martin corullon revisada
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A plataforma rodoviria de Braslia:infraestrutura, arquitetura e urbanidade.
Martin Corullondissertao de mestradofaculdade de arquitetura e urbanismo dauniversidade de so pauloorientadora: Prof. Dra. Regina Prosperi Meyer
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1Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
e-mail: [email protected]
Exemplar revisado e alterado em relao verso original, sob responsabilidade do autor e anuncia do orientador. O original se encontra disponvel na sede do programa So paulo 20 de julho de 2013
Corullon, Martin Gonzalo C831 A plataforma rodoviria de Braslia : infraestrutura, arquitetura e urbanidade / Martin Gonzalo Corullon. So Paulo, 2013. 151 p. : il. Dissertao (Mestrado - rea de Concentrao: Projeto, Espao e Cultura) - FAUUSP. Orientadora: Regina Maria Prosperi Meyer
1. Desenho urbano 2. Infraestrutura urbana 3. Cidades 4. Costa, Lucio, 1902-1998 I.Ttulo CDU 711.6
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3A plataforma rodoviria de Braslia:infraestrutura, arquitetura e urbanidade.
Martin Corullon
dissertao de mestrado apresentada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo, na rea de concentrao Projeto, Espao e Cultura, sob orientao de:
Prof. Dra. Regina Prosperi Meyer
So Paulo, Maro de 2013.
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5resumo
Esta dissertao procura, a partir do estudo da plataforma rodoviria de
Braslia projetada pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa, discutir ques-
tes acerca das relaes entre infraestrutura, arquitetura e a cidade. A
plataforma rodoviria um exemplo privilegiado de edificao em que
se confundem o edifcio arquitetnico e o sistema infraestrutural, e em
que possvel avaliar o papel do desenho na produo de urbanidade,
entendida como gradao da intensidade de interaes entre pessoas e
coisas em um determinado ambiente. A anlise empreendida parte de
uma abordagem ancorada na prtica arquitetnica, afastando-se de lei-
turas sociolgicas, psicolgicas ou puramente formais. So os aspectos
materiais, descritos em detalhe, que permitem identificar a inteno da
construo como simultaneamente articuladora das reas centrais do
Plano Piloto e como estao rodoviria da capital do pas.
A partir de material iconogrfico, so examinados o projeto original, as
diferenas em relao ao projeto construdo e desempenho do edifcio
hoje. Esta anlise permite evidenciar problemas na construo, apontar
para reformulaes futuras, bem como reconhecer as virtudes do projeto
em seu potencial de produo de urbanidade.
Palavras-chave: infraestrutura, arquitetura, desenho, urbanidade, Braslia,
Lucio Costa
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7abstract
From the study of the central platform of Braslia, bus station and center of
the city life at once, this dissertation seeks to discuss issues concerning
the relationships between infrastructure, architecture and the city. Desig-
ned by the architect and urban planner Lucio Costa, author of Brasilias
urban plan, the platform is an example of building that blurs architecture
and infrastructural system, and allows to investigate the role of design in
the production of urbanity, understood as gradation of intensity of interac-
tions between people and things in a certain environment. The analysis
approach undertaken is rooted in architectural practice, away from socio-
logical, psychological or purely formal readings of the urban facts. Mate-
riality is described, identifying the intentions of a building that simulta-
neously articulates the central areas of Brasilia and acts as a metropolitan
bus station for the capital of the country.
Based on an iconographic research, the original design is examined, the
differences regarding the design and as built and the performance of the
building today. This analysis allows us to highlight problems in construc-
tion, point to future reformulations and acknowledge the virtues of the
project in the production of potential of urbanity.
Keywords: infrastructure, architecture, urbanity, Braslia, Lucio Costa
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9agradecimentos
Regina Meyer, um agradecimento especial. Aos amigos e professores
Fernando de Mello Franco e Lus Antnio Jorge, pela leitura e incentivo.
Ao Guilherme Wisnik, pela amizade e livros compartilhados. Ao Milton
Braga, pela ajuda e ouvido. Aos amigos e grandes fotgrafos Leonardo
Finotti e Nelson Kon, com suas imagens fundamentais. E ao Michael We-
sely, pela foto da capa. Sophia Telles, companheira de viagem, pelo es-
tmulo. Ao Gustavo Cedroni, Anna Ferrari e aos amigos da METRO Arqui-
tetos, em especial ao Rafael de Souza e Marina Ioshii, pela pacincia.
s meninas Malu e Viola e Flor, por tudo.
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ndice
introduo
captulo 1 - Infraestrutura, arquitetura e urbanidade
captulo 2 - a plataforma rodoviria hoje
captulo 3 - a plataforma rodoviria no tempo
concluso
bibliografia
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fig. 1 - Planta Geral do Plano Piloto de Braslia, apresentada por Lucio Costa ao jri do concurso, em 1957. Fonte: Acervo Casa de Lucio Costa.
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introduo
Esta dissertao procura, a partir da anlise da plataforma rodoviria de
Braslia projetada pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa, levantar ques-
tes acerca de um campo de discusso vasto: o da relao entre edifcio
arquitetnico, infraestrutura e a cidade. Cabe perguntar, de incio, se
mais apropriado definir a plataforma como um edifcio ou como uma obra
de infraestrutura. A questo se desdobra em outras: Quais so os limites
entre arquitetura e desenho urbano? Qual o papel das redes infraestrutu-
rais na definio da forma da cidade? Qual a influncia ou o potencial
dessas redes infraestruturais e seus pontos de articulao no grau de
urbanidade de uma cidade? sob o prisma desse conjunto de questes
que a plataforma rodoviria de Braslia ser examinada ao longo desta
dissertao.
A investigao sobre as condies e caractersticas que permitem pla-
taforma rodoviria desempenhar um papel simultaneamente de n infra-
estrutural e de espao de socialidade e articulao do centro de Braslia
foi dividida nesta dissertao em trs partes:
No primeiro captulo feita uma discusso dos conceitos de urbani-
dade e as concepes de infraestrutura e arquitetura que norteiam a
anlise da plataforma.
No segundo captulo, realiza-se uma anlise do funcionamento da pla-
taforma hoje. Atravs do levantamento do desenho atual do edifcio,
seus usos, virtudes e deficincias, possvel fazer um diagnstico do
efetivo grau de articulao e urbanidade que ela desempenha. Nesse
captulo o edifcio observado em seu estado atual, tanto em seus as-
pectos formais como funcionais. A partir dos desenhos e levantamentos
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Imagens areas da plataforma rodoviria de Braslia e setores do entorno. Fontes: Google Earth, 2010 e Nelson Kon, 2010.
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atualizados, so descritos e analisados os espaos que conformam a
plataforma, em sua materialidade. Soma-se ainda uma descrio de seu
funcionamento como n articulador da rede de transportes pblicos
de Braslia, e como estrutura articuladora dos espaos pblicos que a
constituem e que a circundam os centros de compras Conic e Con-
junto Nacional e o Teatro Nacional.
A inteno avaliar o funcionamento da plataforma rodoviria de Braslia
e poder aferir de que modo ela, efetivamente, desempenha as funes
definidas pelo projeto em 1957. Ou seja, busca-se entender qual a
sua participao e desempenho como pea de infraestrutura urbana inte-
grante do sistema de transportes da metrpole e, simultaneamente, qual
o tipo e intensidade de vida urbana propicia e como esta se realiza em
seus espaos.
No terceiro captulo, a anlise centrada no projeto e construo da
plataforma e aborda-se a histria do edifcio desde sua concepo at
a configurao atual. A pesquisa aborda as transformaes do edifcio,
analisando desde os primeiros croquis e intenes, s mudanas duran-
te o detalhamento do projeto e apropriao dos espaos e sucessivas
transformaes propostas ou realizadas aps sua inaugurao, e incor-
pora registros fotogrficos realizados ao longo do perodo estudado.
realizada uma leitura das intenes do projeto, conexes e funcionamen-
to imaginados, e uma comparao com o que foi efetivamente construdo,
seus limites e os usos imprevistos. Tambm feito um levantamento de
suas potencialidades de transformao futura, como forma de intervir em
uma zona de Braslia ainda no plenamente consolidada.
A concluso busca apontar para as potencialidades dos dispositivos ge-
radores de urbanidade identificados e como estes se materializam, na
plataforma rodoviria e em outros projetos em escala similar, de forma a
interferir positivamente no meio em que se inserem. As breves compara-
es com projetos de mesma natureza, ocorridos em diversas pocas e
lugares tambm do uma medida da relevncia das questes por eles
compartilhadas e do lugar do projeto da plataforma em uma perspectiva
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histrica ampla. Tambm aponta-se a conexo do projeto e suas inten-
es com teorizaes contemporneas acerca de novos arranjos discipli-
nares no enfrentamento das questes urbanas atuais, em que se reivindi-
ca a eficcia do desenho como forma de atuao, em prticas que diluem
fronteiras disciplinares entre arquitetura, paisagismo e urbanismo.
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Captulo 1 - Infraestrutura, arquitetura e urbanidade
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Infraestrutura, arquitetura e urbanidade
O fato de ser uma pea importante do Plano Piloto de Braslia, projeto
chave da histria da arquitetura e urbanismo brasileiros, coloca a este
trabalho de anlise e pesquisa um dilema: se por um lado se beneficia
do acesso a uma grande produo crtica e documental, por outro, corre
o risco de repisar informaes e interpretaes conhecidas do leitor. No
entanto, mesmo com um grande conjunto de publicaes recentes, mo-
tivadas pelo cinquentenrio da inaugurao de Braslia, chama a ateno
no haver uma produo acadmica constituda (dissertaes de mes-
trado, teses de doutorado, artigos em revistas acadmicas) especifica-
mente voltada para a anlise da plataforma rodoviria. A maior parte das
referncias se compe de apresentaes em congressos ou exerccios
didticos.
H muitas formas de abordar um fato urbano. Os fenmenos ou condi-
es urbanas avaliados aqui, so apreendidos por instrumentos da per-
cepo e da experincia prprias de um arquiteto de ofcio, com a di-
menso material implicada nesse tipo de aproximao. No so portanto
observaes baseadas em anlises com nfase sociolgica, comporta-
mental ou psicolgica. Tampouco trata-se de uma abordagem que analisa
a produo do espao como resultado de processos econmicos, ou
que reivindica um papel protagonista Histria, ou ainda, anlises que
atribuem valor narrativo imagem da cidade ou aproximaes apenas
morfolgicas.
