as lágrimas de lígia

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AS LÁGRIMAS DE LÍGIA OU A NOITE EM QUE A MORTE DESISTIU DE MORRER GUSTAVO HENRIQUE DE AGUIAR PINHEIRO 2009

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AS LÁGRIMAS DE LÍGIA OU A NOITE EM QUE A MORTE DESISTIU DE MORRER - GUSTAVO HENRIQUE DE AGUIAR PINHEIRO - 2009

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Page 1: As lágrimas de lígia

AS LÁGRIMAS DE LÍGIA

OU

A NOITE EM QUE A MORTE DESISTIU DE MORRER

GUSTAVO HENRIQUE DE AGUIAR PINHEIRO

2009

Page 2: As lágrimas de lígia

2

Foto de Lampião e Maria Bonita.

A Alexandre, Jocélia, Dermeval, Nêgo,

Cristiane, Jackelyne, Regina, Ana,

Anastácio, Felipe, Nívea, Sany, e

Miranda, por estarem comigo na noite

em que a morte desistiu de morrer.

Obrigado.

Page 3: As lágrimas de lígia

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No passado houve uma noite em que a morte resolveu morrer.

Ninguém na terra acreditou na morte da morte, ainda mais de morte

matada e não de morte morrida, pois, afinal, a vida da morte sempre

foi de declarado interesse público, que não possui espaço nem

paciência para abrigar todos os que não mais morreriam, em virtude

do passamento do fim da vida.

Dizem que no céu também não se compreendeu o desiderato

mortífero da senhora das desilusões perpétuas, isso porque nem

mesmo Deus tinha pena da morte e mandava ela trabalhar noite e dia,

num incansável e contínuo morticínio, que levou a epidemia mundial

de depressão a atingir o fenecimento em pessoa.

Deus, defensor maior do sofrimento e da morte como parte de um

processo de divinização do ser humano, quando soube do estado

depressivo aparentemente irreversível da pessoa do finamento cantou

baixinho em seu ouvido uma canção de um rei, que já tinha tirado

muita gente da impressão de que a morte não pode morrer:

“Nosso amor não é possível terminar assim

Eu penso no que foi que eu fiz

Eu quis achar motivos seus

P'ra tudo se acabar assim, p'ra tudo terminar assim.

Meu amor

Meus olhos teimam em não querer chorar

Mas não conseguem dominar

Page 4: As lágrimas de lígia

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A lágrima de amor que cai

Causada pela angústia de um vazio.

Amo, te amo tanto

E cada dia eu vivo mais do seu amor

Sofro com sua ausência

Mas sua imagem trago sempre junto a mim, em mim.

Amo, eu te amo tanto

E cada dia eu vivo mais do seu amor

Mas sou feliz assim

Porque um dia eu pude me entregar

A esse amor que é toda a minha vida”.

(Nosso Amor, Mauro Motta - Eduardo Ribeiro, Intérprete: Roberto

Carlos).

Impressionada pelo o amor de Deus até para com ela, a morte

resolveu tentar explicar ao Criador porque agora estava querendo

amor, num fenômeno que ficou conhecido em todo o mundo como “a

catarse do próprio fim”, onde uma morte deprimida, cansada de abater

diariamente os sonhos de eternidade dos seres humanos, resolveu

pedir perdão a Deus pelos pecados dele, que sempre ceifavam a vida

de alguém bem hora do nascimento de outrem, sendo ambos os

fenômenos sempre perto do dia do aniversário da vítima.

Ah meu Deus, essa noite eu quero morrer.. pois não compreendo de

quem é a culpa da ignorância dos homens e das mulheres, que matam

Page 5: As lágrimas de lígia

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no Teu e em meu nome, confundindo a humanidade na falsa premissa

de que Deus não pode mais impedir o fim do passamento, ou de que o

fenecimento seja um choque de desamor do Criador nas criaturas

mortais por natureza e imor(t)ais por finitude.

Deus, óh Deus, a tua boa morte quer morrer! Não agüento mais a

matança impune em meu nome, no sacrilégio profano da Tua suposta

intenção, que é desvirtuadamente assim proclamada como o império

da vida, na apropriação da ilustre riqueza, que desintegra a

integridade dos filhos de Deus, que passam fome só para não morrer

do amor do próximo, que nunca vem, ocupado que está em fazer viver

os deuses da terra, que nunca morrem, enquanto se perpetuar o poder

e a avareza, enquanto a solidariedade não encontrar no outro a única

razão de existir do eu solitário que habita a alma de cada ser humano.

