introdução à ciência ocupacional
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Introdução à Ciência Ocupacional
A ciência ocupacional é a base para a prática das ocupações (atividades do quotidiano), que
tem como intuito proporcionar ao cliente, quer seja este um grupo quer individualmente, uma
melhor aptidão e participação nos seus diversos papéis, hábitos ou rotinas que realiza na
sociedade onde está inserido. Assim, a terapia ocupacional têm o objetivo de facilitar a interação
do cliente em questão com o mundo que o rodeia, quando este não é apropriado às
características da pessoa. Tentando, assim, devolver o bem-estar e melhorar a saúde do cliente,
para que este viva em pleno estado físico, psicológico e social e não apenas na ausência de dor
(definição de saúde segundo a World Health Organization[WHO], 2006).
Portanto, todas as pessoas realizam ocupações na sua vida. Nascemos a realizar ocupações e
morremos a realizar outras ocupações. Assim, ocupação diz respeito a todas as atividades que
cada pessoa exerce na sua vida diária. Ocupações essas que têm um propósito ou uma
finalidade na vida de cada individuo e podem ser divididas em:
Ocupações da vida diária (AVD), como por exemplo o vestir, lavar os dentes, comer;
Atividades instrumentais da vida diária (AIVD), como por exemplo, ser pai, filho;
Sono/ Descanso;
Educação, como por exemplo, uma criança de dez anos na escola;
Trabalho;
Lazer;
Contexto social, como exemplo, um encontro entre amigos.
Cada individuo possuiu as suas próprias ocupações de acordo com as suas motivações, os
seus interesses pessoais, as suas necessidades, com o contexto onde está inserido, e portanto,
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cada pessoa categoriza as ocupações de acordo com as suas perspetivas. E estas ocupações
podem ser realizadas individualmente e noutros casos em grupo.
Assim, cada pessoa tem um diferente desempenho na realização das ocupações dependendo
dos seus valores, experiências, privações, crenças podendo-lhes atribuir diferentes significados.
Por exemplo, duas pessoas que perderam parte dos movimentos do corpo devido a um AVC, um
foi jogador de voleibol o outro gosta de tocar guitarra. Assim, o terapeuta ocupacional, no
tratamento destas duas pessoas como forma de motivação a uma proporcionará atividades
relacionadas com o voleibol enquanto a outra é mais propício a guitarra.
Além disto, cada pessoa adquire os seus próprios padrões de desempenho que podem facilitar
ou dificultar o seu envolvimento na execução da ocupação. Os padrões de desempenho referem-
se aos hábitos, às rotinas e às suas funções/ papéis.
Os hábitos dizem respeito a comportamentos específicos de cada um e quase que são
automáticos. (Exemplo: sempre que chego a casa coloco a chave do carro no móvel da entrada).
Depois de adquiridos, são dominantes na personalidade do individuo. (Boyt Schell, Gillen, &
Scaffa, 2014)
As rotinas são um conjunto de ocupações que conferem uma sequência à vida de cada
pessoa. Ou seja, são tarefas que cada pessoa realiza de acordo com as exigências que lhes são
propostas e que geralmente são sequencialidades no tempo. (Koome, Hocking, & Sutton, 2012).
As funções/papéis, por sua vez, são comportamentos impostos pela sociedade em que o
individuo está introduzido, por exemplo a sua profissão. Por isso, cada pessoa efetua as suas
ocupações com base nos papéis que desempenha na sociedade e no meio onde se insere.
(Jackson, 1998).
Os conceitos da ciência ocupacional estão todos relacionados. Assim, passo a evidenciar um
exemplo para a melhor compreensão: um chefe de cozinha desempenha a ocupação de
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cozinhar. Naquele dia tinha a tarefa de fazer uma sopa de legumes sendo que umas das
atividades era descascar os legumes.
Portanto, esta ciência centra-se fortemente no fazer, no desempenho em realizar atividades,
tendo como fortes condicionantes a motivação e interesses pessoais.