A abordagem que empreendo aqui est intrinsecamente relacionada a
minha prtica como arquiteto. O conhecimento que busco produzir acer-
ca da plataforma resultado de uma viso operativa do espao material-
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mente constitudo. Essa abordagem se assemelha descrita por Stan
Allen em Infrastructural Urbanism. Nesse artigo, o autor defende a ar-
quitetura e o urbanismo como uma prtica iminentemente material, como
atividade que opera no e entre o mundo das coisas1. e no exclusivamen-
te com significados ou imagens, reivindicando sua instrumentalidade e
um afastamento da noo de representao. A descrio que farei da
plataforma parte do suposto que ela capaz de exercer agncia2 isto ,
ela produz aes e relaes entre humanos e coisas em funo de suas caractersticas. Buscarei portanto descrever as caractersticas materiais
da plataforma, bem como os fluxos e usos por ela propiciados, como
pea infraestrutural e como edifcio, e avaliar o grau de urbanidade que
ela promove hoje, confrontando essa performance com a performance
imaginada originalmente.
A premissa que projetos de infraestrutura podem ser concebidos de
maneira a transcender a funo estrita a que se destinam dentro de de-
terminado sistema tcnico e assim contribuir para aumentar o grau de
urbanidade do ambiente em que se inserem. E que projetos de edifcios,
por sua vez, incorporando dispositivos prprios de projetos de infraes-
trutura tambm podem contribuir para o aumento do grau de urbanidade
do lugar em que se instalam. A plataforma rodoviria de Braslia, sendo
simultaneamente os dois infraestrutura e edifcio e pensada desde
a origem com uma funo dupla rodoviria e espao de socialidade
apresenta um rico campo de anlise para compreender como o potencial
de urbanidade se realiza materialmente.
1 A noo de coisa usada por tericos, como Bruno Latour, para dar conta do mundo material que en-torna os humanos. As coisas no so apenas objetos materiais, e objetos no sentido moderno do termo (em oposio a um sujeito); as coisas devem ser entendidas como dotadas de agncia, na medida em que elas atuam no mundo, e produzem consequncias no mundo e na vida das pessoas. Um exemplo mais claro um semforo, cuja mudana de luz faz as pessoas andarem ou pararem. Um livro faz um sujeito ler, um cigarro faz fumar. Nesta forma de descrever esses fenmenos, evita-se a separao moderna entre natu-reza e cultura (mundo natural e artificial) e a ideia de representao que ela implica, e recusa-se a pretenso de uma anlise objetiva do mundo. Em lugar da objetividade da anlise, reconhece-se subjetividade nas coisas (agncia), tomando as relaes entre humanos e coisas como relaes simtricas (sem hierarquia).
2 O termo agncia, derivado do ingls agency definido no Dicionrio Houaiss como capacidade de agir. A acepo que tenho em mente aqui aquela utilizada por Alfred Gell em Art and Agency, para desenvolver sua teoria antropolgica da arte, e mais especificamente, dos objetos/ obras de arte. Gell fala de agncia quando se refere a um sistema de ao imbudo de intencionalidade e capacidade de transformao do mundo, trata-se de uma rede culturalmente prescrita para pensar sobre causalidade, quando o que acontece (de certo modo vago) suposto de ser intencionado previamente por alguma pessoa-agente ou coisa-agente (1998: 17). Atribuir agncia a algo seria, nesse sentido, atribuir mente ou inteno, no importa se a pessoas ou coisas.
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Infraestrutura e Arquitetura
Obras de infraestrutura so aqui entendidos como estruturas fsicas que
promovem ou permitem fluxos de diferentes naturezas, e que constituem
a base material para a possibilidade de existncia da cidade. Tais estrutu-
ras fsicas distribuem-se pelo territrio de forma sistmica, dotando-o de
potencial tcnico para sustentar a vida. Configuradas em rede com pon-
tos de articulao entre os seus ramais, formam sistemas, com diversas
organizaes hierrquicas possveis e diferentes graus de complexidade.
Nas reas urbanas atuam diversos sistemas infraestruturais sistema de
transportes, abastecimento de gua e drenagem, comunicao , neces-
sariamente sobrepostos e em interao entre si. Essas articulaes ocor-
rem portanto no apenas entre partes do mesmo sistema mas tambm
entre diferentes sistemas.
Como exemplo dessa intensidade e interao entre as redes infraestrutu-
rais e seu papel na vida das cidades podemos imaginar a seguinte situa-
o urbana: um canal navegvel, que participa, simultaneamente, de uma
rede de drenagem de determinada poro de terra, serve de rota para um
veculo de transporte pblico, uma barca de passageiros. Em uma bifur-
cao desse canal h uma estao de parada do sistema de transporte
pblico. At aqui so dois sistemas infraestruturais sobrepostos, com-
partilhando um n de articulao entre dois ramais. A partir desse ponto,
o usurio pode desembarcar e, no caso da estao estar em uma rea
urbana, deslocar-se at a estao de trem que est em uma ponte sobre
o cruzamento dos canais e conectar-se a uma nova rede de transportes,
ou sair a p, pelas caladas laterais a uma rua pela qual passam carros e
nibus, e que por sua vez compartilham a ponte com a estao de trem,
em outro nvel. Nessa pequena cena, corrente em ambientes urbanos
desde o incio do sculo XX, testemunha-se a enorme complexidade cria-
da pela sobreposio e, sobretudo articulao de redes infraestruturais:
um sistema de canais de drenagem, um sistema de transporte aqutico,
um sistema de transporte sobre trilhos, um sistema rodovirio, sobre o
qual corre o sistema de transporte de nibus, mas tambm incorpora as
vias pelas quais o pedestre e as bicicletas podem circular, a rede de cap-
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tao primria da drenagem que conduzir a gua da chuva ao canal e o
acesso s galerias de instalaes tcnicas pelas quais correm as redes
de energia, que alimentam o trem, a iluminao e o edifcio da estao.
Esse n, configurado pela ponte-estao sobre a bifurcao do canal,
articula pelo menos oito sistemas infraestruturais sobrepostos. Todas as
atividades descritas na cena so de natureza funcional e permitem uma
razovel variedade de alternativas de atuao. Desde garantir que essa
poro do territrio seja frequentvel, pois no alagadia, at garantir o
percurso de distncias a p pelas caladas, ou a um outro ponto a 500
km dali, usando o trem sobre trilhos etc. Graas a essa densidade de
redes infraestruturais interconectadas, cria condies para a produo
de um espao social mais completo. A partir das redes infraestruturais,
desenhadas de forma eficiente para irrigar o territrio com suas funes
tcnicas, erigem-se edifcios que garantem moradia e implantao de
empreendimentos comerciais, educacionais ou produtivos de qualquer
natureza, ou seja, elas permitem a instalao das pessoas e instituies
que compem a vida em sociedade. Essa poderia ser uma descrio da
estrutura bsica da cidade tradicional, quase um modelo de reproduo
do espao urbano contemporneo.
A partir dessa apreenso da constituio do espao urbano, poderia se
dizer que a cidade tradicional segrega o territrio em, de um lado, o espa-
o da infraestrutura e, de outro, o espao dos edifcios, ou da arquitetura,
que se interconectam e sobrepem, mas que em geral se mantm como
esferas separadas, seja na produo dos projetos e sua implantao, nos
profissionais envolvidos nessas atividades, ou na gesto e na especiali-
zao dos tipos de uso. Essa separao entre infraestrutura e arquitetura
coincide, em boa parte dos casos, com a separao do que se define
como espao pblico e espao privado. E ainda, obras de infraestru-
tura costumam ser fruto de investimentos pblicos enquanto as obras de
arquitetura, de investimentos privados.
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urbanidade
O conceito de urbanidade atende a diversas acepes, cabe definir a
que emprego aqui em relao a outras acepes correntes.
O pesquisador Douglas Aguiar faz uso das acepes como descritas em
dicionrio, em que urbanidade o carter do urbano e uma definio
em sentido figurado, que aplicvel conduta das pessoas, referindo-
se a atributos tais como cortesia, delicadeza, polidez, civilidade para
definir urbanidade como termo que, usado ao nos referirmos cidade,
significa estarmos falando de uma cidade ou de um lugar que acolhe,
ou recebe, as pessoas com civilidade, com polidez, com cortesia. Ou, na
mo contrria, estaramos nos referindo a situaes destitudas dessas
caractersticas positivas, situaes que ao invs de evidenciarem cortesia
e polidez, evidenciam hostilidade s pessoas, ao corpo. (Aguiar, 2012).
Nessa concepo a urbanidade expressa civilidade, isto , um atributo
da relao entre coisas e pessoas, e se caracteriza por esta se dar de
modo acolhedor, gentil.
J para o professor da UNB, Frederico de Holanda a urbanidade um
atributo social que implica visibilidade do outro, negociao de papis e frgeis fronteiras entre eles, mobilidade social, estruturas societrias
mais simtricas etc. e a arquitetura, identificada por ele como espao de
modo geral, uma condio, apenas o lugar onde a urbanidade se d e
que para tanto requer determinadas caractersticas que a possibilitem.
[Holanda, 2010]. Assim Holanda separa, em uma relao de causa e
efeito de mo dupla, sociedade e espao, com claro acento na dimenso
social.
Nesta reflexo, a urbanidade se define como um atributo da vida na cida-
de, medida pelo grau de intensidade, variedade e quantidade de experi-
ncias ou interaes possveis, entre humanos e no humanos, em deter-
minado ambiente. No h implicado um juzo acerca da qualidade dessa
experincia, ou seja, evita-se deliberadamente uma concepo moralista
que classifique a experincia como positiva ou negativa.
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Nesse sentido, o conceito de urbanidade adotado aqui se assemelha
ao conceito de socialidade definido por antroplogos contemporneos
(Latour, 2005, Strathern, 1989), em contraste com o de sociabilidade. A
distino diz respeito diferena entre a concepo de senso comum de
sociabilidade, que supe uma convivncia marcada por certo sentimen-
talismo, e uma concepo amoral que explora um relacionismo entre os
agentes envolvidos: territrio, construo, passantes, usurios, polticas
pblicas etc.
Um ambiente tem portanto um maior grau de urbanidade na medida em
que proporciona a maior diversidade, quantidade e intensidade de intera-
es entre as coisas e pessoas que l esto.
dispositivos de urbanidade
Em projetos de obras infraestruturais e de arquitetura possvel identifi-
car alguns dispositivos, espaciais ou associados ao programa ou funo,
que promovem um aumento no nvel de interao entre as partes e, por-
tanto um acrscimo do grau de urbanidade.
