 2.2Figura 2.2Figura 2.2Figura 2.2 dá uma ideia do conjunto desta evolução.

2 A China gasta 277 bilhões de dólares com a defesa. O terceiro lugar é ocupado pela Arábia Saudita, com 80 bilhões e o quarto pela Rússia, com 70 bilhões. O poder europeu que mais gasta com a defesa é a GB, que surge em 5º lugar, com 61 bilhões, ou seja 4,5 vezes menos que a China. Em 1990 as despesas com a defesa da GB estavam ao nível das chinesas.

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UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA

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Figura 2.2. Despesas com a Defesa em difFigura 2.2. Despesas com a Defesa em difFigura 2.2. Despesas com a Defesa em difFigura 2.2. Despesas com a Defesa em difeeeerentes países e regiões (1990, 2015)rentes países e regiões (1990, 2015)rentes países e regiões (1990, 2015)rentes países e regiões (1990, 2015)

Fonte: Elaboração própria com base em IISS, The Military Balance, 1990 e 2015.

Isto são somente os números gerais, uma primeira aproximação. A perda de

capacidades efectivas da Europa é muito superior ao que estas frias barras indiN

cam. A principal razão é simples: a Europa nas últimas décadas desviou grande

parte das suas despesas militares para as “pequenas guerras”, os conflitos conN

tra adversários pouco sofisticados, pelo que apostou sobretudo no desenvolviN

mento da mobilidade e capacidade de projecção, nas forças especiais, nas

unidades ligeiras e em tudo o resto associado ao sucesso em operações ditas de

“paz”. A perspectiva de enfrentar um adversário semelhante parecia remota e

longínqua, pelo que os meios mais sofisticados receberam menor prioridade e as

unidades pesadas foram desmanteladas ou muito reduzidas. Resultado: as forças

armadas de muitos estados da Europa em 2015 parecem mais um departamento

da ONU que representantes de estados soberanos. Estão vocacionadas para uma

projecção rápida para conflitos de baixa ou quase nula intensidade, mas são incaN

pazes de outros tipos de missão, pelo menos sem um forte apoio dos EUA.

Dou só um exemplo: os tanques3, um dos mais pesados sistemas de armas da

guerra terrestre. Alguns estados europeus (como a Holanda), acabaram por comN

pleto com eles, enquanto outros reduziram as unidades blindadas pesadas a um

mero esqueleto, uma espécie de núcleo escolar, que permite manter alguma capaN

cidade para o futuro. É claro que os tanques são dos sistemas de armas mais

caros, mais difíceis de manter operacionais e a sua real capacidade de sobreviver

num campo de batalha moderno é um assunto muito polémico. Mas isto não

3 O Exército Português não gosta de falar em tanques, mas sim em “carros de combate”. Por mim, continuou a usar o termo consagrado internacionalmente e na linguagem popuNlar, que vêm referido em todos os dicionários da língua Portuguesa.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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impede que esta evolução seja das mais significativas sobre o que se passa na

Europa.

Façamos só uma pequena comparação para entender o que isto representa.

A NATO na composição de 1990 (sem os EUA) passou de 19 para 7 mil tanques

(entre 1990 e 2015). Destes, só 2106 se podem considerar da mais recente geraN

ção (modelos Challenger, Leclerc, Ariete e Leopard 2) – a Europa não desenvolN

ve um novo modelo de tanque desde há 20 anos, pelo que a geração “mais

recente” já tem alguns anos. Comparemos esta situação com a de alguns podeN

res vizinhos da Europa. O Egipto, por exemplo, conta com 1130 tanques M1

Abrams americanos, que se podem considerar como semelhantes aos melhores

europeus. Na Europa, para chegar a uma quantidade semelhante seria necessáN

rio somar os tanques da GB (227 Challenger), França (200 Leclerc), Itália (160

Ariete) e Alemanha (410 Leopard 2); mesmo com a soma dos quatro principais

poderes militares europeus, só obtemos 997 tanques modernos, menos que os

1130 Abrams Egípcios (acresce a isto que o Egipto, para além dos modernos

Abrams, tem ainda uma quantidade quase igual de M60 e outros tantos modelos

russos obsoletos). Significa isto que devemos temer uma invasão do Egipto? É

claro que não. Significa, isso sim, que uns ganham e outros perdem capacidades e

isso traduzNse necessariamente em poder a todos os níveis.

Para dar outro exemplo, comparemos o poder naval da Europa da NATO

(de 1990) com o da Ásia do Pacífico, com exclusão da China e do resto da Ásia.

O quadro seguinte é elucidativo.

Tabela 2.1. Poder naval da Europa da NATO e da Ásia do Pacífico, Tabela 2.1. Poder naval da Europa da NATO e da Ásia do Pacífico, Tabela 2.1. Poder naval da Europa da NATO e da Ásia do Pacífico, Tabela 2.1. Poder naval da Europa da NATO e da Ásia do Pacífico,

sem China e resto da Ásia (1990, 2015)sem China e resto da Ásia (1990, 2015)sem China e resto da Ásia (1990, 2015)sem China e resto da Ásia (1990, 2015) 1990 1990 2015 2015 NATO sem os

EUA Ásia do Pac. Sem China

NATO sem os EUA

Ásia do Pac. Sem China

SSBN 10101010 0000 8888 0000 SSN 21212121 0000 12121212 0000 SS 115115115115 46464646 52525252 131131131131 P.Aviões 6666 0000 3333 3333 P. Helicop. 2222 0000 6666 4444 Cruzador 4444 0000 0000 5555 Destroyer 74747474 67676767 49494949 47474747 Fragata 140140140140 102102102102 105105105105 98989898 Corveta 47474747 29292929 49494949 82828282 FACM 125125125125 136136136136 45454545 193193193193

Fonte: Elaboração própria com base em IISS, The Military Balance, 1990 e 2015.

Que conclusões podemos tirar, mesmo sem entrar em grandes pormenores?

A NATO da Europa mantém, por enquanto, uma capacidade estratégica naval

(representada pelos SSBN) e uma capacidade de controlo dos oceanos pelos SSN,

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UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA

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que a Ásia do Pacífico continua a não ter (com a excepção da China, que não é

considerada neste quadro). Em 1990, o único componente do poder naval em que

Ásia do Pacífico dominava era nos FACM, ou seja, era a marinha costeira de

negação de águas próximas, de pequeno alcance, sem capacidade para exercer

um domínio Oceânico. Em 2015, a situação mudou radicalmente. Com a excepção

dos SSN e SSBN, em todas as outras classes de uma marinha de águas azuis o

domínio da Ásia do Pacífico é muito claro. O exclusivo europeu em termos de

portaNaviões e porta helicópteros4, tornouNse uma igualdade. Em termos de cruN

zadores e destroyers, o domínio europeu era de 78 contra 67; passou para 49

contra 52. Em termos de fragatas e corvetas a Europa dominava, com 187 contra

131; passou para 154 contra 180. O domínio Asiático em termos de uma mariN

nha de águas castanhas aumentou muito: passou de 125 contra 136 para 45

contra 193.

Em resumo, a Ásia do Pacífico nas últimas décadas ultrapassou por larga

margem o poder naval oceânico da Europa da NATO (com excepção dos SSBN

e SSN) e aumentou muito o desnível a seu favor na marinha de águas castanhas.

E isto sem entrar em consideração com a China, pois se ela fosse contabilizada,

a diferença seria muito maior. A vantagem Asiática é maior do que estes númeN

ros indicam, pois marinhas como a Coreia do Sul, o Japão ou a Formosa são

muito modernas, com unidades quase todas recentes e pensadas para uma real

contestação das águas azuis. A maior parte das marinhas da NATO europeia,

em contrapartida, são em 2015 antiquadas, com unidades obsoletas, que tem

somente uma capacidade de guardaNcostas. A Europa, por exemplo, não tem

nada equivalente aos KDXN3 da Coreia do Sul, ou aos Atago do Japão. Acresce

ainda que, enquanto em 1990, muitos dos navios das marinhas da Ásia do PacíN

fico eram de construção europeia ou mesmo europeus em segunda mão, em

2015 a maioria são de construção local. A moderna marinha da Coreia do Sul, é

toda fabricada nos seus estaleiros, o mesmo acontecendo com Singapura e,

numa escala menor, com a Formosa, Indonésia ou Tailândia. Indústrias navais

como a Chinesa ou a Sul Coreana são os grandes exportadores de navios

modernos para esta região, ocupando o tradicional lugar das indústrias euroN

peias. Se fossemos a comparar somente as unidades oceânicas modernas com

capacidades sofisticadas, a vantagem da Ásia do Pacífico seria de 2 para 1,

enquanto em 1990 a situação era exactamente o contrário.

Significa isto que devemos temer a chegada em breve das esquadras asiáticas

ao Atlântico Norte? Finalmente vaiNse concretizar o pesadelo do século XV, com

4 Incluímos nos “porta helicópteros” todo o tipo de navios de projecção de força capazes de levar mais de 10 helicópteros ou aviões VTOL e STOL.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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os juncos da China a chegarem à Europa antes das caravelas portuguesas chegaN

rem ao Índico? É claro que não! Pelo contrário, a forte corrida naval no Pacífico

está ligada sobretudo a tensões internas e decorre de forma tão discreta, que a

maioria dos chamados observadores nem “observou” que ela começou. O que

está a acontecer, igualmente neste campo, é que outros ganham as capacidades

que a Europa perde. A queda do poder naval europeu é evidente e muito rápida,

sobretudo no que diz respeito à capacidade de controlar os Oceanos e projectar

força. Durante séculos o poder naval foi o grande pilar da supremacia europeia, a

garantia da sua presença no Mundo. Hoje, todas as marinhas europeias estão em

queda, difícil de disfarçar. As unidades modernas contamNse pelos dedos de uma

mão nas principais marinhas, as capacidades tendem a desaparecer e as quantiN

dades caiem na vertical.

A Marinha Americana mantém no essencial a sua posição, continuando a

primeira em termos qualitativos e quantitativos por larga margem, mas a evoluN

ção de marinhas como a da Índia, China, Coreia do Sul ou Brasil, representa um

crescimento muito rápido em termos de peso relativo.

ConfirmaNse aqui o que dissemos atrás: assistiuNse nas últimas décadas a

uma gigantesca transferência do poder e das capacidades militares. Os EUA

conseguiram no essencial manter a sua posição no poder naval (embora com

uma queda relativa), mas a Europa e a Rússia desceram muito, perdendo em

termos quantitativos, mas, sobretudo, em termos qualitativos.

N*N

A indústria da defesa foi durante séculos um dos pilares da vantagem euroN

peia e uma das suas maiores exportações. Desde a Guerra Fria esta situação

mudou drasticamente. A Europa exporta muito pouco de novos produtos no

campo da defesa; quase todas as suas exportações nas últimas décadas foram

de stocks de material que estava nas unidades desactivadas, como os Leopard 2

e os Marder vendidos à América do Sul, ou as fragatas Britânicas e Holandesas

cedidas a poderes americanos e asiáticos, ou mesmo o portaNaviões francês

cedido ao Brasil. A exportação de novos produtos foi muito pequena e hoje em

dia a indústria de defesa europeia é uma sombra do seu passado recente.

O que é significativo para compreender os problemas da mentalidade euroN

peia atual (a base da sua decadência), é que ela se continua a preocupar sobreN

tudo, não em recuperar as capacidades perdidas ao nível mais elevado, mas em

cortar na defesa para manter o Estado Providência e em criar forças de projecN

ção rápida e capacidade de intervenção em operações de manutenção de paz,

como se esse fosse o futuro. Não é – já foi. A Europa, segundo tudo indica, vai

aprender a lição da pior maneira. Como normalmente acontece vai a reboque

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UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA

19

dos acontecimentos, tendo perdido a capacidade de se antecipar a eles, que a

caracterizava no passado.

UUUUM M M M MMMMUNDO BIZARROUNDO BIZARROUNDO BIZARROUNDO BIZARRO

Vivemos num Mundo bizarro. Hoje em dia o problema principal na maior

parte dos conflitos, não é tanto a força teórica, mas sim a força efectiva, ou seja,

a possibilidade de aplicar efectivamente as capacidades existentes. Dou só um

exemplo. As forças ocidentais mantiveram durante muitos anos patrulhas

navais na zona do Corno de África para tentarem combater a pirataria. A sua

eficácia era limitada, pois as “regras de empenhamento” eram de tal modo

redutoras, que os navios Ocidentais pouco podiam fazer e, quando faziam

alguma coisa, isso traduziaNse normalmente em despesas astronómicas e infiniN

tos problemas jurídicos. Os armadores, percebendo esta realidade, preferiam

entrar num “acordo directo” com os “piratas” em vez de confiarem na protecN

ção dos navios de guerra Ocidentais, o que só mostra a sua inteligência. Em

contrapartida, nas poucas vezes em que navios chineses participaram nas

patrulhas antiNpirata, estes desapareciam de imediato e só voltavam à zona

quando os chineses tinham partido. É claro que isto não se devia a uma particuN

lar eficácia técnica dos navios chineses…

Dou outro exemplo da “bizarria” do nosso Mundo. Numa altura em que as

redes de satélites detectam facilmente qualquer embarcação no mar, a Europa é

“invadida” regularmente por milhões de emigrantes ilegais, sem os conseguir

deter, a pontos de a Hungria se ver obrigada a erguer um novo “muro de BerN

lim” na sua fronteira, para criar uma ténue barreira, o que levantou de imediato

uma onda de críticas contra ela. A resposta Húngara foi muito simples: então

que passem, o problema não é nosso… A própria França e a GB têm de entrar

em complexas negociações para tentar conter (o que é diferente de deter) a

emigração ilegal pelo túnel do Canal da Mancha, o que aparentemente devia ser

muito simples, pois se trata de um ponto único de passagem por terra numa

fronteira marítima. Pois os dois principais poderes europeus nem sequer conN

seguem deter a emigração ilegal num ponto concreto e claramente localizado,

onde existe somente um túnel. A isto chegamos!

Qualquer destas situações seria impensável há poucas décadas atrás e o facto

de elas não terem solução à vista, só mostra uma coisa: a Europa atou as suas

próprias mãos, tendo ainda muita força teórica, mas perdendo a vontade ou a capaN

cidade de a usar. O seu grande problema não é a falta de força, embora ela seja

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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cada vez menor; o seu grande problema é a alteração drástica dos valores, que a

imobiliza cada vez mais e a transforma num gigante cego, que esmurra o ar com

punhos que custam bilhões, num exercício que seria cómico, se não fosse triste.

Isto está directamente relacionado com um outro aspeto que marca profunN

damente a evolução da defesa no campo Ocidental. Assistimos a dois fenómeN

nos interligados que são visíveis em todo o espectro.

Em primeiro lugar há cada vez menos Forças Armadas, mas há cada vez

mais Forças de Segurança, muitas das mais recentes não pertencendo ao EstaN

do, pelo simples motivo que este perde a sua credibilidade. A credibilidade está

ligada, não à força de forma directa, mas a capacidade de a usar de modo a

obter resultados efectivos. VejaNse só o exemplo de Portugal, mas muitos outros

se podiam dar: em 1990 o Exército Português tinha 44 mil efectivos e a GNR 19

mil; em 2015, o Exército conta com 17,9 mil efectivos e a GNR com 22,6. É

meramente a constatação de um facto.

Em segundo lugar, é cada vez mais difícil ver onde acaba a “defesa” e comeN

ça a “segurança”. Antigamente isto era fácil: defesa lidava com riscos e ameaças

externas; a segurança com as internas. Caso se prefira, dito de outra maneira: a

defesa lidava com o inimigo e a segurança com o cidadão. Mas isto era antigaN

mente. Hoje, em quase todas as situações concretas não há “interno” e “exterN

no” e não se sabe onde está o inimigo. Há simplesmente uma grande confusão,

com fronteiras fluidas, associadas a regras de empenhamento e enquadramento

jurídico que paralisam qualquer força, seja militar ou não. Muitos autores refeN

rem que só faz sentido falarNse hoje em dia num “quadro de segurança”5 abranN

gente, onde interno e externo se misturam de forma inseparável. Por outras

palavras, Forças Armadas e Forças de Segurança são cada vez mais uma mesma

realidade, que devem ter uma capacidade de acção conjunta na maior parte das

circunstâncias e, em muitos casos, nem sequer se entende a sua separação. É este

o moderno conceito de um quadro de segurança, que já prevalece em Estados

como a França ou os EUA, mas não em Portugal. O que eram no passado dois

Mundos completamente distintos, passa a ser uma realidade unificada pela

mudança do Mundo. As forças podem continuar separadas; a sua acção só se

5 O que acontece com este conceito, como com quase todos os actuais, é que ele está sujeiNto a uma imensa deturpação ideológica. Quando se fala de um quadro de segurança hoje em dia, a maior parte das escolas europeias entende por isto um programa de sociedade, um modelo do Estado Social europeu que devia ser “exportado” para todo o mundo. O que eu entendo por isso, é muito diferente; é a ideia de que só a unidade operativa e conNceptual do que eram as antigas esferas independentes da defesa e da segurança permite obter um “quadro de segurança” num Mundo moderno. A frase é simples, as implicações são muito complexas e passam por uma profunda alteração do nosso universo jurídico.

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UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA

21

entende centralizada e coordenada, o que implica uma política coerente e unida,

onde defesa e segurança tenham um mesmo chapéu em termos operacionais.

UUUUM SISTEMA DE VALORESM SISTEMA DE VALORESM SISTEMA DE VALORESM SISTEMA DE VALORES HERDADO DAS SOCIEDA HERDADO DAS SOCIEDA HERDADO DAS SOCIEDA HERDADO DAS SOCIEDADES INDUDES INDUDES INDUDES INDUSSSSTRIAISTRIAISTRIAISTRIAIS

Há um evidente atraso entre a realidade e o sistema de valores, o que é a

base de todos os problemas europeus. Isto leva a que se multipliquem os

“improvisos” no campo da segurança. Dou só dois exemplos: há cada vez mais

empresas de segurança privadas e algumas têm mesmo a responsabilidade de

defender instalações públicas, justamente porque o Estado tradicional tende a

perder a sua eficácia. Um outro exemplo, dos mais importantes, é a forma como

os EUA transformaram a CIA (uma organização civil, que não tem uma vocação

de força militar) num dos seus principais instrumentos de acção militar no exteN

rior, entregandoNlhe a maior frota de drones do Mundo, muitos com capacidade

de lançar munições inteligentes. Isto não acontece porque as Forças Armadas

americanas tenham perdido capacidades (os drones que a CIA usa são os mesN

mos da US Army e da USAF); acontece, porque as Forças Armadas não os

podem usar por razões legais, enquanto a CIA o consegue fazer.

O problema é sempre o mesmo: o sistema de valores, a teia onde o Ocidente

se deixou enredar. A grande dificuldade do Ocidente está em se adaptar à

mudança, em encontrar soluções novas para os problemas concretos que

enfrenta hoje; continua ligado aos fantasmas do passado, aos valores de uma

sociedade industrial que já não mora aqui. Essa sociedade industrial produziu

ao longo do tempo uma “deriva colectivista” no pensamento Ocidental, que

paralisa e impede a acção. A sociedade industrial morreu no Ocidente; a sua

mentalidade está viva e todos somos reféns dela. Estamos presos aos fantasmas

de uma esquerda e de uma direita do passado, que, sem conseguirem responN

der a qualquer problema presente, só se preocupam em manter o seu poder

relativo, o que passa por preservar os fantasmas e as instituições do passado. É

normal dizerNse que um dos grandes incentivos dos seres vivos é a sobrevivênN

cia, muito em particular quando estão ameaçados. Com as instituições acontece

o mesmo. Ao serem ameaçadas pela mudança do Mundo, as melhores instituiN

ções adaptamNse e mudam para cavalgar a nova onda; a maioria, pelo contrário,

cristaliza e só pensa na sua sobrevivência?

É sempre o argumento dos que vivem no passado. Salazar não dizia que o

Mundo estava confuso e havia de voltar aos valores do passado, pelo que o que

havia a fazer era perseverar neles e esperar que o bom senso voltasse? O Mundo

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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não voltou para trás! Mas hoje em dia o argumento dos imobilistas não é exacN

tamente o mesmo? Quem é o ultraNreaccionário hoje em dia?

Os centros de pensamento do Ocidente deixaram de inovar, passaram a ser

meros ecos dos burocratas, ou, no caso de Portugal, meros centros de tradução

dos manuais, que pouco têm a ver com a realidade. A sua única preocupação é

censurar a novidade, impedir a reflexão, manter tudo na mesma. O Mundo

mudou. O pensamento cristalizou.

Hoje em dia os clássicos do pensamento Ocidental, desde os autores da GréN

cia Clássica aos precursores da revolução americana e francesa, são mais

actuais que toda a massa de discursos das últimas eleições europeias. Eles perN

cebem melhor o que será a democracia do futuro, do que os defensores do pasN

sado recente. Os primeiros falam das originalidades das soluções democráticas,

da coragem de pensar que a sociedade se organiza à volta do indivíduo e não o

contrário, da certeza que o poder só pode estar em “we, the pleople”, da evidência

que um homem faz a diferença. Os últimos falam da crise da dívida soberana, do

desemprego, da necessidade de reforçar a solidariedade e a assistência social, da

necessidade de caridade, compreensão, consenso, imobilismo… Por incrível que

pareça, os primeiros, apesar da idade, são actuais e representam o que sempre foi

a diferença entre o Ocidente e tudo o resto – e já lá vão quatro mil anos. Os

segundos são fantasmas, presos a uma mentalidade colectivista que criou e agiN

ganta as crises. Os primeiros têm as soluções; os segundos são o problema.

N*N

Hoje em dia a União Europeia faz lembrar uma família aristocrática do sécuN

lo XIX, que continua culturalmente presa à mentalidade do passado. O Mundo

mudou, mas a mentalidade da família não. O resultado é que essa família contiN

nua a apostar nas soluções do passado, sem perceber que elas não têm futuro.

O chefe pega nos seus rendimentos, cada vez mais escassos, e investeNos na

manutenção do solar da família. O solar é para a família o símbolo da grandeza

passada, pelo que não poder ser abandonado. Abandonar o solar, seria “trair”

os antepassados, negar as tradições, virar as costas aos símbolos da grandeza

anterior... É certo que os rendimentos já não dão para manter o solar como um

todo e que este dá conforto, mas não dá rendimentos. Mas então, pensa os nossos

imobilistas, fechamNse as cavalariças, mas mantémNse o jardim; deixaNse cair o

telhado da ala sul, mas fazemNse obras na ala Norte. Todo o rendimento é enterN

rado em soluções sem futuro, na esperança vã que as coisas vão mudar e que as

décadas de ouro vão voltar. É tudo questão de aguentar mais um pouco…

As reformas oficiais da atual Europa são exactamente isto: injectar mais

dinheiro nas soluções que já não funcionam; o resultado é que os rendimentos

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UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA

23

descem e o endividamento aumenta. Se a nossa família aristocrática continuar

neste caminho, só pode haver um resultado: atrasa a ruína do solar por mais

uns anos, mas ela é inevitável e, quando surgir, arrasta a família consigo. O

grande problema é que família aristocrática do século XIX, devido à sua mentaN

lidade, foi incapaz de compreender que o seu Mundo passou e que a única soluN

ção é investir o dinheiro que lhe resta nas soluções do futuro, em vez de o

perder a tentar prolongar um passado condenado.

É isto que faz com que a Europa perca o seu peso económico relativo e as suas

capacidades de defesa. Mas não é só na defesa: é em tudo que não seja o Estado

Providência. A Europa gasta cada vez menos com a cultura, com o ambiente, com

a modernização da economia, com a criação de uma justiça rápida e eficaz, com

segurança, etc…Gasta cada vez com o serviço da dívida. E acontece uma coisa

“curiosa”: quando mais “investe” mais dívida tem! Não interessa…enquanto houN

ver quem empreste, o que é preciso é continuar alegremente…

Este é o dilema europeu atual. As falsas reformas preocupamNse quase só

em prolongar um passado que não tem futuro. Ainda o conseguem fazer, porN

que há muita gordura; mas a gordura não é renovada. Não vamos por bom

caminho. Na realidade, o problema é que nem sequer sabemos por que camiN

nho vamos. Somos fantasmas, que incapazes de pensar, se limitam a ficar fasciN

nados, com compreensível nostalgia, pelas glórias do passado, esquecendo que

elas só foram possíveis com outros valores. Temos os “observadores”, os granN

des “líderes”, os “centros do pensamento”, todos virados para a manutenção do

passado; o facto de a realidade seguir noutro caminho é irrelevante…

Possivelmente os valores da nossa família aristocrática eram muito melhores

do que os da materialista burguesia em rápida ascensão no século XIX. Sou

incapaz de o dizer; talvez fossem... Mas, melhores ou piores, todos sabemos o

que aconteceu às famílias aristocráticas. É fácil perceber o que vai acontecer a

esta Europa, se não muda rapidamente de caminho. Não será com a acomodaN

ção, com a falta de debate, com a censura efectiva que mudará de caminho.

O Mundo mudou e a Europa está a perder o pé e o peso numa escala nunca

vista no passado? Que interessa isso se ainda podemos prolongar a nossa situaN

ção de privilégio por mais umas décadas, ou mesmo somente por mais uns

anos? É este, em termos muito simples, mas muito efectivos, o pensamento dos

pretensos reformistas actuais.

Há esperança? Há, sem dúvida. A onda da mudança está aí e, embora ainda

dispersa, confusa, radicalizada, cheia de erros de infância e de falta de perspecN

tiva estratégica, é forte e particularmente viva nos EUA. Os EUA foram desde a

sua independência o grande centro de renovação do pensamento democrático;

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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ainda cumprem esse papel, por mais que a Europa goste de pensar que são

simplistas e não politicamente correctos. Numa altura em que a política domiN

nante não é correcta, quem for politicamente correcto… tem má política. A

janela da oportunidade está aberta e a mudança virá, de uma forma ou de outra.

Para os que não entendem onde está a onda de mudança, permitam que

recorde alguns factos. Nas eleições europeias das últimas décadas a abstenção

aumenta astronomicamente, a pontos de ser a maioria absoluta em quase todas.

Um pouco por toda a parte se assiste ao mesmo fenómeno na parte da populaN

ção que ainda vota: os partidos do poder, que defendem a manutenção do sisN

tema vigente porque beneficiam com ele, perdem votos, enquanto os outros

ganham. A contestação é muito diversificada, confusa, incoerente, oportunista e

mesmo ridícula? É verdade. Mas cresce. Portugal é uma excepção: uma das

mais tradicionais das sociedades europeias, como sempre foi desde que a socieN

dade se deixou colonizar pelo Estado. Mas basta olhar para a Espanha, França,

Itália, Holanda, GrãNBretanha, Países Nórdicos ou mesmo Alemanha, para veriN

ficar que isto é verdade. Não é uma questão de Norte e Sul, de direita ou de

esquerda, que não passam de mitos; é uma questão de passado e futuro. Ainda

não há uma corrente central aglutinadora, um pensamento que unifique o desN

contentamento e que aponte para os caminhos da renovação de uma sociedade

com futuro. Ainda estamos nos primeiros passos, na titubeante e confusa fase

inicial, onde as pontas estão dispersas e “ninguém sabe que coisa quer”, nas

palavras do grande poeta. Os fantasmas ainda são demasiado fortes. Mas a

onda de fundo está aí e está a crescer, sobretudo entre a juventude.

OOOO MMMMUNDO DO CAOSUNDO DO CAOSUNDO DO CAOSUNDO DO CAOS

Uma das principais transformações do nosso Mundo é o avanço do caos.

Isto pode ser entendido em muitos sentidos, mas vamos aqui examinar somente

o mais imediato: o crescimento das zonas onde a ordem das soberanias tradicioN

nais se exerce com muita dificuldade; por outras palavras, o crescimentos das

zonas onde passam a existir “estados frágeis” (um conceito de Adriano Moreira)

ou mesmo “quase estados”, ou seja, entidades que, embora oficialmente estados,

são incapazes de exercer as principais funções associadas à soberania tradicional,

nomeadamente a de manter a segurança e sustentar a vida das pessoas6.

Em 1990 o “Mundo do caos” era reduzido. Faziam parte dele principalmente

algumas zonas limitadas de guerras civis prolongadas (Colômbia, Congo, Corno

6 Um excelente exemplo de um “quase estado” é a Palestina.

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UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA

25

de África, entre outros). Hoje em dia, o “Mundo do caos” é muito extenso e,

sobretudo, diversificado. A sua manifestação principal começa na Ásia Central,

prolongandoNse por grande parte do Médio Oriente, atravessando quase toda a

África e acabando na zona do Congo. Mas esta é somente a sua manifestação

central. A verdade é que encontramos amplas “ilhas de caos” espalhadas um

pouco por todo o Mundo7.

A incapacidade de resolver os problemas do tráfico de drogas, das redes de

emigração ilegal, do crime organizado, da escravatura disfarçada e tantos

outros, tem a ver directamente com esta tendência para a extensão da “zona de

soberania limitada” do Mundo.

O que provoca este aumento da “zona de caos”? Muitas coisas, mas as prinN

cipais são três:

1. As zonas mais importantes do caos coincidem com as de maior desertificaN

ção, ou aumento da poluição, com a degradação ou destruição dos ecossisN

temas naturais. A degradação do ambiente, que se tem acentuado nas

últimas décadas, provoca a crise dos sistemas de sustentação da vida tradiN

cionais e esse é o principal caminho para a instalação das “zonas de caos”. A

famosa “pirataria” do Corno de África, por exemplo, tem por detrás a desN

truição dos ecossistemas piscatórios do litoral pelas frotas internacionais, o

que acabou com a forma de vida tradicional dos pescadores artesanais.

2. As zonas de caos coincidem com as que registam um maior crescimento

demográfico, o que está associado a condições degradadas, baixos renN

dimentos e níveis de educação baixos.

3. Um dos grandes motivadores do caos é a crise dos sistemas de valores

tradicionais, a sua crescente perda da capacidade de obter resultados em

tempo útil. As “zonas de caos” não são a ausência de poder; pelo contráN

rio, em muitas existe um poder praticamente absoluto e total, como aconN

tece com o Norte da Nigéria, com o EI ou com qualquer zona dominada

por um senhor da guerra ou um cartel de droga. As zonas de caos são

aquelas onde os valores tradicionais entraram em crise tão aguda, pela

incapacidade demonstrada de obter resultados, que as populações se

viraram para soluções alternativas, de modo a sobreviverem. É por isso

que elas têm de ser tratadas com especial cuidado. As populações que

7 Uma “ilha do caos” é uma zona onde as forças de segurança ou militares ligadas aos estaNdos soberanos não conseguem entrar, ou só entram com uma operação de grande envergaNdura que implica a mobilização de meios anormais, incapazes de serem mantidos numa base regular. Encontramos muitas “ilhas do caos” em países como a Ucrânia, Brasil, África do Sul, Nigéria, México e tantos outros. Qualquer estado europeu tem “ilhas de caos” mais ou menos evidentes no seu interior.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

26

nelas vivem não são o inimigo. São simplesmente um caso mais avançado

dos nossos próprios problemas. A crise do sistema de valores tradicional,

a sua dificuldade em responder aos problemas presentes, é a principal

razão da extensão das “zonas de caos”.

UUUUMA ANÁLISE SEMPRE INMA ANÁLISE SEMPRE INMA ANÁLISE SEMPRE INMA ANÁLISE SEMPRE INCOMPLETACOMPLETACOMPLETACOMPLETA

Neste percurso, incompleto e não politicamente correto, pretendeuNse sobreN

tudo levantar problemas. A preocupação não foi a de apontar as soluções mas a

de tentar entender os problemas reais, muito diferentes dos referidos pelos

centros do pensamento oficial. As soluções existem, mas a maior parte das pesN

soas ainda não está preparada para as ouvir.

No Ocidente a grande dificuldade, o problema central, está no atraso do

pensamento, na sua dificuldade em acompanhar a mudança do Mundo atual, na

forma como se deixou amarrar por uma perversão colectivista recente dos seus

valores milenários. A mudança está aí, mas dá só os primeiros passos, de forma

confusa e errática.

É isso que faz com as aparentes vitórias contra o que consideramos riscos,

se transformem a médio prazo em problemas muito maiores, como aconteceu

com os EUA no Iraque e na Síria ou com a Europa, na crise que provocou na

Líbia e na Ucrânia, para dar só alguns exemplos. E isso que faz com que nos

preocupemos com as ameaças longínquas, sem entender que a grande ameaça

é o imobilismo dentro de muros. Sem um pensamento adaptado à realidade a

acção corre o risco de ser um tiro no pé – como normalmente é.

Estamos presos a um academismo balofo e incapaz de inovar. Os centros de

produção do pensamento estão transformados em centros de repressão do

pensamento, que buscam a acomodação e têm horror da polémica, o sinal mais

seguro da decadência. Estamos embalados num conforto difícil de sustentar e

achamos que o nivelamento por baixo é a “justiça”, esquecendo os mecanismos

que, ao longo dos milénios, produziram a inovação e a mudança.

Estamos cegos por um colectivismo degenerado que nivela todos por baixo,

cheios de um discurso politicamente correcto, que deixou de suscitar paixão ou

seguir a razão, mas domina. A juventude é a grande vítima, incapaz de entender

os valores das gerações passadas, que já não resolvem nenhum dos seus proN

blemas, descrente dos líderes e da sua falta de ideias, farta da corrupção e da

decadência, procurando soluções individuais porque já não acredita na política.

Page 51: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA

27

O sonho que fez a Europa já não mora aqui, pelo menos não mora no atual

sistema. Como aconteceu com Marcelo Caetano, que era uma mente brilhante,

estamos tão cegos que nem sequer entendemos os sinais da crise e não comN

preendemos que o maior de todos é a forma como o pensamento parou, como a

novidade é reprimida, como a propaganda passa por teoria.

É o fim? Longe disso. Permitam que peça uma frase emprestada a Churchill:

“ainda não é o fim; nem sequer é o começo do fim; mas é o fim do começo”. O

que aconteceu foi que o sentido da evolução mudou. A decadência europeia é

um facto, falta saber até onde vai chegar. TornaNse cada vez mais claro o que já

não funciona; ainda é difícil entender o que pode funcionar, mas a onda de funN

do da transformação ganha força.

O dilema europeu é o da família aristocrática do século XIX, que gastou a

sua última riqueza para manter os sinais da grandeza passada, na esperança

que o tempo voltasse para trás. Não voltou. Não voltará. É uma das poucas

certezas que podemos ter.

Page 52: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3
Page 53: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

29

2.2.2.2. AAAAMEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E RRRRISCOS ISCOS ISCOS ISCOS TTTTRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAIS.... PPPPERSPECTIVAS INSTITUCERSPECTIVAS INSTITUCERSPECTIVAS INSTITUCERSPECTIVAS INSTITUCIONAISIONAISIONAISIONAIS

JOÃO VIEIRA BORGES

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar as perspetivas institucionais das

ameaças e riscos transnacionais, tendo por base uma análise comparativa das

estratégias nacionais dos cinco membros permanentes do conselho de segurança

da organização das nações unidas. Como resultado, identificámos ameaças em

comum, independentemente dos valores, dos interesses e dos objetivos políticos

dos diferentes atores políticos. Muito para além da análise do comum e do dife,

rente, do explícito e do implícito, do transparente e do secreto, identificámos uma

imagem do conjunto das ameaças transnacionais, numa perspetiva assumida,

mente institucional dos estados com peso reconhecido no sistema político inter,

nacional de 2015.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: Ameaça, Risco, Transnacional, Segurança e Defesa

IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo analisar a perspetiva institucional das

ameaças e riscos transnacionais, tendo por base uma análise comparativa das

estratégias nacionais dos cinco membros permanentes do Conselho de SeguN

rança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU).

Nesse sentido, estudamos e analisámos as estratégias nacionais de seguranN

ça dos cinco países com maior peso institucional e real na ONU, as quais têm

inúmeros pontos em comum, no que concerne à identificação das ameaças em

Page 54: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

30

geral e das transnacionais1 em particular, independentemente dos valores, dos

interesses e dos objetivos políticos dos referidos Estados.

O pressuposto subjacente à amostra tem relação direta com o facto de os

Estados continuarem a marcar e a determinar a agenda das relações internaN

cionais, independentemente da importância crescente de outros atores, desigN

nadamente das pessoas coletivas não estaduais e das organizações

internacionais (neste caso “determinadas” pelos próprios Estados). Por outro

lado, a “legitimidade” dos cinco membros do CS da ONU em termos de amosN

tra, para além dos aspetos político e económico, também é significativa no que

respeita ao poder militar (na figura 1 podemos constatar que em termos de

orçamento dedicado à defesa, os cinco membros estão entre os seis maiores –

só “interrompidos” pela Arábia Saudita).

Começaremos pela caracterização do atual sistema político internacional, e

das velhas e novas ameaças, para depois analisarmos, através do método comN

parativo, a perspetiva institucional das ameaças por parte dos EUA, da China,

da Rússia, do Reiuno Unido e da França. Terminaremos com umas consideraN

ções finais, que identificarão o que de comum existe ao nível da visão explícita

das ameaças transnacionais (tratadas separadamente por diferentes autores e

especialistas nesta obra), mas também o que os diferencia, assim como a relaN

ção entre o institucional e o real, relacionado com a praxis no novo Mundo.

1 Apesar da palavra “transnacional” não constar do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (2001), faz parte da edição de 2011 do Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora e com um significado mais ajustado às características das ameaças (como o terrorismo e o crime organizado): “que vai para além das fronteiras nacionais, englobando mais do que um país” (enquanto que a expresNsão “internacional” tem o significado de “que é comum ou se realiza entre duas ou mais nações”, mais adequado a “acordo internacional” ou a “organização internacional”). Optámos assim, pela utilização do termo «transnacional», em detrimento de outros como «global», «internacional», «multinacional», etc.

Page 55: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS

31

Figura 2.1. Os 15 maiores países do Mundo em termos de orçamento de defesaFigura 2.1. Os 15 maiores países do Mundo em termos de orçamento de defesaFigura 2.1. Os 15 maiores países do Mundo em termos de orçamento de defesaFigura 2.1. Os 15 maiores países do Mundo em termos de orçamento de defesa (em biliões de dólares) relativo a 2014(em biliões de dólares) relativo a 2014(em biliões de dólares) relativo a 2014(em biliões de dólares) relativo a 2014

Fonte: The Military Balance 2015, p. 21.

NNNNOVAS OVAS OVAS OVAS AAAAMEAÇAS NO NOVO MEAÇAS NO NOVO MEAÇAS NO NOVO MEAÇAS NO NOVO MMMMUNDOUNDOUNDOUNDO????

As ameaças constituem, indiscutivelmente, umas das variáveis mais imporN

tantes do planeamento estratégico ao nível estadual e das organizações internaN

cionais2. No entanto, os estrategistas e os estrategos têm consciência que fazer

face a todas as ameaças é hoje uma impossibilidade real, mesmo para os estaN

dos mais poderosos ou com maior potencial estratégico. Esta impossibilidade

2 No caso da NATO, a recente metodologia de suporte à elaboração do novo Conceito Estratégico (aprovado em Novembro de 2010, em Lisboa), utilizou os aceleradores da mudança (drivers of change N diferente de ameaças). Assim, os aceleradores da mudança constituem meros fenómenos causadores de determinados cenários, que podem dar ênfaNse (ou não…) a determinadas ameaças e por consequência a determinados riscos. UtilizaNdos recentemente pela NATO/ACT no âmbito do Multiple Futures Project, os aceleradores da mudança (casos dos recursos limitados, da evolução demográfica, das mudanças climáNticas, do uso das novas tecnologias, etc.) constituíram as variáveis base para o levantaNmento de quatro futuros (escolhidos entre os mais prováveis de múltiplos futuros). De acordo com a metodologia do Allied Command Transformation (ACT), em que tivemos o prazer de trabalhar, em Roma, no âmbito do Conceito Estratégico da NATO, só depois foram levantadas as ameaças e em função destas, para cada futuro, foram então identifiNcadas as implicações em termos de defesa e militares.

Page 56: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

32

pode, no entanto, ser atenuada por um planeamento estratégico rigoroso, por

um serviço de informações eficiente e pelo aumento dos graus de prontidão dos

instrumentos mais preparados e adequados para fazerem face aos diferentes

cenários. Independentemente do reforço de todas as capacidades e instrumenN

tos e do estudo prévio de todas as situações, há que assumir riscos, em muito

dependentes das prioridades assumidas pelos decisores políticos e sugeridas

pelos estrategistas.

Tradicionalmente, a ameaça ao nível estadual constitui um ato ou aconteciN

mento de cariz ofensivo (traduzida de modo simplificado pelo produto de uma

capacidade por uma intenção), que afete significativamente os objetivos polítiN

cos de um Estado, de modo a colocar em causa a sua sobrevivência como uniN

dade política ou, de algum modo, a própria segurança internacional. Nesta linha

de pensamento, qualquer decisão de potenciais “adversários” (a “dialética de

vontades” do General Beaufre), que coloque em causa as potencialidades e vulN

nerabilidades do Estado, constitui também uma ameaça.

Se durante a Guerra Fria se conheciam claramente as ameaças de ambos os

lados do “muro”, nos anos noventa do século passado, os novos desafios em

termos de segurança passaram a ser menos claros, nomeadamente no que resN

peita aos estados falhados, às guerras civis e muito especialmente ao terrorismo

transnacional. Durante essa década, que vivemos intensamente, a maioria dos

estados, e em especial os europeus, reduziram substancialmente os seus invesN

timentos na área da segurança e em especial na da defesa. Com o 11 de SetemN

bro de 2001, os investimentos dos estados e das organizações internacionais

passaram então a ser dirigidos para a segurança ou para a participação das

forças armadas em operações externas, numa “guerra” que visava destruir os

terroristas, mas também os seus apoiantes.

De acordo com o proposto por Kofi A. Annan, num painel de referência das

Nações Unidas sobre as ameaças, desafios e mudanças, a ameaça, numa persN

petiva transnacional, deve ser entendida como “qualquer acontecimento ou

processo que leva à perda de vida ou a reduções de expectativas de vidas

humanas em larga escala e que ponha em causa a unidade do sistema internaN

cional, ameaçando a segurança internacional” 3.

3 UNITED NATIONS N A more secure world: Our shared responsibility: Report of the High,level Panel on Threats, Challenges and Change, New York, 2004. [Consultado em: 5 novembro 2015]. Disponível em http://www.un.org/en/peacebuilding/pdf/historical/hlp_more_secure_world.pdf p. 2. Este documento aborda, com especial acuidade, as seguintes ameaças transnacionais: Pobreza, doenças infeciosas e degradação ambiental; conflitos entre e no seio dos Estados; armas NBQR; terrorismo; crime organizado transnacional.

Page 57: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS

33

Independentemente das designações associadas, desde inimigo a adversáN

rio, passando por perigo, constatamos que as ameaças de ontem e de hoje são

claramente diferentes: são hoje instrumento de mais atores, mais globais, mais

desmilitarizadas, menos territoriais, mais perigosas e inclusivamente mais difíN

ceis de identificar e caracterizar.

Vejamos então, muito resumidamente, uma visão do atual sistema político

internacional, no que entendemos por novo Mundo.

O novo Mundo deste primeiro quartel do século XXI, caracterizado pela

imprevisibilidade e pela volatilidade, continua a ter nos EUA “a potência gloN

bal”, sem a qual não se podem resolver os grandes problemas do sistema polítiN

co internacional, mas com a qual também não se resolvem muitos dos grandes

conflitos. Em termos geoestratégicos, outros dois atores importantes, casos da

Rússia e da China, constituem os principais oponentes à hegemonia norte ameN

ricana, numa altura em que a Europa e países como o Reino Unido, a França ou

a Alemanha estão envoltos, com algum carater de perenidade, numa crise

financeira, que também é de valores.

Mas será que a “trilogia” EUANRússiaNChina domina o novo Mundo em

mudança?

Certamente que não, e a demonstração mais clara desse facto passa por

outros atores não estatais, que colocam regularmente em causa a segurança e

estabilidade do sistema político internacional. As pessoas coletivas não estaN

duais, desde a alNQaeda ao ISIS, levamNnos a recordar os bárbaros que invadiN

ram as civilizações que, noutros tempos, cultivavam os valores da liberdade e da

democracia. Hoje, para além destes valores, a maior parte dos estados, e em

particular dos estados ocidentais, cultivam ainda os valores do estado de direito

democrático e dos direitos do homem, algo que as referidas organizações “bárN

baras” abominam em nome da religião, lutando sem tréguas, sem regras e utiliN

zando todo o tipo de instrumentos contra os “ocidentais” e os seus apoiantes.

Na vida real, o cidadão sente a globalização em todas as suas dimensões, no

que de melhor e de pior pode trazer às pessoas e ao Mundo, em especial no que

respeita à difusão e domínio do que denominamos de ameaças transnacionais,

como o terrorismo, as armas de destruição massiva, o crime organizado transaN

cional, a pirataria e a cibercriminalidade.

Sentimos ainda, a deslocalização do centro de gravidade do poder mundial

do Atlântico para o Pacífico, mas também o Clash demográfico entre o Norte

“Rico mas Velho” e o Sul “Pobre mas Jovem”, num Mundo que em geral é hoje

mais urbano, mais envelhecido, menos seguro, com menos valores e com maioN

res desigualdades sociais.

Page 58: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

34

Perante esta caracterização sintética do sistema político internacional, é fácil

constatar que é tempo de voltarmos às ideias políticas, de voltarmos aos valoN

res, mas também de os defendermos, mesmo que com o sacrifício individual e

coletivo, em prol de um futuro melhor. No entanto, é reduzido o número de

Estados que têm esta capacidade e vontade política para o fazer, com exceção

dos EUA. A Europa (de que o Reino Unido e França são parte nuclear, indeN

pendentemente do protagonismo crescente da Alemanha), adormecida nos

direitos adquiridos do seu “estado social” e na presunção da boaNfé das relações

internacionais, vaiNse perdendo na resolução da crise económica e financeira,

reduzindo as suas forças armadas a mínimos irrecuperáveis, distraindoNse na

conjuntura em detrimento da estrutura, e sem resolver as questões que efetivaN

mente constroem e destroem civilizações. Por outro lado, a Rússia e a China, em

claro crescendo de potencial estratégico (pelo menos ao nível do poder militar e

do poder económico), vão assumindoNse como potências globais com capacidaN

de de intervenção regional e em parte global.

Em face da evolução do ambiente geoestratégico atrás referido e em especial

depois dos ataques de 11 de Setembro de 2001 (que marcam a globalização das

ameaças…), as ameaças transnacionais, e em particular o terrorismo, têm marcaN

do a agenda do sistema político internacional. Também por isso, a caracterização

das ameaças (inclusivamente; a capacidade de destruição do ator/instrumento; o

impacto da ação – político, estratégico, tático; e a dimensão espacial – globais,

regionais, locais), e em especial o seu combate (que tem de ser devidamente

“concertado”), passou a ter um significado ainda maior, ligado claramente à

sobrevivência das unidades políticas defensoras dos valores conquistados e

consolidados ao longo de séculos.

Nos dia de hoje as ameaças transnacionais podem ter a mesma designação

do século passado, mas a sua perceção pelo cidadão e sobretudo a sua capaciN

dade de destruição é bem superior, podendo utilizar o novo teatro de operações

do ciberespaço, podendo usar novas tecnologias, podendo utilizar as mentes a

seu favor com novos instrumentos de comunicação e imagem. Com a globalizaN

ção, os mais de 7 mil milhões de cidadãos do Mundo, passaram a ser “dominaN

dos” pelo terror, pela imprevisibilidade, pela incerteza e passaram também, a

“sentir” as ameaças como globais, sem fronteiras, com máscara e crescenteN

mente perigosas.

No entanto, para além das ameaças de cariz global, que vêm dominando as

prioridades da Segurança e Defesa (S&D), como o terrorismo, o crime organiN

zado transnacional, a proliferação de armas de destruição massiva e os atentaN

dos ao ecossistema, outras ameaças e riscos passaram a ter especial acuidade

Page 59: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS

35

em função das suas ligações às crises sociais e políticas e da sua “inflação” pela

globalização, enquanto acelerador da mudança.

Existem ameaças que terão certamente mais ou menos acuidade em deterN

minadas conjunturas. Foi o caso do terrorismo transnacional logo após o 11 de

Setembro, que apesar de constituir uma ameaça à própria comunidade internaN

cional desde há muito (e em particular para países como a Espanha e o Reino

Unido), só depois de 2001 assumiu proporções que ultrapassaram as fronteiras

dos estados, até então mais preocupados com as discussões relativas às definiN

ções, mais ou menos enquadráveis nos seus interesses próprios (as tradicionais

questões de terrorismo de estado versus terrorismo de insurgentes).

Um estudo muito recente e importante sobre as Ameaças Globais (Global

Threats) foi publicado pelo Pew Research Centre4 tendo por base um inquérito

conduzido a 45.435 pessoas de 40 países, realizado entre 25 e 27 de Maio de

2015. A principal conclusão é que as alterações climáticas são entendidas pelos

cidadãos em geral como a maior ameaça global (resposta por cerca de 50% dos

inquiridos como a maior ameaça)5. Por outro lado, os cidadãos dos países mais

ricos assumemNse mais preocupados com o terrorismo (ISIS). Ao fazermos uma

leitura comparativa, concluímos que as perceções dos cidadãos relativamente às

ameaças globais (muito influenciadas pela conjuntura e pelos média)6 nem semN

pre coincidem com as visões institucionais dos respetivos países.

As ameaças podem ser as mesmas, mas em conjunturas diferentes têm acuiN

dade e perceções diferentes. Assim, podemos assumir que existem novas ameaN

ças num novo Mundo, e daí a necessidade de as caracterizarmos ao longo deste

livro com os “óculos” dos novos tempos! É o que farão os diferentes autores,

conhecedores e estudiosos profundos das diferentes ameaças em estudo.

Numa abordagem muito genérica, podemos sintetizar que os estados e as

organizações internacionais fazem as suas leituras em função dos seus valores,

interesses e objetivos políticos, no entanto, as novas ameaças e riscos transnaN

cionais que identificam explicitamente nas suas estratégias nacionais, são em

tudo semelhantes, pois refletem uma consciência coletiva que ultrapassa mares

e civilizações. Mas vejamos mais em pormenor algumas das razões associadas a

esta visão, mais ou menos comum, das ameaças e riscos transnacionais.

4 PEW RESEARCH CENTRE – Global Threats. [Consultado em: 8 novembro 2015]. DispoNnível em http://www.pewglobal.org/2015/07/14/climateNchangeNseenNasNtopNglobalNthreat/ 5 O que reforça a importância da 21ª conferência do clima, que se realiza em dezembro de 2015, em Paris. 6 Existem ainda diversas organizações empenhadas especificamente neste tipo de ameaças como a Skoll Global Threats Fund (http://www.skollglobalthreats.org/aboutNus/missionNandNapproach/ ), que trabalha com mais acuidade as alterações climáticas, a segurança da água (ou falta dela), as pandemias, a proliferação nuclear e o conflito no médio oriente.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

36

AAAAS AMEAÇAS E RISCOS TS AMEAÇAS E RISCOS TS AMEAÇAS E RISCOS TS AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAIS:::: VISÕES DO VISÕES DO VISÕES DO VISÕES DO CCCCONSELHO DE ONSELHO DE ONSELHO DE ONSELHO DE SSSSEGURANÇA DAS EGURANÇA DAS EGURANÇA DAS EGURANÇA DAS NNNNAÇÕES AÇÕES AÇÕES AÇÕES UUUUNIDAS NIDAS NIDAS NIDAS

Na impossibilidade de analisar a posição relativa às ameaças e riscos transN

nacionais por parte dos cento e noventa e três estados que têm assento na

assembleia geral das nações unidas, assim como por parte das inúmeras orgaN

nizações internacionais, optámos por escolher os cinco membros do Conselho

de Segurança (EUA, China, Rússia, Reino Unido e França) da ONU. Constitui

uma amostra simples e reduzida em número, mas representativa em termos de

peso político, de peso militar (ver figura 1), de potencial estratégico, de dimenN

são económica e populacional.

Para além dos cinco países acima referidos, e nos estudos preliminares,

estudámos ainda, os diferentes países da União Europeia e da NATO, com

especial relevo para a Alemanha7 e Portugal8, mas também outros países com

aspirações legítimas (por razões diferentes) a fazerem parte do mesmo conselho

de segurança, nomeadamente a Africa do Sul9, o Brasil10, o Canadá11 e o Japão12.

Todos os estados analisados cultivam os valores da democracia, da liberdade,

do estado de direito e dos direitos humanos, e publicaram documentos estratéN

gicos (nem sempre estratégias nacionais) que explicitam, de modo particularN

mente claro, as ameaças aos seus valores, interesses e objetivos políticos. Uma

leitura muito genérica, dáNnos a perceção de que está sempre presente a realiN

dade regional de cada potência em causa, o que coloca, salvo melhor opinião, as

ameaças em três níveis: o global ou transnacional, em tudo semelhante; o regioN

nal, claramente diferenciado; e o local ou estadual, específico de cada país e por

vezes exposto de maneira particularmente transparente, como no caso do Japão

relativamente à Coreia do Norte ou à China.

Mas vejamos mais em pormenor a perspetiva das ameaças transnacionais

para os cinco membros do CS da ONU.

7 Germany Defence Policy Guidelines; Safeguarding National Interests – Assuming Interna,tional Responsibility – Shaping Security Together, 27 May 2011. 8 Conceito Estratégico de Defesa Nacional, (Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2013, de 5 de abril), 2013. 9 South African Defence Review, 2014. 10 Estratégia Nacional de Defesa: Paz e segurança para o Brasil, Ministério da Defesa, 2ª edição, 2008. 11 Canadá First Defence Strategy, National Défense, 2008. 12 National Security Strategy, Japan, December 17, 2013.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS

37

OOOOS S S S EUAEUAEUAEUA

Entre os cinco países do CS da ONU começamos pelos EUA, “a potência

global com capacidade de intervenção global”, e por uma análise comparativa

(ver figura 2) das ameaças explícitas nas National Security Strategy (NSS) de

2000 a 2015. Com pequenas exceções, de âmbito mais federal (“meios que desN

truam as nossas infraNestruturas críticas; Ameaças ou ataques contra cidadãos

americanos no estrangeiro ou contra aliados”…) ou regional (“potenciais agresN

sores regionais; conflitos regionais”…), a grande maioria das ameaças constanN

tes nas diferentes estratégias de segurança nacional dos EUA são de cariz

transnacional. Entre estas, destacaNse claramente o terrorismo, que já em 2000

era considerado como a “nova ameaça”, curiosamente então a par da segurança

cibernética. A partir de 2001, o terrorismo transnacional passou a dominar a

agenda dos EUA (e mundial) enquanto ameaça transnacional, fenómeno mais

tarde “corrigido” pela administração Obama como um instrumento ou tática

utilizada por diferentes atores internacionais para atingirem os seus objetivos

políticos, casos da AlNQaeda e do ISIS (Islamic State of Iraq and Syria; mais

diluído ao longo da NSS de 2015). “Para Obama, os EUA não estão em guerra

contra uma tática – o terrorismo, nem contra uma religião – o Islão. Os EUA

estão em guerra contra uma rede específica, a AlNQaeda e contra os terroristas

seus afiliados.”13

Constatamos assim, que apesar de se manterem sensivelmente as mesmas

ameaças transnacionais ao longo de cerca de 15 anos, independentemente das

administrações republicanas e democratas, das conjunturas e do carisma dos

diferentes presidentes, houve uma evolução considerável do significado atribuíN

do às diferentes ameaças transnacionais, com a consequente diferença ao nível

das estratégias de ação a desenvolver por todos os atores da segurança e defesa

envolvidos (os quais evoluíram ao longo dos anos, casos da criação do Depart,

ment of Homeland Security e do US Northern Command). Nos dias de hoje, os

EUA combatem as ameaças transnacionais com o empenho concertado de

todas as forças e serviços de segurança, e criam, regularmente, novas estrutuN

ras e mecanismos de funcionamento, no sentido de colmatar as principais lacuN

nas identificadas pelas “lições aprendidas”.

Declaradas, de modo mais ou menos explícito, na NSS 2015, as ameaças

transnacionais para os EUA passaram a incluir “a crise económica global” (em

13 BORGES, João Vieira. O Terrorismo Transnacional e o planeamento estratégico de segu,rança nacional dos Estados Unidos da América, Fronteira do Caos, Porto, 2013, p. 303.

Page 62: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

38

linha com as “ameaças ao sistema financeiro global” da NSS de 2010) e as

“grandes perturbações do mercado da energia”. Estas duas ameaças transnaN

cionais, que podem colocar diretamente em causa o interesse nacional dos EUA

(que cultiva o liberalismo democrático republicano enquanto american way of life)

associado ao bemNestar económico (e indiretamente à liberdade, à democracia, à

segurança e à estabilidade da ordem mundial), têm associadas estratégias de ação

assumidamente holísticas e de que já se sentem alguns resultados na praxis polítiN

ca. As restantes ameaças transnacionais, mais ou menos explicitas na NSS 2015,

continuam a incluir “os ataques catastróficos ao território e infraestruturas critiN

cas dos EUA” (em especial por parte de organizações terroristas), a “proliferação

e/ou uso de armas de destruição massiva”, os “surtos de doenças infeciosas gloN

bais graves”, as “mudanças climáticas” e as consequências significativas de seguN

rança associadas aos “Estados fracos e falhados” (incluindo atrocidades em

massa, conflitos regionais e crime organizado transnacional).

A postura estratégica dos EUA (american way of strategy), quer em termos

de pragmatismo, quer de objetividade dos conceitos de ação, manifestaNse na

maior clareza da abordagem das ameaças. Esta clareza tem ainda uma relação

direta com o facto da estratégia nacional ser construída com base numa matriz

de dominação assente nos eixos militar, económico e cultural e no pressuposto

de que têm de continuar a liderar e a moldar o sistema político internacional.

TabelaTabelaTabelaTabela 2.1. Ameaças explícitas nas Estratégias de Segurança Nacional dos EUA2.1. Ameaças explícitas nas Estratégias de Segurança Nacional dos EUA2.1. Ameaças explícitas nas Estratégias de Segurança Nacional dos EUA2.1. Ameaças explícitas nas Estratégias de Segurança Nacional dos EUA

NSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/Ameaças AmeaçasAmeaçasAmeaçasAmeaças

NSS 2000NSS 2000NSS 2000NSS 2000

1.Potenciais agressores regionais;

2.“Novas” ameaças como:

N proliferação de armas nucleares, químicas e biológicas;

N proliferação de armas ligeiras;

N ameaças à nossa informação e segurança cibernética;

N tráfico de pessoas e contrabando de emigrantes ilegais;

N meios que destruam as nossas infraNestruturas críticas;

N terrorismo;

N crime internacional.

3.As ameaças à “América na Era Global” passam também pelo aqueciN

mento global, que através do protocolo de Quioto pode proteger a

América de um futuro com a subida do nível das águas do mar e de

rutura económica.

NSS NSS NSS NSS 2002200220022002 N terrorismo;

N Rogue States (Estados Pária – Iraque, Irão e Coreia do Norte);

Page 63: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS

39

NSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/Ameaças AmeaçasAmeaçasAmeaçasAmeaças

N armas de destruição maciça (ADM);

N ameaças à saúde pública (pandemias) e ao ambiente;

N guerras civis em África que ultrapassam as fronteiras;

N Estados fracos, vulneráveis a ameaças transnacionais.

NSS 2006NSS 2006NSS 2006NSS 2006

1.Ameaças:

N terrorismo;

N tirania (combinação de brutalidade, pobreza, instabilidade, corN

rupção e sofrimento sob regimes despóticos), que inclui países

como a Coreia do Norte, o Irão, a Síria, Cuba, Bielorrússia,

Myanmar e o Zimbabwe;

N conflitos regionais;

N proliferação de ADM (assumida como a maior ameaça se associaN

da ao terrorismo);

N Estados fracos e zonas sem governo;

N novas capacidades tecnológicas (como a biotecnologia, a utilizaN

ção do ciberespaço e do espaço, e o controlo da energia).

2.Considera ainda como novos desafios (diferente de ameaça – classificaN

dos em tradicionais, irregulares, catastróficos e disruptivos) “multiplicáN

veis” pela globalização: as pandemias; o crime organizado, onde inclui a

pirataria e o tráfico de droga; e a destruição do ambiente.

NSS 2010NSS 2010NSS 2010NSS 2010

N AlNQaeda;

N extremistas violentos (em especial os que usam o terrorismo como

arma);

N mudança climática;

N conflitos armados;

N pandemias;

N proliferação de ADM (e em particular a sua posse por extremistas

violentos);

N redes criminais globais (em especial tráfico de drogas e fluxo ilegal

de pessoas e bens);

N ameaças assimétricas como as que visam atingir a nossa depenN

dência do espaço e do ciberespaço;

N ameaças ao sistema financeiro global…

NSS 2015NSS 2015NSS 2015NSS 2015

N Ataques catastróficos ao território e infraestruturas criticas dos

EUA;

N Ameaças ou ataques contra cidadãos americanos no estrangeiro

ou contra aliados;

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

40

NSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/Ameaças AmeaçasAmeaçasAmeaçasAmeaças

N Crise económica global ou desaceleração económica generalizada;

N Proliferação e/ou uso de armas de destruição massiva;

N Surtos de doenças infeciosas globais graves;

N Mudanças climáticas;

N Grandes perturbações do mercado da energia;

N Consequências significativas de segurança associadas aos Estados

fracos e falhados (incluindo atrocidades em massa, conflitos

regionais e crime organizado transnacional).

Fonte: National Security Strategy – NSS de 2000, 2002, 2006, 2010 e 2015.14

AAAA CCCCHINAHINAHINAHINA

A China não tem publicado, oficialmente, um novo conceito estratégico

nacional ou uma estratégia nacional de segurança. O documento oficial mais

próximo da visão ocidental da “grande estratégia” é datado de 1997, e continua

a ser referido frequentemente nos documentos oficiais.

De acordo com Alexandre Carriço15, o governo chinês foi publicando, ao

longo dos últimos anos, um conjunto de documentos e de declarações oficiais

sobre a visão de segurança e defesa da China, que no seu conjunto nos permiN

tem elencar a sua posição relativamente às ameaças para a China e o seu povo.

Uma leitura da primeira Chinese Military Strategy, de 26 de Maio de 201516,

enquadrada numa postura de “defesa ativa” do novo Ministro da Defesa da

China, levaNnos à seguinte listagem das ameaças:

N hegemonias (poder político e neoNintervenção);

N competição internacional pela distribuição dos recursos e energia;

N terrorismo transnacional e regional;

N disputas territoriais, de fronteiras, étnicas e religiosas;

N conflitos, crises e guerras regionais;

N pirataria;

N desastres naturais;

14 NATIONAL SECURITY STRATEGY OF THE UNITED STATES (December 2000) (September 17, 2002) (March 16, 2006) (May 27, 2010) (February 2015). White House. Washington DC. 15 Carriço, Alexandre. «Cinco Debates, Uma Grande Estratégia». Nação e Defesa, IDN, n.º 134, pp. 133N184. [Consultado em: 5 de novembro de 2015]. Disponível em http://www.idn.gov.pt/publicacoes/nacaodefesa/textointegral/NeD134.pdf . 16 China’s Military Strategy, The State Council Information Office of the People’s Republic of China, May 2015, Beijing. [Consultado em: 5 de novembro de 2015]. Disponível em https://cryptome.org/2015/05/prcNmilitaryNstrategyNcctvNamericaN15N0526.pdf.

Page 65: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS

41

N linhas de comunicação;

N espaço e ciberespaço (ciberameaças).

O resumo das ameaças a que atrás fizemos referência constitui uma leitura,

necessariamente “ocidental” e redutora, da abordagem chinesa das ameaças

transnacionais, que tem um cariz menos determinista, mas mais global, intemN

poral, harmoniosa e holística. A observação do General Xiong Guangkai, DireN

tor do Instituto Chinês para os Estudos Estratégicos Internacionais, constitui

um exemplo dessa postura oriental: “Os Estados Unidos não ameaçam por enN

quanto os interesses vitais da China, pelo que podemos viver com uma potência

hegemónica, mas a China terá mais dificuldades em cooperar no futuro devido

a comportamentos hegemónicos excessivos norteNamericanos, particularmente

no espaço asiático.”17. Neste sentido, estão também implícitas, ao longo do texto,

as ameaças de cariz regional, como são os casos dos diferentes conflitos na

ÁsiaNPacifico, com destaque para a questão de Taiwan.

Como refere Alexandre Carriço “…o pensamento estratégico oriental é mais

orgânico, flexível, menos mecanicista e determinista que o ocidental, pois recoN

nhece que existe um conjunto alargado de fatores e de forças que estarão semN

pre fora do controlo do mais arguto e resoluto estrategista.”18.

Com a globalização e o crescendo dos interesses nacionais da China

enquanto potência global (com inúmeros problemas regionais), o “Império do

Meio” passou a estar (facto assumido) mais vulnerável às ameaças transnacioN

nais.

A China ficará assim, cada vez mais perto do centro do novo Mundo e isso

terá repercussões inevitáveis para as lideranças da China e para uma eventual

Estratégia de Segurança. É já o caso da criação, em 2013, de uma Comissão de

Segurança Nacional, que provavelmente divulgará, em breve, documentos que

se assemelhem a uma Estratégia de Segurança Nacional da China.

AAAA RRRRÚSSIA ÚSSIA ÚSSIA ÚSSIA

A estratégia de segurança nacional da Rússia para 2020 foi publicada, a 12

de maio de 2009, por decreto do presidente Putin19.

17 Carriço, Alexandre. «Cinco Debates, Uma Grande Estratégia». p. 160. 18 Ibidem, p. 136. 19 Russia`s National Security Strategy to 2020, President of the Russian Federation, 12 May 2009. [Consultado em: 5 de novembro de 2015]. Disponível em http://www.geopoliticsnorth. org/index.php?option=com_content&view=article&id=152:russianNnationalNsecurityNstrategy NtoN2020&catid=35&Itemid=103.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

42

Independentemente da evolução da situação politica desde então, nomeaN

damente no que concerne aos conflitos na Ucrânia e na Síria, o documento

assume o sistema multipolar e os interesses políticos da Rússia no ambiente de

crise social e económica. No referido documento é de destacar o discurso imiN

nentemente patriótico, assim como o assumir de uma postura de liderança

mundial, a par dos EUA, designadamente no que concerne ao progresso tecnoN

lógico, à qualidade de vida, e à influência nos assuntos globais. Em face desta

postura, enquanto potência global com aspirações a ter capacidade de intervenN

ção global, o documento assume que as consequências em termos de exposição

às ameaças globais serão maiores, o que implicará, necessariamente (e tem

implicado!), um maior investimento na segurança e defesa.

O documento assume inclusivamente as “ameaças à segurança nacional”

como a possibilidade direta ou indireta de danos aos direitos constitucionais e

às liberdades, à qualidade de vida, à integridade da soberania e ou territorial, ao

desenvolvimento estável, e à defesa e segurança da Federação Russa.

São então assumidas, de modo explícito, as seguintes ameaças à segurança

nacional da Federação Russa:

– investigação ou outras atividades desenvolvidas por serviços especiais ou

organizações de países estrangeiros, e do mesmo modo por pessoas sinN

gulares, que causem danos diretos à segurança da Federação Russa;

– atividade de organizações terroristas, em grupo ou individualmente, com

implicações diretas em alterações violentas do sistema constitucional da

Federação Russa, a disrupção do normal funcionamento dos corpos de

estado (incluindo ações violentas contra atores governamentais, políticos

ou sociais), a destruição de instalações militares e industriais, de empreN

sas e instituições vitais ao apoio social e a intimidação da população,

incluindo por meios nucleares, químicos, biológicos e radiológicos;

– o extremismo das atividades nacionalistas, religiosas e étnicas, ou desenN

volvidas por outras organizações e estruturas, no sentido de destruírem a

unidade e a integridade territorial da Rússia, desestabilizando a situação

interna em termos políticos e sociais;

– a atividade de organizações transnacionais associadas ao crime, ligadas ao

tráfico ilegal, ao narcotráfico e a substancias psicotrópicas, a armas,

munições e explosivos;

– o crescimento persistente de atos criminosos, direcionados ao individuo, à

propriedade, ao poder do estado, à segurança pública e económica, e

atos ligados à corrupção.

Por outro lado, ao longo do texto são consideradas como ameaças:

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS

43

– a hegemonia da utilização a força (implicitamente refere os EUA e a

NATO);

– conflitos entre os principais atores do sistema politico internacional;

– a proliferação das armas de destruição massiva e o seu uso por terroristas;

– as atividades ilícitas nos domínios cibernético e biológico;

– extremismo violento com base em sentimentos nacionalistas, xenofobia,

separatismo e radicalismo religioso;

– situação demográfica associada a emigração ilegal, tráfico de droga e de

humanos e a outras formas de crime organizado transnacional;

– questões ambientais designadamente epidemias;

– questões relacionadas com a falta de água;

– instabilidade no Iraque e no Afeganistão, no Médio e no Próximo Oriente,

em países do Sul da Ásia e em África, e na península Coreana;

– questões relacionadas com a falta de recursos energéticos (a longo prazo).

Esta abordagem da Federação Russa tem subjacente não só a conjuntura,

mas uma maneira de pensar e fazer estratégia, assente numa postura ofensiva e

de reafirmação internacional. Efetivamente, as ameaças transnacionais são

diluídas ou associadas às questões internas, regionais e globais, de modo a que

possam ser sempre analisadas, atacadas e julgadas de diferentes modos. Deste

modo, tem relação direta com o regime político e com as lideranças, mas tamN

bém com uma postura tradicional de Império por parte da Rússia (a praxis está

a dar confirmar esta “way of strategy”, pelo menos na Ucrânia e na Síria…).

OOOO RRRREINO EINO EINO EINO UUUUNIDONIDONIDONIDO

O Reino Unido define claramente as ameaças atuais à sua segurança e inteN

gridade (que causam graves danos), na Estratégia Nacional de Segurança,

publicada em 201020.

De acordo com esse documento, o Reino Unido enfrenta hoje um conjunto

diferente e complexo de ameaças oriundas de uma miríade de fontes, nomeaN

damente:

– Terrorismo;

– Ciberataques;

20 A Strong Britain in an Age of Uncertainty: The National Security Strategy, HM GovernNment, 2010. [Consultado em: 5 de novembro de 2015]. Disponível em https://www.gov.uk/ government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/61936/nationalNsecurityNstrategy.pdf.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

44

– Ataques não convencionais, usando armas químicas, nucleares e biológicas;

– Acidentes em larga escala e riscos naturais.

O documento refere ainda, que as “novas” ameaças podem ter origem nos

estados, mas também nos atores não estaduais como terroristas, nacionais e

estrangeiros, insurgentes ou criminosos. Apesar dos ataques terroristas de

Londres (a 7 de julho de 2005, de que resultaram 56 mortos e 700 feridos), esta é

uma questão com que o Reino Unido se vem debatendo internamente há basN

tantes anos e que o afasta das abordagens mais globais das lutas contra o terroN

rismo transnacional.

O diploma sublinha também, a importância da segurança das fontes de enerN

gia localizadas em diferentes pontos do globo, assim como a proliferação nuclear

e os efeitos das mudanças climáticas (em especial na água e nos alimentos).

Constitui efetivamente uma visão pragmática das ameaças, decorrente da

sua posição geopolítica e geoestratégica, o que simplifica o levantamento dos

conceitos de ação e a consequente redução de investimento na segurança e

defesa (como estamos a assistir, pelo menos desde 2010). Os “riscos” inerentes

são trabalhados num capítulo específico e por organizações criadas no sentido

de os atenuar. São identificados 15 “riscos” agrupados em três níveis, com desN

taque para o primeiro nível, que inclui:

– terrorismo transnacional afetando o Reino Unido ou os seus interesses,

incluindo um ataque por terroristas com meios NBQR e/ou o aumento

dos níveis de terrorismo relacionado com a Irlanda do Norte;

– ataques hostis ao espaço ciber do Reino Unido por outros estados e ciber

crime em larga escala;

– grandes acidentes ou catástrofes naturais que requeiram uma resposta

nacional, tais como inundações costeiras graves que afetem três ou mais

regiões do Reino Unido ou uma pandemia de gripe;

– uma crise militar internacional entre estados, com implicações para o ReiN

no Unido, os seus aliados e outros estados e atores não estatais.

Esta postura transparente por parte do Reino Unido, que tem presente as

prioridades das ameaças e riscos, alarga inclusivamente as questões internas às

regionais e globais, mas certamente que não dispensa o “chapéu da segurança e

defesa” situado algures em Washington (EUA) ou Bruxelas (NATO).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS

45

AAAA FFFFRANÇARANÇARANÇARANÇA

A França tem, no Livro Branco de 2013, a sua Estratégia de Segurança e

Defesa21, onde constam as ameaças à sua segurança enquanto Estado com

capacidade de intervenção global.

Esta postura de uma França com responsabilidades acrescidas no concerto

das nações, tem implicações ao nível do reforço das capacidades militares e não

militares, mas também no que respeita a uma maior vulnerabilidade, como

assistimos recentemente com os ataques em Paris (à liberdade de expressão do

Charlie Hebdo, a 7 de janeiro de 2015 e à expressão da liberdade dos “cidaN

dãos”, a 13 de novembro de 2015, que levaram à morte mais de 130 inocentes).

O Livro Branco considera explicitamente como ameaças à segurança da

França:

– ameaças relacionadas com o poder;

* conflitos entre Estados;

* crescimento do investimento militar, em especial na Ásia;

* poder da China e da Rússia;

* destabilização regional;

* proliferação de armas de destruição massiva;

* ciberataques instigados por Estados.

– riscos relacionados com a fraqueza;

* estados fracos;

* estados falhados.

– ameaças e riscos intensificados pela globalização;

* movimentos de bens, mercados e pessoas;

* pirataria;

* terrorismo;

* ciberataques e espaço.

Em face desta visão alargada (e particularmente interessante) das ameaças e

riscos, o Livro Branco assume as prioridades, de modo a possibilitar um plaN

neamento mais objetivo e a desencadear uma ação mais eficiente e eficaz. As

prioridades foram então hierarquizadas do seguinte modo:

– agressão por outro estado contra o território nacional;

21 White Paper; Defence and National Security, 2013. République Française. [Consultado em: 5 de novembro de 2015]. Disponível em: http://www.rpfranceNotan.org/WhiteNPaperNonNdefenceNand

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

46

– ataques terroristas;

– ciberataques;

– ataques ao potencial cientifico e técnico;

– crime organizado;

– crises decorrentes de acidentes naturais, de saúde, tecnológicos e indusN

triais;

– ataques a franceses no estrangeiro.

Esta abordagem alargada das ameaças e riscos é pensada e trabalhada no

sentido de uma maior objetividade na análise e ação. Por outro lado, o assumir da

França como potência global, com capacidade de intervenção global, obriga a

uma leitura mais abrangente das ameaças transnacionais, sem deixar de defender

os interesses mais específicos da França. Resta saber se a França, com as sucessiN

vas reduções de investimento na segurança e defesa, continuará a dispor das

capacidades necessárias para defender as responsabilidades assumidas.

UUUUMA MA MA MA AAAANÁLISENÁLISENÁLISENÁLISE

Uma análise comparativa das ameaças mais comuns consideradas pelos

diferentes membros do CS da ONU, independentemente do tipo de regime

político, das organizações a que pertencem ou dos valores, interesses e objetiN

vos políticos nacionais, identifica o “terrorismo transnacional”, a “criminalidade

transnacional organizada”, a “proliferação de armas de destruição massiva”, as

“ciberameaças”, os “atentados ao ecossistema”, os “estados frágeis” e a “disputa

por recursos naturais escassos”.

Por outro lado, são percetíveis leituras necessariamente diferentes, quer no

que respeita ao entendimento das ameaças, quer no modo como se desenvolN

vem as ações no sentido de as destruir, designadamente:

– o terrorismo transnacional não é assumido pelos EUA como ameaça (ao

contrário dos restantes países), mas como tática ou instrumento de orgaN

nizações e seus aliados, considerados então como ameaças; por outro

lado, são também percetíveis as diferentes posturas do Reino Unido e da

Rússia, relativamente ao terrorismo, abordadas (compreensivelmente em

face de realidades diferentes) numa perspetiva simultaneamente estadual,

regional e transnacional;

– a proliferação e/ou uso de armas de destruição massiva não é considerada

pela China como uma ameaça à segurança nacional e internacional (mesN

mo considerando que o documento em análise não tem o mesmo grau de

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS

47

“institucionalidade” que os restantes), apesar de, tal como os restantes

membros do CS, ter assinado o tratado de não proliferação de armas

nucleares de 1968;

– as perturbações e competição no âmbito do mercado da energia, que são

uma preocupação nuclear para a EUA, a China e a Rússia, constitui uma

ameaça transnacional pouco trabalhada pela França e pelo Reino Unido;

– a pirataria, tem especial preocupação por parte da China, por razões assoN

ciadas a conflitos e disputas de âmbito regional;

– as atividades no domínio cibernético e as suas consequências para a seguN

rança interna e internacional, constituem uma “nova” ameaça transnaN

cional, cujas consequências não são ainda trabalhadas especificamente

por todos os membros, do mesmo modo; a globalização, enquanto fator

exponenciador das ameaças transnacionais, tem especial acuidade no

caso das ciberameaças, utilizadoras de um novo espaço de conquista

entre as maiores potências do globo; assim, com a utilização de novas

tecnologias em rede e com a consequente interdependência de todos os

atores, as fronteiras são esbatidas aumentando as dificuldades para os

defensores; por isso, esta tem sido a ameaça transnacional mais trabalhaN

da em termos defensivos, mas sobretudo no que respeita a reformas

estruturais das grandes potências globais, dada a sua relação importante

com a informação, as informações e os sistemas de informação (áreas criN

ticas para o Estado).

– as questões relacionadas com o direito à segurança do Estado, ou da disN

rupção do estado de direito, são trabalhadas de modo diferente, em espeN

cial pela Rússia, que as relaciona com diferentes tipos de ação, internas,

regionais e globais;

– as mudanças climáticas, desastres naturais, riscos naturais, catástrofes

naturais ou crises decorrentes de acidentes naturais são preocupações

dos diferentes estados, na sua grande maioria enquadradas como ameaN

ças e riscos e relacionadas não só com a sustentabilidade futura do planeN

ta mas também com interesses políticos muito específicos;

– os movimentos migratórios, que atualmente marcam as agendas da seguN

rança na Europa, são considerados como ameaças à segurança nacional

e internacional somente pela França e pela Rússia;

– os riscos são explicitamente trabalhados pela França e pelo Reino Unido,

mas com significados diferentes, associáveis não só a ameaças em que a

dialética de vontades não está presente (França) mas também às ameaças

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

48

mais prováveis em que não é possível fazer face com todos os recursos

(Reino Unido).

Estas leituras, necessariamente diferentes, têm relação direta com as postuN

ras estratégicas, mais ou menos globais, regionais e locais (ou estaduais), dos

cinco países em análise, e necessariamente com as suas “way of strategy” e

“way of life” (que não desenvolvemos no âmbito deste trabalho).

Dado que estamos a analisar potências com capacidade de intervenção gloN

bal, em que as ameaças identificadas são maioritariamente de cariz transnacioN

nal, são ainda percetíveis as preocupações com as questões internas e regionais,

muitas vezes abordadas em tom de dissuasão22, casos da Rússia e da China

relativamente à hegemonia dos EUA, ou da França relativamente ao poder da

China e da Rússia.

Por outro lado não existe uma identificação clara das diferentes das entre

ameaças e riscos, confundindoNse na sua maioria, apesar da associação mais

frequente dos riscos às ameaças não dependentes da ação humana ou que não

façam parte da dialética de vontades consciente.

Assim, consideramos que a imagem institucional das ameaças dos cinco

membros do CS da ONU é maioritariamente comum no que respeita às ameaN

ças transnacionais, apesar das leituras diferentes que são pontualmente feitas

das mesmas ameaças e das preocupações distintas de âmbito regional e local,

questões relacionadas direta e compreensivelmente com os valores, os interesN

ses e os objetivos políticos de cada Estado.

DDDDO O O O IIIINSTITUCIONAL AO NSTITUCIONAL AO NSTITUCIONAL AO NSTITUCIONAL AO RRRREALEALEALEAL

Nos últimos anos, com a crescente globalização das ameaças, a indefinição

da probabilidade de ocorrência das mesmas, da sua elevada periculosidade e da

sua “ultraterritorialidade”, são crescentes as dificuldades na sua avaliação, o

que vem exigindo e continuará a exigir um esforço de maior concertação entre

todos os atores do sistema político internacional, mas em especial por parte dos

estados e das organizações internacionais.

Houve efetivamente uma evolução considerável desde os ataques de 11 de

Setembro de 2001, no que concerne a uma maior cooperação entre as grandes

22 Os conceitos estratégicos das grandes potências constituem, simultaneamente, um instrumento de coesão interna e de difusão dos interesses dos Estados, um instrumento de referência interna em termos de trabalho institucional por parte dos diferentes atores envolvidos na segurança e defesa, mas também num instrumento de dissuasão relativaNmente a outros estados e às ameaças mais prementes.

Page 73: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS

49

potências e as organizações internacionais, na luta contra ameaças transnacionais

como o terrorismo, o crime organizado, a pirataria ou as alterações climáticas. E

essa cooperação teve, na sua grande maioria, como pressupostos da credibiliN

dade, a eficiência, a eficácia e a equidade, tendo sempre em consideração aspeN

tos determinantes como os limites da autodefesa, o equilíbrio entre soberania e

responsabilidade, a legalidade e legitimidade do uso da força, o respeito pelos

direitos do homem e a própria sobrevivência da humanidade.

Apesar dessa evolução positiva, sentida e vivida nos momentos em que

algum Estado (em especial ocidental e muito particularmente quando faz parte

do CS da ONU) é alvo de ataques perpetrados por organizações sem rosto, os

valores, os interesses e os objetivos políticos de cada um dos estados em geral e

dos membros permanentes do CS em particular, determinaram uma postura

institucional diferente, em conjunturas muito específicas. Efetivamente, o comN

bate real às diferentes ameaças nem sempre se faz ao encontro dos conceitos de

ação institucionais, e daí as dificuldades em realizar parcerias ou em encontrar

consensos em pleno conselho de segurança das nações unidas. Com a rápida

evolução do Mundo, com os novos problemas decorrentes das alterações climáN

ticas ou das crises financeira, económica, social e política, em 2030 ou 2050

teremos certamente uma perceção diferente destas e de outras ameaças de cariz

transnacional (tal como temos em 2015 relativamente aos movimentos migratóN

rios, em especial na Europa).

Muito para além da análise do comum e do diferente, do explícito e do implíN

cito, do transparente e do secreto, identificámos uma imagem do conjunto das

ameaças transnacionais, construída pela perspetiva institucional dos estados

com peso reconhecido no sistema político internacional de 2015.

No entanto, as soluções reais para um Mundo mais seguro e desenvolvido a

nível local, regional e global, passarão menos por descrições mais ou menos

institucionais e mais por uma melhor coordenação e cooperação efetiva entre

os Estados, em especial pelos membros do conselho de segurança das nações

unidas, necessariamente mais responsáveis e responsabilizados aos olhos do

Mundo.

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51

3.3.3.3. TTTTERRORISMO ERRORISMO ERRORISMO ERRORISMO TTTTRANSNACIONALRANSNACIONALRANSNACIONALRANSNACIONAL

JOÃO SERRA PEREIRA

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

Hillary Clinton declarou em 2010 que as redes terroristas transnacionais

representavam a maior ameaça à paz mundial, contrastando com a opinião do

professor John Mueller, para quem o perigo do terrorismo é largamente exagera,

do. Afinal, apenas umas centenas de pessoas morrem anualmente vítimas de aten,

tados terroristas e, para os americanos, o perigo de morrer por um atentado é

menor do que por alergia aos amendoins. Depois de uma breve discussão sobre os

conceitos fundamentais de terrorismo, terrorismo doméstico, internacional e trans,

nacional, propõe,se uma metodologia de avaliação dos resultados das campanhas

terroristas no sentido de saber da verdadeira utilidade do terrorismo.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: terrorismo, terrorismo internacional, terrorismo transnacional, utili,

dade.

IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO

O terrorismo entrou, definitivamente, nas nossas vidas. Não há dia sem que

novos episódios, a juntar a uma lista longa, não nos sejam revelados pelos meios

de comunicação social. No Iraque, na Nigéria, no Afeganistão, no Iémen, nas

Filipinas. ApresentamNse degolações. MostramNse explosões e exércitos a conN

quistar cidades, Mas, perguntaNse, é isso tudo terrorismo? Ou terrorismo é apeN

nas um termo para classificar o que não nos agrada? O que é afinal o terrorismo?

A nossa linguagem foi nas últimas décadas enriquecida com a vulgarização do

termo transnacional, aplicado também, ao fenómeno do terrorismo: terrorismo

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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transnacional. Esta expressão depressa ganhou os favores de comentadores,

jornalistas e académicos da disciplina. Mas, que é ao certo o terrorismo transN

nacional? O velho terrorismo internacional com roupagem nova, ou, de facto,

um novo tipo de terrorismo?

Numa época em que tanto se conta sobre o terrorismo, em que existe uma

grande ansiedade perante a crescente atomização e disseminação por todas as

longitudes deste fenómeno, uma lacuna tem persistido na literatura, a da invesN

tigação sobre os resultados políticos do uso do terrorismo. Conseguem, no fim

de contas feitas, as organizações terroristas, os seus objetivos políticos? E se

sim, em que medida?

Estas as perguntas orientadoras deste capítulo e, para as quais, se tenta

encontrar respostas. O capítulo está dividido em duas partes. Na primeira, disN

cutemNse os conceitos fundamentais de terrorismo em geral e de terrorismo de

tipo doméstico, internacional e transnacional; na segunda, trataNse da utilidade

do terrorismo. PassamNse em revista os estudos principais já realizados e proN

põeNse uma metodologia abrangente para a avaliação dos resultados obtidos

pelos grupos terroristas.

OOOOS S S S CCCCONCEITOSONCEITOSONCEITOSONCEITOS

O conceito de terrorismo transnacional não é consensual na literatura e

menos, ainda, o conceito de terrorismo, o que constitui um dos maiores proN

blemas no estudo deste fenómeno. O que é afinal terrorismo, terrorismo domésN

tico, terrorismo internacional ou terrorismo transnacional? E serão as

expressões terrorismo internacional e terrorismo transnacional equivalentes?

No sentido de aclarar o nosso entendimento sobre estes conceitos, segueNse

uma breve discussão sobre cada um deles.

TTTTERRORISMOERRORISMOERRORISMOERRORISMO1111

Num tratado fundamental sobre terrorismo (Schmid & Jongman, 1988),

podiamNse encontrar 109 diferentes definições de terrorismo, provenientes de

múltiplos departamentos e agências governamentais e dos mais insignes acaN

démicos e estudiosos deste fenómeno. Número que, por tão avassalador, parece

1 As secções do conceito de terrorismo em geral e da utilidade do terrorismo, são adaptaNções baseadas na dissertação de doutoramento do autor (Pereira, 2015).

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TERRORISMO TRANSNACIONAL

53

capaz de desanimar qualquer curioso ou potencial estudioso deste fenómeno.

Era previsível que com as aturadas e exaustivas investigações posteriores à

publicação dessa obra de referência, particularmente depois do 11 de Setembro,

algum possível consenso, pelo menos na academia, se fosse formando. Mas,

piores notícias apareceram com uma edição atualizada do tratado, onde o

número de definições de politólogos, filósofos, psicólogos, entidades públicas,

organizações policiais ou de informações sobe para 250 (Schmid, 2011, pp. 99N

157). A dificuldade de encontrar um entendimento comum é reconhecida pelos

mais importantes estudiosos. “Bermuda Triangle”, chamouNlhe Brian Jenkins

(2004); [s]emantic Jungle", constatou Stephen Sloan (Sloan, 2006, p. 19). Como

sintetizou Jeff Victoroff (2005), pode dizerNse que, em relação à definição de

terrorismo, há tantas definições quanto o número de peritos na disciplina. Mas

o que faz, afinal, o conceito de terrorismo tão elusivo?

Walter Laqueur notou (1999, p. 6) que Nietzsche oferece uma primeira resN

posta quando afirmou que apenas o que não tem história é passível de ser defiN

nido (Nietzsche, 2007, p. 53). De facto, o terrorismo tem um longuíssimo

passado. Qualquer trabalho sobre a História do Terrorismo não esquece os

Sicários, grupo judeu que lutava contra a ocupação romana na Palestina, no

primeiro século da nossa era, ou um grupo chamado Assassinos (1090N1275)

que actuou na Pérsia, na Síria e na Palestina pretendendo a purificação do islão.

