de como estudar (1974) by h. harada
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Rev. Filosfica So Boaventura, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 11-76, jul./dez. 2011 11
De como estudar
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Hermgenes Harada *
1 A tica do estudo
O estudo de filosofia um estudo superior. supe-
rior porque exige uma atitude pessoal que manifesta
uma superioridade humana no estudo, isto , no de-
sempenho do trabalho intelectual.
Superioridade humana no significa ser mais pode-
roso, mais dotado, mais inteligente, mais convencido
do seu saber. Antes, significa ser mais maduro na expe-
rincia daquilo que perfaz a essncia do homem. E a
essncia do homem vida.
H vrias tentativas de buscar a compreenso da
essncia do viver do homem. Cada tentativa, embora
diferente entre si no seu ponto de partida, se for radical
na caminhada da busca, nos conduz experincia ni-
ca e originria. nessa experincia nica e originria
que somos atingidos pela compreenso do que seja a
essncia do homem, a vida.
O estudo superior exige a superioridade humana.
Isto significa: exige a madureza na experincia daquilo
que perfaz a essncia do homem. Isto quer dizer: exige
que sejamos atingidos pela compreenso do que seja a
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essncia do homem, isto , a vida, numa experincia nica e originria, atravs de
uma tentativa radical de busca.
Acontece, porm, que uma tal experincia o fruto de um longo trabalho. Como
pode a filosofia, o estudo superior, exigir de incio, de antemo, algo que o fruto de
um longo trabalho?
Contudo, sem a madureza na experincia da essncia do homem, isto , se no
formos atingidos pela compreenso do que seja a vida, numa experincia nica e
originria, atravs de uma tentativa radical de busca, jamais seremos afeioados pelo
estudo superior de filosofia.
Sem essa experincia, o estudo superior de filosofia se transforma em teoria
abstrata, acadmica, oposto prtica e concreo; se reduz ao acmulo do saber
para fins pastorais, uma instituio escolar que deve ser tolerada para a formao de
um funcionrio da Igreja, chamado proco, vigrio ou padre.
Que a filosofia seja assim considerada como meio institucional de formao,
como teoria intelectual, abstrata, imprtica, no culpa dela. A causa de uma tal
considerao est na nossa imaturidade humana que ainda no caminhou suficien-
temente a viagem da vida, para perceber que uma tal maneira de abordar o estudo
superior de filosofia vem da falta de experincia vivida, sofrida e trabalhada do que
seja verdadeiramente o trabalho intelectual, a teoria, a abstrao, a pastoral. Pois
consideramos a realidade, na medida em que vemos. Vemos, na medida em que
sabemos. Sabemos, na medida em que somos. E somos na medida em que vivemos.
Se eu jamais vivi intensamente o trabalho da teoria intelectual, como posso dizer que
ela abstrata, imprtica, sem vida?
A vida no aquilo que gostaria que ela fosse. A vida aquilo que se me impe
atravs de um paciente e penoso trabalho de uma longa caminhada.
Assim, se agrava a questo acima colocada: se a experincia nica e originria da
essncia do homem a vida, se a compreenso da vida a condio primria e
necessria para eu poder acolher bem o estudo superior de filosofia e se uma tal
experincia o fruto de um longo trabalho, o que fazer, como fazer para poder
entrar bem no estudo superior de filosofia?
A resposta dessa questo no se torna visvel, a no ser que coloquemos de fato
a questo. Colocar a questo no apenas perguntar assim por curiosidade. No
tambm perguntar guisa de um questionrio que j tem uma resposta correspon-
dente dentro de um sistema do saber.
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Colocar a questo antes colocar-se na questo. Ou melhor, ser colocado pela
questo, isto , ser atingido pela questo, de tal sorte que a busca da resposta se
torne uma questo de vida e morte. Aqui a resposta nasce, isto , salta do devotamento
pergunta.
Portanto, a resposta questo o que fazer, como fazer para eu entrar bem no
estudo superior de filosofia um salto. O que fazer, como fazer para saltar por sobre
um abismo e alcanar a outra margem?
Correndo de todo o corao, de corpo e alma para ser embalado na afeio do
salto.
Como , porm, a atitude inicial da largada, na corrida para o salto? No assim
que j no instante da largada eu devo-me abandonar ao salto? Abandonar-me ao
salto significa: dar de mim tudo o que posso para o salto, sem me distrair.
Dar de si tudo o que se pode no empenho de um salto chama-se na tradio do
Ocidente: tica. A tica o vigor no trabalho da obra. A tica, o vigor no trabalho da
obra, faz exigncias. As exigncias da tica exigem obedincia: obedincia da nossa
jovialidade. na obedincia da nossa jovialidade que seremos jovens, isto , partici-
pantes do vigor de Jvis: da generosidade de viver divinamente em todos os desafios
da vida.
De como estudar apenas uma recordao. Recordao a cordializao do
que j sabemos. Recordao da tica da vida que levamos, concentrados no estudo
superior de filosofia.
Essa recordao consiste em refletir avulsamente acerca do nosso fazer cotidiano
no estudo, guisa de moralizao. Moralizao que, bem ouvida, pode oferecer
indicaes para voc mesmo fazer a experincia da vida, no trabalho rduo do estu-
do, na prtica demorada da teoria intelectual.
2 O tempo do estudo
Costumamos dividir a vida cotidiana em tempos para fazer uma poro de coi-
sas. Assim, temos o tempo para dormir, o tempo para despertar, o tempo para co-
mer, o tempo para estudar, o tempo para jogar, o tempo para rezar, o tempo para
fazer pastoral etc.
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O que significa tempo em todos esses tempos para fazer isso ou aquilo?
Significa o tempo cronolgico, o tempo do relgio. Esse tempo nada me diz
acerca do interesse da vida, no qual fao isso ou aquilo. Por isso, se eu constato que
gasto trs horas por dia para o estudo, a cifra trs horas nada me diz acerca do vigor
do meu estudo.
O tempo do estudo no o tempo cronolgico. Mas por isso mesmo que o
tempo do estudo diagnostica a Vida do meu interesse acerca do estudo, quando
gasto muito pouco tempo cronolgico para ao estudo.
Como entender isso? Dissemos acima: o tempo do estudo no o tempo crono-
lgico. Dessa constatao somos tentados a tirar com demasiada precipitao a con-
cluso: logo, tanto faz o tempo cronolgico material que gasto para o estudo.
vlida essa concluso?
Perguntemos pois: por que digo tanto faz? Qual o interesse que me faz dizer:
tanto faz?
Se atrs desse tanto faz pelo tempo cronolgico que gasto para o estudo esti-
ver o desinteresse, ento o tanto faz faz muito para o questionamento do meu
prprio viver. Onde coloco o interesse da minha vida durante esses anos do estudo
superior de filosofia? O que quero afinal na vida, eu que estou aqui, concretamente,
hoje, dentro dessa situao e dessa instituio de ensino e aprendizagem?
Cada um de ns est aqui porque foi ou est orientado por uma causa que um
dia o atingiu. Tem, pois, seu interesse.
Talvez o estudo superior de filosofia, aqui nesta instituio, no corresponda
minha causa. Por isso, a partir do meu interesse, no acho interesse no estudo e digo:
tanto faz, pois o estudo em nada contribui para o crescimento da minha causa.
No entanto, como sei que o estudo superior de filosofia no contribui para o
crescimento da minha causa? Quanto tempo perdi para o estudo, para poder dizer
isso com responsabilidade diante de mim mesmo? Diz xupry: o tempo que per-
deste por e para a tua rosa que faz a tua rosa to importante.
Isto quer dizer que necessrio perder muito tempo cronolgico para que uma
coisa comece a se tornar importante, de interesse?
Certamente, se algo me importante, me atinge, me diz alguma coisa, no me
importo em gastar para ele muito tempo. Se algo me importante, o tempo crono-
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lgico no conta, isto , com gosto dedico-lhe todo o meu tempo cronolgico
disposio, no meo sacrifcios.
Pode ser que o tempo cronolgico, o tempo do relgio em si nada me diga
acerca do interesse da Vida, no qual fao isso ou aquilo. Mas, se algo me importan-
te, me atinge, eu dedico-lhe todo o tempo cronolgico que est minha disposio.
Isto significa: o que comanda, o que move o tempo cronolgico, que gasto para
fazer alguma coisa, o vigor do interesse que aciona a minha vida cotidiana. O vigor
do interesse o que move a minha vida, ordena e concentra todas as coisas, todo o
tempo cronolgico do meu cotidiano para a realizao do seu interesse.
costume chamar esse interesse vital tambm de tempo. Tempo agora no
mais apenas o tempo cronolgico do relgio, mas sim o prprio vigor do interesse da
vida que determina o ritmo do meu tempo cronolgico. nesse sentido que falamos
por exemplo do tempo da salvao.
E quando falamos do tempo do estudo, entendemos a palavra tempo nesse novo
sentido. O tempo do estudo significa portanto: o vigor do interesse da vida que me
faz concentrar todas as coisas, todo o tempo cronolgico disposio, todos os
meus interesses, ao redor do estudo, maneira de um artista que coloca tudo na
jogada do trabalho artesanal para criar uma obra-prima.
Pergunto, pois: tenho algo na minha vida para o qual no meo sacrifcios, para
o qual o tempo cronolgico no conta, para o qual perco todo o meu tempo
disposio? Qual pois o tempo dos meus tempos? Pode ser que esse algo, para o
qual no meo sacrifcios, no seja o estudo superior de filosofia.
Mas colocar assim dessa maneira o estudo como o centro do interesse do meu
cotidiano no unilateralidade intelectualista? Ns queremos ser, em primeiro lugar,
bons religiosos franciscanos e no apenas intelectuais. Onde fica o tempo da orao?
Da meditao? Onde fica o tempo do encontro fraternal? Do trabalho pastoral? No
assim que se recomenda sempre de novo que nos formemos integralmente: a for-
mao do homem todo?
Mas como isto, a formao integral? Quantas partes tem a formao integral
franciscana para poder ser integral? Orao, meditao, encontro fraternal, jogo,
pastoral so partes de um todo, uma ao lado da outra sem seccionamentos? O que
entendo, pois, quando digo: agora o tempo da orao, da meditao, do encontro
fraternal, do jogo etc.? No estamos pensando no tempo cronolgico? No estamos arti
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representando a Vida como se ela fosse uma coisa, algo como um queijo espiritual,
cujas partes esto uma fora da outra?
