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JUL14 UMA NOITE NA TAVERNA JIM MORRISON

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Revista Eletrônica do Movimento Uma Noite na Taverna, com os poemas apresentados na Edição de Julho/2014.

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JUL14

UMA NOITE NA TAVERNA

JIM MORRISON

EVOÉ É A REVISTA ELETRÔNICA MENSAL DO MOVIMENTO TAVERNISTA

http://setedamasproducoes.blogspot.com

UMA NOITE NA TAVERNA COM JIM MORRISON No dia 11 de julho de 2014, o projeto UMA NOITE NA

TAVERNA homenageou o poeta americano JIM

MORRISON, com o trabalho reconhecido no mundo

inteiro através das músicas da banda The Doors. “Jim

Morrison era um poeta, e viu a oportunidade de

divulgar seu trabalho através do convite do tecladista

da banda, Ray Manzarek” – diz Rodrigo Santos, um

dos fundadores do movimento e poeta residente do

evento – “Daí, letras como “Light My Fire” e “Moonlight

Drive” ganharam o mundo.”

“Nada mais propício dar a volta por cima celebrando

uma de nossas influências em comum”, diz Romulo

Narducci, outro idealizador e residente de UMA NOITE

NA TAVERNA. “Conheci o Rodrigo Santos em um

evento no Bar do Blues, em um tributo ao The Doors,

e tudo começou ali”. Ameaçado de extinção, Uma

Noite na Taverna retornou graças aos pedidos do

público.

Além dos poemas de Jim Morrison e dos poetas

residentes, o evento teve a presença dos poetas

convidados Thiago Battousai e Ricardo Jordan, além

do lançamento do livro “Jardim Minado”, do poeta

paulista Pedro Tostes. O rock and roll ficou por conta

de Márcio de Castro e banda, com seu excelente

trabalho autoral e algumas novidades.

POEMAS DE

JIM MORRISON

A CELEBRAÇÃO DO LAGARTO

LEÕES NA RUA Leões na rua e perambulando Cães com o cio, raivosos, espumando Uma besta enjaulada no coração da cidade O corpo da sua mãe Apodrecendo no chão de verão Ele abandonou a cidade Foi para o Sul e atravessou a fronteira Deixou o caos e a desordem Para trás de seus ombros Uma manhã ele acordou num hotel verde Com uma estranha criatura gemendo ao seu lado. O suor brotava de sua pele brilhante. Estão todos aí? A cerimónia está prestes a começar.

ACORDEM ACORDEM! Vocês não se lembra onde estava Será que este sonho acabou? A serpente era dourada acetinada e encolhida Tínhamos medo de tocá-la. Os lençóis eram quentes e mortas prisões. E ela estava a meu lado, velha, Ela não é jovem... O seu escuro cabelo ruivo. A suave pele branca. Agora, corre para o espelho do banheiro, Olha! Ela vem para cá. Não consigo viver em cada lento século do seu movimento. Deixo o meu rosto escorregar O ladrilho fresco e suave Sinto o bom e frio sangue borbulhante. As suaves e sibilantes serpentes de chuva...

UM PEQUENO JOGO Uma vez eu tive um pequeno jogo Gostava de rastejar no meu cérebro Acho que você sabe de que jogo estou falando... É um jogo chamado Enlouqueça Agora você devia tentar este pequeno jogo Apenas feche os olhos, esquece o teu nome esquece o mundo, esquece as pessoas E nós ergueremos um campanário diferente. Este pequeno jogo é divertido de fazer. Apenas feche seus olhos, impossível perder E eu estou aqui, eu vou também Perca o controle, estamos atravessando

OS HABITANTES DA COLINA Regresso às profundezas da mente De volta pra onde nunca há nenhuma dor Onde nunca há nenhuma chuva E a chuva cai suavemente sobre a cidade E sobre as cabeças de todos nós E no labirinto de correntes subterrâneas Sossegada e celeste presença De nervosos habitantes da colinas nos gentis montes próximos Répteis em abundância Fósseis, cavernas, ar fresco das montanhas Todas as casas seguem o mesmo modelo Janela cerradas O carro da besta trancado contra a manhã Todos dormem agora Tapetes silenciosos, espelhos livres Poeira cega debaixo das camas de casais legítimos Ferida em lençóis E filhas, orgulhosas Com os olhos de sêmen em seus mamilos Espera! Aconteceu um massacre aqui! Não pare para falar ou olhar em volta Suas luvas e leque estão no chão Estamos saindo da cidade Vamos fugir E você é a única com quem eu quero chegar

