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1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 148, julho 2006. EDITORIAL A intervenção do psicanalista não é sustentada desde um ideal, seja ele qual for. Tampouco se origina em uma vocação a curar, ou a promover o “bem” do próximo. O que, então, dá a um analista o suporte necessário para seu ato e sua operação? Esta pergunta é abordada por Lacan a partir da questão do desejo do psicanalista, a qual é extensamente trabalhada em seu seminário de 1964 – “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”. Ao longo desse semi- nário, enquanto trabalha com os quatro conceitos – inconsciente, repeti- ção, transferência e pulsão – elabora o que vem a denominar “o desejo do analista”. Ali, o desejo do analista surge como operador, o qual sustenta a pro- dução de uma diferença: aquela que possibilita a separação entre o objeto a, causa de desejo, e a imagem ideal, a qual o sujeito está aderido desde suas identificações. Se, neste seminário, o desejo do analista não aparece como um dos conceitos fundamentais da psicanálise, permite, no entanto, a arti- culação dos outros quatro, indicando a direção a ser tomada no decorrer de um tratamento (o descolamento entre a e i(a)). Neste ano, o eixo de trabalho do ensino da APPOA está consagrado ao estudo deste seminário. A seção temática deste número do Correio reto- ma a questão do “desejo do analista”, tema central do mesmo. Os textos que aqui reunimos são um convite a que o leitor compartilhe algumas das questões que têm sido objeto de discussão no Cartel. Ainda, nessa direção, na seção debates, publicamos a tradução da primeira aula do seminário sobre “Os quatro conceitos”, feita por Claudia Berliner, baseada no texto em francês estabelecido por Jacques-Alain Miller 1 . 1 Editorial escrito por Gerson Smiech Pinho.

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Page 1: EDITORIAL A - appoa.com.br autismo, discutimos, no encontro de Junho, o texto de Alfredo Jerusalinsky “Por que as estruturas psicopatológicas na infância são não-decididas?”

1C. da APPOA, Porto Alegre, n. 148, julho 2006.

EDITORIAL

A intervenção do psicanalista não é sustentada desde um ideal, sejaele qual for. Tampouco se origina em uma vocação a curar, ou apromover o “bem” do próximo.

O que, então, dá a um analista o suporte necessário para seu ato esua operação?

Esta pergunta é abordada por Lacan a partir da questão do desejo dopsicanalista, a qual é extensamente trabalhada em seu seminário de 1964 –“Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”. Ao longo desse semi-nário, enquanto trabalha com os quatro conceitos – inconsciente, repeti-ção, transferência e pulsão – elabora o que vem a denominar “o desejo doanalista”.

Ali, o desejo do analista surge como operador, o qual sustenta a pro-dução de uma diferença: aquela que possibilita a separação entre o objeto a,causa de desejo, e a imagem ideal, a qual o sujeito está aderido desde suasidentificações. Se, neste seminário, o desejo do analista não aparece comoum dos conceitos fundamentais da psicanálise, permite, no entanto, a arti-culação dos outros quatro, indicando a direção a ser tomada no decorrer deum tratamento (o descolamento entre a e i(a)).

Neste ano, o eixo de trabalho do ensino da APPOA está consagradoao estudo deste seminário. A seção temática deste número do Correio reto-ma a questão do “desejo do analista”, tema central do mesmo. Os textosque aqui reunimos são um convite a que o leitor compartilhe algumas dasquestões que têm sido objeto de discussão no Cartel.

Ainda, nessa direção, na seção debates, publicamos a tradução daprimeira aula do seminário sobre “Os quatro conceitos”, feita por ClaudiaBerliner, baseada no texto em francês estabelecido por Jacques-Alain Miller1.

1Editorial escrito por Gerson Smiech Pinho.

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2 3C. da APPOA, Porto Alegre, n. 148, julho 2006. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 148, julho 2006.

NOTÍCIAS NOTÍCIAS

SEMINÁRIO “O DIVÃ E A TELA”

Clássico da filmografia do diretor inglês. Além de sua importância paraa história do cinema, este filme pode nos auxiliar na discussão de aspectosa respeito do olhar, dos sintomas e do duplo entre muitos outros temas.Filme: ”Um corpo que cai” (Vertigo), de Alfred Hitchcokc Data: 12 de julho, quarta-feiraHora: 19h30min.Local: Sede da APPOACoordenação: Enéas de Souza e Robson Pereira

 

NÚCLEO DE PSICANÁLISE DE CRIANÇAS O núcleo de psicanálise de crianças da APPOA se propõe como um

espaço sistemático de estudo e discussão das especificidades levantadaspelo trabalho psicanalítico com a infância.

A partir do trabalho sobre a transferência nas psicoses infantis e noautismo, discutimos, no encontro de Junho, o texto de Alfredo Jerusalinsky“Por que as estruturas psicopatológicas na infância são não-decididas?”.Para dar continuidade a este debate, trabalharemos, no próximo encontro,os capítulos 2 e 4 do livro de Leda Mariza Fischer Bernardino “As psicosesnão decididas na infância: um estudo psicanalítico”.

As reuniões do núcleo de psicanálise de crianças têm freqüênciamensal, com encontros sempre no segundo sábado do mês, das 10h às12h. O próximo encontro será no dia 08 de Julho.

Lembramos que esta atividade é aberta a todos os interessados.

CARTEL DO INTERIOR

Em nosso último encontro de estudos, Carmen Backes veio nos tra-zer sua leitura do texto de Lacan “O Ato Psicanalítico”. Texto denso, quegerou uma importante discussão sobre a clínica e o lugar do psicanalista. Adificuldade do texto está calcada, primeiramente, no fato de ser resumo deum Seminário proferido ao longo de um ano (1967-68); de outro lado, nopróprio tema, pois a questão do Ato, em psicanálise, não é coisa simples. Avinculação entre ato e palavra, a afirmação de que o psicanalista na psicaná-lise não é sujeito, mas se faz semblante para que possam se instaurar efei-tos de sujeito, nos lembra que a análise não se trata de uma relaçãointersubjetiva: a operação do ato analítico se faz por uma subtração ao gozo.

A discussão avançou em alguns pontos, trazendo novas questõesque ficaram em aberto, nos instigando a prosseguir.

Na reunião realizada durante o Relendo Freud ficou combinada a lei-tura do texto de Ana Costa, “Da Interpretação ao Ato”, que está na Revistada APPOA Nº 14, “Ato & Interpretação”,  para nosso próximoencontro. Pensamos com isso seguir aprofundando o tema do ato analítico edemais questões sobre a formação e a sustentação da clínica psicanalítica.

Outra idéia que nos pareceu interessante, foi a de definirmos umasexta-feira fixa mensal para nossas reuniões, buscando facilitar a organiza-ção e o planejamento das viagens dos colegas que residem distante dePorto Alegre, e criando uma sistemática de reuniões.

O próximo encontro será dia 14/07, às 18h, na APPOA. A reunião éaberta a todos os interessados.

 Coordenação do Cartel.

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SEÇÃO TEMÁTICA

Da mesma forma, a diferenciação por Freud dos três tipos de identificação (aidentificação primária ao pai, a identificação ao sintoma e a identificaçãohistérica) e a função do ideal do eu nos grupos são necessários para susten-tar seu argumento de que a análise não é um capítulo da medicina ou dapsiquiatria, não é uma especialidade dentro de um campo de saber, mas quecomporta uma formação especifica, não subordinada.

É interessante perceber que diferenciar esses tempos de elaboração,colocando-os em perspectiva, nos indica uma forma de articulação entreconceito e ato muito própria à psicanálise. É certo que também a elaboraçãodesses textos de referência ao tema da identificação estão perpassados porproblemas internos ao movimento psicanalítico; os próprios autores nos dãonotícias disso e seus comentadores não nos deixam esquecer. Porém, tantoo texto sobre a análise leiga como o Seminário XI são mais diretamente oque poderíamos denominar de texto-ato; são enunciados performativos queconstituem o próprio lugar de saída das questões a que eles historicamenterespondem.

Para relembrar: em 1926, ano da escrita e publicação de “A questãoda análise leiga”, a Associação Psicanalítica Internacional é agitada por umprocesso movido contra Theodor Reik, nos EUA, por prática ilegal da medici-na. A acusação de charlatanismo provém de um paciente de Reik, insatisfei-to com o atendimento recebido. O caso terminou judicialmente sendo favorá-vel a Reik – ele foi absolvido da acusação – mas deixou seqüelas no movi-mento psicanalítico. Na verdade, já havia um debate interno a respeito daregulamentação da formação de analistas com uma forte tendência, por par-te dos analistas norte-americanos, de restringir o acesso à psicanálise àque-les profissionais com formação médica. Eles tinham uma série de motivospara isso. Nenhum deles convenceu Freud. A publicação da “Análise leiga” éconseqüência desse embate. Freud cria um interlocutor imaginário (uma “pes-soa imparcial”) a quem apresenta as razões pelas quais a psicanálise nãodeve ficar sujeita à medicina. Esse interlocutor, uma espécie de alter ego doautor, faz o papel de “advogado do diabo”, interrogando pelo bem-fundado desuas posições. É, ao mesmo tempo, um interlocutor ingênuo, que desco-

LACAN E A QUESTÃODA IDENTIFICAÇÃO AO ANALISTA1

Maria Cristina Poli

I

Na APPOA, ao longo deste ano, estamos dedicando o trabalho doeixo do ensino à leitura do Seminário de Lacan, de 1964, “Os quatroconceitos fundamentais da psicanálise”. Também o texto “A ques-

tão da análise leiga”, de Freud (1926), será objeto de nosso estudo na ativi-dade anual de releitura de Freud. Estes dois textos têm um lugar muitoespecial na obra de seus autores. Ambos são resultantes, muito diretamen-te, de problemas institucionais e de política interna ao movimento psicanalí-tico, ao mesmo tempo em que, na busca de precisar a posição do analista esua formação, dialogam com diversos campos da cultura, diferentes discur-sos, com os quais a psicanálise faz fronteira. A questão da identificação,como operador central na práxis analítica, está concernida neste debate. Aforma de situá-la atravessa o modo como Freud e Lacan inserem suas pro-posições, através desses dois trabalhos, tomando posições muito direta-mente ligadas aos destinos do movimento psicanalítico.

Não buscarei situar a identificação (ou a questão da identidade e dasidentificações, tema dessa Jornada) a partir do Seminário da Identificação, deLacan (1961-62/Inédito), ou a Psicologia das Massas e análise do eu, de Freud(1921/1973). Ambos são, efetivamente, o fundamento sobre o tema na obradesses dois autores. Valerei-me dos princípios ali enunciados para tematizara sua incidência nestes outros trabalhos. Parto, portanto, do princípio que,

1 Trabalho apresentado na Jornada de Convergência – Movimento lacaniano para umapsicanálise freudiana, Recife - PE, em maio deste ano, cujo tema era “Identidade e identifica-ção”.

ao definir a identificação como sendo regida pelo significante e não pela ima-gem, Lacan está estabelecendo um primeiro tempo (ou um tempo prévio) daelaboração do que no Seminário XI será enunciado como desejo do analista.

POLI, M. C. Lacan e a questão...

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lidade edípica: a impossibilidade, para ambos, de suportar sua posição deautoridade. Ele ocupa-se em indicar os desvios promovidos tanto por Jungquanto por Adler. Importa-lhe assinalar que as novas doutrinas (a psicologiaanalítica de Jung e a psicologia individual de Adler) não podem mais serdenominadas de psicanálise. A crítica da sexualidade empreendida por Jung ea restrição da neurose à interpretação do protesto masculino proposto por Adlerafetam diretamente a essência do trabalho analítico, descaracterizando-o.

A esse duplo cuidado de Freud de que a psicanálise pudesse ter “vidaprópria”, para além das pessoas encarregadas de se ocupar do seu exercí-cio e da sua transmissão, por um lado, e de que há determinados preceitosindiscutíveis que a definem, por outro, soma-se à preocupação em situá-lacomo um campo próprio em relação à legislação profissional. No texto sobrea análise leiga, ele manifesta essa necessidade de que se reconheça aespecificidade da psicanálise, sem confundi-la com uma religião, uma filoso-fia, uma Weltanschauung ou uma medicina. A psicanálise é outra coisa. Porisso também, sua formação e regulamentação não podem seguir os mode-los prévios. Segundo suas próprias palavras:

“Será preciso atender a algo mais, fixar as condições segundo asquais será permitida a prática analítica a todos aqueles que queiram exercê-la, nomear uma autoridade que possa informar o que é a análise e que prepa-ração deve exigir-se para ela, e, por último, fomentar as possibilidades desubmeter-se a um tal tratamento. Em resumo: ou deixar as coisas comoestão ou criar ordem e clareza perfeitas, porém nunca intervir em uma situa-ção muito complicada, com uma proibição isolada, derivada de uma lei queperdeu toda adequação”.(Freud, 1926/1973, p. 2946).

