eletromagnetismo bohn
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Universidade Federal de Santa Maria
Programa de Pós-Graduação em Física
Magnetostricção e ruído Barkhausen em aços elétricos de grão não-orientado
Felipe Bohn
Dissertação realizada sob a orientação dos professores Rubem Luís Sommer e André Gündel e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Física da UFSM em preenchimento parcial dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Física.
Santa Maria - RS
2005
II
_______________________________________________________________________
2005
Todos os direitos reservados a Felipe Bohn.
A reprodução de parte ou do todo deste trabalho só poderá ser realizada com autorização por
escrito do autor.
Endereço: Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Naturais e Exatas,
Laboratório de Magnetismo e Materiais Magnéticos, Santa Maria, RS, CEP 97105-900.
Telefone: (55)3220-8618
E-mail: felipebohn@gmail.com
III
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FÍSICA
A COMISSÃO EXAMINADORA, ABAIXO ASSINADA, APROVA A DISSERTAÇÃO:
Magnetostricção e ruído Barkhausen em aços elétricos de grão não-orientado♣
ELABORADA POR
Felipe Bohn
COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE
MESTRE EM FÍSICA
COMISSÃO EXAMINADORA:
Prof. Dr. Rubem Luís Sommer – Orientador, CBPF
Prof. Dr. João Edgar Schmidt, UFGRS
Prof. Dr. Celso Arami Marques da Silva, UFSM
Santa Maria, 20 de Dezembro de 2005.
♣ Trabalho Parcialmente financiado pela CAPES/FINEP-PRONEX/FAPERGS/CNPq.
IV
Com muito amor, aos meus pais e a Letícia.
V
Agradecimentos
Gostaria de agradecer a todos que consciente ou inconscientemente contribuíram
para este trabalho. É sempre injusto mencionar somente alguns membros da equipe pelo
nome, deixando anônimos todos os outros que tanto contribuíram para que este trabalho se
tornasse realidade. Aos últimos, sou especialmente grato pois o desenvolvimento deste exigiu
muito. Dentre os primeiros, gostaria de agradecer...
Ao professor Rubem Luís Sommer, pela orientação, paciência, amizade e
importantíssimos ensinamentos;
Ao professor André Gündel por toda orientação, amizade, parceria, discussões e pelos
inúmeros e preciosos ensinamentos...;
Ao professor Aguinaldo M. Severino pela amizade, pelas várias discussões, conversas
e ensinamentos;
Ao professor Fernando José Gomes Landgraf pela prestativa colaboração e
importantíssimas discussões sobre os aços;
Ao Alexandre (Zero) pela amizade, discussões e preciosos ensinamentos;
Aos professores Schelp, Carara pelas discussões e auxílio em inúmeros momentos;
A todos os colegas e, principalmente, amigos do LMMM: Marcio (Rica Marcinha),
Ricardo (Milindro), Luciana (Lu), Antonio Marcos (Teco), Marcelo (Tchelo), Callegari, João
(Mac ou Índio Veio de Caçapava), Sabrina (Bina), Matheus (Popó, Negão ou Rica
Negrinha), Kelly, Claudiosir (Roquinho), Émerson (Fominha), Rafael, Fabio e Gilberto que,
certamente, foram fundamentais, seja no trabalho ou nas risadas;
Aos meus mestres professores, que desde a graduação repassam com clareza e
exatidão seus conhecimentos. Em especial ao Celso, Guina e Ricardo;
A Saionara e ao professor Piquini;
A Letícia, que, desde que entrou em minha vida, tornou-se peça fundamental, pois
esteve sempre ao meu lado incentivando e auxiliando em tudo que foi possível;
A minha família, especialmente aos meus pais, minha irmã, meus dindos e meus avós
que, durante toda minha vida, me incentivaram a buscar todos os meus sonhos e fizeram de
tudo para que os mesmos se tornassem realidade. Sem eles, certamente, não teria alcançado
nenhum dos meus objetivos.
VI
Resumo
Os aços elétricos de grão não-orientado (GNO) estudados neste trabalho são utilizados principalmente em aplicações que exigem isotropia das propriedades magnéticas ao longo do plano da chapa, nas quais o campo magnético é aplicado em diferentes ângulos em relação à direção de laminação (RD). Nos materiais ferromagnéticos como os aços, as perdas magnéticas podem ser separadas em duas componentes: perdas de baixa indução, B < B(µmax), geralmente relacionada aos movimentos de paredes de domínios magnéticos, e perdas de alta indução, B > B(µmax), normalmente associada à rotação da magnetização. Porém, observa-se experimentalmente que as de perdas em alta indução representam aproximadamente 50% das perdas totais dos aços GNO e isto, por sua vez, não é explicado através de modelos que consideram apenas a rotação neste nível de indução. Por isto, o estudo dos processos de magnetização dos aços GNO é importante, não apenas para resolver a questão levantada pelo esquema da separação das perdas proposto, mas também para fornecer maiores informações sobre os mecanismos de magnetização nestes aços e, assim, diminuir as perdas magnéticas e, conseqüentemente, o consumo de energia elétrica. Particularmente, o estudo do ruído Barkhausen (BN) e da magnetostricção é de interesse, pois estes efeitos dependem tanto da estrutura magnética como da estrutura metalúrgica dos materiais. Deste modo, o estudo do BN e da magnetostricção pode auxiliar a esclarecer o processo de magnetização e o complexo processo de perdas nos aços elétricos GNO ao longo da curva de histerese quando o campo magnético é aplicado em direções diferentes da RD. Neste trabalho, são apresentados resultados obtidos em amostras de aços elétricos GNO FeSi3.2% classe E110 produzidas pela ACESITA. Os resultados são discutidos em termos do movimento de paredes de domínio, rotação da magnetização, nucleação e aniquilação de domínios magnéticos e evolução da complexa estrutura de domínios presente nestes aços.
VII
Abstract
Non-oriented electrical steels (NO) studied in this work are used in applications that demand isotropy of magnetic properties along the plane of the sheet, which the magnetic field is applied in different angles with respect to the rolling direction (RD). In magnetic materials as the steels, magnetic losses can be separated in two components: low induction losses, B < B(µmax), usually, related to magnetic domains walls motion and high induction losses, B > B(µmax), normally associated to magnetization rotation. However, it is observed experimentally that the high induction losses component represents approximately 50% of total losses of GNO steels and it is not explained in models that consider the only the rotation at this induction level. Therefore, the study of the magnetization process in NO steels is important not only do solve the question raised by the scheme of loss separation proposed, but also to provide a further insight in these steel magnetization mechanisms and, consequently, get a decrease in the magnetic losses and the electric energy consumption. Particularly, the study of Barkhausen noise (BN) and magnetostriction is important, therefore both depend on the magnetic and metallurgical structure of the material. In this way, the study of BN and magnetostriction can assist to explain the magnetization process and the complex losses process in GNO electrical steels along the hysteresis curve when the magnetic field is applied in different direction with respect to RD. In this work, obtained results of FeSi3.2% class E110 NO electrical steels samples produced by ACESITA are presented. The results are discussed in terms of the domain wall motion, magnetization rotation, nucleation and annihilation of domains and evolution of the complex magnetic domain structure present in these steels.
VIII
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................ 9
2 FERROMAGNETISMO........................................................................................................................... 12
2.1 MATERIAIS FERROMAGNÉTICOS....................................................................................................... 12 2.2 ENERGIA LIVRE MAGNÉTICA DE UM MATERIAL FERROMAGNÉTICO ............................................... 16
2.2.1 Energia de troca ............................................................................................................................ 17 2.2.2 Energia de anisotropia magnetocristalina .................................................................................... 18 2.2.3 Energia magnetostática ................................................................................................................. 20 2.2.4 Energia magnetoelástica ............................................................................................................... 22 2.2.5 Energia Zeeman............................................................................................................................. 22 2.2.6 Termo de desordem ....................................................................................................................... 23
2.3 DOMÍNIOS E PAREDES DE DOMÍNIO MAGNÉTICOS ............................................................................ 23 2.3.1 Origem dos domínios..................................................................................................................... 24 2.3.2 Paredes de domínio – Parede de Bloch......................................................................................... 25
3 PROCESSOS DE MAGNETIZAÇÃO E PERDAS................................................................................ 28
3.1 A CURVA DE MAGNETIZAÇÃO E OS PROCESSOS DE MAGNETIZAÇÃO ............................................... 28 3.1.1 Movimento de paredes de domínio ................................................................................................ 31 3.1.2 Rotação da Magnetização ............................................................................................................. 36
3.2 EFEITO BARKHAUSEN........................................................................................................................ 36 3.2.1 O ruído Barkhausen....................................................................................................................... 37 3.2.2 O ruído Barkhausen e a dinâmica de magnetização ..................................................................... 38
3.3 MAGNETOSTRICÇÃO ......................................................................................................................... 39 3.3.1 A origem da magnetostricção ........................................................................................................ 41 3.3.2 Magnetostricção e os processos de magnetização ........................................................................ 42 3.3.3 Métodos de medida de magnetostricção........................................................................................ 44
3.4 PERDAS MAGNÉTICAS ........................................................................................................................ 45 3.4.1 A separação tradicional das perdas .............................................................................................. 47 3.4.2 A separação das perdas proposta por Landgraf e colaboradores ................................................ 53
4 AÇOS ELÉTRICOS DE GRÃO NÃO-ORIENTADO ........................................................................... 56
4.1 CLASSIFICAÇÃO E AS CARACTERÍSTICAS DOS AÇOS......................................................................... 56 4.2 AS PERDAS MAGNÉTICAS EM AÇOS ................................................................................................... 59
5 PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL................................................................................................... 63
5.1 AMOSTRAS ......................................................................................................................................... 63 5.2 MEDIDAS DE MAGNETIZAÇÃO .......................................................................................................... 65 5.3 MEDIDAS DE INDUÇÃO....................................................................................................................... 67 5.4 RUÍDO BARKHAUSEN ......................................................................................................................... 67
5.4.1 Sistema de aquisição de Ruído Barkhausen .................................................................................. 68 5.4.2 Tratamento do ruído...................................................................................................................... 72
5.5 MAGNETOSTRICÇÃO ......................................................................................................................... 74 5.5.1 Sistema de aquisição das curvas de magnetostricção ................................................................... 74 5.5.2 Colagem de strain gauge ............................................................................................................... 76
6 RESULTADOS .......................................................................................................................................... 79
6.1 CURVAS DE MAGNETIZAÇÃO ............................................................................................................. 79 6.2 CURVA DE INDUÇÃO........................................................................................................................... 81 6.3 MEDIDAS DE RUÍDO BARKHAUSEN.................................................................................................... 82 6.4 MEDIDAS DE MAGNETOSTRICÇÃO..................................................................................................... 86 6.5 DETALHAMENTO DOS PROCESSOS DE MAGNETIZAÇÃO AO LONGO DA CURVA DE HISTERESE........ 95
7 CONCLUSÕES E CONTINUAÇÃO DO TRABALHO ...................................................................... 102
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 104
9
1 INTRODUÇÃO
Os aços elétricos são materiais magneticamente macios utilizados em inúmeras
aplicações, como nos dispositivos responsáveis pela geração, distribuição e utilização de
energia elétrica [1]. Nestes, os aços têm a função, não de conduzir corrente elétrica, mas,
fluxo magnético, que circula no interior do material. Deste modo, suas propriedades
magnéticas são de fundamental importância.
Em contraste com o caso dos aços elétricos de grão orientado (GO), as propriedades
magnéticas e os processos de magnetização em aços elétricos de grão não-orientado (GNO)
não são completamente entendidos.
Os aços elétricos de grão não-orientado, ou seja, que não apresentam uma textura
pronunciada, por sua vez, constituem uma classe de aços utilizados em aplicações que exigem
isotropia das propriedades magnéticas ao longo do plano da chapa [2], tais como nos rotores e
estatores de máquinas elétricas rotativas presentes usualmente nos eletrodomésticos. Nestes
dispositivos, a isotropia das propriedades magnéticas é importante, pois o campo magnético é
aplicado em diferentes direções ou ângulos em relação à direção de laminação ou direção de
rolamento (RD) do aço.
Embora os equipamentos elétricos possuam uma alta eficiência, as perdas totais
observadas representam um considerável desperdício de energia. E, por sua vez, as perdas
magnéticas representam uma importante parte destas perdas totais.
Recentemente, no estudo dos mecanismos que influenciam as perdas, Landgraf et. al.
[3, 4, 5] sugerem que as perdas histeréticas podem ser separadas em duas componentes:
componente de baixa indução, para B < B(µmax), geralmente associada ao movimento de
paredes de domínio de 90° e 180°, e componente de alta indução, para B > B(µmax),
normalmente relacionada apenas com a rotação da magnetização. Porém, observa-se
experimentalmente que as de perdas em alta indução representam aproximadamente 50% das
perdas totais dos aços GNO e isto, por sua vez, não é explicado através de modelos que
consideram apenas a rotação neste nível de indução.
Sendo assim, o estudo das propriedades magnéticas e dos processos de magnetização,
que podem ser correlacionados com as perdas magnéticas, nos aços GNO é muito importante,
não apenas para resolver a questão levantada pelo esquema da separação das perdas proposta
por Landgraf e colaboradores, mas também para fornecer maiores informações sobre os
mecanismos de magnetização nestes aços e, assim, auxiliar os fabricantes de aços elétricos
10
GNO a diminuir as perdas magnéticas através da realização de devidas mudanças no processo
de fabricação.
Particularmente, no caso dos aços elétricos, o estudo do ruído Barkhausen e da
magnetostricção é importante para investigar detalhes sobre a evolução da estrutura de
domínios, os mecanismos associados às perdas e os processos de magnetização ao longo da
curva de magnetização, principalmente na região de alta indução, pois ambos dependem tanto
da estrutura magnética como da estrutura metalúrgica dos materiais. É possível entender os
mecanismos de magnetização e, em particular, a nucleação e aniquilação dos domínios. Este é
o primeiro passo para melhorar os processos de magnetização dos materiais e,
conseqüentemente, diminuir as perdas magnéticas.
O ruído Barkhausen (BN) consiste em séries de pulsos de voltagem detectados por
uma bobina sensora que envolve um material ferromagnético quando este é submetido a um
campo magnético variável [6]. Estes pulsos podem ser associados a mudanças abruptas das
paredes de domínio e da estrutura de domínios [7], podendo ser relacionados com o
movimento de paredes de domínio e nucleação e aniquilação de domínios magnéticos.
A magnetostricção λ corresponde à variação dimensional de uma amostra sobre
diferentes níveis de indução. Detalhes da curva de magnetostricção podem ser associados a
mudanças peculiares da estrutura de domínios [8]. Em particular, o movimento de paredes de
domínio de 180° não produz qualquer mudança dimensional magnetostrictiva, entretanto, o
movimento de paredes de domínio de 90°, rotação da magnetização, nucleação e aniquilação
de domínios sempre produzem mudanças dimensionais [9].
O principal objetivo deste trabalho é fazer um estudo do ruído Barkhausen e da
magnetostricção como uma função da indução B e do ângulo θ entre o campo magnético
aplicado H e a RD no intervalo de 0° a 90° em aços elétricos de grão não-orientado com o
intuito de identificar os mecanismos físicos básicos responsáveis pelo comportamento de
perdas observado e entender os processos de magnetização ao longo da curva de
magnetização quando o campo magnético é aplicado em direções diferentes da RD.
Nesta dissertação, são apresentados os resultados de medidas de magnetização, ruído
Barkhausen e magnetostricção em função da indução B e do ângulo θ entre o campo
magnético aplicado H e a RD realizadas em aços elétricos de grão não-orientado FeSi3.2%
classe E110 produzidas pela ACESITA. As amostras utilizadas foram cortadas por
fotocorrosão nas direções intermediárias 0°, 10°, 20°, 30°, 40°, 50°, 60°, 70°, 80° e 90° em
relação à RD, definida durante o processo de fabricação. As principais atividades
desenvolvidas neste trabalho foram:
11
a) Obtenção das curvas de magnetização para todas as amostras;
b) Aquisição de séries temporais de ruído tdt
td×
)(φ ao longo das curvas de histerese dos
aços elétricos;
c) Curvas do valor médio quadrático da voltagem do ruído em função da indução do
material ruídormsV × B. Essas curvas mostram a ocorrência de ruído Barkhausen ao longo da
curva de indução dos aços estudados e podem ser associadas aos mecanismos de
magnetização tais como movimentos de parede de domínio, nucleação e aniquilação que estão
ocorrendo ao longo da curva de magnetização;
d) Obtenção das curvas de magnetostricção em função da indução ∆l/l × B = λ × B. Estas
curvas podem ser relacionadas com mecanismos como rotação da magnetização e movimento
de paredes de 90°, associado com a nucleação e aniquilação, que estão ocorrendo ao longo da
curva de magnetização;
e) Estabelecimento da correlação entre o ruído Barkhausen e a magnetostricção com os
mecanismos de magnetização e com as perdas magnéticas.
Esta dissertação está organizada da seguinte forma: No capítulo 2, tem-se uma breve
revisão teórica sobre ferromagnetismo.
No capitulo 3, faz-se uma revisão sobre os processos de magnetização e perdas,
enfatizando a correlação do efeito Barkhausen e da magnetostricção com os mecanismos de
magnetização.
No capítulo 4, faz-se uma abordagem geral sobre os aços elétricos, enfatizando os aços
elétricos de grão não-orientado.
No capítulo 5, apresenta-se o procedimento experimental realizado no trabalho.
No capítulo 6, apresentam-se e discutem-se os resultados de magnetização, ruído
Barkhausen e magnetostricção associando-os com os possíveis mecanismos responsáveis pela
dissipação de energia.
Finalmente, no capítulo 7, apresentam-se as conclusões e as propostas para
continuação do trabalho.
12
2 FERROMAGNETISMO
2.1 Materiais ferromagnéticos
Um dos fatos que mais despertaram o fascínio dos pesquisadores na área de materiais
magnéticos é que a magnetização de uma amostra, inicialmente igual a zero na ausência de
campo magnético externo, pode variar para um valor de saturação pela simples aplicação de
um campo de intensidade muito pequena [10].
Sabe-se que a história do conceito de domínios magnéticos [11], conceito este
sugerido com o propósito de entender os fatos experimentais associados ao ferromagnetismo,
teve seu início no século XIX, onde os pesquisadores começaram a imaginar que os materiais
magnéticos consistiam de ímãs elementares de um modo similar como a matéria consiste de
átomos e moléculas. O conceito de ímãs elementares explica dois fatos experimentais: a
impossibilidade de isolar os pólos norte e sul magnéticos e o fenômeno da saturação
magnética em que todos os ímãs elementares estão orientados na mesma direção. Apesar
desta hipótese, nenhum progresso foi feito para entender o comportamento magnético até
1905, quando Langevin [12] desenvolveu a teoria do paramagnetismo através do uso de
métodos estatísticos. Langevin mostrou que os ímãs moleculares independentes, em
temperatura ambiente, apresentam fraco comportamento magnético e concluiu que o
magnetismo “forte” observado em alguns materiais é devido a alguma interação entre estes
ímãs. Apenas dois anos depois do desenvolvimento da teoria de Langevin, Weiss introduziu a
idéia de um campo molecular com o objetivo de modelar o efeito das interações magnéticas.
E, somente muito tempo depois, Heisenberg mostrou que a natureza deste campo molecular é
de origem quântica e identificou-o como a interação de troca.
Para o caso dos materiais ferromagnéticos, Weiss, em 1907, sugeriu que toda
desordem causada pela agitação térmica poderia ser minimizada se fosse postulada a
existência de um campo molecular, descrito como uma interação mútua entre elétrons que
tenderia a alinhar paralelamente seus momentos magnéticos. Em temperaturas abaixo da
temperatura de Curie, o efeito do campo molecular seria superior ao efeito da flutuação
térmica e a amostra se comportaria como um material ferromagnético. Contrariamente, em
temperaturas acima da temperatura de Curie, o efeito das flutuações térmicas seria superior ao
ordenamento dado pelo campo molecular e a amostra se comportaria como um material
13
paramagnético. Sendo assim, no ponto de transição entre as fases magnéticas, em TC, pode-se
fazer a seguinte igualdade:
CMBC HkT µ=
(2.1)
onde kTC é a energia associada à agitação térmica e µBHCM é a energia associada ao campo
molecular, sendo k a constante de Boltzmann, TC a temperatura de Curie, µB o magnéton de
Bohr e HCM o campo molecular.
A teoria de Weiss previa que a saturação magnética é um estado de equilíbrio
termodinâmico para todas as temperaturas abaixo do ponto de Curie, pois se verifica que o
valor do campo molecular é muito maior do que qualquer campo magnético externo capaz de
ser produzido em laboratório. Campos magnéticos externos não têm nenhuma influência
sobre o valor da magnetização de saturação na teoria de Weiss. Entretanto, desde que o campo
molecular de Weiss sempre segue a direção da magnetização média, apenas a magnitude do
vetor magnetização é fixa, enquanto que sua direção é arbitrária.
Esta teoria é uma extensão da teoria clássica do paramagnetismo que foi desenvolvida
por Langevin. Ele investigou matematicamente o comportamento de um ensemble de átomos,
cada um com momento magnético µA em um campo externo de intensidade H. O efeito do
campo é causar o alinhamento, enquanto o efeito da agitação térmica é destruir este
alinhamento. Supondo que os momentos estão afastados o bastante, para que suas forças
mútuas possam ser negligenciadas, a energia associada ao momento magnético e ao campo é:
θµ cosHW A−= (2.2)
para cada momento magnético µA que faz um ângulo θ com H. Se o ensemble é sujeito à
agitação térmica, os métodos de mecânica estatística mostram que, em uma temperatura T, o
número de momentos de magnéticos orientados em um ângulo sólido dw sobre a direção,
definida por θ, é proporcional a:
ωω θµ dede kTHkTW A /)cos(/ =−
(2.3)
de acordo com Boltzmann. Para todos os átomos, a razão do valor médio dos momentos na
direção do campo aplicado, Aµ , com o momento magnético total é:
H
kT
kT
H
M
M
A
A
A
A
A
A
µµ
µµ
−== coth (2.4)
onde M é a intensidade da magnetização. Na derivação desta equação, foram feitas as duas
considerações: (1) de que os momentos magnéticos estão sujeitos à agitação térmica e,
momentaneamente, podem ter qualquer orientação com respeito à direção do campo e (2) que
14
os momentos magnéticos estão longe, de modo que um não sofre influência dos outros. A
teoria quântica altera a primeira das considerações, partindo de que o ensemble terá apenas
um número limitado de orientações possíveis, que, no caso mais simples, há apenas duas,
sendo uma paralela e outra antiparalela à direção do campo. Neste caso, a equação
correspondente de Langevin é:
kT
H
M
M A
o
µtanh= (2.5)
É óbvio que, se esta lei for obedecida, com o campo mais alto atingido em laboratório,
a magnetização atingirá, em temperatura ambiente, apenas uma pequena fração do seu valor
final Mo. E, neste intervalo, a magnetização seria proporcional ao campo, logo:
T
C
T
CHM =⇒= χ (2.6)
onde C é uma constante. Esta é a chamada Lei de Curie, obedecida por algumas substâncias
paramagnéticas. Muito mais substâncias paramagnéticas obedecem à lei similar chamada de
Lei de Curie-Weiss, dada por:
θ−=
T
CHM (2.7)
onde, de acordo com a sugestão dada por Weiss, o material se comporta magneticamente
como se houvesse um campo adicional, NM, adicionado ao campo aplicado. Isto é equivalente
dizer que θ = NM, ou seja:
T
NMHCM
)( += (2.8)
onde a quantidade representada por NM é o chamado campo molecular e N é a constante de
campo molecular. Deste modo, os momentos magnéticos elementares sofrem influência de
seus vizinhos, contrariando a teoria de Langevin.
