PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Tânia Ishikawa Mazon
Fomento público à inovação tecnológica
MESTRADO EM DIREITO
São Paulo
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Tânia Ishikawa Mazon
Fomento público à inovação tecnológica
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito,
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Mestre em Direito, na área de
Efetividade do Direito – Núcleo de Direito
Administrativo, sob orientação da Professora
Doutora Dinorá Adelaide Musetti Grotti.
São Paulo
2015
Banca Examinadora:
__________________________________
__________________________________
__________________________________
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Haruo e Guaraciaba, exemplos de caráter, bondade, união, dedicação e
amor à família, por todos os esforços e sacrifícios que fizeram em nome dos meus estudos.
Ao meu marido Cassiano, aos meus irmãos Danilo e Vanessa, aos meus cunhados
Stelamares e Rodrigo e aos meus afilhados Lucas e André.
Amada família, sem o amor, o apoio incondicional, a força e a compreensão de vocês,
este trabalho não teria sido realizado.
AGRADECIMENTOS
À Professora Orientadora Doutora Dinorá Adelaide Musetti Grotti, que ensina com
dedicação, seriedade, sabedoria e respeito incomparáveis, com admiração e gratidão eternas.
Estimada Orientadora, não há palavras para lhe agradecer por todo o tempo que me
dedicou, por todas as preciosas sugestões, críticas e revisões. Obrigada por sua generosidade,
humanidade, paciência e por não me deixar esmorecer.
Ao Professor Doutor José Roberto Pimenta Oliveira, membro da banca do exame de
qualificação, pelo incentivo constante, desde as primeiras aulas, valiosas críticas e sugestões
ao presente trabalho.
Ao Professor Doutor Pietro de Jesús Lora Alarcón, membro da banca do exame de
qualificação, pelas enriquecedoras contribuições ao presente trabalho.
Ao Professor Doutor João Fernando Gomes de Oliveira, pelo estímulo à realização do
curso de Mestrado e à escolha do tema, críticas e contribuições sempre pertinentes, apoio,
confiança e amizade.
Aos Professores Doutores Clovis Beznos, Ricardo Marcondes Martins, Sílvio Luís
Ferreira da Rocha, Cláudio De Cicco, Alvaro de Azevedo Gonzaga e Luiz Alberto David
Araújo, pelos preciosos ensinamentos ministrados no Programa de Pós-Graduação da
PUC/SP.
À Professora Doutora Maria Paula Dallari Bucci, pelo incentivo à escolha do tema e
disponibilização de material pertinente ao assunto investigado.
À querida amiga Carla Carolina Pires Mentone, pela amizade de todas as horas,
incentivo, carinho e lealdade.
Aos estimados amigos e colegas do Curso de Mestrado da PUC/SP, em especial a
Alessandra Cristina Girotto Rodrigues, Ana Claudia de Paula Albuquerque, Bruna Chimenti,
Diogo Albaneze Gomes Ribeiro, Evelise Pedroso Teixeira Prado Vieira, Fabiano Zavanella,
Fagner Vilas Boas, Flávio Feturessi, Francisco Sérgio Oto Souza Bonelli, Guilherme Corona
Rodrigues Lima, Luís Maurício Chierighini, Maria Hermínia Penteado Pacheco e Silva
Moccia, Mário Marcio Saadi Lima, Mirena Ferragut Gallo e Wilson José Vinci Junior, pelo
aprendizado em equipe, solidariedade e momentos de alegria divididos ao longo de nossas
jornadas.
À Maria Aparecida Pires Lopes, pela paciente e sempre cordial orientação quanto aos
aspectos técnicos na elaboração de trabalhos acadêmicos.
Ao IPT, em especial ao Professor Doutor Fernando José Gomes Landgraf, pelo
estímulo e compreensão quanto aos meus afastamentos; à Professora Doutora Conceição
Vedovello, pela leitura crítica e inestimáveis contribuições à elaboração do presente trabalho;
à Edna Baptista dos Santos Gubitoso, pelo auxílio com a plataforma lattes do CNPq e
orientação para adequação às normas; à Professora Doutora Zehbour Panossian, pela
confiança e consideração e aos queridos amigos Ana Paula Moza Quatro, Fábio de Carvalho
Groff, Janay Carvalho de Almeida, Ieda Yoshimi Kanzaki Oliveira, Julio Seguchi, Marconi
Amorim Gonçalves, Mariana Cipollini Pereira Lopes, Renata Cristina Calil, Stella Correa da
Cunha Martins, Tales Paranahiba, Tiago Cassemiro Falchi Nebesny, Vanessa Barbieri
Marques de Oliveira e Vera Lucia Crabbe Teixeira, pelo carinho, apoio e compreensão.
O mundo das ajudas públicas não é o terreno do
conservadorismo, mas o da ousadia responsável.
(José Vicente Santos de Mendonça. Direito constitucional
econômico: a intervenção do Estado na economia à luz da
razão pública e do pragmatismo)
RESUMO
Na década de 90 do século XX o termo inovação passou a ser utilizado com frequência e a
atrair a crescente atenção de formuladores de políticas públicas e do setor produtivo no Brasil.
Tendo como pano de fundo o estímulo do Estado ao desenvolvimento científico, à pesquisa e
à capacitação tecnológicas preconizado pelas Constituições Federal de 1988 e Paulista de
1989 e a necessidade premente de o País inovar cada vez mais, o presente estudo foi
desenvolvido com o objetivo de analisar a função administrativa de fomento e, especialmente,
a construção de ambientes especializados e cooperativos de inovação, à luz da Lei Federal nº
10.973/2004 e da Lei Complementar Paulista nº 1.049/2008. Foi também examinado o papel
do Direito na constituição de alianças estratégicas e de projetos cooperativos de inovação,
assim como na formação de redes de pesquisa, incubadoras, parques tecnológicos, acordos de
parceria e na participação minoritária do Poder Público no capital de empresa privada,
apontando polêmicas surgidas na aplicação das leis citadas, assim como parâmetros para
orientar a atuação promocional pública. Ao final, foram arroladas as conclusões obtidas ao
longo do trabalho.
Palavras-chave: Fomento público. Inovação tecnológica. Alianças estratégicas. Projetos de
Cooperação. Incubadoras. Parques tecnológicos.
ABSTRACT
In the 1990s of the twentieth century the term innovation became to be used frequently
and attract increasing attention of policymakers and the productive sector in Brazil.
Having as background the State's promotion of scientific development, research and
technological expertise recommended by the Federal Constitution of 1988 and the São Paulo
State Constitution of 1989 and the urgent need for the country to innovate more and more,
this study was developed with the purpose of analyzing the administrative function of support
and, in particular, the construction of specialized and cooperative environments of innovation
in the light of Federal Law N° 10973/2004 and the Complementary State Law N° 1049/2008.
It was also reviewed the role of Law in developing strategic alliances and cooperative
projects of innovation, as well as in the building of research networks, business incubators,
technology parks, partnership agreements and minority stake of the Government in the capital
of the privately held company, by highlighting controversies arising from the implementation
of those laws, as well as parameters to guide public promotional activities. At the end, the
findings obtained during the work were listed.
Key words: Public support. Technological Innovation. Strategic Alliances. Cooperative
Projects. Business Incubator. Technological Parks.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABC Academia Brasileira de Ciência
ABDI Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
ACS Alcântara Cyclone Space
ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidade
AEB Agência Espacial Brasileira
ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de
Ensino
ANPEI Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das
Empresas Inovadoras
ANPROTEC Associação Nacional de Entidades Promotoras de
Empreendimentos Inovadores
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CCT Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
CGEE Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
Ceitec Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada
CIS0 Community Innovation Sursey
CNCT Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia
CNCTI Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
CNEN Comissão Nacional de Energia Nuclear
CNPEM/ABTluS Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais / Associação
Brasileira de Tecnologia de Luz Síncroton
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONCITE Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia
CONFAP Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa
CONSECTI Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de
Ciência e Tecnologia
C&T Ciência e tecnologia
C,T&I Ciência, tecnologia e inovação
EMBRAPII Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial
ENCTI Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
EUROSTAT Statistical Office of the European Commnunities
FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FAPEMIG Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
FAPs Fundações de Amparo à Pesquisa
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
FORTEC Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de
Tecnologia
FUNCET Fundo Estadual de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICT Instituição Científica e Tecnológica
ICTESP Instituição Científica e Tecnológica do Estado de São Paulo
IDSM Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá
IFE Instituição Federal de Ensino Superior
IMPA Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada
INB Indústrias Nucleares Brasileiras
INVESTE SÃO
PAULO
Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPEN Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S.A
MCT Ministério da Ciência e Tecnologia
MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
MEC Ministério da Educação
MPEG Museu Paraense Emílio Goeldi
NIT Núcleo de Inovação Tecnológica
Nuclep Nuclebrás Equipamentos Pesados
OEA Organização dos Estados Americanos
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONU Organização das Nações Unidas
OS Organização Social
OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PACTI Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o
Desenvolvimento Nacional
PADCT Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
PEC Proposta de Emenda Constitucional
PDP Política de Desenvolvimento Produtivo
PDP Parceria para o Desenvolvimento Produtivo
P,D&I Pesquisa, desenvolvimento e inovação
PETROBRAS Petróleo Brasileiro S.A.
PIB Produto Interno Bruto
PITCE Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
Pintec Pesquisa de Inovação Tecnológica
PL Projeto de lei
PLS Projeto de Lei do Senado
PND Programa Nacional de Desestatização
P&D Pesquisa e desenvolvimento
RHAE Programa de Formação de Recursos Humanos para Áreas
Estratégicas
RNP Rede Nacional de Ensino e Pesquisa
RPCITec Rede Paulista de Centros de Inovação Tecnológica
RPITec Rede Paulista de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica
RPNIT Rede Paulista de Núcleos de Inovação de Inovação Tecnológica
SBDC Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SIBRATEC Sistema Brasileiro de Tecnologia
SPAI Sistema Paulista de Ambientes de Inovação
SPE Sociedade de propósito específico
SPTec Sistema Paulista de Parques Tecnológicos
TRIPS Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property
Rights
TCU Tribunal de Contas da União
UNESP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 14
1.Delimitação do objeto ............................................................................................................ 14
2.Relevância e atualidade do debate ......................................................................................... 14
3.Metodologia a ser usada ........................................................................................................ 16
PARTE I – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES .............................................................. 18
1 ORIGEM, USO DO TERMO FOMENTO, RAZÕES E CONSEQUÊNCIAS DA
ESCASSA EXPLORAÇÃO DO TEMA ............................................................................. 18
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................................................................................... 25
3 NOÇÃO DO FOMENTO PÚBLICO .................................................................................... 31
4 DISTINÇÕES ENTRE FOMENTO PÚBLICO, SERVIÇO PÚBLICO E PODER DE
POLÍCIA................................................................................................................................ 39
5 CLASSIFICAÇÃO DOS MEIOS DE FOMENTO ............................................................... 45
5.1 Meios de fomento segundo a forma de atuação sobre a vontade dos sujeitos fomentados:
classificação tradicional e sua crítica .................................................................................... 45
5.2 Meios de fomento segundo o tipo de vantagens outorgadas: classificação tradicional e sua
crítica..................................................................................................................................... 46
5.3 Meios de fomento segundo os fins a alcançar ................................................................... 51
5.4 Classificação do fomento segundo os tipos de ponderação e seus destinatários ............... 51
PARTE II – O FOMENTO PÚBLICO À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO DIREITO
BRASILEIRO ........................................................................................................................ 53
6. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO
PAULO DE 1989 E O FOMENTO PÚBLICO À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ............. 53
6.1 O dever constitucional do Estado de promover e incentivar o desenvolvimento científico,
a pesquisa e a capacitação tecnológicas ................................................................................ 61
6.2 Competências dos entes federativos para a promoção de medidas de fomento à inovação
tecnológica ............................................................................................................................ 67
6.3 Ciência, tecnologia, pesquisa, capacitação e autonomia tecnológicas .............................. 69
6.4 Inovação tecnológica ......................................................................................................... 75
7 A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO PÚBLICA FOMENTADORA À INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA ................................................................................................................... 88
7.1 Os indicadores nacionais de inovação ............................................................................... 93
7.2 Os indicadores paulistas de inovação ................................................................................ 94
8 SISTEMAS DE INOVAÇÃO ............................................................................................... 99
9 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONCERTADA E A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
............................................................................................................................................. 111
10 O ESTÍMULO À CONSTRUÇÃO DE AMBIENTES ESPECIALIZADOS E
COOPERATIVOS DE INOVAÇÃO À LUZ DA LEI FEDERAL Nº 10.973/2004 E DA
LEI COMPLEMENTAR PAULISTA Nº 1.049/2008 ........................................................ 125
10.1 Alianças estratégicas e projetos de cooperação ............................................................. 130
10.2 Redes e projetos internacionais de pesquisa, incubadoras e parques tecnológicos ....... 138
10.2.1 Redes e projetos internacionais de pesquisa tecnológica ............................................ 138
10.2.2 Incubadoras .................................................................................................................. 141
10.2.3 Parques tecnológicos ................................................................................................... 150
10.2.4 Fundações de apoio ..................................................................................................... 164
10.3 Compartilhamento e permissão de utilização de laboratórios, equipamentos,
instrumentos, materiais e instalações de Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) ... 171
10.4 Participação minoritária do Poder Público no capital de empresa privada.................... 180
10.5 Acordos de parceria com Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) ..................... 189
11 PARÂMETROS PARA FORMULAÇÃO E CONCESSÃO DO FOMENTO PÚBLICO À
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA........................................................................................... 192
11.1 O fomento público e o princípio da legalidade .............................................................. 193
11.2 A necessária vinculação do fomento público à inovação tecnológica ao planejamento
científico e tecnológico ....................................................................................................... 194
11.3 O fomento público e os princípios da igualdade e da livre concorrência ...................... 198
11.4 O fomento público, a subsidiariedade e o compartilhamento de riscos ........................ 203
11.5 O fomento público à inovação tecnológica motivado, transparente e controlado ......... 206
PARTE III - CONCLUSÃO ................................................................................................... 215
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 219
14
INTRODUÇÃO
Há um consenso nos dias de hoje sobre o papel central que a inovação deve ter na
economia.
Reconhece-se que países que inovam são mais produtivos, têm economias mais
eficientes e competitivas, obtendo maiores ganhos no comércio internacional. Empresas
inovadoras, de igual modo, costumam ter melhor desempenho, exportar mais e pagar
melhores salários.1
A inovação, todavia, não costuma surgir espontaneamente – ela exige a assunção de
riscos, a realização de investimentos vultosos, impondo àqueles que a perseguem, não raras
vezes, enormes fracassos.
Em razão da necessidade premente de fazer o País inovar, o fomento público à inovação
tecnológica vem despertando o crescente interesse de formuladores de políticas públicas e do
setor empresarial, exigindo, também cada vez mais, maior atenção por parte dos estudiosos do
Direito Administrativo.
1. Delimitação do objeto
O presente trabalho objetiva analisar o fomento público à inovação tecnológica no
Direito Brasileiro e, em especial, o estímulo à construção de ambientes especializados e
cooperativos de inovação à luz da Lei Federal nº 10.973/2004 e da Lei Complementar Paulista
nº 1.049/2008, assim como os principais parâmetros para o exercício da função pública
promocional.
2. Relevância e atualidade do debate
Somente em 2011 os dispêndios em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D)
no Estado de São Paulo, realizados pelos governos federal e estadual e por empresas do setor
privado foram de R$ 21,8 bilhões, correspondendo a 1,61% do Produto Interno Bruto (PIB)
do Estado. No Brasil, o valor atingiu R$ 47,2 bilhões ou 1,14% do PIB do País.2
Nos dias atuais, defende-se a ampliação de investimentos públicos e de estímulos aos
investimentos do setor privado em atividades de P&D, a fim de que o investimento total
1 Imperativo da inovação. Folha de São Paulo, São Paulo, 05 dez. 2013. Opinião, p. A2.
2 PEDROSA, Renato H. L.; CRUZ, Carlos Henrique de Brito. Dispêndios em P&D em São Paulo atingiram R$
21,8 bilhões em 2011 e parcela do PIB chegou a 1,61%. No Brasil, somaram R$ 47,2 bilhões, ou 1,14% do
PIB. Boletim Indicadores FAPESP de Ciência, Tecnologia e Inovação, São Paulo, n. 4, p. 1-4, maio, 2014,
p.1.
15
brasileiro na área possa alcançar, o mais rapidamente possível, patamares mais próximos dos
padrões dos países desenvolvidos.3
A grandiosidade dos indicadores econômicos citados demonstra, por si só, a
necessidade de expansão da matéria para além dos estudos de economistas, administradores,
engenheiros e sociólogos.
É fato que a inovação costuma exigir investimentos de alta monta. Todavia, ela exige
mais do que isto, estando diretamente relacionada à robustez do sistema de inovação4
existente, à sua capacidade de articulação com o processo produtivo e o setor empresarial.
Vale dizer, ela depende do quadro jurídico-institucional vigente, na medida em que este pode
favorecer, ou não, as condições para o investimento produtivo e inovador.5
Objetivando incentivar o desenvolvimento da inovação no País têm sido criadas
iniciativas como o Movimento Brasil Competitivo6 e a Mobilização Empresarial pela
Inovação,7 assim como estimulados debates em torno da necessidade de mudanças no vigente
arcabouço legal atinente à matéria.
Nesse sentido, a atualidade do tema pode ser corroborada pelas discussões relacionadas
à proposta de instituição de um código nacional de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I).
Encontra-se, de igual sorte, em tramitação, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº
290/2013, que busca atualizar o tratamento das atividades de C,T&I.8
3 Conforme a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) 2012-2015, no ano de 2011, o
dispêndio brasileiro em atividades de P&D era inferior aos de todos os países avançados, aos de outros
membros dos BRICs e aos de outras economias de menor dimensão, como a Itália, Espanha, Coreia, Portugal e
Cingapura. (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estratégia Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação 2012-2015 – Balanço das atividades estruturantes 2011. Brasília: MCTI, 2012, p. 45). 4 Conforme explica Gilberto Bercovici, fala-se em “sistemas de inovação” ao se referir às condições
institucionais e jurídicas complexas necessárias à inovação. (BERCOVICI, Gilberto. Ciência e inovação sob a
Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 916, p 267-295, fev. 2012, p.289). 5 PORTO, Claudio; GIAMBIAGI, Fabio; BELFORT-SANTOS, Andréa. O Brasil em transição: panorama atual
e tendências futuras 2011-2022. In: GIAMBIAGI, Fábio; PORTO, Claudio (Org.). 2022: Propostas para um
Brasil melhor no ano do bicentenário. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 3-33, p. 13. 6 Criado em novembro de 2001, o Movimento Brasil Competitivo é reconhecido como uma Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), que busca contribuir para a melhoria da qualidade de vida da
população brasileira, por meio do aumento da competitividade do país. Disponível em:
<http://www.mbc.org.br/mbc/novo/index.php?option=conteudo&Itemid=20&Itemid=20. Acesso em: 07 ago.
2014. 7 A Mobilização Empresarial pela Inovação surgiu em 2008 com o propósito de reforçar o desenvolvimento
científico, tecnológico e de inovação no País e de mudar o foco do mundo empresarial. Tem por objetivo
incorporar e aprimorar a gestão da inovação nas empresas brasileiras, além de ampliar os instrumentos
públicos que buscam a inovação no país. Disponível em: <http://www.inovacaonaindustria.com.br/portal/mei.
Acesso: em 07 ago. 2014. 8 A proposta do aludido código originou-se na própria comunidade científica, por meio do Fórum de Secretários
de Ciência e Tecnologia, de fóruns de fundações de apoio à pesquisa, com o apoio da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Foram criados dois projetos de
lei: no Senado, o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 619/11, de autoria do senador Eduardo Braga (PMDB-
AM); e, na Câmara, o Projeto de Lei (PL) nº 2.177/11, de autoria do Deputado Bruno Araújo (PSDB-PE). O
PLS nº 619/11 aguarda parecer da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática,
16
Apesar de o fomento à inovação tecnológica estar intrinsecamente relacionado à atuação
do Estado, compreendendo matérias, dentre outras, pertinentes à concessão de subvenções e
benefícios fiscais, à celebração de licitações, contratações públicas e parcerias e colaborações
entre os setores público e privado, são bastante escassos os trabalhos do Direito
Administrativo sobre o assunto.
Em verdade, abordar inovação tecnológica no meio acadêmico jurídico não é algo usual.
A inovação e, em especial, a inovação tecnológica, envolve complexos e numerosos
aspectos multidisciplinares,9 aos quais a área jurídica não está habituada, o que, talvez, ajude
a explicar o porquê do distanciamento entre os estudiosos e operadores do Direito e os
estudiosos e operadores da inovação.
Espera-se demonstrar que os desafios impostos cotidianamente pela inovação
tecnológica estão a exigir, mais do que uma mera aproximação, um efetivo e urgente
estreitamento de laços com o Direito Administrativo, tarefa certamente instigante, por todos
os motivos expostos e que, certamente, muito poderá contribuir para o avanço do
desenvolvimento nacional.
3. Metodologia a ser usada
Não obstante a multidisciplinaridade do tema proposto, o enfoque da presente
dissertação será jurídico, dogmático, construído a partir do vigente direito positivado
brasileiro.10-11
tendo sido analisado pelas Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania e de Assuntos Econômicos. Por sua
vez, o PL nº 2.177/11 foi aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, aguardando apreciação
pelo Plenário. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/inovacao/projeto-de-lei-
codigo-ciencia-tecnologia-e-inovacao.aspx. Acesso em: 02 ago. 2014. A PEC 290/2013 foi aprovada na
Câmara dos Deputados, em segundo turno, por unanimidade, tendo seguido para a apreciação pelo Senado.
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=586251. Acesso
em: 01 ago. 2014. 9 Nesse sentido, pondera Glauco Arbix que a compreensão dos mecanismos mais sutis da inovação exige intenso
tratamento multidisciplinar: “Como processo, é alimentada – e se alimenta – de insumos originados em
diversas áreas; como produto, provoca impactos em campos distintos. Seus determinantes profundos fincam
raízes em distintas esferas da vida social; e o seu desenvolvimento se desdobra em múltiplas dimensões.
Estudos recentes em países avançados mostram que se trata de um processo essencialmente colaborativo e
comunicativo, fruto de um fluxo contínuo de informação entre empresários, engenheiros, cientistas e usuários,
mas também entre instituições que facilitam – ou dificultam – a interação com o seu entorno produtivo e o
ambiente social.” (ARBIX, Glauco. Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São
Paulo: Papagaio, 2007. p. 30). 10
Sobre o enfoque dogmático, ensina Ricardo Marcondes Martins que há duas formas de se proceder à
investigação de um problema: ou ressaltando o aspecto pergunta, ou ressaltando o aspecto resposta. Se o
aspecto pergunta é acentuado, os conceitos básicos, as premissas, os princípios ficam abertos à dúvida. Se o
aspecto resposta é acentuado, por sua vez, determinados elementos são, de antemão, subtraídos à dúvida.
Zetética vem de zetein e significa perquirir, saber o que é uma coisa. Dogmática vem de dokein e significa
17
As abordagens não jurídicas, apesar de relevantes, terão natureza complementar, com o
propósito de melhor elucidar as variadas interfaces do assunto.
O estudo será realizado com base em análise normativa e doutrinária.
Sempre que possível, será efetuado exame de jurisprudência, sendo de todo oportuno
esclarecer, desde logo, que, em razão, provavelmente, da Lei Federal nº 10.973/2004 e da Lei
Complementar Paulista nº 1.049/2008 estarem em vigor há pouco tempo, ter havido a
identificação de poucos julgados relacionados à pesquisa.
O trabalho versará, na Parte I, sobre a origem, o uso da palavra fomento, as possíveis
razões e consequências da escassa exploração do tema; a evolução histórica e a noção do
fomento público; suas distinções em relação ao serviço público e ao poder de polícia, assim
como a classificação de seus meios.
Na Parte II, o trabalho analisará a relação entre as vigentes Constituições Federal e
Paulista e o fomento público à inovação tecnológica. Para uma melhor contextualização do
assunto, serão tecidas considerações sobre as noções de ciência, tecnologia, pesquisa,
capacitação, autonomia e inovação tecnológicas. Serão abordados a importância da atuação
pública fomentadora à C,T&I, assim como os sistemas de inovação, incluindo alguns
indicadores nacionais e paulistas. Serão, ainda, investigados os instrumentos previstos na Lei
Federal nº 10.973/2004 e na Lei Complementar Paulista nº 1.049/2008 para o estímulo à
construção de ambientes especializados e cooperativos de inovação, quais sejam as alianças
estratégicas e os projetos de cooperação; as redes de pesquisa; as incubadoras; os parques
tecnológicos; o compartilhamento e a permissão de utilização de laboratórios, equipamentos,
instrumentos, materiais e instalações de Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs), a
participação minoritária do Poder Público no capital de empresa privada e os acordos de
parceria. Por fim, serão estudados os principais parâmetros para a legítima utilização dos
instrumentos da ação promocional pública.
A conclusão será, finalmente, apresentada na Parte III.
ensinar, doutrinar, possibilitar uma decisão e orientar uma ação. O enfoque da Ciência do Direito é sempre
dogmático, pois alguns conceitos são tomados como indiscutíveis, dentre eles, por exemplo, a supremacia da
Constituição num sistema que adota o modelo constitucionalista, tal como o sistema jurídico brasileiro.
(PIRES, Luis Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo Marcondes. Um diálogo sobre a justiça: a justiça
arquetípica e a justiça deôntica. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 48-49). 11
Segundo José Rodrigo Rodriguez, a dogmática jurídica vem sendo tratada como o inimigo a ser combatido
pelos agentes modernizadores das instituições, sejam eles pesquisadores ou agentes públicos. O pensamento
dogmático, equivocadamente, tem sido estigmatizado como o principal responsável pelo atraso das instituições
latino-americanas em relação ao centro do capitalismo, sendo necessário revalorizá-lo, incorporando-o ao
debate sobre o desenvolvimento (RODRIGUEZ, José Rodrigo. Dogmática jurídica e desenvolvimento. In:
RODRIGUEZ, José Rodrigo (Org.) Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São
Paulo: Saraiva, 2011, p. 128-148, p. 128).
18
PARTE I – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
1 ORIGEM, USO DO TERMO FOMENTO, RAZÕES E CONSEQUÊNCIAS DA
ESCASSA EXPLORAÇÃO DO TEMA
Foi o espanhol Luis Jordana de Pozas quem, em meados do século XX, reivindicou para
o termo fomento um significado técnico concreto, caracterizando-o, ao lado do poder de
polícia e do serviço público, como uma das atividades administrativas destinadas à satisfação
de necessidades públicas.12
Até então, na Europa continental, distinguia-se exclusivamente entre atividade de
ordenação ou limitação, por um lado, e prestação de serviço público, por outro, tendo essa
formulação tripartite constituído uma novidade.13
De fato, o estudo formulado por Jordana de Pozas sistematizou, com originalidade, a
ação promocional, não mais como um fim em si mesmo do Estado, contribuindo
sobremaneira para a atual concepção da atividade administrativa de fomento.14
Segundo a tradição administrativa, o fomento é a ação consistente em proteger,
estimular, auxiliar ou fomentar atividades particulares mediante as quais se satisfazem
necessidades ou conveniências de caráter geral.15
A palavra fomento origina-se do latim fomentum, contração de fovimentum, que
significa aquecer, acalentar ou abrigar. No idioma espanhol, em sentido denotativo, significa
dar calor para vivificar, vigorar e, em sentido figurado, estimular, promover ou proteger algo.
Trata-se de uma só palavra que consegue reunir uma rica variedade de formas, tais como
promover, ajudar, auxiliar, proteger, melhorar, desenvolver, estimular, premiar etc.16
Na língua portuguesa fomentar significa, dentre outras acepções, cercar de cuidados
para criar ou fazer crescer, estimular; promover os meios para o desenvolvimento de (algo),
estimular, promover, desenvolver.17-18
12
MALJAR, Daniel Edgardo. Intervencion del Estado en la prestacion de servicios publicos. Buenos Aires:
Hammurabi, 1998, p. 276. 13
DE LA RIVA, Ignacio M. La figura del fomento: necesidad de encarar una revisión conceptual. In: Servicio
público, polícia y fomento: jornadas organizadas por la Universidad Austral Facultad de Derecho. Buenos
Aires: Rap, 2003. p. 413-422, p. 413. 14
HIGA, Alberto Kenji. A construção do conceito da atividade de fomento. Revista Direito Mackenzie. São
Paulo, v.5, n. 1, p.10-36, 2011, p.12. 15
JORDANA DE POZAS, Luis. Ensayo de una teoria del fomento en el derecho administrativo. Revista de
Estudios Politicos, n. 48, p. 41-54, 1949, p. 49. 16
JORDANA DE POZAS, Luis. Ensayo de una teoria del fomento en el derecho administrativo. Revista de
Estudios Politicos, n. 48, p. 41-54, 1949, p. 49. 17
FOMENTAR. In: DICIONÁRIO Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 1.367. 18
Quanto ao uso das palavras na língua portuguesa, Ricardo Marcondes Martins observa: “Pertencem ao
vernáculo, nos termos da Lei nº 5.765/1971, todos os registros constantes do Vocabulário Ortográfico da
19
A ideia geral do fomento público, ou seja, aquele realizado pela Administração
Pública,19
pelo menos a princípio, não é difícil de indicar: “trata-se de auxiliar o
desenvolvimento e o exercício de uma atividade privada, que se supõe de interesse público,
com meios públicos”.20
Apesar de haver elementos comuns entre as diversas noções sobre o fomento público,
existem divergências doutrinárias a respeito da utilização do termo “fomento”.
Enquanto alguns autores dão preferência para o uso de expressões como “ajudas
públicas” ou “recompensas públicas”, outros preferem, ainda, falar em “estímulos
positivos”.21
Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras” (Regulação administrativa à luz da
constituição federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 268). A palavra “fomentar” consta do Vocabulário em
questão, não sendo um neologismo. 19
Salienta José Vicente Santos de Mendonça que mesmo as entidades integrantes da Administração Pública
dotadas de personalidade jurídica de direito privado realizam fomento público. Ressalta que, no Brasil, o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras) e a
Caixa Econômica Federal S.A. são, em volume de recursos, as maiores entidades fomentadoras da
Administração Federal (Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento público democrático,
eficiente e não-paternalista. Revista de Direito Processual Geral, Rio de Janeiro, n. 65, p. 115-176, 2010, p.
118) 20
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento
público democrático, eficiente e não-paternalista. Revista de Direito Processual Geral, Rio de Janeiro, n. 65,
p. 115-176, 2010, p. 118. 21
Destacando a polêmica acerca da denominação “fomento”, José Vicente Santos de Mendonça esclarece:
“Afirma-se que a palavra “fomento” já carrearia uma escolha, ainda que implícita, por uma das possíveis
definições para o instituto: a que destaca a importância da persuasividade como elemento definitório central da
atuação. Em substituição, alguns autores propõem ‘atividade administrativa dispensadora de ajudas e
recompensas” ou, apenas ‘ajudas públicas’. Reconhecemos que tais autores possuem razão em suas críticas, e,
até, que as denominações alternativas são melhores do que o tradicional ‘fomento’. Só que vamos ficar com
‘fomento’ mesmo, pela consagração do termo e facilidade na comunicação da ideia. Se a questão fosse maior
do que a da evitação de sutilezas, talvez os novos termos vencessem a inércia em favor da denominação
clássica – mas não é o caso” (Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento público
democrático, eficiente e não-paternalista. Revista de Direito Processual Geral, Rio de Janeiro, n. 65, p. 115-
176, 2010, p. 118). Segundo Ricardo Rivero Ortega: “Ante la vaguedad del término fomento, parte de nuestra
doctrina propone, como sucede con la policía, una reconsideración conceptual, sustituyendo la vieja idea por
otra más expressiva y circunscrita a la concreta actividad de ayuda y recompensa de la iniciativa privada. Esta
propuesta es plausible, pues permite hacer énfasis en aquellas herramientas jurídicas más características del
fomento (destacadamente, las subvenciones y otras ayudas económicas) cuya incidencia sobre el
funcionamiento de los mercados, que pueden perturbar, es más que notable.” (Derecho Administrativo
Económico. 6. ed. Buenos Aires: Marcial Pons, 2013, p. 166). Também para Ignacio M. De La Riva, “[...] para
dotar a la figura de un perfil jurídico consistente es preciso abandonar la finalidad (de promoción o protección)
y la técnica (persuasiva) como elementos definitorios y pasar a prestar atención a la constitución estructural del
concepto. Esta intuición de poner el acento en la estructura interna de la figura como camino metodológico
para alcanzar su consolidación definitiva ha sido enunciada por um sector de la doctrina española, encabezado
por Martinez López-Muñiz y por Fernández Farreres, cada uno con matices próprios. El primero de dichos
autores es quien postula, además, el abandono de la voz fomento – dada su irremediable connotación
teleológica – y su sustitución por la de ayudas públicas, expresión esta última que, por cierto, ya resultaba de
uso frequente en las normas y em la doctrina europeas.” (DE LA RIVA, Ignacio M. La figura del fomento:
necesidad de encarar una revisión conceptual. In: Servicio público, polícia y fomento: jornadas organizadas por
la Universidad Austral Facultad de Derecho. Buenos Aires: Rap, 2003, p. 413-422, p. 417). De acordo com
Marcos Juruena Villela Souto, a expressão “estímulos positivos” é bem mais ampla que a de fomento, nela
abrangida. O fomento, a seu entender, seria um incentivo ao desempenho de determinada função de interesse
do agente fomentador e o estímulo positivo, a criação de um cenário favorável aos investimentos. (SOUTO,
20
Neste trabalho, opta-se pela utilização da expressão “fomento público” porque, além
dele constar, de forma literal, no texto constitucional (é bem verdade que o texto
constitucional menciona outras expressões, tais como “incentivo” e “estímulo”), possui um
sentido bastante amplo, que comporta variadas formas de apoio. Além disso, “fomento
público” é a expressão consagrada nas áreas da C,T&I, ao contrário das expressões “ajudas
públicas”, “recompensas públicas” e “estímulos positivos.”
Não obstante as divergências de nomenclatura, o fomento é um instituto, sem dúvida
alguma, consagrado pelo direito positivo pátrio.
Nessa senda, a Constituição Brasileira, em seu artigo 3º, elege, dentre outros, como
objetivos fundamentais da República, garantir o desenvolvimento nacional, além de reduzir as
desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos.
Dispõe, ainda, em seu artigo 174, que o Estado, enquanto agente normativo e regulador
da atividade econômica, exercerá, na forma da lei, além das funções de fiscalização e
planejamento, a função de incentivo.22
A figura do Estado fomentador, portanto, encontra guarida na Lei Maior.
Ademais, tanto a Constituição Federal como a Constituição do Estado de São Paulo,
apesar de não aludirem de modo textual à palavra “inovação”, prescrevem, respectivamente,
em seus artigos 218 e seguintes e 268 e seguintes, o dever específico de o Estado promover e
incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas; de apoiar a
formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, assim como de
estimular as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País,
formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos. Não há como negar o alto potencial
de vinculação dessas atividades à inovação.
No plano infraconstitucional, o fomento público à inovação tecnológica vem recebendo,
cada vez mais, merecido destaque, conforme se demonstrará adiante, na Parte II, deste
trabalho.
Não obstante isso, a ação administrativa de fomento tem sido examinada
superficialmente, sem se dedicar maior atenção à sua singularidade e à caracterização dos atos
Marcos Juruena Villela Souto. Estímulos positivos. In: CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, João
Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. (Coord.). Direito administrativo econômico. São
Paulo: Atlas, 2011, p. 741-769, p. 741). 22
Confira-se: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor
público e indicativo para o setor privado”.
21
pelos quais se efetiva, ao contrário, do poder de polícia e do serviço público, que têm sido
objeto de múltiplos estudos.23
José Vicente Santos de Mendonça, a esse propósito, constata que o fomento não é um
dos campeões de audiência nas monografias e nas teses de Direito. Explica que características
próprias da atividade, como a voluntariedade e a discricionariedade, fizeram e fazem com que
a sua plena juridicização seja longa e difícil, enfatizando: “O Direito tradicional, acostumado
a lidar com obrigações, deveres e sanções negativas, mostra-se pouco à vontade com situações
em que tais elementos não aparecem de modo evidente”.24
Nessa mesma vereda, Rafael Munhoz de Mello anota que, entre os modos de
intervenção estatal na ordem econômica, o fomento é o que recebe menos atenção da
doutrina, apesar de sua importância econômica e de sua ampla utilização nas mais variadas
esferas da Administração Pública. Esclarece que esse desinteresse tem reflexo na
jurisprudência, que registra pouquíssimos casos em que o tema foi enfrentado com
profundidade.25
Célia Cunha Mello, após alertar para o fato de a experiência jurídica em matéria de
fomento público ser bastante reduzida, também sublinha que a jurisprudência é quase
inexistente, destacando, ademais, que tanto no Brasil como no exterior a legislação existente
vem sendo constituída de forma aleatória, sem tratamento normativo sistematizado, podendo
o injustificado desinteresse para com o tema comprometer o próprio desenvolvimento
socioeconômico do País.26
Em estudo acerca da contratação de fomento, Marçal Justen Filho e Eduardo Ferreira
Jordão refletem que a escassa exploração do tema, no Brasil, tende a produzir uma de duas
consequências negativas: “ou leva à subutilização da valiosa técnica consensual para o
fomento de atividades de relevante interesse coletivo ou faz com que estas contratações sejam
utilizadas em situações que não as autorizam”.27
23
JORDANA DE POZAS, Luis. Ensayo de una teoria del fomento en el derecho administrativo. Revista de
Estudios Politicos, n. 48, p. 41-54, 1949, p. 43. 24
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento
público democrático, eficiente e não-paternalista. Revista de Direito Processual Geral, Rio de Janeiro, n. 65,
p. 115-176, 2010, p. 121. 25
MELLO, Rafael Munhoz de. Atividades de fomento e o princípio da isonomia. In: SPARAPANI, Priscilia;
ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social: homenagem
ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 263-285, p.263. 26
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. xii. 27
JUSTEN FILHO, Marçal; JORDÃO, Eduardo Ferreira. A contratação administrativa destinada ao fomento de
atividades privadas de interesse coletivo. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano
9, n. 34, p. 47-72, jul./set. 2011, p. 49.
22
Também para Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, o fomento, apesar de ser
uma forma de intervenção estatal no domínio econômico muito polêmica, é a forma menos
estudada pelos especialistas. Ressalta que a atividade estatal de fomento envolve a busca de
uma infinidade de objetivos e prevê sua veiculação por outro sem número de instrumentos,
pressupondo um campo inesgotável de alternativas e soluções, tão variadas quanto múltiplos
são os seus móveis.28
Merece, porém, destaque o estudo de Norberto Bobbio sobre o tema do fomento, e mais
especificamente, da função promocional do Direito e das sanções positivas.
Segundo Bobbio o fomento está relacionado à função social do Direito, tema que nunca
recebeu muita atenção. O escasso interesse pela função social do Direito na teoria geral do
direito dominante estaria associado ao relevo que os grandes teóricos, de Jhering a Kelsen,
deram ao Direito como instrumento específico, cuja especificidade não deriva dos fins a que
serve, mas do modo pelo qual os fins, quaisquer que sejam, são perseguidos e alcançados.29
O diagnóstico, enfim, tanto de autores brasileiros, como de autores estrangeiros, é de
que o tratamento doutrinário (e, também, o jurisprudencial) atribuído ao tema, por várias
razões, não tem sido proporcional à sua relevância política, econômica e social.
O fomento público, outrossim, vem sendo apontado como a atividade administrativa
mais resistente ao influxo do Direito, arrolando, Ignacio M. De La Riva, cinco causas para tal
situação: a) a problemática jurídica vai além do binômio autoridade-liberdade que tipifica,
normalmente, o conflito que se enfrenta no Direito Público. Sendo a atividade de
favorecimento, a dificuldade está em assegurar que o benefício concedido a uns não ocorra
em detrimento àquilo que, justamente, corresponda aos demais; b) no fomento, a linha
demarcatória entre o jurídico e o meta-jurídico não é tão clara, sobressaindo-se os aspectos
não jurídicos, como os políticos e econômicos; c) isto cria, no fomento, um amplo espaço para
a discricionariedade, terreno este que, por muito tempo, ficou livre de ataduras jurídicas; d)
há, também, dificuldades metodológicas: no fomento confluem diversos ramos do Direito
(constitucional, concorrencial, penal, internacional etc.); 5) há na ação promocional uma
28
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. O fomento como instrumento de intervenção estatal na
ordem econômica. Revista de Direito Público da Economia- RDPE, Belo Horizonte, ano 8, n. 32, out./dez.
2010. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=70679. Acesso em: 14 jul. 2013.
(documento não paginado). 29
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia
Versiani. Revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 85. O
autor sustenta que o reconhecimento da importância do direito promocional não é incompatível com a
consideração instrumental do direito, própria da teoria kelseniana. Mesmo depois de se perceber que o direito
não limita a reprimir, mas promove e estimula, continua a afirmar, como faz Kelsen, que o direito é um meio e
não um fim. (p.77).
23
enorme diversidade de técnicas específicas, marcada por uma dispersão conceitual, fruto, em
boa medida, da ausência de sistematização no ordenamento positivo.30
Nos dias atuais, não há mais espaço para que motivos, tais como os apontados por De
La Riva, justifiquem a resistência do fomento público ao Direito. Ao contrário disso, é sabido
que a maior parte das agendas das sociedades contemporâneas envolve, não raras vezes,
debates que excedem a dicotomia liberdade-autoridade; e que compreendem, ao mesmo
tempo, a tomada de decisões guiadas sobretudo por diretrizes econômicas e políticas. Hoje,
discricionariedade não mais se confunde com arbitrariedade; as pautas político-sociais são
todas multidisciplinares. Não mais se sustenta, portanto, qualquer tentativa de fazer crer que o
fomento público possa estar, por alguma razão, fora do campo de incidência do Direito e,
mais especificamente, dos princípios do regime jurídico administrativo. De igual forma, a
resistência do Direito em analisar o tema de forma mais sistemática também não pode mais
ser admitida.
Felizmente, a situação de escassa juridicização da atividade de fomento tem sido
revertida, podendo ser citado como um caso paradigmático deste fenômeno o da Comunidade
Europeia, em que a regulação da matéria passou a ser peça relevante do sistema,
imprescindível à concretização da aspiração de formação de um mercado comum.31
No Brasil, a Lei Federal nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004 prescreve diversos meios
e instrumentos de fomento à inovação.
A recente Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que estabelece o regime jurídico das
parcerias voluntárias entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil, em
regime de mútua cooperação, define diretrizes para a política de fomento e de colaboração
com organizações da sociedade civil e, ainda, institui o termo de colaboração e o termo de
30
DE LA RIVA, Ignacio M. La figura del fomento: necesidad de encarar una revisión conceptual. In: Servicio
público, polícia y fomento: jornadas organizadas por la Universidad Austral Facultad de Derecho. Buenos
Aires: Rap, 2003, p. 413-422, p. 415. 31
Segundo De La Riva: “La piedra angular del régimen de las ayudas de Estado del Derecho comunitario
europeo reposa sobre el Artículo 87.1 del Tratado de la Comunidad Europea, según el cual ‘salvo que el
presente Tratado disponga otra cosa, serán compatibles (sic) com el mercado común, en la medida en que
afecten a los intercambios comerciales entre Estados miembro, las ayudas otorgadas por los Estados o
mediante fondos estatales, bajo cualquier forma, que falseen o amenacen falsear la competencia, favoreciendo
a determinadas empresas o producciones.’ Los apartados 2 y 3 del mismo precepto introducen excepciones a la
regla antedicha, mientras que los Artículos 88 y 89 del Tratado proporcionan ciertos elementos de naturaleza
adjetiva que completan el régimen. A partir de las disposiciones citadas, lós órganos comunitarios han
elaborado una profusa normativa de desarrollo a través del dictado de numerosas comunicaciones, directrices y
reglamentos que abordan los aspectos más variados de las ayudas de Estado. Los tribunales de la propia CEE,
por su parte, han contribuido a consolidar el sistema mediante una prolífica jurisprudencia en la materia.” (DE
LA RIVA, Ignacio M. La figura del fomento: necesidad de encarar una revisión conceptual. In: Servicio
público, polícia y fomento: jornadas organizadas por la Universidad Austral Facultad de Derecho. Buenos
Aires: Rap, 2003, p. 413-422, p). Em tempo, onde o autor consignou “serán compatibles”, leia-se “serán
incompatibles”, conforme assinalado no dispositivo citado.
24
fomento, assim como a Lei Federal nº 9.790/1999 e a Lei Federal nº 9.637/1998, que, dentre
outras normas, também objetivam fixar balizamentos para a atuação da Administração
Pública fomentadora.
25
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Segundo Dinorá Adelaide Musetti Grotti, as instituições jurídicas estão intimamente
vinculadas às relações dinâmicas entre o Estado e a sociedade, existentes no momento
histórico em que se desenvolvem. As circunstâncias ideológicas, políticas, sociais e
econômicas que vão se apresentando nas distintas épocas e nos distintos países resultam na
transformação das instituições. Nesse sentido, as transformações das instituições jurídicas
devem ser consideradas exigências da realidade, necessárias à sua própria sobrevivência.32
Assim como o serviço público e o poder de polícia, o fomento administrativo é um
instituto multifacetado e dinâmico. A inovação, por sua vez, também envolve uma acepção
móvel, “que acompanha a evolução das sociedades e se desenvolve num invólucro de
incerteza”.33
A evolução do tema fomento público, como não poderia deixar de ser, ocorre conforme
os limites ideológicos da atividade do Estado, bem como de sua intervenção na vida privada e
no domínio econômico, em cada período da história.34-35
Com efeito, consoante Luis Jordana de Pozas, a persuasão exercida pelo governante
sobre o ânimo dos governados, sem o uso da força, existiu em todas as épocas, constituindo
um dos principais capítulos da política.36
Também para Célia Cunha Mello, interferências policiais, aduaneiras, fiscais, entre
outras, sempre existiram, com maior ou menor intensidade, conhecendo a interferência estatal
vários graus.37
Ainda que se possa falar em precedentes da atividade promocional em épocas bastante
remotas, as raízes do fomento, enquanto instrumento de política econômica, remontam aos
séculos XVII e XVIII.38
32
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a constituição brasileira de 1988. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 14. 33
ARBIX, Glauco. Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São Paulo: Papagaio,
2007, p. 29. 34
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 17. 35
A respeito da vinculação entre Estado de Direito e concepção política, Celso Antônio Bandeira de Mello,
invocando as lições de Afonso Rodrigues Queiró, registra: “[...] as bases ideológicas do Direito Administrativo
são as que resultam das fontes inspiradoras do Estado de Direito, e neste se estampa a confluência de duas
vertentes de pensamento: a de Rousseau e a de Montesquieu”. E mais adiante: “[...] o Estado de Direito é
exatamente um modelo de organização social que absorve para o mundo das normas, para o mundo jurídico,
uma concepção política e a traduz em preceitos concebidos expressamente para a montagem de um esquema
de controle do Poder.” (Curso de direito administrativo, 29. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 48-
49). 36
JORDANA DE POZAS, Luis. Ensayo de una teoria del fomento en el derecho administrativo. Revista de
Estudios Politicos, n. 48, p. 41-54, 1949, p. 47. 37
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 17.
26
Segundo Villar Palasí, o emprego das técnicas promocionais, no que se refere, pelo
menos, à construção de obras públicas, já ocorria na Idade Média. Na Espanha, no memorial
da construção da ponte de Zaragoza, de 1336, havia uma súplica de subvenção dirigida ao
Rei. Antes disso, a construção do cais da cidade também havia sido subsidiada. Em Castilla,
costumava-se conceder esporadicamente subvenções para as obras realizadas pelos
Municípios, com recursos de fundos procedentes de multas. Em 1579 e em 1585 receberam
subvenção, respectivamente, a construção do Canal Imperial de Aragão e o projeto de
canalização da Cidade de Toledo.39-40
No século XVI, Pedro de Valencia (1555 a 1620) escrevia sobre “prêmios y apremios”
para aludir aos mecanismos que o Rei possuía a fim de que seus súditos agissem como
convinha, supostamente, ao bem público. Mas são nos escritos da época do despotismo
ilustrado em que surge, positivamente, a função do fomento do Estado em relação a obras de
interesse público. Esta finalidade foi prevista na legislação, com caráter geral,41
desde o início
do século XVIII, tendo o espírito do fomento animado a criação, em 1705, da Real Junta de
Comércio; da Instrução dos Intendentes, ditada por Felipe V, em 1718, e da Nova Ordem dos
Intendentes Corregedores, ditada por Fernando VI, em 1749. Toda a ideologia política do
século XVIII foi favorável a uma intervenção de fomento destinada a combater as causas da
decadência econômica e comercial espanhola.42-43-44
38
SANTAMARIA PASTOR, Juan Alfonso. Princípios de derecho administrativo general. 2. ed. Madrid: Iustel,
2009, v. II, p. 351. 39
PALASÍ, Villar apud GARRIDO FALLA, Fernando. Tratado de derecho administrativo. 10. ed. Madrid:
Tecnos. 1992, v. II, p. 301. 40
Em relação ao destaque dado à matéria pelo Direito Espanhol, segundo Juan Carlos Cassagne, “En Francia, la
doctrina no se ha ocupado mayormente de lós diferentes tipos de clasificación de la actividad administrativa,
incluyendo la actividad de fomento dentro del concepto amplio de intervencionismo económico.” (Derecho
administrativo. 7. ed. atual. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2002, t. II, p. 345). No mesmo diapasão, Daniel
Edgardo Maljar observa que a doutrina espanhola tem se ocupado quase exclusivamente da matéria.
(Intervencion del Estado en la prestacion de servicios publicos. Buenos Aires: Hammurabi, 1998, p. 270). A
noção de fomento nasceu na Espanha, país que até hoje possui um Ministério do Fomento. (MENDONÇA,
José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento público democrático,
eficiente e não-paternalista. Revista de Direito Processual Geral, Rio de Janeiro, n. 65, p. 115-176, 2010, p.
120). 41
Conforme ressalva Santamaría Pastor, uma coisa, todavia, era o fomento como um objetivo geral e outra, as
medidas concretas e específicas que possuíam esta particular natureza. O objetivo geral de fomento, para o
autor, foi perseguido com a adoção de medidas de reforma estrutural (que em si mesmas não eram de
fomento), como o aumento de terras postas para cultivo, a eliminação de alfândegas interiores, a liberdade de
circulação de mercadorias nacionais no interior do reino e uma incipiente política de construção de obras
públicas, principalmente canais e estradas. (Princípios de derecho administrativo general. 2. ed. Madrid:
Iustel, 2009, v. II, p. 351). 42
GARRIDO FALLA, Fernando. Tratado de derecho administrativo. 10. ed. Madrid: Tecnos, v. II, 1992, p.
301-302. 43
Importante ponderar que, no regime absolutista, a própria existência de uma atividade de fomento pode ser
questionada. O Rei incentivava comportamentos, atividades e serviços concedendo vantagens a seus súditos.
Mas o interesse público aparecia como pretexto, pois o interesse era o do monarca. Tratava-se de uma forma
27
Todavia, no século XVIII, a concepção da atividade de fomento identificava-se com a
ideia de poder de polícia. A polícia era toda atividade desenvolvida pelo Estado, toda a
atividade que competia ao príncipe. Dividia-se em polícia de bem-estar e polícia de ordem – o
fomento estava vinculado à polícia de bem-estar.45-46
Segundo Fernando Garrido Falla a conexão entre as técnicas de fomento com o Estado
de Direito47
ocorreu efetivamente no século XIX. Na Espanha, no Decreto Real de 30 de maio
absolutista de fomento. (MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del
Rey, 2003, p. 18). 44
De acordo com Santamaría Pastor, na vigência do absolutismo, França e Inglaterra, em primeiro lugar, e
depois, os outros Estados europeus, empreenderam ações tendentes a introduzir mudanças estruturais em seus
sistemas econômicos. Essas mudanças foram impulsionadas pelo mercantilismo, teoria baseada na hipótese de
que a riqueza de um país devia ser medida pela quantidade de metais preciosos em circulação em seu
território. Fazia-se necessário conservar e aumentar ao máximo possível a quantidade de metais e,
consequentemente, fomentar a produção interior, para reduzir as importações, e limitar as compras no exterior
de produtos manufaturados. Visando ao incremento da riqueza que o mercantilismo perseguia, foram
introduzidas mudanças em aspectos básicos da estrutura social, tal como o regime de exploração de terras, a
existência de fronteiras e alfândegas e a rigidez de determinadas atividades econômicas. Tais alterações
constituíram as principais propostas das primeiras teorias econômicas liberais, que começaram a ser postas em
prática pelos monarcas ilustrados já no século XVIII, antes mesmo da Revolução Francesa. (Princípios de
derecho administrativo general. 2. ed. Madrid: Iustel, 2009, v. II, p. 351). 45
MALJAR, Daniel Edgardo. Intervencion del Estado en la prestacion de servicios publicos. Buenos Aires:
Hammurabi, 1998, p. 272. 46
Na esteira de Baena de Alcázar, segundo Célia Cunha Mello, a ideia primitiva de fomento, “aparece
compreendida dentro do Poder de Polícia, utilizado para designar toda atividade que competia ao príncipe. O
Poder de Polícia (ius politiae) era dividido em: Polícia de Ordem (atividade restritiva e proibitiva) e Polícia do
Bem-estar ou da Prosperidade (atividade incentivadora), sendo esta última a idéia que se identifica com a
atividade de fomento. No século XIX, processou-se uma inversão dessa situação, à medida que os critérios
liberais foram amplamente instalados. Isso porque a mentalidade liberal rejeitava o emprego do termo
“polícia”, em face da idéia limitadora e restritiva que nele se encontrava arraigada. Assim, a palavra “fomento”
passou a ser empregada, principalmente, na Espanha, para designar todas as atividades antes incluídas na
polícia. Acrescente-se que o desejo de impulsionar o progresso econômico por meios indiretos aproximava os
ideais liberais das técnicas de fomento, apesar da antipatia pela intervenção estatal. Por isso, Villar Palasí
afirma que o fomento é resultado de amplo critério liberal.” (O fomento da administração pública. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003, p. 23-24). 47
Também de acordo com Célia Cunha Mello, a atividade administrativa de fomento só pode ser concebida a
partir do momento em que haja a submissão de toda organização estatal ao ‘império’ da lei. A aparição da
administração personificada (diferenciação entre o Estado e o príncipe) e a primazia da lei surgem, apenas,
com o advento do Estado de Direito (O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.
18). No mesmo sentido, Alberto Shinji Higa (A construção do conceito da atividade de fomento. Revista
Direito Mackenzie. São Paulo, v.5, n. 1, p.10-36, 2011, p.12). Tais entendimentos corroboram a conhecida
lição de Celso Antônio Bandeira de Mello de que: “O Direito Administrativo nasce com o Estado de Direito .
Nada semelhante àquilo que chamamos de Direito Administrativo existia no período histórico que precede a
submissão do Estado à ordem jurídica. Antes disso, nas relações entre o Poder, encarnado na pessoa do
soberano, e os membros da sociedade, então súditos – e não cidadãos -, vigoravam ideias que bem se
sintetizam em certas máximas clássicas, de todos conhecidas, quais as de que quod principi placuit leges habet
vogorem: ‘o que agrada ao príncipe tem força de lei’. Ou, ainda: ‘o próprio da soberania é impor-se a todos
sem compensação’; ou, mesmo: ‘o rei não pode errar’. O advento do Estado de Direito promoveu profunda
subversão nestas ideias políticas, que eram juridicamente aceitas. Ao afirmar a submissão do Estado, isto é, do
Poder, ao Direito e ao regular a ação dos governantes nas relações com os administrados, fundando, assim, o
Direito Administrativo, este último veio a trazer, em antítese ao período histórico precedente – o do Estado de
Polícia – justamente a disciplina do Poder, sua contenção e a inauguração dos direitos dos, já agora,
administrados – não mais súditos. Em suma: o Direito Administrativo nasce com o Estado de Direito, porque é
o Direito que regula o comportamento da Administração.” (Curso de direito administrativo, 29. ed. rev. ampl.
São Paulo: Malheiros, 2012, p. 47).
28
de 1817 previa-se a realização de vultosos gastos em benefício da agricultura, artes e
comércio. Em 1832 ocorreu a criação do Ministério do Fomento e, em 1833, seu primeiro
titular, Don Francisco Javier De Burgos, editou a Instrucción a los Subdelegados de Fomento.
Na ideologia de De Burgos a atividade de fomento era uma consequência lógica da nova
postura da Administração Pública frente ao problema da prosperidade nacional. As doutrinas
de laissez faire tinham dado lugar a uma fé na onipresença da Administração, da qual somente
resultariam benefícios.48
Como se nota, a atividade promocional pública está relacionada com a aparição do
moderno Estado Social de Direito que, indo além da simples garantia da ordem pública,
procurava satisfazer a uma série de necessidades e exigências da comunidade de interesse
público. Entendia-se que estas podiam ser adequadamente realizadas por meio da atividade
privada protegida e estimulada pela Administração.49
Com o advento do Estado Social, o uso de técnicas promocionais passou a ser uma
constante na legislação, passando a ser criadas, inclusive, medidas dirigidas a estimular as
atividades econômicas de setores industriais específicos.
Nesses termos, conforme apontado por Santamaría Pastor, transcorrido o primeiro terço
do século XX, o fomento começou a ser empregado de modo sistemático nos países europeus
como elemento básico da política global de desenvolvimento e com tripla finalidade: a) de um
lado, o incremento da produção industrial e agrária, objetivando a criação de riqueza e de
emprego e a reconstrução dos danos ocasionados pelas guerras civis e pela Segunda Guerra
Mundial; b) de outro, o sustento de empresas e setores econômicos de importância estratégica
ou de forte impacto social, porém em fase de declínio ou de baixa produtividade; c) por
último, o estímulo de atividades culturais e sociais e de prestação de serviços sociais,
caracterizados por escassa rentabilidade empresarial.50
Segundo Pastor, na segunda metade do século XX, houve um desenvolvimento sem
precedentes na atividade de fomento: a) a atividade pública de promoção se estendeu à imensa
maioria dos setores econômicos e aos setores cultural e social; causando uma generalização
das medidas de fomento, baseada na hipótese de que tudo que não é negativo tem utilidade
pública e pode ser fomentado; b) as políticas de promoção não cresceram apenas em extensão
material, mas também em intensidade. Por essa razão, em muitos países europeus, diversos
48
GARRIDO FALLA, Fernando. Tratado de derecho administrativo. 10. ed. Madrid: Tecnos, 1992, v. II, p.
302. 49
COMADIRA, Julio Rodolfo; ESCOLA, Héctor Jorge; COMADIRA, Julio Pablo. Curso de derecho
administrativo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2013, T. I, p. 706. 50
SANTAMARIA PASTOR, Juan Alfonso. Princípios de derecho administrativo general. 2. ed. Madrid: Iustel,
2009, v. II, p. 352-353.
29
setores econômicos passaram a ser sustentados quase exclusivamente por meio de subvenções
públicas (agricultura, mineração, construção naval, cinema e teatro); c) o incremento das
políticas de fomento teve grande repercussão financeira. Em razão do desordenado
crescimento da atividade de promoção da vida econômica, somado à crise financeira do
Estado Social e ao auge das políticas macroeconômicas neoliberais, houve reação às políticas
promocionais, o que gerou uma crise de legitimidade do instituto.51
Norberto Bobbio evidenciou a importância do fomento para o direito positivo da
segunda metade do século XX, na medida em que este deixou de se circunscrever ao proibir e
ao permitir, passando também a prestigiar o promover e o estimular.52
Em verdade, a adequação da teoria geral do Direito às transformações da sociedade
contemporânea e ao crescimento do Estado Social exige a compreensão da ação promocional
do Estado.
Nesse sentido, segundo Mario Losano, uma teoria do Direito que considere o
ordenamento jurídico apenas do ponto de vista de sua função tradicional puramente protetora
e repressiva é incompleta.53
Conforme Bobbio, o uso frequente de técnicas de encorajamento no Estado
contemporâneo fez surgir o ordenamento jurídico com função promocional, devendo ser
abandonada a imagem tradicional do Direito como ordenamento apenas protetor-repressivo.
No ordenamento jurídico protetivo-repressivo interessam, sobretudo, os comportamentos
socialmente não desejados, sendo o seu fim precípuo impedi-los o máximo possível. No
ordenamento promocional importam, principalmente, os comportamentos socialmente
desejáveis, sendo seu fim levar sua concretização até mesmo aos mais recalcitrantes.54
51
SANTAMARIA PASTOR, Juan Alfonso. Princípios de derecho administrativo general. 2. ed. Madrid: Iustel,
2009, v. II, p. 354. 52
LAFER, Celso. Apresentação à edição brasileira. In: BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos
de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata
Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007. p. LII. 53
Para Mário G. Losano, o predomínio da teoria pura do direito teve por efeito que os estudos de teoria geral do
direito foram orientados, por um longo período, mais em direção à análise da estrutura dos ordenamentos
jurídicos do que a análise de sua função: “o positivista Kelsen distanciara-se explicitamente do problema da
função do direito. Os pontos de partida de Hans Kelsen – relativismo ético, irracionalidade dos valores,
neutralidade da ciência – levavam-no a evitar ocupar-se dos fins que o direito pode perseguir: para ele, o direito
é uma técnica para o controle social que persegue o fim que vez por vez a ele é assinalado por quem detém o
poder coercitivo, ou seja, pelo Estado. Conseqüentemente, na progressiva construção de sua teoria pura do
direito, Kelsen concentrara-se cada vez mais na estrutura do ordenamento, ao mesmo tempo em que reduzia ao
mínimo qualquer referência à sua finalidade.” (LOSANO, Mário G. Prefácio. In: BOBBIO, Norberto. Da
estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani; revisão técnica
de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007. p. XLIII). 54
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia
Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 13-15.
30
Enquanto a técnica das sanções negativas é a mais adequada para exercer a função
protetiva-repressiva (protetiva em relação aos atos conformes e repressiva em relação aos atos
desviantes), a função promocional implica o uso de sanções positivas, que dão vida a uma
técnica de estímulo aos atos considerados socialmente úteis, em lugar da repressão de atos
considerados socialmente nocivos.55
No Brasil, especialmente a partir da década de 1990, os instrumentos e técnicas de
fomento multiplicaram-se, assim como os relatos de abusos cometidos na atividade
promocional pública. Os veículos de comunicação noticiam, frequentemente, a malversação
de recursos e bens públicos por entidades do terceiro setor, fundações de apoio, empresas
privadas etc.
Urge tentar estabelecer, pois, parâmetros para a legítima utilização do fomento público,
afastando-se as práticas que possam resultar na perda de credibilidade por parte da sociedade
em relação à capacidade de promoção de mudanças detida pelo instituto.
A atividade promocional pública é um instrumento com grande potencial transformador
da sociedade e do desenvolvimento do País. Deve ser tratada com máxima seriedade e
transparência, a fim de que os objetivos por ela buscados efetivamente se realizem.
Com efeito, sob a ótica da análise funcional da sociedade, enquanto as medidas de
desencorajamento são usadas predominantemente com o objetivo de conservação social, as
medidas de encorajamento são usadas com o objetivo da mudança.56
O fomento público à inovação tecnológica presta-se a essa mudança, propondo novas
formas de analisar a dicotomia público-privado, assim como novos paradigmas para o debate
sobre empreendedorismo privado inovador e intervenção estatal.
O fomento público à inovação tecnológica, sem dúvida alguma, pode e deve ser
instrumento transformador da capacidade e da autonomia tecnológicas do País, tornando-o
mais competitivo e mais desenvolvido em todas as dimensões.
55
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia
Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007. p. 24. 56
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia
Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007. p. 19.
31
3 NOÇÃO57
DO FOMENTO PÚBLICO
Para Jordana de Pozas, a ação de fomento é uma via intermediária entre a inibição e o
intervencionismo do Estado, que pretende conciliar a liberdade com o bem comum, mediante
a influência indireta sobre a vontade do indivíduo, para que queira aquilo que convém à
satisfação da necessidade pública. É a ação da Administração encaminhada a proteger as
atividades, estabelecimentos ou riquezas dos particulares e que satisfazem necessidades
públicas ou se estimam de utilidade geral, sem usar da coação nem criar serviços públicos.58
Fernando Garrido Falla, por sua vez, assinala que o fomento é a atividade administrativa
que se dirige a satisfazer indiretamente certas necessidades consideradas de caráter público,
protegendo ou promovendo, sem empregar coação, as atividades dos particulares ou de outros
entes públicos que diretamente as satisfaçam. Apresenta pequena discrepância comparada à
de Jordana de Pozas: a atividade fomentada não necessita ser privada, podendo ser de outros
entes públicos.59
Também de acordo com Roberto Dromi, o fomento administrativo é uma ação dirigida a
proteger ou promover as atividades ou estabelecimentos dos particulares, que satisfaçam
necessidades públicas e se estimem de utilidade geral. A ideia predominante é que se trata de
uma atividade persuasiva ou de estímulo. A finalidade perseguida é convencer para que se
faça ou não se faça algo. Mediante o fomento, a Administração persegue fins públicos, sem
empregar coação e sem realizar prestações públicas per se.60
A seu ver, assim como para
Garrido Falla, o objeto do fomento são as atividades dos particulares e também as de outros
entes públicos. O fim do fomento é a satisfação indireta de necessidades públicas.61-62
57
A conceituação de um fenômeno pressupõe sua delimitação factual atemporal e permanente, o que não ocorre
quando se trata de estabelecer a sua noção, vez que esta evolui de acordo com as contradições a ela inerentes.
(ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 73).
Eros Roberto Grau, com fulcro nas lições de Sartre, ensina que “a noção jurídica deve ser definida como idéia
que se desenvolve a si mesma por contradições e superações sucessivas e que é, pois, homogênea ao
desenvolvimento das coisas.” Ministra o autor: “[...] O conceito é atemporal. Pode estudar-se como os
conceitos se engendram uns aos outros no interior de categorias determinadas. Mas nem o tempo, nem, por
consequência, a história podem ser objecto de um conceito (A ordem econômica na Constituição de 1988. 16.
ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 130). 58
JORDANA DE POZAS, Luis. Ensayo de una teoria del fomento en el derecho administrativo. Revista de
Estudios Politicos, n. 48, p. 41-54, 1949, p. 46. 59
GARRIDO FALLA, Fernando. Tratado de derecho administrativo. 10. ed. Madrid: Tecnos, 1992, v. II, p.
300-301. 60
DROMI, Roberto. Derecho administrativo, 6. ed. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1997, p. 724. 61
DROMI, Roberto. Derecho administrativo, 6. ed. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1997, p. 724. 62
Quanto à possibilidade das atividades de entes públicos também serem objeto de medidas promocionais,
também para Juan Carlos Cassagne, o fomento, por ser uma atividade estatal que amplia os direitos das
pessoas físicas ou jurídicas, é uma técnica que pode ser estendida às entidades estatais (Derecho
administrativo. 7. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2002, T. II, p. 345).
32
Gaspar Ariño Ortiz destaca as seguintes características do fomento: a) trata-se de uma
atividade administrativa, uma forma de ação da Administração e um meio de intervenção na
economia; b) com um aspecto negativo: não há uso de coação, nem criação de serviços
públicos. O Estado não manda nem assume diretamente a titularidade da atividade; c) com um
aspecto positivo: o Estado oferece favorecimento, com caráter ampliador da esfera do direito
do particular; d) e caráter teleológico: o fomento se caracteriza pela busca de uma finalidade –
convencer os particulares a promover atividades que se revestem de interesse geral. Portanto,
para Gaspar Ariño Ortiz o fomento é uma atividade de estímulo, realizada de modo não
coativo, sobre os cidadãos e grupos sociais, para imprimir um determinado sentido à sua
atuação. Trata-se de orientar, incentivar ou dissuadir a ação econômica privada.63
Para Héctor Jorge Escola, a atividade administrativa de fomento é a atividade da
Administração Pública que pretende a satisfação de necessidades coletivas64
e a obtenção dos
fins do Estado de maneira indireta e mediata, mediante a participação voluntária dos
particulares, que desenvolvem por eles próprios ações tendentes a esse objeto, protegidas e
estimuladas pela Administração por diversos meios, exceto coação. São, portanto, notas que
caracterizam o fomento: a) é uma atividade administrativa, que deve ser levada a cabo pela
Administração Pública, com o propósito de alcançar finalidades que lhes são próprias; b) tais
finalidades são de interesse público e se referem à satisfação de necessidades coletivas e à
obtenção dos fins do Estado; c) o fomento se encaminha a alcançar esses fins de maneira
indireta e mediata; d) para esse objetivo, a atividade administrativa protege ou promove
atividades particulares, utilizando diversos meios, com exceção da coação; e) os particulares
atuam voluntariamente, aparecendo como colaboradores da Administração. Para Escola, ao
contrário do defendido por Garrido Falla e Roberto Dromi, não se inclui na noção a
possibilidade de ação de fomento destinada a órgãos e entidades administrativos. Isso porque
a ação destes seria delimitada pela sua competência normativamente assinalada. Seu exercício
e cumprimento não seriam apenas uma atribuição, mas um dever legal – o fomento, portanto,
63
ARIÑO ORTIZ, Gaspar. Principios de derecho público económico: modelo de Estado, gestión pública,
regulación económica. Granada: Lael, 2004, p. 345. 64
Eros Roberto Grau ministra que “Interesse coletivo não é interesse social. Este está ligado à coesão social,
aferido no plano do Estado, plano da universalidade. Os interesses coletivos são aferidos no plano da
sociedade civil, expressando particularismos, interesses corporativos” (GRAU, Eros Roberto. A ordem
econômica na Constituição de 1988. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 125). Neste trabalho, as alusões
feitas ao termo ‘necessidades coletivas’ não se afastam do sentido de necessidades e interesses sociais, usando-
se as expressões necessidades coletivas, necessidades sociais e necessidades públicas de forma indistinta.