O tom adotado por Freud nesse texto, e nas demais ocasiões que elese manifestou sobre o assunto, é, sobretudo, o de alguém que autoriza aosleigos (não médicos) a empreenderem uma formação analítica, como seisso fosse condição necessária para que a própria psicanálise não ficasseem posição subordinada. Trata-se, portanto, em todos esses casos, diría-mos com Lacan, do desejo de Freud de que seja reconhecido à psicanáliseo traço único – traço unário – que a identifica (e aos psicanalistas, igualmen-

nhece a psicanálise e a quem causa estranheza a forma de trabalho e decompreensão teórica do psicanalista. Freud aproveita, então, para repassaros principais operadores da segunda tópica, da teoria das pulsões, etc., aomesmo tempo em que, com isso, busca apresentar o tipo de formação cien-tífica e cultural se espera de um psicanalista. Chama a atenção no texto aironia de Freud, o modo como a ingenuidade de seu interlocutor, parececomo uma espécie de caricatura, de derrisão, de seus colegas norte-ameri-canos. Como se ele dissesse: “até esse ignorante pode ser convencido que aanálise é leiga e vocês não!”. Não deixa de ser significativo, igualmente, queFreud tenha autorizado, como testemunha Jones (1989, p. 295), que se cortas-se do pós-escrito (de 1927) uma parte significativa do texto na qual ele fazfortes críticas à sociedade norte-americana, seu pragmatismo e corporativismo.

Dois aspectos, então, que gostaria de destacar: primeiro, ao criar uminterlocutor imaginário, Freud produz um deslizamento da contradição defora para dentro do texto. Ele se faz autor também daquilo ao qual se opõe.Há, portanto, um jogo identificatório interno ao texto e que nos indica oscaminhos que situam a tomada de posição de Freud no cerne do movimentoanalítico. É preciso lembrar que neste momento, ele já está doente, seucâncer já foi diagnosticado e a perspectiva de morte é iminente. Talvez tam-bém por isso, tenha suportado as adversidades internas à instituição sempromover ruptura. Mas, além disso, me parece – e esse é o segundo aspec-to que gostaria de salientar – que essa sua posição testemunha do efeito dedescolagem com a figura hipnótica do mestre, abordada na “Psicologia dasmassas”, e um deslocamento do lugar desde onde operar a transmissão.

Na verdade, Freud sempre manifestou essa preocupação de não con-fundir a psicanálise consigo mesmo. Afetava-lhe um certo horror de que seutrabalho terminasse junto com sua própria vida, sem deixar legado. Por isso,também na fundação da IPA, já motivada pela preocupação com a transmissãoe a expansão, ele busca outro para presidi-la, delegando a Jung essa função.

Sabemos o destino que teve essa escolha. O texto “História do movi-mento psicanalítico” (Freud, 1914/1973) foi escrito na seqüência das ruptu-ras de Jung e Adler. Ali Freud interpreta essas deserções pela via da riva-

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Essa proposição de Freud, de que o analista possa agir como modelopara seu paciente, encontrou forte eco na história do movimento psicanalíti-co. Os exemplos são inúmeros, principalmente entre os autores da psicolo-gia do ego. A proposição comumente aceita entre eles segue o esquemaelaborado por Freud, no texto da “Psicologia das massas e análise do eu”(1921/1973), ao tratar da relação do líder com o grupo. Segundo esses au-tores, a influência que o analista exerce sobre o paciente deve-se à funçãode ideal do eu que ele ocupa na transferência.

Mas, mesmo nesse contexto, encontramos interessantes discussões.M. Balint, em um artigo de 1948 sobre a análise didática, interroga o siste-ma da didática vigente na IPA. Ele questiona a falta de produção sobre oassunto, indicando uma inibição sintomática dos didatas a escrever sobreesse tema aliado ao dogmatismo reinante na instituição nos assuntos rela-tivos ao exercício dessa função. Balint compara, sem crítica, a formaçãoanalítica a um rito de iniciação, que “força o candidato a se identificar comseu iniciador, introjetando a ele e a seus ideais, e construindo a partir des-sas identificações um forte supereu que vai influenciá-lo ao longo da vida”.Por outro lado, refere criticamente que se pode identificar da parte dos inici-adores – o comitê de didatas e os analistas didatas – um segredo sobre seusaber esotérico, a enunciação dogmática dos regulamentos e o uso de téc-nicas autoritárias. Da parte dos candidatos, os iniciantes, observa-se a sub-missão ao tratamento dogmático e autoritário, sem protestos e com com-portamento reverencioso.

Para o autor há uma série de evidências que corroboram essaconstatação. Entre elas, ele indica o fato dos candidatos se agruparem e sesegregarem em grupos “genéticos”, desenvolvendo entre si fortes críticasem relação aos outros grupos e, de modo geral, seguindo cegamente aosseus mestres. Segundo o autor, isso se deve à função do supereu que nocaso da didática, diferente de uma análise terapêutica, é introjetado de umaforma quase inescapável.

Na busca das razões históricas para que o processo de formaçãoanalítica, no contexto da didática, tenha adquirido essas características,

te) como um novo discurso; que se reconheça que a criação do campo psi-canalítico implica na inscrição de um novo significante na cultura. Em ter-mos históricos, diacrônicos, ela deve permanecer para além daqueles que aexercem, deve pois poder ser transmitida; na referência sincrônica, ela seconstitui como uma doutrina que tem sua especificidade, seu rigor interno,e, que, portanto, entre os demais discursos, demanda uma inscrição inédita,uma lei própria.

IIFreud era extremamente cioso na manutenção e legitimação do traço

diferencial da psicanálise. Será por isso, então, que sua instituição - a queele fundou - pautou-se na transmissão e formação analítica pela repetiçãoburocrática do mesmo?

No texto “Análise terminável e interminável” (1937/1973), Freud indicaalguns pré-requisitos para o candidato à analista. Ele escreve:

“É, portanto, razoável esperar de um analista, como parte de suasqualificações, um grau considerável de normalidade e correção mental. Alémdisso, ‘ele deve possuir algum tipo de superioridade, de maneira que, emcertas situações analíticas, possa agir como modelo para seu paciente e,em outras, como professor’. E, finalmente, não devemos esquecer que orelacionamento analítico se baseia no amor à verdade - isto é, no reco-nhecimento da realidade – e que isso exclui qualquer tipo de imposturaou engano. (...) Evidentemente, não podemos exigir que aquele que quei-ra ser psicanalista seja um ser perfeito antes que assuma a análise; emoutras palavras, que somente pessoas de alta e rara perfeição ingres-sem na profissão. Mas onde e como pode o pobre infeliz adquirir ‘as’qualificações ideais de que necessitará em sua profissão? A resposta é:na análise didática, com a qual começa sua preparação para suas futurasatividades. Por razões práticas, essa análise só pode ser breve e incomple-ta. ‘Seu objetivo principal é capacitar a seu professor a fazer um juízo sobrese o candidato pode ser aceito para formação posterior’ ”. (p, 3361, o grifo émeu).

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ensino, portanto, a instituição analítica e a condução do trabalho de forma-ção de analistas estiveram em causa, problematizados por sua leitura críti-ca. Basta lembrar que já o primeiro seminário, “Os escritos técnicos deFreud” (Lacan, 1953-54/1979), é justamente dedicado à crítica da análisedas resistências e da contratransferência. M. Balint é ali um diálogo impor-tante para Lacan (“meu amigo Balint”, como ele o chama), no contexto dacrítica às relações de objeto e do estudo da função do objeto de amor. Étambém ele que Lacan refere em seus seminários finais - no seminário 24,notadamente - quando ao abordar o fim da análise, mais uma vez refaz acrítica à proposta desta como “identificação ao analista”: “idéia sustentadapor Balint, diz Lacan, e que muito me surpreende” (1976/ Inédito, Lição de16/11/76).

Vou me deter brevemente no seminário “Os quatro conceitos funda-mentais da psicanálise” (Lacan, 1964/1990). Pois é ali que vemos Lacanabordar mais diretamente a questão do desejo do analista. Em uma daslições finais, ele diz:

“Toda análise que se doutrina como devendo se terminar pela identifi-cação ao analista revela, ao mesmo tempo, que seu verdadeiro motor estáelidido. Há um mais-além para essa identificação, e esse mais-além se de-fine pela relação e pela distância do objeto a minúsculo ao I maiúsculoidealizante da função da identificação” (p. 257).

Esse seminário, como se sabe, é fruto de uma ruptura. Ex-membroda Sociedade Psicanalítica de Paris, na qual exercia função de didata, Lacanintegra, a partir de 1953, o grupo dissidente que compõe a Sociedade Fran-cesa de Psicanálise. Após dez anos de demanda de inscrição dessa insti-tuição na IPA, o pedido é aceito com a condição de que Lacan não exerça afunção de didata e que seu seminário não componha o quadro de ensino daformação de analistas (Roudinesco, 1988). Assim Lacan, tendo sido “exco-mungado”, segundo suas palavras, deixa a SFP e funda, em 1967, a EscolaFreudiana de Paris. O seminário XI é o primeiro que ele profere “fora” da IPA(ou da demanda de integrá-la). Ele encontra-se, portanto, com a condição deafirmar sua posição no campo analítico, repetindo o gesto freudiano de

Balint indica a influência das preocupações de Freud. Conforme sua leitura,a partir da secessão de Jung e Adler, ele precisou sustentar fortemente apremissa de que os analistas devem respeitar a autoridade, renunciando emparte a sua independência. Isso significa que cada nova geração de analis-tas deveria ser formada de modo a se identificar com seus iniciadores e,especialmente, com os ideais analíticos deles. Para o autor, esse procedi-mento funcionou bem até a terceira geração. Com a morte de Freud, noentanto, “todos os ‘pais’ perderam sua posição privilegiada e todos os analis-tas didatas e práticas de formação tornaram-se equivalentes” (p.170).

É importante salientar que para Balint não se trata de questionar quea análise, e a didática, mais especificamente, seja compreendida como umprocesso no qual se dá a introjeção do analista que passa a operar como o“núcleo de um novo superego” (p. 170). Para ele, o processo consiste nisso,sendo o trabalho da transferência corrigir “a imagem irreal do analista e adaptá-la às necessidades do paciente” (p. 171). Por outro lado, ele mesmo evocaas fortes frases de Freud, proferidas na conferência “Caminhos da terapiapsicanalítica” (1919/1973), que impõem ao analista a renuncia de apossar-se “do paciente que se põe em nossas mãos e estruturar seu destino, impor-lhe nossos ideais e formá-lo, com orgulho criador, a nossa imagem e seme-lhança” (p. 2460).

O que fica em aberto nos questionamentos de Balint é como conciliaresse preceitos, a regra fundamental da análise, com o propósito de formaranalistas. Efetivamente, podemos concordar com sua demonstração, de quemesmo para Freud, há uma certa incongruência entre o modo de propor ainstitucionalização da formação analítica, estabelecendo a instituição comoa fiel guardiã do traço unário a ser transmitido via identificação ao ideal do eu,e a manutenção da posição do analista em relação àquele que se toma emtransferência.

IIIO trabalho de Lacan se dirigiu sempre a revisitar os fundamentos da

psicanálise, reler Freud, estabelecendo uma sólida crítica aos destinos daherança freudiana, especialmente à psicologia do ego. Desde o início de seu

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dida com sua terminação”. Trata-se, acrescenta, da “transferência que nãofoi analisada” (p.139).

Retomando o esquema proposto por Freud na “Psicologia das mas-sas”, Lacan indica que a transferência situa o analista no cerne do ideal doeu a quem o paciente se oferece como objeto amado. O sujeito alienado noOutro, desde sua posição de identificação ao significante do ideal, vê-sesendo amado. Neste sentido, terminar a análise pela via da identificação aoanalista é persistir na alienação, oferecer-se como filho-analista (objeto deamor) ao próprio analista.

De certo modo, Lacan indica que a instituição freudiana parou nesteponto não analisado da transferência com Freud. Ao formular a questão so-bre o desejo do analista – um desejo alheio ao jogo identificatório -, elereabre a questão do fim da análise e de um outro destino possível às institui-ções e à formação de analistas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBALINT, M. (1948) On the psycho-analytic training system. International Journal of

Psycho-analysis. V. XXIX. London, p. 163-173.FREUD, S. (1914/1973). Historia del movimiento psicoanalítico. Obras Comple-

tas. Madrid: Biblioteca Nueva.FREUD, S. (1919/1973). Los caminos de la terapia psicoanalitica. Op. cit.FREUD, S. (1921/1973) Psicologia de las masas y analisis del yo. Op. cit.FREUD, S. (1926/1973) Analisis profano (psicoanalisis y medicina). Op. cit.FREUD, S. (1937/1973). Analisis terminable e interminable. Op. cit.JONES, E. (1989). A vida e a obra de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.LACAN, J. (1953-54/1979) O seminário: livro 1 – Os escritos técnicos de Freud.