Em obras de infraestrutura esses pontos de maior intensidade esto as-
sociados s articulaes, internas s redes a que pertencem, mas tam-
bm entre as diferentes redes sobrepostas. Em geral esses pontos cor-
respondem aos ns da rede, que permitem entrada e sada, ou conexo
e acesso- como a estao de trem que permite o acesso de pessoas ao
trem e as conecta do sistema virio pelo qual vinham a p ao sistema fer-
rovirio, em que se locomovem por trem ou aos pontos de cruzamento
dos sistemas a ponte pela qual o trem transpem a avenida, os chama-
dos ambientes de mobilidade.
Os dispositivos que promovem essas articulaes so os pontos em que
h maior intensidade de troca. Interessa portanto analisar como so pen-
sados e materializados esses ns de interseco, conexo, acessos e
cruzamento entre sistemas, na medida em que, atravs de seu desenho, garantem articulao atravs de continuidade e transposio dois dis-
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positivos recorrentes em redes infraestruturais.
Mas, mesmo nesses pontos de maior potencial de urbanidade, os usos
tendem a ser extremamente especializados e com isso a variabilidade, im-
previsibilidade e intensidade de experincia tendem a ser rebaixadas. So
em geral projetados de modo em que predominam a resoluo de aspec-
tos tcnicos e os critrios de eficincia mxima. H portanto tambm nos
ns de articulao uma forte preponderncia dos aspectos funcionais
sobre questes formais. Tanto que a beleza dos projetos de infraestru-
tura comumente associada eficincia, desempenho, performance e
no h aspectos semnticos ou de representao explicitados em sua
formalizao a no ser os da exibio de alta tecnologia e racionalidade
construtiva. Tambm no h lugar em um projeto de infraestrutura para
a indeterminao programtica como forma de permitir usos e apropria-
es imprevistas. A austeridade ou racionalidade em sua formalizao
representam o investimento pblico, em oposio aos edifcios, que so
o lugar da representao dos poderes individuais, privados.
Os projetos de arquitetura, por sua vez, tendem a conceber edifcios
como objetos, que se conectam aos sistemas infraestruturais de modo
controlado e quase nunca entre si. A maior parte dos edifcios que com-
pem a cidade tem seu uso determinado e tambm permite pouca varie-
dade de experincia, mas h um grau de liberdade na explorao formal
e programtica na prtica arquitetnica muito superior ao dos projetos
infraestruturais. A prtica arquitetnica tem uma flexibilidade maior com
relao manipulao do programa do que a prtica da engenharia.
Embora afetada pelas restries inerentes aos modos de produo priva-
dos, comum haver em projetos de edifcios a possibilidade de incorpo-
rar novos programas, ou propor articulaes entre programas que criam
novos usos e sentidos e apropriaes imprevistas do espao, aumen-
tando a variao e intensidade das experincias. Mas especialmente
nos aspectos formais dos edifcios que a prtica arquitetnica desfruta
tradicionalmente de mais liberdade se comparada da engenharia. na
manipulao da forma e dos materiais que grande parte da produo da
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disciplina arquitetnica concentra seu foco de atuao. A criao de sen-
tido e novas articulaes o discurso arquitetnico usa geralmente a
forma como variante entre programas similares e como forma de expres-
so. A manipulao da forma e os materiais empregados no so apenas
resoluo eficiente de uma equao tcnica, mas veculo expressivo e
portanto, fonte de experincia.
Sendo assim, se nos projetos infraestruturais os pontos de maior poten-
cial de urbanidade so os pontos de frico ou articulao, em que se
utilizam dispositivos de continuidade e transposio, nos projetos arqui-
tetnicos os recursos que potencializam o grau de urbanidade de deter-
minado ambiente pela criao de variedade e intensidade de experincia
so a manipulao programtica como sobreposio de usos ou espa-
os indeterminados e a manipulao formal tamanho e posio das
coisas, materiais utilizados, visuais.
Admitindo que promover a intensificao da vitalidade urbana desejvel
como resultado das intervenes na cidade, a hiptese aqui, portanto,
de que o potencial de urbanidade produzido por projetos que atuam
sobre a cidade poderia ser maior na medida em que as fronteiras entre
as disciplinas se diluem, em situaes em que projetos de edifcios incor-
porem dispositivos prprios da infraestrutura de forma clara, promoven-
do continuidades e transposies, ou em projetos de infraestrutura que
incorporem recursos de manipulao programtica e formal prprias da
arquitetura, afrouxando as amarras da eficincia tcnica. Essa capacida-
de de aumentar o potencial de urbanidade pode ser levado ao extremo,
entretanto, em intervenes construdas no territrio em que se fundem
em um s lugar o projeto de infraestrutura com o projeto de um edifcio.
Esse o caso da plataforma rodoviria de Braslia.
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fig. 2 - Croqui de Lucio Costa para o setor central de Bra-silia, elaborado como estudo prvio entrega do concurso. Nele aparecem a plataforma rodoviria e a Torre de Rdio e TV. interessante notar como a plataforma no tem forma determinada e se funde ao terreno da cidade, em contra-posio vertical marcante e identificvel da torre. Fonte: Acervo Casa de Lucio Costa.
fig. 3 - Croqui de Lucio Costa para a Torre de Rdio e TV em que se nota a preocupao formal com a estrutura. Fonte: Acervo Casa de Lucio Costa.
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A plataforma rodoviria de Braslia
Tendo em vista o conjunto de questes descritas acima vale explicitar
quais so as caractersticas da plataforma rodoviria de Braslia que a
tornam um campo de anlise profcuo.
Em primeiro lugar ela pea fundamental do sistema infraestrutural mais
determinante da cidade de Braslia. Alm de lugar de resoluo viria do
cruzamento dos eixos macroestruturadores da cidade, abriga no desnvel
criado para operar a transposio, a estao rodoviria da cidade. Anos
aps a inaugurao tornou-se parte da rede de Metr e hoje passam por
ela diariamente duas vezes mais pessoas que as que habitam o Plano Pi-
loto. Ou seja, um importante n infraestrutural, articulador de um grande
e complexo sistema de transporte pblico.
Por outro lado, a plataforma foi concebida como pea de articulao en-
tre diversos setores da zona central de Braslia. Os setores previstos para
abrigar predominantemente as funes de maior vitalidade de uma cida-
de diverses, hotis, comrcio se distribuem em seu entorno. Ainda
hoje, apesar das alteraes em relao ao projeto original, seus grandes
espaos permitem a conexo fsica e visual desse recinto. Alm das ar-
ticulaes entre vrios setores graas s suas dimenses, os espaos
constituintes da estrutura abrigam uma grande variedade de servios e
atividades, formais e informais, que se beneficiam do fluxo intenso decor-
rente de sua funo de estao rodoviria, mas que por si atraem tam-
bm um pblico muito numeroso.
Alm dessas funes superpostas que se contaminam mutuamente, a
formalizao do projeto muito particular. No apresenta uma forma
apreensvel de imediato, em parte devido sua dimenso mas tambm
porque se realiza no vazio entre os dois planos sobrepostos do cruzamen-
to dos eixos Monumental e Rodovirio-residencial, fruto de interveno
topogrfica de grande escala. E, apesar das grandes peas estruturais
necessrias para a construo desses recintos, o projeto renuncia ex-
pressividade formal. Diferentemente da Torre de Rdio e TV (figs. 2 a 5), o
outro nico projeto de Lucio Costa em Braslia, aparte do Plano Piloto, e
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fig. 4 - Foto da base da Torre de Rdio e TV em concreto armado moldado in loco, ainda em obras. Chama a ateno a explorao da expressividade do material por Lucio Costa em comparao com a estrutura da plataforma rodoviria. Fonte: Arquivo Pblico do Dis-trito Federal.
fig. 5 - Imagem do nvel inferior da plataforma rodoviria recm inaugurada. Ao fundo, o Congresso Nacional. Nesta imagem notvel a discrio da estrutura, toda branca, pin-tada ou revestida em mrmore, apesar de suas dimenses monumentais. Fonte: Arquivo Pblico do Distrito Federal.
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que tambm se refere ao centro de uma rede infraestrutural, a plataforma
rodoviria tem suas peas estruturais e muros revestidos com mrmore,
cermica e pintura brancos, criando planos discretos.
portanto uma construo que rene atributos de um projeto de infra-
estrutura, de um edifcio (ou projeto de arquitetura), tem uma atuao
tcnica marcante na estruturao da cidade, e abriga e articula simultane-
amente diversas atividades, previstas e no previstas em seu programa.
Ela desfaz assim os limites entre infraestrutura e arquitetura, entre edifcio
e cidade, em um ambiente com alto grau de urbanidade.
campo disciplinar
O projeto de Lucio Costa para Braslia teve a virtude de incorporar ele-
mentos histricos: perspectivas barrocas, terraplenos monumentais,
gregarismo colonial brasileiro, acrpole cerimonial, cidade linear, cidade-
jardim, urbanidade de reas comerciais. Uma cidade distinta das manifes-
taes urbansticas modernas no resto do mundo. S o faria quem esti-
vesse desarmado de preconceitos e tabus urbansticos (Costa, 1995,
p. 282) (Holanda, 2009).
Alm da demonstrao da erudio urbanstica do autor, o projeto de
Braslia representa um exemplo de superao da distino do edifcio
como objeto isolado sobre um plano contnuo, conectado e irrigado pelos
sistemas infraestruturais, propugnada pelo urbanismo moderno de matriz
corbusiana. Para Costa, Braslia deveria ser concebida no como sim-ples organismo capaz de preencher [...] as funes vitais prprias de uma
cidade moderna qualquer (Costa, 1995), mas, alcanar a monumenta-
lidade desejvel capital do pas por meio de um desenho definido e especfico, adaptado ao lugar (Braga, 2010, p. 223) em que a estrutura
urbana e seus edifcios esto relacionados de forma indissocivel, para
alm da funo especfica de cada parte, contribuindo para a obteno
de um alto grau de urbanidade.
Na plataforma rodoviria esse procedimento se manifesta de forma con-
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tundente e exemplar, na medida em que no pode ser apreendida apenas
como edifcio, ou apenas como infraestrutura, mas, j foi dito, como am-
bos, simultaneamente. Embora seja concebida, como Braslia, segundo
modernos princpios da tcnica rodoviria (Costa, 1995), a plataforma
rodoviria, ao fundir os atributos de edifcio, infraestrutura, centro de so-
cialidade e paisagem, supera uma viso funcionalista orgnica do urba-
nismo moderno e se aproxima de experincias ou formulaes ligadas a
discursos crticos do modelo corbusiano, como os projetos de cidades
contnuas de Yona Friedman, ou a Nova Babilnia de Constant Nieuwe-
nhuys ou ainda as megaestruturas, como definidas por Banham (Banham,
1976), em que as funes da cidade se mesclam e superpem, criando
campos de experincia intensa.