Para vários autores, Sansão foi o primeiro terrorista suicida (Moghadam, 2008;

Salib, 2003). No século XVI, os portugueses sofreram ataques suicidas nas guerN

ras contra os sultões de Achém. Em 1512, Afonso de Albuquerque, numa das

suas cartas, contava que um muçulmano tinha sido canonizado por ter morrido

na guerra contra os cristãos (Dale, 1988). Depois, seguiuNse o terrorismo

moderno iniciado com a revolução Francesa. Terrorismo de estado, logo de

carácter substancialmente diferente para complicar as coisas. SucedemNse as

famosas quatro vagas de Rapoport que se iniciam com os anarquistas russos do

fim do século XIX, passando pelo terrorismo nacionalista entre 1920 e 1960, o

terrorismo ideológico dos anos 60 e 70 do século XX e o terrorismo de matiz

religioso do nosso século. É, em consequência, difícil encontrar uma definição

que possa incluir todos estes tipos numa definição moderadamente concisa.

Uma definição abrangente teria que ser tão ampla quanto difusa. De significado

vago e sem aplicação prática.

Uma segunda resposta encontraNse na carga altamente política que o vocáN

bulo contém. A palavra terrorismo tem uma conotação negativa e ninguém se

quer ver associado ao aviltante termo terrorista. Terrorismo é hoje um termo

pejorativo e nisso todos concordam, como sublinha Hoffman (1998, p. 23).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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Implica, um julgamento moral, aquilo que os “bad guys do", como afirmou JenN

kins (1980). Longe vão os tempos em que os terroristas afirmavam orgulhosaN

mente que o eram, como Vera Zazulich, anarquista russa do século XIX, que

declarou em julgamento que não era uma criminosa mas uma terrorista

(Pedahzur, 2006, p. xvi; cf. Gupta, 2012). No século XX, os terroristas preferem

ser tratados como guerrilheiros, lutadores pela liberdade, rebeldes ou mártires

(Gupta, 2006, p. 6; Hoffman, 1998, p. 21). Esta conotação tão negativa explica em

parte a razão de os estados não concordarem numa definição onde eles próN

prios, ou grupos deles próximos, nela poderiam ser incluídos.

A incapacidade de se encontrar uma definição favorece o relativismo moral,

tão presente neste debate, e condescende com "the cliché that one man`s terroN

rist is another man`s freedom fighter "(Jenkins, 1980) e com a duplicidade de

discursos tantas vezes proferidos, defendendo que, ser ou não ser terrorismo,

não depende de um método, de uma técnica, do modo de actuar, mas, do objecN

tivo político. O expoente máximo desta corrente, Yasser Arafat, defendeu nas

Nações Unidas, em 1974, que a diferença entre o revolucionário e o terrorista

reside na justeza da causa (Arafat, 1974).

Apesar de todas as divergências, existe entre os académicos um razoável

entendimento sobre alguns traços nucleares do terrorismo.

1. A violência ou a ameaça de violência estão sempre presentes.

2. O terrorismo procura criar um clima de medo, obter efeitos psicológicos

para além das vítimas directas. Ideia tão bem captada por Brian Jenkins,

quando escreveu que terrorismo é para as pessoas verem, terrorismo é

teatro (Jenkins, 1985).

3. O terrorismo persegue objetivos políticos.

Objetivos políticos, violência e medo são palavras incessantemente repetidas

por muitos daqueles que estudam o fenómeno (Cronin, 2009, p. 7; Hoffman,

1998, p. 40; Jenkins, 1980; Moghadam, 2006, p. 5; Richardson, 2007, pp. 4,5;

Walzer, 2004, p. 130; Wilkinson, 2006, p. 1)

Dois motivos de maior contenção são os relativos aos sujeitos do terrorismo

e às vítimas. No primeiro caso, a questão está em saber se devem ser incluídos

actos cometidos por estados, ou se se reserva a nomenclatura de terrorismo

apenas para actos executados por organizações subnacionais. Esta última corN

rente tem sido a dominante. (Cronin, 2009, p. 7; Enders & Sandler, 2006, p. 3;

Hoffman, 1998, p. 40; Moghadam, 2006, p. 5). Particularmente agressiva na

defesa da ideia que os estados não devem ser excluídos no estudo sobre terroN

rismo, enquanto possíveis autores de acções terroristas, estão os académicos de

uma nova escola, Critical Terrorism Studies, como Richard Jackson, Jeroen

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TERRORISMO TRANSNACIONAL

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Gunning, Jeffrey Sluka e Jacob Stump, entre outros. Para estes autores é absurN

do não reconhecer que os estados podem praticar terrorismo (Jackson, 2009).

De facto, a literatura está dominada pelos que defendem que só o terrorismo de

origem subnacional deve ser estudado enquanto terrorismo. Ao abrir um livro,

um jornal especializado, ou ao consultar uma base de dados sobre terrorismo é

quase certo que, na esmagadora maioria dos casos, o foco está no terrorismo

subnacional.

A tese contrária alega que para os estados, vinculados ao direito internacioN

nal contrariamente aos grupos terroristas, há outros termos aplicáveis para

eventuais actos confundíveis com terrorismo, como abuso de poder ou crime de

guerra (Cronin, 2009, p. 7; Richardson, 2007, p. 5). O argumento da clareza conN

ceptual tem, também, sido invocado. Ao terem maiores recursos, os estados

movemNse num ambiente diferente. Os actos praticados pelos estados passíveis

de serem considerados terroristas, têm uma natureza completamente distinta.

Seria aduzir mais confusão para o estudo do terrorismo.

Outro problema, é o de saber se o tipo de alvo, as vítimas directas de um

ataque, é definidor, ou deve ser definidor, do que constitui o terrorismo. Regra

geral, podeNse afirmar que existe um consenso de que ataques contra forças

militares devem ser classificados como actos de guerrilha e não como terrorisN

mo, guardandoNse a classificação de terrorismo para os ataques a civis. Em

consequência, um dos atributos do terrorismo, para muitos autores a pedra de

toque que separa o terrorismo de outras formas de violência política, é o de

alvejar civis (Combs & Slann, 2007, p. 320; Cronin, 2009, p. 7; Enders & Sandler,

2006, p. 3; Ganor, 2002 ; Moghadam, 2006, p. 5; Richardson, 2007, p. 4; Walzer,

2004, p. 130).

O problema começa a adensarNse quando se pretende saber o que deve ser

incluído na classe de civis, que contém muitas categorias. Há, por exemplo, os

civis que nada têm de inocentes, como espiões, colaboradores, e, até, aqueles que

pegam em armas (Gade, 2010). Devem os membros de um colonato israelita na

margem ocidental ser classificados como "innocent bystanders"? A expressão

civis inocentes parece adequada para fazer a separação entre os civis que têm

parte activa no conflito dos outros. E os militares em missões de paz? O Hezbollah

matou 241 marines americanos – em missão de paz no Líbano, em 1983 – que

percebia como favorecendo uma parte do conflito. Deve este ataque ser consideN

rado terrorismo? Guerrilha? O ataque ao Pentágono, o centro do poderio militar

americano, a 11 de Setembro, deve ser considerado terrorismo ou um acto de

guerrilha? (Schmid, 2011, p. 46). Estas são aquelas questões que estão numa zona

feita de ambiguidade e para a qual não é fácil encontrar uma boa resposta.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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Na construção de um conceito operativo de terrorismo são considerados os

seguintes elementos para classificar um acto como terrorismo: ataques contra

civis inocentes; fins políticos; violência executada ou ameaçada; actos perpetraN

dos por entidades subnacionais, ainda que agrupadas de forma transnacional;

criação de um ambiente de medo. A definição operacional de terrorismo pode

ser assim expressa: terrorismo é o uso de violência por grupos subnacionais

contra civis inocentes, procurando intimidar uma audiência, com objetivos políN

ticos. Esta definição parece obedecer a um crescente consenso na academia.

TTTTERRORISMO ERRORISMO ERRORISMO ERRORISMO DDDDOMÉSTICOOMÉSTICOOMÉSTICOOMÉSTICO,,,, IIIINTERNACIONAL E NTERNACIONAL E NTERNACIONAL E NTERNACIONAL E TTTTRANSNACIONALRANSNACIONALRANSNACIONALRANSNACIONAL

As tipologias do terrorismo mais usuais dizem respeito à motivação e ao

espaço geográfico (Stepanova, 2008). Neste último tipo, a divisão clássica faziaN

se entre terrorismo doméstico e internacional. No primeiro tipo, perpetradores,

vitimas, audiência, propriedade, financiamento e consequências estavam confiN

nados ao mesmo país (Klein, 2015; Sandler, Arce, & Enders, 2008; Wilkinson,

2011, p. 6). No segundo, a mais que um país (Kushner, 2003, p. 365).

É claro que estas definições obedecem a tipos puros como no caso do ataque

por Timothy McVeigh em Oklahoma City, em Abril de 1995, ou de maoistas no

Nepal (Stepanova, 2008). Em muitos outros casos, considerados enquanto terroN

rismo doméstico, está presente uma componente internacional. Como diz WilN

kinson qualquer grupo que mantenha uma actividade prolongada acaba por

desenvolver ligações internacionais, ou para aquisição de armas ou para obter

recursos financeiros (Wilkinson, 2011, p. 6). Os grupos de esquerda que actuaN

ram na Europa Ocidental nos anos 70 e 80 do século passado, mantinham ligaN

ções internacionais com grupos ideologicamente afins e os campos de treino

palestinianos estavam sempre abertos para receber militantes de outros grupos

de filiações ideológicas próximas (Stepanova, 2008). Tendência que, naturalN

mente, se acentua com a globalização. O puro terrorismo doméstico será cada

vez mais raro e mais difícil de distinguir do terrorismo internacional

Das 250 definições de terrorismo compiladas no tratado de Alex Schmid

(Schmid, 2011, pp. 99N157), cerca de 20 dizem respeito ao terrorismo internacioN

nal. Em todas, excepto uma, terrorismo internacional é definido enquanto terroN

rismo que envolve cidadãos, propriedade ou território de dois ou mais estados.

Digamos que a palavra internacional é usada na sua acepção comum. A expresN

são terrorismo transnacional aparece referida apenas uma vez, por Edward MicN

kolus como expressão equivalente a terrorismo internacional (Schmid, 2011). A

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TERRORISMO TRANSNACIONAL

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excepção é de David Milbank que acrescenta um elemento às definições proposN

tas, a de que o terrorismo internacional é o terrorismo que atravessa fronteiras

e é patrocinado por um estado.

Até à introdução do termo transnacional, a linha de demarcação entre os

dois tipos era, portanto, muito clara. O crescente uso da expressão terrorismo

transnacional lançou inicialmente alguma confusão conceptual que pode vir a

ser ultrapassada com benefício para a disciplina. Para alguns autores os termos

eram e são equivalentes. (Sandler et al., 2008). Usar uma ou outra era indistinto.

Para outros, no entanto, o uso de uma ou outra expressão passou a significar

coisas diferentes. Progressivamente, podem constatarNse duas fases, não absoN

lutamente sequenciais temporalmente já que existiu e permanece alguma

sobreposição.

A introdução da palavra transnacional em Relações Internacionais é feita no

âmbito da teorização sobre as mudanças que ocorreram no Mundo nas últimas

décadas. A emergência de novos actores não estatais, crescentes interdepenN

dências e interacções globais entre todos os actores, reflectidas no aumento do

fluxo nas comunicações, nos transportes, nos movimentos financeiros e de pesN

soas, levou a algum declínio na centralidade dos estados. PrecisavaNse de uma

palavra que exprimeNse a nova realidade. Nye e Keohane estiveram na primeira

linha dos que descreveram o novo paradigma e importa ver como definiram os

dois conceitos cruciais, internacional e transnacional. Nye e Keohane distinN

guem as interacções internacionais das transnacionais pela participação ou não

de actores nãoNgovernamentais. As primeiras, são inteiramente entre estados

ou controladas por estados, enquanto, nas segundas, ao menos um dos actores

não é um governo ou uma organização intergovernamental (Nye & Keohane,

1971). Esta concepção influenciou vários autores que passaram a considerar

terrorismo internacional aquele que ultrapassasse fronteiras quando os grupos

perpetradores fossem controlados por um estado, reservando a expressão transN

nacional para o terrorismo praticado por grupos autónomos. David Milbank

incorpora os conceitos de Nye e Kehoane ao definir terrorismo transnacional

como acção de actores autónomos não estatais, mesmo que gozem de algum

apoio por parte dos estados e terrorismo internacional aquele praticado por gruN

pos controlados por um estado (Milbank apud Schmid, 2011). Esta é ainda a forN

ma como alguns autores utilizam a duas expressões (Richardson, 1999).

Se este conceito fosse aplicado retrospectivamente muito daquilo a que temos

chamado terrorismo internacional passaria a ser denominado terrorismo transN

nacional. Posteriormente, começaNse a utilizar a expressão terrorismo transnaN

cional para classificar uma nova manifestação de terrorismo, um novo tipo.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

58

A forma como em cada época a guerra é feita reproduz fielmente a estrutura

organizativa da sociedade, as suas relações sociais e produtivas, os seus valores,

o seu nível tecnológico, a forma como transmite a informação. O poder militar e

os conceitos estratégicos que o enformam espelham fielmente a sociedade donN

de emanam, influenciando e sendo influenciados numa dialéctico infindável. A

revolução industrial trouxe a massificação da produção e trouxe exércitos

gigantescos (levée en masse). A segunda revolução industrial introduziu meios

de transporte e de comunicação mais velozes e o general Moltke potenciou a

mobilidade dos exércitos. A nossa era trouxe a informação e a facilidade das

comunicações para o primeiro plano e estruturas hierárquicas foram dando

lugar a estruturas horizontais de infindáveis conexões abraçando todo o planeN

ta. Elementos feitos de imaterialidade e intangibilidade, o virtual, elevaramNse a

protagonistas da nossa contemporaneidade. À revolução tecnológica corresN

pondeu necessariamente uma nova forma de fazer guerra cujas primeiras maniN

festações se expressaram na primeira guerra do Iraque e foram depois

aperfeiçoadas e teorizadas por estrategas da estatura do Almirante Cebrowski,

entre outros. Até atingir a sua maturação na teoria da Network Centric Warfare.

A guerra é a imagem da sociedade, afirmouNse. Ora, não esqueçamos que o

terrorismo é uma forma de guerra. Também ele, como as forças militares instituN

cionalizadas, reflecte a sociedade onde vive, bebendo as transformações que se

vão operando. Alfred Nobel inventou a dinamite? De imediato os grupos terrorisN

tas saudaram a inovação com explosões por toda a Europa. Os primeiros zepelins

foram criados e logo um terrorista alemão, Johann Most, propôs a sua utilização

para atirar bombas sobre paradas militares para matar imperadores e czares

(Laqueur, 1999, p. 14). A aviação comercial entrou no quotidiano das pessoas? De

imediato surgiram os primeiros desvios em pleno voo. A televisão tornouNse num

produto de consumo de massas e logo surgiram formas espectaculares de aproN

veitamento desse facto como os atentados de Munique. A globalização trouxe

uma grande integração de mercados, um irrestrito fluxo de comunicações, de

pessoas de bens e capitais? A desterritorialização de pessoas, empresas e valores?

O terrorismo encontrou o conceito estratégico adequado ao tempo presente: o

terrorismo transnacional. Nesta perspectiva, o terrorismo transnacional não é

mero terrorismo praticado por grupo autónomos, não subordinados a estados,

mas uma nova forma de fazer guerra assimétrica como reflexo da sociedade atual.

Este é o nosso entendimento sobre a expressão. Assim, tanto a Network Centric

Warfare, como o terrorismo transnacional, correspondem à forma de fazer guerN

ra que reflecte a sociedade em que vivemos. IdentificamNse com a nossa contemN

poraneidade, tal como teorias militares passadas se identificaram com as suas.

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TERRORISMO TRANSNACIONAL

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A definição clássica de terrorismo internacional permanece válida e um ataN

que do Hezbollaz na Argentina ou na Bulgária deve continuar a ser classificada

como terrorismo internacional. Já ataques como o de Madrid em 2004, da

maratona de Boston em 2013, ou do Charlie Hebdo em 2015, devem ser incluíN

dos na categoria de terrorismo transnacional.

PodeNse enunciar um conjunto de característicos deste novo tipo de terroN

rismo, a saber:

– A estrutura organizativa é descentralizada e em rede. Não existe um líder

que controle e ordene mas uma figura(s) inspiradora que traça grandes

linhas de orientação.

– Uso das novas tecnologias de informação.

– Objetivos locais, regionais e globais. Muito notório no caso do Al Qaeda

que, para além do objectivo do derrube dos monarcas considerados

apóstatas, em cada país, recusava a divisão em países do Médio Oriente

imposta pelo ocidente e aspirava a um califado mundial.

– Preponderância da religião.

– Independência financeira dos estados.

– Maior destruição possível.

O que é verdadeiramente notável neste terrorismo, como nota Cronin, é a

sua natureza autogeneradora (2009). A própria globalização produziu um tipo

de cidadãos que para além de fidelidade e identidade locais são, simultaneaN

mente, cidadãos globais, ou melhor, transnacionais, com múltiplas conexões

que ignoram a geografia e que vão alimentando o terrorismo transnacional.

AAAA UUUUTILIDADE DO TERRORISTILIDADE DO TERRORISTILIDADE DO TERRORISTILIDADE DO TERRORISMOMOMOMO

Nestes tempos de grande inquietude sobre a ameaça real que o terrorismo

representa, é importante perceber o que é que os grupos que utilizam o terroN

rismo conseguem obter por essa via. É o terrorismo um método eficaz de obter

plenamente os fins que pretendem alcançar? Apenas parcialmente? Um comN

pleto fracasso? É uma ameaça estratégica como o foi a União Soviética? Ou é,

sobretudo, barulho?

A literatura sobre o terrorismo que, de facto, só se inicia depois dos atentaN

dos de Munique, em 1972, e conhece um extraordinário impulso com o 11 de

Setembro, tem sido pródiga em estudar o terrorismo sob diversos ângulos: a

sua natureza, a sua tipologia, as suas causas, as motivações psicológicas dos

terroristas ou as relações com a religião, entre outros temas. A temática da

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

60

avaliação dos resultados, da inquirição sobre o grau de realização dos fins perN

seguidos, tem merecido da academia, até recentemente, uma atenção apenas

marginal. No entanto e não obstante não ter estado na linha da frente das preoN

cupações dos estudiosos, pode encontrarNse claramente na literatura, duas corN

rentes opostas. A primeira, decidindo a inutilidade do terrorismo como

estratégia capaz de gerar mudanças políticas ou obter benefícios relevantes; a

segunda, defendendo o oposto, isto é, afirmando o terrorismo como extremaN

mente bemNsucedido na conflitualidade política.

Defendendo a tese de que o terrorismo não obtém sucesso, grandes nomes

da primeira vaga dos estudos sobre terrorismo (décadas de 70, 80 e 90), como

Rapoport, (Rapoport, 1971, p. 55), Brian Jenkin (Jenkins, 2005, p. 128), Walter

Laqueur (Laqueur, 2001, pp. ix, x) e Thomas Schelling (T.Schelling, 1991) arguN

mentaram que o terrorismo era incapaz de obter sucessos políticos de algum

relevo. Num estudo elaborado por investigadores na RAND Corporation afirN

mavaNse mesmo que o terrorismo era fundamentalmente um fracasso (Cordes

et al., 1984, p. 49).

A corrente oposta foi defendida também, por notáveis autores. Boaz Ganor

(Ganor, 2001, pp. 6,7), Ehud Sprinzak (Sprinzak, 2000) ou Alan Dershowitz –

invocando que o resultado dos primeiros atentados da Organização de LibertaN

ção da Palestina foi o reconhecimento internacional e o convite a Arafat para

discursar nas Nações Unidas (2002, pp. 3N15), afirma que a verdadeira causa do

terrorismo é o seu sucesso – são expoentes desta corrente.

SucedemNse na literatura juízos contrários e aparentemente irreconciliáveis.

No entanto, uma análise cuidada permite concluir que a verdade é outra. O que

acontece é que devido ao facto de não se ter desenvolvido uma adequada metoN

dologia, não existe uma sintonia discursiva e metodológica sobre exactamente o

que se está a afirmar. Para uns autores, o sucesso é alcançado se se conseguir

uma pequena concessão, se o atentado for publicitado na imprensa, se um clima

de medo se instalar na opinião pública; para outros, se os objetivos últimos

forem plenamente conquistados, a libertação de um território conseguida, o derN

rube de um governo alcançado. Assim, todas as opiniões atrás expostas podem

não ser contraditórias mas, de uma forma não percebida, apenas complementaN

res. Nesta primeira fase, pode dizerNse que as avaliações eram feitas de uma

forma um pouco impressionista, ao sabor de alguns eventos mais significativos

e sem, repeteNse, qualquer uniformidade metodológica. As valorações nunca

obedeciam a uma análise exaustiva e sistemática de dados recolhidos. Eram

suportadas em selecções de casos que suportavam os juízos proferidos. Um

determinado autor afirmava a utilidade do terrorismo e justificava a sua opinião

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TERRORISMO TRANSNACIONAL

61

nos casos A, B e C e, outro autor sustentava a posição contrária baseado nos

casos D, E e F. Em suma, havia uma grande confusão sobre a temática e uma

absoluta ausência de qualquer cientificidade. Mesmo que envoltas em belas e

atractivas frases, não havia nenhuma metodologia, quaisquer testes, nenhum

sinal de qualquer sistematização na análise. Era o tempo da sabedoria e não o do

conhecimento científico como poderia dizer Popper.

Uma nova vaga de autores foi surgindo e trazendo o tema da utilidade do terN

rorismo para um plano mais visível. Duas inovações são particularmente imporN

tantes. A primeira, foi a de introduzir métodos científicos na disciplina.

Beneficiando das novas tecnologias e de novas bases de dados muito completas,

os novos autores têm produzido estudos apoiados em análises quantitativas, muiN

to sofisticados nalguns exemplos e, consequentemente, investigações mais aproN

fundadas sobre esta temática. A segunda foi a introdução de diferentes matizes

nas análises, integrando novas variáveis, produzindoNse estudos de maior comN

plexidade, em que as conclusões são servidas por uma paleta mais rica. Assim,

avaliações gerais, abrangentes e dicotómicas como o terrorismo é um método

eficaz/ineficaz, que obtém sucesso/fracasso, vão dando lugar a outras, mais preciN

sas e com mais elaborados níveis de análise. Para além de serem considerados os

objetivos últimos de cada organização, vãoNse integrando objetivos de diferentes

dimensões, como a libertação de prisioneiros, a expulsão de tropas estrangeiras

de um território ou a elevação do prestígio do grupo. Assim, ao serem consideraN

dos diferentes tipos de objetivos, julgamentos mais matizados como o terrorismo

é um método eficaz para conseguir o objectivo A, mas ineficaz para alcançar o

objectivo B, determinado objectivo tem taxas de sucesso x e outro y, começam a

surgir de uma forma natural e sistemática.

Entre estas novas investigações, há que destacar o trabalho do professor

Robert Pape, que num estudo seminal sobre terrorismo suicida, suportado por

uma base de dados que a Universidade de Chicago compilou, chegou à concluN

são que sob determinadas condições o terrorismo suicida obtém uma taxa de

sucesso de 54% (Pape, 2006, p. 22). Como se vê, a própria natureza do juízo

mostra que estamos perante uma abordagem completamente distinta.

O brilhante trabalho de Pape continha, no entanto, muitas insuficiências metoN

dológicas, o que não é de estranhar num estudo tão inovador. Entre outras, talvez

que a principal debilidade fosse a de não haver nenhuma descriminação entre as

diferentes naturezas dos sucessos obtidos pelos grupos terroristas. Para Pape, uma

organização conseguir a libertação de um prisioneiro ou a expulsão de um exército

invasor, contava da mesma forma. Por absurdo, poderíamos ter um caso de uma

organização que lutasse pela independência de um território e conseguisse, em 3

Page 86: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

62

momentos diferentes, a libertação de militantes seus em prisões do governo a que

se opunham e, apesar, de não obterem o objectivo principal, a independência, a

avaliação final seria a de que o terrorismo era um método eficaz de obtenção de

objetivos políticos, pois obteve 3 sucessos contra um insucesso. A necessidade de

diferenciar distintas dimensões, distintos graus de dificuldade, entre os objetivos

procurados é inescapável no estudo deste tópico.

Posteriores investigações foram apurando o estudo original e muito relevanN

te é o trabalho do professor Max Abrahms.

Em dois estudos marcantes (2006, 2012), Abrahms aperfeiçoa a investigação

de Pape, introduzindo diferenciação entre objetivos. Recorre a sofisticados proN

gramas de análise quantitativa e inclui um maior número de variáveis explicativas

para tentar encontrar as condições que explicam o (in)sucesso. Abrahms analisou

um amplo número de organizações, tendo concluído que os grupos terroristas

conseguem os seus objetivos políticos 7% das vezes e conclui que as campanhas

terroristas são uma tática política perdedora (Abrahms, 2012).

Outros estudos foram sendo realizados, apesar de o número global ser ainda

reduzido. EstáNse, afinal, ainda no início dos estudos nesta área. De todas as

formas, constataNse que, mesmo nestes novos estudos suportados em bases de

dados e análises quantitativas, a diferença de pontos de vista não se esbateu e as

mesmas correntes opostas prevalecem. Claro que diferentes opiniões são saluN

tares, mas, neste caso as divergências não são substantivas. A razão principal

das diferenças persiste ainda, em nossa opinião, na grande diversidade das

metodologias adoptadas, produto da procura de uma metodologia apropriada

que se tem revelado esquiva e complexa.

Bebendo dos trabalhos referidos propõeNse uma metodologia utilizada pelo

autor na análise da utilidade do terrorismo que possa contribuir para algum

avanço nas investigações sobre esta matéria.

DDDDESENHO DE INVESESENHO DE INVESESENHO DE INVESESENHO DE INVESTIGAÇÃOTIGAÇÃOTIGAÇÃOTIGAÇÃO

Distinguir/descriminar objetivos em função do seu grau de grandeza, pareceu

ser um bom ponto de partida para uma avaliação da real utilidade do terrorismo.

Recorrendo à literatura, foi estabelecido um quadro geral, abrangente, de todos

os objetivos passíveis de serem procurados pelas organizações terroristas.

Variando as nomenclaturas de autor para autor, existe um razoável consenso

sobre o tipo de objetivos que as organizações terroristas, em geral, procuram.

Page 87: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

TERRORISMO TRANSNACIONAL

63

Uma primeira distinção é feita separando objetivos estratégicos de objetivos

instrumentais. Objetivos estratégicos correspondem aos propósitos programáN

ticos e políticos da organização enquanto objetivos instrumentais ou procesN

suais são objetivos que todos os grupos procuram, como o enaltecimento da

moral dos militantes e da população que lhes é afecta, publicitação da causa

para uma vasta audiência, agitação social, instilação de medo, provocar reacN

ções violentas pelo estado, deslegitimação do governo, vingança ou financiaN

mento, entre outros.

Uma posterior divisão foi feita nos objetivos estratégicos em função da sua

magnitude: maximalistas, como a aniquilação de um estado ou o derrube de um

regime; limitados, autonomia ou independência de um território, expulsão de

ocupantes; conjunturais, como dissuasão, alterar relações entre estados, impeN

dir um acordo de paz, ultrapassar grupos rivais, mudança de uma política conN

creta, manutenção do status quo, libertação de prisioneiros, etc. A divisão por

objetivos pode ser vista na Tabela 3.1.Tabela 3.1.Tabela 3.1.Tabela 3.1.

Tabela 3.1Tabela 3.1Tabela 3.1Tabela 3.1. Tipo de objetivos. Tipo de objetivos. Tipo de objetivos. Tipo de objetivos Maximalistas Limitados Estratégicos Conjunturais

Instrumentais

Fonte: Elaboração própria.

Ora o que se tem passado na investigação sobre esta temática?

Nas valorações antes observadas, os diferentes tipos de objetivos não eram

considerados. Depois do trabalho de Pape, passou a haver uma maior atenção

ao tipo de objetivos estratégicos, pelo menos em alguns trabalhos, mas, mesmo

assim, apenas foram considerados objetivos maximalistas ou limitados. ObjetiN

vos instrumentais nunca constaram de nenhum estudo. Apesar de alguns autoN

res chamarem à atenção para o facto de o terrorismo poder ter um efeito

boomerang a maioria dá por adquirido que os objetivos instrumentais são norN

malmente conseguidos e não os submeteu a análise. Em suma, começouNse por

não distinguir objetivos para, gradualmente, os tomar em consideração, o que

representa um progresso. O quadro de objetivos aqui apresentados é o mais

abrangente de todos os estudos realizados

Com este vasto leque de objetivos, o passo seguinte foi procurar encontrar

para cada organização estudada os objetivos desejados. Objetivos apurados

através de fontes primárias: cartas constitutivas, plataformas políticas declaraN

ção de dirigentes, entrevistas ou materiais audiovisuais. Pela realização destes

objetivos, a razão de ser da sua existência, as organizações começam a sua

Page 88: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

64

campanha terrorista. Ao conjunto de todos os ataques efectuados por uma

organização chamaNse, aqui, campanha global. Na vida dos grupos, para além

dos objetivos últimos, aqueles que justificam a sua criação, há muitas etapas a

cumprir por objetivos menores que concorrem para a obtenção dos objetivos

fundamentais. Ao conjunto de ataques pela realização de objetivos pontuais

chamaNse aqui campanha específica. Para cada grupo foram identificadas todas

as campanhas específicas assim como os seus objetivos. Resulta que para cada

grupo estudado se construiu um quadro do seguinte tipo.

Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivosTabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivosTabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivosTabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos Campanhas Objetivos Tipo

A Maximalista B Limitado Global C Conjuntural a Limitado b Limitado 1 c Instrumental a Limitado d Conjuntural

Específicas

2 e Instrumental

Fonte: Elaboração própria.

Em ordem a determinar que objetivos e que incidentes deveriam constituir

cada campanha procedeuNse a análises contextuais. Declarações de líderes,

comunicados das organizações, artigos na imprensa. Depois de determinados

os objetivos das campanhas, globais e específicas, procedeuNse à avaliação dos

resultados, contrapondo resultados obtidos a objetivos procurados através de

análises qualitativas contextuais. ClassificaramNse os resultados em diferentes

tipos: fracasso, sucesso e neutro. Sucesso, não significa que todos os objetivos

foram conseguidos mas que foram, ao menos, parcialmente obtidos. Assim, por

exemplo, a expulsão de tropas estrangeiras de uma parte de um território que se

quer independente, não constitui um sucesso completo mas, apenas, parcial. Nos

resultados agregados, sucessos parciais foram considerados sucessos. A Tabela Tabela Tabela Tabela

3333.3.3.3.3 apresenta as características do desenho da investigação.

Tabela 3.3. Características da investigaçãoTabela 3.3. Características da investigaçãoTabela 3.3. Características da investigaçãoTabela 3.3. Características da investigação

Quadro amplo de objetivos.

Determinação de objetivos para cada campanha com recurso a fontes primárias.

Avaliação feita com análises contextuais.

Fonte: Elaboração própria.

Page 89: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

TERRORISMO TRANSNACIONAL

65

O universo de análise foi formado por organizações que operando no Médio

Oriente executaram mais de 20 ataques suicidas entre 1981 e 2012. AdmiteNse

uma possível distorção dos resultados por apenas serem estudadas as organizaN

ções mais fortes (aquelas que efectuaram mais de 20 ataques). Foram as seguintes

as organizações estudadas; Hezbollah, Fatah, Hamas, Jihad Islâmica Palestiniana,

Al Qaeda, Al Qaeda no Iraque/Estado Islâmico do Iraque e Al Qaeda na Península

Arábica.

A lista de ataques efectuados pelos diferentes grupos foi determinada a parN

tir da base de dados da Universidade de Maryland, The Global Terrorism DataN

base (GTD).

RRRRESULTADOSESULTADOSESULTADOSESULTADOS

Os resultados principais, entre outros que não cabem no âmbito deste capíN

tulo, podem ser observados nas Tabelas 3.4 Tabelas 3.4 Tabelas 3.4 Tabelas 3.4 e 3.53.53.53.5 e nas Figuras 3.1Figuras 3.1Figuras 3.1Figuras 3.1 a 3.33.33.33.3.

Tabela 3.Tabela 3.Tabela 3.Tabela 3.4444. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido Grupo Tipo de Objetivo Objetivos Sucesso Fracasso

Maximalista 1 0 1 Limitado 2 1 1 Hezbollah Conjuntural 2 2 – Maximalista 2 0 2 Limitado – – – Fatah Conjuntural – – – Maximalista 2 0 2 Limitado 2 2 – Hamas Conjuntural 2 1 1 Maximalista 4 0 4 Limitado 1 1 0 JIP Conjuntural 1 1 0 Maximalista 2 0 2 Limitado 1 0 1 Al Qaeda Conjuntural – – – Maximalista 1 0 1 Limitado 1 0 1 AQI/EII Conjuntural – – – Maximalista 2 0 2 Limitado 1 0 1 AQPA Conjuntural – – –

Sucesso Fracasso Tipo de Objectivo Nº de objetivos Nº % Nº %

Maximalista 14 0 0 14 100 Limitado 6 3 50 3 50

Total

Conjuntural 5 4 80 1 20

Fonte: Elaboração própria.

Page 90: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

66

Figura 3.Figura 3.Figura 3.Figura 3.4444. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Taxas de sucesso.. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Taxas de sucesso.. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Taxas de sucesso.. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Taxas de sucesso.

Fonte: Elaboração própria.

Em relação às campanhas específicas foram apurados os resultados que

constam da Tabela 3.5Tabela 3.5Tabela 3.5Tabela 3.5 e Figuras 3.2Figuras 3.2Figuras 3.2Figuras 3.2 e 3.3 3.3 3.3 3.3.

Tabela 3.Tabela 3.Tabela 3.Tabela 3.5555. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados obt. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados obt. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados obt. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados obtiiiidos.dos.dos.dos. Grupo Tipo de Objetivo Nº de

objetivos Sucesso Fracasso

Neutro

Limitado 2 2 0 0 Conjuntural 5 4 1 0 Hezbollah Instrumental 3 2 0 1 Limitado 1 1 0 0 Conjuntural 3 1 1 1 Fatah Instrumental 2 2 0 0 Limitado 1 1 0 0 Conjuntural 12 6 5 1 Hamas Instrumental 5 3 1 1 Limitado 2 1 1 0 Conjuntural 4 0 2 2 JIP Instrumental 2 1 – 1 Maximalista 1 0 1 0 Limitado 2 0 2 0 Conjuntural – – – 0

Al Qaeda

Instrumental 3 3 0 0 Limitado 5 2 3 0 Conjuntural – – – – AQI/EII Instrumental 3 2 1 0 Limitado 1 0 1 0 Conjuntural 2 0 2 0 AQPA Instrumental 3 1 1 1

Sucesso Fracasso Neutro Tipo de Objetivo Nº de Objetivos Nº % Nº % Nº %

Maximalista 1 0 0 1 100 0 0 Limitado 12 5 41,7 7 58,3 0 0 Conjuntural 24 11 45,8 9 37,5 4 16,7

Total

Instrumental 21 14 66,7 3 14,3 4 19,0

Fonte: Elaboração própria.

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Conjuntural Limitado Maximalista

Page 91: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

TERRORISMO TRANSNACIONAL

67

Figura 3.Figura 3.Figura 3.Figura 3.5555. Campanhas específicas, objetivos por tip. Campanhas específicas, objetivos por tip. Campanhas específicas, objetivos por tip. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxas deo e resultados. Taxas deo e resultados. Taxas deo e resultados. Taxas de sucesso sucesso sucesso sucesso

Fonte: Elaboração própria.

Figura 3.Figura 3.Figura 3.Figura 3.6666. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxa de fraca. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxa de fraca. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxa de fraca. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxa de fracassssso.so.so.so.

Fonte: Elaboração própria.

Uma primeira resposta conclusiva e inequívoca pode retirarNse: a taxa de efiN

cácia obtida pelos grupos terroristas depende da grandeza dos objetivos procuN

rados. ConcluiNse que os ataques suicidas testam os seus limites em objetivos

estratégicos de grande magnitude. De facto, as campanhas de ataques suicidas

são, em absoluto, ineficazes quando aspiram a grandiosos fins, como o derrube

de um regime, a criação de um califado ou a aniquilação de um estado. Ao conN

trário, e à medida que os fins pretendidos vão sendo mais limitados e menos

66,7%

45,8%41,7%

0,0%0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

70,0%

Instrumental Conjuntural Limitado Maximalista

14,3%

37,5%

58,3%

100,0%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

120%

Instrumental Conjuntural Limitado Maximalista

Série1

Page 92: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

68

ambiciosos, as taxas de sucesso crescem de forma vincada. É assim, que para

objetivos estratégicos limitados, a taxa de sucesso conseguida é de 50% nas

campanhas globais e de 41,7% nas campanhas específicas. Taxas de sucesso

que melhoram quando considerados objetivos conjunturais e são, ainda, mais

impressivas quando considerados objetivos instrumentais onde o êxito é obtido

na maioria dos casos. A regra geral a extrair é a de que o sucesso dos ataques

suicidas depende, antes de tudo o mais, da grandeza dos objetivos procurados.

A não compreensão desta realidade tem sido a causa de tantos equívocos na

literatura. De facto, a grande disparidade das respostas propostas ao longo do

tempo sobre esta temática deveNse ao facto simples de fazer equivaler, entre si,

objetivos de grandeza distinta, de oferecer igual tratamento a objetivos desiN

guais, de julgar como igual sucesso a obtenção de alguns minutos nos meios de

comunicação e a secessão de um território.

Por isso, para alguns autores, o terrorismo é eficaz porque se pensa na proN

paganda conseguida, enquanto para outros o terrorismo é ineficaz porque se

consideram grandes objetivos estratégicos. Posições contraditórias, apenas, na

aparência. De facto, as duas seguintes afirmações (1) os ataques suicidas são

eficazes, (2) os ataques suicidas não são eficazes, podem ser ambas verdadeiras

se devidamente contextualizadas. São ambas verdadeiras nas formulações

seguintes: (1) os ataques suicidas são eficazes na obtenção de objetivos instruN

mentais, ou, (2) os ataques suicidas não são eficazes na obtenção de grandes

objetivos. Proposições de construção generalista e abrangente carecem de senN

tido ao somarem êxitos e desditas de essência tão desigual. Falta de rigor que,

como consequência, tem adicionada uma imensa confusão conceptual na disN

cussão desta temática.

HHHHILLARY ILLARY ILLARY ILLARY CCCCLINTON OU LINTON OU LINTON OU LINTON OU JJJJOHN OHN OHN OHN MMMMUELLERUELLERUELLERUELLER????

Para Hillary Clinton, o terrorismo transnacional é a maior ameaça estratégiN

ca do nosso tempo. Para John Mueller, a reacção de sociedades e governos aos

atentados terroristas é amplamente exagerada. Afinal, os níveis de destruição

verificados são, comparativamente a tantos acidentes a que o homem moderno

está sujeito, muito baixos. Quem tem razão?

A resposta só pode ser dada pelo aperfeiçoamento e aumento do número

dos estudos sobre as consequências do terrorismo. Mais estudos sobre a utiliN

dade do terrorismo a nível estratégico mas, também, sobre o seu impacto ecoN

nómico, as consequências psicológicas nas pessoas e sociedades, ou, sobre as

Page 93: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

TERRORISMO TRANSNACIONAL

69

flutuações nos níveis de liberdade. Com os conhecimentos actuais, resultantes

dos estudos já efectuados, podeNse afirmar que a declaração de Hillary Clinton é

desproporcionada. De facto, segundo os estudos de Pape, Abrahms e Pereira,

os grupos terroristas com grandes ambições políticas, falham sempre. Os

ganhos estratégicos que conseguem obter, são de importância menor e, norN

malmente, correspondem a concessões dos governos quando estes as não conN

sideram de vital importância para o estado.

Como se viu, o terrorismo é um método eficiente de obtenção de ganhos insN

trumentais, particularmente, a instilação do medo nas pessoas, a criação de um

clima geral de apreensão e insegurança. A força do método brota essencialmenN

te desse facto. É esse o seu grande trunfo e que explica a reacção, exagerada na

opinião de Mueller, de sociedades e governos, mas, ao menos em parte, inevitáN

vel. É precisamente este trunfo que aliado à vontade de provocar a maior desN

truição possível é hoje potenciado pelo terrorismo transnacional de carácter

islâmico. Perigo que, mesmo que com poucas probabilidades de concretização,

está latente e pode criar um clima como o vivido nos tempos da crise dos mísN

seis de Cuba. Como dizem os entusiastas de xadrez, a ameaça é mais forte que a

sua execução. Mas, mesmo no pior cenário, as consequências do rebentamento

de um engenho nuclear por um grupo, célula ou militante terrorista, para além

da devastação e disrupção da vida das sociedades democráticas, certamente

não seria pronúncio de um califado mundial.

Hillary Clinton certamente exagerou e John Mueller não parece valorar a

intangibilidade do terrorismo ou o seu potencial destrutivo. A verdade, como

em tantas vezes, habita o meio.

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71

4444.... UUUUMA VISÃO GLOBAL DA MA VISÃO GLOBAL DA MA VISÃO GLOBAL DA MA VISÃO GLOBAL DA PPPPIRATARIA IRATARIA IRATARIA IRATARIA MMMMARÍTIMA ARÍTIMA ARÍTIMA ARÍTIMA NO SÉCULO NO SÉCULO NO SÉCULO NO SÉCULO XXIXXIXXIXXI

JAIME FERREIRA DA SILVA

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

Num Mundo cada vez mais globalizado e interdependente, o recrudescimento

da pirataria marítima despertou a atenção da comunidade internacional para a

necessidade de encontrar formas de reprimir este ilícito. Neste trabalho, apresenta,

se uma visão global da pirataria no século XXI e identificam,se tendências de evo,

lução do fenómeno. Para tal, na primeira parte, define,se o conceito de pirataria e

analisam,se algumas das suas causas. Na segunda descreve,se o fenómeno,

enquanto na terceira enumera,se os seus custos humanos e económicos. Finalmen,

te, na quarta parte, são analisados alguns dos instrumentos desenvolvidos para

combater a pirataria. A análise efetuada permitiu identificar tendências de evolução

e linhas de ação a desenvolver, de modo a mitigar as consequências da pirataria.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: Pirataria Marítima. Direito do Mar. Segurança Marítima. Trans,

porte Marítimo Internacional.

“Porque o mar é muito perigoso, e os homens não podem evi,tar negociar através dele as suas mercadorias, uns fazendo comércio, outros pescando, e outros como acham melhor, e dali trazem mantimentos e riqueza para a terra, portanto con,vém que nele se tenha muito cuidado, para que pelo medo ou por castigos severos se contrarie a ousadia dos corsários que nele roubam à vontade ou cometem grandes crimes.”

Padre Fernando Oliveira in “A Arte da Guerra do Mar”

Page 96: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

72

IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO

A pirataria marítima é um fenómeno antigo que neste início de século voltou

a despertar a atenção da comunidade internacional, devido à dimensão que o

fenómeno atingiu, sobretudo, no Corno de África. Com relativamente poucos

meios, os piratas constituemNse como uma das principais ameaças ao transporte

marítimo, vetor essencial do desenvolvimento económico das nações, pela sua

capacidade para movimentar mercadorias a nível global. Atualmente, em terN

mos de volume, cerca de 90% do comércio mundial é transportado por via

marítima, pelo que qualquer perturbação neste modo de transporte terá um

impacte significativo na economia global.

Neste contexto, o presente trabalho tem por objetivo apresentar uma visão

global da pirataria marítima neste início de século XXI e analisar as tendências

de evolução que o fenómeno apresenta. Pretende, ainda, identificar linhas de

ação a desenvolver nos planos securitário, judicial e socioeconómico, tendo em

vista a melhoria dos aspetos relacionados com a segurança marítima e a represN

são deste ilícito.

Para esse efeito, analisa trabalhos provenientes de diversas fontes, tais

como, relatórios elaborados pelo “International Maritime Bureau – Piracy

Reporting Centre” (IMBNPRC), pelo Banco Mundial e por agências das Nações

Unidas, documentos de instituições de cooperação regional e internacional

vocacionadas para o combate à pirataria, e estudos do Mundo académico.

Por conseguinte, o trabalho articulaNse em quatro partes principais. Na priN

meira, recorreNse ao estatuído pelo direito internacional para definir aquilo que

se entende por pirataria marítima. ProcuraNse, ainda, identificar alguns dos

principais fatores associados ao ressurgimento do fenómeno na época contemN

porânea. Na segunda parte, analisaNse a evolução da pirataria marítima desde o

início do século XXI. Para tal, identificaNse a variação anual do número de inciN

dentes, as regiões geográficas onde o fenómeno está mais presente, a altura em

que ocorrem mais ataques, os principais tipos de navios atacados, a evolução

anual do número de navios sequestrados e a situação dos navios quando foram

atacados, i.e., se estavam atracados, fundeados ou a navegar. Na terceira, são

analisados os custos humanos e económicos associados a este flagelo. FinalN

mente, na quarta parte, são analisadas algumas das ações desenvolvidas pela

comunidade internacional, no âmbito do combate à pirataria marítima.

Page 97: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

73

FFFFENÓMENO DA PIRATARIAENÓMENO DA PIRATARIAENÓMENO DA PIRATARIAENÓMENO DA PIRATARIA MARÍTIMA E AS SUAS MARÍTIMA E AS SUAS MARÍTIMA E AS SUAS MARÍTIMA E AS SUAS CAUSASCAUSASCAUSASCAUSAS

Por uma questão de definição rigorosa do objeto de estudo, no presente

capítulo começaNse por esclarecer o conceito de pirataria marítima. De seguida,

procuraNse identificar as causas que estão a montante do fenómeno e que conN

tribuem para que este assuma a dimensão que tem nos dias de hoje.

a.a.a.a. O conceito de pirataria marítimaO conceito de pirataria marítimaO conceito de pirataria marítimaO conceito de pirataria marítima

O termo pirataria é vulgarmente utilizado para ilustrar um conjunto de ativiN

dades nas quais se incluem, para além da própria pirataria marítima, o corso e o

terrorismo marítimo. Contudo, estas duas últimas atividades assumem um conN

junto de caraterísticas próprias que lhes confere uma natureza distinta da priN

meira. Enquanto o corso é um ato de ataque e pilhagem praticado contra navios

mercantes inimigos por parte de outros navios, armados por um particular e

com autorização do governo do país a que pertencem para assim procederem, a

pirataria é uma atividade de natureza exclusivamente privada. Por sua vez,

enquanto o terrorismo marítimo é um ato de violência praticado contra pessoas

e bens, executado por um movimento clandestino que luta contra o poder estaN

belecido e que procura impor a sua autoridade pela violência e pelo terror, a

pirataria prossegue objetivos contra a comunidade internacional no seu todo

(BöhmNAmolly, 2011, pp. 60N61).

Efetuada a destrinça entre pirataria, corso e terrorismo marítimo, importa

agora definir o conceito de pirataria marítima. Neste particular, é fundamental

considerar o instituído pela “Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do

Mar” (CNUDM), enquanto instrumento jurídico internacional regulador dos

poderes dos Estados costeiros, nos espaços marítimos sob sua soberania ou

jurisdição. Esta convenção estabelece que constitui uma ação de pirataria “todo

o ato ilícito de violência ou de detenção ou todo o ato de depredação cometidos,

para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou de uma

aeronave privados, e dirigidos contra um navio ou uma aeronave em alto mar ou

pessoas ou bens a bordo dos mesmos (…) em lugar não submetido à jurisdição

de algum Estado”1.

Deste modo, constitui um ato de pirataria toda e qualquer ação de violência,

detenção ou depredação, tentada ou consumada, perpetrada por um navio ou

aeronave privados, para fins privados, contra qualquer outro navio ou aeronaN

ve. Ficam excluídos da definição de pirataria todos os atos de caráter semelhante

1 Artigo 101.º da CNUDM.

Page 98: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

74

praticados nas águas interiores, territoriais e arquipelágicas dos Estados costeiN

ros (BöhmNAmolly, 2011, pp. 61, 63).

Com o propósito de facilitar a investigação de delitos de caraterísticas simiN

lares à pirataria marítima, mas que ocorram nas águas interiores, territoriais ou

arquipelágicas dos Estados ribeirinhos, a “International Maritime Organization”

(IMO) promulgou a Resolução A.1025(26) “Code of Practice for the Investigation

of Crimes of Piracy and Armed Robbery against Ships”. Esta resolução definiu

como “assalto à mão armada contra navios” todos os atos de caráter semelhanN

te à pirataria marítima, mas cometidos nas águas interiores, territoriais ou

arquipelágicas dos Estados costeiros2.

b.b.b.b. As causasAs causasAs causasAs causas da pirataria marítima da pirataria marítima da pirataria marítima da pirataria marítima

O ressurgimento da pirataria na era moderna está associado a diversos fatoN

res. De entre estes destacaNse o aumento verificado no transporte marítimo

mundial, pois o incremento do número de navios, associado à quantidade de

portos que existe um pouco por todo o Mundo, proporciona aos piratas um

vasto leque de alvos e perspetivas de lucro tentadoras. Por outro lado, uma

parte significativa do transporte marítimo atravessa passagens estreitas e altaN

mente congestionadas. Nestes pontos os navios têm de reduzir significativaN

mente a velocidade para transitarem em segurança, o que os torna mais

vulneráveis a ataques (Chalk, 2008, pp. 10N11).

Os fatores socioeconómicos são outro elemento a contribuir para o aumento

da pirataria. No Sudeste Asiático, a crise económicoNfinanceira da década de 90

foi particularmente relevante para o elevado número de ataques verificado no

início do século XXI. A crise não só impele mais pessoas para esta atividade

ilícita, como também priva os Estados dos fundos necessários para assegurar

um patrulhamento eficaz das zonas marítimas sob sua soberania ou jurisdição

(Chalk, 2008, p. 11).

Na Somália, após a queda do governo em 1991, diversas embarcações

estrangeiras começaram a pescar ilegalmente nas suas águas. Simultaneamente,

procuraram desincentivar a atividade piscatória somali, recorrendo para tal ao

uso de armas de fogo, à destruição de artes de pesca e ao abalroamento de

embarcações somalis. Desta forma, os somalis que não desistiram de pescar tiveN

ram de armar as suas embarcações, para o caso de recontros com embarcações

ilegais. EnquadraNse nesta escalada de violência o sequestro, em agosto de 2005,

2 Doravante, por uma questão de simplificação, sempre que tal não coloque em causa o rigor da escrita, será utilizado o termo “pirataria” para referir indiferenciadamente atos que configurem situações de “pirataria marítima” ou de “assalto à mão armada contra navios”.

Page 99: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

75

de três arrastões de Taiwan e o subsequente pedido de resgate (Lehr, 2007, p. 5).

Sem meios de subsistência, armados e habituados a lutar com embarcações de

pesca igualmente armadas, os pescadores somalis rapidamente se aperceberam

que a navegação comercial era uma presa muito mais fácil e lucrativa.

Com o propósito de explicar os motivos que conduziram ao aumento da

pirataria somali a partir de 2005, surgem duas teses diferentes. A primeira

defende que o aumento é devido ao tsunami, que no dia 26 de dezembro de 2004

devastou a orla costeira da Somália, matando entre 40.000 a 50.000 pessoas.

Esta catástrofe deixou sem meios de subsistência grande parte da população,

que terá encontrado na pirataria a única forma de sustento. A segunda defende

que a resposta está na luta pelo poder entre as fações rivais em confronto. O

embargo imposto provocou um aumento de 85% no preço das armas, fazendo

com que as fações em luta precisassem de mais dinheiro para as adquirir, dediN

candoNse por isso à pirataria (Lehr, 2007, pp. 14N15).

O recurso à pirataria para financiar atividades ilícitas, não se cinge à compra

de armas. Embora seja difícil de provar que dinheiro proveniente da pirataria

africana esteja a servir para financiar o terrorismo, existem indícios que parte

dos lucros provenientes dos ataques ao largo da Nigéria e dos Camarões está a

ser usado para treinar terroristas e financiar as suas atividades, sendo evidente

uma coordenação crescente entre o Boko Haram e a AlNQaeda no Magrebe

Islâmico (UNITAR/UNOSAT, 2014, pp. 32N33).

Por outro lado, os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 exerceram

uma grande pressão sobre os governos para investir em iniciativas de seguranN

ça interna, o que provocou uma diminuição dos recursos afetos à vigilância

marítima. Também a corrupção de alto nível, associada aos vazios legais exisN

tentes em alguns países, proporcionaram as condições necessárias para o

sequestro de navios e para o seu subsequente registo sob uma bandeira de

conveniência, para efeitos de comércio ilícito. Finalmente, o desenvolvimento

tecnológico e a proliferação mundial de pequenas armas de elevada sofisticaN

ção, proporcionaram aos piratas as condições necessárias para operarem com

sucesso, o que se constitui como mais um contributo para o aumento da pirataN

ria (Chalk, 2008, pp. 12N14).

De seguida vão ser analisados alguns dos aspetos mais relevantes da evoluN

ção da pirataria marítima, tendo em vista a caraterização do fenómeno na atuaN

lidade e a identificação de tendências de evolução.

Page 100: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

76

AAAA EVOLUÇÃO DA EVOLUÇÃO DA EVOLUÇÃO DA EVOLUÇÃO DA PIRATARIA MARÍTIMAPIRATARIA MARÍTIMAPIRATARIA MARÍTIMAPIRATARIA MARÍTIMA

A análise da evolução das ações de pirataria teve por base os dados dos relaN

tórios anuais do IMBNPRC, publicados entre 2004 e 2014. Estes dados refletem

os incidentes efetivamente reportados pela comunidade marítima a este centro,

localizado em Kuala Lumpur, Malásia. Apesar de nem todos os ataques serem

declarados pelas companhias de navegação, para evitar, por exemplo, o aumenN

to do prémio de seguro dos navios, consideraNse que os dados analisados são

suficientemente abrangentes para refletirem o fenómeno da pirataria marítima

no século XXI.

Com o propósito de conferir maior consistência à análise efetuada, na realiN

zação deste estudo foram consideradas as áreas geográficas indicadas na FigFigFigFiguNuNuNuN

rrrra 4.1,a 4.1,a 4.1,a 4.1, não existindo uma correspondência plena com as regiões dos relatórios

do IMBNPRC.

Figura 4.1. Áreas geográficas consideradas no estudoFigura 4.1. Áreas geográficas consideradas no estudoFigura 4.1. Áreas geográficas consideradas no estudoFigura 4.1. Áreas geográficas consideradas no estudo

Fonte: IMBNPRC.

A análise dos relatórios do IMBNPRC revela que, entre janeiro de 2000 e

dezembro de 2014, ocorreram 5119 incidentes relacionados com atos de pirataN

ria. Este número representa o somatório dos ataques bemNsucedidos e dos

falhados, encontrandoNse a evolução anual do número de incidentes retratada

na Figura 4.2Figura 4.2Figura 4.2Figura 4.23.

3 Em anexo encontraNse a discriminação pormenorizada da localização dos ataques.

Page 101: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

77

Neste período, as regiões onde se registou uma maior incidência de atos

pirataria foram o Sudeste Asiático, o Golfo de Adém e Mar Vermelho, o SubN

continente Indiano e o Golfo da Guiné. Juntas, estas quatro regiões foram resN

ponsáveis por cerca de 81% dos casos reportados (Figura 4.3Figura 4.3Figura 4.3Figura 4.3).

A preponderância da pirataria nestes locais não é alheia às fracas condições

socioeconómicas das populações e à incapacidade revelada pelos Estados cosN

teiros para imporem a sua autoridade no mar. RegistaNse ainda o facto de estas

regiões serem cruzadas por algumas das principais rotas de transporte marítiN

mo, o que lhes confere uma importância acrescida (Figura 4.4Figura 4.4Figura 4.4Figura 4.4). Pela região do

Golfo de Adém passam, em média, 23.000 navios por ano, 8% do tráfego munN

dial de mercadorias, 40 a 50% dos petroleiros, e 26% do tráfego de contentores

(UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 30). A rota marítima alternativa obriga a contornar

o Cabo da Boa Esperança, o que duplica o tempo de viagem entre estes dois

continentes, com o consequente aumento dos custos de transporte, que necesN

sariamente será passado aos consumidores.

Figura 4.2. Evolução anual do número de inciFigura 4.2. Evolução anual do número de inciFigura 4.2. Evolução anual do número de inciFigura 4.2. Evolução anual do número de incidentes (2000dentes (2000dentes (2000dentes (2000NNNN2014)2014)2014)2014)

Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).

Page 102: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

78

Figura 4.3. Número de ataques de piratFigura 4.3. Número de ataques de piratFigura 4.3. Número de ataques de piratFigura 4.3. Número de ataques de pirataaaaria por região (2000ria por região (2000ria por região (2000ria por região (2000NNNN2014)2014)2014)2014)

Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).

Figura 4.4. PriFigura 4.4. PriFigura 4.4. PriFigura 4.4. Principais rotas marítimas do Muncipais rotas marítimas do Muncipais rotas marítimas do Muncipais rotas marítimas do Munnnndodododo

Fonte: UNITAR/UNOSAT (2014, p. 13).

Simultaneamente, estas regiões ficam na confluência de pontos de passagem

estratégicos. No caso particular do Estreito de Malaca, ao passar através dele a

navegação evita contornar as ilhas indonésias, poupando assim cerca de 3 dias

de viagem. A configuração particular do local, com zonas de largura inferior a 9

milhas náuticas e profundidades mínimas da ordem dos 25 metros, aumenta a

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UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

79

probabilidade de ocorrerem colisões e encalhes no decorrer dos ataques e obriga

os navios a reduzirem a velocidade, tornandoNos assim mais vulneráveis a ações

de pirataria (Guedes, 2008, p. 13). Por outro lado, a natureza arquipelágica do

território circundante proporciona aos piratas esconderijo para a realização de

emboscadas, e abrigo para se esconderem dos navios que patrulham a zona

(Lehr, 2007, p. 11). Esta região apresenta uma elevada densidade de tráfego maríN

timo, com 79.344 navios a cruzarem o estreito em 2014 (Marine Department

Malaysia, 2015), o que corresponde a uma média de mais de 217 navios por dia.

Simultaneamente, passam por este estreito cerca de 90% das importações de

petróleo do Japão e 80% das importações da China (Reuters, 2010). Deste modo,

qualquer perturbação no tráfego marítimo que se verifique nesta zona tem reperN

cussões no comércio regional e mundial, pelo que a segurança marítima da região

é de primordial importância.

Outra característica de algumas zonas de atividade pirata é o facto de serem

regiões de elevado valor acrescentado, como é o caso do Golfo da Guiné. Em

2014, cerca de 13% das importações de petróleo da Europa foi proveniente do

Golfo da Guiné, enquanto a China e a Índia, dois países com um elevado ritmo

de crescimento económico, importaram desta região, respetivamente, cerca de

15% e 14%. Curiosamente, os Estados Unidos da América (EUA) tem vindo a

diminuir a sua dependência energética da região. Em 2011, aproximadamente

12% do petróleo importado era proveniente desta região, verificandoNse que em

2013 esse número baixou para cerca de 7%, enquanto em 2014 apenas 3.7% do

petróleo importado pelos EUA era desta região (BP, 2015, p. 18).

Contudo, o fenómeno da pirataria tem evoluído de forma diferente nestas

quatro regiões. Se no princípio do presente século o Sudeste Asiático era a

região onde este fenómeno se encontrava mais presente, a região do Golfo de

Adém e Mar Vermelho foi a grande responsável pelo aumento do número de

incidentes verificado entre 2009 e 2011. Relativamente a estas duas regiões, é de

assinalar o recrudescimento da pirataria marítima no Sudeste Asiático a partir

de 2009, e a queda abrupta do número de ataques no Golfo de Adém e Mar

Vermelho a partir de 2011 (Figura 4.5Figura 4.5Figura 4.5Figura 4.5).

Contrariamente ao que se poderia pensar, o local onde se registaram mais

ataques no Sudeste Asiático foi a Indonésia e não o Estreito de Malaca. Aquele

país é mesmo o grande responsável pelo aumento do número de ataques verifiN

cado na região a partir de 2009, não sendo indiferente a este aumento as condiN

ções políticas e socioeconómicas que se fazem sentir no país. No período

analisado a Indonésia é responsável por cerca de 59% dos casos, enquanto o

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

80

Estreito de Malaca é responsável por apenas 11%, logo seguido pela Malásia

(10%) e pelo Vietname (7%).

Relativamente ao Golfo de Adém e Mar Vermelho, cerca de 90% dos ataques

verificouNse na Somália (52%) e no Golfo de Adém (38%).

Nos últimos anos não se registaram variações muito significativas no númeN

ro de ataques realizados no Subcontinente Indiano e no Golfo da Guiné. No

entanto, em 2014, o número de casos registados nestas duas regiões continua a

ser um motivo de preocupação para a comunidade internacional. No SubcontiN

nente Indiano a esmagadora maioria dos casos verificouNse no Bangladesh

(62%) e na Índia (36%). Por sua vez, na região do Golfo da Guiné, a Nigéria é o

país onde o problema atinge uma maior dimensão, registandoNse aqui cerca de

63% dos ataques efetuados na região.

Considerando um período de 24 horas, verificouNse que os piratas atacaram

sobretudo durante o dia, especialmente aos primeiros alvores. No entanto, tamN

bém se registaram ataques durante a noite, mas apenas quando as condições

meteorológicas eram favoráveis e a lua cheia proporcionava uma visibilidade

suficiente. Relativamente ao dia da semana em que os ataques foram desferidos,

não se apurou nenhum padrão. Ainda assim, constatouNse que a sextaNfeira foi o

dia de menor atividade (UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 28).

Figura 4.5. Evolução anual do número de incFigura 4.5. Evolução anual do número de incFigura 4.5. Evolução anual do número de incFigura 4.5. Evolução anual do número de inciiiidentes por região (2000dentes por região (2000dentes por região (2000dentes por região (2000NNNN2014)2014)2014)2014)

Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).

No respeitante à época do ano em que os ataques foram perpetrados, verifiN

couNse a existência de uma certa sazonalidade. De facto, apesar da Figura 4.6 Figura 4.6 Figura 4.6 Figura 4.6

apresentar os ataques que foram reportados ao IMBNPRC independentemente da

região geográfica onde estes ocorreram, verificouNse que durante as monções de

Page 105: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

81

inverno (dezembro, janeiro e fevereiro) e de verão (junho, julho e agosto) o

número de ataques foi inferior ao registado durante a época seca. AcreditaNse

que esta sazonalidade ainda seria mais evidente se os dados analisados se cinN

gissem apenas às regiões do Oceano Índico e do Sudeste Asiático, onde o

fenómeno das monções é particularmente intenso.

Figura 4.6. Distribuição dos ataques ao longo do ano (2004Figura 4.6. Distribuição dos ataques ao longo do ano (2004Figura 4.6. Distribuição dos ataques ao longo do ano (2004Figura 4.6. Distribuição dos ataques ao longo do ano (2004NNNN2014)2014)2014)2014)

Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).

O exame dos dados dos últimos quinze anos evidencia uma clara preferência

dos piratas por navios graneleiros, de transporte de produtos químicos, portaN

contentores, de carga geral e petroleiros (Figura 4.7Figura 4.7Figura 4.7Figura 4.7). Estes navios são normalN

mente de grandes dimensões, o que reduz a sua capacidade para proceder a

rápidas alterações de rumo e velocidade. Por vezes, também apresentam pontos

de acesso ao seu interior, próximos da linha de água, o que aumenta a probabiliN

dade de sucesso dos ataques. A experiência indica que os piratas atacam, sobreN

tudo, navios lentos e com um costado baixo. De facto, não há registo de ataques

bemNsucedidos a navios que se encontrassem a navegar a velocidades superiores

a 18 nós e os dados revelam que navios com um costado superior a 8 metros têm

mais probabilidades de escapar a um ataque pirata (UKMTO, 2011, pp. 6, 7).

Page 106: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

82

Figura 4.7. PrincFigura 4.7. PrincFigura 4.7. PrincFigura 4.7. Princiiiipais tipos de navios atacados (2000pais tipos de navios atacados (2000pais tipos de navios atacados (2000pais tipos de navios atacados (2000NNNN2014)2014)2014)2014)

Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015)

Atualmente os piratas são detentores de equipamento sofisticado, que inclui

armas de fogo automáticas, RPG’s, meios de comunicação VHF e satélite, equiN

pamentos GPS e lanchas rápidas a operarem a partir de uma embarcação prinN

cipal de maior porte. ConsideraNse importante criar instrumentos que permitam

a neutralização das fontes de financiamento dos piratas, pois o investimento em

equipamentos de alta tecnologia trouxe mais mobilidade e eficácia aos piratas,

contribuindo para um aumento do número de possíveis alvos e da distância a

costa dos ataques (Lehr & Lehmann, 2007, pp. 16N17), sobretudo ao largo da

Somália e até 2011 (Figura 4.8).Figura 4.8).Figura 4.8).Figura 4.8). A partir desse ano a distância média a costa dos

ataques caiu de 400 km, em 2011, para 50 km, em 2013, o que incidia uma dimiN

nuição da capacidade de operação dos piratas somalis (UNITAR/UNOSAT,

2014, p. 5).

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UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

83

Figura 4.8. Distância a costa da pirFigura 4.8. Distância a costa da pirFigura 4.8. Distância a costa da pirFigura 4.8. Distância a costa da piraaaataria no Golfo de Adém (2005taria no Golfo de Adém (2005taria no Golfo de Adém (2005taria no Golfo de Adém (2005NNNN2011)2011)2011)2011)

Fonte: UNITAR/UNOSAT (2014, p. 22).

Apesar da melhoria registada na capacidade de defesa própria dos navios,

entre 2004 e 2014 foram sequestrados 323 navios, nas mais diversas regiões do

Mundo. É de assinalar que não se verificaram quaisquer sequestros na África

Oriental, Mar Mediterrâneo, Caraíbas, América Central e América do Sul (FigFigFigFiguNuNuNuN

ra 4.9ra 4.9ra 4.9ra 4.9). A duração média dos sequestros do navio e da sua tripulação ultrapassa

os 7 meses (UKMTO, 2011, p. 1).

No período compreendido entre 2008 e 2011, verificouNse um pico no númeN

ro de navios sequestrados, devido ao aumento da atividade pirata no Corno de

África. Nestes quatro anos foram sequestrados 196 navios, tendo o valor máxiN

mo anual sido atingido em 2010, com 53 navios sequestrados. Na totalidade do

período analisado cerca de 66% dos sequestros ocorreram na região do Golfo

de Adém e Mar Vermelho. Na região do Golfo da Guiné este fenómeno também

está bastante presente deste 2011, registandoNse desde esse ano, em média,

quase oito sequestros por ano.

Em 2012, começou a sentirNse um decréscimo no número de sequestros, até

se atingir o valor mínimo de 12 sequestros, em 2013. Em 2014, voltou a verifiN

carNse um novo aumento, sendo a região do Sudeste Asiático aquela onde se

registou o maior número, com 15 dos 21 casos verificados nesse ano. É ainda de

assinalar que em 2014 não se verificou qualquer sequestro na região do Golfo

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

84

de Adém e Mar Vermelho, o que se ficará a dever à presença de forças militares

na região.

No Sudeste Asiático, no Subcontinente Indiano e no Golfo da Guiné, a maior

parte dos ataques aconteceram com os navios fundeados. Esta situação pode

indiciar que nestas regiões a maior parte dos ataques configuraram situações

de assalto à mão armada contra navios, pois normalmente os navios fundeiam

nas proximidades de terra, ou seja, no mar territorial do país. Já na região do

Golfo de Adém e Mar Vermelho a maior parte dos ataques aconteceu com os

navios a navegar (Figura 4.10(Figura 4.10(Figura 4.10(Figura 4.10).

No Golfo da Guiné o número de ataques com o navio fundeado conheceu

uma queda abrupta em 2013 e 2014, tendo a distância média a terra dos ataques

praticamente duplicado, o que poderá deverNse a um patrulhamento mais eficaz

dos espaços marítimos por parte dos Estados costeiros (UNITAR/UNOSAT,

2014, p. 22).

Figura 4.9. Figura 4.9. Figura 4.9. Figura 4.9. Número de navios sequestrados por ano em cada regNúmero de navios sequestrados por ano em cada regNúmero de navios sequestrados por ano em cada regNúmero de navios sequestrados por ano em cada região (2004ião (2004ião (2004ião (2004NNNN2014)2014)2014)2014)

Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).

Figura 4.10.Figura 4.10.Figura 4.10.Figura 4.10. Situação dos navios quando atacados (2004 Situação dos navios quando atacados (2004 Situação dos navios quando atacados (2004 Situação dos navios quando atacados (2004NNNN2014)2014)2014)2014)

Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).

Page 109: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

85

OOOOS CUSTOS HUMANOS E ES CUSTOS HUMANOS E ES CUSTOS HUMANOS E ES CUSTOS HUMANOS E ECONÓMICOCONÓMICOCONÓMICOCONÓMICOS ASSOCIS ASSOCIS ASSOCIS ASSOCIAAAADOS À PIRATARIADOS À PIRATARIADOS À PIRATARIADOS À PIRATARIA

Num Mundo cada vez mais globalizado e interdependente, as implicações da

pirataria marítima não se fazem sentir apenas nos Estados costeiros atingidos

por este flagelo, afetando a generalidade dos países do globo. De seguida proN

curarNseNá dar uma visão geral de alguns dos custos humanos e económicos

associados à pirataria.

a.a.a.a. Custos humanosCustos humanosCustos humanosCustos humanos

Relativamente ao nível de violência a que as tripulações dos navios foram

sujeitas, tendo em consideração o número de reféns, feridos, mortos, raptados

ou desaparecidos, a região do Golfo de Adém e Mar Vermelho destacaNse como

sendo aquela em que se verificou um maior número de ocorrências. Em 2010 foi

atingido um pico de 1037 ocorrências e em 2011 registouNse um igual número

(Figura 4.11Figura 4.11Figura 4.11Figura 4.11). Fruto do já referido esforço de patrulhamento da comunidade

internacional, o número de ocorrência caiu abruptamente nesta região em 2012

e 2013, e em 2014 não se registou qualquer incidente.

Ao contrário do sucedido nas outras regiões, no último ano verificouNse um

aumento do número de ocorrência no Sudeste Asiático.

Figura 4.11. Evolução anual do número de reféns, feridos, mortos, Figura 4.11. Evolução anual do número de reféns, feridos, mortos, Figura 4.11. Evolução anual do número de reféns, feridos, mortos, Figura 4.11. Evolução anual do número de reféns, feridos, mortos,

raptados ou desaparraptados ou desaparraptados ou desaparraptados ou desapareeeecidos (2004cidos (2004cidos (2004cidos (2004NNNN2014)2014)2014)2014)

Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).

Se passarmos a considerar na análise apenas o número de raptados, feridos

e mortos, procurando assim destacar as situações em que se verificou um maior

Page 110: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

86

nível de violência, constataNse que o Golfo da Guiné foi a região onde os ataques

foram mais violentos (Figura 4.12Figura 4.12Figura 4.12Figura 4.12).

Figura 4.1Figura 4.1Figura 4.1Figura 4.12. Número de raptados, feridos e mortos por região (20042. Número de raptados, feridos e mortos por região (20042. Número de raptados, feridos e mortos por região (20042. Número de raptados, feridos e mortos por região (2004NNNN2014)2014)2014)2014)

Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).

b.b.b.b. Custos económicos Custos económicos Custos económicos Custos económicos

Estudos efetuados pelo IMB estimaram que os custos anuais da pirataria para a

indústria marítima se situavam entre 1 e 16 biliões de dólares (Chalk, 2008, p. 16)4.

Como parte integrante do projeto “Oceans Beyond Piracy”, a “One Earth

Future Foundation” conduziu um estudo cujos resultados foram divulgados em

três relatórios, publicados respetivamente em 2011, 2012 e 2013. Este estudo

estimou que os custos totais da pirataria ao largo da Somália se tivessem situaN

do entre 7 e 12 biliões de dólares, em 2010 (One Earth Future Foundation, 2011,

p. 2), entre 6.6 e 6.9 biliões de dólares, em 2011 (One Earth Future Foundation,

2012, p. 1), e entre 5.7 e 6.1 biliões de dólares, em 2012 (One Earth Future

Foundation, 2013, p. 1). EstimouNse que aproximadamente 80% destes valores

tenha sido suportado pela indústria marítima e que os restantes 20% tenham

sido pagos pelos Estados, ou seja, pelos contribuintes. Em 2013, um estudo

preliminar desta mesma Fundação estimou que a pirataria marítima na África

Ocidental e no Golfo da Guiné teve, em 2012, um impacto direto sobre a ecoN

nomia situado entre os 740 e os 950 milhões de dólares (UNCTAD, 2014a, p. 14).

Em 2013, o Banco Mundial estimou, com uma margem de erro de aproxiN

madamente 6 biliões de dólares, que em 2010 os custos globais para a economia

4 Os números apresentados são biliões americanos que correspondem a mil milhões euroNpeus.

Page 111: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

87

da pirataria no Golfo de Adém se tivessem situado nos 18 biliões de dólares

(World Bank, 2013, p. 5).

Esta disparidade de números é reveladora da dificuldade em estimar rigoroN

samente os custos associados à pirataria marítima. Determinados autores conN

sideram que é importante distinguir entre custos suportados pelos Estados

(pagos pelos contribuintes), custos dos seguros (suportados pelos consumidoN

res) e custos de oportunidade (e.g. impacte no turismo). Consideram ainda que

é fundamental distinguir os verdeiros custos da pirataria marítima dos lucros

das empresas que desenvolvem a sua atividade em torno do combate a este

flagelo, devendo os lucros ser deduzidos aos custos (Archer & Pelton, 2012).

Para uma maior discriminação dos custos económicos associados à pirataria

marítima, a “United Nations Conference on Trade and Development” considera

custos diretos e indiretos. Relativamente aos custos diretos são considerados os

seguintes: (i) custos devido aos resgates pagos para libertar navios e tripulantes

sequestrados; (ii) custos relacionados com a condução de operações militares de

combate à pirataria; (iii) custos associados à aquisição de equipamento de seguN

rança e à contratação de guardas para proteger navios e tripulações; (iv) custos

resultantes do redireccionamento dos navios para outras rotas (e.g. Cabo da

Boa Esperança); (v) custos inerentes ao aumento da velocidade; (vi) custos laboN

rais mais elevados devido ao pagamento de um prémio de risco aos tripulantes;

(vii) custos relacionados com o julgamento e a prisão de piratas; (viii) custos

associados ao aumento do prémio do seguro em resultado das zonas de ativiN

dade pirata intensa serem consideradas áreas de risco de guerra; e (ix) custos

relativos ao funcionamento de organizações nacionais e internacionais de luta

contra a pirataria (UNCTAD, 2014a, pp. 15N21).

No respeitante aos custos indiretos da pirataria destacamNse os seguintes: (i)

custos relacionados com a diminuição do movimento de navios nos portos da

região afetada pelo fenómeno; (ii) aumento do custo de transporte de mercadoN

rias para os Estados encravados (sem acesso direto ao mar), devido à necessiN

dade dos produtos efetuarem maiores percursos terrestres para chegarem ao

seu destino; (iii) custos para o comércio global e regional, na medida em que a

pirataria provoca disrupções no transporte marítimo; (iv) custos associados ao

aumento do preço da energia, pois como cerca de 45% do petróleo é transportaN

do por via marítima, qualquer perturbação no fluxo comercial tem como reflexo

imediato um aumento do seu preço; (v) delapidação dos recursos piscícolas, uma

vez que a falta de segurança marítima pode conduzir a situações de sobrepesca,

afetando a economia local e regional; (vi) aumento do preço dos alimentos, porN

quanto os navios graneleiros e de carga geral são dos mais atacados, e estes

Page 112: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

88

navios transportam alimentos básicos; (vii) custos no setor do turismo, devido à

diminuição do número de turistas; e (viii) custos associados à poluição ambienN

tal, pois quando os piratas atacam petroleiros e navios de transporte de cargas

perigosas, o risco de desastre ambiental aumenta (UNCTAD, 2014a, pp. 21N36).

Na Tabela 4.1Tabela 4.1Tabela 4.1Tabela 4.1 são apresentados os custos económicos da marítima ao largo

da Somália, entre 2010 e 2012, identificados nos estudos desenvolvidos pela

“One Earth Future Foundation”.

Tabela 4.1. Custos económicos da pirataria marítima na SomáliaTabela 4.1. Custos económicos da pirataria marítima na SomáliaTabela 4.1. Custos económicos da pirataria marítima na SomáliaTabela 4.1. Custos económicos da pirataria marítima na Somália FatorFatorFatorFator 2010201020102010 2011201120112011 2012201220122012 Resgates $176 milhões $160 milhões $31.75 milhões Operações militares $2 biliões $1.27 biliões $1.09 biliões Equipamentos de segurança e guardas

$363 milhõesN$2.5 biliões

$1.064N$ 1.16 biliões

$1.65 a $2.06 biliões

Redireccionamento de navios $2.4N$3 biliões $486N$681 milhões

$290.5 milhões

Aumento da velocidade N $2.71 biliões $1.53 biliões Custos laborais N $195 milhões $471.6 milhões Julgamento e prisão $31 milhões $16.4 milhões $14.89 milhões

Prémios de seguro $430 milhõesN$3.2

biliões $635 milhões $550.7 milhões

Organizações de luta contra a pirataria

$19.5 milhões $21.3 milhões $24.08 milhões

Custos para a economia regional $1.25 biliões N N

Custo total estimado $7N$12 biliões $6.6N$6.9 biliões

$5.7N$6.1 biliões

Fonte: One Earth Future Foundation (2011, 2012, 2013).

Na sequência da proliferação de atos de pirataria no Corno de África, com

os custos humanos e económicos anteriormente identificados, foram desenvolN

vidas diversas iniciativas com o objetivo de conter este flagelo. Os dados estatísN

ticos mais recentes indicam uma queda acentuada no número de atos de

pirataria, o que vem comprovar a eficácia das medidas aplicadas na luta contra

este fenómeno. Seguidamente serão analisadas algumas dessas medidas.

OOOO COMBATE À PIRATARIA COMBATE À PIRATARIA COMBATE À PIRATARIA COMBATE À PIRATARIA

A análise do combate à pirataria marítima começa pelo estudo dos instrumenN

tos legais à disposição dos Estados para reprimir este ilícito. Prossegue com a

identificação das boas práticas adotadas pela indústria marítima para mitigar o

fenómeno, com a enumeração dos instrumentos de cooperação regional e interN

Page 113: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

89

nacional, e com a análise da resposta internacional militar. Termina abordando a

questão das empresas de prestação de serviços de segurança privada.

a.a.a.a. Os instrumentos jurídicos à disposição dos EstadosOs instrumentos jurídicos à disposição dos EstadosOs instrumentos jurídicos à disposição dos EstadosOs instrumentos jurídicos à disposição dos Estados

A CNUDM estabelece que “todos os Estados devem cooperar em toda a

medida do possível na repressão da pirataria no alto mar ou em qualquer outro

local que não se encontre sob a jurisdição de algum Estado” 5, podendo apresar

“no alto mar ou em qualquer outro lugar não submetido à jurisdição de qualquer

Estado, um navio ou aeronave pirata”6. O apresamento só pode ser efetuado por

navios de guerra ou aeronaves militares, ou outros navios ou aeronaves passíN

veis de serem identificados como estando ao serviço de um governo e que esteN

jam para tal autorizados7. Contudo, quando um ato desta índole é cometido nas

águas interiores, territoriais ou arquipelágicas dos Estados costeiros, é da comN

petência das autoridades desse mesmo Estado tomar as medidas necessárias

para reprimir o ilícito.

Apesar de a CNUDM estabelecer a obrigação de todos os Estados cooperaN

rem na repressão da pirataria, não impõe a criminalização deste ilícito na legisN

lação nacional de cada país, nem obriga os Estados a julgarem atos desta

natureza. Estes passos poderiam ser importantes no combate a este fenómeno,

pois para que os piratas possam ser julgados e punidos, é necessário que a piraN

taria esteja tipificada como crime no direito interno de cada Estado e que este

seja considerado de jurisdição universal. Só assim será possível julgar os alegaN

dos criminosos, independentemente da sua nacionalidade e do local onde o

delito foi cometido. Quando o navio que apresou os suspeitos de pirataria perN

tence a um Estado que não tem este crime tipificado no seu enquadramento

jurídico, este país só tem competência para julgar o ilícito se o mesmo tiver sido

concretizado a bordo de um navio que arvore o seu pavilhão, ou se um cidadão

seu nacional tiver sido o agente ou a vítima do crime (Correia, 2009, p. 23).

Para além da CNUDM, existem outras convenções internacionais que

podem desempenhar um papel relevante na prevenção e no combate à pirataria

marítima. De entre estas destacaNse a “Convenção para a Supressão de Atos

Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima”8, que sem se referir expresN

samente à pirataria, estabelece mecanismos jurídicos de repressão que podem

5 Artigo 100.º da CNUDM. 6 Artigo 105.º da CNUDM. 7 Artigo 107.º da CNUDM. 8 Celebrada em Roma, em 1988. Foi aprovada na sequência do atentado terrorista contra o paquete italiano “Achille Lauro”, em 1985. A nova versão desta convenção data de 2005 e decorreu dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

90

ser usados no combate a este flagelo. Esta convenção, de alguma forma, comN

plementa as disposições da CNUDM sobre a pirataria, uma vez que tipifica mais

ameaças à segurança da navegação. Obriga, ainda, os Estados Parte a extradiN

tarem ou julgarem os alegados criminosos (UNCTAD, 2014b, p. 15).

Não especificamente relacionadas com os assuntos marítimos, mas possuinN

do mecanismos que também podem contribuir para o combate à pirataria maríN

tima, existem ainda a “Convenção Internacional Contra a Tomada de Reféns” e

a “Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada TransnaN

cional”. A primeira convenção visa desenvolver a cooperação internacional

entre Estados na elaboração e adoção de medidas eficazes para a prevenção,

julgamento e punição de todos os atos relacionados com a tomada de reféns,

enquanto manifestações de terrorismo internacional. Por sua vez, a segunda

convenção tem por objetivo promover a cooperação para prevenir e combater,

de uma forma mais efetiva, o crime organizado transnacional (UNCTAD, 2014b,

pp. 21, 23).

b.b.b.b. As boas práticas adotadas pela indústria marítimaAs boas práticas adotadas pela indústria marítimaAs boas práticas adotadas pela indústria marítimaAs boas práticas adotadas pela indústria marítima

Nos últimos anos têmNse registado progressos significativos no combate à

pirataria, em resultado da implementação generalizada das medidas preconizaN

das nas “Best Management Practices for Protection against Somalia Based

Piracy”. Desenvolvida pela comunidade marítima, a primeira versão deste

documento foi promulgada pela IMO, em junho de 2009. Na quarta e mais

recente versão deste documento, promulgada em setembro de 2011, são recoN

mendadas uma série de medidas com o intuito de contribuir para a redução da

vulnerabilidade dos navios.

Essas medidas compreendem três aspetos fundamentais, que passam por: (i)

prestar atenção à informação de segurança marítima difundida pelos centros

regionais especializados; (ii) registar, sempre que aplicável, o navio no centro

responsável pela monitorização da região, e reportar a esse centro a entrada e

saída do navio da zona de risco; e (iii) implementar as medidas de defesa próN

pria do navio (UNCTAD, 2014b, p. 36).

Na região do Sudeste Asiático podem ser contactados o IMBNPCR ou o

“Regional Cooperation Agreement on Combating Piracy and Armed Robbery

against Ships in Asia” (ReCAAP). Na região do Corno de África, antes da entraN

da na área perigosa os navios devem ser registados no “Maritime Security Centre

– Horn of Africa” (MSCHOA), e os relatos diários e de entrada e saída da zona de

risco devem ser reportados ao “United Kingdom Maritime Trade Operations”

(UKMTO). Em 2011 foram criados os “Djibouti Code of Conduct Information

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UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

91

Sharing Centers”, localizados no Iémen, Quénia e na Tanzânia, e o “NATO

Shipping Centre”. Todos os centros anteriormente indicados foram especificaN

mente criados no âmbito do combate à pirataria e partilham a informação entre

si (UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 6).

De entre as medidas de defesa própria recomendadas, destacaNse as seguinN

tes: (i) durante o trânsito nas zonas onde a ameaça pirata é efetiva, utilizar

manobras evasivas e aumentar a velocidade do navio para mais de 18 nós; (ii)

aumentar a vigilância visual e radar; (iii) reforçar a proteção da ponte e do pesN

soal que nela trabalha; (iv) controlar os acessos à ponte, aos alojamentos e aos

espaços de máquinas; (v) colocar na borda do navio e nos pontos de acesso ao

seu interior, barreiras de arame farpado ou redes eletrificadas; (v) usar canhões

de água; e (vi) preparar uma área do navio para funcionar como cidadela

(UKMTO, 2011, pp. 11, 23, 25, 28N30, 32, 35, 37).

Relativamente à utilização do “Automatic Identification System” (AIS)9, o

UKMTO recomenda que este seja deixado ligado durante o trânsito pela área de

risco, de modo a proporcionar às forças navais informação sobre a navegação

efetuada pelo navio. A informação transmitida pelo equipamento deverá cingirN

se aos dados dinâmicos. Contudo, se o comandante do navio considerar que a

sua utilização aumenta a vulnerabilidade do navio, pois a informação transmitiN

da também fica disponível para os piratas, poderá desligar o equipamento

(UKMTO, 2011, p. 18).

c.c.c.c. A cooperação regional e internacionalA cooperação regional e internacionalA cooperação regional e internacionalA cooperação regional e internacional

Relativamente aos instrumentos de cooperação regional e internacional de

combate à pirataria marítima, vão ser referidos apenas aqueles que atingiram

uma maior notoriedade internacional.

(1). O “Djibouti Code of Conduct” O “Djibouti Code of Conduct” O “Djibouti Code of Conduct” O “Djibouti Code of Conduct” –––– O “Djibouti Code of Conduct”, adotado em

janeiro de 2009, visa reprimir as ações de pirataria contra navios no OceaN

no Índico Ocidental e no Golfo de Adém. Os signatários deste código acorN

daram em cooperar nos seguintes domínios: (i) investigação, detenção e

acusação de pessoas suspeitas da prática de atos de pirataria; (ii) interdição

e apreensão de navios piratas e dos bens a bordo; (iii) resgate de navios,

9 O AIS é um equipamento que permite transmitir e receber, via rádio, informação releNvante sobre os navios equipados com o sistema. A informação transmitida divideNse em 3 categorias: (i) dados dinâmicos (posição, exatidão de posicionamento, rumo, proa, velocidaNde e marcha da guinada); (ii) dados estáticos (nome do navio, número internacional, identifiNcativo de chamada, comprimento, boca e tipo de navio); e (iii) dados relacionados com a viagem (calado, tipo de carga, porto de destino e data e hora prevista para a chegada).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

92

pessoas e bens alvos de ações de pirataria, e prestação de cuidados aproN

priados, tratamento e repatriamento de tripulantes, passageiros e pescaN

dores; e (iv) condução de operações entre Estados signatários e com as

marinhas de países de outras regiões (UNCTAD, 2014b, pp. 38N39).

Este código também procura incentivar a partilha de informação entre

Estados, tendo sido criados para esse efeito os já referidos “Djibouti Code

of Conduct Information Sharing Centres”. Tem ainda apresentado bons

resultados nas áreas do treino, produção de legislação nacional e edificaN

ção de capacidades (UNCTAD, 2014b, p. 39).

(2). O “Contact Group on Piracy off the Coast of Somalia” O “Contact Group on Piracy off the Coast of Somalia” O “Contact Group on Piracy off the Coast of Somalia” O “Contact Group on Piracy off the Coast of Somalia” –––– O “Contact

Group on Piracy off the Coast of Somalia” foi constituído em janeiro de

2009, na sequência da resolução 1851 de 16 de dezembro de 2008, do

Conselho de Segurança das Nações Unidas. Localizado em Nova Iorque,

este fórum internacional, que tem como missão coordenar o combate

internacional à pirataria ao largo da Somália, juntou mais de 60 países e

organizações internacionais.

