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Page 1: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste
Page 2: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Obra

Somente para Bêbados

Autor

Paulo Tabatinga Lopes

Arte da Capa

Gabriel Archanjo

Teresina – Piauí – Brasil

Junho de 2009

1ª Edição Eletrônica

Versão Gratuita para Computadores e e-Books

Page 3: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Um homem que só bebe água

Tem algum segredo para esconder

De seus semelhantes.

Charles Baudelaire

Tu é que, sem vinho, me embriagaste.

Dostoiésvski

“Você olha nos meus olhos

E não vê nada.

É assim mesmo que eu quero ser olhado”

Torquato Neto

Page 4: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Eu não sou contra viados

Mas, há viados

Que são frescos

A mulher fica boquiaberta

Com o grito animal do homem

Na hora do gol

Todo bêbado

Foi um lúcido

Mal compreendido.

Quando bebo

Pareço fugir da realidade

Mas quando estou sóbrio

É ela que foge de mim

Os “sóbrios” mudam

Só bêbados são os mesmos

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A mulher gosta de se ver distorcida

Por isso tantas novelas

Na sua imaginação

Há uma faca

Na mão do cortejador

Na guerra invisível de todas as mesas

Quase sempre quem chama os convidados

Para cantar parabéns

É aquele que deseja acabar com a festa

Só muda o mundo

Quem sobra

Estou em mim

Mas os imbecis

Me apontam caminhos

Page 6: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

O vinho me salva

Do remédio estudado

Com segundas intenções

A mentira se diz sóbria

E vive de embriagar

É proibido dirigir embriagado

Mas as pistas só são pros carros

E as casas são distantes

Penso,

Logo não sei se resisto

As pessoas

Gostam mais do por do sol

À aurora

Porque cultuam muito mais o adeus

Page 7: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Não acredito na cidade

Que valoriza acima de tudo

As pistas dos carros

As palavras habitam o corpo

Cheia de seus significados

E quando nem damos conta

Já ficam donos da gente

Minha casa está sitiada

Por televisores, celulares, e computadores,

E minha dor não sai em jornais.

A embriaguez

É voltar pra si

Sem a velocidade dos carros

Prefiro Álvares de Azevedo à Adam Smith

Page 8: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Toda mulher quer ser comida

As mulheres sofrem

Com os filhos sem mãe

Um gol muda tudo

Enquanto os homens

Assistem ao futebol

As mulheres estão

Procurando comida

Juntemos os loucos

E seremos vários exércitos

Existe algo no futebol

Para matar homens

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Eu quero tomar conta

De mim

Por isso : tudo endógeno

Se o alcoolista

É tratado como doente

Porque não é doente

Quem vive comendo de frente para televisão?

O ciumento,

Quando, muito planta

São árvores sem frutos

O ser humano

É quase todo igual:

Desumano

Morar na capital

É perder o interior

Page 10: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Do inumano

Surgem poetas lunares

E a solidão transborda taças

Quase todo

Amante de matemática

Adora a mãe

E por não caber no sentimento

Adota a lógica

Comer caju

Tem cheiro de Teresina

A criança, o poeta, o bêbado

Cada qual com sua loucura transcendental

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Quando o meio está corrompido

O jeito é mover-se por fora

Para sacolejar o que ainda

Pode nascer endógeno

O caos está posto

A mão invisível move um bando de tolos

Da tela se fez cinema

Agora estamos no quadrado

Do cinema da tela

O negócio é ser

E não ter mais questão

Se você afirma ou nega, na sua concreta posição

Eu vou e volto, na dialética

Eu digo, simplesmente. Ou não.

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Não adianta adiantar

Todas as vezes que um priquito* passa

Finda-se uma filosofia

Envelheci dentro de um carro

Na inércia abrupta da Frei Serafim

Meu pai e minha mãe

Fumaram muito

E, eu, nasci tragado

As advertências a velocidade

Deveriam ser no limite

Da velocidade do velocímetro

A globalização só me trouxe o peso do mundo

*Priquito - Vagina. Priquito é a forma mais sincopada de PERIQUITO. Dicionário Piauiês, Paulo José Cunha, p190.