Surgem associados á ciência ocupacional conceitos como…
… o equilíbrio ocupacional surge com a necessidade de atender e igualizar os ritmos
da vida diária. Em particular, equilíbrio de participações nas quatro áreas de ocupação, como o
trabalho, o descanso e sono, AVD e AIVD. A perceção de equilíbrio é individual e é influenciado
pela cultura, valores e o ambiente envolvente. O equilíbrio ocupacional, passa por equilibrar as
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diversas ocupações de modo a manter um dia a dia e um estilo de vida saudáveis. Passa pela
gestão de tempo que cada individuo deveria ter em relação às suas ocupações diárias, como as
atividades da vida diária, atividades instrumentais da vida diária, lazer, brincar, descanso e sono,
trabalho, educação e participação social. (Martins & Gontijo, 2011) (Gómez Lillo, 2006).
… a justiça ocupacional reconhece que todos os indivíduos de uma dada sociedade
têm direitos igualitários independente do seu género, idade, condição de saúde, condição
socioeconómica e classe social para realizar todas as ocupações, como atividades da vida
diária, atividades instrumentais, trabalho, educação, descanso e sono, lazer, brincar e
participação social, (Nilsson & Townsend, 2010) sendo abrangidas oportunidades para a
participação social e disponibilidade de vários recursos que levam a cabo a participação total por
parte do individuo nas suas ocupações. Aspetos éticos, morais e cívicos dos diferentes contextos
e ambientes, podem afetar o sucesso da intervenção da terapia ocupacional e o resultado deste
processo. (AOTA, 2014)
… A Terapia Ocupacional é uma área da saúde que intervém de forma a poder
devolver a autonomia ao seu cliente atuando em diversas áreas através de um conjunto de
estratégias que culminam no aumento das competências do cliente ultrapassando as suas
dificuldades. Este profissional de saúde desempenha a sua função de forma a possibilitar a
participação do cliente nas atividades que lhes são propostas, desenvolvendo os seus aspetos
intelectuais, sociais, emocionais e físicos através da participação nos espaços onde esse está
inserido. Como tal, o seu trabalho passa por modificar a tarefa em questão, o método de
realização da tarefa ou até mesmo o ambiente que envolve essas atividades (James, 2008), ou
seja, o termo adaptação refere-se a modificações no ambiente, na tarefa ou no método, que
objetivam a maximização da funcionalidade do indivíduo e o maior grau de independência
possível no desempenho da atividade. A adaptação ocupacional por sua vez envolve o “ajuste,
acomodação e adequação do indivíduo a uma nova situação”, onde o terapeuta ocupacional terá
que unir a sua própria criatividade, com a utilidade eficaz do produto e ainda a concordância e
utilização pelo seu cliente. A resposta a nova situação, será tão mais positiva quanto melhor for o
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desempenho ocupacional competente, da satisfação e da interação entre o individuo e o
ambiente.
As adaptações podem estar enquadradas em duas categorias:
Baixa tecnologia ou Baixo custo (Low-Tech) - que tratam dos dispositivos destinados a
auxiliar nas Atividades de Vida Diária;
Alta tecnologia ou Alto custo (High-Tech) - como os comandados de computador por
voz.
As adaptações têm uma relação direta com as ocupações, e, portanto, são aplicáveis para
favorecer o desempenho independente no vestuário, higiene, alimentação, comunicação e
gestão de atividades domésticas.
O processo de desenvolvimento de uma adaptação envolve alguns aspetos:
Análise da atividade;
Assimilação do problema;
Conhecimento dos princípios de compensação;
Sugestões de solução;
Pesquisa de recursos alternativos para a resolução do problema;
Manutenção periódica da adaptação;
Treino da adaptação na atividade.
Existe portanto a necessidade de orientar o cliente, a sua família e/ou cuidador sobre a correta
utilização da adaptação, sobre os cuidados com o dispositivo e sobre o tempo que este deve ser
utilizado e se necessário intervir em todo o ambiente envolvente. Os fatores a serem
considerados na prescrição de uma adaptação são a simplicidade do projeto, a manutenção da
integridade dos tecidos moles, o ajuste ao usuário, o custo, a estética, o conforto, a facilidade
para colocação e a sua própria higiene.
