inclusão e valorização de minorias Étnicas – desafios no combate ao racismo institucional do...

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1 de 17 Universidade de Brasília Instituto de Ciência Política POLÍTICA E TEORIA SOCIAL Turma A Professor: Terry Groth Discente: Janaína Ferreira Bittencourt Pereira Inclusão e Valorização de Minorias Étnicas Desafios no Combate ao Racismo Institucional do Estado Brasileiro Brasília, 17 de julho de 2012.

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Artigo escrito para disciplina "Política e Teoria Social" ministrada pelo Prof. PhD Terrie Groth, discente titular do IPOL/UnB. Este trabalho se dispõe a analisar a evolução do pensamento antirracista na sociedade e no Estado brasileiros, a partir da observação das ações e programas governamentais de inclusão e incentivo às expressões culturais negras, assim como o desenvolvimento humano da população afro-brasileira. Para tal conclusão serão avaliadas, em conjunto, a aceitação das medidas de valorização e inclusão por parte da sociedade brasileira como um todo, de modo a identificar se houve ou não mudanças efetivas no ideário racista do Brasil.

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    Universidade de Braslia

    Instituto de Cincia Poltica

    POLTICA E TEORIA SOCIAL Turma A

    Professor: Terry Groth

    Discente: Janana Ferreira Bittencourt Pereira

    Incluso e Valorizao de Minorias

    tnicas Desafios no Combate ao

    Racismo Institucional do Estado

    Brasileiro

    Braslia, 17 de julho de 2012.

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    Sumrio

    1. Introduo ........................................................................................................................................... 3

    2. Construo da Identidade Racial na Sociedade Brasileira ................................................ 4

    3. Insero do negro no mercado de trabalho ........................................................................... 7

    4. Reparao social: implementao de Aes afirmativas x Racismo Institucional

    Estatal ......................................................................................................................................................... 11

    5. Concluso .......................................................................................................................................... 14

    6. Bibliografia ....................................................................................................................................... 15

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    Resumo

    Este trabalho se dispe a analisar a evoluo do pensamento antirracista na

    sociedade e no Estado brasileiros, a partir da observao das aes e programas

    governamentais de incluso e incentivo s expresses culturais negras, assim como o

    desenvolvimento humano da populao afro-brasileira. Para tal concluso sero

    avaliadas, em conjunto, a aceitao das medidas de valorizao e incluso por parte da

    sociedade brasileira como um todo, de modo a identificar se houve ou no mudanas

    efetivas no iderio racista do Brasil.

    Palavra-chave: Racismo, Segregao, Poder, Estado nacional, aes afirmativas,

    Cultura.

    1. Introduo

    Para a construo de tal trabalho, partir-se- de trs pontos chaves: 1)

    Historicamente, o Brasil uma nao pautada por ideais racistas. A populao afro-

    brasileira no detm, ainda hoje luz do sculo XXI, as mesmas condies de dignidade

    humana que as demais populaes no-negras, sobretudo a branca; 2) O estado brasileiro,

    por diversas vezes, promoveu polticas de branqueamento1 de sua populao, objetivando

    a diminuio da quantidade de indivduos negros no pas. Para tal, uma srie de

    propagandas publicitrias, pblicas e privadas e, medidas poltico- administrativas foram

    implementadas para promover a inverso de tal quadro de formao tnica do pas; 3)

    Mesmo em face da redemocratizao do pas, aps o fim do perodo de 30 anos da Ditadura

    Militar, o Estado Brasileiro teve grande dificuldade em promover debates efetivos acerca

    das tenses raciais existentes em seu territrio, assim como em lidar com agrupamentos

    organizados de valorizao etnicorracial. Tambm, o Estado tem grande ineficincia na

    criao, implementao e gesto de polticas pblicas especficas ao amparo s populaes

    negras e indgenas, vtimas de excluso social decorrente do racismo que as acometem.