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Tudo volta pro centro

Tudo volta pro sol

As cidades vão crescendo

As cadeiras recolhidas

E a solidão do meu peito, expandida

O pai do mundo

É um filho sem mãe

Ah se eu soubesse dizer da dor

Que meu peito troa

Ao ver a lua

Ninguém na rua:

Desdém de amor

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Disseram-me que sem o dinheiro

Não se vai a lugar nenhum

Até aí, tudo bem!

Mas eles não sabem

É que o dinheiro foi inventado

Para ninguém ir a lugar nenhum.

Prefiro viver a realidade dos sonhos

À realidade dos homens.

Tenho vontade de correr...

Derrubar todos os muros

E provar que o abraço

É o mais concreto.

Se há uma terceira margem

Há também um terceiro rio

Page 15: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Quem é o mais louco,

O que rasga dinheiro,

Ou o que o cultua?

Ele quebrou a televisão

Que quebrou sua reputação

Mas foi parar na delegacia da mulher,

Porque agora era a vez dela.

Não consigo ser exato

Porque em mim

Há sobras e faltas

E com isso me completo.

O avião é desnecessário

Para quem nunca quis inventar saudades.

Não importa ser banguela

Se o sorriso for sincero.

Page 16: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

O olor dos perfumes

Re-pintam memórias

É difícil falar de passarinhos

Eles são muito leves

Embriagar-se é preciso

Navegar nem sempre

De que adianta o aumento da expectativa de vida

Se a qualidade diminui sempre

Nós estamos assistindo na tela

À nossa desgraça

A festa está sendo patrocinada

Por quem quer comemorar sozinho

Page 17: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Eu bebo pra dizer o que penso

E fico bom pra ninguém me matar

Atenção!

Trocar de feriado

É trocar de santo

O homem só é homem, só

Meus vizinhos

Nunca moraram

Perto de mim

As pessoas andam tristes

Nas paradas de ônibus

Esperando um ônibus que não vem

Page 18: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Dê-me as mulheres de um país

Que eu tomo conta dos dois

Essa coisa de futuro

É pura escravidão

O homem é um animal

Disfarçado de homem

Já existem

Abelhas alcoólatras

Revoando sobre copos etílicos

E a vida sem flor

Inebria os seres sensíveis

Com mulher

É preciso ter pinta

Page 19: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Em todo assunto

Tem sempre um novo filme

Como se fosse a resposta

Pra tudo que eu não perguntei ainda

Quase ninguém escuta o canto dissonante

Dos passarinhos solitários

Nos postes das cidades grandes

Metades se procuram

Na fome insaciável:

Solidão eterna antropofágica

O perfume da flor do caju

Exala seu olor

Perfumando a noite quente

Da cidade indiferente

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Saio por aí

Fumando caneta

Escrevo sentimentos amordaçados

Expilo fumaças do cigarro que quase ninguém mais tragou

Lá fora

Corre um rio quase morto

E dentro das casas

Ao vivo, e a cores

Todos assistem a ele agonizar

Meu poema

Anda sob a lua

Grita na noite surda

Sai às ruas

Quer acordar

Quem ainda não morreu

Page 21: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

AVIÃO

Pássaro que engole gente

E caga fumaças de saudades

GLOBO

Depois da globo

Nossos domingos

Deixaram de ser fantásticos

Você só me chama pra velório

E eu já enterrei os meus

Quero festa, agora, e sempre

E nunca mais adeus

O problema do pi

É querer entender a liberdade da bola

Page 22: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Quero quebrar palavras