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Enquadramento da Prática de Terapia Ocupacional (E.P.T.O.)
O Enquadramento da Prática da Terapia Ocupacional: Domínio e Processo é a evolução lógica
de uma série de documentos e investigações que têm sido desenvolvidos nas últimas décadas
para promover uma maior consistência no objecto e terminologia da profissão (Terapia
Ocupacional). O Enquadramento foi desenvolvido em resposta às actuais necessidades práticas
– necessidade de afirmar e articular de forma mais clara a ênfase principal da Terapia
Ocupacional na ocupação e nas actividades da vida diária e na aplicação de um processo de
intervenção que facilite o envolvimento na ocupação para suporte à participação na vida. O
E.P.T.O. é um documento que tem como objectivos descrever o domínio que centra e suporta a
ênfase e as acções da profissão; delinear o processo de avaliação e intervenção da Terapia
Ocupacional que é dinâmico e está ligado à ênfase da profissão na utilização da ocupação. O
domínio e processo são necessariamente interdependentes, com o domínio a definir a área de
actividade humana para a qual o processo é aplicado, é dirigido tanto para audiências internas
como externas (ESTSP-IPP, 2002).
Aspetos do Domínio (segundo o EPTO):
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Modelo de Ocupação Humana (M.O.H.)
A ocupação refere-se a grupos de actividades e de tarefas do dia-a-dia, identificadas,
organizadas e de valor e significado atribuído pelo indivíduo e por uma cultura. Desta forma, a
ocupação é tudo o que o indivíduo faz para se ocupar, incluindo tratar de si próprio, apreciar a
vida e contribuir para a construção social e económica da sua comunidade. De forma similar, no
Modelo de Ocupação Humana a ocupação é designada como sendo uma parte intrínseca e
exclusiva da condição humana, referindo-se ao fazer das actividades da vida diária, lazer ou
trabalho, num contexto temporal, físico e sociocultural. Ocupação é, também, toda a actividade
humana com significado, que implica despender com propósito tempo e energia física e mental.
A ocupação apresenta uma forma (observáveis unidades de comportamento) e uma função
(efeitos, consequências e resultados), assim cada indivíduo pode interpretar a ocupação antes,
durante e depois dela acontecer, contudo ela é inevitavelmente subjectiva. Tal acontece, porque
a ocupação humana tem duas dimensões: o desempenho observável e o significado pessoal,
que não é observável.
Tentando compreender como a ocupação é motivada, padronizada e desempenhada, o
Modelo de Ocupação Humana conceptualiza o Homem como sendo constituído por três
subsistemas que se interrelacionam: a Volição, a Habituação e a Capacidade de Desempenho.
A Volição é um padrão de pensamentos e sentimentos de cada indivíduo como actor do seu
mundo, que surge de uma necessidade fundamental para agir e que ocorre à medida que se
antecipa, escolhe, vivência e interpreta o que se faz.
Wilcock afirma que o envolvimento em ocupações é baseado numa força inata, tal explicaria o
facto dos seres humanos despenderem as suas vidas na realização de ocupações, mesmo
quando não existem obrigações ou necessidades. Contudo, existe mais do que um motivo para a
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ocupação humana, sendo que esta é fundamentada pela predisposição biológica do ser humano
para a acção, pela eficácia da sua interacção com o mundo, pela satisfação de necessidades
básicas e de expectativas financeiras e sociais, e é mediada por influências físicas (como o
humor, o nível de energia, a fadiga e o grau de atenção).
O conceito biológico de necessidade para a acção é uma explicação para a persistência do ser
humano em se ocupar, contudo não esclarece as diferenças motivacionais entre os indivíduos,
pois cada um tem sentimentos e pensamentos distintos sobre o que fazer. Estes sentimentos e
pensamentos volitivos explicam que o individuo é impelido para a acção, fazendo coisas que
valoriza, e nas quais se sente competente e encontra satisfação. Logo, a volição é
conceptualizada como sendo constituída pela causalidade pessoal, valores e interesses.