No campo disciplinar essa operao produzida pelo Plano Piloto, e es-
pecificamente a produzida na plataforma rodoviria, coloca a questo
das atribuies e efetividade das prticas da arquitetura, engenharia e
urbanismo e especialmente do potencial do desenho na atuao em am-bientes urbanos. Uma medida do impacto de cada prtica na transforma-
o urbana hoje poderia ser aferir o volume de investimento necessrio
para construir um hipottico trecho de cidade, comparando os valores
e tempos destinados a obras de infraestrutura, o destinado a projetos
e obras de urbanismo e desenho urbano e o destinado construo de
edifcios, ou arquitetura. Por esse critrio a engenharia de todas as
prticas implicadas a que intervm e determina mais fortemente a forma
e o crescimento da cidade. Em grande medida, no entanto, os projetos
de engenharia no demonstram conscincia do potencial e da influncia
que os sistemas infraestruturais tm na formalizao da cidade e na de-
terminao do seu grau de urbanidade. Nessa avaliao, talvez a prtica
do urbanismo hoje, no Brasil, seja a menos efetiva na construo do
ambiente urbano.
O que a Plataforma Rodoviria apresenta como exemplo relevante na dis-
cusso disciplinar a possibilidade de reivindicar para o desenho o papel de ator efetivo na produo de um alto grau de urbanidade. Ou seja, a
possibilidade de fundir em uma atuao integrada as especialidades disci-
plinares projetos arquitetnicos, de infraestrutura, de urbanismo.
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captulo 2 - A plataforma hoje
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fig. 6 - Nesta imagem possvel ver, em primeiro plano, a passagem expressa do eixo mo-numental, entrincheirada. Ao lado, nota-se a circulao dos nibus junto s plataformas, no nvel correspondente estao prpriamente dita. Ao fundo, o mezanino de servios e ainda, sobre ele o nvel superior da plataforma, com sua marquise de acesso, que faz a conexo entre os centros de diverses, como o Conjunto Nacional, esquerda. Fonte: Leonardo Finotti, 2010.
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Neste captulo buscarei descrever em detalhe a totalidade da plataforma
rodoviria, em que sero analisadas: a) a estrutura espacial da platafor-
ma, em sua materialidade; b) suas funes como n infraestrutural; e c)
suas funes como articuladora de diferentes recintos do setor central
de Braslia.
a. organizao e descrio da plataforma rodoviria de Braslia
A plataforma ocupa uma rea de aproximadamente 800 metros de exten-
so por 170 m de largura e organizada em quatro nveis (fig. 6):
I. nvel inferior, 19 metros abaixo da cota da plataforma superior,
com a passagem expressa de seis pistas do eixo rodovirio resi-
dencial, trs em cada sentido, o chamado buraco do tatu (fig. 6);
II. nvel da estao rodoviria, 9.00 metros abaixo da cota superior, em que
se localizam as maiores reas cobertas, que abrigam as plataformas de em-
barque da rodoviria, parte do comrcio, servios e acesso estao central
do Metr. Este nvel coincide com o nvel de passagem do eixo monumental;
III. O nvel do mezanino, 4.50 metros abaixo da cota superior, que abriga
locais comerciais, especialmente de alimentao, e servios pblicos e
IIII. Plataforma superior, aqui definida como o nvel 0.00, que abriga pas-
sagens peatonais, reas de estacionamento e a marquise sob a qual
esto instalados servios como bilheterias, alimentao, informaes e
configura o principal acesso de pedestres rodoviria, atravs de dois
conjuntos de escadas e elevadores.
Esses quatro nveis so construdos com diferentes tcnicas de concreto
armado, adequadas s suas condies topogrficas e dimenses de vos
A plataforma hoje
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diagrama 1 - Nestes esquemas possvel notar a distribuio de reas destinadas aos principais usos da estrutura. Alm dos valores absolutos interessante notar a forma que adquirem os espaos usados por veculos e pedestres. Com exeo do nvel inferior, da estao rodoviria, as propores dos espaos destinados ao pedestre tendem a ser es-tranguladas e pouco fluidas. Tambm possvel notar a grande quantidade de cruzamen-tos entre os sitsemas com poucos pontos de transposio eficiente para o pedestre.
nvel superior
automvel (58.663,00 m)pedestres (28.155,00 m)jardim (7.906,00 m) comercial (461,00 m)
mezanino
pedestres (1.988,00 m)
comercial (1.937,00 m)
nvel estao rodoviria
automvel (55.538,00 m)pedestres (24.532,00 m)comercial (2.066,00 m)
passagem subterrnea
automvel (6.660,00 m)
totais
automvel (120.861,00 m)pedestres (54.675,00 m)comercial (4.464,00 m) jardim (7.906,00 m)
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e cujo projeto e obras sero analisadas mais detidamente no prximo ca-
ptulo. No entanto vale aqui descrever sumariamente sua materialidade.
Os dois principais nveis so o da plataforma rodoviria (nvel 9.00 m),
assentado diretamente no solo e, como j dito, coincidente com o nvel
de passagem das vias do eixo monumental, e o superior, configurado por
grandes pilares, vigas e lajes em concreto armado, que servem de co-
bertura plataforma rodoviria. O nvel inferior, com suas rampas e pas-
sagem sob a rodoviria, totalmente escavado no terreno e configurado
por dois muros laterais de conteno, tambm em concreto armado. O
mezanino uma estrutura em concreto armado autnoma em relao s
demais e composta por uma laje em concreto armado sobre uma srie de
pilares centrais, tambm nesse material. Como ltima pea estrutural que
compe o conjunto h a cobertura em concreto, ou marquise, localizada
a trs metros acima da plataforma superior e que abriga os acessos aos
nveis inferiores.
A altura total da estrutura de 22,50 metros, entre a cota mais baixa da
passagem expressa e a cota superior da laje da marquise de acesso. Ou
o equivalente a um edifcio de 7 pavimentos, e praticamente a mesma
altura dos centros de diverses em seu entorno.
reas A rea total da plataforma, somados os quatro nveis de 187 mil metros
quadrados. Desses, 120 mil metros quadrados, ou 60%, so reservados
ao trafego sobre rodas. 54 mil metros quadrados, ou 35% so destina-
dos circulao de pessoas. 4,5 mil metros quadrados, ou 3% so
jardins, e 8 mil metros quadrados, ou 5%, so reas fechadas ao pblico,
correspondentes a servios ou comrcio.
Apesar desses nmeros totais serem significativos no sentido de mostrar
a importncia dedicada s reas de convivncia, mais produtivo separar
essa anlise em dois nveis principais: o nvel superior, dedicado conec-
tividade peatonal, de articulao entre os edifcios do entorno e portanto
articulao dos demais setores; e o nvel inferior, em que se instala a
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diagrama 2 - Sobreposio da plataforma rodoviria com o vale do Anhangaba, entre os viadutos do Ch e Sta. Ifignia, em So Paulo.
diagrama 3 - Sobreposio da plataforma rodoviria com o Centro Cultural So Paulo, entre a Rua Vergueiro e Av. 23 de Maio, em So Paulo.
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estao rodoviria propriamente dita.
Observando a tabela com as reas do nvel superior podemos verificar
que a rea destinada aos pedestres pequena se comparada rea des-
tinada a estacionamento e, observando a forma e proporo das reas
de pedestres indicadas no diagrama 1, podemos notar que so faixas
estreitas, pouco eficientes para promover o fluxo intenso e agradvel de
pessoas. As reas de jardim so mnimas, gramadas, e restringem a livre
circulao peatonal. A regio central de Braslia tem efetivamente um d-
ficit de vagas de estacionamento alto, mas o pedestre neste caso est
prejudicado. A desproporo dos usos to evidente que h estudos
para buscar solues subterrneas de estacionamento sob as praas, j
considerados pela administrao regional.
Observando o nvel inferior possvel notar maior equilbrio entra as reas
destinadas circulao de pessoas face s reas destinadas a circulao
de veculos. A grande rea disponvel, mas principalmente a forma que ela
assume, com largas esplanadas e amplos corredores de circulao, so
condio para a possibilidade de convivncia entre o comrcio intenso e
a funo de embarque e desembarque das quatro plataformas. Embora a
proporo seja mais equilibrada, neste nvel observa-se uma deficincia
dos dispositivos de transposio dos fluxos de veculos por parte do pe-
destre. As passagens e travessias so em nvel e em geral insuficientes.
tamanho
A dimenso dos espaos da plataforma rodoviria o atributo mais im-
portante na boa performance do edifcio, seja em sua funo tcnica,
como infraestrutura de transporte, ou em sua funo de espao de articu-
lao urbana. No fossem as dimenses extremamente grandes de seus
espaos a rodoviria no teria condies de absorver um volume enor-
me de linhas e passageiros, ou transformar-se em estao intermodal de
transportes em escala metropolitana, funo que vem exercendo desde a
implantao da rede de Metr.
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diagrama 4 - Sobreposio da plataforma rodoviria com a estao rodoviria do Tiet, em So Paulo.
diagrama 5 - Sobreposio da plataforma rodoviria com a marquise do Parque Ibira-puera, em So Paulo.
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Essa mesma generosidade de seus espaos, digamos, internos, com seus
quase oitocentos metros de comprimento, tambm a condio para a
conexo fsica direta entre edifcios com a escala dos centros comerciais
ou de um teatro para at dois mil espectadores. Mas tambm essa dis-
ponibilidade que permitiu o desenvolvimento de uma srie de atividades
que se tornaram parte de sua essncia e a transformaram em um lugar
de intensa urbanidade. O comrcio que floresceu ali ao longo de sua
histria e a sustentao econmica desses negcios no se deve ape-
nas ao grande fluxo de pessoas prprio de sua funo como rodoviria,
conformando um potencial mercado consumidor, mas principalmente por
que a estrutura espacial dispunha de rea suficiente, talvez at excessiva
em um primeiro momento, para que essas atividades se desenvolvessem.
Prova disso que houve por muito tempo um intenso comrcio informal
no nvel superior, desalojado apenas recentemente pelo poder pblico.
Um famoso ponto turstico de Braslia o quiosque de pastis localizado
no nvel da plataforma de embarque.
