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CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL Futuro da Europa (Estudo) Relator: Conselheiro José de Almeida Serra Maio, 2005

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resumo sobre a união europeia

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  • CONSELHO ECONMICO E SOCIAL

    Futuro da Europa (Estudo)

    Relator: Conselheiro Jos de Almeida Serra

    Maio, 2005

  • NDICE

    PREFCIO 2

    SUMRIO 3

    I. INTRODUO 7

    II. EVOLUO HISTRICA E INSTITUCIONAL DA UNIO EUROPEIA 9 II.1. As Comunidades Europeias e sua evoluo 9 II.2. Cidadania e participao democrtica 13 II.3. Reviso dos Tratados: Tratado que estabelece uma Constituio para a Europa 14

    II.3.1. Antecedentes 14 II.3.2. Breve apresentao do Tratado 16 II.3.3. Algumas constataes 21 II.3.4. Alguns desafios e interrogaes 22

    III. A EUROPA EM TRANSFORMAO NUM MUNDO EM MUDANA 26 III.1. A Europa no Mundo 26 III.2. Problemas novos 32 III.3. A Estratgia de Lisboa 34 III.4. Futuros alargamentos 39 III.5. Desafios para Portugal 40 IV. NOVAS PERSPECTIVAS FINANCEIRAS 43 V. ALGUMAS POLTICAS DA UNIO EUROPEIA 54 V.1. Pacto de Estabilidade e Crescimento e Desenvolvimento Econmico 54 V.2. Poltica Fiscal e Oramento Comunitrio 58

    V.2.1. Poltica Fiscal 58 V.2.2. O Oramento Comunitrio 60

    V.3. Polticas Sociais 61 V.3.1. Emprego 63 V.3.2. Sade e Segurana Social 66 V.3.3. Incluso Social 67 V.3.4. Educao e Formao 68

    VI. PORTUGAL: ACEITAR O DESAFIO 71 VI.1. Novos desafios 71 VI.2. Necessidade de antecipar alternativas 71 VII. CONCLUSES E RECOMENDAES 77 DECLARAES DE VOTO 81

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  • PREFCIO

    Na sesso plenria do CES realizada no dia 12 de Outubro de 2004, foi aprovada a preparao de uma proposta de Parecer de Iniciativa sobre O Futuro da Europa, depois de prvia apreciao pelo Conselho Coordenador e pela Comisso Especializada Permanente de Poltica Econmica e Social (CEPES).

    A preparao dessa proposta de Parecer de Iniciativa deveria apoiar-se nas concluses do Seminrio sobre O Futuro da Europa organizado pelo CES em Fevereiro de 2004 e em diversos estudos e relatrios produzidos por diversas entidades nacionais e internacionais. Para relator dessa proposta foi convidado o Conselheiro Jos de Almeida Serra, que aceitou.

    O assunto passou do Plenrio para a CEPES que, nos termos regulamentares, criou um grupo de trabalho para preparar a referida proposta. O grupo de trabalho dirigido pelo Presidente da CEPES, Conselheiro Joo Proena, reuniu 6 vezes e recebeu variados contributos que foram introduzidos na proposta, que veio a ser aprovada em sesso plenria da CEPES realizada em 18 de Maio de 2005.

    Na sua sesso de 24 de Maio de 2005, o Plenrio do CES discutiu e votou a referida proposta, que foi aprovada por 32 votos a favor, um voto contra e 11 abstenes. Apesar desta proposta ter obtido 72% de votos favorveis dos membros presentes no Plenrio, no atingiu o limite de 2/3 dos votos dos membros do Plenrio do CES, necessrios para ser considerada como um Parecer de Iniciativa, conforme determina o artigo 2 do Decreto-Lei n 90/92 de 21 de Maio.

    Nessas circunstncias, o Plenrio decidiu que aquele texto deveria ser divulgado como estudo do CES, o que feito na presente publicao.

    Lisboa, 19 de Setembro de 2005

    Alfredo Bruto da Costa

    (Presidente do CES)

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  • SUMRIO

    O presente Parecer, da iniciativa do CES, tem como objectivo contribuir para a anlise do actual posicionamento da Europa e das suas perspectivas de evoluo, bem como dos desafios com que se defronta, com vista a melhor enquadrar as alternativas de desenvolvimento que se apresentam para Portugal.

    O Mundo tem vindo a ser palco de profundas modificaes em muitos aspectos que, muitas vezes, assumem contornos de ruptura, designadamente nos domnios econmicos, sociais e culturais.

    A construo europeia tem sido longa e nem sempre linear, repousando sobre mltiplos tratados, nascidos ao longo de cerca do meio sculo da experincia. Aprofundamento de polticas, sucessivas adeses (de um grupo inicial de 6, subiu-se para os actuais 25 Estados-membros) e grandes modificaes em vrios campos conduziram ao reconhecimento da necessidade de simplificar, tanto quanto possvel, o que andava disperso por mltiplos tratados, procurando introduzir, do mesmo passo, uma maior coerncia de conjunto.

    Procedeu-se, assim, elaborao do Tratado que estabelece uma Constituio para a Europa, adoptado na Conferncia Intergovernamental de Chefes de Estado e de Governo dos 25 Estados-membros, em 18 de Junho de 2004.

    O Tratado, que para poder entrar em vigor ter ainda de ser ratificado por cada um dos Estados-membros, adaptou os princpios fundamentais no que concerne ao funcionamento da Unio Europeia (UE) e suas Instituies, bem como aos direitos e garantias dos cidados.

    A Carta Europeia dos Direitos Fundamentais foi includa no Tratado, como era reivindicado por numerosas organizaes europeias, polticas e civis, especialmente organizaes sindicais, e por muitos cidados.

    Tendo em conta as necessidades dos cidados, o Tratado consagra a ambio do pleno emprego, de uma economia social de mercado altamente competitiva e de um elevado nvel de proteco e de melhoria da qualidade do ambiente, bem como a promoo da coeso econmica, social e territorial, a solidariedade entre os Estados-membros e, ainda, a necessidade de proporcionar aos cidados da Europa um espao de liberdade, segurana e justia.

    O texto do Tratado no deixa, porm, de suscitar alguns problemas e ficou, para muitos, aqum das expectativas em vrios aspectos em que a reviso operada acabou por se revelar tmida, sobretudo no novo contexto de uma Europa alargada. Para outros, preocupados com a tendncia para uma

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  • crescente transferncia de poderes para as instituies europeias, pelo contrrio, o Tratado ter ido longe de mais.

    A tomada de conscincia dos problemas existentes e a necessidade de ultrapassar estrangulamentos levou os lderes europeus, reunidos na Cimeira de Lisboa, em Maro de 2000, a comprometeram-se no sentido de transformarem a UE, at 2010, na economia mundial mais dinmica e baseada no conhecimento, capaz de assegurar um crescimento sustentado com mais e melhores empregos e uma maior coeso social e regional, devendo o desenvolvimento fazer-se na garantia do respeito pelo ambiente natural.

    Os resultados obtidos a nvel europeu, nos quase cinco anos j decorridos, apenas permitem concluses mitigadas, tendo-se generalizado a ideia de que o ambicioso objectivo traado para 2010 no ser alcanado em alguns domnios, designadamente na vertente social e nos aspectos ligados competitividade.

    A relevncia do tema determinou que tenha vindo o Conselho Europeu a acompanh-lo periodicamente, tendo solicitado Comisso Europeia a realizao de um balano intercalar, o qual foi apreciado no Conselho da Primavera de 2005.

    No ltimo Conselho Europeu da Primavera, cujos resultados ficaram aqum das expectativas, foi preconizada a adopo de mecanismos com vista a dinamizar efectivamente e melhor implementar a Estratgia de Lisboa, designadamente, o reconhecimento da necessidade de relanamento urgente da citada Estratgia e de reorientao das prioridades da UE para o crescimento e o emprego; a confirmao de que as Perspectivas Financeiras para o perodo de 2007-2013 devero dotar a UE dos meios adequados para a concretizao das suas polticas em geral e, em especial, das que contribuam para a realizao das prioridades estabelecidas na Estratgia de Lisboa.

    So vrios os desafios que se colocam nos prximos anos e para os quais fundamental a Europa delinear estratgias. Matrias como a preparao de futuros processos de alargamento, o envelhecimento populacional e os fenmenos migratrios, o desenvolvimento sustentado dos sistemas de proteco social, a promoo de igualdade entre mulheres e homens, os impactos da mundializao econmica, nomeadamente em termos de deslocalizaes, reestruturaes sectoriais e empresariais e de modificaes na organizao do trabalho, o quadro financeiro futuro e a poltica de coeso, entre outras, sero objecto de profundas adaptaes.

    O mais recente alargamento da UE aumentou as desigualdades e os problemas em matria de coeso, tendo a populao total aumentado em

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  • cerca de 20%1, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou apenas 5%, o que resultou numa queda do PIB per capita de 12,5% na UE-25.

    Mas o panorama complica-se um pouco mais quando se pensa em prximos alargamentos, sendo de recordar que continuam as negociaes de adeso com a Bulgria e a Romnia (com possvel admisso em 2007) e esto j previstas negociaes com a Turquia e a Crocia, pases com nveis de desenvolvimento ainda mais baixos do que os dos 10 pases que recentemente se juntaram UE.

    O quadro financeiro da UE para os prximos anos est, neste momento, em discusso, sendo inteno da Presidncia Luxemburguesa conclui-lo at final do 1 semestre de 2005 e tendo a Comisso Europeia apresentado uma proposta que, a ser aceite, situaria o nvel mximo dos recursos prprios em 1,24% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) da UE, em substituio da situao actual em que o limite de 1,27% do Produto Nacional Bruto (PNB) (tecto de recursos prprios)2.

    Anota-se a falta de ambio da proposta da Comisso Europeia, alis na linha do que j acontecera anteriormente aquando da preparao das perspectivas financeiras em curso (Agenda 2000).

    A UE s poder desenvolver-se e fortalecer-se se o oramento comunitrio tiver maior expresso do que tem actualmente. No se poder ir muito longe com um oramento correspondente apenas a cerca de 1% do PIB agregado da UE (perspectiva pagamentos), como hoje sucede.

    Portugal teve um grande desenvolvimento, certamente o maior da sua histria, na segunda metade do sculo XX. A adeso de Portugal ento Comunidade Econmica Europeia (CEE), em 1986, contribuiu significativamente para esse desenvolvimento nos ltimos anos do sculo. Contudo, esta tendncia modificou-se no passado recente, sobretudo a partir do ano de 2000, ocorrendo presentemente um claro problema de crescimento no nosso pas, com o PIB real a situar-se abaixo do PIB potencial3 em nvel muito significativo.

    So geralmente reconhecidos os efeitos positivos decorrentes da adeso de Portugal UE, embora se tenha tambm conscincia de que os recursos obtidos nem sempre tivessem sido aproveitados de acordo com critrios maximizantes do resultado econmico-social, nomeadamente em termos de modernizao do tecido produtivo e de alterao do modelo de crescimento econmico, que continua a ter nos baixos custos dos recursos humanos a sua 1 Em 2004 a populao da UE-15 era de cerca de 378,9 milhes de habitantes e a populao dos 10 pases aderentes, UE-10, era de cerca de 74,9 milhes de habitantes. 2 Com a aplicao do sistema de contas nacionais e regionais SEC 95, o conceito de PNB foi substitudo pelo de RNB. O volume de recursos correspondente a 1,24% do RNB admitiu-se como sendo igual a 1,27% do PNB. 3 Com a agravante de este se ter vindo a situar em valores anormalmente baixos.

