poesia 8 1

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Entre palavras, poetas e poesia Os poetas são como faróis: dão chicotadas de luz à escuridão. Miguel Torga 1907 - 1995

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Page 1: Poesia 8 1

Entre palavras, poetas e poesia

Os poetas são como faróis: dão chicotadas de luz à escuridão.

Miguel Torga1907 - 1995

Page 2: Poesia 8 1

Se calhar esperavas que eu te dissesse agora aqui o que é a poesia. Que eu te

arranjasse uma definição daquelas cheias de palavras complicadas que deixam as

pessoas de boca aberta e a pensar “Meu Deus! Tanto que ela sabe!”. Mas eu não sei

definir o que é a poesia. E se alguém disser que sabe… desconfia! […]

Porque a poesia, apesar de se fazer com palavras, está muito para além

delas. É aquilo que essas palavras conseguem levar e depositar no nosso coração. E

para que isso aconteça, não é preciso que sejam palavras complicadas, frases

elaboradas, rimas perfeitas. […] É outra coisa. Que não se consegue nomear, mas que

se sente. […]

Alice Vieira

O que é a poesia?

Page 3: Poesia 8 1

Há poemas sobre a tristeza e sobre a alegria. E podemos rir e chorar

com eles. Pode escrever-se um poema a propósito de tudo. Não há temas

melhores ou temas piores: há a arte de saber escrever a seu respeito de uma

maneira criativa, ou seja, de uma maneira que seja só nossa.

Alice Vieira

Page 4: Poesia 8 1

”A poesia encontra-se em todas as coisas - na terra e no mar, no lago e na

margem do rio. Encontra-se também na cidade - não o neguemos - é

evidente para mim, aqui, enquanto estou sentado, há poesia nesta mesa,

neste papel, neste tinteiro; há poesia no barulho dos carros nas

ruas, em cada movimento diminuto, comum, ridículo, de um

operário, que do outro lado da rua está pintando a tabuleta de um açougue.”

 Fernando Pessoa em "O Eu Profundo".

1910?

Page 5: Poesia 8 1

Uma conversa entre Edgar Degas (1834–1917) e Mallarmé (poeta), dois grandes

artistas franceses, o primeiro pintor e escultor, o segundo escritor.

Degas: “- Não sei porque não faço belos poemas. Tenho tantas belas

ideias.”Mallarmé: “- Acontece que não se fazem poemas com ideias. Fazem-se com

palavras.”

Page 6: Poesia 8 1

Poemas de que eu gosto…

Page 7: Poesia 8 1

QUADRILHA

João amava Teresa que amava Raimundoque amava Maria que amava Joaquim que amava Lilique não amava ninguém.João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandesque não tinha entrado na história.

Carlos Drummond de Andrade1902-1987

Page 8: Poesia 8 1

OU ISTO OU AQUILO

Ou se tem chuva ou não se tem sol,

ou se tem sol ou não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,

ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,

Quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa

estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo dinheiro e não compro doce,

ou compro doce e não guardo dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…

e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,

se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda

qual é melhor: se é isto ou aquilo

Cecília Meireles1901 – 1964

Page 9: Poesia 8 1

MÃEZINHA

A terra de meu pai era pequenae os transportes difíceis.Não havia comboios, nem automóveis, nem aviões, nem mísseis.Corria branda a noite e a vida era serena.

Segundo informação, concreta e exacta,dos boletins oficiais,viviam lá na terra, a essa data,3023 mulheres, das quais45 por cento eram de tenra idade,chamando tenra idadeà que vai do berço até à puberdade.

28 por cento das restanteseram senhoras, daquelas senhoras que só havia dantes.Umas, viúvas, que nunca mais (oh! nunca mais!) tinham sequer sorridodesde o dia da morte do extremoso marido;outras, senhoras casadas, mães de filhos(De resto, as senhoras casadas,pelas suas próprias condições,não têm que ser consideradasnestas considerações.)

Page 10: Poesia 8 1

Das outras, 10 por cento,eram meninas casadoiras, seriíssimas, discretas,mas que por temperamento,ou por outras razões mais ou menos secretas,não se inclinavam para o casamento.

Além destas meninashavia, salvo erro, 32,que à meiga luz das horas vespertinasse punham a bordar por detrás das cortinasespreitando, de revés, quem passava nas ruas.

Dessas havia 9 que moravamem prédios baixos como então havia,um aqui, outro além, mas que todos ficavamno troço habitual que o meu pai percorria,tranquilamente no maior sossego, às horas em que entrava e saía do emprego.

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Dessas 9 excelentes raparigasuma fugiu com o criado da lavoura;5 morreram novas, de bexigas;outra, que veio a ser grande senhora,teve as suas fraquezas mas casou-see foi condessa por real mercê;outra suicidou-senão se sabe porquê.

A que sobejachama-se Rosinha.Foi essa que o meu pai levou à igreja.Foi a minha mãezinha.