Trocando H por H + NM, o significado do campo molecular se torna aparente.
Substituindo na equação de Langevin, tem-se:
kT
NMH
M
M A
o
)(tanh
+=
µ (2.9)
Fazendo H = 0 e θ = µA NMo/ k , tem-se:
θ//
tanhT
MM
M
M o
o
= (2.10)
15
Isto dá a entender que a magnetização, em campo igual a zero, quando expressa em
função de M/Mo e T/θ, se comporta igualmente para todos os materiais.
Sendo assim, os materiais ferromagnéticos caracterizam-se por exibirem a
magnetização de saturação MS(T) dependente da temperatura. Estes materiais tornam-se
espontaneamente magnetizado abaixo de certa temperatura crítica chamada de temperatura de
Curie, TC. Com esta variação da magnetização em função da temperatura, tem-se que, para
todas as temperaturas abaixo de θ = TC, a intensidade da magnetização de saturação apresenta
um valor definido mesmo sem campo magnético aplicado. A figura 2.1 mostra a variação da
magnetização de saturação, MS, com a temperatura para o ferro, níquel e cobalto. Observa-se
que, acima da temperatura de Curie, que é uma constante de cada material, o material
apresenta um comportamento paramagnético.
figura 2.1: Variação da magnetização de saturação com T para o Fe, Ni e Co. Retirada da referência [9].
Os elementos ferromagnéticos puros são o Fe, Ni, Co e Gd. Porém, ligas destes
elementos e ligas com materiais que não são ferromagnéticos, como Cu, Al, etc, e até com
materiais semicondutores como Si, podem apresentar características ferromagnéticas [9].
Sendo assim, um pedaço de ferro não poderia estar aparentemente desmagnetizado à
temperatura ambiente. Para explicar este fato, Weiss considerou que, abaixo da temperatura
de Curie, as amostras reais sejam formadas por pequenas regiões e que cada região esteja
magnetizada em uma dada direção de modo que a magnetização resultante seja zero. Este é o
conceito de estrutura de domínios magnéticos. A figura 2.2 mostra dois exemplos de
magnetização resultante igual a zero.
16
a)
b)
figura 2.2: Esquema de arranjo de domínios para a magnetização resultante igual a zero em a) cristal e b) amostra policristalina. Retirada da referência [10].
Portanto, Weiss foi capaz de explicar os aspectos principais do ferromagnetismo por
meio de duas hipóteses: a existência de um campo molecular e a existência de uma estrutura
de domínios. Porém, Weiss não conseguiu justificar as hipóteses por meio de forças atômicas.
A explicação do campo molecular em termos da força de troca foi feita por Heisenberg em
1926 e a explicação para a origem dos domínios em termos da energia do campo magnético
foi dada por Landau e Lifshitz em 1935.
A primeira confirmação do conceito de domínio magnético foi dada por Barkhausen
[6]. Ele descobriu que o processo de magnetização é geralmente descontínuo, dando origem a
um ruído característico quando ouvido em um amplificador. Originalmente, os saltos
Barkhausen foram interpretados como a inversão completa da magnetização de um domínio.
Embora esta interpretação não seja válida hoje, a atividade do fenômeno Barkhausen levou a
uma decisiva descoberta. Análises da dinâmica deste processo levaram Langmuir [13] a
conclusão que tais saltos ocorrem por processos especialmente não homogêneos, ou seja, pela
propagação de uma parede de domínio em um meio com pontos de bloqueio.
2.2 Energia livre magnética de um material ferromagnético
A energia livre magnética de um material ferromagnético é dada pela soma dos
diferentes termos de energia [10, 14, 15]:
desordemosticamagnetoeláticamagnetostástalinamagnetocritroca EHrmEEEEF +⋅++++=rrr
)(µ (2.11)
17
onde Etroca é a energia de troca, Emagnetocristalina é a energia de anisotropia magnetocristalina,
Emagnetostática é a de energia magnetostática, Emagnetoelástica é a energia magnetoelástica,
Hrmo
rrr⋅)(µ é a de energia associada aos domínios na presença de um campo magnético
externo e Edesordem é o termo de desordem*. Todos estes termos são necessários e a omissão de
qualquer um deles causa profundas modificações na natureza da estrutura de domínios.
2.2.1 Energia de troca
O termo de energia pela energia de troca Etroca corresponde ao termo mais importante
na contribuição energética, sendo responsável pelo ordenamento ferromagnético, ou seja, pelo
ferromagnetismo. Este termo de energia vem das interações de troca e é uma conseqüência do
principio da exclusão de Pauli [16].
Para um conjunto de átomos da rede, com momentos angulares de spins )( irSrr
,
medidos em múltiplos de ћ, a energia de troca pode ser escrita como [15]:
( )∑ ⋅−−=ij
jijitroca rSrSrrJE )()(rrrrrr (2.12)
onde )( ji rrJrr
− é a chamada integral de troca. Esta decai rapidamente para grandes valores de
)( ji rrrr
− e corresponde a uma soma sobre todos os átomos. O sinal da integral de troca
determina os casos de ordem ferromagnética, 0)( >− ji rrJrr
, e de ordem antiferromagnética,
0)( <− ji rrJrr
. Deste modo, a energia será mínima quando os momentos adjacentes forem
paralelos, no caso ferromagnético, e antiparalelos, no caso antiferromagnético. Existe um
grande número de ordens magnéticas intermediárias ao ferromagnetismo e
antiferromagnetismo, porém estas ordens são desconsideradas neste trabalho.
A equação da energia de troca pode ser aproximada ao limite continuo através da
remoção de todos os detalhes de pequenas escalas. O conjunto de spins )( irSrr
é substituído
por )( irMrr
e, assim, a energia de troca pode ser escrita como [15]:
* A energia livre magnética corresponde a uma integral da soma das densidades dos vários termos de energia que, no caso geral, não pode ser separada em vários termos de energia pois cada termo não pode ser integrado separadamente. Nesta dissertação, toma-se a liberdade de analisar a energia livre magnética como uma soma de termos de energia como realizado por G. Durin e S. Zapperi na referência [15].
18
∫ ∑=
∇=3
1
23 ))((α
α rMrdAEtroca
r (2.13)
onde A é a constante de troca, que é dada pela derivada de )( ji rrJrr
− .
2.2.2 Energia de anisotropia magnetocristalina
As interações atômicas nos materiais ferromagnéticos geralmente têm direções
preferenciais, logo, são anisotrópicas. Estas direções preferenciais podem corresponder aos
eixos cristalográficos do cristal. Sendo assim, a energia de um material ferromagnético pode
depender da direção da magnetização em relação aos eixos estruturais do material [11]. E esta
característica é expressa em termos da energia de anisotropia magnetocristalina.
O termo de energia de anisotropia magnetocristalina Emagnetocristalina, que está presente,
principalmente, em materiais cristalinos descreve a anisotropia, ou seja, informa a
dependência da energia interna com uma direção ou orientação relativa entre a magnetização
espontânea e os eixos cristalográficos. Sua origem física é a mesma da magnetostricção. O
acoplamento spin-órbita, neste caso, atua como um impedimento para a livre rotação do
momento magnético local.
A energia de anisotropia magnetocristalina é dada por [15]:
∫ ∑=βα
βααβ,
3 MMKrdE stalinamagnetocri (2.14)
onde Mα é a componente α do vetor Mr
e Kαβ é um tensor simétrico, que descreve a
anisotropia do material.
Para um cristal cúbico, a densidade de energia de anisotropia magnetocristalina é dada
por [10]:
...)()( 23
22
212
21
23
23
22
22
211 ++++= αααααααααε KKstalinamagnetocri (2.15)
onde K1 e K2 são constantes de anisotropia de primeira e segunda ordem, respectivamente, e αi
(i = 1, 2, 3) são os co-senos diretores da magnetização de um domínio em relação aos eixos
cristalinos. Nesse caso, as magnitudes relativas, bem como os sinais de K1 e K2, determinam
as direções de fácil magnetização. Em geral os termos de maior ordem são desprezados
devido a sua pequena contribuição.
A energia de anisotropia magnetocristalina atua de tal maneira que a magnetização
tende a se direcionar ao longo de certos eixos cristalográficos que são chamados de direções
19
de fácil magnetização, enquanto que as direções que são mais difíceis de serem magnetizadas
são chamadas de direções duras [10]. Experimentalmente, uma considerável quantidade de
energia é necessária para magnetizar o cristal em uma direção dura. Deste modo, tomando
como referência a energia para magnetizar ao longo de um eixo de fácil magnetização, o
excesso de energia necessária para magnetizar ao longo de uma direção de difícil
magnetização corresponde à energia de anisotropia magnetocristalina.
Quando K1 é grande, K2 normalmente pode ser negligenciado e, assim, o sinal de K1
determina se as direções† <100>, se (K1 > 0), ou <111>, se (K1 < 0) como direções fáceis. No
FeSi3, K1 é grande e positivo (3.5 × 105 ergs/cc) e, por isso, a direção <100> é direção fácil,
desde que Emagnetocristalina seja igual a zero (isto é, α1 = 1, α2 = α3 = 0). Sendo assim, o alto valor
de K1 no FeSi3 força os domínios a serem paralelos às direções <100>. Este vínculo simplifica
muito a análise e predição da estrutura de domínios neste material [14].
A figura 2.3 apresenta as curvas de magnetização para amostras de ferro, níquel e
cobalto realizadas ao longo das direções cristalográficas. No caso do ferro, as direções
cristalográficas correspondem a [100], [110] e [111]. A saturação ocorre com maior facilidade
quando se aplica o campo magnético na direção [100]. Para as outras direções, um campo
maior é necessário para ocorrer a saturação. Sendo assim, tem-se um eixo fácil de
magnetização na direção [100], um eixo de difícil magnetização na direção [111] e um eixo
intermediário na direção [110].
figura 2.3: Curvas de magnetização para amostras de Fe, Ni e Co. Retirada da referência [9].
No caso dos aços elétricos de grão não-orientado, a anisotropia das propriedades
magnéticas não é desejável, pois é responsável por um aumento das perdas rotacionais. É
† Utiliza-se a seguinte convenção para os índices dos planos e direções: os planos relacionados por simetria, tais
como as seis faces de um cubo são (100), (010), (001), ( 1 00), (0 1 0) e (00 1 ) são expressos por parênteses, enquanto que o conjunto destes planos é expresso por chaves 100. Os índices das direções particulares como
os eixos de um cubo [100], [010], [001], [ 1 00], [0 1 0] e [00 1 ] são expressos por colchetes, enquanto que as direções como um conjunto é identificado pelos braquetes <100>.
20
conhecido que a textura cristalográfica é a mais obvia fonte de anisotropia [17, 18]. Muitos
autores têm mostrado que as propriedades magnéticas e a configuração da estrutura de
domínios dos aços elétricos de grão não-orientado comerciais cortados em diferentes ângulos
com respeito à direção de laminação seguem um comportamento que pode ser associado à
componente textura Goss [18, 19].
2.2.3 Energia magnetostática
A energia magnetostática existe devido às interações entre os spins e o campo externo
e às interações dipolo-dipolo entre os spins. Para uma amostra uniformemente magnetizada, a
contribuição de campo externo Hr para a energia magnetostática é dada por [15]:
∫ ⋅−= HMrdE oticamagnetostá
rr3
8πµ
(2.16)
onde Mré a magnetização e V é o volume.
Em adição, pode-se considerar a energia devido ao campo desmagnetizante dHr
, que é
o campo magnetostático gerado pelos pólos livres magnéticos do próprio material. Os pólos
livres ou cargas magnéticas estão associados ao divergente da magnetização Mr
⋅∇ , ou seja,
às descontinuidades da componente normal da magnetização. Para uma superfície separando
duas regiões de magnetização 1Mr e 2M
r, a densidade superficial de carga magnética é [15]:
)(ˆ 21 MMnrr
−⋅=σ (2.17)
onde n é o vetor normal à superfície. É importante notar que as cargas magnéticas não são
cargas físicas, mas consistem de uma ferramenta conveniente para determinar o valor do
campo desmagnetizante e da energia magnetostática dos corpos magnetizados. Esta situação
pode ser visualizada na figura 2.4, que apresenta uma amostra constituída por momentos
magnéticos, representados por pequenos imãs. No interior da amostra, cada pólo norte é
compensado por um pólo sul do momento seguinte. Porém, nas extremidades não há
compensação e os pólos livres produzem um campo interno dHr
com direção oposta à
magnetização.
21
figura 2.4: a) Interação dos dipolos de um material ferromagnético; b) pólos livres do ferromagnético.
Considerando uma amostra com geometria bem definida e magnetização uniforme, tal
como o elipsóide de revolução, pode-se considerar um campo efetivo dado por:
deff HHHrrr
−= (2.18)
onde Hr é o campo externo aplicado e dH
r
é o campo desmagnetizante que, por sua vez, é
dado por:
MNH dd
rr= (2.19)
onde Mr é a magnetização e Nd é o fator desmagnetizante que depende da geometria da
amostra.
Portanto, sempre que houver um campo desmagnetizante dHr
, o valor de campo
efetivo effHr
no material será menor do que o campo externo Hraplicado.
A energia magnetostática associada à magnetização da amostra e seu próprio campo
desmagnetizante é, simplesmente, dada por:
MNE dticamagnetostá 2
1= (2.20)
onde M é a diferença da componente normal da magnetização entre as extremidades da
amostra e Nd é o fator de desmagnetização que varia de 0 a 4π com a dimensão da amostra.
O termo de energia magnetostática é o principal responsável pela formação dos
domínios magnéticos, como será visto na seção 2.3.1.
22
2.2.4 Energia magnetoelástica
As mesmas interações entre os momentos atômicos, que dão origem ao
ferromagnetismo e a anisotropia magnética, produzem forças entre os átomos que tendem a
alongar a rede cristalina de forma anisotrópica.
A energia magnetoelástica Emagnetoelástica é a energia associada com a magnetostricção,
ou seja, que descreve a interação da magnetização com o alongamento da rede cristalina.
Inversamente, quando uma tensão mecânica externa é aplicada, as estrutura magnética pode,
em princípio, ser modificada. Para descrever este efeito, é útil introduzir a energia
magnetoelástica, dada por [15]:
∫ ∑=δγβα
δγαβαβγδσλ,,,
3 MMrdE sticamagnetoelá (2.21)
onde σαβ é o tensor de tensão mecânica aplicada e λαβγδ é o tensor magnetoelástico. A energia
magnetoelástica é definida como zero para uma rede não alongada [10].
Devido à dependência de Emagnetoelástica sobre o alongamento da rede, uma forte
interação existe entre a orientação dos domínios, a tensão residual e a tensão mecânica
aplicada [14]. Sendo assim, uma importante fonte de anisotropia é a existência de defeitos e
impurezas que geram tensões internas residuais, as quais, associadas à magnetostricção da
amostra, resultam em anisotropias magnetoelásticas ao longo do material.
A magnetostricção, que tem origem no acoplamento spin-órbita dos átomos, por sua
vez, corresponde ao fenômeno da variação das dimensões de um material ferromagnético
quando submetido a um campo magnético externo [9].
2.2.5 Energia Zeeman
Devido à aplicação de um campo magnético Hr, para minimizar a energia magnética,
ocorrem modificações na estrutura de domínios. A energia associada ao campo e aos
momentos magnéticos, chamada de energia Zeeman, é dada por [9]:
HmE oZ
rr⋅−= µ (2.22)
onde mr é a momento magnético.
23
2.2.6 Termo de desordem
Para todas as contribuições anteriores, considerou-se apenas um sistema homogêneo,
em que as interações são globalmente definidas e não dependentes da posição. Entretanto, em
geral, diferentes fontes de heterogeneidades são encontradas nos materiais ferromagnéticos
reais. A presença da desordem estrutural é essencial para entender as flutuações no ruído
Barkhausen, que seria suprimido em um sistema perfeitamente ordenado. A natureza da
desordem pode ser inferida através da estrutura microscópica do material em estudo [15].
Podem-se distinguir várias contribuições para a energia livre magnética devido à
desordem. Em materiais cristalinos, é devido à presença de vacâncias, discordâncias e
impurezas não magnéticas. Em materiais policristalinos, deve-se adicionar a estes defeitos a
presença de contorno de grãos e variações do eixo de anisotropia em diferentes grãos. Em
amorfos, a desordem é primariamente a tensões internas residuais e ao arranjo randômico dos
átomos [15].
Na seção 2.3.2, considera-se uma análise do termo de desordem para o caso especial
de uma amostra em forma de paralelepípedo com apenas uma parede de 180o plana.
2.3 Domínios e paredes de domínio magnéticos
Os materiais ferromagnéticos tendem a minimizar a energia livre magnética e o
resultado desta minimização é o surgimento de uma a distribuição da magnetização em
pequenas regiões, chamadas de domínios magnéticos, onde a magnetização é igual à
magnetização de saturação MS. Entretanto, no estado desmagnetizado, a orientação da
magnetização dos domínios está distribuída de tal maneira que o material, como um todo,
tenha magnetização nula. A distribuição da magnetização é diferente para cada amostra e
chama-se estrutura de domínios magnéticos.
Os domínios magnéticos são separados por zonas de transição chamadas de paredes de
domínio, onde a magnetização afasta-se da orientação da magnetização do domínio e,
gradualmente, aproxima-se da orientação da magnetização do domínio adjacente.
24
2.3.1 Origem dos domínios
Todos os termos da energia livre magnética são importantes, porém a energia
magnetostática é a principal responsável pelo surgimento das estruturas de domínios nos
materiais ferromagnéticos [10]. A figura 2.5 mostra como se dá a origem dos domínios. Na
parte (a) da figura 2.5, tem-se uma amostra espontaneamente magnetizada em uma única
direção, ou seja, formando um monodomínio. Deste modo, pólos magnéticos são formados na
superfície da amostra, principalmente nas extremidades do cristal, originando um campo
desmagnetizante intenso. Como resultado, tem-se um alto valor da energia magnetostática,
dado por MNd2
1. Porém, parte (b) da figura 2.5, dividindo o cristal em dois domínios
magnetizados em direções opostas, a energia magnetostática é reduzida à metade.
Continuando esta divisão, parte (c) da figura 2.5, logo, com N domínios, a energia
magnetostática reduzirá a aproximadamente 1/ N da energia magnetostática da configuração
inicial dada em (a). Isto ocorre devido à redução espacial do campo magnético.
figura 2.5: A origem dos domínios magnéticos. Retirada da referência [10].
O processo de divisão é esperado até que a energia necessária para estabelecer uma
parede adicional, separando dois domínios de magnetização oposta, seja maior do que a
redução da energia magnetostática associada com mais uma divisão.
25
É possível estabelecer arranjos de domínios tal como em (d) e (e), onde a energia
magnetostática é zero. Esta é a chamada estrutura de domínios de fechamento, que tem as
paredes dos domínios triangulares perto das extremidades das faces do cristal formando um
ângulo de 45° com a magnetização dos domínios retangulares e, por isso, a componente
normal da magnetização na interface é contínua e, assim, pólos não são formados em parte
alguma do cristal. Não é necessariamente óbvio que uma ou outra estrutura tenha a energia
mais baixa uma vez que todas estas situações de foram encontradas em diferentes materiais.
O ferro, por exemplo, apresenta uma estrutura de domínios tal como mostra a figura
2.6. Nesta existem paredes de 180o, onde os domínios adjacentes têm a direção da
magnetização em sentidos opostos, e paredes de 90o, onde os domínios adjacentes são
ortogonais.
figura 2.6: Estrutura de domínios para o ferro mostrando as paredes de 1800 (_._._._) e 900 (.........).
2.3.2 Paredes de domínio – Parede de Bloch
O termo parede de domínio magnético denota a camada de transição, que separa
domínios magnéticos adjacentes magnetizados em diferentes direções.
As paredes de domínio podem ser descritas pelos ângulos entre os vetores MS dos
domínios do qual a parede separa. Elas podem ser classificadas em paredes de 180° e paredes
de não-180°. Além de serem classificadas quanto ao ângulo entre os vetores magnetização dos
domínios, as paredes podem ser classificadas quanto à direção de rotação dos spins da parede,
podendo ser chamadas de paredes de Néel e paredes de Bloch.
As paredes de Néel [16] são aquelas em que a rotação dos momentos magnéticos
ocorre no mesmo plano dos domínios. Estas paredes ocorrem principalmente quando as
amostras são filmes finos.
26
A parede de Bloch, nomeada deste modo, pois F. Bloch, em 1932, foi quem primeiro
estudou a natureza das camadas de transição, corresponde às paredes em que a rotação dos
momentos magnéticos ocorre saindo fora do plano dos domínios adjacentes.