    Dado os inmeros problemas enfrentados pelo pas em decorrncia do racismo, que

    prejudica a plenitude da cidadania e desenvolvimento humano e econmico de

    1 Desigualdades raciais, racismo e polticas pblicas: 120 anos aps a abolio. IPEA. p.4.

    http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/08_05_13_120anosAbolicaoVcoletiva.pdf

    http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/08_05_13_120anosAbolicaoVcoletiva.pdf
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    grande parte de sua populao, o Estado tem, gradualmente, conferido mais ateno s

    temticas raciais e seus desdobramentos.

    Atualmente, observam-se crescente quantidade de medidas de reparao s

    populaes negras e afrodescendentes, assim como uma srie de aes afirmativas que vm

    sendo debatidas e implementadas no pas com o objetivo de extinguir o iderio racista da

    populao brasileira. Tal crescimento indica a cincia do Estado em relao ao seu carter

    excludente e aponta mudanas positivas no quadro inerte de racismo que se estabeleceu

    na mquina pblica no decorrer dos anos.

    2. Construo da Identidade Racial na Sociedade

    Brasileira

    Ao falar de relaes etnicorraciais preciso esclarecer que, muito embora as

    Cincias Naturais j tenham provado a inexistncia de raas na espcie humana, no mbito

    das Cincias Sociais o termo raa legitimado por evidenciar determinadas

    caractersticas estticas, tnicas e culturais que diferenciam as pessoas tanto esteticamente,

    quanto socioeconomicamente. Muito embora o termo raa tenha sido cunhado por uma

    ideologia racista que visava segregar as pessoas em razo de suposta supremacia de um

    grupo tnico sobre outro, o impacto de tal racializao imposta pela colonizao europeia

    sobre os demais povos repercute nas relaes sociais e interpessoais at a

    atualidade, de modo que tal construo do termo raa no pode ser ignorada.

    Diversos movimentos etnicorraciais atravs do mundo buscam a ressignificao do

    termo raa, com o objetivo de no mais estabelecer diferenas negativas entre a

    diversidade de etnias e fentipos existentes no mundo, mas sim, valorizar suas etnias,

    fentipos e culturas anteriormente inferiorizadas. Trata-se de um processo de reconstruo

    identitria que se apropria de termos e perspectivas anteriormente usadas como forma de

    opresso e os confere novo significado, agora imbudo de auto- valorizao.

    Sabe-se que o Brasil um pas originrio de um processo de colonizao de

    explorao, no qual o territrio e os recursos naturais se constituam em importante

    fonte de riqueza para a Coroa Portuguesa.

    Assim como em outros pases, a explorao da terra e dos recursos naturais se deu

    atravs da utilizao da mo de obra de africanos negros escravizados. Tal relao de

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    explorao foi cunhada pelo Mercantilismo no sculo XV, e respaldada pela Igreja

    Catlica Apostlica Romana sob a argumentao de que as pessoas de pele escura eram

    portadoras de uma maldio divina que as impedia de terem alma, e por isto, poderiam ser

    subjulgadas e escravizadas.

    Esses dois fatos explicam a utilizao da mo de obra de negros africanos em

    detrimento da mo de obra de indgenas amerndios. Sabe-se que a comercializao

    internacional de amerndios no seria to rentvel quanto a comercializao de indivduos

    negros. Alm disto, a Igreja Catlica considerava que os amerndios possuam alma

    e, por isto, no poderiam ser escravizados.

    Muito embora negros africanos e amerndios tenham recebido tratamento

    diferenciado por parte da Cora Portuguesa, no que diz respeito imposio do trabalho

    escravo, ambos passaram por contundentes processos de destruio tnico-cultural,

    sendo desvalorizados em todos os aspectos de suas origens e valorizados por supostas

    habilidades que possuram por serem pertencentes a tal grupo.

    Nesse sentido, aos negros africanos foram atribudas algumas caractersticas

    estereotipadas que, com o tempo, foram internalizadas na sociedade brasileira e

    passaram a ser vistas como caractersticas verdicas dos indivduos com fentipo negro.

