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–PAULOFREIRE

EDUCAÇÃOEMUDANÇA

PAZETERRA

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11-03953

Copyright©HerdeirosPauloFreire

DireitosdeediçãodaobraemlínguaportuguesanoBrasiladquiridospelaEDITORAPAZETERRA.Todososdireitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco dedadosouprocessosimilar,emqualquerformaoumeio,sejaeletrônico,defotocópia,gravaçãoetc.,semapermissãododetentordocopirraite.

EDITORAPAZETERRALTDARuadoTriunfo,177—StaIfigênia—SãoPauloTel:(011)3337-8399—Fax:(011)3223-6290http://www.pazeterra.com.br

TextorevistopelonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa.

CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAFONTESINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

Freire,Paulo,1921-1997.Educaçãoemudança[recursoeletrônico]/PauloFreire.-1.ed.-RiodeJaneiro:PazeTerra,2013.

recursodigital

Títulooriginal:Educacionycambio.

Formato:ePubRequisitosdosistema:AdobeDigitalEditionsMododeacesso:WorldWideWebIncluiíndiceISBN978-85-7753-220-9(recursoeletrônico)

1.Educação2.Educação-Aspectospolíticos3.Educação-Aspectossociais4.Freire,Paulo,1921-19975.PedagogiaI.Gadotti,Moacir.II.Título.

CDD-370.1

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Sumário

PREFÁCIO:EDUCAÇÃOEORDEMCLASSISTA

MOACIRGADOTTI

1 Ocompromissodoprofissionalcomasociedade

2 Aeducaçãoeoprocessodemudançasocial

3 Opapeldotrabalhadorsocialnoprocessodemudança

4 Alfabetizaçãodeadultoseconscientização

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PrefácioEDUCAÇÃOEORDEMCLASSISTA

OLANÇAMENTODESTAOBRAdePauloFreireemportuguêssedánomomentoemque o educador brasileiro retorna de quinze anos de exílio. Retorna ao Brasil“distante do qual estava há catorze anos, mas distante do qual nunca estavatambém”, como declarou ele no ano passado, quando foi impossibilitado departicipar do I Seminário de Educação Brasileira, porque lhe fora negado opassaporte. Indagado ao descer hoje no aeroporto de Viracopos se haviaacompanhado a evolução política e educacional do país, Paulo Freire disse terfeito o impossível para isso e acrescentou: “mas a cadamomento eu descubroque é indispensável estar aqui para melhor entender toda a atual realidade.QuinzeanosdeausênciaexigemumareaprendizagemeumamaiorintimizaçãocomoBrasildehoje.”Comamodéstiaintelectualquesempreocaracterizou,elevolta disposto a percorrer mais uma etapa nesta sua permanente“aprendizagem”.

É-me, portanto, impossível apresentar hoje esta obra sem mencionar suavolta do exílio. O exílio nãomarcou, de forma alguma, o seu pensamento demágoaoudeumanostalgiadoentia.Ondequerquetenhatrabalhado,saindodopaís—noChile,nosEstadosUnidos,naSuíçaounaÁfrica—,suateoriaesuapráxis estãocarregadasdeotimismo, certamenteumotimismocrítico, levandomensagensdeesperança,certodeestarcombatendoaoladodaquelesquesãoosportadores da liberdade, os oprimidos. Paulo Freire não é um intelectualacadêmico,distantedavidaconcreta,docotidiano.Épor isso—enãoporque

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tenhaseguidoumadoutrinafilosóficaouumideáriopolítico—quesuateoriaesua práxis são tão fortes, violentas até, carregadas de um sentido existencialprofundo.SentidoquePauloFreirenão“dá”,masque“exprime”.Ecomooseupontodepartida,asuaopçãoradicaléalibertaçãodosoprimidos,osentidomaisprofundo da sua obra é ser a “expressão” dos oprimidos. Daí ser uma obrainquietadora,perturbadora,revolucionária.Elaexprimearealidadeeaestratégiado oprimido. Foi por essa razão que não foi tolerado após o golpemilitar de1964:porsero“pedagogodosoprimidos”.

Feitas estas observações iniciais, minha intenção é tecer algumasconsideraçõessobreatemáticacentraldestelivro:amudança.

Inicialmente quero dizer que, ao lado da conscientização, amudança é um“temagerador”dapráticateóricadePauloFreire.Comootemadaconsciência,otemadamudançaacompanhatodasassuasobras.Amudançadeumasociedadede oprimidos para uma sociedade de iguais e o papel da educação — daconscientização—nesse processo demudança são as preocupações básicas dapedagogiadePauloFreire.Aqui,porém,nestesquatroestudos,elesedetémmaissistematicamente.

Podeaeducaçãooperaramudança?Quemudança?PauloFreirecombateaconcepçãoingênuadapedagogiaquesecrêmotorou

alavanca da transformação social e política. Combate igualmente a concepçãooposta,opessimismosociológicoqueconsisteemdizerqueaeducaçãoreproduzmecanicamenteasociedade.Nesseterrenoemqueeleanalisaaspossibilidadeseas limitações da educação, nasce um pensamento pedagógico que leva oeducador e todo profissional a se engajar social e politicamente, a perceber aspossibilidadesdaaçãosocialeculturalnalutapelatransformaçãodasestruturasopressivas da sociedade classista. Acrescente-se, porém, que embora ele nãosepare o ato pedagógico do ato político, tampouco ele os confunde. Evitandoquerelas políticas, ele tenta aprofundar e compreender o pedagógico da açãopolítica e o político da ação pedagógica, reconhecendo que a educação éessencialmenteumatode conhecimento ede conscientização e que, por si só,nãolevaumasociedadeaselibertardaopressão.

Édentrodessequadroquegostariadedialogarumpoucocomele,caminharcom ele e, ao mesmo tempo, problematizar o seu discurso central, isto é, a

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possibilidadedeumaeducaçãolibertadora,transformadora.PauloFreireécertamenteumprofissionalcomprometido,cujopensamento

— que pensa a vida, as relações humanas— encerra um grande potencial dedireçãona lutapelatransformaçãodassociedades,notadamentedassociedades“em trânsito”. Neste sentido, ele tem omérito não apenas de denunciar umaeducaçãosupostamenteneutra,comoodedistinguirclaramenteapedagogiadasclassesdominantesdapedagogiadasclassesoprimidas.DepoisdePauloFreirenãoémaispossívelpensaraeducaçãocomoumuniversopreservado,comonãofoi mais possível pensar a sociedade sem a luta de classes após a dialética deMarx.Muitose temescritosobreopensamentodo“maiorpedagogodonossotempo”, na expressão de RogerGaraudy.Muitas questões, porém, pode aindanos suscitar o seu pensamento, sempre em evolução, como todo pensamentoconcreto.NãomepreocupasabersePauloéounãoémarxista.SePauloéounãoécristão.Ele temsempre rejeitadoetiquetasdaquelesque tentamsimplificaropensamento e a vida, reduzi-la a esquemas intelectualistas. Os sectários deposições ideológicas muito rígidas o consideram um “endemoniadocontraditório”,comoelemesmoafirma.Naverdade,oquemeinteressadiscutirconcretamenteéaquestãodamudançaeocaráterdedependênciadaeducaçãoemrelaçãoàsociedade.

A tradiçãopedagógica insiste aindahoje em limitar opedagógico à saladeaula, à relação professor-aluno, educador-educando, ao diálogo singular ouplural entre duas ou várias pessoas. Não seria esta uma forma de cercear, delimitar a ação pedagógica? Não estaria a burguesia tentando reduzir certasmanifestaçõesdopensamentodasclassesemergenteseoprimidasdasociedadeacertosmomentos,exercendosobreaescolaumcontrolenãoapenas ideológico(hojemenosostensivodoqueontem),masatéespacial?Abrirosmurosdaescolapara que ela possa ter acesso à rua, invadir a cidade, a vida, parece ser açãoclassificadade “nãopedagógica”pelapedagogia tradicional.A conscientização,sim(atécertoponto),masdentrodaescola,dentrodoscampidasuniversidades!

Enquanto os “grandes debates”, os “seminários revolucionários”permanecerem dentro da escola, cada vez mais isolada dos problemas reais elonge das decisões políticas, não existirá uma educação libertadora.Compreendendoestaestratégia,oprofessoradobrasileiroinvadehojeasruas,sai

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daescola, lutandopormelhorescondiçõesdeensinoedesalário,certodeque,assim fazendo, está também fortalecendo a categoria e transformando asociedadecivilnumasociedademaisresistenteàdominação.

A burguesia nacional reconhece os limites da conscientização que são oslimites da própria consciência. E aqui ela tem razão: uma conscientização quepartisse apenas do educador, limitada ao campo escolar, é insuficiente paraoperarumaverdadeiramudançasocial.Aeducação,eopapeldoeducador,nãoésó isso. Se houve tempo emque o papel do pedagogo parecia ser este, hoje, oeducador,ointelectualengajado,cimentadocomooprimido,nãopodelimitar-seaconscientizardentrodasaladeaula.Deveráaprenderaseconscientizarcomamassa.

Háigualmentelimitesparaodiálogo.Porquenumasociedadedeclassesnãohá diálogo, há apenas um pseudodiálogo, utopia romântica quando parte dooprimidoeardilastutoquandopartedoopressor.Numasociedadedivididaemclasses antagônicas não há condições para uma pedagogia dialogal. O diálogopode estabelecer-se talvez no interior da escola, da sala de aula, em pequenosgrupos,masnuncanasociedadeglobal.Dentrodeumavisãomacroeducacional,emquea açãopedagógicanão se limita à escola, aorganizaçãoda sociedadeétambémtarefadoeducador.E,paraisso,oseumétodo,asuaestratégia,émuitomaisadesobediência,oconflito,asuspeita,doqueodiálogo.Atransparênciadodiálogo é substituída pela suspeita crítica. O papel do educador de um novotempo,dotempodoacirramentodascontradiçõesedoantagonismodeclasse,oeducador da passagem, do trânsito, é mais a organização do conflito, doconfronto,doqueaaçãodialógica.

Nãopretendocomissocondenartododiálogo.Odiálogo,porém,nãopodeexcluir o conflito, sob pena de ser um diálogo ingênuo. Eles atuamdialeticamente: o que dá força ao diálogo entre os oprimidos é a sua força debarganha frente ao opressor. É o desenvolvimento do conflito como opressorquemantémcoesoooprimidocomooprimido.OdiálogodequenosfalaPauloFreirenão é o diálogo romântico entre oprimidos e opressores,mas o diálogoentreosoprimidosparaasuperaçãodesuacondiçãodeoprimidos.Essediálogosupõeesecompleta,aomesmotempo,naorganizaçãodeclasse,nalutacomumcontraoopressor,portanto,noconflito.

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Nãopodemosesperarqueumaescolaseja“comunitária”numasociedadedeclasses.Nãopodemosesquecerqueaescolatambémfazpartedasociedade.Elanãoéumailhadepurezanointeriordaqualascontradiçõeseosantagonismosdeclassenãopenetram.Numasociedadedeclassestodaeducaçãoéclassista.E,naordemclassista, educar,noúnico sentidoaceitável, significa conscientizar elutarcontraestaordem,subvertê-la.Portanto,umatarefaquerevelamuitomaisoconflitointerioràordemclassistadoqueabuscadeumdiálogoqueinstaureacomunhãodepessoasoudeclasses.

Até que ponto o humanismo sustentado pela pedagogia tradicional, quevaloriza excessivamente o diálogo, não é uma maneira de esconder a luta declasses,asdisparidadessocioeconômicas,oantagonismo,osinteressesescusosdaclassedominante?Atradiçãohumanistadanossaeducaçãoparece justificar talhipótese.Nossaeducaçãoé sustentadaporessesdois tiposdehumanismoque,emboracombatamentresi,sãoambosconservadores:ohumanismoidealista,deumlado, lutandoporumaeducaçãopietistacujo idealeducativoconduziriaaoobscurantismo da Idade Média, frequentemente encabeçado pela escolaparticularereligiosa;poroutro lado,ohumanismotecnológico, reduzindotodaeducação a um arsenal de metodologias e de instrumentos de aprendizagem,despolitizando a grandemassa da população,mais frequentemente professadopelasescolasoficiaiseburocráticas.Umseperdenacontemplaçãodosideaisdeuma sociedade “humana”, “acima”da lutade classes;outroelimina todo ideal,substituindo-opelaciênciaepelatécnica.

Édentrodessequadroquevejoa leituradestaobra,publicada jáháalgunsanosemespanhol,comoumsubsídiovaliosoparaacompreensãodarealidadeeducacional latino-americana, dentro de uma “sociedade fechada”, acompreensão do papel do trabalhador social, do profissional engajado,compromissado com um projeto de uma sociedade diferente, isto é, uma“sociedadeaberta”.

DepoisdePauloFreireninguémmaispodeignorarqueaeducaçãoésempreumatopolítico.Aquelesquetentamargumentaremcontrário,afirmandoqueoeducador não pode “fazer política”, estão defendendo uma certa política, apolítica da despolitização. Pelo contrário, se a educação, notadamente abrasileira, sempre ignorouapolítica,apolíticanunca ignorouaeducação.Não

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estamos politizando a educação. Ela sempre foi política. Ela sempre esteve aserviçodas classesdominantes.Este éumprincípiodequepartePauloFreire,princípiosubjacenteacadapáginaqueaquiescreveu.

Hoje, a volta dele representa um momento importante na história daeducaçãonoBrasil.Comelesurgeapossibilidadedereanimarodebateemtornodos problemas educacionais brasileiros, debate este sufocado no período deobscurantismoimpostopelaoligarquiagovernamentalnãomenosobscurantistae tecnocrática. Com a volta de Paulo Freire, continuador de Fernando deAzevedo,LourençoFilho,AnísioTeixeira,aeducaçãobrasileiraganhaumnovoalento, adquire maior lucidez, faz-nos lembrar que o Brasil tem uma históriaeducacionalimportante.

MoacirGadottiCampinas,7deagostode1979

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1OCOMPROMISSODOPROFISSIONALCOMASOCIEDADE

AQUESTÃODOCOMPROMISSOdoprofissionalcomasociedadenoscolocaalgunspontos que devem ser analisados. Algumas reflexões das quais não podemosfugir,necessáriasparaoesclarecimentodotema.

Em primeiro lugar, a expressão “o compromisso do profissional com asociedade” nos apresenta o conceito do compromisso definido pelocomplemento “do profissional”, ao qual segue o termo “com a sociedade”.Somente a presença do complemento na frase indica que não se trata docompromisso de qualquer um,mas do profissional.A expressão final, por suavez, define o polo para o qual o compromisso se orienta e no qual o atocomprometidosóaparentementeterminaria,poisnaverdadenãotermina,comotrataremosdevermaisadiante.

Aspalavrasqueconstituemafraseaseranalisadanãoestãoalisimplesmentejogadas, postas arbitrariamente. Diríamos que se encontram, inclusive,“comprometidas” entre si e implicam, na estrutura de suas relações, umadeterminadaposição:adequemasexpressou.

O compromisso seria umapalavra oca, uma abstração, senão envolvesse adecisão lúcida e profunda de quem o assume. Se não se desse no plano doconcreto.

Seprosseguimosnaanálisedafraseproposta,sentimosanecessidadedeumapenetraçãocadavezmaiornoconceitodocompromisso, comaqualpodemos

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apreenderaquiloquefazcomqueumatoseconstituaemcompromisso.Mas, no momento em que esta necessidade nos é imposta, cada vez mais

claramente,comoumaexigênciapréviaàanálisedocompromissodefinido—odoprofissionalcomasociedade—,umareflexãoanteriorsefaznecessária.Éaqueseconcentraemtornodapergunta:quempodecomprometer-se?

Contudo, como pode parecer, esta pergunta não se formula no sentido daidentificação de quem, entre alguns sujeitos hipotéticos—A, B ou C—, é oprotagonistadeumatodecompromisso,numasituaçãodada.Éumaperguntaque se antecipaaqualquer situaçãode compromisso. Indaga sobreaontologiadosersujeitodocompromisso.Arespostaaesta indagaçãonos fazentenderoatocomprometido,quecomeçaadesvelar-sediantedanossacuriosidade.

De fato, ao nos aproximarmos da natureza do ser que é capaz de secomprometer,estaremosnosaproximandodaessênciadoatocomprometido.

Aprimeiracondiçãoparaqueumserpossaassumirumatocomprometidoestáemsercapazdeagirerefletir.

Éprecisoquesejacapazde,estandonomundo,saber-senele.Saberque,seaformapelaqualestánomundocondicionaasuaconsciênciadesteestar,écapaz,sem dúvida, de ter consciência desta consciência condicionada. Quer dizer, écapazde intencionar sua consciênciapara aprópria formade estar sendo,quecondicionasuaconsciênciadeestar.