No assim que, para a Vida ser integral, para a minha formao ser total, torna-
se necessrio ter-se a vida em tudo o que fazemos? Essa maneira de ver a vida em
partes, no ela justamente uma concepo que no sabe, no experimentou ainda
o que seja isto: a Vida total, a formao integral?
A formao integral, ns a temos quando meditamos como rezamos, rezamos
como estudamos, estudamos como nos encontramos fraternalmente, encontramo-
nos fraternalmente como pastoreamos, pastoreamos como meditamos, como estu-
damos, como jogamos, sim, como comemos e dormimos.
Vamos ilustrar o que dissemos acima com um exemplo:
Se sria e pacientemente assumo dia por dia o trabalho da meditao, ele me
transforma com o tempo. Surge no fundo da minha identidade uma serenidade cal-
mamente vigorosa, cresce em mim a fora de recolhimento, a concentrao, a minha
receptividade adquire uma tal afinao que percebo as mnimas diferenas dos fatos,
da realidade, do sentido das coisas, da fala, do pensamento, dos desejos etc. Assim,
a meditao me conduz vitalidade do vigor da vida.
Termina a hora da meditao e vou para a aula, para a hora do estudo. Mas a
minha identidade com toda a vitalidade do vigor da Vida adquirida na hora da medi-
tao, eu no a deixo para trs. Eu a levo comigo para a aula, pois essa identidade
sou eu mesmo.
Como acolhi o texto da Sagrada Escritura na hora da meditao, na serenidade,
na concentrao recolhida e afinada da vitalidade do vigor da Vida, agora tambm
acolho a fala do professor com a mesma vitalidade. Assim, vivo em cheio a aula como
vivi em cheio a meditao. E continuo assim, crescendo no vigor da meditao na
aula. Embora a hora da meditao e a hora da aula sejam diferentes no seu exterior
cronolgico, na realidade, no fundo da minha identidade, so o mesmo e uno: o
crescimento na vitalidade do vigor da vida.
Com o tempo, comeo a ver em tudo que fao e no fao uma unidade interior.
Unidade interior, a integridade da Vida, a formao integral, que no me dispersa e
distrai em diferentes aparncias disso ou daquilo, mas que, em fazendo isso ou aqui-
lo, me conduz sempre de novo, cada vez mais para a identidade do meu viver. Assim,
de repente, descubro que no dilogo fraternal estou escutando o meu irmo como
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na meditao ouo o texto da Sagrada Escritura, como na aula ouo a preleo do
professor e vice-versa; na aula e na meditao estou ouvindo o texto da Sagrada
Escritura e a preleo do professor como ouo o meu irmo no dilogo fraternal.
A essa altura da reflexo, repitamos a pergunta (n. 6) suspensa no ar: Tenho algo
na minha vida para o qual no meo sacrifcios, para o qual o tempo cronolgico no
conta, para o qual perco todo o meu tempo disposio? Qual , pois, o tempo dos
meus tempos? Pode ser que esse algo, para o qual no meo sacrifcios, no seja o
estudo superior de filosofia.
Se o algo para o qual no meo sacrifcios no for o estudo superior de filosofia
e, se por causa disso, o estudo superior de filosofia uma perda de tempo para a
realizao da minha identidade, ento necessrio perguntar-me, por que afinal
esse algo importante no me leva a acolher o estudo com a mesma cordialidade da
Vida com que acolho esse algo importante? Por que vejo no estudo a excluso da
minha realizao e no a sua incluso? No porque a minha dedicao causa
desse algo satisfaz o meu pequeno eu? No porque s consigo viver, vibrar, en-
quanto posso fazer aquilo que satisfaz o meu pequeno eu? No porque construo a
vida a partir do ngulo de vista do meu pequeno eu, tentando bitolar a grande Vida
dentro daquilo que eu gostaria que ela fosse?
Se for assim, a causa do meu interesse no vida, mas sim o produto do meu
pequeno eu. E como tal, com o tempo, h de me estreitar de tal maneira o corao
que no mais suportarei o desafio jovial da vida. E o desafio da vida est em toda
parte.
No se abrir sempre de novo ao desafio da vida, isto , no tentar acolher, naqui-
lo que diferente do meu gosto, a chance de alargar e aprofundar a vitalidade da
minha identidade, a unidade interior , na realidade, abafar a minha juventude, isto
, no ser na fora divina da vida.
Percebemos assim que, para poder estudar bem, necessrio comear nos per-
guntando, paciente, sincera e tenazmente: como vivo afinal a minha vida? Isso por-
que estudaremos na medida em que vivermos profundamente. Mas, se tentarmos
em tudo viver profundamente, haveremos de estudar bem, integral e vitalmente.
A seguir, algumas sugestes para reflexo:
O estudo superior de filosofia exige o tempo integral de trabalho, principal-
mente se venho dos estudos secundrios. necessrio que no incio gaste todo o arti
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tempo disposio, para acostumar a minha mente nova situao do estudo, ao
novo hbito de estudo.
Se logo de incio no me coloco inteiramente disposio do estudo, de corpo
e alma, terei muita dificuldade nos anos seguintes em seguir o estudo. Arrastar-se
por anos na indeciso, no mais ou menos de um estudo mal comeado e no bem
assumido, leva o estudante e o professor frustrao. Tudo depende do impacto
inicial da largada.
Se estou muito disperso em mil e mil ocupaes, necessrio cortar por prpria
iniciativa essa inflao de ativismo e recolher-me, para concentrar todas as minhas
aes no empenho de assumir em cheio esse trabalho do estudo que, por sua natu-
reza, difcil e exige o tempo integral de dedicao.
O estudo superior de filosofia requer uma mentalidade aberta, viva, disposta a
fazer experincia nova, mais rigorosa, de novo tipo, mais exigente de estudo. Requer,
portanto, um novo tempo interior.
Hoje em dia, o estudante que vem do ensino secundrio, costuma estar bitolado
e acomodado intelectualmente opinio pblica da sociedade de consumo. Assim,
tem muito pouco treino na flexibilidade e na disciplina de pensar, est preso a slogans
e a um saber de informao usual, os quais confunde com a realidade e a vida. Essa
fixidez no status no lhe permite enfrentar o novo, o diferente, o difcil, o profundo
como um desafio para o seu crescimento. Antes, o faz reagir contra tudo isso como
algo negativo, bitolado, como falta de didtica, pedagogia, falta de compreenso e
comunicao.
Essa situao prejudicial ao estudo superior de filosofia.
necessrio, pois, abandonar essa tentativa de querer acomodar-se no que
sabe, de querer encaixar a nova situao do estudo superior de filosofia dentro
daquilo que at agora achava ser pedagogia, didtica, comunicao, compreen-
so etc., para abrir-se com mais coragem e disposio nova e diferente experi-
ncia do estudo.
Para que possa dedicar-me com eficincia ao estudo superior de filosofia, devo
aprender, a partir de mim mesmo, a organizar melhor a minha prpria vida cotidiana.
Devo, portanto, aprender a dar comando a mim mesmo para me disciplinar num
trabalho artesanal do estudo.
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importante aprender a acolher a imposio do horrio do estudo como um
dos fatores de crescimento na disciplina interior da minha liberdade para a eficincia
do trabalho. Por exemplo, mesmo que guarde bem a pontualidade externamente, se
antes no me dei o tempo para me concentrar interiormente para as aulas, no estou
bem presente no incio das aulas. A imposio do tempo cronolgico comea a signi-
ficar um convite para eu criar dentro de mim um tempo de recolhimento. Alis, sem
o recolhimento interior no h progresso no estudo superior de filosofia.
O tempo cronolgico de estudo individual no recolhimento da cela indispen-
svel para se progredir no estudo superior de filosofia. Seria til se perguntar: quanto
tempo gasto para o estudo individual? E como fao para aumentar esse tempo de
estudo individual?
necessrio aprender a criar dentro de si um ritmo interior de serenidade e reco-
lhimento. Quem est continuamente agitado no conseguir acolher a vida do estudo
de filosofia. Para essa aprendizagem muito prtico eu aprender a ficar sentado mesa
do estudo, mesmo que sinta a terrvel tentao de sair, de fazer algo, de me distrair.
O horrio de todos os dias cria rotina. No entanto, a rotina importante para o
crescimento real e constante do estudo. Se a rotina concentrao de fora para o
recolhimento ou se um arrastar-se montono e indiferente da minha frustrao,
isto tudo depende de como eu acolho a rotina. Pode ser que nada fao com a rotina,
porque no estou acostumado disciplina interior na qual devo cada dia de novo
assumir o estudo com novo nimo e iniciativa. Se detesto a rotina, devo examinar-me
se no estou apenas buscando novidades e vivncias como fuga do trabalho rduo,
lento e paciente do estudo.
3 A imposio do estudo
Para aquilo que nos toca, que nos importa, no medimos esforos. fcil dedi-
car-lhe tempo. Mas, por outro lado, o tempo que perdemos para o estudo que
faz o estudo importante.
Se o estudo ainda no me importante, ento h a necessidade de eu dedicar-
lhe tempo. Mas dedicar tempo para o que ainda no me importante forado.
O que significa forado? Forado o que exige fora. o que no flui espontane-
amente, gostosamente, sem esforo. Que fora exigida no estudo forado? A fora
do meu querer.
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O querer autodeterminao. autoimposio. Eu me imponho a mim mesmo o
que no vai comigo. Mas o que que costuma ir comigo? O agradvel.
Acontece, porm, que eu sou na medida em que vou. Se o agradvel o que vai
comigo, ento sou somente na medida em que as coisas me vo agradavelmente. Tal
caminhar no tem o desafio do crescimento. No tem o vigor da autosuperao para
o gosto da autodeterminao.
Torno-me adulto somente na medida em que comeo a gostar da autoimposio,
pela qual eu me imponho livremente a mim mesmo o que no vai comigo. na
medida em que gasto o tempo para o crescimento dessa autoimposio que os desa-
fios da vida se me tornam importantes.
O estudo superior de filosofia, ao menos no incio, reclama a autoimposio da
autonomia. Reclama, portanto, o trabalho forado, imposto por mim a mim mesmo.
A nossa dificuldade est nisto que organizamos a vida segundo o princpio do
agradvel. Que o faamos, pertence vida. Somente que o nosso agradvel anmi-
co demais para poder constituir o vigor jovial que consegue achar no trabalho peno-
so e artesanal do estudo um nvel superior de gosto da vida.
