ameaÇas e riscos transnacionais no novo mundo global · dos eua 38 tabela 3.1. tipo de objetivos...
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AMEAÇAS E RISCOS
TRANSNACIONAIS
NO NOVO MUNDO GLOBAL
Título Ameaças e Riscos Transnacionais no novo Mundo Global
Autores
Alice Feiteira Américo Zuzarte Reis António José Telo Carlos Mendes Dias
Francisco Proença Garcia Jaime Ferreira da Silva João Serra Pereira João Vieira Borges
José Loureiro dos Santos Nuno Lemos Pires Paulo Viegas Nunes
Teresa Ferreira Rodrigues
Coordenadores João Vieira Borges
Teresa Ferreira Rodrigues
Todos os Direitos Reservados Fronteira do Caos Editores Lda. e Autores
Capa
Karbono
Impressão e Acabamento XXXXXXXX
Depósito Legal
XXXXXXX
ISBN XXXXXXXXX
1.ª Edição
PORTO – JANEIRO 2016
FRONTEIRA DO CAOS EDITORES LDA. Apartado 52028 4202-801 Porto
[email protected] www.fronteiradocaoseditores.pt
http://nafronteiradocaos.blogspot.com/
AMEAÇAS E RISCOS
TRANSNACIONAIS
NO NOVO MUNDO GLOBAL
JOÃO VIEIRA BORGES
TERESA FERREIRA RODRIGUES
(COORD.)
i
ÍÍÍÍNDICENDICENDICENDICE
ÍNDICE DE TABELAS ii
ÍNDICE DE FIGURAS iii
ABSTRACTS v
PREFÁCIO xxi
AUTORES xv
INTRODUÇÃO 1
1. UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA 7
2. AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS 29
3. TERRORISMO TRANSNACIONAL 51
4. UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI 71
5. CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS
E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
109
6. PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR 133
7. DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS
CIVIS
153
8. CONFLITOS REGIONAIS 175
9. CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO 199
10. DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS 217
11. MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS 233
12. CHOQUES DEMOGRÁFICOS 255
13. TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS.
ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE
283
14. CONSIDERAÇÕES FINAIS: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS:
UMA VISÃO DE FUTURO
297
BIBLIOGRAFIA 303
ii
ÍÍÍÍNDICE DE NDICE DE NDICE DE NDICE DE TTTTABELASABELASABELASABELAS
Tabela 1.1. Poder naval da Europa da NATO e da Ásia do Pacífico, sem China e resto da Ásia (1990, 2015)
16
Tabela 2.1. Ameaças explícitas nas Estratégias de Segurança Nacional dos EUA
38
Tabela 3.1. Tipo de objetivos 63
Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos 64
Tabela 3.3. Características da investigação 64
Tabela 3.4. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido 65
Tabela 3.5. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados obtidos 66
Tabela 4.1. Custos económicos da pirataria marítima na Somália 88
Tabela 10.1. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (final do ano de 2014) 219
Tabela 10.2. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (países) (final do ano de 2014)
220
Tabela 10.3. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (final do ano de 2014)
220
Tabela 10.4. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (países) (final do ano de 2014)
220
Tabela 10.5. Carvão: reservas provadas e razão R/P (final do ano de 2014) 221
Tabela 10.6. Carvão: reservas provadas e razão R/P (países) (final do ano de 2014)
221
Tabela 10.7. Maiores produtores mundiais (final do ano de 2014) 221
Tabela 11.1. População Mundial por Grandes Regiões, 2015, 2013 e 2050. Variação 2015N2050 (de acordo com a projecção variaçãoNmédia).
250
Tabela 11.2. Índice de Risco climático a longo prazo (CRI): os 10 países mais afectados desde 1994 a 2013 (médias anuais)
252
Tabela 12.1. Vetores de índole demográfica a considerar na ligação populaçãoNsegurança
280
.
iii
ÍÍÍÍNDICE DE NDICE DE NDICE DE NDICE DE FFFFIGURASIGURASIGURASIGURAS
Figura 1.1. Evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB (1990, 2015)
13
Figura 1.2. Despesas com a Defesa em diferentes países e regiões (1990, 2015)
15
Figura 2.1. Os 15 maiores países do Mundo em termos de orçamento de defesa (em biliões de dólares) relativo a 2014
31
Figura 3.1. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Taxas de sucesso.
66
Figura 3.2. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxas de sucesso
67
Figura 3.3. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxas de fracasso
67
Figura 4.1. Áreas geográficas consideradas no estudo 76
Figura 4.2. Evolução anual do número de incidentes (2000N2014) 77
Figura 4.3. Número de ataques de pirataria por região (2000N2014) 78
Figura 4.4. Principais rotas marítimas do Mundo 78
Figura 4.5. Evolução anual do número de incidentes por região (2000N2014) 80
Figura 4.6. Distribuição dos ataques ao longo do ano (2004N2014) 81
Figura 4.7. Principais tipos de navios atacados (2000N2014) 82
Figura 4.8. Distância a costa da pirataria no Golfo de Adém (2005N2011) 83
Figura 4.9. Número de navios sequestrados por ano em cada região (2004N2014)
84
Figura 4.10. Situação dos navios quando atacados (2004N2014) 84
Figura 4.11. Evolução anual do número de reféns, feridos, mortos, rapNtados ou desaparecidos (2004N2014)
85
Figura 4.12. Número de raptados, feridos e mortos por região (2004N2014) 86
Figura 9.1. Cenários associados ao Ciberterrorismo 207
Figura 11.1. Alterações climáticas e deslocação e conflito. Evidências do 5º Relatório de Avaliação.
240
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
iv
Figura 11.2. População refugiada por regiões UHNCR – 2014 241
Figura 11.3. Relações entre recursos, stress ambiental e respostas sociais 245
Figura 12.1. Modelo de transição demográfica. Diferentes cronologias 260
Figura 12.2. Hoje e amanhã. Os 10 países mais populosos do Mundo (2013, 2050)
264
Figura 12.3. População Mundial. Ritmos de Crescimento (1950N2100) 265
Figura 12.4. Escassez Ambiental e Conflito. Duas tipologias 271
Figura 12.5. Causas e Consequências da Escassez Ambiental. Um exemplo 272
Figura 12.6. Jogo de Espelhos. As leis da geopolítica demográfica 274
v
AAAABSTRACTSBSTRACTSBSTRACTSBSTRACTS
ChapterChapterChapterChapter 1. A changing world. The decay of Europe1. A changing world. The decay of Europe1. A changing world. The decay of Europe1. A changing world. The decay of Europe
This article aims to raise questions and an approach the new world in a difN
ferent way, not politically correct and that few people are prepared to listen and
accept. The author assesses recent developments in the world, as a way to preN
dict the future. This assessment contains the relative economic and military
strength, the characterization of the bizarre world we live in, the value system
inherited from the industrial societies and the chaos of the world. On the other
hand, let us think about the decline of Europe and the dreams overtaken by a
reality that marks "the end of the beginning".
Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Transnacional, Security, Economy, Europe, Future
Chapter 2. Transnational threats and risks. Institutional perspectivesChapter 2. Transnational threats and risks. Institutional perspectivesChapter 2. Transnational threats and risks. Institutional perspectivesChapter 2. Transnational threats and risks. Institutional perspectives
This article aims to analyze the institutional perspectives of transnational
threats and risks, based on a comparative analysis of national strategies of the
five permanent members of the Security Council of the United Nations. As a
result we have identified threats in common, regardless of the values, interests
and political objectives of the different political actors. Far beyond the analysis
of the common and the different, the explicit and implicit, the transparent and
secret, we have identified a picture of all the transnational threats in an openly
institutional perspective of the states whose weigh is recognized in the internaN
tional political system in 2015.
Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Threats, Risk, Transnacional, Security, Defense
Chapter 3. Transnational terrorismChapter 3. Transnational terrorismChapter 3. Transnational terrorismChapter 3. Transnational terrorism
Hillary Clinton declared in 2010 that transnational terrorist networks repreN
sented the greatest threat to world peace, in contrast to the opinion of Professor
John Mueller, to whom thethreat of terrorism is largely exaggerated. After all, only
a few hundred people die annually victims of terrorist attacks and, for Americans,
the risk of dying from an attack is lower than by allergy to peanuts. After a brief
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
vi
discussion about the fundamental concepts of terrorism, domestic terrorism, interN
national and transnational terrorism, we propose a methodology for evaluating the
results of terrorist campaigns to know the real purpose of terrorism.
Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: terrorism, international terrorism, transnacional terrorism, utility.
Chapter 4. A global vision of maritime piracy in the 21st centuryChapter 4. A global vision of maritime piracy in the 21st centuryChapter 4. A global vision of maritime piracy in the 21st centuryChapter 4. A global vision of maritime piracy in the 21st century
In a globalized and interdependent world, the resurgence of maritime piracy
drew international community attention to the need of finding ways to fight this
problem. In this paper, we present an overview of piracy in the twentyNfirst century
and trends of this illicit are identified. Therefore, we start by defining the concept of
piracy and identifying some of its causes. Afterwards, we continue with the analysis
of the phenomenon’s evolution, as well as its human and economic costs. We conN
clude this study observing the instruments developed to fight piracy. The analysis
we developed allowed us to identify some issues that need to be addressed by the
international community, in order to reduce piracy in the world.
Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Maritime Piracy. Law of the Sea. Maritime Security. InternaN
tional Maritime Transport.
Chapter 5. Transnational Organised Crime. Paradoxes and Conceptual and Chapter 5. Transnational Organised Crime. Paradoxes and Conceptual and Chapter 5. Transnational Organised Crime. Paradoxes and Conceptual and Chapter 5. Transnational Organised Crime. Paradoxes and Conceptual and
operational policy challengesoperational policy challengesoperational policy challengesoperational policy challenges
The article aims to build critically the conceptual framework of organized
crime and its connection to the volume crime. The challenges and opportunities
of European cooperation are addressed and the criminal procedure reform in
Portugal to tackle the threats and risks increasingly reticular and transnational.
The balance between the right to security, the right of victims and the protecN
tion of rights, freedoms and guarantees of the accused is essential, as a vital
contribution to the rule of law.
Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Globalization, security, organized crime, mass crime, justice.
Chapter 6.Chapter 6.Chapter 6.Chapter 6. Proliferation of weapons of mass destruction. The nuclear caseProliferation of weapons of mass destruction. The nuclear caseProliferation of weapons of mass destruction. The nuclear caseProliferation of weapons of mass destruction. The nuclear case
The article seeks to be a contribution to characterize the proliferation of nuN
clear WMD. Initially describes the different dynamics associated with this pheN
nomenon, identifying some of the motivations that lead the various actors to
pursue this aim as well as what the different risks and dangers to international
security associated with it. In a second phase focuses on some of the internaN
tional instruments adopted to address it, including the Treaty on the NonN
Proliferation. Finally addresses today's nuclear deterrent strategy.
ABSTRACTS _____________________________________________________________________________________
vii
KeywordsKeywordsKeywordsKeywords: Dissuasion, proliferation, NATO, Non Proliferation Treaty, MisN
sile Defence, Terrorism
Chapter 7.Chapter 7.Chapter 7.Chapter 7. FromFromFromFrom ThreatsThreatsThreatsThreatsNNNNIntangible Risks to fragile States and civil warsIntangible Risks to fragile States and civil warsIntangible Risks to fragile States and civil warsIntangible Risks to fragile States and civil wars
There are threats and risks which are usually not spelt out in view of the fact
that they are difficult to measure, clearly identify or even consider as such, given
their lack of a direct connection with the issue of security and defence. In an
analysis of the reasons behind the emergence of Fragile or Failed States and
Civil Wars, one finds apparent reasons which seem to hide others that are
much more relevant complex and profound and which, in some cases, have
deep roots that extend very far back in time. These profound causes are, at
times, triggered by intangible threats and risks, which range from social anomy
to situations of forced lack of occupation, from the nation’s memories to geopoN
litical pressure, from the power of ideologies and religions to the acceleration of
the pace at which things change and to a crisis of principles and values which,
although present already in the past, were not taken due care of in time.
Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Intangible threats and risks, Failed and Fragile States, Civil Wars.
Chapter 8. Regional ConflictsChapter 8. Regional ConflictsChapter 8. Regional ConflictsChapter 8. Regional Conflicts
At all times and in all regions, politically organized communities have always
been able to find reasons for a disagreement of interests to degenerate into
conflict situation, accompanied by minor or major outbreaks of violence. BeN
cause the proximity amplifies the sensitivities and favors the projection of
power, regional conflicts remain the most common phenomenon in the field of
conflict situations. Several reasons can be evoked. Some seem common to all
potential actors, like the reasons of history or the reasons of resources, while
others, such as security reasons, seem more tailored for large global players.
Finally, doctrinal reasons are probably those that generate the most excessive
violence.
Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Conflict, Regional, Geopolitics, Geostrategy
Chapter 9.Chapter 9.Chapter 9.Chapter 9. Cyber threats aCyber threats aCyber threats aCyber threats and legal framework of conflicts in cyberspacend legal framework of conflicts in cyberspacend legal framework of conflicts in cyberspacend legal framework of conflicts in cyberspace
The rapid pace of technological development, recorded over the last three
decades, largely concurred to expand the use of internet worldwide. CyberN
space, only accessible through the internet, has become a true mediator of soN
cial relations and a driver of economic development in most developed
countries. This new virtual space came to promote and simplify the relationship
between citizens, government and businesses assuming a central role in providN
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
viii
ing essential and critical services that support the functioning of Information
Age societies.
Cyberspace, as a global common, has no physical borders and no spaces of
sovereignty clearly defined. It makes it difficult to differentiate between what is
public or private, civil or military, national or international. Leveraging existing
regulatory difficulties that may arise, new threats emerged. They explore innoN
vative virtual features and somewhat less traditional ways of thinking and actN
ing, increasingly linked to cyberspace. Both the number of cyberNattacks and
their disruptive impact have been experiencing a sharp growth over the past
few years.
In a networked and hyperNconnected world, this new global space has been
transformed into a privileged vector for conducting attacks against individuals,
enterprises, public or private networks, critical infrastructures or even against
the very processes that control the information systems of states’ electronic
governance. In this context new social risks arise that have to be properly anaN
lyzed and managed. The increasing number of cyber conflicts in general and the
progressive militarization of cyberspace in particular, boost the probability of
the “use of force” situations and the occurrence of armed conflicts in cyberN
space. This calls for a concerted effort conducted by the international community
in order to guarantee the convergence and to promote the adjustment of national
legislation in order to facilitate the fight against cybercrime and reduce the numN
ber of cyber conflicts. Collective consciousness on the existing vulnerabilities, the
increase in cyber threats impact and risks arising therefrom, has led to the develN
opment of national synergies and international cooperative efforts. The most
recently issued national policies and strategies, specifically designed to cope with
all forms of cyberNattacks, have already started to deepen a culture of cyber secuN
rity and cyber defense at both national and international levels.
Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Internet; Ciberspace; Ciberthreats, Cibersecurity, Ciberdefense
Chapter 10.Chapter 10.Chapter 10.Chapter 10. Competition for scarce natural resourcesCompetition for scarce natural resourcesCompetition for scarce natural resourcesCompetition for scarce natural resources
With this article we intended to identify, to question and to think about a set
of issues which converge in the title. We try to achieve that purpose putting
together theory and practice also fetching, in that way, some level of science (at
least some).
The text will not forget the mandatories conceptual concerns and it looks
some examples that intend to verify the used definitions as general reality repN
resentations. Resources classification criteria, some indicators about natural
resources, expressed ideas, justified with several evidences and occurred facts
ABSTRACTS _____________________________________________________________________________________
ix
in different areas/regions, regarding to energy, water and food resources, withN
out forgetting consequences and links with other subjects, can be pointed as
typical elements of the text
KeywordsKeywordsKeywordsKeywords: Natural resources, international relations, geopolitics, strategy
Chapter 11.Chapter 11.Chapter 11.Chapter 11. Natural disasters and climate change Natural disasters and climate change Natural disasters and climate change Natural disasters and climate change
Researches into the relationships between environmental fators and violence
or environmental related conflicts constitute a much debated research field
nowadays. Over the past two decades much attention has been paid to the role
of natural resources and climate change in postNcold war internal conflicts.
Several authors think that environmental scarcity and climate change can conN
tribute to generate violence or social unrest, particularly within states scarcely
endowed with technical knowNhow and social structures, such as developing
countries.
Climate change and natural hazardous are likely to worsen the situation in
parts of the world that already experience high levels of food insecurity. Climate
change has significant repercussions for food security, the livelihoods of milN
lions of people, and forced migration.
KeywordsKeywordsKeywordsKeywords: Natural resources, climate change, natural disasters, national seN
curity
Chapter 12. Demographic ShocksChapter 12. Demographic ShocksChapter 12. Demographic ShocksChapter 12. Demographic Shocks
Can the dynamics of the population represent a threat to global security? In
this chapter we identify some issues and uncertainties that the different rhythms
of growth and structural characteristics of the world's population put to current
and future balance of the international system. We discuss the relationship beN
tween demographics and security, appealing to existing literature, particularly
in the context of Political Demography. The atual and future relationship beN
tween population growth and resources is outlined, emphasysing how the variN
ous actors try to manage the asymmetries that characterize this link. The final
pages highlight some examples of the complex relationship between populaN
tions and security within the framework of global insecurity.
Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Globalization, Population, demographic transition, security
Chapter 13. Trends of global threats. International legal order and intellChapter 13. Trends of global threats. International legal order and intellChapter 13. Trends of global threats. International legal order and intellChapter 13. Trends of global threats. International legal order and intelliNiNiNiN
gencegencegencegence
The majority of the threats that the States are now facing cannot be preN
vented or fight back through independent local actions but rather with joint
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
x
actions at regional or even global level. In the area of the internal and external
security of the States, the activity of the Intelligence Services is all about anticiN
pating and detecting threats and determining its impact in the normal activity of
the States and the quality of life of the citizens.
However, the intensity of those threats depends on the efficiency of the
counterNmeasures adopted by the public authorities, but also by the level of
permeability or resilience of the societies where they develop.
Within the European Union the solution found has privileged the cooperaN
tion between Member States and the European institutions, including police
and intelligence services, as a way to ensure an integrated perspective of the
common security.
Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: State, Security, Threats, Prevention, Informations
xi
PPPPREFÁCIOREFÁCIOREFÁCIOREFÁCIO
ADRIANO MOREIRA
O presente estudo responde, em primeiro lugar, ao reconhecimento e
exercício da transdisciplina, o desafio mais urgente e complexo do aparelho
da investigação e ensino, que no século passado tinha adiantado com a interN
disciplina. Por outro lado, não podendo deixar de dar relevo às ciências
sociais, destacandoNse as humanidades que ainda não conseguiram vencer as
resistências do atual clima dos poderes políticos efetivos, e não apenas legais
ou sequer conhecidos, afirmando com segurança a importância crescente da
Estratégia do Saber, quer se trate do globalismo, quer de unidades como os
regionalismos crescentes de que a União Europeia é exemplo, quer se trate
das unidades que conservam a semântica do Estado, quando já se discute
se este ainda é uma invenção útil para as exigências atuais da humanidade.
Por invencível natureza das coisas, quanto ao presente que se oferece à
observação, é impossível ter segurança incriticável nas propostas, é sempre
tardia a verificação dos erros, pelo que a arte do prognóstico corre inevitáveis
riscos, mais frequentes do que correu o Padre António Vieira ao escrever a
História do Futuro. Isto levaNnos à conclusão modesta de que a identificação
das ameaças e riscos transnacionais no novo mundo global, uma tarefa que
honra o grupo de investigadores que nos enriquecem com este valioso trabaN
lho, é sobretudo uma definição proposta para avaliar se virá o fim do mundo
único sonhado no século passado, quando no rescaldo da segunda guerra
mundial, a ONU mais que se atreveu a prever, porque verdadeiramente decreN
tou o futuro a que se propunha. Um dos serviços deste grupo de investigadoN
res é a identificação da longa série de falências das ilusões que se verificaram
antes de entrarmos neste século XXI sem bússola, com a exigível determinaN
ção filiável na que levou os marinheiros portugueses à Índia, também sem ela.
É inevitável que observadores europeus, hoje raros porque o tempo passou,
mas que viveram a época em que a Europa era considerada a “Luz do munN
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
xii
do”, e o Ocidente detinha o domínio político do Planeta Terra, se encontrem
surpreendidos, tentando compreender “um mundo em crise de modelo”, porN
que o sonhado pela ONU foi logo substituído pela Ordem dos Pactos Militares
(NATONVARSÓVIA), o qual durou, com guerras marginais graves, até à queN
da do Muro de Berlim, após a qual ninguém definiu e fez vigorar uma nova
ordem, embora sendo de lembrar a urgente proposta que já em 2006 foi apreN
sentada por G. John Ikenberry e AnneNMarie Slaughter, com o título Forgen a
World of Liberty Under Law, ainda apoiados na convicção da supremacia
americana, do seu lugar no Alto da Colina desempenhando uma função munN
dial indispensável, uma convicção contrária à de Seyman Brown que pregou
um chamado “higher realism” a exigir a adoção da sua famosa “Declaração de
Interdependência”. Parece exato que o texto da ONU, que teve a debilidade de
ter sido escrito apenas por ocidentais, viria a ser surpreendido pelo que antes
fora chamado “resto do mundo”, e que, pela primeira vez na história, proclaN
maram em liberdade as suas formas de ver o mundo, a sua realidade, e o seu
futuro, como que inaugurando também um mundo sem projeto, ou, se prefeN
rível, sem centralismo. Por isso, se a ONU teve como paradigmas “O Mundo
Único” e “A Terra Casa Comum dos Homens”, de facto fomos conduzidos a
um “Mundo Fracionado” e a uma “Terra Ferida” pelos abalos humanos, tenN
dendo visivelmente para não ser capaz de sustentar o género humano, e a
vida em geral. Alguns dos principais paradigmas estruturantes da ordem
mundial imaginada depois do fim da Segunda Guerra Mundial, ou perderam
sentido, ou cobrem equivocamente realidades diferentes: fronteira, soberania,
nação, guerra, cidadania, e assim por diante, foram atingidos. A hierarquia
das potências medeNse por critérios inovadores, destacandoNse o poder ecoN
nómico, a economia do conhecimento a ultrapassar o poder militar, os podeN
res emergentes obrigando a redefinir ou reinventar a diplomacia em todas as
suas faces, os mitos raciais acrescentados pela islamofobia, “guerras em toda
a parte”, as instâncias internacionais, começando pela ONU, aparentemente
em pousio e à espera de reanimação ou reforma, as finanças mundiais desorN
ganizadas, os meios de comunicação a substituir a realidade pela imagem cria,
da, a irradicação da fome um voto em suspensão, a batalha pela terra arável
em curso, e o medo, de composição plural, com o terrorismo a tomar a proeN
minência. É difícil eliminar a palavra pessimismo para a substituir por realisN
mo, consciência da mudança em que estamos sem bússola, mas sem esquecer,
para reanimar a esperança, que foi sem bússola que se chegou à Índia. Faltam
as vozes encantatórias que possuíram os grandes estadistas que definiram o
projeto de futuro, agora em crise, sobretudo pelo generalizado mau governo,
PREFÁCIO _____________________________________________________________________________________
xiii
e pelo progresso da indiferença denunciado pelo Papa Francisco. A UniversiN
dade tem de novo uma função urgente, que é a de reconstruir um projeto de
futuro, a sua quarta dimensão de uma história longa. É nessa linha que se
inscreve o presente promissor trabalho.
Dezembro de 2015
xv
AAAAUTORESUTORESUTORESUTORES
Alice Maria Feiteira Alice Maria Feiteira Alice Maria Feiteira Alice Maria Feiteira é doutoranda da Faculdade de Direito da Universidade
Nova de Lisboa, mestre em Direito (ciências jurídicas) e docente universitária.
Membro fundador do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da FaculN
dade de Direito da Universidade de Lisboa e colaboradora do Centro de ExceN
lência Jean Monet da mesma Faculdade. Publicação de diversos artigos
científicos na área do Direito e da Segurança com revisão por pares. ColaboraN
dora do CEDIS – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e invesN
tigadora da Ratio Legis da Universidade Autónoma de Lisboa.
EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]
Américo Zuzarte Reis Américo Zuzarte Reis Américo Zuzarte Reis Américo Zuzarte Reis é professor convidado no Instituto de Geografia e
Ordenamento do Território, da Universidade de Lisboa e investigador no CenN
tro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Trabalha também em
Consultoria Ambiental e Geográfica. Anteriormente foi Major (aposentado) e
Professor na Academia da Força Aérea Portuguesa (1991N2004). Tem como
áreas principais de estudo a geopolítica dos recursos naturais e conflitos, a
análise quantitativa de conflitos por recursos, a segurança ambiental, a mudanN
ça climática e segurança.
EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]
António José TeloAntónio José TeloAntónio José TeloAntónio José Telo é professor catedrático de História na Academia Militar.
Foi Diretor do Instituto da Defesa Nacional e é autor de uma vasta obra no
campo da História, Defesa e Relações Internacionais, onde se contam mais de
20 livros e 200 artigos e colaborações em obras coletivas, publicados em cinco
países.
EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]
Carlos Mendes DiasCarlos Mendes DiasCarlos Mendes DiasCarlos Mendes Dias é Comandante do Regimento de Artilharia N.º 4, sedeado
em Leiria. Licenciado em Ciências Militares, na especialidade de Artilharia (AcadeN
mia Militar), pósNgraduado em Estudos da Paz e da Guerra (UAL), pósNgraduado e
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
xvi
mestre em Estratégia (ISCSP/UL), doutor em Ciências Sociais na especialidade
de Relações Internacionais (ISCSP/UL). Possui ainda o Curso de EstadoNMaior
(IAEM), o Curso de Defesa Nacional (IDN), o Curso de Análise de Dinâmicas
Regionais de Segurança e Defesa e o Estágio de Operações Conjuntas e CombiN
nadas. Tem como principais indicadores de produção 55 participações em evenN
tos, 52 participações em júris de graus académicos, 25 artigos científicos e 12
livros/capítulos. Tem como áreas principais de estudo as Relações InternacioN
nais, a Estratégia, a Geopolítica, a Segurança e Defesa.
EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: [email protected]
FranciscoFranciscoFranciscoFrancisco Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia é TenenteNCoronel do ExérN
cito, Professor Associado com Agregação no Instituto de Estudos Políticos da
Universidade Católica Portuguesa; Professor Convidado da Faculdade de DireiN
to da Universidade Nova de Lisboa. Professor da Academia Militar e do InstituN
to de Estudos Superiores Militares. Foi Adjunto do GeneralNChefe do EstadoN
Maior do Exército (2011N14); Conselheiro Militar junto da Delegação Portuguesa
na Organização do Tratado Atlântico Norte (2008N11), Presidente do Conselho
Científico do Instituto Superior de Comunicação Empresarial (2013); ViceN
presidente do Centro de Investigação do Exército (2002 e 2014). Atualmente é o
representante nacional na Science and Technology Organization/North Atlantic
Treathy Organization e SecretárioNGeral da Academia Internacional da Cultura
Portuguesa. Tem 8 livros e várias dezenas de artigos científicos publicados nas
áreas das Relações Internacionais, Estudos de Segurança e Estudos Africanos.
EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: [email protected])
Jaime Ferreira da Silva Jaime Ferreira da Silva Jaime Ferreira da Silva Jaime Ferreira da Silva é CapitãoNdeNfragata da Marinha Portuguesa. LicenN
ciado em Ciências Militares Navais, pela Escola Naval; mestre em Estratégia,
pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e doutorando em Ciência
Política, na especialidade de Estudos Estratégicos, no mesmo Instituto. No mar,
foi oficial de guarnição da corveta “Jacinto Cândido” e das fragatas “ComanN
dante Roberto Ivens”, “Comandante João Belo”, “Comandante Hermenegildo
Capelo” e “Álvares Cabral”; comandou o navioNescola “Polar”. Em terra,
desempenhou funções de docência na Escola Naval e no Instituto de Estudos
Superiores Militares. É Investigador Associado do Centro de Investigação em
Segurança e Defesa do IESM e do Centro de Investigação e Políticas Públicas
do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. É autor e coautor de artiN
gos no âmbito da estratégia, geopolítica e assuntos do mar. É ainda autor dos
INTRODUÇÃO
xvii
dois livros. Atualmente presta serviço na Divisão de Planeamento do EstadoN
Maior da Armada.
EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: [email protected]
João Serra PereiraJoão Serra PereiraJoão Serra PereiraJoão Serra Pereira é atualmente professor de Ciência Política e Relações
Internacionais na Universidade de San Agustin, Iloilo, Filipinas. É licenciado em
Relações Internacionais e doutorado em Ciência Política e Relações InternacioN
nais pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.
Em 2008, foi distinguido pela mesma instituição com o prémio Alexis de TocN
queville, atribuido ao melhor aluno de doutoramento. Nos últimos anos tem
exercido a actividade de professor universitário, apresentado ensaios em diverN
sas publicações académicas e proferido várias conferências. Tem colaborado
regularmente com a comunicação social escrita e audiovisual, particularmente,
em Macau. Entre os principais temas a que se tem dedicado, o terrorismo e
questões de geoestratégia têm merecido particular atenção.
EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: [email protected]
João Vieira Borges é João Vieira Borges é João Vieira Borges é João Vieira Borges é MajorNGeneral do Exército, 2º Comandante e Diretor
de Ensino da Academia Militar (AM). É licenciado em Ciências Militares, na
especialidade de Artilharia (AM), mestre em Estratégia (ISCSP/UL) e em CiênN
cias Militares (AM), e doutor em Ciências Sociais na especialidade de Ciência
Política (Universidade dos Açores). Possui ainda, entre outros, o Curso de EstaN
doNMaior (IAEM), o Curso de Defesa Nacional (IDN), o Curso “Terrorism and
Security Studies” (Marshall Center) e o Curso de Promoção a Oficial General
(IESM). Foi Comandante de unidades de escalão Pelotão, Companhia, Batalhão
e Regimento (RAAA1) durante mais de dez anos, oficial de EstadoNMaior duranN
te mais de cinco anos no EME, assessor de estudos no IDN, professor, coordeN
nador de grupo disciplinar, chefe de departamento e viceNpresidente (e
fundador) do Centro de Investigação (CINAMIL) na AM. Investigador do
CINAMIL e integrado do Centro de História da Faculdade de Letras da UniverN
sidade de Lisboa, é autor de 110 artigos e 21 livros (8 dos quais como coNautor)
publicados sobre História, Estratégia e Segurança e Defesa. É ainda sócio da
Revista de Artilharia, sócio e vogal efetivo da Revista Militar e da Sociedade de
Geografia de Lisboa, membro do conselho editorial da Revista Nação e Defesa,
da Revista Globo, do conselho consultivo da Revista Proelium e da comissão
científica da Comissão Portuguesa de História Militar.
EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
xviii
José Alberto Loureiro dos SanJosé Alberto Loureiro dos SanJosé Alberto Loureiro dos SanJosé Alberto Loureiro dos Santos,tos,tos,tos, General (reforma), desempenhou, entre
outras distintas funções, as de Ministro da Defesa Nacional (nos IV e V GoverN
nos Constitucionais), de Chefe do EstadoNMaior do Exército, de comandanteN
chefe das Forças Armadas na Madeira, de Diretor do Instituto de Altos Estudos
Militares, e de encarregado do Governo e ComandanteNChefe de Cabo Verde. É
sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa, membro do Conselho CientiN
fico do Centro de Investigação de Segurança e Defesa do IESM e do Conselho
de Honra do ISCSP. Tem 17 títulos publicados, na área da estratégia, segurança,
defesa, história e relações internacionais. Efetua conferências e colabora em
vários órgãos de comunicação social.
EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: [email protected]
José Filipe da Silva Arnaut MoreiraJosé Filipe da Silva Arnaut MoreiraJosé Filipe da Silva Arnaut MoreiraJosé Filipe da Silva Arnaut Moreira é MajorNGeneral do Exército Português
e tem 37 anos de carreira militar. Entrou para a Academia Militar em 1977,
tendo completado a Licenciatura em Ciências SocioNMilitaresNTransmissões,
pela Academia Militar e a Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica e CompuN
tadores pelo Instituto Superior Técnico. Entre vários cursos de promoção e
qualificação, destacamNse o Curso de Estado NMaior pelo Instituto de Altos
Estudos Militares, o Curso do Collège Interarmées de Défense, Paris e o Curso
de Promoção a Oficial General pelo Instituto de Estudos Superiores Militares.
Como oficial superior foi Professor na Academia Militar e no Instituto de Altos
Estudos Militares, Intelligence Officer no QuartelNgeneral da NATO em Madrid,
2.º Comandante da Escola Prática de Transmissões, Adjunto do General Chefe
de Estado NMaior do Exército, Comandante da Escola Prática de Transmissões e
Subdiretor de Comunicações e Sistemas de Informação do Exército. Foi proN
movido a MajorNGeneral em 2010, tendo desempenhado as funções de SubdireN
torNGeral de Política de Defesa Nacional e Chefe do Gabinete do Ministro da
Defesa Nacional. Desde 2013 é Diretor de Comunicações e Sistemas de InforN
mação do Exército. Desde o ano letivo de 2014/15 ministra a Cadeira de GeopoN
lítica e Geoestratégia na PósNGraduação de Estudos Estratégicos e de
Segurança da FCSHNNOVA.
EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]
Nuno Lemos Pires Nuno Lemos Pires Nuno Lemos Pires Nuno Lemos Pires é Coronel de Infantaria / Operações Especiais, é ComanN
dante do Corpo de Alunos e Professor na Academia Militar (AM). É Doutor em
História, Defesa e Relações Internacionais pelo ISCTENIUL (com a AM) e Mestre
em Ciências Militares pela AM. Colabora como Professor Convidado no ISCTEN
IUL, na Universidade Nova de Lisboa, no Instituto de Estudos Superiores MiliN
INTRODUÇÃO
xix
tares e no Instituto de Defesa Nacional. Iniciou a carreira na Escola Prática de
Infantaria; Professor de História Militar e Relações Internacionais no IAEM e
AM; Intelligence Officer no NATO / Rapid Deployable Corps em Espanha; AssisN
tente Militar do Comandante do NATO / Joint Command Lisbon; Comandante
do 2º Batalhão de Infantaria Mecanizado e Diretor de Formação da Escola das
Armas. Participou em missões em Moçambique, Angola, Paquistão, Etiópia e
Afeganistão.Tem 8 livros publicados, 41 capítulos em livros e 43 artigos em
publicações variadas, nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola. É ViceN
Presidente da Liga dos Amigos do Museu Militar de Lisboa; Sócio da Revista
Militar; Investigador do CINAMILNAM, do CEINISCTE/IUL e CEISDTAD; MemN
bro Correspondente do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de HistóN
ria Militar; Membro do Conselho Editorial das Revistas de Geopolítica, Ciências
Militares e Proelium; Sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa; Membro do
Foro para el Estudio de la Historia Militar de España e Representante militar
português no Peninsular War 200 e Waterloo Dispatch.
EEEE,,,,mail: mail: mail: mail: https://academiamilitar.academia.edu/NunoPires
Paulo ViegaPaulo ViegaPaulo ViegaPaulo Viegas Nuness Nuness Nuness Nunes é Coordenador Científico e Professor do Mestrado em
Guerra de Informação da Academia Militar (AM). É também Professor ConviN
dado no IESM, IDN, Academia Militar de SaintNCyr, Universidade do Minho,
Universidade Nova e ISCTE. Oficial do Exército da Arma de Transmissões,
obteve a sua Licenciatura e Mestrado em Ciências Militares na AM (1990). É
também Licenciado e Mestre em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores
pelo IST. Em 2010, completou o Doutoramento em Ciências da Informação na
Universidade Complutence de Madrid. Durante a sua carreira, participou em
vários Projetos de Investigação e Grupos de Trabalho relacionados com o
desenvolvimento de capacidades de Cibersegurança e Ciberdefesa, ao nível da
NATO, EU e Nacional. É atualmente Gestor do Projeto NATO de Smart Defence
“Multinational Cyber Defence Education and Training (MNCDE&T)” e Presidente
da Direção da Competitive Intelligence and Information Warfare Association
(CIIWA). Tem trabalhos científicos e artigos publicados em diversas revistas
nacionais e internacionais.
EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]
Teresa Ferreira Rodrigues Teresa Ferreira Rodrigues Teresa Ferreira Rodrigues Teresa Ferreira Rodrigues é professora no Departamento de Estudos PolítiN
cos da Faculdade de Cências Sociais e Humanas e Professora Convidada da
NOVA Information Management School da Universidade NOVA. Auditora de
Defesa Nacional (IDN/08). Professora Associada com Agregação em Relações
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
xx
Internacionais pela Universidade NOVA de Lisboa. Coordenadora do Curso de
Doutoramento em Relações Internacionais (FCSHNNOVA) e de três PósN
graduações: Estudos Estratégicos e de Segurança (parceria entre a NOVA e o
IDNNMinistério da Defesa Nacional); Globalização, Diplomacia e Segurança
(parceria entre a NOVA, o IDNMinistério dos Negócios Estrangeiros e IESMN
Estado Maior General das Forças Armadas); Gestão de Informações e SeguranN
ça (parceria entre a NOVA, o IDNNMinistério da Defesa Nacional e o SIRPN PreN
sidência do Conselho de Ministros). É membro da Direção do IPRIN
Universidade NOVA de Lisboa, onde coordena a área dos Estudos Prospetivos.
Membro de várias associações nacionais e internacionais no âmbito dos estuN
dos demográficos, das relações internacionais. Responsável e membro de projeN
tos de âmbito nacional e internacionais financiados, nomeadamente, pelo
Ministério da Defesa Nacional, pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e por
Fundos Comunitários, autora de centena e meia de artigos e nove livros publiN
cados nas áreas das migrações, mortalidade, envelhecimento, saúde, análise
prospetiva e planeamento, segurança.
EEEE,,,,mail:mail:mail:mail: [email protected]
1
IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO
JOÃO VIEIRA BORGES TERESA FERREIRA RODRIGUES
O presente texto propõeNse fornecer uma visão geral sobre os aspetos crítiN
cos da segurança global, suas ameaças e riscos transnacionais no Mundo globaN
lizado. É certo que não se trata em si mesmo de um tema inédito. Na verdade,
muitas das questões e temas aqui referidos já foram reconhecidos e abordados
pela literatura international, tendo sido adiantadas hipóteses e sugestões de
resposta conducentes à possível solução ou mitigação de algumas das ameaças
identificadas. Mas não em língua portuguesa e de uma forma tão abrangente e
simultaneamente acessível ao publico em geral. Foi esse o desafio abraçado pela
equipa que deu origem ao livro AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO
NOVO MUNDO GLOBAL.
Cumpre a este propósito contar a história do projeto. No âmbito da Pós,
Graduação em Gestão e Informações e Segurança, resultante de uma parceria
entre a UNL (Universidade NOVA de Lisboa), o IDN (Instituto da Defesa NacioN
nal) e o SIRP (Serviços de Informações da Republica Portuguesa), e da confeN
rência sobre “Terrorismo e Ameaças difusas num Mundo global”, em que
entivemos envolvidos enquanto coordenadora e conferencista, fomos desafiaN
dos pelos alunos a publicar uma obra que abrangesse a caracterização das
ameaças e riscos transnacionais no novo Mundo global.
EmpenhamoNnos então na sua organização, após alguma pesquisa que nos
permitiu confirmar a nossa suspeita inicial, ou seja, que o estado da arte e a
bibliografia publicada sobre a matéria não só era escassa, como parco o númeN
ro de publicações que contivessem o conjunto das ameaças que tocam os difeN
rentes atores das relações internacionais e em especial os mais de sete milhões
de cidadãos do Mundo. São as pessoas o epicentro deste estudo, porque se
trata de identificar algumas das ameaças atuais e futuras, sempre com vista à
proteção e tendo por referência os valores da liberdade, da democracia, do
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
2
estado de direito e dos direitos humanos. O conhecimento permite uma melhor
monitorização e prevenção de riscos e ameaças, permite divulgar, dar a conheN
cer e deste modo formar consciências a alterar atitudes.
Cientes da complexidade e multiplicidade de temas a incluir, convidamos
vários especialistas prestigiados para tratarem, de um modo simultaneamente
rigoroso e sintético, algumas das que considerámos representarem as princiN
pais ameaças e riscos transnacionais, explicitas na maioria das estratégias
nacionais dos estados e organizações internacionais.
O desafio de partida (uma primeira síntese de fácil leitura, embora salvaN
guardando o rigor científico) foi conseguido à custa de opções, a primeira das
quais implicou a exclusão de algumas temáticas. Por seu turno, atendendo ao
elevado número de autores, com procedências, experiências e formações acaN
démicas muito díspares, tornouNse inevitável que as perspetivas de análise de
cada autor, ao tratar dos temas que assumiram, iriam refletir essa mesma diverN
sidade, o que poderia originar uma obra dispersa ou mera sequência de artigos
heterogéneos. Entenderam no entanto os coordenadores que da diversidade
resultaria maior riqueza e multiplicidade de “formas de ver” a realidade global,
pelo que a todos foi dada completa liberdade para redigir o seu capítulo. AcreN
ditamos que o texto final veio confirmar a razoabilidade da opção tomada.
A presente publicação mantém uma configuração clássica, que compreende
o desenvolvimento de treze grandes temas, a que acresce uma síntese final.
Nesse sentido, começamos com um prefácio do Professor Doutor Adriano
Moreira, que tem tido um papel determinante no pensamento e na construção
dos Estudos de Segurança.
SeguemNse um conjunto de artigos sobre ameaças transnacionais, enquaN
drados inicialmente por um texto da autoria do Professor Doutor António José
Telo, sobre a sua perspetiva relativamente ao novo Mundo em transformação, e
na parte final, por um texto do General Loureiro dos Santos, relativo à sua visão
de futuro sobre as ameaças e riscos transnacionais. Os restantes artigos, um
total de doze, apresentam outras tantas ameaças transnacionais, sem obedeceN
rem a qualquer critério de importância ou hierarquização.
No capítulo 2, João Vieira Borges apresenta uma imagem do conjunto das
ameaças transnacionais na perspetiva assumidamente institucional dos Estados
com peso reconhecido no sistema político internacional. Para tanto, parte de
uma análise comparativa das estratégias nacionais dos cinco membros permaN
nentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e, não
obstante reconhecer as diferenças de valores, interesses e objetivos políticos
INTRODUÇÃO
3
dos diferentes atores políticos, identifica as ameaças comuns que os une no
atual contexto.
SegueNse o tema do terrorismo transnacional, desenvolvido por João Serra
Pereira. Na primeira parte o autor discute vários conceitos (designadamente os
de terrorismo, terrorismo doméstico, internacional e transnacional) e apresenta
alguns resultados quantitativos sobre as campanhas terroristas. De seguida
baseiaNse em posições constrastadas (como as de Hilaty Clinton e John Mueller),
para refletir sobre a verdadeira utilidade do terrorismo e discutir o seu efetivo
impacto em termos de perdas humanas.
O recrudescimento da pirataria marítima despertou a atenção da comunidaN
de internacional para a necessidade de encontrar formas de reprimir este ilícito.
É este o tema desenvolvido por Ferreira da Silva, que nos apresenta a sua visão
global da pirataria no século XXI, identificando possiveis tendências de evoluN
ção e sugestões de atuação. Define o conceito, analisa algumas das suas causas,
descreve o fenómeno e avalia os respetivos custos humanos e económicos. A
terminar, o autor analisa e discute alguns dos instrumentos já criados para
combater o fenómeno e possíveis linhas de ação a desenvolver.
O quinto capítulo propõeNse reconstruir, de forma crítica, o enquadramento
conceptual da criminalidade organizada e a sua conexão com a criminalidade de
massa. Luís Elias trata os desafios e oportunidades da cooperação europeia e da
reforma processual penal em Portugal para fazer face a ameaças e riscos, cada
vez mais transnacionais. Na segunda parte do estudo desenvolve a questão do
compromisso entre o direito à segurança, o direito das vítimas e a protecção
dos direitos, liberdades e garantias do arguido, entendidos como fator impresN
cindível para o Estado de direito.
Passamos de seguida para o tópico da proliferação de Armas de Destruição
Massiva (ADM), com destaque para a questão nuclear. Proença Garcia descreve
as diversas dinâmicas associadas ao fenómeno, identificando algumas das motiN
vações que levam diferentes atores a prosseguir esse desiderato e destaca os
diferentes riscos e perigos para a segurança internacional que lhe estão assoN
ciados. São elencados alguns dos instrumentos internacionais adotados para lhe
fazer face, nomeadamente o Tratado de NãoNProliferação e discutida a estratéN
gia da dissuasão nuclear mantida pelos diversos detentores de armas nucleares.
De seguida, o Nuno Lemos Pires falaNnos das ameaças e riscos intangíveis
aos estados frágeis e às guerras civis. AlertaNse o leitor para a dificuldade em
medir e elencar ou até considerar como tal algumas ameaças ou riscos, dado o
seu não relacionamento direto com questões de segurança e defesa. O autor
sublinha que na origem de Estados Frágeis ou Falhados ou de Guerras Civis
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
4
existem motivos aparentes que podem esconder outros mais relevantes, em
alguns casos, com raízes longínquas. Essas causas muito variadas podem ser
potenciadas por ameaças e riscos intangíveis (anomia social, desemprego,
memória dos povos, pressões geopolíticas, cultura e religião) que, embora semN
pre presentes, não foram atempadamente atendidos e percebidos.
O ciberespaço assumeNse hoje como um global common, sem fronteiras físiN
cas e espaços de soberania perfeitamente definidos, o que torna difícil diferenN
ciar público e privado, civil e militar, nacional e internacional e potencia o
aparecimento de novas ameaças. Como afirma o Viegas Nunes, este novo espaN
ço global temNse vindo a converter num vetor privilegiado para a realização de
ataques contra indivíduos, empresas, redes públicas e privadas, infraestruturas
críticas ou mesmo contra os próprios processos e sistemas de governação eleN
trónica do Estado. O aumento da ciberNconflitualidade e a crescente militarizaN
ção do ciberespaço potenciam o uso da força e a ocorrência de conflitos
armados no ciberespaço, o que exige um esforço concertado da comunidade
internacional para fazer convergir e promover o ajustamento das várias legislaN
ções nacionais, de forma a facilitar o combate ao cibercrime e reduzir o nível da
ciberconflitualidade mais violenta. Viegas Nunes falaNnos da tomada de consN
ciência coletiva sobre as vulnerabilidades existentes, do aumento das ciberaN
meaças e dos riscos daí decorrentes, das políticas e estratégias cooperativas
criadas para combater ataques cibernéticos e da consolidação de uma cultura
de cibersegurança e ciberdefesa.
No capítulo 10 falaNse da disputa por recursos naturais escassos. José MenN
des Dias identifica e questiona os mais relevantes. O texto procura articular
preocupações de índole concetual, com casos e exemplos concretos. Apresenta
os critérios de classificação de recursos, indicadores sobre alguns recursos
naturais, referências a recursos energéticos, hídricos e alimentares, exemplifiN
cadas com evidências, em diferentes espaços e com naturais repercussões e
ligações com outras matérias, constituemNse como elementos caraterizadores
deste texto.
Um pouco na continuidade deste tema surge o das relações entre fatores
ambientais e violência ou conflitos de cariz ambiental, que desde há umas duas
décadas se tornaram objeto de especial atenção, pelo reconhecimento do papel
assumido pelos recursos naturais e pelas alterações climáticas nos conflitos
internos. Zuzarte Reis debate a intensidade com que a escassez ambiental e as
alterações climáticas podem contribuir para a eclosão de violência ou distúrbios
sociais, particularmente em Estados escassamente capacitados em conhecimenN
to e em estruturas sociais, como sucede em certos países em desenvolvimento.
INTRODUÇÃO
5
Alterações climáticas e desastres naturais são susceptíveis de agravar situações
de crise e repercutemNse na segurança alimentar, nos meios de subsistência de
milhões de pessoas e na migração forçada.
O capítulo 12 fala de algumas questões e incertezas que os ritmos diferenN
ciados de crescimento e características estruturais da população do Mundo
colocam aos equilíbrios atuais e futuros do sistema internacional. Teresa RodriN
gues apresenta as caracteristicas da relação entre volumes e dinâmicas populaN
cionais e ameaças e riscos de segurança em diferentes partes do Mundo, com
especial destaque para o impacto da pressão demográfica sobre os recursos, e
para a forma como os diferentes atores do sistema internacional tentam gerir as
assimetrias que caracterizam esse binómio, numa ótica sustentável de futuro no
quadro de insegurança global.
Falamos por último de informações e intelligence. A atividade dos Serviços
de Informações implica a prevenção e combate dos riscos e ameaças, consideN
rando o seu impacto no regular funcionamento das instituições democráticas
dos Estados e na vida dos cidadãos. A intensidade dessas ameaças depende da
eficácia das contraNmedidas adoptadas pelas autoridades públicas, mas também
dos níveis de permeabilidade ou de resiliência das sociedades onde se desenN
volvem. A maioria das ameaças que os Estados atualmente enfrentam não se
previnem nem combatem com simples atuações locais, mas exigem respostas e
ações concertadas a nível regional ou global. Alice Feiteira exemplifica a sua
posição referenciando o caso da União Europeia, onde a manutenção da seguN
rança comum se alicerça na cooperação entre os Estados membros, através da
colaboração institucional entre as forças e serviços de segurança, incluindo os
serviços de informações, de modo a garantir um modelo integrado funcional.
Não obstante, a avaliação efetuada deixar alguma esperança sobre a capaciN
dade do homem para se superar e encontrar respostas adequadas para desafios
e situações complexas, as grandes tendências desenhadas ao longo dos capítuN
los que constituem este livro não conseguem evitar alguma inquietação sobre o
futuro. As turbulências económicas desencadeadas a nível mundial pela globaliN
zação e a subsequente reconfiguração do poder à escala planetária situamNnos
num cenário de incerteza e transformação. Nestas circunstâncias, a academia e
bem assim toda a sociedade global será obrigada a realizar um exercício da
reflexão sobre o já conseguido e as opções que nos são oferecidas.
O conjunto de artigos sobre diferentes ameaças e riscos transnacionais,
cujas linhas orientadoras acabámos de descrever, não pretende esgotar uma
matéria tão importante e consequente, mas tão só dar ao público em geral uma
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
6
perspetiva mais abrangente, específica e rigorosa, sem deixar de abrir as portas
da curiosidade e a busca de mais saber e conhecimento.
Convictos de que existem maisNvalias neste exercício de sistematização dos
conhecimentos, que inclui diferentes formas de avaliar a importância e o deterN
minismo de algumas das ameaças e riscos identificados do passado recente ao
futuro próximo, é, no entanto, característica própria dos coordenadores e autoN
res alguma insatisfação face ao que poderia ter sido realizado e o que é hoje
possível apresentar. Pensamos, porém, ter conseguido alcançar os nossos
desígnios fundamentais.
Os nossos sentidos agradecimentos ao Professor Doutor Adriano Moreira, à
editora Fronteira do Caos, à Academia Militar e ao IPRI, pois sem todos e cada
um deles não seria possível dar à estampa esta obra. Não poderíamos terminar
estas páginas introdutórias sem expressar publicamente o nosso apreço pelos
valiosos contributos que os mais de uma dezena de especialistas e consultores
externos imprimiram a esta síntese. As suas reflexões e sugestões representaN
ram um mais valia de importânncia inestimável para levar a bom termo o atual
projeto. De sublinhar, entre todos, a disponibilidade e entuasiasmo com que o
General José Loureiro dos Santos acedeu dispensar a esta nossa iniciativa. A
todos aqui fica o nosso obrigado.
Agradecemos ainda aos nossos leitores, e em especial aos nossos alunos, os
quais têm constituído a semente dos nossos desafios do saber e do conhecimenN
to.
Para além dos merecidos agradecimentos, deixamos ainda uma mensagem
final de esperança no futuro, num Mundo com menos ameaças e mais paz e
desenvolvimento. Como escreveu Fernando Pessoa, “o Homem é do tamanho
do seu Sonho”. Certamente que depois de lermos e estudarmos as ameaças que
nos rodeiam ficamos mais motivados para as enfrentar. Por isso, desafiamos a
que sonhem todos com um Mundo melhor.
Lisboa, 3 de dezembro de 2015
7
1.1.1.1. UUUUM M M M MMMMUNDO EM UNDO EM UNDO EM UNDO EM TTTTRANSFORMAÇÃORANSFORMAÇÃORANSFORMAÇÃORANSFORMAÇÃO.... AAAA DECADÊNCIA DA DECADÊNCIA DA DECADÊNCIA DA DECADÊNCIA DA EEEEUROPAUROPAUROPAUROPA
ANTÓNIO TELO
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
Este artigo pretende levantar questões e abordar o novo Mundo de uma for,
ma diferente, não politicamente correta e que poucas pessoas estão preparadas
para ouvir e aceitar. O autor avalia a evolução recente do Mundo, como forma de
prever o futuro. Dessa avaliação consta a relação de forças económica e militar, a
caracterização do Mundo bizarro em que vivemos, do sistema de valores herdado
das sociedades industriais e do Mundo do Caos. Por outro lado, deixa,nos a pen,
sar na decadência da Europa e nos sonhos ultrapassados por uma realidade que
marca “o fim do começo”.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: Transnacional, Segurança, Economia, Europa, Futuro
É normal dizer que os prognósticos só se fazem depois do jogo e compreenN
deNse que assim seja. Quando falamos da realidade internacional, a sua compleN
xidade é tal que qualquer tentativa de antever o futuro está condenada a um
quase certo fracasso. Isso não impede, porém, que se trate de um exercício
essencial, pois sem ele dificilmente há uma estratégia. Na realidade, como se
pode ter uma ideia do caminho a seguir, se não se conhecem as tendências da
evolução e se não se faz uma previsão sobre o que se irá passar? Serve isto de
atenuante para explicar porque nos vamos abalançar a esta tentativa “condenaN
da a um quase certo fracasso”.
A primeira noção básica para entender o Mundo atual é a da sua extrema
complexidade. Isto resulta de quatro fatores conjugados.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
8
a) Há cada vez mais agentes, a começar pelos estados que não param de
crescer e a continuar pelos restantes que têm um peso crescente no sisN
tema internacional (empresas, ONG, senhores da guerra, crime organiN
zado, religiões, etc…).
b) Há cada vez mais níveis de interacção, desde os tradicionais a outros
recentes, como o cibermundo, a ecologia, o espaço exterior ou os fundos
marítimos, para citar somente alguns. Os fundos marítimos para lá da
plataforma continental, por exemplo, sempre existiram desde que há
humanidade, mas só recentemente se tornaram um objeto de rivalidade
no sistema internacional, porque só recentemente se desenvolveu a tecN
nologia que permite o seu aproveitamento.
c) Há cada vez mais sistemas de valores, desde os inspirados por ideologias
às religiões, transformadas em projetos de sociedade, ou às culturas,
transformadas em política. Todos estes sistemas estão interligados e parN
tilham uma mesma realidade.
d) É cada vez mais difícil para um qualquer agente isolado ter uma ação
executiva consequente, pois as suas mãos estão amarradas a muitos
níveis, num grau muito superior ao que acontecia no passado. No caso da
Europa, por exemplo, a gestão de aspetos essenciais da vida comum,
como a política financeira ou monetária, passou para entidades não eleiN
tas e sem rosto, enquanto os Governos, que dependem do voto, têm cada
vez menos poderes e margem de manobra.
Comecemos pelo mais elementar: avaliar a evolução recente, como forma de
prever a futura.
AAAA RELAÇÃO DE FORÇAS E RELAÇÃO DE FORÇAS E RELAÇÃO DE FORÇAS E RELAÇÃO DE FORÇAS ECONÓMICACONÓMICACONÓMICACONÓMICA1
Nas últimas décadas deuNse uma muito rápida mudança da distribuição do
poder e das capacidades económicas.
Em termos simples, a Europa como um todo (sem a Rússia ou exNURSS, mas
incluindo os outros estados que não pertencem à UE) passou de cerca de um
terço da economia mundial em 1990 medido em termos do PIB (32,3%) para
pouco mais de um quarto em 2015 (28%), enquanto os EUA passaram de 25%
para 22%. No total, a Europa e América do Norte, passaram de mais de metade
do total mundial em 1990 (57%) para metade em 2015 (50%). Pode haver quem
1 Todos os cálculos são feitos pelo autor com base nas estatísticas do “The Military BalanNce”, IISS, 1990, 2000, 2010 e 2015.
UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA
9
pense que 7% a menos do total mundial não tem grande significado, mas para
colocar este valor em perspectiva, ele representa o conjunto do peso económico
da África e da Iberoamérica, ou seja, representa a perda do equivalente a dois
continentes.
A quebra é forte no caso da Europa, com a agravante que, aqui, a descida se
dá principalmente no que era a Europa da NATO em 1990, enquanto o antigo
Pacto de Varsóvia (sem a Rússia) e o que era, em 1990, a Europa neutra, manN
têm no essencial o peso relativo, com uma ligeira descida.
A evolução negativa mais acentuada é a da Rússia, por comparação com a
antiga URSS: passa de 9% para 3% do total mundial entre 1990 e 2015, embora
tenda recentemente a recuperar. Há que ter em conta, porém, que a comparaN
ção neste caso é feita entre a antiga URSS e a atual Rússia, entidades geografiN
camente distintas, e que o valor de 1990 é uma estimativa americana.
A descida do poder económico relativo ocorre igualmente noutras regiões
do planeta, mas numa escala menor. A África do Norte, por exemplo, passa de
1,05% para 1,04% do total mundial entre 1990 e 2015. A Ásia do Pacífico (sem a
China) e a Oceânia registam igualmente uma queda, mas muito desigual. A
principal descida do peso relativo dáNse em estados como o Japão, Laos, CamN
boja, Coreia do Norte e Filipinas; em contrapartida, outros aumentam o seu
peso relativo, como Singapura, Coreia do Sul, Taiwan e a Austrália.
Como estamos a falar de pesos relativos, em que a soma é obrigatoriamente
100%, se há quedas, tem de haver subidas. O grande aumento do peso relativo é
a China, que passou nos anos considerados de 2% para 13,4% do total mundial,
o que significa que passou da 10ª para a 2ª economia mundial. Dito de outra
forma, a China em 1990 tinha uma economia que era um sétimo da Japonesa;
em 2015 é mais do dobro da Japonesa (que é a terceira mundial). Nunca se
assistiu na História da Humanidade a uma mudança tão rápida como esta. Nem
a Alemanha depois da sua unificação, em 1871, conheceu um aumento do peso
relativo tão fulgurante. É um verdadeiro tsunami na economia mundial, que
muda por completo as regras do jogo.
Alguns analistas gostam de dizer que o “milagre” chinês já passou, que as
tensões na sociedade chinesa são muito fortes e que a tendência de crescimento
não se vai manter, havendo mesmo quem aposte numa guerra civil a curto praN
zo. É uma possibilidade, mas remota. A verdade é que as tensões internas são
relativamente pequenas em relação à gigantesca mudança registada, que a
moderna economia chinesa é uma realidade, que o amplo sector tradicional
ainda existente é a base de um crescimento forte futuro, que a tecnologia chineN
sa atual está no essencial ao nível da Europeia, embora restrita a uma classe
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
10
média que representa só cerca de um terço da população, quando na Europa é
mais de metade. Haverá, sem dúvida crises e abalos de crescimento, como os
resultantes da dificuldade de manter o nível das exportações perante a crise ecoN
nómica mundial. Mas a China mostra que está consciente dos seus problemas de
crescimento e, por exemplo, decidiu passar a dar maior importância ao mercado
interno no futuro, tentando diminuir a sua dependência das exportações.
A classe média chinesa nas últimas décadas aumentou em cerca de 300 milhões
de indivíduos, o que corresponde à população da Europa Ocidental; há ainda na
China cerca de 900 milhões de classe baixa, numa sociedade complexa e com muiN
tos contrastes, mas isso significa que o potencial de crescimento é imenso.
A vertente financeira é particularmente favorável à China. Ela é o principal
credor mundial, emprestando capitais sobretudo aos EUA, que estão profunN
damente dependentes do crédito chinês numa escala que a administração ObaN
ma acentuou ainda mais. A China empresta dinheiro a todo o Mundo, com um
peso crescente nos últimos anos à África e Iberoamérica, muito em particular
desde que os rendimentos do petróleo tendem a cair. Este imenso papel finanN
ceiro tem uma vantagem adicional para a China: pode comprar o que quiser no
Ocidente em crise desde 2008. Pequim aproveitou isto para adquirir empresas
de informática, energia, transportes e todas as que necessita dentro de um penN
samento estratégico económico coordenado. A organização chinesa é nisto
muito flexível, um pouco como a Casa das Índias dos Portugueses de 1500: a
lógica central é estatal, mas a maioria dos capitais e dos agentes são privados,
actuando dentro de uma política coordenada.
Não pode haver dúvidas que a melhor maneira de superar rapidamente as
deficiências de desenvolvimento tecnológico próprio, é comprar as empresas de
alta tecnologia de que se necessita no mercado mundial. A URSS, depois da
crise de 1929, ficou muito atrás, porque não tinha divisas: comprou no OcidenN
te, não empresas, mas pequenas séries de tudo o que não tinha, que depois
passou a fabricar através de um processo de engenharia invertida (obter os
planos a partir do modelo e não o contrário). Foi assim que a URSS conseguiu
fabricar na década de 1930 modernos carros de combate (“inspirados” na tecN
nologia da Vickers inglesa e da Christie americana), camiões (“inspirados” na
Ford), aviões, etc… A China vai mais longe: compra as próprias empresas, o
que lhe permite adquirir a tecnologia e os seus agentes ao mesmo tempo. É a
solução ideal para dar um imenso pulo tecnológico em pouco tempo.
A China é atualmente o grande “banco mundial”, o mesmo papel que a GB
tinha no século XIX ou os EUA em grande parte do XX. Tal como acontecia com
os EUA na década de 1930, isto ainda não se traduziu num aumento corresponN
UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA
11
dente do papel político da China, o que se deve, em larga medida, a uma sábia
opção da sua estratégia. A verdade é que a China evita envolverNse nos locais de
tensões internacionais, mesmo os que estão às suas portas; passa ao lado da
tentação que outros têm (ou tiveram) de ser um “polícia internacional” ou de
exportar um qualquer modelo social ou político pela força das armas. Isto, aliás,
seria impossível, pois o atual modelo chinês é tão original, tão adaptado à situaN
ção concreta, que não tem exportação possível.
A preocupação central da política chinesa é a gestão da imensa mudança
interna e é uma preocupação de grande envergadura. Em pouco tempo um
quarto da humanidade saltou vários séculos, com um crescimento que muda o
panorama global. Os EUA em 1930 tinham exatamente a mesma aproximação:
estavam num esplêndido isolamento, preocupados quase só com a gestão dos
problemas de crescimento internos. Passados poucos anos, venciam uma guerN
ra mundial e criavam a nova ordem internacional.
A China começa agora a entrar na fase em que fará ouvir cada vez mais a
sua voz nos fóruns internacionais, apoiando a sua política com capacidades de
intervenção que até agora lhe faltavam. É uma transição ainda não completa,
mas já muito visível e clara. A china não tem pressa, não quer surgir como uma
ameaça, não bate com o punho na mesa; faz o que a Alemanha não fez, ou caso
se prefira, ainda é a Alemanha de Bismarck, antes de o Kaiser Guilherme ter
deitado tudo a perder com a sua falta de visão estratégica. Uma das característiN
cas mais notórias desta mudança é que os estrategas Chinesas pensam no
médio e longo prazo, ao contrário dos Ocidentais, para quem “longo prazo” são
os quatro anos até às próximas eleições.
A China tem neste momento já o domínio do instrumento financeiro, algo
essencial numa altura em que todo o Ocidente se debate com uma imensa crise
de endividamento, tendo nas últimas décadas vivido acima das suas capacidaN
des reais. Quando os EUA e grande parte da Europa estão dependentes do
crescimento da dívida para manter o seu estilo de vida, quem empresta tem um
poder imenso. Para compreender a importância disto basta referir, por exemN
plo, que quando os EUA quiseram obrigar a GB e a França a recuar na sua
aventura no Suez (em 1956) se limitaram a dizer que, se isso não fosse feito,
venderiam no mercado internacional a libra e os títulos de dívida da GB que
tinham acumulado; passadas menos de 12h, a GB recuava, saía do Suez e aliN
nhava com os EUA; tudo se passou nos bastidores e só muitos anos depois esta
crise nas relações atlânticas foi conhecida. Hoje em dia é a China que tem esse
poder, enquanto os EUA só têm a maior dívida do planeta, seguidos de perto
pela Europa. Serão precisos mais comentários?
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
12
O aumento do peso relativo da China é o maior de todos, mas não é único. A
Índia passou de 1,3% do total da economia mundial (em 1990) para 2,6%, um
valor bastante mais modesto que o Chinês, mas que representa um aumento
para o dobro do seu peso relativo. A Ásia do Índico como um todo passou de
1,7% para 3,4% do total mundial. Um crescimento semelhante deuNse na IbeN
roamérica (4,3% para 7,4%) e um ainda maior na África a Sul do Saara (1,03%
para 2,1%). Em termos globais estas três regiões continuam a pesar pouco
(12,9% do total mundial em 2015), mas duplicaram o peso relativo, o que é muiN
to significativo e nunca antes tinha acontecido.
Assistimos neste período à continuação da desindustrialização do Ocidente
em larga escala, particularmente forte no caso da Europa. Cerca de 25% da
indústria mundial mudouNse do Norte para o Sul ou do Ocidente para o Oriente
desde o fim da Guerra Fria, em particular a indústria pesada. Hoje em dia o
Ocidente importa a maioria dos produtos industriais que consome. Mesmo os
produtos com marcas ocidentais, são na maior parte dos casos fabricados no
exterior. Nas últimas décadas, por exemplo, a indústria Britânica passou para
menos de metade do que era, com o desaparecimento de muitas das suas marN
cas tradicionais. Algumas das que sobrevivem, muitas vezes só o fazem por
estratégias comerciais, não passando de componentes de uma empresa externa
(como a Jaguar, por exemplo). Indústrias que foram durante décadas o centro
do poder Europeu, como a naval ou os automóveis, estão hoje fundamentalN
mente na Ásia e noutros continentes. Do mesmo modo, industrias que fizeram o
poder americano depois da 2ª Guerra Mundial, como a aeronáutica ou a inforN
mática, estão a ser transferidas a rápido ritmo. O desemprego estrutural na
Europa incide em larga medida sobre os trabalhadores altamente qualificados,
colocados na rua pela migração da indústria. Muitos acompanham a indústria
em migração, com a fuga dos cérebros e da parte mais ousada e jovem da
população; outros ficam, principalmente os idosos que já não se sentem com
coragem para recomeçar tudo.
Em resumo, nos últimos 25 anos assistimos a uma ampla mudança do poder
económico mundial, com a ascensão fulgurante de novos gigantes (China, Índia,
Brasil, por exemplo) e a queda dos tradicionais, em particular da Europa OciN
dental e da Rússia. Assistimos igualmente a uma mudança imensa do poder
industrial e financeiro. Hoje os grandes gigantes industriais estão no que era
normal em 1990 chamar de 3º Mundo, enquanto o Ocidente como um todo se
debate com uma imensa crise de endividamento, que está longe de estar resolN
vida ou sequer estabilizada.
UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA
13
Sem uma drástica mudança das regras financeiras internacionais, é de preN
ver a curto prazo uma crise financeira maior que a de 2008, possivelmente
começando numa interacção entre o mercado chinês e americano e, embora ela
se vá traduzir num forte abalo para todos, no final será o Ocidente o principal
afectado. A verdade é que muitas das dívidas soberanas actuais são insustentáN
veis, a começar na americana e, ou as regras financeiras mudam depressa, ou a
crise de grande envergadura é inevitável. Basta, por exemplo, que a China deixe
de comprar títulos de dívida ao ritmo atual, para que a bola de neve se ponha
em movimento.
Não vamos entrar aqui na discussão de qual a mudança necessária nas
regras financeiras para o evitar (está ligado à gestão do sistema financeiro
internacional), mas convém referir que ela será muito difícil de implementar em
condições estáveis, pelo simples motivo que os principais prejudicados com
essa mudança são justamente os que têm o poder para a levar a cabo. Assim
sendo, a reforma é muito duvidosa, pois raras mentes entendem que mais vale
um prejuízo calculado e controlado, do que a continuação artificial da prosperiN
dade, seguida de uma queda brusca. O Ocidente está acomodado e comodista,
não quer ouvir falar em sacrifícios, em reformas duras ou em debates, pelo que
prefere empurrar a crise para a frente com a barriga.
A evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB, é resuN
mida na Figura 2.1.Figura 2.1.Figura 2.1.Figura 2.1. (a NATO corresponde à sua composição de 1990 e não
inclui os EUA).
Figura 2.1. Evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB (1990, 2015)Figura 2.1. Evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB (1990, 2015)Figura 2.1. Evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB (1990, 2015)Figura 2.1. Evolução do peso económico relativo, medido em termos do PIB (1990, 2015)
Fonte: Elaboração própria com base em IISS, The Military Balance, 1990 e 2015.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
14
AAAA RELAÇÃO DE FORÇAS M RELAÇÃO DE FORÇAS M RELAÇÃO DE FORÇAS M RELAÇÃO DE FORÇAS MILILILILIIIITARTARTARTAR
A evolução no campo militar é semelhante à económica, só que mais acenN
tuada.
Em termos simples, há uma transferência em larga escala do poder e das
capacidades militares. Vamos começar por a avaliar em termos das despesas com
a defesa medidos em US$. Quem desce em termos relativos (sempre entre 1990 e
2015), sem qualquer surpresa, é a Rússia (14,5% para 3,9%), a Europa da NATO
na composição de 1990 (20,2% para 14,3%), a outra Europa (4,2% para 2,3%) e os
EUA (35,6% para 33% N uma queda reduzida). A diferença, é que no caso da RúsN
sia se trata de uma entidade bastante menor que a URSS de 1990, enquanto a
NATO de 1990 aumentou mesmo o seu território (a RDA foi incorporada na AleN
manha), mas isso não impediu uma queda muito significativa.
Todas as outras regiões do Mundo aumentam o seu peso relativo, mas umas
mais do que outros. A China está na frente, tendo passado de 5,2% para 15,7%
do total mundial, um destacado segundo lugar em termos das despesas com a
defesa, muito acima do terceiro lugar2. Dito de outra forma, a China em 1990
gastava com a defesa a quarta parte da Europa da NATO; hoje em dia gasta
cerca de 10% a mais do conjunto da NATO europeia. O maior aumento a seguir
à China surge no Médio Oriente (6,2% para 9,9%) e na Iberoamérica (1,1% para
4,2%). Fazendo outro tipo de comparação, agora por continente, a Europa (sem
a URSS) gastava com a defesa mais do que a Ásia em 1990; hoje em dia, a Ásia
gasta mais do dobro que a Europa. É uma mudança ainda mais forte que no caso
do poder económico. A Figura 2.2Figura 2.2Figura 2.2Figura 2.2 dá uma ideia do conjunto desta evolução.
2 A China gasta 277 bilhões de dólares com a defesa. O terceiro lugar é ocupado pela Arábia Saudita, com 80 bilhões e o quarto pela Rússia, com 70 bilhões. O poder europeu que mais gasta com a defesa é a GB, que surge em 5º lugar, com 61 bilhões, ou seja 4,5 vezes menos que a China. Em 1990 as despesas com a defesa da GB estavam ao nível das chinesas.
UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA
15
Figura 2.2. Despesas com a Defesa em difFigura 2.2. Despesas com a Defesa em difFigura 2.2. Despesas com a Defesa em difFigura 2.2. Despesas com a Defesa em difeeeerentes países e regiões (1990, 2015)rentes países e regiões (1990, 2015)rentes países e regiões (1990, 2015)rentes países e regiões (1990, 2015)
Fonte: Elaboração própria com base em IISS, The Military Balance, 1990 e 2015.
Isto são somente os números gerais, uma primeira aproximação. A perda de
capacidades efectivas da Europa é muito superior ao que estas frias barras indiN
cam. A principal razão é simples: a Europa nas últimas décadas desviou grande
parte das suas despesas militares para as “pequenas guerras”, os conflitos conN
tra adversários pouco sofisticados, pelo que apostou sobretudo no desenvolviN
mento da mobilidade e capacidade de projecção, nas forças especiais, nas
unidades ligeiras e em tudo o resto associado ao sucesso em operações ditas de
“paz”. A perspectiva de enfrentar um adversário semelhante parecia remota e
longínqua, pelo que os meios mais sofisticados receberam menor prioridade e as
unidades pesadas foram desmanteladas ou muito reduzidas. Resultado: as forças
armadas de muitos estados da Europa em 2015 parecem mais um departamento
da ONU que representantes de estados soberanos. Estão vocacionadas para uma
projecção rápida para conflitos de baixa ou quase nula intensidade, mas são incaN
pazes de outros tipos de missão, pelo menos sem um forte apoio dos EUA.
Dou só um exemplo: os tanques3, um dos mais pesados sistemas de armas da
guerra terrestre. Alguns estados europeus (como a Holanda), acabaram por comN
pleto com eles, enquanto outros reduziram as unidades blindadas pesadas a um
mero esqueleto, uma espécie de núcleo escolar, que permite manter alguma capaN
cidade para o futuro. É claro que os tanques são dos sistemas de armas mais
caros, mais difíceis de manter operacionais e a sua real capacidade de sobreviver
num campo de batalha moderno é um assunto muito polémico. Mas isto não
3 O Exército Português não gosta de falar em tanques, mas sim em “carros de combate”. Por mim, continuou a usar o termo consagrado internacionalmente e na linguagem popuNlar, que vêm referido em todos os dicionários da língua Portuguesa.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
16
impede que esta evolução seja das mais significativas sobre o que se passa na
Europa.
Façamos só uma pequena comparação para entender o que isto representa.
A NATO na composição de 1990 (sem os EUA) passou de 19 para 7 mil tanques
(entre 1990 e 2015). Destes, só 2106 se podem considerar da mais recente geraN
ção (modelos Challenger, Leclerc, Ariete e Leopard 2) – a Europa não desenvolN
ve um novo modelo de tanque desde há 20 anos, pelo que a geração “mais
recente” já tem alguns anos. Comparemos esta situação com a de alguns podeN
res vizinhos da Europa. O Egipto, por exemplo, conta com 1130 tanques M1
Abrams americanos, que se podem considerar como semelhantes aos melhores
europeus. Na Europa, para chegar a uma quantidade semelhante seria necessáN
rio somar os tanques da GB (227 Challenger), França (200 Leclerc), Itália (160
Ariete) e Alemanha (410 Leopard 2); mesmo com a soma dos quatro principais
poderes militares europeus, só obtemos 997 tanques modernos, menos que os
1130 Abrams Egípcios (acresce a isto que o Egipto, para além dos modernos
Abrams, tem ainda uma quantidade quase igual de M60 e outros tantos modelos
russos obsoletos). Significa isto que devemos temer uma invasão do Egipto? É
claro que não. Significa, isso sim, que uns ganham e outros perdem capacidades e
isso traduzNse necessariamente em poder a todos os níveis.
Para dar outro exemplo, comparemos o poder naval da Europa da NATO
(de 1990) com o da Ásia do Pacífico, com exclusão da China e do resto da Ásia.
O quadro seguinte é elucidativo.
Tabela 2.1. Poder naval da Europa da NATO e da Ásia do Pacífico, Tabela 2.1. Poder naval da Europa da NATO e da Ásia do Pacífico, Tabela 2.1. Poder naval da Europa da NATO e da Ásia do Pacífico, Tabela 2.1. Poder naval da Europa da NATO e da Ásia do Pacífico,
sem China e resto da Ásia (1990, 2015)sem China e resto da Ásia (1990, 2015)sem China e resto da Ásia (1990, 2015)sem China e resto da Ásia (1990, 2015) 1990 1990 2015 2015 NATO sem os
EUA Ásia do Pac. Sem China
NATO sem os EUA
Ásia do Pac. Sem China
SSBN 10101010 0000 8888 0000 SSN 21212121 0000 12121212 0000 SS 115115115115 46464646 52525252 131131131131 P.Aviões 6666 0000 3333 3333 P. Helicop. 2222 0000 6666 4444 Cruzador 4444 0000 0000 5555 Destroyer 74747474 67676767 49494949 47474747 Fragata 140140140140 102102102102 105105105105 98989898 Corveta 47474747 29292929 49494949 82828282 FACM 125125125125 136136136136 45454545 193193193193
Fonte: Elaboração própria com base em IISS, The Military Balance, 1990 e 2015.
Que conclusões podemos tirar, mesmo sem entrar em grandes pormenores?
A NATO da Europa mantém, por enquanto, uma capacidade estratégica naval
(representada pelos SSBN) e uma capacidade de controlo dos oceanos pelos SSN,
UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA
17
que a Ásia do Pacífico continua a não ter (com a excepção da China, que não é
considerada neste quadro). Em 1990, o único componente do poder naval em que
Ásia do Pacífico dominava era nos FACM, ou seja, era a marinha costeira de
negação de águas próximas, de pequeno alcance, sem capacidade para exercer
um domínio Oceânico. Em 2015, a situação mudou radicalmente. Com a excepção
dos SSN e SSBN, em todas as outras classes de uma marinha de águas azuis o
domínio da Ásia do Pacífico é muito claro. O exclusivo europeu em termos de
portaNaviões e porta helicópteros4, tornouNse uma igualdade. Em termos de cruN
zadores e destroyers, o domínio europeu era de 78 contra 67; passou para 49
contra 52. Em termos de fragatas e corvetas a Europa dominava, com 187 contra
131; passou para 154 contra 180. O domínio Asiático em termos de uma mariN
nha de águas castanhas aumentou muito: passou de 125 contra 136 para 45
contra 193.
Em resumo, a Ásia do Pacífico nas últimas décadas ultrapassou por larga
margem o poder naval oceânico da Europa da NATO (com excepção dos SSBN
e SSN) e aumentou muito o desnível a seu favor na marinha de águas castanhas.
E isto sem entrar em consideração com a China, pois se ela fosse contabilizada,
a diferença seria muito maior. A vantagem Asiática é maior do que estes númeN
ros indicam, pois marinhas como a Coreia do Sul, o Japão ou a Formosa são
muito modernas, com unidades quase todas recentes e pensadas para uma real
contestação das águas azuis. A maior parte das marinhas da NATO europeia,
em contrapartida, são em 2015 antiquadas, com unidades obsoletas, que tem
somente uma capacidade de guardaNcostas. A Europa, por exemplo, não tem
nada equivalente aos KDXN3 da Coreia do Sul, ou aos Atago do Japão. Acresce
ainda que, enquanto em 1990, muitos dos navios das marinhas da Ásia do PacíN
fico eram de construção europeia ou mesmo europeus em segunda mão, em
2015 a maioria são de construção local. A moderna marinha da Coreia do Sul, é
toda fabricada nos seus estaleiros, o mesmo acontecendo com Singapura e,
numa escala menor, com a Formosa, Indonésia ou Tailândia. Indústrias navais
como a Chinesa ou a Sul Coreana são os grandes exportadores de navios
modernos para esta região, ocupando o tradicional lugar das indústrias euroN
peias. Se fossemos a comparar somente as unidades oceânicas modernas com
capacidades sofisticadas, a vantagem da Ásia do Pacífico seria de 2 para 1,
enquanto em 1990 a situação era exactamente o contrário.
Significa isto que devemos temer a chegada em breve das esquadras asiáticas
ao Atlântico Norte? Finalmente vaiNse concretizar o pesadelo do século XV, com
4 Incluímos nos “porta helicópteros” todo o tipo de navios de projecção de força capazes de levar mais de 10 helicópteros ou aviões VTOL e STOL.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
18
os juncos da China a chegarem à Europa antes das caravelas portuguesas chegaN
rem ao Índico? É claro que não! Pelo contrário, a forte corrida naval no Pacífico
está ligada sobretudo a tensões internas e decorre de forma tão discreta, que a
maioria dos chamados observadores nem “observou” que ela começou. O que
está a acontecer, igualmente neste campo, é que outros ganham as capacidades
que a Europa perde. A queda do poder naval europeu é evidente e muito rápida,
sobretudo no que diz respeito à capacidade de controlar os Oceanos e projectar
força. Durante séculos o poder naval foi o grande pilar da supremacia europeia, a
garantia da sua presença no Mundo. Hoje, todas as marinhas europeias estão em
queda, difícil de disfarçar. As unidades modernas contamNse pelos dedos de uma
mão nas principais marinhas, as capacidades tendem a desaparecer e as quantiN
dades caiem na vertical.
A Marinha Americana mantém no essencial a sua posição, continuando a
primeira em termos qualitativos e quantitativos por larga margem, mas a evoluN
ção de marinhas como a da Índia, China, Coreia do Sul ou Brasil, representa um
crescimento muito rápido em termos de peso relativo.
ConfirmaNse aqui o que dissemos atrás: assistiuNse nas últimas décadas a
uma gigantesca transferência do poder e das capacidades militares. Os EUA
conseguiram no essencial manter a sua posição no poder naval (embora com
uma queda relativa), mas a Europa e a Rússia desceram muito, perdendo em
termos quantitativos, mas, sobretudo, em termos qualitativos.
N*N
A indústria da defesa foi durante séculos um dos pilares da vantagem euroN
peia e uma das suas maiores exportações. Desde a Guerra Fria esta situação
mudou drasticamente. A Europa exporta muito pouco de novos produtos no
campo da defesa; quase todas as suas exportações nas últimas décadas foram
de stocks de material que estava nas unidades desactivadas, como os Leopard 2
e os Marder vendidos à América do Sul, ou as fragatas Britânicas e Holandesas
cedidas a poderes americanos e asiáticos, ou mesmo o portaNaviões francês
cedido ao Brasil. A exportação de novos produtos foi muito pequena e hoje em
dia a indústria de defesa europeia é uma sombra do seu passado recente.
O que é significativo para compreender os problemas da mentalidade euroN
peia atual (a base da sua decadência), é que ela se continua a preocupar sobreN
tudo, não em recuperar as capacidades perdidas ao nível mais elevado, mas em
cortar na defesa para manter o Estado Providência e em criar forças de projecN
ção rápida e capacidade de intervenção em operações de manutenção de paz,
como se esse fosse o futuro. Não é – já foi. A Europa, segundo tudo indica, vai
aprender a lição da pior maneira. Como normalmente acontece vai a reboque
UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA
19
dos acontecimentos, tendo perdido a capacidade de se antecipar a eles, que a
caracterizava no passado.
UUUUM M M M MMMMUNDO BIZARROUNDO BIZARROUNDO BIZARROUNDO BIZARRO
Vivemos num Mundo bizarro. Hoje em dia o problema principal na maior
parte dos conflitos, não é tanto a força teórica, mas sim a força efectiva, ou seja,
a possibilidade de aplicar efectivamente as capacidades existentes. Dou só um
exemplo. As forças ocidentais mantiveram durante muitos anos patrulhas
navais na zona do Corno de África para tentarem combater a pirataria. A sua
eficácia era limitada, pois as “regras de empenhamento” eram de tal modo
redutoras, que os navios Ocidentais pouco podiam fazer e, quando faziam
alguma coisa, isso traduziaNse normalmente em despesas astronómicas e infiniN
tos problemas jurídicos. Os armadores, percebendo esta realidade, preferiam
entrar num “acordo directo” com os “piratas” em vez de confiarem na protecN
ção dos navios de guerra Ocidentais, o que só mostra a sua inteligência. Em
contrapartida, nas poucas vezes em que navios chineses participaram nas
patrulhas antiNpirata, estes desapareciam de imediato e só voltavam à zona
quando os chineses tinham partido. É claro que isto não se devia a uma particuN
lar eficácia técnica dos navios chineses…
Dou outro exemplo da “bizarria” do nosso Mundo. Numa altura em que as
redes de satélites detectam facilmente qualquer embarcação no mar, a Europa é
“invadida” regularmente por milhões de emigrantes ilegais, sem os conseguir
deter, a pontos de a Hungria se ver obrigada a erguer um novo “muro de BerN
lim” na sua fronteira, para criar uma ténue barreira, o que levantou de imediato
uma onda de críticas contra ela. A resposta Húngara foi muito simples: então
que passem, o problema não é nosso… A própria França e a GB têm de entrar
em complexas negociações para tentar conter (o que é diferente de deter) a
emigração ilegal pelo túnel do Canal da Mancha, o que aparentemente devia ser
muito simples, pois se trata de um ponto único de passagem por terra numa
fronteira marítima. Pois os dois principais poderes europeus nem sequer conN
seguem deter a emigração ilegal num ponto concreto e claramente localizado,
onde existe somente um túnel. A isto chegamos!
Qualquer destas situações seria impensável há poucas décadas atrás e o facto
de elas não terem solução à vista, só mostra uma coisa: a Europa atou as suas
próprias mãos, tendo ainda muita força teórica, mas perdendo a vontade ou a capaN
cidade de a usar. O seu grande problema não é a falta de força, embora ela seja
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
20
cada vez menor; o seu grande problema é a alteração drástica dos valores, que a
imobiliza cada vez mais e a transforma num gigante cego, que esmurra o ar com
punhos que custam bilhões, num exercício que seria cómico, se não fosse triste.
Isto está directamente relacionado com um outro aspeto que marca profunN
damente a evolução da defesa no campo Ocidental. Assistimos a dois fenómeN
nos interligados que são visíveis em todo o espectro.
Em primeiro lugar há cada vez menos Forças Armadas, mas há cada vez
mais Forças de Segurança, muitas das mais recentes não pertencendo ao EstaN
do, pelo simples motivo que este perde a sua credibilidade. A credibilidade está
ligada, não à força de forma directa, mas a capacidade de a usar de modo a
obter resultados efectivos. VejaNse só o exemplo de Portugal, mas muitos outros
se podiam dar: em 1990 o Exército Português tinha 44 mil efectivos e a GNR 19
mil; em 2015, o Exército conta com 17,9 mil efectivos e a GNR com 22,6. É
meramente a constatação de um facto.
Em segundo lugar, é cada vez mais difícil ver onde acaba a “defesa” e comeN
ça a “segurança”. Antigamente isto era fácil: defesa lidava com riscos e ameaças
externas; a segurança com as internas. Caso se prefira, dito de outra maneira: a
defesa lidava com o inimigo e a segurança com o cidadão. Mas isto era antigaN
mente. Hoje, em quase todas as situações concretas não há “interno” e “exterN
no” e não se sabe onde está o inimigo. Há simplesmente uma grande confusão,
com fronteiras fluidas, associadas a regras de empenhamento e enquadramento
jurídico que paralisam qualquer força, seja militar ou não. Muitos autores refeN
rem que só faz sentido falarNse hoje em dia num “quadro de segurança”5 abranN
gente, onde interno e externo se misturam de forma inseparável. Por outras
palavras, Forças Armadas e Forças de Segurança são cada vez mais uma mesma
realidade, que devem ter uma capacidade de acção conjunta na maior parte das
circunstâncias e, em muitos casos, nem sequer se entende a sua separação. É este
o moderno conceito de um quadro de segurança, que já prevalece em Estados
como a França ou os EUA, mas não em Portugal. O que eram no passado dois
Mundos completamente distintos, passa a ser uma realidade unificada pela
mudança do Mundo. As forças podem continuar separadas; a sua acção só se
5 O que acontece com este conceito, como com quase todos os actuais, é que ele está sujeiNto a uma imensa deturpação ideológica. Quando se fala de um quadro de segurança hoje em dia, a maior parte das escolas europeias entende por isto um programa de sociedade, um modelo do Estado Social europeu que devia ser “exportado” para todo o mundo. O que eu entendo por isso, é muito diferente; é a ideia de que só a unidade operativa e conNceptual do que eram as antigas esferas independentes da defesa e da segurança permite obter um “quadro de segurança” num Mundo moderno. A frase é simples, as implicações são muito complexas e passam por uma profunda alteração do nosso universo jurídico.
UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA
21
entende centralizada e coordenada, o que implica uma política coerente e unida,
onde defesa e segurança tenham um mesmo chapéu em termos operacionais.
UUUUM SISTEMA DE VALORESM SISTEMA DE VALORESM SISTEMA DE VALORESM SISTEMA DE VALORES HERDADO DAS SOCIEDA HERDADO DAS SOCIEDA HERDADO DAS SOCIEDA HERDADO DAS SOCIEDADES INDUDES INDUDES INDUDES INDUSSSSTRIAISTRIAISTRIAISTRIAIS
Há um evidente atraso entre a realidade e o sistema de valores, o que é a
base de todos os problemas europeus. Isto leva a que se multipliquem os
“improvisos” no campo da segurança. Dou só dois exemplos: há cada vez mais
empresas de segurança privadas e algumas têm mesmo a responsabilidade de
defender instalações públicas, justamente porque o Estado tradicional tende a
perder a sua eficácia. Um outro exemplo, dos mais importantes, é a forma como
os EUA transformaram a CIA (uma organização civil, que não tem uma vocação
de força militar) num dos seus principais instrumentos de acção militar no exteN
rior, entregandoNlhe a maior frota de drones do Mundo, muitos com capacidade
de lançar munições inteligentes. Isto não acontece porque as Forças Armadas
americanas tenham perdido capacidades (os drones que a CIA usa são os mesN
mos da US Army e da USAF); acontece, porque as Forças Armadas não os
podem usar por razões legais, enquanto a CIA o consegue fazer.
O problema é sempre o mesmo: o sistema de valores, a teia onde o Ocidente
se deixou enredar. A grande dificuldade do Ocidente está em se adaptar à
mudança, em encontrar soluções novas para os problemas concretos que
enfrenta hoje; continua ligado aos fantasmas do passado, aos valores de uma
sociedade industrial que já não mora aqui. Essa sociedade industrial produziu
ao longo do tempo uma “deriva colectivista” no pensamento Ocidental, que
paralisa e impede a acção. A sociedade industrial morreu no Ocidente; a sua
mentalidade está viva e todos somos reféns dela. Estamos presos aos fantasmas
de uma esquerda e de uma direita do passado, que, sem conseguirem responN
der a qualquer problema presente, só se preocupam em manter o seu poder
relativo, o que passa por preservar os fantasmas e as instituições do passado. É
normal dizerNse que um dos grandes incentivos dos seres vivos é a sobrevivênN
cia, muito em particular quando estão ameaçados. Com as instituições acontece
o mesmo. Ao serem ameaçadas pela mudança do Mundo, as melhores instituiN
ções adaptamNse e mudam para cavalgar a nova onda; a maioria, pelo contrário,
cristaliza e só pensa na sua sobrevivência?
É sempre o argumento dos que vivem no passado. Salazar não dizia que o
Mundo estava confuso e havia de voltar aos valores do passado, pelo que o que
havia a fazer era perseverar neles e esperar que o bom senso voltasse? O Mundo
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
22
não voltou para trás! Mas hoje em dia o argumento dos imobilistas não é exacN
tamente o mesmo? Quem é o ultraNreaccionário hoje em dia?
Os centros de pensamento do Ocidente deixaram de inovar, passaram a ser
meros ecos dos burocratas, ou, no caso de Portugal, meros centros de tradução
dos manuais, que pouco têm a ver com a realidade. A sua única preocupação é
censurar a novidade, impedir a reflexão, manter tudo na mesma. O Mundo
mudou. O pensamento cristalizou.
Hoje em dia os clássicos do pensamento Ocidental, desde os autores da GréN
cia Clássica aos precursores da revolução americana e francesa, são mais
actuais que toda a massa de discursos das últimas eleições europeias. Eles perN
cebem melhor o que será a democracia do futuro, do que os defensores do pasN
sado recente. Os primeiros falam das originalidades das soluções democráticas,
da coragem de pensar que a sociedade se organiza à volta do indivíduo e não o
contrário, da certeza que o poder só pode estar em “we, the pleople”, da evidência
que um homem faz a diferença. Os últimos falam da crise da dívida soberana, do
desemprego, da necessidade de reforçar a solidariedade e a assistência social, da
necessidade de caridade, compreensão, consenso, imobilismo… Por incrível que
pareça, os primeiros, apesar da idade, são actuais e representam o que sempre foi
a diferença entre o Ocidente e tudo o resto – e já lá vão quatro mil anos. Os
segundos são fantasmas, presos a uma mentalidade colectivista que criou e agiN
ganta as crises. Os primeiros têm as soluções; os segundos são o problema.
N*N
Hoje em dia a União Europeia faz lembrar uma família aristocrática do sécuN
lo XIX, que continua culturalmente presa à mentalidade do passado. O Mundo
mudou, mas a mentalidade da família não. O resultado é que essa família contiN
nua a apostar nas soluções do passado, sem perceber que elas não têm futuro.
O chefe pega nos seus rendimentos, cada vez mais escassos, e investeNos na
manutenção do solar da família. O solar é para a família o símbolo da grandeza
passada, pelo que não poder ser abandonado. Abandonar o solar, seria “trair”
os antepassados, negar as tradições, virar as costas aos símbolos da grandeza
anterior... É certo que os rendimentos já não dão para manter o solar como um
todo e que este dá conforto, mas não dá rendimentos. Mas então, pensa os nossos
imobilistas, fechamNse as cavalariças, mas mantémNse o jardim; deixaNse cair o
telhado da ala sul, mas fazemNse obras na ala Norte. Todo o rendimento é enterN
rado em soluções sem futuro, na esperança vã que as coisas vão mudar e que as
décadas de ouro vão voltar. É tudo questão de aguentar mais um pouco…
As reformas oficiais da atual Europa são exactamente isto: injectar mais
dinheiro nas soluções que já não funcionam; o resultado é que os rendimentos
UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA
23
descem e o endividamento aumenta. Se a nossa família aristocrática continuar
neste caminho, só pode haver um resultado: atrasa a ruína do solar por mais
uns anos, mas ela é inevitável e, quando surgir, arrasta a família consigo. O
grande problema é que família aristocrática do século XIX, devido à sua mentaN
lidade, foi incapaz de compreender que o seu Mundo passou e que a única soluN
ção é investir o dinheiro que lhe resta nas soluções do futuro, em vez de o
perder a tentar prolongar um passado condenado.
É isto que faz com que a Europa perca o seu peso económico relativo e as suas
capacidades de defesa. Mas não é só na defesa: é em tudo que não seja o Estado
Providência. A Europa gasta cada vez menos com a cultura, com o ambiente, com
a modernização da economia, com a criação de uma justiça rápida e eficaz, com
segurança, etc…Gasta cada vez com o serviço da dívida. E acontece uma coisa
“curiosa”: quando mais “investe” mais dívida tem! Não interessa…enquanto houN
ver quem empreste, o que é preciso é continuar alegremente…
Este é o dilema europeu atual. As falsas reformas preocupamNse quase só
em prolongar um passado que não tem futuro. Ainda o conseguem fazer, porN
que há muita gordura; mas a gordura não é renovada. Não vamos por bom
caminho. Na realidade, o problema é que nem sequer sabemos por que camiN
nho vamos. Somos fantasmas, que incapazes de pensar, se limitam a ficar fasciN
nados, com compreensível nostalgia, pelas glórias do passado, esquecendo que
elas só foram possíveis com outros valores. Temos os “observadores”, os granN
des “líderes”, os “centros do pensamento”, todos virados para a manutenção do
passado; o facto de a realidade seguir noutro caminho é irrelevante…
Possivelmente os valores da nossa família aristocrática eram muito melhores
do que os da materialista burguesia em rápida ascensão no século XIX. Sou
incapaz de o dizer; talvez fossem... Mas, melhores ou piores, todos sabemos o
que aconteceu às famílias aristocráticas. É fácil perceber o que vai acontecer a
esta Europa, se não muda rapidamente de caminho. Não será com a acomodaN
ção, com a falta de debate, com a censura efectiva que mudará de caminho.
O Mundo mudou e a Europa está a perder o pé e o peso numa escala nunca
vista no passado? Que interessa isso se ainda podemos prolongar a nossa situaN
ção de privilégio por mais umas décadas, ou mesmo somente por mais uns
anos? É este, em termos muito simples, mas muito efectivos, o pensamento dos
pretensos reformistas actuais.
Há esperança? Há, sem dúvida. A onda da mudança está aí e, embora ainda
dispersa, confusa, radicalizada, cheia de erros de infância e de falta de perspecN
tiva estratégica, é forte e particularmente viva nos EUA. Os EUA foram desde a
sua independência o grande centro de renovação do pensamento democrático;
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
24
ainda cumprem esse papel, por mais que a Europa goste de pensar que são
simplistas e não politicamente correctos. Numa altura em que a política domiN
nante não é correcta, quem for politicamente correcto… tem má política. A
janela da oportunidade está aberta e a mudança virá, de uma forma ou de outra.
Para os que não entendem onde está a onda de mudança, permitam que
recorde alguns factos. Nas eleições europeias das últimas décadas a abstenção
aumenta astronomicamente, a pontos de ser a maioria absoluta em quase todas.