A dimenso da plataforma torna-se mais evidente ao ser comparada a
outras estruturas urbanas em reas metropolitanas. Seu tamanho apare-
ce como um atributo formal fundamental para a produo efetiva de um
alto grau de urbanidade. A escala metropolitana que ela veio a adquirir j
estava prefigurada no Plano Piloto graas a sua dimenso.
Nos diagramas comparativos de escala (diagramas 2 a 5) po-
de-se avaliar a dimenso dos espaos da Plataforma se com-
parados a recintos de usos diversos e escala semelhante.
articulao vertical Como j dito, o cruzamento dos dois eixos em nveis diferentes determi-
na os dois principais planos que configuram o edifcio. O eixo rodovirio
passa na cota superior e o eixo monumental, na cota inferior. O edifcio
aparece na articulao desse dois nveis. A primeira articulao portanto,
e que determina a uma s vez a forma e a funo primordiais da platafor-
ma rodoviria, a articulao vertical, entre as cotas do desnvel obtido
atravs de uma grande obra de terraplenagem.
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fig.8 - Conjunto de escadas de acesso ao mezanino e nvel inferior. Escada Central com duas escadas mecnicas laterais, operando em sentidos opostos. Fonte: Leonardo Finotti, 2010.
fig. 7 - Mezanino de servios, visto a partir da cota da estao rodoviria. Fonte: Leonardo Finotti, 2010.
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figs. 9. e 10 - Vistas do eixo rodovirio-residencial. Nota-se a sucesso de alas de conexo viria, em especial o arco direita na imagem que permite o acesso direto aos setores hoteleiros e aos centros de diverses e uma das alternativas passagem pela plataforma. H ainda, sob as lajes conexes em nvel entre os eixos. Fonte: Nelson Kon, 2010 e 2007.
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O vazio criado pelo movimento de terra, cujo excedente foi usado para
criar a esplanada da praa dos Trs Poderes, foi preenchido com pouca
construo. Apenas o mezanino(fig. 7) faz as vezes de ponto intermedi-
rio entre os dois principais nveis e promove a descida de pblico atravs
dos dois conjuntos de escadas(fig. 8). Esses conjuntos so compostos
por escadas tradicionais e escadas mecnicas, que garantem o grande
fluxo necessrio, alm de um conjunto de elevadores (ver desenhos nos
encartes). As articulaes verticais virias se do atravs de um enge-
nhoso conjunto de alas e rampas que permitem tanto a passagem dire-
ta pelo conjunto, sem interrupes ou cruzamentos, como retornos e a
transferncia de um macroeixo a outro (figs. 9 e 10).
articulao horizontal As principais articulaes horizontais promovidas hoje pela plataforma
rodoviria so as de transposio do eixo Monumental, que permitem a
ligao no sentido longitudinal da estrutura (Norte-Sul), entre os conjun-
tos comerciais, principalmente para pedestres atravs do nvel superior
e entre as asas Norte e Sul, para veculos, pela passagem expressa sub-
terrnea. No sentido transverso, embora seja possvel a conexo, o fato
de no haver articulaes verticais eficientes entre as cotas dos setores
a Leste ou a Oeste, faz com que o fluxo seja mnimo. Ou seja, a atividade
apenas eventual do Teatro Nacional e a no concluso do setor cultural
Norte, o abandono da Casa de Ch, e a ineficincia dos edifcios dos
centros de diverso em se conectar com os setores hoteleiros a Oeste,
tornam essa articulao frgil. Soma-se a isso a baixa eficincia ambiental
das praas projetadas entre esses grupos de edifcios, com pouca som-
bra e passeios estreitos.
fluxos
O nvel inferior da plataforma, coincidente com o eixo monumental, abriga
a funo rodoviria. Predominantemente destinado ao fluxo de veculos,
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Analisando os fluxos predominantes de pedestres e veculos nos nveis superior e da estao rodoviria, principais nveis do edifcio e nicos onde h superposio, nota-se que enquanto na cota superior h pouca interferncia mtua, o fluxo de veculos domina o nvel inferior. H poucas possibilidades de convivncia. Apesar disso h um grande fluxo de pessoas que acessa a estao rodoviria por essa cota, e no pelo mezanino central, como previsto. Fruto da deficincia de articulao da cota superior com os edifcios e setores do entorno.
diagrama 6 - Fluxos de pe-destres e veculos no nvel superior da plataforma rodo-viria.
diagrama 7 - Fluxos de veculos particulares e nibus no nvel inferior, o da estao rodoviria.
A
B
CD
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apresenta no entanto conflitos com os pedestres. H quatro plataformas
de embarque e desembarque: A, B, C e D, que atendem s linhas locais
e regionais e poucos pontos de travessias de pedestres (diagrama 8). No
entanto no h nenhum tipo de controle de acesso ou segregao entre
esse espao da plataforma e os espaos contguos. O sistema virio se-
grega apenas os veculos particulares dos percursos dos nibus.
Na cota superior os fluxos de veculos so interrompidos pelas praas,
criando um percurso tortuoso que promove efetivamente o trfego ape-
nas local (diagrama 6). Apesar da aparente virtude, o conjunto de des-
vios reduz a rea possvel de embarque e desembarque em frente do
Conjunto Nacional e Conic e cria do lado oposto, junto Casa de Ch
e o Teatro Nacional, uma travessia de duas mos, com vinte metros de
comprimento, inibindo ainda mais a j pouco convidativa articulao ho-
rizontal no sentido transverso. Como se v, os fluxos de pedestres esto
bastante estrangulados, apesar da generosa rea e da baixa intensidade
relativa de trfego de passagem de veculos.
usos do espao da plataforma
Uma das grandes virtudes da rodoviria e condio de seu sucesso como
criadora de urbanidade a variedade de usos e servios que oferece.
Essa intensidade, se no foi consequncia da resoluo adequada das
articulaes entre os diversos setores previstas originalmente, especial-
mente por inconsistncias de desenho no desenvolvimento dos projetos
dos edifcios do entorno, como veremos a seguir, se deu ainda assim
graas a um atributo de desenho. Como j mencionado anteriormente,
o tamanho dos espaos permitiu a prtica de atividades muito mais di-
versas das tipicamente associadas a uma estao rodoviria, ainda que
beneficiada pelo fluxo de pessoas promovido por sua funo no sistema
de transportes. Uma grande quantidade de pessoas vai plataforma com
finalidades que vo alm do uso da estao de transporte pblico.
No nvel da estao, alm das pistas de rodagem h amplos espaos,
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figs. 11 a 16 - frequente o uso dos espaos da plataforma rodoviria para manifestaes de toda ordem: polticas, festivas, relacionadas a direitos civis ou de classe.
fig. 17 - Vista da plataforma da estao rodoviria vista das escadas de acesso. esquerda v-se um dos 66 boxes comerciais e direita ao fundo a fachada do Conic. Fonte: Leonardo Finotti, 2010.
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com aproximadamente 30 metros de largura por 140 metros de com-
primento, ou seja, 4 mil metros quadrados de rea de cada lado do eixo
rodovirio-residencial disponveis para as funes de espera, embarque e
desembarque de, no mximo, 45 nibus simultaneamente. Gradativamen-
te esses espaos foram ocupados por pequenas estruturas com as mais
diversas funes. Ao longo do tempo foram sendo utilizados para ativida-
des de comrcio formal e informal e abrigam alguns locais muito popula-
res e tradicionais em Braslia, como o que vende pastis e caldo de cana.
Somadas as reas sob e sobre o mezanino, sob a marquise e do acesso
estao de metr, so quase 5 mil metros quadrados dedicados a ser-
vios pblicos e comrcio. Existem 66 boxes comerciais; 3 conjuntos de
sanitrios pblicos masculinos e femininos; um posto da polcia militar,
uma delegacia da polcia civil, agncia de correios, posto de informao
ao trabalhador, agncia da caixa econmica federal, agncias das con-
cessionrias de servios pblicos, como energia eltrica e abastecimento
de gua e telefonia, posto de sade, com exames gratuitos, e o sistema
de expedio de documentos Na Hora, com reas de atendimento ao
pblico de diversas autarquias governamentais.
Mas alm dos usos formais, sintomtico de seu alto grau de urbanidade
a apropriao informal de seus espaos. L so realizadas frequentemen-
te diversas manifestaes polticas ou promocionais. O nvel superior da
plataforma foi at 2008 ocupado diariamente por uma grande aglome-
rao de vendedores ambulantes, que foram removidos fora para um
local isolado, construdo para esse fim pelo governo do Distrito Federal.
H diversos relatos, inclusive de Lucio Costa, que colocam esse espao
em Braslia como o lugar em que se tornam visveis as atividades e pesso-
as que no habitam os ambientes burocrticos ou residenciais previstos
no Plano Piloto e que no entanto fazem parte de sua existncia.
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fig. 18 - Sistema de Metr alcanar grande parte da regio metropolitana de Braslia. Fon-te: Companhia do Metropolitano do Distrito Federal
fig. 19 - Sistema de integrado, com VLT. Fonte: Companhia de Metr do Distrito Federal
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b. infraestrutura: a performance da plataforma dentro do sistema mobilidade de Braslia
A plataforma rodoviria o principal n articulador do sistema de trans-
porte pblico da regio metropolitana de Braslia (fig. 18). Esse sistema
composto principalmente por um conjunto de linhas de nibus urbanos
e por duas linhas de Metr, que tm na plataforma o principal ponto de
conexo. A partir de 2015, uma linha de VLT complementar o sistema.
Passam pela plataforma rodoviria a maior parte das mais de 880 linhas
de nibus em operao na cidade, que conta com uma frota de aproxi-
madamente 2.300 nibus convencionais, alm de vans e micro-nibus.
Estima-se que passem por l diariamente 500 mil pessoas. (fonte: Site
do DFTrans, acessado em jan de 2013). Desde 1976, quando a ope-
rao das linhas de nibus interestaduais foi transferida para a Estao
Ferroviria, nunca utilizada como tal, a 6 km a Oeste, no arremate do eixo
monumental, a plataforma rodoviria passou a ser o centro do sistema de
nibus da rea metropolitana, composta no s pelas cidades satlites
do Distrito Federal mas tambm pelas cidades do entorno.
pela plataforma rodoviria que se d o acesso estao central do
Metr de Braslia desde 2001, com a entrada em operao plena do sis-
tema, que atende atualmente aproximadamente 130 mil pessoas por dia
atravs de suas 24 estaes e 42 km de extenso. (Fonte: Companhia
do Metropolitano do Distrito Federal http://www.metro.df.gov.br/sobre-
o-metro/memoria.html) (fig. 18). Grande parte desses usurios utiliza a
plataforma como chegada ao setor central de Braslia, em que h uma
grande concentrao de postos de trabalho, ou como estao de inte-
grao com as linhas de nibus locais, o que mostra como ela funciona
como um grande ponto de conexo de fluxos.