Por isso, torna-se necessria a imposio exterior do trabalho forado, horrios,
programas, crditos, exames, a instituio. Se deixarmos o trabalho do estudo a nosso
bel-prazer, se facilitarmos, permaneceremos parados no agradvel infantil dos nossos
desejos, sem jamais nos abrir para o horizonte livre dos desafios da grande vida.
Assim, desde o incio do estudo superior de filosofia, de grande utilidade para
o progresso do estudo e sua eficincia encarar e acolher livremente as imposies do
trabalho escolar como o caminho de ascese e de disciplina para o crescimento da
autonomia no poder de autoimposio. Livremente, porm, no significa maneira
do meu gosto, mas sim: de modo a descobrir e a acolher um sentido mais profundo
da vida naquilo que vem sobre mim como imposio da minha situao.
Certamente, tudo isso pode soar ao iniciante no estudo superior de filosofia
como uma moralizao demasiadamente sria, sem muita compreenso da pedago-
gia nem da psicologia da juventude. No entanto, quem inicia o estudo superior de
filosofia e at ento estava acostumado s maneiras e aos mtodos de motivao da
juventude, pastoral da juventude, faz bem em deixar para trs a sua concepo e
abrir-se incondicionalmente a um modo de caminhar que visa diretamente, atravs
das vicissitudes do trabalho, o crescimento mais adulto e profundo da autoidentidade.
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Algumas sugestes para a reflexo:
Obedecer imposio da situao, venha ela donde vier, com coragem e inte-
ligncia da autoimposio. Obedecer no significa ser bonzinho. Significa muito
mais: significa assumir a imposio como se fosse um comando dado por mim a mim
mesmo.
Nessa obedincia, no perder tempo nem energia com a tentativa de esquivar-
se das dificuldades da imposio.
Combater logo de incio, de todo o corao, a poluio emocional que vem do
descontentamento ou do receio de no conseguir dar conta do recado. Toda a tomada
de posio feita de antemo, como por exemplo medo, desagrado, dvida, desconten-
tamento no suficientemente livre para poder ser realmente obediente ao desafio da
imposio. No perder a energia com coisas laterais, no questionar o fato da imposi-
o. Antes, acolh-la como a coisa mais natural da Vida e imediatamente arregaar as
mangas para se perguntar: o que e como fazer para melhor realizar aquilo que a impo-
sio est exigindo de mim, para o meu prprio crescimento?
Evitar crticas acrticas imposio. Criticar significa: decidir para purificar,
purificando-se. Jamais confundir a crtica com lamria ou amargura de um descon-
tentamento que trai a falta de identidade. Uma tal crtica lamurienta envenena a
minha prpria vida com decrepitude. A jovialidade da crtica, isto , a juventude da
crtica a alegria divina em assumir as imposies como possibilidades do aumento
da minha autodeterminao.
somente na medida em que creso na identidade serena e vigorosa da auto-
determinao que eu tenho o poder e domnio para mudar as imposies, proporci-
onando-me uma outra imposio mais perfeita.
No pedir nem desejar que o professor facilite o trabalho. No pedir, nem
desejar que o professor desa de nvel, para me facilitar a compreenso. Descer de
nvel no boa pedagogia para o estudo superior de filosofia. Pois, em descendo,
jamais superamos a nossa acomodao. Antes, eu mesmo, tenaz, paciente e corajo-
samente devo tentar subir para o nvel em que est a imposio do professor.
Para isso, lutar contra a timidez e o medo de ser ignorante, perguntar sempre
de novo o que no entendeu. E isso no s na aula, mas tambm em particular. arti
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Mas, ao perguntar sempre de novo, procurar perguntar de tal maneira que no
seja uma mera repetio toa sempre igual. Pensar para perguntar bem, trabalhar
eu mesmo na minha prpria pergunta antes de ir perguntar. E, se levar uma bronca
do professor por causa da minha pergunta, no perder o sangue frio, no me enco-
lher para dentro da timidez e do descontentamento. Aproveitar a bronca para me-
lhor pensar e formular a pergunta.
Considerar todas as imposies, crticas e repreenses do professor como se
fossem imposies, repreenses e crticas de um treinador de esporte, como etapas
do trabalho de um treinamento para um jogo muito importante. Ter uma boa mem-
ria para o que me foi dito e aproveitar bem as crticas e as repreenses do professor.
Para cada aula, tentar vir preparado. Isto , estudar no dia anterior ou j antes,
o que se falou na aula anterior. Ir, portanto, para a aula como quem vai preparado
para o trabalho difcil e no como quem vai preparado para um passeio ou para o
cinema.
Tentar no exigir que os professores ensinem, ajam de modo igual. No compa-
rar um professor com outro. Entrar na jogada de cada professor e do modo de ser da
sua disciplina. No se deixar perturbar pelos defeitos do professor. Antes, ver com
coragem a coisa ela mesma, a causa real daquilo que ele ensina.
Quando a imposio do estudo exigir horas extras de trabalho, fazer essas
horas extras com cordialidade.
Se receber uma tarefa para fazer, comear logo o trabalho no mesmo dia. O
mesmo vale para a preparao para o exame ou para as provas. E no confiar no dia
de amanh. muito mais inteligente eu acelerar o ritmo do trabalho bem no incio
do que no fim, quando j comea a me inquietar. Criar um hbito nesse sentido.
Esse mtodo de obedincia cordial imposio pode parecer um mtodo que me
leve falta de personalidade prpria e falta de esprito crtico, principalmente se,
sem muita crtica bem refletida, estou influenciado por e acomodado opinio p-
blica do status quo acerca do que personalidade e crtica; um tal mtodo pode
parecer acomodao imposio. No entanto, o mtodo, se assumido, me conduz a
uma real autonomia e ao vigor da crtica.
O estudo superior de filosofia deve nos levar ao esprito crtico, isto , ao vigor
crtico. Vigor crtico no opinio do meu pequeno eu, mas sim o faro e a intuio
vigorosa que crescem de uma longa caminhada de experincia. O faro e a intuio eu
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s os adquiro se, aceitando a imposio de uma situao bem concreta, trabalhar em
mim mesmo, paciente e tenazmente, um certo tempo, na absoluta obedincia, at
comear a sentir que sou mais forte do que a coisa criticada. Assim, por exemplo, no
esporte, eu devo me sujeitar por longo tempo imposio do treinador, at comear
a crescer em mim a medida certa do meu saber, do meu poder.
Ao elaborar um trabalho, ser exigente consigo mesmo. dolorido e humilhante
ser criticado naquilo que me acho ser bom. No entanto, aqui tambm abandonar a
sensibilidade narcisista de autoagrado, para me expor corajosa e jovialmente crti-
ca. E no ter medo de fracassar. No ter medo de ter que escrever muitas vezes o
mesmo trabalho, at que ele saia perfeito. tentando-se sempre de novo que se
cresce para o rigor e o vigor do Esprito.
Mais do que em qualquer outro exerccio espiritual, no exerccio do trabalho
e da disciplina sob a imposio do estudo que aparecem os nossos defeitos. Pois, sob
a presso da realidade impositiva, vm luz as fraquezas da nossa fibra espiritual.
Aproveitar, pois, a imposio do estudo para nos conhecer e, com calma, mas com
tenacidade, corrigir-nos, aproveitando o prprio tempo e as dificuldades do estudo.
Quais so os defeitos da sua pessoa que j esto aparecendo ao sofrer sob a
imposio do estudo?
Diz Dietrich Bonhoeffer:
Se partes em busca da liberdade, aprende, antes de tudo, a disciplina dos teus senti-
dos e da tua alma, a fim de que teus desejos e teu corpo no te levem aventura. Que
teu esprito e teu corpo sejam afinados, inteiramente submissos a ti, e que obedientes
procurem a meta que lhes assignada. Ningum experimenta o mistrio da liberda-
de, se no na disciplina1.
4 O trabalho do estudo
de grande importncia para a realizao pessoal no estudo superior de filosofia
assumir o estudo como um trabalho profissional. A profisso do filsofo intelectual.
O ser do intelectual como ns hoje o imaginamos est deformado. Deformado, por-
que, no sei por qual opinio superficial, o opomos ao ser prtico e produtivo de
1 Bonhoeffer, um dos maiores telogos da modernidade, foi pastor protestante alemo. mrtir. Foi morto pelosnazistas. Dentre outros livros dele, temos em portugus o livro: Resistncia e submisso. Rio de Janeiro: LivrariaPaz e Terra, 1968. ar
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uma vida pastoral ou vivencial mstica. Se no abandonarmos radicalmente esse pre-
conceito anti-intelectual, corremos o risco de nos arrastarmos pela vida a fora como
um ser hbrido de meia tigela que, por no ser profunda e vigorosamente intelectual,
nem intelectual, nem prtico e nem vivencial.
Intelectual vem do verbo latino intelligere. Intelligere significa ser no vigor da
inteligncia. Inter-legere ler entre as coisas, ler no relacionamento exterior das coi-
sas o interior, a essncia das coisas. Ler, legere significa colher, ajuntar, acolher. O
inter-lectual portanto aquele que, no vigor do esprito e na sensibilidade vital da
sua percepo, penetra atravs da superfcie da realidade para acolher com admira-
o, amor e reverncia, o cerne, o corao, a vida das coisas. Isto significa: o ser inter-
lectual a profisso do santo, do poeta e do pensador. Nesse sentido originrio do
intelectual, So Francisco de Assis foi um dos maiores intelectuais da histria.
Ora, o estudo superior de filosofia o lugar e o tempo de exerccio para o aper-
feioamento dessa nossa profisso do intelectual. Todo o nosso trabalho pastoral do
futuro depende disso: se ns, atravs do estudo superior de filosofia, nos tornamos
bons profissionais dessa intuio essencial. Isso porque, sem essa intuio intelectu-
al, sem essa sensibilidade radical para a essncia da realidade, a pastoral, a prxis, se
transforma em mera imposio da nossa grossura, da nossa mediocridade, da nossa
ideologia superficial.
Hoje, fala-se muito da necessidade de preparar os candidatos vida religiosa
para o servio da Igreja atual, para o servio aos irmos etc. etc. Fala-se tambm que
essa preparao deve ser prtico-pastoral, adaptada ao homem de hoje, s reas de
trabalhos futuros etc.
Na perspectiva dessa orientao, a tendncia de eliminar aos poucos o estudo
de cunho mais especulativo, teortico, que no tenha aplicao concreta e prti-
ca na vida, para acentuar o estudo de uso imediato na ao.