O grupo de contacto encontraNse dividido em cinco grupos de trabalho,

estando cada grupo focado no seguinte: (i) o grupo de trabalho 1 coordeN

na as operações navais e o esforço internacional para a edificação das

capacidades judicial, penal e marítima dos Estados da região; (ii) o grupo

de trabalho 2 proporciona aconselhamento jurídico sobre aspetos legais

relacionados com a luta contra o terrorismo; (iii) o grupo de trabalho 3

analisa e propõe medidas para melhorar a capacidade de defesa própria

dos navios; (iv) o grupo de trabalho 4 alerta para os perigos da pirataria e

difunde recomendações relativamente às melhores práticas a adotar para

erradicar o fenómeno; e (v) o grupo de trabalho 5 trabalha com entidades

policiais, judiciais e bancárias, de modo a compreender os fluxos finanN

ceiros ilícitos resultantes da pirataria e a combater esta atividade em terra

(UNCTAD, 2014b, pp. 40N41).

(3). O “Code of Conduct Concerning the Repression of Piracy, Armed RoO “Code of Conduct Concerning the Repression of Piracy, Armed RoO “Code of Conduct Concerning the Repression of Piracy, Armed RoO “Code of Conduct Concerning the Repression of Piracy, Armed RobNbNbNbN

bery Against Ships and Illicit Maritime Activity in West and Central Abery Against Ships and Illicit Maritime Activity in West and Central Abery Against Ships and Illicit Maritime Activity in West and Central Abery Against Ships and Illicit Maritime Activity in West and Central AfNfNfNfN

rica”rica”rica”rica” –––– Assinado em junho de 2013 por 22 Estados do Golfo da Guiné e da

África Ocidental, o “Code of Conduct Concerning the Repression of PiN

racy, Armed Robbery Against Ships and Illicit Maritime Activity in West

and Central Africa” foi elaborado tendo como referência o “Djibouti Code

of Conduct”, pelo que incorpora muitos dos seus elementos. Os Estados

signatários comprometemNse a cooperar na repressão da pirataria, do

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UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

93

crime organizado transnacional, do terrorismo marítimo, da pesca ilegal

e de outras atividades ilícitas no mar.

À semelhança do “Djibouti Code of Conduct”, este código procura: (i)

incentivar a partilha de informações entre Estados; (ii) impedir a utilizaN

ção de aeronaves e navios suspeitos de conduzir atividades ilegais; (iii)

assegurar a detenção e acusação de pessoas suspeitas de cometer ilícitos;

e (iv) proporcionar cuidados adequados às vítimas de violência no mar

(UNCTAD, 2014b, p. 41).

(4). O “Regional Cooperation Agreement on Combating Piracy and Armed O “Regional Cooperation Agreement on Combating Piracy and Armed O “Regional Cooperation Agreement on Combating Piracy and Armed O “Regional Cooperation Agreement on Combating Piracy and Armed

Robbery Against Ships in Asia” Robbery Against Ships in Asia” Robbery Against Ships in Asia” Robbery Against Ships in Asia” –––– Antes do surgimento da pirataria no

Golfo de Adém, o fenómeno estava particularmente presente no Sudeste

Asiático. Esta situação levou à criação do ReCAAP em novembro de

2004, que conta atualmente com 19 Estados Parte.

Estes Estados comprometemNse ao seguinte: (i) combater a pirataria; (ii)

deter piratas; (iii) apreender navios ou aeronaves usadas em ações de

pirataria, bem como os bens que se encontrem a bordo; e (iv) resgatar

navios e pessoas vítimas de pirataria. Está ainda prevista a possibilidade

dos piratas serem extraditados para outro Estado Parte que tenha jurisdiN

ção sobre os ilícitos cometidos, bem como a assistência jurídica mútua em

matéria penal e o desenvolvimento de capacidades para prevenir e

reprimir a pirataria.

O acordo promoveu a criação do “ReCAAP InformationNsharing Centre”,

com os objetivos de facilitar a troca de informação entre os Estados Parte

e recolher e analisar dados que permitam melhor compreender a real

situação da pirataria na Ásia (UNCTAD, 2014b, pp. 44N45).

(5). O “United Kingdom Maritime Trade Operations” O “United Kingdom Maritime Trade Operations” O “United Kingdom Maritime Trade Operations” O “United Kingdom Maritime Trade Operations” –––– O UKMTO, localizado

no Dubai, Emirados Árabes Unidos, é o principal ponto de contacto para

os navios mercantes em trânsito pelo Golfo de Adém e Corno de África e

para a ligação com as forças navais presentes na região. Esta entidade gere

a informação enviada periódica e voluntariamente pelos navios mercantes,

nomeadamente os seus relatórios diários, em que os navios indicam a sua

posição, rumo, velocidade e hora prevista de chegada ao próximo porto.

Posteriormente, esta informação é enviada para o MSCHOA, “NATO

Shipping Centre” e “Maritime Liaison Office” (MARLO).

Qualquer informação relevante que possa afetar a navegação mercante é

passada diretamente aos navios, e não aos seus armadores, evitando

assim perdas de tempo desnecessárias (UKMTO, 2011, p. 85).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

94

(6). O “Maritime Security Centre O “Maritime Security Centre O “Maritime Security Centre O “Maritime Security Centre –––– Horn of Africa” Horn of Africa” Horn of Africa” Horn of Africa” –––– O MSCHOA é uma iniN

ciativa da “European Union Naval Force Somalia” (EU NAVFOR) para

apoiar a condução da operação “Atalanta”, desenvolvida em estreita

colaboração com a indústria marítima. Este centro multinacional, operaN

do por civis e militares, monitoriza em permanência os navios em trânsito

pelo Golfo de Adém, Somália e Corno de África, e difunde informação

sobre a atividade pirata na região (UKMTO, 2011, p. 83).

(7). O “NATO Shipping Centre” O “NATO Shipping Centre” O “NATO Shipping Centre” O “NATO Shipping Centre” –––– O “NATO Shipping Centre” é o principal

ponto de contacto da “Organização do Tratado do Atlântico Norte”

(OTAN) com a comunidade marítima. É utilizado por esta organização

para comunicar e coordenar iniciativas e esforços com outros atores miliN

tares, nomeadamente com o UKMTO, MSCHOA e MARLO, bem como

com a comunidade marítima, apoiando assim o esforço de combate à

pirataria (UKMTO, 2011, p. 84).

(8). O “Maritime Liaison Office” O “Maritime Liaison Office” O “Maritime Liaison Office” O “Maritime Liaison Office” – A missão do MARLO é promover a troca

de informações entre a Marinha dos EUA, as “Combined Maritime ForN

ces” e a navegação mercante, na área de responsabilidade do “U.S. CenN

tral Command”.

O MARLO disponibiliza diversa informação de segurança marítima e

constituiNse como um ponto contacto secundário para a navegação merN

cante em perigo, funcionando como alternativa ao UKMTO (UKMTO,

2011, p. 83).

d.d.d.d. A resposta internacional militarA resposta internacional militarA resposta internacional militarA resposta internacional militar

O combate à pirataria marítima também se tem traduzido no empenhamento

de meios militares no patrulhamento de áreas onde esta ameaça é efetiva. O

emprego destes meios é particularmente evidente na região do Golfo de Adém,

onde a escolta de navios mercantes procura evitar a disrupção do comércio

marítimo internacional.

Devido à incapacidade revelada pelos Estados costeiros da região para

combater o flagelo, têm sido empenhadas diversas forças multinacionais. Neste

esforço internacional destacaNse a operação “Atalanta”, conduzida pela EU

NAVFOR, as operações “Ocean Shield” e “Allied Protector”, levadas a cabo pela

OTAN, e a “Combined Task Force 151” (CTF 151) da “Combined Maritime ForN

ces”. Estas três forças coordenam entre si o esforço de combate à pirataria na

região do Golfo de Adém e do Corno de África. É ainda de referir a ação desenN

volvida a nível nacional pela Arábia Saudita, China, Coreia do Sul, Iémen, Índia,

Irão, Japão, Malásia e Rússia (UNCTAD, 2014b, p. 45).

Page 119: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

95

(1). A operação “Atalanta” A operação “Atalanta” A operação “Atalanta” A operação “Atalanta” –––– Para combater a pirataria na costa da Somália, a

União Europeia lançou, em dezembro de 2008, a EU NAVFOR – Atalanta,

no âmbito da sua Política Comum de Segurança e Defesa.

Em novembro de 2014, o mandato desta operação foi prolongado até

dezembro de 2016. O atual mandato contempla: (i) a proteção de navios

do “World Food Program” (WFP), da “African Union Mission in Somalia”

(AMISOM) e de outros navios vulneráveis; (ii) o combate à pirataria; (iii) a

monitorização da atividade piscatória na costa da Somália; e (iv) o apoio a

outras missões da União Europeia e a organizações internacionais que

trabalhem para reforçar a segurança marítima na região (EU NAVFOR

Somalia, 2015).

Portugal tem colaborado neste esforço da União Europeia através do

envio de meios navais e aéreos. A participação portuguesa teve o seu iníN

cio em abril de 2010, com o envio para a área de operações de uma aeroN

nave de patrulhamento marítimo PN3P. Foram enviados dois

destacamentos, tendo a missão terminado em agosto de 2010. Entre abril

e agosto de 2011, o NRP “Vasco da Gama” desempenhou a função de

navioNchefe durante o comando português desta força naval, e entre

março e maio de 2012, foi a vez do NRP “Corte Real” ser empenhado nesN

ta operação. Entre abril e agosto de 2013, Portugal comandou novamente

esta força naval, tendo desta feita o NRP “Álvares Cabral” assumido a

função de navioNchefe.

(2). As operações “Ocean Shield” eAs operações “Ocean Shield” eAs operações “Ocean Shield” eAs operações “Ocean Shield” e “Allied Protector” “Allied Protector” “Allied Protector” “Allied Protector” –––– A operação “Ocean

Shield” é a contribuição da OTAN para os esforços internacionais de

combate à pirataria marítima no Golfo de Adém. Iniciada em agosto de

2009, esta operação beneficiou da experiência adquirida no decorrer da

missão sua antecessora, operação “Allied Protector”.

A participação da OTAN no combate à pirataria teve o seu início com a

operação “Allied Provider”, que escoltou os navios do WFP entre outubro

e dezembro de 2008. Esta operação foi sucedida pela operação “Allied

Protector”, que continuou a contribuir para a segurança marítima na

região entre março e agosto de 2009, altura em que deu lugar à operação

“Ocean Shield”. Em junho de 2014, o mandato desta operação foi prolonN

gado até ao final de 2016. O mandato que foi conferido à operação

“Ocean Shield” é mais amplo que o mandato das operações suas antecesN

soras, pois não se limita a garantir a segurança marítima na área, mas

procura ainda proporcionar treino aos Estados costeiros da região, de

Page 120: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

96

modo a estes desenvolverem as suas próprias capacidades de combate à

pirataria (EMGFA, 2015).

Portugal também participou nas operações conduzidas pela OTAN, tendo

enviado o NRP “Corte Real”, entre março e junho de 2009. PosteriormenN

te, entre novembro de 2009 e janeiro de 2010, participou com o NRP

“Álvares Cabral”, tendo exercido o comando da força naval neste período

(NATO, 2015). No período compreendido entre abril e junho de 2011,

Portugal empenhou uma aeronave de patrulhamento marítimo PN3C, e

entre setembro e outubro desse mesmo ano, foi empenhado o NRP “D.

Francisco de Almeida”.

(3). A “Combined Task Force 151” A “Combined Task Force 151” A “Combined Task Force 151” A “Combined Task Force 151” – A “Combined Maritime Forces” é uma

parceria naval multinacional de 30 nações, da qual Portugal faz parte.

Esta parceria foi criada com o objetivo de promover a segurança, estabiN

lidade e prosperidade numa extensa área marítima, que abrange algumas

das mais importantes rotas comerciais do Mundo. Para esse efeito é consN

tituída por três forças tarefa, sendo a CTF 151 aquela que está dedicada

ao combate da pirataria marítima (CMF, 2015a).

Criada em janeiro de 2009, a missão da CTF 151 contempla, para além do

combate à pirataria, a edificação de capacidades no domínio da seguranN

ça marítima. A CTF 151 patrulha o “Corredor de Trânsito InternacionalN

mente Recomendado”, em conjunto com a força da OTAN, a EU

NAVFOR e outros navios de guerra na área a atuarem a nível nacional

(CMF, 2015b).

e.e.e.e. As empresas de prestação de serviços de segurança privadaAs empresas de prestação de serviços de segurança privadaAs empresas de prestação de serviços de segurança privadaAs empresas de prestação de serviços de segurança privada

O “Lowy Institute for International Policy”, um grupo de reflexão australiaN

no, estima que existam no oceano Índico mais de 160 empresas de segurança

privada, na sua maior parte britânicas e americanas, cerca de 2700 guardas

armados, 18 arsenais flutuantes e 40 embarcações privadas de patrulha. Estas

empresas operam a partir de sete portos principais, nomeadamente Al HudayN

dah e Adém (Iémen), Salalah (Omã), Djibouti, Mombaça (Quénia), Galle (Sri

Lanka) e Singapura (UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 18).

No entanto, convém ter presente que a maior parte dos Estados de bandeira

não permite a existência de armas a bordo dos seus navios mercantes. O direito

de passagem inofensiva pelo mar territorial do Estado costeiro, consagrado no

direito internacional marítimo, é baseado na premissa de que o navio não está

armado e que não constitui uma ameaça para o Estado ribeirinho ou para

Page 121: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

97

outros navios a navegarem as suas águas, situação que poderia ser significatiN

vamente alterada, se os navios mercantes se encontrassem armados.

Na Europa esta prática só é oficialmente autorizada pelo Reino Unido e por

Espanha, existindo alguns riscos que lhe estão associados, tais como a ausência

de normas que regulem a utilização destas empresas, a possibilidade de uma

escalada da violência, e a imagem negativa de “mercenários” que os guardas

destas empresas encerram. Na inexistência de legislação internacional, estas

empresas cumprem com o “International Code of Conduct for Private Security

Service Providers”, uma iniciativa privada (UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 18).

Para que estas empresas possam ser utilizadas a coberto de um quadro juríN

dico adequado, há pelo menos sete aspetos que precisam de ser cobertos: (i) a

emissão de licenças para a utilização de armas e guardas; (ii) a definição da área

geográfica para a qual foi emitida a licença e o tipo de embarcação coberta por

essa mesma autorização; (iii) o estabelecimento de um processo de certificação

das empresas de segurança e do seu pessoal; (iv) a definição de um limite para o

emprego da força; (v) a clarificação do papel do comandante do navio; (vi) a

obrigação de efetuar um seguro contra terceiros; e (vii) a supervisão e controlo

em relação à responsabilidade pelos atos praticados (Van Hespen, 2014, p. 373).

Numa outra perspetiva, o Estado francês oferece os serviços dos comandos

do seu exército, que embarcam nos navios mais vulneráveis mediante o pagaN

mento de uma taxa (UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 18).

CCCCONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES

A análise efetuada ao fenómeno da pirataria marítima permitiu identificar

diversas tendências no domínio da segurança marítima.

O fenómeno está predominantemente presente nas regiões do Sudeste AsiáN

tico, Subcontinente Indiano, Golfo de Adém e Mar Vermelho, e Golfo da Guiné.

Relativamente ao Subcontinente Indiano, não se verificaram variações apreciáN

veis no período analisado, apesar de a pirataria continuar a apresentar números

preocupantes nesta região. No respeitante às outras três regiões foram obserN

vadas tendências significativas na atividade pirata.

No Sudeste Asiático, a partir de 2009 inverteuNse a tendência de decréscimo

do número de ataques que se verificava deste o início do século, tendoNse atinN

gido o inaceitável número de 148 ataques, em 2014. Nesse ano, o Sudeste AsiáN

tico foi a região em que mais pessoas foram alvo de algum tipo de violência em

resultado da pirataria. A pirataria no Estreito de Malaca continua a ser um dos

Page 122: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

98

principais elementos perturbadores das rotas de comércio marítimo seguras no

Sudeste Asiático.

No Golfo de Adém e Mar Vermelho, houve uma redução significativa no

número de ataques piratas a partir de 2011, tendoNse passado de 236 ataques

nesse ano, para 11, em 2014. Em 2014 não foi sequestrado qualquer navio ou

pessoa. Também a distância média do local do ataque a terra diminui de cerca

de 400 km, em 2010, para menos de 50 km, em 2013. Estes factos são reveladoN

res do sucesso do esforço da comunidade internacional para reprimir a pirataN

ria nesta região.

No Golfo da Guiné, não se verificou uma variação significativa no número

de ataques realizados. No entanto, registouNse uma diminuição do número de

incidentes com navios fundeados e aumentou a distância média a terra dos

ataques efetuados, o que poderá ser revelador de um patrulhamento mais eficaz

das águas costeiras, por parte dos Estados ribeirinhos. Esta região foi aquela

onde se verificou um maior nível de violência durante os ataques.

Nas zonas de maior incidência de atos de pirataria marítima, o combate a

este flagelo tem passado pelo reforço das medidas de defesa própria dos navios

em trânsito pela zona de risco, pela presença militar internacional, pelo desenN

volvimento de instrumentos de cooperação internacional e pela utilização de

empresas de prestação de serviços de segurança privada.

No entanto, no âmbito da repressão ao fenómeno, consideraNse importante

passar a dar uma maior ênfase a determinados aspetos. No plano securitário, é

necessário promover o desenvolvimento da capacidade de vigilância marítima

dos Estados costeiros da região. O reforço desta capacidade deve contribuir

para reprimir não apenas as ações de pirataria, mas todas as atividades ilegais

que são conduzidas nos espaços marítimos. No plano judicial, a ação deve pasN

sar pela eliminação dos obstáculos políticos e jurídicos que dificultam o julgaN

mento e a condenação dos piratas, pela criação das condições necessárias para

levar a julgamento os cabecilhas e os financiadores das redes de pirataria, pelo

desenvolvimento de medidas conducentes à neutralização das fontes de finanN

ciamento da pirataria e pelo estabelecimento de um quadro legal que regule o

emprego das empresas de prestação de serviços de segurança privada. No plaN

no socioeconómico, é necessário reforçar a ajuda económicoNfinanceira, de

modo a fomentar o desenvolvimento e a estabelecer as estruturas do Estado de

direito. No entanto, é importante que não se imponha a edificação de um modeN

lo de Estado desajustado, mas antes que se tenha em consideração as estruturas

étnicas e regionais que sustentam a sociedade.

Page 123: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

99

Em determinadas circunstâncias, o combate à pirataria marítima temNse cenN

trado em medidas de resposta a situações de emergência, devendo o foco pasN

sar a ser colocado no desenvolvimento de ações que promovam o

desenvolvimento socioeconómico das populações, pois esta é a única forma de

atacar as raízes do problema.

Page 124: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

100

ANEXO. LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DOS ATAQUES REALIZADOS, ANEXO. LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DOS ATAQUES REALIZADOS, ANEXO. LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DOS ATAQUES REALIZADOS, ANEXO. LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DOS ATAQUES REALIZADOS,

2000200020002000NNNN2004200420042004

EXTREMO

EXTREMO

EXTREMO

EXTREMO

ORIENTE

ORIENTE

ORIENTE

ORIENTE

2020202000000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

China

China

China

China 2 N N 1 3 4 1 N N 1 1 2 1 N N 16

Mar da

Mar da

Mar da

Mar da

China Leste

China Leste

China Leste

China Leste

1 2 1 N N N N N N N N N N N N 4

Pap

ua Nova

Pap

ua Nova

Pap

ua Nova

Pap

ua Nova

Guiné

Guiné

Guiné

Guiné N 1 1 N N N N 1 N N N N N N N 3

Ilhas

Ilhas

Ilhas

Ilhas

Salomão

Salomão

Salomão

Salomão

2 N 2 N N N N 1 N N N N N N N 5

Mar da

Mar da

Mar da

Mar da

China Sul

China Sul

China Sul

China Sul

9 4 N 2 8 6 1 3 N 13 31 13 2 4 1 97

Taiwan

Taiwan

Taiwan

Taiwan

N 2 1 1 N N N N N N N N N N N 4

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

14 9 5 4 11 10 2 5 0 14 32 15 3 4 1 129

SS SSUDESTE

UDESTE

UDESTE

UDESTE

ASIÁ

TICO

ASIÁ

TICO

ASIÁ

TICO

ASIÁ

TICO

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

InIn InIndonésia

donésia

donésia

donésia

119 91 103 121 94 79 50 43 28 15 40 46 81 106 100 1116

Estreito de

Estreito de

Estreito de

Estreito de

Malaca

Malaca

Malaca

Malaca 75 17 16 28 38 12 11 7 2 2 2 1 2 1 1 215

Malásia

Malásia

Malásia

Malásia

21 19 14 5 9 3 10 9 10 16 18 16 12 9 24 195

Myanmar

Myanmar

Myanmar

Myanmar

5 3 1 1 1 1 12

Page 125: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

101

SS SSUDESTE

UDESTE

UDESTE

UDESTE

ASIÁ

TICO

ASIÁ

TICO

ASIÁ

TICO

ASIÁ

TICO

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Filipinas

Filipinas

Filipinas

Filipinas

9 8 10 12 4 6 6 7 1 5 5 3 3 6 85 Estreito de

Estreito de

Estreito de

Estreito de

Singap

ura

Singap

ura

Singap

ura

Singap

ura

5 7 5 2 8 7 5 3 6 9 3 11 6 9 8 94

Tailândia

Tailândia

Tailândia

Tailândia

8 8 5 2 4 1 1 2 2 2 2 37

Vietnam

eVietnam

eVietnam

eVietnam

e

6 8 12 15 4 10 3 5 11 9 12 8 4 9 7 123

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

248 161 165 185 162 112 86 75 65 55 82 88 108 137 148 1877

SUBCONTINE

SUBCONTINE

SUBCONTINE

SUBCONTINE

NTE

INDIANO

NTE

INDIANO

NTE

INDIANO

NTE

INDIANO

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2222000000004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Ban

gladesh

Ban

gladesh

Ban

gladesh

Ban

gladesh

55 25 32 58 17 21 47 15 12 18 23 10 11 12 21 377

Índia

Índia

Índia

Índia 35 27 18 27 15 15 5 11 10 13 5 6 8 14 13 222

Sri Lan

kaSri Lan

kaSri Lan

kaSri Lan

ka

3 1 2 2 1 4 1 14

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

93 53 52 87 32 36 53 30 23 31 28 16 19 26 34 613

ÁFRICA

ÁFRICA

ÁFRICA

ÁFRICA

ORIENTAL

ORIENTAL

ORIENTAL

ORIENTAL

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

África do

África do

África do

África do

Sul

Sul

Sul

Sul

1 1 1 3

Moçambiqu

Moçambiqu

Moçambiqu

Moçambiqu

ee ee

2 1 1 3 2 2 2 1 14

Page 126: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

102

ÁFRICA

ÁFRICA

ÁFRICA

ÁFRICA

ORIENTAL

ORIENTAL

ORIENTAL

ORIENTAL

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Mad

agásca

Mad

agásca

Mad

agásca

Mad

agásca

rr rr

1 3 1 1 1 7

Tan

zânia

Tan

zânia

Tan

zânia

Tan

zânia

2 7 3 5 2 7 9 11 14 5 1 2 1 1 70

Quén

iaQuén

iaQuén

iaQuén

ia

5 2 1 1 4 2 1 1 1 1 19

Seich

eles

Seich

eles

Seich

eles

Seich

eles

1 1

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

10 9 9 8 4 8 9 19 19 6 1 1 5 4 2 114

GOLF

O DE

GOLF

O DE

GOLF

O DE

GOLF

O DE

ADÉM

E M

AR

ADÉM

E M

AR

ADÉM

E M

AR

ADÉM

E M

AR

VER

MEL

HVER

MEL

HVER

MEL

HVER

MEL

HOO OO

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Mar

Mar

Mar

Mar

Vermelho

Vermelho

Vermelho

Vermelho

15 25 39 13 2 4 98

Golfo de

Golfo de

Golfo de

Golfo de

Adém

Adém

Adém

Adém

13 11 11 18 8 10 10 13 92 117 53 37 13 6 4 416

Somália

Somália

Somália

Somália

9 8 6 3 2 35 10 31 19 80 139 160 49 7 3 561

Eritreia

Eritreia

Eritreia

Eritreia 1 1 2

Iémen

Iémen

Iémen

Iémen

1 1 5 7

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

23 20 22 21 11 45 20 45 111 212 217 236 75 15 11 1084

Page 127: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

103

MAR

MAR

MAR

MAR

MEDITE

MEDITE

MEDITE

MEDITERR

RR

RR

RR

ÂNEO

ÂNEO

ÂNEO

ÂNEO 200200200200

0000 2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Argélia

Argélia

Argélia

Argélia

1 1 2 Egito

Egito

Egito

Egito 1 2 2 2 3 7 7 24

Grécia

Grécia

Grécia

Grécia 1 1

Itália

Itália

Itália

Itália 1 1

Med

iterrân

Med

iterrân

Med

iterrân

Med

iterrân

eoeo eoeo

1 1

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

2 3 1 0 0 0 0 2 0 0 2 4 8 7 0 29

ÁFR

ICA

ÁFR

ICA

ÁFR

ICA

ÁFR

ICA

OCIDENTA

OCIDENTA

OCIDENTA

OCIDENTA

LL LL

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Marrocos

Marrocos

Marrocos

Marrocos

1 1 1 1 1 1 1 7

Mau

ritânia

Mau

ritânia

Mau

ritânia

Mau

ritânia

1 2 1 1 1 6

Sen

egal

Sen

egal

Sen

egal

Sen

egal

1 3 8 5 17

Gam

bia

Gam

bia

Gam

bia

Gam

bia

1 1

Guiné

Guiné

Guiné

Guiné

Bissau

Bissau

Bissau

Bissau 1 2 1 4

Guiné

Guiné

Guiné

Guiné 6 3 2 4 5 1 4 2 5 6 5 3 1 47

Page 128: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

104

ÁFR

ICA

ÁFR

ICA

ÁFR

ICA

ÁFR

ICA

OCIDENTA

OCIDENTA

OCIDENTA

OCIDENTA

LL LL

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Serra Leo

aSerra Leo

aSerra Leo

aSerra Leo

a

3 1 3 2 2 1 1 2 1 16

Libéria

Libéria

Libéria

Libéria

1 2 1 1 1 1 7

Congo

Congo

Congo

Congo

1 1 1 1 3 4 3 7 21

RD do

RD do

RD do

RD do

Congo

Congo

Congo

Congo

3 4 1 2 3 4 2 1 20

Angola

Angola

Angola

Angola

3 1 3 4 1 2 1 1 16

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

12 11 9 16 17 3 14 11 6 8 11 14 10 8 12 162

GOLFO DA

GOLFO DA

GOLFO DA

GOLFO DA

GUIN

ÉGUIN

ÉGUIN

ÉGUIN

É 200200200200

0000 2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Costa do

Costa do

Costa do

Costa do

Marfim

Marfim

Marfim

Marfim

5 9 5 2 4 3 1 3 2 4 1 5 4 3 51

Gan

aGan

aGan

aGan

a 2 5 5 3 5 3 3 1 7 3 2 2 1 4 46

Togo

Togo

Togo

Togo 1 1 1 1 1 2 6 15 7 2 37

Ben

imBen

imBen

imBen

im 1 1 20 2 24

Nigéria

Nigéria

Nigéria

Nigéria

9 19 14 39 28 16 12 42 40 29 19 10 27 31 18 353

Cam

arões

Cam

arões

Cam

arões

Cam

arões

2 7 5 2 4 2 1 2 3 5 1 1 35

Guiné

Guiné

Guiné

Guiné

Equatorial

Equatorial

Equatorial

Equatorial

1 1 2

Page 129: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

105

Gab

ãoGab

ãoGab

ãoGab

ão

2 3 7 2 1 15

São

Tomé e

São

Tomé e

São

Tomé e

São

Tomé e

Príncipe

Príncipe

Príncipe

Príncipe

1 1

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

22 43 37 48 41 24 18 43 54 40 28 39 52 45 30 564

CARAÍBAS

CARAÍBAS

CARAÍBAS

CARAÍBAS

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Caraíbas

Caraíbas

Caraíbas

Caraíbas

4 4

Cuba

Cuba

Cuba

Cuba 4 4

Rep

ública

Rep

ública

Rep

ública

Rep

ública

Dominican

aDominican

aDominican

aDominican

a

4 5 7 6 2 1 1 1 27

Haiti

Haiti

Haiti

Haiti 1 1 1 6 2 2 2 4 5 2 2 28

JaJa JaJamaica

maica

maica

maica

2 5 7 8 3 1 26

Martinica

Martinica

Martinica

Martinica

1 1

Trindad

e e

Trindad

e e

Trindad

e e

Trindad

e e

Tobag

oTobag

oTobag

oTobag

o

1 2 1 1 5

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

5 6 10 23 16 11 4 3 2 4 5 2 3 1 0 95

AMÉRICA

AMÉRICA

AMÉRICA

AMÉRICA

CENTRAL

CENTRAL

CENTRAL

CENTRAL

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

México

México

México

México

1 1

Page 130: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

106

AMÉRICA

AMÉRICA

AMÉRICA

AMÉRICA

CENTRAL

CENTRAL

CENTRAL

CENTRAL

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Guatem

ala

Guatem

ala

Guatem

ala

Guatem

ala

1 1

El S

alvador

El S

alvador

El S

alvador

El S

alvador

1 1

Honduras

Honduras

Honduras

Honduras

1 1 1 3

Costa Rica

Costa Rica

Costa Rica

Costa Rica

1 3 1 3 1 9

Pan

amá

Pan

amá

Pan

amá

Pan

amá

1 2 2 5

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

3 1 3 3 1 1 0 0 0 3 1 3 1 0 0 20

AMÉR

ICA DO

AMÉR

ICA DO

AMÉR

ICA DO

AMÉR

ICA DO

SUL

SUL

SUL

SUL

(ATL

ÂNTICO)

(ATL

ÂNTICO)

(ATL

ÂNTICO)

(ATL

ÂNTICO)

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Ven

ezuela

Ven

ezuela

Ven

ezuela

Ven

ezuela

3 1 8 13 7 2 4 1 3 5 7 4 1 59

Guiana

Guiana

Guiana

Guiana 1 12 6 2 1 1 5 2 1 2 1 34

Surinam

eSurinam

eSurinam

eSurinam

e

2 2

Brasil

Brasil

Brasil

Brasil 8 3 6 7 7 2 7 4 1 5 9 3 1 1 1 65

Argen

tina

Argen

tina

Argen

tina

Argen

tina

1 1

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

12 4 26 26 16 5 13 12 4 10 18 8 1 3 3 161

Page 131: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI

107

AMÉR

ICA DO

AMÉR

ICA DO

AMÉR

ICA DO

AMÉR

ICA DO

SUL (PACÍF

SUL (PACÍF

SUL (PACÍF

SUL (PACÍFININ ININ

CO

CO

COCO)) ))

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

Colô

Colô

Colô

Colômm mmbia

bia

biabia

1 1 7 10 5 2 2 1 5 3 4 5 7 2 55 Equad

or

Equad

or

Equad

or

Equad

or

13 8 12 2 1 1 2 2 3 6 4 3 57

Perú

Perú

Perú

Perú 4 1 6 7 5 6 9 6 5 13 10 2 3 4 81

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

18 10 25 19 11 8 12 6 8 20 16 12 12 14 2 193

RESTO DO

RESTO DO

RESTO DO

RESTO DO

MUNDO

MUNDO

MUNDO

MUNDO

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Total

Mar

Mar

Mar

Mar

Arábico

Arábico

Arábico

Arábico

2 2 2 2 4 1 2 15

Go

Go

Go

Goll ll fo

fo

fo

fo

Arábico

Arábico

Arábico

Arábico

1 1

Arábia

Arábia

Arábia

Arábia

Saudita

Saudita

Saudita

Saudita 1 1

Austr

Austr

Austr

Austr áá áálialia lialia

1 1

Bé ll llgica

gica

gica

gica 1 1

Bulgária

Bulgária

Bulgária

Bulgária

1 1 2

Mar Cáspio

Mar Cáspio

Mar Cáspio

Mar Cáspio

1 1

EUA

EUA

EUA

EUA 1 1 1 1 4

Page 132: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

108

RESTO DO

RESTO DO

RESTO DO

RESTO DO

MUNDO

MUNDO

MUNDO

MUNDO

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Total

França

França

França

França

1 1

Georgia

Georgia

Georgia

Georgia

1 1

Ocean

o

Ocean

o

Ocean

o

Ocean

o

Índico

Índico

Índico

Índico 1 1 1 3

Irão

Irão

Irão

Irão

1 1 2 2 2 2 10

IrIr IrIraa aa q

ue

que

que

que 2 1 10 2 2 17

Ocean

o

Ocean

o

Ocean

o

Ocean

o

Pacífico

Pacífico

Pacífico

Pacífico

1 1

Omã

Omã

Omã

Omã

1 3 5 1 2 12

Emir

Emir

Emir

Emiraa aa d

os

dos

dos

dos

Árabes

Árabes

Árabes

Árabes

Unidos

Unidos

Unidos

Unidos 1 2 3

Re

Re

Re

Re ii iino

no

no

no

Unido

Unido

Unido

Unido 2 1 3

Local

Local

Local

Local ii ii zação

zação

zação

zação

de

de

dede ss ssconh

conh

conh

conheNeN eNeN

cida

cida

cida

cida

1 1

TOTAL

TOTAL

TOTAL

TOTAL

7 5 6 5 7 13 8 12 1 7 4 1 0 0 2 78

2002002002000000

2002002002001111

2002002002002222

2002002002003333

2002002002004444

2002002002005555

2002002002006666

2002002002007777

2002002002008888

2002002002009999

2012012012010000

2012012012011111

2012012012012222

2012012012013333

2012012012014444

TotTotTotTotalalalal

TOTAL DO

TOTAL DO

TOTAL DO

TOTAL DO

ANO

ANO

ANO

ANO 469 335 370 445 329 276 239 263 293 410 445 439 297 264 245 5119

Page 133: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

109

5555.... CCCCRIMINALIDADE RIMINALIDADE RIMINALIDADE RIMINALIDADE TTTTRANSNACIONAL RANSNACIONAL RANSNACIONAL RANSNACIONAL OOOORGANIZADARGANIZADARGANIZADARGANIZADA.... PPPPARADOXOS ARADOXOS ARADOXOS ARADOXOS CCCCONCEPTUAIS E ONCEPTUAIS E ONCEPTUAIS E ONCEPTUAIS E DDDDESAESAESAESAFIOS FIOS FIOS FIOS PPPPOLÍTOLÍTOLÍTOLÍTIIIICOS E COS E COS E COS E OOOOPERACIONAISPERACIONAISPERACIONAISPERACIONAIS

LUÍS ELIAS

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

O artigo tem como objetivo reconstruir de forma crítica o enquadramento

conceptual da criminalidade organizada e a sua conexão com a criminalidade de

massa. Abordam,se os desafios e oportunidades da cooperação europeia e da

reforma processual penal em Portugal para fazer face a ameaças e riscos cada vez

mais reticulares e transnacionais. Reflete,se sobre o compromisso entre o direito

à segurança, o direito das vítimas e a protecção dos direitos, liberdades e garan,

tias do arguido, como fator imprescindível para o Estado de direito.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chavechavechavechave: : : : Globalização, segurança, criminalidade organizada, criminalida,

de de massa, justiça.

IIIINTRODUÇÃO NTRODUÇÃO NTRODUÇÃO NTRODUÇÃO

No Mundo contemporâneo em permanente mudança, globalizado, massificaN

do, marcado pela complexidade, por interconexões e pela crise dos órgãos de

controlo e de regulação social tradicionais – família, religião, escola, vizinhança –,

a atividade criminosa é cada vez mais multidimensional, dinâmica, flexível e retiN

cular, não se circunscrevendo a estruturas rígidas. Na sociedade de risco registaN

se uma tendência para o crescimento e expansão de formas de criminalidade mais

violentas e mais imprevisíveis (Beck, 1992: 19), as quais, agudizam o sentimento

de insegurança e um medo difuso por parte dos cidadãos, consequência da

tomada de consciência de ameaças e de vulnerabilidades.

Page 134: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

110

A segurança tornouNse um conceito de banda larga (Guedes & Elias, 2010: 30).

No final do século XX os estudos de segurança passaram cada vez mais a abranN

ger as áreas política, económica, societal e ambiental e não apenas a militar e

estadual, conferindo outra atenção aos novos atores na arena global, como as

multinacionais financeiras, os poderes erráticos, as organizações internacionais e

as comunidades locais. Na “realidade líquida” geradora de incerteza (Bauman,

2000: 12), a comunidade internacional, os Estados e os cidadãos tentam responder

aos novos desafios colocados pela crescente demanda de segurança.

A nova criminalidade recorre às tecnologias de informação, à especialização

de tarefas, à inteligência combinada com violência, à internacionalização, ao

trabalho em rede, caraterizaNse por um grande espírito de iniciativa e mentaliN

dade empresarial, respondendo a situações de mercado em constante mutação,

fatores que preconizam “uma resposta dinâmica, coordenada, integrada e mulN

tidisciplinar” (Sousa, 2006: 326).

Este artigo introdutório visa atingir os seguintes objetivos: i) analisar as

ameaças e estratégias comuns para prevenir e reprimir os novos fenómenos

criminais; ii) refletir sobre os conceitos de criminalidade organizada e criminaliN

dade de massa; iii) abordar os desafios e oportunidades da reforma processual

penal; iv) analisar alguns dos mecanismos de cooperação policial e judiciária

neste contexto de mutação.

A metodologia utilizada reveste uma natureza compósita, porquanto iremos

recorrer a conhecimentos no âmbito da ciência política, relações internacionais,

ciências policiais e sociologia, bem como ao cruzamento de teorias e métodos

científicos.

A cooperação transnacional, o direito penal, o direito processual penal têm

de responder à fluidez da criminalidade hodierna e quebrar a estanquicidade

conceptual entre crime comum e crime organizado. Formulamos, assim, a

seguinte hipótese de estudo: os mecanismos de cooperação europeia e a reforN

ma do Código Processual Penal em Portugal colocam desafios e oportunidades

à investigação criminal nas suas diversas configurações – altamente organizada,

violenta ou de massa1 – e têm dificuldades em compreender a liquidez e interN

relação entre os diferentes patamares da criminalidade.

1 PareceNnos importante explicitar q o termo criminalidade de massa não é um conceito da dogmática jurídica, mas trataNse sobretudo de uma construção sociológica ou um termo importado da criminologia. Relativamente à criminalidade violenta ou altamente organizada também não é um conceito de raiz penal, não se trata de um tipo incriminador específico, mas de um complexo ou de um agrupamento de tipos incriminadores categorizados, não só em função do bem jurídico protegido, mas em função de outras características do fenóNmeno em causa que tem também uma matriz empírica, sociológica ou criminológica.

Page 135: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

111

Ao longo do presente trabalho, procuraremos analisar a hipótese enunciada,

embora tendo em consideração o limite de páginas e a consequente necessidaN

de de síntese no desenvolvimento de algumas das variáveis deste assunto

necessariamente complexo.

DDDDAS AS AS AS AAAAMEAÇAS MEAÇAS MEAÇAS MEAÇAS CCCCOMUNS ÀS OMUNS ÀS OMUNS ÀS OMUNS ÀS EEEESTRATÉGIAS STRATÉGIAS STRATÉGIAS STRATÉGIAS CCCCOMUNSOMUNSOMUNSOMUNS

Em dezembro de 2003, a U.E. adoptou a estratégia europeia de segurança,

que diz respeito à dimensão externa da segurança na Europa. As ameaças

externas identificadas são as seguintes: terrorismo, as armas de destruição

maciça, os conflitos regionais, o fracasso dos Estados e a criminalidade organiN

zada2.

Por outro lado, a estratégia de segurança interna da U.E foi aprovada pelo

Conselho Europeu de 25 e 26 de março de 2010. Neste documento é referido

que a criminalidade se aproveita das oportunidades oferecidas por uma socieN

dade globalizada, tais como as comunicações de alta velocidade, a elevada

mobilidade e as operações financeiras instantâneas. Da mesma forma, há fenóN

menos que têm um impacto transnacional, designadamente na União. São idenN

tificadas as principais ameaças à segurança interna dos Estados membros: o

terrorismo em todas as suas formas, as graves formas de criminalidade organiN

zada3, a cibercriminalidade, a criminalidade transfronteiras, a violência em si

2 Conforme referido na Estratégia de Segurança externa da U.E., A Europa Segura num Mundo Melhor. A Estratégia Europeia em Matéria de Segurança de dezembro de 2003, “a Europa é um alvo de primeiro plano para a criminalidade organizada. Esta ameaça interna à nossa segurança apresenta uma importante dimensão externa. Com efeito, grande parte das actividades dos bandos criminosos consiste no tráfico transfronteiriço de droga, mulheres, migrantes clandestinos e armas. A criminalidade organizada pode igualmente estar ligada ao terrorismo. Estas actividades criminosas estão muitas vezes associadas a Estados fracos ou enfraquecidos. Os proventos da droga têm contribuído para o enfraquecimento das estruturas do Estado em diversos 5 PT países produtores de droga. Os lucros obtidos com o comércio de pedras preciosas, madeira e armas ligeiras servem para alimentar conflitos noutras partes do mundo. Todas estas actividades abalam o primado do Direito e a própria ordem social. Em casos extremos, a criminalidade organizada pode mesmo passar a domiNnar o Estado. 90% da heroína presente na Europa provém do cultivo de papoila no AfegaNnistão – país onde o tráfico de droga subsidia exércitos privados. Na sua maior parte, a heroína é distribuída através das redes criminosas dos Balcãs, as quais são igualmente responsáveis por cerca de 200 000 dos 700 000 casos de tráfico sexual de mulheres em todo o mundo. O incremento da pirataria marítima representa uma nova dimensão da criminalidade organizada à qual deverá doravante ser consagrada maior atenção”. 3 De acordo com a Estratégia de Segurança Interna da U.E. de março de 2010, “as graves formas de criminalidade organizada assumem uma importância cada vez maior. Na sua diversa multiplicidade, tendem a surgir onde podem obter o maior benefício financeiro com o enorme risco, independentemente das fronteiras. O tráfico de droga, a criminalidaNde económica, o tráfico de seres humanos, o contrabando de pessoas, o tráfico de armas,

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

112

mesma, catástrofes naturais e as catástrofes provocadas pelo homem, os aciN

dentes de viação.

Em relação às diferentes tipologias de criminalidade organizada, a estratégia

de segurança interna da U.E. menciona que tendem a surgir onde podem obter

o maior lucro financeiro com o menor risco, independentemente das fronteiras.

Quanto à criminalidade transfronteiriça, sublinha nomeadamente a criminaliN

dade de massa, as infrações menores ou contra a propriedade, frequentemente

cometidas por bandos, as quais, têm consequências significativas para a vida

diária dos cidadãos europeus.

Designada por Bigo como um «fluxo contínuo de segurança», esta transpoN

sição do significado de ameaça de um conceito para outro tem permitido que

áreas tão diferentes como asilo e imigração, tráfico de seres humanos e crime

organizado em geral passem de questões não politizadas, a ameaças de elevado

nível para a sociedade europeia (Bigo in Carrapiço, 2011: 9).

O Tratado de Lisboa abriu novos caminhos para a aproximação das legislaN

ções penais nacionais na U.E., incluindo a matéria de crime organizado. O Art.

83.º (1) do Tratado de Funcionamento da U.E. (TFUE) prevê uma base jurídica

para o estabelecimento de regras mínimas para a definição das infrações penais

e das sanções em domínios de criminalidade particularmente grave e com uma

dimensão transfronteiriça. O crime organizado é uma dessas áreas. Há, porém,

alguma ambiguidade na formulação desta disposição, na medida em que o criN

me organizado foi listado ao lado de formas específicas de crime (por exemplo,

o tráfico de seres humanos), muitas vezes elas próprias cometidas por grupos

criminosos organizados.

Essas regras mínimas podem ser estabelecidas por diretivas do Parlamento

e decisões do Conselho, aprovadas através do processo legislativo ordinário. O

Art. 83.º (2) do TFUE prevê a possibilidade de aproximação das legislações

penais quando for considerado necessário para a execução eficaz de uma polítiN

ca da União num domínio que tenha sido objeto de medidas de harmonização.

O Programa de Estocolmo estabeleceu as prioridades da U.E. para o espaço

de justiça, liberdade e segurança para o período de 2010 a 2014. Com base nos

resultados dos seus antecessores, Programas de Tampere e de Haia, este proN

grama visa dar resposta aos desafios futuros e fortalecer o espaço de justiça,

liberdade e segurança com ações centradas nos interesses e nas necessidades

dos cidadãos.

a exploração sexual de menores e a pornografia infantil, os crimes violentos, o branqueaNmento de dinheiro e a falsificação de documentos são apenas alguns dos modos como a grande criminalidade organizada se manifesta na UE. Além disso, a corrupção constitui uma ameaça aos alicerces do sistema democrático e do Estado de direito”.

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CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

113

O Programa previa que a estratégia de segurança interna consiste numa

abordagem proativa, horizontal e interdisciplinar com tarefas bem definidas

para a U.E. e os países que a integram. CentrouNse no combate à criminalidade

transfronteiras, como, por exemplo: tráfico de seres humanos; abuso sexual,

exploração sexual de crianças e pornografia infantil; criminalidade informática;

criminalidade económica, corrupção, contrafação e pirataria e a droga.

Na luta contra a criminalidade transfronteiras, a segurança interna não está

dissociada da segurança externa. Por esse motivo, o Programa de Estocolmo

defendia que deve terNse em consideração a estratégia de segurança externa da

UE e a cooperação reforçada com os países não pertencentes à UE.

A Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril

de 2014 relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal constitui

uma evolução recente, podendo revelarNse crucial no quadro da cooperação

judicial e policial europeia, nomeadamente na repressão da criminalidade orgaN

nizada e especialmente complexa. Com a mesma, pretendeNse a substituição dos

instrumentos de auxílio judiciário em matéria penal existentes no quadro da

U.E. por um só instrumento de âmbito compreensivo, abrangendo, quanto posN

sível, todos os tipos de elementos de prova. A Decisão Europeia de Investigação

(DEI) visa facilitar a obtenção de provas pelas autoridades judiciárias no âmbito

de investigações penais transnacionais. Isto já é possível, mas recorreNse a um

conjunto diversificado de normas, algumas com mais de 50 anos. Os Estados

membros terão até 22 de maio de 2017 que transpor a DEI para a ordem jurídiN

ca interna. Em Portugal esta decisão ainda não foi transposta.

A DEI é uma decisão judicial emitida ou validada por uma autoridade judiN

ciária de um Estado membro («Estado de emissão») para que sejam executadas

noutro Estado membro («Estado de execução») uma ou várias medidas de

investigação específicas, tendo em vista a obtenção de elementos de prova em

conformidade com a presente diretiva. Também pode ser emitida uma DEI para

obter elementos de prova que já estejam na posse das autoridades competentes

do Estado de execução.

Os Estados membros executam uma DEI com base no princípio do reconheN

cimento mútuo. A emissão de uma DEI pode ser requerida por um suspeito ou

por um arguido, ou por um advogado em seu nome, no quadro dos direitos da

defesa aplicáveis nos termos do processo penal nacional.

DestacamNse, entre outras, as seguintes áreas de cooperação: pode ser emiN

tida uma DEI para a transferência temporária de uma pessoa detida no Estado

de execução, tendo em vista levar a cabo uma medida de investigação para

recolha de provas em que seja necessária a sua presença no território do Estado

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

114

de emissão, desde que a pessoa seja enviada de volta para o Estado de execução

no prazo por este estabelecido (Art. 22.º n.º 1); pode ser emitida uma DEI para a

transferência temporária de uma pessoa detida no Estado de emissão, tendo em

vista levar a cabo uma medida de investigação para recolha de provas em que

seja necessária a sua presença no território do Estado de execução Art. 23.º n.º

1); pode ser emitida uma DEI para verificar se uma pessoa singular ou coletiva

sujeita a processo penal possui ou controla uma ou mais contas de qualquer

tipo em bancos situados no território do Estado de execução, e, em caso afirmaN

tivo, para obter todos os dados das contas identificadas (Art. 26.º n.º 1); pode

ser emitida uma DEI para obter dados relativos a determinadas contas bancáN

rias e às operações bancárias realizadas durante um determinado período atraN

vés de uma ou várias contas nela especificada, incluindo os dados relativos às

contas debitadas ou creditadas (Art. 27.º n.º 1); pode ser emitida uma DEI para

solicitar ao Estado de execução que preste assistência ao Estado de emissão na

realização de investigações criminais por agentes encobertos ou que atuem sob

falsa identidade («investigações encobertas») (Art. 29.º n.º 1).

AAAA (D(D(D(DIFÍCILIFÍCILIFÍCILIFÍCIL)))) DDDDELIMITAÇÃO DE ELIMITAÇÃO DE ELIMITAÇÃO DE ELIMITAÇÃO DE CCCCONCEITOSONCEITOSONCEITOSONCEITOS

A definição das condutas susceptíveis de serem criminalizadas constitui um

elemento essencial na circunscrição dos instrumentos de combate ao crime

organizado, assim como um desafio para os legisladores nos diferentes Estados.

A dificuldade reside na diversidade de atividades desenvolvidas pelos grupos

criminosos contemporâneos, bem como devido à multiplicidade de estruturas (a

tipologia dos grupos varia entre estruturas altamente hierarquizadas e outras

extremamente flexíveis e voláteis).

A busca de um "denominador comum"4 é uma tarefa complexa devido às

diferenças nos códigos penais nacionais e restante legislação avulsa. Na U.E

existem basicamente três tipos de abordagens em relação ao crime organizado:

– a abordagem do civil law que consiste em criminalizar a participação numa

associação criminosa;

– a abordagem do common law sustentada na conspiração, por exemplo: um

plano para cometer um crime,

4 Entre as tentativas para definir “organização criminosa na U.E. refereNse a Acção Comum relativa à criminalização da participação numa organização criminosa dos EstaNdosNMembros da União Europeia (JO L 333 de 9.12.1998) e Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, designada "Elaboração de um conceito estratégico para combater a criminalidade organizada".

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CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

115

– a abordagem escandinava, rejeitando a tipificação de "organização crimiN

nosa" e contando apenas com as disposições gerais do direito penal (por

exemplo, cumplicidade, coNautoria, apoio).

A celebração da Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade

organizada transnacional (também designada por Convenção de Palermo de

2000), aprovada em nome da Comunidade pela Decisão do Conselho

2004/579/CE, de 29 de abril de 20045, veio enriquecer o direito internacional

com as definições legais previstas no Art.º 2º da Convenção, designadamente:

"Grupo criminoso organizado" como um grupo estruturado de três ou mais

pessoas, existindo durante um período de tempo e atuando concertadamente

com a finalidade de cometer um ou mais crimes graves ou infrações, com a

intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício económico ou outro

benefício material; e "Crime grave", um ato que constitua uma infracção punível

com uma pena privativa de liberdade não inferior a quatro anos ou com pena

superior.

Por outro lado, a DecisãoNQuadro 2008/841/JAI do Conselho da U.E. de 24

de outubro de 2008 relativa à luta contra a criminalidade organizada define no

seu Art. 1.º n.º 1 “organização criminosa, como a associação estruturada de

mais de duas pessoas, que se mantém ao longo do tempo e atua de forma conN

certada, tendo em vista a prática de infrações passíveis de pena privativa de

liberdade ou medida de segurança privativa de liberdade cuja duração máxima

seja, pelo menos, igual ou superior a quatro anos, ou de pena mais grave, com o

objetivo de obter, direta ou indiretamente, benefícios financeiros ou outro benefíN

cio material”. Segundo o n.º 2, “associação estruturada designa uma associação

que não foi constituída de forma fortuita para a prática imediata de uma infracção

e que não tem necessariamente atribuições formalmente definidas para os seus

membros, continuidade na sua composição ou uma estrutura sofisticada”.

Ainda na busca de uma delimitação do conceito de criminalidade organizaN

da, ao nível da U.E., deve também avocarNse o mandato da Europol e o mandaN

do de detenção europeu.

O Ato do Conselho, de 26 de julho de 1995 veio estatuir a Convenção elaboN

rada com base no artigo K.3 do Tratado da União que cria um Serviço Europeu

de Polícia (Convenção Europol)6. No Art. 2.º da Convenção estabelece como

5 JO L 261 de 6.8.2004, p. 69. TrataNse da Convenção das Nações Unidas contra a criminaliNdade transnacional organizada, adoptada pela Resolução A/RES/55/25 de 15 de Novembro de 2000 por ocasião da 55.ª AssembleiaNGeral das Nações Unidas. Uma vez que o 40.º instruNmento de ratificação desta Convenção foi depositado junto do SecretariadoNGeral das Nações Unidas em 1 de Julho de 2003, a data da sua aplicação foi em 29 de Setembro de 2003. 6 JO nº C 316 de 27/11/1995 p. 1.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

116

objetivo geral da Europol a melhoria da eficácia dos serviços competentes dos

Estados membros e a sua cooperação no que diz respeito à prevenção e combaN

te ao terrorismo, ao tráfico de estupefacientes e a outras formas graves de criN

minalidade internacional, quando haja indícios concretos da existência de uma

estrutura ou de uma organização criminosa e quando dois ou mais Estados

membros sejam afectados por essas formas de criminalidade. O mandato da

Europol seria sucessivamente alargado para a prevenção e luta contra o tráfico

de estupefacientes, a criminalidade ligada ao tráfico de matérias nucleares e

radioactivas, as redes de imigração clandestina, o tráfico de seres humanos e o

tráfico de veículos furtados, atividades de terrorismo que atentem contra a vida,

a integridade física, a liberdade das pessoas e os bens. A Decisão do Conselho,

de 6 de dezembro de 2001, alarga o mandato da Europol às formas graves de

criminalidade internacional enumeradas no anexo à Convenção Europol7, a

partir de 1 de janeiro de 2002.

Entretanto é aprovada a Decisão do Conselho de 6 de abril de 2009 que cria

o Serviço Europeu de Polícia (Europol)8. Segundo o Art. 3.º N.º 1 desta Decisão,

a competência da Europol abrange a criminalidade organizada, o terrorismo e

outras formas de criminalidade grave constantes do anexo à Decisão, que afeN

tem dois ou mais Estados membros de modo tal que, pela amplitude, gravidade

e consequências das infracções, seja necessária uma orientação comum por

parte dos Estados membros.

Para além do mandato da Europol, também o mandado de detenção EuroN

peu, aprovado pela DecisãoNQuadro do Conselho, de 13 de junho de 20029, veio

enunciar, no seu Art. 2.º, um catálogo de crimes considerados mais graves.

Segundo alguns autores, a criminalidade organizada “pode ter uma divisão

específica de ‘trabalho’, operar internacionalmente, utilizar um sistema de disciN

plina e controlo, empregando violência ou outros meios de intimidação para

obter o que pretendem. Também se podem valer de negócios lícitos para a

lavagem de dinheiro ou exercer influências em diversas áreas, tais como:

órgãos de comunicação social, política, economia ou até na justiça” (Michael

Levi, 2002 in Newburn, 2007).

7 2001/C 362/01. 8 A presente decisão substitui a Convenção elaborada com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia que cria um Serviço Europeu de Polícia («Convenção Europol»). 9 A Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto aprova o regime jurídico do mandado de detenção europeu (em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho). A Lei n.º 35/2015 de 04 de maio constitui a primeira alteração à Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, que aprova o regime jurídico do mandado de detenção europeu, em cumNprimento da DecisãoNQuadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, que reforça os direitos processuais das pessoas e promove a aplicação do princípio do recoNnhecimento mútuo no que se refere às decisões proferidas na ausência do arguido.

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CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

117

A estrutura do crime organizado é muito desenvolvida, durável e a sua

organização, baseada na divisão científica do trabalho, pode ser comparável à

de uma empresa. A sua grande flexibilidade permiteNlhe ainda adaptarNse perN

manentemente e expandir a sua actividade a novas zonas geográficas (áreas

internacionais no caso do crime organizado transnacional) e a novos mercados,

o que lhe dá igualmente um cariz multifacetado (Carrapiço, 2006: 8). De acordo

com John Salt, é muito possível que a organização deste tipo de grupos se

baseie, não num núcleo centralizador, mas em conjuntos de pequenas redes

independentes que, embora interNrelacionadas, se vão alterando consoante as

necessidades do mercado: “como qualquer outra estrutura as redes criminosas

crescem, recrutando recursos humanos a nível internacional, com diferentes

origens étnicas, permitindo a sua especialização” (Salt, 2000: 31).

É tãoNsó a partir da conjugação destas definições legais, dos índexes de criN

mes previstos no direito comunitário e da reflexão científica empreendida nas

universidades que podemos lograr uma delimitação aproximada do conceito de

criminalidade organizada.

No regime jurídico português, salientamos o Art. 1.º al j) do Código de ProN

cesso Penal (CPP)10 que define «Criminalidade violenta» como as condutas que

dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física ou a liberdade das

pessoas e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5

anos; na alínea l) «Criminalidade especialmente violenta» como as condutas

previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou

superior a 8 anos; e na alínea m) «Criminalidade altamente organizada» como as

condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas,

tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas,

corrupção, tráfico de influências ou branqueamento.

Tendo em conta que em Portugal não existe nenhuma definição legal de criN

minalidade de massa ou criminalidade comum, ab contrario poderá ser desigN

nada como a criminalidade punível com pena de prisão inferior a 5 anos.

A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro (medidas de combate à criminalidade

organizada e económicoNfinanceira), que contou com a última alteração através

da Lei n.º 55/2015 de 23 de junho, estabelece um regime especial de recolha de

prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, relaN

tiva aos crimes de: a) tráfico de estupefacientes, nos termos dos artigos 21.º a

23.º e 28.º do DecretoNLei n.º 15/93, de 22 de janeiro; b) terrorismo, organizações

terroristas, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo; c) tráfico de

armas; d) tráfico de influência; e) corrupção activa e passiva; f) peculato; g) parN

10 Lei 48/2007, de 29 de Agosto.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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ticipação económica em negócio; h) branqueamento de capitais; i) associação

criminosa; j) contrabando; l) tráfico e viciação de veículos furtados; m) lenocínio

e lenocínio de menores; n) tráfico de pessoas; o) contrafação de moeda e de

títulos equiparados a moeda. O disposto na presente lei só é aplicável aos criN

mes previstos nas alíneas j) a o) se o crime for praticado de forma organizada.

A Lei n.º 72/2015, de 20 de julho define os objetivos, prioridades e orientaN

ções de política criminal para o biénio de 2015N2017, em cumprimento da Lei n.º

17/2006, de 23 de maio, que aprova a LeiNQuadro da Política Criminal. Neste

diploma encontraNse estipulado que são crimes de prevenção prioritária, entre

outros, o terrorismo, a criminalidade violenta organizada ou grupal, os crimes

contra o Estado, designadamente os crimes de corrupção, de tráfico de influênN

cias, de branqueamento de capitais e a criminalidade económicoNfinanceira e a

cibercriminalidade. São crimes de investigação prioritária nomeadamente: o

terrorismo, o branqueamento de capitais e a cibercriminalidade.

CCCCRIMINALIDADE RIMINALIDADE RIMINALIDADE RIMINALIDADE OOOORGANIZADA E RGANIZADA E RGANIZADA E RGANIZADA E CCCCRIMINALIDADE DE RIMINALIDADE DE RIMINALIDADE DE RIMINALIDADE DE MMMMASSAASSAASSAASSA

À medida que se intensificam os efeitos da globalização sobre a vida quotiN

diana das sociedades e dos países, mais evidentes se tornam as relações entre a

criminalidade de massa e a criminalidade organizada, assim como entre a criN

minalidade que ocorre num dado país ou região e a criminalidade organizada

transnacional.

A teoria do «broken windows» (Wilson & Kelling, 1982) chama a atenção

para a estreita relação de causaNefeito que se estabelece entre a pequena inciviN

lidade e o pequeno crime de rua, que se desenvolve progressivamente para

formas de criminalidade cada vez mais endémicas, violentas e organizadas. Para

prevenir e combater com eficácia os novos riscos, ameaças, vulnerabilidades e

oportunidades que decorrem desta crescente interdependência entre os vários

patamares da criminalidade, as autoridades nacionais e supraNnacionais necesN

sitam de ultrapassar um paradigma tradicional compartimentado em várias

especialidades e estruturas estanques, que segmentam artificialmente a realidaN

de em domínios como a prevenção, as informações, a segurança e ordem públiN

cas e a investigação criminal, ou as incivilidades, a pequena, a média e a grande

criminalidade, ou ainda a criminalidade nacional e a transnacional.

Neste contexto, a segurança, já não se mantém, assegura e projeta, apenas nas

fronteiras territoriais, físicas e geográficas dos Estados, mas no exterior desses

limites territoriais, procurando e necessitando mesmo os países de projetar

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CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

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segurança para além deles. As organizações internacionais envidam esforços

para identificar formas de melhorar a eficácia da cooperação para a prevenção

e repressão de uma criminalidade que cada vez conhece menos barreiras conN

ceptuais, institucionais e geográficas.

Maria José Morgado refere que “enquanto o crime não tem fronteiras a jusN

tiça é ainda excessivamente territorial, local, o que pode transformarNse, nestes

casos, num fator de impunidade (se não houver cooperação judiciária, estreita,

rápida, eficaz)” (Morgado, 2003: 9). TornaNse, por isso, urgente encontrar norN

mativos, estruturas, processos e mentalidades, ao nível nacional e internacional,

que encarando a realidade criminal como um sistema complexo, cheio de interN

dependências, adoptem uma visão holística assente numa abordagem transverN

sal, transdisciplinar, multiNinstitucional e integrada.

A nova criminalidade é caraterizada pela utilização “do poder mutagénico

das tecnologias, por combinações complexas de meios e modi operandi, as

quais, geram ameaças diversificadas, de natureza transnacional, assimétricas e

totalmente imprevisíveis quanto ao tempo, modo, local e intensidade de mateN

rialização” (Fernandes, 2005: 123N152.). TrataNse de uma criminalidade com uma

dimensão supranacional, não se limitando às fronteiras da soberania dos EstaN

dosNNação, fluida, flutuante, múltipla, volátil e mimética, onde as conexões entre

crime organizado e crime de rua são cada vez mais uma constante.

A criminalidade organizada utiliza, muitas vezes, criminosos comuns para a

execução de operações logísticas (transporte, armazenamento, distribuição), de

recolha de fundos, de segurança, de vigilância, etc. É conhecido por parte dos

órgãos de polícia criminal (OPC) e autoridades judiciárias, o recrutamento por

parte das associações criminosas de “pequenos” delinquentes para executarem

actividades delituosas que servem para financiar operações ligadas ao crime

organizado e/ou ao terrorismo (ex. furtos de passaportes e outros documentos de

identificação, furtos/roubos na via pública, furtos/roubos de armas em espingarN

darias, roubos em estabelecimentos bancários, furtos/roubos de multibancos,

prostituição, lenocínio e tráfico de seres humanos, recrutamento de imigrantes

ilegais, criminalidade económica e financeira, burla informática, etc.).

Ao mesmo tempo, a criminalidade de massa tem tendência, a complexificarN

se, a assumir configurações mais graves e violentas e também a internacionaliN

zarNse, tendo em vista a obtenção de maiores proventos económicos; vejaNse o

caso recente dos furtos no interior de residências, furtos por carteirista ou furN

tos no interior de estabelecimentos comerciais (i.e. lojas de prontoNaNvestir)

perpetrados em território português, de norte a sul, na sua maioria por grupos

de nacionalidade romena, moldava, búlgara ou croata, os quais, praticando

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

120

ilícitos normalmente qualificados como criminalidade comum (ou como bagate,

las penais), pertencem presumivelmente a organizações criminosas que selecioN

nam os locais de atuação, que as transportam, que lhe prestam apoio logístico e

segurança e que escoam os valores furtados.

DDDDESAFIOS E ESAFIOS E ESAFIOS E ESAFIOS E OOOOPORTUNIDADES DA PORTUNIDADES DA PORTUNIDADES DA PORTUNIDADES DA RRRREFORMA DO EFORMA DO EFORMA DO EFORMA DO PPPPROCESSO ROCESSO ROCESSO ROCESSO PPPPENALENALENALENAL

Face à interpenetração crescente entre formas de criminalidade organizada

e grave e criminalidade de massa, devido à complexificação e inventividade dos

novos modi operandi e técnicas e táticas criminais e atendendo ao facto das

relações entre as organizações «fora da lei» hoje não serem facilmente delimitáN

veis no espaço, tempo e configuração, o direito penal e processual penal têm a

tarefa de interpretar os fenómenos criminógenos hodiernos, enquadráNlos e

aplicarNlhes as disposições do Código Penal (CP) e do CPP, decorrentes das

alterações introduzidas respectivamente pela Lei nº 48/2007, de 29 de agosto,

pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro11 e demais legislação avulsa. Porém, a

recente reforma penal e processual penal, bem como a própria revisão da Lei de

Organização da Investigação Criminal (LOIC) – Lei n.º 49/2008 de 27 de agosto –

continua ainda a manter uma divisão demasiado estanque entre formas de criN

minalidade (altamente) organizadas e criminalidade comum12.

Por outro lado, de acordo com o 1.º Relatório Semestral da Monitorização

da Reforma Penal de 2008 que resultou de um inquérito realizado entre diversos

operadores judiciários, “parece inferirNse um certo consenso quanto ao impacto

diminuto na alteração do estatuto penal e processual das vítimas que, em geral,

consideram «esquecidas» do direito penal. Igual consenso, mas de sentido

11 A este respeito é importante o estipulado nos Artigos 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º e 31.º do CPP no que diz respeito à conexão de processos, embora muitas vezes esta coneNxão seja prejudicada pela falta de partilha de informação entre OPC, pelo facto dos crimes cometidos serem da competência de diferentes OPC e pela inércia dos intervenientes, designadamente dos OPC e do Ministério Público. 12 A manutenção da competência reservada da investigação da Polícia Judiciária (PJ), prevista no Art. 7.º n.º 3 al. h) da LOIC em relação a crimes efectuados com recurso a arma de fogo, sobretudo “quando a investigação assuma especial complexidade por força do carácter plurilocalizado das condutas ou da pluralidade dos agentes ou das vítimas” (Art. 8.º n.º 2 al. a), mantém um limite artificial incompatível com a dinâmica do crime. Os mesmos grupos de delinquentes que cometem crimes com armas de fogo, cometem outros ilícitos – designadamente furtos e roubos – sem armas ou na posse das mesmas sem as empunharem (delitos cuja competência genérica de investigação é da PSP e GNR), o que leva a uma disNpersão da investigação por diversos OPC e obstáculos na troca de informações criminais. De referir que a criminalidade violenta e organizada implica conhecimento «do terreno», dos modi operandi e metodologias utilizadas, dos bairros onde residem os suspeitos, do respecNtivo passado criminal, das conexões entre suspeitos e respectivo papel no grupo.

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CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

121

contrário, parece verificarNse quanto ao aprofundamento dos direitos e garanN

tias dos arguidos com a reforma” (Santos, Boaventura de Sousa et al: 2008: 95).

Ora, a reparação social e moral ultrapassa o plano patrimonial, coberto pela

indemnização, trataNse de reconstituir a imagem e a dignidade da vítima, afecN

tadas pelo crime e pela própria reacção social estigmatizante (vulgar nos crimes

sexuais e na violência doméstica). Este objectivo deve ser prosseguido por um

processo penal público, devendo o Estado assumir a reparação dos direitos

afectados com maior eficácia13.

Para Costa Andrade, “a submissão de plano de todos os casos à rigidez dos

formalismos e rituais do processo penal pode, não raro, condenar a vítima à

«vitimização secundária», com a consequente indução de uma irreversível carreiN

ra de vitimização ou, noutra direcção, de delinquência” (Andrade, 2008: 147)14.

FocamoNnos, assim, em algumas oportunidades e desafios decorrentes da

reforma do processo penal em Portugal, os quais, poderão ter um impacto

determinante na eficácia da investigação criminal. A análise é naturalmente

breve em função do limite de páginas estabelecido.

a. Oportunidadesa. Oportunidadesa. Oportunidadesa. Oportunidades

Em termos de oportunidades conferidas pelo CPP referimos, em primeiro

lugar, a grande mudança (mesmo de mentalidades) decorrente do preceituado

nas alíneas a), b) e sobretudo da c) do n.º 5 do Art. 174.º do CPP, que consiste na

possibilidade de os OPC poderem, por sua iniciativa, em determinadas condiN

ções, realizar revistas e buscas domiciliárias, quer diurnas quer nocturnas –

entre as 21 e as 7 horas (conforme previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do Art.

177.º do CPP) –, o que vem aumentar a capacidade operacional de intervenção e

a melhoria dos mecanismos e capacidades instrumentais de investigação dos

OPC. No entanto, poderNseNá argumentar que o estipulado no Art. 174.º n.º 5 al.

c) e no Art. 177.º n.º 2 al. c) potencia situações de violação de direitos. Será que

13 Neste sentido, é significativa a nota de imprensa da PGR de 28 de Agosto de 2008 com o seguinte teor: “esperaNse que o legislador proceda aos ajustamentos legais que se mosNtram necessários para combater a criminalidade violenta, tendo em consideração que o hipergarantismo concedido aos arguidos colide com o direito das vítimas, com o prestígio das instituições e dificulta e impede muitas vezes o combate eficaz à criminalidade comNplexa”. Na mesma linha, Conde Fernandes refere que “na ponderação entre a constelação de direitos, liberdades e garantias, atinentes à liberdade e à segurança (…) prevaleceram sobre as dimensões axiológicoNnormativas do direito à vida, à integridade pessoal e à liberdade de vítimas e terceiros” (Fernandes, 2008: 202). 14 Para Costa Andrade, “a vitimização pode ser induzida por sentimentos de “frustraçãoNagressão” e potenciada pelo “sentimento de injustiça sofrida”. Um indesejável e perverso efeito itragéneo a que não pode obviarNse com o paliativo da suspensão provisória do processo, que o legislador de 2007 consagrou” (Andrade, 2008: 147).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

122

a realização de revistas e buscas aquando de detenção em flagrante por crime a

que corresponda pena de prisão (não apenas em situações de criminalidade

organizada ou violenta, mas de qualquer crime) não é uma disposição demasiaN

do aberta?

E repareNse que só nos casos da alínea a) do n.º 5 do Art. 174.º é que a realiN

zação da diligência deve ser, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada

ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação (Art. 174.º

n.º 6 do CPP). E as situações de consentimento e de detenção em flagrante deliN

to? Quanto ao Art. 177.º n.º 2 al. c) que permite a realização de buscas nocturnas

em casos de flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão

superior, no seu máximo, a 3 anos, estamos em presença de outra oportunidade

para a investigação criminal que, se for mal utilizada, pode facilmente contender

com direitos, liberdades e garantias.

Com o intuito de se evitar a estigmatização do arguido, tem vindo a camiN

nharNse no sentido de a pequena e média criminalidade ser sancionada com

penas não privativas da liberdade e de estas serem aplicadas em processos

simplificados e acelerados que, no entanto, não deixam de respeitar as garantias

de defesa do arguido (Rodrigues, 1996: 539). Salientamos as disposições consN

tantes do Art. 381.º do CPP relativas ao julgamento em processo sumário dos

detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão cujo limite

máximo não seja superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções

facto que se revela primordial para a prevenção e repressão da «pequena crimiN

nalidade», tendo permitido maior celeridade processual e eficácia na punição

dos autores deste tipo de ilícitos15. Segundo Sónia Fidalgo, está nas mãos dos

magistrados do Ministério Público dinamizar a aplicação do processo sumarísN

simo, não esquecendo que um dos princípios jurídicoNconstitucionais orientaN

dores do sistema sancionatório português (decorrentes das máximas da

necessidade e subsidariedade da intervenção penal) é o princípio da preferência

pelas reacções criminais não detentivas face às detentivas (Fidalgo, 2008: 319)16.

Contudo, pareceNnos questionável sujeitar a processo sumário, indivíduos

detidos por outros cidadãos, desde que entregues, num prazo que não exceda

duas horas, a autoridade judiciária ou entidade policial (Art. 381.º n.º 1 al. b) do

CPP). Estas situações mereceriam uma maior protecção de direitos, e nas circunsN

tâncias previstas na lei, nunca se sabe até que ponto não se verificam violações de

15 A criminalidade de pequena e média gravidade constitui a “área onde as soluções procesNsuais de consenso podem ser levadas mais longe” (Rodrigues, Anabela Miranda, 1996: 335). 16 Conferir também DIAS, Jorge Figueiredo, Direito Penal Português. Parte Geral II. As Consequências Jurídicas do Crime (Lisboa: Editorial Notícias, 1993), p. 553.

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CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

123

direitos, liberdades e garantias por parte dos cidadãos que procedem à captura

dos alegados suspeitos.

Os novos meios de prova empregues numa tentativa de combate a este tipo

de criminalidade têm uma natureza diferente e são estruturalmente e qualitatiN

vamente distintos dos tradicionais (se assim não fosse não cumpriam os seus

objetivos), o que permite que tenham um maior potencial de prevenção criminal

e uma mais vasta capacidade probatória. Podemos referir alguns desses insN

trumentos processuais e meios de obtenção de prova, oportunidades para uma

investigação mais eficaz e eficiente: , intercepções telefónicas, de correio eletróN

nico e de dados transmitidos por via telemática; quebra do sigilo bancário;

registo de imagem e som entre presentes (vigilância e escuta ambiental); canais

de cooperação internacional; mecanismos de direito premial e de reconheciN

mento da colaboração processual, previstos quer na norma substantiva, quer na

norma processual e as correspondentes medidas de protecção de testemunhas;

ações encobertas e entregas controladas.

b. Desafiosb. Desafiosb. Desafiosb. Desafios

A reforma veio estabelecer que para alguém ser constituído arguido é

necessário que, por um lado, a notícia do crime não seja manifestamente infunN

dada (Art. 58.º n.º 1 al. d) e, por outro, correndo inquérito contra pessoa deterN

minada, exista suspeita fundada da prática do crime pela pessoa que se visa vir

a constituir como arguido (Art. 58.º n.º 1 al. a)17.

A constituição de arguido e subsequente validação prevista no Art. 58º n.º 3

do CPP tem implicado para os OPC, um acréscimo substancial de actos e trâmiN

tes processuais, que prolongam o curso normal do processo (pensemos por

exemplo na Divisão de Investigação Criminal do Comando Metropolitano da

PSP de Lisboa com um movimento de 1200 processos entrados e saídos por mês

e sensivelmente 15.000 anualmente). A validação da constituição de arguido,

não é um ato meramente formal, implicando uma aferição substancial18, pelo

magistrado, da existência de “suspeita fundada”. As comunicações e validações

têm significado mais burocracia que torna extremamente difícil gerir o elevado

17 Esta inovação teve como razão de ser evitar constituições de arguido prematuras, que impunham uma carga estigmatizante sobre o sujeito afectado por tal estatuto. 18 Os efeitos do regime de convalidação da constituição como arguido são problemáticos. Há quatro situações possíveis: a) o OPC não comunica ou comunica fora do prazo à autoNridade judiciária a constituição como arguido; b) o OPC comunica à autoridade judiciária a constituição como arguido dentro do prazo, mas esta omite a validação; c) o OPC comuNnica à autoridade judiciária a constituição como arguido dentro do prazo, mas esta valida fora do prazo; d) o OPC comunica à autoridade judiciária a constituição como arguido dentro do prazo, mas esta rejeita a validação, isto é, a testemunha foi indevidamente consNtituída como arguido (Albuquerque: 2008: 176).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

124

volume de serviço com que os OPC e os Tribunais se confrontam. O procediN

mento de comunicação para validação tem prejudicado a capacidade de resposN

ta dos OPC, sobretudo porque, na maior parte dos casos, são fixados prazos

reduzidos para a concretização das diligências solicitadas, induzindo assim os

OPC a tratáNlos como urgentes, em detrimento de outros inquéritos que ali se

encontram já em investigação. Tal implica, como facilmente se pode constatar,

mais um corte na celeridade que se pretende implementar. O OPC terá de preN

sumir que houve despacho no sentido da validação, nos casos em que a AutoriN

dade Judiciária nada diga na sequência da comunicação da constituição de

arguido. Após o envio do fax, ou o OPC aguarda a comunicação expressa ou a

validação tácita do ato de constituição como arguido, ou prossegue de imediato

a investigação, partindo do pressuposto (que poderá revelarNse errado) de que a

constituição de arguido será validada e que os elementos de prova recolhidos

posteriormente não estarão feridos de nulidade. Medidas como estas, fazem do

Ministério Público, “uma mera instância de autenticação dos atos praticados

pelas polícias” (Rodrigues, 2001: 965)19.

Em face destes condicionalismos, a metodologia de investigação mais

comum faz com que a última diligência a ser realizada no inquérito seja a consN

tituição de arguido e respetivo interrogatório. Contudo, “após um período iniN

cial de adaptação, parece estar já em curso uma tendência de rotinização de

procedimentos, “favorecida”, por um lado, pela falta de reação aos, eventuais,

atos de constituição abusiva de arguido pelos próprios e seus defensores; e, por

outro, pela quase generalizada validação das constituições de arguido por parte

do Ministério Público” (Santos, Boaventura de Sousa et al : 2008: 96).

As alterações introduzidas especialmente no domínio da “publicidade do

inquérito”20 ou da assistência do público aos atos de inquérito e do “segredo de

justiça”, constantes dos Art. 86.º, 87.º e 89.º do CPP, revelamNse problemáticas

para a eficácia da investigação criminal.

19 Conde Correia defende que o Ministério Público tem que assumir as rédeas da investiNgação criminal não podendo remeterNse para um papel secundário e passivo (Correia, 2008: 5). O mesmo autor cita Anabela Miranda Rodrigues, quando refere a necessidade de intervenção da autoridade judiciária na investigação assenta na ideia de que, a montante do julgamento, a recolha de provas e a sua apreciação com vista a um eventual julgamento é uma actividade que pode ser tão pesada para os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que a sua legalidade deve ser escrupulosamente resguardada” Rodrigues, 1996 cit. in Correia, 2008: 5). 20 Segundo o 1.º Relatório Semestral da Monitorização da Reforma Penal, “princípio da publicidade dos processos penais, na fase de inquérito, “foi a alteração que provocou mais manifestações de apreensão, por parte de operadores judiciários, em especial de magisNtrados do Ministério Público e de órgãos de polícia criminal no sentido de poder colocar em causa a eficácia da investigação de determinados tipos de crime” (Santos, Boaventura de Sousa et al : 2008: 97).

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CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

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O Art. 86.º (Publicidade do processo e segredo de justiça), prevê que a evenN

tual sujeição a segredo de justiça de qualquer inquérito (incluindo inquéritos

sobre criminalidade organizada, complexa ou grave) ficará sempre dependente,

em última análise, de decisão judicial. Na opinião de alguns juristas, o Art. 86.º n.º

6, al. a) do CPP permite a assistência do público à realização dos actos procesN

suais. Outras interpretações distinguem publicidade (n.º 1 do Art. 86.º do CPP) de

ato público, considerando que os atos de inquérito, não sendo expressamente

declarados atos públicos pela lei (Arts. 86.º, n.º 6 e 87.º do CPP), apenas permitem

a assistência das pessoas expressamente convocadas para os mesmos.

O Despacho n.º 3/2008, de 3 de janeiro de 2008, da ProcuradoriaNGeral DisN

trital de Lisboa (PGDL) refere que a possibilidade de assistência do público a

atos processuais é restrita àqueles que a lei como tal haja declarado (artigos 86º,

n.º 6 e 87º, n.º 1). A publicidade do processo, no seu conjunto, ou de uma dada

fase processual (inquérito, instrução, julgamento) não acarreta como conseN

quência necessária a assistência do público a todos os actos. Aos atos procesN

suais de inquérito, sejam eles praticados nos serviços do Ministério Público ou

nas instalações dos órgãos de polícia criminal, é vedado o acesso do público. De

acordo com Conde Correia, “sobretudo nos domínios da criminalidade altaN

mente organizada ou do terrorismo, o segredo é essencial à sobrevivência da

investigação ou mesmo à salvaguarda da integridade física ou até da vida de

terceiros nela implicados” (Correia, 2008: 11).

Por outro lado, podeNse referir que com a reforma do Processo Penal se veriN

fica a inversão do anterior paradigma de sujeição sistemática das fases do

inquérito e da instrução do processo penal, a um segredo de justiça absoluto,

quer externamente, para o público em geral, quer internamente, para os próN

prios participantes processuais.

Nos casos em que estejam em causa formas de criminalidade mais graves

(de difícil e morosa investigação), poderá revelarNse de todo insustentável a

possibilidade de impor, ao Ministério Público, a realização da totalidade da

investigação criminal sob a égide do princípio da publicidade, em termos que

não têm paralelo na legislação da maioria dos Estados membros da U.E. e que

poderão até pôr em causa as obrigações de cooperação internacional em matéN

ria de investigação criminal que decorrem, nomeadamente, de instrumentos

jurídicos vigentes na U.E. (Europol) e de convenções internacionais relativas ao

terrorismo, à criminalidade transnacional organizada e à corrupção, designaN

damente a Convenção Schengen21.

21 O exNpresidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, António Martins, defendeu em entrevista ao Diário de Notícias em 12 de Dezembro de 2007 que “todo o tipo

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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RevemoNnos na posição defendida pela PGR, quando refere que se justifica,

quanto às formas de criminalidade mais grave, que seja sempre imposta a

manutenção do segredo durante todo o período legalmente previsto para a

duração do inquérito, ainda que os sujeitos e participantes processuais interesN

sados requeiram, por qualquer razão, a publicidade do processo (na sua vertenN

te de publicidade pública), sob pena de violação do Art. 20.º n.º 3 da

Constituição22. Conde Correia defende que “a solução legal, apesar do louvável

interesse da proteção dos direitos do arguido, prejudicado pela demora da

investigação criminal em curso, parece, assim, esquecer, quase por completo, o

interesse contraditório da descoberta da verdade e da realização da justiça

penal, também coNnatural do processo penal de um Estado de direito (…), a sua

consagração significa (…) uma séria entorse às capacidades funcionais da invesN

tigação” (Correia, 2008: 11).

Quanto ao Art. 87.º (Assistência do Público a atos processuais) parece poder

concluirNse que todos os atos processuais praticados no decurso de um inquériN

to que não esteja sujeito a segredo de justiça deverão ser públicos, quase que

equiparando essa fase ao julgamento. Facilmente se imaginam os danos decorN

rentes do acesso sem restrições aos locais de realização de actos de instrução

realizados pelo juiz e/ou, mediante sua decisão, de diligências investigatórias na

fase de inquérito de crimes comuns e sobretudo de criminalidade organizada,

podendo inclusive implicar um redimensionamento do espaço destinado às

diligências processuais nas instalações dos tribunais e dos OPC’s. Porém,

“parece difícil de justificar, com base em simples razões logísticas, a limitação

da publicidade no que aos próprios sujeitos processuais diz respeito” (Patto,

2008: 64)23.

de criminalidade complexa, seja o branqueamento de capitais, a corrupção ou o tráfico de pessoas, tem as investigações dificultadas devido às novas regras. Isto porque associado ao fim do prazo do inquérito, o processo tornaNse público. E pode tornarNse muito difícil investigar quando os eventuais suspeitos estão a par do processo". 22 Assim, a PGR propõe a inclusão no Art. 86.º da seguinte norma: “ficam sempre sujeitos a segredo de justiça os inquéritos que tenham por objeto os crimes previstos pelas alíneas i) a m) do art. 1º, pelo art. 1º da Lei nº 36/94, de 29 de Setembro, e pelo art. 1º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, não podendo tal segredo ser levantado, em caso algum, antes do decurso do prazo previsto nos nºs 1 e 2 do art. 276º ou daquele que tiver sido fixado nos termos do nº 6 do art. 89.º”. 23 Nestes termos, a PGR considera indispensável clarificar o regime do Art. 87.º do CPP por forma a nele inserir uma norma que preveja que: “nas fases de inquérito e de instrução, a possibilidade de assistência de qualquer pessoa à realização de actos processuais, bem como a natureza e a extensão da possibilidade de reprodução desses actos pelos meios de comunica,ção social, fica dependente de decisão fundamentada da autoridade judiciária ou de polícia criminal responsável pela realização das diligências processuais, tendo, nomeadamente, em consideração a natureza destas e as circunstâncias em que forem efectuadas”.

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CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

127

No que diz respeito ao Art. 89.º do CPP (Consulta do Auto e obtenção de

certidão e informação por sujeitos processuais) parecem existir dificuldades

inconciliáveis com uma investigação eficaz da criminalidade de massa, organiN

zada e/ou violenta, designadamente em relação ao n.º 6 que prevê a possibilidaN

de de excepcional prorrogação do prazo durante o qual será vedado o acesso

aos autos, por parte dos sujeitos e participantes processuais, nos processos

relativos a tal criminalidade mais grave. Ora, uma prorrogação limitada a três

meses não é suficiente para a “conclusão da investigação”, não nos parecendo

adequado prever que este prazo só possa ser prorrogado por uma só vez. De

referir igualmente que é extremamente difícil fixar um prazo objectivamente

indispensável à conclusão da investigação em processos complexos24.

Outra questão relevante consiste no regime aplicável às detenções fora do

flagrante delito segundo o qual, a detenção25 só pode ser efetuada, por mandaN

do do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério

Público26, quando houver fundadas razões para considerar que o visado se não

apresentará espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe

for fixado (Art. 257.º n.º 1 do CPP). TrataNse de uma avaliação difícil de fazer em

alguns casos. Por isso, nestas situações, os OPC optam cada vez mais pela

adopção de um procedimento «sem riscos», “uma política de cautela, cuja prinN

cipal consequência é a opção pela não detenção fora dos casos de flagrante

delito, sempre que haja alguma dúvida quanto à legalidade do acto” (Santos,

Boaventura de Sousa et al: 2008: 96), convocando os suspeitos para se apresenN

tarem em tribunal, indicandoNlhes o motivo da suspeita. Nada impedirá, assim,

os suspeitos de fugirem nesse período e de não comparecerem para o primeiro

interrogatório judicial. E não será essa a atitude expectável, por exemplo, por

parte de delinquentes membros de associações criminosas ou de suspeitos de

tráfico de estupefacientes com conexões ao crime organizado? Concordando

24 A PGR propõe uma alteração ao texto do artigo em referência nos seguintes termos: “Findos os prazos previstos no art. 276.º, o arguido, o assistente e o ofendido podem conNsultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, quando estiver em causa a criminalidade a que se refere o n.º 6 do art. 86.º, pelo tempo objectivamente indispensável à conclusão da investigação”. 25 Para Germano Marques da Silva, “a detenção é também privação da liberdade e como tal deve ser a excepção. A competência para aplicação da medida de coacção compete ao juiz e a antecipação da privação da liberdade mediante a detenção só se justifica em situaNção de urgência e de perigo na demora”. (Silva, Germano Marques, 1375N1376). 26 A competência da autoridade de polícia criminal para determinar a detenção fora de flagrante delito passa a ser inteiramente subsidiária da competência do Ministério Público, pois depende dos mesmos pressupostos (perigo de fuga e admissibilidade da prisão preNventiva) (Albuquerque, 2008: 682).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

128

com o princípio da excepcionalidade da detenção, “não se deve excluir o recurso

à detenção, sempre que esta se apresente como meio necessário, adequado e

proporcionado para impedir o cometimento de futuros crimes e assegurar o

respeito de bens jurídicos fundamentais – princípio da proibição do excesso,

previsto no Art. 18.º n.º2 da Constituição” (Fernandes, 2008: 194).

Na nossa opinião, o prazo de duração máxima (4 meses) de prisão preventiN

va, de obrigação de permanência na habitação ou de proibição e imposição de

condutas, em sede de inquérito, fixado no Art. 215.º, n.º 1, al. a), com referência

ao Art. 218.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPP, é curto para a investigação e conclusão

do inquérito. Tal implica que a “essência” da recolha de prova seja efectuada

sem o conhecimento do indiciado autor do crime e que este seja constituído

arguido apenas na fase final da investigação. Os prazos legalmente previstos

para a investigação criminal mostramNse incompatíveis com a criminalidade que

apresenta algum grau de complexidade e de organização, ou que exige meios

técnicos específicos para a investigação.

Nos termos do n.º 1 do Art. 152.º do CP (Violência Doméstica) a pena de priN

são é de um a cinco anos, o que determina o seu julgamento em processo sumáN

rio. Segundo o Art. 385, nº 1, do CPP, se não for possível a apresentação do

arguido para julgamento em acto seguido à detenção em flagrante, aquele só

poderá continuar detido quando «houver razões para crer que não se apresenN

tará espontaneamente perante a autoridade judiciária no prazo que lhe for fixaN

do». Neste contexto, poderá acontecer que o arguido sendo libertado, depois de

notificado para comparecer em julgamento sumário, entretanto regresse a casa

e reincida na sua anterior conduta. VerificaNse neste e noutros casos a falta de

medidas que, no imediato, acautelem as vítimas. A realização tempestiva de

exames médicos às vítimas também se apresenta problemática.