Rio de Janeiro: Zahar editores.LACAN, J. (1964/1990) O seminário: livro 11 – Os quatro conceitos fundamentais

da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.LACAN, J. (1961-62/Inédito) Séminarie 9: L’identification.LACAN, J. (1976/Inédito). Séminaire 24 : L’insu que sait de l’une bevue s’aile a

mourre.ROUDINESCO, E. (1988) História da psicanálise na França: a batalha dos cem

anos. V. 2, 1925-1985. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

inscrevê-la como um discurso específico na cultura, em relação a, mas dife-renciando-se da religião e da ciência.

Nesse seminário, Lacan retoma preceitos básicos e fundamentais deseu ensino. O inconsciente, a repetição, a pulsão e a transferência – osquatro conceitos – são abordados a partir de Freud, sem, no entanto, recu-sar o tempo e as transformações que seu próprio trabalho lhes impôs.Temos, portanto, ali esboçadas, revisitadas, algumas de suas principaiscontribuições, constituindo um texto-chave no ensino de Lacan. Em ter-mos propositivos, a apresentação desse seminário constitui igualmenteuma “carta de princípios” do que Lacan concebe como formação do psi-canalista. Como se, para além da filiação freudiana, pudéssemos perce-ber mais diretamente o reconhecimento da inscrição de um traço/estilopróprio.

O trabalho dos conceitos o conduz, ao longo das lições, a elaboraçãodo que ele enuncia como o “desejo do analista”. Trata-se de uma questãodirigida inicialmente a Freud:

“O verdadeiro é talvez apenas uma coisa, é o desejo do próprio Freud,isto é, o fato de que algo, em Freud, não foi jamais analisado. (...) O que eutinha a dizer sobre os Nomes-do-Pai não visava outra coisa, com efeito,senão pôr em questão a origem, isto é, por qual privilégio o desejo de Freudtinha podido encontrar, no campo da experiência que ele designa como oinconsciente, a porta de entrada. Retornar a essa origem é absolutamenteessencial se queremos colocar a análise de pé”.(p. 19)

Lacan interpreta sua excomunhão da IPA como efeito dessa interro-gação sobre o desejo de Freud, que ele pretendia desenvolver no semináriosobre “Os Nomes-do-Pai” e que ficou interrompido. Ao retomá-la, ele a con-juga com a questão da legitimidade no exercício da função de analista. Istoé, se não é no compartilhamento de um mesmo “ideal do eu”, suporteidentificatório de uma instituição de formação de analistas que avalia seuscandidatos pela medida de sua introjeção, ao que, então, visaria a didática?

Lacan afirma diretamente: “a identificação é apenas um tempo de pa-rada, uma falsa terminação da análise, que é muito freqüentemente confun-

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ta desdizer-se ou aceitar condições para sua permanência na IPA, lançando-se na afirmação de uma – agora mais assumida – denominação na psicaná-lise: “lacaniano”.

Freud segue sendo o mestre de Lacan, porém, neste seminário, esteparece menos reverente às idéias do pai da psicanálise. Interpreta o incons-ciente freudiano como ôntico e o critica. Lacan ameniza a influência de Freud,entretanto, sem negá-la; apenas se solta, parece, a fim de se lançar no novo,na autoria e solidão de seu ato.

“A interpretação não visa tanto o sentido quanto reduzir os significantesa seu não-senso, para que possamos reencontrar os determinantes de todaconduta do sujeito” (Lacan, 1895, p. 201).

Em vez de “penso, logo sou” cartesiano, Lacan reitera o “eu não pen-so, isso fala em mim” do inconsciente, ou ainda o desidero, “eu desejo”,apresentado como cogito freudiano. No lugar da busca de certezas, a procu-ra da verdade, aquela que se pode dizer em parte e que, por ser absoluta-mente singular, também é limitada. Ao invés da crença em um “eu” duvidoso,a noção da divisão do sujeito entre aquele que enuncia e a enunciação quelhe escapa.

Lacan, desembaraçado das amarras da IPA, da religião e da ciência,pode indagar o que sustenta o psicanalista em seu ato. A partir das condi-ções de enunciação criadas, ele interroga a psicanálise despida de suasgarantias. Anuncia, assim, que o ato analítico se dá sem o suporte pulsionalou fantasmático; sem a referência ao ideal ou da pulsão de curar. Despojadodo ideal do “ser analista”, Lacan pode se lançar no objeto a, descrevendo,com isso, a direção da cura de descolamento do I(a) e a. Por detrás daimagem do objeto há o objeto causa, que cinde o sujeito e impele ao desejo,neste caso, o desejo do analista. O processo analítico operará no analistao deslocamento de sua posição de ideal, de suposto saber (e amado porisso) para o de semblante de a, lugar do desejo de diferença absoluta.Desejo que a diferença entre o sujeito e o Outro, entre o objeto idealizado esua falta, entre a demanda e o desejo, entre o amor e a castração, não seapague.

O DESEJO DO ANALISTA LACAN

Lúcia Alves Mees

OLacan do seminário “Os quatro conceitos fundamentais da psica-nálise”, sentindo-se excomungado devido a sua saída da I.P.A.,declara pretender firmar as bases do propriamente “lacaniano”. Anun-

cia, assim, um inconsciente “nosso”, distinto do de Freud, ou da utilizaçãoque seus ex-colegas de instituição fizeram dele. Conclui que não há certezacartesiana sobre o ser analista: como sustentação da psicanálise há so-mente o desejo do analista.

“A formação do psicanalista exige que ele saiba, no processo em queconduz seu paciente, em torno do quê o movimento gira. Ele deve saber, aele deve ser transmitido, e numa experiência, aquilo de que ele retorna. Esteponto-pivô é o que designo pelo nome de ‘desejo do psicanalista’” (Lacan1985, p.219).

Lacan desdobra seu Seminário como quem busca pôr em ato o difícillugar e conceito deste desejo. Começa pelo que não pode ser: assim comoSpinoza1, há de se estar liberto das idealizações e suas ilusões. Desde ajuventude, o filósofo já contestava a imortalidade da alma, a Providência Divi-na e o sagrado das Escrituras. Tais convicções nunca foram silenciadas porele e, recusando-se a fingi-las inexistentes, propõe uma ruptura que irá con-duzi-lo ao espinosismo (Roudinesco, 1988). Como Spinoza, Lacan não co-munga com a divinização da instituição psicanalítica e com princípios quefariam o analista alcançar o patamar superior, ou seja, a formação acabada edefinitiva. Assim como Spinoza, Lacan não tem como se basear em suasorigens filiativas para garantir uma posição, mais exatamente, o lugar deanalista. Ainda como o filósofo, não tem como se deixar apagar como que-rem aqueles que discordam dele. Lado a lado com Spinoza, Lacan não acei-

1 Em 27 de julho de 1656 Baruch Spinoza foi excluído da comunidade judaica de Amsterdã.

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No que tange à pulsão, o desejo do analista abre mão do objeto quepareceria satisfazê-la. Presta-se a fazer semblante de a para escutar a falá-cia deste encontro e para pôr em relevo a causa enquanto propulsora dodesejar. O objeto da pulsão como resposta aprisionante à falta do Outro (e aprópria) desliza para o usufruto do desejo.

Com a repetição, o desejo do analista aprende sobre o significanteprimordial e sobre o que não se inscreve, bem como sobre o significantenovo que pode advir daí. Junto a isso, o repetir, enquanto voltar a perguntarpara o Outro, esvazia-se de razão de ser. E se o “ser” importa menos e se oOutro se desfigura do lugar de resposta, o que impede o sujeito de “des-ser”?

Com a transferência, o desejo do analista é a direção. Guia que reco-nhece o amor como resistência, como ilusão de receber o agalma. Direçãoque recusa a identificação como solução à falta de resposta sobre quem seé. Caminho que conduz ao fim de análise, suportado pelo desejo do analistae operado pela analisando, o qual poderá chegar à enunciação: “não sousenão um sujeito cindido pelo objeto que me causa, o objeto a”.

Associado aos quatro conceitos fundamentais da psicanálise, o de-sejo do analista se enlaça como operador: este que permite que a transfe-rência, o inconsciente, a repetição e a pulsão sejam transformados pelo fimde análise. Com isso, Lacan responde ao que discorda na formação da IPAe (re)funda um conceito – e uma clínica – propriamente lacaniana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jor-ge Zahar, 1985.

LACAN, J. A transferência. Mimeo, 1960-1961.ROUDINESCO, E. História da psicanálise na França. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

1988.

“Ora, quem não sabe que foi ao se distinguir da hipnose que a análisese instituiu? Pois a mola fundamental da operação analítica é a manutençãoda distância entre o I e o a. Para lhes dar fórmulas-referência, direi - se atransferência é o que, da pulsão, desvia a demanda, o desejo do analista éaquilo que a traz ali de volta. E, por esta via, ele isola o a, o põe à maiordistância possível do I que ele, o analista, é chamado pelo sujeito a encarnar.É dessa idealização que o analista tem que tombar para ser o suporte do aseparador, na medida em que seu desejo lhe permite, numa hipótese àsavessas, encarnar, ele, o hipnotizado” (Lacan, 1985, p.258).

Pois, se o analista levou ao final sua própria análise, pode estar me-nos dependente do Outro, do qual, no fantasma, cada um se torna objeto.Resgatado da influência do fantasma, o analista pode ter a chance de, atra-vés do seu ato, posicionar-se como semblante de a, só possível se seupróprio objeto deixou o lugar vago para esse “empréstimo”. Tal operaçãosupõe uma morte, o que leva Lacan a afirmar o desejo do analista como“desejo de morte” (Lacan, 1960-1961), na medida em que o analista estámorto para o desejo que lhe seria próprio. Quer dizer, sua condição analíticaadvém da inscrição que a análise pessoal realizou em si: a queda do objetofantasmático, o saber inconsciente posto no lugar de verdade e a possibilida-de da produção de um significante novo.

“O desejo do analista não é um desejo puro. É um desejo de obter adiferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado com o significanteprimordial, o sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se assujeitar a ele”(Lacan, 1985, p. 260)

O conceito de desejo do analista, embora não seja um dos “qua-tro”, produz ligações com os demais conceitos presentes no Seminárioem questão. No que se refere ao inconsciente, o desejo do analista opõe como verdade quando ele se abre de acordo com sua temporalidadepeculiar. Conseqüentemente, não toma o inconsciente como substânciapassível de - onticamente - responder sobre o sujeito. O desejo do analis-ta não visa ao saber, mas participa do encontro da verdade que se dá naanálise.

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Lacan afirma que vai articular a “pregnância” da função do desejo doanalista a partir da pulsão, de sua desmontagem e de seu circuito; o quesignifica que esta pregnância provém da pulsão. “Trata-se de conceber”, dizLacan, “onde está o ponto de disjunção e conjunção, de união e de fronteira,que só pode ser ocupado pelo desejo do analista”. Em outras palavras, trata-se de uma solidariedade estrutural entre a pulsão e o desejo do analista.

Existem debates a respeito do passe, se nele trata-se de sancionarum final de análise ou de constatar o desejo do analista. A este respeito, aposição a ser tomada é solidária da conceituação que se tenha da pulsão eda satisfação; dado que o fim sempre é uma satisfação, mas nem todasatisfação implica ter alcançado o fim.

Outros insistem no irremediável fracasso do passe tomando apoio emalgumas palavras de Lacan em 1978, onde ele falava sobre o intransmissívelda psicanálise e sua necessária re-invenção. Mas, eu me pergunto: se aanálise não transmite uma identificação, o que transmite não é justamente oque impõe esta necessária re-invenção? Por outro lado, algo do que não sepode duvidar é que o passe não fracassou em colocar em cheque o didata etudo o que ele implica. Além disto, se bem podemos dizer que há algo im-possível de transmitir, essa impossibilidade se transmite e torna possível aautorização como escolha (eleição).

No seminário 10, “A angústia”, Lacan afirma que o amor permite aogozo condescender ao desejo. A pulsão como derivação do gozo é condiçãoda interpretação, mas se nessa derivação não há algo que imponha a funçãodo desejo do analista não há interpretação. Neste sentido, há uma correlaçãoentre o trieb freudiano e o desejo do analista; pois o paradoxo da pulsão é quepode alcançar sua satisfação sem alcançar seu fim, no qual tem escolha.

A pulsão, enquanto subversão do instinto e desvio da necessidade,suporta a identificação porquanto seu objeto não está pré-determinado, ouseja, não é identificável o objeto que procuraria a satisfação. Lacan indicaque qualquer um, pela via da identificação, procura uma satisfação e quenossa intervenção como analistas só se justifica nos casos em que o sujeitose dá demasiado trabalho a este respeito e quer revisar suas escolhas.