Um pouco por toda a parte se assiste ao mesmo fenómeno na parte da populaN
ção que ainda vota: os partidos do poder, que defendem a manutenção do sisN
tema vigente porque beneficiam com ele, perdem votos, enquanto os outros
ganham. A contestação é muito diversificada, confusa, incoerente, oportunista e
mesmo ridícula? É verdade. Mas cresce. Portugal é uma excepção: uma das
mais tradicionais das sociedades europeias, como sempre foi desde que a socieN
dade se deixou colonizar pelo Estado. Mas basta olhar para a Espanha, França,
Itália, Holanda, GrãNBretanha, Países Nórdicos ou mesmo Alemanha, para veriN
ficar que isto é verdade. Não é uma questão de Norte e Sul, de direita ou de
esquerda, que não passam de mitos; é uma questão de passado e futuro. Ainda
não há uma corrente central aglutinadora, um pensamento que unifique o desN
contentamento e que aponte para os caminhos da renovação de uma sociedade
com futuro. Ainda estamos nos primeiros passos, na titubeante e confusa fase
inicial, onde as pontas estão dispersas e “ninguém sabe que coisa quer”, nas
palavras do grande poeta. Os fantasmas ainda são demasiado fortes. Mas a
onda de fundo está aí e está a crescer, sobretudo entre a juventude.
OOOO MMMMUNDO DO CAOSUNDO DO CAOSUNDO DO CAOSUNDO DO CAOS
Uma das principais transformações do nosso Mundo é o avanço do caos.
Isto pode ser entendido em muitos sentidos, mas vamos aqui examinar somente
o mais imediato: o crescimento das zonas onde a ordem das soberanias tradicioN
nais se exerce com muita dificuldade; por outras palavras, o crescimentos das
zonas onde passam a existir “estados frágeis” (um conceito de Adriano Moreira)
ou mesmo “quase estados”, ou seja, entidades que, embora oficialmente estados,
são incapazes de exercer as principais funções associadas à soberania tradicional,
nomeadamente a de manter a segurança e sustentar a vida das pessoas6.
Em 1990 o “Mundo do caos” era reduzido. Faziam parte dele principalmente
algumas zonas limitadas de guerras civis prolongadas (Colômbia, Congo, Corno
6 Um excelente exemplo de um “quase estado” é a Palestina.
UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA
25
de África, entre outros). Hoje em dia, o “Mundo do caos” é muito extenso e,
sobretudo, diversificado. A sua manifestação principal começa na Ásia Central,
prolongandoNse por grande parte do Médio Oriente, atravessando quase toda a
África e acabando na zona do Congo. Mas esta é somente a sua manifestação
central. A verdade é que encontramos amplas “ilhas de caos” espalhadas um
pouco por todo o Mundo7.
A incapacidade de resolver os problemas do tráfico de drogas, das redes de
emigração ilegal, do crime organizado, da escravatura disfarçada e tantos
outros, tem a ver directamente com esta tendência para a extensão da “zona de
soberania limitada” do Mundo.
O que provoca este aumento da “zona de caos”? Muitas coisas, mas as prinN
cipais são três:
1. As zonas mais importantes do caos coincidem com as de maior desertificaN
ção, ou aumento da poluição, com a degradação ou destruição dos ecossisN
temas naturais. A degradação do ambiente, que se tem acentuado nas
últimas décadas, provoca a crise dos sistemas de sustentação da vida tradiN
cionais e esse é o principal caminho para a instalação das “zonas de caos”. A
famosa “pirataria” do Corno de África, por exemplo, tem por detrás a desN
truição dos ecossistemas piscatórios do litoral pelas frotas internacionais, o
que acabou com a forma de vida tradicional dos pescadores artesanais.
2. As zonas de caos coincidem com as que registam um maior crescimento
demográfico, o que está associado a condições degradadas, baixos renN
dimentos e níveis de educação baixos.
3. Um dos grandes motivadores do caos é a crise dos sistemas de valores
tradicionais, a sua crescente perda da capacidade de obter resultados em
tempo útil. As “zonas de caos” não são a ausência de poder; pelo contráN
rio, em muitas existe um poder praticamente absoluto e total, como aconN
tece com o Norte da Nigéria, com o EI ou com qualquer zona dominada
por um senhor da guerra ou um cartel de droga. As zonas de caos são
aquelas onde os valores tradicionais entraram em crise tão aguda, pela
incapacidade demonstrada de obter resultados, que as populações se
viraram para soluções alternativas, de modo a sobreviverem. É por isso
que elas têm de ser tratadas com especial cuidado. As populações que
7 Uma “ilha do caos” é uma zona onde as forças de segurança ou militares ligadas aos estaNdos soberanos não conseguem entrar, ou só entram com uma operação de grande envergaNdura que implica a mobilização de meios anormais, incapazes de serem mantidos numa base regular. Encontramos muitas “ilhas do caos” em países como a Ucrânia, Brasil, África do Sul, Nigéria, México e tantos outros. Qualquer estado europeu tem “ilhas de caos” mais ou menos evidentes no seu interior.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
26
nelas vivem não são o inimigo. São simplesmente um caso mais avançado
dos nossos próprios problemas. A crise do sistema de valores tradicional,
a sua dificuldade em responder aos problemas presentes, é a principal
razão da extensão das “zonas de caos”.
UUUUMA ANÁLISE SEMPRE INMA ANÁLISE SEMPRE INMA ANÁLISE SEMPRE INMA ANÁLISE SEMPRE INCOMPLETACOMPLETACOMPLETACOMPLETA
Neste percurso, incompleto e não politicamente correto, pretendeuNse sobreN
tudo levantar problemas. A preocupação não foi a de apontar as soluções mas a
de tentar entender os problemas reais, muito diferentes dos referidos pelos
centros do pensamento oficial. As soluções existem, mas a maior parte das pesN
soas ainda não está preparada para as ouvir.
No Ocidente a grande dificuldade, o problema central, está no atraso do
pensamento, na sua dificuldade em acompanhar a mudança do Mundo atual, na
forma como se deixou amarrar por uma perversão colectivista recente dos seus
valores milenários. A mudança está aí, mas dá só os primeiros passos, de forma
confusa e errática.
É isso que faz com as aparentes vitórias contra o que consideramos riscos,
se transformem a médio prazo em problemas muito maiores, como aconteceu
com os EUA no Iraque e na Síria ou com a Europa, na crise que provocou na
Líbia e na Ucrânia, para dar só alguns exemplos. E isso que faz com que nos
preocupemos com as ameaças longínquas, sem entender que a grande ameaça
é o imobilismo dentro de muros. Sem um pensamento adaptado à realidade a
acção corre o risco de ser um tiro no pé – como normalmente é.
Estamos presos a um academismo balofo e incapaz de inovar. Os centros de
produção do pensamento estão transformados em centros de repressão do
pensamento, que buscam a acomodação e têm horror da polémica, o sinal mais
seguro da decadência. Estamos embalados num conforto difícil de sustentar e
achamos que o nivelamento por baixo é a “justiça”, esquecendo os mecanismos
que, ao longo dos milénios, produziram a inovação e a mudança.
Estamos cegos por um colectivismo degenerado que nivela todos por baixo,
cheios de um discurso politicamente correcto, que deixou de suscitar paixão ou
seguir a razão, mas domina. A juventude é a grande vítima, incapaz de entender
os valores das gerações passadas, que já não resolvem nenhum dos seus proN
blemas, descrente dos líderes e da sua falta de ideias, farta da corrupção e da
decadência, procurando soluções individuais porque já não acredita na política.
UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. A DECADÊNCIA DA EUROPA
27
O sonho que fez a Europa já não mora aqui, pelo menos não mora no atual
sistema. Como aconteceu com Marcelo Caetano, que era uma mente brilhante,
estamos tão cegos que nem sequer entendemos os sinais da crise e não comN
preendemos que o maior de todos é a forma como o pensamento parou, como a
novidade é reprimida, como a propaganda passa por teoria.
É o fim? Longe disso. Permitam que peça uma frase emprestada a Churchill:
“ainda não é o fim; nem sequer é o começo do fim; mas é o fim do começo”. O
que aconteceu foi que o sentido da evolução mudou. A decadência europeia é
um facto, falta saber até onde vai chegar. TornaNse cada vez mais claro o que já
não funciona; ainda é difícil entender o que pode funcionar, mas a onda de funN
do da transformação ganha força.
O dilema europeu é o da família aristocrática do século XIX, que gastou a
sua última riqueza para manter os sinais da grandeza passada, na esperança
que o tempo voltasse para trás. Não voltou. Não voltará. É uma das poucas
certezas que podemos ter.
29
2.2.2.2. AAAAMEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E RRRRISCOS ISCOS ISCOS ISCOS TTTTRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAIS.... PPPPERSPECTIVAS INSTITUCERSPECTIVAS INSTITUCERSPECTIVAS INSTITUCERSPECTIVAS INSTITUCIONAISIONAISIONAISIONAIS
JOÃO VIEIRA BORGES
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar as perspetivas institucionais das
ameaças e riscos transnacionais, tendo por base uma análise comparativa das
estratégias nacionais dos cinco membros permanentes do conselho de segurança
da organização das nações unidas. Como resultado, identificámos ameaças em
comum, independentemente dos valores, dos interesses e dos objetivos políticos
dos diferentes atores políticos. Muito para além da análise do comum e do dife,
rente, do explícito e do implícito, do transparente e do secreto, identificámos uma
imagem do conjunto das ameaças transnacionais, numa perspetiva assumida,
mente institucional dos estados com peso reconhecido no sistema político inter,
nacional de 2015.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: Ameaça, Risco, Transnacional, Segurança e Defesa
IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo analisar a perspetiva institucional das
ameaças e riscos transnacionais, tendo por base uma análise comparativa das
estratégias nacionais dos cinco membros permanentes do Conselho de SeguN
rança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Nesse sentido, estudamos e analisámos as estratégias nacionais de seguranN
ça dos cinco países com maior peso institucional e real na ONU, as quais têm
inúmeros pontos em comum, no que concerne à identificação das ameaças em
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
30
geral e das transnacionais1 em particular, independentemente dos valores, dos
interesses e dos objetivos políticos dos referidos Estados.
O pressuposto subjacente à amostra tem relação direta com o facto de os
Estados continuarem a marcar e a determinar a agenda das relações internaN
cionais, independentemente da importância crescente de outros atores, desigN
nadamente das pessoas coletivas não estaduais e das organizações
internacionais (neste caso “determinadas” pelos próprios Estados). Por outro
lado, a “legitimidade” dos cinco membros do CS da ONU em termos de amosN
tra, para além dos aspetos político e económico, também é significativa no que
respeita ao poder militar (na figura 1 podemos constatar que em termos de
orçamento dedicado à defesa, os cinco membros estão entre os seis maiores –
só “interrompidos” pela Arábia Saudita).
Começaremos pela caracterização do atual sistema político internacional, e
das velhas e novas ameaças, para depois analisarmos, através do método comN
parativo, a perspetiva institucional das ameaças por parte dos EUA, da China,
da Rússia, do Reiuno Unido e da França. Terminaremos com umas consideraN
ções finais, que identificarão o que de comum existe ao nível da visão explícita
das ameaças transnacionais (tratadas separadamente por diferentes autores e
especialistas nesta obra), mas também o que os diferencia, assim como a relaN
ção entre o institucional e o real, relacionado com a praxis no novo Mundo.
1 Apesar da palavra “transnacional” não constar do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (2001), faz parte da edição de 2011 do Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora e com um significado mais ajustado às características das ameaças (como o terrorismo e o crime organizado): “que vai para além das fronteiras nacionais, englobando mais do que um país” (enquanto que a expresNsão “internacional” tem o significado de “que é comum ou se realiza entre duas ou mais nações”, mais adequado a “acordo internacional” ou a “organização internacional”). Optámos assim, pela utilização do termo «transnacional», em detrimento de outros como «global», «internacional», «multinacional», etc.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS
31
Figura 2.1. Os 15 maiores países do Mundo em termos de orçamento de defesaFigura 2.1. Os 15 maiores países do Mundo em termos de orçamento de defesaFigura 2.1. Os 15 maiores países do Mundo em termos de orçamento de defesaFigura 2.1. Os 15 maiores países do Mundo em termos de orçamento de defesa (em biliões de dólares) relativo a 2014(em biliões de dólares) relativo a 2014(em biliões de dólares) relativo a 2014(em biliões de dólares) relativo a 2014
Fonte: The Military Balance 2015, p. 21.
NNNNOVAS OVAS OVAS OVAS AAAAMEAÇAS NO NOVO MEAÇAS NO NOVO MEAÇAS NO NOVO MEAÇAS NO NOVO MMMMUNDOUNDOUNDOUNDO????
As ameaças constituem, indiscutivelmente, umas das variáveis mais imporN
tantes do planeamento estratégico ao nível estadual e das organizações internaN
cionais2. No entanto, os estrategistas e os estrategos têm consciência que fazer
face a todas as ameaças é hoje uma impossibilidade real, mesmo para os estaN
dos mais poderosos ou com maior potencial estratégico. Esta impossibilidade
2 No caso da NATO, a recente metodologia de suporte à elaboração do novo Conceito Estratégico (aprovado em Novembro de 2010, em Lisboa), utilizou os aceleradores da mudança (drivers of change N diferente de ameaças). Assim, os aceleradores da mudança constituem meros fenómenos causadores de determinados cenários, que podem dar ênfaNse (ou não…) a determinadas ameaças e por consequência a determinados riscos. UtilizaNdos recentemente pela NATO/ACT no âmbito do Multiple Futures Project, os aceleradores da mudança (casos dos recursos limitados, da evolução demográfica, das mudanças climáNticas, do uso das novas tecnologias, etc.) constituíram as variáveis base para o levantaNmento de quatro futuros (escolhidos entre os mais prováveis de múltiplos futuros). De acordo com a metodologia do Allied Command Transformation (ACT), em que tivemos o prazer de trabalhar, em Roma, no âmbito do Conceito Estratégico da NATO, só depois foram levantadas as ameaças e em função destas, para cada futuro, foram então identifiNcadas as implicações em termos de defesa e militares.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
32
pode, no entanto, ser atenuada por um planeamento estratégico rigoroso, por
um serviço de informações eficiente e pelo aumento dos graus de prontidão dos
instrumentos mais preparados e adequados para fazerem face aos diferentes
cenários. Independentemente do reforço de todas as capacidades e instrumenN
tos e do estudo prévio de todas as situações, há que assumir riscos, em muito
dependentes das prioridades assumidas pelos decisores políticos e sugeridas
pelos estrategistas.
Tradicionalmente, a ameaça ao nível estadual constitui um ato ou aconteciN
mento de cariz ofensivo (traduzida de modo simplificado pelo produto de uma
capacidade por uma intenção), que afete significativamente os objetivos polítiN
cos de um Estado, de modo a colocar em causa a sua sobrevivência como uniN
dade política ou, de algum modo, a própria segurança internacional. Nesta linha
de pensamento, qualquer decisão de potenciais “adversários” (a “dialética de
vontades” do General Beaufre), que coloque em causa as potencialidades e vulN
nerabilidades do Estado, constitui também uma ameaça.
Se durante a Guerra Fria se conheciam claramente as ameaças de ambos os
lados do “muro”, nos anos noventa do século passado, os novos desafios em
termos de segurança passaram a ser menos claros, nomeadamente no que resN
peita aos estados falhados, às guerras civis e muito especialmente ao terrorismo
transnacional. Durante essa década, que vivemos intensamente, a maioria dos
estados, e em especial os europeus, reduziram substancialmente os seus invesN
timentos na área da segurança e em especial na da defesa. Com o 11 de SetemN
bro de 2001, os investimentos dos estados e das organizações internacionais
passaram então a ser dirigidos para a segurança ou para a participação das
forças armadas em operações externas, numa “guerra” que visava destruir os
terroristas, mas também os seus apoiantes.
De acordo com o proposto por Kofi A. Annan, num painel de referência das
Nações Unidas sobre as ameaças, desafios e mudanças, a ameaça, numa persN
petiva transnacional, deve ser entendida como “qualquer acontecimento ou
processo que leva à perda de vida ou a reduções de expectativas de vidas
humanas em larga escala e que ponha em causa a unidade do sistema internaN
cional, ameaçando a segurança internacional” 3.
3 UNITED NATIONS N A more secure world: Our shared responsibility: Report of the High,level Panel on Threats, Challenges and Change, New York, 2004. [Consultado em: 5 novembro 2015]. Disponível em http://www.un.org/en/peacebuilding/pdf/historical/hlp_more_secure_world.pdf p. 2. Este documento aborda, com especial acuidade, as seguintes ameaças transnacionais: Pobreza, doenças infeciosas e degradação ambiental; conflitos entre e no seio dos Estados; armas NBQR; terrorismo; crime organizado transnacional.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS
33
Independentemente das designações associadas, desde inimigo a adversáN
rio, passando por perigo, constatamos que as ameaças de ontem e de hoje são
claramente diferentes: são hoje instrumento de mais atores, mais globais, mais
desmilitarizadas, menos territoriais, mais perigosas e inclusivamente mais difíN
ceis de identificar e caracterizar.
Vejamos então, muito resumidamente, uma visão do atual sistema político
internacional, no que entendemos por novo Mundo.
O novo Mundo deste primeiro quartel do século XXI, caracterizado pela
imprevisibilidade e pela volatilidade, continua a ter nos EUA “a potência gloN
bal”, sem a qual não se podem resolver os grandes problemas do sistema polítiN
co internacional, mas com a qual também não se resolvem muitos dos grandes
conflitos. Em termos geoestratégicos, outros dois atores importantes, casos da
Rússia e da China, constituem os principais oponentes à hegemonia norte ameN
ricana, numa altura em que a Europa e países como o Reino Unido, a França ou
a Alemanha estão envoltos, com algum carater de perenidade, numa crise
financeira, que também é de valores.
Mas será que a “trilogia” EUANRússiaNChina domina o novo Mundo em
mudança?
Certamente que não, e a demonstração mais clara desse facto passa por
outros atores não estatais, que colocam regularmente em causa a segurança e
estabilidade do sistema político internacional. As pessoas coletivas não estaN
duais, desde a alNQaeda ao ISIS, levamNnos a recordar os bárbaros que invadiN
ram as civilizações que, noutros tempos, cultivavam os valores da liberdade e da
democracia. Hoje, para além destes valores, a maior parte dos estados, e em
particular dos estados ocidentais, cultivam ainda os valores do estado de direito
democrático e dos direitos do homem, algo que as referidas organizações “bárN
baras” abominam em nome da religião, lutando sem tréguas, sem regras e utiliN
zando todo o tipo de instrumentos contra os “ocidentais” e os seus apoiantes.
Na vida real, o cidadão sente a globalização em todas as suas dimensões, no
que de melhor e de pior pode trazer às pessoas e ao Mundo, em especial no que
respeita à difusão e domínio do que denominamos de ameaças transnacionais,
como o terrorismo, as armas de destruição massiva, o crime organizado transaN
cional, a pirataria e a cibercriminalidade.
Sentimos ainda, a deslocalização do centro de gravidade do poder mundial
do Atlântico para o Pacífico, mas também o Clash demográfico entre o Norte
“Rico mas Velho” e o Sul “Pobre mas Jovem”, num Mundo que em geral é hoje
mais urbano, mais envelhecido, menos seguro, com menos valores e com maioN
res desigualdades sociais.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
34
Perante esta caracterização sintética do sistema político internacional, é fácil
constatar que é tempo de voltarmos às ideias políticas, de voltarmos aos valoN
res, mas também de os defendermos, mesmo que com o sacrifício individual e
coletivo, em prol de um futuro melhor. No entanto, é reduzido o número de
Estados que têm esta capacidade e vontade política para o fazer, com exceção
dos EUA. A Europa (de que o Reino Unido e França são parte nuclear, indeN
pendentemente do protagonismo crescente da Alemanha), adormecida nos
direitos adquiridos do seu “estado social” e na presunção da boaNfé das relações
internacionais, vaiNse perdendo na resolução da crise económica e financeira,
reduzindo as suas forças armadas a mínimos irrecuperáveis, distraindoNse na
conjuntura em detrimento da estrutura, e sem resolver as questões que efetivaN
mente constroem e destroem civilizações. Por outro lado, a Rússia e a China, em
claro crescendo de potencial estratégico (pelo menos ao nível do poder militar e
do poder económico), vão assumindoNse como potências globais com capacidaN
de de intervenção regional e em parte global.
Em face da evolução do ambiente geoestratégico atrás referido e em especial
depois dos ataques de 11 de Setembro de 2001 (que marcam a globalização das
ameaças…), as ameaças transnacionais, e em particular o terrorismo, têm marcaN
do a agenda do sistema político internacional. Também por isso, a caracterização
das ameaças (inclusivamente; a capacidade de destruição do ator/instrumento; o
impacto da ação – político, estratégico, tático; e a dimensão espacial – globais,
regionais, locais), e em especial o seu combate (que tem de ser devidamente
“concertado”), passou a ter um significado ainda maior, ligado claramente à
sobrevivência das unidades políticas defensoras dos valores conquistados e
consolidados ao longo de séculos.
Nos dia de hoje as ameaças transnacionais podem ter a mesma designação
do século passado, mas a sua perceção pelo cidadão e sobretudo a sua capaciN
dade de destruição é bem superior, podendo utilizar o novo teatro de operações
do ciberespaço, podendo usar novas tecnologias, podendo utilizar as mentes a
seu favor com novos instrumentos de comunicação e imagem. Com a globalizaN
ção, os mais de 7 mil milhões de cidadãos do Mundo, passaram a ser “dominaN
dos” pelo terror, pela imprevisibilidade, pela incerteza e passaram também, a
“sentir” as ameaças como globais, sem fronteiras, com máscara e crescenteN
mente perigosas.
No entanto, para além das ameaças de cariz global, que vêm dominando as
prioridades da Segurança e Defesa (S&D), como o terrorismo, o crime organiN
zado transnacional, a proliferação de armas de destruição massiva e os atentaN
dos ao ecossistema, outras ameaças e riscos passaram a ter especial acuidade
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS
35
em função das suas ligações às crises sociais e políticas e da sua “inflação” pela
globalização, enquanto acelerador da mudança.
Existem ameaças que terão certamente mais ou menos acuidade em deterN
minadas conjunturas. Foi o caso do terrorismo transnacional logo após o 11 de
Setembro, que apesar de constituir uma ameaça à própria comunidade internaN
cional desde há muito (e em particular para países como a Espanha e o Reino
Unido), só depois de 2001 assumiu proporções que ultrapassaram as fronteiras
dos estados, até então mais preocupados com as discussões relativas às definiN
ções, mais ou menos enquadráveis nos seus interesses próprios (as tradicionais
questões de terrorismo de estado versus terrorismo de insurgentes).
Um estudo muito recente e importante sobre as Ameaças Globais (Global
Threats) foi publicado pelo Pew Research Centre4 tendo por base um inquérito
conduzido a 45.435 pessoas de 40 países, realizado entre 25 e 27 de Maio de
2015. A principal conclusão é que as alterações climáticas são entendidas pelos
cidadãos em geral como a maior ameaça global (resposta por cerca de 50% dos
inquiridos como a maior ameaça)5. Por outro lado, os cidadãos dos países mais
ricos assumemNse mais preocupados com o terrorismo (ISIS). Ao fazermos uma
leitura comparativa, concluímos que as perceções dos cidadãos relativamente às
ameaças globais (muito influenciadas pela conjuntura e pelos média)6 nem semN
pre coincidem com as visões institucionais dos respetivos países.
As ameaças podem ser as mesmas, mas em conjunturas diferentes têm acuiN
dade e perceções diferentes. Assim, podemos assumir que existem novas ameaN
ças num novo Mundo, e daí a necessidade de as caracterizarmos ao longo deste
livro com os “óculos” dos novos tempos! É o que farão os diferentes autores,
conhecedores e estudiosos profundos das diferentes ameaças em estudo.
Numa abordagem muito genérica, podemos sintetizar que os estados e as
organizações internacionais fazem as suas leituras em função dos seus valores,
interesses e objetivos políticos, no entanto, as novas ameaças e riscos transnaN
cionais que identificam explicitamente nas suas estratégias nacionais, são em
tudo semelhantes, pois refletem uma consciência coletiva que ultrapassa mares
e civilizações. Mas vejamos mais em pormenor algumas das razões associadas a
esta visão, mais ou menos comum, das ameaças e riscos transnacionais.
4 PEW RESEARCH CENTRE – Global Threats. [Consultado em: 8 novembro 2015]. DispoNnível em http://www.pewglobal.org/2015/07/14/climateNchangeNseenNasNtopNglobalNthreat/ 5 O que reforça a importância da 21ª conferência do clima, que se realiza em dezembro de 2015, em Paris. 6 Existem ainda diversas organizações empenhadas especificamente neste tipo de ameaças como a Skoll Global Threats Fund (http://www.skollglobalthreats.org/aboutNus/missionNandNapproach/ ), que trabalha com mais acuidade as alterações climáticas, a segurança da água (ou falta dela), as pandemias, a proliferação nuclear e o conflito no médio oriente.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
36
AAAAS AMEAÇAS E RISCOS TS AMEAÇAS E RISCOS TS AMEAÇAS E RISCOS TS AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAIS:::: VISÕES DO VISÕES DO VISÕES DO VISÕES DO CCCCONSELHO DE ONSELHO DE ONSELHO DE ONSELHO DE SSSSEGURANÇA DAS EGURANÇA DAS EGURANÇA DAS EGURANÇA DAS NNNNAÇÕES AÇÕES AÇÕES AÇÕES UUUUNIDAS NIDAS NIDAS NIDAS
Na impossibilidade de analisar a posição relativa às ameaças e riscos transN
nacionais por parte dos cento e noventa e três estados que têm assento na
assembleia geral das nações unidas, assim como por parte das inúmeras orgaN
nizações internacionais, optámos por escolher os cinco membros do Conselho
de Segurança (EUA, China, Rússia, Reino Unido e França) da ONU. Constitui
uma amostra simples e reduzida em número, mas representativa em termos de
peso político, de peso militar (ver figura 1), de potencial estratégico, de dimenN
são económica e populacional.
Para além dos cinco países acima referidos, e nos estudos preliminares,
estudámos ainda, os diferentes países da União Europeia e da NATO, com
especial relevo para a Alemanha7 e Portugal8, mas também outros países com
aspirações legítimas (por razões diferentes) a fazerem parte do mesmo conselho
de segurança, nomeadamente a Africa do Sul9, o Brasil10, o Canadá11 e o Japão12.
Todos os estados analisados cultivam os valores da democracia, da liberdade,
do estado de direito e dos direitos humanos, e publicaram documentos estratéN
gicos (nem sempre estratégias nacionais) que explicitam, de modo particularN
mente claro, as ameaças aos seus valores, interesses e objetivos políticos. Uma
leitura muito genérica, dáNnos a perceção de que está sempre presente a realiN
dade regional de cada potência em causa, o que coloca, salvo melhor opinião, as
ameaças em três níveis: o global ou transnacional, em tudo semelhante; o regioN
nal, claramente diferenciado; e o local ou estadual, específico de cada país e por
vezes exposto de maneira particularmente transparente, como no caso do Japão
relativamente à Coreia do Norte ou à China.
Mas vejamos mais em pormenor a perspetiva das ameaças transnacionais
para os cinco membros do CS da ONU.
7 Germany Defence Policy Guidelines; Safeguarding National Interests – Assuming Interna,tional Responsibility – Shaping Security Together, 27 May 2011. 8 Conceito Estratégico de Defesa Nacional, (Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2013, de 5 de abril), 2013. 9 South African Defence Review, 2014. 10 Estratégia Nacional de Defesa: Paz e segurança para o Brasil, Ministério da Defesa, 2ª edição, 2008. 11 Canadá First Defence Strategy, National Défense, 2008. 12 National Security Strategy, Japan, December 17, 2013.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS
37
OOOOS S S S EUAEUAEUAEUA
Entre os cinco países do CS da ONU começamos pelos EUA, “a potência
global com capacidade de intervenção global”, e por uma análise comparativa
(ver figura 2) das ameaças explícitas nas National Security Strategy (NSS) de
2000 a 2015. Com pequenas exceções, de âmbito mais federal (“meios que desN
truam as nossas infraNestruturas críticas; Ameaças ou ataques contra cidadãos
americanos no estrangeiro ou contra aliados”…) ou regional (“potenciais agresN
sores regionais; conflitos regionais”…), a grande maioria das ameaças constanN
tes nas diferentes estratégias de segurança nacional dos EUA são de cariz
transnacional. Entre estas, destacaNse claramente o terrorismo, que já em 2000
era considerado como a “nova ameaça”, curiosamente então a par da segurança
cibernética. A partir de 2001, o terrorismo transnacional passou a dominar a
agenda dos EUA (e mundial) enquanto ameaça transnacional, fenómeno mais
tarde “corrigido” pela administração Obama como um instrumento ou tática
utilizada por diferentes atores internacionais para atingirem os seus objetivos
políticos, casos da AlNQaeda e do ISIS (Islamic State of Iraq and Syria; mais
diluído ao longo da NSS de 2015). “Para Obama, os EUA não estão em guerra
contra uma tática – o terrorismo, nem contra uma religião – o Islão. Os EUA
estão em guerra contra uma rede específica, a AlNQaeda e contra os terroristas
seus afiliados.”13
Constatamos assim, que apesar de se manterem sensivelmente as mesmas
ameaças transnacionais ao longo de cerca de 15 anos, independentemente das
administrações republicanas e democratas, das conjunturas e do carisma dos
diferentes presidentes, houve uma evolução considerável do significado atribuíN
do às diferentes ameaças transnacionais, com a consequente diferença ao nível
das estratégias de ação a desenvolver por todos os atores da segurança e defesa
envolvidos (os quais evoluíram ao longo dos anos, casos da criação do Depart,
ment of Homeland Security e do US Northern Command). Nos dias de hoje, os
EUA combatem as ameaças transnacionais com o empenho concertado de
todas as forças e serviços de segurança, e criam, regularmente, novas estrutuN
ras e mecanismos de funcionamento, no sentido de colmatar as principais lacuN
nas identificadas pelas “lições aprendidas”.
Declaradas, de modo mais ou menos explícito, na NSS 2015, as ameaças
transnacionais para os EUA passaram a incluir “a crise económica global” (em
13 BORGES, João Vieira. O Terrorismo Transnacional e o planeamento estratégico de segu,rança nacional dos Estados Unidos da América, Fronteira do Caos, Porto, 2013, p. 303.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
38
linha com as “ameaças ao sistema financeiro global” da NSS de 2010) e as
“grandes perturbações do mercado da energia”. Estas duas ameaças transnaN
cionais, que podem colocar diretamente em causa o interesse nacional dos EUA
(que cultiva o liberalismo democrático republicano enquanto american way of life)
associado ao bemNestar económico (e indiretamente à liberdade, à democracia, à
segurança e à estabilidade da ordem mundial), têm associadas estratégias de ação
assumidamente holísticas e de que já se sentem alguns resultados na praxis polítiN
ca. As restantes ameaças transnacionais, mais ou menos explicitas na NSS 2015,
continuam a incluir “os ataques catastróficos ao território e infraestruturas critiN
cas dos EUA” (em especial por parte de organizações terroristas), a “proliferação
e/ou uso de armas de destruição massiva”, os “surtos de doenças infeciosas gloN
bais graves”, as “mudanças climáticas” e as consequências significativas de seguN
rança associadas aos “Estados fracos e falhados” (incluindo atrocidades em
massa, conflitos regionais e crime organizado transnacional).
A postura estratégica dos EUA (american way of strategy), quer em termos
de pragmatismo, quer de objetividade dos conceitos de ação, manifestaNse na
maior clareza da abordagem das ameaças. Esta clareza tem ainda uma relação
direta com o facto da estratégia nacional ser construída com base numa matriz
de dominação assente nos eixos militar, económico e cultural e no pressuposto
de que têm de continuar a liderar e a moldar o sistema político internacional.
TabelaTabelaTabelaTabela 2.1. Ameaças explícitas nas Estratégias de Segurança Nacional dos EUA2.1. Ameaças explícitas nas Estratégias de Segurança Nacional dos EUA2.1. Ameaças explícitas nas Estratégias de Segurança Nacional dos EUA2.1. Ameaças explícitas nas Estratégias de Segurança Nacional dos EUA
NSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/Ameaças AmeaçasAmeaçasAmeaçasAmeaças
NSS 2000NSS 2000NSS 2000NSS 2000
1.Potenciais agressores regionais;
2.“Novas” ameaças como:
N proliferação de armas nucleares, químicas e biológicas;
N proliferação de armas ligeiras;
N ameaças à nossa informação e segurança cibernética;
N tráfico de pessoas e contrabando de emigrantes ilegais;
N meios que destruam as nossas infraNestruturas críticas;
N terrorismo;
N crime internacional.
3.As ameaças à “América na Era Global” passam também pelo aqueciN
mento global, que através do protocolo de Quioto pode proteger a
América de um futuro com a subida do nível das águas do mar e de
rutura económica.
NSS NSS NSS NSS 2002200220022002 N terrorismo;
N Rogue States (Estados Pária – Iraque, Irão e Coreia do Norte);
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS
39
NSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/Ameaças AmeaçasAmeaçasAmeaçasAmeaças
N armas de destruição maciça (ADM);
N ameaças à saúde pública (pandemias) e ao ambiente;
N guerras civis em África que ultrapassam as fronteiras;
N Estados fracos, vulneráveis a ameaças transnacionais.
NSS 2006NSS 2006NSS 2006NSS 2006
1.Ameaças:
N terrorismo;
N tirania (combinação de brutalidade, pobreza, instabilidade, corN
rupção e sofrimento sob regimes despóticos), que inclui países
como a Coreia do Norte, o Irão, a Síria, Cuba, Bielorrússia,
Myanmar e o Zimbabwe;
N conflitos regionais;
N proliferação de ADM (assumida como a maior ameaça se associaN
da ao terrorismo);
N Estados fracos e zonas sem governo;
N novas capacidades tecnológicas (como a biotecnologia, a utilizaN
ção do ciberespaço e do espaço, e o controlo da energia).
2.Considera ainda como novos desafios (diferente de ameaça – classificaN
dos em tradicionais, irregulares, catastróficos e disruptivos) “multiplicáN
veis” pela globalização: as pandemias; o crime organizado, onde inclui a
pirataria e o tráfico de droga; e a destruição do ambiente.
NSS 2010NSS 2010NSS 2010NSS 2010
N AlNQaeda;
N extremistas violentos (em especial os que usam o terrorismo como
arma);
N mudança climática;
N conflitos armados;
N pandemias;
N proliferação de ADM (e em particular a sua posse por extremistas
violentos);
N redes criminais globais (em especial tráfico de drogas e fluxo ilegal
de pessoas e bens);
N ameaças assimétricas como as que visam atingir a nossa depenN
dência do espaço e do ciberespaço;
N ameaças ao sistema financeiro global…
NSS 2015NSS 2015NSS 2015NSS 2015
N Ataques catastróficos ao território e infraestruturas criticas dos
EUA;
N Ameaças ou ataques contra cidadãos americanos no estrangeiro
ou contra aliados;
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
40
NSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/AmeaçasNSS/Ameaças AmeaçasAmeaçasAmeaçasAmeaças
N Crise económica global ou desaceleração económica generalizada;
N Proliferação e/ou uso de armas de destruição massiva;
N Surtos de doenças infeciosas globais graves;
N Mudanças climáticas;
N Grandes perturbações do mercado da energia;
N Consequências significativas de segurança associadas aos Estados
fracos e falhados (incluindo atrocidades em massa, conflitos
regionais e crime organizado transnacional).
Fonte: National Security Strategy – NSS de 2000, 2002, 2006, 2010 e 2015.14
AAAA CCCCHINAHINAHINAHINA
A China não tem publicado, oficialmente, um novo conceito estratégico
nacional ou uma estratégia nacional de segurança. O documento oficial mais
próximo da visão ocidental da “grande estratégia” é datado de 1997, e continua
a ser referido frequentemente nos documentos oficiais.
De acordo com Alexandre Carriço15, o governo chinês foi publicando, ao
longo dos últimos anos, um conjunto de documentos e de declarações oficiais
sobre a visão de segurança e defesa da China, que no seu conjunto nos permiN
tem elencar a sua posição relativamente às ameaças para a China e o seu povo.
Uma leitura da primeira Chinese Military Strategy, de 26 de Maio de 201516,
enquadrada numa postura de “defesa ativa” do novo Ministro da Defesa da
China, levaNnos à seguinte listagem das ameaças:
N hegemonias (poder político e neoNintervenção);
N competição internacional pela distribuição dos recursos e energia;
N terrorismo transnacional e regional;
N disputas territoriais, de fronteiras, étnicas e religiosas;
N conflitos, crises e guerras regionais;
N pirataria;
N desastres naturais;
14 NATIONAL SECURITY STRATEGY OF THE UNITED STATES (December 2000) (September 17, 2002) (March 16, 2006) (May 27, 2010) (February 2015). White House. Washington DC. 15 Carriço, Alexandre. «Cinco Debates, Uma Grande Estratégia». Nação e Defesa, IDN, n.º 134, pp. 133N184. [Consultado em: 5 de novembro de 2015]. Disponível em http://www.idn.gov.pt/publicacoes/nacaodefesa/textointegral/NeD134.pdf . 16 China’s Military Strategy, The State Council Information Office of the People’s Republic of China, May 2015, Beijing. [Consultado em: 5 de novembro de 2015]. Disponível em https://cryptome.org/2015/05/prcNmilitaryNstrategyNcctvNamericaN15N0526.pdf.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS
41
N linhas de comunicação;
N espaço e ciberespaço (ciberameaças).
O resumo das ameaças a que atrás fizemos referência constitui uma leitura,
necessariamente “ocidental” e redutora, da abordagem chinesa das ameaças
transnacionais, que tem um cariz menos determinista, mas mais global, intemN
poral, harmoniosa e holística. A observação do General Xiong Guangkai, DireN
tor do Instituto Chinês para os Estudos Estratégicos Internacionais, constitui
um exemplo dessa postura oriental: “Os Estados Unidos não ameaçam por enN
quanto os interesses vitais da China, pelo que podemos viver com uma potência
hegemónica, mas a China terá mais dificuldades em cooperar no futuro devido
a comportamentos hegemónicos excessivos norteNamericanos, particularmente
no espaço asiático.”17. Neste sentido, estão também implícitas, ao longo do texto,
as ameaças de cariz regional, como são os casos dos diferentes conflitos na
ÁsiaNPacifico, com destaque para a questão de Taiwan.
Como refere Alexandre Carriço “…o pensamento estratégico oriental é mais
orgânico, flexível, menos mecanicista e determinista que o ocidental, pois recoN
nhece que existe um conjunto alargado de fatores e de forças que estarão semN
pre fora do controlo do mais arguto e resoluto estrategista.”18.
Com a globalização e o crescendo dos interesses nacionais da China
enquanto potência global (com inúmeros problemas regionais), o “Império do
Meio” passou a estar (facto assumido) mais vulnerável às ameaças transnacioN
nais.
A China ficará assim, cada vez mais perto do centro do novo Mundo e isso
terá repercussões inevitáveis para as lideranças da China e para uma eventual
Estratégia de Segurança. É já o caso da criação, em 2013, de uma Comissão de
Segurança Nacional, que provavelmente divulgará, em breve, documentos que
se assemelhem a uma Estratégia de Segurança Nacional da China.
AAAA RRRRÚSSIA ÚSSIA ÚSSIA ÚSSIA
A estratégia de segurança nacional da Rússia para 2020 foi publicada, a 12
de maio de 2009, por decreto do presidente Putin19.
17 Carriço, Alexandre. «Cinco Debates, Uma Grande Estratégia». p. 160. 18 Ibidem, p. 136. 19 Russia`s National Security Strategy to 2020, President of the Russian Federation, 12 May 2009. [Consultado em: 5 de novembro de 2015]. Disponível em http://www.geopoliticsnorth. org/index.php?option=com_content&view=article&id=152:russianNnationalNsecurityNstrategy NtoN2020&catid=35&Itemid=103.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
42
Independentemente da evolução da situação politica desde então, nomeaN
damente no que concerne aos conflitos na Ucrânia e na Síria, o documento
assume o sistema multipolar e os interesses políticos da Rússia no ambiente de
crise social e económica. No referido documento é de destacar o discurso imiN
nentemente patriótico, assim como o assumir de uma postura de liderança
mundial, a par dos EUA, designadamente no que concerne ao progresso tecnoN
lógico, à qualidade de vida, e à influência nos assuntos globais. Em face desta
postura, enquanto potência global com aspirações a ter capacidade de intervenN
ção global, o documento assume que as consequências em termos de exposição
às ameaças globais serão maiores, o que implicará, necessariamente (e tem
implicado!), um maior investimento na segurança e defesa.
O documento assume inclusivamente as “ameaças à segurança nacional”
como a possibilidade direta ou indireta de danos aos direitos constitucionais e
às liberdades, à qualidade de vida, à integridade da soberania e ou territorial, ao
desenvolvimento estável, e à defesa e segurança da Federação Russa.
São então assumidas, de modo explícito, as seguintes ameaças à segurança
nacional da Federação Russa:
– investigação ou outras atividades desenvolvidas por serviços especiais ou
organizações de países estrangeiros, e do mesmo modo por pessoas sinN
gulares, que causem danos diretos à segurança da Federação Russa;
– atividade de organizações terroristas, em grupo ou individualmente, com
implicações diretas em alterações violentas do sistema constitucional da
Federação Russa, a disrupção do normal funcionamento dos corpos de
estado (incluindo ações violentas contra atores governamentais, políticos
ou sociais), a destruição de instalações militares e industriais, de empreN
sas e instituições vitais ao apoio social e a intimidação da população,
incluindo por meios nucleares, químicos, biológicos e radiológicos;
– o extremismo das atividades nacionalistas, religiosas e étnicas, ou desenN
volvidas por outras organizações e estruturas, no sentido de destruírem a
unidade e a integridade territorial da Rússia, desestabilizando a situação
interna em termos políticos e sociais;
– a atividade de organizações transnacionais associadas ao crime, ligadas ao
tráfico ilegal, ao narcotráfico e a substancias psicotrópicas, a armas,
munições e explosivos;
– o crescimento persistente de atos criminosos, direcionados ao individuo, à
propriedade, ao poder do estado, à segurança pública e económica, e
atos ligados à corrupção.
Por outro lado, ao longo do texto são consideradas como ameaças:
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS
43
– a hegemonia da utilização a força (implicitamente refere os EUA e a
NATO);
– conflitos entre os principais atores do sistema politico internacional;
– a proliferação das armas de destruição massiva e o seu uso por terroristas;
– as atividades ilícitas nos domínios cibernético e biológico;
– extremismo violento com base em sentimentos nacionalistas, xenofobia,
separatismo e radicalismo religioso;
– situação demográfica associada a emigração ilegal, tráfico de droga e de
humanos e a outras formas de crime organizado transnacional;
– questões ambientais designadamente epidemias;
– questões relacionadas com a falta de água;
– instabilidade no Iraque e no Afeganistão, no Médio e no Próximo Oriente,
em países do Sul da Ásia e em África, e na península Coreana;
– questões relacionadas com a falta de recursos energéticos (a longo prazo).
Esta abordagem da Federação Russa tem subjacente não só a conjuntura,
mas uma maneira de pensar e fazer estratégia, assente numa postura ofensiva e
de reafirmação internacional. Efetivamente, as ameaças transnacionais são
diluídas ou associadas às questões internas, regionais e globais, de modo a que
possam ser sempre analisadas, atacadas e julgadas de diferentes modos. Deste
modo, tem relação direta com o regime político e com as lideranças, mas tamN
bém com uma postura tradicional de Império por parte da Rússia (a praxis está
a dar confirmar esta “way of strategy”, pelo menos na Ucrânia e na Síria…).
OOOO RRRREINO EINO EINO EINO UUUUNIDONIDONIDONIDO
O Reino Unido define claramente as ameaças atuais à sua segurança e inteN
gridade (que causam graves danos), na Estratégia Nacional de Segurança,
publicada em 201020.
De acordo com esse documento, o Reino Unido enfrenta hoje um conjunto
diferente e complexo de ameaças oriundas de uma miríade de fontes, nomeaN
damente:
– Terrorismo;
– Ciberataques;
20 A Strong Britain in an Age of Uncertainty: The National Security Strategy, HM GovernNment, 2010. [Consultado em: 5 de novembro de 2015]. Disponível em https://www.gov.uk/ government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/61936/nationalNsecurityNstrategy.pdf.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
44
– Ataques não convencionais, usando armas químicas, nucleares e biológicas;
– Acidentes em larga escala e riscos naturais.
O documento refere ainda, que as “novas” ameaças podem ter origem nos
estados, mas também nos atores não estaduais como terroristas, nacionais e
estrangeiros, insurgentes ou criminosos. Apesar dos ataques terroristas de
Londres (a 7 de julho de 2005, de que resultaram 56 mortos e 700 feridos), esta é
uma questão com que o Reino Unido se vem debatendo internamente há basN
tantes anos e que o afasta das abordagens mais globais das lutas contra o terroN
rismo transnacional.
O diploma sublinha também, a importância da segurança das fontes de enerN
gia localizadas em diferentes pontos do globo, assim como a proliferação nuclear
e os efeitos das mudanças climáticas (em especial na água e nos alimentos).
Constitui efetivamente uma visão pragmática das ameaças, decorrente da
sua posição geopolítica e geoestratégica, o que simplifica o levantamento dos
conceitos de ação e a consequente redução de investimento na segurança e
defesa (como estamos a assistir, pelo menos desde 2010). Os “riscos” inerentes
são trabalhados num capítulo específico e por organizações criadas no sentido
de os atenuar. São identificados 15 “riscos” agrupados em três níveis, com desN
taque para o primeiro nível, que inclui:
– terrorismo transnacional afetando o Reino Unido ou os seus interesses,
incluindo um ataque por terroristas com meios NBQR e/ou o aumento
dos níveis de terrorismo relacionado com a Irlanda do Norte;
– ataques hostis ao espaço ciber do Reino Unido por outros estados e ciber
crime em larga escala;
– grandes acidentes ou catástrofes naturais que requeiram uma resposta
nacional, tais como inundações costeiras graves que afetem três ou mais
regiões do Reino Unido ou uma pandemia de gripe;
– uma crise militar internacional entre estados, com implicações para o ReiN
no Unido, os seus aliados e outros estados e atores não estatais.
Esta postura transparente por parte do Reino Unido, que tem presente as
prioridades das ameaças e riscos, alarga inclusivamente as questões internas às
regionais e globais, mas certamente que não dispensa o “chapéu da segurança e
defesa” situado algures em Washington (EUA) ou Bruxelas (NATO).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS
45
AAAA FFFFRANÇARANÇARANÇARANÇA
A França tem, no Livro Branco de 2013, a sua Estratégia de Segurança e
Defesa21, onde constam as ameaças à sua segurança enquanto Estado com
capacidade de intervenção global.
Esta postura de uma França com responsabilidades acrescidas no concerto
das nações, tem implicações ao nível do reforço das capacidades militares e não
militares, mas também no que respeita a uma maior vulnerabilidade, como
assistimos recentemente com os ataques em Paris (à liberdade de expressão do
Charlie Hebdo, a 7 de janeiro de 2015 e à expressão da liberdade dos “cidaN
dãos”, a 13 de novembro de 2015, que levaram à morte mais de 130 inocentes).
O Livro Branco considera explicitamente como ameaças à segurança da
França:
– ameaças relacionadas com o poder;
* conflitos entre Estados;
* crescimento do investimento militar, em especial na Ásia;
* poder da China e da Rússia;
* destabilização regional;
* proliferação de armas de destruição massiva;
* ciberataques instigados por Estados.
– riscos relacionados com a fraqueza;
* estados fracos;
* estados falhados.
– ameaças e riscos intensificados pela globalização;
* movimentos de bens, mercados e pessoas;
* pirataria;
* terrorismo;
* ciberataques e espaço.
Em face desta visão alargada (e particularmente interessante) das ameaças e
riscos, o Livro Branco assume as prioridades, de modo a possibilitar um plaN
neamento mais objetivo e a desencadear uma ação mais eficiente e eficaz. As
prioridades foram então hierarquizadas do seguinte modo:
– agressão por outro estado contra o território nacional;
21 White Paper; Defence and National Security, 2013. République Française. [Consultado em: 5 de novembro de 2015]. Disponível em: http://www.rpfranceNotan.org/WhiteNPaperNonNdefenceNand
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
46
– ataques terroristas;
– ciberataques;
– ataques ao potencial cientifico e técnico;
– crime organizado;
– crises decorrentes de acidentes naturais, de saúde, tecnológicos e indusN
triais;
– ataques a franceses no estrangeiro.
Esta abordagem alargada das ameaças e riscos é pensada e trabalhada no
sentido de uma maior objetividade na análise e ação. Por outro lado, o assumir da
França como potência global, com capacidade de intervenção global, obriga a
uma leitura mais abrangente das ameaças transnacionais, sem deixar de defender
os interesses mais específicos da França. Resta saber se a França, com as sucessiN
vas reduções de investimento na segurança e defesa, continuará a dispor das
capacidades necessárias para defender as responsabilidades assumidas.
UUUUMA MA MA MA AAAANÁLISENÁLISENÁLISENÁLISE
Uma análise comparativa das ameaças mais comuns consideradas pelos
diferentes membros do CS da ONU, independentemente do tipo de regime
político, das organizações a que pertencem ou dos valores, interesses e objetiN
vos políticos nacionais, identifica o “terrorismo transnacional”, a “criminalidade
transnacional organizada”, a “proliferação de armas de destruição massiva”, as
“ciberameaças”, os “atentados ao ecossistema”, os “estados frágeis” e a “disputa
por recursos naturais escassos”.
Por outro lado, são percetíveis leituras necessariamente diferentes, quer no
que respeita ao entendimento das ameaças, quer no modo como se desenvolN
vem as ações no sentido de as destruir, designadamente:
– o terrorismo transnacional não é assumido pelos EUA como ameaça (ao
contrário dos restantes países), mas como tática ou instrumento de orgaN
nizações e seus aliados, considerados então como ameaças; por outro
lado, são também percetíveis as diferentes posturas do Reino Unido e da
Rússia, relativamente ao terrorismo, abordadas (compreensivelmente em
face de realidades diferentes) numa perspetiva simultaneamente estadual,
regional e transnacional;
– a proliferação e/ou uso de armas de destruição massiva não é considerada
pela China como uma ameaça à segurança nacional e internacional (mesN
mo considerando que o documento em análise não tem o mesmo grau de
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS
47
“institucionalidade” que os restantes), apesar de, tal como os restantes
membros do CS, ter assinado o tratado de não proliferação de armas
nucleares de 1968;
– as perturbações e competição no âmbito do mercado da energia, que são
uma preocupação nuclear para a EUA, a China e a Rússia, constitui uma
ameaça transnacional pouco trabalhada pela França e pelo Reino Unido;
– a pirataria, tem especial preocupação por parte da China, por razões assoN
ciadas a conflitos e disputas de âmbito regional;
– as atividades no domínio cibernético e as suas consequências para a seguN
rança interna e internacional, constituem uma “nova” ameaça transnaN
cional, cujas consequências não são ainda trabalhadas especificamente
por todos os membros, do mesmo modo; a globalização, enquanto fator
exponenciador das ameaças transnacionais, tem especial acuidade no
caso das ciberameaças, utilizadoras de um novo espaço de conquista
entre as maiores potências do globo; assim, com a utilização de novas
tecnologias em rede e com a consequente interdependência de todos os
atores, as fronteiras são esbatidas aumentando as dificuldades para os
defensores; por isso, esta tem sido a ameaça transnacional mais trabalhaN
da em termos defensivos, mas sobretudo no que respeita a reformas
estruturais das grandes potências globais, dada a sua relação importante
com a informação, as informações e os sistemas de informação (áreas criN
ticas para o Estado).
– as questões relacionadas com o direito à segurança do Estado, ou da disN
rupção do estado de direito, são trabalhadas de modo diferente, em espeN
cial pela Rússia, que as relaciona com diferentes tipos de ação, internas,
regionais e globais;
– as mudanças climáticas, desastres naturais, riscos naturais, catástrofes
naturais ou crises decorrentes de acidentes naturais são preocupações
dos diferentes estados, na sua grande maioria enquadradas como ameaN
ças e riscos e relacionadas não só com a sustentabilidade futura do planeN
ta mas também com interesses políticos muito específicos;
– os movimentos migratórios, que atualmente marcam as agendas da seguN
rança na Europa, são considerados como ameaças à segurança nacional
e internacional somente pela França e pela Rússia;
– os riscos são explicitamente trabalhados pela França e pelo Reino Unido,
mas com significados diferentes, associáveis não só a ameaças em que a
dialética de vontades não está presente (França) mas também às ameaças
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
48
mais prováveis em que não é possível fazer face com todos os recursos
(Reino Unido).
Estas leituras, necessariamente diferentes, têm relação direta com as postuN
ras estratégicas, mais ou menos globais, regionais e locais (ou estaduais), dos
cinco países em análise, e necessariamente com as suas “way of strategy” e
“way of life” (que não desenvolvemos no âmbito deste trabalho).
Dado que estamos a analisar potências com capacidade de intervenção gloN
bal, em que as ameaças identificadas são maioritariamente de cariz transnacioN
nal, são ainda percetíveis as preocupações com as questões internas e regionais,
muitas vezes abordadas em tom de dissuasão22, casos da Rússia e da China
relativamente à hegemonia dos EUA, ou da França relativamente ao poder da
China e da Rússia.
Por outro lado não existe uma identificação clara das diferentes das entre
ameaças e riscos, confundindoNse na sua maioria, apesar da associação mais
frequente dos riscos às ameaças não dependentes da ação humana ou que não
façam parte da dialética de vontades consciente.
Assim, consideramos que a imagem institucional das ameaças dos cinco
membros do CS da ONU é maioritariamente comum no que respeita às ameaN
ças transnacionais, apesar das leituras diferentes que são pontualmente feitas
das mesmas ameaças e das preocupações distintas de âmbito regional e local,
questões relacionadas direta e compreensivelmente com os valores, os interesN
ses e os objetivos políticos de cada Estado.
DDDDO O O O IIIINSTITUCIONAL AO NSTITUCIONAL AO NSTITUCIONAL AO NSTITUCIONAL AO RRRREALEALEALEAL
Nos últimos anos, com a crescente globalização das ameaças, a indefinição
da probabilidade de ocorrência das mesmas, da sua elevada periculosidade e da
sua “ultraterritorialidade”, são crescentes as dificuldades na sua avaliação, o
que vem exigindo e continuará a exigir um esforço de maior concertação entre
todos os atores do sistema político internacional, mas em especial por parte dos
estados e das organizações internacionais.
Houve efetivamente uma evolução considerável desde os ataques de 11 de
Setembro de 2001, no que concerne a uma maior cooperação entre as grandes
22 Os conceitos estratégicos das grandes potências constituem, simultaneamente, um instrumento de coesão interna e de difusão dos interesses dos Estados, um instrumento de referência interna em termos de trabalho institucional por parte dos diferentes atores envolvidos na segurança e defesa, mas também num instrumento de dissuasão relativaNmente a outros estados e às ameaças mais prementes.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS. PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS
49
potências e as organizações internacionais, na luta contra ameaças transnacionais
como o terrorismo, o crime organizado, a pirataria ou as alterações climáticas. E
essa cooperação teve, na sua grande maioria, como pressupostos da credibiliN
dade, a eficiência, a eficácia e a equidade, tendo sempre em consideração aspeN
tos determinantes como os limites da autodefesa, o equilíbrio entre soberania e
responsabilidade, a legalidade e legitimidade do uso da força, o respeito pelos
direitos do homem e a própria sobrevivência da humanidade.
Apesar dessa evolução positiva, sentida e vivida nos momentos em que
algum Estado (em especial ocidental e muito particularmente quando faz parte
do CS da ONU) é alvo de ataques perpetrados por organizações sem rosto, os
valores, os interesses e os objetivos políticos de cada um dos estados em geral e
dos membros permanentes do CS em particular, determinaram uma postura
institucional diferente, em conjunturas muito específicas. Efetivamente, o comN
bate real às diferentes ameaças nem sempre se faz ao encontro dos conceitos de
ação institucionais, e daí as dificuldades em realizar parcerias ou em encontrar
consensos em pleno conselho de segurança das nações unidas. Com a rápida
evolução do Mundo, com os novos problemas decorrentes das alterações climáN
ticas ou das crises financeira, económica, social e política, em 2030 ou 2050
teremos certamente uma perceção diferente destas e de outras ameaças de cariz
transnacional (tal como temos em 2015 relativamente aos movimentos migratóN
rios, em especial na Europa).
Muito para além da análise do comum e do diferente, do explícito e do implíN
cito, do transparente e do secreto, identificámos uma imagem do conjunto das
ameaças transnacionais, construída pela perspetiva institucional dos estados
com peso reconhecido no sistema político internacional de 2015.
No entanto, as soluções reais para um Mundo mais seguro e desenvolvido a
nível local, regional e global, passarão menos por descrições mais ou menos
institucionais e mais por uma melhor coordenação e cooperação efetiva entre
os Estados, em especial pelos membros do conselho de segurança das nações
unidas, necessariamente mais responsáveis e responsabilizados aos olhos do
Mundo.
51
3.3.3.3. TTTTERRORISMO ERRORISMO ERRORISMO ERRORISMO TTTTRANSNACIONALRANSNACIONALRANSNACIONALRANSNACIONAL
JOÃO SERRA PEREIRA
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
Hillary Clinton declarou em 2010 que as redes terroristas transnacionais
representavam a maior ameaça à paz mundial, contrastando com a opinião do
professor John Mueller, para quem o perigo do terrorismo é largamente exagera,
do. Afinal, apenas umas centenas de pessoas morrem anualmente vítimas de aten,
tados terroristas e, para os americanos, o perigo de morrer por um atentado é
menor do que por alergia aos amendoins. Depois de uma breve discussão sobre os
conceitos fundamentais de terrorismo, terrorismo doméstico, internacional e trans,
nacional, propõe,se uma metodologia de avaliação dos resultados das campanhas
terroristas no sentido de saber da verdadeira utilidade do terrorismo.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: terrorismo, terrorismo internacional, terrorismo transnacional, utili,
dade.
IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO
O terrorismo entrou, definitivamente, nas nossas vidas. Não há dia sem que
novos episódios, a juntar a uma lista longa, não nos sejam revelados pelos meios
de comunicação social. No Iraque, na Nigéria, no Afeganistão, no Iémen, nas
Filipinas. ApresentamNse degolações. MostramNse explosões e exércitos a conN
quistar cidades, Mas, perguntaNse, é isso tudo terrorismo? Ou terrorismo é apeN
nas um termo para classificar o que não nos agrada? O que é afinal o terrorismo?
A nossa linguagem foi nas últimas décadas enriquecida com a vulgarização do
termo transnacional, aplicado também, ao fenómeno do terrorismo: terrorismo
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
52
transnacional. Esta expressão depressa ganhou os favores de comentadores,
jornalistas e académicos da disciplina. Mas, que é ao certo o terrorismo transN
nacional? O velho terrorismo internacional com roupagem nova, ou, de facto,
um novo tipo de terrorismo?
Numa época em que tanto se conta sobre o terrorismo, em que existe uma
grande ansiedade perante a crescente atomização e disseminação por todas as
longitudes deste fenómeno, uma lacuna tem persistido na literatura, a da invesN
tigação sobre os resultados políticos do uso do terrorismo. Conseguem, no fim
de contas feitas, as organizações terroristas, os seus objetivos políticos? E se
sim, em que medida?
Estas as perguntas orientadoras deste capítulo e, para as quais, se tenta
encontrar respostas. O capítulo está dividido em duas partes. Na primeira, disN
cutemNse os conceitos fundamentais de terrorismo em geral e de terrorismo de
tipo doméstico, internacional e transnacional; na segunda, trataNse da utilidade
do terrorismo. PassamNse em revista os estudos principais já realizados e proN
põeNse uma metodologia abrangente para a avaliação dos resultados obtidos
pelos grupos terroristas.
OOOOS S S S CCCCONCEITOSONCEITOSONCEITOSONCEITOS
O conceito de terrorismo transnacional não é consensual na literatura e
menos, ainda, o conceito de terrorismo, o que constitui um dos maiores proN
blemas no estudo deste fenómeno. O que é afinal terrorismo, terrorismo domésN
tico, terrorismo internacional ou terrorismo transnacional? E serão as
expressões terrorismo internacional e terrorismo transnacional equivalentes?
No sentido de aclarar o nosso entendimento sobre estes conceitos, segueNse
uma breve discussão sobre cada um deles.
TTTTERRORISMOERRORISMOERRORISMOERRORISMO1111
Num tratado fundamental sobre terrorismo (Schmid & Jongman, 1988),
podiamNse encontrar 109 diferentes definições de terrorismo, provenientes de
múltiplos departamentos e agências governamentais e dos mais insignes acaN
démicos e estudiosos deste fenómeno. Número que, por tão avassalador, parece
1 As secções do conceito de terrorismo em geral e da utilidade do terrorismo, são adaptaNções baseadas na dissertação de doutoramento do autor (Pereira, 2015).
TERRORISMO TRANSNACIONAL
53
capaz de desanimar qualquer curioso ou potencial estudioso deste fenómeno.
Era previsível que com as aturadas e exaustivas investigações posteriores à
publicação dessa obra de referência, particularmente depois do 11 de Setembro,
algum possível consenso, pelo menos na academia, se fosse formando. Mas,
piores notícias apareceram com uma edição atualizada do tratado, onde o
número de definições de politólogos, filósofos, psicólogos, entidades públicas,
organizações policiais ou de informações sobe para 250 (Schmid, 2011, pp. 99N
157). A dificuldade de encontrar um entendimento comum é reconhecida pelos
mais importantes estudiosos. “Bermuda Triangle”, chamouNlhe Brian Jenkins
(2004); [s]emantic Jungle", constatou Stephen Sloan (Sloan, 2006, p. 19). Como
sintetizou Jeff Victoroff (2005), pode dizerNse que, em relação à definição de
terrorismo, há tantas definições quanto o número de peritos na disciplina. Mas
o que faz, afinal, o conceito de terrorismo tão elusivo?
Walter Laqueur notou (1999, p. 6) que Nietzsche oferece uma primeira resN
posta quando afirmou que apenas o que não tem história é passível de ser defiN
nido (Nietzsche, 2007, p. 53). De facto, o terrorismo tem um longuíssimo
passado. Qualquer trabalho sobre a História do Terrorismo não esquece os
Sicários, grupo judeu que lutava contra a ocupação romana na Palestina, no
primeiro século da nossa era, ou um grupo chamado Assassinos (1090N1275)
que actuou na Pérsia, na Síria e na Palestina pretendendo a purificação do islão.
Para vários autores, Sansão foi o primeiro terrorista suicida (Moghadam, 2008;
Salib, 2003). No século XVI, os portugueses sofreram ataques suicidas nas guerN
ras contra os sultões de Achém. Em 1512, Afonso de Albuquerque, numa das
suas cartas, contava que um muçulmano tinha sido canonizado por ter morrido
na guerra contra os cristãos (Dale, 1988). Depois, seguiuNse o terrorismo
moderno iniciado com a revolução Francesa. Terrorismo de estado, logo de
carácter substancialmente diferente para complicar as coisas. SucedemNse as
famosas quatro vagas de Rapoport que se iniciam com os anarquistas russos do
fim do século XIX, passando pelo terrorismo nacionalista entre 1920 e 1960, o
terrorismo ideológico dos anos 60 e 70 do século XX e o terrorismo de matiz
religioso do nosso século. É, em consequência, difícil encontrar uma definição
que possa incluir todos estes tipos numa definição moderadamente concisa.
Uma definição abrangente teria que ser tão ampla quanto difusa. De significado
vago e sem aplicação prática.
Uma segunda resposta encontraNse na carga altamente política que o vocáN
bulo contém. A palavra terrorismo tem uma conotação negativa e ninguém se
quer ver associado ao aviltante termo terrorista. Terrorismo é hoje um termo
pejorativo e nisso todos concordam, como sublinha Hoffman (1998, p. 23).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
54
Implica, um julgamento moral, aquilo que os “bad guys do", como afirmou JenN
kins (1980). Longe vão os tempos em que os terroristas afirmavam orgulhosaN
mente que o eram, como Vera Zazulich, anarquista russa do século XIX, que
declarou em julgamento que não era uma criminosa mas uma terrorista
(Pedahzur, 2006, p. xvi; cf. Gupta, 2012). No século XX, os terroristas preferem
ser tratados como guerrilheiros, lutadores pela liberdade, rebeldes ou mártires
(Gupta, 2006, p. 6; Hoffman, 1998, p. 21). Esta conotação tão negativa explica em
parte a razão de os estados não concordarem numa definição onde eles próN
prios, ou grupos deles próximos, nela poderiam ser incluídos.
A incapacidade de se encontrar uma definição favorece o relativismo moral,
tão presente neste debate, e condescende com "the cliché that one man`s terroN
rist is another man`s freedom fighter "(Jenkins, 1980) e com a duplicidade de
discursos tantas vezes proferidos, defendendo que, ser ou não ser terrorismo,
não depende de um método, de uma técnica, do modo de actuar, mas, do objecN
tivo político. O expoente máximo desta corrente, Yasser Arafat, defendeu nas
Nações Unidas, em 1974, que a diferença entre o revolucionário e o terrorista
reside na justeza da causa (Arafat, 1974).
Apesar de todas as divergências, existe entre os académicos um razoável
entendimento sobre alguns traços nucleares do terrorismo.
1. A violência ou a ameaça de violência estão sempre presentes.
2. O terrorismo procura criar um clima de medo, obter efeitos psicológicos
para além das vítimas directas. Ideia tão bem captada por Brian Jenkins,
quando escreveu que terrorismo é para as pessoas verem, terrorismo é
teatro (Jenkins, 1985).
3. O terrorismo persegue objetivos políticos.
Objetivos políticos, violência e medo são palavras incessantemente repetidas
por muitos daqueles que estudam o fenómeno (Cronin, 2009, p. 7; Hoffman,
1998, p. 40; Jenkins, 1980; Moghadam, 2006, p. 5; Richardson, 2007, pp. 4,5;
Walzer, 2004, p. 130; Wilkinson, 2006, p. 1)
Dois motivos de maior contenção são os relativos aos sujeitos do terrorismo
e às vítimas. No primeiro caso, a questão está em saber se devem ser incluídos
actos cometidos por estados, ou se se reserva a nomenclatura de terrorismo
apenas para actos executados por organizações subnacionais. Esta última corN
rente tem sido a dominante. (Cronin, 2009, p. 7; Enders & Sandler, 2006, p. 3;
Hoffman, 1998, p. 40; Moghadam, 2006, p. 5). Particularmente agressiva na
defesa da ideia que os estados não devem ser excluídos no estudo sobre terroN
rismo, enquanto possíveis autores de acções terroristas, estão os académicos de
uma nova escola, Critical Terrorism Studies, como Richard Jackson, Jeroen
TERRORISMO TRANSNACIONAL
55
Gunning, Jeffrey Sluka e Jacob Stump, entre outros. Para estes autores é absurN
do não reconhecer que os estados podem praticar terrorismo (Jackson, 2009).
De facto, a literatura está dominada pelos que defendem que só o terrorismo de
origem subnacional deve ser estudado enquanto terrorismo. Ao abrir um livro,
um jornal especializado, ou ao consultar uma base de dados sobre terrorismo é
quase certo que, na esmagadora maioria dos casos, o foco está no terrorismo
subnacional.
A tese contrária alega que para os estados, vinculados ao direito internacioN
nal contrariamente aos grupos terroristas, há outros termos aplicáveis para
eventuais actos confundíveis com terrorismo, como abuso de poder ou crime de
guerra (Cronin, 2009, p. 7; Richardson, 2007, p. 5). O argumento da clareza conN
ceptual tem, também, sido invocado. Ao terem maiores recursos, os estados
movemNse num ambiente diferente. Os actos praticados pelos estados passíveis
de serem considerados terroristas, têm uma natureza completamente distinta.
Seria aduzir mais confusão para o estudo do terrorismo.
Outro problema, é o de saber se o tipo de alvo, as vítimas directas de um
ataque, é definidor, ou deve ser definidor, do que constitui o terrorismo. Regra
geral, podeNse afirmar que existe um consenso de que ataques contra forças
militares devem ser classificados como actos de guerrilha e não como terrorisN
mo, guardandoNse a classificação de terrorismo para os ataques a civis. Em
consequência, um dos atributos do terrorismo, para muitos autores a pedra de
toque que separa o terrorismo de outras formas de violência política, é o de
alvejar civis (Combs & Slann, 2007, p. 320; Cronin, 2009, p. 7; Enders & Sandler,
2006, p. 3; Ganor, 2002 ; Moghadam, 2006, p. 5; Richardson, 2007, p. 4; Walzer,
2004, p. 130).
O problema começa a adensarNse quando se pretende saber o que deve ser
incluído na classe de civis, que contém muitas categorias. Há, por exemplo, os
civis que nada têm de inocentes, como espiões, colaboradores, e, até, aqueles que
pegam em armas (Gade, 2010). Devem os membros de um colonato israelita na
margem ocidental ser classificados como "innocent bystanders"? A expressão
civis inocentes parece adequada para fazer a separação entre os civis que têm
parte activa no conflito dos outros. E os militares em missões de paz? O Hezbollah
matou 241 marines americanos – em missão de paz no Líbano, em 1983 – que
percebia como favorecendo uma parte do conflito. Deve este ataque ser consideN
rado terrorismo? Guerrilha? O ataque ao Pentágono, o centro do poderio militar
americano, a 11 de Setembro, deve ser considerado terrorismo ou um acto de
guerrilha? (Schmid, 2011, p. 46). Estas são aquelas questões que estão numa zona
feita de ambiguidade e para a qual não é fácil encontrar uma boa resposta.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
56
Na construção de um conceito operativo de terrorismo são considerados os
seguintes elementos para classificar um acto como terrorismo: ataques contra
civis inocentes; fins políticos; violência executada ou ameaçada; actos perpetraN
dos por entidades subnacionais, ainda que agrupadas de forma transnacional;
criação de um ambiente de medo. A definição operacional de terrorismo pode
ser assim expressa: terrorismo é o uso de violência por grupos subnacionais
contra civis inocentes, procurando intimidar uma audiência, com objetivos políN
ticos. Esta definição parece obedecer a um crescente consenso na academia.
TTTTERRORISMO ERRORISMO ERRORISMO ERRORISMO DDDDOMÉSTICOOMÉSTICOOMÉSTICOOMÉSTICO,,,, IIIINTERNACIONAL E NTERNACIONAL E NTERNACIONAL E NTERNACIONAL E TTTTRANSNACIONALRANSNACIONALRANSNACIONALRANSNACIONAL
As tipologias do terrorismo mais usuais dizem respeito à motivação e ao
espaço geográfico (Stepanova, 2008). Neste último tipo, a divisão clássica faziaN
se entre terrorismo doméstico e internacional. No primeiro tipo, perpetradores,
vitimas, audiência, propriedade, financiamento e consequências estavam confiN
nados ao mesmo país (Klein, 2015; Sandler, Arce, & Enders, 2008; Wilkinson,
2011, p. 6). No segundo, a mais que um país (Kushner, 2003, p. 365).
É claro que estas definições obedecem a tipos puros como no caso do ataque
por Timothy McVeigh em Oklahoma City, em Abril de 1995, ou de maoistas no
Nepal (Stepanova, 2008). Em muitos outros casos, considerados enquanto terroN
rismo doméstico, está presente uma componente internacional. Como diz WilN
kinson qualquer grupo que mantenha uma actividade prolongada acaba por
desenvolver ligações internacionais, ou para aquisição de armas ou para obter
recursos financeiros (Wilkinson, 2011, p. 6). Os grupos de esquerda que actuaN
ram na Europa Ocidental nos anos 70 e 80 do século passado, mantinham ligaN
ções internacionais com grupos ideologicamente afins e os campos de treino
palestinianos estavam sempre abertos para receber militantes de outros grupos
de filiações ideológicas próximas (Stepanova, 2008). Tendência que, naturalN
mente, se acentua com a globalização. O puro terrorismo doméstico será cada
vez mais raro e mais difícil de distinguir do terrorismo internacional
Das 250 definições de terrorismo compiladas no tratado de Alex Schmid
(Schmid, 2011, pp. 99N157), cerca de 20 dizem respeito ao terrorismo internacioN
nal. Em todas, excepto uma, terrorismo internacional é definido enquanto terroN
rismo que envolve cidadãos, propriedade ou território de dois ou mais estados.
Digamos que a palavra internacional é usada na sua acepção comum. A expresN
são terrorismo transnacional aparece referida apenas uma vez, por Edward MicN
kolus como expressão equivalente a terrorismo internacional (Schmid, 2011). A
TERRORISMO TRANSNACIONAL
57
excepção é de David Milbank que acrescenta um elemento às definições proposN
tas, a de que o terrorismo internacional é o terrorismo que atravessa fronteiras
e é patrocinado por um estado.
Até à introdução do termo transnacional, a linha de demarcação entre os
dois tipos era, portanto, muito clara. O crescente uso da expressão terrorismo
transnacional lançou inicialmente alguma confusão conceptual que pode vir a
ser ultrapassada com benefício para a disciplina. Para alguns autores os termos
eram e são equivalentes. (Sandler et al., 2008). Usar uma ou outra era indistinto.
Para outros, no entanto, o uso de uma ou outra expressão passou a significar
coisas diferentes. Progressivamente, podem constatarNse duas fases, não absoN
lutamente sequenciais temporalmente já que existiu e permanece alguma
sobreposição.
A introdução da palavra transnacional em Relações Internacionais é feita no
âmbito da teorização sobre as mudanças que ocorreram no Mundo nas últimas
décadas. A emergência de novos actores não estatais, crescentes interdepenN
dências e interacções globais entre todos os actores, reflectidas no aumento do
fluxo nas comunicações, nos transportes, nos movimentos financeiros e de pesN
soas, levou a algum declínio na centralidade dos estados. PrecisavaNse de uma
palavra que exprimeNse a nova realidade. Nye e Keohane estiveram na primeira
linha dos que descreveram o novo paradigma e importa ver como definiram os
dois conceitos cruciais, internacional e transnacional. Nye e Keohane distinN
guem as interacções internacionais das transnacionais pela participação ou não
de actores nãoNgovernamentais. As primeiras, são inteiramente entre estados
ou controladas por estados, enquanto, nas segundas, ao menos um dos actores
não é um governo ou uma organização intergovernamental (Nye & Keohane,
1971). Esta concepção influenciou vários autores que passaram a considerar
terrorismo internacional aquele que ultrapassasse fronteiras quando os grupos
perpetradores fossem controlados por um estado, reservando a expressão transN
nacional para o terrorismo praticado por grupos autónomos. David Milbank
incorpora os conceitos de Nye e Kehoane ao definir terrorismo transnacional
como acção de actores autónomos não estatais, mesmo que gozem de algum
apoio por parte dos estados e terrorismo internacional aquele praticado por gruN
pos controlados por um estado (Milbank apud Schmid, 2011). Esta é ainda a forN
ma como alguns autores utilizam a duas expressões (Richardson, 1999).
Se este conceito fosse aplicado retrospectivamente muito daquilo a que temos
chamado terrorismo internacional passaria a ser denominado terrorismo transN
nacional. Posteriormente, começaNse a utilizar a expressão terrorismo transnaN
cional para classificar uma nova manifestação de terrorismo, um novo tipo.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
58
A forma como em cada época a guerra é feita reproduz fielmente a estrutura
organizativa da sociedade, as suas relações sociais e produtivas, os seus valores,
o seu nível tecnológico, a forma como transmite a informação. O poder militar e
os conceitos estratégicos que o enformam espelham fielmente a sociedade donN
de emanam, influenciando e sendo influenciados numa dialéctico infindável. A
revolução industrial trouxe a massificação da produção e trouxe exércitos
gigantescos (levée en masse). A segunda revolução industrial introduziu meios
de transporte e de comunicação mais velozes e o general Moltke potenciou a
mobilidade dos exércitos. A nossa era trouxe a informação e a facilidade das
comunicações para o primeiro plano e estruturas hierárquicas foram dando
lugar a estruturas horizontais de infindáveis conexões abraçando todo o planeN
ta. Elementos feitos de imaterialidade e intangibilidade, o virtual, elevaramNse a
protagonistas da nossa contemporaneidade. À revolução tecnológica corresN
pondeu necessariamente uma nova forma de fazer guerra cujas primeiras maniN
festações se expressaram na primeira guerra do Iraque e foram depois
aperfeiçoadas e teorizadas por estrategas da estatura do Almirante Cebrowski,
entre outros. Até atingir a sua maturação na teoria da Network Centric Warfare.
A guerra é a imagem da sociedade, afirmouNse. Ora, não esqueçamos que o
terrorismo é uma forma de guerra. Também ele, como as forças militares instituN
cionalizadas, reflecte a sociedade onde vive, bebendo as transformações que se
vão operando. Alfred Nobel inventou a dinamite? De imediato os grupos terrorisN
tas saudaram a inovação com explosões por toda a Europa. Os primeiros zepelins
foram criados e logo um terrorista alemão, Johann Most, propôs a sua utilização
para atirar bombas sobre paradas militares para matar imperadores e czares
(Laqueur, 1999, p. 14). A aviação comercial entrou no quotidiano das pessoas? De
imediato surgiram os primeiros desvios em pleno voo. A televisão tornouNse num
produto de consumo de massas e logo surgiram formas espectaculares de aproN
veitamento desse facto como os atentados de Munique. A globalização trouxe
uma grande integração de mercados, um irrestrito fluxo de comunicações, de
pessoas de bens e capitais? A desterritorialização de pessoas, empresas e valores?
O terrorismo encontrou o conceito estratégico adequado ao tempo presente: o
terrorismo transnacional. Nesta perspectiva, o terrorismo transnacional não é
mero terrorismo praticado por grupo autónomos, não subordinados a estados,
mas uma nova forma de fazer guerra assimétrica como reflexo da sociedade atual.
Este é o nosso entendimento sobre a expressão. Assim, tanto a Network Centric
Warfare, como o terrorismo transnacional, correspondem à forma de fazer guerN
ra que reflecte a sociedade em que vivemos. IdentificamNse com a nossa contemN
poraneidade, tal como teorias militares passadas se identificaram com as suas.
TERRORISMO TRANSNACIONAL
59
A definição clássica de terrorismo internacional permanece válida e um ataN
que do Hezbollaz na Argentina ou na Bulgária deve continuar a ser classificada
como terrorismo internacional. Já ataques como o de Madrid em 2004, da
maratona de Boston em 2013, ou do Charlie Hebdo em 2015, devem ser incluíN
dos na categoria de terrorismo transnacional.
PodeNse enunciar um conjunto de característicos deste novo tipo de terroN
rismo, a saber:
– A estrutura organizativa é descentralizada e em rede. Não existe um líder
que controle e ordene mas uma figura(s) inspiradora que traça grandes
linhas de orientação.
– Uso das novas tecnologias de informação.
– Objetivos locais, regionais e globais. Muito notório no caso do Al Qaeda
que, para além do objectivo do derrube dos monarcas considerados
apóstatas, em cada país, recusava a divisão em países do Médio Oriente
imposta pelo ocidente e aspirava a um califado mundial.
– Preponderância da religião.
– Independência financeira dos estados.
– Maior destruição possível.
O que é verdadeiramente notável neste terrorismo, como nota Cronin, é a
sua natureza autogeneradora (2009). A própria globalização produziu um tipo
de cidadãos que para além de fidelidade e identidade locais são, simultaneaN
mente, cidadãos globais, ou melhor, transnacionais, com múltiplas conexões
que ignoram a geografia e que vão alimentando o terrorismo transnacional.
AAAA UUUUTILIDADE DO TERRORISTILIDADE DO TERRORISTILIDADE DO TERRORISTILIDADE DO TERRORISMOMOMOMO
Nestes tempos de grande inquietude sobre a ameaça real que o terrorismo
representa, é importante perceber o que é que os grupos que utilizam o terroN
rismo conseguem obter por essa via. É o terrorismo um método eficaz de obter
plenamente os fins que pretendem alcançar? Apenas parcialmente? Um comN
pleto fracasso? É uma ameaça estratégica como o foi a União Soviética? Ou é,
sobretudo, barulho?
A literatura sobre o terrorismo que, de facto, só se inicia depois dos atentaN
dos de Munique, em 1972, e conhece um extraordinário impulso com o 11 de
Setembro, tem sido pródiga em estudar o terrorismo sob diversos ângulos: a
sua natureza, a sua tipologia, as suas causas, as motivações psicológicas dos
terroristas ou as relações com a religião, entre outros temas. A temática da
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
60
avaliação dos resultados, da inquirição sobre o grau de realização dos fins perN
seguidos, tem merecido da academia, até recentemente, uma atenção apenas
marginal. No entanto e não obstante não ter estado na linha da frente das preoN
cupações dos estudiosos, pode encontrarNse claramente na literatura, duas corN
rentes opostas. A primeira, decidindo a inutilidade do terrorismo como
estratégia capaz de gerar mudanças políticas ou obter benefícios relevantes; a
segunda, defendendo o oposto, isto é, afirmando o terrorismo como extremaN
mente bemNsucedido na conflitualidade política.
Defendendo a tese de que o terrorismo não obtém sucesso, grandes nomes
da primeira vaga dos estudos sobre terrorismo (décadas de 70, 80 e 90), como
Rapoport, (Rapoport, 1971, p. 55), Brian Jenkin (Jenkins, 2005, p. 128), Walter
Laqueur (Laqueur, 2001, pp. ix, x) e Thomas Schelling (T.Schelling, 1991) arguN
mentaram que o terrorismo era incapaz de obter sucessos políticos de algum
relevo. Num estudo elaborado por investigadores na RAND Corporation afirN
mavaNse mesmo que o terrorismo era fundamentalmente um fracasso (Cordes
et al., 1984, p. 49).
A corrente oposta foi defendida também, por notáveis autores. Boaz Ganor
(Ganor, 2001, pp. 6,7), Ehud Sprinzak (Sprinzak, 2000) ou Alan Dershowitz –
invocando que o resultado dos primeiros atentados da Organização de LibertaN
ção da Palestina foi o reconhecimento internacional e o convite a Arafat para
discursar nas Nações Unidas (2002, pp. 3N15), afirma que a verdadeira causa do
terrorismo é o seu sucesso – são expoentes desta corrente.
SucedemNse na literatura juízos contrários e aparentemente irreconciliáveis.
No entanto, uma análise cuidada permite concluir que a verdade é outra. O que
acontece é que devido ao facto de não se ter desenvolvido uma adequada metoN
dologia, não existe uma sintonia discursiva e metodológica sobre exactamente o
que se está a afirmar. Para uns autores, o sucesso é alcançado se se conseguir
uma pequena concessão, se o atentado for publicitado na imprensa, se um clima
de medo se instalar na opinião pública; para outros, se os objetivos últimos
forem plenamente conquistados, a libertação de um território conseguida, o derN
rube de um governo alcançado. Assim, todas as opiniões atrás expostas podem
não ser contraditórias mas, de uma forma não percebida, apenas complementaN
res. Nesta primeira fase, pode dizerNse que as avaliações eram feitas de uma
forma um pouco impressionista, ao sabor de alguns eventos mais significativos
e sem, repeteNse, qualquer uniformidade metodológica. As valorações nunca
obedeciam a uma análise exaustiva e sistemática de dados recolhidos. Eram
suportadas em selecções de casos que suportavam os juízos proferidos. Um
determinado autor afirmava a utilidade do terrorismo e justificava a sua opinião
TERRORISMO TRANSNACIONAL
61
nos casos A, B e C e, outro autor sustentava a posição contrária baseado nos
casos D, E e F. Em suma, havia uma grande confusão sobre a temática e uma
absoluta ausência de qualquer cientificidade. Mesmo que envoltas em belas e
atractivas frases, não havia nenhuma metodologia, quaisquer testes, nenhum
sinal de qualquer sistematização na análise. Era o tempo da sabedoria e não o do
conhecimento científico como poderia dizer Popper.
Uma nova vaga de autores foi surgindo e trazendo o tema da utilidade do terN
rorismo para um plano mais visível. Duas inovações são particularmente imporN
tantes. A primeira, foi a de introduzir métodos científicos na disciplina.
Beneficiando das novas tecnologias e de novas bases de dados muito completas,
os novos autores têm produzido estudos apoiados em análises quantitativas, muiN
to sofisticados nalguns exemplos e, consequentemente, investigações mais aproN
fundadas sobre esta temática. A segunda foi a introdução de diferentes matizes
nas análises, integrando novas variáveis, produzindoNse estudos de maior comN
plexidade, em que as conclusões são servidas por uma paleta mais rica. Assim,
avaliações gerais, abrangentes e dicotómicas como o terrorismo é um método
eficaz/ineficaz, que obtém sucesso/fracasso, vão dando lugar a outras, mais preciN
sas e com mais elaborados níveis de análise. Para além de serem considerados os
objetivos últimos de cada organização, vãoNse integrando objetivos de diferentes
dimensões, como a libertação de prisioneiros, a expulsão de tropas estrangeiras
de um território ou a elevação do prestígio do grupo. Assim, ao serem consideraN
dos diferentes tipos de objetivos, julgamentos mais matizados como o terrorismo
é um método eficaz para conseguir o objectivo A, mas ineficaz para alcançar o
objectivo B, determinado objectivo tem taxas de sucesso x e outro y, começam a
surgir de uma forma natural e sistemática.
Entre estas novas investigações, há que destacar o trabalho do professor
Robert Pape, que num estudo seminal sobre terrorismo suicida, suportado por
uma base de dados que a Universidade de Chicago compilou, chegou à concluN
são que sob determinadas condições o terrorismo suicida obtém uma taxa de
sucesso de 54% (Pape, 2006, p. 22). Como se vê, a própria natureza do juízo
mostra que estamos perante uma abordagem completamente distinta.
O brilhante trabalho de Pape continha, no entanto, muitas insuficiências metoN
dológicas, o que não é de estranhar num estudo tão inovador. Entre outras, talvez
que a principal debilidade fosse a de não haver nenhuma descriminação entre as
diferentes naturezas dos sucessos obtidos pelos grupos terroristas. Para Pape, uma
organização conseguir a libertação de um prisioneiro ou a expulsão de um exército
invasor, contava da mesma forma. Por absurdo, poderíamos ter um caso de uma
organização que lutasse pela independência de um território e conseguisse, em 3
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
62
momentos diferentes, a libertação de militantes seus em prisões do governo a que
se opunham e, apesar, de não obterem o objectivo principal, a independência, a
avaliação final seria a de que o terrorismo era um método eficaz de obtenção de
objetivos políticos, pois obteve 3 sucessos contra um insucesso. A necessidade de
diferenciar distintas dimensões, distintos graus de dificuldade, entre os objetivos
procurados é inescapável no estudo deste tópico.
Posteriores investigações foram apurando o estudo original e muito relevanN
te é o trabalho do professor Max Abrahms.
Em dois estudos marcantes (2006, 2012), Abrahms aperfeiçoa a investigação
de Pape, introduzindo diferenciação entre objetivos. Recorre a sofisticados proN
gramas de análise quantitativa e inclui um maior número de variáveis explicativas
para tentar encontrar as condições que explicam o (in)sucesso. Abrahms analisou
um amplo número de organizações, tendo concluído que os grupos terroristas
conseguem os seus objetivos políticos 7% das vezes e conclui que as campanhas
terroristas são uma tática política perdedora (Abrahms, 2012).
Outros estudos foram sendo realizados, apesar de o número global ser ainda
reduzido. EstáNse, afinal, ainda no início dos estudos nesta área. De todas as
formas, constataNse que, mesmo nestes novos estudos suportados em bases de
dados e análises quantitativas, a diferença de pontos de vista não se esbateu e as
mesmas correntes opostas prevalecem. Claro que diferentes opiniões são saluN
tares, mas, neste caso as divergências não são substantivas. A razão principal
das diferenças persiste ainda, em nossa opinião, na grande diversidade das
metodologias adoptadas, produto da procura de uma metodologia apropriada
que se tem revelado esquiva e complexa.
Bebendo dos trabalhos referidos propõeNse uma metodologia utilizada pelo
autor na análise da utilidade do terrorismo que possa contribuir para algum
avanço nas investigações sobre esta matéria.
DDDDESENHO DE INVESESENHO DE INVESESENHO DE INVESESENHO DE INVESTIGAÇÃOTIGAÇÃOTIGAÇÃOTIGAÇÃO
Distinguir/descriminar objetivos em função do seu grau de grandeza, pareceu
ser um bom ponto de partida para uma avaliação da real utilidade do terrorismo.
Recorrendo à literatura, foi estabelecido um quadro geral, abrangente, de todos
os objetivos passíveis de serem procurados pelas organizações terroristas.
Variando as nomenclaturas de autor para autor, existe um razoável consenso
sobre o tipo de objetivos que as organizações terroristas, em geral, procuram.
TERRORISMO TRANSNACIONAL
63
Uma primeira distinção é feita separando objetivos estratégicos de objetivos
instrumentais. Objetivos estratégicos correspondem aos propósitos programáN
ticos e políticos da organização enquanto objetivos instrumentais ou procesN
suais são objetivos que todos os grupos procuram, como o enaltecimento da
moral dos militantes e da população que lhes é afecta, publicitação da causa
para uma vasta audiência, agitação social, instilação de medo, provocar reacN
ções violentas pelo estado, deslegitimação do governo, vingança ou financiaN
mento, entre outros.
Uma posterior divisão foi feita nos objetivos estratégicos em função da sua
magnitude: maximalistas, como a aniquilação de um estado ou o derrube de um
regime; limitados, autonomia ou independência de um território, expulsão de
ocupantes; conjunturais, como dissuasão, alterar relações entre estados, impeN
dir um acordo de paz, ultrapassar grupos rivais, mudança de uma política conN
creta, manutenção do status quo, libertação de prisioneiros, etc. A divisão por
objetivos pode ser vista na Tabela 3.1.Tabela 3.1.Tabela 3.1.Tabela 3.1.
Tabela 3.1Tabela 3.1Tabela 3.1Tabela 3.1. Tipo de objetivos. Tipo de objetivos. Tipo de objetivos. Tipo de objetivos Maximalistas Limitados Estratégicos Conjunturais
Instrumentais
Fonte: Elaboração própria.
Ora o que se tem passado na investigação sobre esta temática?
Nas valorações antes observadas, os diferentes tipos de objetivos não eram
considerados. Depois do trabalho de Pape, passou a haver uma maior atenção
ao tipo de objetivos estratégicos, pelo menos em alguns trabalhos, mas, mesmo
assim, apenas foram considerados objetivos maximalistas ou limitados. ObjetiN
vos instrumentais nunca constaram de nenhum estudo. Apesar de alguns autoN
res chamarem à atenção para o facto de o terrorismo poder ter um efeito
boomerang a maioria dá por adquirido que os objetivos instrumentais são norN
malmente conseguidos e não os submeteu a análise. Em suma, começouNse por
não distinguir objetivos para, gradualmente, os tomar em consideração, o que
representa um progresso. O quadro de objetivos aqui apresentados é o mais
abrangente de todos os estudos realizados
Com este vasto leque de objetivos, o passo seguinte foi procurar encontrar
para cada organização estudada os objetivos desejados. Objetivos apurados
através de fontes primárias: cartas constitutivas, plataformas políticas declaraN
ção de dirigentes, entrevistas ou materiais audiovisuais. Pela realização destes
objetivos, a razão de ser da sua existência, as organizações começam a sua
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
64
campanha terrorista. Ao conjunto de todos os ataques efectuados por uma
organização chamaNse, aqui, campanha global. Na vida dos grupos, para além
dos objetivos últimos, aqueles que justificam a sua criação, há muitas etapas a
cumprir por objetivos menores que concorrem para a obtenção dos objetivos
fundamentais. Ao conjunto de ataques pela realização de objetivos pontuais
chamaNse aqui campanha específica. Para cada grupo foram identificadas todas
as campanhas específicas assim como os seus objetivos. Resulta que para cada
grupo estudado se construiu um quadro do seguinte tipo.
Tabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivosTabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivosTabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivosTabela 3.2. Divisão por campanha e classificação dos objetivos Campanhas Objetivos Tipo
A Maximalista B Limitado Global C Conjuntural a Limitado b Limitado 1 c Instrumental a Limitado d Conjuntural
Específicas
2 e Instrumental
Fonte: Elaboração própria.
Em ordem a determinar que objetivos e que incidentes deveriam constituir
cada campanha procedeuNse a análises contextuais. Declarações de líderes,
comunicados das organizações, artigos na imprensa. Depois de determinados
os objetivos das campanhas, globais e específicas, procedeuNse à avaliação dos
resultados, contrapondo resultados obtidos a objetivos procurados através de
análises qualitativas contextuais. ClassificaramNse os resultados em diferentes
tipos: fracasso, sucesso e neutro. Sucesso, não significa que todos os objetivos
foram conseguidos mas que foram, ao menos, parcialmente obtidos. Assim, por
exemplo, a expulsão de tropas estrangeiras de uma parte de um território que se
quer independente, não constitui um sucesso completo mas, apenas, parcial. Nos
resultados agregados, sucessos parciais foram considerados sucessos. A Tabela Tabela Tabela Tabela
3333.3.3.3.3 apresenta as características do desenho da investigação.
Tabela 3.3. Características da investigaçãoTabela 3.3. Características da investigaçãoTabela 3.3. Características da investigaçãoTabela 3.3. Características da investigação
Quadro amplo de objetivos.
Determinação de objetivos para cada campanha com recurso a fontes primárias.
Avaliação feita com análises contextuais.
Fonte: Elaboração própria.
TERRORISMO TRANSNACIONAL
65
O universo de análise foi formado por organizações que operando no Médio
Oriente executaram mais de 20 ataques suicidas entre 1981 e 2012. AdmiteNse
uma possível distorção dos resultados por apenas serem estudadas as organizaN
ções mais fortes (aquelas que efectuaram mais de 20 ataques). Foram as seguintes
as organizações estudadas; Hezbollah, Fatah, Hamas, Jihad Islâmica Palestiniana,
Al Qaeda, Al Qaeda no Iraque/Estado Islâmico do Iraque e Al Qaeda na Península
Arábica.
A lista de ataques efectuados pelos diferentes grupos foi determinada a parN
tir da base de dados da Universidade de Maryland, The Global Terrorism DataN
base (GTD).
RRRRESULTADOSESULTADOSESULTADOSESULTADOS
Os resultados principais, entre outros que não cabem no âmbito deste capíN
tulo, podem ser observados nas Tabelas 3.4 Tabelas 3.4 Tabelas 3.4 Tabelas 3.4 e 3.53.53.53.5 e nas Figuras 3.1Figuras 3.1Figuras 3.1Figuras 3.1 a 3.33.33.33.3.
Tabela 3.Tabela 3.Tabela 3.Tabela 3.4444. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido Grupo Tipo de Objetivo Objetivos Sucesso Fracasso
Maximalista 1 0 1 Limitado 2 1 1 Hezbollah Conjuntural 2 2 – Maximalista 2 0 2 Limitado – – – Fatah Conjuntural – – – Maximalista 2 0 2 Limitado 2 2 – Hamas Conjuntural 2 1 1 Maximalista 4 0 4 Limitado 1 1 0 JIP Conjuntural 1 1 0 Maximalista 2 0 2 Limitado 1 0 1 Al Qaeda Conjuntural – – – Maximalista 1 0 1 Limitado 1 0 1 AQI/EII Conjuntural – – – Maximalista 2 0 2 Limitado 1 0 1 AQPA Conjuntural – – –
Sucesso Fracasso Tipo de Objectivo Nº de objetivos Nº % Nº %
Maximalista 14 0 0 14 100 Limitado 6 3 50 3 50
Total
Conjuntural 5 4 80 1 20
Fonte: Elaboração própria.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
66
Figura 3.Figura 3.Figura 3.Figura 3.4444. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Taxas de sucesso.. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Taxas de sucesso.. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Taxas de sucesso.. Campanhas globais, objetivos por tipo e resultado obtido. Taxas de sucesso.
Fonte: Elaboração própria.
Em relação às campanhas específicas foram apurados os resultados que
constam da Tabela 3.5Tabela 3.5Tabela 3.5Tabela 3.5 e Figuras 3.2Figuras 3.2Figuras 3.2Figuras 3.2 e 3.3 3.3 3.3 3.3.
Tabela 3.Tabela 3.Tabela 3.Tabela 3.5555. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados obt. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados obt. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados obt. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados obtiiiidos.dos.dos.dos. Grupo Tipo de Objetivo Nº de
objetivos Sucesso Fracasso
Neutro
Limitado 2 2 0 0 Conjuntural 5 4 1 0 Hezbollah Instrumental 3 2 0 1 Limitado 1 1 0 0 Conjuntural 3 1 1 1 Fatah Instrumental 2 2 0 0 Limitado 1 1 0 0 Conjuntural 12 6 5 1 Hamas Instrumental 5 3 1 1 Limitado 2 1 1 0 Conjuntural 4 0 2 2 JIP Instrumental 2 1 – 1 Maximalista 1 0 1 0 Limitado 2 0 2 0 Conjuntural – – – 0
Al Qaeda
Instrumental 3 3 0 0 Limitado 5 2 3 0 Conjuntural – – – – AQI/EII Instrumental 3 2 1 0 Limitado 1 0 1 0 Conjuntural 2 0 2 0 AQPA Instrumental 3 1 1 1
Sucesso Fracasso Neutro Tipo de Objetivo Nº de Objetivos Nº % Nº % Nº %
Maximalista 1 0 0 1 100 0 0 Limitado 12 5 41,7 7 58,3 0 0 Conjuntural 24 11 45,8 9 37,5 4 16,7
Total
Instrumental 21 14 66,7 3 14,3 4 19,0
Fonte: Elaboração própria.
