aulas ulpiano - corpo

Upload: carlosedumello

Post on 08-Apr-2018

226 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    1/32

    CORPO ORGNICO E CORPO HISTRICO

    Quando eu falo pensamento, corpo e tempo e fao uma associao do pensamento com o corpo aparece uma idia aparentemente confusa, porque a tradio da filosofia marcou que o corposeria o grande obstculo do pensamento. Inclusive, quando a filosofia emerge na cidade grega com Plato essa relao entre o corpo e o pensamento inteiramente impossvel: o corpo seria

    exatamente aquilo que barraria a passagem do pensamento. Ainda assim, essa associaopensamento e corpo um dos pontos principais desse curso que eu vou dar pra vocs.

    E a terceira questo o tempo que ir surgindo ao longo da minha exposio.

    Neste momento, eu comeo a entrar na aula e tudo o que eu vou dizer ter uma importnciaenorme para a compreenso de vocs. Nesta primeira aula, eu vou fazer a exposio e umapequena experimentao de como vocs esto ouvindo: de como vocs esto recebendo essamaneira de pensar. Por exemplo:

    Um msico do nosso tempo chamado Olivier Messiaen vai fazer uma distino entre quatrotipos de canto de pssaros. Diz ele, que na primavera, os pssaros, praticamente todos eles, fazem ocanto do amor que um canto de seduo, geralmente feito pelos machos. Esse canto de amor evidentemente tem uma funo especfica: serve espcie porque o amor permite a reproduo;e serve aos prazeres do indivduo. Seria esse canto que eu chamei de canto de amor que ocorreem todas as primaveras.

    O outro tipo de canto, diz ele, que entendido por todo e qualquer pssaro o grito de alarme. Ospssaros atravs do gorjeio fazem o canto de amor e o grito do alarme: dois cantos que esto aservio do que eu passarei a chamar, nesta aula, de CORPO ORGNICO. Ambos os cantos esto aservio do organismo das funes dos rgos; no sentido de que um canto o canto de amor tem como nico objetivo prestar um enorme servio espcie; ou seja evoluo da espcie; eassim por diante.

    Mas, de outro lado, Messiaen vai falar num terceiro canto (por enquanto, eu vou deixar o [quarto]entre aspas). Esse terceiro canto, de que Messiaen nos fala, o canto que alguns pssaros fazempara o pr do sol ou [melhor]: para o crepsculo e para a aurora. Esse canto no tem nenhumobjetivo orgnico e no presta nenhum servio espcie ou ao indivduo: o canto gratuito que opssaro produz, no importa os perigos que ele corra. Segundo Olivier Messiaen, [o canto gratuito] de uma extraordinria beleza! E quanto mais forte for o crepsculo; quanto mais se espalhar a corvioleta; e quanto mais bonita for a aurora mais esplendorosos os temas e motivos que o pssarocanta.

    A partir dessa colocao, evidente que h uma diferena do canto da primavera e do grito dealarme para o canto gratuito porque esse canto gratuito [exatamente] porque no prestanenhum servio ao organismo ou espcie.

    Se, de algum modo, eu me fiz entender; se alguma coisa do que eu falei atravessou (casocontrrio, mais adiante eu farei com que vocs entendam!) eu marquei claramente a existncia pelo menos nos pssaros de dois tipos de corpo: um corpo orgnico, que est sempre a servioda espcie e do indivduo; e um corpo que, por enquanto, eu s posso chamar de um corpoesttico. No caso dos pssaros, um corpo que fica de talforma tocado diante das luzes, daclaridade e das cores que o crepsculo e a aurora produzem, que comea a [emitir] Ateno!ondas rtmicas: ele gera ondas rtmicas, que se encontram com as foras da natureza. Equando o ritmo se encontra com as foras da natureza isso se chama SENSAO.

    - O que a sensao?

    A sensao a potncia de um corpo vivo, que produz uma onda de intensidade que no caso dos

    1

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    2/32

    pssaros so os ritmos; e no caso das foras caticas da natureza, as misturas das cores, dos calorese das luzes E quando essas duas linhas se encontram, emerge o que Olivier Messiaen vai chamarde personagem rtmico. O personagem rtmico no um sujeito, no um pssaro. Opersonagem rtmico uma onda, que se serve do corpo do pssaro.

    Ento, atravs do encontro das ondas estticas e da composio do personagem rtmico que exatamente o pssaro ao fazer esse canto; com as foras do sol, as foras da natureza que eupassarei a chamar de paisagem meldica alguma coisa em termos de corpo, em termos depensamento e em termos de tempo se produz.

    Essa mesma exposio (que provavelmente, por enquanto, nem todos puderam entender)poderemos encontrar no cinema de um diretor de Nova York que o John Cassavetes. Todo ocinema do John Cassavetes um cinema do CORPO mas de modo nenhum do corpo orgnico.Usando [o que eu falei sobre] os pssaros o cinema do Cassavetes um cinema dopersonagem rtmico e da paisagem meldica. Repetindo: Cassavetes introduz no cinema ocorpo mas de modo nenhum o corpo orgnico.

    O nome do pssaro em portugus TORDO e em francs GRIVE.

    Eu vou passar a chamar o corpo do Cassavetes, da mesma maneira que o corpo do pssaro Euvou chamar o corpo, com que o Cassavetes trabalha literalmente de corpo histrico. E a, comuma certa facilidade, eu j fao a distino de que, no nosso corpo, ns teramos misturados ocorpo orgnico e o corpo histrico. Esse corpo histrico foi apresentado teoricamente no Ocidentepela obra de Artaud que d a esse corpo o nome de CORPO SEM RGOS.

    A nossa apreciao dessa questo no difcil: de um lado um corpo orgnico sempre a servioda espcie, a servio do indivduo; e de outro lado, um corpo esttico, ou melhor, um corpohistrico ligado produo da beleza.

    Nesse comeo de aula, eu vou aproximar a obra do Cassavetes da obra do Tordo. Cassavetes, oTordo ou o Tordo Cassavetes tanto faz.

    Da mesma maneira, se eu sair do plano do cinema desse plano belssimo do cinema ([cujos]filmes ns teremos que tentar ver) e entrar na pintura, por exemplo, ns vamos apreenderomesmo processo, porque a pintura traz uma marca muito clara [dele]. O sc. XX, em termos de artesplsticas afora certas tolices que existem por a foi um rompimento com a arte figurativa. Prafacilitar, eu vou chamar, aqui, a arte figurativa de arte propriamente orgnica.

    O que aconteceu no sc. XX, fundamentalmente nas artes plsticas, foi a emergncia da arteabstrata: Mondrian que est sendo recuperado agora; Kandinsky; e, mais pra frente, osexpressionistas abstratos: Pollock, e assim por diante. Mas tambm, j no final do sculo, um pintorchamado Francis Bacon cuja questo a mesma do Tordo e a mesma do Cassavetes: a produo,na pintura, de um corpo histrico. Ou seja, nesse instante, em termos ornitolgicos, em termos

    picturais e em termos cinematogrficos, eu estou comeando a constituir uma nova esttica aesttica das ondas rtmicas, a esttica das foras da natureza e a esttica das sensaes. Sequisermos nos apropriar mais do que eu estou dizendo, vamos encontrar a mesma questo naliteratura, na poesia em Fernando Pessoa , por exemplo, que chamado o poeta das sensaes!?! As sensaes so a mesma coisa que os ritmos do Tordo e as atitudes e as posturas daspersonagens do Cassavetes.

    A ligao que eu vou fazer do pensamento com o corpo no a ligao do pensamento com o corpoorgnico, porque essa separao do corpo e do pensamento que tem origem no platonismo aseparao do corpo orgnico: que se separa do pensamento.

    - Mas, o que eu estou chamando de corpo histrico?

    2

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    3/32

    No caso do cinema, o corpo histrico se manifesta poratitudes e posturas que se originam numaexpresso do Brecht chamada GESTUS.

    Gestus por enquanto seria [apenas] uma maneira do corpo histrico se manifestar. E o cinema doCassavetes no , de forma nenhuma, um cinema fundamentado na histria, na intriga ou no enredo.Nada disso! O que se d no cinema do Cassavetes uma associao das atitudes e das posturas (quens vamos entender de qualquer maneira!). Mas, a partir disso, eu posso dizer que esse corpo dasatitudes e das posturas o corpo do gestus, o corpo da deformao do Francis Bacon, ou ento ocorpo do personagem rtmico que vai fazer uma associao com o pensamento. Ou melhor: essecorpo que eu chamei de histrico fora o pensamento a pensar.

    Essa expresso, que eu acabei de usar aqui, realmente muito difcil, porque classicamente nsentendemos o pensamento como aquilo que funciona sempre por sua boa vontade e eu estoudizendo que no; que o pensamento forado a pensar por este corpo que eu chamei de corpohistrico o corpo das atitudes e das posturas, o corpo do gestus. Ele fora o pensamento apensar.

    - Fora a pensar, o qu?

    Ele fora a pensar o impensado a pensar o corpo, a pensar a vida. como se, de repente diante de toda essa histria pesada da filosofia ns tivssemos a viabilizao, a possibilidadedo pensamento pensar. E o pensamento, quando pensa, o que ele pensa o corpo e a vida.

    Ento, vocs vo ver o cinema de Cassavetes um cinema explicitamente do pensamento!Quando o Cassavetes se junta com a Gena Rowlands [onde quer que] aquele par magnfico serena pode ser em Glria, Love Streams, Faces o que est passando por ali so gestus,posturas e atitudes e o pensamento dando conta daquilo. Ou seja, quando eu fiz essa distino decorpo orgnico e corpo histrico; e, no caso de Cassavetes, liguei o corpo histrico s posturas eatitudes, o que eu quiz dizer pra vocs que a funo do pensamento pensar todas as atitudese as posturas do corpo insnias, sono, tristeza; todas as linhas de errncia abstratas edifceis que o corpo produz.

    Ento, de um outro lado, a minha aula tem ( olhem o nome:) uma postura tica, - postura coisa decorpo, no ? -, uma postura espinozista; no sentido de que sem temores, sem medo da morte oque ns vamos fazer PENSAR O CORPO.

    Esse o meu curso pra vocs!

    Mas quando o pensamento e o corpo comeam a fazer essa associao estranha associao nocinema, associao no teatro, associao na pintura, na dana, etc. quando essa associaocomea a se dar o corpo comea a secretarO TEMPO. E o pensamento comea exatamenteporque ele fez essa associao com o tempo. Ele invadiu o corpo para pensar e dar conta do que ele esse corpo comea a gerar o tempo.

    Ento, eu posso falar, sem o menor problema, que o cinema de Cassavetes um cinema do tempoou o cinema do Godard etc. Por qu? Porque a composio do pensamento com o corpo fazcom que o corpo secrete tempo. Essa idia de tempo uma idia absolutamente trgica porque ela que nos d e nos tira a vida. Pelo menos, assim que ns pensamos o tempo.

    Acontece que toda a tradio do Ocidente compreendeu o tempo segundo o modelo orgnico, ouseja aquele modelo que no passa; funcional, organizacional. O tempo foi compreendido, pelospensadores do Ocidente, em termos de tempo orgnico ou tempo cronolgico. Como? Porque oorganismo produz o tempo que lhe interessa. E o homem, na sua pequena humanidade, no faz nadamais do que servira esse organismo.

    Agora, o que eu estou falando, que ns vamos rompercom esse tempo cronolgico, para

    3

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    4/32

    encontraroutras formas do tempo, ou melhor a pura forma vazia do tempo.