Por outro lado, refereNse a aparente contradição do crime de violência

doméstica previsto no Art. 152º do CP ser punível com pena de prisão até cinco

anos (com as excepções do n.º 3 do Art. 152.º), preenchendo simultaneamente o

conceito de criminalidade violenta previsto no Art. 1º al. j) do CPP), de acordo

com o Art. 2.º al. f) da Lei n.º 72/2015 de 20 de julho27. Nos casos de violência

doméstica pareceNnos ainda mais questionável sujeitar a processo sumário,

indivíduos detidos (alegados agressores) por outros cidadãos (Art. 381.º n.º 1 al.

b) do CPP) e uma errada constituição como arguido, factos que poderão desN

proteger direitos, liberdades e garantias, dado que em situações sensíveis como

27 Define os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2015N2017, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de maio, que aprova a LeiNQuadro da Política Criminal.

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CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

129

estas pode haver a tentação de levar um alegado agressor à justiça devido a

retaliação. Daí que defendamos que a violência doméstica deveria ser uma das

excepções em que não se aplicaria o disposto no Art. 381 n.º 1 al. b).

GGGGLOBALIZAÇÃO E MUTAÇÃLOBALIZAÇÃO E MUTAÇÃLOBALIZAÇÃO E MUTAÇÃLOBALIZAÇÃO E MUTAÇÃO DA CRIMINALIDADE O DA CRIMINALIDADE O DA CRIMINALIDADE O DA CRIMINALIDADE

De acordo com a Europol28, o crime organizado vai sofrer profundas e signiN

ficativas mudanças ao longo da próxima década devido à disponibilidade de

novas tecnologias, tendo em conta a conjuntura económicoNfinanceira e os

desenvolvimentos na sociedade e ainda como resposta às ações das polícias e

da justiça. Esta mutação das estruturas e das operações criminosas ocorrerá,

independentemente dos peritos virem a concordar ou não com uma nova defiN

nição de crime organizado, sendo imperativo para as agências de aplicação da

lei a compreensão dos fatores que têm contribuído para as transformações na

organização, nos modi operandi, nas áreas de negócio e tipologias do crime

organizado do futuro.

Para a Europol salientamNse alguns fatoresNchave que terão um enorme

impacto nesta evolução: 1. as inovações no transporte e logística permitirão aos

grupos criminosos desenvolver a sua atividade de forma cada vez mais anónima

através da internet, em qualquer lugar e a qualquer hora, sem estarem fisicaN

mente presentes aquando do cometimento dos ilícitos; 2. os dados serão encaN

rados cada vez mais como uma mercadoria – o aumento da exploração de big

data e de dados pessoais permitirá aos grupos criminosos a realização de frauN

des de identidade cada vez mais complexas e sofisticadas, a níveis sem preceN

dentes; 3. a nanotecnologia e robótica abrirão novos mercados e fornecerão

novas ferramentas para esquemas ilícitos sofisticados; 4. sem legislação especíN

fica e sem cooperação judicial e policial direcionados para esta problemática, o

comércio ilícito de lixo electrónico poderá crescer de forma exponencial no

futuro próximo tanto ao nível das quantidades traficadas, como ao nível dos

métodos utilizados pelos atores criminais envolvidos nesta atividade; 6. as disN

paridades económicas na Europa poderão criar um sentimento de maior aceitaN

ção social em relação ao crime organizado, ao mesmo tempo que as

organizações criminosas se introduzirão em comunidades economicamente

fragilizadas, de modo a dar a aparência de que são fornecedoras de emprego e

de serviço; 7. as organizações criminosas irão cada vez mais tentar infiltrar

indústrias que dependem de recursos naturais para atuarem como corretoras

28 Relatório da Europol, Exploring Tomorrow’s Organised Crime, 2015.

Page 154: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

130

ou agentes comerciais no mercado de produtos naturais (muitas vezes, espécies

protegidas, materiais raros, etc.); 8. as moedas virtuais cada vez mais capacitarão

os delinquentes a agir como empresários freelancers num negócio tipo crime as a

service, sem a necessidade de uma infraestrutura sofisticada para receber e branN

quear dinheiro; 9. as organizações criminosas selecionam como alvo uma popuN

lação cada vez mais idosa, prestandoNlhe serviços ilícitos, explorando novos

mercados e oportunidades.

A Europol considera ainda que os mercados mais dinâmicos e em pleno

crescimento são: o tráfico de drogas sintéticas e de substâncias psicoativas, a

contrafação de bens diversos, a cibercriminalidade e os crimes ambientais. Os

mercados estáveis são: o tráfico de cannabis, a imigração ilegal, o tráfico de

seres humanos, a criminalidade patrimonial organizada, a fraude e o tráfico de

armas. Os mercados em declínio são: a contrafação de moeda e os tráficos de

heroína e cocaína.

CCCCONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES

A criminalidade organizada e a criminalidade complexa estão cada vez mais

interNrelacionadas com a criminalidade de massa. Diríamos que os grupos criN

minosos são hoje interdependentes, trabalham em rede e numa perspetiva emiN

nentemente empresarial.

Da mesma forma, verificaNse a externalização da segurança interna e da justiça

de forma a fazer face a ameaças e riscos cada vez mais supranacionais. A vaga de

refugiados para a Europa oriundos da Síria e de muitas outras zonas de conflito

em África, no Médio Oriente e na Ásia, não é alheia a organizações criminosas

que despojam estes migrantes de todos os seus bens, cobrandoNlhes quantias

monetárias muito acima das suas posses e sujeitandoNos a rotas perigosas e a

condições de transporte, sanitárias, alojamento, alimentação, que têm provocado

a morte a milhares de pessoas, nomeadamente nas águas do mediterrâneo.

Respondendo à hipótese inicial, apesar da crescente “desterritorialização

das atividades policiais e da justiça (...) e da ligação entre a Europol e a EuroN

just” (Bigo, 2008: 17), os mecanismos de cooperação europeia e o ordenamento

jurídico português estabelecem ainda demasiados compartimentos estanques

entre os diferentes patamares da criminalidade, prejudicando a aplicação da

justiça e a eficiência e eficácia na investigação criminal.

Na sua generalidade, a reforma processual penal em Portugal não assumiu

um caráter nem mais garantista, nem mais securitário. Porém, para alguns

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CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS

131

autores “o modelo está mais desequilibrado, na medida em que se caminha,

rapidamente, mesmo ao nível do inquérito, para um tratamento diversificado da

grande criminalidade e da pequena criminalidade, a investigação está policializa,

da e nalguns casos as possibilidades de intromissão nos direitos individuais são

incomparavelmente maiores. Isto não significa para já que se tenha enveredado

por um processo penal de índole securitária, que privilegie, exclusivamente, a

busca da verdade e a realização da justiça, à custa dos direitos fundamentais”

(Correia, 2007: 12).

Na justiça penal é sabido que “qualquer deriva, seja securitária seja garantisN

ta, convive mal com a democracia, mais depressa ficando a própria justiça à

deriva” (Fernandes, 2008: 204). A reforma parece ter resultado essencialmente

da “crescente necessidade de estabelecer uma separação entre o tratamento

processual da pequena e média criminalidade, por um lado, e a grande criminaN

lidade por outro” (Leitão, 2008: 338).

A separação conceptual (estanque), como aqui tentámos demonstrar, é em

muitos casos um falso pressuposto, pois, sabendo nós que não podemos meter

todos os fenómenos criminógenos «dentro do mesmo saco», dado terem caracN

terísticas específicas, a transversalidade, fluidez, e (re)configuração das suas

manifestações é hoje uma realidade que preconiza novas abordagens. Segundo

Ana Paula Brandão, “os atores estaduais e institucionais intergovernamentais

demonstraram a sua inadaptação (conceptual, política e operacional) face aos

desafios securitários pósNGuerra Fria, designadamente as ameaças transnacioN

nais, pelo que a U.E. se apresenta (…) como um laboratório de ator de seguranN

ça posNvestefaliano que enfrenta o repto da coordenação interNpolíticas, interN

níveis e interinstitucional” (Brandão, 2010: 38).

O equilíbrio entre, o direito à segurança, o direito das vítimas e, a protecção

dos direitos, liberdades e garantias do arguido é um compromisso imprescindível

no Estado de direito. Fenómenos terroristas como os de Nova Iorque, Bali,

Madrid, Londres, Paris, Bagdad, Bombaim, Cabul, a criminalidade organizada, a

criminalidade económicoNfinanceira que parece estar a assumir maior visibilidade

em Portugal e o crime violento, justificam cabalmente a criação de institutos mais

severos, eficazes e expeditos ao nível da prevenção, investigação e sancionamento.

No início do século XXI, a concepção do Direito Penal do inimigo29 erigida

pelo penalista alemão Gunther Jakobs vulgarizouNse, assentando num modelo

de emergência e de excepcionalidade (presente em slogans como «a guerra ao

29 Cancio Meliá refere que o Direito penal do inimigo, nada mais é, que um conjunto norNmativo que retrata uma nova modalidade de Direito penal de autor, que pune o sujeito pelo que ele ‘é’ (criminoso habitual, profissional, organizado, que refuta a legitimidade do ordenamento jurídico de modo permanente), não pelo que fez (Meliá & Díez, 2006: 59).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

132

terrorismo»), destrinçando entre os cidadãos e os inimigos e atribuindoNlhes

distintos níveis de respeito e de protecção jurídica. Nesta perspetiva, a perigosiN

dade dos suspeitos de crimes de terrorismo, de criminalidade organizada, de

criminalidade económicoNfinanceira, de crimes sexuais e de outro tipo de criN

mes graves e violentos (Jakobs & Meliá, 2003: 39) justificaria que não fossem

tratados como membros da comunidade política e não beneficiassem das

garantias de defesa atribuídas aos demais cidadãos.

Para quem defenda esta lógica, “há uma consequência inevitável: todo o

Direito Penal acabará por se tornar Direito Penal do inimigo. Não só os terrorisN

tas, mas todos os que cometerem crimes graves acabarão por ser vistos como

inimigos do Estado e despojados dos seus direitos” (Palma, 2008), o que resultaN

rá na falência do Estado de direito e do Direito Internacional.

Com efeito, há um núcleo essencial de direitos, liberdades e garantias que

não pode ser afectado nesta luta contra o crime, sob pena de descaraterização

dos Estados de direito democráticos. A presunção de inocência, o direito de ser

representado por advogado, o direito de recurso, a tortura e a proibição da pena

de morte, inseremNse neste núcleo intangível. A grande vantagem estratégica do

Estado de direito democrático na luta contra o terrorismo e a criminalidade orgaN

nizada advém da sua superioridade éticoNpolítica (Pereira, 2004: 77 e ss).

Os grandes desafios do direito do século XXI passam por “um direito penal

do risco, capaz de maior eficácia na protecção dos interesses individuais e

colectivos com salvaguarda das garantias do processo penal democrático. Por

este ser capaz de fazer face aos riscos da vida moderna e das novas formas da

criminalidade organizada global sem perder a sua face humana e justa. Um

processo penal de um Mundo tornado pequeno demais pela internet e grande

demais pelos paraísos fiscais” (Morgado, 2003: 11).

Todavia, será redutor “fazer frente ao crime organizado apenas com ações

policiais ou com a publicação de novas leis. A chave do problema está na socieN

dade em si, na sua estrutura e, acima de tudo, na formação cívica dos cidadãos.

É a este nível que são necessárias verdadeiras intervenções de fundo” (CarrapiN

ço, 2006: 28). As novas concepções de segurança implicam um investimento em

outras dimensões como sejam a política, económica, societal, ambiental e não

apenas a aposta na tradicional abordagem militar/policial.

O desafio consistirá em garantir a segurança, em realizar a justiça, com o

fim último de, não só manter, mas de aprofundar a liberdade.

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133

6666.... PPPPROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE AAAARMAS DE RMAS DE RMAS DE RMAS DE DDDDESTRESTRESTRESTRUIÇÃO UIÇÃO UIÇÃO UIÇÃO MMMMAAAASSSSSIVASIVASIVASIVA....OOOO CASO DO NUCLEAR CASO DO NUCLEAR CASO DO NUCLEAR CASO DO NUCLEAR

FRANCISCO PROENÇA GARCIA

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

O artigo procura ser um contributo para caraterizar a proliferação de ADM

nucleares. Numa primeira fase descreve as diversas dinâmicas associadas a esse

fenómeno, identificando algumas das motivações que levam os diversos atores a

prosseguir esse desiderato, bem como quais os diferentes riscos e perigos para a

segurança internacional que lhe estão associados. Numa segunda fase aborda

alguns dos instrumentos internacionais adotados para lhe fazer face, nomeada,

mente o Tratado de Não,Proliferação. Por fim aborda atualidade da estratégia da

dissuasão nuclear mantida pelos diversos detentores de armas nucleares.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chavechavechavechave:::: Dissuasão, proliferação, NATO, Tratado de Não Proliferação,

Defesa antimíssil, terrorismo.

IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO

O ambiente estratégico contemporâneo, caracterizado pela sua complexidade,

não linearidade, imprevisibilidade, heterogeneidade, mutabilidade e dinamismo, e

onde as realidades contraditórias são crescentes, apresenta uma ampla série de

ameaças à segurança internacional (amplamente tratadas em todo o conteúdo

deste livro), sendo a proliferação de Armas de Destruição Massiva (ADM) uma

das mais prementes.

Sobre este tema podemos equacionar um conjunto de questões como: o que

é e o que caracteriza a proliferação? Como se pode conter ou controlar? Qual o

papel da dissuasão nuclear hoje em dia?

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

134

Com as respostas a estas questões, este estudo procura dar um contributo

para um melhor entendimento da proliferação nuclear, estando organizado em

três partes distintas mas interrelacionadas. Numa primeira parte descrevemNse

as diversas dinâmicas que estão relacionadas com a proliferação de ADM, proN

curando ainda identificar quais as motivações que levam Estados e atores nãoN

Estatais a prosseguir este desiderato, quais os riscos e perigos para a SeguranN

ça do Sistema Internacional que lhe estão associados, bem como traçar cenários

de possíveis evoluções. Numa segunda fase abordamNse as respostas encontraN

das a nível internacional para lhe fazer face, identificando e caraterizando

alguns dos instrumentos adotados, nomeadamente o Tratado de NãoN

Proliferação. Por fim analisamNse a relevância e atualidade da estratégia de

dissuasão nuclear, mantida e consolidada pelos Estados e Organizações InterN

nacionais detentores de armas nucleares.

AAAA PPPPROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE AAAARMAS RMAS RMAS RMAS NNNNUCLEARESUCLEARESUCLEARESUCLEARES Durante a GuerraNFria, o sistema internacional caraterizavaNse pela bipolaN

ridade, baseada na ordem dos pactos militares, que possuía uma fortíssima

componente de dissuasão nuclear, sendo o equilíbrio feito pelo terror da desN

truição mútua assegurada. Com o esboroar da URSS, emergiram as preocupaN

ções internacionais com a possibilidade de que partes daquele imenso território

perdessem o controlo dos arsenais aí estacionados e pudessem contribuir para

a disseminação de ADM, dado que o controlo estratégico rigoroso imposto até

então estava esbatido. Neste período também testemunhamos um incremento

na proliferação nuclear em Estados nãoNnucleares, e aqui acompanhamos as

preocupações de Kissinger, para quem “any further spread of nuclear weapons

multiplies the possibilities of nuclear confrontation”1.

Galamas e Garcia2 identificaram os mais preocupantes riscos estratégicos

colocados pela proliferação de ADM. Para estes autores, a proliferação, em

primeiro lugar, coloca em risco a estabilidade regional. Em segundo lugar, os

interesses em disputas regionais são geralmente vitais para o poder dominante;

assim, se os interesses de poder regional colidirem com os interesses de granN

des potências, o primeiro pode ver uma saída com o emprego de ADM. Em

terceiro lugar, o fenómeno da proliferação "alimentaNse a si próprio”. Se um

1 KISSINGER, Henry (2014) – World Order. Reflections on the character of Nations and the course of History. Penguin Books, London, p. 340. 2 GALAMAS, Francisco; GARCIA, Francisco N «Globalization and the Threats of Weapons of Mass Destruction Proliferation». In Globalization and International Security: An Over,view. New York; Nova Science Publishers; p. 197N210.

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PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR

135

país desenvolve ou adquire ADM, é suficiente para servir como catalisador para

a proliferação horizontal e/ou vertical nos países vizinhos. Em quarto lugar,

existe a possibilidade de os Estados com capacidade de produzir ADM as podeN

rem fornecer a grupos terroristas, para que estes executem ações compatíveis

com os interesses dos Estados apoiante. Finalmente, há o perigo de um Estado

com capacidade ADM colapsar, facilitando o acesso de grupos nãoNestatais a

esse tipo de armamento.

Estas situações criam uma alteração significativa na segurança internacioN

nal. AproximamoNnos, a passos largos, de uma situação de não retorno, em que

o desgaste do Tratado de Não Proliferação (NPT) pode levar a um efeito de casN

cata na proliferação, sendo os casos mais problemáticos identificados no

MédioNOriente e no Golfo Pérsico, onde se prevê que se o Irão adquirir esta

capacidade, a Arábia Saudita e a Turquia lhe seguirão as passadas.

A “Comunidade Internacional” deve preocuparNse com esta situação, dado

que na realidade há um incremento de atores estatais e nãoNestatais, como

organizações criminosas e terroristas, que procuram construir/obter as suas

próprias ADM. Estes podem depois constituirNse em fontes de proliferação, ou

seja, de venda de material, de tecnologia e de conhecimentos, pela incapacidade

de controlo de fronteiras ou mesmo de algumas políticas governamentais,

assumindo particular relevo a ameaça que constitui a possibilidade de grupos

terroristas terem acesso a tecnologia nuclear e poderem chantagear, destabiliN

zar ou concretizar ações de terror.

Atualmente, são cerca de 60 os países que desenvolvem capacidades nucleaN

res, 30 dos quais possuem tecnologia industrial e infraestruturas científicas que

lhes permitem a construção de armamento nuclear a breve prazo. Há um total

de 27 países que possuem diversos tipos de mísseis balísticos, tendo 14 deles

capacidade para produzir e exportar estes vetores de projeção. Hoje, aos cinco

Estados Nucleares (P5)3 podemos acrescentar mais quatro (não reconhecidos

pelo Tratado de Não Proliferação)4, num total de 9 Estados identificados com

arsenais nucleares5.

As motivações para a proliferação persistem e são de diversa ordem; de

prestígio internacional que é reconhecido a quem detém poder nuclear; motivaN

ções económicas6, ou também pela crença existente entre os Estados nucleares

3 EUA, Rússia, GrãNBretanha, França, China. 4 Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte. 5 TNO – Missile Defence, an overview. 2007. The Hague. 6 Christian Malis apresenta um interessante estudo comparativo das despesas militares dos estados nucleares, versus convencional, concluindo que aquelas correspondem apeNnas a 10% dos seus orçamentos, e que com 100 mil milhões de dólares ano, se tem poupaN

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

136

do valor estratégico deste tipo de capacidade, situação que pode conduzir a um

círculo vicioso de dissuasão, incentivando aqueles que não possuem este tipo de

capacidade, a adquiriNla. Dada a falta de empenho no desarmamento nuclear,

consideramos que esta tensão entre “have’s” e “haveNnot’s” tem tendência a

incrementar nas próximas décadas7.

Mas esta persistência na proliferação, acontece sobretudo pela perceção de

segurança que a posse de uma arma nuclear confere, por exemplo, quanto a

uma eventual intervenção militar norteNamericana. Graham Alisson sumarizou

ao mencionar “(…) The only apparently credible way to deter the armed force of

the US is to own your nuclear arsenal (…)”8, ideia que se aplica plenamente às

situações da Coreia do Norte e do Irão. Também é perceção generalizada que as

intervenções russas na Geórgia e na Ucrânia só foram possíveis porque aqueles

países não possuem capacidade nem programas de desenvolvimento da capaN

cidade nuclear.

Uma outra situação a considerar prendeNse com a criação de stocks elevados

de material nuclear e radioativo. EstimamNse que estejam atualmente armazeN

nadas mais de 1600 toneladas de urânio enriquecido e 480 toneladas de PlutóN

nio9, estando algumas quantidades armazenadas em condições que oferecem

poucas garantias de segurança.

Apesar da plêiade de organizações e de legislação para controlar a circulaN

ção/comércio e impedir/dificultar o acesso a material radioativo e radiológico10,

são reportados em média à Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA)

100 casos por ano de roubo ou perda de material nuclear, sobretudo incidentes

com produtos radiológicos11. Estes dados de um problema persistente, compleN

xo e multidimensional12, podem ser considerados como a prova da dinâmica do

do o planeta a uma grande guerra convencional. MALIS, Christian N Guerre et Strategie au XXI Siecle. Paris, Fayard, 2009, p.100. 7 Segundo o relatório da Canberra Commission de 1996: “(…) The problem of nuclear proliferation is inextricably linked to the continued possession of nuclear weapons by a handful of states. As long as any state has nuclear weapons, there will be others, state or subNstate actors, who will seek to acquire them (…)”. A este propósito podemos consultar as soluções apontadas pela Canberra Commission em Report of the Canberra commission on the limination of nuclear weapons. Agosto de 1996. Consultado em 23 de agosto de 2015. Disponível em http://www.dfat.gov.au/cc/CCREPORT.pdf. 8 ALISSON, Graham – «Nuclear disorder. Surveying Atomic Threats». In, Foreign Affais, January/February. 2010, p. 74. 9 SCHREIER, Fred N WMD Proliferation. Reforming the Security Setor to meet the Threat, Washington DC, Potomac Books, Inc, 2009, p. 19N20. 10 Sendo exemplo o sistema de informação estabelecido desde 1995 pela AIEA. 11 FOREST, James N «Nuclear and radiological Terrorism: a manageable threat». In Nação e Defesa. Lisboa, nº 140, 2015, p. 104. 12 GRAHAM, Bob N World at Risk. The report of the commission on the prevention of weapons of mass destruction proliferation and terrorism. Vintage Book. 2008, p. 43.

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PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR

137

mercado clandestino nuclear, demonstrando ao mesmo tempo que o problema

deve ser encarado e tratado com seriedade.

Para se ser um Poder nuclear credível, para além dos recursos financeiros,

do conhecimento científico e tecnológico e da capacidade de armazenagem, são

necessários vetores de lançamento apropriados, como mísseis balísticos. Os

especialistas sugerem que se deve começarNse por designar o programa como

space launch, podendo desse modo ser apoiado legalmente por outros Estados,

tal como a Rússia faz em relação ao Irão. Para ter acesso aos desenhos de uma

ogiva, pode adquirirNse no mercado uma versão antiga aos chineses ou paquisN

taneses. Quanto aos testes, ou se arrisca sozinho, ou se partilham experiências

com outros, ou ainda, pedeNse a um terceiro país para efetuar o teste, como a

África do Sul fez com Israel, e a China com o Paquistão13.

A proliferação de ADM também beneficia do atual crescimento livre do

comércio mundial, bem como dos progressos técnicos e científicos, realidade

que torna progressivamente mais difícil de detetar quaisquer transferências

ilícitas de materiais relacionados com as ADM14.

Nesta delicada situação o fator humano, porque é extremamente vulnerável,

desempenha um importante papel. Segundo um artigo de Deborah Ball e TheoN

dore Gerber15, publicado na conhecida International Security, dos 602 cientistas

russos que trabalham no sector, 20% expressou a sua disponibilidade em trabaN

lhar para Estados considerados proliferadores, como o Irão que, lembramos,

tem ligações estreitas com o Hezbollah, podendo ser tentador para que elemenN

tos de outras entidades consideradas terroristas, procurem por esta via um

acesso clandestino à tecnologia nuclear.

Um outro exemplo surge com o Professor Abdul Qadeer Khan, “pai” do proN

grama nuclear Paquistanês, que criou o “(...) Walmart of private sector prolifera,

tion (...)”16. Ao que tudo indica, Khan foi o grande responsável pela proliferação

SulNSul, tendo criado uma rede internacional clandestina relacionada com a

proliferação de tecnologia de armamento nuclear, do Paquistão para a Líbia,

Irão e Coreia do Norte. Este

Nestas circunstâncias, o risco de acesso por elementos terroristas a tecnoloN

gia nuclear, quer através do furto ou através de transferências ilícita, aumenta

13 RUHLE, Michael N The bomb for beginners. «A doNitNyouself guid to going nuke in a few easy steps». In, IP Global Edition, nº2, 2010, p. 37N40. 14 GALAMAS, Francisco; GARCIA, Francisco, ob. cit. p. 15 BALL, Deborah; GERBER, Theodore N «Russian Scientists and Rogue States: Does Western assistance reduce the Proliferation Threath?» In, International Security, Vol. 29, N.º 4. 2005. p. 65. 16 ALISSON, Graham – «Nuclear disorder. Surveying Atomic Threats». In, Foreign Affais, January/February. 2010, p. 74N85.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

138

significativamente. Não podemos deixar de ter em conta que a liderança da alN

Qaeda tem tentado, de forma sustentada, adquirir, furtar ou conceber uma

ADM, tendo o próprio líder da organização declarado ser um dever religioso

para a defesa dos muçulmanos, a aquisição da arma nuclear17.

O relatório elaborado pelo Belfer Center for Science and International AfN

fairs, intitulado “The U.S.NRussia Joint Threat Assessment of Nuclear TerrorN

ism”18181818 é explícito na referência à real existência e à perigosidade desta ameaça

alertando para que: “if current approaches toward eliminating the threat are not

replaced with a sense of urgency and resolve, the question will become not if but

when, and on what scale, the first act of nuclear terrorism occurs”. Este estudo

recomenda ainda a adoção de medidas para incrementar a segurança física das

armas e material nucleares existentes, bem como uma maior cooperação entre

as diversas forças e serviços de segurança e de intelligence, de forma a interdiN

tar o tráfico nuclear.

Esta opinião não é no entanto consensual, dado que para além da dificuldaN

de inerente ao acesso a material físsil, a produção de armas nucleares é um

processo de extrema complexidade, dispendioso, pelo que não sendo impossíN

vel, é pouco provável a sua concretização por parte de atores nãoNEstatais. NesN

te âmbito, cresce a preocupação com a possibilidade dos grupos terroristas

poderem desenvolver armas radiológicas, as denominadas dirty bomb19.

Também James Forest20, numa abordagem feita no seu artigo publicado em

2015 pelo Instituto da Defesa Nacional, contraria e questiona a razoabilidade da

argumentação apresentada até hoje sobre a temática. Forest considera que as

ameaças do terrorismo nuclear e radiológico são ambas limitadas e geriveis,

considerando no entanto que o terrorismo radiológico tem uma maior probabiN

lidade de ocorrência do que o terrorismo nuclear.

17 A este propósito a Harvard Kennedy School, em Janeiro de 2010, publicou um importanNte documento onde compila uma intensa cronologia de ações/esforços desenvolvidos pela al Qaeda para conseguir obter uma Arma de Destruição Massiva. MOWATNLARSEN Rolf N Al Qaeda Weapons of Mass Destruction Threat: Hype or reality?. Harvard Kennedy School, 2010, Cambridge. 18 Bunn, Matthew et al. N The U.S.,Russia Joint Threat Assessment of Nuclear Terrorism. Report, Belfer Center for Science and International Affairs, Harvard Kennedy School and Institute for U.S. and Canadian Studies. [Consultado em 3 de setembro de 2015]. Disponível em: http://belfercenter.ksg.harvard.edu/publication/21087/usrussia_joint_threat_assessment_of_ nuclear_terrorism.html?breadcrumb=%2Fpublication%2F19819%2Fnuclear_disorder. 19 Cole, Benjamin N The Changing Face of Terrorism. 2001, London, I. B. Tauris. 20 Forest, James N «Nuclear and radiological Terrorism: a manageable threat». In Nação e Defesa. Lisboa, nº 140, 2015, p. 101N117.

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PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR

139

Christian Malis apresentaNnos quatro cenários possíveis de evolução para

aquela que designa por terceira era nuclear21, e que se iniciará entre 2030N2040,

período onde o mais provável é que a arma nuclear deixe de ser o supremo

regulador das relações de potência:

• O primeiro e menos provável é o da eliminação total das armas nucleares;

• um segundo cenário, que considera o mais provável, assenta no prolonN

gar de certas tendências atuais, sendo caracterizado pela transição (entre

as grandes potências) de uma estratégia de dissuasão, para um equilíbrio

assente na interdição (estratégia puramente defensiva);

• o terceiro, e mais perigoso, assenta numa nova corrida aos armamentos

nucleares quer por parte das grandes potências quer ao nível regional,

nomeadamente no médio e extremoNoriente;

• finalmente, o cenário de emprego de armamento nuclear no quadro de

uma crise regional, dando como exemplo o Paquistão e a Índia.

A estes cenários nós acrescentamos mais um: um ator nãoNEstatal ter acesso

a este tipo de equipamentos/tecnologia e concretizar um qualquer ataque.

Face ao exposto até agora, não é em vão que a Aliança Atlântica considere

como principais ameaças que terá de enfrentar durante os próximos 10 a 15

anos, a proliferação ADM e o Terrorismo nuclear22.

IIIINSTRUMENTOS NSTRUMENTOS NSTRUMENTOS NSTRUMENTOS IIIINTERNACIONAIS PARA CNTERNACIONAIS PARA CNTERNACIONAIS PARA CNTERNACIONAIS PARA CONTER A PROLIFERAÇÃOONTER A PROLIFERAÇÃOONTER A PROLIFERAÇÃOONTER A PROLIFERAÇÃO

O facto de 191 Estados (possuidores de armas não nucleares) terem renunN

ciado voluntariamente à procura de adquirir a arma mais potente alguma vez

produzida é em si uma demonstração da importância do NPT.

A ameaça colocada pela proliferação de ADM tem por base fundamental a

fadiga e eventual colapso de todo o quadro normativo do NPT, surgindo EstaN

dos que desenvolvem ilegalmente, programas destas capacidades, que adquiN

rem materiais e formam peritos, com a opção de abandonarem o Tratado assim

21 MALIS, Christian (2014) – Guerre et Stratégie au XXI Siècle. Paris, Fayard, p. 113N116. A primeira era nuclear abrange o período de 1945 até ao final da guerraNfria; a segunda era compreende o atual momento, que considera de transição. 22 Sobre este assunto podemos detalhar na documentação oficial da Aliança disponível entre outros, em: http://www.nato.int/cps/en/natolive/official_texts_57218.htm?selectedLocale=en.

Page 164: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

140

que estiverem em condições de criar uma arma23, como foi o caso típico da

Coreia do Norte24.

Embora disponível para ser ratificado em 1968, o NPT levou mais de 20 anos

para atingir um grau razoável de universalidade (130 Estados Partes, em 1990,

178 em 1995). Porém, mesmo assim, conseguiu construir uma história de sucesN

so sem precedentes no campo dos tratados de controlo de armamentos. O NPT

desempenhou também um papel inestimável no estabelecimento de uma imporN

tante norma de nãoNproliferação nuclear, conseguindo assegurar que a prolifeN

ração está neste momento contida a um número limitado de países. Esta norma,

que agora se encontra sob forte tensão, contribui ainda para a não utilização de

armas nucleares e para a preservação do tabu do nuclear.

O Tratado está fundado sobre o que são tradicionalmente descritos como

"os três pilares". O primeiro pilar relativo à nãoNproliferação está consagrado

nos artigos I e II; um segundo pilar estimula a cooperação nuclear para fins

pacíficos (artigo IV); e, no terceiro pilar abordaNse o desarmamento através do

artigo VI.

Na Conferência de revisão de Maio de 2010 realizada em Nova Iorque, os

EstadosNMembro concordaram com um Plano de Ação que se tornou no camiN

nho mais global e consensual com vista ao desarmamento nuclear, acordado

por todos os Estados signatários. Foram aprovadas 64 ações para os três pilaN

res do Tratado. Estas essencialmente refletem e aprofundam, de modo equiliN

brado, o deal em que o próprio NPT radica: os P5 comprometemNse a desarmar,

assim como a não atacar os Estados que não têm armas nucleares; e estes,

comprometemNse a não as obter, nem participar em atividades proliferadoras.

Por outro lado, são dadas garantias para o desenvolvimento da energia nuclear

para fins exclusivamente civis.

Em Nova Iorque foram ainda os P5 a comprometeremNse a envidar esforços

adicionais no sentido de reduzirem os seus arsenais nucleares, com vista à eliN

minação dos mesmos, mas sem terem estabelecido datas específicas para se

atingir o “zero nuclear”25; e, o Movimento dos NãoNalinhados (MNA) 26 aceitou o

reforço do papel da AIEA e acordos de salvaguardas, enquanto mecanismo de

verificação do cumprimento do Tratado, assim como um apelo à celebração de

Protocolos Adicionais com a Agência (que reforçam os acordos de salvaguardas),

23 NAÇÕES UNIDAS – A more secure world: our shared responsibility , Report of the High,level Panel on Threats, Challenges and Change. 2004. [Consultado em 8 de setembro de 2015]. Disponível em http://www.un.org/Pubs/chronicle/2004/issue4/0404p77.html. 24 A Coreia do Norte anunciou que iria abandonar o Tratado em 2003, antes de admitir abertamente o seu envolvimento num programa de armamento nuclear. 25 Entendido como um mundo livre de armas nucleares. 26 Conta com 116 Estados.

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PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR

141

mas sem que o Conselho de Segurança das Nações Unidas passe a ter uma

intervenção automática nos casos de desrespeito das salvaguardas, ou de

incumprimento do Tratado.

O Egipto, que investiu um capital político considerável para trazer os EstaN

dos árabes para o NPT e que, em 1995, foi responsável pela “criação” de uma

importante resolução pedindo uma zona livre de armas nucleares para o MédioN

Oriente, conduziu também, após longas negociações entre os P5 e os New

Agenda Coalition (incluindo o Brasil, Egipto, Irlanda, México, Nova Zelândia,

África do Sul e a Suécia), as negociações sobre os 13 passos práticos do Plano

de Ação para o desarmamento, aprovados na revisão de 2000.

O Plano de Ação dá prioridade à "urgente necessidade" de negociação de

um Tratado que proíba a produção de material físsil para armas nucleares e

outros engenhos explosivos nucleares. Através do Fissile Material Cut,off Treaty

(FMCT) os Estados nucleares serão chamados ao grande sacrifício de não só

renunciarem à produção daquele material, mas, de ao mesmo tempo, submeteN

rem as suas instalações mais secretas à inspeção internacional. Esta seria “(...) a

confidence building measure which could facilitate the acceptance of a volunN

tary code of conduct disciplining the nuclear fuel cycle in order to ensure that

legitimate nuclear activities for peaceful purposes have less chances of being

diverted towards weapons purposes (...)”27.

Na conferência foi também reafirmado o papel essencial do Comprehensive

Nuclear,Test,Ban Treaty (CTBT) para o desarmamento nuclear e para o regime

de nãoNproliferação. Com a cessação de todas as explosões nucleares, será resN

tringido o desenvolvimento e a melhoria qualitativa das armas nucleares, sendo

assim combatida a proliferação quer vertical quer horizontal. Neste sentido, a

Conferência convida todos os Estados a absteremNse de qualquer ação que

possa destruir o objetivo e a finalidade do CTBT, nomeadamente no que diz

respeito ao desenvolvimento de novos tipos de armas nucleares.

Na revisão de 2010, foram porém os P5 que se mostraram mais empenhados

em reafirmar aquele compromisso. É ainda o Egipto que, procurando eliminar a

memória da desastrosa Conferência de Revisão do NPT de 2005, surge a liderar

o MNA, sendo, entre os Estados que não possuem armas nucleares, o país mais

influente na construção do resultado de 201028.

27 Trezza, Carlo N The Ban of Fissile Material for weapons purposes and the issue of nuclear fuel cycle. Apresentação efectuada durante a Annual NATO Conference on WMD Arms Control, Disarmament and NonNProliferation, realizada em Praga em Junho de 2010. 28 Jonhson, Rebecca – Assessing the 2010 NPT Review Conference. [Consultado em 3 de setembro de 2015]. Disponível em: http://www.acronym.org.uk/.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

142

Durante a Conferência, grande parte dos participantes contestou as armas

nucleares geralmente classificadas como táticas ou subNestratégicas especialN

mente as armas nucleares norteNamericanas estacionadas na Europa através da

NATO e o arsenal muito superior da Rússia. A Suíça mencionou mesmo que tais

armas "(...) no longer have a place in today’s Europe (...)", enquanto o MNA

criticou a partilha nuclear da Aliança29.

A Alemanha e mais nove outros países (Áustria, Bélgica, Finlândia, Irlanda,

Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Eslovénia e Suécia), posteriormente

apoiada pela Polónia e outros países membros da NATO originários do antigo

bloco do Leste, solicitaram o aumento de transparência e a inclusão de armas

nucleares subNestratégicas, numa abordagem global, bem como outras negociaN

ções bilaterais russoNamericanas que deem seguimento ao novo acordo SSSStrate,

gic Arms Reduction Treaty (START)30.

Na conferência de 2010 foi notório o pouco peso político da União Europeia

em toda a revisão do Tratado. A representante especial da Alta Representante

para os assuntos de nãoNproliferação, à época Annalisa Giannella, não foi tida

em conta para a negociação entre americanos e árabes sobre o MédioNOriente,

nem sequer delas foi regularmente informada.

Em 2015, de 27 de abril a 22 de maio, decorreu mais uma vez em Nova IorN

que, a última conferência de revisão do NPT, não tendo sido alcançado um

acordo consensual, devido sobretudo à questão do desarmamento do MédioN

Oriente, considerando Cesar Jeramilo31 que “the failure to agree on an outcome

document was an accurate reflection of the profound inadequacies and disaN

greements permeating the global nuclear disarmament regime”.

Foram as posições dos EUA, Canadá e do Reino Unido que sacrificaram o

consenso em torno da revisão do Tratado. Estes três países, invocando razões

de segurança nacional para Israel (estado nuclear e não signatário do NPT), não

apoiaram a realização de uma conferência sobre um MédioNOriente livre de

armas nucleares e de outras armas de destruição massiva, em março de 2016.

Os P5, apesar de reafirmarem o compromisso de implementação do Plano

de Ação aprovado na conferência de 2010, foram o grande obstáculo para qualN

quer progresso no caminho da desnuclearização em 2015. Continuam a querer

manter o status quo, invocando razões de interesse nacional e de segurança,

própria e dos seus aliados.

29 Idem. 30 Idem. 31 JERAMILO, Cesar N Review Conference: No outcome document better than a weak one. [Consultado em: 5 setembro 2015]. Disponível em http://thebulletin.org/nptNreviewNconferenceNnoNoutcomeNdocumentNbetterNweakNone.

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PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR

143

No final da conferência os P5 apresentaram uma declaração conjunta, onde

reafirmam “While we continue to work towards our common goal of nuclear

disarmament, we affirm that our nuclear forces should be maintained at the

lowest levels needed to meet national security requirements”, implicando que a

projeção e modernização de armamento nuclear ao longo desta linha de ação é

consistente com o artigo VI do NPT e a ação 3 do Plano de Ação32. Esta postura

está em linha com Kissinger que defende que: “The US must remain at the fronN

tier of nuclear technology, even while it negotiates about restraint in its use”33

Nesta declaração, os P5 felicitam ainda o Irão pela decisão de aprovar o Joint

Comprehensive Plan of Action (JCPOA)34, instrumento que procura garantir que

o programa nuclear daquele país será exclusivamente para fins pacíficos, e cuja

implementação contribuirá para a paz e segurança regional e internacional.

Podemos no entanto encontrar um resultado global histórico e positivo na

conferência: a assinatura do Humanitarian Pledge35, por 107 países, contribuinN

do para preencher a lacuna jurídica existente na proibição e eliminação das

armas nucleares36.

Apesar da longevidade do Tratado e dos seus ciclos de revisão, a norma está

profundamente descredibilizada, dado que continua sem conseguir imporNse

universalmente, sendo a questão central que os Estados signatários não só não

respeitarem os seus compromissos mas, deliberada e secretamente, em alguns

casos, conduziram com sucesso atividades nucleares proibidas sem nunca

serem molestados, pelo menos nas primeiras fases dos seus programas nucleaN

res37. Além do mais, o Tratado não evitou que a Índia, o Paquistão, Israel e a

Coreia do Norte obtivessem o seu armamento nuclear.

Mas quais as consequências para o NPT ao poderem violarNse impunemente

as regras do regime, desafiando o Direito Internacional, e aqueles que ficaram

de o impor?38.

32 Statement by the People’s Republic of China, France, the Russian Federation, the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland, and the United States Of America to the 2015 treaty on the nonNproliferation of nuclear weapons review conference. [Consultado em 7 de setembro de 2015]. Disponível em http://www.un.org/en/conf/npt/2015/statements/pdf/P5_en.pdf 33 Kissinger, ob. cit. p.340. 34 Assinado a 14 de julho de 2015. 35 Assinado a 9 de dezembro de 2014 na conclusão das conferências de Viena sobre Humanitarian Impact of Nuclear Weapons. 36 Johnson, Rebecca (2015) N NPT: cornerstone of nuclear non,proliferation or stumbling block?. [Consultado em: 2 setembro 2015]. Disponível em: opendemocracy.net/5050/ reNbeccaNjohnson/nptN107NnationsNpledgeNtoNnegotiateNonNnuclearNdisarmament. 37 Grand, Camile N «The NonNProliferation Treaty in an era of proliferation crises. In NuNclear weapons after the 2010 NPT Review Conference», Chaillot Paper N n°120, 2010, April. 38 ALISSON, Graham, op. cit.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

144

Assim, em nosso entender, para que o Tratado não seja descredibilizado e

entre em eventual colapso, é necessário colmatar as suas lacunas e ser dotado

dos mecanismos para monitorizar a sua implementação.

Até agora esta tarefa tem competido aos Estados, que atuam através das

periódicas conferências de revisão39. Porém, o Conselho de Segurança das

Nações Unidas, através da Resolução 707, de 15 de Agosto de 1992, ao consideN

rar que o Iraque atuou em violação do NPT e que essa violação constituía uma

ameaça à paz e à segurança internacional, tornouNse numa espécie de “guarN

dião” do Tratado40.

No caso específico do Irão, a 9 de Junho de 2010, o Conselho de Segurança

aprovou a Resolução 1929, com 12 votos a favor, 2 contra (Brasil e Turquia) e

uma abstenção (Líbano) – impondo novas sanções, que suspenderá, caso o Irão

suspenda o seu programa de enriquecimento de urânio. Esta Resolução tamN

bém proíbe o Irão de desenvolver e lançar mísseis balísticos capazes de transN

portar ogivas nucleares41.

Mas a consciencialização do poder nuclear e da sua perigosidade tem conN

duzido ao desenvolvimento de iniciativas e instrumentos de controlo e mesmo

de combate à proliferação de armas nucleares a novos Estados não nucleares.

Além do NPT destacamos42:

• Nuclear Weapons Free Zones43, operacionalizado depois pelos tratados de

Tlatelolco (América Latina e Caraíbas), Rarotonga (Pacífico Sul), Bangkok

(Sudeste Asiático), Pelindaba (África) e Semipalatinsk (Ásia Central);

• Antarctic Treaty;

• Partial Test,Ban Treaty;

• Comprehensive Nuclear,Test,Ban Treaty;

• Seabed Treaty;

• Outer Space Treaty;

• Convention on the Physical Protection of Nuclear Material;

39 Uma medida curiosa, mas sem efeitos práticos é o facto de nas revisões do NPT contiNnuar a a ser enfatizada a negação de estatuto de Nuclear Weapon State à Coreia do Norte. 40 Yael, Ronen N The Iran Nuclear Issue. Hart Publishing, 2010, Oxford and Portland. 41 A resolução especifica: “(…) Decides that Iran shall not undertake any activity related to ballistic missiles capable of delivering nuclear weapons, including launches using ballistic missile technology, and that States shall take all necessary measures to prevent the transfer of technology or technical assistance to Iran related to such activities (…)”. Disponível em: http://daccessNddsNny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N10/396/79/PDF/N1039679.pdf?OpenElement. 42 Sobre este assunto podemos detalhar na dissertação de mestrado de Cordeiro, Paulo N «O Escudo de Defesa Antimíssil Europeu. Da Não Proliferação ao Zero Nuclear». In Estra,tégia. Lisboa. IPCE/IDN. 2013, p. 191N260. 43 Tratado que define zonas geográficas pretensamente livres de armas nucleares por declaração voluntária dos Estados.

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PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR

145

• Fissile Materials Cut,Off Treaty.

O regime jurídico também se estende aos vetores de lançamento merecendo

destaque o Missile Technology Control Regime e o International Code of Con,

duct Against Ballistic Missile Proliferation.

Galamas e Garcia44 consideram que os diversos regimes jurídicos e instruN

mentos de controlo existentes constituem uma das ferramentas mais eficazes

para a nãoNproliferação, uma vez que eles não só vão prevenir que materiais

relacionados com ADM sejam exportados para destinos considerados indesejaN

dos, mas também permitem às agências e serviços de segurança saber quais as

empresas que procuram estes materiais. Porém, aqueles autores, acrescentam

que estes mesmos regimes jurídicos e instrumentos apresentam diversas desN

vantagens, como por exemplo o facto de serem apenas acordos informais, e as

suas orientações não serem juridicamente vinculativas. Além disso, também

consideram que a globalização veio dificultar a tarefa de controlar a transferênN

cia de materiais de dupla utilização.

Com os atentados de 11 de setembro de 2001, as preocupações passaram a

estar mais centradas em atores nãoNEstatais, tendo as diversas instituições e

países sentido a necessidade de rever arquiteturas os mecanismos de resposta

bem como atualizar a respetiva legislação.

Neste sentido, em 2004,o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou,

por unanimidade a resolução 1540 que obriga à adoção de todas as medidas

nacionais necessárias para prevenir os intervenientes não Estatais de desenvolN

ver armas biológicas, nucleares e / ou radiológicas e químicas e respetivos

meios de projeção. A Resolução originou um Comité com a mesma designação

(e com mandato até 2021), com a incumbência de facilitar a prestação de assisN

tência técnica e cooperar com outras organizações internacionais nestas mesN

mas áreas45.

É neste contexto de necessidade de mecanismos céleres para impedir a proliN

feração de ADM, que surgira em 2002 a Container Security Iniciative (CSI)46, e em

2003 a Proliferation Security Iniciative (PSI). Os seus membros, para além do interN

câmbio de informação, comprometemNse a interditar, ou apoiar a interdição de

44 GALAMAS, Francisco; GARCIA, Francisco N «Globalization and the Threats of WeapNons of Mass Destruction Proliferation». In Globalization and International Security: An Overview. New York; Nova Science Publishers; p. 197N210. 45 Idem. 46 Controlo preventivo que visa garantir que toda a carga contentorizada e despachada para os EUA não contém armas de destruição massiva, que possam ser empregues por atores geradoNres de insegurança na condução de uma qualquer ação terrorista. [Consultado em 7 de setemNbro de 2015], disponível em http://www.cbp.gov/xp/cgov/trade/cargo_security/csi/.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

146

transferências relacionadas com ADM (seja por terra, ar ou mar) de e para

Estados e atores nãoNEstatais47.

A NATO como organização internacional não é uma parte do NPT. Porém,

todos os seus Estados o são e todos eles têm interesse num regime de nãoN

proliferação forte. Ao mesmo tempo, a Aliança é constituída por 3 Estados posN

suidores de armas nucleares, tendo ainda mecanismos políticos e militares para

consulta e planeamento nuclear.

Hoje a NATO conta com uma estratégia específica para a prevenção da proN

liferação de ADM e de defesa contra ataques Químicos, Biológicos, RadiológiN

cos ou Nucleares. Esta estratégia, que implica uma abordagem global ao nível

político, militar e civil, assenta em três pilares: Prevenção, Proteção e RecuperaN

ção, sendo ainda identificados como “facilitadores” estratégicos a partilha de

intelligence, a cooperação entre estruturas da NATO, a diplomacia pública e

comunicação estratégica e a colaboração internacional com Parceiros48.

A Aliança também conduz operações militares, consistentes com a decisão

política, em apoio dos objetivos de nãoNproliferação49, como a Active Endeavour

e Allied Protector, com a missão de no primeiro caso apoiar a deter, defender e

impedir o terrorismo no Mar Mediterrâneo, e, no segundo, a contra pirataria e

roubo no mar.

No que ao NPT diz respeito, consideramos que os Aliados estão interessados

na sua promoção, incluindo a manutenção da legalidade e legitimidade das

NATO Nuclear Sharing Policies bem como o cumprir do Art.º VI do NPT e no

fortalecimento dos artºs III50, IV e X51.

A União Europeia, adotou em 2003 a European Union Estrategy Against the

Proliferation52, alargada a três linhas de ação complementares: a não proliferação

de armas de destruição massiva; o controlo de armamento; e o desarmamento.

47 [Consultado em 2 de setembro de 2015]. Disponível em http://www.psiNonline.info/ Vertretung/psi/en/01NaboutNpsi/0NaboutNus.html#topic6. 48 Esta estratégia ficou designada por A NATO Comprehensive Stratgic Level Policy for preventing the proliferation of WMD and defending against CBRN Threats. [Consultado em 8 de setembro de 2015], Disponível em: http://www.nato.int/cps/en/natolive/official_texts_ 57218.htm?selectedLocale=en. 49 Podemos detalhar sobre este assunto na página oficial da NATO, disponível em: www.nato.int/cps/en/natolive/official_texts_57218.htm?selectedLocale=en. 50 Artigo que basicamente impõe que cada Estado nãoNnuclear, parte do Tratado, aceite o sistema de salvaguardas das AIEA, com o exclusivo propósito de verificação do cumpriNmento das obrigações assumidas perante o Tratado, tendo em vista a prevenção do desNviar energia atómica de utilização pacífica para armamento nuclear. 51 Artigo que refere que cada parte no exercício do seu direito soberano tem o direito de abandonar o Tratado se decidir que eventos extraordinários estão a prejudicar o supremo interesse nacional. 52 [Consultado em 7 de setembro de 2015], Disponível em: http://register.consilium. euroNpa.eu/pdf/en/03/st15/st15708.en03.pdf.

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PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR

147

Também o G853 disponibilizou em 2002, na Cimeira de Kananaskis (Canadá)

vinte mil milhões de dólares para apoio a políticas de combate à proliferação de

armas de destruição massiva e controlo de armamento.

Destacamos ainda a estratégia de contenção de ADM dos EUA, que pretenN

de garantir para si e aos seus aliados e parceiros não serem atacados nem coaN

gidos por atores com ADM. Esta estratégia apresenta esforço em três vetores:

prevenir a aquisição, conter e reduzir a ameaça provocada pela existência das

atuais ADM e, responder de forma efetiva a uma crise provocada por uma

ADM54.

AAAA DISSUASÃO NUCLEAR N DISSUASÃO NUCLEAR N DISSUASÃO NUCLEAR N DISSUASÃO NUCLEAR NA ATUALIDADEA ATUALIDADEA ATUALIDADEA ATUALIDADE

A atualidade da dissuasão nuclear passa muito pelos investimentos feitos no

desenvolvimento ou atualização dos atuais sistemas de armas. Galamas55 aborN

da de forma detalhada os investimentos previstos fazer pelos P5 na modernizaN

ção dos seus sistemas de armas nucleares. Por exemplo, os EUA, possuem um

programa para investir um trilião de dólares nos próximos 30 anos, através de

programas de extensão do ciclo de vida dos equipamentos, e pelo desenvolviN

mento de novas plataformas, tendo a Rússia previsto investir 500 mil milhões de

dólares até 2020. Estes programas devemNse sobretudo à desatualização de

alguns sistemas, nomeadamente ao nível do Comando e Controlo, mas também,

e sobretudo no caso dos EUA, à necessidade sentida em manterem o gap de

vantagens face aos seus opositores, que se encontram em franco crescimento

na capacidade de projetar o seu poder. A China e Rússia, por outro lado, encaN

ram uma necessidade de reforçarem a sua second strike capability, face aos

desenvolvimentos dos sistemas de defesa antimíssil e Prompt Global Strike, ou

como um contraponto à superior capacidade convencional norteNamericana,

conduzindo assim a uma offset escalation, na feliz expressão de Adam Mount56.

53 [Consultado em 8 de setembro de 2015]. Disponível em http://www.g8.utoronto.ca/. 54 Department of Defense N Strategy for Countering Weapons of Mass Destruction. [ConsultaNdo em 22 setembro 2015]. Disponível em http://www.defense.gov/Portals/1/Documents/ pubs/DoD_Strategy_for_Countering_Weapons_of_Mass_Destruction_dated_June_2014.pdf. 55 Galamas, Francisco. «The motivations behind the nuclear modernization programs of the P5» In, Nação e Defesa. Lisboa, nº 140, 2015, p. 25N46. 56 Mount entende que “a regional adversary could use a nuclear weapon in an attempt to offset US conventional superiority and truncate an escalating conflict on favourable terms. This concept of nuclear use, referred to here as ‘offset escalation’, not only makes it more difficult to manage crises with regional nuclear powers, but also changes how strategists should think about what to do if deterrence fails”; MOUNT, Adam – «The strategic logic of

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

148

Sejam quais forem as motivações para modernização dos diversos prograN

mas nucleares efetuado pelos P5, eles determinam uma continuidade da dissuaN

são nuclear, mesmo que revestida de novas formas.

Autores como Bruno Tertrais57 consideram que o custo da dissuasão ainda

hoje se mantém aceitável e que as alternativas não são credíveis. Sauer58, por

seu lado, considera que o conceito de dissuasão está hoje desgastado por diverN

sos fatores como, entre outros: a proliferação horizontal; o tabu nuclear; a defeN

sa antimíssil e o terrorismo.

Acompanhando Sauer, quanto ao primeiro fator, podemos considerar que,

desde 1945, a dissuasão nuclear não impediu outros Estados de se armarem

nuclearmente numa média de um país, em cada sete anos.

O tabu nuclear também tem desgastado a dissuasão uma vez que se relacioN

na com o impedimento “moral” e com os custos políticos de um qualquer líder

dos P5 poder utilizar este armamento. Desde 9 de Agosto de 1945 que nenhuma

arma nuclear foi empregue, mesmo em Teatros de Operações onde as baixas

foram significativas.

Na NATO continua em vigor o conceito de Extended Deterrence norteN

americano, que provou ser uma das medidas de contra proliferação mais efiN

caz59. Porém hoje este conceito deve ser abordado de uma nova forma, onde

forçosamente temos de incluir as diferentes perspectivas dos Aliados, que

continuam a confiar nas garantias dadas. Assim, requereNse um olhar mais

atento para os novos desafios da proliferação, do terrorismo nuclear, mas

também pelo papel mais assertivo da Rússia, com um novo enfoque no uso de

armas nucleares, o que determina/condiciona a postura de alguns Aliados60.

Recentemente, aquele país confirmou as suas intenções de implementar uma

nuclear restraint». In Survival. International Institute for Strategic Studies. Routledge. Volume 57, 2015, Issue 4, p. 57N76. 57 Tertrais, Bruno – «How relevant is nuclear deterence today?». In Nação e Defesa. Lisboa, nº 140, 2015, p. 15. 58 Sauer, Tom N «A Second nuclear revolution: From nuclear primacy to post existential Deterrence». In, Journal of Strategic Studies, Volume 32, Issue 5, 2009, p. 745N767. 59 Tertrais, Bruno, ob. cit. p. 12. 60 Foi durante a primeira presidência de Putin (2000N2008), que a Rússia veio a reafirmar a sua intenção de se manter associada ao nuclear como garante da sua independência, segurança, soberania e, sobretudo, para a sua reafirmação como grande potência na cena internacional. PUTIN, Vladimir N «Opening Remarks at Meeting With Heads of the RusNsian Nuclear Weapons and Nuclear Energy Complexes»; In Novo,Ogaryovo, 9 de junho 2006. [Consultado em 7 de setembro de 2105]. Disponível em: http://www.kremlin. ru/eng/text/speeches/2006/06/09/1952 type 82912type82913 106757html.

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PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR

149

nova doutrina para a preservação da sua tríade estratégica nuclear, orientada

para a dissuasão61.

A NATO, na impossibilidade de caminhar já para uma Post,existential deter,

rence62 e de forma a continuar a assegurar as suas garantias de defesa, busca o

conceito de Holistic Deterence, que inclui capacidades convencionais, nucleares

e de defesa antimíssil (MD)63, estando sempre ciente da necessidade de, a partir

destas capacidades, dever adotar uma credível Tailored Deterence, o que impliN

ca diferentes formas e opções de dissuasão para diferentes confrontações e

diferentes adversários64, pois no fim, são os Aliados que decidem sobre a sufiN

ciência da credibilidade dessas garantias.

Com a introdução do MD como um elemento da sua postura defensiva cada

vez mais importante, a NATO acrescentou um importante vetor de dissuasão

pela negação. Um sistema MD efetivo pode ser complementar e eventualmente,

a seu tempo, o substituto da nuclear sharing.

Porém há teses contrárias, que defendem que o MD não reforça a dissuasão

nuclear, dado que a deterence by denial, não tem o poder da deterence by reta,

liation65, e que pode ainda induzir a uma corrida ao armamento para que seja

possível quebrar a defesa MD.

Assim, o critério da suficiência da dissuasão passou a ser a capacidade das

forças nucleares penetrarem no sistema de defesa antimíssil inimigo, sendo esta

preocupação ainda mais evidente após a assinatura do Novo START66.

Quando se trata de aplicar o conceito tradicional de dissuasão ao terrorismo

e a outros atores nãoNEstatais, temos sempre a tendência de considerar que esta

é uma estratégia que não se aplica67, arranjando argumentação em torno da

61 Podemos consultar detalhadamente em: http://russianforces.org/blog/2010/02/new_ russian_military_doctrine.shtml. 62 Sauer, op. cit. p. 746. 63 Na Cimeira da Aliança em Chicago, em maio de 2012, foi aprovada a nova postura de Defesa e Dissuasão da Aliança, onde vem reafirmada a importância das forças nucleares e da defesa antimíssil, sendo esta capacidade aqui tida como puramente defensiva e complementar e não uma substituta da dissuasão nuclear. O documento sobre a revisão da postura conclui que a NATO deve manter capacidades de largo espetro, necessárias para a sua defesa contra ameaças à segurança das suas populações e território, mantendoNse assim uma appropriate mix de capacidades, onde se incluem forças convencionais. [Consultado em 5 de setembro de 2015]. Disponível em http://www. nato.int/cps/en/natolive/events_84074.html. 64 Lantis, Jeffrey N «Strategic Culture and Tailored Deterrence: Bridging the Gap between Theory and Practice». In, Contemporary Security Policy, Nº 3, Dezembro 2009, p. 467N485. 65 Tertrais, Bruno, ob. cit. p. 18. 66 Saraiva, Francisca – Poder Militar e Agressão Armada em Ambiente Pós Bipolar: Análise Jurídico,Estratégica das “ Guerras High,Tech” e das “ Novas Guerras” nos discursos e práticas sobre agressão e legítima defesa. 2009. Tese de doutoramento, Lisboa: ISCSP. 67 Davis, Paul; Jenkins, Brian – Deterrence and the influence in counterterrorism: A compo,nent in the war on al Qaeda. 2002. RAND Corporation, Santa Mónica.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

150

falta de racionalidade desses atores, confundido aqui com o conceito de razoaN

bilidade68, esquecendo que um conceito não implica o outro e, considerando

que racional é o ator que segue a “nossa” lógica estratégica, esquecendo tamN

bém que a sua racionalidade está assente em outros valores e princípios. Assim,

devemos ter sempre presente o princípio base desta estratégia, que só sabemos

se funciona “(…) when it does in the minds of enemy leaders, it is their world

view, not ours, that must determine whether or not deterrence succeeds (…)”69.

Nesta ordem de ideias, se tivermos a garantia de comunicação, ou seja, que

a mensagem transmitida é percebida e de que o processo de decisão desses

atores é baseado sempre no custo/benefício da ação, deveNse aplicar a dissuasão

através da negação de alvos ou pela punição das lideranças destes atores. No

fundo, será estruturar a dissuasão à ameaça e mostrar que a concretização de

um ataque não é uma modalidade de ação a adotar.

Pelo exposto, o caminho para o “zero” nuclear será um caminho longo, senN

do necessário estabelecer uma estratégia de longo prazo, que transmita transN

parência e fiabilidade aos signatários do Tratado e que, para além dos

fundamentais mecanismos de verificação, inspeção e de garantias pela eliminaN

ção, imponha custos a quem prevarica. Mas devemos ser pragmáticos e perceN

ber que o “zero” não é atingível no Mundo onde vivemos nem onde se preveja

venhamos a viver nos próximos tempos, sendo precisas alterações profundas e

sem precedentes no atual Sistema Internacional70.

AAAALGUMAS LGUMAS LGUMAS LGUMAS CCCCONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES

A proliferação de armas nuclear, uma das mais prementes ameaças à seguN

rança internacional, persiste por diversas motivações, sendo hoje encarada a

possibilidade de atores nãoNEstatais poderem ter acesso a este tipo de capaciN

dades, e isso deveNse muito ao crescimento livre do comércio mundial, que veio

dificultar a tarefa de controlar a transferência de materiais e tecnologias.

Porém, os diversos regimes jurídicos e instrumentos de controlo existentes

constituem uma das ferramentas mais eficazes para a nãoNproliferação, sendo

de destacar o NPT, que apesar da erosão, é um instrumento jurídico inestimável

68 Gray, Colin – National Security Dilemas. Challenges & Opportunities. Potomac Books, Washington. 2009. 69 Idém. 70 Sobre este tema não podemos deixar de ler o magnífico e elucidativo texto publicado na revista Foreign Affairs, de FERGUSON, Charles N «The long road to zero. Overcoming the obstacles to a Nuclear free World». In, Foreign Affairs, January/February 2010, p. 86N94.

Page 175: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR

151

para o estabelecimento da norma de nãoNproliferação, conseguindo assegurar

que a proliferação está neste momento contida a um número limitado de países.

As conferências de revisão, apesar do peso conservador dos P5,conferemNlhe

algum dinamismo e a obtenção de alguns sucessos, como a procura de estabeN

lecimento de zonas livres de arma nucleares e, recentemente, a assinatura por

um número significativo de estados do Hummanitarian Pledge.

A Dissuasão que surge hoje com novas e diferentes modalidades, mantêm a

atualidade do seu conceito, constituindo ainda um instrumento antiNproliferação.

Independentemente das motivações, a sua continuidade está assegurada pelos

investimentos feitos no desenvolvimento ou atualização dos atuais sistemas de

armas, sendo assim o desiderato do zero nuclear dificilmente alcançável.

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153

7777.... DDDDAS AS AS AS AAAAMEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E RRRRISCOS ISCOS ISCOS ISCOS IIIINTANGÍVEIS AOS NTANGÍVEIS AOS NTANGÍVEIS AOS NTANGÍVEIS AOS EEEESTSTSTSTAAAADOS DOS DOS DOS FFFFRÁGEIS E ÀS RÁGEIS E ÀS RÁGEIS E ÀS RÁGEIS E ÀS GGGGUERRAS UERRAS UERRAS UERRAS CCCCIVIS IVIS IVIS IVIS

NUNO LEMOS PIRES

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

Há ameaças e riscos que habitualmente não se enunciam porque são difíceis

de medir e de elencar ou até de considerar como tal, dado o seu não relaciona,

mento direto com a problemática da segurança e defesa. Na origem de Estados

Frágeis ou Falhados, nas causas de Guerras Civis, percebemos que os motivos

aparentes escondem outros muito mais relevantes, profundos e, em alguns casos,

com raízes muito longínquas. Essas causas são, por vezes, potenciadas por amea,

ças e riscos intangíveis, que vão da anomia social até à desocupação forçada, das

memórias dos povos às pressões geopolíticas, do poder das ideias e religiões à

vertigem acelerada do tempo e as crises de valores que, embora sempre presen,

tes, simplesmente não foram atendidos e percebidos em tempo.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: Ameaças e Riscos Intangíveis, Estados Frágeis e Falhados, Guer,

ras Civis

Temos consciência de que, ao trazermos novos termos e conceitos, como o

de ameaças e riscos intangíveis, enfrentamos a natural e saudável crítica para

avaliar dos méritos, incongruências e pertinência dos mesmos1. Mas, em primeiro

lugar, é necessária uma explicação para o facto de usarmos conjuntamente, e não

separadamente, ameaças e riscos. Entendemos que um risco traduz uma possibiN

lidade de um evento futuro que pode colocar em perigo as populações e, falamos

1 Agradecimentos pelo debate e revisão de ideias ao TenenteNGeneral António Menezes, MajoresNGenerais Cardoso Lourenço e Vieira Borges, Coronel Rui Ferreira (do Exército), ao TenenteNCoronel da GNR Pedro Moleirinho e ao Professor Doutor António Barrento.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

154

de ameaças, quando nos referimos a ações e eventos com intencionalidade. A

ameaça será um ato ou acontecimento de cariz ofensivo (traduzida de modo

simplificado pelo produto de uma capacidade por uma intenção), que afeta sigN

nificativamente os objetivos políticos de um Estado, de modo a colocar em cauN

sa a sua sobrevivência como unidade política ou, de algum modo, a própria

segurança internacional. Se os riscos são não intencionais, as ameaças são

sempre intencionais2. As definições existem e estão disponíveis em muitas das

obras que colocamos na bibliografia.

Em segundo lugar, gostaríamos de clarificar que há outros termos que por

vezes se confundem com riscos e ameaças e que evitaremos usar por uma quesN

tão de clareza de linguagem: são eles, por exemplo, perigos, desafios, fontes de

insegurança, tendências e vulnerabilidades. A confusão é possível, e em muitos

documentos podemos ler como estes e outros termos são usados, por vezes, na

mesma linha de como definimos riscos e ameaças. Mas reforçamos que apenas

iremos usar os dois termos referidos e no sentido mais estrito que tentámos

delimitar, para que este breve texto não se confunda com uma análise de tenN

dências, um estudo SWOT, ou de construção de uma matriz de análise de vetoN

res de desenvolvimento.

Em terceiro lugar, pensamos que não é possível analisar ameaças e riscos de

forma isolada e daí a importância deste livro e do trabalho de todos os autores

que nele colaboram. Apenas com uma análise holística sobre os efeitos das

várias ameaças e riscos e de avaliar como se potenciam ou diminuem os efeitos

entre si, é possível ter uma visão completa do problema. Por exemplo, sabemos

que o terrorismo beneficia do crime organizado transnacional e que este, por

sua vez, beneficia de um clima de caos causado pelos efeitos do terrorismo.

Sabemos que as alterações climáticas estão na origem, ou são catalisadoN

res/potenciadores, de muitos conflitos, como por exemplo, os efeitos de secas

prolongadas no Darfur, na Etiópia, no Afeganistão e na Síria (apenas para usar

alguns de inúmeros casos), ou de como as pressões demográficas levaram a

2 De outra forma poderNseNia dizer que os riscos constituem ameaças que não se salvaNguardam por falta de recursos ou por opção política, estratégica ou militar (capacidade). Os fatores de risco são elementos influenciadores da evolução das ameaças e riscos, quanNto à sua plausibilidade e perigosidade. São consubstanciados por atributos que, normalNmente são materializados por indicadores (quantitativos) ou por perceções (qualitativos, como no caso da avaliação dos conflitos emergentes). Utilizados recentemente pela NATO/ACT no âmbito do Multiple Futures Project, os aceleradores da mudança (casos dos recursos limitados, da evolução demográfica, das mudanças climáticas, do uso das novas tecnologias, etc.) constituem as variáveis base para o levantamento de quatro futuros (escolhidos entre os mais prováveis de múltiplos futuros). De acordo com a metodologia do Allied Command Transformation (ACT), só depois serão levantadas as ameaças e, em função destas, para cada futuro, serão identificadas as implicações em termos de defesa.

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DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS

155

alterações e desagregações sociais extremas ou, ainda, de como uma guerra

civil num determinado território pode provocar vagas de refugiados que impliN

cam o aparecimento de focos de instabilidade em países vizinhos3. Os exemplos

serão muitos. O que interessa focar é que na maioria dos casos em análise não

há ameaças e riscos isolados e, apenas, fazendo uma leitura sobre todos em

cada momento, local ou cenário global, poderemos entender a plenitude dos

efeitos, antecipar as consequências e, eventualmente, projetar ações.

Em quarto lugar, falamos de riscos e ameaças intangíveis, ou seja, não menN

suráveis, não aparentes, alguns deles dificilmente deduzíveis, que parecem

escondidos ou pouco referenciados. Reservamos a parte final desta reflexão

para os enumerarmos. O desenvolvimento deste trabalho tentará fazer com que

os riscos e ameaças intangíveis surjam como consequência da argumentação

entretanto elencada e, assim, que sejam o resultado duma reflexão e não os

pressupostos de uma classificação.

Em último lugar, para efeitos desta breve introdução, e diretamente relacionaN

do com os efeitos das ameaças e riscos intangíveis, gostaríamos de argumentar

que há alguns fatores que acabam por estar na origem, ou potenciam, a existência

de Estados Frágeis e na génese de algumas das Guerras Civis. Vamos então

começar por elencar os principais fatores potenciadores, ou enformadores, das

ameaças e riscos intangíveis, que descreveremos em detalhe mais adiante.

FFFFATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORES DE DE DE DE AAAAMEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E RRRRISCOS ISCOS ISCOS ISCOS IIIINTANGÍVEISNTANGÍVEISNTANGÍVEISNTANGÍVEIS

Não será necessária uma análise muito profunda para sabermos que vivemos

num Mundo caracterizado por uma enorme volatilidade económica, permeável à

emergência de revoluções, por bruscas alterações de sistemas políticos, em que o

poder está mais disperso, menos estável, mais efémero e distribuído por muitos

mais polos de influência. Também se sabe que vivemos numa época marcadas por

mudanças tecnológicas abruptas, muitas delas difíceis de avaliar nos seus impactos,

não havendo tempo para uma adaptação compassada e consequente. Como priN

meiro grande fator enquadrante temos então um clima generalizado de mudança

ou transformação, mais rápido que o anterior, menos previsível, mais difícil de

caracterizar e muito menos estável ou estanque. A mudança acelerada será, assim, o

primeiro fator potenciador das ameaças e riscos intangíveis.

3 Na NATO (no seu conceito estratégico de 2010) optouNse pela designação de “aceleradoNres da mudança”: constituem meros fenómenos causadores de determinados cenários, que podem dar ênfase (ou não) a determinados riscos e, por consequência, a determinaNdas ameaças.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

156

Mesmo que não seja no ritmo catastrófico que se antecipou no século pasN

sado, a demografia global aumenta e o nível de desenvolvimento de cada ser

humano também. Ou seja, somos mais, queremos mais e consumimos muito

mais. Sem entrar em muitos detalhes sobre este risco (que será analisado com

mais pormenor em outros textos deste livro), é fácil prever uma escassez de

recursos para uma população que se pensa vir a atingir os 9.000 milhões em

20504. Será difícil ter energia, água e alimentos para uma população desta magN

nitude, que desejavelmente se encontrará a viver em níveis de desenvolvimento

muito maiores, ou seja, com taxas de consumo mais elevadas. Haverá mais

população a viver em espaços mais reduzidos nas grandes metrópoles e junto à

linha de costa (prevêNse que 60% da população venha a viver a menos de 60 km

da costa e que cerca de 66% do total de habitantes vivam em grandes centros

populacionais). Este será o segundo fator potenciador, a demografia crescente e

urbana, concentrada e consumidora de elevados recursos.

Aos medos antigos e milenares somamos medos recentes e reeditados. Nas

últimas décadas apareceram receios crescentes relativos ao desenvolvimento da

inteligência artificial (IA). TrataNse de um medo legítimo porque nem todos leram as

leis propostas por Isaac Asimov sobre a robótica onde defendeu, para sempre, a

proteção do ser humano em relação à máquina5. Uma dessas vozes é a de Stephen

Hawking que afirmou, numa entrevista à BBC, que o “desenvolvimento pleno da IA

poderá levar ao fim da raça humana”6. A este terceiro fator potenciador, denomiN

namos de avanços científicos e tecnológicos não antecipáveis nos seus efeitos.

A estes medos acrescentamos os avisos mais “na moda”, como os das alteraN

ções climáticas extremas (aumento da temperatura, menos costa, acidificação dos

oceanos, ventos mais fortes, etc.), colapsos ecológicos, impactos de asteroides,

pandemias globais e superNvulcões7. A este quarto fator, que designamos de

forma sintética de alterações de impacto global, potencia, como veremos, muitas

das ameaças e riscos intangíveis.

4 Em 2015 estimamNse que existam 7,3 mil milhões. 5 Foram estas as leis sugeridas por Asimov: 1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humaNno ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal. 2ª Lei: Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a 1ª Lei. 3ª Lei: Um robô deve proteger a sua própria exisNtência desde que tal proteção não entre em conflito com a 1ª ou 2ª Leis. Mais tarde, em especial no livro “Eu, Robô”, Asimov acrescentou a denominada “Lei Zero” que afirmava, acima de todas as outras: um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal. 6 Teixeira, 2015: 6. 7 Como se pode ler em: http://globalchallenges.org/, além destes receios, podem ser listaNdos ainda outros de tipologia mais diversa: colapsos financeiros, económicos sistémicos e globais, biologia sintética, ou nanotecnologia (consultado em 28 de julho de 2015).

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DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS

157

Talvez um dos receios maiores prendeNse com a dificuldade de gerir riscos e

ameaças num Mundo que, paradoxalmente, sendo mais global e universal, se

tornou mais difícil de governar e para o qual também se tornou mais difícil

encontrar respostas de forma coordenada. Como refere Moisés Naím, no seu

livro O fim do Poder, temeNse cada vez mais uma má (ou ausência de) governaN

ção global futura. Somando à tese defendida por Francis Fukuyama sobre a

crescente decadência política, temos uma base explanatória de análise que é

importante descrever. Para os fenómenos globais que emergem não se enconN

tram respostas globais ao nível da governância e os riscos maiores serão, proN

vavelmente, os causados por origem humana, seja pela ação ou simplesmente

pela omissão em agir atempadamente. Temos assim riscos associados a modeN

los políticos em uso, que pouco ou quase nada evoluíram nos últimos dois sécuN

los. “Existe um fator intangível que tem de estar presente para que o sistema

político funcione: a confiança, os cidadãos têm de confiar no governo para tomar

boas decisões”8. Ainda vivemos reféns dos “ismos” do final do século XIX, os

maiores partidos ainda refletem os fascismos, comunismos, socialismos, anarN

quismos, etc. que nos gritavam os ideólogos do final do século XIX e de todo o

século XX. Parece que se perdeu a imaginação de pensar em novos sistemas

políticos, e a única certeza que temos é a de que as velhas democracias defiN

nham e não apresentam sinais de pujança e força para rejuvenescer. As desiN

gualdades continuarão a existir, e continuam a agravarNse nestes dias (o fosso

entre ricos e pobres aumenta: “nos EUA, 1 % das famílias arrecadou 9% do PIB

em 1970 e 23,5% em 2007”9) e a privacidade continua a perder terreno para uma

maior segurança. Não se evolui porque se fazem compromissos reativos, que

traduzem opções que, sendo lógicas e defensáveis, não são confirmadas nem

conformadas socialmente. Como consequência surgem, de novo, regimes mais

musculados, movimentos mais radicais, mais extremismos e grupos fanatizados,

ideias mais anárquicas e de rutura, menos estabilidade, mais incertezas e muito

menos poder legítimo e consequente. Este será o quinto fator potenciador, o da

dispersão e decadência do poder.

Ao lado da política, surgem inevitavelmente as religiões e, ao contrário de

um diálogo ecuménico, caminhaNse para uma radicalização de posições. Do

nãoNensino religioso passouNse ao nãoNensino sobre o religioso. O que ignoraN

mos não saberemos entender, o que não estudamos não poderemos interpretar

e, talvez, ao se querer uma separação tão clara entre Religião e Estado, criámos

um fosso de não compreensão entre uma variedade enorme de religiões e o

8 Fukuyama, 2014: 709. 9 Fukuyama, 2014: 698.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

158

entendimento sobre o que significam para milhões. O problema não foi separar

as áreas, como natural evolução de sociedades democráticas, foi antes o de ignoN

rar a gigantesca dimensão que as religiões aportam e influenciam na política e na

cultura dos Estados, na origem e evolução das sociedades humanas e na vida de

biliões de seres humanos espalhados em todos os cantos do Mundo10. Sexto e

último fator potenciador, a ignorância deliberada em temas estruturantes.

Em resumo, os fatores potenciadores são então: a mudança acelerada, a

demografia crescente e urbana, os avanços científicos e tecnológicos não anteci,

páveis, as alterações de impactos globais, a dispersão e decadência do poder e a

ignorância deliberada. Vamos analisar de seguida, com exemplos presentes, o

que pode levar à fragilidade dos Estados ou mesmo à sua classificação como

Estados Falhados.

EEEESTADOS QUE SE TORNAMSTADOS QUE SE TORNAMSTADOS QUE SE TORNAMSTADOS QUE SE TORNAM FFFFRÁGEIS OU RÁGEIS OU RÁGEIS OU RÁGEIS OU FFFFALHADOSALHADOSALHADOSALHADOS

Tomemos um exemplo, que seguramente será referido em outros capítulos

deste livro, para entendermos melhor o que poderá estar por detrás de um

Estado Frágil e duma ameaça bem real, que é atualmente protagonizada pelo

autodenominado Estado Islâmico (EI).

No subcapítulo anterior utilizámos a expressão de intangível para definir o

que, aparentemente, não sentimos como ameaças ou riscos diretos à nossa

segurança. No caso do EI, a atenção tem sido virada, quase exclusivamente,

para os perigos de a ameaça chegar à Europa e para os efeitos que alguns dos

seus apoiantes (e também de grupos como os da AlNQaeda e similares) podem

ter em solo europeu. Mas não olhamos para o intangível efeito de uma longa

sucessão histórica de másNinterpretações, desconfianças e erros grosseiros nas

relações internacionais entre povos, nações e religiões. No EI, como em muitos

Estados de religião islâmica, não se separa o Estado da Religião. Pelo contrário,

um e outro estão unidos, ao revés do que pensamos ser a prática internacional

em espaços que nos estão e são próximos.

Comecemos por aqui. O que não entendemos, não atingimos, não sentimos,

não vemos, fica intangível. Mas pode crescer dentro do nosso espaço, pode

aumentar e multiplicarNse em espaços próximos e, tal como um cancro silencioN

so que se alastra e cria metástases, quando não detetado em tempo, pode torN

narNse demasiado tarde para tratar e controlar. O EI é, claramente, Estado e

10 A síntese de David Munir (2015, p. 67) é elucidativa: “Como fomentar o fanatismo? É não dando conhecimento suficiente”.

Page 183: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS

159

Religião e não aceita outra forma política de existir, postura que tem sido

defendida por muitos habitantes da grande região do Médio Oriente (e não só),

há várias centenas de anos, pelo que não constitui uma novidade. O que é novo

é a intolerância publicamente anunciada porque, considerandoNse Estado e

Religião, não aceita que outros o não sejam. Não tolera, não pactua, exige. ExiN

ge aos que domina, aos que pretende dominar e pede que o sigam em todo o

Mundo. Respeita, em teoria, outras religiões monoteístas, como a cristã e a

judaica, mas afirmaNse como o detentor da única verdade, da salvação universal,

e procura, através de uma fortíssima persuasão, quando não pela força, a conN

versão de todos à sua única e exclusiva, visão política e religião (que, no seu

entender, são apenas uma só). Esse é o mais terrível dos perigos, a intenção

final, o grande objetivo teleológico, o que se pretende conquistar com paciência,

leve as décadas ou séculos que levar. O tempo para a sua obtenção é intangível

porque a grandeza dos fins é intemporal.

As barbaridades a que assistimos, nas imagens atrozes de execuções consecuN

tivas, não têm nada de banal. Por mais incrível que possa parecer, têm razões, têm

aceitação e têm história. DecepamNse cabeças, porque também a deceparam a

Hussein, filho do quarto califa, depois da famosa batalha de Karbala (em 680 d.C.).

MassacramNse famílias inteiras como se massacraram as famílias das lideranças

Omíadas ou os Abássidas. DividemNse as grandes organizações jihadistas em

pequenos grupos discordantes, tal como o Império Islâmico se dividiu em pequeN

nas Taifas. A história não se repete, mas deveNnos obrigar a leituras atentas.

As cruzadas no início do segundo milénio foram pela religião – pela libertação

dos lugares santos, pela determinação na recuperação de áreas sagradas, mas

também, em paridade, pelo lucro e pelo saque. Causaram, inevitavelmente, enorN

mes desconfianças e desejos de vingança entre povos, religiões e regiões. Às

cruzadas opuseramNse mouros, berberes, mamelucos e otomanos e os vencedores

de uma época foram os vencidos de outra. Não houve final, apenas vencidos e

humilhados. Umas vezes cristãos, outras judeus e hindus, por vezes muçulmanos

e budistas. Sobrou o rancor que as fronteiras inventadas e impostas no final da

Grande Guerra 1914N1918 (tratado SykesNPicot), apenas serviram para agravar. A

memória dos povos e das nações não se apaga por decreto nem se impõe por

tratado.

As execuções sumárias e cruéis fazem parte da história. Antes da Batalha de

Lepanto em 1571, que uniu muitas das potências cristãs e infligiu uma pesada

derrota ao Império da Sublime Porta, os otomanos tinham invadido e ocupado

Nicósia, massacrando milhares dos seus habitantes, esfolando vivo o veneziano

que a governava. A crueldade não escolhe lados nem religiões. Eram também

Page 184: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

160

venezianos que se avistavam das naus portuguesas, junto aos muçulmanos que

se tentavam derrotar em terras da Índia. Não há inocentes. Se muçulmanos

torturavam e escravizavam povos inteiros, também portugueses (como D. FranN

cisco de Almeida) não hesitavam em queimar vivas centenas de pessoas dentro

de um navio a caminho de Meca11.

As barbaridades cometidas hoje pelos radicais do EI não são menores que

as que se fizeram também ao longo do século XX, naquelas e noutras regiões,

onde havia maiorias muçulmanas12. Os soviéticos abusaram no Afeganistão e

um apelo internacional ao combate contra os infiéis da URSS teve efeitos que

perduram nos dias de hoje. Foi na luta contra os soviéticos que se forjaram

muitos dos grupos que hoje dão corpo aos movimentos integristas muçulmaN

nos, desde a alNQaeda aos uigures chineses. A princípio ninguém identificava as

metástases desses grupos, e foi preciso um sintoma forte, como o 11 de setemN

bro de 2001, para muitos se darem conta do que havia entretanto germinado.

O Médio Oriente foi governado por regimes seculares (incluindo os poderes

imperiais e coloniais) nos últimos séculos de existência, destacandoNse no século

XX os governos de Nasser no Egipto, de Saddam no Iraque, de Kadhafi na Líbia,

alNAssad na Síria (exceções houve como a do Rei de Marrocos que sempre foi o

líder religioso e secular), mas esse panorama alterouNse substancialmente nas

últimas décadas. Nos últimos anos, muitos dos Estados com maiorias populacioN

nais islâmicas deixaram de ser seculares e, esta parece ser uma tendência cresN

cente. Serem Estados Seculares ou Radicais/Religiosos não são em si um

problema, mas a análise de como as transformações ocorreram dáNnos pistas

para entendermos a problemática que estamos a abordar, a dos Estados Frágeis.

O Líbano (outrora considerado um “paraíso” no Médio Oriente com a sua

capital, Beirute, muitas vezes chamada de Paris da região) é um exemplo paraN

digmático de uma ameaça intangível que aparece sem ser detetada. Inicialmente

com uma maioria de cristãos maronitas viu, através de vagas de refugiados

palestinianos a partir de 1975 (350.000), e com a ingerência de potências viziN

nhas, Síria e Israel, que apoiavam movimentos no seu interior, o “equilíbrio

político,demográfico romper,se”13 e a situação, de Estado Frágil (com momentos

de maior e menor estabilidade) arrastouNse até aos dias de hoje. Pior, do seu

território criaramNse bases de grupos terroristas usadas para ameaçar países

vizinhos ou populações longínquas. O Líbano é um exemplo de um Estado que

se tornou frágil, por fatores externos que se tornaram internos, ou seja, foram

11 Pinto, 2015: 41 e 238. 12 Embora as do EI têm muito mais repercussões (em termos do terror) através da imediaNta difusão pelos meios de comunicação social e partilha de ficheiros pela internet. 13 Blanchard, 2014 e Pinto, 2015: 91.

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DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS

161

as alterações demográficas que provocaram diferentes equilíbrios numa guerra

civil cujos efeitos (metástases) se espalharam por regiões vizinhas e afastadas.

Este foi um processo que ocorreu em muitos outros Estados ao longo da históN

ria pois, como recorda Francis Fukuyama, a propósito da constituição da EuroN

pa: “movimentos gigantescos de populações, com vários grupos minoritários a

serem expulsos dos novos Estados,Nações em potência ou trocados por minorias

residentes nos países vizinhos (…) as cerca de 25 nações que constituíram a

Europa, em meados do século XX eram as sobreviventes das mais de quinhentas

unidades políticas que existiam no continente no fim da idade média”14. Acolher

refugiados (como os libaneses fizeram com os palestinianos) será sempre uma

ação nobre e ética mas, se os efeitos e consequências não forem acautelados,

formam mais um fator a destabilizar um, aparentemente, país estável.

No caso de África, sabemos que uma parte significativa dos seus Estados,

depois das independências obtidas, quase todas, ao longo da segunda metade

do século XX, não chegaram a desenvolver os atributos necessários para proteN

ger e garantir os direitos e o bemNestar das suas populações. O que observamos

é, muitas vezes, a tentativa pelos dirigentes de aumentarem o seu poder e

garantirem a sua própria segurança. No entanto, alguns dos Estados Frágeis

cumpriram (em parte) o contrato social para com a sua população, ainda que a

sua atuação em diversas áreas continue muito fraca. Quanto mais débil se torN

nar a atuação de um país frágil nas esferas política, económica e social, mais

aumenta o risco de se transformar num Estado Falhado15. É importante referir

que, de acordo com o Índice dos Estados Frágeis, publicado em 2014 pelo FunN

do para a Paz, dos 49 países da África Subsariana, cinco estão na categoria

“very high alert’’, cinco na categoria “high alert”, onze na categoria “alert’’ e os

restantes, à exceção da África do Sul, aparecem classificados com “very high

warning’’ ou “high warning’’16.

DDDDOS OS OS OS EEEESTADOS STADOS STADOS STADOS FFFFRÁGEIS ÀS RÁGEIS ÀS RÁGEIS ÀS RÁGEIS ÀS GGGGUERRAS UERRAS UERRAS UERRAS CCCCIVISIVISIVISIVIS

A explicação sobre o Líbano, que demos anteriormente, está obviamente

incompleta e é quiçá injusta, mas elucidativa, do que queremos argumentar: a

ligação de aparentes ameaças intangíveis ao aparecimento de Estados Frágeis e

14 Fukuyama, 2014: 271 e 274. 15 Rotberg, 2002: 4, ver definições e condições para um Estado ser considerado Frágil ou Falhado em Almeida, 2007. 16 Fund for Peace, Fragile States Index 2015 (http://global.fundforpeace.org/ consultado em 03 de agosto de 2015).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

162

ao eclodir de Guerras Civis. No Líbano, como no Egito, no Irão, no Iémen, no

Sudão, entre muitas outras regiões, começaram a surgir contestações abertas à

forma secular de dirigir países e nações. O EI é hoje um exemplo claro, e extreN

mo, dessa assunção, arrumando, por enquanto, a esperança deposta nas “PriN

maveras Árabes”.

A Síria, palco da maior guerra civil da atualidade, com “oito milhões de des,

locados, quatro milhões de refugiados e mais de 220 mil mortos”, é exemplo

demonstrativo de muitos dos fatores que temos vindo a levantar e, essencialN

mente, de que não há ameaças e riscos, nem conflitos ou guerras, isolados ou

assentes apenas em uma premissa. Porque, como afirma Bernardo Pires de

Lima, “a Síria é não só uma guerra civil mas também uma guerra de testa,de,

ferro pelo domínio regional”, onde também se operam influências diretas e indiN

retas de todo o Mundo, como sejam os EUA, a Europa, a Rússia e a China17.