NÃO TOCAR NA TERRA Não tocar na terra, não ver o sol Nada mais a fazer a não ser fugir, fugir, fugir Vamos fugir, vamos fugir Casa no topo do monte, A lua jaz quieta Sombras nas árvores Testemunhando a brisa selvagem Anda, querida, foge comigo Vamos fugir Foge comigo, foge comigo, foge comigo Vamos fugir A mansão é confortável, no topo da colina Finos são os quartos e os confortos de lá Vermelhos são os braços das luxuosas cadeiras E você não sabe de nada até entrar lá O cadáver do Presidente no carro do motorista O motor funciona a cola e alcatrão Vamos logo, não vamos muito longe Para o Oriente, conhecer o Czar Foge comigo, foge comigo, foge comigo Vamos fugir Alguns foras-de-lei vivem perto do lago A filha do ministro está apaixonada pela serpente Que vive num poço à beira da estrada Acorda, menina, estamos quase em casa Nós deveremos ver os portões pela manhã Nós deveremos estar lá dentro ao anoitecer Sol, sol, sol Queima, queima, queima Lua, lua, lua Eu vou e pegar em breve... em breve... em breve!

Eu sou o Rei Lagarto Posso fazer qualquer coisa.

OS NOMES DOS REINOS Nós chegamos dos rios e auto-estradas Nós chegamos de florestas e cascatas Nós chegamos de Carson e Springfield Nós chegamos de Phoenix encantada E posso lhe dizer os nomes do Reino Posso lhe dizer as coisas que você sabe Ouvindo por um punhado de silêncio Escalando vales até à sombra

O PALÁCIO DO EXÍLIO Durante sete anos habitei no livre Palácio do Exílio Jogando estranhos jogos com as garotas da ilha Agora estou de volta à terra dos justos E dos fortes e dos sábios Irmãos e irmãs da floresta pálida Ó, Crianças da noite, Quem de entre vós dará prosseguimento à caçada? Agora a noite chega com a sua legião púrpura Metam-se nas vossas tendas e nos vossos sonhos Amanhã entramos na cidade do meu nascimento Quero estar preparado.

OUTROS POEMAS

O poder Eu posso fazer a terra parar em suas trilhas. Eu fiz os carros azuis partirem. Eu posso tornar-me invisível ou pequeno. Eu posso tornar-me gigantesco & alcançar as coisas as mais distantes. Eu posso mudar o curso da natureza. Eu posso colocar-me em qualquer lugar no espaço ou no tempo. Eu posso chamar os mortos. Eu posso perceber eventos em outros mundos, em minha mente interna mais profunda, & nas mentes dos outros. Eu posso Eu sou

LATITUDES DO CAVALO O celeiro está a arder Acabaram as corridas Os lavradores esfaltam-se com baldes de água Arde a carne dos cavalos Que escouceiam os estábulos (Pânico nos olhos de um cavalo Que pode alastrar & encher um céu inteiro) As nuvens passam & contam uma história Acerca do relâmpago & do para-raios Do campanário Algumas pessoas tem dificuldade em descrever os marinheiros aos subalimentados Os convés estão esfomeados É tempo de largar a carga Uma vez libertos e de vento em popa Os sorrisos flutuando no ar com sua fria agitação noturna Corredor do trópico Tesouro do trópico O que nos trouxe tão longe até esse suave equador Precisamos agora de algo & alguém novo Quando tudo falhar Podemos chicotear os cavalos nos olhos & faze-los dormir & chorar

LAMENTO PELA MORTE DE MEU PAU Lamento por meu pau Machucado e crucificado. Eu procuro conhecer você adquirindo sabedoria espiritual Pode abrir os muros do mistério Show de strip-tease Como encontrar a morte no show matinal Morte televisiva que a criança absorve poço da morte, mistério que me faz escrever É um lento trem, mas a morte de meu pau dá a vida Perdoe os pobres e os velhos que nos abriram o caminho Mostre-nos Deus nas preces noturnas dos infantes Guitarrista Antigo e sábio sátiro Cante sua ode ao meu pau Acaricie seu lamento endureça e nos guie Nós congelamos células perdidas, Temos o conhecimento do câncer Falar ao coração e conceder a grande dádiva palavras poder transe Este amigo frequente e as bestas de seu zoológico Putas selvagens e peludas Mulheres florescendo em seu auge cada cor se conecta para criar o barco que acalenta a raça pode qualquer inferno ser mais horrível do que o agora e o real? "Apertei sua coxa e a morte sorriu" Morte, minha velha amiga a morte e meu pau são o mundo Posso perdoar minhas feridas em nome da sabedoria luxúria romance Frase sobre frase As palavras são um bálsamo Para a morte do espírito de meu pau Não há sentido no fogo suave As palavras me deixaram ferido e irão me curar novamente Podem acreditar.