Seapossibilidadedereflexãosobresi, sobreseuestarnomundo,associadaindissoluvelmente à sua ação sobre o mundo, não existe no ser, seu estar nomundosereduzaumnãopodertransporos limitesque lhesão impostospeloprópriomundo,doqueresultaqueestesernãoécapazdecompromisso.Éumserimersonomundo,noseuestar,adaptadoaeleesemterdeleconsciência.Suaimersãonarealidade,daqualnãopodesair,nem“distanciar-se”paraadmirá-lae, assim, transformá-la, fazdeleumser “fora”do tempoou“sob”o tempoou,ainda, num tempo que não é seu. O tempo para tal ser “seria” um perpétuopresente,umeternohoje.A-histórico,umsercomoestenãopodecomprometer-se;emlugarderelacionar-secomomundo,oserimersonelesomenteestáemcontatocomele.Seuscontatosnãochegama transformaromundo,poisdelesnão resultam produtos significativos, capazes de (inclusive, voltando-se sobreele)marcá-los.

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Somenteumserqueécapazdesairdeseucontexto,de“distanciar-se”delepara ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e,transformando-o,saber-setransformadopelasuaprópriacriação;umserqueéeestásendonotempoqueéoseu,umserhistórico,somenteesteécapaz,portudoisso,decomprometer-se.

Alémdisso,somenteesteseréjáemsiumcompromisso.Esteseréohomem.Mas, se este ser é o homem que, além de poder comprometer-se, já é um

compromisso,oqueéocompromisso?Uma vez mais teremos de voltar ao próprio homem, em busca de uma

resposta.Porém,nãoaumhomemabstrato,masaohomemconcreto,queexistenumasituaçãoconcreta.

Afirmamosanteriormentequeaprimeiracondiçãoparaqueumserpudesseexercer um ato comprometido era a sua capacidade de atuar e refletir. Éexatamente esta capacidade de atuar, operar, de transformar a realidade deacordo com finalidades propostas pelo homem, à qual está associada suacapacidadederefletir,queofazumserdapráxis.

Seaçãoereflexão,comoconstituintes inseparáveisdapráxis, sãoamaneirahumana de existir, isso não significa, contudo, que não estão condicionadas,comosefossemabsolutas,pelarealidadeemqueestáohomem.

Assim, como não há homem sem mundo, nem mundo sem homem, nãopode haver reflexão e ação fora da relação homem-realidade. Esta relaçãohomem-realidade, homem-mundo, ao contrário do contato animal com omundo,comojáafirmamos, implicaatransformaçãodomundo,cujoproduto,por sua vez, condiciona ambas, ação e reflexão. É, portanto, através de suaexperiência nestas relações que o homem desenvolve sua ação-reflexão, comotambém pode tê-las atrofiadas. Conforme se estabeleçam estas relações, ohomempodeounãotercondiçõesobjetivasparaoplenoexercíciodamaneirahumanadeexistir.

Contudo,ofundamentaléqueestarealidade,proibitivaounãodopensaredoatuarautênticos,écriaçãodoshomens.Daíelanãopode,porserhistóricatalcomooshomensqueacriam,transformar-seporsisó.Oshomensqueacriamsãoosmesmosquepodemprosseguirtransformando-a.

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Pode-sepensar, diantedesta afirmação, que estamosnuma espéciedebecosem saída. Porque se a realidade, criada pelos homens, dificulta-lhesobjetivamente seu atuar e seu pensar autênticos, como podem, então,transformá-laparaquepossampensareatuarverdadeiramente?Sea realidadecondicionaseupensareatuarnãoautênticos,comopodempensarcorretamenteo pensar e o atuar incorretos? É que, no jogo interativo do atuar-pensar omundo,se,nummomentodaexperiênciahistóricadoshomens,osobstáculosaoseu autêntico atuar e pensar não são visualizados, em outros, estes obstáculospassam a ser percebidos para, finalmente, os homens ganharem com eles suarazão.Oshomensalcançamarazãodosobstáculosnamedidaemquesuaaçãoéimpedida.Éatuandoounãopodendoatuarqueselhesaclaramosobstáculosàação, a qual não se dicotomiza da reflexão. E como é próprio da existênciahumana a atuação-reflexão, quando se impede um homem comprometido deatuar,oshomenssesentemfrustradoseporissoprocuramsuperarasituaçãodefrustração.1

Impedidos de atuar, de refletir, os homens encontram-se profundamenteferidos em si mesmos, como seres do compromisso. Compromisso com omundo, que deve ser humanizado para a humanização dos homens,responsabilidade com estes, com a história. Este compromisso com ahumanizaçãodohomem,queimplicaumaresponsabilidadehistórica,nãopoderealizar-se através do palavrório, nem de nenhuma outra forma de fuga domundo, da realidade concreta, onde se encontram os homens concretos. Ocompromisso, próprio da existência humana, só existe no engajamento com arealidade, de cujas “águas” os homens verdadeiramente comprometidos ficam“molhados”, ensopados. Somente assim o compromisso é verdadeiro. Aoexperienciá-lo,numatoquenecessariamenteécorajoso,decididoeconsciente,oshomens jánãosedizemneutros.Aneutralidadefrenteaomundo, frenteaohistórico, frente aos valores, reflete apenas o medo que se tem de revelar ocompromisso.Estemedoquasesempreresultadeum“compromisso”contraoshomens, contra sua humanização, por parte dos que se dizem neutros. Estão“comprometidos”consigomesmos,comseusinteressesoucomosinteressesdosgrupos aos quais pertencem. E como este não é um compromisso verdadeiro,assumemaneutralidadeimpossível.

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Overdadeiro compromisso é a solidariedade, enão a solidariedade comosquenegamocompromissosolidário,mascomaquelesque,nasituaçãoconcreta,seencontramconvertidosem“coisas”.

Comprometer-se com a desumanização é assumi-la e, inexoravelmente,desumanizar-setambém.

Estaéarazãopelaqualoverdadeirocompromisso,queésempresolidário,nãopodereduzir-sejamaisagestosdefalsagenerosidade,nemtampoucoserumato unilateral, no qual quem se compromete é o sujeito ativo do trabalhocomprometido e aquele com quem se compromete a incidência de seucompromisso.Issoseriaanularaessênciadocompromisso,que,sendoencontrodinâmico de homens solidários, ao alcançar aqueles com os quais alguém secompromete,voltadestesparaele,abraçandoatodosnumúnicogestoamoroso.

Pois bem, se nos interessa analisar o compromisso do profissional com asociedade, teremosquereconhecerqueele,antesdeserprofissional,éhomem.Devesercomprometidoporsimesmo.

Comohomem,quenãopodeestar foradeumcontextohistórico-socialemcujas inter-relações constrói seu eu, é um ser autenticamente comprometido,falsamente“comprometido”ouimpedidodesecomprometerverdadeiramente.2

Nocasodoprofissional, énecessário juntar ao compromissogenérico, semdúvida concreto, que lhe é próprio como homem, o seu compromisso deprofissional.

Sedeseucompromissocomohomem,como jávimos,nãopode fugir, foradeste compromisso verdadeiro com o mundo e com os homens, que ésolidariedade com eles para a incessante procura da humanização, seucompromissocomoprofissional,alémdetudoisso,éumadívidaqueassumiuaofazer-seprofissional.

Seucompromissocomoprofissional,semdúvida,podedicotomizar-sedeseucompromissooriginaldehomem.Ocompromisso,comoumquefazerradicaletotalizado, repele as racionalizações. Não posso nas segundas-feiras assumircompromissocomohomem,paranasterças-feirasassumi-locomoprofissional.Umavezque“profissional”éatributodehomem,nãoposso,quandoexerçoumquefazeratributivo,negarosentidoprofundodoquefazersubstantivoeoriginal.Quantomaisme capacito como profissional, quantomais sistematizominhas

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experiências,quantomaismeutilizodopatrimôniocultural,que épatrimôniode todos e ao qual todos devem servir,mais aumentaminha responsabilidadecomoshomens.Nãoposso,porissomesmo,burocratizarmeucompromissodeprofissional,servindo,numainversãodolosadevalores,maisaosmeiosqueaofimdohomem.Nãopossomedeixarseduzirpelastentaçõesmíticas,entreelasadaminhaescravidãoàs técnicas,que, sendoelaboradaspeloshomens, sãosuasescravasenãosuassenhoras.

Nãodevojulgar-me,comoprofissional,“habitante”deummundoestranho;mundo de técnicos e especialistas salvadores dos demais, donos da verdade,proprietários do saber, que devem ser doados aos “ignorantes e incapazes”.Habitantes de um gueto, de onde saio messianicamente para salvar os“perdidos”, que estão fora. Se procedo assim, não me comprometoverdadeiramentecomoprofissionalnemcomohomem.Simplesmentemealieno.

Todavia, existe algo que deve ser destacado. Na medida em que ocompromissonãopodeserumatopassivo,maspráxis—açãoereflexãosobrearealidade—, inserçãonela, ele implica indubitavelmente um conhecimento darealidade.Seocompromissosóéválidoquandoestácarregadodehumanismo,este, por sua vez, só é consequente quando está fundado cientificamente.Envolta, portanto, no compromisso do profissional, seja ele quem for, está aexigênciadeseuconstanteaperfeiçoamento,desuperaçãodoespecialismo,quenão é o mesmo que especialidade. O profissional deve ir ampliando seusconhecimentos em torno do homem, de sua forma de estar sendo nomundo,substituindoporumavisãocríticaavisãoingênuadarealidade,deformadapelosespecialismosestreitos.

Não é possível um compromisso verdadeiro com a realidade, e com oshomensconcretosquenelaecomelaestão,sedestarealidadeedesteshomenssetem uma consciência ingênua. Não é possível um compromisso autêntico se,àquele que se julga comprometido, a realidade se apresenta como algo dado,estático e imutável. Se este olha e percebe a realidade enclausurada emdepartamentosestanques.Senãoavêenãoacaptacomoumatotalidade,cujaspartes se encontramempermanente interação.Daí suaaçãonãopoder incidirsobreaspartesisoladas,pensandoqueassimtransformaarealidade,massobreatotalidade.É transformandoa totalidadeque se transformamaspartesenãoo

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contrário.Noprimeirocaso,suaação,queestariabaseadanumavisãoingênua,meramente“focalista”darealidade,nãopoderiaconstituirumcompromisso.

Umprofissional, por exemplo, para quem aReformaAgrária é apenas uminstrumento jurídico que normaliza uma sociedade em transformação, semconseguirapreendê-laemsuacomplexidade,emsuaglobalidade,nãopodeemtermosconcretoscomprometer-secomela,aindaqueideologicamenteaaceite.

AquestãoéqueaReformaAgrária,comoumprocessoglobal,nãoéalgoque,não existindo anteriormente, passa a existir completa e acabadamente com ainstauraçãodeumaestruturanova.AReformaAgrária,porserumprocesso,éalgodinâmico.Dá-senodomíniohumano.Asrelaçõeshomem-realidade,queseverificavamnaestruturaanterior,necessariamentedeixaramsuamarcaprofundana forma de estar sendo do camponês. Mudada a velha estrutura, através daReforma, se inevitável é que, cedo ou tarde, a estrutura instaurada condicionenovas formas de pensar e de atuar, resultantes das novas relações homem-realidade,istonãosignificaqueessamudançasedêinstantaneamente.

Ocompromisso,portanto,deumprofissionaldaReformaAgráriaqueavejasobestavisãocriticada,nãopodeserverdadeiro,nãopodeserocompromissodoprofissional, em cuja ação de caráter técnico se esquece do homem ou se ominimiza,pensando,ingenuamente,queexisteodilemahumanismo-tecnologia.E,respondendoaodesafiodofalsodilema,3optapelatécnica,considerandoqueaperspectivahumanistaéumaformaderetardarassoluçõesmaisurgentes.Oerro desta concepção é tão nefasto como o erro da sua contrária — a falsaconcepçãodohumanismo—,quevênatecnologiaarazãodosmalesdohomemmoderno. E o erro básico de ambas, que não podem oferecer a seus adeptosnenhumaformarealdecompromisso,estáemque,perdendoelasadimensãodatotalidade,nãopercebemoóbvio:quehumanismoetecnologianãoseexcluem.Não percebem que o primeiro implica a segunda e vice-versa. Se o meucompromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de suahumanização,desualibertação,nãopossoporissomesmoprescindirdaciência,nemdatecnologia,comasquaismevouinstrumentandoparamelhorlutarporestacausa.

Porissotambémnãopossoreduzirohomemaumsimplesobjetodatécnica,aumautômatomanipulável.

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Quase sempre, técnicos de boa vontade, embora ingênuos, deixam-se levarpela tentação tecnicista (mitificação da técnica) e, em nome do que chamam“necessidade de não perder tempo”, tentam, verticalmente, substituir osprocedimentosempíricosdopovo(camponeses,porexemplo)porsuatécnica.

Partemdopressupostoverdadeiro“dequeénãosónecessário,masurgente,aumentar a produção agrícola”.Uma das “exigências para consegui-lo está namudançatecnológicaquedeveverificar-se”.Outropressupostoválido.

No entanto, ao desconhecer que tanto sua técnica como os procedimentosempíricos dos camponeses sãomanifestações culturais e, deste ponto de vista,ambas válidas, cada qual em sua medida, e que, por isso, não podem sermecanicamentesubstituídos,enganam-seejánãopodemcomprometer-se.

Terminam, então, por cair nesta irônica contradição: “para não perdertempo”oquefazeméperdê-lo.

Deformados pela acriticidade, não são capazes de ver o homem na suatotalidade,no seuquefazer-ação-reflexão,que sempre sedánomundoe sobreele.Pelocontrário, serámais fácil,paraconseguir seusobjetivos,verohomemcomouma“lata”vaziaquevãoenchendocomseus“depósitos”técnicos.Masaodesenvolverdesta forma suaação,que temsua incidêncianeste “homem lata”,podemosmelancolicamenteperguntar:“Ondeestáseucompromissoverdadeirocomohomem,comsuahumanização?”

Todavia, em nossos países há sem dúvida uma sombra que ameaçapermanentemente o compromisso verdadeiro. Ameaça que se concretiza naautenticidade do compromisso. Estamos nos referindo à alienação (oualheamento)culturalquesofremnossassociedades.4

Como centrode decisão econômica e cultural, emgrandeparte fora delas(portanto, sociedades de economia periférica, dependente, exportadoras dematérias-primase importadorasnãosomentedeprodutosmanufaturados,mastambémdeideias,detécnicas,demodelos),sãosociedades“seresparaoutro”.

Assim, o primeiro grande obstáculo que se apresenta nestas sociedades aocompromissoautênticoencontra-senafaltadeautenticidadedeseupróprioserdual.Estassociedadessãoenãosãoelaspróprias.

Na medida em que, em grande parte, para solucionar seus problemasimportam técnicas e tecnologias, sem a devida “redução sociológica” destas a

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suas condições objetivas (não necessariamente idênticas às das sociedadesmetropolitanas,ondesedesenvolvemessastecnologiasimportadas),nãopodemproporcionarascondiçõesparaocompromissoautêntico.

Não há técnicas neutras que possam ser transplantadas de um contexto aoutro.Aalienaçãodoprofissionalnãolhepermiteperceberestaobviedade.

Seucompromissosedesfaznamedidaemqueoinstrumentoparasuaaçãoéuminstrumentoestranho,àsvezesantagônico,àsuacultura.5

Oalienado,sejaprofissionalounão,poucoimporta,nãodistingueoanodocalendário do ano histórico. Não percebe que existe uma nãocontemporaneidadedocoetâneo.

Todasestasmanifestaçõesdaalienaçãoeoutrasmais,cujaanálisedetalhadanão nos cabe aqui fazer, explicam a inibição da criatividade no período daalienação.Esta,geralmente,produzumatimidez,umainsegurança,ummedodecorrero riscoda aventurade criar, semoqualnãohá criação.No lugardesterisco que deve ser corrido (a existência humana é risco) e que tambémcaracterizaacoragemdocompromisso,aalienaçãoestimulaoformalismo,quefuncionacomoumaespéciedecintodesegurança.

Daí o homem alienado, inseguro e frustrado, ficar mais na forma que noconteúdo;verascoisasmaisnasuperfíciequeemseuinterior.

Seu“pensamento”nãotemforçainstrumentalporquenascedeseucontextopara voltar a ele. Constitui-se na nostalgia demundos alheios e distantes. Seu“pensamento”, finalmente,não temforça,nemparao seumundo,porquedelenãonasceu,nemparaooutro,omundoimagináriodasuanostalgia.

Destaforma,comocomprometer-se?Entretanto, nomomento em que a sociedade se volta sobre simesma e se

inscrevenadifícilbuscadesuaautenticidade,começaadarevidentessinaisdepreocupaçãopeloseuprojetohistórico.

Quantomaiscresceestapreocupação,maisdesfavorávelsetornaoclimaparaocompromisso.

EstamosconvencidosdequeomomentohistóricodaAméricaLatinaexigede seusprofissionaisuma séria reflexão sobre sua realidade,que se transformarapidamente,edaqualresultesuainserçãonela.Inserçãoestaque,sendocrítica,é compromisso verdadeiro. Compromisso com os destinos do país.

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Compromissocomseupovo.Comohomemconcreto.Compromissocomosermaisdestehomem.

Se, numa sociedade preponderantemente alienada, o profissional, pelanaturezamesmadasociedadehierarquicamenteestruturada,éumprivilegiado,numasociedadequeseestáabrindooprofissionaléumcomprometidooudevesê-lo.