33
nessa hipótese, seria doutrinariamente inadmissível, revestindo-se do caráter de uma
colaboração interadministrativa, para obtenção de finalidades comuns.65
Após propor uma reformulação da noção clássica do fomento, incluindo a substituição
do termo “fomento” por “ajudas públicas”,66
Ignacio M. De La Riva registra que são a
concessão de uma série de bens a determinados sujeitos em razão de certas atividades (de
interesse público) a que estão afetados. Este caráter afetado da atuação, que vincula a entrega
de bens pelo Estado a atividades a cargo do beneficiário, constitui, a seu ver, o aspecto
juridicamente configurador da noção.67
No Direito brasileiro, segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto o fomento público é:
a função administrativa através da qual o Estado ou seus delegados
estimulam ou incentivam, direta, imediata e concretamente, a iniciativa dos
administrados ou de outras entidades, públicas ou privadas, para que estas
desempenhem ou estimulem, por seu turno, as atividades que a lei haja
considerado de interesse público para o desenvolvimento integral e
harmonioso da sociedade.68
Sílvio Luís Ferreira da Rocha, por sua vez, registra que a atividade de fomento é a
atividade administrativa que se destina a satisfazer indiretamente certas necessidades
consideradas de caráter público, protegendo ou promovendo as atividades dos particulares,
sem empregar a coação.69
Nos dizeres de José Vicente Santos de Mendonça, o fomento é o resultado de uma
ponderação entre os impulsos interventivos e planejadores do Estado e a proteção ao espaço
65
COMADIRA, Julio Rodolfo; ESCOLA, Héctor Jorge; COMADIRA, Julio Pablo. Curso de derecho
administrativo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2013, T. I, p. 707. 66
Conforme anteriormente ressaltado, Ignacio M. De La Riva propõe a substituição do termo “fomento” por
“ajudas públicas”. Segundo o posicionamento do autor: “[...] para dotar a la figura de un perfil jurídico
consistente es preciso abandonar la finalidad (de promoción o protección) y la técnica (persuasiva) como
elementos definitorios y pasar a prestar atención a la constitución estructural del concepto. Esta intuición de
poner el acento en la estructura interna de la figura como camino metodológico para alcanzar su consolidación
definitiva ha sido enunciada por un sector de la doctrina española, encabezado por Martinez López-Muñiz y
por Fernández Farreres, cada uno com matices próprios. El primero de dichos autores es quien postula,
además, el abandono de la voz fomento – dada su irremediable connotación teleológica – y su sustitución por
la de ayudas públicas, expresión esta última que, por cierto, ya resultaba de uso frecuente en las normas y en la
doctrina europeas. El elemento distintivo de las ayudas públicas – y también del clásico fomento – es la
coincidencia de los intereses público y privado que se observa. De allí que sea posible que el particular actúe
voluntariamente en la dirección esperada, ya que persiguiendo su proprio provecho contribuirá al interes
general. [...] Pero esa coincidencia en la intención no pasa de ser un elemento fáctico, que precisa de una
estructura jurídica que garantice su realización. En tal sentido, el núcleo jurídico de la relación entablada entre
la Administración que concede la ayuda y el beneficiario que la recibe está dado por la afectacción de los biens
otorgados a la actividad en la vistas de la cual se confieren” (La figura del fomento: necesidad de encarar una
revisión conceptual. In: Servicio público, polícia y fomento. Buenos Aires: Rap, s.d., p. 413-422, p. 417). 67
DE LA RIVA, Ignacio M. La figura del fomento: necesidad de encarar uma revisión conceptual. In: Servicio
público, polícia y fomento: jornadas organizadas por la Universidad Austral Facultad de Derecho. Buenos
Aires: Rap, 2003, p. 413-422, p. 417. 68
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e
parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 524. 69
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 23.
34
privado de atuação empreendedora. É uma técnica de atuação em que o Poder Público indica,
sugere ou recomenda, oferecendo, para isso, algum estímulo palpável, sem o caráter de
obrigação.70
Para Marçal Justen Filho:
Fomento é uma atividade administrativa de intervenção no domínio
econômico para incentivar condutas dos sujeitos privados mediante a
outorga de benefícios diferenciados, inclusive mediante a aplicação de
recursos financeiros, visando a promover o desenvolvimento econômico e
social.71
Enfatiza Justen Filho, em primeiro lugar, que sendo uma atividade pública, o fomento
envolve a existência permanente de bens e pessoas, vale dizer, de uma atividade contínua e
coordenada. Em segundo lugar, a ação de fomento destina-se a orientar o uso de recursos
econômicos, alterando a conduta da iniciativa privada. Preserva-se a autonomia do setor
privado, que é, todavia, estimulado a escolher um comportamento reputado como desejável
pelo Estado. O incentivo é produzido pela previsão normativa de benefícios vinculados à
adoção de condutas ativas ou omissas pelo particular. Finalmente, a finalidade imediata
buscada pelo fomento é o desenvolvimento econômico e social.72
Nesses termos, o fomento constitui um instrumento indireto de defesa e promoção dos
direitos fundamentais, que visa à eliminação da pobreza e das desigualdades regionais e
sociais, ao aumento da oferta de emprego e outras melhorias relacionadas ao desenvolvimento
social-econômico.73
Para Célia Cunha Mello, a acepção atual do fomento caracteriza-se por se tratar de
função administrativa74
“voltada à proteção e /ou promoção de seu objeto, atuando com
ausência de compulsoriedade, para satisfazer indiretamente necessidades públicas”.75
70
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento
público democrático, eficiente e não-paternalista. Revista de Direito Processual Geral, Rio de Janeiro, n. 65,
p. 115-176, 2010, p.119. 71
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 715. 72
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 715. 73
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 715-716. 74
Conforme lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “O Direito Administrativo é o ramo do Direito Público
que disciplina o exercício da função administrativa, bem como pessoas e órgãos que a desempenham. Cumpre,
portanto, ainda que sucintamente, buscar identificá-la, cotejando-a com as demais funções estatais. Comece-se
por dizer que função pública, no Estado Democrático de Direito, é a atividade exercida no cumprimento do
dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos
pela ordem jurídica” (Curso de direito administrativo, 29. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 29). E
ainda: “Função administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de
uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser
35
Deste modo, a exata compreensão da atividade fomentadora exige que fiquem
evidenciados os seguintes caracteres: a) trata-se de exercício de função administrativa; b) a
função está voltada à proteção e/ou promoção de seu objeto; c) há ausência de
compulsoriedade; d) a função visa à satisfação indireta das necessidades públicas. A proteção
e a promoção do objeto fomentado correspondem à função de induzir os agentes fomentados a
adotar certos comportamentos, prescindindo, todavia, de coação. Cuida-se de um modo
indireto de realizar o interesse público, porque a administração fomentadora não realiza
diretamente a finalidade pretendida – quem o faz é o agente fomentado, depois de aderir,
livremente, aos propósitos desta, seduzido pelas vantagens prometidas.76
Importa notar que, a exemplo de Garrido Falla, Roberto Dromi, Juan Carlos Cassagne e
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, também para Célia Cunha Mello, uma entidade pública
pode, além de perseguir seus próprios interesses, estar em condições de conceder vantagens
capazes de convencer ou de estimular uma outra entidade pública a adotar um determinado
comportamento que satisfaça as suas necessidades.77
A nosso ver, o fomento é a função administrativa de promoção, incentivo e estímulo a
atividades de interesse público, realizadas por particulares que, voluntariamente, aderem aos
propósitos do Estado, ficando sujeitos a medidas coativas tão somente após sobredita adesão.
André Luiz Freire reconhece o fomento de atividades desempenhadas por pessoas
jurídicas de direito privado da Administração Indireta. Exemplo disto seria a criação de uma
empresa estatal destinada a explorar atividade econômica e a concessão de isenção tributária
às pessoas que atuam no setor.78
No Brasil, de fato, não há dúvidas de que empresas estatais também podem se beneficiar
de medidas de fomento público.
Nesse sentido, segundo os resultados da primeira edição da Pesquisa de Inovação nas
Empresas Estatais Federais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no
período de 2006 a 2008, 24,5% das empresas estatais federais receberam algum tipo de
incentivo governamental para inovar.79
desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos
todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário. (p. 36). 75
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 33. 76
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 30-31. 77
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 21. 78
FREIRE, André Luiz. Responsabilidade patrimonial na atividade administrativa de fomento. In: SPARAPANI,
Priscilia; ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social:
homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 160-186, p.165. 79
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação nas empresas
estatais federais 2008. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Segundo a Pesquisa em tela, o Manual de Oslo, referência
conceitual e metodológica da pesquisa, desaconselha que sejam realizadas pesquisas sobre inovação no setor
36
A legislação de inovação brasileira, apesar de ter o claro propósito de estimular uma
maior contribuição do setor produtivo privado ao desenvolvimento científico, tecnológico e
industrial do País, não impede que integrantes da Administração Pública Direta e Indireta
sejam beneficiados por suas medidas de incentivo à inovação.
Vale dizer, do ponto de vista prático, é inegável que entidades públicas incentivam
outras entidades públicas, o que frequentemente ocorre por meio de convênios de repasses
financeiros. Nesses ajustes há traços típicos do regime jurídico do fomento, como a união de
esforços, a cooperação em prol de um objeto comum e a fiscalização do uso dos recursos. Por
outro lado, é certo que a aceitação desses auxílios como fomento enseja uma inadequada
expansão da noção, pois deixa de haver um acordo entre uma vontade pública e uma vontade
privada para a realização de uma atividade privada.80
Parece-nos ser a posição mais razoável a apresentada por Cortés. A seu entender, nas
hipóteses referentes ao relacionamento entre entidades públicas, o fomento propriamente dito
seria possível desde que o fomentado pudesse ser reconhecido como um terceiro. Não haveria
fomento público no qual, entre fomentador e fomentado, ambos integrantes da Administração
Pública, existissem vínculos hierárquicos ou de dependência. Todavia, se o fomentado,
entidade pública, pudesse ser tido como um terceiro em relação ao fomentador – como uma
entidade pública de outro nível federativo ou, ainda que no mesmo nível, distanciada da
fomentadora, aí haveria fomento e não mera transferência orçamentária.81
Outra relevante questão é a possibilidade de participação de pessoas jurídicas de direito
privado, não integrantes da Administração Pública, na gestão do fomento público.
Segundo José Vicente Santos de Mendonça, nada impede que uma entidade privada
exerça atividade material de dispensamento de ajudas públicas. Sustenta que, nessa hipótese,
os critérios concessivos do fomento devem utilizar dados vinculados.82
público e em atividades de serviços preponderantemente governamentais: “A inovação pode ocorrer em
qualquer setor da economia, incluindo serviços governamentais como saúde e educação. As diretrizes do
Manual, entretanto, são essencialmente voltadas para as inovações das empresas comerciais. Isso abarca a
indústria de transformação, indústrias primárias e o setor de serviços. A inovação é também importante para o
setor público. Porém, pouco se sabe sobre o processo de inovação em setores não orientados pelo mercado.”
(nota de rodapé 4, documento não paginado). 80
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do Estado na
economia à luz da razão prática e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 361. 81
CORTÉS. Aproximación al concepto de subvención y su adecuación em la Ley 3/1987, de 2 de Julio, de
financiación de partidos políticos. Cuadernos constitucionales de la Cátedra Furió Ceriol, p. 223-224, apud
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do Estado na
economia à luz da razão prática e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 360-361. 82
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do Estado na
economia à luz da razão prática e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 362. Interessante notar,
contudo, que segundo sustentado pelo próprio autor, na construção do fomento republicano, o mais importante
37
Para Marcos Juruena Villela Souto, tal como as demais funções da Administração que
não exigem o uso de poder de império estatal, o fomento comporta condução por estruturas
privadas:
A reforma constitucional trouxe novos institutos jurídicos incorporados à
praxe da Administração, tais como a previsão do contrato de gestão e o
advento das agências reguladoras e das agências executivas, das
organizações sociais e das organizações da sociedade civil de interesse
público, que merecem ser examinadas como opções para estruturação de
fundos de fomento, sendo certo que a economia concertada deve buscar,
sempre que possível, o envolvimento dos destinatários do fomento.83
De fato, uma vez que a formulação e a concessão do fomento público não compreendem
o uso imediato de coação, a nosso ver, não existe óbice ao seu exercício por intermédio de
pessoas privadas. Além disso, na área da C,T&I, a própria Constituição permite a atuação
direta do Estado; a atuação da iniciativa privada e a atuação dos particulares em colaboração
com o Poder Público.84
André Ramos Tavares, nessa toada, em resposta à consulta jurídica realizada pelo
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) sobre a constitucionalidade da Lei Federal
nº 9.637/1998 e da Lei Federal nº 9.648/1998, que operou a inserção na Lei Federal nº
8.666/1993 de mais uma hipótese de dispensa de licitação - consulta esta motivada pelo
ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.973/DF85
- registra que não há no
artigo 218 da Constituição qualquer menção a uma forma pré-determinada de como o Estado
promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação
tecnológicas, não afastando desta seara o setor privado.86
Nessa senda, Gustavo Justino de Oliveira salienta que atualmente as ações públicas
devem estar voltadas a produzir maiores e melhores resultados, calcadas no critério da
é o estabelecimento e a difusão de critérios dogmáticos consistentes e operacionais, podendo ficar, a partir daí,
a discussão se o fomento é vinculado ou discricionário em segundo plano. (p. 396). 83
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo da economia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.
762. 84
Nesse sentido, vale notar que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) mantém contrato de
gestão com diversas Organizações Sociais. 85
A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.973/DF foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal, em 1998, pelo
Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) impugnando dispositivos da Lei
nº 9.637/1998 e a possibilidade de dispensa de licitação incluída no artigo 24, inciso XXIV, da Lei nº
8.666/1993 pela Lei nº 9.648/1998 (possibilidade de contratação direta para a celebração de contratos de
prestação de serviços com as Organizações Sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo,
para atividades contempladas no contrato de gestão). O pedido de concessão de medida cautelar foi indeferido,
por maioria, em Sessão Plenária realizada em 2007, tendo sido destacada a inexistência de periculum in mora,
conforme a ementa da decisão, “seja mercê do transcurso do tempo – os atos normativos impugnados foram
publicados em 1998 – seja porque no exame do mérito poder-se-á modular efeitos do que vier a ser decidido,
inclusive com a definição de sentença aditiva.” Aguarda-se o julgamento de mérito da Ação. 86
TAVARES, André Ramos. Parecer jurídico, 2007, p. 20. Disponível em:
<http://www.cgee.org.br/noticias/parecerandre.pdf. Acesso em: 06 jan. 2014.
38
eficiência. Dependendo da área em que devam ser desenvolvidas e das necessidades a serem
satisfeitas, pode ser melhor opção uma aproximação mais intensa entre as esferas pública e
privada, “desde que ocorram a partir de bases jurídico-normativas transparentes, com o
respeito e a observância dos princípios e das regras de direito público, aplicáveis a tais
hipóteses.”87
87
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Direito administrativo democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 196.
39
4 DISTINÇÕES ENTRE FOMENTO PÚBLICO, SERVIÇO PÚBLICO E PODER DE
POLÍCIA
Conforme visto, a partir da sistematização de Luis Jordana de Pozas tornou-se possível
distinguir o fomento do poder de polícia e do serviço público.
O presente trabalho, pretendendo evidenciar tal distinção, adota tal sistematização como
ponto de partida, deixando, contudo, de tecer considerações específicas acerca desses outros
dois institutos, já bastante estudados no âmbito do Direito Público.
Para Jordana de Pozas, o fomento distingue-se da polícia porque, enquanto esta previne
e reprime, o fomento protege e promove, sem fazer uso de coação. E distingue-se do serviço
público porque, mediante este, a Administração realiza diretamente e com seus próprios
meios o fim perseguido, enquanto o fomento se limita a estimular os particulares a, por sua
própria vontade e desenvolvendo uma atividade determinada, cumprir indiretamente o fim
eleito pela Administração.88
Em consonância com Juan Carlos Cassagne, tanto o fomento, como a polícia e o serviço
público caracterizam a intervenção subsidiária do Estado. Contudo, a polícia limita direitos
individuais com o fim de fazê-los compatíveis com o bem comum e o interesse geral,
enquanto o fomento amplia direitos. O serviço público envolve o dever de continuidade da
prestação, caracterizando-se o fomento, ao contrário disso, como uma ajuda, um estímulo,
para que os particulares realizem suas próprias finalidades comerciais ou industriais.89
Segundo Daniel Edgardo Maljar a noção ampla de polícia abarca tanto a técnica de
fomento como a técnica de coação, razão pela qual não caberia realizar uma diferenciação
entre estes dois institutos. Entende, por outro lado, ser procedente a distinção entre fomento e
serviço público. Para Maljar, a diferenciação proposta por Jordana de Pozas não é suficiente,
vez que considera que a prestação do serviço público é sempre realizada pelo Estado de forma
direta. Ressalta que a atividade de fomento é em todo caso indireta, mas que o serviço público
pode ser prestado diretamente ou indiretamente pelo Estado (neste caso, por meio de
particulares, mediante contratos de concessão de serviço público). Registra, ademais, que
Diez, na sua opinião, foi quem realizou a distinção com maior clareza e precisão. Para este
autor, o serviço público importa uma prestação obrigatória a cargo do Estado, que se realiza
88
JORDANA DE POZAS, Luis. Ensayo de una teoria del fomento en el derecho administrativo. Revista de
Estudios Politicos, Madrid, n. 48, p. 41-54, 1949, p. 46. 89
CASSAGNE, Juan Carlos. Derecho administrativo. 7. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2002, T. II, p. 345.
40
direta ou indiretamente, trazendo uma obrigação de fazer. De outro turno, o fomento não tem
caráter obrigatório para o Estado, trazendo a sua realização uma obrigação de dar.90
A dificuldade, conforme ensina Célia Cunha Mello, está em saber em que sentido pode
ser empregada a expressão “atuação direta e indireta do Estado” decorrente da noção de
Jordana de Pozas e tão citada por outros autores. Entende que distinção entre serviço público
e atividade de fomento deve ser feita segundo o critério da titularidade da atividade. Quando o
Estado é competente para prestar um serviço, trata-se de uma atuação direta e, portanto, de
serviço público, ao passo que, quando compete ao Estado apenas promover e/ou incentivar
determinada atividade, trata-se de uma atuação estatal indireta e, portanto, de fomento
público. No primeiro caso, a lei confere ao ente público competência para prestá-lo,
diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, na forma do artigo 175, da
Constituição. Na segunda hipótese, a competência atribuída legalmente ao ente estatal se
restringe a conferir a ele poderes para adotar, discricionariamente, medidas promocionais para
convencer alguém a fazer ou deixar de fazer algo.91
No que tange à diferenciação entre ação promocional e serviço público, outras
distinções podem, ainda, ser ressaltadas. O serviço público é regido pelo princípio da
continuidade, dada a sua presumida essencialidade. Já a ação fomentadora deve revestir-se de
transitoriedade, não sendo aconselhável que haja protecionismo indefinido.92
A propósito da questão, consigna José Vicente Santos de Mendonça que o fomento
público não é auxílio indefinido. As atividades fomentadas devem sê-lo na exata medida e
apenas durante o período em que precisem do aporte público, como meio de manter a sua
viabilidade econômica. O objetivo da autosustentabilidade, ainda que não possa ser nunca
atingido, deve existir sempre e ser periodicamente averiguado.93
Segundo Mendonça:
Atividade privada que só existe graças ao fomento público não é, em
princípio, atividade privada em sentido próprio, seara do livre
empreendedorismo (ainda que publicamente regulado) e da busca pelo lucro.
Estado não existe para garantir nem lucratividade nem sustentabilidade
empresarial.
90
MALJAR, Daniel Edgardo. Intervencion del Estado en la prestacion de servicios publicos. Buenos Aires:
Hammurabi, 1998, p. 283. 91
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 55-56. 92
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 57. 93
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento
público democrático, eficiente e não paternalista. Revista de Direito Processual Geral. Rio de Janeiro, n. 65, p.
115-176, 2010, p. 117.
41
[...] a transitoriedade se refere à situação-padrão do fomento público, vale
dizer, a uma atividade empresarial simples (ainda que, naturalmente, de
interesse público) cujo exercício é auxiliado pelo Poder Público.94
Todavia, esclarece que há exceções a essa regra:
Dada a abrangência do conteúdo abrigado dentro do termo fomento público,
é importante destacar que a transitoriedade não se aplica a situações que
evidentemente não são passíveis de mudanças a curto ou médio prazo, ou
mesmo, a circunstâncias estruturais que jamais mudarão. A transitoriedade
não se aplica, por exemplo, quando a Constituição da República assegura
tratamento privilegiado às micro e pequenas empresas (art. 179) – enquanto
ostentarem tal condição, as empresas sempre farão jus a essas medidas de
auxílio -, ou na hipótese de um Fundo de Desenvolvimento Regional (o
critério, aqui, é geográfico, e não temporal).95
Para Héctor Jorge Escola96
e Sílvio Luís Ferreira da Rocha,97
a atividade de fomento é
meramente facultativa, de acordo com critérios de oportunidade e conveniência, ao contrário
do serviço público. Entendem que os serviços públicos podem ser exigidos, e o fomento só
pode ser pretendido ou solicitado.
A este propósito, Carolina Zancaner Zockun frisa que não há um dever constitucional
atribuído ao Estado de fomentar atividades privadas, tratando-se, pois, de política legislativa,
que permite ao Estado optar pelas atividades de relevância social que receberão, ou não,
incentivo estatal.98
Esta também é a opinião de André Luiz Freire, uma vez que o Estado, a seu ver, escolhe
que setores das atividades privadas fomentará, por meio de escolhas políticas do Legislativo,
editadas mediante planos incitativos. Vale dizer, o autor entende que há no fomento
discricionariedade legislativa, podendo haver, ou não, discricionariedade administrativa.99
A seu turno, Célia Cunha Mello esclarece que o Poder Público tem o dever de proteger
ou promover as atividades que as legislações constitucional e infraconstitucional
94
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do Estado na
economia à luz da razão prática e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 378. 95
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do Estado na
economia à luz da razão prática e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 379. 96
COMADIRA, Julio Rodolfo; ESCOLA, Héctor Jorge; COMADIRA, Julio Pablo. Curso de derecho
administrativo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2013, T. I, p. 715. 97
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 23 98
ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da intervenção do Estado no domínio social. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
189. 99
FREIRE, André Luiz. Responsabilidade patrimonial na atividade administrativa de fomento. In: SPARAPANI,
Priscilia; ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social:
homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 160-186, p. 166.
42
determinaram que fossem fomentadas, não podendo, discricionariamente, escolher se deve, ou
não, proteger ou promover a atividade eleita pela lei.100
O fato é que há disposições constitucionais expressas acerca do dever do Estado de
promover e incentivar determinadas atividades. Isto, a nosso sentir, vincula o legislador à
concretização da previsão constitucional, condicionando também a atuação do administrador
público.
Oscar Vilhena Vieira e Dimitri Dimoulis, nessa toada, aduzem que as opções
desenvolvimentistas incluídas no texto de Constituições rígidas,101
caso do Diploma brasileiro
de 1988, possuem supremacia e aplicabilidade imediata enquanto mandamentos endereçados
aos legisladores.102
Segundo Alexandre Santos de Aragão, a nota essencial da distinção do fomento para o
serviço público é o fato de que no fomento a atividade permanece sendo privada, meramente
apoiada pelo Estado. Se o fomento estatal é de tal monta que a Administração se substitue ao
particular, então há prestação de atividade pela própria Administração.103
Quanto, especificamente, às distinções entre fomento público e poder de polícia, destaca
Célia Cunha Mello que o poder de polícia caracteriza-se pela coerção restritiva da liberdade e
da propriedade individuais, enquanto o fomento, ao contrário, deixa os indivíduos livres para
aderir, ou não, aos propósitos do Estado. Vale dizer – o poder de polícia utiliza a
imperatividade estatal para assegurar o exercício de direitos individuais, condicionando-os ao
bem-estar social. O fomento público, apesar de buscar esta mesma finalidade,104
não se coloca
100
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 29. 101
Quanto à mutabilidade das constituições, ensina Paulo Gustavo Gonet Branco, “Distinção relevante é a que se
faz entre constituições rígidas e flexíveis (agregando-se ao binômio as constituições semirrígidas, para
designar constituições, como a do Brasil-Império, em que parte da Carta era rígida, e parte, flexível). A rigidez
ou flexibilidade da Constituição é apurada segundo o critério do grau de formalidade do procedimento
requerido para a mudança da Lei Maior. A estabilidade das normas constitucionais, em uma Constituição
rígida, é garantida pela exigência de procedimento especial, solene, dificultoso, exigente de maiorias
parlamentares elevadas, para que se vejam alteradas pelo poder constituinte de reforma. Em oposição, as
constituições flexíveis permitem a sua reconfiguração por meio de um procedimento indiferenciado do
processo legislativo comum. Não se cobra, na Constituição flexível, uma supermaioria para que o Texto seja
modificado. A rigidez é atributo que se liga muito proximamente ao princípio da supremacia da Constituição.
[...] Se a Constituição pode sofrer transformações pela mesma maneira como se elaboram as demais leis, não
se assegura a supremacia da Carta sobre o legislador ordinário. A rigidez distingue o poder constituinte dos
poderes constituídos e positiva uma hierarquia entre as normas jurídicas, em que a Constituição aparece como
o conjunto de normas matrizes do ordenamento jurídico, em posição de prevalência sobre todos os atos
normativos que hão de nela encontrar fundamento último.” (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 70). 102
VIEIRA, Oscar Vilhena; DIMOULIS, Dimitri. Constituição e desenvolvimento. In: LIMA, Maria Lúcia L.
M. Padua (Coord.). Agenda contemporânea: Direito e economia. 30 anos de Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012,
t. 1, p. 382-400, p. 396. 103
ARAGÃO. Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 168.
104 A respeito da correlação entre fins perseguidos pela Administração e técnicas operativas empregadas, ensina
Garrido Falla que o progressivo aparecimento das técnicas de fomento e de serviço público, correspondente ao
43
em nível de superioridade,105
ao menos formalmente, em relação ao particular. Além disso, as
medidas de polícia são, diante de expresso permissivo legal, ou em casos de urgência, dotadas
de autoexecutoriedade, o que não ocorre com as atividades de fomento.106
Com fulcro na lição de Ricardo Marcondes Martins, duas notas caracterizam o fomento
– a voluntariedade, que o diferencia da ordenação e do poder de polícia e o objetivo de
satisfação indireta das necessidades públicas, que o diferencia do serviço público. Os
particulares são livres para aderir, ou não, aos propósitos estatais; a Administração não realiza
diretamente o interesse público, ela convence o administrado a fazê-lo.107
Segundo André Luiz Freire, o fomento distingue-se das demais atividades
administrativas em razão do seu modus operandi, ou técnicas operativas da Administração.
No fomento, o Estado adota a técnica do encorajamento de condutas, a fim de satisfazer
necessidades de interesse público.108
Também para José Roberto Pimenta Oliveira:
[...] diferentemente das relações jurídicas nascidas sob a égide do Direito
Administrativo Ordenador e do Direito Administrativo Sancionador, as
relações jurídico-administrativas surgidas sob a égide da técnica
promocional são estruturadas a partir da adesão dos administrados à
constituição dos referidos vínculos, teleologicamente orientados à satisfação
indireta de interesses públicos específicos. Esta dimensão dota o fomento de
singularidade, em face da atividade ordenadora e prestacional. Assim, a
distinção não está no elemento finalístico comum a toda função
administrativa, mas no modus operandi, ou seja, na técnica jurídica operativa
de estruturação ou criação do vínculo jurídico-administrativo entre particular
surgimento de novos fins assumidos pelo Estado, não autoriza pensar no monopólio de determinados fins
administrativos a favor de uma ou outra técnica de atuação. Tanto é possível, nas palavras do autor, alcançar
uma finalidade de ordem pública (para muitos, privativa de poder de polícia) empregando técnicas de fomento,
como é possível perseguir uma finalidade do tipo protecionista (típica do fomento) empregando medidas
coativas. A falta de correlação entre o fim perseguido e a técnica empregada determina a prevalência do
critério da técnica, ou seja, se a atuação administrativa reveste-se ou não do caráter de coação (Tratado de
derecho administrativo. 10. ed. Madrid: Tecnos. 1992. v.II, p. 300). 105
Quanto à inexistência de uma supremacia geral da Administração Pública numa relação de fomento, entende
José Vicente Santos de Mendonça que “é algo que depende muito mais das condições econômicas do
fomentado do que de uma natureza essencial do fomento”. O autor exemplifica seu argumento, citando o caso
de entidades fomentadoras de eventos culturais que se encontram em relação de superioridade prática em
relação aos empreendedores artísticos (não a ponto de modificar as condições do fomento durante o seu curso,
mas a ponto de impor sua interpretação de eventual cláusula duvidosa de edital). (Uma teoria do fomento
público: critérios em prol de um fomento público democrático, eficiente e não paternalista. Revista de Direito
Processual Geral. Rio de Janeiro, n. 65, p. 115-176, 2010, p. 124). 106
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 43. 107
MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da Constituição federal. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 128. 108
FREIRE, André Luiz. Responsabilidade patrimonial na atividade administrativa de fomento. In:
SPARAPANI, Priscilia; ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no
domínio social: homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.
160-186, p.163.
44
fomentado e Administração fomentadora, em vista do interesse público
colimado pela lei.109
A ausência de compulsoriedade é um dos elementos que caracterizam a ação
fomentadora pública. A partir do consentimento do agente fomentado, que adere aos
propósitos do Estado, adotando o comportamento por ele almejado, forma-se a relação entre a
vontade pública e a vontade particular.110
A função de fomento revela a transformação do papel do Direito na sociedade, que
sempre mais passivo que ativo, no sentido de proteger interesses mediante sanções negativas,
passou a ser também o de promoção, estimulando os atos inovadores, mediante sanções
positivas.111
Tamanha a relevância da adesão do particular, no fomento, que, na opinião de Diogo de
Figueiredo Moreira Neto, sem ela, inexiste a formação da relação jurídico-administrativa
promocional. Sendo a formação do vínculo entre o particular e o Estado meramente
facultativa, somente após essa adesão é que Estado pode coagir ao cumprimento daquilo que
foi avençado e punir, em caso de não cumprimento.112
De certo, enquanto o particular não adere ao convite formulado pelo Poder Público está
a salvo de medidas coativas. Depois de aceito o convite, porém, a Administração deve
fiscalizar o desempenho do fomentado, impondo-lhe, se e quando preciso, penalidades, tais
como a devolução de recursos e multas administrativas.113
109
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito
administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 516. 110
Para Eros Roberto Grau, o particular tem a alternativa de não se deixar seduzir pelo convite do Estado.
Todavia, a sedução à adesão ao comportamento sugerido é muito vigorosa, pois os que não aderem passam a
ocupar posição desprivilegiada nos mercados (A ordem econômica na Constituição de 1988. 16. ed. São Paulo:
Malheiros, 2014, p. 146). 111
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. São Paulo: Manole, 2007, p.
24. 112
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e
parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 524. 113
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento
público democrático, eficiente e não paternalista. Revista de Direito Processual Geral. Rio de Janeiro, n. 65, p.
115-176, 2010, p. 123.
45
5 CLASSIFICAÇÃO DOS MEIOS DE FOMENTO
Apesar de julgar ser impossível estabelecer um catálogo de formas pelas quais pode se
revestir a função promocional, dadas as suas características de flexibilidade e de adaptação às
circunstâncias, Luis Jordana de Pozas classificou114
seus principais meios, destacando seus
pontos comuns. Outrossim, ressaltou que a eleição desses meios não é uma questão de técnica
jurídica, mas de experiência, ligada à psicologia coletiva, que varia com o tempo, com as
circunstâncias, com as pessoas etc., tratando-se, a rigor, de uma escolha política.115
A partir da clássica sistematização de Jordana de Pozas, adotada, diga-se, por quase toda
a doutrina, os meios de fomento podem ser classificados: a) segundo a forma de atuação sobre
a vontade dos sujeitos fomentados; b) segundo o tipo de vantagens que outorgam.116
5.1 Meios de fomento segundo a forma de atuação sobre a vontade dos sujeitos
fomentados: classificação tradicional e sua crítica
Para Jordana de Pozas, são positivos os meios que outorgam prestações, bens ou
vantagens e, negativos, os que significam obstáculos ou ônus para dificultar, por meios
indiretos, as atividades ou estabelecimentos contrários aos que o Estado quer fomentar. Todos
os meios positivos de fomento significam privilégios, vez que supõem uma exceção vantajosa
a uma norma geral a favor de pessoas ou classes determinadas.117
114
Agustin Gordillo, a propósito do assunto classificação, explica: “ ‘As características comuns que adotamos
como critério para uso de uma palavra de classe são uma questão de conveniência. Nossas classificações
dependem de nossos interesses e nossa necessidade de reconhecer tanto as semelhanças como as diferenças
entre as coisas. Muitas classificações distintas podem ser igualmente válidas’. ‘Há tantas classes possíveis no
mundo como características comuns ou combinações destas que podem ser tomadas como base de uma
classificação.’ ‘O procedimento que adotamos em cada caso particular depende em grande medida do que é o
que consideramos mais importante, as semelhanças ou as diferenças.” Não há uma maneira correta ou
incorreta de classificar as coisas, do mesmo modo que não há u’a maneira correta ou incorreta de aplicar
nomes às coisas. [...] ‘as classificações não são verdadeiras nem falsas, são úteis ou inúteis: suas vantagens e
desvantagens estão submetidas ao interesse que guia quem as formula e a sua fecundidade para apresentar um
campo de conhecimento de u’a maneira mais facilmente compreensível ou mais rica em consequências
práticas desejáveis’. ‘Sempre há múltiplas maneiras de agrupar ou classificar um campo de relações ou de
fenômenos; o critério para se decidir por uma delas não está circunscrito senão por considerações de
conveniência científica, didática ou prática. [...]’”. (Princípios gerais de direito público. Tradução de Marco
Aurélio Greco; revisão de Reilda Meira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 10) (os grifos são
originais). 115
JORDANA DE POZAS, Luis. Ensayo de una teoria del fomento en el derecho administrativo. Revista de
Estudios Politicos, Madrid, n. 48, p. 41-54, 1949, p. 50-51. 116
GARRIDO FALLA, Fernando. Tratado de derecho administrativo. 10. ed. Madrid: Tecnos, 1992, v. II, p.
304. 117
JORDANA DE POZAS, Luis. Ensayo de una teoria del fomento en el derecho administrativo. Revista de
Estudios Politicos, Madrid, n. 48, p. 41-54, 1949, p. 51.
46
Fernando Garrido Falla menciona que um exemplo de meio negativo seria o imposto
sobre bebidas alcoólicas, para combater o alcoolismo. Adverte, todavia, adotando, neste
particular, o posicionamento de Entrena Cuesta, que, também a seu ver, não é possível admitir
esta classificação. Isso porque o que importa para determinar a qualificação jurídica de uma
medida não é tanto a finalidade pretendida e sim seu caráter formal (coativo ou persuasivo).
Os meios negativos não são, em sentido estrito, medidas de fomento – a justificativa da
medida não se confunde com a sua natureza jurídica.118
Em razão disso, para Célia Cunha Mello, o critério proposto por Jordana somente pode
ser considerado válido se entender como medida de fomento os meios negativos que usem
técnicas persuasivas.119
Também para José Vicente Santos de Mendonça, desde que sejam admitidos os meios
de fomento negativo persuasivos e não os propriamente coativos, a classificação é defensável,
embora pouco útil: “positivo ou negativo, o fomento vai ser tratado da mesma forma”.120
5.2 Meios de fomento segundo o tipo de vantagens outorgadas: classificação tradicional e
sua crítica
A partir da classificação de Jordana de Pozas, os meios de fomento, em relação ao tipo
de vantagens que outorgam, podem ser divididos em honoríficos, econômicos e jurídicos.121
Segundo o autor, são honoríficos os meios que compreendem distinções e recompensas
concedidas como reconhecimento público de um ato ou conduta exemplar, tais como
condecorações, tratamentos, títulos, uso de emblemas ou símbolos, troféus, diplomas etc.
Ainda que envolvam, às vezes, vantagens de caráter jurídico ou econômico, estas são
acessórias, sendo mais relevante o enaltecimento social do beneficiado. Por sua vez, são
meios econômicos todos aqueles que, de modo direto, autorizam o recebimento de valores ou
118
GARRIDO FALLA, Fernando. Tratado de derecho administrativo. 10. ed. Madrid: Tecnos, 1992, v. II, p.
304. 119
A esse respeito, a autora exemplifica: “[...] a hipótese prevista no inciso II, do artigo 182 da Constituição da
República, não constitui hipótese de meio negativo de fomento, visto que se identifica nessa norma
constitucional o caráter coativo e não meramente persuasivo. Ela poderia ser considerada medida de fomento
se o texto constitucional recorresse apenas aos meios negativos que utilizam técnicas persuasivas, o que
ocorreria, por exemplo, caso a Carta Magna facultasse ao Poder Público municipal conceder ao proprietário do
solo urbano edificado uma redução, ainda que progressiva, do imposto predial urbano, vantagem que não seria
aproveitada pelo proprietário do imóvel não edificado, promovendo, assim, o adequado aproveitamento do
solo urbano” (MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.
90). 120
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento
público democrático, eficiente e não-paternalista. Revista de Direito Processual Geral, Rio de Janeiro, n. 65,
p. 115-176, 2010, p. 146. 121
JORDANA DE POZAS, Luis. Ensayo de una teoria del fomento en el derecho administrativo. Revista de
Estudios Politicos, Madrid, n. 48, p. 41-54, 1949, p. 52.
47
dispensam um pagamento que seria obrigatório, tal como ocorre nas subvenções,122
prêmios
em dinheiro, antecipações e empréstimos, isenções e demais privilégios de caráter fiscal.
Finalmente, são meios de fomento jurídico os que outorgam condições privilegiadas, que, de
modo indireto, representam vantagens econômicas ou de seguridade.123
A propósito da classificação proposta por Jordana de Pozas, Fernando Garrido Falla
consigna, quanto aos meios honoríficos, que não há impedimento ao uso de medidas que
signifiquem um estímulo ao sentimento de honra dos administrados, não podendo ser
adotadas, evidentemente, medidas que sejam incompatíveis com o regime político
estabelecido.124
Antes da Revolução Francesa de 1789, o uso de distinções honoríficas era frequente,
situação que foi alterada substancialmente após esta, quando chegaram a ser suprimidas. É
fato, porém, que tais distinções subsistiram, aceitando-se que, sem o sentido de privilégio
supralegal e de conotação social, são compatíveis com os regimes mais liberais e
democráticos.125
No entanto, seria duvidoso considerar como fomento público a outorga de honras,
títulos ou troféus a pessoas que já prestaram um serviço ou atividade, ainda que o Estado
reconheça, posteriormente, ter havido por meio destes o atendimento do interesse público. A
crítica é que se não houve persuasão, não houve atuação estatal indireta e, portanto, não houve
fomento.126
Na mesma senda, para José Vicente Santos de Mendonça, a construção em comento é
artificial, e somente num sentido muitíssimo lato é que o potencial de honrarias poderia
conduzir ao conceito de fomento público.127
José Roberto Pimenta Oliveira considera que os meios honoríficos são admissíveis
apenas quando o seu uso for compatível com a forma de governo republicana e a sua
122
Anota Ricardo Rivero Ortega, “hay que reconecer que la técnica administrativa del fomento por excelência, o
de la actividad administrativa dispensadora de ayudas públicas, es la subvención. (Derecho Administrativo
Económico. 6. ed. Buenos Aires: Marcial Pons, 2013, p. 167). No mesmo sentido, para Roberto Dromi:
“Dentro de los médios económicos se formulan diversas clasificaciones, pero todas ellas giran en torno a la
columna del fomento: la subvención.” (Derecho administrativo, 6. ed. Buenos Aires: Marcial Pons, 2013, p.
725). 123
JORDANA DE POZAS, Luis. Ensayo de una teoria del fomento en el derecho administrativo. Revista de
Estudios Politicos, Madrid, n. 48, p. 41-54, 1949, p.53. 124
GARRIDO FALLA, Fernando. Tratado de derecho administrativo. 10. ed. Madrid: Tecnos, 1992, v. II, p.
306. 125
COMADIRA, Julio Rodolfo; ESCOLA, Héctor Jorge; COMADIRA, Julio Pablo. Curso de derecho
administrativo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2013, T. I, p. 709. 126
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 94. 127
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento
público democrático, eficiente e não-paternalista. Revista de Direito Processual Geral, Rio de Janeiro, n. 65,
p. 115-176, 2010, p. 147.
48
disciplina normativa prévia for a causa efetiva do desempenho da atividade fomentada, com o
alcance dos objetivos administrativos.128
Especificamente quanto aos meios econômicos, Garrido Falla menciona que podem ser
de caráter real, quando envolvem o uso de bens públicos, ou, ainda, quando incluem o uso
gratuito de serviços técnicos129
prestados pela Administração, e de caráter financeiro, quando
pertinentes a desembolsos econômicos em favor de particulares ou à liberação de obrigações
fiscais.130
As vantagens financeiras se classificam em auxílios diretos e indiretos. São diretos
quando constituídos por desembolsos efetivos de dinheiro do erário público a favor de
particulares ou de outros entes administrativos, como antecipações, prêmios, subsídios e
subvenções. E indiretos, quando não significam um desembolso imediato, uma transferência
imediata de recursos aos particulares, como isenções e desonerações fiscais e admissões
temporárias.131
O benefício pecuniário direto mais utilizado é a subvenção, figura típica do fomento,
por meio da qual o Estado transfere dinheiro aos particulares a fundo perdido, sem expectativa
de reavê-lo, para que estes o empreguem nas atividades que o Estado quer incentivar.132
Conforme lembra Rafael Munhoz de Mello, no ordenamento jurídico pátrio, a
subvenção está disciplinada, superficialmente, na Lei nº 4.320/1964 e no Decreto nº
93.872/1986, ao lado do auxílio e da contribuição. A subvenção trata de uma transferência
corrente, realizada para cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, enquanto o
auxílio e a contribuição são repasses classificados como transferência de capital para
investimentos ou inversões financeiras. O auxílio deve estar previsto na lei de orçamento, a
contribuição, em lei especial.133
128
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito
administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 524. 129
Quanto à utilização gratuita de serviços técnicos fornecidos pela Administração, Daniel Edgardo Maljar
ressalta que esse exemplo não foi feliz. Se a atividade é da Administração, que atua diretamente, ela não
poderia estar incluída no fomento (MALJAR, Daniel Edgardo. Intervencion del Estado en la prestacion de
servicios publicos. Buenos Aires: Hammurabi, 1998, p. 289). 130
GARRIDO FALLA, Fernando. Tratado de derecho administrativo. 10. ed. Madrid: Tecnos, 1992, v. II, p.
307. 131
GARRIDO FALLA, Fernando. Tratado de derecho administrativo. 10. ed. Madrid: Tecnos, 1992, v. II p.
308. 132
MELLO, Rafael Munhoz de. Atividades de fomento e o princípio da isonomia. In: SPARAPANI, Priscilia;
ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social: homenagem
ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 263-285, p. 270. 133
MELLO, Rafael Munhoz de. Atividades de fomento e o princípio da isonomia. In: SPARAPANI, Priscilia;
ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social: homenagem
ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 263-285, p. 271.
49
A Administração Pública fomentadora não transfere apenas dinheiro a fundo perdido
aos particulares, concedendo, também, empréstimos por entes ligados ao Estado, como os do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com juros inferiores aos
praticados por outras instituições financeiras públicas e privadas do mercado.134
Finalmente, quanto aos meios jurídicos (como por exemplo, a imposição obrigatória no
mercado de um produto para favorecer a indústria nacional e a proibição de importar certos
produtos), Garrido Falla os rejeita, a princípio, por constituírem uma atividade administrativa
por via de coação.135
Nesse particular, André Luiz Freire, alegando ser possível sustentar a existência de
meios jurídicos de fomento, lembra que há casos, todavia, em que a Administração apenas
confere uma situação privilegiada a determinadas pessoas, sem usar a coação (casos, por
exemplo, das microempresas e empresas de pequeno porte, que possuem direito de
preferência em licitações públicas e das dispensas de licitação para a contratação de
associação de pessoas portadoras de deficiência para a prestação de serviços).136
Na mesma toada, Rafael Munhoz de Mello anota que os meios jurídicos de fomento têm
por característica a concessão de um status jurídico excepcional e privilegiado a certos
indivíduos ou categorias de particulares que o Estado deseja proteger ou incentivar. Cita como
exemplos as organizações sociais (Lei nº 9.637/1998) e as organizações da sociedade civil de
interesse público (Lei nº 9.790/1999), títulos que asseguram certos privilégios, inserindo as
entidades qualificadas num regime jurídico específico.137
A propósito desta específica classificação, Juan Alfonso Santamaría Pastor sustenta que
a qualificação de medidas como meios jurídicos é errônea, haja vista que sua finalidade e
conteúdo material são econômicos. Sustenta, outrossim, que quase nenhuma dessas medidas
134
MELLO, Rafael Munhoz de. Atividades de fomento e o princípio da isonomia. In: SPARAPANI, Priscilia;
ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social: homenagem
ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 263-285, p. 271. 135
Vale mencionar que Fernando Garrido Falla, apesar de rejeitar, a princípio, os meios de fomento jurídico,
esclarece que as dispensas podem assim ser consideradas. Dá como exemplo o caso em que, para favorecer o
desenvolvimento de uma cidade em uma determinada direção, aumenta-se, nessa zona, o limite sobre a altura
máxima dos edifícios, contido nas leis municipais de construção. (GARRIDO FALLA, Fernando. Tratado de
derecho administrativo. 10. ed. Madrid: Tecnos, 1992, v. II, p. 315). 136
FREIRE, André Luiz. Responsabilidade patrimonial na atividade administrativa de fomento. In:
SPARAPANI, Priscilia; ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no
domínio social: homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.
160-186, p.175. 137
MELLO, Rafael Munhoz de. Atividades de fomento e o princípio da isonomia. In: SPARAPANI, Priscilia;
ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social: homenagem
ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 263-285, p. 269.
50
persegue, em verdade, fins de autêntico estímulo da iniciativa privada, constituindo técnicas
obsoletas usadas para reduzir o custo de obras públicas.138
José Vicente Santos de Mendonça concorda com a primeira crítica apresentada por
Santamaría Pastor, vez que tudo na matéria, a seu entender, é, no fundo, econômico.139-140
Quanto às demais críticas daquele autor, pondera o seguinte:
Quanto a estarem ultrapassados, isso não se aplica ao Brasil, país em que,
mais e mais, imagina-se que a criação de externalidades econômicas
juridicamente bem-intencionadas seja a solução para diversos males. Quanto
a não perseguirem realmente fins de auxílio a atividades privadas de
interesse público, não é comentário com o qual se concorde por inteiro: em
alguns casos – como na cessão de servidores às Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público, o caráter de ‘fomento a atividades privadas de
interesse público’ é, até, bastante destacado. A análise é caso a caso 141
.
Há que se dizer que uma parte da doutrina menciona, ainda, a existência de meios
psicológicos de fomento, consistentes, basicamente, em propaganda pela Administração aos
administrados, sendo estes, todavia, bastante criticados, uma vez que na propaganda não
existe estímulo no sentido de vantagem ou ajuda.142
Ao contrário desse entendimento, Célia Cunha Mello constata que os meios de
comunicação em massa, não raras vezes, traduzem vantagens muito superiores aos estímulos
de natureza econômica, podendo ser admitidos, entretanto, somente quando o Estado,
138
SANTAMARIA PASTOR, Juan Alfonso. Princípios de derecho administrativo general. 2. ed. Madrid:
Iustel, 2009, v. II, p. 360. 139
José Vicente Santos de Mendonça defende que os meios de fomento público são, usualmente, os creditícios e
os econômicos propriamente ditos (subvenção) e que os meios reais podem ser tidos como tais por exceção.
Entende que os meios fiscais não são meios de fomento e sim medidas gerais de política econômica. Ressalva
que a doutrina brasileira, em sua maioria, ao falar de fomento, inclui, tradicionalmente, os benefícios fiscais
dentro da categoria. (MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol
de um fomento público democrático, eficiente e não paternalista. Revista de Direito Processual Geral. Rio de
Janeiro, n. 65, p. 115-176, 2010, p. 148). 140
Em sentido contrário, Sílvio Luís Ferreira da Rocha anota que a classificação dos meios de fomento em
honoríficos, econômicos e jurídicos não é correta, “pois se a atribuição das vantagens honoríficas e
econômicas está prevista em normas, essa espécie de fomento não deixa de ser jurídica.” (ROCHA, Sílvio Luís
Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 35). 141
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento
público democrático, eficiente e não paternalista. Revista de Direito Processual Geral. Rio de Janeiro, n. 65, p.
115-176, 2010, p. 148. 142
A crítica é feita, por exemplo, por Pellisé Prats, Daniel Edgardo Maljar (MALJAR, Daniel Edgardo.
Intervencion del Estado en la prestacion de servicios publicos. Buenos Aires: Hammurabi, 1998, p. 286) e
Héctor Jorge Escola (COMADIRA, Julio Rodolfo; ESCOLA, Héctor Jorge; COMADIRA, Julio Pablo. Curso
de derecho administrativo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2013, T. I, p. 710). Também para José Vicente
Santos de Mendonça, uma simples sugestão de consumo, contida numa campanha publicitária, é vaga demais
para ser qualificada como um estímulo juridicamente relevante. Ainda segundo o autor: “É curioso notar,
ainda, que, a se considerar os meios psicológicos como meios legítimos de fomento público, eles incidem, a
partir do Poder Público, sobre o mercado consumidor, com vistas a incentivar as empresas privadas. O
esquema tradicional de fomento – pensemos na subvenção – importa ajudar diretamente as empresas, mas não
seu público-alvo.” (MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol
de um fomento público democrático, eficiente e não paternalista. Revista de Direito Processual Geral. Rio de
Janeiro, n. 65, p. 115-176, 2010, p. 147).
51
acenando com medidas psicológicas, estimula os sujeitos fomentados a fazerem aquilo que
convém ao Poder Público.143
5.3 Meios de fomento segundo os fins a alcançar
Expostas as classificações tradicionais dos meios de fomento, assim como suas
principais críticas, insta notar, finalmente, que no Direito pátrio é possível aludir a uma outra
classificação, formulada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto e feita “sob critério dos fins a
alcançar e não dos meios empregados, pois esses poderão ser diversificadíssimos, como os
creditícios, financeiros, técnicos, burocráticos, tributários etc., conforme prefiram e
disponham os legisladores [...].”144
Para Moreira Neto o fomento público subdivide-se em quatro grandes blocos: a) o do
planejamento estatal – no sistema vigente, adota-se o modelo do planejamento democrático,
direcionado para servir de fundamento racionalizador para o exercício da função
administrativa de fomento público. Conciliam-se as vantagens técnicas do planejamento com
as liberdades democráticas (nessa classificação, incluem-se o desenvolvimento regional e a
atividade econômica suplementar do Estado à iniciativa privada); b) o do fomento social –
tem como o destinatário direto o homem e envolve a multiplicação de instrumentos de amplo
alcance coletivo destinados a auxiliá-lo para o desfrute de uma vida digna e produtiva
(incluem-se no fomento social o fomento à educação, à pesquisa, à informação, ao trabalho,
cultura, lazer e desportes, ao turismo, ao ambiente, ao rural e reforma agrária); c) o do
fomento econômico - é voltado à realização de tarefas que ultrapassam as possibilidades do
indivíduo isolado (envolve o fomento empresarial, o cooperativo, o de atividades econômicas
primárias, o científico e tecnológico e o financeiro e creditício e, por fim; d) o do fomento
institucional - está relacionado com os novos canais de participação da sociedade, cada vez
mais consciente e demandante, e com a participação colaborativa.145
De acordo, portanto, com a perspectiva apresentada por Moreira Neto, o fomento
público à inovação está compreendido no fomento público econômico.
5.4 Classificação do fomento segundo os tipos de ponderação e seus destinatários
143
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 90. 144
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e
parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 525. 145
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e
parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 525-555.
52
Ricardo Marcondes Martins alude ao fomento abstrato e ao fomento concreto. O
abstrato depende de ponderação abstrata; o concreto, de ponderação concreta. Pode se
destinar a um gênero, categoria ou tipo – fomento geral, ou a pessoas determinadas – fomento
individual. A seu entender, o fomento tributário negativo, o tributário positivo e o honorífico
são sempre abstratos e gerais. O fomento real é, em regra, individual e concreto. O fomento
por subvenção e o creditício podem ser abstratos ou concretos.146
Embora todas as classificações apresentadas mostrem-se úteis, na medida em que
permitem, mediante diferentes enfoques, a melhor compreensão do assunto, no presente
trabalho, adota-se a classificação de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, considerando-se o
fomento público à inovação tecnológica espécie do fomento público econômico.
A escolha é devida em razão dos seguintes motivos: a classificação de Diogo de
Figueiredo Moreira Neto é a mais pragmática de todas.
A tecnologia está vinculada ao conhecimento aplicado, relacionando-se notadamente ao
desempenho das atividades empresariais.
Além disso, os instrumentos de fomento público à inovação tecnológica, muito variados
e pouco sistematizados, não podem ser resumidos, por exemplo, nas subvenções, ainda que
possuam todos fundo econômico. A inovação, por si só, também tem objetivos econômicos.
De fato, o fomento público à inovação tecnológica, independentemente dos
instrumentos por meio dos quais se manifesta, visa a orientar a aplicação de recursos
econômicos pela iniciativa privada, intervindo na sua conduta. Esta é a essência do instituto.
A classificação em tela, apresentada por Moreira Neto, é a mais adequada, portanto,
para os fins deste trabalho.
146
MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da constituição federal. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 267.
53
PARTE II – O FOMENTO PÚBLICO À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO DIREITO
BRASILEIRO
6. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE
SÃO PAULO DE 1989 E O FOMENTO PÚBLICO À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
Embora a preocupação com o ensino da ciência tenha sido uma constante, desde a Carta
de 1824,147
é somente a partir do Texto de 1988 que se inscreve na história constitucional
pátria um Capítulo inteiro dedicado à ciência, à tecnologia e ao seu fomento – o Capítulo IV –
Da Ciência e Tecnologia, do Título da Ordem Social – passando, portanto, a matéria, a
adquirir maior relevo, em consonância com a sua expansão no mundo atual.148
Fazendo uso, intensamente, das palavras fomento, amparo, incentivo, promoção,
estímulo e apoio, a Constituição de 1988 dispõe não somente sobre os desenvolvimentos
científico e tecnológico, econômico, regional, nacional, abordando, de igual sorte, os
desenvolvimentos social, cultural, educacional, e humano, sendo, deste modo, bastante
extenso o rol de medidas fomentadoras das ordens econômico-financeira e social.
O Diploma não faz menção alguma à palavra inovação, encontrando-se o tema, todavia,
há alguns anos, no centro de debates relacionados ao aumento da competição empresarial, à
expansão da industrialização e à busca da autonomia tecnológica nacional, podendo-se aludir,
nos dias de hoje, inclusive, à existência de um ordenamento jurídico da inovação.149-150
147
Na Constituição de 1824 não havia qualquer tipo de citação à palavra desenvolvimento (social, econômico,
cultural, científico, tecnológico, nacional, regional ou de qualquer outra natureza). De igual forma, inexistia no
texto constitucional referência às palavras tecnologia, pesquisa, inovação, amparo, fomento, promoção e
incentivo. Em Título que tratava das Disposições Gerais, Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos
Cidadãos Brasileiros, a Constituição de 1824, porém, previa, expressamente, o direito de propriedade dos
autores em relação às suas descobertas, assim como a garantia de colégios e universidades onde seriam
ensinados os elementos das ciências, belas letras e artes: “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e
Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é
garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. [...] XXII. E' garantido o Direito de
Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da
Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que
terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação. [...] XXVI. Os inventores
terão a propriedade das suas descobertas, ou das suas producções. A Lei lhes assegurará um privilegio
exclusivo temporario, ou lhes remunerará em resarcimento da perda, que hajam de soffrer pela vulgarisação.
XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos. XXIII. Collegios, e Universidades, aonde serão
ensinados os elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes.” (Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>. Acesso em: 01 jun. 2013). 148
BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1991, p. 147. 149
Não obstante a ausência de citação expressa, na Constituição de 1988, à palavra inovação, é certo que o
assunto permeava, naquela época, os debates da sociedade brasileira. Cândido Mendes, em trabalho que
buscou refletir as propostas da Comissão Arinos acerca do tema, já destacava que: “No registro de obtenção de
objetivos, o regime da Cultura, Ciência e Tecnologia aparece como particularmente suscetível ao avanço da
perspectiva pluralística dentro de uma diversificação crescente, na perseguição de políticas públicas
concernentes: [...] b) no âmbito da Ciência, à oportunidade de considerar-se ao lado da política de amparo à
ciência pura, o apoio público à ciência aplicada, superando-se as demandas do desenvolvimento referidas ao
54
Tamanha a relevância da ciência e da tecnologia para o constituinte, imprescindíveis à
inovação tecnológica, que este não pôde deixar de inseri-las em diversos outros dispositivos
da Lei Maior, além daqueles consagrados no já citado Capítulo IV.151
De fato, diante da elaboração de uma Constituição eminentemente democrática, o papel
da ciência e da tecnologia não poderia ficar à margem dos trabalhos realizados, tendo sido
debatido pela Comissão da Família, Cultura e Esportes, da Ciência e da Tecnologia, por meio
seu estrito enfoque tecnocrático; c) no domínio da tecnologia, à valorização social dos processos inovadores e,
ao longo prazo, ao reconhecimento imperativo de uma política pública que favoreça a vigência social dos
procedimentos inovatórios e do impacto que podem vir a ter sobre a aceleração do esforço nacional de
mudança”. (MENDES, Cândido. A inconfidência brasileira: a nova cidadania interpela o constituinte. Rio de
Janeiro: Forense-Universitária, 1986, p. 62). Os grifos são nossos. 150
Segundo Gilberto Bercovici “A atual política de consolidação e fortalecimento do sistema brasileiro de
fomento à ciência e tecnologia está inserida em um contexto econômico internacional de intensa competição,
buscando reverter o ciclo de esvaziamento e sucateamento instaurado no país com as políticas de corte
neoliberal da década de 1990. O Brasil vem tentando estruturar seu próprio Sistema Nacional de Inovação,
com a adoção de uma série de políticas e atuação de instituições públicas e privadas (a articulação essencial
entre os atores da “tripla hélice”: academia, governo e setor privado) voltadas para o desenvolvimento e a
difusão de novas tecnologias. O fundamento jurídico desta política de inovação está no que se chama hoje de
ordenamento jurídico da inovação, estruturado a partir dos arts. 3º, 170, 218 e 219 da CF/1988.”
(BERCOVICI, Gilberto. Ciência e inovação sob a constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
916, p. 268-295, fev. 2012, p.290). Os grifos são nossos. 151
Confira-se: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos
industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade
das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do País;”; “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios: [...] V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à
ciência;”; “Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva
do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização,
de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: [...] III - o incentivo à pesquisa e à
tecnologia;”; “Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...]
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;”; “Art. 207. As
universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. § 1º É facultado às
universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 11, de 1996). § 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e
tecnológica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996).”; “Art. 213. Os recursos públicos serão
destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas,
definidas em lei, que: [...] § 2º - As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio
financeiro do Poder Público.”; “Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal,
com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes,
objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em
seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes
esferas federativas que conduzam a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) I - erradicação
do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV -
formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. VI - estabelecimento
de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)’; “Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade,
à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: [...] III - as
criações científicas, artísticas e tecnológicas; [...] V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” Os grifos são nossos. (Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 nov.
2013).
55
de sua Subcomissão da Ciência e da Comunicação, com a participação de vários segmentos da
sociedade, dentre os quais o então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) (atualmente,
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), a Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), as universidades e centros de pesquisa (federais e estaduais), além de
representantes de empresas nacionais.152
Percorrendo o caminho do chamado Estado de bem-estar social, a Constituição de 1988,
segundo lição de Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior,
identificou como objetivos fundamentais da República, dentre outros, a
construção de uma sociedade justa, a erradicação da pobreza e a redução das
desigualdades sociais. Tais objetivos foram incorporados, ainda uma vez,
pelas regras constitucionais da economia (arts. 170 e s.), que, por disposição
textual, ficou jungida à valorização do trabalho e à realização da justiça
social. Além disso, a educação e a saúde deixaram de ser tratadas como
programas de caráter indicativo, para integrar o rol de Direitos Fundamentais
do cidadão.153
Uma vez que a Lei Maior de 1988 previu um amplo catálogo de direitos sociais, a busca
do bem-estar social não pode deixar de ser considerada na tarefa de delimitar o perfil
constitucional do Estado brasileiro.154
Por essa razão, importa sublinhar, sempre tendo em vista a potencial conexão entre
inovação tecnológica e desenvolvimento, que a garantia do desenvolvimento nacional
constitui objetivo fundamental da República, nos termos do artigo 3º, da Carta Magna,155
devendo esse objetivo coexistir com os objetivos de construção de uma sociedade livre, justa
e solidária; de erradicação da pobreza, da marginalização e da redução das desigualdades
sociais e regionais; assim como da promoção do bem de todos, sem preconceitos e
discriminações de quaisquer naturezas.
Nessa senda, ensinam Oscar Vilhena Vieira e Dimitri Dimoulis que a Carta de 1988 é
típica do reencontro entre constitucionalismo e desenvolvimento no sentido coletivo-social do
152
AMORA, Ana Paula Soares. Licitações e contratos na ciência, tecnologia e inovação. Boletim de Licitações e
Contratos. São Paulo: Nova Dimensão Jurídica, p. 457-466, maio 2011, p. 457. 153
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 16 ed. São
Paulo: Verbatim, 2012, p. 131. 154
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 16 ed. São
Paulo: Verbatim, 2012, p. 132. 155
Confira-se: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 18 nov. 2013.
56
termo, não significando a Constituição mera limitação do poder estatal e não se esgotando o
desenvolvimento no mero crescimento econômico.156
Também para Gilberto Bercovici a definição de um conceito de desenvolvimento
constitucionalmente adequado exige que se diferencie a ideia de desenvolvimento da de
crescimento, pois o desenvolvimento é uma mudança qualitativa, e não apenas quantitativa,
englobando, assim, a ideia de crescimento e superando-a. Partindo do conceito de Fábio
Konder Comparato, Bercovici esclarece que:
o desenvolvimento é um processo de longo prazo, induzido por políticas
públicas ou programas de ação governamental em três campos interligados:
econômico, social e político. O elemento econômico consiste no crescimento
endógeno sustentado da produção de bens e serviços. Endógeno, porque
fundado nos fatores internos de produção e não, portanto, de modo
predominante, em recursos advindos do exterior. Crescimento sustentado,
porque não obtido com a destruição dos bens insubstituíveis, constituintes do
ecossistema. O elemento social do processo desenvolvimentista é a aquisição
da progressiva igualdade de condições básicas de vida, isto é, a realização,
para todo o povo, dos direitos humanos de caráter econômico, social e
cultural, como o direito ao trabalho, o direito à educação em todos os níveis,
o direito à seguridade social (saúde, previdência e assistência social), o
direito à habitação e o direito de fruição dos bens culturais. Enfim, o
desenvolvimento integral comporta, necessariamente, um elemento político,
que é a chave da abóbada de todo o processo: a realização da vida
democrática, isto é, a afetiva assunção, pelo povo, do seu papel de sujeito
político, fonte legitimadora de todo o poder e destinatário de seu exercício.157
Sob a perspectiva de que o crescimento econômico não é um fim em si mesmo,
Lafayete Josué Petter pontua ser clara a dicção constitucional, ao discorrer sobre os princípios
gerais da atividade econômica, pois, ao conferir-lhes um significado jurídico, procurou dar-
lhes uma ordem, e, fundando-a no modo de ser capitalista – apropriação privada dos meios de
produção e livre iniciativa – orientou-os com o fim de assegurar a todos existência digna, num
ambiente de justiça social.158
Conforme Calixto Salomão Filho, o conceito de desenvolvimento se identifica com um
processo de conhecimento social que leve à maior inclusão social possível, algo que poderia
se caracterizar como democracia econômica.159
156
VIEIRA, Oscar Vilhena; DIMOULIS, Dimitri. Constituição e desenvolvimento. In: LIMA, Maria Lúcia L.
M. Padua (Coord.). Agenda contemporânea: Direito e economia. 30 anos de Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012,
t. 1, p. 382-400, p. 392. 157
BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de
1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 108. 158
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.
170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 82. 159
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação, desenvolvimento e meio ambiente. In: SALOMÃO FILHO, Calixto
(Org.). Regulação e desenvolvimento: novos temas. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 19.
57
O direito ao desenvolvimento é considerado, na atualidade, um dos direitos
fundamentais de terceira geração.160
Guilherme Amorim Campos da Silva destaca que foi o jurista senegalês Keba M’Baye
quem, em 1972, em aula inaugural da Terceira Turma do Instituto Internacional de Direitos
Humanos de Estraburgo, se dedicou ao tema do direito de todo o homem a viver e viver
melhor. Foi também em 1972 que o professor espanhol Juan Antonio Carillo Salcedo
sustentou a mesma concepção, precisando que o direito ao desenvolvimento é um direito
humano e um direito dos povos, que traz o corolário de que todos os homens e todos os
povos, sem distinção, contribuirão para um desiderato comum da humanidade.161
Silva ressalta que o artigo XXII, da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
consagra que toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à
realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a
organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade. Anota,
ademais, que o direito ao desenvolvimento está contido, essencialmente, nos capítulos VII,
VIII e IX da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) e nos Pactos
Internacionais de Direitos Humanos, assim como na encíclica de Paulo VI, de 1967, “Sobre o
Desenvolvimento dos Povos”.162
Apreciando o desenvolvimento sob a ótica do humanismo, também Wagner Balera
anota que este deve incorporar as categorias do humanismo integral, servindo de
“instrumental capaz de habilitar a pessoa e os povos para que alcancem os melhores de seus
atributos: a dignidade individual (primeiro dos valores universais) e a dignidade nacional”.163
Balera destaca o Capítulo VII, da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA)
que, dentre outras disposições, propugna que:
Art 30 Os Estados membros, inspirados nos princípios de solidariedade e
cooperação interamericanas, comprometem-se a unir seus esforços no
sentido de que impere a justiça social internacional em suas relações e de
que seus povos alcancem um desenvolvimento integral, condições
indispensáveis para a paz e a segurança. O desenvolvimento integral abrange
os campos econômico, social, educacional, cultural, científico e tecnológico,
160
Também são considerados direitos fundamentais de terceira geração: o direito à paz, o direito ao meio
ambiente e os direitos de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e de comunicação.
(BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 27. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 587). 161
SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004, p. 41. 162
SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004, p. 161. 163
BALERA, Wagner. Humanismo e desenvolvimento. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI,
Thais Novaes (Coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do século XXI.
São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 399-417, p. 401.
58
nos quais devem ser atingidas as metas que cada país definir para alcançá-
lo.164
Ainda conforme lição de Guilherme Amorim Campos da Silva, do grupo dos direitos
denominados da ‘terceira geração’ dos direitos humanos ou direitos de solidariedade, foi o
direito ao desenvolvimento o primeiro a ser reconhecido como direito humano. De fato, em
1977, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas o reconheceu como tal e quatro
anos depois, em 1981, a Assembleia Geral da Organização Mundial, em sua Resolução
36/133, aprovou que o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável.165
Diversos Tratados assinados e ratificados pelo Brasil, como a Carta das Nações Unidas,
de 1945; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966; o Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção Americana de Direitos
Humanos, de 1969, estabeleceram, de algum modo, a busca do desenvolvimento baseada no
respeito à autodeterminação dos povos e aos princípios de solidariedade econômica
internacional.166
Coube, finalmente, ao Relatório Bruntland, de 1987 – Nosso Futuro Comum
sistematizar os princípios daquilo que veio a se denominar desenvolvimento sustentável,
entendido como um contínuo processo de transformação e de mudança, envolvendo múltiplas
dimensões – econômica, social, ambiental e política.167
Nesse contexto, emerge a inovação “como uma das contribuições mais determinantes na
busca de um desenvolvimento sustentável efetivo em suas múltiplas dimensões.”168
Em estudo acerca do Direito, da desigualdade e do desenvolvimento, Diogo R.
Coutinho destaca que, na grande maioria das economias capitalistas, o desenvolvimento,
entendido como o resultado do processo pelo qual a assimilação de novas técnicas e o
aumento da produtividade levam a melhorias no bem-estar da população e à homogeneização
social, é mais exceção do que regra. Registra que pobreza e desigualdade impactam
164
BALERA, Wagner. Humanismo e desenvolvimento. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI,
Thais Novaes (Coord.). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do século XXI.
São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 399-417, p. 402. 165
SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004, p. 43. 166
SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004, p. 45-47. 167
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Livro azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília: MCT, 2010, p. 27 168
Segundo o Livro Azul, hoje, o desenvolvimento sustentável está bastante focado na questão energética e na
questão da mudança climática. Considera-se que o sistema de inovação brasileiro está em grande parte
alicerçado em seus recursos naturais. “Do petróleo e das hidrelétricas aos biocombustíveis e ao papel da
Floresta Amazônica no clima, a maior parte das inovações no Brasil está associada à natureza diversificada de
seu território. É das inovações baseadas numa economia do conhecimento da natureza que o País poderá gerar
a riqueza a ser utilizada na superação das carências sociais que nele ainda perduram.” (MINISTÉRIO DA
CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Livro azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para
o Desenvolvimento Sustentável. Brasília: MCT, 2010, p. 27).
59
diretamente as economias do planeta, produzindo os efeitos sociais mais perversos – reduzida
expectativa de vida, menor mobilidade social, maior taxa de população encarcerada e,
inclusive, menor quantidade de inovações, entre outros.169
Investigando a desigualdade no Brasil, o autor esclarece que, diferentemente de outros
países, a pobreza brasileira não resulta da escassez de recursos, estando diretamente
relacionada aos níveis de desigualdade que o País ostenta.170
Na mesma linha, Maria Paula Dallari Bucci sublinha que:
O Estado brasileiro não se encontra no núcleo do sistema mundial não em
consequência de limitações materiais naturais, mas em virtude do insucesso
de estratégias emancipatórias. O atraso econômico, a desigualdade social e
cultural, além do profundo desnível na distribuição de renda, perpetuados
pelos sistemas político e social, devem ser levados em conta na reflexão
sobre as estruturas jurídicas e institucionais do Estado brasileiro, em
particular a Administração Pública.171
Mostra-se evidente, deste modo, o dever de vinculação do fomento público à inovação
tecnológica à concretização do bem-estar da população brasileira, da soberania, da cidadania,
da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, estes
últimos, frise-se, fundamentos do Estado Brasileiro Democrático de Direito.172
Tal vinculação, sem dúvida alguma, constitui um dos mais importantes balizamentos da
ação pública promocional, devendo o fomento público à inovação legítimo estar
comprometido com a consecução dos objetivos fundamentais da República.
Ainda que a constatação possa parecer óbvia e simplista, ela merece ser registrada.
De fato, a ciência e a tecnologia não podem ser pensadas como um setor da sociedade
no qual um grupo de pessoas trabalha desinteressadamente no desenvolvimento do
conhecimento humano.
Nesse sentido, adverte Gilberto Cotrim:
A ciência está atrelada a interesses econômicos e políticos que norteiam a
sua própria ação, seja pela definição do que vai ser pesquisado, seja pela
escolha das áreas que serão beneficiadas com recursos para possibilitar as
pesquisas.