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Conjuntural Limitado Maximalista
TERRORISMO TRANSNACIONAL
67
Figura 3.Figura 3.Figura 3.Figura 3.5555. Campanhas específicas, objetivos por tip. Campanhas específicas, objetivos por tip. Campanhas específicas, objetivos por tip. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxas deo e resultados. Taxas deo e resultados. Taxas deo e resultados. Taxas de sucesso sucesso sucesso sucesso
Fonte: Elaboração própria.
Figura 3.Figura 3.Figura 3.Figura 3.6666. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxa de fraca. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxa de fraca. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxa de fraca. Campanhas específicas, objetivos por tipo e resultados. Taxa de fracassssso.so.so.so.
Fonte: Elaboração própria.
Uma primeira resposta conclusiva e inequívoca pode retirarNse: a taxa de efiN
cácia obtida pelos grupos terroristas depende da grandeza dos objetivos procuN
rados. ConcluiNse que os ataques suicidas testam os seus limites em objetivos
estratégicos de grande magnitude. De facto, as campanhas de ataques suicidas
são, em absoluto, ineficazes quando aspiram a grandiosos fins, como o derrube
de um regime, a criação de um califado ou a aniquilação de um estado. Ao conN
trário, e à medida que os fins pretendidos vão sendo mais limitados e menos
66,7%
45,8%41,7%
0,0%0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
70,0%
Instrumental Conjuntural Limitado Maximalista
14,3%
37,5%
58,3%
100,0%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
120%
Instrumental Conjuntural Limitado Maximalista
Série1
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
68
ambiciosos, as taxas de sucesso crescem de forma vincada. É assim, que para
objetivos estratégicos limitados, a taxa de sucesso conseguida é de 50% nas
campanhas globais e de 41,7% nas campanhas específicas. Taxas de sucesso
que melhoram quando considerados objetivos conjunturais e são, ainda, mais
impressivas quando considerados objetivos instrumentais onde o êxito é obtido
na maioria dos casos. A regra geral a extrair é a de que o sucesso dos ataques
suicidas depende, antes de tudo o mais, da grandeza dos objetivos procurados.
A não compreensão desta realidade tem sido a causa de tantos equívocos na
literatura. De facto, a grande disparidade das respostas propostas ao longo do
tempo sobre esta temática deveNse ao facto simples de fazer equivaler, entre si,
objetivos de grandeza distinta, de oferecer igual tratamento a objetivos desiN
guais, de julgar como igual sucesso a obtenção de alguns minutos nos meios de
comunicação e a secessão de um território.
Por isso, para alguns autores, o terrorismo é eficaz porque se pensa na proN
paganda conseguida, enquanto para outros o terrorismo é ineficaz porque se
consideram grandes objetivos estratégicos. Posições contraditórias, apenas, na
aparência. De facto, as duas seguintes afirmações (1) os ataques suicidas são
eficazes, (2) os ataques suicidas não são eficazes, podem ser ambas verdadeiras
se devidamente contextualizadas. São ambas verdadeiras nas formulações
seguintes: (1) os ataques suicidas são eficazes na obtenção de objetivos instruN
mentais, ou, (2) os ataques suicidas não são eficazes na obtenção de grandes
objetivos. Proposições de construção generalista e abrangente carecem de senN
tido ao somarem êxitos e desditas de essência tão desigual. Falta de rigor que,
como consequência, tem adicionada uma imensa confusão conceptual na disN
cussão desta temática.
HHHHILLARY ILLARY ILLARY ILLARY CCCCLINTON OU LINTON OU LINTON OU LINTON OU JJJJOHN OHN OHN OHN MMMMUELLERUELLERUELLERUELLER????
Para Hillary Clinton, o terrorismo transnacional é a maior ameaça estratégiN
ca do nosso tempo. Para John Mueller, a reacção de sociedades e governos aos
atentados terroristas é amplamente exagerada. Afinal, os níveis de destruição
verificados são, comparativamente a tantos acidentes a que o homem moderno
está sujeito, muito baixos. Quem tem razão?
A resposta só pode ser dada pelo aperfeiçoamento e aumento do número
dos estudos sobre as consequências do terrorismo. Mais estudos sobre a utiliN
dade do terrorismo a nível estratégico mas, também, sobre o seu impacto ecoN
nómico, as consequências psicológicas nas pessoas e sociedades, ou, sobre as
TERRORISMO TRANSNACIONAL
69
flutuações nos níveis de liberdade. Com os conhecimentos actuais, resultantes
dos estudos já efectuados, podeNse afirmar que a declaração de Hillary Clinton é
desproporcionada. De facto, segundo os estudos de Pape, Abrahms e Pereira,
os grupos terroristas com grandes ambições políticas, falham sempre. Os
ganhos estratégicos que conseguem obter, são de importância menor e, norN
malmente, correspondem a concessões dos governos quando estes as não conN
sideram de vital importância para o estado.
Como se viu, o terrorismo é um método eficiente de obtenção de ganhos insN
trumentais, particularmente, a instilação do medo nas pessoas, a criação de um
clima geral de apreensão e insegurança. A força do método brota essencialmenN
te desse facto. É esse o seu grande trunfo e que explica a reacção, exagerada na
opinião de Mueller, de sociedades e governos, mas, ao menos em parte, inevitáN
vel. É precisamente este trunfo que aliado à vontade de provocar a maior desN
truição possível é hoje potenciado pelo terrorismo transnacional de carácter
islâmico. Perigo que, mesmo que com poucas probabilidades de concretização,
está latente e pode criar um clima como o vivido nos tempos da crise dos mísN
seis de Cuba. Como dizem os entusiastas de xadrez, a ameaça é mais forte que a
sua execução. Mas, mesmo no pior cenário, as consequências do rebentamento
de um engenho nuclear por um grupo, célula ou militante terrorista, para além
da devastação e disrupção da vida das sociedades democráticas, certamente
não seria pronúncio de um califado mundial.
Hillary Clinton certamente exagerou e John Mueller não parece valorar a
intangibilidade do terrorismo ou o seu potencial destrutivo. A verdade, como
em tantas vezes, habita o meio.
71
4444.... UUUUMA VISÃO GLOBAL DA MA VISÃO GLOBAL DA MA VISÃO GLOBAL DA MA VISÃO GLOBAL DA PPPPIRATARIA IRATARIA IRATARIA IRATARIA MMMMARÍTIMA ARÍTIMA ARÍTIMA ARÍTIMA NO SÉCULO NO SÉCULO NO SÉCULO NO SÉCULO XXIXXIXXIXXI
JAIME FERREIRA DA SILVA
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
Num Mundo cada vez mais globalizado e interdependente, o recrudescimento
da pirataria marítima despertou a atenção da comunidade internacional para a
necessidade de encontrar formas de reprimir este ilícito. Neste trabalho, apresenta,
se uma visão global da pirataria no século XXI e identificam,se tendências de evo,
lução do fenómeno. Para tal, na primeira parte, define,se o conceito de pirataria e
analisam,se algumas das suas causas. Na segunda descreve,se o fenómeno,
enquanto na terceira enumera,se os seus custos humanos e económicos. Finalmen,
te, na quarta parte, são analisados alguns dos instrumentos desenvolvidos para
combater a pirataria. A análise efetuada permitiu identificar tendências de evolução
e linhas de ação a desenvolver, de modo a mitigar as consequências da pirataria.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: Pirataria Marítima. Direito do Mar. Segurança Marítima. Trans,
porte Marítimo Internacional.
“Porque o mar é muito perigoso, e os homens não podem evi,tar negociar através dele as suas mercadorias, uns fazendo comércio, outros pescando, e outros como acham melhor, e dali trazem mantimentos e riqueza para a terra, portanto con,vém que nele se tenha muito cuidado, para que pelo medo ou por castigos severos se contrarie a ousadia dos corsários que nele roubam à vontade ou cometem grandes crimes.”
Padre Fernando Oliveira in “A Arte da Guerra do Mar”
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
72
IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO
A pirataria marítima é um fenómeno antigo que neste início de século voltou
a despertar a atenção da comunidade internacional, devido à dimensão que o
fenómeno atingiu, sobretudo, no Corno de África. Com relativamente poucos
meios, os piratas constituemNse como uma das principais ameaças ao transporte
marítimo, vetor essencial do desenvolvimento económico das nações, pela sua
capacidade para movimentar mercadorias a nível global. Atualmente, em terN
mos de volume, cerca de 90% do comércio mundial é transportado por via
marítima, pelo que qualquer perturbação neste modo de transporte terá um
impacte significativo na economia global.
Neste contexto, o presente trabalho tem por objetivo apresentar uma visão
global da pirataria marítima neste início de século XXI e analisar as tendências
de evolução que o fenómeno apresenta. Pretende, ainda, identificar linhas de
ação a desenvolver nos planos securitário, judicial e socioeconómico, tendo em
vista a melhoria dos aspetos relacionados com a segurança marítima e a represN
são deste ilícito.
Para esse efeito, analisa trabalhos provenientes de diversas fontes, tais
como, relatórios elaborados pelo “International Maritime Bureau – Piracy
Reporting Centre” (IMBNPRC), pelo Banco Mundial e por agências das Nações
Unidas, documentos de instituições de cooperação regional e internacional
vocacionadas para o combate à pirataria, e estudos do Mundo académico.
Por conseguinte, o trabalho articulaNse em quatro partes principais. Na priN
meira, recorreNse ao estatuído pelo direito internacional para definir aquilo que
se entende por pirataria marítima. ProcuraNse, ainda, identificar alguns dos
principais fatores associados ao ressurgimento do fenómeno na época contemN
porânea. Na segunda parte, analisaNse a evolução da pirataria marítima desde o
início do século XXI. Para tal, identificaNse a variação anual do número de inciN
dentes, as regiões geográficas onde o fenómeno está mais presente, a altura em
que ocorrem mais ataques, os principais tipos de navios atacados, a evolução
anual do número de navios sequestrados e a situação dos navios quando foram
atacados, i.e., se estavam atracados, fundeados ou a navegar. Na terceira, são
analisados os custos humanos e económicos associados a este flagelo. FinalN
mente, na quarta parte, são analisadas algumas das ações desenvolvidas pela
comunidade internacional, no âmbito do combate à pirataria marítima.
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
73
FFFFENÓMENO DA PIRATARIAENÓMENO DA PIRATARIAENÓMENO DA PIRATARIAENÓMENO DA PIRATARIA MARÍTIMA E AS SUAS MARÍTIMA E AS SUAS MARÍTIMA E AS SUAS MARÍTIMA E AS SUAS CAUSASCAUSASCAUSASCAUSAS
Por uma questão de definição rigorosa do objeto de estudo, no presente
capítulo começaNse por esclarecer o conceito de pirataria marítima. De seguida,
procuraNse identificar as causas que estão a montante do fenómeno e que conN
tribuem para que este assuma a dimensão que tem nos dias de hoje.
a.a.a.a. O conceito de pirataria marítimaO conceito de pirataria marítimaO conceito de pirataria marítimaO conceito de pirataria marítima
O termo pirataria é vulgarmente utilizado para ilustrar um conjunto de ativiN
dades nas quais se incluem, para além da própria pirataria marítima, o corso e o
terrorismo marítimo. Contudo, estas duas últimas atividades assumem um conN
junto de caraterísticas próprias que lhes confere uma natureza distinta da priN
meira. Enquanto o corso é um ato de ataque e pilhagem praticado contra navios
mercantes inimigos por parte de outros navios, armados por um particular e
com autorização do governo do país a que pertencem para assim procederem, a
pirataria é uma atividade de natureza exclusivamente privada. Por sua vez,
enquanto o terrorismo marítimo é um ato de violência praticado contra pessoas
e bens, executado por um movimento clandestino que luta contra o poder estaN
belecido e que procura impor a sua autoridade pela violência e pelo terror, a
pirataria prossegue objetivos contra a comunidade internacional no seu todo
(BöhmNAmolly, 2011, pp. 60N61).
Efetuada a destrinça entre pirataria, corso e terrorismo marítimo, importa
agora definir o conceito de pirataria marítima. Neste particular, é fundamental
considerar o instituído pela “Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar” (CNUDM), enquanto instrumento jurídico internacional regulador dos
poderes dos Estados costeiros, nos espaços marítimos sob sua soberania ou
jurisdição. Esta convenção estabelece que constitui uma ação de pirataria “todo
o ato ilícito de violência ou de detenção ou todo o ato de depredação cometidos,
para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou de uma
aeronave privados, e dirigidos contra um navio ou uma aeronave em alto mar ou
pessoas ou bens a bordo dos mesmos (…) em lugar não submetido à jurisdição
de algum Estado”1.
Deste modo, constitui um ato de pirataria toda e qualquer ação de violência,
detenção ou depredação, tentada ou consumada, perpetrada por um navio ou
aeronave privados, para fins privados, contra qualquer outro navio ou aeronaN
ve. Ficam excluídos da definição de pirataria todos os atos de caráter semelhante
1 Artigo 101.º da CNUDM.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
74
praticados nas águas interiores, territoriais e arquipelágicas dos Estados costeiN
ros (BöhmNAmolly, 2011, pp. 61, 63).
Com o propósito de facilitar a investigação de delitos de caraterísticas simiN
lares à pirataria marítima, mas que ocorram nas águas interiores, territoriais ou
arquipelágicas dos Estados ribeirinhos, a “International Maritime Organization”
(IMO) promulgou a Resolução A.1025(26) “Code of Practice for the Investigation
of Crimes of Piracy and Armed Robbery against Ships”. Esta resolução definiu
como “assalto à mão armada contra navios” todos os atos de caráter semelhanN
te à pirataria marítima, mas cometidos nas águas interiores, territoriais ou
arquipelágicas dos Estados costeiros2.
b.b.b.b. As causasAs causasAs causasAs causas da pirataria marítima da pirataria marítima da pirataria marítima da pirataria marítima
O ressurgimento da pirataria na era moderna está associado a diversos fatoN
res. De entre estes destacaNse o aumento verificado no transporte marítimo
mundial, pois o incremento do número de navios, associado à quantidade de
portos que existe um pouco por todo o Mundo, proporciona aos piratas um
vasto leque de alvos e perspetivas de lucro tentadoras. Por outro lado, uma
parte significativa do transporte marítimo atravessa passagens estreitas e altaN
mente congestionadas. Nestes pontos os navios têm de reduzir significativaN
mente a velocidade para transitarem em segurança, o que os torna mais
vulneráveis a ataques (Chalk, 2008, pp. 10N11).
Os fatores socioeconómicos são outro elemento a contribuir para o aumento
da pirataria. No Sudeste Asiático, a crise económicoNfinanceira da década de 90
foi particularmente relevante para o elevado número de ataques verificado no
início do século XXI. A crise não só impele mais pessoas para esta atividade
ilícita, como também priva os Estados dos fundos necessários para assegurar
um patrulhamento eficaz das zonas marítimas sob sua soberania ou jurisdição
(Chalk, 2008, p. 11).
Na Somália, após a queda do governo em 1991, diversas embarcações
estrangeiras começaram a pescar ilegalmente nas suas águas. Simultaneamente,
procuraram desincentivar a atividade piscatória somali, recorrendo para tal ao
uso de armas de fogo, à destruição de artes de pesca e ao abalroamento de
embarcações somalis. Desta forma, os somalis que não desistiram de pescar tiveN
ram de armar as suas embarcações, para o caso de recontros com embarcações
ilegais. EnquadraNse nesta escalada de violência o sequestro, em agosto de 2005,
2 Doravante, por uma questão de simplificação, sempre que tal não coloque em causa o rigor da escrita, será utilizado o termo “pirataria” para referir indiferenciadamente atos que configurem situações de “pirataria marítima” ou de “assalto à mão armada contra navios”.
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
75
de três arrastões de Taiwan e o subsequente pedido de resgate (Lehr, 2007, p. 5).
Sem meios de subsistência, armados e habituados a lutar com embarcações de
pesca igualmente armadas, os pescadores somalis rapidamente se aperceberam
que a navegação comercial era uma presa muito mais fácil e lucrativa.
Com o propósito de explicar os motivos que conduziram ao aumento da
pirataria somali a partir de 2005, surgem duas teses diferentes. A primeira
defende que o aumento é devido ao tsunami, que no dia 26 de dezembro de 2004
devastou a orla costeira da Somália, matando entre 40.000 a 50.000 pessoas.
Esta catástrofe deixou sem meios de subsistência grande parte da população,
que terá encontrado na pirataria a única forma de sustento. A segunda defende
que a resposta está na luta pelo poder entre as fações rivais em confronto. O
embargo imposto provocou um aumento de 85% no preço das armas, fazendo
com que as fações em luta precisassem de mais dinheiro para as adquirir, dediN
candoNse por isso à pirataria (Lehr, 2007, pp. 14N15).
O recurso à pirataria para financiar atividades ilícitas, não se cinge à compra
de armas. Embora seja difícil de provar que dinheiro proveniente da pirataria
africana esteja a servir para financiar o terrorismo, existem indícios que parte
dos lucros provenientes dos ataques ao largo da Nigéria e dos Camarões está a
ser usado para treinar terroristas e financiar as suas atividades, sendo evidente
uma coordenação crescente entre o Boko Haram e a AlNQaeda no Magrebe
Islâmico (UNITAR/UNOSAT, 2014, pp. 32N33).
Por outro lado, os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 exerceram
uma grande pressão sobre os governos para investir em iniciativas de seguranN
ça interna, o que provocou uma diminuição dos recursos afetos à vigilância
marítima. Também a corrupção de alto nível, associada aos vazios legais exisN
tentes em alguns países, proporcionaram as condições necessárias para o
sequestro de navios e para o seu subsequente registo sob uma bandeira de
conveniência, para efeitos de comércio ilícito. Finalmente, o desenvolvimento
tecnológico e a proliferação mundial de pequenas armas de elevada sofisticaN
ção, proporcionaram aos piratas as condições necessárias para operarem com
sucesso, o que se constitui como mais um contributo para o aumento da pirataN
ria (Chalk, 2008, pp. 12N14).
De seguida vão ser analisados alguns dos aspetos mais relevantes da evoluN
ção da pirataria marítima, tendo em vista a caraterização do fenómeno na atuaN
lidade e a identificação de tendências de evolução.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
76
AAAA EVOLUÇÃO DA EVOLUÇÃO DA EVOLUÇÃO DA EVOLUÇÃO DA PIRATARIA MARÍTIMAPIRATARIA MARÍTIMAPIRATARIA MARÍTIMAPIRATARIA MARÍTIMA
A análise da evolução das ações de pirataria teve por base os dados dos relaN
tórios anuais do IMBNPRC, publicados entre 2004 e 2014. Estes dados refletem
os incidentes efetivamente reportados pela comunidade marítima a este centro,
localizado em Kuala Lumpur, Malásia. Apesar de nem todos os ataques serem
declarados pelas companhias de navegação, para evitar, por exemplo, o aumenN
to do prémio de seguro dos navios, consideraNse que os dados analisados são
suficientemente abrangentes para refletirem o fenómeno da pirataria marítima
no século XXI.
Com o propósito de conferir maior consistência à análise efetuada, na realiN
zação deste estudo foram consideradas as áreas geográficas indicadas na FigFigFigFiguNuNuNuN
rrrra 4.1,a 4.1,a 4.1,a 4.1, não existindo uma correspondência plena com as regiões dos relatórios
do IMBNPRC.
Figura 4.1. Áreas geográficas consideradas no estudoFigura 4.1. Áreas geográficas consideradas no estudoFigura 4.1. Áreas geográficas consideradas no estudoFigura 4.1. Áreas geográficas consideradas no estudo
Fonte: IMBNPRC.
A análise dos relatórios do IMBNPRC revela que, entre janeiro de 2000 e
dezembro de 2014, ocorreram 5119 incidentes relacionados com atos de pirataN
ria. Este número representa o somatório dos ataques bemNsucedidos e dos
falhados, encontrandoNse a evolução anual do número de incidentes retratada
na Figura 4.2Figura 4.2Figura 4.2Figura 4.23.
3 Em anexo encontraNse a discriminação pormenorizada da localização dos ataques.
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
77
Neste período, as regiões onde se registou uma maior incidência de atos
pirataria foram o Sudeste Asiático, o Golfo de Adém e Mar Vermelho, o SubN
continente Indiano e o Golfo da Guiné. Juntas, estas quatro regiões foram resN
ponsáveis por cerca de 81% dos casos reportados (Figura 4.3Figura 4.3Figura 4.3Figura 4.3).
A preponderância da pirataria nestes locais não é alheia às fracas condições
socioeconómicas das populações e à incapacidade revelada pelos Estados cosN
teiros para imporem a sua autoridade no mar. RegistaNse ainda o facto de estas
regiões serem cruzadas por algumas das principais rotas de transporte marítiN
mo, o que lhes confere uma importância acrescida (Figura 4.4Figura 4.4Figura 4.4Figura 4.4). Pela região do
Golfo de Adém passam, em média, 23.000 navios por ano, 8% do tráfego munN
dial de mercadorias, 40 a 50% dos petroleiros, e 26% do tráfego de contentores
(UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 30). A rota marítima alternativa obriga a contornar
o Cabo da Boa Esperança, o que duplica o tempo de viagem entre estes dois
continentes, com o consequente aumento dos custos de transporte, que necesN
sariamente será passado aos consumidores.
Figura 4.2. Evolução anual do número de inciFigura 4.2. Evolução anual do número de inciFigura 4.2. Evolução anual do número de inciFigura 4.2. Evolução anual do número de incidentes (2000dentes (2000dentes (2000dentes (2000NNNN2014)2014)2014)2014)
Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
78
Figura 4.3. Número de ataques de piratFigura 4.3. Número de ataques de piratFigura 4.3. Número de ataques de piratFigura 4.3. Número de ataques de pirataaaaria por região (2000ria por região (2000ria por região (2000ria por região (2000NNNN2014)2014)2014)2014)
Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).
Figura 4.4. PriFigura 4.4. PriFigura 4.4. PriFigura 4.4. Principais rotas marítimas do Muncipais rotas marítimas do Muncipais rotas marítimas do Muncipais rotas marítimas do Munnnndodododo
Fonte: UNITAR/UNOSAT (2014, p. 13).
Simultaneamente, estas regiões ficam na confluência de pontos de passagem
estratégicos. No caso particular do Estreito de Malaca, ao passar através dele a
navegação evita contornar as ilhas indonésias, poupando assim cerca de 3 dias
de viagem. A configuração particular do local, com zonas de largura inferior a 9
milhas náuticas e profundidades mínimas da ordem dos 25 metros, aumenta a
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
79
probabilidade de ocorrerem colisões e encalhes no decorrer dos ataques e obriga
os navios a reduzirem a velocidade, tornandoNos assim mais vulneráveis a ações
de pirataria (Guedes, 2008, p. 13). Por outro lado, a natureza arquipelágica do
território circundante proporciona aos piratas esconderijo para a realização de
emboscadas, e abrigo para se esconderem dos navios que patrulham a zona
(Lehr, 2007, p. 11). Esta região apresenta uma elevada densidade de tráfego maríN
timo, com 79.344 navios a cruzarem o estreito em 2014 (Marine Department
Malaysia, 2015), o que corresponde a uma média de mais de 217 navios por dia.
Simultaneamente, passam por este estreito cerca de 90% das importações de
petróleo do Japão e 80% das importações da China (Reuters, 2010). Deste modo,
qualquer perturbação no tráfego marítimo que se verifique nesta zona tem reperN
cussões no comércio regional e mundial, pelo que a segurança marítima da região
é de primordial importância.
Outra característica de algumas zonas de atividade pirata é o facto de serem
regiões de elevado valor acrescentado, como é o caso do Golfo da Guiné. Em
2014, cerca de 13% das importações de petróleo da Europa foi proveniente do
Golfo da Guiné, enquanto a China e a Índia, dois países com um elevado ritmo
de crescimento económico, importaram desta região, respetivamente, cerca de
15% e 14%. Curiosamente, os Estados Unidos da América (EUA) tem vindo a
diminuir a sua dependência energética da região. Em 2011, aproximadamente
12% do petróleo importado era proveniente desta região, verificandoNse que em
2013 esse número baixou para cerca de 7%, enquanto em 2014 apenas 3.7% do
petróleo importado pelos EUA era desta região (BP, 2015, p. 18).
Contudo, o fenómeno da pirataria tem evoluído de forma diferente nestas
quatro regiões. Se no princípio do presente século o Sudeste Asiático era a
região onde este fenómeno se encontrava mais presente, a região do Golfo de
Adém e Mar Vermelho foi a grande responsável pelo aumento do número de
incidentes verificado entre 2009 e 2011. Relativamente a estas duas regiões, é de
assinalar o recrudescimento da pirataria marítima no Sudeste Asiático a partir
de 2009, e a queda abrupta do número de ataques no Golfo de Adém e Mar
Vermelho a partir de 2011 (Figura 4.5Figura 4.5Figura 4.5Figura 4.5).
Contrariamente ao que se poderia pensar, o local onde se registaram mais
ataques no Sudeste Asiático foi a Indonésia e não o Estreito de Malaca. Aquele
país é mesmo o grande responsável pelo aumento do número de ataques verifiN
cado na região a partir de 2009, não sendo indiferente a este aumento as condiN
ções políticas e socioeconómicas que se fazem sentir no país. No período
analisado a Indonésia é responsável por cerca de 59% dos casos, enquanto o
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
80
Estreito de Malaca é responsável por apenas 11%, logo seguido pela Malásia
(10%) e pelo Vietname (7%).
Relativamente ao Golfo de Adém e Mar Vermelho, cerca de 90% dos ataques
verificouNse na Somália (52%) e no Golfo de Adém (38%).
Nos últimos anos não se registaram variações muito significativas no númeN
ro de ataques realizados no Subcontinente Indiano e no Golfo da Guiné. No
entanto, em 2014, o número de casos registados nestas duas regiões continua a
ser um motivo de preocupação para a comunidade internacional. No SubcontiN
nente Indiano a esmagadora maioria dos casos verificouNse no Bangladesh
(62%) e na Índia (36%). Por sua vez, na região do Golfo da Guiné, a Nigéria é o
país onde o problema atinge uma maior dimensão, registandoNse aqui cerca de
63% dos ataques efetuados na região.
Considerando um período de 24 horas, verificouNse que os piratas atacaram
sobretudo durante o dia, especialmente aos primeiros alvores. No entanto, tamN
bém se registaram ataques durante a noite, mas apenas quando as condições
meteorológicas eram favoráveis e a lua cheia proporcionava uma visibilidade
suficiente. Relativamente ao dia da semana em que os ataques foram desferidos,
não se apurou nenhum padrão. Ainda assim, constatouNse que a sextaNfeira foi o
dia de menor atividade (UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 28).
Figura 4.5. Evolução anual do número de incFigura 4.5. Evolução anual do número de incFigura 4.5. Evolução anual do número de incFigura 4.5. Evolução anual do número de inciiiidentes por região (2000dentes por região (2000dentes por região (2000dentes por região (2000NNNN2014)2014)2014)2014)
Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).
No respeitante à época do ano em que os ataques foram perpetrados, verifiN
couNse a existência de uma certa sazonalidade. De facto, apesar da Figura 4.6 Figura 4.6 Figura 4.6 Figura 4.6
apresentar os ataques que foram reportados ao IMBNPRC independentemente da
região geográfica onde estes ocorreram, verificouNse que durante as monções de
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
81
inverno (dezembro, janeiro e fevereiro) e de verão (junho, julho e agosto) o
número de ataques foi inferior ao registado durante a época seca. AcreditaNse
que esta sazonalidade ainda seria mais evidente se os dados analisados se cinN
gissem apenas às regiões do Oceano Índico e do Sudeste Asiático, onde o
fenómeno das monções é particularmente intenso.
Figura 4.6. Distribuição dos ataques ao longo do ano (2004Figura 4.6. Distribuição dos ataques ao longo do ano (2004Figura 4.6. Distribuição dos ataques ao longo do ano (2004Figura 4.6. Distribuição dos ataques ao longo do ano (2004NNNN2014)2014)2014)2014)
Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).
O exame dos dados dos últimos quinze anos evidencia uma clara preferência
dos piratas por navios graneleiros, de transporte de produtos químicos, portaN
contentores, de carga geral e petroleiros (Figura 4.7Figura 4.7Figura 4.7Figura 4.7). Estes navios são normalN
mente de grandes dimensões, o que reduz a sua capacidade para proceder a
rápidas alterações de rumo e velocidade. Por vezes, também apresentam pontos
de acesso ao seu interior, próximos da linha de água, o que aumenta a probabiliN
dade de sucesso dos ataques. A experiência indica que os piratas atacam, sobreN
tudo, navios lentos e com um costado baixo. De facto, não há registo de ataques
bemNsucedidos a navios que se encontrassem a navegar a velocidades superiores
a 18 nós e os dados revelam que navios com um costado superior a 8 metros têm
mais probabilidades de escapar a um ataque pirata (UKMTO, 2011, pp. 6, 7).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
82
Figura 4.7. PrincFigura 4.7. PrincFigura 4.7. PrincFigura 4.7. Princiiiipais tipos de navios atacados (2000pais tipos de navios atacados (2000pais tipos de navios atacados (2000pais tipos de navios atacados (2000NNNN2014)2014)2014)2014)
Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015)
Atualmente os piratas são detentores de equipamento sofisticado, que inclui
armas de fogo automáticas, RPG’s, meios de comunicação VHF e satélite, equiN
pamentos GPS e lanchas rápidas a operarem a partir de uma embarcação prinN
cipal de maior porte. ConsideraNse importante criar instrumentos que permitam
a neutralização das fontes de financiamento dos piratas, pois o investimento em
equipamentos de alta tecnologia trouxe mais mobilidade e eficácia aos piratas,
contribuindo para um aumento do número de possíveis alvos e da distância a
costa dos ataques (Lehr & Lehmann, 2007, pp. 16N17), sobretudo ao largo da
Somália e até 2011 (Figura 4.8).Figura 4.8).Figura 4.8).Figura 4.8). A partir desse ano a distância média a costa dos
ataques caiu de 400 km, em 2011, para 50 km, em 2013, o que incidia uma dimiN
nuição da capacidade de operação dos piratas somalis (UNITAR/UNOSAT,
2014, p. 5).
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
83
Figura 4.8. Distância a costa da pirFigura 4.8. Distância a costa da pirFigura 4.8. Distância a costa da pirFigura 4.8. Distância a costa da piraaaataria no Golfo de Adém (2005taria no Golfo de Adém (2005taria no Golfo de Adém (2005taria no Golfo de Adém (2005NNNN2011)2011)2011)2011)
Fonte: UNITAR/UNOSAT (2014, p. 22).
Apesar da melhoria registada na capacidade de defesa própria dos navios,
entre 2004 e 2014 foram sequestrados 323 navios, nas mais diversas regiões do
Mundo. É de assinalar que não se verificaram quaisquer sequestros na África
Oriental, Mar Mediterrâneo, Caraíbas, América Central e América do Sul (FigFigFigFiguNuNuNuN
ra 4.9ra 4.9ra 4.9ra 4.9). A duração média dos sequestros do navio e da sua tripulação ultrapassa
os 7 meses (UKMTO, 2011, p. 1).
No período compreendido entre 2008 e 2011, verificouNse um pico no númeN
ro de navios sequestrados, devido ao aumento da atividade pirata no Corno de
África. Nestes quatro anos foram sequestrados 196 navios, tendo o valor máxiN
mo anual sido atingido em 2010, com 53 navios sequestrados. Na totalidade do
período analisado cerca de 66% dos sequestros ocorreram na região do Golfo
de Adém e Mar Vermelho. Na região do Golfo da Guiné este fenómeno também
está bastante presente deste 2011, registandoNse desde esse ano, em média,
quase oito sequestros por ano.
Em 2012, começou a sentirNse um decréscimo no número de sequestros, até
se atingir o valor mínimo de 12 sequestros, em 2013. Em 2014, voltou a verifiN
carNse um novo aumento, sendo a região do Sudeste Asiático aquela onde se
registou o maior número, com 15 dos 21 casos verificados nesse ano. É ainda de
assinalar que em 2014 não se verificou qualquer sequestro na região do Golfo
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
84
de Adém e Mar Vermelho, o que se ficará a dever à presença de forças militares
na região.
No Sudeste Asiático, no Subcontinente Indiano e no Golfo da Guiné, a maior
parte dos ataques aconteceram com os navios fundeados. Esta situação pode
indiciar que nestas regiões a maior parte dos ataques configuraram situações
de assalto à mão armada contra navios, pois normalmente os navios fundeiam
nas proximidades de terra, ou seja, no mar territorial do país. Já na região do
Golfo de Adém e Mar Vermelho a maior parte dos ataques aconteceu com os
navios a navegar (Figura 4.10(Figura 4.10(Figura 4.10(Figura 4.10).
No Golfo da Guiné o número de ataques com o navio fundeado conheceu
uma queda abrupta em 2013 e 2014, tendo a distância média a terra dos ataques
praticamente duplicado, o que poderá deverNse a um patrulhamento mais eficaz
dos espaços marítimos por parte dos Estados costeiros (UNITAR/UNOSAT,
2014, p. 22).
Figura 4.9. Figura 4.9. Figura 4.9. Figura 4.9. Número de navios sequestrados por ano em cada regNúmero de navios sequestrados por ano em cada regNúmero de navios sequestrados por ano em cada regNúmero de navios sequestrados por ano em cada região (2004ião (2004ião (2004ião (2004NNNN2014)2014)2014)2014)
Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).
Figura 4.10.Figura 4.10.Figura 4.10.Figura 4.10. Situação dos navios quando atacados (2004 Situação dos navios quando atacados (2004 Situação dos navios quando atacados (2004 Situação dos navios quando atacados (2004NNNN2014)2014)2014)2014)
Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
85
OOOOS CUSTOS HUMANOS E ES CUSTOS HUMANOS E ES CUSTOS HUMANOS E ES CUSTOS HUMANOS E ECONÓMICOCONÓMICOCONÓMICOCONÓMICOS ASSOCIS ASSOCIS ASSOCIS ASSOCIAAAADOS À PIRATARIADOS À PIRATARIADOS À PIRATARIADOS À PIRATARIA
Num Mundo cada vez mais globalizado e interdependente, as implicações da
pirataria marítima não se fazem sentir apenas nos Estados costeiros atingidos
por este flagelo, afetando a generalidade dos países do globo. De seguida proN
curarNseNá dar uma visão geral de alguns dos custos humanos e económicos
associados à pirataria.
a.a.a.a. Custos humanosCustos humanosCustos humanosCustos humanos
Relativamente ao nível de violência a que as tripulações dos navios foram
sujeitas, tendo em consideração o número de reféns, feridos, mortos, raptados
ou desaparecidos, a região do Golfo de Adém e Mar Vermelho destacaNse como
sendo aquela em que se verificou um maior número de ocorrências. Em 2010 foi
atingido um pico de 1037 ocorrências e em 2011 registouNse um igual número
(Figura 4.11Figura 4.11Figura 4.11Figura 4.11). Fruto do já referido esforço de patrulhamento da comunidade
internacional, o número de ocorrência caiu abruptamente nesta região em 2012
e 2013, e em 2014 não se registou qualquer incidente.
Ao contrário do sucedido nas outras regiões, no último ano verificouNse um
aumento do número de ocorrência no Sudeste Asiático.
Figura 4.11. Evolução anual do número de reféns, feridos, mortos, Figura 4.11. Evolução anual do número de reféns, feridos, mortos, Figura 4.11. Evolução anual do número de reféns, feridos, mortos, Figura 4.11. Evolução anual do número de reféns, feridos, mortos,
raptados ou desaparraptados ou desaparraptados ou desaparraptados ou desapareeeecidos (2004cidos (2004cidos (2004cidos (2004NNNN2014)2014)2014)2014)
Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).
Se passarmos a considerar na análise apenas o número de raptados, feridos
e mortos, procurando assim destacar as situações em que se verificou um maior
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
86
nível de violência, constataNse que o Golfo da Guiné foi a região onde os ataques
foram mais violentos (Figura 4.12Figura 4.12Figura 4.12Figura 4.12).
Figura 4.1Figura 4.1Figura 4.1Figura 4.12. Número de raptados, feridos e mortos por região (20042. Número de raptados, feridos e mortos por região (20042. Número de raptados, feridos e mortos por região (20042. Número de raptados, feridos e mortos por região (2004NNNN2014)2014)2014)2014)
Fonte: Elaboração própria tendo por base IMBNPRC (2004 a 2015).
b.b.b.b. Custos económicos Custos económicos Custos económicos Custos económicos
Estudos efetuados pelo IMB estimaram que os custos anuais da pirataria para a
indústria marítima se situavam entre 1 e 16 biliões de dólares (Chalk, 2008, p. 16)4.
Como parte integrante do projeto “Oceans Beyond Piracy”, a “One Earth
Future Foundation” conduziu um estudo cujos resultados foram divulgados em
três relatórios, publicados respetivamente em 2011, 2012 e 2013. Este estudo
estimou que os custos totais da pirataria ao largo da Somália se tivessem situaN
do entre 7 e 12 biliões de dólares, em 2010 (One Earth Future Foundation, 2011,
p. 2), entre 6.6 e 6.9 biliões de dólares, em 2011 (One Earth Future Foundation,
2012, p. 1), e entre 5.7 e 6.1 biliões de dólares, em 2012 (One Earth Future
Foundation, 2013, p. 1). EstimouNse que aproximadamente 80% destes valores
tenha sido suportado pela indústria marítima e que os restantes 20% tenham
sido pagos pelos Estados, ou seja, pelos contribuintes. Em 2013, um estudo
preliminar desta mesma Fundação estimou que a pirataria marítima na África
Ocidental e no Golfo da Guiné teve, em 2012, um impacto direto sobre a ecoN
nomia situado entre os 740 e os 950 milhões de dólares (UNCTAD, 2014a, p. 14).
Em 2013, o Banco Mundial estimou, com uma margem de erro de aproxiN
madamente 6 biliões de dólares, que em 2010 os custos globais para a economia
4 Os números apresentados são biliões americanos que correspondem a mil milhões euroNpeus.
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
87
da pirataria no Golfo de Adém se tivessem situado nos 18 biliões de dólares
(World Bank, 2013, p. 5).
Esta disparidade de números é reveladora da dificuldade em estimar rigoroN
samente os custos associados à pirataria marítima. Determinados autores conN
sideram que é importante distinguir entre custos suportados pelos Estados
(pagos pelos contribuintes), custos dos seguros (suportados pelos consumidoN
res) e custos de oportunidade (e.g. impacte no turismo). Consideram ainda que
é fundamental distinguir os verdeiros custos da pirataria marítima dos lucros
das empresas que desenvolvem a sua atividade em torno do combate a este
flagelo, devendo os lucros ser deduzidos aos custos (Archer & Pelton, 2012).
Para uma maior discriminação dos custos económicos associados à pirataria
marítima, a “United Nations Conference on Trade and Development” considera
custos diretos e indiretos. Relativamente aos custos diretos são considerados os
seguintes: (i) custos devido aos resgates pagos para libertar navios e tripulantes
sequestrados; (ii) custos relacionados com a condução de operações militares de
combate à pirataria; (iii) custos associados à aquisição de equipamento de seguN
rança e à contratação de guardas para proteger navios e tripulações; (iv) custos
resultantes do redireccionamento dos navios para outras rotas (e.g. Cabo da
Boa Esperança); (v) custos inerentes ao aumento da velocidade; (vi) custos laboN
rais mais elevados devido ao pagamento de um prémio de risco aos tripulantes;
(vii) custos relacionados com o julgamento e a prisão de piratas; (viii) custos
associados ao aumento do prémio do seguro em resultado das zonas de ativiN
dade pirata intensa serem consideradas áreas de risco de guerra; e (ix) custos
relativos ao funcionamento de organizações nacionais e internacionais de luta
contra a pirataria (UNCTAD, 2014a, pp. 15N21).
No respeitante aos custos indiretos da pirataria destacamNse os seguintes: (i)
custos relacionados com a diminuição do movimento de navios nos portos da
região afetada pelo fenómeno; (ii) aumento do custo de transporte de mercadoN
rias para os Estados encravados (sem acesso direto ao mar), devido à necessiN
dade dos produtos efetuarem maiores percursos terrestres para chegarem ao
seu destino; (iii) custos para o comércio global e regional, na medida em que a
pirataria provoca disrupções no transporte marítimo; (iv) custos associados ao
aumento do preço da energia, pois como cerca de 45% do petróleo é transportaN
do por via marítima, qualquer perturbação no fluxo comercial tem como reflexo
imediato um aumento do seu preço; (v) delapidação dos recursos piscícolas, uma
vez que a falta de segurança marítima pode conduzir a situações de sobrepesca,
afetando a economia local e regional; (vi) aumento do preço dos alimentos, porN
quanto os navios graneleiros e de carga geral são dos mais atacados, e estes
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
88
navios transportam alimentos básicos; (vii) custos no setor do turismo, devido à
diminuição do número de turistas; e (viii) custos associados à poluição ambienN
tal, pois quando os piratas atacam petroleiros e navios de transporte de cargas
perigosas, o risco de desastre ambiental aumenta (UNCTAD, 2014a, pp. 21N36).
Na Tabela 4.1Tabela 4.1Tabela 4.1Tabela 4.1 são apresentados os custos económicos da marítima ao largo
da Somália, entre 2010 e 2012, identificados nos estudos desenvolvidos pela
“One Earth Future Foundation”.
Tabela 4.1. Custos económicos da pirataria marítima na SomáliaTabela 4.1. Custos económicos da pirataria marítima na SomáliaTabela 4.1. Custos económicos da pirataria marítima na SomáliaTabela 4.1. Custos económicos da pirataria marítima na Somália FatorFatorFatorFator 2010201020102010 2011201120112011 2012201220122012 Resgates $176 milhões $160 milhões $31.75 milhões Operações militares $2 biliões $1.27 biliões $1.09 biliões Equipamentos de segurança e guardas
$363 milhõesN$2.5 biliões
$1.064N$ 1.16 biliões
$1.65 a $2.06 biliões
Redireccionamento de navios $2.4N$3 biliões $486N$681 milhões
$290.5 milhões
Aumento da velocidade N $2.71 biliões $1.53 biliões Custos laborais N $195 milhões $471.6 milhões Julgamento e prisão $31 milhões $16.4 milhões $14.89 milhões
Prémios de seguro $430 milhõesN$3.2
biliões $635 milhões $550.7 milhões
Organizações de luta contra a pirataria
$19.5 milhões $21.3 milhões $24.08 milhões
Custos para a economia regional $1.25 biliões N N
Custo total estimado $7N$12 biliões $6.6N$6.9 biliões
$5.7N$6.1 biliões
Fonte: One Earth Future Foundation (2011, 2012, 2013).
Na sequência da proliferação de atos de pirataria no Corno de África, com
os custos humanos e económicos anteriormente identificados, foram desenvolN
vidas diversas iniciativas com o objetivo de conter este flagelo. Os dados estatísN
ticos mais recentes indicam uma queda acentuada no número de atos de
pirataria, o que vem comprovar a eficácia das medidas aplicadas na luta contra
este fenómeno. Seguidamente serão analisadas algumas dessas medidas.
OOOO COMBATE À PIRATARIA COMBATE À PIRATARIA COMBATE À PIRATARIA COMBATE À PIRATARIA
A análise do combate à pirataria marítima começa pelo estudo dos instrumenN
tos legais à disposição dos Estados para reprimir este ilícito. Prossegue com a
identificação das boas práticas adotadas pela indústria marítima para mitigar o
fenómeno, com a enumeração dos instrumentos de cooperação regional e interN
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
89
nacional, e com a análise da resposta internacional militar. Termina abordando a
questão das empresas de prestação de serviços de segurança privada.
a.a.a.a. Os instrumentos jurídicos à disposição dos EstadosOs instrumentos jurídicos à disposição dos EstadosOs instrumentos jurídicos à disposição dos EstadosOs instrumentos jurídicos à disposição dos Estados
A CNUDM estabelece que “todos os Estados devem cooperar em toda a
medida do possível na repressão da pirataria no alto mar ou em qualquer outro
local que não se encontre sob a jurisdição de algum Estado” 5, podendo apresar
“no alto mar ou em qualquer outro lugar não submetido à jurisdição de qualquer
Estado, um navio ou aeronave pirata”6. O apresamento só pode ser efetuado por
navios de guerra ou aeronaves militares, ou outros navios ou aeronaves passíN
veis de serem identificados como estando ao serviço de um governo e que esteN
jam para tal autorizados7. Contudo, quando um ato desta índole é cometido nas
águas interiores, territoriais ou arquipelágicas dos Estados costeiros, é da comN
petência das autoridades desse mesmo Estado tomar as medidas necessárias
para reprimir o ilícito.
Apesar de a CNUDM estabelecer a obrigação de todos os Estados cooperaN
rem na repressão da pirataria, não impõe a criminalização deste ilícito na legisN
lação nacional de cada país, nem obriga os Estados a julgarem atos desta
natureza. Estes passos poderiam ser importantes no combate a este fenómeno,
pois para que os piratas possam ser julgados e punidos, é necessário que a piraN
taria esteja tipificada como crime no direito interno de cada Estado e que este
seja considerado de jurisdição universal. Só assim será possível julgar os alegaN
dos criminosos, independentemente da sua nacionalidade e do local onde o
delito foi cometido. Quando o navio que apresou os suspeitos de pirataria perN
tence a um Estado que não tem este crime tipificado no seu enquadramento
jurídico, este país só tem competência para julgar o ilícito se o mesmo tiver sido
concretizado a bordo de um navio que arvore o seu pavilhão, ou se um cidadão
seu nacional tiver sido o agente ou a vítima do crime (Correia, 2009, p. 23).
Para além da CNUDM, existem outras convenções internacionais que
podem desempenhar um papel relevante na prevenção e no combate à pirataria
marítima. De entre estas destacaNse a “Convenção para a Supressão de Atos
Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima”8, que sem se referir expresN
samente à pirataria, estabelece mecanismos jurídicos de repressão que podem
5 Artigo 100.º da CNUDM. 6 Artigo 105.º da CNUDM. 7 Artigo 107.º da CNUDM. 8 Celebrada em Roma, em 1988. Foi aprovada na sequência do atentado terrorista contra o paquete italiano “Achille Lauro”, em 1985. A nova versão desta convenção data de 2005 e decorreu dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
90
ser usados no combate a este flagelo. Esta convenção, de alguma forma, comN
plementa as disposições da CNUDM sobre a pirataria, uma vez que tipifica mais
ameaças à segurança da navegação. Obriga, ainda, os Estados Parte a extradiN
tarem ou julgarem os alegados criminosos (UNCTAD, 2014b, p. 15).
Não especificamente relacionadas com os assuntos marítimos, mas possuinN
do mecanismos que também podem contribuir para o combate à pirataria maríN
tima, existem ainda a “Convenção Internacional Contra a Tomada de Reféns” e
a “Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada TransnaN
cional”. A primeira convenção visa desenvolver a cooperação internacional
entre Estados na elaboração e adoção de medidas eficazes para a prevenção,
julgamento e punição de todos os atos relacionados com a tomada de reféns,
enquanto manifestações de terrorismo internacional. Por sua vez, a segunda
convenção tem por objetivo promover a cooperação para prevenir e combater,
de uma forma mais efetiva, o crime organizado transnacional (UNCTAD, 2014b,
pp. 21, 23).
b.b.b.b. As boas práticas adotadas pela indústria marítimaAs boas práticas adotadas pela indústria marítimaAs boas práticas adotadas pela indústria marítimaAs boas práticas adotadas pela indústria marítima
Nos últimos anos têmNse registado progressos significativos no combate à
pirataria, em resultado da implementação generalizada das medidas preconizaN
das nas “Best Management Practices for Protection against Somalia Based
Piracy”. Desenvolvida pela comunidade marítima, a primeira versão deste
documento foi promulgada pela IMO, em junho de 2009. Na quarta e mais
recente versão deste documento, promulgada em setembro de 2011, são recoN
mendadas uma série de medidas com o intuito de contribuir para a redução da
vulnerabilidade dos navios.
Essas medidas compreendem três aspetos fundamentais, que passam por: (i)
prestar atenção à informação de segurança marítima difundida pelos centros
regionais especializados; (ii) registar, sempre que aplicável, o navio no centro
responsável pela monitorização da região, e reportar a esse centro a entrada e
saída do navio da zona de risco; e (iii) implementar as medidas de defesa próN
pria do navio (UNCTAD, 2014b, p. 36).
Na região do Sudeste Asiático podem ser contactados o IMBNPCR ou o
“Regional Cooperation Agreement on Combating Piracy and Armed Robbery
against Ships in Asia” (ReCAAP). Na região do Corno de África, antes da entraN
da na área perigosa os navios devem ser registados no “Maritime Security Centre
– Horn of Africa” (MSCHOA), e os relatos diários e de entrada e saída da zona de
risco devem ser reportados ao “United Kingdom Maritime Trade Operations”
(UKMTO). Em 2011 foram criados os “Djibouti Code of Conduct Information
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
91
Sharing Centers”, localizados no Iémen, Quénia e na Tanzânia, e o “NATO
Shipping Centre”. Todos os centros anteriormente indicados foram especificaN
mente criados no âmbito do combate à pirataria e partilham a informação entre
si (UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 6).
De entre as medidas de defesa própria recomendadas, destacaNse as seguinN
tes: (i) durante o trânsito nas zonas onde a ameaça pirata é efetiva, utilizar
manobras evasivas e aumentar a velocidade do navio para mais de 18 nós; (ii)
aumentar a vigilância visual e radar; (iii) reforçar a proteção da ponte e do pesN
soal que nela trabalha; (iv) controlar os acessos à ponte, aos alojamentos e aos
espaços de máquinas; (v) colocar na borda do navio e nos pontos de acesso ao
seu interior, barreiras de arame farpado ou redes eletrificadas; (v) usar canhões
de água; e (vi) preparar uma área do navio para funcionar como cidadela
(UKMTO, 2011, pp. 11, 23, 25, 28N30, 32, 35, 37).
Relativamente à utilização do “Automatic Identification System” (AIS)9, o
UKMTO recomenda que este seja deixado ligado durante o trânsito pela área de
risco, de modo a proporcionar às forças navais informação sobre a navegação
efetuada pelo navio. A informação transmitida pelo equipamento deverá cingirN
se aos dados dinâmicos. Contudo, se o comandante do navio considerar que a
sua utilização aumenta a vulnerabilidade do navio, pois a informação transmitiN
da também fica disponível para os piratas, poderá desligar o equipamento
(UKMTO, 2011, p. 18).
c.c.c.c. A cooperação regional e internacionalA cooperação regional e internacionalA cooperação regional e internacionalA cooperação regional e internacional
Relativamente aos instrumentos de cooperação regional e internacional de
combate à pirataria marítima, vão ser referidos apenas aqueles que atingiram
uma maior notoriedade internacional.
(1). O “Djibouti Code of Conduct” O “Djibouti Code of Conduct” O “Djibouti Code of Conduct” O “Djibouti Code of Conduct” –––– O “Djibouti Code of Conduct”, adotado em
janeiro de 2009, visa reprimir as ações de pirataria contra navios no OceaN
no Índico Ocidental e no Golfo de Adém. Os signatários deste código acorN
daram em cooperar nos seguintes domínios: (i) investigação, detenção e
acusação de pessoas suspeitas da prática de atos de pirataria; (ii) interdição
e apreensão de navios piratas e dos bens a bordo; (iii) resgate de navios,
9 O AIS é um equipamento que permite transmitir e receber, via rádio, informação releNvante sobre os navios equipados com o sistema. A informação transmitida divideNse em 3 categorias: (i) dados dinâmicos (posição, exatidão de posicionamento, rumo, proa, velocidaNde e marcha da guinada); (ii) dados estáticos (nome do navio, número internacional, identifiNcativo de chamada, comprimento, boca e tipo de navio); e (iii) dados relacionados com a viagem (calado, tipo de carga, porto de destino e data e hora prevista para a chegada).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
92
pessoas e bens alvos de ações de pirataria, e prestação de cuidados aproN
priados, tratamento e repatriamento de tripulantes, passageiros e pescaN
dores; e (iv) condução de operações entre Estados signatários e com as
marinhas de países de outras regiões (UNCTAD, 2014b, pp. 38N39).
Este código também procura incentivar a partilha de informação entre
Estados, tendo sido criados para esse efeito os já referidos “Djibouti Code
of Conduct Information Sharing Centres”. Tem ainda apresentado bons
resultados nas áreas do treino, produção de legislação nacional e edificaN
ção de capacidades (UNCTAD, 2014b, p. 39).
(2). O “Contact Group on Piracy off the Coast of Somalia” O “Contact Group on Piracy off the Coast of Somalia” O “Contact Group on Piracy off the Coast of Somalia” O “Contact Group on Piracy off the Coast of Somalia” –––– O “Contact
Group on Piracy off the Coast of Somalia” foi constituído em janeiro de
2009, na sequência da resolução 1851 de 16 de dezembro de 2008, do
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Localizado em Nova Iorque,
este fórum internacional, que tem como missão coordenar o combate
internacional à pirataria ao largo da Somália, juntou mais de 60 países e
organizações internacionais.
O grupo de contacto encontraNse dividido em cinco grupos de trabalho,
estando cada grupo focado no seguinte: (i) o grupo de trabalho 1 coordeN
na as operações navais e o esforço internacional para a edificação das
capacidades judicial, penal e marítima dos Estados da região; (ii) o grupo
de trabalho 2 proporciona aconselhamento jurídico sobre aspetos legais
relacionados com a luta contra o terrorismo; (iii) o grupo de trabalho 3
analisa e propõe medidas para melhorar a capacidade de defesa própria
dos navios; (iv) o grupo de trabalho 4 alerta para os perigos da pirataria e
difunde recomendações relativamente às melhores práticas a adotar para
erradicar o fenómeno; e (v) o grupo de trabalho 5 trabalha com entidades
policiais, judiciais e bancárias, de modo a compreender os fluxos finanN
ceiros ilícitos resultantes da pirataria e a combater esta atividade em terra
(UNCTAD, 2014b, pp. 40N41).
(3). O “Code of Conduct Concerning the Repression of Piracy, Armed RoO “Code of Conduct Concerning the Repression of Piracy, Armed RoO “Code of Conduct Concerning the Repression of Piracy, Armed RoO “Code of Conduct Concerning the Repression of Piracy, Armed RobNbNbNbN
bery Against Ships and Illicit Maritime Activity in West and Central Abery Against Ships and Illicit Maritime Activity in West and Central Abery Against Ships and Illicit Maritime Activity in West and Central Abery Against Ships and Illicit Maritime Activity in West and Central AfNfNfNfN
rica”rica”rica”rica” –––– Assinado em junho de 2013 por 22 Estados do Golfo da Guiné e da
África Ocidental, o “Code of Conduct Concerning the Repression of PiN
racy, Armed Robbery Against Ships and Illicit Maritime Activity in West
and Central Africa” foi elaborado tendo como referência o “Djibouti Code
of Conduct”, pelo que incorpora muitos dos seus elementos. Os Estados
signatários comprometemNse a cooperar na repressão da pirataria, do
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
93
crime organizado transnacional, do terrorismo marítimo, da pesca ilegal
e de outras atividades ilícitas no mar.
À semelhança do “Djibouti Code of Conduct”, este código procura: (i)
incentivar a partilha de informações entre Estados; (ii) impedir a utilizaN
ção de aeronaves e navios suspeitos de conduzir atividades ilegais; (iii)
assegurar a detenção e acusação de pessoas suspeitas de cometer ilícitos;
e (iv) proporcionar cuidados adequados às vítimas de violência no mar
(UNCTAD, 2014b, p. 41).
(4). O “Regional Cooperation Agreement on Combating Piracy and Armed O “Regional Cooperation Agreement on Combating Piracy and Armed O “Regional Cooperation Agreement on Combating Piracy and Armed O “Regional Cooperation Agreement on Combating Piracy and Armed
Robbery Against Ships in Asia” Robbery Against Ships in Asia” Robbery Against Ships in Asia” Robbery Against Ships in Asia” –––– Antes do surgimento da pirataria no
Golfo de Adém, o fenómeno estava particularmente presente no Sudeste
Asiático. Esta situação levou à criação do ReCAAP em novembro de
2004, que conta atualmente com 19 Estados Parte.
Estes Estados comprometemNse ao seguinte: (i) combater a pirataria; (ii)
deter piratas; (iii) apreender navios ou aeronaves usadas em ações de
pirataria, bem como os bens que se encontrem a bordo; e (iv) resgatar
navios e pessoas vítimas de pirataria. Está ainda prevista a possibilidade
dos piratas serem extraditados para outro Estado Parte que tenha jurisdiN
ção sobre os ilícitos cometidos, bem como a assistência jurídica mútua em
matéria penal e o desenvolvimento de capacidades para prevenir e
reprimir a pirataria.
O acordo promoveu a criação do “ReCAAP InformationNsharing Centre”,
com os objetivos de facilitar a troca de informação entre os Estados Parte
e recolher e analisar dados que permitam melhor compreender a real
situação da pirataria na Ásia (UNCTAD, 2014b, pp. 44N45).
(5). O “United Kingdom Maritime Trade Operations” O “United Kingdom Maritime Trade Operations” O “United Kingdom Maritime Trade Operations” O “United Kingdom Maritime Trade Operations” –––– O UKMTO, localizado
no Dubai, Emirados Árabes Unidos, é o principal ponto de contacto para
os navios mercantes em trânsito pelo Golfo de Adém e Corno de África e
para a ligação com as forças navais presentes na região. Esta entidade gere
a informação enviada periódica e voluntariamente pelos navios mercantes,
nomeadamente os seus relatórios diários, em que os navios indicam a sua
posição, rumo, velocidade e hora prevista de chegada ao próximo porto.
Posteriormente, esta informação é enviada para o MSCHOA, “NATO
Shipping Centre” e “Maritime Liaison Office” (MARLO).
Qualquer informação relevante que possa afetar a navegação mercante é
passada diretamente aos navios, e não aos seus armadores, evitando
assim perdas de tempo desnecessárias (UKMTO, 2011, p. 85).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
94
(6). O “Maritime Security Centre O “Maritime Security Centre O “Maritime Security Centre O “Maritime Security Centre –––– Horn of Africa” Horn of Africa” Horn of Africa” Horn of Africa” –––– O MSCHOA é uma iniN
ciativa da “European Union Naval Force Somalia” (EU NAVFOR) para
apoiar a condução da operação “Atalanta”, desenvolvida em estreita
colaboração com a indústria marítima. Este centro multinacional, operaN
do por civis e militares, monitoriza em permanência os navios em trânsito
pelo Golfo de Adém, Somália e Corno de África, e difunde informação
sobre a atividade pirata na região (UKMTO, 2011, p. 83).
(7). O “NATO Shipping Centre” O “NATO Shipping Centre” O “NATO Shipping Centre” O “NATO Shipping Centre” –––– O “NATO Shipping Centre” é o principal
ponto de contacto da “Organização do Tratado do Atlântico Norte”
(OTAN) com a comunidade marítima. É utilizado por esta organização
para comunicar e coordenar iniciativas e esforços com outros atores miliN
tares, nomeadamente com o UKMTO, MSCHOA e MARLO, bem como
com a comunidade marítima, apoiando assim o esforço de combate à
pirataria (UKMTO, 2011, p. 84).
(8). O “Maritime Liaison Office” O “Maritime Liaison Office” O “Maritime Liaison Office” O “Maritime Liaison Office” – A missão do MARLO é promover a troca
de informações entre a Marinha dos EUA, as “Combined Maritime ForN
ces” e a navegação mercante, na área de responsabilidade do “U.S. CenN
tral Command”.
O MARLO disponibiliza diversa informação de segurança marítima e
constituiNse como um ponto contacto secundário para a navegação merN
cante em perigo, funcionando como alternativa ao UKMTO (UKMTO,
2011, p. 83).
d.d.d.d. A resposta internacional militarA resposta internacional militarA resposta internacional militarA resposta internacional militar
O combate à pirataria marítima também se tem traduzido no empenhamento
de meios militares no patrulhamento de áreas onde esta ameaça é efetiva. O
emprego destes meios é particularmente evidente na região do Golfo de Adém,
onde a escolta de navios mercantes procura evitar a disrupção do comércio
marítimo internacional.
Devido à incapacidade revelada pelos Estados costeiros da região para
combater o flagelo, têm sido empenhadas diversas forças multinacionais. Neste
esforço internacional destacaNse a operação “Atalanta”, conduzida pela EU
NAVFOR, as operações “Ocean Shield” e “Allied Protector”, levadas a cabo pela
OTAN, e a “Combined Task Force 151” (CTF 151) da “Combined Maritime ForN
ces”. Estas três forças coordenam entre si o esforço de combate à pirataria na
região do Golfo de Adém e do Corno de África. É ainda de referir a ação desenN
volvida a nível nacional pela Arábia Saudita, China, Coreia do Sul, Iémen, Índia,
Irão, Japão, Malásia e Rússia (UNCTAD, 2014b, p. 45).
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
95
(1). A operação “Atalanta” A operação “Atalanta” A operação “Atalanta” A operação “Atalanta” –––– Para combater a pirataria na costa da Somália, a
União Europeia lançou, em dezembro de 2008, a EU NAVFOR – Atalanta,
no âmbito da sua Política Comum de Segurança e Defesa.
Em novembro de 2014, o mandato desta operação foi prolongado até
dezembro de 2016. O atual mandato contempla: (i) a proteção de navios
do “World Food Program” (WFP), da “African Union Mission in Somalia”
(AMISOM) e de outros navios vulneráveis; (ii) o combate à pirataria; (iii) a
monitorização da atividade piscatória na costa da Somália; e (iv) o apoio a
outras missões da União Europeia e a organizações internacionais que
trabalhem para reforçar a segurança marítima na região (EU NAVFOR
Somalia, 2015).
Portugal tem colaborado neste esforço da União Europeia através do
envio de meios navais e aéreos. A participação portuguesa teve o seu iníN
cio em abril de 2010, com o envio para a área de operações de uma aeroN
nave de patrulhamento marítimo PN3P. Foram enviados dois
destacamentos, tendo a missão terminado em agosto de 2010. Entre abril
e agosto de 2011, o NRP “Vasco da Gama” desempenhou a função de
navioNchefe durante o comando português desta força naval, e entre
março e maio de 2012, foi a vez do NRP “Corte Real” ser empenhado nesN
ta operação. Entre abril e agosto de 2013, Portugal comandou novamente
esta força naval, tendo desta feita o NRP “Álvares Cabral” assumido a
função de navioNchefe.
(2). As operações “Ocean Shield” eAs operações “Ocean Shield” eAs operações “Ocean Shield” eAs operações “Ocean Shield” e “Allied Protector” “Allied Protector” “Allied Protector” “Allied Protector” –––– A operação “Ocean
Shield” é a contribuição da OTAN para os esforços internacionais de
combate à pirataria marítima no Golfo de Adém. Iniciada em agosto de
2009, esta operação beneficiou da experiência adquirida no decorrer da
missão sua antecessora, operação “Allied Protector”.
A participação da OTAN no combate à pirataria teve o seu início com a
operação “Allied Provider”, que escoltou os navios do WFP entre outubro
e dezembro de 2008. Esta operação foi sucedida pela operação “Allied
Protector”, que continuou a contribuir para a segurança marítima na
região entre março e agosto de 2009, altura em que deu lugar à operação
“Ocean Shield”. Em junho de 2014, o mandato desta operação foi prolonN
gado até ao final de 2016. O mandato que foi conferido à operação
“Ocean Shield” é mais amplo que o mandato das operações suas antecesN
soras, pois não se limita a garantir a segurança marítima na área, mas
procura ainda proporcionar treino aos Estados costeiros da região, de
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
96
modo a estes desenvolverem as suas próprias capacidades de combate à
pirataria (EMGFA, 2015).
Portugal também participou nas operações conduzidas pela OTAN, tendo
enviado o NRP “Corte Real”, entre março e junho de 2009. PosteriormenN
te, entre novembro de 2009 e janeiro de 2010, participou com o NRP
“Álvares Cabral”, tendo exercido o comando da força naval neste período
(NATO, 2015). No período compreendido entre abril e junho de 2011,
Portugal empenhou uma aeronave de patrulhamento marítimo PN3C, e
entre setembro e outubro desse mesmo ano, foi empenhado o NRP “D.
Francisco de Almeida”.
(3). A “Combined Task Force 151” A “Combined Task Force 151” A “Combined Task Force 151” A “Combined Task Force 151” – A “Combined Maritime Forces” é uma
parceria naval multinacional de 30 nações, da qual Portugal faz parte.
Esta parceria foi criada com o objetivo de promover a segurança, estabiN
lidade e prosperidade numa extensa área marítima, que abrange algumas
das mais importantes rotas comerciais do Mundo. Para esse efeito é consN
tituída por três forças tarefa, sendo a CTF 151 aquela que está dedicada
ao combate da pirataria marítima (CMF, 2015a).
Criada em janeiro de 2009, a missão da CTF 151 contempla, para além do
combate à pirataria, a edificação de capacidades no domínio da seguranN
ça marítima. A CTF 151 patrulha o “Corredor de Trânsito InternacionalN
mente Recomendado”, em conjunto com a força da OTAN, a EU
NAVFOR e outros navios de guerra na área a atuarem a nível nacional
(CMF, 2015b).
e.e.e.e. As empresas de prestação de serviços de segurança privadaAs empresas de prestação de serviços de segurança privadaAs empresas de prestação de serviços de segurança privadaAs empresas de prestação de serviços de segurança privada
O “Lowy Institute for International Policy”, um grupo de reflexão australiaN
no, estima que existam no oceano Índico mais de 160 empresas de segurança
privada, na sua maior parte britânicas e americanas, cerca de 2700 guardas
armados, 18 arsenais flutuantes e 40 embarcações privadas de patrulha. Estas
empresas operam a partir de sete portos principais, nomeadamente Al HudayN
dah e Adém (Iémen), Salalah (Omã), Djibouti, Mombaça (Quénia), Galle (Sri
Lanka) e Singapura (UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 18).
No entanto, convém ter presente que a maior parte dos Estados de bandeira
não permite a existência de armas a bordo dos seus navios mercantes. O direito
de passagem inofensiva pelo mar territorial do Estado costeiro, consagrado no
direito internacional marítimo, é baseado na premissa de que o navio não está
armado e que não constitui uma ameaça para o Estado ribeirinho ou para
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
97
outros navios a navegarem as suas águas, situação que poderia ser significatiN
vamente alterada, se os navios mercantes se encontrassem armados.
Na Europa esta prática só é oficialmente autorizada pelo Reino Unido e por
Espanha, existindo alguns riscos que lhe estão associados, tais como a ausência
de normas que regulem a utilização destas empresas, a possibilidade de uma
escalada da violência, e a imagem negativa de “mercenários” que os guardas
destas empresas encerram. Na inexistência de legislação internacional, estas
empresas cumprem com o “International Code of Conduct for Private Security
Service Providers”, uma iniciativa privada (UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 18).
Para que estas empresas possam ser utilizadas a coberto de um quadro juríN
dico adequado, há pelo menos sete aspetos que precisam de ser cobertos: (i) a
emissão de licenças para a utilização de armas e guardas; (ii) a definição da área
geográfica para a qual foi emitida a licença e o tipo de embarcação coberta por
essa mesma autorização; (iii) o estabelecimento de um processo de certificação
das empresas de segurança e do seu pessoal; (iv) a definição de um limite para o
emprego da força; (v) a clarificação do papel do comandante do navio; (vi) a
obrigação de efetuar um seguro contra terceiros; e (vii) a supervisão e controlo
em relação à responsabilidade pelos atos praticados (Van Hespen, 2014, p. 373).
Numa outra perspetiva, o Estado francês oferece os serviços dos comandos
do seu exército, que embarcam nos navios mais vulneráveis mediante o pagaN
mento de uma taxa (UNITAR/UNOSAT, 2014, p. 18).
CCCCONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES
A análise efetuada ao fenómeno da pirataria marítima permitiu identificar
diversas tendências no domínio da segurança marítima.
O fenómeno está predominantemente presente nas regiões do Sudeste AsiáN
tico, Subcontinente Indiano, Golfo de Adém e Mar Vermelho, e Golfo da Guiné.
Relativamente ao Subcontinente Indiano, não se verificaram variações apreciáN
veis no período analisado, apesar de a pirataria continuar a apresentar números
preocupantes nesta região. No respeitante às outras três regiões foram obserN
vadas tendências significativas na atividade pirata.
No Sudeste Asiático, a partir de 2009 inverteuNse a tendência de decréscimo
do número de ataques que se verificava deste o início do século, tendoNse atinN
gido o inaceitável número de 148 ataques, em 2014. Nesse ano, o Sudeste AsiáN
tico foi a região em que mais pessoas foram alvo de algum tipo de violência em
resultado da pirataria. A pirataria no Estreito de Malaca continua a ser um dos
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
98
principais elementos perturbadores das rotas de comércio marítimo seguras no
Sudeste Asiático.
No Golfo de Adém e Mar Vermelho, houve uma redução significativa no
número de ataques piratas a partir de 2011, tendoNse passado de 236 ataques
nesse ano, para 11, em 2014. Em 2014 não foi sequestrado qualquer navio ou
pessoa. Também a distância média do local do ataque a terra diminui de cerca
de 400 km, em 2010, para menos de 50 km, em 2013. Estes factos são reveladoN
res do sucesso do esforço da comunidade internacional para reprimir a pirataN
ria nesta região.
No Golfo da Guiné, não se verificou uma variação significativa no número
de ataques realizados. No entanto, registouNse uma diminuição do número de
incidentes com navios fundeados e aumentou a distância média a terra dos
ataques efetuados, o que poderá ser revelador de um patrulhamento mais eficaz
das águas costeiras, por parte dos Estados ribeirinhos. Esta região foi aquela
onde se verificou um maior nível de violência durante os ataques.
Nas zonas de maior incidência de atos de pirataria marítima, o combate a
este flagelo tem passado pelo reforço das medidas de defesa própria dos navios
em trânsito pela zona de risco, pela presença militar internacional, pelo desenN
volvimento de instrumentos de cooperação internacional e pela utilização de
empresas de prestação de serviços de segurança privada.
No entanto, no âmbito da repressão ao fenómeno, consideraNse importante
passar a dar uma maior ênfase a determinados aspetos. No plano securitário, é
necessário promover o desenvolvimento da capacidade de vigilância marítima
dos Estados costeiros da região. O reforço desta capacidade deve contribuir
para reprimir não apenas as ações de pirataria, mas todas as atividades ilegais
que são conduzidas nos espaços marítimos. No plano judicial, a ação deve pasN
sar pela eliminação dos obstáculos políticos e jurídicos que dificultam o julgaN
mento e a condenação dos piratas, pela criação das condições necessárias para
levar a julgamento os cabecilhas e os financiadores das redes de pirataria, pelo
desenvolvimento de medidas conducentes à neutralização das fontes de finanN
ciamento da pirataria e pelo estabelecimento de um quadro legal que regule o
emprego das empresas de prestação de serviços de segurança privada. No plaN
no socioeconómico, é necessário reforçar a ajuda económicoNfinanceira, de
modo a fomentar o desenvolvimento e a estabelecer as estruturas do Estado de
direito. No entanto, é importante que não se imponha a edificação de um modeN
lo de Estado desajustado, mas antes que se tenha em consideração as estruturas
étnicas e regionais que sustentam a sociedade.
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
99
Em determinadas circunstâncias, o combate à pirataria marítima temNse cenN
trado em medidas de resposta a situações de emergência, devendo o foco pasN
sar a ser colocado no desenvolvimento de ações que promovam o
desenvolvimento socioeconómico das populações, pois esta é a única forma de
atacar as raízes do problema.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
100
ANEXO. LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DOS ATAQUES REALIZADOS, ANEXO. LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DOS ATAQUES REALIZADOS, ANEXO. LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DOS ATAQUES REALIZADOS, ANEXO. LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DOS ATAQUES REALIZADOS,
2000200020002000NNNN2004200420042004
EXTREMO
EXTREMO
EXTREMO
EXTREMO
ORIENTE
ORIENTE
ORIENTE
ORIENTE
2020202000000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
China
China
China
China 2 N N 1 3 4 1 N N 1 1 2 1 N N 16
Mar da
Mar da
Mar da
Mar da
China Leste
China Leste
China Leste
China Leste
1 2 1 N N N N N N N N N N N N 4
Pap
ua Nova
Pap
ua Nova
Pap
ua Nova
Pap
ua Nova
Guiné
Guiné
Guiné
Guiné N 1 1 N N N N 1 N N N N N N N 3
Ilhas
Ilhas
Ilhas
Ilhas
Salomão
Salomão
Salomão
Salomão
2 N 2 N N N N 1 N N N N N N N 5
Mar da
Mar da
Mar da
Mar da
China Sul
China Sul
China Sul
China Sul
9 4 N 2 8 6 1 3 N 13 31 13 2 4 1 97
Taiwan
Taiwan
Taiwan
Taiwan
N 2 1 1 N N N N N N N N N N N 4
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
14 9 5 4 11 10 2 5 0 14 32 15 3 4 1 129
SS SSUDESTE
UDESTE
UDESTE
UDESTE
ASIÁ
TICO
ASIÁ
TICO
ASIÁ
TICO
ASIÁ
TICO
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
InIn InIndonésia
donésia
donésia
donésia
119 91 103 121 94 79 50 43 28 15 40 46 81 106 100 1116
Estreito de
Estreito de
Estreito de
Estreito de
Malaca
Malaca
Malaca
Malaca 75 17 16 28 38 12 11 7 2 2 2 1 2 1 1 215
Malásia
Malásia
Malásia
Malásia
21 19 14 5 9 3 10 9 10 16 18 16 12 9 24 195
Myanmar
Myanmar
Myanmar
Myanmar
5 3 1 1 1 1 12
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
101
SS SSUDESTE
UDESTE
UDESTE
UDESTE
ASIÁ
TICO
ASIÁ
TICO
ASIÁ
TICO
ASIÁ
TICO
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Filipinas
Filipinas
Filipinas
Filipinas
9 8 10 12 4 6 6 7 1 5 5 3 3 6 85 Estreito de
Estreito de
Estreito de
Estreito de
Singap
ura
Singap
ura
Singap
ura
Singap
ura
5 7 5 2 8 7 5 3 6 9 3 11 6 9 8 94
Tailândia
Tailândia
Tailândia
Tailândia
8 8 5 2 4 1 1 2 2 2 2 37
Vietnam
eVietnam
eVietnam
eVietnam
e
6 8 12 15 4 10 3 5 11 9 12 8 4 9 7 123
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
248 161 165 185 162 112 86 75 65 55 82 88 108 137 148 1877
SUBCONTINE
SUBCONTINE
SUBCONTINE
SUBCONTINE
NTE
INDIANO
NTE
INDIANO
NTE
INDIANO
NTE
INDIANO
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2222000000004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Ban
gladesh
Ban
gladesh
Ban
gladesh
Ban
gladesh
55 25 32 58 17 21 47 15 12 18 23 10 11 12 21 377
Índia
Índia
Índia
Índia 35 27 18 27 15 15 5 11 10 13 5 6 8 14 13 222
Sri Lan
kaSri Lan
kaSri Lan
kaSri Lan
ka
3 1 2 2 1 4 1 14
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
93 53 52 87 32 36 53 30 23 31 28 16 19 26 34 613
ÁFRICA
ÁFRICA
ÁFRICA
ÁFRICA
ORIENTAL
ORIENTAL
ORIENTAL
ORIENTAL
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
África do
África do
África do
África do
Sul
Sul
Sul
Sul
1 1 1 3
Moçambiqu
Moçambiqu
Moçambiqu
Moçambiqu
ee ee
2 1 1 3 2 2 2 1 14
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
102
ÁFRICA
ÁFRICA
ÁFRICA
ÁFRICA
ORIENTAL
ORIENTAL
ORIENTAL
ORIENTAL
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Mad
agásca
Mad
agásca
Mad
agásca
Mad
agásca
rr rr
1 3 1 1 1 7
Tan
zânia
Tan
zânia
Tan
zânia
Tan
zânia
2 7 3 5 2 7 9 11 14 5 1 2 1 1 70
Quén
iaQuén
iaQuén
iaQuén
ia
5 2 1 1 4 2 1 1 1 1 19
Seich
eles
Seich
eles
Seich
eles
Seich
eles
1 1
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
10 9 9 8 4 8 9 19 19 6 1 1 5 4 2 114
GOLF
O DE
GOLF
O DE
GOLF
O DE
GOLF
O DE
ADÉM
E M
AR
ADÉM
E M
AR
ADÉM
E M
AR
ADÉM
E M
AR
VER
MEL
HVER
MEL
HVER
MEL
HVER
MEL
HOO OO
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Mar
Mar
Mar
Mar
Vermelho
Vermelho
Vermelho
Vermelho
15 25 39 13 2 4 98
Golfo de
Golfo de
Golfo de
Golfo de
Adém
Adém
Adém
Adém
13 11 11 18 8 10 10 13 92 117 53 37 13 6 4 416
Somália
Somália
Somália
Somália
9 8 6 3 2 35 10 31 19 80 139 160 49 7 3 561
Eritreia
Eritreia
Eritreia
Eritreia 1 1 2
Iémen
Iémen
Iémen
Iémen
1 1 5 7
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
23 20 22 21 11 45 20 45 111 212 217 236 75 15 11 1084
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
103
MAR
MAR
MAR
MAR
MEDITE
MEDITE
MEDITE
MEDITERR
RR
RR
RR
ÂNEO
ÂNEO
ÂNEO
ÂNEO 200200200200
0000 2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Argélia
Argélia
Argélia
Argélia
1 1 2 Egito
Egito
Egito
Egito 1 2 2 2 3 7 7 24
Grécia
Grécia
Grécia
Grécia 1 1
Itália
Itália
Itália
Itália 1 1
Med
iterrân
Med
iterrân
Med
iterrân
Med
iterrân
eoeo eoeo
1 1
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
2 3 1 0 0 0 0 2 0 0 2 4 8 7 0 29
ÁFR
ICA
ÁFR
ICA
ÁFR
ICA
ÁFR
ICA
OCIDENTA
OCIDENTA
OCIDENTA
OCIDENTA
LL LL
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Marrocos
Marrocos
Marrocos
Marrocos
1 1 1 1 1 1 1 7
Mau
ritânia
Mau
ritânia
Mau
ritânia
Mau
ritânia
1 2 1 1 1 6
Sen
egal
Sen
egal
Sen
egal
Sen
egal
1 3 8 5 17
Gam
bia
Gam
bia
Gam
bia
Gam
bia
1 1
Guiné
Guiné
Guiné
Guiné
Bissau
Bissau
Bissau
Bissau 1 2 1 4
Guiné
Guiné
Guiné
Guiné 6 3 2 4 5 1 4 2 5 6 5 3 1 47
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
104
ÁFR
ICA
ÁFR
ICA
ÁFR
ICA
ÁFR
ICA
OCIDENTA
OCIDENTA
OCIDENTA
OCIDENTA
LL LL
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Serra Leo
aSerra Leo
aSerra Leo
aSerra Leo
a
3 1 3 2 2 1 1 2 1 16
Libéria
Libéria
Libéria
Libéria
1 2 1 1 1 1 7
Congo
Congo
Congo
Congo
1 1 1 1 3 4 3 7 21
RD do
RD do
RD do
RD do
Congo
Congo
Congo
Congo
3 4 1 2 3 4 2 1 20
Angola
Angola
Angola
Angola
3 1 3 4 1 2 1 1 16
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
12 11 9 16 17 3 14 11 6 8 11 14 10 8 12 162
GOLFO DA
GOLFO DA
GOLFO DA
GOLFO DA
GUIN
ÉGUIN
ÉGUIN
ÉGUIN
É 200200200200
0000 2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Costa do
Costa do
Costa do
Costa do
Marfim
Marfim
Marfim
Marfim
5 9 5 2 4 3 1 3 2 4 1 5 4 3 51
Gan
aGan
aGan
aGan
a 2 5 5 3 5 3 3 1 7 3 2 2 1 4 46
Togo
Togo
Togo
Togo 1 1 1 1 1 2 6 15 7 2 37
Ben
imBen
imBen
imBen
im 1 1 20 2 24
Nigéria
Nigéria
Nigéria
Nigéria
9 19 14 39 28 16 12 42 40 29 19 10 27 31 18 353
Cam
arões
Cam
arões
Cam
arões
Cam
arões
2 7 5 2 4 2 1 2 3 5 1 1 35
Guiné
Guiné
Guiné
Guiné
Equatorial
Equatorial
Equatorial
Equatorial
1 1 2
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
105
Gab
ãoGab
ãoGab
ãoGab
ão
2 3 7 2 1 15
São
Tomé e
São
Tomé e
São
Tomé e
São
Tomé e
Príncipe
Príncipe
Príncipe
Príncipe
1 1
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
22 43 37 48 41 24 18 43 54 40 28 39 52 45 30 564
CARAÍBAS
CARAÍBAS
CARAÍBAS
CARAÍBAS
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Caraíbas
Caraíbas
Caraíbas
Caraíbas
4 4
Cuba
Cuba
Cuba
Cuba 4 4
Rep
ública
Rep
ública
Rep
ública
Rep
ública
Dominican
aDominican
aDominican
aDominican
a
4 5 7 6 2 1 1 1 27
Haiti
Haiti
Haiti
Haiti 1 1 1 6 2 2 2 4 5 2 2 28
JaJa JaJamaica
maica
maica
maica
2 5 7 8 3 1 26
Martinica
Martinica
Martinica
Martinica
1 1
Trindad
e e
Trindad
e e
Trindad
e e
Trindad
e e
Tobag
oTobag
oTobag
oTobag
o
1 2 1 1 5
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
5 6 10 23 16 11 4 3 2 4 5 2 3 1 0 95
AMÉRICA
AMÉRICA
AMÉRICA
AMÉRICA
CENTRAL
CENTRAL
CENTRAL
CENTRAL
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
México
México
México
México
1 1
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
106
AMÉRICA
AMÉRICA
AMÉRICA
AMÉRICA
CENTRAL
CENTRAL
CENTRAL
CENTRAL
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Guatem
ala
Guatem
ala
Guatem
ala
Guatem
ala
1 1
El S
alvador
El S
alvador
El S
alvador
El S
alvador
1 1
Honduras
Honduras
Honduras
Honduras
1 1 1 3
Costa Rica
Costa Rica
Costa Rica
Costa Rica
1 3 1 3 1 9
Pan
amá
Pan
amá
Pan
amá
Pan
amá
1 2 2 5
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
3 1 3 3 1 1 0 0 0 3 1 3 1 0 0 20
AMÉR
ICA DO
AMÉR
ICA DO
AMÉR
ICA DO
AMÉR
ICA DO
SUL
SUL
SUL
SUL
(ATL
ÂNTICO)
(ATL
ÂNTICO)
(ATL
ÂNTICO)
(ATL
ÂNTICO)
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Ven
ezuela
Ven
ezuela
Ven
ezuela
Ven
ezuela
3 1 8 13 7 2 4 1 3 5 7 4 1 59
Guiana
Guiana
Guiana
Guiana 1 12 6 2 1 1 5 2 1 2 1 34
Surinam
eSurinam
eSurinam
eSurinam
e
2 2
Brasil
Brasil
Brasil
Brasil 8 3 6 7 7 2 7 4 1 5 9 3 1 1 1 65
Argen
tina
Argen
tina
Argen
tina
Argen
tina
1 1
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
12 4 26 26 16 5 13 12 4 10 18 8 1 3 3 161
UMA VISÃO GLOBAL DA PIRATARIA MARÍTIMA NO SÉCULO XXI
107
AMÉR
ICA DO
AMÉR
ICA DO
AMÉR
ICA DO
AMÉR
ICA DO
SUL (PACÍF
SUL (PACÍF
SUL (PACÍF
SUL (PACÍFININ ININ
CO
CO
COCO)) ))
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
Colô
Colô
Colô
Colômm mmbia
bia
biabia
1 1 7 10 5 2 2 1 5 3 4 5 7 2 55 Equad
or
Equad
or
Equad
or
Equad
or
13 8 12 2 1 1 2 2 3 6 4 3 57
Perú
Perú
Perú
Perú 4 1 6 7 5 6 9 6 5 13 10 2 3 4 81
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
18 10 25 19 11 8 12 6 8 20 16 12 12 14 2 193
RESTO DO
RESTO DO
RESTO DO
RESTO DO
MUNDO
MUNDO
MUNDO
MUNDO
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Total
Mar
Mar
Mar
Mar
Arábico
Arábico
Arábico
Arábico
2 2 2 2 4 1 2 15
Go
Go
Go
Goll ll fo
fo
fo
fo
Arábico
Arábico
Arábico
Arábico
1 1
Arábia
Arábia
Arábia
Arábia
Saudita
Saudita
Saudita
Saudita 1 1
Austr
Austr
Austr
Austr áá áálialia lialia
1 1
Bé
Bé
Bé
Bé ll llgica
gica
gica
gica 1 1
Bulgária
Bulgária
Bulgária
Bulgária
1 1 2
Mar Cáspio
Mar Cáspio
Mar Cáspio
Mar Cáspio
1 1
EUA
EUA
EUA
EUA 1 1 1 1 4
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
108
RESTO DO
RESTO DO
RESTO DO
RESTO DO
MUNDO
MUNDO
MUNDO
MUNDO
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Total
França
França
França
França
1 1
Georgia
Georgia
Georgia
Georgia
1 1
Ocean
o
Ocean
o
Ocean
o
Ocean
o
Índico
Índico
Índico
Índico 1 1 1 3
Irão
Irão
Irão
Irão
1 1 2 2 2 2 10
IrIr IrIraa aa q
ue
que
que
que 2 1 10 2 2 17
Ocean
o
Ocean
o
Ocean
o
Ocean
o
Pacífico
Pacífico
Pacífico
Pacífico
1 1
Omã
Omã
Omã
Omã
1 3 5 1 2 12
Emir
Emir
Emir
Emiraa aa d
os
dos
dos
dos
Árabes
Árabes
Árabes
Árabes
Unidos
Unidos
Unidos
Unidos 1 2 3
Re
Re
Re
Re ii iino
no
no
no
Unido
Unido
Unido
Unido 2 1 3
Local
Local
Local
Local ii ii zação
zação
zação
zação
de
de
dede ss ssconh
conh
conh
conheNeN eNeN
cida
cida
cida
cida
1 1
TOTAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
7 5 6 5 7 13 8 12 1 7 4 1 0 0 2 78
2002002002000000
2002002002001111
2002002002002222
2002002002003333
2002002002004444
2002002002005555
2002002002006666
2002002002007777
2002002002008888
2002002002009999
2012012012010000
2012012012011111
2012012012012222
2012012012013333
2012012012014444
TotTotTotTotalalalal
TOTAL DO
TOTAL DO
TOTAL DO
TOTAL DO
ANO
ANO
ANO
ANO 469 335 370 445 329 276 239 263 293 410 445 439 297 264 245 5119
109
5555.... CCCCRIMINALIDADE RIMINALIDADE RIMINALIDADE RIMINALIDADE TTTTRANSNACIONAL RANSNACIONAL RANSNACIONAL RANSNACIONAL OOOORGANIZADARGANIZADARGANIZADARGANIZADA.... PPPPARADOXOS ARADOXOS ARADOXOS ARADOXOS CCCCONCEPTUAIS E ONCEPTUAIS E ONCEPTUAIS E ONCEPTUAIS E DDDDESAESAESAESAFIOS FIOS FIOS FIOS PPPPOLÍTOLÍTOLÍTOLÍTIIIICOS E COS E COS E COS E OOOOPERACIONAISPERACIONAISPERACIONAISPERACIONAIS
LUÍS ELIAS
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
O artigo tem como objetivo reconstruir de forma crítica o enquadramento
conceptual da criminalidade organizada e a sua conexão com a criminalidade de
massa. Abordam,se os desafios e oportunidades da cooperação europeia e da
reforma processual penal em Portugal para fazer face a ameaças e riscos cada vez
mais reticulares e transnacionais. Reflete,se sobre o compromisso entre o direito
à segurança, o direito das vítimas e a protecção dos direitos, liberdades e garan,
tias do arguido, como fator imprescindível para o Estado de direito.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chavechavechavechave: : : : Globalização, segurança, criminalidade organizada, criminalida,
de de massa, justiça.
IIIINTRODUÇÃO NTRODUÇÃO NTRODUÇÃO NTRODUÇÃO
No Mundo contemporâneo em permanente mudança, globalizado, massificaN
do, marcado pela complexidade, por interconexões e pela crise dos órgãos de
controlo e de regulação social tradicionais – família, religião, escola, vizinhança –,
a atividade criminosa é cada vez mais multidimensional, dinâmica, flexível e retiN
cular, não se circunscrevendo a estruturas rígidas. Na sociedade de risco registaN
se uma tendência para o crescimento e expansão de formas de criminalidade mais
violentas e mais imprevisíveis (Beck, 1992: 19), as quais, agudizam o sentimento
de insegurança e um medo difuso por parte dos cidadãos, consequência da
tomada de consciência de ameaças e de vulnerabilidades.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
110
A segurança tornouNse um conceito de banda larga (Guedes & Elias, 2010: 30).
No final do século XX os estudos de segurança passaram cada vez mais a abranN
ger as áreas política, económica, societal e ambiental e não apenas a militar e
estadual, conferindo outra atenção aos novos atores na arena global, como as
multinacionais financeiras, os poderes erráticos, as organizações internacionais e
as comunidades locais. Na “realidade líquida” geradora de incerteza (Bauman,
2000: 12), a comunidade internacional, os Estados e os cidadãos tentam responder
aos novos desafios colocados pela crescente demanda de segurança.
A nova criminalidade recorre às tecnologias de informação, à especialização
de tarefas, à inteligência combinada com violência, à internacionalização, ao
trabalho em rede, caraterizaNse por um grande espírito de iniciativa e mentaliN
dade empresarial, respondendo a situações de mercado em constante mutação,
fatores que preconizam “uma resposta dinâmica, coordenada, integrada e mulN
tidisciplinar” (Sousa, 2006: 326).
Este artigo introdutório visa atingir os seguintes objetivos: i) analisar as
ameaças e estratégias comuns para prevenir e reprimir os novos fenómenos
criminais; ii) refletir sobre os conceitos de criminalidade organizada e criminaliN
dade de massa; iii) abordar os desafios e oportunidades da reforma processual
penal; iv) analisar alguns dos mecanismos de cooperação policial e judiciária
neste contexto de mutação.
A metodologia utilizada reveste uma natureza compósita, porquanto iremos
recorrer a conhecimentos no âmbito da ciência política, relações internacionais,
ciências policiais e sociologia, bem como ao cruzamento de teorias e métodos
científicos.
A cooperação transnacional, o direito penal, o direito processual penal têm
de responder à fluidez da criminalidade hodierna e quebrar a estanquicidade
conceptual entre crime comum e crime organizado. Formulamos, assim, a
seguinte hipótese de estudo: os mecanismos de cooperação europeia e a reforN
ma do Código Processual Penal em Portugal colocam desafios e oportunidades
à investigação criminal nas suas diversas configurações – altamente organizada,
violenta ou de massa1 – e têm dificuldades em compreender a liquidez e interN
relação entre os diferentes patamares da criminalidade.
1 PareceNnos importante explicitar q o termo criminalidade de massa não é um conceito da dogmática jurídica, mas trataNse sobretudo de uma construção sociológica ou um termo importado da criminologia. Relativamente à criminalidade violenta ou altamente organizada também não é um conceito de raiz penal, não se trata de um tipo incriminador específico, mas de um complexo ou de um agrupamento de tipos incriminadores categorizados, não só em função do bem jurídico protegido, mas em função de outras características do fenóNmeno em causa que tem também uma matriz empírica, sociológica ou criminológica.
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
111
Ao longo do presente trabalho, procuraremos analisar a hipótese enunciada,
embora tendo em consideração o limite de páginas e a consequente necessidaN
de de síntese no desenvolvimento de algumas das variáveis deste assunto
necessariamente complexo.
DDDDAS AS AS AS AAAAMEAÇAS MEAÇAS MEAÇAS MEAÇAS CCCCOMUNS ÀS OMUNS ÀS OMUNS ÀS OMUNS ÀS EEEESTRATÉGIAS STRATÉGIAS STRATÉGIAS STRATÉGIAS CCCCOMUNSOMUNSOMUNSOMUNS
Em dezembro de 2003, a U.E. adoptou a estratégia europeia de segurança,
que diz respeito à dimensão externa da segurança na Europa. As ameaças
externas identificadas são as seguintes: terrorismo, as armas de destruição
maciça, os conflitos regionais, o fracasso dos Estados e a criminalidade organiN
zada2.
Por outro lado, a estratégia de segurança interna da U.E foi aprovada pelo
Conselho Europeu de 25 e 26 de março de 2010. Neste documento é referido
que a criminalidade se aproveita das oportunidades oferecidas por uma socieN
dade globalizada, tais como as comunicações de alta velocidade, a elevada
mobilidade e as operações financeiras instantâneas. Da mesma forma, há fenóN
menos que têm um impacto transnacional, designadamente na União. São idenN
tificadas as principais ameaças à segurança interna dos Estados membros: o
terrorismo em todas as suas formas, as graves formas de criminalidade organiN
zada3, a cibercriminalidade, a criminalidade transfronteiras, a violência em si
2 Conforme referido na Estratégia de Segurança externa da U.E., A Europa Segura num Mundo Melhor. A Estratégia Europeia em Matéria de Segurança de dezembro de 2003, “a Europa é um alvo de primeiro plano para a criminalidade organizada. Esta ameaça interna à nossa segurança apresenta uma importante dimensão externa. Com efeito, grande parte das actividades dos bandos criminosos consiste no tráfico transfronteiriço de droga, mulheres, migrantes clandestinos e armas. A criminalidade organizada pode igualmente estar ligada ao terrorismo. Estas actividades criminosas estão muitas vezes associadas a Estados fracos ou enfraquecidos. Os proventos da droga têm contribuído para o enfraquecimento das estruturas do Estado em diversos 5 PT países produtores de droga. Os lucros obtidos com o comércio de pedras preciosas, madeira e armas ligeiras servem para alimentar conflitos noutras partes do mundo. Todas estas actividades abalam o primado do Direito e a própria ordem social. Em casos extremos, a criminalidade organizada pode mesmo passar a domiNnar o Estado. 90% da heroína presente na Europa provém do cultivo de papoila no AfegaNnistão – país onde o tráfico de droga subsidia exércitos privados. Na sua maior parte, a heroína é distribuída através das redes criminosas dos Balcãs, as quais são igualmente responsáveis por cerca de 200 000 dos 700 000 casos de tráfico sexual de mulheres em todo o mundo. O incremento da pirataria marítima representa uma nova dimensão da criminalidade organizada à qual deverá doravante ser consagrada maior atenção”. 3 De acordo com a Estratégia de Segurança Interna da U.E. de março de 2010, “as graves formas de criminalidade organizada assumem uma importância cada vez maior. Na sua diversa multiplicidade, tendem a surgir onde podem obter o maior benefício financeiro com o enorme risco, independentemente das fronteiras. O tráfico de droga, a criminalidaNde económica, o tráfico de seres humanos, o contrabando de pessoas, o tráfico de armas,
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
112
mesma, catástrofes naturais e as catástrofes provocadas pelo homem, os aciN
dentes de viação.
Em relação às diferentes tipologias de criminalidade organizada, a estratégia
de segurança interna da U.E. menciona que tendem a surgir onde podem obter
o maior lucro financeiro com o menor risco, independentemente das fronteiras.
Quanto à criminalidade transfronteiriça, sublinha nomeadamente a criminaliN
dade de massa, as infrações menores ou contra a propriedade, frequentemente
cometidas por bandos, as quais, têm consequências significativas para a vida
diária dos cidadãos europeus.
Designada por Bigo como um «fluxo contínuo de segurança», esta transpoN
sição do significado de ameaça de um conceito para outro tem permitido que
áreas tão diferentes como asilo e imigração, tráfico de seres humanos e crime
organizado em geral passem de questões não politizadas, a ameaças de elevado
nível para a sociedade europeia (Bigo in Carrapiço, 2011: 9).
O Tratado de Lisboa abriu novos caminhos para a aproximação das legislaN
ções penais nacionais na U.E., incluindo a matéria de crime organizado. O Art.
83.º (1) do Tratado de Funcionamento da U.E. (TFUE) prevê uma base jurídica
para o estabelecimento de regras mínimas para a definição das infrações penais
e das sanções em domínios de criminalidade particularmente grave e com uma
dimensão transfronteiriça. O crime organizado é uma dessas áreas. Há, porém,
alguma ambiguidade na formulação desta disposição, na medida em que o criN
me organizado foi listado ao lado de formas específicas de crime (por exemplo,
o tráfico de seres humanos), muitas vezes elas próprias cometidas por grupos
criminosos organizados.
Essas regras mínimas podem ser estabelecidas por diretivas do Parlamento
e decisões do Conselho, aprovadas através do processo legislativo ordinário. O
Art. 83.º (2) do TFUE prevê a possibilidade de aproximação das legislações
penais quando for considerado necessário para a execução eficaz de uma polítiN
ca da União num domínio que tenha sido objeto de medidas de harmonização.
O Programa de Estocolmo estabeleceu as prioridades da U.E. para o espaço
de justiça, liberdade e segurança para o período de 2010 a 2014. Com base nos
resultados dos seus antecessores, Programas de Tampere e de Haia, este proN
grama visa dar resposta aos desafios futuros e fortalecer o espaço de justiça,
liberdade e segurança com ações centradas nos interesses e nas necessidades
dos cidadãos.
a exploração sexual de menores e a pornografia infantil, os crimes violentos, o branqueaNmento de dinheiro e a falsificação de documentos são apenas alguns dos modos como a grande criminalidade organizada se manifesta na UE. Além disso, a corrupção constitui uma ameaça aos alicerces do sistema democrático e do Estado de direito”.
