Acta Scientiae Veterinariae, 2015. 43(Suppl 1): 108.

CASE REPORT Pub. 108

ISSN 1679-9216

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Received: 18 April 2015 Accepted: 14 August 2015 Published: 25 September 2015

Setor de Patologia Veterinária (SPV), Faculdade de Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brazil. CORRESPONDENCE: D. Driemeier [ddriemeier@gmail.com - Tel.: +55 (51) 3308-6107]. Setor de Patologia Veterinária, Faculdade de Veterinária - UFRGS. Avenida Bento Gonçalves n. 9090. Bairro Agronomia. CEP 91540-000, Porto Alegre, RS, Brazil.

Intoxicação crônica por cobre em ovinos alimentados com bagaço de uva

Chronic Copper Toxicity in Sheep Fed Grape Marc

Matheus de Oliveira Reis, Lauren Santos Mello, Raquel Aparecida Sales da Cruz, Lorena Lima Guimarães, Luiz Gustavo Schneider de Oliveira, Marina Paula Lorenzett, Saulo Petinatti Pavarini & David Driemeier

ABSTRACT

Background: Sheep are very sensitive to excess copper, and therefore, cases of poisoning are frequently seen in this spe-cies. The chronic form of poisoning is the most often reported in this species, and is characterized by a subclinical stage, in which copper accumulates in the liver for weeks or even months, and an acute phase, which progresses with the release of hepatic copper in the bloodstream, culminating in intravascular hemolysis, anemia, jaundice and hemoglobinuria. The aim of this paper is to describe an outbreak of chronic copper poisoning in Texel sheep, fed grape marc.Case: A visit to a farm located in Westfalia, Rio Grande do Sul was performed in order to investigate the cause of the death of 15 Texel sheep of different ages, out of a flock of 75 animals, in the interval of one month. The sheep were fed on grape marc, native grass and corn bran. Clinical signs of hemoglobinuria and apathy were recorded in the affected sheep. Two sheep were necropsied (Sheep 1 and 2), and fragments of tissues were collected in 10% formalin solution and processed in routine histological techniques. The slides were stained with hematoxylin and eosin technique, and additionally, the liver slides were stained with rubeanic acid and Prussian blue. Fragments of the liver of the sheep submitted to necropsy, as well as samples of grape marc that the sheep were consuming were taken to determine the concentrations of copper by atomic absorption spectrophotometry method.Discussion: The diagnosis of chronic copper poisoning in sheep in this study was based on epidemiology, clinical and pathological findings, associated with high levels of copper in the sheep liver samples as well as in the grape marc they were consuming. The major cause of this type of poisoning is associated with the intake of feed and / or mineral salt with high copper levels, normally formulated for cattle. In this case, the grape marc used to feed the sheep was possibly the cause of the outbreak, since the sheep had no access to any other source of copper, and given the high contents of the metal detected in the marc. Grape marc is a by-product of the wine industry, and has been fed to sheep as a sustainable way to increase the profitability in agriculture. Copper poisoning due to grape marc ingestion results from the high contents of the metal in vineyards sprayed with copper-based fungicides. It was already reported the death of eight sheep by copper poisoning which were fed on grape marc and mineral salt formulated for cattle, and kept in a vine orchard, which has been annually sprayed with copper sulfate and fertilized with poultry litter, both containing high concentrations of copper. The clinicopathological picture observed in the outbreak described in this paper is similar to what is described by other authors, and is due to hemolytic crisis occurring in the acute phase of the intoxication. This type of poisoning is important to sheep, due to the high sensitivity of the species to copper, derived from its low capability to conjugate copper to metallothionein, reducing the metal excretion via bile, and consequently, leading to hepatic accumulation of copper. The most sensitive method of diagnosis is the determination of the copper levels in liver or kidney samples, in which values above 500 mg/g and 80 g/g, respectively, are considered toxic. In this report, the copper values found in the liver samples were above 1000 mg/g, proving that copper poisoning was the cause of the sheep mortality. The diagnosis of chronic copper poisoning was based on the epidemiology, clinicopathological features, confirmed by rubeanic acid staining of the liver in association with the dosage of copper in the tissue and grape marc samples. The results found here show that grape marc can contain high levels of copper, and so, should be avoided as sheep food.

Keywords: wine industry byproduct, sheep farming, pathology.Descritores: subproduto da vitivinicultura, ovinocultura, patologia.

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INTRODUÇÃO

O cobre é um microelemento essencial ao organismo por participar da formação da hemoglobina e de enzimas cobre-dependentes, que desempenham um papel fundamental na formação do tecido conjun-tivo, na eliminação de radicais livres, no metabolismo das catecolaminas e na pigmentação dos pelos [12]. Ovinos são muito sensíveis ao excesso de cobre sendo frequentes os casos de intoxicação [2,8]. A forma mais comum de intoxicação nessa espécie é a crônica, e se caracteriza por uma fase subclínica, na qual há acú-mulo de cobre no fígado por semanas ou até meses. Segue então, com uma fase aguda, que cursa com a liberação de cobre hepático na corrente sanguínea, culminando com hemólise intravascular, anemia, icterícia e hemoglobinúria [1,5,7]. Casos agudos da intoxicação, apesar de raros, podem ocorrer e causar alterações gastrointestinais e hepáticas [2,8].

Este trabalho tem por objetivo descrever um surto de intoxicação crônica por cobre em ovinos da raça Texel alimentados com bagaço de uva.