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  • principal vantagem comparativa (mas que est em vias de desaparecer face concorrncia de pases com nveis salariais ainda substancialmente inferiores aos portugueses).

    Em Portugal, o PIB per capita em paridades de poder de compra (PPC) foi, em 2003, inferior ao de Chipre e da Eslovnia, podendo outros dos novos pases aderentes vir a ultrapass-lo no horizonte de uma gerao, a no se alterarem as tendncias recentes. O PIB global portugus poder vir a ser ultrapassado, num horizonte de duas dcadas e meia, pela Repblica Checa e pela Hungria.

    A anlise de indicadores comparativos, designadamente os indicadores estruturais, que a Comisso Europeia tem vindo a publicar periodicamente por forma a possibilitar o acompanhamento da Agenda de Lisboa, traam a radiografia do pas relativamente aos aspectos que melhor explicam o desenvolvimento e a coeso econmica e social. Portugal continua bem posicionado em alguns indicadores do emprego, embora menos favoravelmente no que concerne s condies de trabalho, estabilidade e segurana do emprego e s condies salariais. Est geralmente mal posicionado nos aspectos restantes, como o quadro macroeconmico, a inovao e investigao, a reforma econmica, a qualidade de emprego, a qualificao profissional, a aprendizagem ao longo da vida e, em geral, a coeso social evidenciando-se nesta o claro perigo de ruptura social e o ambiente.

    Vrios estudos, produzidos tanto ao nvel das instituies da UE como nos Estados-membros, indiciam invariavelmente que Portugal o pas da UE-15 em que as dificuldades sero maiores em resultado do ltimo alargamento. Portugal sistematicamente apontado como um potencial perdedor lquido, tendo em conta, primeiro, o aumento da distncia relativamente aos centros que organizam o processo de desenvolvimento da economia europeia, com a consequente periferizao do nosso pas. Segundo, as vantagens competitivas de que dispem os novos Estados-membros, que se especializaram em reas em que est baseada a nossa competitividade (baixos salrios) ou, outras, como o alto nvel de educao. Em terceiro lugar, a maior dificuldade de Portugal para ultrapassar tanto o aumento da sua perificidade, como as desvantagens de custos de produo e quantidade e qualidade dos factores produtivos relativamente aos novos aderentes.

    Mas o alargamento e os seus efeitos sero certamente apenas uma parte, eventualmente menor, dos desafios que se nos vo colocar, j que sero certamente as transformaes a nvel mundial, e os seus efeitos sobre a Europa no seu conjunto, que determinaro o nosso futuro.

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  • A situao da educao e da formao em Portugal claramente inaceitvel, quando se comparam os recursos envolvidos com os resultados obtidos. Com efeito, a situao de Portugal em matria de valorizao dos recursos humanos e de aprendizagem ao longo da vida muito preocupante, nomeadamente em termos de qualidade, do abandono escolar precoce e do insucesso escolar, e que, mais uma vez, a OCDE veio confirmar recentemente, bem como no que se refere formao contnua e baixa taxa de participao dos trabalhadores em aces de formao.

    Tambm no ser possvel continuar a viver com altos nveis de dfice, quer da balana comercial, quer do oramento do Estado.

    Importa, pois, reflectir sobre o papel de Portugal na UE e sobre os problemas portugueses, procurando respostas aos desafios colocados por uma maior integrao europeia, pelo alargamento da UE e pelo reforo da liberalizao e da globalizao.

    A definio dos objectivos estratgicos para o pas dever resultar de um processo amplamente participado, em que sejam ouvidas e tidas em considerao as preocupaes e expectativas dos agentes econmicos e sociais, das organizaes representativas da sociedade e dos cidados em geral.

    I. INTRODUO

    O presente Parecer de Iniciativa do CES tem como objectivo contribuir para a anlise do actual posicionamento da Europa e das suas perspectivas de evoluo, bem como dos desafios internos e externos com que se defronta, procurando ajudar a identificar os caminhos e as polticas a prosseguir para manter e, sempre que possvel, aprofundar um adequado desenvolvimento econmico e social, com vista a melhorar a sua posio relativa no confronto com outros espaos desenvolvidos.

    A Europa um espao geogrfico de grande dimenso que, historicamente, tem sido palco de profundas transformaes da Humanidade. Nesse espao nasceram nacionalidades e soberanias que se fortaleceram ao longo dos sculos, que alteraram as suas diversidades em todos os domnios, no apenas culturais, mas tambm polticos, econmicos, sociais e tecnolgicos.

    Na primeira metade do sculo XX, a Europa perdeu o seu histrico estatuto de espao poltico e econmico dominante no mundo e, nos anos mais recentes, encontra-se perante enormes desafios quanto manuteno ou mesmo sobrevivncia de algumas conquistas civilizacionais, designadamente

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  • em termos de direitos humanos, modelo social, prosperidade econmica e segurana.

    A criao da Comunidade Econmica Europeia em 1957, a sua posterior transformao em Unio Europeia e o seu recente alargamento a 25 Estados, representa uma tentativa de construir um espao de paz e de prosperidade, onde antes a Histria registava rivalidades e conflitualidades permanentes.

    A UE continua sendo um espao em formao, onde hoje coabitam cerca de 450 milhes de habitantes com culturas, lnguas, religies e etnias diversificadas, com graus de desenvolvimento econmico muito diferenciados e com modelos polticos, econmicos e sociais que se afastam em alguns casos.

    A Europa desenvolveu todo um sistema de valores, polticos, culturais, filosficos, sociais e econmicos, que dotaram o continente europeu de especificidades que, pelo menos, no mesmo grau, ainda no ocorreram em qualquer outro espao ou tempo. Em particular, o modelo social europeu continua a diferenciar a UE de outros espaos econmicos.

    Mas alguns desenvolvimentos recentes, como a globalizao, a deslocalizao e certas reinterpretaes de modelos e de valores, constituem motivo de preocupao e suscitam justificadas angstias em muitos, sendo evidentes alguns fenmenos de descoeso que ocorrem nas nossas sociedades e que as mesmas no tm sabido resolver.

    Nos nossos dias, a Europa enfrenta os desafios polticos, socioculturais, econmicos, organizacionais e de gesto, do seu modelo, mas tambm do envelhecimento demogrfico, do esgotamento de muitos dos seus recursos naturais, da perda de competitividade econmica, da reorientao das funes do Estado, da adaptao a novos modelos tecnolgicos, do nvel de vida dos seus cidados e, em ltima instncia, da sustentabilidade do prprio modelo global, o que impe profunda reflexo como fase necessria para preparar opes e escolhas polticas.

    Igualmente importa ainda reflectir sobre o papel de Portugal na UE e sobre os problemas portugueses, procurando respostas aos desafios colocados por uma maior integrao europeia, pelo alargamento da UE e pelo reforo da liberalizao e globalizao econmicas, ou seja, por todo um quadro que, acentuando as fragilidades econmicas e sociais do nosso modelo de crescimento, que carece de ser pensado para poder ser corrigido e convenientemente adaptado.

    Contribuir para a discusso sobre o futuro da Europa e a forma como Portugal se dever integrar nesse espao em inelutvel evoluo constitui, para alm de uma evidente necessidade, um acto de cidadania.

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  • II. EVOLUO HISTRICA E INSTITUCIONAL DA UNIO EUROPEIA

    II.1. As Comunidades Europeias e sua evoluo

    A Unio Europeia, tal como existe hoje, o resultado de uma longa evoluo que vem desde os incios da dcada de 50 e que visa intervir tanto nos domnios econmico, social e poltico, como no mbito dos direitos dos cidados e das relaes externas dos seus 25 Estados-membros.

    O Tratado de Paris instituiu a Comunidade Econmica do Carvo e do Ao (CECA) em 19514. Os Tratados de Roma criaram, em 1957, a Comunidade Econmica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atmica (CEEA-Euratom), que seriam objecto de sucessivas alteraes: em 1986 pelo Acto nico Europeu, em 1992 pelo Tratado da Unio Europeia, assinado em Maastricht, em 1997 pelo Tratado de Amesterdo e, por ltimo, em 2001 pelo Tratado de Nice.

    So estas as peas fundamentais que constituem as bases legais da UE que cria vnculos jurdicos entre os Estados-membros, que ultrapassam as relaes normais estabelecidas entre Estados soberanos. Com efeito, tal como existe presentemente, a UE dispe de uma legislao prpria que pode aplicar-se directamente aos cidados.

    Na sua primeira fase detectam-se basicamente trs objectivos: o primeiro, eminentemente poltico, visou controlar numa base multinacional, envolvendo tradicionais inimigos histricos, as matrias-primas essenciais guerra (num primeiro momento, o carvo e o ao e, posteriormente, o tomo, mas, no que se refere a este, de uma forma j muito mitigada). O segundo e o terceiro objectivos tinham a ver com a criao de um mercado nico, necessrio ao crescimento econmico, e com o desenvolvimento da agricultura dos Estados fundadores, uma vez que, historicamente, a Europa fora um continente com uma grande insuficincia de produtos alimentares que, em diferentes momentos histricos, havia conduzido a grandes fomes.

    A criao, no incio da dcada de 50, da CECA entre os 6 Estados fundadores (Frana, Alemanha, Blgica, Pases Baixos, Luxemburgo e Itlia) visou assegurar a paz, reunindo vencedores e vencidos de uma guerra atroz e evitando as sequelas que se haviam seguido 1 guerra mundial, num movimento que se consolidou e amplificou com a criao da CEE e da CEEA-Euratom, j no final daquela dcada.

    No foi unvoca a apreciao da tentativa de criao de uma Comunidade, com objectivos que ultrapassavam claramente o que era

    4 Indica-se a data da assinatura dos diferentes tratados e no a da sua entrada em vigor, que lhe , naturalmente, posterior.

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  • habitual na criao de zonas de comrcio livre, tendo o Reino Unido tudo feito para contrariar a iniciativa, de que, curiosamente, Churchill tinha sido um acrrimo defensor. Mas os xitos alcanados pelos 6 levariam o Reino Unido, a Dinamarca e a Irlanda a juntar-se-lhes em 19735.

    Este primeiro alargamento trouxe consigo novos problemas e obrigou a um desenvolvimento de atribuies, mediante a perspectivao de novas polticas (social, regional, do ambiente, etc.)

    E o processo continuaria com novas adeses. Em 1981 com a Grcia e em 1986 com a Espanha e Portugal, com objectivos que, para alm do desenvolvimento econmico e social desses pases, visaram tambm, no plano poltico, a consolidao da democracia em Estados sados de longas ditaduras e o reforo do flanco sul da Comunidade. Estas adeses tornaram mais imperativa a execuo de programas estruturais destinados a reduzir as disparidades de desenvolvimento econmico entre os 126.