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
113
O Programa previa que a estratégia de segurança interna consiste numa
abordagem proativa, horizontal e interdisciplinar com tarefas bem definidas
para a U.E. e os países que a integram. CentrouNse no combate à criminalidade
transfronteiras, como, por exemplo: tráfico de seres humanos; abuso sexual,
exploração sexual de crianças e pornografia infantil; criminalidade informática;
criminalidade económica, corrupção, contrafação e pirataria e a droga.
Na luta contra a criminalidade transfronteiras, a segurança interna não está
dissociada da segurança externa. Por esse motivo, o Programa de Estocolmo
defendia que deve terNse em consideração a estratégia de segurança externa da
UE e a cooperação reforçada com os países não pertencentes à UE.
A Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril
de 2014 relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal constitui
uma evolução recente, podendo revelarNse crucial no quadro da cooperação
judicial e policial europeia, nomeadamente na repressão da criminalidade orgaN
nizada e especialmente complexa. Com a mesma, pretendeNse a substituição dos
instrumentos de auxílio judiciário em matéria penal existentes no quadro da
U.E. por um só instrumento de âmbito compreensivo, abrangendo, quanto posN
sível, todos os tipos de elementos de prova. A Decisão Europeia de Investigação
(DEI) visa facilitar a obtenção de provas pelas autoridades judiciárias no âmbito
de investigações penais transnacionais. Isto já é possível, mas recorreNse a um
conjunto diversificado de normas, algumas com mais de 50 anos. Os Estados
membros terão até 22 de maio de 2017 que transpor a DEI para a ordem jurídiN
ca interna. Em Portugal esta decisão ainda não foi transposta.
A DEI é uma decisão judicial emitida ou validada por uma autoridade judiN
ciária de um Estado membro («Estado de emissão») para que sejam executadas
noutro Estado membro («Estado de execução») uma ou várias medidas de
investigação específicas, tendo em vista a obtenção de elementos de prova em
conformidade com a presente diretiva. Também pode ser emitida uma DEI para
obter elementos de prova que já estejam na posse das autoridades competentes
do Estado de execução.
Os Estados membros executam uma DEI com base no princípio do reconheN
cimento mútuo. A emissão de uma DEI pode ser requerida por um suspeito ou
por um arguido, ou por um advogado em seu nome, no quadro dos direitos da
defesa aplicáveis nos termos do processo penal nacional.
DestacamNse, entre outras, as seguintes áreas de cooperação: pode ser emiN
tida uma DEI para a transferência temporária de uma pessoa detida no Estado
de execução, tendo em vista levar a cabo uma medida de investigação para
recolha de provas em que seja necessária a sua presença no território do Estado
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
114
de emissão, desde que a pessoa seja enviada de volta para o Estado de execução
no prazo por este estabelecido (Art. 22.º n.º 1); pode ser emitida uma DEI para a
transferência temporária de uma pessoa detida no Estado de emissão, tendo em
vista levar a cabo uma medida de investigação para recolha de provas em que
seja necessária a sua presença no território do Estado de execução Art. 23.º n.º
1); pode ser emitida uma DEI para verificar se uma pessoa singular ou coletiva
sujeita a processo penal possui ou controla uma ou mais contas de qualquer
tipo em bancos situados no território do Estado de execução, e, em caso afirmaN
tivo, para obter todos os dados das contas identificadas (Art. 26.º n.º 1); pode
ser emitida uma DEI para obter dados relativos a determinadas contas bancáN
rias e às operações bancárias realizadas durante um determinado período atraN
vés de uma ou várias contas nela especificada, incluindo os dados relativos às
contas debitadas ou creditadas (Art. 27.º n.º 1); pode ser emitida uma DEI para
solicitar ao Estado de execução que preste assistência ao Estado de emissão na
realização de investigações criminais por agentes encobertos ou que atuem sob
falsa identidade («investigações encobertas») (Art. 29.º n.º 1).
AAAA (D(D(D(DIFÍCILIFÍCILIFÍCILIFÍCIL)))) DDDDELIMITAÇÃO DE ELIMITAÇÃO DE ELIMITAÇÃO DE ELIMITAÇÃO DE CCCCONCEITOSONCEITOSONCEITOSONCEITOS
A definição das condutas susceptíveis de serem criminalizadas constitui um
elemento essencial na circunscrição dos instrumentos de combate ao crime
organizado, assim como um desafio para os legisladores nos diferentes Estados.
A dificuldade reside na diversidade de atividades desenvolvidas pelos grupos
criminosos contemporâneos, bem como devido à multiplicidade de estruturas (a
tipologia dos grupos varia entre estruturas altamente hierarquizadas e outras
extremamente flexíveis e voláteis).
A busca de um "denominador comum"4 é uma tarefa complexa devido às
diferenças nos códigos penais nacionais e restante legislação avulsa. Na U.E
existem basicamente três tipos de abordagens em relação ao crime organizado:
– a abordagem do civil law que consiste em criminalizar a participação numa
associação criminosa;
– a abordagem do common law sustentada na conspiração, por exemplo: um
plano para cometer um crime,
4 Entre as tentativas para definir “organização criminosa na U.E. refereNse a Acção Comum relativa à criminalização da participação numa organização criminosa dos EstaNdosNMembros da União Europeia (JO L 333 de 9.12.1998) e Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, designada "Elaboração de um conceito estratégico para combater a criminalidade organizada".
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
115
– a abordagem escandinava, rejeitando a tipificação de "organização crimiN
nosa" e contando apenas com as disposições gerais do direito penal (por
exemplo, cumplicidade, coNautoria, apoio).
A celebração da Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade
organizada transnacional (também designada por Convenção de Palermo de
2000), aprovada em nome da Comunidade pela Decisão do Conselho
2004/579/CE, de 29 de abril de 20045, veio enriquecer o direito internacional
com as definições legais previstas no Art.º 2º da Convenção, designadamente:
"Grupo criminoso organizado" como um grupo estruturado de três ou mais
pessoas, existindo durante um período de tempo e atuando concertadamente
com a finalidade de cometer um ou mais crimes graves ou infrações, com a
intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício económico ou outro
benefício material; e "Crime grave", um ato que constitua uma infracção punível
com uma pena privativa de liberdade não inferior a quatro anos ou com pena
superior.
Por outro lado, a DecisãoNQuadro 2008/841/JAI do Conselho da U.E. de 24
de outubro de 2008 relativa à luta contra a criminalidade organizada define no
seu Art. 1.º n.º 1 “organização criminosa, como a associação estruturada de
mais de duas pessoas, que se mantém ao longo do tempo e atua de forma conN
certada, tendo em vista a prática de infrações passíveis de pena privativa de
liberdade ou medida de segurança privativa de liberdade cuja duração máxima
seja, pelo menos, igual ou superior a quatro anos, ou de pena mais grave, com o
objetivo de obter, direta ou indiretamente, benefícios financeiros ou outro benefíN
cio material”. Segundo o n.º 2, “associação estruturada designa uma associação
que não foi constituída de forma fortuita para a prática imediata de uma infracção
e que não tem necessariamente atribuições formalmente definidas para os seus
membros, continuidade na sua composição ou uma estrutura sofisticada”.
Ainda na busca de uma delimitação do conceito de criminalidade organizaN
da, ao nível da U.E., deve também avocarNse o mandato da Europol e o mandaN
do de detenção europeu.
O Ato do Conselho, de 26 de julho de 1995 veio estatuir a Convenção elaboN
rada com base no artigo K.3 do Tratado da União que cria um Serviço Europeu
de Polícia (Convenção Europol)6. No Art. 2.º da Convenção estabelece como
5 JO L 261 de 6.8.2004, p. 69. TrataNse da Convenção das Nações Unidas contra a criminaliNdade transnacional organizada, adoptada pela Resolução A/RES/55/25 de 15 de Novembro de 2000 por ocasião da 55.ª AssembleiaNGeral das Nações Unidas. Uma vez que o 40.º instruNmento de ratificação desta Convenção foi depositado junto do SecretariadoNGeral das Nações Unidas em 1 de Julho de 2003, a data da sua aplicação foi em 29 de Setembro de 2003. 6 JO nº C 316 de 27/11/1995 p. 1.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
116
objetivo geral da Europol a melhoria da eficácia dos serviços competentes dos
Estados membros e a sua cooperação no que diz respeito à prevenção e combaN
te ao terrorismo, ao tráfico de estupefacientes e a outras formas graves de criN
minalidade internacional, quando haja indícios concretos da existência de uma
estrutura ou de uma organização criminosa e quando dois ou mais Estados
membros sejam afectados por essas formas de criminalidade. O mandato da
Europol seria sucessivamente alargado para a prevenção e luta contra o tráfico
de estupefacientes, a criminalidade ligada ao tráfico de matérias nucleares e
radioactivas, as redes de imigração clandestina, o tráfico de seres humanos e o
tráfico de veículos furtados, atividades de terrorismo que atentem contra a vida,
a integridade física, a liberdade das pessoas e os bens. A Decisão do Conselho,
de 6 de dezembro de 2001, alarga o mandato da Europol às formas graves de
criminalidade internacional enumeradas no anexo à Convenção Europol7, a
partir de 1 de janeiro de 2002.
Entretanto é aprovada a Decisão do Conselho de 6 de abril de 2009 que cria
o Serviço Europeu de Polícia (Europol)8. Segundo o Art. 3.º N.º 1 desta Decisão,
a competência da Europol abrange a criminalidade organizada, o terrorismo e
outras formas de criminalidade grave constantes do anexo à Decisão, que afeN
tem dois ou mais Estados membros de modo tal que, pela amplitude, gravidade
e consequências das infracções, seja necessária uma orientação comum por
parte dos Estados membros.
Para além do mandato da Europol, também o mandado de detenção EuroN
peu, aprovado pela DecisãoNQuadro do Conselho, de 13 de junho de 20029, veio
enunciar, no seu Art. 2.º, um catálogo de crimes considerados mais graves.
Segundo alguns autores, a criminalidade organizada “pode ter uma divisão
específica de ‘trabalho’, operar internacionalmente, utilizar um sistema de disciN
plina e controlo, empregando violência ou outros meios de intimidação para
obter o que pretendem. Também se podem valer de negócios lícitos para a
lavagem de dinheiro ou exercer influências em diversas áreas, tais como:
órgãos de comunicação social, política, economia ou até na justiça” (Michael
Levi, 2002 in Newburn, 2007).
7 2001/C 362/01. 8 A presente decisão substitui a Convenção elaborada com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia que cria um Serviço Europeu de Polícia («Convenção Europol»). 9 A Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto aprova o regime jurídico do mandado de detenção europeu (em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho). A Lei n.º 35/2015 de 04 de maio constitui a primeira alteração à Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, que aprova o regime jurídico do mandado de detenção europeu, em cumNprimento da DecisãoNQuadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, que reforça os direitos processuais das pessoas e promove a aplicação do princípio do recoNnhecimento mútuo no que se refere às decisões proferidas na ausência do arguido.
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
117
A estrutura do crime organizado é muito desenvolvida, durável e a sua
organização, baseada na divisão científica do trabalho, pode ser comparável à
de uma empresa. A sua grande flexibilidade permiteNlhe ainda adaptarNse perN
manentemente e expandir a sua actividade a novas zonas geográficas (áreas
internacionais no caso do crime organizado transnacional) e a novos mercados,
o que lhe dá igualmente um cariz multifacetado (Carrapiço, 2006: 8). De acordo
com John Salt, é muito possível que a organização deste tipo de grupos se
baseie, não num núcleo centralizador, mas em conjuntos de pequenas redes
independentes que, embora interNrelacionadas, se vão alterando consoante as
necessidades do mercado: “como qualquer outra estrutura as redes criminosas
crescem, recrutando recursos humanos a nível internacional, com diferentes
origens étnicas, permitindo a sua especialização” (Salt, 2000: 31).
É tãoNsó a partir da conjugação destas definições legais, dos índexes de criN
mes previstos no direito comunitário e da reflexão científica empreendida nas
universidades que podemos lograr uma delimitação aproximada do conceito de
criminalidade organizada.
No regime jurídico português, salientamos o Art. 1.º al j) do Código de ProN
cesso Penal (CPP)10 que define «Criminalidade violenta» como as condutas que
dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física ou a liberdade das
pessoas e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5
anos; na alínea l) «Criminalidade especialmente violenta» como as condutas
previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou
superior a 8 anos; e na alínea m) «Criminalidade altamente organizada» como as
condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas,
tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas,
corrupção, tráfico de influências ou branqueamento.
Tendo em conta que em Portugal não existe nenhuma definição legal de criN
minalidade de massa ou criminalidade comum, ab contrario poderá ser desigN
nada como a criminalidade punível com pena de prisão inferior a 5 anos.
A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro (medidas de combate à criminalidade
organizada e económicoNfinanceira), que contou com a última alteração através
da Lei n.º 55/2015 de 23 de junho, estabelece um regime especial de recolha de
prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, relaN
tiva aos crimes de: a) tráfico de estupefacientes, nos termos dos artigos 21.º a
23.º e 28.º do DecretoNLei n.º 15/93, de 22 de janeiro; b) terrorismo, organizações
terroristas, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo; c) tráfico de
armas; d) tráfico de influência; e) corrupção activa e passiva; f) peculato; g) parN
10 Lei 48/2007, de 29 de Agosto.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
118
ticipação económica em negócio; h) branqueamento de capitais; i) associação
criminosa; j) contrabando; l) tráfico e viciação de veículos furtados; m) lenocínio
e lenocínio de menores; n) tráfico de pessoas; o) contrafação de moeda e de
títulos equiparados a moeda. O disposto na presente lei só é aplicável aos criN
mes previstos nas alíneas j) a o) se o crime for praticado de forma organizada.
A Lei n.º 72/2015, de 20 de julho define os objetivos, prioridades e orientaN
ções de política criminal para o biénio de 2015N2017, em cumprimento da Lei n.º
17/2006, de 23 de maio, que aprova a LeiNQuadro da Política Criminal. Neste
diploma encontraNse estipulado que são crimes de prevenção prioritária, entre
outros, o terrorismo, a criminalidade violenta organizada ou grupal, os crimes
contra o Estado, designadamente os crimes de corrupção, de tráfico de influênN
cias, de branqueamento de capitais e a criminalidade económicoNfinanceira e a
cibercriminalidade. São crimes de investigação prioritária nomeadamente: o
terrorismo, o branqueamento de capitais e a cibercriminalidade.
CCCCRIMINALIDADE RIMINALIDADE RIMINALIDADE RIMINALIDADE OOOORGANIZADA E RGANIZADA E RGANIZADA E RGANIZADA E CCCCRIMINALIDADE DE RIMINALIDADE DE RIMINALIDADE DE RIMINALIDADE DE MMMMASSAASSAASSAASSA
À medida que se intensificam os efeitos da globalização sobre a vida quotiN
diana das sociedades e dos países, mais evidentes se tornam as relações entre a
criminalidade de massa e a criminalidade organizada, assim como entre a criN
minalidade que ocorre num dado país ou região e a criminalidade organizada
transnacional.
A teoria do «broken windows» (Wilson & Kelling, 1982) chama a atenção
para a estreita relação de causaNefeito que se estabelece entre a pequena inciviN
lidade e o pequeno crime de rua, que se desenvolve progressivamente para
formas de criminalidade cada vez mais endémicas, violentas e organizadas. Para
prevenir e combater com eficácia os novos riscos, ameaças, vulnerabilidades e
oportunidades que decorrem desta crescente interdependência entre os vários
patamares da criminalidade, as autoridades nacionais e supraNnacionais necesN
sitam de ultrapassar um paradigma tradicional compartimentado em várias
especialidades e estruturas estanques, que segmentam artificialmente a realidaN
de em domínios como a prevenção, as informações, a segurança e ordem públiN
cas e a investigação criminal, ou as incivilidades, a pequena, a média e a grande
criminalidade, ou ainda a criminalidade nacional e a transnacional.
Neste contexto, a segurança, já não se mantém, assegura e projeta, apenas nas
fronteiras territoriais, físicas e geográficas dos Estados, mas no exterior desses
limites territoriais, procurando e necessitando mesmo os países de projetar
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
119
segurança para além deles. As organizações internacionais envidam esforços
para identificar formas de melhorar a eficácia da cooperação para a prevenção
e repressão de uma criminalidade que cada vez conhece menos barreiras conN
ceptuais, institucionais e geográficas.
Maria José Morgado refere que “enquanto o crime não tem fronteiras a jusN
tiça é ainda excessivamente territorial, local, o que pode transformarNse, nestes
casos, num fator de impunidade (se não houver cooperação judiciária, estreita,
rápida, eficaz)” (Morgado, 2003: 9). TornaNse, por isso, urgente encontrar norN
mativos, estruturas, processos e mentalidades, ao nível nacional e internacional,
que encarando a realidade criminal como um sistema complexo, cheio de interN
dependências, adoptem uma visão holística assente numa abordagem transverN
sal, transdisciplinar, multiNinstitucional e integrada.
A nova criminalidade é caraterizada pela utilização “do poder mutagénico
das tecnologias, por combinações complexas de meios e modi operandi, as
quais, geram ameaças diversificadas, de natureza transnacional, assimétricas e
totalmente imprevisíveis quanto ao tempo, modo, local e intensidade de mateN
rialização” (Fernandes, 2005: 123N152.). TrataNse de uma criminalidade com uma
dimensão supranacional, não se limitando às fronteiras da soberania dos EstaN
dosNNação, fluida, flutuante, múltipla, volátil e mimética, onde as conexões entre
crime organizado e crime de rua são cada vez mais uma constante.
A criminalidade organizada utiliza, muitas vezes, criminosos comuns para a
execução de operações logísticas (transporte, armazenamento, distribuição), de
recolha de fundos, de segurança, de vigilância, etc. É conhecido por parte dos
órgãos de polícia criminal (OPC) e autoridades judiciárias, o recrutamento por
parte das associações criminosas de “pequenos” delinquentes para executarem
actividades delituosas que servem para financiar operações ligadas ao crime
organizado e/ou ao terrorismo (ex. furtos de passaportes e outros documentos de
identificação, furtos/roubos na via pública, furtos/roubos de armas em espingarN
darias, roubos em estabelecimentos bancários, furtos/roubos de multibancos,
prostituição, lenocínio e tráfico de seres humanos, recrutamento de imigrantes
ilegais, criminalidade económica e financeira, burla informática, etc.).
Ao mesmo tempo, a criminalidade de massa tem tendência, a complexificarN
se, a assumir configurações mais graves e violentas e também a internacionaliN
zarNse, tendo em vista a obtenção de maiores proventos económicos; vejaNse o
caso recente dos furtos no interior de residências, furtos por carteirista ou furN
tos no interior de estabelecimentos comerciais (i.e. lojas de prontoNaNvestir)
perpetrados em território português, de norte a sul, na sua maioria por grupos
de nacionalidade romena, moldava, búlgara ou croata, os quais, praticando
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
120
ilícitos normalmente qualificados como criminalidade comum (ou como bagate,
las penais), pertencem presumivelmente a organizações criminosas que selecioN
nam os locais de atuação, que as transportam, que lhe prestam apoio logístico e
segurança e que escoam os valores furtados.
DDDDESAFIOS E ESAFIOS E ESAFIOS E ESAFIOS E OOOOPORTUNIDADES DA PORTUNIDADES DA PORTUNIDADES DA PORTUNIDADES DA RRRREFORMA DO EFORMA DO EFORMA DO EFORMA DO PPPPROCESSO ROCESSO ROCESSO ROCESSO PPPPENALENALENALENAL
Face à interpenetração crescente entre formas de criminalidade organizada
e grave e criminalidade de massa, devido à complexificação e inventividade dos
novos modi operandi e técnicas e táticas criminais e atendendo ao facto das
relações entre as organizações «fora da lei» hoje não serem facilmente delimitáN
veis no espaço, tempo e configuração, o direito penal e processual penal têm a
tarefa de interpretar os fenómenos criminógenos hodiernos, enquadráNlos e
aplicarNlhes as disposições do Código Penal (CP) e do CPP, decorrentes das
alterações introduzidas respectivamente pela Lei nº 48/2007, de 29 de agosto,
pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro11 e demais legislação avulsa. Porém, a
recente reforma penal e processual penal, bem como a própria revisão da Lei de
Organização da Investigação Criminal (LOIC) – Lei n.º 49/2008 de 27 de agosto –
continua ainda a manter uma divisão demasiado estanque entre formas de criN
minalidade (altamente) organizadas e criminalidade comum12.
Por outro lado, de acordo com o 1.º Relatório Semestral da Monitorização
da Reforma Penal de 2008 que resultou de um inquérito realizado entre diversos
operadores judiciários, “parece inferirNse um certo consenso quanto ao impacto
diminuto na alteração do estatuto penal e processual das vítimas que, em geral,
consideram «esquecidas» do direito penal. Igual consenso, mas de sentido
11 A este respeito é importante o estipulado nos Artigos 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º e 31.º do CPP no que diz respeito à conexão de processos, embora muitas vezes esta coneNxão seja prejudicada pela falta de partilha de informação entre OPC, pelo facto dos crimes cometidos serem da competência de diferentes OPC e pela inércia dos intervenientes, designadamente dos OPC e do Ministério Público. 12 A manutenção da competência reservada da investigação da Polícia Judiciária (PJ), prevista no Art. 7.º n.º 3 al. h) da LOIC em relação a crimes efectuados com recurso a arma de fogo, sobretudo “quando a investigação assuma especial complexidade por força do carácter plurilocalizado das condutas ou da pluralidade dos agentes ou das vítimas” (Art. 8.º n.º 2 al. a), mantém um limite artificial incompatível com a dinâmica do crime. Os mesmos grupos de delinquentes que cometem crimes com armas de fogo, cometem outros ilícitos – designadamente furtos e roubos – sem armas ou na posse das mesmas sem as empunharem (delitos cuja competência genérica de investigação é da PSP e GNR), o que leva a uma disNpersão da investigação por diversos OPC e obstáculos na troca de informações criminais. De referir que a criminalidade violenta e organizada implica conhecimento «do terreno», dos modi operandi e metodologias utilizadas, dos bairros onde residem os suspeitos, do respecNtivo passado criminal, das conexões entre suspeitos e respectivo papel no grupo.
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
121
contrário, parece verificarNse quanto ao aprofundamento dos direitos e garanN
tias dos arguidos com a reforma” (Santos, Boaventura de Sousa et al: 2008: 95).
Ora, a reparação social e moral ultrapassa o plano patrimonial, coberto pela
indemnização, trataNse de reconstituir a imagem e a dignidade da vítima, afecN
tadas pelo crime e pela própria reacção social estigmatizante (vulgar nos crimes
sexuais e na violência doméstica). Este objectivo deve ser prosseguido por um
processo penal público, devendo o Estado assumir a reparação dos direitos
afectados com maior eficácia13.
Para Costa Andrade, “a submissão de plano de todos os casos à rigidez dos
formalismos e rituais do processo penal pode, não raro, condenar a vítima à
«vitimização secundária», com a consequente indução de uma irreversível carreiN
ra de vitimização ou, noutra direcção, de delinquência” (Andrade, 2008: 147)14.
FocamoNnos, assim, em algumas oportunidades e desafios decorrentes da
reforma do processo penal em Portugal, os quais, poderão ter um impacto
determinante na eficácia da investigação criminal. A análise é naturalmente
breve em função do limite de páginas estabelecido.
a. Oportunidadesa. Oportunidadesa. Oportunidadesa. Oportunidades
Em termos de oportunidades conferidas pelo CPP referimos, em primeiro
lugar, a grande mudança (mesmo de mentalidades) decorrente do preceituado
nas alíneas a), b) e sobretudo da c) do n.º 5 do Art. 174.º do CPP, que consiste na
possibilidade de os OPC poderem, por sua iniciativa, em determinadas condiN
ções, realizar revistas e buscas domiciliárias, quer diurnas quer nocturnas –
entre as 21 e as 7 horas (conforme previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do Art.
177.º do CPP) –, o que vem aumentar a capacidade operacional de intervenção e
a melhoria dos mecanismos e capacidades instrumentais de investigação dos
OPC. No entanto, poderNseNá argumentar que o estipulado no Art. 174.º n.º 5 al.
c) e no Art. 177.º n.º 2 al. c) potencia situações de violação de direitos. Será que
13 Neste sentido, é significativa a nota de imprensa da PGR de 28 de Agosto de 2008 com o seguinte teor: “esperaNse que o legislador proceda aos ajustamentos legais que se mosNtram necessários para combater a criminalidade violenta, tendo em consideração que o hipergarantismo concedido aos arguidos colide com o direito das vítimas, com o prestígio das instituições e dificulta e impede muitas vezes o combate eficaz à criminalidade comNplexa”. Na mesma linha, Conde Fernandes refere que “na ponderação entre a constelação de direitos, liberdades e garantias, atinentes à liberdade e à segurança (…) prevaleceram sobre as dimensões axiológicoNnormativas do direito à vida, à integridade pessoal e à liberdade de vítimas e terceiros” (Fernandes, 2008: 202). 14 Para Costa Andrade, “a vitimização pode ser induzida por sentimentos de “frustraçãoNagressão” e potenciada pelo “sentimento de injustiça sofrida”. Um indesejável e perverso efeito itragéneo a que não pode obviarNse com o paliativo da suspensão provisória do processo, que o legislador de 2007 consagrou” (Andrade, 2008: 147).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
122
a realização de revistas e buscas aquando de detenção em flagrante por crime a
que corresponda pena de prisão (não apenas em situações de criminalidade
organizada ou violenta, mas de qualquer crime) não é uma disposição demasiaN
do aberta?
E repareNse que só nos casos da alínea a) do n.º 5 do Art. 174.º é que a realiN
zação da diligência deve ser, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada
ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação (Art. 174.º
n.º 6 do CPP). E as situações de consentimento e de detenção em flagrante deliN
to? Quanto ao Art. 177.º n.º 2 al. c) que permite a realização de buscas nocturnas
em casos de flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão
superior, no seu máximo, a 3 anos, estamos em presença de outra oportunidade
para a investigação criminal que, se for mal utilizada, pode facilmente contender
com direitos, liberdades e garantias.
Com o intuito de se evitar a estigmatização do arguido, tem vindo a camiN
nharNse no sentido de a pequena e média criminalidade ser sancionada com
penas não privativas da liberdade e de estas serem aplicadas em processos
simplificados e acelerados que, no entanto, não deixam de respeitar as garantias
de defesa do arguido (Rodrigues, 1996: 539). Salientamos as disposições consN
tantes do Art. 381.º do CPP relativas ao julgamento em processo sumário dos
detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão cujo limite
máximo não seja superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções
facto que se revela primordial para a prevenção e repressão da «pequena crimiN
nalidade», tendo permitido maior celeridade processual e eficácia na punição
dos autores deste tipo de ilícitos15. Segundo Sónia Fidalgo, está nas mãos dos
magistrados do Ministério Público dinamizar a aplicação do processo sumarísN
simo, não esquecendo que um dos princípios jurídicoNconstitucionais orientaN
dores do sistema sancionatório português (decorrentes das máximas da
necessidade e subsidariedade da intervenção penal) é o princípio da preferência
pelas reacções criminais não detentivas face às detentivas (Fidalgo, 2008: 319)16.
Contudo, pareceNnos questionável sujeitar a processo sumário, indivíduos
detidos por outros cidadãos, desde que entregues, num prazo que não exceda
duas horas, a autoridade judiciária ou entidade policial (Art. 381.º n.º 1 al. b) do
CPP). Estas situações mereceriam uma maior protecção de direitos, e nas circunsN
tâncias previstas na lei, nunca se sabe até que ponto não se verificam violações de
15 A criminalidade de pequena e média gravidade constitui a “área onde as soluções procesNsuais de consenso podem ser levadas mais longe” (Rodrigues, Anabela Miranda, 1996: 335). 16 Conferir também DIAS, Jorge Figueiredo, Direito Penal Português. Parte Geral II. As Consequências Jurídicas do Crime (Lisboa: Editorial Notícias, 1993), p. 553.
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
123
direitos, liberdades e garantias por parte dos cidadãos que procedem à captura
dos alegados suspeitos.
Os novos meios de prova empregues numa tentativa de combate a este tipo
de criminalidade têm uma natureza diferente e são estruturalmente e qualitatiN
vamente distintos dos tradicionais (se assim não fosse não cumpriam os seus
objetivos), o que permite que tenham um maior potencial de prevenção criminal
e uma mais vasta capacidade probatória. Podemos referir alguns desses insN
trumentos processuais e meios de obtenção de prova, oportunidades para uma
investigação mais eficaz e eficiente: , intercepções telefónicas, de correio eletróN
nico e de dados transmitidos por via telemática; quebra do sigilo bancário;
registo de imagem e som entre presentes (vigilância e escuta ambiental); canais
de cooperação internacional; mecanismos de direito premial e de reconheciN
mento da colaboração processual, previstos quer na norma substantiva, quer na
norma processual e as correspondentes medidas de protecção de testemunhas;
ações encobertas e entregas controladas.
b. Desafiosb. Desafiosb. Desafiosb. Desafios
A reforma veio estabelecer que para alguém ser constituído arguido é
necessário que, por um lado, a notícia do crime não seja manifestamente infunN
dada (Art. 58.º n.º 1 al. d) e, por outro, correndo inquérito contra pessoa deterN
minada, exista suspeita fundada da prática do crime pela pessoa que se visa vir
a constituir como arguido (Art. 58.º n.º 1 al. a)17.
A constituição de arguido e subsequente validação prevista no Art. 58º n.º 3
do CPP tem implicado para os OPC, um acréscimo substancial de actos e trâmiN
tes processuais, que prolongam o curso normal do processo (pensemos por
exemplo na Divisão de Investigação Criminal do Comando Metropolitano da
PSP de Lisboa com um movimento de 1200 processos entrados e saídos por mês
e sensivelmente 15.000 anualmente). A validação da constituição de arguido,
não é um ato meramente formal, implicando uma aferição substancial18, pelo
magistrado, da existência de “suspeita fundada”. As comunicações e validações
têm significado mais burocracia que torna extremamente difícil gerir o elevado
17 Esta inovação teve como razão de ser evitar constituições de arguido prematuras, que impunham uma carga estigmatizante sobre o sujeito afectado por tal estatuto. 18 Os efeitos do regime de convalidação da constituição como arguido são problemáticos. Há quatro situações possíveis: a) o OPC não comunica ou comunica fora do prazo à autoNridade judiciária a constituição como arguido; b) o OPC comunica à autoridade judiciária a constituição como arguido dentro do prazo, mas esta omite a validação; c) o OPC comuNnica à autoridade judiciária a constituição como arguido dentro do prazo, mas esta valida fora do prazo; d) o OPC comunica à autoridade judiciária a constituição como arguido dentro do prazo, mas esta rejeita a validação, isto é, a testemunha foi indevidamente consNtituída como arguido (Albuquerque: 2008: 176).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
124
volume de serviço com que os OPC e os Tribunais se confrontam. O procediN
mento de comunicação para validação tem prejudicado a capacidade de resposN
ta dos OPC, sobretudo porque, na maior parte dos casos, são fixados prazos
reduzidos para a concretização das diligências solicitadas, induzindo assim os
OPC a tratáNlos como urgentes, em detrimento de outros inquéritos que ali se
encontram já em investigação. Tal implica, como facilmente se pode constatar,
mais um corte na celeridade que se pretende implementar. O OPC terá de preN
sumir que houve despacho no sentido da validação, nos casos em que a AutoriN
dade Judiciária nada diga na sequência da comunicação da constituição de
arguido. Após o envio do fax, ou o OPC aguarda a comunicação expressa ou a
validação tácita do ato de constituição como arguido, ou prossegue de imediato
a investigação, partindo do pressuposto (que poderá revelarNse errado) de que a
constituição de arguido será validada e que os elementos de prova recolhidos
posteriormente não estarão feridos de nulidade. Medidas como estas, fazem do
Ministério Público, “uma mera instância de autenticação dos atos praticados
pelas polícias” (Rodrigues, 2001: 965)19.
Em face destes condicionalismos, a metodologia de investigação mais
comum faz com que a última diligência a ser realizada no inquérito seja a consN
tituição de arguido e respetivo interrogatório. Contudo, “após um período iniN
cial de adaptação, parece estar já em curso uma tendência de rotinização de
procedimentos, “favorecida”, por um lado, pela falta de reação aos, eventuais,
atos de constituição abusiva de arguido pelos próprios e seus defensores; e, por
outro, pela quase generalizada validação das constituições de arguido por parte
do Ministério Público” (Santos, Boaventura de Sousa et al : 2008: 96).
As alterações introduzidas especialmente no domínio da “publicidade do
inquérito”20 ou da assistência do público aos atos de inquérito e do “segredo de
justiça”, constantes dos Art. 86.º, 87.º e 89.º do CPP, revelamNse problemáticas
para a eficácia da investigação criminal.
19 Conde Correia defende que o Ministério Público tem que assumir as rédeas da investiNgação criminal não podendo remeterNse para um papel secundário e passivo (Correia, 2008: 5). O mesmo autor cita Anabela Miranda Rodrigues, quando refere a necessidade de intervenção da autoridade judiciária na investigação assenta na ideia de que, a montante do julgamento, a recolha de provas e a sua apreciação com vista a um eventual julgamento é uma actividade que pode ser tão pesada para os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que a sua legalidade deve ser escrupulosamente resguardada” Rodrigues, 1996 cit. in Correia, 2008: 5). 20 Segundo o 1.º Relatório Semestral da Monitorização da Reforma Penal, “princípio da publicidade dos processos penais, na fase de inquérito, “foi a alteração que provocou mais manifestações de apreensão, por parte de operadores judiciários, em especial de magisNtrados do Ministério Público e de órgãos de polícia criminal no sentido de poder colocar em causa a eficácia da investigação de determinados tipos de crime” (Santos, Boaventura de Sousa et al : 2008: 97).
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
125
O Art. 86.º (Publicidade do processo e segredo de justiça), prevê que a evenN
tual sujeição a segredo de justiça de qualquer inquérito (incluindo inquéritos
sobre criminalidade organizada, complexa ou grave) ficará sempre dependente,
em última análise, de decisão judicial. Na opinião de alguns juristas, o Art. 86.º n.º
6, al. a) do CPP permite a assistência do público à realização dos actos procesN
suais. Outras interpretações distinguem publicidade (n.º 1 do Art. 86.º do CPP) de
ato público, considerando que os atos de inquérito, não sendo expressamente
declarados atos públicos pela lei (Arts. 86.º, n.º 6 e 87.º do CPP), apenas permitem
a assistência das pessoas expressamente convocadas para os mesmos.
O Despacho n.º 3/2008, de 3 de janeiro de 2008, da ProcuradoriaNGeral DisN
trital de Lisboa (PGDL) refere que a possibilidade de assistência do público a
atos processuais é restrita àqueles que a lei como tal haja declarado (artigos 86º,
n.º 6 e 87º, n.º 1). A publicidade do processo, no seu conjunto, ou de uma dada
fase processual (inquérito, instrução, julgamento) não acarreta como conseN
quência necessária a assistência do público a todos os actos. Aos atos procesN
suais de inquérito, sejam eles praticados nos serviços do Ministério Público ou
nas instalações dos órgãos de polícia criminal, é vedado o acesso do público. De
acordo com Conde Correia, “sobretudo nos domínios da criminalidade altaN
mente organizada ou do terrorismo, o segredo é essencial à sobrevivência da
investigação ou mesmo à salvaguarda da integridade física ou até da vida de
terceiros nela implicados” (Correia, 2008: 11).
Por outro lado, podeNse referir que com a reforma do Processo Penal se veriN
fica a inversão do anterior paradigma de sujeição sistemática das fases do
inquérito e da instrução do processo penal, a um segredo de justiça absoluto,
quer externamente, para o público em geral, quer internamente, para os próN
prios participantes processuais.
Nos casos em que estejam em causa formas de criminalidade mais graves
(de difícil e morosa investigação), poderá revelarNse de todo insustentável a
possibilidade de impor, ao Ministério Público, a realização da totalidade da
investigação criminal sob a égide do princípio da publicidade, em termos que
não têm paralelo na legislação da maioria dos Estados membros da U.E. e que
poderão até pôr em causa as obrigações de cooperação internacional em matéN
ria de investigação criminal que decorrem, nomeadamente, de instrumentos
jurídicos vigentes na U.E. (Europol) e de convenções internacionais relativas ao
terrorismo, à criminalidade transnacional organizada e à corrupção, designaN
damente a Convenção Schengen21.
21 O exNpresidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, António Martins, defendeu em entrevista ao Diário de Notícias em 12 de Dezembro de 2007 que “todo o tipo
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
126
RevemoNnos na posição defendida pela PGR, quando refere que se justifica,
quanto às formas de criminalidade mais grave, que seja sempre imposta a
manutenção do segredo durante todo o período legalmente previsto para a
duração do inquérito, ainda que os sujeitos e participantes processuais interesN
sados requeiram, por qualquer razão, a publicidade do processo (na sua vertenN
te de publicidade pública), sob pena de violação do Art. 20.º n.º 3 da
Constituição22. Conde Correia defende que “a solução legal, apesar do louvável
interesse da proteção dos direitos do arguido, prejudicado pela demora da
investigação criminal em curso, parece, assim, esquecer, quase por completo, o
interesse contraditório da descoberta da verdade e da realização da justiça
penal, também coNnatural do processo penal de um Estado de direito (…), a sua
consagração significa (…) uma séria entorse às capacidades funcionais da invesN
tigação” (Correia, 2008: 11).
Quanto ao Art. 87.º (Assistência do Público a atos processuais) parece poder
concluirNse que todos os atos processuais praticados no decurso de um inquériN
to que não esteja sujeito a segredo de justiça deverão ser públicos, quase que
equiparando essa fase ao julgamento. Facilmente se imaginam os danos decorN
rentes do acesso sem restrições aos locais de realização de actos de instrução
realizados pelo juiz e/ou, mediante sua decisão, de diligências investigatórias na
fase de inquérito de crimes comuns e sobretudo de criminalidade organizada,
podendo inclusive implicar um redimensionamento do espaço destinado às
diligências processuais nas instalações dos tribunais e dos OPC’s. Porém,
“parece difícil de justificar, com base em simples razões logísticas, a limitação
da publicidade no que aos próprios sujeitos processuais diz respeito” (Patto,
2008: 64)23.
de criminalidade complexa, seja o branqueamento de capitais, a corrupção ou o tráfico de pessoas, tem as investigações dificultadas devido às novas regras. Isto porque associado ao fim do prazo do inquérito, o processo tornaNse público. E pode tornarNse muito difícil investigar quando os eventuais suspeitos estão a par do processo". 22 Assim, a PGR propõe a inclusão no Art. 86.º da seguinte norma: “ficam sempre sujeitos a segredo de justiça os inquéritos que tenham por objeto os crimes previstos pelas alíneas i) a m) do art. 1º, pelo art. 1º da Lei nº 36/94, de 29 de Setembro, e pelo art. 1º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, não podendo tal segredo ser levantado, em caso algum, antes do decurso do prazo previsto nos nºs 1 e 2 do art. 276º ou daquele que tiver sido fixado nos termos do nº 6 do art. 89.º”. 23 Nestes termos, a PGR considera indispensável clarificar o regime do Art. 87.º do CPP por forma a nele inserir uma norma que preveja que: “nas fases de inquérito e de instrução, a possibilidade de assistência de qualquer pessoa à realização de actos processuais, bem como a natureza e a extensão da possibilidade de reprodução desses actos pelos meios de comunica,ção social, fica dependente de decisão fundamentada da autoridade judiciária ou de polícia criminal responsável pela realização das diligências processuais, tendo, nomeadamente, em consideração a natureza destas e as circunstâncias em que forem efectuadas”.
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
127
No que diz respeito ao Art. 89.º do CPP (Consulta do Auto e obtenção de
certidão e informação por sujeitos processuais) parecem existir dificuldades
inconciliáveis com uma investigação eficaz da criminalidade de massa, organiN
zada e/ou violenta, designadamente em relação ao n.º 6 que prevê a possibilidaN
de de excepcional prorrogação do prazo durante o qual será vedado o acesso
aos autos, por parte dos sujeitos e participantes processuais, nos processos
relativos a tal criminalidade mais grave. Ora, uma prorrogação limitada a três
meses não é suficiente para a “conclusão da investigação”, não nos parecendo
adequado prever que este prazo só possa ser prorrogado por uma só vez. De
referir igualmente que é extremamente difícil fixar um prazo objectivamente
indispensável à conclusão da investigação em processos complexos24.
Outra questão relevante consiste no regime aplicável às detenções fora do
flagrante delito segundo o qual, a detenção25 só pode ser efetuada, por mandaN
do do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério
Público26, quando houver fundadas razões para considerar que o visado se não
apresentará espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe
for fixado (Art. 257.º n.º 1 do CPP). TrataNse de uma avaliação difícil de fazer em
alguns casos. Por isso, nestas situações, os OPC optam cada vez mais pela
adopção de um procedimento «sem riscos», “uma política de cautela, cuja prinN
cipal consequência é a opção pela não detenção fora dos casos de flagrante
delito, sempre que haja alguma dúvida quanto à legalidade do acto” (Santos,
Boaventura de Sousa et al: 2008: 96), convocando os suspeitos para se apresenN
tarem em tribunal, indicandoNlhes o motivo da suspeita. Nada impedirá, assim,
os suspeitos de fugirem nesse período e de não comparecerem para o primeiro
interrogatório judicial. E não será essa a atitude expectável, por exemplo, por
parte de delinquentes membros de associações criminosas ou de suspeitos de
tráfico de estupefacientes com conexões ao crime organizado? Concordando
24 A PGR propõe uma alteração ao texto do artigo em referência nos seguintes termos: “Findos os prazos previstos no art. 276.º, o arguido, o assistente e o ofendido podem conNsultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, quando estiver em causa a criminalidade a que se refere o n.º 6 do art. 86.º, pelo tempo objectivamente indispensável à conclusão da investigação”. 25 Para Germano Marques da Silva, “a detenção é também privação da liberdade e como tal deve ser a excepção. A competência para aplicação da medida de coacção compete ao juiz e a antecipação da privação da liberdade mediante a detenção só se justifica em situaNção de urgência e de perigo na demora”. (Silva, Germano Marques, 1375N1376). 26 A competência da autoridade de polícia criminal para determinar a detenção fora de flagrante delito passa a ser inteiramente subsidiária da competência do Ministério Público, pois depende dos mesmos pressupostos (perigo de fuga e admissibilidade da prisão preNventiva) (Albuquerque, 2008: 682).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
128
com o princípio da excepcionalidade da detenção, “não se deve excluir o recurso
à detenção, sempre que esta se apresente como meio necessário, adequado e
proporcionado para impedir o cometimento de futuros crimes e assegurar o
respeito de bens jurídicos fundamentais – princípio da proibição do excesso,
previsto no Art. 18.º n.º2 da Constituição” (Fernandes, 2008: 194).
Na nossa opinião, o prazo de duração máxima (4 meses) de prisão preventiN
va, de obrigação de permanência na habitação ou de proibição e imposição de
condutas, em sede de inquérito, fixado no Art. 215.º, n.º 1, al. a), com referência
ao Art. 218.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPP, é curto para a investigação e conclusão
do inquérito. Tal implica que a “essência” da recolha de prova seja efectuada
sem o conhecimento do indiciado autor do crime e que este seja constituído
arguido apenas na fase final da investigação. Os prazos legalmente previstos
para a investigação criminal mostramNse incompatíveis com a criminalidade que
apresenta algum grau de complexidade e de organização, ou que exige meios
técnicos específicos para a investigação.
Nos termos do n.º 1 do Art. 152.º do CP (Violência Doméstica) a pena de priN
são é de um a cinco anos, o que determina o seu julgamento em processo sumáN
rio. Segundo o Art. 385, nº 1, do CPP, se não for possível a apresentação do
arguido para julgamento em acto seguido à detenção em flagrante, aquele só
poderá continuar detido quando «houver razões para crer que não se apresenN
tará espontaneamente perante a autoridade judiciária no prazo que lhe for fixaN
do». Neste contexto, poderá acontecer que o arguido sendo libertado, depois de
notificado para comparecer em julgamento sumário, entretanto regresse a casa
e reincida na sua anterior conduta. VerificaNse neste e noutros casos a falta de
medidas que, no imediato, acautelem as vítimas. A realização tempestiva de
exames médicos às vítimas também se apresenta problemática.
Por outro lado, refereNse a aparente contradição do crime de violência
doméstica previsto no Art. 152º do CP ser punível com pena de prisão até cinco
anos (com as excepções do n.º 3 do Art. 152.º), preenchendo simultaneamente o
conceito de criminalidade violenta previsto no Art. 1º al. j) do CPP), de acordo
com o Art. 2.º al. f) da Lei n.º 72/2015 de 20 de julho27. Nos casos de violência
doméstica pareceNnos ainda mais questionável sujeitar a processo sumário,
indivíduos detidos (alegados agressores) por outros cidadãos (Art. 381.º n.º 1 al.
b) do CPP) e uma errada constituição como arguido, factos que poderão desN
proteger direitos, liberdades e garantias, dado que em situações sensíveis como
27 Define os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2015N2017, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de maio, que aprova a LeiNQuadro da Política Criminal.
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
129
estas pode haver a tentação de levar um alegado agressor à justiça devido a
retaliação. Daí que defendamos que a violência doméstica deveria ser uma das
excepções em que não se aplicaria o disposto no Art. 381 n.º 1 al. b).
GGGGLOBALIZAÇÃO E MUTAÇÃLOBALIZAÇÃO E MUTAÇÃLOBALIZAÇÃO E MUTAÇÃLOBALIZAÇÃO E MUTAÇÃO DA CRIMINALIDADE O DA CRIMINALIDADE O DA CRIMINALIDADE O DA CRIMINALIDADE
De acordo com a Europol28, o crime organizado vai sofrer profundas e signiN
ficativas mudanças ao longo da próxima década devido à disponibilidade de
novas tecnologias, tendo em conta a conjuntura económicoNfinanceira e os
desenvolvimentos na sociedade e ainda como resposta às ações das polícias e
da justiça. Esta mutação das estruturas e das operações criminosas ocorrerá,
independentemente dos peritos virem a concordar ou não com uma nova defiN
nição de crime organizado, sendo imperativo para as agências de aplicação da
lei a compreensão dos fatores que têm contribuído para as transformações na
organização, nos modi operandi, nas áreas de negócio e tipologias do crime
organizado do futuro.
Para a Europol salientamNse alguns fatoresNchave que terão um enorme
impacto nesta evolução: 1. as inovações no transporte e logística permitirão aos
grupos criminosos desenvolver a sua atividade de forma cada vez mais anónima
através da internet, em qualquer lugar e a qualquer hora, sem estarem fisicaN
mente presentes aquando do cometimento dos ilícitos; 2. os dados serão encaN
rados cada vez mais como uma mercadoria – o aumento da exploração de big
data e de dados pessoais permitirá aos grupos criminosos a realização de frauN
des de identidade cada vez mais complexas e sofisticadas, a níveis sem preceN
dentes; 3. a nanotecnologia e robótica abrirão novos mercados e fornecerão
novas ferramentas para esquemas ilícitos sofisticados; 4. sem legislação especíN
fica e sem cooperação judicial e policial direcionados para esta problemática, o
comércio ilícito de lixo electrónico poderá crescer de forma exponencial no
futuro próximo tanto ao nível das quantidades traficadas, como ao nível dos
métodos utilizados pelos atores criminais envolvidos nesta atividade; 6. as disN
paridades económicas na Europa poderão criar um sentimento de maior aceitaN
ção social em relação ao crime organizado, ao mesmo tempo que as
organizações criminosas se introduzirão em comunidades economicamente
fragilizadas, de modo a dar a aparência de que são fornecedoras de emprego e
de serviço; 7. as organizações criminosas irão cada vez mais tentar infiltrar
indústrias que dependem de recursos naturais para atuarem como corretoras
28 Relatório da Europol, Exploring Tomorrow’s Organised Crime, 2015.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
130
ou agentes comerciais no mercado de produtos naturais (muitas vezes, espécies
protegidas, materiais raros, etc.); 8. as moedas virtuais cada vez mais capacitarão
os delinquentes a agir como empresários freelancers num negócio tipo crime as a
service, sem a necessidade de uma infraestrutura sofisticada para receber e branN
quear dinheiro; 9. as organizações criminosas selecionam como alvo uma popuN
lação cada vez mais idosa, prestandoNlhe serviços ilícitos, explorando novos
mercados e oportunidades.
A Europol considera ainda que os mercados mais dinâmicos e em pleno
crescimento são: o tráfico de drogas sintéticas e de substâncias psicoativas, a
contrafação de bens diversos, a cibercriminalidade e os crimes ambientais. Os
mercados estáveis são: o tráfico de cannabis, a imigração ilegal, o tráfico de
seres humanos, a criminalidade patrimonial organizada, a fraude e o tráfico de
armas. Os mercados em declínio são: a contrafação de moeda e os tráficos de
heroína e cocaína.
CCCCONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES
A criminalidade organizada e a criminalidade complexa estão cada vez mais
interNrelacionadas com a criminalidade de massa. Diríamos que os grupos criN
minosos são hoje interdependentes, trabalham em rede e numa perspetiva emiN
nentemente empresarial.
Da mesma forma, verificaNse a externalização da segurança interna e da justiça
de forma a fazer face a ameaças e riscos cada vez mais supranacionais. A vaga de
refugiados para a Europa oriundos da Síria e de muitas outras zonas de conflito
em África, no Médio Oriente e na Ásia, não é alheia a organizações criminosas
que despojam estes migrantes de todos os seus bens, cobrandoNlhes quantias
monetárias muito acima das suas posses e sujeitandoNos a rotas perigosas e a
condições de transporte, sanitárias, alojamento, alimentação, que têm provocado
a morte a milhares de pessoas, nomeadamente nas águas do mediterrâneo.
Respondendo à hipótese inicial, apesar da crescente “desterritorialização
das atividades policiais e da justiça (...) e da ligação entre a Europol e a EuroN
just” (Bigo, 2008: 17), os mecanismos de cooperação europeia e o ordenamento
jurídico português estabelecem ainda demasiados compartimentos estanques
entre os diferentes patamares da criminalidade, prejudicando a aplicação da
justiça e a eficiência e eficácia na investigação criminal.
Na sua generalidade, a reforma processual penal em Portugal não assumiu
um caráter nem mais garantista, nem mais securitário. Porém, para alguns
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL ORGANIZADA. PARADOXOS CONCEPTUAIS E DESAFIOS POLÍTICOS E OPERACIONAIS
131
autores “o modelo está mais desequilibrado, na medida em que se caminha,
rapidamente, mesmo ao nível do inquérito, para um tratamento diversificado da
grande criminalidade e da pequena criminalidade, a investigação está policializa,
da e nalguns casos as possibilidades de intromissão nos direitos individuais são
incomparavelmente maiores. Isto não significa para já que se tenha enveredado
por um processo penal de índole securitária, que privilegie, exclusivamente, a
busca da verdade e a realização da justiça, à custa dos direitos fundamentais”
(Correia, 2007: 12).
Na justiça penal é sabido que “qualquer deriva, seja securitária seja garantisN
ta, convive mal com a democracia, mais depressa ficando a própria justiça à
deriva” (Fernandes, 2008: 204). A reforma parece ter resultado essencialmente
da “crescente necessidade de estabelecer uma separação entre o tratamento
processual da pequena e média criminalidade, por um lado, e a grande criminaN
lidade por outro” (Leitão, 2008: 338).
A separação conceptual (estanque), como aqui tentámos demonstrar, é em
muitos casos um falso pressuposto, pois, sabendo nós que não podemos meter
todos os fenómenos criminógenos «dentro do mesmo saco», dado terem caracN
terísticas específicas, a transversalidade, fluidez, e (re)configuração das suas
manifestações é hoje uma realidade que preconiza novas abordagens. Segundo
Ana Paula Brandão, “os atores estaduais e institucionais intergovernamentais
demonstraram a sua inadaptação (conceptual, política e operacional) face aos
desafios securitários pósNGuerra Fria, designadamente as ameaças transnacioN
nais, pelo que a U.E. se apresenta (…) como um laboratório de ator de seguranN
ça posNvestefaliano que enfrenta o repto da coordenação interNpolíticas, interN
níveis e interinstitucional” (Brandão, 2010: 38).
O equilíbrio entre, o direito à segurança, o direito das vítimas e, a protecção
dos direitos, liberdades e garantias do arguido é um compromisso imprescindível
no Estado de direito. Fenómenos terroristas como os de Nova Iorque, Bali,
Madrid, Londres, Paris, Bagdad, Bombaim, Cabul, a criminalidade organizada, a
criminalidade económicoNfinanceira que parece estar a assumir maior visibilidade
em Portugal e o crime violento, justificam cabalmente a criação de institutos mais
severos, eficazes e expeditos ao nível da prevenção, investigação e sancionamento.
No início do século XXI, a concepção do Direito Penal do inimigo29 erigida
pelo penalista alemão Gunther Jakobs vulgarizouNse, assentando num modelo
de emergência e de excepcionalidade (presente em slogans como «a guerra ao
29 Cancio Meliá refere que o Direito penal do inimigo, nada mais é, que um conjunto norNmativo que retrata uma nova modalidade de Direito penal de autor, que pune o sujeito pelo que ele ‘é’ (criminoso habitual, profissional, organizado, que refuta a legitimidade do ordenamento jurídico de modo permanente), não pelo que fez (Meliá & Díez, 2006: 59).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
132
terrorismo»), destrinçando entre os cidadãos e os inimigos e atribuindoNlhes
distintos níveis de respeito e de protecção jurídica. Nesta perspetiva, a perigosiN
dade dos suspeitos de crimes de terrorismo, de criminalidade organizada, de
criminalidade económicoNfinanceira, de crimes sexuais e de outro tipo de criN
mes graves e violentos (Jakobs & Meliá, 2003: 39) justificaria que não fossem
tratados como membros da comunidade política e não beneficiassem das
garantias de defesa atribuídas aos demais cidadãos.
Para quem defenda esta lógica, “há uma consequência inevitável: todo o
Direito Penal acabará por se tornar Direito Penal do inimigo. Não só os terrorisN
tas, mas todos os que cometerem crimes graves acabarão por ser vistos como
inimigos do Estado e despojados dos seus direitos” (Palma, 2008), o que resultaN
rá na falência do Estado de direito e do Direito Internacional.
Com efeito, há um núcleo essencial de direitos, liberdades e garantias que
não pode ser afectado nesta luta contra o crime, sob pena de descaraterização
dos Estados de direito democráticos. A presunção de inocência, o direito de ser
representado por advogado, o direito de recurso, a tortura e a proibição da pena
de morte, inseremNse neste núcleo intangível. A grande vantagem estratégica do
Estado de direito democrático na luta contra o terrorismo e a criminalidade orgaN
nizada advém da sua superioridade éticoNpolítica (Pereira, 2004: 77 e ss).
Os grandes desafios do direito do século XXI passam por “um direito penal
do risco, capaz de maior eficácia na protecção dos interesses individuais e
colectivos com salvaguarda das garantias do processo penal democrático. Por
este ser capaz de fazer face aos riscos da vida moderna e das novas formas da
criminalidade organizada global sem perder a sua face humana e justa. Um
processo penal de um Mundo tornado pequeno demais pela internet e grande
demais pelos paraísos fiscais” (Morgado, 2003: 11).
Todavia, será redutor “fazer frente ao crime organizado apenas com ações
policiais ou com a publicação de novas leis. A chave do problema está na socieN
dade em si, na sua estrutura e, acima de tudo, na formação cívica dos cidadãos.
É a este nível que são necessárias verdadeiras intervenções de fundo” (CarrapiN
ço, 2006: 28). As novas concepções de segurança implicam um investimento em
outras dimensões como sejam a política, económica, societal, ambiental e não
apenas a aposta na tradicional abordagem militar/policial.
O desafio consistirá em garantir a segurança, em realizar a justiça, com o
fim último de, não só manter, mas de aprofundar a liberdade.
133
6666.... PPPPROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE AAAARMAS DE RMAS DE RMAS DE RMAS DE DDDDESTRESTRESTRESTRUIÇÃO UIÇÃO UIÇÃO UIÇÃO MMMMAAAASSSSSIVASIVASIVASIVA....OOOO CASO DO NUCLEAR CASO DO NUCLEAR CASO DO NUCLEAR CASO DO NUCLEAR
FRANCISCO PROENÇA GARCIA
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
O artigo procura ser um contributo para caraterizar a proliferação de ADM
nucleares. Numa primeira fase descreve as diversas dinâmicas associadas a esse
fenómeno, identificando algumas das motivações que levam os diversos atores a
prosseguir esse desiderato, bem como quais os diferentes riscos e perigos para a
segurança internacional que lhe estão associados. Numa segunda fase aborda
alguns dos instrumentos internacionais adotados para lhe fazer face, nomeada,
mente o Tratado de Não,Proliferação. Por fim aborda atualidade da estratégia da
dissuasão nuclear mantida pelos diversos detentores de armas nucleares.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chavechavechavechave:::: Dissuasão, proliferação, NATO, Tratado de Não Proliferação,
Defesa antimíssil, terrorismo.
IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO
O ambiente estratégico contemporâneo, caracterizado pela sua complexidade,
não linearidade, imprevisibilidade, heterogeneidade, mutabilidade e dinamismo, e
onde as realidades contraditórias são crescentes, apresenta uma ampla série de
ameaças à segurança internacional (amplamente tratadas em todo o conteúdo
deste livro), sendo a proliferação de Armas de Destruição Massiva (ADM) uma
das mais prementes.
Sobre este tema podemos equacionar um conjunto de questões como: o que
é e o que caracteriza a proliferação? Como se pode conter ou controlar? Qual o
papel da dissuasão nuclear hoje em dia?
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
134
Com as respostas a estas questões, este estudo procura dar um contributo
para um melhor entendimento da proliferação nuclear, estando organizado em
três partes distintas mas interrelacionadas. Numa primeira parte descrevemNse
as diversas dinâmicas que estão relacionadas com a proliferação de ADM, proN
curando ainda identificar quais as motivações que levam Estados e atores nãoN
Estatais a prosseguir este desiderato, quais os riscos e perigos para a SeguranN
ça do Sistema Internacional que lhe estão associados, bem como traçar cenários
de possíveis evoluções. Numa segunda fase abordamNse as respostas encontraN
das a nível internacional para lhe fazer face, identificando e caraterizando
alguns dos instrumentos adotados, nomeadamente o Tratado de NãoN
Proliferação. Por fim analisamNse a relevância e atualidade da estratégia de
dissuasão nuclear, mantida e consolidada pelos Estados e Organizações InterN
nacionais detentores de armas nucleares.
AAAA PPPPROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE ROLIFERAÇÃO DE AAAARMAS RMAS RMAS RMAS NNNNUCLEARESUCLEARESUCLEARESUCLEARES Durante a GuerraNFria, o sistema internacional caraterizavaNse pela bipolaN
ridade, baseada na ordem dos pactos militares, que possuía uma fortíssima
componente de dissuasão nuclear, sendo o equilíbrio feito pelo terror da desN
truição mútua assegurada. Com o esboroar da URSS, emergiram as preocupaN
ções internacionais com a possibilidade de que partes daquele imenso território
perdessem o controlo dos arsenais aí estacionados e pudessem contribuir para
a disseminação de ADM, dado que o controlo estratégico rigoroso imposto até
então estava esbatido. Neste período também testemunhamos um incremento
na proliferação nuclear em Estados nãoNnucleares, e aqui acompanhamos as
preocupações de Kissinger, para quem “any further spread of nuclear weapons
multiplies the possibilities of nuclear confrontation”1.
Galamas e Garcia2 identificaram os mais preocupantes riscos estratégicos
colocados pela proliferação de ADM. Para estes autores, a proliferação, em
primeiro lugar, coloca em risco a estabilidade regional. Em segundo lugar, os
interesses em disputas regionais são geralmente vitais para o poder dominante;
assim, se os interesses de poder regional colidirem com os interesses de granN
des potências, o primeiro pode ver uma saída com o emprego de ADM. Em
terceiro lugar, o fenómeno da proliferação "alimentaNse a si próprio”. Se um
1 KISSINGER, Henry (2014) – World Order. Reflections on the character of Nations and the course of History. Penguin Books, London, p. 340. 2 GALAMAS, Francisco; GARCIA, Francisco N «Globalization and the Threats of Weapons of Mass Destruction Proliferation». In Globalization and International Security: An Over,view. New York; Nova Science Publishers; p. 197N210.
PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR
135
país desenvolve ou adquire ADM, é suficiente para servir como catalisador para
a proliferação horizontal e/ou vertical nos países vizinhos. Em quarto lugar,
existe a possibilidade de os Estados com capacidade de produzir ADM as podeN
rem fornecer a grupos terroristas, para que estes executem ações compatíveis
com os interesses dos Estados apoiante. Finalmente, há o perigo de um Estado
com capacidade ADM colapsar, facilitando o acesso de grupos nãoNestatais a
esse tipo de armamento.
Estas situações criam uma alteração significativa na segurança internacioN
nal. AproximamoNnos, a passos largos, de uma situação de não retorno, em que
o desgaste do Tratado de Não Proliferação (NPT) pode levar a um efeito de casN
cata na proliferação, sendo os casos mais problemáticos identificados no
MédioNOriente e no Golfo Pérsico, onde se prevê que se o Irão adquirir esta
capacidade, a Arábia Saudita e a Turquia lhe seguirão as passadas.
A “Comunidade Internacional” deve preocuparNse com esta situação, dado
que na realidade há um incremento de atores estatais e nãoNestatais, como
organizações criminosas e terroristas, que procuram construir/obter as suas
próprias ADM. Estes podem depois constituirNse em fontes de proliferação, ou
seja, de venda de material, de tecnologia e de conhecimentos, pela incapacidade
de controlo de fronteiras ou mesmo de algumas políticas governamentais,
assumindo particular relevo a ameaça que constitui a possibilidade de grupos
terroristas terem acesso a tecnologia nuclear e poderem chantagear, destabiliN
zar ou concretizar ações de terror.
Atualmente, são cerca de 60 os países que desenvolvem capacidades nucleaN
res, 30 dos quais possuem tecnologia industrial e infraestruturas científicas que
lhes permitem a construção de armamento nuclear a breve prazo. Há um total
de 27 países que possuem diversos tipos de mísseis balísticos, tendo 14 deles
capacidade para produzir e exportar estes vetores de projeção. Hoje, aos cinco
Estados Nucleares (P5)3 podemos acrescentar mais quatro (não reconhecidos
pelo Tratado de Não Proliferação)4, num total de 9 Estados identificados com
arsenais nucleares5.
As motivações para a proliferação persistem e são de diversa ordem; de
prestígio internacional que é reconhecido a quem detém poder nuclear; motivaN
ções económicas6, ou também pela crença existente entre os Estados nucleares
3 EUA, Rússia, GrãNBretanha, França, China. 4 Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte. 5 TNO – Missile Defence, an overview. 2007. The Hague. 6 Christian Malis apresenta um interessante estudo comparativo das despesas militares dos estados nucleares, versus convencional, concluindo que aquelas correspondem apeNnas a 10% dos seus orçamentos, e que com 100 mil milhões de dólares ano, se tem poupaN
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
136
do valor estratégico deste tipo de capacidade, situação que pode conduzir a um
círculo vicioso de dissuasão, incentivando aqueles que não possuem este tipo de
capacidade, a adquiriNla. Dada a falta de empenho no desarmamento nuclear,
consideramos que esta tensão entre “have’s” e “haveNnot’s” tem tendência a
incrementar nas próximas décadas7.
Mas esta persistência na proliferação, acontece sobretudo pela perceção de
segurança que a posse de uma arma nuclear confere, por exemplo, quanto a
uma eventual intervenção militar norteNamericana. Graham Alisson sumarizou
ao mencionar “(…) The only apparently credible way to deter the armed force of
the US is to own your nuclear arsenal (…)”8, ideia que se aplica plenamente às
situações da Coreia do Norte e do Irão. Também é perceção generalizada que as
intervenções russas na Geórgia e na Ucrânia só foram possíveis porque aqueles
países não possuem capacidade nem programas de desenvolvimento da capaN
cidade nuclear.
Uma outra situação a considerar prendeNse com a criação de stocks elevados
de material nuclear e radioativo. EstimamNse que estejam atualmente armazeN
nadas mais de 1600 toneladas de urânio enriquecido e 480 toneladas de PlutóN
nio9, estando algumas quantidades armazenadas em condições que oferecem
poucas garantias de segurança.
Apesar da plêiade de organizações e de legislação para controlar a circulaN
ção/comércio e impedir/dificultar o acesso a material radioativo e radiológico10,
são reportados em média à Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA)
100 casos por ano de roubo ou perda de material nuclear, sobretudo incidentes
com produtos radiológicos11. Estes dados de um problema persistente, compleN
xo e multidimensional12, podem ser considerados como a prova da dinâmica do
do o planeta a uma grande guerra convencional. MALIS, Christian N Guerre et Strategie au XXI Siecle. Paris, Fayard, 2009, p.100. 7 Segundo o relatório da Canberra Commission de 1996: “(…) The problem of nuclear proliferation is inextricably linked to the continued possession of nuclear weapons by a handful of states. As long as any state has nuclear weapons, there will be others, state or subNstate actors, who will seek to acquire them (…)”. A este propósito podemos consultar as soluções apontadas pela Canberra Commission em Report of the Canberra commission on the limination of nuclear weapons. Agosto de 1996. Consultado em 23 de agosto de 2015. Disponível em http://www.dfat.gov.au/cc/CCREPORT.pdf. 8 ALISSON, Graham – «Nuclear disorder. Surveying Atomic Threats». In, Foreign Affais, January/February. 2010, p. 74. 9 SCHREIER, Fred N WMD Proliferation. Reforming the Security Setor to meet the Threat, Washington DC, Potomac Books, Inc, 2009, p. 19N20. 10 Sendo exemplo o sistema de informação estabelecido desde 1995 pela AIEA. 11 FOREST, James N «Nuclear and radiological Terrorism: a manageable threat». In Nação e Defesa. Lisboa, nº 140, 2015, p. 104. 12 GRAHAM, Bob N World at Risk. The report of the commission on the prevention of weapons of mass destruction proliferation and terrorism. Vintage Book. 2008, p. 43.
PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR
137
mercado clandestino nuclear, demonstrando ao mesmo tempo que o problema
deve ser encarado e tratado com seriedade.
Para se ser um Poder nuclear credível, para além dos recursos financeiros,
do conhecimento científico e tecnológico e da capacidade de armazenagem, são
necessários vetores de lançamento apropriados, como mísseis balísticos. Os
especialistas sugerem que se deve começarNse por designar o programa como
space launch, podendo desse modo ser apoiado legalmente por outros Estados,
tal como a Rússia faz em relação ao Irão. Para ter acesso aos desenhos de uma
ogiva, pode adquirirNse no mercado uma versão antiga aos chineses ou paquisN
taneses. Quanto aos testes, ou se arrisca sozinho, ou se partilham experiências
com outros, ou ainda, pedeNse a um terceiro país para efetuar o teste, como a
África do Sul fez com Israel, e a China com o Paquistão13.
A proliferação de ADM também beneficia do atual crescimento livre do
comércio mundial, bem como dos progressos técnicos e científicos, realidade
que torna progressivamente mais difícil de detetar quaisquer transferências
ilícitas de materiais relacionados com as ADM14.
Nesta delicada situação o fator humano, porque é extremamente vulnerável,
desempenha um importante papel. Segundo um artigo de Deborah Ball e TheoN
dore Gerber15, publicado na conhecida International Security, dos 602 cientistas
russos que trabalham no sector, 20% expressou a sua disponibilidade em trabaN
lhar para Estados considerados proliferadores, como o Irão que, lembramos,
tem ligações estreitas com o Hezbollah, podendo ser tentador para que elemenN
tos de outras entidades consideradas terroristas, procurem por esta via um
acesso clandestino à tecnologia nuclear.
Um outro exemplo surge com o Professor Abdul Qadeer Khan, “pai” do proN
grama nuclear Paquistanês, que criou o “(...) Walmart of private sector prolifera,
tion (...)”16. Ao que tudo indica, Khan foi o grande responsável pela proliferação
SulNSul, tendo criado uma rede internacional clandestina relacionada com a
proliferação de tecnologia de armamento nuclear, do Paquistão para a Líbia,
Irão e Coreia do Norte. Este
Nestas circunstâncias, o risco de acesso por elementos terroristas a tecnoloN
gia nuclear, quer através do furto ou através de transferências ilícita, aumenta
13 RUHLE, Michael N The bomb for beginners. «A doNitNyouself guid to going nuke in a few easy steps». In, IP Global Edition, nº2, 2010, p. 37N40. 14 GALAMAS, Francisco; GARCIA, Francisco, ob. cit. p. 15 BALL, Deborah; GERBER, Theodore N «Russian Scientists and Rogue States: Does Western assistance reduce the Proliferation Threath?» In, International Security, Vol. 29, N.º 4. 2005. p. 65. 16 ALISSON, Graham – «Nuclear disorder. Surveying Atomic Threats». In, Foreign Affais, January/February. 2010, p. 74N85.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
138
significativamente. Não podemos deixar de ter em conta que a liderança da alN
Qaeda tem tentado, de forma sustentada, adquirir, furtar ou conceber uma
ADM, tendo o próprio líder da organização declarado ser um dever religioso
para a defesa dos muçulmanos, a aquisição da arma nuclear17.
O relatório elaborado pelo Belfer Center for Science and International AfN
fairs, intitulado “The U.S.NRussia Joint Threat Assessment of Nuclear TerrorN
ism”18181818 é explícito na referência à real existência e à perigosidade desta ameaça
alertando para que: “if current approaches toward eliminating the threat are not
replaced with a sense of urgency and resolve, the question will become not if but
when, and on what scale, the first act of nuclear terrorism occurs”. Este estudo
recomenda ainda a adoção de medidas para incrementar a segurança física das
armas e material nucleares existentes, bem como uma maior cooperação entre
as diversas forças e serviços de segurança e de intelligence, de forma a interdiN
tar o tráfico nuclear.
Esta opinião não é no entanto consensual, dado que para além da dificuldaN
de inerente ao acesso a material físsil, a produção de armas nucleares é um
processo de extrema complexidade, dispendioso, pelo que não sendo impossíN
vel, é pouco provável a sua concretização por parte de atores nãoNEstatais. NesN
te âmbito, cresce a preocupação com a possibilidade dos grupos terroristas
poderem desenvolver armas radiológicas, as denominadas dirty bomb19.
Também James Forest20, numa abordagem feita no seu artigo publicado em
2015 pelo Instituto da Defesa Nacional, contraria e questiona a razoabilidade da
argumentação apresentada até hoje sobre a temática. Forest considera que as
ameaças do terrorismo nuclear e radiológico são ambas limitadas e geriveis,
considerando no entanto que o terrorismo radiológico tem uma maior probabiN
lidade de ocorrência do que o terrorismo nuclear.
17 A este propósito a Harvard Kennedy School, em Janeiro de 2010, publicou um importanNte documento onde compila uma intensa cronologia de ações/esforços desenvolvidos pela al Qaeda para conseguir obter uma Arma de Destruição Massiva. MOWATNLARSEN Rolf N Al Qaeda Weapons of Mass Destruction Threat: Hype or reality?. Harvard Kennedy School, 2010, Cambridge. 18 Bunn, Matthew et al. N The U.S.,Russia Joint Threat Assessment of Nuclear Terrorism. Report, Belfer Center for Science and International Affairs, Harvard Kennedy School and Institute for U.S. and Canadian Studies. [Consultado em 3 de setembro de 2015]. Disponível em: http://belfercenter.ksg.harvard.edu/publication/21087/usrussia_joint_threat_assessment_of_ nuclear_terrorism.html?breadcrumb=%2Fpublication%2F19819%2Fnuclear_disorder. 19 Cole, Benjamin N The Changing Face of Terrorism. 2001, London, I. B. Tauris. 20 Forest, James N «Nuclear and radiological Terrorism: a manageable threat». In Nação e Defesa. Lisboa, nº 140, 2015, p. 101N117.
PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR
139
Christian Malis apresentaNnos quatro cenários possíveis de evolução para
aquela que designa por terceira era nuclear21, e que se iniciará entre 2030N2040,
período onde o mais provável é que a arma nuclear deixe de ser o supremo
regulador das relações de potência:
• O primeiro e menos provável é o da eliminação total das armas nucleares;
• um segundo cenário, que considera o mais provável, assenta no prolonN
gar de certas tendências atuais, sendo caracterizado pela transição (entre
as grandes potências) de uma estratégia de dissuasão, para um equilíbrio
assente na interdição (estratégia puramente defensiva);
• o terceiro, e mais perigoso, assenta numa nova corrida aos armamentos
nucleares quer por parte das grandes potências quer ao nível regional,
nomeadamente no médio e extremoNoriente;
• finalmente, o cenário de emprego de armamento nuclear no quadro de
uma crise regional, dando como exemplo o Paquistão e a Índia.
A estes cenários nós acrescentamos mais um: um ator nãoNEstatal ter acesso
a este tipo de equipamentos/tecnologia e concretizar um qualquer ataque.
Face ao exposto até agora, não é em vão que a Aliança Atlântica considere
como principais ameaças que terá de enfrentar durante os próximos 10 a 15
anos, a proliferação ADM e o Terrorismo nuclear22.
IIIINSTRUMENTOS NSTRUMENTOS NSTRUMENTOS NSTRUMENTOS IIIINTERNACIONAIS PARA CNTERNACIONAIS PARA CNTERNACIONAIS PARA CNTERNACIONAIS PARA CONTER A PROLIFERAÇÃOONTER A PROLIFERAÇÃOONTER A PROLIFERAÇÃOONTER A PROLIFERAÇÃO
O facto de 191 Estados (possuidores de armas não nucleares) terem renunN
ciado voluntariamente à procura de adquirir a arma mais potente alguma vez
produzida é em si uma demonstração da importância do NPT.
A ameaça colocada pela proliferação de ADM tem por base fundamental a
fadiga e eventual colapso de todo o quadro normativo do NPT, surgindo EstaN
dos que desenvolvem ilegalmente, programas destas capacidades, que adquiN
rem materiais e formam peritos, com a opção de abandonarem o Tratado assim
21 MALIS, Christian (2014) – Guerre et Stratégie au XXI Siècle. Paris, Fayard, p. 113N116. A primeira era nuclear abrange o período de 1945 até ao final da guerraNfria; a segunda era compreende o atual momento, que considera de transição. 22 Sobre este assunto podemos detalhar na documentação oficial da Aliança disponível entre outros, em: http://www.nato.int/cps/en/natolive/official_texts_57218.htm?selectedLocale=en.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
140
que estiverem em condições de criar uma arma23, como foi o caso típico da
Coreia do Norte24.
Embora disponível para ser ratificado em 1968, o NPT levou mais de 20 anos
para atingir um grau razoável de universalidade (130 Estados Partes, em 1990,
178 em 1995). Porém, mesmo assim, conseguiu construir uma história de sucesN
so sem precedentes no campo dos tratados de controlo de armamentos. O NPT
desempenhou também um papel inestimável no estabelecimento de uma imporN
tante norma de nãoNproliferação nuclear, conseguindo assegurar que a prolifeN
ração está neste momento contida a um número limitado de países. Esta norma,
que agora se encontra sob forte tensão, contribui ainda para a não utilização de
armas nucleares e para a preservação do tabu do nuclear.
O Tratado está fundado sobre o que são tradicionalmente descritos como
"os três pilares". O primeiro pilar relativo à nãoNproliferação está consagrado
nos artigos I e II; um segundo pilar estimula a cooperação nuclear para fins
pacíficos (artigo IV); e, no terceiro pilar abordaNse o desarmamento através do
artigo VI.
Na Conferência de revisão de Maio de 2010 realizada em Nova Iorque, os
EstadosNMembro concordaram com um Plano de Ação que se tornou no camiN
nho mais global e consensual com vista ao desarmamento nuclear, acordado
por todos os Estados signatários. Foram aprovadas 64 ações para os três pilaN
res do Tratado. Estas essencialmente refletem e aprofundam, de modo equiliN
brado, o deal em que o próprio NPT radica: os P5 comprometemNse a desarmar,
assim como a não atacar os Estados que não têm armas nucleares; e estes,
comprometemNse a não as obter, nem participar em atividades proliferadoras.
Por outro lado, são dadas garantias para o desenvolvimento da energia nuclear
para fins exclusivamente civis.
Em Nova Iorque foram ainda os P5 a comprometeremNse a envidar esforços
adicionais no sentido de reduzirem os seus arsenais nucleares, com vista à eliN
minação dos mesmos, mas sem terem estabelecido datas específicas para se
atingir o “zero nuclear”25; e, o Movimento dos NãoNalinhados (MNA) 26 aceitou o
reforço do papel da AIEA e acordos de salvaguardas, enquanto mecanismo de
verificação do cumprimento do Tratado, assim como um apelo à celebração de
Protocolos Adicionais com a Agência (que reforçam os acordos de salvaguardas),
23 NAÇÕES UNIDAS – A more secure world: our shared responsibility , Report of the High,level Panel on Threats, Challenges and Change. 2004. [Consultado em 8 de setembro de 2015]. Disponível em http://www.un.org/Pubs/chronicle/2004/issue4/0404p77.html. 24 A Coreia do Norte anunciou que iria abandonar o Tratado em 2003, antes de admitir abertamente o seu envolvimento num programa de armamento nuclear. 25 Entendido como um mundo livre de armas nucleares. 26 Conta com 116 Estados.
PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR
141
mas sem que o Conselho de Segurança das Nações Unidas passe a ter uma
intervenção automática nos casos de desrespeito das salvaguardas, ou de
incumprimento do Tratado.
O Egipto, que investiu um capital político considerável para trazer os EstaN
dos árabes para o NPT e que, em 1995, foi responsável pela “criação” de uma
importante resolução pedindo uma zona livre de armas nucleares para o MédioN
Oriente, conduziu também, após longas negociações entre os P5 e os New
Agenda Coalition (incluindo o Brasil, Egipto, Irlanda, México, Nova Zelândia,
África do Sul e a Suécia), as negociações sobre os 13 passos práticos do Plano
de Ação para o desarmamento, aprovados na revisão de 2000.
O Plano de Ação dá prioridade à "urgente necessidade" de negociação de
um Tratado que proíba a produção de material físsil para armas nucleares e
outros engenhos explosivos nucleares. Através do Fissile Material Cut,off Treaty
(FMCT) os Estados nucleares serão chamados ao grande sacrifício de não só
renunciarem à produção daquele material, mas, de ao mesmo tempo, submeteN
rem as suas instalações mais secretas à inspeção internacional. Esta seria “(...) a
confidence building measure which could facilitate the acceptance of a volunN
tary code of conduct disciplining the nuclear fuel cycle in order to ensure that
legitimate nuclear activities for peaceful purposes have less chances of being
diverted towards weapons purposes (...)”27.
Na conferência foi também reafirmado o papel essencial do Comprehensive
Nuclear,Test,Ban Treaty (CTBT) para o desarmamento nuclear e para o regime
de nãoNproliferação. Com a cessação de todas as explosões nucleares, será resN
tringido o desenvolvimento e a melhoria qualitativa das armas nucleares, sendo
assim combatida a proliferação quer vertical quer horizontal. Neste sentido, a
Conferência convida todos os Estados a absteremNse de qualquer ação que
possa destruir o objetivo e a finalidade do CTBT, nomeadamente no que diz
respeito ao desenvolvimento de novos tipos de armas nucleares.
Na revisão de 2010, foram porém os P5 que se mostraram mais empenhados
em reafirmar aquele compromisso. É ainda o Egipto que, procurando eliminar a
memória da desastrosa Conferência de Revisão do NPT de 2005, surge a liderar
o MNA, sendo, entre os Estados que não possuem armas nucleares, o país mais
influente na construção do resultado de 201028.
27 Trezza, Carlo N The Ban of Fissile Material for weapons purposes and the issue of nuclear fuel cycle. Apresentação efectuada durante a Annual NATO Conference on WMD Arms Control, Disarmament and NonNProliferation, realizada em Praga em Junho de 2010. 28 Jonhson, Rebecca – Assessing the 2010 NPT Review Conference. [Consultado em 3 de setembro de 2015]. Disponível em: http://www.acronym.org.uk/.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
142
Durante a Conferência, grande parte dos participantes contestou as armas
nucleares geralmente classificadas como táticas ou subNestratégicas especialN
mente as armas nucleares norteNamericanas estacionadas na Europa através da
NATO e o arsenal muito superior da Rússia. A Suíça mencionou mesmo que tais
armas "(...) no longer have a place in today’s Europe (...)", enquanto o MNA
criticou a partilha nuclear da Aliança29.
A Alemanha e mais nove outros países (Áustria, Bélgica, Finlândia, Irlanda,
Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Eslovénia e Suécia), posteriormente
apoiada pela Polónia e outros países membros da NATO originários do antigo
bloco do Leste, solicitaram o aumento de transparência e a inclusão de armas
nucleares subNestratégicas, numa abordagem global, bem como outras negociaN
ções bilaterais russoNamericanas que deem seguimento ao novo acordo SSSStrate,
gic Arms Reduction Treaty (START)30.
Na conferência de 2010 foi notório o pouco peso político da União Europeia
em toda a revisão do Tratado. A representante especial da Alta Representante
para os assuntos de nãoNproliferação, à época Annalisa Giannella, não foi tida
em conta para a negociação entre americanos e árabes sobre o MédioNOriente,
nem sequer delas foi regularmente informada.
Em 2015, de 27 de abril a 22 de maio, decorreu mais uma vez em Nova IorN
que, a última conferência de revisão do NPT, não tendo sido alcançado um
acordo consensual, devido sobretudo à questão do desarmamento do MédioN
Oriente, considerando Cesar Jeramilo31 que “the failure to agree on an outcome
document was an accurate reflection of the profound inadequacies and disaN
greements permeating the global nuclear disarmament regime”.
Foram as posições dos EUA, Canadá e do Reino Unido que sacrificaram o
consenso em torno da revisão do Tratado. Estes três países, invocando razões
de segurança nacional para Israel (estado nuclear e não signatário do NPT), não
apoiaram a realização de uma conferência sobre um MédioNOriente livre de
armas nucleares e de outras armas de destruição massiva, em março de 2016.
Os P5, apesar de reafirmarem o compromisso de implementação do Plano
de Ação aprovado na conferência de 2010, foram o grande obstáculo para qualN
quer progresso no caminho da desnuclearização em 2015. Continuam a querer
manter o status quo, invocando razões de interesse nacional e de segurança,
própria e dos seus aliados.
29 Idem. 30 Idem. 31 JERAMILO, Cesar N Review Conference: No outcome document better than a weak one. [Consultado em: 5 setembro 2015]. Disponível em http://thebulletin.org/nptNreviewNconferenceNnoNoutcomeNdocumentNbetterNweakNone.
PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR
143
No final da conferência os P5 apresentaram uma declaração conjunta, onde
reafirmam “While we continue to work towards our common goal of nuclear
disarmament, we affirm that our nuclear forces should be maintained at the
lowest levels needed to meet national security requirements”, implicando que a
projeção e modernização de armamento nuclear ao longo desta linha de ação é
consistente com o artigo VI do NPT e a ação 3 do Plano de Ação32. Esta postura
está em linha com Kissinger que defende que: “The US must remain at the fronN
tier of nuclear technology, even while it negotiates about restraint in its use”33
Nesta declaração, os P5 felicitam ainda o Irão pela decisão de aprovar o Joint
Comprehensive Plan of Action (JCPOA)34, instrumento que procura garantir que
o programa nuclear daquele país será exclusivamente para fins pacíficos, e cuja
implementação contribuirá para a paz e segurança regional e internacional.
Podemos no entanto encontrar um resultado global histórico e positivo na
conferência: a assinatura do Humanitarian Pledge35, por 107 países, contribuinN
do para preencher a lacuna jurídica existente na proibição e eliminação das
armas nucleares36.
Apesar da longevidade do Tratado e dos seus ciclos de revisão, a norma está
profundamente descredibilizada, dado que continua sem conseguir imporNse
universalmente, sendo a questão central que os Estados signatários não só não
respeitarem os seus compromissos mas, deliberada e secretamente, em alguns
casos, conduziram com sucesso atividades nucleares proibidas sem nunca
serem molestados, pelo menos nas primeiras fases dos seus programas nucleaN
res37. Além do mais, o Tratado não evitou que a Índia, o Paquistão, Israel e a
Coreia do Norte obtivessem o seu armamento nuclear.
Mas quais as consequências para o NPT ao poderem violarNse impunemente
as regras do regime, desafiando o Direito Internacional, e aqueles que ficaram
de o impor?38.
32 Statement by the People’s Republic of China, France, the Russian Federation, the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland, and the United States Of America to the 2015 treaty on the nonNproliferation of nuclear weapons review conference. [Consultado em 7 de setembro de 2015]. Disponível em http://www.un.org/en/conf/npt/2015/statements/pdf/P5_en.pdf 33 Kissinger, ob. cit. p.340. 34 Assinado a 14 de julho de 2015. 35 Assinado a 9 de dezembro de 2014 na conclusão das conferências de Viena sobre Humanitarian Impact of Nuclear Weapons. 36 Johnson, Rebecca (2015) N NPT: cornerstone of nuclear non,proliferation or stumbling block?. [Consultado em: 2 setembro 2015]. Disponível em: opendemocracy.net/5050/ reNbeccaNjohnson/nptN107NnationsNpledgeNtoNnegotiateNonNnuclearNdisarmament. 37 Grand, Camile N «The NonNProliferation Treaty in an era of proliferation crises. In NuNclear weapons after the 2010 NPT Review Conference», Chaillot Paper N n°120, 2010, April. 38 ALISSON, Graham, op. cit.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
144
Assim, em nosso entender, para que o Tratado não seja descredibilizado e
entre em eventual colapso, é necessário colmatar as suas lacunas e ser dotado
dos mecanismos para monitorizar a sua implementação.
Até agora esta tarefa tem competido aos Estados, que atuam através das
periódicas conferências de revisão39. Porém, o Conselho de Segurança das
Nações Unidas, através da Resolução 707, de 15 de Agosto de 1992, ao consideN
rar que o Iraque atuou em violação do NPT e que essa violação constituía uma
ameaça à paz e à segurança internacional, tornouNse numa espécie de “guarN
dião” do Tratado40.
No caso específico do Irão, a 9 de Junho de 2010, o Conselho de Segurança
aprovou a Resolução 1929, com 12 votos a favor, 2 contra (Brasil e Turquia) e
uma abstenção (Líbano) – impondo novas sanções, que suspenderá, caso o Irão
suspenda o seu programa de enriquecimento de urânio. Esta Resolução tamN
bém proíbe o Irão de desenvolver e lançar mísseis balísticos capazes de transN
portar ogivas nucleares41.
Mas a consciencialização do poder nuclear e da sua perigosidade tem conN
duzido ao desenvolvimento de iniciativas e instrumentos de controlo e mesmo
de combate à proliferação de armas nucleares a novos Estados não nucleares.
Além do NPT destacamos42:
• Nuclear Weapons Free Zones43, operacionalizado depois pelos tratados de
Tlatelolco (América Latina e Caraíbas), Rarotonga (Pacífico Sul), Bangkok
(Sudeste Asiático), Pelindaba (África) e Semipalatinsk (Ásia Central);
• Antarctic Treaty;
• Partial Test,Ban Treaty;
• Comprehensive Nuclear,Test,Ban Treaty;
• Seabed Treaty;
• Outer Space Treaty;
• Convention on the Physical Protection of Nuclear Material;
39 Uma medida curiosa, mas sem efeitos práticos é o facto de nas revisões do NPT contiNnuar a a ser enfatizada a negação de estatuto de Nuclear Weapon State à Coreia do Norte. 40 Yael, Ronen N The Iran Nuclear Issue. Hart Publishing, 2010, Oxford and Portland. 41 A resolução especifica: “(…) Decides that Iran shall not undertake any activity related to ballistic missiles capable of delivering nuclear weapons, including launches using ballistic missile technology, and that States shall take all necessary measures to prevent the transfer of technology or technical assistance to Iran related to such activities (…)”. Disponível em: http://daccessNddsNny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N10/396/79/PDF/N1039679.pdf?OpenElement. 42 Sobre este assunto podemos detalhar na dissertação de mestrado de Cordeiro, Paulo N «O Escudo de Defesa Antimíssil Europeu. Da Não Proliferação ao Zero Nuclear». In Estra,tégia. Lisboa. IPCE/IDN. 2013, p. 191N260. 43 Tratado que define zonas geográficas pretensamente livres de armas nucleares por declaração voluntária dos Estados.
PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR
145
• Fissile Materials Cut,Off Treaty.
O regime jurídico também se estende aos vetores de lançamento merecendo
destaque o Missile Technology Control Regime e o International Code of Con,
duct Against Ballistic Missile Proliferation.
Galamas e Garcia44 consideram que os diversos regimes jurídicos e instruN
mentos de controlo existentes constituem uma das ferramentas mais eficazes
para a nãoNproliferação, uma vez que eles não só vão prevenir que materiais
relacionados com ADM sejam exportados para destinos considerados indesejaN
dos, mas também permitem às agências e serviços de segurança saber quais as
empresas que procuram estes materiais. Porém, aqueles autores, acrescentam
que estes mesmos regimes jurídicos e instrumentos apresentam diversas desN
vantagens, como por exemplo o facto de serem apenas acordos informais, e as
suas orientações não serem juridicamente vinculativas. Além disso, também
consideram que a globalização veio dificultar a tarefa de controlar a transferênN
cia de materiais de dupla utilização.
Com os atentados de 11 de setembro de 2001, as preocupações passaram a
estar mais centradas em atores nãoNEstatais, tendo as diversas instituições e
países sentido a necessidade de rever arquiteturas os mecanismos de resposta
bem como atualizar a respetiva legislação.
Neste sentido, em 2004,o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou,
por unanimidade a resolução 1540 que obriga à adoção de todas as medidas
nacionais necessárias para prevenir os intervenientes não Estatais de desenvolN
ver armas biológicas, nucleares e / ou radiológicas e químicas e respetivos
meios de projeção. A Resolução originou um Comité com a mesma designação
(e com mandato até 2021), com a incumbência de facilitar a prestação de assisN
tência técnica e cooperar com outras organizações internacionais nestas mesN
mas áreas45.
É neste contexto de necessidade de mecanismos céleres para impedir a proliN
feração de ADM, que surgira em 2002 a Container Security Iniciative (CSI)46, e em
2003 a Proliferation Security Iniciative (PSI). Os seus membros, para além do interN
câmbio de informação, comprometemNse a interditar, ou apoiar a interdição de
44 GALAMAS, Francisco; GARCIA, Francisco N «Globalization and the Threats of WeapNons of Mass Destruction Proliferation». In Globalization and International Security: An Overview. New York; Nova Science Publishers; p. 197N210. 45 Idem. 46 Controlo preventivo que visa garantir que toda a carga contentorizada e despachada para os EUA não contém armas de destruição massiva, que possam ser empregues por atores geradoNres de insegurança na condução de uma qualquer ação terrorista. [Consultado em 7 de setemNbro de 2015], disponível em http://www.cbp.gov/xp/cgov/trade/cargo_security/csi/.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
146
transferências relacionadas com ADM (seja por terra, ar ou mar) de e para
Estados e atores nãoNEstatais47.
A NATO como organização internacional não é uma parte do NPT. Porém,
todos os seus Estados o são e todos eles têm interesse num regime de nãoN
proliferação forte. Ao mesmo tempo, a Aliança é constituída por 3 Estados posN
suidores de armas nucleares, tendo ainda mecanismos políticos e militares para
consulta e planeamento nuclear.
Hoje a NATO conta com uma estratégia específica para a prevenção da proN
liferação de ADM e de defesa contra ataques Químicos, Biológicos, RadiológiN
cos ou Nucleares. Esta estratégia, que implica uma abordagem global ao nível
político, militar e civil, assenta em três pilares: Prevenção, Proteção e RecuperaN
ção, sendo ainda identificados como “facilitadores” estratégicos a partilha de
intelligence, a cooperação entre estruturas da NATO, a diplomacia pública e
comunicação estratégica e a colaboração internacional com Parceiros48.
A Aliança também conduz operações militares, consistentes com a decisão
política, em apoio dos objetivos de nãoNproliferação49, como a Active Endeavour
e Allied Protector, com a missão de no primeiro caso apoiar a deter, defender e
impedir o terrorismo no Mar Mediterrâneo, e, no segundo, a contra pirataria e
roubo no mar.
No que ao NPT diz respeito, consideramos que os Aliados estão interessados
na sua promoção, incluindo a manutenção da legalidade e legitimidade das
NATO Nuclear Sharing Policies bem como o cumprir do Art.º VI do NPT e no
fortalecimento dos artºs III50, IV e X51.
A União Europeia, adotou em 2003 a European Union Estrategy Against the
Proliferation52, alargada a três linhas de ação complementares: a não proliferação
de armas de destruição massiva; o controlo de armamento; e o desarmamento.
47 [Consultado em 2 de setembro de 2015]. Disponível em http://www.psiNonline.info/ Vertretung/psi/en/01NaboutNpsi/0NaboutNus.html#topic6. 48 Esta estratégia ficou designada por A NATO Comprehensive Stratgic Level Policy for preventing the proliferation of WMD and defending against CBRN Threats. [Consultado em 8 de setembro de 2015], Disponível em: http://www.nato.int/cps/en/natolive/official_texts_ 57218.htm?selectedLocale=en. 49 Podemos detalhar sobre este assunto na página oficial da NATO, disponível em: www.nato.int/cps/en/natolive/official_texts_57218.htm?selectedLocale=en. 50 Artigo que basicamente impõe que cada Estado nãoNnuclear, parte do Tratado, aceite o sistema de salvaguardas das AIEA, com o exclusivo propósito de verificação do cumpriNmento das obrigações assumidas perante o Tratado, tendo em vista a prevenção do desNviar energia atómica de utilização pacífica para armamento nuclear. 51 Artigo que refere que cada parte no exercício do seu direito soberano tem o direito de abandonar o Tratado se decidir que eventos extraordinários estão a prejudicar o supremo interesse nacional. 52 [Consultado em 7 de setembro de 2015], Disponível em: http://register.consilium. euroNpa.eu/pdf/en/03/st15/st15708.en03.pdf.
PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR
147
Também o G853 disponibilizou em 2002, na Cimeira de Kananaskis (Canadá)
vinte mil milhões de dólares para apoio a políticas de combate à proliferação de
armas de destruição massiva e controlo de armamento.
Destacamos ainda a estratégia de contenção de ADM dos EUA, que pretenN
de garantir para si e aos seus aliados e parceiros não serem atacados nem coaN
gidos por atores com ADM. Esta estratégia apresenta esforço em três vetores:
prevenir a aquisição, conter e reduzir a ameaça provocada pela existência das
atuais ADM e, responder de forma efetiva a uma crise provocada por uma
ADM54.
AAAA DISSUASÃO NUCLEAR N DISSUASÃO NUCLEAR N DISSUASÃO NUCLEAR N DISSUASÃO NUCLEAR NA ATUALIDADEA ATUALIDADEA ATUALIDADEA ATUALIDADE
A atualidade da dissuasão nuclear passa muito pelos investimentos feitos no
desenvolvimento ou atualização dos atuais sistemas de armas. Galamas55 aborN
da de forma detalhada os investimentos previstos fazer pelos P5 na modernizaN
ção dos seus sistemas de armas nucleares. Por exemplo, os EUA, possuem um
programa para investir um trilião de dólares nos próximos 30 anos, através de
programas de extensão do ciclo de vida dos equipamentos, e pelo desenvolviN
mento de novas plataformas, tendo a Rússia previsto investir 500 mil milhões de
dólares até 2020. Estes programas devemNse sobretudo à desatualização de
alguns sistemas, nomeadamente ao nível do Comando e Controlo, mas também,
e sobretudo no caso dos EUA, à necessidade sentida em manterem o gap de
vantagens face aos seus opositores, que se encontram em franco crescimento
na capacidade de projetar o seu poder. A China e Rússia, por outro lado, encaN
ram uma necessidade de reforçarem a sua second strike capability, face aos
desenvolvimentos dos sistemas de defesa antimíssil e Prompt Global Strike, ou
como um contraponto à superior capacidade convencional norteNamericana,
conduzindo assim a uma offset escalation, na feliz expressão de Adam Mount56.
53 [Consultado em 8 de setembro de 2015]. Disponível em http://www.g8.utoronto.ca/. 54 Department of Defense N Strategy for Countering Weapons of Mass Destruction. [ConsultaNdo em 22 setembro 2015]. Disponível em http://www.defense.gov/Portals/1/Documents/ pubs/DoD_Strategy_for_Countering_Weapons_of_Mass_Destruction_dated_June_2014.pdf. 55 Galamas, Francisco. «The motivations behind the nuclear modernization programs of the P5» In, Nação e Defesa. Lisboa, nº 140, 2015, p. 25N46. 56 Mount entende que “a regional adversary could use a nuclear weapon in an attempt to offset US conventional superiority and truncate an escalating conflict on favourable terms. This concept of nuclear use, referred to here as ‘offset escalation’, not only makes it more difficult to manage crises with regional nuclear powers, but also changes how strategists should think about what to do if deterrence fails”; MOUNT, Adam – «The strategic logic of
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
148
Sejam quais forem as motivações para modernização dos diversos prograN
mas nucleares efetuado pelos P5, eles determinam uma continuidade da dissuaN
são nuclear, mesmo que revestida de novas formas.