Fugir da concretização deste compromisso é não só negar-se a si mesmocomonegaroprojetonacional.

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Notas

1 Neste sentido, cf. Erich Fromm, sobretudo O coração do homem, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1965.Excelentelivro,noqualelediscuteclaramenteafrustraçãodonãoatuaresuasconsequências.

2 “Impedido de comprometer-se verdadeiramente” significa, para nós, a situação na qual as grandesmaiorias encontram-se manipuladas por minorias, através de ordens. Estas grandes maiorias têm aimpressãodequesecomprometem,quando,naverdade,sãoinduzidasemseu“compromisso”.Escolhementre as opções (nomelhordos casos) que asminorias lhes indicam, quase sempremanhosamente, pelapropaganda. Existe toda uma bibliografia sobre este assunto. Sugerimos, contudo, a obra de Fromm, jácitada,eWrightMills,Laelitedelpoder.México:FondodeCulturaEconómica,1945.

3 O autor não entende por humanismo, neste como em outros estudos seus, as belas-artes, a formaçãoclássica,aristocrática,aerudição,nemtampoucoum idealabstratodebomhomem.Ohumanismoéumcompromissoradicalcomohomemconcreto.Compromissoqueseorientanosentidodetransformaçãodequalquersituaçãoobjetivanaqualohomemconcretoestejasendoimpedidodesermais.

4 De algum tempo para cá, as sociedades latino-americanas começam a pôr-se à prova, historicamente.Algumasmaisqueoutras.Começamatentarumavoltasobresimesmas,oqueaslevaaseauto-objetivareme,assim,descobrirem-sealienadas.Seestadescobertanãosignificaaindaadesalienação—eadmiti-loseriaassumir uma postura idealista—, é, contudo, motivadora para que a sociedade inicie a procura de suaconcretização.

5 Estaéarazãopelaqualdefendemos(parabolsistasnacionaisquevãoestudaremcursosdeformaçãoouaperfeiçoamento em centros estrangeiros de outro nível econômico e tecnológico) um curso prévio eprofundo sobre seu país, sobre sua realidade histórica, econômica, social e cultural, sobre as condiçõesconcretasdeseuatuaretc.Muitosdosjovenslatino-americanos,aovoltaremaseuspaíses,sentem-secomoestrangeirosfrustradosoureforçamonúmerodostransplantesdeexperiênciasdeoutroespaçoedeoutrotempohistórico.Sãomaiscompromissosinautênticos.

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2AEDUCAÇÃOEOPROCESSODEMUDANÇASOCIAL

1.INTRODUÇÃO

Nãoépossívelfazerumareflexãosobreoqueéaeducaçãosemrefletirsobreoprópriohomem.

Porisso,éprecisofazerumestudofilosófico-antropológico.Comecemosporpensarsobrenósmesmosetratemosdeencontrar,nanaturezadohomem,algoque possa constituir o núcleo fundamental no qual se sustente o processo deeducação.

Qual seria este núcleo captável a partir de nossa própria experiênciaexistencial?

Estenúcleoseriaoinacabamentoouainconclusãodohomem.Ocãoeaárvoretambémsãoinacabados,masohomemsesabeinacabadoe

por isso se educa.Nãohaveria educação seohomemfosseumseracabado.Ohomempergunta-se:Quemsou?Deondevenho?Ondepossoestar?Ohomempode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinadomomento, numacertarealidade:éumsernabuscaconstantedesermaise,comopodefazerestaautorreflexão,podedescobrir-secomoumserinacabado,queestáemconstantebusca.Eisaquiaraizdaeducação.

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Aeducaçãoéumarespostada finitudeda infinitude.Aeducaçãoépossívelpara ohomem,porque este é inacabado e sabe-se inacabado. Isto leva-o à suaperfeição.Aeducação,portanto,implicaumabuscarealizadaporumsujeitoqueéohomem.Ohomemdeveserosujeitodesuaprópriaeducação.Nãopodeseroobjetodela.Porisso,ninguémeducaninguém.

Poroutrolado,abuscadeveseralgoedevetraduzir-seemsermais:éumabusca permanente de “simesmo” (eu não posso pretender quemeu filho sejamaisemminhabuscaenãonadele).

Sem dúvida, ninguém pode buscar na exclusividade, individualmente. Estabusca solitária poderia traduzir-se em um ter mais, que é uma forma de sermenos. Esta busca deve ser feita com outros seres que também procuram sermaiseemcomunhãocomoutrasconsciências,casocontráriose fariadeumasconsciênciasobjetosdeoutras.Seria“coisificar”asconsciências.

Jaspersdisse:“Eusounamedidaemqueosoutrostambémsão.”O homem não é uma ilha. É comunicação. Logo, há uma estreita relação

entrecomunhãoebusca.

2.SABER-IGNORÂNCIA

Aeducaçãotemcaráterpermanente.Nãohásereseducadosenãoeducados.Estamos todos nos educando. Existem graus de educação, mas estes não sãoabsolutos.

O homem, por ser inacabado, incompleto, não sabe de maneira absoluta.SomenteDeussabedemaneiraabsoluta.

Asabedoriapartedaignorância.Nãoháignorantesabsolutos.Senumgrupode camponeses conversarmos sobre colheitas, devemos ficar atentos para apossibilidadedeelessaberemmuitomaisdoquenós.

Seelessabemselarumcavaloesabemquandovaichover,sesabemsemearetc., não podem ser ignorantes (durante a IdadeMédia, saber selar um cavalorepresentavaaltoníveltécnico),oquelhesfaltaéumsabersistematizado.

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Osabersefazatravésdeumasuperaçãoconstante.Osabersuperadojáéumaignorância.Todosaberhumano tememsio testemunhodonovosaberque jáanuncia.Todosabertrazconsigosuaprópriasuperação.Portanto,nãohásabernem ignorância absoluta: há somente uma relativização do saber ou daignorância.

Porisso,nãopodemosnoscolocarnaposiçãodosersuperiorqueensinaumgrupo de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica umsaber relativo a outros que possuem outro saber relativo. (É preciso saberreconhecer quando os educandos sabem mais e fazer com que eles tambémsaibamcomhumildade.)

3.AMOR-DESAMOR

O amor é uma tarefa do sujeito. É falso dizer que o amor não esperaretribuições.Oamoréumaintercomunicação íntimadeduasconsciênciasquese respeitam.Cadaumtemooutrocomosujeitode seuamor.Nãose tratadeapropriar-sedooutro.

Nesta sociedade há uma ânsia de impor-se aos demais numa espécie dechantagemdeamor.Istoéumadistorçãodoamor.Quemamaofazamandoosdefeitoseasqualidadesdoseramado.

Ama-se na medida em que se busca comunicação, integração a partir dacomunicaçãocomosdemais.

Nãohá educação semamor.Oamor implica luta contrao egoísmo.Quemnão é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. Não há educaçãoimposta, como não há amor imposto. Quem não ama não compreende opróximo,nãoorespeita.

Nãoháeducaçãodomedo.Nadasepodetemerdaeducaçãoquandoseama.

4.ESPERANÇA-DESESPERANÇA

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Com base no inacabamento, nasce o problema da esperança e dadesesperança. Podemos fazer dele o objeto de nossa reflexão. Eu espero namedidaemquecomeçoabusca,poisnãoseriapossívelbuscarsemesperança.

Umaeducaçãosemesperançanãoéeducação.Quemnãotemesperançanaeducaçãodoscamponesesdeveráprocurartrabalhonoutrolugar.

5.OHOMEM—UMSERDERELAÇÕES

Ohomemestánomundoecomomundo.Seapenasestivessenomundonãohaveriatranscendêncianemseobjetivariaasimesmo.Mascomopodeobjetivar-se,podetambémdistinguirentreumeueumnãoeu.

Istoo tornaumser capazde relacionar-se;de sairde si; deprojetar-senosoutros;detranscender.Podedistinguirórbitasexistenciaisdistintasdesimesmo.

Estasrelaçõesnãosedãoapenascomosoutros,massedãonomundo,comomundoepelomundo(nistoseapoiariaoproblemadareligião).

Oanimalnãoéumserderelações,masdecontatos.Estánomundoenãocomomundo.

6.CARACTERÍSTICAS

Aprimeira característicadesta relaçãoé ade refletir sobreestemesmoato.Existeumareflexãodohomemfaceàrealidade.Ohomemtendeacaptarumarealidade, fazendo-a objeto de seus conhecimentos. Assume a postura de umsujeitocognoscentedeumobjetocognoscível.Istoéprópriodetodososhomensenãoprivilégiodealguns(por issoaconsciênciareflexivadeveserestimulada:conseguirqueoeducandoreflitasobresuaprópriarealidade).

Quandoohomemcompreendesuarealidade,podelevantarhipótesessobreodesafiodessarealidadeeprocurarsoluções.Assim,podetransformá-laecomseutrabalhopodecriarummundopróprio:seueuesuascircunstâncias.

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O homem enche de cultura os espaços geográficos e históricos. Cultura étudo o que é criado pelo homem. Tanto uma poesia como uma frase desaudação.Aculturaconsisteemrecriarenãoemrepetir.Ohomempodefazê-loporquetemumaconsciênciacapazdecaptaromundoetransformá-lo.Istonosleva a uma segunda característica da relação: a consequência, resultante dacriaçãoerecriaçãoqueassemelhaohomemaDeus.Ohomemnãoé,pois,umhomem para a adaptação. A educação não é um processo de adaptação doindivíduoàsociedade.Ohomemdevetransformararealidadeparasermais(apropagandapolíticaoucomercialfazemdohomemumobjeto).

Ohomemseidentificacomsuaprópriaação:objetivaotempo,temporaliza-se,faz-sehomem-história.

O animal está sob o tempo. Para ele não há ontemnem amanhã. Está sobuma eternidade esmagadora. Está encharcado pelo tempo e por isso não temtempo.

ParaDeus tambémnão existe tempo, porque está sobre ele.O homem, aocontrário, está no tempo e abre uma janela no tempo: dimensiona-se, temconsciênciadeumontemedeumamanhã.

Ohomemprimitivoviveusobotempo,equandoteveconsciênciadotemposehistoricizou.

Deus vive no presente e para ele o meu futuro é presente. Por isso nãopodemosdizerqueDeusprevê,masquevêtudonoseupresente.

As relações do homem são também temporais, transcendentes. O homempodetranscendersuaimanênciaeestabelecerrelaçãocomosseresinfinitos.Masestarelaçãonãopodeserumadomesticação,submissãoouresignaçãodiantedoserinfinito.

As relações ou contatos dos animais são reflexos. Apesar de a psicologiarevelarcerta inteligência (comoadecriançasde trêsanos)emalgunsanimais,estainteligênciaserestringeaomecânicoeaoreflexo.

Emsegundo lugar, as relaçõesdosanimais são inconsequentes, jáqueestesnãotêmliberdadeparacriarounãocriar.Asabelhas,porexemplo,nãopodemfazer ummel especial para consumidores mais exigentes. Estão determinadaspeloinstinto.

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Uma educação que pretendesse adaptar o homem estaria matando suaspossibilidadesdeação,transformando-oemabelha.Aeducaçãodeveestimularaopçãoeafirmarohomemcomohomem.Adaptaréacomodar,nãotransformar.

Ohomemintegra-seenãoseacomoda.Existe,contudo,umaadaptaçãoativa.Quantomaisdirigidossãooshomenspelapropagandaideológica,políticaou

comercial,tantomaissãoobjetosemassas.Quantomaisohomemérebeldeeindócil,tantomaisécriador,apesardeem

nossasociedadesedizerqueorebeldeéumserinadaptado.Os contatos além disso não são temporais, porque os animais não podem

fazersuaprópriahistória.Oscontatossãointranscendentes,porqueosanimaisestãosubmersosemsua

imanência.

Emresumo:

Asrelaçõessão: Oscontatossão:Reflexivas ReflexosConsequentes InconsequentesTranscendentes IntranscendentesTemporais Intemporais

7.OÍMPETOCRIADORDOHOMEM

Em todo homem existe um ímpeto criador. O ímpeto de criar nasce dainconclusão do homem.A educação émais autêntica quantomais desenvolveeste ímpeto ontológico de criar. A educação deve ser desinibidora e não

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restritiva.Énecessáriodarmosoportunidadeparaqueoseducandossejamelesmesmos.

Caso contrário domesticamos, o que significa a negação da educação. Umeducador que restringe os educandos a um plano pessoal impede-os de criar.Muitos acham que o aluno deve repetir o que o professor diz na classe. Issosignificatomarosujeitocomoinstrumento.

O desenvolvimento de uma consciência crítica que permite ao homemtransformar a realidade se faz cada vez mais urgente. Na medida em que oshomens,dentrodesuasociedade,vãorespondendoaosdesafiosdomundo,vãotemporalizando os espaços geográficos e vão fazendohistória pela sua própriaatividadecriadora.

8.CONCEITODESOCIEDADEEMTRANSIÇÃO

Uma determinada época histórica é constituída por determinados valores,comformasdeseroudecomportar-sequebuscamplenitude.

Enquantoestasconcepçõesseenvolvemousãoenvolvidaspeloshomens,queprocuram a plenitude, a sociedade está em constante mudança. Se os fatoresrompem o equilíbrio, os valores começam a decair; esgotam-se, nãocorrespondem aos novos anseios da sociedade.Mas como esta nãomorre, osnovos valores começam a buscar a plenitude. A este período, chamamostransição. Toda transição émudança,mas não vice-versa (atualmente estamosnumaépocadetransição).

Nãohátransiçãoquenãoimpliqueumpontodepartida,umprocessoeumponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. Demodo que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente.Temosdesaberoquefomoseoquesomos,parasaberoqueseremos.

9.CARACTERÍSTICASDEUMASOCIEDADEFECHADA

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A sociedade fechada latino-americana foi uma sociedade colonial. Emalgumas formasbásicasde seu comportamentoobservamosque, geralmente,opontodedecisãoeconômicadestasociedadeestáforadela.Issosignificaqueestepontoestádentrodeoutrasociedade.Estaoutraéasociedadematriz:EspanhaouPortugalemnossarealidadelatino-americana.Estasociedadematrizéaquetemopções; em troca, asdemais sociedades somente recebemordens.Assimépossível falarde “sociedade-sujeito” ede “sociedade-objeto”.Estaúltimaoperanecessariamentecomoumsatélitecomandadopeloseupontodedecisão:éumasociedadeperiféricaenãoreflexiva.

O ponto de decisão ou sociedade matriz fortifica-se e procura na outrasociedade a matéria-prima, e a transforma em produtos manufaturados, quevende às mesmas sociedades-objetos. O custo, a importação, a exportação, opreço etc. são determinados pela sociedade-sujeito. Não cabe à sociedadedominadadecidir. Por issonãohánelamercado interno; sua economia cresceparafora,oquesignificanãocrescer.

O mercado é externo à sociedade-objeto e tem características cíclicas:madeira,açúcar,ferro,café,sucessivamente.Estasociedadeépredatória,nãotempovo:temmassa.Nãoéumaentidadeparticipante.

Nestas sociedades se instala uma elite que governa conforme as ordens dasociedade diretriz. Esta elite impõe-se àsmassas populares. Esta imposição fazcom que ela esteja sobre o povo e não com o povo. As elites prescrevem asdeterminações às massas. Estas massas estão sob o processo histórico. Suaparticipaçãonahistóriaéindireta.Nãodeixammarcascomosujeitos,mascomoobjetos.

A própria organização destas sociedades se estrutura de forma rígida eautoritária. Não há mobilidade vertical ascendente: um filho de sapateirodificilmentepodechegaraserprofessoruniversitário.Tampoucohámobilidadedescendente: o filho de um professor universitário não pode chegar a sersapateiro, pelos preconceitos de seu pai. Demodo que cada um reproduz seustatus.Esteéganhogeralmenteporherança,enãoporvaloroucapacidade.

Asociedadefechadasecaracterizapelaconservaçãodostatusouprivilégioepor desenvolver todo um sistema educacional para manter este status. Estassociedadesnãosãotecnológicas,sãoservis.Háumadicotomiaentreotrabalho

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manual e o intelectual.Nestas sociedades nenhumpai gostaria que seus filhosfossemmecânicossepudessemsermédicos,mesmoquetivessemvocaçãoparasermecânicos.

Consideram o trabalhomanual degradante; os intelectuais são dignos e osquetrabalhamcomasmãossãoindignos.Porissoasescolastécnicasseenchemdefilhosdasclassespopularesenãodaselites.

Também se caracterizam pelo analfabetismo e pelo desinteresse pelaeducaçãobásicadosadultos.

10.SOCIEDADEALIENADA

Quandoo serhumanopretende imitaroutrem, jánão é elemesmo.Assimtambémaimitaçãoservildeoutrasculturasproduzumasociedadealienadaousociedade-objeto. Quanto mais alguém quer ser outro, tanto menos ele é elemesmo.