Page 6: As lágrimas de lígia

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Senhor, não consigo mais matar em teu nome as criancinhas do meio

do mundo, as famílias inteiras que se alimentam da tua sagrada

esperança, nas montanhas que Maomé não pôde sequer descobrir,

pois a fé no vil metal já as tinha tirado do lugar e as depositado nos

bancos da suíça, que aceitam dinheiro de qualquer um, até mesmo

daqueles que só ficaram com os sapatos:

Pilha de sapatos. Auschwitz.

Deus, óh Deus, tua serva não pode mais matar, porque o homem e a

mulher acreditam piamente que são eles que podem eliminar a vida, e

por isso matam em meu nome, em nome de qualquer coisa, de

qualquer um, até em nome do diabo, pobrezinho, que nunca matou

ninguém sem a conveniência e o dolo da boa intenção, ou da

consciência livre e desperta do homem e da mulher que detém o

poder sobre os demais seres humanos.

Deus, òh Deus, esta noite eu queria morrer!

Page 7: As lágrimas de lígia

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Esta Noite Eu Queria Que o Mundo Acabasse

Composição: Silvio Lima

“Esta noite

Eu queria que o mundo acabasse

E para o inferno o Senhor me mandasse

Para pagar todos os pecados meus

Esta noite

Eu queria que o mundo acabasse

E para o inferno o Senhor me mandasse

Para pagar todos os pecados meus

Eu fiz sofrer a quem tanto me quis

Fiz de ti meu amor infeliz

Esta noite eu queria morrer

Perdão!

Quantas vezes tu me perdoastes?

Quanto pranto por mim derramastes?

Hoje o remorso me faz padecer

Esta é a noite da minha agonia

É a noite da minha tristeza

Por isso eu quero morrer”.

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Esse lamento da morte foi tão profundo, tão abrangente foi a sua

depressão, que o próprio Jesus, que antigamente tinha um bar em

cima de um coqueiro, no meio da fabulosa terra dos três climas,

vizinho ao Posto do Chico Muniz, do Piranha e do Gerardo Barroso,

onde todo a humanidade costumava beber alegria, amizade e

dignidade, ordenou que três de seus filhos louros e queridos fossem

ao encontro da morte, para fazê-la desistir de morrer, pois o perdão e

a caridade eram sinais da ressurreição, que sempre vive no coração

daqueles que apreenderam que nem mesmo a morte do Pai pode

impedir o homem de se encontrar com Deus, e a mulher de amar a

esperança, dando fim ao passamento nos olhos dos filhos, que nunca

verão a Deus senão nos olhos da Jesus que os criou.

Sem entender muito bem, mais cheios de amor e caridade, os três

filhos de Jesus, deixaram as canções de Deus no bar da alegria, da

saudade e do perdão, e partiram imediatamente ao encontro da morte,

para cumprir aquilo que o Senhor os tinha ordenado: fazer a morte

desistir de morrer.

O primeiro filho, que na verdade já era uma mulher feita, pegou sua

lambreta que estava guardada lá no quintal à espera do chamado de

Gotham, e colocou a morte na traseira para levá-la para um passeio

por Itapipoca, pois pensava ela que a tristeza da morte talvez pudesse

passar vendo os fenômenos climáticos que ocorrem na terra em que a

caipora deu um nó, enlaçando praia, serra e sertão tudo num novelo

só.

Page 9: As lágrimas de lígia

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O segundo filho, este sim um varão encantado pela saudade de seu

pai, tratou de encobrir a morte com seu paletó dourado, que tinha sido,

finalmente, devolvido pelo Pequeno Príncipe, já que este, também

finalmente, tinha se encontrado com a rosa única de seu planeta

pequeno e com a saudade de Exupéry.

O terceiro filho, que, na verdade, também era mulher, tão caridosa

quantos os demais, tratou de ficar aflita, pois a cena da morte de

paletó dourado passeando por Itapipoca na garupa de uma labretta,

tinha acabado de entrar na inconsciência da humanidade, e daí por

diante, nenhum homem ou mulher seria capaz de dizer o que poderia

acontecer.