PULSÃO E DESEJO DO ANALISTA: SUA AUTORIZAÇÃO1

Osvaldo Arribas

C’est là que je reprendrai mon pas, la prochaine fois, en essayant de vous articuler

la prègnance de la fonction du désir de l’analyste. J. Lacan, 29 de abril de 1964.

(Tal como freqüentemente acontece aos psicanalistas, me encontrocom a dupla sensação de haver encontrado algo e, simultaneamente, de quenão é nenhuma novidade).

A pulsão se localiza entre o desejo, que vem do Outro, e o gozo que estádo lado da Coisa. A pulsão é derivação de gozo e se enlaça com o outro pela viada demanda de amor; via necessária para sua articulação como desejo.

O desejo do analista se enlaça com a pulsão, na medida em que falarde pulsão implica partir do desvio da necessidade e a subversão de todoinstinto natural. Lacan, no Seminário 11, “Os quatro conceitos fundamentaisda psicanálise”, diz o seguinte: “a função da pulsão não tem outro alcanceque permitir-nos examinar o que é da ordem da satisfação”. No princípiodeste seminário, ele trabalha o inconsciente junto com a repetição, para emseguida tratar a transferência junto com a pulsão. No final do capítulo “Asexualidade nos desfiladeiros do significante”, que vem antes dos dois capí-tulos dedicados à pulsão e logo depois de indicar que nos trabalhos dosanalistas sobre a transferência é possível ler o comprometimento do desejodo analista em questão, termina com uma frase que me interessa sublinhar/ressaltar: “É aí que retomarei meu passo da próxima vez, tentando articularpara vocês a pregnância da função do desejo do analista”.2

1 Trabalho escrito em maio de 2004.2 Tradução conforme a edição brasileira de Jacques Lacan, O seminário – livro 11 - Osquatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar editores, 1979, p. 152.Consultada também a edição da A ssociation lacanienne international, Les quatre conceptsfondamentaux de la psychanalyse, séminaire 1964, leçon 12, de 29/04/64, pág. 187.Publication hors commerce.

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sem a imposição do desejo do analista, não nos dá a dimensão transferencialna qual se joga a interpretação.

O “amor” do analista se explicita porque o desejo do analista não épuro, nem poderia sê-lo. Em Television Lacan se refere aos “psi” que tem aheróica piedade de carregar a miséria do mundo nos ombros. Logo, faz refe-rência a como no passado se considerava um “santo”. Diz Lacan que o santonão pratica a caridade, ele “descarida” e se descarida impiedosamente: semenospreza fazendo-se de resto que permite ao sujeito do inconsciente tomá-lo como causa do desejo. O santo não se crê meritório, todo o contrário, elesimplesmente faz o que seu desejo lhe impõe. Não se trata do gozo dacaridade, senão deste amor fora dos limites da lei que permite “descaridar”.

A sublimação, como satisfação que não alcança a satisfação, é ine-rente à pulsão. Não há satisfação da pulsão; pois a satisfação, em seusentido estrito, seria a da necessidade ou do instinto. Falar de pulsão impli-ca uma falta real que se traduz numa insatisfação radical. O correlativo destainsatisfação radical é a via do desejo e em particular a via do desejo doanalista. É uma razão de estrutura que faz do discurso do analista um dosquatro discursos. Também poder-se-ia dizer que nunca deixa de haver satis-fação da pulsão – outra não a mesma que se supõe ao instinto ou à neces-sidade – e isto nos conduz à derivação do gozo e ao sintoma. Então, poder-se-ia dizer que sempre há satisfação e, ao mesmo tempo, que nunca há. Asduas questões estão em jogo na pulsão e o desejo do analista se enlaçacom ambas enquanto não é um desejo puro.

Com respeito ao passe, se preferimos falar de uma constatação dodesejo do analista é porque é diferente sancionar a satisfação de um fimalcançado do que constatar o desejo relativo a uma insatisfação radical quefaz impossível o alcance do fim - o que não quer dizer que algo não termine.Daí que Lacan fale de “entusiasmo” como condição para que haja analista.

Faz tempo que os analistas tomaram sob sua responsabilidade o pro-blema do quê os autoriza, sem refugiar-se em outros discursos nem emoutras garantias que as que possam elaborar a partir de seu próprio discur-so. Do que se trata – é o que Lacan defende no primeiro parágrafo da “Propo-sição de 9 de outubro de 1967” – é o que se refere a uma Escola e as

A desmontagem da pulsão se apresenta “sem pé nem cabeça”, massua montagem permite definir o traçado do ato, este que articula a pulsãocom o ato de amor, com o narcisismo e com o outro que o amor implica.Porém, se eu é um outro, o desejo do analista se impõe como busca destadiferença absoluta que o amor renega.

Não existe amor “maduro ou genital” que represente uma síntesepulsional. Não havendo nenhuma síntese pulsional que autorize e legitimeesta representação, o amor surge como “uma mosca na sopa”, procurandoum objeto que é outro e o mesmo simultaneamente, atrativo enganoso queescamoteia a diferença absoluta.

O amor, em relação com a pulsão, nos apresenta tanto Eros comoPhilia e estes não são a mesma coisa. O amor como philia nos dá a necrofiliae a paidofilia (pedofilia?); quer dizer, uma versão perversa do amor que resul-ta no vazio do outro reduzido ao objeto. Por outro lado Eros enquantoarticulador da falta de objeto, nos remete ao erotismo, a mascarada e aoengano como uma dimensão onde se joga a verdade mentirosa.

Gerard Pommier afirma que certa dimensão do amor coloca-se emjogo no ato do analista, na medida em que permite a subjetivação da pulsão.Esclarecemos: o analista não ama seus pacientes, porém a dimensão enga-nosa do amor está em jogo na interpretação, dando lugar a este terceirotempo outro que permite subjetivar a pulsão.

No seminário 11 (já mencionado), Lacan cita o amor transcendente deSpinoza como insustentável para nós. Kant também é citado, para quem oamor terno, como objeto patológico, conduz a seu sacrifício e assassinato.Após estas duas observações, Lacan faz referência ao amor e ao desejo doanalista: “O desejo do analista não é um desejo puro. É um desejo de obter adiferença absoluta, a que intervém quando enfrentado ao significante primordialo sujeito vem, pela primeira vez em posição de assujeitar-se a ele. Daí sópode surgir a significação de um amor sem limites; já que está fora doslimites da lei, onde somente ele pode viver.” O que significa este amor forados limites da lei? Não é um amor pelo proibido, senão pela diferença absoluta.

Considerar a imposição (pregnância) do desejo do analista na trans-missão é o que está em jogo no dispositivo do passe. A derivação do gozo,

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neste sentido, ele só pode autorizar-se do resto que sustenta aquilo que não é.A expressão “e de alguns outros” não está presente na Proposicion...

Lacan faz este acréscimo no Seminário 21, “Os nomes do pai”, quando fa-lando do ser sexuado do que faz sua sexuação, sua invenção, o objeto aminúsculo, utiliza a mesma fórmula dizendo: “o ser sexuado se autoriza delemesmo e de alguns outros”. A formulação sublinha que ambos têm escolhaporque está em jogo a castração, quer dizer, a autorização provém do objetoe não do outro tomado como objeto. Daí a conseqüência de que nesses“alguns outros” não se trate do outro do fantasma.

No mesmo seminário, logo em seguida, Lacan agrega duas coisasimportantes. Primeiro pergunta-se sobre o estatuto “destes outros” e fazreferência ao que escreve, ao que ele escreveu, ao escrito. Refere-se, por umlado, às fórmulas quânticas da sexuação e, por outro lado, às fórmulas dosquatro discursos e as possibilidades de articulações entre ambas. Nestelugar introduz a questão “dos outros” e a coloca em relação com o que seescreve, com o escrito e sua inscrição.

Neste momento, Lacan se pergunta onde se escreve (inscreve?) issoque ele escreve, ou bem, onde se escreve (inscreve?) o que se escreve dodiscurso do analista. O que Lacan aponta é que “não sem” os outros se escre-ve e se autoriza o que se escreve. Trata-se do “três” do Real, o mesmo que secoloca em jogo no sofisma do tempo lógico, onde três é um porque não há umsem três. É o discurso como laço social que faz a dimensão do ato.

O analista não coloca seu fantasma em exercício com sua escolha,ao contrário, se oferece – com restrições – ao exercício do fantasma dooutro quando o outro escolhe, quando no nível da enunciação diz “tu és meuanalista”. Não se trata do masoquismo cristão e sim do amor cortês, onde aDama é sempre a que está atrás dos umbrais.

Neste sentido, o estatuto dos outros está articulado com o que seescreve no laço social que surge do discurso psicanalítico. E neste ponto,se planteia a questão da garantia. Não se trata da garantia jurídica, esta quepretende assegurar uma sutura nas implicações do “tu és minha mulher” ou“tu és meu homem” e que sabemos que falha. Trata-se da garantia que podeoferecer quem se expõe à abertura que implica o “tu és meu analista”.

possíveis garantias que esta poderia oferecer. Estas garantias discursivas exis-tem em certa medida e são muito importantes. E se nós os analistas não nosocupamos delas, como um trabalho de Escola, já veremos que existem mui-tos prontos para reclamar e nos impor garantias desde outros discursos.

A autorização é um problema de discurso, de inscrição do que umdiscurso permite escrever, e neste sentido, uma questão de letras.

O analista em função não é autor; pois a regra da abstinência implicaque não exponha o próprio (não alegue propriedade) nem se constitua emautoridade. O autor é o que fala, e não o analista. Este, se o faz, deve sercapaz de falar sem identificar-se como autor do que disse. Disto se trata nainterpretação; de uma palavra cujo emissor não se identifica, ou bem de umenunciado cuja enunciação não se deixa identificar. Neste sentido, o analis-ta não se apropria, não se identifica. Esta é sua heresia a respeito dasregras que fazem a identificação profissional; pois ele as desmente em ato.

Contudo, a definição de autor inclui ao que é causa de alguma coisaou que a inventa. O analista participa de ambas, tanto em uma função decausa quanto de certa invenção.

Lacan, no Seminário 24 L’insu ... , diz que o analista inventa um sabersobre a verdade a partir da queixa daquele que lhe dirige a fala, inventa “umsaber suposto ao sujeito”. Aqui Lacan joga com os termos do “sujeito supos-to saber” e, invertendo seus termos diz: saber suposto ao sujeito; com o quedefine o escrito, ao que se escreve. Um saber que se escreve e cuja de-monstração se impõe como uma combinatória determinada de letras, querdizer; a autoridade na qual se faz a interpretação surge da imposição lógicadessa combinatória. Sua autoridade está nisso: a que se impõe do que se diz.Esta imposição da combinatória lógica, que se escreve do que se diz, se ins-creve no discurso daquele que fala como uma mudança na posição subjetiva.

Se o analista não se autoriza de alguma identificação que provenha doOutro, “de ser ou de estar nomeado para”, então: o que implica falar deautorização do analista? Este autorizar-se dele mesmo ou de si mesmo?Sabemos que autorizar-se como analista é uma coisa, mas que ser analista écoisa muito diferente. Não há “ser” do analista – só há ser sexuado – só hárepresentação do analista naquela que se coloca em jogo na transferência,

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O DESEJO DO PSICANALISTA –NOTAS DISPERSAS E ESPARSAS (I)

Robson de Freitas Pereira

“Pois, como dissemos sem entrar na mola da transferência, é o desejodo analista que, em última instância, opera na psicanálise.”

J. Lacan1

Acita que nos serve de epígrafe foi escrita em 1964, para as atas deum colóquio em Roma - cidade aberta e/ou mítica segundo o olhar docineasta ou do psicanalista. Pouco depois deste evento, Lacan inici-

aria seu seminário sobre “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”.Neste, o projeto de abordar a psicanálise através de seus conceitos encon-trava uma de suas interrogações principais: o que é o desejo do analista?Uma questão assim não podia ser abordada pelo lugar comum; um conceitose forja por aproximação, fazendo uma borda em seus limites, nunca porfinalização. Como o próprio Lacan se refere, ao dar continuidade ao trabalhosobre a transferência e a pulsão, no capítulo intitulado “presença do analista”:“Tratarei hoje da transferência, quer dizer que abordarei sua questão espe-rando chegar a lhes dar uma idéia de seu conceito”, (pág. 119, ed Zahar)(grifo nosso). Abordando uma questão, estará em cheio no conjunto do tema,como é a lógica que comanda a escuta psicanalítica: um ato falho, um frag-mento de sonho, um detalhe do cotidiano são elementos fundamentais paraeste trabalho (psicanalisar) que um dia Freud denominou impossível, junta-mente com governar e educar.