Todos unam-se agora em um lamento pela morte de meu pau uma língua de sabedoria na noite emplumada garotos enlouquecem e sofrem Eu sacrifico meu pau no altar.

Passeio ao Luar Vamos nadar até a lua vamos escalar atravessando a maré penetrar a noite que a cidade dorme para ocultar Vamos nadar para longe esta noite, amor é nossa vez de tentar estacionados junto ao oceano em nosso passeio de carro ao luar Vamos nadar até a lua vamos escalar atravessando a maré nos render aos mundos que esperam batendo como pequenas ondas ao nosso lado Nada deixado em aberto e nenhum tempo para decidir pisamos para dentro de um rio em nosso passeio de carro ao luar Vamos nadar até a lua vamos escalar atravessando a maré você estende uma das mãos para me segurar mas eu não posso ser o teu guia Fácil, eu te amo enquanto te observo deslizar caindo através de florestas molhadas em nosso passeio de carro ao luar... passeio de carro ao luar.

O Irrequieto e Frio... O irrequieto e frio vento pútrido, a marca de uma mão de criança na janela das imagens a espingarda apoiada no ombro e fogo na noite aguardando, em uma casa obscurecida, pela prole cruel e insana que chegará da cidade se enfiando através da fumaça o combustível & cinzas como leite o maligno olhar de soslaio em seus rostos latindo triunfantes Quem não os impedirá? A árvore oca, onde Nós três dormimos & sonhamos no movimento das sombras rodopiantes & da grama Cansado farfalhar de folhas Um velho provoca os dançarinos com sua velha dança escurecendo ágeis sombras inclinam-se até a carne das florestas para que possam respirar Gentilmente se agitam Gentilmente se erguem Os mortos são recém-nascidos despertando com membros devastados & almas úmidas Gentilmente eles suspiram em extasiado espanto de funeral Quem chamou estes mortos para dançar? Terá sido a jovem aprendendo a tocar a "Canção Fantasma" em seu pianinho? Terão sido os filhos do deserto Terá sido o próprio Deus-Fantasma gaguejando, vibrando, conversando cegamente? Chamei-os para ungir a terra. Chamei-os para anunciar a tristeza caindo como pele queimada Chamei-os para lhes desejar o bem, para glorificar o eu como um novo monstro & agora eu os convoco a rezar:

As Drogas São Uma Aposta Com Sua Mente O cigarro queimou-me a ponta dos dedos & como um toro caiu no tapete Os meus olhos viajaram à procura da ponta Agachado com meu gato na janela ao lado Nos meus ouvidos confluía a música das ruas agitadas Mas minha mente revoltava-se contra o riso idiota O crescente e medonho riso idiota animando um exército de aspiradores A boca enche-se com o sabor do cobre Papel chinês, dinheiro estrangeiro, velhos cartazes Giroscópio numa corda, uma mesa Uma moeda roda. Os rostos... Há um público para nosso drama Mágica máscara de sombra Como o herói de um sonho, trabalha para nós a nosso favor A que distância está isto, de uma cópia final? Caio, doce treva Estranho mundo que espera e observa Velho pavor da não-existência Se não é problema, porque mencioná-lo? Tudo o que se disse significa isso, o seu contrário e tudo mais Estou vivo. Estou a morrer.

ANJOS & MARINHEIROS Anjos e Marinheiros Garotas ricas Cercas do quintal Barracas Sonhos se observando atentamente Luxuriantes carros macios Garotas em garagens, nuas Saindo para buscar bebidas e roupas Meio galão de vinho e seis packs de cerveja Abusadas, aproveitadas, nascidas para sofrer Feitas para se despirem em selvageria Eu nunca a tratarei mal Nunca farei nenhuma cena para você Eu vou te contar cada lugar e pessoa que fui Sempre um animador de playground, nunca um assassino, Sempre uma dama de honra no alcance da fama ou além Ele manobrou duas garotas para dentro de seu quarto de hotel Uma, a amiga; a outra, a mais jovem, uma nova estranha Vagamente mexicana ou porto-riquenha Coxas de menino pobre e o lombo machucado pelo cinto do pai Ela está tentando levantar Histórias de seu namorado, de jogos fatais de adolescentes chapados Um garoto bonito, morto no carro Confusão Desconexão Vem cá Eu te amo Paz na terra Você morreria por mim? Me come Desse jeito... O fim