E realmente a terceira filha tinha razão, era a desrazão que queria

matar a morte, e essa senhora contrariada, de gênio forte e impulsivo,

vendo as presepadas dos filhos de Jesus, tratou de lançar a pobre

morte na vala dos condenados ao fenecimento, definitivamente, como

definitivamente Deus nos amou, como definitivamente Deus nunca nos

abandonou.

Então, a desrazão encomendou a morte da morte a ela própria, uma

cancaceira bonita e implacável, que Lampião tinha amado antes de

perder a visão, pois é certo que depois que ele voltou a enxergar

nunca mais permitiu que a morte pudesse se levar.

Mas, Maria Bonita mesmo foi que se negou a emprestar uma arma

para a morte desaparecer, já que se lembrou que a desrazão era na

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verdade um macaco fantasiado do contrário da razão, essa sim

senhora indistinta e perigosa, que andava de costas no meio do mato

só para ludibriar a sua culpa, que vinha lhe caçando na volante do

Tenente José Rufino, que matou Corisco e baleou Dadá na Barra do

Mendes, em 1940.

Como Maria Bonita se recusou a fornecer armamento fatal para a

morte morrer, esta pulou da lambretta, sem tirar o paletó que lhe fazia

criança de novo, telefonou para um amigo seu que não tinha medo de

nada, muito menos de uma morte que queria morrer, e lhe suplicou

pelo amor de Deus:

- Lampião, meu filho, meu irmão, eu agora estou com medo de morrer!

Me acuda, disse a morte confusa.

Lampião, que nunca conseguiu morrer em 27 de julho de 1938, muito

menos em Angicos, rumou imediatamente para Fortaleza, pois é certo

que o desespero da Morte por lá começou, e, montado num cavalo

branco de duas celas, que a Fiat tinha montado no Brasil, correu para

a capital da província pela estrada mágica do amor e da fraternidade

que, de quando em vez, se tornava perigosa para a lucidez de que é

vítima a depressão dos desenganos caseiros, aqueles explosivos e

internos, como o furto do Banco Central e o roubo das dinamites de

Quixadá.

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- Irmã(o), eu cheguei! Eu estou aqui, e ninguém vai mais te matar,

nem mesmo a depressão, ou a loucura, o desamor, ou as tuas

próprias mãos. A morte não morre mais, eu garanto!

- Obrigado querido, sinto-me seguro com você aqui, mas devo dizer

que ainda estou com medo de morrer, dizem que quando a morte quer

morrer pela primeira vez, é difícil impedir seu desengano, pois a foice

da verdade nunca corta a vida sem consentimento do Patrão, e eu

estive perto de desobedecer às regras da natureza que a humanidade

conhece.

- Não se preocupe, amiga(o), vamos pelo meio da mata, ninguém vai

nos impedir, guardei um óbolo para Caronte, por isso atravessaremos

o Estige em paz, o rio da imortalidade, onde Tétis tentou tornar o seu

filho Aquiles imortal, mergulhando-o nas suas águas.

- É certo, continuou Lampião, que quando mergulhares nas águas do

Estige, terei que te suspender pelo calcanhar (o calcanhar de Aquiles),

ficando esta parte do teu corpo vulnerável, sem alcançar a

imortalidade do restante do corpo, mas isso não é empecilho para a

nossa jornada, que prosseguirá até um hospital de comuns, deuses e

semi-deus, que fica na rua da radiadora do Cafita, que nunca morre,

pois todo dia tem avião de menino grande decolando para a capital

dos encantos e da desilusão.

Page 12: As lágrimas de lígia

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- Amiga(o), não se preocupe, vou te levar para o Hospital da Vida, lá

em Itapipoca mesmo, para onde você pode sempre voltar, e lá, tenho

certeza, um punhado de médicos meninos, dentistas gigantes,

atendentes visíveis e invisíveis, irmãos e irmãs vão fazer você perder

o medo de morrer, vão fazer você se encontrar com a grandeza de

sua alma, que conhece o infinito, o inexorável, o futuro e o presente

que os gregos ainda não entregaram à humanidade.

E lá chegando...

Na porta do “Hospital Vida” Lampião, a morte e a filha de Jesus que

anda de Lambretta se encontraram, num fabuloso encontro mítico, que

reuniu as verdades que supostamente não podemos dizer a nós

mesmos.