O sentido de competência é a auto-avaliação das competências motoras, de processo e de
comunicação/interacção, de modo a que o indivíduo apresente uma consciência activa das
competências que tem para realizar o que quer. A auto-eficácia engloba os pensamentos e
sentimentos do indivíduo, relativamente à eficácia percebida do uso das suas competências para
alcançar resultados desejáveis na vida. Logo, a auto-eficácia está relacionada com o uso que o
indivíduo faz das suas competências para influenciar o curso dos eventos na sua vida, e a
percepção que daí advém (que pode ser predominantemente de locus interno ou externo de
controlo).
Os valores são crenças e sentimentos interpretativos que influenciam a escolha, conduzem e
dão significado à vida. Os valores iniciais têm raízes nas necessidades biológicas, contudo ao
longo do desenvolvimento a cultura estabelece o que é importante e significativo fazer, e tal é
interiorizado pelo indivíduo. Os valores comprometem cada indivíduo com um modo de vida e
oferecem significado ao seu percurso. Sendo assim, cada um obtém sentimentos de pertença
quando age concordantemente com um conjunto de convicções aprovadas culturalmente e,
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simultaneamente, adquire forte disposição emocional para agir dessa forma (sentido de
obrigação).
Os interesses englobam o que é satisfatório, agradável e gratificante fazer. Estes são o produto
de sentimentos de prazer na realização de ocupações, reflectindo preferências individuais. A
satisfação pode derivar de pequenos rituais diários ou das ocupações que as pessoas mais
gostam de fazer. Deste modo, como cada indivíduo não experiencia todas as ocupações com
igual satisfação, desenvolve um padrão único de interesses. O processo de encontrar prazer e
satisfação na realização de ocupações é uma componente central da adaptação à vida
ocupacional.
O processo volitivo é dinâmico e realiza-se à medida que o indivíduo antecipa, escolhe,
experiência e interpreta a ocupação. Desta forma, a causalidade pessoal, os valores e os
interesses influenciam as percepções e as procuras de cada um, no envolvimento potencial em
ocupações. Sendo assim, o indivíduo antecipa quais as possíveis ocupações que correspondem
aos seus sentimentos e pensamentos volitivos. Do mesmo modo, cada um, através das suas
escolhas ocupacionais, tende a repetir o que lhe deu prazer ou sentido de eficácia e a evitar
situações contrárias. Posteriormente, a forma como se experiência e interpreta o que se fez é
influenciada pela volição.
Ao longo do tempo os indivíduos tendem a ter padrões similares de pensamentos e
sentimentos volitivos, pois existe recorrência nas esperanças, anseios, planos e satisfação no
fazer. Contudo, novas circunstâncias, tais como emergência de contextos e oportunidades,
podem alterar estes pensamentos e sentimentos volitivos.
A Habituação é uma preparação interna para exibir um padrão consistente de comportamento
guiado (ou dirigido) pelos hábitos e papéis e ajustado às características dos ambientes
temporais, físico e social. A habituação está estruturada para se ajustar e acomodar às
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características ambientais. Os materiais, ferramentas, eventos e pessoas que constituem o
ambiente têm propriedades estáveis, que cada indivíduo incorpora na forma como realiza as
ocupações, criando um padrão consistente de comportamento. Apesar de estáveis, os
componentes da habituação não são predeterminados ou rígidos, logo a habituação envolve
estratégias de acção, que são preservadas na forma de hábitos e papéis.
Os hábitos preservam formas de agir, num determinado ambiente, que foram interiorizadas
através de um desempenho repetido e depois de ser percepcionado como eficaz. Para
estabelecer um padrão consistente de comportamento é necessário existir repetição suficiente
ao longo do tempo e circunstâncias ambientais estáveis. Logo, os hábitos reduzem o esforço e o
tempo requerido no desempenho ocupacional, permitindo a realização simultânea de
actividades, pois os níveis de atenção e energia necessários são menores. Desta forma, os
hábitos regulam o comportamento, fornecendo modos de resposta com regras flexíveis. Os
hábitos são disposições que integram experiências passadas e que funcionam simultaneamente
como uma matriz de percepções, apreciações e acções.