Autores como Bruno Tertrais57 consideram que o custo da dissuasão ainda
hoje se mantém aceitável e que as alternativas não são credíveis. Sauer58, por
seu lado, considera que o conceito de dissuasão está hoje desgastado por diverN
sos fatores como, entre outros: a proliferação horizontal; o tabu nuclear; a defeN
sa antimíssil e o terrorismo.
Acompanhando Sauer, quanto ao primeiro fator, podemos considerar que,
desde 1945, a dissuasão nuclear não impediu outros Estados de se armarem
nuclearmente numa média de um país, em cada sete anos.
O tabu nuclear também tem desgastado a dissuasão uma vez que se relacioN
na com o impedimento “moral” e com os custos políticos de um qualquer líder
dos P5 poder utilizar este armamento. Desde 9 de Agosto de 1945 que nenhuma
arma nuclear foi empregue, mesmo em Teatros de Operações onde as baixas
foram significativas.
Na NATO continua em vigor o conceito de Extended Deterrence norteN
americano, que provou ser uma das medidas de contra proliferação mais efiN
caz59. Porém hoje este conceito deve ser abordado de uma nova forma, onde
forçosamente temos de incluir as diferentes perspectivas dos Aliados, que
continuam a confiar nas garantias dadas. Assim, requereNse um olhar mais
atento para os novos desafios da proliferação, do terrorismo nuclear, mas
também pelo papel mais assertivo da Rússia, com um novo enfoque no uso de
armas nucleares, o que determina/condiciona a postura de alguns Aliados60.
Recentemente, aquele país confirmou as suas intenções de implementar uma
nuclear restraint». In Survival. International Institute for Strategic Studies. Routledge. Volume 57, 2015, Issue 4, p. 57N76. 57 Tertrais, Bruno – «How relevant is nuclear deterence today?». In Nação e Defesa. Lisboa, nº 140, 2015, p. 15. 58 Sauer, Tom N «A Second nuclear revolution: From nuclear primacy to post existential Deterrence». In, Journal of Strategic Studies, Volume 32, Issue 5, 2009, p. 745N767. 59 Tertrais, Bruno, ob. cit. p. 12. 60 Foi durante a primeira presidência de Putin (2000N2008), que a Rússia veio a reafirmar a sua intenção de se manter associada ao nuclear como garante da sua independência, segurança, soberania e, sobretudo, para a sua reafirmação como grande potência na cena internacional. PUTIN, Vladimir N «Opening Remarks at Meeting With Heads of the RusNsian Nuclear Weapons and Nuclear Energy Complexes»; In Novo,Ogaryovo, 9 de junho 2006. [Consultado em 7 de setembro de 2105]. Disponível em: http://www.kremlin. ru/eng/text/speeches/2006/06/09/1952 type 82912type82913 106757html.
PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR
149
nova doutrina para a preservação da sua tríade estratégica nuclear, orientada
para a dissuasão61.
A NATO, na impossibilidade de caminhar já para uma Post,existential deter,
rence62 e de forma a continuar a assegurar as suas garantias de defesa, busca o
conceito de Holistic Deterence, que inclui capacidades convencionais, nucleares
e de defesa antimíssil (MD)63, estando sempre ciente da necessidade de, a partir
destas capacidades, dever adotar uma credível Tailored Deterence, o que impliN
ca diferentes formas e opções de dissuasão para diferentes confrontações e
diferentes adversários64, pois no fim, são os Aliados que decidem sobre a sufiN
ciência da credibilidade dessas garantias.
Com a introdução do MD como um elemento da sua postura defensiva cada
vez mais importante, a NATO acrescentou um importante vetor de dissuasão
pela negação. Um sistema MD efetivo pode ser complementar e eventualmente,
a seu tempo, o substituto da nuclear sharing.
Porém há teses contrárias, que defendem que o MD não reforça a dissuasão
nuclear, dado que a deterence by denial, não tem o poder da deterence by reta,
liation65, e que pode ainda induzir a uma corrida ao armamento para que seja
possível quebrar a defesa MD.
Assim, o critério da suficiência da dissuasão passou a ser a capacidade das
forças nucleares penetrarem no sistema de defesa antimíssil inimigo, sendo esta
preocupação ainda mais evidente após a assinatura do Novo START66.
Quando se trata de aplicar o conceito tradicional de dissuasão ao terrorismo
e a outros atores nãoNEstatais, temos sempre a tendência de considerar que esta
é uma estratégia que não se aplica67, arranjando argumentação em torno da
61 Podemos consultar detalhadamente em: http://russianforces.org/blog/2010/02/new_ russian_military_doctrine.shtml. 62 Sauer, op. cit. p. 746. 63 Na Cimeira da Aliança em Chicago, em maio de 2012, foi aprovada a nova postura de Defesa e Dissuasão da Aliança, onde vem reafirmada a importância das forças nucleares e da defesa antimíssil, sendo esta capacidade aqui tida como puramente defensiva e complementar e não uma substituta da dissuasão nuclear. O documento sobre a revisão da postura conclui que a NATO deve manter capacidades de largo espetro, necessárias para a sua defesa contra ameaças à segurança das suas populações e território, mantendoNse assim uma appropriate mix de capacidades, onde se incluem forças convencionais. [Consultado em 5 de setembro de 2015]. Disponível em http://www. nato.int/cps/en/natolive/events_84074.html. 64 Lantis, Jeffrey N «Strategic Culture and Tailored Deterrence: Bridging the Gap between Theory and Practice». In, Contemporary Security Policy, Nº 3, Dezembro 2009, p. 467N485. 65 Tertrais, Bruno, ob. cit. p. 18. 66 Saraiva, Francisca – Poder Militar e Agressão Armada em Ambiente Pós Bipolar: Análise Jurídico,Estratégica das “ Guerras High,Tech” e das “ Novas Guerras” nos discursos e práticas sobre agressão e legítima defesa. 2009. Tese de doutoramento, Lisboa: ISCSP. 67 Davis, Paul; Jenkins, Brian – Deterrence and the influence in counterterrorism: A compo,nent in the war on al Qaeda. 2002. RAND Corporation, Santa Mónica.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
150
falta de racionalidade desses atores, confundido aqui com o conceito de razoaN
bilidade68, esquecendo que um conceito não implica o outro e, considerando
que racional é o ator que segue a “nossa” lógica estratégica, esquecendo tamN
bém que a sua racionalidade está assente em outros valores e princípios. Assim,
devemos ter sempre presente o princípio base desta estratégia, que só sabemos
se funciona “(…) when it does in the minds of enemy leaders, it is their world
view, not ours, that must determine whether or not deterrence succeeds (…)”69.
Nesta ordem de ideias, se tivermos a garantia de comunicação, ou seja, que
a mensagem transmitida é percebida e de que o processo de decisão desses
atores é baseado sempre no custo/benefício da ação, deveNse aplicar a dissuasão
através da negação de alvos ou pela punição das lideranças destes atores. No
fundo, será estruturar a dissuasão à ameaça e mostrar que a concretização de
um ataque não é uma modalidade de ação a adotar.
Pelo exposto, o caminho para o “zero” nuclear será um caminho longo, senN
do necessário estabelecer uma estratégia de longo prazo, que transmita transN
parência e fiabilidade aos signatários do Tratado e que, para além dos
fundamentais mecanismos de verificação, inspeção e de garantias pela eliminaN
ção, imponha custos a quem prevarica. Mas devemos ser pragmáticos e perceN
ber que o “zero” não é atingível no Mundo onde vivemos nem onde se preveja
venhamos a viver nos próximos tempos, sendo precisas alterações profundas e
sem precedentes no atual Sistema Internacional70.
AAAALGUMAS LGUMAS LGUMAS LGUMAS CCCCONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES
A proliferação de armas nuclear, uma das mais prementes ameaças à seguN
rança internacional, persiste por diversas motivações, sendo hoje encarada a
possibilidade de atores nãoNEstatais poderem ter acesso a este tipo de capaciN
dades, e isso deveNse muito ao crescimento livre do comércio mundial, que veio
dificultar a tarefa de controlar a transferência de materiais e tecnologias.
Porém, os diversos regimes jurídicos e instrumentos de controlo existentes
constituem uma das ferramentas mais eficazes para a nãoNproliferação, sendo
de destacar o NPT, que apesar da erosão, é um instrumento jurídico inestimável
68 Gray, Colin – National Security Dilemas. Challenges & Opportunities. Potomac Books, Washington. 2009. 69 Idém. 70 Sobre este tema não podemos deixar de ler o magnífico e elucidativo texto publicado na revista Foreign Affairs, de FERGUSON, Charles N «The long road to zero. Overcoming the obstacles to a Nuclear free World». In, Foreign Affairs, January/February 2010, p. 86N94.
PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. O CASO DO NUCLEAR
151
para o estabelecimento da norma de nãoNproliferação, conseguindo assegurar
que a proliferação está neste momento contida a um número limitado de países.
As conferências de revisão, apesar do peso conservador dos P5,conferemNlhe
algum dinamismo e a obtenção de alguns sucessos, como a procura de estabeN
lecimento de zonas livres de arma nucleares e, recentemente, a assinatura por
um número significativo de estados do Hummanitarian Pledge.
A Dissuasão que surge hoje com novas e diferentes modalidades, mantêm a
atualidade do seu conceito, constituindo ainda um instrumento antiNproliferação.
Independentemente das motivações, a sua continuidade está assegurada pelos
investimentos feitos no desenvolvimento ou atualização dos atuais sistemas de
armas, sendo assim o desiderato do zero nuclear dificilmente alcançável.
153
7777.... DDDDAS AS AS AS AAAAMEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E RRRRISCOS ISCOS ISCOS ISCOS IIIINTANGÍVEIS AOS NTANGÍVEIS AOS NTANGÍVEIS AOS NTANGÍVEIS AOS EEEESTSTSTSTAAAADOS DOS DOS DOS FFFFRÁGEIS E ÀS RÁGEIS E ÀS RÁGEIS E ÀS RÁGEIS E ÀS GGGGUERRAS UERRAS UERRAS UERRAS CCCCIVIS IVIS IVIS IVIS
NUNO LEMOS PIRES
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
Há ameaças e riscos que habitualmente não se enunciam porque são difíceis
de medir e de elencar ou até de considerar como tal, dado o seu não relaciona,
mento direto com a problemática da segurança e defesa. Na origem de Estados
Frágeis ou Falhados, nas causas de Guerras Civis, percebemos que os motivos
aparentes escondem outros muito mais relevantes, profundos e, em alguns casos,
com raízes muito longínquas. Essas causas são, por vezes, potenciadas por amea,
ças e riscos intangíveis, que vão da anomia social até à desocupação forçada, das
memórias dos povos às pressões geopolíticas, do poder das ideias e religiões à
vertigem acelerada do tempo e as crises de valores que, embora sempre presen,
tes, simplesmente não foram atendidos e percebidos em tempo.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: Ameaças e Riscos Intangíveis, Estados Frágeis e Falhados, Guer,
ras Civis
Temos consciência de que, ao trazermos novos termos e conceitos, como o
de ameaças e riscos intangíveis, enfrentamos a natural e saudável crítica para
avaliar dos méritos, incongruências e pertinência dos mesmos1. Mas, em primeiro
lugar, é necessária uma explicação para o facto de usarmos conjuntamente, e não
separadamente, ameaças e riscos. Entendemos que um risco traduz uma possibiN
lidade de um evento futuro que pode colocar em perigo as populações e, falamos
1 Agradecimentos pelo debate e revisão de ideias ao TenenteNGeneral António Menezes, MajoresNGenerais Cardoso Lourenço e Vieira Borges, Coronel Rui Ferreira (do Exército), ao TenenteNCoronel da GNR Pedro Moleirinho e ao Professor Doutor António Barrento.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
154
de ameaças, quando nos referimos a ações e eventos com intencionalidade. A
ameaça será um ato ou acontecimento de cariz ofensivo (traduzida de modo
simplificado pelo produto de uma capacidade por uma intenção), que afeta sigN
nificativamente os objetivos políticos de um Estado, de modo a colocar em cauN
sa a sua sobrevivência como unidade política ou, de algum modo, a própria
segurança internacional. Se os riscos são não intencionais, as ameaças são
sempre intencionais2. As definições existem e estão disponíveis em muitas das
obras que colocamos na bibliografia.
Em segundo lugar, gostaríamos de clarificar que há outros termos que por
vezes se confundem com riscos e ameaças e que evitaremos usar por uma quesN
tão de clareza de linguagem: são eles, por exemplo, perigos, desafios, fontes de
insegurança, tendências e vulnerabilidades. A confusão é possível, e em muitos
documentos podemos ler como estes e outros termos são usados, por vezes, na
mesma linha de como definimos riscos e ameaças. Mas reforçamos que apenas
iremos usar os dois termos referidos e no sentido mais estrito que tentámos
delimitar, para que este breve texto não se confunda com uma análise de tenN
dências, um estudo SWOT, ou de construção de uma matriz de análise de vetoN
res de desenvolvimento.
Em terceiro lugar, pensamos que não é possível analisar ameaças e riscos de
forma isolada e daí a importância deste livro e do trabalho de todos os autores
que nele colaboram. Apenas com uma análise holística sobre os efeitos das
várias ameaças e riscos e de avaliar como se potenciam ou diminuem os efeitos
entre si, é possível ter uma visão completa do problema. Por exemplo, sabemos
que o terrorismo beneficia do crime organizado transnacional e que este, por
sua vez, beneficia de um clima de caos causado pelos efeitos do terrorismo.
Sabemos que as alterações climáticas estão na origem, ou são catalisadoN
res/potenciadores, de muitos conflitos, como por exemplo, os efeitos de secas
prolongadas no Darfur, na Etiópia, no Afeganistão e na Síria (apenas para usar
alguns de inúmeros casos), ou de como as pressões demográficas levaram a
2 De outra forma poderNseNia dizer que os riscos constituem ameaças que não se salvaNguardam por falta de recursos ou por opção política, estratégica ou militar (capacidade). Os fatores de risco são elementos influenciadores da evolução das ameaças e riscos, quanNto à sua plausibilidade e perigosidade. São consubstanciados por atributos que, normalNmente são materializados por indicadores (quantitativos) ou por perceções (qualitativos, como no caso da avaliação dos conflitos emergentes). Utilizados recentemente pela NATO/ACT no âmbito do Multiple Futures Project, os aceleradores da mudança (casos dos recursos limitados, da evolução demográfica, das mudanças climáticas, do uso das novas tecnologias, etc.) constituem as variáveis base para o levantamento de quatro futuros (escolhidos entre os mais prováveis de múltiplos futuros). De acordo com a metodologia do Allied Command Transformation (ACT), só depois serão levantadas as ameaças e, em função destas, para cada futuro, serão identificadas as implicações em termos de defesa.
DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS
155
alterações e desagregações sociais extremas ou, ainda, de como uma guerra
civil num determinado território pode provocar vagas de refugiados que impliN
cam o aparecimento de focos de instabilidade em países vizinhos3. Os exemplos
serão muitos. O que interessa focar é que na maioria dos casos em análise não
há ameaças e riscos isolados e, apenas, fazendo uma leitura sobre todos em
cada momento, local ou cenário global, poderemos entender a plenitude dos
efeitos, antecipar as consequências e, eventualmente, projetar ações.
Em quarto lugar, falamos de riscos e ameaças intangíveis, ou seja, não menN
suráveis, não aparentes, alguns deles dificilmente deduzíveis, que parecem
escondidos ou pouco referenciados. Reservamos a parte final desta reflexão
para os enumerarmos. O desenvolvimento deste trabalho tentará fazer com que
os riscos e ameaças intangíveis surjam como consequência da argumentação
entretanto elencada e, assim, que sejam o resultado duma reflexão e não os
pressupostos de uma classificação.
Em último lugar, para efeitos desta breve introdução, e diretamente relacionaN
do com os efeitos das ameaças e riscos intangíveis, gostaríamos de argumentar
que há alguns fatores que acabam por estar na origem, ou potenciam, a existência
de Estados Frágeis e na génese de algumas das Guerras Civis. Vamos então
começar por elencar os principais fatores potenciadores, ou enformadores, das
ameaças e riscos intangíveis, que descreveremos em detalhe mais adiante.
FFFFATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORES DE DE DE DE AAAAMEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E RRRRISCOS ISCOS ISCOS ISCOS IIIINTANGÍVEISNTANGÍVEISNTANGÍVEISNTANGÍVEIS
Não será necessária uma análise muito profunda para sabermos que vivemos
num Mundo caracterizado por uma enorme volatilidade económica, permeável à
emergência de revoluções, por bruscas alterações de sistemas políticos, em que o
poder está mais disperso, menos estável, mais efémero e distribuído por muitos
mais polos de influência. Também se sabe que vivemos numa época marcadas por
mudanças tecnológicas abruptas, muitas delas difíceis de avaliar nos seus impactos,
não havendo tempo para uma adaptação compassada e consequente. Como priN
meiro grande fator enquadrante temos então um clima generalizado de mudança
ou transformação, mais rápido que o anterior, menos previsível, mais difícil de
caracterizar e muito menos estável ou estanque. A mudança acelerada será, assim, o
primeiro fator potenciador das ameaças e riscos intangíveis.
3 Na NATO (no seu conceito estratégico de 2010) optouNse pela designação de “aceleradoNres da mudança”: constituem meros fenómenos causadores de determinados cenários, que podem dar ênfase (ou não) a determinados riscos e, por consequência, a determinaNdas ameaças.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
156
Mesmo que não seja no ritmo catastrófico que se antecipou no século pasN
sado, a demografia global aumenta e o nível de desenvolvimento de cada ser
humano também. Ou seja, somos mais, queremos mais e consumimos muito
mais. Sem entrar em muitos detalhes sobre este risco (que será analisado com
mais pormenor em outros textos deste livro), é fácil prever uma escassez de
recursos para uma população que se pensa vir a atingir os 9.000 milhões em
20504. Será difícil ter energia, água e alimentos para uma população desta magN
nitude, que desejavelmente se encontrará a viver em níveis de desenvolvimento
muito maiores, ou seja, com taxas de consumo mais elevadas. Haverá mais
população a viver em espaços mais reduzidos nas grandes metrópoles e junto à
linha de costa (prevêNse que 60% da população venha a viver a menos de 60 km
da costa e que cerca de 66% do total de habitantes vivam em grandes centros
populacionais). Este será o segundo fator potenciador, a demografia crescente e
urbana, concentrada e consumidora de elevados recursos.
Aos medos antigos e milenares somamos medos recentes e reeditados. Nas
últimas décadas apareceram receios crescentes relativos ao desenvolvimento da
inteligência artificial (IA). TrataNse de um medo legítimo porque nem todos leram as
leis propostas por Isaac Asimov sobre a robótica onde defendeu, para sempre, a
proteção do ser humano em relação à máquina5. Uma dessas vozes é a de Stephen
Hawking que afirmou, numa entrevista à BBC, que o “desenvolvimento pleno da IA
poderá levar ao fim da raça humana”6. A este terceiro fator potenciador, denomiN
namos de avanços científicos e tecnológicos não antecipáveis nos seus efeitos.
A estes medos acrescentamos os avisos mais “na moda”, como os das alteraN
ções climáticas extremas (aumento da temperatura, menos costa, acidificação dos
oceanos, ventos mais fortes, etc.), colapsos ecológicos, impactos de asteroides,
pandemias globais e superNvulcões7. A este quarto fator, que designamos de
forma sintética de alterações de impacto global, potencia, como veremos, muitas
das ameaças e riscos intangíveis.
4 Em 2015 estimamNse que existam 7,3 mil milhões. 5 Foram estas as leis sugeridas por Asimov: 1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humaNno ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal. 2ª Lei: Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a 1ª Lei. 3ª Lei: Um robô deve proteger a sua própria exisNtência desde que tal proteção não entre em conflito com a 1ª ou 2ª Leis. Mais tarde, em especial no livro “Eu, Robô”, Asimov acrescentou a denominada “Lei Zero” que afirmava, acima de todas as outras: um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal. 6 Teixeira, 2015: 6. 7 Como se pode ler em: http://globalchallenges.org/, além destes receios, podem ser listaNdos ainda outros de tipologia mais diversa: colapsos financeiros, económicos sistémicos e globais, biologia sintética, ou nanotecnologia (consultado em 28 de julho de 2015).
DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS
157
Talvez um dos receios maiores prendeNse com a dificuldade de gerir riscos e
ameaças num Mundo que, paradoxalmente, sendo mais global e universal, se
tornou mais difícil de governar e para o qual também se tornou mais difícil
encontrar respostas de forma coordenada. Como refere Moisés Naím, no seu
livro O fim do Poder, temeNse cada vez mais uma má (ou ausência de) governaN
ção global futura. Somando à tese defendida por Francis Fukuyama sobre a
crescente decadência política, temos uma base explanatória de análise que é
importante descrever. Para os fenómenos globais que emergem não se enconN
tram respostas globais ao nível da governância e os riscos maiores serão, proN
vavelmente, os causados por origem humana, seja pela ação ou simplesmente
pela omissão em agir atempadamente. Temos assim riscos associados a modeN
los políticos em uso, que pouco ou quase nada evoluíram nos últimos dois sécuN
los. “Existe um fator intangível que tem de estar presente para que o sistema
político funcione: a confiança, os cidadãos têm de confiar no governo para tomar
boas decisões”8. Ainda vivemos reféns dos “ismos” do final do século XIX, os
maiores partidos ainda refletem os fascismos, comunismos, socialismos, anarN
quismos, etc. que nos gritavam os ideólogos do final do século XIX e de todo o
século XX. Parece que se perdeu a imaginação de pensar em novos sistemas
políticos, e a única certeza que temos é a de que as velhas democracias defiN
nham e não apresentam sinais de pujança e força para rejuvenescer. As desiN
gualdades continuarão a existir, e continuam a agravarNse nestes dias (o fosso
entre ricos e pobres aumenta: “nos EUA, 1 % das famílias arrecadou 9% do PIB
em 1970 e 23,5% em 2007”9) e a privacidade continua a perder terreno para uma
maior segurança. Não se evolui porque se fazem compromissos reativos, que
traduzem opções que, sendo lógicas e defensáveis, não são confirmadas nem
conformadas socialmente. Como consequência surgem, de novo, regimes mais
musculados, movimentos mais radicais, mais extremismos e grupos fanatizados,
ideias mais anárquicas e de rutura, menos estabilidade, mais incertezas e muito
menos poder legítimo e consequente. Este será o quinto fator potenciador, o da
dispersão e decadência do poder.
Ao lado da política, surgem inevitavelmente as religiões e, ao contrário de
um diálogo ecuménico, caminhaNse para uma radicalização de posições. Do
nãoNensino religioso passouNse ao nãoNensino sobre o religioso. O que ignoraN
mos não saberemos entender, o que não estudamos não poderemos interpretar
e, talvez, ao se querer uma separação tão clara entre Religião e Estado, criámos
um fosso de não compreensão entre uma variedade enorme de religiões e o
8 Fukuyama, 2014: 709. 9 Fukuyama, 2014: 698.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
158
entendimento sobre o que significam para milhões. O problema não foi separar
as áreas, como natural evolução de sociedades democráticas, foi antes o de ignoN
rar a gigantesca dimensão que as religiões aportam e influenciam na política e na
cultura dos Estados, na origem e evolução das sociedades humanas e na vida de
biliões de seres humanos espalhados em todos os cantos do Mundo10. Sexto e
último fator potenciador, a ignorância deliberada em temas estruturantes.
Em resumo, os fatores potenciadores são então: a mudança acelerada, a
demografia crescente e urbana, os avanços científicos e tecnológicos não anteci,
páveis, as alterações de impactos globais, a dispersão e decadência do poder e a
ignorância deliberada. Vamos analisar de seguida, com exemplos presentes, o
que pode levar à fragilidade dos Estados ou mesmo à sua classificação como
Estados Falhados.
EEEESTADOS QUE SE TORNAMSTADOS QUE SE TORNAMSTADOS QUE SE TORNAMSTADOS QUE SE TORNAM FFFFRÁGEIS OU RÁGEIS OU RÁGEIS OU RÁGEIS OU FFFFALHADOSALHADOSALHADOSALHADOS
Tomemos um exemplo, que seguramente será referido em outros capítulos
deste livro, para entendermos melhor o que poderá estar por detrás de um
Estado Frágil e duma ameaça bem real, que é atualmente protagonizada pelo
autodenominado Estado Islâmico (EI).
No subcapítulo anterior utilizámos a expressão de intangível para definir o
que, aparentemente, não sentimos como ameaças ou riscos diretos à nossa
segurança. No caso do EI, a atenção tem sido virada, quase exclusivamente,
para os perigos de a ameaça chegar à Europa e para os efeitos que alguns dos
seus apoiantes (e também de grupos como os da AlNQaeda e similares) podem
ter em solo europeu. Mas não olhamos para o intangível efeito de uma longa
sucessão histórica de másNinterpretações, desconfianças e erros grosseiros nas
relações internacionais entre povos, nações e religiões. No EI, como em muitos
Estados de religião islâmica, não se separa o Estado da Religião. Pelo contrário,
um e outro estão unidos, ao revés do que pensamos ser a prática internacional
em espaços que nos estão e são próximos.
Comecemos por aqui. O que não entendemos, não atingimos, não sentimos,
não vemos, fica intangível. Mas pode crescer dentro do nosso espaço, pode
aumentar e multiplicarNse em espaços próximos e, tal como um cancro silencioN
so que se alastra e cria metástases, quando não detetado em tempo, pode torN
narNse demasiado tarde para tratar e controlar. O EI é, claramente, Estado e
10 A síntese de David Munir (2015, p. 67) é elucidativa: “Como fomentar o fanatismo? É não dando conhecimento suficiente”.
DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS
159
Religião e não aceita outra forma política de existir, postura que tem sido
defendida por muitos habitantes da grande região do Médio Oriente (e não só),
há várias centenas de anos, pelo que não constitui uma novidade. O que é novo
é a intolerância publicamente anunciada porque, considerandoNse Estado e
Religião, não aceita que outros o não sejam. Não tolera, não pactua, exige. ExiN
ge aos que domina, aos que pretende dominar e pede que o sigam em todo o
Mundo. Respeita, em teoria, outras religiões monoteístas, como a cristã e a
judaica, mas afirmaNse como o detentor da única verdade, da salvação universal,
e procura, através de uma fortíssima persuasão, quando não pela força, a conN
versão de todos à sua única e exclusiva, visão política e religião (que, no seu
entender, são apenas uma só). Esse é o mais terrível dos perigos, a intenção
final, o grande objetivo teleológico, o que se pretende conquistar com paciência,
leve as décadas ou séculos que levar. O tempo para a sua obtenção é intangível
porque a grandeza dos fins é intemporal.
As barbaridades a que assistimos, nas imagens atrozes de execuções consecuN
tivas, não têm nada de banal. Por mais incrível que possa parecer, têm razões, têm
aceitação e têm história. DecepamNse cabeças, porque também a deceparam a
Hussein, filho do quarto califa, depois da famosa batalha de Karbala (em 680 d.C.).
MassacramNse famílias inteiras como se massacraram as famílias das lideranças
Omíadas ou os Abássidas. DividemNse as grandes organizações jihadistas em
pequenos grupos discordantes, tal como o Império Islâmico se dividiu em pequeN
nas Taifas. A história não se repete, mas deveNnos obrigar a leituras atentas.
As cruzadas no início do segundo milénio foram pela religião – pela libertação
dos lugares santos, pela determinação na recuperação de áreas sagradas, mas
também, em paridade, pelo lucro e pelo saque. Causaram, inevitavelmente, enorN
mes desconfianças e desejos de vingança entre povos, religiões e regiões. Às
cruzadas opuseramNse mouros, berberes, mamelucos e otomanos e os vencedores
de uma época foram os vencidos de outra. Não houve final, apenas vencidos e
humilhados. Umas vezes cristãos, outras judeus e hindus, por vezes muçulmanos
e budistas. Sobrou o rancor que as fronteiras inventadas e impostas no final da
Grande Guerra 1914N1918 (tratado SykesNPicot), apenas serviram para agravar. A
memória dos povos e das nações não se apaga por decreto nem se impõe por
tratado.
As execuções sumárias e cruéis fazem parte da história. Antes da Batalha de
Lepanto em 1571, que uniu muitas das potências cristãs e infligiu uma pesada
derrota ao Império da Sublime Porta, os otomanos tinham invadido e ocupado
Nicósia, massacrando milhares dos seus habitantes, esfolando vivo o veneziano
que a governava. A crueldade não escolhe lados nem religiões. Eram também
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
160
venezianos que se avistavam das naus portuguesas, junto aos muçulmanos que
se tentavam derrotar em terras da Índia. Não há inocentes. Se muçulmanos
torturavam e escravizavam povos inteiros, também portugueses (como D. FranN
cisco de Almeida) não hesitavam em queimar vivas centenas de pessoas dentro
de um navio a caminho de Meca11.
As barbaridades cometidas hoje pelos radicais do EI não são menores que
as que se fizeram também ao longo do século XX, naquelas e noutras regiões,
onde havia maiorias muçulmanas12. Os soviéticos abusaram no Afeganistão e
um apelo internacional ao combate contra os infiéis da URSS teve efeitos que
perduram nos dias de hoje. Foi na luta contra os soviéticos que se forjaram
muitos dos grupos que hoje dão corpo aos movimentos integristas muçulmaN
nos, desde a alNQaeda aos uigures chineses. A princípio ninguém identificava as
metástases desses grupos, e foi preciso um sintoma forte, como o 11 de setemN
bro de 2001, para muitos se darem conta do que havia entretanto germinado.
O Médio Oriente foi governado por regimes seculares (incluindo os poderes
imperiais e coloniais) nos últimos séculos de existência, destacandoNse no século
XX os governos de Nasser no Egipto, de Saddam no Iraque, de Kadhafi na Líbia,
alNAssad na Síria (exceções houve como a do Rei de Marrocos que sempre foi o
líder religioso e secular), mas esse panorama alterouNse substancialmente nas
últimas décadas. Nos últimos anos, muitos dos Estados com maiorias populacioN
nais islâmicas deixaram de ser seculares e, esta parece ser uma tendência cresN
cente. Serem Estados Seculares ou Radicais/Religiosos não são em si um
problema, mas a análise de como as transformações ocorreram dáNnos pistas
para entendermos a problemática que estamos a abordar, a dos Estados Frágeis.
O Líbano (outrora considerado um “paraíso” no Médio Oriente com a sua
capital, Beirute, muitas vezes chamada de Paris da região) é um exemplo paraN
digmático de uma ameaça intangível que aparece sem ser detetada. Inicialmente
com uma maioria de cristãos maronitas viu, através de vagas de refugiados
palestinianos a partir de 1975 (350.000), e com a ingerência de potências viziN
nhas, Síria e Israel, que apoiavam movimentos no seu interior, o “equilíbrio
político,demográfico romper,se”13 e a situação, de Estado Frágil (com momentos
de maior e menor estabilidade) arrastouNse até aos dias de hoje. Pior, do seu
território criaramNse bases de grupos terroristas usadas para ameaçar países
vizinhos ou populações longínquas. O Líbano é um exemplo de um Estado que
se tornou frágil, por fatores externos que se tornaram internos, ou seja, foram
11 Pinto, 2015: 41 e 238. 12 Embora as do EI têm muito mais repercussões (em termos do terror) através da imediaNta difusão pelos meios de comunicação social e partilha de ficheiros pela internet. 13 Blanchard, 2014 e Pinto, 2015: 91.
DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS
161
as alterações demográficas que provocaram diferentes equilíbrios numa guerra
civil cujos efeitos (metástases) se espalharam por regiões vizinhas e afastadas.
Este foi um processo que ocorreu em muitos outros Estados ao longo da históN
ria pois, como recorda Francis Fukuyama, a propósito da constituição da EuroN
pa: “movimentos gigantescos de populações, com vários grupos minoritários a
serem expulsos dos novos Estados,Nações em potência ou trocados por minorias
residentes nos países vizinhos (…) as cerca de 25 nações que constituíram a
Europa, em meados do século XX eram as sobreviventes das mais de quinhentas
unidades políticas que existiam no continente no fim da idade média”14. Acolher
refugiados (como os libaneses fizeram com os palestinianos) será sempre uma
ação nobre e ética mas, se os efeitos e consequências não forem acautelados,
formam mais um fator a destabilizar um, aparentemente, país estável.
No caso de África, sabemos que uma parte significativa dos seus Estados,
depois das independências obtidas, quase todas, ao longo da segunda metade
do século XX, não chegaram a desenvolver os atributos necessários para proteN
ger e garantir os direitos e o bemNestar das suas populações. O que observamos
é, muitas vezes, a tentativa pelos dirigentes de aumentarem o seu poder e
garantirem a sua própria segurança. No entanto, alguns dos Estados Frágeis
cumpriram (em parte) o contrato social para com a sua população, ainda que a
sua atuação em diversas áreas continue muito fraca. Quanto mais débil se torN
nar a atuação de um país frágil nas esferas política, económica e social, mais
aumenta o risco de se transformar num Estado Falhado15. É importante referir
que, de acordo com o Índice dos Estados Frágeis, publicado em 2014 pelo FunN
do para a Paz, dos 49 países da África Subsariana, cinco estão na categoria
“very high alert’’, cinco na categoria “high alert”, onze na categoria “alert’’ e os
restantes, à exceção da África do Sul, aparecem classificados com “very high
warning’’ ou “high warning’’16.
DDDDOS OS OS OS EEEESTADOS STADOS STADOS STADOS FFFFRÁGEIS ÀS RÁGEIS ÀS RÁGEIS ÀS RÁGEIS ÀS GGGGUERRAS UERRAS UERRAS UERRAS CCCCIVISIVISIVISIVIS
A explicação sobre o Líbano, que demos anteriormente, está obviamente
incompleta e é quiçá injusta, mas elucidativa, do que queremos argumentar: a
ligação de aparentes ameaças intangíveis ao aparecimento de Estados Frágeis e
14 Fukuyama, 2014: 271 e 274. 15 Rotberg, 2002: 4, ver definições e condições para um Estado ser considerado Frágil ou Falhado em Almeida, 2007. 16 Fund for Peace, Fragile States Index 2015 (http://global.fundforpeace.org/ consultado em 03 de agosto de 2015).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
162
ao eclodir de Guerras Civis. No Líbano, como no Egito, no Irão, no Iémen, no
Sudão, entre muitas outras regiões, começaram a surgir contestações abertas à
forma secular de dirigir países e nações. O EI é hoje um exemplo claro, e extreN
mo, dessa assunção, arrumando, por enquanto, a esperança deposta nas “PriN
maveras Árabes”.
A Síria, palco da maior guerra civil da atualidade, com “oito milhões de des,
locados, quatro milhões de refugiados e mais de 220 mil mortos”, é exemplo
demonstrativo de muitos dos fatores que temos vindo a levantar e, essencialN
mente, de que não há ameaças e riscos, nem conflitos ou guerras, isolados ou
assentes apenas em uma premissa. Porque, como afirma Bernardo Pires de
Lima, “a Síria é não só uma guerra civil mas também uma guerra de testa,de,
ferro pelo domínio regional”, onde também se operam influências diretas e indiN
retas de todo o Mundo, como sejam os EUA, a Europa, a Rússia e a China17.
Assim, numa leitura mais abrangente, viveNse uma verdadeira guerra fria na
vasta região do Médio Oriente, entre xiitas (com o apoio central do Irão) e suniN
tas (com forte incidência da liderança da Arábia Saudita) que se traduz, no terN
reno, também mas não só, na multiplicação de guerras civis. Ou, ainda visto de
outra forma, é uma guerra quente que mais não é do que uma espécie de guerra
civil entre partes que se opõem em mais do que um país. Mas voltemos ao EI
para identificar de como tudo pode estar, efetivamente, interligado.
O que sabemos do passado dos líderes do EI é uma longa história e não um
movimento espontâneo e novo. O radicalismo integrista está na origem da priN
meira grande divisão entre o Islão, quando surgiram os karijitas a par dos suniN
tas e dos xiitas. Os karijitas foram os primeiros a defender o caráter literal do
Corão e da Suna, ou seja, que os textos sagrados do Islão tinham de ser seguiN
dos e não interpretados. Os karijitas quase despareceram na espuma da história
mas, no século XVIII, surgiu na Arábia Saudita um teólogo de nome Ibn Abdul
Wahhab e a interpretação literal voltou a emergir. VoltouNse a propor, exclusiN
vamente, a leitura tradicional, inquestionável, pura e absoluta. O wahhabismo
andou e anda de mãos dadas com o regime soberano da Arábia Saudita e, por
isso, teve e tem seguidores um pouco por todo o Mundo. Mais a norte, no IraN
que, apareceram no século seguinte os Ikhwan (os irmãos) que usavam também
“uma leitura rigorosa e literal dos textos sagrados” mas, ao contrário da Arábia
Saudita, esta teologia não se iria juntar logo à política, porque ainda seriam os
aliados dos britânicos a conseguir governar o país após a Grande Guerra, manN
tendo assim, por mais alguns anos, a religião afastada da política18.
17 Lima, 2015: 35, 160 e 189, Cockburn, 2014: 63. 18 Tomé, 2015: 6, Rogeiro, 2014: 191N198 e Pinto, 2015: 102.
DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS
163
Num Mundo de referências difusas, fenómenos como o Wahhabismo, ou o
Salafismo19 e os fundamentos teocráticos do EI, apresentam princípios claros e
muito simples de seguir: os homens não podem nunca interpretar o que foi
ditado por Deus (Alá) e tudo o que é preciso saber está no Corão e na Suna.
Ainda por cima, muitos dos proponentes destas leituras restritas do Islão, como
os Irmãos Muçulmanos de Hassan alNBunna em 1928 e continuado por Sayyid
Qutb, acabaram por ser assassinados (em 1949 e 1966) e transformados em
mártires. Como de mártires se fala hoje quando os combatentes recordam e
homenageiam AlNZarqawi (o grande líder do agora EI), de Ossama BinNLaden
(da alNQaeda) ou de Mullah Omar (dos Talibãs). Tal como a morte de líderes de
vulto, como os líderes originais do islamismo xiita, Ali e Hussein no século VII,
criou mártires e inspiradores intemporais20. Matar lideranças nunca foi eficaz
para erradicar o fundamentalismo islâmico, talvez, até pelo contrário, tenha
ajudado a criar mártires e movimentos de expressão alargada.
As obras sobre os movimentos literalistas que foram sendo escritas constiN
tuemNse como referências importantes e demonstram que os fenómenos extreN
mistas a que assistimos são tudo menos acidentais ou simplesmente, conjunturais.
Qutb escreveu Marcos Miliários, que se constituía num forte ataque aos sistemas
políticos seculares. AlNZarqawi, a grande referência do agora EI, por exemplo,
baseavaNse nos estudos do fundador do salafismo, o xeque Abu Muhammad alN
Maqdisi, que afirmava que um Estado que não seguisse uma governação comN
pletamente em linha com a Sharia seria um ”regime infiel”. Também se apoiava
nos textos de Abu Musab alNSuri, um livro de 1.600 páginas, intitulado “Um
chamamento à resistência Islâmica”, que entre outras ideias sugeria o uso de
lobos solitários21 como forma de espalhar ao máximo os ataques em muitas
regiões do globo (num conceito que defendia como o de uma resistência sem
líder). Mais relevantes ainda serão os textos de Abu Bakr Naji, escritos em 2004,
um tratado de 113 páginas, intitulado (tradução para inglês) de “Management of
Savagery: The most critical stage through which the Ummah will pass”. Este
texto estabelece objetivos e metas que vale a pena reproduzir para melhor
entendermos os fenómenos associados ao terrorismo islâmico jihadista das
últimas duas décadas:
19 Tomé, 2015: 5; Salafismo é um movimento fundamentalista islâmico que acredita na adesão estrita ao Islão tal como creem ter sido praticado por Maomé (Stern, 2015: 11). 20 De igual forma, manter em prisão, simplesmente, também ajudou a criar líderes ainda mais fanáticos com mais seguidores: “o tempo que passaram na prisão aprofundou o seu extremismo e ofereceuNlhes a oportunidade aumentarem o número de seguidores”, Stern, 2015: 57. 21 Ver ataques por lobos solitários em Tomé, 2015: 19.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
164
1. Perturbação e exaustão: durante a qual os atentados terroristas prejudicam
a economia das potências inimigas e desmoralizam as populações;
2. Gestão da selvajaria: uma fase de resistência violenta, com ênfase na reali,
zação de atos violentos muitíssimo visíveis, com a intenção de enviar uma
mensagem tanto aos aliados como aos inimigos;
3. Tomada do poder: o estabelecimento de regiões controladas pelos jihadis,
tas que possam, subsequentemente, crescer e unir,se com vista à recriação
do califado” 22.
Os líderes destes movimentos não são, como muitos fazem parecer, desesN
perados ou analfabetos. Tal como os suicidas que foram contra as torres
gémeas em 2001, a maioria das lideranças da alNQaeda e do EI, são instruídos e
muitos têm origem em classes informadas, esclarecidas e protegidas23. Gozam
também de uma legitimidade reforçada por se declarem descendentes da tribo
do profeta (Abu Omar e Abu Bakr, que lhe sucedeu, declararamNse “quaraychi,
isto é, membros da tribo do profeta Maomé”24).
“Guerra das Civilizações? É isso que o Estado Islâmico quer e é isso que a
ignorância e a estupidez dos ocidentais lhe estão a dar”25. O objetivo do EI passa
por “purgar traidores, chacinar militares, impor a sharia, ganhar território, enfra,
quecer soberanos e aliados, condicionar a economia e os fluxos energéticos,
criando o caos interno e a anarquia regional”26. Como defendemos, em obra
publicada com António José Telo, o objetivo imediato passa por criar e manter
o caos, conduzindo a uma guerra de caos, que levará, anseiam os proponentes,
ao atingir dos grandes objetivos teleológicos27.
Os exemplos de Estados que se transformaram em Estados Frágeis, que
viveram ou vivem guerras civis, continuam em muitas destas regiões, como a
Síria, hoje praticamente dividida em quatro (com uma grande parte do EI e
outra dos movimentos que o combatem), a Líbia dividida pelo menos em duas
(também com forte presença do EI), do Iraque, com pelo menos quatro áreas
distintas (duas sunitas, sendo uma do EI, uma xiita e outra curda), a Somália (em
22 Stern, 2015: 37, 45N47. 23 “Os tipos no topo são gestores muito hábeis”, Stern, 2015: 59. 24 Tomé, 2015: 2; Pinto, 2015: 243 e 248. (Jaime Nogueira Pinto dá vários exemplos dos líderes do EI, muitos antigos altos responsáveis do Iraque de Saddam Hussein: “o ex,presidente Izzat Ibrahim al,Dourigeneral Azhar al,Obeidi, governador de Mosul, general Ahmed al,Rashid, governador de Tikrit (…) Abu Muslim al,Trkmani, comandante militar do ISIS para o Iraque, tenente,coronel da Inteligência militar Iraquiana, Abu Ali al,Anbari, para a Síria”. 25 Pinto, 2015: 278. 26 Lima, 2015: 227 e também Rogeiro, 2015: 54N58. 27 Telo & LPires, 2013.
DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS
165
muitas partes), o Mali, o Líbano, o Níger e a Nigéria (que continua dividida, pelo
menos, em duas partes, sendo uma a extinta república do Biafra, “resultado de
uma guerra civil que causou entre um e três milhões de mortos”28), a República
CentroNAfricana e o Iémen (que nunca deixou de estar, no mínimo, divido em
dois). Se não são frágeis, muitos estão fragilizados, como a Tunísia e a Argélia, o
Kuwait e o Bahrein, ou mesmo a Arábia Saudita (onde têm ocorrido tumultos e
ataques nos últimos dois anos) e a Jordânia29.
A Síria é um exemplo que junta o que queremos explicar, onde o povo sofre
brutalidades tanto pelas mãos dos radicais como do próprio governo (basta
lembrar as lamentáveis cenas de tortura sobre adolescentes ou o uso de armas
químicas) e é um país que se tornou mais frágil pelo crescimento de ameaças
externas e internas, por força de secas continuadas e migrações forçadas, pela
entrada e saída descontrolada de refugiados nas últimas décadas, que entrou
em guerra civil porque se tornara mais frágil ou que ficou mais frágil porque
entrou em guerra civil30.
O EI passa a sua mensagem e tem uma base territorial (na Síria e no Iraque),
porque recruta adeptos dentro da região em que atua mas, também, em todos
os pontos do globo. Não importa analisar apenas a eficácia da sua mensagem
(se as decapitações provocam adeptos, se é a “oferta” de esposas ou escravas, se
é o espírito de missão religioso ou se é o anúncio de uma sociedade mais justa,
equilibrada e simples de perceber). Mais importante é tentar perceber porque
se deixam tantos influenciar por estas mensagens, ou seja, o que lhes falta no
espaço onde vivem para os levar a querer partir para o EI. Esse é o grande
desafio. Até porque a mensagem do EI para os cidadãos dos países ocidentais
dirigeNse principalmente aos quadros melhor preparados e não, simplesmente,
aos que muitos consideram ser apenas os desesperados, ou militantes ávidos de
se empenharem numa qualquer ideologia que os preencha. As palavras do líder
do EI, Abu Bakr, não podiam ser mais claras: “apelamos especialmente aos aca,
démicos, (…) juízes, pessoas com competências militares, administrativas e de
serviços, médicos e engenheiros”31.
Quando o EI conquistou a grande cidade de Mossul no Iraque, com base
numa preparadíssima máquina de comunicação, conseguiu gerar mais de
40.000 tweets num único dia. Entre os que receberam as mensagens, alguns,
28 Fukuyama, 2014: 307. 29 Fukuyama, 2014: 11N12; Simons, 2007; “antes que a Jordânica seja a próxima vítima” Lima, 2015: 56 e 229 e Stern, 2015: 62. 30 Que presenciou, afinal, a primeira capital do EI, no seu próprio território, a cidade de Raqqa (Stern, 2015: 63 e 67). 31 Stern, 2015: 112 e Rogeiro, 2015: 97N118.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
166
demasiados, estavam dispostos a juntaremNse e a jurarem Bayah (lealdade comN
pleta a um líder, seja ele da alNQaeda, dos Talibãs, do BokoNHaram ou do EI),
compromisso esse que raramente conhece retorno. A lealdade estabeleceNse
entre pessoas e líderes mas, mais importante, entre líderes de organizações e
líderes de outras organizações: Ossama jurou Bayah a Mullah Omar; o Boko
Haram da Nigéria, o Abu Sayaf das Filipinas, o AlNShabab da Somália e alguns
Talibãs juraram ao EI. Quando juram lealdade, o EI atribui às vastas regiões do
Mundo onde essas organizações são estabelecidas o estatuto de suas futuras
províncias (wilayat). Nestes espaços, os que existiam e os que poderão vir a
existir, preparam a geração seguinte. Em escolas rudimentares, denominadas
de “campos Sharia”, ensinaNse a única versão possível de vida dum cidadão do
EI, incluindo técnicas de decapitação (praticadas em bonecas pelos jovens), a
matar com ritual e com sofrimento, a punir, a chicotear, a saber lidar com
mulheres e com escravos, a diferenciar no tratamento os verdadeiros muçulmaN
nos dos apóstatas32. É explicado que escravatura é permitida, “em The revival of
slavery before the hour o autor explica que as mulheres politeístas e pagãs
podem e devem ser escravizadas”33, que a violação é autorizada e que as execuN
ções são incentivadas. Nada do que assistimos é inocente e involuntário, está
escrito, está descrito nas únicas fontes autorizadas e é repetido, à exaustão, aos
seguidores. O caminho de retorno é difícil. Esperar compreensão e atitudes
humanitárias de quem passa por estas etapas é não entender a força da radicaN
lização construída e que se alastra.
“Se há alguma coisa que devíamos ter aprendido com os erros que comete,
mos, quer no Iraque quer na Líbia, é que um Estado falhado é o pior de todos os
resultados possíveis”34. Na obra que escrevemos em 2014, defendemos “o tem,
po” como um fator essencial para se obter o comando holístico da guerra e
garantir estabilidade depois de intervenções externas35. O Iraque precisava “de
três décadas” para se criar um Estado estável, dizNnos Stern e Berger. Talvez
mais, dizem muitos dos analistas em 2015. O problema principal da Líbia é que
nem sequer “tem um Estado”, ou seja, não há uma autoridade reconhecida em
todo o território36. O tempo que não foi dado para fazer o que deveria ter sido
feito multiplicouNse em efeitos negativos pela pressa com que se fizeram as coiN
sas mais erradas e provocatórias, muito difíceis de emendar agora e, a somar
32 Tomé, 2015: 15N18 e Stern, 2015: 190, 211, 214, 216 e 245N248. 33 Stern, 2015: 251. 34 Stern, 2015: 276. 35 LemosNPires, 2014. 36 Fukuyama, 2014: 12.
DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS
167
aos erros seculares e repetidos que temos descrito, serão cada vez mais difíceis
de resolver.
Com base nestes exemplos escolhidos, do EI à Síria e à Líbia, ao Iraque e ao
Líbano, entre outros que brevemente aflorámos, pretendemos demonstrar que
as causas para a criação de Estados Frágeis ou Falhados e a origem de guerras
civis, nem sempre se explicam pela análise de fatores mensuráveis e visíveis. Ao
nos cingirmos a estes poucos exemplos, deixaramNse de fora casos de guerras
civis com partes perfeitamente identificáveis, como nos séculos XIX e XX as:
dos EUA, da Costa Rica, de El Salvador, de Angola, de Moçambique, da GuinéN
Bissau, da República Centro Africana, da Guiné Equatorial, da Grécia, de EspaN
nha, ou mesmo a portuguesa. Estados Frágeis e Falhados háNos em várias
regiões do Mundo e as causas são variadas e não generalizáveis, como o Haiti
na América do Sul ou a República do Congo, a Serra Leoa e o Sudão do Sul em
África, mas nem todas as guerras civis ocorrem em Estados Frágeis nem a conN
dição de Estado Frágil leva, inevitavelmente, à ocorrência de guerras civis. Não
esgotámos a análise nem as perspetivas, mas chegámos onde queríamos cheN
gar, ao entender as ameaças e riscos que se escondem entre, aparentemente,
outros que são visíveis e mais citados. Chegámos ao intangível porque fomos
investigar as causas e as consequências, na memória e na dimensão social e
humana.
DDDDO TANGÍVEL AO INTANGO TANGÍVEL AO INTANGO TANGÍVEL AO INTANGO TANGÍVEL AO INTANGÍVELÍVELÍVELÍVEL
Ameaças intangíveis crescem dentro da sociedade e, tal como com a compaN
ração anterior que fizemos do cancro, sabemos, no entanto, que quando detetado
em tempo e antes de se espalhar (metástases), há uma grande probabilidade de o
poder vencer. Uma sociedade forte e saudável precisa de confiança e de identiN
dade sustentada. Para ser saudável tem de ter estabilidade, emprego, orgulho e
futuro. É muito isso, aquilo que nos tem faltado com as últimas crises na EuroN
pa, em especial, em Portugal. Entre muitos exemplos podemos referir o desemN
prego, “de 2002 a 2013 desapareceram 700 mil empregos”, em Portugal e na
Europa a situação é preocupante “em fevereiro de 2015 existiam 18 milhões de
pessoas desempregadas na zona euro (…) mais de metade desempregada há
mais de um ano”37. NasceNse menos e viveNse até mais tarde e repensamNse os
sistemas de segurança social. Em Portugal, como em muitos outros países
37 Garrido, 2015: 89, 92N93.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
168
europeus, a população decresce por via da diminuição de nascimentos38 e, além
disso, ainda emigra. Os gastos com a segurança social são enormes, represenN
tando mais de 25% de todo o P.I.B. Valores estes que ameaçam continuar a
crescer39. ViveNse mais, mas há menos juventude e, pelo contrário, cresce a soliN
dão e o isolamento social.
ViveNse com mais incerteza e com mais indiferença. AgudizamNse os fenóN
menos de anomia social, referidos por Émile Durkheim, em que cada vez mais,
há milhares de cidadãos que não sentem, nem encontram objetivos sociais e
coletivos com significado existencial (o enfraquecimento das normas sociais).
Ou abundam os niilistas, desapegados de referências coletivas. Ou crescem os
perigos da mundanidade: “receamos mais perder o nosso lugar no sofá, espe,
cialmente o que fica mesmo em frente à televisão, do que perder a liberdade ou a
dignidade”40.
ComunicaNse à distância e comunicaNse frequentemente, aparentemente
criandoNse comunidades muito fortes, mas na essência sem haver um conheciN
mento pessoal. São as redes sociais ao serviço de grupos que se podem tornar
extremistas, ou simplesmente não aderentes da sociedade onde fisicamente
vivem. ViveNse num determinado país mas comungamNse ideias ou princípios de
organizações julgadas superiores (mais importantes que a sua Pátria) ou, simN
plesmente, viveNse num país sem se sentir que se faz parte dele. Há demasiadas
pessoas que são capazes de agir em conjunto mesmo sem se conhecerem e
muitas que influenciam milhares sem nunca terem tido contacto41.
Intangível é a situação em que se vive, no país onde se vive, no continente
que temos. A Europa parece, nas palavras de Eduardo Lourenço, “sem qualquer
coerência, não apenas política, como cultural, nem sentido identitário” e sofre o
grave risco, acrescenta, de não ser “ninguém, senão nostalgia de si mesma e
museu de sonhos exóticos do Mundo inteiro”42. Não podemos ignorar as ameaN
ças à nossa estabilidade por nos parecerem desprovidas de força direta. Não
podemos também ignorar as repetidas ameaças a Roma e aos cruzados, espeN
cialmente a partir dos radicais do EI, pelas razões históricas apontadas (as refeN
rências à Roma do Papa, literalmente expressas em várias passagens dos
38 Em Portugal, no último semestre de 2015 aumentou, cerca de 1500 a mais que em 2014, mas continuaNse a registar um número de óbitos superior ao dos nascimentos. 39 “Em Portugal, os gastos públicos de pensões, assistência, subsídios sociais e de saúde representam cerca de 25% do PIB”, Félix, 2015: 105. 40 Cruz, 2015: 139. 41 Stern, 2015: 97. 42 Lourenço, 2015: 152.
DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS
169
Hadiths43), pela determinação demonstrada dos combatentes que as proferem,
pela invocação apocalíptica de destruição mas, acima de tudo, pela aceitação
que criam em terras europeias ou em comunidades ávidas de referências e de
objetivos maiores pelos quais viver e lutar. O contrário duma anomia social é
uma motivação espiritual e efetiva, incluída em organizações estruturadas e que,
aparentemente, dão sentido ao que antes nada era.
Vivemos numa cultura, europeia e ocidental, demasiado materialista, egoN
cêntrica, sem objetivos coletivos abrangentemente aceites, sem vontade de
defesa e segurança coletiva, sem identificação maior. Convivemos com casos de
corrupção que parecem não ter fim, sentimos as crises nas relações socias das
populações, entre as próprias famílias, no fundo, em tudo o que sabemos de
tangível. Há tendências que podemos medir e interpretar diretamente. Sabemos
que o fenómeno da metropolização está em crescimento, bem como que existe
um exponencial aumento das pressões migratórias ou que vivemos em espaços
mais amplos e, teoricamente, partilhados por todos: os céus, os oceanos, o
espaço e o ciberespaço. Mas saberemos antever o que cada um destes fenómeN
nos provoca na essência civilizacional que nos forma e formou, ou seja, na
suposta estabilidade dos Estados e Instituições que nos governam e acolhem?
O que significam os micropoderes de que nos fala Naím no livro referido?
Qual a verdadeira dimensão da decadência política que nos apresenta Francis
Fukuyama na sua recente obra? Quais os verdadeiros efeitos da corrupção na
confiança que os cidadãos sentem pelas instituições? O que significam a comuN
nicação global e o acesso global a meios de comunicação e redes sociais? Qual o
verdadeiro poder das religiões, das novas religiões e da profusão de seitas? O
que significa viver com mais desigualdade social num Mundo que tem mais
ricos, por menos tempo, menos classe média e um fosso agravado para as clasN
ses mais desfavorecidas? Deveríamos estar a dar respostas e não a levantar
questões mas estes exemplos apenas têm como finalidade o aferir das dimenN
sões de análise, para lá da aparente leitura estatística de determinados fenómeN
nos. Porque muito do que vivemos hoje é novo e nem tudo se pode ir aprender
na história.
Por exemplo, encontramos hoje, as primeiras gerações ocidentais que declaN
ram, ao contrário das anteriores, que gostariam de viver como as gerações dos
seus pais e avós. Temos hoje sociedades inteiras que vivem sem causas, sem
ideologias a defender, sem aparente interesse em objetivos coletivos e humaniN
tários. Este fenómeno, embora não sendo completamente novo (já gregos e
43 Hadith, no plural, ahadith, são histórias sobre a vida de Maomé, nem todas confirmadas enquanto a Suna, são os preceitos registados por Maomé (Stern, 2015: 8 e 11).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
170
romanos se queixaram do mesmo na época mais grave da sua decadência) é um
dos danos colaterais causados em países onde há mais do que duas gerações se
vive em democracia e em sociedades igualitárias, pelo menos de jure.
OOOOS S S S RRRRISCOS ISCOS ISCOS ISCOS IIIINTANGÍVEIS NO ESPAÇONTANGÍVEIS NO ESPAÇONTANGÍVEIS NO ESPAÇONTANGÍVEIS NO ESPAÇO GEOPOLÍTICO OCIDENT GEOPOLÍTICO OCIDENT GEOPOLÍTICO OCIDENT GEOPOLÍTICO OCIDENTALALALAL
Em primeiro lugar temos a dimensão interna (dentro do Estado). Sabemos
como o conceito de família se alterou nas duas últimas gerações em inúmeros
países. Mas saberemos os efeitos que têm na sociedade a convivência destes
inúmeros modelos de família, sem família ou, simplesmente, de existência indiN
vidual? Não pomos em causa, nem podíamos, as várias formas de constituir
família mas, numa sociedade milenar, que se baseou na sua estruturação proN
gressiva, duma base de família para a de bandos, tribos, sociedades complexas
e, finalmente, Estados, podemos afirmar que ainda não estão determinadas
todas as consequências da alteração da fundamentação base da sociedade. A
des,família pode ser um risco se não estudado e mensurado em todas as suas
vertentes, sem moralismos e julgamentos, mas de uma forma abrangente, comN
pleta e descomplexada.
Já referimos, e reforçámos, o risco associado a uma crescente anomia social.
Quais os objetivos aglutinadores das novas gerações, o que faz mover ou torna
indiferentes milhares de cidadãos, porque razão se abandonam Estados aparenN
temente bem organizados para se juntar a movimentos fanatizados, ou porque
muitos se recusam a defender o bem comum de todos? São intangíveis os efeiN
tos da anomia social mas é bem relevante a falta de vontade de identificação
coletiva e a ausência de um espírito de defesa em tantas das sociedades ocidenN
tais, nomeadamente, as europeias (em Portugal apenas 28% declaram estar
dispostos a morrer pela Pátria44).
A xenofobia aumenta quando crescem movimentos migratórios e este será
um outro risco intangível a analisar, porque é difícil medir se continuará a cresN
cer e em que medida poderá alterar políticas de Estados, diretamente ou, de
forma indireta, através da eleição de partidos mais extremados e nacionalistas.
Por isso incluímos o risco da xenofobia como dentro dos intangíveis. O aumento
de migrações, o fim de viagens e turismo entre regiões (como o exemplo claro
da diminuição de turistas para a margem sul do Mediterrâneo), os atentados em
44 http://zap.aeiou.pt/soN28NporNcentoNdosNportuguesesNlutariaNpelaNpatriaN59125 (consultado em 05 de agosto de 2015).
DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS
171
solo ocidental, a diminuição do emprego, a guetização de comunidades inteiras,
etc., agudizam e exponenciam fenómenos xenófobos e racistas.
Hoje também temos menos empregos porque a tecnologia o permite e viveN
mos mais tempo. Mas saberemos o que fazer com tantos jovens sem emprego e
com tantos reformados sem ocupação? As duas franjas representam dois terços
da sociedade e nem o sistema social está preparado para esta nova realidade
nem as sociedades estão estruturadas para acolher novas distribuições do traN
balho, da reforma, da desocupação e ocupação do tempo, da produtividade e da
contribuição efetiva para o bem comum. A desocupação forçada pelo desemN
prego e o pouco aproveitamento que fazemos dos mais seniores nas sociedades
evoluídas é um risco intangível na edificação futura da nossa sociedade.
Na dimensão externa destacaríamos a relevância que têm as memórias e a
história de povos, nações, grupos e pessoas. Um país tende a olharNse quando
foi grande e não quando foi pequeno, sublimamNse as memórias de grandeza,
na dominação de áreas maiores e apoucamNse, ou seja, ignoramNse deliberadaN
mente, os momentos na história de sujeição e subalternização45. Muitos querem
as suas fronteiras maiores, quando no passado se compunham de mais territóN
rios, e, esses territórios, porque pertencem a outros, estão permanentemente
ameaçados, não diretamente, mas de forma intangível, pelo desejo que persiste,
pela vontade que ficou, pelo rancor que não se perdeu. Mais do que um risco,
pode eventualmente ser uma ameaça intangível porque pode não estar ativa,
mas, enquanto dormente, pode aparecer num momento de oportunidade.
As pressões geopolíticas não desaparecem com a imposição de fronteiras.
Vimos como o tratado SykesNPicot (no final da Grande Guerra 1914N1918) não
alterou a forma como os povos das nações que viviam naqueles territórios manN
tiveram vontades distintas dos Estados que lhes foram impostos. Exemplos
destes persistem em todo o Mundo, desde os curdos aos coreanos, dos bascos
aos escoceses. As pressões geopolíticas estarão sempre presentes, mesmo que
de forma apenas intangível.
Uma ameaça externa pode ser simbolizada no poder de um determinado líder,
seja na Alemanha ou na Itália da II Guerra Mundial ou mesmo no EI ou na Coreia
do Norte nos dias de hoje. A vontade de uma só pessoa pode mudar o comporN
tamento de um ou mais povos e esse fator, demonstraNnos a história, é uma ameaça
intangível que apenas a análise cuidadosa de cada caso, de cada líder revolucioná,
rio, em cada momento, nos poderá preparar para os efeitos não desejados.
45 “Entre 1878 e 1914,a Europa acrescentou cerca de 13 milhões de quilómetros quadrados às suas possessões coloniais, reivindicando espantosamente o controlo sobre 84,4% da superfície terrestre do planeta”, Fukuyama, 2014: 399.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
172
Da mesma forma que nunca poderemos quantificar precisamente o poder de
ideias e religiões, uma vez que variam no tempo, no momento e no conteúdo.
Observámos o poder que as interpretações literalistas do Islão têm tido nos
últimos dois séculos e como ameaçam agora enormes regiões globais, mas não
sabemos os efeitos que podem vir a existir de novas ideologias ou movimentos.
É intangível, podem ser apenas riscos e nunca ameaças mas, como vimos,
podem ter um poder fortíssimo e influenciar milhões.
Por último, refereNse o domínio global do intangível. O tempo em que viveN
mos não confere o tempo necessário para nos ajustarmos às dramáticas alteraN
ções impostas pela tecnologia e evolução científica. Chamamos a este risco a
vertigem do tempo porque, como sociedade, deixou de haver tempo para lidar
com o desaparecimento brusco de profissões, de instrumentos, de meios, de
práticas, etc. A robotização e a IA criam enormes potencialidades e perigos46, a
tecnologia renovaNse a intervalos cada vez mais estreitos e, num curtíssimo espaN
ço de tempo, vertiginosamente, pode tornar hoje obsoleto um equipamento ou
uma prática que ainda no passado era inovação e espanto. A sociedade precisa de
tempo para se organizar mas o tempo da inovação é, nos nossos dias, demasiado
rápido para permitir avanços e ajustamentos calculados e progressivos.
Estamos numa 3ª vaga de democratização (Samuel Huntington atribui o seu
início à revolução dos Cravos – 25 de abril de 19174 – em Portugal)47 e sentimos
que vivemos uma generalizada crise de valores. Não é um problema local ou
regional, é uma questão global e intangível porquanto apenas se relaciona com
conceitos subjetivos do que se entende por valores. “Os burocratas passaram a
estar mais interessados na proteção do seu orçamento e dos seus empregos do que
no cumprimento eficiente dos seus mandatos (…) mais motivados pela remunera,
ção do que pela missão (…) labirinto de regras e regulamentos que impedem o
desenvolvimento pessoal e abafam a criatividade (…) somos instintivamente con,
formistas”48. Há crise nos valores porque estão todos em causa, mas não se anteN
cipa ainda se evoluímos ou regredimos, se criamos novos ou simplesmente
abandonamos antigos. A ausência de referências, através de princípios e valores,
comungados e aceites por uma larga maioria de cidadãos, pode ser preocupante.
46 Many people fear a jobless future — and their anxiety is not unwarranted: Gartner, an inforNmation technology research and advisory firm, predicts that oneNthird of jobs will be replaced by software, robots, and smart machines by 2025. Artificial intelligence and robots are not just challenging blueNcollar jobs; they are starting to take over whiteNcollar professions as well. Financial and sports reporters, online marketers, surgeons, anesthesiologists, and financial analysts are already in danger of being replaced by robots.http://www.businessinsider. com/expertsNpredictNthatNoneNthirdNofNjobsNwillNbeNreplacedNbyNrobotsN2015N5 (consultado em 07 de agosto de 2015). 47 Fukuyama, 2014: 585Naím, 2014: 128. 48 Fukuyama, 2014: 625N630.
DAS AMEAÇAS E RISCOS INTANGÍVEIS AOS ESTADOS FRÁGEIS E ÀS GUERRAS CIVIS
173
Globalmente há hoje menos convívio entre cidadãos de partes diferentes
(afastadas) no Mundo. Parece um paradoxo com tanta emigração para a Europa
e para os EUA mas, no sentido contrário, por causa da abundância de Estados
Frágeis e Falhados, dos enormes perigos de rapto e ameaça, há cada vez menos
gente a visitar ou a trabalhar nestes espaços. Há menos militares, polícias, ONU,
ONGs e agências de informação em áreas gigantescas (como é o caso da região
subsaariana). Por causa das crises financeiras ajudaNse menos, vaiNse menos,
participaNse menos e nem as grandes empresas de media cobrem as desgraças
destas regiões: é muito perigoso trabalhar ou ajudar na Nigéria, no Darfur ou
na Somália, só para referir alguns exemplos. Há “menos Mundo no Mundo” e,
ainda por cima, aqueles de que mais se necessitava que ficassem nos países em
desenvolvimento são os que mais saem e emigram: trataNse das denominadas
“fugas de cérebros”. TrataNse, enfim, de uma generalizada ausência deliberada e
fuga de quadros qualificados.
Em síntese, elencámos então os seguintes riscos intangíveis no espaço geopoN
lítico ocidental: ao nível interno temos a des,família, a anomia social, a xenofobia e
a desocupação forçada; ao nível externo destacámos as memórias e a história das
nações, as pressões geopolíticas, os líderes revolucionários e o poder das ideias e
religiões; no nível global descrevemos a importância da vertigem do tempo, das
crises de valores e da ausência deliberada e fuga de quadros qualificados.
UUUUMA MA MA MA NNNNOTA OTA OTA OTA FFFFINALINALINALINAL
Há fatores que potenciam riscos e ameaças e há ameaças e riscos que, por
serem intangíveis, por vezes, não são atendidos nem entram nas grandes consiN
derações políticas e estratégicas dos povos. Alguns explicam o porquê da cresN
cente fragilidade dos Estados ou, mesmo, o de se chegar ao estatuto de Estados
Falhados. Porque são Estados fragilizados sofrem Guerras Civis mas, também,
muitas das Guerras Civis ocorreram em Estados fortes que tiveram divisões
profundas, por causas externas ou internas. Na base há razões tangíveis e
intangíveis. Falamos mais e analisamos mais o tangível, naturalmente. Teremos
de mudar.
Em pleno século XXI, encontramos um Mundo mais global e que requer
ações e respostas mais globais. No entanto, sofremos hoje, como nunca ocorreu
no passado, de uma maior dispersão do poder, de uma acentuada decadência
política com muito menos tempo para lidar com transformações profundas. As
mudanças e as consequências da ação e omissão humana são, atualmente,
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
174
demasiado intensas e dramáticas e, pela sua gravidade, não permitem tempo e
aprendizagem para evoluir ou responder melhor a uma próxima vez.
Não nos podemos dar ao luxo de ignorar a imensa dimensão das ameaças e
riscos que corremos, dos tangíveis e clássicos aos intangíveis e desconhecidos,
porque, provavelmente pela primeira vez na história da humanidade, desta vez
não teremos margem para tentar e errar de novo. O não atender, de forma
holística e complementar, a todos os riscos e ameaças, intangíveis e tangíveis,
levará a respostas incompletas, defeituosas e, se lidadas de forma ligeira, levaN
rão ao maior risco de se tornarem irreversíveis.
Como a política tutela a estratégia, ao existir uma maior dispersão das deciN
sões estruturantes de natureza política, obviamente, temos menos ação estratéN
gica e, logo, menos segurança. A solução será, como sempre, nossa, de todos,
da humanidade e de cada nação, de cada um. Basta não ignorar, assimilar as
múltiplas dimensões e enunciar o que se vê e o que não se vê, sem complexos e
demagogias. Precisamos de coragem coletiva.
175
8888.... CCCCONFLITOS ONFLITOS ONFLITOS ONFLITOS RRRREGIONAIS EGIONAIS EGIONAIS EGIONAIS
ANTÓNIO ARNAULT MOREIRA
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
Em todos os tempos e em todos os lugares as comunidades politicamente
organizadas foram sempre capazes de encontrar motivos para que um desenten,
dimento de interesses degenere em situação conflitual, acompanhada de maiores
ou menores manifestações de violência. Porque a proximidade amplifica as sus,
ceptibilidades e favorece a projeção do poder, os conflitos regionais continuam a
ser o fenómeno mais comum no domínio das situações conflituais.
Podem enumerar,se diversas razões. Algumas parecem comuns a todos os
potenciais atores, como as razões da história ou as razões dos recursos, enquanto
outras, como as razões da segurança, parecem mais talhadas para os grandes
atores globais. Finalmente, as razões da doutrina são provavelmente aquelas que
geram as violências mais excessivas.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chavechavechavechave: Conflito, Regional, Geopolítica, Geoestratégia
EEEENQUADRAMENTONQUADRAMENTONQUADRAMENTONQUADRAMENTO
Desde os primórdios da vida humana em sociedade que a oposição de inteN
resses entre grupos politicamente organizados encontrou no conflito, e evenN
tualmente na violência armada, uma forma prática de resolver diferendos
resistentes ao impulso racional da negociação. A natureza humana transpôs
para o grupo social as mesmas tensões e instintos que caracterizavam o indivíN
duo. DiminuiuNse, desta forma, a probabilidade de um impulso individual gerar
um conflito, embora se tenha aumentado o grau de violência associado à sua
ocorrência.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
176
De pouco tem valido a teorização abundante sobre o conflito e a sua origem,
vertido em profusa obra filosófica individual e em doutrinas sociais, para erraN
dicar a violência entre as sociedades politicamente organizadas. Tampouco a
criação de instituições supranacionais vocacionadas para a prevenção e resoluN
ção de conflitos tem apresentado resultados extraordinários ou duradouros. A
História mostra que é sempre possível encontrarNse um motivo para que um
desentendimento de interesses degenere em situação conflitual, acompanhada
de maiores ou menores manifestações de violência.
Ao longo deste nosso capítulo procuraremos entender a dinâmica da violênN
cia no domínio regional da conflitualidade, interessandoNnos pelos seus fundaN
mentos, pelas condições particulares que encontramos nos cenários regionais e
pelas motivações que, nos possíveis níveis de atuação, os diferentes atores preN
sentes podem interiorizar.
EEEEM BUSCA DE UM CONCEIM BUSCA DE UM CONCEIM BUSCA DE UM CONCEIM BUSCA DE UM CONCEITOTOTOTO
A guerra clássica entre estados oferecia à análise conceptual polemológica a
enorme vantagem de apresentar como sujeitos da interação violenta entidades
politicamente organizadas, muito idênticas na forma de articulação interna do
estado, no entendimento do sentido do poder e nos princípios de utilização da
força como instrumento da alteração dos equilíbrios da ordem internacional.
Conforme densificaremos ao longo deste capítulo, a conflitualidade regional
contemporânea é bastante mais subtil, quer porque os atores são mais diversifiN
cados quer porque as formas dos conflitos são também menos transparentes.
Esta situação convida à formulação de um conceito de conflito compaginável
com a abrangência atual do exercício da conflitualidade e com a diversidade dos
potenciais atores.
Entenderemos conflito como um estado de excitação colectiva entre socieN
dades politicamente organizadas e com implantação territorial, desavindas por
interesses divergentes, e em que a possibilidade de erupção de fenómenos vioN
lentos é não despicienda.
Ao centrarmos o nosso conceito nas sociedades politicamente organizadas,
estamos claramente a introduzir no âmbito da nossa análise quer os tradicionais
Estados e as suas diferentes formas de associação, quer os grupos armados
com implantação territorial e base social de apoio. O nosso conceito exclui deliN
beradamente a luta política partidária, as reivindicações conjunturais de grupos
sociais ou profissionais e a actividade muito imprevisível das franjas políticas do
CONFLITOS REGIONAIS
177
activismo, incluindo o terrorismo. Esta nossa preocupação com a implantação
territorial deriva da necessidade, para o conceito Regional que seguidamente
abordaremos, da existência de uma referência geográfica de aplicação do
fenómeno violento.
O conceito Regional, aplicado à conflitualidade, necessita inevitavelmente de
uma melhor delimitação. Com excepção da Grande Guerra e da Segunda GuerN
ra Mundial, nenhum outro conflito mereceu o epíteto de Mundial. Todos os
conflitos são então regionais?
Esta abrangência está longe de nos satisfazer. Para nós um conflito regional
é uma particularização geográfica dos conflitos, que obedece a um conjunto de
regras muito próprias e se desenvolve com uma dinâmica particular.
Entenderemos aqui Região como um espaço geográfico de dimensões subN
continentais, onde se desenvolvem fortes relações de interdependência positiva
ou negativa entre os seus membros e em que a situação particular de cada um
afecta globalmente os seus vizinhos. Neste conceito o Mediterrâneo ou a África
Austral constituem Regiões no sentido que aqui lhes conferimos. Em determiN
nadas localizações geográficas o mesmo país pode pertencer a mais do que uma
região (a Itália, por exemplo, pode ser vista como um país da região União
Europeia, ou como um país da região Mediterrâneo consoante o quadro geopoN
lítico de análise que tomemos como referência).
A delimitação necessária que colocámos ao precisar, para efeitos da nossa
análise, as noções de Conflito e de Região, ajudam agora a enquadrar de forma
mais clara o conceito de Conflito Regional que adoptamos.
Entenderemos por Conflito Regional um estado de excitação colectiva entre
sociedades politicamente organizadas que partilham a mesma região geográfiN
ca, desavindas por interesses divergentes de âmbito localizado e em que a posN
sibilidade de erupção de fenómenos violentos é não despicienda.
Acrescentámos a precisão dos assuntos serem de âmbito localizado por
forma a podermos excluir os epifenómenos de violência local que se constituam
apenas como tradução de um quadro mais global de confronto indireto entre
superNatores globais.
Procuremos a validação deste conceito promovendo o seu confronto com a
realidade conflitual. Verificaremos assim se delimitámos o perímetro conceptual
de uma forma suficientemente nítida, permitindo distinguir aquilo que é um
conflito regional daquilo que é apenas um conflito.
Vamos socorrerNnos de três casos históricos conhecidos, em três tempos
geoestratégicos diferentes e em três continentes.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
178
Comecemos pelo continente americano em pleno período da Guerra Fria
utilizando o episódio da crise dos mísseis de Cuba em 1962 e o conflito regional
EUANCuba.
Claramente é necessário distinguir o episódio da Crise dos Mísseis do confliN
to regional EUANCuba que se arrasta desde a revolução cubana de 1959 e que
apenas recentemente conheceu, já no final do mandato da administração ObaN
ma, o seu primeiro sinal de desanuviamento. O Conflito EUANCuba obedece
claramente às condições que elegemos para um conflito regional, pois os países
partilham a mesma região, os interesses contraditórios localizados são evidenN
tes desde o início de uma revolução que foi também dirigida contra os interesN
ses económicos norteNamericanos na ilha, e não faltou nem violência discursiva
nem económica durante todo o processo. Já o episódio da Crise dos Mísseis de
1962 não pode ser considerado como mais um episódio de um conflito regional:
TrataNse de uma manobra de natureza geoestratégica típica da Guerra Fria
entre as duas superpotências vencedoras da II Guerra Mundial, baseada na
localização avançada de uma base de lançamento de mísseis nucleares e na
significativa vantagem competitiva que a proximidade aos alvos conferia a uma
das partes.
Academicamente poderia admitirNse enquadrar a questão dos mísseis no
âmbito de um conflito regional entre os EUA e Cuba se se tivessem verificado,
simultaneamente, duas condições: Cuba tinha adquirido para a sua posse efecN
tiva arsenal nuclear e Cuba dispunha de autonomia de decisão para o emprego
deste arsenal. A crise dos mísseis de Cuba não é portanto o capítulo de um conN
flito regional mas um acontecimento quase trágico de um conflito continuado
entre superNpotências no quadro geoestratégico da Guerra Fria.
Como segundo caso em análise, foquemoNnos agora no Médio Oriente no
período pósNGuerra Fria e observemos a invasão iraquiana do Koweit e a subN
sequente Operação Desert Storm.
A 2 de agosto de 1990 tropas iraquianas invadem de surpresa o Koweit, que
é conquistado em 48 horas. A desproporção da força militar era evidente entre
o gigante Iraque e o pequeno Koweit e o desfecho da ofensiva dificilmente
poderia ter sido diferente.
Estamos aqui perante um conflito regional clássico: Estão em presença dois
países soberanos vizinhos, partilhando uma fronteira terrestre, com economias
fortemente dependentes da exploração de um mesmo produto.
Também as razões explícitas e implícitas são de natureza regional. O quadro
geral de partida resultava de uma relação muito complexa nascida da criação do
Koweit pelo império britânico, geobloqueando significativamente o acesso do
CONFLITOS REGIONAIS
179
Iraque ao Golfo Pérsico. A esta imposição da geografia política acrescia a
denúncia de que o Koweit estaria a fazer perfurações oblíquas junto da sua
fronteira, abastecendoNse portanto na parte iraquiana do campo petrolífero de
Rumaila, para além da persistência de uma dívida de 14 mil milhões de dólares
resultante do apoio que o Koweit tinha dado ao Iraque durante a guerra IrãoN
Iraque e que o Iraque se mostrava incapaz de pagar. A todas estas razões
regionais acrescentavaNse ainda uma de natureza económica estratégica, com o
desentendimento entre Iraque e Koweit, em plena OPEC, sobre a necessidade
de redução da produção por forma a fazer subir o preço do petróleo e, conseN
quentemente, as receitas de que tanto necessitava o estado iraquiano.
A Invasão do Koweit pelo Iraque em agosto de 1990 aparece assim claraN
mente com as características de um conflito de natureza regional, já que os
atores são sociedades politicamente organizadas partilhando a mesma região,
existem interesses crescentemente divergentes na estratégia de produção e de
repartição de um produto essencial em que assentavam as respectivas econoN
mias, a que acresce uma base de geografia política propícia ao desenvolvimento
de desentendimentos
Em sentido contrário, a operação militar Desert Storm, desencadeada na
sequência da invasão do Koweit, não obedece ao nosso conceito de conflito
regional. Como sabemos, na sequência da Resolução 678 de 29 de novembro de
1990 do Conselho de Segurança das Nações Unidas autorizando o uso da força
para a reposição da soberania do Koweit, uma coligação internacional liderada
pelos EUA lançou, em 16 de janeiro, uma acção militar contra as forças iraquiaN
nas estacionadas no Koweit, tendo a operação terminado a 3 de março com a
expulsão das forças iraquianas e com a assinatura de um cessarNfogo. Este tipo
de acções, mandatadas pela comunidade internacional através de resoluções
das Nações Unidas, não se enquadra no nosso conceito de conflito regional.
Com efeito, a operação é um episódio violento ocorrido numa região bem locaN
lizada e com óbvias consequências na geografia do poder regional, mas não é
um conflito regional pois compagina o cumprimento de um mandato internaN
cional visando a restauração da soberania de um estado à luz da Carta das
Nações Unidas.
O terceiro caso que aqui analisamos é muito recente e permite clarificar o nosN
so conceito de conflito regional em ambiente estratégico contemporâneo. VejaN
mos o caso da Líbia, sacudida pelos ventos da primavera Árabe no início de 2011
e onde rapidamente se evoluiu para uma guerra civil e para uma intervenção
externa da NATO entre março e outubro desse mesmo ano. O desequilíbrio estraN
tégico interno provocado pela intervenção externa da coligação internacional ao
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
180
abrigo da Resolução 1973 de 17 de março de 2011 – que permitia a utilização de
todos os meios necessários à protecção da população civil, excluindo a ocupaN
ção militar – conduziu à eliminação física de Muammar Gaddafi, ao desapareN
cimento da unidade do estado e à fragmentação do poder em múltiplas milícias.
É interessante observar que este padrão contemporâneo parece ter uma repetiN
ção obsessiva: guerra civil – intervenção internacional – cansaço internacional –
retirada internacional – guerra civil.
Os períodos de guerra civil na Líbia são naturalmente abrangidos pelo nosso
conceito de conflito regional mas, mais uma vez, a intervenção de um conjunto
de países contra as forças leais a Khadafi, não é um conflito regional: É uma
intervenção armada, legitimada por uma Resolução do Conselho de Segurança
das Nações Unidas, destinada a proteger populações em risco. Não se trata aqui
de uma questão regional, mas de um dever moral, neste caso legitimado pela
Resolução 1973.
Procurámos, através de um conjunto de casos recolhidos em três tempos
estratégicos distintos, testar a solidez da periferia do nosso conceito. Estamos
agora em condições de avançar para o entendimento das razões particulares de
um conflito regional.
AAAAS S S S RRRRAZÕES INVOCADASAZÕES INVOCADASAZÕES INVOCADASAZÕES INVOCADAS
A enorme frequência com que surgem e a forma como se desenvolvem os
conflitos regionais tem por explicação simples a proximidade física entre interes,
ses divergentes. Por razões que adiante desenvolveremos, a proximidade geoN
gráfica parece favorecer a conflitualidade.
Sendo um catalisador de conflitualidade a proximidade não é, no entanto,
uma causa de conflitualidade. A questão central da conflitualidade reside na
divergência dos interesses prosseguidos. Alinhamos quatro principais divergênN
cias que se podem constituir como razões invocáveis para um conflito: as razões
da história, as razões dos recursos, as razões da segurança e as razões da doutriN
na. Estas divergências não pretendem nem ser mutuamente exclusivas, nem úniN
cas. Pode haver combinações de diferentes graus entre elas, ou com outras razões
muito particulares aqui não descritas. PareceNnos no entanto que, na esmagadora
maioria dos conflitos regionais, encontramos pelo menos um destes motivos na
fundamentação do fenómeno. Ao enumeráNlas e descrevêNlas não as estamos a
legitimar em face do Direito Internacional. Estamos apenas a identificáNlas
CONFLITOS REGIONAIS
181
como razões que a percepção de uma comunidade politicamente organizada
pode assumir como justificáveis em função dos interesses conflituantes.
Comecemos pelas razões da história. Para o processo histórico de construN
ção de uma sociedade politicamente organizada concorreram não apenas fatoN
res endógenos mas também um conjunto muito significativo de interações com
atores políticos externos e até com outras regiões. Muitas destas relações com
esses atores não foram pacíficas, como é normalmente o caso nas trocas
comerciais, mas resultaram de processos de conquista, de subjugação e até de
humilhação em que a eclosão de fenómenos violentos teve a primazia. Ora as
recordações destes fenómenos são quase perenes, também porque a sociedade
política as eleva frequentemente a comemorações festivas ou de pesar, mantendoN
as vivas na memória dos povos: Enquanto as potências vencedoras da II Guerra
Mundial comemoram o dia da vitória, os japoneses recolhemNse em silêncio em
torno da memória das vítimas das bombas de Hiroshima e Nagasaki.
Cerimoniais, mas também a narrativa histórica que nos é ensinada, o patriN
mónio monumental com que nos deparamos no diaNaNdia, a literatura de cariz
histórico e a arte, são alguns dos ingredientes que impedem que o esquecimenN
to colectivo das glórias e tragédias da comunidade seja uma tarefa possível de
realizar. A adição de todos estes contributos alimenta o subconsciente colectivo
de que cada comunidade é particular e é diferente das outras comunidades. Não
apenas cultivamos uma identidade própria como frequentemente estamos disN
poníveis para lutar por ela. A história estabelece portanto um mecanismo
inconscientemente diferenciador de percepção das realidades, que reforça
outros elementos diferenciadores mais específicos, como as fronteiras ou como
a cultura. Porque o processo de construção histórico envolveu, na maior parte
dos casos, algum tipo de conflitualidade entre vizinhos, deixou certamente deseN
jos colectivos de reajuste que podem ser explorados como instrumento de acção
política interna e externa.
No caso da anexação unilateral da Crimeia pela Federação Russa em 2014
misturamNse, entre outros fatores, elementos de uma conturbada história antiga
relativamente à posse daquela península, que a Rússia controlou durante pratiN
camente dois séculos, com uma história recente motivada pela revolução ucraniaN
na próNocidental Euromaidan que se desenvolveu a partir de novembro de 2013 e
de que resultou a fuga para a Rússia do presidente Viktor Yanukovytch em feveN
reiro de 2014. Este padrão é conhecido: É como se um pequeno detonador no
presente, desenterrasse os ressentimentos acumulados no passado, neste caso
desde que, em 1954 e no quadro das repúblicas socialistas soviéticas, Nikita
Khrushchev retirou a Crimeia da administração da Rússia e a entregou à Ucrânia.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
182
No subconjunto das razões históricas, as disputas sobre o traçado da fronN
teira são, provavelmente, as mais comuns. Com efeito é praticamente inglório
procurar no mapa político contemporâneo um estado que não esteja ressentido
com a sua fronteira contemporânea ou não exiba discordância relativamente ao
exercício da soberania sobre espaços geográficos confinantes.
Porque a fronteira é um limite geográfico formal para o exercício da soberaN
nia de um estado, todos os centímetros parecem contar. Portugal e Espanha,
por exemplo, não obstante estarem integrados num projeto europeu comum e
terem aderido em 25 de junho de 1991 ao Espaço Schengen, verificam todos os
anos a posição de uma percentagem significativa de marcos que assinalam o
traçado da fronteira, repondo aqueles que por razões naturais ou da incúria
humana foram desviados da sua implantação oficial. Ora, mesmo entre estes
países seculares e de fronteiras antigas N e recordamos que é no Tratado de
Alcanizes de 1297 que se estabelece o primeiro esboço de traçado de uma fronN
teira comum – persistem há duzentos anos divergências não sanadas relativas
ao território de Olivença. Mas não é apenas na fronteira terrestre que existem
divergências: Também o estatuto de rochedo ou de ilha a atribuir às Selvagens
constitui ponto de discórdia, que histórias de sobrevoos de aeronaves militares
e visitas presidenciais mantêm vivos na memória das duas nações ibéricas.
Mesmo entre nações mais recentes e entre países amigos, aliados e de velha
tradição democrática, como os Estados Unidos da América e o Canadá, persisN
tem divergências agudas sobre a soberania em algumas áreas contíguas –
nomeadamente as ilhas Machias Seal e North Rock – situação permanente e
propositadamente avivada pelos conflitos entre as comunidades piscatórias de
ambos os países.
A importância da fronteira no imaginário colectivo é indesmentível. O traçaN
do das fronteiras provoca uma formatação cultural distinta entre aqueles que
geograficamente e mesmo socialmente eram próximos. Aldeias gémeas em
lados diferentes da fronteira acabam por falar línguas diferentes, sintonizam
estações de televisão e rádio diferentes, pagam impostos diferentes, têm difeN
rentes sistemas de saúde e de apoio social. E quando estas comunidades se não
deixam assimilar por um dos estados vizinhos, constituem instrumento de conN
flitualidade latente de um estado sobre o seu vizinho.
Observemos agora as razões dos recursos. Estas razões estiveram largaN
mente presentes na justificação do processo de construção dos impérios, mas
constituem também causa importante na conflitualidade regional. É interessanN
te verificar que se trata de uma causa cuja importância é variável no tempo em
função do valor que cada recurso específico adquire em cada época histórica.
CONFLITOS REGIONAIS
183
De entre os recursos associados ao poder passámos, por exemplo, da seda para
as especiarias, para o ouro e a prata, para o carvão e o ferro, para os combustíN
veis fósseis e podemos encaminharNnos para a água doce e para as terras raras.
A posse e, quantas vezes a procura do monopólio destes produtos, tem sido um
sinónimo de poder ao longo de todo o percurso da humanidade. A dependência
que países desenvolvidos e países em vias de desenvolvimento continuam a ter,
por exemplo, dos combustíveis fósseis, orienta largamente a política energética
interna, condiciona a balança comercial e orienta políticas de alianças e visões
estratégicas sobre as realidades regionais e sobre o Mundo.
A desigual distribuição dos recursos essenciais no planeta coloca um foco de
pressão muito grande sobre as regiões onde estes bens essenciais existem e
constituem visivelmente um poderoso motor da conflitualidade regional.
Ainda em relação aos recursos, e numa perspectiva de médio prazo, a extenN
são das soberanias sobre as plataformas continentais e o seu reconhecimento
internacional no futuro será matéria de profunda dissensão regional, porque na
verdade não estamos apenas a traçar novas fronteiras. Estamos também a defiN
nir direitos sobre os recursos naturais existentes na plataforma continental,
embora excluindo a coluna de água.
Também as alterações climáticas e um eventual degelo no Árctico elevará o
patamar da conflitualidade naquela região do globo, quer pelas questões do
controlo dos acessos e da circulação, quer pelos importantes recursos que o
desaparecimento do gelo colocará disponíveis para exploração.
Observemos agora as razões da segurança, começando por admitir que as
questões da segurança são provavelmente as mais simples de admitir e as mais
complexas de circunscrever.
A garantia da segurança dos seus cidadãos é uma tarefa inalienável do estaN
do, pelo que é muito fácil invocar a questão da segurança para escalar os níveis
da conflitualidade. O que é complexo é perceber os limites que não devem ser
ultrapassados no relacionamento entre estados sem que a conflitualidade latenN
te possa escalar descontroladamente. Esta dificuldade assenta na incapacidade
de avaliação do sentimento de segurança de um estado e das suas populações e,
sobretudo, na determinação da capacidade de acomodação de uma potencial
ameaça. Existe uma enorme variabilidade nas linhas vermelhas em função da
conjuntura, pelo que uma mesma ação tomada em conjunturas diferentes pode
num caso ser acomodada e em outra conjuntura equivaler a uma ofensa a que
se não pode deixar de responder.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
184
As grandes potências mundiais são particularmente susceptíveis a aconteN
cimentos que perturbem ou ponham em causa a sua liderança nas áreas regioN
nais da respectiva proximidade.
Os Estados Unidos da América, que durante o seu processo de independência
e de expansão territorial inicial estiveram em guerra não declarada com a França
(1798N1800) e declararam guerra à Inglaterra (1812), ao México (1836) e à Espanha
(1898), têm um historial muito desenvolvido de intervenções no Pacífico, nas
Caraíbas e na América Latina, quer para garantir o afastamento da influência
europeia quer para garantir a proteção dos seus interesses e dos seus nacionais.
Se durante o período da Guerra Fria as razões da segurança nacional ameriN
cana eram perfeitamente imperativas e explícitas – impedir a tomada de poder
nos estados limítrofes por forças alinhadas com Moscovo, ou isoláNlas – é inteN
ressante verificar que as razões de segurança continuaram a pesar nas interN
venções regionais dos EUA mesmo depois do final da Guerra Fria. As
intervenções armadas no Panamá do General Manuel Noriega no final dos anos
80 e no Haiti no início dos anos 90 para a retomada do poder pelo presidente
eleito JeanNBertrand Aristide, procuraram estabilizar situações políticas comN
plexas naqueles estados. A intervenção armada norteNamericana no âmbito
regional parece alinhada com a ideia de que uma situação política instável é
favorável ao aparecimento de forças hostis aos interesses dos EUA na sua proN
ximidade geográfica. TrataNse claramente de intervenções em que prevalece
uma razão de segurança.
Uma forte indefinição geográfica sobre os limites naturais da nação russa
atravessa a história de uma sociedade política que se começou a formar por
volta do século IX e que cimentou o seu núcleo geohistórico entre Novgorod e
Kiev. Independente da forma de regime adoptado – principado, grandeNducado,
império, república socialista soviética, federação – o tema das suas fronteiras
constituiu sempre uma questão central. Na verdade poucas comunidades
conheceram tamanha variação das suas fronteiras ao longo da história como a
nação russa parecendo que, por ali, a geografia condiciona e orienta largamenN
te a acção política.
A indefinição dos limites a Ocidente e a Sul tem sido geradora de uma treN
menda instabilidade no relacionamento institucional regional com os seus viziN
nhos de cada época e muito condicionadora da liberdade de cada um desses
vizinhos em escolher orientações estratégicas próprias e alianças. Razões de
segurança têm sido repetidamente invocadas por Moscovo para manifestar aos
EUA e ao Ocidente o seu desagrado pela adesão à NATO, em 1999 e em 2004,
dos antigos países do Pacto de Varsóvia. Particularmente difícil de acomodar
CONFLITOS REGIONAIS
185
em Moscovo foi a adesão dos países bálticos à NATO nesse alargamento de 2004.
Não terá sido a possibilidade de um novo alargamento da NATO à Ucrânia a
verdadeira razão de segurança que despoletou a anexação da Crimeia em Março
de 2014? Para os russos tratouNse de uma reintegração de um território em que
quase 60% da população é russa, enquanto para a comunidade internacional se
tratou de uma grosseira violação da integridade da Ucrânia, acto contrário ao
direito internacional, injustificado e sujeito a procedimento sancionatório.
Parece evidente que, para a Rússia, as razões de segurança não se aplicam
exclusivamente aos interesses próprios do estado, mas se aplicam igualmente a
todas as numerosas comunidades russófonas e russófilas na periferia da FedeN
ração, em territórios onde se fixaram durante o período da União Soviética e
que hoje em dia são estados independentes. Estas comunidades, que foram
protegidas no quadro da URSS e que são agora frequentemente hostilizadas ou
ostracizadas pelos novos estados independentes, são uma fonte inesgotável de
problemas entre a Rússia e os seus vizinhos. Esta é uma questão particular da
Rússia, pois nem os EUA nem a China possuem, a esta escala, um problema
semelhante.
Ainda antes da dissolução oficial da URSS, em 26 de dezembro de 1991, já as
populações russas e ucranianas da Transnístria declaravam a sua independênN
cia em 2 de setembro de 1990, recusando a sua incorporação na Moldávia que
procurava romper com os laços eslavos e aproximarNse da tradição romena. As
tropas exNsoviéticas apoiaram militarmente os revoltosos da Transnístria crianN
do, de facto, um território independente e próximo de Moscovo.
Mais recentemente começa a tornarNse claro um padrão preocupante de
actuação da Rússia nos processos de conflitualidade com os seus vizinhos
regionais e que obedece, de forma genérica, à seguinte sequência: População
maioritariamente russa vivendo numa região de um estado vizinho à Federação
insurgeNse contra a ordem estabelecida – autoridades do estado vizinho fazem
avançar as forças armadas para controlar a rebelião – a população russa queiN
xaNse de tentativa de limpeza étnica – forças russas são deslocadas para a fronN
teira – população russa aparece armada e alguns combatentes operam
armamento russo sofisticado. Este padrão apresenta, na sua sequência, dois
desenvolvimentos possíveis: Ou as tropas da Federação atravessam a fronteira
e desencadeiam uma operação convencional de ocupação armada, ou uma
guerra híbrida, no conceito de Frank Hoffman, mostraNse suficiente para a
estabilização da frente de combate, garantindo tempo para uma solução política
de maior autonomia das populações russas ou para a criação de condições de
secessão e de incorporação nas fronteiras da Federação.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
186
São estas variações que encontramos, no primeiro caso, na operação militar
convencional levada a cabo por tropas da Federação nas repúblicas georgianas
da Abecásia e da Ossétia do Sul, em agosto de 2008, e que terminaram com a
declaração unilateral russa de incorporação destes territórios na Federação e,
no segundo caso, na rebelião próNrussa que desde o início de 2014 ocorre na
região de Donbass, no Leste do país.
Também no caso da China, a preocupação com a criação de um espaço geoN
gráfico de interesse estratégico na sua área regional não é surpreendente.
A China acordou relativamente tarde para o desenvolvimento da consciênN
cia de um perímetro geográfico de segurança. A forte presença colonial euroN
peia até ao início do século XX, as guerras sinoNjaponesas de 1894N95 e de 1937N
45 e, entre outras, as convulsões internas da República da China (1912N1949),
impediram que o gigante asiático dispusesse de condições políticas e militares
para olhar para as suas fronteiras de uma forma menos conjuntural e casuística.