Como, neste trabalho, não se trabalhou com filmes finos, será dado ênfase ao estudo
das paredes de Bloch. A idéia essencial da parede de Bloch é que toda mudança na direção
dos momentos magnéticos entre domínios magnetizados em diferentes direções não ocorre
em apenas um passo descontínuo sobre um simples plano atômico, pelo contrário, a mudança
na direção se dá de um modo gradual sobre muitos planos atômicos, como mostra a figura
2.7.
figura 2.7: Parede de Bloch de 180°. a) Domínios adjacentes 1 e 2, separados pela parede de domínio. b) Em detalhe, estrutura da parede de domínios de 180°. Retirada da referência [9]
A razão para a natureza gradual da orientação dos momentos magnéticos em uma
parede de domínio está no fato de que uma mudança abrupta tem uma energia de troca grande
associada. Este comportamento pode ser entendido a partir da seguinte expressão para a
energia de troca para uma parede de N + 1 átomos é [11]:
NJSE otroca /22ϕ= (2.23)
onde φo é a mudança de ângulo total entre as magnetizações dos domínios, N é o número de
passos que a mudança ocorre, ou seja, o ângulo entre dois momentos magnéticos vizinhos, J é
a integral de troca e S é o momento angular medido em unidades de ћ.
Desde que a energia de troca de uma parede é inversamente proporcional a sua
espessura, a parede deveria se espalhar até que sua espessura ficasse do proporcional ao
tamanho do cristal. Porém, a energia de anisotropia magnetocristalina atua no sentido de
27
limitar a espessura da camada de transição. Os momentos magnéticos de dentro da parede
estão muito direcionados para fora do eixo de fácil magnetização, de modo que há uma
quantidade de energia de anisotropia magnetocristalina associada com a parede. Essa
quantidade de energia será proporcional à largura da parede.
Deste modo, enquanto que a energia de troca atua no sentido de deixar a largura da
parede a maior possível, a energia de anisotropia magnetocristalina atua de modo a deixar a
largura da parede a menor possível. Como resultado desta competição, a parede tem uma
largura finita e sua energia, dada pela soma das energias de troca Etroca e a de anisotropia
magnetocristalina Emagnetoscristalina, é [9]:
Eparede = Etroca + Emagnetocristalina (2.24)
A largura da parede é aquela em que a energia da parede tem um valor mínimo, obtido
quando a energia de troca e a energia de anisotropia magnetocristalina tiverem valores
semelhantes.
Várias definições para a largura da parede existem. A expressão clássica, dada por
Lilley [20], que depende da constante de troca A e da constante de anisotropia K, é:
K
AW =δ (2.25)
Todos os termos da energia livre magnética que dependem da orientação de aplicação
do campo magnético com relação à amostra são responsáveis pela anisotropia. Deste modo, a
constante de anisotropia, que influencia diretamente a largura da parede, pode ter origem nas
energias magnetocristalina, magnetostática e magnetoelástica.
28
3 PROCESSOS DE MAGNETIZAÇÃO E PERDAS
Neste capítulo, são apresentados os aspectos principais dos processos de magnetização
e da curva de magnetização, a teoria básica do efeito Barkhausen e da magnetostricção e uma
breve introdução às perdas nos materiais ferromagnéticos. Embora este capítulo tenha como
título “Processos de magnetização e perdas”, ele corresponde a uma breve revisão. Para uma
revisão completa, sugerem-se as referências [7, 9].
O ruído Barkhausen e a magnetostricção, constituem-se de úteis ferramentas no estudo
dos processos de magnetização e na identificação dos mecanismos responsáveis pelas perdas
ao longo do laço de histerese e na investigação dos processos de magnetização em altos
valores de indução [21, 22]. A maior parte dos resultados encontrados na literatura refere-se a
aços orientados, tais como as referências [21, 22]. Em particular, poucos resultados sobre
ruído Barkhausen e magnetostricção e sua correlação com as perdas em aços elétricos não-
orientados podem ser encontrados na literatura [23].
3.1 A curva de magnetização e os processos de magnetização
A curva de magnetização e a histerese magnética, que são a principal evidência de que
os processos de magnetização nos materiais ferromagnéticos estão longe do equilíbrio [24],
foram estudadas pela primeira vez a mais de 100 anos atrás [25].
Todos os fenômenos da curva de magnetização e da histerese magnética podem ser
explicados em termos da estrutura de domínios. Embora esta análise seja muito difícil, sabe-
se que, na curva de magnetização, os processos de magnetização simplesmente referem-se à
maneira pelo qual um material, que exibe ordem magnética e encontra-se aparentemente
desmagnetizado em ausência de campo externo, é levado à saturação através da aplicação de
um campo magnético de amplitude adequada.
Formalmente, a dinâmica da magnetização é descrita pela equação do movimento de
Landau-Lifshitz [15]:
effHMdt
Md rrr
×= γ (3.1)
onde γ é a razão giromagnética, MS é a magnetização de saturação e effHr
é o campo
magnético efetivo. Este último carrega informação sobre todas as interações e termos da
29
energia atuantes no sistema magnético e pode ser calculado pela derivada variacional
M
FH eff rr
δδ
−= .
Quando um campo magnético é aplicado em um material ferromagnético, a estrutura
de domínios vai sendo modificada predominantemente por meio de dois mecanismos:
movimento de paredes de domínios e rotação da magnetização. Tais processos podem ser
classificados como reversíveis e irreversíveis, sendo que os irreversíveis são associados à
dissipação de energia sob a forma de calor. A figura 3.1 mostra uma curva de magnetização
típica de um material ferromagnético e caracteriza as regiões com determinados mecanismos
de magnetização predominantes.
figura 3.1: Processos de magnetização e uma curva de magnetização típica de um material ferromagnético. As regiões I – Movimentos reversíveis de paredes de domínio, II – Movimentos irreversíveis de paredes de domínio e III – Rotação da magnetização. Retirada da referência [26]
A partir desta curva de magnetização, podem-se retirar parâmetros e características
importantes do material:
a) Magnetização de saturação (MS): é a magnetização que não se altera para aumentos
posteriores do campo externo. Isto ocorre porque os momentos magnéticos já se encontram
alinhados na direção do campo magnético;
b) Magnetização remanente (Mr): corresponde ao valor assumido pela magnetização
quando após, saturada o campo é reduzido a zero;
-M r
M r
H c
-H c
( III )
( II )
( I ) M
H
30
c) Campo coercivo: campo magnético necessário para reverter o sentido de magnetização
da amostra. Corresponde ao campo é que a magnetização retorna a zero depois de a amostra
ter atingido o estado saturado.
A figura 3.2 mostra os processos de magnetização que ocorrem ao longo da curva de
magnetização.
a)
b)
c)
d)
figura 3.2: Processos de magnetização que ocorrem ao longo da curva de magnetização: a) Amostra desmagnetizada; b) Movimento de paredes de domínio; c) Magnetização se direciona ao longo dos eixos de fácil magnetização ocorrendo, a partir daí, rotação da magnetização; d) A magnetização se orienta na direção de H.
Uma amostra ferromagnética, inicialmente desmagnetizada, quando submetida a um
campo magnético externo com intensidade crescente, sua magnetização, medida na direção do
31
campo, irá aumentar até alcançar um valor de saturação, a partir do qual um aumento no
campo externo não produz qualquer variação significativa da magnetização. Esta curva obtida
corresponde à curva de magnetização virgem. Então, considerando a parte (a) da figura 3.2,
ao ser aplicado um campo magnético uma amostra desmagnetizada, é verificado que, se o
campo não ultrapassar um limite, que depende da amostra em particular, ocorrem variações
reversíveis na magnetização, caracterizando a região I da figura 3.1. Nesta região, o processo
de magnetização ocorre, em grande escala, por deslocamentos reversíveis das paredes de
domínios, que corresponde ao processo de passagem da parte (a) para a parte (b) da figura 3.2,
bem como, em menor intensidade, por rotações, também reversíveis, da magnetização. Para
campos maiores, tem-se a chamada região de magnetização irreversível que corresponde à
região II da figura 3.1. Nesta, o processo de magnetização se torna irreversível e predominam
os movimentos irreversíveis de parede de domínio e rotações irreversíveis da magnetização,
caracterizando o processo de passagem da figura 3.2 (b) até a formação de uma estrutura
como mostrado na parte (c) da figura 3.2. Se o campo aplicado for posteriormente aumentado,
região III da figura 3.1, predominantemente haverá rotação da magnetização, passagem da
figura 3.2 (c) para a figura 3.2 (d), o que define a região de aproximação da saturação. A
partir deste ponto, o material entra na região de saturação técnica, figura 3.2 (d), onde o
aumento do campo produzirá variações muito pequenas da magnetização. Estas regiões
referem-se à curva de magnetização virgem. Ao ser diminuindo o valor do campo aplicado, a
partir da saturação, a magnetização retorna ao valor de remanência Mr. Invertendo o sentido
do campo e aumentando sua intensidade, a magnetização continua a diminuir de valor a partir
de Mr, passando por zero em um campo chamado de campo coercivo Hc, e, finalmente,
atingindo o seu valor de saturação na direção oposta à original para campos suficientemente
altos. Diminuindo-se a intensidade do campo a zero a partir deste ponto, a magnetização
atinge a remanência negativa. Aumentando-se o campo no sentido positivo a magnetização
passa por zero, em +Hc, e atinge o valor de saturação na direção de saturação original,
fechando o ciclo completo de histerese. Os ciclos posteriores serão superpostos ao descrito.
3.1.1 Movimento de paredes de domínio
O movimento das paredes de domínio, assim como muitos outros aspectos do processo
de magnetização, tem como origem a complexidade da energia livre magnética. Em um
material real, existem muitos defeitos que fazem com que o movimento das paredes ocorra
32
como se as mesmas estivessem sob a ação de uma força restauradora, associada a uma energia
potencial que depende das suas posições. Os mínimos da energia livre magnética F é que vão
definir as posições de equilíbrio das paredes. Esta energia livre pode ser expressa como uma
função de muitas coordenadas generalizadas F = F (qi(H)) que podem ser as posições das
paredes ou de um conjunto de paredes, entre outros, sendo que estas posições podem
depender do campo [26].
Para evitar a complexidade do tratamento geral, adota-se o procedimento usado por
Kittel [27], o qual consiste em analisar o caso mais simples de uma parede de Bloch de 180o
plana movendo-se na direção normal ao plano da parede. A análise deste caso simples produz
resultados úteis para a análise de situações mais complexas. Neél foi o primeiro pesquisador a
sugerir que a energia livre, ou, mais exatamente, a energia potencial, deveria ter um caráter
estocástico para poder reproduzir certas características dos processos de magnetização
observadas experimentalmente.
Para tal análise, considera-se, conforme a figura 3.3, uma amostra com forma de
paralelepípedo com uma parede de 180o plana, separando dois domínios que está inicialmente
no plano yz e o seu movimento ocorre no eixo x.
figura 3.3: Domínios em forma de paralelepípedos separados por uma parede de 180o. Retirada da referência [26].
Caso o material fosse completamente livre de defeitos, um campo magnético externo
infinitesimal aplicado ao longo do eixo y, de acordo com a figura 3.3, faria com que a parede
se deslocasse para um dos extremos da amostra, ou seja, o domínio com magnetização
orientada na direção do campo aumentaria em volume em detrimento do domínio com
magnetização contrária, levando a amostra ao estado saturado. Uma única dificuldade
33
eventual ao movimento da parede seria a existência de um campo desmagnetizante devido aos
pólos magnéticos existentes nas extremidades da amostra [26].
Porém, no caso real, existem muitos defeitos, que são centros de aprisionamento de
paredes de domínio, no interior da amostra que produzem modificações na energia livre
magnética, mais precisamente no termo de desordem, e que dependem da posição da parede
[26]:
∑=i
i xVxV )()( (3.2)
Estes centros de aprisionamento podem levar a parede a um movimento que ocorre em
saltos, chamados de saltos Barkhausen.
A figura 3.4 representa uma das possíveis contribuições a V(x) típicas para uma
amostra como apresentada na figura 3.3. Além da função V(x)/S, parte (a) da figura 3.4,onde S
é a área da parede, dada de acordo com a figura 3.3, que corresponde à energia associada aos
centros de aprisionamento, é representada a função (∂V(x)/∂x)/S, parte (b) da figura 3.4,que
corresponde à pressão restauradora exercida sobre a parede.
figura 3.4: a) Energia de uma parede em função de sua posição e b) a pressão restauradora exercida sobre a mesma. Retirada da referência [26].
Então, no caso de uma amostra com centros de aprisionamento, a energia total, que
depende da posição da parede e dos centros de aprisionamento, é dada por [26]:
∑ +−=k
kkSo xVvHMxHE )(cos),( φµ (3.3)
34
onde V(x) é um termo associado aos centros de aprisionamento, MS é a magnetização de
saturação, vk são os volumes ocupados pelos domínios e φ k é o ângulo entre o campo
magnético externo e a magnetização do k-ésimo domínio.
Considerando a mesma estrutura de domínios apresentada na figura 3.3, com a
aplicação do campo magnético externo, a parede sofre um deslocamento x. Deste modo, os
volumes relativos ocupados pelos dois domínios tornam-se v1 = S [(l/2)+x] e v2 = S [(l/2)-x]
onde S é a área da parede e l a largura da amostra [26].
Como o campo é aplicado ao longo do eixo y, φ1 0= e φ π2 = , a energia total é:
)(2),( xVSxHMxHE So +−= µ (3.4)
Deste modo, para se ter uma configuração estável dos domínios, a energia total deve
satisfazer as seguintes condições:
0)(=
∂∂
x
xE e 0
)(2
2
>∂
∂x
xE (3.5)
Aplicando estas condições de equilíbrio à energia total, tem-se:
02)(1
=+−=∂
∂x
HMx
xE
S So ∂∂γ
µ , onde S
xVx
)()( =γ (3.6)
e
0)(
2
2
>∂
∂x
xE
⇒0
2
2
>∂
∂
x
γ
(3.7)
022
2
2
2
>∂∂
=
∂∂
+−∂∂
=x
V
x
VSHM
xx
ESoµ
∂∂
(3.8)
onde ∂γ∂
∂∂x S
V
x=1
é a pressão restauradora da parede. Sendo assim, na condição de equilíbrio,
a pressão exercida pelo campo externo 2µoHMS deve ser contrabalançada pela pressão
restauradora da parede.
Utilizando as condições de equilíbrio, pode-se determinar o movimento da parede de
domínio. Se a parede estiver inicialmente na origem, x = 0, de acordo com a parte (a) da
figura 3.4, e for aplicado um campo magnético Hr, na direção y haverá o movimento
reversível da parede até uma posição xa, que corresponde ao ponto onde a pressão exercida
pelo campo externo 2µoHMS é contrabalançado pela pressão restauradora ∂γ/∂x. Se o campo
retornar a zero, a parede retornará à posição de origem, sempre assumindo posições que
satisfazem a condição de equilíbrio. Se o campo for aumentado a partir do valor que tinha
35
quando a parede ocupava a posição xa, o movimento reversível continuará até a posição xb,
onde ∂2γ/∂x2 = 0. Um pequeno acréscimo do campo magnético faz com que a parede ocupe
uma posição onde ∂γ/∂x não é mais suficiente para contrabalançar a pressão exercida pelo
mesmo termo 2µoHMS. Esta falta de estabilidade pode ser associada com a região onde
∂2γ/∂x2 < 0. A parede, então, deslocar-se-á irreversivelmente até atingir a posição xc onde as
condições 2µoHMS = ∂γ/∂x e ∂2γ/∂x2 > 0 são novamente satisfeitas. Estando a parede em xc e
diminuindo o campo até zero, ela deslocar-se-á reversivelmente até o ponto xd. Com isto a
magnetização não volta a assumir o seu valor inicial M = 0, mas um valor correspondente à
posição xd. Continuando a aumentar o campo a partir de xd, a parede deslocar-se-á
reversivelmente até xe, quando então ocorrerá um novo salto até a posição xf. Uma diminuição
do campo, a partir deste ponto, fará com que a parede se desloque reversivelmente até xg,
onde um valor de remanência, diferente daquele associado ao ponto xd, é observado.
Aumentando-se o campo no sentido inverso haverá um movimento reversível até a posição xh
seguido de um grande salto até xi, revertendo o sentido da magnetização e assim
sucessivamente. A figura 3.5 mostra o percurso correspondente na curva de magnetização
[26].
figura 3.5: Curva de magnetização correspondente às posições da parede. Retirada da referência [26]
36
3.1.2 Rotação da Magnetização
Esta rotação consiste simplesmente no alinhamento da magnetização com a direção do
campo magnético aplicado. No caso de existirem paredes, o movimento de paredes
predominantemente ocorrerá antes da rotação.
A rotação da magnetização pode consistir de um processo reversível ou irreversível.
Os processos reversíveis ocorrem em qualquer amostra, com ou sem domínios e paredes de
domínios, que exibe alguma direção preferencial para a magnetização. Sendo reversíveis,
estes não caracterizam dissipação de energia. Já, rotações irreversíveis da magnetização são
ainda objeto de estudo.
3.2 Efeito Barkhausen
“Em cada pequeno cristal de um material, há tensões e discordâncias; há impurezas, sujeira e imperfeições. E, ao menor campo, as paredes de domínio, em movimento, ficam aprisionadas nelas. Há uma energia de interação entre a parede de domínio entre a deslocação, ou um limite de grão, ou uma impureza. Então quando a parede acha algum deles, ela fica aprisionada; ela fica lá até certo campo. Mas então se o campo é aumentado mais, repentinamente se desaprisiona e vai em frente. Então o movimento de uma parede de domínio não é suave do mesmo modo que em um cristal perfeito – ela fica aprisionada toda vez por um instante e move-se em solavancos. [...] Agora o importante é que estes solavancos na magnetização podem causar uma perda de energia. Em primeiro lugar, quando a parede finalmente passa por um impedimento, ela se move muito rapidamente para o próximo, desde que o campo já seja acima do que seria requerido para o movimento impedido. O movimento rápido significa que há mudanças rápidas de campo magnético que produzem correntes de Foucault no cristal. Estas correntes dissipam energia aquecendo o metal. [...] Não é difícil mostrar que o processo de magnetização na parte central da curva de magnetização é aos solavancos – que a parede de domínio salta repentinamente com a mudança de posição. Tudo que se precisa é uma bobina de fios – com milhares de espiras – conectadas a um amplificador e um alto-falante. Colocando algumas chapas de aços ao silício (do tipo utilizado em transformadores) ao centro da bobina e aproximando lentamente um ímã em barra, as repentinas mudanças na magnetização produzirão impulsos de fem na bobina, que serão ouvidos como distintos estalidos no alto-falante. Como se move o ímã próximo ao ferro, será ouvido um tropel inteiro de estalidos que parecerão o ruído de grãos de areia caindo uns sobre os outros como se uma vasilha de areia fosse inclinada. As paredes de domínio estão saltando repentinamente e sacolejando com o aumento do campo. Este fenômeno é chamado de Efeito Barkhausen.” [15, 28]
Dada por Feynman em suas notas de aula [28], esta descrição contém todos os
elementos essenciais do ruído da magnetização como descobertos por H. Barkhausen em
1919 [6]. Um pedaço de ferro, o mais simples material magnético, produz um ruído quando
magnetizado por um campo variado suavemente no tempo. Esta foi a primeira evidência
37
indireta da existência de domínios magnéticos, postulado poucos anos antes por Weiss [29].
Porém, na realidade, Barkhausen acreditava que o ruído era produzido por reversões súbitas
dos domínios magnéticos, na época, chamados de ímãs moleculares.
Primeiramente observado em 1919, por um longo tempo, todos os estudos focaram a
descrição fenomenológica das propriedades espectrais do ruído como uma superposição de
eventos elementares, sem qualquer entendimento microscópico. Porém, progressivamente, o
efeito Barkhausen foi reconhecido como uma promissora ferramenta para investigar as
características intrínsecas dos processos de magnetização e da histerese.
3.2.1 O ruído Barkhausen
O ruído Barkhausen consiste em séries de pulsos de tensão que são detectados nas
extremidades de uma bobina sensora enrolada em torno de uma amostra de material
ferromagnético submetida a um campo aplicado variável [6]. Este ruído é induzido por
flutuações irregulares no movimento de uma parede de domínio [10], ou seja, por variações
abruptas e irreversíveis na magnetização do material, chamados de saltos Barkhausen, geradas
principalmente pelo aprisionamento e, subseqüente, desaprisionamento das paredes de
domínios magnéticos durante seu movimento devido aos centros de aprisionamento de
paredes de domínio associados à existência de desordem estrutural gerada por defeitos,
presença de grãos em materiais policristalinos, discordâncias e deformações na rede,
flutuações na composição, presença de inclusões, precipitados, impurezas ou tensões
localizadas no material. Ou seja, o efeito Barkhausen parte da idéia de descrever o movimento
de paredes de domínio como uma seqüência randômica de saltos elementares das paredes de
domínio entre posições metaestáveis, tentando, então, interpretar as propriedades do efeito em
termos dos efeitos de correlação entre os saltos [30].
A figura 3.6 define o efeito Barkhausen. Considerando uma curva de indução do
material a ser estudado, parte (a), visualizando-a em detalhe, parte (b), observa-se que esta
não é tão suave quanto aparenta, mas apresenta variações abruptas do valor da magnetização,
ou seja, as variações ocorrem aos saltos. Estes são os chamados saltos Barkhausen.
38
figura 3.6: a) Curva de indução, b) Em detalhe, saltos Barkhausen; c) Variação temporal do fluxo magnético detectado por uma bobina sensora.
Tem-se que estas variações abruptas da magnetização geram variações de fluxo
magnético na bobina sensora. Estas variações de fluxo, de acordo com a Lei de Faraday-Lenz,
por sua vez, geram um sinal de tensão induzido na bobina sensora [17]. Amplificando o sinal
de tensão induzido nos terminais de uma bobina sensora, as descontinuidades podem ser
reproduzidas no osciloscópio, como mostra a parte (c) da figura 3.6. A mudança no momento
magnético para um simples salto pode ser determinada a partir da área sobre o pulso gravado
no osciloscópio [31].
No estudo dos mecanismos de magnetização, o ruído Barkhausen é associado ao
movimento de paredes de domínio. Porém, a nucleação e a aniquilação de domínios
magnéticos, por gerarem movimentos de paredes associados e, conseqüentemente, mudanças
abruptas na magnetização, também contribuem para o sinal Barkhausen [17].
3.2.2 O ruído Barkhausen e a dinâmica de magnetização
O ruído Barkhausen fornece informações úteis sobre a dinâmica de magnetização e
sua correlação com os parâmetros macroscópicos medidos na curva de histerese do material
[15, 21, 22, 26, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43]. Em particular, é possível
acompanhar a evolução da estrutura de domínios do material e até mesmo a nucleação e
aniquilação de famílias de domínios [21, 22]. A conexão do ruído Barkhausen com as perdas
magnéticas nos aços elétricos foi realizada com êxito por G. Bertotti e colaboradores [21, 35,
39
44, 45]. Devido à complexidade intrínseca do sistema de paredes de domínios magnéticos, o
fenômeno apresenta características estocásticas as quais tornam sua análise complexa.