O VLT (veculo leve sobre trilho), ainda em construo, dever correr pa-
ralelo ao percurso do Metr, e complementar o sistema, ligando o aero-
porto ao eixo rodovirio-residencial, correndo pela W3. (fig. 19) . Embora
no haja a previso de uma articulao direta com a plataforma, o VLT
dever impactar em seu funcionamento, na medida em que aumentar a
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fig. 20 - Vista area da plataforma. Em primeiro plano o nvel superior ocupado plenamente por veculos particulares como estacionamento. No plano inferior os nibus urbanos e as plataformas de embarque. Ao centro as vias expressas do eixo rodovirio-residencial. Fonte: Nelson Kon, 2010.
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oferta de transporte e a eficincia de fluxo do eixo norte-sul, atualmente
congestionado.
Essa funo de entrada e conexo especialmente relevante para o
funcionamento de Braslia se considerarmos que cerca de 700 mil pesso-
as circulam por dia na rea do Plano Piloto, que conta com apenas 215
mil do total de aproximadamente 2,5 milhes de habitantes do Distrito
Federal. Ou seja, mais de trs vezes a sua populao do Plano Piloto
vem diariamente de fora de seus limites, e duas vezes o total de sua po-
pulao passa pela plataforma rodoviria diariamente. (fonte: Codeplan
Companhia de planejamento do distrito federal http://www.codeplan.
df.gov.br/menu-de-teste/informacoes-estatisticas/cat_view/262-informa-
coes-estatisticas/263-anuario-estatistico-/322-anuario-estatistico-do-df-
2012.html)
Outra articulao importante promovida pela plataforma com o siste-
ma de transporte individual. Alm de realizar com seus retornos e trans-
posies de nvel a conexo viria entre os macro-eixos monumental e
rodovirio-residencial, a plataforma hoje d acesso e abriga parte con-
sidervel das reas de estacionamento do setor central. Considerando
que a frota de veculos particulares do DF j era de um milho em 2008,
com aproximadamente um veculo para cada 2,4 habitantes, e que 88,8%
dos habitantes do Plano Piloto tem ao menos um veculo em seu domic-
lio, (fonte: Pesquisa Distrital por Amostra de Domiclios (Pdad) divulgado
pela Companhia de Planejamento do Distrito (Codeplan) em 2012), no
irrelevante a funo de estacionamento para o sistema geral de trans-
portes. H atualmente aproximadamente 15 mil vagas no setor central e
estimam-se necessrias outras 30 mil.
So nmeros que refletem a importncia estratgica e a eficincia da
plataforma no funcionamento do sistema de mobilidade da cidade, inte-
grando as redes e oferecendo o espao de acesso ao grande fluxo dirio
de pessoas que frequentam o Plano Piloto. Internamente, a organizao
de embarques e desembarques se realiza graas generosidade de seus
espaos e grande dimenso de suas reas cobertas, que permitem a
convivncia de inmeras atividades, compartilhando servios e acessos.
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fig. 21 - A imagem mostra a localizao das escalas dentro da rea de demarcada (per-metro em vermelho) segundo decreto de 1987 acerca preservao da concepo urbans-tica de Braslia. Em verde, a escala buclica, em amarelo, a escala residencial, um roxo a escala monumental e por fim, ao centro, em azul a escala gregria, que articula as demais. Fonte: Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN).
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c. papel da plataforma como articulao do centro de Braslia
A plataforma desempenha um importante papel na conexo dos espaos
do que veio a se chamar de escala gregria do Plano Piloto. Embora o
termo escala no aparea no Relatrio do Plano Piloto (Costa, 1995), o
conceito foi ganhando relevncia como forma de explicar a estrutura fun-
cional de Braslia. Sem adotar os termos prprios das zonas funcionais
do urbanismo moderno, o Plano Piloto organizou-se em quatro escalas.
Em 1974, no I Seminrio de Estudos dos Problemas Urbanos de Bra-
slia, Lucio Costa comenta que s trs escalas at ento mencionadas
se acresce uma quarta, pois, no fundo, as trs situaes, como os Trs
Mosqueteiros, so quatro (Risos): a escala gregria, a monumental, a
cotidiana e a buclica. (Senado Federal, 1974)
Embora a escala buclica, relativa s reas verdes, a escala residencial,
em que principalmente se implantam as superquadras residenciais, e a
monumental, com os edifcios e espaos cvicos da capital, no indiquem
usos exclusivos, e sim predominncias de uso, na chamada escala gre-
gria que se concentram de modo intenso as atividades relativas so-
cialidade da cidade, como centros de compras, cinemas, as sedes de
empresas etc.
Como se v no diagrama ao lado (fig. 21) a plataforma rodoviria cen-
tral s reas da escala gregria que, como determina o Decreto 10.829,
Art. 7o, que define o tombamento de Brasilia, composta pelos setores
Comercial (1), Bancrio (2), de Diverses (3), Hoteleiros (4), Mdico-
Hospitalares (5), de Autarquias e de Rdio (6) e Televiso (7), a Norte e
a Sul do Eixo Monumental. Com suas passagens pedestres e virias, a
construo conecta, embora atualmente de modo muito precrio, esses
setores entre si proporcionando passagens nos sentidos Leste-Oeste
e Norte-Sul, sobre os macro-eixos estruturadores. Alm dessa conexo
entre os setores da escala gregria, a plataforma promove a conexo
com o Setor Cultural (8), que integra formalmente a escala Monumental,
mas que coerentemente se liga s reas de socialidade, por sua vocao
como espao de concentrao de pessoas em torno a atividades que
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66
fig. 22 - Escala gregria 1 Plataforma rodoviria 2 Conic 3 Conjunto nacional
8 Futura Arena Multiuso 9 Catedral de Braslia 10 Eixo monumental 11 Eixo rodovirio
4 Casa de ch 5 Teatro nacional 6 Biblioteca nacional 7 Museu da repblica
12 Setor comercial sul 13 Setor comercial norte 14 Hotel nacional 15 Torre de rdio e tv
1
32
54
6
7
8
9
15
14
12
1 1
13
11
10
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promovem o encontro e convivncia.
No entorno imediato da plataforma, conectados cota superior, de uso
predominantemente peatonal, h quatro edifcios importantes, que teriam
suas funes potencializadas se a continuidade dos fluxos de pedestres
fosse mais eficiente. Esses edifcios tambm poderiam desempenhar um
papel mais ativo na articulao entre os setores bancrio, comercial e
hoteleiro e cultural, caso colaborassem com a transposio dos desnveis
entre os eixos Monumental e Rodovirio residencial, incorporando em seu
interior rotas pblicas alternativas ao conjunto de escadas da plataforma
rodoviria propriamente dita.
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fig. 23 - Foto area da plataforma rodoviria de Braslia. Fonte: Google Earth, 2010.
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figs. 24 e 25 - Imagens dos espaos interiores do Conic. Fonte: Nelson Kon, 2010.
figs. 26 e 27 - Imagens dos espaos exteriores do Conic. Fonte: fotos do autor, 2012.
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Lado Oeste Conjunto Nacional e Conic
Os dois grandes centros comerciais, o Conjunto Nacional a Norte e o
chamado Conic, a Sul do eixo Monumental, apesar de terem formaliza-
es bastante diversas, apresentam pouca permeabilidade tanto em seu
acesso no nvel superior da plataforma, predominantemente destinado a
pedestres, como em seu acesso do lado oeste, na face voltada aos seto-
res hoteleiros. Configuram dois blocos construdos com 250 metros de
extenso cada, junto plataforma, e aproximadamente 90 metros de ex-
tenso no sentido do eixo monumental. Ambos tm a altura equivalente a
sete pavimentos, se considerada a partir do nvel superior da plataforma.
A face Oeste do Conic, bloco comercial composto de vrios edifcios
justapostos, voltada Praa dos Aposentados, adquiriu um sentido de
fundos: h poucos servios ou espaos comerciais instalados no nvel do
trreo, h um bolso de estacionamento e usada como rea de carga e
descarga. Por ali, os acessos ao interior do conjunto so limitados e pou-
co utilizados, h apenas trs. O pedestre que vem do hotel Nacional ou
do bolso de estacionamento no tem clareza do percurso a se percorrer
para alcanar o nvel superior da plataforma. No h conexes visuais di-
retas ou circulao vertical eficiente no interior do bloco construdo ape-
sar do desnvel considervel, de aproximadamente 7 metros, tornando a
conexo entre o lado Oeste e a plataforma bastante descontnua. O fluxo
pedestre deve desviar-se para as estreitas caladas laterais, ridas e de-
sagradveis. (figs. 26 e 27) Mesmo na face Leste, voltada para a platafor-
ma, os acessos so pouco generosos e no chegam a criar continuidade
espacial ou visual no sentido transverso plataforma. No entanto, mes-
mo com todos os percalos em sua materializao, o Conic abriga um
conjunto de atividades muito variado e rico. Sua degradao quase que
simultnea construo permitiu a instalao de boates de strip-tease,
livrarias, cinemas de filmes pornogrficos e cineclubes, bares, pequenos
escritrios de todo tipo, em uma diversidade que se no lembra Picadilly
Circus, realiza de algum modo o Soho londrino dos anos 80.
No lado Norte ocorre situao espacial anloga, embora o Conjunto Na-
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fig. 28 - Fachada frontal do Conic. Nota-se a estrutura composta por oito edifcios pe-rifricos e dez volumes internos e a fachada frontal descontnua. Fonte: Google Maps, 2012.
fig. 29 - Fachada posterior do Conic. Nota-se aqui a Praa dos aposentados, que promo-ve a conexo com o nvel superior do lado Oeste, embora muito precria. Nota-se como o acesso ao interior do conjunto escasso. Fonte: Google Maps, 2012.
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fig. 30 - Fachada frontal do Conjunto Nacional. Nota-se a fachada modulada com os letreiros luminosos previstos por Costa. Apresenta a mesma estrutura espacial do Conic, com um anel edificado perifrico. No entanto nota-se aqui o nvel do piso interior elevado em relao ao acesso pela plataforma. Fonte: Google Maps, 2012.
fig. 31 - Fachada posterior do Conjunto Nacional. Aqui v-se a galeria, elevada em rela-o ao passeio pblico nesta fachada, criando um embasamento ao conjunto. Os acessos so mais evidentes e em maior nmero que os do Conic.. Fonte: Google Maps, 2012.