A sociedade alienada não tem consciência de seu próprio existir. Umprofissional alienado éum ser inautêntico. Seupensarnão está comprometidoconsigomesmo,nãoéresponsável.Oseralienadonãoolhaparaarealidadecomcritériopessoal,mascomolhosalheios.Porissoviveumarealidadeimagináriaenãoasuaprópriarealidadeobjetiva.Viveatravésdavisãodeoutropaís.Vive-seRússiaouEstadosUnidos,masnãoseviveChile,Peru,GuatemalaouArgentina.

Oseralienadonãoprocuraummundoautêntico.Istoprovocaumanostalgia:desejaoutropaíselamentaternascidonoseu.Temvergonhadasuarealidade.Vive em outro país e trata de imitá-lo e se crê culto quantomenos nativo é.Diante de um estrangeiro tratará de esconder as populações marginais emostrarábairrosresidenciais,porquepensaqueascidadesmaiscultassãoasquetêmedifíciosmaisaltos.Comoopensaralienadonãoéautêntico,tambémnãosetraduznumaaçãoconcreta.

Éprecisopartirdenossaspossibilidadesparasermosnósmesmos.Oerronãoestánaimitação,masnapassividadecomqueserecebeaimitaçãoounafaltadeanáliseoudeautocrítica.

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Julga-se que os bolivianos ou panamenhos são preguiçosos, porque sãobolivianos ou panamenhos. Por isso procura-se ser menos boliviano oupanamenho.

Acredita-sequesergrandeéimitarosvaloresdeoutrasnações.Semdúvida,agrandezaseexpressaatravésdaprópriavocaçãonativa.

Outro exemplo de alienação é a preferência pelos técnicos estrangeiros emdetrimentodosnacionais.

A sociedade alienada não conhece a si mesma; é imatura, temcomportamento exemplarista, trata de conhecer a realidade por diagnósticosestrangeiros.

Osdirigentes solucionamosproblemas com fórmulasquederam resultadono estrangeiro. Fazem importação de problemas e soluções. Não conhecem arealidadenativa.

Antes de admitir soluções estrangeiras, teria de se perguntar quais eramascondições e características que motivaram esses problemas. Porque o ano de1966 da Rússia ou dos Estados Unidos não é o mesmo 1966 do Chile ou daArgentina.Somoscontemporâneosnotempo,masnãonatécnica.

Alémdomais,ostécnicosestrangeiroschegamcomsoluçõesfabulosas,semumjulgamentoprévio,quenãocorrespondemànossaidiossincrasia.

As soluções importadas devem ser reduzidas sociologicamente, isto é,estudadase integradasnumcontextonativo.Devemsercriticadaseadaptadas;neste caso, a importação reinventadaou recriada. Isto já é desalienação, o quenãosignificasenãoautovaloração.

Geralmente,aselitesacusamopovodefraquezaouincapacidade,eporissosuassoluçõesnãodãoresultado.Assim,asatitudesdosdirigentesoscilamentreumotimismoingênuoeumpessimismooudesespero.Éingenuidadepensarquea simples importação de soluções salvará o povo. Isso se passa entre oscandidatosque,pornãoconheceremafundoosproblemasdopoder,fazemmilpromessas e, ao chegar ao poder, encontrammil obstáculos que, às vezes, osfazemcairnodesânimo.Nãosetratadedesonestidade,masdeingenuidade.

11.UMASOCIEDADEEMTRANSIÇÃO

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Asociedadefechada,quandosofrepressãodedeterminadosfatoresexternos,se espedaçamasnão se abre;uma sociedade está se abrindoquandocomeçaoprocesso de desalienação com o surgimento de novos valores. Assim, porexemplo,aideiadaparticipaçãopopularnopoder.Nestasociedadeemtransiçãose está numa posição progressista ou reacionária; não se pode estar com osbraços cruzados. É preciso procurar uma nova escala de valores. O velho e onovo têm valor namedida em que são válidos.Ou se dirige a sociedade paraontemouparaoamanhãqueseanunciahoje.Asatitudesreacionáriassãoasquenãosatisfazemoprocessoeosvaloresrequeridospelasociedadedehoje.

Existeumasériedefenômenossociológicosquetêmligaçãocomopapeldoeducador.Nestaetapadasociedadeexistem,primeiramente,asmassaspopularesespectadoras passivas. Quando a sociedade se incorpora nelas, começa umprocesso chamado democratização fundamental. É um crescente ímpeto paraparticipar.Asmassaspopularescomeçamaseprocurareaprocurarseuprocessohistórico. Com a ruptura da sociedade, as massas começam a emergir e estaemersãosetraduznumaexigênciadasmassasporparticipar:éasuapresençanoprocesso.

Asmassasdescobremnaeducaçãoumcanalparaumnovostatusecomeçamaexigirmaisescolas.Começamaterumaapetênciaquenãotinham.Existeumacorrespondência entre a manifestação das massas e a reivindicação. É o quechamamoseducaçãodasmassas.

As massas passam a exigir voz e voto no processo político da sociedade.Percebemqueoutrostêmmais facilidadequeelasedescobremqueaeducaçãolhesabreumaperspectiva.Àsvezesemergememposiçãoingênua,derebeliãoenãorevolucionária,aosedefrontaremcomosobstáculos.Começamaexigireacriar problemas para as elites. Estas agem torpemente, esmagando asmassas eacusando-asdecomunismo.Asmassasqueremparticiparmaisnasociedade.Aselitesachamqueissoéumabsurdoecriaminstituiçõesdeassistênciasocialparadomesticá-las. Não prestam serviços, atuam paternalisticamente, o que é umaformadecolonialismo.Procura-se tratá-lascomocriançasparaquecontinuemsendocrianças.

Umasociedade justadáoportunidadeàsmassasparaque tenhamopções enão a opção que a elite tem, mas a própria opção das massas. A consciência

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criadoraecomunicativaédemocrática.As convicções devem ser profundas, porém nunca impostas aos demais;

através do diálogo se tratará de convencer com amor; o contrário seriasectarismo.Osectarismonãoécrítica,nãoama,nãodialoga,nãocomunica,nãofaz comunicados. No processo histórico, os sectários comportam-se comoinimigos;consideram-sedonosdahistória.Osectarismopretendeconquistaropodercomasmassas,masestasdepoisnãoparticipamdopoder.Paraquehajarevoluçãodasmassasénecessárioqueestasparticipemdopoder.

12.A“CONSCIÊNCIABANCÁRIA”DAEDUCAÇÃO

As sociedades latino-americanas começam a se inscrever neste processo deabertura, umasmais que outras, mas a educação ainda permanece vertical. Oprofessor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. Isto forma umaconsciência bancária. O educando recebe passivamente os conhecimentos,tornando-seumdepósitodoeducador.Educa-separaarquivaroquesedeposita.Masocuriosoéqueoarquivadoéoprópriohomem,queperdeassimseupoderdecriar,sefazmenoshomem,éumapeça.Odestinodohomemdevesercriaretransformaromundo,sendoosujeitodesuaação.

Aconsciênciabancária “pensaquequantomais sedámais se sabe”.Mas aexperiência revela que com este mesmo sistema só se formam indivíduosmedíocres,porquenãoháestímuloparaacriação.

Poroutrolado,quemaparececomocriadoréuminadaptáveledevenivelar-se aosmedíocres. O professor arquiva conhecimentos porque não os concebecomobuscaenãobusca,porquenãoédesafiadopelos seusalunos.Emnossasescolasseenfatizamuitoaconsciênciaingênua.

13.ACONSCIÊNCIAESEUSESTADOS

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A consciência se reflete e vai para omundo que conhece: é o processo deadaptação.Aconsciênciaétemporalizada.Ohomeméconscientee,namedidaemqueconhece,tendeasecomprometercomaprópriarealidade.

Oprimeiroestadodaconsciênciaéa intransitividade (tomou-seeste termodanoçãogramaticaldeverbointransitivo:aquelequenãodeixapassarsuaaçãoaoutro).Existenesteestadoumaespéciedequasecompromissocomarealidade.A consciência intransitiva, contudo, não é consciência fechada. Resulta de umestreitamentono poder de captação da consciência. É uma escuridão a ver ououvirosdesafiosque estãomais alémdaórbita vegetativadohomem.Quantomaissedistanciadacaptaçãodarealidade,maisseaproximadacaptaçãomágicaousupersticiosadarealidade.

A intransitividade produz uma consciência mágica. As causas que seatribuemaosdesafiosescapamàcríticaesetornamsuperstições.

Se uma comunidade sofre uma mudança, econômica, por exemplo, aconsciênciasepromoveesetransformaemtransitiva.Numprimeiromomentoessaconsciênciaéingênua.Emgrandeparteémágica.Estepassoéautomático,masopassoparaaconsciênciacríticanãoé.Elesomentesedácomumprocessoeducativo de conscientização. Este passo exige um trabalho de promoção ecritização. Se não se faz este processo educativo, só se intensifica odesenvolvimento industrial ou tecnológico e a consciência sofrerá um abalo eseráumaconsciênciafanática.Estefanatismoéprópriodohomemmassificado.

Na consciência ingênua há uma busca de compromisso; na crítica há umcompromisso;e,nafanática,umaentregairracional.

Aconsciênciaintransitivarespondeaumdesafiocomaçõesmágicasporquea compreensão émágica.Geralmente em todos nós existe algo de consciênciamágica:oimportanteésuperá-la.

Característicasdaconsciênciaingênua

1. Revelaumacertasimplicidade,tendenteaumsimplismo,nainterpretaçãodos problemas, isto é, encara um desafio de maneira simplista ou com

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simplicidade. Não se aprofunda na casualidade do próprio fato. Suasconclusõessãoapressadas,superficiais.

2. Há também uma tendência a considerar que o passado foi melhor. Porexemplo:ospaisquesequeixamdacondutadeseusfilhos,comparando-aaoquefaziamquandojovens.

3. Tendeaaceitarformasgregáriasoumassificadorasdecomportamento.Estatendênciapodelevaraumaconsciênciafanática.

4. Subestimaohomemsimples.5. É impermeável à investigação. Satisfaz-se com as experiências. Toda

concepção científica para ela é um jogo de palavras. Suas explicações sãomágicas.

6. É frágilnadiscussãodosproblemas.O ingênuopartedoprincípiodequesabe tudo. Pretende ganhar a discussão com argumentações frágeis. Épolêmico, não pretende esclarecer. Sua discussão é feita mais deemocionalidadesquedecriticidades:nãoprocuraaverdade;tratadeimpô-laeprocurarmeioshistóricosparaconvencercomsuasideias.Écuriosovercomo os ouvintes se deixam levar pela manha, pelos gestos e pelopalavreado.Tratadebrigarmais,paraganharmais.

7. Temforteconteúdopassional.Podecairnofanatismoousectarismo.8. Apresentafortescompreensõesmágicas.9. Dizquearealidadeéestáticaenãomutável.

Característicasdaconsciênciacrítica

1. Anseio de profundidade na análise de problemas. Não se satisfaz com asaparências. Pode-se reconhecer desprovida de meios para a análise doproblema.

2. Reconhecequearealidadeémutável.3. Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de

causalidade.4. Procuraverificaroutestarasdescobertas.Estásempredispostaàsrevisões.

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5. Ao se deparar comum fato, faz o possível para livrar-se de preconceitos.Nãosomentenacaptação,mastambémnaanáliseenaresposta.

6. Repele posições quietistas. É intensamente inquieta. Torna-semais críticaquantomaisreconheceemsuaquietudeainquietude,evice-versa.Sabequeénamedidaqueéenãopeloqueparece.Oessencialparapareceralgoéseralgo;éabasedaautenticidade.

7. Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceita adelegaçãodasmesmas.

8. Éindagadora,investiga,força,choca.9. Amaodiálogo,nutre-sedele.

10. Faceaonovo,nãorepeleovelhoporservelho,nemaceitaonovoporsernovo,masaceita-osnamedidaemquesãoválidos.

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3OPAPELDOTRABALHADORSOCIALNOPROCESSODEMUDANÇA6

PARECE-NOS INDISCUTÍVEL que nossa primeira preocupação, em se tratando dediscutir“opapeldotrabalhadorsocialnoprocessodemudança”,devaseraderefletirsobreestaprópriafrase.

Aprincipalvantagemdesseprocedimentoéqueafrasepropostarevelar-se-ádiantedenósnoseusentidoprofundo.Aanálisecríticadafrasenospossibilitaráperceberarelaçãodeseustermos,naformaçãodeumpensamentoestruturado,queenvolveumtemasignificativo.

Nãoserápossível—diga-sedesdejá—adiscussãodotemacontidonafraseproposta se não se tiver dele uma compreensão comum, mesmo partindo dediferentespontosdevista.

Esta análise crítica, que nos leva a uma apreensão mais profunda dosignificadoda frase, superaavisão ingênua,que, sendosimplista,nosdeixanaperiferiadetudooquetratamos.

Para o ponto de vista crítico, que aqui defendemos, o ato de olhar implicaoutro: o de ad-mirar.7 Admiramos e, ao penetrarmos no que foi admirado, oolhamosdedentroedaídedentroaquiloquenosfazver.

Na ingenuidade, que é uma forma “desarmada” de enfrentamento darealidade,apenasolhamose,porquenãoad-miramos,nãopodemosadentraroque é olhado, não vendo o que está sendo olhado. Por isso, é necessário que

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admiremosafrasepropostapara,olhando-adedentro,reconhecê-lacomoalgoquejamaispoderáserreduzidoourebaixadoaumsimplesclichê.

Afraseemdiscussãonãoéumconjuntodemerossonscomrótuloestático,“uma frase feita”.Comodissemos, envolveum tema significativo.Ela é, em si,umproblema,umdesafio.

Se apreciarmos a frase como um clichê, ficando na sua superfície,provavelmentenãofaremosoutracoisaquediscutirsobreoutrosclichês,quenosforam“depositados”ou,emoutraspalavras,sobreconceitos temáticosquenosforampropostoscomoclichês.

Assim,um trabalhodeanálise críticado textoproposto,quenospermitaacompreensãode seu contexto total,noqual se encontrao temadesafiador, vainos possibilitar outro trabalho fundamental: a separação do contexto nas suaspartesconstitutivas.

Estaseparaçãodocontextototalemsuaspartesnospermiteretornaraele,deonde partimos, pela operação de ad-mirar, alcançando, desta maneira, umacompreensãomaisverticaletambémdinâmicadesuasignificação.

Se, depois da ad-miração do texto, que nos permitiu a compreensão docontextototal,procedemosàsuaseparação,constatamosatravésdestainteraçãoentresuaspartesque,porissomesmo,senosapresentamcomo“corresponsáveispelasignificaçãodotexto”.

Ad-mirar,olharpordentro,separarparavoltaraolharotodoad-mirado,queéum irparao todo,umvoltarpara suaspartes,oque significa separá-las, sãooperaçõesquesósedividempelanecessidadequeoespíritotemdeabstrairparaalcançaroconcreto.Nofundosãooperaçõesqueseimplicamdialeticamente.

Então, ao admirar por dentro a frase que contém um tema desafiador, aosepará-laemseuselementos,descobrimosqueotermopapelacha-semodificadopor uma expressão restritiva, que limita sua “extensão”:do trabalhador social.Nesta, por outro lado, há um qualificativo, social, que incide sobre a“compreensão”dotermotrabalhador.8

Esta subunidade da estrutura social, papel do trabalhador social, liga-se àsegunda, o processo demudança, que representa, conforme a compreensão dafrase,“onde”opapelsecumpreatravésdoconectivoem.

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Contudo, há algo a considerar depois desta análise. É que através dela ficaclaroqueopapeldo trabalhador social sedánoprocessodemudança.Esta é,semdúvida,ainteligênciadafraseemestudo.

Esta não será, contudo, a mesma conclusão à qual chegaremos quandoanalisarmosnãomaisaprópriafrase,masoquefazerdotrabalhadorsocial.Aofazê-lo descobriremos um equívoco na frase proposta, pois o papel dotrabalhadorsocialnãosedánoprocessodemudançaemsi,masnumdomíniomaisamplo.Domíniodoqualamudançaéumadasdimensões.

Naturalmente,estedomínioespecíficonoqualatuao trabalhadorsocialéaestruturasocial.

Porissoéqueéprecisotomá-lanasuacomplexidade.Senãoaentendemosemseudinamismoeemsuaestabilidade,nãoteremosdelaumavisãocrítica.

Efetivamente, a mudança e a estabilidade, o dinamismo e o estáticoconstituemaestruturasocial.

Não há nenhuma estrutura que seja exclusivamente estática, como não háumaabsolutamentedinâmica.

Aestruturasocialnãopoderiasersomentemutável,porque,senãohouvesseo oposto da mudança, sequer a conheceríamos. Em troca, não poderia sertambémsóestática,poisseassimfossejánãoseriahumana,histórica,e,aonãoserhistórica,nãoseriaestruturasocial.

Não há permanência da mudança fora do estático, nem deste fora damudança. O único que permanece na estrutura social, realmente, é o jogodialético damudança-estabilidade.Desta forma, a essência do ser da estruturasocialnãoéamudançanemoestático,tomadosisoladamente,masa“duração”dacontradiçãoentreambos.9

Defato,naestruturasocial,nãoháestabilidadenemmudançadamudança.Oquehá é a estabilidade e amudançade formasdadas.Por isso seobservamaspectos de uma mesma estrutura, visivelmente mutáveis, contraditórios que,alcançadospela“demora”epela“resistência”culturais,mantêm-seresistentesàtransformação.