    - Como eu consegui atingir essa posio nesta aula a posio de chegar a um momento e dizer queo corpo secreta o tempo?

    Para Proust, esse tempo secretado pelo corpo agora vem um enunciado assim terrvel talvez sejao nico ndice de imortalidade. Ou seja: Proust afirma que as religies no podem em nenhum

    momento nos indicar a possibilidade de que nossa alma seja eterna. Mas quando o pensamentomergulha no corpo e encontra o tempo. .. ele comea a conhecer os segredos da eternidade.Ento, a partir daqui, eu mostro pra vocs que, ao pensar o tempo, ns pensaremos juntos tambm aeternidade.

    Em funo do que eu acabei de dizer, eu acredito que, agora, a aula possa comear. Eu acho que nsj temos todos os elementos bsicos, pelo menos para esta aula corpo, pensamento e tempo.

    Falar sobre o tempo entrarno tempo provavelmente um dote e, sem dvida nenhuma,filosfico: porque esse procedimento tem incio no sculo IV com o neo-platonismo Plotino que penetrar no tempo, e entenderexatamente o que isso; entender o corpo; e entender opensamento.

    Ento, comeamos a fazer a nossa viagemH uma doutrina que provavelmente tem incio no sc. I d.C. chamada animismo que afirmaque tudo aquilo que existe tem vida. Ou seja, o animismo coloca a alma em todas as coisas. Essadoutrina, por sua prpria maneira de se apresentar, cai num misticismo exagerado epraticamente se perde. E [se perderia pra sempre,] caso no fosse adotada pela Filosofia do Plotino.

    Para pensar o tempo, o corpo e o prprio pensamento, eu estou utilizando agora como instrumentoterico (poderia ser outra coisa!) uma tradio que nasce com o neo-platonismo no sc. III ou IV d.C. tradio que vai trabalhar com a noo de contemplao que eu vou passar a explicar. Toda arazo de ser da noo de contemplao est diretamente ligada questo do tempo. Essa noo j platnica mas no Plotino ganha uma diferena.

    Essa tradio que nasce com Plotino, vem at hoje, na obra do Gilles Deleuze. Ou seja, sem medode errar Deleuze neo-platnico.

    - O que exatamente isso, e por que eu estou usando esse instrumento difcil chamadocontemplao para poder penetrar nas questes do tempo e nas questes da eternidade; nasquestes do corpo e nas questes do pensamento?

    Essa tradio, que comea em Plotino, prossegue com Santo Agostinho, com os ingleses comSamuel Butler na Inglaterra, por exemplo

    Samuel Butlerdizque uma semente de rosa, jogada na lama sem mos, sem ps e sem nenhuminstrumento capaz de transformar essa lama na qual ela est inserida em macias e perfumadasptalas de rosas, de forma magnfica! O que eu estou dizendo, que as rosas so produzidas pelassementes; e essas sementes fazem as suas roseiras e as suas rosas com a lama, a gua e a terra -,que a matria que elas utilizam para transformar aquilo num determinado ser: a roseira, apinhadade rosas

    Ao fazer isso, a semente no produz nenhuma atividade. A nica coisa que a semente faz contemplar!

    Ouvir uma tese dessas, quase enlouquecedor! Uma tese de que a natureza produz no pelaatividade mas pela contemplao. Essa afirmao que eu fiz, de forma muito ligeira nstemos dez aulas para poder sustentar isso Eu estou dizendo que, na natureza, a gerao no se dpor processos de atividade mas por processos contemplativos. Quando a gente falacontemplao, vem logo nossa mente a idia de narcisismo.

    4

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    5/32

    Narciso era aquele que contemplava a sua imagem Por isso, existe uma distino, tambm neo-platnica, entre narcisismo formal e narcisismo material. O narcisismo material quando Narcisocontempla a sua imagem e se esgota naquela contemplao. Enquanto que contemplao formal, ouo narcisismo formal, quando essa semente de planta sem olhos contempla a natureza; e, aocontemplar, sintetiza os elementos, de tal maneira, que novos objetos comeam a ser gerados. Ouseja, [a partir] da contemplao de uma semente na lama uma srie de snteses iro se

    processar e essas snteses vo gerar os objetos que existem na natureza.O que eu acabei de [passar] pra vocs, numa apresentao ainda muito ligeira, foi a idia deCONTEMPLAO. uma idia muito difcil sobretudo para ns, que traduzimos toda anossa vida em prticas!Ns s acreditamos na atividade; quando [o que eu] estou dizendo []exatamente o contrrio. Eu estou dizendo que a natureza como a arte produzem quandocontemplam. Ento, entrou uma nova idia a idia de contemplao.

    Essa idia de contemplao como eu coloquei pra vocs tem origem no pensamento platnico;se deforma ou toma outra linha no pensamento neo-platnico no pensamento de Plotino; e vaiexplodirno sc. XVIII. Nesse sculo, os pensadores ingleses, os pensadores da ilha Hume, Locke,mas sobretudo Hume tomam essa idia de contemplao como a idia fundamentalde sua obra.

    (virada de fita)

    H uma idia que ns utilizamos nas prticas quotidianas, mas que muito poderosa nessa filosofiaque eu trabalho a idia de REPETIO. Alis, a idia de repetio fsica, de repetiopsquica e a idia de repetio ontolgica. Inicialmente, eu vou trabalhar com essa idia derepetio idia terrvel! idia terrvel! - que praticamente dirige a obra filosfica do Deleuze.

    A idia de repetio.

    Vamos tentar entender essa idia e vocs no precisam se preocupar se vocs tiverem perdido tudoaquilo que eu j disse.

    No faz mal eu vou ajeitando at que vocs possam tranquilamente dizer: Eu estoucompreendendo o que est se passando

    A idia de Repetio.

    Pra vocs entenderem, a repetio pode ser exemplificada como a repetio do barulho de umrelgio tic-tac, tic-tac, tic-tac. Qualquer um de ns no silncio da noite [percebe claramente]essa repetio do relgio tic-tac, tic-tac, tic-tac (no ?) Isso se chama repetio! Quandoouvimos esse barulho, passamos a achar que sempre que o tic aparecer, logo em seguida vir otac nosso esprito fica na absoluta convico de que esse fenmeno vai ocorrer! Ora, se tic, emseguida tac, depois tic, depois tac tic-tac, tic-tac. .. O que faz o esprito? Quando o espritoouve o tic-tac. .. de tanto ouvir essa repetio quando aparece o tic ele, o esprito antecipa o tac; isto : o esprito no espera que o tac chegue antecipa-o. Ou seja, o processode antecipao um processo que se d em nosso esprito quando a natureza se repete; ens acreditamos temos a crena de que aquela repetio vai permanecer. Sempre queacreditamos que uma repetio vai permanecer antecipamos um de seus elementos. Neste caso antecipamos o tac.

    Quem antecipa no a natureza quem antecipa o esprito!Ento, quando o espritocontempla a natureza e a natureza lhe oferece um processo de repetio esse processo infatigvel! A natureza sempre repete [o mesmo processo...] e o esprito comea a produzirumadiferena naquilo: comea a introduzir a reteno e a antecipao.

    O que quer dizer isso?

    De tanto ouvirtic-tac, o esprito retm o tic, antecipa o tac e junta os dois no tic-tac. Isso porque

    5

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    6/32

    fora do esprito o tic e o tac so dois elementos separados: ou seja, quando aparece o tic; emseguida aparece o tac. Mas o tic no pode re aparecer, se o tac no tiverdes aparecido! O queimplica em dizer que, o processo de repetio na natureza, pressupe (Olha l, heim?) a noode INSTANTES DESCONTNUOS. A natureza nos mostra isso. Ela nos mostra o que se chama Os Instantes Descontnuos

    - O que so os Instantes Descontnuos?

    a apario de um elemento e a des apario desse elemento para que um outro elementosurja. Ou seja: os dois elementos jamais apareceriam ao mesmo tempo na natureza! Isso sechama descontinuidade dos instantes.O esprito contempla essa descontinuidade dos instantes [antecipa] um instante e retm o [outro]. Na natureza, esses dois elementos esto separados; noesprito, eles se juntam. No esprito, no existe mais um tic e um tac porque o tic e o tac formamuma pequena extenso. Na filosofia do tempo, de Bergson, esta pequena extenso chama-seDURAO; ou seja o esprito, que reteve e antecipou, reteve e antecipou esses dois elementosdescontnuos produzidos pela natureza. Esse procedimento espiritual simultaneamente aINVENO DO TEMPO.

    (Eu sei que foi muito difcil!)

    O que eu acabei de dizer pra vocs, que, para que o tempo surja, ou melhor: a condio para quesurja o tempo que exista o esprito que contempla.

    (Eu ainda no espero nenhum resultado dessa afirmao que eu fiz pra vocs. Esses resultados, nsdevemos obter na segunda aula!)

    O que eu falei agora pra vocs, que NA NATUREZA existiria um processo de REPETIO:um processo de repetio descontnuo. O esprito contemplaria essa repetio descontnua,juntaria os elementos que na natureza esto separados, e ao juntar esses dois elementos, oesprito formaria uma pequena linha: uma pequena extenso, ou seja formaria umaDURAO.

    Ou melhor: o tic aparece. Quando o tic des aparece, o tac aparece; quando o tac desaparece, o ticaparece, (no ?) Ento, o tic e o tac cada um deles um presente que se d na ausncia do outro;ou seja: cada instante, quando aparece, para que o outro instante aparea, ele tem que desaparecer.

    Quando esses dois instantes se juntam no esprito, o instante anteriorpassa a se chamarpassado; eo instante posteriorpassa a se chamarfuturo. O tic que presente na natureza; e o tac que presente na natureza; no esprito tornam-se passado e futuro. Ou seja: o esprito que contempla produz O TEMPO!

    (Ningum se preocupe que, na prxima aula, eu vou voltar a isso daqui!)

    - Como o esprito produz o tempo?

    Ele produz duas dimenses o passado e o futuro. Esse momento, em filosofia, simultaneamentede uma dificuldade extremada. .. e a grandeza do pensamento: o pensamento perdendo os seuslimites e indo alm deles para alcanar o impensado: o tempo e o corpo.

    (Agora para obter um pequeno resultado ns vamos voltar para uma outra maneira de pensarque acompanha essa que est aqui.)

    Eu chamei a natureza de um processo de repetio. Mas ela um processo de repetio muitoestranho porque ela um processo que aparece e desaparece para que o outro aparea. Ento, como se a natureza fosse um permanente piscar. Essa maneira de serda natureza constituiria osinstantes um separado do outro. Ento, ns teramos uma sucesso de instantes e cada instanteestaria eternamente separado do outro instante. A presena do esprito seria o que se chama SNTESE.

    6

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    7/32

    - O que quer dizersntese?

    Sntese quer dizer juntaraquilo que est separado. O esprito pratica uma sntese, porque junta dentro dele os instantes que esto separados. E ao juntar os dois instantes ele faz uma sntese;mas acontece que o esprito no produziu nenhuma atividade. Ele fez essa sntese apenas porcontemplar. Por isso, essa sntese chamada de sntese passiva.

    - O que quer dizer passivo?Passivo quer dizer aquilo que no produz modificao no objeto contemplado, ou seja: o espritono produz nenhuma modificao na repetio da natureza mas ele prprio se modifica. Ento arepetio da natureza e a diferena do esprito.

    Voltando: eu disse contemplao; disse que o esprito contempla; e disse que o esprito faz umasntese.

    Hume, o filsofo que eu estou citando, chama orgulhosamente essa sntese de Esprito ouImaginao Contraente. O esprito tem o poder de contemplar os instantes separados na repetioda natureza, contra-los no seu interior, e, ao fazer essa contrao dentro de si ele gera otempo. O tempo emerge: o tempo emerge no esprito.