Essa maneira de conceber o estudo superior de filosofia superficial. Ela jamais
poder formar os religiosos, porque tal viso de filosofia e da vida j est completa-
mente fora da dimenso religioso-espiritual. Essa concepo, alis hoje dominante,
ingnua. Ela no percebe que est cegamente sob a dominao de uma ideologia, da
mesma que est atrs da prxis de uma firma industrial.
Se o estudo superior de filosofia um meio para formar tcnicos e funcionrios
ingnuos e bitolados de uma ideologia de dominao pastoral, que qui produz
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muito, se agita muito, faz muito barulho, mas nem sequer percebe o esquecimento
da sua prpria identidade, ento o nosso estudo de filosofia em tal instituto est fora
da moda, alienado, e no serve para nada.
A pressuposio, a afeio, sim a paixo que dita e comanda o nosso estudo
superior de filosofia diferente. Ela decididamente devotada ao trabalho de uma
formao especulativo-teortica. E isto, no porque se despreze a prtica e a pasto-
ral, mas porque se compreende a prxis e a pastoral no como o fazer da dominao,
como o acionar de uma ideologia, mas sim como uma caminhada, como um cresci-
mento lento, profundo e radical que nos transforma, nos converte em hermeneutas
sensveis e vigorosos, obedientes e afinados do mistrio de Deus na terra dos ho-
mens. Para isso necessrio ser inter-lectual no sentido originrio da palavra intelec-
tual acima insinuado. necessrio realizar um trabalho rduo, sofrido de experincia
na existncia especulativo-teortica, para libertar o vigor do esprito, a percepo
bem afinada e temperada em referncia s coisas de Deus. E na medida em que
crescemos nesse vigor de percepo das coisas de Deus, por si mesmo, sem o
acrscimo de aplicao prtica, que todo o corpo da nossa existncia em si e por
si prtica e pastoral.
Assim, o prprio caminhar do estudo, isto , do intelectual, da formao
especulativo-teortica o mesmo caminhar da prxis e da pastoral e vice-versa.
E a nossa profissionalizao, a nossa profisso de religiosos est nisso: em ser-
mos bons inter-lectuais, isto , em sermos hermeneutas, os anjos do mistrio de
Deus. E no esqueamos: a essncia, o vigor radical do homem e de tudo que se
refere ao homem, o humano, recebe o sentido e a vida do mistrio de Deus.
Por isso, o trabalho do estudo superior de filosofia dever ser no s nesses anos
de estudo acadmico, mas por toda a nossa vida, o trabalho full time da nossa pro-
fisso. o trabalho profissional da nossa identidade, identidade de religiosos
franciscanos.
Esse nosso trabalho profissional, o trabalho inter-lectual exige a cura, o cuidado
constante, para que cresamos sempre e pacientemente no vigor do esprito, no arar,
no mondar o terreno da nossa existncia, evitando assim de confundir o nosso traba-
lho profissional de hermeneutas do mistrio de Deus com a ao de um fazer ideol-
gico dos tcnicos e funcionrios do poder.
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HARADA, Hermgenes. De como estudar26
Assim, um senhor feudal de Chang Wu disse a Tsu-Lao:
Ao governar um pas, no o faas a grosso modo, sumariamente. Ao reger o povo,
no o faas de modo dispersivo, de qualquer jeito. Outrora cultivei trigo. Se, ao arar
a terra, o fazia a grosso modo, sumariamente, a terra me correspondia com colheita
sumria, vazia, a grosso modo. Se, ao mondar o campo, o fazia de modo dispersivo,
de qualquer jeito, as mudas, uma vez crescidas, me correspondiam de modo dispersivo,
de qualquer jeito com colheita imprestvel, misturada de joios. Nos anos seguintes,
mudei o modo de trabalhar. Arei a terra com cuidado, lenta e profundamente. Pulve-
rizei os torres grossos com pacincia. Ao mandar as mudas, arranquei com cuidado
joio por joio. Cobri as razes das mudas uma por uma com terra macia, carinhosamen-
te. As mudas cresceram. Abriram-se flores do trigo e surgiram espigas generosas.
Assim gozei de abundncia por ano inteiro.
Chuang-tsu ouviu essas palavras e disse:
Hoje em dia, muita gente, ao reger a forma do corpo, ao dispor o corao realiza-
o da sua identidade, faz como o fez de incio o senhor feudal de Chang Wu. Foge
da pacincia dos cus; afasta-se da sua natureza; destroi o seu sentimento; apaga a
sua jovialidade; se preocupa com a representao alheia; vive arrastada pela opinio
pblica. Quem assim ara a grosso modo, sumariamente a sua terra, e monda o seu
campo de modo dispersivo, de qualquer jeito, per-mite a inflao confusa e a prolife-
rao de cobias e inclinaes na sua natureza. De incio a inflao da cobia parece
criar e aumentar o vigor do crescimento. Com o tempo, porm, ela se revela como
uma perigosa inchao da vida, que ao se agitar, se esvazia totalmente, envenenan-
do, pela raiz, o vigor do crescimento. E quando, ento, explode, brotam por toda
parte feridas purulentas, e todo o corpo da existncia arde em febres, infeccionado
pela urina, misturada de pus.
Algumas sugestes para reflexo:
Numa profisso, antes de se tornar um bom profissional, necessrio gastar um
bom tempo para se familiarizar bem com as coisas elementares do trabalho profissi-
onal. Esses elementos no so menos importantes do que as obras-primas. Pois a
qualidade das obras-primas depende da elaborao dos elementos. Por isso de
importncia eu me preocupar com o treino constante:
da memria, quando devo decorar com preciso dados e fatos;
da fortaleza da ateno, quando ouo prelees;
em me escutar, quando falo nas discusses;
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do bom manejo crtico e preciso das palavras, das frases e suas concatenaes,
quando devo escrever um trabalho;
da pacincia comigo mesmo, quando o trabalho no vai como eu gostaria;
em fazer o pouco que posso de todo o corao, sem me precipitar;
em animar-me a mim mesmo, quando me assalta o sentimento de desnimo e
inutilidade do meu trabalho;
em primeiro executar o exigido, para depois dedicar-me ao agradvel;
em crescer passo por passo num trabalho artesanal, sem dar saltos inflacion-
rios da minha capacidade atual;
em aguentar a solido do trabalho na minha cela etc.
muito til eu no me deixar distrair pela preocupao: ser que tal teoria ou
especulao til para o futuro?
A utilidade da teoria ou da especulao no est na sua aplicao. A sua prtica
e utilidade j est nela mesma, enquanto, se bem trabalhada, me transforma e me
aumenta a sensibilidade da percepo das coisas. Alis, muito imprtico preocupar-
me sobre o fazer no futuro, pois no possvel determinar de antemo a situao
concreta em que vou cair. muito mais prtico aumentar o vigor e a sensibilidade do
esprito, da percepo, de tal sorte que tenha no futuro a capacidade de perceber
cada vez de novo a medida certa do meu fazer em diferentes situaes da vida. Teoria
e especulao so treinamentos para o aumento do vigor do esprito.
Ter sempre de novo mente que o estudo superior de filosofia no um cursi-
nho tcnico que me informa como fazer isso ou aquilo na prtica, mas sim ele mes-
mo j um fazer atual e concreto, em cujo exerccio transformo-me e fao crescer em
mim o vigor do esprito.
5 De como trabalhar no estudo
O que segue apenas indicao. A indicao imperfeita e esquemtica. Ela s
tem valor se voc mesmo procura se observar, se experimentar com muita iniciativa,
para descobrir um modo de caminhar prprio. V para as aulas, sente-se mesa do
estudo individual, discuta, leia como algum que explora uma nova terra em busca
de dados para poder estabelecer no corao dessa terra a sua habitao.
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HARADA, Hermgenes. De como estudar28
5.1 As prelees
As prelees so aulas expositivas. Quem fala o professor. Quem ouve o estu-
dante. Isto tudo bvio. Mas o fato de o professor falar e o estudante escutar deter-
mina o estilo, o modo de trabalho que eu, o estudante, devo realizar. Se estou nas
prelees, necessrio guardar bem o estilo todo especial desse trabalho.
O trabalho do estudante aqui nas prelees tem o estilo do ouvinte: ouvir. de
grande importncia perceber que ouvir, ser ouvinte um trabalho difcil, o qual quer
ser exercitado. O mau ouvinte no tem boa chance no estudo superior de filosofia.
Ouvir no um simples assistir, um apenas estar ali passivo diante da ocorrncia da
fala do professor. Antes, uma intensa atividade da ateno, da participao.
Quando se fala da ateno, da participao, surge aqui um pernicioso equvoco
a respeito das prelees no estudo superior de filosofia. O estudante que no tem
ainda a experincia do estudo superior espera encontrar na exposio do professor
as motivaes que lhe facilitem a prestar a ateno, a participar das aulas com gosto.
Se quiser ser fiel a sua causa e no se degradar ao ensino ginasial, necessrio que o
estudante de ensino superior de filosofia corte pela raiz tais expectativas.
O tempo em que o professor devia motivar o aluno a prestar ateno tornando-
lhe a exposio mais agradvel, mais gostosa, por meio de truques de motivao,
deve ser para o estudante filsofo uma poca passada. Do contrrio, ele jamais sair
da mentalidade primria ou ginasial.
Nas prelees, o professor concentra todo seu esforo em expor a sua matria
como ela , com todas as suas dificuldades reais, sem camuflar a realidade. Quanto
mais ele o fizer, tanto melhor a sua exposio. Pois, assim, est devotando toda a sua
energia, sem disperso, causa, coisa ela mesma de sua cincia. Se precisar se
preocupar em animar sempre de novo os ouvintes a lhe prestar ateno, em cuidar
que os ouvintes guardem o silncio e a concentrao, que os ouvintes no se distrai-
am, ele gastar a metade da sua energia naquilo que essencialmente no pertence
causa ela mesma de sua cincia.
Exige-se portanto do estudante filsofo o suficiente brio diante de si mesmo e a
maturidade para que no espere nem exija da exposio a realizao daquela parte
do trabalho que cabe a ele, na sua autonomia. Com outras palavras, as prelees j
pressupem como algo mais natural do mundo adulto que o estudante est ali para
trabalhar no duro e no para primeiro ser motivado e animado a trabalhar; e, se o
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estudante no tem na hora a disposio do trabalho, que ele mesmo na sua autono-
mia procure se motivar para o trabalho.