Com a proclamação da República Popular da China por Mao TséNTung, em 1 de
outubro de 1949, a consolidação política do espaço geográfico continental perN
mitiu ao gigante asiático começar a olhar de forma geoestratégica para o seu
enquadramento regional. A incorporação do Tibete em 1950 e a breve guerra
com a Índia em 1962 para reclamar soberania sobre as regiões himalaicas de
Aksai Chin e de Arunachal Pradesh são, e continuam a ser, exemplos de confliN
tualidade de natureza regional que se podem enquadrar neste domínio das
razões de segurança. Razões de segurança, mas também de recuperação de
prestígio histórico, ditaram igualmente a passagem pacífica de soberania para a
China dos territórios de Hong Kong em 1997 e de Macau em 1999. Podemos
dizer que a China atinge o século XXI com as suas fronteiras continentais conN
troladas, não obstante ter de, por um lado, utilizar a Coreia do Norte para manN
ter a Coreia do Sul e a presença norteNamericana na península sempre em
sobressalto e, por outro lado, auxiliar militarmente o Paquistão para manter
uma incómoda pressão sobre a Índia, o outro gigante asiático.
É muito natural que, consolidadas ou equilibradas as suas pretensões de
segurança terrestre, a China olhe agora com maior interesse para o Mar, para a
Formosa certamente como parte do seu imaginário de reunificação, mas sobreN
tudo para o Mar da China Meridional, já que para norte Japão e Coreia do Sul
limitam as suas possibilidades de expansão. O crescimento económico impresN
sionante da China, transformada em complexo industrial da globalização,
acrescentouNlhe uma enorme dependência de bens energéticos e de matériasN
primas e o Mar da China Meridional constituiNse como porta de entrada e de
saída que o gigante asiático não pode deixar de controlar. Nada parece poder
CONFLITOS REGIONAIS
187
conter a ambição chinesa em estabelecerNse como poder efectivo nesta zona,
quer pela afirmação da soberania sobre as Ilhas Paracel – parte delas conquisN
tadas aos nacionalistas chineses em 1950 e as restantes em 1974, ao Vietname –
quer as reivindicações sobre as Ilhas Spratly, onde a China ocupou algumas das
cerca de 30000 ilhas e recifes e onde se encontra a construir estruturas artificiais
com potencial de utilização militar, como no recife de Fiery Cross.
Onde continua a faltar poder naval, sobra à China paciência estratégica e
ambição. O início de construções aeroportuárias e de apoio ao poder naval e
aéreo nesta primeira linha do cordão insular que liga o Japão ao estreito de
Malaca, não nos deve deixar dúvidas sobre a determinação chinesa em alargar
o seu perímetro de segurança no Mar da China Meridional, mesmo que tal
constitua fonte de conflitualidade intensa com os seus vizinhos regionais e fonte
de preocupação acrescida para os Estados Unidos da América.
Esta nossa análise aos problemas de segurança próxima dos EUA, da Rússia
e da China tem a virtude de nos recordar que o conceito de conflito regional
não é exclusivo das pequenas e médias potências, mas um fenómeno universal
que a todos, embora cada um com as suas razões específicas, diz respeito.
Observemos, finalmente, as razões da doutrina. Tal como cada ser humano
se constitui como uma individualidade no seu sistema de crenças, também as
sociedades politicamente organizadas incorporaram, no seu longo processo de
formação, sistemas de valores mais ou menos próprios que esgrimem quando
se trata de anunciar o que as diferencia das outras. Nestas razões de doutrina
podemos incorporar quer as divisões filosóficas e económicas sobre a organiN
zação das sociedades, divisões que alimentaram a Guerra Fria alinhando o
Mundo Comunista e o Mundo Liberal em blocos militares antagónicos, quer as
guerras de natureza étnica como as que entre Hutus e Tutsis provocaram, em
1984, cerca de 800 mil mortos no Ruanda, quer as persistentes guerras da reliN
gião que acompanham a marcha da Humanidade há mais de dois milénios.
A violência que acompanha os conflitos alimentados por razões de doutrina
parece ser superior à que acompanha conflitos alimentados por outras razões,
porque se exaltam e se agitam diferenças entre convicções como se estas fossem
inconciliáveis e só pudessem ser ultrapassadas pela aniquilação dos adversários.
Por detrás destas bandeiras se escondem, por vezes, outros atores interesN
sados em alimentar a desagregação dos poderes instituídos. O Irão não deixa
hoje de apoiar declaradamente a rebeldia das comunidades xiitas no Médio
Oriente, nem a Arábia Saudita deixa de dar o seu claro apoio às comunidades
sunitas. Sob o manto da disputa religiosa se escondem, tantas vezes, disputas
pela hegemonia regional.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
188
FFFFATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORESATORES POTENCIADORES E FATORES ATENUADOR E FATORES ATENUADOR E FATORES ATENUADOR E FATORES ATENUADORESESESES
Uma vez analisadas as principais razões para a conflitualidade regional,
importa agora verificar dois efeitos com influência contraditória: A distância
geográfica e o tempo decorrido.
A proximidade estimula a conflitualidade. A partilha de uma mesma região
por dois ou mais atores políticos proporciona uma permanente e mútua obserN
vação das acções praticadas e uma avaliação continuada da forma como das
acções do outro resultam perturbações do interesse nacional prosseguido por
cada um. As susceptibilidades acrescidas que resultam da proximidade têm
mais facilidade em identificar como hostil a mesma acção conduzida por um
vizinho do que por um estado nos antípodas. Até porque, como anteriormente
vimos, a história liga em malha muito fina os países vizinhos aumentandoNlhes o
grau de susceptibilidade. Se bem que a conflitualidade esteja longe de se resN
tringir ao emprego da força armada, a disponibilidade material e capacidade
militar de uma crise poder evoluir para uma confrontação armada confere
maior relevância aos patamares menos violentos da conflitualidade, como os
protestos diplomáticos ou as sanções económicas. Porque praticamente todas
as sociedades politicamente organizadas dispõem de capacidade de projeção de
força através de uma fronteira terrestre comum, o conflito regional é a forma de
conflito mais comum. Com efeito, são escassos os países que têm capacidade de
projeção de uma força militar por via marítima ou aérea. Esse tipo de projeção
implica normalmente uma capacidade de transporte aéreo e marítimo de natuN
reza estratégica, instrumentos caríssimos e raríssimos. Implica também a capaN
cidade de encontrar bases de apoio próximas do local de aplicação da força
militar, para além de uma liberdade de ação internacional que capacite a manoN
bra política e diplomática necessária à sustentação da ação militar. Resulta de
todos estes condicionalismos que, provavelmente com exceção dos EUA, da
Rússia, da França e da GrãNBretanha, os restantes países do Mundo apenas
podem individualmente conduzirNse no âmbito da conflitualidade regional.
Pode também conceberNse um conflito regional em que o núcleo da força se
encontra a uma distância geográfica considerável. Como seria de esperar, o
aumento da distância de aplicação da força leva a uma deterioração dessa capaN
cidade, quer pelo trânsito logístico que obriga a operar, quer pela necessidade
de utilizar forças para garantir a segurança das linhas de comunicações. É
paradigmático o conflito que entre Argentina e a GrãNBretanha eclodiu, entre 2
CONFLITOS REGIONAIS
189
de abril de 1982 e 14 de junho de 1982, no teatro de operações das FalkN
land/Malvinas – Geórgia do Sul N Ilhas Sandwich do Sul e que causou quase um
milhar de vítimas entre duas nações modernas e ocidentais.
A perceção Argentina era a de que a distância LondresNPort Stanley era
suficientemente grande para evitar ou limitar o emprego do potencial militar
britânico, que era claramente superior ao potencial militar argentino. Dito de
outro modo, o fator distância funcionava como um equilibrador dos potenciais
militares. E assim é, mas no caso deste conflito particular a Argentina pareceu
desvalorizar o facto de que mesmo a menor distância que a separava da área de
operações era, ainda assim, suficiente para tornar o conflito eminentemente
aeronaval e, portanto, favorável ao potencial britânico.
O tempo decorrido desde os factos históricos que originaram a situação de
conflitualidade parece ter um efeito contrário ao da proximidade, isto é, o temN
po ajuda a cicatrizar feridas e a diminuir o potencial de conflitualidade entre
povos. Se nos lembrarmos das histórias cruzadas de violência que entre portuN
gueses e almorávidas – e depois almóadas – se desenvolveram no século XII e
início do século XIII no quadro histórico da reconquista e dos feitos de armas
nacionais no Norte de África iniciados com a conquista de Ceuta em 1415 e
prolongados até ao século XVI, temos de reconhecer que o tempo operou milaN
gres nesta relação tão antiga entre Portugal e o Norte de África. Hoje esforçaN
moNnos por manter os sinais de uma presença passada, cuidamos deles com
orgulho, sentimoNnos enriquecidos pelos legados culturais que nos foram deixaN
dos por outras civilizações que dominaram os nossos antepassados. O tempo
cicatrizou as feridas deixadas pela guerra, lavou o sangue das muralhas dos casteN
los, empalideceu as violências praticadas e deu um novo esplendor aos vestígios
culturais que de um lado e de outro foram deixados em jeito de memória.
AAAA CATEGORIZAÇÃO DOS CATEGORIZAÇÃO DOS CATEGORIZAÇÃO DOS CATEGORIZAÇÃO DOS AAAATORESTORESTORESTORES
Num conflito regional podemos encontrar uma diversidade de atores muito
significativa. Comecemos por referir como primeira categoria de atores, os
Atores Locais, sociedades politicamente organizadas e desavindas quanto aos
seus propósitos regionais e que constituem o elemento de base deste sistema,
pois é entre elas que se constroem as razões da conflitualidade e sobre elas que
se desenvolvem as consequências mais dramáticas de um eventual emprego da
violência. A prossecução de uma estratégia coerente de conflitualidade, isto é o
alinhamento consequente de ações que permite atingir os fins políticos com o
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
190
menor conjunto de recursos empregues e com o menor risco de violência,
implica naturalmente a existência de apoios políticos, diplomáticos, económicos
e eventualmente militares de atores exteriores ao conflito e de cujo desfecho
podem vir a beneficiar. Na longuíssima guerra que envolveu diretamente dois
atores locais, o Iraque e Irão, entre setembro de 1980 e agosto de 1988, foram os
apoios externos aos contendores, nomeadamente em material militar, que perN
mitiram transformar este conflito regional numa das guerras mais longas do
período pósNguerra fria.
A análise deste conflito mostraNnos que a passagem da conflitualidade latenN
te à conflitualidade declarada e ao eventual emprego da violência armada obeN
dece a uma lógica progressiva, ainda que eventualmente concentrada no tempo.
Na ausência de um facto ou uma decisão singular que possa ser percecionada
como a ultrapassagem de uma linha vermelha motivadora de uma resposta
violenta, os conflitos latentes podem escalar rapidamente quando uma das parN
tes perceciona um momento de fraqueza no outro ator. A perceção de que o
potencial estratégico de um adversário atravessa um momento de crise, pode
ser o elemento determinante para fazer evoluir a conflitualidade latente para o
conflito violento contra o adversário. No caso da guerra IraqueNIrão as clivaN
gens antigas entre povos persas e povos árabes, acentuadas pelas clivagens de
uma liderança xiita e de uma liderança sunita proporcionavam, desde logo,
elementos potenciadores de uma conflitualidade latente. A revolução iraniana
de 1979, um ano que começou com a partida para o exílio de Reza Shah Pahlavi
e que terminou com a ascensão ao poder de Ruhollah Khomeini, foi de imediato
compreendida como uma ameaça séria à estabilidade do Iraque governado pela
minoria sunita e também como um momento de natural caos no estado iraniano
em face da alteração muito profunda das suas elites dirigentes, chefias militares
e convulsão social. Tal como na sequência da revolução francesa em que as
monarquias europeias entenderam que quanto mais rápida fosse a sua interN
venção maiores oportunidades de sucesso teria a manobra militar, também
Saddam entendeu que o início da revolução islâmica provocara uma diminuição
da capacidade estratégica do Irão. Esta confusão entre potencial estratégico e
capacidade estratégica conjuntural acabou por ficar amargamente visível para
Saddam quando, pouco tempo após o início do conflito, as forças iraquianas
foram detidas pelos iranianos.
Nos conflitos regionais, a exploração por cada actor local das fraquezas de
coesão interna do seu adversário constitui uma manobra paralela que não tem
sido dispensada. O Irão apoiou diretamente os rebeldes curdos contra Saddam
enquanto o Iraque tentou virar os iranianos árabes contra Khomeini. Este conjunto
CONFLITOS REGIONAIS
191
de manobras indiretas utilizando populações insatisfeitas contra os respectivos
poderes soberanos instituídos, conduziu a violências de estado contra populaN
ções dissidentes, o que contribui para incendiar ainda mais a conflitualidade já
existente. Os curdos e a população de religiosidade shia foram particularmente
vítimas desta violência de estado perpetrada durante a guerra IraqueNIrão.
No caso do conflito IraqueNIrão, os dois atores locais dispunham de apoios e
de potencial estratégico equivalente, que conduziu a uma prolongada guerra,
bastante estática e muito mortífera, mas nem sempre os atores locais são equiN
valentes do ponto de vista do potencial estratégico e do poder que podem gerar
conjunturalmente.
No caso do conflito RússiaNGeórgia, já aqui referido, estamos também
perante atores locais, não obstante a desproporção de forças entre contendoN
res. Era portanto previsível o desfecho da significativa invasão militar de 8 de
agosto de 2008 por terra, mar e ar. A 12 de agosto a maioria das operações
militares russas estava concluída. A desproporção entre forças militares é uma
das razões para a rapidez com que as forças militares russas ocuparam a OsséN
tia do Sul e a Abecásia; a outra é a da contiguidade de fronteiras, fator que
anteriormente estudámos, e que permite que o ponto de aplicação da força
militar esteja muito próximo da base de poder e, por essa razão, não sujeito à
erosão da distância.
Uma consequência tragicamente duradoura da conflitualidade regional,
para além dos efeitos imediatos da destruição física e do sofrimento humano, é
o brutal endividamento dos atores locais, criando fortes dependências de natuN
reza estritamente financeira, que se podem reflectir em orientações de alinhaN
mento estratégico ou ideológico. EstimaNse que só o financiamento feito pelo
Kuwait ao Iraque, por ocasião da guerra IrãoNIraque tenha ascendido a mais de
21 mil milhões de dólares e que a incapacidade iraquiana para pagar esta dívida
possa ter sido uma razão não despicienda para a invasão do Kuwait em 1990.
A segunda categoria de atores no quadro de uma conflitualidade regional,
são as potências geopolíticas regionais. Estas potências só possuem poder geoN
político e geoestratégico no nível regional se se conseguirem constituir como
atores muito activos no quadro da atenuação ou resolução dos conflitos que
ocorram na sua área geopolítica/geoestratégica de influência.
FazemNno porque o reconhecimento internacional do seu estatuto de potênN
cia regional também se mede pela influência que podem ter na organização do
diálogo político dentro espaço geográfico onde se inserem. Quando falham
nesta dimensão da organização do diálogo intrarregional podem estar sujeitas a
riscos não negligenciáveis para o seu estatuto. Um deles é o aparecimento de
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
192
atores externos ao contexto regional que ocupem este lugar de articulador das
dinâmicas da região e o outro é a evolução da conflitualidade regional para o
patamar da violência armada, justificando intervenção de outros atores fora de
área. No caso de uma intervenção militar externa, a presença de forças armadas
estranhas à região pode alterar a relação de potenciais que existia anteriormenN
te e colocar em causa o estatuto das potências geopolíticas regionais.
É interessante notar que estes atores são relativamente raros na comunidade
internacional pois necessitam de um conjunto de capacidades e de especificidaN
des muito próprias: Devem dispor de uma dimensão geográfica importante no
quadro regional em que se inserem, devem deter capacidade militar respeitável,
devem constituirNse como organizador comercial dinamizando as trocas intrarN
regionais, deter autonomia política face aos grandes atores globais e serem
capazes de manter aberto canais de diálogo com os principais atores do seu
quadro regional.
Estados com estas características são identificáveis em algumas regiões do
Mundo, enquanto em outras regiões a dinâmica das relações internacionais não
permitiu a afirmação de atores com este perfil.
Na América do Sul, o Brasil goza de todas as características enunciadas,
procurando activamente manter os atores globais fora das grandes questões do
subcontinente. No contexto da África Austral a República da África do Sul posN
sui também muitas destas capacidades e características. Na Europa o eixo BerN
limNParis tem sido a voz organizadora da arquitectura regional (tendo aliás sido
relevante a posição muito afirmativa da Chanceler Merkel opondoNse à política
de equilibrar o conflito Rússia – Ucrânia inundando de armamento aquela
região). No Médio Oriente é muito difícil identificar uma potência com as caracN
terísticas apontadas. Até 2008, a Turquia dispunha de um conjunto de caracteN
rísticas interessantes para jogar um papel importante como moderador
regional, pela sua localização e dimensão geográfica e estratégica, por ser um
estado muçulmano que mantinha boas relações com Israel, por ser membro da
NATO e se estar a aproximar de uma adesão à União Europeia. A invasão israeN
lita da Faixa de Gaza entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009 deteriorou
seriamente as relações entre a Turquia e Israel. Por outro lado a deriva religiosa
do Governo de Erdogan e as incursões turcas contra os curdos do PKK, acresN
centaram duas dificuldades adicionais ao reconhecimento do estatuto de potênN
cia geopolítica regional a que a Turquia poderia aspirar.
À medida que caminhamos para oriente, mais dificuldade encontramos em
identificar potências geopolíticas regionais. A Índia, pela localização e dimensão
geográfica e estratégica, poderia constituirNse como um desses atores, mas a
CONFLITOS REGIONAIS
193
tensão potencial que mantém com o Paquistão e com a China na delimitação da
fronteira comum, prejudica a sua afirmação como potência geopolítica regional
no Índico.
Finalmente no ExtremoNOriente e na Oceania apenas se visualizam dois
estados, o Japão e a Austrália, com dimensão para liderar uma articulação geoN
política do espaço regional, mas faltamNlhes outras capacidades essenciais.
O Japão continua a pagar naquela zona o preço de ser recordado como
potência agressora da II Guerra Mundial. Acresce a falta de consenso interno
para se dotar de um instrumento militar credível.
Já a Austrália possui uma excentricidade geográfica e um alinhamento com
as posições ocidentais que a prejudica na organização do espaço geopolítico
que a rodeia.
Não existem portanto muitas potências geopolíticas regionais, estados capaN
zes de organizar as dinâmicas de relacionamento intrarregional. A ausência
desta moderação favorece uma transição mais rápida da retórica da conflitualiN
dade para a conflitualidade violenta no domínio regional.
Uma terceira categoria de atores nos conflitos regionais são os atores nãoN
estatais.
Neste grupo muito heterogéneo, podemos encontrar atores de clivagem e
atores oportunísticos Os atores de clivagem têm aspiração a constituir um estaN
do, seja pela tomada de poder do estado que combatem, seja por um processo
de secessão independentista de parte desse estado. Dispõem normalmente de
força militar como prolongamento de uma força moral e necessitam de apoio
popular, quer como base de recrutamento, quer como base de apoio político. Já
os atores oportunísticos tendem a ganhar protagonismo e poder pela ausência
de um estado forte. SentemNse confortáveis com a ausência de um estado de
direito, fazendo valer a força como instrumento de poder. A força é um objectiN
vo em si mesmo e não apenas um meio de ascender ao poder do estado. Vivem
bem sem lei nem enquadramento jurídico. Preferem os correligionários aos
cidadãos. A pirataria no Índico ou as mafias que na Líbia controlam o tráfico
humano de seres humanos para a Europa, são um claro exemplo desta terceira
categoria de atores.
Uma quarta categoria de atores na conflitualidade regional é representada
pelos grandes atores globais, como os EUA, a Rússia ou a China. Naturalmente
que, como estados, também eles se podem comportar como atores locais, como
aliás vimos anteriormente. No entanto, quando os colocamos nesta categoria, o
que aqui pretendemos mostrar é que, como observadores atentos da conflituaN
lidade contemporânea, não lhes é indiferente o resultado dos desequilíbrios de
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
194
poder que podem resultar das conflitualidades regionais. A sua influência munN
dial jogaNse em todos os tabuleiros à escala global, mesmo nos mais pequenos
tabuleiros regionais.
A China, porque lhe falta ainda capacidade de projecção de poder armado,
tem jogado nos tabuleiros económicos e na cooperação militar, mas já entre os
EUA e a Rússia, o final da Guerra Fria não constituiu mais do que uma pequena
pausa no relacionamento competitivo destes dois superNatores nos tabuleiros
regionais. O atual conflito na Síria, que se iniciou como uma guerra civil e que
evoluiu para o envolvimento crescente de atores locais, de atores oportunísticos
e de atores globais é o exemplo de uma conflitualidade regional que o jogo gloN
bal estratégico transformou numa tragédia humanitária de proporções dantesN
cas. Até ao Verão de 2015 estavam estimados cerca de 200 mil mortos e mais de
4 milhões de refugiados. As ondas sísmicas provocadas por esta catástrofe na
fronteira da Europa acabaram por ecoar com estrondo quando a vaga de refuN
giados chegou à Europa e nela provocou divisões e linhas de fractura tão iniN
magináveis que colocam em causa os seus princípios fundadores.
O conflito na Síria é portanto paradigmático das repercussões que pode ter
uma conflitualidade regional não resolvida no seu tempo próprio. As condições
iniciais para que o conflito regional na Síria se desenvolvesse com o fragor que
agora testemunhamos eram muito claras e derivavam de um conjunto muito
significativo de interesses divergentes, quando mesmo não inconciliáveis. A
Europa viu na revolta civil da Síria um prolongamento das revoltas da primaveN
ra árabe, que tanta esperança e idealismo alimentaram entre as elites europeias.
Para a Europa, o regime de Bashar alNAssad personificava mais um velho regiN
me corrupto e absoluto que as populações, armadas com os seus telemóveis
sintonizados nas redes sociais, iriam substituir. Para a Turquia e Israel, a Síria
era um sério adversário com capacidade de projetar poder que importava
refrear. Para os Estados Unidos da América a Síria representava um quisto
sobrevivente da Guerra Fria em pleno Médio Oriente que a conjuntura permitia
extrair. Para a Rússia a Síria representava o seu grande aliado no Médio OrienN
te, um cliente para a indústria de defesa e uma base de apoio geoestratégico
seguro no Mediterrâneo e no Médio Oriente. Para Assad um regime de pendor
pouco religioso era a melhor forma de preservar um difícil equilíbrio num
mosaico étnico e de credos em que a Síria assenta – com Alauitas, Cristãos,
Curdos, Xiitas e uma maioria Sunita afastada do poder.
Quatro anos depois do início das manifestações civis que a 15 de março de
2011 se iniciaram em Damasco e depois se propagaram a duas dezenas de cidaN
des, pedindo reformas do regime, o conflito evoluiu para uma confrontação
CONFLITOS REGIONAIS
195
generalizada em que o número de grupos e facções internas e externas se mulN
tiplicou assustadoramente. Todos os grupos parecem ter encontrado no territóN
rio sírio uma oportunidade de afirmação do seu poder. De um lado temos o
Exército sírio apoiado pelas milícias da Força de Defesa Nacional, pelas milícias
cristãs, pelas milícias alauitas do Shabiha, por combatentes libaneses do HezN
bollah, pela ajuda militar iraniana, pelos conselheiros russos e respectivo equiN
pamento militar sofisticado, enquanto do outro lado encontramos o Exército
Livre da Síria (FSA), a Coligação Nacional da Síria, a frente islamita de orientaN
ção sunita alNNusra, os combatentes curdos e outros grupos rebeldes com afiN
liações conjunturais, para além do apoio aéreo e de armamento fornecido pela
coligação liderada pelos EUA que tem encontrado imensa dificuldade em
encontrar aliados moderados de confiança neste universo de facções combatenN
tes. E temos ainda o autoproclamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante
(ISIL), que conquistou rapidamente espaço às tropas de Assad e que apenas a
partir do Outono de 2015 parece estar a perder algum fôlego em função das
acções aéreas da coligação liderada pelos norteNamericanos e do crescente
envolvimento russo em apoio das forças de Assad.
Encontramos portanto neste conflito quer atores internos sírios com aliN
nhamentos diferentes, que atores provenientes de estados vizinhos que pretenN
dem moldar o desfecho do conflito de acordo com os seus interesses de
segurança ou de influência, quer atores de clivagem como o ISIL para quem a
os vazios de poder favorecem a sua manobra de expansão territorial, quer os
grandes atores internacionais para os quais o desfecho do destino do regime de
Assad é o ponto determinante no tabuleiro de xadrez do Mediterrâneo Oriental
e do Médio Oriente. Neste conflito em que os múltiplos interesses dos atores
internos da Síria, se entrecruzam com os interesses dos estados regionais viziN
nhos, do autoproclamado Estado Islâmico e dos grandes atores globais, passáN
mos, em 5 anos, de uma guerra civil para um conflito regional e fixámoNnos
agora num paradigmático jogo global entre os EUA e a Rússia sobre o regime
do presidente Assad.
Para a Rússia, não é tanto a lealdade a Assad que interessa. O que Moscovo
não pretende abdicar é do seu ponto de apoio naval e aéreo na Síria que lhe
permita maior liberdade de movimentos no Mediterrâneo e no Médio Oriente.
Para Moscovo, uma solução negociada que permitisse substituir Assad por um
governo que continuasse a garantir a presença russa na Síria poderia ser aceiN
tável. Já para os Estados Unidos o Estado Islâmico é um epifenómeno que será
combatido no seu tempo próprio, não devendo o Ocidente deixar escapar a
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
196
oportunidade para substituir Assad e diminuir a presença russa numa área tão
importante estrategicamente.
O cinzentismo europeu perante a tragédia que se vive na Síria é paradigmáN
tico da sua incapacidade em se afirmar no tabuleiro geoestratégico global. Vai
pagar por isso um preço elevadíssimo, a começar pela vaga telúrica de refugiaN
dos, pela proliferação das fronteiras de arame farpado, pelas restrições aos
movimentos de pessoas e pelo reforço dos partidos xenófobos e nacionalistas.
A prazo é todo um projeto europeu que estará a ser colocado em causa.
Finalmente uma quinta categoria de atores na conflitualidade regional é
representada pelos atores institucionais, a começar pelas Nações Unidas, as
organizações regionais de paz e segurança, como a OSCE ou as organizações
regionais de segurança e defesa colectiva, como a NATO.
A OSCE parece andar desaparecida desde o final da Guerra Fria. Já a
NATO, depois de um período em que pareceu constituirNse como um braço
armado efectivo ao serviço das resoluções das Nações Unidas para os conflitos
regionais, parece agora regressar às suas preocupações originais da confrontaN
ção LesteNOeste, com a aprovação em 2014 do NATO Readiness Action Plan, na
Cimeira de Gales, e a realização, em 2015, do Exercício Trident Juncture.
RestaNnos hoje, em relação às organizações internacionais com relevância
para a resolução ou contenção da conflitualidade regional, as Nações Unidas. A
sua criação é uma resposta da comunidade internacional à tragédia das duas
guerras mundiais que dilaceraram a Humanidade. Logo no primeiro parágrafo
do seu preâmbulo assegura a determinação colectiva de salvar as gerações futuN
ras da tragédia da Guerra. Se é verdade que conseguiu evitar, nestes 70 anos de
existência, uma terceira confrontação militar generalizada, muitas dificuldades
tem apresentado na prevenção dos conflitos regionais e na sua resolução.
Depois de uma época gloriosa de actuação dos capacetes azuis e que coinciN
de largamente com o final da Guerra Fria (20 operações de manutenção de paz
entre 1989 e 1994), o número de missões e de efectivos nessas missões tem vindo
a decair progressivamente. Na atualidade apenas 16 missões estão no terreno.
Os conflitos regionais têm vindo a diminuir? Não. As Nações Unidas é que
têm encontrado menos espaço para actuar na conflitualidade contemporânea,
quer porque os atores estatais e as coligações de interesse se têm sentido com
maior liberdade de acção para a utilização do instrumento militar, quer porque
as Nações Unidas foram desenhadas para uma realidade internacional baseada
nas entidades estatais e muitos dos conflitos regionais contemporâneos posN
suem atores que não dispõem de lugar na Assembleia Geral em Nova Iorque.
CONFLITOS REGIONAIS
197
Será muito interessante verificar se se confirma o que parece ser uma tenN
dência atual da agenda das Nações Unidas, mais orientada para as questões do
desenvolvimento económico e social dos povos e da dignidade humana do que
para as questões da segurança e da paz internacional.
CCCCONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES
Em todos os tempos e em todos os lugares as comunidades politicamente
organizadas foram sempre capazes de encontrar motivos para que um desenN
tendimento de interesses degenere em situação conflitual, acompanhada de
maiores ou menores manifestações de violência.
Porque a proximidade amplifica as susceptibilidades e favorece a projeção
do poder, os conflitos regionais continuam a ser o fenómeno mais comum no
domínio das situações conflituais.
Podem enumerarNse diversas razões. Algumas parecem comuns a todos os
potenciais atores, como as razões da história ou as razões dos recursos,
enquanto outras, como as razões da segurança, parecem mais talhadas para os
grandes atores globais. Já as razões da doutrina, exacerbando diferenças e
promovendo o ódio ao outro, são provavelmente aquelas que geram as violênN
cias mais excessivas.
A conflitualidade regional não é um exclusivo dos atores locais e regionais.
Os grandes atores globais são, também eles, atores locais na sua periferia próN
xima, condicionando pela manobra políticoNdiplomática e, se necessário pela
intervenção armada, as opções de política externa ou de orientação interna dos
seus vizinhos.
Não existe e, na verdade se diga também nunca existiu, uma solução mágica
para a resolução dos conflitos regionais. Sabemos que quando não controlados
no seu tempo próprio podem assumir dimensões dantescas, como no caso da
Síria, um conflito que nasceu numa guerra civil, se internacionalizou pela interN
venção dos atores regionais, se densificou em complexidade pelo aparecimento
de atores oportunísticos e de clivagem e se transformou em tabuleiro determiN
nante no jogo de forças que EUA e Rússia atualmente travam no Mediterrâneo
Oriental e no Médio Oriente.
Em face da atual debilidade do sistema internacional, e com particulares
responsabilidades das Nações Unidas, em controlar os conflitos regionais
emergentes, podemos afirmar que a Paz Perpétua continua adormecida no
domínio dos mitos.
199
9999.... CCCCIBERAMEAÇAS E QUADROIBERAMEAÇAS E QUADROIBERAMEAÇAS E QUADROIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS LEGAL DOS CONFLITOS LEGAL DOS CONFLITOS LEGAL DOS CONFLITOS
NO CNO CNO CNO CIIIIBERESPAÇO BERESPAÇO BERESPAÇO BERESPAÇO
PAULO FERNANDO VIEGAS NUNES
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
O ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico, registado ao longo das
últimas três décadas, contribuiu decisivamente para massificar a utilização da
Internet à escala mundial. O ciberespaço, só acessível através da internet, tornou,
se um verdadeiro mediador das relações sociais e um motor do desenvolvimento
económico dos países mais desenvolvidos. Se por um lado, este novo espaço
virtual veio promover e simplificar a relação entre cidadãos, administração públi,
ca e empresas, por outro, passou também a assumir um papel central na presta,
ção de serviços essenciais e críticos para o funcionamento das sociedades da Era
da Informação.
Assumindo,se como um global common, o ciberespaço não tem fronteiras
físicas e espaços de soberania perfeitamente definidos, tornando difícil diferen,
ciar o que é público ou privado, civil ou militar, nacional ou internacional. Apro,
veitando as dificuldades de regulamentação daí decorrentes, surgem novas
ameaças emergentes que exploram formas de atuação inovadoras e pouco tradi,
cionais, de características virtuais e cada vez mais ligadas ao ciberespaço. Tanto o
número de ciberataques como a sua capacidade disruptiva, têm vindo a registar
um crescimento acentuado ao longo dos últimos anos. Num Mundo em rede e
hiperconectado, este novo espaço global tem,se vindo a converter num vetor
privilegiado para a realização de ataques contra indivíduos, empresas, redes
públicas ou privadas, infraestruturas críticas ou mesmo contra os próprios pro,
cessos e sistemas de governação eletrónica do Estado. Surgem desta forma
novos riscos sociais que têm de ser convenientemente analisados e geridos tanto
no plano nacional como internacional.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
200
O aumento da ciber,conflitualidade em geral e a crescente militarização do
ciberespaço em particular, potenciam o uso da força e a ocorrência de conflitos
armados no ciberespaço. Esta situação, requer um esforço concertado da comu,
nidade internacional, capaz de fazer convergir e promover o ajustamento das
várias legislações nacionais, de forma a facilitar o combate ao cibercrime e redu,
zir o nível da ciberconflitualidade mais violenta. A tomada de consciência coletiva
relativamente às vulnerabilidades existentes, ao aumento das ciberameaças e aos
riscos daí decorrentes, tem assim conduzido ao desenvolvimento de políticas e
estratégias cooperativas de combate a todas as formas de ataque cibernético e ao
aprofundamento de uma cultura de cibersegurança e ciberdefesa.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,Chave:Chave:Chave:Chave: Internet; Ciberespaço; Ciberameaças; Cibersegurança; Ciberde,
fesa; Uso da Força; Direito dos Conflitos Armados no Ciberes,
paço.
IIIINTERNETNTERNETNTERNETNTERNET:::: EEEEVOLUÇÃO E VOLUÇÃO E VOLUÇÃO E VOLUÇÃO E PPPPERSPETIVAS ERSPETIVAS ERSPETIVAS ERSPETIVAS FFFFUTURASUTURASUTURASUTURAS
Quando a Internet foi criada nos anos 1960, o desafio então colocado pelo
Departamento de Defesa à Advanced Research Projects Agency (ARPA)1 dos
EUA, era o de criar uma rede suficientemente fiável e flexível para garantir a
sua disponibilidade em condições de operação extremamente difíceis. Para
aumentar a sua resiliência e capacidade de sobrevivência foi então decidido
adotar uma gestão completamente distribuída da rede, sem que fosse possível a
um único terminal controlar os acessos e as interações dos seus utilizadores.
Tendo como preocupação fundamental a garantia da disponibilidade e fiabiliN
dade da rede, os aspetos ligados à segurança da informação não mereceram
grande preocupação, uma vez que inicialmente o número de utilizadores era
relativamente reduzido e se encontrava maioritariamente ligado à comunidade
académica.
Na década de 90 do século passado, a utilização da Internet generalizouNse e
assumiuNse como motor do desenvolvimento tecnológico, construindo novos
processos de interação à escala planetária. Quando nos ligamos à internet, pasN
samos a estar ligados a uma rede de cobertura mundial (World Wide Web ,
WWW). Neste contexto, o espaço físico perde significado e a comunicação passa
1 A ARPA viria mais tarde a dar origem à Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA).
CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO
201
a ser apenas dirigida pelo tempo de interação, num espaço virtual a que atriN
buímos a designação de ciberespaço.
A procura crescente de serviços de informação e de comunicações de maior
largura de banda levaram, ao longo dos últimos anos, à construção de infraesN
truturas capazes de suportar um débito cada vez mais elevado de transmissão
de dados, fazendo surgir as designadas “autoestradas da informação”. Estas,
pela sua importância estrutural, constituem hoje um fator de desenvolvimento e
progresso, caracterizador da Sociedade de Informação e do Conhecimento em
que vivemos.
Com a massificação da utilização da internet, o acesso à informação e aos
recursos computacionais da rede universalizouNse, passando estes a estar disN
poníveis on,line e de forma permanente, independentemente do local e da hora
do dia. No entanto, apesar de o acesso à internet se ter democratizado, levando
inclusivamente Thomas Friedman (2006) a afirmar que “o Mundo é plano”, a
forma e o contexto de apropriação é substantivamente diferente de local para
local e de utilizador para utilizador, gerando assim assimetrias entre os diversos
atores que utilizam o ciberespaço.
Os Estados, cada vez mais apostados em garantir um desenvolvimento
social sustentável, capaz de melhorar a estrutura de enquadramento e a sua
competitividade económica global, decidiram também aproveitar os benefícios
da “nova economia”, apostando na virtualização dos processos administrativos
e na governação eletrónica. A internet beneficiou naturalmente desta aposta
políticoNestratégica, assumindoNse como um dos principais vetores de suporte à
designada “economia digital” e à própria governação dos Estados.
As várias etapas da evolução e do crescimento sustentado da internet, foram
marcadas pela absorção progressiva de outros serviços de telecomunicações
como sejam a telefonia, a transmissão de vídeo e, mais recentemente, a televiN
são. No desenvolvimento de novos equipamentos e serviços, passou a existir a
necessidade de garantir a compatibilidade e interoperabilidade com a internet,
sob pena de se verificar uma possível rejeição pelo mercado. A internet passou
a constituir uma verdadeira plataforma integradora de serviços e equipamenN
tos, criando o conceito das “coisas da internet”.
A capacidade para referenciar de forma única qualquer objeto e de o ligar
em rede, nomeadamente, através da utilização de sensores, acabando por abrir
também espaço para a sua integração e gestão através da internet, permitindo a
descoberta da “internet das coisas”. Assistimos assim a uma verdadeira revoluN
ção de produtos e processos, assente na atribuição de identidades eletrónicas a
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
202
objetos de uso diário, que poderão ser equipados com sensores, interagindo
com o ambiente físico que os rodeia.
Ao longo dos próximos anos os dispositivos móveis e as suas aplicações
continuarão a aumentar e a influenciar cada vez mais as nossas vidas. Através
da internet e do ciberespaço, onde tudo e todos se encontram em rede, teremos
uma “pegada digital” cada vez maior e ficaremos inevitavelmente mais interliN
gados e interdependentes. O futuro será profundamente influenciado pelas
“coisas da internet” mas também, cada vez mais, pela “internet das coisas”.
IIIIMPACTO DAS MPACTO DAS MPACTO DAS MPACTO DAS CCCCIBERAMEAÇAS E IBERAMEAÇAS E IBERAMEAÇAS E IBERAMEAÇAS E GGGGESTÃO DO ESTÃO DO ESTÃO DO ESTÃO DO RRRRISCOISCOISCOISCO
Face ao elevado número de interações e mesmo de sobreposições que as
infraestruturas de informação apresentam, o ciberespaço impõe uma forte
interdependência entre a construção de uma rede global como a Internet e as
diversas Infraestruturas de Informação Nacionais, onde as fronteiras geográfiN
cas têm cada vez menos relevância.
As dinâmicas associadas à rede, devido às grandes assimetrias de conheciN
mento dos seus utilizadores, podem facilmente gerar “cisnes negros”, conforme
refere Nicholas Taleb (2009). Este autor, utiliza esta metáfora para caracterizar a
ocorrência de eventos raros, de difícil previsão, que invariavelmente causam
grande impacto, como por exemplo o ataque terrorista de 11 de Setembro de
2001 ou a designada “Primavera Árabe”, onde redes sociais como o Facebook
tiveram um papel determinante na evolução dos processos revolucionários
ocorridos no Médio Oriente. Atendendo a que não estamos normalmente preN
parados para lidar com este tipo de eventos e devido ao facto de a realidade
apresentar uma complexidade e incerteza crescentes, estes acontecimentos
serão, segundo este autor, “cada vez mais frequentes (e influentes) no futuro”.
Apesar do inegável valor associado ao funcionamento em rede, diferentes
atores têm vindo a explorar as assimetrias de conhecimento existentes de forma
maliciosa para atacar a disponibilidade do ciberespaço e a integridade, autentiN
cidade e confidencialidade dos dados que circulam nos sistemas integrados em
rede. Dependendo da natureza e do grau de disrupção estimado, estes ataques
podem atingir e colocar em risco as infraestruturas críticas, consideradas vitais
para a sobrevivência do Estado.
Neste contexto, a análise do espectro da ameaça assume especial importância
uma vez que só a partir da identificação das potenciais fontes de ameaças, será
possível perceber como estas podem afetar cada infraestrutura de informação,
CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO
203
quer individualmente quer de forma agregada. Tendo por base as motivações
de cada ator, a avaliação das capacidades e a probabilidade de ocorrência de
um ciberataque materializa inevitavelmente, em maior ou menor grau, um risco
social.
Entre as potenciais fontes de ciberameaças, é possível identificar funcionáN
rios insatisfeitos, amadores, hackers, crackers, cibercriminosos, espiões que
procuram segredos industriais, hactivistas, terroristas e até Estados. Por sua
vez, estas ciberameaças (Denning, 1999; Nunes, 2010), podem assumir a forma
de intervenção social (Ciberactivismo, Ciberhacktivismo), a forma de ações
criminosas (hacking, cracking, Cibercrime, Ciberespionagem ou CiberterrorisN
mo) ou mesmo a forma de atos de guerra (“Ciberguerra).
As motivações dos atacantes, independentemente da origem da ameaça, são
bastante variáveis e estão inevitavelmente associadas às suas capacidades e aos
objetivos a atingir. De acordo com este enquadramento, alguns autores (BenaN
vente, 2012) referem que os ciberataques podem ser orientados para a obtenção
de: fama ou vingança (hackers e funcionários insatisfeitos), benefícios económiN
cos (cibercriminosos, espiões industriais e funcionários insatisfeitos), vantagens
táticas ou competitivas (Nações e espiões industriais), dividendos e motivações
políticas (terroristas, hacktivistas e Estados), destruição ou dano (terroristas ou
Estados).
Um primeiro critério para determinar o nível de impacto dos ciberataques
pode passar por analisar o seu nível de organização, permitindo agrupar este
tipo de ataques da seguinte forma (Benavente, 2012; IDNNCESEDEN, 2013):
• Ataques Simples: apresentam um impacto médioNbaixo. Este tipo de ataN
ques é executado sem coordenação ou com um nível de organização muiN
to reduzido, sendo conduzidos por uma ou várias pessoas mas sem nunca
formar uma organização com identidade própria.
• Ataques Organizados: o seu impacto é normalmente médio mas, depenN
dendo do tipo de objetivos que pretendem atingir, poderá tornarNse mais
elevado. Estes ataques são em regra executados e coordenados por um
grupo organizado, composto por um número significativo de pessoas.
• Ameaças Persistentes Avançadas (APT2): estas ameaças têm uma probaN
bilidade de ocorrência alta e o seu impacto pode ser bastante forte. A
materialização deste tipo de ameaças exige normalmente a existência de
pessoas dotadas de um nível de conhecimento tecnológico muito sofistiN
cado; permanecem ao longo do tempo e o seu desenvolvimento é realizado
2 APTNAdvanced Persistent Threats.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
204
à medida. O facto da sua concepção ser costumizada e ter por foco um
alvo específico, confere a estes ataques uma precisão muito elevada.
• Ataques Coordenados de Grande Escala: o seu impacto pode ser elevado
ou muito elevado. Estes ataques apresentam um nível de coordenação
elevado sendo executados e dirigidas por uma organização ou uma
nação; envolvem um elevado número de atores, que podem pertencer ou
não à organização/nação.
• Ciberataques coordenados com ataques físicos: apresentam um impacto
extremamente elevado. O nível de coordenação necessário à execução
deste tipo de ataques é muito elevado; a combinação e a sincronização de
ataques cibernéticos com ataques em diferentes dimensões físicas (terra,
mar, ar e espaço) exige um planeamento e execução muito precisos.
Dentro deste contexto, não é possível comparar um ataque simples do tipo
“negação de serviço”, como o que afeta muitos sites públicos, com um ataque
coordenado de grande escala que, afetando as infraestruturas críticas de um
Estado, provoque mortes e produza o caos social. Os ciberataques lançados
contra a Estónia (2007), Geórgia (2008), Irão (2010) e Ucrânia (2014), constituinN
do ataques já bastante sofisticados e de larga escala, vieram provar a necessiN
dade de proteger e garantir o fluxo de informação vital entre as estruturas
governamentais consideradas críticas para a sobrevivência do Estado.
Face ao impacto disruptivo e cada vez mais destrutivo das ciberameaças, a
análise e a gestão do risco social associado ao ciberespaço, influencia cada vez
mais a Segurança e Defesa dos Estados. Independentemente de acreditarmos
ou não na iminência de um ciberataque de larga escala, não podemos ignorar o
crescente efeito disruptivo das ciberameaças na nossa sociedade, configurando
por vezes uma situação de uso da força e até um potencial ato de guerra.
AAAA MMMMODERNA ODERNA ODERNA ODERNA CCCCONFLITUALIDADE E A ONFLITUALIDADE E A ONFLITUALIDADE E A ONFLITUALIDADE E A MMMMILITARIZAÇÃO DO ILITARIZAÇÃO DO ILITARIZAÇÃO DO ILITARIZAÇÃO DO CCCCIBERESPAÇOIBERESPAÇOIBERESPAÇOIBERESPAÇO
A violência e a guerra são fenómenos tão antigos como o próprio homem,
levando alguns teorizadores das relações internacionais a considerar a sua ineN
vitabilidade. A escola realista, tendo por base a defesa dos interesses e a afirmaN
ção dos Estados na cena internacional, opõeNse a uma perspetiva idealista, que
procura uma visão de equilíbrio e prosperidade, como forma de evitar o risco
de ocorrência da guerra. Os realistas (Maquievel, Thomas Hobbes, Edward
Carr, Hans Morgenthau), assumem assim o caracter natural da guerra e consiN
deram que, devido às diferentes dinâmicas associadas à defesa dos interesses
CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO
205
dos Estados, não será possível garantir a paz perpétua e a cooperação permaN
nente entre os diversos atores do sistema político internacional.
O recurso à violência e o emprego da força encontramNse desta forma
intrinsecamente ligados à natureza humana e às dinâmicas de afirmação e
poder dos Estados, ocorrendo nos mais diversos domínios em que decorre a
sua interação. O ciberespaço, enquanto espaço virtual de natureza global, coloN
ca em interação permanente todos os que a ele se encontram ligados tanto ao
nível individual como coletivo, gerando relações conflituais e potencialmente
perigosas para a desejável estabilidade e equilíbrio da paz mundial. Neste conN
texto, a utilização do ciberespaço como vetor privilegiado de condução de ataN
ques cibernéticos, tem vindo a assumir uma importância estratégica crescente
para as sociedades ocidentais.
Hoje vivemos um novo paradigma da moderna conflitualidade, que afeta
não só a área militar mas também toda a sociedade. Ainda que, na prática, não
seja possível até ao momento identificar com clareza casos concretos da conduN
ção de conflitos apenas no domínio da informação, existem já fortes indicadores
e visões estratégicas de alguns Países que apontam para esta possibilidade.
Neste novo tipo de guerra, o objetivo declarado é o de provocar a capitulação
de um adversário, ou limitar a sua ação, atingindo elementos sensíveis das suas
infraestruturas de informação.
A moderna conflitualidade encontra no Ciberespaço um importante vetor de
ataque, afetando todos os que o utilizam, tanto numa vertente privada como
pública, para lazer ou para trabalho e em diversas esferas da sua interação
(social, diplomática/política, económica e militar). Os ciberataques podem ter
origem em qualquer parte do Mundo, sendo conduzidos a partir de um ou
vários locais simultaneamente, sem que muitas vezes seja possível detetar a
verdadeira identidade do atacante. Para desenvolver este tipo de ações, é apeN
nas preciso dispor da tecnologia e dos conhecimentos necessários para garantir
o seu sucesso.
Um ataque lançado através do ciberespaço pode ter efeitos virtuais mas
pode também vir a afetar sistemas reais/físicos. Se um ciberataque atingir
exclusivamente recursos e sistemas de informação, podemos dizer que estamos
perante um ataque não cinético. No entanto, na maior parte dos casos, os cibeN
rataques afetam também o funcionamento dos sistemas e infraestruturas físicas
que destes dependem. Neste caso, apesar de o ciberataque ter sido lançado de
forma virtual (não cinética), este pode ser considerado um ataque cinético uma
vez que origina, em maior ou menor grau, a disrupção e destruição de sistemas
físicos.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
206
De acordo com um estudo internacional sobre ciberterrorismo, recentemenN
te publicado por um grupo de investigadores (Macdonald, Jarvis, Chen & Lavis,
2013), é possível constatar que a exploração do ciberespaço pelo terrorismo
transnacional poderá ocorrer em diversos cenários3 de utilização de meios cinéN
ticos e não cinéticos. Os valores numéricos apresentados na Tabela 1, constiN
tuem a percentagem de respostas associadas a cada um destes cenários
específicos. De acordo com as respostas obtidas, verificaNse que existe uma
probabilidade muito superior de exploração de vetores de ataque não cinéticos
(digitais) tanto na fase de preparação, como ao nível dos meios utilizados e dos
alvos a atingir.
Em linha com esta visão, a Internet tem vindo a constituir um autêntico
campo de batalha digital, sendo palco de constantes ações de retaliação entre
hackers associados a diversos países e atores estratégicos como: EUA, China,
Rússia, Brasil, India, Paquistão, Israel, Irão, Síria, Palestina, ou mesmo a Coreia
do Norte. Ainda que estas atividades não configurem na maior parte dos casos
um envolvimento direto dos mesmos, são vários os casos, já detetados, de redes
de hackers associadas a atores Estado.
Alguns autores como Thomas Rid (2011) perspetivam a ciberconflitualidade
como algo permanente, encarrandoNa não como atos de guerra mas antes como
atos de sabotagem, espionagem ou subversão afirmando que a “ciberguerra
não terá lugar”. No geral, apesar de tendermos a concordar com muitas das
ideiasNforça e argumentos do autor, que nos parecem lógicos e bem articulados,
teremos que atribuir à ciberguerra, no mínimo, a mesma probabilidade de
ocorrência que a qualquer outro conflito cinético.
3 Foram apresentados a 105 especialistas internacionais na área da cibersegurança oito cenários (ANH) distintos, cada qual caracterizado por uma combinação diferente do tipo de preparação (digital ou física), meios e alvo a atingir. A questão “De acordo com a sua perspeNtiva, qual dos seguintes cenários constitui um ato de ciberterrorismo?” foi depois colocada ao grupo de especialistas, sendoNlhes solicitado que selecionassem uma das seguintes três hipóteses: sim; potencialmente; não. Das respostas obtidas 92 especialistas responderam completamente à questão (taxa de resposta de 80%) e 13 apenas parcialmente.
CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO
207
Figura 9.1. Cenários associados ao CiberterrorismoFigura 9.1. Cenários associados ao CiberterrorismoFigura 9.1. Cenários associados ao CiberterrorismoFigura 9.1. Cenários associados ao Ciberterrorismo
Fonte: Macdonald, Jarvis, Chen, & Lavis (2013, p.9).
A recente ocorrência de ciberataques complexos e sofisticados contra EstaN
dos Soberanos4, fez com que muitas das grandes potências mundiais tenham
vindo a desenvolver capacidades de recolha e análise de informações à escala
global (ex: EUA, China e Rússia), nomeadamente, com a justificação de estas
capacidades se terem tornado imprescindíveis para a garantia da sua SeguranN
ça e Defesa Nacional. O Programa PRISM5, tornado recentemente público por
Edward Snowden, um exNfuncionário da National Security Agency (NSA), consN
titui um bom exemplo deste tipo de sistemas.
De forma a contrariar uma estratégia de afirmação crescente de poder,
seguida por parte de alguns Estados, importa assinalar o surgimento, cada vez
mais frequente, de ações de “contraNestratégia”. Este tipo de ações, desenvolvidas
essencialmente segundo uma ótica de confrontação entre Estados, tem vindo a
ser cada vez mais conduzido por atores nãoNEstado. O caso “WikiLeaks”6, onde
4 Os ciberataques conduzidos contra a Estónia (Abril/Maio de 2007), Geórgia (Agosto de 2008) e mais recentemente contra a Ucrânia (2014), constituem bons exemplos do que aqui se refere. 5 PRISM, é o nome de código atribuído a um programa secreto de data mining e vigilância eletrónica massiva lançado em 2007 pela National Security Agency (NSA), onde participa também a Agência Britânica GCHQ. 6 WikiLeaks é a designação atribuída a uma organização internacional que, segundo a Wikipedia (2014), se intitula,” online, nãoNlucrativa e jornalística, publicando informação
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
208
foram revelados diversos documentos secretos dos EUA e alguns dos ataques
conduzidos pelo Grupo hacktivista “Anonymous”, que acabaram por assumir
um papel mediático de especial preponderância, podem ser enquadrados neste
âmbito.
Este tipo de incidentes, perpetrados por atores Estado e nãoNEstado, levaN
ram os EUA, apesar de detentores de uma superioridade militar convencional à
escala global, a desenvolver ao longo dos últimos anos os mecanismos necessáN
rios para evitar o que muitos autores designam por “Pearl Harbour digital”.
Com a recente criação do U.S. Cyber Command, os EUA passaram a encarar e a
assumir o ciberespaço como um novo domínio operacional onde podem vir a
ser conduzidas operações militares7.
Os ciberataques têm como vantagem estratégica o facto de apresentarem
um impacto menor na opinião pública que as tradicionais formas cinéticas de
conflito ou guerra. A menos que um ciberataque permita provocar, de per si,
um forte efeito psicológico ou físico, caracterizado pela existência de baixas e
um significativo grau de destruição física, consideraNse provável que este tipo de
ataques venha vir a ser cada vez mais explorado em termos operacionais como
um “ataque secundário”. Um ciberataque, poderá assim ser lançado para criar as
condições ideais ou para maximizar os efeitos de um ataque militar convencional,
como aconteceu em 2008 no caso da Geórgia e em 2014 na Ucrânia.
A crescente militarização da Internet vem assim suscitar uma preocupação
redobrada pois não é possível ignorar que os ciberataques lançados ou patrociN
nados por Estados são aqueles que apresentam um maior poder disruptivo. No
ambiente estratégico atual, nenhuma guerra poderá ser ganha exclusivamente
com a utilização militar do ciberespaço (ciberguerra pura). No entanto, também
é certo que nenhuma campanha militar conduzida noutro qualquer domínio
operacional poderá ser ganha sem o ciberespaço.
secreta, notícias e fugas de informação provenientes de fontes anónimas”. A Organização ativista Sunshine Press fundou em 2006, na Islândia, o website da organização. 7 Tendo em Junho de 2009 sido anunciada pelo Secretário da Defesa a criação do U.S. Cyber Command, este novo Comando Militar declarou ter adquirido a sua plena capaciNdade operacional em 03 de Novembro de 2010. As operações no ciberespaço podem atinNgir objetivos apenas no ciberespaço ou em qualquer dos outros domínios operacionais (mar, terra, ar ou espaço). É hoje assumido que o ciberespaço é indispensável às Forças Armadas, que dele necessitam para suportar o seu emprego operacional, não só ao nível das redes e sistemas de informação que asseguram o Comando e Controlo (C2) mas tamNbém ao nível do funcionamento dos próprios sistemas de armas.
CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO
209
CCCCIBERATAQUESIBERATAQUESIBERATAQUESIBERATAQUES:::: VVVVETORES DA ETORES DA ETORES DA ETORES DA CCCCIBERIBERIBERIBERNNNNVVVVIOLÊNCIA E DO IOLÊNCIA E DO IOLÊNCIA E DO IOLÊNCIA E DO UUUUSO DA SO DA SO DA SO DA FFFFORÇAORÇAORÇAORÇA
Constituindo um ataque cibernético uma ação de contornos agressivos,
cujas consequências se fazem sentir tanto no Mundo virtual como real, um cibeN
rataque pode consubstanciar um uso efetivo da força e constituir, por essa
razão, um ato de violência.
Neste contexto, importa referir que existem essencialmente dois documentos
legais de referência que, na prática, têm vindo a regular os conflitos entre EstaN
dos desde o final da 2ª Grande Guerra Mundial (2ª GGM): A Carta das Nações
Unidas (ONU, 1945) e a Convenção de Genebra (CG,1949). A Carta das Nações
Unidas, constitui o documento que regulamenta e legitima o recurso ao uso da
força por parte dos Estados (o jus ad bellum) ao passo que a Convenção de
Genebra, constituindo por excelência a principal fonte de Direito Humanitário
Internacional, regula a condução dos conflitos armados e é perspetivada, na
prática, como a Lei da Guerra (o jus in bello).
Neste contexto, uma operação conduzida no ciberespaço que origine feriN
mentos, cause a morte de pessoas, ocasione danos ou destrua recursos pode ser
considerada, sem qualquer ambiguidade um uso da força. No entanto, existem
casos em que esta situação não se torna tão clara. O Manual de Tallinn (CCD
COE, 2013) considera que o mero acolhimento oferecido por um Estado a um
grupo que conduza operações no ciberespaço não pode ser considerado uso da
força mas que, caso esse acolhimento seja acompanhado por um apoio claro e
substancial, essa situação configura já um uso efetivo da força.
Uma vez que não se torna fácil definir critérios de elegibilidade para a caracN
terização de uma situação de uso da força, o Manual de Tallinn (CCD COE,
2013) aponta oito critérios para ser possível identificar, de forma clara, uma
situação deste tipo: severidade, imediatez, direcionamento, capacidade invasiva,
mensurabilidade dos efeitos produzidos, carater militar, envolvimento de EstaN
dos e presumível legalidade.
Apesar da sua inegável capacidade disruptiva, o ciberataque à Estónia não
pode, à luz destes critérios, ser considerado um uso efetivo da força devido
tanto às suas consequências (não letais) como à identificação do seu originador8
(foram apenas identificados atores não Estado). Face à informação disponível, a
conclusão que é possível tirar é a de que se tratou de um problema de segurança
8 A autoria deste ataque não foi oficialmente assumida mas tem vindo a ser atribuída à Rússia, supostamente em retaliação pela retirada da estátua de um soldado russo de um dos Jardins de Tallinn em 2007.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
210
nacional de grande escala, originado por uma ação concertada de grupos criN
minosos internacionais que violaram a lei e desenvolveram ações hostis aos
interesses do Estado. Por outro lado, relativamente à utilização do código maliN
cioso Stuxnet, que em 2010 afetou as instalações nucleares iranianas, o Manual
de Tallinn (CCD COE, 2013) considera que se trata de um uso efetivo da força,
se for provado que na sua origem esteve um Estado. Assim, a ação conduzida
por esse Estado9 (não identificado oficialmente) seria considerada ilegal devido
à ausência de autorização do Conselho de Segurança da ONU, a menos que este
acto hostil fosse considerado como realizado em autoNdefesa.
Subjacente à dificuldade de enquadramento destes dois casos, encontraNse o
princípio da atribuição. De facto, devido às técnicas de dissimulação utilizadas e
à dificuldade de definir a verdadeira identidade do atacante, a autoria da ação
tornaNse muito difícil de clarificar. Neste caso, só seria possível imputar inequiN
vocamente a um actor Estado um ciberataque se fosse possível atribuir as ações
conduzidas a: órgãos desse Estado, pessoas/entidades responsáveis pelo exercíN
cio da autoridade governamental, pessoas ou grupos que actuem de acordo
com instruções ou sob a direção de um Estado.
Mais recentemente, em Agosto de 2012, um vírus designado por Shamoon
infetou cerca de 30.000 computadores da empresa Saudi Aramco, equipados
com o sistema operativo Windows10. Este código malicioso alterou o disco rígiN
do dos computadores, tornando impossível a sua recuperação, originando a
perda de grande parte da informação referente aos sistemas de perfuração e
produção de petróleo da empresa. A recuperação dos sistemas demorou mais
de duas semanas, originando perdas económicas extremamente elevadas à
Arábia Saudita. Mais uma vez, apesar dos efeitos negativos produzidos por este
ciberataque, não foi possível atribuir esta ação a um actor Estado e, consequenN
temente, configurar o ato praticado à luz da moldura legal definida internacioN
nalmente para o uso da força.
No caso específico de um ciberataque de larga escala, um Estado poderá
invocar uma razão de necessidade de defesa para a condução de contramedidas
9 Apesar de não oficialmente confirmada, a autoria deste ataque foi atribuída aos Estados Unidos da América e a Israel. 10 Este vírus apresenta grandes semelhanças com o código malicioso Flame, mas foi identi,ficado devido às suas características e comportamento distinto de outro tipo de malware utilizado em ataques de ciberespionagem (Wikipedia, 2014a). O Shamoon é capaz de se disseminar rapidamente por todos os computadores de uma rede, através da utilização de recursos partilhados. Uma vez um sistema infetado, o vírus compila uma lista de ficheiros residentes em localizações específicas, apagaNos e envia informação sobre os mesmos para o atacante. Finalmente, o vírus altera o software de inicialização do sistema (boot sector) para impedir o seu arranque. O Grupo “Cutting Sword of Justice" confirmou ofiNcialmente a autoria do ataque, mas julgaNse que o mesmo terá sido planeado pelo Irão.
CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO
211
quando for ameaçado por operações conduzidas no ciberespaço que, constiN
tuindo um “perigo grave e iminente”, ameacem a consecução dos seus interesN
ses essenciais e a sua soberania. Neste caso, o Estado vítima poderá, de forma a
poder defenderNse a si mesmo, violar os direitos de outros Estados. A necessiN
dade desta ação não requer a atribuição do ataque a outro Estado, podendo
apenas ser invocada em circunstâncias excecionais e desde que não prejudique
os interesses essenciais de outros Estados. Conforme antes referido, aplicaNse
também neste contexto o artigo 2º (4) e o artigo 51º da Carta das Nações Unidas
(1945) que enquadra e legitima o direito à autodefesa individual e coletiva de um
Estado membro da ONU (o Jus ad Bellum).
CCCCONFLITOS ONFLITOS ONFLITOS ONFLITOS AAAARMADOS NO RMADOS NO RMADOS NO RMADOS NO CCCCIBERESPAÇOIBERESPAÇOIBERESPAÇOIBERESPAÇO
Os conflitos no ciberespaço são geridos de acordo com o quadro legal
vigente, tanto no plano nacional como internacional, obedecendo a sua regulaN
ção aos mesmos princípios jurídicos que regem os conflitos no Mundo “real”.
ReconhecendoNse que o ciberespaço constitui uma extensão natural do Mundo
real/físico e que são as pessoas que nele habitam as responsáveis pelas ações
que ocorrem neste espaço virtual, faz todo o sentido assumirNse que a mesma
legislação enquadrante se aplique aos dois domínios (físico e virtual).
Partindo deste princípio estruturante do enquadramento legal dos ciberconN
flitos, o Centro de Excelência Cooperativo em Ciberdefesa da NATO, situado
em Tallinn (Estónia), apresentou em Março de 2013 uma interessante sistematiN
zação da legislação internacional. Sem a pretensão de constituir um documento
prescritivo, mas antes apresentando um conjunto de princípios fundamentais
do direito internacional associado ao ciberespaço, este manual temNse vindo a
revelar de extrema utilidade. Ao edificar os fundamentos legais a aplicar interN
nacionalmente aos ciberconflitos, esta publicação veio facilitar também a criaN
ção de legislação por parte de cada Estado. Desta forma, será de esperar que,
num futuro próximo, apesar dos seus aspetos específicos diferenciadores, as
diferentes legislações nacionais venham a convergir para a criação de uma base
jurídica semelhante, facilitando o combate ao cibercrime e a redução da ciberN
conflitualidade tanto num plano nacional como internacional.
Não existindo nenhuma definição internacionalmente aceite sobre o que
constitui um ataque armado no ciberespaço, o Manual de Tallinn (CCD COE,
2013) defineNo como uma “operação no ciberespaço que ocasione ferimentos ou
mortes em pessoas ou provoque estragos ou destruição de objetos num ataque
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
212
armado”, reconhecendo a dificuldade de encontrar um enquadramento legal
suficientemente claro ao ponto de precisar o ponto a partir do qual as suas conN
sequências deixam de poder ser qualificadas como um ataque armado.
Neste âmbito, importa também reconhecer que um ataque armado constitui
a forma mais grave de uso da força mas que nem todo o uso da força constitui
um ataque armado. Desta forma, uma operação no ciberespaço que cause uma
interrupção pontual de serviços não essenciais não pode ser considerada um
ataque armado. No entanto, se essa operação originar estragos sérios e de lonN
go prazo em infraestruturas críticas ou serviços essenciais necessários à afirN
mação e sobrevivência de um Estado, já será possível considerar que estamos
perante um ataque armado no ciberespaço.
Neste tipo de situações, quando consideramos o direito à legítima defesa e à
possibilidade de retaliação por parte do Estado atingido, confrontamoNnos novaN
mente com o problema da atribuição, nomeadamente, porque um ataque armado
no ciberespaço poderá constituir um Causus Belli. Neste contexto, teremos que
clarificar quem exerce o ónus da prova, qual o grau de probabilidade existente
relativamente à identidade dos atacantes e como será possível provar que um
determinado Estado se encontra por detrás de uma ciberoperação.
Constituindo um conflito armado no ciberespaço, para todos os efeitos, uma
guerra conduzida no ciberespaço, a legislação que rege os conflitos armados
(Jus in Bello) também terá que ser aplicada. A questão pertinente a que cumpre
dar resposta será quando é que estaremos em presença de um conflito armado
no ciberespaço? Neste contexto, tendo por base o conceito de conflito armado,
importa distinguir um conflito armado internacional dum conflito armado nãoN
internacional, este último naturalmente de intensidade menos elevada e conduN
zido por um ou vários grupos armados organizados.
O melhor exemplo de um conflito armado no ciberespaço, ocorreu em AgosN
to de 2008, durante a invasão da Geórgia por tropas russas. As operações no
ciberespaço foram articuladas com as tradicionais operações militares de natuN
reza cinética, provocando a indisponibilidade de sites ligados à área governaN
mental, aos média e à área financeira. Contrariamente ao que se passou no caso
da Estónia, estes ciberataques estavam associados às operações militares, refleN
tindo um melhor planeamento e organização que os ataques lançados contra a
Estónia em 2007.
A natureza militar ou civil dos ciberataques (princípio da distinção) também
constitui um importante fator condicionador do enquadramento das operações
no ciberespaço, nomeadamente, porque à luz do direito que rege a guerra, os
ataques só podem ser dirigidos contra combatentes e ter por alvo objetivos
CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO
213
militares. O problema é que muitos dos atacantes não são militares e os recurN
sos utilizados pelas Forças Armadas são hoje de duploNuso civilNmilitar. Neste
contexto, basta referir que se a rede elétrica nacional for atacada a grande
maioria dos sistemas militares do Estado será afetado, reduzindo assim a sua
própria capacidade operacional.
O artigo 51º (3) do Protocolo Adicional I e o artigo 13º (3) do Protocolo AdiN
cional II da Convenção de Genebra, permitem considerar que todos “os civis
apenas gozam de proteção contra ataques enquanto não participarem diretaN
mente nas hostilidades”. Daqui decorre que, “quando ocorrer um ato que confiN
gure a participação direta em hostilidades por parte de civis, estes podem vir a
ser elegíveis como potenciais alvos de ataque, seja através de meios cibernéticos
ou outros” (CCD COE, 2013, Regra 35 (3)).
Face a este enquadramento, o nível de impacto negativo causado por um
ciberataque desencadeado por civis será suscetível de desencadear uma resposN
ta militar quando afetar negativamente as operações ou capacidades militares
ou quando for passível de provocar ferimentos, a morte de pessoas ou a desN
truição de objetos sob proteção militar. Assim, a existência de um nexo de cauN
salidade entre uma ação e o seu potencial impacto negativo, poderá conferir o
estatuto de beligerante a indivíduos ou grupos civis que conduzam operações
no ciberespaço.
O princípio da neutralidade, quando aplicado aos conflitos armados, permite
a um Estado não tomar parte num conflito. Um Estado declaraNse neutral
essencialmente com a finalidade de proteger os seus cidadãos dos efeitos nefasN
tos de um conflito, assumindo perante as partes beligerantes que não desenvolN
verá nenhuma ação (ou omissão) que beneficie o seu adversário/inimigo. No
entanto, este princípio poderá vir a ser seriamente desafiado pelos ciberconfliN
tos uma vez que as operações que decorrem no ciberespaço são conduzidas
num ambiente operacional aberto e sem fronteiras físicas onde não será possíN
vel aplicar os princípios tradicionais de jurisdição e de exercício de soberania.
No contexto de um ciberconflito, se um Estado neutral não conseguir impedir o
lançamento de uma operação ofensiva no ciberespaço, lançada por parte de um
dos beligerantes através de computadores ou infraestruturas de comunicações
situadas no seu território, que constitua uma ameaça séria e eminente para
outro Estado, poderá perder o seu estatuto de neutralidade e verNse envolvido
diretamente no conflito.
Todos os Estados terão assim que ter uma cibercapacidade credível para
poderem assegurar o direito a afirmar a sua neutralidade. A incapacidade
poderá, neste caso específico, ser assumida como um sinal de favorecimento de
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
214
uma das partes, comprometendo o estatuto de neutralidade que se pretende
assumir e afirmar.
CCCCONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES
A utilização crescente da Internet e a construção do ciberespaço marcaram a
conjuntura estratégica das últimas três décadas, tornando o Mundo mais
dependente de uma economia global e dos recursos intangíveis (informação e
conhecimento). Atendendo ao ritmo acelerado da evolução tecnológica e ao
reduzido número de utilizadores qualificados, a capacidade para explorar a
internet e o ciberespaço de forma eficaz requer, num curto espaço de tempo e
aos diferentes níveis, o desenvolvimento de especialistas e de processos seguros
de interação tanto à escala nacional como mundial.
Devido ao facto de o ciberespaço constituir um espaço de acesso livre e
aberto, onde tendencialmente tudo e todos estarão ligados, surgem novos desaN
fios internos e externos que, pela sua natureza, poderão condicionar a seguranN
ça das infraestruturas de informação críticas e, consequentemente, limitar a
defesa dos interesses e a prossecução dos objetivos estratégicos dos Estados.
Os ciberataques podem ter origem em qualquer parte do Mundo, sendo
conduzidos a partir de um ou vários locais simultaneamente, sem que muitas
vezes seja possível detetar a verdadeira identidade do atacante. A elevada interN
conectividade das redes e infraestruturas de informação ligadas à internet pode
propagar muito rapidamente o impacto dos ataques cibernéticos tanto a nível
nacional como internacional. TrataNse de uma área em que o ritmo da impleN
mentação de processos e mecanismos de segurança dificilmente acompanha a
dinâmica das vulnerabilidades, materializando uma área privilegiada de “guerra
assimétrica”.
As ameaças e os riscos associados aos desafios que a Sociedade de InformaN
ção e o Ciberespaço colocam ao ambiente internacional de segurança, não
podem por essa razão ser ignorados ou negligenciados. As ameaças cibernétiN
cas são transversais a todas as atividades das modernas sociedades, afetando
diversos aspetos dos seus “espaços de interação” tanto na esfera social como
nas áreas política, económica e militar. Atendendo ao tipo de interações e às
dinâmicas competitivas e conflituais que têm lugar no ciberespaço, importa
construir os fundamentos de um código de conduta e de uma base geradora de
confiança entre os diversos atores que intervêm na sua construção, de forma a
CIBERAMEAÇAS E QUADRO LEGAL DOS CONFLITOS NO CIBERESPAÇO
215
potenciar um modelo de utilização do ciberespaço cada vez mais livre e aberto
mas também mais seguro e protegido.
Apesar de termos vindo a assistir a uma crescente exploração militar do
ciberespaço, a persecução violenta de objetivos políticos utilizando exclusivaN
mente este novo ambiente operacional, não nos parece que se coloque atualN
mente mas não poderá deixar de ser perspetivada no futuro, sob pena de se vir
a comprometer a Segurança e a própria Defesa Nacional. Para reduzir a confliN
tualidade e aumentar o nível de proteção das infraestruturas de informação, os
Países têm que rever o atual quadro legal, criar novas doutrinas, estruturas e
meios para implementar a sua Estratégia Nacional de Cibersegurança e CiberN
defesa.
A construção de um futuro digital passa inevitavelmente por assumir o cibeN
respaço como um novo domínio estratégico, essencial e prioritário para a defeN
sa de valores e interesses nacionais. Para esse efeito, devem explorarNse
sinergias nacionais e a cooperação internacional de forma a garantir em perN
manência a Segurança e Defesa Nacional no ciberespaço.
217
10101010.... DDDDISPUTA POR RECURSOS ISPUTA POR RECURSOS ISPUTA POR RECURSOS ISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOSNATURAIS ESCASSOSNATURAIS ESCASSOSNATURAIS ESCASSOS
JOSÉ MENDES DIAS
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
Com este artigo pretende,se identificar, questionar e pensar sobre um conjun,
to de assuntos que, não se esgotando, confluem no seu título. A finalidade enun,
ciada procura ser atingida graças à tentativa que se faz de concatenação de teoria
com a prática conseguindo assim e, cumulativamente, situar o articulado no
patamar de ciência (pelo menos, de alguma).
O texto procura refletir preocupação de índole concetual, ao mesmo tempo
que, com as diferentes situações apresentadas, busca verificá,la como represen,
tação (ões) geral (ais) da realidade. Critérios de classificação de recursos, indica,
dores sobre alguns recursos naturais, referências a recursos energéticos, hídricos
e alimentares, exemplificadas com evidências, em diferentes espaços e com natu,
rais repercussões e ligações com outras matérias, constituem,se como elementos
caraterizadores deste texto.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chavechavechavechave: Recursos naturais, Relações Internacionais, Geopolítica, Estratégia
NNNNÓTULA INTRODUTÓRIAÓTULA INTRODUTÓRIAÓTULA INTRODUTÓRIAÓTULA INTRODUTÓRIA
O conjunto de letras organizadas em palavras que se seguirão calcorreia e
espraiaNse ou pelo menos tentará fazêNlo, por diferentes caminhos, uns mais
tortuosos que outros, sendo critério de medição de tal violência, a maior ou
menor facilidade com que as evidências se tornem e mostrem nisso mesmo.
O aglomerado obedecerá, entretanto, à única regra que parece elegível,
dada a campanha explicitada pelos coordenadores da obra e que obriga (e bem
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
218
do nosso ponto de vista) a óbvia disciplina de comportamento, originando por
consequência resultados de «vista larga» e de natureza didática.
Por defeito de formação, importaria acautelar os leitores para o facto dos
tais caminhos se situarem, maioritariamente, em terrenos de Relações InternaN
cionais, de Geopolítica/Geoestratégia e de Estratégia. Cumulativamente referir
que não os fustigaremos nem nos cansaremos com a tentativa de seguir os perN
cursos até ao fim, por força de três essenciais razões: o parco conhecimento, a
utopia que significa a afirmação que justifica as justificações e, por fim, a natuN
reza desta publicação.
Em boa verdade, o que se pretendeu dizer até aqui com o torpor que advém
da leitura é simplesmente aproveitar o título que nos foi sugerido e sem ajustaN
mentos ou utilitários reajustamentos, identificar e efetuar, quer um conjunto de
questões que com ele podem conviver, quer reflexões iniciais e/ou de superfície
que poderão despertar curiosidades e motivar aprofundamentos.
Sim, porque de resto, parece que há muito que está tudo respondido, nem
que seja na síntese de Pascal Boniface, no livro que em Portugal, na contempoN
raneidade, ficou muito conhecido e, como tal, profusamente utilizado no «munN
dus» académico e que procurou responder, em trinta e sete capítulos, à
pergunta: Irão as guerras desaparecer? (2002, p. 5).
No que concerne à nossa temática e alguns elementos associados lá estão
parcelas dedicadas às «guerras da fome», «guerras do petróleo», «guerras da
água», «guerras de fluxos migratórios»1, entre outras. Pelos vistos, de ontem e
de hoje, será manifesto destino ou destino manifesto a adoção do percurso traN
çado pela disputa, conflito e guerra, tendo os recursos naturais (escassos) como
prémio, apesar de esforços para a evitar, quiçá inúteis, por falsa ingenuidade e
por negação da antropologia e da etologia, que nos grita, guturalmente: somos
mais que bestas, mas é inegável que o também somos.
Finalmente dizer que a proposta de leitura que aqui se faz assenta, reiteraNse,
em acumulação nas orientações recebidas e, neste contexto, relevamNse as de
natureza pedagógica integrando, não só profusas e atuais referências, mas
também alguns exemplos que pretendem funcionar como prova da prosa.
1 São imemoriais as afirmações do humano pensador; memórias perdidas que fazem das menções de hoje, intelectualidade e responsabilidade profundas: “Desde logo, os países ricos só têm uma alternativa; ou os acolhem nas melhores condições possíveis para que não haja repercussões negativas em termos de segurança; ou então mostram,se corajosos e generosos para atuar para que as causas desses êxodos de massa (guerras civis e subde,senvolvimento) desapareçam. Em ambos os casos, isso carece de vontade e de meios: uma ação coletiva, que por enquanto faz falta” (Boniface, 2003, p. 79).
DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS
219
DDDDESEESEESEESENVOLVIMENTO NVOLVIMENTO NVOLVIMENTO NVOLVIMENTO
Rebocados então pela rebuscada nótula para que assuntos ou domínios
(lembramNse dos caminhos?), entre certamente muito outros, nos iluminará o
farol feito título?
O primeiro respeita a matéria de conceito, como não podia deixar de ser. A
expressão «recursos naturais escassos» remete de imediato, sem grande exiN
gência intelectual, para critérios de classificação. Em prol do rigor dizer que
quando nos referimos a escassez, estamos forçosamente a falar de recursos
críticos; criticidade que advém da forte possibilidade de chegarem ao fim, à falta
de adoção de medidas tidas como adequadas. Por detrás desta primeira incurN
são (e das duas que se seguem) está valor; está significado, ou seja, tal recurso
emerge importante porque encontra dificuldades «em sobreviver».
A escassez conjugaNse, praticamente por imanência, com outra ideia; aquela
do recurso finito, que se materializa principalmente junto dos «poderes polítiN
cos», das populações académicas e das organizações/agências que com isso
lidam, através de relatórios pejados de números que vão apontando, conforme
explorados indicadores, o seu tempo de vida (Tabelas 10.1Tabelas 10.1Tabelas 10.1Tabelas 10.1 a 10.710.710.710.7).
Tabela 10.1. Petróleo: reservas provadasTabela 10.1. Petróleo: reservas provadasTabela 10.1. Petróleo: reservas provadasTabela 10.1. Petróleo: reservas provadas2 e razão R/Pe razão R/Pe razão R/Pe razão R/P3
(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) Reservas provadasReservas provadasReservas provadasReservas provadas
(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial) R/P raR/P raR/P raR/P razãozãozãozão (anos)(anos)(anos)(anos)
Médio Oriente 47,7 77,8 América Latina 19,4 Mais de 100 América do Norte 13,7 34 África 7,6 42,8 ÁsiaNPacífico 2,5 14,1 Mundo 52,552,552,552,5
Fonte: BP, 2015, p. 6.
2 “Proved reserves of oil – Generally taken to be those quantities that geological and engi,neering information indicates with reasonable certainty can be recovered in the future from known reservoirs under existing economic and operating conditions” (BP, 2015, p. 6). 3 “Reserves,to,production (R/P) ratio , If the reserves remaining at the end of any year are divided by the production in that year, the result is the length of time that those remaining reserves would last if the production were to continue at that rate” (BP, 2015, p. 6).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
220
Tabela 10.2. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (países) Tabela 10.2. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (países) Tabela 10.2. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (países) Tabela 10.2. Petróleo: reservas provadas e razão R/P (países)
(final do ano de 2(final do ano de 2(final do ano de 2(final do ano de 2014)014)014)014) Reservas provadasReservas provadasReservas provadasReservas provadas
(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial) R/P razãoR/P razãoR/P razãoR/P razão (anos)(anos)(anos)(anos)
Venezuela 17,5 Mais de 100 Arábia Saudita 15,7 63,6 Canadá 10,2 Mais de 100 Irão 9,3 Mais de 100 Iraque 8,8 Mais de 100 Rússia 6,1 26,1 Kuwait 6,0 89 Emirados Árabes Unidos 5,8 72,2 Estados Unidos da América 2,9 11,4 Líbia 2,8 Mais de 100
Fonte: BP, 2015, p. 6.
Tabela 10.3. Gás natural: reservas provadas e razão R/PTabela 10.3. Gás natural: reservas provadas e razão R/PTabela 10.3. Gás natural: reservas provadas e razão R/PTabela 10.3. Gás natural: reservas provadas e razão R/P
(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) Reservas provadasReservas provadasReservas provadasReservas provadas
(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial) R/P razãoR/P razãoR/P razãoR/P razão (anos)(anos)(anos)(anos)
Médio Oriente 42,7 Mais de 100 Europa e Ásia Central 31,0 57,9 ÁsiaNPacífico 8,2 28,7 África 7,6 69,8 América do Norte 6,5 12,8 América Latina 4,1 43,8 Mundo 54,154,154,154,1
Fonte: BP, 2015, p. 6.
Tabela 10.4. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.4. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.4. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.4. Gás natural: reservas provadas e razão R/P (países)
(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) Reservas proReservas proReservas proReservas provadasvadasvadasvadas
(% à escala mu(% à escala mu(% à escala mu(% à escala munnnndial)dial)dial)dial) R/P razãoR/P razãoR/P razãoR/P razão (anos)(anos)(anos)(anos)
Irão 18,2 Mais de 100 Rússia 17,4 56,4 Qatar 13,1 Mais de 100 Turquemenistão 9,3 Mais de 100 Estados Unidos da América 5,2 13,4 Arábia Saudita 4,4 75,4 Emirados Árabes Unidos 3,3 Mais de 100 Venezuela 3,0 Mais de 100 Nigéria 2,7 Mais de 100 Algéria 2,4 54,1
Fonte: BP, 2015, p. 6.
DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS
221
Tabela 10.5. Carvão: reservas provadas e razão R/PTabela 10.5. Carvão: reservas provadas e razão R/PTabela 10.5. Carvão: reservas provadas e razão R/PTabela 10.5. Carvão: reservas provadas e razão R/P
(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) Reservas provadasReservas provadasReservas provadasReservas provadas
(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial) R/P razãoR/P razãoR/P razãoR/P razão (anos)(anos)(anos)(anos)
Europa e Ásia Central 34,8 268 ÁsiaNPacífico 32,3 51 América do Norte 27,5 248 Médio Oriente e África 3,7 122 América Latina 1,6 142 Mundo 110110110110
Fonte: BP, 2015, p. 6.
Tabela 10.6. Carvão: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.6. Carvão: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.6. Carvão: reservas provadas e razão R/P (países)Tabela 10.6. Carvão: reservas provadas e razão R/P (países)
(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) Reservas provadasReservas provadasReservas provadasReservas provadas
(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial)(% à escala mundial) RRRR/P razão/P razão/P razão/P razão (anos)(anos)(anos)(anos)
Estados Unidos da América 26,6 262 Rússia 17,6 441 China 12,8 30 Austrália 8,6 155 Índia 6,8 94 Alemanha 4,5 218 Cazaquistão 3,8 309 Ucrânia 3,8 Mais de 100 África do Sul 3,4 116 Indonésia 3,1 61
Fonte: BP, 2015, p. 6
Tabela 10.Tabela 10.Tabela 10.Tabela 10.7. Maiores produtores mundiais7. Maiores produtores mundiais7. Maiores produtores mundiais7. Maiores produtores mundiais
(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014)(final do ano de 2014) PetróleoPetróleoPetróleoPetróleo Gás naturalGás naturalGás naturalGás natural CarvãoCarvãoCarvãoCarvão
Arábia Saudita Estados Unidos da América China
Rússia Rússia Estados Unidos da
América Estados Unidos da América Qatar Indonésia
Canadá/China Irão Austrália Irão Canadá Índia
Emirados Árabes Unidos China Rússia Iraque Noruega/Arábia Saudita África do Sul Koweit Argélia Colômbia México Indonésia Cazaquistão/Polónia Brasil Turquemenistão Alemanha
Fonte: BP, 2015, p. 6.
Mas a nossa mente é por vezes alheia ao rigor advindo de uma representaN
ção geral da realidade (o conceito e imanentes órbitas); e até o que poderíamos
querer dizer respeitaria a recursos que são para nós essenciais e aqui, o ditador
do critério, como todos adivinharão, é o da necessidade.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
222
Mas… e há sempre inúmeros «mas», a realidade vai mostrando (e sem
esquecer a «mente» do parágrafo anterior), que os recursos naturais existem
para uns e não para outros, aspeto quase determinista forçado pela «qualidade»
do território, seja de que fonte estrutural do Poder seja composto, contornado
algumas vezes pela dissimetria que a tecnologia e a técnica sempre propiciam a
quem a detém (a busca de energias alternativas é um bom exemplo; outro é,
com certeza, a reconfiguração dos EUA na senda da autossuficiência energétiN
ca, graças à exploração do petróleo e do gás de xisto, acrescentando fulgor ao
Atlântico Norte); afinal referimoNnos à inefável e permanente questão da distriN
buição; e quando o critério é este, os recursos poderão ser apelidados pela afiN
lhada da ciência maldita e, como tal, assumiremNse (respeitandoNse as condições
da perfilha) como estratégicos.
Antes de prosseguirmos, importa acautelar que a via da alternativa pode
levantar idênticas questões, pelo menos quanto à essência. Cogitando, a via da
energia eólica também esconde o valor de territórios, quer terrestres, quer
marítimos4 possuidores de tais qualidades ventosas.
Outros critérios existem; a utilização de expressões como «recursos alimenN
tares», «recursos energéticos», recursos minerais, por exemplo, refletem a adoN
ção de referência diferente, pese embora o objeto possa ser o mesmo (IAEM,
1993; Dias, 2010; Dias 2012).
Na expressão, a palavra «disputa» está mesmo a pedir que seja aproveitada
para segunda referência e que tem, em síntese, a intenção de reafirmar que não
basta pulularem recursos (naturais, neste caso) para se plasmar tal interação;
não interagimos com esses comedouros/bebedouros; fazemoNlo, sim, com
outros «eus», racionais e intencionais, por essas fontes.
Em claro, não entramos em disputa com os recursos, mas sim por eles. E se
essa se agrava, por panóplia conhecida de motivos, ultrapassando normativos e
regras, ostracizando atividades de cooperação e/ou de complemento, percorre
distância rápida que separa a competição do conflito, respirandoNse o oxigénio
da hostilidade.
As tentativas de a amenizar passarão primeiro (pelo menos fica bem afirN
marmos) pelas formas pacíficas de resolução (reino da política, das negociações,
das mediações e até nos embrenhamos pelo entrelaçado do judicial, da justiça,
4 “E se as turbinas eólicas, em vez de estarem só no alto dos montes, estivessem, também, no meio do mar? Eis o futuro se os protótipos flutuantes testados ao largo da costa portu,guesa forem um sucesso (…). No Reino Unido, que tem dos melhores ventos do mundo e que já é o país com mais parques eólicos «offshore», as turbinas flutuantes poderão chegar em 2016” (Carrington, 2014, p. 19).
DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS
223
dos tribunais); a alternativa será a putativa ou real coação/uso da força e aqui
franqueamos a porta à estratégia.
O que designaremos como terceiroterceiroterceiroterceiro domínio mantémNse no conceito, ou
melhor ainda, na teorização geral. Não parece haver dúvidas (como se ainda as
houvesse) que a existência de recursos naturais em determinado espaço confeN
reNlhe valor, que cresce consoante a importância de tais meios. Também é,
curiosamente verdadeiro, que tal facto, o da existência, pode constituir razão de
problema para o «soberano» do território que aí tem que materializar Poder e,
por vezes, sob a forma de força que revela; se vazio há, Poder estranho tenderá
a preencher, metamorfoseandoNse, hoje e já há algum tempo, de formas várias,
por vezes tão estranhas que os vendem a quem os deixou «roubar», paradoxalN
mente, para manter a possibilidade de alimentar a própria conflitualidade5.
Sobre este assunto dizer também que à existencial questão se fazem concaN
tenar assuntos de capacidades, como de exploração, de transformação, de mãoN
deNobra, de técnica e de tecnologia, acompanhados de outras disponibilidades,
como de mercados, por exemplo.
Aliás, em contexto com os dois parágrafos anteriores, apetece lembrar uma
das leis geográficas do crescimento territorial dos Estados de Ratzel (1844N1904)
(com a devida adaptação e extensão bastando até, atrevemoNnos, a alargar
espaço no que a atores se refere, substituindo «Estado» por «grupos políticos»),
para reforçar a normalidade: “Um Estado à medida que cresce, tende a anexar
regiões valiosas sob o ponto de vista político ou económico” (Dias, 2010, p. 72); e
atesteNse com já focada demonstração: “O Daesh apoderou,se de três barragens
e de, pelo menos, duas instalações de gás da Síria. Para evitar o risco de sabota,
gem da rede elétrica das zonas governamentais, o Executivo de Damasco parece
ter feito um acordo com os jihadistas. «O Daesh garante a posse das centrais e
deixa os funcionários vir trabalhar» (…). Fica com todo o gás produzido para fins
domésticos e com o petróleo – e vende,os. O regime sírio fica com o gás necessá,
rio para alimentar o sistema elétrico e também vende alguma eletricidade às
zonas sob controlo inimigo» (…). Para continuarem a financiar as zonas que con,
trolam precisam de conquistar território e recursos” (Solomon, 2015, p. 30)6.
Por outro lado importa mencionar o que surge, na nossa opinião, como
óbvio, mas que aqui carece de explicação.
5 “O EIIL conseguiu receitas avultadas nos campos petrolíferos do leste da Síria, que passou a dominar em 2012, tendo chegado a vender petróleo a Assad” (Black [et al.], 2014, p. 26). 6 “Segundo as suas estimativas, o grupo controla a produção de 40 mil barris de petróleo por dia, no leste da Síria, sendo considerado o grupo armado mais rico da História, amealhando um milhão de dólares (910 mil euros) por dia a partir das receitas do petróleo e das operações de extorsão (…). Grande parte das receitas do grupo tem origem na venda de crude dos poços de petróleo a intermediários turcos, iraquianos e sírios” (Solomon, 2015, p. 31).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
224
No limite, que integra o «azedar» de relações entre atores e mesmo as confliN
tualidades internas, populações movimentamNse para outros espaços na procuN
ra dos recursos necessários, fragilizando territórios e sentido de espaço,
desvalorizando Estados na lógica dos seus elementos constitutivos e quiçá,
valorizando outros; na verdade, nada de novo, com as devidas adaptações.
O caso da Nigéria e do fenómeno «Boko Haram» é, por recente, importante
como demonstração do afirmado pela teoria sintetizada na letra anterior; o
êxodo populacional essencialmente originado no nordeste do colosso africano
para países vizinhos como o Níger, os Camarões ou ainda o Chade7 coloca forN
çosa pressão na «terra», quer como espaço para ocupar, quer como geradora
de recursos naturais, incluindo a água e os alimentares, muitas vezes esqueciN
dos, classificados também em contexto como essenciais, respeitando o critério
da necessidade – “Se não forem tomadas medidas, a competição pela terra e
pelos recursos naturais poderá originar conflitos” (Hassan, 2015, p. 34) ou mesN
mo críticos, particularmente no que se refere aos recursos hídricos (reiterareN
mos a mesma ideia, em enquadramento diferente, mais à frente)8.
Permitam ligeiro interregno para colocar alguma ênfase na matéria alimenN
tar, utilizando mais uma vez aquilo que já é, ou seja, cerca de 5% de solo arável
africano encontraNse na posse de outros Estados e de empresas que compraram
(Arábia Saudita9, China, Brasil) a quem é obrigado a vender, realçandoNse o
Sudão e Moçambique (Dias, 2012)10.
É mesmo assim: “A evidência mostra preocupação com a terra e os países
exportadores de pessoas, nos dizeres de Adriano Moreira, parecem não ter outra
solução que vender a mãe geradora dos próprios recursos básicos de subsistên,
cia e, dessa maneira, estratégicos: a terra” (Dias, 2012, p. 78).
Mas voltemos à pressão, que aumenta na mesma medida em que a fuga de
territórios outrora úteis por produtores, os desvaloriza por desaproveitamenN
to, situação exemplarmente verificada no mesmo «nordeste» nigeriano, que
ainda sofre, por acréscimo, de produção inútil para a quem a gera, visto que
7 “Segundo a Agência da ONU para os Refugiados, 350 mil habitantes do nordeste do país estão refugiados nos Camarões, Chade e Níger e 470 mil são deslocados internos” (Hassan, 2015, p. 34). 8 “De acordo com a Agência Norte,Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), em 2025 haverá mais de 2,8 milhões de pessoas a viver em regiões com escassez ou disponibilidade restrita de água, uma vez que a procura de água irá duplicar de vinte em vinte anos” (Brzezinski, 2014, p. 145). 9 Que comprou 4 milhões de hectares no Sudão (Dias, 2012, p. 79). 10 “O Vietname parece planear investir na produção de arroz na Serra Leoa, Singapura encontra,se em fase de estudo e avaliação para investimentos agrícolas no Gabão, Namíbia, Quénia, Botswana e Uganda. Para além da China, situação de todos conhecida e/ou perce,cionada, a Índia e a Coreia do Sul seguem a mesma linha…” (Dias, 2012, p. 79).
DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS
225
os «guerrilheiros» também precisam de comer… já para não falar em recursos
que brotariam e que constituiriam fonte para outras populações e povos vizinhos;
de repente, também nestes se replicam efeitos de hodierna disputa, por um lado e
por outro, se potenciam condições para se envolverem noutra, simplesmente
porque somos animais e a necessidade uma alavanca comportamental basilar; e
quando se trata de elementos constituintes da base da pirâmide de Maslow…11
Antes de irmos ao «sabor esquisito», está lançado mote para respigarmos
assunto hídrico; a água esteve na razão essencial da primeira guerra tida como
tal ou seja, como facto organizado, lá para os lados da Suméria (Dias, 2010b) e
talvez se mantenha como tal no que se refere à possibilidade de conflitualidade
interNestatal, particularmente, na Ásia Central, na Ásia Meridional, no Médio
Oriente e, como já percebemos neste texto, no nordeste africano, dada a conjuN
gação existente entre estas «geografias» tipificadas por instabilidade e até
alguma inconstância do ponto de vista político, com a dificuldade relativa à
obtenção do precioso líquido (Brzezinski, 2014, p. 145)12.
“O risco de conflitos relacionados com a falta de água tenderá a intensificar,se à medida que o crescimento económico e o aumento da procura de água nos países emergentes como a Turquia e a Índia colidirem com a instabilida,de e a escassez de água em países rivais como o Iraque e o Paquistão. A escassez de água também irá pôr à prova a estabilidade interna da China, quando a sua população galopante e a sua crescente complexidade industrial se conjugarem para aumentar a procura e reduzir a oferta de água utilizável. Na Ásia Meridional, a tensão sem fim entre a Índia e o Paquistão, conjugada com o sobrepovoamento e o agudizar das crises internas do Paquistão, pode,rá pôr o Tratado da Água do Indo em risco, sobretudo porque a bacia hidro,gráfica tem origem no território há muito disputado de Jammu e Caxemira, uma área de crescente volatilidade política e militar. A persistente disputa entre a Índia e a China sobre o estatuto do Nordeste da Índia, uma área por onde corre um rio de importância vital, o Bramaputra, também continua a ser motivo de preocupação. À medida que a hegemonia americana vai desapare,cendo e a competição regional se intensifica, as disputas em torno de recur,sos naturais como a água podem facilmente evoluir para conflitos generalizados”
(Brzezinski, 2014, p. 145 e 146).
11 “A NEMA relatou que 65% dos agricultores do norte mudaram,se para o sul devido ao Boko Haram. Ora uma grande quantidade dos alimentos consumidos em Lagos e noutros estados do sudoeste provêm do norte, zona que supre as necessidades alimentares do Sahel (…). O Programa Alimentar Mundial reconheceu que a revolta é um problema para os seus programas, pois deixou de conseguir obter na Nigéria os bens alimentares para suprir as necessidades da região do Sahel, com fomes endémicas” (Hassan, 2015, p. 34 e 35). “Imagi,namos certamente a pressão e eventuais consequências mais graves sobre as nossas «fontes de vida», mesmo considerando a instantaneidade do «remendo»; se este for paulatino, man,tendo,se o pressuposto relativo ao «fator consumo», se o horizonte temporal for o ano de 2050 e a população estimada de 9,2 mil milhões, a Terra mãe terá que parir recursos para cerca, à data de hoje, de 105 mil milhões de pessoas (Smith, 2011, p. 38) ” (Dias, 2012, p. 77 e 78). 12 “A conjugação da instabilidade política com a escassez de recursos é geopoliticamente perigosa” (Brzezinski, 2014, p. 145).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
226
O azedo a que se fez menção, reforçado pela fraqueza, convive ainda nouN
tros aspetos; por exemplo, certamente que já se pensou nos benefícios que
poderiam ser colhidos pela Rússia se, por qualquer razão, provocada ou talvez
não, incluindo eventual futura incapacidade/incompetência norteNamericana na
região, se fragilizassem os laços entre os EUA e a Geórgia; em boa verdade,
uma das possíveis consequências seria o enfraquecimento da couraça azeri,
dada a mais que provável limitação da sua liberdade de ação, consequência de
uma investida «à séria» da Rússia sobre a Geórgia e, por conseguinte, o seu
comportamento na «arena» internacional não deixaria de refletir a sua posição
em órbita localizada muito perto do núcleo russo aliás como, de novo, nos ensiN
na e alerta Brzezinski (2014):
“Outro fator de motivação para a Rússia poderia ser o facto de os Estados
Unidos terem promovido a construção através da Geórgia, do corredor meridio,
nal de fornecimento de energia à Europa, especialmente o já existente oleoduto
Baku,Tíblissi,Ceyhan e o gasoduto Baku,Tíblissi,Erzurum que irá chegar à Euro,
pa através da Turquia. Se os laços dos Estados Unidos com a Geórgia se deterio,
rassem, a Rússia [poderia reclamar] o seu quase monopólio sobre as rotas do
abastecimento de energia para a Europa. A subordinação da Geórgia à Rússia
conduziria provavelmente a um efeito dominó no Azerbaijão. O Azerbaijão é o
principal fornecedor do corredor meridional e, portanto, a principal fonte de
diversificação energética da Europa” (Brzezinski, 2014, p. 115)13.