Eu sempre serei sincero Nunca vou seguir ou espionar você, gata É só você me mostrar novamente este calor extremo... Estou surpreso que você tenha conseguido levantar Ele bate nela de leve, sardonicamente, com o cinto “Será que já não passei pelo suficiente?” – Ela pergunta Agora vestida e pronta para sair A garota espanhola começa a sangrar Ela diz que está menstruando É o céu católico Eu tenho um antigo crucifixo indígena em meu pescoço Meu peito é duro, e escuro Deitado em lençóis pobres, manchados com o sangue de uma virgem Nós poderíamos planejar um assassinato Ou iniciar uma religião.

POEMAS DE

ROMULO NARDUCCI

A Áspide e o Anjo do Martírio (Ou Reverberações Insanas) Reverberações insanas ecoam do frágil e cocho pensamento. O filho desgarrado caminha e santifica suas maldições, pactua com a áspide e não terá o calcanhar picado. O sonho submerge no leito em desejos nunca revelados. É como a aurora de um dia nublado, e tão natural como a danação de minha alma em chamas, tão natural como o sorriso inconformado de uma criança e a rama seca do deserto do meu espírito. Cantos de celebração vagueiam em algum espaço vazio dentro de uma caixa. As vozes chamam e convidam para o banquetes dos mendigos. A áspide serpenteia e deixa o seu veneno numa taça cristalina e sorri suas presas para o anjo triste do martírio. As reverberações, a insanidade, chegam ao ápice e o peso do corpo cede contra o chão imundo (onde cospem os caminhantes do destino) e abraça a terra com suas memórias e cantigas sombrias. É natural que o veneno daquela taça corra em minhas veias cortando a realidade que se desfaz diante de meus olhos marejados. É natural, é tão natural...

Restos de Mim II (Ou Um Homem de Coração de Vidro)

Para Kleber Murilo Sou restos de mim, espalhado em estilhaços de alma, que o vento sopra, carrega com a poeira do tempo e da dor. As partículas do ser inane se desagregam em constante ciclo que desalinha a natureza morta do meu olhar insensato e perdido. Meus passos rijos, movimentos mecânicos, mecanismo desfeito de uma vã perfeição, sou como a vidraça que se estilhaça com o beijo da pedra e se entrega ao chão. Sou restos de mim, restos de esperanças, com um coração de vidro que se quebra a cada ilusão. Sou restos de mim, espalhado dentro de um corpo, que pesa contra o vento se desfazendo em poeira e dor.

Náufrago de tuas entranhas Me afogar na saliva morena em pleno coito de êxtase, ouvir o bater do sino, tocar o sino com a ponta da língua, - asas de borboleta causam terremotos - antagônicos grunhidos, ora uivos, ora sopro da brisa em meus ouvidos, de um eu menino perdido perdidamente imerso na carne quente macia, que ama quando cai a chuva, que dorme ao sol de meio dia, que vigia a minha febre de querer e querer e mais querer e vez ou outra não poder ficar perdido, assim, em delicioso gozo estático, náufrago feliz de tuas entranhas.

Fênix Me dê o sol e eu te darei o que beber da chuva. Me dê as folhas que caem secas e tristes e eu te darei o verme que brota sorrindo da terra. Me dê a mão e eu te darei a mim. Me dê tua alma e eu te darei a caixa para guardá-la longe do fogo. Pois o fogo queima a tudo e o tudo não se dará ao fogo. Me dê as cinzas e eu recomeçarei.

Poesia produzida às 3 da manhã a morte chega à porta e me convida para tomar café eu vou dormir de paletó e quando despertar não precisarei mais escovar os dentes.

POEMAS DE

RODRIGO SANTOS

FAZENDO POESIA ENQUANTO RUI O MUNDO No momento em que me sento para escrever poemas, quarenta guerras estão sendo travadas no mundo, pelos motivos mais fúteis: deuses, terras, água. Algumas mais antigas que a própria escrita, outras iniciadas há poucos minutos. No momento em que me sento para escrever um soneto, centenas de crianças morrem de fome e de doenças tão absurdas quanto sarampo e coqueluche. Sugam dos peitos murchos de suas mães desnutridas a morte em gotas serenas e amorosas. No momento em que me sento para produzir um texto – qualquer texto, Paro e penso que no mundo não há lugar para escritores. Lavradores, soldados, políticos, assassinos sim, escritores não. Porque escritores só fermentam a miséria humana, alimentando a fornalha da angústia com reflexões vãs, tentando achar saída para labirintos borgianos, Acovardando-se e se omitindo perante a tanta iniqüidade. Tanta coisa acontecendo no mundo, Tantas guerras estapafúrdias, tantas infâncias apodrecidas... E eu aqui, fazendo poesia.