    Deste modo, o individuo negro passou a ser visto como pouco inteligente, boal,

    portador de grande fora fsica e sexual, podendo tornar-se dcil se bem tratado, ou

    extremamente violento se hostilizado em demasia. As mulheres negras passaram a ser

    vistas como objetos de utilizao sexual de seus Senhores e reprodutoras de mo de

    obra.

    Os indgenas, por sua vez, foram considerados bbados, revoltos e preguiosos,

    muito embora pudessem ser astutos por conhecerem o territrio e terem facilidade para

    fugirem do cativeiro. As mulheres indgenas passaram a ser vistas como portadoras de

    beleza extica e objetos de utilizao sexual para o homem branco.

    Tais construes preconceituosas supracitadas foram importantes no processo de

    racializao do Brasil, pois mesmo com a abolio da escravatura, os negros continuaram

    margem da sociedade, sem cidadania e dignidade de vida.

    Esse contexto de desvalorizao, sobretudo a esttica, dificultou a construo da

    identidade negra nos indivduos desta raa, sobretudo nos mestios. Segundo

    Kabenguele Munanga, no Brasil comum que a ascendncia africana de um indivduo

    mestio seja ignorada, sendo escondida ou disfarada atravs de processos de

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    amenizao de traos fenotpicos como cabelo e traos raciais, de modo a torn-los cada

    vez mais parecidos com o padro de beleza branco europeu.

    Diferentemente dos Estados Unidos, por exemplo, onde o critrio para definir quem

    negro ou branco se d pelo grau descendncia direto com uma pessoa negra, o Brasil foi

    construdo sobre uma noo de embranquecimento, onde a mestiagem entre negros e

    brancos no era tida como algo necessariamente ruim. Isto pois, a pessoa resultante dessa

    relao geralmente firmada atravs da violncia sexual do homem branco sobre a mulher

    negra no Brasil Colnia - era considerada superior ao negro. Esta suposta superioridade lhe

    conferia a possibilidade de exercer trabalhos menos humilhantes que os negros de tez

    escura, sendo preferencialmente utilizados para trabalhos domsticos ou comrcio.

    Assim, a sociedade brasileira estipulou que aos negros sempre caberia a rabeira dos

    direitos e dignidade, sendo excludos de polticas pblicas, amparo de sade e

    educao. Aos mestios e mulatos caberiam melhores condies que os negros, sobretudo

    se afastassem-se de suas origens africanas no apenas na esttica, mas tambm nos

    hbitos, histrias e costumes. E, por fim, aos brancos estariam reservadas plenas garantias

    e direitos, resguardando suas possibilidades de crescerem enquanto humanos na medida de

    suas possibilidades e anseios.

    Desse modo, durante muitos anos os mestios de brancos e negros no se

    enxergaram como pertencentes raa negra, muito embora tambm sofressem forte

    discriminao racial. Tambm, muitos indivduos negros no aceitavam seus traos e

    histria, sofrendo de processos complexos e destrutivos de autodesvalorizao.

    Contudo, mesmo com a magnitude dos impactos do racismo nas autoestimas

    individuas e coletivas do povo negro, e dos fatos acima citados, muitos agrupamentos e

    coletivos de pessoas negras se formaram no pas com o objetivo de manter firmes as

    tradies afro-brasileiras e valorizar o negro enquanto ser humano.

    o caso dos Quilombos, de grupos religiosos como as Irmandades de Nossa

    Senhora do Rosrio e So Benedito e Irmandades de Mulheres da Boa Morte, alm dos

    Candombls e demais religies afro-brasileiras que eram oficialmente perseguidas

    pelo Estado, de modo que a insistncia de seus fiis na realizao de seus cultos, mesmo

    que clandestinos, tambm pode ser entendida como um ato de resistncia poltica , e

    agrupamentos de expresso culturais, como os Grupos de Capoeira, Escolas de Samba,

    Grupos de Dana e Teatro no qual destaca-se o precursor Teatro Experimental do

    Negro.