Entramos, a morte agoniada com a euforia e com o seu próprio fim

supostamente próximo, subia as paredes sem que ninguém visse,

pedia desesperadamente para dormir, pois, embora que no sono

também se morra, Deus nele também permite sonhar, e a morte, pela

primeira vez na vida, não queria morrer, a morte agora queria viver.

Mas em se tratando de morte o diagnóstico nem sempre é fácil, por

isso o “Hospital Vida” possui uma equipe multidisciplinar de

anestesistas, pediatras, ginecologistas, patologistas, legistas,

dentistas, clínicos gerais, psicólogos etc e dois psiquiatras.

Page 13: As lágrimas de lígia

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Como o diagnóstico da Morte não esperou para ser conhecido, uma

ginecologista psiquiátrica que comumente mandava “alô” para a vida

num programa líder de audiência em todo a região do coração

humano, tratou de levar a senhora desiludida consigo mesmo ao

melhor leito que um amor de criança poderia dar e esperar, nem

mesmo o Ritz Hotel Paris ou o The Mount Sinal Hospital Queens, de

Nova York, seriam capazes de oferecer tamanha dignidade e conforto

ao espírito de um ser que nunca quis morrer de verdade, pois a morte,

como parte da vida, está cansada, na verdade, de matar, de impedir

de nascer, mas não de sobreviver.

Naquele leito, tal qual Nossa Senhora acalentou seu filho inocente na

manjedoura, a psiquiatria ginecológica se juntou com a analgesia da

inconsciência do primeiro Dom Quixote de bicicleta amarela feitas com

molas de Hilux pretas, e apareceram um Conde de estirpe Aguiar

Pinheiro, e sua digníssima mulher, Lampião e Maria Bonita, a Maria

filha de Jesus e do Presidente Kenneddy, o menino do paletó do

Pequeno Príncipe, a outra filha de Jesus que tem o nome da mãe de

Maria, a Regina, que vela a luz dos Franciscos, e, por rádio e

televisão, a psiquiatria humana, caridosa e dignificante da menina

Silva Rodrigues Muniz, que ainda bota gasolina no Posto de Deus, na

esperança de encontrar o combustível que o tempo já lhe reservou, no

manancial inesgotável de sabedoria e amor, que brota de seu espírito

irrequieto.

Vieram ainda à beira daquele leito outro alienista, de talentos

incomparáveis, e que tinha salvado outras vezes a morte de um

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encontro consigo mesma, e, por fim, forjado na psicologia humana da

dentística polissêmica dos entendidos em raiz e correção da alma,

apareceu o diretor do Hospital, um homem de bata dos olhos verdes

da verdade, que administrando cuidado, haloperidol, amor, uma certa

dose de espanto e dormonid na veia da morte fez a todos assistirem o

espetáculo da vida que sossega em desistir, não para morrer, mas

simplesmente para voltar a viver no seio de sua gente, nos braços dos

seus amores, no coração de seu povo, na luta incessante pela vida,

que mais e mais se engrandece quanto mais se sobrevive ao caos,

parte do universo que abriga os deuses que ainda não nasceram, nem

nascerão mais, pois Deus já está aqui, é humano, é divino, e foi

despregado da cruz só para fazer você renascer.

A morte sossegou, mas não morreu. Paulatinamente aquele ser que

pensava ser a morte foi tomando a forma de gente, amado, cuidado e

protegido na ambiência maior do amor dos amigos verdadeiros. Disse

ainda para a ginecologista e seu marido diretor:

- Por favor, me amarre! Ainda tenho medo de morrer!

- É preciso tudo isso realmente, Guga?

- Sim, eu quero viver, não tenho medo de dada, a morte vai ter que

desistir de morrer!

Page 15: As lágrimas de lígia

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E duas pequenas lágrimas saíram dos olhos dela, que não ousou

amarrar meus pulsos e pés à cama imperial que me acolhia como um

verdadeiro rei.