Mas se toda a estrutura social, que é histórica, tem como expressãode suaformadesera“duração”dadialéticamudança-estabilidade,énecessárioquese

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tenha dela uma visão crítica. Quem são? São “em si” algo independente darealidadequecomandam?Simplesaparências?

Realmente, mudança e estabilidade não são um “em si”, algo separado ouindependentedaestrutura;nãosãoumenganodapercepção.

Mudançaeestabilidaderesultamambasdaação,dotrabalhoqueohomemexerce sobre o mundo. Como um ser de práxis, o homem, ao responder aosdesafiosquepartemdomundo,criaseumundo:omundohistórico-cultural.

Omundodeacontecimentos,devalores,deideias,deinstituições.Mundodalinguagem,dossinais,dossignificados,dossímbolos.

Mundo da opinião e mundo do saber. Mundo da ciência, da religião, dasartes,mundodasrelaçõesdeprodução.Mundofinalmentehumano.

Todo este mundo histórico-cultural, produto da práxis humana, se voltasobre o homem, condicionando-o. Criado por ele, o homem não pode, semdúvida,fugirdele.Nãopodefugirdocondicionamentodesuaprópriaprodução.

Comodissemosantes,nãoháestabilidadedaestabilidadenemmudançadamudança,masestabilidadeemudançadealgo.

Assim,dentrodesteuniversocriadopelohomem,amudançaeaestabilidadedasuaprópriacriaçãoaparecemcomotendênciasquesecontradizem.

Estaéarazãopelaqualnãohámundohumanoisentodestacontradição.Porisso,nãosepodedizerdomundoanimalqueeleestásendo:omundohumanosóéporqueestásendo;esóestásendonamedidaemquesedialetizamamudançaeoestático.

Enquanto a mudança implica, em si mesma, uma constante ruptura, oralenta, ora brusca, da inércia, a estabilidade encarna a tendência desta pelacristalização da criação. Enquanto a estrutura social se renova através damudançadesuasformas,damudançadesuasinstituiçõeseconômicas,políticas,sociais, culturais, a estabilidade representa a tendência à normalização daestrutura.10

Desta forma, não se pode estudar a mudança sem estudar a estabilidade;estudarumaéestudaraoutra.Assimtambém,tê-lascomoobjetodareflexãoésubmeter a estrutura social a essa mesma reflexão; como refletir sobre esta érefletirsobreaquelas.

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Falarpoisdopapeldotrabalhadorsocialimplicaaanálisedamudançaedaestabilidadecomoexpressõesdaformadeserdaestruturasocial.Estruturasocialqueselheoferececomocampodeseuquefazer.

Destemodo,otrabalhadorsocialqueatuanumarealidade,aqual,mudando,permanece paramudar novamente, precisa saber que, como homem, somentepode entender ou explicar a si mesmo como um ser em relação com estarealidade; que seu quefazer nesta realidade se dá com outros homens, tãocondicionados como ele pela realidadedialeticamente permanente emutável eque, finalmente, precisa conhecer a realidade na qual atua com os outroshomens.

Esteconhecimento,semdúvida,nãopodereduzir-seaoníveldepuraopinião(doxa)sobrearealidade.Faz-senecessárioqueaáreadasimplesdoxaalcanceologos(saber)e,assim,canalizeparaapercepçãodoontos(essênciadarealidade).

Estemovimentodapuradoxaaologosnãosefaz,contudo,comumesforçoestritamente intelectualista, mas na indivisibilidade da reflexão e da ação dapráxishumana.

Naaçãoqueprovocaumareflexãoquesevoltaaela,otrabalhadorsocialirádetectando o caráter preponderante damudança ou estabilidade, na realidadesocialnaqualseencontra.Irápercebendoasforçasquenarealidadesocialestãocomamudançaeaquelasqueestãocomapermanência.

As primeiras, olhando para a frente, no curso da história, que também éfuturidadequedeveserfeita,têmumaatitudeprogressista;assegundas,olhandoparatrás,pretendempararotempoeassumemumaposiçãoantimudança.

É necessário, porém, que o trabalhador social se preocupe com algo jáenfatizadonestasconsiderações:queaestruturasocialéobradoshomenseque,seassimfor,a sua transformaçãoserá tambémobradoshomens. Issosignificaque a sua tarefa fundamental é a de serem sujeitos e não objetos detransformação. Tarefa que lhes exige, durante sua ação sobre a realidade, umaprofundamento da sua tomada de consciência da realidade, objeto de atoscontraditóriosdaquelesquepretendemmantê-lacomoestáedosquepretendemtransformá-la.

Por isso, o trabalhador social não pode ser um homem neutro frente aomundo, um homem neutro frente à desumanização ou humanização, frente à

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permanênciadoque jánãorepresentaoscaminhosdohumanoouàmudançadestescaminhos.

O trabalhador social, como homem, tem que fazer sua opção. Ou adere àmudançaqueocorrenosentidodaverdadeirahumanizaçãodohomem,deseusermais,ouficaafavordapermanência.

Issonãosignifica,contudo,quedeva,emseutrabalhopedagógico,imporsuaopção aos demais. Se atua desta forma, apesar de afirmar sua opção pelalibertação do homem e pela sua humanização, está trabalhando de maneiracontraditória, istoé,manipulando;adapta-sesomenteàaçãodomesticadoradohomemque,emlugardelibertá-lo,oprende.

Destemodo,aopçãofeitapelotrabalhadorsocialirádeterminartantooseupapel como seusmétodos e suas técnicas de ação. É uma ingenuidade pensarnumpapelabstrato,numconjuntodemétodosetécnicasneutrosparaumaaçãoquesedáentrehomens,numarealidadequenãoéneutra.Istosóseriapossívelse fosse possível um absurdo: que o trabalhador social não fosse um homemsubmetidocomoosdemais aosmesmos condicionamentosda estrutura social,queexigedele,comodosdemais,umaopçãofrenteàscontradiçõesconstitutivasda estrutura.Assim, se a opção do trabalhador social é pela antimudança, suaação e seusmétodos se orientarão no sentido de frear as transformações. Emlugar de desenvolver um trabalho, através do qual a realidade objetiva, aestrutura social, vá se desvelando a ele e aos homens com que trabalha numesforçocríticocomum,sepreocuparápormitificararealidade.Emlugardeater-seaestasituaçãoproblemática,quedesafiaaeleeaoshomenscomquedeveriaestar em comunicação, tenderá, pelo contrário, às soluções de caráterassistencialista. Em lugar de sentir-se, como trabalhador social, um homem aserviço da libertação, da humanização, vocação fundamental do homem,temendo a libertação na qual vê uma ameaça ao que considera sua paz, seencaminhanosentidodaparalisação.Encaminhar-senosentidodaparalisaçãonãoéoutracoisasenãopretender,comaçõesereações,“normalizar”aestruturasocialatravésdaênfasenaestabilidade,noseujogocomamudança.11

Oassistentesocialquefazestaopçãopode(quasesempretenta)disfarçá-la,fingindoaderiràmudança,masficando,semdúvida,oucomcerteza,nasmeiasmudanças,queéumaformadenãomudar.

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Um dos sinais da opção pela antimudança é a inquietude acrítica dotrabalhador social diante das consequências da mudança; é um receio quasemágicoànovidade,queéparaelesempreumainterrogação,cujarespostapareceameaçarseustatusquo. Por issoque emmétodosde açãonãohá lugarpara acomunicação, para a colaboração,mas sim para amanipulação ostentativa oudisfarçada.

O trabalhador social que opta pela antimudança não pode realmenteinteressar-se pelo desenvolvimento de uma percepção crítica da realidade porparte dos indivíduos. Não pode interessar-se pelo exercício de reflexão dosindivíduos sobre a sua ação, sobre a própria percepção que possam ter darealidade.Nãolhe interessaarevisãodapercepçãocondicionadapelaestruturasocialemqueseencontram.

No momento em que os indivíduos, atuando e refletindo, são capazes deperceber o condicionamento de sua percepção pela estrutura em que seencontram,suapercepçãomuda,emboraissonãosignifique,ainda,amudançadaestrutura.Masamudançadapercepçãodarealidade,queanteseravistacomoalgoimutável,significaparaosindivíduosvê-lacomorealmenteé:umarealidadehistórico-cultural, humana, criada pelos homens e que pode ser transformadaporeles.

Apercepçãoingênuadarealidade,daqualresultavaumaposturafatalista—condicionadapelaprópriarealidade—,cedeseulugaraumapercepçãocapazdesever.E seohomemécapazdeperceber-se, enquantopercebeumarealidadeque lhe parecia “em si” inexorável, é capaz de objetivá-la, descobrindo suapresença criadora e potencialmente transformadora destamesma realidade. Ofatalismo diante da realidade, característico da percepção distorcida, cede seulugar à esperança. Uma esperança crítica que move os homens para atransformação.

Evidentemente, esse é o objetivo do trabalhador social que opta pelamudança.Porissoqueseupapeléoutroequeseusmétodosdeaçãonãopodemconfundir-se com aqueles já mencionados, característicos da opção pelaantimudança.

O trabalhador social que opta pela mudança não teme a liberdade, nãoprescreve,nãomanipula,nãofogedacomunicação,pelocontrário,aprocurae

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vive. Todo seu esforço, de caráter humanista, centraliza-se no sentido dadesmitificaçãodomundo, dadesmitificaçãoda realidade.Vênoshomens comquemtrabalha—jamaissobrequemoucontraquem—pessoasenão“coisas”,sujeitosenãoobjetos.Esenaestruturasocialconcreta,objetiva,oshomenssãoconsiderados simples objetos, sua opção inicial o impele para a tentativa desuperaçãodaestrutura,paraquepossatambémoperar-seasuperaçãodoestadodeobjetoemqueestão,parasetornaremsujeitos.

Otrabalhadorsocialqueoptapelamudançanãovênestaumaameaça.Adereàmudançadaestrutura socialporque reconheceestaobviedade:quenãopodesertrabalhadorsocialsenãoforhomem,senãoforpessoa,equeacondiçãoparaser pessoa é que os demais também o sejam. Ele está convencido de que se adeclaraçãodequeohomemépessoaecomopessoaélivrenãoestiverassociadaaumesforçoapaixonadoecorajosodetransformaçãodarealidadeobjetiva,naqualoshomensseachamcoisificados,então,estaéumaafirmaçãoquecarecedesentido.

Humildenoseutrabalho,nãopodeaceitar,semumajustacrítica,oconteúdoingênuo da “frase feita” e tão generalizada segundo a qual ele é o “agente damudança”.

Emprimeiro lugar, seele fosseo “agentedamudança”,nãoseriaagentedamudançadamudança,masagentedamudançadaestruturasocial.

Sua ação, como agente damudança, teria na estrutura social seu objeto.Aestruturasocialcertamentenãoexistesemoshomensque,tantocomoele,estãonela. Assim, reconhecer-se como o “agente da mudança” atribui a si aexclusividade da ação transformadora que, sem dúvida, numa concepçãohumanista, cabe também aos demais homens realizar. Se sua opção é pelahumanização,nãopodeentãoaceitarquesejao“agentedamudança”,masumdeseusagentes.

Amudançanãoétrabalhoexclusivodealgunshomens,masdoshomensquea escolhem.O trabalhador social temque lembrar a estes homensque são tãosujeitos como ele do processo da transformação. E se nas circunstâncias —determinadas— já mencionadas neste estudo, em que a estrutura social vemdificultando a transformação dos homens em sujeitos, seu papel não é o de

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reforçaroestadodeobjetoemqueseencontram,achandoquepodemassimsersujeitos,masproblematizar-lhesesteestado.

Outroaspectofundamentalquenãopodepassardespercebidodotrabalhadorsocialéqueaestruturasocial,quedevesermudada,éumatotalidade.Oobjetivodaaçãodamudançaéasuperaçãodeumatotalidadeporoutra,emqueanovanão continue apresentando a contradição estabilidade-mudança que, comodissemos, constitui a “duração” da estrutura social, e também o histórico-cultural.

Se a estrutura social éuma totalidade, significa a existência emsidepartesque,eminteração,aconstituem.

Uma das questões fundamentais que assim mesmo se coloca para otrabalhador socialqueoptapelamudançaéadavalidezounãodasmudançasparciaisoudamudançadaspartes,antesdamudançadatotalidade.

Quesedeve fazer:mudarasparteseassimalcançara totalidade,oumudaresta,paraassimmudaraquelasquesãoseuscomponentes?12

Afirmamosnesteestudoquenãohámudançadamudançanemestabilidadedaestabilidade,masmudançaeestabilidadedealgo.

Aestabilidadeeamudançadeumaestruturaenumaestruturanãopodemservistasemumnívelsimplesmentemecânico,comoalgunspensam,noqualoshomens fossemsimplesobjetosdamudançaoudaestabilidade,quese fizeramcomforçasinumanasousobre-humanas,sobasquaisoshomensdeveriamficardóceiseconformados.

Pelofatodequenãoháestruturasocialquenãosejahumana(ehistórica),aestabilidade e a mudança de e em uma estrutura implicam a presença doshomens.

Estes,porsuavez,dividem-seentreosquedesejamounãoamudançaouaestabilidade.

Seria uma ilusão ingênua pensar que não se organizassem em instituições,organismos,gruposdecaráterideológico,paraadefesadesuasopções,criando,emfunçãodestas,suaestratégiaesuastáticasdeação.

O problema maior que se coloca àqueles que por questão de viabilidadehistóricanão têmoutrocaminhoqueodamudançagradualdaspartes, comaqualpretendemalcançaramudançada totalidade,consisteem:aomudaruma

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das dimensões da estrutura, as respostas a esta mudança não tardam. Sãorespostasdecaráterestruturalerespostasdecaráterideológico.Deumlado,sãoas demais dimensões da realidade que, ao se conservarem como estão, criamobstáculos ao processo de transformação da dimensão sobre a qual estáincidindo a ação transformadora; de outro lado, são as forças contrárias àmudançaquetendemasefortalecerdiantedaameaçaconcretadamudançadeumadasdimensõesemtransformação.

Seria outra ingenuidade pensar que as forças contrárias à mudança nãopercebemqueamudançadeumapartepromoveamudançadeoutra, atéquechegaamudançadatotalidade,comoseriaingenuidadetambémnãocontarcomareação,sempremaisforte,aestastransformaçõesparciais.

Estaéarazãopelaqualumaestruturasocialqueviveestemomentohistóricotende a viver também, e necessariamente, o aprofundamento do antagonismoentreosquequeremeosquenãoqueremamudança.

E na medida em que este organismo cresce, se instaura um clima de“irracionalidade”,quegeranovosmitosauxiliaresparaamanutençãodostatusquo.

O papel do trabalhador social que opta pela mudança, num momentohistórico comoeste,nãoépropriamenteode criarmitos contrários,masodeproblematizar a realidade aos homens, proporcionar a desmitificação darealidademitificada.

Aos mitos, que são os elementos básicos da ação manipuladora dosindivíduos, deve responder não com a manipulação da manipulação querealizamosqueestãocontraamudança.Istonãoépossívelpelasimplesrazãodeque a manipulação é instrumento da desumanização — consciente ou não,poucoimporta—,enquantoatarefademudar,dequemestácomamudança,sósejustificaemsuafinalidadehumanista.Éimpossívelserviraestafinalidadecominstrumentosemeiosqueservemàoutra.

Estaéarazãopelaqualotrabalhadorsocialhumanistanãopodetransformarsua “palavra” em ativismo nem em palavreado, pois uma e outra nadatransformamrealmente.Pelocontrário,serátantomaishumanistaquantomaisverdadeiroforseutrabalho,quantomaisreaisforemsuaaçãoesuareflexãocom

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a ação e a reflexão dos homens com quem tem que estar em comunhão,colaboração,emconvivência.

Observemos outro aspecto, que se apresenta como outro ponto crucial nadiscussão damudança de uma estrutura social e do qual o trabalhador socialdeveestarciente.

Seéingênuaumavisãofocalistadarealidade,queareduzapartesquenadatêm a ver entre si na formação da totalidade, não menos ingênuo é ter daestrutura socialumavisão focalistade fora. Isto é,umavisãoque a absolutize.Assim,umaestruturasocialcomoumtodoencontra-seeminteraçãocomoutrasestruturassociais.

Estas inter-relações podem dar-se ora em sociedades-sujeitos comsociedades-sujeitos, ora em sociedades-sujeitos com sociedades-objetos. Oprimeirotipocaracterizaasrelaçõesentresociedades“seresparasi”;osegundo,asrelaçõesantagônicasentresociedades“seresparasi”esociedades“seresparaoutro”.

Do ponto de vista filosófico, um ser que ontologicamente é “para si” se“transforma” em “ser para outro” quando, perdendo o direito de decidir, nãoopta e segue as prescrições de outro ser. Suas relações com este outro são asrelaçõesqueHegelchamade“consciênciaservilparaaconsciênciasenhorial”.13

Asociedadecujocentrodedecisãonãoseencontraemseuser,masnoserdeoutra,secomportaemrelaçãoaestacomoum“serparaoutro”.