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    A formao e manuteno de tais agrupamentos, a despeito das diversas

    tentativas de extino por parte do Estado, da Igreja e da Sociedade, se constituram

    como os primeiros atos de organizao sociopoltica do povo afro-brasileiro, na medida

    em que tais grupos serviam no apenas ao propsito central de manuteno de

    determinado trao cultural africano ou afro-brasileiro, mas tambm para a reunio e

    discusso de indivduos negros em espaos homogneos e de livre expresso.

    Desta forma, os agrupamentos negros foram fundamentais pro estabelecimento

    da luta antirracista e das reivindicaes por direitos e melhores qualidades de vida.

    3. Insero do negro no mercado de trabalho

    A populao afrobrasileira apresenta menos anos de estudos que a populao

    branca. Tal discrepncia gera disparidade de renda, sade e perspectiva de vida, e

    aumenta a situao de vulnerabilidade social da populao menos favorecida, sobretudo

    entre os jovens do sexo masculino.

    Muito embora o Brasil ainda apresente inmeros problemas estruturais no

    mbito da Educao formal, tais como dificuldade de acesso por parte das parcelas mais

    pobres da sociedade, novamente percebe-se contundente discrepncia nos nveis de

    acesso educao e grau de escolaridade entre negros e brancos, independentemente de

    classe social.

    Em 2001,

    a escolaridade mdia de um jovem negro com 25 anos de idade gira em

    torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem

    cerca de 8,4 anos de estudo. O diferencial de 2,3 anos de estudos entre

    jovens brancos e negros de 25 anos de idade a mesma observada entre

    os pais desses jovens. E, de forma assustadoramente natural, 2,3 anos

    a diferena entre os avs desses jovens. Alm de elevado o padro de

    discriminao racial expresso pelo diferencial na escolaridade entre

    brancos e negros, mantm-se perversamente estvel entre as geraes.

    (HENRIQUES, 2001).

    A taxa de desemprego maior entre os negros do que entre os brancos, ambos

    em idade economicamente ativa e at mesmo se observados os mesmos indicadores de

    qualificao profissional.

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    Em 2008, 9,3% da populao negra economicamente ativa estava desempregada

    4,5 milhes de trabalhadores, contra 7,5% da populao branca, que corresponde a 3,7

    milhes de pessoas. (IPEA, 2008, p. 13).

    Como ilustra o Quadro 1, entre as pessoas negras que trabalham, o quadro de

    desigualdade permanece, pois a comparao entre negros e brancos mostra que o

    subemprego e a no regularizao do trabalho maior entre os primeiros em relao aos

    segundos, assim como a maior a desqualificao da mo de obra.

    Quadro 1 Fonte: IPEA. 2008

    Tambm, a disparidade de renda entre negros e brancos absurda, ao passo que a

    renda per capita mdia da populao branca chega a ser quase 50% maior que a da

    populao negra, como mostra o Quadro 2.

    A discrepncia entre as rendas salariais de brancos e negros tamanha que, segundo

    o IPEA, mesmo, atualmente, havendo melhorias na situao de qualificao profissional e

    empregabilidade dentre a populao negra, seriam necessrios 32 anos at que as duas

    populaes tnicas tenham a mesma renda, inalteradas as situaes atuais para os dois

    grupos.

    Ou seja, a populao negra, formado por pardos e pretos, que hoje constitui 54%

    da sociedade brasileira ainda acometida por uma forma de excluso to concisa e

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    complexa que a mantm cerca de um tero de sculo atrs da igualdade econmica em

    relao populao branca.

    Quadro 2 Fonte: IPEA

    Ainda que a maior parte da populao afrodescendente tenha menos

    escolaridade e qualificao profissional que a populao branca, os indivduos negros com

    alto nvel educacional e bem qualificados enfrentam resistncia ao ingressarem no

    Mercado de trabalho, sobretudo se para postos que exigem maior capacidade intelectual e

    liderana.