    Os Estados com um longo passado colonial e profundas ligaes a pases de alm-mar, designadamente a Frana e o Reino Unido, defenderam o reforo das relaes com os pases do Sul do Mediterrneo, frica, Carabas e Pacfico, que se tornam membros associados da Comunidade Europeia no quadro das sucessivas convenes de Lom.

    A ideia europeia revelou-se dinmica e esteve sempre sujeita a flutuaes, ora em alta, ora em baixa. O incio dos anos 80 caracterizado por um grande europessimismo: crise econmica mundial, subida acelerada do desemprego, desacordos a nvel interno sobre a repartio dos encargos financeiros e descrena quanto s virtualidades do futuro.

    Mas tenta-se o relanamento da dinmica europeia, a partir de 1985, com base num livro branco, apresentado nesse ano pela Comisso Europeia e que visava a construo, at 1 de Janeiro de 1993, de um grande mercado interno com a livre circulao de bens e de servios, de trabalhadores e de capitais. As disposies legislativas que tornaram possvel a concretizao desse ambicioso objectivo criao do Mercado nico Europeu foram consagradas no Acto nico Europeu que, assinado em Fevereiro de 1986, entrou em vigor em 1 de Julho de 1987. O Acto nico, coincidindo de muito perto com a adeso de Portugal e Espanha, consagra, entre outras matrias, a opo pelo dilogo social de mbito europeu como processo de escolha de opes e de solues.

    5 Aps difceis negociaes a que a Frana do General de Gaulle opusera o seu veto por duas vezes, em 1961 e 1967. A Noruega, que negociara a sua entrada, recusou juntar-se UE, aps referendo negativo dos respectivos cidados. 6 A problemtica de apoio ao desenvolvimento e coeso regionais j vinha do antecedente e havia-se traduzido em intervenes, designadamente na Itlia (Mezzogiorno), no Reino Unido (Esccia, Gales e algumas das suas pequenas ilhas) e na Irlanda.

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  • A Europa muda e muda o mundo. A queda do Muro de Berlim (9 de Novembro de 1989), seguida da reunificao alem em finais de 1990 e da democratizao dos pases da Europa Central e Oriental, transformou radicalmente o cenrio europeu e obrigou a que os Estados-membros se empenhassem num processo de adaptao das Comunidades, mediante a negociao de um novo Tratado, adoptado pelo Conselho Europeu de Maastricht em 9 e 10 de Dezembro de 1991 o Tratado da Unio Europeia.

    Este Tratado fixa um programa ambicioso para os Estados-membros: unio monetria at 1999, novas polticas comuns, cidadania europeia, poltica externa e de segurana comum, segurana interna.

    Com efeito, constituem pedras angulares do Tratado de Maastricht o lanamento de um processo sobre a unio econmica e monetria, no mbito do qual 12 pases passaram a ter, no fim do perodo transitrio, uma moeda nica, a convergncia nominal das economias, de acordo com os critrios estabelecidos no Tratado, o condicionamento das polticas oramentais mediante determinadas regras (ulteriormente vertidas no chamado Pacto de Estabilidade e de Crescimento), o alargamento das competncias europeias em matria social, com destaque para o Protocolo Social (com a criao da negociao colectiva europeia).

    As mutaes polticas, econmicas e sociais continuaram na Europa. Aos pedidos de adeso que j vinham do antecedente (ustria, 1989; Polnia, Hungria e Checoslovquia, Malta e Chipre, 1990; Sucia, 1991) juntaram-se outros. Em 1991 acorda-se na criao do Espao Econmico Europeu, que associa a Comunidade e os seus vizinhos da Europa Ocidental pertencentes EFTA. Celebram-se acordos de cooperao com vrios pases sados do ex-bloco sovitico. Cria-se o Banco Europeu para a Reconstruo e o Desenvolvimento (BERD). Desaparece o Pacto de Varsvia (Vero 1991) e suspende-se o bloco poltico e econmico do CAEM/COMECOM.

    Em 1 de Janeiro de 1995, trs novos pases, respectivamente, a ustria, a Finlndia e a Sucia, aderem UE constituindo-se a Unio Europeia a quinze (UE-15) e esvaziando, de facto, a antiga EFTA, que passa a contar com apenas dois estados de dimenso significativa a Noruega e a Islndia7.

    Um novo Tratado, assinado em Amesterdo em Outubro de 1997, adapta e refora as polticas e os meios da UE, nomeadamente nos domnios da cooperao judiciria, da livre circulao das pessoas, do emprego, da poltica externa e da sade pblica, mas fica aqum das expectativas de alguns governos e cidados europeus.

    7 Mais uma vez a Noruega fora candidata, negociara e assinara o protocolo de adeso, mas, consultados em referendo, os noruegueses voltaram a recusar a sua integrao na UE.

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  • A discusso sobre as candidaturas de outros Estados prosseguem e a UE vai tentando acomodar esses interesses, dando continuidade a processos formais de negociao. Passando ao lado dos pedidos da Bulgria, da Romnia e da Turquia (esta com um pedido de abertura de negociaes, na altura com bastante mais de trs dcadas), restam dez candidaturas que, cada a tese dos acordos de cooperao privilegiada, so aproximados de acordo com a tese dos 5 (entrada mais prxima) mais 5 (entrada mais distante)8. o que se encontra consagrado em vrios documentos, designadamente na Agenda 20009.

    Havendo que acomodar novas entradas, reconheceu-se a necessidade de, uma vez mais, se proceder a alteraes dos Tratados visando a governabilidade da UE alargada, j que Amesterdo, que supostamente deveria ter resolvido o problema, no o fizera. Por isso se chegou ao Tratado de Nice (2001), que poucos progressos e respostas introduziu, deixando quase tudo em aberto no mbito especfico que se propusera regular o alargamento ao centro e ao leste europeus.

    Mas a proclamao da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, de algum modo salvaria o Tratado de Nice, constituindo uma conquista importante. Contudo, tambm aqui, o Tratado de Nice ficou aqum das expectativas de muitas organizaes e cidados ao no integrar a Carta no prprio texto e ao no a transformar em compromisso vinculativo.

    A realidade recusaria a aproximao comunitria da tese dos 5+5 e a negociao e entrada em conjunto viria a impor-se em 16 de Abril de 2003, data em que foram assinados em Atenas os Tratados de adeso UE do grupo formado pela Repblica Checa, Estnia, Chipre, Letnia, Litunia, Hungria, Malta, Polnia, Eslovnia e Eslovquia, muitas vezes referidos como UE-10, designao que tambm se adopta neste texto. A 1 de Maio de 2004 todos estes novos Estados entraram na UE, que passou a ser uma Unio com 25 Estados-membros (UE-25).

    O movimento integrador prossegue na actualidade: as negociaes com a Bulgria e a Romnia esto praticamente concludas, prevendo-se a sua adeso em 2007. Em relao Turquia foi decidido proceder-se abertura das negociaes, conforme as concluses do Conselho Europeu de Bruxelas de 16/17 de Dezembro de 2004. Este mesmo Conselho encarregou a Comisso Europeia de apresentar ao Conselho de Ministros um programa de negociaes com a Crocia, a ter incio proximamente.

    8 Previses poca: Pecos 1, Hungria, Polnia, Estnia, Repblica Checa, Eslovnia; Pecos 2, Romnia, Eslovquia, Letnia, Litunia, Bulgria. No estavam previstas as adeses de Chipre e de Malta e previa-se uma aproximao mais rpida do que est a acontecer por parte da Romnia e da Bulgria. 9 De Julho de 1997.

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  • II.2. Cidadania e participao democrtica

    Os nveis de confiana e o prprio conhecimento dos cidados europeus sobre o projecto europeu e as suas instituies comunitrias no parecem ser suficientes, o que tem como consequncia o distanciamento que por vezes se verifica entre os cidados representados e os seus representantes.

    Podem emitir-se diferentes opinies sobre a maior ou menor adeso dos cidados da Europa ao projecto europeu, tal como configurado no Direito e nas Instituies da UE, podendo apresentar-se os resultados de diferentes inquritos que tm sido efectuados ao longo do tempo e que conduzem a perspectivas nem sempre consonantes nas diferentes interpretaes.

    As votaes para o Parlamento Europeu (PE) constituem certamente um bom indicador no que respeita ao grau de interesse dos cidados pelas questes europeias.

    Participao nas eleies europeias da populao com capacidade de voto

    (em %)

    Anos 1979 (UE-9) 1984 (UE-10) 1989 (UE-12) 1994 (UE-12) 1999 (UE-15) 2004 (UE-25)

    Mdia 63,0 61,0 58,5 56,8 49,8 45,7 Fonte: Comisso Europeia, Flash Eurobarometer, 162.

    At agora tem-se mostrado consistente a tendncia para o declnio da participao nas eleies para o PE. Todavia, de comparar estes dados com os da eleies a nvel nacional, em que, na generalidade, se verifica tambm um aumento do nvel de absteno.

    A anlise do nvel de participao na eleio de 2004 para o PE, quando comparada, pas a pas, com os nveis de participao nas trs ltimas eleies gerais (nacionais) de cada pas, conduz s seguintes constataes:

    O nvel de participao nas eleies de 2004 para o PE foi de 47,7%, contra a mdia geral de participao de 74,8% nas trs ltimas eleies nacionais (mdias no ponderadas);

    A participao nas eleies para o PE foi de cerca de 63% da participao nas eleies nacionais (68% na UE-15 e 55% na UE-10), isto , cerca de 1/3 dos eleitores a nvel nacional no votaram a nvel europeu.

    A Comisso Europeia empenha-se em sondar regularmente a opinio dos europeus, contemplando vrios aspectos indiciadores da maior ou menor adeso dos cidados da Europa ao projecto europeu. Os resultados desses inquritos so publicados sob a designao de Eurobarmetro. Indicam-se

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  • alguns resultados divulgados no Eurobarmetro n.62, de Dezembro de 2004: quando questionados sobre se o facto de o seu pas ser membro da UE uma coisa boa, uma coisa m ou uma coisa nem boa nem m, a maioria (56%) respondeu que uma coisa boa, 28% que no boa nem m e 13% que uma coisa m. Estas so mdias que cobrem uma grande diversidade de atitudes. No caso de Portugal, 59% consideraram que positivo pertencer UE, para 26% indiferente e para 9% mau, no tendo opinio 6% dos inquiridos.

    bvio que importa discutir profundamente a questo da maior ou menor adeso dos europeus ideia de uma Europa unida, quer no plano interno, quer no plano externo, devendo envolver na discusso, muito particularmente, os cidados e as suas organizaes representativas.

    O aparente desinteresse e a consequente participao limitada dos cidados europeus no processo de construo europeia, podem estar tambm relacionados com o facto de as problemticas comunitrias estarem muitas vezes em plano secundrio nas agendas dos meios de comunicao de massa, que devero ser sensibilizados para a necessidade e a importncia de ajudarem ao esclarecimento das opinies pblicas.

    II.3. Reviso dos Tratados: Tratado que estabelece uma Constituio para a Europa

    Com cerca de 450 milhes de habitantes, a Europa no um bloco coeso, mas um caldeamento de culturas, lnguas, religies, etnias e regimes polticos, com diferentes graus de desenvolvimento econmico e social.