Coube ao mais forte diretor de Hospitais Vida do mundo a tarefa de

me atar à cama, para que eu sossegasse o meu espírito confuso nas

identidades que nunca foram tão minhas, ele não pôde chorar, porque

o seu coração estava amarrado ao meu peito, mas ela novamente

chorou, e uma canção pôde ser ouvida naquele santo lugar de

amizade e amor, foi essa canção que me embalou o sono da vida,

pois a morte realmente não tem porque cantar:

Ciranda da Bailarina

Edu Lobo e Chico Buarque, Intérprete: Adriana Calcanhoto

“Procurando bem

Todo mundo tem pereba

Marca de bexiga ou vacina

E tem piriri, tem lombriga, tem ameba

Só a bailarina que não tem

E não tem coceira

Berruga nem frieira

Nem falta de maneira

Ela não tem

Futucando bem

Todo mundo tem piolho

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Ou tem cheiro de creolina

Todo mundo tem um irmão meio zarolho

Só a bailarina que não tem

Nem unha encardida

Nem dente com comida

Nem casca de ferida

Ela não tem

Não livra ninguém

Todo mundo tem remela

Quando acorda às seis da matina

Teve escarlatina

Ou tem febre amarela

Só a bailarina que não tem

Medo de subir, gente

Medo de cair, gente

Medo de vertigem

Quem não tem

Confessando bem

Todo mundo faz pecado

Logo assim que a missa termina

Todo mundo tem um primeiro namorado

Só a bailarina que não tem

Sujo atrás da orelha

Bigode de groselha

Calcinha um pouco velha

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Ela não tem

O padre também

Pode até ficar vermelho

Se o vento levanta a batina

Reparando bem, todo mundo tem pentelho

Só a bailarina que não tem

Sala sem mobília

Goteira na vasilha

Problema na família

Quem não tem

Procurando bem

Todo mundo tem”.

E finalmente eu dormi, e a morte descansou, Alexandre, o Maior, O

Mais Grande, venceu minhas batalhas por mim, conquistou os

territórios por onde nenhum dos dois algum dia passou, e providenciou

um carro para me levar aonde nunca ele, nem nenhuma personagem

dessa história, me permitiria ficar. Na noite em que a morte desistiu de

morrer, era dia, um dia claro e ensolarado onde um comboio de carros

e de gentes (amigos e irmãos) seguiu pela minha estrada preferida em

rumo à vida plena na existência do outro, ao fabuloso mundo da

verdade não compreendida, que se escreve nas letras que contiveram

Hitler, na matriz genética de todos os direitos fundamentais, no

princípio da dignidade humana.

Page 18: As lágrimas de lígia

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Mas antes de viajar rumo a minha lucidez sólida, diferente e peculiar,

antes mesmo da sirene do carro apitar, eu acordei de mansinho e vi a

cena mais poderosa que um homem podia ver em tão pouco tempo de

vida. Do meu lado esquerdo Jesus, numa cama dormindo na alma e

no corpo de sua filha da Lambretta loura, do outro lado, meu irmão

Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (Nêgo), “O Senhor do Sertão”,

“O Rei do Cangaço” armado até os dentes, com uma submetralhadora

Colt 635, uma pistola Browning BDM, uma metralhadora CETME

Ameli, um fuzil sniper Accuracy International AE, uma peixeira de dois

gumes que ele disse ter pedido emprestado ao Toyota, um farto café

da manhã feito por Maria Bonita, um ronco delicado, uma assanhada

alma com o perigo, uma vigilância mortal deitada numa rede curta, que

desafiava as volantes da morte, que mostrava para todos que para me

pegar os macacos iam ter que inventar muitos Angicos, muitas

cabeças cortadas para inglês ver.

Mas além de corajoso o velho Capitão Virgulino tinha também uma

sanfona, que sem ninguém ver me desamarrou da cama e eu pude

cantar e tocar um pouquinho em agradecimento a essas pessoas que

cantaram para eu poder viver.