    ( um momento difcil Claro, que um momento difcil porque, subitamente, vocs saram dacidade dos movimentos da cidade para cairdentro de snteses passivas e das contraes doesprito!)

    Ns ficamos praticamente assustados. Mas, por qu? Porque quando o pensamento se associacom o corpo; ao pensar o corpo ele verifica que o corpo secreta tempo: abandonamosdefinitivamente o senso comum!

    Ou seja tudo aquilo de que eu estou falando, impossvel de ser compreendido pelo sensocomum! Por qu? Porque so as experincias mais possantes que o esprito humano pode fazer.Essas experincias, que eu estou mostrando pra vocs, a repetio da natureza que seria a

    eternidade; e a contemplao do esprito que seria o nascimento do tempo.Esse nascimento do tempo que evidentemente no ficou claro que evidentemente produziu umadificuldade imensa, (no ?) difcilde entender Mas exatamente esse nascimento do tempoque vai ser a maneira como eu poderei explicar pra vocs o canto do tordo, o personagem rtmico, apaisagem meldica, as atitudes e posturas do Cassavetes, a deformao do Francis Bacon, e assimpor diante.

    Ou seja: o que faz o pensamento sua nica questo conquistaro tempo.

    Parece uma coisa simplria, mas no , porque o modelo do organismo predominainteiramente sobre ns e ns no podemos compreender o tempo exatamente por causa domodelo que ele projeta sobre a gente.

    A primeira aula dificlima dificlima! -. ..porque ns comeamos a fazer um contato, umagenciamento: cada um de ns se torna o intercessordo outro o olhar de vocs intercessor pramim, as minhas falas so intercessoras pra vocs! Ns comeamos a fazer uma combinao, quecomea a nascer num determinado perodo da aula onde alguns comeam a sentir maioresfacilidades, outros maiores dificuldades em entrar na questo levantada.

    Claudio: Quanto tempo eu falei?

    Aluno: 45 minutos

    Eu vou fazer o seguinte: eu vou falar mais vinte minutos, depois vocs tomam um caf, uma coisaqualquer porque essa aula pesa muito. Ela pesa! preciso ter uma certa pacificao

    7

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    8/32

    Al.: Claudio, a idia de contemplao?

    Cl.: No conseguiu?

    Al.: Ainda no!

    Cl.: Vamos tentar, ento.

    Al.: Partindo da semente daCl.: o seguinte: esse autor que eu citei chama-se Samuel Butler inteiramente desconhecidodentro do campo da filosofia. Na literatura, ele tem um certo conhecimento Butler um pensadordessa tradio neo-platnica. E ele diz o seguinte: voc joga uma semente na lama: a semente cai nalama Essa lama gua, terra, luz e ar. Ou quimicamente mais bem explicado fsforo, carbono, etc. E a semente est ali! Qual o procedimento que essa semente tem para se transformarnuma rosa, sabendo-se que a matria da qual ela vai se servir, para que a rosa nasa, a lama que acircunda? essa a questo! Ou seja: quando voc encontra uma roseira, essa roseira se originounuma semente; e essa semente retira da lama os componentes para produzir as suas rosas.

    Al.: A Contemplao d uma idia de passividade!

    Cl.: Inteira passividade! Voc no viu que, quando eu falei no esprito, eu disse que ele era passivo? exatamente isso: uma contemplao passiva! A dificuldade inicial que ns temos para entenderisso, que todas as tradies psicolgicas so de uma psicologia ativa. A psicologia no paroude rejeitar a contemplao. Ento, a dificuldade exatamente essa. Mas se voc pensar umacoisa muito simples! voc joga. .. uma semente de qualquer coisa na terra e ali vai brotaralguma coisa!

    Al.: No h uma interao?

    Cl.: Como, interao!? A terra cede seus elementos pra semente.

    Al.: E a semente no faz nada?

    Cl.: Faz! Ela.. con trai! Da mesma maneira que esse esprito contraiu Depois voc vaientender perfeitamente isso: o processo da semente um processo de contrao. Ela contrai oselementos e ao contrair esses elementos ela comea a gerar esse mundo lindssimo que nstemos. Da mesma forma que um pssaro canta para o sol uma semente contempla anatureza. o mesmo procedimento!

    (Eu estou tentando mostrar pra vocs que o nascimento do tempo pressupe o esprito; e sefundamenta na contemplao. Eu no quero nenhuma vitria excepcional numa primeira aula!?Evidente, que no! O meu procedimento nessa aula , inclusive, muito estratgico!)

    Al.: Quer dizer que o corpo histrico fora o pensamento a pensar?

    Cl.: Fora!Al.: O corpo orgnico tambm?

    Cl.: No! Pelo contrrio! O corpo orgnico se submete ao organismo; e o rgo principal aconscincia. Ou seja: o corpo orgnico todo governado pela conscincia.

    Al.: E a natureza humana?

    Cl.: A natureza humana orgnica e dominada pela conscincia. preciso romper com ohumanismo para chegar a essa posio que eu estou colocando. O maioradversrio dessa posio ,sem dvida nenhuma, o humanismo; porque o homem enquanto tal orgnico e como dizNietzsche a conscincia o rgo mais jovem. O que eu estou mostrando pra vocs que o

    pensamento s pode pensarse a conscincia for paralisada porque a conscincia um obstculo

    8

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    9/32

    para o pensamento.

    O homem projeta o organismo que ele projeta sua pequena humanidade sobre a natureza e querencontrarnela o espelho de si prprio: o NARCISISMO MATERIAL. O homem quer sereverportoda a natureza e, a tal ponto, que ns vimos nascer, neste sculo, essa coisa notvel, quefoi a descoberta do inconsciente para afinalo inconsciente serbarbaramente HUMANIZADO:passamos a ter um inconsciente humano

    Eu vou tentar mostrar pra vocs que no nada disso! O que ns temos que [fazer] produzir alibertao do pensamento, atravs das foras do corpo que foram o pensamento a pensar Opensamento forado pelo corpo: pense! Mas pense, o qu? Pense a mim! Pense a mim o corpo.O pensamento pensar as posturas e atitudes do corpo e nesse procedimento que nsultrapassamos o humanismo.

    O que o M. citou (no ?) e eu acredito que a resposta foi precisa porque se ns tomarmosa conscincia como um rgo, a funo da conscincia permanentemente a mesma: serviraoorganismo! Em termos nietzscheanos, a conscincia uma fora reativa. Em termos espinozistas, aconscincia uma fora conservativa. [Enquanto que] o pensamento avassalador, conquistador, criador. Ou seja, a nica questo do pensamento criar e inventar no importa como!

    Ento a a gente teria nitidamente no uma dialtica, no um confronto do pensamento com aconscincia, porque o pensamento em momento nenhum faz confrontos. Quem fazconfrontos a conscincia, que vive sob regime das opinies. O pensamento, no! Por isso, aquesto de um pensador no apresentar opinies para serem debatidas; mas constituirproblemas para serem pensados. No haveria nem possibilidade de dizer dialtica entre opensamento e a conscincia porque a oposio, a dialtica esses conceitos eles pertencem conscincia: no pertencem ao pensamento.

    De uma outra maneira, para vocs entenderem Vou citar at uma aluna minha, que est aqui. Nosculo XVI, se eu no me engano parece que uma loucura o que eu vou dizer, viu? No sculoXVI, a indstria txtil americana estava funcionando exacerbadamente; magnificamente. E elaproduzia bordados. O bordado so linhas que se pem sobre os tecidos Ela produzia vestidos queeram s bordados. Eram de uma beleza extraordinria. Mas chegou um momento em que a indstriatxtil entra em crise Quando isso ocorre, comea a desaparecer o pano, surge o PATCHWORK.

    Os patchworks so [feitos de] remendos (certo?) Eu diria h uma certa dificuldade! -queo bordado se origina no organismo e o patchwork, no pensamento.

    Numa outra linguagem, quando ns acompanharmos esse curso vocs vo ver, que vai haver umadistino que eu vou fazer entre espao nmade e espao sedentrio. O espao sedentrio exatamente o espao do organismo, que quer, a todo tempo, a conservao. Quer tanto aconservao que inventou a vida depois da morte. Vida orgnica, depois da morte.E de outro

    lado, o pensamento cuja questo nomdica, a questo dele sempre inventare criar.(Ento, agora vocs vo tomar um caf!)

    O procedimento desta aula se assemelha s atitudes e posturas que foram o pensamento a pensar.Ou seja, o que eu objetivo nesta aula fazercom que vocs pensem no importa o caminho queeu siga! Por exemplo eu j recebi uma observao magnfica, feita por E., onde ela encontrouuma semelhana entre a semente contemplativa e os pssaros da primavera sem dvida nenhuma!

    Esse cinema do Cassavetes, que eu chamei de cinema de atitudes e posturas ele secreta tempo.O que eu estou dizendo aqui? A obra de Deleuze sobre cinema traz uma diviso definitiva: ocinema que no produz tempo e o cinema que produz tempo. O Cassavetes estaria entre oscineastas do tempo. Mas por que eu estou dizendo isso? Porque haveria um cineasta que eu

    pediria demais que vocs vissem o Joseph Losey. E o filme, que eu gostaria que vocs vissem,

    9

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    10/32

    tem em vdeo, O Criado. Certo? Quer dizer, se vocs puderem no digo j pra depois deamanh isso vai ser demais, no ? Mas, vamos dizer, pra segunda-feira que vem, j ter umCassavetes e um Losey vistos, j bastante para mim. Do Cassavetes, Glria que tem emqualquer vdeo.

    Por exemplo: vejam a estratgia desta aula. O mecanismo desta aula, como se ela fosse quebrada.Ela produz um espao assim rompido e esse meu objetivo.

    (fim da fita 1)

    Fita 2

    O Proust considera que a prtica do artista inicialmente um confronto que o artista faz consigoprprio. o sujeito artista buscando quebraro domnio do pessoal em ns: rompercom apersonalidade, rompercom a pessoa, quebraresses esquemas para poder produzir a obra dearte.

    muito semelhante a tudo o que eu passei pra vocs ainda que com certa equivocidade quando eu falei no pssaro, quando eu falei no histrico do Cassavetes, quando eu falei no figuraldo Francis Bacon. O que eu vinha mostrando a vocs que por exemplo, Proust; por

    exemplo, Cassavetes; por exemplo, Olivier Messiaen todos eles sabem que qualquerhomemque queira fazer uma obra arte, que queira produzir uma obra filosfica ou mesmo produziruma obra cientfica, o confronto fundamental que ele faz consigo prprio. Um confrontoconsigo mesmo. Esse confronto consigo mesmo um confronto terrvel, um confronto dificlimo,mas que seria a nica maneira, diz o Proust, que poderia surgir o sujeito artista. Ento, o artista, ohistrico, o tordo esses se marcariam pelo deslocamento que eles fariam em relao vidapessoal. o rompimento com a estrutura psicolgica, rompimento com a histria pessoal,rompimento com o passado. Outra vez: rompimento com a histria pessoal, rompimento com opassado.

    - Por que eu estou insistindo nisso? Porque esse filme do Cassavetes o Glria exatamente isso:

    exatamente uma personagem (a Glria) e outra personagem (o garotinho chamado Phil), e o queeles fazem no filme rompercom a histria pessoal, rompercom todo o passado deles, e a partirdaquele rompimento atravs das atitudes e das posturas eles produzem histria; ou seja: asatitudes e as posturas no se originam numa histria pessoal, as atitudes e as posturas rompem coma histria pessoal e comeam a gerarmundos novos.