    O contnuo caldeamento de culturas , provavelmente, o prprio ncleo essencial da ideia europeia. Uma Europa cadinho de culturas necessariamente um espao de incluso onde todos os povos devem ser respeitados, sem qualquer excluso. Sem essa perspectiva, que tendo custos representa uma grande oportunidade, a Europa nunca seria capaz de contribuir, de modo decisivo, para a construo de uma nova ordem internacional.

    II.3.1. Antecedentes

    A construo europeia tem sido longa e nem sempre linear, repousando sobre mltiplos tratados, nascidos ao longo de cerca de meio sculo da experincia em curso. Aprofundamento de polticas, sucessivas adeses (de um grupo inicial de 6 subiu-se para os actuais 25 Estados-membros) e grandes modificaes em vrios domnios conduziram ao reconhecimento da necessidade de simplificar, tanto quanto possvel, o que andava disperso por

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  • mltiplos documentos, procurando introduzir, do mesmo passo, uma maior coerncia de conjunto10.

    Apresenta-se aqui uma breve sntese grfica dos principais Tratados ou documentos de efeito equivalente.

    Tratado das Comunidades Europeias - TCE = Tratado de Roma da CEE modificado pelo AUE, etc.e pelos artigos F, H e I do TUE, que

    modificaram, respectivamente, os tratados CEE, CECA e CEEA.PESC: (2 pilar)

    O 1 pilar continua sendo constitudo pelas comunidades europeias mercado nico. Segurana interna e justia: (3 pilar)

    CONVENO EUROPEIAAprovada por consenso em 13/6 e 10/7/2003

    TRATADO QUE ESTABELECE UMA CONSTITUIO PARA A EUROPAAdoptada pelos Chefes de Estado e de Governo dos 25 Estados membros em 18 de Junho de 2004; Assinada em Roma em 29 de Outubro de

    2004 pelos 25 Chefes de Estado e de Governo

    ARQUITECTURA INSTITUCIONAL EUROPEIA - evoluo

    ACTO NICO EUROPEU: AUEVigor: 01-07-1987

    TRATADO DE MAASTRICHT TRATADO DA UNIO EUROPEIA (TUE)Assinado: 07-02-1992; Vigor: 01-11-1993

    TRATADO DE AMSTERDAMAssinado: 02-10-1997; Vigor: 1/5/99

    TRATADO DE NICEAssinado: 26-02-2001; Vigor: Outono de 2002

    Deciso dos representantes dos governos dos Estados membros de 5 de Abril de 1977 relativa instalao provisria do Tribunal de Contas

    Tratado que altera os Tratados que instituem as Comunidades Europeias no que respeita GronelndiaAlargamentos

    Etc.

    Tratado que altera algumas disposies oramentais dos Tratados que instituem as Comunidades Europeias e do Tratado que institui um Conselho nico e uma Comisso nica das Comunidades Europeias

    Tratado que altera algumas disposies do Protocolo relativo aos Estatutos do Banco Europeu de InvestimentoTratado que altera algumas disposies financeiras dos Tratados que instituem as Comunidades Europeias e do Tratado que institui um

    Conselho nico e uma Comisso nica das Comunidades EuropeiasActo relativo eleio dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrgio universal directo anexo Deciso do Conselho de 20 de

    Setembro de 1976

    COMUNIDADE ECONMICA EUROPEIA CEEAssinatura: Roma, 1957; Vigor: 1/1/58

    Conveno relativa a certas Instituies comuns s Comunidades EuropeiasTratado que institui um Conselho nico e uma Comisso nica das Comunidades Europeias

    Deciso dos representantes dos governos dos Estados membros relativa instalao provisria de certas Instituies e de certos servios das Comunidades

    10 O Tratado em fase de aprovao revoga o Tratado que institui a Comunidade Europeia e o Tratado da Unio Europeia, bem como, nas condies estabelecidas no Protocolo relativo aos Actos e Tratados que completaram ou alteraram o Tratado que institui a Comunidade Europeia e o Tratado da Unio Europeia, os actos e tratados que os completaram ou alteraram, exceptuando determinadas clusulas dos Tratados de adeso (art. IV-437).

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  • II.3.2. Breve apresentao do Tratado

    Como o Tratado de Nice no resolvera, na medida do desejvel, os problemas que estavam em cima da mesa, foi decidido no Conselho Europeu de Laeken, de Dezembro de 2001, convocar uma Conveno Europeia que viria a elaborar um projecto de Tratado que estabelece uma Constituio para a Europa. Esse documento viria a ser aprovado por consenso pela Conveno Europeia realizada em 13 de Junho e 10 de Julho de 2003, e entregue ao Presidente do Conselho Europeu, em Roma, em 18 de Julho de 200311. Este documento serviu de base ao Tratado que estabelece uma Constituio para a Europa, adoptado em 18 de Junho de 2004 pela Conferncia Intergovernamental (CIG) dos Chefes de Estado e de Governo dos 25 Estados-membros.

    11 A necessidade de se proceder a uma reforma de fundo da UE e de iniciar uma discusso ampla e alargada do seu futuro fora, desde logo, reconhecida na Cimeira de Nice realizada em Dezembro de 2000. No obstante os resultados da CIG que conduziu ao Tratado de Nice terem ficado aqum do esperado, na Declarao respeitante ao futuro da Unio, apensa ao Tratado, preconizava-se, desde logo, o seguimento para o processo de reforma, que passaria por trs fases:

    em 2001, as presidncias sueca e belga, em colaborao com a Comisso Europeia e com a participao do PE, incentivariam a realizao de um amplo debate, que contaria com a participao dos Parlamentos nacionais e da opinio pblica em geral. Os pases candidatos seriam associados a este processo;

    em Dezembro de 2001, o Conselho Europeu reuniria em Laeken e adoptaria uma declarao apresentando iniciativas para prosseguir com o processo em 2002 e 2003;

    por ltimo, seria convocada, em 2004, uma nova CIG para examinar as questes em debate.

    Foi decidido que o processo de reviso incidiria sobretudo sobre as seguintes questes: uma delimitao mais precisa entre as competncias da UE e as competncias dos

    Estados-membros; o estatuto da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, j proclamada em Nice; a simplificao dos tratados com vista a torn-los mais claros e mais compreensveis,

    sem alterao do sentido; o papel dos Parlamentos nacionais na arquitectura europeia.

    Neste quadro, o Conselho Europeu reuniu passado um ano, adoptando ento a Declarao de Laeken, de Dezembro de 2001, na qual se convocava uma Conveno Europeia encarregada da preparao das reformas preconizadas. Relembra-se que do mandato atribudo Conveno Europeia pelos Chefes de Estado e de Governo na Declarao da Cimeira de Laeken (traduo a partir da verso inglesa) constava designadamente o seguinte: a UE precisa de se tornar mais democrtica, mais transparente e mais eficiente e ... o importante clarificar, simplificar e ajustar a diviso de competncias entre a Unio e os Estados-membros... Isto pode conduzir ao restabelecimento de tarefas nos Estados-membros e atribuio de novas misses Unio, ou extenso dos poderes existentes, tendo sempre em mente a igualdade dos Estados-membros e a sua solidariedade mtua. Adiantava-se que, entre as questes que importa colocar nesse contexto, est a de saber como assegurar que a redefinida diviso de competncias no leva a uma progressiva expanso da competncia da Unio ou usurpao das reas de competncia exclusiva dos Estados-membros....

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  • A Conveno12 traduziu-se num mtodo de funcionamento inovador para rever os Tratados europeus. Anteriormente as revises haviam sido feitas em dilogo directo entre a Comisso Europeia e os governos nacionais, excluindo quase completamente qualquer participao formal, tanto do PE como dos Parlamentos nacionais e das Organizaes da Sociedade Civil. Mas, desta vez, tal competncia incumbiu Conveno Europeia, composta por representantes dos governos nacionais e da Comisso Europeia e, tambm e de modo maioritrio, por parlamentares nacionais e europeus e, ainda, representantes dos parceiros sociais e da sociedade civil organizada. Adoptou-se o modelo j anteriormente aplicado para a elaborao da Carta dos Direitos Fundamentais.

    A CIG, reunida em Roma em Julho de 2003, seguiu, no essencial, o texto proposto pela Conveno, tendo, contudo, apreciado e procurado dirimir algumas questes de poder, entre instituies, mas, sobretudo, entre Estados-membros.

    O projecto de Constituio substitui o essencial dos Tratados existentes por um texto nico e consagra o princpio da atribuio de uma personalidade jurdica UE, sendo constitudo por quatro partes:

    Parte I Disposies fundamentais

    Parte II Carta dos Direitos Fundamentais

    Parte III Polticas e funcionamento da UE

    Parte IV Disposies gerais e finais

    Parte I Disposies fundamentais

    A Parte I estabelece os princpios em que se baseia a UE, reconhecendo, desde logo, a Carta dos Direitos Fundamentais no Tratado, definindo a cidadania europeia e reconhecendo os valores do respeito da dignidade humana, liberdade, justia, igualdade, garantia do Estado de Direito e dos Direitos do Homem num quadro de pluralismo, tolerncia, solidariedade e no discriminao.

    Os objectivos de promover a paz e o bem-estar dos povos, o desenvolvimento sustentvel e de uma economia social de mercado, o progresso social, cientfico e tcnico, a proteco social, a promoo da solidariedade entre geraes e entre os Estados-membros e a promoo da coeso econmica, social e territorial so tratados nesta primeira parte.

    12 A Conveno Europeia preocupou-se, fundamentalmente, com a primeira e a segunda partes (Princpios, valores e direitos no projecto que apresentou), no tendo aprofundado o seu trabalho sobre a terceira (Polticas) e quarta partes (Disposies gerais e finais).

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  • Para a prossecuo dos seus objectivos, a UE dotada de um leque de competncias exclusivas (v.g., poltica comercial comum, unio aduaneira, poltica monetria para os Estados-membros que tenham adoptado o euro) e partilhadas (v.g., mercado interno, coeso econmica, social e territorial, espao de liberdade, segurana e justia), sendo ainda estabelecidas nesta primeira parte as competncias de coordenao das polticas de emprego e em matria de poltica externa e segurana comum.

    Para garantir o bom funcionamento deste sistema, o mesmo regido por princpios reforados no Projecto de Tratado e contm salvaguardas que permitem colmatar lacunas:

    princpio da subsidiariedade: a UE s age se a sua aco for verdadeiramente necessria e trouxer valor acrescentado aco dos Estados. Visa garantir maior proximidade dos cidados com os centros de deciso.

    princpio da proporcionalidade: o contedo e forma da aco no devem exceder o estritamente necessrio para assegurar os fins do Tratado.

    As propostas da Comisso Europeia devem fundamentar o cumprimento dos referidos princpios. A partir da aprovao do Tratado podero os Parlamentos nacionais, fundamentadamente, pronunciar-se sobre a violao do princpio da subsidiariedade, o que poder obrigar ao refazer da proposta da Comisso, e confere direito a recurso para o Tribunal de Justia.