Os hábitos têm impacto na forma como as actividades de rotina são desempenhadas. Logo, o
desempenho ocupacional reflecte a forma como foi ensinado ou a forma mais simples e eficaz
de ser realizado. Da mesma forma, os hábitos regulam a forma como o tempo é usado, através
de rotinas que caracterizam os padrões diários de cada indivíduo. As rotinas, mesmo quando
exigentes, fornecem estrutura e previsibilidade à vida. As rotinas diárias são influenciadas por
factores biológicos, pois existem ciclos fisiológicos que regulam os períodos de descanso e os
períodos de actividade do ser humano. O ritmo circadiano é um dos ciclos fisiológicos, dura 24
horas e é controlado pela actividade hormonal, pela pressão sanguínea e pela temperatura
corporal, sendo influenciado pelos relógios internos e pelos ambientes físico e social.
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Os hábitos, rotinas e preferências ocupacionais geram estilos de vida. Estes são um conjunto
de comportamentos estáveis, padronizados e previsíveis, que caracterizam o desempenho
ocupacional do indivíduo e expressam a sua identidade. Sendo assim, cada indivíduo procura
ambientes e estilos de acção que se ajustem aos seus hábitos. Contudo, e apesar dos hábitos
serem resistentes à mudança, cada contexto ambiental tem os seus próprios ritmos que
encorajam os indivíduos a interiorizar novos padrões de acção.
Os papéis são padrões de ocupação culturalmente definidos, que reflectem hábitos e rotinas
particulares. Podem ainda ser definidos como formas de desempenho que reflectem estatutos
sociais, que implicam direitos e deveres.
Para a interiorização de um papel necessita-se da adequação da identidade e a realização de
comportamentos que são definidas por este, e esperados pela sociedade. A interacção social é
mais fácil quando cada um assume os seus papéis e age em conformidade com os mesmos,
segundo princípios e linhas directrizes para a acção. A identificação com determinados papéis
acontece quando os outros reconhecem que o indivíduo ocupa esse estatuto e quando o
indivíduo age como alguém que detém esse papel. Desta forma, a identificação com um papel
está relacionada com a interiorização dos elementos que a sociedade atribui ao papel,
juntamente com a interpretação pessoal sobre esse mesmo papel.
A sociedade estrutura transições de papéis em várias etapas da vida, e os indivíduos também
escolhem abandonar e/ou exercer novos papéis. A mudança de papéis é complexa, pois envolve
alterações na identidade pessoal, nos relacionamentos com os outros, nas tarefas que se espera
que alguém realize e na forma como o estilo de vida está organizado.
A Capacidade de Desempenho é a aptidão para a acção, constituída pelos componentes físicos
e mentais e a correspondente experiência subjectiva. Desta forma, a experiência subjectiva é
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influenciada pelos componentes físicos e mentais, estabelecendo uma relação de reciprocidade
com estes.
Pode-se definir que a abordagem objectiva é a perspectiva exterior da capacidade de
desempenho; enquanto a abordagem subjectiva é a própria perspectiva, ou interior, da
capacidade de desempenho. Sendo que, as duas abordagens acrescentam informação sobre a
capacidade de desempenho e as duas contribuem, em cada instante, para o desempenho
ocupacional do indivíduo.
Os componentes objectivos da capacidade de desempenho são as competências motoras, de
processo e de comunicação/interacção. Quando se avaliam estas competências num indivíduo,
tenta-se explicar os seus problemas de funcionamento através de alterações ao nível das suas
estruturas ou funções. Assim, o conhecimento da natureza do problema e as suas
consequências, são informações importantes para a reabilitação do indivíduo.
A abordagem subjectiva da capacidade de desempenho é designada de corpo vivido. Este
refere-se à experiência de ser e conhecer o mundo através de um corpo particular. O corpo é
vivido ou experienciado, à medida que interage com o meio.
O corpo vivido conceptualiza que, mente e corpo são percepcionados não como um fenómeno
separado, mas como parte de uma entidade única e unitária; e que a experiência subjectiva do
desempenho é fundamental à forma como se actua.