Criar em si, por sua prpria iniciativa a disposio de trabalho na audincia de
uma preleo a primeira tarefa desse trabalho que denominamos: ouvir, ser ouvin-
te. Essa primeira tarefa se concretiza em diferentes empenhos para a autoformao
da atitude do ouvinte. Exemplifiquemos alguns deles, indicando o que no bom
trabalho no desempenho da disposio de bem ouvir:
Se eu chego na aula em cima da hora, ainda ofegante da corrida, ou com a
ateno completamente presa atividade anterior, no comeo a trabalhar bem na
audincia da preleo.
Se durante a aula, quando a minha ateno enfraquece pela monotonia ou
chateao e isto acontece a qualquer um de ns , se no reajo contra mim mesmo,
se eu me largo, desligo e comeo a me distrair, conversar e fazer outra coisa etc., no
estou trabalhando bem na audincia da preleo.
Se por qualquer imprevisto acontecer durante a preleo uma interrupo da
exposio, se ao ouvir uma piada engraada, ao explodir uma alegre risada, eu me
largo para a algazarra, e no me controlo imediatamente, quando a exposio pros-
segue, se procuro prolongar o gozo daquele desabafo, no estou trabalhando bem
na audincia da preleo.
Se ao tocar o sinal para o trmino da aula, comeo a me agitar e a falar, sem
deixar que a exposio chegue ao trmino do pensamento iniciado, ento estou mais
interessado no descanso do que no trabalho e no estou trabalhando bem na audi-
ncia da preleo.
Percebemos assim, pelos exemplos relacionados, que o recolhimento interior
uma das condies fundamentais para o bom desempenho no trabalho da audio,
do bom ouvir.
Um dos fatores que mais enfraquece o vigor do recolhimento no trabalho da
audio o distrbio emocional. Acontecem casos em que o estudante, na sua ativi-
dade pastoral, se envolve num caso sentimental. Com o tempo, esse envolvimento o
absorve de tal maneira que, estando na aula com o seu corpo, est completamente
ausente da audio da preleo. Se o estudante j no tem em si uma grande matu-
ridade de autonomia e tarimba na autoimposio e na experincia da vida, uma tal
situao pode infernizar o trabalho do estudo. A sua existncia de operrio no traba- arti
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HARADA, Hermgenes. De como estudar30
lho intelectual parece ser sem gosto, alienada, sem vida. Torna-se montona, sem
qualquer sentido.
O problema aqui no mais apenas uma dificuldade de ateno. , antes, um
problema acerca do sentido da minha vida: por que e para que estou aqui nesse
instituto de estudo superior de filosofia?
Assim, numa tal situao, o problema do trabalho da audio de uma preleo
se transforma no trabalho da audio do sentido de toda a minha existncia. Se aqui
eu no me recolher sria e sinceramente em mim e no fizer uma total reviso da
maneira de ver a minha prpria vida, a minha pastoral etc., corro o risco de me
arrastar na confuso e, bem possvel, que esteja perdendo o meu tempo.
Algo semelhante se pode dizer por exemplo de cinemas, televiso, vdeo, Internet
etc. Se no dia anterior, at altas horas da noite, eu me deixei emocionalmente impres-
sionar e me perturbar por espetculos visuais ou programaes de sites, chats e
outros, pode ser que no dia seguinte no consiga trabalhar bem na audio de uma
preleo. Falta-me o devido recolhimento para me concentrar por causa da demasia-
da poluio emocional.
Surge aqui uma questo metodolgica para o trabalho do estudo: por que e
para que deixo-me assim impressionar emocionalmente, de tal sorte que me torno
imprestvel para o trabalho que minha vida?
A reflexo no est dizendo que estou proibido de assistir aos espetculos s
altas horas da noite. Est apenas colocando uma questo prtica, concreta e funda-
mental da vida: como assumo a minha vida, meu compromisso intelectual para o
crescimento real da minha identidade e maturidade humana no trabalho do estudo
superior de filosofia?
Pode ser que esteja fazendo tudo isso para justamente amadurecer em mim mesmo
a identidade emocional ou para ajudar realmente o outro. necessrio, no entanto,
perguntar-me, para o meu prprio bem, se essa maneira de eu querer amadurecer ou
de ajudar o outro no como diz o texto chins acima mencionado:
A inflao confusa e proliferao de cobias e inclinaes da minha natureza ainda
imatura. De incio a inflao da cobia parece criar e aumentar o vigor do crescimen-
to. Com o tempo, porm, ela se revela como uma perigosa inchao da vida, que ao
se agitar, se esvazia totalmente, envenenando, pela raiz, o vigor de crescimento.
A reflexo no est minimizando intelectualisticamente a importncia da emo-
o. Antes, pelo contrrio, porque toma a srio a importncia vital da emoo que
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se coloca a questo acerca da seriedade do meu querer na busca da maturidade
emocional. Emoo no apenas vivncia exttica, fogaru de palha, mas sim um
vigor firme, constante e forte da identidade bem experimentada no crescimento len-
to e bem trabalhado. pois o mesmo vigor da identidade a que aspira e pelo qual
luta o estudo superior de filosofia.
A primeira condio fundamental e primria para a eficincia no trabalho de
ouvir as prelees portanto o recolhimento interior. O recolhimento interior e o
silncio exterior vo juntos. O recolhimento interior causa espontaneamente um re-
colhimento exterior. Mas no o recolhimento exterior que causa o recolhimento
interior. No entanto, num instituto de estudo onde no h o recolhimento exterior ou
l onde o recolhimento exterior deve ser exigido fora da lei, no h condio
elementar para o trabalho srio do estudo, pois, no h lugar para o ouvinte.
Aqui a nica instncia onde se pode apelar a autonomia, a autoimposio, a
corresponsabilidade. Pois, enquanto eu no me decidir a criar em mim mesmo o
recolhimento interior e no organizar a minha vida para isso, todo e qualquer apelo
para se criar um ambiente de audincia no estudo gera descontentamento. E o des-
contentamento poluio acstica do recolhimento interior.
No entanto, quem livremente no busca o recolhimento interior no estudo e no
organiza o seu fazer e no fazer para o seu crescimento infantil. E, se religioso,
ainda no fez o noviciado. Pois, o que vale no noviciado para a orao e o silncio,
vale no estudo superior de filosofia para o prprio trabalho do estudo.
Assim, percebemos que a disciplina monacal do recolhimento no algo do
passado. Antes, pelo contrrio, a tarefa e o desafio da modernidade. Pois a discipli-
na monacal do recolhimento est mais do que nunca presente na modernidade. No,
l onde se d a inchao da burguesia de consumo da modernidade, mas, sim, l
onde se criam os valores da modernidade, como por exemplo nas oficinas do traba-
lho tcnico, nos laboratrios, nas salas de planejamento industrial, nos centros de
pesquisas cientficas.
5.1.1 Tipos de preleo
Conforme a inteno da fala do professor h diferentes tipos de preleo. Cada
tipo de preleo quer ser ouvido a seu modo. o trabalho do ouvinte ajustar cada
vez de novo o registro da sua audincia ao tipo de preleo que est ouvindo. arti
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HARADA, Hermgenes. De como estudar32
a) Existe, por exemplo, a preleo informativa sobre coisas, onde se relatam
nomes, ocorrncias, estruturas, fatos etc. Nesse caso, a minha ateno h de procu-
rar fixar na memria, o mais que pode, os dados fornecidos na preleo.
Aqui no devo exigir da preleo reflexes profundas. Se fao perguntas, essas
devem se referir aos dados e no s pressuposies reflexivas acerca de fundamenta-
o e interpretao que dizem respeito ao sentido radical da prpria disciplina, da
qual a preleo uma exposio. Por exemplo, se numa preleo a exposio d
informaes arqueolgicas sobre o uso de um utenslio litrgico, no devo exigir
dessa exposio que faa uma reflexo acerca da essncia da liturgia ou acerca do
sentido ontolgico do uso ou do utenslio.
Em se tratando de preleo informativa desse tipo, o estudo em casa sobre essa
preleo dever ser muito mais um trabalho de guardar de cor os dados fornecidos e
saber bem o relacionamento que existe entre um dado e outro. Aqui entra em ao o
importante trabalho de aprender de cor e relacionar um dado com o outro, atravs
de raciocnio ou tambm atravs de associao de imagens.
b) Existe a preleo informativa, onde se expe um sistema de conceitos, ou do
professor ou de outro autor. Aqui, a exposio no fica s na informao, pois, em se
tratando de conceitos, entra-se, mesmo no querendo, na reflexo. No entanto, a
inteno da preleo mais informativa. Procura-se expor o conjunto de conceitos
que constitui uma interpretao da vida.
A minha ateno h de fixar os conceitos principais que sempre de novo ocorrem
na exposio.
Dentro de tal exposio h dois tipos de conceitos. Um tipo de conceitos que so
fixos, como que tema fundamental de uma sinfonia. Estes conceitos so os funda-
mentais e principais. H tambm outro tipo de conceitos que no esto fixos, mas
que modulam a sua significao como que variaes do tema fundamental de uma
sinfonia. Esses conceitos que variam servem para explicitar, explicar, fazer soar os
conceitos fixos fundamentais.
Essa explicao de dois tipos de conceitos no muito exata nem rigorosa. A
realidade de uma exposio e dos conceitos muito mais complexa e diferenciada.
Mas representemos a realidade da preleo em conceitos fixos e em conceitos varian-
tes, s para pegar o jeito de ouvir bem a exposio de um sistema de conceitos.
Vamos dar um exemplo de conceitos fixos e de conceitos variantes. O professor
na aula expe:
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Antes de abordarmos teologicamente o tema do purgatrio, convm, como dizia o
Pe. Congar, proceder a um purgatrio do purgatrio. Como acerca do inferno, tam-
bm sobre o purgatrio a tradio homiltica e popular acumulou representaes
absurdas, indignas da esperana libertadora do cristianismo. Apresentou-se o purga-
trio no como uma graa concedida por Deus ao homem para se purificar em vista
do futuro com Deus, mas como um castigo e uma vingana divina em vista do passa-
do do homem (BOFF, 1973, p. 56-7).
Aqui o conceito fixo o purgatrio. E todos os outros conceitos so varian-
tes. Os variantes cercam o conceito fixo purgatrio. E levantam suas vozes em
diferentes modulaes para me dizer de vrios modos o que a preleo entende
por purgatrio. Em si, s a palavra purgatrio, se ela existisse ali s no mundo,
no diria nada, seria muda. Acontece porm que ela nunca est s, pois j antes
de ouvir essa preleo, ns a ouvimos em outras ocasies, cercada de outros
conceitos variantes. Mas, se a palavra purgatrio realmente ali estivesse isolada,
s num sentido absoluto, ela nada significaria. Ela comea a falar somente atra-
vs das modulaes dos conceitos variantes.