    Essa citao do Proust e essa associao do Proust com o Cassavetes pra vocs poderem arrancardesse filme, vocs vo verificar que tanto a Glria personagem-ttulo sobretudo ela, vairomper com sua histria pessoal para poder gerar as atitudes e as posturas que so umconjunto de gestus. Isso, que eu estou dizendo, marca o grande inimigo do pensamento, docorpo e do tempo que o sujeito pessoal, o sujeito psicolgico, a histria pessoal.

    exatamente [contra] essa figura que Proust ao longo de toda a obra dele faz uma guerra semquartel. Romper com tudo aquilo que gera, em ns, o medo da morte no sentido de que o medoda morte aquilo que produz Deus; e aquilo que produz Deus nos paralisa. E ao nos paralisar,nos impediria de produzir uma obra de arte.

    Ento, de uma radicalidade excessiva, como se de repente o pensamento estivesse afirmandoque a nica sada que ele tem seria o atesmo radical; e esse atesmo radical revelaria para nsoutros mundos mundos que no apareceriam se no houvesse o sujeito artista para produzi-los. Aarte que seria conquistada atravs do pensamento; e de um pensamento radical seria a produodo que Proust chama, do que Leibniz chama de MUNDOS POSSVEIS. Esses mundos possveispertenceriam ao nosso esprito fariam parte do nosso esprito e no da nossa histriapessoal.A funo do pensamento seria extrair, colocar no mundo esses mundos possveis.Proust diz isso de uma maneira radical, e o motivo pelo qual eu estou levando esta aula para esse

    10

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    11/32

    caminho, para fazer um acordo ou um desacordo entre ns: que se no houvesse o artista ns seramos forados a viver num s mundo: sempre no mesmo mundo. Quem produz osnovos mundos, os novos afetos, as novas formas de vida, exatamente a arte.

    Ento, o que se torna primeiro para a vida de cada um de ns, a liberao das foras da psicologia,para o exerccio dessa liberdade do pensamento. Essa prtica no precisa ser feita por um grandefilsofo ou por um grande artista. Ela pode ser feita por qualquer um de ns: fazer do pensamentoa busca de novos mundos; e, a produo desses novos mundos, gerando o que inteiramenteimpossvel fora da arte a comunicao entre as nossas almas.

    O que eu estou dizendo pra vocs, que ns todos estaramos encerrados num solipsismoassustador, ns todos estaramos encerrados na mnada que ns somos sem portas e sem janelas e sem possibilidades de comunicao de um homem com outro homem. Isso no seria alcanado,diz Proust, nem pela amizade nem pelo amor. .. Ele vai a extremos, quando rompe com apossibilidade de o amor e da amizade nos dar as composies com outros homens. Isso saconteceria na obra de arte. Na obra de arte haveria como que a comunho das almas comunhoessa que no seria possvel nem na amizade, nem no amor.

    - Por que, nesse momento, eu citei Proust? Eu abandonei todos os meus interesses tericos daprimeira parte da aula, para usar Proust como instrumento estratgico pra vocs. Para que vocspercebam, que um pensador Proust altamente contemplativo que fez da obra deleaparentemente um trabalho de memria, um trabalho de recordao, simultaneamente deuma agressividade assustadora, querendo romper com os quadros da psicologia, queimpediriam a nossa liberdade.

    Ento, a minha aula simultaneamente terica como eu mostrei na primeira parte pra vocs; maspassa tambm um quadro existencial e figuras prticas, no sentido de que ouvir a minha aula comose fosse alguma coisa que pudesse ser ouvida e deixar de lado no teria o menor sentido. O quea minha aula fundamentalmente objetiva a modificao das subjetividades. ns sairmosdesse modelo de dominao que existe sobre ns, desde que ns nascemos at que ns

    morremos que uma subjetividade material toda constituda em termos de hbitos esentimentos; para produzir uma subjetividade espiritual capaz de lidar com o pensamento,com o corpo e com o tempo.

    Eu acho que aqui no h nem um tema de dificuldade Essa exposio, que eu estou fazendo pravocs, pra mostrar que no pertence a homens excepcionais essa potncia de fazer da arte ocaminho da sua vida. Ou seja quando lemos a obra de Deleuze, ela literalmente no pode sercompreendida, se ns no fizermos uma modificao [nas nossas vidas]. Ou seja: se ns nofizermos uma modificao, ns no a compreendemos. No que ela queria modificar algum porque o ato de passagem dela, imediatamente produz uma imensa modificao, como vocs vopassar a assistir na prxima aula.

    Eu considero a primeira aula como uma aula impossvel uma aula impossvel de ser compreendida porque todo um jargo, todo um modo de me expressar, que vocs nunca ouviram que a maiorianunca ouviu citando pssaros, sementes, contemplaes, espritos, repeties, que parece queentramos num grande delrio Muitos podem pensar assim entramos num grande delrio! Masno exatamente isso. O meu procedimento ao dar uma aula visa fazer, daquele que estestudando comigo, torn-lo uma espcie de heternimo meu, fazer dele um intercessor. Ou seja:fazer com que ele exera os procedimentos dele mas seguindo essa linha que eu passo pra vocs.

    A histria da arte, com muito mais potncia que a prpria histria da filosofia, marca a distino deuma arte clssica que ela chama de arte orgnica; e de uma arte gtica que ela chama depotncia histrica. Se ns comearmos a entender os procedimentos de conflito entre o instinto e a

    inteligncia entre as nossas foras instintivas e as nossas foras intelectuais ns vamos comear

    11

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    12/32

    a verificar que a arte no apenas um procedimento de entretenimento. Ela uma luta, umconfronto no interior de cada um de ns, e os objetivos dela so sempre os mesmos: a liberdade. Ahistria da arte nos revela que permanentemente houve um confronto entre o instinto e ainteligncia. O instinto predominou na arte primitiva ao ponto de produzir uma arte inteiramenteangustiada, uma arte sofrida, uma arte dilacerada, uma arte instintiva, em que o homem se julgavauma metade separada da natureza e, por causa disso, nasceria uma arte profundamente

    angustiada.Quando esse tipo de arte aparece entre os gregos e os gregos so aqueles que superaram osinstintos e elevaram o intelecto, elevaram a razo -nasce o que se chama a arte orgnica a arteda felicidade; uma arte em que o homem e a natureza fazem uma harmonia porque o homem dotado de razo e a natureza de racionalidade. Ento, a natureza e o homem formam um bloco s e nessa arte, nesse momento, que nasce a arte que eu chamei de arte orgnica uma arte em que ohomem projeta o seu organismo sobre a natureza.

    A arte gtica que vai romper com essa arte orgnica como se fosse o retorno das forasinstintivas. As foras do instinto retornam, mas j no retornam como eram no primitivo; elasretornam para produzir uma nova arte, uma nova geometria, uma nova figurao, ou seja a arte

    gtica de talforma criativa, que ela investe no Caos, para do Caos gerarnovas linhas. diferenada arte grega, que uma arte representativa que supe um modelo um modelo da natureza, quedeve ser copiado; a arte gtica uma arte que se supe lidar com o Caos; e ao lidar com o Caos, oque ela pretende produzir no Caos novas formas. Ento, esse exemplo que eu dei agora, dadiferena da arte orgnica para a arte gtica a arte gtica, sendo a arte histrica que uma arteque lida com o Caos e uma arte que supe que lida com um universo inteiramente formado.

    O que o gtico traz de original e magnfico a liberao do Caos. Essa posio que o pensamento,quando se produz, a sua matria no uma matria organizada e harmnica. O que o pensamentolida com o Caos. A matria do pensamento o Caos. Ns, os humanos, procuramos, ao longo dasnossas vidas, encobrir [essa questo atravs de] um jogo incessante de opinies, onde procuramos

    nos proteger das foras insaciveis desse Caos. O que Deleuze comunicou pra ns, que opensamento tem afinidade com o Caos; e que as razes principais das nossas infelicidades no so arelao do pensamento com o Caos, mas a relao da opinio com as harmonias.

    O que eu disse para vocs, que no s a produo do pensamento o pensamento sendo foradoa pensar o corpo mas o pensamento nos dirigindo para um sem volta, para um sempre, nosdirigindo para o Caos. O Caos que levaria o homem a produzir cidadelas, guarda-chuvas, protees,, segundo a obra de Deleuze, a nica linha possvel de salvao para a vida. ns nosconfrontamos com o Caos e produzimos, nele, um ritmo e uma melodia.

    Esse final de aula, em que eu citei o Proust, quando Proust fala no sujeito artista, e no confronto queo sujeito artista vai fazer com o sujeito psicolgico, e esse confronto vai se passar sempre em nossa

    vida; e de outro lado, o pensamento quando ele se confronta com o Caos. Se, de outro lado, o nossopensamento no se confrontasse com o Caos, e do Caos arrancasse novos mundos, ns estaramossempre prisioneiros da mesma forma de viver. Ento, tudo aquilo que dizem para ns, que o mundoorgnico nos diz que s existe um mundo mundo esse que precisa ser reformado e restaurado, seorigina nos ideais orgnicos. Mas ns no temos que restaurar e reformar esse mundo: o que nstemos que fazer inventar outros.

    Ou seja, o processo da associao da vida, do corpo e do pensamento um processo que exalta anossa prpria existncia. Exalta, no sentido de que ns samos do nada de vontade, samos dastolices, que geralmente governam a nossa existncia, para compreender que essa passagem que nsfazemos aqui um processo de criao permanente.

    Eu agora vou como um processo s da primeira aula, na segunda e na terceira eu no farei isso

    12

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    13/32

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    14/32

    Cl.: Nada!

    Al.: No entanto, a gente vai continuar a ouvir, para abrir as portas

    Cl.: Do paraso???

    Al.: Do amor do dinheiro

    Cl.: O que ns vamos fazer, em funo dele, uma distino muito grave entre intelecto epensamento. uma distino que ns vamos fazer! A noo de intelecto e a noo de pensamentono se recobrem. Ou melhor, de outra maneira: isso um modelo do Nietzsche, ouviu? A razo um instrumento propriamente platnico. O Nietzsche no identifica razo e pensamento. A razo o pensamento a servio do orgnico. Acho que j d para entender o que eu disse

    Al.:Ah, d!

    Cl.: Perfeitamente!A razo filha do orgnico. Por isso, a razo trabalha com dois elementos conhecimento e moral. Pronto! D-me conhecimento, d-me moral! D-me um fio de Ariana! issoque a razo quer: ela querconhecere quermoralizar. Por isso o Nietzsche diz: a razo opensamento governado pelo organismo. Acho que eu respondi a vocs, certo?

    Al.: Claudio, voc falou que a obra de arte nica coisa que traz a comunicao entre as almas.(Cl.: Isso!) Al.: E a filosofia?

    Cl.: Olha, classicamente, a filosofia quando nasceu, ela nasceu em funo do amor. O filsofo aquele que ama a sabedoria. Como existiam, na Grcia, diversos amantes da sabedoria, formou-seum bando de filsofos que eram os amigos, os homens da philia. E esses homens eram simultaneamente rivais. Logo, eles no se comunicavam: eles tinham uma rivalidade entre eles. Oque eu disse, que a filosofia, segundo o seu modelo clssico o modelo do intelecto e o modeloda rivalidade ela no produz a possibilidade da intersubjetividade, nem da comunicao. Pelocontrrio! O que eu estou querendo mostrar, que preciso rompercom os quadros clssicos dasnossas faculdades liberaro pensamento e essa figura complexa, (no ?) da comunicao entre

    as almas que o amor parece no conseguir realizar, pela sua prpria inconstncia, pelo prpriofugidio, que o amor O amor assim, mais ou menos, segundo os versos do Bizet ele foge,sempre, no ?