    Contudo, notrio que fora o quadro de racismo que perpetua as diferenas

    objetivas negativas entre as duas raas no mercado de trabalho, a baixa escolaridade da

    populao negra em relao branca contribui para a manuteno da m realidade

    empregatcia.

    Sabe-se que alm dos problemas decorrentes da pobreza, o racismo grande

    responsvel pelo mau rendimento e evaso escolares no Ensino Bsico. Co mo descreve

    Kabenguele Munanga,

    independente de sexo, cor, religio, idade e etc, os resultados de todas

    as pesquisas srias realizadas no pas mostram que, mesmo nas escolas

    mais perifricas e marginalizadas dos sistema da rede pblica, onde

    todos os alunos so pobres, quem leva o pior em termos de insucesso,

    fracasso, repetncia, abandono e evaso escolares o aluno de

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    ascendncia negra, isto , os alunos negros e mestios. O que logicamente

    leva a crer que a pobreza e a classe social no constituem as nicas

    explicaes do insucesso escolar do aluno negro e a buscar outras fontes

    de explicao (MUNANGA, 2000, p

    235-236).

    Essa interrupo na formao dos jovens negros no apenas causa graves dficits

    educacionais, como diminui significativamente as possibilidades de insero no

    mercado de trabalho qualificado e de ascenso social.

    Surpreendentemente, mesmo tendo havido aumento no nvel de acesso e utilizao

    do povo negro ao ensino formal nos ltimos 40 anos, a diferena na quantidade de

    indivduos negros e brancos com ensino superior aumentou consideravelmente.

    Como aponta o Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas,

    Em 1976 em torno de 5% da populao branca tinha um diploma

    de educao superior aos 30 anos contra uma porcentagem essencialmente

    residual para os negros. J em 2006 algo em torno de 5% dos negros tinha

    curso superior aos 30 anos. O problema, para as desigualdades raciais,

    que quase 18% dos brancos tinham completado um curso superior at os

    30 anos. O hiato racial que era de 4,3 pontos quase que triplicou para

    13 pontos. (IPEA. 2008. p. 9).

    Ou seja, mesmo luz do perodo de intensa industrializao e urbanizao

    ocorrido no pas nos anos 70, pas que transformou sua base produtiva de rural em

    industrial, a populao negra permaneceu cerceada das oportunidades de desenvolvimento.

    Como mostra o estudo do IPEA,

    Examinando as desigualdades raciais brasileiras entre as dcadas de

    1940 e 1970, estudos sobre mobilidade social concluem que a posio

    relativa dos negros e brancos na hierarquia social no foi

    substancialmente alterada com o processo de crescimento e modernizao

    econmica ocorridos no pas. A industrializao no eliminou a raa

    como fator organizador de relaes sociais e oportunidades econmicas,

    nem reverteu a subordinao social das minorias raciais. De fato, o

    racismo opera mecanismos de desqualificao dos no-brancos na

    competio pelas posies mais almejadas. Ao mesmo tempo, os

    processos de recrutamento para posies mais valorizadas no mercado de

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    trabalho e nos espaos sociais operam com caractersticas dos candidatos

    que reforam e legitimam a diviso hierrquica do trabalho, a imagem

    da empresa e do prprio posto de trabalho. (IPEA, 2008, p.6)

    A partir da observao de tal fenmeno de excluso reiterada da populao

    negra a melhores condies de vida e dignidade e considerando a complexidade do racismo

    existente na sociedade nacional, o estado brasileiro viu a necessidade de implementar

    polticas pblicas capazes de reverter esse quadro.

    4. Reparao social: implementao de Aes afirmativas

    x Racismo Institucional Estatal

    Durante muitos anos o Estado tambm praticou racismo atravs da excluso social,

    sistemtica e endmica, da populao negra, assim como da perseguio e criminalizao

    de elementos da cultura afro-brasileira como a Capoeira, o Samba, religies com Umbanda

    e Candombl, entre outros. Entretanto, a partir da metade do sculo XX tais prticas de

    perseguio foram oficialmente abolidas e deu-se incio, de forma vagarosa, ao processo

    de respeito e valorizao das culturas negras e indgenas.