CASO

Realizou-se uma visita a uma propriedade rural localizada em Westfalia, Rio Grande do Sul, a qual possuía um rebanho de 75 ovelhas da raça Texel, alimentadas com bagaço de uva (Figura 1), pasto nativo e farelo de milho. No intervalo de um mês, registrou-se a morte de 15 ovinos de diferentes idades, com sinais clínicos de hemoglobinúria e apatia. Duas ovelhas foram submetidas à necropsia (Ovino 1 e Ovino 2). Fragmentos dos tecidos foram coletados em solução de formalina 10% e proces-sados para avaliação histopatológica. As lâminas foram coradas pela técnica de hematoxilina e eosina (HE), e adicionalmente fragmentos de fígado foram corados pela coloração de ácido rubeânico e azul da Prússia. Fragmentos dos fígados das ovelhas que foram submetidas à necropsia e do bagaço de uva que os ovinos estavam consumindo foram encaminhados para determinação das concentrações de cobre pelo método de espectrofotometria de absorção atômica.

No exame de necropsia as lesões das duas ovelhas foram similares, caracterizadas por muco-sas e subcutâneo amarelados (icterícia), fígados aumentados de coloração laranja, rins enegrecidos e bexiga repleta de urina vermelha escura (Figura 2). Observou-se ainda petéquias e sufusões na mucosa

da bexiga. Na avaliação microscópica visualizou-se no fígado, colestase multifocal acentuada e vacuoli-zação intracitoplasmática difusa acentuada em he-patócitos. Notou-se nos rins pigmento acastanhado multifocal no interior de túbulos. Na coloração de ácido rubeânico, em fragmentos de fígado, houve evidenciação de grânulos de coloração marrom no citoplasma de macrófagos e hepatócitos. Não houve evidenciação de ferro através da coloração de azul da Prússia em fragmentos hepáticos. A confirmação do diagnóstico foi possível através da dosagem do cobre nos fígados e no bagaço de uva, indicando valores de 1848 µg/g, para o Ovino 1 e 1000 µg/g para o Ovino 2. O bagaço de uva apresentou concentração de 197 µg/g. Após a visita à propriedade o bagaço de uva foi retirado da alimentação dos ovinos e não houve mais mortes.

Figura 1. Amostra de bagaço de uva com altos níveis de cobre que eram fornecidos na dieta dos ovinos.

Figura 2. Bexiga repleta de urina de coloração vermelha escura em ovino intoxicado por cobre em bagaço de uva.

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DISCUSSÃO

O diagnóstico de intoxicação crônica por cobre nos ovinos desse estudo baseou-se na epidemiologia, nos achados clínicos e patológicos associados aos altos níveis de cobre em amostras de fígado dos ovinos e no bagaço de uva que estavam ingerindo. A intoxicação por cobre em ovinos tem sido relatada em diversos Es-tados do Brasil [1,2,5,7,9,10]. A principal causa dessa intoxicação está associada à ingestão de rações e/ou sal mineral com altos níveis de cobre, normalmente, formulados para bovinos [1,2-4,7]. Neste caso, o ba-gaço de uva utilizado na alimentação dos ovinos foi, possivelmente, o responsável pelo surto de intoxicação, visto que os ovinos não tinham acesso à outra fonte de cobre e o bagaço apresentou altos índices do metal. O bagaço de uva é um subproduto da indústria vitivinícola, e tem sido utilizado na alimentação de ovinos, como forma de aumentar a rentabilidade na agropecuária de maneira sustentável. A intoxicação por cobre no bagaço de uva se deve à aspersão de fungicidas a base de cobre em parreirais [9]. Ribeiro et al. [9] relataram a morte de oito ovinos intoxicados por cobre por ingerirem bagaço de uva e sal mineral formulado para bovinos, e mantidos em um pomar de videiras que era aspergido anualmente com sulfato de cobre e adubado com cama aviária, ambos contendo altas concentrações de cobre. Cardoso et al. [3] relataram quatro surtos de intoxica-ção cúprica em ovinos criados em pomar de macieiras aspergido com produtos à base de cobre.

O quadro clinico-patológico observado nos ovinos desse surto é similar ao descrito por outros autores [1,7,9] e é decorrente da crise hemolítica que ocorre na fase aguda da intoxicação. Esta intoxicação é importante para ovinos, já que estes apresentam alta sensibilidade ao cobre por apresentarem baixa capacidade de conjugá-lo à metalotioneína, dimi-nuindo sua excreção por via biliar e ocasionando o acúmulo no fígado [11]. Os achados macroscópicos e microscópicos observados nos ovinos desse surto são típicos da intoxicação crônica por cobre em ovinos [1,7,9], todavia o método mais seguro e definitivo para o diagnóstico é feito através da determinação dos níveis de cobre em fragmentos de fígado ou rim, nos quais os valores superiores a 500 µg/g e 80 µg/g, respectivamete, são considerados tóxicos [6]. Neste relato, os valores apresentados de cobre hepático foram superiores a 1000 µg/g, comprovando a into-xicação por cobre nos ovinos.

A epidemiologia, o quadro clínico-patológico, a coloração de ácido rubeânico, a dosagem de cobre em fragmentos hepáticos e no bagaço de uva permiti-ram o diagnóstico conclusivo de intoxicação crônica por cobre nos ovinos desse surto. Sendo assim, esse subproduto, quando apresentar altos níveis de cobre, deve ser evitado na alimentação de ovinos.

Declaration of interest. The authors report no conflicts of interest. The authors alone are responsible for the content and writing of the paper.

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www.ufrgs.br/actavetCR 108

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