Aciênciapolítica, a sociologia, a economia, enão somente a filosofia, têm,nestas relações, objetode suas análises específicas, dentrodoquadrogeral queconstituioquechamamdedependência.

Embora a verdadeira transformação de uma sociedade-objeto tenha de serfeita por seus homens, por ela mesma, e não pela sociedade-sujeito da qualdepende, objetivamente não é possível negar o forte condicionamento ao qualestásubmetidanesteesforçodesuatransformação.

Esta é a razão pela qual nem sempre é viável a quem realmente opta pelastransformaçõesfazê-lascomogostariaenomomentoemquegostaria.Alémdodesejodefazê-las,háumviávelouuminviávelhistóricodofazer.14

Qualquerquesejaomomentohistóricoemqueestejaasociedade,sejaodoviável ou do inviável histórico, o papel do trabalhador social que optou pela

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mudançanãopodeseroutrosenãoodeatuarerefletircomosindivíduoscomquemtrabalhaparaconscientizar-sejuntocomelesdasreaisdificuldadesdasuasociedade.

Isto implica a necessidade constante do trabalhador social de ampliar cadavez mais seus conhecimentos, não só do ponto de vista de seus métodos etécnicasdeação,mastambémdoslimitesobjetivoscomosquaisseenfrentanoseuquefazer.

Outropontoquetambémexigedotrabalhadorsocialumareflexãocríticaeque se encontra no centro destas considerações é o que tem relação com a“mudançacultural”.Mudançaculturaldaqualtantosefala.Educaçãoemudançacultural, reforma agrária e mudança cultural, desenvolvimento e mudançaculturalsãoalgumasdasexpressõesemquemudançaculturalaparece,oracomoum “associado consequente”, ora como “um associado eficiente” do quefazerimplícitonostermosaelareferidos:educação,reformaagrária,desenvolvimentoetc.

Oque émudança cultural?Antesde responder a estapergunta, já estamosdiante de outra. Que é cultural? Responder a esta pergunta implica pensarcriticamente a estrutura social para tentar descobrir a forma pela qual seconstitui.

A estrutura social precisamente por ser social é humana, e se não fossehumana seria uma simples “estrutura-suporte”, como é para o animal que,“comoumseremsi”,nãoécapazde“significá-laanimalmente”.

Ohomem,pelocontrário, transformandocomseu trabalhooque seria seusuporte senãopudesse transformá-lo, cria suaestrutura,que se faz social enaqualseconstituio“eusocial”.15

Nas permanentes relações homem-realidade, homem-estrutura, realidade-homem, estrutura-homem origina-se a dimensão do cultural que em sentidoamplo,antropológico-descritivo,étudooqueohomemcriaerecria.

Cultural,nosentidoqueaquinosinteressa,étantouminstrumentoprimitivodecaça,deguerra,comooéalinguagemouaobradePicasso.

Todososprodutosqueresultamdaatividadedohomem,todooconjuntodesuas obras, materiais ou espirituais, por serem produtos humanos que se

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desprendemdohomem,voltam-separaeleeomar-cam,impondo-lheformasdeseredesecomportartambémculturais.

Sob este aspecto, evidentemente, a maneira de andar, de falar, decumprimentaredesevestireosgostossãoculturais.Culturaltambéméavisãoquetêmouestãotendooshomensdasuaprópriacultura,dasuarealidade.16

Assim, as expressões educação e mudança cultural, reforma agrária emudança cultural, desenvolvimento e mudança cultural não têm a mesmasignificaçãonasestruturassociaisqueestãoemmomentoshistóricosdistintos.

A mudança cultural, num sentido amplo, será ou deixará de ser um“associadoconsequente”ou“eficiente”doquefazerconformeaestruturasocialseencontre,concretamenteounão,emtransformação.

Contudo, o fato de que uma estrutura social que se transforma totalmenteprovoque a mudança cultural como um “associado consequente” datransformaçãoestruturalnãosignificaqueanovaestruturanãonecessitedeumtrabalho dirigido para a mudança cultural. E isto porque o que se haviaconsubstanciado na velha estrutura continua na nova, até que esta, através daexperiênciahistóricadoshomens,“proporcione”formasdesercorrespondentesnãomaisàestruturaanterior,masànova.17

Nocasocontrário,emqueaestruturasocialaindanãosetransformouenaqualseenfrentamosquequeremeosquenãoqueremamudança,amudançaestruturaldequalquerquefazersótemumadimensãorealmenteimportanteemquepossaaparecercomo“associadoeficiente”doquefazer.

Esta é a dimensão na qual se procura mudar a percepção que se tem darealidade, trabalhoque temde prosseguir, como afirmamos,mesmoquando aestruturaestejatransformadanasuatotalidade.Nestemomento,peloquejáfoidito,comfacilidadesqueantesnãohavia.

A mudança da percepção da realidade, que não pode dar-se no nívelintelectualista,masnaaçãoenareflexãoemmomentoshistóricosespeciais,alémdeseraúnicapossibilidadedesertentada,torna-se,como“associadoeficiente”,instrumentoparaaçãodamudança.

Destaforma,arealidadeobjetiva,aocondicionarapercepçãoquedelatêmosindivíduos, condiciona também a formade enfrentá-la, suas perspectivas, suas

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aspirações,suasexpectativas.Condicionatambémosváriosníveisdepercepçãoque,porsuavez,explicamasformasdeaçãodosindivíduos.

Atéomomentoemqueumarealidadeforvistacomoalgoimutável,superioràsforçasderesistênciadosindivíduosqueassimaveem,atendênciadestesseráadotarumaposturafatalistaesemesperança.Aindamaiseporissomesmo,suatendência é procurar fora da própria realidade a explicação para a suaimpossibilidadedeatuar.18

Apercepçãomágica da realidade, por ela condicionada, provoca uma açãotambém mágica diante dela, através da qual o homem tenta defender-se doincerto.19

Poder-se-ia dizer que a mudança da percepção só seria possível com amudança da estrutura, por causa do condicionamento que esta exerce sobreaquela.

Tal afirmação, tomada de um ponto de vista acriticamente rigoroso, podelevarainterpretaçõesmecanicistasdasrelaçõespercepção-mundo.

Por outro lado, para evitar qualquer confusão entre a nossa posição e umaatitude idealista, é necessário esclarecer o que entendemos por mudança depercepção.

Reconhecemos—ejáoafirmamos—quesópodemosentenderohomemnomundo.

Sabemosqueaverdadedomundonãoseencontrasóno“homeminterior”,poisestesóexisteporquepodeserdicotomizadodomundoemecomoqualsefala.

A mudança de percepção da realidade pode dar-se “antes” da suatransformação,seseexcluirdotermo“antes”osignificadodedimensãoestáticadotempo,comquesepodeapelidaraconsciênciaingênua.

Asignificaçãode“antes”,aqui,nãoéadosentidocomumnemadosentidogramatical. O “antes”, aqui, não significa ummomento anterior, separado deoutroporumafronteirarígida.Oantes,pelocontrário,tomapartenoprocesso,participadaestruturasocial,envolvendooshomens,sejacomoumpassadoquefoipresente,sejacomoumanterior-presenteàestrutura.

Destaforma,apercepçãodistorcidadarealidade,neste“antes”damudançaestrutural, pode ser mudada, na medida em que o “hoje”, no qual se está

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verificandooantagonismoentremudançaeestabilidade, jáéemsiumdesafioqueapõeàprova.

Quanto mais agudo este antagonismo, mais se revela a realidade quecondiciona tal percepção, e isso é suficiente para que nela se verifique amudança.

Assim sendo, aproveitando este clima característico do “anterior-presente”,cabeaotrabalhadorsocial,problematizandoparaohomemoqueseopõeaoseu“hoje-anterior-presente” da mudança estrutural, tentar a mudança de suapercepçãodarealidade.

Porissorepetimosqueestamudançadepercepçãonãoéoutracoisasenãoasubstituiçãodeumapercepçãodistorcidadarealidadeporumapercepçãocríticadamesma.

Estamudançadepercepção,quesedánaproblematizaçãodeumarealidadeconcreta,noentrechoquedesuascontradições,implicaumnovoenfrentamentodo homem com sua realidade. Implica ad-mirá-la em sua totalidade: vê-la de“dentro” e, desse “interior”, separá-la em suas partes e voltar a ad-mirá-la,ganhandoassimumavisãomaiscríticaeprofundadasuasituaçãonarealidadequenãocondiciona.Implicauma“apropriação”docontexto;umainserçãonele;umnãoficar“aderido”aele;umnãoestarquase“sob”otempo,masnotempo.Implica reconhecer-se homem. Homem que deve atuar, pensar, crescer,transformarenãoadaptar-sefatalisticamenteaumarealidadedesumanizante.

Implica,finalmente,oímpetodemudarparasermais.Amudança da percepção distorcida domundopela conscientização é algo

maisqueatomadadeconsciência,quepodeinclusiveseringênua.Tentar a conscientização dos indivíduos com quem se trabalha, enquanto

com eles também se conscientiza, este e não outro nos parece ser o papel dotrabalhadorsocialqueoptoupelamudança.

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Notas

6 Partedeste texto foi traduzida e adaptadapelopróprio autor epublicadano livroAção cultural para aliberdadeeoutrosescritos.RiodeJaneiro:PazeTerra,1976[13ªedição,SãoPaulo:PazeTerra,2011].[N.T.]

7 Chamamosaatençãodoleitorparaarelaçãoentreaspalavras“mirar”(olhar)e“ad-mirar”,noespanhol.[N.T.]

8 Aextensãodeumtermoéonúmerodeindivíduosaosquaisseaplicaotermo.Nocasodotermopapel,suaextensãoéoconjuntodequefazeresquesepodechamardepapel.Acompreensão,porsuavez,éasomadequalidadesquedãoasignificaçãodotermo.Quantomaioréacompreensãodeumtermo,menorésuaextensão ou vice-versa. Entre os termos homem e cientista, este tem uma compreensão maior e umaextensãomenor.Todocientistaéhomem(genericamentefalando),contudo,nemtodohomemécientista.

9 “Duração”éumconceitobergsoniano,sinônimodetemporeal:Bergsonoopõeaodetempoartificialouquantitativo dos matemáticos e dos físicos. Considera a duração, como um processo, o aspecto maisimportantedavidahumana.Ao aplicar seu conceito de “duração” para caracterizar a contradição estabilidade-mudança como umprocesso que se dá permanentemente no tempo vivido pelos homens, não estamos aceitando seuintuicionismonaformaçãodarealidade.

10 Acristalizaçãodehojeéamudançaqueseoperouontemnumaoutracristalização.Porissoéquenadadenovonascede simesmo,mas simdovelhoqueantes foinovo.Por isso também, tudooque énovo, aotomarforma,fazseu“testamento”aonovoquenascerádele,quandoseesgotareficarvelho.

11 Ainda que nosso pensamento nos pareça claro neste último parágrafo, sublinhamos, contudo, que anormalizaçãoàqualnosestamosreferindo—daícolocarmosentreaspasoverbo“normalizar”—nãoéadequem,pretendendoamudança,necessitafrearosquenãoaquerem,masadequem,repelindoamudança,lutapornormalizarostatusquo.

12 Descartamos, nesta discussão, uma distorção da percepção das partes, por sua absoluta ingenuidade.Referimo-nosàpercepçãodaspartescomoabsolutosemsi,nãotendonadaqueverumascomasoutrasnaconstituiçãodatotalidade.Arealidade,nestapercepção,quegeraumaconcepçãotambémfalsadaação,nãochegaaconstituirumaestrutura no sentido próprio da palavra. Se presentifica focalistamente ao sujeito desta percepção.Destamaneira,aaçãoquepartedaconcepçãogeradanestafalsapercepçãojánasceinoperante.Daíque,emlugardeseconstituiremaçãotransformadora,ficanassoluçõespuramenteassistencialistas.

13 Hegel,Fenomenologiadelespíritu.México:FondodeCulturaEconómica,1966.

14 Nenhuminviávelhistóricooéhoje.Amanhãnãonecessariamenteoserá.

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15 Sobreomundohumanoeosuporteanimal,cf.PauloFreire,“Apropósitodeltemagenerador”.Educaçãoeconscientização:extensionismorural.Cuernavaca:CIDOC/Cuaderno25,1968.

16 “Apercepçãosocialéumproduto,umderivadodaestruturadasrelaçõeshumanas.”RobertK.Merton,Teoríayestructurasociales.México:FondodeCulturaEconómica,1964,p.117.

17 IstonospareceumaspectoquedevesercriticamenteestimuladoemtodasasdimensõesdotrabalhodaCorporacióndelaReformaAgrarianasbases.Anossover,asatividadesdebase,quaisquerquesejam,asdeassistência técnica em seusmúltiplos aspectos, como as sanitárias, sãomeios para a autêntica promoçãorural.Promoçãonaqualseencontraimplícitaamudançacultural,queprovocaamudançadasatitudes,davalorizaçãoetc.Deformaqueostécnicosquetrabalhamnumabasenãopodemexercersuatécnicaporelamesma—oquetendeàmitificaçãodatécnica—,mas,aofazerdelauminstrumentodepromoçãohumana,fazemcomqueatécnicatenhasentido.

18 Emtornodas“situações-limiteeoviávelhistórico”,temacorrespondenteaoestudodestasconsiderações,cf.PauloFreire,“Apropósitodeltemagenerador”.

19 “Partindo destas observações cheias de significado [o autor se refere a observações realizadas porMalinowski],formulasuateoriadequeacrençamágicaserviaparadiminuiraincertezanasatividadesdeordemprática do homem, para fortalecer sua confiança, para reduzir sua ansiedade e para abrir vias deescapeemsituaçõesaparentementesemsaída.Amagiarepresentaumatécnicasuplementarparaconseguircertosobjetivospráticos.”OautorchamaaatençãoaindasobreofatodequeMalinowski introduziunateoriadamagia,atravésdesuasobservações,novoselementos, tais comoas relaçõesentreamagiaeoacaso, amagiaeoperigoeamagiaeoincontrolável.RobertK.Merton,op.cit.,p.118.

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4ALFABETIZAÇÃODEADULTOSECONSCIENTIZAÇÃO

1.INSTRUMENTAÇÃODAEDUCAÇÃO

Nenhumaaçãoeducativapodeprescindirdeumareflexãosobreohomemede uma análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora dassociedades humanas e não há homens isolados.O homem é um ser de raízesespaçotemporais. De forma que ele é, na expressão feliz de Marcel, um ser“situado e temporalizado”. A instrumentação da educação— algomais que asimples preparação de quadros técnicos para responder às necessidades dedesenvolvimentodeuma área—dependedaharmoniaque se consiga entre avocaçãoontológicadeste“sersituadoetemporalizado”eascondiçõesespeciaisdestatemporalidadeedestasituacionalidade.

Seavocaçãoontológicadohomeméadesersujeitoenãoobjeto,sópoderádesenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre suas condiçõesespaçotemporais,introduz-senelas,demaneiracrítica.Quantomaisforlevadoarefletirsobresuasituacionalidade,sobreseuenraizamentoespaçotemporal,mais“emergirá” dela conscientemente “carregado” de compromisso com suarealidade,daqual,porqueé sujeito,nãodeveser simplesespectador,masdeveintervircadavezmais.

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Por issomesmoa educação, paranão instrumentar tendo comoobjetoumsujeito—serconcreto,quenãosomenteestánomundo,mastambémestácomele—,deveestabelecerumarelaçãodialéticacomocontextodasociedadeàqualse destina, quando se integra neste ambiente que, por sua vez, dá garantiasespeciais ao homem através de seu enraizamento nele. Superposta a ele, fica“alienada”e,porisso,inoperante.

Tal enfoque significa necessariamente uma superação do falso dilema“humanismo-tecnologia”. Numa era cada vez mais tecnológica como a nossa,serámenos instrumental uma educação que despreze a preparação técnica dohomem,comoaque,dominadapelaansiedadedeespecialização,esqueça-sedesuahumanização.

Aprimeiracondiçãomencionadafariaperderabatalhadodesenvolvimento;asegundapoderia levarohomemaoanonimatodamassificaçãodeonde,parasair,necessitariadareflexãomaisdeumavez,especialmentedareflexãosobreasuaprópriacondiçãodemassificado.

2.OHOMEMCOMOUMSERDERELAÇÕES

Esteser“temporalizadoesituado”,ontologicamenteinacabado—sujeitoporvocação, objeto por distorção—, descobre que não só está na realidade, mastambémqueestácomela.Realidadequeéobjetiva,independentedele,possíveldeserreconhecidaecomaqualserelaciona.

Estas relações, que o homem trava nesta e com esta realidade, apresentamuma ordem tal de conotações que as distinguemdosmeros contatos da esferaanimal; por issomesmo, o conceito de relações da esfera puramente humanaguarda em si conotações de pluralidade, de criticidade, de consequência e detemporalidade.