    As lacunas nas competncias da UE podem ser colmatadas pelo Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, aps aprovao pelo PE do reconhecimento da necessidade de interveno da UE (clusula de flexibilidade).

    Em matria de reforma das instituies comunitrias salienta-se:

    alargamento das decises tomadas por maioria qualificada no seio do Conselho de Ministros;

    estabelecimento do princpio da rotatividade dos 15 membros do Colgio que compe a Comisso Europeia, de forma a que a sua composio permita a participao de todos os pases e reflicta a posio demogrfica e geogrfica dos diferentes Estados;

    extenso do processo de co-deciso a novos domnios, reforando o papel do PE enquanto legislador;

    criao da figura do Ministro dos Negcios Estrangeiros, simultaneamente mandatrio do Conselho Europeu em matria de poltica externa e segurana comum e vice-presidente da Comisso

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  • Europeia, com o objectivo de conferir maior coerncia poltica externa da UE.

    Reafirma-se o princpio da democracia participativa, estabelecendo-se como obrigao para a UE a adopo de um dilogo aberto e transparente com as organizaes representativas e com a sociedade civil e o reconhecimento do papel dos parceiros sociais, o estabelecimento do compromisso de promoo desse mesmo papel e o reconhecimento da sua autonomia.

    Parte II Carta dos Direitos Fundamentais

    A Parte II integra a Carta dos Direitos Fundamentais no texto constitucional, uma vez que, tendo sido objecto de referncia nas Concluses do Conselho Europeu de Dezembro de 2000, que d nota da sua proclamao conjunta pelo PE, Conselho Europeu e Comisso Europeia, no tem ainda fora jurdica vinculativa13.

    A integrao da Carta no Tratado constitui um avano significativo, dotando a UE de um conjunto de Direitos Fundamentais, a observar no s pelas suas instituies, mas tambm pelos Estados-membros, destacando-se, no que respeita aos direitos de ndole social, a liberdade profissional e o direito ao trabalho, a no discriminao, a igualdade entre homens e mulheres, o direito informao e consulta dos trabalhadores na empresa, o direito de negociao e aco colectiva, a proteco em caso de despedimento sem justa causa, as condies de trabalho justas e equitativas, a segurana e assistncia social, e a vida familiar e profissional.

    Parte III Polticas e funcionamento da Unio

    A Parte III retoma as principais disposies de legislao anterior relativa s polticas comuns da UE.

    Nesta terceira parte so tratados os princpios gerais dos domnios nos quais os Estados-membros decidiram partilhar os seus recursos ou cooperar.

    13 A carta fora aprovada pelo PE em 14 de Novembro de 2000, tendo sido proclamada no Conselho Europeu de Nice, de 7-9 de Dezembro de 2000. Reza o seguinte o ponto 2 das Concluses da Presidncia do Conselho Europeu de Nice: O Conselho Europeu congratula-se com a proclamao conjunta pelo Conselho, pelo Parlamento Europeu e pela Comisso, da Carta dos Direitos Fundamentais, que congrega num nico texto os direitos civis, polticos, econmicos, sociais e de sociedade at a expressos em diversas fontes internacionais, europeias ou nacionais. O Conselho Europeu deseja que Carta se d a mais vasta divulgao possvel junto dos cidados da Unio. De acordo com as Concluses de Colnia, a questo do alcance da Carta ser analisada numa fase posterior. Contudo, permaneceu ambguo o estatuto da Carta, como alis reconhecido na Declarao n. 23 anexa ao Tratado de Nice, que estabelece que a referida definio remetida para a CIG a convocar para reviso dos Tratados.

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  • Contudo, o contedo das polticas no rgido, dependendo das decises e, portanto, da vontade dos governos e das maiorias no PE.

    Tendo em conta as necessidades dos cidados, o Tratado consagra a ambio do pleno emprego, de uma economia social de mercado altamente competitiva e de um elevado nvel de proteco e de melhoria da qualidade do ambiente, bem como a promoo da coeso econmica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-membros.

    Em matria de poltica de emprego e de poltica social so estabelecidos objectivos a concretizar atravs de medidas, como por exemplo:

    a promoo do emprego e o desenvolvimento de uma estratgia coordenada nesta rea;

    a promoo da qualificao da mo-de-obra; a avaliao anual da situao do emprego pelo Conselho Europeu e

    adopo de concluses neste mbito;

    ou vinculao da UE, a complementar a aco dos Estados-membros, nos domnios da melhoria da segurana e sade dos trabalhadores, condies de trabalho, segurana social, informao e consulta dos trabalhadores, representao e defesa colectiva dos interesses de empregadores e trabalhadores.

    A Comisso Europeia deve promover a consulta dos parceiros sociais ao nvel da UE e adoptar as medidas necessrias ao seu efectivo dilogo.

    So retomadas e adaptadas, nesta Parte III, vrias disposies dos anteriores Tratados sobre liberdade de circulao, estabelecimento do mercado interno e poltica de imigrao e asilo ou aco externa da UE, bem como so ainda introduzidas novas disposies referentes construo da UE enquanto espao de liberdade, segurana e justia.

    Em todas estas matrias encontra-se subjacente o princpio fundamental da solidariedade, incluindo a financeira, reforando-se a democraticidade de funcionamento da UE. O PE mantm todas as competncias que j tinha e ganha outras em vrios domnios, alargando-se o processo de co-deciso e deixando de ter apenas competncias consultivas em vrias matrias. A iniciativa legislativa continua a pertencer Comisso Europeia.

    Parte IV Disposies gerais e finais

    A Parte IV contm as disposies finais do Tratado, nomeadamente em matria de processos de adopo da Constituio (mantm-se a exigncia de unanimidade nesta matria), necessidade de ratificao (por todos os

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  • Estados-membros), entrada em vigor do Tratado e sua reviso (em princpio, por uma nova CIG), clusulas que asseguram a continuidade jurdica relativamente Comunidade e UE.

    II.3.3. Algumas constataes

    O Tratado que estabelece uma Constituio para a Europa (TC) um documento extenso no qual coexistem princpios e dispositivos fundamentais de organizao poltico-social, com aspectos algumas vezes meramente regulamentares. Um documento, com a importncia que o TC tem, ganharia se fosse mais claro e mais sinttico.

    Apesar de tudo, o TC introduz uma grande simplificao quando comparado com os textos actualmente existentes, constatando-se avanos significativos em matria social, aprofundamento da cidadania europeia14 e reconhecimento dos valores do respeito da dignidade humana, liberdade, justia, igualdade, garantia do Estado de Direito e dos Direitos do Homem num quadro de pluralismo, tolerncia, solidariedade e no discriminao.

    O TC cria mecanismos para facilitar a deciso numa Europa a 25, aperfeioando o sistema concebido em Nice. As aprovaes pelo Conselho Europeu passam, em regra, a ser feitas por maioria qualificada, a qual corresponde a, pelo menos, 55% dos membros do Conselho, num mnimo de quinze, devendo estes representar Estados-membros que renam, no mnimo, 65% da populao da UE. A minoria de bloqueio deve ser composta por, pelo menos, quatro membros do Conselho Europeu, caso contrrio, considera-se alcanada a maioria qualificada. Em derrogao do que antecede, quando o Conselho no delibere sob proposta da Comisso Europeia ou do Ministro dos Negcios Estrangeiros da UE, a maioria qualificada corresponde a, pelo menos, 72% dos membros do Conselho Europeu, devendo estes representar um nmero de Estados-membros que rena, no mnimo, 65% da populao da UE (art.I-25)15.

    14 A cidadania europeia fora j aprovada em Maastricht. 15 Relembram-se os dispositivos aprovados em Nice, relativamente tomada de decises pelo Conselho Europeu, para a UE-15, a partir de 1 de Janeiro de 2005. O princpio geral era o da deciso por maioria dos Estados-membros (ou seja, 8 em 15 Estados da UE-15). Para as decises por maioria qualificada (e para os mesmos 15 Estados-membros):

    so necessrios 169 votos (71,31%) em 237 votos possveis, sempre que as decises sejam tomadas por proposta da Comisso;

    so necessrios 169 votos e pelo menos o voto positivo de 10 Estados-membros (2/3) nos restantes casos; mas qualquer Estado-membro pode pedir que se verifique a populao dos Estados que votaram favoravelmente a proposta, caso em que ser necessrio que os que votaram positivamente representem pelo menos 62% da populao da UE para que a proposta seja aprovada.

    Quando a regra aplicvel for a da unanimidade, as abstenes no impedem a aprovao.

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  • A Comisso Europeia obrigada a informar os Parlamentos nacionais de qualquer nova iniciativa e o "mecanismo de alerta precoce" confere a esses Parlamentos um poder de controlo da subsidiariedade. Os Parlamentos nacionais passam a ter um papel reforado na UE atravs, sobretudo, de mecanismos de informao e interveno directa no processo decisrio16.

    Consagra-se a co-deciso como processo legislativo ordinrio, reforando-se os poderes do PE e alargando-se a deciso por maioria qualificada a mais cerca de vinte domnios que, at agora, eram regidos pela regra da unanimidade.

    Os cidados tero a possibilidade de serem informados das posies do seu governo no Conselho Europeu, pois este passa a estar sujeito a uma obrigao de transparncia, quando actua como legislador.

    A Carta Europeia dos Direitos Fundamentais foi includa na Parte II do TC, como era reivindicado por numerosas organizaes europeias polticas e civis, nomeadamente sindicais, e por muitos cidados.

    A Carta integra diferentes tipos de direitos individuais ou colectivos, quer direitos civis e polticos, quer direitos sociais e econmicos, a par de novos direitos, designadamente em relao defesa do ambiente, ao desenvolvimento sustentvel, proteco dos consumidores, igualdade entre os sexos, biotica, proteco dos dados pessoais, etc.

    II 3.4. Alguns desafios e interrogaes

    O texto do TC no deixa, porm, de levantar certas dificuldades para alguns, que consideram ter o mesmo ficado aqum das expectativas em vrios aspectos em que a reviso operada acabou por se revelar tmida, sobretudo no novo contexto de uma Europa alargada. Para outros, preocupados com a tendncia para um crescente centralismo por parte das instituies europeias, pelo contrrio, o TC ter ido longe de mais.

    O TC constitui, contudo, um avano significativo no sentido do reforo da dimenso social da UE, como acima ficou evidenciado.

    Na previso de novas adeses, e em matria de maioria qualificada, determinou-se que o limiar para aprovao no deveria ultrapassar o resultante do quadro reproduzido na declarao (n. 20) respeitante ao alargamento de UE, includa na Acta Final da Conferncia que aprovou o Tratado de Nice. 16 O papel dos Parlamentos nacionais consideravelmente valorizado: controlo da subsidiariedade (se 1/3 dos Parlamentos nacionais se opuser a determinada deciso, esta no pode ser adoptada); avaliao das actividades do Eurojust; podem opor-se ao recurso ao mecanismo conhecido por clusula-ponte (basta a oposio de um s Parlamento nacional para inviabilizar o recurso clusula); prev-se a promoo de uma cooperao inter-parlamentar ao nvel da UE; uma prevista conferncia dos rgos parlamentares especializados nos assuntos da UE pode submeter ao PE, ao Conselho e Comisso qualquer contributo que considere til.