    Essa questo que o Proust levantou acerca do amor e da amizade tem uma gravidade imensa!Porque todos ns ao longo das nossas vidas o que ns exaltamos a amizade e o amor. E Proustradicaliza: os amigos esto sempre de acordo uns com os outros e os amantes estopermanentemente em inconstncia.

    Olha, h uma sada para o amor amar a inconstncia. a sada

    (risos)

    Cl.: Eu sei que grave, isso que eu estou falando, (no ?) Eu aconselharia, aqui, um livro que saiuem portugus sobre Proust de um autor chamado Grimaldi O cime. Leiam esse texto: muito bonito! um texto sobre Proust, mas s a questo do cime. Porque o cime devorador,(no ?) O cime devorador! O Proust chega ao extremo! Ele diz: o cime no se origina no amor.O amor uma produo do cime. O cime inventa o amor para ele poder passar.

    Quando ns nos deparamos com esse tipo de pensamento, como se ns nos entrssemos em linhasto diferentes do senso comum, que elas nos assustam, elas nos assustam!

    Ento, esse livro do Grimaldi vai ser magnfico pra vocs!

    CORPO ORGNICO E CORPO EXPRESSIVO

    14

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    15/32

    ()

    [E eu vou] passar agora para um canto de que eu no falei no Olivier Messiaen, chamado CANTOTERRITORIALIZANTE. Naquele momento, eu falei em dois cantos: no canto amoroso canto deseduo, canto da primavera que eu relacionei representao orgnica; e no canto gratuito queeu disse no ser, de maneira nenhuma, um canto orgnico. Seria

    (No h nenhuma dificuldade em fazer a oposio que eu vou fazer agora:)

    Eu vou colocar aquele canto que eu chamei de canto gratuito literalmente como um cantoesttico; e opor, ento, ESTTICA e ORGANISMO. Ou seja: quando o pssaro faz o canto para ocrepsculo, ele tem como objetivo a BELEZA; o objetivo dele a ARTE. Arte, no sentido de queele no tem nenhum objetivo de colocar um rgo ou [ efetuar ] uma funo de rgo: ele no buscaa reproduo, ele no quer prazeres individuais, ele no visa a nada disso; pelo contrrio porqueno canto gratuito o pssaro est correndo um risco de morte assustador, pois ele se entregainteiramente ao crepsculo. Ento, ele abandona (ateno para essa categoria: eu estou misturandocategorias, eu vou passar inclusive uma categoria do Nietzsche) a prtica conservativa.

    A prtica conservativa [corresponde ao] que se chama CORPO REATIVO que um corpointeiramente voltado para a conservao. isso que se d no canto primaveril, um canto voltadointeiramente para a conservao e foi inclusive por isso que eu usei um conceito de biologiamolecular Eu disse que quando o pssaro est exercendo esse canto orgnico, esse cantoprimaveril, ele est passando um sonho da vida: que a replicao; um sonho da vida: que areproduo a vida teria esse sonho! O que implica em dizer que o canto gratuito faria uma derivano que eu chamei de corpo reativo, no que eu chamei de corpo conservativo que como se ocorpo abandonasse o governo do organismo e se arriscasse nessa regio do esttico, na regio daarte. Ento, a partir disso, eu acho que eu posso colocar e nada me impede de fazer isso! que omesmo pssaro, que eu chamei de grive musicienne, (eu vou usar, um pouco diferencialmente, oLeibniz) o mesmo pssaro teria em seu corpo duas foras: uma fora de conservao e uma fora

    selvagem,violenta,conquistadora cujo nico objetivo seria a criao, a inveno e a produo. como se fosse uma auto - poiesis: um poderauto criativo que passaria naquele corpo.

    A partir da, eu aplico [essas categorias ] a qualquercorpo: qualquer corpo vivo teria nele essasduas foras uma fora orgnica conservativa e uma fora que por enquanto (eu no vou usarNietzsche) eu vou chamar de FORA ESTTICA voltada exclusivamente para a produo dealguma coisa: no caso do pssaro, para a produo dos cantos cantos para o crepsculo. (T?)

    Agora, o terceiro canto o canto que eu no enunciei: um canto que est inteiramente ligado atodos os animais, incluindo o homem. A todos os animais incluindo o homem, no sentido de que acincia etolgica, que eu chamei de biologia do comportamento, trabalha com pssaros, commolculas e tambm com o homem. Ento, existem determinados animais que so territorializantes;

    e outros, que no so territorializantes. Quer dizer: alguns animais que produzem territrio; e outrosque no produzem territrio. Produzir territrios

    O territrio no tem que obedecer geografia humana: o territrio do animal pode ser um territriono ar, pode no ser nada na terra, pode ser um territrio temporal Por exemplo, dizem que o gatoocupa um determinado territrio durante umas duas horas e depois o abandona. Outro gato vaiocupar as outras duas horas. Ento, o territrio de um animal no recoberto pelo modelogeogrfico humano.

    Vamos chamar o territrio animal de PAISAGEM. uma paisagem onde o animal, que territorializante, vai produzir marcas; marcas que limitem o territrio dele: ele d limites aoterritrio! Quando, por exemplo, o lobo marca um territrio (vocs podem usarassinar), quando eleassina o seu territrio, o lobo marca ou assina esse territrio com fezes e urina. Mas o pssaro, ao

    15

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    16/32

    marcar seu territrio, ele faz isso com o canto: cantando que ele marca territrio. Ento, e aquiest o momento chave -, na hora em que o pssaro marca o seu territrio, ele no est fazendo umaprtica orgnica, no uma prtica orgnica. A prtica orgnica no pssaro (ou mesmo em todos osanimais territorializados) aparece depois de constitudo o territrio dele. Ou seja, eu agora voumudar de nomenclatura e dizer que os pssaros ou qualquerser vivo tm dois tipos de corpo:um CORPO ORGNICO e um CORPO EXPRESSIVO. Ento, eu passei a usar a categoria de

    expressivo e vou dizer que, quando um pssaro vai marcaro seu territrio, o corpo dominante nele,nesse momento, o corpo expressivo.

    Esse corpo expressivo ainda no tem funo orgnica: o pssaro marca o territrio para, a partirdele, de seu territrio marcado, comear a exercer suas funes orgnicas.

    (Ns aqui vamos usar uma estratgia, para vocs entenderem bem).

    Segundo o que eu estou dizendo, portanto, s h canto amoroso, o canto primaveril, depois doterritrio constitudo.

    Assim, o pssaro primeiro constri o territrio dele e quem constri esse territrio no o corpoorgnico; quem constri o territrio o corpo expressivo: o mesmo corpo que aparece no canto para

    o crepsculo. O corpo que aparece no crepsculo o mesmo corpo que produz um territrio .Ento, o que me importa aqui, at esse momento, o fato de um corpo no se definir ou no seresumir ao organismo: um corpo no se resume ao organismo. O organismo no equivalentea corpo vivo. Corpo vivo e organismo no se equivalem: o corpo vivo implica tambm o que euchamei de FORAS EXPRESSIVAS. Ento (ateno para o que eu vou dizer), essas forasexpressivas produziriam o territrio. Eu vou chamar essas foras expressivas de territorializantes; edizer que o corpo orgnico apareceria a partirdo territrio produzido por essas foras expressivas.O corpo orgnico um prolongamento do corpo expressivo: ele prolonga o corpo expressivo. Apartir da, nada me impede de dizer que o corpo expressivo gentico em relao ao corpoorgnico ele a gnese do corpo orgnico. At que

    Se eu estiver me excedendo um pouco aqui No, no estou me excedendo; mas se estivesse, noteria importncia, porque esse o uso que estou fazendo, para ns penetrarmos no campotranscendental e no plano de imanncia.

    Ento, pela explicao que eu dei, um corpo vivo teria duas foras: uma fora orgnica e umafora expressiva. A fora orgnica s emergiria a partir de um territrio produzido produzidopela fora expressiva. Ento, se a fora orgnica s emerge a partir de um territrio produzido,significa que a fora expressiva que a fora territorializante uma fora gentica: agnese do organismo; a partir de onde o organismo aparece.

    - O que nos importa aqui? O que nos importa aqui a idia de gnese; e a idia de representaoorgnica como produto de uma gnese. O que eu estou colocando pra vocs, sempre da maneira

    mais cadenciada possvel, que atrs de uma representao orgnica, atrs do organismo existea fora gentica desse organismo. Essa fora gentica chama-se fora expressiva. (Certo?)

    E agora, quando voc tem o organismo, ou seja, os cantos chamados cantos primaveris, os cantosamorosos, voc tem um organismo em pleno funcionamento; um organismo com as suas funes em pleno funcionamento! Ento, quando voc tem esse organismo territorializado, dentro deum territrio, o pssaro, por exemplo, que est na sua representao orgnica, na prtica docanto amoroso, do canto da primavera, eu vou passar a cham-lo simplesmente deINDIVDUO. Ou seja, eu estou dizendo que os seres vivos se constituem como indivduos: todosos seres vivos so individuados.

    Por exemplo, eu sou um indivduo, ela um indivduo, ele um indivduo, uma barata que aparecer

    aqui um indivduo, uma mosca que aparecer aqui um indivduo

    16

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    17/32

    A fora plstica (eu j tinha colocado isso) a fora plstica constitui indivduos. A fora orgnicaconstitui indivduos. Ento, sempre que voc encontrar um ser vivo, voc estar diante de umindivduo voc estar nitidamente diante de um indivduo.

    Por exemplo, aparece uma pulga, e a gente mata a pulga: matou um indivduo. A gente mata ummosquito: matou um indivduo.

    O vivo o indivduo. Se voc sai do vivo e vai procurar os indivduos no mundo fsico maiscomplicado.

    - Por exemplo, o Po de Acar. O Po de Acar seria um indivduo?

    Essa uma questo muito difcil, porque, inclusive, no se consegue dizer onde esto os limites doPo de Acar; e o vivo tem seus limites precisos. Ento, o indivduo a marca do vivo: todo vivo individuado.

    (Tem caf pra mim?)

    O que eu estou colocando nesta aula de modo um pouco forado que indivduo equivale representao orgnica eu estou constituindo uma equivalncia entre organismo e indivduo.

    E no muito forado, porque, se eu usar as foras plsticas do Leibniz, exatamente isso; ouseja, o organismo um indivduo.

    Agora, a filosofia e, junto com ela, as cincias sempre se empenharam em compreender o queo indivduo. Durante todos esses sculos, com pequenos cortes que neste instante no importam a cincia e a filosofia tm feito um empenho para entendero que o indivduo. (Isso daqui vai noslevar pra [ determinados ] caminhos, que vo surgir l pela oitava a dcima aulas). Ento, quandovocs encontram uma cincia a cincia necessariamente empenhada em dar conta dosindivduos que existem na realidade.

    Mas eu coloquei a diferena do canto expressivo para o canto orgnico e disse que o cantoexpressivo um canto territorializante. A partir de ento, eu estou dizendo que o canto

    expressivo ainda no a postura da individuao: o canto expressivo anteriorao indivduoorgnico. Esse canto expressivo, ento, passaria a ser a gnese do canto orgnico, a gnese darepresentao orgnica. Ou melhor, e isso final todo vivo um indivduo. Todo vivo umindivduo, todo vivo orgnico. Ento, quando eu digo: todo vivo um indivduo, todo vivo orgnico , eu fiz uma equivalncia perigosssima porque eu disse que a vida equivale aindivduo e a organismo mas FALSO: porque a vida no equivale a indivduo e aorganismo porque indivduo e organismo pressupem uma gnese e a gnese do indivduo,a gnese do organismo, chama-se SINGULARIDADE.