Atualmente, existe um crescente interesse no ruído Barkhausen pois corresponde
possivelmente a um exemplo de sistema dinâmico que pode apresentar um comportamento
crítico auto-organizado [21, 22, 32, 33, 34, 46, 47, 48], conceito introduzido por Bak et. al.
[21] para explicar a dinâmica de sistemas dissipativos.
O ruído Barkhausen representa a prova fundamental da existência de domínios
magnéticos, postulado por Weiss no início do século [35]. Quando, muitos anos após, a
conexão direta do efeito Barkhausen com a dinâmica das paredes de domínios começou a ser
apreciada, tornou-se evidente que o efeito podia fornecer, em princípio, informações básicas
sobre os processos de magnetização e podia representar uma chave única para a interpretação
microscópica da histerese ferromagnética. O principal obstáculo para isto tem sempre sido
representado pela complexidade da fenomenologia do efeito Barkhausen e o intrínseco caráter
estocástico do sinal. Um ponto crucial, nesta conexão, é que o sinal do Barkhausen como uma
função da magnetização ao longo de cada meio-ciclo é altamente não-estacionário como uma
conseqüência do fato de que diferentes processos ocorrem em diferentes níveis de
magnetização: movimento de paredes de domínio quando M é baixo e, criação e aniquilação
de domínios perto da saturação magnética. Qualquer resultado obtido por média das
propriedades do efeito Barkhausen sobre uma mistura de processos na curva de histerese, gera
uma interpretação física que não é clara. Sendo assim, os experimentos de análise estatística
de ruído Barkhausen se restringem às investigações da parte central da curva de histerese,
onde o movimento de paredes de domínio é o processo dominante [30].
3.3 Magnetostricção
Mais de cento e cinqüenta anos se passaram desde 1842, quando o histórico
experimento de Joule demonstrou a existência da magnetostricção. Joule conseguiu
importantes resultados relacionando a deformação do material com o campo magnético
aplicado. Entretanto, ele mesmo concluiu também que a deformação era limitada a valores
relativamente pequenos. Mesmo assim, ao longo do tempo, foram descobertas novas
aplicações para o efeito magnetostrictivo. As primeiras aplicações técnicas da
magnetostricção surgiram antes da segunda guerra mundial, tais como os osciladores em
1928, torquímeros em 1929 e sonares em 1935. Além disto, um notório interesse para as
40
aplicações dos fenômenos magnetoelásticos tem sido observado desde 1975 devido às
descobertas de novos materiais magnetostrictivos com melhores performances para sensores e
atuadores.
O fenômeno magnetoelástico chamado de magnetostricção, Joule ou anisotrópica,
descreve genericamente a variação das dimensões dos materiais ferromagnéticos, quando são
submetidos a um campo magnético externo [9, 49, 50]. A figura 3.7 define o fenômeno da
magnetostricção. A grandeza que quantifica este fenômeno é o alongamento λ , que é a razão
entre a variação do comprimento ∆l e o comprimento inicial l da amostra, dado simplesmente
por [9, 49, 51, 52]:
l
l∆=λ (3.9)
A magnetostricção de saturação λS corresponde ao valor de λ medido quando o
material está saturado. Os valores de λS podem ser positivos, negativos e em alguns materiais,
muito próximos de zero. Em cristais, o valor de λS depende fortemente da orientação relativa
entre a direção ao longo do qual se mede a variação de comprimento ∆l e a direção ao longo
da qual está sendo aplicado o campo magnético [16].
O efeito magnetostrictivo mais conhecido é o ruído de um transformador em operação.
Este ruído vem da contração cíclica do núcleo dos transformadores que possuem um alto
valor de magnetostricção.
figura 3.7: (a) Cristal de ferro no estado desmagnetizado e em (b) o efeito no comprimento da amostra com a aplicação de um campo magnético externo H.
l ∆l
41
A variação do comprimento na direção paralela à magnetização é a mais
freqüentemente medida. Porém, mudanças da magnetostricção transversal, ou seja, mudanças
das dimensões em ângulos retos ao campo aplicado, e no volume são mensuráveis.
Entre o estado desmagnetizado e o saturado o volume da amostra, na maioria dos
materiais, permanece constante com uma boa aproximação. Por isso, à medida que o material
dilata na direção em que se aplica o campo, por exemplo, deve-se observar um encolhimento
na direção perpendicular a este.
A magnetostricção em um cristal é dada por [9, 14, 49, 51]:
( )32323131212111123
23
22
22
21
21100 3
3
1
2
3ββααββααββααλβαβαβαλ +++
−++
=∆l
l (3.10)
onde β = (β1, β2, β3) e α = (α1, α2, α3) são os co-senos diretores da direção da magnetização e
da direção de medida da magnetostricção com respeito aos eixos do cristal e λ100 e λ111 são os
valores de saturação da magnetostricção quando o cristal é magnetizado nas direções [100] e
[111], respectivamente.
Em materiais policristalinos, tais como os aços elétricos GNO, a situação é mais
complexa do que em simples cristais. A magnetostricção medida corresponde a uma média
das contribuições dos muitos domínios de diferentes grãos.
3.3.1 A origem da magnetostricção
A origem microscópica da magnetostricção, deformação da rede em função da
orientação dos momentos magnéticos, é a mesma que origina a anisotropia magnetocristalina:
a interação spin-órbita, ou seja, a interação entre os spins eletrônicos e o movimento orbital
dos elétrons em torno dos núcleos atômicos. A energia dos estados eletrônicos em regiões
onde há momento magnético é menor do que aquela que é verificada nos orbitais atômicos de
mesma espécie com momento magnético total nulo. Por conta desta diferença de energia, os
spins eletrônicos se alinham ao campo, modificado os orbitais atômicos e, conseqüentemente,
modificando a distância interatômica do material sujeito ao campo. A modificação do estado
orbital reflete numa deformação na rede via o forte acoplamento rede-órbita, caracterizando a
magnetostricção. Macroscopicamente, a variação das distâncias interatômicas produz o
deslocamento e rotação de domínios magnéticos que, por sua vez, gera deformação
macroscópica nos materiais. Dependendo do tipo de material, tais deformações podem
implicar em expansão ou encolhimento da dimensão na direção do campo magnético externo
42
aplicado. Como tais deformações são isovolumétricas, as modificações nas dimensões
transversais à direção do campo magnético têm o sentido oposto.
Portanto, a magnetostricção é um parâmetro que relaciona as propriedades magnéticas
macroscópicas básicas dos materiais com sua estrutura atômica.
3.3.2 Magnetostricção e os processos de magnetização
Nos materiais ferromagnéticos, a deformação ∆l/l, devido à magnetostricção, é da
ordem de 10-5 a 10-6. Porém, o valor da magnetostricção depende do tipo de parede de
domínios magnéticos existentes no material.
Como o alongamento espontâneo é independente do sentido de magnetização, a
dimensão do domínio não muda quando a direção da sua magnetização espontânea é
revertida. Sendo que a passagem de uma parede de 180° através de certa região reverte à
magnetização da região, pode-se concluir que movimento de paredes de 180° não produz
qualquer mudança magnetostrictiva na dimensão [9].
Por outro lado, movimento de paredes de 90°, rotação da magnetização, nucleação e
aniquilação de domínios magnéticos sempre são acompanhados por uma mudança na
dimensão da amostra [9].
Assim, no caso geral, considerando um cristal magnetizado em um eixo difícil, o
processo de magnetização envolverá movimento de paredes de 180° e 90° e rotação da
magnetização. Os últimos dois destes processos vêm acompanhados pela magnetostricção [9,
14, 49, 51, 53]. Pode-se tomar como exemplo a figura 3.8, onde se partindo de com uma
amostra de ferro no estado desmagnetizado, parte (a) da figura, com a aplicação do campo
magnético, parte (b), primeiramente ocorrerá movimento de paredes de domínios, fazendo
com ocorra alongamento dos domínios orientados favoravelmente à direção do campo e
contração dos domínios que não são favoráveis ao campo, até que a magnetização esteja
orientada ao longo dos eixos fáceis da amostra, parte (c) da figura. Com um aumento do
campo magnético, para atingir o estado saturado, parte (d) da figura, haverá
predominantemente rotação da magnetização fazendo com que ocorra contração e
alongamento, respectivamente.
A magnetostricção é uma grandeza anisotrópica, que depende da direção que o campo
magnético é aplicado em relação aos eixos cristalinos da amostra. A figura 3.9 mostra que, no
caso do ferro, enquanto a magnetização se dá na direção <100> e predominam os movimentos
43
de parede de 90°, a magnetostricção cresce continuamente. Quando ferro é magnetizado na
direção <111>, ocorre muita rotação de domínios, com contração. Quando magnetizado na
direção <110> praticamente não há magnetostricção até 0.7 T. Entre 0.7 T e 1.5 T, ocorre
uma expansão, associada ao movimento de paredes de 90° e acima de 1.5 T ocorre uma
contração, que é associada à rotação de domínios [9].
figura 3.8: Descrição bidimensional das mudanças na magnetostricção durante o processo de magnetização do ferro partindo do estado desmagnetizado. a) Estado desmagnetizado, b)estágio inicial do movimento de paredes; c) perto final do estágio final do movimento de paredes de domínio com a magnetização orientada na direção dos eixos fáceis; d)estado saturado atingido através da rotação da magnetização a partir de estágio (c). Retirada da referência [53].
figura 3.9: Variação dimensional (magnetostricção) de monocristal do ferro em função da magnetização, em diferentes direções. A variação dimensional foi medida na mesma direção de aplicação do campo magnético. Retirado da referência [9]
Fe
44
A forte anisotropia das propriedades magnéticas de monocristais de ferro indica que,
nos materiais policristalinos, as propriedades dependerão da textura cristalográfica e da
direção em que se aplique o campo magnético. Entretanto, grande parte das referências sobre
magnetostricção de ferro policristalino não cita esses dados, dificultando sua interpretação.
3.3.3 Métodos de medida de magnetostricção
A magnetostricção pode ser medida através de métodos diretos ou indiretos.
Os métodos diretos são aqueles que a deformação é observada por meio de um
princípio mecânico ou óptico. Entretanto, como os efeitos magnetostrictivos são em geral
bastante pequenos, o uso destes métodos é limitado a amostras onde λS seja relativamente
grande. A precisão típica destes métodos é da ordem de 10-6. Alguns dos métodos diretos de
medida são: extensômetros, dilatômetro capacitivo de três terminais, método óptico e método
do eletrodo capacitivo.
Os métodos indiretos de medida envolvem a determinação de algum parâmetro que,
por sua vez, é modificado pela magnetostricção. Em geral, esses métodos são baseados no
efeito Villary. Dos métodos indiretos de medida, destacam-se: Método da rotação da
magnetização por pequenos ângulos, método da susceptibilidade inicial ou da energia de
anisotropia, método baseado no efeito Wiedemann e métodos baseados em ressonância
ferromagnética modulada por deformação e magnetorresistência.
Neste trabalho, será dado ênfase ao método dos extensômetros. Estes são também
chamados, em inglês, de “strain gauges”. Nesta dissertação, será usado o termo em inglês por
ser de uso corrente para pesquisadores da área.
Quando um fino fio metálico é esticado, seu comprimento aumenta e sua seção
transversal diminui. Ambos os efeitos tendem a aumentar a resistência elétrica. Esta é a idéia
básica dos strain gauges. Estes sensores de deformação, disponíveis comercialmente,
consistem em um fio fino, condutor ou semicondutor, em formato sinuoso com o padrão de
zig-zag, colado num material flexível tal como plástico. A figura 3.10 mostra um strain gauge
semelhante ao utilizado no trabalho.
45
figura 3.10: Strain gauge. A parte escura corresponde ao fio metálico e a parte clara ao material flexível
Este dispositivo é firmemente colado sobre o material com o objetivo de se expandir e
contrair solidariamente com a amostra. Sendo assim, o material sendo deformado, provocará
uma deformação no strain gauge e, deste modo, haverá uma variação da resistência elétrica do
strain gauge. Esta variação na resistência é proporcional à variação do comprimento da
amostra, ou seja, proporcional à magnetostricção. A relação de proporcionalidade é dada pela
seguinte expressão:
l
lK
R
R ∆=
∆ (3.11)
onde K é o fator de gauge, que geralmente é igual a 2.
Apesar de muito práticos e relativamente baratos, os strain gauges possuem resolução
típica de 10-8. Os strain gauges são adaptados para medidas em sistemas macroscópicos ou em
materiais na forma de fitas delgadas, não sendo úteis em fios ou filmes finos. Além disto, este
método pode ser utilizado em configurações que envolvam variação na temperatura e a
aplicação de tensão mecânica.
Para materiais cristalinos, o uso de strain gauges para medida de expansão térmica ou
da magnetostricção é comum desde seu desenvolvimento em 1947. Porém, um aspecto crucial
é que o strain gauge aplicado deve ser maior do que o tamanho médio dos grãos.
3.4 Perdas magnéticas
As perdas magnéticas em aços elétricos são responsáveis por uma parte significativa
do consumo de energia no Brasil. Seu estudo e conseqüente possibilidade de minimização
pelo controle do processo de fabricação são de interesse econômico real. As perdas
magnéticas correspondem à característica mais importante dos aços elétricos.
A área da curva de histerese tem um importante significado físico, pois representa a
quantidade de energia irreversivelmente dissipada por efeito Joule durante um ciclo de
magnetização [7]. Isto deriva do fato de que HdB representa a energia infinitesimal por
46
unidade de volume injetada em uma amostra magnética durante o processo de magnetização e
a integral
∫=Curva
HdBf
P (3.12)
representa a quantidade de trabalho, por unidade de volume, realizada pelo campo externo e
irreversivelmente transformada em energia interna por efeito Joule em um ciclo de
magnetização. A quantidade P é chamada de energia dissipada e P/f é conhecida por energia
dissipada por ciclo [7].
O valor desta energia dissipada por ciclo, em unidades de J/m3, pode ser determinado
através do cálculo da área do interior da curva de histerese [54], com H em A/m e B em T.
Este valor, multiplicado pelos 60 ciclos por segundo e dividido pela densidade em kg/m3,
resulta no valor das perdas em W/kg.
Quando um campo magnético crescente é aplicado em um material, a indução deste
material aumenta até atingir a indução de saturação. Neste processo, certa quantidade de
energia é acumulada, como mostra a parte (a) figura 3.11. Após atingir a indução máxima,
com a diminuição do campo magnético externo, o ramo descendente da curva de histerese,
entre a indução máxima e a remanência, não volta exatamente sobre o ramo ascendente,
caracterizando dissipação de energia. E a energia dissipada corresponde à diferença entre as
duas áreas, como mostra a parte (b) da figura 3.11.
a) b)
figura 3.11: a) Energia acumulada no ramo ascendente; b) energia devolvida no ramo descendente e energia dissipada. Retirada da referência [55]
A energia dissipada na condição quase estática está associada às mudanças bruscas da
magnetização.
47
Abaixo do joelho da curva de histerese, o processo de magnetização ocorre
predominantemente por movimentos reversíveis e irreversíveis das paredes de domínios. No
caso dos movimentos irreversíveis, uma parede de domínios, presa a um centro de
aprisionamento, não se move enquanto o campo Hr
não atingir um valor crítico necessário
para vencer a barreira associada a este centro. Quando este valor crítico de campo é atingido,
a parede se move rápida e irreversivelmente, dando origem aos saltos Barkhausen.
Acima do joelho da curva da curva de histerese, em geral considera-se que o processo
de magnetização procede pela rotação da magnetização. Esta rotação de domínios existente é
predominantemente reversível e, conseqüentemente, sem dissipação de energia [9]. Deste
modo, uma parcela da energia dissipada nesta região ocorre devido à rotação irreversível dos
domínios magnéticos. O movimento de paredes de domínios, aniquilação de domínios, no
ramo ascendente, e nucleação de domínios, no ramo descendente da curva de histerese,
correspondem aos possíveis mecanismos responsáveis pelo processo de magnetização que,
possivelmente, estão associados às perdas magnéticas nestes níveis de indução.
Esta observação resume a idéia central desta dissertação. Almeja-se identificar os
mecanismos responsáveis pela evolução da estrutura de domínios ao longo da curva de
histerese no intuito esclarecer os processos de magnetização nos aços elétricos de grão não-
orientado e diminuir as perdas magnéticas pela realização de apropriadas mudanças no
processo de fabricação.
3.4.1 A separação tradicional das perdas
Segundo Bertotti [7], o comportamento das perdas magnéticas em função da
freqüência de magnetização está muito próximo da seguinte lei:
fCfCCf
Po 21 ++= (3.13)
onde os coeficientes Co, C1 e C2 podem ser funções do valor máximo da magnetização.
É interessante que as perdas magnéticas podem ser expressas por uma simples lei, uma
vez que, como as perdas correspondem à área da curva de histerese, seria esperado que
dependessem de inúmeros detalhes do processo de magnetização que ocorrem ao longo da
curva de magnetização. Este fato se torna mais surpreendente, pois esta expressão pode ser
aplicada a uma grande classe de diferentes materiais magnéticos, caracterizados por diferentes
estruturas de domínios [7].
48
Um aspecto desta generalidade é identificado pelo fato de que as perdas magnéticas
totais podem ser separadas em componentes. Com o objetivo de determinar suas origens,
tradicionalmente, as perdas magnéticas totais são separadas em três componentes: perdas
histeréticas, perdas parasitas clássicas e perdas anômalas ou em excesso [7, 14, 56].
Ptotal = Phisterética + Pclássica + Pexcesso (3.14)
A figura 3.12 mostra o comportamento das perdas magnéticas por ciclo em função da
freqüência de magnetização.
figura 3.12: Perdas totais por ciclo e separação das perdas totais em componentes como função da freqüência de magnetização.
Cada uma das componentes pode ser associada a diferentes mecanismos.
As perdas histeréticas, associadas com Co [7], correspondem à energia dissipada
durante a histerese magnética estática do material. Esta componente de energia dissipada está
ligada aos descontínuos e irreversíveis movimentos das paredes de domínio que são o
resultado da interação das paredes com os centros de aprisionamentos de paredes de domínio
[57]. Estas interações, existentes durante o processo de refinamento da estrutura de domínios,
geram uma falta de homogeneidades na magnetização que induzem as chamadas correntes
microscópicas de Foucault [11, 58]. As perdas histeréticas, em primeira aproximação, são
independentes da forma da amostra e da freqüência de magnetização.
As perdas dinâmicas são, em geral, nada mais do que o resultado de uma competição
entre o campo magnético externo e os vários campos internos locais, originados de efeitos
coercivos, magnetostáticos ou relacionados às correntes de Foucault. As perdas dinâmicas
f
P/f
49
correspondem à soma das perdas parasitas clássicas, associadas com C1f [7], e das perdas
anômalas ou em excesso, relacionadas com C2 f [7].
Considerando-se um sistema com homogeneidade estrutural, as perdas dinâmicas
correspondem exatamente às perdas parasitas clássicas. As perdas parasitas clássicas estão
associadas à energia dissipada pela circulação de correntes elétricas parasitas no interior da
amostra, ou seja, devido às correntes de Foucault induzidas por uma taxa de magnetização
perfeitamente homogênea no espaço [59]. As perdas parasitas clássicas podem ser obtidas
analiticamente partindo das equações de Maxwell e são relacionadas às correntes parasitas em
um meio material sem a existência de domínios magnéticos. Estas, por sua vez, são
intensamente dependentes da geometria da amostra e simplesmente proporcionais à
freqüência de magnetização.
Porém, no caso real, em um material ferromagnético, sempre existe estrutura de
domínios magnéticos e desordem estrutural associada. Como resultado, podem existir campos
internos de correlação que atuam em diferentes partes da mesma parede e/ou entre paredes
vizinhas. Deste modo, o movimento das paredes e, conseqüentemente, as mudanças da
magnetização tendem a ocorrer de um modo altamente coerente dentro de uma região de
correlação. Este efeito resultante depende do tipo de material. Em sistemas magnéticos
orientados, como o aço elétrico de grão orientado, a distância entre as paredes é grande
comparada com a sua espessura, de modo que os efeitos entre as paredes são desprezíveis.
Mas, em materiais magneticamente não-orientados, como o aço elétrico de grão não-
orientado, caracterizados por uma refinada estrutura de domínios, as paredes não podem ser
consideradas como objetos não interagentes. Deste modo, os campos de correlação entre as
paredes vizinhas dominam os processos de magnetização e a interação entre as paredes de
domínios vizinhas ocorre através das correntes de Foucault, ou mais propriamente, das micro-
correntes. Estas micro-correntes induzidas pelo movimento das paredes de domínio
influenciam o movimento das paredes vizinhas, de modo que as perdas totais não
correspondem somente à soma das perdas de cada parede se movendo independentemente das
outras, mas tem seu valor determinado pela superposição destes efeitos [17, 60].
A partir da existência de domínios magnéticos e da desordem estrutural, então, define-
se as chamadas perdas anômalas ou em excesso. Como as perdas histeréticas são
determinadas com base na área da histerese quase-estática e as perdas por correntes de
Foucault são calculadas a partir das equações de Maxwell, tem-se que as perdas anômalas ou
50
em excesso correspondem à diferença entre as perdas totais e a soma das componentes
histeréticas e por correntes de Foucault.
As perdas anômalas têm recebido muita atenção uma vez que elas podem representar
até 50% das perdas medidas. Sua causa ainda é objeto de estudo, porém, esta componente de
perdas está longe de ter caráter anômalo, pois está certamente associada à existência de
domínios magnéticos no material e às interações das paredes de domínio [61]. Sugere-se que
a natureza não uniforme do movimento das paredes de domínio em materiais com uma
refinada estrutura de domínios [62], a superposição de correntes de Foucault devido a
diferentes paredes, “domain wall bowing”, “domain wall ruckling” e nucleação e aniquilação
de domínios magnéticos sejam alguns dos possíveis responsáveis pelas perdas em excesso
[61]. Por sua vez, é observado que as perdas em excesso são dependentes da distância entre as
paredes de domínios magnéticos, dimensões dos grãos, tensões internas e textura
cristalográfica [63].