A referência à prática analítica vai nos dar possibilidade de iniciar es-tas dispersas e esparsas notas2 a respeito do desejo do psicanalista. Comuma advertência ao leitor: o texto busca uma clareza que nem sempre é

1 Jaques Lacan, “Do Trieb de Freud e do desejo do psicanalista”, in “Escritos”.2 Aproveito para acrescentar que esparsa é uma forma poética e que dispersão além dosentido comum, também é um termo de ótica.3 Fonte de consulta: Dicionário de sinônimos, por Samuel Gili Gaya, Buenos.Aires: R.E.I.,1988.

Os outros têm um lugar na Escola, em seus procedimentos, seusartifícios, em seu funcionamento de escola, onde algo da garantia está emjogo. Não é uma garantia institucional, é uma garantia em ato: a que implicao que se diz. Neste sentido, com o termo “garantia” quero me referir ao quese pode escrever do discurso do analista, não sem “os outros”.

A pergunta de Lacan pelo estatuto dos “outros” está articulada com apergunta sobre onde se escrevem suas fórmulas quânticas da sexuação esuas fórmulas dos quatro discursos. Pois, ao mesmo tempo, Lacan se per-gunta se teria o estatuto de verdade que o analista ou o ser sexuado seautorizam de si mesmos se ele não tivesse escrito as fórmulas quânticas dasexuação. Quer dizer, sem o escrito.

Lacan diz que é necessário que suas fórmulas estejam escritas emalgum lugar. Onde, senão no discurso a partir do qual emerge um gruponovo? E um grupo não se inventa, se pode inventar o que se escreve, pode-se inventar um saber sobre a verdade, mas o que não se pode inventar é umgrupo: um grupo é real.

A aposta de Lacan é que o que se escreve ou se inventa pode emergirno real do grupo sob a forma de um funcionamento diferente. É a aposta deLacan, é a aposta de uma Escola.

Segundo a fórmula do discurso analítico, o agente do mesmo devesustentar o semblant de objeto a, do resto; do resto que causa o resíduopor advir. Mas isto não implica que o desejo do analista seja transformar-senum refugo, ou que o analista deva desejar ser um refugo (resto/resíduo)3 –o que o aproximaria do masoquismo cristão – senão que o permita, quefaça lugar para que isto ocorra. E isto não é o mesmo que o cristianismo; émais, é quase o contrário.

Posteriormente ao seminário “De um discurso que não seria da apa-rência”, poder-se-ia dizer que não há discurso que não seja do semblant,mas é importante entender que isto não implica que o analista não apontepara um discurso que não o seja, quer dizer, que não aponte para escrever oque não se pode escrever, ou melhor, a inscrever o impossível de escrever;pois disso se trata no desejo do analista: manter-se incauto da estrutura.

PEREIRA, R. DE F. O desejo do psicanalista...

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a prática for tomada somente na via do narcisismo do analista, ou nanormativização, quem estaria perdendo seria o próprio analista. Perdendo osbenefícios que sua análise pessoal teria lhe propiciado aceder. Daí a neces-sária responsabilidade de cuidar, preservar esta relação com a falta, com acastração4.

A lógica que pode sustentar deduz-se dos enunciados, quase aforismosrelativos ao lugar privilegiado do outro na relação do sujeito com seu desejo:“o desejo é desejo do Outro” e “desejo de desejo”.É importante verificar quala figura de outro (a e A) com que lidamos – trabalho de análise, já dissemos.O desejo do A (Outro) é aquele do qual a angústia dá sinal (por sinal, o objetoda angústia é o mesmo do qual o analista faz semblante); o desejo do outro(a) é o que se define pela identificação, a terceira a qual Freud enuncia comohistérica. Lacan examinou detidamente as três formas de identificação pro-postas por Freud (ao pai, ao traço e histérica) no seminário “O desejo e suainterpretação”, ao final do qual, depois de analisar as duas primeiras (ao paie ao traço unário), vai se deter na terceira forma: identificação ao desejo dooutro, ou identificação histérica como a designou Freud. Ora, esta forma deidentificação mostra a alienação do sujeito com relação ao semelhante que,impulsionado pelo imaginário produz uma suposição de como se posicionarna vida. Percurso eminentemente fantasmático que uma análise deveria pos-sibilitar uma menor dependência. Feita mais esta ressalva a respeito destacondição que se espera de uma análise podemos seguir em nossa questão.

Qual o objeto do desejo do psicanalista? A pergunta é coerente com acolocação em causa do psicanalista. Se o desejo tem um objeto ele sópoderá ser definido pelo objeto a, invenção lacaniana. Mas, se insistimos,qual seria a i(a) que recobriria o a (objeto causa de desejo) do desejo doanalista? Diversas formas de abordagem. Vamos escolher (escolha forçada)

4 Serge Cottet, em seu livro “Freud e o Desejo do Psicanalista” ( Zahar,1989) também abordaesta questão, vide: “não há muitas razões para que permaneça aberta a via que ele (Freud)abriu – salvo uma vontade de reabri-la igual à sua”.

possível em se tratando deste tema. “Falar” (como sinônimo de escrever)dos efeitos da clínica e desta articulação com os conceitos requer um certopercorrido pela experiência tanto quanto pela teoria. O mais importante: quecada um possa sentir-se implicado singularmente, colocar algo de si; poisnão faz sentido fazer pura e simplesmente manipulação de conceitos e voca-bulário lacaniano.

Enunciado de princípio: o desejo do psicanalista só se evidencia poruma prática. Explico: sua colocação em causa, em relevo, só pode ser julgadaa partir da prática analítica, da experiência analítica. Assim teríamos umaprimeira conseqüência: o desejo do psicanalista é efeito de uma análise3.Situação análoga ao conceito de inconsciente em sua dependência da pre-sença do analista. Condição necessária, mas não suficiente. Porque se umaanálise pessoal é necessária, para que se evidencie que houve desejo paraque esta análise prosseguisse e chegasse a seu termo, há um outro passoa ser desvendado/desvelado: o de sua transmissão, ou seja, do reconheci-mento posterior deste desejo na prática que um analista engendra e susten-ta. Do lado do analisante e do lugar do analista. Haveria esta dualidade nasustentação do desejo? Na passagem de analisante a analista, há o reco-nhecimento de um desejo, qual seria? Este que Lacan aponta como sendouma especificidade da posição do psicanalista. Para que isto não seja umatautologia vamos tentar avançar na questão.

Hipótese: na passagem de analisante a analista, um analista reco-nhece (retroativamente) que há um desejo de transmitir os benefícios de suaprópria análise. Desde que este “benefício” não seja fazer o bem (religioso oude qualquer outra espécie de ideal), nem esteja inteiramente na ordem dosbenefícios de consumo. Ou seja, nem ideal que corresponderia a uma “natu-reza humana” da qual o psicanalista seria o guardião, tampouco uma pulsãocurativa que levaria ao pior. Uma palavra a mais sobre isto: C. Calligarisfalava em cuidar dos benefícios de sua própria análise; no sentido de que se

3 Depois de Freud que “tropeçou” no significante e inventou a psicanálise. A pergunta sobreo desejo de Freud é uma das questões trabalhadas por Lacan.

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SEÇÃO TEMÁTICA

Por exemplo, faz dele um desejo de obter a diferença absoluta, aquela quesepara o objeto a, que constitui o estofo do sujeito, da imagem idealizada,que de início lhe surgia. Todavia, o desejo do psicanalista continua a ser umx , que seria correto supor como operando nos tratamentos, mas cuja elabo-ração continua a ser, hoje em dia, uma tarefa para os psicanalistas.” (Dicio-nário de psicanálise Larousse, Artmed, pág 46).

As duas citações guardam uma aproximação. Ambas referem-se aeste trabalho que é de nossa responsabilidade. A primeira, extraída do finaldo seminário sobre os quatro conceitos fundamentais abre uma outra sériede interrogantes. Deixamos apenas uma delas, esta com a qual o verbete dodicionário organizado por Roland Chemama dialoga. Obter a diferença abso-luta entre o objeto do desejo e sua imagem [a à i(a)] seria a tarefa de umaanálise. Travessia, de uma análise. Podemos acrescentar que somente maistarde, quando Lacan formula os quatro discursos, é que podemos elaborarmelhor a idéia do “sujeito confrontado ao significante primordial”. Pois nodiscurso do psicanalista, espera-se que o sujeito produza seu S1. Produzirneste sentido de reconhecer os significantes primordiais de sua história,para então, enunciar este assujeitamento. Outra forma de dizer que paradispensar o pai é preciso passar por seus significantes.

Quanto ao x da questão. O caráter enigmático dela é uma dasfacetas que assumem as formações do inconsciente para um sujeito.Uma das definições de inconsciente é a de um saber através do qual umsujeito pode decifrar-se. Fazer cifras, reconhecer um ciframento feito designificante e letra. R. Levy em seu trabalho “O desejo contrariado” buscouelaborar a função x do desejo do analista, considerando seu valor de funçãológica e transformando-a em “função desejo de analista”. Seu trabalho parteda citação de Lacan reproduzida acima: “desejo de obter a diferença” paraelaborar esta função que possibilitaria pensar o lugar de onde um psicanalistaautorizaria seu ato. Uma das conseqüências é que este trabalho passa neces-sariamente por alguns outros que ele (o analista) escolhe para compartilharseus impasses e questionamentos. Uma transferência de trabalho, onde omestre não faz discípulos, nem impera a demanda de amor.

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uma: a posição discursiva. No discurso do psicanalista o a está em posiçãode agente5. Em outras palavras, o analista está na conhecida posição de“fazer semblante”, de fazer aparência de objeto causa do desejo. Seguindoas posições deste discurso, o sujeito barrado está no lugar do outro, osignificante um (S1) no lugar da produção (isto que se espera que umanalisante produza) e o significante dois (S2, o saber) posiciona-se no lugarda verdade, para evidenciar a disjunção entre saber e verdade. A questão émais atual, na medida em que hoje a produção de objetos busca fazer comque esta falta que articula as dimensões do imaginário, do simbólico e doreal seja vivida não como fundamental e impossível de ser coberta, mascomo transitória. Ou seja; a grosso modo, não é a vida que é transitória; umavez que a morte é o destino inevitável, transitória é nossa carência de obje-tos. Logo surgirá um mais adequado a nosso gozo e, se esperarmos umpouco mais, em breve não precisaremos morrer. Enquanto isto, os maisapressados buscam formas de gozo mais rápidas e tóxicas e, os menosafortunados vão tomar na marra “o que lhes é devido”. Este parêntesis rápi-do, cujo desenvolvimento valeria outro texto, serve como mote para evidenci-ar que a subversão efetuada pela psicanálise, ao reconhecer um intervaloimpossível de ser recoberto completamente ainda tem frutos a dar.

O X DA FUNÇÃO“O desejo do analista não é um desejo puro. É um desejo de obter a

diferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado com o significanteprimordial, o sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se assujeitar a ele.Só aí pode surgir a significação de um amor sem limite, porque fora dos limitesda lei, somente onde ele pode viver.” (Lacan, 24/6/1964, Pág. 260, Zahar).

“Várias vezes, J. Lacan abordou a questão do desejo do psicanalista.

5 Aqui estamos supondo que nosso leitor esteja mais ou menos familiarizado com os quatrodiscursos (Amo, Histérica, Analista e Universitário) e suas posições, a saber: o agente, ooutro, a produção e a verdade. No discurso do psicanalista estas posições estão ocupa-das respectivamente pelo objeto, sujeito barrado, S1 e S2.

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O SEMINÁRIO – LIVRO XI1

OS QUATRO CONCEITOS FUNDAMENTAIS DAPSICANÁLISE

(Título original: OS FUNDAMENTOS DA PSICANÁLISE)Jacques Lacan

1964

POR QUE FAZER OUTRA TRADUÇÃO?

Esta tradução não pretende ser nem melhor nem pior que aquela jápublicada. É uma tradução de outra autoria, feita desde outra posi-ção subjetiva e, isso, depois de a de J. D. Magno ter deixado sua

marca na formação de tantos analistas, inclusive na minha.Esta tradução é um convite a que outros(as) façam o mesmo com

este ou outros seminários.Se o estranhamento da tradução conhecida estava dado pela literalidade,

pelo “afrancesamento” do português, o que deu lugar a um certo lacanês emnossas paragens, talvez esta versão obrigue a desnaturalizar o que passou aser tido como o próprio Lacan, quando era apenas uma leitura dele.

Propus-me a escrever Lacan em português. Espero ter me aproxima-do desse objetivo.

Boa leitura.São Paulo, 14 de abril de 2006.Claudia Berliner

TraduçãoClaudia Berliner

1Tradução baseada no texto em francês estabelecido por Jacques-Alain Miller, cotejado coma transcrição de Joel Dor, com a tradução para o espanhol de F. Monge com introdução deOscar Masotta (intitulada Os quatro princípios fundamentais da psicanálise, Barral, Barce-lona, 1977) e com a tradução para o espanhol de Mauri e Sucre (Paidós, 1987).