    Ento, eu estou dizendo pra vocs que, quando ns pensamos a vida, quando ns formos pensar avida, o que nos aparece para a experimentao, o que aparece no mundo emprico, pra seexperimentar, pra se observar, pra voc fazer seus clculos e sua teoria, so os indivduos e oorganismo. Mas o indivduo e o organismo no se equivalem vida. No h equivalncia entreo indivduo que igual a organismo e vida. Para se pensar a vida, tem-se que incluir agnese do indivduo. E quando voc abandona o indivduo e parte para a prtica gentica doindivduo, encontra-se alguma coisa que eu vou passar a chamar de singularidade.

    Ento, no momento em que eu falo que existe alguma coisa no mundo da vida que no oorganismo, ou seja, que a vida no se equivale a organismo, no sinnimo de organismo queexiste alguma coisa que pr-individual, alguma coisa que pr-orgnica que eu estouchamando de singularidade e esta coisa a gnese da vida. Ou seja, a vida, para secompreender a vida, tem-se que compreender os seus elementos genticos elementos essesque se chamam singularidades.

    17

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    18/32

    (Ento, vamos voltar, vamos voltar. Eu vou repetir o que estou dizendo).

    Eu pego um cientista, vamos ver, um bilogo, eu pego um bilogo e digo para ele fazer um estudosobre a vida. O que esse bilogo vai encontrar? Vai encontrar o organismo - ele s vai encontrarindivduos. Todo o trabalho dele vai ser em cima de indivduos, porque o indivduo o vivoconstitudo. O vivo, quando ele se constitui, ele o indivduo, ele o indivduo.

    Aluna: Molculas, clulas?Cludio: Seria seriam indivduos. Tudo isso indivduo: molculas,clulas,vrus,tomo... issotudo indivduo. Tudo o que voc encontra na sua experimentao no importa, no caso dotomo, que essa experimentao no possa ser observada a olho nu indivduo. E o que eu estoucolocando pra vocs a existncia de uma gnese do indivduo. Essa gnese aqui um momentograve essa gnese no individual. Ou seja, aquilo que produz o orgnico, aquilo que produz ovivo, aquilo que produz o indivduo vivo no individual chama-se singularidade. ummomento difcil, mas aqui ns j temos uma marcao, uma assinatura que vai dar uma orientaopra vocs. A orientao que essa singularidade, essa gnese da vida, chama-se CAMPOTRANSCENDENTAL. E o indivduo o orgnico enquanto tal pertence ao que estou chamandode FORMA EMPRICA.

    Ento, quando voc encontra um cientista, um observador do mundo, o que esse observador faz?Ele observa indivduos porque a nossa sensibilidade s pode apreender os indivduos anossa sensibilidade no apreende a singularidade.

    - Por que a sensibilidade no apreende a singularidade? Porque a singularidade s pode ser pensada.S pode ser pensada. E esse aqui um momento gravssimo porque eu estou constituindo pravocs a idia de que existem DUAS REALIDADES: uma realidade clara, fcil de entender (aindaque seja clara e fcil de entender eu vou dar uma orientao pra vocs entenderem melhor ainda) que se chama o indivduo; e a outra realidade que se chama singularidade. E aqui aparecealguma coisa como se fosse uma toro do pensamento: a singularidade to realquanto oindivduo; mas ela no pertence ao mundo emprico logo, ela no pode ser observada pelanossa sensibilidade; a singularidade aquilo que s pode ser pensada.

    (Ento, eu vou deixar isso de lado; e vou voltar, procurando aumentar a potncia de compreensodessa questo pra vocs).

    Eu disse que o indivduo aquilo que ocupa o que eu chamei de FORMA EMPRICA; e a formaemprica tudo aquilo que ns podemos observare experimentar. Por exemplo, quando eu produzoum enunciado, esse enunciado um individuo. Quando eu vejo uma molcula, quando entro emcontato com uma casa, quando entro em contato com um copo Qualquer coisa que pertence forma emprica chamada de indivduo. Muito bem! Essa tese de que a forma emprica preenchida pelos indivduos, ou seja, de que os indivduos so aquilo que existe na realidade E

    isso a coisa mais fcil de vocs entenderem Olhem para esta sala: tem uma srie de indivduoshomens, tem uma srie de indivduos cadeiras, tem um indivduo mesa, tem dois indivduosventiladores, tem um indivduo teto ento, a realidade constituda de indivduos. E a questodo indivduo fica muito clara, quando se passa para a vida, porque os seres vivos soprecisamente demarcados. O ser vivo precisamente demarcado porque a vida umaescultora, a vida apaixonada pela variao das formas: ela capaz de produzir uma aranha,um cavalo, uma vaca, uma flor... Ento, quando a vida produz essas formas, essas formas (que avida produz) chamam-se indivduos. Ento, o mundo da forma emprica o mundo das formas onde tudo tem forma. A, vocs podem me perguntar: tudo? Tudo? Tudo? A msica tem umaforma? A sonata, a sinfonia, seja l o que for tudo tem uma forma!

    Al: A alma tem forma?

    18

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    19/32

    Cl: A alma muito fcil responder isso: ela pertence ao mundo emprico? Se pertencer, nointeressa: tudo que pertence ao mundo fsico tem uma forma. O Nietzsche chamava isso de apolneo o MUNDO APOLNEO: o mundo das formas. (??). Tudo o que pertence ao que eu chameide forma emprica dotado de uma forma no importa qual seja essa forma.

    Agora, no sculo XIV, (eu vou usar o sculo XIV como uma estratgia de orientao pra vocs!), ospensadores do sculo XIV, sobretudo a chamada escola tomista (de So Toms de Aquino)afirmavam que a realidade logo, a forma emprica era constituda de duas realidades: uma, oindivduo; e a outra, eles chamavam de UNIVERSAL. Ento, para eles, a realidade era constitudade dois elementos: o individuale o universal. Essa palavra universal complica um pouco. Mas

    - O que quer dizer universal? Universal quer dizer a espcie qual o indivduo pertence. Oindivduo humano, por exemplo, pertence espcie homem, o indivduo cachorro espciecachorro, o indivduo collie pertence espcie cachorro Ento, para os pensadores do sculoXIV, a realidade era constituda de duas formas: a forma UNIVERSAL ou forma ESPECFICA; e aforma INDIVIDUAL.

    O real, ento, para eles era constitudo por essas duas formas: a individual e a universal ou espcie.(Vocs entenderam isso?) Era constitudo pelo indivduo e pela espcie, pela forma. Por exemplo,qual o nome de um livro de Darwin? Evoluo das espcies. Quer dizer, evoluo do universal- isso que ele est dizendo. Ele est dizendo que a espcie uma realidade que evolui. Ento, oDarwin est inscrito nessa postura de que a realidade constituda de indivduos e de espcies ouuniversais. (Certo?)

    Agora, no sculo XIV, quando essa teoria est colocada, aparece um pensador chamado Guilhermede Ockham; e esse pensador vai desfazeressa noo ele desfazessa noo. Ele vai dizer oseguinte: a realidade (aqui um momento chave), a realidade no constituda de duas formas.(Quais seriam as duas formas? A individual e a universal). Ele vai dizer que o universal no real que o universal MENTAL. O universal mental. Vou dar um exemplo pra vocs. Ento, o que oOckham est dizendo que a nica coisa real o individual e que o universal mental. Como

    que a gente compreende isso? Por exemplo, voc pega um pronome-adjetivo demonstrativo e umsubstantivo. Pega o substantivo cadeira e antepe ao substantivo cadeira o pronome-adjetivo esta ediz esta cadeira. Quando voc diz isto, isto uma palavra que indica uma realidade no mundo.Ou seja, quando eu digo esta cadeira,esta mesa,estes culos,este boi,este cachorro,estemosquito... eu estou indicando realidades individuais - que existem no mundo. Ou seja, estacadeira, esta mesa, este cachorro todos esses trs enunciados tm um referente: alguma coisa queexiste para l do prprio enunciado.

    Mas quando eu digo: a cadeira, a mesa, a rosa, o copo, o rdio para l do enunciado o rdio, acadeira, a mesa no existe NADA. O que a escola do Guilherme de Ockham vai dizer que osuniversais so apenas SIGNOS. Ou, para ficar mais fcil pra vocs, so meras palavras flatus

    vocis... meras palavras. A mesa atrs da mesa, para l da mesa tem alguma coisa? Nada! Ouseja, no existe nenhum objeto que corresponda ao enunciado a mesa ;mas existem objetos quecorrespondem ao enunciado esta mesa . Ento, esta mesa indica realidades individuais nomundo e a mesa no indica nenhuma realidade. Se no indica nenhuma realidade a mesa um mero signo.

    Esse um momento belssimo da histria do pensamento porque fica constitudo o que se chamaCAMPO ONTOLGICO. Campo ontolgico quer dizeraquilo que existe aquilo que existe oindivduo. Ento, nesse momento, foi constitudo o campo ontolgico e nasceu o que se chamaSEMITICA.

    Semitica so palavras que no indicam nenhuma realidade; elas so puros signos.

    Nesse momento, ento, nascem dois campos: o ontolgico preenchido pelos indivduos; e o

    19

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    20/32

    semitico preenchido pelos universais. (Certo?).

    Ento, a semitica nasceu no sculo XIV, na escola de Guilherme de Ockham e o real ficouconstitudo de quantas coisas? O que o real? O real passou a serapenas o indivduo: s osindivduos so reais! E nesse sculo XIV, na linguagem de Guilherme de Ockham(evidentemente em latim, no ?) o indivduo sinnimo de singular. Ento, tanto faz voc dizersingular, ou dizer indivduo que voc est dizendo a mesma coisa. Ento, para ele, indivduo esingularso a mesma coisa e se voc diz: o real, o emprico constitudo por indivduos ouconstitudo por singularidades, voc diz a mesma coisa e o universal passa a ser um objetomental.

    Depois, quando chega a linha de determinados pensadores que mais tarde eu vou explicar, vai haveruma separao ontolgica entre individuale singularidade, entre indivduo e singular. Essa linhavai dizer que o real no constitudo somente de indivduos, constitudo de DUAS realidades: oindivduo e o singular.

    Enquanto, no sculo XIV, o singularera apenas um sinnimo de individual, e para algumas escolaso individuale o universaleram ambos reais, Guilherme de Ockham desfaz o universal comorealidade, coloca o universal ou a espcie como OBJETO MENTAL e d o SINGULAR comosinnimo de INDIVIDUAL. Ento, o que eu acabei de dizer, que ns nunca encontraremos ouniversal aqui [no nosso mundo ]. No existe universal, o universal mental!

    Determinadas escolas do sculo XX (eu vou dizer assim, para no complicar) vo fazer a separaodo individuale do singular e dizer que o real ocupado porduas realidades: a realidadeindividual e a realidade singular. Ento, ns teramos duas realidades: uma individual(agora j ficamais claro para eu dizer), essa realidade individual chama-se forma emprica. Ento, a formaemprica preenchida somente por individuais e na hora em que h o desencontro quando acaba asinonmia e a equivalncia de individuale singular uma nova realidade passa a existir. Umarealidade, a forma emprica preenchida pelos individuais; a outra realidade, chamadacampo transcendental preenchida pelos singulares ou...