    Considerando que o Estado no um ente individual e vivo, mas sim uma

    instituio administrativa formada e gerida por pessoas, cidads de uma mesma nao e

    possuidoras, de modo geral, dos mesmos valores sociais, possvel dizer que as atitudes

    do Estado brasileiro para com as suas minorias so reflexo das posturas da sociedade

    brasileira a tais minorias.

    Sendo assim, pode-se dizer que o racismo institucional reproduzido pela

    mquina pblica respaldado pela sociedade e a anlise das aes implementadas pelo

    Estado como reparao histrica aos horrores vivenciados pelos negros no pode ser

    analisada separadamente das opinies da sociedade atual.

    Nos ltimos quinze anos, as aes afirmativas passaram a ser o foco principal

    das aes da incluso da populao negra.

    Por aes afirmativas, entende-se conjunto de aes privadas e/ou polticas

    pblicas que tem como objetivo reparar os aspectos discriminatrios que impedem o

    acesso de pessoas pertencentes a diversos grupos sociais s mais diferentes

    oportunidades (IBASE, 2006). Neste sentido, as aes afirmativas no visam diminuir os

    grupos historicamente hegemnicos, tampouco baseiam-se em retaliao, mas sim, se

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    constituem com ferramenta importante na incluso de grupos historicamente

    desfavorecidas em decorrncia de alguma caracterstica de suas particularidades que so

    discriminadas socialmente.

    A partir do reconhecimento da notria situao de indignidade da populao

    afrobrasileira, o estado iniciou, de forma modesta, a utilizao de mecanismos que

    viabilizassem a insero dessa populao nos assentos acadmicos e postos de trabalho

    qualificado, criando os Sistema de Reserva de Vagas para Negros e Afrodescendentes e em

    Universidades Pblicas e avaliando a viabilidade de criao de reserva de vagas em

    concursos pblicos.

    Assim, as aes afirmativas implementadas nas Universidades Pblicas visa m

    facilitar o acesso dessa populao aos assentos acadmicos, uma vez que ainda hoje a

    educao formal e de qualidade no accessvel esmagadora maioria da populao

    negra.

    fato que a grande mdia brasileira se posicionou contrariamente ao sistema de

    reservas de vagas universitrias e no mercado de trabalho, sob as alegaes de no

    haver necessidade de tal poltica, uma vez que o Brasil no ser racista, mas sim, repleto de

    desigualdades sociais; e por considerar a reserva de vagas uma forma de discriminao

    racial, uma vez que se baseia na distino objetiva de raas.

    A esse respeito, preciso frisar que qualquer ao afirmativa no fere a

    igualdade entre os cidados, mas sim, se baseia no Princpio Constitucional da

    Equidade. Ou seja, defende que todos so iguais perante a lei, mas os socialmente desiguais

    devem se tratados na medida de suas desigualdades. Neste sentido, dada a situao da

    populao afrobrasileira desde o fim do perodo escravocrata at os dias atuais, o Princpio

    da Equidade se faz necessrio e oportuno.

    Alm da instituio do vulgo Sistema de Cotas nas Universidades, atualmente est

    em discusso a utilizao de reservas de vagas em concursos pblicos.

    Mato Grosso do Sul e Paran so os pioneiros na utilizao de sistema de

    reserva de vagas em concursos pblicos2 atravs da sano das Leis Estaduais do MS

    3.594/2008 e 3.994/2010, para negros e indgenas respectivamente, e da Lei Estadual do

    PR 14.274/2003, vlida para negros e ndios.