PermitamNnos apenas respigar memórias não muito longínquas e recordar,
não só a importância do Cáucaso para a Rússia, mas essencialmente os factos
de que a posse antiga dos países caucásicos significava o estabelecimento de
uma linha de fronteira no designado «Pequeno Cáucaso» e, por imanência, o
importante controlo do «Grande Cáucaso», bem como o acesso ao petróleo
azeri (Baku), de valor fundamental para o processo de industrialização dos
soviéticos (Friedman, 2015, p. 218 e 219; Dias, 2014, p. 19 e 20; Bessa e Dias,
2007, p. 33; Brzezinski, 1987, p. 46).
Mas afinal, o fenómeno é bíblico e uma realidade tem sido permanente:
quem tem e tira proveito, autonomizaNse nesse assunto, pode usar a troca, pode
forçar à dependência de outrem (exemplo: a mais que conhecida tal dependênN
13 “…o que limita indiretamente a influência política da Rússia nos assuntos europeus” (Brzezinski, 2014, p. 115). “ É igualmente importante notar que à medida que a Rússia pro,cura monopolizar o acesso às exportações de energia da Ásia Central, o protagonismo regional crescente da Turquia pode facilitar – em colaboração com o Azerbaijão e a Geórgia – o acesso irrestrito da Europa ao petróleo e ao gás da Ásia Central através do mar Cáspio” (Brzezinski, 2014, p. 169).
DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS
227
cia, do ponto de vista da energia, da União Europeia – e alguns países em partiN
cular – relativamente à Rússia)14 e nessa medida, a coação é uma possibilidade.
E quem não tem? Procura, compra, troca ou…e se sobrevivência estiver em
causa, maior probabilidade tem de acontecer o «ou». Então, o que tem sido a
interação russoNucraniana onde o gás pesa de um lado e do outro, a base naval de
Sebastopol, por exemplo? “Em 2005, 2007 e 2009, a Rússia ameaçou ou chegou
mesmo a cortar o abastecimento de gás à Ucrânia por causa de diferendos sobre os
preços e da enorme dívida energética ucraniana. No Verão de 2010, o presidente da
Ucrânia, Yanukovych, foi pressionado para aceitar um prolongamento da conces,
são à Rússia de uma base naval no porto ucraniano de Sebastopol, no Mar Negro,
por mais vinte e cinco anos, em troca de um preço preferencial dos fornecimentos
de energia russa à Ucrânia” (Brzezinski, 2014, p. 120).
E nestas opções, não são de excluir as reservas que se encontram armazeN
nadas em depósitos na terra, no ar, no espaço exterior/cósmico, no mar (não é
despiciendo destacar, mais uma vez a título de prova, a situação lá para os
mares da China; esta que os quer «estender» e desenvolver consequentes capaN
cidades navais, não só para fechar acessos à potência norteNamericana, ao
mesmo tempo que busca a sua projeção, mas também para reclamar pedaços
de terra cujas águas que os cercam certamente não sofrerão do mal da pobreza)
ou em úteis superpetroleiros (aguardando melhor preço de venda) ou não fosN
sem também os corretores ou sociedades de corretagem empobrecerem…
(Kent e Kantchev, 2015).
E quem tem e estima que não vai ter? E quem sabe do valor dessa posse,
quando dele depende um verdadeiro Poder funcional?
As perguntas elaboradas nos dois parágrafos anteriores também são resN
pondidas ou podem sêNlo com recurso a mapas onde façam centrar atenção
14 “O PETRÓLEO É UMA ARMA…e a Arábia Saudita, ainda o maior exportador, sempre a usou quando os seus interesses estratégicos eram ameaçados. Durante décadas, através da OPEP, garantiu uma decisiva influência sobre a formação do preço do petróleo. Contudo, ao anunciar no mês passado [Novembro de 2014] que não aceitava reduzir a sua atual pro,dução, a Arábia Saudita neutralizou a OPEC, para desespero da maior parte dos seus mem,bros. Ao permitir que o preço do petróleo passe, a partir de agora, a resultar das condições de mercado, os sauditas introduziram uma nova variável na complexa equação energética mundial, e provocaram de imediato a queda abrupta dos preços, com consequências políti,cas e geopolíticas difíceis de avaliar em toda a sua extensão. Mas não tenhamos ilusões, a guerra pelo preço do petróleo é uma porta que se abriu para outras guerras. «O mundo está perigoso.»” (Amado, 2014, p. 83). Ver também outras sínteses sobre o assunto em Raval (2015, p. 64 e 65) ou em Correia (2015, p. 52 e 53); “É um jogo arriscado. Sabendo que a extração do petróleo de xisto poderá não compensar se o barril chegar aos 30 ou aos 40 dólares, a Arábia tenta entalar os EUA, mesmo perdendo muito dinheiro. Por outro lado, há quem veja aqui uma tentativa de neutralizar a Rússia (…) com o rublo a sofrer uma brutal desvalorização” (Correia, 2015, p. 52).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
228
sobre o Ártico e na Antártida. Os recursos naturais lá estão, com vantagem
para a Rússia e para os EUA (Alasca), no caso do Norte (Dias, 2012).
De facto, as respostas estão nas evidências; ou seja, simplesmente se contiN
nua a procurar, certamente utilizando todos os instrumentos ao dispor15, benigN
nos e malignos…, independentemente de hoje e apesar da notória militarização
daqueles espaços, exemplificando com o Ártico, por mais «conhecido da nossa
sociedade académica», a opinião generalizada dos especialistas16 ser de improN
vável conflitualidade armada, “não só por matéria primacial de Direito (Conven,
ção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), mas sobretudo pela já forte
tradição da primazia de relações de cooperação naquele território [Ártico], indu,
zida em primeira análise por Gorbachev, em discurso proferido na base de Mur,
mansk, decorria o ano de 1987 (Outubro) ” (Dias, 2012, p. 121), mesmo tendo em
conta – mais uma constatação – (certamente que Gorbachev não adivinharia)
que o espaço objeto de reivindicação por parte do arktos, que inclui o Pólo NorN
te, corresponderá a cerca de metade do Oceano em causa.
“A massagem cooperativa chegada aos píncaros por intermédio de Ilulis,sat, desejada por nós, ou não fosse massagem, não deve enevoar ou ine,briar pensamento e racionalidade; de facto, para a mesma obter efeitos, requer,se que quem a aplica se lembre de que o assunto é reivindicação, é território, é petróleo, é gás, é comércio”
(Dias, 2012, p. 122).
As mesmas questões obrigam a utilizar a «corda vertical», como resposta, e
prosseguir no sentido do «Espaço»17.
A subida para o espaço exterior ou dito cósmico arrasta igualmente a intenN
ção, a necessidade e a possibilidade de exploração de recursos naturais; a
riqueza já atribuída ao satélite da Terra sem atmosfera – a Lua – é um bom
exemplo; «pérolas» como ferro, silício, cálcio, alumínio, oxigénio, titânio, hidroN
génio por lá pululam.
15 “É neste enquadramento que assistimos a esforços de atores, quer os geograficamente limitados pelo gélido líquido – Estados Unidos da América, Rússia, Canadá, Noruega, Dinamarca –, quer outros com palavra forte a dizer nas interações internacionais – China, União Europeia, se resistir, Índia e Japão –; no entanto, julgamos óbvia, a superioridade obtida graças à posição/localização, pelos primeiros, no intuito de salvaguardar a reclamar aquilo que é ou que julgam seu, sabendo que estão a tratar de território ou talvez do territó,rio que configure mais direitos de propriedade na «cloud»” (Dias, 2012, p. 120 e 121). 16 Como Leal (2014), como Smith (2011). 17 “Em 2019, a Agência Espacial Europeia (ESA) irá poisar um «rover» na superfície de Marte. A missão ExoMars irá recolher e analisar amostras do solo, para estudar a geologia e procurar seres vivos. A comandar este «carrinho» com 207 kg, que passeará de forma autónoma pelo solo marciano, estará um sistema de controlo desenvolvido por uma empre,sa portuguesa, a Active Space Technologies” (Sá, 2015, p. 25).
DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS
229
Mas não só; não esqueçamos o hélio 3 como apetitoso combustível para uma
mais eficiente fusão (um dos segredos das estrelas), em contexto do processo
usado para abastecimento de centrais nucleares (Dias, 2012).
É certamente também no quadro de pintura iniciada no parágrafo anterior
que se inserem projetos de mineração como o SCALAB, o RESOLVE e o PILOT
(Dias, 2012, p. 186) ou os programas da NASA ISRU (In Situ Resource Utiliza,
tion), Constelação (Dias, 2012, p. 185 e 186) ou ainda o ORION (Lopes, 2015)18.
Na mesma galeria podem ser vistos os esforços de outros atores do Sistema
Político Internacional, como por exemplo os da Federação Russa19, dos quais
destacamos por recentes a construção de uma nova base de lançamento na SibéN
ria, a de uma estação espacial, a ficar pronta em 2024, a criação da Roskosmos (a
Agência Espacial), o investimento até 2020 num programa espacial no valor de 30
mil milhões de euros, a emersão do foguetão «Angara» para substituir os conheN
cidos «Proton», entre outros (Lokstin e Schepp, 2015, p. 60 e 61).
Não poderíamos finalizar este respigar sem dar conta de que a armamentiN
zação, que é diferente de militarização, do espaço exterior/cósmico já não é
nada de novo, nem na teoria, incluindo corporizações concetuais, nem na prátiN
ca. Procurando respeitar a índole pedagógica deste contributo e para primeiras
aproximações ao assunto, em língua portuguesa, sugereNse Dias (2006), Dias
(2010c), Oliveira (1994).
Interessante, curioso, prospetivo, essencialmente, sobre matéria de violência
militar no espaço, é o capítulo (10) que Friedman (2010) intitula de «Planos de
Guerra».
Um quarto caminho que pode ser tomado é o «estreito», isto é, a disputa de
qualquer recurso e por maioria de razão de um recurso escasso/finito não faz
sentido se tal «coisa» importante não chega ao destino que nos convém. De
forma simplista mas julgada objetiva, damos conta de raciocínio relativo às
linhas de comunicações e, muito particularmente, aos gargalos, como são
exemplo os estreitos de Malaca20, de Sunda, de BabNelNMandab, de Ormuz, o
canal do Suez, entre outros.
18 “Custo do Programa Orion até 2021: 18 mil milhões de euros” (Lopes, 2015, p. 76). 19 “Rogozin [vice,primeiro ministro russo) anunciou recentemente (…) que a Rússia irá colonizar a Lua e ali permanecerá para sempre, porque o satélite da Terra é, atualmente, a única fonte acessível de matérias,primas extraterrestres” (Lokstin e Schepp, 2015, p. 61). “…a Rússia continua a ser uma superpotência especial. Sem a ajuda de Moscovo, os norte,americanos não poderiam enviar astronautas para a Estação Espacial Internacional (ISS). E até o Antares, o foguetão que transporta víveres, vestuário e aparelhos científicos, voa com motores russos” (Lokstin e Schepp, 2015, p. 60). 20 “O Japão irá precisar de uma presença na Ásia, de modo a lidar com os seus problemas demográficos e como forma de obter matérias,primas; para tal terá de controlar o Pacífico Noroeste” (Friedman, 2010, p. 218).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
230
A este propósito, diríamos que o pensamento não fica limitado à ideia de
garantir a segurança, o controlo (ou da vantagem de posição) e à existência de
normativos pesados que darão corpo «legal» a tais necessidades; também se
apressa no sentido do itinerário alternativo que permita diversificação de fluN
xos, que diminua dependências de passagem; enfim, que mitigue fragilidades
resultantes de cenários de entupimento ou de proibição.
Os «tubos» alimentadores do território europeu corporizam também tal
esforço, evitando ou fugindo de passagens menos amáveis; apesar do afirmado,
as «imagens» que traduzimos têm a ver com o facto de serem menos conheciN
das, julgamos: aos esforços e investimento chineses em Myanmar no porto de
Kyauk Phru não será alheia a possibilidade de construção de oleoduto que
aponte ao Império do Meio, constituindoNse como alternativa, em parte, ao
aperto de Malaca; às ações da mesma tipologia (incluindoNse mesmo construção
de portos) da Índia em espaços de Myanmar e do Bangladesh na procura de
futuro controlo da passagem pelo Índico (também próspero em recursos natuN
rais), com eventual choque com os norteNamericanos e mesmo com a China,
caso esta consiga, de igual modo, edificar estrutura portuária, desta feita no
Paquistão, projetandoNse assim naquele oceano (Brzezinski, 2014, p. 111).
Mas aquela questão do destino que nos convém tem duplo sentido; não se
trata somente daquele que aponta para nós, mas também do inverso, que leva a
«seiva» a outrem, que nos paga, por um lado e que por sua vez, materializa biuN
nívoca dependência.
Mais um exemplo: é certa a riqueza russa de petróleo e de gás, tal como o é,
a absoluta necessidade de o fazer chegar a quem o adquira, evitando por parte
do cliente o acesso a outras fontes que plasmem alternativa, tal como se torna
necessário mitigar, quer as possibilidades de trânsito bloqueado, quer o pagaN
mento de sobretaxas, quais imposições de circulação. E isto não se passa só no
mar; na terra proliferam oleodutos e gasodutos como é sobejamente conhecido.
E os recursos naturais têm que chegar ao Ocidente, à Europa, à Alemanha, à
Áustria…enfim, que dizer mais, para além da prolífera ordem de razões tornaN
das públicas21, do significado e do valor para os russos de territórios como o da
Bielorrússia, como o da Ucrânia, como o da Polónia, o da Hungria, o da RoméN
nia e outros (Friedman, 2015).
21 “O primeiro duelo foi pela Ucrânia, a chave da região para a Rússia. Não era apenas uma questão de «pipelines», mas de segurança física da Rússia a longo prazo. A fronteira ucra,niana com a Rússia estende,se por mais de 1100 quilómetros. Dista cerca de 800 quilóme,tros de Moscovo em terreno plano e aberto. Odessa e Sebastopol, ambas na Ucrânia, asseguram à Rússia acesso comercial e militar ao mar Negro e ao Mediterrâneo (…). Uma aliança ucraniana com a NATO colocaria uma ameaça inequívoca à segurança nacional russa” (Friedman, 2015, p. 259 e 260).
DISPUTA POR RECURSOS NATURAIS ESCASSOS
231
Um quinto domínio ou linha de reflexão e estudo decorre ou melhor pode
ser inferido de tudo o que pudemos injetar através da pena, fazendo emergir
aquilo que todos vemos, mas que muitas vezes não tiramos proveito: a interdisN
ciplinaridade, mesmo a transdisciplinaridade existente quando falamos deste
assunto, o da existência, da distribuição de recursos naturais, por forçosas e
gritantes interdependências. É que, ao mesmo tempo, a associação com outras
e diversas matérias, bem como com as consequências, incluindo soluções, que
daí possam resultar, obrigam ao convívio com fenómenos como a crescente
urbanização, a demografia, os hábitos alimentares, as alterações climáticas, a
modernização da vida social, entre outros.
E vamos finalizar.
CCCCONSIDERAÇÕES FINAISONSIDERAÇÕES FINAISONSIDERAÇÕES FINAISONSIDERAÇÕES FINAIS
O desafio que nos foi colocado poderia ter sido enfrentado de diferentes
formas, com os extremos na abrangência e na fácil restrição, consequente de
eventual aprofundamento de restrita matéria.
Tendo em conta o teor da publicação e imanentes projetantes de orientação,
tomámos a opção de efetuar uma abordagem, nem «tanto ao mar, nem tanto à
terra», correndo o originado risco que tal induzia, qual nosso posicionamento
no cesto da gávea, porque só esse permitia uma cartografia, tão vasta, como
rigorosa, dados os nossos meios e condições, sem nunca deixar de verificar da
qualidade dos curvatões que nos sustentaram ao longo das observações.
Aflorámos matéria de conceito, expressandoNnos claramente sobre signifiN
cados e critérios de classificação e, também com isso, forjámos aproveitamento
para plasmar elementos atualizados relativos aos recursos naturais que jogam
no campo de energia e que ainda hoje representam componente imprescindível
na vida dos agregados humanos.
Naqueles três caminhos adotados, fomos isolando e identificando (assuminN
do o ónus da prova) diversas e diferentes situações a título de exemplos, para
que a necessária e útil confluência da teoria e da prática fornecesse um quadro
o mais completo e claro possível, que pudesse ser visto pelos leitores e, muito
particularmente, por aqueles que vivem na Escola e para a Escola.
Dizer ainda que nessa espécie de formulação, procurámos aproximações a
diferentes recursos naturais, desde os energéticos, passando pelos hídricos e
não esquecendo os alimentares, ocupando o pensamento com vários territórios,
tão terrestres, marítimos, aéreos e espaciais, como tão a Norte, Sul, Leste e Oeste,
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
232
não ostracizando o seu preenchimento por diferentes atores ou até ainda por
preencher, em caso de satisfação de necessidade e de desejo.
O quarto caminho afunilou em gargalos e com esse estreitamento rebocou
preocupações e alertas com linhas de comunicações, com busca de alternativa
para as «viagens», com a necessidade e utilidade, tanto de receber como de
fazer chegar; os exemplos também aqui se materializaram com a riqueza, julgaN
se, advinda da diferente tipologia.
Na canseira consequente da tomada desses quatro percursos, o fardamento,
o equipamento e o armamento utilizados foram feitos à custa de matériasN
primas como as Relações Internacionais, a Estratégia, a Geopolítica e a GeoesN
tratégia, essenciais para lidar com aquilo que é e não com o que deveria ser; e
por isto, também referências à antropologia e à etologia.
Por último quisemos trazer à colação a obrigatoriedade da capacidade de
associação se transformar, situacionalmente, em competência, explicitando de
maneira inequívoca a necessidade destes assuntos serem abordados, estudados,
quiçá alguns resolvidos, de maneira interdisciplinar e mesmo transdisciplinar
acabando, em abono da verdade, com este último traçado, por justificar a opção
de abordagem por nós tomada e claramente expressa.
Esperemos que tenha sido útil, nem que fosse para aguçar apetite de estudo
sobre qualquer coisa que daqui possa ter sido retida.
233
11111111.... MMMMUDANÇAS UDANÇAS UDANÇAS UDANÇAS CCCCLIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E DDDDESASTRES ESASTRES ESASTRES ESASTRES NNNNATURAISATURAISATURAISATURAIS
AMÉRICO S. ZUZARTE REIS
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
As relações entre fatores ambientais e violência ou conflitos de cariz ambiental
constituem áreas muito debatidas nos nossos dias. No decorrer das duas últimas
décadas prestou,se muita atenção ao papel assumido pelos recursos naturais e
pelas alterações climáticas nos conflitos internos, no período pós guerra,fria.
Diversos autores pensaram que a escassez ambiental e as alterações climáticas
poderiam contribuir para a eclosão de violência ou distúrbios sociais, particular,
mente em estados escassamente capacitados em conhecimento e em estruturas
sociais, tais como se observa em países em desenvolvimento.
As alterações climáticas e os desastres naturais perigosos são susceptíveis de
agravar situações de crise em partes do Mundo que já padecem de elevados
níveis de insegurança alimentar. As alterações climáticas repercutem,se significa,
tivamente na segurança alimentar, nos meios de subsistência de milhões de pes,
soas e na migração forçada.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chavechavechavechave: Recursos naturais, alterações climáticas, desastres naturais, segu,
rança nacional
AAAALTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES CCCCLIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E DDDDESASTREESASTREESASTREESASTRESSSS NNNNATURAIS NUM ATURAIS NUM ATURAIS NUM ATURAIS NUM RRRRELANCEELANCEELANCEELANCE
Recursos Naturais, Alterações Climáticas (AC) e Desastres Globais (DG) são
temas centrais em diversos quadrantes da comunidade científica internacional.
A zonalidade climática e os tipos de tempo normais associados estão a mudar
globalmente e cada vez mais a afectar negativamente a humanidade. Sem dúviN
da, a pressão crescente sobre os ecossistemas, a intensificação da competição
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
234
mundial por recursos e a intensificação das consequências das alterações climáN
ticas são três dos principais desafios da primeira metade do século 21.
De acordo com o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas
(IPCC), se a temperatura média global subir 2º C acima dos níveis préN
industriais, os impactes ambientais negativos das AC crescerão muito significaN
tivamente, exigindo estratégias e esforços suplementares para os enfrentar.
A Agência Europeia do Ambiente (AEA) define onze tendências pesadas gloN
bais (TPG) – conforme analisadas no SOER 2010 e no SOER 2015)1 – relacionadas
com a demografia, o crescimento económico, os padrões de produção e de comérN
cio, o progresso tecnológico, a degradação dos ecossistemas e as alterações climátiN
cas. Estas tendências pesadas globais incidem directamente na alimentação, água,
energia, materiais e solo, afectando a saúde e bemNestar humanos no seio da União
Europeia (AEA, 2015. O Ambiente na Europa: Estado e perspectivas 2015 – Relató,
rio síntese. Agência Europeia do Ambiente, Copenhaga).
Do conjunto das onze TPG, destacaNse a referente às “consequências cada
vez mais graves das alterações climáticas: O aquecimento do sistema climático é
inequívoco e desde os anos 50 que muitas das alterações observadas são sem
precedentes ao longo de décadas a milénios. À medida que alterações climáticas
se desenvolvem, podem preverNse graves impactes para os ecossistemas e para
as sociedades humanas (incluindo segurança alimentar, frequência de secas e
fenómenos climatéricos extremos).” (AEA, 2015: 37).
As afectações negativas das AC são inúmeras e recaem sobre diversos sisN
temas naturais e humanizados tais como a biodiversidade, zonas costeiras,
espaços insulares e faixas costeiras densamente povoadas. As alterações climáN
ticas ameaçam a segurança alimentar, a segurança humana e a própria ordem
internacional, porque são geradores de impactes transfronteiriços que incluem
a agitação social e deslocações massivas de população.
A Europa confrontaNse atualmente com um fenómeno migratório irregular e
de grande intensidade, que trespassa diversas fronteiras de Estados Membros
da União Europeia (EM da UE). No momento em que se ultima este artigo, a
Ministra do Interior Austríaca (Joahanna MiklNLeitner) anuncia o erguer de uma
cerca ao longo da sua fronteira com a Eslovénia, criando assim um instrumento
(físico) para controlar o fluxo migratório. Será que entramos numa nova era de
“Muros” no Espaço Económico Europeu?2
1 O Ambiente na Europa: Estado e perspectivas 2010 (SOER 2010); O Ambiente na Europa: Estado e perspectivas 2015 (SOER 2015). 2 Espaço Económico Europeu (EEE). O EEE foi criado em 1994 a fim de alargar as disposições do mercado interno da União Europeia aos países da EFTA. http://www.europarl.europa.eu/ atyourservice/pt/displayFtu.html?ftuId=FTU_6.5.3.html.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS
235
Por seu lado, a região alemã da Baviera, na fronteira com a Áustria, acelerou
o ritmo de deportações e acusou Viena de encaminhar milhares de refugiados
para o seu território sem aviso prévio. Estamos perante uma falta de consenso
institucional entre os EM da UE sobre o rumo a dar às políticas necessárias para
gerir a crise de refugiados, com alguns estados a adoptar posições unilaterais.
A previsível intensificação do rigor do inverno nos países da Europa Central
obriga à adopção de medidas urgentes para salvaguardar a integridade física
dos milhares de famílias acantonadas em campos de refugiados improvisados e
em instalações precárias.
O crescente número de pessoas involuntariamente deslocadas, sejam elas
refugiados, deslocados internamente, ou à procura de exílio, tem a ver tão,
somente com questões de sobrevivência na esmagadora maioria das situações,
ainda que esta convicção possa carecer de validação. As pessoas abandonam os
seus lares e as suas raízes ancestrais por estarem na iminência de cair abaixo do
limiar de sobrevivência.
Em relação aos refugiados, é forçoso ir muito além do simples atacar de criN
ses conjunturais, que precisam de medidas imediatas, seja na Europa ou em
qualquer parte do Mundo. É forçoso atacar as raízes do problema e fazer um
esforço credível e efectivo para esbater o fosso entre as sociedades desenvolviN
das e as menos desenvolvidas, ajudando as populações a criar condições de
sustentabilidade nas suas terras de origem.
Quais as razões subjacentes ao progressivo engrossar das fileiras de refuN
giados? PodemNse apontar duas categorias de causas: as naturais, mas com
bastante influência humana, e as não naturais. Dentro das causas naturais, disN
tinguemNse as situações decorrentes de processos hidrológicos e meteorológiN
cos difusos e persistentes que vão difusamente degradando as condições
ambientais e os serviços prestados pelo ecossistema (e.g. crescente aridez,
escassez de água e solo, aumento da temperatura média global). Nesta categoria
também se enquadram as situações decorrentes de desastres naturais bruscos e
violentos (e.g. sismos, tempestades tropicais, inundações). Por seu lado, nas
causas não naturais, destacamNse as situações de perseguição, conflito, violência
generalizada ou violação dos direitos humanos, muitas vezes associadas a conN
flitos motivados pela escassez ou pela abundância de recursos naturais (resour,
ce course) como petróleo, diamantes, madeiras ou outros materiais valiosos3.
A crescente escassez de recursos vitais para a sobrevivência humana, obserN
vada em diversas partes do Mundo, tem implicações a uma escala global, regional
3 Ver, por exemplo, Zuzarte Reis, A., 2015. “Fight for natural resources: the geography of wars”, Chapter 7, pp. 127N146.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
236
e local. As manifestações da alteração ambiental que levam à escassez de recurN
sos, e.g. avanço da aridez, é visível em partes de África, América, Austrália e na
Bacia do Mediterrâneo. TemNse assistido a uma consciencialização progressiva
que a ameaça ambiental tanto afecta os territórios nacionais como as suas áreas
de interesse exterior, projectandoNse medidas que permitam antecipar e salvaN
guardar a segurança das fontes e fluxos de recursos cruciais tais como alimenN
tares e energéticos.
Perante este contexto securitário, levantaNse a questão em que medida estas
matérias entroncam com o tema central deste artigo? Tomemos como exemplo
situações recentes de afectação muito significativa de colheitas de trigo devido a
vagas de calor inusitadas. O decréscimo da oferta faz subir o preço e os mais
atingidos são os mais dependentes e os mais carenciados, com parcos recursos
para enfrentar o acréscimo no preço do bem.
Alguns ensaios recentes têm vindo a argumentar que a mudança climática
tem desempenhado um papel "multiplicador de ameaças" no Mundo Árabe, ou
seja, tem exacerbado diversas forças motrizes ambientais, sociais, econômicas e
políticas indutoras de desordem. Dentro das forças motrizes incluemNse a seca,
a escassez de alimentos e a migração centrada na sobrevivência (Sarah JonnsN
tone; Jeffrey Mazo, 2011, 2013).
A severa seca que afectou parte do território chinês no inverno de 2010N2011
tem sido associada como parte das causas subjacentes ao recrudescer da agitaN
ção social e violência que transformaram a Tahrir Square no Egipto num autênN
tico campo de batalha, em Janeiro e Fevereiro de 2011. À partida poderá
parecer não existir qualquer ligação entre o preço do pão (trigo) e a revolução
Egípcia, associada à Primavera Árabe, mas de facto estes dois eventos relacioN
namNse por uma série de acontecimentos observados no decorrer do inverno de
2010N2011. Durante os protestos na Primavera Árabe registados na Tunísia,
Líbia e Egipto, a atenção mundial focouNse sobretudo nos protestos na Tahrir
Square no Egipto e nas motivações políticas e ideológicas subjacentes aos mesN
mos, deixando escapar outras causas não tão óbvias, mas que contribuíram em
grande medida para o escalar dos acontecimentos, e que estão relacionadas
com aspetos básicas de sobrevivência.
Naquilo que poderia ser chamado de “globalização do risco” (Sternberg,
Troy: 2012), atenteNse que um simples inverno extremamente seco na China,
como acontece em cada cem anos, ao reduzir a produção interna de trigo, vai
ter consequências num país longínquo como o Egipto. As consequências da
ocorrência na China vão ser potenciadas por quer a Rússia quer a Ucrânia
terem sido igualmente afectadas por secas em 2010 e produzirem menos trigo.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS
237
Perante o decréscimo da quantidade, os preços do trigo subiram nas praças
internacionais, globalizouNse o efeito do acréscimo no preço e, logo, o seu risco
associado.
No Egipto, o maior importador mundial de trigo, as tensões escalaram após
o aumento do preço do trigo importado da Rússia (com reflexos no preço do
pão) e, segundo alguns autores, contribuiu para o desenrolar dos acontecimenN
tos que culminaram no confronto e contestação da legitimidade do Governo
(Sternberg, Troy: 2013).
Numa linha semelhante, vários estudos recentes relacionam o crescendo de
conflitualidade interna em países do Norte de África e Médio Oriente com fatoN
res climáticos. Por exemplo, mais de 60 por cento do território Sírio experimenN
tou a maior seca alguma vez registada, entre 2006 e 2011, e as piores quebras de
produção agrícola no Crescente Fértil. A seca devastadora induziu a fuga de
centenas de milhares de Sírios das áreas rurais para as cidades, que acabaram
por procurar refúgio em zonas de conflito armado. O conflito armado em curso
na Síria veio criar ainda maior insegurança no território e desencadear a fuga
massiva das populações já anteriormente deslocadas dos campos para as áreas
urbanas.
Globalmente, existem mais de 38,2 milhões de pessoas internamente desloN
cados (IDMC 2015 Global Overview), mais de 19,5 milhões de refugiados e 1,2
milhões procuram asilo (UNHCR Global Trends 2014).
EstimaNse que no final de 2014 o número de pessoas dependentes da assisN
tência do UNHCR (Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados)
ascendia a 59,5 milhões, devido a deslocações forçadas, tanto para fugir de
causas naturais como de zonas de conflito armado.
Este capítulo sobre alterações climáticas e desastres naturais não tem por
objeto entrar nas fundações científicas das alterações climáticas, mas sim incidir
sobre as principais consequências societárias e securitárias das mesmas. RemeN
teNse para bibliografia específica os aspetos de cariz mais técnico e científico,
quando tal se justificar e ajudar à compreensão das matérias expostas.
Assim, com este artigo procuraNse dar um contributo em Língua Portuguesa
no estudo das consequências humanitárias e securitárias das consequências das
alterações climáticas e dos desastres naturais extremos4. Conforme já se visN
lumbra da multiplicidade de aspetos abordados ao longo deste enquadramento
inicial, as relações entre Alteração Climática, Desastres Naturais e Conflitos são
4 Para o território nacional, sugereNse a consulta do Projeto “Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures” (SIAM)" , iniciado em meados de 1999, com o financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. http://siam.fc.ul.pt/.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
238
múltiplas e deveras complexas, prestandoNse a diferentes tónicas e perspectivas
de abordagem.
O artigo foi concebido de forma a passar em revista os primeiros desenvolN
vimentos na investigação das relações entre fatores ambientais e conflitos, enfaN
tizando as suas consequências, e reflectir alguns dos passos que levaram à
interiorização das ameaças ambientais nos discursos securitários aos níveis
nacional e internacional. Por último, refiraNse que são apresentados alguns valoN
res relativos a população, refugiados e desastres ambientais, onde se teve o
cuidado de procurar os dados credíveis mais recentes.
AAAALTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES CCCCLIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E LIMÁTICAS E DDDDESASTRES ESASTRES ESASTRES ESASTRES NNNNATURAIS ATURAIS ATURAIS ATURAIS –––– CCCCONCEITOS E ONCEITOS E ONCEITOS E ONCEITOS E FFFFACTOSACTOSACTOSACTOS
As implicações das alterações climáticas na segurança humana e na seguN
rança colectiva são inúmeras, complexas e multicausais, conforme o comproN
vam inúmeros projetos de investigação científica relacionados com segurança
ambiental, segurança alimentar, segurança energética e alterações climáticas.
Um estudo não muito distante, datado de 2008, sobre clima e segurança – Cli,
mate Change as a Security Risk, promovido pelo German Advisory Council on
Global Change (WBGU), salienta ser pouco provável o clima por si só induzir
guerras entre estados. No entanto, salienta o mesmo estudo, as alterações cliN
máticas poderão agudizar conflitos nacionais e internacionais e intensificar
problemas já difíceis de gerir, tais como falhas de estado, erosão da ordem
social e escalada de violência (WBGU 2008:2).
De facto, a alteração climática é uma ameaça global à segurança no século 21!
Esta ameaça é credível, muito provável (para não dizer certa) e atual, com uma
incidência global, ainda que diferenciada. É uma ameaça difusa e persistente, pelo
que é difícil avaliar a magnitude e o horizonte temporal da intensificação das suas
consequências. Do mesmo modo, as medidas consideradas hoje para mitigar e
solucionar as suas consequências terão um horizonte temporal muito remoto e,
achamos, uma grande incerteza quanto aos resultados alcançáveis.
Tentar decifrar o real alcance e potencial da ameaça climática, de forma a
antecipar medidas mitigadoras, tem sido uma preocupação quer no domínio
das ciências da terra como das ciências sociais e políticas. O certo é que, nas
últimas décadas os desastres naturais têm feito mais vítimas mortais do que os
próprios conflitos armados em curso5.
5 Para uma análise da tipologia de conflitos recomendaNse a consulta de: HIIK, Heidelberg Institute for International Conflict Research, que publica o Conflict Barometer desde 1992.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS
239
A ConvençãoNQuadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima
(UNFCCC), no Artigo 1 considera, para efeitos daquela convenção, que a alteN
ração climática "significa uma mudança de clima atribuível directa ou indirecN
tamente à actividade humana que altera a composição da atmosfera global e
que vai além de variabilidade climática natural observada ao longo de períodos
comparáveis. Considera ainda que, efeitos adversos da mudança climática "sigN
nifica modificações no ambiente físico ou biota resultantes da mudança climátiN
ca que tenham efeitos negativos significativos na composição, resiliência ou
produtividade dos ecossistemas naturais e administrados, ou no funcionamento
dos sistemas socioeconómicos ou no bemNestar ou saúde humana6.
As alterações climáticas manifestamNse pelo incremento da temperatura
global, alterações nos padrões de precipitação e diminuição nas quantidades de
gelo e neve. Estes fenómenos ocorrem globalmente e na Europa já são bem
evidentes, tendo alguns deles batido registos históricos nos últimos anos.
A Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres
(UNNISDR, 2004) define desastre como "uma grave perturbação do funcionaN
mento de uma comunidade ou sociedade causando perdas humanas, materiais,
econômicas ou ambientais generalizadas que excedam a capacidade da comuN
nidade ou sociedade afectadas para lidarem com a situação exclusivamente com
recursos próprios”.
Por natureza, um desastre natural é um evento multidimensional que provoN
ca graves perturbações no funcionamento de uma sociedade. Este evento pode
ser dividido em três elementos: o perigo natural, a exposição e a vulnerabilidade
(Wisner et al 2005, Birkmann 2006). Assim, um perigo natural transformaNse
num desastre em função destes três elementos. Enquanto de um perigo natural
grave por norma resulta um desastre natural em qualquer situação, normalN
mente de pequenos perigos naturais poderão não resultar desastres naturais se
a exposição e a vulnerabilidade da sociedade forem baixas. A vulnerabilidade a
desastres naturais pode ser definida como o conjunto de características de uma
sociedade em termos da sua capacidade para antecipar, enfrentar, resistir e
recuperar do impacte dos riscos naturais, (Wisner et al., 2005).
Na Figura 11.1Figura 11.1Figura 11.1Figura 11.1 sintetizamNse algumas evidências dos impactes das alterações
climáticas relacionados com a deslocação involuntária de pessoas e relações
entre as alterações climáticas e conflito, com base no 5º relatório de avaliação
do IPCC, de 2014.
http://www.hiik.de/en/konfliktbarometer/; Uppsala Conflict Data Program (UCDP), Department of Peace and Conflict Research, que reune informação de conflitos desde os anos de 1970. http://www.pcr.uu.se/research/UCDP/. 6 UNFCCC. United Nations 1992. Article 1. Definitions.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
240
Figura 11.1. Alterações climáticas e Figura 11.1. Alterações climáticas e Figura 11.1. Alterações climáticas e Figura 11.1. Alterações climáticas e deslocação e conflito. deslocação e conflito. deslocação e conflito. deslocação e conflito.
Evidências do 5º Relatório de Avaliação.Evidências do 5º Relatório de Avaliação.Evidências do 5º Relatório de Avaliação.Evidências do 5º Relatório de Avaliação. Impactes das Alterações Climáticas na
Deslocação Alterações Climáticas e Conflito
Os eventos meteorológicos extremos proNvocaram no passado deslocações significaNtivos de população, e as alterações na incidência de eventos extremos vão ampliar os desafios e riscos de tais deslocações.
Muitos grupos vulneráveis não dispõem dos recursos necessários para emigrar e evitar os impactes das alterações climáticas.
Os próprios emigrantes poderão estar vulneráveis aos impactes das alterações climáticas nas áreas de destino, particuNlarmente nas franjas urbanas em países em desenvolvimento.
Alguns dos fatores que incrementam o risco de conflitos violentos dentro de estaNdos são sensíveis às alterações climáticas (e.g. baixo rendimento per capita, retracNção da economia, inconsistência das instiNtuições do estado).
Estratégias de adaptação pobres e mal desenhadas podem incrementar o risco de conflito violento.
As pessoas que vivem em sítios afectados por conflitos violentos são particularmente vulneráveis às alterações climáticas.
O conflito influencia fortemente a vulneraNbilidade aos impactes das alterações climáNticas.
Fonte: IPCCNWG2NAR5, Chap 12 Human Security http://www.ipcc.ch/report/ar5/wg2/.
Parece agora consensual o reconhecimento de um conjunto de evidências
científicas que atestam o papel das alterações climáticas no incremento da
intensidade e frequência dos desastres naturais, particularmente os hidrológiN
cos e climatológicos. Nos últimos anos multiplicaramNse as situações de chuvas
intensas, furacões e vagas de calor (IPCC, 2011), provocando elevado número
de vítimas e danos materiais. Com base na EMNDAT (The International Disaster
Database), entre 2000 e 2015 foram reportados cerca de 6500 desastres naturais
que provocaram cerca de 1,3 milhões de mortes e danos materiais estimados
em 1969 mil milhões de dólares (a valores de 2014)7.
No corrente século registaramNse diversos desastres naturais violentos com
números avultados de vítimas e de danos materiais, como foram os casos do
sismo no Haiti (2010), que provocou mais de 200 mil mortes e três milhões a
necessitar de ajuda de emergência, o Ciclone Nargis (2008), no norte do Oceano
Índico, que atingiu a costa de Myanmar e devastou a região do Delta de AyeN
yarwady ao longo dos seus 37 municípios durante dois dias, causando pelo
menos 84 500 mortes e cerca de 54 000 desaparecidos, e o Furacão Katrina
(2005), o então mais mortífero de todos os que atingiram a costa do Golfo, proN
vocando perdas estimadas em mais de 81 mil milhões de dólares.
7 EMNDAT, consulta interactiva (20Out15) http://www.emdat.be/disaster_trends/index.html.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS
241
Durante o ano de 2013 os números oficiais apontam um total de 22 milhões
de deslocadas devido aos efeitos ou às consequências directas ou indirectas de
desastres naturais violentos (UNHCR 2015)8. Na Figura 11.2Figura 11.2Figura 11.2Figura 11.2 apresentaNse a
população refugiada em 2014, por regiões UNHCR.
Figura 11.2. População refugiada por regiões UHNCR Figura 11.2. População refugiada por regiões UHNCR Figura 11.2. População refugiada por regiões UHNCR Figura 11.2. População refugiada por regiões UHNCR –––– 2014 2014 2014 2014
PrincípioPrincípioPrincípioPrincípioNNNN2014201420142014 FimFimFimFimNNNN2014201420142014
Regiões Regiões Regiões Regiões UNHCRUNHCRUNHCRUNHCR Refugiados
Pessoas em situaNções tipo refugiado
Total de refugiados
Refugiados
Pessoas em situaNções tipo refugiado
Total de refugiados
África Central e Grandes Lagos
508.600 7.400 516.000 625.000 37.600 662.600
África Oriental e Corno de África
2.003.400 35.500 2.038.900 2.568.000 33.400 2.601.400
África Austral
134.500 N 134.500 174.700 N 174.700
África Ocidental
242.300 . 242.300 252.00 N 252.000
Total de Total de Total de Total de ÁfrÁfrÁfrÁfriiiica*ca*ca*ca*
2.888.800 42.900 2.931.700 3.619.700 71.000 3.690.700
Américas 514.700 291.200 805.900 509.300 259.700 769.000 Ásia e Pacífico
3.267.500 279.500 3.547.000 3.568.500 280.100 3.848.600
Europa 1.771.100 11.400 1.782.500 3.089.400 18.200 3.107.600 Médio Oriente e Norte de África
2.556.600 74.00 2.630.600 2.898.500 65.400 2.963.900
TotalTotalTotalTotal 10.998.700 699.000 11.697.700 13.685.400 694.400 14.379.800 * Excluindo Norte de África.
Fonte: UNHCR, Global trends, Forced Diplacement in 2014. UNHCR, 2015, Geneva. http://www.unhcr.org/540854f49.html
AAAAMBIENTE E MBIENTE E MBIENTE E MBIENTE E CCCCONFLITO ONFLITO ONFLITO ONFLITO –––– RRRROTEIRO OTEIRO OTEIRO OTEIRO SSSSINTÉTICO DA INTÉTICO DA INTÉTICO DA INTÉTICO DA IIIINVESTIGAÇÃONVESTIGAÇÃONVESTIGAÇÃONVESTIGAÇÃO
O arranque da investigação científica sobre o que na literatura se designou
de segurança ambiental (environmental security) ou de conflito ambiental (envi,
ronmental conflict) remonta ao início de 1970, no entanto, apenas nos anos de
1990 é que se vai consolidar essa investigação e são divulgados os primeiros
resultados que apontam para a existência de relações causais entre degradação
8 UNHCR, Environment and Climate Change: http://www.unhcr.org/pages/49c3646c10a.html (consulta a 20 de Outubro de 2015).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
242
ambiental e escalada de conflito. O esforço da investigação vai adquirir um
redobrado fôlego com o desanuviamento das relações EsteNOeste e o fim da
Guerra Fria, abrindo espaço para a inclusão das ameaças de cariz não militar
nas preocupações e políticas de segurança.
Nesta fase, os conceitos tradicionais de segurança – até aí baseados na sobeN
rania nacional e na segurança territorial – ficaram sob escrutínio, face ao papel
crescente das ameaças de natureza não convencional (militar). Diversos autores9
redefiniram o conceito de segurança e consideraram uma abrangência mais
ampla que integrava aspetos como o declínio económico, instabilidade política e
social, rivalidades étnicas e disputas territoriais, terrorismo internacional, lavaN
gem de dinheiro e tráfego de droga e stress ambiental.
A mudança no paradigma securitário é evidente na reformulação dos ConceiN
tos Estratégicos de Segurança Nacional de diversos países10 Ocidentais e da próN
pria Aliança Atlântica (OTAN), nas reformulações de 1991, 1999 e 2010. A
Estratégia de Segurança Nacional do Reino Unido (2010) traduz bem as actuais
preocupações securitárias nos planos nacionais, ilustradas nos seguintes trechos:
Today, Britain faces a different and more complex range of threats from a
myriad of sources. Terrorism, cyber attack, unconventional attacks using chemi,
cal, nuclear or biological weapons, as well as large scale accidents or natural
hazards […]. The security of our energy supplies increasingly depends on fossil
fuels located in some of the most unstable parts of the planet. Nuclear prolifera,
tion is a growing danger. Our security is vulnerable to the effects of climate
change and its impact on food and water supply. So the concept of national secu,
rity in 2010 is very different to what it was ten or twenty, let alone fifty or a hun,
dred years ago11.
Durante a fase em que se repensava a segurança, um estudo merece realce
por ser elucidativo de que nem só as Academias e Centros de Investigação
abarcaram esta frente de investigação. O Environmental Change & Security
9 e.g., Lester Brown, Redefining National Security, Worldwatch Paper No. 14 (WashingNton, DC, 1977); Jessica Tuchman Matthews, 'Redefining Security', Foreign Affairs, 68 (1989), pp. 162N77; Richard H. Ullman, 'Redefining Security', International Security, 8 (1983), pp. 129N53; Joseph J. Romm, Defining National Security (New York, 1993). 10 Portugal, à semelhança de outros países, também reformulou o Conceito Estratégico de Defesa nacional em 1994 e posteriormente em 2003. O atual conceito Estratégico de DefeNsa Nacional data de 2013, e foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2013, de 5 de Abril. https://www.defesa.pt/Documents/20130405_CM_CEDN.pdf. 11 A Strong Britain in an Age of Uncertainty: The National Security Strategy. Presented to Parliament by the Prime Minister by Command of Her Majesty, October 2010 https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/61936/nationalNsecurityNstrategy.pdf.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS
243
Project foi desenvolvido no âmbito da NATO/CCMS12 e coordenado por Kurt M.
Lietzmann13 e Gary D. Vest14. Deste projeto resultou o relatório Environment and
Security in an International Context, no Verão de 1999, que também deu um
valioso contributo para a compreensão do papel e consequências do stress
ambiental15.
Os fatores contextuais justificavam respostas sociais diferentes para fenóN
menos ambientais similares (CCMS Report nº 232). De facto, tomando como
exemplo dois sismos: o sismo no Haiti (2010) e o sismo no Japão (2011), verifiN
camos que no primeiro caso eclodiram violentos confrontos internos na
sequência da catástrofe natural e no segundo caso não desencadeou violência
social (Zuzarte Reis, A., 2015).
Em 1994, o jornalista americano Robert Kaplan escreveu “The Coming
Anarchy”, um artigo amplamente difundido que pintava uma imagem sombria
da África Ocidental a mergulhar num conflito endémico, alimentado por uma
espiral de crescimento populacional, degradação ambiental e acesso fácil a
armas. Baseado nos estudos pioneiros sobre ambiente e segurança, o futuro
que aquele artigo retratava era de “doença, excesso populacional, crime, escasN
sez de recursos, migrações de refugiados, erosão das fronteiras e da soberania
de estados, criação de exércitos privados e crescimento de cartéis da droga.”16
O artigo de Robert Kaplan, criticado e contestado na altura, não fez mais do que
alertar a sociedade para problemas actuais e que tenderiam a agravarNse num
futuro próximo, tal como se veio a verificar.
A partir do início da década de 1990, diversas academias e centros de invesN
tigação enveredaram por estudos sobre hipotéticas relações entre fatores
ambientais e conflitos. A produção científica daquele período foi numerosa e
diversificada, destacandoNse, no entanto, quatro grandes projetos de investigaN
ção que procuraram identificar as circunstâncias em que os problemas ambienN
tais poderiam contribuir para o curso dos conflitos armados violentos. Os
pioneiros incluíram o Grupo de Toronto, em torno de Thomas HomerNDixon, e
o Grupo de Zurique, liderado por Günter Bächler e Spillmann, que teve uma
evolução para o exterior e deu origem ao Environment and Conflicts Project
12 Committee on the Challenges of Modern Society (CCMS). 13 Ministro Federal do Ambiente, Conservação da natureza e Segurança Nuclear, da República Federal da Alemanha. 14 Deputado Assistente Principal do Secretário de Defesa (Segurança Ambiental), DeparNtamento de Defesa, EUA. 15 Adaptação do autor, a partir dos três diagramas originais do CCMS Pilot Study. 16 Kaplan, R. (1994) “The Coming Anarchy N how scarcity, crime, overpopulation, tribalism and disease are rapidly destroying the social fabric of our planet, “The Atlantic Monthly, February, pp 44N76.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
244
(ENCOP), no Instituto Federal de Tecnologia Suíço (ETH), em Zurique. Na fase
inicial estes dois grupos desenvolveram estudos empíricos que assumiam à
partida um conjunto de conexões entre degradação ambiental e escalada de
conflito.
Em meados de 1990, surgiram duas novas abordagens que se evidenciaram
das anteriores principalmente pelo criticismo que votaram ao trabalho desenN
volvido pelos pioneiros. Os grupos mais representativos destas abordagens
foram o Grupo de Oslo, em torno de Gleditsch, cujo trabalho se baseou em
estudos quantitativos, e o Global Environmental Change and Human Security
Project (GECHS), em torno de Matthew, com sede em Irvine, Califórnia, que se
focou na capacidade adaptativa das sociedades humanas.
Retomando a investigação pioneira, o projeto Canadiano Environmental
Change and Acute Conflict (1990 – 1993), examinou as circunstâncias em que o
stress ambientalmente induzido poderia causar conflitos intensos, tanto interN
nos como entre estados. A pesquisa desenvolvida teve por base diversos casos
estudo qualitativos sobre conflitos que ocorreram em países em desenvolvimenN
to, tendo os autores assumido a observação de uma estreita relação entre stress
ambiental e conflito intenso.
Aquele projeto focouNse nos problemas ambientais mais susceptíveis de conN
tribuírem para a escassez de recursos renováveis e para a falta de resposta dos
serviços ambientais, identificando seis tipos de alteração ambiental, entre as
quais alteração climática, degradação de solos agrícolas e degradação de recurN
sos hídricos. A tónica foi colocada na escassez de recursos renováveis, face a
um crescimento populacional sem precedentes, que colocava em causa o equilíN
brio da equação Malthusiana, população vs recursos, deixando antever conflitos
de privação.
O Grupo de Toronto não conseguiu estabelecer evidências irrefutáveis sobre
a relação causal entre escassez de recursos e escalada de conflitos, até porque
as abordagens foram maioritariamente qualitativas e baseadas em casos estudo
passados. No entanto, os trabalhos do Grupo de Toronto17 evidenciaram que a
escassez de recursos ambientalmente induzida em combinação com fatores
políticos, económicos e sociais seria capaz de destabilizar estados e sociedades
e culminar em conflitos violentos, tal como posteriormente Kurt Lietzamann e
Gary Vest também postularam.
17 A maioria da investigação do Grupo de Toronto ficou sistematizada em três grandes projetos cujos conteúdos foram sistematizados na obra Environment, Scarcity, and Violen,ce. HomerNDixon, T.F. 1999. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1999.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS
245
HomerNDixon (International Security, 1994) que desempenhou um papel releN
vante no aprofundar da investigação, sintetiza na seguinte frase as relações do
binómio população e recursos: “The degradation and depletion of environmental
resources is only one source of environmental scarcity; two other important
sources are population growth and unequal resource distribution.”18. Na Figura Figura Figura Figura
11.311.311.311.3 esquematizamNse graficamente essas relações.
Figura 11.3. Figura 11.3. Figura 11.3. Figura 11.3. Relações entre recursos, sRelações entre recursos, sRelações entre recursos, sRelações entre recursos, stresstresstresstress ambiental e respostas sociais ambiental e respostas sociais ambiental e respostas sociais ambiental e respostas sociais
Fonte: Elaboração própria
O Bangladesh constitui um exemplo típico do desequilíbrio entre população
e recursos. A sua população ronda 161 milhões e estimativas apontam que atinN
ja valores superiores a 180 milhões em 203019. O seu território tem vindo a encoN
lher por força da submersão de zonas muito baixas. As inundações frequentes,
conjugadas com a intensa desflorestação do território, têm degradado os habiN
tas e sistemas de suporte de vida e contribuído para deteriorar ainda mais a
condição humana nesta região. O risco combinado da elevação do nível do mar,
secas e tempestades caóticas têm posicionado o país entre os primeiros dez
mais vulneráveis aos eventos extremos no Global Climate Risk Index (Figura 5).
Face à degradação das condições naturais do seu território, a população do
Bangladesh começou a deslocarNse para a vizinha Índia, Estado de Assan, ainda
na década de 1950. Aquele território também padece de fragilidade ambiental,
económica e social, pelo que os confrontos violentos entre as duas comunidades
têm sido recorrentes e motivados pela disputa de recursos progressivamente
mais escassos (HomerNDixon, T. F., 1991:4).
18 Ibidem, p.40. 19 UNDP 2015.
Recursos renováveis (e.g. água e solo) de natureza finita e desigual distribuiN
ção geográfica
Pressão crescente e degradação por usos inadequados (poluição)
Stress Ambiental
Segurança Humana
Segurança Colectiva
Fragilidade Social
Fragilidade do Estado
Migrações forçadas, tensões e Conflitos
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
246
Num outro caso recorrente na literatura, deparamos com uma situação dísN
par da anterior. No Golfo da Guiné, a competição por recursos naturais, não
renováveis, tais como crude, diamantes e outros minerais, tem desencadeado
aquilo que a maioria dos autores designa de conflitos de “ganância”20 ou de
motivação económica. Conceptualmente, a ganância surge muito associada a
disputas sobre recursos de forte valor económico, levando não raras vezes ao
conflito armado violento. Não se pode excluir que, por vezes, o conflito em si
não é o resultado da tensão, mas sim uma forma de criar as condições necessáN
rias para a extracção ilegal e impune de recursos de um determinado Estado,
particularmente quando esse já de si está frágil e incapaz de proteger a perN
meabilidade das suas fronteiras (Fearon, 2004; UN, 2001a).
AAAALTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES LTERAÇÕES CCCCLIMLIMLIMLIMÁTICAS E ÁTICAS E ÁTICAS E ÁTICAS E SSSSEGURANÇA EGURANÇA EGURANÇA EGURANÇA –––– AAAA AAAABORDAGEM BORDAGEM BORDAGEM BORDAGEM IIIINSTITUCINSTITUCINSTITUCINSTITUCIOOOONALNALNALNAL
A obra de Rachel Carson (1962) Silent Springs constitui uma referência e
ponto de partida para a intensificação do debate que se seguiu durante os dez
anos precedentes à primeira conferência mundial das Nações Unidas (NU)
sobre problemas globais de ambiente de 1972, em Estocolmo.
No início do século 21, as questões ambientais e as implicações securitárias
subiram ao palco das Nações Unidas. Kofi Annan, na qualidade de SecretárioN
geral das NU, no seu relatório de 2003, dedicado à prevenção de conflitos
armados, enunciava:
“Lastly, in addressing the root causes of armed conflict, the United Nations
system will need to devote greater attention to the potential threats posed by
environmental problems.” […] “The implications of the scarcity of certain natuN
ral resources, of the mismanagement or depletion of natural resources and of
the unequal access to natural resources as potential causes of conflicts need to
be more systematically addressed by the United Nations system. The United
Nations system should consider ways to build additional capacity to analyze and
address potential threats of conflicts emanating from international natural reN
source disparities.”21
Na Conferência das Nações Unidas Sobre Alterações Climática, em Bali
(2007), Ban KiNmoon, SecretárioNGeral, no seu discurso de abertura foi muito
claro ao afirmar que “Now, finally, we are gathered together in Bali to address
20 Do Inglês, “Greed”. 21 United Nations. (2003, 12 September). Interim report of the Secretary General on the prevention of armed conflict (Report of the Secretary General on the Work of the OrganiNzation, A/58/365–S/2003/888 12 September 2003).
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS
247
the defining challenge of our age. We gather because the time for equivocation
is over. The science is clear. Climate change is happening. The impact is real.
The time to act is now.”
Recentemente, no decorrer de uma Conferência Internacional sobre impliN
cações das alterações climáticas na defesa (Paris, 14 de Outubro de 2015), Ban
KiNmoon começou por salientar que os impactes das alterações climáticas conN
tinuavam a crescer a um ritmo perigoso, especificando que os eventos climátiN
cos extremos estavam mais frequentes e intensos e afectavam tanto países ricos
como países pobres. Estes eventos ameaçavam provocar insegurança alimentar
generalizada e crises humanitárias, incluindo fluxos massivos de população22.
No capítulo das políticas de defesa e segurança nacionais, em Outubro de
2003, contrariando a postura da administração Bush, que repetidamente negou
a existência das alterações climáticas e rejeitou o Protocolo de Quioto, foi proN
duzido um relatório, então secreto, comissionado por um influente conselheiro
do Pentágono – Andrew Marshall – e da autoria de Peter Schwartz23, que eviN
denciou de forma acutilante que as alterações climáticas deveriam ser elevadas
além do debate científico, passando a um assunto central de segurança nacional
dos EUA24.
Conforme também nota SoromenhoNMarques (2005:78), aquele facto teve o
seu quê de paradoxal, uma vez que a iniciativa era contrária às políticas ambienN
tais da então administração Bush. Aquela Administração foi acusada por vários
quadrantes da sociedade de tentar doutrinar a comunidade científica para não
usar os termos Global Warming ou Climate Change25.
Em 2006 a CNA Corporation convocou um Military Advisory Board (MAB)
de onze oficiais generais e almirantes retirados para avaliar o impacte da
mudança climática global sobre as questões fundamentais de segurança nacioN
nal nos EUA e, em simultâneo, lançar as bases para o estabelecimento de mecaN
nismos de resposta às ameaças identificadas. Deste MAB saiu o relatório
22 Secretary,General's message to International Conference on the Implications of Climate Change for Defense. http://www.un.org/sg/statements/index.asp?nid=9135.... 23 Consultor da CIA e exNchefe de planeamento da Royal Dutch /Shell Group e da Rede Global de Negócios da Doug Randal, com sede na Califórnia. 24 Peter Schwartz e Doug Randall, An Abrupt Climate Change and its Implications for United States National Security, 2003. Washington, DC: Environmental Media Services, available at www.environmentaldefense.org/documents/3566_AbruptClimateChange.pdf. 25 VejaNse, por exemplo, algumas notícias da época que ilustram esta situação: http://www.theguardian.com/environment/2007/jan/31/usnews.frontpagenews; http://www.ucsusa.org/ourNwork/centerNscienceNandNdemocracy/promotingNscientificNintegrity/manipulationNofNglobal.html#.ViEkOvlViko; e uma cronologia de posições da administração Bush nesta matéria: http://www.nrdc.org/bushrecord/airenergy_ warNming.asp.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
248
National Security and the Threat of Climate Change, divulgado pela CNA em
Abril de 2007. Para o MBA, a alteração climática funciona como um multiplicaN
dor das ameaças à instabilidade nalgumas das regiões mais voláteis do Mundo.
O relatório identificou ainda os principais desafios que deveriam ser equacioN
nados no imediato, de forma a serem capazes de os enfrentar se e quando se
verificassem (CNA Corporation, 2007).
Na sequência do seu relatório de referência de 2007, a CNA divulgou um
novo relatório em 2014, desta vez suportado por um Military Advisory Board
constituído por 16 oficiais generais e almirantes, igualmente retirados e de
mérito reconhecido. O National Security and the Accelerating Risks of Climate
Change (2014). Naquele relatório, os 16 oficiais do MAB concentraramNse em
novas vulnerabilidades e tensões levantadas pelas alterações climáticas, salienN
tando que em determinadas circunstâncias seriam catalisadoras de conflito
(CNA Corporation, 2014) 26.
O Relatório de 2014 salientou que no espaço de sete anos que mediaram as
duas publicações os desenvolvimentos científicos nas projecções climáticas27
evidenciaram que as alterações climáticas observadas – particularmente no
Ártico – e o número de eventos climáticos extremos, tanto nos EUA como fora,
conjugadas com as mudanças no ambiente de segurança global tinham, no seu
conjunto, servido para acelerar as implicações das AC na segurança nacional
dos EUA. O MAB reconhece ter havido um esforço no planeamento de resposN
tas efectivas aos desafios impostos pelas AC. No entanto, continuava em falta
uma acção concertada entre EUA e a comunidade internacional que abarcasse
o espectro total do alcance das AC projectadas, o que levantava apreensões
significativas.
Ao nível supra nacional, em Abril de 2007, sob iniciativa do Reino Unido, o
Conselho de Segurança das Nações Unidas debateu profundamente pela priN
meira vez as alterações climáticas. As Nações Unidas assumiram formalmente
que a mudança climática não era um problema distante. Estava a acontecer
naquele momento e estava a ter consequências muito reais e sérias na vida e
bens das pessoas.
Nos EUA e na Europa enraizaramNse entendimentos de que alterações cliN
máticas e segurança estavam gradualmente mais conectadas. Nos EUA, por
exemplo, o Presidente Obama declarou recentemente que “Climate change is a
national security issue”. O Departamento de Defesa (DoD) Americano tem vindo
26 Para consultar os relatórios de 2007 e 2014, aceder a: CNA Analysis & Solutions https://www.cna.org/mab/reports. 27 IPCC 2007, Capítulo 10 e IPCC 2013, Capítulo 12.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS
249
a reiterar as implicações das alterações climáticas na segurança, destacando
que a alteração climática global agravará problemas tais com a pobreza, tensões
sociais, degradação ambiental, ineficácias de liderança e enfraquecimento de
instituições políticas, que ameaçarão a estabilidade em diversos países28.
Do lado europeu, diversos governos assumiram igualmente a importância
das alterações climáticas nos vários domínios da segurança., o mesmo se tendo
verificada ao nível da União Europeia (UE) 29.
PPPPOPULAÇÃO E OPULAÇÃO E OPULAÇÃO E OPULAÇÃO E RRRRECURSOS ECURSOS ECURSOS ECURSOS NNNNATURAIS ATURAIS ATURAIS ATURAIS –––– QQQQUE UE UE UE IIIIMPACTES MPACTES MPACTES MPACTES EEEESPERADOS DAS SPERADOS DAS SPERADOS DAS SPERADOS DAS ACACACACSSSS????
O risco de deslocações em massa associaNse em grande medida ao facto de
cada vez mais pessoas viverem em áreas propensas a desastres. A maioria dos
59,5 milhões de deslocados está concentrada em pontos sensíveis às alterações
climáticas, espalhados por diversas regiões do Mundo. Uma parte significativa
dos campos de refugiados nos países em desenvolvimento localizamNse em
regiões já de si ambientalmente fragilizadas e sem capacidade para atender às
necessidades da população vindoura, pelo que os refugiados em inúmeras situaN
ções enfrentam o risco de deslocações sucessivas, estando expostos a desastres
naturais e aos efeitos da degradação das condições ambientais. Amiúde verifiN
camNse conflitos entre as populações autóctones e as populações afluentes, que
vão com eles competir pelos recursos escassos (e.g., lenha e água).
De acordo com o Departamento de Assuntos Económicos e Sociais, Divisão
da População (Revisão de 2015), a população mundial atingiu 7,3 mil milhões em
meados de 2015 (Tabela 11.1Tabela 11.1Tabela 11.1Tabela 11.1), comportando um acréscimo de aproximadamente
mil milhões de pessoas nos últimos doze anos. A repartição geográfica da popuN
lação mundial é muito díspar, com 60 por cento da população a viver na Ásia, 16
por cento em África, 10 por cento na Europa, 9 por cento na América Latina e
Caraíbas e os restantes 5 por cento repartidos pela América do Norte (358
milhões) e Oceânia (39 milhões).
28 DoD Releases Report on Security Implications of Climate Change. http://www.defense.gov/ NewsNArticleNView/Article/612710. 29 Ver, e.g., S113/08 14 March 2008. Climate Change and International Security. Paper from the High Representative and the European Commission to the European Council.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
250
Tabela 11.1. População Mundial por Grandes Regiões, 2015, 2013 e 2050. Tabela 11.1. População Mundial por Grandes Regiões, 2015, 2013 e 2050. Tabela 11.1. População Mundial por Grandes Regiões, 2015, 2013 e 2050. Tabela 11.1. População Mundial por Grandes Regiões, 2015, 2013 e 2050.
VariVariVariVariaaaação 2015ção 2015ção 2015ção 2015NNNN2050 (de acordo com a 2050 (de acordo com a 2050 (de acordo com a 2050 (de acordo com a projecção variaçãoprojecção variaçãoprojecção variaçãoprojecção variaçãoNNNNmédia).média).média).média). População (milhões)População (milhões)População (milhões)População (milhões) Variação 2015Variação 2015Variação 2015Variação 2015NNNN2050205020502050 Grandes Regiões
2015 2030 2050 Milhões % Mundo 7349 8501 9725 2376 32,3 África 1186 1679 2478 1292 108,9 Ásia 4393 4923 5267 874 19,9 Europa 738 734 707 N31 N4,2 América Latina e Caraíbas 634 721 784 150 23,7 América do Norte 358 396 433 75 20,9 Oceânia 39 47 57 18 46,2 Fonte: Elaborado a partir de, United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2015). World Population Prospects: The 2015 Revision, Key Findings &
Advance Tables. Working Paper Nº ESA/P/WP.241.
Entre 2015 e 2050 estimaNse que ocorra um acréscimo de cerca de 2,4 mil
milhões na população global, prevendoNse que os continentes Africano e AsiátiN
co encaixem um pouco mais de 91 por cento desse aumento, respectivamente
54,4 e 36,8 por cento. O continente Europeu, a braços com uma crise de refuN
giados sem precedentes desde a 2ª Guerra Mundial, tenderá a perder cerca de
31 milhões dos actuais habitantes (N4,2%).
No âmbito do presente artigo, interessa antecipar algumas consequências
dos crescimentos populacionais projectados para África e Ásia. O forte cresciN
mento populacional e económico em curso nalguns países asiáticos, tais como
China, Índia e restante Ásia Oriental já fizeram disparar a procura global de
recursos minerais, energéticos e florestais, fazendo acentuar a pressão sobre os
vários sistemas e recursos do planeta. África, o vasto continente dotado de inúN
meras e preciosas riquezas naturais, continua subpovoada e marcada pela pobreN
za extrema que afecta quase um em cada dois africanos (Africa’s Pulse, 2015)30.
Países como Angola e Moçambique, que encetaram um caminho assinalável
na senda da recuperação económica e social no fim das respectivas guerras
civis, são dotados de recursos que atraem cada vez mais investimento estranN
geiro. No entanto, as suas populações, maioritariamente rurais, continuam muiN
to dependentes daquilo que a natureza lhes proporciona para satisfazer uma
parte das necessidades básicas diárias, nomeadamente água e lenha (principal
combustível doméstico), e expostas às alterações ambientais difusas (erosão e
desertificação) e aos fenómenos extremos da natureza. As recentes inundações
em Luanda (2014) e Benguela (2015), em Angola, e as inundações na Província
30 Africa’s Pulse, World bank Group, April 2015, Volume 15. Disponível em: http://www.worldbank.org/content/dam/Worldbank/document/Africa/Report/AfricasNPulseN brochure_Vol11.pdf
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS
251
da Zambézia (2013 e 2015), em Moçambique, evidenciaram as fragilidades dos
países para superarem por si só as consequências nefastas das inundações. As
recentes cheias registadas no vale do Zambeze em Janeiro de 2015 provocaram
para cima de 150 mortes e afectaram 125 mil pessoas só na Província da ZamN
bézia, segundo o balanço do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades
(INGC)31.
A crescente urbanização torna a sociedade atual mais vulnerável às conseN
quências das alterações climáticas. Mais de um terço da população mundial vive
em zonas urbanas costeiras. As sete maiores megacidades (definidas como
áreas de desenvolvimento urbano contínuo com mais de 10 milhões de habitanN
tes) localizamNse na Ásia, tal como mais de metade da população residente nas
grandes áreas urbanas (500 mil ou mais habitantes). No início do século 21, pela
primeira vez na história moderna, a população urbana excedeu a população
rural.
As áreas de baixa altitude e os sistemas costeiros evidenciam um crescendo
progressivo de vulnerabilidades que intentam contra a sua própria existência.
Estas regiões estão ameaçadas pela progressiva subida do nível relativo do mar
(SNRM) e confrontamNse com os impactes deste processo planetário associado
ao aquecimento global da atmosfera e dos oceanos.
As alterações climáticas ameaçam a existência de pequenos estados insulaN
res como Tuvalu, formado por nove atóis de coral no Oceano Pacífico Sul32. A
população de Tuvalu está habituada desde há muito a enfrentar ameaças climáN
ticas, desde ciclones a secas. No entanto, Tuvalu confrontaNse atualmente com
uma ameaça climaticamente induzida sem precedentes – a elevação do nível do
mar – que ameaça a sua existência geográfica, equacionandoNse já se será o
primeiro estado moderno a afogarNse.33
O incremento da erosão costeira, mudanças no volume dos aquíferos e na
qualidade da água (intrusão salina), a deterioração da barreira de coral, a desloN
cação de pessoas e bens, a instabilidade social relacionada com migrações entre
ilhas, a perda de rendimento resultante dos efeitos negativos na indústria do
turismo, o incremento da vulnerabilidade dos assentamentos humanos devido
ao decréscimo de terra e o decréscimo da agricultura e vegetação, são alguns
31 Portal do Governo da Província de Maputo http://www.pmaputo.gov.mz/informacao/ iistitutoNnacionalNdeNgestaoNdeNcalamidadesmaputo/. 32 A superfície terrestre total de Tuvalu é cerca de 26 km2 e o ponto mais elevado situaNse cerca de 4 m acima do mar. Em média Tuvalu está a menos de 2 m acima do nível do mar. 33 Ver, e.g, http://www.worldatlas.com/articles/tuvaluNandNclimateNchangeNrisingNseaNlevelsNthreateningNpacificNislands.html.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
252
dos impactes resultantes do aumento do nível do mar e das alterações climátiN
cas que afectam os pequenos estados insulares (Gaffin, 1997; Nurse et al., 1998).
No entanto, não são apenas as zonas baixas a estarem sob a ameaça das
alterações climáticas. As regiões de montanha posicionamNse entre as mais
sensíveis ao aquecimento global (EEA, 2009). Esta situação dá aso a que diverN
sos indicadores plausíveis da mudança do clima tenham por base a informação
recolhida em áreas montanhosas. Nas últimas décadas temNse assistido ao
recuo generalizado da base dos glaciares de montanha e que vai desde as
regiões polares às regiões tropicais.
QQQQUANTIFICAR O UANTIFICAR O UANTIFICAR O UANTIFICAR O RRRRISCO ISCO ISCO ISCO CCCCLIMÁTICOLIMÁTICOLIMÁTICOLIMÁTICO
Perante um cenário de alterações climáticas e consequências adversas, coloN
caNse a questão de como avaliar e quantificar a exposição dos países ao risco
associado às alterações climáticas. Neste artigo adoptaNse o Global Climate Risk
Index34 (GCRI), elaborado pelo Germanwatch. Este índice posiciona os países
em função do respectivo ranking no GCRI e analisa a extensão das perdas nos
países afectados por eventos climáticos extremos (tempestades, inundações,
ondas de calor, etc.) (Tabela 11.2Tabela 11.2Tabela 11.2Tabela 11.2).
Os dados mais recentes (2013) apontam as Filipinas, Camboja e Índia como
os países mais afectados no ano em referência. Já para o período entre 1994 e
2013, a lista foi encimada pelas Honduras, Myanmar e Haiti. Se considerarmos
as dez edições deste relatório, verificaNse que os países menos desenvolvidos
têm sido na generalidade mais afectados do que os países industrializados, sob
o ponto de vista de perdas globais.
Tabela 11.2. Índice de Risco climáTabela 11.2. Índice de Risco climáTabela 11.2. Índice de Risco climáTabela 11.2. Índice de Risco climático a longo prazo (CRI): os 10 patico a longo prazo (CRI): os 10 patico a longo prazo (CRI): os 10 patico a longo prazo (CRI): os 10 paííííses mais afectados ses mais afectados ses mais afectados ses mais afectados
desde 1994 a 2013 (médias anuais)desde 1994 a 2013 (médias anuais)desde 1994 a 2013 (médias anuais)desde 1994 a 2013 (médias anuais)
CRI CRI CRI CRI 1994199419941994NNNN2013201320132013
PaísPaísPaísPaís CRI ScoreCRI ScoreCRI ScoreCRI Score Mortes Mortes Mortes Mortes tooltooltooltool Mortes por Mortes por Mortes por Mortes por 100.000 100.000 100.000 100.000
habitanteshabitanteshabitanteshabitantes
Perdas totais Perdas totais Perdas totais Perdas totais em milhões em milhões em milhões em milhões US$PPCUS$PPCUS$PPCUS$PPC
Número Número Número Número de evede evede evede evennnntos tos tos tos (total 1994(total 1994(total 1994(total 1994NNNN
2013)2013)2013)2013)
1111 Honduras 10,33 309,70 4,60 813.56 69 2222 Myanmar 14.00 7137.40 14.80 1256.20 41 3333 Haiti 16.17 307.80 3.41 261.41 61 4444 Nicarágua 16.67 160.15 2.98 301.75 1.71 5555 Filipinas 19.5 933.85 1.13 2786.28 328 6666 Bangladesh 20.83 749.10 0.54 3128.80 228
34 Índice elaborado pelo Germanwatch. Em 2015 foi publicada a 10ª edição, com dados de 2013 e do período 1994 – 2013. http://germanwatch.org/en/climateNchange.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS
253
CRI CRI CRI CRI 1994199419941994NNNN2013201320132013
PaísPaísPaísPaís CRI ScoreCRI ScoreCRI ScoreCRI Score Mortes Mortes Mortes Mortes tooltooltooltool Mortes por Mortes por Mortes por Mortes por 100.000 100.000 100.000 100.000
habitanteshabitanteshabitanteshabitantes
Perdas totais Perdas totais Perdas totais Perdas totais em milhões em milhões em milhões em milhões US$PPCUS$PPCUS$PPCUS$PPC
Número Número Número Número de evede evede evede evennnntos tos tos tos (total 1994(total 1994(total 1994(total 1994NNNN
2013)2013)2013)2013)
7777 Vietnam 23.50 391.70 0.48 2918.12 216
8888 República Dominicana
31.00 210.45 2.38 274.06 54
9999 Guatemala 31.17 83.20 0.68 477.79 80 10101010 Paquistão 31.50 456.95 0.31 3988.92 141
Fonte: Global Climate Risk Index 2015, Germanwatch 2015.
Conforme já foi referido, as situações extremas não incidem nem afectam
apenas os países menos desenvolvidos. A Europa, por exemplo, entre Setembro
e o corrente mês de Outubro (2015) já foi atingida por inundações de grande
violência, em Itália, Balcãs, França, Grécia, Turquia, Espanha e Irlanda, entre
outros países35. Na União Europeia, na última década os desastres naturais cauN
saram 80.000 mortes e perdas económicas da ordem dos 95 mil milhões de
euros36.
Em jeito de conclusão, salienteNse que as alterações climáticas ameaçam
agudizar a já de si difícil situação de segurança alimentar mundial. O quarto
relatório do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC) fez
uma avaliação crítica dos possíveis impactes das alterações climáticas na agriN
cultura, pecuária e pesca, particularmente nos países das regiões tropicais e
subNtropicais.
Por seu lado, também a Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e Agricultura (FAO) alerta para as suas consequências negativas, em particular
nos pequenos agricultores de subsistência de regiões marginalizadas de África,
Ásia e América Latina37.
Ainda que as alterações ambientais desencadeiem efeitos globais negativos,
as consequências a uma escala local dependerão em grande medida daquilo que
um dos pioneiros em “Environmental Security” designou de “Ingenuity Gap:
Can Poor Countries Adapt to Resource Scarcity?” (HomerNDixon, Sep, 1995:
587N612).
35 ConsulteNse, por exemplo http://floodlist.com/europe (consulta a 19OUT15). 36 Enhacing the Knowlwdge base to support Disaster Risk Management. http://drmkc.jrc. ec.europa.eu/. 37 FAO. The PostN2015 Development Agenda and the Millennium Developments Goals, consulta onNline (26 de Outubro de 2015), http://www.fao.org/postN2015Nmdg/14Nthemes/ climateNchange/en/.
255
12121212.... CCCCHOQUES HOQUES HOQUES HOQUES DDDDEMOGRÁFICOSEMOGRÁFICOSEMOGRÁFICOSEMOGRÁFICOS
TERESA FERREIRA RODRIGUES
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
Podem as dinâmicas da população representar uma ameaça à segurança glo,
bal? Neste capítulo identificamos algumas questões e incertezas que os ritmos
diferenciados de crescimento e características estruturais da população do Mun,
do colocam aos equilíbrios atuais e futuros do sistema internacional. Apresen,
tam,se os contornos da relação entre demografia e segurança, apelando à
literatura existente, nomeadamente no âmbito da Demografia Politica. Discute,se
a relação entre crescimento demográfico e recursos, a forma como os diferentes
atores tentam gerir as assimetrias que caracterizam esse binómio e as perspetivas
de futuro. A terminar destacam,se alguns exemplos paradigmáticos da relação
complexa entre populações e segurança no quadro de insegurança global.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,chave:chave:chave:chave: Globalização, População, Transição demográfica, Segurança
IIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO
Podem as dinâmicas da população representar uma ameaça à segurança
global? A tentativa de resposta a esta interrogação exige a clarificação prévia de
quatro vetores essenciais da equação: de que populações falamos, que ameaças,
o que é a segurança global, de que modo e em que moldes estes vetores interaN
gem e se podem relacionar. E no entanto essa clarificação, mesmo que (forçoN
samente) parcial, não cabe neste capítulo, dada a sua extrema complexidade.
Cientes desta debilidade de partida tentaremos tão só nas páginas seguintes
identificar e discutir algumas questões ou incertezas que as dinâmicas de cresciN
mento populacional parecem colocar aos equilíbrios atuais e futuros do sistema
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
256
internacional. Poderá o vetor demográfico representar um fator de instabilidade e
tornarNse até uma ameaça? Para quem e sempre, ou apenas em determinado
contexto, uma vez reunido determinado conjunto de características demográficas
e não demográficas? Será correta a tendência comum de acentuar os fatores
potencialmente negativos impostos pelas assimetrias e características diversas
das dinâmicas populacionais, esquecendo as janelas de oportunidade que essas
mesmas dinâmicas podem constituir quando nos reportamos a casos concretos?
Com o fim da Guerra Fria despontam novas ameaças à segurança das popuN
lações e de toda uma pleiade de atores diversos (Estados, organizações internaN
cionais, ONG’s, empresas…). No Mundo em rede, e em rápida transformação,
uma das novidades consiste na gradual consciência de que os volumes e sobreN
tudo as dinâmicas demográficas podem constituir desafios à segurança global,
sobretudo em contextos marcados por sustentabilidade reduzida, acentuadas
disparidades económicas, migrações irregulares, tensões sociais ou étnicas,
sistemas políticos frágeis1. VejaNse como o acentuado envelhecimento da popuN
lação europeia e do este asiático influencia negativamente o seu crescimento
económico e financeiro2. As assimetrias de crescimento aumentam a pressão
sobre os recursos disponíveis, sejam estes naturais ou não, num contexto de
alterações climáticas, de que são causa e também consequência, e podem, em
situações extremas, criar tensões e conflitos dentro e fora das fronteiras polítiN
cas, com vista a garantir o acesso a recursos vitais, como água, alimentos ou
energia3.
Sabemos qual será, como será, onde estará e quais as características da
população mundial hoje e nas próximas décadas. Mas quando passamos à anáN
lise de tipo regional ou local, que é aquela em que é correto situar qualquer
reflexão sobre esta matéria, é impossível garantir o modo como as alterações
inevitáveis poderão representar uma maisNvalia ou um constrangimento em
termos de segurança regional e global. Assim, os estudos demográficos devem
1 Goldstone, J.A. N Demography and Security: Security Implications of Global Population Changes, 2007,2050. Research Paper No 2009N07. George Mason University. [Consultado em: 20 junho 2012]. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id =1449145 pp. 3N4. 2 Nas regiões desenvolvidas a principal preocupação (em 79% dos países) reside no efeito negativo do envelhecimento das estruturas etárias. Nos países em desenvolvimento as duas grandes preocupações são a pandemia de HIV/SIDA (90%) e o ritmo excessivo de aumento do total de residentes (50%). O inquérito UN – World Economic and Social Survey 2009. Promoting Development, Saving the Planet. DESA, 2009 [Consultado em: 20 setembro 2013]. Disponível em: http://www.un.org/en/development/desa/policy/wess/wess_archive/ 2009wess.pdf apresenta as respostas governamentais às variações de índole demográfico nacional. Para 22% o aumento é insuficiente e para 35% é demasiado elevado. 3 Sciubba, J. N The Future Faces of War. Population and National Security, Oxford: Praeger, 2011.
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
257
ser olhados como uma área de interesse fundamental dos estudos de segurança e
como um instrumento de apoio à decisão política. Informações em matéria de
volumes de população, características etárias, equilíbrios de género e distribuição
geográfica permitem detetar e prevenir fatores de risco de (in)segurança, mas
exigem também o conhecimento da conjuntura especifica a que se reportam.
Na verdade, o estudo das populações pode ser visto como um fim em si
mesmo (quando as olhamos como resultado simples das diferenças entre totais
de nascimentos, óbitos, imigrantes e emigrantes), ou como um sistema aberto
em constante mutação (onde cada uma destas variáveis é causa e consequência
das condições políticas, económicas, culturais e identitárias vigentes em deterN
minado contexto). É nesta segunda perspetiva que demografia e segurança se
cruzam. As tendências de fecundidade, mortalidade e migrações permitem
compreender o potencial inerente a um Estado ou região. São um recurso de
poder e de segurança e atuam como seus indicadores e potenciais multiplicadoN
res. As características das estruturas etárias aumentam ou reduzem a probabiliN
dade de conflito, a estabilidade social e o crescimento económico, por via da
produtividade edo consumo. Condicionam a vontade de afirmação de um EstaN
do, povo ou etnia, as tentativas de expansionismo, o conflito étnico, o radicalisN
mo ideológico e religioso, a pressão sobre os recursos naturais e a degradação
ambiental. As disparidades de crescimento populacional num contexto marcado
por contrastes demasiado vincados potenciam riscos e ameaças, de que os fluN
xos migratórios não controlados, o crime organizado, o tráfico de seres humaN
nos ou o terrorismo são exemplo4.
Neste capítulo começaremos por apresentar os moldes que definem a relaN
ção entre demografia e segurança, apelando à literatura já existente, nomeadaN
mente no quadro da Demografia Politica. Discutimos de seguida a relação entre
crescimento demográfico e recursos, naturais e não naturais, a forma como os
diferentes atores do sistema internacional têm tentado gerir as assimetrias que
enquadram esse binómio e as perspetivas de futuro que hoje se desenham. O
jogo de relações entre os dois polos da equação (demografia e segurança) foi
posteriormente tratado. Quisemos sublinhar que em cada universo populacioN
nal, independentemente da escala territorial considerada: a) as dinâmicas e
características de composição etária, por sexos e origem influenciam a estabiliN
dade interna; b) que esse universo é influenciado na sua composição, caracterísN
ticas e perceções de segurança pelo contexto exógeno; e c) que as dinâmicas e
características de composição etária e por sexos local determinam o poder de
4 Rodrigues, T. N «Population dynamics. Demography matters» In Globalization and Inter,nation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 38N41.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
258
influência (hard e soft power5) no contexto mai amplo. A terminar retomamos a
questão central, recorrendo a exemplos paradigmáticos da relação complexa
entre populações e segurança numa ótica de futuro.
PPPPOPULAÇÕES E SEGURANÇOPULAÇÕES E SEGURANÇOPULAÇÕES E SEGURANÇOPULAÇÕES E SEGURANÇAAAA.... OOOOS FATORES DE CONTEXTS FATORES DE CONTEXTS FATORES DE CONTEXTS FATORES DE CONTEXTOOOO
As dinâmicas populacionais influenciaram o passado da humanidade e esta
influência viuNse acrescida nas últimas décadas pelos efeitos do processo de
globalização, que funcionou, para o bem e para o mal, como acelerador e multiN
plicador dos desafios, oportunidades, riscos e ameaças presentes na relação
entre população e segurança6. TrataNse de uma relação complexa, porque quer a
situação demográfica, quer o ambiente de segurança enfrentam rápidas transN
formações. As lógicas próprias do processo de globalização contribuíram para
estreitar e unificar o ambiente estratégico, aproximar ameaças relacionadas
com poder e riscos, aumentar as desigualdades regionais e internas dos países,
a dificuldade em controlar informação, mesmo (ou sobretudo) a indesejável (as
ameaças tangíveis e intangíveis). E também ampliaram a pressão sobre os
recursos e respetivos impactos ambientais.
Existe porém uma vantagem quando estudamos populações: é que elas evoN
luem de formas esperadas7. A relativa inércia e previsibilidade de tendências de
evolução dos volumes populacionais são uma maisNvalia para a tomada de deciN
são. Mas paradoxalmente essa previsibilidade arriscaNse a que sejam esquecidas
pelos investigadores e decisores responsáveis pela manutenção, prevenção e
mitigação de riscos de segurança. Nada mais errado.
5 Para a definição do conceito vide HENRIQUES, M.C., PARADELO, António, “Uma Fórmula de Soft Power”, Revista Nação e Defesa, nº113. Primavera 2006, 107N128 [Consultado em: 20 outubro 2015]. Disponível em: http://www.idn.gov.pt/publicacoes/nacaodefesa/textointegral/NeD113.pdf. 6 Presidence de la Republique N Livre Blanc. Defense et Securité Nationale. 2013. La DocuNmentation Française [Consultado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: http://www.livreblancdefenseetsecurite.gouv.fr/pdf/le_livre_blanc_de_la_defense_2013.pdf 7 RODRIGUES, T.F. – «O Futuro (in)Certo das Dinâmicas Demográficas em Portugal». In Contributos para Um Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Atena, nº28. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2012. 210N1.
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
259
O modelo de transição demográfica8 (Figura 12.1Figura 12.1Figura 12.1Figura 12.1) pode ser a chave para
compreender as questões de segurança demográfica e parece também ele um
dado adquirido em termos de progressão. A confirmarNse a inevitabilidade
desta teoria9 trataNse de saber gerir a passagem gradual de todas as sociedades
de um ciclo de vida curto e instável, com muitos jovens e poucos idosos (fase 1),
para um ciclo de vida longo e estável, com poucos jovens e cada vez mais idosos
(fase 4). Em 2004 Cincotta et al. comparou dados da UNDP e da Uppsala Conflict
Data Project e avançou com o conceito de “soft landing”, que utilizou para avaN
liar probabilidades diferenciais em termos de conflitualidade. O autor considera
que a recorrência dos conflitos decresce a par da descida dos níveis de fecundiN
dade e da transição para uma economia de mercado (vejaNse a Coreia do Sul,
Taiwan, Tailândia, Singapura e Malásia). Assim, os países que hoje se enconN
tram nas fases 2 e 3 (como o Iraque, o Paquistão e a Nigéria) têm maior probabiN
lidade de conflito interno, mas poderão ver este risco reduzirNse quando
avançarem no processo de transição demográfica10.
Já a Europa, que se encontra na fase 4, tem dado mostras de preocupação
com as implicações de segurança decorrentes do generalizado envelhecimento
das estruturas etárias e do aumento da percentagem de população residente
não europeia. Simultaneamente, as Nações Unidas têm tentado combater as
causas das migrações forçadas pela escassez alimentar e a pobreza, que pareN
cem aumentar as probabilidades de conflito11. Assim, as assimetrias de cresciN
mento populacional e a globalização do envelhecimento e das migrações
constituem os três grandes pontos de incerteza fundamental no link demografia
e segurança. Todos decorrem do processo de evolução da transição demográfiN
ca e são eles os três fatores de contexto em termos do sistema de segurança
global.
8 O Modelo de Transição Demográfica (teoria explicativa da dinâmica populacional) divideNse em quatro fases, podendo variar ligeiramente, de acordo com os países: 1ª fase N níveis elevados de natalidade e mortalidade; 2ª fase – a natalidade não varia muito e a mortalidade inicia um processo de declínio; 3ª fase – a mortalidade continua a declinar e a natalidade inicia uma tendência de recuo; 4ª fase / pósNtransição, natalidade e mortalidade continuam a decrescer, graças a importantes mudanças sociais, atingindo valores baixos. As fases 2 e 3 correspondem ao fenómeno da transição caracterizado por forte crescimento”. Henriques, F., Rodrigues, T. – «O século XX: a transição». In A População Portuguesa. Das longas per,manências à conquista da modernidade. Porto: Afrontamento, 2009. 417N567. 9 Cincotta, R., Engelman R., Anastasion, D. N The Security Demographic: Population and Civil Conflict after the Cold War, 2003. 10 Cincotta, R. – The Next Steps for Environment, Population and Security. Demographic Security Comes of Age, ECSP Report, Issue 10, 2004: 1. 11 UNNHabitat – The Challenge of Slums: Global Report on Human Setlements 2003 [ConsulNtado em: 20 maio 2015]. Disponível em: http://www.unhabitat.org/pmss/listItemDetails. aspx?publicationID=1156.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
260
No Mundo em constante mutação o conhecimento do vetor demográfico
importa para uma análise efetiva das ameaças. Cumpre avaliar as implicações
em termos de segurança que decorrem 1) do volume de população, da estrutura
etária, distribuição geográfica, composição étnica; e 2) das alterações na relação
entre os fatores identificados em 1), designadamente em termos de saldos
migratórios, ritmos de crescimento, e mudanças na estrutura etária e na comN
posição e equilíbrio por sexos.
Figura 12.1. Modelo de transição demográfica. Diferentes cronolFigura 12.1. Modelo de transição demográfica. Diferentes cronolFigura 12.1. Modelo de transição demográfica. Diferentes cronolFigura 12.1. Modelo de transição demográfica. Diferentes cronoloooogiasgiasgiasgias
Fonte: PRB, World Population Dataheet, 2011 (http://www.prb.org/pdf11/2011populationNdataNsheet_eng.pdf).
Os contributos teóricos sobre o tema optam entre considerar o capital
humano como fator fundamental da equação do poder nacional (escola realista)
ou olhar os equilíbrios entre população e recursos como potenciais preditores
de conflitos. Predomina a visão clássica influenciada pela Escola Realista, que
centra a segurança nacional na defesa contra ameaças diretas à sobrevivência
do Estado, de natureza maioritariamente militar. Com o fim da Guerra Fria
vários autores enfatizam a proteção dos direitos humanos e a autoNlimitação do
poder coercivo do Estado e no início dos anos 80, Barry Buzan e Richard HulN
man introduzem a distinção entre hard e soft security12, defendendo que o estuN
do das populações deve ser visto em termos dinâmicos e não apenas
12 A primeira engloba respostas a ameaças militares, a segunda representa desafios de cariz politica, social económica ou cultural e identitária, que poderão constituir futuras ameaças à sobrevivência do Estado. A demografia assume uma posição de fundamental relevância para a equação do poder relativo ao sistema internacional e para a definição da estratégia securitária e de defesa nacional.
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
261
macrodemográficos13, centrado na rede de interações e não apenas em volumes.
Acrescem à dimensão militar os vetores de estabilidade interna e de proteção de
segurança humana. Gradualmente a análise demográfica tornaNse um instrumenN
to central das políticas de soft security. Envelhecimento versus crescimento, imiN
gração internacional indesejada, emergência de ameaças globais são alguns dos
temas afetam os domínios da segurança e exigem respostas concertadas, onde
coexistem e se complementam as componentes militar e civil14.
Em termos de investigação académica15 a reflexão sobre a importância das
dinâmicas demográficas para a segurança surge em finais dos anos 6016. A
insegurança, majoritariamente expressa em conflitos entre Estados era encaraN
da como consequência da má articulação entre crescimento demográfico,
recursos vitais e desenvolvimento económico. Os equilíbrios hierárquicos entre
Estados no sistema internacional dependiam do volume da sua população, a
qual representava o principal fator de afirmação do poder, embora fossem conN
siderados outros determinantes que poderiam ou não reforçar esse poder
(como o nível médio de educação e estado de saúde, o mercado de emprego e o
nível de bemNestar e qualidade de vida em termos de habitação, alimentação e
lazer)17.
A segunda linha de reflexão, de cariz mais histórico e economicista18, é marN
cada pela obra de Weiner e Russell19. Estuda a forma como condições ambienN
tais, tendências demográficas, doença, tecnologia e globalização económica
criam soluções, mas também problemas, para a guerra e paz, a soberania, o
desenvolvimento. Com perfil ecológico, discute as implicações de segurança decorN
rentes dos moldes da relação entre população, recursos naturais e desenvolvimento
e destaca os riscos para a estabilidade que representa a competição por recursos
essenciais (como a água, os alimentos, o emprego). Considera que o risco de confliN
13 EntendeNse por macrodemográfico o estudo do volume, idade, sexo e distribuição espaNcial de dadao universo populacional. 14 LindleyNFrench, Julian (2004), “The Revolution in Security Affairs: Hard and Soft SecuNrity Dynamics in the 21st century”, European Security, 13:1N2, 1N15. 15 Rodrigues, T e Xavier, A. – «Reconcetualizar a Segurança e a Defesa Nacional: O Futuro e a Importância do Fator Demográfico» In Revista de Ciências Militares, 1, nº1, maio 2013, 2013. 59N61. 16 Ehrlich, P., Ehrlich, A.H. N The Population Bomb, New York: Ballantine Books, 1968. 17 Meadows, Donella H. et al. N The Limits to growth: a report for the Club of Rome’s proNject on the predicament of mankind, 2nd ed. New York: New America Library, 1975. 18 Ligada à International Studies Association, à American Political Science Association e ao Environmental Change and Security Program (NAFEEZ, M.A. N «Globalizing Insecurity: The Convergence of Interdependent Ecological, Energy, and Economic Crises» [ConsulNtado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: http://yalejournal.org/wpNcontent/uploads/ 2010/09/105208ahmed.pdf). 19 Weiner, M., Russell, S. N Demography and National Security, Nova Iorque: Oxford Berghan Books, 2001.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
262
to é maior em Estados politicamente fracos e menor em democracias e Estados
autoritários. Os mais otimistas defendem as vantagens militares e económicas
de populações numerosas e defendem que o desenvolvimento económico leva
inevitavelmente ao aumento de segurança.
A terceira linha de entendimento da ligação populaçãoNsegurança avoca
uma ótica geoestratégica e geopolítica, bem como uma postura prospetiva.
Considera o dinamismo demográfico como um vetor estratégico de segurança e
defesa e a população como uma potencial ameaça não convencional20. Defende
que a conflitualidade atual e futura será influenciada pelas tendências e níveis
diferenciais de mortalidade, fecundidade e migrações, porque o grosso do
aumento populacional ocorre em países em desenvolvimento e interfere com o
poder político e com as capacidades de arranque económico e de desenvolviN
mento, podendo agravar tensões sociais. A existência de uma população jovem
aumenta o risco de conflito interno, se não existirem respostas do mercado de
trabalho. Mas certos Estados podem ter nos ativos jovens a sua janela de oporN
tunidade, permitindoNlhes elevar a sua importância no sistema internacional
(projeção de forças militares, alianças vantajosas com países envelhecidos e
consolidação de posições no Conselho de Segurança das Nações Unidas).
Assim, a população é polivalente nas suas consequências.
A Demografia Política21 agrega nos seus objetivos específicos todos os conN
tributos teóricos precedentes. TrataNse de uma área pouco estudada no âmbito
da Ciência Política e das Relações Internacionais, mas que ajuda à compreensão
e prevenção de riscos de segurança, porque a) permite avaliar as consequências
políticas das alterações populacionais (pressão sobre os governos, controle da
sua atuação, distribuição do poder politico); b) reconhece os determinantes
políticos das dinâmicas da população (especialmente as causas políticas da cirN
culação de pessoas, os efeitos das estruturas etárias nas funções do Estado e as
políticas públicas mais adequadas e urgentes face ao volume, composição e
distribuição demográfica); e c) socorreNse dos indicadores demográficos para
identificar as grandes preocupações das sociedades em termos de população
versus recursos, num quadro de segurança humana22.
20 Sciubba, J. N The Future Faces of War. Population and National Security, Oxford: Praeger, 2011. 21 Kaufmann, E., Toft, M. N «Introduction» In Political Demography: How Population Changes are Reshaping International Security and National Politics. New York: Oxford University Press, 2011. 3 definem demografia política como “the study of the size, composi,tion, and distribution of population in relation to both government and politics”. 22 Weiner, M., Russell, S. (ed.) N Demography and National Security, Nova Iorque: Oxford Berghan Books, 2001.
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
263
A estas valências poderemos acrescentar o modo como as alterações na disN
tribuição dos recursos e do poder político podem surgir das alterações absolutas
e relativas na dimensão dos vários subgrupos (populações urbanas/rurais, gruN
pos religiosos, fações partidárias, etnias, grandes grupos etários)23. CombinamNse
assim duas perspetivas, a mais centrada nas questões de poder nacional e equilíN
brios clássicos de “segurança interna”, e outra que avalia o poder de uma socieN
dade com base nos equilíbrios, vantagens e desvantagens que dado universo
populacional consegue obter no xadrez internacional. O que sabemos hoje?