Um primeiro passo para o entendimento das perdas em excesso foi dado por Bertotti
através da introdução do conceito de “objetos magnéticos” (MO), que correspondem a um
grupo de paredes vizinhas cuja evolução é fortemente correlacionada e pode ser tratada como
um todo, mesmo em termos das propriedades estruturais e dinâmicas. Neste caso, os MO
representam os veículos naturais pelo qual ocorrem as mudanças na magnetização e isto
permite, de um modo simples e compacto, explicar os efeitos dos campos internos de
correlação e o comportamento das perdas.
Mesmo que as perdas sejam separadas em componentes, sabe-se que o mecanismo
físico dominante que dá origem às perdas magnéticas é essencialmente o efeito Joule devido
às correntes de Foucault induzidas pelo movimento das paredes de domínio e pelas variações
de campo magnético no interior do material [14, 63, 64]
As correntes de Foucault são simples em princípio uma vez que fundamentalmente
baseiam-se na lei de Faraday-Lenz. Considerando um campo magnético alternado aplicado
em uma dada amostra, haverá, no interior da amostra, uma variação temporal de fluxo
magnético, dB/dt, devido à variação do campo magnético externo e da indução magnética da
amostra. Deste modo, uma força eletromotriz proporcional à dB/dt será induzida de acordo
com a lei de Faraday-Lenz. A partir desta descrição, pode-se definir a corrente de Foucault
macroscópica, associada ao campo magnético externo, e a corrente de Foucault microscópica,
devido à indução magnética. Estas correntes de Foucault dependem da geometria,
resistividade e permeabilidade da amostra e da freqüência do campo magnetizante. Suas
51
direções são sempre de modo a contrabalançar a mudança de campo que a produziu. Como a
chapa de aço é um bom condutor elétrico, essa variação do fluxo induz a passagem de
corrente elétrica considerável em seu interior, que dissipará energia por efeito Joule [52]. O
valor das perdas por correntes de Foucault em amostras com formato laminar é dado pela
seguinte equação desenvolvida teoricamente:
ρπ
⋅⋅⋅⋅⋅
=d
efBP
6
)( 2
(3.15)
onde B é a indução máxima, e é a espessura da lâmina, f é freqüência, ρ é a resistividade
elétrica e d é densidade. É interessante notar que , de acordo com a equação desenvolvida com
base teórica para as perdas por correntes de Foucault, a intensidade da corrente dependerá da
espessura das chapas que compõe o circuito magnético. Quanto mais fina a chapa, menor a
corrente elétrica. Essa é uma das principais razões de utilizarem-se chapas finas nas máquinas
elétricas.
A grande questão no estudo dos processos de magnetização é determinar quais são os
mecanismos responsáveis por estas mudanças na magnetização. Na realidade, as mudanças na
magnetização ocorrem basicamente pelos processos de movimento de paredes de domínio e
rotação da magnetização. Porém, como os materiais reais contêm muitas imperfeições,
chamados de centros de aprisionamento de paredes de domínio, estes, de algum modo,
acabam dificultando o fácil movimento das paredes de domínio e aumentando as perdas
associadas. De certa forma, as inclusões, tensões residuais, nucleação e aniquilação de
domínios, entre outros, são alguns dos responsáveis pelo aumento das perdas energéticas.
Do ponto de vista magnético, uma inclusão é uma região que tem uma magnetização
espontânea diferente da magnetização do material que a rodeia. As inclusões podem ser de
várias formas, tais como partículas em uma fase diferente do meio, buracos na estrutura,
discordâncias, etc. A figura 3.13 mostra a passagem de uma parede de domínio através de
uma inclusão. Quando uma parede de domínios passa por algum centro de aprisionamento,
parte (a) da figura 3.13, aparecem, na superfície do cristal, estruturas de domínios superficiais
em torno desta região, unindo a imperfeição à parede de domínio, como mostra a parte (b) da
figura 3.13. Como a parede principal continua a se mover, as outras paredes se estendem do
centro de aprisionamento à parede principal mais e mais, parte (c) da figura 3.13, até que,
subitamente, esta ligação se rompe gerando um salto Barkhausen e formando uma nova
estrutura de domínios [9, 65], como mostrado na parte (d) da figura 3.13.
52
Esta estrutura de domínios, como pode ser observada na parte (d) da figura 3.13, de
certo modo, surge com o objetivo de distribuir os pólos magnéticos livres em torno destas
novas paredes no intuito de reduzir principalmente a energia magnetostática [10].
figura 3.13: A passagem de uma parede através de uma inclusão. Estrutura de domínios em torno de um centro de aprisionamento de paredes e estrutura formada após o salto Barkhausen.
Vários modelos têm sido sugeridos para levar em conta, para o valor das perdas, os
saltos irreversíveis das paredes de domínio, saltos Barkhausen, que ocorrem durante o
processo de magnetização [66]. Espera-se que, como a magnetização está mudando apenas
com movimento de paredes de domínio, dB/dt seja grande e irregular com o tempo. Com isto,
ocorrem os saltos Barkhausen e, conseqüentemente, as correntes microscópicas de Foucault
são induzidas e, assim, existem perdas associadas [67]. As correntes microscópicas de
Foucault contribuem para as perdas totais da amostra pela combinação com as correntes
macroscópicas de Foucault que são associadas com as mudanças da magnetização homogênea
dentro da amostra.
O efeito de nucleação de paredes sobre as perdas não é bem conhecido, entretanto,
parece razoável que nucleação aumenta as perdas de algum modo [54]. Sugere-se que a
nucleação de domínios também tem um papel nos processos de dissipação pela contribuição
na população de paredes de domínios de 180° ativas. Para campos aplicados em excesso ao
limite da nucleação, que ocorrem em altos níveis de densidades de fluxo, o movimento das
paredes de domínios nucleadas é adicionado ao sinal do ruído Barkhausen.
53
3.4.2 A separação das perdas proposta por Landgraf e colaboradores
Recentemente, no estudo dos mecanismos que influenciam as perdas, Landgraf et. al.
[3, 4, 5, 18, 68] sugerem que as perdas histeréticas podem ser separadas em duas
componentes: componente de baixa indução, associada aos processos de magnetização que
ocorrem em B < B(µmax), geralmente associada ao movimento de paredes de domínio de 90° e
180°, e componente de alta indução, para B > B(µmax), associada apenas à rotação da
magnetização.
A linha de separação entre estas duas regiões na curva de magnetização foi escolhida
como sendo o ponto de indução onde há a máxima permeabilidade. Este ponto de indução
para separar as duas regiões foi adotado baseado em livros clássicos [9, 49], que indicam que
a permeabilidade máxima define a indução do joelho da curva de magnetização como o ponto
que a divide em regiões que apresentam diferentes mecanismos de magnetização
predominantes: o movimento de paredes de domínio, abaixo do joelho, e rotação da
magnetização, acima.
Então, como há esta divisão da curva de magnetização em regiões com mecanismos de
magnetização diferentes, pode-se considerar que as perdas também podem ser separadas em
duas componentes. Sendo assim, as perdas associadas à área entre as duas linhas de indução
com permeabilidade máxima são chamadas de perdas histeréticas de baixa indução e a área
complementar acima e abaixo destas linhas é chamada de perdas histeréticas de alta indução.
Este procedimento pode ser útil pois resultados experimentais mostram que o tamanho de
grão tem uma forte influência na componente de baixa indução, enquanto que a textura tem
maior efeito na componente de alta indução [3].
A questão do ponto de separação é importante, pois os valores das componentes de
perdas de alta e baixa indução dependem do ponto de separação. A figura 3.14 apresenta uma
curva de indução obtida de uma das amostras estudadas mostrando as duas regiões propostas.
54
-600 -400 -200 0 200 400 600-2.0
-1.5
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
B (T)
H (Oe)
Região de baixa
indução
Região de alta indução
( )máxB µ
Curva de
permeabilidade
-600 -400 -200 0 200 400 600-2.0
-1.5
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
B (T)
H (Oe)
Região de baixa
indução
Região de alta indução
( )máxB µ
Curva de
permeabilidade
figura 3.14: Curva de indução de uma amostra do aço estudado mostrando a separação das perdas em regiões de baixa e alta indução.
Este método de separação foi proposto por Landgraf et. al. [3, 4, 5, 18, 68] pois o
processo de magnetização e os mecanismos responsáveis pela dissipação de energia não são
claros nos aços elétricos, principalmente na região de alta indução, de modo que ainda não se
conseguiu explicar o fato de que 50% das perdas totais que ocorrem neste nível de indução [3,
4, 5, 18, 68]. Considera-se que o movimento de paredes de domínio, rotação da magnetização,
e nucleação e aniquilação de domínios, sejam alguns dos possíveis responsáveis pela
componente de perdas em alta indução.
Apesar do fato de as amostras estudadas serem de grão não-orientado, foi observado
que as perdas em altas induções são fortemente dependentes da orientação relativa entre a RD
e a direção de corte da lâmina. Embora, em altas induções, o processo de rotação da
magnetização devesse ser o mais ativo, este processo não está associado a perdas e não pode
responder pela fração das perdas totais dos aços elétricos que vem sendo obtidas pelas perdas
em altas induções [3, 4, 5, 18, 68]. Sendo assim, compreender os mecanismos de
magnetização nesta faixa de induções é o primeiro passo em direção à otimização dos
processos de magnetização dos materiais e a consequente redução das perdas.
A separação das perdas magnéticas totais em uma componente histerética, clássica e
em excesso oferece importantes informações sobre o desenvolvimento dos aços elétricos. Será
mostrado que a anisotropia das perdas totais magnéticas é principalmente confinada na
componente histerética. Uma observação detalhada sugere que as piores propriedades
55
magnéticas ocorrem ente 45° e 60°. Aplicando o método gráfico de separação das perdas
sugerido por Landgraf et. al., fica claro que a componente de alta indução segue um
comportamento com a textura, enquanto que a componente de baixa indução aumenta
monotonicamente com o ângulo com a direção de laminação.
Deste modo, como ainda está aberto para discussões qual é o mecanismo de dissipação
de energia predominante na região de alta indução das perdas histeréticas nos aços elétricos,
torna-se importante o completo entendimento dos mecanismos de magnetização em função do
ângulo em relação à RD ao longo da curva de magnetização.
56
4 AÇOS ELÉTRICOS DE GRÃO NÃO-ORIENTADO
O aço elétrico ideal para aplicações magnéticas é aquele que pode ser magnetizado em
seu maior nível de indução com o menor campo magnético externo e apresentar a menor
quantidade de perdas totais [1]. Este é o princípio básico que faz com que os fabricantes de
aços gastem milhões em pesquisas.
Os aços elétricos interessam a dois segmentos econômicos onde o Brasil tem
engenharia forte, a siderurgia e a indústria da eletricidade [55]. Um por cento do volume total
de aços produzidos anualmente é utilizado por suas propriedades magnéticas.
Os aços elétricos são utilizados por terem uma qualidade única, não disponível em
outros metais, polímeros ou cerâmicas: sua capacidade de amplificar milhares de vezes um
campo magnético externamente aplicado [55]. Essa propriedade é o que viabiliza a existência
da maioria das máquinas elétricas tais como motores, geradores e transformadores.
Segundo Landgraf [55], a história dos aços elétricos no mundo tem seu início
juntamente com a história da indústria da eletricidade em 1880. Os aços de grão orientado,
por sua vez, foram desenvolvidos em 1934. No Brasil, a ACESITA iniciou produção de aço
GNO em 1956, pelo processo de laminação a quente de pacotes. Em 1979, iniciou a produção
de aço GNO laminado a frio, e, em 1981, a de aço GO, ambos com assistência técnica da
Armco [69]. A evolução dos aços GNO, até hoje, tem sido na direção de reduzir as perdas
magnéticas.
Tradicionalmente, as perdas magnéticas correspondem ao principal parâmetro de
controle desses materiais. A consciência mundial da necessidade de conservar a energia torna
o tema das perdas ainda mais relevante [55]. Sendo assim, os principais fabricantes de
motores elétricos têm pressionado as siderúrgicas a conseguir aços com melhores
desempenhos magnéticos. Para estas aplicações, onde há um aumento na demanda por maior
eficiência de energia, de fato, novas classes de aços estão sendo desenvolvidas a cada ano,
oferecendo menores perdas magnéticas e maior permeabilidade magnética [3].
4.1 Classificação e as características dos aços
Dentro de uma grande variedade de aços, destacam-se os aços elétricos. Estes são
materiais magneticamente macios utilizados em núcleos de equipamentos para geração,
57
distribuição e utilização de energia elétrica [1]. Estes aços não conduzem corrente elétrica,
mas, fluxo magnético, que circula no interior do material. Os aços elétricos se diferenciam
dos outros tipos de aços por possuírem silício em sua composição. O aço ao silício é uma liga
de ferro e carbono contendo o silício como principal elemento de liga [55].
Os aços planos siliciosos são classificados em GO e de GNO. Estes são aços ligados a
aplicações elétricas uma vez que a presença do silício na sua composição química, aliada ao
rígido controle de processo em todas as suas etapas de produção, garantes ótimas
propriedades magnéticas.
Os aços elétricos de grão não-orientado foram desenvolvidos pelo metalúrgico inglês
Robert Hadfield em 1900 [52] e logo se tornaram os materiais preferidos para fabricação de
transformadores, motores e geradores [11].
Para a classificação de GO e GNO, torna-se útil o conceito de grão. Um grão constitui-
se de uma região, em uma dada amostra, em que os cristais formadores da rede estão
orientados e posicionados da mesma forma.
A principal diferença entre os aços GO e GNO está nesta estrutura cristalográfica de
ambos [55]. O aço ao silício GO apresenta uma textura pronunciada, chamada textura de
Goss, cujos cristais apresentam a direção de mais fácil magnetização como a direção [001],
que corresponde à aresta do cubo paralela à direção de laminação, e o plano diagonal do cubo
(110) paralelo ao plano da chapa. Esta característica do GO lhe confere excelentes
propriedades magnéticas na direção de laminação da chapa e o torna adequado para uso em
núcleos estáticos, onde o fluxo magnético coincide com a direção de laminação, como no caso
dos transformadores [1]. O aço GNO não apresenta uma textura pronunciada, ou seja, há uma
dispersão na orientação dos grãos, e tem os valores das propriedades magnéticas parecidas em
todas as direções do plano da chapa, o que o faz adequado para aplicações que exigem
isotropia das propriedades magnéticas ao longo do plano da chapa, onde o fluxo magnético
muda de direção, tais como motores elétricos e geradores de energia. Resumindo, aços GO
possuem as propriedades magnéticas otimizadas na direção de sua laminação, enquanto os
aços GNO apresentam boas propriedades em qualquer direção considerada [1].
No caso das amostras estudadas neste trabalho, a nomenclatura GNO é errônea, pois,
na verdade, esses aços também apresentam textura. De acordo com a anisotropia de
propriedades magnéticas em função das diferentes direções cristalográficas, sabe-se qual seria
a textura teórica ideal para este tipo de aplicação. O ideal seria dispor de materiais com
textura do tipo (100)[0vw], ou seja, todos os grãos com planos 100 paralelos à superfície da
chapa e direções <0vw> presentes em todas as direções no plano da chapa. Essa orientação
58
também é conhecida como fibra <100> paralela à direção normal da chapa. Entretanto, os
aços hoje disponíveis não têm essa textura, pois ainda não foi descoberto um processo
comercial que produza a textura ideal [55].
No caso de materiais texturizados, como os aços elétricos de grão não-orientado
estudados neste trabalho, todas as propriedades constituem-se de uma média das contribuições
de todos os grãos. A textura, por exemplo, pode ser representada através de uma função de
distribuição de orientações [70]. É conhecido que existe uma relação direta entre a textura e
perdas de energia e permeabilidade, mas esta correlação é apenas estabelecida empiricamente.
Os grãos e o contorno dos grãos têm papel fundamental nos processos de
magnetização dos materiais magnéticos macios, uma vez que eles representam
descontinuidades magnética e estrutural atuando como fonte de pólos magnéticos livres e
centros de aprisionamento de paredes de domínio [7]. Porém, até hoje, uma interpretação
coerente dos mecanismos físicos envolvendo a interação das paredes de domínios com o
contorno dos grãos não foi desenvolvida.
Os aços GNO são classificados em três tipos com relação ao processamento: aços
totalmente processados, onde as propriedades magnéticas dos aços são desenvolvidas e/ou
alteradas completamente pelo fabricante. Na maioria de suas aplicações, ele pode ser utilizado
sem qualquer tratamento posterior. Possui excelente valor de permeabilidade em altas
induções e baixo valor médio de perdas magnéticas; aços semi-processados, que são aços ao
silício onde as propriedades magnéticas devem ser desenvolvidas pelo usuário através de um
tratamento térmico de recozimento. São processados para ter grande crescimento de grão
neste recozimento; e por último, aços não processados, são os aços tipo ABNT 1006/1008 de
qualidade comercial. Com tratamento térmico de descarbonetação e crescimento de grão é
possível obter redução de cerca de 50% nas perdas magnéticas. Mesmo com o tratamento
térmico adequado as propriedades magnéticas não são tão boas quando comparadas aos semi-
processados em função da composição química diferenciada. São os aços de mais baixo custo
[55].
As propriedades úteis nos aços elétricos de grão não-orientado são dependentes de
vários parâmetros tais como a composição da liga, as impurezas constituintes, o tamanho de
grão e a textura. Todos estes parâmetros são resultados do processo de fabricação [19].
59
4.2 As perdas magnéticas em aços
O tema das perdas magnéticas em dispositivos como motores e geradores projetados
com aços elétricos GNO, onde o campo magnético é aplicado em diferentes direções em
relação à RD, em comparação com transformadores fabricados com aços elétricos GO, onde o
campo magnético é aplicado em apenas uma direção, é muito mais complexo pois as
condições de magnetização são muito mais complicadas [11].
Como o material magnético é sujeito a um campo magnético com amplitude e direção
que variam no tempo, as paredes de domínio ficam se movendo para frente e para trás
enquanto o campo faz uma revolução completa. Mesmo neste caso, saltos Barkhausen
ocorrerão gerando micro-correntes de Foucault e perdas por aquecimento Joule. A soma
destas perdas para uma revolução é dada pela perda rotacional, que no caso geral, incluirá as
perdas devido a rotações irreversíveis do vetor magnetização [11].
No caso dos aços elétricos, o valor das perdas magnéticas depende de características
eletromagnéticas do ensaio tais como indução máxima e freqüência de excitação; de
características físicas da amostra tais como espessura, orientação da amostra em relação à
direção de laminação, resistividade elétrica e densidade; e características estruturais do
material como densidade de discordâncias, tamanho de grão, textura, distribuição de tamanho
de inclusões e precipitados.
Para os aços elétricos, assim como para todos os materiais ferromagnéticos, as perdas
crescem com o aumento da indução máxima e da freqüência. A figura 4.1 mostra o
comportamento da energia dissipada por ciclo de histerese em um aço ao silício. Observa-se
claramente que quanto maior a indução atingida, maior é parcela das perdas.
figura 4.1: Efeito de Bm na energia dissipada por ciclo em aços ao silício. Retirada da referência [14, 56].
60
É observado que através de muitos resultados experimentais que a porcentagem de Si,
o tamanho de grão, a densidade de impurezas e a textura influenciam no valor das perdas
totais.
No caso dos aços, o efeito da composição química sobre as perdas é muito importante
uma vez que as principais classes de aços elétricos de grão não-orientado são diferenciadas
basicamente pelo seu teor de silício, alumínio e fósforo. A adição desses elementos diminui a
indução de saturação e a permeabilidade e aumenta a dureza e a resistividade elétrica dos aços
[9]. Esta última, por sua vez, tem um efeito muito importante sobre a diminuição das perdas
parasitas e anômalas. A adição do silício, por exemplo, ao ferro altera as propriedades
elétricas, magnéticas e mecânicas do aço. Aumenta sua resistividade elétrica e diminuiu a
anisotropia. Isto é de grande interesse, pois, com o aumento da resistividade elétrica, as
correntes de Foucault geradas pela variação com campo magnético diminuem, e com a
diminuição da anisotropia, como estes materiais são utilizados em equipamentos em que um
campo magnético variável é aplicado em várias direções, este pode ser aplicado em qualquer
direção sem ocorrerem grandes diferenças. Porém, a adição do silício diminui a indução do
material, ou seja, o material satura em um menor valor, além de deixar o material quebradiço,
tornando-se um problema para atividades que exigem a laminação do material.
O tamanho de grão corresponde à variável mais conhecida e importante no controle do
valor das perdas magnéticas totais. Tem-se que um aumento no tamanho de grão 15 e 50 µm
reduz as perdas magnéticas totais. Um mínimo no valor das perdas ocorre quando o tamanho
de grão for de 150 µm. Porém, com tamanhos de grãos acima de 150 µm, o valor das perdas
passa a aumentar. A existência de um tamanho de grão ótimo está ligada ao fato de que,
apesar das perdas histeréticas serem continuamente reduzidas com o aumento do tamanho de
grão, as perdas anômalas crescem. Deste modo, a soma das duas resulta em um valor mínimo
quando o tamanho de grão estiver em torno de 150 µm [68].
As impurezas como o carbono, enxofre, nitrogênio e oxigênio têm forte influência no
valor das perdas essencialmente por serem responsáveis pela formação de centros de
aprisionamento de paredes de domínio [52].
A espessura da chapa tem efeito direto sobre as perdas parasitas, como mostrado
anteriormente. Porém, é interessante notar que o efeito absoluto da espessura depende muito
da resistividade elétrica do aço [9].
61
A deformação plástica, mesmo que em pequenas quantidades, aumenta o valor das
perdas, pois introduz defeitos cristalinos e tensões elásticas. Neste ponto, está contido também
o efeito de tensões elásticas aplicadas ao material.
O efeito da textura nas perdas é bastante forte. No caso extremo, do aço de grão
orientado, as perdas a 1.5 T e 60 Hz são da ordem de 1 W/kg na direção de laminação e de 4.5
W/kg na direção transversal. No caso dos aços GNO, o efeito da textura também pode ser
examinado comparando as perdas na direção de laminação e na direção transversal. As perdas
na transversal são sempre maiores que as perdas na longitudinal. Além, nota-se que a maior
parte da anisotropia das perdas totais está concentrada nas perdas histeréticas. Estas diferenças
devido à textura ocorrem, pois, como já citado, a textura é a principal responsável pelo
aparecimento de anisotropias nos aços elétricos [3]. Sendo assim, havendo esta anisotropia, os
processos de magnetização serão dependentes da direção que o campo magnético for
aplicado.