Assim, numa leitura mais abrangente, viveNse uma verdadeira guerra fria na

vasta região do Médio Oriente, entre xiitas (com o apoio central do Irão) e suniN

tas (com forte incidência da liderança da Arábia Saudita) que se traduz, no terN

reno, também mas não só, na multiplicação de guerras civis. Ou, ainda visto de

outra forma, é uma guerra quente que mais não é do que uma espécie de guerra

civil entre partes que se opõem em mais do que um país. Mas voltemos ao EI

para identificar de como tudo pode estar, efetivamente, interligado.

O que sabemos do passado dos líderes do EI é uma longa história e não um

movimento espontâneo e novo. O radicalismo integrista está na origem da priN

meira grande divisão entre o Islão, quando surgiram os karijitas a par dos suniN

tas e dos xiitas. Os karijitas foram os primeiros a defender o caráter literal do

Corão e da Suna, ou seja, que os textos sagrados do Islão tinham de ser seguiN

dos e não interpretados. Os karijitas quase despareceram na espuma da história

mas, no século XVIII, surgiu na Arábia Saudita um teólogo de nome Ibn Abdul

Wahhab e a interpretação literal voltou a emergir. VoltouNse a propor, exclusiN

vamente, a leitura tradicional, inquestionável, pura e absoluta. O wahhabismo

andou e anda de mãos dadas com o regime soberano da Arábia Saudita e, por

isso, teve e tem seguidores um pouco por todo o Mundo. Mais a norte, no IraN

que, apareceram no século seguinte os Ikhwan (os irmãos) que usavam também

“uma leitura rigorosa e literal dos textos sagrados” mas, ao contrário da Arábia

Saudita, esta teologia não se iria juntar logo à política, porque ainda seriam os

aliados dos britânicos a conseguir governar o país após a Grande Guerra, manN

tendo assim, por mais alguns anos, a religião afastada da política18.

17 Lima, 2015: 35, 160 e 189, Cockburn, 2014: 63. 18 Tomé, 2015: 6, Rogeiro, 2014: 191N198 e Pinto, 2015: 102.

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DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS

163

Num Mundo de referências difusas, fenómenos como o Wahhabismo, ou o

Salafismo19 e os fundamentos teocráticos do EI, apresentam princípios claros e

muito simples de seguir: os homens não podem nunca interpretar o que foi

ditado por Deus (Alá) e tudo o que é preciso saber está no Corão e na Suna.

Ainda por cima, muitos dos proponentes destas leituras restritas do Islão, como

os Irmãos Muçulmanos de Hassan alNBunna em 1928 e continuado por Sayyid

Qutb, acabaram por ser assassinados (em 1949 e 1966) e transformados em

mártires. Como de mártires se fala hoje quando os combatentes recordam e

homenageiam AlNZarqawi (o grande líder do agora EI), de Ossama BinNLaden

(da alNQaeda) ou de Mullah Omar (dos Talibãs). Tal como a morte de líderes de

vulto, como os líderes originais do islamismo xiita, Ali e Hussein no século VII,

criou mártires e inspiradores intemporais20. Matar lideranças nunca foi eficaz

para erradicar o fundamentalismo islâmico, talvez, até pelo contrário, tenha

ajudado a criar mártires e movimentos de expressão alargada.

As obras sobre os movimentos literalistas que foram sendo escritas constiN

tuemNse como referências importantes e demonstram que os fenómenos extreN

mistas a que assistimos são tudo menos acidentais ou simplesmente, conjunturais.

Qutb escreveu Marcos Miliários, que se constituía num forte ataque aos sistemas

políticos seculares. AlNZarqawi, a grande referência do agora EI, por exemplo,

baseavaNse nos estudos do fundador do salafismo, o xeque Abu Muhammad alN

Maqdisi, que afirmava que um Estado que não seguisse uma governação comN

pletamente em linha com a Sharia seria um ”regime infiel”. Também se apoiava

nos textos de Abu Musab alNSuri, um livro de 1.600 páginas, intitulado “Um

chamamento à resistência Islâmica”, que entre outras ideias sugeria o uso de

lobos solitários21 como forma de espalhar ao máximo os ataques em muitas

regiões do globo (num conceito que defendia como o de uma resistência sem

líder). Mais relevantes ainda serão os textos de Abu Bakr Naji, escritos em 2004,

um tratado de 113 páginas, intitulado (tradução para inglês) de “Management of

Savagery: The most critical stage through which the Ummah will pass”. Este

texto estabelece objetivos e metas que vale a pena reproduzir para melhor

entendermos os fenómenos associados ao terrorismo islâmico jihadista das

últimas duas décadas:

19 Tomé, 2015: 5; Salafismo é um movimento fundamentalista islâmico que acredita na adesão estrita ao Islão tal como creem ter sido praticado por Maomé (Stern, 2015: 11). 20 De igual forma, manter em prisão, simplesmente, também ajudou a criar líderes ainda mais fanáticos com mais seguidores: “o tempo que passaram na prisão aprofundou o seu extremismo e ofereceuNlhes a oportunidade aumentarem o número de seguidores”, Stern, 2015: 57. 21 Ver ataques por lobos solitários em Tomé, 2015: 19.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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1. Perturbação e exaustão: durante a qual os atentados terroristas prejudicam

a economia das potências inimigas e desmoralizam as populações;

2. Gestão da selvajaria: uma fase de resistência violenta, com ênfase na reali,

zação de atos violentos muitíssimo visíveis, com a intenção de enviar uma

mensagem tanto aos aliados como aos inimigos;

3. Tomada do poder: o estabelecimento de regiões controladas pelos jihadis,

tas que possam, subsequentemente, crescer e unir,se com vista à recriação

do califado” 22.

Os líderes destes movimentos não são, como muitos fazem parecer, desesN

perados ou analfabetos. Tal como os suicidas que foram contra as torres

gémeas em 2001, a maioria das lideranças da alNQaeda e do EI, são instruídos e

muitos têm origem em classes informadas, esclarecidas e protegidas23. Gozam

também de uma legitimidade reforçada por se declarem descendentes da tribo

do profeta (Abu Omar e Abu Bakr, que lhe sucedeu, declararamNse “quaraychi,

isto é, membros da tribo do profeta Maomé”24).

“Guerra das Civilizações? É isso que o Estado Islâmico quer e é isso que a

ignorância e a estupidez dos ocidentais lhe estão a dar”25. O objetivo do EI passa

por “purgar traidores, chacinar militares, impor a sharia, ganhar território, enfra,

quecer soberanos e aliados, condicionar a economia e os fluxos energéticos,

criando o caos interno e a anarquia regional”26. Como defendemos, em obra

publicada com António José Telo, o objetivo imediato passa por criar e manter

o caos, conduzindo a uma guerra de caos, que levará, anseiam os proponentes,

ao atingir dos grandes objetivos teleológicos27.

Os exemplos de Estados que se transformaram em Estados Frágeis, que

viveram ou vivem guerras civis, continuam em muitas destas regiões, como a

Síria, hoje praticamente dividida em quatro (com uma grande parte do EI e

outra dos movimentos que o combatem), a Líbia dividida pelo menos em duas

(também com forte presença do EI), do Iraque, com pelo menos quatro áreas

distintas (duas sunitas, sendo uma do EI, uma xiita e outra curda), a Somália (em

22 Stern, 2015: 37, 45N47. 23 “Os tipos no topo são gestores muito hábeis”, Stern, 2015: 59. 24 Tomé, 2015: 2; Pinto, 2015: 243 e 248. (Jaime Nogueira Pinto dá vários exemplos dos líderes do EI, muitos antigos altos responsáveis do Iraque de Saddam Hussein: “o ex,presidente Izzat Ibrahim al,Dourigeneral Azhar al,Obeidi, governador de Mosul, general Ahmed al,Rashid, governador de Tikrit (…) Abu Muslim al,Trkmani, comandante militar do ISIS para o Iraque, tenente,coronel da Inteligência militar Iraquiana, Abu Ali al,Anbari, para a Síria”. 25 Pinto, 2015: 278. 26 Lima, 2015: 227 e também Rogeiro, 2015: 54N58. 27 Telo & LPires, 2013.

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DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS

165

muitas partes), o Mali, o Líbano, o Níger e a Nigéria (que continua dividida, pelo

menos, em duas partes, sendo uma a extinta república do Biafra, “resultado de

uma guerra civil que causou entre um e três milhões de mortos”28), a República

CentroNAfricana e o Iémen (que nunca deixou de estar, no mínimo, divido em

dois). Se não são frágeis, muitos estão fragilizados, como a Tunísia e a Argélia, o

Kuwait e o Bahrein, ou mesmo a Arábia Saudita (onde têm ocorrido tumultos e

ataques nos últimos dois anos) e a Jordânia29.

A Síria é um exemplo que junta o que queremos explicar, onde o povo sofre

brutalidades tanto pelas mãos dos radicais como do próprio governo (basta

lembrar as lamentáveis cenas de tortura sobre adolescentes ou o uso de armas

químicas) e é um país que se tornou mais frágil pelo crescimento de ameaças

externas e internas, por força de secas continuadas e migrações forçadas, pela

entrada e saída descontrolada de refugiados nas últimas décadas, que entrou

em guerra civil porque se tornara mais frágil ou que ficou mais frágil porque

entrou em guerra civil30.

O EI passa a sua mensagem e tem uma base territorial (na Síria e no Iraque),

porque recruta adeptos dentro da região em que atua mas, também, em todos

os pontos do globo. Não importa analisar apenas a eficácia da sua mensagem

(se as decapitações provocam adeptos, se é a “oferta” de esposas ou escravas, se

é o espírito de missão religioso ou se é o anúncio de uma sociedade mais justa,

equilibrada e simples de perceber). Mais importante é tentar perceber porque

se deixam tantos influenciar por estas mensagens, ou seja, o que lhes falta no

espaço onde vivem para os levar a querer partir para o EI. Esse é o grande

desafio. Até porque a mensagem do EI para os cidadãos dos países ocidentais

dirigeNse principalmente aos quadros melhor preparados e não, simplesmente,

aos que muitos consideram ser apenas os desesperados, ou militantes ávidos de

se empenharem numa qualquer ideologia que os preencha. As palavras do líder

do EI, Abu Bakr, não podiam ser mais claras: “apelamos especialmente aos aca,

démicos, (…) juízes, pessoas com competências militares, administrativas e de

serviços, médicos e engenheiros”31.

Quando o EI conquistou a grande cidade de Mossul no Iraque, com base

numa preparadíssima máquina de comunicação, conseguiu gerar mais de

40.000 tweets num único dia. Entre os que receberam as mensagens, alguns,

28 Fukuyama, 2014: 307. 29 Fukuyama, 2014: 11N12; Simons, 2007; “antes que a Jordânica seja a próxima vítima” Lima, 2015: 56 e 229 e Stern, 2015: 62. 30 Que presenciou, afinal, a primeira capital do EI, no seu próprio território, a cidade de Raqqa (Stern, 2015: 63 e 67). 31 Stern, 2015: 112 e Rogeiro, 2015: 97N118.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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demasiados, estavam dispostos a juntaremNse e a jurarem Bayah (lealdade comN

pleta a um líder, seja ele da alNQaeda, dos Talibãs, do BokoNHaram ou do EI),

compromisso esse que raramente conhece retorno. A lealdade estabeleceNse

entre pessoas e líderes mas, mais importante, entre líderes de organizações e

líderes de outras organizações: Ossama jurou Bayah a Mullah Omar; o Boko

Haram da Nigéria, o Abu Sayaf das Filipinas, o AlNShabab da Somália e alguns

Talibãs juraram ao EI. Quando juram lealdade, o EI atribui às vastas regiões do

Mundo onde essas organizações são estabelecidas o estatuto de suas futuras

províncias (wilayat). Nestes espaços, os que existiam e os que poderão vir a

existir, preparam a geração seguinte. Em escolas rudimentares, denominadas

de “campos Sharia”, ensinaNse a única versão possível de vida dum cidadão do

EI, incluindo técnicas de decapitação (praticadas em bonecas pelos jovens), a

matar com ritual e com sofrimento, a punir, a chicotear, a saber lidar com

mulheres e com escravos, a diferenciar no tratamento os verdadeiros muçulmaN

nos dos apóstatas32. É explicado que escravatura é permitida, “em The revival of

slavery before the hour o autor explica que as mulheres politeístas e pagãs

podem e devem ser escravizadas”33, que a violação é autorizada e que as execuN

ções são incentivadas. Nada do que assistimos é inocente e involuntário, está

escrito, está descrito nas únicas fontes autorizadas e é repetido, à exaustão, aos

seguidores. O caminho de retorno é difícil. Esperar compreensão e atitudes

humanitárias de quem passa por estas etapas é não entender a força da radicaN

lização construída e que se alastra.

“Se há alguma coisa que devíamos ter aprendido com os erros que comete,

mos, quer no Iraque quer na Líbia, é que um Estado falhado é o pior de todos os

resultados possíveis”34. Na obra que escrevemos em 2014, defendemos “o tem,

po” como um fator essencial para se obter o comando holístico da guerra e

garantir estabilidade depois de intervenções externas35. O Iraque precisava “de

três décadas” para se criar um Estado estável, dizNnos Stern e Berger. Talvez

mais, dizem muitos dos analistas em 2015. O problema principal da Líbia é que

nem sequer “tem um Estado”, ou seja, não há uma autoridade reconhecida em

todo o território36. O tempo que não foi dado para fazer o que deveria ter sido

feito multiplicouNse em efeitos negativos pela pressa com que se fizeram as coiN

sas mais erradas e provocatórias, muito difíceis de emendar agora e, a somar

32 Tomé, 2015: 15N18 e Stern, 2015: 190, 211, 214, 216 e 245N248. 33 Stern, 2015: 251. 34 Stern, 2015: 276. 35 LemosNPires, 2014. 36 Fukuyama, 2014: 12.

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DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS

167

aos erros seculares e repetidos que temos descrito, serão cada vez mais difíceis

de resolver.

Com base nestes exemplos escolhidos, do EI à Síria e à Líbia, ao Iraque e ao

Líbano, entre outros que brevemente aflorámos, pretendemos demonstrar que

as causas para a criação de Estados Frágeis ou Falhados e a origem de guerras

civis, nem sempre se explicam pela análise de fatores mensuráveis e visíveis. Ao

nos cingirmos a estes poucos exemplos, deixaramNse de fora casos de guerras

civis com partes perfeitamente identificáveis, como nos séculos XIX e XX as:

dos EUA, da Costa Rica, de El Salvador, de Angola, de Moçambique, da GuinéN

Bissau, da República Centro Africana, da Guiné Equatorial, da Grécia, de EspaN

nha, ou mesmo a portuguesa. Estados Frágeis e Falhados háNos em várias

regiões do Mundo e as causas são variadas e não generalizáveis, como o Haiti

na América do Sul ou a República do Congo, a Serra Leoa e o Sudão do Sul em

África, mas nem todas as guerras civis ocorrem em Estados Frágeis nem a conN

dição de Estado Frágil leva, inevitavelmente, à ocorrência de guerras civis. Não

esgotámos a análise nem as perspetivas, mas chegámos onde queríamos cheN

gar, ao entender as ameaças e riscos que se escondem entre, aparentemente,

outros que são visíveis e mais citados. Chegámos ao intangível porque fomos

investigar as causas e as consequências, na memória e na dimensão social e

humana.

DDDDO TANGÍVEL AO INTANGO TANGÍVEL AO INTANGO TANGÍVEL AO INTANGO TANGÍVEL AO INTANGÍVELÍVELÍVELÍVEL

Ameaças intangíveis crescem dentro da sociedade e, tal como com a compaN

ração anterior que fizemos do cancro, sabemos, no entanto, que quando detetado

em tempo e antes de se espalhar (metástases), há uma grande probabilidade de o

poder vencer. Uma sociedade forte e saudável precisa de confiança e de identiN

dade sustentada. Para ser saudável tem de ter estabilidade, emprego, orgulho e

futuro. É muito isso, aquilo que nos tem faltado com as últimas crises na EuroN

pa, em especial, em Portugal. Entre muitos exemplos podemos referir o desemN

prego, “de 2002 a 2013 desapareceram 700 mil empregos”, em Portugal e na

Europa a situação é preocupante “em fevereiro de 2015 existiam 18 milhões de

pessoas desempregadas na zona euro (…) mais de metade desempregada há

mais de um ano”37. NasceNse menos e viveNse até mais tarde e repensamNse os

sistemas de segurança social. Em Portugal, como em muitos outros países

37 Garrido, 2015: 89, 92N93.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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europeus, a população decresce por via da diminuição de nascimentos38 e, além

disso, ainda emigra. Os gastos com a segurança social são enormes, represenN

tando mais de 25% de todo o P.I.B. Valores estes que ameaçam continuar a

crescer39. ViveNse mais, mas há menos juventude e, pelo contrário, cresce a soliN

dão e o isolamento social.

ViveNse com mais incerteza e com mais indiferença. AgudizamNse os fenóN

menos de anomia social, referidos por Émile Durkheim, em que cada vez mais,

há milhares de cidadãos que não sentem, nem encontram objetivos sociais e

coletivos com significado existencial (o enfraquecimento das normas sociais).

Ou abundam os niilistas, desapegados de referências coletivas. Ou crescem os

perigos da mundanidade: “receamos mais perder o nosso lugar no sofá, espe,

cialmente o que fica mesmo em frente à televisão, do que perder a liberdade ou a

dignidade”40.

ComunicaNse à distância e comunicaNse frequentemente, aparentemente

criandoNse comunidades muito fortes, mas na essência sem haver um conheciN

mento pessoal. São as redes sociais ao serviço de grupos que se podem tornar

extremistas, ou simplesmente não aderentes da sociedade onde fisicamente

vivem. ViveNse num determinado país mas comungamNse ideias ou princípios de

organizações julgadas superiores (mais importantes que a sua Pátria) ou, simN

plesmente, viveNse num país sem se sentir que se faz parte dele. Há demasiadas

pessoas que são capazes de agir em conjunto mesmo sem se conhecerem e

muitas que influenciam milhares sem nunca terem tido contacto41.

Intangível é a situação em que se vive, no país onde se vive, no continente

que temos. A Europa parece, nas palavras de Eduardo Lourenço, “sem qualquer

coerência, não apenas política, como cultural, nem sentido identitário” e sofre o

grave risco, acrescenta, de não ser “ninguém, senão nostalgia de si mesma e

museu de sonhos exóticos do Mundo inteiro”42. Não podemos ignorar as ameaN

ças à nossa estabilidade por nos parecerem desprovidas de força direta. Não

podemos também ignorar as repetidas ameaças a Roma e aos cruzados, espeN

cialmente a partir dos radicais do EI, pelas razões históricas apontadas (as refeN

rências à Roma do Papa, literalmente expressas em várias passagens dos

38 Em Portugal, no último semestre de 2015 aumentou, cerca de 1500 a mais que em 2014, mas continuaNse a registar um número de óbitos superior ao dos nascimentos. 39 “Em Portugal, os gastos públicos de pensões, assistência, subsídios sociais e de saúde representam cerca de 25% do PIB”, Félix, 2015: 105. 40 Cruz, 2015: 139. 41 Stern, 2015: 97. 42 Lourenço, 2015: 152.

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DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS

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Hadiths43), pela determinação demonstrada dos combatentes que as proferem,

pela invocação apocalíptica de destruição mas, acima de tudo, pela aceitação

que criam em terras europeias ou em comunidades ávidas de referências e de

objetivos maiores pelos quais viver e lutar. O contrário duma anomia social é

uma motivação espiritual e efetiva, incluída em organizações estruturadas e que,

aparentemente, dão sentido ao que antes nada era.

Vivemos numa cultura, europeia e ocidental, demasiado materialista, egoN

cêntrica, sem objetivos coletivos abrangentemente aceites, sem vontade de

defesa e segurança coletiva, sem identificação maior. Convivemos com casos de

corrupção que parecem não ter fim, sentimos as crises nas relações socias das

populações, entre as próprias famílias, no fundo, em tudo o que sabemos de

tangível. Há tendências que podemos medir e interpretar diretamente. Sabemos

que o fenómeno da metropolização está em crescimento, bem como que existe

um exponencial aumento das pressões migratórias ou que vivemos em espaços

mais amplos e, teoricamente, partilhados por todos: os céus, os oceanos, o

espaço e o ciberespaço. Mas saberemos antever o que cada um destes fenómeN

nos provoca na essência civilizacional que nos forma e formou, ou seja, na

suposta estabilidade dos Estados e Instituições que nos governam e acolhem?

O que significam os micropoderes de que nos fala Naím no livro referido?

Qual a verdadeira dimensão da decadência política que nos apresenta Francis

Fukuyama na sua recente obra? Quais os verdadeiros efeitos da corrupção na

confiança que os cidadãos sentem pelas instituições? O que significam a comuN

nicação global e o acesso global a meios de comunicação e redes sociais? Qual o

verdadeiro poder das religiões, das novas religiões e da profusão de seitas? O

que significa viver com mais desigualdade social num Mundo que tem mais

ricos, por menos tempo, menos classe média e um fosso agravado para as clasN

ses mais desfavorecidas? Deveríamos estar a dar respostas e não a levantar

questões mas estes exemplos apenas têm como finalidade o aferir das dimenN

sões de análise, para lá da aparente leitura estatística de determinados fenómeN

nos. Porque muito do que vivemos hoje é novo e nem tudo se pode ir aprender

na história.

Por exemplo, encontramos hoje, as primeiras gerações ocidentais que declaN

ram, ao contrário das anteriores, que gostariam de viver como as gerações dos

seus pais e avós. Temos hoje sociedades inteiras que vivem sem causas, sem

ideologias a defender, sem aparente interesse em objetivos coletivos e humaniN

tários. Este fenómeno, embora não sendo completamente novo (já gregos e

43 Hadith, no plural, ahadith, são histórias sobre a vida de Maomé, nem todas confirmadas enquanto a Suna, são os preceitos registados por Maomé (Stern, 2015: 8 e 11).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

170

romanos se queixaram do mesmo na época mais grave da sua decadência) é um

dos danos colaterais causados em países onde há mais do que duas gerações se

vive em democracia e em sociedades igualitárias, pelo menos de jure.

OOOOS S S S RRRRISCOS ISCOS ISCOS ISCOS IIIINTANGÍVEIS NO ESPAÇONTANGÍVEIS NO ESPAÇONTANGÍVEIS NO ESPAÇONTANGÍVEIS NO ESPAÇO GEOPOLÍTICO OCIDENT GEOPOLÍTICO OCIDENT GEOPOLÍTICO OCIDENT GEOPOLÍTICO OCIDENTALALALAL

Em primeiro lugar temos a dimensão interna (dentro do Estado). Sabemos

como o conceito de família se alterou nas duas últimas gerações em inúmeros

países. Mas saberemos os efeitos que têm na sociedade a convivência destes

inúmeros modelos de família, sem família ou, simplesmente, de existência indiN

vidual? Não pomos em causa, nem podíamos, as várias formas de constituir

família mas, numa sociedade milenar, que se baseou na sua estruturação proN

gressiva, duma base de família para a de bandos, tribos, sociedades complexas

e, finalmente, Estados, podemos afirmar que ainda não estão determinadas

todas as consequências da alteração da fundamentação base da sociedade. A

des,família pode ser um risco se não estudado e mensurado em todas as suas

vertentes, sem moralismos e julgamentos, mas de uma forma abrangente, comN

pleta e descomplexada.

Já referimos, e reforçámos, o risco associado a uma crescente anomia social.

Quais os objetivos aglutinadores das novas gerações, o que faz mover ou torna

indiferentes milhares de cidadãos, porque razão se abandonam Estados aparenN

temente bem organizados para se juntar a movimentos fanatizados, ou porque

muitos se recusam a defender o bem comum de todos? São intangíveis os efeiN

tos da anomia social mas é bem relevante a falta de vontade de identificação

coletiva e a ausência de um espírito de defesa em tantas das sociedades ocidenN

tais, nomeadamente, as europeias (em Portugal apenas 28% declaram estar

dispostos a morrer pela Pátria44).

A xenofobia aumenta quando crescem movimentos migratórios e este será

um outro risco intangível a analisar, porque é difícil medir se continuará a cresN

cer e em que medida poderá alterar políticas de Estados, diretamente ou, de

forma indireta, através da eleição de partidos mais extremados e nacionalistas.

Por isso incluímos o risco da xenofobia como dentro dos intangíveis. O aumento

de migrações, o fim de viagens e turismo entre regiões (como o exemplo claro

da diminuição de turistas para a margem sul do Mediterrâneo), os atentados em

44 http://zap.aeiou.pt/soN28NporNcentoNdosNportuguesesNlutariaNpelaNpatriaN59125 (consultado em 05 de agosto de 2015).

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DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS

171

solo ocidental, a diminuição do emprego, a guetização de comunidades inteiras,

etc., agudizam e exponenciam fenómenos xenófobos e racistas.

Hoje também temos menos empregos porque a tecnologia o permite e viveN

mos mais tempo. Mas saberemos o que fazer com tantos jovens sem emprego e

com tantos reformados sem ocupação? As duas franjas representam dois terços

da sociedade e nem o sistema social está preparado para esta nova realidade

nem as sociedades estão estruturadas para acolher novas distribuições do traN

balho, da reforma, da desocupação e ocupação do tempo, da produtividade e da

contribuição efetiva para o bem comum. A desocupação forçada pelo desemN

prego e o pouco aproveitamento que fazemos dos mais seniores nas sociedades

evoluídas é um risco intangível na edificação futura da nossa sociedade.

Na dimensão externa destacaríamos a relevância que têm as memórias e a

história de povos, nações, grupos e pessoas. Um país tende a olharNse quando

foi grande e não quando foi pequeno, sublimamNse as memórias de grandeza,

na dominação de áreas maiores e apoucamNse, ou seja, ignoramNse deliberadaN

mente, os momentos na história de sujeição e subalternização45. Muitos querem

as suas fronteiras maiores, quando no passado se compunham de mais territóN

rios, e, esses territórios, porque pertencem a outros, estão permanentemente

ameaçados, não diretamente, mas de forma intangível, pelo desejo que persiste,

pela vontade que ficou, pelo rancor que não se perdeu. Mais do que um risco,

pode eventualmente ser uma ameaça intangível porque pode não estar ativa,

mas, enquanto dormente, pode aparecer num momento de oportunidade.

As pressões geopolíticas não desaparecem com a imposição de fronteiras.

Vimos como o tratado SykesNPicot (no final da Grande Guerra 1914N1918) não

alterou a forma como os povos das nações que viviam naqueles territórios manN

tiveram vontades distintas dos Estados que lhes foram impostos. Exemplos

destes persistem em todo o Mundo, desde os curdos aos coreanos, dos bascos

aos escoceses. As pressões geopolíticas estarão sempre presentes, mesmo que

de forma apenas intangível.

Uma ameaça externa pode ser simbolizada no poder de um determinado líder,

seja na Alemanha ou na Itália da II Guerra Mundial ou mesmo no EI ou na Coreia

do Norte nos dias de hoje. A vontade de uma só pessoa pode mudar o comporN

tamento de um ou mais povos e esse fator, demonstraNnos a história, é uma ameaça

intangível que apenas a análise cuidadosa de cada caso, de cada líder revolucioná,

rio, em cada momento, nos poderá preparar para os efeitos não desejados.

45 “Entre 1878 e 1914,a Europa acrescentou cerca de 13 milhões de quilómetros quadrados às suas possessões coloniais, reivindicando espantosamente o controlo sobre 84,4% da superfície terrestre do planeta”, Fukuyama, 2014: 399.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

172

Da mesma forma que nunca poderemos quantificar precisamente o poder de

ideias e religiões, uma vez que variam no tempo, no momento e no conteúdo.

Observámos o poder que as interpretações literalistas do Islão têm tido nos

últimos dois séculos e como ameaçam agora enormes regiões globais, mas não

sabemos os efeitos que podem vir a existir de novas ideologias ou movimentos.

É intangível, podem ser apenas riscos e nunca ameaças mas, como vimos,

podem ter um poder fortíssimo e influenciar milhões.

Por último, refereNse o domínio global do intangível. O tempo em que viveN

mos não confere o tempo necessário para nos ajustarmos às dramáticas alteraN

ções impostas pela tecnologia e evolução científica. Chamamos a este risco a

vertigem do tempo porque, como sociedade, deixou de haver tempo para lidar

com o desaparecimento brusco de profissões, de instrumentos, de meios, de

práticas, etc. A robotização e a IA criam enormes potencialidades e perigos46, a

tecnologia renovaNse a intervalos cada vez mais estreitos e, num curtíssimo espaN

ço de tempo, vertiginosamente, pode tornar hoje obsoleto um equipamento ou

uma prática que ainda no passado era inovação e espanto. A sociedade precisa de

tempo para se organizar mas o tempo da inovação é, nos nossos dias, demasiado

rápido para permitir avanços e ajustamentos calculados e progressivos.

Estamos numa 3ª vaga de democratização (Samuel Huntington atribui o seu

início à revolução dos Cravos – 25 de abril de 19174 – em Portugal)47 e sentimos

que vivemos uma generalizada crise de valores. Não é um problema local ou

regional, é uma questão global e intangível porquanto apenas se relaciona com

conceitos subjetivos do que se entende por valores. “Os burocratas passaram a

estar mais interessados na proteção do seu orçamento e dos seus empregos do que

no cumprimento eficiente dos seus mandatos (…) mais motivados pela remunera,

ção do que pela missão (…) labirinto de regras e regulamentos que impedem o

desenvolvimento pessoal e abafam a criatividade (…) somos instintivamente con,

formistas”48. Há crise nos valores porque estão todos em causa, mas não se anteN

cipa ainda se evoluímos ou regredimos, se criamos novos ou simplesmente

abandonamos antigos. A ausência de referências, através de princípios e valores,

comungados e aceites por uma larga maioria de cidadãos, pode ser preocupante.

46 Many people fear a jobless future — and their anxiety is not unwarranted: Gartner, an inforNmation technology research and advisory firm, predicts that oneNthird of jobs will be replaced by software, robots, and smart machines by 2025. Artificial intelligence and robots are not just challenging blueNcollar jobs; they are starting to take over whiteNcollar professions as well. Financial and sports reporters, online marketers, surgeons, anesthesiologists, and financial analysts are already in danger of being replaced by robots.http://www.businessinsider. com/expertsNpredictNthatNoneNthirdNofNjobsNwillNbeNreplacedNbyNrobotsN2015N5 (consultado em 07 de agosto de 2015). 47 Fukuyama, 2014: 585Naím, 2014: 128. 48 Fukuyama, 2014: 625N630.

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DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS

173

Globalmente há hoje menos convívio entre cidadãos de partes diferentes

(afastadas) no Mundo. Parece um paradoxo com tanta emigração para a Europa

e para os EUA mas, no sentido contrário, por causa da abundância de Estados

Frágeis e Falhados, dos enormes perigos de rapto e ameaça, há cada vez menos

gente a visitar ou a trabalhar nestes espaços. Há menos militares, polícias, ONU,

ONGs e agências de informação em áreas gigantescas (como é o caso da região

subsaariana). Por causa das crises financeiras ajudaNse menos, vaiNse menos,

participaNse menos e nem as grandes empresas de media cobrem as desgraças

destas regiões: é muito perigoso trabalhar ou ajudar na Nigéria, no Darfur ou

na Somália, só para referir alguns exemplos. Há “menos Mundo no Mundo” e,

ainda por cima, aqueles de que mais se necessitava que ficassem nos países em

desenvolvimento são os que mais saem e emigram: trataNse das denominadas

“fugas de cérebros”. TrataNse, enfim, de uma generalizada ausência deliberada e

fuga de quadros qualificados.

Em síntese, elencámos então os seguintes riscos intangíveis no espaço geopoN

lítico ocidental: ao nível interno temos a des,família, a anomia social, a xenofobia e

a desocupação forçada; ao nível externo destacámos as memórias e a história das

nações, as pressões geopolíticas, os líderes revolucionários e o poder das ideias e

religiões; no nível global descrevemos a importância da vertigem do tempo, das

crises de valores e da ausência deliberada e fuga de quadros qualificados.

UUUUMA MA MA MA NNNNOTA OTA OTA OTA FFFFINALINALINALINAL

Há fatores que potenciam riscos e ameaças e há ameaças e riscos que, por

serem intangíveis, por vezes, não são atendidos nem entram nas grandes consiN

derações políticas e estratégicas dos povos. Alguns explicam o porquê da cresN

cente fragilidade dos Estados ou, mesmo, o de se chegar ao estatuto de Estados

Falhados. Porque são Estados fragilizados sofrem Guerras Civis mas, também,

muitas das Guerras Civis ocorreram em Estados fortes que tiveram divisões

profundas, por causas externas ou internas. Na base há razões tangíveis e

intangíveis. Falamos mais e analisamos mais o tangível, naturalmente. Teremos

de mudar.

Em pleno século XXI, encontramos um Mundo mais global e que requer

ações e respostas mais globais. No entanto, sofremos hoje, como nunca ocorreu

no passado, de uma maior dispersão do poder, de uma acentuada decadência

política com muito menos tempo para lidar com transformações profundas. As

mudanças e as consequências da ação e omissão humana são, atualmente,

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

174

demasiado intensas e dramáticas e, pela sua gravidade, não permitem tempo e

aprendizagem para evoluir ou responder melhor a uma próxima vez.

Não nos podemos dar ao luxo de ignorar a imensa dimensão das ameaças e

riscos que corremos, dos tangíveis e clássicos aos intangíveis e desconhecidos,

porque, provavelmente pela primeira vez na história da humanidade, desta vez

não teremos margem para tentar e errar de novo. O não atender, de forma

holística e complementar, a todos os riscos e ameaças, intangíveis e tangíveis,

levará a respostas incompletas, defeituosas e, se lidadas de forma ligeira, levaN

rão ao maior risco de se tornarem irreversíveis.

Como a política tutela a estratégia, ao existir uma maior dispersão das deciN

sões estruturantes de natureza política, obviamente, temos menos ação estratéN

gica e, logo, menos segurança. A solução será, como sempre, nossa, de todos,

da humanidade e de cada nação, de cada um. Basta não ignorar, assimilar as

múltiplas dimensões e enunciar o que se vê e o que não se vê, sem complexos e

demagogias. Precisamos de coragem coletiva.

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175

8888.... CCCCONFLITOS ONFLITOS ONFLITOS ONFLITOS RRRREGIONAIS EGIONAIS EGIONAIS EGIONAIS

ANTÓNIO ARNAULT MOREIRA

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

Em todos os tempos e em todos os lugares as comunidades politicamente

organizadas foram sempre capazes de encontrar motivos para que um desenten,

dimento de interesses degenere em situação conflitual, acompanhada de maiores

ou menores manifestações de violência. Porque a proximidade amplifica as sus,

ceptibilidades e favorece a projeção do poder, os conflitos regionais continuam a

ser o fenómeno mais comum no domínio das situações conflituais.

Podem enumerar,se diversas razões. Algumas parecem comuns a todos os

potenciais atores, como as razões da história ou as razões dos recursos, enquanto

outras, como as razões da segurança, parecem mais talhadas para os grandes

atores globais. Finalmente, as razões da doutrina são provavelmente aquelas que

geram as violências mais excessivas.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chavechavechavechave: Conflito, Regional, Geopolítica, Geoestratégia

EEEENQUADRAMENTONQUADRAMENTONQUADRAMENTONQUADRAMENTO

Desde os primórdios da vida humana em sociedade que a oposição de inteN

resses entre grupos politicamente organizados encontrou no conflito, e evenN

tualmente na violência armada, uma forma prática de resolver diferendos

resistentes ao impulso racional da negociação. A natureza humana transpôs

para o grupo social as mesmas tensões e instintos que caracterizavam o indivíN

duo. DiminuiuNse, desta forma, a probabilidade de um impulso individual gerar

um conflito, embora se tenha aumentado o grau de violência associado à sua

ocorrência.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

176

De pouco tem valido a teorização abundante sobre o conflito e a sua origem,

vertido em profusa obra filosófica individual e em doutrinas sociais, para erraN

dicar a violência entre as sociedades politicamente organizadas. Tampouco a

criação de instituições supranacionais vocacionadas para a prevenção e resoluN

ção de conflitos tem apresentado resultados extraordinários ou duradouros. A

História mostra que é sempre possível encontrarNse um motivo para que um

desentendimento de interesses degenere em situação conflitual, acompanhada

de maiores ou menores manifestações de violência.

Ao longo deste nosso capítulo procuraremos entender a dinâmica da violênN

cia no domínio regional da conflitualidade, interessandoNnos pelos seus fundaN

mentos, pelas condições particulares que encontramos nos cenários regionais e

pelas motivações que, nos possíveis níveis de atuação, os diferentes atores preN

sentes podem interiorizar.

EEEEM BUSCA DE UM CONCEIM BUSCA DE UM CONCEIM BUSCA DE UM CONCEIM BUSCA DE UM CONCEITOTOTOTO

A guerra clássica entre estados oferecia à análise conceptual polemológica a

enorme vantagem de apresentar como sujeitos da interação violenta entidades

politicamente organizadas, muito idênticas na forma de articulação interna do

estado, no entendimento do sentido do poder e nos princípios de utilização da

força como instrumento da alteração dos equilíbrios da ordem internacional.

Conforme densificaremos ao longo deste capítulo, a conflitualidade regional

contemporânea é bastante mais subtil, quer porque os atores são mais diversifiN

cados quer porque as formas dos conflitos são também menos transparentes.

Esta situação convida à formulação de um conceito de conflito compaginável

com a abrangência atual do exercício da conflitualidade e com a diversidade dos

potenciais atores.

Entenderemos conflito como um estado de excitação colectiva entre socieN

dades politicamente organizadas e com implantação territorial, desavindas por

interesses divergentes, e em que a possibilidade de erupção de fenómenos vioN

lentos é não despicienda.

Ao centrarmos o nosso conceito nas sociedades politicamente organizadas,

estamos claramente a introduzir no âmbito da nossa análise quer os tradicionais

Estados e as suas diferentes formas de associação, quer os grupos armados

com implantação territorial e base social de apoio. O nosso conceito exclui deliN

beradamente a luta política partidária, as reivindicações conjunturais de grupos

sociais ou profissionais e a actividade muito imprevisível das franjas políticas do

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CONFLITOS REGIONAIS

177

activismo, incluindo o terrorismo. Esta nossa preocupação com a implantação

territorial deriva da necessidade, para o conceito Regional que seguidamente

abordaremos, da existência de uma referência geográfica de aplicação do

fenómeno violento.

O conceito Regional, aplicado à conflitualidade, necessita inevitavelmente de

uma melhor delimitação. Com excepção da Grande Guerra e da Segunda GuerN

ra Mundial, nenhum outro conflito mereceu o epíteto de Mundial. Todos os

conflitos são então regionais?

Esta abrangência está longe de nos satisfazer. Para nós um conflito regional

é uma particularização geográfica dos conflitos, que obedece a um conjunto de

regras muito próprias e se desenvolve com uma dinâmica particular.

Entenderemos aqui Região como um espaço geográfico de dimensões subN

continentais, onde se desenvolvem fortes relações de interdependência positiva

ou negativa entre os seus membros e em que a situação particular de cada um

afecta globalmente os seus vizinhos. Neste conceito o Mediterrâneo ou a África

Austral constituem Regiões no sentido que aqui lhes conferimos. Em determiN

nadas localizações geográficas o mesmo país pode pertencer a mais do que uma

região (a Itália, por exemplo, pode ser vista como um país da região União

Europeia, ou como um país da região Mediterrâneo consoante o quadro geopoN

lítico de análise que tomemos como referência).

A delimitação necessária que colocámos ao precisar, para efeitos da nossa

análise, as noções de Conflito e de Região, ajudam agora a enquadrar de forma

mais clara o conceito de Conflito Regional que adoptamos.

Entenderemos por Conflito Regional um estado de excitação colectiva entre

sociedades politicamente organizadas que partilham a mesma região geográfiN

ca, desavindas por interesses divergentes de âmbito localizado e em que a posN

sibilidade de erupção de fenómenos violentos é não despicienda.

Acrescentámos a precisão dos assuntos serem de âmbito localizado por

forma a podermos excluir os epifenómenos de violência local que se constituam

apenas como tradução de um quadro mais global de confronto indireto entre

superNatores globais.

Procuremos a validação deste conceito promovendo o seu confronto com a

realidade conflitual. Verificaremos assim se delimitámos o perímetro conceptual

de uma forma suficientemente nítida, permitindo distinguir aquilo que é um

conflito regional daquilo que é apenas um conflito.

Vamos socorrerNnos de três casos históricos conhecidos, em três tempos

geoestratégicos diferentes e em três continentes.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

178

Comecemos pelo continente americano em pleno período da Guerra Fria

utilizando o episódio da crise dos mísseis de Cuba em 1962 e o conflito regional

EUANCuba.

Claramente é necessário distinguir o episódio da Crise dos Mísseis do confliN

to regional EUANCuba que se arrasta desde a revolução cubana de 1959 e que

apenas recentemente conheceu, já no final do mandato da administração ObaN

ma, o seu primeiro sinal de desanuviamento. O Conflito EUANCuba obedece

claramente às condições que elegemos para um conflito regional, pois os países

partilham a mesma região, os interesses contraditórios localizados são evidenN

tes desde o início de uma revolução que foi também dirigida contra os interesN

ses económicos norteNamericanos na ilha, e não faltou nem violência discursiva

nem económica durante todo o processo. Já o episódio da Crise dos Mísseis de

1962 não pode ser considerado como mais um episódio de um conflito regional:

TrataNse de uma manobra de natureza geoestratégica típica da Guerra Fria

entre as duas superpotências vencedoras da II Guerra Mundial, baseada na

localização avançada de uma base de lançamento de mísseis nucleares e na

significativa vantagem competitiva que a proximidade aos alvos conferia a uma

das partes.

Academicamente poderia admitirNse enquadrar a questão dos mísseis no

âmbito de um conflito regional entre os EUA e Cuba se se tivessem verificado,

simultaneamente, duas condições: Cuba tinha adquirido para a sua posse efecN

tiva arsenal nuclear e Cuba dispunha de autonomia de decisão para o emprego

deste arsenal. A crise dos mísseis de Cuba não é portanto o capítulo de um conN

flito regional mas um acontecimento quase trágico de um conflito continuado

entre superNpotências no quadro geoestratégico da Guerra Fria.

Como segundo caso em análise, foquemoNnos agora no Médio Oriente no

período pósNGuerra Fria e observemos a invasão iraquiana do Koweit e a subN

sequente Operação Desert Storm.

A 2 de agosto de 1990 tropas iraquianas invadem de surpresa o Koweit, que

é conquistado em 48 horas. A desproporção da força militar era evidente entre

o gigante Iraque e o pequeno Koweit e o desfecho da ofensiva dificilmente

poderia ter sido diferente.

Estamos aqui perante um conflito regional clássico: Estão em presença dois

países soberanos vizinhos, partilhando uma fronteira terrestre, com economias

fortemente dependentes da exploração de um mesmo produto.

Também as razões explícitas e implícitas são de natureza regional. O quadro

geral de partida resultava de uma relação muito complexa nascida da criação do

Koweit pelo império britânico, geobloqueando significativamente o acesso do

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CONFLITOS REGIONAIS

179

Iraque ao Golfo Pérsico. A esta imposição da geografia política acrescia a

denúncia de que o Koweit estaria a fazer perfurações oblíquas junto da sua

fronteira, abastecendoNse portanto na parte iraquiana do campo petrolífero de

Rumaila, para além da persistência de uma dívida de 14 mil milhões de dólares

resultante do apoio que o Koweit tinha dado ao Iraque durante a guerra IrãoN

Iraque e que o Iraque se mostrava incapaz de pagar. A todas estas razões

regionais acrescentavaNse ainda uma de natureza económica estratégica, com o

desentendimento entre Iraque e Koweit, em plena OPEC, sobre a necessidade

de redução da produção por forma a fazer subir o preço do petróleo e, conseN

quentemente, as receitas de que tanto necessitava o estado iraquiano.

A Invasão do Koweit pelo Iraque em agosto de 1990 aparece assim claraN

mente com as características de um conflito de natureza regional, já que os

atores são sociedades politicamente organizadas partilhando a mesma região,

existem interesses crescentemente divergentes na estratégia de produção e de

repartição de um produto essencial em que assentavam as respectivas econoN

mias, a que acresce uma base de geografia política propícia ao desenvolvimento

de desentendimentos

Em sentido contrário, a operação militar Desert Storm, desencadeada na

sequência da invasão do Koweit, não obedece ao nosso conceito de conflito

regional. Como sabemos, na sequência da Resolução 678 de 29 de novembro de

1990 do Conselho de Segurança das Nações Unidas autorizando o uso da força

para a reposição da soberania do Koweit, uma coligação internacional liderada

pelos EUA lançou, em 16 de janeiro, uma acção militar contra as forças iraquiaN

nas estacionadas no Koweit, tendo a operação terminado a 3 de março com a

expulsão das forças iraquianas e com a assinatura de um cessarNfogo. Este tipo

de acções, mandatadas pela comunidade internacional através de resoluções

das Nações Unidas, não se enquadra no nosso conceito de conflito regional.

Com efeito, a operação é um episódio violento ocorrido numa região bem locaN

lizada e com óbvias consequências na geografia do poder regional, mas não é

um conflito regional pois compagina o cumprimento de um mandato internaN

cional visando a restauração da soberania de um estado à luz da Carta das

Nações Unidas.

O terceiro caso que aqui analisamos é muito recente e permite clarificar o nosN

so conceito de conflito regional em ambiente estratégico contemporâneo. VejaN

mos o caso da Líbia, sacudida pelos ventos da primavera Árabe no início de 2011

e onde rapidamente se evoluiu para uma guerra civil e para uma intervenção

externa da NATO entre março e outubro desse mesmo ano. O desequilíbrio estraN

tégico interno provocado pela intervenção externa da coligação internacional ao

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

180

abrigo da Resolução 1973 de 17 de março de 2011 – que permitia a utilização de

todos os meios necessários à protecção da população civil, excluindo a ocupaN

ção militar – conduziu à eliminação física de Muammar Gaddafi, ao desapareN

cimento da unidade do estado e à fragmentação do poder em múltiplas milícias.

É interessante observar que este padrão contemporâneo parece ter uma repetiN

ção obsessiva: guerra civil – intervenção internacional – cansaço internacional –

retirada internacional – guerra civil.

Os períodos de guerra civil na Líbia são naturalmente abrangidos pelo nosso

conceito de conflito regional mas, mais uma vez, a intervenção de um conjunto

de países contra as forças leais a Khadafi, não é um conflito regional: É uma

intervenção armada, legitimada por uma Resolução do Conselho de Segurança

das Nações Unidas, destinada a proteger populações em risco. Não se trata aqui

de uma questão regional, mas de um dever moral, neste caso legitimado pela

Resolução 1973.

Procurámos, através de um conjunto de casos recolhidos em três tempos

estratégicos distintos, testar a solidez da periferia do nosso conceito. Estamos

agora em condições de avançar para o entendimento das razões particulares de

um conflito regional.

AAAAS S S S RRRRAZÕES INVOCADASAZÕES INVOCADASAZÕES INVOCADASAZÕES INVOCADAS

A enorme frequência com que surgem e a forma como se desenvolvem os

conflitos regionais tem por explicação simples a proximidade física entre interes,

ses divergentes. Por razões que adiante desenvolveremos, a proximidade geoN

gráfica parece favorecer a conflitualidade.

Sendo um catalisador de conflitualidade a proximidade não é, no entanto,

uma causa de conflitualidade. A questão central da conflitualidade reside na

divergência dos interesses prosseguidos. Alinhamos quatro principais divergênN

cias que se podem constituir como razões invocáveis para um conflito: as razões

da história, as razões dos recursos, as razões da segurança e as razões da doutriN

na. Estas divergências não pretendem nem ser mutuamente exclusivas, nem úniN

cas. Pode haver combinações de diferentes graus entre elas, ou com outras razões

muito particulares aqui não descritas. PareceNnos no entanto que, na esmagadora

maioria dos conflitos regionais, encontramos pelo menos um destes motivos na

fundamentação do fenómeno. Ao enumeráNlas e descrevêNlas não as estamos a

legitimar em face do Direito Internacional. Estamos apenas a identificáNlas

Page 205: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CONFLITOS REGIONAIS

181

como razões que a percepção de uma comunidade politicamente organizada

pode assumir como justificáveis em função dos interesses conflituantes.

Comecemos pelas razões da história. Para o processo histórico de construN

ção de uma sociedade politicamente organizada concorreram não apenas fatoN

res endógenos mas também um conjunto muito significativo de interações com

atores políticos externos e até com outras regiões. Muitas destas relações com

esses atores não foram pacíficas, como é normalmente o caso nas trocas

comerciais, mas resultaram de processos de conquista, de subjugação e até de

humilhação em que a eclosão de fenómenos violentos teve a primazia. Ora as

recordações destes fenómenos são quase perenes, também porque a sociedade

política as eleva frequentemente a comemorações festivas ou de pesar, mantendoN

as vivas na memória dos povos: Enquanto as potências vencedoras da II Guerra

Mundial comemoram o dia da vitória, os japoneses recolhemNse em silêncio em

torno da memória das vítimas das bombas de Hiroshima e Nagasaki.

Cerimoniais, mas também a narrativa histórica que nos é ensinada, o patriN

mónio monumental com que nos deparamos no diaNaNdia, a literatura de cariz

histórico e a arte, são alguns dos ingredientes que impedem que o esquecimenN

to colectivo das glórias e tragédias da comunidade seja uma tarefa possível de

realizar. A adição de todos estes contributos alimenta o subconsciente colectivo

de que cada comunidade é particular e é diferente das outras comunidades. Não

apenas cultivamos uma identidade própria como frequentemente estamos disN

poníveis para lutar por ela. A história estabelece portanto um mecanismo

inconscientemente diferenciador de percepção das realidades, que reforça

outros elementos diferenciadores mais específicos, como as fronteiras ou como

a cultura. Porque o processo de construção histórico envolveu, na maior parte

dos casos, algum tipo de conflitualidade entre vizinhos, deixou certamente deseN

jos colectivos de reajuste que podem ser explorados como instrumento de acção

política interna e externa.

No caso da anexação unilateral da Crimeia pela Federação Russa em 2014

misturamNse, entre outros fatores, elementos de uma conturbada história antiga

relativamente à posse daquela península, que a Rússia controlou durante pratiN

camente dois séculos, com uma história recente motivada pela revolução ucraniaN

na próNocidental Euromaidan que se desenvolveu a partir de novembro de 2013 e

de que resultou a fuga para a Rússia do presidente Viktor Yanukovytch em feveN

reiro de 2014. Este padrão é conhecido: É como se um pequeno detonador no

presente, desenterrasse os ressentimentos acumulados no passado, neste caso

desde que, em 1954 e no quadro das repúblicas socialistas soviéticas, Nikita

Khrushchev retirou a Crimeia da administração da Rússia e a entregou à Ucrânia.

Page 206: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

182

No subconjunto das razões históricas, as disputas sobre o traçado da fronN

teira são, provavelmente, as mais comuns. Com efeito é praticamente inglório

procurar no mapa político contemporâneo um estado que não esteja ressentido

com a sua fronteira contemporânea ou não exiba discordância relativamente ao

exercício da soberania sobre espaços geográficos confinantes.

Porque a fronteira é um limite geográfico formal para o exercício da soberaN

nia de um estado, todos os centímetros parecem contar. Portugal e Espanha,

por exemplo, não obstante estarem integrados num projeto europeu comum e

terem aderido em 25 de junho de 1991 ao Espaço Schengen, verificam todos os

anos a posição de uma percentagem significativa de marcos que assinalam o

traçado da fronteira, repondo aqueles que por razões naturais ou da incúria

humana foram desviados da sua implantação oficial. Ora, mesmo entre estes

países seculares e de fronteiras antigas N e recordamos que é no Tratado de

Alcanizes de 1297 que se estabelece o primeiro esboço de traçado de uma fronN

teira comum – persistem há duzentos anos divergências não sanadas relativas

ao território de Olivença. Mas não é apenas na fronteira terrestre que existem

divergências: Também o estatuto de rochedo ou de ilha a atribuir às Selvagens

constitui ponto de discórdia, que histórias de sobrevoos de aeronaves militares

e visitas presidenciais mantêm vivos na memória das duas nações ibéricas.

Mesmo entre nações mais recentes e entre países amigos, aliados e de velha

tradição democrática, como os Estados Unidos da América e o Canadá, persisN

tem divergências agudas sobre a soberania em algumas áreas contíguas –

nomeadamente as ilhas Machias Seal e North Rock – situação permanente e

propositadamente avivada pelos conflitos entre as comunidades piscatórias de

ambos os países.

A importância da fronteira no imaginário colectivo é indesmentível. O traçaN

do das fronteiras provoca uma formatação cultural distinta entre aqueles que

geograficamente e mesmo socialmente eram próximos. Aldeias gémeas em

lados diferentes da fronteira acabam por falar línguas diferentes, sintonizam

estações de televisão e rádio diferentes, pagam impostos diferentes, têm difeN

rentes sistemas de saúde e de apoio social. E quando estas comunidades se não

deixam assimilar por um dos estados vizinhos, constituem instrumento de conN

flitualidade latente de um estado sobre o seu vizinho.

Observemos agora as razões dos recursos. Estas razões estiveram largaN

mente presentes na justificação do processo de construção dos impérios, mas

constituem também causa importante na conflitualidade regional. É interessanN

te verificar que se trata de uma causa cuja importância é variável no tempo em

função do valor que cada recurso específico adquire em cada época histórica.

Page 207: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CONFLITOS REGIONAIS

183

De entre os recursos associados ao poder passámos, por exemplo, da seda para

as especiarias, para o ouro e a prata, para o carvão e o ferro, para os combustíN

veis fósseis e podemos encaminharNnos para a água doce e para as terras raras.

A posse e, quantas vezes a procura do monopólio destes produtos, tem sido um

sinónimo de poder ao longo de todo o percurso da humanidade. A dependência

que países desenvolvidos e países em vias de desenvolvimento continuam a ter,

por exemplo, dos combustíveis fósseis, orienta largamente a política energética

interna, condiciona a balança comercial e orienta políticas de alianças e visões

estratégicas sobre as realidades regionais e sobre o Mundo.

A desigual distribuição dos recursos essenciais no planeta coloca um foco de

pressão muito grande sobre as regiões onde estes bens essenciais existem e

constituem visivelmente um poderoso motor da conflitualidade regional.

Ainda em relação aos recursos, e numa perspectiva de médio prazo, a extenN

são das soberanias sobre as plataformas continentais e o seu reconhecimento

internacional no futuro será matéria de profunda dissensão regional, porque na

verdade não estamos apenas a traçar novas fronteiras. Estamos também a defiN

nir direitos sobre os recursos naturais existentes na plataforma continental,

embora excluindo a coluna de água.

Também as alterações climáticas e um eventual degelo no Árctico elevará o

patamar da conflitualidade naquela região do globo, quer pelas questões do

controlo dos acessos e da circulação, quer pelos importantes recursos que o

desaparecimento do gelo colocará disponíveis para exploração.

Observemos agora as razões da segurança, começando por admitir que as

questões da segurança são provavelmente as mais simples de admitir e as mais

complexas de circunscrever.

A garantia da segurança dos seus cidadãos é uma tarefa inalienável do estaN

do, pelo que é muito fácil invocar a questão da segurança para escalar os níveis

da conflitualidade. O que é complexo é perceber os limites que não devem ser

ultrapassados no relacionamento entre estados sem que a conflitualidade latenN

te possa escalar descontroladamente. Esta dificuldade assenta na incapacidade

de avaliação do sentimento de segurança de um estado e das suas populações e,

sobretudo, na determinação da capacidade de acomodação de uma potencial

ameaça. Existe uma enorme variabilidade nas linhas vermelhas em função da

conjuntura, pelo que uma mesma ação tomada em conjunturas diferentes pode

num caso ser acomodada e em outra conjuntura equivaler a uma ofensa a que

se não pode deixar de responder.

Page 208: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

184

As grandes potências mundiais são particularmente susceptíveis a aconteN

cimentos que perturbem ou ponham em causa a sua liderança nas áreas regioN

nais da respectiva proximidade.

Os Estados Unidos da América, que durante o seu processo de independência

e de expansão territorial inicial estiveram em guerra não declarada com a França

(1798N1800) e declararam guerra à Inglaterra (1812), ao México (1836) e à Espanha

(1898), têm um historial muito desenvolvido de intervenções no Pacífico, nas

Caraíbas e na América Latina, quer para garantir o afastamento da influência

europeia quer para garantir a proteção dos seus interesses e dos seus nacionais.

Se durante o período da Guerra Fria as razões da segurança nacional ameriN

cana eram perfeitamente imperativas e explícitas – impedir a tomada de poder

nos estados limítrofes por forças alinhadas com Moscovo, ou isoláNlas – é inteN

ressante verificar que as razões de segurança continuaram a pesar nas interN

venções regionais dos EUA mesmo depois do final da Guerra Fria. As

intervenções armadas no Panamá do General Manuel Noriega no final dos anos

80 e no Haiti no início dos anos 90 para a retomada do poder pelo presidente

eleito JeanNBertrand Aristide, procuraram estabilizar situações políticas comN

plexas naqueles estados. A intervenção armada norteNamericana no âmbito

regional parece alinhada com a ideia de que uma situação política instável é

favorável ao aparecimento de forças hostis aos interesses dos EUA na sua proN

ximidade geográfica. TrataNse claramente de intervenções em que prevalece

uma razão de segurança.

Uma forte indefinição geográfica sobre os limites naturais da nação russa

atravessa a história de uma sociedade política que se começou a formar por

volta do século IX e que cimentou o seu núcleo geohistórico entre Novgorod e

Kiev. Independente da forma de regime adoptado – principado, grandeNducado,

império, república socialista soviética, federação – o tema das suas fronteiras

constituiu sempre uma questão central. Na verdade poucas comunidades

conheceram tamanha variação das suas fronteiras ao longo da história como a

nação russa parecendo que, por ali, a geografia condiciona e orienta largamenN

te a acção política.

A indefinição dos limites a Ocidente e a Sul tem sido geradora de uma treN

menda instabilidade no relacionamento institucional regional com os seus viziN

nhos de cada época e muito condicionadora da liberdade de cada um desses

vizinhos em escolher orientações estratégicas próprias e alianças. Razões de

segurança têm sido repetidamente invocadas por Moscovo para manifestar aos

EUA e ao Ocidente o seu desagrado pela adesão à NATO, em 1999 e em 2004,

dos antigos países do Pacto de Varsóvia. Particularmente difícil de acomodar

Page 209: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CONFLITOS REGIONAIS

185

em Moscovo foi a adesão dos países bálticos à NATO nesse alargamento de 2004.

Não terá sido a possibilidade de um novo alargamento da NATO à Ucrânia a

verdadeira razão de segurança que despoletou a anexação da Crimeia em Março

de 2014? Para os russos tratouNse de uma reintegração de um território em que

quase 60% da população é russa, enquanto para a comunidade internacional se

tratou de uma grosseira violação da integridade da Ucrânia, acto contrário ao

direito internacional, injustificado e sujeito a procedimento sancionatório.

Parece evidente que, para a Rússia, as razões de segurança não se aplicam

exclusivamente aos interesses próprios do estado, mas se aplicam igualmente a

todas as numerosas comunidades russófonas e russófilas na periferia da FedeN

ração, em territórios onde se fixaram durante o período da União Soviética e

que hoje em dia são estados independentes. Estas comunidades, que foram

protegidas no quadro da URSS e que são agora frequentemente hostilizadas ou

ostracizadas pelos novos estados independentes, são uma fonte inesgotável de

problemas entre a Rússia e os seus vizinhos. Esta é uma questão particular da

Rússia, pois nem os EUA nem a China possuem, a esta escala, um problema

semelhante.

Ainda antes da dissolução oficial da URSS, em 26 de dezembro de 1991, já as

populações russas e ucranianas da Transnístria declaravam a sua independênN

cia em 2 de setembro de 1990, recusando a sua incorporação na Moldávia que

procurava romper com os laços eslavos e aproximarNse da tradição romena. As

tropas exNsoviéticas apoiaram militarmente os revoltosos da Transnístria crianN

do, de facto, um território independente e próximo de Moscovo.

Mais recentemente começa a tornarNse claro um padrão preocupante de

actuação da Rússia nos processos de conflitualidade com os seus vizinhos

regionais e que obedece, de forma genérica, à seguinte sequência: População

maioritariamente russa vivendo numa região de um estado vizinho à Federação

insurgeNse contra a ordem estabelecida – autoridades do estado vizinho fazem

avançar as forças armadas para controlar a rebelião – a população russa queiN

xaNse de tentativa de limpeza étnica – forças russas são deslocadas para a fronN

teira – população russa aparece armada e alguns combatentes operam

armamento russo sofisticado. Este padrão apresenta, na sua sequência, dois

desenvolvimentos possíveis: Ou as tropas da Federação atravessam a fronteira

e desencadeiam uma operação convencional de ocupação armada, ou uma

guerra híbrida, no conceito de Frank Hoffman, mostraNse suficiente para a

estabilização da frente de combate, garantindo tempo para uma solução política

de maior autonomia das populações russas ou para a criação de condições de

secessão e de incorporação nas fronteiras da Federação.

Page 210: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

186

São estas variações que encontramos, no primeiro caso, na operação militar

convencional levada a cabo por tropas da Federação nas repúblicas georgianas

da Abecásia e da Ossétia do Sul, em agosto de 2008, e que terminaram com a

declaração unilateral russa de incorporação destes territórios na Federação e,

no segundo caso, na rebelião próNrussa que desde o início de 2014 ocorre na

região de Donbass, no Leste do país.

Também no caso da China, a preocupação com a criação de um espaço geoN

gráfico de interesse estratégico na sua área regional não é surpreendente.

A China acordou relativamente tarde para o desenvolvimento da consciênN

cia de um perímetro geográfico de segurança. A forte presença colonial euroN

peia até ao início do século XX, as guerras sinoNjaponesas de 1894N95 e de 1937N

45 e, entre outras, as convulsões internas da República da China (1912N1949),

impediram que o gigante asiático dispusesse de condições políticas e militares

para olhar para as suas fronteiras de uma forma menos conjuntural e casuística.

Com a proclamação da República Popular da China por Mao TséNTung, em 1 de

outubro de 1949, a consolidação política do espaço geográfico continental perN

mitiu ao gigante asiático começar a olhar de forma geoestratégica para o seu

enquadramento regional. A incorporação do Tibete em 1950 e a breve guerra

com a Índia em 1962 para reclamar soberania sobre as regiões himalaicas de

Aksai Chin e de Arunachal Pradesh são, e continuam a ser, exemplos de confliN

tualidade de natureza regional que se podem enquadrar neste domínio das

razões de segurança. Razões de segurança, mas também de recuperação de

prestígio histórico, ditaram igualmente a passagem pacífica de soberania para a

China dos territórios de Hong Kong em 1997 e de Macau em 1999. Podemos

dizer que a China atinge o século XXI com as suas fronteiras continentais conN

troladas, não obstante ter de, por um lado, utilizar a Coreia do Norte para manN

ter a Coreia do Sul e a presença norteNamericana na península sempre em

sobressalto e, por outro lado, auxiliar militarmente o Paquistão para manter

uma incómoda pressão sobre a Índia, o outro gigante asiático.

É muito natural que, consolidadas ou equilibradas as suas pretensões de

segurança terrestre, a China olhe agora com maior interesse para o Mar, para a

Formosa certamente como parte do seu imaginário de reunificação, mas sobreN

tudo para o Mar da China Meridional, já que para norte Japão e Coreia do Sul

limitam as suas possibilidades de expansão. O crescimento económico impresN

sionante da China, transformada em complexo industrial da globalização,

acrescentouNlhe uma enorme dependência de bens energéticos e de matériasN

primas e o Mar da China Meridional constituiNse como porta de entrada e de

saída que o gigante asiático não pode deixar de controlar. Nada parece poder

Page 211: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CONFLITOS REGIONAIS

187

conter a ambição chinesa em estabelecerNse como poder efectivo nesta zona,

quer pela afirmação da soberania sobre as Ilhas Paracel – parte delas conquisN

tadas aos nacionalistas chineses em 1950 e as restantes em 1974, ao Vietname –

quer as reivindicações sobre as Ilhas Spratly, onde a China ocupou algumas das

cerca de 30000 ilhas e recifes e onde se encontra a construir estruturas artificiais

com potencial de utilização militar, como no recife de Fiery Cross.

Onde continua a faltar poder naval, sobra à China paciência estratégica e

ambição. O início de construções aeroportuárias e de apoio ao poder naval e

aéreo nesta primeira linha do cordão insular que liga o Japão ao estreito de

Malaca, não nos deve deixar dúvidas sobre a determinação chinesa em alargar

o seu perímetro de segurança no Mar da China Meridional, mesmo que tal

constitua fonte de conflitualidade intensa com os seus vizinhos regionais e fonte

de preocupação acrescida para os Estados Unidos da América.

Esta nossa análise aos problemas de segurança próxima dos EUA, da Rússia

e da China tem a virtude de nos recordar que o conceito de conflito regional

não é exclusivo das pequenas e médias potências, mas um fenómeno universal

que a todos, embora cada um com as suas razões específicas, diz respeito.

Observemos, finalmente, as razões da doutrina. Tal como cada ser humano

se constitui como uma individualidade no seu sistema de crenças, também as

sociedades politicamente organizadas incorporaram, no seu longo processo de

formação, sistemas de valores mais ou menos próprios que esgrimem quando

se trata de anunciar o que as diferencia das outras. Nestas razões de doutrina

podemos incorporar quer as divisões filosóficas e económicas sobre a organiN

zação das sociedades, divisões que alimentaram a Guerra Fria alinhando o

Mundo Comunista e o Mundo Liberal em blocos militares antagónicos, quer as

guerras de natureza étnica como as que entre Hutus e Tutsis provocaram, em

1984, cerca de 800 mil mortos no Ruanda, quer as persistentes guerras da reliN

gião que acompanham a marcha da Humanidade há mais de dois milénios.

A violência que acompanha os conflitos alimentados por razões de doutrina

parece ser superior à que acompanha conflitos alimentados por outras razões,

porque se exaltam e se agitam diferenças entre convicções como se estas fossem

inconciliáveis e só pudessem ser ultrapassadas pela aniquilação dos adversários.

Por detrás destas bandeiras se escondem, por vezes, outros atores interesN

sados em alimentar a desagregação dos poderes instituídos. O Irão não deixa

hoje de apoiar declaradamente a rebeldia das comunidades xiitas no Médio

Oriente, nem a Arábia Saudita deixa de dar o seu claro apoio às comunidades

sunitas. Sob o manto da disputa religiosa se escondem, tantas vezes, disputas

pela hegemonia regional.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

188

FFFFATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORES E FATORES ATENUADOR E FATORES ATENUADOR E FATORES ATENUADOR E FATORES ATENUADORESESESES

Uma vez analisadas as principais razões para a conflitualidade regional,

importa agora verificar dois efeitos com influência contraditória: A distância

geográfica e o tempo decorrido.

A proximidade estimula a conflitualidade. A partilha de uma mesma região

por dois ou mais atores políticos proporciona uma permanente e mútua obserN

vação das acções praticadas e uma avaliação continuada da forma como das

acções do outro resultam perturbações do interesse nacional prosseguido por

cada um. As susceptibilidades acrescidas que resultam da proximidade têm

mais facilidade em identificar como hostil a mesma acção conduzida por um

vizinho do que por um estado nos antípodas. Até porque, como anteriormente

vimos, a história liga em malha muito fina os países vizinhos aumentandoNlhes o

grau de susceptibilidade. Se bem que a conflitualidade esteja longe de se resN

tringir ao emprego da força armada, a disponibilidade material e capacidade

militar de uma crise poder evoluir para uma confrontação armada confere

maior relevância aos patamares menos violentos da conflitualidade, como os

protestos diplomáticos ou as sanções económicas. Porque praticamente todas

as sociedades politicamente organizadas dispõem de capacidade de projeção de

força através de uma fronteira terrestre comum, o conflito regional é a forma de

conflito mais comum. Com efeito, são escassos os países que têm capacidade de

projeção de uma força militar por via marítima ou aérea. Esse tipo de projeção

implica normalmente uma capacidade de transporte aéreo e marítimo de natuN

reza estratégica, instrumentos caríssimos e raríssimos. Implica também a capaN

cidade de encontrar bases de apoio próximas do local de aplicação da força

militar, para além de uma liberdade de ação internacional que capacite a manoN

bra política e diplomática necessária à sustentação da ação militar. Resulta de

todos estes condicionalismos que, provavelmente com exceção dos EUA, da

Rússia, da França e da GrãNBretanha, os restantes países do Mundo apenas

podem individualmente conduzirNse no âmbito da conflitualidade regional.

Pode também conceberNse um conflito regional em que o núcleo da força se

encontra a uma distância geográfica considerável. Como seria de esperar, o

aumento da distância de aplicação da força leva a uma deterioração dessa capaN

cidade, quer pelo trânsito logístico que obriga a operar, quer pela necessidade

de utilizar forças para garantir a segurança das linhas de comunicações. É

paradigmático o conflito que entre Argentina e a GrãNBretanha eclodiu, entre 2

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CONFLITOS REGIONAIS

189

de abril de 1982 e 14 de junho de 1982, no teatro de operações das FalkN

land/Malvinas – Geórgia do Sul N Ilhas Sandwich do Sul e que causou quase um

milhar de vítimas entre duas nações modernas e ocidentais.

A perceção Argentina era a de que a distância LondresNPort Stanley era

suficientemente grande para evitar ou limitar o emprego do potencial militar

britânico, que era claramente superior ao potencial militar argentino. Dito de

outro modo, o fator distância funcionava como um equilibrador dos potenciais

militares. E assim é, mas no caso deste conflito particular a Argentina pareceu

desvalorizar o facto de que mesmo a menor distância que a separava da área de

operações era, ainda assim, suficiente para tornar o conflito eminentemente

aeronaval e, portanto, favorável ao potencial britânico.

O tempo decorrido desde os factos históricos que originaram a situação de

conflitualidade parece ter um efeito contrário ao da proximidade, isto é, o temN

po ajuda a cicatrizar feridas e a diminuir o potencial de conflitualidade entre

povos. Se nos lembrarmos das histórias cruzadas de violência que entre portuN

gueses e almorávidas – e depois almóadas – se desenvolveram no século XII e

início do século XIII no quadro histórico da reconquista e dos feitos de armas

nacionais no Norte de África iniciados com a conquista de Ceuta em 1415 e

prolongados até ao século XVI, temos de reconhecer que o tempo operou milaN

gres nesta relação tão antiga entre Portugal e o Norte de África. Hoje esforçaN

moNnos por manter os sinais de uma presença passada, cuidamos deles com

orgulho, sentimoNnos enriquecidos pelos legados culturais que nos foram deixaN

dos por outras civilizações que dominaram os nossos antepassados. O tempo

cicatrizou as feridas deixadas pela guerra, lavou o sangue das muralhas dos casteN

los, empalideceu as violências praticadas e deu um novo esplendor aos vestígios

culturais que de um lado e de outro foram deixados em jeito de memória.

AAAA CATEGORIZAÇÃO DOS CATEGORIZAÇÃO DOS CATEGORIZAÇÃO DOS CATEGORIZAÇÃO DOS AAAATORESTORESTORESTORES

Num conflito regional podemos encontrar uma diversidade de atores muito

significativa. Comecemos por referir como primeira categoria de atores, os

Atores Locais, sociedades politicamente organizadas e desavindas quanto aos

seus propósitos regionais e que constituem o elemento de base deste sistema,

pois é entre elas que se constroem as razões da conflitualidade e sobre elas que

se desenvolvem as consequências mais dramáticas de um eventual emprego da

violência. A prossecução de uma estratégia coerente de conflitualidade, isto é o

alinhamento consequente de ações que permite atingir os fins políticos com o

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

190

menor conjunto de recursos empregues e com o menor risco de violência,

implica naturalmente a existência de apoios políticos, diplomáticos, económicos

e eventualmente militares de atores exteriores ao conflito e de cujo desfecho

podem vir a beneficiar. Na longuíssima guerra que envolveu diretamente dois

atores locais, o Iraque e Irão, entre setembro de 1980 e agosto de 1988, foram os

apoios externos aos contendores, nomeadamente em material militar, que perN

mitiram transformar este conflito regional numa das guerras mais longas do

período pósNguerra fria.

A análise deste conflito mostraNnos que a passagem da conflitualidade latenN

te à conflitualidade declarada e ao eventual emprego da violência armada obeN

dece a uma lógica progressiva, ainda que eventualmente concentrada no tempo.

Na ausência de um facto ou uma decisão singular que possa ser percecionada

como a ultrapassagem de uma linha vermelha motivadora de uma resposta

violenta, os conflitos latentes podem escalar rapidamente quando uma das parN

tes perceciona um momento de fraqueza no outro ator. A perceção de que o

potencial estratégico de um adversário atravessa um momento de crise, pode

ser o elemento determinante para fazer evoluir a conflitualidade latente para o

conflito violento contra o adversário. No caso da guerra IraqueNIrão as clivaN

gens antigas entre povos persas e povos árabes, acentuadas pelas clivagens de

uma liderança xiita e de uma liderança sunita proporcionavam, desde logo,

elementos potenciadores de uma conflitualidade latente. A revolução iraniana

de 1979, um ano que começou com a partida para o exílio de Reza Shah Pahlavi

e que terminou com a ascensão ao poder de Ruhollah Khomeini, foi de imediato

compreendida como uma ameaça séria à estabilidade do Iraque governado pela

minoria sunita e também como um momento de natural caos no estado iraniano

em face da alteração muito profunda das suas elites dirigentes, chefias militares

e convulsão social. Tal como na sequência da revolução francesa em que as

monarquias europeias entenderam que quanto mais rápida fosse a sua interN

venção maiores oportunidades de sucesso teria a manobra militar, também

Saddam entendeu que o início da revolução islâmica provocara uma diminuição

da capacidade estratégica do Irão. Esta confusão entre potencial estratégico e

capacidade estratégica conjuntural acabou por ficar amargamente visível para

Saddam quando, pouco tempo após o início do conflito, as forças iraquianas

foram detidas pelos iranianos.

Nos conflitos regionais, a exploração por cada actor local das fraquezas de

coesão interna do seu adversário constitui uma manobra paralela que não tem

sido dispensada. O Irão apoiou diretamente os rebeldes curdos contra Saddam

enquanto o Iraque tentou virar os iranianos árabes contra Khomeini. Este conjunto

Page 215: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CONFLITOS REGIONAIS

191

de manobras indiretas utilizando populações insatisfeitas contra os respectivos

poderes soberanos instituídos, conduziu a violências de estado contra populaN

ções dissidentes, o que contribui para incendiar ainda mais a conflitualidade já

existente. Os curdos e a população de religiosidade shia foram particularmente

vítimas desta violência de estado perpetrada durante a guerra IraqueNIrão.

No caso do conflito IraqueNIrão, os dois atores locais dispunham de apoios e

de potencial estratégico equivalente, que conduziu a uma prolongada guerra,

bastante estática e muito mortífera, mas nem sempre os atores locais são equiN

valentes do ponto de vista do potencial estratégico e do poder que podem gerar

conjunturalmente.

No caso do conflito RússiaNGeórgia, já aqui referido, estamos também

perante atores locais, não obstante a desproporção de forças entre contendoN

res. Era portanto previsível o desfecho da significativa invasão militar de 8 de

agosto de 2008 por terra, mar e ar. A 12 de agosto a maioria das operações

militares russas estava concluída. A desproporção entre forças militares é uma

das razões para a rapidez com que as forças militares russas ocuparam a OsséN

tia do Sul e a Abecásia; a outra é a da contiguidade de fronteiras, fator que

anteriormente estudámos, e que permite que o ponto de aplicação da força

militar esteja muito próximo da base de poder e, por essa razão, não sujeito à

erosão da distância.

Uma consequência tragicamente duradoura da conflitualidade regional,

para além dos efeitos imediatos da destruição física e do sofrimento humano, é

o brutal endividamento dos atores locais, criando fortes dependências de natuN

reza estritamente financeira, que se podem reflectir em orientações de alinhaN

mento estratégico ou ideológico. EstimaNse que só o financiamento feito pelo

Kuwait ao Iraque, por ocasião da guerra IrãoNIraque tenha ascendido a mais de

21 mil milhões de dólares e que a incapacidade iraquiana para pagar esta dívida

possa ter sido uma razão não despicienda para a invasão do Kuwait em 1990.

A segunda categoria de atores no quadro de uma conflitualidade regional,

são as potências geopolíticas regionais. Estas potências só possuem poder geoN

político e geoestratégico no nível regional se se conseguirem constituir como

atores muito activos no quadro da atenuação ou resolução dos conflitos que

ocorram na sua área geopolítica/geoestratégica de influência.

FazemNno porque o reconhecimento internacional do seu estatuto de potênN

cia regional também se mede pela influência que podem ter na organização do

diálogo político dentro espaço geográfico onde se inserem. Quando falham

nesta dimensão da organização do diálogo intrarregional podem estar sujeitas a

riscos não negligenciáveis para o seu estatuto. Um deles é o aparecimento de

Page 216: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

192

atores externos ao contexto regional que ocupem este lugar de articulador das

dinâmicas da região e o outro é a evolução da conflitualidade regional para o

patamar da violência armada, justificando intervenção de outros atores fora de

área. No caso de uma intervenção militar externa, a presença de forças armadas

estranhas à região pode alterar a relação de potenciais que existia anteriormenN

te e colocar em causa o estatuto das potências geopolíticas regionais.

É interessante notar que estes atores são relativamente raros na comunidade

internacional pois necessitam de um conjunto de capacidades e de especificidaN

des muito próprias: Devem dispor de uma dimensão geográfica importante no

quadro regional em que se inserem, devem deter capacidade militar respeitável,

devem constituirNse como organizador comercial dinamizando as trocas intrarN

regionais, deter autonomia política face aos grandes atores globais e serem

capazes de manter aberto canais de diálogo com os principais atores do seu

quadro regional.

Estados com estas características são identificáveis em algumas regiões do

Mundo, enquanto em outras regiões a dinâmica das relações internacionais não

permitiu a afirmação de atores com este perfil.

Na América do Sul, o Brasil goza de todas as características enunciadas,

procurando activamente manter os atores globais fora das grandes questões do

subcontinente. No contexto da África Austral a República da África do Sul posN

sui também muitas destas capacidades e características. Na Europa o eixo BerN

limNParis tem sido a voz organizadora da arquitectura regional (tendo aliás sido

relevante a posição muito afirmativa da Chanceler Merkel opondoNse à política

de equilibrar o conflito Rússia – Ucrânia inundando de armamento aquela

região). No Médio Oriente é muito difícil identificar uma potência com as caracN

terísticas apontadas. Até 2008, a Turquia dispunha de um conjunto de caracteN

rísticas interessantes para jogar um papel importante como moderador

regional, pela sua localização e dimensão geográfica e estratégica, por ser um

estado muçulmano que mantinha boas relações com Israel, por ser membro da

NATO e se estar a aproximar de uma adesão à União Europeia. A invasão israeN

lita da Faixa de Gaza entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009 deteriorou

seriamente as relações entre a Turquia e Israel. Por outro lado a deriva religiosa

do Governo de Erdogan e as incursões turcas contra os curdos do PKK, acresN

centaram duas dificuldades adicionais ao reconhecimento do estatuto de potênN

cia geopolítica regional a que a Turquia poderia aspirar.

À medida que caminhamos para oriente, mais dificuldade encontramos em

identificar potências geopolíticas regionais. A Índia, pela localização e dimensão

geográfica e estratégica, poderia constituirNse como um desses atores, mas a

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CONFLITOS REGIONAIS

193

tensão potencial que mantém com o Paquistão e com a China na delimitação da

fronteira comum, prejudica a sua afirmação como potência geopolítica regional

no Índico.

Finalmente no ExtremoNOriente e na Oceania apenas se visualizam dois

estados, o Japão e a Austrália, com dimensão para liderar uma articulação geoN

política do espaço regional, mas faltamNlhes outras capacidades essenciais.

O Japão continua a pagar naquela zona o preço de ser recordado como

potência agressora da II Guerra Mundial. Acresce a falta de consenso interno

para se dotar de um instrumento militar credível.

Já a Austrália possui uma excentricidade geográfica e um alinhamento com

as posições ocidentais que a prejudica na organização do espaço geopolítico

que a rodeia.

Não existem portanto muitas potências geopolíticas regionais, estados capaN

zes de organizar as dinâmicas de relacionamento intrarregional. A ausência

desta moderação favorece uma transição mais rápida da retórica da conflitualiN

dade para a conflitualidade violenta no domínio regional.

Uma terceira categoria de atores nos conflitos regionais são os atores nãoN

estatais.

Neste grupo muito heterogéneo, podemos encontrar atores de clivagem e

atores oportunísticos Os atores de clivagem têm aspiração a constituir um estaN

do, seja pela tomada de poder do estado que combatem, seja por um processo

de secessão independentista de parte desse estado. Dispõem normalmente de

força militar como prolongamento de uma força moral e necessitam de apoio

popular, quer como base de recrutamento, quer como base de apoio político. Já

os atores oportunísticos tendem a ganhar protagonismo e poder pela ausência

de um estado forte. SentemNse confortáveis com a ausência de um estado de

direito, fazendo valer a força como instrumento de poder. A força é um objectiN

vo em si mesmo e não apenas um meio de ascender ao poder do estado. Vivem

bem sem lei nem enquadramento jurídico. Preferem os correligionários aos

cidadãos. A pirataria no Índico ou as mafias que na Líbia controlam o tráfico

humano de seres humanos para a Europa, são um claro exemplo desta terceira

categoria de atores.

Uma quarta categoria de atores na conflitualidade regional é representada

pelos grandes atores globais, como os EUA, a Rússia ou a China. Naturalmente

que, como estados, também eles se podem comportar como atores locais, como

aliás vimos anteriormente. No entanto, quando os colocamos nesta categoria, o

que aqui pretendemos mostrar é que, como observadores atentos da conflituaN

lidade contemporânea, não lhes é indiferente o resultado dos desequilíbrios de

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

194

poder que podem resultar das conflitualidades regionais. A sua influência munN

dial jogaNse em todos os tabuleiros à escala global, mesmo nos mais pequenos

tabuleiros regionais.

A China, porque lhe falta ainda capacidade de projecção de poder armado,

tem jogado nos tabuleiros económicos e na cooperação militar, mas já entre os

EUA e a Rússia, o final da Guerra Fria não constituiu mais do que uma pequena

pausa no relacionamento competitivo destes dois superNatores nos tabuleiros

regionais. O atual conflito na Síria, que se iniciou como uma guerra civil e que

evoluiu para o envolvimento crescente de atores locais, de atores oportunísticos

e de atores globais é o exemplo de uma conflitualidade regional que o jogo gloN

bal estratégico transformou numa tragédia humanitária de proporções dantesN

cas. Até ao Verão de 2015 estavam estimados cerca de 200 mil mortos e mais de

4 milhões de refugiados. As ondas sísmicas provocadas por esta catástrofe na

fronteira da Europa acabaram por ecoar com estrondo quando a vaga de refuN

giados chegou à Europa e nela provocou divisões e linhas de fractura tão iniN

magináveis que colocam em causa os seus princípios fundadores.

O conflito na Síria é portanto paradigmático das repercussões que pode ter

uma conflitualidade regional não resolvida no seu tempo próprio. As condições

iniciais para que o conflito regional na Síria se desenvolvesse com o fragor que

agora testemunhamos eram muito claras e derivavam de um conjunto muito

significativo de interesses divergentes, quando mesmo não inconciliáveis. A

Europa viu na revolta civil da Síria um prolongamento das revoltas da primaveN

ra árabe, que tanta esperança e idealismo alimentaram entre as elites europeias.

Para a Europa, o regime de Bashar alNAssad personificava mais um velho regiN

me corrupto e absoluto que as populações, armadas com os seus telemóveis

sintonizados nas redes sociais, iriam substituir. Para a Turquia e Israel, a Síria

era um sério adversário com capacidade de projetar poder que importava

refrear. Para os Estados Unidos da América a Síria representava um quisto

sobrevivente da Guerra Fria em pleno Médio Oriente que a conjuntura permitia

extrair. Para a Rússia a Síria representava o seu grande aliado no Médio OrienN

te, um cliente para a indústria de defesa e uma base de apoio geoestratégico

seguro no Mediterrâneo e no Médio Oriente. Para Assad um regime de pendor

pouco religioso era a melhor forma de preservar um difícil equilíbrio num

mosaico étnico e de credos em que a Síria assenta – com Alauitas, Cristãos,

Curdos, Xiitas e uma maioria Sunita afastada do poder.

Quatro anos depois do início das manifestações civis que a 15 de março de

2011 se iniciaram em Damasco e depois se propagaram a duas dezenas de cidaN

des, pedindo reformas do regime, o conflito evoluiu para uma confrontação

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CONFLITOS REGIONAIS

195

generalizada em que o número de grupos e facções internas e externas se mulN

tiplicou assustadoramente. Todos os grupos parecem ter encontrado no territóN

rio sírio uma oportunidade de afirmação do seu poder. De um lado temos o

Exército sírio apoiado pelas milícias da Força de Defesa Nacional, pelas milícias

cristãs, pelas milícias alauitas do Shabiha, por combatentes libaneses do HezN

bollah, pela ajuda militar iraniana, pelos conselheiros russos e respectivo equiN

pamento militar sofisticado, enquanto do outro lado encontramos o Exército

Livre da Síria (FSA), a Coligação Nacional da Síria, a frente islamita de orientaN

ção sunita alNNusra, os combatentes curdos e outros grupos rebeldes com afiN

liações conjunturais, para além do apoio aéreo e de armamento fornecido pela

coligação liderada pelos EUA que tem encontrado imensa dificuldade em

encontrar aliados moderados de confiança neste universo de facções combatenN

tes. E temos ainda o autoproclamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante

(ISIL), que conquistou rapidamente espaço às tropas de Assad e que apenas a

partir do Outono de 2015 parece estar a perder algum fôlego em função das

acções aéreas da coligação liderada pelos norteNamericanos e do crescente

envolvimento russo em apoio das forças de Assad.

Encontramos portanto neste conflito quer atores internos sírios com aliN

nhamentos diferentes, que atores provenientes de estados vizinhos que pretenN

dem moldar o desfecho do conflito de acordo com os seus interesses de

segurança ou de influência, quer atores de clivagem como o ISIL para quem a

os vazios de poder favorecem a sua manobra de expansão territorial, quer os

grandes atores internacionais para os quais o desfecho do destino do regime de

Assad é o ponto determinante no tabuleiro de xadrez do Mediterrâneo Oriental

e do Médio Oriente. Neste conflito em que os múltiplos interesses dos atores

internos da Síria, se entrecruzam com os interesses dos estados regionais viziN

nhos, do autoproclamado Estado Islâmico e dos grandes atores globais, passáN

mos, em 5 anos, de uma guerra civil para um conflito regional e fixámoNnos

agora num paradigmático jogo global entre os EUA e a Rússia sobre o regime

do presidente Assad.

Para a Rússia, não é tanto a lealdade a Assad que interessa. O que Moscovo

não pretende abdicar é do seu ponto de apoio naval e aéreo na Síria que lhe

permita maior liberdade de movimentos no Mediterrâneo e no Médio Oriente.

Para Moscovo, uma solução negociada que permitisse substituir Assad por um

governo que continuasse a garantir a presença russa na Síria poderia ser aceiN

tável. Já para os Estados Unidos o Estado Islâmico é um epifenómeno que será

combatido no seu tempo próprio, não devendo o Ocidente deixar escapar a

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

196

oportunidade para substituir Assad e diminuir a presença russa numa área tão

importante estrategicamente.

O cinzentismo europeu perante a tragédia que se vive na Síria é paradigmáN

tico da sua incapacidade em se afirmar no tabuleiro geoestratégico global. Vai

pagar por isso um preço elevadíssimo, a começar pela vaga telúrica de refugiaN

dos, pela proliferação das fronteiras de arame farpado, pelas restrições aos

movimentos de pessoas e pelo reforço dos partidos xenófobos e nacionalistas.

A prazo é todo um projeto europeu que estará a ser colocado em causa.

Finalmente uma quinta categoria de atores na conflitualidade regional é

representada pelos atores institucionais, a começar pelas Nações Unidas, as

organizações regionais de paz e segurança, como a OSCE ou as organizações

regionais de segurança e defesa colectiva, como a NATO.