    Tambm, em maio deste ano, o municpio do Rio de Janeiro aprovou a Lei

    2 Matria jornalstica PR e MS j adotam cotas para negros em concursos estaduais. O Globo.

    http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2011/06/pr-e-ms-ja-adotam-cotas-para-negros-em-

    concursos-estaduais.html

    http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2011/06/pr-e-ms-ja-adotam-cotas-para-negros-em-concursos-estaduais.htmlhttp://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2011/06/pr-e-ms-ja-adotam-cotas-para-negros-em-concursos-estaduais.html
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    1.081-A/2011, que estipula a reserva de 20% de vagas para negros e indgenas em todos

    os concursos pblicos da cidade do Rio de Janeiro at o ano de 2022.

    No mbito federal, a Secretaria de Promoo da Igualdade Racial (SEPPIR),

    comandada pela Ministra Luiza Barros, vem articulando juntamente com o Ministrio

    do Planejamento, Oramento e Gesto a implementao do sistema de reserva de vagas

    para os concursos pblicos federais.3 A SEPPIR trabalha para que a deciso seja tomada

    pelo Poder Executivo, no necessitando passar por aprovao Legislativa, fato que

    poderia significar o engavetamento ou rejeio do projeto.

    Isto pois, muito embora a mobilidade social e aumento de dignidade humana de

    grande parcela da populao brasileira seja viabilizada pelos sistemas de reservas de vagas,

    os congressistas brasileiros so facilmente influenciados pela opinio pblica.

    Controversamente, muito embora as pesquisas de opinio mostrem que mais de

    60% da populao brasileira favorvel a adoo de sistemas de cotas4, as opinies

    populares veiculadas na grande mdia so sempre contrrias poltica.

    Sobre isso, importante ressaltar que desde a adoo do sistema pela Universidade

    de Braslia, em 2004, a grande mdia e os setores mais conservadores da sociedade vem

    promovendo aberta e agressiva campanha pela extino do programa.

    As manifestaes miditicas a esse respeito, repletas de informaes superficiais e

    falaciosas, que diminuam a existncia de negros na proporo tnica do pas e

    amenizavam a verdadeira situao social de pretos e pardos, em uma clara tentativa de

    influenciar aos leitores e expectadores brasileiros.

    Em razo desse tipo de mobilizao contrria e bem articulada contra a

    discusso da efetividade da cidadania para o povo negro, e dos demais aspectos do racismo

    brasileiro, a utilizao de rgos governamentais voltados valorizao das minorias

    tnicas tem se tornado gradualmente mais estratgica e necessria.

    Tais rgos, dos quais se destaca a Secretaria de Promoo da Igualdade Racial

    (SEPPIR), posteriormente tambm adotada pelos governos estaduais, atualmente tem

    status de Ministrio da Repblica e atua promovendo a valorizao das minorias tnicas

    no pas, se constituindo como pea chave na defesa dos chamados sistemas de cotas e

    polticas de incentivo s populaes negras.

    3 Matria jornalstica. Pas deve ter cota racial em concursos este ano, diz Ministra.

    http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=8&id_noticia=187381. Portal Vermelho 4 Sistema de cotas: um debate. Dos dados manuteno de privilgios e de poder. UFBA. p.1 http://www.ifcs.ufrj.br/~observa/relatorios/JocelioAnpedVersaoFinal.pdf

    http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=8&id_noticia=187381http://www.ifcs.ufrj.br/~observa/relatorios/JocelioAnpedVersaoFinal.pdf
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    No mbito municipal, as Coordenadorias de Promoo da Igualdade Racial

    tambm se caracterizam como importante ferramenta na defesa dos direitos humanos para

    as pessoas negras. Suas funes incluem instituir referncia de dados para a elaborao,

    execuo e avaliao de polticas pblicas sociais e de promoo de equidades(Lei

    Municipal de Florianpolis 7.511/2007), defesa de manifestaes culturais e religiosas de

    origem afro-brasileira e fiscalizao de empresas privadas com o intuito de coibir a prtica

    do racismo institucional.