SEÇÃO DEBATES

Como agir conforme o seu desejo? Uma vez que, segundo Lacan,noseminário da Ética, a única crítica que um sujeito pode reconhecer é a dehaver cedido em seu desejo. O que é bem diferente de agir conforme o dese-jo do seu analista, para lembrar os primórdios do retorno a Freud lacaniano esua crítica do que seria o término de uma análise na qual o analisante ficas-se identificado ao seu analista. Melhor, identificado com uma suposição desaber qual a demanda que deveria ser satisfeita para o desejo de seu analis-ta. Daí ser necessária a travessia do fantasma, da fantasia fundamental quesimultaneamente possibilita ao sujeito re-organizar o imaginário que o sus-tenta e, desejar segundo uma falta que jamais será preenchida; pois eladepende desta incongruência entre as palavras e as coisas, deste intervaloque se estabelece na estrutura da linguagem e em cada língua que acolheum sujeito. Na melhor das hipóteses, este intervalo estará garantido pelacastração simbólica, efeito da intervenção de um significante que garanteuma falta no Outro. Ou melhor, do reconhecimento de um significante quefalta no Outro. Bem entendido, que isto que se denomina travessia sereconhece depois do caminho percorrido, sempre a posteriori; pois, docontrário, estaríamos promovendo mais um ideal de análise, ou de psica-nalista ideal. O que seria re-entronizar um pai de nome e não reconhecer queNome do Pai é um significante. Dizendo de outro modo, pode se reduzir atrês letras: R S I.

Todos estes tópicos tem como objetivo pensar o quanto estas elabo-rações podem sustentar o ato analítico, ou permitir (nunca sancionar) a sus-tentação de uma prática: a prática de uma ética que se quer psicanalítica.Seguiremos trabalhando.

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SEÇÃO DEBATES

etapa, pelos agradecimentos que devo a Fernand Braudel, presidente da seçãoda Hautes études, que me delega aqui diante de vocês. Impedido de compare-cer, o Sr. Braudel me disse lamentar não poder estar presente no momento emque presto esta homenagem a ele e também ao que eu chamarei a nobrezacom que se propôs remediar, nessa ocasião, a situação de desprovimento emque me encontrava, no tocante a um ensino sobre o qual, afinal, não lhe chega-ra mais que o estilo e a reputação, a fim de que eu não seja, pura e simples-mente, reduzido ao silêncio. Nobreza é o termo correto quando se trata deacolher aquele que estava na posição em que estou – a de um refugiado.

Remediou-o assim tão depressa incitado pela vigilância de meu ami-go Claude Lévi-Strauss, que quis por bem conceder-me hoje o prazer de suapresença, e que sabe quão preciosa é para mim essa prova da atenção queele dedica a um trabalho, ao meu – àquilo que nele se elabora em correspon-dência com o seu.

Acrescentarei ainda meus agradecimentos a todos aqueles que nes-sa ocasião me deram mostras de sua simpatia, culminando na amabilidadecom que o Sr. Robert Flacelière, diretor da École normale supérieure, pôs àdisposição da École des hautes études esta sala, sem a qual não sei comopoderia tê-los recebido, já que compareceram em tão grande número, peloque lhes agradeço do fundo do coração.

Tudo isso concerne à base, no sentido local, militar até, dessa pala-vra, à base de meu ensino. Abordarei agora o assunto propriamente dito – osfundamentos da psicanálise.

1No que diz respeito aos fundamentos da psicanálise, meu seminário

estava desde o começo implicado neles, por assim dizer. Era um de seuselementos, porque contribuía para fundá-la in concreto – porque fazia parteda própria práxis – porque era interior a ela – porque estava dirigido para oque é um elemento dessa práxis, qual seja, a formação de psicanalistas.

Faz algum tempo, defini ironicamente – provisoriamente talvez,mas também por falta de algo melhor, dado o embaraço em que me

LACAN, J. O seminário - Livro XI...

IA EXCOMUNHÃO

O que me autoriza?O elemento cômico puro.Que é uma práxis?Entre ciência e religião.A histérica e o desejo de Freud.

Senhoras e senhores,

Na série de conferências de que fui encarregado pela sexta seção da Écolepratique des Hautes Études, vou-lhes falar dos fundamentos da psicanálise.

Hoje, gostaria apenas de lhes indicar o sentido que pretendo dar a essetítulo e o modo como espero satisfazê-lo.

Contudo, devo primeiramente me apresentar – embora a maioria devocês, mas não todos, já me conheça –, pois as circunstâncias fazem comque me pareça apropriado introduzir uma questão prévia, antes de tratar dotema: o que nele me autoriza?

Estou autorizado a falar desse tema aqui, diante de vocês, porquecorre à boca miúda que realizei durante dez anos o que se chamava umseminário dirigido a psicanalistas. Como alguns sabem, demiti-me dessafunção – à qual eu efetivamente dedicara minha vida – devido a fatos ocorri-dos dentro do que chamam uma sociedade psicanalítica e, especificamente,justo dentro daquela que me confiara essa função.

Poderiam afirmar que minha qualificação não se vê questionada poreu cumprir essa mesma função em outro lugar2. No entanto, vou deixar essapergunta provisoriamente em suspenso. E, se hoje estou em condições depoder, digamos, dar seqüência a esse ensino que me foi próprio, impõe-se-me começar, antes de iniciar o que portanto se apresenta como uma nova

2 Outra possibilidade de leitura desta frase, que é, aliás, a das edições em espanhol: Pode-riam afirmar que nem por isso se vê questionada minha qualificação para cumprir essamesma função em outro lugar.

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SEÇÃO DEBATES

em atividade para a formação dos analistas por essa sociedade.Portanto, ocorre aí algo que é propriamente comparável ao que se cha-

ma em outros lugares a excomunhão maior. Mesmo esta, nos lugares ondeesse termo é empregado, nunca é pronunciada sem possibilidade de retorno.

Ela só existe sob essa forma numa comunidade religiosa designadapelo termo indicativo, simbólico, de sinagoga, e foi propriamente disso queEspinosa foi objeto. Em 27 de julho de 1656 – singular bicentenário, já queele corresponde ao de Freud –, Espinosa foi objeto primeiro do Herém,excomunhão que corresponde de fato à excomunhão maior, e depois espe-rou algum tempo para ser objeto do shammata, que consiste em agregar aessa condição a impossibilidade de retorno.

Não creiam tampouco que se trata aí de um jogo metafórico, que seriapueril esgrimir com relação ao campo, meu Deus, tão longo quanto sério,que temos de cobrir. Creio – e vocês verão – que, não só pelos ecos queevoca, mas pela estrutura que implica, esse fato introduz algo que está noprincípio de nossa interrogação sobre a práxis psicanalítica.

Não estou dizendo – embora não fosse impossível – que a comunida-de psicanalítica é uma Igreja. Contudo, surge incontestavelmente a questão desaber o que pode haver nela que faz eco a uma prática religiosa. Aliás, nemsequer teria destacado esse fato, embora em si mesmo relevante por trazerem si não sei que ranço de escândalo, se, como em tudo o que exporei hoje,vocês não pudessem estar certos de encontrar em seguida sua utilização.

Isso não quer dizer que nessas conjunturas eu seja um sujeito indife-rente. Tampouco creiam que para mim – não mais, suponho, que para ointercessor cuja referência, ou até precedente, não hesitei em evocar uminstante atrás – isso seja motivo para comédia, no sentido de motivo deriso. No entanto, gostaria de lhes dizer de passagem que não me escapoualgo de vasta dimensão cômica nesse subterfúgio. Ela não pertence aoregistro do que ocorre no nível da formulação que chamei excomunhão.Prende-se, antes, à posição que ocupei durante dois anos de saber queestava sendo – e muito precisamente por aqueles que estavam com relaçãoa mim em posição de colegas ou até de alunos – que estava sendo, comose diz, negociado.

LACAN, J. O seminário - Livro XI...

encontrava – definir um critério do que é a psicanálise, ou seja, o tratamentoadministrado por um psicanalista. Henry Ey, que está aqui hoje, deve selembrar do artigo em questão, já que foi publicado no tomo da enciclopédiaque ele dirige. Sua presença torna ainda mais fácil evocar o encarniçamentocom que se empenharam em fazer retirar daquela enciclopédia aquele arti-go, a ponto de que ele mesmo, cuja simpatia para comigo é bem conheci-da, acabou ficando impotente para deter aquela operação concebida por umcomitê diretor em que havia, precisamente, psicanalistas. O artigo seráincluído na edição que estou tentando fazer de um certo número de textosmeus, e vocês poderão, creio eu, avaliar se ele perdeu atualidade. Tanto nãoacredito nisso que as questões que ali levanto são as mesmas que estoudiscutindo com vocês e que se presentificam pelo fato de que estou aqui,com a postura que me é própria, para continuar introduzindo sempre essamesma pergunta – que é a psicanálise?

Há sem dúvida nisso mais de uma ambigüidade, e essa perguntacontinua sendo – de acordo com a expressão com que a designo naqueleartigo – uma pergunta morcego. Examiná-la à luz do dia, era isso a que mepropunha então, e é a isso que devo retornar, seja qual for o lugar do qual euvolte a propô-lo a vocês hoje.

O lugar do qual reabordo esse problema é, com efeito, um lugar quemudou, que já não está totalmente dentro e que não se sabe se está fora.

Esta não é uma evocação anedótica. E é justamente por isso queacho que não verão de minha parte nem recurso à anedota, nem polêmicade nenhum tipo quando assinalo isso, que é um fato: que meu ensino,designado como tal, sofreu, por parte de um organismo que se chama Co-mitê executivo de uma organização internacional que se chama InternationalPsychoanalytical Association, uma censura nada ordinária, uma vez que setrata nada mais nada menos que de proscrever esse ensino, que deve serconsiderado nulo em tudo que dele pode implicar em termos de habilitaçãode um psicanalista, e de fazer dessa proscrição a condição da filiação inter-nacional da sociedade psicanalítica a que pertenço.

Isso ainda não é suficiente. Está formulado que essa filiação só seráaceita se derem garantias de que meu ensino não possa, nunca mais, entrar

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SEÇÃO DEBATES

precisaria evocar a Cabala para lembrar que nela ele designa um dos modosda manifestação divina, que, nesse registro, é propriamente identificada aopudendum. Assim mesmo, seria extraordinário se, num discurso analítico,fosse no pudendum que nos detivéssemos. Os fundamentos, nesse caso,adotariam sem dúvida a forma de roupa de baixo, do que está debaixo, seesses baixos já não estivessem um tanto à mostra.

Alguns, de fora, podem se surpreender de que nessa negociação, ede modo muito insistente, tenham participado alguns de meus analisados,até analisados ainda em curso. E se indagar: como é possível uma coisadessas, a não ser que haja, no plano das relações de seus analisadosconsigo, alguma discórdia que põe em questão o próprio valor da análise?Pois bem, é justamente a partir do que pode ser aqui motivo de escândaloque poderemos cercar de maneira mais precisa o que se chama psicanáli-se didática – essa práxis, ou essa etapa da práxis, mantida, por tudo o quese publica, completamente na sombra – e lançar alguma luz sobre seusfins, seus limites e seus efeitos.

Já não é uma questão de pudendum. É questão de saber o que, dapsicanálise, se pode, se deve, esperar, e o que nela se deve ratificar comofreio, ou até como fiasco.

Foi por isso que acreditei não dever poupar nada, mas expor aqui umfato, como um objeto, do qual espero que vocês vejam mais claramente oscontornos e o manejo possível, expô-lo logo na entrada do que tenho a dizeragora, no momento em que, diante de vocês, indago: o que são os funda-mentos, no sentido amplo do termo, da psicanálise? O que quer dizer: o quea funda como práxis?

2Que é uma práxis? Duvido que esse termo possa ser considerado

impróprio no que concerne à psicanálise. É o termo mais amplo para desig-nar uma ação orquestrada pelo homem, seja ela qual for, que lhe dá condi-ções de tratar o real pelo simbólico. Que encontre nisso mais ou menosimaginário, é algo que aqui tem apenas valor secundário.

LACAN, J. O seminário - Livro XI...

Pois, tratava-se de saber em que medida as concessões feitas a res-peito do valor habilitante de meu ensino podiam contrapesar o que se tratavade obter por outro lado, a habilitação internacional da sociedade. Não queroperder a oportunidade de apontar – voltaremos a topar com isso – que, rigo-rosamente falando, ocorre aí algo que pode ser vivido, quando se está envol-vido, na dimensão do cômico.