Vejamos alguns conceitos variantes para ver como funciona a explicao do con-
ceito fixo purgatrio. O conceito fixo: purgatrio: a ateno da audincia fica em
alerta e eu abro a orelha do meu corao na expectativa: o que ser que o professor
vai dizer do purgatrio?
Os conceitos variantes:
Antes de abordarmos teologicamente o tema purgatrio: a ateno de au-
dincia comea a vibrar: Aha! a preleo vai s abordar o purgatrio teologicamen-
te! Isto quer dizer que existem outros ngulos de abordagem do purgatrio? O pur-
gatrio tratado aqui, agora, na preleo , portanto, o que a gente entende na filo-
sofia por purgatrio. Escutemos pois o que a filosofia entende por purgatrio.
Como dizia o Pe. Congar, convm proceder a um purgatrio do purgatrio:
que negcio esse purgatrio do purgatrio? Duas vezes a mesma palavra? Mas
ateno! Escute bem! O primeiro purgatrio no soa igual ao segundo purgatrio...
O segundo purgatrio um conceito fixo, constante. o mesmo conceito que acima
foi explicado como aquilo que a gente entende na filosofia por purgatrio. O primei-
ro tem uma outra modulao: purgatrio do purgatrio! Escute bem! Purgatrio do
purgatrio... Aha, o primeiro purgatrio aqui soa assim como purgante! Est dizen-
do: convm purgar, purificar o conceito fixo do purgatrio. Isto quer dizer que o
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HARADA, Hermgenes. De como estudar34
conceito fixo do purgatrio como a gente o entende na filosofia no limpo? De que
sujeira a gente deve limp-lo?
E assim por adiante com outros conceitos variantes como: como uma graa
concedida por Deus ao homem para se purificar em vista do futuro como um casti-
go e uma vingana divina em vista do passado do homem etc. etc.
De variante em variante, o conceito fixo principal purgatrio vai me comunican-
do o que a preleo entende por purgatrio. Assim, o estudante ouvinte fixa bem na
mente o conceito fixo principal ou os conceitos fixos principais. E ento vai arrolando
ao lado dele ou deles os conceitos variantes correspondentes. Ordena resumidamen-
te o que os conceitos variantes disseram do conceito fixo principal e tenta memorizar
esses dados conceptuais da melhor maneira possvel.
necessrio, porm, observar que quando ocorrem vrios conceitos fixos princi-
pais, um conceito principal pode funcionar por sua vez como conceito variante do
outro conceito principal.
Certamente, todos esses passos de explicitaes funcionam sem que eu me d
conta deles tematicamente. Mas interessante e muito til observar mais conscien-
temente esse funcionamento para aguar o nosso ouvido e assim treinar a boa audi-
o de uma preleo acerca do sistema de conceitos.
c) Existe tambm preleo reflexiva que no intenciona informar, mas apenas
fazer o movimento de reflexo. Esse tipo de exposio a mais difcil de ser ouvida.
De incio, esse tipo de preleo no difere muito da exposio informativa, onde
se tenta comunicar um sistema de conceitos. Mas logo as modulaes dos conceitos
variantes comeam a vibrar em questionamentos. Comeam a interrogar pelo senti-
do pr-jacente de todos os conceitos em operao. Em fazendo isso, o movimento de
reflexo, aos poucos, se recolhe num nico questionamento, sempre de novo repeti-
do, acerca do sentido radical do ser. Os conceitos fixos do saber do ouvinte comeam
a fluir numa baila catica, o estudante ouvinte comea a no mais entender o que
antes sabia com toda a segurana. Mas, se permanecer tenaz e recolhido na audin-
cia, surge desse caos um silncio de estranhamento e de reverncia, no diante de
uma soluo, mas sim diante do abismo do prprio questionamento.
O trabalho de audincia de tal reflexo antes padecer na intensa ateno de
ausculta a co-agitao dos conceitos e nesse padecimento deixar-se afetar por um
recolhimento estranho de admirao do mistrio do ser.
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Para isso, so exigidas do estudante muita pacincia e a coragem de permanecer
alerta com o ouvido colado audincia obediente da reflexo, mesmo que nada
compreenda por longo tempo. pois uma audincia, onde com todo o corpo da
existncia o estudante comea a fazer a experincia do servo intil do desvelamento
e do velamento do mistrio do ser, da verdade. Tal experincia da audincia radical
no pode ser descrita adequadamente. necessrio pois fazer a experincia.
As prelees do estudo superior de filosofia nunca se apresentam limpidamente
de maneira exclusiva como um desses tipos da exposio acima mencionados. Quase
sempre os trs tipos se acham numa nica exposio como que misturados. A habi-
lidade do estudante na arte de ouvir consiste em que ele, cada vez que se apresentam
esses tipos de exposio dentro de uma preleo, ajuste o ouvido maneira tpica da
exposio correspondente.
5.1.2 Algumas sugestes prticas no trabalho de ouviras prelees
Quando ocorre um termo desconhecido, perguntar sem receio ao professor ou
procurar no dicionrio pelo sentido do termo.
Mas tambm experimentar a capacidade de descobrir o sentido de um termo
desconhecido, tentando adivinh-lo atravs do contexto da preleo.
Quando houver barulho ou se o companheiro me estorva, em vez de tentar
eliminar esse estorvo, em vez de gastar a ateno em reagir contra esse estorvo,
aumentar a intensidade de concentrao na preleo. O mesmo vale quando um
defeito, a linguagem, ou o tom de voz do professor me irrita. Portanto, no dividir a
energia de ausculta, deixando-me tentar pelo desejo de eliminar o estorvo, reagindo
contra ele. Antes, s cuidar de no dividir a energia, isto , concentrar-me cada vez
mais na preleo.
Quando algo me preocupa, procurar imaginar que aquela hora da preleo a
nica realidade real que de fato existe. Ns s existimos no presente. Ns s pode-
mos o que podemos aqui e agora na hora presente.
Quando a exposio enrolada, no ter medo da complicao. A maior parte
das dificuldades em compreender com clareza a realidade diferenciada e complexa
vem da impacincia em percorrer passo a passo as etapas de uma estrutura e em
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HARADA, Hermgenes. De como estudar36
querer simplificar a realidade vitalmente complexa que no se deixa reduzir a um
esquema unidimensional.
Quando entra a confuso de conceitos, no perder a cabea s porque no
entendo quase nada. Tentar fixar ao menos o pouco que penso ter entendido.
desse pouco que nascem os fios condutores que nos levam a ordenar a complexidade
de uma coisa.
Treinar no trabalho difcil de ouvir com ateno uma longa exposio. Esse
treino hoje mais do que nunca necessrio e til, pois a humanidade est ficando
cada vez mais raqutica e anmica nesse ponto.
Quando a ateno diminui durante a preleo, tentar reanimar-se, inventando
para mim truques de autoreanimao.
Cuidar da posio do corpo. Ela pode influenciar mais do que eu penso na
alerta e na presena da minha audio.
5.2 O Seminrio
O seminrio, no estudo superior de filosofia, no bem o que se denomina
usualmente de seminrio, por exemplo, nas pginas dos jornais, quando se notifica:
Realizou-se ontem na PUC um seminrio sobre os meios de comunicao. No estu-
do superior de filosofia, o seminrio, talvez at mesmo mais do que a preleo, per-
faz o corao, o centro do nosso trabalho do estudo.
Quem se dedicou de corpo e alma, ao menos uma vez, ao trabalho artesanal de
um seminrio bem feito, comear a experimentar o gosto e as vicissitudes, a ventura
e a aventura do trabalho operrio intelectual. O seminrio a oficina do trabalho
inter-lectual.
A palavra seminrio vem do latim seminarium que designa ao mesmo tempo o
campo, o canteiro, o terreno onde se semeia e o prprio trabalho de preparao do
terreno, a ao de semear, a semeadura e o cuidado no crescimento lento das semen-
tes. O terreno somos ns. As sementes so o saber, o pensamento e a nossa prpria
transformao na idade madura da identidade inter-lectual. A semeadura o nosso
trabalho paciente e tenaz, cuidadoso e afeioado nesse crescimento.
Muitas vezes chama-se tambm de seminrio o lugar onde se realizam as reunies
do seminrio. Em geral, nas universidades antigas, esse lugar formado de duas ou
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trs salas. Numa sala se acha uma biblioteca especializada, mesas e cadeiras onde o
estudante num absoluto silncio pode estudar e se reunir na hora do seminrio; uma
outra sala contgua primeira acima mencionada a sala do assistente. Este trabalha
ali o dia todo e est disposio dos estudantes para as consultas. E por fim uma
terceira sala, onde o professor trabalha e recebe os estudante para orientao.
Esse conjunto por assim dizer uma espcie de pequena oficina, especializada
no trabalho, e por isso que serve tambm para representar, de modo geral, a seco
da disciplina universitria de um professor catedrtico. Assim se chama tambm de
seminrio o departamento de uma disciplina universitria.
Em geral, o como realizar o trabalho de um seminrio difere de professor para
professor.
5.2.1 O esprito do seminrio
O importante no seminrio no tanto a tcnica do seu fazer, mas sim o modo
de ser, o esprito, o vigor que o anima.
O vigor da alma do seminrio o discipulado.
primeira vista, o discipulado designa o relacionamento do discpulo com o
mestre. O discpulo segue o mestre, aprende dele. O mestre nesse caso seria aquele
que sabe mais e melhor, o poderoso no saber: o condutor. O discpulo, aquele que
sabe menos e pior, o fraco no saber: o conduzido.
Essa concepo do discipulado decadente. No trs luz o verdadeiro sentido
e o vigor do discipulado.
O discipulado no um dever do discpulo em relao ao mestre e um dever do
mestre em referncia a esse dever do discpulo. Antes, um e o mesmo dever do
mestre e do discpulo, unindo-os numa amizade sui generis de questionamento e de
desafio mtuo.
O que isto, o terceiro que afeioa o mestre e o discpulo numa amizade de
questionamento e de desafio mtuo?
O aprender, o eu-aprender, em latim dis-cipio, do qual deriva a palavra dis-cpulo.
Dis-cpulo significa: eu capto, apreendo o sentido radical daquilo que afeioa a mi-
nha deciso de total empenho da busca.
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E o que isto que afeioa a minha deciso de busca no estudo superior de teo-
logia? Dizemos: Deus, ho thos. A logia significa: o vigor da acolhida, da apreen-
so. teo-logia significa portanto: ser no dis-cipio de Deus.