Honda et. al. [71] mostraram que, para maior parte dos aços elétricos, as propriedades
magnéticas são piores quando medidas em 55° em relação à RD. Este comportamento angular
das propriedades magnéticas dos aços elétricos de grão não-orientado é geralmente atribuído à
textura cristalográfica, ou seja, à ocorrência de uma significante componente (110)[001].
A figura 4.3 mostra o comportamento angular das perdas totais e das componentes
histerética, parasita e em excesso. Através desta figura, pode-se observar que a anisotropia das
perdas totais é originada principalmente a partir da anisotropia das perdas histeréticas.
0 20 40 60 80 1001.0
1.5
2.0
2.5
3.0
3.5
Panômala
Pparasita
PHisterética
Ptotal
θθθθ (o)
Ptotal , Phisterética (W/kg)
0.6
0.8
1.0
1.2
1.4
1.6
Pparasita , Pem excesso (W/kg)
figura 4.2: Variação angular das perdas totais e da componente histerética, por corrente de Foucault e em excesso medida em 1.5 T e 60 Hz ara o aços FeSi3.2%. Retirada da referência [18].
62
De fato, de acordo com Landgraf et. al. [3, 4, 5, 18, 68], as perdas nos aços elétricos
de grão não-orientado classe E110 produzidos pela ACESITA são muito dependentes da
textura. A figura 4.3 mostra o comportamento da componente de alta indução e baixa indução
das perdas histeréticas, de acordo com o método gráfico de divisão das perdas, em função do
ângulo em relação à RD.
0 20 40 60 80 100
0.0
0.1
0.2
0.3
0.4
Perdas em alta indução
Perdas em baixa indução
Perdas (W/kg)
θθθθ (o)
figura 4.3: Comportamento angular da componente de perda histerética para alta indução (PHAI) e baixa indução (PHBI) de acordo com a separação citada na seção 3.4.2. Retirada da referência [18].
Os gráficos acima apresentam as perdas em função do ângulo de corte observadas nos
aços elétricos de grão não-orientado estudados nesta dissertação. Nota-se, facilmente que, as
perdas são fortemente dependentes do ângulo de aplicação do campo magnético e medição
das perdas em relação à direção de laminação. Neste fato, está implícito que os processos de
magnetização que ocorrem ao longo da curva de histerese apresentam uma dependência com
θ, devido à textura.
63
5 PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
Neste capítulo são descritos os sistemas experimentais e métodos de medida e
tratamento de dados utilizados para o estudo dos processos de magnetização em aços elétricos
de grão não-orientado.
5.1 Amostras
Neste trabalho, foram estudados aços elétricos de grão não-orientado FeSi3.2% classe
E110 produzidos pela empresa ACESITA (Aços Especiais Itabira). Estes aços, apesar de
serem classificados como de grão não-orientado, na verdade apresentam uma componente
relativamente pronunciada de textura (110)[001] orientada na RD. A textura foi determinada
por difração de elétrons retroespalhados (EBSD) pela ACESITA.
Este aço apresenta alta permeabilidade e baixa remanência, como será observado
através das curvas de magnetização, e a indução de saturação é de aproximadamente 1.5 T.
Estas características fazem deste aço um ótimo material para ser utilizado em aplicações
magnéticas.
De acordo com informações fornecidas pela ACESITA [72], estes aços possuem as
seguintes características, como mostram as tabela 5.1 e tabela 5.2.
Perdas magnéticas máximas a 50 Hz e 1 T 1.1 W/kg
Perdas magnéticas máximas a 60 Hz e 1 T 1.4 W/kg
Perdas magnéticas máximas a 50 Hz e 1.5 T 2.7 W/kg
Perdas magnéticas máximas a 60 Hz e 1.5 T 3.45 W/kg
Indução magnética mínima B2500 1.49 T
Indução magnética mínima B5000 1.6 T
Indução magnética mínima B10000 1.71 T
Envelhecimento magnético máximo 5 %
Densidade assumida 7.6 g/cm3
Fator de empilhamento mínimo 97 %
Índice de dobramento mínimo 3
tabela 5.1: Especificações garantidas fornecidas pela ACESITA [72].
64
Perdas magnéticas máximas a 50 Hz e 1 T 1.01 W/kg
Perdas magnéticas máximas a 60 Hz e 1 T 1.3 W/kg
Perdas magnéticas máximas a 50 Hz e 1.5 T 2.51 W/kg
Perdas magnéticas máximas a 60 Hz e 1.5 T 3.23 W/kg
Indução magnética mínima B2500 1.54 T
Indução magnética mínima B5000 1.63 T
Indução magnética mínima B10000 1.75 T
tabela 5.2: Características magnéticas típicas fornecidas pela ACESITA [72].
Segundo a referência [73], as amostras estudadas apresentam resistividade elétrica de
55.3 µΩ.cm, quantidade de Si + Al igual a 3.85% e tamanho de grão de 130 µm. Assim como
já citado anteriormente, estas amostras apresentam o comportamento típico dos aços elétricos
de grão orientado, com os piores valores nas propriedades magnéticas em torno de 55°. A
figura 5.1 mostra a microestrutura do aço estudado nesta dissertação, onde se pode observar o
contorno dos grãos.
figura 5.1: Microestrutura mostrando o contorno dos grãos aços elétricos de grão não-orientado FeSi3.2% classe E110. Retirada da referência [73]
Para a realização do estudo, foram cortadas amostras com o eixo principal a diferentes
ângulos θ iguais a 0°, 10°, 20°, 30°, 40°, 50°, 60°, 70°, 80° e 90° com relação à RD, definida
durante o processo de fabricação. A figura 5.2 apresenta a definição do ângulo de corte θ para
as amostras estudadas. O corte das amostras foi realizado através de fotocorrosão [74]. Com
isto, garantem-se poucos danos nas bordas da amostra, reduzindo eventuais distorções na
estrutura de domínios.
65
figura 5.2: Geometria das amostras com relação aos eixos cristalográficos.
Dois conjuntos de amostras foram utilizados. Para as curvas de magnetização e
medidas de ruído Barkhausen, foi utilizado um conjunto nas quais as amostras têm dimensões
de 30 × 1 × 0.5 mm3. E para as medidas de magnetostricção, o conjunto é composto por
amostras de dimensões de 30 × 3 × 0.5 mm3.
5.2 Medidas de Magnetização
O dispositivo utilizado para medir a magnetização das amostras é o magnetômetro de
amostra vibrante (VSM). Este tipo de magnetômetro, desenvolvido no final da década de 50
por S. Foner [75, 76, 77], combinou avanços de métodos magnetométricos e indutivos
estáticos e é, atualmente, o sistema mais difundido para obtenção de características
magnéticas nos laboratórios, sendo um instrumento muito sensível para medidas de momentos
magnéticos. O seu princípio de funcionamento está baseado na Lei de Faraday-Lenz, ou seja,
na detecção de uma força eletromotriz produzida em uma bobina por um fluxo magnético
variável devido ao movimento da amostra. A amostra é colocada na extremidade de uma haste
não magnética, fixada em um atuador eletromecânico, semelhante a um alto-falante, que lhe
confere um movimento vibratório harmônico, através da vibração perpendicular à direção de
um campo magnético constante. Sobre as peças polares do eletroímã são colocadas quatro
bobinas sensoras, duas sobre cada pólo, de acordo com a configuração de Mallinson [75].
Esta configuração exige que as bobinas, sobre cada peça polar, estejam em oposição de fase.
O sinal de tensão captado nas bobinas sensoras, proporcional a magnetização da amostra, é
lida por um amplificador lock-in em fase com a freqüência de excitação de movimento da
66
amostra. Este arranjo é insensível a campos estáticos de qualquer geometria e, deste modo,
campos intensos podem ser aplicados sem efeitos adversos. A sensibilidade deste método é
limitada principalmente pelo ruído mecânico transmitido do atuador eletromecânico para as
bobinas sensoras. E como a magnetização da amostra é estática no VSM, então nenhum efeito
de correntes de Foucault é considerado.
A caracterização magnética das amostras estudadas foi realizada utilizando-se um
VSM presente no LMMM. O sinal de tensão aplicado no atuador eletromecânico é fornecido
por uma fonte de corrente, controlada por um amplificador lock-in Stanford Modelo SR830.
O mesmo lock-in controla uma fonte de corrente, que fornece ± 12 A a um eletroímã
comercial GMW Magneto System 5403, que é responsável pelo campo magnético aplicado ao
longo do eixo principal das amostras. O campo aplicado, durante toda a medida, é medido por
um sensor Hall modelo Globalmag TMAG-01T.
O sinal de campo é lido pela entrada auxiliar do lock-in e convertido em valor de
campo. O lock-in é conectado ao computador através de uma interface GPIB. Para o controle
e monitoramento do experimento, um programa foi desenvolvido na plataforma Agilent VEE.
No intuito de determinar o valor real da magnetização do material a ser estudado,
calibra-se o VSM, adquirindo-se uma curva de magnetização para uma amostra de níquel, que
possui magnetização de saturação conhecida, do mesmo tamanho e forma da amostra
estudada. Deste modo, obtém-se um valor de referência para o sistema.
Neste trabalho, todas as curvas de magnetização foram obtidas a temperatura ambiente
e com campos máximos iguais a 2000 Oe.
Na figura 5.3, um esquema de um magnetômetro de amostra vibrante é apresentado.
figura 5.3: Magnetômetro de amostra vibrante.
N S
H
Bobinas sensoras
Amostra
Atuador eletromecânico
Peças polares
67
5.3 Medidas de Indução
Para a obtenção das curvas de indução dos aços, foi utilizado um fluxímetro. Neste
sistema, uma bobina sensora é enrolada na região central da amostra em estudo e o sistema
amostra mais bobina é colocado em um circuito magnético. Um gerador de funções, acoplado
a uma fonte de corrente, é responsável pela variação do campo no interior do circuito
magnético através de uma bobina de excitação. Devido à variação de fluxo no interior da
amostra, uma força eletromotriz é induzida nos terminais da bobina sensora. Essa força
eletromotriz induzida é dada pordt
dN
φε −= . Como o interesse está na indução magnética da
amostra, que é proporcional ao fluxo magnético, integra-se o sinal detectado na bobina
sensora através de um integrador analógico ou por integração numérica [54]. O sinal é lido
por um osciloscópio digital Tektronix TDS320 com interface via GPIB a um computador. O
software de aquisição foi desenvolvido na plataforma Agilent VEE.
As curvas de indução não são apresentadas nesta dissertação, pois foram obtidas
apenas com o objetivo de expressar os resultados de ruído Barkhausen e magnetostricção
como função da indução. As curvas de indução utilizadas para expressar os resultados de
ruído Barkhausen foram obtidas no sistema Barkhausen enquanto que as curvas utilizadas
para expressar as medidas de magnetostricção foram adquiridas em um sistema adaptado ao
eletroímã. Esta distinção teve que ser feita, pois foram utilizadas diferentes amplitudes
máximas de campo magnético nas medidas de ruído Barkhausen e magnetostricção.
5.4 Ruído Barkhausen
Tendo como base o artigo original de H. Barkhausen [6], os experimentos para medida
do ruído Barkhausen são caracterizados pela indução de uma mudança de fluxo magnético em
uma bobina sensora em resposta a uma lenta variação do campo externo. A regularidade da
variação do campo aplicado contrasta com o caráter irregular dos pulsos, que são o resultado
do movimento complicado das paredes de domínios.
68
Os componentes essenciais de uma medida indutiva de ruído Barkhausen consistem de
um dispositivo capaz de produzir um campo homogêneo suficiente ao longo da amostra, e
uma bobina sensora enrolada em torno da amostra para detectar o fluxo de indução.
Existem várias possibilidades para a geração de campo magnético sobre a amostra.
Pode-se trabalhar utilizando um solenóide, eletroímã, yoke ou uma bobina de Helmholtz. No
trabalho realizado, utilizou-se um solenóide pois, com este, conhece-se o valor correto do
campo aplicado sobre a amostra, tem-se um campo homogêneo aplicado sobre a amostra e,
como se trata de um circuito magnético aberto, há a presença de um campo desmagnetizante.
A presença do campo desmagnetizante aumenta as chances de se obter o valor médio de dH
dM
constante, ou seja, de haver um processo estacionário. Neste caso, um fator de
desmagnetização alto pode permitir o estudo da nucleação e evolução de novas famílias de
domínios, fato este que, possivelmente, não ocorreria em amostras maiores ou circuitos
magnéticos fechados .
A bobina sensora detecta um sinal induzido que é a soma da taxa de variação de fluxo
associada ao campo aplicado H, com a taxa de variação da magnetização do próprio material,
ou seja:
dt
dBNA
dt
dHAAN
dt
dNt amostraamostrabobina −−−=
Φ−= 0)()( µε (5.1)
onde Φ = AµoB.
Em condições experimentais mais simples, por exemplo quando um material tem
apenas dois domínios com magnetizações opostas e, portanto, apenas uma parede de domínio,
o fluxo induzido é simplesmente proporcional à velocidade da parede de domínio v, com Φ =
N(2MSdv). Porém, em um caso real as medidas indutivas detectam sempre o resultado do
movimento coletivo de muitas paredes de domínio. Uma conseqüência disso é que o sinal
medido não permite a distinção entre saltos Barkhausen únicos e a superposição espacial e/ou
temporal deles.
5.4.1 Sistema de aquisição de Ruído Barkhausen
A figura 5.4 apresenta um diagrama esquemático do sistema experimental adotado
para as medidas de ruído Barkhausen. Neste sistema, a excitação da amostra é feita por um
solenóide, com compensação nas extremidades para redução dos efeitos das bordas. Este é
69
capaz de fornecer um campo magnético iH ⋅= 260 Oe, onde i é a corrente em Ampères,
alimentado por uma fonte de corrente baseada no circuito integrado Burr-Brown OPA541.
Para melhorar a relação sinal/ruído, a fonte de corrente é alimentada por conjuntos de baterias
de 12 V que fornecem uma tensão de alimentação simétrica +/- 12V . O controle desta fonte é
feito por um gerador de funções Stanford Modelo DS345. Antes do sinal de corrente chegar
ao solenóide, ele ainda passa através de um filtro passa-baixas, com freqüência de corte
menor do que 50 Hz, de modo a diminuir os efeitos da rede externa.
O sinal do ruído é detectado por uma bobina sensora, de 5 mm de comprimento, com
aproximadamente 400 espiras de fio 44 AWG esmaltado, enrolada ao redor da região central
da amostra. Em série a esta bobina, foi colocada uma bobina idêntica, mas em contra fase,
com o objetivo de retirar o sinal captado referente ao campo magnético externo. A resistência
de cada bobina sensora é de 40 Ω.
O sinal Barkhausen, por ter amplitude muito baixa, é amplificado e condicionado por
um pré-amplificador Stanford Modelo SR560 com filtro passa-baixas ajustável. Este sinal é
digitalizado ou por um osciloscópio digital Tektronix Modelo TDS320, com taxa de aquisição
ajustável até 500 MBps e resolução de 8 bits, conectado ao computador de controle por uma
interface GPIB (IEEE488). O processamento digital do sinal é feito por um programa
desenvolvido na plataforma Agilent VEE.
figura 5.4: Esquema do sistema de medida do ruído Barkhausen.
Gerador de funções
Amplificador de baixo ruído
Filtro passa-baixas
Pré-amplificador
Filtro passa-baixas
Osciloscópio
Computador
Suporte para amostra
Amostra
Bobina de campo
Bobinas sensoras
70
Como o sistema presente no laboratório não possui resolução suficiente para adquirir o
ruído Barkhausen ao longo de meio ciclo de histerese em uma única aquisição, o
procedimento desenvolvido foi de dividir o meio ciclo de histerese em N intervalos de
tempos iguais. A amostra é levada a excursionar seu laço de histerese com valores máximos
de campo magnético definido e, a um dado valor de campo determinado pelo operador, é
enviado um sinal de disparo para o osciloscópio, iniciando a aquisição. Este valor de campo
pré-ajustado é chamado de trigger do osciloscópio, como mostra a figura 5.5.
-16 -8 0 8 16
-2
-1
0
1
2
Htrigger
H(kA/m)
B(T)
0.00 0.05 0.10 0.15 0.20
-d
φ/dt (µV)
t(s)
0.00 0.05 0.10 0.15 0.20
t(s)
figura 5.5: Exemplo de curva de histerese onde é indicado o campo de trigger e o intervalo onde são adquiridos os dados de ruído. O gráfico interno inferior mostra uma série temporal típica. O gráfico interno superior mostra os saltos correspondentes na indução da amostra.
Sendo assim, o programa desenvolvido faz com que, para cada ciclo de histerese, com
o mesmo valor de campo de trigger, seja dado um delay no osciloscópio para que a aquisição
dos dados seja realizada. Em cada ciclo de histerese, com um delay diferente, é adquirida uma
série temporal de ruído Barkhausen com 1000 pontos que corresponde a uma parte da curva.
O valor do delay para cada aquisição é dado através da seguinte expressão:
=20
T
N
ndelay (5.2)
71
onde n é o número da aquisição, No é o número total de aquisições, ou seja, em quantas vezes
o meio ciclo de histerese foi dividido, e T é o período do campo magnético externo.
Para todas as amostras, as medidas foram realizadas com um campo magnético de
freqüência igual a 50 mHz, amplitude máxima de 520 Oe, 2 A de corrente máxima na bobina
de excitação, e forma de onda triangular. O campo foi aplicado ao longo do eixo principal da
amostra.
A figura 5.5 apresenta a variação temporal do fluxo magnético (dφ/dt) detectado por
uma bobina sensora em função do tempo enquanto a amostra é excitada por um campo de
freqüência de 50 mHz, com amplitude máxima de 520 Oe e forma de onda triangular.
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
0
1
2
3
dφφ φφ /dt x 10-6 (V)
t (s)
figura 5.6: Série temporal de ruído Barkhausen obtida em uma amostra de 0° com freqüência de excitação de 50 mHz.
Várias medidas em meio ciclo de histerese foram realizadas e, nestas, observou-se que
o ruído Barkhausen é relevante somente região central do ciclo de histerese, ou seja, em torno
do campo coercivo. Deste modo, como as medidas são relativamente demoradas, a aquisição
do sinal Barkhausen foi realizada somente em torno do campo coercivo.
Para cada amostra foram realizadas 50 medidas do ruído Barkhausen nos 2 segundos
em torno do campo coercivo. Cada medida foi dividida em 20 partes, correspondendo a 100
ms para cada aquisição, ou seja, a escala de tempo no osciloscópio utilizada foi de 5 ms.
Sendo assim, a taxa de amostragem utilizada foi de 100 kS/s no osciloscópio e freqüência de
corte de 30 kHz e 6 dB/oitava no filtro passa baixa. O ganho no pré-amplificador utilizado foi
de 500.
72
Estes valores obedecem o que estabelece o teorema da amostragem, segundo o qual se
um conjunto de dados é amostrado com um intervalo ∆n entre pontos consecutivos, a
transformada de Fourier discreta deste conjunto de dados só tem significado físico dentro do
intervalo de freqüências dado por [41]:
cff < (5.3)
onde n
fc ∆≡2
1 é chamada de freqüência crítica de Nyquist. Qualquer componente fora desse
intervalo de freqüências é falsamente transladado para dentro do mesmo, contribuindo com
componentes indesejadas no espectro de potência. Para satisfazer este critério e evitar as
componentes indesejadas, é necessário filtrar as freqüências maiores que a freqüência de
Nyquist. Isto é feito usando-se o filtro passa-baixas do pré-amplificador, que corta freqüências
maiores que a metade da freqüência de amostragem. No caso do presente trabalho, a
freqüência de Nyquist foi de 50 kHz. [41]
A partir dos dados digitalizados, podem ser extraídas várias funções estatísticas tais
como espectros de potência, distribuição de área, tempo e amplitude dos saltos Barkhausen.
Porém, neste trabalho, foi obtido somente o valor médio quadrático (Vrms) do ruído, que é um
parâmetro que indica o nível de atividade Barkhausen no material.
5.4.2 Tratamento do ruído
Para o tratamento do sinal e, conseqüente, obtenção do Vrms do ruído, foram
desenvolvidas duas rotinas na plataforma Agilent VEE. A figura 5.7 mostra uma série
temporal de ruído Barkhausen com adquirida. Em cada uma das 50 séries temporais
adquiridas para cada amostra, foi realizado o processo de smoothing. Para isto, foi
desenvolvida uma rotina que realiza o smoothing e subtrai a linha adquirida do sinal do ruído
de modo a ter como resultado apenas o sinal de ruído propriamente dito, sem a linha base. A
figura 5.8 mostra uma série temporal de ruído Barkhausen como adquirida e o respectivo
smoothing realizado. A figura 5.9 mostra a curva de ruído já com o smoothing subtraído. É
esta última curva que será utilizada para o cálculo do Vrms.
73
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0
0
1
2
3 dφφφφ/dt
dφφ φφ/dt x 10-6 (V)
t (s)
figura 5.7: Série temporal de ruído Barkhausen adquirida.
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0
0
1
2
3 dφφφφ/dt smoothing
dφφ φφ /dt x 10-6 (V)
t (s)
figura 5.8: Série temporal de ruído Barkhausen adquirida (linha preta) e smoothing (linha vermelha).
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0-0.75
-0.50
-0.25
0.00
0.25
0.50
0.75
1.00
1.25
dφφ φφ/dt x 10-6 (V)
t (s)
figura 5.9: Curva final obtida após a subtração da linha base.
74
No intuito de quantificar a intensidade do ruído Barkhausen, então, calcula-se o Vrms
da voltagem, definido pela expressão:
( )2/1
1
21
= ∑
=
N
iirms V
NV (5.4)
onde, N é o número total de pontos por amostragem. Como em cada amostra foram realizadas
50 medidas de ruído Barkhausen e, para cada uma foi calculado o Vrms, tem-se que o valor
efetivo é uma simples média aritmética sobre as 50 amostragens. Para o cálculo do Vrms e a
realização da média aritmética foi desenvolvida uma rotina na plataforma Agilent VEE. A
figura 5.10 mostra o Vrms em função do tempo obtido a partir da curva apresentada na figura
5.9.
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0
0.0
0.2
0.4
0.6
0.8
1.0
1.2
Vrms
Vrm
s x 10-7 (V)
t (s)
figura 5.10: Vrms como uma função do tempo.
5.5 Magnetostricção
5.5.1 Sistema de aquisição das curvas de magnetostricção
As medidas de magnetostricção foram realizadas pela técnica de strain gauges,
explicada na seção 3.3.3 acima. A figura 5.11 mostra um esquema do sistema experimental
utilizado para as medidas de magnetostricção.