A OSCE parece andar desaparecida desde o final da Guerra Fria. Já a

NATO, depois de um período em que pareceu constituirNse como um braço

armado efectivo ao serviço das resoluções das Nações Unidas para os conflitos

regionais, parece agora regressar às suas preocupações originais da confrontaN

ção LesteNOeste, com a aprovação em 2014 do NATO Readiness Action Plan, na

Cimeira de Gales, e a realização, em 2015, do Exercício Trident Juncture.

RestaNnos hoje, em relação às organizações internacionais com relevância

para a resolução ou contenção da conflitualidade regional, as Nações Unidas. A

sua criação é uma resposta da comunidade internacional à tragédia das duas

guerras mundiais que dilaceraram a Humanidade. Logo no primeiro parágrafo

do seu preâmbulo assegura a determinação colectiva de salvar as gerações futuN

ras da tragédia da Guerra. Se é verdade que conseguiu evitar, nestes 70 anos de

existência, uma terceira confrontação militar generalizada, muitas dificuldades

tem apresentado na prevenção dos conflitos regionais e na sua resolução.

Depois de uma época gloriosa de actuação dos capacetes azuis e que coinciN

de largamente com o final da Guerra Fria (20 operações de manutenção de paz

entre 1989 e 1994), o número de missões e de efectivos nessas missões tem vindo

a decair progressivamente. Na atualidade apenas 16 missões estão no terreno.

Os conflitos regionais têm vindo a diminuir? Não. As Nações Unidas é que

têm encontrado menos espaço para actuar na conflitualidade contemporânea,

quer porque os atores estatais e as coligações de interesse se têm sentido com

maior liberdade de acção para a utilização do instrumento militar, quer porque

as Nações Unidas foram desenhadas para uma realidade internacional baseada

nas entidades estatais e muitos dos conflitos regionais contemporâneos posN

suem atores que não dispõem de lugar na Assembleia Geral em Nova Iorque.

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CONFLITOS REGIONAIS

197

Será muito interessante verificar se se confirma o que parece ser uma tenN

dência atual da agenda das Nações Unidas, mais orientada para as questões do

desenvolvimento económico e social dos povos e da dignidade humana do que

para as questões da segurança e da paz internacional.

CCCCONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES

Em todos os tempos e em todos os lugares as comunidades politicamente

organizadas foram sempre capazes de encontrar motivos para que um desenN

tendimento de interesses degenere em situação conflitual, acompanhada de

maiores ou menores manifestações de violência.

Porque a proximidade amplifica as susceptibilidades e favorece a projeção

do poder, os conflitos regionais continuam a ser o fenómeno mais comum no

domínio das situações conflituais.

Podem enumerarNse diversas razões. Algumas parecem comuns a todos os

potenciais atores, como as razões da história ou as razões dos recursos,

enquanto outras, como as razões da segurança, parecem mais talhadas para os

grandes atores globais. Já as razões da doutrina, exacerbando diferenças e

promovendo o ódio ao outro, são provavelmente aquelas que geram as violênN

cias mais excessivas.

A conflitualidade regional não é um exclusivo dos atores locais e regionais.

Os grandes atores globais são, também eles, atores locais na sua periferia próN

xima, condicionando pela manobra políticoNdiplomática e, se necessário pela

intervenção armada, as opções de política externa ou de orientação interna dos

seus vizinhos.

Não existe e, na verdade se diga também nunca existiu, uma solução mágica

para a resolução dos conflitos regionais. Sabemos que quando não controlados

no seu tempo próprio podem assumir dimensões dantescas, como no caso da

Síria, um conflito que nasceu numa guerra civil, se internacionalizou pela interN

venção dos atores regionais, se densificou em complexidade pelo aparecimento

de atores oportunísticos e de clivagem e se transformou em tabuleiro determiN

nante no jogo de forças que EUA e Rússia atualmente travam no Mediterrâneo

Oriental e no Médio Oriente.

Em face da atual debilidade do sistema internacional, e com particulares

responsabilidades das Nações Unidas, em controlar os conflitos regionais

emergentes, podemos afirmar que a Paz Perpétua continua adormecida no

domínio dos mitos.

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199

9999.... CCCCIBERAMEAÇAS E QUADROIBERAMEAÇAS E QUADROIBERAMEAÇAS E QUADROIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS LEGAL DOS CONFLITOS LEGAL DOS CONFLITOS LEGAL DOS CONFLITOS

NO CNO CNO CNO CIIIIBERESPAÇO BERESPAÇO BERESPAÇO BERESPAÇO

PAULO FERNANDO VIEGAS NUNES

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

O ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico, registado ao longo das

últimas três décadas, contribuiu decisivamente para massificar a utilização da

Internet à escala mundial. O ciberespaço, só acessível através da internet, tornou,

se um verdadeiro mediador das relações sociais e um motor do desenvolvimento

económico dos países mais desenvolvidos. Se por um lado, este novo espaço

virtual veio promover e simplificar a relação entre cidadãos, administração públi,

ca e empresas, por outro, passou também a assumir um papel central na presta,

ção de serviços essenciais e críticos para o funcionamento das sociedades da Era

da Informação.

Assumindo,se como um global common, o ciberespaço não tem fronteiras

físicas e espaços de soberania perfeitamente definidos, tornando difícil diferen,

ciar o que é público ou privado, civil ou militar, nacional ou internacional. Apro,

veitando as dificuldades de regulamentação daí decorrentes, surgem novas

ameaças emergentes que exploram formas de atuação inovadoras e pouco tradi,

cionais, de características virtuais e cada vez mais ligadas ao ciberespaço. Tanto o

número de ciberataques como a sua capacidade disruptiva, têm vindo a registar

um crescimento acentuado ao longo dos últimos anos. Num Mundo em rede e

hiperconectado, este novo espaço global tem,se vindo a converter num vetor

privilegiado para a realização de ataques contra indivíduos, empresas, redes

públicas ou privadas, infraestruturas críticas ou mesmo contra os próprios pro,

cessos e sistemas de governação eletrónica do Estado. Surgem desta forma

novos riscos sociais que têm de ser convenientemente analisados e geridos tanto

no plano nacional como internacional.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

200

O aumento da ciber,conflitualidade em geral e a crescente militarização do

ciberespaço em particular, potenciam o uso da força e a ocorrência de conflitos

armados no ciberespaço. Esta situação, requer um esforço concertado da comu,

nidade internacional, capaz de fazer convergir e promover o ajustamento das

várias legislações nacionais, de forma a facilitar o combate ao cibercrime e redu,

zir o nível da ciberconflitualidade mais violenta. A tomada de consciência coletiva

relativamente às vulnerabilidades existentes, ao aumento das ciberameaças e aos

riscos daí decorrentes, tem assim conduzido ao desenvolvimento de políticas e

estratégias cooperativas de combate a todas as formas de ataque cibernético e ao

aprofundamento de uma cultura de cibersegurança e ciberdefesa.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,Chave:Chave:Chave:Chave: Internet; Ciberespaço; Ciberameaças; Cibersegurança; Ciberde,

fesa; Uso da Força; Direito dos Conflitos Armados no Ciberes,

paço.

IIIINTERNETNTERNETNTERNETNTERNET:::: EEEEVOLUÇÃO E VOLUÇÃO E VOLUÇÃO E VOLUÇÃO E PPPPERSPETIVAS ERSPETIVAS ERSPETIVAS ERSPETIVAS FFFFUTURASUTURASUTURASUTURAS

Quando a Internet foi criada nos anos 1960, o desafio então colocado pelo

Departamento de Defesa à Advanced Research Projects Agency (ARPA)1 dos

EUA, era o de criar uma rede suficientemente fiável e flexível para garantir a

sua disponibilidade em condições de operação extremamente difíceis. Para

aumentar a sua resiliência e capacidade de sobrevivência foi então decidido

adotar uma gestão completamente distribuída da rede, sem que fosse possível a

um único terminal controlar os acessos e as interações dos seus utilizadores.

Tendo como preocupação fundamental a garantia da disponibilidade e fiabiliN

dade da rede, os aspetos ligados à segurança da informação não mereceram

grande preocupação, uma vez que inicialmente o número de utilizadores era

relativamente reduzido e se encontrava maioritariamente ligado à comunidade

académica.

Na década de 90 do século passado, a utilização da Internet generalizouNse e

assumiuNse como motor do desenvolvimento tecnológico, construindo novos

processos de interação à escala planetária. Quando nos ligamos à internet, pasN

samos a estar ligados a uma rede de cobertura mundial (World Wide Web ,

WWW). Neste contexto, o espaço físico perde significado e a comunicação passa

1 A ARPA viria mais tarde a dar origem à Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA).

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CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO

201

a ser apenas dirigida pelo tempo de interação, num espaço virtual a que atriN

buímos a designação de ciberespaço.

A procura crescente de serviços de informação e de comunicações de maior

largura de banda levaram, ao longo dos últimos anos, à construção de infraesN

truturas capazes de suportar um débito cada vez mais elevado de transmissão

de dados, fazendo surgir as designadas “autoestradas da informação”. Estas,

pela sua importância estrutural, constituem hoje um fator de desenvolvimento e

progresso, caracterizador da Sociedade de Informação e do Conhecimento em

que vivemos.

Com a massificação da utilização da internet, o acesso à informação e aos

recursos computacionais da rede universalizouNse, passando estes a estar disN

poníveis on,line e de forma permanente, independentemente do local e da hora

do dia. No entanto, apesar de o acesso à internet se ter democratizado, levando

inclusivamente Thomas Friedman (2006) a afirmar que “o Mundo é plano”, a

forma e o contexto de apropriação é substantivamente diferente de local para

local e de utilizador para utilizador, gerando assim assimetrias entre os diversos

atores que utilizam o ciberespaço.

Os Estados, cada vez mais apostados em garantir um desenvolvimento

social sustentável, capaz de melhorar a estrutura de enquadramento e a sua

competitividade económica global, decidiram também aproveitar os benefícios

da “nova economia”, apostando na virtualização dos processos administrativos

e na governação eletrónica. A internet beneficiou naturalmente desta aposta

políticoNestratégica, assumindoNse como um dos principais vetores de suporte à

designada “economia digital” e à própria governação dos Estados.

As várias etapas da evolução e do crescimento sustentado da internet, foram

marcadas pela absorção progressiva de outros serviços de telecomunicações

como sejam a telefonia, a transmissão de vídeo e, mais recentemente, a televiN

são. No desenvolvimento de novos equipamentos e serviços, passou a existir a

necessidade de garantir a compatibilidade e interoperabilidade com a internet,

sob pena de se verificar uma possível rejeição pelo mercado. A internet passou

a constituir uma verdadeira plataforma integradora de serviços e equipamenN

tos, criando o conceito das “coisas da internet”.

A capacidade para referenciar de forma única qualquer objeto e de o ligar

em rede, nomeadamente, através da utilização de sensores, acabando por abrir

também espaço para a sua integração e gestão através da internet, permitindo a

descoberta da “internet das coisas”. Assistimos assim a uma verdadeira revoluN

ção de produtos e processos, assente na atribuição de identidades eletrónicas a

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

202

objetos de uso diário, que poderão ser equipados com sensores, interagindo

com o ambiente físico que os rodeia.

Ao longo dos próximos anos os dispositivos móveis e as suas aplicações

continuarão a aumentar e a influenciar cada vez mais as nossas vidas. Através

da internet e do ciberespaço, onde tudo e todos se encontram em rede, teremos

uma “pegada digital” cada vez maior e ficaremos inevitavelmente mais interliN

gados e interdependentes. O futuro será profundamente influenciado pelas

“coisas da internet” mas também, cada vez mais, pela “internet das coisas”.

IIIIMPACTO DAS MPACTO DAS MPACTO DAS MPACTO DAS CCCCIBERAMEAÇAS E IBERAMEAÇAS E IBERAMEAÇAS E IBERAMEAÇAS E GGGGESTÃO DO ESTÃO DO ESTÃO DO ESTÃO DO RRRRISCOISCOISCOISCO

Face ao elevado número de interações e mesmo de sobreposições que as

infraestruturas de informação apresentam, o ciberespaço impõe uma forte

interdependência entre a construção de uma rede global como a Internet e as

diversas Infraestruturas de Informação Nacionais, onde as fronteiras geográfiN

cas têm cada vez menos relevância.

As dinâmicas associadas à rede, devido às grandes assimetrias de conheciN

mento dos seus utilizadores, podem facilmente gerar “cisnes negros”, conforme

refere Nicholas Taleb (2009). Este autor, utiliza esta metáfora para caracterizar a

ocorrência de eventos raros, de difícil previsão, que invariavelmente causam

grande impacto, como por exemplo o ataque terrorista de 11 de Setembro de

2001 ou a designada “Primavera Árabe”, onde redes sociais como o Facebook

tiveram um papel determinante na evolução dos processos revolucionários

ocorridos no Médio Oriente. Atendendo a que não estamos normalmente preN

parados para lidar com este tipo de eventos e devido ao facto de a realidade

apresentar uma complexidade e incerteza crescentes, estes acontecimentos

serão, segundo este autor, “cada vez mais frequentes (e influentes) no futuro”.

Apesar do inegável valor associado ao funcionamento em rede, diferentes

atores têm vindo a explorar as assimetrias de conhecimento existentes de forma

maliciosa para atacar a disponibilidade do ciberespaço e a integridade, autentiN

cidade e confidencialidade dos dados que circulam nos sistemas integrados em

rede. Dependendo da natureza e do grau de disrupção estimado, estes ataques

podem atingir e colocar em risco as infraestruturas críticas, consideradas vitais

para a sobrevivência do Estado.

Neste contexto, a análise do espectro da ameaça assume especial importância

uma vez que só a partir da identificação das potenciais fontes de ameaças, será

possível perceber como estas podem afetar cada infraestrutura de informação,

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CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO

203

quer individualmente quer de forma agregada. Tendo por base as motivações

de cada ator, a avaliação das capacidades e a probabilidade de ocorrência de

um ciberataque materializa inevitavelmente, em maior ou menor grau, um risco

social.

Entre as potenciais fontes de ciberameaças, é possível identificar funcionáN

rios insatisfeitos, amadores, hackers, crackers, cibercriminosos, espiões que

procuram segredos industriais, hactivistas, terroristas e até Estados. Por sua

vez, estas ciberameaças (Denning, 1999; Nunes, 2010), podem assumir a forma

de intervenção social (Ciberactivismo, Ciberhacktivismo), a forma de ações

criminosas (hacking, cracking, Cibercrime, Ciberespionagem ou CiberterrorisN

mo) ou mesmo a forma de atos de guerra (“Ciberguerra).

As motivações dos atacantes, independentemente da origem da ameaça, são

bastante variáveis e estão inevitavelmente associadas às suas capacidades e aos

objetivos a atingir. De acordo com este enquadramento, alguns autores (BenaN

vente, 2012) referem que os ciberataques podem ser orientados para a obtenção

de: fama ou vingança (hackers e funcionários insatisfeitos), benefícios económiN

cos (cibercriminosos, espiões industriais e funcionários insatisfeitos), vantagens

táticas ou competitivas (Nações e espiões industriais), dividendos e motivações

políticas (terroristas, hacktivistas e Estados), destruição ou dano (terroristas ou

Estados).

Um primeiro critério para determinar o nível de impacto dos ciberataques

pode passar por analisar o seu nível de organização, permitindo agrupar este

tipo de ataques da seguinte forma (Benavente, 2012; IDNNCESEDEN, 2013):

• Ataques Simples: apresentam um impacto médioNbaixo. Este tipo de ataN

ques é executado sem coordenação ou com um nível de organização muiN

to reduzido, sendo conduzidos por uma ou várias pessoas mas sem nunca

formar uma organização com identidade própria.

• Ataques Organizados: o seu impacto é normalmente médio mas, depenN

dendo do tipo de objetivos que pretendem atingir, poderá tornarNse mais

elevado. Estes ataques são em regra executados e coordenados por um

grupo organizado, composto por um número significativo de pessoas.

• Ameaças Persistentes Avançadas (APT2): estas ameaças têm uma probaN

bilidade de ocorrência alta e o seu impacto pode ser bastante forte. A

materialização deste tipo de ameaças exige normalmente a existência de

pessoas dotadas de um nível de conhecimento tecnológico muito sofistiN

cado; permanecem ao longo do tempo e o seu desenvolvimento é realizado

2 APTNAdvanced Persistent Threats.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

204

à medida. O facto da sua concepção ser costumizada e ter por foco um

alvo específico, confere a estes ataques uma precisão muito elevada.

• Ataques Coordenados de Grande Escala: o seu impacto pode ser elevado

ou muito elevado. Estes ataques apresentam um nível de coordenação

elevado sendo executados e dirigidas por uma organização ou uma

nação; envolvem um elevado número de atores, que podem pertencer ou

não à organização/nação.

• Ciberataques coordenados com ataques físicos: apresentam um impacto

extremamente elevado. O nível de coordenação necessário à execução

deste tipo de ataques é muito elevado; a combinação e a sincronização de

ataques cibernéticos com ataques em diferentes dimensões físicas (terra,

mar, ar e espaço) exige um planeamento e execução muito precisos.

Dentro deste contexto, não é possível comparar um ataque simples do tipo

“negação de serviço”, como o que afeta muitos sites públicos, com um ataque

coordenado de grande escala que, afetando as infraestruturas críticas de um

Estado, provoque mortes e produza o caos social. Os ciberataques lançados

contra a Estónia (2007), Geórgia (2008), Irão (2010) e Ucrânia (2014), constituinN

do ataques já bastante sofisticados e de larga escala, vieram provar a necessiN

dade de proteger e garantir o fluxo de informação vital entre as estruturas

governamentais consideradas críticas para a sobrevivência do Estado.

Face ao impacto disruptivo e cada vez mais destrutivo das ciberameaças, a

análise e a gestão do risco social associado ao ciberespaço, influencia cada vez

mais a Segurança e Defesa dos Estados. Independentemente de acreditarmos

ou não na iminência de um ciberataque de larga escala, não podemos ignorar o

crescente efeito disruptivo das ciberameaças na nossa sociedade, configurando

por vezes uma situação de uso da força e até um potencial ato de guerra.

AAAA MMMMODERNA ODERNA ODERNA ODERNA CCCCONFLITUALIDADE E A ONFLITUALIDADE E A ONFLITUALIDADE E A ONFLITUALIDADE E A MMMMILITARIZAÇÃO DO ILITARIZAÇÃO DO ILITARIZAÇÃO DO ILITARIZAÇÃO DO CCCCIBERESPAÇOIBERESPAÇOIBERESPAÇOIBERESPAÇO

A violência e a guerra são fenómenos tão antigos como o próprio homem,

levando alguns teorizadores das relações internacionais a considerar a sua ineN

vitabilidade. A escola realista, tendo por base a defesa dos interesses e a afirmaN

ção dos Estados na cena internacional, opõeNse a uma perspetiva idealista, que

procura uma visão de equilíbrio e prosperidade, como forma de evitar o risco

de ocorrência da guerra. Os realistas (Maquievel, Thomas Hobbes, Edward

Carr, Hans Morgenthau), assumem assim o caracter natural da guerra e consiN

deram que, devido às diferentes dinâmicas associadas à defesa dos interesses

Page 229: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO

205

dos Estados, não será possível garantir a paz perpétua e a cooperação permaN

nente entre os diversos atores do sistema político internacional.

O recurso à violência e o emprego da força encontramNse desta forma

intrinsecamente ligados à natureza humana e às dinâmicas de afirmação e

poder dos Estados, ocorrendo nos mais diversos domínios em que decorre a

sua interação. O ciberespaço, enquanto espaço virtual de natureza global, coloN

ca em interação permanente todos os que a ele se encontram ligados tanto ao

nível individual como coletivo, gerando relações conflituais e potencialmente

perigosas para a desejável estabilidade e equilíbrio da paz mundial. Neste conN

texto, a utilização do ciberespaço como vetor privilegiado de condução de ataN

ques cibernéticos, tem vindo a assumir uma importância estratégica crescente

para as sociedades ocidentais.

Hoje vivemos um novo paradigma da moderna conflitualidade, que afeta

não só a área militar mas também toda a sociedade. Ainda que, na prática, não

seja possível até ao momento identificar com clareza casos concretos da conduN

ção de conflitos apenas no domínio da informação, existem já fortes indicadores

e visões estratégicas de alguns Países que apontam para esta possibilidade.

Neste novo tipo de guerra, o objetivo declarado é o de provocar a capitulação

de um adversário, ou limitar a sua ação, atingindo elementos sensíveis das suas

infraestruturas de informação.

A moderna conflitualidade encontra no Ciberespaço um importante vetor de

ataque, afetando todos os que o utilizam, tanto numa vertente privada como

pública, para lazer ou para trabalho e em diversas esferas da sua interação

(social, diplomática/política, económica e militar). Os ciberataques podem ter

origem em qualquer parte do Mundo, sendo conduzidos a partir de um ou

vários locais simultaneamente, sem que muitas vezes seja possível detetar a

verdadeira identidade do atacante. Para desenvolver este tipo de ações, é apeN

nas preciso dispor da tecnologia e dos conhecimentos necessários para garantir

o seu sucesso.

Um ataque lançado através do ciberespaço pode ter efeitos virtuais mas

pode também vir a afetar sistemas reais/físicos. Se um ciberataque atingir

exclusivamente recursos e sistemas de informação, podemos dizer que estamos

perante um ataque não cinético. No entanto, na maior parte dos casos, os cibeN

rataques afetam também o funcionamento dos sistemas e infraestruturas físicas

que destes dependem. Neste caso, apesar de o ciberataque ter sido lançado de

forma virtual (não cinética), este pode ser considerado um ataque cinético uma

vez que origina, em maior ou menor grau, a disrupção e destruição de sistemas

físicos.

Page 230: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

206

De acordo com um estudo internacional sobre ciberterrorismo, recentemenN

te publicado por um grupo de investigadores (Macdonald, Jarvis, Chen & Lavis,

2013), é possível constatar que a exploração do ciberespaço pelo terrorismo

transnacional poderá ocorrer em diversos cenários3 de utilização de meios cinéN

ticos e não cinéticos. Os valores numéricos apresentados na Tabela 1, constiN

tuem a percentagem de respostas associadas a cada um destes cenários

específicos. De acordo com as respostas obtidas, verificaNse que existe uma

probabilidade muito superior de exploração de vetores de ataque não cinéticos

(digitais) tanto na fase de preparação, como ao nível dos meios utilizados e dos

alvos a atingir.

Em linha com esta visão, a Internet tem vindo a constituir um autêntico

campo de batalha digital, sendo palco de constantes ações de retaliação entre

hackers associados a diversos países e atores estratégicos como: EUA, China,

Rússia, Brasil, India, Paquistão, Israel, Irão, Síria, Palestina, ou mesmo a Coreia

do Norte. Ainda que estas atividades não configurem na maior parte dos casos

um envolvimento direto dos mesmos, são vários os casos, já detetados, de redes

de hackers associadas a atores Estado.

Alguns autores como Thomas Rid (2011) perspetivam a ciberconflitualidade

como algo permanente, encarrandoNa não como atos de guerra mas antes como

atos de sabotagem, espionagem ou subversão afirmando que a “ciberguerra

não terá lugar”. No geral, apesar de tendermos a concordar com muitas das

ideiasNforça e argumentos do autor, que nos parecem lógicos e bem articulados,

teremos que atribuir à ciberguerra, no mínimo, a mesma probabilidade de

ocorrência que a qualquer outro conflito cinético.

3 Foram apresentados a 105 especialistas internacionais na área da cibersegurança oito cenários (ANH) distintos, cada qual caracterizado por uma combinação diferente do tipo de preparação (digital ou física), meios e alvo a atingir. A questão “De acordo com a sua perspeNtiva, qual dos seguintes cenários constitui um ato de ciberterrorismo?” foi depois colocada ao grupo de especialistas, sendoNlhes solicitado que selecionassem uma das seguintes três hipóteses: sim; potencialmente; não. Das respostas obtidas 92 especialistas responderam completamente à questão (taxa de resposta de 80%) e 13 apenas parcialmente.

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CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO

207

Figura 9.1. Cenários associados ao CiberterrorismoFigura 9.1. Cenários associados ao CiberterrorismoFigura 9.1. Cenários associados ao CiberterrorismoFigura 9.1. Cenários associados ao Ciberterrorismo

Fonte: Macdonald, Jarvis, Chen, & Lavis (2013, p.9).

A recente ocorrência de ciberataques complexos e sofisticados contra EstaN

dos Soberanos4, fez com que muitas das grandes potências mundiais tenham

vindo a desenvolver capacidades de recolha e análise de informações à escala

global (ex: EUA, China e Rússia), nomeadamente, com a justificação de estas

capacidades se terem tornado imprescindíveis para a garantia da sua SeguranN

ça e Defesa Nacional. O Programa PRISM5, tornado recentemente público por

Edward Snowden, um exNfuncionário da National Security Agency (NSA), consN

titui um bom exemplo deste tipo de sistemas.

De forma a contrariar uma estratégia de afirmação crescente de poder,

seguida por parte de alguns Estados, importa assinalar o surgimento, cada vez

mais frequente, de ações de “contraNestratégia”. Este tipo de ações, desenvolvidas

essencialmente segundo uma ótica de confrontação entre Estados, tem vindo a

ser cada vez mais conduzido por atores nãoNEstado. O caso “WikiLeaks”6, onde

4 Os ciberataques conduzidos contra a Estónia (Abril/Maio de 2007), Geórgia (Agosto de 2008) e mais recentemente contra a Ucrânia (2014), constituem bons exemplos do que aqui se refere. 5 PRISM, é o nome de código atribuído a um programa secreto de data mining e vigilância eletrónica massiva lançado em 2007 pela National Security Agency (NSA), onde participa também a Agência Britânica GCHQ. 6 WikiLeaks é a designação atribuída a uma organização internacional que, segundo a Wikipedia (2014), se intitula,” online, nãoNlucrativa e jornalística, publicando informação

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

208

foram revelados diversos documentos secretos dos EUA e alguns dos ataques

conduzidos pelo Grupo hacktivista “Anonymous”, que acabaram por assumir

um papel mediático de especial preponderância, podem ser enquadrados neste

âmbito.

Este tipo de incidentes, perpetrados por atores Estado e nãoNEstado, levaN

ram os EUA, apesar de detentores de uma superioridade militar convencional à

escala global, a desenvolver ao longo dos últimos anos os mecanismos necessáN

rios para evitar o que muitos autores designam por “Pearl Harbour digital”.

Com a recente criação do U.S. Cyber Command, os EUA passaram a encarar e a

assumir o ciberespaço como um novo domínio operacional onde podem vir a

ser conduzidas operações militares7.

Os ciberataques têm como vantagem estratégica o facto de apresentarem

um impacto menor na opinião pública que as tradicionais formas cinéticas de

conflito ou guerra. A menos que um ciberataque permita provocar, de per si,

um forte efeito psicológico ou físico, caracterizado pela existência de baixas e

um significativo grau de destruição física, consideraNse provável que este tipo de

ataques venha vir a ser cada vez mais explorado em termos operacionais como

um “ataque secundário”. Um ciberataque, poderá assim ser lançado para criar as

condições ideais ou para maximizar os efeitos de um ataque militar convencional,

como aconteceu em 2008 no caso da Geórgia e em 2014 na Ucrânia.

A crescente militarização da Internet vem assim suscitar uma preocupação

redobrada pois não é possível ignorar que os ciberataques lançados ou patrociN

nados por Estados são aqueles que apresentam um maior poder disruptivo. No

ambiente estratégico atual, nenhuma guerra poderá ser ganha exclusivamente

com a utilização militar do ciberespaço (ciberguerra pura). No entanto, também

é certo que nenhuma campanha militar conduzida noutro qualquer domínio

operacional poderá ser ganha sem o ciberespaço.

secreta, notícias e fugas de informação provenientes de fontes anónimas”. A Organização ativista Sunshine Press fundou em 2006, na Islândia, o website da organização. 7 Tendo em Junho de 2009 sido anunciada pelo Secretário da Defesa a criação do U.S. Cyber Command, este novo Comando Militar declarou ter adquirido a sua plena capaciNdade operacional em 03 de Novembro de 2010. As operações no ciberespaço podem atinNgir objetivos apenas no ciberespaço ou em qualquer dos outros domínios operacionais (mar, terra, ar ou espaço). É hoje assumido que o ciberespaço é indispensável às Forças Armadas, que dele necessitam para suportar o seu emprego operacional, não só ao nível das redes e sistemas de informação que asseguram o Comando e Controlo (C2) mas tamNbém ao nível do funcionamento dos próprios sistemas de armas.

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CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO

209

CCCCIBERATAQUESIBERATAQUESIBERATAQUESIBERATAQUES:::: VVVVETORES DA ETORES DA ETORES DA ETORES DA CCCCIBERIBERIBERIBERNNNNVVVVIOLÊNCIA E DO IOLÊNCIA E DO IOLÊNCIA E DO IOLÊNCIA E DO UUUUSO DA SO DA SO DA SO DA FFFFORÇAORÇAORÇAORÇA

Constituindo um ataque cibernético uma ação de contornos agressivos,

cujas consequências se fazem sentir tanto no Mundo virtual como real, um cibeN

rataque pode consubstanciar um uso efetivo da força e constituir, por essa

razão, um ato de violência.

Neste contexto, importa referir que existem essencialmente dois documentos

legais de referência que, na prática, têm vindo a regular os conflitos entre EstaN

dos desde o final da 2ª Grande Guerra Mundial (2ª GGM): A Carta das Nações

Unidas (ONU, 1945) e a Convenção de Genebra (CG,1949). A Carta das Nações

Unidas, constitui o documento que regulamenta e legitima o recurso ao uso da

força por parte dos Estados (o jus ad bellum) ao passo que a Convenção de

Genebra, constituindo por excelência a principal fonte de Direito Humanitário

Internacional, regula a condução dos conflitos armados e é perspetivada, na

prática, como a Lei da Guerra (o jus in bello).

Neste contexto, uma operação conduzida no ciberespaço que origine feriN

mentos, cause a morte de pessoas, ocasione danos ou destrua recursos pode ser

considerada, sem qualquer ambiguidade um uso da força. No entanto, existem

casos em que esta situação não se torna tão clara. O Manual de Tallinn (CCD

COE, 2013) considera que o mero acolhimento oferecido por um Estado a um

grupo que conduza operações no ciberespaço não pode ser considerado uso da

força mas que, caso esse acolhimento seja acompanhado por um apoio claro e

substancial, essa situação configura já um uso efetivo da força.

Uma vez que não se torna fácil definir critérios de elegibilidade para a caracN

terização de uma situação de uso da força, o Manual de Tallinn (CCD COE,

2013) aponta oito critérios para ser possível identificar, de forma clara, uma

situação deste tipo: severidade, imediatez, direcionamento, capacidade invasiva,

mensurabilidade dos efeitos produzidos, carater militar, envolvimento de EstaN

dos e presumível legalidade.

Apesar da sua inegável capacidade disruptiva, o ciberataque à Estónia não

pode, à luz destes critérios, ser considerado um uso efetivo da força devido

tanto às suas consequências (não letais) como à identificação do seu originador8

(foram apenas identificados atores não Estado). Face à informação disponível, a

conclusão que é possível tirar é a de que se tratou de um problema de segurança

8 A autoria deste ataque não foi oficialmente assumida mas tem vindo a ser atribuída à Rússia, supostamente em retaliação pela retirada da estátua de um soldado russo de um dos Jardins de Tallinn em 2007.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

210

nacional de grande escala, originado por uma ação concertada de grupos criN

minosos internacionais que violaram a lei e desenvolveram ações hostis aos

interesses do Estado. Por outro lado, relativamente à utilização do código maliN

cioso Stuxnet, que em 2010 afetou as instalações nucleares iranianas, o Manual

de Tallinn (CCD COE, 2013) considera que se trata de um uso efetivo da força,

se for provado que na sua origem esteve um Estado. Assim, a ação conduzida

por esse Estado9 (não identificado oficialmente) seria considerada ilegal devido

à ausência de autorização do Conselho de Segurança da ONU, a menos que este

acto hostil fosse considerado como realizado em autoNdefesa.

Subjacente à dificuldade de enquadramento destes dois casos, encontraNse o

princípio da atribuição. De facto, devido às técnicas de dissimulação utilizadas e

à dificuldade de definir a verdadeira identidade do atacante, a autoria da ação

tornaNse muito difícil de clarificar. Neste caso, só seria possível imputar inequiN

vocamente a um actor Estado um ciberataque se fosse possível atribuir as ações

conduzidas a: órgãos desse Estado, pessoas/entidades responsáveis pelo exercíN

cio da autoridade governamental, pessoas ou grupos que actuem de acordo

com instruções ou sob a direção de um Estado.

Mais recentemente, em Agosto de 2012, um vírus designado por Shamoon

infetou cerca de 30.000 computadores da empresa Saudi Aramco, equipados

com o sistema operativo Windows10. Este código malicioso alterou o disco rígiN

do dos computadores, tornando impossível a sua recuperação, originando a

perda de grande parte da informação referente aos sistemas de perfuração e

produção de petróleo da empresa. A recuperação dos sistemas demorou mais

de duas semanas, originando perdas económicas extremamente elevadas à

Arábia Saudita. Mais uma vez, apesar dos efeitos negativos produzidos por este

ciberataque, não foi possível atribuir esta ação a um actor Estado e, consequenN

temente, configurar o ato praticado à luz da moldura legal definida internacioN

nalmente para o uso da força.

No caso específico de um ciberataque de larga escala, um Estado poderá

invocar uma razão de necessidade de defesa para a condução de contramedidas

9 Apesar de não oficialmente confirmada, a autoria deste ataque foi atribuída aos Estados Unidos da América e a Israel. 10 Este vírus apresenta grandes semelhanças com o código malicioso Flame, mas foi identi,ficado devido às suas características e comportamento distinto de outro tipo de malware utilizado em ataques de ciberespionagem (Wikipedia, 2014a). O Shamoon é capaz de se disseminar rapidamente por todos os computadores de uma rede, através da utilização de recursos partilhados. Uma vez um sistema infetado, o vírus compila uma lista de ficheiros residentes em localizações específicas, apagaNos e envia informação sobre os mesmos para o atacante. Finalmente, o vírus altera o software de inicialização do sistema (boot sector) para impedir o seu arranque. O Grupo “Cutting Sword of Justice" confirmou ofiNcialmente a autoria do ataque, mas julgaNse que o mesmo terá sido planeado pelo Irão.

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CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO

211

quando for ameaçado por operações conduzidas no ciberespaço que, constiN

tuindo um “perigo grave e iminente”, ameacem a consecução dos seus interesN

ses essenciais e a sua soberania. Neste caso, o Estado vítima poderá, de forma a

poder defenderNse a si mesmo, violar os direitos de outros Estados. A necessiN

dade desta ação não requer a atribuição do ataque a outro Estado, podendo

apenas ser invocada em circunstâncias excecionais e desde que não prejudique

os interesses essenciais de outros Estados. Conforme antes referido, aplicaNse

também neste contexto o artigo 2º (4) e o artigo 51º da Carta das Nações Unidas

(1945) que enquadra e legitima o direito à autodefesa individual e coletiva de um

Estado membro da ONU (o Jus ad Bellum).

CCCCONFLITOS ONFLITOS ONFLITOS ONFLITOS AAAARMADOS NO RMADOS NO RMADOS NO RMADOS NO CCCCIBERESPAÇOIBERESPAÇOIBERESPAÇOIBERESPAÇO

Os conflitos no ciberespaço são geridos de acordo com o quadro legal

vigente, tanto no plano nacional como internacional, obedecendo a sua regulaN

ção aos mesmos princípios jurídicos que regem os conflitos no Mundo “real”.

ReconhecendoNse que o ciberespaço constitui uma extensão natural do Mundo

real/físico e que são as pessoas que nele habitam as responsáveis pelas ações

que ocorrem neste espaço virtual, faz todo o sentido assumirNse que a mesma

legislação enquadrante se aplique aos dois domínios (físico e virtual).

Partindo deste princípio estruturante do enquadramento legal dos ciberconN

flitos, o Centro de Excelência Cooperativo em Ciberdefesa da NATO, situado

em Tallinn (Estónia), apresentou em Março de 2013 uma interessante sistematiN

zação da legislação internacional. Sem a pretensão de constituir um documento

prescritivo, mas antes apresentando um conjunto de princípios fundamentais

do direito internacional associado ao ciberespaço, este manual temNse vindo a

revelar de extrema utilidade. Ao edificar os fundamentos legais a aplicar interN

nacionalmente aos ciberconflitos, esta publicação veio facilitar também a criaN

ção de legislação por parte de cada Estado. Desta forma, será de esperar que,

num futuro próximo, apesar dos seus aspetos específicos diferenciadores, as

diferentes legislações nacionais venham a convergir para a criação de uma base

jurídica semelhante, facilitando o combate ao cibercrime e a redução da ciberN

conflitualidade tanto num plano nacional como internacional.

Não existindo nenhuma definição internacionalmente aceite sobre o que

constitui um ataque armado no ciberespaço, o Manual de Tallinn (CCD COE,

2013) defineNo como uma “operação no ciberespaço que ocasione ferimentos ou

mortes em pessoas ou provoque estragos ou destruição de objetos num ataque

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

212

armado”, reconhecendo a dificuldade de encontrar um enquadramento legal

suficientemente claro ao ponto de precisar o ponto a partir do qual as suas conN

sequências deixam de poder ser qualificadas como um ataque armado.

Neste âmbito, importa também reconhecer que um ataque armado constitui

a forma mais grave de uso da força mas que nem todo o uso da força constitui

um ataque armado. Desta forma, uma operação no ciberespaço que cause uma

interrupção pontual de serviços não essenciais não pode ser considerada um

ataque armado. No entanto, se essa operação originar estragos sérios e de lonN

go prazo em infraestruturas críticas ou serviços essenciais necessários à afirN

mação e sobrevivência de um Estado, já será possível considerar que estamos

perante um ataque armado no ciberespaço.

Neste tipo de situações, quando consideramos o direito à legítima defesa e à

possibilidade de retaliação por parte do Estado atingido, confrontamoNnos novaN

mente com o problema da atribuição, nomeadamente, porque um ataque armado

no ciberespaço poderá constituir um Causus Belli. Neste contexto, teremos que

clarificar quem exerce o ónus da prova, qual o grau de probabilidade existente

relativamente à identidade dos atacantes e como será possível provar que um

determinado Estado se encontra por detrás de uma ciberoperação.

Constituindo um conflito armado no ciberespaço, para todos os efeitos, uma

guerra conduzida no ciberespaço, a legislação que rege os conflitos armados

(Jus in Bello) também terá que ser aplicada. A questão pertinente a que cumpre

dar resposta será quando é que estaremos em presença de um conflito armado

no ciberespaço? Neste contexto, tendo por base o conceito de conflito armado,

importa distinguir um conflito armado internacional dum conflito armado nãoN

internacional, este último naturalmente de intensidade menos elevada e conduN

zido por um ou vários grupos armados organizados.

O melhor exemplo de um conflito armado no ciberespaço, ocorreu em AgosN

to de 2008, durante a invasão da Geórgia por tropas russas. As operações no

ciberespaço foram articuladas com as tradicionais operações militares de natuN

reza cinética, provocando a indisponibilidade de sites ligados à área governaN

mental, aos média e à área financeira. Contrariamente ao que se passou no caso

da Estónia, estes ciberataques estavam associados às operações militares, refleN

tindo um melhor planeamento e organização que os ataques lançados contra a

Estónia em 2007.

A natureza militar ou civil dos ciberataques (princípio da distinção) também

constitui um importante fator condicionador do enquadramento das operações

no ciberespaço, nomeadamente, porque à luz do direito que rege a guerra, os

ataques só podem ser dirigidos contra combatentes e ter por alvo objetivos

Page 237: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO

213

militares. O problema é que muitos dos atacantes não são militares e os recurN

sos utilizados pelas Forças Armadas são hoje de duploNuso civilNmilitar. Neste

contexto, basta referir que se a rede elétrica nacional for atacada a grande

maioria dos sistemas militares do Estado será afetado, reduzindo assim a sua

própria capacidade operacional.

O artigo 51º (3) do Protocolo Adicional I e o artigo 13º (3) do Protocolo AdiN

cional II da Convenção de Genebra, permitem considerar que todos “os civis

apenas gozam de proteção contra ataques enquanto não participarem diretaN

mente nas hostilidades”. Daqui decorre que, “quando ocorrer um ato que confiN

gure a participação direta em hostilidades por parte de civis, estes podem vir a

ser elegíveis como potenciais alvos de ataque, seja através de meios cibernéticos

ou outros” (CCD COE, 2013, Regra 35 (3)).

Face a este enquadramento, o nível de impacto negativo causado por um

ciberataque desencadeado por civis será suscetível de desencadear uma resposN

ta militar quando afetar negativamente as operações ou capacidades militares

ou quando for passível de provocar ferimentos, a morte de pessoas ou a desN

truição de objetos sob proteção militar. Assim, a existência de um nexo de cauN

salidade entre uma ação e o seu potencial impacto negativo, poderá conferir o

estatuto de beligerante a indivíduos ou grupos civis que conduzam operações

no ciberespaço.

O princípio da neutralidade, quando aplicado aos conflitos armados, permite

a um Estado não tomar parte num conflito. Um Estado declaraNse neutral

essencialmente com a finalidade de proteger os seus cidadãos dos efeitos nefasN

tos de um conflito, assumindo perante as partes beligerantes que não desenvolN

verá nenhuma ação (ou omissão) que beneficie o seu adversário/inimigo. No

entanto, este princípio poderá vir a ser seriamente desafiado pelos ciberconfliN

tos uma vez que as operações que decorrem no ciberespaço são conduzidas

num ambiente operacional aberto e sem fronteiras físicas onde não será possíN

vel aplicar os princípios tradicionais de jurisdição e de exercício de soberania.

No contexto de um ciberconflito, se um Estado neutral não conseguir impedir o

lançamento de uma operação ofensiva no ciberespaço, lançada por parte de um

dos beligerantes através de computadores ou infraestruturas de comunicações

situadas no seu território, que constitua uma ameaça séria e eminente para

outro Estado, poderá perder o seu estatuto de neutralidade e verNse envolvido

diretamente no conflito.

Todos os Estados terão assim que ter uma cibercapacidade credível para

poderem assegurar o direito a afirmar a sua neutralidade. A incapacidade

poderá, neste caso específico, ser assumida como um sinal de favorecimento de

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

214

uma das partes, comprometendo o estatuto de neutralidade que se pretende

assumir e afirmar.

CCCCONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES

A utilização crescente da Internet e a construção do ciberespaço marcaram a

conjuntura estratégica das últimas três décadas, tornando o Mundo mais

dependente de uma economia global e dos recursos intangíveis (informação e

conhecimento). Atendendo ao ritmo acelerado da evolução tecnológica e ao

reduzido número de utilizadores qualificados, a capacidade para explorar a

internet e o ciberespaço de forma eficaz requer, num curto espaço de tempo e

aos diferentes níveis, o desenvolvimento de especialistas e de processos seguros

de interação tanto à escala nacional como mundial.

Devido ao facto de o ciberespaço constituir um espaço de acesso livre e

aberto, onde tendencialmente tudo e todos estarão ligados, surgem novos desaN

fios internos e externos que, pela sua natureza, poderão condicionar a seguranN

ça das infraestruturas de informação críticas e, consequentemente, limitar a

defesa dos interesses e a prossecução dos objetivos estratégicos dos Estados.

Os ciberataques podem ter origem em qualquer parte do Mundo, sendo

conduzidos a partir de um ou vários locais simultaneamente, sem que muitas

vezes seja possível detetar a verdadeira identidade do atacante. A elevada interN

conectividade das redes e infraestruturas de informação ligadas à internet pode

propagar muito rapidamente o impacto dos ataques cibernéticos tanto a nível

nacional como internacional. TrataNse de uma área em que o ritmo da impleN

mentação de processos e mecanismos de segurança dificilmente acompanha a

dinâmica das vulnerabilidades, materializando uma área privilegiada de “guerra

assimétrica”.

As ameaças e os riscos associados aos desafios que a Sociedade de InformaN

ção e o Ciberespaço colocam ao ambiente internacional de segurança, não

podem por essa razão ser ignorados ou negligenciados. As ameaças cibernétiN

cas são transversais a todas as atividades das modernas sociedades, afetando

diversos aspetos dos seus “espaços de interação” tanto na esfera social como

nas áreas política, económica e militar. Atendendo ao tipo de interações e às

dinâmicas competitivas e conflituais que têm lugar no ciberespaço, importa

construir os fundamentos de um código de conduta e de uma base geradora de

confiança entre os diversos atores que intervêm na sua construção, de forma a

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CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO

215

potenciar um modelo de utilização do ciberespaço cada vez mais livre e aberto

mas também mais seguro e protegido.

Apesar de termos vindo a assistir a uma crescente exploração militar do

ciberespaço, a persecução violenta de objetivos políticos utilizando exclusivaN

mente este novo ambiente operacional, não nos parece que se coloque atualN

mente mas não poderá deixar de ser perspetivada no futuro, sob pena de se vir

a comprometer a Segurança e a própria Defesa Nacional. Para reduzir a confliN

tualidade e aumentar o nível de proteção das infraestruturas de informação, os

Países têm que rever o atual quadro legal, criar novas doutrinas, estruturas e

meios para implementar a sua Estratégia Nacional de Cibersegurança e CiberN

defesa.

A construção de um futuro digital passa inevitavelmente por assumir o cibeN

respaço como um novo domínio estratégico, essencial e prioritário para a defeN

sa de valores e interesses nacionais. Para esse efeito, devem explorarNse

sinergias nacionais e a cooperação internacional de forma a garantir em perN

manência a Segurança e Defesa Nacional no ciberespaço.

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217

10101010.... DDDDISPUTA POR RECURSOS ISPUTA POR RECURSOS ISPUTA POR RECURSOS ISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOSNATURAIS ESCASSOSNATURAIS ESCASSOSNATURAIS ESCASSOS

JOSÉ MENDES DIAS

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

Com este artigo pretende,se identificar, questionar e pensar sobre um conjun,

to de assuntos que, não se esgotando, confluem no seu título. A finalidade enun,

ciada procura ser atingida graças à tentativa que se faz de concatenação de teoria

com a prática conseguindo assim e, cumulativamente, situar o articulado no

patamar de ciência (pelo menos, de alguma).

O texto procura refletir preocupação de índole concetual, ao mesmo tempo

que, com as diferentes situações apresentadas, busca verificá,la como represen,

tação (ões) geral (ais) da realidade. Critérios de classificação de recursos, indica,

dores sobre alguns recursos naturais, referências a recursos energéticos, hídricos

e alimentares, exemplificadas com evidências, em diferentes espaços e com natu,

rais repercussões e ligações com outras matérias, constituem,se como elementos

caraterizadores deste texto.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chavechavechavechave: Recursos naturais, Relações Internacionais, Geopolítica, Estratégia

NNNNÓTULA INTRODUTÓRIAÓTULA INTRODUTÓRIAÓTULA INTRODUTÓRIAÓTULA INTRODUTÓRIA

O conjunto de letras organizadas em palavras que se seguirão calcorreia e

espraiaNse ou pelo menos tentará fazêNlo, por diferentes caminhos, uns mais

tortuosos que outros, sendo critério de medição de tal violência, a maior ou

menor facilidade com que as evidências se tornem e mostrem nisso mesmo.

O aglomerado obedecerá, entretanto, à única regra que parece elegível,

dada a campanha explicitada pelos coordenadores da obra e que obriga (e bem

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

218

do nosso ponto de vista) a óbvia disciplina de comportamento, originando por

consequência resultados de «vista larga» e de natureza didática.

Por defeito de formação, importaria acautelar os leitores para o facto dos

tais caminhos se situarem, maioritariamente, em terrenos de Relações InternaN

cionais, de Geopolítica/Geoestratégia e de Estratégia. Cumulativamente referir

que não os fustigaremos nem nos cansaremos com a tentativa de seguir os perN

cursos até ao fim, por força de três essenciais razões: o parco conhecimento, a

utopia que significa a afirmação que justifica as justificações e, por fim, a natuN

reza desta publicação.

Em boa verdade, o que se pretendeu dizer até aqui com o torpor que advém

da leitura é simplesmente aproveitar o título que nos foi sugerido e sem ajustaN

mentos ou utilitários reajustamentos, identificar e efetuar, quer um conjunto de

questões que com ele podem conviver, quer reflexões iniciais e/ou de superfície

que poderão despertar curiosidades e motivar aprofundamentos.

Sim, porque de resto, parece que há muito que está tudo respondido, nem

que seja na síntese de Pascal Boniface, no livro que em Portugal, na contempoN

raneidade, ficou muito conhecido e, como tal, profusamente utilizado no «munN

dus» académico e que procurou responder, em trinta e sete capítulos, à

pergunta: Irão as guerras desaparecer? (2002, p. 5).

No que concerne à nossa temática e alguns elementos associados lá estão

parcelas dedicadas às «guerras da fome», «guerras do petróleo», «guerras da

água», «guerras de fluxos migratórios»1, entre outras. Pelos vistos, de ontem e

de hoje, será manifesto destino ou destino manifesto a adoção do percurso traN

çado pela disputa, conflito e guerra, tendo os recursos naturais (escassos) como

prémio, apesar de esforços para a evitar, quiçá inúteis, por falsa ingenuidade e

por negação da antropologia e da etologia, que nos grita, guturalmente: somos

mais que bestas, mas é inegável que o também somos.

Finalmente dizer que a proposta de leitura que aqui se faz assenta, reiteraNse,

em acumulação nas orientações recebidas e, neste contexto, relevamNse as de

natureza pedagógica integrando, não só profusas e atuais referências, mas

também alguns exemplos que pretendem funcionar como prova da prosa.

1 São imemoriais as afirmações do humano pensador; memórias perdidas que fazem das menções de hoje, intelectualidade e responsabilidade profundas: “Desde logo, os países ricos só têm uma alternativa; ou os acolhem nas melhores condições possíveis para que não haja repercussões negativas em termos de segurança; ou então mostram,se corajosos e generosos para atuar para que as causas desses êxodos de massa (guerras civis e subde,senvolvimento) desapareçam. Em ambos os casos, isso carece de vontade e de meios: uma ação coletiva, que por enquanto faz falta” (Boniface, 2003, p. 79).

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DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS

219

DDDDESEESEESEESENVOLVIMENTO NVOLVIMENTO NVOLVIMENTO NVOLVIMENTO

Rebocados então pela rebuscada nótula para que assuntos ou domínios

(lembramNse dos caminhos?), entre certamente muito outros, nos iluminará o

farol feito título?

O primeiro respeita a matéria de conceito, como não podia deixar de ser. A

expressão «recursos naturais escassos» remete de imediato, sem grande exiN

gência intelectual, para critérios de classificação. Em prol do rigor dizer que

quando nos referimos a escassez, estamos forçosamente a falar de recursos

críticos; criticidade que advém da forte possibilidade de chegarem ao fim, à falta

de adoção de medidas tidas como adequadas. Por detrás desta primeira incurN

são (e das duas que se seguem) está valor; está significado, ou seja, tal recurso

emerge importante porque encontra dificuldades «em sobreviver».

A escassez conjugaNse, praticamente por imanência, com outra ideia; aquela

do recurso finito, que se materializa principalmente junto dos «poderes polítiN

cos», das populações académicas e das organizações/agências que com isso

lidam, através de relatórios pejados de números que vão apontando, conforme

explorados indicadores, o seu tempo de vida (Tabelas 10.1Tabelas 10.1Tabelas 10.1Tabelas 10.1 a 10.710.710.710.7).

Tabela 10.1. Petróleo: reservas provadasTabela 10.1. Petróleo: reservas provadasTabela 10.1. Petróleo: reservas provadasTabela 10.1. Petróleo: reservas provadas2 e razão R/Pe razão R/Pe razão R/Pe razão R/P3

(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) Reservas provadasReservas provadasReservas provadasReservas provadas

(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial) R/P raR/P raR/P raR/P razãozãozãozão (anos)(anos)(anos)(anos)

Médio Oriente 47,7 77,8 América Latina 19,4 Mais de 100 América do Norte 13,7 34 África 7,6 42,8 ÁsiaNPacífico 2,5 14,1 Mundo 52,552,552,552,5

Fonte: BP, 2015, p. 6.

2 “Proved reserves of oil – Generally taken to be those quantities that geological and engi,neering information indicates with reasonable certainty can be recovered in the future from known reservoirs under existing economic and operating conditions” (BP, 2015, p. 6). 3 “Reserves,to,production (R/P) ratio , If the reserves remaining at the end of any year are divided by the production in that year, the result is the length of time that those remaining reserves would last if the production were to continue at that rate” (BP, 2015, p. 6).

Page 244: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

220

Tabela 10.2. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (países) Tabela 10.2. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (países) Tabela 10.2. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (países) Tabela 10.2. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (países)

(final do ano de 2(final do ano de 2(final do ano de 2(final do ano de 2014)014)014)014) Reservas provadasReservas provadasReservas provadasReservas provadas

(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial) R/P razãoR/P razãoR/P razãoR/P razão (anos)(anos)(anos)(anos)

Venezuela 17,5 Mais de 100 Arábia Saudita 15,7 63,6 Canadá 10,2 Mais de 100 Irão 9,3 Mais de 100 Iraque 8,8 Mais de 100 Rússia 6,1 26,1 Kuwait 6,0 89 Emirados Árabes Unidos 5,8 72,2 Estados Unidos da América 2,9 11,4 Líbia 2,8 Mais de 100

Fonte: BP, 2015, p. 6.

Tabela 10.3. Gás natural: reservas provadas e razão R/PTabela 10.3. Gás natural: reservas provadas e razão R/PTabela 10.3. Gás natural: reservas provadas e razão R/PTabela 10.3. Gás natural: reservas provadas e razão R/P

(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) Reservas provadasReservas provadasReservas provadasReservas provadas

(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial) R/P razãoR/P razãoR/P razãoR/P razão (anos)(anos)(anos)(anos)

Médio Oriente 42,7 Mais de 100 Europa e Ásia Central 31,0 57,9 ÁsiaNPacífico 8,2 28,7 África 7,6 69,8 América do Norte 6,5 12,8 América Latina 4,1 43,8 Mundo 54,154,154,154,1

Fonte: BP, 2015, p. 6.

Tabela 10.4. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.4. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.4. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.4. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (países)

(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) Reservas proReservas proReservas proReservas provadasvadasvadasvadas

(% à escala mu(% à escala mu(% à escala mu(% à escala munnnndial)dial)dial)dial) R/P razãoR/P razãoR/P razãoR/P razão (anos)(anos)(anos)(anos)

Irão 18,2 Mais de 100 Rússia 17,4 56,4 Qatar 13,1 Mais de 100 Turquemenistão 9,3 Mais de 100 Estados Unidos da América 5,2 13,4 Arábia Saudita 4,4 75,4 Emirados Árabes Unidos 3,3 Mais de 100 Venezuela 3,0 Mais de 100 Nigéria 2,7 Mais de 100 Algéria 2,4 54,1

Fonte: BP, 2015, p. 6.

Page 245: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS

221

Tabela 10.5. Carvão: reservas provadas e razão R/PTabela 10.5. Carvão: reservas provadas e razão R/PTabela 10.5. Carvão: reservas provadas e razão R/PTabela 10.5. Carvão: reservas provadas e razão R/P

(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) Reservas provadasReservas provadasReservas provadasReservas provadas

(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial) R/P razãoR/P razãoR/P razãoR/P razão (anos)(anos)(anos)(anos)

Europa e Ásia Central 34,8 268 ÁsiaNPacífico 32,3 51 América do Norte 27,5 248 Médio Oriente e África 3,7 122 América Latina 1,6 142 Mundo 110110110110

Fonte: BP, 2015, p. 6.

Tabela 10.6. Carvão: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.6. Carvão: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.6. Carvão: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.6. Carvão: reservas provadas e razão R/P (países)

(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) Reservas provadasReservas provadasReservas provadasReservas provadas

(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial) RRRR/P razão/P razão/P razão/P razão (anos)(anos)(anos)(anos)

Estados Unidos da América 26,6 262 Rússia 17,6 441 China 12,8 30 Austrália 8,6 155 Índia 6,8 94 Alemanha 4,5 218 Cazaquistão 3,8 309 Ucrânia 3,8 Mais de 100 África do Sul 3,4 116 Indonésia 3,1 61

Fonte: BP, 2015, p. 6

Tabela 10.Tabela 10.Tabela 10.Tabela 10.7. Maiores produtores mundiais7. Maiores produtores mundiais7. Maiores produtores mundiais7. Maiores produtores mundiais

(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) PetróleoPetróleoPetróleoPetróleo Gás naturalGás naturalGás naturalGás natural CarvãoCarvãoCarvãoCarvão

Arábia Saudita Estados Unidos da América China

Rússia Rússia Estados Unidos da

América Estados Unidos da América Qatar Indonésia

Canadá/China Irão Austrália Irão Canadá Índia

Emirados Árabes Unidos China Rússia Iraque Noruega/Arábia Saudita África do Sul Koweit Argélia Colômbia México Indonésia Cazaquistão/Polónia Brasil Turquemenistão Alemanha

Fonte: BP, 2015, p. 6.

Mas a nossa mente é por vezes alheia ao rigor advindo de uma representaN

ção geral da realidade (o conceito e imanentes órbitas); e até o que poderíamos

querer dizer respeitaria a recursos que são para nós essenciais e aqui, o ditador

do critério, como todos adivinharão, é o da necessidade.

Page 246: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

222

Mas… e há sempre inúmeros «mas», a realidade vai mostrando (e sem

esquecer a «mente» do parágrafo anterior), que os recursos naturais existem

para uns e não para outros, aspeto quase determinista forçado pela «qualidade»

do território, seja de que fonte estrutural do Poder seja composto, contornado

algumas vezes pela dissimetria que a tecnologia e a técnica sempre propiciam a

quem a detém (a busca de energias alternativas é um bom exemplo; outro é,

com certeza, a reconfiguração dos EUA na senda da autossuficiência energétiN

ca, graças à exploração do petróleo e do gás de xisto, acrescentando fulgor ao

Atlântico Norte); afinal referimoNnos à inefável e permanente questão da distriN

buição; e quando o critério é este, os recursos poderão ser apelidados pela afiN

lhada da ciência maldita e, como tal, assumiremNse (respeitandoNse as condições

da perfilha) como estratégicos.

Antes de prosseguirmos, importa acautelar que a via da alternativa pode

levantar idênticas questões, pelo menos quanto à essência. Cogitando, a via da

energia eólica também esconde o valor de territórios, quer terrestres, quer

marítimos4 possuidores de tais qualidades ventosas.

Outros critérios existem; a utilização de expressões como «recursos alimenN

tares», «recursos energéticos», recursos minerais, por exemplo, refletem a adoN

ção de referência diferente, pese embora o objeto possa ser o mesmo (IAEM,

1993; Dias, 2010; Dias 2012).

Na expressão, a palavra «disputa» está mesmo a pedir que seja aproveitada

para segunda referência e que tem, em síntese, a intenção de reafirmar que não

basta pulularem recursos (naturais, neste caso) para se plasmar tal interação;

não interagimos com esses comedouros/bebedouros; fazemoNlo, sim, com

outros «eus», racionais e intencionais, por essas fontes.

Em claro, não entramos em disputa com os recursos, mas sim por eles. E se

essa se agrava, por panóplia conhecida de motivos, ultrapassando normativos e

regras, ostracizando atividades de cooperação e/ou de complemento, percorre

distância rápida que separa a competição do conflito, respirandoNse o oxigénio

da hostilidade.

As tentativas de a amenizar passarão primeiro (pelo menos fica bem afirN

marmos) pelas formas pacíficas de resolução (reino da política, das negociações,

das mediações e até nos embrenhamos pelo entrelaçado do judicial, da justiça,

4 “E se as turbinas eólicas, em vez de estarem só no alto dos montes, estivessem, também, no meio do mar? Eis o futuro se os protótipos flutuantes testados ao largo da costa portu,guesa forem um sucesso (…). No Reino Unido, que tem dos melhores ventos do mundo e que já é o país com mais parques eólicos «offshore», as turbinas flutuantes poderão chegar em 2016” (Carrington, 2014, p. 19).

Page 247: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS

223

dos tribunais); a alternativa será a putativa ou real coação/uso da força e aqui

franqueamos a porta à estratégia.

O que designaremos como terceiroterceiroterceiroterceiro domínio mantémNse no conceito, ou

melhor ainda, na teorização geral. Não parece haver dúvidas (como se ainda as

houvesse) que a existência de recursos naturais em determinado espaço confeN

reNlhe valor, que cresce consoante a importância de tais meios. Também é,

curiosamente verdadeiro, que tal facto, o da existência, pode constituir razão de

problema para o «soberano» do território que aí tem que materializar Poder e,

por vezes, sob a forma de força que revela; se vazio há, Poder estranho tenderá

a preencher, metamorfoseandoNse, hoje e já há algum tempo, de formas várias,

por vezes tão estranhas que os vendem a quem os deixou «roubar», paradoxalN

mente, para manter a possibilidade de alimentar a própria conflitualidade5.

Sobre este assunto dizer também que à existencial questão se fazem concaN

tenar assuntos de capacidades, como de exploração, de transformação, de mãoN

deNobra, de técnica e de tecnologia, acompanhados de outras disponibilidades,

como de mercados, por exemplo.

Aliás, em contexto com os dois parágrafos anteriores, apetece lembrar uma

das leis geográficas do crescimento territorial dos Estados de Ratzel (1844N1904)

(com a devida adaptação e extensão bastando até, atrevemoNnos, a alargar

espaço no que a atores se refere, substituindo «Estado» por «grupos políticos»),

para reforçar a normalidade: “Um Estado à medida que cresce, tende a anexar

regiões valiosas sob o ponto de vista político ou económico” (Dias, 2010, p. 72); e

atesteNse com já focada demonstração: “O Daesh apoderou,se de três barragens

e de, pelo menos, duas instalações de gás da Síria. Para evitar o risco de sabota,

gem da rede elétrica das zonas governamentais, o Executivo de Damasco parece

ter feito um acordo com os jihadistas. «O Daesh garante a posse das centrais e

deixa os funcionários vir trabalhar» (…). Fica com todo o gás produzido para fins

domésticos e com o petróleo – e vende,os. O regime sírio fica com o gás necessá,

rio para alimentar o sistema elétrico e também vende alguma eletricidade às

zonas sob controlo inimigo» (…). Para continuarem a financiar as zonas que con,

trolam precisam de conquistar território e recursos” (Solomon, 2015, p. 30)6.

Por outro lado importa mencionar o que surge, na nossa opinião, como

óbvio, mas que aqui carece de explicação.

5 “O EIIL conseguiu receitas avultadas nos campos petrolíferos do leste da Síria, que passou a dominar em 2012, tendo chegado a vender petróleo a Assad” (Black [et al.], 2014, p. 26). 6 “Segundo as suas estimativas, o grupo controla a produção de 40 mil barris de petróleo por dia, no leste da Síria, sendo considerado o grupo armado mais rico da História, amealhando um milhão de dólares (910 mil euros) por dia a partir das receitas do petróleo e das operações de extorsão (…). Grande parte das receitas do grupo tem origem na venda de crude dos poços de petróleo a intermediários turcos, iraquianos e sírios” (Solomon, 2015, p. 31).

Page 248: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

224

No limite, que integra o «azedar» de relações entre atores e mesmo as confliN

tualidades internas, populações movimentamNse para outros espaços na procuN

ra dos recursos necessários, fragilizando territórios e sentido de espaço,

desvalorizando Estados na lógica dos seus elementos constitutivos e quiçá,

valorizando outros; na verdade, nada de novo, com as devidas adaptações.

O caso da Nigéria e do fenómeno «Boko Haram» é, por recente, importante

como demonstração do afirmado pela teoria sintetizada na letra anterior; o

êxodo populacional essencialmente originado no nordeste do colosso africano

para países vizinhos como o Níger, os Camarões ou ainda o Chade7 coloca forN

çosa pressão na «terra», quer como espaço para ocupar, quer como geradora

de recursos naturais, incluindo a água e os alimentares, muitas vezes esqueciN

dos, classificados também em contexto como essenciais, respeitando o critério

da necessidade – “Se não forem tomadas medidas, a competição pela terra e

pelos recursos naturais poderá originar conflitos” (Hassan, 2015, p. 34) ou mesN

mo críticos, particularmente no que se refere aos recursos hídricos (reiterareN

mos a mesma ideia, em enquadramento diferente, mais à frente)8.

Permitam ligeiro interregno para colocar alguma ênfase na matéria alimenN

tar, utilizando mais uma vez aquilo que já é, ou seja, cerca de 5% de solo arável

africano encontraNse na posse de outros Estados e de empresas que compraram

(Arábia Saudita9, China, Brasil) a quem é obrigado a vender, realçandoNse o

Sudão e Moçambique (Dias, 2012)10.

É mesmo assim: “A evidência mostra preocupação com a terra e os países

exportadores de pessoas, nos dizeres de Adriano Moreira, parecem não ter outra

solução que vender a mãe geradora dos próprios recursos básicos de subsistên,

cia e, dessa maneira, estratégicos: a terra” (Dias, 2012, p. 78).

Mas voltemos à pressão, que aumenta na mesma medida em que a fuga de

territórios outrora úteis por produtores, os desvaloriza por desaproveitamenN

to, situação exemplarmente verificada no mesmo «nordeste» nigeriano, que

ainda sofre, por acréscimo, de produção inútil para a quem a gera, visto que

7 “Segundo a Agência da ONU para os Refugiados, 350 mil habitantes do nordeste do país estão refugiados nos Camarões, Chade e Níger e 470 mil são deslocados internos” (Hassan, 2015, p. 34). 8 “De acordo com a Agência Norte,Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), em 2025 haverá mais de 2,8 milhões de pessoas a viver em regiões com escassez ou disponibilidade restrita de água, uma vez que a procura de água irá duplicar de vinte em vinte anos” (Brzezinski, 2014, p. 145). 9 Que comprou 4 milhões de hectares no Sudão (Dias, 2012, p. 79). 10 “O Vietname parece planear investir na produção de arroz na Serra Leoa, Singapura encontra,se em fase de estudo e avaliação para investimentos agrícolas no Gabão, Namíbia, Quénia, Botswana e Uganda. Para além da China, situação de todos conhecida e/ou perce,cionada, a Índia e a Coreia do Sul seguem a mesma linha…” (Dias, 2012, p. 79).

Page 249: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS

225

os «guerrilheiros» também precisam de comer… já para não falar em recursos

que brotariam e que constituiriam fonte para outras populações e povos vizinhos;

de repente, também nestes se replicam efeitos de hodierna disputa, por um lado e

por outro, se potenciam condições para se envolverem noutra, simplesmente

porque somos animais e a necessidade uma alavanca comportamental basilar; e

quando se trata de elementos constituintes da base da pirâmide de Maslow…11

Antes de irmos ao «sabor esquisito», está lançado mote para respigarmos

assunto hídrico; a água esteve na razão essencial da primeira guerra tida como

tal ou seja, como facto organizado, lá para os lados da Suméria (Dias, 2010b) e

talvez se mantenha como tal no que se refere à possibilidade de conflitualidade

interNestatal, particularmente, na Ásia Central, na Ásia Meridional, no Médio

Oriente e, como já percebemos neste texto, no nordeste africano, dada a conjuN

gação existente entre estas «geografias» tipificadas por instabilidade e até

alguma inconstância do ponto de vista político, com a dificuldade relativa à

obtenção do precioso líquido (Brzezinski, 2014, p. 145)12.

“O risco de conflitos relacionados com a falta de água tenderá a intensificar,se à medida que o crescimento económico e o aumento da procura de água nos países emergentes como a Turquia e a Índia colidirem com a instabilida,de e a escassez de água em países rivais como o Iraque e o Paquistão. A escassez de água também irá pôr à prova a estabilidade interna da China, quando a sua população galopante e a sua crescente complexidade industrial se conjugarem para aumentar a procura e reduzir a oferta de água utilizável. Na Ásia Meridional, a tensão sem fim entre a Índia e o Paquistão, conjugada com o sobrepovoamento e o agudizar das crises internas do Paquistão, pode,rá pôr o Tratado da Água do Indo em risco, sobretudo porque a bacia hidro,gráfica tem origem no território há muito disputado de Jammu e Caxemira, uma área de crescente volatilidade política e militar. A persistente disputa entre a Índia e a China sobre o estatuto do Nordeste da Índia, uma área por onde corre um rio de importância vital, o Bramaputra, também continua a ser motivo de preocupação. À medida que a hegemonia americana vai desapare,cendo e a competição regional se intensifica, as disputas em torno de recur,sos naturais como a água podem facilmente evoluir para conflitos generalizados”

(Brzezinski, 2014, p. 145 e 146).

11 “A NEMA relatou que 65% dos agricultores do norte mudaram,se para o sul devido ao Boko Haram. Ora uma grande quantidade dos alimentos consumidos em Lagos e noutros estados do sudoeste provêm do norte, zona que supre as necessidades alimentares do Sahel (…). O Programa Alimentar Mundial reconheceu que a revolta é um problema para os seus programas, pois deixou de conseguir obter na Nigéria os bens alimentares para suprir as necessidades da região do Sahel, com fomes endémicas” (Hassan, 2015, p. 34 e 35). “Imagi,namos certamente a pressão e eventuais consequências mais graves sobre as nossas «fontes de vida», mesmo considerando a instantaneidade do «remendo»; se este for paulatino, man,tendo,se o pressuposto relativo ao «fator consumo», se o horizonte temporal for o ano de 2050 e a população estimada de 9,2 mil milhões, a Terra mãe terá que parir recursos para cerca, à data de hoje, de 105 mil milhões de pessoas (Smith, 2011, p. 38) ” (Dias, 2012, p. 77 e 78). 12 “A conjugação da instabilidade política com a escassez de recursos é geopoliticamente perigosa” (Brzezinski, 2014, p. 145).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

226

O azedo a que se fez menção, reforçado pela fraqueza, convive ainda nouN

tros aspetos; por exemplo, certamente que já se pensou nos benefícios que

poderiam ser colhidos pela Rússia se, por qualquer razão, provocada ou talvez

não, incluindo eventual futura incapacidade/incompetência norteNamericana na

região, se fragilizassem os laços entre os EUA e a Geórgia; em boa verdade,

uma das possíveis consequências seria o enfraquecimento da couraça azeri,

dada a mais que provável limitação da sua liberdade de ação, consequência de

uma investida «à séria» da Rússia sobre a Geórgia e, por conseguinte, o seu

comportamento na «arena» internacional não deixaria de refletir a sua posição

em órbita localizada muito perto do núcleo russo aliás como, de novo, nos ensiN

na e alerta Brzezinski (2014):

“Outro fator de motivação para a Rússia poderia ser o facto de os Estados

Unidos terem promovido a construção através da Geórgia, do corredor meridio,

nal de fornecimento de energia à Europa, especialmente o já existente oleoduto

Baku,Tíblissi,Ceyhan e o gasoduto Baku,Tíblissi,Erzurum que irá chegar à Euro,

pa através da Turquia. Se os laços dos Estados Unidos com a Geórgia se deterio,

rassem, a Rússia [poderia reclamar] o seu quase monopólio sobre as rotas do

abastecimento de energia para a Europa. A subordinação da Geórgia à Rússia

conduziria provavelmente a um efeito dominó no Azerbaijão. O Azerbaijão é o

principal fornecedor do corredor meridional e, portanto, a principal fonte de

diversificação energética da Europa” (Brzezinski, 2014, p. 115)13.

PermitamNnos apenas respigar memórias não muito longínquas e recordar,

não só a importância do Cáucaso para a Rússia, mas essencialmente os factos

de que a posse antiga dos países caucásicos significava o estabelecimento de

uma linha de fronteira no designado «Pequeno Cáucaso» e, por imanência, o

importante controlo do «Grande Cáucaso», bem como o acesso ao petróleo

azeri (Baku), de valor fundamental para o processo de industrialização dos

soviéticos (Friedman, 2015, p. 218 e 219; Dias, 2014, p. 19 e 20; Bessa e Dias,

2007, p. 33; Brzezinski, 1987, p. 46).

Mas afinal, o fenómeno é bíblico e uma realidade tem sido permanente:

quem tem e tira proveito, autonomizaNse nesse assunto, pode usar a troca, pode

forçar à dependência de outrem (exemplo: a mais que conhecida tal dependênN

13 “…o que limita indiretamente a influência política da Rússia nos assuntos europeus” (Brzezinski, 2014, p. 115). “ É igualmente importante notar que à medida que a Rússia pro,cura monopolizar o acesso às exportações de energia da Ásia Central, o protagonismo regional crescente da Turquia pode facilitar – em colaboração com o Azerbaijão e a Geórgia – o acesso irrestrito da Europa ao petróleo e ao gás da Ásia Central através do mar Cáspio” (Brzezinski, 2014, p. 169).

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DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS

227

cia, do ponto de vista da energia, da União Europeia – e alguns países em partiN

cular – relativamente à Rússia)14 e nessa medida, a coação é uma possibilidade.

E quem não tem? Procura, compra, troca ou…e se sobrevivência estiver em

causa, maior probabilidade tem de acontecer o «ou». Então, o que tem sido a

interação russoNucraniana onde o gás pesa de um lado e do outro, a base naval de

Sebastopol, por exemplo? “Em 2005, 2007 e 2009, a Rússia ameaçou ou chegou

mesmo a cortar o abastecimento de gás à Ucrânia por causa de diferendos sobre os

preços e da enorme dívida energética ucraniana. No Verão de 2010, o presidente da

Ucrânia, Yanukovych, foi pressionado para aceitar um prolongamento da conces,

são à Rússia de uma base naval no porto ucraniano de Sebastopol, no Mar Negro,

por mais vinte e cinco anos, em troca de um preço preferencial dos fornecimentos

de energia russa à Ucrânia” (Brzezinski, 2014, p. 120).

E nestas opções, não são de excluir as reservas que se encontram armazeN

nadas em depósitos na terra, no ar, no espaço exterior/cósmico, no mar (não é

despiciendo destacar, mais uma vez a título de prova, a situação lá para os

mares da China; esta que os quer «estender» e desenvolver consequentes capaN

cidades navais, não só para fechar acessos à potência norteNamericana, ao

mesmo tempo que busca a sua projeção, mas também para reclamar pedaços

de terra cujas águas que os cercam certamente não sofrerão do mal da pobreza)

ou em úteis superpetroleiros (aguardando melhor preço de venda) ou não fosN

sem também os corretores ou sociedades de corretagem empobrecerem…

(Kent e Kantchev, 2015).

E quem tem e estima que não vai ter? E quem sabe do valor dessa posse,

quando dele depende um verdadeiro Poder funcional?

As perguntas elaboradas nos dois parágrafos anteriores também são resN

pondidas ou podem sêNlo com recurso a mapas onde façam centrar atenção

14 “O PETRÓLEO É UMA ARMA…e a Arábia Saudita, ainda o maior exportador, sempre a usou quando os seus interesses estratégicos eram ameaçados. Durante décadas, através da OPEP, garantiu uma decisiva influência sobre a formação do preço do petróleo. Contudo, ao anunciar no mês passado [Novembro de 2014] que não aceitava reduzir a sua atual pro,dução, a Arábia Saudita neutralizou a OPEC, para desespero da maior parte dos seus mem,bros. Ao permitir que o preço do petróleo passe, a partir de agora, a resultar das condições de mercado, os sauditas introduziram uma nova variável na complexa equação energética mundial, e provocaram de imediato a queda abrupta dos preços, com consequências políti,cas e geopolíticas difíceis de avaliar em toda a sua extensão. Mas não tenhamos ilusões, a guerra pelo preço do petróleo é uma porta que se abriu para outras guerras. «O mundo está perigoso.»” (Amado, 2014, p. 83). Ver também outras sínteses sobre o assunto em Raval (2015, p. 64 e 65) ou em Correia (2015, p. 52 e 53); “É um jogo arriscado. Sabendo que a extração do petróleo de xisto poderá não compensar se o barril chegar aos 30 ou aos 40 dólares, a Arábia tenta entalar os EUA, mesmo perdendo muito dinheiro. Por outro lado, há quem veja aqui uma tentativa de neutralizar a Rússia (…) com o rublo a sofrer uma brutal desvalorização” (Correia, 2015, p. 52).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

228

sobre o Ártico e na Antártida. Os recursos naturais lá estão, com vantagem

para a Rússia e para os EUA (Alasca), no caso do Norte (Dias, 2012).

De facto, as respostas estão nas evidências; ou seja, simplesmente se contiN

nua a procurar, certamente utilizando todos os instrumentos ao dispor15, benigN

nos e malignos…, independentemente de hoje e apesar da notória militarização

daqueles espaços, exemplificando com o Ártico, por mais «conhecido da nossa

sociedade académica», a opinião generalizada dos especialistas16 ser de improN

vável conflitualidade armada, “não só por matéria primacial de Direito (Conven,

ção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), mas sobretudo pela já forte

tradição da primazia de relações de cooperação naquele território [Ártico], indu,

zida em primeira análise por Gorbachev, em discurso proferido na base de Mur,

mansk, decorria o ano de 1987 (Outubro) ” (Dias, 2012, p. 121), mesmo tendo em

conta – mais uma constatação – (certamente que Gorbachev não adivinharia)

que o espaço objeto de reivindicação por parte do arktos, que inclui o Pólo NorN

te, corresponderá a cerca de metade do Oceano em causa.

“A massagem cooperativa chegada aos píncaros por intermédio de Ilulis,sat, desejada por nós, ou não fosse massagem, não deve enevoar ou ine,briar pensamento e racionalidade; de facto, para a mesma obter efeitos, requer,se que quem a aplica se lembre de que o assunto é reivindicação, é território, é petróleo, é gás, é comércio”

(Dias, 2012, p. 122).

As mesmas questões obrigam a utilizar a «corda vertical», como resposta, e

prosseguir no sentido do «Espaço»17.

A subida para o espaço exterior ou dito cósmico arrasta igualmente a intenN

ção, a necessidade e a possibilidade de exploração de recursos naturais; a

riqueza já atribuída ao satélite da Terra sem atmosfera – a Lua – é um bom

exemplo; «pérolas» como ferro, silício, cálcio, alumínio, oxigénio, titânio, hidroN

génio por lá pululam.

15 “É neste enquadramento que assistimos a esforços de atores, quer os geograficamente limitados pelo gélido líquido – Estados Unidos da América, Rússia, Canadá, Noruega, Dinamarca –, quer outros com palavra forte a dizer nas interações internacionais – China, União Europeia, se resistir, Índia e Japão –; no entanto, julgamos óbvia, a superioridade obtida graças à posição/localização, pelos primeiros, no intuito de salvaguardar a reclamar aquilo que é ou que julgam seu, sabendo que estão a tratar de território ou talvez do territó,rio que configure mais direitos de propriedade na «cloud»” (Dias, 2012, p. 120 e 121). 16 Como Leal (2014), como Smith (2011). 17 “Em 2019, a Agência Espacial Europeia (ESA) irá poisar um «rover» na superfície de Marte. A missão ExoMars irá recolher e analisar amostras do solo, para estudar a geologia e procurar seres vivos. A comandar este «carrinho» com 207 kg, que passeará de forma autónoma pelo solo marciano, estará um sistema de controlo desenvolvido por uma empre,sa portuguesa, a Active Space Technologies” (Sá, 2015, p. 25).

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DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS

229

Mas não só; não esqueçamos o hélio 3 como apetitoso combustível para uma

mais eficiente fusão (um dos segredos das estrelas), em contexto do processo

usado para abastecimento de centrais nucleares (Dias, 2012).

É certamente também no quadro de pintura iniciada no parágrafo anterior

que se inserem projetos de mineração como o SCALAB, o RESOLVE e o PILOT

(Dias, 2012, p. 186) ou os programas da NASA ISRU (In Situ Resource Utiliza,

tion), Constelação (Dias, 2012, p. 185 e 186) ou ainda o ORION (Lopes, 2015)18.

Na mesma galeria podem ser vistos os esforços de outros atores do Sistema

Político Internacional, como por exemplo os da Federação Russa19, dos quais

destacamos por recentes a construção de uma nova base de lançamento na SibéN

ria, a de uma estação espacial, a ficar pronta em 2024, a criação da Roskosmos (a

Agência Espacial), o investimento até 2020 num programa espacial no valor de 30

mil milhões de euros, a emersão do foguetão «Angara» para substituir os conheN

cidos «Proton», entre outros (Lokstin e Schepp, 2015, p. 60 e 61).

Não poderíamos finalizar este respigar sem dar conta de que a armamentiN

zação, que é diferente de militarização, do espaço exterior/cósmico já não é

nada de novo, nem na teoria, incluindo corporizações concetuais, nem na prátiN

ca. Procurando respeitar a índole pedagógica deste contributo e para primeiras

aproximações ao assunto, em língua portuguesa, sugereNse Dias (2006), Dias

(2010c), Oliveira (1994).

Interessante, curioso, prospetivo, essencialmente, sobre matéria de violência

militar no espaço, é o capítulo (10) que Friedman (2010) intitula de «Planos de

Guerra».

Um quarto caminho que pode ser tomado é o «estreito», isto é, a disputa de

qualquer recurso e por maioria de razão de um recurso escasso/finito não faz

sentido se tal «coisa» importante não chega ao destino que nos convém. De

forma simplista mas julgada objetiva, damos conta de raciocínio relativo às

linhas de comunicações e, muito particularmente, aos gargalos, como são

exemplo os estreitos de Malaca20, de Sunda, de BabNelNMandab, de Ormuz, o

canal do Suez, entre outros.

18 “Custo do Programa Orion até 2021: 18 mil milhões de euros” (Lopes, 2015, p. 76). 19 “Rogozin [vice,primeiro ministro russo) anunciou recentemente (…) que a Rússia irá colonizar a Lua e ali permanecerá para sempre, porque o satélite da Terra é, atualmente, a única fonte acessível de matérias,primas extraterrestres” (Lokstin e Schepp, 2015, p. 61). “…a Rússia continua a ser uma superpotência especial. Sem a ajuda de Moscovo, os norte,americanos não poderiam enviar astronautas para a Estação Espacial Internacional (ISS). E até o Antares, o foguetão que transporta víveres, vestuário e aparelhos científicos, voa com motores russos” (Lokstin e Schepp, 2015, p. 60). 20 “O Japão irá precisar de uma presença na Ásia, de modo a lidar com os seus problemas demográficos e como forma de obter matérias,primas; para tal terá de controlar o Pacífico Noroeste” (Friedman, 2010, p. 218).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

230

A este propósito, diríamos que o pensamento não fica limitado à ideia de

garantir a segurança, o controlo (ou da vantagem de posição) e à existência de

normativos pesados que darão corpo «legal» a tais necessidades; também se

apressa no sentido do itinerário alternativo que permita diversificação de fluN

xos, que diminua dependências de passagem; enfim, que mitigue fragilidades

resultantes de cenários de entupimento ou de proibição.

Os «tubos» alimentadores do território europeu corporizam também tal

esforço, evitando ou fugindo de passagens menos amáveis; apesar do afirmado,

as «imagens» que traduzimos têm a ver com o facto de serem menos conheciN

das, julgamos: aos esforços e investimento chineses em Myanmar no porto de

Kyauk Phru não será alheia a possibilidade de construção de oleoduto que

aponte ao Império do Meio, constituindoNse como alternativa, em parte, ao

aperto de Malaca; às ações da mesma tipologia (incluindoNse mesmo construção

de portos) da Índia em espaços de Myanmar e do Bangladesh na procura de

futuro controlo da passagem pelo Índico (também próspero em recursos natuN

rais), com eventual choque com os norteNamericanos e mesmo com a China,

caso esta consiga, de igual modo, edificar estrutura portuária, desta feita no

Paquistão, projetandoNse assim naquele oceano (Brzezinski, 2014, p. 111).

Mas aquela questão do destino que nos convém tem duplo sentido; não se

trata somente daquele que aponta para nós, mas também do inverso, que leva a

«seiva» a outrem, que nos paga, por um lado e que por sua vez, materializa biuN

nívoca dependência.

Mais um exemplo: é certa a riqueza russa de petróleo e de gás, tal como o é,

a absoluta necessidade de o fazer chegar a quem o adquira, evitando por parte

do cliente o acesso a outras fontes que plasmem alternativa, tal como se torna

necessário mitigar, quer as possibilidades de trânsito bloqueado, quer o pagaN

mento de sobretaxas, quais imposições de circulação. E isto não se passa só no

mar; na terra proliferam oleodutos e gasodutos como é sobejamente conhecido.

E os recursos naturais têm que chegar ao Ocidente, à Europa, à Alemanha, à

Áustria…enfim, que dizer mais, para além da prolífera ordem de razões tornaN

das públicas21, do significado e do valor para os russos de territórios como o da

Bielorrússia, como o da Ucrânia, como o da Polónia, o da Hungria, o da RoméN

nia e outros (Friedman, 2015).

21 “O primeiro duelo foi pela Ucrânia, a chave da região para a Rússia. Não era apenas uma questão de «pipelines», mas de segurança física da Rússia a longo prazo. A fronteira ucra,niana com a Rússia estende,se por mais de 1100 quilómetros. Dista cerca de 800 quilóme,tros de Moscovo em terreno plano e aberto. Odessa e Sebastopol, ambas na Ucrânia, asseguram à Rússia acesso comercial e militar ao mar Negro e ao Mediterrâneo (…). Uma aliança ucraniana com a NATO colocaria uma ameaça inequívoca à segurança nacional russa” (Friedman, 2015, p. 259 e 260).

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DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS

231

Um quinto domínio ou linha de reflexão e estudo decorre ou melhor pode

ser inferido de tudo o que pudemos injetar através da pena, fazendo emergir

aquilo que todos vemos, mas que muitas vezes não tiramos proveito: a interdisN

ciplinaridade, mesmo a transdisciplinaridade existente quando falamos deste

assunto, o da existência, da distribuição de recursos naturais, por forçosas e

gritantes interdependências. É que, ao mesmo tempo, a associação com outras

e diversas matérias, bem como com as consequências, incluindo soluções, que

daí possam resultar, obrigam ao convívio com fenómenos como a crescente

urbanização, a demografia, os hábitos alimentares, as alterações climáticas, a

modernização da vida social, entre outros.

E vamos finalizar.

CCCCONSIDERAÇÕES FINAISONSIDERAÇÕES FINAISONSIDERAÇÕES FINAISONSIDERAÇÕES FINAIS

O desafio que nos foi colocado poderia ter sido enfrentado de diferentes

formas, com os extremos na abrangência e na fácil restrição, consequente de

eventual aprofundamento de restrita matéria.

Tendo em conta o teor da publicação e imanentes projetantes de orientação,

tomámos a opção de efetuar uma abordagem, nem «tanto ao mar, nem tanto à

terra», correndo o originado risco que tal induzia, qual nosso posicionamento

no cesto da gávea, porque só esse permitia uma cartografia, tão vasta, como

rigorosa, dados os nossos meios e condições, sem nunca deixar de verificar da

qualidade dos curvatões que nos sustentaram ao longo das observações.

Aflorámos matéria de conceito, expressandoNnos claramente sobre signifiN

cados e critérios de classificação e, também com isso, forjámos aproveitamento

para plasmar elementos atualizados relativos aos recursos naturais que jogam

no campo de energia e que ainda hoje representam componente imprescindível

na vida dos agregados humanos.

Naqueles três caminhos adotados, fomos isolando e identificando (assuminN

do o ónus da prova) diversas e diferentes situações a título de exemplos, para

que a necessária e útil confluência da teoria e da prática fornecesse um quadro

o mais completo e claro possível, que pudesse ser visto pelos leitores e, muito

particularmente, por aqueles que vivem na Escola e para a Escola.

Dizer ainda que nessa espécie de formulação, procurámos aproximações a

diferentes recursos naturais, desde os energéticos, passando pelos hídricos e

não esquecendo os alimentares, ocupando o pensamento com vários territórios,

tão terrestres, marítimos, aéreos e espaciais, como tão a Norte, Sul, Leste e Oeste,

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

232

não ostracizando o seu preenchimento por diferentes atores ou até ainda por

preencher, em caso de satisfação de necessidade e de desejo.

O quarto caminho afunilou em gargalos e com esse estreitamento rebocou

preocupações e alertas com linhas de comunicações, com busca de alternativa

para as «viagens», com a necessidade e utilidade, tanto de receber como de

fazer chegar; os exemplos também aqui se materializaram com a riqueza, julgaN

se, advinda da diferente tipologia.

Na canseira consequente da tomada desses quatro percursos, o fardamento,

o equipamento e o armamento utilizados foram feitos à custa de matériasN

primas como as Relações Internacionais, a Estratégia, a Geopolítica e a GeoesN

tratégia, essenciais para lidar com aquilo que é e não com o que deveria ser; e

por isto, também referências à antropologia e à etologia.