Quando os indivíduos estão no desenvolvimento das suas ocupações, são identificados
diferentes níveis do fazer – participação ocupacional, desempenho ocupacional e competências
de desempenho:
A Participação Ocupacional é o envolvimento do indivíduo nas actividades do seu
contexto sociocultural, que têm significado pessoal e social, sendo desejadas e
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necessárias para a sua saúde, bem-estar e qualidade de vida. A participação
ocupacional é influenciada pela volição, habituação, capacidade de desempenho e
condições ambientais.
O Desempenho Ocupacional refere-se à concretização de uma forma ocupacional em
grupos sociais, sendo esta realizada com um único objectivo, estrutura e determinada
aparência que é reconhecida e nomeada. O desempenho ocupacional é influenciado
pela habituação e pelos factores ambientais, e requer o uso de objectos e espaços. Por
outras palavras, o desempenho ocupacional é a capacidade para escolher, organizar e
desempenhar ocupações significativas, que são culturalmente definidas e apropriadas
para a idade – é o fazer da ocupação – resultando das complexas inter-relações entre o
indivíduo, as suas ocupações e o ambiente, no qual estas são concretizadas.
As acções observáveis e objectivas que são utilizadas durante o desempenho
ocupacional, no âmbito de uma forma ocupacional, designam-se de competências de
desempenho. Estas podem ser motoras, de processo e de comunicação/interacção.
O sucesso da participação em ocupações está intimamente relacionado com a eficácia do
indivíduo em concretizar formas ocupacionais, enquadradas no seu desempenho ocupacional.
Da mesma forma, o desempenho depende da proficiência das competências ocupacionais do
indivíduo.
Desta forma, as alterações que ocorrem num indivíduo derivadas de uma patologia que cause
incapacidade (isto é, qualquer perda ou alteração psicológica, física, da estrutura anatómica ou
da função), implicam uma reorganização complexa deste, na qual as alterações múltiplas e
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simultâneas reagem umas com as outras, levando à transformação da Volição, da Habituação e
da Capacidade de Desempenho.
A causalidade pessoal é um processo altamente individualizado de descoberta da forma como
a incapacidade afecta o que alguém quer e precisa fazer.
O indivíduo com incapacidade apresenta limitações ao nível nas suas competências, contudo
reconhecer estas limitações é fonte de dor emocional significativa. Tendo isto em conta,
geralmente, estes indivíduos evitam situações que originem fracasso. Quanto o medo do
fracasso governa o sentido de competência surge um desincentivo para correr riscos, para
aprender novas competências ou para fazer o melhor uso daquelas que se apresenta. O sentido
de competência impregnado de comparações negativas com estados anteriores ou com outros,
pode ser tão limitante como a própria incapacidade em si. Por outro lado, até as competências
que não sofreram dano são subestimadas desnecessariamente.
A incapacidade tem impacto significativo na auto-eficácia e na perda de controlo pessoal. A
dificuldade de controlar o mundo exterior e a dependência do pessoal médico, da família e dos
amigos contribui para a perda do sentimento de eficácia. Os indivíduos com incapacidade devem
alcançar um equilíbrio delicado entre a esperança necessária no futuro e as expectativas
irrealistas, logo alcançar eficácia envolve conhecer a decepção, descobrir o que não se pode
controlar e enfatizar o que se é capaz de influenciar.
Nos indivíduos com incapacidade, as actuais limitações podem entram em conflito com os
valores que estabeleceram para si durante toda a sua vida, levando a uma auto desvalorização.
Tal acontece quando o indivíduo tenta alcançar valores inconsistentes com a incapacidade.
A incapacidade pode alterar completamente a percepção de vida, na qual os valores do
indivíduo estão embebidos, daí os indivíduos podem questionar o valor da sua vida se não
podem preenchê-la de acordo com as suas expectativas.
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Para haver ajustamento à incapacidade, os indivíduos deveriam alargar os seus valores, para
que estes incorporem comportamentos que ainda são possíveis; rejeitar alguns valores antigos,
que comparam o desempenho actual com o passado e incorporar novos, que julgam o
desempenho de acordo com a condição actual; conceptualizar uma nova forma de valorizar e ver
a vida.