75
figura 5.11: Esquema do sistema de medida de magnetostricção.
Neste sistema, o sinal de voltagem proporcional à variação da resistência do strain
gauge e ao alongamento do material foi medido usando uma ponte de Wheatstone com quatro
resistores, na qual um destes resistores é o strain gauge, conectada a um amplificador lock-in
Stanford Modelo SR830. O mesmo lock-in controla uma fonte de corrente, que fornece ± 12
A a um eletroímã comercial GMW Magneto System 5403, que é responsável pelo campo
magnético aplicado ao longo do eixo principal das amostras. O campo aplicado, durante toda
a medida, é medido por um sensor Hall modelo Globalmag TMAG-01T. Um programa
desenvolvido por A. Gündel na plataforma Agilent VEE controla e monitora o experimento.
Todas as medidas foram realizadas com um campo magnético estático com amplitude
máxima de 2000 Oe. O campo foi aplicado ao longo do eixo principal da amostra. Para cada
amostra foram realizadas várias medidas uma vez que o sistema é muito sensível a ruídos
externos. Cada medida corresponde a meio ciclo de magnetização de –Bm a Bm. Medidas no
ciclo completo não foram realizadas, pois o sistema não possui resolução para observar
histerese.
Duas configurações de medidas foram realizadas: longitudinal e transversal. Em uma
medida longitudinal, o strain gauge é colado paralelamente ao eixo principal da amostra. Na
medida transversal, o strain gauge é colado em um ângulo de 90o com relação ao eixo
principal da amostra. Em ambos os casos, o campo magnético é aplicado ao longo do eixo
principal da amostra. A figura 5.12 exemplifica as duas configurações usadas neste trabalho.
Fonte de corrente
Amplificador Lock-in
Ponte de Wheatstone
H Sensor Hall
Eletroímã
Amostra + Strain gauge
Voltímetro
Computador
76
figura 5.12: Configurações dos strain gauges: (a) longitudinal e (b) transversal.
5.5.2 Colagem de strain gauge
Para todas as medidas de magnetostricção, foram utilizados strain gauges modelo
062BG de constantan produzidos pela empresa Excel Sensores Ind. Com. E Exportação Ltda,
com resistência de 350 Ω, fator de gauge de 2.1 ± 0.05 e dimensões para grelha de (a) 1.57 x
(b) 1.27 mm2 e totais de (c) 2.79 x (d) 1.27 mm2, de acordo com a figura 5.13, montados
como um braço de uma ponte de Wheatstone com os outros três braços consistindo de três
resistores de 350 Ω cada. A voltagem de excitação para a ponte de Wheatstone fornecida pelo
lock-in foi de 2.5 V.
figura 5.13: Dimensões do strain gauge. (a) Comprimento da gralha, (b) comprimento total do strain gauge, (c) largura da grelha, (d) largura total do strain gauge.
Com o objetivo de identificar os efeitos externos de temperatura e campo magnético
aplicado sobre o strain gauge, realizou-se o procedimento de colagem sobre uma amostra de
cobre, com as mesmas dimensões das amostras estudadas. Nenhuma variação de resistência
foi observada. Sendo assim, tem-se que as variações de resistência observadas são associadas
somente a variações dimensionais da amostra.
Uma etapa crítica do processo para realizar as medidas de magnetostricção é a
colagem dos strain gauges, pois, se conduzida de forma incorreta, pode comprometer os
77
resultados obtidos. O objetivo é o strain gauge reproduzir fielmente todas as deformações da
superfície da peça. Para, tanto, a primeira condição é o strain gauge estar firmemente aderido
a esta superfície, durante todo o tempo em que durar a medida. A preparação foi realizada
com cuidado para evitar contaminação da amostra e do strain gauge. Toda a manipulação foi
feita com pinça, isso porque os strain gauges são fabricados, limpos e embalados em
ambientes controlados. Os materiais usados na limpeza da superfície, tais como algodão
hidrófilo e papeis absorventes, são de alta pureza e os produtos químicos são da classe PA.
Na primeira etapa, lixa-se a amostra com lixas d’água com diferentes graduações ou
granulometrias, partindo das mais grossas, lixa de 400, até as mais finas, de 600, com o
objetivo de retirar as impurezas mais grosseiras. Após essa etapa, se limpa a superfície com
acetona para a remoção de contaminantes.
Para a colagem do strain gauge, utiliza-se um adesivo, à base de Epoxi KBR-610. Usa-
se fita adesiva com 12 mm de largura para auxiliar na manipulação, transferência e
posicionamento dos strain gauges. Uma almofada de borracha de silicone 40 × 40 mm2
permite uma uniformização na distribuição da pressão aplicada sobre o strain gauge e uma
película de teflon isola o contato do adesivo com o que não deve ser colado, quando o adesivo
se espalhar pela pressão exercida. Todo o material utilizado foi produzido pela empresa Excel
Sensores Ind. Com. E Exportação Ltda. O strain gauge, através de uma fita, fica preso à
superfície da amostra por apenas um de seus lados, como se fosse a página de um livro.
Então, levantando-se o strain gauge, como se fosse virar a página do livro, aplica-se o adesivo
a base de Epóxi na superfície da amostra e do lado inferior do strain gauge. Com uma película
de teflon por sobre o strain gauge, este é virado e encostado na amostra com a pressão dos
dedos. Sobre o teflon coloca-se uma almofada de borracha de silicone, que é presa sobre a
amostra utilizando um suporte, desenvolvido do LMMM, conforme mostra a figura a seguir.
figura 5.14: Suporte utilizado na colagem do strain gauge na amostra.
78
Com o suporte, aplica-se pressão de 1 a 5 kg/mm2.. As duas partes, suporte mais
amostra com strain gauge, são levadas para cura em um forno a temperatura de
aproximadamente 150°C por 2 horas. Após o processo de cura, retira-se a almofada de
borracha de silicone e a película de teflon e, com uma pinça, remove-se a fita adesiva.
79
6 RESULTADOS
Neste capítulo são apresentados e discutidos os resultados das medidas de
magnetização, indução, ruído Barkhausen e magnetostricção em aços elétricos de grão não-
orientado FeSi3.2% classe E110 produzidos pela ACESITA. Paralelamente à apresentação dos
resultados são identificados os mecanismos de magnetização que podem ser medidos por cada
uma das técnicas. Em seguida é realizada uma análise dos processos de magnetização como
um todo através da combinação dos resultados, relacionando o mecanismo de magnetização
com o nível de indução B, o ângulo θ e a evolução da estrutura de domínios.
6.1 Curvas de magnetização
As curvas de magnetização em função do campo aplicado foram adquiridas utilizando-
se um magnetômetro de amostra vibrante. A figura 6.1 mostra as curvas de magnetização em
função do campo magnético externo e as curvas de magnetização em função do campo
efetivo, calculado de acordo com a equação 2.18. Não foi possível realizar a calibração do
VSM devido à dimensão das amostras. O valor da magnetização de saturação foi obtido
através do conhecido valor da indução de saturação do material utilizando a expressão B = µo
(H + M).
De acordo com as curvas de magnetização em função do campo efetivo, as amostras
apresentaram um valor de magnetização de saturação de aproximadamente 12.943 x 103 G =
1.03 x 106 A/m. Fica claro que este aço possui uma alta permeabilidade, como era esperado.
O valor de magnetização de remanência médio é de aproximadamente 7288.5 G = 580 x 103
A/m. O campo coercivo é baixo. O valor médio para o campo coercivo em torno de 6 Oe =
471.6 A/m. Não foi possível estabelecer um valor preciso do campo coercivo para cada
amostra, pois o sistema utilizado não apresenta resolução e sensibilidade de campo. O campo
de saturação é de aproximadamente 1000 Oe.
Observa-se que as curvas de magnetização não apresentam diferenças observáveis em
função do ângulo de corte. Isto se deve ao fato que a curva de magnetização é um resultado da
combinação dos efeitos de todos os mecanismos de magnetização que estão ocorrendo, não
fazendo distinção como a magnetostricção, que não é sensível ao movimento de paredes de
180°.
80
-1.2
-0.6
0.0
0.6
1.2
0°
50°
-1.2
-0.6
0.0
0.6
1.2
10°
60°
-1.2
-0.6
0.0
0.6
1.2
4ππ ππM
x 104 (G)
20°
70°
-1.2
-0.6
0.0
0.6
1.2
30°
80°
-1000 0 1000
-1.2
-0.6
0.0
0.6
1.2
40°
-1000 0 1000
H (Oe)
90°
figura 6.1: Curvas de magnetização das amostras de 0°, 10°, 20°, 30°, 40°, 50°, 60°, 70°, 80° e 90°. Linhas pretas indicam as curvas de magnetização como em função do campo externo. Linhas vermelhas indicam as curvas de magnetização em função do campo efetivo.
81
6.2 Curva de indução
A figura 6.2 apresenta uma a curva de indução típica em função do campo magnético
aplicado. Neste caso, é mostrada a curva para a amostra de 0°. A curva foi obtida pelo método
fluxométrico. Esta é uma típica curva dos aços elétricos GNO estudados. As curvas de
indução para as outras amostras, não mostradas aqui, apresentam comportamentos similares.
Além disto, as curvas de indução somente foram adquiridas com o objetivo de expressar as
medidas de ruído Barkhausen e magnetostricção em função da indução.
A indução de saturação das amostras, como pode ser visto na curva, é de
aproximadamente 1.5 x 104 GB = 1.5 T. As variações observadas nas escalas de indução para
diferentes amostras são atribuídas a variações dos campos desmagnetizantes associados a
imprecisões nas dimensões da amostra. Além disto, como todas as medidas foram realizadas
com campo magnético de freqüência e amplitude iguais e desde que cada amostra tem um
comportamento diferente no campo aplicado, o pico de indução reflete pequenas variações da
permeabilidade de acordo com o ângulo com relação à RD. E esta variação de permeabilidade
está associada à orientação dos grãos e dos eixos cristalográficos em relação ao ângulo de
corte [17, 78].
-500 -400 -300 -200 -100 0 100 200 300 400 500
-1.5
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
B x 104 (G
)
B (T)
H (Oe)
0°
-1.5
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
figura 6.2: Curvas de indução da amostra de 0°.
82
6.3 Medidas de ruído Barkhausen
A figura 6.3 apresenta a variação temporal do fluxo magnético (dφ/dt) detectado por
uma bobina sensora em função do tempo enquanto a amostra é excitada por um campo
magnético de freqüência de 50 mHz, amplitude máxima de 520 Oe e forma de onda
triangular. A aquisição ocorreu somente nos dois segundos centrais em torno de campo
coercivo. É importante notar que, mesmo adquirindo apenas 2 segundos no ciclo de histerese
do material, abrangem-se valores de indução desde –Bm a Bm, onde Bm é o valor máximo de
indução atingida.
As séries temporais medidas nas amostras de 10°, 20°, 30°, 40°, 50°, 60°, 70°, 80° e
90°, não mostradas aqui, apresentam comportamento semelhante. As medidas realizadas no
outro meio ciclo de histerese apresentam comportamento simétrico.
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0
0
1
2
3 0°
dφφ φφ/dt x 10-6 (V)
t (s)
figura 6.3: Série temporal de ruído Barkhausen obtida nos dois segundos centrais em uma amostra de 0° com freqüência de excitação de 50 mHz.
Nesta curva, observa-se uma grande quantidade de eventos Barkhausen. Além disto, o
ruído está presente em quase todas as regiões da curva de histerese, incluindo a região de alta
indução [79].
É interessante o fato de que, enquanto a amostra está sendo magnetizada a uma taxa
constante de campo, ocorrem drásticas mudanças ao longo da curva de magnetização. Isto
significa que, em diferentes níveis de indução, um mesmo aumento de campo em um dado
intervalo de tempo faz com que o processo de magnetização ocorra através de propriedades
83
estatísticas completamente diferentes. Por exemplo, um grande estado não estacionário pode
ser facilmente reconhecido pela simples observação do comportamento do ruído no
osciloscópio.
Uma investigação com o intuito de quantificar a intensidade do ruído Barkhausen foi
realizada através do cálculo do Vrms. A figura 6.4 apresenta os resultados obtidos no cálculo
do Vrms do ruído Barkhausen em função da indução como definido no capítulo anterior. Em
cada curva, a escala da indução foi mostrada para exibir o estado magnético de cada amostra.
Neste caso, as características das curvas de Vrms podem ser conectadas aos processos físicos
de magnetização do material ao longo da curva de histerese.
Em todas as medidas de ruído Barkhausen, o processo de magnetização procede de –
Bm para Bm.
A primeira característica marcante do comportamento do Vrms é a presença de dois
picos intensos em valores de indução que correspondem a pontos acima do joelho da curva.
Este fato se torna muito interessante, pois, se comparado com o ruído Barkhausen usualmente
medido em amostras ferromagnéticas, o pico de intensidade ocorre geralmente em torno do
campo coercivo e a discussão deste máximo em termos do movimento de paredes de domínio
é lógica. Por outro lado, quando grandes intensidades de Vrms são observadas na região do
joelho da curva de magnetização com menor intensidade na região do campo coercivo, a
discussão em termos da nucleação e aniquilação de domínios é lógica [80].
Esta característica do Vrms indica que a evolução da estrutura de domínios ao longo da
curva de magnetização é caracterizada por dois mecanismos diferentes.
Os dois picos observados em altos valores de indução acima do joelho da curva de
magnetização correspondem a uma impressão típica de grandes instabilidades topológicas na
estrutura de domínios do material. Estas instabilidades estão associadas com a nucleação de
domínios magnéticos e refinamento da estrutura, caracterizando o primeiro pico, e com a
aniquilação dos domínios, associado ao segundo pico.
Os processos associados à nucleação, crescimento e aniquilação de domínios são
caracterizados em média por grandes variações de fluxo magnético pois durante estes
processos, ocorrem movimentos de paredes de 90° e 180° e rotação da magnetização. Isto
significa que campos internos de acoplamento muito fortes atuam nas paredes de domínio nas
regiões onde ocorrem grandes variações da permeabilidade [81]. Bertotti [7] assume que a
aniquilação de domínios e a nucleação de domínios sejam os principais meios de dissipação
de energia acima do joelho da curva de magnetização [82, 83].
84
É notável que, para todos os ângulos em relação à RD, o primeiro pico do Vrms tem
maior amplitude do que o segundo. Uma possível explicação para esta característica é que a
nucleação e crescimento de novas estruturas de domínios geram mais atividade Barkhausen e,
conseqüentemente, mais dissipação de energia do que a aniquilação de domínios magnéticos.
Além disto, o primeiro pico é mais estreito, de modo que o processo de nucleação de
domínios seja considerado em um nível de indução mais restrito, ou seja, o refinamento da
estrutura e a nucleação de domínios ocorrem a partir de menores valores de indução.
Para todos os ângulos, as posições dos picos são aproximadamente as mesmas. O
primeiro pico apresenta pequenas variações. Porém, o segundo pico tem a sua largura
aumentada de modo que, em θ > 70°, este se transforma em um platô. Nestes ângulos, a
aniquilação ocorre em menor proporção pois os domínios orientados ao longo dos eixos
cristalográficos [100] e [010] estão favoráveis ao campo magnético.
Por outro lado, na parte central da curva do Vrms, em baixos valores de indução, o
processo de magnetização pode ser associado simplesmente ao movimento de paredes de
domínio. Correspondentemente, o valor do Vrms, neste ponto de indução em torno do campo
coercivo, é menor do que nos picos e depende fracamente do valor da indução.
Em altos valores de indução, acima de 1.2 T, o Vrms é igual a zero. Sabe-se que os
processos de magnetização como o movimento de paredes de domínios, aniquilação e
nucleação de domínios magnéticos dão origem ao sinal Barkhausen. Sendo assim, neste nível
de indução, a amostra se encontra praticamente saturada e as pequenas variações no valor da
magnetização ocorrem predominantemente por rotações irreversíveis da magnetização.
Resultados semelhantes foram obtidos em amostras de aços texturizadas por Sommer
et. al. [22]. Esta comparação é importante, pois os aços estudados são de grão não-orientado,
mas apresentam uma componente de textura. Deste modo, os mecanismos de magnetização ao
longo da curva de magnetização podem apresentar algumas semelhanças.
Uma notável diferença que existe entre os resultados obtidos nesta dissertação e os
resultados obtidos por Sommer et. al. [22] é que no Vrms obtido para os aços GNO, há
ausência do pico principal em torno de B = 0. Isto se deve ao fato de que as amostras
estudadas, na ausência de campo magnético, não apresentam uma estrutura de domínios tal
como a de aços elétricos GO formada por longos domínios separados por paredes de 180°.
Em resumo, os resultados de ruído Barkhausen e Vrms podem ser relacionados com o
movimento de paredes de domínios e a nucleação de novas estruturas de domínios e
aniquilação de domínios que são possíveis candidatos a responsáveis pela dissipação de
energia nos níveis de alta indução.
85
0
50
100
150
0°
50°
0
50
100
150
10°
60°
0
50
100
150
Vrm
s x 10-9 (V)
20°
70°
0
50
100
150
30°
80°
-1 0 1
0
50
100
150
40°
-1 0 1
B (T)
90°
figura 6.4: Valor médio quadrático ( rmsV ) do sinal Barkhausen em função da indução B para as amostras de 0°,
10°, 20°, 30°, 40°, 50°, 60°, 70°, 80° e 90°.
86
6.4 Medidas de magnetostricção
A figura 6.5 apresenta as curvas de magnetostricção estática longitudinal, detectada
utilizando um strain gauge enquanto a amostra é excitada por um campo magnético com
amplitude de 2000 Oe, em função do campo aplicado para as amostras de 0°, 10°, 20°, 30°,
40°, 50°, 60°, 70°, 80° e 90°. Assim como nas medidas de ruído Barkhausen, abrangem-se
valores de indução desde –Bm a Bm.
Estas curvas são características de uma amostra policristalina [53]. As curvas de
magnetostricção para materiais policristalinos são representadas por um rápido aumento da
magnetostricção, λ, com o aumento do campo a partir de campo zero, até que um pico seja
atingido. Em seguida, com o aumento do campo magnético, há uma gradual diminuição de λ.
O rápido aumento inicial no valor de λ ocorre devido ao movimento de paredes de 90°. Como
o aumento da intensidade do campo magnético a magnetização se orienta para direções fáceis
próximas à direção do campo magnético e, deste modo, a magnetostricção atinge seu máximo.
Um aumento maior do campo faz com que ocorra rotação da magnetização na direção do
campo aplicado e, assim, havendo uma diminuição do valor de λ [53]. Todos estes processos
estão ilustrados na figura 3.8.
No caso das amostras de aços elétricos GNO, λ medido corresponde a uma média da
contribuição dos muitos domínios de diferentes grãos.
Observa-se que as maiores variações do valor de λ ocorrem em campos muito baixos.
Porém, como as amostras apresentam alta permeabilidade, estas variações acabam
acontecendo na região de alta indução.
A figura 6.6 apresenta a magnetostricção longitudinal como uma função da indução
para todas as amostras. Em cada curva, a escala da indução foi mostrada para exibir o estado
magnético de cada amostra. Assim, as características das curvas de magnetostricção podem
ser conectadas aos processos físicos de magnetização do material ao longo da curva de
histerese.
Antes de começar qualquer descrição sobre os mecanismos associados à
magnetostricção, é importante citar que o valor da magnetostricção é o resultado da
combinação dos efeitos associados à rotação da magnetização, movimento de paredes de 90°,
nucleação e aniquilação de domínios magnéticos.
Neste trabalho, os dados de magnetostricção foram medidos a partir do estado
saturado e, deste modo, considerar-se-á o valor da magnetostricção com o material saturado
87
como zero pois, neste estado, se conhece a estrutura de domínios do material. Este é um ponto
crítico pois se poderia escolher qualquer outro ponto de indução como o zero da
magnetostricção tal como a magnetostricção em 0=B . Porém, um estado desmagnetizado
real pode ser obtido por um grande número de arranjos de domínios diferentes, ou seja, a
estrutura que resulta em um estado desmagnetizado, não é única. Isto origina uma
ambigüidade quando se define um estado com magnetostricção nula e que poderia prejudicar
a precisa avaliação experimental do valor de λ. Tal estado com 0=λ seria possível para um
material em que todos os tipos de domínios participassem com a mesma freqüência,
contribuindo com o mesmo volume. Neste caso seria definido um estado desmagnetizado
ideal com magnetostricção nula.
Todas estas curvas correspondem a meio ciclo da curva de histerese. As medidas
realizadas no outro meio ciclo são similares. Em todas as medidas de magnetostricção
realizadas, o processo de magnetização procede de –Bm para Bm.
Uma primeira característica observada do comportamento das curvas de λ(B) é a
semelhante forma apresentada para todas as amostras. Ou seja, nos mesmos pontos de
indução ocorrem os mesmos fenômenos. Porém, nota-se que a amplitude das variações é
diferente de amostra para amostra. Isto se deve ao fato de que, para amostras cortadas em um
ângulo θ em relação à RD, as frações de domínios, na ausência de campo magnético,
orientados ao longo dos eixos cristalográficos mudam. Sendo assim, quando o campo
magnético é aplicado, o comportamento da estrutura de domínios será intensamente
dependente do ângulo θ.
Dois picos no valor da magnetostricção são observados em altos valores de indução,
aproximadamente -1.2 T e 1.2 T. Para a magnetostricção, quando é atingido o valor máximo,
tem-se um estado magnético no qual os vetores magnetização estão orientados ao longo dos
eixos de fácil magnetização. No caso dos aços elétricos GNO, os eixos cristalográficos [100],
[010] e [001] do cristal correspondem aos eixos de fácil magnetização.
Em altos valores de indução, acima de -1.2 T, antes de atingir o valor máximo, λ(B)
apresenta um simples aumento. Este aumento, por sua vez, é associado à rotação da
magnetização. O mesmo processo de rotação da magnetização é observado em valores de
indução acima de 1.2 T, onde, após atingir seu máximo, ocorre a diminuição de λ(B).
Entre -1.2 T e -1 T, λ(B) diminui significantemente e isto pode ser associado ao
movimento de paredes de domínio de 90°. Neste nível de indução, este movimento de paredes
de domínio é uma conseqüência da nucleação e crescimento de novos domínios magnéticos.
88
Nos valores de indução entre -1 T e 0 T, λ(B) não muda significantemente. Sendo
assim, o processo de magnetização procede por movimento de parede de 180°.