António Gedeão1906-1997

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LIBERDADE

Ai que prazerNão cumprir um dever,Ter um livro para lerE não o fazer!Ler é maçada,Estudar é nada.O sol doiraSem literatura.O rio corre, bem ou mal,Sem edição original.E a brisa, essa,De tão naturalmente matinal,Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.Estudar é uma coisa em que está indistintaA distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,Esperar por D. Sebastião,Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...Mas o melhor do mundo são as crianças,Flores, música, o luar, e o sol, que pecaSó quando, em vez de criar, seca.

O mais que istoÉ Jesus Cristo,Que não sabia nada de finançasNem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa1888-1935

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Poemas que falam de amor

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URGENTEMENTE

É urgente o amor.É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,Ódio, solidão e crueldade,Alguns lamentos,Muitas espadas.

É urgente inventar a alegria,Multiplicar as searas,É urgente descobrir rosas e riosE manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luzImpura, até doer.É urgente o amor, é urgentePermanecer.

Eugénio de Andrade1923-2005

AUSÊNCIA

Num deserto sem águaNuma noite sem luaNum país sem nomeOu numa terra nua

Por maior que seja o desesperoNenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Sophia de Mello Breyner Andresen1919 -2004

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Poemas humorísticos

Page 16: Poesia 8 1

A vida é um hospitalOnde quase tudo faltaPor isso ninguém se curaE morrer é que é ter alta

Fernando Pessoa1888-1935 Uma mosca sem valor

Pousa com a mesma alegriaNa careca de um doutorComo em qualquer porcaria

António Aleixo1899-1949

Page 17: Poesia 8 1

Poemas cantados

Page 18: Poesia 8 1

SER POETA Ser poeta é ser mais alto, é ser maiorDo que os homens! Morder como quem beija!É ser mendigo e dar como quem sejaRei do Reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendorE não saber sequer que se deseja!É ter cá dentro um astro que flameja,É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sede de Infinito!Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente…É seres alma e sangue e vida em mimE dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca1894-1930

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PELA LUZ DOS OLHOS TEUS

Quando a luz dos olhos meusE a luz dos olhos teusResolvem se encontrarAi que bom que isso é meu DeusQue frio que me dá o encontro desse olharMas se a luz dos olhos teusResiste aos olhos meus só p'ra me provocarMeu amor, juro por Deus me sinto incendiarMeu amor, juro por DeusQue a luz dos olhos meus já não pode esperarQuero a luz dos olhos meusNa luz dos olhos teus sem mais lará-laráPela luz dos olhos teusEu acho meu amor que só se pode acharQue a luz dos olhos meus precisa se casar.

Vinicius de Moraes1913-1980

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 OS PUTOS

Uma bola de pano, num charcoUm sorriso traquina, um chutoNa ladeira a correr, um arcoO céu no olhar, dum puto. Uma fisga que atira a esperançaUm pardal de calções, astutoE a força de ser criançaContra a força dum chui, que é bruto. Parecem bandos de pardais à soltaOs putos, os putosSão como índios, capitães da maltaOs putos, os putosMas quando a tarde caiVai-se a revoltaSentam-se ao colo do paiÉ a ternura que voltaE ouvem-no a falar do homem novoSão os putos deste povoA aprenderem a ser homens.

 As caricas brilhando na mãoA vontade que salta ao eixoUm puto que diz que nãoSe a porrada vier não deixo Um berlinde abafado na escolaUm pião na algibeira sem corUm puto que pede esmolaPorque a fome lhe abafa a dor.  José Carlos Ary dos Santos 1937-1984

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Poemas declamados

Page 22: Poesia 8 1

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado... Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas... Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo... E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo. Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.

Mário Quintana1906-1994

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A terminar…

Page 24: Poesia 8 1

Ver claroToda a poesia é obscura atéA mais obscura.

O leitor é que tem às vezesEm lugar de Sol, nevoeiro dentro de siE o nevoeiro nunca deixa ver claro.

Se regressaroutra vez e outra veze outra veza essas sílabas acesasFicará cego de tanta claridade.

Abençoado quem lá chegou.

Eugénio de Andrade(1923-2005)

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Obrigada.Margarida Meneses

=:)Maio de 2012

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Na Hora de Pôr a Mesa

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãse eu. depois, a minha irmã mais velhacasou-se. depois, a minha irmã mais novacasou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,na hora de pôr a mesa, somos cinco,menos a minha irmã mais velha que estána casa dela, menos a minha irmã mais nova que está na casa dela, menos o meupai, menos a minha mãe viúva. cada umdeles é um lugar vazio nesta mesa onde como sozinho. mas irão estar sempre aqui.na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.enquanto um de nós estiver vivo, seremossempre cinco.

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

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Palavras para a Minha Mãe

mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz. sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo, a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

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No Comboio Descendente

No comboio descendenteVinha tudo à gargalhada.Uns por verem rir os outrosE outros sem ser por nadaNo comboio descendenteDe Queluz à Cruz Quebrada...

No comboio descendenteVinham todos à janelaUns calados para os outrosE outros a dar-lhes trelaNo comboio descendenteDe Cruz Quebrada a Palmela...

No comboio descendenteMas que grande reinação!Uns dormindo, outros com sono,E outros nem sim nem nãoNo comboio descendenteDe Palmela a Portimão

Fernando Pessoa1888-1935