Háumapluralidade nas relaçõesdohomemcomomundo,namedida emque o homem responde aos desafios deste mesmo mundo, na sua amplavariedade;namedidaemquenãoseesgotanumtipopadronizadoderesposta.

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Pluralidadenãosócomrelaçãoaosdiferentesdesafiosquelhefazoambiente,mastambémcomrelaçãoaoprópriodesafio.

No jogo constante de suas respostas, muda seu modo de responder.Organiza-se, escolhe a melhor resposta. Atua nas relações do homem com omundo;existeumapluralidadenaprópriasingularidade.Acaptaçãoquefazdosdados objetivos de sua realidade é essencialmente crítica e não puramentereflexa,comosucedenasesferasdoscontatos.

Além disso, o homem, e somente o homem, é capaz de transcender, dediscernir, de separar órbitas existenciais diferentes, dedistinguir “ser”do “nãoser”;detravarrelações incorpóreas.Nacapacidadedediscernirestaráaraizdaconsciência de sua temporalidade, obtida precisamente quando atravessandootempo,decerta formaatéentãounidimensional,alcançaoontem,reconheceohojeedescobreoamanhã.

Nahistóriade sua cultura,o tempoe adimensãodo tempo foramumdosprimeirosdiscernimentosdohomem.20O“excesso”detemposoboqualviviaohomemiletradocomprometiasuaprópriatemporalidade,àqualsechegacomodiscernimentoaquenosreferimos.Ecomaconsciênciadestatemporalidade,ade sua historicidade. Não há historicidade no gato por sua incapacidade dediscerniretranscender,tragadonotempounidimensional—umhojeeterno—doqualnãotemconsciência.

Todas essas características das relações que o homem trava com e na suarealidade fazemdessas relações algo consequente.Na verdadenão se esgotanamera passividade. Criando e recriando, integrando-se nas condições de seucontexto,respondendoaosdesafios,auto-objetivando-se,discernindo,ohomemvaiselançandonodomínioquelheéexclusivo,odahistóriaedacultura.21

Asuaintegraçãooenraízaelhedáconsciênciadesuatemporalidade.Senãohouvesseessaintegração,queéumacaracterísticadasrelaçõesdohomemequese aperfeiçoa na medida em que esse se faz crítico, seria apenas um seracomodadoe, então,nemahistórianemacultura—seusdomínios—teriamsentido.Faltariaaelesamarcadaliberdade.Eéporqueseintegranamedidaemqueserelaciona,enãosomentesejulgaeseacomoda,queohomemcria,recriaedecide.

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Porsuavez,oscontatosdaesferaanimalimplicam,aocontráriodasrelações,respostas singulares, reflexas e inconsequentes.Disto resultaumaacomodação,nãoumaintegração.

Observa-seporaíqueohomemvaidinamizandooseumundoapartirdestasrelações com ele e nele; vai criando, recriando; decidindo. Acrescenta algo aomundodoqualelemesmoécriador.Vaitemporalizandoosespaçosgeográficos.Fazcultura.Eéo jogocriadordestasrelaçõesdohomemcomomundooquenãopermite, anão ser em termos relativos, a imobilidadedas sociedadesnemdasculturas.

3.OHOMEMEASUAÉPOCA

Àmedida que o homem cria, recria e decide, vão se formando as épocashistóricas. E é também criando, recriando e decidindo como deve participarnessasépocas.Éporissoqueobtémmelhorresultadotodavezque,integrando-senoespíritodelas,seapropriadeseustemasereconhecesuastarefasconcretas.

Ponha-seênfase,desdejá,nanecessidadepermanentedeumaatitudecrítica,aúnicacomaqualohomempoderáapreenderostemasetarefasdesuaépocapara ir se integrandonela.Umaépoca,poroutro lado, realiza-senaproporçãoem que seus temas forem captados e suas tarefas, resolvidas.22 E se supera namedida em que os temas e as tarefas não correspondem a novas ansiedadesemergentes.

Uma época da história apresentará uma série de aspirações, de desejos, devalores, em busca de sua realização. Formas de ser, de comportar-se, atitudesmaisoumenosgeneralizadas,dasquaissomenteosvisionáriosqueseantecipamtêmdúvidasefrenteàsquaissugeremnovasfórmulas.

Apassagemdeumaépocaparaoutracaracteriza-sepor fortescontradiçõesqueseaprofundam,diaadia,entrevaloresemergentesembuscadeafirmações,derealizações,evaloresdoontemembuscadepreservação.

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4.ATRANSIÇÃO

Quando isso ocorre, verifica-se o que chamamos transição.Observa-se umaspecto fortemente dramático que vai atingir as mudanças de que se nutre asociedade.Porque édramático, é fortementedesafiador.E a transição se tornaentãoumtempodeopções.Nutrindo-sedemudanças,atransiçãoémaisqueasmudanças.Implicarealmenteamarchaquefazasociedadenaprocuradenovostemas,denovastarefasou,maisprecisamente,desuaobjetivação.Asmudançasse produzemnumamesma unidade de tempo, sem afetá-la profundamente. Équeseverificamdentrodojogonormal,resultantedaprópriabuscadeplenitudequefazemestestemas.

Quando,porfim,estestemascomeçamaesvaziareaperdersuasignificação,emergindonovos temas, a sociedadecomeçaapassarparaoutraépoca.Nestasfases,maisdoquenunca,sefazindispensávelaintegração.Maisdoquenuncasefaz indispensável o desenvolvimento de uma mente crítica,23 com a qual ohomem possa se defender dos perigos dos irracionalismos, encaminhamentosdistorcidosdaemoção,característicadessasfasesdetransição.

5.BRASIL,UMASOCIEDADEEMTRANSIÇÃO

OBrasilviviaexatamenteatransiçãodeumaépocaparaoutra.Apassagemdeumasociedade“fechada”paraumasociedade“aberta”.Eraumasociedadeseabrindo.Atransiçãoeraprecisamenteoeloentreumaépocaquesedesvaneciaeoutra que se formava. Por isso é que tinha algo de prolongação e algo depenetração.De prolongação daquela sociedade que se desvanecia e na qual seprojetavaquerendosepreservar.Depenetraçãonanovasociedadeanunciadaeque,atravésdela,se incorporanavelha.Estasociedadebrasileiraestavasujeita,porissomesmo,aretrocessosnasuatransição,namedidaemqueasforçasqueencaramaquelasociedade,navigênciadeseuspoderes,conseguissemsobrepor-se,deumaformaoudeoutra,àformaçãodanovasociedade.Sociedadenovaque

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seoporianecessariamente à vigênciadeprivilégios, quaisquerque fossem suasorigens,contráriosaosinteressesdohomembrasileiro.

6.DEMOCRATIZAÇÃOFUNDAMENTAL

Entrandoasociedadebrasileiraemtransição,haviase instaladoentrenósofenômenoqueMannheimchamade“democratizaçãofundamental”,queimplicaumacrescenteparticipaçãodopovoemseuprocessohistórico.

O povo se encontrava na fase anterior de isolamento da nossa sociedade,imerso no processo. Com a ruptura da sociedade e sua entrada em transição,emerge. Imerso era apenas espectador do processo; emergindo, descruza osbraços,renunciaasersimplesespectadoreexigeparticipação.Jánãosesatisfazemassistir;querparticipar;querdecidir.Nãotendoumpassadodeexperiênciasdecisivas,dialogais,opovoemerge, inteiramente“ingênuo”edesorganizado.Equantomaispretendeparticipar,aindaque ingenuamente,mais seagrupamasforçasreacionáriasquesesentemameaçadasemseusprincípios.

Cadavezmais sentíamos,deum lado, anecessidadedeuma educaçãoquenãodescuidassedavocaçãoontológicadohomem,adesersujeito,e,poroutro,de não descuidar das condições peculiares de nossa sociedade em transição,intensamentemutávelecontraditória.Educaçãoquetratassedeajudarohomembrasileiro em sua emersão eo inserisse criticamenteno seuprocessohistórico.Educação que por isso mesmo libertasse pela conscientização.24 Não aquelaeducação que domestica e acomoda. Educação, afinal, que promovesse a“ingenuidade”, característicada emersão, emcriticidade, comaqualohomemoptaedecide.

Por isso, esta educação ao significar um esforço para chegar ao homem-sujeitoenfrentava,comoameaça,ossetoresprivilegiados.Paraoirracionalismosectário,ahumanizaçãorepresentavaumperigo.

7.MAISUMAVEZOHOMEMEOMUNDO

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Partíamosdizendoqueaposiçãonormaldohomem,comojáafirmamosnocomeçodestecapítulo,nãoerasóadeestarnarealidade,masdeestarcomela.Adetravarrelaçõespermanentescomela,cujoresultadoéacriaçãoconcretizadanodomíniocultural.

Postodiantedomundo,ohomemestabeleceumarelação sujeito-objetodaqualnasceoconhecimento,queeleexpressaporumalinguagem.Estarelaçãoéfeitatambémpeloanalfabeto,ohomemcomum.Adiferençaentrearelaçãoqueeletravanestecampoeanossaéquesuacaptaçãododadoobjetivosefazpelavia preponderantemente sensível. A nossa, por via preponderantementereflexiva. Deste modo surge da primeira captação uma compreensãopreponderantemente “mágica”25 da realidade. Da segunda, uma compreensãopreponderantementecrítica.

Comoatodacompreensãodealgocorresponde,cedooutarde,umaação,auma compreensão preponderantemente mágica corresponderá também umaaçãomágica.

8.AORGANIZAÇÃOREFLEXIVADOPENSAMENTO

O que teríamos que fazer, então, seria, como diz Paul Legrand, ajudar ohomemaorganizar reflexivamenteopensamento.Colocar, comodizLegrand,umnovo termo entre o compreender e o atuar: o pensar. Fazê-lo sentir que écapazdesuperaraviadominantementereflexa.

Seissoacontecesse,estaríamoslevando-oasubstituiracaptaçãomágicaporuma captação cada vezmais crítica e, assim, ajudando-o a assumir formas deação tambémcríticas, identificadas como climade transição.Respondendo àsexigências de democratização fundamental, inserindo-senoprocessohistórico,ele renunciará ao papel de simples objeto e exigirá ser o que é por vocação:sujeito.

9.COMOFAZÊ-LO?

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Asrespostasparecemestar:

a. Nummétodoativo,dialógico,críticoecriticista.b. Namodificaçãodoconteúdoprogramáticodaeducação.c. Nousodetécnicas,comoadereduçãoeadecodificação.

Somenteummétodoativo,dialogaleparticipantepoderiafazê-lo.Eque é odiálogo?26 É uma relaçãohorizontal deA comB.Nasce de uma

matrizcríticaegeracriticidade(Jaspers).Nutre-sedeamor,dehumanidade,deesperança,defé,deconfiança.Porisso,somenteodiálogocomunica.Equandoosdoispolosdodiálogose ligamassim,comamor,comesperança, comfénopróximo, se fazem críticos na procura de algo e se produz uma relação de“empatia” entre ambos. Só ali há comunicação. “O diálogo é, portanto, ocaminhoindispensável”,dizJaspers,“nãosomentenasquestõesvitaisparanossaordem política, mas em todos os sentidos da nossa existência. Somente pelavirtudedafé,contudo,odiálogotemestímuloesignificação:pelafénohomemeemsuaspossibilidades;pelafénapessoaquepodechegaràuniãodetodos;pelafédeque somente chegoa ser eumesmoquandoosdemais chegama ser elesmesmos”.

A---------------B------B-Comunicação

Relaçãode“empatia”naprocuradealgo {

amorosohumildecríticoesperançosoconfiantecriador

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É no diálogo que nos opomos ao antidiálogo tão entranhado em nossaformaçãohistórico-cultural,tãopresentee,aomesmotempo,tãoantagônicoaoclima da transição.O antidiálogo, que implica uma relação deA sobre B, é oopostoatudoisso.Édesamoroso.Nãoéhumilde.Nãoéesperançoso;arrogante;autossuficiente. Quebra-se aquela relação de “empatia” entre seus polos, quecaracteriza o diálogo. Por tudo isso o antidiálogo não comunica. Fazcomunicados.

Precisávamos de uma pedagogia da comunicação com a qual pudéssemosvencer o desamor do antidiálogo. Lamentavelmente, por uma série de razões,estapostura—adoantidiálogo—vemsendoamaiscomumnaAméricaLatina.Educação que mata o poder criador não só do educando, mas também doeducador, namedida emque este se transforma emalguémque impõeou, namelhor das hipóteses, num doador de “fórmulas” e “comunicados”, recebidospassivamentepelosseusalunos.

Nãocriaaquelequeimpõe,nemaquelesquerecebem;ambosseatrofiameaeducaçãojánãoéeducação.

10.NOVOCONTEÚDOPROGRAMÁTICO

Mas quem dialoga, dialoga com alguém sobre alguma coisa. Esta algumacoisadeveriaseronovoconteúdoprogramáticodaeducaçãoquedefendíamos.Enos pareceu que a primeira dimensão deste novo conteúdo, com queajudaríamosoanalfabeto,antesaindadeiniciarsuaalfabetização,paraconseguira destruição da sua compreensão “mágica” e a construção duma compreensãocrescentemente crítica, seria a do conceito antropológico de cultura, isto é, adistinçãoentreestesdoismundos:odanaturezaeodacultura;opapelativodohomemnasuarealidadeecomasuarealidade;osentidodemediaçãoquetemanatureza para as relações e a comunicação dos homens; a cultura como oacréscimoqueohomemfazaomundoquenãocriou;aculturacomoresultadode seu trabalho, de seu esforço criador e recriador; a dimensão humanista dacultura;aculturacomoaquisiçãosistemáticadaexperiênciahumana,comouma

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incorporação, por isso crítica e criadora, uma justaposição de informações edescrições “doadas”; a democratização da cultura, que é uma dimensão dademocratizaçãofundamental,frenteàproblemáticadaaprendizagemdaescritaeda leitura, seria, pois, como uma chave com a qual o analfabeto inicia suaintrodução nomundo da comunicação escrita. Como ser nomundo e com omundo.Emseupapeldesujeitoenãodemeroepermanenteobjeto.

Para tal introdução, ao mesmo tempo gnosiológica e antropológica,elaboramos, depois da “redução” do conceito de cultura, onze situações“codificadas”, capazes de motivar os grupos e levá-los, por meio de suadescodificação,aestascompreensões.

Esta primeira situação desperta a curiosidade do analfabeto e o leva adistinguiromundodanaturezadomundodacultura.Apresenta-seumhomemdopovo,diantedomundo.Emtornodele,seresdenaturezaeobjetosdecultura.É impressionante ver como se travam os debates e com que curiosidade osanalfabetosvãorespondendoàsquestõescontidasnasituação.

Cada situação apresenta um dado número de informações para seremdescodificadas pelos grupos de analfabetos com o auxílio do coordenador dedebates. Na medida em que se intensifica o diálogo em torno das situaçõescodificantes — com “n” informações — e os participantes respondemdiferentementeaelas,porqueosdesafiam,seproduzumcírculo,queserátantomaisdinâmicoquantomaisainformaçãocorrespondaàrealidadeexistencialdosgrupos.

Muitos deles, durante os debates sobre as situações, afirmam felizes eautoconfiantes que “nada de novo lhes está sendo demonstrado,mas que lhesestavamrefrescandoamemória”.“Façosapatos—dissecertavezumdeles—edescubroagoraquetenhoomesmovalordodoutorquefazlivros”;“amanhã—afirmououtro,aodiscutiroconceitodecultura—vouentrarnomeutrabalhocomacabeçaerguida”.Eraumsimplesvarredorderuasquedescobriuovalordesuapessoaeadignidadedeseutrabalho.Afirmava-se.27

Reconhecidos,atravésdaprimeirasituação,osdoismundos—odanaturezaeodacultura—eopapeldohomemnestesdoismundos,outrassituaçõesvãosesucedendo,emqueorasefixam,oraseampliamasáreasdecompreensãododomíniocultural.Aconclusãodosdebatesgiraemtornodadimensãohumanae

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fica claro que esta conquista, numa cultura letrada, já não se faz por via oralcomonas iletradas, emque falta a sinalização gráfica.Vencendo este primeiropasso,inicia-seodebatesobreademocratizaçãodaculturacomoqualseabremasperspectivasparaocomeçodaalfabetização.

11.AALFABETIZAÇÃOCOMOUMATOCRIADOR

Todo debate que se coloca é altamente crítico e motivador. O analfabetoapreende criticamente a necessidade de aprender a ler e a escrever. Prepara-separa seroagentedestaaprendizagem.Econsegue fazê-lonamedidaemqueaalfabetizaçãoémaisqueosimplesdomíniomecânicodetécnicasparaescrevereler. Com efeito, ela é o domínio dessas técnicas em termos conscientes. Éentenderoqueselêeescreveroqueseentende.Écomunicar-segraficamente.Éumaincorporação.Implicanãoumamemorizaçãomecânicadassentenças,daspalavras,dassílabas,desvinculadasdeumuniversoexistencial—coisasmortasou semimortas —, mas uma atitude de criação e recriação. Implica umaautoformaçãodaqualpode resultarumaposturaatuantedohomemsobre seucontexto.28 Isso faz com que o papel do educador seja fundamentalmentedialogar com o analfabeto sobre situações concretas, oferecendo-lhesimplesmenteosmeioscomosquaispossasealfabetizar.