Que quebram

Foder com camisinha

É trepar com o pau dos outros

A gente deixa de ser criança

Com as porradas dos adúlteros

Não sou bolsa de valores

Por isso não apostem e mim

Somos filhos de um estupro

E ainda seguimos os manuais do estuprador

Não pergunte sóbrio

O que eu tentei dizer bêbado

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Bebo do vinho

E me transformo em um soldado

Sou um anjo bom, as vezes, guache -

In vino veritas

De tanto me exasperarem

Tornei-me áspero

E o meu grito vai lixar teu silencio

Vou pra rua

E bebo a desigualdade

Eu corro demais

Só pra me ver meu bem

Um poeta não se lê

Em linhas retas

Page 24: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Eu antevejo

Aviões quentes

Sob o céu

De araras azuis

E um índio reanimado

A demarcar terras

Ela só lê Best-seller

Livros de auto-ajuda

Alistamentos de bobos

Recrutamento de bruxas

Não reaja!

Não reaja!

Insiste a tele-visão

E já não esboçamos

Nenhuma re-ação

O mundo que eu quero

Não passa na televisão

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Sou um nativo destribalizado

Sem compreender a primeira missa

Atropelado entre carros e buzinas

No capitalismo

Ninguém dá nada a ninguém

Por isso: não me venha com subterfúgios de bônus

Está provado

Que a velocidade dos carros ultrapassam vidas -

Pára-brisas esmagam borboletas

Criaram um espaço

No sonho do homem

Tele-transporte – tele-visão

Banda larga, cibernética

Virtual cidade da solidão

Page 26: Dostoiésvski Torquato Neto - rl.art.br · Um homem que só bebe água Tem algum segredo para esconder De seus semelhantes. Charles Baudelaire Tu é que, sem vinho, me embriagaste

Os liberalóides

São a favor da liberdade das mulheres, sem burca

Mas atiram, sem compaixão, nos filhos delas

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Profundas alegrias do vinho, quem não vos conheceu? Todo homem que tenha tido que amenizar um arrependimento, evocar uma lembrança, afogar uma tristeza, construir um castelo de vento, todos enfim vos invocaram, deusas misteriosas escondidas nas fibras da videira. Como são grandes os espetáculos do vinho, iluminados pelo sol interior! Como é verdadeira e ardente esta segunda juventude que o homem nele encontra! Mas quão temíveis também são suas volúpias fulgurantes e seus encantos exasperantes. Entretanto dizei, em sã consciência, juízes, legisladores, homens da sociedade, vós todos que a felicidade enternece, a quem a fortuna torna a virtude e a saúde fáceis, dizei, quem de vós terá a coragem impiedosa de condenar o homem que está bebendo genialidade? Aliás, nem sempre o vinho é aquele terrível lutador seguro da vitória, que jurou não ter nem piedade nem misericórdia. O vinho é semelhante ao homem: nunca saberemos até que ponto podemos prezá-lo e desprezá-lo, amá-lo e odiá-lo, nem de quantas ações sublimes ou de delitos monstruosos ele é capaz. Não sejamos pois mais cruéis com ele que com nós mesmos, e tratemo-lo como nosso igual. Às vezes parece que ouço o vinho dizer: - ele fala com a alma, com a voz dos espíritos que só os espíritos escutam – "Homem, meu bem amado, quero soltar para ti, apesar de minha prisão de vidro e dos meus ferrolhos de cortiça, um canto cheio de fraternidade, um canto cheio de alegria, luz e esperança. Não sou ingrato; sei que te devo a vida. Sei o que te custou de trabalho e de sol nas costas. Tu me destes a vida, será recompensado. Pagarei amplamente a minha dívida; pois sinto uma alegria extraordinária

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quando caio no fundo de uma goela ressecada pelo trabalho. O peito de um homem honesto é um lugar que me agrada muito mais que estas adegas melancólicas e insensíveis. É um túmulo alegre onde cumpro meu destino com entusiasmo. Faço um reboliço no estômago de um trabalhador e daí, por escadas invisíveis, subo para o seu cérebro onde executo minha dança suprema.

Charles Baudelaire

– É hora da embriaguez! Para não serdes os martirizados escravos do tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude como achardes melhor.