169
COUTINHO, Diogo R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 13. 170
COUTINHO, Diogo R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 65. 171
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p.3. 172
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a
cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o
pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
60
Não cabe, enfim, nenhuma ilusão a esse respeito: uma redefinição dos rumos
do desenvolvimento tecnológico implicará, necessariamente, uma
reorientação global da estrutura social.173
Em trabalho realizado no final dos anos 70, Francisco R. Sagasti alertava, criticamente,
sobre as possibilidades e limitações da ciência e da tecnologia. Lembrava que, embora as
aplicações da ciência e da tecnologia em benefício da humanidade pudessem parecer ser
ilimitadas,174
como qualquer outra atividade social, desenvolviam-se dentro de um
determinado contexto; respondendo às demandas específicas da sociedade, expressas por
meio de alguma ordem institucional. Dessa forma, chamava a atenção para o fato de que a
possível contribuição da ciência e da tecnologia aos objetivos do desenvolvimento devia ser
examinada à luz dos fatores políticos e culturais que as condicionavam.175
Advertia, ainda, Sagasti, que estudos da época apontavam que mais de 97% da despesa
mundial em ciência e tecnologia e mais de 90% dos cientistas e engenheiros do mundo
estavam concentrados em países desenvolvidos. Como consequência, a orientação e a forma
de desenvolvimento da ciência e da tecnologia estavam determinadas pelas elites do poder dos
países industrializados. Em resposta a estes interesses é que mais de um terço dos recursos
mundiais para a ciência e tecnologia estavam destinados à produção de armamentos e a trocas
marginais de produtos e processos para estimular um maior consumo de bens não essenciais.
Vale dizer: no final do século XX, a maior parte do conhecimento científico e tecnológico de
que se dispunha correspondia às necessidades e se adaptava às condições dos países
desenvolvidos, ignorando os problemas científicos e tecnológicos próprios dos países
subdesenvolvidos.176-177
Outra limitação merece ser citada - o esforço de reorientação das pesquisas científicas e
tecnológicas para que se ajustem às necessidades do País é muitas vezes interpretado como 173
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 16 ed. reform. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 236. 174
Francisco R. Sagasti recorda, neste particular, que as promessas de uma nova época de prosperidade para
todos, mediante o uso da ciência, tem sido preconizadas desde que Francis Bacon tratou de uma “Nova
Instauração” em princípios do século XVII. (Tecnologia, planejamento e desenvolvimento autônomo. São
Paulo: Perspectiva, 1986, p.1). 175
SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, planejamento e desenvolvimento autônomo. São Paulo: Perspectiva,
1986, p. 144. 176
Em relação aos percentuais citados, o autor esclarece, que “Quase toda a tecnologia que se dispõe no mundo
atual foi criada nos países desenvolvidos. O Grupo Sussex estimou que 98% do gasto mundial em pesquisa e
desenvolvimento são feitos pelos países desenvolvidos. Por outro lado, os 2% que os países subdesenvolvidos
gastam são muitas vezes mal usados e dedicados a trabalhos de pesquisa com menor produtividade que a
média de seus equivalentes nos países desenvolvidos.” Os dados da pesquisa constam em SUSSEX GROUP,
Science, Technology and Underdevelopment: The case for Reform. Declaração Introdutória ao Plano Mundial
de Ação de Ciência e Tecnologia das Nações Unidas, Universidade de Sussex, Brighton, 1970) (Tecnologia,
planejamento e desenvolvimento autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986, p. 16). 177
SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, planejamento e desenvolvimento autônomo. São Paulo: Perspectiva,
1986. p. 144.
61
uma violação à liberdade de pesquisa, sendo necessário, portanto, promover a preservação da
liberdade científica sem que esta seja instrumentalizada por interesses ilegítimos do poder
político ou do poder econômico privado.178
O desafio, pois, consiste em criar os meios, os arranjos institucionais e os controles
adequados para que a inovação tecnológica, realizada, de alguma forma, com o fomento
público, possa vir a servir, efetivamente, ao desenvolvimento nacional. O Direito, enquanto
instrumento de implementação de políticas públicas, não pode se manter distante deste
desafio.
Mais do que isso, sendo a pessoa humana o sujeito central de todo o processo de
desenvolvimento, é preciso criar mecanismos jurídicos para que o fomento público à inovação
tecnológica tenha sempre em vista a busca de melhores condições materiais para o bem-estar
a que toda a sociedade e a que todo indivíduo aspiram.
É justamente sob esse aspecto que, para Guilherme Amorim Campos da Silva, o direito
ao desenvolvimento deve ser planejado e compreendido como uma norma jurídica
constitucional, de caráter fundamental, provida de eficácia imediata e impositiva sobre todos
os Poderes da União, com a consequente descrição de um dever do Estado – o de promover o
desenvolvimento econômico nacional, com qualidade de vida de cada cidadão.179
Assim sendo, o incentivo oficial à pesquisa tecnológica justifica-se na medida em que
esta seja voltada às soluções dos problemas brasileiros e ao desenvolvimento dos sistemas
produtivos nacional e regional.180
Pela mesma razão, a importância da pesquisa e da inovação tecnológica no combate à
miséria e à exclusão social não pode ser menosprezada. As políticas de desenvolvimento
científico-tecnológico e de inovação não podem ignorar os problemas essenciais da sociedade
brasileira, sob pena de serem inócuas e de não contribuírem verdadeiramente para a
transformação das estruturas econômicas e sociais do País.181
6.1 O dever constitucional do Estado de promover e incentivar o desenvolvimento
científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas
178
BERCOVICI, Gilberto. Ciência e inovação sob a Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
916, p. 268-295, fev. 2012, p. 270. 179
SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004, p. 66. 180
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 838. 181
BERCOVICI, Gilberto. Ciência e inovação sob a Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
916, p. 268-295, fev. 2012, p. 294.
62
Leciona Clóvis Sá Britto Pingret que nem o sistema econômico nem o Estado são
realidades ontológicas, mas puras construções culturais. Por essa razão, as definições dos
institutos não devem ser buscadas em campos metafísicos, mas sim no estabelecido pelo
próprio ordenamento jurídico. “Daí decorre que as funções do Estado não estão determinadas
a priori, mas sim pelo que se acha estabelecido na Lei Fundamental.”182
Nesses termos, passa-se, doravante, a analisar o relacionamento entre o fomento público
à inovação tecnológica e as prescrições das normas constitucionais atinentes aos assuntos da
ciência e tecnologia.
De forma inédita, consoante já referido, a Carta de 1988 prescreveu o dever do Estado
de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação
tecnológicas:
Capítulo IV
Da Ciência e Tecnologia
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a
pesquisa e a capacitação tecnológicas.
§ 1º - A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado,
tendo em vista o bem público e o progresso das ciências.
§ 2º - A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução
dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo
nacional e regional.
§ 3º - O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de
ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e
condições especiais de trabalho.
§ 4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa,
criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus
recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem
ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos
resultantes da produtividade de seu trabalho.
§ 5º - É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua
receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa
científica e tecnológica.
Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado
de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-
estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei
federal.
Observando que a Constituição de 1988 inovou em relação às Constituições anteriores,
por reconhecer de maneira enfática a importância da ciência e tecnologia, Gilberto Bercovici
destaca que:
Esta previsão constitucional está inserida no contexto das relações dialéticas
entre Estado e ciência no século XX, que, segundo Peter Michael Huber, se
182
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. In: CAMARGO,
Ricardo Antônio Lucas (Org.). Desenvolvimento econômico e intervenção do Estado na ordem constitucional:
estudos em homenagem ao professor Washington Peluso Albino de Souza. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1995, p. 99-138, p. 51.
63
tornaram simbióticas. A necessidade, expressa constitucionalmente, de uma
política científica visa também garantir a expansão das forças produtivas e o
acesso ao conhecimento para as futuras gerações.
[...]
De acordo com o disposto no art. 218 da CF/88, o papel do Estado na ciência
e na tecnologia é prioritário, enfatizando a necessidade de um planejamento
científico e tecnológico. A política científica e tecnológica está vinculada à
política de desenvolvimento. O que a Constituição de 1988 efetivou foi a
plena incorporação da ciência e da tecnologia ao processo de superação do
subdesenvolvimento e de dependência tecnológica.183
Bercovici ressalta, ainda, que no Brasil, a relevância do Estado é tamanha que o
financiamento de pesquisas cabe quase exclusivamente aos órgãos estatais.184
Nos países
desenvolvidos os recursos investidos pelas empresas em atividades de P&D são em grande
medida financiados por recursos públicos, colocados à disposição do setor privado na forma
de subvenção ou com juros subsidiados.185
A diferença entre o Brasil e esses países mais avançados está no fato de que os
investimentos efetuados pelas empresas brasileiras em atividades de P&D, de modo geral, são
baixos e feitos em sua grande maioria com recursos próprios, havendo, assim sendo, poucos
investimentos privados em atividades de P,D&I.
O setor empresarial privado geralmente importa tecnologia, por entendê-la
economicamente mais vantajosa, devido aos custos e riscos envolvidos na realização de
pesquisas próprias. As filiais de empresas estrangeiras, por seu turno, importam tecnologia de
suas matrizes, enviando recursos para o exterior, sob a justificativa de aquisição de know-
how.186
Daí a importância de estimular o esforço de inovação no setor produtivo nacional.
Analisando o papel do Estado delineado pela Lei Maior, José Afonso da Silva frisa que
é incumbência deste promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a
capacitação tecnológicas. Promover, no contexto do artigo 218, para o autor, significa
realizar, por si próprio, especialmente por meio de universidades e institutos especializados187
183
BERCOVICI, Gilberto. Ciência e inovação sob a Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
916, p. 268-295, fev. 2012, p. 268. 184
BERCOVICI, Gilberto. Ciência e inovação sob a Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
916, p. 268-295, fev. 2012, p. 270. 185
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação 2012-2015 – Balanço das atividades estruturantes 2011. Brasília: MCTI, 2012. p 42. 186
BERCOVICI, Gilberto. Ciência e inovação sob a Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
916, p. 268-295, fev. 2012, p. 270. 187
Os institutos públicos de pesquisa têm sido pouco estudados, até mesmo nas pesquisas voltadas à área de
engenharia e economia, que tratam da cooperação entre instituições públicas de ensino e de pesquisa e as
empresas. Eles costumam ser abordados de forma genérica, como pertencentes ao mesmo grupo das
universidades. Em regra, oferecem serviços e pesquisas tecnológicos complementares aos da indústria, dando
suporte ao desenvolvimento industrial de seus países (TELLES, Luciana. O papel dos institutos públicos de
64
e, incentivar, conceder apoios e meios, inclusive a instituições privadas, para a realização
desses objetivos.188
A Constituição Federal prevê, de forma literal, o dever de concessão de apoio e estímulo
às empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e
aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que
assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos
resultantes da produtividade de seu trabalho.
Finalmente, complementando a estrutura de normas referentes à inovação, segundo
observado por Denis Borges Barbosa, o artigo 5º, XXIX, da Constituição, prescreve:
Art. 5º [...]
XXIX- a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio
temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à
propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos,
tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e
econômico do País.
Este preceito constitucional dirige-se ao legislador, determinando o conteúdo da
propriedade industrial e a finalidade do mecanismo jurídico a ser criado. Evidencia-se que a
lei ordinária estabelecedora de direitos relativos à propriedade intelectual somente será
constitucional na medida em que atender aos seguintes objetivos: a) visar ao interesse social
pesquisa no desenvolvimento tecnológico e na cooperação universidade-empresa. 2011. 279 f. Tese
(Doutorado) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 61, 65 e 254). Segundo Ruy
Quadros, Sandra Brisolla, André Furtado e Roberto Bernardes, os institutos de pesquisa têm uma função muito
importante no sistema científico e tecnológico: “São instituições orientadas para a pesquisa aplicada e o
desenvolvimento tecnológico, que atendem demandas mais orientadas da sociedade e do sistema produtivo.
Boa parte desses institutos tem uma nítida vocação setorial e possui objetivos claramente direcionados para o
desenvolvimento de tecnologias [...] Eles podem ser considerados, na maioria dos casos, um elo entre a
pesquisa acadêmica, que está localizada principalmente nas universidades, e o sistema socioprodutivo.”
(QUADROS, Ruy. et. al. Força e fragilidade do sistema de inovação paulista. In: São Paulo em Perspectiva,
São Paulo, v. 14, n. 3, p. 124-141, p. 127). Para Roberto Mazzoleni e Richard R. Nelson: “Public research
institutions, often but not always conneted with universities, have been in the past important elements of the
structures supporting economic catch-up. Recent changes in the international economic environment, and the
growing scientific basis for contemporany technologies, will make those institutions even more important in
the future. Universities and public labs have contributed to the development of technological capabilities in
different forms across countries and economics sectors. In contrast with current emphasis on university-based
embryonic inventions and fundamental research, effective research programs have predominantly occurred in
the application-oriented sciences and engineering, and have been oriented towards problem-solving, and the
advancement of technologies of interest to a well-defined user-community.” (MAZZOLENI, Roberto;
NELSON, Richard R. Public research institutions and economic catch-up. Research Policy, New York, n. 36,
p. 1512-1528, 2007, p. 1512). 188
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 837. De
modo geral, diferentemente daquilo que entende José Afonso da Silva, na legislação de inovação, o verbo
“promover” é usado como sinônimo de incentivar, apoiar, estimular, ou seja, fomentar.
65
do País; b) favorecer o desenvolvimento tecnológico do País e, c) favorecer o
desenvolvimento econômico do País.189
No Direito Internacional, o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual relacionados ao Comércio, mais conhecido como Acordo TRIPS (do inglês
Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), assinado e ratificado
pelo Brasil, apresenta cláusulas com objetivos semelhantes:190
ARTIGO 7
Objetivos
A proteção e a aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade
intelectual devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e para
a transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de produtores e
usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma conducente ao bem-
estar social econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações.
ARTIGO 8
Princípios
1. Os Membros, ao formular ou emendar suas leis e regulamentos, podem
adotar medidas necessárias para proteger a saúde e nutrição públicas e para
promover o interesse público em setores de importância vital para seu
desenvolvimento sócio-econômico e tecnológico, desde que estas medidas
sejam compatíveis com o disposto neste Acordo.
2. Desde que compatíveis com o disposto neste Acordo, poderão ser
necessárias medidas apropriadas para evitar o abuso dos direitos de
propriedade intelectual por seus titulares ou para evitar o recurso a práticas
que limitem de maneira injustificável o comércio ou que afetem
adversamente a transferência internacional de tecnologia.191
Na mesma trilha da Constituição Federal, dispõe o ordenamento constitucional paulista.
Na Constituição do Estado de São Paulo de 1947 previu-se que o amparo à pesquisa
científica seria propiciado pelo Estado, por intermédio de uma fundação, organizada em
moldes estabelecidos por lei. Estabeleceu-se que, anualmente, o Estado atribuiria a essa
fundação, como renda especial de sua privativa administração, quantia não inferior a meio por
cento do total da sua receita ordinária.192
A Constituição Bandeirante de 1967, por sua vez, prescreveu o dever de manutenção,
pelo Estado, da Fundação de Amparo à Pesquisa, atribuindo-lhe dotação mínima
189
BARBOSA, Denis Borges. O direito constitucional ao desenvolvimento, inovação e a apropriabilidade das
tecnologias. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011, p. 9-28, p. 13. 190
BARBOSA, Denis Borges. O direito constitucional ao desenvolvimento, inovação e a apropriabilidade das
tecnologias. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011, p. 9-28, p. 13-15. 191
BARBOSA, Denis Borges. O direito constitucional ao desenvolvimento, inovação e a apropriabilidade das
tecnologias. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011, p. 9-28, p. 15. 192
A Lei Estadual nº 5.918, de 18/10/1960, autorizou o Poder Executivo a instituir a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O Decreto Estadual nº 40.132, de 23/5/1962, aprovou os estatutos
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
66
correspondente a meio por cento da receita de seus impostos, como renda de sua privativa
administração.
Na vigente Constituição Paulista de 1989, tal como na Constituição Federal de 1988,
não há menção textual à palavra inovação, tendo recebido, de toda forma, a ciência e a
tecnologia, tratamento destacado:
CAPÍTULO IV
Da Ciência e Tecnologia
ARTIGO 268 - O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento
científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica.
§1º - A pesquisa científica receberá tratamento prioritário do Estado,
diretamente ou por meio de seus agentes financiadores de fomento, tendo em
vista o bem público e o progresso da ciência.
§2º - A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução
dos problemas sociais e ambientais e para o desenvolvimento do sistema
produtivo, procurando harmonizá-lo com os direitos fundamentais e sociais
dos cidadãos.
ARTIGO 269 - O Estado manterá Conselho Estadual de Ciência e
Tecnologia com o objetivo de formular, acompanhar, avaliar e reformular a
política estadual científica e tecnológica e coordenar os diferentes programas
de pesquisa.
§1º - A política a ser definida pelo Conselho Estadual de Ciência e
Tecnologia deverá orientar-se pelas seguintes diretrizes:
1 - desenvolvimento do sistema produtivo estadual;
2 - aproveitamento racional dos recursos naturais, preservação e recuperação
do meio ambiente;
3 - aperfeiçoamento das atividades dos órgãos e entidades responsáveis pela
pesquisa científica e tecnológica;
4 - garantia de acesso da população aos benefícios do desenvolvimento
científico e tecnológico;
5 - atenção especial às empresas nacionais, notadamente às médias,
pequenas e microempresas.
§2º - A estrutura, organização, composição e competência desse Conselho
serão definidas em lei.
ARTIGO 270 - O Poder Público apoiará e estimulará, mediante mecanismos
definidos em lei, instituições e empresas que invistam em pesquisa e criação
de tecnologia, observado o disposto no artigo 218, §4º, da Constituição
Federal.
ARTIGO 271 - O Estado destinará o mínimo de um por cento de sua receita
tributária à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, como
renda de sua privativa administração, para aplicação em desenvolvimento
científico e tecnológico.
Parágrafo único - A dotação fixada” no “caput”, excluída a parcela de
transferência aos Municípios, de acordo com o artigo 158, IV da
Constituição Federal, será transferida mensalmente, devendo o percentual
ser calculado sobre a arrecadação do mês de referência e ser pago no mês
subsequente.
ARTIGO 272 - O patrimônio físico, cultural e científico dos museus,
institutos e centros de pesquisa da administração direta, indireta e
fundacional são inalienáveis e intransferíveis, sem audiência da comunidade
científica e aprovação prévia do Poder Legislativo.
Parágrafo único - O disposto neste artigo não se aplica à doação de
equipamentos e insumos para a pesquisa, quando feita por entidade pública
67
de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica, para outra
entidade pública da área de ensino e pesquisa em ciência e tecnologia.
Como se pode depreender, a Constituição Paulista é ainda mais explícita de que a
Constituição Federal de 1988 em relação à necessidade de vinculação da pesquisa tecnológica
aos problemas sociais e ambientais, assim como em relação à necessidade de sua
harmonização com os direitos fundamentais do cidadão.
Tal como a Constituição Federal, na Constituição do Estado também se verifica a
previsão de que o Poder Público deverá apoiar e estimular, mediante mecanismos definidos
em lei, instituições e empresas que invistam em pesquisa e criação de tecnologia.
Sem correspondência na Lei Maior de 1988, a Constituição Bandeirante estabelece que
o patrimônio físico, cultural e científico dos museus, institutos e centros de pesquisa da
administração direta e indireta são inalienáveis e intransferíveis, sem audiência da
comunidade científica e aprovação prévia do Poder Legislativo.
Disposições tais como a consignada no artigo 272, da Constituição Bandeirante, podem
impactar o sistema paulista de inovação.
Nos termos da Lei nº 9.279/1996, que trata sobre direitos e obrigações relativos à
propriedade intelectual, os direitos de propriedade intelectual, que podem constituir
importantes mecanismos de proteção da inovação, consideram-se bens móveis, para os efeitos
legais – vale dizer – a princípio e em tese, pode haver restrições na alienação de direitos de
propriedade intelectual pertencentes ao patrimônio das entidades públicas paulistas, o que
pode ser algo não necessariamente benéfico, podendo resultar insegurança tanto para as
pessoas que pretenderem a alienação de referidos direitos, como às pessoas que pretenderem a
sua aquisição.
De fato, não raras vezes, projetos cooperativos de P,D&I geram criações passíveis de
proteção, facultando a legislação infraconstitucional às entidades públicas a faculdade de
celebrar contratos de transferência de tecnologia e de licenciamentos. Nessas hipóteses,
continuariam sendo exigidas a audiência da comunidade científica e a prévia aprovação do
Poder Legislativo? Segundo o texto constitucional, a resposta é positiva, não se coadunando
com as práticas das entidades públicas nesse particular.
6.2 Competências dos entes federativos para a promoção de medidas de fomento à
inovação tecnológica
68
Embora a inovação tecnológica e, de modo geral, a inovação, tenham passado a ocupar,
nos últimos anos, lugar de destaque na agenda do desenvolvimento nacional, não há na
Constituição Federal, consoante antes mencionado, previsão textual dos termos “inovação” e
“inovação tecnológica”.
No que tange, especificamente, às competências estabelecidas na Lei Maior, nem
mesmo o termo “ciência e tecnologia” encontra-se relacionado no rol das matérias de
competência legislativa concorrente dos entes federados, constante de seu artigo 24.
Matérias correlatas, como educação, saúde e meio ambiente são objeto de competência
concorrente. Quando determinada disciplina relativa à ciência e tecnologia guardar relação
com tais matérias, poder-se-á cogitar da edição, pela União, de normas gerais, vinculantes de
todos os entes federados, a teor do art. 24, §1º, da Carta Magna. Quando isso não ocorrer,
contudo, entende-se que competirá a cada ente federado dispor livremente sobre a matéria,
não sendo dado ao legislador federal criar normas vinculantes para Estados e Municípios.193
Há que se observar, outrossim, que no artigo 218, o termo “Estado” é utilizado de forma
genérica, para incluir todos os entes políticos. Referido termo é repetido nos parágrafos do
artigo, sempre com a mesma conotação. O § 4º, do mesmo artigo 218, também não especifica
a que tipo de lei se refere, permitindo concluir se tratar de lei de qualquer dos entes federados.
Com efeito, o estímulo a empresas que invistam em pesquisa e tecnologia pode se dar das
mais variadas formas, inclusive por benefícios tributários, cabendo a cada ente, no uso de sua
competência tributária, disciplinar tais incentivos.194
Apenas no artigo 219, da Constituição, encontra-se um mandamento dirigido
diretamente ao legislador federal, mas não no sentido de edição de normas gerais.
Analisando a questão da competência dos entes federativos para promover medidas de
fomento, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto destaca que o fomento é uma das
formas de intervenção na ordem econômica prevista na Constituição e por ela atribuída a
todos os entes da federação. O Estado referido nos artigos 173 e 174 e o Poder Público
aludido no artigo 175, da Lei Maior, correspondem à universalidade dos entes da federação,
193
SENADO FEDERAL. Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Parecer aprovado sobre o Projeto de
Lei do Senado nº 619/2011, relator Senador Luiz Henrique da Silveira, 2013, p. 9. Disponível em:
<http://www.sendado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=143553&tp=1. Acesso em: 05 nov. 2014. 194
SENADO FEDERAL. Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Parecer aprovado sobre o Projeto de
Lei do Senado nº 619/2011, relator Senador Luiz Henrique da Silveira, 2013, p. 9. Disponível em:
<http://www.sendado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=143553&tp=1. Acesso em: 05 nov. 2014.
69
cumprindo a todos eles, de forma comum e indistinta, a consecução dos objetivos e princípios
constantes do artigo 170.195
Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para o desempenho das funções
administrativas de execução do fomento público inexistem privatividade, exclusividade,
reserva legislativa ou administrativa, que inibam os entes políticos de empregá-las ampla e
intensamente, com exceção, apenas, de duas, que são constitucionalmente disciplinadas: o
planejamento estatal (art. 174) e a exploração econômica pelo Estado (art. 173).196
Pode-se concluir daí que também o estabelecimento de medidas para o fomento público
à inovação tecnológica compete a todos os entes federativos.
6.3 Ciência, tecnologia, pesquisa, capacitação e autonomia tecnológicas
Para tentar melhor apreender o importante papel do Estado no fomento à inovação
tecnológica, é mister tecer algumas considerações, ainda que perfunctórias, sobre ciência,
tecnologia, pesquisa, capacitação, autonomia e inovação tecnológicas.
Ensina José Afonso da Silva que o termo ciência, utilizado no artigo 218, da
Constituição, tem o sentido geral de conhecimento sistematizado, dizendo respeito a qualquer
das ciências:
[...] o saber científico resulta da formulação conceptual das leis que regem o
fenômeno dos diversos objetos que constituem a realidade – e é essa
especificação de objetos e das respectivas leis que dá nascimento às ciências
particulares. Todas elas estão envolvidas no termo genérico ‘ciência’, assim
como nas expressões ‘desenvolvimento científico’, ‘pesquisa científica
básica’ (art. 218 da CF) e ‘atividade científica’ (art. 5º, IX). É nesse sentido
que se fala que ciência é o conjunto de conhecimento e de pesquisa com
suficiente unidade, generalidade, suscetível de conduzir o homem que a ela
se consagra a conclusões concordantes (leis harmônicas) que resultam de
relações objetivas que se descobrem gradualmente e que se confirmam por
métodos de verificação definida.197
Se a técnica, enquanto capacidade de organizar elementos materiais para a fabricação de
instrumentos de que se serve o homem na produção e construção de obras, é muito antiga, a
tecnologia, lado prático do saber, é a etapa revolucionária da técnica, que incorpora pesquisa
científica e também tecnológica, para a obtenção de resultados produtivos.198
195
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. O fomento como instrumento de intervenção estatal na
ordem econômica. Revista de Direito Público da Economia- RDPE, Belo Horizonte, ano 8, n. 32, out./dez.
2010. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=70679. Acesso em: 14 jul. 2013.
(documento não paginado). 196
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e
parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 525. 197
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 836. 198
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 837.
70
Como sistematização racional do conhecimento, a ciência encontra seu estímulo no
campo educacional e cultural, estando a tecnologia, na qualidade de conhecimento aplicado,
relacionada à atividade empresarial.199-200
Considerando que a Constituição diferencia pesquisa científica básica de pesquisa
tecnológica, urge verificar como estas, na prática, se distinguem.
A pesquisa científica básica refere-se à produção de conhecimentos básicos e
potencialmente utilizáveis que não podem ser incorporados diretamente às atividades
produtivas. Há poucas chances de apropriar os seus resultados com fins econômicos, sendo
prioridade a sua publicação e divulgação. Já a pesquisa tecnológica, também chamada de
pesquisa aplicada, está voltada ao desenvolvimento experimental, à adaptação de tecnologias,
à transferência de tecnologias, à pesquisa de produção e outras atividades que produzem e
aumentam o conhecimento disponível para ser incorporado diretamente a atividades
produtivas. As atividades envolvidas no conceito de política tecnológica têm como
199
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e
parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 543. 200
De acordo com da Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, ciência e tecnologia podem assim ser
definidas, respectivamente: “CIÊNCIA - Conjunto organizado dos conhecimentos relativos ao universo,
envolvendo seus fenômenos naturais, ambientais e comportamentais. A geração do conhecimento científico se
faz através da pesquisa ou investigação científica, seguindo as etapas do método ou metodologia
científica. LONGO, W.P. Conceitos Básicos sobre Ciência e Tecnologia. Rio de Janeiro, Finep, 1996. v.1.
OECD. Frascati Manual. Paris, OCDE, 1993, cap.2, pag.2”; “TECNOLOGIA - "Tecnologia é o conjunto
ordenado de conhecimentos empregados na produção e comercialização de bens e serviços, e que está integrada
não só por conhecimentos científicos - provenientes das ciências naturais, sociais, humanas, etc. -, mas
igualmente por conhecimentos empíricos que resultam de observações, experiência, atitudes específicas, tradição
(oral ou escrita), etc. Sábato 1972:1 citado em Barbosa, 1981, pág. 19” ou ou “TECNOLOGIA - Tecnologia é
o conjunto organizado de todos os conhecimentos científicos, empíricos ou intuitivos, empregados na produção e
comercialização de bens e serviços. A tecnologia gerada ou aperfeiçoada pela pesquisa e desenvolvimento
experimental pode exigir diferentes graus de elaboração até o seu emprego numa unidade produtiva. Essa
elaboração exige os serviços especializados de engenharia. Em outras palavras, a tecnologia produzida pela
pesquisa e desenvolvimento experimental tem que ser "engenheirada" para poder ser utilizada pelo setor
produtivo. Assim, para que os conhecimentos gerados pelas universidades, institutos e outras organizações
envolvidas em pesquisa e desenvolvimento tenham resultado concreto no setor produtivo, há que se cuidar do
estabelecimento de alta competência em se "engenheirar". A estreita ligação entre Ciência e Tecnologia fez
surgir o binômio Ciência e Tecnologia - C&T e a forma de se comunicar estes conhecimentos é através da
informação. LONGO, W.P. Conceitos Básicos sobre Ciência e Tecnologia. Rio de Janeiro, Finep, 1996. v.1. Ou
ainda “TECNOLOGIA - O termo tecnologia tem uma ampla conotação e refere-se às técnicas, métodos,
procedimentos, ferramentas, equipamentos e instalações que concorrem para a realização e obtenção de um ou
vários produtos. O termo implica o que fazer, por quem, por quê, para quem e como fazer. Em geral, divide-se a
tecnologia em duas grandes categorias: tecnologia de produto e tecnologia de processo. As de produto são
aquelas cujos resultados são componentes tangíveis e facilmente identificáveis, tais como: equipamentos,
instalações físicas, ferramentas, artefatos, etc. As de processo são aquelas em que se incluem as técnicas,
métodos e procedimentos utilizados para se obter um determinado produto.
IBICT. Rede Nacional de Transferência e Difusão de Tecnologias Apropriadas. Capturado em 17 Ago. 2000. On
line. Disponível na Internet http:// www.ibict.br.” Os grifos são originais. (Glossário. Disponível em:
<http://www.finep.goc.br/o_que_e_a_finep/conceitos_ct.asp. Acesso em: 05 nov. 2014).
71
característica a apropriação de resultados para fins econômicos, existindo vários mecanismos
para assegurar essa apropriação (como o sistema de patentes e de segredos).201
A pesquisa científica básica deve receber tratamento prioritário do Estado, tendo em
vista o bem público e o progresso das ciências, estando vocacionada ao domínio público.
Nessa esteira, a Lei Federal nº 9.279/1996 prescreve, em seus artigos 8º e 9º, que pode
ser patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e
aplicação industrial, assim como, na qualidade de modelo de utilidade, o objeto de uso
prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou
disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em
sua fabricação.
Todavia, segundo a Lei nº 9.279/1996, não se consideram invenção nem modelo de
utilidade as descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos, dentre outros; as
concepções puramente abstratas e as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou
qualquer criação estética.
A pesquisa tecnológica, por seu turno, deve voltar-se preponderantemente para a
solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e
regional.
Verifica-se, consoante Denis Borges Barbosa, uma seleção necessária resultante do
critério constitucional, de modo que, dentre os problemas técnicos advindos da economia
global ou de problemas típicos dos países em desenvolvimento, o apoio estatal deverá
privilegiar o financiamento e o apoio das soluções de problemas nacionais. Destes, terão
ênfase os de apoio ao setor produtivo. Ainda de acordo com o autor, no caso da pesquisa
tecnológica, diferentemente da pesquisa científica básica, a regra é de apropriabilidade da
tecnologia, pois “sem apropriação não há eficiência do investimento; consequentemente não
haverá destinação constitucional adequada.”202
Em sentido contrário, Patrícia Pereira Tedeschi sustenta que apesar de a possibilidade
de apropriação de pesquisas financiadas pelo Estado poder configurar fonte de recursos
financeiros, este não é o objetivo da norma constitucional. A seu ver, para os fins do artigo
201
SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, planejamento e desenvolvimento autônomo. São Paulo: Perspectiva,
1986, p. 62. 202
BARBOSA, Denis Borges. O direito constitucional ao desenvolvimento, inovação e a apropriabilidade das
tecnologias. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011, p. 9-28, p. 17.
72
218 da Constituição, seria mais coerente garantir a inapropriabilidade de tais resultados e
consequentemente o usufruto por toda sociedade de seus benefícios.203
Discorda-se deste entendimento no qual a inapropriabilidade, na hipótese do artigo 218,
do Diploma Constitucional, seria algo mais coerente. A possibilidade de apropriação dos
resultados da pesquisa tecnológica é uma das formas de incentivo e apoio ao seu
desenvolvimento pelo setor privado. Não houvesse a possibilidade de proteção desses
resultados, possivelmente, muitas empresas deixariam de despender recursos em atividades
tão incertas e custosas como as de inovação, ainda que realizadas em parceria com o Estado.
Quando uma empresa faz uma inovação tecnológica, pode, por exemplo, patentear a
ideia e gozar dos benefícios econômicos dela decorrentes.
[...] a patente internaliza a externalidade dando à empresa um direito de
propriedade sobre sua invenção.204
Se outras empresas quiserem usar a nova
tecnologia, terão que obter permissão das empresas detentoras da patente e
pagar royalties. Assim, o sistema de patentes oferece às empresas um
incentivo adicional para que se dediquem à pesquisa e outras atividades que
façam avançar a tecnologia.205
Além disso, a legislação infraconstitucional prevê mecanismos que objetivam impedir
que inovações de relevante interesse público, realizadas com estímulos públicos, sejam
apropriadas exclusivamente pelo setor privado.206
Feitas as necessárias distinções entre pesquisa científica básica e pesquisa
tecnológica,207
importante ponderar que, segundo alguns autores, na medida em que um país
203
TEDESCHI, Patrícia Pereira. Inovação tecnológica e direito administrativo. 2011. 106 f. Dissertação
(Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 24. 204
Vale esclarecer que inovação e propriedade intelectual não são sinônimos. Segundo Fabrício Polido, Mônica
Steffen Gusie Rosina e Priscilla Maria Dias Guimarães César “Inovação relaciona-se diretamente com o
mercado e o ambiente produtivo e pode surgir e persistir mesmo que não haja direitos de propriedade
intelectual, ao passo que direitos de propriedade intelectual podem ser colocados em vigor ao longo de uma
cadeia que não necessariamente gerará produtos ou processos inovadores hábeis a atingir o mercado em
diversas áreas.” (POLIDO, Fabricio; ROSINA, Mônica Steffen Guise; CÉSAR, Priscilla Maria Dias
Guimarães. Propriedade intelectual: potencialidades e fragilidades do ambiente jurídico-institucional brasileiro
para a inovação. In: SHAPIRO, Mario G.; TRUBEK, David M. (Coord.). Direito e desenvolvimento: um
diálogo entre os BRICS. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 135-180, p. 143). 205
MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. Tradução Allan Vidigal Hastings. São Paulo: Thomson
Learning, 2006, p. 208 (tradução da 3ª edição norte-americana). 206
Tanto a Lei Federal nº 10.973/2004 como a Lei Complementar Paulista nº 1.049/2008 prescrevem que a
transferência de tecnologia e o licenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração de criação,
reconhecidos em ato do Poder Executivo como de relevante interesse público, somente poderão ser efetuados a
título não exclusivo. Ainda segundo a Lei nº 10.973/2004, a contratação com cláusula de exclusividade, para
essas finalidades, deve ser precedida de edital. 207
Por oportuno, objetivando esclarecer ainda mais o assunto, podem ser citadas, novamente, as acepções
seguintes, assinaladas pelo Glossário da Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP: “PESQUISA
APLICADA- É uma investigação original concebida pelo interesse em adquirir novos conhecimentos. É,
entretanto, primordialmente dirigida em função de um objetivo prático específico. A pesquisa aplicada é
realizada ou para determinar os possíveis usos para as descobertas da pesquisa básica ou para definir novos
métodos ou maneiras de alcançar um certo objetivo específico e pré-determinado. Ela envolve consideração de
73
se desenvolve e que a sua ciência e tecnologia se integram ao sistema produtivo, estas
distinções tendem a desaparecer.208
Os objetivos de uma política de desenvolvimento científico e tecnológico devem
considerar a necessidade de reorientar o sistema produtivo, afastando-o dos padrões imitativos
dos países centrais; reduzir a necessidade de tecnologia importada e fortalecer as atividades
científico-tecnológicas nacionais.209
Também os Estados-membros devem perseguir o desenvolvimento do sistema
produtivo em seus respectivos territórios, em harmonia com a política nacional de
desenvolvimento econômico e tecnológico.210
Quanto à capacitação tecnológica, segundo o Glossário da FINEP, pode ser definida
como: CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA- Significa a aquisição de capacidade de
inovar, através principalmente do domínio das tecnologias em uso. É o
estágio prévio e necessário para a ocorrência da inovação. Deve ser o
objetivo principal da política tecnológica no que se refere às empresas. Não
significa substituição de importação de tecnologia, envolvendo em geral,
pelo contrário, compra de tecnologia de origem externa em condições de
efetiva absorção. A capacitação tecnológica é também condição importante
para a interação frutífera entre empresas e centros de P&D. (Os grifos são
originais).211
conhecimento disponível e sua ampliação com vistas à solução de problemas específicos. No Setor
Empresarial, a distinção entre pesquisa básica e aplicada será frequentemente marcada pela criação de um
novo projeto para explorar os resultados promissores de um programa de pesquisa básica. Os resultados da
pesquisa aplicada são hipotética e fundamentalmente válidos para apenas um ou para um número limitado de
produtos, operações, métodos e sistemas. A pesquisa aplicada operacionaliza as ideias. Os conhecimentos ou
informações dela advindos são quase sempre patenteados, podendo contudo se manterem sob sigilo.
(OECD. Frascati Manual. Paris, OCDE, 1993, cap.2, pag.29 )”; “PESQUISA BÁSICA - Estudo teórico ou
experimental que visa contribuir de forma original ou incremental para a compreensão sobre os fatos e
fenômenos observáveis, teorias, sem ter em vista uso ou aplicação específica imediata. A pesquisa básica
analisa propriedades, estruturas e conexões com vistas a formular e comprovar hipóteses, teorias etc. Os
resultados da pesquisa básica, geralmente não negociáveis, são, no mais das vezes, publicados em periódicos
científicos ou postos em circulação entre os pares. Portanto, o cientista gera e consome conhecimento. O
produto da ciência é basicamente um novo conhecimento, que é repassado através da informação, tendo como
suporte o documento. O domínio público da literatura científica faz parte do processo de comunicação
científica. Sua atividade mais importante é a avaliação da produção científica feita pelos pares, pelos
"referees", cujo resultado é determinante para que a publicação ocorra e consequentemente para o seu
reconhecimento. Eventualmente, a pesquisa básica pode ser declarada secreta ou confidencial por razões de
segurança. A pesquisa básica é comumente executada por cientistas que estabelecem suas próprias metas e, em
grande parte, organizam o seu próprio trabalho. Contudo, em alguns casos, a pesquisa básica pode ser
fundamentalmente orientada ou dirigida em função de áreas mais amplas de interesse geral. Tal tipo de
pesquisa é, às vezes, chamado de "pesquisa básica orientada". (OECD. Frascati Manual. Paris, OCDE, 1993,
cap.2, pag.29). Os grifos são originais. (Glossário. Disponível em:
<http://www.finep.goc.br/o_que_e_a_finep/conceitos_ct.asp. Acesso em: 05 nov. 2014). 208
SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, planejamento e desenvolvimento autônomo. São Paulo: Perspectiva,
1986, p. 63. 209
BERCOVICI, Gilberto. Ciência e inovação sob a Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
916, p 267-295, fev. 2012, p. 271. 210
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 838. 211
A noção apresentada pela FINEP é de Fábio Celso de Macedo Soares Guimarães em A Política de Incentivo à
Inovação. Rio de Janeiro. Finep, 2000. (Glossário. Disponível em:
<http://www.finep.goc.br/o_que_e_a_finep/conceitos_ct.asp. Acesso em: 05 nov. 2014).
74
Consoante o Texto para Discussão nº 348, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), a capacitação tecnológica constitui o conjunto de habilidades que sustentam as rotinas
de produção e de melhoramentos da empresa. Essas habilidades localizam-se nas linhas de
produção e em departamentos especializados. A capacitação tecnológica, regra geral, adquire
as seguintes formas: a) capacitação em produção, que constitui o conjunto de habilidades
associadas à operação de plantas e de processos produtivos, à manutenção, ao planejamento
da produção, à otimização de processos, ao controle de qualidade de matérias primas, ao grau
de atualização de equipamentos, etc.; b) capacitação em projeto, que envolve um conjunto de
habilidades orientadas para o empreendimento de novas unidades produtivas. Compreende
uma vasta gama de conhecimentos, desde a identificação e a negociação da tecnologia,
passando pelo desenho básico e de detalhe, até a implantação do projeto; c) capacitação em
pesquisa e desenvolvimento, que consiste no conjunto de habilidades desenvolvidas pela
empresa com vistas à geração de um novo conhecimento científico e tecnológico. Essas
habilidades se situariam nas atividades de pesquisa básica, aplicada ou de desenvolvimento,
que encontrariam lugar em departamentos com pessoal especializado; d) capacitação em
recursos humanos, consistente no conjunto de habilidades acumuladas pelos recursos
humanos da empresa. Para consolidar esse estoque de conhecimentos contidos nos seus
empregados, seja sob a forma de educação formal ou informal, a empresa desenvolve ou
contrata atividades de treinamento em diversos níveis, adota sistemas de carreiras e de
incentivo, políticas de contratação e de manutenção da força de trabalho, qualificada ou
não.212
Para José Afonso da Silva, a capacitação tecnológica é um setor que merece especial
atenção do Poder Público na sua política de estímulo e incentivo ao desenvolvimento
científico e tecnológico, sendo dever do Estado apoiar a formação de recursos humanos nas
áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, concedendo, inclusive, aos que delas se ocupem,
meios e condições especiais de trabalho. O autor ressalta a importância do papel da rede
pública de ensino superior na formação de recursos humanos de elevada competência, sem
olvidar, ao mesmo tempo, que “sem a extensão e a qualidade do ensino básico (fundamental e
médio) o país não poderá responder pelos desafios propostos pelas novas tecnologias, cujo
212
FURTADO, André. Capacitação tecnológica, competitividade e política industrial: uma abordagem setorial
e por empresas líderes. Brasília: IPEA, n. 348, 1994, p. 11-14.
75
grau crescente de complexidade demanda que haja, desde o chão de fábrica, uma mão de obra
preparada e polivalente.”213
Em estudo sobre inovação, via internacionalização, Glauco Arbix, Mario Sergio Salerno
e João Alberto De Negri, registram, no mesmo sentido, que a qualificação da mão-de-obra,
em especial, o seu treinamento e escolaridade, consiste em uma das mais importantes
variáveis na probabilidade de uma empresa inovar. Esclarecem que se a escolarização da
força de trabalho, por si só, não induz as empresas automaticamente à inovação e à
internacionalização, pesquisas indicam que empresas que se internacionalizam com foco na
inovação empregam mão de obra mais escolarizada. Deste modo, uma política de incentivo à
inovação na indústria passa por políticas de aumento da escolaridade da população.214
Finalmente, quanto à autonomia tecnológica, importa mencionar que está relacionada
com a capacidade potencial autônoma de um país produzir internamente os bens e serviços
essenciais para a sua estratégia de desenvolvimento. Por seu turno, a autodeterminação
tecnológica consiste na capacidade de se tomar decisões autônomas em questões de
tecnologia, gerando, de forma independente, os elementos críticos do conhecimento técnico
necessários à obtenção de um processo ou produto.215
Por força de mandamento constitucional, a conquista da autonomia tecnológica é um
objetivo a ser perseguido, devendo o mercado interno, inclusive, ser incentivado de modo a
viabilizá-la.
Com efeito, a dependência tecnológica tem sido considerada um dos principais
instrumentos de geração e preservação de assimetrias no sistema internacional, podendo
comprometer até mesmo a soberania nacional. A manutenção da soberania e da autonomia
dos países depende, hoje, nitidamente, do conhecimento, da educação e do desenvolvimento
científico e tecnológico.216
6.4 Inovação tecnológica
O verbo inovar, oriundo do latim innovatus, remete a tornar novo, renovar, introduzir
mudança. Significa possibilitar a ampla difusão e utilização de uma invenção técnica.
213
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 838. 214
ARBIX, Glauco; SALERNO, Mario Sergio; DE NEGRI, João Alberto. O impacto da internacionalização com
foco na inovação tecnológica sobre as exportações das firmas brasileiras. Revista de Ciências Sociais, Rio de
Janeiro, v. 48, n. 1, p. 395-442, 2005, p. 434. 215
BERCOVICI, Gilberto. Ciência e inovação sob a Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
916, p 267-295, p.272, fev. 2012. 216
FRIEDE, Reis. SILVA, André Carlos da. A importância da lei de inovação tecnológica. Revista CEJ,
Brasília, ano XIV, n. 50, p. 34-39, jul./set. 2010, p. 37.
76
Melhoras introduzidas em produtos, técnicas de produção ou até mesmo no gerenciamento
empresarial podem ser consideradas inovação.217
Para Fabrício Polido, Mônica Steffen Guise Rosina e Priscilla Maria Dias Guimarães
César, a inovação, frequentemente vista como a principal fonte de lucros da indústria, “é tudo
o que ainda não foi feito e que oferece à empresa algum grau de vantagem sobre seus
concorrentes.”218
Foi Joseph Alois Schumpeter (1883-1950), um dos mais importantes economistas do
século XX, quem, de forma original e pioneira, sustentou a tese de ser a inovação o principal
fator responsável pelo desenvolvimento econômico.219-220
É por essa razão que Schumpeter costuma ser citado, inevitavelmente, em estudos,
manuais e pesquisas relacionados ao tema inovação, nos mais variados campos do saber.
217
POLIDO, Fabricio; ROSINA, Mônica Steffen Guise; CÉSAR, Priscilla Maria Dias Guimarães. Propriedade
intelectual: potencialidades e fragilidades do ambiente jurídico-institucional brasileiro para a inovação. In:
SHAPIRO, Mario G.; TRUBEK, David M. (Coord.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 135-180, p. 137. 218
POLIDO, Fabricio; ROSINA, Mônica Steffen Guise; CÉSAR, Priscilla Maria Dias Guimarães. Propriedade
intelectual: potencialidades e fragilidades do ambiente jurídico-institucional brasileiro para a inovação. In:
SHAPIRO, Mario G.; TRUBEK, David M. (Coord.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 135-180, p. 137. 219
Ensina Rubens Vaz da Costa: “Precursor da teoria do desenvolvimento capitalista, Schumpeter ofereceu uma
importante contribuição à economia contemporânea, particularmente no estudo dos ciclos econômicos. Enfant
terrible de sua geração, foi sucessivamente advogado de um tribunal internacional no Cairo, conselheiro
econômico de uma princesa egípcia, criador de cavalos, ministro da fazenda na Áustria, filósofo social e
profeta do progresso. Com menos de trinta anos de idade, já tinha escrito dois livros extraordinários: A
Natureza e a Essência da Teoria da Economia Política (1908) e a Teoria do Desenvolvimento Econômico
(1912). Costumava chocar os meios universitários, então extremamente conservadores, ao assistir às reuniões
da Congregação com botas de montaria. Schumpeter nasceu em Triesch, na Morávia, então província
austríaca, a 8 de fevereiro de 1883. Filho único de um rico fabricante de tecidos, pouco se sabe sobre seus pais.
Frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Viena, onde, em 1906, graduou-se igualmente em
Direito e Economia. Depois de formado, viajou por diversos países, entre eles a Inglaterra e o Egito. Ao voltar
à Áustria, já firmara prestígio como brilhante financista e economista, tendo sido convidado, sob a proteção de
Böhm-Bawerk, a lecionar na Universidade de Graz, em 1911. Após o final da Primeira Guerra Mundial, entre
1919 e 1924, Schumpeter afasta-se das atividades docentes e passa a dedicar os próximos anos à política e aos
negócios. Data dessa época sua presença no governo socialista austríaco. Em 1932, prevendo a maré fascista e
a guerra, emigra para os Estados Unidos, passando a lecionar na Universidade de Harvard até a sua morte,
ocorrida em 1950. Durante sua permanência nos Estados Unidos, Schumpeter escreveria ainda alguns de seus
trabalhos mais expressivos: Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942), onde considera inevitável o
desaparecimento do capitalismo e a vitória do socialismo; e História da Análise Econômica, obra não
completada e publicada postumamente em 1954.” SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do desenvolvimento
econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e ciclo econômico. Introdução de Rubens Vaz
da Costa; Tradução de Maria Sílvia Possas. 2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985 (Os economistas).
(contracapa). 220
“Mis teorias pueden ser equivocadas; mis esquemas, con seguridad, non son más que una de tantas
posibilidades; pero hay dos cosas de las que estoy seguro: primero, que se debe tratar al capitalismo como un
proceso de evolución, y que todos sus problemas fundamentales arrancan del hecho de que es un proceso de
evolución; y, segundo, que esta evolución no consiste en los efectos de los factores externos (incluso factores
políticos) sobre el proceso capitalista, ni en los efectos de un lento crecimiento del capital, de población, etc..,
sino en esa especie de mutación económica, me trevo a usar un término biológico, a la que he dado el nombre
de innovación.” (Teoria del desenvolvimiento económico: Una investigación sobre ganâncias, capital, crédito,
interes y ciclo económico. Tradução Jesús Prados Arrarte. 2 ed., D.F., México: Fondo de Cultura Econômica.
1957, p. 12)
77
Em sua obra “A Teoria do Desenvolvimento Econômico”, publicada em 1911,
Schumpeter trata, no capítulo inicial, de um modelo de economia fundamentado num fluxo
circular da vida econômica, no qual as atividades econômicas repetem-se continuamente.
Todavia, no capítulo intitulado “O Fenômeno Fundamental do Desenvolvimento Econômico”,
apresenta um modelo diverso, em que surge a figura do empresário inovador – agente
econômico que traz novos produtos para o mercado por meio de combinações mais eficientes
dos fatores de produção, ou pela aplicação prática de alguma invenção.221
No capítulo final da “Teoria do Desenvolvimento Econômico”, Schumpeter versa sobre
os ciclos econômicos, períodos de prosperidade e de recessão econômica comuns no processo
de desenvolvimento capitalista. Sustenta que há períodos de prosperidade porque o
empreendedor inovador, ao criar novos produtos, é imitado por empreendedores não
inovadores, que investem recursos para produzir e imitar os bens por ele criados. A economia
é estimulada, gerando prosperidade e o aumento do nível de emprego. À medida, porém, em
que as inovações tecnológicas são absorvidas pelo mercado e seu consumo se generaliza, a
taxa de crescimento da economia diminui, dando início a um processo recessivo, com a
redução dos investimentos e a baixa da oferta de emprego. A alternância entre prosperidade e
recessão é um obstáculo periódico e transitório no curso normal de expansão da renda
nacional, da renda per capita e do consumo.222
A relevância da teoria de Schumpeter para a configuração da inovação como principal
fator para o desenvolvimento econômico é enorme.
Trasladando a lógica da evolução natural para a explicação dos ciclos econômicos,
Schumpeter demonstrou que a inovação requer novas combinações dos meios de produção no
setor privado e no setor público com o fim de adaptação à variação das circunstâncias.223
Com efeito, a partir de Schumpeter, foi construída uma tipologia do empreendedor
associada à inovação, vinculada a atividades ditas combinatórias:
(i) introdução no mercado de um novo produto; (ii) desenvolvimento de
um novo método de produção; (iii) exploração de um novo mercado; (iv)
novas fontes de oferta; (v) criação de uma nova organização em uma
indústria. A partir dessas características, o conceito de empreendedorismo
221
SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros,
capital, crédito, juro e ciclo econômico. Introdução de Rubens Vaz da Costa; Tradução de Maria Sílvia Possas.
2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985 (Os economistas)., p. XII. 222
SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros,
capital, crédito, juro e ciclo econômico. Introdução de Rubens Vaz da Costa; Tradução de Maria Sílvia Possas.
2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985 (Os economistas)., p.XII. 223
ORTEGA, Ricardo Rivero. Derecho Administrativo Económico. 6. ed. Buenos Aires: Marcial Pons, 2013,
p.47.
78
foi construído como uma atividade combinatória, vocacionada para arranjar
e rearranjar elementos e recursos já existentes de modo a gerar inovação. 224
Schumpeter conceituou a inovação como um fenômeno amplo, envolvendo a introdução
de novos produtos, novos processos, novos mercados, novas fontes de matérias-primas e uma
nova organização dentro de uma indústria. Posteriormente, surgiu um conceito mais restrito, o
de inovação tecnológica, consistente na introdução de produtos ou processos
tecnologicamente novos ou significativamente aprimorados.225
Schumpeter também foi responsável pela definição precursora da inovação como um
fenômeno de natureza empresarial, separando invenção (criação de uma nova tecnologia) de
inovação (introdução da novidade no mercado). A partir dessa concepção, sustentou que a
inovação não consiste apenas em uma nova tecnologia, mas na habilidade que o empresário
tem de criar um novo mercado para ela.226
As teorias de Schumpeter deram ensejo à produção de indicadores específicos para a
inovação.
Ao mesmo tempo, o reconhecimento do avanço da técnica e da inovação como uma
variável relevante para o desenvolvimento econômico deu origem a importantes estudos sobre
as características da evolução tecnológica e dos fatores que a influenciam, tais como os
realizados por P.A. David; Metcalfe, J.S.; Nelson, R. e N. Rosenberg.227
Quanto à produção de indicadores específicos para a inovação, em 1963, a Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) organizou uma reunião de peritos
na Villa Falconieri de Frascati, na Itália, dando origem ao Manual de Frascati, destinado a
estabelecer a metodologia de levantamento de dados sobre pesquisa e desenvolvimento.228
De acordo com o Manual de Frascati:
21. As atividades de inovação tecnológica são o conjunto de diligências
científicas, tecnológicas, organizacionais, financeiras e comerciais, incluindo
o investimento em novos conhecimentos, que realizam ou destinam-se a
levar à realização de produtos e processos tecnologicamente novos e
melhores. P&D é apenas uma dessas atividades e pode ser realizada em
224
ARBIX, Glauco. Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São Paulo: Papagaio,
2007. p. 157. 225
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-6. 226
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-6. 227
TELLES, Luciana. O papel dos institutos públicos de pesquisa no desenvolvimento tecnológico e na
cooperação universidade-empresa. 2011. 279 f. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011, p. 26. 228
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Manual de Frascati 2002:
metodologia proposta para definição da pesquisa e desenvolvimento experimental. Rio de Janeiro: F-
Iniciativas, 2012, p.187.
79
diferentes estágios do processo de inovação, sendo usada não apenas como
uma fonte de ideias inventivas, mas também para resolver os problemas que
possam surgir em qualquer etapa do processo, até a sua conclusão.229
Após a criação do Manual de Frascati a OCDE decidiu consolidar uma metodologia
destinada especificamente para captar o fenômeno da inovação nas empresas, criando o
Manual de Oslo.230-231
O Manual de Oslo constitui a principal fonte internacional de diretrizes para a coleta e o
uso de dados sobre as atividades inovadoras da indústria. Uma vez que a capacidade de
determinar a escala das atividades inovadoras, as características das empresas inovadoras e os
fatores sistêmicos que podem influenciar a inovação é considerada um pré-requisito para o
desenvolvimento e a análise de políticas públicas relacionadas ao fomento da inovação
tecnológica, a importância do referido Manual é inquestionável,232
inclusive para a área
jurídica.
A respeito da metodologia da OCDE, consolidada no Manual de Oslo, esclarece a
FAPESP:
A metodologia da OCDE reflete o progresso do conhecimento
multidisciplinar sobre os determinantes e as características das empresas
inovadoras. Esse progresso corresponde à superação da abordagem linear e
sequencial da inovação, que via a pesquisa acadêmica pública e a pesquisa
tecnológica interna à empresa com as únicas etapas efetivamente produtoras
ou originadoras de inovações tecnológicas. Nessa visão, as demais funções
críticas, como produção e o planejamento e a execução da interação com o
mercado (marketing), eram entendidos como canais para viabilizar soluções
entregues pela P&D. Daí a ênfase quase exclusiva, nas primeiras abordagens
de indicadores de ciência e tecnologia, na medida de P&D como esforço
tecnológico voltado para a inovação, e das patentes como o seu principal
resultado.
229
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Manual de Frascati 2002:
metodologia proposta para definição da pesquisa e desenvolvimento experimental. Rio de Janeiro: F-
Iniciativas, 2012, p. 23. 230
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-6. 231
“Em que pese o fato de se ter como fonte padrões de países desenvolvidos, o Manual de Oslo é bastante
abrangente e flexível quanto a suas definições e metodologias de inovação tecnológica e, por isso mesmo, tem
sido uma das principais referências para as atividades de inovação na indústria brasileira.” (ORGANISATION
FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Manual Oslo: proposta de diretrizes para
coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. Rio de Janeiro: Finep, 2012, p.9). A Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi criada em 1960 e conta hoje com
aproximadamente 30 membros da Europa, Américas, Ásia e Oceania. Tem sede em Paris e atua
principalmente na área social e econômica, abordando temas como macroeconomia, comércio,
desenvolvimento, educação, ciência e inovação. Entre os objetivos da OCDE estão fomentar a boa governança
estatal e empresarial, o desenvolvimento social e o crescimento econômico por meio de cooperação
institucional e política, assim como a utilização de mecanismos de monitoramento (Disponível em:
http://www.cade.gov.br/Default.aspx?b879bb44c847c960f356. Acesso em: 07 jul.14). 232
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Manual Oslo: proposta de
diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. Rio de Janeiro: Finep, 2012, p. 5.
80
Em contraste com a abordagem linear, que ainda influencia fortemente o
senso comum do que seja inovação, a abordagem sistêmica, expressa no
Manual de Oslo, apresenta a inovação como processo de aprendizagem,
centrado na empresa inovadora, mas em que atuam e interagem diversos
atores internos e externos a ela. Essa visão mais complexa se beneficiou do
progresso do conhecimento no campo dos estudos da inovação [...].233-234
Como se nota, inicialmente, havia uma visão linear sobre o processo de inovação, em
que se assumia uma sequência hierárquica ou cronológica, em que a ciência era sempre
anterior e determinava os avanços tecnológicos, que, por sua vez, eram responsáveis por
colocar as inovações no mercado. Atualmente, existe uma visão sistêmica da inovação, sobre
a qual se discorrerá mais adiante, segundo a qual o movimento ciência-tecnologia pode
ocorrer em ambas as direções, ou seja, ora as descobertas científicas resultam no avanço da
técnica, ora os avanços tecnológicos apresentam novas questões à ciência; ora as pesquisas
feitas nos laboratórios públicos impulsionam o desenvolvimento de novas tecnologias
estimulando o surgimento de projetos propostos pela indústria, ora as pesquisas fornecem o
conhecimento para solucionar problemas de projetos propostos pela indústria.235
A primeira edição do Manual de Oslo, em 1992, definiu o conceito de inovação
tecnológica, aplicando-o às empresas do setor industrial, tendo recebido duas revisões, dando
origem às suas segunda e terceira edições. A segunda edição foi publicada em 1997. Na
terceira edição, em 2005, com inspiração na abordagem inicial de Schumpeter, ampliou-se o
conceito de inovação, incluindo-se, além da inovação tecnológica, a inovação organizacional
e a mercadológica. Nessa última edição a palavra ‘tecnológica’ foi retirada da definição de
inovação, fazendo concluir ser possível fazer inovação não somente em produtos e processos,
mas também em serviços, em marketing e em sistemas organizacionais.236
233
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-7. 234
Conforme explica Glauco Arbix, com a intensificação dos processos de inovação, a análise de novos dados
consolida a rejeição da visão linear, que apontava para uma suposta trajetória hierarquizada da inovação ao
longo do tempo. A visão de que a inovação seguiria sempre os caminhos da atividade mais nobre até a mais
vulgar, ou seja, da pesquisa científica básica, passando pela aplicada para finalmente desembocar na inovação
orientada para os mercados, mostrou-se frágil e insustentável. Pesquisas indicaram que a inovação tanto pode
seguir dos laboratórios para o mercado como pode nascer nas empresas, se desenvolver no mercado e gerar
desdobramentos nas universidades (Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São
Paulo: Papagaio, 2007, p. 30). 235
TELLES, Luciana. O papel dos institutos públicos de pesquisa no desenvolvimento tecnológico e na
cooperação universidade-empresa. 2011. 279 f. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011, p. 41. 236
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Manual Oslo: proposta de
diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. Rio de Janeiro: Finep, 2012, p. 15.
81
Vale frisar – atualmente, é possível falar, de modo abrangente, em inovação e não
apenas em inovação tecnológica.237
De igual sorte, nos dias de hoje, considera-se superada a abordagem linear e sequencial
da inovação, a qual, consoante já mencionado, via a pesquisa acadêmica pública e a pesquisa
tecnológica interna à empresa como as únicas etapas efetivamente produtoras ou originadoras
de inovações tecnológicas.
Sob a ótica do vigente Manual de Oslo,
Uma inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou
significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de
marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na
organização do local de trabalho ou nas relações externas.238
Ainda segundo o Manual de Oslo, o requisito mínimo para se definir uma inovação, é
que o produto, processo, o método de marketing ou organizacional sejam novos, ou
significativamente melhorados para a empresa. Isso inclui produtos, processos e métodos que
as empresas são as pioneiras a desenvolver e bem assim aqueles que foram adotados de outras
empresas ou organizações.239
Como se nota, o conceito de empresa inovadora é amplo, compreendendo tanto a
empresa que desenvolveu ela mesma a inovação quanto a que adotou uma inovação gerada
por outra empresa, “de maneira que a inovação é vista desde a perspectiva da própria
empresa, podendo já existir em outras empresas do país ou do exterior.”240
Um aspecto geral que merece ser frisado, na esteira das citadas lições de Schumpeter, é
que uma inovação depende de implementação.
A implementação é a introdução no mercado de um produto novo ou melhorado. Novos
processos, métodos de marketing e métodos organizacionais são implementados quando
efetivamente utilizados nas operações das empresas. Uma inovação pode consistir na
implementação de uma única mudança significativa, ou em uma série de pequenas mudanças
incrementais que, juntas, podem constituir uma mudança significativa.241
237
São consideradas inovações não tecnológicas, por exemplo, as relativas a modelo de negócio, marketing,
canal de distribuição, cadeia de fornecimento, gestão, planejamento urbano e logística de transporte
(MINISTÉRIO DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação 2012-2015 – Balanço das atividades estruturantes 2011. Brasília: MCTI, 2012. p. 30). 238
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Manual Oslo: proposta de
diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. Rio de Janeiro: Finep, 2012, p. 55. 239
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Manual Oslo: proposta de
diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. Rio de Janeiro: Finep, 2012, p.55. 240
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-6. 241
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Manual Oslo: proposta de
diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. Rio de Janeiro: Finep, 2012, p. 56.
82
Diz-se, por essa razão, que as inovações podem ser tecnologias radicalmente novas
(mais raras, portanto) ou a combinação de tecnologias existentes em novos usos, ou seja, as
inovações incrementais (mais comuns). Um produto tecnologicamente aprimorado é um
produto existente cujo desempenho tenha sido significativamente elevado.242
A propósito do assunto, para Fabrício Polido, Mônica Steffen Guise Rosina e Priscilla
Maria Dias Guimarães César:
A inovação radical, assim, busca a criação de novas tecnologias, trabalha
com um alto grau de incerteza quanto à viabilidade do produto final e tem
como foco produtos, processos ou serviços com características nunca antes
vistas, introduzindo uma grande mudança no mercado ou até criando novos
mercados. Já a inovação incremental busca o aprimoramento de tecnologias
existentes, trabalha com um menor grau de incerteza quanto à viabilidade do
produto final e tem como foco produtos, processos ou serviços já
desenvolvidos, mas melhorados, gerando grande competitividade entre as
empresas.
Ainda segundo os autores, os especialistas no assunto identificam como quatro os
principais estágios da inovação: a) invenção ou descoberta per se; b) desenvolvimento do
produto, ou seja, o conjunto de atividades por meio do qual determinado conceito é
modificado e aperfeiçoado até que passe a ser um produto apto a entrar no mercado; c)
empreendedorismo e investimento. Este estágio pode preceder o segundo; é a fase em que o
inovador decide comercializar o produto fruto da inovação, buscando apoio financeiro e
explorando as oportunidades de mercado; e, finalmente, d) difusão do produto, com sua
efetiva entrada no mercado.243
É importante ressaltar que, para inovar, as empresas empreendem determinadas
atividades – as chamadas atividades inovativas - que são, basicamente, as de pesquisa e
desenvolvimento (P&D) e outras atividades não exatamente relacionadas com P&D,
envolvendo, por exemplo, a aquisição de bens (máquinas e equipamentos), serviços e
conhecimentos externos.244
242
POLIDO, Fabricio; ROSINA, Mônica Steffen Guise; CÉSAR, Priscilla Maria Dias Guimarães. Propriedade
intelectual: potencialidades e fragilidades do ambiente jurídico-institucional brasileiro para a inovação. In:
SHAPIRO, Mario G.; TRUBEK, David M. (Coord.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 135-180, p. 138. 243
POLIDO, Fabricio; ROSINA, Mônica Steffen Guise; CÉSAR, Priscilla Maria Dias Guimarães. Propriedade
intelectual: potencialidades e fragilidades do ambiente jurídico-institucional brasileiro para a inovação. In:
SHAPIRO, Mario G.; TRUBEK, David M. (Coord.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 135-180, p. 138. 244
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013, documento não paginado.
83
No Brasil, desde meados dos anos 90, segundo ressalta Glauco Arbix, o termo inovação
passou a ser usado com bastante frequência nos pronunciamentos de autoridades públicas e de
empresários, contando, atualmente, com grande audiência.245
Com efeito, antes da década de 90, a ciência e a tecnologia costumavam ser debatidas
somente interna corporis, no âmbito de universidades e entidades especializadas. Apesar de
ter havido, na segunda metade do século XX, um crescente envolvimento entre o Estado e o
apoio ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia, a sociedade brasileira tinha pouco
conhecimento das atividades de pesquisa científica e tecnológica e do papel destas para
melhorar seu padrão de vida e o seu bem-estar. O assunto também não costumava ser
debatido no Congresso Nacional.246
Tanto assim que foi somente em 1985 que ocorreu a 1ª Conferência Nacional de Ciência
e Tecnologia (CNCT), que teve como objetivo ampliar a participação da sociedade brasileira
na definição de uma política científico-tecnológica para o País.247
Antes dessa 1ª Conferência, nunca havido sido realizado no Brasil um debate nacional,
com a participação ampla de diferentes segmentos da sociedade, em torno do tema ciência e
tecnologia.248
A 2ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), realizada em
2001, enfatizou a importância da inovação tecnológica como instrumento para a
competitividade. Previamente ao evento, foi elaborado o Livro Verde, discutido em
Conferências Regionais e em uma Conferência Nacional. As recomendações e definições de
estratégias para a C,T&I nacionais definidas na 2ª CNCTI foram, então, sintetizadas no
chamado Livro Branco.249
O prefácio deste, desde então, anunciava:
A C&T brasileira passa agora a ser iluminada pelo foco atualizado e
dinamizador da inovação. Os avanços alcançados pela C&T justificam
plenamente que o Brasil ingresse, em definitivo, na nova etapa da Inovação,
245
ARBIX, Glauco. Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São Paulo: Papagaio,
2007, p. 29. 246
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Ciência e tecnologia: numa sociedade democrática. Brasília:
MCT, 1985. (apresentação do Ministro Renato Archer, documento não paginado). 247
Informação constante do site do MCTI. Disponível em:
<http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/309656/Conferencia_Nacional_de_CI_I_CNCTI.html.
Acesso em: 05 nov. 2014. 248
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Ciência e tecnologia: numa sociedade democrática. Brasília:
MCT, 1985. (apresentação do Ministro Renato Archer, documento não paginado). 249
Informação constante do site do MCTI. Disponível em:
<http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/309656/Conferencia_Nacional_de_CI_I_CNCTI.html.
Acesso em: 05 nov. 2014.
84
ao passo que as transformações mundiais da C&T impelem o País na mesma
direção.250
Em 2005, a 3ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação buscou
apresentar a C,T&I produzida no Brasil como base de uma estratégia para promover o
desenvolvimento político, econômico, social e cultural do País.251
A 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, convocada sob o título
de Política de Estado para Ciência, Tecnologia e Inovação com vistas ao Desenvolvimento
Sustentável, foi realizada em maio de 2010, objetivando consolidar o Sistema Nacional de
Ciência, Tecnologia e Inovação como política de Estado e, também, apresentar subsídios para
o desenvolvimento do Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o
Desenvolvimento Nacional (PACTI), 2011-2014, que resultou em importantes subsídios para
a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) 2012-2015.252
Os temas centrais desta quarta edição foram focados nos eixos do PACTI 2007-2010: a
consolidação do Sistema Nacional de C,T&I; a inovação tecnológica nas empresas; as áreas
estratégicas e C,T&I; e a inovação para o desenvolvimento social.
Propôs como objetivo estratégico para o País um desenvolvimento científico e
tecnológico inovador, baseado em uma política de redução de desigualdades regionais e
sociais, de exploração sustentável das riquezas do território nacional e de fortalecimento da
indústria, agregando valor à produção e à exportação por meio da inovação e reforçando o
protagonismo internacional em ciência e tecnologia. As principais contribuições da 4ª
Conferência foram sintetizadas no chamado Livro Azul.253
A ENCTI 2012-2015, por seu turno, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Ciência e
Tecnologia.
Buscando a articulação e coordenação das políticas públicas setoriais e das iniciativas
do setor privado relacionadas com o desenvolvimento científico e tecnológico do País, a
ENCTI 2012-2015 prioriza, especialmente:
[...] traduzir o desenvolvimento científico e tecnológico em progresso
material e bem estar social para o conjunto da população brasileira, o que
passa pela convergência de dois macro-movimentos estruturais: a revolução
do sistema educacional e a incorporação sistemática ao processo produtivo,
250
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Livro branco: ciência, tecnologia e inovação. Brasília:
MCT, 2002, p. IX. 251
Disponível em: <http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/309656/Conferencia_Nacional_de_
CI_I_CNCTI.html. Acesso em: 05 nov. 2014. 252
Disponível em: <http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/309656/Conferencia_Nacional_de_
CI_I_CNCTI.html. Acesso em: 05 nov. 2014. 253
Disponível em: <http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/309656/Conferencia_Nacional_de_
CI_I_CNCTI.html. Acesso em: 05 nov. 2014.
85
em seu sentido mais amplo, da inovação como mecanismo de reprodução e
ampliação do potencial social e econômico do País. Esse é o caminho para
transformar a ciência, a tecnologia e a inovação em eixo estruturante do
desenvolvimento brasileiro.254
Elenca, ademais, a ENCTI 2012-2015 alguns programas prioritários, que envolvem
cadeias importantes para impulsionar a economia, tais como: tecnologias da informação e
comunicação, fármacos e complexo industrial da saúde, petróleo e gás, complexo industrial da
defesa, aeroespacial, nuclear e áreas relacionadas com a economia verde e o desenvolvimento
social.255
O ordenamento jurídico pátrio não ignorou os avanços da inovação nos debates técnicos
promovidos ao longo dos últimos anos. A rigor, mesmo antes da Lei nº 10.973/2004, já havia
normas que abordavam o assunto, ainda que por vezes de relance.
O Decreto Federal nº 792/1993, revogado pelo Decreto nº 5.906/2006, por exemplo, que
regulamentava a concessão de incentivos fiscais previstos na Lei Federal nº 8.248/1991,
visando à capacitação e à competitividade do setor de informática e automação, não fazia
alusão ao termo inovação, mas previa, como atividade de desenvolvimento, o trabalho
sistemático utilizando o conhecimento na pesquisa ou experiência prática para desenvolver
novos materiais, produtos ou dispositivos, implementar novos processos, sistemas ou serviços
ou, então, aperfeiçoar os já produzidos ou implantados, incorporando características
inovadoras.