Um dos maiores efeitos da incapacidade na ocupação é a sua influência na experiência de
satisfação e prazer na vida. A incapacidade e a preocupação com o fracasso podem reduzir os
sentimentos de satisfação na ocupação. Por outro lado, os indivíduos podem não conseguir
participar em actividades consideradas prazerosas. A perda de interesses associada à
incapacidade leva à diminuição da participação ocupacional, com consequente desmoralização
do indivíduo.
Um dos desafios dos indivíduos com incapacidade pode ser encontrar novos interesses ou
novos caminhos para canalizar os interesses antigos.
Quanto mais pronunciadas as incapacidades, maiores as complicações nas rotinas, devido ao
possível uso de tecnologias de apoio e à assistência de outros, o que requer do indivíduo um
esforço adicional para a concretização destas.
A incapacidade, também, pode alterar radicalmente as dimensões espacial e temporal da
rotina. Geralmente, a relação do indivíduo com o ambiente altera-se, tornando o indivíduo com
incapacidade mais dependente de contingências externas. Igualmente, o indivíduo demora mais
tempo a realizar as suas tarefas, o que o leva a planear a sua rotina diária de outra forma.
Perante a incapacidade, a transformação dos hábitos é um caminho necessário, através do
qual os indivíduos voltam a participar nas suas várias áreas de ocupação. A incapacidade pode
limitar o desempenho de papéis ocupacionais, pois o indivíduo pode não conseguir realizá-los,
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de forma consistente com as expectativas dos outros. Desta forma, para continuar a
desempenhar determinados papéis, o indivíduo tem necessidade de os alterar.
A perda de papéis provoca diminuição da identidade, do significado e da estrutura da vida
diária, aumentando a crença de que se é menos importante.
Ao nível da experiência subjectiva, a incapacidade representa sempre uma forma particular de
corporalização. Esta é uma forma alterada de existência, logo o indivíduo com incapacidade
deve viver a realidade da sua corporalização. Além disso, esta corporalização modifica a
adaptação do indivíduo às suas experiências. E, alterando-se a experiência, altera-se
consequentemente o desempenho ocupacional do indivíduo.
A reaquisição de competências é um ponto fundamental para vencer a incapacidade, mas a
experienciarão da nova forma de agir é a estratégia mais eficaz para resolver os problemas e
atingir a mudança.
A conceptualização de disfunção não está unicamente centrada nas características do indivíduo,
depende também das condições e circunstâncias dos contextos. Desta forma, um indivíduo com
incapacidade pode não ter impedimentos para executar as suas actividades ocupacionais, se
forem introduzidas alterações ao meio que possibilitem a sua realização.
A quantidade de formas ocupacionais para um indivíduo com incapacidade pode ser muito
reduzida (contudo o acesso a formas ocupacionais pode ser restrito desnecessariamente), e a
participação nas possíveis pode ser pouco desafiante ou desmotivante. Igualmente, a natureza
temporal e social das formas ocupacionais pode ser profundamente alterada.
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Para a Terapia Ocupacional o principal ênfase não são as limitações específicas derivadas da
patologia por si, mas antes as alterações no comportamento ocupacional que estão associadas a
estas limitações.Do mesmo modo, o indivíduo com patologia apresenta como uma das suas
principais preocupações as restrições no desempenho das suas ocupações.
A disfunção ocupacional verifica-se quando há interrupção ou interferência nas ocupações
específicas que o indivíduo quer e precisa fazer, e está relacionada com o impacto da patologia
na sua vida ocupacional. As disfunções ocupacionais são problemas multidimensionais que
resultam da inter-relação de factores biológicos, psicológicos e ecológicos. Desta forma, as
limitações físicas e/ou mentais, em interacção com as condições ambientais e com as formas
ocupacionais influenciam o desempenho ocupacional, podendo levar à sua disfunção.