AAAAS FACES DA POPULAÇÃOS FACES DA POPULAÇÃOS FACES DA POPULAÇÃOS FACES DA POPULAÇÃO.... OOOOS TEMPOS E OS MODOSS TEMPOS E OS MODOSS TEMPOS E OS MODOSS TEMPOS E OS MODOS
A população mundial quadruplicou durante o século XX, passando de 1,6 a
6,1 mil milhões. Em 2011 atingiramNse os 7 mil milhões de habitantes. Os dez
maiores países do Mundo são maioritariamente asiáticos e africanos (Figura Figura Figura Figura
12.212.212.212.2). Embora se verifique uma gradual redução do ritmo de crescimento, estiN
maNse um aumento de cerca de três milhares de milhões de indivíduos até final
do século XXI. Mas não em toda a parte: mais de 70% dos novos habitantes do
planeta serão asiáticos e africanos24. As atuais percentagens de jovens, adultos e
idosos de cada região de cada população determinam futuros desiguais (Figura Figura Figura Figura
12.312.312.312.3) e a descida dos níveis de fecundidade nas regiões onde ainda são elevados25
será o fator determinante na redução prevista dos ritmos de crescimento médio
mundial (passagem das fases 2 ou 3 para 4).
23 Goldstone, J. – «Political Demography». ENInternational Relations [Consultado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: http://www.eNir.info/author/christianNleuprechtNandNjackNaNgoldstone/. 24 Münz, R. N «Demography and Migration: An Outlook for the 21st Century». MPI Policy Brief, Nº 4, September, 2013.3 25 Consequência da passagem da fase 2 para a fase 3 em termos de transição demográfica (v. FigFigFigFigura 1ura 1ura 1ura 1).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
264
Figura 12.2. Hoje e amanhã. Os 10 países mais populosos do Mundo (2013, 2050)Figura 12.2. Hoje e amanhã. Os 10 países mais populosos do Mundo (2013, 2050)Figura 12.2. Hoje e amanhã. Os 10 países mais populosos do Mundo (2013, 2050)Figura 12.2. Hoje e amanhã. Os 10 países mais populosos do Mundo (2013, 2050)
Fonte: PRB, Word Population Datasheet, 2014.
À medida que a população evolui e se alteram as suas características tornaNse
mais complexa a gestão da trilogia população, recursos e desenvolvimento. Por
duas razões: a) porque a geografia da maioria dos recursos naturais vitais não
coincide com a geografia da população; b) porque a pressão crescente sobre os
recursos agrava as situações de stress sobre os mesmos, inclusive os renováveis26.
A poluição tem vindo a aumentar, tal como a deterioração do solo, a escassez de
água potável e a fome, como resultado da desigual distribuição de recursos, acenN
tuada no contexto de alterações climáticas. Estas últimas atuam como multiplicaN
dores de riscos e ameaças e catalisadores potenciais de tensões e conflitos,
intensificam disparidades entre grupos, etnias, regiões, geram processos de
26 HomerNDixon, T. (1994), “Environmental Scarcities and Violent Conflict: evidence from cases”, International Security, vol.19, nº1 (Summer 1994), 5N40 [Consultado em: 2 setemNbro 2015]. Disponível em: http://www.homerdixon.com/projects/evidence/evidend.htm.
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
265
migração forçada, seja em busca desses recursos, seja para fugir às suas conseN
quências27.
Figura 12.3. População Mundial. Ritmos de Crescimento (1950Figura 12.3. População Mundial. Ritmos de Crescimento (1950Figura 12.3. População Mundial. Ritmos de Crescimento (1950Figura 12.3. População Mundial. Ritmos de Crescimento (1950NNNN2100)2100)2100)2100)
Fonte: http://esa.un.org/unpd/wpp/Documentation/pdf/WPP2012_HIGHLIGHTS.pdf; Migration Policy Institute, “Demography and Migration: an Outlook for the 21st century”. Policy Brief Nº 4,
Setembro, 2013: 3 http://www.migrationpolicy.org/research/demographyNandNmigrationNoutlookN21stNcentury.
Nas próximas décadas mais de 80% das sociedades serão confrontadas com
os efeitos combinados de crescimento populacional significativo, alterações ecoN
nómicas e pressão em termos de recursos vitais disponiveis, condicionados por
fenómenos globais (aquecimento climatérico, escassez de água, desertificação do
27 Rodrigues, T. – «Population dynamics. Demography matters» In Globalization and Inter,nation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 38N41.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
266
solo), de que acabam por ser as maiores vítimas. A inevitabilidade de cresciN
mento populacional assimétrico gera outras incertezas, nomeadamente quanto
ao modo de melhorar os níveis médios de desenvolvimento humano. Já os paíN
ses mais desenvolvidos irão debaterNse com os efeitos acumulados do duplo
envelhecimento das estruturas etárias, do aumento da idade média dos adultos
ativos e da crescente dependência face à imigração, da necessidade de redefiniN
ção dos moldes de mercado de trabalho e dos sistemas clássicos de apoio social.
ColocaNse assim, uma vez mais na história da humanidade, o repto de garantir o
equilíbrio entre população e recursos, sem pôr em causa o necessário e desejaN
do desenvolvimento económico, social e humano, com vista a permitir a aproN
ximação gradual entre níveis de bemNestar, sem que esse facto comprometa a
sustentabilidade dos recursos vitais ou signifique o agravamento da pressão
sobre o ambiente, natural e construído28.
Eis alguns dos desafios da sociedade global que podem transformar a popuN
lação num vetor passível de desencadear riscos de segurança e mesmo de conN
flito. Neste início de século o Mundo não está a ficar mais unido politicamente,
mais interdependente no campo económico, mais homogéneo culturalmente ou
mais seguro29. A trilogia PopulaçãoNRecursosNDesenvolvimento regressa à
ordem do dia na sociedade de risco global e adquire um novo prisma de análise:
o da segurança humana30. Já não se trata, como no passado próximo, de utilizar
a natureza e moldáNla em função dos interesses do homem. Parte significativa
do esforço dos novos atores do sistema internacional é hoje empregue na gesN
tão e resolução ou mitigação dos problemas resultantes de opções tecnológicas
e económicas das gerações precedentes.
ConfrontamoNnos com diferentes tipos de risco e com diferentes dimensões
de análise do mesmo, nomeadamente espacial, temporal e social31. O risco gloN
balizouNse em termos de intensidade, de generalização, da existência ou imponN
derabilidade de certos riscos e da criação de novos, da ambivalência de decisão
sobre muitos deles e da necessidade de cooperação internacional para a sua
28 Pison, G. N Atlas de la Population Mondiale. Faut,il craindre la croissance démographique et le vieillissement? Paris: Jacquard, 2009. 29 Rodrigues, T.F. – «Globalização. Definições, Convergências e Diversidades». In A Distin,ção Política “Esquerda,Direita”: a problemática da sua validade e atualidade, Lisboa: Fonte da Palavra, 2012. 130. 30 Rodrigues, T. – «Globalização, População e Ambiente», Lisboa: Academia das Ciências [Consultado em: 1 Abril de 2012] Disponível em: http://www.acadNciencias.pt/index.php? option=com_content&view=article&id=1736. 31 A poluição não conhece fronteiras, os resíduos nucleares e os organismos geneticamenNte modificados têm um período de vida longo.
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
267
regulação e neutralização. Falamos de riscos sem fronteiras, naturais, tecnolóN
gicos, resultantes de ameaças transnacionais, identitários32.
Controvérsia e muitas hesitações rodeiam as tentativas de hierarquização dos
riscos atuais e futuros, dada a sua variabilidade consoante as regiões geográficas,
as conjunturas a que nos reportamos e a forma como são percecionados. A
comunidade científica internacional parece ter chegado a um consenso quanto
aos principais, destacando os efeitos das alterações climáticas, a má governação e
a corrupção, a instabilidade financeira e concorrência económica, as migrações, o
acesso a água potável e alimentação, a saúde pública 33. Na listagem incluiNse ainda
a corrida ao armamento, o crime organizado, o ciberterrorismo. Os maiores periN
gos que hoje ameaçam as sociedades não são de tipo militar strictu sensu, o que
não significa que não existam ameaças militares (confrontos armados na Síria,
ameaças relativas ao Irão ou plano nuclear da Coreia do Norte).
Mas como refere o Global Trends 2030. Alternative Worlds34, a geopolítica
contemporânea tem de considerar novos fenómenos e os principais desafios do
século XXI estão relacionados com a gestão dos recursos. Falamos da escassez
de recursos vitais (água potável, solo agrícola, alimentos), da energia (localizaN
ção e reservas, rede de distribuição), de desastres naturais (aumento de freN
quência, de vitimas mortais, de deslocados) e de conflitos e guerras pela posse de
recursos naturais (com efeito, o mapa dos conflitos recentes e o mapa da distriN
buição dos recursos naturais de valor elevado têm grandes similaridades)35. A
instabilidade politica e social do Estados frágeis tenderão no futuro a aumentar as
tensões e clivagens entre grupos sociais, despoletando conflitos internos e confiN
gurando novos riscos e ameaças à ordem nacional e estabilidade internacional.
As assimetrias de desenvolvimento conjugadas com o processo de degradaN
ção ambiental são fontes de preocupação e de insegurança, a nível local e regioN
nal, mas cruzam fronteiras, o que lhes garante “globalização”. Desertificação,
alterações climáticas, deflorestação, perda de biodiversidade, de solo agrícola e
32 Rodrigues, T. – «Globalização, População e Ambiente», Lisboa: Academia das Ciências [Consultado em: 1 Abril de 2012] Disponível em: http://www.acadNciencias.pt/ index.php?option=com_content&view=article&id=1736. 33 Lomborg, B. N Global Crises, Global Solutions, Cambridge: University Press, 2004; LomNborg, B. N Solutions for the World’s Biggest Problems. Costs and Benefits, Cambridge: University Press, 2007; Durand, M.F. et al. N Atlas de la Mondialisation. Comprendre l’Espace mondial contemporain. Paris: SciencesNPo, 2008 e outros… 34 NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL – Global Trends 2030. Alternative Worlds [ConNsultado em: 5 dezembro de 2013]. Disponível em: www.dni.gov/nic/globaltrends. 35 Existe uma provada coincidência entre o conjunto de países com debilidades de sustenNtabilidade ecológica e aqueles que apresentam problemas internos de segurança: AfegaNnistão, Bangladesh, Haiti, Iraque, Somália, Nigéria, região dos Grandes Lagos, Mauritânia, Senegal, Ruanda (Klare, M.T NResource Wars. The New Landscapre of Global Conflict. Nova Iorque : Metropolitan Books, 2001).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
268
escassez hídrica são questões que se relacionam com a paz e a segurança. A difiN
culdade de mitigação ou resolução dos problemas atuais é acrescida pelo facto de
estarmos a falar de problemas cuja resolução implica convergência e articulação
coletiva e mecanismos de regulação internacional, nem sempre fáceis de obter.
O clima tornouNse um tema de segurança nos últimos anos, dada a gradual
consciencialização dos efeitos das alterações climáticas e do modo como estas
podem destruir Estados e economias regionais. Embora seja verdade que as
populações humanas estão em vantagem ou desvantagem consoante a suareN
gião climática, a espécie humana é em parte responsável pelas alterações sentiN
das e não um ser passivo e/ou uma mera vítima36. A degradação ambiental
constitui uma das principais fontes de conflitoem contexto de mudanças climáN
ticas e aumento do consumo37. Os diferentes padrões de distribuição natural de
recursos, as crescentes necessidades energéticas e os hiatos entre a procura e a
disponibilidade e/ou capacidade de transformação de recursos têm fomentado
tensões e guerras por recursos naturais38, atuando como multiplicadores de
riscos e ameaças e catalisadores potenciais de tensões e conflitos e intensificanN
do as assimetrias internas de tipo étnico ou económico. A alteração das condiN
ções ambientais originam processos de migração forçada e conflito para
garantir a posse de recursos vitais ou para fugir às consequências da sua falta.
O facto de muitas das sociedades mais afetadas terem fraca resiliência social,
económica e política, torna ainda mais dficil lidar com a mudança39.
A posse e controle de fontes de energia está na ordem do dia e explica a
importância dada ao conceito de segurança energética40. Na atualidade a questão
envolve dimensões materiais e ideológicas, porque coincide com a dicotomia
36 A diminuição da calota glaciar, o aumento do nível das águas e a inundação de zonas costeiras, as secas, a desertificação e o risco de fome, bem como o aumento da ocorrência de ciclones e outros acidentes climáticos, indiciam grandes alterações nos ecossistemas (Stehr, N., Storch H. N Climate and Society. Climate as Resource, Climate as Risk, HackenNsack: World Scientific, 2010. 1). 37 Mol, A.P.J. N Globalization and Environmental Reform: The Ecological Modernization of the Global Economy. MIT, 2003; Dauvergne, P. N Handbook of Global Environmental Poli,tics, Lawtext Publishing, 2007. 38 TomeNse o exemplo de países como o Congo, a Serra Leoa ou a Líbéria, onde os confliNtos tem sido alimentados pelos diamantes e pedras preciosas. 39 Environmental Change and Security Program N ECSP Report 13 (2008,2009), WashingNton DC: The Woodrow Wilson International Center for Scholars [Consultado em: 5 dezembro de 2013]. Disponível em: http://www.wilsoncenter.org/sites/default/files/ ECSNPReport13_hi.pdf. 40 Embora dificilmente se encaixe nos debates contemporâneos de segurança, por não ser uma questão de segurança totalmente tradicional ou nãoNtradicional. As questões energétiNcas devem ser contextualizadas, considerando a realidade material e os diferentes modelos de governança política de cada sociedade (Silva, A.C, Rodrigues, T. N «Que modelo de segurança energética?» Relações Internacionais, nº46, Lisboa: IPRINUNL, 2015. 5N10).
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
269
entre países produtores, maioritariamente pobres e/ou politicamente instáveis,
e países consumidores dependentes. A relação complexificaNse quando estes
últimos apresentam baixos níveis de desenvolvimento humano, fraca coesão
interna e fragilidade politica. Mas graças a novas técnicas de fracturação
hidráulica, a exploração do petróleo e do gás de xisto deverá num futuro próN
ximo atingir níveis elevados, embora se questionem os efeitos de poluição ineN
rentes a algumas das tecnologias utilizadas. Se os principais importadores
mundiais de hidrocarbonetos deixarem de importar petróleo os preços do barril
vão colapsar, com consequências graves para os atuais países exportadores41.
A energia nuclear constitui o exemplo mais acabado de risco tecnológico, de
novo na agenda política internacional. O recurso ao nuclear contribui para
reduzir o impacto do aquecimento global, mas a sua utilização está associada a
acidentes causados pela libertação de gases radioactivos, abrindoNse a possibiN
lidade do seu uso para fins militares ou terroristas (ADM’s). A pesquisa genétiN
ca, biologia molecular, clonagem e produção de organismos geneticamente
modificados são outras áreas sensíveis a nível tecnológico.
Mais grave é a questão hídrica. Um dos recursos que está a esgotarNse mais
rapidamente nos últimos cinquenta anos é a água doce e em 2030 60% da popuN
lação enfrentará problemas de abastecimento, o que poderá originar conflitos42.
Hoje mil milhões de indivíduos não têm acesso a quantidade suficiente de água
e dois mil milhões não dispõem de água potável. O aumento demográfico vai
aumentar o consumo e reduzir a qualidade, com impactos directos a nível da
segurança alimentar e sanitária. A resolução do problema exige investimento
tecnológico e sobretudo solidariedade internacional concertada, em moldes que
ainda são uma incógnita.
A gestão da riqueza e oportunidades é outro tema em aberto, com consequênN
cias de largo exprecto e múltiplos efeitos. A percentagem de população pobre
está a diminuir, mas não o número de pobres. A desigualdade regional também
diminuiu, mas existem regiões e grupos sociais que não conseguiram acompaN
nhar os desafios da globalização. Mesmo nas sociedades onde os rendimentos
médios aumentaram, há que contrapor os efeitos colaterais da globalização,
expresso no acentuar das desigualdades internas43. Esta questão coexiste com
41 Como os EUA, já autossuficientes em gás e até 2030 em petróleo (NATIONAL INTELLINGENCE COUNCIL N Global Trends 2030. Alternative Worlds [Consultado em: 5 dezembro de 2013]. Disponível em: www.dni.gov/nic/globaltrends. 42 NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL N Global Trends 2030. Alternative Worlds [ConNsultado em: 5 dezembro de 2013]. Disponível em: www.dni.gov/nic/globaltrends. 43 WORLD BANK RESEARCH N Globalization, Growth and Poverty: Building an Inclusive World Economy, The World Bank Group [Consultado em: Março 2012] Disponível em: http://econ.worldbank.org/prr/subpage.php?sp=2477).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
270
mudanças de estrutura etária da população a que já aludimos e intensifica a
dependência migratória das regiões mais envelhecidas, o que em determinados
contextos pode atuar como potencial fator de instabilidade.
De facto, os movimentos migratórios representam uma das manifestações
mais evidentes do estreitamento do planeta, mas são um fenómeno complexo,
que não obedece apenas a lógicas de mercado, o que os torna um dos maiores
desafios para a comunidade internacional. Na sociedade de conhecimento, a
difusão de informações sobre as oportunidades económicas e acesso a determiN
nados bens que definem graus de qualidade de vida globalmente aceites irão
inevitavelmente fazer aumentar os volumes de migrantes nas próximas décaN
das44. Um dos problemas poderá residir na inexistência de uma relação linear
entre quem quer emigrar e quem se quer deixar que imigre.
Muitos destes imigrantes procuram as cidades globais, ajudando a acentuar
as desigualdades internas que nelas encontramos e a aumentar os níveis médios
de pobreza. Atualmente 52% da população mundial é urbana e esta percentaN
gem continuará a crescer a um ritmo acelerado na primeira metade do século
XXI, fazendo subir o número das grandes cidades. Nova Deli, Daca, Jacarta e
México vão ultrapassar os 30 milhões de habitantes e nos próximos dez anos mais
de 500 cidades terão mais de 1 milhão de residentes. Na sua maioria falamos de
megalópoles do Mundo em desenvolvimento, onde a vida é precária e insegura45.
Pese embora um quadro pouco animador prevêNse a redução dos níveis de
pobreza e o aumento da capacidade de consumo, o que irá provocar uma
mudança dos hábitos alimentares46. A implementação dos princípios norteadoN
res do Desenvolvimento Sustentável deve basearNse num planeamento eficaz,
que viabilize o crescimento populacional na óptica de sustentabilidade de recurN
sos, reduza o uso de produtos prejudiciais à saúde nos processos de produção
alimentar, garanta alimento para todos a longo prazo e aposte na educação
ambiental, fonte de novas formas de cidadania e comportamentos. EncontraN
moNnos numa fase de reavaliação, em que se procuram novos paradigmas47. O
44 IOM, MIGRATION POLICY PRACTICE, Vol. V, Number 1, February 2015–March 2015 http://publications.iom.int/bookstore/free/MPP20.pdf. 45 Blair A.R. N The Challenges of the 21st Century City, Washington, DC The Wilson CenNter, Policy Brief, December, [Consultado em: 23 setembro 2015]. Disponível em: http://www.newsecuritybeat.org/2012/12/challengesN21stNcenturyNcity/#.UuYsTxCp3IU; Durand, M. et al. N Atlas de la Mondialisation. Comprendre l’Espace mondial contemporain. Paris: SciencesNPo, 2008. 46 Em particular o aumento do consumo de carne e consequente criação de gado e de aves, o que força à subida do consumo de água (para beber e produzir as forragens), de energia e provavelmente do uso de fertilizantes. 47 Rodrigues, T. N «Population dynamics. Demography matters» In Globalization and Inter,nation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 38N41.
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
271
crescimento demográfico no século XXI traz consigo um desafio ecológico, não
porque faltem recursos naturais, mas porque os mesmos não são igualmente
acessíveis a todos48. Os estados que não conseguem garantir as necessidades
básicas da sua população enfrentam maior risco de instabilidade e conflito. O
PAI49 salienta a relação entre estratégias de combate à pobreza, que garantam o
desenvolvimento sustentável dos países mais pobres e, por essa via, um Mundo
mais estável (tal como projetos que promovam a transição demográfica através
da descida da fecundidade)50.
Nos próximos anos a escassez ambiental só deverá gerar conflitos (persistenN
tes, difusos e maioritariamente nacionais, afetando sobretudo as regiões mais
vulneráveis em termos de desenvolvimento económico, coesão social e estruturaN
ção politica) onde coexistirem alterações ambientais, forte crescimento populaN
cional e desigualdade na distribuição dos recursos. É possível encontrar exemplos
recentes dessa interdependência no Senegal e na margem oeste do rio Jordão
(Resource capture) ou nas Filipinas (Ecological Maginalization) (Fig (Fig (Fig (Figuuuura 12.4ra 12.4ra 12.4ra 12.4)51.
Figura 12.4. Escassez AmbieFigura 12.4. Escassez AmbieFigura 12.4. Escassez AmbieFigura 12.4. Escassez Ambiennnntal e Conflito. Dutal e Conflito. Dutal e Conflito. Dutal e Conflito. Duas tipologiasas tipologiasas tipologiasas tipologias
Fonte: HomerNDixon N «Environmental Scarcities and Violent Conflict: Evidence from
Cases» In International Security, 19, nº1.
Das estratégias e capacidade de adaptação às mudanças depende o grau de
probabilidade e/ou risco de eclosão de conflitos interestatais, seja por escassez
48 Veyret, Y., Arnould, P. (dir.) N Atlas des développements durables. Un monde inégalitaire, des expériences novatrices, des outils pour l'avenir, Paris: Éditions Autrement, 2008. 49 POPULATION ACTION INTERNATIONAL, (2013) “Healthy Families, Healthy Planet Why Population Matters to Security” [Consultado em: 27 de janeiro de 2014]. Disponível em: http://populationaction.org/topics/securityNandNgovernance/#sthash.iJJ7zoUp.dpuf. 50 Planeamento familiar, educação feminina, saúde maternoinfantil, prevenção, cuidados e tratamento do HIV/AIDS. 51 HomerNDixon N «Environmental Scarcities and Violent Conflict: Evidence from Cases» In International Security, 19, nº1 (summer 1994) [Consultado em: 20 outubro 2015]. Disponível em: http://www.homerdixon.com/projects/evidence/evidend.htm.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
272
ambiental simples (Japão/China na 2ª Guerra Mundial ou Guerra do Golfo); por
deslocações de população ou conflitos entre grupos identitários (BanglaN
desh/India); por privação económica, disrupção institucional e contendas interN
nas (Burkina Faso, Sendero Luminoso). Ou ainda modelos combinados (Africa
do Sul, Haiti). Nestes casos, embora a fuga das populações possa ser causada
por escassez simples, ela surge associada por norma ao aumento da pobreza
que provoca. O enfraquecimento do poder político aumenta a probabilidade de
conflitos por privação e entre grupos (Figura 12.5Figura 12.5Figura 12.5Figura 12.5).
Figura 12.5. Causas e Consequências da Escassez Ambiental. Figura 12.5. Causas e Consequências da Escassez Ambiental. Figura 12.5. Causas e Consequências da Escassez Ambiental. Figura 12.5. Causas e Consequências da Escassez Ambiental. Um exemploUm exemploUm exemploUm exemplo
Fonte: HomerNDixon N «Environmental Scarcities and Violent Conflict: Evidence from Cases» In International Security, 19, nº1.
A grelhade análise utilizadatem o universe politico Estado como pano de
fundo, dada a óbvia dificuldade e falta de estudos que permitam fazer centrar a
análise a partir de outros atores.
JJJJOGO DE ESPELHOGO DE ESPELHOGO DE ESPELHOGO DE ESPELHOSOSOSOS…………
As dinâmicas demográficas são aceleradores de mudança. O que não signiN
fica que devam ser consideradas como ameaças no sentido linear. Passamos de
um acelerador de mudança à ameaça (capacidade x intenção) quando ocorrem
choques demográficos (ameaças difusas), de que são exemplo os episódios de
criminalidade transnacional organizada, a proliferação de armas de destruição
massiva, a pirataria ou as ciberameaças. À medida que as sociedades passam de
uma para outra fase de transição demográfica, a demografia pode ser usada
como uma ferramenta que permite monitorizar as transformações sociais e
ajuda a antecipar modelos económicos, políticos e de segurança. Mas não
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
273
devemos perder de vista que a população não é um vetor determinante para a
mudança social ou política, nem mesmo quando o afluxo de refugiados e de
migrantes ilegais alteram as caracteristicas de partida do país de acolhimento e
as suas perspectivas de prosperidade e paz.
Em 2010 o Atlas des Populations52 elencava e descrevia o que considerava
serem as nove leis da geopolítica demográfica, as quais resumem os vetores
decisivos na determinação do potencial papel e peso de cada universo politico
neste Mundo tendencialmente globalizado: cinco são macrodemográficas, com
relevância em termos de hard power (volume, composição étnica, estrutura
etária e por sexos); as restantes importam em termos microdemográficos e de
soft power (migrações, cultura e identidade, comunidades e diásporas). A estes
fatores cumpre acrescentar outras esferas de contexto, como o ambiente natuN
ral (localização, topografia, clima, riquezas naturais), o sistema económico (estaN
tuto no sistema económico global, liderança ou dependência), o sistema político
(democracia ou ditadura, estabilidade ou vulnerabilidade) (Figura 12.6)Figura 12.6)Figura 12.6)Figura 12.6).
A relação ambígua e polivalente entre as duas partes da equação demograN
fiaNsegurança pode ganhar objetividade se a olharmos em três prismas distinN
tos, embora não estanques:
1) de dentro para dentro: o modo como as dinâmicas e características de
composição etária, por sexos e origem étnica influenciam a identidade,
coesão e estabilidade interna de uma sociedade;
2) de fora para dentro: o modo como uma sociedade é influenciada na sua
composição, características e perceções de segurança pelo contexto exóN
geno, porque não existem universos populacionais fechados;
3) de dentro para fora: o modo como as dinâmicas e características de comN
posição etária, por sexos e origem da sociedade determinam o poder de
influência de dada sociedade (hard e soft power) no sistema internacional.
As duas primeiras determinam as probalidades de estabilidade ou conflito,
na dupla asserção de paz e coesão dentro das fronteiras políticas (não necessaN
riamente estatais). A última remete para os (re)equilibrios do sistema internaN
cional suscitados pelo modo como cada universo populacional consegue gerir o
seu espaço ”fora de portas” (fronteiras em sentido lado) e ser reconhecido nos
forae internacionais.
52 Durand, A. N Atlas des Populations, Diplomatie, nº44 maiNjuin 2010.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
274
Figura 12.6. Jogo de EspFigura 12.6. Jogo de EspFigura 12.6. Jogo de EspFigura 12.6. Jogo de Espeeeelhos. As leis da geopolítica demográficalhos. As leis da geopolítica demográficalhos. As leis da geopolítica demográficalhos. As leis da geopolítica demográfica
Fonte: Elaboração própria a partir de Durand, A. – Atlas des Populations, Diplomatie, 44 maiNjuin 2010.
a.a.a.a. De dentro para dentro, de fora para dentro. Estabilidade ou conflDe dentro para dentro, de fora para dentro. Estabilidade ou conflDe dentro para dentro, de fora para dentro. Estabilidade ou conflDe dentro para dentro, de fora para dentro. Estabilidade ou confliiiitotototo
Vimos que as teorizações clássicas sobre o poder do Estado tendem a conN
vergir ao considerar o fator populacional como elemento central da configuraN
ção interna e externa da sua força relativa. A demografia influencia três dos
seus objetivos principais: 1) a projeção do poder no sistema internacional anárN
quico; 2) a proteção da soberania e dos interesses nacionais; e 3) a garantia de
acesso da população aos recursos disponíveis. Da capacidade de gerar o equilíN
brio demográfico e de preservar a coesão nacional depende, em larga medida, o
sucesso na redução das vulnerabilidades naturais e a implementação de uma
estratégia sustentável de segurança e de defesa.
No passado a população de um Estado ou região constituía um elemento
para aferir o seu poder. A questão era pouco complexa, num quadro em que
todas as sociedades cresciam moderadamente, apresentavam um tipo de estruN
tura etária semelhante (muitas crianças, poucos idosos) e a produção económica
tinha como unidade predominante o agregado familiar e a agricultura. Hoje a
questão deixou de poder ser vista assim. Nas sociedades contemporâneas e do
futuro são sobretudo as características dos recursos humanos (em termos de
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
275
sexo, idade, competências e educação) que determinam a importância que
assume a demografia no quadro de segurança.
O volume e características da população podem ser entendidos como eleN
mentos de soft e hard power e podem também desencadear riscos reais e/ou
percecionados de insegurança. É certo que existe uma vantagem de partida
para as grandes populações, já que um país pequeno, por muito desenvolvido
que seja, terá maior dificuldade em se impor no sistema internacional); 2) conN
centração/urbanização (maior facilidade de anonimato aumenta facilidade das
atividades subversivas, terroristas e criminosas e seu respetivo impacto; aumenN
ta a probabilidade de emergência de protestos espontâneos, etc); e 3) as carateN
risticas de estrutura (efetivos das Forças Armadas, paz geriátrica, subida da
insegurança real ou percecionada nas sociedades mais abastadas)53.
A avaliação das ameaças globais e os exercícios de cenarização não devem
esquecer as implicações de segurança que decorrem das características e tenN
dências de vetores tão distintos como a repartição da população por idades e
ritmos de crescimento desigual dos grupos étnicos e sociais, a concentração dos
bairros clandestinos, a pobreza rural e urbana. Os resultados de um estudo
efetuado em 201354 validam a importância da demografia como preditor de
bemNestar e de estabilidade das sociedades, com base no peso relativo de jovens
e idosos no total da população. Foram criados quatro grupos de países e calcuN
lada a evolução das estruturas populacionais ao longo de várias décadas, relaN
cionandoNas com a sucessão de conjunturas políticas. O exercício permitiu
identificar oito aspetos de indole demográfica que parecem associados com
instabilidade política ou conflito: proporções elevadas de jovens em idade ativa
(15N29 anos); acentuado crescimento urbano; carência de solo e/ou água; níveis
elevados de mortalidade na população ativa; assimetrias de crescimento entre
grupos étnicos e religiosos; migrações, envelhecimento e redução de efetivos;
mais homens que mulheresna população.
Mas todos estes aspetos podem ser também oportunidades. Alguns exemN
plos. Quando os empregos são escassos, a existência de muitos adultos jovens
53 Soffer, A. (2008) The Connection between Demography and National and International Security – The Case of the EU. National Security and the Future 1,2 (9). Disponível em: http://www.nsfNjournal.hr/issues/v9_n1_2/pdf/003%20Soffer.pdf. 54 POPULATION ACTION INTERNATIONAL N The Shape of Things to Come. Why Popula,tion Matters to Security [Consultado em: 27 de janeiro de 2014]. Disponível em: http://www.globalaging.org/health/world/2007/Shape.pdf A pesquisa divide os países em quatro categorias: muito jovens (mais 67% da população com menos de 30 anos e tempo de duplicação em anos menor de 35); jovens (60N67% da população com menos de 30 anos, 35N50 anos de tempo de duplicação), em transição (45N60% abaixo dos 30 anos, 50N125 anos de tempo de duplicação) e maduro (30N45% abaixo dos 30, mais de 125 anos de tempo de duplicação).
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
276
pode fomentar o descontentamento e a tensão social e politica. Cientes deste
facto, os responsáveis politicos respondem de formas tradicionais55, esquecendo
que a criação de emprego direcionado para as necessidades específicas da
região traria um aumento da qualificação e a subida das receitas provenientes
dos impostos de trabalho. O mesmo pressuposto liga o aumento dos bairros de
lata à subida dos níveis de criminalidade em contextos urbanos em crescimento,
descurando que algum investimento em infraestruturas bastaria para mitigar ou
resolver o problema.
Na linha do já referido estudo de Cincotta56, a investigação conclui ainda que
os dois grupos de países mais jovens apresentam mais episódios de guerra civil,
maior facilidade de mobilização e recrutamento para organizações extremistas
e milícias, que oferecem maiores salários e uma identidade que os jovens não
encontram na sociedade. Quase todos os países a viverem conflitos intensos
possuem populações muito jovens (como o Iraque, Afeganistão, Sudão, a Siria),
mas muitos daqueles que no passado experimentaram este tipo de situação
evoluíram de seguida para outras configurações etárias e são hoje estáveis
(Vietname, por exemplo). Este facto traz alguma esperança sobre a evolução da
conflitualidade de dentro para dentro.
Acresce a esta imagem os imputs migratórios e o modo como a crescente
permeabilidade das sociedades contemporâneas altera o perfil étnico e religioso
das sociedades atuais. A construção de uma identidade em mosaico nem semN
pre é fácil e envolve alguma tensão acrescida de fora para dentro (migrantes,
refugiados). O enriquecimento cultural, económico e em última análise o enriN
quecimento humano que a globalização das migrações permite, nem sempre é
fácil para quem chega e para quem vê chegar57. Também não devemos cair no
erro de securitizar a questão dos refugiados, porque, e tal como sucede com a
esmagadora maioria dos imigrantes, o seu objetivo prioritário é, por maioria de
razões, o de sobreviver sem deportação. O maior desafio colocaNse nos moldes
em que são recebidos nos países de acolhimento (os exemplos conhecidos de
formação de grupos armados com base em população refugiada tiveram apoios
externos (como sucedeu nos anos 90, quando o Paquistão apoiou os afegãos
refugiados e viabilizou o aparecimento dos talibãs). A presença de refugiados
55 Incorporando esses efetivos nas FFAA ou de segurança, reforçando os sistemas preventiNvos de segurança interna, incentivando a emigração e facilitando a entrada de poupanças. 56 Cincotta, R. – The Next Steps for Environment, Population and Security. Demographic Security Comes of Age, ECSP Report, Issue 10, 2004: 1. 57 Requena, Miguel, «International Migrations, Security and Identity» In Globalization and Internation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 51N76.
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
277
em determinado país não cria riscos de segurança elevados (vejamNse os libaneN
ses na Jordânia ou Siria)58.
Urge pensar a segurança tendo em conta novos desafios populacionais.
Vivemos uma situação nunca experimentada. O relativo declínio demográfico
da Europa e das Américas contrasta com a pujança demográfica da Ásia e da
África, enquanto se consolida a dicotomia entre países ricos envelhecidos e
países pobres jovens pobres e a mobilidade é maior que nunca59. Coexistem na
atualidade populações muito jovens e muito idosas, populações urbanas em
rápido crescimento, sociedades multiétnicas e multirreligiosas, novos atores na
cena económica e politica (BRICS), arcos de instabilidade em África, non Médio
Oriente, América Latina e Ásia.
b.b.b.b. De dentro para fora. Os (re)equilibrios do sistema intDe dentro para fora. Os (re)equilibrios do sistema intDe dentro para fora. Os (re)equilibrios do sistema intDe dentro para fora. Os (re)equilibrios do sistema internacionalernacionalernacionalernacional
Nas últimas décadas a agenda de segurança alargouNse, passando a incluir
para os Estados e as organizações internacionais novos dilemas nãoNtradicionais
e transnacionais, em parte decorrentes do processo de globalização. ParadoxalN
mente, embora esta última seja olhada como um fator impulsionador para o apaN
recimento ou intensificação de novos problemas, a investigação académica pouco
tem examinado a relação entre a nova agenda de segurança e a economia política.
No Mundo globalizado, o desafio colocado pelas ameaças de conflito está a
ser profundamente transformado. O novo conceito de segurança acentua a
importância da modernização socioeconómica como garantia potenciadora de
segurança individual e coletiva, procura fomentar o papel da diplomacia interN
nacional e reduzir a intervenção externa, evitando formas tradicionais de confliN
to entre Estados. Conceitos como os de governança global e de manutenção da
paz adquirem um destaque merecido no sistema internacional, mesmo quando
os seus resultados em termos de quotidiano das populações sejam pouco eviN
dentes. Segurança externa e segurança interna tornamNse duas faces da mesma
moeda, pelo que os responsáveis políticos tendem a privilegiar a prevenção,
recorrendo a modelos mais ou menos musculados.
O último relatório do NIC60 dá como certo o declínio dos países ocidentais,
em larga medida causado pela redução do potencial humano. Até 2030 prevê a
consolidação do Mundo multipolar, baseado no pilar económico, cujo centro
58 Carrion, D. N Are Syrian refugees a security threat? Reuters, Opinions [Consultado em: 27 de setembro de 2015]. Disponível em: http://blogs.reuters.com/greatNdebate/2015/09/15/ areNsyrianNrefugeesNaNsecurityNthreatNtoNtheNmiddleNeast/. 59 Jackson, R., Howe, N. N The Graying of the Great Powers, Washington, DC: Center for Strategic and International Studies, 2008. 60 NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL N Global Trends 2030. Alternative Worlds [ConNsultado em: 5 dezembro de 2013]. Disponível em: www.dni.gov/nic/globaltrends.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
278
vital desliza dos países tradicionais para os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul) que entram em concorrência direta com os antigos estados
dominantes (Japão, Alemanha, França e Reino Unido). Na segunda linha apareN
cem várias potências intermédias com demografias em alta e fortes taxas de
crescimento económico, chamadas a tornaremNse, também elas, polos hegemóN
nicos regionais e com tendência para se constituírem como grupo de influência
mundial (Colômbia, Indonésia, Nigéria, Etiópia, Turquia, Vietname). As assimeN
trias intra e interNregionais agudizarNseNão, se não houver uma restruturação ao
nível da segurança internacional e da governança mundial.
As disparidades de desenvolvimento entre países e regiões, associadas aos
diferenciais demográficos impulsionam a mobilidade humana. Se esta for potenN
ciada e bem gerida poderá ajudar a resolver alguns dos dilemas demográficos
que os países enfrentam atualmente (na Europa temos uma população envelheciN
da e escassez de mão de obra, enquanto no Mundo em desenvolvimento temos
uma população muito jovem, excesso de mão de obra e falta de oportunidades
laborais). As migrações (emigração, imigração e migrações internas) são as
variáveis chave no futuro das dinâmicas demográficas, embora sejam as de
maior incerteza61.
Compreender os impactos políticos de fatores demográficos tornaNse inconN
tornável, sobretudo porque sabemos que as mudanças serão significativas nas
próximas décadas62. As disparidades de crescimento demográfico terão conseN
quências políticas entre: (a) EstadosNnação (o declínio Rússia face ao Paquistão);
(b) grupos etários (a crescente proporção de jovens face aos idosos no AfegaN
nistão); (c) relação entre residentes rurais e urbanos (urbanização no Médio
Oriente); e (d) grupos étnicos ou religiosos intra Estados (hindus e muçulmanos
na Índia, evangélicos e seculares nos EUA). Cada tipo de diferença está associaN
da com desafios políticos distintos: alterações locais no volume e estrutura
populacional afetam o equilíbrio de poder central; a variação dos ratios entre
grupos de idade e sexo influenciam as taxas de crescimento económico, desemN
prego, instabilidade e violência; o processo de urbanização incentiva a mobiliN
dade tradicionalmente associada a insegurança; os diferenciais de crescimento
entre grupos etnoNreligiosos podem potenciar episódios de violência étnica,
religiosa e nacionalista, crises de identidade e desafiar a unidade dos Estados
mais frágeis.
61 Rodrigues, T.F. – «O Futuro (in)Certo das Dinâmicas Demográficas em Portugal». In Contributos para Um Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Atena, nº 28. Lisboa: ImNprensa Nacional Casa da Moeda, 2012. 211 62 Goldstone, J. Political Demography: How Population Changes are Reshaping Interna,tional Security and National Politics, Nova Iorque: Oxford University Press, 2011.
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
279
OOOO MMMMUNDO AMANHÃUNDO AMANHÃUNDO AMANHÃUNDO AMANHÃ.... DDDDESAFIOS DEMOGRÁFICOSESAFIOS DEMOGRÁFICOSESAFIOS DEMOGRÁFICOSESAFIOS DEMOGRÁFICOS À SEGURANÇA À SEGURANÇA À SEGURANÇA À SEGURANÇA
A população representa um vetor estratégico no âmbito da segurança e
defesa e a Demografia, ciência social atenta às alterações do volume, da compoN
sição e da distribuição espacial da população, assume uma posição relevante
para a equação do poder no quadro do sistema internacional. As questões
demográficas não podem ser ignoradas no gizar de políticas e decisões no quaN
dro da segurança e defesa, porque em última análise as variáveis demográficas
permitem conhecer e estimar num futuro próximo totais e modo de distribuição
dos efetivos por sexo e idade, determinando deste modo a população ativa e
idosa, o total de eleitores, militares, imigrantes potenciais.
Os efetivos humanos podem ser um vetor de oportunidade e estabilidade ou
um risco, para si mesmos e para outros povos e sociedades. As populações nas
suas diferentes vertentes (fecundidade, saldos migratórios, morbilidade e morN
talidade, volume, estrutura etária, e posição em termos do modelo de transição
demográfica) são um aspeto vital na formação do processo político. O seu
impacto pode ser imediato ou remoto. A população pode ser uma janela de
oportunidade ou um fator destabilizador e é sempre necessário que tenhamos
em consideração as suas dinâmicas e carateristicas, embora estas não desencaN
deiem de per si conflitualidade aberta63.
As tendências demográficas influenciam a segurança humana, a estabilidade
política e as hipóteses de desenvolvimento. Mais que reconhecer a importância
que pode ser atribuída aos volumes da população de um Estado, importa moniN
torizar informação sobre o modo e as direções geográficas com que se procesN
sam as dinâmicas demográficas. As questões populacionais constam cada vez
mais na agenda política e pela sua diversidade e originalidade exigem a ligação
entre académicos e decisores. Demografia e política interinfluenciamNse, o que
torna necessário refletir sobre o modo como os politicos percebem as questões
demográficas e como as integram nas políticas nacionais. A questão é se as
tendências demográficas são preenchidas com recursos suficientes.
A relativa inércia e previsibilidade de tendências de evolução dos volumes
demográficos permite adiantar cenários prospetivos com razoável grau de certeza
63 GLOBAL STRATEGIC TRENDS N Out to 2040, Strategic Trends Programme, 4ªed. SWINNDON: Ministry of Defence [Consultado em: 23 abril 2015] Disponível em: https://www.gov.uk/ government/uploads/system/uploads/attachmentdata/file/33717/GST4_v9_Feb10.pdf.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
280
(menor no caso das migrações)64. Nenhuma parte do Mundo está imune aos
efeitos das das alterações demográficas que terão lugar nas próximas décadas.
TrataNse de gerir, sem colocar em risco a segurança global, o envelhecimento
sem precedentes das populações nos países ricos e de enfrentar o ainda rápido
crescimento e juventude das populações nos restantes. Além disso, todos, indeN
pendentemente do seu grau de desenvolvimento, serão obrigados a lidar com o
volume crescentes das migrações internacionais, sejam de caracter económico
ou motivadas por crises ambientais locais, instabilidade ou conflito (Figura Figura Figura Figura
12.112.112.112.1)65.
Tabela 12.1 Tabela 12.1 Tabela 12.1 Tabela 12.1 NNNN Vetores de índole demográfica a considerar na ligação Vetores de índole demográfica a considerar na ligação Vetores de índole demográfica a considerar na ligação Vetores de índole demográfica a considerar na ligação populpopulpopulpopulaaaaçãoçãoçãoçãoNNNNsegurançasegurançasegurançasegurança
Um Mundo a duas Um Mundo a duas Um Mundo a duas Um Mundo a duas velocvelocvelocvelociiiidadesdadesdadesdades
Nas regiões menos desenvolvidas os fatores de inércia demográfica provocam o aumento rápido da população, o que só é uma oportuNnidade a) se for acompanhado de estabilidade interna e b) caso exista capacidade endógena dos atores envolvidos para rentabilizar a vantagem do número de efetivos. Nas sociedades com melhores indicadores de desenvolvimento humano o acentuado envelhecimento das estruturas etárias fáNlas perder força humana e capacidade militar (hard power). Só a aposta em alianças fortes e investimento tecnológico poderá suprir a desNvantagem do número.
A globalização das A globalização das A globalização das A globalização das migrmigrmigrmigraaaaçõesçõesçõesções
Todas as regiões se tornam emissoras e recetoras de migrantes. Aumenta a percentagem de estrangeiros nas sociedades e também a variedade de nacionalidades, perfis e expectativas dos migrantes. ConfrontamoNnos com migrações mais sensíveis e rápidas na sua reação a conjunturas económicas, políticas e ambientais, que geram transformações de identidade, de equilibrios de poder interno e regional e podem provocar conflitos e insegurança.
Urbanização e Urbanização e Urbanização e Urbanização e migrmigrmigrmigraaaações internas ções internas ções internas ções internas assimétricasassimétricasassimétricasassimétricas
As direções privilegiadas pelos fluxos migratórios podem reduzir a qualidade de vida em locais muito procurados e aumentar a probabiNlidade da ocorrência e intensidade de desastres humanitários. A pobreza está a tornarNse cada vez mais urbana. Nas cidades residem as populações mais vulneráveis e são maiores as desigualdades sociais. A escala e complexidade das comunidades urbanas exige soluções específicas para o seu desenvolvimento e segurança66. O crescimento urbano desordenado em locais de tensão social e exclusão económica aumenta o risco de episódios de violênNcia. O anonimato é facilitado nos bairros de construção clandestina, tornandoNos safe havens para ações subversivas e terrorismo.
64 Rodrigues, T.F. – «O Futuro (in)Certo das Dinâmicas Demográficas em Portugal». In Contributos para Um Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Atena, nº28. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2012. 210N1. 65 Goldstone, J. – «Political Demography». ENInternational Relations [Consultado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: http://www.eNir.info/author/christianNleuprechtNandNjackNaNgoldstone/. 66 Blair A.R. N The Challenges of the 21st Century City, Washington, DC The Wilson CenNter, Policy Brief, December, [Consultado em: 23 setembro 2015]. Disponível em: http://www.newsecuritybeat.org/2012/12/challengesN21stNcenturyNcity/#.UuYsTxCp3IU.
CHOQUES DEMOGRÁFICOS
281
Envelhecimento Envelhecimento Envelhecimento Envelhecimento e/ou juventudee/ou juventudee/ou juventudee/ou juventude
TrataNse em alguns casos de saber o que fazer a tantos jovens e noutros que fazer com tão poucos67.A alteração da estrutura etária influencia a capacidade económica, militar e de governança. A juventude etária tende a acentuar a reivindicação social contra o poder instituído. A descida da idade média da população pode retardar o aparecimento da democracia e dificultar a estabilidade de sistemas democráticos68. Nas sociedades com muitos idosos o isolamento e vulnerabilidade fazem aumentar as situações de insegurança, real ou percecionada.
Fonte: Rodrigues, T. – «Population dynamics. Demography matters» In Globalization and Internation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 38N41.
No entanto, a interligação entre demografia e segurança exige um processo
contínuo de ajustamento, porque falamos de realidades dinâmicas. Dai o inteN
resse que pode resultar da monitorização do modelo de transição demográfica.
O futuro implica o redesenhar da sociedade global, garantindo a gestão sustenN
tável entre comunidades mais envelhecidas, complexas e distintas, fluxos migraN
tórios fáceis, rápidos e com novos perfis, necessidades em termos de progresso
económico a escalas local, nacional e global e direitos e garantias. O novo conN
ceito de segurança humana assente na dignidade do indivíduo implica uma
preocupação com o nosso espaço e com o que nos rodeia. A segurança resulta
sobretudo de atitudes e comportamentos proativos e preventivos.
Nesta época de turbulência o papel geopolítico do vetor demográfico69 torN
naNse incontornável para compreender a realidade atual das sociedades (de que
são exemplo as opções em matéria de fiscalidade, os padrões de voto, as tenN
sões e conflitos étnicos e religiosos)70. As implicações futuras de segurança que
decorrem das tendências demográficas vão depender da capacidade de todos
os decisores, governos, líderes internacionais, organizações, atores do Mundo
global, de lidarem com os desafios, sem correr o risco de securitizar o vetor
demográfico. Os volumes populacionais precisam de contexto e são insuficienN
tes em si mesmos para fomentarem tensões sociais, mudanças políticas, disrupN
ção económica ou conflitos. A população pode criar insegurança, mas também
67 POPULATION ACTION INTERNATIONAL, (2013) “Healthy Families, Healthy Planet Why Population Matters to Security” [Consultado em: 27 de janeiro de 2014]. Disponível em: http://populationaction.org/topics/securityNandNgovernance/#sthash.iJJ7zoUp.dpuf. 68 Urdal, H. N «Youth Bulges and Violence» In Political Demography: How Population Changes are Reshaping International Security and National Politics, New York: Oxford University Press, 2011. 69 Como a importância explicativa que as tendências de crescimento ou pressão demográNfica tiveram no eclodir de revoluções e no colapso ou emergência de determinadas civiliNzações (Diamond, J. N Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human Societies, New York: Oxford University Press, 2005). 70 Goldstone, J. – «Political Demography». ENInternational Relations [Consultado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: http://www.eNir.info/author/christianNleuprechtNandNjackNaNgoldstone/.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
282
as respostas. As dinâmicas populacionais devem ser lidas como um indicador,
um recurso e um multiplicador. A relação entre dinâmica demográfica e seguN
rança não é unívoca e um mesmo comportamento demográfico pode ter impacN
tos diferentes, consoante o tempo, a realidade social e o contexto político. Tal
sucede em grande parte porque as ameaças assumem formas difusas, surgem
como resposta a alterações de vário tipo, nomeadamente ambientais, e impliN
cam mobilidade e deslocação de populações, podendo mudar em semanas a
composição humana de uma região. As implicações futuras de segurança que
decorrem das tendências demográficas vão depender da capacidade política
(especialmente das instituições, governos e um conjunto crescente de atores)
para lidarem com os desafios.
“Demography must be considered a major driver of politics alongside classic
materialist, idealist, and institutional perspectives. Just as no credible political
scientist can afford to ignore the role of economic incentives, institutions, or cul,
ture, […] political scientists cannot afford to ignore demography in seeking to
understand patterns of political identities, conflict, and change”71.
71 Kaufmann, E., Toft, M. N «Introduction» In Political Demography: How Population Changes are Reshaping International Security and National Politics. Nova Iorque: Oxford University Press, 2011.
283
13131313.... TTTTENDÊNCIA DAS AMEAÇASENDÊNCIA DAS AMEAÇASENDÊNCIA DAS AMEAÇASENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS GLOBAIS GLOBAIS GLOBAIS.... OOOORDEM JURRDEM JURRDEM JURRDEM JURÍÍÍÍDICA INTERNACIONAL EDICA INTERNACIONAL EDICA INTERNACIONAL EDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCEINTELLIGENCEINTELLIGENCEINTELLIGENCE
ALICE FEITEIRA
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
A maioria das ameaças que os Estados atualmente enfrentam não se previnem
nem combatem com meras actuações locais, reclamando quanto à sua resposta
acções concertadas a nível regional ou global. No domínio da segurança interna e
externa, a actividade dos Serviços de Informações consiste, primordialmente, na
prevenção e combate dos riscos e ameaças, considerando o seu impacto no regu,
lar funcionamento das instituições democráticas dos Estados e na vida dos cida,
dãos. Aliás, a intensidade dessas ameaças encontra,se dependente da eficácia das
contra,medidas adoptadas pelas autoridades públicas, mas, também, pelos
níveis de permeabilidade ou de resiliência das sociedades onde se desenvolvem.
No quadro da União Europeia, a manutenção da segurança comum alicerça,se na
cooperação entre os Estados membros e a União, através da colaboração institu,
cional entre as forças e serviços de segurança, incluindo os serviços de informa,
ções, de modo a garantir um modelo integrado da segurança comum.
PalavrasPalavrasPalavrasPalavras,,,,Chave:Chave:Chave:Chave: Estado, Segurança, Ameaças, Prevenção, Informações
DDDDESAFIOS À SEGURANÇA ESAFIOS À SEGURANÇA ESAFIOS À SEGURANÇA ESAFIOS À SEGURANÇA INTERNA E EXTERNAINTERNA E EXTERNAINTERNA E EXTERNAINTERNA E EXTERNA:::: AS POLÍTICAS PÚBLICAAS POLÍTICAS PÚBLICAAS POLÍTICAS PÚBLICAAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGS DE SEGS DE SEGS DE SEGUUUURANÇARANÇARANÇARANÇA
Nas sociedades actuais a segurança, enquanto obrigação fundamental dos
Estados, traduz um direito de cidadania e um referencial de qualidade de vida
democrática. Neste domínio, as opções políticoNlegislativas são norteadas pela
perspectiva da legalidade e da eficácia, aferida no âmbito da consolidação e
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
284
garantia dos interesses do Estado. No quadro da União Europeia verificaNse a
particularidade de os referenciais da segurança e da liberdade, enquanto dois
direitos fundamentais e interdependentes, se encontrarem acautelados num
modelo de dupla cidadania: nacional e europeia.
A redefinição do conceito de segurança assenta numa perspectiva que comN
porta novos paradigmas, resultante do facto de esse conceito ultrapassar hoje
limites territoriais ou fronteiras nacionais, revelandoNse manifestamente insufiN
cientes as respostas securitárias “intraNmuros”, de defesa da rule of law ou da
rule of order, delimitadas exclusivamente pelas fronteiras nacionais.
Com efeito, perante a complexidade das sociedades actuais, a eficácia das
políticas de segurança impõe a compreensão prévia das dinâmicas de uma
sociedade aberta, que se encontra sujeita à acção de actores institucionais e não
institucionais e vulnerável a inéditas dimensões de risco.
Contudo, a vulnerabilidade das sociedades modernas envolve um vasto
número de perigos e ameaças susceptíveis de pôr em causa a noção de ameaça
interna e externa, considerando fenómenos como a criminalidade transnacioN
nal, o terrorismo, as ciberameaças ou o tráfico de pessoas, que notoriamente
não se confinam à soberania dos Estados1.
De facto, o efectivo robustecimento das estratégias de prevenção e combate
deve ser determinado por uma concepção holística, afigurandoNse necessário
proceder a uma avaliação sectorial dessas ameaças, atendendo ao seu impacto
nas esferas da segurança individual e colectiva.
A eficácia das estratégias de resposta depende da formulação de inovadoras
matrizes de análise referentes às ameaças já existentes ou previsíveis, consideN
rando os seus eventuais agentes, os recursos do “crime” e do facto de as socieN
dades actuais se encontrarem expostas à mutação de conceitos, como perigo e
vulnerabilidade, e os novos paradigmas da noção de “inimigo”.
Nesse plano perpassa a obrigação de as entidades afectas às políticas públiN
cas de segurança garantirem o exercício de direitos e liberdades num quadro de
cidadania, perante dinâmicas de organização do espaço público e privado conN
ducentes a novas formas do exercício da segurança e a novas respostas dos
sistemas penais2.
1 Neste sentido, Bacelar Gouveia, Jorge, Direito Constitucional da Segurança, Enciclopédia do Direito e Segurança, coordenada por Jorge Bacelar Gouveia e Sofia Santos, Almedina, 2015, págs. 134N35. 2 Sobre a noção de segurança, Lourenço, Nelson, As novas Fronteiras da Segurança – Segurança Nacional, Globalização e Modernidade, Revista Segurança e Defesa, nº 31, FevereiroNjunho 2015, pág. 26 a 37
TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE
285
Neste sentido, a eficácia das políticas públicas de segurança depende da
formulação de processos inovadores de combate e prevenção dos fenómenos
criminais e da percepção da segurança, num contexto lato sensu – que comN
preende, entre outras dimensões, a segurança ambiental, a segurança alimenN
tar, a segurança rodoviária, a segurança energética e mesmo a protecção civil,
num arquétipo que põe em causa a clássica divisão dos conceitos de segurança
interna e externa3.
TrataNse, pois, de avaliar a dimensão externa da segurança interna, cada vez
mais conformada por fatores que ultrapassam a mera realidade interna dos
Estados, pelo que a eficácia dessas políticas se encontra dependente do aproN
fundamento da cooperação internacional. No caso da União Europeia, esse
aprofundamento decorre de uma lógica sistémica, num quadro referencial de
princípios, competências, estruturas e meios operativos comuns, tendo em conN
ta as diferentes dinâmicas de (in)segurança projetadas a níveis local e regional,
bem como a justa ponderação dos valores comuns da segurança e da liberdade.
A natureza dos diversos riscos e ameaças, bem como a sua projecção nos EstaN
dos membros, a par do reconhecimento das insuficientes respostas asseguradas
a nível local, tem contribuído para o reforço dos mecanismos de cooperação.
Esta cooperação, norteada por princípios de legalidade e de eficácia, tem possiN
bilitado o aprofundamento da colaboração policial e de intelligence4, de acordo
com uma visão realista quanto às vulnerabilidades e capacidades de cada EstaN
do e dos perigos e ameaças que a União enfrenta5.
Assim, no quadro da União Europeia, apesar das características de intergoN
vernamentalidade da Política Comum de Segurança e Defesa, conduzida pelo
“Alto Representante” – mandatário do Conselho, nos termos do art.18.º, nº2, do
TUE –, têm sido aprofundados instrumentos de acção com impacto na seguranN
ça comum. Esta cooperação tem incidido, primordialmente, no incremento da
colaboração policial e na troca de informações, respeitando o princípio da disN
ponibilidade, na adopção de actos normativos com impacto na segurança interN
na e externa comum, como é exemplo a directiva europeia de protecção de
3 Sobre a noção de Administração Pública de Segurança, Feiteira, Alice, A Administração Pública da Segurança e Cidadania, Revista de Direito e Segurança, Director Jorge Bacelar Gouveia, Ano III, nº 5, JaneiroNJunho de 2015. 4 Ao nível policial, destacaNse o aprofundamento das competências e da capacidade de actuação da Agência Frontex e a criação de uma Autoridade de Fronteiras Europeia, com particular relevância no quadro das Equipas de Intervenção Rápida (RABITS) e das OpeNrações de Vigilância e Patrulhamento Costeiro. No quadro da partilha de informações salientaNse a competência do IntCen, organismo coordenado pelo Serviço Europeu de Acção Externa da União. 5 Sobre as vantagens competitivas das informações, Herman, Michael, Intelligence power in peace and war, Cambridge University, 2006.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
286
infraNestruturas críticas, bem como na criação de instrumentos operativos
quanto à prevenção e combate de fenómenos que se traduzem em fatores de
ameaça para a democracia e a segurança. Destes fatores assumem particular
relevância os fenómenos da radicalização violenta, do terrorismo e da criminaN
lidade transnacional.
Todavia, num quadro de valoração axiológica, em consonância com o prinN
cípio da democraticidade, as medidas adoptadas no quadro da União salvaN
guardam os bens jurídicos em que se fundam os Estados, como a liberdade, a
segurança e o respeito pelos direitos, liberdades e garantias, excluindo assim
uma abordagem estritamente securitária, não coadunável com os valores estruN
turantes da União Europeia6.
AAAA SEGURANÇA INTERNA E SEGURANÇA INTERNA E SEGURANÇA INTERNA E SEGURANÇA INTERNA E A SEGURANÇA COMUM A SEGURANÇA COMUM A SEGURANÇA COMUM A SEGURANÇA COMUM:::: O CONTRIBUTOO CONTRIBUTOO CONTRIBUTOO CONTRIBUTO dos serv dos serv dos serv dos serviiiiços dços dços dços de informaçõese informaçõese informaçõese informações
Nos domínios de preservação da segurança interna e externa, uma análise
integrada dos instrumentos de concertação dos Estados implica necessariamenN
te a avaliação do contributo prestado pelos serviços de informações. Por seu
turno, no quadro da segurança interna, a actividade de produção de informaN
ções distingueNse material e formalmente da actividade policial7 e da investigaN
ção criminal8, encontrandoNse postulada uma absoluta separação entre a
actividade de produção de informações e a investigação criminal.
Porém, no que tange a ameaças específicas, como a criminalidade organizaN
da ou o terrorismo, as competências legalmente atribuídas aos serviços de
informações permitem definir essa actividade, em alguns domínios, como uma
fase prévia de investigação criminal, justificandoNse assim a compreensão de
uma relação de complementaridade.
É inequívoco que, ao invés da investigação criminal, que tem como finalidade
a investigação dos factos de um tipo legal de crime tendentes à sua qualificação
6 Sobre o impacto das redes de governança globais, Slaughter, Global Government net,works, Global Information Agencies, and Disaggregated Democracy, in Public Governance in the Age of Globalization, edited by KarlNHeinz Ladeur, Ashgate Publishing Limited, 2004, pp122N155. 7 De acordo com o disposto na Lei nº 30/84, de 5 de Setembro (LeiNQuadro do SIRP, alteNrada e republicada pela Lei Orgânica nº 4/2014, de 13 de Agosto) e na Lei nº 9/2007, de 19 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei nº 50/2014, de 13 de Agosto, que estabelece a orgânica do SecretárioNGeral do SIRP, do SIED e do SIS. 8 O investigador criminal assume como tarefa fundamental a recolha de prova e de todos os elementos que ajudem o tribunal na aplicação do direito, incluindo o apuramento da motivação do crime, no sentido de o tribunal poder graduar a sua responsabilidade.
TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE
287
jurídica9, a actividade de produção de informações se destina a identificar tenN
dências ou ameaças susceptíveis de afectar o regular funcionamento das instiN
tuições do Estado e, em geral, a segurança da comunidade.
Considerando este desiderato, a actividade de produção de informações
representa um acervo exclusivo da administração do Estado e um fator essenN
cial de garantia da ordem constitucional10.
Nos domínios da administração pública da segurança interna e externa e da
segurança comum europeia, a missão prosseguida pelos serviços de informaN
ções é concretizada através da produção de informações de modo a permitir a
antecipação de riscos e ameaças e a determinar, com a máxima exactidão, o seu
impacto no regular funcionamento do Estado de direito democrático11. A activiN
dade dos serviços de informações justificaNse assim, de forma imediata, pela
necessidade de salvaguarda de bens jurídicos essenciais à vida colectiva, que
nos termos da axiologia constitucional e dos fundamentos da União represenN
tam um prius do Estado e valores de primeiríssima grandeza: segurança, liberN
dade ordem democrática e qualidade de vida das populações.
BBBBREVE CARACTERIZAÇÃO REVE CARACTERIZAÇÃO REVE CARACTERIZAÇÃO REVE CARACTERIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS AMEAÇDAS PRINCIPAIS AMEAÇDAS PRINCIPAIS AMEAÇDAS PRINCIPAIS AMEAÇAS AOS AS AOS AS AOS AS AOS EEEESTADOS DE DIREITO DESTADOS DE DIREITO DESTADOS DE DIREITO DESTADOS DE DIREITO DEMMMMOOOOCRÁTICOSCRÁTICOSCRÁTICOSCRÁTICOS
Assim, é no âmbito desses pressupostos que de antemão se reconhece a
importância da determinação oportuna dos riscos e ameaças, algumas das
quais vulgarmente designadas como “novas ameaças”12, existentes no atual
ambiente securitário, de modo a permitir a adopção de mecanismos de resposta
preventivos e repressivos eficientes e atempados e a definição conjunta de proN
cedimentos comuns.
9 A investigação criminal “estendeNse ao longo de todo o processo e permite ao juiz, em fase de julgamento, decidir por uma absolvição ou condenação justas e como tal pela aplicação do direito. A investigação criminal encontra o seu fundamento na teoria do crime e concretizaNse através de uma linha de orientação metodológica que permite ao investigador qualificar juridicamente os factos. 10 Pereira, Rui, A produção de Informações de Segurança no Estado de Direito democráti,co, in Lusíada – Revista de Ciência e Cultura, série especial sobre informações e segurança interna, Coimbra editora, 1998, págs. 39 e 40. 11 Sobre a actividade de produção de informações e a definição de Intelligence, Kent, Sherman, Strategic Intelligence for American Worl Policy, Princeton: Princeton University 1949. A intelligence, segundo este autor, consiste num tipo de informação, de actividade e de organização. 12 Tais como as ciberameaças, o terrorismo islamista ou a criminalidade transnacional, com eventual recurso ao ambiente virtual e às novas tecnologias.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
288
Na resposta encontrada deve ser tida em conta a diversidade dos agentes
causadores de insegurança, numa dupla dimensão: nacional e internacional,
determinados os meios operativos de que dispõem, bem como as condições
geopolíticas, económicas e tecnológicos em que actuam, dado esses fatores
exponenciarem as consequências da sua actuação.
Com efeito, as características de fragmentação e a complexidade dessas
ameaças tendem a gerar dinâmicas próprias, possibilitando aos seus agentes,
mesmo quando actuam localmente, projectar a sua actuação numa escala
regional ou mesmo global.
Assim, a análise das principais ameaças à segurança dos Estados e das
populações compreende a aferição das causas e efeitos determinados por uma
multiplicidade de fatores, onde se destacam dinâmicas económicas, financeiras,
políticas e sociais.
A atempada identificação e correlação desses fatores a eventuais fenómenos
criminais redunda num acréscimo de eficiência quanto à avaliação prospectiva
dessas ameaças e quanto à determinação dos seus agentes e do respectivo
modus operandi. Nesse quadro, para além da determinação dos níveis de vulneN
rabilidade dos Estados e da respectiva administração pública, da consideração
de aspetos de oportunidade e de eficácia das contraNmedidas adoptadas, não
pode ser negligenciada a ponderação de fatores como a resiliência e a permeaN
bilidade das sociedades, onde se instalam esses agentes, ou se projectam, esse
tipo de ameaças.
Dentre as principais ameaças ou fatores de riscos assinalaNse o crescente
papel de actores não estatais em situações de conflito; a expansão de actividaN
des associadas ao terrorismo e ao crime organizado transnacional, a globalizaN
ção das ciberameaças; a emergência de conflitos civis e militares regionais,
norteados por um pendor geoestratégico, e as crescentes tensões nas relações
entre o Norte e o Sul, o Leste e o Ocidente.
Seguidamente, destacamNse fatores que revelam notória correlação com a
tendência expansionista de riscos e ameaças nas sociedades democráticas ociN
dentais, a saber:
aaaa.... A reorganização do poder global perante o relativo declínio do Oc A reorganização do poder global perante o relativo declínio do Oc A reorganização do poder global perante o relativo declínio do Oc A reorganização do poder global perante o relativo declínio do Ociiiidentedentedentedente
Perante sucessivas crises sociais e económicas que acarretaram um relativo
declínio das economias ocidentais, relevantes alterações demográficas, com um
notório envelhecimento da sua população – e a afirmação de Estados emergentes,
o Ocidente confrontaNse com um relativo enfraquecimento, que se projecta na
posição assumida nos sistemas de poder internacionais onde, tradicionalmente,
TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE
289
detinha um papel preponderante. De facto, o relativo declínio das economias
ocidentais e a concomitante afirmação de Estados emergentes desencadearam
alterações nos sistemas de poder internacionais, das quais decorre o enfraqueN
cimento do Ocidente, com inevitáveis consequências no contexto da segurança
ocidental.
Por outro lado, a afirmação dos sistemas de poder global tem sido prejudiN
cada pelo surgimento de “Estados falhados”, situados em regiões de relevância
geopolítica e geoestratégica como o Médio Oriente ou o Norte de África. A
expansão desses “atípicos sujeitos de direito internacional” demonstra a ineficáN
cia do direito internacional da segurança no que concerne à eficiência dos
meios de que dispõe para assegurar a vigência de instrumentos de contenção e
de reposição da ordem internacional e a incapacidade de coordenação política
no seio das organizações internacionais existentes.
No entanto, apesar de os princípios estruturantes da ordem jurídica e de as
democracias ocidentais serem postos em causa em diferentes contextos geopoN
líticos, não deixa de ser um sinal positivo para a ordem jurídica internacional o
crescente reconhecimento global da sua importância, em especial quanto à
garantia dos direitos e liberdades fundamentais e à responsabilização e escrutíN
nio do exercício do poder público, apesar de esse reconhecimento se socorrer
de critérios interpretativos e aplicativos distintos.
bbbb.... As transformações demográficas globais As transformações demográficas globais As transformações demográficas globais As transformações demográficas globais
Das evidentes transformações demográficas globais ocorridas nas últimas
décadas resulta, entre outros fatores, um crescente desequilíbrio entre as popuN
lações do Norte e do Sul, tornandoNse evidente o declínio demográfico no OciN
dente e o acentuado envelhecimento da sua população. Ao invés, assisteNse a
uma expansão demográfica nos países do Médio Oriente e do Norte de África,
não sendo possível dissociar essa expansão dos acontecimentos políticos e
sociais ocorridos nessas regiões nos últimos anos. Esses acontecimentos ilusN
tram os elevados níveis de frustração das gerações mais jovens perante a
pobreza e a escassez de oportunidades, o que tem contribuído decisivamente
para o abandono maciço desses Estados, por parte de essas novas gerações,
que se dirigem para o Ocidente.
Por outro lado, a frágil estabilidade política existente nesses Estados revela
também uma insuficiente acção reformista, de cariz social e económico, levada a
cabo pelos governos e reclamada pelos cidadãos, pelo que é previsível uma tenN
dência de expansão de movimentos de radicalização e de contestação aos poderes
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
290
instituídos e aos sistemas vigentes, o que poderá promover o surgimento de
novos conflitos políticos e sociais ou o aprofundamento dos já existentes.
cccc.... As Alterações climáticas As Alterações climáticas As Alterações climáticas As Alterações climáticas
As alterações climáticas têm originado um conjunto de efeitos com relevânN
cia no quadro da segurança comum. São sobejamente comprovados os efeitos
decorrentes dessas alterações no âmbito da escassez de recursos alimentares e
hídricos e na desertificação de regiões e de solos aráveis, com a consequente
dificuldade de acesso a recursos vitais por parte das populações. Estes riscos
representam potenciais conflitos internos ou transfronteiriços, para além de
gerarem êxodos humanitários em consequência, nalgumas situações, da ocorN
rência de catástrofes naturais.
Aliás, em economias pouco desenvolvidas, o empobrecimento de populaN
ções rurais causado por alterações ambientais acarreta, em regra, convulsões
sociais que originam, posteriormente, a deslocalização de populações e o
aumento de contingentes migratórios. Essas circunstâncias desencadeiam
sérios abalos no equilíbrio da comunidade internacional e podem mesmo, em
situações limite, determinar o ressurgimento de conflitos clássicos.
dddd.... O enfraquecimento da autoridade dos Estados O enfraquecimento da autoridade dos Estados O enfraquecimento da autoridade dos Estados O enfraquecimento da autoridade dos Estados
No contexto das dimensões da segurança interna e externa assinalaNse uma
tendência para o declínio da autoridade dos Estados perante a emergência de
actores não estatais com crescente influência económica, financeira e tecnológiN
ca. O aparecimento de modelos paralelos ou mesmo concorrenciais, à autoridaN
de pública, através de novas formas de organização social e política, repercuteN
se objectivamente no enfraquecimento do tradicional poder estadual. Esse aspeto
coexiste com o aprofundamento e consolidação de sistemas interdependentes
internacionais que material e formalmente traduzem limitações ao exercício pleno
da soberania dos Estados. São exemplo os modelos decisórios internacionais
firmados no princípio da conciliação de soberanias múltiplas ou, mesmo num
grau mais avançado, no princípio da governança partilhada, onde se incluem os
mecanismos de gestão de fronteiras comuns. Aliás, as alterações relacionadas
com a delimitação do tradicional conceito de fronteira têm contribuído para o
surgimento de focos de conflitualidade entre populações e Estados, com fundaN
mento em antagonismos culturais, étnicos, políticos ou económicos.
Por outro lado, a intervenção nesse tipo de conflito de actores não estatais tem
suscitado intrincadas questões no domínio do direito internacional, considerando
a ténue vinculação desses agentes às normas e princípios deste ordenamento,
TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE
291
mas também pela forma como exploram o contexto de indefinição de fronteiras e
de zonas de conflito, tendo como objectivo a prossecução de actividades ilícitas.
Com efeito, tem sido evidente, em alguns cenários, a associação de grupos
regionais ou de movimentos separatistas a organizações de criminalidade organiN
zada transnacional conotadas com o tráfico de pessoas, o comércio ilegal de
armas, a falsificação de documentos ou o apoio logístico ao terrorismo internaN
cional.
Deste modo, a incapacidade de a comunidade internacional neutralizar conN
flitos resultantes de instabilidade regional promovidos por grupos terroristas ou
por estruturas de crime organizado, contribui para reduzir a sua credibilidade e
para viabilizar a expansão de ameaças à segurança comum, com o correlativo
enfraquecimento da afirmação dos Estados na manutenção da ordem global.
eeee.... A globalização das organizações criminosas transnacionais A globalização das organizações criminosas transnacionais A globalização das organizações criminosas transnacionais A globalização das organizações criminosas transnacionais
Nas últimas décadas, temNse assistido a uma tendência de consolidação das
organizações criminosas transnacionais que, através de um modelo de “internaN
cionalização”, tendem a demonstrar, cada vez mais, uma assinalável plasticidade
e proficiência no que respeita à prossecução dos seus objectivos e ao desenvolN
vimento de actividades com resultados lucrativos muito relevantes.
A eficiência dessas organizações resulta dos seus métodos e, principalmente,
do recurso à manipulação e infiltração de estruturas da administração pública e
de entidades privadas. Com efeito, no quadro do direito internacional tem sido
assinalada a conexão dessas estruturas com os denominados “Estados falhaN
dos”, alvo de manipulação por parte de organizações criminosas transnacionais.
São também um fator relevante os recursos de que dispõem no quadro da
denominada comunicação global.
ffff.... A expansão da ameaça terrorista A expansão da ameaça terrorista A expansão da ameaça terrorista A expansão da ameaça terrorista
No âmbito das principais ameaças à segurança do Estado, o terrorismo
assume particular relevância, pelo seu impacto na ordem jurídica democrática13
e na qualidade de vida das populações. Por este facto, a ameaça terrorista reclaN
ma a adopção de contraNmedidas particularmente incisivas no âmbito da sua
prevenção e combate.
É incontornável que a ameaça terrorista, com especial incidência a de matriz
islamista, tem assumido, nas últimas décadas, uma projecção evidente, numa priN
meira fase em resultado da actuação de organizações terroristas como AlNQaeda e
13 Marques Guedes, Armando, A segurança Externa, in Enciclopédia do Direito e SeguranNça, coordenada por Jorge Bacelar Gouveia e Sofia Santos, Almedina, 2015, pág. 425.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
292
grupos afiliados e, mais recentemente, através da actuação do autoNproclamado
Estado Islâmico.
Apesar das medidas adoptadas unilateralmente pelos Estados e dos instruN
mentos de prevenção e repressão comuns aprovados no quadro do direito
internacional, a ameaça terrorista continua a revelar uma tendência de expanN
são, beneficiando da pulverização de conflitos geopolíticos e dos processos de
desintegração de alguns Estados, como o Iraque e a Líbia. No âmbito do terroN
rismo é também relevante o recurso a sistemas de networking, desenvolvidos
em ambiente virtual, dado representarem um meio eficaz na promoção desses
grupos e na difusão da sua propaganda.
gggg.... O aproveitamento indevido de fatores tecnológicos O aproveitamento indevido de fatores tecnológicos O aproveitamento indevido de fatores tecnológicos O aproveitamento indevido de fatores tecnológicos
Atualmente, um dos principais desafios à segurança dos Estados e das
populações radica no aproveitamento indevido dos avanços tecnológicos que
per se representam concomitantemente uma oportunidade de desenvolvimento
e um risco, quando alvo de aproveitamento indevido.
É comummente reconhecido que o acesso e utilização das novas tecnologias
reforçam o poder de cada indivíduo e tornam possível a um número crescente
de utilizadores a prática de actos ilícitos ou a adopção de comportamentos desN
viantes.
A consolidação da utilização de novas tecnologias, tanto por entidades priN
vadas, como por entidades públicas, bem como a criação de sistemas em rede
originam vulnerabilidades de segurança que se revelam exponenciadas pela
incorporação dessas tecnologias na gestão de infraNestruturas essenciais à vida
em sociedade. Acresce como fator de risco aos Estados de direito democráticos
a possibilidade de grupos ou indivíduos isolados acederem, sem qualquer tipo
de mediação, a tecnologias inteligentes, com real impacto na segurança, ou a
mananciais de dados existentes em sistemas de informação em rede.
hhhh.... A “metropolização” dos centros urbanos A “metropolização” dos centros urbanos A “metropolização” dos centros urbanos A “metropolização” dos centros urbanos
O surgimento de grandes metrópoles, caracterizadas pela desordenação
urbanística e por uma elevada densidade populacional, representa, em si mesN
mo, um relevante fator de insegurança objectiva e subjectiva.
Com efeito, o facto de grande parte dos seus habitantes viver em condições
sociais e económicas deficientes e integrar comunidades com acentuadas diverN
sidades culturais e étnicas contribui para o surgimento de áreas de exclusão
social, tendentes a gerarem modelos de organização social próprios, dissonanN
tes com a autoridade do Estado.
TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE
293
De facto, tem sido evidente, em vários países ocidentais, o insucesso das
políticas públicas de urbanismo, com a consequente emergência de fenómenos
de radicalização e de violência urbana. Neste contexto, deve também ser pondeN
rado, como fator de risco, o facto de se verificarem discrepâncias sociais e ecoN
nómicas decorrentes de deficiente redistribuição do rendimento.
É certo que nas sociedades ocidentais, e também, nas economias emergenN
tes, apesar da expansão da denominada classe média, são assinalados fatores de
iniquidade e de desigualdade social que, em articulação com outros fatores
sociais, tendem a gerar tensões sociais e a radicalizar grupos que ficam à marN
gem desses processos. O desânimo social instalado em novas gerações poderá
ser instrumentalizado por movimentos radicais, que propugnam o recurso a
práticas violentas ou subversivas.
Também neste âmbito, os media e as plataformas de comunicação ao dispor
das novas gerações assumem uma importância crucial, no sentido de que veicuN
lam o debate, o apoio ou a rejeição de causas, políticas ou religiosas pondo em
causa narrativas oficiais.
Assim, as redes e os serviços sociais apresentamNse, cada vez mais, como
espaços de afirmação individual e colectiva e acentuam a bipolaridade do poder
do Estado e do indivíduo.
Em síntese, os fatores enunciados consubstanciam uma alteração dos sisteN
mas de poder globais e uma transformação na “redistribuição” do poder por
actores estatais e não estatais, por organizações e por indivíduos. Em face das
circunstâncias descritas, impõeNse aos Estados e à comunidade internacional
continuar a adoptar medidas que visem, de forma precoce, debelar ameaças
existentes em regiões de enorme instabilidade política e social, consubstancianN
doNse como um dos principais desafios à comunidade internacional e ao direito
internacional obstar ao surgimento de Estados falhados. Esses fatores repreN
sentam uma oportunidade para os grupos de crime organizado ou para organiN
zações terroristas levarem a cabo os seus objectivos e uma derrota para os
valores e princípios que regem o direito e a comunidade internacional.
AAAA INTELLIGENCEINTELLIGENCEINTELLIGENCEINTELLIGENCE COMO UM COMO UM COMO UM COMO UM INSTRUMENTO DE RESPOINSTRUMENTO DE RESPOINSTRUMENTO DE RESPOINSTRUMENTO DE RESPOSTA NOSTA NOSTA NOSTA NO QUADRO DA QUADRO DA QUADRO DA QUADRO DA UUUUNIÃO NIÃO NIÃO NIÃO EEEEURURURUROOOOPEIA PEIA PEIA PEIA
No quadro da União Europeia, um dos instrumentos de resposta às ameaças
enunciadas consiste na partilha de informações, na qual interferem, num contexto
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
294
de soft law14, as dimensões normativas, nacional e europeia. Os Estados têm
reconhecido que a construção da segurança europeia impõe o aprofundamento
de instrumentos de cooperação específicos no sentido de obstar ao desenvolviN
mento de fenómenos como a ameaça terrorista, o tráfico de pessoas e a crimiN
nalidade organizada15. Também a existência de fronteiras comuns, com a
inerente liberdade de circulação de pessoas, apesar da importância no quadro
do aprofundamento e consolidação democrática da União, acarreta desafios
acrescidos à segurança nacional e comum, dado que a segurança de cada um
dos Estados se encontra delimitada pela segurança do outro16.
Neste contexto, a cooperação ao nível da intelligence temNse revelado oporN
tuna e eficaz, sendo determinada por critérios inerentes à denominada “inteliN
gência cooperativa”, visando mitigar riscos e ameaças e garantir a segurança
no espaço da União. De facto, sem prejuízo da independência dos Estados e da
autonomia dos respectivos serviços de informações, o aprofundamento político
e os desafios de segurança comuns postulam o desenvolvimento desse tipo de
cooperação.
Todavia, à semelhança de outros domínios sensíveis, essa partilha requer a
existência de um consenso alargado, tanto no que concerne ao regime proceN
dimental, como aos conteúdos a partilhar. Ao abrigo do que podemos designar
por “Direito da Segurança da União” encontramNse previstos mecanismos de
colaboração e de troca de informações, através de uma entidade específica, o
IntCen, sob a égide do Serviço Europeu da Acção Externa.
A cooperação prevista compreende, ao abrigo do Direito da União, a partiN
lha de informações e de boas práticas no que respeita a fenómenos susceptíveis
de afectarem a segurança comum, nomeadamente o terrorismo internacional, o
tráfico de pessoas e o crime organizado transnacional.
O que se visa é primordialmente a redução do risco de tomada de decisões
com base em informação casuística determinada pela conjuntura ou que, por
insuficiente conhecimento, possam ser menosprezados aspetos relevantes
14 A gradação da normatividade encontraNse definida pela natureza das entidades particiNpantes – serviços de informações ou de intelligence – assim como o modelo de cooperação estabelecida. 15 Relativamente às dinâmicas da securitização e à análise dos ambientes de segurança, Williams Vaughan Nick, Critical Security Studies – an introducion, RoutledgeNTaylor and Francis Group, London and New York, 2010. 16 Para a análise mais aprofundada da relação entre serviços de informações e democracia, Russell G. Swenson e Susana C. Lemozy, Framework for a normative theory of national intel,ligence Washington, in “Democratization of Intelligence – Melding strategic intelligence and nacional discoourse, editions Nacional Defense Intelligence College, DC july 2009, pp. 1N25.
TENDÊNCIA DAS AMEAÇAS GLOBAIS. ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E INTELLIGENCE
295
quanto à caracterização e ao impacto de fenómenos que ponham em causa a
segurança comum17.
Em suma, de acordo com uma correcta compreensão e reordenação dos
conceitos de segurança comum, de ameaça e de risco, a partilha de informações
na União Europeia reflecte, em absoluta concatenação com o respeito dos direiN
tos, liberdades e garantias dos cidadãos, uma ponderação alargada que permite
avaliar, com desejável clarividência e oportunidade, as “velhas” e as “novas”
ameaças com que se confrontam atualmente as sociedades europeias.
Do exposto resulta ainda que os instrumentos de resposta existentes ou em
fase de construção, só se revelam suficientemente eficazes se compreenderem a
concretização de estratégias nacionais e internacionais centradas no desenvolN
vimento e no aprofundamento do conceito de segurança – enquanto préN
condição do desenvolvimento – e se traduzirem o fortalecimento dos sistemas
de segurança nacionais e internacionais, sem descurar o aprofundamento dos
mecanismos de diálogo transnacional em sede de União Europeia e em fora
mais alargados.
17 Em termos gerais, o processo de globalização expôs os EstadosNmembros a novos desaNfios enquanto entidades soberanas, mas, também, na qualidade de membros da União Europeia.
297
14141414.... CCCCONSIDERAÇÕES ONSIDERAÇÕES ONSIDERAÇÕES ONSIDERAÇÕES FFFFINAISINAISINAISINAIS:::: AAAAMEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E MEAÇAS E RRRRISCOS ISCOS ISCOS ISCOS
TTTTRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAISRANSNACIONAIS:::: UMA VISÃO DE FUTURO UMA VISÃO DE FUTURO UMA VISÃO DE FUTURO UMA VISÃO DE FUTURO
JOSÉ ALBERTO LOUREIRO DOS SANTOS, GENERAL (R)
RRRRESUMOESUMOESUMOESUMO
1. As ameaças transnacionais previsíveis para o futuro estão relacionadas
com as capacidades dos actores que as emitem, incluindo as especificidades dos
instrumentos de que dispuserem para as produzir, entre as quais convém destaN
car o potencial da força utilizada.
A maioria dos conflitos resultará de lutas internas pelo acesso ao poder, com
diversificados atores a disputáNlo, tanto políticos (facções políticas), económicos,
religiosos ou mesmo criminosos. Serão cada vez menos frequentes as ameaças
directas e visíveis de Estados ou coligações de Estados a outro(s) Estado(s).
Na sua esmagadora maioria, as ameaças serão multifacetadas, produzindo
“guerras híbridas”. A utilização da “informação”, – novo elemento essencial de
combate –, surgirá sempre como componente destacada de qualquer feixe de
ameaças, envolvendo conflitos internos e externos. Muitas vezes será mesmo o
fator decisivo em termos dos efeitos que as ameaças produzem.
– Tanto entre Estados, e entre estes e atores não estatais, configurando um
conjunto de disputas pela violência, caracterizadas pelos mais variados
conflitos armados interligados, uns simétricos (de semelhante potencial
militar convencional), outros dissimétricos (de diferente potencial convenN
cional) e assimétricos (entre atores fracos que agem através de acções
insurreccionais e atores fortes em potencial militar que desenvolvem a
contraNinsurreição);
– Como no interior dos Estados, entre eles e atores não estatais (políticos,
económicos, criminosos, religiosos ou étnicos) que os pretendam colocar
em causa, para a totalidade do território ou para uma parte.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
298
O terrorismo internacional de alcance global por intermédio da exploração
da informação, como são hoje as organizações jihadistas do extremismo islâmiN
co, cujos instrumentos com maior poder de choque são os bombistas suicidas,
desempenhará um papel envolvente e conduzirá a sociedades constantemente
vigiadas e policiadas, obrigando mesmo à utilização de numerosos contingentes
militares, podendo transformar as unidades políticas existentes em autênticas
“nações em alerta permanente”. Este terrorismo será promovido tanto por
redes organizadas e devidamente preparadas, de feição nacional, regional, mulN
tinacional ou global, como por indivíduos isolados pertencentes ou não a estruN
turas do terror mais vastas, cujo exemplo mais notório é o “lobo solitário”.
As ameaças que alguns Estados mais utilizarão, conduzindo também operaN
ções híbridas, caracterizarNseNão pelo uso de militares disfarçados e sem insígN
nias (os conhecidos “pequenos homensNverdes que a Rússia tem projectado em
países vizinhos), embora usando todo o equipamento convencional disponível, e
negando permanentemente a sua autoria, forçando negociações diplomáticas
para obter vantagens, cujos desenvolvimento e desfecho surgem como mal
menor para os actores mais fracos e em dificuldades para enfrentar os adversáN
rios mais fortes.
2. ManterNseNão as ameaças de expressão global com base nos Estados,
através do possível emprego de armas de destruição massiva, como as de natuN
reza nuclear, biológica e química, e também de “armas” de disrupção massiva
no ciberespaço. A contenção destas ameaças tem sido feita por dissuasão e por
negociações que levam ao estabelecimento de medidas de alcance global, traduN
zidas em tratados internacionais que consigam a adesão de todos os Estados ou
da sua esmagadora maioria, particularmente as potências situadas no patamar
mais elevado do exercício do poder, com a finalidade de regular o número de
armas (o ideal seria baniNlas) e o seu emprego. As disposições mencionadas nos
tratados serão monitorizadas por agências dos organismos internacionais,
como a Organização das Nações Unidas – na sua atual configuração, mais proN
vavelmente em sucessivas configurações resultantes da sua adaptação à evoluN
ção da ordem internacional (relação de forças entre os atores políticos) –, ou de
novas organizações que se venham a criar para substituir as atuais.
Esta dissuasão, particularmente ao nível nuclear, pode limitarNse apenas à
capacidade de fabricar armas nucleares, que todas as potências procurarão
adquirir, embora ficando adormecida enquanto não se mostrar necessária a sua
produção, mas também no campo do armamento convencional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS: UMA VISÃO DE FUTURO
299
“Numa antecipação optimista do futuro da guerra, não serão prováveis
guerras nucleares, pois abririam a possibilidade de conduzir a destruições de tal
dimensão que se repercutiriam nos vencedores tanto como nos vencidos, não
havendo, afinal, vencidos nem vencedores.
Ao nível convencional, os EUA já dispõem de capacidade de conseguir disN
suadir ataques convencionais com fogos convencionais de grande potência e
precisão, o que se generalizará a outras grandes potências, abrindo a possibiliN
dade de tornar mais fácil o fim das armas nucleares, mas os Estados de menor
dimensão que se sintam fortemente ameaçados não deixarão de procurar o
nuclear para atingir igual objectivo – a capacidade de dissuasão.
Ao nível não convencional, a prática da resistência contra um potencial ocuN
pante recorrendo à guerra irregular também poderá ser utilizada como capaciN
dade de dissuasão por um país de média ou de pequena dimensão”1, tornando
cara qualquer eventual ocupação territorial.
“Numa visão menos optimista, nenhuma destas circunstâncias impedirá o
emprego de armas nucleares como recurso desesperado de qualquer Estado de
menor dimensão que as possua, perante a iminência de ser destruído por um
ataque nuclear ou mesmo convencional de outro ou outros Estados; Estados de
reduzida expressão procurarão ter armas nucleares também para dissuadirem
ataques convencionais arrasadores que possam terminar no seu desmembraN
mento ou destruição. Nem se pode pôr de parte a hipótese de se desencadear
uma guerra nuclear por acidente ou desequilíbrio mental de um protagonista,
situações que todos tentarão evitar através de controlo do disparo e da monitoN
rização estrita dos processos de decisão.”2
3. Outras ameaças com que os Estados poderão ser confrontados situamNse
a diferentes níveis das suas estruturas e organização, como:
aaaa.... Ameaças provenientes de potências poderosas: Ameaças provenientes de potências poderosas: Ameaças provenientes de potências poderosas: Ameaças provenientes de potências poderosas:
Incursões de desestabilização e/ou de pesquisa de informação relevante
efectuadas por serviços de informações;
Provocação de tensões e/ou fracturas internas em Estados que interesse
controlar, promovendo e/ou apoiando operações violentas ou não para alterar a
sua situação política a favor dos fins que perseguem, ou financiando e incentiN
vando facções políticas que conduzam operações de agitação, de sabotagem e
de guerrilha que lhes sejam vantajosas;
1 “O Futuro da Guerra”, pelo General Loureiro dos Santos, Nova Veja, 2014. 2 Idem. “O Futuro da Guerra”, pelo General Loureiro dos Santos, Nova Veja, 2014.
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
300
Condução de incursões de pesquisa de informações através do ciberespaço,
sobre objetivos políticos, económicos, financeiros e militares, procurando
alcançar o domínio neste novo espaço de operações e conhecer aspetos fulcrais
susceptíveis de lhes conferirem vantagens sobre eventuais competidores e iniN
migos, actuando sobre elas em antecipação, para as neutralizar, destruir, ou
alterar e usar a seu favor;
Desenvolvimento de voos no espaço exterior, com a finalidade de conseguir
predomínio na sua utilização em termos militares e não militares, com vista a
reunirem condições para travarem eventuais guerras em qualquer dos espaços
de operações;
Desencadeamento de operações “cobertas” (recusandoNlhes qualquer apoio
institucional se forem denunciadas) que criem problemas aos adversários e
capturem pessoas importantes, para impedir as suas estratégias, assim como
para ganhar significativas vantagens em algum aspeto com impacto estratégico
de dimensão relevante;
Planeamento e desencadeamento de estratégias assertivas no espaço de
operações mediático, com operações de informação de todo o tipo, visando
desequilibrar a seu favor as percepções dos públicos que lhes interessam, acerN
ca de medidas, actos e acontecimentos que tenham lugar, sejam da sua autoria
ou de outros atores;
Desencadeamento de pressões/sanções diplomáticas, como convocar os
embaixadores de potenciais adversários para pedirem explicações, fazerem
recolher os seus embaixadores colocados nesses países, cortar com eles relaN
ções diplomáticas, ameaçar expulsáNlos (caso consigam os aliados necessários)
de organizações internacionais que lhes sejam úteis, bem como recusarNlhes
vistos nos passaportes e outras medidas;
Levando a efeito acções financeiras, através de alterações cambiais que lhes
dificultem as transacções financeiras dos Estados visados e sejam desfavoráveis
à respectiva economia, e outras sanções de natureza económica (se estiverem
em situação de o fazer), como congelar os seus activos no país e criarNlhes difiN
culdades ou mesmo isoláNlos em termos comerciais;
Desencadeamento de operações especiais, que a era da informação permite
conduzir e comandar nos antípodas ou a partir de algures no espaço exterior,
com o objectivo de eliminar ou capturar inimigos, principalmente líderes de
organizações terroristas que as ameacem;
Estabelecimento de “fire walls” defensivos no ciberespaço, limitando acções
provenientes de outros atores, e/ou no próprio território visando os seus cidaN
CONSIDERAÇÕES FINAIS: AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS: UMA VISÃO DE FUTURO
301
dãos e limitarNlhes o acesso a informação e a conhecimento, portanto funcioN
nando como autênticas “muralhas” digitais;
Gerando várias internets, que funcionem como “internets paralelas”;
Desencadeamento de ataques informáticos localizados e ofensivas cibernétiN
cas de grande dimensão;
Condução de operações militares de qualquer tipo e intensidade, do âmbito
convencional e/ou não convencional (guerras de baixa intensidade), através de
terceiros Estados, com atores de poder igual ou próximo que tenham idênticos
interesses de domínio ou controlo, com o objectivo de aí estabelecer a situação
que vá de encontro aos seus interesses;
Condução de acções militares preemtivas, antecipandoNse a qualquer ataque
que tenha indícios considerados seguros de estar a ser preparado para ser lanN
çado contra si ou contra algum aliado que seja do seu interesse vital manter sob
a sua influência;
Detonando e conduzindo acções militares preventivas para transformar
Estados em aliados ou protectorados, com a justificação de que eles se estão a
armar com a finalidade de os poderem atacar ou de lançar operações de ocupaN
ção do território de aliados seus.
bbbb.... Ameaças provenientes de potências de menor expressão ou Ameaças provenientes de potências de menor expressão ou Ameaças provenientes de potências de menor expressão ou Ameaças provenientes de potências de menor expressão ou de atores não de atores não de atores não de atores não
estatais contra Estadosestatais contra Estadosestatais contra Estadosestatais contra Estados
Condução de conflitos armados de elevada intensidade, mais provavelmente
de média e baixa intensidade, com desenvolvimentos de natureza convencional
e/ou insurreccional, que poderão escalar em intensidade e alastrar a áreas geoN
gráficas contíguas ou ter o apoio de potências (nomeadamente de grandes
potências) que tenham interesses a defender no contexto em desenvolvimento;
Perigo de utilização de armas de destruição massiva (química e biológica,
preferencialmente nuclear ou, no mínimo de armas sujas por produzirem efeiN
tos radioactivos) por parte de atores não estatais extremistas que se movam por
motivos religiosos, numa situação em que se pulverizem os atores, com atores
estatais e não estatais lutando entre si. Aliás a possibilidade do emprego deste
tipo de armas continuará a ser, como já é, a grande ambição dos militantes
extremistas, pela dimensão dos efeitos susceptíveis de serem produzidos e pelo
impacto no âmbito da informação, o que se reflectirá num desequilíbrio sensível
nas relações de forças a seu favor mesmo que de curta duração;
Utilização de toda a panóplia de instrumentos e acções capazes de produzir
danos materiais e imateriais, através de qualquer dos espaços de operações
AMEAÇAS E RISCOS TRANSNACIONAIS NO NOVO MUNDO GLOBAL
302
susceptíveis de serem percorridos – terrestre, aéreo, marítimo, espacial, cibeN
respaço e espaço mediático.
Desencadeamento de conflitos múltiplos e de diferente tipo, particularmente
nos cada vez maiores e mais numerosos espaços urbanizados, em especial nas
suas periferias completamente “guetizadas”, susceptíveis de levar a situações
anárquicas e sem controlo num contexto de instabilidade permanente e com a
autoridade pública incapaz de impor a ordem e impedir a anarquia, promovenN
do situações de caos, que terão de ser combatidas por estratégias abrangentes
(holísticas) de contracaos, com direcções unificadas civil/militar, que envolvam
todos os sectores da actividade de um Estado, ou, no mínimo com uma articulaN
ção forte e permanente entre a autoridade civil e militar, desde o topo até à
base, dos diversos níveis administrativos de comando/direcção.
cccc.... Os riscos são ameaças não intencionais, originadas pela ocorrência de Os riscos são ameaças não intencionais, originadas pela ocorrência de Os riscos são ameaças não intencionais, originadas pela ocorrência de Os riscos são ameaças não intencionais, originadas pela ocorrência de
fenómenos naturais ou então resultantes de acidentes ocorridos inopinfenómenos naturais ou então resultantes de acidentes ocorridos inopinfenómenos naturais ou então resultantes de acidentes ocorridos inopinfenómenos naturais ou então resultantes de acidentes ocorridos inopinaNaNaNaN
damedamedamedamennnnte na manipulação e funcionamento de engenhote na manipulação e funcionamento de engenhote na manipulação e funcionamento de engenhote na manipulação e funcionamento de engenhos construídos pelo s construídos pelo s construídos pelo s construídos pelo
homem.homem.homem.homem.
Entre os primeiros, poderemos indicar os incêndios florestais de grandes
dimensões, terramotos significativos capazes de provocar danos importantes,
inundações resultantes de chuvas diluvianas e/ou de acidentes em estruturas
construídas pelo homem (como o rebentamento de barragens), naufrágios de
embarcações, etc.
Nos segundos, incluemNse todos os acidentes de funcionamento de instruN
mentos técnicos construídos pelo homem, como é o caso dos acidentes em cenN
trais nucleares.
303
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