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figs. 32 a 34 - Fachada frontal do Conjunto Nacional, com a galeria coberta em primeiro plano. Fonte: Nelson Kon, 2010.
figs. 35 e 36 - Vistas areas dos espaos interiores do Conic. Fonte: Nelson Kon, 2010.
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cional apresente uma condio um pouco mais permevel e esteja em
melhor estado de conservao tornando o ambiente ao nvel do pedestre
menos agressivo. A galeria, contnua e animada com vitrines de espaos
comerciais menos decadentes que os do Conic, garante um passeio par-
cialmente coberto com extenso razovel no nvel superior. Os conjuntos
de escadas rolantes no interior do edifcio so poucos e no chegam a
possibilitar um fluxo intenso em direo cota inferior. Na face Oeste
ocorre a mesma situao encontrada no bloco Sul, criando uma fachada
muito secundria, de fundos, embora com um aspecto menos degradado
(fig. 31). A administrao nica dos nveis comerciais, mais prximos ao
nvel dos pedestres, fez com que o Conjunto Nacional adquirisse uma
formalizao prxima ao dos shopping centers das grandes cidades.
Lado Leste Casa de Ch e Teatro Nacional
Em frente ao Conic, a 180 metros de distncia, h o pavilho da Casa de
Ch, prevista originalmente no Plano Piloto, embora nunca utilizada para
essa finalidade. Atualmente o edifcio est parcialmente desocupado e
no permite conexo entre a cota superior da plataforma e a cota do Se-
tor Cultural, em que foram recentemente inauguradas a Biblioteca Nacio-
nal e o Museu da Repblica. No nvel inferior h uma estao de servios
de abastecimento para automveis. O pavilho baixo com aproximada-
mente 5 metros de altura total, 100 metros de extenso por 30 metros de
largura , respeita a volumetria prevista originalmente. Embora o edifcio
como projetado no possibilitasse um grande fluxo de circulao vertical
a fim de conectar a parte alta com o Setor Cultural, se estivesse em fun-
cionamento com o carter pblico imaginado, promoveria maior permea-
bilidade peatonal no sentido transverso.
Na poro Norte est localizado o Teatro Nacional, que se conecta cota
superior da plataforma atravs de uma passarela de pedestres que d aces-
so ao grande foyer da sala principal, ao mesmo tempo que protege o acesso
no nvel inferior, com passagem de veculos. Considerando as circulaes
verticais no interior do edifcio e a generosidade dos espaos internos o
edifcio que melhor realiza a conexo entre as cotas da plataforma e do Setor
Cultural, sendo possvel perceber ali a riqueza dessa articulao.
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Apesar do potencial que essa condensao de programas e sua disposi-
o espacial cria, esta articulao no se realiza plenamente. Como nota
a pesquisadora da UNB, Gabriela Tenrio, em trabalho apresentado no
X Seminrio de Histria da Cidade e Urbanismo, essa situao ocorre
no porque alguns espaos a ela destinados estejam desocupados [...]
mas por falhas de desenho. (Tenrio, 2008). As diferenas entre o efe-tivamente construdo e o plano original, que sero abordadas no prximo
captulo, truncaram a continuidade entre os setores centrais de Braslia.
Alm de um desenvolvimento dos projetos das edificaes de todo o en-
torno pouco atento a esses aspectos fundamentais, a prpria topografia
criada pelos terraplenos para realizar a transposio dos eixos macroes-
truturais cria descontinuidades nas reas externas a esses edifcios.
Por isso, embora a localizao da plataforma e as dimenses de sua es-
trutura permitam de fato a conexo entre diferentes setores, usos e edif-
cios, especialmente em seu nvel superior, aps uma anlise do edifcio e
seu entorno imediato possvel perceber o quo mais dinmico poderia
ser o conjunto e as possibilidades enormes de ocupao e conectividade
sub-aproveitadas que oferece. A principal descontinuidade no sentido
Leste-Oeste, mas o ambiente pouco adequado ao pedestre, com suas
caladas estreitas e desqualificadas para superar as grandes distncias
no sentido Norte-Sul, na cota superior, e a ausncia total de conexes
entre esses edifcios nas cotas inferiores da plataforma, inibem enorme-
mente o fluxo de pessoas entre as diferentes estruturas que compem a
escala gregria de Braslia.
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desenhos: plantas e cortes da plataforma rodoviria
Os encartes que se seguem so desenhos, plantas dos principais nveis
da plataforma, em escala 1:1.500, e cortes longitudinal e transversos pelo
conjunto, inclundo os edifcios do entorno imediato, em escala 1:1.500 e
1:750. Estes desenhos foram produzidos no mbito desta pesquisa apar-
tir de desenhos de referncia de um projeto de interveno na plataforma,
levantamentos de arquivo e de levantamentos fotogrficos e visita ao lo-
cal. So desenhos bastante completos e fiis ao estado atual do edifcio.
Foi notvel a dificuldade encontrada em localizar e compatibilizar fontes
esparsas dos diferentes edifcios, o que sugere que no haja desenhos
que contemplem de forma integrada a rea.
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plataforma rodoviria de brasliacorte longitudinalescala: 1:1.500
A plataforma rodoviria de Braslia: infraestrutura, arquitetura e urbanidade
Plataforma RodoviriaConic Conjunto Nacional
eixo monumental
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plataforma rodoviria de brasliacortes transversosescala: 1:750
A plataforma rodoviria de Braslia: infraestrutura, arquitetura e urbanidade
Plataforma Rodoviria
Plataforma Rodoviria
Conjunto NacionalEstao Central do Metr
Teatro Nacional
Teatro Nacional
Conjunto Nacional
eixo rodovirio-residencial
eixo rodovirio-residencial
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plataforma rodoviria de brasliaplanta superior / cota 0.00escala: 1:1.500
A plataforma rodoviria de Braslia: infraestrutura, arquitetura e urbanidade
2
5
8
1
43
6
7
1 centro de diverses Sul / Conic2 centro de diverses Norte / Conjunto Nacional3 praa Sul4 marquise de acesso Rodoviria5 praa Norte6 casa de Ch7 teatro Nacional8 claraboias estao de Metr
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plataforma rodoviria de brasliaplanta mezanino / cota -4.00escala: 1:1.500
A plataforma rodoviria de Braslia: infraestrutura, arquitetura e urbanidade
1
1 mezanino de Servios
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plataforma rodoviria de brasliaplanta inferior / cota -8.00escala: 1:1.500
A plataforma rodoviria de Braslia: infraestrutura, arquitetura e urbanidade
1
2
A
B
C D
1 acesso estao central do Metr2 rea de servios e comrcio sob o mezaninoA, B, C, e D plataformas de embarque
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captulo 3 - A plataforma rodoviria no tempo
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figs. 37 a 42 - Reprodues de todas as publicaes da plataforma rodoviria em peridicos especializados. Da esquerda para a direita e de cima para baixo:
Revista Braslia, 1959
Revista Mdulo, 1959
Revista Braslia, 1960
Revista Acrpole, 1960
Revista Braslia, 1961
Revista Acrpole, 1970
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A plataforma rodoviria no tempo
Neste captulo sero descritos o projeto da plataforma de Braslia e sua
relao ntima com o Plano Piloto apresentado por Lucio Costa ao jri do
concurso, em 1957 desde as suas premissas at os aspectos tcnicos
de sua construo , e algumas modificaes relevantes ocorridas ao
longo dos cinquenta anos de sua existncia.
publicaes
Como introduo e como analogia s transformaes da prpria estru-
tura vou abordar brevemente as transformaes da representao da
plataforma rodoviria nas escassas publicaes especializadas de que foi
objeto. Apesar de ser um edifcio importante na configurao de Braslia,
a plataforma rodoviria recebeu pouca ateno como projeto autnomo,
ficando geralmente em segundo plano em relao edifcios mais icnicos
de Braslia. Desde o incio das obras at o cinquentenrio da inaugurao
da capital, pude levantar apenas dez publicaes em que o projeto ou
edifcio figura destacado como pea autnoma entre os principais peri-
dicos especializados como Habitat, Mdulo, Braslia, Acrpole, Projeto e Au. Tambm aparece com destaque em apenas trs livros publicados nesse perodo, mesmo dentre os muitos ttulos publicados por ocasio
do cinquentenrio.
A primeira publicao do projeto ocorreu em 1959, na revista Braslia, editada pela Novacap, empresa responsvel pela coordenao da im-
plantao da cidade. Apenas no nmero 30 dessa publicao aparecem
as primeiras fotos da obra, com suas vigas em concreto na capa. Sob o
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254 255
a. estao rodoviriab. setor de diversesc. setor cultural1. nibus de pequeno percurso2. nibus de longo percurso3. desembarque4. embarque5. sanitrios (subsolo)6. escadas7. elevadores8. circulao dos nibus9. rampas da passagem inferior10. passagem inferior11. rampas12. autopistas
1. escadas2. elevadores3. bilheterias4. estacionamento5. estacionamento de txis6. estacionamento7. pistas8. praa de pedestres9. passeio10. rampas11. vazio do pavimento inferior
Desenhos na escala 1 : 10 000 da verso construda da plataforma desenvolvidos pela Diviso de Urbanismo da Novacap
planta pavimento superior n 0 100 m
planta pavimento inferior n 0 100 m
planta pavimento superior n 0 100 m
planta pavimento inferior n 0 100 m
[ esquerda] Desenhos na escala 1 : 5 000 da plataforma que constam do relatrio do plano piloto apresentado por Lucio Costa ao concurso
501
173
490
491
492
493
494
495
496
497
498
172
499
500
2.2.3 Aeroportos
Coube aos aeroportos desempenhar em Braslia o papel que em outras pocas coubera s estradas, ferrovias e canais navegveis no surgimento de novas cidades. Quando as ligaes por terra ainda eram precrias ou inexistentes, foi o transporte areo que deu sustentao s fases iniciais do planejamento e da construo da nova capital.
O primeiro campo de pouso de Braslia, uma simples pista de terra com 2 700 m de extenso, foi aberto em meio vegetao natural do Cerrado, ainda em 1955. No mesmo ano foi construdo um outro campo de pouso com apenas 800 m de extenso, perto do local onde seria construda a primeira residncia presidencial o Catetinho no ano seguinte.