Levantei-me mansinho para não acordar o sono de Jackelyne e Alex,

meus guardiães inconfundíveis, sentei-me na cama, peguei a sanfona

do Capitão, que também era meu avô, e arrisquei uma música de

agradecimento:

Amigos para Siempre

Sarah Brightman

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Versão de Raimundo Arrais e Ayla Maria

“(Sarah)

Eu não tenho nada para dizer

Você parece no momento até saber as fases porque eu estou

passando

(José)

Vem vê através dos olhos meus a emoção que sinto estando aqui

e vê o modo como estão me tratando

(Ambos)

Amigos para sempre

É o que nós iremos ser

Na primavera ou em qualquer das estações

Nas horas tristes nos momentos prazer

Amigos para sempre

É o que nós iremos ser

Na primavera e em qualquer das estações

Nas horas tristes nos momentos prazer

Amigos para sempre

(Sarah)

Você pode estar longe muito longe sim

Mas por te amar sinto você perto de mim

No meu coração contente

Page 20: As lágrimas de lígia

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(José)

Não nos perderemos, não te esquecerei

Você é minha vida, tudo o que sonhei e quis para mim um dia

(Ambos)

Amigos para sempre

É o que nós iremos ser

Na primavera e ou qualquer das estações

Nas horas tristes nos momentos prazer

Amigos para sempre

É o que nós iremos ser

Na primavera e ou em qualquer das estações

Nas horas tristes nos momentos prazer

Amigos para sempre

(Sarah)

Você pode estar longe muito longe sim

Mas por te amar sinto você perto de mim

No meu coração contente

(José)

Não nos perderemos, não te esquecerei

Você é minha vida, tudo o que sonhei e quis para mim um dia

(Ambos)

Amigos para sempre

Page 21: As lágrimas de lígia

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É o que nós iremos ser

Na primavera e ou qualquer das estações

Nas horas tristes nos momentos prazer

Amigos para sempre

É o que nós iremos ser

Na primavera e ou em qualquer das estações

Nas horas tristes nos momentos prazer

Amigos para sempre

Amigos para sempre!

Amigos para siempre (friends for life)

theme to the Barcelona Olympics

(Sarah Brightman)

I don’t have to say

A word to you

You seem to know

Whatever mood

I’m going through

Feels as though

I’ve known you forever

(José Carreras)

Page 22: As lágrimas de lígia

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You

Can look into my eyes and see

The way I feel

And how

The world is treating me

Maybe I have known you forever

(Both)

Amigos para siempre

Means you’ll always be my friend

Amics per sempre

Means a love that cannot end

Friends for life

Not just a summer or a spring

Amigos para siempre

I feel you near me

Even when we are apart

Just knowing you are in this world

Can warm my heart

Friends for life

Not just a summer or a spring

Amigos para siempre

Page 23: As lágrimas de lígia

23

(Sarah)

We share memories

I won’t forget

And we’ll share more,

My friend,

We haven’t started yet

Something happens

When we’re together

(José)

When

I look at you

I wonder why

There has to come

A time when we must say goodbye

I’m alive when we are together

(Both)

Amigos para siempre

Means you’ll always be my friend

Amics per sempre

Means a love that cannot end

Page 24: As lágrimas de lígia

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Friends for life

Not just a summer or a spring

Amigos para siempre

I feel you near me

Even when we are apart

Just knowing you are in this world

Can warm my heart

Friends for life

Not just a summer or a spring

Amigos para siempre

(José)

When

I look at you

I wonder why

There has to come

A time when we must say goodbye

(Both)

I’m alive when we are together

Amigos para siempre

Means you’ll always be my friend

Amics per sempre

Means a love that cannot end

Page 25: As lágrimas de lígia

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Friends for life

Not just a summer or a spring

Amigos para siempre

I feel you near me

Even when we are apart

Just knowing you are in this world

Can warm my heart

Friends for life

Not just a summer or a spring

Amigos para siempre

Amigos para siempre

Means you’ll always be my friend

Amics per sempre

Means a love that cannot end

Friends for life

Not just a summer or a spring

Amigos para siempre

Amigos para siempre!”.

A música até saiu direitinho, pois a sanfona do meu avô Capitão, de

origem e graça de Nosso Senhor e de Lampião, sujeito que também

costumava esconder botija debaixo da estátua de São Sebastião, lá na

Itapipoca, acabou por acordar toda a Vida do Hospital, e o Dermeval

apareceu nervoso querendo anestesiar o inusitado dessa história, ou

Page 26: As lágrimas de lígia

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seja, se a morte morreu ou não eu não sei, mas posso garantir que

naquele tlempo de oração à saúde de Deus, nem mesmo a morte

consegue morrer.

VIDA.

Gustavo Henrique de Aguiar Pinheiro

Mestre em Direito Constitucional/UFC

Especialista em Saúde Mental/UECE

[email protected]