VITOR HUGO Eu nunca preencheria teus sonhos De menina branca, católica e burguesa, Nascida e criada em Icaraí, de bolsa Vitor Hugo. É que pessoas como você sequer reparam em pessoas como eu, Andando displicente pela vida, pensando em lírica, De All Star surrado e camisa de malha sem estampa. Mesmo assim, sem esperar nada, Fico parado vendo-a flanar entre os mortais, Recebendo, nunca dando ou pedindo, Do topo de seu altar de sacrifícios vãos, Como uma deusa insana e fútil, Como um vidro vazio de perfume caro. Nenhum verso de meus garranchos inúteis, Nenhuma gota de meu sangue ralo e sujo, Nenhuma das noites de carraspana e ressaca imediata, Nada disso arrancaria de tua face brilhante Um sorriso colgate, um olhar condescendente, Pois habitamos planos diferentes, sobrepostos como um pavê metafísico. Ao cruzarmos na rua, penso em poesia e sexo rude, Enquanto seus olhos apenas miram o horizonte Para tornar segura a navegação por entre a plebe. Com seu nariz de quem cheirou merda de gato, Com seus sapatos nunca mais velhos que três meses, E seus desígnios de menina mimada, estúpida e chata. Mas minha alma é de acrílico, côa o sol em raios multiespectrais, Arcos coloridos em iridescentes copos de cerveja e folhas de caderno, Mas a sua alma opaca bloqueia qualquer algo de sublime, Tornando sombria a sua vida de cristais quebrados, Campo de urtigas sem rosa alguma, Exposição permanente de uma existência miserável. Você puxa a cordinha, e dá o sinal para que o ônibus pare, Olhando com nojo e ansiedade para a caixa motorizada de imundície, Agradecendo por ter chegado a seu ponto sem máculas. Eu rabisco um poema para alguém que não merece um verso, Para a menina deusa, cheirosa e alva como as vestes de um anjo, Com a mont-blanc roubada de uma outra bolsa Vitor Hugo qualquer.

POSTAIS Recebi, em um dia cinza como esse, Um postal do inferno, que dizia: “estamos nos divertindo muito aqui”, Assinavam Álvares, Pessoa e Jim. Notícias vindas de amigos distantes, Resquícios da posta restante Apontam saudades sem fim, Trazem de volta o anjo negro que há em mim. “Bebemos para esquecer o passado, E brindar a um futuro glorioso!” A felicidade? Escondida no fundo da garrafa, Cerveja, Whisky, Fernet e Gim. As últimas luzes do dia já se vão, Dando espaço para o manto escuro Da noite, que nos brinda a todos com visões De covas próximas ao muro, cobertas de capim. Preparo minha mala para a viagem, Levando apenas os trapos de minh´alma, E delicados souvenirs do último motim: Vinho, poesia, morte e fim.

PUMP IT Você tem meu sangue em suas mãos, Sujas como o chicote do feitor, Seco como as lágrimas do cativo, Vermelho como os olhos daquela mãe Que vê seu filho estirado na calçada, Segurando a arma alugada, enferrujada, Que na hora de atirar pipocou, engasgou, E não valeu de nada. Você tem todos os papeis da alforria, E prefere nos chantagear com eles, Dancem, macacos, dancem, Diz o titeriteiro por detrás das cortinas, Sussurra o juiz debaixo da toga. O seu instrumento de repressão é a polícia, Mas a polícia também tem que comer, E mais uma chaga do sistema expõe seu pus. Você nos joga uns contra os outros, Dá poder a quem não tem mérito, E mérito a quem sequer entra na luta, Só para sorrir do alto da tribuna, E assistir ao gran circo de gladiadores famintos, Lutando por ossos de galinha roídos, Sorrisos de canto de boca E vagas no concurso público. Você as mãos sujas com o meu sangue, Mas eu ainda tenho o coração sadio, Que apesar do colesterol, da hipertensão e da esmola, Continua bombeando, bombeando, bombeando...

SÃO GONÇALO, RJ, JULHO DE 2014

EDITADA POR RODRIGO SANTOS E ROMULO NARDUCCI