    - Eu disse pra vocs que os singulares seriam a gnese do individual? (Se alguma coisa genticada outra, voc pode chamar a coisa que gentica da outra de pr. Ento o singular o pr-individual. Ento, o campo transcendental e a forma emprica passam a ser as duas realidades. Nsteramos duas realidades: a que eu chamei de forma emprica, preenchida pelos individuais e aoutra realidade, que eu chamei de campo transcendental, preenchida pelos?

    Als: pela singularidade, pelos singulares.

    (T? Eu agora s vou passar por aqui!)

    H outro elemento em que vocs tm que se apoiar, antes de eu penetrar no estudo que ossingulares so a gnese do individual. (Ateno:) A GNESE DO INDIVIDUAL.

    - O que o universal? O universal um objeto mental. Esse objeto mental tem origem na formaemprica o que implica em dizer que na forma emprica existem os indivduos e os SUJEITOS.Ento, na forma emprica existem duas coisas; alis, uma s porque o sujeito um indivduo.

    Ento, existem indivduos e sujeitos: por exemplo, este copo um indivduo, eu sou um indivduo,mas alm de ser um indivduo eu sou um? (Als:) sujeito! (Muito simples a definio de sujeito simplrrima!) O sujeito aquele que faz representaes mentais. Ento, o universal uma?(Als:) representao mental!

    Ento, a forma emprica preenchida pelos indivduos e pelos sujeitos (algum problema?). E osujeito aquele que faz representaes mentais. Logo, o universal uma? (Als:)

    representao mental!

    20

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    21/32

    Muitos pensadores, quando se encontram com o singular, dizem: Ah! O singular tambm umarepresentao mental . Eu estou dizendo: No! O singularno uma representao mental osingular uma realidade tanto quanto a forma emprica uma realidade; s que essa realidadechamada singularno tem as mesmas estruturas da realidade chamada forma emprica. Ento, nspassamos a ter os objetos mentais, que pertencem ao sujeito. Esses objetos mentais so muito fceisde se compreender: os nossos sonhos, os nossos delrios, as palavras universalizantes - que so o

    artigo definido mais um substantivo: o homem,a cadeira... Ento, tudo que se passa na nossasubjetividade chama-se objeto mental. O que o sonho? Um objeto mental. O que o delrio? Umobjeto mental. O que a tristeza? Um objeto mental. (Certo?) Ento, os objetos mentais e osindivduos preenchem o que se chama forma emprica. Eles preenchem a forma emprica.

    (E, agora, comea a ficar mais difcil. Comea a ficar mais difcil para se entender).

    A singularidade no nem individualnem mental- ela real, mas aqui apareceapareceram Vamos voltar ao Guilherme de Ockham:

    O que o Guilherme de Ockham fez de mais magnfico? Foi ter constitudo um campo ontolgico que o campo do indivduo; e um campo semitico que o campo do universal. Foi isso que elefez.

    Agora, quando ns chegamos aqui ns temos a singularidade. A singularidade no um campomental; ela uma realidade to real quanto o individual. S que as estruturas do individual no sosemelhantes s estruturas do singular, sobretudo porque o singular no tem estrutura. Eu disse pravocs que a forma emprica, ou melhor, que o mundo emprico constitudo de indivduos; e osindivduos e os sujeitos so duas formas. Ento, no universo, no que eu chamo de campotranscendental, onde esto as singularidades -, no existem formas. Se o Nietzsche, por exemplo,estivesse aqui, como que ele chamaria essas singularidades? Ele as chamaria de FORAS. (Possousar diversos pensadores que vo pensar dessa maneira). Ento, essas singularidades

    (Eu vou repetir, pra vocs compreenderem melhor).

    H um pintor do sculo XX, que morreu h pouco tempo, chamado Francis Bacon. Vocs conhecemo Francis Bacon?

    Francis Bacon eu vou trazer na prxima aula. Ah! Ns temos aqui? Pronto, est aqui, vejam oFrancis Bacon

    Evidentemente, que aqui vocs no tm o Francis Bacon inteiro, isto aqui apenas um rosto.(Certo?) E o Francis Bacon pinta telas, onde aparece o corpo inteiro, e ele pinta inclusive trpticosque so trs painis que ele faz. Agora, eu vou usar o Francis Bacon da seguinte maneira: o mundo,a natureza constituda de dois campos reais: um chamado emprico - que o lugar das formas; eoutro, chamado singularidade que no tem formas; e eu chamei de foras. O Francis Bacon umpintor que s tem uma questo pintar as foras. Toda a questo dele pintar as foras. (No vou

    dar aula de Francis Bacon hoje) Toda a questo dele pintar as foras.Voc nota que s isso aqui j d para notar que ele est fazendo uma destruio absoluta do rosto. Oobjetivo dele desfazera forma, desfazer a forma do rosto. Claro que isso no fica muito evidentenesse momento, mas na frente vai ficar! Eu vou colocar o Francis Bacon como sendo um pintor apartir de duas realidades. Quais so as realidades? A emprica e a transcendental. Emprica,forma; o transcendental, singularidades ou foras (T?).

    Vamos ver, por exemplo, o Dal. O Dal pintor de qu? Ele pintor de objetos mentais.

    E ele d aos objetos mentais a forma que o objeto mental tem enquanto objeto mental: relgiosdesmilinguidos, campos imensos tudo aquilo que aparece nos sonhos.

    Ento, eu posso dizer tranquilamente que o Dal um pintor dos objetos mentais, mas o Francis

    21

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    22/32

    Bacon, no.O Francis Bacon um pintor das foras ele quer pintar as foras. Ento, estouchamando as foras de singularidades. E essas singularidades, eu disse que elas so a gnesedo indivduo. A GNESE! Ns temos um prejuzo muito grande (ateno, um momento muitoforte!), ns temos um prejuzo muito grande ao pensar gnese! E a nossa dificuldade em pensargnese por causa das velhas teogonias: as teogonias orientais, mesmo as teogonias gregas Hesodo, por exemplo, em que a gnese era separada do objeto que ela produzia. Ento, ns

    achvamos que a gnese se dava num determinado tempo: num determinado momento, apareciamas foras genticas; essas foras genticas produziam o que tinham que produzir, e desapareciam; eaquilo que estava produzido passaria a existir. O que eu estou dizendo no isso.

    Eu estou dizendo que a singularidade que eu chamei de campo transcendental(O indivduoindivduo e sujeito eu chamei de formas.), essa singularidade, o campo transcendental, gentica mas, s que a gnese nunca abandona o indivduo: esto sempre juntos! Quer dizer, o velho corteteognico (Vocs entenderam o que eu falei da Teogonia?). A teogonia - estou dizendo, aqui,Hesodo As teogonias explicam a formao do mundo atravs de processos genticos, mas elasseparam a gnese: o criadordo criado. muito semelhante, muito semelhante ao Deus cristo: um processo de criao em que o criador e o criado ficam separados. Aqui, nesse processo que

    estou dizendo pra vocs, no h a separao do criador e do criado. O criador e o criado estojuntos. Ento, a singularidade est o tempo inteiro presente no indivduo. As singularidades(Ateno, j vai ficar mais fcil!) so os fluxos intensivos de um corpo. Ou seja, todo corpo tem umorganismo: so o organismo e as funes dos rgos que individuam um corpo vivo e fazem deleum sujeito; mas nesse corpo atravessam o que se chama fluxos intensivos. So esses fluxosintensivos que eu estou chamando de campo transcendental ou de singularidade.

    Al: No a fora elstica?

    Cl: No seria a fora elstica. Vocs notem que, quando eu toquei na fora elstica, eu a chamei dein-orgnica. Disse que a fora plstica era orgnica. Mas eu apontei para a alma e disse que ela eraan orgnica. A alma so essas foras!

    Al: Esses conceitos, eu talvez confunda um pouco a fora inorgnica e a anorgnica..Cl: Eu distingui a plstica e a elstica. (No ?) Sobre a elstica no falei nada; eu disse que elaera uma fora inorgnica, molvel, com molabilidade, que produzia molas. Mola o seguinte:voc pega um elstico, distende o elstico, e ele volta, (no ?). O que significa que o elstico constitudo de molas. Porque a mola aquilo que estica e volta para o lugar. isso, a matriainorgnica: ela uma molabilidade. Ento, a fora inorgnica elstica; a fora orgnica plstica;mas eu falei na existncia de uma outra coisa a alma a alma. A alma seria uma outra coisa.Ento, eu vou identificar a alma ao prprio corpo, sendo altamente nietzschiano, dizendo que aalma corpo.

    Al: o cristalino

    Cl: o cristalino. o cristalino. A alma corpo, a alma corpo mas no o orgnico. A alma vida mas no orgnica: chama-se an orgnica. H um grande pensador que viveu no sculo XX,ele no muito considerado nos meios clssicos, mas um pensador excepcional, chama-seAntonin Artaud. E Antonin Artaud chamava essa alma, esse campo transcendental, essasingularidade, essas foras de CORPO SEM RGOS. Podem marcar: corpo sem rgos.Ento, a noo de corpo sem rgos se aproxima Corpo sem rgos, Cso.

    Al: A arte uma singularidade?

    Cl: Olha No necessariamente no necessariamente! Porque eu diria que a arte seria umasingularidade ento, se a arte fosse uma singularidade o artista estaria sempre expressando foras,

    expressando singularidades, expressando o anorgnico, expressando o cristalino Mas ns

    22

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    23/32

    conhecemos artes orgnicas. Por isso que eu vim dar a minha aula

    Al: Mas isso no arte.

    Cl: Eu botaria em questo Mas eu prefiro no fazer isso j. Mas est bem colocado! Porque a arteorgnica a arte da representao. (Mas eu ainda no vou colocar nesta aula Eu ainda no voupassar essa questo nesta aula. Acho que na aula que vem a gente entra nisso.)

    O importante agora a gente compreender a possibilidade do que estou chamando de corpo semrgos (Cso). Corpo sem rgos, sinnimo: fluxos intensivos. Os fluxos intensivos do corpo.

    Al: Eu no entendi, eu estava pensando nisso de hoje, mas no que voc disse na ltima aula, sobrea questo do orgnico, dos rgos, que o organismo aprisiona a vida

    Cl: . Ainda difcil Voc vai entender! Vai passar a fazer parte da sua vida. Pode ficar certa deque voc vai entender. Porque essa questo que estou dizendo (S para responder a ela). Quandoeu disse que o organismo aprisiona a vida, isso o Artaud. O organismo prende a vida.

    (Mais tarde eu voltarei a isso para colocar pra voc Na hora em que eu tiver o campo tericosuficientemente exposto, para que voc possa compreender. Eu acho que o estudante compreende,

    quando eu compreendo. Eu sou uma espcie de imagem modelo da aula. (Viu?). Por exemplo, se eudissesse agora, para voc: Ah! Ah! Ah! O organismo no se equivale vida, h alguma coisa a mais,eu no compreenderia! Seria um enunciado solto. (Entendeu?) A aula um processo que expressa opensamento daquele que a est dando. Ento, quando eu obtenho a compreenso de alguma coisa,eu acredito de imediato que vocs compreenderam. Entendeu? Ento, eu no posso precipitaralguma coisa descontextualizada. Se eu descontextualizo, se eu jogo aquilo, vira mera palavra,flatus vocis.

    Al: Claudio, eu acho que o que est me dificultando que eu estou procurando associar com o cantoterritorial, e ele associado com a fora elstica

    Cl: No! No! O canto territorial est associado ao anorgnico.

    Al: E o canto gratuito?Cl: Tambm. Todos dois! Todos dois! Todos dois!