Entre 0 T e 1.2 T, até atingir o seu segundo valor máximo, λ(B) apresenta um aumento
significativo e isto pode ser associado ao movimento de paredes de domínio de 90°.
É notável que, para todos os ângulos em relação à RD, a primeira variação associada
ao movimento de paredes de 90°, que pode ser associado à nucleação, ocorre em um nível de
indução mais estreito que o segundo. Assim como citado no caso do ruído Barkhausen, tem-se
que o processo de nucleação de domínios ocorre em um nível de indução mais restrito, de
modo que a nucleação de domínios ocorre a partir de menores valores de indução.
89
-10.0
-5.0
0.0
5.0
0°
50°
-10.0
-5.0
0.0
5.0
10°
60°
-10.0
-5.0
0.0
5.0
λλ λλ x 10-6
20°
70°
-10.0
-5.0
0.0
5.0
30°
80°
-1000 0 1000
-10.0
-5.0
0.0
5.0
40°
-1000 0 1000
H (Oe)
90°
figura 6.5: Magnetostricção longitudinal em função do campo magnético aplicado nas amostras 0°, 10°, 20°, 30°, 40°, 50°, 60°, 70°, 80° e 90°.
90
-10.0
-5.0
0.0
5.0
0°
50°
-10.0
-5.0
0.0
5.0
10°
60°
-10.0
-5.0
0.0
5.0
λλ λλ x 10-6
20°
70°
-10.0
-5.0
0.0
5.0
30°
80°
-1 0 1
-10.0
-5.0
0.0
5.0
40°
-1 0 1
B (T)
90°
figura 6.6: Magnetostricção longitudinal em função da indução para as amostras de 0°, 10°, 20°, 30°, 40°, 50°, 60°, 70°, 80° e 90°.
91
Poucos resultados de magnetostricção obtidos em amostras de aços de grão não-
orientado são encontrados na literatura [2, 84]. Os resultados divergem entre si,
provavelmente devido a diferentes composições e texturas dos aços. Os resultados obtidos
neste trabalho são semelhantes aos obtidos por Makar et al. [84]. Além disto, são coerentes
aos simulados a partir de dados experimentais de magnetização obtidos por Mohammed et al.
[85]. A figura 6.7 mostra o comportamento da magnetostricção em função do campo aplicado
e a figura 6.8, o comportamento da magnetostricção em função da indução para uma amostra
GNO M-19 (Armco Non-oriented Electrical Steels) obtidos por simulação por Mohammed et.
al. [85]
figura 6.7: Curva de magnetostricção em função do campo aplicado obtida por simulação. Retirado da referência [85].
figura 6.8: Curva de magnetostricção em função da indução obtida por simulação. Retirado da referência [85].
A figura 6.9 mostra a magnetostricção transversal como uma função do campo. Para
materiais elasticamente e magneticamente isotrópicos, um alongamento em uma direção é
sempre acompanhado por uma contração na direção transversal e vice versa. Porém, esta regra
92
nem sempre é verdadeira para materiais magneticamente anisotrópicos. Pode ser visto que as
mudanças nos valores da magnetostricção acontecem nos mesmos valores de indução que as
mudanças da magnetostricção longitudinal. Porém, observa-se que as mudanças ocorrem em
sentidos opostos.
A figura 6.10 apresenta a magnetostricção como uma função da indução para todas as
amostras. Todas estas curvas correspondem a meio ciclo da curva de histerese. As medidas
realizadas no outro meio ciclo são similares. Como já citado anteriormente, o valor de
referência para o zero corresponde à magnetostricção de saturação, ou seja, a
aproximadamente 1.5 T.
Como as curvas de magnetostricção são assimétricas, pode-se dizer que estes aços
correspondem a amostras policristalinas que apresentam propriedades magneticamente
anisotrópicas e exibem pelo menos um eixo de fácil magnetização. Isto certamente ocorre
pois as amostras apresentam a textura já citada. A distribuição de orientação dos grãos
individuais determina os eixos de fácil magnetização da amostra. Deste modo, a direção de
magnetização determinará a fração de domínios magnéticos e os mecanismos envolvidos no
processo de magnetização e, assim, a assimetria entre o movimento de paredes de domínio de
90° e 180° e a quantidade de rotação da magnetização necessária para magnetizar a amostra
determinará o valor e a forma das curvas de magnetostricção observadas que ocorrem quando
a magnetostricção ocorre ao longo de uma particular direção.
93
0.0
5.0
10.0
15.0
0°
50°
0.0
5.0
10.0
15.0
10°
60°
0.0
5.0
10.0
15.0
λλ λλ x 10-6 20°
70°
0.0
5.0
10.0
15.0
30°
80°
-1000 0 1000
0.0
5.0
10.0
15.0
40°
-1000 0 1000
H (Oe)
90°
figura 6.9: Magnetostricção transversal em função do campo magnético aplicado nas amostras 0°, 10°, 20°, 30°, 40°, 50°, 60°, 70°, 80° e 90°.
94
0.0
5.0
10.0
15.0
0°
50°
0.0
5.0
10.0
15.0
10°
60°
0.0
5.0
10.0
15.0
λλ λλ x 10-6 20°
70°
0.0
5.0
10.0
15.0
30°
80°
-1 0 1
0.0
5.0
10.0
15.0
40°
-1 0 1
B (T)
90°
figura 6.10: Magnetostricção transversal em função da indução para as amostras de 0°, 10°, 20°, 30°, 40°, 50°, 60°, 70°, 80° e 90°.
95
6.5 Detalhamento dos processos de magnetização ao longo da curva de histerese
Combinando os resultados obtidos nas medidas de ruído Barkhausen e
magnetostricção, podem-se esclarecer quais são os mecanismos que, de fato, ocorrem ao
longo da curva de magnetização e associá-los com as perdas nos aços elétricos de grão não-
orientado nos vários níveis de indução. Para tanto, será considerada uma descrição
relacionando a evolução da estrutura de domínios com os respectivos mecanismos de
magnetização em vários níveis de indução.
Assim como para aços elétricos de grão orientado, a estrutura de domínios magnéticos
nos aços elétricos de grão não-orientado poda ser dividida entre uma estrutura principal e uma
estrutura suplementar, de acordo com a definição dada na referência [14]. Porém, nos aços
GNO, uma diferenciação entre as duas estruturas não é possível de ser estabelecida, pois a
fração da estrutura de domínios suplementar é da mesma ordem da estrutura principal.
Conseqüentemente, a estrutura de domínios é bastante complexa [19, 89, 86], sendo difícil de
ser observada através de métodos ópticos [14]. Além disto, a complexa estrutura de domínios
superficial, muitas vezes, não revela a estrutura de domínios interna [87]. Então, como a
estrutura de domínios corresponde essencialmente da superposição das estruturas principal e
suplementar, as perdas podem ser associadas tanto com a nucleação, aniquilação e
refinamento das duas estruturas em cada ciclo de histerese, bem como com as interações entre
as mesmas [14].
Mesmo havendo uma estrutura de domínios bastante complexa na ausência de campo
magnético, nos aços elétricos de grão não-orientado, os domínios estão distribuídos quase que
uniformemente entre os seis eixos cristalográficos [88]. É interessante notar que, como as
amostras são cortadas com diferentes ângulos θ com respeito à RD, a fração de domínios
orientados em uma dada direção e, conseqüentemente, o comportamento magnético mudam,
dependem de θ.
Vários autores já mostraram que as propriedades magnéticas das lâminas de aços
elétricos comerciais cortadas em diferentes ângulos em relação à RD seguem um
comportamento que pode ser associado à presença de uma componente Goss da textura [73].
Sendo assim, para a discussão dos resultados, é de fundamental importância ter sempre
em mente que as amostras de aços elétricos de grão não-orientado estudadas apresentam uma
considerável componente de textura (110)[001] orientada na RD.
96
Toda a descrição do processo de magnetização procede de –Bm para Bm, onde Bm é
aproximadamente 1.5 T. Nesta descrição, pode-se dividir a curva de indução em 8 regiões, de
modo que cada região seja caracterizada por um determinado mecanismo de magnetização
dominante.
A figura 6.11 mostra meio ciclo de uma curva B × H, separada nas 8 regiões. A figura
6.12 mostra as curvas do Vrms do ruído Barkhausen, magnetostricção longitudinal e
magnetostricção transversal para a amostra de 0° em função da indução separadas nas
mesmas regiões.
As regiões são as seguintes:
Região (I): Partindo do valor de indução de saturação negativo, –Bm, até atingir -1.2 T,
o processo de magnetização inicialmente procede por rotação da magnetização. Como a
rotação da magnetização não gera ruído Barkhausen, o Vrms é zero. A magnetostricção, λ(B),
apresenta um aumento associado à rotação. Neste nível de indução, a amostra parte, através da
rotação da magnetização, de um estado saturado para um estado onde os vetores
magnetização dos domínios estão paralelos aos eixos [100], [010] e [001] do cristal, que
correspondem aos eixos de fácil magnetização de um cristal de Fe. Em aproximadamente -1.2
T, tem-se o ponto exato em que a amostra apresenta o estado magnético no qual a
magnetização está orientada ao longo dos eixos de fácil magnetização pois λ(B) atinge seu
valor máximo.
Região (II): Entre aproximadamente -1.2 T e -1 T, λ(B) diminui significantemente e
isto pode ser associado ao fato de que a rotação da magnetização dá lugar ao movimento de
paredes de domínios de 90°. Neste nível de indução, o movimento de paredes de domínio é
uma conseqüência da nucleação e crescimento de novos domínios, mecanismos estes que
podem ser relacionados ao intenso aumento do Vrms.
Nota-se que, primeiramente, λ(B) diminui de forma menos intensa e, em seguida, mais
rapidamente. Isto ocorre, pois, primeiramente, tem-se predominantemente o movimento de
paredes de 90°. À medida que o Vrms aumenta, observa-se o início do processo de nucleação e
crescimento de novos domínios e, a estes, associa-se o aumento no movimento de paredes de
domínio de 90°.
Em aproximadamente -1 T, o Vrms atinge o seu valor máximo, correspondendo ao
primeiro surto de eventos Barkhausen. Neste ponto, o processo de magnetização ocorre
através de dois mecanismos básicos: o crescimento dos domínios existentes e a nucleação de
novos domínios [7, 22, 79]. A estes dois mecanismos, tem-se o movimento de paredes de
domínios associado [83]. O fato do pico do Vrms tornar-se mais fino dá uma indicação do quão
97
intenso e rápido é a evolução da estrutura de domínios, ou, mais precisamente, a nucleação
dos domínios magnéticos.
Região (III): No intervalo de indução entre -1 T e -0.4 T, λ(B) não muda
significantemente e o Vrms tem o seu valor diminuído. Como a magnetostricção é sensível
somente a movimentos de parede de 90° e rotação da magnetização, conclui-se que nesta
região o processo de magnetização e o refinamento da estrutura de domínios ocorrem
predominantemente através do movimento de paredes de 180°. Nucleação de novos domínios
ocorre em menor quantidade.
Região (IV): Entre B igual a -0.4 T e 0 T, λ(B) e Vrms não mudam significantemente.
Sendo assim, neste nível de indução, o processo de magnetização procede simplesmente por
movimento de paredes de domínio de 180°.
Região (V): De B aproximadamente igual a 0 T até 0.4 T, há um refinamento da
estrutura de domínios através do movimento de paredes de domínios de 90° e 180°. Neste
intervalo de indução, Vrms permanece praticamente constante, enquanto que λ(B) começa
lentamente a aumentar.
Região (VI): Acima de 0.4 T até 1 T, a evolução da estrutura de domínios procede
através do movimento de paredes de domínio de 90° e 180° como uma impressão do aumento
do valor de λ(B) e da mudança do Vrms. Porém, à medida que se atinge aproximadamente 1 T,
o movimento de paredes de domínio pode ser associado à aniquilação de domínios
magnéticos. Em aproximadamente 1 T, o Vrms atinge o seu valor máximo, correspondendo ao
segundo surto de eventos Barkhausen. Neste ponto, o processo de magnetização ocorre
através da aniquilação de domínios magnéticos [7, 22, 79].
Região (VII): Acima de 1 T, com a aniquilação dos domínios magnéticos, o Vrms do
ruído tem seu valor reduzido a zero. Movimentos de paredes de 90° em pequena quantidade
acontecem até em torno de 1.2 T, onde λ(B) atinge o seu segundo valor máximo. Novamente,
neste valor de indução, os domínios têm o vetor magnetização orientado ao longo dos eixos
[100], [010] e [001] dos cristais.
Região (VIII): Em valores mais altos de indução, acima de 1.2 T, o Vrms é zero. Neste
nível de indução, as pequenas mudanças na magnetização ocorrem devido à rotação da
magnetização, como uma impressão da diminuição do valor de λ(B).
98
-1.5
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
VIII
VII
VI
V
IV
III
II
I
B (T)
H (u. a.)
figura 6.11: Os processos de magnetização ao longo da curva de indução, de –Bm a Bm, separados nas regiões (I), (II), (III), (IV), (V), (VI), (VII) e (VIII).
-1.5 -1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0 1.5
0
5
10
15
λλ λλ x 10-6
B (T)
-10
-5
0
(c)
(b)
(a)
λλ λλ x 10-6
0
30
60
90
120VIIIVIIVIVIVIIIIII
Vrm
s x 10-9 (V)
figura 6.12: (a) Vrms do ruído Barkhausen, (b) magnetostricção longitudinal e (c) magnetostricção transversal para a amostra de 0° em função da indução separadas pelas regiões (I), (II), (III), (IV), (V), (VI), (VII) e (VIII).
99
Sendo assim, torna-se claro que nos aços elétricos de grão não-orientado FeSi3.2% com
uma componente de textura (110)[001], a estrutura de domínios sofre modificações
topológicas em valores críticos de indução. Considerando o ângulo θ entre a direção de
laminação e o campo aplicado, as modificações na estrutura de domínios procedem nos
mesmos valores de indução, porém, os mecanismos envolvidos ocorrem em diferentes
proporções. Como para uma amostra cortada em um ângulo θ com RD, a fração de domínios
orientados em um dado eixo cristalográfico muda, quando o campo magnético é aplicado, o
comportamento da estrutura e os mecanismos envolvidos dependem de θ devido à textura
[89].
Na literatura, dois intervalos angulares são considerados [22]:
Amostras com 0° < θ < 55°: o eixo [001] é favorecido. Partindo da indução de
saturação, o processo de magnetização é inicialmente devido à nucleação de domínios e ao
subseqüente movimento de paredes de domínios. Em parte, ocorre a nucleação de domínios
transversais ao plano da amostra, nos quais os vetores magnetização estão orientados ao longo
dos eixos cristalográficos <100> e <010>. A contração do material está conectada à nucleação
dos domínios na transversal, associado às medidas de magnetostricção. Também, a nucleação
e o crescimento são identificados pelo primeiro pico do Vrms do ruído Barkhausen. Em níveis
de indução mais baixos, ocorre o refinamento da estrutura de domínios através do movimento
de paredes de domínio de 180° até a reversão do campo magnético. A partir da reversão do
campo, o movimento de paredes de domínio de 90° começa a ocorrer, até que em alta
indução, ocorra a aniquilação de domínios magnéticos, incluindo a aniquilação dos domínios
transversais ao plano da amostra. Com o aumento do campo magnético, a estrutura de
domínios sofre um refinamento e, por fim, ocorre a rotação da magnetização.
Amostras com 55° < θ < 90°: os eixos cristalográficos [100] e [010] são favorecidos.
Nestas amostras, partindo a indução de saturação, do mesmo modo, o processo de
magnetização ocorre inicialmente pela nucleação de domínios transversais ao plano da
amostra. Novamente, a contração do material está associada à nucleação dos domínios ao
longo dos eixos <100> e <010>. Porém, como todos estes ângulos favorecem estes eixos,
existem pequenas diferenças de amostra para amostra dependendo de θ. Estas amostras
possuem maiores frações de domínios transversais mesmo em campo zero e, deste modo,
mais movimento de parede de 90° ocorre para levar a magnetização dos domínios transversais
ao plano para a direção do campo magnético no plano da amostra. Este fato é observado
através das medidas de magnetostricção. A partir da nucleação, como já citado, o processo de
magnetização ocorre na mesma seqüência que para as amostras com ângulos entre 0° e 55°.
100
Como os aços estudados apresentam uma textura pronunciada, uma possível razão
para a nucleação de uma estrutura de domínios transversais ao plano da amostra, assim como
nos aços elétricos GO, reside no fato de contrabalançar o aumento da energia magnetostática e
magnetoelástica associada a pólos magnéticos livres que formados nos planos da amostra.
Considera-se que a formação dos pólos magnéticos livre seja uma conseqüência de um sutil
desalinhamento dos grãos em relação ao plano da amostra [14, 54, 89, 90]. A figura 6.13
mostra uma possível estrutura de domínios transversais formada, que consiste de um domínio
de fechamento formado pela combinação de domínios em certas direções de fácil
magnetização e pode ser dividida em três partes. Duas delas estão localizadas nas superfícies
opostas da amostra, em cima e embaixo. Elas têm forma triangular com base no plano (110) e
são chamadas de “lancet domains”. A terceira parte conecta as duas anteriores através de
vetores magnetização alinhados ao longo dos eixos [100] e [010] [91, 92].
figura 6.13: Estrutura de domínios em forma de lanças. Retirada da referência [91].
Sendo assim, é observado que a dependência das perdas de energia com o ângulo de
corte reflete a correspondente evolução dos mecanismos de magnetização pela transição do
movimento de paredes de 90° e 180° em eixo fáceis <001> no plano para eixos fáceis <100>
e <010> fora do plano. Tem-se que os domínios transversais ao plano estão limitados por
paredes de domínio de 90° e desde que o movimento de paredes de domínio de 90° é
geralmente relacionado a aumentar mais as perdas do que o movimento de paredes de 180°,
devido talvez ao fenômeno magnetoelástico e às correntes de Foucault, a existência desta
estrutura de domínio transversal pode aumentar muito as perdas.
Através da análise dos resultados de ruído Barkhausen e magnetostricção, observou-se
que, na região de baixa indução, o processo de magnetização procede por meio de movimento
de paredes de 90° e 180°. Já na região de alta indução, os resultados indicam que a evolução
da estrutura de domínios ocorre por meio de movimentos de paredes de domínio que estão
associados à nucleação e crescimento de novos domínios, no ramo descendente, e à
aniquilação de domínios, no ramo ascendente da curva de magnetização, e por rotações
reversíveis e irreversíveis da magnetização.
101
Deste modo, pode-se mostrar que, de acordo com a separação das perdas histeréticas
em componentes de alta e baixa indução proposta por Landgraf et. al., as perdas em baixa
indução estão estritamente ligada aos movimentos de paredes de domínio de 180° e 90°.
Logo, as perdas em alta indução podem ser explicadas em termos tanto da nucleação e
crescimento de estruturas de domínios e aniquilação de domínios, quanto com movimento de
paredes de domínio de 180° e 90° e rotação da magnetização. Sendo assim, torna-se razoável
e entender o fato de que as perdas em alta indução, citadas anteriormente, representam quase
50% das perdas totais.
102
7 CONCLUSÕES E CONTINUAÇÃO DO TRABALHO
A proposta inicial deste trabalho foi de estudar o ruído Barkhausen e a
magnetostricção em aços elétricos de grão não-orientado FeSi3.2% classe E110 produzidos
pela empresa ACESITA com o intuito de entender os processos de magnetização e identificar
os mecanismos de magnetização que possivelmente são os responsáveis pela dissipação de
energia ao longo da curva de histerese
Dentro desta proposta, estava a implementação do sistema de medidas de
magnetostricção no Laboratório de Magnetismo e Materiais Magnéticos e o melhoramento do
sistema de aquisição de ruído Barkhausen. Estas duas idéias básicas foram realizadas com
sucesso uma vez que se obtiveram resultados satisfatórios para o trabalho.
No que se segue, têm-se algumas conclusões que valem ser salientadas.
Através do estudo das medidas de ruído Barkhausen, observado na região de baixa e
alta indução, pode-se concluir que a dissipação de energia na região de alta indução está
associada com movimentos irreversíveis das paredes de domínios, rotações irreversíveis da
magnetização e com nucleação de novas e diferentes estruturas de domínios, no ramo
ascendente, e ainda na nucleação de domínios, no ramo descendente da curva de
magnetização.
As medidas de magnetostricção mostram que movimento de paredes de domínio de
90° e rotação da magnetização estão presentes em altos níveis de indução. O movimento de
paredes de 90°, em sua grande parte, está associado ao processo de nucleação, crescimento e
aniquilação de domínios magnéticos, e está conectado com as perdas em alta indução.
Em resumo, as medidas de ruído Barkhausen e magnetostricção revelaram que na
região de baixa indução, a dissipação de energia se dá predominantemente por movimento de
paredes de domínio de 90° e 180°. Já, na região de alta indução, o movimento de paredes de
domínio está presente, porém, o processo de magnetização procede principalmente pela
nucleação, no ramo descendente, e aniquilação, no ramo ascendente da curva de
magnetização. Devido à textura observada nos aços estudados, é possível que os domínios
que estejam sendo nucleados sejam domínios transversais e lancet domains. É importante
notar que a energia utilizada para a nucleação e aniquilação de domínios em um ciclo de
histerese é convertida em perdas histeréticas [70].
Sendo assim, pode-se concluir que o método gráfico de divisão das perdas histeréticas
em componente de baixa e de alta indução proposto por Landgraf e colaboradores não é
103
adequado ao sistema estudado pois ambas componentes de perdas podem ser associadas ao
mesmo mecanismo de magnetização: o movimento de paredes de domínios.
A continuidade do trabalho se dará de forma a estudar aços com outras composições e
texturas, realizando o mesmo procedimento de medidas magnetização, ruído Barkhausen e
magnetostricção. Um próximo passo será observar os domínios deste aço estudado com o
intuito de determinar o tipo de estrutura de domínios que é nucleada e aniquilada.
Também, pretende-se melhorar o sistema de aquisição de dados do sistema de ruído
Barkhausen, implementando-se uma nova placa digitalizadora com 12 bits de resolução e
velocidade de aquisição de até 25 MS/s, substituindo o atual osciloscópio digital, com o
objetivo de se obter uma melhor resolução temporal.
Além disto, dispondo de um sistema de aquisição de ruído Barkhausen de alta
resolução, tem-se por objetivo realizar o estudo da dinâmica de magnetização e do ruído
Barkhausen em filmes finos.
104
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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