A Lei Federal nº 10.168/2000, regulamentada inicialmente pelo Decreto nº 3.949/2001,
revogado pelo Decreto nº 4.195/2002, apesar de também não dispor, especificamente, sobre
inovação, instituiu contribuição de intervenção de domínio econômico destinada a financiar o
Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação.
Também a Lei Federal nº 10.332/2001, regulamentada pelos Decretos nºs 4.143/2002;
4.154/2002; 4.157/2002; 4.179/2002 e 4.195/2002 instituiu mecanismo de financiamento para
o Programa de Ciência e Tecnologia para o Agronegócio, para o Programa de Fomento à
Pesquisa em Saúde, para o Programa Biotecnologia e Recursos Genéticos – Genoma, para o
Programa de Ciência e Tecnologia para o Setor Aeronáutico e para o Programa de Inovação
para Competitividade.
A Lei Complementar nº 123/2000, por sua vez, em seu artigo 64, definiu, de forma
literal, a inovação, como sendo a concepção de um novo produto ou processo de fabricação,
254
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação 2012-2015 – Balanço das atividades estruturantes 2011. Brasília: MCTI, 2012, p. 12. 255
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação 2012-2015 – Balanço das atividades estruturantes 2011. Brasília: MCTI, 2012, p. 25.
86
bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo
que implica melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando
em maior competitividade no mercado. Previu, ainda, em seu artigo 65, o dever da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das respectivas agências de fomento, das
ICT, dos núcleos de inovação tecnológica e das instituições de apoio manter programas
específicos para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive quando
revestidas da forma de incubadoras.
A Lei Federal nº 10.973/2004, a Lei de Inovação, regulamentada pelo Decreto nº
5.563/2005, em seu artigo 2º, dispôs, de forma ampla, que a inovação é a introdução de
novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novos produtos,
processos ou serviço.
Já a Lei 11.196, de 21 de novembro de 2005, regulamentada pelo Decreto nº
5.798/2006, conhecida como Lei do Bem, considerou inovação tecnológica a concepção de
novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou
características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho
de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado.
É importante destacar que as definições da Lei do Bem e de seu Decreto regulamentador
nº 5.798/2006 estão baseadas nas recomendações do Manual de Frascati e não no Manual de
Oslo, este, consoante já visto, mais abrangente e flexível quanto às definições e metodologias
de inovação. Isto porque, vale lembrar, desde a sua terceira edição, publicada em 2005, o
Manual de Oslo expandiu o conceito de inovação, retirando a palavra ‘tecnológica’ de sua
definição e fazendo concluir ser possível fazer inovação em produtos, processos, em serviços,
em marketing e em sistemas organizacionais.256
Na Lei do Bem, vale observar, não há
menção à palavra “serviços”.
Por fim, a Lei Complementar Paulista nº 1.049, de 19 de junho de 2008, utiliza a
palavra “tecnológica” em sua definição, estipulando que inovação tecnológica é a introdução
de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e/ou social que resulte em novos
processos, produtos ou serviços, bem como em ganho de qualidade ou produtividade em
processos, produtos ou serviços já existentes, visando ampliar a competitividade no mercado,
bem como a melhoria das condições de vida da maioria da população, e a sustentabilidade
socioambiental.
256
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Guia prático de apoio à inovação. Brasilia: MCT, 2013.
Disponível em: <http://www.uergs.edu.br/uploads/1378305548_Downloads_Guia_Inovacao _Empresas.pdf>.
Acesso em: 20 jun. 2013, p. 15.
87
Como se nota, há uma pluralidade de definições para o termo inovação. É preciso ficar
atento a este fato, pois, eventualmente, pode não haver coincidência entre o que uma norma
ou um manual técnico considera inovação e o que a lei considera inovação.
Muitas vezes, pode não ser fácil a identificação e a distinção, sob o ponto de vista
técnico e prático, de atividades de inovação e de atividades de P&D. Se existe, além desse
problema, falta de sistematização no tratamento legal da matéria, ocorre maior insegurança,
tanto para o setor público como para o setor privado, na aplicação da legislação.
De toda forma – como os pressupostos das normas técnicas e legais são diversos, como
alternativa para a superação desse tipo de dificuldade, deve se considerar que cada uma de
suas definições deverá ser empregada em seu contexto próprio, tendo em vista os objetivos
que perseguirem.257
Há que se esclarecer, por fim, que não obstante, nos dias atuais, a inovação possa ser e
seja efetivamente considerada de forma mais abrangente, expandindo-se para além da acepção
de inovação tecnológica e para além das atividades do setor industrial, o presente trabalho
opta pela utilização do termo “inovação tecnológica”.
Primeiro, porque a Lei Federal nº 10.973/2004 e a Lei Complementar Paulista nº
1.049/2008 estão voltadas, diretamente, para o estímulo das pesquisas científica básica e
tecnológica, tal como preconizado na Constituição Federal.
Em segundo lugar, porque os instrumentos de fomento à inovação mostram-se
especialmente relevantes nos casos de execução de atividades mais complexas, com maior
conteúdo tecnológico, voltadas à P&D e ao desenvolvimento do setor industrial. Consoante já
verificado, a pesquisa tecnológica deve estar voltada para a solução dos problemas brasileiros
e para o desenvolvimento do setor produtivo nacional.
Finalmente, porque a inovação tecnológica está relacionada intimamente ao
conhecimento, aos processos criativos que geram benefícios para toda a sociedade. O uso do
vocábulo “tecnológica” não consiste numa questão meramente semântica.
257
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 50.
88
7 A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO PÚBLICA FOMENTADORA À INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA
A inovação possui objetivos econômicos, que são, basicamente, segundo a literatura
especializada: a) substituir produtos que estejam sendo descontinuados; b) aumentar a linha
de produtos dentro e fora do campo do produto principal; c) desenvolver produtos amistosos
em termos de meio ambiente; d) manter participação de mercado; e) aumentar participação de
mercado; f) abrir novos mercados no exterior e novos grupos-alvos domésticos; g) aumentar a
flexibilidade da produção; h) reduzir os custos de produção por meio da redução dos custos
unitários de mão de obra, do corte de materiais de consumo, do corte do consumo de energia,
da redução dos custos de desenho do produto; da redução dos prazos de início de produção; i)
melhorar as qualidades do produto; j) melhorar as condições de trabalho; l) reduzir os danos
ao meio ambiente.258
A Pesquisa de Inovação Tecnológica - Pintec 2011, do IBGE, 259-260
que tem avaliado,
no Brasil, desde 2001, dados relacionados à inovação nas empresas, em escala nacional,
resume a questão de forma objetiva - a inovação é um fenômeno complexo, cujas atividades
258
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Manual Oslo: proposta de
diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. Rio de Janeiro: Finep, 2012, p. 79. 259
Consoante esclarece o IBGE: “A Pesquisa de Inovação Pintec tem por objetivo a construção de indicadores
setoriais, nacionais e regionais, das atividades de inovação nas empresas do setor de Indústria, e de indicadores
nacionais das atividades de inovação nas empresas dos setores de Eletricidade e Gás e de Serviços
selecionados (edição e gravação e edição de música; telecomunicações; atividades dos serviços de tecnologia
da informação; tratamento de dados, hospedagem na internet e outras atividades relacionadas; serviços de
arquitetura e engenharia, testes e análises técnicas; e pesquisa e desenvolvimento), compatíveis com as
recomendações internacionais em termos conceituais e metodológicos. Ao permitir conhecer e acompanhar a
evolução destes indicadores no tempo, seus resultados poderão ser usados pelas empresas de análise de
mercado, pelas associações de classe para estudos sobre desempenho e outras características dos setores
investigados, e pelo governo para desenvolver e avaliar políticas nacionais e regionais. [...] No atual modelo de
produção de estatísticas do IBGE, esta é uma pesquisa de corte transversal e, como tal, busca aprofundar o
tema da inovação produzindo informações sobre aspectos como gastos com as atividades inovativas; fontes de
financiamento destes dispêndios; impacto das inovações no desempenho das empresas; fontes de informações
utilizadas; arranjos cooperativos estabelecidos; papel dos incentivos governamentais; obstáculos encontrados
às atividades de inovação; inovações organizacionais e de marketing, e uso de biotecnologia e
nanotecnologia.” (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação
2011. Rio de Janeiro: IBGE, 2013). (introdução, documento não paginado). 260
As metodologias estatísticas sobre atividades tecnológicas das empresas são relativamente novas e menos
disseminadas e consolidadas. No Brasil, o IBGE realizou, em 2001, a primeira experiência de pesquisa de
inovação em escala nacional para a indústria nacional, denominada Pesquisa de Inovação Tecnológica –
Pintec, tendo como referência o período de 1998-2000. Em 2003, houve a segunda edição da pesquisa,
referente ao período 2001-2003 e, em 2005, a terceira edição, relativa ao período 2003-2005. A terceira edição
incluiu alguns segmentos do setor de serviços em seu levantamento de dados. O IBGE fez algumas adaptações
de conceitos, para melhor adequá-los ao contexto brasileiro. Em 2008, houve a Pintec 2008, pertinente ao
triênio 2006-2008 e em 2011, a quinta edição da pesquisa, referente ao período de 2009 até 2011. A referência
conceitual da Pintec 2011 baseou-se na terceira edição do Manual de Oslo e, mais especificamente, no modelo
proposto pela Oficina de Estatística da Comunidade Europeia (Statistical Office of the European
Commnunities – Eurostat), consubstanciados nas versões 2008 e 2010 da Community Innovation Sursey –
CIS0. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013) (documento não paginado). A Pintec 2011 foi a última pesquisa divulgada pelo IBGE.
89
são geralmente motivadas pela busca do lucro diferenciado, envolvendo percepções a respeito
de oportunidades técnicas e econômicas ainda não exploradas. A inovação é algo arriscado,
incerto e custoso. Ainda que os ganhos auferidos em suas atividades possam ser
consideráveis, em geral, o que se busca não pode ser conhecido com exatidão a priori e,
consequentemente, os efeitos técnicos dos esforços inovativos raramente podem ser
conhecidos de antemão.261
Para inovar, é importante poder errar e tentar de novo.262
Leciona Mário Gomes Schapiro que não há atividades experimentais certas para buscar
produtos ou processos novos. O grau dessa imprevisibilidade é diretamente proporcional à
amplitude do processo inovativo: as inovações incrementais, pertinentes a produtos e
processos já existentes, apresentam um menor grau de incerteza do que as inovações radicais.
Por outro lado, as inovações radicais garantem exclusividade temporária de mercado e a
possibilidade de se auferir maiores rendas.263
A inovação impõe ao empreendedor problemas de êxito técnico e de êxito comercial,
encerrando, a um só tempo, “possibilidades de ganho supracompetitivos e a iminência de
fracassos retumbantes – em uma atividade cuja decisão corporativa é mediada pela
incerteza.”264
Essa situação enseja uma falha de mercado do setor industrial, que pode comprometer
sua viabilidade econômica. Nem sempre os agentes econômicos têm interesse em realizar
determinados empreendimentos (seja em razão do prazo de maturação do investimento, seja
em razão da incerteza quanto aos seus resultados etc.), o que pode causar alocações de
recursos inadequadas. É certo que as atividades industriais geram efeitos que excedem suas
próprias transações. Dessa forma, enquanto a insuficiência de investimentos em alguns setores
pode prejudicar toda a economia, por outro lado, investimentos industriais bem sucedidos
podem beneficiar os demais ramos da atividade.265
261
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado). 262
CRUZ, Renato. Inovação nos negócios surge em rede. O Estado de São Paulo, São Paulo, 27 out. 2013.
Economia, p. B14. 263
SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos parâmetros para a intervenção do Estado na economia. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 154. 264
SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos parâmetros para a intervenção do Estado na economia. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 155. 265
SCHAPIRO, Mario Gomes. Política industrial. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo (Org.). Fragmentos para um
dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 72-85, p. 75.
90
O poder de mercado de monopólios e oligopólios, ou as assimetrias de informação são
outros exemplos de falhas de mercados que alteram os resultados do modelo de concorrência
perfeita, o que é relevante para um número não desprezível de situações.266
Trata-se de um problema de externalidade:
as transações e as decisões privadas provocam efeitos que ultrapassam o
espaço de atuação dos agentes envolvidos. No segmento industrial, em
particular, a presença de externalidades é quem pode provocar esta
dissociação entre as expectativas privadas de rentabilidade e os benefícios
sociais resultantes dos empreendimentos. Em virtude da existência de falhas
individuais de mercado (notadamente, a incerteza e os problemas de
coordenação), os empreendedores podem considerar desinteressante
empreender determinado investimento industrial, o que, entretanto, pode
gerar resultados externos, impactando, por exemplo, o incremento de riqueza
de uma dada economia nacional.267
Vale dizer, “As externalidades ou economias externas surgem quando a decisão tomada
por um agente influencia o bem-estar de outro agente, não diretamente envolvido com as
decisões do primeiro.”268
A racionalidade do fomento, portanto, consiste na regulação de falhas de mercado, que
podem ser externalidades negativas ou positivas, conforme correspondam a custos ou a
benefícios gerados para terceiros, respectivamente. Têm sido estimuladas as atividades que
geram externalidades positivas, promovendo benefícios, tais como a movimentação da
economia, a criação de empregos e o desenvolvimento industrial.269
As externalidades positivas decorrentes da implementação de novos conhecimentos
tecnológicos são conhecidas na literatura econômica como “transbordamentos tecnológicos”.
De acordo com N. Gregory Mankiw, embora alguns economistas acreditem que os
transbordamentos tecnológicos são universais e que os governos devem incentivar as
indústrias que criam os maiores transbordamentos, por meio de políticas industriais, outros,
mais céticos, entendem que o sucesso de uma política industrial requer que os governos sejam
capazes de medir a magnitude dos transbordamentos em diferentes mercados, o que seria
difícil de realizar. O problema é que na ausência de medidas precisas, o sistema político
266
GREMAUD, Amaury Patrick. et al. Manual de economia. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 281. 267
SCHAPIRO, Mario Gomes. Política industrial. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo (Org.). Fragmentos para um
dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 72-85, p. 75. 268
GREMAUD, Amaury Patrick. et al. Manual de economia. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 281. 269
JUSTEN FILHO, Marçal; JORDÃO, Eduardo Ferreira. A contratação administrativa destinada ao fomento de
atividades privadas de interesse coletivo. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano
9, n. 34, p. 47-72, jul./set. 2011, p. 54.
91
acabaria subsidiando as indústrias que têm maior poder político, em vez das indústrias que
criam as maiores externalidades positivas.270
Este último pensamento precisa ser considerado com cautela.
É cediço que há, em toda sociedade, grupos que exercem pressão política a fim de
melhor defender e exercer os seus próprios interesses, o que se verifica, vale frisar, não
somente em matéria de política industrial. Daí a relevância de, não sendo possível estabelecer
metas e indicadores para mensurar, com máxima precisão, as externalidades positivas
decorrentes de uma determinada atividade, estabelecer-se as metas e indicadores que
consigam apurar, de forma transparente, a maior eficiência e qualidade possível do fomento
público, acompanhados dos meios de controles necessários.
A criação de mecanismos eficientes de acompanhamento e avaliação de investimentos
públicos numa área tão complexa como a C,T&I é certamente um dos maiores desafios atuais
impostos aos agentes públicos. A tarefa é difícil, exige recursos financeiros e mobilização de
recursos humanos altamente especializados e capacitados para a sua realização. Não pode o
Estado deixá-la em segundo plano.
Entendemos que o fomento público tem sido e é essencial para que as atividades
referentes à inovação façam parte do planejamento corporativo e da ação das empresas,
mormente porque poderá haver situações em que, sem o apoio do Estado, não haverá
incentivos suficientes para o empreendedorismo privado de interesse social.
Não é possível dissociar o fomento público à inovação tecnológica da política industrial.
Isso, exatamente porque, de acordo com Mario Gomes Schapiro, a formulação de uma
política industrial assume que determinados objetivos sociais e econômicos podem não ser
alcançados se submetidos apenas à lógica concorrencial de mercado.271
Ainda que haja entendimentos divergentes, é possível afirmar que, tanto nos países em
desenvolvimento, como nos países considerados já desenvolvidos, o tratamento dos
problemas do setor industrial tem contado com medidas de socialização de riscos, destinadas
270
MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. Tradução Allan Vidigal Hastings. São Paulo: Thomson
Learning, 2006, (tradução da 3ª edição norte-americana), p. 208. 271
SCHAPIRO, Mario Gomes. Política industrial. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo (Org.). Fragmentos para um
dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 72-85, p. 73. “a política industrial
pode ser entendida, de forma estipulativa, como uma política pública empreendida pelos governos nacionais
com o propósito de favorecer o setor produtivo. Em regra, costuma combinar medidas de fomento e
disposições regulatórias dirigidas a alterar a alocação dos recursos industriais, influenciando com isso a
estrutura e o desempenho desse setor. Trata-se, assim, de uma política dirigida imediatamente ao setor
produtivo e mediatamente ao fortalecimento da competitividade nacional, motivada pela percepção de que os
agentes privados podem ser carentes de um impulso governamental, para empreender determinadas atividades
industriais, que se mostram, no entanto, estratégicas para uma dada economia.” (p. 73).
92
a amparar publicamente aqueles empreendedores cujos investimentos são portadores de
significativas externalidades positivas.272
No Brasil, cada vez mais, as políticas industriais têm dedicado atenção ao fomento
público da inovação tecnológica.273
De fato, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), de 2004 a
2008, teve por objetivo fortalecer e expandir a base industrial brasileira por meio da melhoria
da capacidade inovadora das empresas. Em 2008, dando continuidade à PITCE, a Política de
Desenvolvimento Produtivo (PDP), de 2008 a 2010, intentou fortalecer a economia do País,
ampliando o diálogo entre os setores público e privado, assim como incentivar a exportação e
estimular a inovação. Em 2011, o Plano Brasil Maior (PBM), de 2011 a 2014, teve por foco o
estímulo à inovação para alavancar a competitividade da indústria nos mercados interno e
externo, integrando instrumentos de geração de emprego e de renda.274
Nesse contexto de crescente preocupação com o esforço inovador do País, a análise dos
dados resultantes da pesquisa Pintec 2011 demonstrou que, no período de referência de 2009 a
2011, os principais instrumentos utilizados pelas empresas inovadoras foram o financiamento
para compra de máquinas e equipamentos (25,6%) e outros programas de apoio, que
agregavam as bolsas oferecidas pelas Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) e pelo
Programa Recursos Humanos para Áreas Estratégicas (RHAE-Inovação), do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), os programas de aporte de
capital de risco do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da
Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), e outros, como compra governamental,
incentivos fiscais concedidos pelos Estados especificamente para o desenvolvimento de P&D
etc. (7,9%). Os instrumentos menos utilizados foram a subvenção econômica (1,0%) e o
272
SCHAPIRO, Mario Gomes. Política industrial. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo (Org.). Fragmentos para um
dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 72-85, p. 80. 273
Para o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, “Fomento: em sentido amplo, corresponde a políticas e
programas voltados para a promoção de atividades de C&T&I de instituições científicas e tecnológicas (ICT’s)
e empresas com base nos seguintes instrumentos: de regulação (definição de percentuais mínimos de aplicação
de recursos orçamentários; definição de contrapartidas; formas de acesso aos recursos – editais públicos, carta
convite e encomendas etc.); aporte de recursos não reembolsáveis às empresas privadas); créditos (recursos
reembolsáveis); aporte de capital (participação em investimentos); e fiscais (incentivos fiscais ou renúncia de
receitas). Segundo esses diferentes tipos de instrumentos, pode-se estabelecer uma tipologia das políticas e
programas de C&T&I. Conceitos mais restritos de fomento podem ser definidos tendo por referência cada um
ou um subconjunto desses tipos de instrumentos”. (GALVÃO, Antonio Carlos Filgueira. Descentralização do
fomento à ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Brasília, DF: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos,
2010, p. 12). 274
Informação constante do site da ABDI. Disponível em:
http://www.abdi.com.br/Paginas/politica_industrial.aspx. Acesso em: 17 set. 2014.
93
financiamento a projetos de P&D e inovação tecnológica em parcerias com universidades ou
institutos de pesquisa (1,3%).275
A pesquisa, tal como as anteriores já haviam demonstrado, evidenciou a manutenção do
padrão brasileiro de realização de atividades de inovação de baixo conteúdo tecnológico, tais
como o acesso ao conhecimento tecnológico por meio da compra de máquinas e
equipamentos, treinamento e aquisição de softwares.276
Os dados revelaram, ainda, que há muito a avançar em relação ao financiamento de
projetos de P,D&I em parcerias com universidades ou institutos de pesquisa, os quais, diga-
se, costumam envolver alto conteúdo tecnológico.
Por fim, importa notar que, comparando o percentual de empresas industriais
inovadoras que utilizaram ao menos um instrumento de apoio governamental no período de
2006 a 2008 com o resultado observado no período de 2009 a 2011, houve aumento nessa
participação de 22,8% para 34,6%. Atingiu-se o número de cerca de 14, 3 mil empresas
industriais que utilizaram algum incentivo público federal para desenvolver suas inovações de
produto e/ou processo nesse último período, número este aproximadamente 64,4% maior do
que o verificado no período anterior. A proporção cresceu com o tamanho da empresa: 33,4%
das que ocupavam entre 10 e 99 pessoas, 40,4% daquelas que possuíam entre 100 e 499
pessoas ocupadas e 54,8% nas empresas com 500 ou mais pessoas ocupadas. Conforme
revelado na edição anterior da pesquisa, foram as grandes empresas277
as relativamente mais
beneficiadas pelos programas governamentais.278
7.1 Os indicadores nacionais de inovação
Segundo a Pintec 2011, na economia brasileira, o ano de 2009 foi marcado por uma
retração, que ocorreu em decorrência da crise econômica internacional de 2008. Em 2009, o
Produto Interno Bruto (PIB) registrou uma queda em volume de 0,3% em relação ao ano
275
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado). 276
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado). 277
Quanto maior a empresa, maior o volume de recursos que ela consegue alocar ao processo inovativo e
maiores os meios que garantem que ela consiga se apropriar dos ganhos provenientes da inovação. 278
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado).
94
anterior. Na indústria da transformação, segmento predominante das empresas do universo
coberto pela Pintec, a queda foi de 8,7% em comparação a 2008.279
Além da crise internacional, no intervalo de 2009 a 2011, outro fenômeno relevante foi
o movimento de apreciação cambial, tendo havido em 2011 uma taxa média de câmbio
comercial para a venda real/dólar bastante acima que a taxa de 2006 e, consequentemente, o
incremento das importações.280
No período de 2009 a 2011 as empresas brasileiras foram expostas a um cenário mais
adverso do que o período de 2006 a 2008, especialmente em razão da crise de 2008, que
possivelmente determinou mudanças de comportamento em relação ao risco por parte dos
investidores. “Sendo a inovação um fenômeno intrinsecamente sujeito a elevados níveis de
incerteza, as decisões de investir em estratégias desta natureza tendem a ser condicionadas por
expectativas.”281
Entre 2009 a 2011, considerado o total das empresas pesquisadas pela Pintec 2011,
35,7% das empresas foram inovadoras. Houve queda da taxa geral de inovação282
em relação
à Pintec 2008, quando 38,1% das empresas haviam sido inovadoras,283
o que enfatiza o dever
de o Estado continuar analisando e aprimorando seus meios e instrumentos de fomento,
especialmente no que tange aos seus resultados e à sua eficácia.
7.2 Os indicadores paulistas de inovação284
279
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado). 280
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado). 281
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado). 282
Segundo a FAPESP, a taxa de inovação, que mede o percentual de empresas que introduziram algum tipo de
inovação tecnológica de produto ou processo frente ao conjunto de empresas pesquisadas, é o indicador mais
usado e citado nos meios acadêmicos e políticos. Como a definição de inovação é a seguida pelo Manual de
Oslo, compreende a empresa que adotou uma inovação tanto gerada por ela própria como por outras (processo
de difusão). (BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência,
tecnologia e inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-9). 283
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado). 284
As informações e dados relacionados aos indicadores de São Paulo, constantes ao longo de todo o presente
item 7.2, foram extraídos dos Indicadores de ciência, tecnologia e inovação em São Paulo 2010, Capítulo 7,
páginas 1 a 49. (BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de
ciência, tecnologia e inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-8). O estudo da FAPESP, de
2010, utilizou indicadores baseados nos dados da Pintec, com predominância da Pintec de 2005, pesquisa
disponível à época de sua elaboração.
95
Com base na Pesquisa Pintec 2005, as taxas de inovação da indústria paulista e da
indústria brasileira foram, respectivamente, de 33,6 e 33,4%. Houve pouca distância entre as
médias apuradas.285
Em 2004, cerca de 41% das empresas industriais da Comunidade Europeia foram
inovadoras, tendo ficado o Brasil abaixo dessa média. Nesse período, o país líder da Europa, a
Alemanha, apresentou uma taxa de 72,8% e a França, uma taxa um pouco acima da brasileira,
em 36,1%.286
Praticamente não houve evolução da taxa de inovação entre a Pintec 2003 e a Pintec
2005 - no Estado de São Paulo, a taxa subiu de 31,1%, em 2003, para 33,6%, em 2005.287
Importante notar que embora o total das empresas inovadoras, no Brasil, somasse
apenas um terço das empresas do setor industrial, elas responderam por 81,3% da receita
líquida e por 86,3% das exportações da indústria de transformação do País.288
No Estado de São Paulo houve diferenças importantes em relação aos setores industriais
de maior destaque no restante do Brasil. Os setores que, segundo a classificação da OCDE,
pertencem ao grupo de alta tecnologia, como o aeronáutico e o farmacêutico, apresentaram,
no Estado, uma taxa de inovação muito acima da média nacional.289
Segundo os dados da Pintec 2005, principal base do estudo da FAPESP, as grandes
empresas (consideradas assim as que empregavam 500 ou mais empregados), foram as mais
inovadoras do setor industrial brasileiro.290
As filiais de empresas multinacionais, assim entendidas as empresas brasileiras que
possuem capital majoritária ou parcialmente estrangeiro, por possuírem mais fácil acesso ao
chamado fluxo de conhecimento intrafirma, também apresentaram taxa de inovação em
patamar muito superior à média das empresas nacionais.291
Entre 2003 e 2005, as empresas de capital de origem estrangeira consideradas
inovadoras foram responsáveis por 39,4% da receita líquida da indústria e por 46,3% das
285
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-11. 286
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-9. 287
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-11. 288
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-11. 289
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-11. 290
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-12. 291 BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-12.
96
exportações industriais do Brasil. Por estarem fortemente concentradas em São Paulo, essas
empresas responderam por mais da metade da receita líquida da indústria, com 57,3%, e por
66,3% das exportações industriais no Estado.292
A presença de empresas de capital estrangeiro na P&D industrial brasileira foi de
44,4%. Em São Paulo, essas empresas responderam por 56,6% da P&D industrial do
Estado.293
Considerado, todavia, o sentido schumpeteriano de inovação (sem englobar a difusão,
que é a adoção de uma tecnologia já estabelecida), no cenário nacional, apenas 4,2% das
empresas, sublinhe-se, e não mais as 33,4%, anteriormente citadas, inovaram, revelando-se,
conforme frisado pela FAPESP, o caráter passivo e dependente das empresas do setor
industrial brasileiro.294
Essa taxa de inovação, de 4,2%, situa-se em patamar muito inferior a dos países
europeus, em 2004: Alemanha: 17,5%; Espanha: 7,3%; França: 12,6%; Itália: 11,3%;
Finlândia: 21,5%; e Reino Unido: 20,5%. Ou seja, não é difícil concluir que o País ainda tem
muito a avançar, sendo necessário promover uma verdadeira mobilização em toda a sociedade
em prol da consecução do objetivo de tornar o Brasil mais inovador e mais competitivo.295
Conforme conclusões da FAPESP:
a postura relativamente passiva das empresas industriais se reflete na
pequena importância que a P&D tem para a adoção de inovações na maioria
das empresas industriais. Poucas empresas estabelecem vínculos de
cooperação com outras empresas ou com universidades e institutos de
pesquisa. Essa proporção fica aquém daquela presente nos países europeus.
A aquisição de máquinas é ainda o principal esforço inovativo das empresas
brasileiras e paulistas, contrariamente às empresas dos países europeus, em
que esses recursos se concentram em P&D interna.
O indicador que melhor ilustra as diferenças estruturais da indústria
brasileira com a dos países desenvolvidos é a intensidade de P&D interna,
que é a medida a partir da razão do dispêndio de P&D sobre o valor
adicionado. Essa taxa fica em 1,5% para o conjunto da indústria brasileira e
em 2,1% para o Estado de São Paulo, muito abaixo dos 7,7% da média dos
países da OCDE. Quando se faz uma comparação das intensidades por
setores da indústria, percebe-se que é nos setores de alta tecnologia que as
discrepâncias são mais acentuadas em relação à média dos países
292 BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-14. 293
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-15. 294
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-17. 295
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-17.
97
desenvolvidos, exceto no setor aeronáutico, em que a intensidade brasileira
emparelha-se com a dos países desse bloco.296
No plano nacional, São Paulo, líder no País, concentrou 58,4% de todos os dispêndios
em P&D.
Os dados levantados pela Pintec demonstraram que, no Brasil, apesar dos esforços
realizados, o papel do Estado nas atividades de inovação ainda é limitado:
[...] aproximadamente 96% dos recursos que financiaram a P&D interna e
externa da indústria de transformação no Estado de São Paulo provinham das
próprias empresas, 2,8% tinham origem em organismos governamentais e
apenas 1,1% em organismos privados.297
Demonstraram, ainda, que, apenas 6% das empresas inovadoras brasileiras
consideravam as universidades e institutos de pesquisa importantes como fonte de informação
para a inovação e que um conjunto ainda menor de empresas, equivalente a 2,9%, estabelecia
vínculos de cooperação298
com estes. Essa taxa mostrou-se inferior à taxa de países como a
França e o Reino Unido (taxas de cerca de 10%); a Alemanha (8%), a Itália e a Espanha
(5%).299
Consoante já afirmado, as empresas, as universidades e institutos de pesquisa e o Poder
Público têm sido considerados atores centrais nos processos de inovação. Não podia ser
diferente, afinal, nas universidades e institutos de pesquisa públicos encontram-se
infraestrutura e recursos humanos altamente especializados e capacitados para as atividades
de P,D&I. Por essa razão, mostram-se essenciais para as políticas públicas o aperfeiçoamento
da legislação e dos instrumentos jurídicos pertinentes à promoção da interação entre esses
atores, interação esta que, como se depreende, não tem sido eficaz. Com efeito, a maior
disposição das empresas para cooperar com parceiros e contratar mão de obra qualificada tem
sido considerada uma importante condicionante dos efeitos positivos sobre a inovação, ao
296
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-48. 297
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-43. 298
Na Pintec, a cooperação para inovação é definida como “a participação ativa da empresa em projetos
conjuntos de P&D e outros projetos de inovação com outra organização (empresa ou instituição), o que não
implica, necessariamente, que as partes envolvidas obtenham benefícios comerciais imediatos. A simples
contratação de serviços de outra organização, sem a sua colaboração ativa, não é considerada cooperação.”
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado). 299
(BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia
e inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-31-32.
98
lado de outros fatores tais como a maior disseminação da cultura da inovação na sociedade e a
ampliação dos incentivos aos agentes inovadores, inclusive para atividades de P&D.300
Conforme procurou-se demonstrar até este momento, o Estado brasileiro promove
diretamente e regula a inovação tecnológica. Parece-nos evidente a necessidade de um
envolvimento mais consistente por parte dos estudiosos do Direito Administrativo nos debates
relacionados à melhora do desempenho inovador do País, o que muito poderá contribuir para
a concretização do objetivo constitucional do desenvolvimento nacional.
A respeito das parcerias entre os setores público e privado, com vistas à consecução de
atividades de inovação, é que se tratará mais adiante.
300
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado).
99
8 SISTEMAS DE INOVAÇÃO
O conhecimento é considerado um recurso econômico com características únicas, tendo
em vista que não é escasso nem consumido quando utilizado. Ao contrário de outros recursos,
com a utilização, o seu estoque é aumentado pela difusão na economia.301
Ruy Quadros, Sandra Brisolla, André Furtado e Roberto Bernardes ensinam que os
conhecimentos científico e tecnológico vêm lapidando um novo significado à noção
contemporânea de produtividade, consolidando-se como elementos essenciais e determinantes
do ciclo de desenvolvimento econômico e na formação de poder e riqueza das empresas,
regiões e países. Essa nova perspectiva tenta traduzir o significado da produção, distribuição e
uso do conhecimento e da informação como elementos nucleares para a mudança social e para
o progresso tecnológico e econômico das nações avançadas.302
A formulação de expressões como “economias baseadas em conhecimento”; “sociedade
da informação”; “economia do aprendizado”; “capitalismo de alianças relacional e coletivo”
tenta retratar a transição do modelo linear de C,T&I para o modelo de ligações em cadeia,
alterando-se posteriormente para um modelo padrão sistêmico.303
No Brasil, o revogado Decreto Federal nº 75.225, de 15 de janeiro de 1975, que
dispunha sobre o Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, já
estabelecia, em seu artigo 2º, a organização das atividades de ciência e tecnologia sob a forma
de sistema.
Em consonância com a lição de Glauco Arbix, um sistema de inovação consiste num
conjunto de instituições cujas interações determinam o desempenho inovador das firmas.304
Para Gilberto Bercovici, a pesquisa na área da inovação fala em ‘sistemas de inovação’
ao se referir às condições institucionais e jurídicas complexas necessárias à inovação. A seu
ver, os mecanismos fundamentais que organizam um ambiente propício à inovação consistem
em regras que possibilitam a criação, difusão e troca de direitos que assegurem a seus
301
SILVA, Carla Maria de Souza e. Inovação e cooperação: o estado das artes no Brasil. Revista do BNDES, v.
7, n. 13, p. 65-88, jun., 2000, p. 67. 302
QUADROS, Ruy. et al. Força e fragilidade do sistema de inovação paulista. In: São Paulo em Perspectiva,
São Paulo, v. 14, n. 3, p. 124-141, p. 124. 303
QUADROS, Ruy. et al. Força e fragilidade do sistema de inovação paulista. In: São Paulo em Perspectiva,
São Paulo, v. 14, n. 3, p. 124-141, p. 124-125. 304
ARBIX, Glauco. Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São Paulo: Papagaio,
2007, p. 142.
100
proprietários a possibilidade de atuar no mercado e, a terceiros, a possibilidade de acessar este
mercado.305
Conforme explica Luciana Oliveira Telles, o termo é utilizado para denominar o
conjunto de instituições que contribuem para o desenvolvimento e difusão de conhecimentos
e tecnologias e que proveem a estrutura sobre a qual ocorre a inovação. O alinhamento efetivo
entre essas instituições não se dá naturalmente, mas se desenvolve em resposta a incentivos e
oportunidades, precisando ser construído.306
Um sistema de inovação é baseado na divisão de trabalho das instituições, no que se
refere às suas funções e domínios. As instituições acumulam diferentes tipos de
conhecimento, possuem culturas e objetivos também distintos e respondem a mecanismos
diversos de incentivo. Por outro lado, a inovação demanda a combinação desses diferentes
tipos de conhecimento, o que requer um sistema eficiente de interação, de comunicação e de
coordenação entre esses vários agentes.307
De fato, a inovação é um processo em que a interação com os mais diversos atores, tais
como clientes, fornecedores, universidades, institutos de pesquisa, empresas de serviços de
engenharia, serviços de formação profissional e serviços tecnológicos, e até mesmo
concorrentes tem significação importante. Por isso, as oportunidades oferecidas pelos
aspectos virtuosos, ou não, dos sistemas nacionais (e também dos sistemas regionais) de
inovação, incluindo a sua dimensão regulatória, devem ser considerados em qualquer
abordagem sobre a matéria.308
Nessa trilha, verifica Alessandro Octaviani que a construção dos sistemas nacionais de
inovação foi uma tarefa realizada por todos os países centrais e os retardatários que realizaram
esforços de mobilidade na hierarquia do sistema-mundial no século XX, tarefa esta na qual,
segundo a literatura especializada, o Estado teve papel central 309-310
.
305
BERCOVICI, Gilberto. Ciência e inovação sob a Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
916, p 267-295, fev. 2012, p. 289. 306
TELLES, Luciana. O papel dos institutos públicos de pesquisa no desenvolvimento tecnológico e na
cooperação universidade-empresa. 2011. 279 f. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011, p. 37. 307
TELLES, Luciana. O papel dos institutos públicos de pesquisa no desenvolvimento tecnológico e na
cooperação universidade-empresa. 2011. 279 f. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011, p. 37 -38. 308
BRENTANI; Ricardo Renzo; CRUZ, Carlos Henrique de Brito (Coord.). Indicadores de ciência, tecnologia e
inovação em São Paulo 2010. São Paulo: Fapesp, 2011, p. 7-8. 309
OCTAVIANI, Alessandro. Recursos genéticos e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 187. 310
Segundo Luciana Oliveira Telles, a literatura especializada adota o termo catch-up para denominar os
esforços que os países realizam para diminuir o hiato tecnológico e econômico que os distancia dos países
mais avançados em uma determinada época. Economias que realizaram o catch-up são as que conseguiram
gerar inovações tecnológicas em um ritmo mais acelerado que os países avançados. A autora destaca, ainda,
que estudos especializados envolvendo quase uma centena de países com diferentes níveis de
101
Constatando, em particular, a forte presença estatal na confecção dos sistemas nacionais
de inovação dos países centrais, observa, ainda, Octaviani, que desde 2000, os orçamentos de
governo para P&D na área da OCDE têm crescido.311
No Brasil, o sistema nacional de inovação é marcado pela debilidade do setor privado
em realizar inovações, apesar da considerável rede pública de produção científica.
A cultura da inovação brasileira é bastante recente, a indústria não tem tradição em
inovar nem tampouco em contratar pessoal mais qualificado (como mestres e doutores).
O grau de inovação no país é baixo, em comparação com os países centrais. Em termos
de produção científica, o País está longe dos primeiros colocados, muito embora tenha havido,
ao longo das últimas décadas, considerável aumento de sua capacidade científica.312
De fato, entre 2000 e 2010, houve uma ampliação dos esforços brasileiros em C,T&I , o
que, todavia, não foi suficiente para reduzir o descompasso em relação aos países centrais.
Segundo a ENCTI 2012-2015, atualmente, o Brasil encontra-se em um estágio intermediário
de desenvolvimento científico e tecnológico – se o País mantiver a taxa de crescimento em
P&D dos últimos anos, serão necessários cerca de 20 (vinte) anos para se chegar ao nível, de
hoje, dos países europeus.313
Existe, inegavelmente, uma defasagem tecnológica no País, cuja superação requer uma
mudança de patamar nos investimentos públicos e privados em P,D&I.
Tendo em vista que o Direito tem papel essencial dentro dos sistemas de inovação e que
o Estado tem atuação de destaque nos processos inovativos, seja ao promovê-los, seja ao
regulá-los, faz-se necessário, cada vez mais, estudar as prescrições e efeitos decorrentes do
chamado ordenamento jurídico da inovação.
No plano federal, esse arcabouço é composto, especialmente, das seguintes leis e
decretos:
desenvolvimento, para o período de 1960-2000, apontam uma mudança nas condições de catch-up, mostrando
que, até os anos 80, a imitação tecnológica de países avançados era um importante fator de geração do
crescimento econômico mas, a partir dos anos 90, o sucesso ou fracasso de países de baixa renda em realizar
processos de catch-up dependeu, principalmente, de suas capacidades de desenvolver ou organizar seus
sistemas de inovação. (TELLES, Luciana. O papel dos institutos públicos de pesquisa no desenvolvimento
tecnológico e na cooperação universidade-empresa. 2011. 279 f. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 30). 311
OCTAVIANI, Alessandro. Recursos genéticos e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 190. O autor
destaca que, em termos de produção científica, o Brasil respondeu, em 2005, por 1,8% da produção científica
mundial (critério: artigos publicados em periódicos científicos indexados), ocupando a 17ª posição mundial
(primeiros colocados: EUA: 32,7%; Japão: 8,5%; Alemanha: 8,4%; Reino Unido: 7,4%; China: 6,7% e
França: 5,9%. Em 1981, o País formou 547 doutores e, em 2005, 10.616). 312
OCTAVIANI, Alessandro. Recursos genéticos e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 191-193. 313
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação 2012-2015 – Balanço das atividades estruturantes 2011. Brasília: MCTI, p. 34.
102
Decreto-Lei nº 719, de 31 de julho de 1969, que cria o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT);
Lei nº 8.010, de 29 de março de 1990, que dispõe sobre as importações de bens
destinados à pesquisa científica e tecnológica, alterada pela Lei nº 10.964, de 28 de outubro de
2004;
Lei nº 8.172, de 18 de janeiro de 1991, que restabelece o FNDCT; alterada pela Lei
11.540/2007;
Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, alterada pelas Leis nºs 10.176/2001 e
11.077/2004;
Lei nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994, alterada pelas Leis nº 10.973, de 02 de
dezembro de 2004 e 12.863/2013, e regulamentada pelos Decretos nº 7.423/2010, 8.240/2014
e 8.241/2014, que dispõe sobre as relações entre as instituições federais de ensino superior e
de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio;
Lei nº 9.279, de 14 de março de 1996 (Lei da Propriedade Industrial);
Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997 (Lei de Cultivares);
Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (Lei de Direitos Autorais);
Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998 (Lei de Software);
Lei nº 9.994, de 24 de julho de 2000, que institui o Programa de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico do Setor Espacial;
Lei nº 10.168, de 29 de dezembro de 2000, que institui contribuição de intervenção de
domínio econômico para financiamento do programa de estímulo à interação Universidade-
Empresa para apoio à inovação;
MP nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001 que dispõe sobre o acesso ao patrimônio
genético, à proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de
benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e
utilização;
Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004 (Lei de Inovação) e Decreto nº 5.663, de 11
de outubro de 2005 (Regulamento da Lei de Inovação);
Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 (Biossegurança);
Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 (Lei de Parcerias Público-Privadas);
Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005 (Lei do Bem, que estabelece incentivos
fiscais para a inovação tecnológica);
103
Lei nº 11.080, de 30 de dezembro de 2004, que autoriza o Poder Executivo a instituir o
Serviço Social Autônomo denominado Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
(ABDI);
Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, que institui o Estatuto
Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte;
Lei nº 11.487, de 15 de junho de 2007, que institui novo incentivo à inovação
tecnológica;
Lei nº 11.484, de 31 de maio de 2007 (Lei de Topografias de Circuitos Integrados e
Programa de Apoio às Indústrias de Semicondutores/TV Digital);
Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007, que regulamenta os convênios, contratos de
repasse e termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da administração pública
federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de
programas, projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência de
recursos oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União, alterada pelas Leis
nºs 6.170/07, 6.428/08, 6.619/08, 7.568/11 e 8.244/14;
Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, que regulamenta o inciso VII do §1º do art.
225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para uso científico de animais;
Lei nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010 (Lei do Poder de Compra Nacional, que
promoveu alterações nas Leis de Licitação, de Inovação e a pertinente às fundações de apoio).
Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que dentre outros assuntos, define as diretrizes
para a política de fomento e de colaboração com as organizações da sociedade civil,
instituindo o termo de colaboração e o termo de fomento.
Como se vê, trata-se de um emaranhado de normas, pertinentes aos mais diversos
assuntos, estabelecidas de forma não sistematizada, nas mais diversas épocas, relacionadas ao
exercício de competências das mais variadas entidades, tais como o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI),314
o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior (MDIC) e o Ministério da Educação (MEC).
314
Apenas a título de ilustração, cumpre destacar que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
possui, atualmente, nos termos da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, com alterações dadas pela Lei nº 12.
545, de 14 de dezembro de 2011, as seguintes áreas de atribuições: a) políticas nacionais de pesquisa científica
e tecnológica e de incentivo à inovação; b) planejamento, coordenação, supervisão e controle das atividades de
ciência, tecnologia e inovação; c) política de desenvolvimento de informática e automação; d) política nacional
de biossegurança; e) política espacial; f) política nuclear; g) controle da exportação de bens e serviços
sensíveis; h) articulação com os governos estaduais, do Distrito Federal e municipais, com a sociedade civil e
104
Estão vinculados ao MCTI a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)315
e o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)316
. Além das
agências de fomento, compõem o sistema MCTI: a Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN); a Agência Espacial Brasileira (AEB); 19 unidades de pesquisa científica,
tecnológica e de inovação; e quatro empresas estatais: Indústrias Nucleares Brasileiras (INB);
Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep); Alcântara Cyclone Space (ACS) e Centro de
Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec). Ademais, mantêm contratos de
gestão com o MCTI as seguintes Organizações Sociais: Centro de Gestão e Estudos
Estratégicos (CGEE); Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA); Centro
Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais / Associação Brasileira de Tecnologia de Luz
Síncroton (CNPEM/ABTluS); Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP); Instituto de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) e Associação Brasileira de Pesquisa e
Inovação Industrial (EMBRAPII).317
Convém notar que sempre houve um Ministério para a área de ciência e tecnologia.
com outros órgãos do Governo Federal no estabelecimento de diretrizes para as políticas nacionais de ciência,
tecnologia e inovação. 315
Em 1967 a FINEP, empresa pública vinculada ao MCTI, foi criada para institucionalizar o Fundo de
Financiamento de Estudos de Projetos e Programas, de 1965. Substituiu o papel até então exercido pelo Banco
BNDES e seu Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (FUNTEC), constituído em 1964 para financiar
a implantação de programas de pós-graduação nas universidades brasileiras. Em 1969, foi instituído o Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), destinado a financiar a expansão do sistema
de C&T. A partir de 1971, a FINEP foi declarada a sua Secretaria Executiva. Nas últimas décadas, a FINEP
financiou a implantação de novos grupos de pesquisa, a criação de programas temáticos, a expansão da
infraestrutura de C&T e a consolidação institucional da pesquisa e da pós-graduação no País, assim como
estimulou a articulação entre universidades, centros de pesquisa, empresas de consultoria e contratantes de
serviços, produtos e processos. Atualmente, financia o sistema de C,T&I, por meio da concessão de recursos
reembolsáveis e não-reembolsáveis, assim como por meio de outros instrumentos. Disponível em:
http://www.finep.gov.br/pagina.asp?pag=institucional_empresa. Acesso em: 05 nov. 2014. 316
Desde os anos 20, após a Primeira Guerra Mundial, a criação de uma entidade governamental para fomentar o
desenvolvimento científico no país era cogitada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). Na década de
1930, houve uma tentativa de criação de um Conselho de Pesquisas Experimentais, voltado ao setor agrícola,
mas a ideia não teve êxito. A partir da Segunda Guerra Mundial, os avanços da tecnologia bélica, aérea,
farmacêutica e principalmente a energia nuclear, despertaram os países para a importância da pesquisa
científica e de seu fomento. Em maio de 1946, o Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva propôs ao
governo, por intermédio da ABC, a criação de um conselho nacional de pesquisa. Em 1948, foi fundada por
cientistas a Sociedade para o Progresso da Ciência, voltada para a defesa do avanço científico e tecnológico e
do desenvolvimento educacional e cultural do Brasil. Ainda em 1948, o projeto da criação do conselho foi
apresentado na Câmara dos Deputados. Em janeiro de 1951, o Presidente Dutra sancionou a Lei de criação do
Conselho Nacional de Pesquisas como autarquia vinculada à Presidência da República - Lei nº 1.310 de 15 de
janeiro de 1951. Disponível em: http://www.cnpq.br/web/guest/a-criacao. Acesso em: 05 nov. 2014.
Interessante notar que também no ano de 1951 foi criada a CAPES. A criação do CNPq e da Capes é
considerada o marco do esforço sistemático de investimento na formação de recursos humanos e de pesquisa
no Brasil (ARBIX, Glauco. Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São Paulo:
Papagaio, 2007. p.5). 317
Informação constante do site do MCTI. Disponível em:
www.mct.gov.br/index.php/content/view/79120/Organizacoes_Sociais.html. Acesso em: 05 nov. 2014.
105
A rigor, o MCTI foi criado pelo Decreto nº 91.146, em 15 de março de 1985.318
Antes de sua criação, o órgão responsável pela coordenação do sistema de C,T&I era o
então Conselho Nacional de Pesquisa, hoje Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
A articulação para a criação do Ministério teve início na década de 1970, tendo ganhado
forças com a criação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(PADCT), que contava com a participação das quatro principais agências de fomento, o
CNPq, a FINEP, a CAPES e Secretaria de Tecnologia Industrial. A proposta da criação de um
ministério foi aprovada pelo então presidente eleito Tancredo Neves. Apesar da morte de
Tancredo Neves, o presidente, à época, José Sarney honrou o compromisso de criar o
Ministério, nomeando Renato Archer como ministro. Em 1989 ocorreu a fusão do Ministério
da Ciência e Tecnologia com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Em
março do mesmo ano uma medida provisória dividiu as duas pastas, passando o Ministério a
ser a Secretaria Especial da Ciência e Tecnologia. Em 1989, o Ministério da Ciência e
Tecnologia foi recriado por outra medida provisória e, em 1990, o então presidente Fernando
Collor o extinguiu novamente, criando a Secretaria da Ciência e Tecnologia, ligada à
Presidência da República. Em 1992, o presidente Itamar Franco editou nova medida
provisória que voltou a criar o Ministério, que assim permanece até os dias atuais.319
Ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, por seu turno,
conforme disposto na Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, competem áreas também
inquestionavelmente relevantes à inovação, a saber: a) política de desenvolvimento da
indústria, do comércio e dos serviços; b) propriedade intelectual e transferência de tecnologia;
c) metrologia, normalização e qualidade industrial; d) políticas de comércio exterior; e)
318
As razões que levaram à criação do então intitulado Ministério da Ciência e Tecnologia podem ser conferidas
nos “considerandos” do próprio Decreto nº 91.146, de 15 de março de 1985: “CONSIDERANDO que o
impacto dos avanços científicos e tecnológicos sobre as condições da vida do homem comum e da sociedade -
cada vez mais extenso e mais profundo - não pode passar desapercebido ao Estado e aos Governos, em virtude
da elevada missão que têm de zelar pelo bem comum; CONSIDERANDO que, no estágio de desenvolvimento
do Brasil, impõe-se o estímulo à atividade empresarial no setor, bem como o desenvolvimento de um
patrimônio de conhecimentos científicos e de uma tecnologia nacional que atenda às necessidades do País;
CONSIDERANDO que, embora já exista na estrutura da Administração Pública Brasileira uma série de
órgãos e de instituições de pesquisa e fomento voltados ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia, trata-se
de um conjunto disperso e desarticulado, sem supervisão e orientação unificadas, circunstância que inviabiliza
a formulação e a execução de uma estratégia de ação política firme e consistente no setor; CONSIDERANDO,
ainda, a contribuição que o progresso científico e tecnológico pode trazer tanto ao levantamento dos padrões
de vida da população, quanto ao desenvolvimento mais eficaz dos setores industrial, agrícola e de serviços;
CONSIDERANDO, enfim, que um Ministério da Ciência e Tecnologia estabeleceria os instrumentos e os
canais indispensáveis a uma política nacional no setor, capaz de servir aos mais altos interesses econômicos,
sociais e políticos da comunidade brasileira [...]” 319
Informação constante do site do MCTI. Disponível em:
www.mct.gov.br/index.php/content/view/78977/Historico.html. Acesso em: 05 nov. 2014.
106
regulamentação e execução dos programas e atividades relativas ao comércio exterior; f)
aplicação dos mecanismos de defesa comercial; g) participação em negociações internacionais
relativas ao comércio exterior.
As áreas de competência do Ministério da Educação, conforme a Lei nº 10.683, de 28
de maio de 2003, compreendem, dentre outras: a) política nacional de educação; b) educação
infantil; c) educação em geral, compreendendo ensino fundamental, ensino médio, ensino
superior, educação de jovens e adultos, educação profissional, educação especial e educação à
distância, exceto ensino militar; d) pesquisa e extensão universitária; e) magistério. A atuação
de tal Ministério é de patente relevância, haja vista que educação e qualificação profissional
são, conforme anteriormente citado, importantes variáveis na probabilidade de uma empresa
inovar.
A Presidência da República, nos termos da Lei nº 9.257, de 09 de janeiro de 1996, conta
com um órgão de assessoramento para a formulação e implementação da política nacional de
desenvolvimento científico e tecnológico, o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
(CCT), ao qual compete propor a política de Ciência e Tecnologia do País, como fonte e parte
integrante da política nacional de desenvolvimento; propor planos, metas e prioridades de
governo referentes à Ciência e Tecnologia, com as especificações de instrumentos e de
recursos; efetuar avaliações relativas à execução da política nacional de Ciência e Tecnologia;
opinar sobre propostas ou programas que possam causar impactos à política nacional de
desenvolvimento científico e tecnológico, bem como sobre atos normativos de qualquer
natureza que objetivem regulamentá-la.320
Especificamente em relação ao Estado São Paulo, vale ressaltar que ele conta com uma
relevante infraestrutura pública dedicada à C&T, composta, dentre outras instituições, pela
320
A composição do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia – CCT, nos termos do Decreto nº 6.090, de 24,
de abril de 2007 é a seguinte: I - Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, que será o seu Secretário; II -
Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República; III - Ministro de Estado da Defesa; IV -
Ministro de Estado da Educação; V - Ministro de Estado da Fazenda; VI - Ministro de Estado das
Comunicações; VII - Ministro de Estado da Saúde; VIII - Ministro de Estado das Relações Exteriores; IX -
Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; X - Ministro de Estado do
Planejamento, Orçamento e Gestão; XI - Ministro de Estado da Integração Nacional; XII - Ministro de Estado
Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; XIII - Ministro de Estado da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento; XIV - oito membros entre produtores e usuários de ciência e
tecnologia, e respectivos suplentes, com mandato de três anos, admitida uma única recondução; e
XV - seis membros representantes de entidades de caráter nacional representativas dos setores de ensino,
pesquisa, ciência e tecnologia, e respectivos suplentes, com mandato de três anos, admitida uma única
recondução. Os membros referidos no inciso XV são indicados pela Associação Nacional dos Dirigentes de
Instituições Federais de Ensino - ANDIFES, pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC,
pela Academia Brasileira de Ciências - ABC, pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos
de Ciência e Tecnologia - CONSECTI, pelo Fórum Nacional de Secretários Municipais da Área de Ciência e
Tecnologia e pelo Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa - CONFAP. Os membros referidos
nos incisos XIV e XV são designados pelo Presidente da República.
107
Universidade de São Paulo (USP); pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São
Paulo S.A (IPT); pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP);
pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN); pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp); e pela Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho"
(UNESP), além de diversos institutos de pesquisas integrados às suas próprias Secretarias de
Estado, tais como o Instituto Adolfo Lutz e o Instituto Butantan.321
A rigor, o sistema público de C&T de São Paulo é o mais diversificado e desenvolvido
dentre todos os sistemas estaduais brasileiros, respondendo por metade da produção científica
nacional e pela formação de cerca de dois terços dos doutores brasileiros.322
Na esfera estadual, à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência,
Tecnologia e Inovação, consoante o Decreto nº 59.773, de 19 de novembro de 2013, incumbe,
dentre outras atribuições: I - a formulação, a implantação e a coordenação da execução de
políticas públicas voltadas à promoção da inovação tecnológica e à garantia do crescimento
econômico sustentável do Estado, com os objetivos de: a) gerar trabalho e renda; b) reduzir as
desigualdades regionais; c) assegurar apoio tecnológico aos municípios paulistas,; d) fomentar
e apoiar a realização de planos, programas e projetos de âmbito local ou regional que possam
contribuir para o desenvolvimento sustentável do Estado de São Paulo; e) atrair
investimentos; f) incrementar o comércio exterior; g) fortalecer e estimular: os arranjos
produtivos locais; o empreendedorismo; e as microempresas e empresas de pequeno e
médio portes; h) melhorar e facilitar a prospecção, a legalização e o exercício de atividade
econômica; i) aumentar a participação relativa da micro e pequena empresa no produto
321
A título exemplificativo, os diplomas seguintes, com suas respectivas alterações posteriores, tratam, entre
outros assuntos, de algumas das instituições criadas em São Paulo, no período compreendido entre 1934 até o
final da década de 70, integrantes de sua relevante estrutura de P&D: Decreto nº 6.283, de 25 de janeiro de
1934, que cria a Universidade de São Paulo; Decreto nº 6.375, de 03 de abril de 1934, que cria o Instituto de
Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, anexo à Escola Politécnica; Decreto-Lei nº 13.979, de 16 de
maio de 1944, que dispõe sobre a reorganização do Instituto de Pesquisa Tecnológica, instituindo-o em
entidade autárquica; Lei Estadual nº 5.918, de 18 de outubro de 1960, que autoriza o Poder Executivo a
instituir a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP; Lei Estadual nº 7.655, de 28 de
dezembro de 1962, alterada pelas Leis 9.715, de 30 de janeiro de 1967, e 10.214, de 10 de setembro de 1968,
que dispõe sobre a criação da Universidade de Campinas como entidade autárquica; Decreto-Lei de 6 de
outubro de 1969, que cria, como entidade autárquica, o Centro Estadual de Educação Tecnológica de São
Paulo; Decreto-Lei nº 250, de 29 de maio de 1970, que cria o Instituto de Energia Atômica, atual Instituto de
Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN; Lei nº 93, de 27 de dezembro de 1972, alterada pela Lei nº 13.784,
de 23 de outubro de 2009, que cria o Fundo Estadual de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
FUNCET; Lei nº 896, de 17 de dezembro de 1975, que autoriza o Poder Executivo a constituir empresa sob a
denominação de Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado de São Paulo – IPT; Lei nº 952, de 30 de janeiro
de 1976, que cria a Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", transformando o Centro
Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, criado por Decreto-lei de 6 de outubro de 1969, em autarquia
de regime especial, associada à Universidade; Decreto nº 30.519, de 02 de outubro de 1989, que cria e
organiza o Conselho das Instituições de Pesquisa do Estado de São Paulo. 322
QUADROS, Ruy. et al. Força e fragilidade do sistema de inovação paulista. In: São Paulo em Perspectiva,
São Paulo, v. 14, n. 3, p. 124-141, p. 129.
108
interno bruto da economia paulista, j) promover: a articulação dos fatores de produção; a
eficiência da infraestrutura e da logística no âmbito do Estado; k) desenvolver, qualificar e
expandir o ensino técnico, tecnológico e profissionalizante, de modo a atender as
necessidades da população e as demandas do mercado; I) estimular: a produção de
conhecimento; a pesquisa científica e tecnológica; a inovação tecnológica; m) aumentar a
competitividade da economia paulista; II - a proposição de políticas e diretrizes para o
ensino superior, em todos os seus níveis; III - a coordenação e a implementação de ações de
competência do Estado com vista à formação de recursos humanos no âmbito do ensino
superior; IV - a promoção da realização de estudos para: desenvolvimento e aprimoramento
do ensino superior; aumento da acessibilidade ao ensino superior; ampliação das atividades de
ensino, pesquisa e extensão; busca de formas alternativas para oferecer formação nos níveis
de ensino superior, com vista a aumentar o acesso à Universidade, respeitadas a autonomia
universitária e as características de cada Universidade; V - o intercâmbio de informações e a
colaboração técnica com instituições públicas e privadas, nacionais, estrangeiras
ou internacionais; VI - o desenvolvimento e a implementação de sistemas de informações
destinadas a orientar as instituições de ensino médio diante das dificuldades encontradas
pelos alunos nos cursos de formação universitária; VII - fomentar o artesanato no Estado.
Em São Paulo, a Lei Complementar nº 1.049, de 19 de junho de 2008, regulamentada
pelo Decreto nº 54.690, de 18 de agosto de 2009, dispõe sobre medidas de incentivo à
inovação tecnológica, à pesquisa científica e tecnológica, ao desenvolvimento tecnológico, à
engenharia não-rotineira e à extensão tecnológica em ambiente produtivo, e dá outras
providências correlatas.323
323
Estão, ainda, relacionadas ao tema, a título exemplificativo, as seguintes normas estaduais: Decreto nº 50.243,
de 16 de novembro de 2005, que institui o Comitê Estadual para a elaboração do Programa Paulista de
Nanotecnologia e Nanociência; Decreto nº 50.504, de 06 de fevereiro de 2006, que institui o Sistema Paulista
de Parques Tecnológicos (revogado pelo Decreto nº 54.196/2009); Decreto nº 52.360, de 13 de novembro de
2007, que institui o Comitê Executivo encarregado da elaboração do Plano de Ciência, Tecnologia e Inovação
para São Paulo; Decreto nº 53.141, de 19 de junho de 2008, que institui Grupo de Trabalho para apresentar
proposta de regulamentação da Lei Complementar nº 1.049, de 19 de junho de 2008; Lei nº 13.179, de 19 de
agosto de 2008, que autoriza o Poder Executivo a instituir Serviço Social Autônomo denominado Agência
Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade – INVESTE SÃO PAULO; Decreto nº 53.766, de
05 de dezembro de 2008, que institui o Serviço Social Autônomo denominado Agência Paulista de Promoção
de Investimentos e Competitividade - INVESTE SÃO PAULO; regulamenta os parágrafos únicos dos artigos
2º e 3º da Lei nº 13.179, de 19 de agosto de 2008, e dá providências correlatas; Decreto nº 53.826, de 16 de
dezembro de 2008, que institui incentivos no âmbito dos parques tecnológicos integrantes do Sistema Paulista
de Parques Tecnológicos, de que tratam a Lei Complementar nº 1.049, de 19 de junho de 2008, e o Decreto n.º
50.504, de 06 de fevereiro de 2006; com alterações dadas pelos Decretos nºs 60.570/2014; 58.768/2012;
57.241/2011; 56.848/2011; 56.340/2010 e 54.906/2009; Decreto nº 54.196, de 02 de abril de 2009, que
regulamenta o Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, de que trata o artigo 24 da Lei Complementar nº
1.049, de 19 de junho de 2008 (revogado pelo Decreto 60.286/14); Decreto nº 54.339, de 15 de maio de 2009,
que altera o dispositivo que especifica do Decreto nº 53.766, de 5 de dezembro de 2008, que instituiu o
Serviço Social Autônomo denominado Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade -
109
Também os demais Estados brasileiros, inspirados pela Lei nº 10.973/2004, vêm
promulgando suas respectivas leis de inovação,324
fortalecendo os sistemas regionais de
inovação.
INVESTE SÃO PAULO; Decreto nº 54.690, de 18 de agosto de 2009, que regulamenta dispositivos que
especifica da Lei Complementar nº 1.049, de 19 de junho de 2008; Decreto nº 54.906, de 13 de outubro de
2009, que altera o Decreto 53.826, de 16 de dezembro de 2008, que instituiu incentivos no âmbito dos parques
tecnológicos integrantes do Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, de que tratam a Lei Complementar
1.049, de 19 de junho de 2008 e o Decreto 50.504, de 6 de fevereiro de 2006; Decreto nº 56.848, de 18 de
março de 2011, que altera o Decreto 53.826, de 16 de dezembro de 2008, que institui incentivos no âmbito dos
parques tecnológicos integrantes do Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, de que tratam a Lei
Complementar nº 1.049, de 19 de junho de 2008, e o Decreto 50.504, de 06 de fevereiro de 2006; Decreto nº
57.241, de 17 de agosto de 2011; que altera o Decreto 53.826, de 16 de dezembro de 2008, que institui
incentivos no âmbito dos parques tecnológicos integrantes do Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, de
que tratam a Lei Complementar nº 1.049, de 19 de junho de 2008, e o Decreto 50.504, de 6 de fevereiro de
2006; Decreto nº 56.413, de 19 de novembro de 2010, que institui o Programa Estadual de Fomento ao
Desenvolvimento Regional, visando a apoiar a elaboração de estudos e projetos voltados ao fomento do
desenvolvimento regional do Estado; Decreto nº 54.424, de 23 de novembro de 2010, que institui e
regulamenta a Rede Paulista de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica de que trata o artigo 24 da Lei
Complementar nº 1.049/2008 (revogado pelo Decreto 60.286/2014); Decreto nº 56.569, de 22 de dezembro de
2010, que cria os Núcleos de Inovação Tecnológica - NITs, no âmbito das Instituições Científicas e
Tecnológicas do Estado de São Paulo - ICTESPs, das Secretarias de Estado que especifica; Lei nº 14.676, de
28 de dezembro de 2011, que institui o Plano Plurianual para o quadriênio 2012-2015; Decreto nº 58.107, de
05 de junho de 2012, que institui a Estratégia para o Desenvolvimento Sustentável do Estado de São Paulo
2020; Decreto nº 58.326, de 24 de agosto de 2012, que regulamenta o § 4º do artigo 1º da Lei nº 93, de 27 de
dezembro de 1972, alterada pela Lei nº 13.784, de 23 de outubro de 2009, que criou o Fundo Estadual de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCET; Lei nº 15.099, de 25 de julho de 2013, que dispõe
sobre programas específicos de inovação tecnológica para as microempresas e para as empresas de pequeno
porte no Estado de São Paulo; Decreto nº 59.977, de 30 de outubro de 2013, que reorganiza o Conselho
Estadual de Ciência e Tecnologia – CONCITE; Decreto nº 59.773, de 19 de novembro de 2013, que altera a
denominação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, para Secretaria de
Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação e dispõe sobre sua organização; Decreto nº
60.286, de 25 de março de 2014, que regulamenta o Sistema Paulista de Ambientes de Inovação – SPAI e dá
providências correlatas; Lei Complementar nº 1.243, de 30 de maio de 2014, que altera a Lei Complementar nº
846, de 1998, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, e dá providências
correlatas; Decreto nº 60.561, de 20 de junho de 2014, que dá nova redação a dispositivos que especifica do
Decreto nº 53.961, de 2009, que aprova o Estatuto da Agência Paulista de Promoção de Investimentos e
Competitividade - INVESTE SÃO PAULO; Decreto nº 60.570, de 24 de junho de 2014, que altera os Decretos
53.051/2008, 53.826/2008 e 54.904/2009, que tratam, respectivamente, do Programa de Incentivo ao
Investimento pelo Fabricante de Veículo Automotor, dos Incentivos no âmbito dos Parques Tecnológicos e do
Programa de Incentivo ao Investimento pelo Fabricante de Produtos da Indústria de Processamento Eletrônico
de Dados. 324
No plano dos Estados, como parte essencial de seus respectivos sistemas de inovação, podem ser citados: a)
no Amazonas: Lei Estadual nº 3.095, de 17 de novembro de 2006, que dispõe sobre incentivos à inovação e à
pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo no âmbito do Estado do Amazonas; b) no Mato
Grosso: Lei Complementar nº 297, de 07 de janeiro de 2008, que dispõe sobre incentivos à inovação e à
pesquisa científica e tecnológica visando alcançar autonomia tecnológica, capacitação e o desenvolvimento do
Estado; c) em Santa Catarina: Lei nº 14.348, de 15 de janeiro de 2008, que dispõe sobre incentivos à
pesquisa científica e tecnológica e à inovação no ambiente produtivo no Estado de Santa Catarina,
regulamentada pelo Decreto nº 2.372, de 9 de junho de 2009; d) em Minas Gerais: Lei nº 17.348, de 17 de
janeiro de 2008, que dispõe sobre o incentivo à inovação tecnológica no Estado; e) no Ceará: Lei nº 14.220,
de 16 de outubro de 2008, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no
estado do Ceará; f) em Pernambuco: Lei nº 13.690, de 16 de dezembro de 2008, que dispõe sobre incentivos
à pesquisa científica e tecnológica e à inovação no ambiente produtivo e social no Estado de Pernambuco, e dá
outras providências, regulamentada pelo Decreto 33.433, de 29 de maio de 2009; g) no Rio de Janeiro: Lei nº
5.361, de 29 de dezembro de 2008, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e
tecnológica no ambiente produtivo no âmbito do estado do rio de janeiro, e dá outras providências,
regulamentada pelo Decreto nº 42.302, de 12 de fevereiro de 2010; h) na Bahia: Lei nº 11.174 de 9 de
110
Os municípios, de igual modo, vêm reconhecendo a relevância do assunto.
Em 2010, a Lei Paulistana nº 15.247, de 26 de julho de 2010, dispôs sobre a criação do
Conselho Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação, vinculado à Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Econômico e do Trabalho, de caráter consultivo, tendo por finalidade o
incentivo ao desenvolvimento científico, tecnológico e à inovação, com vistas ao
desenvolvimento sustentável da cidade, em apoio ao planejamento e à gestão da
Administração Pública Municipal.
Bem se vê que os sistemas de inovação são complexos, não somente sob a ótica técnica
e operacional, mas também sob o ponto de vista de seu disciplinamento legal. A grande
quantidade de normas esparsas em todos os entes federativos demonstra por si só a
necessidade crescente de promover sua melhor articulação e coordenação, identificando e
eliminando, sempre que necessário e possível, as lacunas e sobreposições existentes.
dezembro de 2008, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica em ambiente
produtivo no Estado da Bahia e dá outras providências; i) em Alagoas: Lei nº 7.117, de 12 de novembro de
2009, que dispõe sobre incentivos à pesquisa científica e tecnológica, à inovação e à proteção da propriedade
intelectual em ambiente produtivo e social no estado de Alagoas, e dá outras providências; i) no Rio Grande
do Sul: Lei nº 13.196, de 13 de julho de 2009, que estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa
científica e tecnológica, define mecanismos de gestão aplicáveis às instituições científicas do Estado do Rio
Grande do Sul e dá outras providências; j) em Sergipe: Lei nº 6.794, de 02 de dezembro de 2009, que dispõe
sobre medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo no Estado
de Sergipe, e dá providências correlatas; l) no Espírito Santo: Lei Municipal nº 7.871, de 21 de dezembro de
2009, que dispõe sobre medidas de incentivo à inovação e a pesquisa tecnológica, ao desenvolvimento da
engenharia e a consolidação dos ambientes de inovação nos setores produtivos e sociais na cidade de Vitória,
no âmbito da organização do Sistema Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação, da ampliação da Política
Municipal de Ciência e Tecnologia, e dá outras providências; m) em Goiás: Lei n° 16.922, de 08 de fevereiro
de 2010, que dispõe sobre o incentivo à inovação tecnológica no âmbito do Estado de Goiás e dá outras
providências; n) no Mato Grosso do Sul: Decreto Legislativo n° 489 de 16 de novembro de 2010, que
autoriza o Poder Executivo Estadual adotar medidas de incentivo à inovação tecnológica do Estado de Mato
Grosso do Sul e dá outras providências; o) em Tocantins: Lei nº 2.458, de 5 de julho de 2011, que dispõe
sobre o incentivo à inovação e à pesquisa científico-tecnológica nas atividades produtivas do Estado do
Tocantins.