Por último quisemos trazer à colação a obrigatoriedade da capacidade de

associação se transformar, situacionalmente, em competência, explicitando de

maneira inequívoca a necessidade destes assuntos serem abordados, estudados,

quiçá alguns resolvidos, de maneira interdisciplinar e mesmo transdisciplinar

acabando, em abono da verdade, com este último traçado, por justificar a opção

de abordagem por nós tomada e claramente expressa.

Esperemos que tenha sido útil, nem que fosse para aguçar apetite de estudo

sobre qualquer coisa que daqui possa ter sido retida.

Page 257: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

233

11111111.... MMMMUDANÇAS UDANÇAS UDANÇAS UDANÇAS CCCCLIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E DDDDESASTRES ESASTRES ESASTRES ESASTRES NNNNATURAISATURAISATURAISATURAIS

AMÉRICO S. ZUZARTE REIS

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

As relações entre fatores ambientais e violência ou conflitos de cariz ambiental

constituem áreas muito debatidas nos nossos dias. No decorrer das duas últimas

décadas prestou,se muita atenção ao papel assumido pelos recursos naturais e

pelas alterações climáticas nos conflitos internos, no período pós guerra,fria.

Diversos autores pensaram que a escassez ambiental e as alterações climáticas

poderiam contribuir para a eclosão de violência ou distúrbios sociais, particular,

mente em estados escassamente capacitados em conhecimento e em estruturas

sociais, tais como se observa em países em desenvolvimento.

As alterações climáticas e os desastres naturais perigosos são susceptíveis de

agravar situações de crise em partes do Mundo que já padecem de elevados

níveis de insegurança alimentar. As alterações climáticas repercutem,se significa,

tivamente na segurança alimentar, nos meios de subsistência de milhões de pes,

soas e na migração forçada.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chavechavechavechave: Recursos naturais, alterações climáticas, desastres naturais, segu,

rança nacional

AAAALTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES CCCCLIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E DDDDESASTREESASTREESASTREESASTRESSSS NNNNATURAIS NUM ATURAIS NUM ATURAIS NUM ATURAIS NUM RRRRELANCEELANCEELANCEELANCE

Recursos Naturais, Alterações Climáticas (AC) e Desastres Globais (DG) são

temas centrais em diversos quadrantes da comunidade científica internacional.

A zonalidade climática e os tipos de tempo normais associados estão a mudar

globalmente e cada vez mais a afectar negativamente a humanidade. Sem dúviN

da, a pressão crescente sobre os ecossistemas, a intensificação da competição

Page 258: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

234

mundial por recursos e a intensificação das consequências das alterações climáN

ticas são três dos principais desafios da primeira metade do século 21.

De acordo com o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas

(IPCC), se a temperatura média global subir 2º C acima dos níveis préN

industriais, os impactes ambientais negativos das AC crescerão muito significaN

tivamente, exigindo estratégias e esforços suplementares para os enfrentar.

A Agência Europeia do Ambiente (AEA) define onze tendências pesadas gloN

bais (TPG) – conforme analisadas no SOER 2010 e no SOER 2015)1 – relacionadas

com a demografia, o crescimento económico, os padrões de produção e de comérN

cio, o progresso tecnológico, a degradação dos ecossistemas e as alterações climátiN

cas. Estas tendências pesadas globais incidem directamente na alimentação, água,

energia, materiais e solo, afectando a saúde e bemNestar humanos no seio da União

Europeia (AEA, 2015. O Ambiente na Europa: Estado e perspectivas 2015 – Relató,

rio síntese. Agência Europeia do Ambiente, Copenhaga).

Do conjunto das onze TPG, destacaNse a referente às “consequências cada

vez mais graves das alterações climáticas: O aquecimento do sistema climático é

inequívoco e desde os anos 50 que muitas das alterações observadas são sem

precedentes ao longo de décadas a milénios. À medida que alterações climáticas

se desenvolvem, podem preverNse graves impactes para os ecossistemas e para

as sociedades humanas (incluindo segurança alimentar, frequência de secas e

fenómenos climatéricos extremos).” (AEA, 2015: 37).

As afectações negativas das AC são inúmeras e recaem sobre diversos sisN

temas naturais e humanizados tais como a biodiversidade, zonas costeiras,

espaços insulares e faixas costeiras densamente povoadas. As alterações climáN

ticas ameaçam a segurança alimentar, a segurança humana e a própria ordem

internacional, porque são geradores de impactes transfronteiriços que incluem

a agitação social e deslocações massivas de população.

A Europa confrontaNse atualmente com um fenómeno migratório irregular e

de grande intensidade, que trespassa diversas fronteiras de Estados Membros

da União Europeia (EM da UE). No momento em que se ultima este artigo, a

Ministra do Interior Austríaca (Joahanna MiklNLeitner) anuncia o erguer de uma

cerca ao longo da sua fronteira com a Eslovénia, criando assim um instrumento

(físico) para controlar o fluxo migratório. Será que entramos numa nova era de

“Muros” no Espaço Económico Europeu?2

1 O Ambiente na Europa: Estado e perspectivas 2010 (SOER 2010); O Ambiente na Europa: Estado e perspectivas 2015 (SOER 2015). 2 Espaço Económico Europeu (EEE). O EEE foi criado em 1994 a fim de alargar as disposições do mercado interno da União Europeia aos países da EFTA. http://www.europarl.europa.eu/ atyourservice/pt/displayFtu.html?ftuId=FTU_6.5.3.html.

Page 259: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS

235

Por seu lado, a região alemã da Baviera, na fronteira com a Áustria, acelerou

o ritmo de deportações e acusou Viena de encaminhar milhares de refugiados

para o seu território sem aviso prévio. Estamos perante uma falta de consenso

institucional entre os EM da UE sobre o rumo a dar às políticas necessárias para

gerir a crise de refugiados, com alguns estados a adoptar posições unilaterais.

A previsível intensificação do rigor do inverno nos países da Europa Central

obriga à adopção de medidas urgentes para salvaguardar a integridade física

dos milhares de famílias acantonadas em campos de refugiados improvisados e

em instalações precárias.

O crescente número de pessoas involuntariamente deslocadas, sejam elas

refugiados, deslocados internamente, ou à procura de exílio, tem a ver tão,

somente com questões de sobrevivência na esmagadora maioria das situações,

ainda que esta convicção possa carecer de validação. As pessoas abandonam os

seus lares e as suas raízes ancestrais por estarem na iminência de cair abaixo do

limiar de sobrevivência.

Em relação aos refugiados, é forçoso ir muito além do simples atacar de criN

ses conjunturais, que precisam de medidas imediatas, seja na Europa ou em

qualquer parte do Mundo. É forçoso atacar as raízes do problema e fazer um

esforço credível e efectivo para esbater o fosso entre as sociedades desenvolviN

das e as menos desenvolvidas, ajudando as populações a criar condições de

sustentabilidade nas suas terras de origem.

Quais as razões subjacentes ao progressivo engrossar das fileiras de refuN

giados? PodemNse apontar duas categorias de causas: as naturais, mas com

bastante influência humana, e as não naturais. Dentro das causas naturais, disN

tinguemNse as situações decorrentes de processos hidrológicos e meteorológiN

cos difusos e persistentes que vão difusamente degradando as condições

ambientais e os serviços prestados pelo ecossistema (e.g. crescente aridez,

escassez de água e solo, aumento da temperatura média global). Nesta categoria

também se enquadram as situações decorrentes de desastres naturais bruscos e

violentos (e.g. sismos, tempestades tropicais, inundações). Por seu lado, nas

causas não naturais, destacamNse as situações de perseguição, conflito, violência

generalizada ou violação dos direitos humanos, muitas vezes associadas a conN

flitos motivados pela escassez ou pela abundância de recursos naturais (resour,

ce course) como petróleo, diamantes, madeiras ou outros materiais valiosos3.

A crescente escassez de recursos vitais para a sobrevivência humana, obserN

vada em diversas partes do Mundo, tem implicações a uma escala global, regional

3 Ver, por exemplo, Zuzarte Reis, A., 2015. “Fight for natural resources: the geography of wars”, Chapter 7, pp. 127N146.

Page 260: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

236

e local. As manifestações da alteração ambiental que levam à escassez de recurN

sos, e.g. avanço da aridez, é visível em partes de África, América, Austrália e na

Bacia do Mediterrâneo. TemNse assistido a uma consciencialização progressiva

que a ameaça ambiental tanto afecta os territórios nacionais como as suas áreas

de interesse exterior, projectandoNse medidas que permitam antecipar e salvaN

guardar a segurança das fontes e fluxos de recursos cruciais tais como alimenN

tares e energéticos.

Perante este contexto securitário, levantaNse a questão em que medida estas

matérias entroncam com o tema central deste artigo? Tomemos como exemplo

situações recentes de afectação muito significativa de colheitas de trigo devido a

vagas de calor inusitadas. O decréscimo da oferta faz subir o preço e os mais

atingidos são os mais dependentes e os mais carenciados, com parcos recursos

para enfrentar o acréscimo no preço do bem.

Alguns ensaios recentes têm vindo a argumentar que a mudança climática

tem desempenhado um papel "multiplicador de ameaças" no Mundo Árabe, ou

seja, tem exacerbado diversas forças motrizes ambientais, sociais, econômicas e

políticas indutoras de desordem. Dentro das forças motrizes incluemNse a seca,

a escassez de alimentos e a migração centrada na sobrevivência (Sarah JonnsN

tone; Jeffrey Mazo, 2011, 2013).

A severa seca que afectou parte do território chinês no inverno de 2010N2011

tem sido associada como parte das causas subjacentes ao recrudescer da agitaN

ção social e violência que transformaram a Tahrir Square no Egipto num autênN

tico campo de batalha, em Janeiro e Fevereiro de 2011. À partida poderá

parecer não existir qualquer ligação entre o preço do pão (trigo) e a revolução

Egípcia, associada à Primavera Árabe, mas de facto estes dois eventos relacioN

namNse por uma série de acontecimentos observados no decorrer do inverno de

2010N2011. Durante os protestos na Primavera Árabe registados na Tunísia,

Líbia e Egipto, a atenção mundial focouNse sobretudo nos protestos na Tahrir

Square no Egipto e nas motivações políticas e ideológicas subjacentes aos mesN

mos, deixando escapar outras causas não tão óbvias, mas que contribuíram em

grande medida para o escalar dos acontecimentos, e que estão relacionadas

com aspetos básicas de sobrevivência.

Naquilo que poderia ser chamado de “globalização do risco” (Sternberg,

Troy: 2012), atenteNse que um simples inverno extremamente seco na China,

como acontece em cada cem anos, ao reduzir a produção interna de trigo, vai

ter consequências num país longínquo como o Egipto. As consequências da

ocorrência na China vão ser potenciadas por quer a Rússia quer a Ucrânia

terem sido igualmente afectadas por secas em 2010 e produzirem menos trigo.

Page 261: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS

237

Perante o decréscimo da quantidade, os preços do trigo subiram nas praças

internacionais, globalizouNse o efeito do acréscimo no preço e, logo, o seu risco

associado.

No Egipto, o maior importador mundial de trigo, as tensões escalaram após

o aumento do preço do trigo importado da Rússia (com reflexos no preço do

pão) e, segundo alguns autores, contribuiu para o desenrolar dos acontecimenN

tos que culminaram no confronto e contestação da legitimidade do Governo

(Sternberg, Troy: 2013).

Numa linha semelhante, vários estudos recentes relacionam o crescendo de

conflitualidade interna em países do Norte de África e Médio Oriente com fatoN

res climáticos. Por exemplo, mais de 60 por cento do território Sírio experimenN

tou a maior seca alguma vez registada, entre 2006 e 2011, e as piores quebras de

produção agrícola no Crescente Fértil. A seca devastadora induziu a fuga de

centenas de milhares de Sírios das áreas rurais para as cidades, que acabaram

por procurar refúgio em zonas de conflito armado. O conflito armado em curso

na Síria veio criar ainda maior insegurança no território e desencadear a fuga

massiva das populações já anteriormente deslocadas dos campos para as áreas

urbanas.

Globalmente, existem mais de 38,2 milhões de pessoas internamente desloN

cados (IDMC 2015 Global Overview), mais de 19,5 milhões de refugiados e 1,2

milhões procuram asilo (UNHCR Global Trends 2014).

EstimaNse que no final de 2014 o número de pessoas dependentes da assisN

tência do UNHCR (Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados)

ascendia a 59,5 milhões, devido a deslocações forçadas, tanto para fugir de

causas naturais como de zonas de conflito armado.

Este capítulo sobre alterações climáticas e desastres naturais não tem por

objeto entrar nas fundações científicas das alterações climáticas, mas sim incidir

sobre as principais consequências societárias e securitárias das mesmas. RemeN

teNse para bibliografia específica os aspetos de cariz mais técnico e científico,

quando tal se justificar e ajudar à compreensão das matérias expostas.

Assim, com este artigo procuraNse dar um contributo em Língua Portuguesa

no estudo das consequências humanitárias e securitárias das consequências das

alterações climáticas e dos desastres naturais extremos4. Conforme já se visN

lumbra da multiplicidade de aspetos abordados ao longo deste enquadramento

inicial, as relações entre Alteração Climática, Desastres Naturais e Conflitos são

4 Para o território nacional, sugereNse a consulta do Projeto “Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures” (SIAM)" , iniciado em meados de 1999, com o financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. http://siam.fc.ul.pt/.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

238

múltiplas e deveras complexas, prestandoNse a diferentes tónicas e perspectivas

de abordagem.

O artigo foi concebido de forma a passar em revista os primeiros desenvolN

vimentos na investigação das relações entre fatores ambientais e conflitos, enfaN

tizando as suas consequências, e reflectir alguns dos passos que levaram à

interiorização das ameaças ambientais nos discursos securitários aos níveis

nacional e internacional. Por último, refiraNse que são apresentados alguns valoN

res relativos a população, refugiados e desastres ambientais, onde se teve o

cuidado de procurar os dados credíveis mais recentes.

AAAALTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES CCCCLIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E DDDDESASTRES ESASTRES ESASTRES ESASTRES NNNNATURAIS ATURAIS ATURAIS ATURAIS –––– CCCCONCEITOS E ONCEITOS E ONCEITOS E ONCEITOS E FFFFACTOSACTOSACTOSACTOS

As implicações das alterações climáticas na segurança humana e na seguN

rança colectiva são inúmeras, complexas e multicausais, conforme o comproN

vam inúmeros projetos de investigação científica relacionados com segurança

ambiental, segurança alimentar, segurança energética e alterações climáticas.

Um estudo não muito distante, datado de 2008, sobre clima e segurança – Cli,

mate Change as a Security Risk, promovido pelo German Advisory Council on

Global Change (WBGU), salienta ser pouco provável o clima por si só induzir

guerras entre estados. No entanto, salienta o mesmo estudo, as alterações cliN

máticas poderão agudizar conflitos nacionais e internacionais e intensificar

problemas já difíceis de gerir, tais como falhas de estado, erosão da ordem

social e escalada de violência (WBGU 2008:2).

De facto, a alteração climática é uma ameaça global à segurança no século 21!

Esta ameaça é credível, muito provável (para não dizer certa) e atual, com uma

incidência global, ainda que diferenciada. É uma ameaça difusa e persistente, pelo

que é difícil avaliar a magnitude e o horizonte temporal da intensificação das suas

consequências. Do mesmo modo, as medidas consideradas hoje para mitigar e

solucionar as suas consequências terão um horizonte temporal muito remoto e,

achamos, uma grande incerteza quanto aos resultados alcançáveis.

Tentar decifrar o real alcance e potencial da ameaça climática, de forma a

antecipar medidas mitigadoras, tem sido uma preocupação quer no domínio

das ciências da terra como das ciências sociais e políticas. O certo é que, nas

últimas décadas os desastres naturais têm feito mais vítimas mortais do que os

próprios conflitos armados em curso5.

5 Para uma análise da tipologia de conflitos recomendaNse a consulta de: HIIK, Heidelberg Institute for International Conflict Research, que publica o Conflict Barometer desde 1992.

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS

239

A ConvençãoNQuadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima

(UNFCCC), no Artigo 1 considera, para efeitos daquela convenção, que a alteN

ração climática "significa uma mudança de clima atribuível directa ou indirecN

tamente à actividade humana que altera a composição da atmosfera global e

que vai além de variabilidade climática natural observada ao longo de períodos

comparáveis. Considera ainda que, efeitos adversos da mudança climática "sigN

nifica modificações no ambiente físico ou biota resultantes da mudança climátiN

ca que tenham efeitos negativos significativos na composição, resiliência ou

produtividade dos ecossistemas naturais e administrados, ou no funcionamento

dos sistemas socioeconómicos ou no bemNestar ou saúde humana6.

As alterações climáticas manifestamNse pelo incremento da temperatura

global, alterações nos padrões de precipitação e diminuição nas quantidades de

gelo e neve. Estes fenómenos ocorrem globalmente e na Europa já são bem

evidentes, tendo alguns deles batido registos históricos nos últimos anos.

A Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres

(UNNISDR, 2004) define desastre como "uma grave perturbação do funcionaN

mento de uma comunidade ou sociedade causando perdas humanas, materiais,

econômicas ou ambientais generalizadas que excedam a capacidade da comuN

nidade ou sociedade afectadas para lidarem com a situação exclusivamente com

recursos próprios”.

Por natureza, um desastre natural é um evento multidimensional que provoN

ca graves perturbações no funcionamento de uma sociedade. Este evento pode

ser dividido em três elementos: o perigo natural, a exposição e a vulnerabilidade

(Wisner et al 2005, Birkmann 2006). Assim, um perigo natural transformaNse

num desastre em função destes três elementos. Enquanto de um perigo natural

grave por norma resulta um desastre natural em qualquer situação, normalN

mente de pequenos perigos naturais poderão não resultar desastres naturais se

a exposição e a vulnerabilidade da sociedade forem baixas. A vulnerabilidade a

desastres naturais pode ser definida como o conjunto de características de uma

sociedade em termos da sua capacidade para antecipar, enfrentar, resistir e

recuperar do impacte dos riscos naturais, (Wisner et al., 2005).

Na Figura 11.1Figura 11.1Figura 11.1Figura 11.1 sintetizamNse algumas evidências dos impactes das alterações

climáticas relacionados com a deslocação involuntária de pessoas e relações

entre as alterações climáticas e conflito, com base no 5º relatório de avaliação

do IPCC, de 2014.

http://www.hiik.de/en/konfliktbarometer/; Uppsala Conflict Data Program (UCDP), Department of Peace and Conflict Research, que reune informação de conflitos desde os anos de 1970. http://www.pcr.uu.se/research/UCDP/. 6 UNFCCC. United Nations 1992. Article 1. Definitions.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

240

Figura 11.1. Alterações climáticas e Figura 11.1. Alterações climáticas e Figura 11.1. Alterações climáticas e Figura 11.1. Alterações climáticas e deslocação e conflito. deslocação e conflito. deslocação e conflito. deslocação e conflito.

Evidências do 5º Relatório de Avaliação.Evidências do 5º Relatório de Avaliação.Evidências do 5º Relatório de Avaliação.Evidências do 5º Relatório de Avaliação. Impactes das Alterações Climáticas na

Deslocação Alterações Climáticas e Conflito

Os eventos meteorológicos extremos proNvocaram no passado deslocações significaNtivos de população, e as alterações na incidência de eventos extremos vão ampliar os desafios e riscos de tais deslocações.

Muitos grupos vulneráveis não dispõem dos recursos necessários para emigrar e evitar os impactes das alterações climáticas.

Os próprios emigrantes poderão estar vulneráveis aos impactes das alterações climáticas nas áreas de destino, particuNlarmente nas franjas urbanas em países em desenvolvimento.

Alguns dos fatores que incrementam o risco de conflitos violentos dentro de estaNdos são sensíveis às alterações climáticas (e.g. baixo rendimento per capita, retracNção da economia, inconsistência das instiNtuições do estado).

Estratégias de adaptação pobres e mal desenhadas podem incrementar o risco de conflito violento.

As pessoas que vivem em sítios afectados por conflitos violentos são particularmente vulneráveis às alterações climáticas.

O conflito influencia fortemente a vulneraNbilidade aos impactes das alterações climáNticas.

Fonte: IPCCNWG2NAR5, Chap 12 Human Security http://www.ipcc.ch/report/ar5/wg2/.

Parece agora consensual o reconhecimento de um conjunto de evidências

científicas que atestam o papel das alterações climáticas no incremento da

intensidade e frequência dos desastres naturais, particularmente os hidrológiN

cos e climatológicos. Nos últimos anos multiplicaramNse as situações de chuvas

intensas, furacões e vagas de calor (IPCC, 2011), provocando elevado número

de vítimas e danos materiais. Com base na EMNDAT (The International Disaster

Database), entre 2000 e 2015 foram reportados cerca de 6500 desastres naturais

que provocaram cerca de 1,3 milhões de mortes e danos materiais estimados

em 1969 mil milhões de dólares (a valores de 2014)7.

No corrente século registaramNse diversos desastres naturais violentos com

números avultados de vítimas e de danos materiais, como foram os casos do

sismo no Haiti (2010), que provocou mais de 200 mil mortes e três milhões a

necessitar de ajuda de emergência, o Ciclone Nargis (2008), no norte do Oceano

Índico, que atingiu a costa de Myanmar e devastou a região do Delta de AyeN

yarwady ao longo dos seus 37 municípios durante dois dias, causando pelo

menos 84 500 mortes e cerca de 54 000 desaparecidos, e o Furacão Katrina

(2005), o então mais mortífero de todos os que atingiram a costa do Golfo, proN

vocando perdas estimadas em mais de 81 mil milhões de dólares.

7 EMNDAT, consulta interactiva (20Out15) http://www.emdat.be/disaster_trends/index.html.

Page 265: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS

241

Durante o ano de 2013 os números oficiais apontam um total de 22 milhões

de deslocadas devido aos efeitos ou às consequências directas ou indirectas de

desastres naturais violentos (UNHCR 2015)8. Na Figura 11.2Figura 11.2Figura 11.2Figura 11.2 apresentaNse a

população refugiada em 2014, por regiões UNHCR.

Figura 11.2. População refugiada por regiões UHNCR Figura 11.2. População refugiada por regiões UHNCR Figura 11.2. População refugiada por regiões UHNCR Figura 11.2. População refugiada por regiões UHNCR –––– 2014 2014 2014 2014

PrincípioPrincípioPrincípioPrincípioNNNN2014201420142014 FimFimFimFimNNNN2014201420142014

Regiões Regiões Regiões Regiões UNHCRUNHCRUNHCRUNHCR Refugiados

Pessoas em situaNções tipo refugiado

Total de refugiados

Refugiados

Pessoas em situaNções tipo refugiado

Total de refugiados

África Central e Grandes Lagos

508.600 7.400 516.000 625.000 37.600 662.600

África Oriental e Corno de África

2.003.400 35.500 2.038.900 2.568.000 33.400 2.601.400

África Austral

134.500 N 134.500 174.700 N 174.700

África Ocidental

242.300 . 242.300 252.00 N 252.000

Total de Total de Total de Total de ÁfrÁfrÁfrÁfriiiica*ca*ca*ca*

2.888.800 42.900 2.931.700 3.619.700 71.000 3.690.700

Américas 514.700 291.200 805.900 509.300 259.700 769.000 Ásia e Pacífico

3.267.500 279.500 3.547.000 3.568.500 280.100 3.848.600

Europa 1.771.100 11.400 1.782.500 3.089.400 18.200 3.107.600 Médio Oriente e Norte de África

2.556.600 74.00 2.630.600 2.898.500 65.400 2.963.900

TotalTotalTotalTotal 10.998.700 699.000 11.697.700 13.685.400 694.400 14.379.800 * Excluindo Norte de África.

Fonte: UNHCR, Global trends, Forced Diplacement in 2014. UNHCR, 2015, Geneva. http://www.unhcr.org/540854f49.html

AAAAMBIENTE E MBIENTE E MBIENTE E MBIENTE E CCCCONFLITO ONFLITO ONFLITO ONFLITO –––– RRRROTEIRO OTEIRO OTEIRO OTEIRO SSSSINTÉTICO DA INTÉTICO DA INTÉTICO DA INTÉTICO DA IIIINVESTIGAÇÃONVESTIGAÇÃONVESTIGAÇÃONVESTIGAÇÃO

O arranque da investigação científica sobre o que na literatura se designou

de segurança ambiental (environmental security) ou de conflito ambiental (envi,

ronmental conflict) remonta ao início de 1970, no entanto, apenas nos anos de

1990 é que se vai consolidar essa investigação e são divulgados os primeiros

resultados que apontam para a existência de relações causais entre degradação

8 UNHCR, Environment and Climate Change: http://www.unhcr.org/pages/49c3646c10a.html (consulta a 20 de Outubro de 2015).

Page 266: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

242

ambiental e escalada de conflito. O esforço da investigação vai adquirir um

redobrado fôlego com o desanuviamento das relações EsteNOeste e o fim da

Guerra Fria, abrindo espaço para a inclusão das ameaças de cariz não militar

nas preocupações e políticas de segurança.

Nesta fase, os conceitos tradicionais de segurança – até aí baseados na sobeN

rania nacional e na segurança territorial – ficaram sob escrutínio, face ao papel

crescente das ameaças de natureza não convencional (militar). Diversos autores9

redefiniram o conceito de segurança e consideraram uma abrangência mais

ampla que integrava aspetos como o declínio económico, instabilidade política e

social, rivalidades étnicas e disputas territoriais, terrorismo internacional, lavaN

gem de dinheiro e tráfego de droga e stress ambiental.

A mudança no paradigma securitário é evidente na reformulação dos ConceiN

tos Estratégicos de Segurança Nacional de diversos países10 Ocidentais e da próN

pria Aliança Atlântica (OTAN), nas reformulações de 1991, 1999 e 2010. A

Estratégia de Segurança Nacional do Reino Unido (2010) traduz bem as actuais

preocupações securitárias nos planos nacionais, ilustradas nos seguintes trechos:

Today, Britain faces a different and more complex range of threats from a

myriad of sources. Terrorism, cyber attack, unconventional attacks using chemi,

cal, nuclear or biological weapons, as well as large scale accidents or natural

hazards […]. The security of our energy supplies increasingly depends on fossil

fuels located in some of the most unstable parts of the planet. Nuclear prolifera,

tion is a growing danger. Our security is vulnerable to the effects of climate

change and its impact on food and water supply. So the concept of national secu,

rity in 2010 is very different to what it was ten or twenty, let alone fifty or a hun,

dred years ago11.

Durante a fase em que se repensava a segurança, um estudo merece realce

por ser elucidativo de que nem só as Academias e Centros de Investigação

abarcaram esta frente de investigação. O Environmental Change & Security

9 e.g., Lester Brown, Redefining National Security, Worldwatch Paper No. 14 (WashingNton, DC, 1977); Jessica Tuchman Matthews, 'Redefining Security', Foreign Affairs, 68 (1989), pp. 162N77; Richard H. Ullman, 'Redefining Security', International Security, 8 (1983), pp. 129N53; Joseph J. Romm, Defining National Security (New York, 1993). 10 Portugal, à semelhança de outros países, também reformulou o Conceito Estratégico de Defesa nacional em 1994 e posteriormente em 2003. O atual conceito Estratégico de DefeNsa Nacional data de 2013, e foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2013, de 5 de Abril. https://www.defesa.pt/Documents/20130405_CM_CEDN.pdf. 11 A Strong Britain in an Age of Uncertainty: The National Security Strategy. Presented to Parliament by the Prime Minister by Command of Her Majesty, October 2010 https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/61936/nationalNsecurityNstrategy.pdf.

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS

243

Project foi desenvolvido no âmbito da NATO/CCMS12 e coordenado por Kurt M.

Lietzmann13 e Gary D. Vest14. Deste projeto resultou o relatório Environment and

Security in an International Context, no Verão de 1999, que também deu um

valioso contributo para a compreensão do papel e consequências do stress

ambiental15.

Os fatores contextuais justificavam respostas sociais diferentes para fenóN

menos ambientais similares (CCMS Report nº 232). De facto, tomando como

exemplo dois sismos: o sismo no Haiti (2010) e o sismo no Japão (2011), verifiN

camos que no primeiro caso eclodiram violentos confrontos internos na

sequência da catástrofe natural e no segundo caso não desencadeou violência

social (Zuzarte Reis, A., 2015).

Em 1994, o jornalista americano Robert Kaplan escreveu “The Coming

Anarchy”, um artigo amplamente difundido que pintava uma imagem sombria

da África Ocidental a mergulhar num conflito endémico, alimentado por uma

espiral de crescimento populacional, degradação ambiental e acesso fácil a

armas. Baseado nos estudos pioneiros sobre ambiente e segurança, o futuro

que aquele artigo retratava era de “doença, excesso populacional, crime, escasN

sez de recursos, migrações de refugiados, erosão das fronteiras e da soberania

de estados, criação de exércitos privados e crescimento de cartéis da droga.”16

O artigo de Robert Kaplan, criticado e contestado na altura, não fez mais do que

alertar a sociedade para problemas actuais e que tenderiam a agravarNse num

futuro próximo, tal como se veio a verificar.

A partir do início da década de 1990, diversas academias e centros de invesN

tigação enveredaram por estudos sobre hipotéticas relações entre fatores

ambientais e conflitos. A produção científica daquele período foi numerosa e

diversificada, destacandoNse, no entanto, quatro grandes projetos de investigaN

ção que procuraram identificar as circunstâncias em que os problemas ambienN

tais poderiam contribuir para o curso dos conflitos armados violentos. Os

pioneiros incluíram o Grupo de Toronto, em torno de Thomas HomerNDixon, e

o Grupo de Zurique, liderado por Günter Bächler e Spillmann, que teve uma

evolução para o exterior e deu origem ao Environment and Conflicts Project

12 Committee on the Challenges of Modern Society (CCMS). 13 Ministro Federal do Ambiente, Conservação da natureza e Segurança Nuclear, da República Federal da Alemanha. 14 Deputado Assistente Principal do Secretário de Defesa (Segurança Ambiental), DeparNtamento de Defesa, EUA. 15 Adaptação do autor, a partir dos três diagramas originais do CCMS Pilot Study. 16 Kaplan, R. (1994) “The Coming Anarchy N how scarcity, crime, overpopulation, tribalism and disease are rapidly destroying the social fabric of our planet, “The Atlantic Monthly, February, pp 44N76.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

244

(ENCOP), no Instituto Federal de Tecnologia Suíço (ETH), em Zurique. Na fase

inicial estes dois grupos desenvolveram estudos empíricos que assumiam à

partida um conjunto de conexões entre degradação ambiental e escalada de

conflito.

Em meados de 1990, surgiram duas novas abordagens que se evidenciaram

das anteriores principalmente pelo criticismo que votaram ao trabalho desenN

volvido pelos pioneiros. Os grupos mais representativos destas abordagens

foram o Grupo de Oslo, em torno de Gleditsch, cujo trabalho se baseou em

estudos quantitativos, e o Global Environmental Change and Human Security

Project (GECHS), em torno de Matthew, com sede em Irvine, Califórnia, que se

focou na capacidade adaptativa das sociedades humanas.

Retomando a investigação pioneira, o projeto Canadiano Environmental

Change and Acute Conflict (1990 – 1993), examinou as circunstâncias em que o

stress ambientalmente induzido poderia causar conflitos intensos, tanto interN

nos como entre estados. A pesquisa desenvolvida teve por base diversos casos

estudo qualitativos sobre conflitos que ocorreram em países em desenvolvimenN

to, tendo os autores assumido a observação de uma estreita relação entre stress

ambiental e conflito intenso.

Aquele projeto focouNse nos problemas ambientais mais susceptíveis de conN

tribuírem para a escassez de recursos renováveis e para a falta de resposta dos

serviços ambientais, identificando seis tipos de alteração ambiental, entre as

quais alteração climática, degradação de solos agrícolas e degradação de recurN

sos hídricos. A tónica foi colocada na escassez de recursos renováveis, face a

um crescimento populacional sem precedentes, que colocava em causa o equilíN

brio da equação Malthusiana, população vs recursos, deixando antever conflitos

de privação.

O Grupo de Toronto não conseguiu estabelecer evidências irrefutáveis sobre

a relação causal entre escassez de recursos e escalada de conflitos, até porque

as abordagens foram maioritariamente qualitativas e baseadas em casos estudo

passados. No entanto, os trabalhos do Grupo de Toronto17 evidenciaram que a

escassez de recursos ambientalmente induzida em combinação com fatores

políticos, económicos e sociais seria capaz de destabilizar estados e sociedades

e culminar em conflitos violentos, tal como posteriormente Kurt Lietzamann e

Gary Vest também postularam.

17 A maioria da investigação do Grupo de Toronto ficou sistematizada em três grandes projetos cujos conteúdos foram sistematizados na obra Environment, Scarcity, and Violen,ce. HomerNDixon, T.F. 1999. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1999.

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS

245

HomerNDixon (International Security, 1994) que desempenhou um papel releN

vante no aprofundar da investigação, sintetiza na seguinte frase as relações do

binómio população e recursos: “The degradation and depletion of environmental

resources is only one source of environmental scarcity; two other important

sources are population growth and unequal resource distribution.”18. Na Figura Figura Figura Figura

11.311.311.311.3 esquematizamNse graficamente essas relações.

Figura 11.3. Figura 11.3. Figura 11.3. Figura 11.3. Relações entre recursos, sRelações entre recursos, sRelações entre recursos, sRelações entre recursos, stresstresstresstress ambiental e respostas sociais ambiental e respostas sociais ambiental e respostas sociais ambiental e respostas sociais

Fonte: Elaboração própria

O Bangladesh constitui um exemplo típico do desequilíbrio entre população

e recursos. A sua população ronda 161 milhões e estimativas apontam que atinN

ja valores superiores a 180 milhões em 203019. O seu território tem vindo a encoN

lher por força da submersão de zonas muito baixas. As inundações frequentes,

conjugadas com a intensa desflorestação do território, têm degradado os habiN

tas e sistemas de suporte de vida e contribuído para deteriorar ainda mais a

condição humana nesta região. O risco combinado da elevação do nível do mar,

secas e tempestades caóticas têm posicionado o país entre os primeiros dez

mais vulneráveis aos eventos extremos no Global Climate Risk Index (Figura 5).

Face à degradação das condições naturais do seu território, a população do

Bangladesh começou a deslocarNse para a vizinha Índia, Estado de Assan, ainda

na década de 1950. Aquele território também padece de fragilidade ambiental,

económica e social, pelo que os confrontos violentos entre as duas comunidades

têm sido recorrentes e motivados pela disputa de recursos progressivamente

mais escassos (HomerNDixon, T. F., 1991:4).

18 Ibidem, p.40. 19 UNDP 2015.

Recursos renováveis (e.g. água e solo) de natureza finita e desigual distribuiN

ção geográfica

Pressão crescente e degradação por usos inadequados (poluição)

Stress Ambiental

Segurança Humana

Segurança Colectiva

Fragilidade Social

Fragilidade do Estado

Migrações forçadas, tensões e Conflitos

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

246

Num outro caso recorrente na literatura, deparamos com uma situação dísN

par da anterior. No Golfo da Guiné, a competição por recursos naturais, não

renováveis, tais como crude, diamantes e outros minerais, tem desencadeado

aquilo que a maioria dos autores designa de conflitos de “ganância”20 ou de

motivação económica. Conceptualmente, a ganância surge muito associada a

disputas sobre recursos de forte valor económico, levando não raras vezes ao

conflito armado violento. Não se pode excluir que, por vezes, o conflito em si

não é o resultado da tensão, mas sim uma forma de criar as condições necessáN

rias para a extracção ilegal e impune de recursos de um determinado Estado,

particularmente quando esse já de si está frágil e incapaz de proteger a perN

meabilidade das suas fronteiras (Fearon, 2004; UN, 2001a).

AAAALTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES CCCCLIMLIMLIMLIMÁTICAS E ÁTICAS E ÁTICAS E ÁTICAS E SSSSEGURANÇA EGURANÇA EGURANÇA EGURANÇA –––– AAAA AAAABORDAGEM BORDAGEM BORDAGEM BORDAGEM IIIINSTITUCINSTITUCINSTITUCINSTITUCIOOOONALNALNALNAL

A obra de Rachel Carson (1962) Silent Springs constitui uma referência e

ponto de partida para a intensificação do debate que se seguiu durante os dez

anos precedentes à primeira conferência mundial das Nações Unidas (NU)

sobre problemas globais de ambiente de 1972, em Estocolmo.

No início do século 21, as questões ambientais e as implicações securitárias

subiram ao palco das Nações Unidas. Kofi Annan, na qualidade de SecretárioN

geral das NU, no seu relatório de 2003, dedicado à prevenção de conflitos

armados, enunciava:

“Lastly, in addressing the root causes of armed conflict, the United Nations

system will need to devote greater attention to the potential threats posed by

environmental problems.” […] “The implications of the scarcity of certain natuN

ral resources, of the mismanagement or depletion of natural resources and of

the unequal access to natural resources as potential causes of conflicts need to

be more systematically addressed by the United Nations system. The United

Nations system should consider ways to build additional capacity to analyze and

address potential threats of conflicts emanating from international natural reN

source disparities.”21

Na Conferência das Nações Unidas Sobre Alterações Climática, em Bali

(2007), Ban KiNmoon, SecretárioNGeral, no seu discurso de abertura foi muito

claro ao afirmar que “Now, finally, we are gathered together in Bali to address

20 Do Inglês, “Greed”. 21 United Nations. (2003, 12 September). Interim report of the Secretary General on the prevention of armed conflict (Report of the Secretary General on the Work of the OrganiNzation, A/58/365–S/2003/888 12 September 2003).

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS

247

the defining challenge of our age. We gather because the time for equivocation

is over. The science is clear. Climate change is happening. The impact is real.

The time to act is now.”

Recentemente, no decorrer de uma Conferência Internacional sobre impliN

cações das alterações climáticas na defesa (Paris, 14 de Outubro de 2015), Ban

KiNmoon começou por salientar que os impactes das alterações climáticas conN

tinuavam a crescer a um ritmo perigoso, especificando que os eventos climátiN

cos extremos estavam mais frequentes e intensos e afectavam tanto países ricos

como países pobres. Estes eventos ameaçavam provocar insegurança alimentar

generalizada e crises humanitárias, incluindo fluxos massivos de população22.

No capítulo das políticas de defesa e segurança nacionais, em Outubro de

2003, contrariando a postura da administração Bush, que repetidamente negou

a existência das alterações climáticas e rejeitou o Protocolo de Quioto, foi proN

duzido um relatório, então secreto, comissionado por um influente conselheiro

do Pentágono – Andrew Marshall – e da autoria de Peter Schwartz23, que eviN

denciou de forma acutilante que as alterações climáticas deveriam ser elevadas

além do debate científico, passando a um assunto central de segurança nacional

dos EUA24.

Conforme também nota SoromenhoNMarques (2005:78), aquele facto teve o

seu quê de paradoxal, uma vez que a iniciativa era contrária às políticas ambienN

tais da então administração Bush. Aquela Administração foi acusada por vários

quadrantes da sociedade de tentar doutrinar a comunidade científica para não

usar os termos Global Warming ou Climate Change25.

Em 2006 a CNA Corporation convocou um Military Advisory Board (MAB)

de onze oficiais generais e almirantes retirados para avaliar o impacte da

mudança climática global sobre as questões fundamentais de segurança nacioN

nal nos EUA e, em simultâneo, lançar as bases para o estabelecimento de mecaN

nismos de resposta às ameaças identificadas. Deste MAB saiu o relatório

22 Secretary,General's message to International Conference on the Implications of Climate Change for Defense. http://www.un.org/sg/statements/index.asp?nid=9135.... 23 Consultor da CIA e exNchefe de planeamento da Royal Dutch /Shell Group e da Rede Global de Negócios da Doug Randal, com sede na Califórnia. 24 Peter Schwartz e Doug Randall, An Abrupt Climate Change and its Implications for United States National Security, 2003. Washington, DC: Environmental Media Services, available at www.environmentaldefense.org/documents/3566_AbruptClimateChange.pdf. 25 VejaNse, por exemplo, algumas notícias da época que ilustram esta situação: http://www.theguardian.com/environment/2007/jan/31/usnews.frontpagenews; http://www.ucsusa.org/ourNwork/centerNscienceNandNdemocracy/promotingNscientificNintegrity/manipulationNofNglobal.html#.ViEkOvlViko; e uma cronologia de posições da administração Bush nesta matéria: http://www.nrdc.org/bushrecord/airenergy_ warNming.asp.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

248

National Security and the Threat of Climate Change, divulgado pela CNA em

Abril de 2007. Para o MBA, a alteração climática funciona como um multiplicaN

dor das ameaças à instabilidade nalgumas das regiões mais voláteis do Mundo.

O relatório identificou ainda os principais desafios que deveriam ser equacioN

nados no imediato, de forma a serem capazes de os enfrentar se e quando se

verificassem (CNA Corporation, 2007).

Na sequência do seu relatório de referência de 2007, a CNA divulgou um

novo relatório em 2014, desta vez suportado por um Military Advisory Board

constituído por 16 oficiais generais e almirantes, igualmente retirados e de

mérito reconhecido. O National Security and the Accelerating Risks of Climate

Change (2014). Naquele relatório, os 16 oficiais do MAB concentraramNse em

novas vulnerabilidades e tensões levantadas pelas alterações climáticas, salienN

tando que em determinadas circunstâncias seriam catalisadoras de conflito

(CNA Corporation, 2014) 26.

O Relatório de 2014 salientou que no espaço de sete anos que mediaram as

duas publicações os desenvolvimentos científicos nas projecções climáticas27

evidenciaram que as alterações climáticas observadas – particularmente no

Ártico – e o número de eventos climáticos extremos, tanto nos EUA como fora,

conjugadas com as mudanças no ambiente de segurança global tinham, no seu

conjunto, servido para acelerar as implicações das AC na segurança nacional

dos EUA. O MAB reconhece ter havido um esforço no planeamento de resposN

tas efectivas aos desafios impostos pelas AC. No entanto, continuava em falta

uma acção concertada entre EUA e a comunidade internacional que abarcasse

o espectro total do alcance das AC projectadas, o que levantava apreensões

significativas.

Ao nível supra nacional, em Abril de 2007, sob iniciativa do Reino Unido, o

Conselho de Segurança das Nações Unidas debateu profundamente pela priN

meira vez as alterações climáticas. As Nações Unidas assumiram formalmente

que a mudança climática não era um problema distante. Estava a acontecer

naquele momento e estava a ter consequências muito reais e sérias na vida e

bens das pessoas.

Nos EUA e na Europa enraizaramNse entendimentos de que alterações cliN

máticas e segurança estavam gradualmente mais conectadas. Nos EUA, por

exemplo, o Presidente Obama declarou recentemente que “Climate change is a

national security issue”. O Departamento de Defesa (DoD) Americano tem vindo

26 Para consultar os relatórios de 2007 e 2014, aceder a: CNA Analysis & Solutions https://www.cna.org/mab/reports. 27 IPCC 2007, Capítulo 10 e IPCC 2013, Capítulo 12.

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS

249

a reiterar as implicações das alterações climáticas na segurança, destacando

que a alteração climática global agravará problemas tais com a pobreza, tensões

sociais, degradação ambiental, ineficácias de liderança e enfraquecimento de

instituições políticas, que ameaçarão a estabilidade em diversos países28.

Do lado europeu, diversos governos assumiram igualmente a importância

das alterações climáticas nos vários domínios da segurança., o mesmo se tendo

verificada ao nível da União Europeia (UE) 29.

PPPPOPULAÇÃO E OPULAÇÃO E OPULAÇÃO E OPULAÇÃO E RRRRECURSOS ECURSOS ECURSOS ECURSOS NNNNATURAIS ATURAIS ATURAIS ATURAIS –––– QQQQUE UE UE UE IIIIMPACTES MPACTES MPACTES MPACTES EEEESPERADOS DAS SPERADOS DAS SPERADOS DAS SPERADOS DAS ACACACACSSSS????

O risco de deslocações em massa associaNse em grande medida ao facto de

cada vez mais pessoas viverem em áreas propensas a desastres. A maioria dos

59,5 milhões de deslocados está concentrada em pontos sensíveis às alterações

climáticas, espalhados por diversas regiões do Mundo. Uma parte significativa

dos campos de refugiados nos países em desenvolvimento localizamNse em

regiões já de si ambientalmente fragilizadas e sem capacidade para atender às

necessidades da população vindoura, pelo que os refugiados em inúmeras situaN

ções enfrentam o risco de deslocações sucessivas, estando expostos a desastres

naturais e aos efeitos da degradação das condições ambientais. Amiúde verifiN

camNse conflitos entre as populações autóctones e as populações afluentes, que

vão com eles competir pelos recursos escassos (e.g., lenha e água).

De acordo com o Departamento de Assuntos Económicos e Sociais, Divisão

da População (Revisão de 2015), a população mundial atingiu 7,3 mil milhões em

meados de 2015 (Tabela 11.1Tabela 11.1Tabela 11.1Tabela 11.1), comportando um acréscimo de aproximadamente

mil milhões de pessoas nos últimos doze anos. A repartição geográfica da popuN

lação mundial é muito díspar, com 60 por cento da população a viver na Ásia, 16

por cento em África, 10 por cento na Europa, 9 por cento na América Latina e

Caraíbas e os restantes 5 por cento repartidos pela América do Norte (358

milhões) e Oceânia (39 milhões).

28 DoD Releases Report on Security Implications of Climate Change. http://www.defense.gov/ NewsNArticleNView/Article/612710. 29 Ver, e.g., S113/08 14 March 2008. Climate Change and International Security. Paper from the High Representative and the European Commission to the European Council.

Page 274: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

250

Tabela 11.1. População Mundial por Grandes Regiões, 2015, 2013 e 2050. Tabela 11.1. População Mundial por Grandes Regiões, 2015, 2013 e 2050. Tabela 11.1. População Mundial por Grandes Regiões, 2015, 2013 e 2050. Tabela 11.1. População Mundial por Grandes Regiões, 2015, 2013 e 2050.

VariVariVariVariaaaação 2015ção 2015ção 2015ção 2015NNNN2050 (de acordo com a 2050 (de acordo com a 2050 (de acordo com a 2050 (de acordo com a projecção variaçãoprojecção variaçãoprojecção variaçãoprojecção variaçãoNNNNmédia).média).média).média). População (milhões)População (milhões)População (milhões)População (milhões) Variação 2015Variação 2015Variação 2015Variação 2015NNNN2050205020502050 Grandes Regiões

2015 2030 2050 Milhões % Mundo 7349 8501 9725 2376 32,3 África 1186 1679 2478 1292 108,9 Ásia 4393 4923 5267 874 19,9 Europa 738 734 707 N31 N4,2 América Latina e Caraíbas 634 721 784 150 23,7 América do Norte 358 396 433 75 20,9 Oceânia 39 47 57 18 46,2 Fonte: Elaborado a partir de, United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2015). World Population Prospects: The 2015 Revision, Key Findings &

Advance Tables. Working Paper Nº ESA/P/WP.241.

Entre 2015 e 2050 estimaNse que ocorra um acréscimo de cerca de 2,4 mil

milhões na população global, prevendoNse que os continentes Africano e AsiátiN

co encaixem um pouco mais de 91 por cento desse aumento, respectivamente

54,4 e 36,8 por cento. O continente Europeu, a braços com uma crise de refuN

giados sem precedentes desde a 2ª Guerra Mundial, tenderá a perder cerca de

31 milhões dos actuais habitantes (N4,2%).

No âmbito do presente artigo, interessa antecipar algumas consequências

dos crescimentos populacionais projectados para África e Ásia. O forte cresciN

mento populacional e económico em curso nalguns países asiáticos, tais como

China, Índia e restante Ásia Oriental já fizeram disparar a procura global de

recursos minerais, energéticos e florestais, fazendo acentuar a pressão sobre os

vários sistemas e recursos do planeta. África, o vasto continente dotado de inúN

meras e preciosas riquezas naturais, continua subpovoada e marcada pela pobreN

za extrema que afecta quase um em cada dois africanos (Africa’s Pulse, 2015)30.

Países como Angola e Moçambique, que encetaram um caminho assinalável

na senda da recuperação económica e social no fim das respectivas guerras

civis, são dotados de recursos que atraem cada vez mais investimento estranN

geiro. No entanto, as suas populações, maioritariamente rurais, continuam muiN

to dependentes daquilo que a natureza lhes proporciona para satisfazer uma

parte das necessidades básicas diárias, nomeadamente água e lenha (principal

combustível doméstico), e expostas às alterações ambientais difusas (erosão e

desertificação) e aos fenómenos extremos da natureza. As recentes inundações

em Luanda (2014) e Benguela (2015), em Angola, e as inundações na Província

30 Africa’s Pulse, World bank Group, April 2015, Volume 15. Disponível em: http://www.worldbank.org/content/dam/Worldbank/document/Africa/Report/AfricasNPulseN brochure_Vol11.pdf

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS

251

da Zambézia (2013 e 2015), em Moçambique, evidenciaram as fragilidades dos

países para superarem por si só as consequências nefastas das inundações. As

recentes cheias registadas no vale do Zambeze em Janeiro de 2015 provocaram

para cima de 150 mortes e afectaram 125 mil pessoas só na Província da ZamN

bézia, segundo o balanço do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades

(INGC)31.

A crescente urbanização torna a sociedade atual mais vulnerável às conseN

quências das alterações climáticas. Mais de um terço da população mundial vive

em zonas urbanas costeiras. As sete maiores megacidades (definidas como

áreas de desenvolvimento urbano contínuo com mais de 10 milhões de habitanN

tes) localizamNse na Ásia, tal como mais de metade da população residente nas

grandes áreas urbanas (500 mil ou mais habitantes). No início do século 21, pela

primeira vez na história moderna, a população urbana excedeu a população

rural.

As áreas de baixa altitude e os sistemas costeiros evidenciam um crescendo

progressivo de vulnerabilidades que intentam contra a sua própria existência.

Estas regiões estão ameaçadas pela progressiva subida do nível relativo do mar

(SNRM) e confrontamNse com os impactes deste processo planetário associado

ao aquecimento global da atmosfera e dos oceanos.

As alterações climáticas ameaçam a existência de pequenos estados insulaN

res como Tuvalu, formado por nove atóis de coral no Oceano Pacífico Sul32. A

população de Tuvalu está habituada desde há muito a enfrentar ameaças climáN

ticas, desde ciclones a secas. No entanto, Tuvalu confrontaNse atualmente com

uma ameaça climaticamente induzida sem precedentes – a elevação do nível do

mar – que ameaça a sua existência geográfica, equacionandoNse já se será o

primeiro estado moderno a afogarNse.33

O incremento da erosão costeira, mudanças no volume dos aquíferos e na

qualidade da água (intrusão salina), a deterioração da barreira de coral, a desloN

cação de pessoas e bens, a instabilidade social relacionada com migrações entre

ilhas, a perda de rendimento resultante dos efeitos negativos na indústria do

turismo, o incremento da vulnerabilidade dos assentamentos humanos devido

ao decréscimo de terra e o decréscimo da agricultura e vegetação, são alguns

31 Portal do Governo da Província de Maputo http://www.pmaputo.gov.mz/informacao/ iistitutoNnacionalNdeNgestaoNdeNcalamidadesmaputo/. 32 A superfície terrestre total de Tuvalu é cerca de 26 km2 e o ponto mais elevado situaNse cerca de 4 m acima do mar. Em média Tuvalu está a menos de 2 m acima do nível do mar. 33 Ver, e.g, http://www.worldatlas.com/articles/tuvaluNandNclimateNchangeNrisingNseaNlevelsNthreateningNpacificNislands.html.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

252

dos impactes resultantes do aumento do nível do mar e das alterações climátiN

cas que afectam os pequenos estados insulares (Gaffin, 1997; Nurse et al., 1998).

No entanto, não são apenas as zonas baixas a estarem sob a ameaça das

alterações climáticas. As regiões de montanha posicionamNse entre as mais

sensíveis ao aquecimento global (EEA, 2009). Esta situação dá aso a que diverN

sos indicadores plausíveis da mudança do clima tenham por base a informação

recolhida em áreas montanhosas. Nas últimas décadas temNse assistido ao

recuo generalizado da base dos glaciares de montanha e que vai desde as

regiões polares às regiões tropicais.

QQQQUANTIFICAR O UANTIFICAR O UANTIFICAR O UANTIFICAR O RRRRISCO ISCO ISCO ISCO CCCCLIMÁTICOLIMÁTICOLIMÁTICOLIMÁTICO

Perante um cenário de alterações climáticas e consequências adversas, coloN

caNse a questão de como avaliar e quantificar a exposição dos países ao risco

associado às alterações climáticas. Neste artigo adoptaNse o Global Climate Risk

Index34 (GCRI), elaborado pelo Germanwatch. Este índice posiciona os países

em função do respectivo ranking no GCRI e analisa a extensão das perdas nos

países afectados por eventos climáticos extremos (tempestades, inundações,

ondas de calor, etc.) (Tabela 11.2Tabela 11.2Tabela 11.2Tabela 11.2).

Os dados mais recentes (2013) apontam as Filipinas, Camboja e Índia como

os países mais afectados no ano em referência. Já para o período entre 1994 e

2013, a lista foi encimada pelas Honduras, Myanmar e Haiti. Se considerarmos

as dez edições deste relatório, verificaNse que os países menos desenvolvidos

têm sido na generalidade mais afectados do que os países industrializados, sob

o ponto de vista de perdas globais.

Tabela 11.2. Índice de Risco climáTabela 11.2. Índice de Risco climáTabela 11.2. Índice de Risco climáTabela 11.2. Índice de Risco climático a longo prazo (CRI): os 10 patico a longo prazo (CRI): os 10 patico a longo prazo (CRI): os 10 patico a longo prazo (CRI): os 10 paííííses mais afectados ses mais afectados ses mais afectados ses mais afectados

desde 1994 a 2013 (médias anuais)desde 1994 a 2013 (médias anuais)desde 1994 a 2013 (médias anuais)desde 1994 a 2013 (médias anuais)

CRI CRI CRI CRI 1994199419941994NNNN2013201320132013

PaísPaísPaísPaís CRI ScoreCRI ScoreCRI ScoreCRI Score Mortes Mortes Mortes Mortes tooltooltooltool Mortes por Mortes por Mortes por Mortes por 100.000 100.000 100.000 100.000

habitanteshabitanteshabitanteshabitantes

Perdas totais Perdas totais Perdas totais Perdas totais em milhões em milhões em milhões em milhões US$PPCUS$PPCUS$PPCUS$PPC

Número Número Número Número de evede evede evede evennnntos tos tos tos (total 1994(total 1994(total 1994(total 1994NNNN

2013)2013)2013)2013)

1111 Honduras 10,33 309,70 4,60 813.56 69 2222 Myanmar 14.00 7137.40 14.80 1256.20 41 3333 Haiti 16.17 307.80 3.41 261.41 61 4444 Nicarágua 16.67 160.15 2.98 301.75 1.71 5555 Filipinas 19.5 933.85 1.13 2786.28 328 6666 Bangladesh 20.83 749.10 0.54 3128.80 228

34 Índice elaborado pelo Germanwatch. Em 2015 foi publicada a 10ª edição, com dados de 2013 e do período 1994 – 2013. http://germanwatch.org/en/climateNchange.

Page 277: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS

253

CRI CRI CRI CRI 1994199419941994NNNN2013201320132013

PaísPaísPaísPaís CRI ScoreCRI ScoreCRI ScoreCRI Score Mortes Mortes Mortes Mortes tooltooltooltool Mortes por Mortes por Mortes por Mortes por 100.000 100.000 100.000 100.000

habitanteshabitanteshabitanteshabitantes

Perdas totais Perdas totais Perdas totais Perdas totais em milhões em milhões em milhões em milhões US$PPCUS$PPCUS$PPCUS$PPC

Número Número Número Número de evede evede evede evennnntos tos tos tos (total 1994(total 1994(total 1994(total 1994NNNN

2013)2013)2013)2013)

7777 Vietnam 23.50 391.70 0.48 2918.12 216

8888 República Dominicana

31.00 210.45 2.38 274.06 54

9999 Guatemala 31.17 83.20 0.68 477.79 80 10101010 Paquistão 31.50 456.95 0.31 3988.92 141

Fonte: Global Climate Risk Index 2015, Germanwatch 2015.

Conforme já foi referido, as situações extremas não incidem nem afectam

apenas os países menos desenvolvidos. A Europa, por exemplo, entre Setembro

e o corrente mês de Outubro (2015) já foi atingida por inundações de grande

violência, em Itália, Balcãs, França, Grécia, Turquia, Espanha e Irlanda, entre

outros países35. Na União Europeia, na última década os desastres naturais cauN

saram 80.000 mortes e perdas económicas da ordem dos 95 mil milhões de

euros36.

Em jeito de conclusão, salienteNse que as alterações climáticas ameaçam

agudizar a já de si difícil situação de segurança alimentar mundial. O quarto

relatório do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC) fez

uma avaliação crítica dos possíveis impactes das alterações climáticas na agriN

cultura, pecuária e pesca, particularmente nos países das regiões tropicais e

subNtropicais.

Por seu lado, também a Organização das Nações Unidas para a Alimentação

e Agricultura (FAO) alerta para as suas consequências negativas, em particular

nos pequenos agricultores de subsistência de regiões marginalizadas de África,

Ásia e América Latina37.

Ainda que as alterações ambientais desencadeiem efeitos globais negativos,

as consequências a uma escala local dependerão em grande medida daquilo que

um dos pioneiros em “Environmental Security” designou de “Ingenuity Gap:

Can Poor Countries Adapt to Resource Scarcity?” (HomerNDixon, Sep, 1995:

587N612).

35 ConsulteNse, por exemplo http://floodlist.com/europe (consulta a 19OUT15). 36 Enhacing the Knowlwdge base to support Disaster Risk Management. http://drmkc.jrc. ec.europa.eu/. 37 FAO. The PostN2015 Development Agenda and the Millennium Developments Goals, consulta onNline (26 de Outubro de 2015), http://www.fao.org/postN2015Nmdg/14Nthemes/ climateNchange/en/.

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255

12121212.... CCCCHOQUES HOQUES HOQUES HOQUES DDDDEMOGRÁFICOSEMOGRÁFICOSEMOGRÁFICOSEMOGRÁFICOS

TERESA FERREIRA RODRIGUES

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

Podem as dinâmicas da população representar uma ameaça à segurança glo,

bal? Neste capítulo identificamos algumas questões e incertezas que os ritmos

diferenciados de crescimento e características estruturais da população do Mun,

do colocam aos equilíbrios atuais e futuros do sistema internacional. Apresen,

tam,se os contornos da relação entre demografia e segurança, apelando à

literatura existente, nomeadamente no âmbito da Demografia Politica. Discute,se

a relação entre crescimento demográfico e recursos, a forma como os diferentes

atores tentam gerir as assimetrias que caracterizam esse binómio e as perspetivas

de futuro. A terminar destacam,se alguns exemplos paradigmáticos da relação

complexa entre populações e segurança no quadro de insegurança global.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: Globalização, População, Transição demográfica, Segurança

IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO

Podem as dinâmicas da população representar uma ameaça à segurança

global? A tentativa de resposta a esta interrogação exige a clarificação prévia de

quatro vetores essenciais da equação: de que populações falamos, que ameaças,

o que é a segurança global, de que modo e em que moldes estes vetores interaN

gem e se podem relacionar. E no entanto essa clarificação, mesmo que (forçoN

samente) parcial, não cabe neste capítulo, dada a sua extrema complexidade.

Cientes desta debilidade de partida tentaremos tão só nas páginas seguintes

identificar e discutir algumas questões ou incertezas que as dinâmicas de cresciN

mento populacional parecem colocar aos equilíbrios atuais e futuros do sistema

Page 280: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

256

internacional. Poderá o vetor demográfico representar um fator de instabilidade e

tornarNse até uma ameaça? Para quem e sempre, ou apenas em determinado

contexto, uma vez reunido determinado conjunto de características demográficas

e não demográficas? Será correta a tendência comum de acentuar os fatores

potencialmente negativos impostos pelas assimetrias e características diversas

das dinâmicas populacionais, esquecendo as janelas de oportunidade que essas

mesmas dinâmicas podem constituir quando nos reportamos a casos concretos?

Com o fim da Guerra Fria despontam novas ameaças à segurança das popuN

lações e de toda uma pleiade de atores diversos (Estados, organizações internaN

cionais, ONG’s, empresas…). No Mundo em rede, e em rápida transformação,

uma das novidades consiste na gradual consciência de que os volumes e sobreN

tudo as dinâmicas demográficas podem constituir desafios à segurança global,

sobretudo em contextos marcados por sustentabilidade reduzida, acentuadas

disparidades económicas, migrações irregulares, tensões sociais ou étnicas,

sistemas políticos frágeis1. VejaNse como o acentuado envelhecimento da popuN

lação europeia e do este asiático influencia negativamente o seu crescimento

económico e financeiro2. As assimetrias de crescimento aumentam a pressão

sobre os recursos disponíveis, sejam estes naturais ou não, num contexto de

alterações climáticas, de que são causa e também consequência, e podem, em

situações extremas, criar tensões e conflitos dentro e fora das fronteiras polítiN

cas, com vista a garantir o acesso a recursos vitais, como água, alimentos ou

energia3.

Sabemos qual será, como será, onde estará e quais as características da

população mundial hoje e nas próximas décadas. Mas quando passamos à anáN

lise de tipo regional ou local, que é aquela em que é correto situar qualquer

reflexão sobre esta matéria, é impossível garantir o modo como as alterações

inevitáveis poderão representar uma maisNvalia ou um constrangimento em

termos de segurança regional e global. Assim, os estudos demográficos devem

1 Goldstone, J.A. N Demography and Security: Security Implications of Global Population Changes, 2007,2050. Research Paper No 2009N07. George Mason University. [Consultado em: 20 junho 2012]. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id =1449145 pp. 3N4. 2 Nas regiões desenvolvidas a principal preocupação (em 79% dos países) reside no efeito negativo do envelhecimento das estruturas etárias. Nos países em desenvolvimento as duas grandes preocupações são a pandemia de HIV/SIDA (90%) e o ritmo excessivo de aumento do total de residentes (50%). O inquérito UN – World Economic and Social Survey 2009. Promoting Development, Saving the Planet. DESA, 2009 [Consultado em: 20 setembro 2013]. Disponível em: http://www.un.org/en/development/desa/policy/wess/wess_archive/ 2009wess.pdf apresenta as respostas governamentais às variações de índole demográfico nacional. Para 22% o aumento é insuficiente e para 35% é demasiado elevado. 3 Sciubba, J. N The Future Faces of War. Population and National Security, Oxford: Praeger, 2011.

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CHOQUES DEMOGRÁFICOS

257

ser olhados como uma área de interesse fundamental dos estudos de segurança e

como um instrumento de apoio à decisão política. Informações em matéria de

volumes de população, características etárias, equilíbrios de género e distribuição

geográfica permitem detetar e prevenir fatores de risco de (in)segurança, mas

exigem também o conhecimento da conjuntura especifica a que se reportam.

Na verdade, o estudo das populações pode ser visto como um fim em si

mesmo (quando as olhamos como resultado simples das diferenças entre totais

de nascimentos, óbitos, imigrantes e emigrantes), ou como um sistema aberto

em constante mutação (onde cada uma destas variáveis é causa e consequência

das condições políticas, económicas, culturais e identitárias vigentes em deterN

minado contexto). É nesta segunda perspetiva que demografia e segurança se

cruzam. As tendências de fecundidade, mortalidade e migrações permitem

compreender o potencial inerente a um Estado ou região. São um recurso de

poder e de segurança e atuam como seus indicadores e potenciais multiplicadoN

res. As características das estruturas etárias aumentam ou reduzem a probabiliN

dade de conflito, a estabilidade social e o crescimento económico, por via da

produtividade edo consumo. Condicionam a vontade de afirmação de um EstaN

do, povo ou etnia, as tentativas de expansionismo, o conflito étnico, o radicalisN

mo ideológico e religioso, a pressão sobre os recursos naturais e a degradação

ambiental. As disparidades de crescimento populacional num contexto marcado

por contrastes demasiado vincados potenciam riscos e ameaças, de que os fluN

xos migratórios não controlados, o crime organizado, o tráfico de seres humaN

nos ou o terrorismo são exemplo4.

Neste capítulo começaremos por apresentar os moldes que definem a relaN

ção entre demografia e segurança, apelando à literatura já existente, nomeadaN

mente no quadro da Demografia Politica. Discutimos de seguida a relação entre

crescimento demográfico e recursos, naturais e não naturais, a forma como os

diferentes atores do sistema internacional têm tentado gerir as assimetrias que

enquadram esse binómio e as perspetivas de futuro que hoje se desenham. O

jogo de relações entre os dois polos da equação (demografia e segurança) foi

posteriormente tratado. Quisemos sublinhar que em cada universo populacioN

nal, independentemente da escala territorial considerada: a) as dinâmicas e

características de composição etária, por sexos e origem influenciam a estabiliN

dade interna; b) que esse universo é influenciado na sua composição, caracterísN

ticas e perceções de segurança pelo contexto exógeno; e c) que as dinâmicas e

características de composição etária e por sexos local determinam o poder de

4 Rodrigues, T. N «Population dynamics. Demography matters» In Globalization and Inter,nation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 38N41.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

258

influência (hard e soft power5) no contexto mai amplo. A terminar retomamos a

questão central, recorrendo a exemplos paradigmáticos da relação complexa

entre populações e segurança numa ótica de futuro.

PPPPOPULAÇÕES E SEGURANÇOPULAÇÕES E SEGURANÇOPULAÇÕES E SEGURANÇOPULAÇÕES E SEGURANÇAAAA.... OOOOS FATORES DE CONTEXTS FATORES DE CONTEXTS FATORES DE CONTEXTS FATORES DE CONTEXTOOOO

As dinâmicas populacionais influenciaram o passado da humanidade e esta

influência viuNse acrescida nas últimas décadas pelos efeitos do processo de

globalização, que funcionou, para o bem e para o mal, como acelerador e multiN

plicador dos desafios, oportunidades, riscos e ameaças presentes na relação

entre população e segurança6. TrataNse de uma relação complexa, porque quer a

situação demográfica, quer o ambiente de segurança enfrentam rápidas transN

formações. As lógicas próprias do processo de globalização contribuíram para

estreitar e unificar o ambiente estratégico, aproximar ameaças relacionadas

com poder e riscos, aumentar as desigualdades regionais e internas dos países,

a dificuldade em controlar informação, mesmo (ou sobretudo) a indesejável (as

ameaças tangíveis e intangíveis). E também ampliaram a pressão sobre os

recursos e respetivos impactos ambientais.

Existe porém uma vantagem quando estudamos populações: é que elas evoN

luem de formas esperadas7. A relativa inércia e previsibilidade de tendências de

evolução dos volumes populacionais são uma maisNvalia para a tomada de deciN

são. Mas paradoxalmente essa previsibilidade arriscaNse a que sejam esquecidas

pelos investigadores e decisores responsáveis pela manutenção, prevenção e

mitigação de riscos de segurança. Nada mais errado.

5 Para a definição do conceito vide HENRIQUES, M.C., PARADELO, António, “Uma Fórmula de Soft Power”, Revista Nação e Defesa, nº113. Primavera 2006, 107N128 [Consultado em: 20 outubro 2015]. Disponível em: http://www.idn.gov.pt/publicacoes/nacaodefesa/textointegral/NeD113.pdf. 6 Presidence de la Republique N Livre Blanc. Defense et Securité Nationale. 2013. La DocuNmentation Française [Consultado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: http://www.livreblancdefenseetsecurite.gouv.fr/pdf/le_livre_blanc_de_la_defense_2013.pdf 7 RODRIGUES, T.F. – «O Futuro (in)Certo das Dinâmicas Demográficas em Portugal». In Contributos para Um Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Atena, nº28. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2012. 210N1.

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CHOQUES DEMOGRÁFICOS

259

O modelo de transição demográfica8 (Figura 12.1Figura 12.1Figura 12.1Figura 12.1) pode ser a chave para

compreender as questões de segurança demográfica e parece também ele um

dado adquirido em termos de progressão. A confirmarNse a inevitabilidade

desta teoria9 trataNse de saber gerir a passagem gradual de todas as sociedades

de um ciclo de vida curto e instável, com muitos jovens e poucos idosos (fase 1),

para um ciclo de vida longo e estável, com poucos jovens e cada vez mais idosos

(fase 4). Em 2004 Cincotta et al. comparou dados da UNDP e da Uppsala Conflict

Data Project e avançou com o conceito de “soft landing”, que utilizou para avaN

liar probabilidades diferenciais em termos de conflitualidade. O autor considera

que a recorrência dos conflitos decresce a par da descida dos níveis de fecundiN

dade e da transição para uma economia de mercado (vejaNse a Coreia do Sul,

Taiwan, Tailândia, Singapura e Malásia). Assim, os países que hoje se enconN

tram nas fases 2 e 3 (como o Iraque, o Paquistão e a Nigéria) têm maior probabiN

lidade de conflito interno, mas poderão ver este risco reduzirNse quando

avançarem no processo de transição demográfica10.

Já a Europa, que se encontra na fase 4, tem dado mostras de preocupação

com as implicações de segurança decorrentes do generalizado envelhecimento

das estruturas etárias e do aumento da percentagem de população residente

não europeia. Simultaneamente, as Nações Unidas têm tentado combater as

causas das migrações forçadas pela escassez alimentar e a pobreza, que pareN

cem aumentar as probabilidades de conflito11. Assim, as assimetrias de cresciN

mento populacional e a globalização do envelhecimento e das migrações

constituem os três grandes pontos de incerteza fundamental no link demografia

e segurança. Todos decorrem do processo de evolução da transição demográfiN

ca e são eles os três fatores de contexto em termos do sistema de segurança

global.

8 O Modelo de Transição Demográfica (teoria explicativa da dinâmica populacional) divideNse em quatro fases, podendo variar ligeiramente, de acordo com os países: 1ª fase N níveis elevados de natalidade e mortalidade; 2ª fase – a natalidade não varia muito e a mortalidade inicia um processo de declínio; 3ª fase – a mortalidade continua a declinar e a natalidade inicia uma tendência de recuo; 4ª fase / pósNtransição, natalidade e mortalidade continuam a decrescer, graças a importantes mudanças sociais, atingindo valores baixos. As fases 2 e 3 correspondem ao fenómeno da transição caracterizado por forte crescimento”. Henriques, F., Rodrigues, T. – «O século XX: a transição». In A População Portuguesa. Das longas per,manências à conquista da modernidade. Porto: Afrontamento, 2009. 417N567. 9 Cincotta, R., Engelman R., Anastasion, D. N The Security Demographic: Population and Civil Conflict after the Cold War, 2003. 10 Cincotta, R. – The Next Steps for Environment, Population and Security. Demographic Security Comes of Age, ECSP Report, Issue 10, 2004: 1. 11 UNNHabitat – The Challenge of Slums: Global Report on Human Setlements 2003 [ConsulNtado em: 20 maio 2015]. Disponível em: http://www.unhabitat.org/pmss/listItemDetails. aspx?publicationID=1156.

Page 284: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

260

No Mundo em constante mutação o conhecimento do vetor demográfico

importa para uma análise efetiva das ameaças. Cumpre avaliar as implicações

em termos de segurança que decorrem 1) do volume de população, da estrutura

etária, distribuição geográfica, composição étnica; e 2) das alterações na relação

entre os fatores identificados em 1), designadamente em termos de saldos

migratórios, ritmos de crescimento, e mudanças na estrutura etária e na comN

posição e equilíbrio por sexos.

Figura 12.1. Modelo de transição demográfica. Diferentes cronolFigura 12.1. Modelo de transição demográfica. Diferentes cronolFigura 12.1. Modelo de transição demográfica. Diferentes cronolFigura 12.1. Modelo de transição demográfica. Diferentes cronoloooogiasgiasgiasgias

Fonte: PRB, World Population Dataheet, 2011 (http://www.prb.org/pdf11/2011populationNdataNsheet_eng.pdf).

Os contributos teóricos sobre o tema optam entre considerar o capital

humano como fator fundamental da equação do poder nacional (escola realista)

ou olhar os equilíbrios entre população e recursos como potenciais preditores

de conflitos. Predomina a visão clássica influenciada pela Escola Realista, que

centra a segurança nacional na defesa contra ameaças diretas à sobrevivência

do Estado, de natureza maioritariamente militar. Com o fim da Guerra Fria

vários autores enfatizam a proteção dos direitos humanos e a autoNlimitação do

poder coercivo do Estado e no início dos anos 80, Barry Buzan e Richard HulN

man introduzem a distinção entre hard e soft security12, defendendo que o estuN

do das populações deve ser visto em termos dinâmicos e não apenas

12 A primeira engloba respostas a ameaças militares, a segunda representa desafios de cariz politica, social económica ou cultural e identitária, que poderão constituir futuras ameaças à sobrevivência do Estado. A demografia assume uma posição de fundamental relevância para a equação do poder relativo ao sistema internacional e para a definição da estratégia securitária e de defesa nacional.

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CHOQUES DEMOGRÁFICOS

261

macrodemográficos13, centrado na rede de interações e não apenas em volumes.

Acrescem à dimensão militar os vetores de estabilidade interna e de proteção de

segurança humana. Gradualmente a análise demográfica tornaNse um instrumenN

to central das políticas de soft security. Envelhecimento versus crescimento, imiN

gração internacional indesejada, emergência de ameaças globais são alguns dos

temas afetam os domínios da segurança e exigem respostas concertadas, onde

coexistem e se complementam as componentes militar e civil14.

Em termos de investigação académica15 a reflexão sobre a importância das

dinâmicas demográficas para a segurança surge em finais dos anos 6016. A

insegurança, majoritariamente expressa em conflitos entre Estados era encaraN

da como consequência da má articulação entre crescimento demográfico,

recursos vitais e desenvolvimento económico. Os equilíbrios hierárquicos entre

Estados no sistema internacional dependiam do volume da sua população, a

qual representava o principal fator de afirmação do poder, embora fossem conN

siderados outros determinantes que poderiam ou não reforçar esse poder

(como o nível médio de educação e estado de saúde, o mercado de emprego e o

nível de bemNestar e qualidade de vida em termos de habitação, alimentação e

lazer)17.

A segunda linha de reflexão, de cariz mais histórico e economicista18, é marN

cada pela obra de Weiner e Russell19. Estuda a forma como condições ambienN

tais, tendências demográficas, doença, tecnologia e globalização económica

criam soluções, mas também problemas, para a guerra e paz, a soberania, o

desenvolvimento. Com perfil ecológico, discute as implicações de segurança decorN

rentes dos moldes da relação entre população, recursos naturais e desenvolvimento

e destaca os riscos para a estabilidade que representa a competição por recursos

essenciais (como a água, os alimentos, o emprego). Considera que o risco de confliN

13 EntendeNse por macrodemográfico o estudo do volume, idade, sexo e distribuição espaNcial de dadao universo populacional. 14 LindleyNFrench, Julian (2004), “The Revolution in Security Affairs: Hard and Soft SecuNrity Dynamics in the 21st century”, European Security, 13:1N2, 1N15. 15 Rodrigues, T e Xavier, A. – «Reconcetualizar a Segurança e a Defesa Nacional: O Futuro e a Importância do Fator Demográfico» In Revista de Ciências Militares, 1, nº1, maio 2013, 2013. 59N61. 16 Ehrlich, P., Ehrlich, A.H. N The Population Bomb, New York: Ballantine Books, 1968. 17 Meadows, Donella H. et al. N The Limits to growth: a report for the Club of Rome’s proNject on the predicament of mankind, 2nd ed. New York: New America Library, 1975. 18 Ligada à International Studies Association, à American Political Science Association e ao Environmental Change and Security Program (NAFEEZ, M.A. N «Globalizing Insecurity: The Convergence of Interdependent Ecological, Energy, and Economic Crises» [ConsulNtado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: http://yalejournal.org/wpNcontent/uploads/ 2010/09/105208ahmed.pdf). 19 Weiner, M., Russell, S. N Demography and National Security, Nova Iorque: Oxford Berghan Books, 2001.

Page 286: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

262

to é maior em Estados politicamente fracos e menor em democracias e Estados

autoritários. Os mais otimistas defendem as vantagens militares e económicas

de populações numerosas e defendem que o desenvolvimento económico leva

inevitavelmente ao aumento de segurança.

A terceira linha de entendimento da ligação populaçãoNsegurança avoca

uma ótica geoestratégica e geopolítica, bem como uma postura prospetiva.

Considera o dinamismo demográfico como um vetor estratégico de segurança e

defesa e a população como uma potencial ameaça não convencional20. Defende

que a conflitualidade atual e futura será influenciada pelas tendências e níveis

diferenciais de mortalidade, fecundidade e migrações, porque o grosso do

aumento populacional ocorre em países em desenvolvimento e interfere com o

poder político e com as capacidades de arranque económico e de desenvolviN

mento, podendo agravar tensões sociais. A existência de uma população jovem

aumenta o risco de conflito interno, se não existirem respostas do mercado de

trabalho. Mas certos Estados podem ter nos ativos jovens a sua janela de oporN

tunidade, permitindoNlhes elevar a sua importância no sistema internacional

(projeção de forças militares, alianças vantajosas com países envelhecidos e

consolidação de posições no Conselho de Segurança das Nações Unidas).

Assim, a população é polivalente nas suas consequências.

A Demografia Política21 agrega nos seus objetivos específicos todos os conN

tributos teóricos precedentes. TrataNse de uma área pouco estudada no âmbito

da Ciência Política e das Relações Internacionais, mas que ajuda à compreensão

e prevenção de riscos de segurança, porque a) permite avaliar as consequências

políticas das alterações populacionais (pressão sobre os governos, controle da

sua atuação, distribuição do poder politico); b) reconhece os determinantes

políticos das dinâmicas da população (especialmente as causas políticas da cirN

culação de pessoas, os efeitos das estruturas etárias nas funções do Estado e as

políticas públicas mais adequadas e urgentes face ao volume, composição e

distribuição demográfica); e c) socorreNse dos indicadores demográficos para

identificar as grandes preocupações das sociedades em termos de população

versus recursos, num quadro de segurança humana22.

20 Sciubba, J. N The Future Faces of War. Population and National Security, Oxford: Praeger, 2011. 21 Kaufmann, E., Toft, M. N «Introduction» In Political Demography: How Population Changes are Reshaping International Security and National Politics. New York: Oxford University Press, 2011. 3 definem demografia política como “the study of the size, composi,tion, and distribution of population in relation to both government and politics”. 22 Weiner, M., Russell, S. (ed.) N Demography and National Security, Nova Iorque: Oxford Berghan Books, 2001.

Page 287: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CHOQUES DEMOGRÁFICOS

263

A estas valências poderemos acrescentar o modo como as alterações na disN

tribuição dos recursos e do poder político podem surgir das alterações absolutas

e relativas na dimensão dos vários subgrupos (populações urbanas/rurais, gruN

pos religiosos, fações partidárias, etnias, grandes grupos etários)23. CombinamNse

assim duas perspetivas, a mais centrada nas questões de poder nacional e equilíN

brios clássicos de “segurança interna”, e outra que avalia o poder de uma socieN

dade com base nos equilíbrios, vantagens e desvantagens que dado universo

populacional consegue obter no xadrez internacional. O que sabemos hoje?

AAAAS FACES DA POPULAÇÃOS FACES DA POPULAÇÃOS FACES DA POPULAÇÃOS FACES DA POPULAÇÃO.... OOOOS TEMPOS E OS MODOSS TEMPOS E OS MODOSS TEMPOS E OS MODOSS TEMPOS E OS MODOS

A população mundial quadruplicou durante o século XX, passando de 1,6 a

6,1 mil milhões. Em 2011 atingiramNse os 7 mil milhões de habitantes. Os dez

maiores países do Mundo são maioritariamente asiáticos e africanos (Figura Figura Figura Figura

12.212.212.212.2). Embora se verifique uma gradual redução do ritmo de crescimento, estiN

maNse um aumento de cerca de três milhares de milhões de indivíduos até final

do século XXI. Mas não em toda a parte: mais de 70% dos novos habitantes do

planeta serão asiáticos e africanos24. As atuais percentagens de jovens, adultos e

idosos de cada região de cada população determinam futuros desiguais (Figura Figura Figura Figura

12.312.312.312.3) e a descida dos níveis de fecundidade nas regiões onde ainda são elevados25

será o fator determinante na redução prevista dos ritmos de crescimento médio

mundial (passagem das fases 2 ou 3 para 4).

23 Goldstone, J. – «Political Demography». ENInternational Relations [Consultado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: http://www.eNir.info/author/christianNleuprechtNandNjackNaNgoldstone/. 24 Münz, R. N «Demography and Migration: An Outlook for the 21st Century». MPI Policy Brief, Nº 4, September, 2013.3 25 Consequência da passagem da fase 2 para a fase 3 em termos de transição demográfica (v. FigFigFigFigura 1ura 1ura 1ura 1).

Page 288: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

264

Figura 12.2. Hoje e amanhã. Os 10 países mais populosos do Mundo (2013, 2050)Figura 12.2. Hoje e amanhã. Os 10 países mais populosos do Mundo (2013, 2050)Figura 12.2. Hoje e amanhã. Os 10 países mais populosos do Mundo (2013, 2050)Figura 12.2. Hoje e amanhã. Os 10 países mais populosos do Mundo (2013, 2050)

Fonte: PRB, Word Population Datasheet, 2014.

À medida que a população evolui e se alteram as suas características tornaNse

mais complexa a gestão da trilogia população, recursos e desenvolvimento. Por

duas razões: a) porque a geografia da maioria dos recursos naturais vitais não

coincide com a geografia da população; b) porque a pressão crescente sobre os

recursos agrava as situações de stress sobre os mesmos, inclusive os renováveis26.

A poluição tem vindo a aumentar, tal como a deterioração do solo, a escassez de

água potável e a fome, como resultado da desigual distribuição de recursos, acenN

tuada no contexto de alterações climáticas. Estas últimas atuam como multiplicaN

dores de riscos e ameaças e catalisadores potenciais de tensões e conflitos,

intensificam disparidades entre grupos, etnias, regiões, geram processos de

26 HomerNDixon, T. (1994), “Environmental Scarcities and Violent Conflict: evidence from cases”, International Security, vol.19, nº1 (Summer 1994), 5N40 [Consultado em: 2 setemNbro 2015]. Disponível em: http://www.homerdixon.com/projects/evidence/evidend.htm.

Page 289: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CHOQUES DEMOGRÁFICOS

265

migração forçada, seja em busca desses recursos, seja para fugir às suas conseN

quências27.

Figura 12.3. População Mundial. Ritmos de Crescimento (1950Figura 12.3. População Mundial. Ritmos de Crescimento (1950Figura 12.3. População Mundial. Ritmos de Crescimento (1950Figura 12.3. População Mundial. Ritmos de Crescimento (1950NNNN2100)2100)2100)2100)

Fonte: http://esa.un.org/unpd/wpp/Documentation/pdf/WPP2012_HIGHLIGHTS.pdf; Migration Policy Institute, “Demography and Migration: an Outlook for the 21st century”. Policy Brief Nº 4,

Setembro, 2013: 3 http://www.migrationpolicy.org/research/demographyNandNmigrationNoutlookN21stNcentury.

Nas próximas décadas mais de 80% das sociedades serão confrontadas com

os efeitos combinados de crescimento populacional significativo, alterações ecoN

nómicas e pressão em termos de recursos vitais disponiveis, condicionados por

fenómenos globais (aquecimento climatérico, escassez de água, desertificação do

27 Rodrigues, T. – «Population dynamics. Demography matters» In Globalization and Inter,nation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 38N41.

Page 290: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

266

solo), de que acabam por ser as maiores vítimas. A inevitabilidade de cresciN

mento populacional assimétrico gera outras incertezas, nomeadamente quanto

ao modo de melhorar os níveis médios de desenvolvimento humano. Já os paíN

ses mais desenvolvidos irão debaterNse com os efeitos acumulados do duplo

envelhecimento das estruturas etárias, do aumento da idade média dos adultos

ativos e da crescente dependência face à imigração, da necessidade de redefiniN

ção dos moldes de mercado de trabalho e dos sistemas clássicos de apoio social.

ColocaNse assim, uma vez mais na história da humanidade, o repto de garantir o

equilíbrio entre população e recursos, sem pôr em causa o necessário e desejaN

do desenvolvimento económico, social e humano, com vista a permitir a aproN

ximação gradual entre níveis de bemNestar, sem que esse facto comprometa a

sustentabilidade dos recursos vitais ou signifique o agravamento da pressão

sobre o ambiente, natural e construído28.

Eis alguns dos desafios da sociedade global que podem transformar a popuN

lação num vetor passível de desencadear riscos de segurança e mesmo de conN

flito. Neste início de século o Mundo não está a ficar mais unido politicamente,

mais interdependente no campo económico, mais homogéneo culturalmente ou

mais seguro29. A trilogia PopulaçãoNRecursosNDesenvolvimento regressa à

ordem do dia na sociedade de risco global e adquire um novo prisma de análise:

o da segurança humana30. Já não se trata, como no passado próximo, de utilizar

a natureza e moldáNla em função dos interesses do homem. Parte significativa

do esforço dos novos atores do sistema internacional é hoje empregue na gesN

tão e resolução ou mitigação dos problemas resultantes de opções tecnológicas

e económicas das gerações precedentes.

ConfrontamoNnos com diferentes tipos de risco e com diferentes dimensões

de análise do mesmo, nomeadamente espacial, temporal e social31. O risco gloN

balizouNse em termos de intensidade, de generalização, da existência ou imponN

derabilidade de certos riscos e da criação de novos, da ambivalência de decisão

sobre muitos deles e da necessidade de cooperação internacional para a sua

28 Pison, G. N Atlas de la Population Mondiale. Faut,il craindre la croissance démographique et le vieillissement? Paris: Jacquard, 2009. 29 Rodrigues, T.F. – «Globalização. Definições, Convergências e Diversidades». In A Distin,ção Política “Esquerda,Direita”: a problemática da sua validade e atualidade, Lisboa: Fonte da Palavra, 2012. 130. 30 Rodrigues, T. – «Globalização, População e Ambiente», Lisboa: Academia das Ciências [Consultado em: 1 Abril de 2012] Disponível em: http://www.acadNciencias.pt/index.php? option=com_content&view=article&id=1736. 31 A poluição não conhece fronteiras, os resíduos nucleares e os organismos geneticamenNte modificados têm um período de vida longo.

Page 291: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CHOQUES DEMOGRÁFICOS

267

regulação e neutralização. Falamos de riscos sem fronteiras, naturais, tecnolóN

gicos, resultantes de ameaças transnacionais, identitários32.

Controvérsia e muitas hesitações rodeiam as tentativas de hierarquização dos

riscos atuais e futuros, dada a sua variabilidade consoante as regiões geográficas,

as conjunturas a que nos reportamos e a forma como são percecionados. A

comunidade científica internacional parece ter chegado a um consenso quanto

aos principais, destacando os efeitos das alterações climáticas, a má governação e

a corrupção, a instabilidade financeira e concorrência económica, as migrações, o

acesso a água potável e alimentação, a saúde pública 33. Na listagem incluiNse ainda

a corrida ao armamento, o crime organizado, o ciberterrorismo. Os maiores periN

gos que hoje ameaçam as sociedades não são de tipo militar strictu sensu, o que

não significa que não existam ameaças militares (confrontos armados na Síria,

ameaças relativas ao Irão ou plano nuclear da Coreia do Norte).

Mas como refere o Global Trends 2030. Alternative Worlds34, a geopolítica

contemporânea tem de considerar novos fenómenos e os principais desafios do

século XXI estão relacionados com a gestão dos recursos. Falamos da escassez

de recursos vitais (água potável, solo agrícola, alimentos), da energia (localizaN

ção e reservas, rede de distribuição), de desastres naturais (aumento de freN

quência, de vitimas mortais, de deslocados) e de conflitos e guerras pela posse de

recursos naturais (com efeito, o mapa dos conflitos recentes e o mapa da distriN

buição dos recursos naturais de valor elevado têm grandes similaridades)35. A

instabilidade politica e social do Estados frágeis tenderão no futuro a aumentar as

tensões e clivagens entre grupos sociais, despoletando conflitos internos e confiN

gurando novos riscos e ameaças à ordem nacional e estabilidade internacional.