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  • So tambm significativos os avanos consagrados em matria de uma maior transparncia, do encaminhamento para uma mais efectiva democracia participativa e de uma maior coerncia da poltica externa da UE (v.g., consagrao da personalidade jurdica, novos poderes atribudos ao PE, mecanismos de consulta sociedade civil e aos parceiros sociais, simplificao dos procedimentos decisrios).

    No entanto, e no obstante os progressos conseguidos, h matrias em que se considera que se poderia ter avanado mais, uma vez o que o texto apresenta ainda insuficiente consagrao do voto por maioria qualificada em matria de poltica social e fiscal, ausncia de novos instrumentos e procedimentos de governana econmica significativos para a UE (apenas se notaram tmidos progressos para a zona euro) e manuteno de um elevado grau de incerteza quanto ao exerccio dos direitos sindicais transfronteirios.

    Em matria de coordenao de determinadas polticas, o TC no particularmente feliz. O texto deveria conter disposies que contribussem para a melhoria e o reforo da coordenao de vrias polticas entre os Estados-membros, designadamente no que se refere a disposies que melhorassem a efectividade das recomendaes que lhes so dirigidas, no mbito dessa coordenao. Deveriam tambm ser reforados os poderes da Comisso Europeia, no que respeita s mesmas recomendaes, e a interveno do PE, na respectiva formulao.

    O TC, como matriz de referncia fundamental da UE, deveria enquadrar e articular de uma maneira muito clara as estratgias fundamentais da UE, designadamente a Estratgia de Lisboa, em particular nas questes relativas competitividade, pleno emprego, intercmbio de conhecimentos, investimento no capital humano, crescimento, preservao do quadro e da qualidade de vida e desenvolvimento sustentvel.

    Poderia ter-se avanado mais no que respeita eficcia dos processos decisrios, uma vez que numa UE de 25 Estados-membros se tornar quase impossvel a tomada de decises por unanimidade, pelo que a deciso por maioria qualificada poderia ser alargada a mais matrias em certas reas, particularmente nos domnios da poltica fiscal e social, cruciais para a construo de um Europa econmica e social mais forte.

    O TC, em particular nas suas Partes I e II, reflecte o resultado de um compromisso possvel num dado contexto poltico, social e econmico, reflectindo um determinado equilbrio de poderes. Trata-se, em qualquer caso, do projecto mais rico de todos os Tratados at hoje aprovados.

    Os dispositivos constantes da Parte III podem revelar eventualmente uma menor aderncia relativamente a matrias j anteriormente expostas no projecto de Tratado. A prpria linguagem utilizada na Parte III revela esse

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  • desequilbrio. Por exemplo, o conceito de pleno emprego, constante da Parte I, substitudo pela referncia promoo do emprego e afasta-se, em certa medida, o conceito de economia de mercado social.

    Uma importante interrogao consiste em saber se o TC aponta ou no para o aprofundamento de uma construo europeia que enraze princpios essenciais como o da igualdade entre os Estados e a solidariedade mtua.

    Nos protocolos anexos ao TC algumas disposies assumem grande importncia como a que prev, a prazo, a perda de voto permanente de pases membros no Conselho do Banco Central Europeu (BCE).

    O TC consagra o primado do direito comunitrio sobre o direito ordinrio e constitucional dos Estados-membros, o que j correspondia a uma prtica comunitria com traduo em decises do Tribunal de Justia Europeu. Trata-se de opo que no merece consenso generalizado.

    A institucionalizao de um Conselho Europeu e, sobretudo, de um seu Presidente por um mandato que pode ir at cinco anos, pode criar factores de tenso, retirando visibilidade e protagonismo ao Presidente da Comisso Europeia, com o qual tem algumas competncias em sobreposio. O Presidente do Conselho Europeu tem que assegurar a preparao do Conselho Europeu, em cooperao com o Presidente da Comisso, que controla os servios onde est sedeada a informao e a competncia tcnica.

    O facto de o Presidente do Conselho Europeu assegurar a representao externa da UE em matrias de poltica externa e segurana (matrias onde permanece a regra da unanimidade), e de haver tambm um Ministro dos Negcios Estrangeiros da UE com competncias prprias, para alm de traduzir-se em problemas no futuro, poder deslocar a deciso nessas reas da esfera intergovernamental para uma esfera supranacional17. No difcil prever que, nesse caso, a soberania dos pequenos pases poderia ficar consideravelmente reduzida, sendo que no parece concebvel que os pases maiores prescindam das suas prprias orientaes nas suas relaes externas.

    Formalmente, continua a haver igualdade no que se refere presidncia rotativa dos Conselhos de Ministros, com excepo do Conselho dos Negcios Estrangeiros, que ser presidido pelo Ministro dos Negcios Estrangeiros da UE. O futuro dir se se trata de uma experincia isolada ou de um ponto de partida para a institucionalizao de uma soluo diferente da actual, com perda de influncia dos pases mais pequenos.

    O Ministro dos Negcios Estrangeiros da UE membro da Comisso Europeia, sendo seu Vice-Presidente, mas, ao mesmo tempo, a sua rea de

    17 Embora a inteno parea ser exactamente a contrria.

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  • competncias autnoma (no mbito das competncias do Conselho Europeu, de que mandatrio), no tendo, nesse aspecto, que prestar satisfaes ao Presidente da Comisso Europeia e tendo poder para apresentar directamente propostas ao Conselho de Ministros. Trata-se certamente de um figurino nico em termos internacionais.

    A soluo encontrada para a Comisso Europeia satisfaz formalmente ao princpio da igualdade dos Estados-membros, contrariamente ao que acontecia com a proposta da Conveno que, na prtica, se traduzia na criao de comissrios de primeira e de segunda.

    Dadas as derivas ocorridas, sobretudo nos ltimos anos, ao nvel da Comisso Europeia, com a aproximao prtica aos grandes Estados, a permanncia, quando no agravamento, de um centralismo excessivo, e a ausncia de critrios e procedimentos que assegurem o efectivo exerccio da subsidiariedade, a Comisso Europeia parece no ter vindo, em anos recentes, a exercer convenientemente as suas competncias, nem a defender adequadamente os equilbrios que importa manter a nvel comunitrio.

    Considera-se, contudo, que o interesse nacional dos pequenos pases poder ser melhor servido por uma Comisso Europeia forte do que por um Conselho Europeu com mais poderes. Uma Comisso forte e com bastante independncia em relao aos governos dos Estados-membros tender a dar maior prioridade aos interesses da UE como um todo, do que aos interesses nacionais dos pases mais poderosos.

    Qualquer processo que se traduzisse na sobreposio dos interesses e vises dos grandes pases sobre os dos pequenos pases seria obviamente inaceitvel, sobretudo para aqueles pases, como Portugal, que tm uma longussima tradio histrica em matria de relaes internacionais (e outras) e uma prtica de fortes relaes transcontinentais que estiveram historicamente subjacentes ao projecto nacional. Num mundo que se transforma to rpida e profundamente, e cujo devir no longo prazo ainda nos escapa, ter Portugal que preservar o capital nico que resulta dos conhecimentos, ligaes e relaes moldadas por vrios sculos de histria em contactos com povos de diferentes continentes.

    Numa possvel evoluo futura seria difcil aceitar que o relacionamento de Portugal com a Europa e o Mundo, designadamente com os PALOP, fosse intermediado pela UE em aspectos especficos que interessam exclusiva ou predominantemente a Portugal; e no se cr que os grandes pases europeus aceitassem uma soluo desse tipo em questes semelhantes que lhes dissessem respeito.

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  • A nossa adeso UE e as sucessivas revises dos Tratados mereceram a aprovao de uma ampla maioria na Assembleia da Repblica, com grande apoio da populao, mas nunca houve um verdadeiro debate nacional sobre estas matrias. Atendendo ao contedo do TC, mais do que nunca importante avanar com um debate aprofundado, em que se devero abordar as principais alteraes introduzidas por forma a preparar uma adequada deciso no quadro do referendo.

    O CES julga fundamental promover-se um amplo debate sobre as consequncias que decorrem do TC, tanto na sua valia intrnseca, como comparativamente com os tratados que visa substituir.

    III. A EUROPA EM TRANSFORMAO NUM MUNDO EM MUDANA

    III.1. A Europa no Mundo

    O Mundo tem vindo a ser palco de profundas modificaes em todos os domnios, que muitas vezes assumem contornos de ruptura, designadamente nos domnios polticos, econmicos, sociais e culturais.

    Dois fenmenos contraditrios se verificam em simultneo. Por um lado, uma parte do planeta est em desenvolvimento acelerado, como sucede com a China, a ndia e vrios pases asiticos, numa regio onde houve uma grave crise econmica no completamente ultrapassada (Japo e Sudeste Asitico). Por outro lado, h um conjunto de pases onde os problemas se acumulam, sem que o desenvolvimento se concretize e onde ocorrem fenmenos graves de pobreza, de que so exemplos a frica em geral e vrios pases do continente centro e sul-americano.

    Entre estes dois extremos, em termos de desenvolvimento, temos:

    os Estados Unidos, que procuram manter a liderana mundial nos domnios econmicos e tcnico-cientficos, designadamente no plano militar, apresentam problemas vrios que podero traduzir-se na perda dessa posio dentro de algumas dcadas18;

    a Europa que, no obstante os esforos desenvolvidos, tem vindo a perder peso relativo e no tem sido capaz de resolver problemas vrios, designadamente de crescimento e no vector tcnico-cientfico, mas que continua a ser o maior parceiro econmico a nvel mundial (conjunto das importaes e das exportaes) e onde so mais evidentes as preocupaes e motivaes com a coeso, seja no plano

    18 Os Estados Unidos ambicionam tambm a liderana nos planos cultural e social, designadamente no aspecto ideolgico, onde tm tido bastante menor sucesso.

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  • das pessoas e grupos, seja no plano das regies e da solidariedade, em particular com o mundo menos desenvolvido;

    os pases emergentes, como o Brasil, de um enorme potencial, mas onde no por enquanto claro se j descolaram para o processo de desenvolvimento ou se continuaro a coexistir com a tradio histrica da estagnao.

    O processo de desenvolvimento econmico seguiu determinado percurso histrico e geogrfico que se traduziu em sucessivas integraes de pases e regies que foram aderindo gradualmente nova formao econmica. Mas, de cada vez, o integrador teve um peso econmico e social amplamente suficiente para absorver o novo espao em desenvolvimento.

    Talvez hoje a situao se apresente rigorosamente ao contrrio, sendo o potencial dinmico e populacional do integrador muito inferior ao das entidades em integrao, o que poder traduzir-se em problemas completamente novos.

    Nos ltimos 25 anos o crescimento do PIB nos cinco pases europeus mais dinmicos Alemanha, o Reino Unido, a Frana, a Itlia e a Espanha19 razoavelmente comparvel ao dos Estados Unidos, com taxas que tm que ter-se por muito confortveis. Infelizmente, nos anos mais recentes, esta situao diferenciou-se, em detrimento do conjunto europeu. Contudo, as taxas de crescimento observadas no conjunto EUA e da UE pouco tm a ver com o que se tem vindo a passar na China e na ndia e tambm, em menor grau, na Indonsia e em certos pases asiticos. Os PIB per capita reflectem, naturalmente, a evoluo acima referida.