Em 2 de abril de 1957 foi inaugurado o aeroporto definitivo, com uma pista de concreto de 3 300 m de extenso e 45 m de largura. Nessas condies intensificou-se a ponte area com o Rio de Janeiro e So Paulo, agora tambm atendida por companhias areas privadas.
Alm de mantimentos e materiais de escritrio e de construo, o aeroporto recebia os tcnicos e, no menos importante, as personalidades convidadas a visitar o canteiro de obras. O terminal de passageiros era um simples barraco de madeira que deveria servir em carter provisrio, mas acabou por atender aos viajantes por mais de uma dcada.
Em 1971 foi construdo o terminal definitivo, composto como um bloco retangular de alvenaria e concreto, com trreo e mezanino (Fig. 52532). O projeto foi feito pelo arquiteto Trcio Fontana Pacheco. A proposta original de Oscar Niemeyer, um notrio comunista, foi rejeitada pelas autoridades do regime militar sob a alegao de que apresentava problemas tcnicos.
figs. 33 a 45 - Reprodu-es de todas as publica-es da plataforma rodovi-ria como projeto autnomo, destacado, em livros:
Lucio Costa, Guilherme Wisnik, CosacNaify, 2001
O concurso de Braslia, Milton Braga, CosacNaify, 2010
Arquivo Braslia, Lina Kim e Michael Wesely, CosacNaify, 2011
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sugestivo ttulo Arquitetura e Urbanismo, o edifcio apresentado como
Plataforma Central, sem desenhos ou maiores descries. Alm das
imagens do canteiro h reprodues de uma maquete, que representa
a plataforma e um edifcio anexo, que no veio a ser construdo. Os pri-
meiros desenhos esquemticos aparecem no nmero 14, em 1959, da
revista Mdulo, editada por Oscar Niemeyer. Destacada como um dos edifcios emblemticos de Braslia, ela aparece sob o ttulo Plataforma
Central/ Estao Rodoviria. O texto, no assinado, aponta a aparente
incompatibilidade entre a superposio de funes de esplanada de con-
vvio e estao rodoviria, que, no entanto, se resolvem graas s pro-
pores do conjunto que decorrem do vulto e diversidade contraditria
dos objetivos visados, mas [...] a cajadada uma s. (Mdulo, 1959). A
apresentao seguinte do projeto ocorre na revista Acrpole, logo em se-guida, em abril de 1960, em nmero especial dedicado a Braslia. Ainda
em obras, aparece sob o ttulo Plataforma Rodoviria. Em dezembro de
1960, a revista Braslia volta a publicar o projeto, por ocasio da inaugu-rao, e reproduz o discurso do presidente Juscelino Kubitschek. A mes-
ma revista a publicaria ainda outra vez, em 1961, ressaltando novamente
o carter multifuncional do edifcio.
O edifcio voltaria a ser publicado apenas em 1970, em outro nmero
especial dedicado a Braslia, em comemorao aos dez anos da inaugu-
rao, de forma muito sumria e sem comentrios analticos. Somente em
2001 voltou a ser objeto de interesse, mais de trinta anos depois, quando
fez parte da monografia sobre Lucio Costa, de Guilherme Wisnik, quando
apresentada como rodoviria (Wisnik, 2001). Em 2010, Milton Braga,
em seu livro sobre o concurso de Braslia (Braga, 2010), dedica um tre-
cho anlise do edifcio, mostrando as diferenas entre o projeto original
e o efetivamente construdo, e a consequente superposio da funo
rodoviria sobre as funes de articulao da escala gregria. Nesse
mesmo ano, Arquivo Braslia, pesquisa de imagens de arquivo realizada por Michael Wesely e Lina Kim, resgatou em uma publicao monumen-
tal uma srie de imagens da plataforma, em que se registram diferentes
fases da obra e do edifcio concludo. Somado a esse interesse renovado,
em parte motivado pelo cinquentenrio da capital, foi publicado um arti-
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fig. 46 - Croquis de Lucio Costa feitos duarante a viagem de volta dos Estados Unidos, em navio, em 1957, em que iniciou os estudos para o Plano Piloto. A direita da folha os primeiros esboos da soluo de transposio dos eixos e da plataforma rodoviria. Fonte: Acervo Casa de Lucio Costa.
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go do pesquisador Eduardo Rossetti no portal de internet Vitruvius que apresenta uma leitura atual do edifcio e seus usos.
De todo esse percurso brevemente descrito aqui interessante notar
como foram lidas e divulgadas ao longo do tempo as funes superpos-
tas da plataforma rodoviria. Assim como no Relatrio do Plano Piloto
(Costa, 1995), a primeira descrio da plataforma destaca a sua funo
como articuladora dos espaos centrais de Braslia e coloca em segundo
plano a funo de estao rodoviria:
5. O cruzamento desse eixo monumental, de cota inferior, com o eixo
rodovirio-residencial imps a criao de uma grande plataforma liberta
do trfego que no se destine ao estacionamento ali, remanso onde se
concentrou logicamente o centro de diverses da cidade, com os cine-
mas, os teatros, os restaurantes etc. (Costa, 1995, Relatrio do Plano
Piloto, p. 3).
Gradativamente no entanto, sua funo como n infraestrutural ganha o
primeiro plano. Essa mudana na percepo do projeto significativa e
indica que, por um lado, a sua performance como articulao dos espa-
os de convivncia e de vitalidade previstos no se realizou plenamente.
Em funo da demora em consolidar os edifcios de seu entorno imediato
e por deficincias nos projetos no que diz respeito integrao ao con-
junto como imaginado originalmente, a funo mais cotidiana e imediata,
de pea chave do sistema de transporte pblico da cidade, se tornou
preponderante. Por outro lado, o crescimento da regio de Braslia, com
a consolidao dos assentamentos em seu entorno, transformou rapi-
damente a estao rodoviria em centro de um sistema metropolitano.
Ou seja, se a funo de socialidade no se realizou como imaginada, a
funo infraestrutural superou a expectativa inicial. Essa transformao
foi em parte possvel, como j exposto, pelas dimenses e pela generosi-
dade espacial do recinto pois, se as transposies, fluxos e articulaes
com um entorno frgil no se realizaram de modo adequado, os seus
espaos foram abrigo suficiente para um incremento substancial de seu
uso como estao rodoviria e tambm para apropriaes informais e
imprevistas desses espaos, que permitiram o aparecimento de um tipo
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fig. 47 - Croquis de Lucio Costa feitos duarante a viagem de volta dos Estados Unidos, em navio, em 1957, em que iniciou os estudos para o Plano Piloto. Esboos da soluo de transposio dos eixos e da plataforma rodoviria. Fonte: Acervo Casa de Lucio Costa.
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de socialidade popular muito diversa do imaginado no projeto original.
Lucio Costa comenta com otimismo a apropriao espacial imprevista
da plataforma por uma populao trabalhadora, tornando-a um lugar de
diversidade e encontro, um espao do que estou chamando de urbani-
dade.
Aquela plataforma fundamental l no Plano, em trs nveis, naquele
cruzamento [...]. que eu tinha concebido essa plataforma rodoviria no
centro do Plano Piloto como um centro muito cosmopolita [...] como uma
coisa muito civilizada e cosmopolita. O caf, com aquela vista linda da
esplanada [...] invs daquele centro cosmopolita requintado que eu ti-
nha elaborado, (o centro) tinha sido ocupado pela populao perifrica,
a populao daqueles candangos que trabalham em Braslia. Era o ponto
de convergncia, onde eles desembarcavam e havia ento esse trao de
unio, era um trao de unio entre a populao burguesa, burocrata com
a populao obreira e que vivia na periferia. [...] Foi o Brasil de verdade,
o lastro popular que tomou conta da rea. Isso deu uma fora enorme
Capital, me fez feliz de ter contribudo involuntariamente para essa reali-
zao. (Lucio Costa, data, s/p, apud Eduardo Rossetti, data)
centro de diverses
O tipo de espacialidade imaginada por Lucio Costa para os conjuntos
construdos no lado Oeste da plataforma, centro de diverses da cida-
de, seria uma mistura em termos adequados de Picadilly Circus, Times
Square e Champs Elyses. E as vrias casas de espetculo que compo-
riam os conjuntos a Norte e Sul, atuais Conjunto Nacional e Conic, seriam
ligadas entre si por travessas do gnero tradicional da rua do Ouvidor,
das vielas venezianas ou de galerias cobertas (arcades) e articuladas a
pequenos pteos com bares e cafs, e loggias na parte dos fundos com
vista para o parque, tudo no propsito de propiciar ambiente adequado
ao convvio e expanso. (Costa, data, s/p. Relatrio do Plano Piloto,
p. 7.)
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100
diagrama 8
Picadilly Circus - Londres
diagrama 9
Times Square - Nova Iorque
diagramas comparativos de densidade Um ensaio de sobreposio de diagramas esquemticos de cheios e vazios dos espaos construdos hoje no entorno da plataforma com as referncias de espaos de urbanidade usadas por Lucio Costa no relatrio do Plano Piloto.
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101
diagrama 10
Champs Elyses - Paris
diagrama 11
Cinelandia - Rio de Janeiro
Com exceo do grande eixo dos Champs Elyses, os vazios do recinto da plataforma su-peram em muito os das cidades tradicionais. No entanto o grain dos centros de diverses so bastante prximos aos dos centros aos que se comparam. No fossem os defeitos de desenho desses edifcios, sua escala permitiria a constituio de ambientes anlogos.
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fig. 48 - Detalhe da planta geral do Plano Piloto de Lucio Costa, em 1957, com o setor central bastante definido e muito prximo ao construdo. Como diferenas fundamentais esto o partido espacial dos centros de diverses, j discutido aqui, que prejudica a mobi-lidade no sentido Leste-Oeste, e a no construo do volume central, paralelo platafor-ma, que atravs de seu trreo livre permitiria maior qualidade e fluidez na mobilidade no sentido Norte-Sul. O sistema virio propriamente dito foi seguido sem maiores alteraes. Fonte: Acervo Casa de Lucio Costa.
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Essa espacialidade no se realizou nos edifcios do centros de diverses,
como visto anteriormente. O Conjunto Nacional, construdo em trs fases
e inaugurado apenas em 1971, adquiriu um carter de shopping center
genrico e no oferece o tipo de experincia descrita acima, embora de-
sempenhe com relativa eficincia o papel de centro comercial. Foi proje-
tado por Nauro Esteves, arquiteto de confiana de Lucio Costa, que no
entanto exigiu que se respeitasse a determinao prevista na memria
do concurso com rela