As assimetrias de desenvolvimento conjugadas com o processo de degradaN

ção ambiental são fontes de preocupação e de insegurança, a nível local e regioN

nal, mas cruzam fronteiras, o que lhes garante “globalização”. Desertificação,

alterações climáticas, deflorestação, perda de biodiversidade, de solo agrícola e

32 Rodrigues, T. – «Globalização, População e Ambiente», Lisboa: Academia das Ciências [Consultado em: 1 Abril de 2012] Disponível em: http://www.acadNciencias.pt/ index.php?option=com_content&view=article&id=1736. 33 Lomborg, B. N Global Crises, Global Solutions, Cambridge: University Press, 2004; LomNborg, B. N Solutions for the World’s Biggest Problems. Costs and Benefits, Cambridge: University Press, 2007; Durand, M.F. et al. N Atlas de la Mondialisation. Comprendre l’Espace mondial contemporain. Paris: SciencesNPo, 2008 e outros… 34 NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL – Global Trends 2030. Alternative Worlds [ConNsultado em: 5 dezembro de 2013]. Disponível em: www.dni.gov/nic/globaltrends. 35 Existe uma provada coincidência entre o conjunto de países com debilidades de sustenNtabilidade ecológica e aqueles que apresentam problemas internos de segurança: AfegaNnistão, Bangladesh, Haiti, Iraque, Somália, Nigéria, região dos Grandes Lagos, Mauritânia, Senegal, Ruanda (Klare, M.T NResource Wars. The New Landscapre of Global Conflict. Nova Iorque : Metropolitan Books, 2001).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

268

escassez hídrica são questões que se relacionam com a paz e a segurança. A difiN

culdade de mitigação ou resolução dos problemas atuais é acrescida pelo facto de

estarmos a falar de problemas cuja resolução implica convergência e articulação

coletiva e mecanismos de regulação internacional, nem sempre fáceis de obter.

O clima tornouNse um tema de segurança nos últimos anos, dada a gradual

consciencialização dos efeitos das alterações climáticas e do modo como estas

podem destruir Estados e economias regionais. Embora seja verdade que as

populações humanas estão em vantagem ou desvantagem consoante a suareN

gião climática, a espécie humana é em parte responsável pelas alterações sentiN

das e não um ser passivo e/ou uma mera vítima36. A degradação ambiental

constitui uma das principais fontes de conflitoem contexto de mudanças climáN

ticas e aumento do consumo37. Os diferentes padrões de distribuição natural de

recursos, as crescentes necessidades energéticas e os hiatos entre a procura e a

disponibilidade e/ou capacidade de transformação de recursos têm fomentado

tensões e guerras por recursos naturais38, atuando como multiplicadores de

riscos e ameaças e catalisadores potenciais de tensões e conflitos e intensificanN

do as assimetrias internas de tipo étnico ou económico. A alteração das condiN

ções ambientais originam processos de migração forçada e conflito para

garantir a posse de recursos vitais ou para fugir às consequências da sua falta.

O facto de muitas das sociedades mais afetadas terem fraca resiliência social,

económica e política, torna ainda mais dficil lidar com a mudança39.

A posse e controle de fontes de energia está na ordem do dia e explica a

importância dada ao conceito de segurança energética40. Na atualidade a questão

envolve dimensões materiais e ideológicas, porque coincide com a dicotomia

36 A diminuição da calota glaciar, o aumento do nível das águas e a inundação de zonas costeiras, as secas, a desertificação e o risco de fome, bem como o aumento da ocorrência de ciclones e outros acidentes climáticos, indiciam grandes alterações nos ecossistemas (Stehr, N., Storch H. N Climate and Society. Climate as Resource, Climate as Risk, HackenNsack: World Scientific, 2010. 1). 37 Mol, A.P.J. N Globalization and Environmental Reform: The Ecological Modernization of the Global Economy. MIT, 2003; Dauvergne, P. N Handbook of Global Environmental Poli,tics, Lawtext Publishing, 2007. 38 TomeNse o exemplo de países como o Congo, a Serra Leoa ou a Líbéria, onde os confliNtos tem sido alimentados pelos diamantes e pedras preciosas. 39 Environmental Change and Security Program N ECSP Report 13 (2008,2009), WashingNton DC: The Woodrow Wilson International Center for Scholars [Consultado em: 5 dezembro de 2013]. Disponível em: http://www.wilsoncenter.org/sites/default/files/ ECSNPReport13_hi.pdf. 40 Embora dificilmente se encaixe nos debates contemporâneos de segurança, por não ser uma questão de segurança totalmente tradicional ou nãoNtradicional. As questões energétiNcas devem ser contextualizadas, considerando a realidade material e os diferentes modelos de governança política de cada sociedade (Silva, A.C, Rodrigues, T. N «Que modelo de segurança energética?» Relações Internacionais, nº46, Lisboa: IPRINUNL, 2015. 5N10).

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CHOQUES DEMOGRÁFICOS

269

entre países produtores, maioritariamente pobres e/ou politicamente instáveis,

e países consumidores dependentes. A relação complexificaNse quando estes

últimos apresentam baixos níveis de desenvolvimento humano, fraca coesão

interna e fragilidade politica. Mas graças a novas técnicas de fracturação

hidráulica, a exploração do petróleo e do gás de xisto deverá num futuro próN

ximo atingir níveis elevados, embora se questionem os efeitos de poluição ineN

rentes a algumas das tecnologias utilizadas. Se os principais importadores

mundiais de hidrocarbonetos deixarem de importar petróleo os preços do barril

vão colapsar, com consequências graves para os atuais países exportadores41.

A energia nuclear constitui o exemplo mais acabado de risco tecnológico, de

novo na agenda política internacional. O recurso ao nuclear contribui para

reduzir o impacto do aquecimento global, mas a sua utilização está associada a

acidentes causados pela libertação de gases radioactivos, abrindoNse a possibiN

lidade do seu uso para fins militares ou terroristas (ADM’s). A pesquisa genétiN

ca, biologia molecular, clonagem e produção de organismos geneticamente

modificados são outras áreas sensíveis a nível tecnológico.

Mais grave é a questão hídrica. Um dos recursos que está a esgotarNse mais

rapidamente nos últimos cinquenta anos é a água doce e em 2030 60% da popuN

lação enfrentará problemas de abastecimento, o que poderá originar conflitos42.

Hoje mil milhões de indivíduos não têm acesso a quantidade suficiente de água

e dois mil milhões não dispõem de água potável. O aumento demográfico vai

aumentar o consumo e reduzir a qualidade, com impactos directos a nível da

segurança alimentar e sanitária. A resolução do problema exige investimento

tecnológico e sobretudo solidariedade internacional concertada, em moldes que

ainda são uma incógnita.

A gestão da riqueza e oportunidades é outro tema em aberto, com consequênN

cias de largo exprecto e múltiplos efeitos. A percentagem de população pobre

está a diminuir, mas não o número de pobres. A desigualdade regional também

diminuiu, mas existem regiões e grupos sociais que não conseguiram acompaN

nhar os desafios da globalização. Mesmo nas sociedades onde os rendimentos

médios aumentaram, há que contrapor os efeitos colaterais da globalização,

expresso no acentuar das desigualdades internas43. Esta questão coexiste com

41 Como os EUA, já autossuficientes em gás e até 2030 em petróleo (NATIONAL INTELLINGENCE COUNCIL N Global Trends 2030. Alternative Worlds [Consultado em: 5 dezembro de 2013]. Disponível em: www.dni.gov/nic/globaltrends. 42 NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL N Global Trends 2030. Alternative Worlds [ConNsultado em: 5 dezembro de 2013]. Disponível em: www.dni.gov/nic/globaltrends. 43 WORLD BANK RESEARCH N Globalization, Growth and Poverty: Building an Inclusive World Economy, The World Bank Group [Consultado em: Março 2012] Disponível em: http://econ.worldbank.org/prr/subpage.php?sp=2477).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

270

mudanças de estrutura etária da população a que já aludimos e intensifica a

dependência migratória das regiões mais envelhecidas, o que em determinados

contextos pode atuar como potencial fator de instabilidade.

De facto, os movimentos migratórios representam uma das manifestações

mais evidentes do estreitamento do planeta, mas são um fenómeno complexo,

que não obedece apenas a lógicas de mercado, o que os torna um dos maiores

desafios para a comunidade internacional. Na sociedade de conhecimento, a

difusão de informações sobre as oportunidades económicas e acesso a determiN

nados bens que definem graus de qualidade de vida globalmente aceites irão

inevitavelmente fazer aumentar os volumes de migrantes nas próximas décaN

das44. Um dos problemas poderá residir na inexistência de uma relação linear

entre quem quer emigrar e quem se quer deixar que imigre.

Muitos destes imigrantes procuram as cidades globais, ajudando a acentuar

as desigualdades internas que nelas encontramos e a aumentar os níveis médios

de pobreza. Atualmente 52% da população mundial é urbana e esta percentaN

gem continuará a crescer a um ritmo acelerado na primeira metade do século

XXI, fazendo subir o número das grandes cidades. Nova Deli, Daca, Jacarta e

México vão ultrapassar os 30 milhões de habitantes e nos próximos dez anos mais

de 500 cidades terão mais de 1 milhão de residentes. Na sua maioria falamos de

megalópoles do Mundo em desenvolvimento, onde a vida é precária e insegura45.

Pese embora um quadro pouco animador prevêNse a redução dos níveis de

pobreza e o aumento da capacidade de consumo, o que irá provocar uma

mudança dos hábitos alimentares46. A implementação dos princípios norteadoN

res do Desenvolvimento Sustentável deve basearNse num planeamento eficaz,

que viabilize o crescimento populacional na óptica de sustentabilidade de recurN

sos, reduza o uso de produtos prejudiciais à saúde nos processos de produção

alimentar, garanta alimento para todos a longo prazo e aposte na educação

ambiental, fonte de novas formas de cidadania e comportamentos. EncontraN

moNnos numa fase de reavaliação, em que se procuram novos paradigmas47. O

44 IOM, MIGRATION POLICY PRACTICE, Vol. V, Number 1, February 2015–March 2015 http://publications.iom.int/bookstore/free/MPP20.pdf. 45 Blair A.R. N The Challenges of the 21st Century City, Washington, DC The Wilson CenNter, Policy Brief, December, [Consultado em: 23 setembro 2015]. Disponível em: http://www.newsecuritybeat.org/2012/12/challengesN21stNcenturyNcity/#.UuYsTxCp3IU; Durand, M. et al. N Atlas de la Mondialisation. Comprendre l’Espace mondial contemporain. Paris: SciencesNPo, 2008. 46 Em particular o aumento do consumo de carne e consequente criação de gado e de aves, o que força à subida do consumo de água (para beber e produzir as forragens), de energia e provavelmente do uso de fertilizantes. 47 Rodrigues, T. N «Population dynamics. Demography matters» In Globalization and Inter,nation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 38N41.

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CHOQUES DEMOGRÁFICOS

271

crescimento demográfico no século XXI traz consigo um desafio ecológico, não

porque faltem recursos naturais, mas porque os mesmos não são igualmente

acessíveis a todos48. Os estados que não conseguem garantir as necessidades

básicas da sua população enfrentam maior risco de instabilidade e conflito. O

PAI49 salienta a relação entre estratégias de combate à pobreza, que garantam o

desenvolvimento sustentável dos países mais pobres e, por essa via, um Mundo

mais estável (tal como projetos que promovam a transição demográfica através

da descida da fecundidade)50.

Nos próximos anos a escassez ambiental só deverá gerar conflitos (persistenN

tes, difusos e maioritariamente nacionais, afetando sobretudo as regiões mais

vulneráveis em termos de desenvolvimento económico, coesão social e estruturaN

ção politica) onde coexistirem alterações ambientais, forte crescimento populaN

cional e desigualdade na distribuição dos recursos. É possível encontrar exemplos

recentes dessa interdependência no Senegal e na margem oeste do rio Jordão

(Resource capture) ou nas Filipinas (Ecological Maginalization) (Fig (Fig (Fig (Figuuuura 12.4ra 12.4ra 12.4ra 12.4)51.

Figura 12.4. Escassez AmbieFigura 12.4. Escassez AmbieFigura 12.4. Escassez AmbieFigura 12.4. Escassez Ambiennnntal e Conflito. Dutal e Conflito. Dutal e Conflito. Dutal e Conflito. Duas tipologiasas tipologiasas tipologiasas tipologias

Fonte: HomerNDixon N «Environmental Scarcities and Violent Conflict: Evidence from

Cases» In International Security, 19, nº1.

Das estratégias e capacidade de adaptação às mudanças depende o grau de

probabilidade e/ou risco de eclosão de conflitos interestatais, seja por escassez

48 Veyret, Y., Arnould, P. (dir.) N Atlas des développements durables. Un monde inégalitaire, des expériences novatrices, des outils pour l'avenir, Paris: Éditions Autrement, 2008. 49 POPULATION ACTION INTERNATIONAL, (2013) “Healthy Families, Healthy Planet Why Population Matters to Security” [Consultado em: 27 de janeiro de 2014]. Disponível em: http://populationaction.org/topics/securityNandNgovernance/#sthash.iJJ7zoUp.dpuf. 50 Planeamento familiar, educação feminina, saúde maternoinfantil, prevenção, cuidados e tratamento do HIV/AIDS. 51 HomerNDixon N «Environmental Scarcities and Violent Conflict: Evidence from Cases» In International Security, 19, nº1 (summer 1994) [Consultado em: 20 outubro 2015]. Disponível em: http://www.homerdixon.com/projects/evidence/evidend.htm.

Page 296: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

272

ambiental simples (Japão/China na 2ª Guerra Mundial ou Guerra do Golfo); por

deslocações de população ou conflitos entre grupos identitários (BanglaN

desh/India); por privação económica, disrupção institucional e contendas interN

nas (Burkina Faso, Sendero Luminoso). Ou ainda modelos combinados (Africa

do Sul, Haiti). Nestes casos, embora a fuga das populações possa ser causada

por escassez simples, ela surge associada por norma ao aumento da pobreza

que provoca. O enfraquecimento do poder político aumenta a probabilidade de

conflitos por privação e entre grupos (Figura 12.5Figura 12.5Figura 12.5Figura 12.5).

Figura 12.5. Causas e Consequências da Escassez Ambiental. Figura 12.5. Causas e Consequências da Escassez Ambiental. Figura 12.5. Causas e Consequências da Escassez Ambiental. Figura 12.5. Causas e Consequências da Escassez Ambiental. Um exemploUm exemploUm exemploUm exemplo

Fonte: HomerNDixon N «Environmental Scarcities and Violent Conflict: Evidence from Cases» In International Security, 19, nº1.

A grelhade análise utilizadatem o universe politico Estado como pano de

fundo, dada a óbvia dificuldade e falta de estudos que permitam fazer centrar a

análise a partir de outros atores.

JJJJOGO DE ESPELHOGO DE ESPELHOGO DE ESPELHOGO DE ESPELHOSOSOSOS…………

As dinâmicas demográficas são aceleradores de mudança. O que não signiN

fica que devam ser consideradas como ameaças no sentido linear. Passamos de

um acelerador de mudança à ameaça (capacidade x intenção) quando ocorrem

choques demográficos (ameaças difusas), de que são exemplo os episódios de

criminalidade transnacional organizada, a proliferação de armas de destruição

massiva, a pirataria ou as ciberameaças. À medida que as sociedades passam de

uma para outra fase de transição demográfica, a demografia pode ser usada

como uma ferramenta que permite monitorizar as transformações sociais e

ajuda a antecipar modelos económicos, políticos e de segurança. Mas não

Page 297: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

CHOQUES DEMOGRÁFICOS

273

devemos perder de vista que a população não é um vetor determinante para a

mudança social ou política, nem mesmo quando o afluxo de refugiados e de

migrantes ilegais alteram as caracteristicas de partida do país de acolhimento e

as suas perspectivas de prosperidade e paz.

Em 2010 o Atlas des Populations52 elencava e descrevia o que considerava

serem as nove leis da geopolítica demográfica, as quais resumem os vetores

decisivos na determinação do potencial papel e peso de cada universo politico

neste Mundo tendencialmente globalizado: cinco são macrodemográficas, com

relevância em termos de hard power (volume, composição étnica, estrutura

etária e por sexos); as restantes importam em termos microdemográficos e de

soft power (migrações, cultura e identidade, comunidades e diásporas). A estes

fatores cumpre acrescentar outras esferas de contexto, como o ambiente natuN

ral (localização, topografia, clima, riquezas naturais), o sistema económico (estaN

tuto no sistema económico global, liderança ou dependência), o sistema político

(democracia ou ditadura, estabilidade ou vulnerabilidade) (Figura 12.6)Figura 12.6)Figura 12.6)Figura 12.6).

A relação ambígua e polivalente entre as duas partes da equação demograN

fiaNsegurança pode ganhar objetividade se a olharmos em três prismas distinN

tos, embora não estanques:

1) de dentro para dentro: o modo como as dinâmicas e características de

composição etária, por sexos e origem étnica influenciam a identidade,

coesão e estabilidade interna de uma sociedade;

2) de fora para dentro: o modo como uma sociedade é influenciada na sua

composição, características e perceções de segurança pelo contexto exóN

geno, porque não existem universos populacionais fechados;

3) de dentro para fora: o modo como as dinâmicas e características de comN

posição etária, por sexos e origem da sociedade determinam o poder de

influência de dada sociedade (hard e soft power) no sistema internacional.

As duas primeiras determinam as probalidades de estabilidade ou conflito,

na dupla asserção de paz e coesão dentro das fronteiras políticas (não necessaN

riamente estatais). A última remete para os (re)equilibrios do sistema internaN

cional suscitados pelo modo como cada universo populacional consegue gerir o

seu espaço ”fora de portas” (fronteiras em sentido lado) e ser reconhecido nos

forae internacionais.

52 Durand, A. N Atlas des Populations, Diplomatie, nº44 maiNjuin 2010.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

274

Figura 12.6. Jogo de EspFigura 12.6. Jogo de EspFigura 12.6. Jogo de EspFigura 12.6. Jogo de Espeeeelhos. As leis da geopolítica demográficalhos. As leis da geopolítica demográficalhos. As leis da geopolítica demográficalhos. As leis da geopolítica demográfica

Fonte: Elaboração própria a partir de Durand, A. – Atlas des Populations, Diplomatie, 44 maiNjuin 2010.

a.a.a.a. De dentro para dentro, de fora para dentro. Estabilidade ou conflDe dentro para dentro, de fora para dentro. Estabilidade ou conflDe dentro para dentro, de fora para dentro. Estabilidade ou conflDe dentro para dentro, de fora para dentro. Estabilidade ou confliiiitotototo

Vimos que as teorizações clássicas sobre o poder do Estado tendem a conN

vergir ao considerar o fator populacional como elemento central da configuraN

ção interna e externa da sua força relativa. A demografia influencia três dos

seus objetivos principais: 1) a projeção do poder no sistema internacional anárN

quico; 2) a proteção da soberania e dos interesses nacionais; e 3) a garantia de

acesso da população aos recursos disponíveis. Da capacidade de gerar o equilíN

brio demográfico e de preservar a coesão nacional depende, em larga medida, o

sucesso na redução das vulnerabilidades naturais e a implementação de uma

estratégia sustentável de segurança e de defesa.

No passado a população de um Estado ou região constituía um elemento

para aferir o seu poder. A questão era pouco complexa, num quadro em que

todas as sociedades cresciam moderadamente, apresentavam um tipo de estruN

tura etária semelhante (muitas crianças, poucos idosos) e a produção económica

tinha como unidade predominante o agregado familiar e a agricultura. Hoje a

questão deixou de poder ser vista assim. Nas sociedades contemporâneas e do

futuro são sobretudo as características dos recursos humanos (em termos de

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CHOQUES DEMOGRÁFICOS

275

sexo, idade, competências e educação) que determinam a importância que

assume a demografia no quadro de segurança.

O volume e características da população podem ser entendidos como eleN

mentos de soft e hard power e podem também desencadear riscos reais e/ou

percecionados de insegurança. É certo que existe uma vantagem de partida

para as grandes populações, já que um país pequeno, por muito desenvolvido

que seja, terá maior dificuldade em se impor no sistema internacional); 2) conN

centração/urbanização (maior facilidade de anonimato aumenta facilidade das

atividades subversivas, terroristas e criminosas e seu respetivo impacto; aumenN

ta a probabilidade de emergência de protestos espontâneos, etc); e 3) as carateN

risticas de estrutura (efetivos das Forças Armadas, paz geriátrica, subida da

insegurança real ou percecionada nas sociedades mais abastadas)53.

A avaliação das ameaças globais e os exercícios de cenarização não devem

esquecer as implicações de segurança que decorrem das características e tenN

dências de vetores tão distintos como a repartição da população por idades e

ritmos de crescimento desigual dos grupos étnicos e sociais, a concentração dos

bairros clandestinos, a pobreza rural e urbana. Os resultados de um estudo

efetuado em 201354 validam a importância da demografia como preditor de

bemNestar e de estabilidade das sociedades, com base no peso relativo de jovens

e idosos no total da população. Foram criados quatro grupos de países e calcuN

lada a evolução das estruturas populacionais ao longo de várias décadas, relaN

cionandoNas com a sucessão de conjunturas políticas. O exercício permitiu

identificar oito aspetos de indole demográfica que parecem associados com

instabilidade política ou conflito: proporções elevadas de jovens em idade ativa

(15N29 anos); acentuado crescimento urbano; carência de solo e/ou água; níveis

elevados de mortalidade na população ativa; assimetrias de crescimento entre

grupos étnicos e religiosos; migrações, envelhecimento e redução de efetivos;

mais homens que mulheresna população.

Mas todos estes aspetos podem ser também oportunidades. Alguns exemN

plos. Quando os empregos são escassos, a existência de muitos adultos jovens

53 Soffer, A. (2008) The Connection between Demography and National and International Security – The Case of the EU. National Security and the Future 1,2 (9). Disponível em: http://www.nsfNjournal.hr/issues/v9_n1_2/pdf/003%20Soffer.pdf. 54 POPULATION ACTION INTERNATIONAL N The Shape of Things to Come. Why Popula,tion Matters to Security [Consultado em: 27 de janeiro de 2014]. Disponível em: http://www.globalaging.org/health/world/2007/Shape.pdf A pesquisa divide os países em quatro categorias: muito jovens (mais 67% da população com menos de 30 anos e tempo de duplicação em anos menor de 35); jovens (60N67% da população com menos de 30 anos, 35N50 anos de tempo de duplicação), em transição (45N60% abaixo dos 30 anos, 50N125 anos de tempo de duplicação) e maduro (30N45% abaixo dos 30, mais de 125 anos de tempo de duplicação).

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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pode fomentar o descontentamento e a tensão social e politica. Cientes deste

facto, os responsáveis politicos respondem de formas tradicionais55, esquecendo

que a criação de emprego direcionado para as necessidades específicas da

região traria um aumento da qualificação e a subida das receitas provenientes

dos impostos de trabalho. O mesmo pressuposto liga o aumento dos bairros de

lata à subida dos níveis de criminalidade em contextos urbanos em crescimento,

descurando que algum investimento em infraestruturas bastaria para mitigar ou

resolver o problema.

Na linha do já referido estudo de Cincotta56, a investigação conclui ainda que

os dois grupos de países mais jovens apresentam mais episódios de guerra civil,

maior facilidade de mobilização e recrutamento para organizações extremistas

e milícias, que oferecem maiores salários e uma identidade que os jovens não

encontram na sociedade. Quase todos os países a viverem conflitos intensos

possuem populações muito jovens (como o Iraque, Afeganistão, Sudão, a Siria),

mas muitos daqueles que no passado experimentaram este tipo de situação

evoluíram de seguida para outras configurações etárias e são hoje estáveis

(Vietname, por exemplo). Este facto traz alguma esperança sobre a evolução da

conflitualidade de dentro para dentro.

Acresce a esta imagem os imputs migratórios e o modo como a crescente

permeabilidade das sociedades contemporâneas altera o perfil étnico e religioso

das sociedades atuais. A construção de uma identidade em mosaico nem semN

pre é fácil e envolve alguma tensão acrescida de fora para dentro (migrantes,

refugiados). O enriquecimento cultural, económico e em última análise o enriN

quecimento humano que a globalização das migrações permite, nem sempre é

fácil para quem chega e para quem vê chegar57. Também não devemos cair no

erro de securitizar a questão dos refugiados, porque, e tal como sucede com a

esmagadora maioria dos imigrantes, o seu objetivo prioritário é, por maioria de

razões, o de sobreviver sem deportação. O maior desafio colocaNse nos moldes

em que são recebidos nos países de acolhimento (os exemplos conhecidos de

formação de grupos armados com base em população refugiada tiveram apoios

externos (como sucedeu nos anos 90, quando o Paquistão apoiou os afegãos

refugiados e viabilizou o aparecimento dos talibãs). A presença de refugiados

55 Incorporando esses efetivos nas FFAA ou de segurança, reforçando os sistemas preventiNvos de segurança interna, incentivando a emigração e facilitando a entrada de poupanças. 56 Cincotta, R. – The Next Steps for Environment, Population and Security. Demographic Security Comes of Age, ECSP Report, Issue 10, 2004: 1. 57 Requena, Miguel, «International Migrations, Security and Identity» In Globalization and Internation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 51N76.

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CHOQUES DEMOGRÁFICOS

277

em determinado país não cria riscos de segurança elevados (vejamNse os libaneN

ses na Jordânia ou Siria)58.

Urge pensar a segurança tendo em conta novos desafios populacionais.

Vivemos uma situação nunca experimentada. O relativo declínio demográfico

da Europa e das Américas contrasta com a pujança demográfica da Ásia e da

África, enquanto se consolida a dicotomia entre países ricos envelhecidos e

países pobres jovens pobres e a mobilidade é maior que nunca59. Coexistem na

atualidade populações muito jovens e muito idosas, populações urbanas em

rápido crescimento, sociedades multiétnicas e multirreligiosas, novos atores na

cena económica e politica (BRICS), arcos de instabilidade em África, non Médio

Oriente, América Latina e Ásia.

b.b.b.b. De dentro para fora. Os (re)equilibrios do sistema intDe dentro para fora. Os (re)equilibrios do sistema intDe dentro para fora. Os (re)equilibrios do sistema intDe dentro para fora. Os (re)equilibrios do sistema internacionalernacionalernacionalernacional

Nas últimas décadas a agenda de segurança alargouNse, passando a incluir

para os Estados e as organizações internacionais novos dilemas nãoNtradicionais

e transnacionais, em parte decorrentes do processo de globalização. ParadoxalN

mente, embora esta última seja olhada como um fator impulsionador para o apaN

recimento ou intensificação de novos problemas, a investigação académica pouco

tem examinado a relação entre a nova agenda de segurança e a economia política.

No Mundo globalizado, o desafio colocado pelas ameaças de conflito está a

ser profundamente transformado. O novo conceito de segurança acentua a

importância da modernização socioeconómica como garantia potenciadora de

segurança individual e coletiva, procura fomentar o papel da diplomacia interN

nacional e reduzir a intervenção externa, evitando formas tradicionais de confliN

to entre Estados. Conceitos como os de governança global e de manutenção da

paz adquirem um destaque merecido no sistema internacional, mesmo quando

os seus resultados em termos de quotidiano das populações sejam pouco eviN

dentes. Segurança externa e segurança interna tornamNse duas faces da mesma

moeda, pelo que os responsáveis políticos tendem a privilegiar a prevenção,

recorrendo a modelos mais ou menos musculados.

O último relatório do NIC60 dá como certo o declínio dos países ocidentais,

em larga medida causado pela redução do potencial humano. Até 2030 prevê a

consolidação do Mundo multipolar, baseado no pilar económico, cujo centro

58 Carrion, D. N Are Syrian refugees a security threat? Reuters, Opinions [Consultado em: 27 de setembro de 2015]. Disponível em: http://blogs.reuters.com/greatNdebate/2015/09/15/ areNsyrianNrefugeesNaNsecurityNthreatNtoNtheNmiddleNeast/. 59 Jackson, R., Howe, N. N The Graying of the Great Powers, Washington, DC: Center for Strategic and International Studies, 2008. 60 NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL N Global Trends 2030. Alternative Worlds [ConNsultado em: 5 dezembro de 2013]. Disponível em: www.dni.gov/nic/globaltrends.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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vital desliza dos países tradicionais para os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e

África do Sul) que entram em concorrência direta com os antigos estados

dominantes (Japão, Alemanha, França e Reino Unido). Na segunda linha apareN

cem várias potências intermédias com demografias em alta e fortes taxas de

crescimento económico, chamadas a tornaremNse, também elas, polos hegemóN

nicos regionais e com tendência para se constituírem como grupo de influência

mundial (Colômbia, Indonésia, Nigéria, Etiópia, Turquia, Vietname). As assimeN

trias intra e interNregionais agudizarNseNão, se não houver uma restruturação ao

nível da segurança internacional e da governança mundial.

As disparidades de desenvolvimento entre países e regiões, associadas aos

diferenciais demográficos impulsionam a mobilidade humana. Se esta for potenN

ciada e bem gerida poderá ajudar a resolver alguns dos dilemas demográficos

que os países enfrentam atualmente (na Europa temos uma população envelheciN

da e escassez de mão de obra, enquanto no Mundo em desenvolvimento temos

uma população muito jovem, excesso de mão de obra e falta de oportunidades

laborais). As migrações (emigração, imigração e migrações internas) são as

variáveis chave no futuro das dinâmicas demográficas, embora sejam as de

maior incerteza61.

Compreender os impactos políticos de fatores demográficos tornaNse inconN

tornável, sobretudo porque sabemos que as mudanças serão significativas nas

próximas décadas62. As disparidades de crescimento demográfico terão conseN

quências políticas entre: (a) EstadosNnação (o declínio Rússia face ao Paquistão);

(b) grupos etários (a crescente proporção de jovens face aos idosos no AfegaN

nistão); (c) relação entre residentes rurais e urbanos (urbanização no Médio

Oriente); e (d) grupos étnicos ou religiosos intra Estados (hindus e muçulmanos

na Índia, evangélicos e seculares nos EUA). Cada tipo de diferença está associaN

da com desafios políticos distintos: alterações locais no volume e estrutura

populacional afetam o equilíbrio de poder central; a variação dos ratios entre

grupos de idade e sexo influenciam as taxas de crescimento económico, desemN

prego, instabilidade e violência; o processo de urbanização incentiva a mobiliN

dade tradicionalmente associada a insegurança; os diferenciais de crescimento

entre grupos etnoNreligiosos podem potenciar episódios de violência étnica,

religiosa e nacionalista, crises de identidade e desafiar a unidade dos Estados

mais frágeis.

61 Rodrigues, T.F. – «O Futuro (in)Certo das Dinâmicas Demográficas em Portugal». In Contributos para Um Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Atena, nº 28. Lisboa: ImNprensa Nacional Casa da Moeda, 2012. 211 62 Goldstone, J. Political Demography: How Population Changes are Reshaping Interna,tional Security and National Politics, Nova Iorque: Oxford University Press, 2011.

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CHOQUES DEMOGRÁFICOS

279

OOOO MMMMUNDO AMANHÃUNDO AMANHÃUNDO AMANHÃUNDO AMANHÃ.... DDDDESAFIOS DEMOGRÁFICOSESAFIOS DEMOGRÁFICOSESAFIOS DEMOGRÁFICOSESAFIOS DEMOGRÁFICOS À SEGURANÇA À SEGURANÇA À SEGURANÇA À SEGURANÇA

A população representa um vetor estratégico no âmbito da segurança e

defesa e a Demografia, ciência social atenta às alterações do volume, da compoN

sição e da distribuição espacial da população, assume uma posição relevante

para a equação do poder no quadro do sistema internacional. As questões

demográficas não podem ser ignoradas no gizar de políticas e decisões no quaN

dro da segurança e defesa, porque em última análise as variáveis demográficas

permitem conhecer e estimar num futuro próximo totais e modo de distribuição

dos efetivos por sexo e idade, determinando deste modo a população ativa e

idosa, o total de eleitores, militares, imigrantes potenciais.

Os efetivos humanos podem ser um vetor de oportunidade e estabilidade ou

um risco, para si mesmos e para outros povos e sociedades. As populações nas

suas diferentes vertentes (fecundidade, saldos migratórios, morbilidade e morN

talidade, volume, estrutura etária, e posição em termos do modelo de transição

demográfica) são um aspeto vital na formação do processo político. O seu

impacto pode ser imediato ou remoto. A população pode ser uma janela de

oportunidade ou um fator destabilizador e é sempre necessário que tenhamos

em consideração as suas dinâmicas e carateristicas, embora estas não desencaN

deiem de per si conflitualidade aberta63.

As tendências demográficas influenciam a segurança humana, a estabilidade

política e as hipóteses de desenvolvimento. Mais que reconhecer a importância

que pode ser atribuída aos volumes da população de um Estado, importa moniN

torizar informação sobre o modo e as direções geográficas com que se procesN

sam as dinâmicas demográficas. As questões populacionais constam cada vez

mais na agenda política e pela sua diversidade e originalidade exigem a ligação

entre académicos e decisores. Demografia e política interinfluenciamNse, o que

torna necessário refletir sobre o modo como os politicos percebem as questões

demográficas e como as integram nas políticas nacionais. A questão é se as

tendências demográficas são preenchidas com recursos suficientes.

A relativa inércia e previsibilidade de tendências de evolução dos volumes

demográficos permite adiantar cenários prospetivos com razoável grau de certeza

63 GLOBAL STRATEGIC TRENDS N Out to 2040, Strategic Trends Programme, 4ªed. SWINNDON: Ministry of Defence [Consultado em: 23 abril 2015] Disponível em: https://www.gov.uk/ government/uploads/system/uploads/attachmentdata/file/33717/GST4_v9_Feb10.pdf.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

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(menor no caso das migrações)64. Nenhuma parte do Mundo está imune aos

efeitos das das alterações demográficas que terão lugar nas próximas décadas.

TrataNse de gerir, sem colocar em risco a segurança global, o envelhecimento

sem precedentes das populações nos países ricos e de enfrentar o ainda rápido

crescimento e juventude das populações nos restantes. Além disso, todos, indeN

pendentemente do seu grau de desenvolvimento, serão obrigados a lidar com o

volume crescentes das migrações internacionais, sejam de caracter económico

ou motivadas por crises ambientais locais, instabilidade ou conflito (Figura Figura Figura Figura

12.112.112.112.1)65.

Tabela 12.1 Tabela 12.1 Tabela 12.1 Tabela 12.1 NNNN Vetores de índole demográfica a considerar na ligação Vetores de índole demográfica a considerar na ligação Vetores de índole demográfica a considerar na ligação Vetores de índole demográfica a considerar na ligação populpopulpopulpopulaaaaçãoçãoçãoçãoNNNNsegurançasegurançasegurançasegurança

Um Mundo a duas Um Mundo a duas Um Mundo a duas Um Mundo a duas velocvelocvelocvelociiiidadesdadesdadesdades

Nas regiões menos desenvolvidas os fatores de inércia demográfica provocam o aumento rápido da população, o que só é uma oportuNnidade a) se for acompanhado de estabilidade interna e b) caso exista capacidade endógena dos atores envolvidos para rentabilizar a vantagem do número de efetivos. Nas sociedades com melhores indicadores de desenvolvimento humano o acentuado envelhecimento das estruturas etárias fáNlas perder força humana e capacidade militar (hard power). Só a aposta em alianças fortes e investimento tecnológico poderá suprir a desNvantagem do número.

A globalização das A globalização das A globalização das A globalização das migrmigrmigrmigraaaaçõesçõesçõesções

Todas as regiões se tornam emissoras e recetoras de migrantes. Aumenta a percentagem de estrangeiros nas sociedades e também a variedade de nacionalidades, perfis e expectativas dos migrantes. ConfrontamoNnos com migrações mais sensíveis e rápidas na sua reação a conjunturas económicas, políticas e ambientais, que geram transformações de identidade, de equilibrios de poder interno e regional e podem provocar conflitos e insegurança.

Urbanização e Urbanização e Urbanização e Urbanização e migrmigrmigrmigraaaações internas ções internas ções internas ções internas assimétricasassimétricasassimétricasassimétricas

As direções privilegiadas pelos fluxos migratórios podem reduzir a qualidade de vida em locais muito procurados e aumentar a probabiNlidade da ocorrência e intensidade de desastres humanitários. A pobreza está a tornarNse cada vez mais urbana. Nas cidades residem as populações mais vulneráveis e são maiores as desigualdades sociais. A escala e complexidade das comunidades urbanas exige soluções específicas para o seu desenvolvimento e segurança66. O crescimento urbano desordenado em locais de tensão social e exclusão económica aumenta o risco de episódios de violênNcia. O anonimato é facilitado nos bairros de construção clandestina, tornandoNos safe havens para ações subversivas e terrorismo.

64 Rodrigues, T.F. – «O Futuro (in)Certo das Dinâmicas Demográficas em Portugal». In Contributos para Um Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Atena, nº28. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2012. 210N1. 65 Goldstone, J. – «Political Demography». ENInternational Relations [Consultado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: http://www.eNir.info/author/christianNleuprechtNandNjackNaNgoldstone/. 66 Blair A.R. N The Challenges of the 21st Century City, Washington, DC The Wilson CenNter, Policy Brief, December, [Consultado em: 23 setembro 2015]. Disponível em: http://www.newsecuritybeat.org/2012/12/challengesN21stNcenturyNcity/#.UuYsTxCp3IU.

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CHOQUES DEMOGRÁFICOS

281

Envelhecimento Envelhecimento Envelhecimento Envelhecimento e/ou juventudee/ou juventudee/ou juventudee/ou juventude

TrataNse em alguns casos de saber o que fazer a tantos jovens e noutros que fazer com tão poucos67.A alteração da estrutura etária influencia a capacidade económica, militar e de governança. A juventude etária tende a acentuar a reivindicação social contra o poder instituído. A descida da idade média da população pode retardar o aparecimento da democracia e dificultar a estabilidade de sistemas democráticos68. Nas sociedades com muitos idosos o isolamento e vulnerabilidade fazem aumentar as situações de insegurança, real ou percecionada.

Fonte: Rodrigues, T. – «Population dynamics. Demography matters» In Globalization and Internation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 38N41.

No entanto, a interligação entre demografia e segurança exige um processo

contínuo de ajustamento, porque falamos de realidades dinâmicas. Dai o inteN

resse que pode resultar da monitorização do modelo de transição demográfica.

O futuro implica o redesenhar da sociedade global, garantindo a gestão sustenN

tável entre comunidades mais envelhecidas, complexas e distintas, fluxos migraN

tórios fáceis, rápidos e com novos perfis, necessidades em termos de progresso

económico a escalas local, nacional e global e direitos e garantias. O novo conN

ceito de segurança humana assente na dignidade do indivíduo implica uma

preocupação com o nosso espaço e com o que nos rodeia. A segurança resulta

sobretudo de atitudes e comportamentos proativos e preventivos.

Nesta época de turbulência o papel geopolítico do vetor demográfico69 torN

naNse incontornável para compreender a realidade atual das sociedades (de que

são exemplo as opções em matéria de fiscalidade, os padrões de voto, as tenN

sões e conflitos étnicos e religiosos)70. As implicações futuras de segurança que

decorrem das tendências demográficas vão depender da capacidade de todos

os decisores, governos, líderes internacionais, organizações, atores do Mundo

global, de lidarem com os desafios, sem correr o risco de securitizar o vetor

demográfico. Os volumes populacionais precisam de contexto e são insuficienN

tes em si mesmos para fomentarem tensões sociais, mudanças políticas, disrupN

ção económica ou conflitos. A população pode criar insegurança, mas também

67 POPULATION ACTION INTERNATIONAL, (2013) “Healthy Families, Healthy Planet Why Population Matters to Security” [Consultado em: 27 de janeiro de 2014]. Disponível em: http://populationaction.org/topics/securityNandNgovernance/#sthash.iJJ7zoUp.dpuf. 68 Urdal, H. N «Youth Bulges and Violence» In Political Demography: How Population Changes are Reshaping International Security and National Politics, New York: Oxford University Press, 2011. 69 Como a importância explicativa que as tendências de crescimento ou pressão demográNfica tiveram no eclodir de revoluções e no colapso ou emergência de determinadas civiliNzações (Diamond, J. N Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human Societies, New York: Oxford University Press, 2005). 70 Goldstone, J. – «Political Demography». ENInternational Relations [Consultado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: http://www.eNir.info/author/christianNleuprechtNandNjackNaNgoldstone/.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

282

as respostas. As dinâmicas populacionais devem ser lidas como um indicador,

um recurso e um multiplicador. A relação entre dinâmica demográfica e seguN

rança não é unívoca e um mesmo comportamento demográfico pode ter impacN

tos diferentes, consoante o tempo, a realidade social e o contexto político. Tal

sucede em grande parte porque as ameaças assumem formas difusas, surgem

como resposta a alterações de vário tipo, nomeadamente ambientais, e impliN

cam mobilidade e deslocação de populações, podendo mudar em semanas a

composição humana de uma região. As implicações futuras de segurança que

decorrem das tendências demográficas vão depender da capacidade política

(especialmente das instituições, governos e um conjunto crescente de atores)

para lidarem com os desafios.

“Demography must be considered a major driver of politics alongside classic

materialist, idealist, and institutional perspectives. Just as no credible political

scientist can afford to ignore the role of economic incentives, institutions, or cul,

ture, […] political scientists cannot afford to ignore demography in seeking to

understand patterns of political identities, conflict, and change”71.

71 Kaufmann, E., Toft, M. N «Introduction» In Political Demography: How Population Changes are Reshaping International Security and National Politics. Nova Iorque: Oxford University Press, 2011.

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283

13131313.... TTTTENDÊNCIA DAS AMEAÇASENDÊNCIA DAS AMEAÇASENDÊNCIA DAS AMEAÇASENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS GLOBAIS GLOBAIS GLOBAIS.... OOOORDEM JURRDEM JURRDEM JURRDEM JURÍÍÍÍDICA INTERNACIONAL EDICA INTERNACIONAL EDICA INTERNACIONAL EDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCEINTELLIGENCEINTELLIGENCEINTELLIGENCE

ALICE FEITEIRA

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

A maioria das ameaças que os Estados atualmente enfrentam não se previnem

nem combatem com meras actuações locais, reclamando quanto à sua resposta

acções concertadas a nível regional ou global. No domínio da segurança interna e

externa, a actividade dos Serviços de Informações consiste, primordialmente, na

prevenção e combate dos riscos e ameaças, considerando o seu impacto no regu,

lar funcionamento das instituições democráticas dos Estados e na vida dos cida,

dãos. Aliás, a intensidade dessas ameaças encontra,se dependente da eficácia das

contra,medidas adoptadas pelas autoridades públicas, mas, também, pelos

níveis de permeabilidade ou de resiliência das sociedades onde se desenvolvem.

No quadro da União Europeia, a manutenção da segurança comum alicerça,se na

cooperação entre os Estados membros e a União, através da colaboração institu,

cional entre as forças e serviços de segurança, incluindo os serviços de informa,

ções, de modo a garantir um modelo integrado da segurança comum.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,Chave:Chave:Chave:Chave: Estado, Segurança, Ameaças, Prevenção, Informações

DDDDESAFIOS À SEGURANÇA ESAFIOS À SEGURANÇA ESAFIOS À SEGURANÇA ESAFIOS À SEGURANÇA INTERNA E EXTERNAINTERNA E EXTERNAINTERNA E EXTERNAINTERNA E EXTERNA:::: AS POLÍTICAS PÚBLICAAS POLÍTICAS PÚBLICAAS POLÍTICAS PÚBLICAAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGS DE SEGS DE SEGS DE SEGUUUURANÇARANÇARANÇARANÇA

Nas sociedades actuais a segurança, enquanto obrigação fundamental dos

Estados, traduz um direito de cidadania e um referencial de qualidade de vida

democrática. Neste domínio, as opções políticoNlegislativas são norteadas pela

perspectiva da legalidade e da eficácia, aferida no âmbito da consolidação e

Page 308: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

284

garantia dos interesses do Estado. No quadro da União Europeia verificaNse a

particularidade de os referenciais da segurança e da liberdade, enquanto dois

direitos fundamentais e interdependentes, se encontrarem acautelados num

modelo de dupla cidadania: nacional e europeia.

A redefinição do conceito de segurança assenta numa perspectiva que comN

porta novos paradigmas, resultante do facto de esse conceito ultrapassar hoje

limites territoriais ou fronteiras nacionais, revelandoNse manifestamente insufiN

cientes as respostas securitárias “intraNmuros”, de defesa da rule of law ou da

rule of order, delimitadas exclusivamente pelas fronteiras nacionais.

Com efeito, perante a complexidade das sociedades actuais, a eficácia das

políticas de segurança impõe a compreensão prévia das dinâmicas de uma

sociedade aberta, que se encontra sujeita à acção de actores institucionais e não

institucionais e vulnerável a inéditas dimensões de risco.

Contudo, a vulnerabilidade das sociedades modernas envolve um vasto

número de perigos e ameaças susceptíveis de pôr em causa a noção de ameaça

interna e externa, considerando fenómenos como a criminalidade transnacioN

nal, o terrorismo, as ciberameaças ou o tráfico de pessoas, que notoriamente

não se confinam à soberania dos Estados1.

De facto, o efectivo robustecimento das estratégias de prevenção e combate

deve ser determinado por uma concepção holística, afigurandoNse necessário

proceder a uma avaliação sectorial dessas ameaças, atendendo ao seu impacto

nas esferas da segurança individual e colectiva.

A eficácia das estratégias de resposta depende da formulação de inovadoras

matrizes de análise referentes às ameaças já existentes ou previsíveis, consideN

rando os seus eventuais agentes, os recursos do “crime” e do facto de as socieN

dades actuais se encontrarem expostas à mutação de conceitos, como perigo e

vulnerabilidade, e os novos paradigmas da noção de “inimigo”.

Nesse plano perpassa a obrigação de as entidades afectas às políticas públiN

cas de segurança garantirem o exercício de direitos e liberdades num quadro de

cidadania, perante dinâmicas de organização do espaço público e privado conN

ducentes a novas formas do exercício da segurança e a novas respostas dos

sistemas penais2.

1 Neste sentido, Bacelar Gouveia, Jorge, Direito Constitucional da Segurança, Enciclopédia do Direito e Segurança, coordenada por Jorge Bacelar Gouveia e Sofia Santos, Almedina, 2015, págs. 134N35. 2 Sobre a noção de segurança, Lourenço, Nelson, As novas Fronteiras da Segurança – Segurança Nacional, Globalização e Modernidade, Revista Segurança e Defesa, nº 31, FevereiroNjunho 2015, pág. 26 a 37

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TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE

285

Neste sentido, a eficácia das políticas públicas de segurança depende da

formulação de processos inovadores de combate e prevenção dos fenómenos

criminais e da percepção da segurança, num contexto lato sensu – que comN

preende, entre outras dimensões, a segurança ambiental, a segurança alimenN

tar, a segurança rodoviária, a segurança energética e mesmo a protecção civil,

num arquétipo que põe em causa a clássica divisão dos conceitos de segurança

interna e externa3.

TrataNse, pois, de avaliar a dimensão externa da segurança interna, cada vez

mais conformada por fatores que ultrapassam a mera realidade interna dos

Estados, pelo que a eficácia dessas políticas se encontra dependente do aproN

fundamento da cooperação internacional. No caso da União Europeia, esse

aprofundamento decorre de uma lógica sistémica, num quadro referencial de

princípios, competências, estruturas e meios operativos comuns, tendo em conN

ta as diferentes dinâmicas de (in)segurança projetadas a níveis local e regional,

bem como a justa ponderação dos valores comuns da segurança e da liberdade.

A natureza dos diversos riscos e ameaças, bem como a sua projecção nos EstaN

dos membros, a par do reconhecimento das insuficientes respostas asseguradas

a nível local, tem contribuído para o reforço dos mecanismos de cooperação.

Esta cooperação, norteada por princípios de legalidade e de eficácia, tem possiN

bilitado o aprofundamento da colaboração policial e de intelligence4, de acordo

com uma visão realista quanto às vulnerabilidades e capacidades de cada EstaN

do e dos perigos e ameaças que a União enfrenta5.

Assim, no quadro da União Europeia, apesar das características de intergoN

vernamentalidade da Política Comum de Segurança e Defesa, conduzida pelo

“Alto Representante” – mandatário do Conselho, nos termos do art.18.º, nº2, do

TUE –, têm sido aprofundados instrumentos de acção com impacto na seguranN

ça comum. Esta cooperação tem incidido, primordialmente, no incremento da

colaboração policial e na troca de informações, respeitando o princípio da disN

ponibilidade, na adopção de actos normativos com impacto na segurança interN

na e externa comum, como é exemplo a directiva europeia de protecção de

3 Sobre a noção de Administração Pública de Segurança, Feiteira, Alice, A Administração Pública da Segurança e Cidadania, Revista de Direito e Segurança, Director Jorge Bacelar Gouveia, Ano III, nº 5, JaneiroNJunho de 2015. 4 Ao nível policial, destacaNse o aprofundamento das competências e da capacidade de actuação da Agência Frontex e a criação de uma Autoridade de Fronteiras Europeia, com particular relevância no quadro das Equipas de Intervenção Rápida (RABITS) e das OpeNrações de Vigilância e Patrulhamento Costeiro. No quadro da partilha de informações salientaNse a competência do IntCen, organismo coordenado pelo Serviço Europeu de Acção Externa da União. 5 Sobre as vantagens competitivas das informações, Herman, Michael, Intelligence power in peace and war, Cambridge University, 2006.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

286

infraNestruturas críticas, bem como na criação de instrumentos operativos

quanto à prevenção e combate de fenómenos que se traduzem em fatores de

ameaça para a democracia e a segurança. Destes fatores assumem particular

relevância os fenómenos da radicalização violenta, do terrorismo e da criminaN

lidade transnacional.

Todavia, num quadro de valoração axiológica, em consonância com o prinN

cípio da democraticidade, as medidas adoptadas no quadro da União salvaN

guardam os bens jurídicos em que se fundam os Estados, como a liberdade, a

segurança e o respeito pelos direitos, liberdades e garantias, excluindo assim

uma abordagem estritamente securitária, não coadunável com os valores estruN

turantes da União Europeia6.

AAAA SEGURANÇA INTERNA E SEGURANÇA INTERNA E SEGURANÇA INTERNA E SEGURANÇA INTERNA E A SEGURANÇA COMUM A SEGURANÇA COMUM A SEGURANÇA COMUM A SEGURANÇA COMUM:::: O CONTRIBUTOO CONTRIBUTOO CONTRIBUTOO CONTRIBUTO dos serv dos serv dos serv dos serviiiiços dços dços dços de informaçõese informaçõese informaçõese informações

Nos domínios de preservação da segurança interna e externa, uma análise

integrada dos instrumentos de concertação dos Estados implica necessariamenN

te a avaliação do contributo prestado pelos serviços de informações. Por seu

turno, no quadro da segurança interna, a actividade de produção de informaN

ções distingueNse material e formalmente da actividade policial7 e da investigaN

ção criminal8, encontrandoNse postulada uma absoluta separação entre a

actividade de produção de informações e a investigação criminal.

Porém, no que tange a ameaças específicas, como a criminalidade organizaN

da ou o terrorismo, as competências legalmente atribuídas aos serviços de

informações permitem definir essa actividade, em alguns domínios, como uma

fase prévia de investigação criminal, justificandoNse assim a compreensão de

uma relação de complementaridade.

É inequívoco que, ao invés da investigação criminal, que tem como finalidade

a investigação dos factos de um tipo legal de crime tendentes à sua qualificação

6 Sobre o impacto das redes de governança globais, Slaughter, Global Government net,works, Global Information Agencies, and Disaggregated Democracy, in Public Governance in the Age of Globalization, edited by KarlNHeinz Ladeur, Ashgate Publishing Limited, 2004, pp122N155. 7 De acordo com o disposto na Lei nº 30/84, de 5 de Setembro (LeiNQuadro do SIRP, alteNrada e republicada pela Lei Orgânica nº 4/2014, de 13 de Agosto) e na Lei nº 9/2007, de 19 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei nº 50/2014, de 13 de Agosto, que estabelece a orgânica do SecretárioNGeral do SIRP, do SIED e do SIS. 8 O investigador criminal assume como tarefa fundamental a recolha de prova e de todos os elementos que ajudem o tribunal na aplicação do direito, incluindo o apuramento da motivação do crime, no sentido de o tribunal poder graduar a sua responsabilidade.

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TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE

287

jurídica9, a actividade de produção de informações se destina a identificar tenN

dências ou ameaças susceptíveis de afectar o regular funcionamento das instiN

tuições do Estado e, em geral, a segurança da comunidade.

Considerando este desiderato, a actividade de produção de informações

representa um acervo exclusivo da administração do Estado e um fator essenN

cial de garantia da ordem constitucional10.

Nos domínios da administração pública da segurança interna e externa e da

segurança comum europeia, a missão prosseguida pelos serviços de informaN

ções é concretizada através da produção de informações de modo a permitir a

antecipação de riscos e ameaças e a determinar, com a máxima exactidão, o seu

impacto no regular funcionamento do Estado de direito democrático11. A activiN

dade dos serviços de informações justificaNse assim, de forma imediata, pela

necessidade de salvaguarda de bens jurídicos essenciais à vida colectiva, que

nos termos da axiologia constitucional e dos fundamentos da União represenN

tam um prius do Estado e valores de primeiríssima grandeza: segurança, liberN

dade ordem democrática e qualidade de vida das populações.

BBBBREVE CARACTERIZAÇÃO REVE CARACTERIZAÇÃO REVE CARACTERIZAÇÃO REVE CARACTERIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS AMEAÇDAS PRINCIPAIS AMEAÇDAS PRINCIPAIS AMEAÇDAS PRINCIPAIS AMEAÇAS AOS AS AOS AS AOS AS AOS EEEESTADOS DE DIREITO DESTADOS DE DIREITO DESTADOS DE DIREITO DESTADOS DE DIREITO DEMMMMOOOOCRÁTICOSCRÁTICOSCRÁTICOSCRÁTICOS

Assim, é no âmbito desses pressupostos que de antemão se reconhece a

importância da determinação oportuna dos riscos e ameaças, algumas das

quais vulgarmente designadas como “novas ameaças”12, existentes no atual

ambiente securitário, de modo a permitir a adopção de mecanismos de resposta

preventivos e repressivos eficientes e atempados e a definição conjunta de proN

cedimentos comuns.

9 A investigação criminal “estendeNse ao longo de todo o processo e permite ao juiz, em fase de julgamento, decidir por uma absolvição ou condenação justas e como tal pela aplicação do direito. A investigação criminal encontra o seu fundamento na teoria do crime e concretizaNse através de uma linha de orientação metodológica que permite ao investigador qualificar juridicamente os factos. 10 Pereira, Rui, A produção de Informações de Segurança no Estado de Direito democráti,co, in Lusíada – Revista de Ciência e Cultura, série especial sobre informações e segurança interna, Coimbra editora, 1998, págs. 39 e 40. 11 Sobre a actividade de produção de informações e a definição de Intelligence, Kent, Sherman, Strategic Intelligence for American Worl Policy, Princeton: Princeton University 1949. A intelligence, segundo este autor, consiste num tipo de informação, de actividade e de organização. 12 Tais como as ciberameaças, o terrorismo islamista ou a criminalidade transnacional, com eventual recurso ao ambiente virtual e às novas tecnologias.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

288

Na resposta encontrada deve ser tida em conta a diversidade dos agentes

causadores de insegurança, numa dupla dimensão: nacional e internacional,

determinados os meios operativos de que dispõem, bem como as condições

geopolíticas, económicas e tecnológicos em que actuam, dado esses fatores

exponenciarem as consequências da sua actuação.

Com efeito, as características de fragmentação e a complexidade dessas

ameaças tendem a gerar dinâmicas próprias, possibilitando aos seus agentes,

mesmo quando actuam localmente, projectar a sua actuação numa escala

regional ou mesmo global.

Assim, a análise das principais ameaças à segurança dos Estados e das

populações compreende a aferição das causas e efeitos determinados por uma

multiplicidade de fatores, onde se destacam dinâmicas económicas, financeiras,

políticas e sociais.

A atempada identificação e correlação desses fatores a eventuais fenómenos

criminais redunda num acréscimo de eficiência quanto à avaliação prospectiva

dessas ameaças e quanto à determinação dos seus agentes e do respectivo

modus operandi. Nesse quadro, para além da determinação dos níveis de vulneN

rabilidade dos Estados e da respectiva administração pública, da consideração

de aspetos de oportunidade e de eficácia das contraNmedidas adoptadas, não

pode ser negligenciada a ponderação de fatores como a resiliência e a permeaN

bilidade das sociedades, onde se instalam esses agentes, ou se projectam, esse

tipo de ameaças.

Dentre as principais ameaças ou fatores de riscos assinalaNse o crescente

papel de actores não estatais em situações de conflito; a expansão de actividaN

des associadas ao terrorismo e ao crime organizado transnacional, a globalizaN

ção das ciberameaças; a emergência de conflitos civis e militares regionais,

norteados por um pendor geoestratégico, e as crescentes tensões nas relações

entre o Norte e o Sul, o Leste e o Ocidente.

Seguidamente, destacamNse fatores que revelam notória correlação com a

tendência expansionista de riscos e ameaças nas sociedades democráticas ociN

dentais, a saber:

aaaa.... A reorganização do poder global perante o relativo declínio do Oc A reorganização do poder global perante o relativo declínio do Oc A reorganização do poder global perante o relativo declínio do Oc A reorganização do poder global perante o relativo declínio do Ociiiidentedentedentedente

Perante sucessivas crises sociais e económicas que acarretaram um relativo

declínio das economias ocidentais, relevantes alterações demográficas, com um

notório envelhecimento da sua população – e a afirmação de Estados emergentes,

o Ocidente confrontaNse com um relativo enfraquecimento, que se projecta na

posição assumida nos sistemas de poder internacionais onde, tradicionalmente,

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TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE

289

detinha um papel preponderante. De facto, o relativo declínio das economias

ocidentais e a concomitante afirmação de Estados emergentes desencadearam

alterações nos sistemas de poder internacionais, das quais decorre o enfraqueN

cimento do Ocidente, com inevitáveis consequências no contexto da segurança

ocidental.

Por outro lado, a afirmação dos sistemas de poder global tem sido prejudiN

cada pelo surgimento de “Estados falhados”, situados em regiões de relevância

geopolítica e geoestratégica como o Médio Oriente ou o Norte de África. A

expansão desses “atípicos sujeitos de direito internacional” demonstra a ineficáN

cia do direito internacional da segurança no que concerne à eficiência dos

meios de que dispõe para assegurar a vigência de instrumentos de contenção e

de reposição da ordem internacional e a incapacidade de coordenação política

no seio das organizações internacionais existentes.

No entanto, apesar de os princípios estruturantes da ordem jurídica e de as

democracias ocidentais serem postos em causa em diferentes contextos geopoN

líticos, não deixa de ser um sinal positivo para a ordem jurídica internacional o

crescente reconhecimento global da sua importância, em especial quanto à

garantia dos direitos e liberdades fundamentais e à responsabilização e escrutíN

nio do exercício do poder público, apesar de esse reconhecimento se socorrer

de critérios interpretativos e aplicativos distintos.

bbbb.... As transformações demográficas globais As transformações demográficas globais As transformações demográficas globais As transformações demográficas globais

Das evidentes transformações demográficas globais ocorridas nas últimas

décadas resulta, entre outros fatores, um crescente desequilíbrio entre as popuN

lações do Norte e do Sul, tornandoNse evidente o declínio demográfico no OciN

dente e o acentuado envelhecimento da sua população. Ao invés, assisteNse a

uma expansão demográfica nos países do Médio Oriente e do Norte de África,

não sendo possível dissociar essa expansão dos acontecimentos políticos e

sociais ocorridos nessas regiões nos últimos anos. Esses acontecimentos ilusN

tram os elevados níveis de frustração das gerações mais jovens perante a

pobreza e a escassez de oportunidades, o que tem contribuído decisivamente

para o abandono maciço desses Estados, por parte de essas novas gerações,

que se dirigem para o Ocidente.

Por outro lado, a frágil estabilidade política existente nesses Estados revela

também uma insuficiente acção reformista, de cariz social e económico, levada a

cabo pelos governos e reclamada pelos cidadãos, pelo que é previsível uma tenN

dência de expansão de movimentos de radicalização e de contestação aos poderes

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

290

instituídos e aos sistemas vigentes, o que poderá promover o surgimento de

novos conflitos políticos e sociais ou o aprofundamento dos já existentes.

cccc.... As Alterações climáticas As Alterações climáticas As Alterações climáticas As Alterações climáticas

As alterações climáticas têm originado um conjunto de efeitos com relevânN

cia no quadro da segurança comum. São sobejamente comprovados os efeitos

decorrentes dessas alterações no âmbito da escassez de recursos alimentares e

hídricos e na desertificação de regiões e de solos aráveis, com a consequente

dificuldade de acesso a recursos vitais por parte das populações. Estes riscos

representam potenciais conflitos internos ou transfronteiriços, para além de

gerarem êxodos humanitários em consequência, nalgumas situações, da ocorN

rência de catástrofes naturais.

Aliás, em economias pouco desenvolvidas, o empobrecimento de populaN

ções rurais causado por alterações ambientais acarreta, em regra, convulsões

sociais que originam, posteriormente, a deslocalização de populações e o

aumento de contingentes migratórios. Essas circunstâncias desencadeiam

sérios abalos no equilíbrio da comunidade internacional e podem mesmo, em

situações limite, determinar o ressurgimento de conflitos clássicos.

dddd.... O enfraquecimento da autoridade dos Estados O enfraquecimento da autoridade dos Estados O enfraquecimento da autoridade dos Estados O enfraquecimento da autoridade dos Estados

No contexto das dimensões da segurança interna e externa assinalaNse uma

tendência para o declínio da autoridade dos Estados perante a emergência de

actores não estatais com crescente influência económica, financeira e tecnológiN

ca. O aparecimento de modelos paralelos ou mesmo concorrenciais, à autoridaN

de pública, através de novas formas de organização social e política, repercuteN

se objectivamente no enfraquecimento do tradicional poder estadual. Esse aspeto

coexiste com o aprofundamento e consolidação de sistemas interdependentes

internacionais que material e formalmente traduzem limitações ao exercício pleno

da soberania dos Estados. São exemplo os modelos decisórios internacionais

firmados no princípio da conciliação de soberanias múltiplas ou, mesmo num

grau mais avançado, no princípio da governança partilhada, onde se incluem os

mecanismos de gestão de fronteiras comuns. Aliás, as alterações relacionadas

com a delimitação do tradicional conceito de fronteira têm contribuído para o

surgimento de focos de conflitualidade entre populações e Estados, com fundaN

mento em antagonismos culturais, étnicos, políticos ou económicos.

Por outro lado, a intervenção nesse tipo de conflito de actores não estatais tem

suscitado intrincadas questões no domínio do direito internacional, considerando

a ténue vinculação desses agentes às normas e princípios deste ordenamento,

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TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE

291

mas também pela forma como exploram o contexto de indefinição de fronteiras e

de zonas de conflito, tendo como objectivo a prossecução de actividades ilícitas.

Com efeito, tem sido evidente, em alguns cenários, a associação de grupos

regionais ou de movimentos separatistas a organizações de criminalidade organiN

zada transnacional conotadas com o tráfico de pessoas, o comércio ilegal de

armas, a falsificação de documentos ou o apoio logístico ao terrorismo internaN

cional.

Deste modo, a incapacidade de a comunidade internacional neutralizar conN

flitos resultantes de instabilidade regional promovidos por grupos terroristas ou

por estruturas de crime organizado, contribui para reduzir a sua credibilidade e

para viabilizar a expansão de ameaças à segurança comum, com o correlativo

enfraquecimento da afirmação dos Estados na manutenção da ordem global.

eeee.... A globalização das organizações criminosas transnacionais A globalização das organizações criminosas transnacionais A globalização das organizações criminosas transnacionais A globalização das organizações criminosas transnacionais

Nas últimas décadas, temNse assistido a uma tendência de consolidação das

organizações criminosas transnacionais que, através de um modelo de “internaN

cionalização”, tendem a demonstrar, cada vez mais, uma assinalável plasticidade

e proficiência no que respeita à prossecução dos seus objectivos e ao desenvolN

vimento de actividades com resultados lucrativos muito relevantes.

A eficiência dessas organizações resulta dos seus métodos e, principalmente,

do recurso à manipulação e infiltração de estruturas da administração pública e

de entidades privadas. Com efeito, no quadro do direito internacional tem sido

assinalada a conexão dessas estruturas com os denominados “Estados falhaN

dos”, alvo de manipulação por parte de organizações criminosas transnacionais.

São também um fator relevante os recursos de que dispõem no quadro da

denominada comunicação global.

ffff.... A expansão da ameaça terrorista A expansão da ameaça terrorista A expansão da ameaça terrorista A expansão da ameaça terrorista

No âmbito das principais ameaças à segurança do Estado, o terrorismo

assume particular relevância, pelo seu impacto na ordem jurídica democrática13

e na qualidade de vida das populações. Por este facto, a ameaça terrorista reclaN

ma a adopção de contraNmedidas particularmente incisivas no âmbito da sua

prevenção e combate.

É incontornável que a ameaça terrorista, com especial incidência a de matriz

islamista, tem assumido, nas últimas décadas, uma projecção evidente, numa priN

meira fase em resultado da actuação de organizações terroristas como AlNQaeda e

13 Marques Guedes, Armando, A segurança Externa, in Enciclopédia do Direito e SeguranNça, coordenada por Jorge Bacelar Gouveia e Sofia Santos, Almedina, 2015, pág. 425.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

292

grupos afiliados e, mais recentemente, através da actuação do autoNproclamado

Estado Islâmico.

Apesar das medidas adoptadas unilateralmente pelos Estados e dos instruN

mentos de prevenção e repressão comuns aprovados no quadro do direito

internacional, a ameaça terrorista continua a revelar uma tendência de expanN

são, beneficiando da pulverização de conflitos geopolíticos e dos processos de

desintegração de alguns Estados, como o Iraque e a Líbia. No âmbito do terroN

rismo é também relevante o recurso a sistemas de networking, desenvolvidos

em ambiente virtual, dado representarem um meio eficaz na promoção desses

grupos e na difusão da sua propaganda.

gggg.... O aproveitamento indevido de fatores tecnológicos O aproveitamento indevido de fatores tecnológicos O aproveitamento indevido de fatores tecnológicos O aproveitamento indevido de fatores tecnológicos

Atualmente, um dos principais desafios à segurança dos Estados e das

populações radica no aproveitamento indevido dos avanços tecnológicos que

per se representam concomitantemente uma oportunidade de desenvolvimento

e um risco, quando alvo de aproveitamento indevido.

É comummente reconhecido que o acesso e utilização das novas tecnologias

reforçam o poder de cada indivíduo e tornam possível a um número crescente

de utilizadores a prática de actos ilícitos ou a adopção de comportamentos desN

viantes.

A consolidação da utilização de novas tecnologias, tanto por entidades priN

vadas, como por entidades públicas, bem como a criação de sistemas em rede

originam vulnerabilidades de segurança que se revelam exponenciadas pela

incorporação dessas tecnologias na gestão de infraNestruturas essenciais à vida

em sociedade. Acresce como fator de risco aos Estados de direito democráticos

a possibilidade de grupos ou indivíduos isolados acederem, sem qualquer tipo

de mediação, a tecnologias inteligentes, com real impacto na segurança, ou a

mananciais de dados existentes em sistemas de informação em rede.

hhhh.... A “metropolização” dos centros urbanos A “metropolização” dos centros urbanos A “metropolização” dos centros urbanos A “metropolização” dos centros urbanos

O surgimento de grandes metrópoles, caracterizadas pela desordenação

urbanística e por uma elevada densidade populacional, representa, em si mesN

mo, um relevante fator de insegurança objectiva e subjectiva.

Com efeito, o facto de grande parte dos seus habitantes viver em condições

sociais e económicas deficientes e integrar comunidades com acentuadas diverN

sidades culturais e étnicas contribui para o surgimento de áreas de exclusão

social, tendentes a gerarem modelos de organização social próprios, dissonanN

tes com a autoridade do Estado.

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TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE

293

De facto, tem sido evidente, em vários países ocidentais, o insucesso das

políticas públicas de urbanismo, com a consequente emergência de fenómenos

de radicalização e de violência urbana. Neste contexto, deve também ser pondeN

rado, como fator de risco, o facto de se verificarem discrepâncias sociais e ecoN

nómicas decorrentes de deficiente redistribuição do rendimento.

É certo que nas sociedades ocidentais, e também, nas economias emergenN

tes, apesar da expansão da denominada classe média, são assinalados fatores de

iniquidade e de desigualdade social que, em articulação com outros fatores

sociais, tendem a gerar tensões sociais e a radicalizar grupos que ficam à marN

gem desses processos. O desânimo social instalado em novas gerações poderá

ser instrumentalizado por movimentos radicais, que propugnam o recurso a

práticas violentas ou subversivas.

Também neste âmbito, os media e as plataformas de comunicação ao dispor

das novas gerações assumem uma importância crucial, no sentido de que veicuN

lam o debate, o apoio ou a rejeição de causas, políticas ou religiosas pondo em

causa narrativas oficiais.

Assim, as redes e os serviços sociais apresentamNse, cada vez mais, como

espaços de afirmação individual e colectiva e acentuam a bipolaridade do poder

do Estado e do indivíduo.

Em síntese, os fatores enunciados consubstanciam uma alteração dos sisteN

mas de poder globais e uma transformação na “redistribuição” do poder por

actores estatais e não estatais, por organizações e por indivíduos. Em face das

circunstâncias descritas, impõeNse aos Estados e à comunidade internacional

continuar a adoptar medidas que visem, de forma precoce, debelar ameaças

existentes em regiões de enorme instabilidade política e social, consubstancianN

doNse como um dos principais desafios à comunidade internacional e ao direito

internacional obstar ao surgimento de Estados falhados. Esses fatores repreN

sentam uma oportunidade para os grupos de crime organizado ou para organiN

zações terroristas levarem a cabo os seus objectivos e uma derrota para os

valores e princípios que regem o direito e a comunidade internacional.

AAAA INTELLIGENCEINTELLIGENCEINTELLIGENCEINTELLIGENCE COMO UM COMO UM COMO UM COMO UM INSTRUMENTO DE RESPOINSTRUMENTO DE RESPOINSTRUMENTO DE RESPOINSTRUMENTO DE RESPOSTA NOSTA NOSTA NOSTA NO QUADRO DA QUADRO DA QUADRO DA QUADRO DA UUUUNIÃO NIÃO NIÃO NIÃO EEEEURURURUROOOOPEIA PEIA PEIA PEIA

No quadro da União Europeia, um dos instrumentos de resposta às ameaças

enunciadas consiste na partilha de informações, na qual interferem, num contexto

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

294

de soft law14, as dimensões normativas, nacional e europeia. Os Estados têm

reconhecido que a construção da segurança europeia impõe o aprofundamento

de instrumentos de cooperação específicos no sentido de obstar ao desenvolviN

mento de fenómenos como a ameaça terrorista, o tráfico de pessoas e a crimiN

nalidade organizada15. Também a existência de fronteiras comuns, com a

inerente liberdade de circulação de pessoas, apesar da importância no quadro

do aprofundamento e consolidação democrática da União, acarreta desafios

acrescidos à segurança nacional e comum, dado que a segurança de cada um

dos Estados se encontra delimitada pela segurança do outro16.

Neste contexto, a cooperação ao nível da intelligence temNse revelado oporN

tuna e eficaz, sendo determinada por critérios inerentes à denominada “inteliN

gência cooperativa”, visando mitigar riscos e ameaças e garantir a segurança

no espaço da União. De facto, sem prejuízo da independência dos Estados e da

autonomia dos respectivos serviços de informações, o aprofundamento político

e os desafios de segurança comuns postulam o desenvolvimento desse tipo de

cooperação.

Todavia, à semelhança de outros domínios sensíveis, essa partilha requer a

existência de um consenso alargado, tanto no que concerne ao regime proceN

dimental, como aos conteúdos a partilhar. Ao abrigo do que podemos designar

por “Direito da Segurança da União” encontramNse previstos mecanismos de

colaboração e de troca de informações, através de uma entidade específica, o

IntCen, sob a égide do Serviço Europeu da Acção Externa.

A cooperação prevista compreende, ao abrigo do Direito da União, a partiN

lha de informações e de boas práticas no que respeita a fenómenos susceptíveis

de afectarem a segurança comum, nomeadamente o terrorismo internacional, o

tráfico de pessoas e o crime organizado transnacional.

O que se visa é primordialmente a redução do risco de tomada de decisões

com base em informação casuística determinada pela conjuntura ou que, por

insuficiente conhecimento, possam ser menosprezados aspetos relevantes

14 A gradação da normatividade encontraNse definida pela natureza das entidades particiNpantes – serviços de informações ou de intelligence – assim como o modelo de cooperação estabelecida. 15 Relativamente às dinâmicas da securitização e à análise dos ambientes de segurança, Williams Vaughan Nick, Critical Security Studies – an introducion, RoutledgeNTaylor and Francis Group, London and New York, 2010. 16 Para a análise mais aprofundada da relação entre serviços de informações e democracia, Russell G. Swenson e Susana C. Lemozy, Framework for a normative theory of national intel,ligence Washington, in “Democratization of Intelligence – Melding strategic intelligence and nacional discoourse, editions Nacional Defense Intelligence College, DC july 2009, pp. 1N25.

Page 319: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL · dos EUA 38 Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63 Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64 Tabela 3.3

TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE

295

quanto à caracterização e ao impacto de fenómenos que ponham em causa a

segurança comum17.

Em suma, de acordo com uma correcta compreensão e reordenação dos

conceitos de segurança comum, de ameaça e de risco, a partilha de informações

na União Europeia reflecte, em absoluta concatenação com o respeito dos direiN

tos, liberdades e garantias dos cidadãos, uma ponderação alargada que permite

avaliar, com desejável clarividência e oportunidade, as “velhas” e as “novas”

ameaças com que se confrontam atualmente as sociedades europeias.

Do exposto resulta ainda que os instrumentos de resposta existentes ou em

fase de construção, só se revelam suficientemente eficazes se compreenderem a

concretização de estratégias nacionais e internacionais centradas no desenvolN

vimento e no aprofundamento do conceito de segurança – enquanto préN

condição do desenvolvimento – e se traduzirem o fortalecimento dos sistemas

de segurança nacionais e internacionais, sem descurar o aprofundamento dos

mecanismos de diálogo transnacional em sede de União Europeia e em fora

mais alargados.

17 Em termos gerais, o processo de globalização expôs os EstadosNmembros a novos desaNfios enquanto entidades soberanas, mas, também, na qualidade de membros da União Europeia.

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297

14141414.... CCCCONSIDERAÇÕES ONSIDERAÇÕES ONSIDERAÇÕES ONSIDERAÇÕES FFFFINAISINAISINAISINAIS:::: AAAAMEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E RRRRISCOS ISCOS ISCOS ISCOS

TTTTRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAIS:::: UMA VISÃO DE FUTURO UMA VISÃO DE FUTURO UMA VISÃO DE FUTURO UMA VISÃO DE FUTURO

JOSÉ ALBERTO LOUREIRO DOS SANTOS, GENERAL (R)

RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO

1. As ameaças transnacionais previsíveis para o futuro estão relacionadas

com as capacidades dos actores que as emitem, incluindo as especificidades dos

instrumentos de que dispuserem para as produzir, entre as quais convém destaN

car o potencial da força utilizada.

A maioria dos conflitos resultará de lutas internas pelo acesso ao poder, com

diversificados atores a disputáNlo, tanto políticos (facções políticas), económicos,

religiosos ou mesmo criminosos. Serão cada vez menos frequentes as ameaças

directas e visíveis de Estados ou coligações de Estados a outro(s) Estado(s).

Na sua esmagadora maioria, as ameaças serão multifacetadas, produzindo

“guerras híbridas”. A utilização da “informação”, – novo elemento essencial de

combate –, surgirá sempre como componente destacada de qualquer feixe de

ameaças, envolvendo conflitos internos e externos. Muitas vezes será mesmo o

fator decisivo em termos dos efeitos que as ameaças produzem.

– Tanto entre Estados, e entre estes e atores não estatais, configurando um

conjunto de disputas pela violência, caracterizadas pelos mais variados

conflitos armados interligados, uns simétricos (de semelhante potencial

militar convencional), outros dissimétricos (de diferente potencial convenN

cional) e assimétricos (entre atores fracos que agem através de acções

insurreccionais e atores fortes em potencial militar que desenvolvem a

contraNinsurreição);

– Como no interior dos Estados, entre eles e atores não estatais (políticos,

económicos, criminosos, religiosos ou étnicos) que os pretendam colocar

em causa, para a totalidade do território ou para uma parte.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

298

O terrorismo internacional de alcance global por intermédio da exploração

da informação, como são hoje as organizações jihadistas do extremismo islâmiN

co, cujos instrumentos com maior poder de choque são os bombistas suicidas,

desempenhará um papel envolvente e conduzirá a sociedades constantemente

vigiadas e policiadas, obrigando mesmo à utilização de numerosos contingentes

militares, podendo transformar as unidades políticas existentes em autênticas

“nações em alerta permanente”. Este terrorismo será promovido tanto por

redes organizadas e devidamente preparadas, de feição nacional, regional, mulN

tinacional ou global, como por indivíduos isolados pertencentes ou não a estruN

turas do terror mais vastas, cujo exemplo mais notório é o “lobo solitário”.

As ameaças que alguns Estados mais utilizarão, conduzindo também operaN

ções híbridas, caracterizarNseNão pelo uso de militares disfarçados e sem insígN

nias (os conhecidos “pequenos homensNverdes que a Rússia tem projectado em

países vizinhos), embora usando todo o equipamento convencional disponível, e

negando permanentemente a sua autoria, forçando negociações diplomáticas

para obter vantagens, cujos desenvolvimento e desfecho surgem como mal

menor para os actores mais fracos e em dificuldades para enfrentar os adversáN

rios mais fortes.

2. ManterNseNão as ameaças de expressão global com base nos Estados,

através do possível emprego de armas de destruição massiva, como as de natuN

reza nuclear, biológica e química, e também de “armas” de disrupção massiva

no ciberespaço. A contenção destas ameaças tem sido feita por dissuasão e por

negociações que levam ao estabelecimento de medidas de alcance global, traduN

zidas em tratados internacionais que consigam a adesão de todos os Estados ou

da sua esmagadora maioria, particularmente as potências situadas no patamar

mais elevado do exercício do poder, com a finalidade de regular o número de

armas (o ideal seria baniNlas) e o seu emprego. As disposições mencionadas nos

tratados serão monitorizadas por agências dos organismos internacionais,

como a Organização das Nações Unidas – na sua atual configuração, mais proN

vavelmente em sucessivas configurações resultantes da sua adaptação à evoluN

ção da ordem internacional (relação de forças entre os atores políticos) –, ou de

novas organizações que se venham a criar para substituir as atuais.

Esta dissuasão, particularmente ao nível nuclear, pode limitarNse apenas à

capacidade de fabricar armas nucleares, que todas as potências procurarão

adquirir, embora ficando adormecida enquanto não se mostrar necessária a sua

produção, mas também no campo do armamento convencional.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS: UMA VISÃO DE FUTURO

299

“Numa antecipação optimista do futuro da guerra, não serão prováveis

guerras nucleares, pois abririam a possibilidade de conduzir a destruições de tal

dimensão que se repercutiriam nos vencedores tanto como nos vencidos, não

havendo, afinal, vencidos nem vencedores.

Ao nível convencional, os EUA já dispõem de capacidade de conseguir disN

suadir ataques convencionais com fogos convencionais de grande potência e

precisão, o que se generalizará a outras grandes potências, abrindo a possibiliN

dade de tornar mais fácil o fim das armas nucleares, mas os Estados de menor

dimensão que se sintam fortemente ameaçados não deixarão de procurar o

nuclear para atingir igual objectivo – a capacidade de dissuasão.

Ao nível não convencional, a prática da resistência contra um potencial ocuN

pante recorrendo à guerra irregular também poderá ser utilizada como capaciN

dade de dissuasão por um país de média ou de pequena dimensão”1, tornando

cara qualquer eventual ocupação territorial.

“Numa visão menos optimista, nenhuma destas circunstâncias impedirá o

emprego de armas nucleares como recurso desesperado de qualquer Estado de

menor dimensão que as possua, perante a iminência de ser destruído por um

ataque nuclear ou mesmo convencional de outro ou outros Estados; Estados de

reduzida expressão procurarão ter armas nucleares também para dissuadirem

ataques convencionais arrasadores que possam terminar no seu desmembraN

mento ou destruição. Nem se pode pôr de parte a hipótese de se desencadear

uma guerra nuclear por acidente ou desequilíbrio mental de um protagonista,

situações que todos tentarão evitar através de controlo do disparo e da monitoN

rização estrita dos processos de decisão.”2

3. Outras ameaças com que os Estados poderão ser confrontados situamNse

a diferentes níveis das suas estruturas e organização, como:

aaaa.... Ameaças provenientes de potências poderosas: Ameaças provenientes de potências poderosas: Ameaças provenientes de potências poderosas: Ameaças provenientes de potências poderosas:

Incursões de desestabilização e/ou de pesquisa de informação relevante

efectuadas por serviços de informações;

Provocação de tensões e/ou fracturas internas em Estados que interesse

controlar, promovendo e/ou apoiando operações violentas ou não para alterar a

sua situação política a favor dos fins que perseguem, ou financiando e incentiN

vando facções políticas que conduzam operações de agitação, de sabotagem e

de guerrilha que lhes sejam vantajosas;

1 “O Futuro da Guerra”, pelo General Loureiro dos Santos, Nova Veja, 2014. 2 Idem. “O Futuro da Guerra”, pelo General Loureiro dos Santos, Nova Veja, 2014.

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

300

Condução de incursões de pesquisa de informações através do ciberespaço,

sobre objetivos políticos, económicos, financeiros e militares, procurando

alcançar o domínio neste novo espaço de operações e conhecer aspetos fulcrais

susceptíveis de lhes conferirem vantagens sobre eventuais competidores e iniN

migos, actuando sobre elas em antecipação, para as neutralizar, destruir, ou

alterar e usar a seu favor;

Desenvolvimento de voos no espaço exterior, com a finalidade de conseguir

predomínio na sua utilização em termos militares e não militares, com vista a

reunirem condições para travarem eventuais guerras em qualquer dos espaços

de operações;

Desencadeamento de operações “cobertas” (recusandoNlhes qualquer apoio

institucional se forem denunciadas) que criem problemas aos adversários e

capturem pessoas importantes, para impedir as suas estratégias, assim como

para ganhar significativas vantagens em algum aspeto com impacto estratégico

de dimensão relevante;

Planeamento e desencadeamento de estratégias assertivas no espaço de

operações mediático, com operações de informação de todo o tipo, visando

desequilibrar a seu favor as percepções dos públicos que lhes interessam, acerN

ca de medidas, actos e acontecimentos que tenham lugar, sejam da sua autoria

ou de outros atores;

Desencadeamento de pressões/sanções diplomáticas, como convocar os

embaixadores de potenciais adversários para pedirem explicações, fazerem

recolher os seus embaixadores colocados nesses países, cortar com eles relaN

ções diplomáticas, ameaçar expulsáNlos (caso consigam os aliados necessários)

de organizações internacionais que lhes sejam úteis, bem como recusarNlhes

vistos nos passaportes e outras medidas;

Levando a efeito acções financeiras, através de alterações cambiais que lhes

dificultem as transacções financeiras dos Estados visados e sejam desfavoráveis

à respectiva economia, e outras sanções de natureza económica (se estiverem

em situação de o fazer), como congelar os seus activos no país e criarNlhes difiN

culdades ou mesmo isoláNlos em termos comerciais;

Desencadeamento de operações especiais, que a era da informação permite

conduzir e comandar nos antípodas ou a partir de algures no espaço exterior,

com o objectivo de eliminar ou capturar inimigos, principalmente líderes de

organizações terroristas que as ameacem;

Estabelecimento de “fire walls” defensivos no ciberespaço, limitando acções

provenientes de outros atores, e/ou no próprio território visando os seus cidaN

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS: UMA VISÃO DE FUTURO

301

dãos e limitarNlhes o acesso a informação e a conhecimento, portanto funcioN

nando como autênticas “muralhas” digitais;

Gerando várias internets, que funcionem como “internets paralelas”;

Desencadeamento de ataques informáticos localizados e ofensivas cibernétiN

cas de grande dimensão;

Condução de operações militares de qualquer tipo e intensidade, do âmbito

convencional e/ou não convencional (guerras de baixa intensidade), através de

terceiros Estados, com atores de poder igual ou próximo que tenham idênticos

interesses de domínio ou controlo, com o objectivo de aí estabelecer a situação

que vá de encontro aos seus interesses;

Condução de acções militares preemtivas, antecipandoNse a qualquer ataque

que tenha indícios considerados seguros de estar a ser preparado para ser lanN

çado contra si ou contra algum aliado que seja do seu interesse vital manter sob

a sua influência;

Detonando e conduzindo acções militares preventivas para transformar

Estados em aliados ou protectorados, com a justificação de que eles se estão a

armar com a finalidade de os poderem atacar ou de lançar operações de ocupaN

ção do território de aliados seus.

bbbb.... Ameaças provenientes de potências de menor expressão ou Ameaças provenientes de potências de menor expressão ou Ameaças provenientes de potências de menor expressão ou Ameaças provenientes de potências de menor expressão ou de atores não de atores não de atores não de atores não

estatais contra Estadosestatais contra Estadosestatais contra Estadosestatais contra Estados

Condução de conflitos armados de elevada intensidade, mais provavelmente

de média e baixa intensidade, com desenvolvimentos de natureza convencional

e/ou insurreccional, que poderão escalar em intensidade e alastrar a áreas geoN

gráficas contíguas ou ter o apoio de potências (nomeadamente de grandes

potências) que tenham interesses a defender no contexto em desenvolvimento;

Perigo de utilização de armas de destruição massiva (química e biológica,

preferencialmente nuclear ou, no mínimo de armas sujas por produzirem efeiN

tos radioactivos) por parte de atores não estatais extremistas que se movam por

motivos religiosos, numa situação em que se pulverizem os atores, com atores

estatais e não estatais lutando entre si. Aliás a possibilidade do emprego deste

tipo de armas continuará a ser, como já é, a grande ambição dos militantes

extremistas, pela dimensão dos efeitos susceptíveis de serem produzidos e pelo

impacto no âmbito da informação, o que se reflectirá num desequilíbrio sensível

nas relações de forças a seu favor mesmo que de curta duração;

Utilização de toda a panóplia de instrumentos e acções capazes de produzir

danos materiais e imateriais, através de qualquer dos espaços de operações

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AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL

302

susceptíveis de serem percorridos – terrestre, aéreo, marítimo, espacial, cibeN

respaço e espaço mediático.

Desencadeamento de conflitos múltiplos e de diferente tipo, particularmente

nos cada vez maiores e mais numerosos espaços urbanizados, em especial nas

suas periferias completamente “guetizadas”, susceptíveis de levar a situações

anárquicas e sem controlo num contexto de instabilidade permanente e com a

autoridade pública incapaz de impor a ordem e impedir a anarquia, promovenN

do situações de caos, que terão de ser combatidas por estratégias abrangentes

(holísticas) de contracaos, com direcções unificadas civil/militar, que envolvam

todos os sectores da actividade de um Estado, ou, no mínimo com uma articulaN

ção forte e permanente entre a autoridade civil e militar, desde o topo até à

base, dos diversos níveis administrativos de comando/direcção.

cccc.... Os riscos são ameaças não intencionais, originadas pela ocorrência de Os riscos são ameaças não intencionais, originadas pela ocorrência de Os riscos são ameaças não intencionais, originadas pela ocorrência de Os riscos são ameaças não intencionais, originadas pela ocorrência de

fenómenos naturais ou então resultantes de acidentes ocorridos inopinfenómenos naturais ou então resultantes de acidentes ocorridos inopinfenómenos naturais ou então resultantes de acidentes ocorridos inopinfenómenos naturais ou então resultantes de acidentes ocorridos inopinaNaNaNaN

damedamedamedamennnnte na manipulação e funcionamento de engenhote na manipulação e funcionamento de engenhote na manipulação e funcionamento de engenhote na manipulação e funcionamento de engenhos construídos pelo s construídos pelo s construídos pelo s construídos pelo

homem.homem.homem.homem.

Entre os primeiros, poderemos indicar os incêndios florestais de grandes

dimensões, terramotos significativos capazes de provocar danos importantes,

inundações resultantes de chuvas diluvianas e/ou de acidentes em estruturas

construídas pelo homem (como o rebentamento de barragens), naufrágios de

embarcações, etc.

Nos segundos, incluemNse todos os acidentes de funcionamento de instruN

mentos técnicos construídos pelo homem, como é o caso dos acidentes em cenN

trais nucleares.

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