    Evoluo do PIB ( EUA=100)

    Anos Indicadores/pases

    1980 1990 2002 2003

    Taxa cresc. anual

    2003/1980

    PIB (em PPC) China 15 26 57 60 12,7 ndia 15 20 26 27 8,7 Indonsia 5 6 7 7 7,8 EUA 100 100 100 100 6,1 Brasil 16 14 13 13 5,1 Cinco pases europeus a 92 85 76 75 5,1 Rssia 22 22 12 12 3,4 frica do Sul 6 5 4 4 4,8

    19 Estes cinco pases representam cerca de 80% do PIB da UE-15 e cerca de 76% do PIB da UE-25, j que os novos pases apenas trouxeram o equivalente a 5% do PIB pr-existente.

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  • Evoluo do PIB per capita ( EUA=100)

    Anos Indicadores/pases

    1980 1990 2002 2003

    Taxa cresc. anual

    2003/1980

    PIB per capita (PPC), em dlares americanos China 3 6 13 13 11,4 ndia 5 6 7 7 6,6 Indonsia 7 8 9 9 6,0 EUA 100 100 100 100 5,0 Brasil 31 23 22 22 3,4

    Cinco pases europeus ab 74 72 72 71 4,8 Rssia 36 38 23 25 3,2 frica do Sul 48 35 28 28 2,5 a Alemanha, Reino Unido, Frana, Itlia e Espanha. b Mdia simples dos cinco pases. Fonte: L'tat du monde - 2005; La Dcouverte.

    Evoluo da populao ( EUA=100)

    Anos Indicadores/pases

    1980 1990 2002 2003

    Taxa cresc. anual

    2003/1980

    Populao China 432 452 445 444 1,2 ndia 298 331 361 362 1,9 Indonsia 65 71 75 75 1,7 EUA 100 100 100 100 1,0 Brasil 53 58 61 61 1,7 Cinco pases europeus a 122 113 103 102 0,3 Rssia 60 58 50 49 0,1 frica do Sul 13 14 15 15 1,9 a Alemanha, Reino Unido, Frana, Itlia e Espanha. Fonte: L'tat du monde - 2005; La Dcouverte.

    As preocupaes com a globalizao e com os seus efeitos esto na ordem do dia. O fenmeno no novo e, em vrias pocas histricas, esteve presente na generalidade das comunidades, politicamente organizadas ou no.

    Segundo a teoria das vantagens comparativas, que normalmente serve para fundamentar as polticas e prticas da globalizao, todos tm a ganhar com a liberdade (de comrcio, na sua formulao inicial, mas tambm de outras realidades, em formulaes ulteriores). S que os pressupostos da teoria total informao dos parceiros, efectiva liberdade de circulao (de factores, produtos e conhecimentos), igualdade de poder entre parceiros (ausncia de poderes assimtricos) quase nunca esto presentes. Continuam a ser correntes vrias restries. Por exemplo, em matria agrcola (Europa, Estados Unidos e Japo), txtil e outras produes (no txtil, aparentemente,

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  • terminam agora), no que respeita a movimentos de capital (ocorrem muitas restries em vrios pases do globo, mesmo nos mais avanados e liberais) e na livre circulao de trabalhadores.

    A criao de blocos econmicos, quando no polticos (UE, ASEAN, NAFTA, Mercosul), cria universos particulares com barreiras comuns em relao ao resto do mundo e que cimentam preferncias internas20. Mantm-se procedimentos que tornam muito difcil a exportao para novas economias emergentes, de que exemplo, bem claro, a China, no obstante a sua recente adeso Organizao Mundial do Comrcio (OMC).

    As dinmicas demogrficas jogam claramente a favor da sia e a desfavor da Europa, com os Estados Unidos a ocupar uma posio intermdia que, no seu caso, afasta preocupaes imediatas. J no que respeita Europa h motivo para grande preocupao relativamente evoluo demogrfica21.

    Para o futuro no expectvel que pases como a China, a ndia ou outros continuem a desenvolver-se, populacional e economicamente, ao ritmo com que o vm fazendo no ltimo quarto de sculo. de presumir que as tendncias evolutivas se aproximem do que se passou historicamente com o modelo japons22, passando-se das elevadssimas taxas de crescimento actuais, para taxas apenas elevadas no mdio prazo e para taxas normais no longo prazo. S que estes pases tm ainda muito potencial de crescimento.

    Se a mdio prazo no ocorrerem variaes significativas das actuais tendncias:

    dentro de uma dcada a China ultrapassaria os Estados Unidos em termos de Produto global e teria um PIB superior ao deste em cerca de 50% daqui a 15 anos (mas, ao qual corresponder um PIB per capita de apenas cerca de 40% do dos Estados Unidos);

    20 Exemplo: em Novembro de 2004 foi acordado entre a China e os pases da sia do sudeste (ASEAN) o estabelecimento de uma zona de comrcio livre, que poder ser, em 2010, a zona de comrcio mais alargada em termos de populao (a que acresce o facto de a generalidade destes pases apresentarem as taxas de crescimento - e tambm populacionais - mais elevadas do planeta). Naturalmente, a criao deste espao cria receios tanto no Japo como nos Estados Unidos, mas no de excluir que a zona evolua, por forma a integrar ulteriormente japoneses e coreanos (entre outros) numa grande comunidade da sia oriental. Para j, h resultados concretos do passo dado: as tarifas intra-Asean sero abolidas relativamente a onze sectores determinantes a partir de 2007 (com trs anos de avano sobre o anteriormente convencionado) nas seis economias mais prsperas do conjunto (Brunei, Indonsia, Malsia, Filipinas, Singapura e Tailndia), tendo sido concedido um prazo suplementar de quatro anos relativamente aos pases mais pobres (Birmnia, Camboja, Laos e Vietname). 21 As dinmicas demogrficas traduzir-se-o num crescimento da populao de mais 2,5 mil milhes de habitantes entre 2005 e 2050, segundo estimativas das Naes Unidas. Esta variao explicada, sobretudo, pelo aumento da populao na sia e em frica, enquanto a populao europeia se reduz. 22 Que seguiu tambm o tipo de evoluo anteriormente verificada em outros pases no decurso do respectivo processo de desenvolvimento.

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  • a ndia seguiria mais lentamente, sendo que, dentro de 15 anos, passaria de menos de 30% do PIB dos Estados Unidos para cerca de 40%;

    a quota relativa das cinco maiores economias europeias continuaria a cair, quando comparada com a dos Estados Unidos, passando dos actuais 75% para 70%, ou mesmo para 65% no mdio prazo, o que implicaria que, se a UE pretender manter um relativo equilbrio com os Estados Unidos em matria de Produto, teria de ocorrer um crescimento muito substancial em outros membros da UE, hoje menos desenvolvidos23;

    em termos demogrficos, a China continuaria a crescer em termos relativos, mas poderia ser aproximada pela ndia. Estes dois pases, em conjunto, passariam, no espao de cerca de uma dcada e meia, do mltiplo actual de 8 vezes superior populao dos Estados Unidos para cerca de 8,5 vezes dessa populao. Os cinco maiores pases europeus da UE pouco ganhariam em posio relativa.

    Quanto evoluo da balana de pagamentos dos Estados Unidos, a no ser corrigida, em prazo razovel, a actual situao de dfice, poder introduzir graves tenses na economia mundial, contribuindo para alterar em muito as tendncias que se desenham presentemente24. As diferentes perspectivas entre pases, no que se refere ao acesso a matrias-primas, designadamente energticas, poder vir tambm condicionar fortemente o desenvolvimento, tanto de determinados pases, como do mundo no seu conjunto25.

    23 natural, e positivo, que venham os pases mais atrasados da UE, sobretudo os recentemente admitidos, a crescer mais rapidamente do que o conjunto dos actuais pases mais desenvolvidos. A questo de saber se ser esse crescimento suficiente para aguentar a necessria dinmica do conjunto. 24 A manuteno do dfice dos Estados Unidos pressupe que os maiores credores (Japo e China) continuaro a aceitar a situao, o que no se tem por certo (e, em todo o caso, representa uma evidente vulnerabilidade poltica, e tambm econmica, para os Estados Unidos (e no s), se os credores resolverem fechar a torneira e/ou aplicar os excedentes na compra de empresas norte-americanas e/ou europeias, sobretudo de tecnologia mdia/alta). 25 A China est j a colocar uma grande presso sobre o mercado mundial de alguns produtos e, no obstante as suas imensas reservas, dever passar a depender mais fortemente dos mercados mundiais para muitos inputs (por exemplo, na energia est a passar de uma situao de auto-suficincia para uma outra de insuficincia, no ao j introduziu tenses que provocaram uma subida de preos como se no verificava desde h dcadas). Tambm as questes ambientais esto a colocar-se com alguma gravidade, como, em outros tempos, em vrios pases, durante o processo de industrializao. Mas, com uma populao activa de cerca de 770 milhes de pessoas e com um emprego agrcola na ordem dos 44%, a China dispe de uma enorme reserva de mo-de-obra que pode/deve transferir para outras actividades, sendo de esperar que, no decurso do processo, se obtenham gradualmente condies retributivas globais bastante mais satisfatrias do que as actualmente existentes e que, em muitos casos, podem ser interpretadas como de dumping social; mas sendo certo, tambm, que a actual reserva de mo-de-obra continuar a fazer presso sobre o nvel salarial interno dos sectores secundrio e tercirio, e mantendo, tambm por essa via, a presso sobre as condies sociais dos pases desenvolvidos.

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  • Aspectos como a educao e a formao, o investimento em telecomunicaes, as tecnologias de informao, a investigao e desenvolvimento, e outras reas importantes para o crescimento econmico, permitem prever que o panorama descrito, de mudana profunda dos actuais equilbrios, no inverosmil.

    Mas a falta de democracia em muitos pases (sobretudo na China), a violao dos direitos humanos fundamentais e as grandes disparidades na distribuio do rendimento podero introduzir tenses no processo descrito.

    No que se refere distribuio do rendimento, se relativamente confortvel a posio da generalidade dos pases europeus, j muito preocupante o que se passa na China e na Rssia e, sobretudo, em pases como o Brasil e a frica do Sul. As Naes Unidas lanaram um ambicioso programa com vista melhoria das condies nos pases do Sul, com objectivos concretos para 201526.