Por isso a alfabetizaçãonãopode se fazerde cimaparabaixo,nemde foraparadentro,comoumadoaçãoouumaexposição,masdedentroparaforapelopróprio analfabeto, somente ajustado pelo educador. Esta é a razão pela qualprocuramos ummétodo que fosse capaz de se fazer instrumento também doeducando,enãosódoeducador,equeidentificasse,comoclaramenteobservouumjovemsociólogobrasileiro,29oconteúdodaaprendizagemcomoprocessodaaprendizagem. Por essa mesma razão não acreditamos nas cartilhas quepretendemfazerumamontagemdesinalizaçãográficacomoumadoaçãoequereduzem o analfabeto mais à condição de objeto de alfabetização do que desujeitodamesma.

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Tínhamos de achar, por outro lado, na “redução” das palavras chamadasgeradoras,30“fundamentosparaaaprendizagemdeumalínguasilábicacomoanossa”.Nãopensávamosnanecessidadedecinquenta,oitentaoumaispalavrasgeradoras. Isto seria, como efetivamente é, uma perda de tempo. Quinze oudezoito nos pareciam suficientes para o processo de alfabetização pelaconscientização.

12.LEVANTAMENTODOUNIVERSOVOCABULAR

Umapesquisa inicial feita nas áreas que vão ser trabalhadas nos oferece aspalavras geradoras, que nunca devem sair de nossa biblioteca. Elas sãoconstituídas pelos vocábulos mais carregados de certa emoção, pelas palavrastípicasdopovo.Trata-sedevocábulos ligados à sua experiência existencial, daqualaexperiênciaprofissionalfazparte.

Estainvestigaçãodáresultadosmuitoricosparaaequipedeeducadores,nãosópelasrelaçõesquetrava,maspelaexuberânciadalinguagemdopovo,àsvezesinsuspeita.

Asentrevistasrevelamdesejos,frustrações,desilusões,esperanças,desejosdeparticipação e, frequentemente, certos momentos altamente estéticos dalinguagempopular.

NoslevantamentosvocabularesquetínhamosnosarquivosdoDepartamentodeExtensãoCulturaldaUniversidadedoRecife,doqualéramosdiretores,feitosnas áreas rurais doBrasil, não são raros estes exemplos: “JaneirodeAngicos”,disseumhomemdeste sertãodoRioGrandedoNorte,Nordestebrasileiro, “éummêsdeseviver,porquejaneiroécabradanado”.

“Quero aprender a ler e a escrever”, disse um analfabeto do Recife, “paradeixar de ser sombra dos outros”. E ainda um homem de Florianópolis,revelandoaemersãodopovo,característicadatransiçãobrasileira:“Opovotemresposta.”Outro,emtomsentimental:“Nãotenho‘dó’deserpobre,masdenãosaberler.Eutenhoaescoladomundo”,disseumanalfabetodeumestadodosuldoBrasil,oquemotivouoprofessorJomarddeBrito31aperguntarnumensaio

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seu: “Haveria algo mais para propor a um homem tão adulto que afirma: eutenho a escola domundo?” “Quero aprender a ler e a escrever paramudar omundo”, foiaafirmaçãodeumanalfabetopaulista,paraquem,acertadamente,conhecer é interferir na realidade conhecida. “O povo pôs um parafuso nacabeça”,afirmououtro,numa linguagemumtantoesotérica.Aoperguntar-lhequeparafusoeraesse,respondeu,revelandoumavezmaisaemersãopopulardatransiçãobrasileira:“éoqueosenhordoutorexplica,aofalarcomigo,povo.”

Inúmeras afirmações deste tipo exigiam realmente um tratamentouniversitário em sua interpretação, tratamento que estivesse a cargo deespecialistas e do qual resultasse um instrumento eficiente para a ação doeducadordeadultos.

13.SELEÇÃODEPALAVRASGERADORAS

Comomaterialrecolhidonapesquisa,chega-seàfasedeseleçãodepalavrasgeradoras,queéfeitacomoscritérios:a.deriquezafonética;b. de dificuldades fonéticas (as palavras selecionadas devem responder àsdificuldades fonéticas da língua, colocadas numa sequência que vaigradativamentededificuldadesmenoresparadificuldadesmaiores);c. do aspecto pragmático da palavra, que implica ummaior entrosamento dapalavranumadeterminadarealidade,social,culturalepolítica.

“Hoje— disse o professor JarbasMaciel— nós vemos que estes critériosestão contidos no critério semiótico; a melhor palavra geradora é aquela quereúneemsimaior‘percentagem’decritérios:sintático(possibilidadeouriquezafonética, grau de dificuldade fonética complexa, de ‘manipulabilidade’ dosconjuntosdesinaisdesílabasetc.);semântico(maioroumenor‘intensidade’dovínculoentreapalavraeoserquedesigna,maioroumenoradequaçãoentreapalavra e o ser designado); e pragmático (maior ou menor carga de

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conscientização que a palavra traz potencialmente ou o conjunto de relaçõessocioculturaisqueapalavracrianaspessoasougruposqueautilizam).”32

14.CRIAÇÃODESITUAÇÕESSOCIOLÓGICAS

Selecionadas as palavras geradoras, criam-se situações (pintadas oufotografadas)nasquaissãocolocadasaspalavrasgeradorasemordemcrescentede dificuldades fonéticas. Essas situações funcionam como elementosdesafiadores dos grupos e constituem, no seu conjunto, uma “programaçãocompacta”, são situações-problema codificadas, unidades “gestálticas” deaprendizagem, que guardam em si informações que serão descodificadas pelosgruposcomacolaboraçãodocoordenador.

Odebateemtornodelasirálevandoosgrupos—comosefezparachegaraoconceitoantropológicodecultura—aseconscientizaremparaque,aomesmotempo,sealfabetizem.Constituemsituaçõeslocaisqueabremperspectivasparaaanálisedosproblemas regionais enacionais.Umapalavra geradora tantopodeenglobartodaumasituaçãocomosereferirsimplesmenteaumdossujeitosdasituação.

15.FICHASAUXILIARES

UmavezpreparadotodoomaterialparaoCírculodeCultura,33elaboram-seas fichas auxiliares para o trabalho dos coordenadores de debates. Estas fichasdevem constituir simples sugestões para os educadores, nunca uma prescriçãorígidaparaserobedecida.

16.AMPLIAÇÃO

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Posta uma situação-problema diante do grupo, inicia-se a sua análise ou adescodificaçãocomoauxíliodocoordenador.Somentequandoogrupoterminaa análise, dentro de um prazo razoável, o educador se volta à visualização dapalavra geradora. Trata-se, pois, de visualização e não de memorizaçãopuramentemecânica.

Umavezvisualizadaapalavra,estabelecidoovínculosemânticoentreelaeoobjeto a que se refere (representado na situação), passa o educando a outraprojeção,aoutracartelaouaoutro fotograma—nocasodediapositivo—noqualapareceescritaapalavra,semoobjetoqueelarepresenta.

Logosurgeapalavraseparadaemsuassílabas,queoanalfabetogeralmentechama “pedaços”. Reconhecidos os “pedaços” na etapa da análise, passa-se àvisualizaçãodas“famíliasfonéticas”quecompõemapalavrageradora.

Estas famílias, que são estudadas isoladamente, passam depois a serrepresentadas em conjunto. Foram chamadas pela professora AureniceCardoso34 “Fichadadescoberta”.Efetivamente, atravésdela, fazendo síntese,ohomem descobre omecanismo da formação vocabular de uma língua silábicacomoanossa,queseestruturaporcombinaçõesfonéticas.

Apropriando-secriticamenteenãomecanicamente—oquenão seriaumaapropriação — deste mecanismo, o adulto inicia a formação rápida do seuprópriosistemadesinaisgráficos.Começaentão,cadavezcommaiorfacilidadee no primeiro dia em que luta para alfabetizar-se, a criar palavras com ascombinações fonéticas que lhe oferece a decomposição de uma palavratrissilábica.

Tomemosporexemploapalavra“tijolo”comoapalavrageradora,colocadanuma “situação” de trabalho de construção. Discutida a situação em seuspossíveisaspectos, faz-seavinculaçãosemânticaentreapalavraeoobjetoquedesigna. Visualizada a palavra dentro da situação, será apresentadaimediatamente:

TIJOLO

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Visualizados os “pedaços”— e sem depender de uma ortodoxia analítico-sintética —, começa-se o reconhecimento das famílias fonéticas. A partir daprimeirasílaba,Ti,ajuda-seogrupoaconhecertodaafamíliafonéticaresultantedacombinaçãodaconsoanteinicialcomasdemaisvogais.

Emseguida,ogrupoconheceasegundafamíliaatravésdavisualizaçãodeJo,parachegarfinalmenteaoconhecimentodaterceira.Quandoseprojetaafamíliafonética,ogrupoobviamentereconhecesomenteasílabadapalavravisualizada:ta-te-ti-to-tu;ja-je-ji-jo-ju;ela-le-li-lo-lu.ReconhecidooTi,ogrupoélevadoacompará-lo com as outras sílabas, o que o faz descobrir que, começando-seigualmente,terminamdiferentemente.

Destamaneira, nem todas podem chamar-se Ti. Idêntico procedimento seseguepara as sílabas Jo eLo e suas famílias.Depoisdo conhecimentode cadafamília,efetuam-seexercíciosdeleituraparaafixaçãodasnovassílabas.

Omomentomais importante se dá quando se apresentam as três famíliasjuntas.

ta-te-ti-to-tuja-je-ji-jo-jula-le-li-lo-lu

} Fichadadescoberta

Depoisda leituranahorizontaleoutranavertical,emquesedescobremossonsvocais,ogrupocomeça—note-sequenãoo coordenador—a realizar asíntese oral. Um a um todos vão “fazendo” palavras com as possíveiscombinaçõesàsuadisposição.“Tatu”,“luta”,“lajota”,“tito”,“loja”,“jato”,“lote”,“tela”, e não faltam os que, aproveitando uma vogal de uma das sílabas, aassociemaoutra,aquejuntamumaterceira,formandooutrapalavra.Exemplo:tiramo“i”de“li”,acrescentamo“le”esomam“te”:“leite”.

Existemoutros,comooanalfabetodeBrasília,que,paraemoçãodetodosospresentes,inclusiveadoentãoMinistrodaEducação,PaulodeTarso,disse:“Tujálês.”Eissofoinaprimeiranoiteemquecomeçavaaalfabetização.

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Terminadososexercíciosorais,nosquaisnãohouvesóconhecimentos,nessamesmanoitepassaaescrever.

Nodiaseguinte,trazdecasa,comotarefa,tantosvocábulosquantopôdecriarcom as sílabas aprendidas. Não importa que traga vocábulos que não estejamterminados.Oqueimporta,nodiaemquecomeçaapisarestenovoterreno,éadescoberta domecanismo das combinações fonéticas. A revisão dos vocábuloscriadosdeveserfeitapelogrupocomoauxíliodoeducador,enãoporestecomaassistênciadaquele.

17.ACAPACITAÇÃODOSCOORDENADORES

A grande dificuldade que surge e que exige um alto sentido daresponsabilidade, se baseia na preparação dos quadros de coordenadores esupervisores.Nãoporquehajadificuldadesnaaprendizagempuramentetécnicadoprocedimento.Adificuldadeestánaprópriacriaçãodeumanovaatitude,aomesmotempotãovelhanoeducador.

Referimo-nos ao diálogo. Trata-se de uma atitude dialogal à qual oscoordenadores devem converter-se para que façam realmente educação e nãodomesticação. Precisamente porque, sendo o diálogo uma relação eu-tu, énecessariamenteuma relaçãodedois sujeitos.Todavezque se converteo “tu”desta relação emmero objeto, ter-se-á pervertido e já não se estará educando,masdeformando.

18.RESULTADOSPRÁTICOS

Entreummêsemeioedoismeses,comCírculosdeCulturafuncionandodesegunda a sexta-feira (cerca de uma hora emeia), deixávamos grupos de 25 atrinta homens lendo e escrevendo. Com nove meses de trabalho à frente doProgramaNacionaldeAlfabetizaçãodeAdultos,noMinistériodaEducação,ao

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qual chegamospeloministroPaulodeTarso e autorizadospeloministro JúlioSambaquy,conseguimoscomnossaequipedaUniversidadedoRecifeprepararquadrosemquasetodasascapitaisbrasileiras.

Ao mesmo tempo em que preparávamos esses quadros, iam-se formandocírculos experimentais, comos quais se ampliava o número de coordenadoresparaaextensãodacampanha.Aissofoisesomandooesforçodeoutrasequipes,comoasdeSãoPaulo,Brasília,PortoAlegreetc.

A estas alturas, deveríamos ter, funcionando no Brasil, mais de 20 milCírculosdeCulturanaetapadealfabetização,pois tínhamostraçadasasetapasposteriores com que aprofundaríamos os conhecimentos dos recém-alfabetizados.

E tudo isso com um custo irrisório: um projetor polonês que chegava aoBrasil pelo preço de Cr$ 7.800,00 (o governo havia importado 35 mil destesprojetores que operavam com 220, 110 e 6 volts); um filme que, antes de serfabricado por nós, nos custava aproximadamente Cr$ 4.000,00; um quadro-negro e a parede de uma casa ou da sede de um clube, onde instalávamos oCírculodeCultura.

Entramosemcontatotambémcomd.JoséTávora,bispodeAracaju,Sergipe(nordestedoBrasil),umdoslíderesdoMovimentodeEducaçãodeBase(MEB),que desenvolvia um intenso e proveitoso esforço no campo da educação deadultos através da escola radiofônica. Esperávamos, assim, aproveitando todaumaredejámontadadeescolas,dinamizá-lasmais,aplicandoseusresultados.

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Notas

20 ErichKahler,Históriauniversaldelhombre.México:FondodeCulturaEconómica,1953.

21 Id.,ibid.

22 HansFreyer,Teoríadelaépocaactual.México:FondodeCulturaEconómica,1958.

23 ImportantealeituradeBarbuZevedei.

24 Desenvolvimentodatomadadeconsciência.

25 Acompreensão“mágica”resultadeumacertaobliteraçãoquenãopermiteumavisualizaçãotranslúcidado desafio, cujas conotações são assim confundidas. Esta compreensão é característica de um tipo deconsciênciaquechamamos“intransitiva”.A intransitivaçãodaconsciência,por suavez, implicaumtotalenclausuramentodohomememsimesmo,soterrado,seassimsepodedizer,porumtempoeumespaçotodo-poderosos.

26 Diálogo—Horizontal—RelaçãoEu-Tu—Doissujeitos.

27 Manifestaçõesdestanaturezafeitasporhomenscomunslevaramosquedefendemummundodivididoporprivilégiosinconfessáveisesemamoravislumbraremnossoesforçodehumanizaçãodohomem“umasubversão”daordem.Nãosouberamounãoquiseramperceberque,aoafirmarsuadescobertadovalorquetinha fazendo sapatos, como o doutor fazendo livros, aquele sapateiro não pretendia superar o doutor,substituindo-onoseutrabalho.Estavacerto,poroutro lado,queodoutornãoosubstituirianoseu.Estácertoagoraqueele,sapateiro,eooutro,doutor,ambostêmumadignidadenotrabalho,umtemtantovalorcomoooutro,considerando-sequeosdoissãoautênticosemseustrabalhosespecíficos.

28 Somenteassimaalfabetizaçãodeadultostemsignificadoparaodesenvolvimento:namedidaemquefazdopróprioesforçodeprogressoobjetodareflexãodoanalfabeto.

29 CelsoBeisiegel.

30 São aquelas que, decompostas em seus elementos silábicos, proporcionavam pela combinação desseselementosonascimentodenovaspalavras.

31 JomardMunizdeBrito,“Educaçãodeadultoseunificaçãodecultura”.Revistadecultura,UniversidadedoRecife,2/4/1963.

32 JarbasMaciel,“AfundamentaçãoteóricadosistemadePauloFreiredeeducaçãodeadultos”.Revistadecultura,n.IV,UniversidadedoRecife,1963.

33 Substituímosaescolanoturna,tradicionalparaadultos,quetinhaconotaçãopassivaemcontradiçãocomoclimaintensamentedinâmicodatransiçãobrasileira,peloCírculodeCultura;oprofessor,quasesempredoador,pelocoordenadordedebate;oaluno,peloparticipantedogrupo;aclasse,pelodiálogo.

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34 Aurenice Cardoso, “Conscientização e alfabetização. Uma visão prática do sistema Paulo Freire deeducaçãodeadultos”.Revistadecultura,n.IV,UniversidadedoRecife,1963.

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COORDENAÇÃOEDITORIALIzabelAleixo

PRODUÇÃOEDITORIALHugoLangoneMarianaElia

REVISÃOEduardoCarneiro

PROJETOGRÁFICOPriscilaCardoso

DIAGRAMAÇÃODAVERSÃOIMPRESSAFiligrana

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