    Al: Ento, a fora elstica no tem canto -.

    Cl: Nada No tem canto nenhum. A fora elstica no canta, a fora elstica mola. So molasDepois eu vou explicar melhor a questo do que exatamente a fora elstica, do que a foraplstica

    Al: Eu estava pensando nos trs cantos com as trs foras

    Cl: No O que eu estou chamando de anorgnico no nem a fora elstica nem a plstica.

    Al: O canto territorial e o canto gratuito fazem parte do anorgnico?Cl: Fazem parte do cristalino do cristalino.

    (Ento, vamos concluir aqui).

    O que estou chamando de campo transcendental to real (Ateno aqui!). Quando eu falo real a mesma coisa que: no mental. a mesma coisa. No mental, autnomo independe daminha mente para existir (certo?). Ento, isso a singularidade, o campo transcendental, o quemais? (Todos os nomes que eu dei, t?)

    (Mas, agora, ateno:)

    H uma diferena do emprico e do transcendental. O emprico FORMA forma. Logo, se oemprico forma e o transcendental no forma, nada me impede de chamar o

    23

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    24/32

    transcendental de AFORMAL. E se eu chamar o transcendental de aformal, eu serei foradoimediatamente a dizer que o transcendental CAOS.

    Ento, aqui emerge, ento, emerge (fim de fita)

    Parte II

    () o MUNDO EMPRICO [que] constitudo por indivduos; e os indivduos tm uma forma. Se

    eles mudam de forma, isso se chama trans - formao a eles passam para outra forma. Porexemplo, vocs vo encontrar eu acho que eu posso at dizer que, em seus relgios lquidos, oDal trabalharia com transformaes. Ele trabalharia com transformaes. Agora, quando voc pegaesse pintor chamado Francis Bacon, e eu disse que Francis Bacon objetivava pintar assingularidades (Foi isso que eu disse?) Pintar as foras as singularidades. Mas eu vouapresentaroutro pintor, ou outra escola, que visaria a pintar essas singularidades. E com essa outraescola a questo vai ficar mais clara: o expressionismo abstrato ou a pintura informal. E euacho que o melhor exemplo o Pollock Todo mundo conhece o Pollock? O Pollock oseguinte (eu vou explicar pra vocs:)

    Voc pega um tecido, o tecido constitudo de dois elementos entrelaados: a trama, que o

    elemento horizontal do tecido; e o urdume que o elemento vertical do tecido. O tecido vaifazendo assim o fio da trama se entrelaando ao urdume. (No ?) Uma trama e um urdume:chama-se urdidura, a trama e o urdume e isso um tecido. Para produzir o tecido, o tecelo vaitrabalhar com fios, que podem ser de origem animal, vegetal, artificial, plstico no importa, elepega esse fios e faz a urdidura trama mais urdume.

    Mas existe outro tipo de prtica, utilizada pelos nmades, que pegar um emaranhado de fibras,sem distino de fios, ou fios emaranhados, tudo misturado, coloc-los sobre uma superfcie e soc-los: p!p!p!p! ou prens-los. assim que se produz uma coisa chamada feltro. O feltro no um tecido, no constitudo por trama e urdume. O feltro socado e, sendo socado, os fios dofeltro so um emaranhado. A pintura do Pollock so fios emaranhados. (Entenderam?)

    Ento, nada me impede de dizer que o Pollock o pintor dos feltros. Nada me impede de dizer queele pinta feltros e o Mondrian pinta tecidos. Nada me impede. (Certo?) Esses feltros so indicativode singularidade. Por qu? Porque esses fios so caticos, eles no tm forma, eles so caos puro,so caos puro.

    E muito interessante, porque o feltro a vestimenta e a casa dos nmades. As tendas nmades sofeitas de feltro. O que eu estou dizendo para vocs que existem vou usar a palavra vestimenta vestimentas sedentrias, produzidas a partir dos tecidos; e as vestimentas nmades, produzidas apartir desses emaranhados. Ento, esse emaranhado exatamente aquilo que o Pollock pinta.Eu vou chamar esse emaranhado de singularidade, de caos, de fora. (Certo?) Caos, fora esingularidade. Mas o Francis Bacon tambm visa a pintar as foras. (No foi isso que eu

    disse?) Ele visa a pintar as foras. Mas diferena do Pollock, o Bacon produz formas: eleproduz formas.

    Olha aqui: no nitidamente uma forma? No inteiramente diferente do emaranhado do feltro?Completamente diferente! S que as formas do Bacon no vo sofrer transformaes aindaque paream ser transformaes. Elas vo sofrer DEFORMAES.

    A deformao um processo que o Bacon vai usar para atingir o campo transcendental.Ento, o que eu estou dizendo pra vocs, o seguinte: que quando um pintor quer atingir essecampo transcendental, ns conhecemos na histria das artes plsticas (mais do que isso,ouviu? Eu vou resumir, mas mais do que isso) Ns conhecemos dois processos: o processoda arte informal, que o processo do Pollock, que eu estou usando como exemplo que liberar as

    foras, sem constituirnenhuma forma. uma pintura centrada nas linhas... e no nas superfcies.

    24

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    25/32

    Enquanto que o Bacon, no: ele vai tentardeformaras figuras para, nessa deformao, atingir ocampo transcendental, atingir as foras. Por exemplo, eu vou dar um exemplo mnimo pra vocs: oFrancis Bacon capaz de pintar a cimbra, capaz de pintar o espasmo. So exemplosmnimos! Isso tambm ocorre no Egon Schielle. A cimbra e o espasmo so duas forcas. Ento,para tentar manifestar essas foras ele cria deformaes nas imagens que ele produz. Asdeformaes do Bacon tm como objetivo o campo transcendental.

    Al: O Bergman tambm um cineasta das foras, no ? Essa coisa da cimbra e do espasmo Euestava assistindo o filme ontem e o tempo todo estava no primeiro plano tambm o filme todoem primeiro plano e as sensaes

    Cl: muito bonito voc aproximar o Bergman do Bacon E exatamente isso, o Bergman. (Cado rosto? Pega o rosto!) Vocs viram o Bergman (no ?). O que o Bergman faz no filme dele umadesformalizao: ele desfazo rosto da Liv Ulman e o rosto da Bibi Anderson, ao ponto de a Bibifingir que a Liv para o marido. Ento, toda a prtica do Bergman (vou usar uma linguagemfrancesa) um effacement, uma desrostificao. [Claudio mostra um rosto do Bacon]Igualzinho O que o Bacon faz aqui ele escova, ele varre o rosto para desfazer as formas. Elevarre o rosto para desfazer as formas. E o objetivo dele quebraro domnio das formas e

    mergulharnas foras ou no campo transcendental.(Que horas so, S.? Vou dar um intervalo para o caf!)

    (Vamos tentar agora elevar a compreenso do que eu disse Eu estou comeando, R.)

    Leibniz

    Leibniz um filsofo do sculo XVII. Quer dizer, ele est no fim do XVII, no centro da RevoluoCientfica.

    Eu vou recolocar o que eu dei na primeira aula e eu disse pra vocs que o futuro altera o passado.Muitas coisas que eu disse na aula passada, dizendo agora a compreenso aumenta.

    Leibniz a filosofia barroca e o barroco so os escombros da filosofia teolgica. Ou seja, obarroco a tentativa de salvara filosofia teolgica. Ento eu diria: crise da teologia crise darazo teolgica, vamos usar assim. Crise da razo teolgica Na crise da razo teolgica osurgimento de uma razo barroca. (No vou explicar ainda o que a razo barroca, s isso).

    Da mesma forma, ns estaramos numa crise do humanismo, da razo humanista, e na emergnciade uma razo neo-barroca. Deleuze um neo -barroco. Da mesma forma que o Leibniz umpensador barroco.

    Eu vou usar o Leibniz, eu vou usar o Leibniz.

    Leibniz afirma a distino entre duas idias: a idia de POSSVEL e a idia de REAL. Ento, para oLeibniz, possvel e real no so a mesma coisa; mas, segundo ele, tudo aquilo que for real, antes deser real possvel. Ento, para o Leibniz, tudo que real, antes de ser real possvel. Mas,segundo ele (eu ainda no expliquei o que o possvel e nem expliquei o que o real. Apenasdisse que o real e o possvel no so a mesma coisa e eles tm uma relao de antecedente econsequente. O possvel o antecedente literalmente, em termos lgicos o possvel oantecedente e o real o consequente). Mas o Leibniz vai explicar que o possvel INFINITO. Oumelhor, segundo Leibniz, existem INFINITOS MUNDOS POSSVEIS.

    Por exemplo: voc pega o Judas (isso porque me perguntaram aqui sobre os condenados), voc pegaJudas e nesse mundo que est aqui, Judas pecou. (Certo?) Mas possvel a existncia de um Judasno -pecador. Ento, a idia de um Judas no pecador impe a presena de uma quantidade infinitade mundos. Ou seja, esse mundo que est aqui, que o nico mundo (agora vai ficar muito claro)

    que o nico mundo que se tornou real esse mundo em que ns vivemos o mundo que se

    25

  • 8/7/2019 Aulas Ulpiano - Corpo

    26/32

    tornou real, mas para o Leibniz havia e h uma quantidade infinita de MUNDOS POSSVEIS esomente um se tornou REAL.

    Concluso: o possvel muito mais amplo do que o real. Ento, para ele, h eu no estou usando apalavra existe h uma quantidade infinita de mundos possveis e apenas um se tornou real(Certo?). Ento, quando Deus (vamos dizer assim, porque Leibniz trabalha com Deus) quando Deusdelibera de criar um mundo, o que ele faz? Ele vai ao infinito dos mundos possveis procurar aqueleque MELHOR. Ento, ele tem um critrio Deus tem um critrio do melhor, no interessa o que agora, ele tem um critrio do que melhor. A, ele torna esse mundo que est aqui, ou melhor, onosso mundo que, naquele instante, era um dos possveis entre os infinitos outros mundos, e torna onosso mundo real e os outros mundos continuam apenas no campo do possvel.

    Ou melhor, no momento em que Deus torna esse nosso mundo que era um mundo possvel quando ele o torna real Ele torna real, porque o nosso mundo, o melhordos mundos Ele storna o nosso mundo que um mundo possvel um mundo real, porque o nosso mundo omelhordos mundos, os outros mundos que tambm eram possveis, torna m- se impossveis.

    O que quer dizer isso? Quer dizer o seguinte: o Leibniz pode escolher entre uma infinidade demundos para tornar um deles real. Ele escolhe um o nosso porque, segundo ele, o nosso omelhor dos mundos. Ento, sempre que Deus tiver que escolher um mundo para existir, qual omundo que ele vai escolher? O nosso, o melhor. No momento em que ele s pode escolher ummundo, os outros se tornam impossveis.

    Eu s estou dando um exemplo desse processo, porque eu no vou nem prosseguir, mas s paraespetar o vrus em vocs Porque este problema do possvele do impossvelvai ser trabalhado nafrente, porque a nica maneira que ns temos para compreender as formas do pensamento com ocampo transcendental.

    Ento, o que aconteceu? Deus trabalha ou no com o infinito? No possvel, Deus est diante doinfinito? O infinito dos mundos possveis. Ento, quando Deus est diante dos infinitos mundospossveis, Deus est mergulhado no caos o caos dos infinitos mundos possveis. Ele estmergulhado no caos. Ento, ele vai retirar desse caos o melhor dos mundos e tornar, esse melhor dosmundos, real. Ento, ele torna o nosso mundo real. Ento, esse mundo que est aqui se tornou real.Mas cada mundo possvel,