No entanto, a irreverncia do nosso saber diz com facilidade: Deus. E esquece
na sua pretenso o fascnio tremendo do mistrio inominvel, o qual nenhum mortal
digno de mencionar. Mas, por outro lado, o fascnio tremendo do mistrio
inominvel que afeioa, e-voca, envia e consuma a nossa busca. Mas como captar
sob a nossa pergunta o que anterior prpria pergunta e constitui a prpria possi-
bilidade de eu perguntar? Como posso querer captar o mistrio inominvel, Deus, se
ele anterior ao meu querer e constitui a prpria possibilidade de eu querer? Como
pois saber, querer, captar, apreender, o que inacessvel ao meu arbtrio do querer,
saber e poder, por ser ele anterior a tudo isso?
O mestre chins Dschau-dschou costumava ensinar:
O supremo caminho do mistrio inominvel - a theo-logia - no difcil. Apenas
inacessvel escolha do arbtrio. L onde nem se afirma e nem se nega existe a clari-
dade, aberta, sem nuvens,
Um discpulo lhe perguntou:
Se a gente j no se acha na claridade sem nuvens, para que se empenhar? O que
buscar?
Respondeu o mestre:
Eu tambm no sei!
Disse-lhe o discpulo:
Se o senhor no sabe, como pode dizer que no se acha na claridade sem nuvens?
Para saber que no sabe necessrio saber o que no sabe.
Respondeu-lhe o mestre:
A questo acerca da busca tu j a colocaste. Resta inclinar a cabea com reverncia
e retirar-te.
Seja qual for o tema, no caminho da teo-logia, na medida em que se caminha na
busca radical de Deus, o nosso saber colocado ante a face do mistrio inominvel. Em
vez de saber mais e melhor, comeamos a apreender o abismo escuro do mistrio.
Ns que comeamos a caminhada, querendo saber mais e melhor acerca de Deus
e da sua causa, comeamos a inclinar a cabea em espanto, admirao ante a face do
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mistrio inominvel. O nosso saber se transforma em recolhimento de um silncio
claro na humildade da reverncia: eu tambm no sei.
O discpulo aquele que apreende na sua prpria caminhada do saber esse no-
saber reverente ante a face do mistrio inominvel que chamamos to frivolamente
de Deus. E o mestre aquele discpulo que, na sua prpria caminhada do saber mais
e melhor, apreende esse mesmo no saber reverente e tenta permanecer sempre de
novo, com rigor, na afeio desse silncio claro da reverncia. No entanto, a preciso
de seu silncio repercute na caminhada dos outros, a-cordando-lhes a afeio cres-
cente do gosto pelo no-saber reverente ante a face do mistrio inominvel. O mes-
tre , portanto, aquele que mais e melhor aprende o no-saber reverente e no seu
aprender arrasta os outros na afeio do mesmo aprender.
O mestre e o discpulo so, pois, discpulos do no-saber do mistrio inominvel
de Deus.
O esprito do seminrio , pois, a paixo desse aprender que faz o mestre e o
discpulo cada vez mais pobres na pretenso do seu saber, para uni-los na amizade
da mtua provocao, ao crescimento dessa disposio reverente em face do mist-
rio inominvel. Por isso, o relacionamento do professor e aluno no seminrio no se
d a modo de um ensinar paternal do professor ao aluno sobre algo que o profes-
sor j sabe e que o aluno ainda no sabe. antes um caminhar juntos no rigor do
seguimento de um empenho do saber, onde cada qual caminha o seu caminho para
a humildade radical do saber ante a face do Senhor. Essa caminhada pessoal, no
entanto, se relaciona no seminrio no a modo de cada qual para si e Deus para
todos, mas sim como o desafio mtuo, no qual quem mais e melhor caminha provo-
ca o outro a caminhar com mais empenho, mais rigor e obedincia.
Se a amizade est nesse desafio, ento eu no poderei contentar-me mais ou
menos com a mediocridade do outro. Assim, por causa da amizade tpica dessa cami-
nhada, o aluno e o professor se tornam mutuamente rigorosos na crtica a um traba-
lho mal feito.
De tudo isso percebemos que o seminrio no um trabalho grupal. Eu no me
encosto no outro nem o outro em mim para facilitar o trabalho. Antes, eu me coloco
diante de mim mesmo, o outro se coloca diante de si mesmo no empenho da busca
discipular, na disciplina do discipulado, no sentido acima mencionado. A provocao
mtua para o rigor na fidelidade ao discpulo o elo de unio que congrega os
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participantes do seminrio, professor e aluno, no numa dinmica de grupo, no na
tcnica de criatividade, mas sim na comunidade do munus inter-lectual.
Por isso, o seminrio exige de cada participante um devotamento pessoal ao
trabalho e tarefa do seminrio, durante o tempo de preparao para o seminrio. A
reunio do seminrio de 1 a 2 horas semanais, conforme a determinao de cada
professor. No entanto, essas horas de reunio semanal so como que uma pequena
parte, como que a ponta de um iceberg, formado de horas de preparao pessoal da
semana que precede hora da reunio. No seminrio tudo depende dessa prepara-
o pessoal.
Por isso, no aconselhvel fazer diversos seminrios no mesmo semestre.
melhor fazer um s seminrio por semestre com toda a dedicao de que sou capaz.
Falamos acima do esprito do seminrio como do empenho de caminhada para o
no-saber reverente ante a face do mistrio. Tal explicao pode ser mal entendida. O
seminrio no o lugar onde se semeiam as vivncias espirituais de um fervorinho
devocional. antes uma oficina de trabalho do estudo, do saber rigoroso e sistem-
tico. A caminhada para a pobreza do esprito deve se dar no como a negao do
saber a favor de vivncias devotas, mas sim na radicalizao do prprio saber. do
seio do prprio saber que deve repercutir a piedade do pensamento como o silncio
claro da louvao do Senhor, na sobriedade contida de um no-saber bem experi-
mentado na labuta apaixonada do nosso saber.
5.2.2 Como fazer o seminrio
Como dissemos acima, o modo como realizar o seminrio depende da orienta-
o do professor. Geralmente, na primeira reunio, o professor expe a finalidade e
o modo de proceder do seminrio. Por isso, para a tcnica do seminrio, a primeira
reunio importante. O estudante, ento, tentar seguir da melhor maneira possvel
as orientaes tcnicas do professor.
Como no caso das prelees, a inteno do professor ao fazer o seminrio e o
modo de ser da disciplina em questo influem na maneira de como proceder no
seminrio.
Usualmente distinguimos tipos de seminrio, seminrio temtico, seminrio de
leitura de um texto, seminrio coloquial ou colquio, seminrio de pesquisa.
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a) O seminrio temtico
No seminrio temtico o trabalho individual e as reunies do seminrio se pro-
cessam sob um tema.
O que tema? Tema o produto da monografia. Monografia afirmao. O que
afirmao? Afirmao tomada de posio. S podemos tomar posio na posio
em que estamos. A posio em que estamos o que somos, a partir donde afirma-
mos e negamos. O que somos, a partir donde afirmamos e negamos o nosso saber.
do nosso saber que partem os enfoques nos quais e pelos quais apreendemos,
analisamos e ordenamos a realidade.
Tema o enfoque produzido pelo nosso saber. Tema a abertura de uma pers-
pectiva, determinada pelo nosso saber, atravs e dentro da qual tentamos apreender,
analisar e ordenar a realidade.
No seminrio temtico enuncia-se o tema, o enfoque dentro do qual se quer
examinar o material. O material aquilo sobre o qual impostamos o enfoque
para estudar. O material pode ser diverso: um fenmeno, por exemplo, a vida do
campons; uma obra, por exemplo, Os Escritos de So Francisco de Assis; as
opinies dos outros, por exemplo, o que dizem os Santos Padres acerca do batis-
mo das crianas etc.
O que d unidade ao seminrio no o material. Cada participante pode receber
diferentes materiais para examinar, mas os examina sob o aspecto do tema que co-
manda o seminrio.
Em geral, o prprio material que examinamos j est sob um tema, sob um
enfoque. Por exemplo, se num seminrio de filosofia, cujo tema libertao, eu
recebo uma monografia escrita por um psiclogo. Esse material j est na perspecti-
va do tema psicolgico. Nesse caso, conforme a determinao do professor, o meu
trabalho pode consistir somente em examinar o que diz o autor acerca de um certo
assunto sob o enfoque psicolgico. Mas, conforme a determinao do professor,
pode ser tambm que esse trabalho seja s uma preparao para o meu trabalho
propriamente dito no seminrio, a saber, o de confrontar o enfoque psicolgico com
o enfoque teolgico, o tema propriamente dito do seminrio.
importante, portanto, antes de mais nada, tentar ter clareza acerca do tema do
seminrio. Por isso, necessrio desde o incio do seminrio, na medida do possvel,
gastar o tempo suficiente para examinar, esclarecer o tema do seminrio. arti
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Acontece, porm, que toda e qualquer determinao do tema provisria. De
incio, estamos seguros do nosso saber. Na compreenso usual das coisas, pensamos
saber o que significa o ttulo que designa o tema do seminrio. De tal maneira que
at estranhamos a exigncia de determinar melhor e com maior clareza o tema. No
entanto, na medida em que, a partir do tema, comeamos a enfocar o material a ns
confiado para o estudo, comeamos a perceber a impreciso, a falta de determina-
o, a confuso do tema. Assim, o prprio tema a partir do qual iniciamos a cami-
nhada, comea a caminhar e se torna a prpria questo do nosso tema. Mas na
medida em que o prprio tema sente a necessidade de uma determinao mais rigo-
rosa que o seminrio est caminhando na viagem de um confronto radical com o que
sabemos, conosco mesmos, caminhando na busca da afeio da reverncia do no-
saber acerca da verdade, que nos envia busca, na tematizao de todas as coisas
por amor verdade.
Assim, no seminrio, ao tematizar o material, o prprio tema caminha para a
compreenso sempre mais rigorosa dele mesmo. Mas, para que essa caminhada se
d realmente, passo a passo, sem a disperso confusa, na qual se passa de um tema
a outro sem fio condutor de crescimento, necessrio determinar bem o tema do
seminrio.