111
9 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONCERTADA E A INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA
Conforme visto na Parte I, do presente trabalho, no período de transição do Estado
Liberal para o Estado Social de Direito, ganhou notoriedade o desenvolvimento pela
Administração Pública da atividade prestacional e promocional, ou seja, o exercício da função
administrativa tendo por objeto o serviço público e o fomento público.325
Percebeu-se que, para o cumprimento dos objetivos desse Estado Social, a atividade
administrativa teria de ser expandida além de suas funções ordenadora e sancionatória,326
ampliando-se, dessa forma, a intervenção estatal nos domínio econômico e social.
Concomitantemente à expansão das atividades estatais, houve, conforme ensinamentos
de Maria João Estorninho, a proliferação de contratos como instrumentos de parceria entre os
setores público e privado:
O alargamento dos fins a cargo deste Estado Providência, prestador de bens
e serviços aos administrados justifica, não apenas o crescimento da máquina
administrativa mas também a proliferação dos contratos, como instrumento
privilegiado de colaboração de particulares com a Administração.327
Mais recentemente, como registra Dinorá Adelaide Musetti Grotti, o papel
desempenhado pelo Estado sofreu novas alterações. Desta feita, as modificações acabaram
ensejando, por um lado, o desmonte do Estado prestador e, por outro, o fortalecimento, uma
vez mais, do Estado fomentador:
Na quadra final do século passado, operou-se uma transformação nas
concepções dominantes quanto ao papel do Estado. Esta nova visão adota a
descentralização como estratégia; impõe redução das suas dimensões,
envolvendo as questões de privatização, terceirização e publicização; a
recuperação da sua capacidade financeira e administrativa; a necessidade de
fortalecimento de sua função reguladora, fiscalizadora e fomentadora; e o
desmonte do Estado prestador, produtor, interventor e protecionista; o
aumento da governabilidade.328
325
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito
administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 516. 326
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito
administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 516. 327
ESTORNINHO, Maria João. Direito europeu dos contratos públicos: um olhar português. Coimbra:
Almedina, 2006, p.134. 328
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. As agências reguladoras. Revista Eletrônica de Direito Administrativo
Econômico. Salvador, Instituto de Direito Público na Bahia, n. 6, maio/jun./jul., 2006, p. 1. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 05 nov. 2014.
112
Com efeito, ganhou vulto, no País, no bojo da globalização e da Reforma do Estado, a
ideia de Estado baseado no princípio da subsidiariedade.329
Em razão do citado princípio,
De um lado, o Estado deve abster-se de exercer atividades que o particular
tem condições de desempenhar por sua própria iniciativa e com seus
próprios recursos; de outro, o Estado deve fomentar, coordenar, fiscalizar a
iniciativa privada, de sorte a permitir aos particulares, sempre que possível, o
sucesso na condução de seus empreendimentos.330
A Reforma do Estado encontrou seus primórdios na adoção do Programa Nacional de
Desburocratização,331
de 1979, posteriormente aperfeiçoado por meio da criação do Conselho
Interministerial de Privatização, nos termos do Decreto nº 91.991/1985. Com o Governo
Collor, na década de 1990, época em que as privatizações ganharam impulso, foi
regulamentado o Programa Nacional de Privatização. 332-333
O Programa Nacional de Privatização possuía dentre suas metas reordenar a posição
estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada todas as atividades que
por ela poderiam ser bem executadas.334-335
329
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Parcerias na administração pública. In: CARDOZO, José Eduardo
Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. (Coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Atlas, 2011, p. 413-476, p. 413. 330
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Parcerias na administração pública. In: CARDOZO, José Eduardo
Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. (Coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Atlas, 2011, p. 413-476, p. 413. 331
Programa disciplinado pelo Decreto nº 83.740/1979. 332
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Parcerias na administração pública. In: CARDOZO, José Eduardo
Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. (Coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Atlas, 2011, p. 413-476, p. 414. 333
O Programa Nacional de Privatização foi regulamentado mediante a Medida Provisória nº 155/1990,
convertida posteriormente na Lei nº 8.031/1990, substituída pela Lei nº 9.491/1997. Conforme previsto na Lei
nº 9.491/1997, alterada pelas Leis nºs 9.700/1998, 11.483/2007 e 11.483/200 e, MP 2.161/2001: “Art. 1º O
Programa Nacional de Desestatização – PND tem como objetivos fundamentais: I- reordenar a posição
estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo
setor público; II - contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da
melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida; III - permitir a retomada de investimentos nas
empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; IV - contribuir para a reestruturação
econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do
País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia,
inclusive através da concessão de crédito; V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços
nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;
VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores
mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa [...] Art.
2º [...] § 1º Considera-se desestatização: a) a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente
ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos
administradores da sociedade; b) a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos
explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua
responsabilidade. c) a transferência ou outorga de direitos sobre bens móveis e imóveis da União, nos termos
desta Lei”. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9491.htm>. Acesso em 20 nov. 2013. 334
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Parcerias na administração pública. In: CARDOZO, José Eduardo
Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. (Coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Atlas, 2011, p. 413-476, p.
113
Buscava contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente
para a modernização da infraestrutura e do parque industrial do País, ampliando sua
competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia,
inclusive através da concessão de crédito.
Consoante Mario Gomes Schapiro os formuladores da Reforma do Estado partiram do
diagnóstico de crise fiscal do Estado brasileiro, que teria ensejado a consequente perda de
suas possibilidades de intervenção. A crise fiscal consistia na incapacidade do Estado para
responder às demandas sociais e econômicas do País. Na esteira da lição de Bresser Pereira,
Shapiro explica que dois fatores foram decisivos para a precipitação da crise: o aumento
abrupto dos juros norte-americanos no início da década de 1980, fator incidental à crise do
fordismo e a extemporânea manutenção de políticas nacionais de subvenção a diversos setores
econômicos, ao longo dos anos 80, quando o Estado já não possuía mais condições
financeiras.336
Enquanto a crise de 1929 foi uma crise de mercado, para cuja solução foi construído o
aparato keynesiano, a crise contemporânea foi uma crise de Estado, cujo remédio seriam as
reformas voltadas para o mercado. Daí porque o Estado deveria passar, sempre que possível,
da condição de provedor direto para a de regulador e de indutor indireto de processos de
mercado.337
A redefinição do papel do Estado ensejou a substituição do modelo de Administração
burocrático para o modelo de Administração Pública gerencial, ou seja, de uma
Administração autoritária, verticalizada e hierarquizada, para uma Administração mais
democrática, com prevalência da eficiência e de indicadores objetivos de gestão, com maior
ênfase no resultado do que no processo.338
335
Leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro que a ideia de privatização, em sentido amplo, abrange todas as
medidas tomadas com o fim de reduzir a presença do Estado: “a. a desregulação (diminuição da intervenção
do Estado no domínio econômico ou, pelo menos, a mudança na forma de regulação); b. a desmonopolização
de atividades econômicas; c. a venda de ações de empresas estatais ao setor privado [...]; d. a procura pelas
formas privadas de gestão, como a concessão de serviços públicos e, mais recentemente, as parcerias público-
privadas [...]; e. os contracting out (como forma pela qual a Administração Pública celebra acordos de
variados tipos para buscar a colaboração do setor privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os
convênios e os contratos de obras e prestação de serviços) [...]; f. a liberação de serviços públicos, em
movimento inverso ao da publicatio [...]. (os grifos são originais) (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.
Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e
outras formas. 9. ed. São Paulo: Atlas, p. 5). 336
SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos parâmetros para a intervenção do Estado na economia. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 165. 337
SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos parâmetros para a intervenção do Estado na economia. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 165. 338
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Parcerias na administração pública. In: CARDOZO, José Eduardo
Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. (Coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Atlas, 2011, p. 413-476, p. 415.
114
Conforme ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a administração pública burocrática
teria sido concebida no Estado Liberal, na segunda metade do século XIX, para combater a
corrupção e o nepotismo patrimonialista, baseando-se nos princípios da profissionalização,
organização em carreira, hierarquia funcional, impessoalidade e formalismo, com controles
formais e a priori. Já a administração pública gerencial teria surgido na segunda metade do
século XX, em resposta à expansão das funções econômicas e sociais do Estado, do
desenvolvimento tecnológico e da globalização da economia mundial. A eficiência e a
qualidade tornam-se essenciais, alterando-se a forma de controle, que deixa de ser formal e
passa a ser de resultados. Passa-se a buscar a definição de metas, a outorga de maior
autonomia ao administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros e a
instituição do controle a posteriori ou de resultados.339
Nesse contexto surgiram termos como parceria, “vinculado à contratualização, para
abranger os diversos ajustes que expressam a colaboração entre entidades públicas ou entre
entidades públicas e setor privado, ou, ainda, entre todas as partes, envolvendo assim, uma
pluralidade de atores” 340
e concertação administrativa, para designar um fenômeno em que a
Administração renuncia ao emprego de seus poderes com base na imperatividade e
unilateralidade, aceitando realizar acordos com os particulares, ganhando uma colaboração
ativa dos administrados. Na atuação concertada, não há uma relação de subordinação entre a
Administração e as entidades parceiras, daí porque também se emprega, comumente, a
locução Administração paritária, para caracterizar esta forma de administrar.341
Gustavo Justino de Oliveira destaca que o debate acerca da cultura do diálogo ganhou
espaço, fazendo surgir, também, a Administração Pública dialógica, contrastante com a
Administração monológica, refratária à instituição e ao desenvolvimento de processos
comunicacionais com a sociedade. Ainda, a partir da intensificação do emprego de métodos e
técnicas negociais ou contratualizadas no campo de atividades realizadas pelas entidades
públicas, passou a expressão “governar por contrato” a evocar a necessidade de o Estado
estabelecer vínculos com a sociedade, como meio para a melhor consecução de suas ações.342
Esses vínculos com a sociedade são formados mediante um prévio e necessário processo
de negociação, em que são discutidas as bases sobre as quais eventualmente são firmados
339
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 9. ed. São Paulo: Atlas, p. 33. 340
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.
140. 341
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Direito administrativo democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 222. 342
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Direito administrativo democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 217.
115
acordos e contratos. O conteúdo desses ajustes é o objeto do possível consenso entre as partes,
resultado das concessões e dos intercâmbios realizados na negociação.343
A atuação pública em parceria com o setor privado mobiliza a sociedade para a
realização de fins de interesse da coletividade, devendo valorizar o espaço público.
Entende-se que a atividade pública promocional insere-se no campo da chamada
Administração consensual, concertada, dialógica, paritária, gerencial, relacionando-se com o
Estado, em tais condições, quem o desejar, o que de certa forma pode superar a
Administração imperativa em eficiência, dependendo do objetivo que se proponha a
alcançar.344
Com efeito, é possível verificar a regulação administrativa concertada na formação de
alianças entre entidades públicas, organizações civis, empresariais e pessoas físicas, por meio
de variadas modalidades de acordo de parceria. Admite-se que o Estado não pode concretizar
a promoção de ciência, tecnologia e inovação sem a iniciativa privada que, por sua vez,
depende da renovação para o aprimoramento de seus processos e produtos, aumentando, com
isso, sua capacidade competitiva.345
Se, no campo político e econômico, as décadas de 1980 e 1990 foram marcadas pela
Reforma do Estado, no campo da C&T a década de 1980 foi marcada por um progressivo
esvaziamento financeiro e técnico da FINEP e do FNDCT, ao mesmo tempo em que se
expandia o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), que
procurou apoiar o segmento da ciência básica. O ano de 1985, como visto, foi o ano de
criação do MCT, incorporando-se na sociedade a ideia de que setores estratégicos deveriam
ser estimulados pelo Estado.346
Também no ano de 1985, ocorreu a 1ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia
(CNCT), tendo sido realizada somente no ano de 2001 a segunda edição desse evento.
343
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Direito administrativo democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 218. 344
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e
parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 524. 345
CALDAS, Roberto Correia da Silva Gomes; NEVES, Rubia Carneiro. Administração Pública consensual:
uma nova tendência nos acordos de parceria para promover tecnologia e inovação. Fórum de Contratação e
Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 11, n. 130, p. 63-76, out. 2012. Disponível em:
http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=81781. Acesso em: 30 jul. 2013. (documento não
paginado). 346
ARBIX, Glauco. Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São Paulo: Papagaio,
2007. p. 56.
116
Na década de 1990 houve a desarticulação da política de C&T e da política industrial,
assim como a estagnação dos investimentos em C&T no Brasil, que, entre 1986 e 1996,
mantiveram-se praticamente no mesmo volume anual.347
Nesse período, também de estagnação econômica, tanto a política industrial como a
política científico-tecnológica foram negligenciadas no Brasil em favor do uso de recursos
públicos para pagamento de juros sobre dívida crescente.348
Houve também abertura comercial na década de 1990, o que provocou importantes
mudanças nos marcos de regulação do comércio de tecnologia. Com a promulgação da Lei nº
8.383/1991, que instituiu a unidade fiscal de referência, e alterou a legislação do imposto de
renda, foram revogados dispositivos que impediam a remessa de divisas a título de
transferência de tecnologia entre matrizes no exterior e subsidiárias instaladas no País.
Em 1997, entrou em vigor uma nova lei de propriedade intelectual, a Lei nº 9.279, de 14
de março de 1996. Em 1997 e 1998 foram promulgadas, respectivamente, a Lei nº 9.456, de
25 de abril de 1997 (Lei de Cultivares) e a Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998 (Lei de
Software).
A partir de 1999, teve início a retomada do processo de adoção de políticas de inovação,
especialmente com a criação dos fundos setoriais, considerados relevantíssimos na área de
C,T&I, que, dentre os seus objetivos, buscavam a aproximação dos setores público e
privado.349
Com a criação desses fundos, a política científica e tecnológica passou a contar com
recursos para apoio a setores estratégicos, tais como energia, recursos hídricos, recursos
minerais, transportes, petróleo, aeroespacial, informática, telecomunicações, infraestrutura e
biotecnologia.350
A Lei de Inovação nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, assim como a Lei do Bem nº
11.196, de 21 de novembro de 2005 foram marcos significativos nos anos 2000, que
estimularam o avanço das políticas de Estado para o fomento à inovação.
347
ARBIX, Glauco. Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São Paulo: Papagaio,
2007. p. 56. 348
PINTO, Marco Aurélio Cabral. Ciência, tecnologia e engenharia: opções para a indução de padrão brasileiro
de industrialização com inovação até 2020. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 15, n. 30, p. 63-92, dez.
2008, p. 76. 349
ARBIX, Glauco. Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São Paulo: Papagaio,
2007. p 56. 350
PINTO, Marco Aurélio Cabral. Ciência, tecnologia e engenharia: opções para a indução de padrão brasileiro
de industrialização com inovação até 2020. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 15, n. 30, p. 63-92, dez.
2008, p. 78.
117
Em 2013 o Programa Inova Empresa recebeu uma dotação de R$ 32,9 bilhões,
resultando numa demanda de R$ 93,4 bilhões para os programas lançados por complexo
produtivo, como saúde, energia e agropecuária.351
Nota-se que o Estado passou a intensificar seus investimentos em inovação, tendo
procurado, cada vez mais, fomentar a iniciativa privada de interesse público e fortalecer a
cooperação entre os setores público e privado também no setor de C,T&I.
Hoje reconhece-se que o setor privado empreendedor, sozinho, não consegue criar as
bases para o desenvolvimento científico e tecnológico, dependendo da atuação pública
promocional.352
É por essa razão que, segundo Glauco Arbix, nos últimos anos, as agendas dos países
que mais alcançaram resultados positivos quanto à elevação de seu desempenho inovador
prestigiaram termos como cooperação, envolvimento, persuasão e mobilização das
comunidades empresarial e acadêmica em torno de um novo compromisso – vale dizer, um
compromisso entre aqueles que trabalham com os fundamentos da ciência e os que visualizam
e buscam suas aplicações práticas.353
A cooperação tem sido apontada como um fator de fundamental importância para a
inovação, uma vez que as empresas, isoladamente, podem ter dificuldades para reunir todas as
competências necessárias para implementar novos produtos ou processos.
Exatamente por esse motivo, não causa estranheza o fato de a cooperação estar mais
presente em segmentos de maior conteúdo tecnológico, nos quais os produtos e processos
apresentam maior complexidade.
Os baixos níveis de cooperação no sistema brasileiro ajudam a evidenciar o
desenvolvimento de atividades inovativas mais simples, como aquisições de máquinas e
equipamentos.
No âmbito da indústria, conforme demonstrou a Pesquisa Pintec 2008, apenas 10,1%
das empresas cobertas pela pesquisa haviam cooperado com algum tipo de parceiro; na Pintec
2011, este percentual subiu para 15,9%. Houve uma correspondência entre patamares mais
acentuados de cooperação e porte maior da empresa. Na indústria, 13,1% das empresas
351
DE NEGRI, João; ARBIX, Glauco. Chega de saudades. Folha de São Paulo, São Paulo, 02 jun. 2014.
Tendências/Debates, p. A3. 352
PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Desenvolvimento. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo (Org.).
Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 17-29, p. 20. 353
ARBIX, Glauco. Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São Paulo: Papagaio,
2007, p. 31.
118
inovadoras na faixa de 10 a 49 pessoas ocupadas cooperaram, ao passo que, no conjunto
daquelas com 500 ou mais pessoas ocupadas, o percentual foi de 48,6%.354
Em relação à importância dos parceiros na cooperação, apontou a Pintec 2011 que, no
segmento da indústria, 76,5% das empresas inovadoras indicaram os seus fornecedores como
de relevância alta ou média; no segmento de serviços, as empresas de consultoria figuraram
como os principais parceiros (62,5%). Tão somente no setor de eletricidade e gás
prevaleceram as universidades ou institutos de pesquisas (70,4%).355
Os resultados demonstram que, embora desejáveis, as cooperações não têm ocorrido
com a intensidade e eficácia necessárias à inserção do Brasil entre os países mais inovadores e
competitivos, sendo necessário entender as razões disto e fazer avançar a sua prática.
A relevância dessa constatação reside no fato de que, em matéria de cooperação, uma
das mais importantes tarefas está na criação do ambiente a ela propício. Ao que tudo indica,
esse ambiente precisa de aperfeiçoamento. Sempre haverá a existência de condicionantes
sociais que a dificultam, tal como o receio do comportamento estratégico da contraparte, e a
existência de condicionantes que a estimulam. Por essa razão, o aparecimento ou não da
cooperação ocorrerá em função direta de condições e instituições que permitam o seu
desenvolvimento.356
De fato, conforme observa Marçal Justen Filho, a formação da conduta humana é um
processo complexo, que envolve circunstâncias internas individuais e fatores externos, sendo
a importância destes últimos reconhecida de modo intenso pelo pensamento econômico.357
Essa situação de dificuldades e de estímulos pode ser bem ilustrada nas parcerias entre
universidades e empresas, conforme constatado por André Luis de Sá Nunes.
O autor destaca dentre as vantagens para a cooperação do ponto de vista das
universidades: a) o aumento de prestígio institucional; b) a difusão do conhecimento; c) a
possibilidade de manutenção de múltiplas direções de pesquisa; d) a participação no
desenvolvimento de novos produtos e novas tecnologias; e) o gozo dos benefícios dos
resultados das pesquisas; f) o acesso à indústria para pesquisas básicas e aplicadas; g) o
aumento do prestígio do pesquisador e a expansão de suas perspectivas profissionais; h) a
oportunidade de intercâmbio de estudantes na indústria; i) a associação entre o aprendizado na
354
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado). 355
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de inovação 2011. Rio de
Janeiro: IBGE, 2013. (documento não paginado). 356
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e desenvolvimento: novos temas. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 38-
39. 357
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 717.
119
sala com a prática; j) a geração de renda adicional para o pesquisador e a universidade; k) a
criação de um bom ambiente de convivência e relacionamento. Cita, como vantagens para a
cooperação, sob a ótica das empresas: a) o acesso às fronteiras científicas e tecnológicas do
conhecimento; b) a transferência internacional de tecnologias; c) a obtenção do estado-da-arte
da informação; d) o acesso ao conhecimento valioso mais difícil para os competidores; e) a
diminuição de prazos, custos e riscos no desenvolvimento da tecnologia; f) a possibilidade de
recrutamento de recursos humanos altamente qualificados, já especializados em atividades de
pesquisas no estado da arte; g) o desenvolvimento de pesquisas a menores custos; h) o acesso
aos recursos universitários como laboratórios, bibliotecas, instrumentos etc., evitando grandes
investimentos em instalações internas; i) a melhoria da imagem da empresa. 358
Por sua vez, André Luis de Sá Nunes arrola como barreiras à cooperação para as
universidades: a) a busca ao conhecimento fundamental e à ciência básica e não ao
desenvolvimento e à comercialização; b) a visão de que o Estado deve ser o único financiador
de atividades universitárias de pesquisa, para garantir a plena autonomia dos pesquisadores
acadêmicos e a liberdade de publicação; d) a visão de que as pesquisas encomendadas
poderiam provocar distorções nos objetivos da universidade; e) o excesso de burocracia das
instituições públicas; f) as indefinições na elaboração de uma política institucional clara de
relacionamento com o ambiente externo; g) a falta de experiência em trabalho interdisciplinar;
h) a falha nos serviços para comercialização dos resultados de P&D. São listados como
empecilhos à cooperação para as empresas: a) a extensão do tempo da pesquisa se realizada
em cooperação; b) o grau de incerteza dos projetos; c) a visão de que a universidade ou o
instituto de pesquisa são instituições em que o sigilo não é uma preocupação básica; d) a
existência de barreiras legais, inerentes à contratação e à transferência de tecnologia.359
Como barreiras gerais à cooperação são mencionados dentre outros fatores: a) a
carência de comunicação entre as partes; b) a ausência de instrumentos legais que
regulamentem as atividades de pesquisa envolvendo universidades e empresas,
concomitantemente; c) a falta de flexibilidade dos atores (empresas, universidades e governo)
358
NUNES, André Luis de Sá. Mudanças promovidas pela lei de inovação nas funções e práticas de gestão dos
intermediadores da cooperação universidade-empresa das universidades federais. 2010. 242 f. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Administração, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010,
p. 38. 359
NUNES, André Luis de Sá. Mudanças promovidas pela lei de inovação nas funções e práticas de gestão dos
intermediadores da cooperação universidade-empresa das universidades federais. 2010. 242 f. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Administração, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010,
p. 39.
120
em ajustar a sua forma de trabalhar; d) a complexidade dos contratos a serem negociados; e,
e) o suporte insuficiente por parte dos intermediadores na agilização da cooperação.360
Como se depreende, segundo ensina Conceição Vedovello, empresas e universidades
são entidades bastante diferentes, com diversos objetivos, resultados e formas de
reconhecimento. As empresas objetivam o aumento dos lucros, a manutenção e a expansão de
suas posições de mercado e desempenho econômico. As universidades visam à formação e
treinamento de pessoal qualificado e à geração de conhecimento por meio de pesquisas
independentes.361
Apesar de tantas diferenças, a interação empresa-universidade no contexto brasileiro
apresenta iniciativas bem-sucedidas, tais como os casos da Embraer e da Embrapa, em que a
combinação da excelência na formação de pessoal altamente qualificado com a determinação
estratégica das empresas tem produzido resultados que deveriam servir de modelo para outros
empreendimentos dessa natureza”.362
De fato, o estímulo à construção de ambientes de colaboração entre os setores público e
privado tem sido considerado imprescindível ao aumento da competitividade e da inovação no
País.
Pontuam Glauco Arbix e João de Negri a esse respeito:
Para viabilizar um salto de qualidade na competitividade, é preciso unir
empresas, universidades, centros de pesquisa e órgãos de governo para
calibrar o foco das políticas industriais e priorizar as áreas intensivas em
tecnologia. Falhas de mercado e distorções estruturais são corrigidas com
políticas públicas.363
Renato Cruz, questionando a origem de novos produtos e serviços, também esclarece
que a ideia de que novos produtos e serviços surgem de grupos de pesquisadores trancados em
seus laboratórios está ultrapassada. A inovação aparece da interação com universidades,
centros de pesquisa, clientes, fornecedores e com a própria comunidade.364
360
NUNES, André Luis de Sá. Mudanças promovidas pela lei de inovação nas funções e práticas de gestão dos
intermediadores da cooperação universidade-empresa das universidades federais. 2010. 242 f. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Administração, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010,
p. 39. 361
VEDOVELLO, Conceição. Perspectivas e limites da interação entre universidades e MPMEs de base
tecnológica localizadas em incubadoras de empresas. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, dez. 2001,
p. 281-316, p. 285. 362
VEDOVELLO, Conceição. Perspectivas e limites da interação entre universidades e MPMEs de base
tecnológica localizadas em incubadoras de empresas. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, dez. 2001,
p. 281-316, p. 289. 363
DE NEGRI, João; ARBIX, Glauco. Chega de saudades. Folha de São Paulo, São Paulo, 02 jun. 2014.
Tendências/Debates, p. A3. 364
CRUZ, Renato. Inovação nos negócios surge em rede. O Estado de São Paulo, São Paulo, 27 out. 2013.
Economia, p. B14.
121
Analisando as dificuldades para promover a inovação a partir de conhecimentos
acadêmicos, João Fernando Gomes de Oliveira e Luciana Oliveira Telles destacam que o
processo de inovação pode envolver atividades muito dispendiosas, como a demonstração da
aplicabilidade da ideia e a realização de testes referentes à sua viabilidade comercial. Caso
não sejam encontrados atores capacitados para realizá-las, nem tampouco obtidos recursos
para o seu financiamento, a sociedade pode ser levada a concluir que “muito do que se cria e
se pesquisa não se transforma em inovação para o mercado e para os cidadãos em razão das
deficiências de ligação entre academia e setor empresarial”.365
Segundo Luciana Oliveira Telles, nas últimas décadas tem se observado um aumento
dos projetos cooperativos de pesquisa envolvendo empresas e instituições públicas de
pesquisa. São citadas como causas desse movimento fatores como o aumento da competição
empresarial, o aumento dos investimentos necessários para o avanço das pesquisas, uma
maior complexidade e multidisciplinaridade dos conhecimentos demandados, uma maior
abertura das universidades à cooperação com empresas, a necessidade de divisão de riscos e
de diminuição dos custos elevados associados às pesquisas, o aumento dos custos referentes à
aquisição de novos equipamentos e instrumentos, entre outros. A aceitação de que a inovação
ocorre por meio de um processo interativo e complexo entre ciência e tecnologia – e não por
meio de um modelo linear, segundo anteriormente analisado, indica que os projetos
cooperativos são adequados e úteis.366
De fato, previa o Livro Branco Ciência Tecnologia e Inovação, do então Ministério da
Ciência e Tecnologia, em 2002, que a experiência de outros países já demonstrava ser a
cooperação universidade-empresa um crescente e forte instrumento de promoção da inovação
tecnológica e do desenvolvimento em geral.367
Atribuía o Livro Branco, contudo, o distanciamento entre esses atores, no Brasil, dentre
outros fatores, a um marco legal inadequado e à insuficiência de mecanismos apropriados à
promoção de tal interação. Enunciava, ainda:
[...] A geração de conhecimento demanda volumes cada vez maiores de
investimentos e depende da presença, funcionamento e articulação de uma
rede complexa de instituições e atores de natureza diversa e com papéis
específicos, capaz de fazer face aos crescentes riscos inerentes a esse
365
OLIVEIRA, João Fernando Gomes de; TELLES, Luciana Oliveira. O papel dos institutos públicos de
pesquisa na aceleração do processo de inovação empresarial no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 89, p. 204-
217, mar./maio 2011, p. 210. 366
TELLES, Luciana. O papel dos institutos públicos de pesquisa no desenvolvimento tecnológico e na
cooperação universidade-empresa. 2011. 279 f. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011, p. 50-51. 367
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Livro branco: ciência, tecnologia e inovação. Brasília:
MCT, 2002, p. 27.
122
processo. Evidencia-se, portanto, a necessidade de fortalecer o arcabouço
institucional de Ciência, Tecnologia e Inovação no País, de maneira a incluir
a criação de novos arranjos entre os diferentes setores da vida nacional e
alterar a natureza da relação entre público e privado. Torna-se claramente
necessário complementar esses esforços com uma estrutura que integre os
diferentes níveis e setores governamentais.368
Mais recentemente, também o Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável, de 2010, ao tratar da inovação
como um componente sistêmico da estrutura produtiva nacional, teceu recomendações
similares às do Livro Branco, inclusive sobre a necessidade de reexame das disposições da
Lei nº 10.973/2004:
1.Tratar a inovação como estratégica, tanto nas empresas como na academia
e no governo, incentivando e financiando o desenvolvimento de competência
na gestão da inovação. Essa competência está diretamente relacionada com a
ampliação da formação de mão de obra qualificada e com o estabelecimento
de um melhor ambiente de negócios.
2. Fomentar um maior protagonismo privado no processo de inovação e nas
discussões relativas às políticas públicas para a área, em especial por meio
de entidades empresariais representativas dos diversos segmentos de
negócios.
3. Ampliar os investimentos públicos e estimular os investimentos de
empresas em P&D (que, juntos, correspondem a 1,24% do PIB em 2009) de
modo que o investimento total alcance, em 2020, uma faixa entre 2,0% e
2,5% do PIB, próxima do padrão dos países líderes mundiais.
[...]
6. Criar ambientes de inovação, atuando em rede, com destaque para os
Parques Científicos e Tecnológicos de classe mundial, distribuindo no País
ambientes de inovação que atraiam investimentos privados nacionais e
internacionais e gerem novas empresas e produtos inovadores, tanto para os
mercados internos como para exportação, atuando de forma articulada com
os Arranjos Produtivos Locais (APLs)369
e outras iniciativas regionais,
interagindo dinamicamente com os atores públicos e privados envolvidos.
7. Fomentar o desenvolvimento de empresas inovadoras nascentes por meio
de pré-incubadoras, incubadoras e parques tecnológicos, como instrumento
de promoção do desenvolvimento tecnológico e socioeconômico local e
regional, estimulando a ampliação da interação entre as ICTs, as empresas e
o governo.
[...]
11. Reexaminar a Lei de Inovação quanto à segurança jurídica e as
contradições legais existentes, gerando subsídios para uma reestruturação
368
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Livro branco: ciência, tecnologia e inovação. Brasília:
MCT, 2002, p. 28. 369
De acordo com a ANPEI, “Arranjos Produtivos Locais são aglomerações de empresas, localizadas em um
mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm vínculos de articulação, interação,
cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais, tais como: governo, associações empresariais,
instituições de crédito, ensino e pesquisa. Existe uma vasta literatura nacional e internacional sobre o
fenômeno da aglomeração de empreendimentos de uma mesma atividade produtiva em uma determinada
região geográfica. Há muitas denominações e ênfases diferentes. O mesmo fenômeno é às vezes denominado
arranjo produtivo local, sistema produtivo local ou mesmo "cluster". No Brasil a expressão mais difundida é
arranjo produtivo local. Fonte: MDIC”. (Disponível em: <http://www.anpei.org.br/glossario. Acesso em 05
nov. 2014).
123
dos marcos legais na área de C,T&I, tanto para os segmentos públicos como
para os privados, de modo que os órgãos de fiscalização governamentais e
agências de fomento atuem de forma alinhada com a política nacional na
área de C,T&I.
12. Revisar e expandir a Lei da Inovação, de modo a:
– incluir as IES comunitárias e privadas no conceito de ICT;
– contemplar as tecnologias sociais;
– facilitar o ingresso no mercado dos produtos e serviços derivados dos
benefícios concedidos no contexto da lei.370
Já estabelecia o referido Livro Azul que o aprimoramento do marco legal regulatório
impunha-se a fim de que as relações entre os atores do sistema fossem intensificadas em
regime de risco sistêmico reduzido.
O documento sustentava, ademais, ser necessário superar as fontes de insegurança
jurídica, de forma a favorecer a intensificação da utilização dos instrumentos de apoio à
inovação previstos pela legislação vigente, assim como a assegurar iniciativas e investimentos
de longo prazo pelas empresas e agentes de governo nos mais diversos níveis. Para que tais
objetivos fossem realizados, entendia-se ser necessário o:
aprimoramento e complementação do marco legal regulatório que preside a
construção da relação público-privada, a redução do risco tecnológico, a
gestão da propriedade intelectual e a interpretação das normas pelos órgãos
controladores.371
A Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) 2012-2015, nos dias
atuais, propõe-se a conduzir as ações e articulações necessárias ao aperfeiçoamento do marco
legal, de forma a propiciar ambiente atraente e motivador para a realização das atividades de
desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação em prol do desenvolvimento do
País.372
Na inovação, como se depreende, a interação entre os agentes é algo necessário, o que
torna o desenvolvimento da confiança e de normas mutuamente respeitadas essencial para a
superação da incerteza associada à atividade. Quanto maior o grau de incerteza e
complexidade do produto, maior a necessidade de interação e incentivo aos parceiros.373
Os exemplos mencionados corroboram a lição de Calixto Salomão Filho, para quem os
valores conhecimento e informação são essenciais na cooperação. O autor ressalta que o
370
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Livro azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília: MCT, 2010, p. 38. 371
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Livro azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília: MCT, 2010, p. 66-68. 372
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação 2012-2015 – Balanço das atividades estruturantes 2011. Brasília: MCTI, p. 52. 373
SILVA, Carla Maria de Souza e. Inovação e cooperação: o estado das artes no Brasil. Revista do BNDES, v.
7, n. 13, p. 65-88, jun., 2000, p. 67.
124
cumprimento das decisões econômicas decorrentes de cooperações normalmente acontece de
forma natural e não coercitiva. Historicamente, decisões adotadas mediante o método
cooperativo, por meio de regras bem elaboradas, trazem um nível muito maior de
cumprimento voluntário, sendo essas considerações importantes para a fixação do papel do
Direito no incentivo à cooperação.374
Importante observar que:
[...] para o Direito a cooperação não deve ser e não é um valor absoluto.
Naquelas situações em que a cooperação não serve como instrumento de
conhecimento social, mas sim como forma de estratificação de decisões e
concentração de conhecimento econômico, como ocorre nos cartéis, ela deve
ser e é severamente reprimida. De outro lado, permitir que ela surja como
alternativa ao comportamento individual é tarefa indiscutível do Direito.
Trata-se de oferecer mais uma alternativa no campo econômico, ampliando
as escolhas econômicas.375
É certo que a tendência de estimular a cooperação na C,T&I também teve e continua
tendo consequências no Direito Administrativo. É o que se verificará a seguir.
374
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação, desenvolvimento e meio ambiente. In: SALOMÃO FILHO, Calixto
(Org.). Regulação e desenvolvimento: novos temas. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 39. 375
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação, desenvolvimento e meio ambiente. In: SALOMÃO FILHO, Calixto
(Org.). Regulação e desenvolvimento: novos temas. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 40.
125
10 O ESTÍMULO À CONSTRUÇÃO DE AMBIENTES ESPECIALIZADOS E
COOPERATIVOS DE INOVAÇÃO À LUZ DA LEI FEDERAL Nº 10.973/2004 E
DA LEI COMPLEMENTAR PAULISTA Nº 1.049/2008
A Lei nº 10.973/2004 consiste em uma nova e original temática que lança, diariamente,
diversos desafios àqueles que necessitam por em marcha, na prática, as suas disposições,
conjugando os interesses público e privado e trazendo novos instrumentos para a atuação
concertada da Administração Pública.
Referido diploma, alterado pela Lei nº 12.349/2010, regulamentado pelo Decreto nº
5.563/2005 e correlacionado à Lei nº 11.196/2005 (a Lei do Bem, que dispõe sobre incentivos
fiscais para a inovação) tem por fim estabelecer medidas de incentivo à inovação e à pesquisa
científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação e ao alcance da
autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do País, nos termos dos artigos 218 e
219 da Constituição.
Para Denis Borges Barbosa aludida norma teve como fonte de inspiração outras leis
previamente instituídas no cenário internacional, a saber: a) National Research Development
Corporation (atual British Technology Group) 1948 – Reino Unido; b) Stevenson-Wydler
Technology Innovation Act 1980 – Estados Unidos; c) Bayh-Dole University and Small
Business Patent Act 1980 – Estados Unidos; d) Bundesministerium für Bildung und
Forschung – Patentinitiative 1966 – Alemanha; e) The Law to Promote Technology Transfer
from Universities to Industry 1988 – Japão; f) Loi sur I’innovation et la recherché 1999 –
França.376
Explica, ademais, que, no ano de 2000, o Senador Roberto Freire apresentou projeto
que, após tramitar pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, foi arquivado pela
Presidência em 2003. Em substituição a tal projeto, o Poder Executivo apresentou, em 2004, o
projeto original da lei atual.377
Após mais de vinte emendas e uma proposta adicional de substituição, o projeto chegou
à sua versão final e foi aprovado em 02/12/2004 pela Mesa Diretora da Câmara.
Para André Luis de Sá Nunes a Lei nº 10.973/2004 foi inspirada nas leis francesa e
norte-americana. Quanto, especificamente, à lei francesa, o autor, após destacar que ela
também aponta para um modelo de cooperação entre o Estado e o setor produtivo, identifica
três principais diferenças em relação à lei brasileira:
376
BARBOSA, Denis Borges. Uma breve introdução: por que a lei? In: BARBOSA, Denis Borges (Org.).
Direito da inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 1-8, p. 1. 377
BARBOSA, Denis Borges. Uma breve introdução: por que a lei? In: BARBOSA, Denis Borges (Org.).
Direito da inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 1-8, p. 1.
126
A primeira diferença é em relação à mobilidade dos pesquisadores. Na
França os pesquisadores têm três formas de interação com a iniciativa
privada – criação de empresa, consultoria e participação em conselho
– e nas três formas a mobilidade implica no deslocamento do
pesquisador para o mercado ou no deslocamento de sua atuação para o
mercado. No Brasil, a mobilidade é bem mais limitada, se restringindo
apenas à licença não remunerada. A segunda diferença é em relação à
orientação da interação da pesquisa pública com a iniciativa privada.
Na França essa interação se dá em um nível individual (pesquisadores)
e estes se deslocam ou deslocam suas atenções da pesquisa pública
para a iniciativa privada. No Brasil essa iniciativa tem um caráter mais
institucional (entre empresas e ICTs), com a iniciativa privada se
deslocando para o ambiente da pesquisa pública (mediante acordos de
cooperação e de prestações de serviços). A terceira diferença é em
relação ao órgão de julgamento e aprovação das convenções e
autorizações. Na França isso é feito por um Comitê de Ética nacional
enquanto que no Brasil é feito pela instância máxima de cada ICT.378
O modelo francês presume a estrutura do Estado extremamente profissional, não menos
controladora, mas mais eficiente no seu controle, condição que não se verifica no Brasil.379
Em relação à legislação norte-americana, Patrícia Pereira Tedeschi ressalta que, em
1980, houve a promulgação de um marco regulatório mais relevante ao estímulo à inovação,
por meio de atividades de cooperação entre empresas, laboratórios, universidades e órgãos
federais dos Estados Unidos. O Bayh-Dole Act objetivou uniformizar o modo como as
agências norte-americanas fomentavam a pesquisa e tratavam as invenções obtidas a partir de
pesquisas por ela financiadas, permitindo às universidades obter sua titularidade, de forma a
acelerar o processo de patenteamento e de licenciamento, com exclusividade, às empresas. O
Stevenson-Wydler Technology Innovation Act teve por escopo facilitar o acesso da indústria
aos laboratórios federais, disponibilizando infraestrutura especializada e oportunidades de
parceria no financiamento e uso por instituições privadas de tecnologias desenvolvidas por
instituições públicas.380
Nessa senda, Tedeschi anota que a importação do modelo estrangeiro não trouxe os
mesmos benefícios que nos países em que foi criado, tendo sido, a seu ver, poucas as
378
NUNES, André Luis de Sá. Mudanças promovidas pela lei de inovação nas funções e práticas de gestão dos
intermediadores da cooperação universidade-empresa das universidades federais. 2010. 242 f. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Administração, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010,
p. 64. 379
NUNES, André Luis de Sá. Mudanças promovidas pela lei de inovação nas funções e práticas de gestão dos
intermediadores da cooperação universidade-empresa das universidades federais. 2010. 242 f. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Administração, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010,
p. 64. 380
TEDESCHI, Patrícia Pereira. Inovação tecnológica e direito administrativo. 2011. 106 f. Dissertação
(Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 27.
127
inovações trazidas pela lei quanto ao tema relações contratuais. Explica que na legislação de
inovação brasileira a questão da titularidade não foi expressamente prevista, talvez porque a
legislação sobre propriedade intelectual já estabeleça de forma clara como será determinada a
titularidade sobre tais direitos”. 381
A adoção de um modelo influenciado intensamente por padrões estrangeiros, sem levar
em consideração a inquestionável diversidade dos regimes jurídicos de cada país e suas
peculiaridades merece críticas – críticas sempre pertinentes, diga-se.
De fato, não há um único modelo capaz de suprir a demanda de países com realidades
jurídicas, econômicas, sociais e culturais altamente diferenciadas – a rigor, entendimento
contrário é falácia que pode ser um entrave ao desenvolvimento dos países.382
Isso não significa negar a relevância da experiência internacional, que pode e deve ser
estudada e aproveitada naquilo que for pertinente e cabível.
Segundo estudos especializados, países que consideram a C&T como atividades
estratégicas (tais como a Coréia do Sul, a França, os Estados Unidos e o Japão) constroem
sistemas legais que estimulam, de forma coordenada, o desenvolvimento científico,
tecnológico e a inovação no setor industrial:383
Sem desconsiderar a dimensão física, a diversidade regional e a
complexidade econômica, política e cultural e populacional dos países
citados, pode-se argumentar que a consecução das metas na área de
ciência e tecnologia passa pela consolidação de um arcabouço legal,
cujo conteúdo permita dinamizar a relação entre universidades,
institutos de pesquisa e o setor produtivo nacional.384
A Lei nº 10.973/2014 representou um importante passo para a consecução dos objetivos
das áreas de CT&I ao buscar fortalecer a relação entre universidades, institutos de pesquisa, o
governo e o setor produtivo nacional. Mais do que isso, o diploma lançou luzes sobre assuntos
relevantes, como as parcerias entre tais atores que, na prática, já aconteciam, muitas vezes de
modo pouco transparente.
381
TEDESCHI, Patrícia Pereira. Inovação tecnológica e direito administrativo. 2011. 106 f. Dissertação
(Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 30 e 99. 382
POLIDO, Fabricio; ROSINA, Mônica Steffen Guise; CÉSAR, Priscilla Maria Dias Guimarães. Propriedade
intelectual: potencialidades e fragilidades do ambiente jurídico-institucional brasileiro para a inovação. In:
SHAPIRO, Mario G.; TRUBEK, David M. (Coord.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 135-180, p. 135. 383
MATIAS-PEREIRA, José; KRUGLIANSKAS, Isak. Gestão de inovação: a lei de inovação tecnológica como
ferramenta de apoio às políticas industrial e tecnológica do Brasil. RAE-Eletrônica, v. 4, n. 2. jul./dez. 2005.
(documento não paginado). 384
MATIAS-PEREIRA, José; KRUGLIANSKAS, Isak. Gestão de inovação: a lei de inovação tecnológica como
ferramenta de apoio às políticas industrial e tecnológica do Brasil. RAE-Eletrônica, v. 4, n. 2. jul./dez. 2005.
(documento não paginado).
128
Além disso, até o advento da Lei, o quadro normativo referente à inovação era bastante
difuso, tendo sido esta, acertadamente, considerada um marco relevante para o setor.
Enfatizando a necessidade da criação e do aperfeiçoamento de instrumentos tendentes à
promoção e ao estímulo da inovação, a norma convidou ao debate, até então travado
especialmente entre engenheiros, economistas, administradores, sociólogos e juristas da área
do Direito Econômico e do Direito Comercial, os estudiosos de todas as áreas do Direito. Este
é um convite que, em verdade, necessita de urgente aceitação, sob pena de o País perder
oportunidades de se tornar mais competitivo, mais inovador, mais independente
tecnologicamente e mais desenvolvido em todas as dimensões.
Somente a partir do diálogo entre os estudiosos dos mais variados ramos do Direito e os
principais atores dos sistemas de inovação é que as deficiências da Lei poderão ser
adequadamente superadas, afinal, não se pode criticar fragilidades, corrigir desacertos e
mesmo propor melhorias e adequações àquilo que, muitas vezes, nem mesmo se conhece. O
caminho, de certo, é longo, fato que não impede o reconhecimento da importância dos
primeiros passos já trilhados.
Para Denis Borges Barbosa a Lei nº 10.973/2004 compreende cinco grandes grupos de
normas:385
a) Constituição de ambiente propício às parcerias estratégicas entre as
universidades, institutos tecnológicos e empresas – objetivo: propiciar a cooperação entre os
atores do processo inovador, reduzindo as barreiras institucionais entre eles e possibilitando a
formação de articulações horizontais (artigos 3º, 4º, 5º e 9º).
b) Estímulo à participação de instituições de ciência e tecnologia no processo de
inovação – objetivo: facultar às ICT celebrar contratos de transferência de tecnologia e de
licenciamento de patentes de sua propriedade, prestar serviços de consultoria especializada
em atividades desenvolvidas no âmbito do setor produtivo (artigos 6º, 7º e 8º); induzir à
mobilidade dos pesquisadores entre ICT e sua transferência temporária ao setor privado, para
o fim de estímulo à inovação (artigos 14 e 15); a criação nas ICT federais de um órgão gestor
das atividades de inovação e de articulação (artigo 16).
c) Normas de incentivo ao pesquisador-criador – objetivo: estimular a natureza
especial do trabalho criativo, prevendo compartilhamento de resultados de serviços,
participação nos ganhos comerciais de exploração comercial de criação e pagamento de
bolsas (artigos 8º, 11, 13 e 15).
385
BARBOSA, Denis Borges. Uma breve introdução: por que a lei? In: BARBOSA, Denis Borges (Org.).
Direito da inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 1-8, p. 6.
129
d) Incentivo à inovação na empresa – objetivo: a concessão, por parte da União,
das ICT e das agências de fomento, de recursos financeiros, humanos, materiais ou de
infraestrutura, para atender às empresas nacionais envolvidas em atividades de pesquisa e
desenvolvimento, segundo as prioridades da política industrial e tecnológica nacional. Há
previsão de subvenção econômica, financiamento ou participação societária; no caso de
subvenção deve haver contrapartida da empresa beneficiária (artigo 19); exercício do poder de
compra do Estado como meio de incentivo à inovação e realização de programas com ações
dirigidas especialmente à promoção de inovação nas micro e pequenas empresas (artigo 20);
incentivos fiscais a tais empresas (artigo 28).
e) Apropriação de tecnologias – objetivo: estabelecer o princípio de que todas as
tecnologias devem ser primordialmente apropriadas em favor do setor produtivo nacional. A
produção de conhecimento pelas ICT fica sujeita a uma regra primordial de apropriação e não
de lançamento em domínio público (artigo 12).
Doravante, será abordado o primeiro grupo de normas mencionado por Denis Borges
Barbosa.
Consoante se verificará, a leitura da Lei nº 10.973/2004 permite concluir, desde logo,
ser ela impregnada do crescente espírito de parceria entre os setores público e privado, o que é
revelado por meio da menção expressa a contratos, convênios, acordos de parcerias, acordos
de colaboração, “contratos específicos”, termos de “compartilhamento” e de permissão de uso
de infraestrutura, ajustes a serem firmados entre os vários atores dos processos de inovação.
A fim de analisar essas formas de parceria de forma mais detida, é importante notar que,
para os efeitos da Lei nº 10.973/29914, nos termos de seu artigo 2º, considera-se:
I - agência de fomento: órgão ou instituição de natureza pública ou privada
que tenha entre os seus objetivos o financiamento de ações que visem a
estimular e promover o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da
inovação;
II - criação: invenção, modelo de utilidade, desenho industrial, programa de
computador, topografia de circuito integrado, nova cultivar ou cultivar
essencialmente derivada e qualquer outro desenvolvimento tecnológico que
acarrete ou possa acarretar o surgimento de novo produto, processo ou
aperfeiçoamento incremental, obtida por um ou mais criadores;
III - criador: pesquisador que seja inventor, obtentor ou autor de criação;
IV - inovação: introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente
produtivo ou social que resulte em novos produtos, processos ou serviços;
V - Instituição Científica e Tecnológica - ICT: órgão ou entidade da
administração pública que tenha por missão institucional, dentre outras,
executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou
tecnológico;
130
VI - núcleo de inovação tecnológica: núcleo ou órgão constituído por uma
ou mais ICT com a finalidade de gerir sua política de inovação;
VII - instituição de apoio - fundação criada com a finalidade de dar apoio a
projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional,
científico e tecnológico de interesse das IFES e demais ICTs, registrada e
credenciada nos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, nos
termos da Lei no 8.958, de 20 de dezembro de 1994; (Redação dada pela Lei
nº 12.349, de 2010)
VIII - pesquisador público: ocupante de cargo efetivo, cargo militar ou
emprego público que realize pesquisa básica ou aplicada de caráter científico
ou tecnológico; e
IX - inventor independente: pessoa física, não ocupante de cargo efetivo,
cargo militar ou emprego público, que seja inventor, obtentor ou autor de
criação.
Assim sendo, tendo sido verificados os objetivos, principais eixos e definições
essenciais da Lei nº 10.973/2004, assim como os argumentos de caráter econômico e técnico
que têm sido apresentados para justificar uma maior interação entre os diversos atores
públicos e privados dos sistemas de inovação, passa-se a analisar o estímulo à construção de
ambientes especializados e cooperativos, com base no diploma legal citado.
Serão tecidas considerações sobre a Lei Complementar Paulista nº 1.049/2008 sempre
que oportuno.
10.1 Alianças estratégicas e projetos de cooperação
Inserido no Capítulo II, intitulado “Do estímulo à construção de ambientes
especializados e cooperativos de inovação”, o artigo 3º, da Lei nº 10.973/2004 dispõe que:
Art. 3o A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as
respectivas agências de fomento poderão estimular e apoiar a constituição de
alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação
envolvendo empresas nacionais, ICT e organizações de direito privado sem
fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa e desenvolvimento, que
objetivem a geração de produtos e processos inovadores.
Como observa Denis Borges Barbosa, o artigo, genericamente, propõe os termos do
relacionamento entre os setores público e privado, tendentes à inovação, sendo as
modalidades dessa atuação conjunta apresentadas em outros dispositivos da norma. A seu ver,
as alianças são as articulações estruturadas e com vistas à atuação de longo prazo entre os
vários atores da lei (consideram-se de longo prazo em razão do uso da expressão
131
“estratégicas”); os projetos de cooperação, formulados ou não dentro dessas alianças,
instâncias específicas de cooperação.386
Por sua vez, Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza, sem fazer distinções entre
“alianças estratégicas” e “projetos de cooperação”, optam por denominar, genericamente,
como “parcerias estratégicas” os vínculos negociais previstos na Lei de Inovação, de trato
continuado, estabelecidos entre a Administração Pública e os particulares para viabilizar o
desenvolvimento, sob a responsabilidade destes, de atividades com algum coeficiente de
interesse geral. Destacam os autores que, por visarem à autonomia e ao desenvolvimento
industrial do País, tais parcerias podem servir à capacitação de qualquer das partes
envolvidas.387
Entendemos, assim como Sundfeld e Souza, que as alianças estratégicas e os projetos de
cooperação podem ser considerados de modo amplo como modalidades de parcerias.
Isso porque, independentemente de haver eventuais diferenças nas suas noções,
especialmente sob o ponto de vista técnico-científico-prático, não existe uma figura contratual
peculiar que se aplique, especificamente, às redes de pesquisas ou às incubadoras ou, ainda,
aos parques tecnológicos. Todas essas figuras tratam, sob a ótica jurídica, de modalidades de
parcerias entre os setores público e privado.
O vocábulo parceria, de acordo com essa ótica, é usado para designar
todas as formas de sociedade que, sem formar uma nova pessoa jurídica, são
organizadas entre os setores público e privado, para a consecução de fins de
interesse público. Nela existe a colaboração entre o poder público e a
iniciativa privada nos âmbitos social e econômico, para a satisfação de
interesses públicos, ainda que, do lado do particular, se objetive o lucro.
Todavia, a natureza econômica da atividade não é essencial para caracterizar
a parceria, como também não o é a ideia de lucro, já que a parceria pode dar-
se com entidades privadas sem fins lucrativos que atuam essencialmente na
área social e não econômica.388
São múltiplas as possibilidades de alianças estratégicas e projetos cooperativos voltados
à inovação.
As parcerias para o desenvolvimento produtivo, intituladas, no setor da saúde, de PDPs
(parceria para o desenvolvimento produtivo), são um dos exemplos da atuação conjunta entre
os setores público e privado que objetiva a obtenção de produtos ou processos inovadores.
386
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 51. 387
SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Parcerias para o desenvolvimento produtivo em
medicamentos e a lei de licitações. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 264, p. 91-133,
set./dez. 2013, p. 107. 388
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 24.
132
Segundo a Portaria nº 837/2012, do Ministério da Saúde, que define as diretrizes e os
critérios para o estabelecimento das PDPs:
Art. 2º As PDP são parcerias realizadas entre instituições públicas e
entidades privadas com vistas ao acesso a tecnologias prioritárias, à redução
da vulnerabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) a longo prazo e à
racionalização e redução de preços de produtos estratégicos para saúde, com
o comprometimento de internalizar e desenvolver novas tecnologias
estratégicas e de valor agregado elevado.
Em síntese, as PDPs consistem em modalidade de contratação por meio da qual um
laboratório privado, detentor de propriedade industrial (como uma patente, por exemplo)
sobre determinado processo de fabricação de um medicamento, compromete-se a ceder a um
laboratório público a expertise e o know-how para a produção de um medicamento
(transferência de tecnologia), ao passo que, em contrapartida, este mesmo laboratório compra
o medicamento do parceiro privado durante o processo de internalização da tecnologia, sem
necessidade de licitação.389
Os instrumentos a que se referem as alianças estratégicas e as cooperações citadas na
Lei nº 10.973/2004 apresentam, em regra, natureza aparentemente mais consentânea à dos
convênios, acordo de vontades com peculiaridades próprias.
Em verdade, não se pode negar que, mesmo antes do advento da Lei de Inovação,
diversas formas de parceria eram praticadas no setor da C,T&I entre os setores público e
privado, sob o amparo do artigo 116, da Lei nº 8.666/1993, segundo o qual: “Aplicam-se as
disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos
congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração.”
Tendo isto em vista pode surgir o seguinte questionamento: as parcerias voltadas a
atividades de P,D&I, eventualmente não enquadradas, de forma exata, nas modalidades de
parcerias descritas na Lei nº 10.973/2004, poderão continuar sendo celebradas com
fundamento no artigo 116 da Lei de Licitações? Esse tipo de incerteza em relação às
389
São exemplos de experiências brasileiras bem sucedidas com PDPs as firmadas entre o Laboratório alemão
Boehringer Ingelheim e o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmaguinhos) para a produção do
medicamento Pramimpexol, utilizado para o tratamento do mal de Parkinson e a PDP celebrada entre o
laboratório multinacional Merck e o brasileiro Bionovis, para a produção de seis medicamentos contra o câncer
(Rituximabe, Bevacizumabe, Cetuximabe, Trastuzumabe) e contra a artrite (Etanercepte e Infliximabe)
(ANTUNES, Vitor Amuri. Parcerias para o desenvolvimento Produtivo (PDPs). Boletim do Albino Advogados
Associados, 2014. Disponível em: <http://www.albino.adv.br/artgvaa028.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014).
Segundo Fabrício Polido, Mônica Steffen Guise Rosina e Priscila Maria Dias Guimarães César, no Brasil,
destacam-se as parcerias na destinadas à P,D&I na indústria farmacêutica, para medicamentos de doenças
neglicenciadas, como dengue, febre amarela, doença da Chagas, tuberculose e malária, e que são direcionadas
para mercados específicos, como a América Latina e África. (POLIDO, Fabricio; ROSINA, Mônica Steffen
Guise; CÉSAR, Priscilla Maria Dias Guimarães. Propriedade intelectual: potencialidades e fragilidades do
ambiente jurídico-institucional brasileiro para a inovação. In: SHAPIRO, Mario G.; TRUBEK, David M.
(Coord.). Direito e desenvolvimento: um diálogo entre os BRICS. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 135-180, p. 174).
133
aplicações práticas das Leis de Inovação e de Licitações e Contratos Administrativos gera
insegurança para o gestor público. A nosso ver, não há impedimentos à celebração de acordos
de vontade com base no artigo 116 da Lei de Licitações.
Os instrumentos de parceria também podem apresentar natureza mais complexa, como
nos casos de participação acionária minoritária, pelo Estado, no capital votante de empresa
privada.
Marçal Justen Filho e Eduardo Ferreira Jordão denominam de contrato de fomento o
instrumento de implantação de políticas públicas. Nesse tipo de ajuste o interesse público
reside em externalidades positivas e não na atividade em si, possuindo a Administração menor
ingerência sobre como a atividade será desempenhada e, o particular, maior liberdade para
executá-la, de acordo com os seus critérios empresariais. Nesses termos, o regime jurídico
aplicável aos contratos de fomento não é exatamente o mesmo aplicado aos contratos
administrativos em sentido estrito,390
não se reconhecendo à Administração as chamadas
cláusulas exorbitantes e nem tampouco garantia da intangibilidade da equação econômico-
financeira do contrato ao particular.391
Vale dizer, no contrato de fomento, o poder público estimula a execução de um
empreendimento privado, que remanesce privado e cuja configuração continua nas mãos do
particular.392
Fernando Dias Menezes de Almeida explica que, em termos finalísticos, há diferença
entre a busca, pela Administração, de cooperação para o desempenho de suas próprias
atividades e o incentivo para que a outra parte contratante desenvolva atividade dela mesmo,
que é de interesse geral. Neste último caso, a vinculação recíproca das partes, em termos de
390
Esta afirmação, todavia, não significa o afastamento dos princípios regentes da função administrativa de
fomento. Nos dizeres de Rafael Munhoz de Mello: “O maior risco à isonomia é que os benefícios e privilégios
sejam distribuídos sem qualquer critério racional que justifique o tratamento diferenciado. Em tal situação, os
particulares beneficiados são escolhidos não porque se distingam dos demais pela sua atuação numa atividade
cuja promoção é do interesse coletivo, tal qual definido em lei, mas sim porque têm meios de exercer maior
pressão política ou mesmo simples compadrio [...] Pode acontecer também de o tratamento discriminatório em
que consiste a medida de fomento ser outorgado com base em critérios lógicos [...] mas ainda assim com
ofensa ao princípio da isonomia, em função da promoção de valores incompatíveis com o texto constitucional
[...] tanto num caso como noutro a atividade de fomento será ilícita, eis que contrária ao princípio
constitucional da igualdade”. Como medida destinada à redução do risco de ilicitude, o autor defende a
transparência e a definição de critérios objetivos para a concessão do fomento. (MELLO, Rafael Munhoz de.
Atividades de fomento e o princípio da isonomia. In: SPARAPANI, Priscilia; ADRI, Renata Porto (Coord.).
Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social: homenagem ao Professor Celso Antônio
Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 263-285). 391
JUSTEN FILHO, Marçal; JORDÃO, Eduardo Ferreira. A contratação administrativa destinada ao fomento de
atividades privadas de interesse coletivo. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano
9, n. 34, p. 47-72, jul./set. 2011, p. 60. 392
JUSTEN FILHO, Marçal; JORDÃO, Eduardo Ferreira. A contratação administrativa destinada ao fomento de
atividades privadas de interesse coletivo. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano
9, n. 34, p. 47-72, jul./set. 2011, p. 59.
134
volume ou de complexidade das obrigações assumidas, é mais tênue, podendo a atuação da
Administração ser mais flexível.393
Essa característica da contratação de fomento mostra-se particularmente relevante à
inovação tecnológica, processo marcado por incertezas de toda ordem.
Roberto Correia da Silva Gomes Caldas e Rubia Carneiro Neves destacam que os
acordos de parceria entre instituições de ciência e tecnologia, Estado e organizações privadas
do setor produtivo contribuem para uma maior repartição e melhor distribuição dos riscos
envolvidos com a pesquisa e o empreendimento de transformação da ciência em inovação
tecnológica.394
A melhor distribuição dos riscos envolvidos e a não incidência de prerrogativas
extraordinárias, nas contratações de fomento, não devem significar, contudo, ausência de
controle e impossibilidade de aplicação de sanção em caso de inadimplemento do avençado.
Outro aspecto a ser observado é o relativo aos destinatários da norma contida no artigo
3º, da Lei nº 10.973/2004.
Embora esse artigo afirme que os poderes nele previstos são atribuídos aos Estados,
Distrito Federal, e Municípios, as constrições constitucionais não permitem que algumas
disposições da Lei nº 10.973/2004 surtam efeito em todos os entes federativos. Isso porque a
lei é essencialmente federal, e não nacional. Todavia, haja vista que o art. 3º apenas declara o
conteúdo do art. 218, da Constituição Federal, sem qualificações, tem eficácia geral,
aplicando-se em todos os níveis da Federação.395
No Estado de São Paulo, a exemplo da Lei nº 10.973/2004, a Lei Complementar nº
1.049/2008 dispõe que:
Artigo 3º - O Estado, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo - FAPESP e suas demais agências de fomento poderão estimular e
apoiar a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de
projetos de cooperação envolvendo empresas e ICTESPs voltadas para
atividades de pesquisa e desenvolvimento que objetivem a geração de
produtos e processos inovadores.
393
ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Contrato administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 259. 394
CALDAS, Roberto Correia da Silva Gomes; NEVES, Rubia Carneiro. Administração Pública consensual:
uma nova tendência nos acordos de parceria para promover tecnologia e inovação. Fórum de Contratação e
Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 11, n. 130, p. 63-76, out. 2012. Disponível em:
http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=81781. Acesso em: 30 jul. 2013. (documento não
paginado). 395
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 51.
135
Não há dúvidas, portanto, que também em São Paulo, a constituição de alianças
estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação recebem o estímulo e o apoio do
Estado.
Oportuno, ainda, se faz registrar que, por força do artigo 24, XXXI, da Lei Federal nº
8.666/93, com a redação dada pela Lei Federal nº 12.349/2010, é dispensável a licitação:
XXXI – nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3º,
4º, 5º e 20 da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro.
Observa Marçal Justen Filho que o inciso XXXI apresenta um clássico defeito de
técnica legislativa, que é a ausência de definição precisa e exata da hipótese, com remissão ao
texto de outros dispositivos legais.396
Explica, ademais, que: (i) nas hipóteses referidas, assinaladas na Lei nº 10.973/2004,
embora seja válido que o Estado promova a contratação sem uma perspectiva de resultados
econômicos imediatos ou previamente estimados, é obrigatória uma avaliação técnico-
científica sobre a consistência das propostas e de sua relevância para os interesses nacionais;
(ii) os possíveis interessados deverão ser tratados com critérios similares; (iii) os critérios das
diversas escolhas deverão estar relacionados com o tema do desenvolvimento nacional
sustentável; (iv) sempre que viável, deverá ser efetuado procedimento seletivo, com critérios
objetivos de julgamento e observância aos princípios da publicidade e da isonomia, não se
aplicando essa solução nos casos de inviabilidade de competição.397
De fato, ainda que a hipótese de contratação direta assinalada no inciso XXI não tivesse
sido incluída no rol do artigo 24 de Lei de Licitações, poderia existir caso de inexigibilidade
de licitação.
Nesse sentido, explicam Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza que “parcerias
estratégicas com múltiplos objetos, articulados entre si, com certa complexidade, exigindo
parceiros escolhidos por longa negociação, não são passíveis de constituição por licitação”.398
A rigor, alude-se a uma tendência de revelação de incompatibilidades da Lei de
Licitações com a era das parcerias, uma vez que a Lei de Licitações é alterada pelo acréscimo
de hipóteses de dispensa de licitação para a contratação de cooperações, sem que a lei preveja
procedimentos alternativos para contratá-las (a previsão tem ocorrido por meio de
396
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15 ed. São Paulo:
Dialética, 2012, p. 403. 397
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15 ed. São Paulo:
Dialética, 2012, p. 404-405. 398
SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Parcerias para o desenvolvimento produtivo em
medicamentos e a lei de licitações. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 264, p. 91-133,
set./dez. 2013, p. 125.
136
regulamentos), ao passo que a condução dessas parcerias ocorre em meio à insegurança, pois
intérpretes e controladores tentam sujeitá-la ao processo licitatório da Lei de Licitações.399
Essa tendência de incompatibilidade destaca a necessidade de enfrentamento de dois
desafios, a saber: a) a necessidade de melhor distinção entre as diversas espécies do
multifacetado fenômeno contratual do qual faz parte a Administração Pública; b) a
necessidade de tratamento legislativo mais adequado às novas espécies contratuais, que não as
tradicionais.400
Do que foi dito deflui que, apesar de seu intuito moralizador, a aplicação do regime
mais rígido da Lei nº 8.666/1993 não é adequada ante a complexidade e variedade das
situações concretas a serem tratadas de modo contratual pela Administração. Enquanto
gênero, a expressão contrato não pode remeter a um único regime, uniforme e completo,
aplicado a todos os acordos de vontade celebrados pela Administração.401
Para Marçal Justen Filho, o contrato de fomento não se subordina à prévia licitação nos
termos da Lei nº 8.666/93:
Em alguns casos, porque os benefícios previstos são assegurados a todos
quantos se dispuserem a cumprir os requisitos exigidos em lei – portanto, a
ausência de excludência torna inexigível a licitação. Em outros casos,
configura-se inviabilidade de competição, eis que não é viável comparar as
diversas alternativas segundo critérios objetivos de vantajosidade. Quando,
no entanto, existir a possibilidade de comparação entre as diversas
alternativas, a solução será instaurar um procedimento seletivo simplificado,
não subordinado ao regime da Lei nº 8.666/1993.402
Cumpre anotar que a adoção de instrumentos contratuais para organizar a atividade de
fomento relaciona-se com o oferecimento de garantias aos particulares.
Consigna, ainda, Marçal Justen Filho a esse respeito que:
A previsão de benefícios a particulares contemplada em ato unilateral do
Estado pode ser suprimida sem que, usualmente, o particular possa a tanto se
399
SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Parcerias para o desenvolvimento produtivo em
medicamentos e a lei de licitações. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 264, p. 91-133,
set./dez. 2013, p. 126. 400
SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Parcerias para o desenvolvimento produtivo em
medicamentos e a lei de licitações. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 264, p. 91-133,
set./dez. 2013, p. 97. 401
ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Contrato administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 203. O
autor sustenta a tese de insuficiência da teoria do contrato administrativo para explicar completa e
adequadamente o fenômeno contratual da Administração, em face do atual aumento de complexidade do
fenômeno. Propõe a sistematização desse fenômeno em módulos convencionais, assim agrupados,
respectivamente: (i) módulos convencionais de cooperação, que ressaltam a ideia de atuação conjunta para um
mesmo fim; (ii) módulos convencionais de concessão, que conotam transferência e (iii) módulos
convencionais instrumentais, que destacam o seu aspecto instrumental em relação à finalidade da função
pública; (iv) módulos convencionais substitutos de decisão unilateral da Administração (p. 240 e 356). 402
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014, p.
475.
137
opor. Não existe direito adquirido a regime jurídico. No entanto, a
formalização contratual de um benefício, condicionada à observância de
certos requisitos, configura ato jurídico perfeito e gera direito adquirido em
favor do beneficiário.403
Por fim, cabe registrar que a Lei nº 12.349/2010 modificou o artigo 57, da Lei nº
8.666/93, ao prever que:
Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à
vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:
[...]
V- às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24,
cujos contratos poderão ter vigência por até 120 (cento e vinte) meses, caso
haja interesse da administração.
Uma das hipóteses previstas no inciso XXXI do artigo 24 da Lei nº 8.666/1993 é
justamente o artigo 3º da Lei nº 10.973/2004.
Se o intuito desse dispositivo era o de incentivar relações contratuais mais duradouras,
na prática ele poderá ter efeito contrário.404
Isso porque, a princípio, não se aplicariam as
restrições de prazo da Lei nº 8.666/1993 a esse tipo de parceria. Com o advento do preceptivo
legal em comento, há uma expressa limitação de prazo até 120 (cento e vinte) meses.
Considerando que projetos de P,D&I podem ter prazos muito longos, a alteração legislativa
poderá, na prática, trazer dificuldades à sua negociação.
Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara, nesse particular, sustentam que a
racionalidade do artigo 57, da Lei nº 8.666/93 parece estar na vinculação dos prazos dos
contratos à duração de créditos ou planos orçamentários, de modo que, aparentemente, a regra
somente faria sentido nos contratos fontes de despesas orçamentárias. Nos contratos sem esse
tipo de despesa, a sua duração não deveria estar limitada aos prazos desse artigo.405
Os autores defendem, também, a inexistência de uma única regra de aplicação uniforme,
vale dizer, um regime jurídico único em relação ao prazo de contratos públicos:
A identificação segura do regime jurídico contratual aplicável a determinado
setor deve ser obtida a partir da análise da eventual lei específica, da sua
lógica econômica e negocial e de outras características do objeto da
contratação.406
403
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos,Tribunais, 2014, p. 722. 404
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 54. 405
SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Uma crítica à tendência de uniformizar com princípios
o regime jurídico dos contratos públicos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte,
ano 11, n. 41, p. 57-72, jan./mar. 2013. 406
SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Uma crítica à tendência de uniformizar com princípios
o regime jurídico dos contratos públicos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte,
ano 11, n. 41, p. 57-72, jan./mar. 2013.
138
No caso ora em comento, melhor teria sido se a lei, considerando as peculiaridades
próprias dos projetos de P,D&I, tivesse exigido prazo contratual determinado, porém, sem um
limite geral a ser observado.
10.2 Redes e projetos internacionais de pesquisa, incubadoras e parques tecnológicos
Prescreve o parágrafo único, do artigo 3º da Lei nº 10.520/2004 que:
Parágrafo único. O apoio previsto neste artigo poderá contemplar as redes e
os projetos internacionais de pesquisa tecnológica, bem como ações de
empreendedorismo tecnológico e de criação de ambientes de inovação,
inclusive incubadoras e parques tecnológicos.
De modo bastante similar, o parágrafo único, do art. 3º da Lei Complementar Paulista nº
1.049/2008 estabelece:
Parágrafo único - O apoio previsto neste artigo poderá contemplar as redes e
os projetos internacionais de pesquisa tecnológica, bem como ações de
empreendedorismo tecnológico e/ou social e de criação de ambientes de
inovação, incluídas as incubadoras e parques tecnológicos.
Em razão da expressa previsão legal de possibilidade de fomento público às redes e aos
projetos de pesquisa internacionais de pesquisa tecnológica e à criação de ambientes de
inovação, urge verificar essas figuras mais atentamente.
10.2.1 Redes e projetos internacionais de pesquisa tecnológica
Redes de pesquisa tecnológica dizem respeito à articulação de arranjos de diversas
instituições especializadas, para o desempenho conjunto de atividades científicas e
tecnológicas, que possam ser beneficiadas pela complementaridade de conhecimentos e
competências.
O surgimento da chamada inovação em redes está relacionado com as profundas
modificações que o sistema de produção capitalista passou a sofrer a partir do final da década
de 1970. Este era marcado pela produção em massa e por economias de escalas obtidas pelo
uso de maquinários específicos. Os produtos e os processos essenciais à inovação eram
controlados diretamente, por meio de direitos de propriedade, para proteger os altos
investimentos empreendidos em sua criação. Havia o que se chama de firmas verticais.