    A posio da UE mpar no que se refere a ajuda externa ao desenvolvimento: a Unio Europeia um protagonista mundial em termos econmicos, comerciais e de desenvolvimento, representando 55% dos fluxos globais de ajuda cerca de 30 mil milhes de euros dos quais a Comisso Europeia gere mais de um quinto. Esta assistncia prestada a mais de 160 pases, territrios ou organizaes em todo o mundo. Constitui uma expresso tangvel do empenho da Comunidade na realizao dos Objectivos de Desenvolvimento do Milnio, centrados na reduo da pobreza. Desde 2000, a poltica de desenvolvimento da Comunidade tem por objectivo

    26 A resoluo da Assembleia Geral das Naes Unidas, adoptada em 18 Setembro 2000, fixou os Objectivos de Desenvolvimento do Milnio. Num documento curto, menos de nove pginas na verso inglesa, afirmam-se valores e princpios como a liberdade, a igualdade, a solidariedade, a tolerncia, o respeito pela natureza, a responsabilidade partilhada, defendem-se valores de paz, segurana e desarmamento, apontando-se vias e processo para o efeito, reconhece-se a necessidade de desenvolvimento e de erradicao da pobreza, apontando-se caminhos, defende-se a necessidade de proteger o ambiente, salientam-se os valores dos direitos humanos, da democracia e do bom governo, proclama-se a necessidade de proteco dos indivduos mais vulnerveis, explicitam-se as particulares necessidades do continente africano e a necessidade de reforar as Naes Unidas. Em matria de erradicao da pobreza e de prossecuo do desenvolvimento fixaram-se objectivos quantificados at 2015:

    reduzir para metade a proporo da populao mundial com rendimento dirio inferior um dlar, bem como a proporo de pessoas sofrendo de fome e, ainda, reduzir para metade a populao sem acesso a gua potvel par uso na alimentao;

    assegurar que todas as crianas podero ter acesso escolaridade primria, e que tanto rapazes como raparigas tero igualdade de acesso aos nveis superiores de escolaridade;

    assegurar a reduo em trs quartos da mortalidade por parto e a reduo em dois teros da mortalidade infantil (abaixo dos cinco anos);

    parar a expanso do HIV/AIDS e comear a reduzir a doena, devendo ser dada particular ateno s crianas;

    melhorar a qualidade de vida de, pelo menos, 100 milhes de pessoas vivendo em tugrios e barracas.

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  • fundamental reduzir e, a prazo, conseguir eliminar a pobreza. Atravs da ajuda externa, a Unio Europeia demonstra o seu apoio promoo e defesa de valores universais como a democracia e os direitos humanos27.

    Mais especificamente, a Comisso Europeia produziu um relatrio recente com a informao pertinente sobre a contribuio da UE para os Objectivos de Desenvolvimento do Milnio28.

    III.2. Problemas novos

    hoje pacificamente aceite que a Europa se confronta com uma multiplicidade de problemas, em diferentes domnios.

    O crescimento econmico europeu tem sido lento e constata-se uma desacelerao no ritmo de aumento da produtividade. A UE definiu na Cimeira de Lisboa, bem como em Cimeiras posteriores, de que se reala a de Estocolmo, quanto estratgia de desenvolvimento sustentado, alguns objectivos ambiciosos nos domnios econmico, social e ambiental.

    A anlise feita a meio do perodo (2005) mostra que em todas as vertentes, com especial relevncia para a competitividade e o social, est a UE muito afastada dos objectivos inicialmente propostos, sendo altamente improvvel que os mesmos possam ser concretizados at 2010.

    Haver, contudo, que ter na devida conta, tanto a natureza como a dimenso desses problemas j que, em relao a alguns factores essenciais ao desenvolvimento, como sejam a energia, a investigao e desenvolvimento, a tecnologia, a formao e educao (capital humano), a Europa continua a ocupar uma posio razovel, embora bastante aqum da dos Estados Unidos e, em determinadas tecnologias, mesmo de certos pases asiticos29.

    J em outros aspectos a situao pode ser mais grave, como, por exemplo, no que respeita questo demogrfica. bem conhecida a tendncia para o envelhecimento demogrfico na Europa e suas potenciais consequncias. Cita-se de um bem conhecido relatrio encomendado pela Comisso Europeia30:

    27 Comunicao da Comisso Europeia ao Conselho Europeu e ao PE, Relatrio Anual de 2004 sobre a poltica de desenvolvimento a ajuda externa da CE, COM(2004)536 final, de 29 de Julho de 2004. 28 European Commission, Report on the Millennium Development Goals, 2000-2004, Brussels, 22 November 2004. 29 E isto apesar de se tratar de polticas nacionais com maior ou menor enquadramento geral no mbito comunitrio. 30 The Lisbon strategy for growth and employment, Report from the High Level Group chaired by Wim Kok, November 2004.

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  • o declnio da taxa de natalidade e o aumento da esperana de vida interagem para produzir uma mudana dramtica na dimenso e estrutura da populao europeia, prevendo-se que a populao total venha a cair j em 2020. Para 2050 projecta-se um declnio de 18% da populao activa, relativamente ao nvel actual, e o volume da populao com mais de 65 anos dever aumentar em cerca de 60%. Como resultado, o rcio mdio de reformados sobre indivduos em idade activa poder passar dos 24% actuais para 50% em 2050 (extremos: Dinamarca, 36%; Itlia, 61%);

    o aumento da esperana de vida constitui um elemento positivo e um avano da Europa. Contudo, traduzir-se- num esforo acrescido com penses e assistncia mdica e medicamentosa, ao mesmo tempo que reduzir o nmero de pessoas na idade activa para produzir. Projeces da Comisso Europeia indicam que o impacto do envelhecimento populacional reduzir a taxa de crescimento do produto dos actuais 2-2,25% para 1,25% em 2040, com um impacto cumulativo no PIB per capita de 20%. A partir de 2015 de prever que o potencial de crescimento caia para cerca de 1,5%, se o potencial de trabalho se mantiver inalterado;

    o envelhecimento traduzir-se-, por altura de 2050, por um aumento entre 4% e 8% do PIB, no que respeita a penses e cuidados de sade (em 2020 poder ocorrer j um aumento de 2% em muitos Estados-membros e, em 2030, um aumento de 4% a 5%).

    O alargamento recente, tendo certamente virtualidades, criar alguns problemas, que sero mais evidentes no curto prazo, para os Estados-membros pior posicionados.

    O alargamento tornou a Europa mais desigual. Nestas condies, importa saber se as novas perspectivas financeiras, a aprovar para o perodo 2007-2013, respondem a esta necessidade de um desenvolvimento econmico equilibrado dos vrios pases, particularmente dos que tm menores nveis de vida.

    Os efeitos positivos decorrentes do alargamento sero assimetricamente distribudos entre os antigos e os novos membros da UE (e, ainda de forma diferenciada, dentro de cada grupo de pases). Quanto aos, por vezes temidos, efeitos decorrentes da deslocao de trabalhadores dentro da UE, estes no devero ocorrer31 de forma significativa.

    31 Ver: Development Strategies IDC, The Consequences of Enlargement for Development Policy, Vol. I and II, August, 31, 2003 e Wim Kok, Alargar a Unio, Realizaes e Desafios, 2003. Cita-se deste ltimo:

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  • Perspectivando-se novos alargamentos, j a partir de 2007, evidente que Portugal ficar sujeito a novos desafios.

    III.3. A Estratgia de Lisboa

    A tomada de conscincia dos problemas existentes e a necessidade de ultrapassar estrangulamentos levou, em Maro de 2000, os lderes europeus, reunidos na Cimeira de Lisboa, a comprometerem-se no sentido de tornarem a UE, at 2010, na economia mundial mais dinmica e baseada no conhecimento, capaz de assegurar um crescimento sustentado com mais e melhores empregos e uma maior coeso social e regional, devendo o desenvolvimento fazer-se na garantia do respeito pelo ambiente natural.

    Pressupunha-se toda uma srie de reformas interdependentes e de aces envolvendo os diferentes Estados-membros, dada a inter-penetrao das economias da UE.

    Relembram-se aqui alguns aspectos, tal como constam das Concluses da Presidncia do Conselho Europeu de Lisboa de 23/24 de Maro de 2000:

    A Unio atribuiu-se hoje um novo objectivo estratgico para a prxima dcada: tornar-se na economia baseada no conhecimento mais dinmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento econmico sustentvel, com mais e melhores empregos, e com maior coeso social. A consecuo deste objectivo pressupe uma estratgia global que vise:

    As estimativas do impacto do alargamento na UE actual tendem a ser limitadas, devido sua dimenso econmica muito superior. Algumas estimativas afirmam que os actuais membros da UE obtero, a longo prazo, benefcios totais de cerca de 10 mil milhes de euros, com um aumento de uma vez s do respectivo PIB de 0,2%, o que poderia levar criao de cerca de 300 000 postos de trabalho (pressupondo uma relao trabalho-produo constante, Grabbe, H. 2001). Este benefcio econmico seria distribudo desigualmente entre os actuais Estados-membros, correspondendo Alemanha cerca de um tero. Em relao aos novos Estados-membros, o consenso dos economistas que provvel que os benefcios sejam proporcionalmente muito maiores, reflectindo o facto de 70% das exportaes se destinarem actual UE (apenas 4% das exportaes da UE se destina actualmente aos novos Estados-membros) e de as suas economias serem bastante mais pequenas. Um estudo recente resume a literatura econmica da seguinte forma: as simulaes orientadas para o comrcio mostram em geral que os candidatos, enquanto grupo, beneficiam de aumentos do PIB entre 1% e 8% ou mesmo 10% a curto e mdio prazo (Pelkmans, J. 2002). (...)Os clculos dos peritos relativamente migrao provvel tendem a ser modestos. O European Integration Consortium estima que o nmero de pessoas que se deslocaria para a actual UE aps a introduo da livre circulao de trabalhadores (sem ter em conta o perodo transitrio de sete anos) seria de 335 mil (0,1% da populao actual da UE), aumentando ligeiramente ao longo dos 30 anos seguintes at atingir um mximo de 1,1% da populao (Boeri, T. e H. Brcker, 2000). provvel que os pases e as regies da UE mais prximos dos novos Estados-membros venham a ser mais afectados do que os outros. Um recente relatrio do Centre for Economic Policy Research sugere que a emigrao cumulativa lquida (emigrao a longo prazo) procedente dos novos Estados-membros (15-20 anos aps a introduo da livre circulao de trabalhadores) ascender a 2-3% da populao na Alemanha (Boeri, T. Et al. 2002). As regies fronteirias conhecero tambm um fenmeno de migrao a curto prazo (inclusive de trabalhadores transfronteirios) considervel por motivos laborais.

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  • preparar a transio para uma economia e uma sociedade baseadas no conhecimento, atravs da aplicao de melhores polticas no domnio da sociedade da informao e da I&D, bem como da acelerao do processo de reforma estrutural para fomentar a competitividade e a inovao e da concluso do mercado interno;

    modernizar o Modelo Social Europeu, investindo nas pessoas e combatendo a excluso social;

    sustentar as ss perspectivas econmicas e as favorveis previses de crescimento, aplicando uma adequada combinao de polticas macroeconmicas.

    Esta estratgia visa permitir Unio reconquistar as condies do pleno emprego e reforar a coeso regional da Unio Europeia. (...) Se as medidas a seguir expostas forem implementadas num contexto macroeconmico saudvel, uma taxa mdia de crescimento econmico de cerca de 3% deveria constituir uma perspectiva realista para os prximos anos.

    A implementao desta estratgia passa pela melhoria dos procedimentos existentes, pela introduo de um novo mtodo aberto de coordenao a todos os nveis (...).

    O Conselho Europeu considera