Quanto melhor se determina o tema, tanto mais existe a possibilidade de o pr-
prio tema entrar em autoconfronto consigo mesmo. Se o tema fica vago, de tal sorte
que sob o tema se pode falar de tudo, ento h o perigo de se estar falando de
nada, por no surgir a diferena de concreo e, assim, estar se pulando de um tema
para outro, no se tomando nada a srio, numa diarreia confusa de opinies.
b) O seminrio de leitura de um texto
A finalidade desse tipo de seminrio ler um texto fundamental. Escolhe-se ge-
ralmente obras de grandes autores clssicos. Aqui se trava uma espcie de luta livre,
corpo a corpo com o texto, em cuja contenda se d o confronto do nosso saber
consigo mesmo e a pr-compreenso da nossa existncia vem luz na sua nudez,
acordando em ns a afeio de uma estranha reverncia diante da obra do pensa-
mento.
Sobre o movimento da caminhada desse tipo de seminrio, falaremos depois,
quando falarmos da leitura.
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c) O seminrio coloquial: o colquio
A finalidade desse tipo de seminrio entrar num movimento de colquio, isto ,
de dilogo, a partir de um assunto qualquer. O dilogo aqui no uma discusso,
isto , contenda de posio, na qual uma das posies, a certa, elimina as outras, as
erradas, no triunfo definitivo da razo. No tambm uma espcie de meditao
comunitria, na qual cada participante expe em partilhas a sua opinio e suas
vivncias subjetivas. antes uma rigorosa caminhada de busca, na qual os dialogantes
deixam-se conduzir pela disciplina do discipulado evocao da verdade.
Sobre o movimento da caminhada desse tipo de seminrio falaremos depois,
quando falarmos do dilogo.
d) O seminrio de pesquisa
O seminrio de pesquisa temtico. Tem-se um enfoque e a partir e dentro do
mbito do enfoque se procura examinar o material, para melhor definir o significado
do material para o enfoque.
No entanto, no seminrio de pesquisa, o tema no colocado em questo. No
, pois, como no caso do seminrio temtico, onde o movimento principal consiste
no autoconfronto do tema com a sua prpria possibilidade.
No seminrio de pesquisa, o tema o pressuposto operativo, em cujo ocular se
examina e se tenta ordenar o material, sem colocar em movimento o prprio pressu-
posto. Aqui, diferem, conforme cada disciplina, os enfoques e o modo de examinar o
material sob esses enfoques. Cada professor dar para a sua disciplina a orientao
necessria sobre o mtodo de abordagem do material.
Esses tipos de seminrio acima mencionados podem-se entrelaar num semin-
rio. Por exemplo, num seminrio temtico, podem ocorrer o modo de ser do semin-
rio de leitura, do dilogo, da pesquisa como etapas de preparao ou de realizao
do seminrio.
A seguir, vamos dar algumas sugestes referentes ao seminrio. As sugestes no
se referem ao movimento interno do seminrio nem ao seu esprito. Referem-se antes
prxis externa, sem uma definio mais rigorosa do modo de ser dos seus elementos.
Como o tipo de seminrio mais em uso entre ns o temtico e o de pesquisa, as
sugestes que seguem valem mais para esses tipos de seminrio. Sobre a prxis ex- arti
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terna do seminrio de leitura e do colquio difcil falar, pois varia, cada vez, confor-
me o andamento da leitura e do dilogo.
5.2.3 O tema do seminrio
Meditar bem o tema. Ter a coragem de tomar o tempo suficiente para isso. Na
medida do possvel devo ter claro o tema. Do contrrio, poderei perder o tempo,
examinando assuntos que no pertencem ao tema. Se no entendi os termos que
ocorrem no tema, no os deixar na compreenso vaga e confusa.
Conforme o tema, perguntar-me o que devo fazer. Por exemplo:
descobrir os componentes de um conceito;
achar e descrever, enumerar as caractersticas de um fenmeno;
resumir um assunto;
criticar os argumentos de uma tese;
defender e fundamentar com argumentos uma tese;
descobrir as pressuposies ocultas de uma afirmao;
ver a evoluo histrica de uma ideia, de um sistema;
constatar a situao histrica de um acontecimento etc.
5.2.4 O material para o seminrio
Em geral, o material dos nossos seminrios documento escrito: fontes escritas,
monografias, artigos. No manuseio do material surge a dificuldade das lnguas.
Existem certas disciplinas filosficas onde se exige no seminrio, alm do portu-
gus, o conhecimento de lnguas como, por exemplo, hebraico, grego, latim, fran-
cs, alemo, espanhol etc.
Quem estuda essas lnguas no primeiro ou segundo graus ou j sabe algumas
dessas lnguas de casa deveria continuar se aperfeioando nelas durante o estudo de
filosofia. na medida em que se afeioa no estudo de filosofia, que se comea a
sentir a necessidade de saber uma determinada lngua. Ento o estudante dever
comear a estud-la. Em 5 a 6 anos, com tenacidade e constncia se faz muita coisa
na aprendizagem de uma lngua.
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Na busca do material para o trabalho do seminrio, sob a indicao do professor,
vasculhar a biblioteca caa do material. Na busca do material:
olhar os catlogos bibliogrficos;
olhar enciclopdias, dicionrios e manuais clssicos de filosofia;
olhar os dados bibliogrficos nas obras e nos artigos j conhecidos.
Muitas vezes, necessrio folhear pgina por pgina uma obra ou um artigo
para ver se encontra uma pista para o material. Depois de ajuntar o material biblio-
grfico, selecion-lo. Se encontro uma boa monografia que j tratou bem do assunto
em questo no necessrio recomear a pesquisa desde a estaca zero.
Para que possa encontrar o material, necessrio que me familiarize com a bibli-
oteca. H pessoas que tem medo de entrar na biblioteca. que, no incio, a aparente
confuso dessa imensa floresta de livros nos atordoa. No entanto, a biblioteca
armazm do material de estudo. Um comerciante que no ama o seu armazm e no
sabe onde esto as mercadorias do seu armazm um pssimo profissional.
Para me familiarizar com a biblioteca til fazer o seguinte: passar na biblioteca
algumas horas por dia, s para ver a ordem de colocao dos livros em diferentes
sees, passar vista livro por livro, lendo com curiosidade os ttulos dos livros. E se
encontro um livro curioso, experimentar folhe-lo. Entrar, assim, em contacto corpo-
ral com a biblioteca. Com o tempo, a confuso desaparece e eu comeo a sentir-me
em casa dentro desse imenso armazm do meu estudo. Examinar o fichrio, olhar os
ttulos dos livros e tentar ver se consigo encontrar os livros ali assinados.
Cada classe, no incio do estudo superior de filosofia, deveria, por prpria inicia-
tiva, pedir ao bibliotecrio que a conduza atravs da biblioteca.
5.2.5 O trabalho individual de preparao para o seminrio
Esse trabalho essencial. Aqui o importante ver o problema, analisar o material
sob o enfoque do tema, descobrir algumas ideias centrais e sintetizar o que analisou.
Concentrar todo o esforo nesse trabalho, sem me preocupar muito, por
enquanto, com o problema: como vou apresent-lo no seminrio. Quanto mais
eu ordenar as minhas ideias, tanto mais facilmente eu as consigo ordenar numa
exposio.
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Muitas vezes o estudante tem dificuldade de se expressar. No entanto, se a parte
do estudo de anlise for bem feita, a apresentao pode ser falha, o trabalho, porm,
valioso. Pois a exposio que eu fao no seminrio no a exposio de uma bela
conferncia. A minha funo de expositor de suscitar questionamento bem coloca-
do, sugerir solues novas, provocar e dinamizar a discusso. Muitas vezes, basta eu
descobrir uma nica ideia interessante e trabalhar bem sobre essa ideia. A descober-
ta pode ser uma valiosa contribuio para o seminrio.
Se na anlise do material no conseguir avanar, no ficar frustrado. Pode ser
que o material no preste. Pode ser que eu ainda no tenha trabalhado o suficiente
sobre o material. Pode ser que esteja abordando o material de maneira inadequada.
Persistir no trabalho, insistir, tenaz e pacientemente. Se, porm, o trabalho ficar com-
pletamente bloqueado, ento no ficar parado, desanimado. Fazer alguma coisa,
por exemplo, buscar auxlio com um colega ou com um professor, no para me en-
costar neles e me poupar o trabalho pessoal, mas para receber deles um empurro e
o nimo, a fim de eu acionar em mim mesmo a inventividade, a iniciativa criativa e
talvez uma nova abordagem, mais prtica e melhor, do material.
O segredo da eficincia no trabalho individual reside em grande parte nisto: em
eu me dar pontap a mim mesmo para que me anime, de qualquer jeito, a avanar
realmente na busca.
E enquanto assim analiso o material individualmente, conversar e discutir sobre
o assunto com os colegas do seminrio. Eu posso receber dessa conversa muita inspira-
o para o meu trabalho.
Vamos agora especificar um pouco mais o trabalho de preparao para o semi-
nrio, sugerindo como trabalhar o material.
Uma vez ajuntado o material, distinguir entre o material principal e secundrio.
O material principal so as fontes e as obras conhecidas como as fundamentais em
referncia ao tema. Ao lado destas, existem trabalhos e artigos menores, menos
fundamentais que constituem o material secundrio. a assim chamada literatura
secundria.
Em primeiro lugar, comeo lendo o material principal. E como fazer? Ler bem
devagar todo o texto. Tentar entend-lo. Depois de ler, largar o livro e se perguntar:
do que eu acabei de ler, o que que posso aproveitar para o meu tema? O que o
texto diz em referncia ao meu tema? Divagar, meditar, examinando, ainda que de
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modo indeterminado, as possibilidades de perguntas e respostas em referncia ao
meu tema.
Depois disso, ler o texto de novo. Desta vez, porm, s e rigorosamente sob o
enfoque do meu tema. Ficar de olho, atento, ao que o texto me pode dar como
perguntas, respostas, questionamentos acerca do meu tema.
Ao fazer isso, no olhar somente no texto os trechos que falam direto e explicita-
mente do meu tema, mas tambm e principalmente os trechos que falam dele indire-
ta e implicitamente. Desenvolver assim a capacidade de farejar os vestgios do meu
tema, tambm no texto onde os vestgios esto ocultos atrs de assuntos aparente-
mente indiferentes.
Talvez seja til aprender a fixar em fichas o que li e analisei sob o enfoque do meu
tema. Assim, tenho o material analisado mo, quando vou redigir o trabalho para
o expor no seminrio.
Tomar uma ficha, e colocar em cima, em forma de um ttulo ou em frase telegr-
fica o que encontrei acerca do tema. Citar o texto encontrado ou resumir o seu con-
tedo.
Indica