139
Atualmente, os agentes econômicos vêm se organizando em colaborações
interorganizacionais, desverticalizadas, controladas majoritariamente por contratos.407
De fato, com o surgimento de uma nova economia baseada no aproveitamento
econômico do conhecimento, despontou uma nova forma de organização desverticalizada: as
redes. Conforme Marcus Lessa, “através delas, firmas, pesquisadores, o Estado e agentes do
capital se unem, sem uma cadeia clara de subordinação ou controle, para, em conjunto e
através de suas complementaridades, inovar num ambiente incerto e instável”.408
O Sistema Brasileiro de Tecnologia – SIBRATEC, por exemplo, instituído pelo Decreto
Federal nº 6.259/2007, e disciplinado conforme as diretrizes estipuladas na Resolução do
Comitê Gestor SIBRATEC nº 001, de 17 de março de 2008, estabelece que as entidades dele
integrantes são organizadas na forma de redes.
No SIBRATEC essas redes podem ser temáticas, conforme as prioridades das políticas
industrial, tecnológica e de comércio exterior e regionais, quando for o caso, para melhor
atender as demandas empresariais, objetivando o desempenho de pelo menos uma das
seguintes atividades: (i) pesquisa, desenvolvimento e inovação de processo e produto; (ii)
prestação de serviços tecnológicos; e (iii) extensão ou assistência tecnológica.409
Cada uma dessas redes é gerenciada por um comitê técnico composto por representantes
de órgãos ou entidades públicas e privadas e por especialistas convidados nas áreas de atuação
da rede.410
Busca-se articular os laboratórios de empresas com suas redes, a fim de que contribuam
para melhorar a tecnologia de empresas que atuem em sua cadeia. Por meio dessa articulação,
intenta-se conhecer melhor os reais problemas dos setores, além de permitir que competências
empresariais e acadêmicas estabelecidas no País se complementem.
A organização de atividades na forma de redes visa, enfim, à otimização e ao
compartilhamento de recursos e de experiências.
Segundo o artigo 9º, da Portaria nº 251, de 12 de março de 2014, do MCTI, que
estabelece as diretrizes para a gestão da política de inovação das suas Unidades de Pesquisa,
as ICTs a ele subordinadas deverão se associar em arranjos de núcleos de inovação
tecnológica, de acordo com a sua localização, devendo esses arranjos operar em forma de rede
407
LESSA, Marcus. Contratos para inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da inovação. 2. ed.
rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 409-468, p. 413. 408
LESSA, Marcus. Contratos para inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da inovação. 2. ed.
rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 409-468, p. 414. 409
Conforme disposto no art. 3º do Decreto nº 6.259/2007. 410
Conforme disposto no art. 3º do Decreto nº 6.259/2007.
140
colaborativa, com a finalidade de otimizar e compartilhar recursos, disseminar boas práticas
de gestão da inovação e de proteção à propriedade intelectual e à transferência de tecnologia.
No Estado de São Paulo todo o chamado Sistema Paulista de Ambientes de Inovação
(SPAI) está estruturado a partir de sistemas e redes – o Sistema Paulista de Parques
Tecnológicos (SPTec); a Rede Paulista de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica
(RPITec); a Rede Paulista de Centros de Inovação Tecnológica (RPCITec) e a Rede Paulista
de Núcleos de Inovação de Inovação Tecnológica (PPNIT).
Sob o aspecto jurídico, convém destacar que as articulações formadas por meio das
redes de pesquisa são parcerias com natureza aparentemente mais consentânea à dos
convênios, não resultando da atuação conjunta de seus diversos atores a constituição de nova
pessoa jurídica.
O parágrafo único, do artigo 3º da Lei nº 10.973/2004 faz menção, de forma literal, aos
chamados “projetos internacionais”, sendo, portanto, relevante, tecer algumas considerações a
propósito deles.
Em primeiro lugar, há que se notar que no apoio público destinado a ações
internacionais, será sempre preciso ponderar os interesses quanto aos seus objetivos, eis que
sua tônica deverá ser a solução dos problemas brasileiros. Haverá exceções a esse
entendimento, como as redes relacionadas a interesses regionais, tais como os do Mercosul,
mas isso deverá ocorrer em atendimento a outros valores constitucionais relevantes.411
É sabido que a cooperação internacional tem sido e é absolutamente fundamental para o
avanço da C,T&I no País, máxime nos presentes tempos de globalização, devendo ser,
evidentemente, adaptada às prioridades e necessidades definidas pela agenda de
desenvolvimento e pelo regime jurídico brasileiros.
Nesse sentido, já dispunha o Livro Branco Ciência, Tecnologia e Inovação, do então
Ministério da Ciência e Tecnologia:
[...] será necessário mobilizar a cooperação internacional para reforçar a
atuação do Brasil tanto nas fronteiras do conhecimento, na promoção de
pesquisas avançadas, e na solução do nosso déficit tecnológico, quanto no
plano da realização das vocações nacionais e regionais, em matéria de
Ciência e Tecnologia. A cooperação é o veículo preferencial de acesso ao
conhecimento internacionalmente disponível e, ao mesmo tempo, fonte
potencial de recursos para ações cooperativas de interesse nacional ou
local.412
411
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 53. 412
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Livro branco: ciência, tecnologia e inovação. Brasília:
MCT, 2002, p. 46.
141
Corroborando a importância das cooperações internacionais na área da C,T&I, segundo
estimativas do Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação, de
2010, mais de 40% (quarenta por cento) dos trabalhos científicos brasileiros publicados no
período entre 2003 e 2007 foram feitos em colaboração com pesquisadores estrangeiros, em
especial os dos Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha, Argentina, México e Chile.
No Estado de São Paulo, conforme informa o Decreto Estadual nº 57.932/2012, que
institui o Plano de Relações Internacionais 2011-2014 do Governo do Estado, o
multilateralismo é a face mais visível das relações internacionais:
É a lógica natural de condução das relações no sistema internacional atual,
fruto de um processo histórico que gradualmente acentuou a falta de
capacidade dos estados nacionais e subnacionais para dar respostas
individuais e isoladas a desafios modernos, impelindo-os a cooperar
globalmente. 413-414
A partir dos anos 1990, segundo o aludido Anexo, a abertura e a estabilização
econômica permitiram o fortalecimento do País no cenário internacional, sendo, o Brasil,
hoje, reconhecido como um ator com vocação global, o que exige maior internacionalização
de todas as entidades públicas e privadas brasileiras.415
O Anexo do Decreto 57.932/2012 propõe como objetivos gerais do Plano de Relações
Internacionais 2011-2014, dentre muitos outros, qualificar a mão de obra e preparar os
cidadãos paulistas para a inserção nos mercados globais, especialmente fomentando a
inovação, o empreendedorismo, o ensino de idiomas, a formação técnico-científica e a
inclusão social e, como metas específicas, criar condições para que o investimento em P&D
em São Paulo atinja 2% do PIB estadual e incentivar, por meio da FAPESP e das
universidades e centros de pesquisa, a internacionalização da pesquisa científica e
tecnológica, da inovação e do conhecimento paulista, assim como estimular o investimento de
empresas estrangeiras em centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação, de caráter público
ou privado, localizados no Estado de São Paulo.416
10.2.2 Incubadoras
413
A afirmação consta do item “Metas específicas” do Anexo do Decreto. 414
Um excelente exemplo da importância da cooperação internacional é a Embrapa. A Embrapa possui
Laboratórios de Antenagem nos Estados Unidos, na França e na Coréia do Sul, encarregados de realizar
projetos em cooperação com instituições locais e de captar o que há de mais avançado em matéria de
tecnologia agrícola. Mantém escritórios de transferência de tecnologia em Gana, na Venezuela e no Paraná.
(MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Livro azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília: MCT, 2010, p. 56). 415
A afirmação consta do item “1. Contexto internacional e nacional” do Decreto. 416
A afirmação consta do item “Metas específicas” do Anexo do Decreto.
142
Ensina Conceição Vedovello que no campo especializado dos estudos econômicos, as
incubadoras de empresas têm despertado crescente interesse em vários seguimentos sociais,
devido à possibilidade de serem utilizadas como instrumentos de políticas públicas de apoio
ao crescimento e fortalecimento de micro, pequenas e médias empresas de base tecnológica, à
geração de empregos; à promoção do desenvolvimento econômico e social, tanto em termos
regionais como nacionais; e ao fortalecimento das relações entre empresas e academia,
dinamizando o setor produtivo e tornando-o mais competitivo e participativo do mercado
global.417
As incubadoras pressupõem um conjunto de empresas – geralmente, vinculadas aos
setores de alta tecnologia – concentrado em um ambiente físico provido de instalações
adequadas e infraestrutura administrativa e operacional competente, gerador de um ambiente
propício não somente ao nascimento, desenvolvimento e consolidação de novos negócios,
mas também ao estabelecimento de ligações com outros provedores de conhecimento,
informação e tecnologia, como universidades e centros de pesquisa.418
O surgimento das incubadoras, tal como o surgimento das redes de pesquisa
tecnológica, está vinculado aos novos padrões impostos pela economia do conhecimento.
Mario Gomes Schapiro destaca que entre as décadas de 1950 e 1970 a economia
baseava-se no paradigma fordista-desenvolvimentista. Acreditava-se que a riqueza das nações
mais pobres dependeria da viabilização dos mesmos setores industriais que garantiam êxito às
nações mais desenvolvidas, voltados à produção de bens de consumo em série. O esquema de
produção fordista contava com alguns atributos, tais como as grandes indústrias, a produção
seriada e a produção e o emprego em massa.419
Desde a década de 1980, todavia, uma parte significativa das vantagens competitivas
entre as empresas deixou de ser baseada em bens econômico padronizados, produzidos em
série, passando gradativamente a girar em torno de bens diferenciados, customizados e
fabricados por meio de processos produtivos amparados em P&D. Nesse contexto, no lugar
417
VEDOVELLO, Conceição. Perspectivas e limites da interação entre universidades e MPMEs de base
tecnológica localizadas em incubadoras de empresas. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, dez. 2001,
p. 281-316, p. 282. 418
VEDOVELLO, Conceição. Perspectivas e limites da interação entre universidades e MPMEs de base
tecnológica localizadas em incubadoras de empresas. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, dez. 2001,
p. 281-316, p. 291. 419
SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos parâmetros para a intervenção do Estado na economia. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 21.
143
exclusivo das grandes empresas, as pequenas e médias empresas, especializadas em produtos
para o atendimento de segmentos específicos de mercado, passaram a ter papel de destaque.420
Com efeito, a formação de ambientes sistêmicos de promoção da competitividade, na
qual os competidores lastreiam a sua rivalidade não apenas em custos, mas também em
conhecimento e nos atributos qualitativos e seus produtos, pressupõe o aparecimento
constante de novas empresas emergentes, organizadas em torno de propostas produtivas.
Essas novas empresas são as chamadas start-ups, inseridas, em regra, em incubadoras
universitárias.421-422
A história das incubadoras, no País, é recente. Assim como os parques tecnológicos,
elas começaram a ser criadas na década de 1980, a partir da implantação, pelo CNPq, do
primeiro Programa Brasileiro de Parques Tecnológicos no País. Essa iniciativa semeou a
noção de empreendedorismo inovador no Brasil.423
Segundo o Relatório Técnico Estudo, Análise e Proposições sobre as Incubadoras de
Empresas no Brasil, elaborado em conjunto pelo MCTI e pela Associação Nacional de
Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (ANPROTEC), com o objetivo de
levantar e atualizar as informações e os indicadores das incubadoras brasileiras, havia, no
País, em 2011, 384 incubadoras em operação, que abrigavam 2.640 empresas, gerando 16.394
postos de trabalho. Essas incubadoras já haviam graduado 2.509 empreendimentos, que
faturavam, à época, R$ 4,1 bilhões e empregavam 29.205 pessoas.424
Nem a Lei Federal nº 10.973/2004 e tampouco o Decreto nº 5.563/2005 apresentam
uma definição própria para o termo “incubadora”, a ela referindo-se somente como um
420
SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos parâmetros para a intervenção do Estado na economia. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 21. 421
SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos parâmetros para a intervenção do Estado na economia. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 156. 422
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) adota a seguinte definição para
start-up: “Startup ou empresa emergente - Organização em fase de estruturação (quase firma) que busca
nichos específicos de mercado. Nessa categoria de empresa, a base técnica da produção advém de esforços de
pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Pode estar ou não inserida em incubadora.” A acepção, por seu turno,
de spin-off, termo também usualmente empregado nos debates relacionados a incubadoras e parques
tecnológicos, é a seguinte: “Spin-off -Empresa oriunda de laboratório e resultante de pesquisa acadêmica ou
industrial; empresa impulsionada por outra já estabelecida no mercado, para atuar na mesma área de negócio,
mas com produto ou serviço diferente daquele que a empresa original comercializa. Fonte: Dicionário
Tecnologia e Inovação Sebrae” (os grifos são originais). Disponível em:
http://www.fapemig.br/apoio/programas-de-rede-de-pesquisa. Acesso em 05 nov. 2014. 423
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES PROMOTORAS DE EMPREENDIMENTOS
INOVADORES. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Estudo, análise e proposições sobre as
incubadoras de empresas no Brasil -– relatório técnico. Brasília: ANPROTEC, 2012. 24 p., p.5. 424
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES PROMOTORAS DE EMPREENDIMENTOS
INOVADORES. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Estudo, análise e proposições sobre as
incubadoras de empresas no Brasil -– relatório técnico. Brasília: ANPROTEC, 2012. 24 p., p. 6.
144
ambiente de inovação, passível do recebimento de apoio e estímulo pela União, pelos Estados,
pelo Distrito Federal, pelos Municípios e pelas respectivas agências de fomento.
Demais leis e decretos federais relacionados à inovação também não trouxeram
diretrizes acerca do funcionamento e modo de interação das incubadoras com o setor público.
A Portaria nº 251, de 12 de março de 2014, do MCTI, estabelece as diretrizes para a
gestão da política de inovação das Unidades de Pesquisa da Pasta, sem, contudo, abordar,
especificamente, o tema das incubadoras.
Apesar de o assunto estar vinculado à atuação do Estado, seja diretamente, seja por
intermédio de regulação, ainda são raros os estudos destinados à matéria no âmbito do Direito
Administrativo Brasileiro.
No âmbito do Estado de São Paulo, depreende-se do art. 2º, da Lei Complementar nº
1.049/2008 que as incubadoras devem abrigar predominantemente empresas nascentes
intensivas em conhecimento tecnológico.425
Depreende-se, também, da Lei Complementar Paulista, o compromisso assumido pelo
Estado de São Paulo de manter, ao lado de um Sistema Paulista de Parques Tecnológicos,
uma Rede Paulista de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica, como parte de sua
estratégia para incentivar os investimentos em inovação tecnológica, pesquisa científica e
tecnológica, desenvolvimento tecnológico, engenharia não-rotineira, informação tecnológica e
extensão tecnológica em ambiente produtivo que gerem novos negócios, trabalho e renda e
ampliem a competitividade da economia paulista.
Recentemente, o Decreto Estadual nº 60.286/2014, que instituiu e regulamentou o
Sistema Paulista de Ambientes de Inovação, definiu:
II – Incubadora de Empresas de Base Tecnológica: empreendimento que, por
tempo limitado, oferece espaço físico para instalação de empresas e
empreendimentos nascentes voltados ao desenvolvimento de produtos e
processos intensivos em conhecimento, disponibiliza suporte gerencial e
tecnológico, assim como outros serviços correlatos de valor agregado, com
vista ao seu crescimento e consolidação;
Interessante questão que se apresenta é a de saber se incubadoras são dotadas, ou não,
de personalidade jurídica.
Segundo já mencionado, a legislação federal não aborda este assunto tampouco tece
detalhamento sobre qualquer outro ponto da matéria.
425
Artigo 2o - Para os efeitos desta lei complementar, considera-se: [...] VI - Rede Paulista de Incubadoras de
Empresas de Base Tecnológica: instrumento articulador do conjunto das incubadoras que abrigam
predominantemente empresas nascentes intensivas em conhecimento tecnológico, estabelecidas no Estado e
credenciadas pela Secretaria de Desenvolvimento.
145
O artigo 25 da Lei Complementar Paulista nº 1.049/2008 faz presumir que as
incubadoras poderão possuir personalidade jurídica própria, nos termos abaixo:
Artigo 25 - O Estado, suas autarquias, fundações e empresas por ele
controladas, direta ou indiretamente, poderão participar do capital social de
sociedade ou associar-se a pessoa jurídica caracterizada como parque
tecnológico, como incubadora de empresas de base tecnológica, e arranjos
produtivos pertencentes ao Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, e a
Rede Paulista de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica de que trata
o artigo 24.
Diversamente, o Decreto Estadual nº 60.286/2014, ao fazer menção, simplesmente, à
expressão “empreendimento”, leva a crer que as incubadoras poderão ser entes
despersonalizados.
A nosso ver, apesar do quanto disposto no artigo 25, da Lei Complementar 1.049/2008,
a maior parte das disposições do Decreto nº 60.286/2014 permite concluir que as incubadoras
não têm personalidade jurídica.
A questão, no entanto, pode suscitar dúvidas, cumprindo lembrar que, no Brasil, os
decretos se prestam a regulamentar a lei.
Prescreve, ainda, o mencionado Decreto nº 60.286/2014, como objetivos da Rede
Paulista de Incubadoras de Base Tecnológica – RPITec:
I – fomentar a implantação e o fortalecimento das incubadoras de empresas
de base tecnológica no Estado de São Paulo;
II – promover a cultura do empreendedorismo inovador, fomentando a
utilização de novas tecnologias de produção e de gestão;
III – integrar as incubadoras promovendo a troca de informação e a difusão
de conhecimento e de processos de gestão tecnológica, mercadológica,
empresarial e de internacionalização de operações;
IV – incentivar a integração com as cadeias produtivas, arranjos e outros
mecanismos de desenvolvimento existentes no Estado de São Paulo,
buscando proporcionar sustentabilidade e competitividade aos seus negócios;
V – desenvolver estudos, mapeamentos, metodologias de monitoramento e
avaliação de resultados, através de indicadores que demonstrem o grau de
inovação e empreendedorismo, a capacidade de geração de empregos e sua
participação no mercado;
VI – apoiar:
a) a aplicação de capital empreendedor e o direcionamento de linhas de
investimentos às demandas das empresas incubadas;
b) a captação de recursos de órgãos de fomento para aplicação em ações que
beneficiem horizontalmente as empresas incubadas e as incubadoras;
VII – buscar o intercâmbio com:
a) entidades nacionais e internacionais de fomento à inovação, à tecnologia e
ao empreendedorismo;
b) entidades congêneres no país e no exterior;
VIII – promover e apoiar a realização de eventos, reuniões técnicas, missões
técnicas e outras ações, em nível nacional e internacional, em apoio às
incubadoras de empresas de base tecnológica no Estado de São Paulo.
146
Como se nota, a recente regulamentação paulista da matéria, ao menos no que tange à
sua importância e objetivos perseguidos, procura traduzir aquilo que diversos estudos da área
econômica identificaram nos últimos anos.
Nos termos do art. 14 do Decreto, são requisitos para inclusão de incubadoras à Rede
Paulista de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica - RPITec:
I – a existência de pessoa jurídica sem fins lucrativos encarregada da gestão
da incubadora, cujo ato constitutivo demonstre:
a) tratar-se de entidade privada ou de entidade do setor público da
Administração Indireta e Fundacional;
b) ter objetivos compatíveis com os arrolados no artigo 13 deste decreto;
c) ter modelo de gestão adequado à realização de seus objetivos;
d) possuir capacidade técnica e idoneidade financeira para gerir a
incubadora;
II – a apresentação de:
a) requerimento pela entidade gestora, contendo justificativa do pleito e
caracterização detalhada do empreendimento;
b) planejamento estratégico e operacional para sua instalação e
desenvolvimento;
c) relatório identificando o perfil das empresas incubadas, de acordo com as
vocações econômicas e produtivas e as áreas de atuação das instituições de
ciência, tecnologia e ensino na região;
III – o oferecimento de infraestrutura, espaço físico e instalações de uso
compartilhado, como biblioteca, serviços administrativos e de escritório,
salas de reunião, auditório, utilidades, facilitando, ainda, o acesso a
laboratórios, grupos de pesquisas em universidades, institutos, centros de
pesquisa e instituições de formação profissional;
IV – a promoção de apoio nas áreas de gestão tecnológica, empresarial e
mercadológica, dentre outras, visando o desenvolvimento e a consolidação
das empresas incubadas;
V – a existência de modelo de gestão adequado à realização de seus
objetivos;
VI – a previsão na sua estrutura organizacional interna, de órgão colegiado
com as seguintes características:
a) é responsável pelo planejamento e pela direção estratégica;
b) tem a atribuição de zelar pelo cumprimento do objeto social da entidade; e
c) pode contar com representantes do Município onde se encontra instalada a
incubadora, de instituições de ensino e pesquisa e de entidades privadas
representativas do setor produtivo;
VII – a demonstração de sua viabilidade econômico-financeira, indicando a
existência de recursos próprios ou oriundos de instituições de fomento,
instituições financeiras ou outras entidades de apoio às atividades
empresariais, em especial as direcionadas para micro e pequenas empresas;
VIII – a demonstração de capacidade para criar as condições para que as
empresas incubadas se consolidem.
Não há detalhamento sobre as formas pelas quais a capacidade técnica e a idoneidade
financeira das interessadas no credenciamento na RPITec serão avaliadas.
A comprovação de alguns dos requisitos comporta o exercício de discricionariedade,
sendo dotados de relativo subjetivismo. A título de exemplificação, não há definição exata do
147
que deverá ser considerado “modelo de gestão adequado”; não há parâmetros que permitam
inferir quando haverá viabilidade econômico-financeira do empreendimento.
Nesse passo, cumpre dizer que há divergências sobre a natureza do fomento público –
cuida-se de atos exercidos mediante competência vinculada ou discricionária?
De acordo com José Vicente Santos de Mendonça, alguns autores, como Marcos
Juruena e Gaspar Ariño Ortiz defendem que se trata de atos vinculados. A maior parte da
doutrina, porém, entende que a atividade promocional é discricionária, apesar de reconhecer
que na outorga de muitas das subvenções, existem elementos vinculados.426
Segundo o posicionamento do autor, que é perfilhado pela Autora:
[...] o fomento público, se não pode ser considerado discricionário ou
vinculado de modo estanque, está mais próximo da discricionariedade do
que da vinculação. Podem existir hipóteses nas quais a ajuda pública restará
vinculada, ou por uma norma legal específica, ou pelos termos do edital ou
do contrato. Além disso, as medidas de fomento público que importem
dispêndio de verbas ou desonerações fiscais devem se submeter às
constrições normativas trazidas pela Constituição e, em específico, pela Lei
de Responsabilidade Fiscal (autorização orçamentária, indicação de fonte de
custeio etc.). [...] O papel da doutrina, no que toca a construção de um
fomento republicano, é essencialmente o de estabelecer e difundir critérios
dogmáticos e operacionais. A partir daí, discutir se o fomento é vinculado ou
discricionário pode passar a segundo plano. Além disso, não é porque todas
as atividades públicas, hoje em dia, submetem-se a controles finalísticos e
principiológicos, que o fomento vai deixar de ser, a princípio, atividade
discricionária.427
Para o art. 15 da norma, cabe à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência,
Tecnologia e Inovação, como coordenadora da RPITec, por meio da Subsecretaria de Ciência,
Tecnologia e Inovação, dentre outros objetivos, decidir sobre a inclusão, ou seja, sobre o
credenciamento de incubadora na RPITec, e respectiva exclusão, assim como elaborar o
relatório anual de avaliação de desempenho das incubadoras integrantes da Rede.
Nos termos do art. 16, a exclusão será devida quando a incubadora descumprir qualquer
dos requisitos exigidos quando de sua inclusão ou quando tiver desempenho desfavorável,
segundo o relatório de identificação do perfil das empresas incubadas, apresentado quando do
pedido de inclusão na RPITec. Poderá ocorrer também a pedido da própria entidade gestora.
Vale notar que o termo “credenciamento” utilizado diversas vezes pelo Decreto, a rigor,
constitui um instituto reconhecido há longa data pela Administração Pública, utilizado, em
regra, para delegar
426
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do Estado na
economia à luz da razão prática e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 395. 427
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do Estado na
economia à luz da razão prática e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 396.
148
unilateral e precariamente, por atos administrativos, a credenciados,
atividades, reconhecendo-lhes a produção de eficácia administrativa pública
e dando-lhes assentimento para que sejam remunerados por seus serviços,
diretamente pelos administrados beneficiários ou por ela própria.428
Para Dinorá Adelaide Musetti Grotti “o credenciamento é apenas a transferência, a
particulares, de uma atividade técnica, meramente instrumental, de mera verificação, não
configurando delegação de poder de polícia, nem, muito menos, de serviço público”.429
Nas situações de ausência de competição, em que o credenciamento é adequado, é
inexigível a licitação, com base no artigo 25, caput, da Lei nº 8.666/93, pois todos os
interessados aptos serão aproveitados. Se houver, no entanto, possibilidade de competição
objetiva entre os particulares, será necessária a licitação.430
Como se nota, no caso de não ser possível ou desejável contratar todas as incubadoras
que cumpram as exigências impostas, as formas e os critérios de seleção para inclusão na
RPITec adquirem ainda maior importância, devendo ser estabelecidos de forma mais objetiva
possível.
Não se pode perder de vista que, por força do art. 17 do Decreto nº 60.286/2014, as
incubadoras credenciadas poderão receber fomento público, inclusive mediante a celebração
de convênios e outros instrumentos jurídicos com o Estado, visando à realização de estudos,
obras civis e aquisição de equipamentos.
Assim como o ato de credenciamento, a exclusão também parece um ato exercido no
uso de competência discricionária. Vale notar, por exemplo, que o Decreto não prescreve, a
priori, como a expressão “desempenho desfavorável” deverá ser interpretada. Parece-nos, no
entanto, que melhor teria sido condicionar a avaliação de desempenho à avaliação dos
resultados de planos contendo não somente objetos, metas e indicadores, mas também prazos
de execução prévia e conjuntamente ajustados. A norma propõe, ao contrário disso, avaliação
de desempenho desfavorável segundo o relatório do perfil das empresas incubadas, o que,
aparentemente, não se mostra razoável.
Cumpre observar que embora o Decreto nº 60.286/2014 exija das incubadoras a
apresentação de relatórios anuais para o acompanhamento e avaliação de seu desempenho,
428
MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Curso de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009,
p. 313. 429
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Parcerias na administração pública. In: CARDOZO, José Eduardo
Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. (Coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Atlas, 2011, p. 413-476, p. 472. 430
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Parcerias na administração pública. In: CARDOZO, José Eduardo
Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. (Coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Atlas, 2011, p. 413-476, p. 474.
149
estes, a rigor, não foram apontados como elementos determinantes da manutenção ou
exclusão das incubadoras na RPITec.
O estabelecimento de requisitos materiais que permitam avaliar a efetiva eficiência das
incubadoras é, efetivamente, muito importante e devia ter sido considerado, de forma
expressa, como o fator determinante da manutenção ou exclusão de uma incubadora na
RPITec.
Os relatórios de desempenho, nos termos do art. 18, deverão ser apresentados,
anualmente, no mês de abril, pelas incubadoras com credenciamento à Secretaria de
Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, com os seguintes indicadores:
I - Aspectos Financeiros e Sociais:
a) postos de trabalho, gerados discriminados por tipo de atividade;
b) número de empresas:
1. instaladas, por segmento de atuação;
2. geradas/graduadas, por segmento de atuação;
c) dados econômicos, financeiros e contábeis referentes ao exercício
anterior;
d) recursos públicos e privados aplicados.
II - Aspectos Científicos, Tecnológicos e de Gestão:
a) qualificação da equipe gestora;
b) número de:
1. projetos de P&D/ano com as universidades e institutos de pesquisas;
2. pesquisadores por área de conhecimento/competência;
c) áreas de competência da incubadora;
d) plano de metas e plano estratégico;
III - Aspectos Competitivos e de Infraestrutura e Sustentabilidade:
a) quantidade de:
1. mão de obra qualificada formada na região;
2. pessoas empregadas na incubadora;
b) custo de instalação, assim como despesas com locação e condomínio;
c) número de:
1. interações com universidades e institutos de pesquisa, como convênios,
contratos e laboratórios compartilhados;
2. patentes solicitadas e de patentes concedidas por organismos nacionais e
internacionais;
3. empresas de atuação internacional;
4. tecnologias licenciadas/geradas pela interação universidade-empresa;
5. relacionamentos internacionais estabelecidos;
6. participação em eventos nacionais e internacionais, como feiras,
seminários, encontros e “workshops”;
d) impacto regional
Não há referências nas normas pesquisadas em relação a um possível prazo de validade
do credenciamento das incubadoras, o que pode ensejar a seguinte dúvida: a qualquer
momento, poderá o Poder Público realizar a exclusão de uma incubadora, ainda que não se
verifique qualquer um dos motivos arrolados para dita exclusão?
150
Além disso, há aspectos pertinentes à avaliação de desempenho que demandam
apreciação conjunta entre as partes, que não deveriam ser apresentados de forma unilateral,
como faz presumir a norma.
10.2.3 Parques tecnológicos
Em consonância com o Estudo de Projetos de Alta Complexidade – Indicadores de
Parques Tecnológicos, de 2013, realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e
Inovação do MCTI em parceria com o Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da
Universidade de Brasília, o conceito de parque tecnológico surgiu nos Estados Unidos, na
década de 1950, em Stanford, Califórnia.431
Para o referido Estudo, parques tecnológicos têm sido considerados importantes
instrumentos para o desenvolvimento de ambientes inovadores. Baseados na interação entre
instituições públicas e privadas, com foco em empresas inovadoras, start-ups de base
tecnológica, centros tecnológicos, institutos de pesquisas e universidades, têm por objetivo
promover uma infraestrutura técnica, logística e administrativa para ajudar empresas a
desenvolver seus produtos, aumentar a competitividade e favorecer a transferência
tecnológica.432
De fato, conforme entendimentos da literatura especializada, parques tecnológicos são
empreendimentos promotores da cultura da inovação e da competitividade, complexos
produtivos industriais e de serviços de base científico-tecnológica, planejados, de caráter
formal, concentrados e cooperativos, que agregam empresas cuja produção se baseia em
pesquisa tecnológica desenvolvida nos centros de P&D vinculados ao parque.433
A importância dos parques tecnológicos é devida ao fato de que, segundo têm
demonstrado diversas pesquisas, tanto nacionais como estrangeiras,434
eles beneficiam não
somente os empreendimentos neles localizados, mas também toda a região e a economia, por
gerarem um ambiente de cooperação entre empresas inovadoras e demais atores do processo
431
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estudo de projetos de alta complexidade:
indicadores de parques tecnológicos. Brasília: CDT/UnB, 2013. p. 7. 432
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estudo de projetos de alta complexidade:
indicadores de parques tecnológicos. Brasília: CDT/UnB, 2013. p. 7. 433
Informação constante do site da ANPROTEC. Disponível em: www.anprotec.org.br/site/incubadoras-e-
parques/perguntas-frequentes. Acesso em: 05 nov. 2014. 434
A publicação intitulada Parques Tecnológicos no Brasil: estudo, análise e proposições, elaborada ao longo
dos anos 2007 e 2008, por meio de trabalho conjunto da ANPROTEC e da ABDI demonstrou que a
experiência tem sido bem sucedida em países como Espanha, Finlândia, França, Estados Unidos, Coréia,
Taiwan, entre outros. (AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Parques
tecnológicos no Brasil – estudo, análise e proposições. Brasília: ABDI, 2010. p. 8).
151
de inovação, oferecerem serviços de alto valor agregado às empresas, facilitarem o fluxo de
conhecimento e tecnologia e possibilitarem a geração de empregos qualificados.435
É sabido que os primeiros incentivos ao desenvolvimento de tais parques no País datam
da década de 1980, com a criação do Programa Brasileiro de Parques Tecnológicos, pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Todavia, é a partir
da Lei Federal nº 10.973/2004 que seu desenvolvimento, no plano nacional, ganha maior
impulso.
Marcos Augusto Perez, lembrando que os parques tecnológicos também constituem
instrumentos de requalificação de ambientes urbanos que deixaram de ter vocação industrial e
precisam buscar alternativas para sua população, esclarece:
Na prática grande parte dos chamados parques tecnológicos constituem-se a
partir de um ou mais edifícios públicos, agregados ou não a áreas públicas
adjacentes, ou ainda a áreas privadas adjacentes, cuja destinação urbana
passa a ter relação com o desenvolvimento de atividades do setor de
tecnologia, os quais são gradativamente ocupados por ICTs, instituições de
apoio, entidades públicas e organizações privadas (com ou sem finalidade
lucrativa), sempre com o intuito de promover o desenvolvimento de pesquisa
e demais atividades ligadas à inovação tecnológica.436
Conforme levantamentos recentemente efetuados, são conhecidas, atualmente, no
Brasil, cerca de 94 iniciativas de parques tecnológicos, em diferentes estágios (fases de
projeto, implantação e operação) e mais de 1.500 iniciativas no mundo.437
Apesar de o assunto estar vinculado à atuação do Estado, seja diretamente, seja por
intermédio de regulação, são escassos os estudos destinados à matéria no âmbito do Direito
Administrativo Brasileiro.
De início, convém observar que, a Lei Federal nº 10.973/2004 e demais leis e decretos
federais não dispõem acerca de uma definição precisa sobre parque tecnológico.
A Portaria nº 251, de 12 de março de 2014 do MCTI estabelece as diretrizes para a
gestão da política de inovação das Unidades de Pesquisa da Pasta, sem, contudo, abordar,
especificamente, o tema dos parques.
No Estado de São Paulo a questão vem sendo tratada em leis e decretos de modo mais
detalhado.
435
Informação constante do site da ANPROTEC. Disponível em: www.anprotec.org.br/site/incubadoras-e-
parques/perguntas-frequentes. Acesso em: 05 nov. 2014. 436
PEREZ, Marcos Augusto. Organizações sociais para a gestão de parques tecnológicos. In: DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. et al. (Org.). Direito e Administração Pública: estudos em homenagem a Maria Sylvia Zanella
Di Pietro. São Paulo: Atlas, 2013, p. 511-525, p. 511. 437
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estudo de projetos de alta complexidade:
indicadores de parques tecnológicos. Brasília: CDT/UnB, 2013. p. 9.
152
A exemplo da Lei nº 10.973/2004, a Lei Complementar Paulista nº 1.049/2008, em seus
artigos 3º, parágrafo único438
e 19,439
dispõe tão somente que os parques tecnológicos são
ambientes de inovação.
Para o artigo 2º do Decreto Estadual nº 60.286/2014 consideram-se parques
tecnológicos os complexos de desenvolvimento econômico e tecnológico, dotados com as
seguintes características:
a) visam fomentar economias baseadas no conhecimento por meio da
integração da pesquisa científica e tecnológica, negócios/empresas e
organizações governamentais em um local físico e do suporte às inter-
relações entre estes grupos;
b) além de prover espaço para negócios baseados em conhecimento, podem:
1. abrigar centros para pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico,
inovação e incubação, treinamento e prospecção;
2. servir de infraestrutura para feiras, exposições e desenvolvimento
mercadológico; e
c) são formalmente ligados a centros de excelência tecnológica,
universidades e/ou centros de pesquisa;
Tal como no caso das incubadoras, interessante questão que se coloca é a de saber se os
parques tecnológicos são dotados, ou não, de personalidade jurídica.
A legislação federal não aborda este assunto tampouco tece detalhamento sobre
qualquer outro ponto da matéria.
O artigo 25 da Lei Complementar Paulista nº 1.049/2008, a exemplo do caso das
incubadoras, faz presumir que os parques poderão possuir personalidade jurídica própria, nos
termos abaixo:
Artigo 25 - O Estado, suas autarquias, fundações e empresas por ele
controladas, direta ou indiretamente, poderão participar do capital social de
sociedade ou associar-se a pessoa jurídica caracterizada como parque
tecnológico, como incubadora de empresas de base tecnológica, e arranjos
produtivos pertencentes ao Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, e a
Rede Paulista de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica de que trata
o artigo 24.
Diversamente, o Decreto Estadual nº 60.286/2014, ao fazer menção, simplesmente, à
expressão “complexos”, leva a crer que os parques poderão ser entes despersonalizados.440
438
Artigo 3o - O Estado, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP e suas demais
agências de fomento poderão estimular e apoiar a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de
projetos de cooperação envolvendo empresas e ICTESPs voltadas para atividades de pesquisa e
desenvolvimento que objetivem a geração de produtos e processos inovadores.
Parágrafo único - O apoio previsto neste artigo poderá contemplar as redes e os projetos internacionais de
pesquisa tecnológica, bem como ações de empreendedorismo tecnológico e/ou social e de criação de
ambientes de inovação, incluídas as incubadoras e parques tecnológicos. 439
Artigo 19 - O Estado, por meio de seus órgãos da administração pública direta ou indireta, incentivará a
participação de empresas no processo de inovação tecnológica, bem como ações de empreendedorismo
tecnológico e de criação de ambientes de inovação tecnológica e/ou social, inclusive incubadoras e parques
tecnológicos.
153
A nosso ver, apesar do quanto disposto no artigo 25 da Lei Complementar Paulista nº
1.049/2008, a maior parte das disposições do Decreto nº 60.286/2014 permite concluir que a
ideia é que os parques não tenham personalidade jurídica.
A questão, no entanto, pode suscitar dúvidas, sendo de todo oportuno lembrar que, no
Brasil, os decretos não podem inovar o ordenamento jurídico.
Ainda acerca da legislação paulista, importa notar, a teor do art. 4º, do Decreto nº
60.286/2014, que o Sistema Paulista de Parques Tecnológicos - SPTec tem os seguintes
objetivos:
I – estimular, no âmbito estadual, o surgimento, o desenvolvimento, a
competitividade e o aumento da produtividade de empresas cujas atividades
estejam fundadas no conhecimento, na tecnologia e na inovação;
II – incentivar a interação entre instituições de pesquisa, universidades e
empresas, capital de oportunidade (“venture capital”) e investidores, com
vista ao desenvolvimento de atividades intensivas em conhecimento e
inovação tecnológica;
III – apoiar as atividades de pesquisa, desenvolvimento e engenharia não
rotineira no âmbito estadual;
IV – propiciar o desenvolvimento do Estado de São Paulo, por meio da
atração de investimentos em atividades intensivas em conhecimento e
inovação tecnológica.
Cabe à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação,
conforme o art. 6º do Decreto em comento, na qualidade de coordenadora do Sistema Paulista
de Parques Tecnológicos - SPTec, por meio da Subsecretaria de Ciência, Tecnologia e
Inovação: (i) decidir sobre a inclusão de parques tecnológicos no SPTec e respectiva
exclusão; (ii) harmonizar as atividades dos parques tecnológicos integrantes do SPTec com a
política científica, tecnológica e de inovação do Estado de São Paulo; (iii) promover a
cooperação entre os parques tecnológicos paulistas e destes com: a) empresas cujas atividades
estejam baseadas em conhecimento e inovação tecnológica; b) órgãos e entidades da
administração pública direta ou indireta, federal, estadual ou municipal; c) organismos
internacionais, instituições de pesquisa, universidades e instituições de fomento, investimento
e financiamento, nacionais e/ou internacionais; (iv) apoiar o desenvolvimento de projetos de
440
Marcos Augusto Perez, analisando a legislação de inovação dos Estados de São Paulo (Decreto nº
54.196/2009, atualmente revogado) e dos Estados de Minas Gerais e Paraná concluiu: “(1) o primeiro deles é
que muito embora essa legislação tente definir mais precisamente a figura dos parques tecnológicos, essa
definição, ainda que não contraditória com a legislação federal, não apresenta uniformidade, variando de
Estado para Estado da federação; (2) em segundo lugar, apesar da variação referida, a legislação dos diferentes
estados tende em assemelhar os parques tecnológicos tanto com “empreendimentos” ou “complexos” sem
personalidade jurídica, como com entidades personificadas, tais como fundações, autarquias, associações ou
empresas.” (PEREZ, Marcos Augusto. Organizações sociais para a gestão de parques tecnológicos. In: DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. et al. (Org.). Direito e Administração Pública: estudos em homenagem a
Maria Sylvia Zanella Di Pietro. São Paulo: Atlas, 2013, p. 511-525, p. 515).
154
cooperação entre o SPTec e universidades e instituições de pesquisa instaladas no Estado; (v)
zelar pela eficiência dos integrantes do SPTec, mediante articulação e avaliação de suas
atividades e do seu funcionamento, promovendo, inclusive, eventos, missões técnicas
nacionais e internacionais, de seus interesses; (vi) acompanhar o cumprimento de acordos
celebrados pelo Estado com entidades participantes de parques tecnológicos integrantes do
SPTec, zelando para que sejam respeitados os objetivos dos empreendimentos; (vii) criar rede
de disseminação e compartilhamento de informações e gestão do conhecimento entre os
parques tecnológicos, por meio de técnicas e instrumentos de tecnologia da informação; (viii)
participar de redes e associações nacionais e internacionais que congregam parques
tecnológicos; (ix) promover e apoiar eventos e projetos de mídia para promoção e divulgação
do SPTec, das ações e dos seus integrantes; (x) realizar, anualmente, duas reuniões técnicas
do SPTec para se discutir temas pertinentes ao Sistema e troca de experiências entre os
diversos gestores de parques tecnológicos; (xi) elaborar relatório anual de avaliação de
desempenho dos parques tecnológicos integrantes do SPTec.
Vale ressaltar que o Decreto nº 60.286/2014 está voltado, essencialmente, aos requisitos
para os credenciamentos provisório e definitivo dos empreendimentos postulantes a parque
tecnológico, estipulando, ainda, alguns deveres a serem cumpridos por aqueles credenciados
em definitivo.
Segundo o art. 7º, do referido Decreto, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico,
Ciência, Tecnologia e Inovação poderá autorizar o credenciamento provisório, com validade
limitada de até 04 (quatro) anos, no Sistema Paulista de Parques Tecnológicos – SPTec de
empreendimentos que satisfaçam às seguintes exigências:
I - já disponham de um Centro de Inovação Tecnológica integrante da Rede
Paulista de Centros de Inovação Tecnológica - RPCITec, em funcionamento,
e uma incubadora de empresas de base tecnológica credenciada na Rede
Paulista de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica - RPITec, em
funcionamento; e
II - cumpram os seguintes requisitos, de apresentação de:
a) documento comprobatório de bem imóvel a que alude o inciso III, alínea
“a”, do artigo 8º deste decreto, com área medindo no mínimo 200.000m²
(duzentos mil metros quadrados), em terreno singular ou segmentos
contíguos ou suficientemente próximos, destinado à instalação do parque
tecnológico, situado em local cujo uso, segundo a respectiva legislação
municipal, seja compatível com as finalidades do empreendimento;
b) requerimento, pela entidade gestora, do qual conste justificativa do pleito
e caracterização detalhada do empreendimento;
c) documento manifestando apoio à implantação do parque tecnológico
subscrito por empresas locais, bem como por centros de pesquisa e
instituições de ensino e pesquisa com as características a que alude a alínea
“e” do inciso IV do artigo 8º deste decreto;
d) projeto básico do empreendimento, contendo:
155
1. esboço do projeto urbanístico e arquitetônico;
2. estudos preliminares de viabilidade econômico-financeira, técnico-
científica e de sustentabilidade ambiental.
Em relação ao credenciamento provisório, apesar da objetividade da maior parte de seus
requisitos, parece haver discricionariedade em relação à análise e aceitação de alguns
documentos, tais como os estudos preliminares de viabilidade e a própria justificativa do
pleito.
Outra questão a ser verificada é a pertinente à escolha e atuação da entidade gestora do
empreendimento.441
Segundo o Decreto, para fins do credenciamento provisório, a gestora do
empreendimento poderá ser a Prefeitura do Município em que o parque tecnológico esteja
localizado, podendo, esta, todavia, permanecer nessa função apenas durante o tempo da
vigência do credenciamento provisório.
Caso, entretanto, o Município não tenha interesse em atuar nessa função, e supondo-se
que não exista uma pessoa jurídica constituída especialmente para representar o parque, quem
poderá ou deverá assumir essa responsabilidade? Que requisitos mínimos deverá comprovar?
Como a gestora será selecionada? Por quem será remunerada? A rigor, a legislação estadual
de São Paulo trata dos requisitos a serem exigidos da gestora somente no momento do pedido
de credenciamento definitivo.
Nesses termos, são exigências, conforme o art. 8º, do Decreto nº 60.286/2014, para o
credenciamento definitivo de um parque tecnológico no Sistema Paulista de Parques
Tecnológicos – SPTec,
I – a existência de:
a) pessoa jurídica sem fins lucrativos encarregada da gestão do parque
tecnológico, que será a gestora;
b) um Centro de Inovação Tecnológica, integrante da RPCITec e em
funcionamento, que deverá integrar o parque tecnológico;
441
Convém lembrar, nesse passo, conforme ensinamentos de Marcos Augusto Perez que: “[...] a estruturação
institucional da gestão do parque tecnológico é um dos pontos cruciais para o seu sucesso, uma vez que todo o
seu funcionamento e a harmonia de suas ações dependem diretamente da capacidade de atuação inovadora e
empreendedora desse gestor, por meio de ações que, por exemplo, vão da articulação dos entes
governamentais com as universidades, incubadoras, empresas de base tecnológica e empreendedores à geração
ou exploração de receitas para a sustentabilidade do próprio parque e das pesquisas eventualmente por ele
fomentadas”. O autor entende que uma direção pública, nas lindes exclusivas do regime jurídico
administrativo, seguramente asfixiaria esses parques, impedindo-os de realizar o interesse público. Entende,
por essa razão, que todos os motivos apontam para a delegação da gestão a uma organização social,
possibilitando que a Administração Pública assuma o papel de incentivadora e, ao mesmo tempo, fiscalizadora
da iniciativa privada. A organização social, sem objetivar diretamente ao lucro, teria flexibilidade e
congregaria as diferentes capacidades, especialidades e vocações imprescindíveis para o sucesso do parque.
(PEREZ, Marcos Augusto. Organizações sociais para a gestão de parques tecnológicos. In: DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. et al. (Org.). Direito e Administração Pública: estudos em homenagem a Maria Sylvia Zanella
Di Pietro. São Paulo: Atlas, 2013, p. 511-525, p. 518-520).
156
c) uma incubadora de empresas de base tecnológica, integrante da RPITec e
em funcionamento, que deverá integrar o parque tecnológico;
II - a apresentação:
a) de requerimento, pela entidade gestora, do qual conste justificativa do
pleito e caracterização detalhada do empreendimento;
b) do ato constitutivo da entidade gestora, que demonstre:
1. tratar-se de entidade privada sem fins lucrativos ou de entidade do setor
público da Administração Indireta e Fundacional;
2. ter objetivos compatíveis com os arrolados no artigo 4o deste decreto;
3. existir órgão colegiado superior responsável pela direção técnico-
científica, podendo este contar, sem a eles se limitar, com representantes do
Governo do Estado de São Paulo, do Município onde está instalado o
empreendimento, de instituição de ensino e pesquisa presente no parque
tecnológico e de entidade representativa do setor produtivo;
4. existir órgão técnico com a atribuição de zelar pelo cumprimento do
objeto social da entidade;
5. ter modelo de gestão adequado à realização de seus objetivos;
III – a comprovação de que:
a) a entidade referida no inciso I, alínea “a”, deste artigo, por força de
contrato celebrado com o proprietário do bem imóvel onde será instalado o
parque tecnológico e com as entidades que apoiam sua instalação, é
responsável pela gestão do empreendimento;
b) a gestora possui capacidade técnica e idoneidade financeira para gerir o
parque tecnológico;
IV – a comprovação da viabilidade técnica do empreendimento, mediante a
juntada de:
a) documento comprobatório do bem imóvel a que alude o inciso III, alínea
“a”, deste artigo, com área medindo no mínimo 200.000m² (duzentos mil
metros quadrados), em terreno singular ou segmentos contíguos ou
suficientemente próximos, destinado à instalação do parque tecnológico,
situado em local cujo uso, segundo a respectiva legislação municipal, seja
compatível com as finalidades do empreendimento;
b) projeto urbanístico-imobiliário básico de ocupação da área, devidamente
aprovado pelo órgão colegiado superior da gestora;
c) projeto de ciência, tecnologia e inovação do qual constem:
1. as áreas de atuação inicial;
2. os serviços disponíveis, como laboratórios, consultoria de pesquisadores e
projeto-piloto de pesquisa; e
3. a indicação do instrumento jurídico que garanta a integridade do parque
tecnológico;
d) estudos de viabilidade econômica, financeira e ambiental do
empreendimento, incluindo, se necessário:
1. projetos associados, plano de marketing e atração de empresas;
2. demonstração de recursos próprios ou oriundos de instituições financeiras,
de fomento e/ou de apoio às atividades empresariais;
e) instrumento jurídico que assegure a cooperação técnica entre a gestora,
centros de pesquisa, reconhecidos pela comunidade científica e por órgãos
de fomento, e instituições de ensino e pesquisa credenciadas para ministrar
cursos de pós-graduação em programas conexos às áreas de atuação do
parque tecnológico, com boa avaliação pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e instaladas no
Município ou na Região de Governo respectiva, nos termos do Decreto no
22.592, de 22 de agosto de 1984, com as alterações subsequentes;
f) legislação municipal de incentivo às entidades que venham a se instalar
nos parques tecnológicos;
157
V – a compatibilidade com as políticas definidas pelo Conselho Estadual de
Ciência e Tecnologia – CONCITE.
Ainda em relação à constituição da entidade gestora, a norma deixa dúvidas, por
exemplo: a presença de representantes do Governo do Estado de São Paulo e do Município
onde encontrar-se instalado o empreendimento, no órgão colegiado superior responsável pela
sua direção técnico-científica, será meramente facultativa, podendo ser dispensada, apesar de
o Poder Público, em regra, ser o responsável pelo aporte de grande parte dos recursos
necessários à sua viabilização? Que critérios deverão ser utilizados para aferir as capacidades
técnica e financeira da gestora? Não serão feitas exigências pertinentes às suas regularidades
fiscal e trabalhista, por exemplo? Durante o período de credenciamento provisório, que
poderá se estender por até 04 (quatro) anos, esta responderá por quais obrigações ou
contrapartidas?
Insta sublinhar que, segundo o art. 10, do Decreto, os parques tecnológicos integrantes
do SPTec, tal como as incubadoras credenciadas na RPITec, poderão receber fomento público
mediante a celebração, com a gestora, de convênios e outros instrumentos jurídicos, para o
fim de elaboração do projeto urbanístico-imobiliário básico de ocupação da área; do projeto
de ciência, tecnologia e inovação e dos estudos de viabilidade econômica, financeira e
ambiental do empreendimento; assim como quanto à instalação de núcleos administrativos,
incubadoras e laboratórios.
Após o credenciamento definitivo, poderão ser celebrados convênios visando ao repasse
de recursos públicos para a realização de obras e a aquisição de equipamentos. Supondo-se,
nesta situação, que o parque é um ente despersonalizado e que existe uma pessoa jurídica
encarregada especialmente pela sua gestão, deverão ser os bens adquiridos em nome da
gestora? Aliás, a gestora será remunerada ou de alguma forma ressarcida em função do
desempenho de suas atividades? Por quem? Segundo o Decreto nº 60.286/2004, os convênios
de repasse de recursos deverão conter cláusulas que prevejam que, na hipótese de substituição
da gestora ou do representante do parque, o substituído transferirá a seu substituto, sem
qualquer ônus, os bens móveis adquiridos em decorrência do ajuste e os excedentes
financeiros existentes. Por meio de que instrumento ocorrerá a transferência? A que título?
Haverá incidência de tributação nessas operações?
Quanto à gestão, em si, dos parques após o credenciamento definitivo, o artigo 11 do
Decreto Estadual Paulista, com base no artigo 24,442
da Lei Complementar nº 1.049/2008,
442
“Artigo 24 - O Estado manterá o Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, e a Rede Paulista de Incubadoras
de Empresas de Base Tecnológica, como parte de sua estratégia para incentivar os investimentos em inovação
158
prevê que estes deverão, anualmente, no mês de abril, apresentar à Secretaria de
Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação relatório para
acompanhamento e avaliação de desempenho do empreendimento, com os seguintes
indicadores:
I - Aspectos Financeiros e Sociais:
a) postos de trabalho gerados, discriminados por tipo de atividade;
b) número de empresas:
1. instaladas, por segmento de atuação;
2. geradas/graduadas, por segmento de atuação;
c) dados econômicos, financeiros e contábeis referentes ao exercício
anterior;
d) recursos públicos e privados aplicados;
II - Aspectos Científicos, Tecnológicos e de Gestão:
a) qualificação da equipe gestora;
b) número de:
1. projetos de P&D/ano com as universidades e os institutos de pesquisas;
2. pesquisadores, por área de conhecimento/competência;
3. artigos científicos publicados;
c) áreas de competência do parque;
d) plano de metas e plano estratégico;
III - Aspectos Competitivos e de Infraestrutura e Sustentabilidade:
a) quantidade de:
1. mão de obra qualificada formada na região;
2. pessoas empregadas no parque;
b) custo de instalação, assim como despesas com locação e condomínio;
c) número de:
1. interações com universidades e institutos de pesquisa, como convênios,
contratos e laboratórios compartilhados;
2. patentes solicitadas e de patentes concedidas por organismos nacionais e
internacionais;
3. empresas de atuação internacional;
4. tecnologias licenciadas/geradas pela interação universidade-empresa;
5. relacionamentos internacionais estabelecidos;
6. participação em eventos nacionais e internacionais, como feiras,
seminários, encontros e “workshops”;
d) impacto regional do empreendimento.
Para o acompanhamento da execução do plano de metas, os parques tecnológicos
integrantes do SPTec deverão apresentar relatórios trimestrais de acompanhamento.
É imprescindível, portanto, que sejam prévia e objetivamente acordadas, pelos
envolvidos, as informações necessárias a tal acompanhamento. Sem a definição de objetivos
tecnológica, pesquisa científica e tecnológica, desenvolvimento tecnológico, engenharia não-rotineira,
informação tecnológica e extensão tecnológica em ambiente produtivo que gerem novos negócios, trabalho e
renda e ampliem a competitividade da economia paulista. Parágrafo único - Para os efeitos deste artigo, a
Secretaria de Desenvolvimento analisará e decidirá sobre a inclusão e a exclusão de empreendimentos no
Sistema Paulista de Parques Tecnológicos do Estado, levando em consideração, além de requisitos
a serem estabelecidos em sua regulamentação, a sua importância para o desenvolvimento tecnológico do
Estado, o seu modelo de gestão e a sua sustentabilidade econômico-financeira”.
159
estratégicos, metas a serem atingidas, prazos de execução, respectivos indicadores de
desempenho e critérios de avaliação, a gestão será falha.
Não se pode olvidar que as atividades de fomento envolvem contrapartidas dos
particulares, beneficiários que são de uma atuação favorável do Estado. Cabe a estes realizar
investimentos em um montante mínimo e razoável e em locais específicos, tais como a
implantação de uma planta industrial, desenvolver certos tipos de benefícios para a
comunidade, produzir riqueza etc. Nesse sentido, as obrigações assumidas pelos particulares
não constituem uma prestação a ser executada diretamente em favor do Estado.443
Não obstante isso, haja vista que a atuação favorável do Estado apenas acontece com a
finalidade de que objetivos maiores, de interesse público, sejam realizados, o Estado tem o
dever de controlar os resultados efetivos das atividades fomentadas, assim como a realização
da esperada contrapartida por parte do setor privado. Fomento sem contrapartida não é
fomento. Fomento sem verificação da efetiva concretização dos resultados desejados pelo
Estado é ajuda ilegítima.
Cumpre sublinhar, todavia, que para realização do acompanhamento e do controle de
resultados, o Estado tem o dever de manter estrutura operacional e recursos humanos
altamente capacitados. Avaliar projetos de P,D&I e seus impactos não é atividade simples e
corriqueira. Sem a estrutura de apoio adequada, aumentam os riscos de desvio de finalidade e
de não consecução dos objetivos públicos almejados.
Apesar da importância destacada dos mecanismos de gestão dos parques tecnológicos,
conforme dados obtidos pela publicação Parques Tecnológicos no Brasil: estudo, análise e
proposições, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e da ANPROTEC,
mais de metade dos parques brasileiros não possuía, no período compreendido entre os anos
2007 e 2008, um modelo de gestão claramente definido e consolidado, tanto para a fase de
operação como para a fase de implantação.444
É provável que a situação esteja diretamente relacionada, dentre outros motivos, com o
fator novidade/complexidade que envolve todas essas relações e empreendimentos. Nesse
sentido, a estipulação de critérios gerais de avaliação da sua gestão, ainda que ficassem
sujeitos, posteriormente, a naturais críticas e aperfeiçoamentos, constituiria um avanço.
Compreendemos que as fases de projeto, implantação e operação dos parques
tecnológicos necessitam respeitar as peculiaridades de cada caso concreto. Entendemos as
443
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 722. 444
AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Parques tecnológicos no Brasil –
estudo, análise e proposições. Brasília: ABDI, 2010. p. 9.
160
preocupações que, face à complexidade do assunto, podem levar a uma deliberada não criação
de normas que possam burocratizar demasiadamente ou mesmo engessar a atuação dos atores
envolvidos, em especial a do administrador público. Apesar disso, acreditamos ser necessária
a fixação, em todos os entes da Federação, pelo legislador, de balizamentos gerais sobre os
pontos principais de cada uma dessas fases.
Embora seja preciso assegurar que o administrador público exerça a discricionariedade,
até mesmo porque a lei não pode prever tudo, é sabido que este, em casos de ausência de
parâmetros claros e suficientes para a sua atuação, prefere, muitas vezes, simplesmente não
agir e, dessa forma, não correr riscos e não se expor perante os órgãos de controle, interno,
externo e jurisdicional. O problema é que o ato de deixar de agir pode ser bastante prejudicial
ao próprio interesse público.
No mesmo sentido, mostra-se essencial o estabelecimento e a divulgação não somente
dos critérios de inclusão, permanência e exclusão dos parques tecnológicos em seus
respectivos sistemas regionais, mas principalmente, a fixação e divulgação das diretrizes e
critérios de seleção e exclusão dos órgãos e entidades, públicos e privados, que neles poderão
encontrar abrigo.
A título exemplificativo, cumpre mencionar que o Decreto Estadual nº 60.286/2014,
como já dito, trata do credenciamento de parques tecnológicos no SPTec, nada dispondo sobre
uma outra questão do mesmo modo relevante, não prevista em lei alguma, que são os critérios
de seleção, pela gestora do empreendimento, dos entes que poderão vir a integrá-lo.
É certo que determinados critérios de seleção deverão ser adotados, até mesmo porque
não se mostra fisicamente possível instalar nos espaços físicos destinados aos parques um
número ilimitado de pessoas.
Atualmente, a questão não está disciplinada nem em lei, nem em decretos – essa
situação tanto pode resultar na não atuação do agente público como pode gerar uma atuação
sem a observância dos princípios de direito público que o exercício da função promocional
pública requer.
Se os parques devem abrigar os mais diversos tipos de atores relacionados ao processo
de inovação, sejam eles públicos ou privados, é natural pensar que estes necessitarão tomar
conhecimento de todas as condições e oportunidades referentes à sua instalação no
empreendimento, tais como: que exigências deverão atender para serem aceitos? Por quanto
tempo poderão ficar instalados? Que despesas assumirão a título da ocupação e uso do espaço
físico? Quais serão os direitos e obrigações da gestora e de todos os integrantes do
empreendimento? Não se pode desprezar o fato de que a instalação de laboratórios e centros
161
de pesquisa, não raras vezes, envolve a instalação de infraestrutura sofisticada e cara,
destinada, muitas vezes, à execução de projetos de longa duração. Sem transparência e
segurança em relação a direitos e obrigações a serem assumidos, poderá haver dificuldade em
atrair os investimentos (em especial os privados) tão desejados.
Por outro lado, não seria demais destacar que a participação, per se, de uma entidade
num parque tecnológico pode lhe conferir diversos benefícios além daqueles já elencados,
inclusive, a possibilidade de utilização de incentivos fiscais.
No Estado de São Paulo, por exemplo, o art. 1º, do Decreto nº 53.826/2008, que
instituiu incentivos às empresas instaladas no âmbito dos parques tecnológicos integrantes do
Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, atualizado pelo Decreto nº 60.570, de 24 de junho
de 2014, dispõe sobre a utilização de crédito acumulado de ICMS, ampliando suas hipóteses:
Artigo 1º - As empresas integrantes de parques tecnológicos que compõem o
Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, a serem relacionadas por
resolução conjunta dos Secretários de Estado da Fazenda, de Planejamento e
Desenvolvimento Regional e de Desenvolvimento Econômico, Ciência e
Tecnologia poderão utilizar o crédito acumulado do ICMS apropriado até 31
de dezembro de 2015, ou passível de apropriação, para:
I - pagamento de bens e mercadorias adquiridos, inclusive energia elétrica, a
serem utilizados na realização do projeto de investimento neste Estado em
um dos parques tecnológicos integrante do Sistema Paulista de Parques
Tecnológicos, exceto material destinado a uso ou consumo;
II - pagamento do ICMS relativo à importação de bens destinados ao seu
ativo imobilizado, desde que o desembarque e o desembaraço aduaneiro
sejam efetuados neste Estado em um dos parques tecnológicos integrante do
Sistema Paulista de Parques Tecnológicos;
Por seu turno, o art. 32, do Decreto Estadual nº 60.286/2014 informa:
As empresas integrantes de parques tecnológicos que compõem o Sistema
Paulista de Parques Tecnológicos - SPTec, a serem relacionadas por
resolução conjunta dos Secretários da Fazenda, de Planejamento e
Desenvolvimento Regional e de Desenvolvimento Econômico, Ciência,
Tecnologia e Inovação, poderão utilizar o crédito acumulado do ICMS de
que trata o Decreto nº 53.826, de 16 de dezembro de 2008, e alterações
posteriores, somente após o credenciamento definitivo do parque tecnológico
junto ao SPTec 445
445
As empresas enquadradas em outros programas de incentivos, tais como o Pró Informa (Decreto nº
54.904/2009) e o Pró Veículo (Decreto nº 53.051/2008) também gozam dos mesmos incentivos. Importa
observar que a Lei Complementar Paulista nº 1.049/2008, diferentemente da Lei Federal nº 10.973/2004, não
dispõe sobre a concessão de incentivos fiscais com vistas à consecução dos objetivos nela estabelecidos
(segundo o art. 28, da Lei federal citada: “A união fomentará a inovação na empresa mediante a concessão de
incentivos fiscais com vistas a consecução dos objetivos estabelecidos nesta lei”) Vale notar, ademais, que, no
plano federal, a Lei nº 11.196/2005, conhecida como Lei do Bem, dentre outros assuntos, estabelece incentivos
fiscais para a inovação tecnológica. Não há, em São Paulo, lei similar. Em estudo sobre a concessão de
incentivos públicos a empresas privadas e guerra fiscal, Odair Tramontin sustenta que os incentivos a
empresas privadas somente podem ser concedidos para atingir três objetivos: a) desenvolvimento nacional; b)
desenvolvimento regional; c) desenvolvimento setorial. Aduz, ainda, que a concessão de incentivos a empresas
privadas necessita estar autorizada por meio de lei, que estabeleça os requisitos mínimos para a prática do ato
162
A Resolução Conjunta SD/SEP/SF-3, de 16/01/2009, em São Paulo, estabelece os
critérios de enquadramento de empresas para fruição dos incentivos instituídos pelo Decreto
Estadual nº 53.826/2008.
De acordo com a referida norma:
Artigo 1º- Os incentivos instituídos pelo Decreto nº 53.826, de 16 de
dezembro de 2008, poderão ser fruídos pelas empresas integrantes dos
parques tecnológicos que compõem o Sistema Paulista de Parques
Tecnológicos que se enquadrem nas seguintes classificações:
I – instituições de apoio:
a) unidades de ensino e pesquisa das Instituições Científicas e
Tecnológicas do Estado de São Paulo – ICTESPs ou de outras instituições
similares privadas ou públicas, nacionais ou estrangeiras, bem como
escritórios ou sedes de seus Núcleos de InovaçãoTecnológica – NITs ou de
suas Agências de Inovação, ou ainda, qualquer outro órgão de intercâmbio
com o setor produtivo dessas instituições;
b) laboratórios de ensaios, públicos ou privados, que atendam
principalmente às necessidades das empresas instaladas no parque;
c) organizações certificadores credenciadas e laboratórios credenciados
para certificação de produtos e processos.
II- empresas de base tecnológica
a) empresas instaladas nas incubadoras e pós-incubadoras dos parques;
b) centros de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, laboratórios de
desenvolvimento ou escritórios de intercâmbio com instituições de ensino e
pesquisa de empresas;
c) empresas graduadas nas incubadoras e pós-incubadora sediadas nos
parques ou integrantes da Rede Paulista de Incubadoras de Empresas de
Base Tecnológica, que ainda mantenham atividades de desenvolvimento ou
engenharia não-rotineira;
d) micro e pequenas empresa (sic) que mantêm convênios de Pesquisa,
Desenvolvimento e Inovação – PD&I com instituições de pesquisa instaladas
ou conveniadas com os parques do Sistema.
administrativo. Nesse particular, explica que não é condição indispensável a confecção de uma lei para cada
caso específico, bastando que o ato administrativo da concessão seja feito com base em requisitos específicos
estabelecidos numa lei de caráter geral emanada do poder competente. Destaca, outrossim, que a Lei
Complementar nº 101/2000 também estabeleceu regras que repercutem nas ações administrativas voltadas à
concessão de incentivos públicos a empresas privadas como estratégia de desenvolvimento econômico
(TRAMONTIN, Odair. Incentivos públicos a empresas privadas & guerra fiscal. Curitiba, Juruá, 2002, p. 116,
121 e 145). De fato, nos termos do artigo 14, da Lei Complementar nº 101/2000, “Art. 14. A concessão ou
ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar
acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência
e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes
condições: I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei
orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo
próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período
mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da
base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição”. Ainda, consoante o §1º, do mesmo artigo,
“A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não
geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos
ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.” Uma vez que as
disposições do Decreto nº 53.826/2008 ampliam as hipóteses de utilização de crédito de ICMS acumulado,
parece-nos que constituem benefícios correspondentes a tratamento diferenciado.
163
A terminologia da Resolução não é precisa. Embora haja menção expressa ao termo
“empresas”, a rigor, as prescrições da norma comportam entidades constituídas sob outras
formas e não somente as empresas. Não há qualquer tipo de definição acerca de exigências ou
requisitos a serem cumpridos por essas entidades.
A verdade é que, em São Paulo, ainda existem muitas dúvidas relacionadas ao trato da
matéria. Por exemplo, o credenciamento definitivo dos parques tecnológicos também exige a
comprovação de compatibilidade do empreendimento com as políticas definidas pelo
Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CONCITE).
Apesar de reorganizado recentemente, nos termos do Decreto Estadual nº 59.977/2013,
a atuação do CONCITE está prevista na Constituição Paulista de 1989. Quais políticas têm
sido definidas por esse órgão?
A corroborar a necessidade de regras mais transparentes, de modo geral, sobre o tema,
cumpre notar que, no item “Desafios para os parques tecnológicos no Brasil”, o próprio
Relatório Parques Tecnológicos no Brasil: estudo, análise e proposições, registra:
Há necessidade de aporte de recursos financeiros significativos
governamentais para “fazer a diferença” no mercado global e, ao mesmo
tempo, de regras claras, com segurança jurídica, para a atração intensiva de
capital privado446
Vale dizer – o estabelecimento claro e objetivo das regras do jogo, além de
imprescindível para os fins de atuação isonômica e de controle da atuação pública, mostra-se
igualmente relevante para que a iniciativa privada avalie as reais possibilidades (incluindo as
técnicas, evidentemente) e limitações, vantagens e desvantagens, riscos e oportunidades de
virem a fazer parte de iniciativas como os chamados parques tecnológicos.
Dados do Estudo de Projetos de Alta Complexidade – Indicadores de Parques
Tecnológicos sugerem que o fortalecimento dos parques envolve, primordialmente, um apoio
financeiro e institucional dos setores públicos, especialmente em suas fases iniciais. Somente
após a efetiva operação é que as empresas privadas costumam aportar recursos mais
substanciais nesses ambientes de inovação.447
446
AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Parques tecnológicos no Brasil –
estudo, análise e proposições. Brasília: ABDI, 2010. 447
Segundo esse Estudo, os parques em projeto recebem proporcionalmente menos recursos, em todas as fontes
de financiamento. No entanto, o governo federal possui a maior parcela de investimento (R$ 18,2 milhões -
54%) em parques no estágio de projeto, superando os governos estaduais e municipais (R$ 11,5 milhões -
34%) e a iniciativa privada (R$ 3,8 milhões - 12%). Dessa forma, dadas as maiores incertezas de parques nessa
etapa de desenvolvimento, o apoio do governo federal tem se mostrado imprescindível para que as iniciativas
possam avançar. Parques em implantação obtêm um volume maior de recursos dos governos estaduais e
municipais (R$ 1,8 bilhões – 92%), seguido por investimentos federais (R$ 133,0 milhões – 7%) e por
investimentos privados (R$ 15,7 milhões – 1%). Parques em operação têm como fonte principal de recursos
164
Se o aporte de recursos públicos tem sido considerado fundamental à viabilização
desses empreendimentos, é evidente que, nesse contexto, os princípios do regime jurídico
administrativo devem conduzir inclusive as ações dos responsáveis pela sua gestão, desde a
sua fase de projeto até a sua fase de operação.
Não se pode olvidar que, conforme o art. 70 da Constituição Federal, com a redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998, a fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e
indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e
renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e
pelo sistema de controle interno de cada Poder, devendo prestar contas qualquer pessoa física
ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre
dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta,
assuma obrigações de natureza pecuniária.
10.2.4 Fundações de apoio
Segundo o artigo 3º-A, da Lei Federal nº 10.973/2004:
Art. 3
o-A. A Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, como secretaria
executiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
- FNDCT, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico - CNPq e as Agências Financeiras Oficiais de Fomento poderão
celebrar convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei
no 8.666, de 21 de junho de 1993, por prazo determinado, com as fundações
de apoio, com a finalidade de dar apoio às IFES e demais ICTs, inclusive na
gestão administrativa e financeira dos projetos mencionados no caput do art.