    A despeito das crticas e da expectativa de fracasso do sistema de cotas nas

    Universidades, as estatsticas divulgadas por estas mostram que a poltica obteve

    sucesso tanto no aumento do quantitativo negro em seus quadros de alunos, quanto no

    aproveitamento e rendimento desses alunos na trajetria acadmica.

    Em 2012, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) uma das

    Universidades mais prestigiadas do pas divulgou estudo55

    comprovando a eficcia do

    sistema e comparando o aproveitamento de alunos cotistas e no-cotistas. Nos primeiros

    cinco anos da implementao da poltica na UERJ, a taxa de evaso dos alunos no- cotistas

    foi maior que a dos cotistas, chegando a super-la em 15,7%. A taxa de reprovao

    dos no-cotistas foi maior que a de cotistas, ao passo que o nmero de formandos cotistas

    foi entre 5% e 10% maior que a de no-cotistas.

    5. Concluso

    A anlise da recepo de aes afirmativas para Negros nas Universidades

    Pblicas e mercado de trabalho, juntamente com a articulao contrria a sua

    implementao indicam dois cenrios: a oportuna percepo estratgica, por parte do

    Estado, da necessidade de incluso dos indivduos desfavorecidos historicamente, frente

    contrariedade de uma parcela no organizada, porm unssona e influente.

    A relutncia na aceitao de aes afirmativas aponta um cenrio preocupante

    em relao luta antirracista, e sobretudo, convivncia harmoniosa entre todos as origens

    da sociedade brasileira. Pois, uma vez que se consideram todas as informaes acerca da

    dura realidade social da populao afrobrasileira, no razovel o questionamento acerca

    da existncia ou no de racismo no Brasil.

    5 http://oglobo.globo.com/educacao/primeiro-grande-estudo-sobre-sistema-de-acoes-afirmativas-da-uerj-

    pioneiro-no-pais-mostra-2997559#ixzz216OGnSBL

    http://oglobo.globo.com/educacao/primeiro-grande-estudo-sobre-sistema-de-acoes-afirmativas-da-uerj-pioneiro-no-pais-mostra-2997559#ixzz216OGnSBLhttp://oglobo.globo.com/educacao/primeiro-grande-estudo-sobre-sistema-de-acoes-afirmativas-da-uerj-pioneiro-no-pais-mostra-2997559#ixzz216OGnSBL
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    Ainda, dada a distncia entre a situao de negros e brancos, a implementao de

    polticas pblicas que visem incluso so de extrema importncia, uma vez que sem

    esses recursos, o quadro de disparidade social, de cidadania e de dignidade humana

    entre brancos e negros no apenas permanecer existindo, mas tambm, aumentar.

    Oportunamente, a existncia desse coro de repdio s lutas sociais do povo

    negro enfatiza a presena persistente de um imaginrio racista e da lgica de excluso

    racial, que legitimam a segregao de indivduos negros e os exime de quaisquer

    possibilidades de melhora seno as conseguidas por um questionvel sistema de mritos

    pessoais, que desconsidera os fatores exgenos s vontades pessoais e limitaes sociais

    impostas ao indivduo objeto de discriminao.

    A cincia e atuao do Estado contra as desigualdades raciais, embora ainda

    deficitria em alguns aspectos mais complexos, dada a diversidade de assuntos que a

    temtica racial pode abranger, imprescindvel para a construo de um pas mais justo,

    democrtico e desenvolvido.

    Neste cenrio, a migrao da militncia social para a atuao administrativa foi

    de extrema importncia para a constituio de um arcabouo de leis e medidas

    protetivas aos direitos individuais e coletivos da populao afrobrasileira.

    Tambm, o crescimento na produo cientfica sobre negritude e seus

    derivantes, feito de forma crtica e realista, contribuiu para o respaldo necessrio

    implementao das aes. Muito embora todas as aes tenham suas justificaes, a

    observncia a indicadores e respeito a critrios objetivos necessrio para o curso de

    qualquer poltica pblica, para que os resultados sejam mensurveis e almejveis, visando

    extino do quadro de excluso racial.

    6. Bibliografia

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