As consequências pessoais de estar inapto para desempenhar ocupações são múltiplas. Como
resultado da disfunção ocupacional, os indivíduos experimentam disrupção da sua narrativa de
vida, visto que, a continuidade, o sentido geral de vida e as expectativas ficam ameaçadas. A
disfunção ocupacional implica, também, perda de significado e propósito da vida.
Contudo, todas as pessoas podem experimentar bem-estar e qualidade de vida, se apesar da
patologia e das limitações inerentes a esta, participarem activamente em actividades
significativas, ou seja, em ocupações.
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Esquema síntese de M.O.H.:
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ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL EUROPEU
Conceitos associados segundo…
Acção:
I. Desempenho: Escolher, organizar e fazer actividades/tarefas em interacção com o
meio envolvente e no âmbito de uma ou mais Ocupações.
II. Áreas de desempenho: Categorias de tarefas, actividades e ocupações que,
normalmente fazem parte da vida diária, podendo estas ser denominadas de
autocuidados, produtividade e de lazer.
III. Estrutura da acção ocupação: Um grupo de actividades que possui um significado
pessoal e sociocultural, é nomeada dentro de uma cultura e promove a participação
na sociedade. As ocupações podem ser classificadas como de autocuidados,
produtividade e/ou lazer.
IV. Actividade: Uma série estruturada de acções ou tarefas que contribuem para as
ocupações.
V. Tarefa: Uma série de passos estruturados (acções e/ou pensamentos) com o
propósito de alcançar um objectivo específico. Este objectivo pode ser:
- A realização de uma actividade;
- O resultado de um trabalho que se espera da pessoa.
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Formas de acção:
I. Hábito: Padrão de desempenho na vida diária, adquirido através da repetição
frequente, que requer muito pouca atenção e permite uma função eficiente.
II. ROTINA: Uma sequência de actividades ou tarefas estabelecida e previsível.
Energia para a acção:
I. Motivação: Um impulso que direcciona as acções de uma pessoa para a satisfação
das suas necessidades básicas ao nível fisiológico, psicológico e social.
II. Volição: Capacidade para escolher o que fazer ou continuar a fazer algo, associada
à consciência de que o desempenho da ocupação/actividade/tarefa é voluntário.
III. Empenho: Sentido de envolvimento de escolha, de significado positivo e de
compromisso durante o desempenho de uma ocupação ou actividade.
Requisitos pessoais para a acção:
o Capacidade: Uma característica pessoal que favorece o desempenho
ocupacional.
o Competências: Uma capacidade desenvolvida através da prática que permite
um desempenho ocupacional efectivo.
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o Componentes de desempenho: Capacidades e competências, organizadas em
categorias físicas, cognitivas, psicossociais e afectivas, que possibilitam e
afectam o envolvimento em tarefas, actividades e ocupações.
Notas:
Os componentes físicos e psicológicos inerentes que favorecem o desempenho
ocupacional;
A capacidade de utilizar os componentes de desempenho ocupacional para realizar
uma tarefa, uma actividade ou uma ocupação.
Limites para a acção:
o Independência: Capacidade de realizar actividades diárias a um nível satisfatório.
o Dependência: Situação de necessidade de suporte para ser capaz de realizar as
actividades diárias a um nível satisfatório.
o Autonomia: Liberdade para fazer escolhas, tendo como base as circunstâncias
internas e externas e para agir de acordo com essas escolhas.
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Local da acção:
o Ambiente: Factores externos que requerem e moldam o desempenho ocupacional.
Estes factores são físicos, socioculturais e temporais.
o Contexto: A relação entre o ambiente, os factores pessoais e os acontecimentos que
influenciam o significado de uma tarefa, actividade ou ocupação para a pessoa que
a desempenha.
o Organização do contexto: Disposição dos elementos que constituem o ambiente e
que influenciam o contexto de desempenho.
Contrato social para a acção:
o Papel: Normas e expectativas sociais e culturais do desempenho ocupacional que
estão associadas à identidade pessoal e social do indivíduo.
o Participação: Envolvimento em situações de vida através da actividade dentro de um
contexto social.
Referências bibliográficas:
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Prática da Terapia Ocupacional: Domínio e Processo, 2002.
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