1o da Lei no 8.958, de 20 de dezembro de 1994, com a anuência expressa
das instituições apoiadas. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)
Ensina Dinorá Adelaide Musettti Grotti que as fundações de apoio são:
entes dotados de personalidade jurídica de direito privado, sem fins
lucrativos, instituídas nos moldes do Código Civil, exercendo atividades de
interesse público, tendo entre os seus objetivos o de colaborar e dar apoio a
determinadas instituições. Não integram a Administração indireta nem a
investimentos advindos da iniciativa privada (cerca R$ 2,1 bilhões – 55%). Os recursos do governo federal (R$
1,1 bilhões – 29%) e dos governos estaduais e municipais (R$ 612,6 milhões – 16%) ainda são relevantes para
os parques em operação, porém a iniciativa privada passa a ter grande participação no desenvolvimento dos
mesmos. Os investimentos privados estão concentrados em alguns parques de maior escala, mais consolidados
e com poder de atração de empresas multinacionais. No entanto, os dados sugerem que o fortalecimento dos
parques envolve, primordialmente, um apoio financeiro e institucional dos setores públicos para que,
posteriormente, as empresas privadas possam ter maior segurança e aportar recursos mais substanciais nesses
ambientes de inovação e de desenvolvimento tecnológico (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E
INOVAÇÃO. Estudo de projetos de alta complexidade: indicadores de parques tecnológicos. Brasília:
CDT/UnB, 2013. p. 20).
165
estrutura das universidades ou faculdades a que prestam apoio; de regra,
mantém convênios, ajustes e contratos com as universidades ou faculdades,
sem prejuízo de atividades ou serviços que possam prestar a particulares.448
Alertando sobre a utilização indevida de parcerias com o setor privado como forma de
fugir ao regime jurídico publicístico, Maria Sylvia Zanella Di Pietro pondera:
A grande dificuldade no exame das entidades de apoio está no propagado
(mas ainda não comprovado) fato de que elas produzem bons resultados para
as entidades públicas junto às quais atuam; por outras palavras, a alegação é
a da EFICIÊNCIA. Talvez por isso se fechem muitas vezes os olhos para a
irregularidade de sua situação, que se pode chamar, no mínimo, de
esdrúxula. Do ponto de vista jurídico, é difícil enquadrar o tipo de
relacionamento entre a fundação de apoio e a entidade pública beneficiária,
provavelmente porque não se encaixa nas fórmulas conhecidas e
disciplinadas pelo Direito.449
Di Pietro ressalta, ainda, que embora haja diferenças entre as fundações de apoio, elas
costumam seguir o seguinte padrão: (i) a cooperação com a Administração ocorre mediante
convênios, sendo que as atividades das convenentes praticamente se confundem; (ii) o ente de
apoio exerce atividades próprias da entidade apoiada, as quais são incluídas entre os seus
objetivos institucionais em seu estatuto social; (iii) a sede das convenentes muitas vezes se
confundem; o ente de apoio nem sempre tem sede própria; (iv) o ente de apoio assume a
gestão de recursos públicos próprios da entidade apoiada; (v) parte dos empregados da
entidade de apoio são servidores dos quadros da entidade apoiada; (vi) o local da prestação de
serviços é, em regra, o mesmo; (vii) os entes de apoio mantêm-se em função do convênio com
a Administração, não dispondo de outras fontes de recurso, sendo seu patrimônio insuficiente
para alcançar os fins a que se propõe.450
Outra característica que, em regra, se verifica nas fundações de apoio é a presença, nos
seus órgãos de direção superior, de membros dos órgãos superiores das entidades apoiadas.
Há alguns anos, os jornais brasileiros veiculam notícias atinentes ao assunto, referentes
a burlas e malversação de recursos públicos por essas entidades.451
448
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Parcerias na administração pública. In: CARDOZO, José Eduardo
Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. (Coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Atlas, 2011, p. 413-476, p. 462. 449
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 291. 450
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 292. 451
“SUCESSIVOS impasses em tentativas de reformar o regime das universidades públicas no Brasil
estimularam soluções improvisadas para os problemas, especialmente de gestão, que surgiam. O acúmulo
desses reparos parciais resultou num sistema ainda mais heterogêneo, além de ter produzido várias distorções
novas. Para contornar dificuldades advindas do orçamento engessado pela crescente despesa com pessoal, da
instabilidade no fluxo de verbas e dos entraves burocrático para a realização de despesas, muitas universidades
constituíram fundações de apoio. Esses órgãos, em geral, possuem mais agilidade e flexibilidade para coletar
166
De fato, em razão do mau uso das fundações de apoio, o Tribunal de Contas da União
realizou determinações ao MEC a fim de corrigir as irregularidades identificadas na sua
relação com as Instituições Federais de Ensino Superior (IFEs).
No Acórdão do TCU de nº 2.731/2008 exigiu-se a instituição de ato normativo
regulamentando o relacionamento entre tais entidades, referentes a procedimentos de
contratação de projetos, registros de propostas, elaboração de planos de trabalho, prestação de
contas, restrições quanto à subcontratação e quanto à terceirização etc.
Mais recentemente, o Acórdão nº 2.035/2010, que modificou a redação do Acórdão nº
1.255/2010, pertinente à tomada de contas do exercício de 2007 do Museu Paraense Emílio
Goeldi (MPEG), órgão integrante da Administração Direta, vinculado ao então MCT
(atualmente, MCTI), traçou a seguinte diretriz sobre a matéria:
Acórdão
[...]
9.1. conhecer dos presentes embargos, com fundamento no art. 34 da Lei
8.443/1992, para, no mérito, dar-lhe provimento parcial, conferindo ao item
9.7 do Acórdão 1.255/2010 - 2ª Câmara a seguinte redação:
"9.7. determinar ao Ministério da Ciência e Tecnologia que:
9.7.1. oriente as agências de fomento a não efetuarem repasses de recursos
financeiros, com objetivos de desenvolvimento de projetos de cooperação
que visem à geração de produtos e processos inovadores, diretamente às
fundações de apoio das Instituições Científicas e Tecnológicas (ICT), se
destinados a projetos abrangidos pela Lei 10.973/2004, hipótese em que tais
recursos devem ser repassados diretamente às ICT, fixando-lhe, para tanto, o
prazo excepcional de 360 (trezentos e sessenta dias) para o cumprimento
desta determinação;
O Relatório do processo em questão apontou a seguinte irregularidade, dentre outras:
A.3. Ocorrência: Recursos financeiros decorrentes de convênios pactuados
com outros órgãos/entidades repassados diretamente pelos concedentes à
recursos e realizar desembolsos. As fundações, na maioria dos casos, também serviram como uma fonte de
complementação salarial de professores e pesquisadores. Acumularam, entretanto, uma série de problemas,
quase todos oriundos da falta de controle sobre sua operação. Escândalos relacionados ao abuso das fundações
ocorridos no ano passado -que acabaram na renúncia de pelo menos dois reitores de universidades federais-
estimularam o Tribunal de Contas da União a realizar uma ampla auditoria em fundações de apoio. Uma série
de irregularidades foi apontada, da falta de prestação de contas a dispensas de licitação. O tribunal determinou
ao Ministério da Educação que, até o final de maio, estabeleça normas que disciplinem o funcionamento das
fundações e corrijam as distorções detectadas. A admoestação é positiva e tem o mérito de tirar da inércia um
tema que há anos requer solução. O que se espera é que o MEC aproveite a oportunidade para modernizar esse
importante flanco de gestão das universidades. [...] É o caso do apoio à pesquisa, setor em que repasses a
fundações também foram questionados pelo TCU. Há critérios consagrados de distribuição de verbas para essa
finalidade que prescindem dos controles burocráticos tradicionais. Trata-se do financiamento com base no
mérito de projetos e programas apresentados - não importa se por um instituto, um pesquisador isolado, uma
fundação -, que pode ser controlado por comissões acadêmicas independentes. Esse é apenas um exemplo de
controle que não compromete a agilidade e a flexibilidade da gestão de recursos na área acadêmica. Mas é
preciso dar passos adicionais e normatizar de vez as regras para o recebimento de fundos não-estatais pelas
universidades públicas. O Brasil ainda engatinha e improvisa nessa área, fundamental para o avanço do ensino
superior e da ciência no país”. FUNDOS universitários. Folha de São Paulo, São Paulo, p. A2, 12 jan. 2009.
167
Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa - Fadesp e à Fundação
Instituto para o Desenvolvimento da Amazônia - Fidesa, apesar de o órgão
(Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG) ser o executor dos objetos
conveniados, participar com contrapartidas e ser o beneficiário final (Equipe
Técnica Científica), inclusive com incorporação dos bens decorrentes,
contrariando os dispositivos previstos na Lei 8.958/94, no art. 1º do Decreto
5.205/04 e no art. 18, incs. I, II e III da IN/STN 01/97.
Dentre os argumentos apresentados em sua defesa, os responsáveis do MPEG
sustentaram que a Lei Federal nº 10.973/04 veio a estimular e apoiar a constituição de
alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação envolvendo empresas
nacionais, ICTs e organizações de direito privado sem fins lucrativos. Argumentaram ser
facultado às ICTs celebrar acordos de parcerias com instituições de apoio, criadas sob o
amparo da Lei 8.958/94, para realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e
tecnológica e desenvolvimento de tecnologia, produto ou processo, tal como estabelece o art.
9º da Lei 10.973/04.
O Tribunal reconheceu que a relação entre as partes envolvidas (ICT/MPGE - agência
de fomento - fundação de apoio) estava devidamente caracterizada, não havendo, em
princípio, irregularidade na formulação das parcerias realizadas. Entendeu, todavia, que estas
deixaram de observar a legislação referente à execução de convênios, em especial, a Instrução
Normativa 01/97, da Secretaria do Tesouro Nacional (IN STN 01/97), que definia, àquele
tempo, com clareza, as partes da relação convenial.
Segundo o Tribunal, o que se observou nas avenças em questão foi o MPEG assumindo
as funções de convenente e executor dos convênios firmados com as agências de fomento, ao
passo que as fundações de apoio (Fadesp e Fidesa), às quais caberia o papel de executor dos
objetos avençados, receberam diretamente os recursos repassados pelas agências de fomento,
limitando-se, tão-somente, a executar a gestão financeira desses recursos.
Tal procedimento contrariou deliberações da Corte de Contas, tais como as dos
Acórdãos 733/2000 - 2ª Câmara, 456/2006 - 2ª Câmara e 1.973/2008 - 1ª Câmara,
relacionadas à necessidade de definição precisa e clara dos objetos a serem
conveniados/contratados com as fundações de apoio e de conexão com atividades de ensino,
pesquisa, extensão ou desenvolvimento institucional, em projetos com prazo determinado e
com produtos resultantes bem definidos.
Apesar de as decisões supra mencionadas terem sido proferidas em processos em que se
analisavam as relações entre as IFES e suas respectivas fundações de apoio, com base na Lei
8.958/94, tais entendimentos, segundo o Tribunal, seriam inteiramente aplicáveis aos projetos
168
celebrados com fulcro na Lei nº 10.973/04, haja vista a aplicabilidade das disposições da Lei
8.958/94 também às ICTs, nos termos do caput de seu art. 1º:
Art. 1º As instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e
tecnológica poderão contratar, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei
8.666, de 21 de junho de 1993, e por prazo determinado, instituições criadas
com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de
desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das
instituições federais contratantes.
Entendeu-se que, apesar de não haver uma jurisprudência formada no âmbito do
Tribunal acerca das relações entre as agências de fomento, as ICTs e as fundações de apoio,
efetuadas com base na Lei nº 10.973/04, as decisões podiam ser aplicadas por analogia ao
caso concreto, caracterizando-se, pois, como ato de gestão irregular a celebração de parcerias
com fundações de apoio para que estas apenas efetuassem a execução financeira das
atividades desenvolvidas pelo MPEG.
Propôs-se, no Relatório, a rejeição da defesa apresentada e a expedição de determinação
corretiva com o intuito de prevenir ocorrências semelhantes, nos moldes da determinação
exarada mediante o item 9.4.1 do Acórdão 2.731/2008 - Plenário, destinada ao MCT.
No caso a que se refere o Acórdão nº 1.255/2010 também foi apontada a seguinte
ocorrência:
A.4. Ocorrência: Incompatibilidade na contratação da Fundação de Amparo
e Desenvolvimento da Pesquisa - Fadesp e da Fundação Instituto para o
Desenvolvimento da Amazônia - Fidesa, por meio de processos de dispensa
de licitação, para apenas prestação de serviços de execução financeira de
gestão de projetos de responsabilidade do próprio Museu Paraense Emílio
Goeldi - MPEG, contrariando os dispositivos do art. 1º da Lei 8.958/94, art.
1º, § 1º, do Decreto 5.205/04 e item 8.1.1 da Decisão 1.646/2002 - Plenário,
uma vez que os recursos, no exercício de 2007 (R$ 1.032.649,00) foram
utilizados para o pagamento de pessoal, diárias e passagens para servidores e
colaboradores do MPEG e aquisições de materiais de consumo.
Nesse particular, o Tribunal entendeu que, em princípio, não haveria qualquer
irregularidade nas contratações questionadas, uma vez que amparadas pela Lei nº 8.958/1994.
Todavia, sustentou que a participação das referidas fundações nessas avenças devia estar
relacionada ao desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa, extensão ou de
desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e não à mera execução da gestão
financeira dos recursos envolvidos nos projetos, tal como ocorrido.
As contratações foram consideradas irregulares por idênticos motivos aos consignados
na Decisão 1.646/2002 - Plenário, assim como em outros Acórdãos, fato que, segundo foi
proposto no Relatório, devia resultar na reprovação das contas em análise.
169
[...] os mencionados contratos violam a exigência licitatória (art. 2º da Lei
8.666/93, sem ocorrência da hipótese do art. 1º da Lei 8.958/94), quebram o
princípio de unidade de tesouraria (arts. 56 e 65 da Lei 4.320/64 e do art. 1º
do Decreto 93.872/86) e transferem à Fundação de Apoio atos de
competência exclusiva da Universidade (Decisão 293/95, Ata 28/95 -
Plenário)
Em seu voto, todavia, o Relator, deixou de acolher a proposta de irregularidade das
contas.
Considerando que a gestão analisada remontava ao período inicial de implementação
das determinações do TCU quanto aos problemas de relacionamento entre as IFEs e ICTs
com as fundações de apoio, e tendo em vista que não existia notícia de que os contratos
analisados tivessem causado dano ao erário, posicionou-se, referido Relator, pela prolação de
determinação específica à entidade visando à coibição da continuidade da prática considerada
irregular.
Fica explicada, assim sendo, a determinação contida no item 9.7 do Acórdão nº
2.035/2010.
Daí porque, segundo Denis Borges Barbosa, o art. 3º-A da Lei Federal nº 10.973/2004,
com redação dada pela Lei nº 12.349/2010, teve como propósito facultar o repasse de recursos
para “dar apoio” às ICTs e IFES, superando a objeção expressa pelo Acórdão 2.035/2010 do
TCU.452
Verificada a exposição de motivos da Medida Provisória nº 495/2010, a E.M.I. n° 04/
MP/MF/MEC/MCT, posteriormente convertida na Lei Federal nº 12.349/2010, não se
constata justificativa alguma ou menção em particular pertinente aos problemas apontados
pelo TCU no Acórdão nº 2.035/2010.453
O fato é que as alterações legislativas posteriores a
452
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 55. 453
Nesse particular, segundo a Exposição de Motivos: “24. No tocante às modificações nas Leis nos
8.958, de
1994, 10.973, de 2004, e 11.273, de 2006, as propostas têm por contexto o movimento de aperfeiçoamento das
capacidades de gestão e planejamento das Instituições Federais de Ensino Superior – IFES, chamado Agenda
da Autonomia e estruturado pelos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia e por outros
colaboradores, dentre ministérios e agências de fomento. O encadeamento das medidas apresentadas, e a
ameaça concreta de interrupção das atividades de pesquisa e inovação levadas a cabo pela rede de Instituições
Federais de Educação Superior e de inovação e pesquisa científica e tecnológica, que, diretamente ou através
de parcerias com empresas inovadoras, responde por parte significativa da produção científica e tecnológica do
país, caracterizam a urgência e relevância do tema. 25. Com efeito, a proposta encaminhada promove
adequações no marco normativo sob o qual as Instituições Federais de Educação Superior e as Instituições
Científicas e Tecnológicas operam contratos e convênios com a colaboração das fundações de apoio
credenciadas sob o regime ditado pela Lei nº 8.958, de 1994, em projetos de suporte às atividades finalísticas
de ensino, pesquisa e extensão, através do conceito de desenvolvimento institucional. Tal conceito passa a ter
sua definição e limites esclarecidos normativamente, relacionando critérios de melhorias mensuráveis das
condições dessas instituições, inclusão da Financiadora de Estudos e Projetos e das agências oficiais de
fomento no rol das colaboradoras. Concede-se, assim, segurança jurídica a essas parcerias ora consolidadas,
para o que também converge a delimitação das iniciativas com melhorias infra-estruturais, condicionadas a
170
esse Acórdão vieram a permitir, de forma literal, a gestão administrativa e financeira, pelas
fundações de apoio, de projetos contratados com IFEs e ICTs.
Por fim, cabe referir ainda uma outra importante questão.
Mencionando a aplicabilidade da Lei nº 8.958/1994 apenas à esfera federal, Maria
Sylvia Zanella Di Pietro adverte que:
Seria de todo conveniente que Estados, Distrito Federal e Municípios
regulamentassem os vínculos com as fundações de apoio, na esteira do que
foi feito na esfera federal. Essa disciplina legal da matéria é necessária para
melhor proteger o patrimônio público que elas administram.
Seria necessário que o legislador estabelecesse um mínimo de normas sobre
tais entidades, não para igualá-las às entidades da Administração Pública,
mas para submetê-las a regime jurídico semelhante aos dos serviços sociais
autônomos. Poderiam sujeitar-se ao direito privado, porém parcialmente
derrogado por normas de direito público, com o objetivo de melhor proteger
o patrimônio público que elas administram. Bastaria que a referida Lei nº
8.958/94 tivesse alcance mais amplo, de modo a abranger todas as entidades
de apoio.454
Com efeito, no plano federal, o relacionamento entre IFEs, ICTs e fundações de apoio
encontra-se disciplinado pela Lei nº 8.958/1994, com redação alterada pelas Leis nºs
12.349/2010 e 12.863/2013, regulamentada pelos Decretos nºs 7.423/2010; 8.240/2014 e
8.241/2014.
No Estado de São Paulo, a Lei Complementar nº 1.049/2008, diferentemente da Lei
Federal nº 10.973/2004, não faz referência às fundações de apoio.
Apesar da existência de diversas fundações de apoio paulistas (tais como a Fundação
Universitária para o Vestibular – FUVEST; a Fundação Instituto de Administração – FIA e a
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, a Fundação de Apoio à Tecnologia –
FAT; a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo – FUSP e a Fundação de Apoio ao
Instituto de Pesquisas Tecnológicas – FIPT) ainda não existe uma lei paulista sobre o assunto.
Cremos que o estabelecimento de lei prevendo ao menos as diretrizes e princípios
aplicáveis à atuação das fundações de apoio também nos planos estaduais contribuiria
projetos especificamente relacionados às atividades de inovação e pesquisa científica e tecnológica, que
também integra a proposta. 26. As alterações na Lei nº 10.973, de 2004, a Lei de Inovação, harmonizam
dispositivos com os demais diplomas voltados ao tratamento do tema. Insere o conceito "inovação" nas
categorias de atuação das instituições científicas e tecnológicas e nas instituições de apoio, no que se alinha ao
processo de modernização corrente das relações das IFES e ICTs com colaboradores externos. (Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Exm/EMI-104-MP-MF-MEC-MCT-MPV-495-
10.htm. Acesso em: 05 nov. 2014). 454
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 298.
171
sobremaneira à segurança dos atores envolvidos nos processos de contratação por elas
operados e à preservação do interesse público.455
As disposições previstas na legislação federal procuram moralizar456
os relacionamentos
e interações que, durante anos, foram conduzidos sem maiores formalidades e rigores, muitas
vezes de maneira improvisada, sem observância dos princípios do regime jurídico
administrativo.
Em São Paulo, seria importante estabelecer balizamentos legais mínimos para a atuação
dessas entidades, o que certamente poderia contribuir, também, com o aperfeiçoamento do seu
controle. A atuação destas entidades tem sido considerada importante pelos operadores de
políticas de C,T&I – espera-se, portanto, que o assunto seja melhor disciplinado.
10.3 Compartilhamento e permissão de utilização de laboratórios, equipamentos,
instrumentos, materiais e instalações de Instituições Científicas e Tecnológicas
(ICTs)
A teor do art. 4o da Lei nº 10.973/2004, as ICTs poderão, mediante remuneração e por
prazo determinado, nos termos de contrato ou convênio,
I - compartilhar seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e
demais instalações com microempresas e empresas de pequeno porte em
atividades voltadas à inovação tecnológica, para a consecução de atividades
de incubação, sem prejuízo de sua atividade finalística;
II - permitir a utilização de seus laboratórios, equipamentos, instrumentos,
materiais e demais instalações existentes em suas próprias dependências por
empresas nacionais e organizações de direito privado sem fins lucrativos
voltadas para atividades de pesquisa, desde que tal permissão não interfira
diretamente na sua atividade-fim, nem com ela conflite.
Segundo o parágrafo único, do mesmo artigo, o compartilhamento e a permissão de que
tratam, respectivamente, os incisos I e II do caput do artigo, deverão obedecer às prioridades,
critérios e requisitos aprovados e divulgados pelo órgão máximo da ICT, observadas as
respectivas disponibilidades e assegurada a igualdade de oportunidades às empresas e
organizações interessadas.
Vale notar que, no primeiro caso, a lei vincula, expressamente, a possibilidade de
compartilhamento às microempresas e empresas de pequeno porte, para a consecução de
atividades de incubação. No segundo caso, a permissão de utilização está voltada para a
realização de atividades de pesquisa por empresas nacionais, independentemente de seu porte,
455
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 298. 456
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 298.
172
e organizações de direito privado sem fins lucrativos. Em ambas as situações, a norma
pressupõe a realização de publicação das prioridades, critérios e requisitos aprovados pelo
órgão máximo da ICT, haja vista a necessidade de se assegurar a igualdade de oportunidades
aos interessados.
Uma questão que surge, desde logo, diz respeito à utilização do termo “permissão de
utilização”.
A hipótese em comento remete à figura da permissão de uso, ato, de acordo com a
doutrina clássica, unilateral, discricionário e precário, pelo qual a “Administração consente
que certa pessoa utilize privativamente bem público, atendendo ao mesmo tempo aos
interesses público e privado”.457
Tal concepção tradicional não se amolda com precisão à hipótese do art. 4º. Isso porque
a própria norma conferiu natureza contratual às figuras de compartilhamento e permissão de
utilização, não cabendo falar em ato unilateral.
De igual sorte, parece-nos que também não existirá precariedade.
Isso porque, consoante a lição de Alexandre Santos de Aragão,
A precariedade e consequente revogabilidade de alguns atos administrativos
se distinguem da possibilidade de rescisão unilateral dos contratos
administrativos em razão de naqueles casos não haver direito à indenização.
O caráter não precário dos contratos administrativos não decorre de uma
suposta impossibilidade de extinção unilateral de vínculo, possibilidade
presente nos contratos.
Ocorre que, no caso dos contratos administrativos, a extinção (rescisão) gera
a obrigação de o Estado pagar pelos danos sofridos.458
A utilização da infraestrutura pública para fins de realização de atividades de pesquisa e
de inovação costuma estar vinculada a projetos de duração mais longa, cuja solução de
continuidade pode acarretar grandes prejuízos. Não parece razoável supor a possibilidade de
extinção unilateral do ajuste sem se cogitar, minimamente, da provável necessidade de
indenização da entidade prejudicada, especialmente tendo em vista o fato de ela ter sido
obrigada a cumprir requisitos mínimos, estabelecidos por meio de chamamento público.
Importante frisar que, consoante o Manual Básico de Acordos de Parceria de PD&I, do
Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (FORTEC), nos
contratos de permissão e compartilhamento não se incluem o uso, gozo e disposição do capital
intelectual, conhecimentos e recursos humanos, nem recursos financeiros da ICT. A entidade
457
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25 ed. rev. atual. ampl. São Paulo:
Atlas, 2012, p. 1158-1159. 458
ARAGÃO. Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 686.
173
interessada apenas passa a ter acesso à infraestrutura da ICT para a realização de pesquisas de
seu interesse.459
A nosso pensar, considerando que tanto nos contratos de permissão, como nos de
compartilhamento, o que se busca é o acesso à infraestrutura das ICTs, as distinções efetuadas
entre compartilhamento e permissão para utilização, conforme os incisos I e II, do art. 4º,
apesar de terem como destinatárias entidades diferentes, não se excluem e, ao final, não têm
préstimo.
Isso não significa negar a relevância do art. 4º, especialmente tendo em vista que,
segundo a literatura especializada, a infraestrutura pública de pesquisa constitui um
instrumento-chave de suporte aos processos de desenvolvimento industrial recentes.460
Nesse
sentido, o dispositivo poderá, inclusive, contribuir para dar maior transparência e segurança a
ajustes que provavelmente já aconteciam com essa finalidade.
De fato, a inovação, hoje, requer, além de recursos humanos qualificados, capacidade de
geração de conhecimento e um ambiente econômico indutor, complexa e diversificada
infraestrutura, concentrando as ICTs brasileiras infraestrutura de alta qualidade.
Para Denis Borges Barbosa, o art. 4º é uma norma de apoderamento, tendo como
destinatárias as ICTs da Administração Federal, que passam a poder abrir suas instalações e
materiais para determinados agentes econômicos. Matéria típica de Direito Administrativo,
esta autorização não se estende às ICTs estaduais, distritais ou municipais, que terão de obter
autorização de sua lei própria.461
Acrescenta que a modalidade de acesso às instalações e materiais das ICTs prevista no
art. 4º distingue-se de uma outra modalidade de acesso, consignada, por seu turno, no art. 19,
da Lei nº 10.973/2004, voltada às atividades de P&D, para atender às prioridades da política
industrial e tecnológica.
A seu ver, nas hipóteses previstas no art. 19 não se aplicam as restrições relativas à
remuneração e prazo determinado:462
Art. 19. A União, as ICT e as agências de fomento promoverão e
incentivarão o desenvolvimento de produtos e processos inovadores em
empresas nacionais e nas entidades nacionais de direito privado sem fins
459
PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.). Manual básico de acordos de parceria de PD&I: aspectos jurídicos. Porto
Alegre: Edipucrs, 2010. (Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia), p. 31. 460
TELLES, Luciana. O papel dos institutos públicos de pesquisa no desenvolvimento tecnológico e na
cooperação universidade-empresa. 2011. 279 f. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011, p. 43. 461
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 57. 462
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 57.
174
lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, mediante a concessão de
recursos financeiros, humanos, materiais ou de infraestrutura, a serem
ajustados em convênios ou contratos específicos, destinados a apoiar
atividades de pesquisa e desenvolvimento, para atender às prioridades da
política industrial e tecnológica nacional.
§ 1o As prioridades da política industrial e tecnológica nacional de que trata
o caput deste artigo serão estabelecidas em regulamento.
§ 2o A concessão de recursos financeiros, sob a forma de subvenção
econômica, financiamento ou participação societária, visando ao
desenvolvimento de produtos ou processos inovadores, será precedida de
aprovação de projeto pelo órgão ou entidade concedente.
§ 3o A concessão da subvenção econômica prevista no § 1
o deste artigo
implica, obrigatoriamente, a assunção de contrapartida pela empresa
beneficiária, na forma estabelecida nos instrumentos de ajuste específicos.
§ 4o O Poder Executivo regulamentará a subvenção econômica de que trata
este artigo, assegurada a destinação de percentual mínimo dos recursos do
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT.
§5o Os recursos de que trata o § 4
o deste artigo serão objeto de programação
orçamentária em categoria específica do FNDCT, não sendo obrigatória sua
aplicação na destinação setorial originária, sem prejuízo da alocação de
outros recursos do FNDCT destinados à subvenção econômica.
Ocorre que pode haver dúvidas quanto à diferenciação prática das disposições previstas
nos artigos 4º e 19 da Lei nº 10.973/2004.
Denis Borges Barbosa sustenta que o diferencial do art. 19 está justamente na
vinculação às prioridades da política industrial e tecnológica nacional, fixadas, no plano
federal, segundo o Decreto nº 5.563/2005.463-464
Todavia, conforme exposto anteriormente, nos termos do art. 218, §2º, da Constituição,
todo o fomento público à pesquisa tecnológica deve estar voltado preponderantemente para a
solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e
regional, havendo, portanto, uma proximidade muito grande em relação aos propósitos de
ambos os dispositivos.
Além disso, Barbosa alega que o art. 19 refere-se apenas à assistência prestada sem
objetivo de resultados comuns.465
463
O § 1o do art. 20, do Decreto Federal 5.563/2005 prescreve que “As prioridades da política industrial e
tecnológica nacional, para os efeitos do caput, serão definidas em ato conjunto dos Ministros de Estado da
Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.” A Portaria Ministerial nº 652, de
14 de setembro de 2012, nesse sentido, estabelece que as prioridades da politica industrial e tecnológica
nacional compreendem as ações sistêmicas, os destaques estratégicos, os programas estruturantes definidos na
Política Industrial e Tecnológica vigente e as prioridades de ciência, tecnologia e inovação definidas pelos
governos estaduais para estimular o desenvolvimento econômico, social e tecnológico. 464
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 151 e 152. 465
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 151 e 152.
175
O problema, a nosso sentir, é que nas hipóteses do art. 4º também pode acontecer de não
existir a pretensão de se obter resultados comuns, até mesmo porque o que se compartilha,
mediante a correspondente remuneração, são apenas os usos de laboratórios, equipamentos,
materiais e instalações.
Ao mesmo tempo, parece-nos que não há no art. 19 qualquer elemento que impeça a
consecução do objetivo de se atingir esses resultados comuns.
No âmbito do Estado de São Paulo, diferentemente da legislação federal, que
estabelece, a princípio, no art. 4º, duas medidas de acesso à infraestrutura das ICTs, a Lei
Complementar nº 1.049/2008 prevê, de início, apenas uma hipótese de compartilhamento,
hipótese esta que deve estar voltada à consecução de atividades de incubação:
Artigo 4º - As ICTESPs poderão, mediante remuneração e por prazo
determinado, nos termos de contrato ou convênio, compartilhar seus
laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações
com empresas ou grupos de produção associada, em atividades voltadas à
inovação tecnológica, para a consecução de atividades de incubação, sem
prejuízo de sua atividade finalística.
§1º - O compartilhamento de que trata o "caput" deste artigo obedecerá às
prioridades, critérios e requisitos aprovados e divulgados pelo órgão máximo
da ICTESP, observadas as respectivas disponibilidades e assegurada a
igualdade de oportunidades às empresas e organizações interessadas.
§2o - Os investimentos feitos em aquisição de novos equipamentos e
melhoria dos equipamentos existentes, bem como em melhoria e ampliação
das instalações, reverterão ao patrimônio das ICTESPs.
A vinculação às atividades de incubação pode restringir as possibilidades de
compartilhamento, na medida em que as empresas incubadas são apenas as nascentes, as
microempresas.
Outra diferença diz respeito à expressa previsão, na lei paulista, sobre a possibilidade de
realização de investimentos privados para a melhoria e ampliação das instalações das ICTs, o
que parece enfatizar a inexistência de precariedade nos instrumentos contratuais de
compartilhamento.
Nesse particular, ainda que a Lei Federal nº 10.973/2004 não possua dispositivo similar,
entendemos que outros dispositivos dela constantes autorizam esse tipo de investimento
privado, pois a Lei visa à autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do País e não apenas
de seu setor privado ou público.
Tal como a Lei Federal nº 10.973/2004, a Lei Complementar nº 1.049/2008,
supostamente, também prevê uma forma adicional de acesso à infraestrutura pública, prevista
em seu art. 18:
176
Artigo 18 - O Estado, por meio de seus órgãos da administração pública
direta ou indireta, incentivará a participação de empresas, grupos de
empresa, cooperativas, arranjos produtivos e outras formas de produção no
processo de inovação tecnológica, mediante o compartilhamento de recursos
humanos, materiais e de infraestrutura ou a concessão de apoio financeiro, a
serem ajustados em acordos específicos.
§1º - A concessão do apoio financeiro previsto no "caput" deste artigo
implica, obrigatoriamente, a assunção de contrapartida pelo beneficiário, na
forma estabelecida nos respectivos instrumentos jurídicos.
§2º - As condições e a duração da participação de que trata este artigo, bem
como os critérios para compartilhar resultados futuros, deverão estar
definidos nos respectivos instrumentos jurídicos.
Também nesta situação pode haver dificuldade prática em distinguir o acesso à
infraestrutura previsto neste art. 18 da hipótese de compartilhamento estabelecida no art. 4º,
havendo menção expressa, no parágrafo segundo, do dispositivo, à necessidade de
estabelecimento de prazos e à possibilidade de compartilhamento de resultados, inclusive.
Interessante notar que, no artigo 18 em comento, embora haja menção à necessidade de
contrapartida, pelo beneficiário, no caso da concessão de apoio financeiro, não se define em
que proporção ela deverá ocorrer.
Em suma, não existe clareza quanto aos elementos que distinguem a forma de
compartilhamento prevista no artigo 4º da forma de compartilhamento prevista no artigo 18
da lei paulista, se é que existe realmente alguma diferença entre elas. De igual sorte, não há
clareza sobre a existência de efetiva distinção prática entre os artigos 4º e 19 da Lei Federal de
Inovação.
No plano federal, a Portaria nº 251, de 21 de março de 2014, estabelece diretrizes para a
gestão da política de inovação das Unidades de Pesquisa do MCTI. Ao dispor, em sua Seção
II, sobre a permissão de utilização e do compartilhamento de laboratórios, equipamentos,
instrumentos e demais instalações, somente faz menções ao artigo 4º da Lei nº 10.973/2004,
nada mencionando sobre o seu artigo 19.
Ponto essencial a ser destacado, seja qual for a modalidade de acesso de terceiros aos
laboratórios, equipamentos, materiais e instrumentos das ICTs, é o dever de confidencialidade
acerca de informações sigilosas, especialmente quando voltadas ao desenvolvimento de
inovações para o setor produtivo.
A propósito, Denis Borges Barbosa ressalta que o art. 195, da Lei Federal nº
9.279/1996, tutela como crime de concorrência desleal o ato de quem divulga, explora ou
utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis
na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de
conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso
177
mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; ou divulga,
explora ou utiliza-se, sem autorização, desses conhecimentos e informações, obtidos por meio
ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude. Excluídos os casos de emprego de meios
ilícitos, a tutela das informações sigilosas se resume às hipóteses em que haja relação
contratual de confidencialidade. Daí ser absolutamente essencial que as partes disponham
expressamente sobre o assunto.466
O adequado estabelecimento de condições de sigilo e confidencialidade de informações
relacionadas a projetos de inovação, sem dúvida alguma, é matéria que pode favorecer ou
desestimular, conforme as condições avençadas, as parcerias na área de inovação tecnológica
entre os setores público e privado.
É inegável que em projetos de P,D&I existe justificada preocupação quanto à proteção
das informações reputadas sigilosas e confidenciais. Em se tratando de projetos recebedores
de fomento público, essa preocupação e os princípios da publicidade e transparência precisam
ser ponderados.
A Lei Federal nº 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informação - em seu artigo 3º,
estabelece procedimentos destinados a assegurar o direito fundamental de acesso à
informação, em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as
seguintes diretrizes: (i) observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como
exceção; (ii) divulgação de informações de interesse público, independentemente de
solicitações; (iii) utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da
informação; (iv) fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração
pública; e (v) desenvolvimento do controle social da administração pública.
Segundo o artigo 7o da Lei nº 12.527/2011, o acesso à informação não compreende as
informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Conforme o artigo 23,
inciso VI, da norma, são consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado
as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam, dentre outras hipóteses,
prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico,
assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional. Nesses
casos, as informações poderão ser classificadas como ultrassecretas, secretas ou reservadas e
os prazos máximos de restrição de acesso à informação serão de 25, 15 e 5 anos,
respectivamente, conforme o enquadramento adotado.
466
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 60.
178
O disposto na Lei de Acesso à Informação, nos termos de seu artigo 22, não exclui as
hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial
decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou
entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.
A lei prevê, ainda, em seu artigo 25, o dever de o Estado controlar o acesso e a
divulgação de informações sigilosas produzidas por seus órgãos e entidades.
Nessa senda, o Decreto Federal nº 7.724/2012, prescreve, em seu artigo 5º, que a
divulgação de informações de empresas públicas, sociedade de economia mista e demais
entidades controladas pela União que atuem em regime de concorrência, sujeitas ao disposto
no art. 173 da Constituição, estará submetida às normas pertinentes da Comissão de Valores
Mobiliários, a fim de assegurar sua competitividade, governança corporativa e, quando houver,
os interesses de acionistas minoritários. Estabelece, ademais, que não se sujeitam ao disposto
no Decreto as informações relativas à atividade empresarial de pessoas físicas ou jurídicas de
direito privado obtidas pelo Banco Central do Brasil, pelas agências reguladoras ou por outros
órgãos ou entidades no exercício de atividade de controle, regulação e supervisão da atividade
econômica cuja divulgação possa representar vantagem competitiva a outros agentes
econômicos.
Segundo o artigo 6º, do Decreto citado, o acesso à informação não se aplica:
I - às hipóteses de sigilo previstas na legislação, como fiscal, bancário, de
operações e serviços no mercado de capitais, comercial, profissional, industrial
e segredo de justiça; e
II - às informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento
científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado, na forma do §1o do art. 7
o da Lei n
o 12.527, de 2011.
No Estado de São Paulo, o Decreto Estadual nº 58.052/2012, prevê, em seu artigo 10,
que o acesso aos documentos, dados e informações compreende, entre outros, os direitos de
obter: (i) orientação sobre os procedimentos para a consecução de acesso, bem como sobre o
local onde poderá ser encontrado ou obtido o documento, dado ou informação almejada;
(ii) dado ou informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por
seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos; (iii) documento, dado ou
informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de
qualquer vínculo com seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já tenha cessado;
(iv) dado ou informação primária, íntegra, autêntica e atualizada; (v) documento, dado ou
informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e entidades, inclusive as relativas à sua
política, organização e serviços; (vi) documento, dado ou informação pertinente à
179
administração o patrimônio público, utilização de recursos públicos, licitação, contratos
administrativos; (vii) documento, dado ou informação relativa: a) à implementação,
acompanhamento e resultados dos programas, projetos e ações dos órgãos e entidades
públicas, bem como metas e indicadores propostos; b) ao resultado de inspeções, auditorias,
prestações e tomadas de contas realizadas pelos órgãos de controle interno e externo,
incluindo prestações de contas relativas a exercícios anteriores.
O acesso a esses documentos, dados e informações não compreende, contudo, a teor do
artigo 10, do Decreto, as informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento
científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado.
Também para o Decreto Paulista, a exemplo da legislação federal, consoante o artigo
30, são considerados imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto,
passíveis de classificação de sigilo, os documentos, dados e informações cuja divulgação ou
acesso irrestrito possam, dentre outras situações, prejudicar ou causar risco a projetos de
pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens,
instalações ou áreas de interesse estratégico nacional.
As disposições do Decreto, conforme o seu artigo 29, não excluem as demais hipóteses
legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da
exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade
privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.
Ainda segundo o Decreto Estadual nº 58.052/2012, em seu artigo 69, o contrato cuja
execução implique o acesso por parte da contratada a documentos, dados ou informações
sigilosos, obedecerá aos seguintes requisitos: (i) assinatura de termo de compromisso de
manutenção de sigilo; (ii) o contrato conterá cláusulas prevendo: a) obrigação de o contratado
manter o sigilo relativo ao objeto contratado, bem como à sua execução; b) obrigação de o
contratado adotar as medidas de segurança adequadas, no âmbito de suas atividades, para a
manutenção do sigilo de documentos, dados e informações aos quais teve acesso;
c) identificação, para fins de concessão de credencial de segurança, das pessoas que, em nome
da contratada, terão acesso a documentos, dados e informações sigilosos.
Finalmente, vale registrar que, por força do artigo 24, XXXI, da Lei Federal nº
8.666/93, com redação dada pela Lei Federal nº 13.349/2010, é dispensável a licitação nas
contratações visando ao cumprimento do disposto no art. 4º, da Lei nº 10.973/2004.
Embora a licitação seja dispensável quanto às situações descritas no art. 4º referido, não
seria demais lembrar uma vez mais que, segundo o seu parágrafo único, o compartilhamento e
180
a permissão deverão obedecer às prioridades, critérios e requisitos aprovados e divulgados
pelo órgão máximo da ICT, assegurada a igualdade de oportunidades às empresas e
organizações interessadas. Vale dizer, a possibilidade de dispensa de licitação não afasta a
necessidade de observância aos princípios da isonomia e transparência.
10.4 Participação minoritária do Poder Público no capital de empresa privada
Ensina Mario Gomes Schapiro que da consolidação da economia do conhecimento
decorre o desafio do financiamento de empresas emergentes, portadoras de ativos intangíveis
e de estratégias voltadas às inovações de produtos e processos:
Este tipo de investimento, como visto, é detentor de um grau elevado de
incerteza, marcado pelo longo prazo de maturação dos resultados e, via de
regra, desprovido de mecanismos de garantia habitualmente utilizados nas
operações financeiras. Tais características problemáticas são ainda
acentuadas quando se trata de apoiar empreendimentos inovadores
realizados por pequenas e médias empresas, que no mais das vezes não
detêm sequer um acervo de bens e patrimônios, nem tampouco um fluxo de
caixa considerável capaz de assegurar as suas necessidades de
financiamento. O risco deste financiamento, portanto, é alto, o que tende a
agravar os problemas de assimetria entre financiadores e empreendedores
[...]467
Segundo Schapiro são adversidades do financiamento das empresas inovadoras: a) a
inovação apresenta um componente de incerteza, havendo imprevisibilidade em relação ao
desfecho dos projetos objeto de financiamento; b) os ativos intangíveis, diferentemente dos
ativos tangíveis, como uma obra de infraestrutura ou uma máquina, apresentam dificuldades
para serem medidos e avaliados, não podendo servir de garantia dos financiamentos
contraídos; c) diferentemente das empresas maduras, estabelecidas em setores econômicos
tradicionais, as empresas inovadoras, quando emergentes, não têm um histórico que permita
ao financiador avaliar se se trata de uma empresa com bons resultados passados; d) as
empresas emergentes não têm atributos econômicos capazes de mitigar as reais chances de
insucesso; e) as empresas emergentes podem ter déficit de gestão (seus fundadores costumam
ser pesquisadores e não administradores de empresas).468
É por essa razão que, a seu ver, o financiamento das empresas inovadoras por meio da
constituição de dívidas não é o mais adequado. Sustenta que transações ocasionais
467
SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos parâmetros para a intervenção do Estado na economia. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 169. 468
SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos parâmetros para a intervenção do Estado na economia. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 172- 174.
181
relacionadas a bens padronizados tendem a ser realizadas de forma simples, mediante os
contratos clássicos ou liberais; que transações com alguma especialidade, nas quais o bem é
específico para uma determinada relação econômica (como nos contratos entre fabricantes e
produtores de insumo), requerem contratos mais complexos, com estipulação minuciosa de
sanções e meios de resolução de conflitos; finalmente, que transações frequentes que
envolvem bens superespecializados, em razão das múltiplas dificuldades de negociação para
as partes, sugerem que a melhor estrutura de governança possível é suprimir a rivalidade de
mercado entre elas, constituindo uma sociedade.469
Tem se reconhecido que a participação minoritária do Estado no capital da economia
cumpre o objetivo de apoiar o empreendimento privado em setores chaves da economia
nacional, sendo possível, também, o Estado exercer a condição de acionista não controlador
somente para assegurar a preservação de interesses estratégicos nas empresas privatizadas,
sem específica motivação de fomento.470
Conforme Mario Engler Pinto Junior:
Em qualquer das situações, subsiste o caráter privatista da companhia
investida, que não pode ser equiparada à sociedade de economia mista
prevista na Lei nº 6.404/1976. O exercício das prerrogativas associadas à
propriedade acionária pelo Estado possui escopo mais limitado, não
consistindo instrumento hábil para impor à companhia a persecução do
interesse público referido no artigo 238 daquele diploma legal.
O art. 5º da Lei Federal nº 10.973/2004, reconhecendo o papel do Estado de fomento ao
empreendedorismo privado por meio de participações acionárias minoritárias, dispõe que:
Art. 5o Ficam a União e suas entidades autorizadas a participar
minoritariamente do capital de empresa privada de propósito específico que
vise ao desenvolvimento de projetos científicos ou tecnológicos para
obtenção de produto ou processo inovadores.
Parágrafo único. A propriedade intelectual sobre os resultados obtidos
pertencerá às instituições detentoras do capital social, na proporção da
respectiva participação.471
Como se nota, diferentemente das hipóteses de parceria anteriormente citadas, neste
caso, cuida-se de uma parceria personificada.
Segundo Marçal Justen Filho, a participação minoritária em sociedades privadas
consiste em uma manifestação diferenciada de fomento. A característica diferencial é que,
469
SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos parâmetros para a intervenção do Estado na economia. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 179. 470
PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. 2. ed. rev. e atual.
São Paulo: Atlas, 2013, p. 194. 471
PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. 2. ed. rev. e atual.
São Paulo: Atlas, 2013, p. 194.
182
neste caso, o Estado não desempenha apenas uma tarefa passiva, consistente em editar regras
ou prever benefícios. A vantagem essencial é o aporte de parcela de recursos necessários ao
empreendimento. E esclarece: 472
[...] o particular não assumirá a integralidade dos investimentos, nem
necessitará recorrer às fontes tradicionais de financiamento. O Estado será o
sócio do particular, o que produz inclusive efeitos positivos indiretos, tal
como o reconhecimento formal da relevância e da seriedade do
empreendimento.
Por essa via, torna-se viável a realização de atividades socialmente
desejáveis. Existe o compartilhamento dos riscos de insucesso entre a
iniciativa privada e o Estado, O empreendimento objeto do fomento será
desenvolvido por meio de uma sociedade privada. Tal sociedade será
constituída a partir da conjugação de recursos públicos e privados, que
adotará usualmente a forma de companhia (sociedade por ações), com
objetivo específico e delimitado.473
A SPE não constitui uma modalidade societária autônoma.
Para Justen Filho, com a constituição da SPE, em regra, como dito, sob a forma de uma
sociedade por ações, os riscos das partes são restritos à extensão de sua participação
societária. O poder de controle é atribuído, em princípio, ao sócio privado, que possui o poder
de eleger a maioria dos administradores e a maioria dos votos na tomada de decisões. A SPE
não integra a estrutura da Administração, seu patrimônio é privado. Sua gestão e sua atuação
não estão sujeitas aos mecanismos de controle interno e externo próprios da função pública.
Também não está sujeita aos mecanismos de controle jurisdicional da atividade
administrativa, como a ação popular, a ação civil pública, a ação de improbidade e o mandado
de segurança. Por outro lado, não se admite que a SPE seja beneficiária de qualquer vantagem
decorrente da qualidade do sócio estatal, não podendo lhe ser atribuídos encargos nem
tampouco benefícios em razão da participação estatal.474
Nessa senda, parece não haver impedimentos à concessão à SPE de outras medidas de
fomento público tendentes ao estímulo de P,D&I, tais como benefícios fiscais e subvenções.
Em relação à questão do controle, conforme o artigo 7º, da Lei Federal nº 6.223, de 14
de julho de 1975, que dispõe sobre a fiscalização financeira e orçamentária da União, pelo
Congresso Nacional, com a redação dada pela Lei Federal nº 6.525/1978, somente as
entidades com personalidade jurídica de direito privado, de cujo capital a União, o Estado, o
472
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 723. 473
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 723. 474
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 723-726.
183
Distrito Federal, o Município ou qualquer entidade da respectiva administração indireta seja
detentora da totalidade ou da maioria das ações ordinárias, ficam submetidas à fiscalização do
Tribunal de Contas competente, sem prejuízo do controle do Poder Público.475
Todavia, segundo Marcelo Gustavo Silva Siqueira, o controle do Tribunal de Contas
não pode ser excluído por completo. O aporte de capital na empresa privada deve ser objeto
de controle. Lembra, ademais, que o próprio Tribunal de Contas da União já identificou sua
competência não em decorrência da participação minoritária, mas em caso de dano ao erário
ainda que resultante da atuação de sociedade privada, nos termos da Decisão nº 220/2000, do
Plenário, do TCU (Número Interno do Documento DC-0220-12/00-P), conforme artigo 71,
II,476
da Constituição Federal.477
Sobre a possibilidade de a SPE gozar de benefícios em razão da participação estatal, em
verdade, parece haver divergência doutrinária.
Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza, ao contrário de Marçal Justen Filho,
admitem a possibilidade de contratação direta de uma semiestatal pela empresa estatal que
participa do seu controle, com fundamento no artigo 24, XXIII, da Lei nº 8.666/1993478
:
Art. 24. É dispensável a licitação:
[...]
XXIII – na contratação realizada por empresa pública ou sociedade de
economia mista com suas subsidiárias e controladas, para a aquisição ou
alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço
contratado seja compatível com o praticado no mercado.
Não existe definição legislativa para o vocábulo subsidiária. O artigo 251 da Lei
6.404/1976 faz menção à expressão “subsidiária integral”, consistente numa sociedade
anônima cuja integralidade de ações pertence a uma sociedade brasileira. Entende-se que
sociedade subsidiária, em regra, indica empresa controlada.479
475
SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. Empresa de propósitos específicos: participação minoritária e controle
de contas. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011, p. 367-376, p. 374. 476
Dispõe o art. 71, da Constituição Federal: “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido
com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...] II- julgar as contas dos administradores e
demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as
fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal e as contas daqueles que derem causa
a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.” 477
SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. Empresa de propósitos específicos: participação minoritária e controle
de contas. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011, p. 367-376, p. 374. 478
SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Parcerias para o desenvolvimento produtivo em
medicamentos e a lei de licitações. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 264, p. 91-133,
set./dez. 2013, p. 94. 479
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 312.
184
Para Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza a empresa semiestatal a que se
refere o inciso XXIII do artigo 24, da Lei de Licitações, que pode ser contratada diretamente,
é a empresa privada na qual o Estado tem participação acionária minoritária, mas relevante,
no capital votante.480
Esse cuidado parece tentar reduzir os riscos de uso indevido do dispositivo e a violação
do princípio da razoabilidade.
De toda forma, o dispositivo apresenta grande potencial de violação do princípio da
igualdade.
Ainda que seja possível admitir a validade da contratação direta da subsidiária por
empresa pública e sociedade de economia mista, com fulcro no artigo 24, XXIII, da Lei nº
8.666/1993, é fato que esta dependerá da economicidade da operação, assim como da
pertinência entre o serviço a ser prestado ou o bem a ser adquirido e o objeto social das
entidades controlada e controladora. Além disso, não se pode esquecer que ressalvadas as
hipóteses em os valores jurídicos vigentes autorizem atuação com prejuízos, a Administração
não poderá eternizar situações deficitárias, de prejuízos constantes.481
No caso das sociedades anônimas, o artigo 245 da Lei nº 6.404/1976 proíbe
contratações deficitárias entre sociedades coligadas, controladoras ou controladas. O artigo
117, § 1º, a seu turno, também dispõe que o favorecimento de uma sociedade, em prejuízo da
participação dos minoritários nos lucros, caracteriza abuso do poder de controle, podendo
ensejar a responsabilização do ente controlador e dos administradores pelos prejuízos
derivados de contratações deficitárias com sociedades controladas.482
Insta ressaltar que as disposições do artigo 24, XXIII, da Lei nº 8.666/1993 remetem ao
artigo 37, XIX e XX, da Constituição Federal:
XIX- somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a
instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de
fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de
sua atuação;
XX- depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de
subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a
participação de qualquer delas em empresa privada
480
SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Parcerias para o desenvolvimento produtivo em
medicamentos e a lei de licitações. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 264, p. 91-133,
set./dez. 2013, p. 94. 481
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15 ed. São Paulo:
Dialética, 2012, p. 389. 482
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15 ed. São Paulo:
Dialética, 2012, p. 389.
185
Consoante Dinorá Adelaide Musetti Grotti, a norma do inciso XX, do artigo 37 além de
acolher as subsidiárias como parte do sistema, inovou também ao exigir autorização
legislativa para a sua criação em cada caso. Explica que tal exigência, em cada caso, poderia
resultar na interpretação de necessidade de indicação da titularidade de determinada empresa,
nominalmente indicada, mas que, segundo Caio Tácito, a expressão “em cada caso” pode ser
compreendida como indicativa somente da área ou atividade específica a ser contemplada.483
A parte final do inciso XX tem gerado dúvida sobre o alcance da expressão
“participação de qualquer uma delas”, destacando, ainda, Dinorá Adelaide Musetti Grotti, na
esteira do pensamento de Caio Tácito, que tal expressão não se refere às subsidiárias e sim às
próprias entidades de que elas provém.484
Com efeito, a autorização legislativa exigida pela Constituição não precisa ser dada para
a criação específica de cada entidade, sendo legítimo que a lei disciplinadora da entidade
primária autorize a posterior instituição de subsidiárias, antecipando o seu objeto.485
Nesse sentido, decidiu o STF na ADn nº 1.649-DF, Relator Ministro Maurício Corrêa,
julgada em 24.03.2004, em relação à Lei nº 9.478/1997, que regula atividades petrolíferas. O
artigo 65 da norma autorizou a PETROBRAS a instituir subsidiária para operar e construir
seus dutos, terminais e embarcações para transporte de petróleo e derivados, dispensando a
edição de Lei específica para tal objetivo.486
A esse respeito, Bernardo Strobel Guimarães anota que a lei exigida pela Constituição
para participação em outra sociedade não necessita ser específica para cada caso, admitindo-
se uma autorização genérica, concretizada a partir de juízos feitos pela Administração na
qualidade de controladora da empresa em questão. Exige apenas, portanto, que exista no rol
de atribuições de uma empresa previsto em lei a possibilidade de ela vir a participar de outras
sociedades. Essa é a técnica mais adequada do ponto de vista prático, que permite aos gestores
da estatal definir – a partir de pautas empresariais – qual o momento oportuno de exercer a
opção em concreto.487
483
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O regime jurídico das empresas estatais. In: WAGNER JUNIOR, Luiz
Guilherme da Costa Wagner. Direito Público: estudos em homenagem ao professor Adilson Abreu Dallari.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 125-179. 484
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O regime jurídico das empresas estatais. In: WAGNER JUNIOR, Luiz
Guilherme da Costa Wagner. Direito Público: estudos em homenagem ao professor Adilson Abreu Dallari.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 125-179. 485
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev., ampl. e atual. São
Paulo: Atlas, 2012, p. 493. 486
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev., ampl. e atual. São
Paulo: Atlas, 2012, p. 493. 487
GUIMARÃES, Bernardo Strobel. A participação de empresas estatais no capital de empresas controladas pela
iniciativa privada: algumas reflexões. In: In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. et al. (Org.). Direito e
186
Como visto, a autorização legislativa exigida no artigo 37, XX, da Constituição, no caso
da União e das entidades por ela controladas, consta da Lei nº 10.973/2004.
O Decreto Federal nº 4.195, de 21 de abril de 2002, que regulamenta a Lei nº 10.168, de
29 de dezembro de 2000, que trata, por seu turno, da instituição da contribuição de
intervenção no domínio econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação
Universidade-Empresa para Apoio à Inovação, e a Lei no 10.332, de 19 de dezembro de 2001,
que institui mecanismos de financiamento para programas de ciência e tecnologia
estabelecem, em seus art. 1º e 2º, respectivamente, que 40% dos recursos provenientes da
contribuição de que trata o art. 2o da Lei n
o 10.168, de 29 de dezembro de 2000 serão alocados
ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT, em categoria de
programação específica denominada CT-Verde Amarelo e utilizados para atender ao
Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação; e que os
recursos previstos nos arts. 1o, inciso V, e 5
o, da Lei n
o 10.332, de 2001, serão alocados
ao FNDCT, destinados ao Programa de Inovação para Competitividade, na categoria de
programação específica referida no art. 1o, e utilizados, dentre outras finalidades,
na participação minoritária no capital de microempresas e pequenas empresas de base
tecnológica e fundos de investimento, por intermédio da FINEP.
A Portaria MCT nº 622 de 01, de setembro de 2008, que dispõe sobre a aplicação dos
recursos ao FNDCT, na ação Estímulo a Empresas de Base Tecnológica mediante
Participação no Capital - CT - Verde Amarelo prevê, em seu art. 5º, que a FINEP poderá
adquirir participação minoritária no capital das microempresas e das empresas de pequeno
porte de base tecnológica, em consonância com as ações de criação, capitalização e
desenvolvimento de empresas de base tecnológica previstas em sua política operacional. A
participação no capital das microempresas e das empresas de pequeno porte poderá ocorrer de
forma direta ou através de fundos de investimento criados para esse fim, devendo os
procedimentos e critérios para seleção e aquisição das participações ser estabelecidos pela
FINEP em sua Política Operacional.
A Lei Federal nº 10.973/2004, em seu artigo 19, § 2º, prevê que a concessão de recursos
financeiros, sob a forma de subvenção econômica, financiamento ou participação acionária,
para empresas nacionais e entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos voltadas
para atividades de pesquisa, visando ao desenvolvimento de produtos ou processos
inovadores, será precedida de aprovação de projeto pelo órgão ou entidade concedente.
Administração Pública: estudos em homenagem a Maria Sylvia Zanella Di Pietro. São Paulo: Atlas, 2013, p.
374-389, p. 387.
187
No Estado de São Paulo, a Lei Complementar nº 1.049/2008 estabelece:
Artigo 21 - O Estado, suas autarquias, fundações e empresas por ele
controladas, direta ou indiretamente, poderão participar do capital social de
sociedade de propósito específico, visando ao desenvolvimento de projetos
científicos ou tecnológicos para a obtenção de produto ou processo inovador
de interesse econômico ou social.
Parágrafo único - A propriedade intelectual sobre os resultados obtidos
pertencerá às instituições detentoras do capital social, na proporção da
respectiva participação, na forma da Lei n.º 10.973, de 2 dezembro de 2004.
Artigo 22 - O Estado, suas autarquias, fundações e empresas por ele
controladas, direta ou indiretamente, poderão participar de sociedades cuja
finalidade seja aportar capital ("seed capital") em empresas que explorem
criação desenvolvida no âmbito de ICTESP ou cuja finalidade seja aportar
capital na própria ICTESP.
[...]
Artigo 25 - O Estado, suas autarquias, fundações e empresas por ele
controladas, direta ou indiretamente, poderão participar do capital social de
sociedade ou associar-se a pessoa jurídica caracterizada como parque
tecnológico, como incubadora de empresas de base tecnológica, e arranjos
produtivos pertencentes ao Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, e a
Rede Paulista de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica de que trata
o artigo 24.
Artigo 26 - O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
S.A. - IPT e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN, na
consecução de seus objetivos institucionais e nos termos dos artigos 21 e 25,
ficam autorizados a constituir subsidiárias, as quais poderão associar-se,
majoritária ou minoritariamente, a outras empresas.
Como se nota, as entidades paulistas também têm autorização legal para participar do
capital social de sociedade de propósito específico, visando ao desenvolvimento de projetos
científicos ou tecnológicos para a obtenção de produto ou processo inovador de interesse
econômico ou social.
Ao IPT e ao IPEN confere-se desde logo autorização para constituir subsidiárias, às
quais poderão se associar majoritária ou minoritariamente. A admissão da participação
majoritária no capital de empresa controlada atrairá, porém, os mecanismos de atuação e
controle interno, externo e jurisdicional próprios do exercício da atividade pública.
Chama a atenção o fato de o IPEN, ao contrário do IPT, que é uma empresa, estar
constituído sob a forma de autarquia.
Isso porque as subsidiárias são um fenômeno inerente ao aumento da complexidade da
atuação do Estado, consistente num instrumento para racionalizar e melhor disciplinar, em
regra, a atividade empresarial488
e não a atividade das autarquias. Embora o legislador não
488
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 312.
188
esteja vinculado aos entendimentos esposados pela doutrina, do ponto de vista prático, o
descompasso entre estes pode, certamente, causar dúvidas quando de sua aplicação.
Outro ponto a ser ressaltado é que, segundo o artigo 24, XXXI, da Lei Federal nº
8.666/93, com redação dada pela Lei Federal nº 13.349/2010, é dispensável a licitação nas
contratações visando ao cumprimento do disposto no art. 5º, da Lei nº 10.973/2004.
Ainda que assim não fosse, muito provavelmente, haveria hipótese de inviabilidade de
competição.
A rigor, Bernardo Strobel Guimarães pondera que, usualmente, a escolha de uma
empresa a ser objeto de participação pelo Poder Público, para fins estratégicos, a princípio, é
uma ideia que repele a ideia de disputa, pois considera as condições particulares daquela para
receber o investimento estatal.489
O artigo 5º ainda suscita duas importantes questões, ambas comentadas por Denis
Borges Barbosa. A primeira delas diz respeito à titularidade da propriedade intelectual da
empresa que recebeu o investimento público e a outra diz respeito ao prazo de vigência da
contratação resultante da parceria. Observa o autor:
Este é um ponto muito curioso, porque a propriedade intelectual
desenvolvida por uma pessoa jurídica pertence a ela. Não sobe, a jusante,
para os seus controladores. Este estranho dispositivo afeta, dentre outras
questões, o próprio estatuto societário, o código civil, o art. 117 da Lei das
Sociedades Anônimas, Lei nº 6.404 de 1976. ... Na verdade, a única forma
de realizar o que a lei prevê é instituir uma cadeia obrigacional entre os
investidores e a empresa investida, pela qual esta se obrigue a ceder àqueles
a titularidade de todas as suas criações, provavelmente conservando o seu
uso.490
A dúvida relacionada ao prazo da contratação está relacionada à disposição do art. 57,
da Lei nº 8.666/19936, com redação dada pela Lei nº 12.349/2010:
Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à
vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:
[...]
V- às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24,
cujos contratos poderão ter vigência por até 120 (cento e vinte) meses, caso
haja interesse da administração.
A crítica que se faz, a nosso ver, acertadamente, é que a instituição de uma empresa não
poderia estar sujeita ao regime geral de prazos da Lei nº 8.666/1993.
489
GUIMARÃES, Bernardo Strobel. A participação de empresas estatais no capital de empresas controladas pela
iniciativa privada: algumas reflexões. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. et al. (Org.). Direito e
Administração Pública: estudos em homenagem a Maria Sylvia Zanella Di Pietro. São Paulo: Atlas, 2013, p.
374-389, p. 388. 490
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 44.
189
Ocorre que da forma posta pela Lei de Licitações, as empresas constituídas sob o artigo
5º passariam a ter duração determinada, com prazo máximo de até 120 meses, o que, a
depender das circunstâncias do caso concreto, pode vir a ser um empecilho, uma situação não
razoável.
10.5 Acordos de parceria com Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs)
Segundo o art. 9º da Lei Federal nº 10.973/2004:
Art. 9o É facultado à ICT celebrar acordos de parceria para realização de
atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e desenvolvimento
de tecnologia, produto ou processo, com instituições públicas e privadas.
§ 1o O servidor, o militar ou o empregado público da ICT envolvido na
execução das atividades previstas no caput deste artigo poderá receber bolsa
de estímulo à inovação diretamente de instituição de apoio ou agência de
fomento.
§ 2o As partes deverão prever, em contrato, a titularidade da propriedade
intelectual e a participação nos resultados da exploração das criações
resultantes da parceria, assegurando aos signatários o direito ao
licenciamento, observado o disposto nos §§ 4o e 5
o do art. 6
o desta Lei.
§ 3o A propriedade intelectual e a participação nos resultados referidas no §
2o deste artigo serão asseguradas, desde que previsto no contrato, na
proporção equivalente ao montante do valor agregado do conhecimento já
existente no início da parceria e dos recursos humanos, financeiros e
materiais alocados pelas partes contratantes.
O dispositivo cuida da típica união de esforços existente nas parcerias entre ICTs e
terceiros, com o fim de desenvolvimento inovativo, mas sem a criação de uma nova pessoa
jurídica.
Importante notar que há referência genérica, neste artigo, à expressão “instituições
públicas e privadas”, o que o torna mais abrangente do que o artigo 3º, que dispõe, frise-se,
sobre alianças estratégicas e projetos de cooperação envolvendo empresas nacionais, ICTs e
organizações de direito privado sem fins lucrativos, voltadas para atividades de pesquisa e
desenvolvimento, que objetivem a geração de produtos e processos inovadores.
Nas parcerias a que alude o artigo 9º, consoante Denis Borges Barbosa, há uma união de
capital inicial constituído de conhecimentos e de recursos humanos, financeiros ou materiais.
A dinâmica do relacionamento volta-se à geração do capital final, que é o resultado, a ser
apropriado pelos atores envolvidos segundo uma regra de proporcionalidade em face dos
recursos trazidos ao empreendimento.491
491
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 90.
190
Segundo o Manual Básico de Acordos de Parceria de PD&I, do Fórum Nacional de
Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (FORTEC), diferentemente das hipóteses
do art. 4º, mais restritas, nos acordos de parceria a que se refere o art. 9º pode ser incluída,
além do compartilhamento de laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e
instalações das partes, a participação de capital intelectual.492
Há diversas importantes questões relacionadas à titularidade da propriedade intelectual e
a participação nos resultados da exploração das criações resultantes da parceria, que não
fazem parte, especificamente, do escopo deste trabalho, mas que também merecem, como
diversos temas presentes na Lei de Inovação, maior atenção por parte dos estudiosos do
Direito Administrativo.
A Lei Federal nº 8.666/1993, em seu artigo 24, inciso XXV, estabelece que:
Art. 24. É dispensável a licitação:
[...]
XXV- na contratação realizada por Instituição Científica e Tecnológica –
ICT ou por agência de fomento para a transferência de tecnologia e para o
licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida.
O dispositivo corrobora a constatação de que seria inútil que a Administração investisse
recursos em atividades de P,D&I e não pudesse transferir os direitos de exploração para a
iniciativa privada. Não haveria sentido que isso ocorresse sempre de forma gratuita,
admitindo-se a cessão remunerada, sem necessidade de licitação.493
De toda forma, a possibilidade de dispensa de licitação não significa autorização para a
contratação por valores ínfimos ou incompatíveis com os investimentos públicos realizados e
o valor econômico do invento.494
Ademais, não se mostra compatível com o sistema legal brasileiro que, sendo a pesquisa
ou o desenvolvimento comum exitoso, o parceiro se transforme em fornecedor exclusivo para
a Administração, por via de sucessivas inexigibilidades de licitação.495
Entende Denis Borges Barbosa que sempre que do desenvolvimento conjunto resultar
um material ou um serviço de interesse do Estado, não caberá renúncia dos direitos de
propriedade intelectual, possibilitando que terceiros participem de licitação. Embora de
grande interesse negocial para o parceiro privado, não se mostra inteiramente justificável o
492
PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.). Manual básico de acordos de parceria de PD&I: aspectos jurídicos. Porto
Alegre: Edipucrs, 2010. (Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia), p. 31. 493
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15 ed. São Paulo:
Dialética, 2012, p. 397. 494
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15 ed. São Paulo:
Dialética, 2012, p. 397. 495
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 101.
191
argumento de que, sem essa vantagem, o parceiro não participaria do empreendimento
comum. Este teria como estímulo à sua participação no negócio os seguintes fatores: (i)
proteção pela margem de preço representado pelos royalties que terceiro terá de pagar; (ii)
experiência e ganhos e produtividade resultantes do desenvolvimento comum, quando
resultarem em melhor preço; (iii) pela melhor técnica, no caso de uma licitação deste tipo; (iv)
pelo interesse em outros adquirentes e mercados.496
Nos acordos de parceria com ICTs presume-se a existência de interesses comuns entre
os partícipes.
Na apuração do que pode ser considerado interesse comum o critério relevante é o da
fonte do retorno esperado. Se a contratada tem interesse na remuneração, há um contrato
regido sob os parâmetros da Lei nº 8.666/1993. Mas se o aporte da empresa privada for igual
ou maior do que o da entidade pública e se o retorno dela for proporcional ao aporte, a
modalidade contratual não recai sob o regime comum da Lei de Licitações.497
Quanto à seleção dos partícipes para a celebração dos acordos de parceria, a licitação
pode ser dispensável ou mesmo inexigível, conforme disposto no art. 3º da Lei de Inovação,
afinal, parcerias estratégicas tendem a exigir do partícipe contratante características subjetivas
peculiares.
Embora a Lei nº 12.349/2010 não tenha feito alterações no artigo 57 da Lei nº
8.666/1993, relacionadas, especificamente, ao artigo 9º da Lei de Inovação, nos termos do
artigo 3º, da Lei e Inovação, deverá ser considerado como prazo de vigência máximo 120
meses, o que, conforme antes mencionado, poderá ser algo não necessariamente adequado aos
interesses e necessidades dos partícipes.
496
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 101. 497
BARBOSA, Denis Borges. Comentários à lei de inovação. In: BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da
inovação. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 29-193, p. 111
192
11 PARÂMETROS PARA FORMULAÇÃO E CONCESSÃO DO FOMENTO
PÚBLICO À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
Forma típica de função administrativa, o fomento público possui um regime jurídico
conformado pelos princípios regentes desta.498
Para Ignacio M. De La Riva, as ajudas públicas são atos de favorecimento, que
ampliam499
o âmbito de ação de seus destinatários. Em consequência, a necessidade de
proteger o interesse público e os interesses de terceiros exige a sua sujeição ao Direito.500
Propondo a construção de um estatuto jurídico que governe a ação promocional, o autor
elenca os princípios que, a seu ver, devem reger o fomento. São eles os princípios materiais da
subsidiariedade, igualdade e proporcionalidade e os princípios formais da reserva de lei,
transparência e controle.501
Gaspar Ariño Ortiz, de igual modo, identifica como princípios especialmente aplicáveis
à ação promocional os da legalidade, igualdade, eficiência e economia do gasto público.502
Juan Alfonso Santamaría Pastor assinala a incidência, no fomento, dos princípios da
legalidade (reserva de lei), igualdade, transparência, publicidade e respeito à concorrência.
498
Ensinam José Roberto Pimenta Oliveira e Sílvio Luís Ferreira da Rocha, respectivamente: “Em face do
comando do artigo 37 da Magna Carta, não há como separar a atividade administrativa de fomento da
observância integral dos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, eficiência e
demais princípios constitucionais (v.g. motivação, devido processo legal, segurança jurídica, boa-fé, finalidade
etc.), sob pena de nulidade” (OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 519). Para Sílvio Luís
Ferreira da Rocha: “A atividade de fomento, enquanto atividade administrativa, deve estar submetida ao
regime jurídico administrativo, que no Brasil deriva diretamente da Constituição Federal. A atividade de
fomento submete-se aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art.
37, caput, redação da EC 19), além da motivação (art. 93, X), da igualdade e da finalidade, entre outros.”
(ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 27). Também para Rita
Tourinho: “Caracterizada como atividade administrativa, o fomento está subordinado à observância dos
princípios administrativos. Além dos princípios da legalidade, publicidade, moralidade, impessoalidade e
eficiência, constantes do caput, do art. 37, da Constituição Federal, o fomento deve também atentar aos
princípios implicitamente constantes da Carta Constitucional como, por exemplo, o da motivação,
razoabilidade e proporcionalidade. Dessa forma, não se pode pensar na realização da atividade de fomento sem
suporte legal ou constitucional, nem, tampouco, sem critérios na escolha dos beneficiários, ou mesmo sem a
devida motivação. Por outro lado, também viola a ordem jurídica os incentivos conferidos sem qualquer
razoabilidade ou com resultados desproporcionais aos investimentos efetivados.” (TOURINHO, Rita. Terceiro
setor no ordenamento jurídico brasileiro: constatações e expectativas. Revista Eletrônica sobre a Reforma do
Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 24, dez/jan./fev. 2011. Disponível em:
http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-24-dezembro-janeiro-fevereiro-2011-RITA-TOURINHO.pdf.
Acesso em: 10 jun. 2014, p. 5-6). 499
Também para Juan Carlos Cassagne, mediante a técnica dos atos favoráveis, a ação interventora da
Administração produz uma espécie de ampliação do status jurídico do particular (Derecho administrativo, 7.
ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2002, T. II, p. 343). 500
DE LA RIVA, Ignacio M. La figura del fomento: necesidad de encarar uma revisión conceptual. In: Servicio
público, polícia y fomento. Buenos Aires: Rap, 2003, p. 413-422, p. 419. 501
DE LA RIVA, Ignacio M. La figura del fomento: necesidad de encarar uma revisión conceptual. In: Servicio
público, polícia y fomento. Buenos Aires: Rap, 2003, p. 413-422, p. 419-421. 502
ARIÑO ORTIZ, Gaspar. Principios de derecho público económico: modelo de Estado, gestión pública,
regulación económica. Granada: Lael, 2004, p. 349-355.
193
Refere-se, ainda, à necessidade de atendimento de procedimentos administrativos e de
critérios de eficiência e economia.503
A afirmação da submissão da atividade administrativa de fomento ao regime jurídico
administrativo merece ser ressaltada, especialmente porque, na prática, os princípios deste,
muitas vezes, deixam de ser observados nesse tipo de atividade.
Na doutrina nacional, Sílvio Luís Ferreira da Rocha lembra que o fomento, até certo
ponto, foi relegado a um segundo plano, abaixo dos serviços públicos e que embora tenha
havido a redescoberta da atividade, isso ocorreu sem se perceber que esta também deve
obedecer aos princípios que regem toda a atividade administrativa.504
José Vicente Santos de Mendonça formula original e interessante proposta acerca dos
critérios tanto de concessão como de formulação da concessão do fomento público.
De acordo com o autor, os critérios de concessão são formais: a) transparência e
procedimentalização; (b) competitividade e (c) objetividade; e materiais: (a) a não
lucratividade; (b) a eficiência do gasto público; e (c) a razão pública. Os critérios de
formulação do fomento são: (a) a submissão ao debate público e (b) a compatibilidade entre
os requisitos de acesso ao fomento e o direito fundamental que se pretende fomentar. O maior
de todos os requisitos, pano de fundo para todas as ações, é o princípio da legalidade.505
Na formulação e na concessão dos instrumentos de fomento público à inovação
tecnológica devem ser aplicados os parâmetros norteadores da ação fomentadora do Estado
em geral.
11.1 O fomento público e o princípio da legalidade
Como toda e qualquer atividade administrativa, a ação promocional submete-se ao
princípio da legalidade, o que, historicamente, não acontecia no passado.506
Entendia-se que a atividade promocional, por não possuir o caráter de limitar as
condutas e a liberdade dos particulares, estaria livre de amarras jurídicas.507
Nos dias de hoje, exige-se autorização legislativa para a prática do fomento. É possível
defender o entendimento de que essa autorização é genérica.
503
SANTAMARIA PASTOR, Juan Alfonso. Princípios de derecho administrativo general. 2. ed. Madrid:
Iustel, 2009, v. II, p. 355-357. 504
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 34. 505
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do Estado na
economia à luz da razão prática e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 401. 506
ARIÑO ORTIZ, Gaspar. Principios de derecho público económico: modelo de Estado, gestión pública,
regulación económica. Granada: Lael, 2004, p. 349. 507
PASTOR, Santamaría. Princípios de derecho administrativo general. 2. ed. Madrid: Iustel, 2009, v. II, p. 356.
194
Conforme José Vicente Santos de Mendonça seus termos não podem ser tão gerais que
não permitam o controle; ou tão específicos que impossibilitem a atuação do administrador. O
fomento deve possuir base legal que indique, na medida do possível, beneficiários, benefícios
e critérios de seleção.
É preciso ressaltar, todavia, que em alguns casos a própria Constituição Federal exige
lei específica para a concessão de fomento. Isso ocorre, por exemplo, na hipótese de
concessão de qualquer subsídio ou isenção (art. 150, §6º).508-509
A exigência de lei é também reforçada, como destaca José Roberto Pimenta Oliveira,
pelas normas constitucionais disciplinadoras das finanças públicas (art. 163 e ss.), quando o
fomento ensejar acréscimo de despesa ou redução de receita.510
11.2 A necessária vinculação do fomento público à inovação tecnológica ao planejamento
científico e tecnológico
O debate do fomento público relaciona-se necessariamente ao campo da intervenção
estatal.511
É sabido que o Estado intervém nas ordens econômica e social, direta e indiretamente,
dentro de um regime que privilegia, dentre outros, os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa, fundamentos da República.512
508
Segundo o artigo 150, §6º, da Constituição Federal: “Art.150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas
ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]§ 6.º Qualquer
subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos
a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou
municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou
contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
3, de 1993).” 509
FREIRE, André Luiz. Responsabilidade patrimonial na atividade administrativa de fomento. In:
SPARAPANI, Priscilia; ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no
domínio social: homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.
160-186, p.168. 510
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito
administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 519. 511
Para Eros Roberto Grau, alude-se ao vocábulo atuação ou ação administrativa em sentido mais amplo,
conotando atuação na esfera do público; intervenção expressa mais precisamente atuação em área de outrem,
em área de titularidade do setor privado (ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 15
ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 90). José Vicente Santos de Mendonça sustenta que no caso do fomento
público ter-se-ia precisamente uma intervenção, já que o Poder Público está tentando influir, pelo convite, no
mercado. Mas a intervenção seria pelo modo indireto, pelas mãos do particular. Ressalta, todavia, que para
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o fomento, diferentemente das intervenções regulatória, concorrencial,
monopolista e sancionatória, não pode ser considerado como modalidade de intervenção porque não tem
natureza impositiva (Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento público democrático,
eficiente e não paternalista. Revista de Direito Processual Geral. Rio de Janeiro, n. 65, p. 115-176, 2010, p.
115). Consoante o escólio de Ricardo Marcondes Martins, o texto constitucional afasta o entendimento de que
a regulação restringe-se à imposição de condicionamentos: “a regulação dá-se, nos termos do art. 174, não
apenas pela função de fiscalização, mas também pela função de incentivo” (Regulação administrativa à luz da
constituição federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 128).
195
Nesse sentido, o rol de instrumentos de que o Estado dispõe para realizar intervenções é
amplo, estendendo-se da disciplina normativa, da regulação, da atuação direta mediante entes
empresariais estatais, da sujeição de determinadas atividades ao regime de serviço público, até
chegar às modalidades de fomento.513
O fomento público à inovação, espécie do gênero fomento público econômico, constitui,
como se nota, instrumento de intervenção do Estado na ordem econômica. Todavia, uma vez
que as medidas de fomento público não têm natureza impositiva e que a Administração atua
por meio do particular, trata-se de uma modalidade de intervenção indireta.
O artigo 174,514
da Lei Maior, atribui ao Estado, agente normativo e regulador da
atividade econômica, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
Lúcia Valle Figueiredo explica a existência de três tipos de planejamentos: os
indicativos; os imperativos e os incitativos ou estimulativos.515
Segundo a autora, os planos indicativos são aqueles em que o governo apenas assinala
em alguma direção, sem pretender o engajamento da iniciativa privada; os planos imperativos,
os que devem ser observados pelos particulares; e os planos incitativos ou estimulativos,
aqueles em que o Governo objetiva implementar determinadas atividades com a participação
do setor privado. Aduz que “quando o Estado necessita desenvolver a economia, sobretudo
direcionadamente, recorre, ou deve recorrer, à atividade de fomento, planejamento incitativo,
com a finalidade de engajamento da iniciativa privada”.516
O fomento público à inovação tecnológica, assim como qualquer outro tipo de fomento
público, é indissociável do planejamento.
Para Marcos Juruena Villela Souto, o fomento é consequência natural do planejamento
dentro de um regime que privilegia a livre iniciativa, devendo ser considerado o principal
instrumento de intervenção, pois os investidores que aportarão os recursos indispensáveis ao
512
Dispõe, nesse diapasão, a Constituição Federal: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Os grifos são nossos. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em:18 nov. 2013. 513
MARQUES NETO, Floriano Peixoto. O fomento como instrumento de intervenção estatal na ordem
econômica. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 8, n. 32, out./dez. 2010.
Disponível em: <http://bidforum.com.br/bid/PDI006.aspx?pdiCntd=70679>. Acesso em:14 jun. 2013.
(documento não paginado). 514
Confira-se: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público
e indicativo para o setor privado”. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 18 nov. 2013. 515
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Direito Público: estudos. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 43. 516
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Direito Público: estudos. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 48.
196
desenvolvimento econômico só adquirem segurança com o pleno conhecimento das regras do
jogo.517
José Roberto Pimenta Oliveira salienta que sem planejamento estatal cuidadoso revela-
se difícil, senão impossível, cumprir as injunções normativas das pautas constitucionais
voltadas para a disciplina da função promocional pública.518
Na mesma senda, José Vicente Santos de Mendonça pontua que há íntima relação entre
o planejamento estatal e o fomento. Uma determinada atividade ou setor somente serão
fomentados se isso fizer sentido dentro de uma programação prévia. O conteúdo dessa
programação vem com o planejamento. A proximidade é tamanha que, por vezes, os planos
de desenvolvimento econômico e social são chamados de “Planos de Fomento”. A execução
do plano de desenvolvimento, elaborado pelo Poder Público, pressupõe ampla participação da
sociedade, incluindo atividades públicas e privadas. 519-520
Em seu aspecto jurídico, o planejamento é institucional, vez que o Estado se organiza
para a obtenção de objetivos econômicos e, normativo, porque há a inserção sistemática de
regras jurídicas para implementar o plano estabelecido. Apresenta-se como a constante busca
de eficiência na Administração Pública.521
Há que se ressaltar que o texto constitucional prescreve, em alguns casos, que o
planejamento deve ser aprovado por lei.522
A título de exemplificação, segundo o artigo 48,
incisos I e VI, da Carta Magna, cabe, respectivamente, ao Congresso Nacional, com a sanção
do Presidente da República, dispor sobre as matérias de competência da União, em especial
sobre o plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito,
dívida pública e emissões de curso forçado; bem como sobre planos e programas nacionais,
regionais e setoriais de desenvolvimento.
517
SOUTO, Marcos Juruena Villela Souto. Intervenção do Estado no domínio econômico. In: ARAÚJO, Valter
Shuenquener de Araújo (Coord.). Direito administrativo. Niterói, RJ: Impetus, 2005, p. 181-206, p. 206. 518
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito
administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 529. 519
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento
público democrático, eficiente e não paternalista. Revista de Direito Processual Geral. Rio de Janeiro, n. 65, p.
115-176, 2010. 520
Ensina Denilson Marcondes Venâncio que os planos, programas ou projetos são produtos da atividade de
planejamento (VENÂNCIO, Denilson Marcondes. O planejamento como fator determinante da boa
administração pública. 2010. 200 f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
2010, p. 14). 521
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo; QUEIROZ, João Eduardo Lopes. Planejamento. In:
CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista
dos. (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Atlas, 2011, p. 681-740, p. 686. 522
VENÂNCIO, Denilson Marcondes. O planejamento como fator determinante da boa administração pública.
2010. 200 f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010, p.24.
197
De acordo com a Lei nº 9.257, de 09 de janeiro de 1996, o Conselho Nacional de
Ciência e Tecnologia – CCT, órgão de assessoramento da Presidência da República para a
formulação e implementação da política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico
é competente, dentre outras ações, para propor a política de Ciência e Tecnologia do País,
como fonte e parte integrante da política nacional de desenvolvimento e para propor planos,
metas e prioridades de governo referentes à Ciência e Tecnologia, com as especificações de
instrumentos e de recursos.
A atual Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) 2012 -2015
foi aprovada pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) em 15/12/2011, dando
continuidade ao Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação 2007-2010 (PACTI). Na
sua elaboração, foram consideradas as recomendações do Livro Azul, que reuniu as sugestões
colhidas por ocasião da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.
A implementação dos planos exige que sejam incorporados às leis orçamentárias,
primeiro ao plano plurianual de investimentos, executado anualmente, conforme prioridades
definidas na lei de diretrizes orçamentárias.523
A incorporação dos planos às leis orçamentárias evita que metas e objetivos deixem de
ser atingidos.
É cediço que as metas estabelecidas no PACTI 2007–2010, por exemplo, não foram
integralmente cumpridas, em razão, dentre outros fatores, de cortes no orçamento público
destinado ao setor. Na ocasião, objetivava-se que os investimentos atingissem 1,5% do PIB
em CT&I até o fim da década passada. Nesse período, apesar de o volume de recursos gastos
ter crescido, a participação relativa no gasto global do governo não se alterou. Ainda, em
2011, o governo federal diminuiu em 22,3% do orçamento do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação, que ficou em R$ 6,5 bilhões, abaixo dos R$ 7,9 bilhões de 2010. Em
2012, os valores foram novamente diminuídos em R$ 1,5 bilhão, dos R$ 6,7 bilhões previstos
no Orçamento aprovado no Congresso.524
Por outro lado, o planejamento não pode ser reduzido ao orçamento, porque assim
perderia sua principal característica, que é a de fixar diretrizes para a atuação do Estado, que
também servem para a orientação dos investimentos do setor privado.525
523
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo da economia. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: 2003,
p. 472. 524
Notícia constante do site do Senado Federal. Disponível em:
www.senado.gov.br/noticias/jornal/emdiscussao/inovacao/orcamento-publico-ciencia-tecnologiaeinovacao-
investimentos-bilhoes-governo-do-brasil-aspx. Acesso em: 05 nov. 2014. 525
BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de
1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 81.
198
11.3 O fomento público e os princípios da igualdade e da livre concorrência
Quanto ao princípio da igualdade, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello que “a Lei
não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social
que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos”.526
A seu ver, para que a discriminação legal seja compatível com a isonomia é necessário
que concorram quatro fatores: a) que a desequiparação não atinja de modo atual (ou seja, no
presente) e absoluto (ou seja, definitivamente) um só indivíduo; b) que as situações ou
pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si (os traços
nelas residentes devem ser diferenciados); c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica
entre os fatores diferenciais e a distinção de regime jurídico estabelecida pela norma jurídica;
d) que, in concreto, esse vínculo de correlação seja pertinente aos interesses
constitucionalmente protegidos.527
Esclarece Rafael Munhoz de Mello que a atividade de fomento, sendo essencialmente
discriminatória, oferece um vasto campo para que a Administração atue ao arrepio do
princípio da igualdade. Para que o fomento não afronte a igualdade deve ser exercido de
modo que os benefícios e privilégios sejam distribuídos apenas a quem efetivamente se
destacar e, sendo possível, a todos os que se destacarem, necessitando, ainda, estar voltado
para a promoção de valores compatíveis com o texto constitucional.528
Consigna que o maior risco à igualdade é que os benefícios sejam distribuídos sem
qualquer critério racional que justifique o tratamento diferenciado. Daí a relevância de os
critérios do fomento serem definidos de forma objetiva, e, se necessário, em situações que
envolvam escassez de recursos, por meio de procedimentos competitivos.529
Na mesma senda, para Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, a entidade
fomentadora deve atuar observando dois pressupostos: a presença de interesse público
relevante, compatível com as suas atribuições, a ser alcançado pela atividade fomentada e a
526
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2012, p. 10. 527
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2012, p. 41. 528
MELLO, Rafael Munhoz de. Atividades de fomento e o princípio da isonomia. In: SPARAPANI, Priscilia;
ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social: homenagem
ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 263-285, p. 279. 529
MELLO, Rafael Munhoz de. Atividades de fomento e o princípio da isonomia. In: SPARAPANI, Priscilia;
ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social: homenagem
ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 263-285, p. 281-282.
199
eleição objetiva dos beneficiários, a partir de fatores de discrímen objetivamente aferíveis e
legítimos.530
Outra questão que se apresenta em relação ao princípio da igualdade diz respeito às
eleições dos objetos das ações interventivas do Estado (por que fomentar uma determinada
atividade ou um setor e não outro?), afinal, pressupõe-se um tratamento igualitário dos
administrados em geral por parte do ente estatal.
Nesse particular, Célia Cunha Mello explica que atenuar o princípio da igualdade não
significa, todavia, mitigá-lo para admitir um tratamento desigual entre as pessoas, mas sim
para reconhecer a existência de exceções cabíveis, sempre tendo em vista que o princípio da
igualdade não é absoluto.531
Também para Gaspar Ariño Ortiz, as exigências do princípio da igualdade se traduzem
da seguinte forma: a) do ponto de vista econômico: as ajudas públicas não podem prejudicar
as regras da concorrência; b) do ponto de vista jurídico, as ajudas públicas devem ser
outorgadas segundo um procedimento administrativo, que garanta as regras de transparência,
publicidade, objetividade e livre concorrência, utilizando, sempre que possível, mecanismos
competitivos.532
Santamaría Pastor, tal como Gaspar Ariño Ortiz, enfatiza a relevância de tais
procedimentos competitivos, esclarecendo que estes possibilitam que as ajudas públicas sejam
outorgadas a quem seja capacitado para gerar um maior benefício coletivo.533
Para Ignácio M. De La Riva, a dificuldade está justamente em estabelecer critérios
objetivos de avaliação, para comparação. Para que não haja arbitrariedade torna-se relevante a
regulamentação da execução de cada programa de ajudas que se instaure.534
Em relação ao princípio da concorrência, segundo Gaspar Ariño Ortiz, o
reconhecimento da liberdade de empresa como marco da economia de mercado, ou seja, a
livre e leal concorrência, é um dos eixos básicos do Tratado Constitutivo da Comunidade
Europeia e do direito comunitário derivado. No artigo 92, do Tratado de Roma, estabelece-se,
como regra geral, que serão incompatíveis com o mercado comum, e na medida em que
530
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. O fomento como instrumento de intervenção estatal na
ordem econômica. Revista de Direito Público da Economia- RDPE, Belo Horizonte, ano 8, n. 32, out./dez.
2010. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=70679. Acesso em 14 jul. 2013.
(documento não paginado). 531
MELLO, Célia Cunha. O fomento da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 159. 532
ARIÑO ORTIZ, Gaspar. Principios de derecho público económico: modelo de Estado, gestión pública,
regulación económica. Granada: Lael, 2004, p. 350. 533
SANTAMARIA PASTOR, Juan Alfonso. Princípios de derecho administrativo general. 2. ed. Madrid:
Iustel, 2009, v. II, p. 356. 534
DE LA RIVA, Ignacio M. La figura del fomento: necesidad de encarar uma revisión conceptual. In: Servicio
público, polícia y fomento. Buenos Aires: Rap, s.d., p. 413-422, p. 419.
200
afetem os intercâmbios comerciais entre Estados membros, as ajudas outorgadas pelos
Estados mediante fundos estatais, sob qualquer forma, que prejudiquem ou ameacem
prejudicar a concorrência, favorecendo a determinadas empresas ou produções. Junto à regra
geral de proibição o Tratado de Roma reconhece diversas exceções (como para os serviços de
interesse econômico geral, produtos agrícolas, defesa e transportes).535
Observa Calixto Salomão Filho que a compreensão do sistema concorrencial brasileiro
impõe a análise do livre comércio e a cooperação Estados-empresas. Destaca que o sucesso
econômico das empresas japonesas, que tem enorme poderio tecnológico e concorrencial,
pode ser atribuído em grande medida à visão menos ortodoxa do direito concorrencial ali
vigente. No Japão, 60% da economia são controlados por seis grandes grupos. Em
contrapartida, o Ministério do Comércio Internacional e da Indústria exerce direção
econômica, seguida e aceita por esses grupos privados. Os objetivos de política industrial se
sobrepõem aos interesses concorrenciais. A mesma tendência, embora mais atenuada, existe
na Alemanha.536
O fato é que direito concorrencial tem sido influenciado e até mesmo submetido a
objetivos de política industrial, nos moldes nipônicos. As legislações inglesa e francesa
incorporam esses objetivos. Até mesmo o direito antitruste americano modificou seu sistema
concorrencial para permitir a promoção da competitividade interna e internacional das
empresas americanas. O poder econômico, de quase um mal em si, passa a ser encarado como
uma necessidade, desde que seja capaz de promover a eficiência econômica.537
A legislação brasileira também incorporou essa tendência, inserindo a palavra eficiência
no artigo 13, da Lei Federal nº 8.158, de 8 de janeiro de 1991, como uma justificativa para as
concentrações. Na revogada Lei nº 8.884/94 a eficiência aparecia com grande destaque e
permitia a justificação tanto de situações de domínio de mercado já existentes (art. 20, §1º)538
quanto de posições dominantes em formação (art. 54, §1º, I, “c”).539-540
535
ARIÑO ORTIZ, Gaspar. Principios de derecho público económico: modelo de Estado, gestión pública,
regulación económica. Granada: Lael, 2004, p. 351. 536
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 39. 537
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 41-
42. 538
Dispunha a Lei Federal nº 8.884/1994: “Art. 20. Constituem infração da ordem econômica,
independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objetivo ou passam
produzir os seguintes efeitos, ainda que não alcançados: [...] II- dominar mercado relevante e bens ou serviços;
[...]§1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente
econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito no previsto no inciso II.” 539
Dispunha a Lei Federal nº 8.884/1994: “Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam
limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes
de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE. §1º O CADE poderá autorizar os atos a
que se refere o caput, desde que atendam as seguintes condições: I – tenham por objetivo, cumulada ou
201
Em conformidade com o vigente artigo 88, da Lei Federal nº 12.529/2011, que estrutura
o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e dispõe sobre a prevenção e a
repressão às infrações contra a ordem econômica, devem ser submetidos ao Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE) pelas partes envolvidas na operação os atos de
concentração econômica em que, cumulativamente: I - pelo menos um dos grupos envolvidos
na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de
negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$
400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e II - pelo menos um outro grupo envolvido
na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de
negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$
30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
Os atos que se subsumirem ao disposto no caput do artigo 88 não podem ser
consumados antes de apreciados, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária,
de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00
(sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação.
Conforme o § 5o, do artigo 88, são proibidos os atos de concentração que impliquem
eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou
reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante
de bens ou serviços, ressalvados aqueles praticados nos limites estritamente necessários para
atingir os seguintes objetivos: I - cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade
ou a competitividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou c) propiciar a eficiência
e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e II - sejam repassados aos consumidores
parte relevante dos benefícios decorrentes.
De acordo com o artigo 90, para efeitos do art. 88, realiza-se um ato de concentração
quando: (i) 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; (ii) 1 (uma)
ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas,
títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por
via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras
empresas; (iii) 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou (iv) 2
(duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.
alternativamente: a) aumentar a produtividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; c) propiciar a
eficiência e o desenvolvimento tecnológico e econômico” 540
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 43.
202
A expressão “contrato associativo” é abrangente e pode suscitar dúvidas. Assim, o
CADE decidiu disciplinar as hipóteses de notificação de celebração de contrato associativo,
nos termos da Resolução nº 10, de 29 de outubro de 2014, vigente a partir de dezembro de
2014.541
Não se pode esquecer que empresas integrantes da Administração Indireta podem ser
entidades fomentadoras (a PETROBRAS, por exemplo, é uma das maiores financiadoras de
projetos de P,D&I no País). A questão, portanto, pode repercutir no âmbito da ação
promocional pública.
As políticas industriais referentes ao desenvolvimento tecnológico influenciam o
sistema concorrencial, podendo o desenvolvimento tecnológico ajudar a justificar tanto as
cooperações como as concentrações empresariais.
Mas isso não significa que o desenvolvimento tecnológico possa ser perseguido
irrestritamente, a qualquer preço. Ele serve como causa justificadora de uma posição de poder
“desde que a concentração não erija barreiras insuplantáveis à entrada de concorrentes e desde
que existam ganhos líquidos de eficiência.”542
Ainda de acordo com Calixto Salomão Filho, na Comunidade Europeia, os acordos
entre empresas para realização de pesquisa e desenvolvimento tecnológico estão isentos de
aplicação do direito concorrencial. Esse benefício, no entanto, é restrito pela legislação aos
casos em que não há a exploração comercial conjunta dos resultados da pesquisa tecnológica.
Acordos que limitem ou restrinjam o licenciamento de patentes pelas partes que cooperam na
pesquisa e no desenvolvimento são ilegais do ponto de vista antitruste. A patente é um
monopólio temporário que constitui exceção relevante à aplicação do direito antitruste, não
admitindo acordo entre particulares para aumentar a sua abrangência. Outrossim, os acordos
para pesquisa e desenvolvimento não devem impedir a parte de continuar a sua própria
541
Conforme a Resolução CADE nº 10/2014: “Art. 2º Respeitados os critérios objetivos estabelecidos no artigo
88 da Lei nº 12.529, de 2011, e para fins do disposto nesta lei, consideram-se associativos quaisquer contratos
com duração superior a 2 (dois) anos em que houver cooperação horizontal ou vertical ou compartilhamento
de risco que acarretem, entre as partes contratantes, relação de interdependência. § 1o Para fins do disposto no
caput deste artigo, considera-se que há cooperação horizontal ou vertical ou compartilhamento de risco que
acarretam relação de interdependência: I - nos contratos em que as partes estiverem horizontalmente
relacionadas no objeto do contrato sempre que a soma de suas participações no mercado relevante afetado pelo
contrato for igual ou superior a vinte por cento (20%); ou II – nos contratos em que as partes contratantes
estiverem verticalmente relacionadas no objeto do contrato, sempre que pelo menos uma delas detiver trinta
por cento (30%) ou mais dos mercados relevantes afetados pelo contrato, desde que preenchida pelo menos
uma das seguintes condições: a) o contrato estabeleça o compartilhamento de receitas ou prejuízos entre as
partes; b) do contrato decorra relação de exclusividade. § 2º Para fins dos incisos I e II deste artigo,
consideram-se partes contratantes as entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico sendo notificado e
os respectivos grupos econômicos, conforme definição do artigo 4º da Resolução nº 2, de 29 de maio de 2012.
§ 3º Os contratos com duração inferior a dois anos devem ser notificados nos termos desta Resolução quando,
mediante sua renovação, o período de 2 (dois) anos for atingido ou ultrapassado. 542
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 213.
203
pesquisa. Por isso, é importante demonstrar que a união de esforços das partes é indispensável
para a realização da pesquisa, que de outro modo não se poderia realizar.543
11.4 O fomento público, a subsidiariedade e o compartilhamento de riscos
O princípio da subsidiariedade teve origem no Direito da Igreja Católica, ou seja, no
Direito Canônico.544
Na esteira dos ensinamentos de Silvia Faber Torres, Sílvio Luís Ferreira da Rocha
observa que o princípio da subsidiariedade foi concebido para proteger a autonomia dos
indivíduos contra toda intervenção pública injustificada. Registra que já estava implícito na
Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII (1891), quando elevava a dignidade da pessoa
humana à peça fundamental da doutrina social da Igreja e defendia a propriedade privada da
ira socialista, assim como o operário da exploração do liberalismo econômico. Entretanto, o
princípio da subsidiariedade tem o seu melhor enunciado na Encíclica Quadragesimo Anno.545
Também segundo José Alfredo de Oliveira Baracho, os antecedentes do princípio da
subsidiariedade encontram-se especialmente na Encíclica Quadragesimo Anno, de 1931.546
De acordo com o artigo 79 desta:
Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com
a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo modo
passar para uma comunidade maior e mais elevada o que comunidades
menores e inferiores podem realizar é uma injustiça, um grave dano e
perturbação da ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é
coadjuvar os seus membros, e não destruí-los nem absorvê-los. 547
As Encíclicas Mater et Magistra (1961), do Papa João XXIII e Centesimo Anno, de
João Paulo II, reafirmaram o princípio da subsidiariedade.548
Apesar de sugerir uma função de suplência, o princípio também compreende a limitação
da intervenção de um órgão ou coletividade superior, podendo ser usado para restringir a
543
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 363. 544
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. In: CAMARGO,
Ricardo Antônio Lucas. Desenvolvimento econômico e intervenção do Estado na ordem constitucional:
estudos em homenagem ao professor Washington Peluso Albino de Souza. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1995, p. 99-138, p. 119. 545
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 17. 546
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. In: CAMARGO,
Ricardo Antônio Lucas. Desenvolvimento econômico e intervenção do Estado na ordem constitucional:
estudos em homenagem ao professor Washington Peluso Albino de Souza. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1995, p. 99-138, p.120. 547
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 17. 548
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 17.
204
intervenção do Estado. De outro turno, a subsidiariedade está ligada a um outro princípio, que
lhe é complementar, o princípio da unidade.549
Daí porque a doutrina indica um paradoxo inerente ao princípio da subsidiariedade –
impor limites à ação estatal, mas, ao mesmo tempo, tornar indispensável o estímulo do Poder
Público quando se afigurar impossível à comunidade menor realizar as suas próprias
necessidades, ou quando tal realização não for eficaz ou satisfatória.550
Segundo Ignacio De La Riva, das três formas clássicas de atuação administrativa, as
ajudas públicas configuram a modalidade de intervenção mais tênue, apresentando-se, por
essa mesma razão, como um meio particularmente idôneo para resguardar ou promover a
iniciativa privada. O risco está na sua vocação expansiva, que sublinha a necessidade de
prévia e estrita ponderação, em cada caso, da conveniência ou necessidade da intervenção
pública.551
O princípio da subsidiariedade, apesar de guiar o fomento público, não se aplica a todas
as atividades administrativas, não podendo o Estado, a pretexto de fomentar, deixar de
executar atividades públicas que devam ser levadas a cabo de modo direto, como saúde e
educação, embora também caiba o fomento dessas atividades quando desempenhadas por
particulares.552
Esta constatação é bastante relevante no caso das atividades de C,T&I que, conforme
cediço, devem ser realizadas tanto diretamente pelo Estado como por meio dos particulares,
não devendo a ampliação da participação empresarial nos esforços tecnológicos do País
significar a redução do papel do Estado:
Ao contrário, nos Países desenvolvidos os recursos investidos pelas
empresas em P&D são financiados em grande medida por recursos públicos,
normalmente colocados à disposição das empresas na forma de subvenção
ou com juros subsidiados. No Brasil, apesar de ter crescido a participação
pública no financiamento à P&D, 76% dos investimentos em P&D das
empresas foram realizados com recursos próprios (PINTEC 2008).553
549
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. In: CAMARGO,
Ricardo Antônio Lucas. Desenvolvimento econômico e intervenção do Estado na ordem constitucional:
estudos em homenagem ao professor Washington Peluso Albino de Souza. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1995, p. 99-138, p.120. 550
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 18. 551
DE LA RIVA, Ignacio M. La figura del fomento: necesidad de encarar uma revisión conceptual. In: Servicio
público, polícia y fomento. Buenos Aires: Rap, 2003, p. 413-422, p. 419. 552
FREIRE, André Luiz. Responsabilidade patrimonial na atividade administrativa de fomento. In:
SPARAPANI, Priscilia; ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no
domínio social: homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.
160-186, p.169. 553
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação 2012-2015 – Balanço das atividades estruturantes 2011. Brasília: MCTI, 2012, p. 42. Pondera
Ricardo Marcondes Martins ser equivocado supor a aplicação do princípio da subsidiariedade na seara dos
serviços públicos – esta é própria do Estado, vez que o constituinte atribui-lhe a missão de prestá-los. Somente
205
Diretamente relacionado ao princípio da subsidiariedade, encontra-se o princípio do
risco compartilhado, que impede seja o beneficiário exonerado de todo o risco ou da
obrigatoriedade de aportar recursos próprios para a atividade fomentada.554
Conforme explica Sílvio Luiz Ferreira da Rocha, a observância do princípio da
repartição de riscos está prevista, inclusive, na Lei nº 4.320/1964, em seu artigo 16,555
quando,
ao tratar das subvenções sociais, usa o termo suplementação de recursos de origem privada, o
que indica que o fomento pressupõe o investimento de recursos privados.556
A Lei Federal nº 10.973/2004, em seu artigo 19, §3º, ao prever a concessão de recursos
financeiros a empresas nacionais e entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos,
sob a forma de subvenção econômica, exige a assunção de contrapartida pela empresa
beneficiária, na forma estabelecida nos instrumentos de ajuste específicos.
A Lei Complementar Paulista nº 1.049/2008, em seu artigo 18, de igual modo, prevê a
concessão de apoio financeiro inclusive a empresas e grupos de empresas, vinculada,
obrigatoriamente, à assunção de contrapartida pelo beneficiário, na forma estabelecida nos
respectivos instrumentos jurídicos.
Parece-nos que o disciplinamento de contrapartida é relevante também nas situações de
financiamento e de participações acionárias, razão pela qual não pode ser desconsiderado.
Não pode ocorrer de Administração substituir o particular, passando, simplesmente, a
sustentar as suas atividades. Considerando que as normas não indicam o que seriam
contrapartidas mínimas razoáveis, (a questão também não é tratada em decretos), estas devem
ser fixadas de forma razoável pelo administrador público.
O compartilhamento de riscos, imposição do empreendedorismo inovador, além de
ocorrer por meio da fixação de contrapartidas mínimas obrigatórias em convênios e
instrumentos congêneres também ocorre, por exemplo, mediante a diversificação das opções
de financiamento público nas micro e pequenas empresas nascentes, através de instrumentos
como capital semente557
e de risco.
com a outorga estatal, os particulares podem desempenhá-los. (MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação
administrativa à luz da constituição federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 271). 554
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 33. 555
Dispõe o artigo citado: “Art. 16. Fundamentalmente e nos limites das possibilidades financeiras a concessão
de subvenções sociais visará a prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional,
sempre que a suplementação de recursos de origem privada aplicados a esses objetivos, revelar-se mais
econômica.” 556
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 33. 557
É o financiamento de projetos empresarias antes da instalação do negócio, ainda na fase de projeto e de
desenvolvimento. (COMO fazer, Folha de São Paulo, São Paulo. Especial. p. 6, 17 nov. 2014).
206
11.5 O fomento público à inovação tecnológica motivado, transparente e controlado
O fomento público republicano é o fomento motivado, transparente e controlado.
Mediante a motivação, os cidadãos podem conhecer as razões que levaram o Poder
Público a fomentar determinada atividade, controlando a validade dos benefícios concedidos.
Somente por meio da indicação das razões de fato e de direito torna-se possível verificar se os
pressupostos de validade do ato administrativo, especialmente o finalístico e o lógico, foram
observados.558
A motivação ajuda, ainda, a impedir que a atividade administrativa de fomento seja
exercida sem observância do princípio da igualdade, dificultando a concessão de privilégios
arbitrários ou fortuitos.559
A motivação é sempre obrigatória. Quando não realizada, em caso de fomento concreto,
os argumentos em prol da invalidação do ato são muito mais intensos do que em relação ao
fomento abstrato; a probabilidade de invalidação também é mais intensa no fomento
individual, em relação ao fomento geral.560
A motivação vincula-se intrinsecamente à transparência.
A transparência implica o dever de divulgar à sociedade, de forma clara, objetiva e
sistematizada, os diversos instrumentos de fomento colocados à disposição dos cidadãos,
inclusive seu modo de funcionamento.
Os estudos relacionados à área da C,T&I há tempos indicam a necessidade urgente de
estabelecer as regras claras do jogo, a fim de atrair os investimentos privados. Essas regras
não dizem respeito somente à concessão de recursos financeiros na forma de subvenções,
financiamentos, participações acionárias, mas também à constituição de ambientes de
inovação e, eventualmente, de alianças estratégicas.
O dever de obediência ao princípio da transparência, assim como o dever de
atendimento ao princípio da igualdade, remete à procedimentalização.
558
FREIRE, André Luiz. Responsabilidade patrimonial na atividade administrativa de fomento. In:
SPARAPANI, Priscilia; ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no
domínio social: homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.
160-186, p.169. 559
MELLO, Rafael Munhoz de. Atividades de fomento e o princípio da isonomia. In: SPARAPANI, Priscilia;
ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social: homenagem
ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 263-285, p. 282. 560
MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da constituição federal. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 268.
207
Conforme José Vicente Santos de Mendonça, “a existência de procedimento concessivo
prévio, e o acesso e o conhecimento, por todos os interessados, de todas as suas fases é, numa
síntese, o conteúdo mínimo do primeiro critério formal do fomento público.”561
Caso não seja possível promover o fomento mediante o amplo acesso de todos os
interessados, o procedimento público deve promover a competitividade, a fim de que sejam
selecionados os agentes que tenham condições de melhor desempenhar a atividade a partir do
fomento público. A seleção deve ser baseada preferencialmente em critérios objetivos.
Quando isso não for possível, é importante delegar o ônus da decisão a um colegiado de
julgadores.562
Devem ser privilegiadas soluções voltadas a otimizar decisões vinculadas, atribuindo-se
a discrição apenas na medida indispensável à implementação administrativa do interesse
público.563
A procedimentalização mostra-se relevante ao assegurar maior segurança jurídica não
somente ao ente fomentado mas também ao ente fomentador. Os processos de inovação
tecnológica são caros, complexos, multidisciplinares, não lineares, indissociáveis do elemento
risco. A existência de parâmetros para a atuação de agentes públicos e privados contribui para
a diminuição das incertezas que envolvem naturalmente a matéria, tão carente de referências
jurisprudenciais e doutrinárias, em prol da segurança jurídica.
A segurança jurídica designa a existência de instituições estatais sujeitas ao princípio da
legalidade; confiança na atuação do Poder Público, regida pela boa-fé e pela razoabilidade;
estabilidade das relações jurídicas, permanência e anterioridade das normas em relação aos
fatos que ela regula, previsibilidade de comportamentos e igualdade.564
O fomento público do Estado Democrático de Direito é o fomento controlado.
A lógica da atividade promocional pública está na concretização de atividades privadas
de interesse público. O fomento público opera políticas públicas – a falta ou a deficiência de
controle aumenta os riscos existentes nesse tipo de atuação, podendo, inclusive, comprometer
o resultado pretendido pela ação governamental e, consequentemente, a legitimidade do
instituto.
561
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do Estado na
economia à luz da razão prática e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 403. 562
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do Estado na
economia à luz da razão prática e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 404. 563
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito
administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 527. 564
PIRES, Maria Coeli Simões. Direito, segurança jurídica e inovação: contexto, novos paradigmas e
modelagem democrática. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. et al. (Org.). Direito e Administração Pública:
estudos em homenagem a Maria Sylvia Zanella Di Pietro. São Paulo: Atlas, 2013, p. 155-172, p. 164.
208
Sem o acompanhamento e a avaliação dos impactos das medidas promocionais
adotadas, não é possível saber se e em que medida os tão desejados resultados almejados pelo
Estado foram concretizados.
A tarefa é deveras complexa e difícil, afinal, a inovação tecnológica relaciona-se, antes
de tudo, à aplicação do conhecimento, bem intangível.
Deve haver, portanto, transparência em relação ao acompanhamento e ao controle de
resultados da ação promocional empreendida pelo Estado, assim como a manutenção de
infraestrutura estatal especializada, necessária à plena e efetiva execução dessas atividades.
O Tribunal de Contas da União vem despertando para a relevância dos assuntos da
inovação tecnológica para o desenvolvimento nacional.
O Relatório de Levantamento objeto dos autos do processo TC nº 011.261/2009-9 teve
por finalidade analisar a organização e a operacionalização da ação subvenção econômica a
projetos de desenvolvimento tecnológico (Lei nº 10.973/2004), do Programa Ciência,
Tecnologia e Inovação para a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
(PITCE), e da ação Fomento a Projetos de Implementação e Recuperação da Infraestrutura de
Pesquisa das Instituições Públicas (CT-Infra), do Programa Promoção da Pesquisa e do
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, com o propósito de gerar a agenda de
fiscalizações a serem realizadas pelo TCU.
As citadas ações são operacionalizadas, respectivamente, por meio da concessão de
recursos financeiros, sob a forma de subvenção econômica, a empresas e entidades nacionais,
e sob a forma de financiamento de projetos para implantação, recuperação e modernização da
infraestrutura de pesquisa nas instituições públicas de ensino superior.
Segundo o Relatório de Auditoria:
Essa forma de apoio governamental, pela sua complexidade, pode envolver
riscos variados, na medida em que pressupõe a existência de uma estrutura
de controle adequada para assegurar a transparência na aplicação dos
recursos, a avaliação técnica dos projetos, bem como o acompanhamento dos
resultados. Há que se considerar ainda os instrumentos de que dispõe o
gestor para avaliar os riscos inerentes à própria atividade econômica da
inovação, pesquisa e desenvolvimento das entidades subvencionadas e
financiadas. Até o momento, não foram identificadas auditorias de natureza
operacional realizadas pelo TCU que tenham contemplado essas ações.565
565
Relatório de levantamento – nas ações: Subvenção Econômica a Projetos de Desenvolvimento Tecnológico e
Fomento a Projetos de Implementação e Recuperação de Infra-Estrutura de Pesquisa das Instituições Públicas
(CT-infra). Relator: Auditor André Luís de Carvalho. Fiscalis: nº 441/2009. Disponível em: www.tcu.gov.br.
Acesso em: 05 nov. 2014.
209
Por ocasião desse levantamento, foram constatados diversos eventos de riscos, por
exemplo: (I) na ação fomento a projetos de implantação e recuperação da infraestrutura de
pesquisa das instituições públicas: a) escolha de projetos dissociados dos objetivos do
programa e da política de C&T, bem como direcionamento para projetos circunstanciais;566
b) afastamento dos projetos elaborados pelas universidades das orientações estratégicas da
política governamental de ciência e tecnologia;567
c) sobreposição de apoios financeiros; 568
d)
desvio de finalidade na execução de convênios;569
e) celebração de convênios com
instituições inadimplentes;570
(II) na ação subvenção econômica a projetos de
566
Segundo o Relatório, foi constatado o não atendimento das disposições do art. 6º, do Decreto Federal nº
3.807/2001. Os documentos previstos neste dispositivo (regimento interno, diretrizes estratégicas, plano
plurianual de investimento, documento básico, critérios de seleção e parâmetros de julgamento), seriam
norteadores das chamadas públicas e deveriam direcionar os editais das chamadas realizadas pela Finep.
Relatório de levantamento – nas ações: Subvenção Econômica a Projetos de Desenvolvimento Tecnológico e
Fomento a Projetos de Implementação e Recuperação de Infra-Estrutura de Pesquisa das Instituições Públicas
(CT-infra). Relator: Auditor André Luís de Carvalho. Fiscalis: nº 441/2009, p. 17. Disponível em:
www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 nov. 2014). 567
Segundo o Relatório, as chamadas pública realizadas no âmbito do CT-Infra exigem a apresentação de
proposta, pelas universidades, nas quais devem ser identificadas as áreas de pesquisa priorizadas para receber
investimentos em infraestrutura e os resultados e impactos que tais investimentos deverão acarretar para o
desenvolvimento da pesquisa e da pós-graduação nessas áreas. A ideia é valorizar a realização de
planejamento estratégico das universidades. Todavia, “O problema não está em fomentar o planejamento
estratégico das universidades ou preconizar a aderência ao planejamento institucional. A questão é a ausência
de identificação de lacunas em áreas estratégicas prioritárias e a ausência de criação de novas estruturas de
C&T em apoio a segmentos econômicos estratégicos do país [...]” (Relatório de levantamento – nas ações:
Subvenção Econômica a Projetos de Desenvolvimento Tecnológico e Fomento a Projetos de Implementação e
Recuperação de Infra-Estrutura de Pesquisa das Instituições Públicas (CT-infra). Relator: Auditor André Luís
de Carvalho. Fiscalis: nº 441/2009, p. 22. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 nov. 2014). 568
Segundo o Relatório, esse risco existia em razão da ausência de um banco de dados completo e suficiente que
contivesse informações detalhadas sobre os projetos financiados para subsidiar o processo de escolha. Havia
possibilidade de sobreposição de apoio financeiro da Finep para os mesmos projetos por ela já financiados ou
por outras agências de fomento governamentais: “No caso de ocorrerem sobreposições, haverá desperdício de
recursos públicos e diminuição do número de projetos que poderiam ser financiados em função da alocação
inadequada dos recursos disponíveis.” Relatório de levantamento – nas ações: Subvenção Econômica a
Projetos de Desenvolvimento Tecnológico e Fomento a Projetos de Implementação e Recuperação de Infra-
Estrutura de Pesquisa das Instituições Públicas (CT-infra). Relator: Auditor André Luís de Carvalho. Fiscalis:
nº 441/2009, p. 27. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 nov. 2014). 569
Segundo o Relatório, “A falta de descrição detalhada, objetiva e clara de modo a permitir a identificação
exata do que se pretende realizar ou obter facilita a ocorrência de desvio de finalidade e (ou) eu objeto.”
(Relatório de levantamento – nas ações: Subvenção Econômica a Projetos de Desenvolvimento Tecnológico e
Fomento a Projetos de Implementação e Recuperação de Infra-Estrutura de Pesquisa das Instituições Públicas
(CT-infra). Relator: Auditor André Luís de Carvalho. Fiscalis: nº 441/2009, p. 27. Disponível em:
www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 nov. 2014). 570
Segundo o Relatório, “Este risco consiste na celebração de convênios com instituições que pactuaram outros
acordos com a Finep e não cumpriram suas obrigações conveniais [...] A possível causa da celebração de
convênios com instituições inadimplentes está relacionada à falta de acompanhamento e ausência da utilização
de instrumentos adequados, a exemplo da Tomada de Contas Especial, para obter o devido ressarcimento das
entidades.” (Relatório de levantamento – nas ações: Subvenção Econômica a Projetos de Desenvolvimento
Tecnológico e Fomento a Projetos de Implementação e Recuperação de Infra-Estrutura de Pesquisa das
Instituições Públicas (CT-infra). Relator: Auditor André Luís de Carvalho. Fiscalis: nº 441/2009, p. 28.
Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 nov. 2014).
210
desenvolvimento tecnológico:571
(a) descumprimento de normas previstas em editais de
seleção pública; b) superposição de apoios financeiros da FINEP e entre a FINEP, o CNPq e o
BNDES às mesmas empresas e para os mesmos projetos de inovação;572
c) priorização de
projetos menos prioritários em detrimento de outros de maior mérito;573
d) perda da
oportunidade de analisar projetos inovadores, por falta de conhecimento, pelas empresas, dos
instrumentos de estímulo ao desenvolvimento tecnológico.574
O Acórdão nº 393/2010 – Plenário, que aprovou o Relatório pertinente aos autos do
processo TC nº 011.261/2009-9, dispôs:
571
Segundo o Relatório, “[...] caso uma microempresa, no desenvolvimento do contrato celebrado, venha a ser
adquirida pela empresa de grande porte e não exista um reequilíbrio contratual, a grande empresa poderá ter
acesso a recursos sem ofertar a contrapartida correspondente a seu porte, descumprindo, ainda que por via
reflexa, as normas prévias do edital. (Relatório de levantamento – nas ações: Subvenção Econômica a Projetos
de Desenvolvimento Tecnológico e Fomento a Projetos de Implementação e Recuperação de Infra-Estrutura
de Pesquisa das Instituições Públicas (CT-infra). Relator: Auditor André Luís de Carvalho. Fiscalis: nº
441/2009, p. 35. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 nov. 2014). 572
Segundo o Relatório, “Entende-se que a possibilidade de uma mesma empresa obter recursos de várias fontes
distintas, por si só, não representa um problema, mas, em se tratando de objetivos a serem alcançados por
determinada política pública, essa concentração de recursos em certas entidades pode acarretar a ineficiência
na alocação desses recursos, limitando o alcance potencial dos instrumentos no estímulo às atividades de
inovação.” (Relatório de levantamento – nas ações: Subvenção Econômica a Projetos de Desenvolvimento
Tecnológico e Fomento a Projetos de Implementação e Recuperação de Infra-Estrutura de Pesquisa das
Instituições Públicas (CT-infra). Relator: Auditor André Luís de Carvalho. Fiscalis: nº 441/2009, p. 42.
Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 nov. 2014). 573
Segundo o Relatório “A Subvenção econômica foi instituída pela Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, e
regulamentada pelo Decreto nº 5.563, de 11 de outubro de 2005. O § 6º do art. 20 do referido Decreto
determina que Ato conjunto dos Ministros da Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior e da Fazenda definirá anualmente o percentual a ser destinado exclusivamente à subvenção
para as microempresas e empresas de pequeno porte. Já a lei nº 11.540, de 12 de novembro de 2007, que
dispõe sobre o FNDCT, determina no parágrafo único do art. 16 que no mínimo, 30% (trinta por cento) dos
recursos serão aplicados em instituições sediadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, incluindo s
respectivas áreas de abrangência das Agências de Desenvolvimento Regional. Em 2006 e 2007, Portarias
Interministeriais destinaram a aplicação de 40% dos recursos para micro e pequenas empresas. Já para as
chamadas públicas de 2008 e 2009, as Portarias passaram a exigir que 30% dos recursos fossem aplicados em
projetos oriundos de empresas localizadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.” Pode ocorrer de
projetos que não possuem risco tecnológico estejam sendo aprovados para simplesmente cumprirem as
determinações legais, comprometendo os resultados das subvenções econômicas. Especialistas divergem em
relação ao uso do mecanismo da subvenção para estimular inovação tecnológica em empresas de pequeno
porte, sendo o assunto bastante polêmico. “Enquanto não for feita uma avaliação dos resultados da subvenção
econômica, não será possível verificar se os percentuais de recursos definidos estão realmente incentivando a
pesquisa e o desenvolvimento tecnológico.” (Relatório de levantamento – nas ações: Subvenção Econômica a
Projetos de Desenvolvimento Tecnológico e Fomento a Projetos de Implementação e Recuperação de Infra-
Estrutura de Pesquisa das Instituições Públicas (CT-infra). Relator: Auditor André Luís de Carvalho. Fiscalis:
nº 441/2009, p. 42. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 nov. 2014). 574
Segundo o Relatório “as empresas não estão estruturadas para retirar o maior proveio dos novos instrumentos
de estímulo ao desenvolvimento tecnológico, ora por não estarem suficientemente informadas acerca da
existência e do funcionamento de tais instrumentos, ora por não possuírem know how na elaboração de bons
projetos para solicitação de apoio financeiro. Desse modo, torna-se oportuno atentar para o risco de perda de
projetos inovadores que por ventura possam existir no ambiente interno das empresas, mas que estejam
impossibilitadas de chegar à sociedade em razão das causas já apontadas.” (Relatório de levantamento – nas
ações: Subvenção Econômica a Projetos de Desenvolvimento Tecnológico e Fomento a Projetos de
Implementação e Recuperação de Infra-Estrutura de Pesquisa das Instituições Públicas (CT-infra). Relator:
Auditor André Luís de Carvalho. Fiscalis: nº 441/2009, p. 45. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em: 05
nov. 2014).
211
[...]
1.5. Determinar à Finep que preveja, na minuta do contrato anexa ao Edital
de Subvenção Econômica, dispositivos contratuais que exijam repactuações
para restabelecer o equilíbrio contratual quando ocorrerem aquisições das
micro e pequenas empresas beneficiadas pela subvenção por empresas de
porte superior, de maneira que a contrapartida seja compatível com o porte
da empresa adquirente, em cumprimento às normas do edital.
1.6. Recomendar à Finep que estruture a sistemática de monitoramento e
avaliação dos projetos contemplados por meio de subvenção econômica.
[...]
O Acórdão nº 394/2010, pertinente aos autos do processo TC nº 028.369/2009-8
enfatizou a necessidade de maior transparência nos processos do CT-Infra:
1.5. Determinações:
1.5.1. ao Comitê Gestor do CT-Infra que:
1.5.1.1. elabore ou atualize os documentos previstos no art. 6º do Decreto nº
3.807/2001;
1.5.1.2 delibere expressamente sobre a alocação de recursos para projetos
contratados sob a modalidade encomenda, justificando a escolha e o valor
dos projetos, de maneira a dar mais transparência e legitimidade à escolha,
com supedâneo no art. 6º, inciso IV do Decreto nº 3.807/2001.575
O Relatório de Levantamento objeto dos autos do processo TC n° 002.105/2012-8 teve
por escopo caracterizar a construção e o acompanhamento das metas definidas pelas atuais
políticas de C,T&I, com o foco na sua contribuição à sustentabilidade do crescimento
econômico brasileiro, assim como identificar os principais pontos críticos na gestão e
operacionalização dos instrumentos de fomento administrados pela FINEP, que são os
principais mecanismos públicos de estímulo direto ao investimento em P,D&I existentes no
País.
O documento admitiu como premissa “o fato de que um país não consegue sustentar o
seu crescimento econômico de longo prazo sem fortes investimentos públicos e privados em
ciência, em tecnologia e em inovação”.576
Alguns dos pontos críticos identificados pela equipe de auditoria do Tribunal
apontavam para a necessidade de maior transparência no processo de definição de áreas
temáticas e de classificação dos critérios de aprovação dos projetos. Relacionavam-se,
também, à ausência de avaliação pela FINEP dos resultados das ações fomentadas, tanto em
relação ao setor empresarial (crédito, subvenção e investimentos), como em relação às ICTs
(recursos não reembolsáveis).
575
Houve cumprimento parcial das deliberações, conforme o Acórdão nº 103/2012- Plenário, TC nº
015.581/2012-8, que tratou do monitoramento das deliberações constantes do Acórdão nº 394/2010 – Plenário. 576
Relatório de Levantamento sobre as Políticas de Cência, Tecnologia e Inovação no Brasil e sobre o papel
exercido pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) nesse contexto, p. 44. Disponível em:
www.tcu.gov.br. Acesso em: 05 nov. 2014).
212
No Acórdão nº 2000/2012, referente ao TC nº 025.819/2006-5 deliberou-se pelo
encaminhamento do Relatório de Levantamento para as Secretarias competentes, de modo a
orientar futuras ações de controle.
O Relatório de Levantamento objeto dos autos do processo TC nº 025.819/2006-5, que
teve por escopo avaliar a transparência das informações sobre aplicação de recursos das
agências de fomento, em atendimento ao disposto no art. 49 da Lei de Responsabilidade
Fiscal, em 2007, apontou que:
o grande número de informações publicadas a respeito da aplicação dos
recursos das agências financeiras oficiais de fomento pouco contribuiu para
a transparência dessas informações, uma vez que dados relevantes,
principalmente aqueles relacionados aos fluxos de empréstimos e
recebimentos, não são disponibilizados de forma harmoniosa.
O Acórdão nº 287/2007 – Plenário, pertinente ao processo nº TC nº 025.819/2006-5,
também ressaltou a importância da transparência das informações relacionadas à aplicação de
recursos financeiros pelas agências financeiras oficiais de fomento:
9.1. determinar à Secretaria do Tesouro Nacional – STN que, na qualidade
de órgão central de Contabilidade da União, conforme Lei nº 10.180/2001 e,
por força do disposto no § 2º do art. 50 da Lei Complementar nº 101/2000,
observe os dispositivos reiteradamente constantes das Leis de Diretrizes
Orçamentárias – LDO, inclusive da Lei nº 11.439/2006 (LDO 2007), que
dispõem sobre a obrigatoriedade de publicação de informações referentes à
aplicação dos recursos das agências financeiras oficiais de fomento nos
Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária – RREO;
9.2 determinar à Secretaria do Tesouro Nacional – STN, por força do
disposto no art. 18, inciso VI, da Lei nº 10.180/2001, e à Secretaria Federal
de Controle Interno – SFC, por conta do disposto no art. 24, inciso X, da
mesma lei, que incluam na Prestação de Contas Anual do Presidente da
República:
9.2.1. as informações a que se refere o art. 49, parágrafo único, da Lei
Complementar nº 101/2000, de forma a evidenciar, detalhadamente, para
cada uma das respetivas agências de fomento, dentre outras informações, os
valores concedidos e os valores aplicados por região, por setor de atividade e
por tipo de fonte de financiamento do orçamento fiscal e seguridade social,
acompanhados dos saldos anteriores e atuais, encargos apropriados, valores
devidos e recebidos e inadimplência;
[...]
A relevância da atuação do Tribunal de Contas da União em relação às políticas e ações
para fomento da C,T&I foi expressamente reconhecida no Voto do Relatório de
Levantamento objeto dos autos do processo TC nº 004.795/2011-3, que teve por objeto
aprofundar o conhecimento das políticas e ações afetas à atuação do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), subsidiando a escolha de futuras auditorias
do Tribunal:
213
Para que o desenvolvimento seja economicamente sustentável, ele tem que
estar alicerçado em ciência, tecnologia e inovação. Caso contrário, mais cedo
ou mais tarde, a economia do país sofrerá inflexões irreversíveis ou, no
mínimo, ficará à mercê da conhecida volatividade dos mercados
internacionais, principalmente o de commodities.
Em razão disso, o Tribunal presta um relevante serviço à sociedade brasileira
ao decidir atuar em áreas que, em geral, não são o foco das fiscalizações,
seja em razão de que não envolvem (embora deveriam) grandes montantes
de recursos financeiros (materialidade) se comparadas com outras como
infraestrutura e regulação, seja por, aparentemente, apresentarem menos
problemas (riscos).
Todavia, a percepção relacionada à materialidade pode estar equivocada,
quando se observa o potencial de geração de externalidades positivas das
citadas áreas.
Igualmente, pode estar se cometendo um erro quando, a priori, se atribui um
nível baixo de risco às mencionadas áreas.
Nesse sentido, o trabalho da Seprog foi profícuo e efetivo, porquanto,
mediante um inconteste estudo técnico, logrou identificar sete oportunidades
de fiscalização, que se mostram pertinentes do ponto de vista dos critérios
objetivos de relevância, oportunidade, materialidade e risco, os quais devem
nortear a realização de ações de controle pelo Tribunal.
No âmbito do Estado de São Paulo não há informações (de fácil acesso ao público, pelo
menos) a respeito de eventuais avaliações específicas empreendidas pelo Tribunal de Contas
do Estado acerca de programas governamentais, inclusive na área da C,T&I.
Mostra-se necessário incrementar a segurança jurídica e a efetividade normativa no
âmbito da inovação, apontando Maria Coeli Simões Pires, como alternativa para isto a criação
de formas de mensuração do impacto do marco regulatório existente, a ampliação da a
transparência no trato institucional do tema, o fortalecimento do accountability e a realização
de escolhas claras em relação aos métodos interpretativos utilizados para o tratamento da
legislação pertinente.577
O fomento público republicano é também o fomento que incorpora a ampliação da
participação da sociedade.
Conforme constatado, já em 1985, pela 1ª Conferência Nacional de Ciência e
Tecnologia (CNCT), no Brasil, a política de C&T, apesar de ter recebido um impulso
considerável a partir da década de 70, quando veio a estruturar um arcabouço institucional
próprio, com recursos explicitamente alocados pelo Estado para as atividades de pesquisa, não
ensejou um maior envolvimento da sociedade no seu traçado.578
577
PIRES, Maria Coeli Simões. Direito, segurança jurídica e inovação: contexto, novos paradigmas e
modelagem democrática. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. et al. (Org.). Direito e Administração Pública:
estudos em homenagem a Maria Sylvia Zanella Di Pietro. São Paulo: Atlas, 2013, p. 155-172, p. 169. 578
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Ciência e tecnologia: numa sociedade democrática. Brasília:
MCT, 1985, p. 57.
214
Segundo referida Conferência, podem ser citados como fatores dessa situação: a) os
condicionamentos resultantes da realidade política brasileira que, durante muitos anos, não
privilegiou a participação social nas políticas de Estado, de forma geral; b) a especialização
inerente ao tema que, em geral, tende a transformá-lo num assunto hermético ao cidadão
comum. Muitas vezes, o cidadão comum encontra dificuldades para identificar os efeitos da
política de C&T (e atualmente, de C,T&I) no dia-a-dia de sua comunidade, visto serem os
seus objetivos, em geral, definidos a longo prazo, e estarem embutidos em outras políticas de
Estado; c) a complexidade do arcabouço institucional em meio ao qual é definida a política de
C,T&I apresenta dificuldades adicionais à participação dos vários segmentos sociais com
interesse em seu direcionamento. Essa política possui uma interface com praticamente todas
as demais políticas de Estado – é uma política-meio para atingir-se objetivos setoriais
específicos – por esse motivo, ela não se configura com contornos e esferas de ação e decisão
precisas. Pode haver avanços notáveis em determinadas áreas e fragilidade em outras.579
As políticas e C,T&I dependem eminentemente de recursos públicos e da definição de
prioridades governamentais nos campos econômico e social. Os seus resultados impactam o
meio ambiente e a qualidade de vida de todos os cidadãos.580
Nesse sentido, espera-se que “a
disseminação de novos conhecimentos e novas tecnologias sejam capazes de ampliar o acesso
da população a novos bens e serviços, e que gerem melhorias concretas para a coletividade,
diminuindo as desigualdades sociais existentes”.581
É necessário, portanto, assegurar à sociedade instrumentos efetivos à sua participação
no processo de decisões sobre os rumos do desenvolvimento tecnológico do País, inclusive
naquilo que se refere ao seu fomento pelo Estado.
A atividade promocional pública relaciona-se com a Administração concertada – não
pode ser concebida sem o estabelecimento de diálogo com a sociedade.
579
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Ciência e tecnologia: numa sociedade democrática. Brasília:
MCT, 1985, p. 58. 580
A C,T&I pode contribuir com o desenvolvimento de métodos e técnicas que atendam a demandas nas áreas
da educação, saúde, segurança, transporte e energia. Pode contribuir com a superação da pobreza e a redução
das desigualdades sociais, por meio, por exemplo, de tecnologias assistivas para a inclusão de pessoas
portadoras de necessidades especiais; inclusão digital; desenvolvimento de novas tecnologias urbanas e
habitacionais, para ajudar a equacionar problemas como enchentes e deslizamentos. (MINISTÉRIO DA
CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2012-
2015 – Balanço das atividades estruturantes 2011. Brasília: MCTI, 2012, p. 39). 581
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação 2012-2015 – Balanço das atividades estruturantes 2011. Brasília: MCTI, 2012, p. 28
215
PARTE III - CONCLUSÃO
1. A Constituição Federal de 1988 dá guarida à figura do fomento público,
prevendo o dever de o Estado promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa,
a capacitação e a autonomia tecnológicas.
2. Segundo a Lei Maior, a pesquisa científica básica deve receber tratamento
prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências; a pesquisa
tecnológica deve voltar-se preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e
para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.
3. A Constituição do Estado de São Paulo de 1989, tal como a Constituição
Federal de 1988, estabelece o dever de fomento do Estado ao desenvolvimento científico, à
pesquisa, à capacitação e à autonomia tecnológicas.
4. O desenvolvimento do sistema produtivo nacional, a conquista da autonomia
tecnológica e a melhora da capacidade de inserção do Brasil em mercados intensivos em
conhecimento dependem, cada vez mais, da ampliação de seus esforços tecnológicos e da sua
capacidade de inovar, ou seja, de inserir nos mercados produtos (bens ou serviços) ou
processos novos ou significativamente melhorados.
5. Não basta, nos dias de hoje, apenas fazer pesquisa, ciência e tecnologia.
6. No Brasil, a cultura da inovação é recente. A indústria não possui tradição em
inovar nem tampouco em contratar pessoal mais qualificado (como mestres e doutores).
Embora tenha havido, nos últimos anos, considerável aumento da capacidade científica
brasileira, existe uma inegável defasagem tecnológica em relação aos países mais
desenvolvidos, sendo premente estimular a maior participação dos investimentos privados nos
esforços tecnológicos do País, sem que isto signifique a redução ou a substituição dos
investimentos públicos destinados à C,T&I.
7. A inovação tecnológica depende da robustez do quadro jurídico-institucional
vigente e da sua capacidade de promover a articulação com o setor empresarial, favorecendo,
assim, as condições para o investimento produtivo inovador.
8. O fomento público é fundamental para que as empresas realizem inovações
tecnológicas, haja vista que há situações em que, sem o apoio do Estado, não há incentivos
suficientes para o empreendedorismo privado que, indiretamente, satisfaz o interesse público.
9. A inovação tecnológica demanda a combinação de diferentes tipos de
conhecimento, o que requer um sistema eficiente de articulação, de coordenação e de
comunicação entre os vários atores dos sistemas de inovação.
216
10. Os sistemas de inovação são baseados na divisão de trabalho de diversos
atores, que possuem diferentes tipos de conhecimento, culturas, objetivos, regimes jurídicos.
11. Na inovação tecnológica a interação é algo fundamental, o que torna o
desenvolvimento da confiança e da segurança jurídica essencial para a superação da incerteza
associada à atividade. Quanto maiores o risco e a incerteza das atividades, maior a
necessidade de interação e incentivo aos parceiros.
12. Considera-se de fundamental importância que a legislação referente à
promoção da C,T&I permita dinamizar a relação entre os diversos atores dos sistemas de
inovação, especialmente o Poder Público, as universidades, os institutos de pesquisa e o setor
produtivo nacional.
13. No País, o arcabouço legal de fomento público à inovação tecnológica ainda
não é suficientemente claro e consistente para servir de instrumento efetivo de estímulo ao
setor privado à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação tecnológica, especialmente no que
se refere à construção de ambientes especializados e cooperativos de inovação. Atualmente, o
tratamento legal da matéria é feito de forma pouco sistematizada.
14. A principal lei de regência da matéria, a Lei Federal nº 10.973/2004, não
obstante o fato de constituir um importante ponto de partida para fomentar um modelo de país
mais inovador, apresenta deficiências. A Lei Complementar Paulista nº 1.049/2008 também
possui vários pontos geradores de incertezas.
15. A relação entre a Lei nº 10.973/2004 e a Lei nº 8.666/93, de igual modo, tem
ensejado uma série de dúvidas àqueles que precisam construir soluções práticas e teóricas
para os desafios lançados cotidianamente pela necessidade de inovar.
16. Convivem, diariamente, de um lado, o risco da ocorrência de problemas
relacionados a uma indevida e generalizada aplicação do regime peculiar próprio da Lei nº
8.666/93 aos instrumentos de parcerias para o fomento à inovação e, de outro, o risco da não
observância dos princípios do regime jurídico administrativo na execução da função
promocional pública.
17. Em geral, faltam diretrizes e parâmetros aptos a assegurar aos investidores
privados maior segurança quanto aos negócios jurídicos a serem celebrados com os atores
públicos dos sistemas de inovação. Essa mesma falta de clareza quanto às regras do jogo,
frequentemente, impede o administrador público de agir. Isso porque, não raras vezes, este,
entre não atuar ou exercer competências discricionárias em relação a assuntos novos, para os
quais não existe posicionamento dos órgãos de controle, prefere, simplesmente, por receio,
217
não se expor, ou seja, deixar de agir. O problema é que o deixar de agir também pode ser
prejudicial ao desenvolvimento nacional.
18. Somam-se a esse cenário de insegurança jurídica os seguintes fatores: o
desconhecimento, de modo geral, pela sociedade, da legislação de incentivo à inovação,
inclusive pelos órgãos de controle; a falta de debate sobre as dúvidas e divergências de
interpretação geradas por tal legislação; a inexistência de uma cultura de inovação sólida no
País; a falta de transparência em relação a muitos assuntos da área; a falta de mecanismos de
acompanhamento e de avaliação dos resultados obtidos a partir das ações fomentadoras
empreendidas pelo Estado.
19. A revisão e o aperfeiçoamento do arcabouço jurídico-institucional de
regulamentação da inovação tecnológica no Brasil é medida que se impõe, exigindo o
enfrentamento de diversos obstáculos. Por se tratar de um tema bastante amplo, novo e
complexo, o debate precisa ser ampliado e aprofundado por todos os atores dos sistemas de
inovação, sem se perder de vista os seus diferentes interesses e objetivos.
20. Conforme verificado no decorrer deste trabalho, segundo os ensinamentos de
Denis Borges Barbosa, a Lei nº 10.973/2004 compreende cinco grandes grupos de normas,
quais sejam: a) a constituição de ambientes propícios às parcerias estratégicas entre
universidades, institutos tecnológicos e empresas; b) o estímulo à participação de instituições
de ciência e tecnologia no processo de inovação; c) as normas de incentivo ao pesquisador-
criador; d) o incentivo à inovação na empresa; e e) a apropriação de tecnologias. No presente
estudo, buscou-se aprofundar a análise, em especial, das normas relacionadas à construção de
ambientes especializados e cooperativos de inovação. Cumpre enfatizar, todavia, que em cada
um dos demais grupos de normas há diversas questões que merecem análise sob a ótica do
Direito Administrativo.
21. A título meramente exemplificativo, o estímulo à participação das ICTs no
processo de inovação passa, necessariamente, pelo debate acerca da celebração de contratos
de transferência de tecnologia e de licenciamento para a outorga do direito de uso ou de
exploração de criação por elas desenvolvida. Nesses ajustes, desde logo, surge a pergunta -
como ponderar o necessário dever de observância dos princípios da publicidade e da
igualdade com as restrições naturalmente relacionadas à escolha do parceiro ideal, à proteção
de criações pelas normas do Direito de Propriedade Industrial e às questões de sigilo, tão
caras ao setor produtivo ?
22. O afastamento de pesquisadores públicos para participação em atividades de
outras instituições científicas e tecnológicas, assim como para a participação na constituição
218
de empresas com a finalidade de desenvolver atividades empresariais relacionadas à inovação
é um dos muitos outros temas que merecem a reflexão dos estudiosos do Direito
Administrativo.
23. De igual sorte, a concessão de recursos financeiros às empresas, sob a forma de
subvenção, figura típica do fomento público, assim como as questões pertinentes ao uso do
poder de compra do Estado, mediante compras de tecnologia, oferecem múltiplas
possibilidades para o debate jurídico da matéria.
24. Uma das questões mais importantes da atualidade diz respeito à análise de
impacto do marco regulatório do setor, assim como dos mecanismos de acompanhamento e de
avaliação dos resultados obtidos por meio da atuação fomentadora pública. O estudo dos
aparatos e instrumentos capazes de melhor aferir a eficiência e a destinação
constitucionalmente adequada dos investimentos públicos às atividades privadas voltadas à
inovação tecnológica é uma pauta que deveria ser tratada também pelo Direito, vez que
diretamente relacionada à legitimidade do instituto fomento público.
25. São muitas, enfim, as questões que a aplicação da Lei nº 10.973/2004 pode
suscitar. O objetivo deste trabalho foi, antes de tudo, destacar a relevância de apenas um dos
possíveis temas da legislação de inovação, sem a menor pretensão de esgotá-lo.
26. Os desafios impostos pelo exercício da ação promocional pública da inovação
tecnológica exigem esforços multidisciplinares. A mobilização dos estudiosos do Direito
Administrativo em torno do assunto mostra-se absolutamente necessária e será, sem dúvida
alguma, uma valiosa contribuição à agenda do desenvolvimento nacional.
219
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Parques
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