Creio que só um psicanalista pode captar isso plenamente.Sem dúvida que, para um sujeito humano, ser negociado não é uma

situação rara, ao contrário do que diz o palavrório sobre a dignidade humanaou mesmo sobre os Direitos Humanos. Cada qual, a todo momento e emtodos os níveis, é negociável, já que o que toda apreensão minimamenteséria da estrutura social nos revela é a troca. A troca em questão é a trocade indivíduos, ou seja, de suportes sociais, que, por outro lado, são o que sechama de sujeitos, com o que comportam de direitos sagrados, dizem, àautonomia. Todos sabem que a política consiste em negociar, e dessa vezno atacado, por pacotes, esses mesmos sujeitos, ditos cidadãos, às cente-nas de milhares. Portanto, no tocante a isso, a situação nada tinha de ex-cepcional, com a ressalva de que ser negociado por aqueles que chamei hápouco colegas, ou até alunos, às vezes ganha, visto de fora, outro nome.

Mas, se a verdade do sujeito, mesmo quando está em posição demestre, não está nele mesmo, e sim, como a análise demonstra, num objetode natureza velada – fazer surgir esse objeto é, propriamente, o elementocômico puro.

Essa é uma dimensão que creio oportuno assinalar, e de onde possotestemunhar, porque, afinal, em semelhante ocasião, se alguém a testemu-nhasse de fora, talvez fosse objeto de uma discrição indevida, de uma espéciede falso pudor. De dentro, posso dizer-lhes que essa dimensão é totalmentelegítima, que pode ser vivida do ponto de vista analítico e, até, a partir do mo-mento em que é percebida, de um modo que a supera, qual seja, sob o ângulodo humor, que nada mais é aqui senão o reconhecimento do cômico.

Essa observação não está fora do campo do que trago a respeito dosfundamentos da psicanálise, pois fundamento tem mais de um sentido, e nem

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SEÇÃO DEBATES

Se, nesta oportunidade, a pesquisa nos interessa é pelo que dessedebate se estabelece no âmbito das hoje chamadas ciências humanas. Comefeito, sob os passos de todo aquele que acha, vê-se como que surgir o queeu chamaria a reivindicação hermenêutica, que é justamente aquela queprocura – que procura a significação sempre nova e nunca esgotada, masameaçada de ser cortada pela raiz 3 por aquele que acha.

Nós, analistas, estamos interessados nessa hermenêutica, porque,em muitas cabeças, a via de desenvolvimento da significação a que ahermenêutica se propõe se confunde com o que a análise chama inter-pretação. Acontece que, embora essa interpretação não deva ser concebi-da no mesmo sentido que a dita hermenêutica, a hermenêutica, por sua vez,dela se beneficia com freqüência. Por essa vertente, vemos, ao menos, umcorredor de comunicação entre a psicanálise e o registro religioso. Voltare-mos a encontrá-lo no momento apropriado.

Portanto, para autorizar a psicanálise a se chamar ciência, exigire-mos um pouco mais.

O que especifica uma ciência é ter um objeto. Pode-se afirmar queuma ciência se especifica por um objeto definido pelo menos por um certonível de operação reproduzível chamado experiência. Devemos, contudo, sermuito prudentes, porque esse objeto muda, e muda singularmente no cursoda evolução de uma ciência. Não podemos dizer que o objeto da física moder-na é o mesmo agora que no momento em que nasceu, o qual, digo-o já, dato noséculo XVII. E o objeto da química moderna, será o mesmo que no momentoem que nasceu, que dato em Lavoisier?

Talvez essas observações nos forcem a efetuar um recuo ao menostático e partir novamente da práxis para nos indagar, sabendo que a práxisdelimita um campo, se é no âmbito desse campo que se acha especificado ocientista da ciência moderna, que já não é um homem que sabe tudo de tudo.

Não subscrevo a exigência de Duhem de que toda ciência se refira aum sistema unitário, dito sistema do Mundo – referência no final das contas

3 A expressão no original é “coupée en herbe”, cortar cerce, pela base, pela raiz, e não“couper l’herbe sous les pieds de quelqu’un” em que M. D. Magno se baseou para traduzirpor “cortar as asinhas de”.

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Essa definição da práxis se estende portanto até bem longe. Nãoiremos, como Diógenes, nos pôr a procurar, não um homem, mas nossapsicanálise, nos vários campos, muito diversificados, da práxis. Preferimoslevar conosco nossa psicanálise e, imediatamente, ela nos dirige para pon-tos bastante localizados, denomináveis, da práxis.

Sem nem sequer introduzir mediante alguma transição os dois ter-mos entre os quais pretendo manter a questão – e sem qualquer ironia –,enuncio primeiramente que, se estou aqui, perante um auditório tão grande,nesse meio e com esse público, é para me perguntar se a psicanálise é umaciência e examiná-lo com vocês.

A outra referência, a religiosa, já a evoquei há pouco, deixando bemclaro que é de religião no sentido atual do termo que falo – não de umareligião ressequida, metodologizada, repelida para a lonjura de um pensa-mento primitivo, mas da religião tal como a vemos ser exercida, ainda viva,bem viva. A psicanálise, seja ela digna ou não de se inscrever em um des-ses dois registros, pode até nos esclarecer sobre o que devemos entenderpor ciência ou mesmo por religião.

Gostaria de evitar desde já um mal-entendido. Vão me dizer: a psicaná-lise é de qualquer modo uma pesquisa. Pois bem, permitam-me enunciar, diri-gindo-me inclusive aos poderes públicos para quem o termo pesquisa parece,faz algum tempo, servir de schibbolet, de senha, para não poucas coisas, quedesconfio do termo pesquisa. Quanto a mim, nunca me considerei um pesqui-sador. Como disse Picasso um dia, para grande escândalo dos que o rodea-vam: Não procuro, acho .

Aliás, no campo da pesquisa dita científica, existem dois terrenos, per-feitamente reconhecíveis, aquele onde se procura e aquele onde se acha.

O curioso é que isso corresponde a uma fronteira bastante bemdefinida quanto ao que pode ser qualificado de ciência. Além disso, hápor certo alguma afinidade entre a pesquisa que procura e o registroreligioso. Costuma-se dizer: Não me procurarias se já não me tivessesencontrado. O já encontrado está sempre atrás, mas afetado por algo daordem do esquecimento. O que se abre assim não é uma pesquisa compla-cente e indefinida?

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SEÇÃO DEBATES

Grande Obra analítica e afirmar que talvez seja isso o que procura nossapsicanálise didática, e porque talvez eu mesmo pareça dizer a mesma coisano meu ensino estes últimos tempos quando miro diretamente, velas aovento e declaradamente, para esse ponto central que submeto à discussão,ou seja: qual é o desejo do analista?

3Que há de ser do desejo do analista para que opere de maneira corre-

ta? Essa questão pode ser deixada fora dos limites de nosso campo, comode fato o é nas ciências – as ciências modernas do tipo mais firme –, ondeninguém se pergunta, por exemplo, sobre o desejo do físico?

São realmente necessárias crises para que Oppenheimer interroguetodos nós sobre o desejo presente no fundo da física moderna. Aliás, nin-guém presta atenção nisso, acham que é um incidente político. Será essedesejo algo da mesma ordem do que é exigido do adepto da alquimia?

O desejo do analista, em todo caso, não pode de forma alguma serdeixado de fora de nossa questão, porque o problema da formação do analistao coloca. E a análise didática não pode servir para outra coisa senão paralevá-lo a esse ponto, que designo na minha álgebra como o desejo do analista.

Também aí tenho de deixar por ora a questão em aberto. Cabe avocês perceber que os estou levando, por aproximação, a uma pergunta talcomo esta: a agricultura é uma ciência? Uns dirão que sim, outros dirão quenão. Só menciono esse exemplo para lhes sugerir que afinal vocês diferenci-am a agricultura definida por um objeto da agricultura definida, seria o casode dizer, por um campo – entre a agricultura e a agronomia. Isso me permitefazer surgir uma dimensão firme – estamos no bê-á-bá, mas, enfim, é ondetemos de estar –, a da formulação.

Será que isso basta para definir as condições de uma ciência? Achoque não. Tanto uma ciência falsa como uma verdadeira podem ser escritas emfórmulas. Portanto, a questão não é simples, já que a psicanálise, como su-posta ciência, aparece sob ângulos que podemos dizer problemáticos.

A que concernem as fórmulas na psicanálise? O que motiva e modulaesse deslizamento do objeto? Existem conceitos analíticos formados de

LACAN, J. O seminário - Livro XI...

sempre mais ou menos idealista, já que é referência à necessidade de iden-tificação. Chegaria até a dizer que podemos prescindir do complemento trans-cendente implícito na posição do positivista, que se refere sempre a umaunidade última de todos os campos.

Faremos abstração disso tanto mais que, em última instância, é algoel e pode até ser tido por falso. Não é absolutamente necessário que a árvoreda ciência tenha um único tronco. Não acho que tenha muitos. Talvez tenha,com base no modelo do primeiro capítulo do Gênese, dois diferentes – nãoque eu dê alguma importância excepcional a esse mito mais ou menos tingi-do de obscurantismo, mas por que não esperar da psicanálise que nos es-clareça a esse respeito?

Se nos ativermos à noção de experiência, entendida como o campode uma práxis, veremos claramente que ela não basta para definir uma ciên-cia. Com efeito, essa definição se aplicaria muito, muito bem, por exemplo,à experiência mística. É até por essa via que ela volta a ser alvo de umaconsideração científica e que quase chegamos a pensar ser possível ter umaapreensão científica dessa experiência. Há nisso uma espécie de ambigüi-dade - submeter uma experiência a um exame científico sempre se presta a dara entender que a experiência tem em si mesma uma subsistência científica.Ora, é evidente que não podemos fazer entrar na ciência a experiência mística.

Mais uma observação. Iremos aplicar à alquimia essa definição daciência a partir do campo determinado por uma práxis para autorizá-la a seruma ciência? Estava relendo recentemente um volume muito pequeno, quenem sequer foi incluído nas Obras completas de Diderot, mas que parececertamente ser dele. Embora a química nasça com Lavoisier, Diderot nãofala de química, mas sim, de uma ponta à outra desse opúsculo, da alqui-mia, com toda a fineza de espírito que como vocês sabem lhe era própria. Oque nos faz dizer de pronto que, apesar do caráter brilhante das histórias queele situa para nós no curso dos tempos, a alquimia, no final das contas, nãoé uma ciência? Algo a meu ver é decisivo: que a pureza da alma do operadorera, como tal e nomeadamente, um elemento essencial do assunto.

Esta não é, como vocês devem perceber, uma observação acessória,porque talvez irão colocar algo análogo no tocante à presença do analista na

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SEÇÃO DEBATES

ria dizer que, em última instância, ela se resume em pôr fim ao mutismo Foia isso que num certo momento se deu o nome de análise das resistências.

O sintoma é em primeiro lugar o mutismo no sujeito supostamentefalante. Se falar, estará evidentemente curado de seu mutismo. Mas issonão nos diz de modo algum por que ele começou a falar. Designa tão-somen-te um traço diferencial que, no caso da garota muda, é, como era de seesperar, o da histérica.

Ora, o traço diferencial da histérica é precisamente este – é no própriomovimento de falar que a histérica constitui seu desejo. Por isso, não surpre-ende que seja por essa porta que Freud entrou no que, na verdade, eram asrelações do desejo com a linguagem e que tenha descoberto os mecanis-mos do inconsciente.

Que essa relação do desejo com a linguagem como tal não lhe tenhaescapado é um traço de seu talento, o que não significa que tenha sidoplenamente elucidada – nem mesmo, e sobretudo não pela noção maciça detransferência.

O fato de que para curar a histérica de todos os seus sintomas amelhor maneira seja satisfazer seu desejo de histérica – que para ela con-siste em expor ao nosso olhar seu desejo como desejo insatisfeito - deixatotalmente fora do campo a questão específica desse por que ela não podesustentar seu desejo senão como desejo insatisfeito. Por isso, a histerianos põe, diria eu, na pista de um certo pecado original da análise. Tem dehaver algum. A verdade talvez seja apenas uma, é o desejo do próprio Freud,isto é, o fato de que algo em Freud nunca foi analisado.

Era exatamente nesse ponto que eu estava no momento em que, poruma singular coincidência, fui colocado numa situação de ter de pedir de-missão de meu seminário.

Com efeito, o que eu tinha para dizer sobre os Nomes-do-Pai nãovisava a outra coisa senão a questionar a origem, isto é, mediante que privi-légio o desejo de Freud encontrou, no campo da experiência que ele designacomo o inconsciente, a porta de entrada.

Remontar a essa origem é totalmente essencial se quisermos pôr aanálise de pé.

LACAN, J. O seminário - Livro XI...

uma vez por todas? A que corresponde a manutenção quase religiosa dostermos propostos por Freud para estruturar a experiência analítica? Será quetemos um fato muito surpreendente na história das ciências – o fato de queFreud teria sido o primeiro, e permaneceria sendo o único, nessa supostaciência a ter introduzido conceitos fundamentais? Sem esse tronco, essemastro, esse piloti, onde amarrar nossa prática? Podemos mesmo dizer quesejam conceitos propriamente ditos? Serão conceitos em formação? Serãoconceitos em evolução, em movimento, a serem revistos?

Creio que nessa questão se pode dizer que já houve um avanço,numa direção que não pode ser senão de trabalho, de conquista, visandoresolver a questão de se a psicanálise é uma ciência. Na verdade, a manu-tenção dos conceitos de Freud no centro das discussões teóricas nessacadeia maçante, fastidiosa, desagradável – que ninguém lê, afora os psica-nalistas – chamada literatura psicanalítica não impede que nela se fiquemuito atrás desses conceitos, na sua maioria falseados, adulterados e des-montados, e que aqueles que são difíceis demais sejam pura e simples-mente engavetados – que, por exemplo, tudo o que se elaborou em torno dafrustração seja, com respeito aos conceitos freudianos dos quais deriva,claramente retrógrado e preconceitual.

Nesse mesmo sentido, ninguém mais se preocupa, salvo raras exce-ções encontradas entre aqueles que estão perto de mim, com a estruturatripla do complexo de Édipo ou com o complexo de castração.

Para garantir um estatuto teórico à psicanálise, de forma nenhumabasta que um escritor do tipo Fenichel reduza todo o material acumulado daexperiência ao nível da banalidade, mediante uma enumeração do tipo gran-de coletor. Sim, uma certa quantidade de fatos foi reunida e não é inútil vê-losagrupados em alguns capítulos – pode-se ter a impressão de que, em todoum campo, tudo está explicado de antemão. Mas a análise não consiste emencontrar em um caso o traço diferencial da teoria e acreditar explicar comisso por que a sua filha está muda – pois aquilo de que se trata é de fazê-lafalar, e esse efeito procede de um tipo de intervenção que nada tem a vercom a referência ao traço diferencial.

A análise consiste justamente em fazê-la falar, de sorte que se pode-

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SEÇÃO DEBATES

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RESENHA

AS PSICOSES NÃO DECIDIDAS NAINFÂNCIA: UM ESTUDO

PSICANALÍTICO

BERNARDINO. Leda Mariza Fischer. As Psicoses NãoDecididas na Infância: um estudo psicanalítico. SP: Casado Psicólogo, 2004.

Leda, em seu livro, que retrata sua tese dedoutorado capítulo a capítulo, vai nos en-redando na trama e clinica apresentadas

em seu texto sem arredar das categorias do tem-po, sua lógica e estabelecimento do nascer domundo subjetivo e do sujeito. Sua intenção émostrar que em “um” tempo, “um” organismoadquire ritmo de organização particular e estruturação dependentes da diver-sidade e adversidade na ordem das relações e linguagem.

Contempla-nos com cuidadosa e elaborada apresentação sobre o olhare escuta em Freud, Melanie Klein, Winnicott, Bethelheim, Mahler, Meltzer,Lacan, Dolto, Manonni, Tustin, Lang e outros. Olhares que se ocuparamcom os signos da psicopatologia, a criança e a infância. A autora põe o leitorfrente ao fundamento da condição humana, já mostrada por Freud, como serde linguagem e pensamento, surpreendido por manifestações inconscien-tes. Sobreleva a importância do diagnóstico definido pela posição do sujeitoe suas modalidades de resposta à falta, ou seja, frente à castração. Apre-senta-nos as estruturas e o que as caracteriza passando a se ocupar dapsicose e da observação sobre a mesma por diferentes analistas.

Leda reapresenta a psicose como efeito de um não querer saber nadadisso – a castração, como efeito da não simbolização da falta, e porque nãohá afirmação aos significantes primordiais. Assim, o grande outro (A) passa amostrar-se como substancialmente incerto, e daí o risco do vazio. Sua tese.

Lembra Lacan, afirmando que a psicose na criança é diferente daforma da psicose no adulto. Apresenta posições de outros analistas, que

De qualquer forma, no nosso próximo encontro esse modo de interro-gar o campo da experiência será guiado pela seguinte: que estatuto conceitualdevemos dar a quatro dos termos introduzidos por Freud como conceitosfundamentais, nomeadamente, o inconsciente, a repetição, a transferênciae a pulsão?

Considerar o modo pelo qual, no meu ensino passado, situei essesconceitos com relação a uma função mais geral que os engloba e que permi-te mostrar seu valor operatório nesse campo, isto é, a função do significantecomo tal, subjacente, implícito – eis o que, no nosso próximo encontro, nosfará dar o passo seguinte.

Prometi a mim mesmo que este ano interromperia minha fala às vintepara as duas para que, em seguida, todos aqueles que possam ficar aqui enão necessitem buscar imediatamente alhures o enganche com outra ocu-pação tenham a oportunidade de me dirigir as perguntas que os termos deminha exposição lhes tenham sugerido nesse dia.

RESPOSTASM. TORT: Quando você relaciona a psicanálise com o desejo de Freud e

com o desejo da histérica, não se poderia acusá-lo de psicologismo?A referência ao desejo de Freud não é uma referência psicológica. A refe-

rência ao desejo da histérica não é uma referência psicológica.Levantei a seguinte questão: o funcionamento do Pensamento Selva-

gem, que Lévi-Strauss situa na base dos estatutos da sociedade, é um incons-ciente, mas será suficiente para abrigar o inconsciente como tal? E, caso o seja,abrigará o inconsciente freudiano?

Foram as histéricas que ensinaram a Freud o caminho do inconscientepropriamente freudiano. Foi aí que fiz entrar o desejo da histérica, indicando aomesmo tempo que Freud não ficou por aí.

Quanto ao desejo de Freud, situei-o em um nível mais elevado. Disse queo campo freudiano da prática analítica permanecia na dependência de um certodesejo original, que sempre desempenha um papel ambíguo, mas prevalente,na transmissão da psicanálise. O problema desse desejo não é psicológico,assim como tampouco o é o problema, não resolvido, do desejo de Sócrates.Aparece toda uma temática relativa ao estatuto do sujeito quando Sócrates for-mula nada saber, exceto o que concerne ao desejo. O desejo não é posto porSócrates em posição de subjetividade original e sim em posição de objeto. Poisbem! É também do desejo como objeto que se trata em Freud.

15 de janeiro de 1964.

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RESENHA RESENHA

um sujeito em risco de não ser. Convida aos praticantes à revisão do que sepassou a definir como casos limites.

O livro traz, com o caso, a prova do simbólico que prima. Trata donascimento da infância. O tempo da criança tomada como objeto imaginárioda mãe, deparando-se com o grande Outro (A), vendo-se presa dessa rela-ção, pagando um preço, a marca do A.

Um percurso e um encontro com a falta, a sobrevivência se ancorandona metáfora paterna.

Leda, com o caso, nos apresenta como pôde se decidir a estruturaem um tratamento. A relação ao A se decide.

Concluo esta apresentação podendo dizer da satisfação em verificar comesta contribuição de Leda as possibilidades na clínica com crianças, e incenti-vo para os analistas jamais cederem de seu desejo de analistas, se este estiverpresente, porque podemos encontrar outros “Hélios” em nossa prática.

Maria Aparecida Luna Pedrosa

são bastante pontuais, como: angústia psicótica e defesa em Melanie Klein; aposição educativa e adaptativa na reversão do autismo para Tustin; o valor darestauração das relações para Bettelheim; a importância da mãe e sua funçãopara a prevenção da psicose em Winnicott, a psicose como efeito de um modode envelopamento da criança, pai e mãe. A indefinição sobre a psicose, a pré-psicose em Roger Misès, e a definição de estados parapsicóticos – borderline.

A autora inicia suas questões em torno de um tempo. O tempo emque se inscreveria o Nome-do-Pai e a função paterna em decorrência da faltae a foraclusão. Aparece a pergunta sobre a irreversibilidade no quadro dapsicose. Aparece o desafio na base da argumentação em sua exposição.

A pergunta, a propósito da temporalidade, se apresenta e insiste no seutexto. O “quando” é buscado e aparece demonstrando que há um tempo, quenão é o mesmo da maturação orgânica, e que, neste tempo, é possível identi-ficar a operacionalidade e funcionalidade entre a criança e o grande Outro (A).

Inconsciente e atemporalidade – “um outro modo de tempo” - a razãodas operações lógicas, ver, compreender e concluir; o fenômeno de um apres-sar. Neste contexto, Leda expõe o caráter do infantil versus desenvolvimento,onde desenvolvimento é tomado como efeito das relações com a linguagem, oa-mais fundamental organizador, ao embalo e sopro do desejo do grande Outro.

O infantil é o tempo da estrutura para Lacan. A autora desenvolveesse ponto brevemente e com precisão. Trata dos efeitos do Nome-do-Pai emetáfora paterna, situa o que chamará de “momentos chave”, ou seja, resu-midamente apresenta quatro tempos, como momentos chave: da escrita, doNome-do-Pai, da estrutura e da lógica.

Na apresentação dos momentos chave, há a falência mais ou menostemporária do grande Outro (A) e isto como que arranha a montagem estru-tural ou a quebra em parte, determinando a psicose de modo definitivo ou emum limite.

A autora nos convida a um mergulho nessa clínica, ao apresentar o caso“Hélio”. Ousa colocar na mesa a clínica de modo claro e penetrante, e ofereceo tratamento àquelas ranhuras no aparelho e estrutura ainda em curso de mon-tagem da arquitetura do sujeito. Mostra como cuidar do restabelecimento de

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C. da APPOA, Porto Alegre, n. 148, julho 2006.

AGENDA

EXPEDIENTEÓrgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RSTel: (51) 3333 2140 - Fax: (51) 3333 7922

e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.brJornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n0 3956

Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355

Comissão do CorreioCoordenação: Gerson Smiech Pinho e Marcia Helena de Menezes Ribeiro

Integrantes: Ana Laura Giongo, Ana Paula Stahlschimidt, Fernanda Breda, HenrieteKaram, Liz Nunes Ramos, Márcio Mariath Belloc, Maria Cristina Poli, Marta Pedó,

Norton Cezar Dal Follo da Rosa Júnior, Robson de Freitas Pereira,Rosane Palacci Santos e Tatiana Guimarães Jacques

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 2005/2006

Presidência: Lucia Serrano Pereira1a Vice-Presidência: Ana Maria Medeiros da Costa

2a Vice-Presidência: Lúcia Alves Mees1a Secretária: Marieta Madeira Rodrigues

2a Secretária: Ana Laura Giongo e Lucy Fontoura1a Tesoureira: Maria Lúcia Müller Stein

2a Tesoureira: Ester TrevisanMESA DIRETIVA

Alfredo Néstor Jerusalinsky, Ângela Lângaro Becker, Carmen Backes,Edson Luiz André de Sousa, Ieda Prates da Silva, Ligia Gomes Víctora,

Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack, Maria Ângela Cardaci Brasil,Maria Beatriz de Alencastro Kallfelz, Maria Cristina Poli, Nilson Sibemberg,

Otávio Augusto Winck Nunes, Robson de Freitas Pereira e Siloé Rey

Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - Macchina

Data Hora Local Evento

JULHO – 2006

PRÓXIMO NÚMERO

08 10h Sede da APPOA Núcleo de Psicanálise de Crianças

03 20h30min Sede da APPOA Núcleo das Psicoses

Reunião da Comissão de Eventos

Reunião da Mesa Diretiva

19h30min

21h

Dia Hora Local AtividadeSede da APPOA

Sede da APPOA

06, 13,20 e 2706

20 21h

15h15min

Reunião da Mesa Diretiva aberta aos Mem-bros e Participantes da APPOA

Sede da APPOA 8h30min07 e 21 Reunião da Comissão de Aperiódicos

07, 1421 e 28

Sede da APPOA

20h30minSede da APPOA Reunião da Comissão da Revista da APPOA

O ATO PSICANALÍTICO

10 e 24 Sede da APPOA Reunião da Comissão do Correio

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O DESEJO DO ANALISTA

N° 148 – ANO XIII Julho – 2006

S U M Á R I O

EDITORIAL 1

NOTÍCIAS 02

SEÇÃO TEMÁTICA 04LACAN E A QUESTÃO DAIDENTIFICAÇÃO AO ANALISTAMaria Cristina Poli 04O DESEJO DO ANALISTA LACANLúcia Alves Mees 14PULSÃO E DESEJO DO ANALISTA:SUA AUTORIZAÇÃOOsvaldo Arribas 18O DESEJO DO PSICANALISTA -NOTAS DISPERSAS EESPARSAS (I)Robson de Freitas Pereira 25

SEÇÃO DEBATES 31

O SEMINÁRIO – LIVRO XIOS QUATRO CONCEITOS FUNDAMENTAISDA PSICANÁLISEClaudia Berliner 31

RESENHA 45

AS PSICOSES NÃODECIDIDAS NA INFÂNCIA:UM ESTUDO PSICANALÍTICOLeda Bernardino 45

AGENDA 48