politica operaria 124

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Fundador: Francisco Martins Rodrigues Francisco Martins Rodrigues Francisco Martins Rodrigues Francisco Martins Rodrigues Francisco Martins Rodrigues MARÇO / ABRIL 2010 Nº 124 MARÇO / ABRIL 2010 Nº 124 MARÇO / ABRIL 2010 Nº 124 MARÇO / ABRIL 2010 Nº 124 MARÇO / ABRIL 2010 Nº 124 3,00 3,00 3,00 3,00 3,00 SUPLEMENT SUPLEMENT SUPLEMENT SUPLEMENT SUPLEMENTO PO O PO O PO O PO O PO A culpa foi do esquerdismo? FRANCISCO MARTINS RODRIGUES Kollontai, dissidente ou estalinista? ANA BARRADAS Nos primórdios do comunismo português ÂNGELO NOVO Assinala-se a 22 de Abril o segundo aniversário do fa- lecimento de Fran- cisco Martins Ro- drigues, fundador e director da Polí- tica Operária. No último estádio da sua vida, dizia: “Não vai ser no meu tempo, mas há-de ser: os po- bres hão-de desa- grilhoar-se”. Abaixo o governo PS Um 1º Maio de luta a sério - Se aquilo que nos oferecem os partidos que nos têm governado nos últimos 30 anos é salários congelados, agravamento do desemprego e das condições de vida, do que está à espera a esquerda parlamentar e não parlamentar para exigir e trabalhar para o derrube do governo e fazer os ricos pagar a crise que provocaram? IRAQUE Democratizar à bomba As “eleições” iraquianas não foram livres porque se realizaram com este país sob ocupação. O seu único objectivo foi legitimar a invasão e a ocupação e criar as condições mínimas para a consolidação do con- trolo interno do Iraque capaz de permitir a retirada americana em 2011. Pág. 13 No nosso país, volta, não volta geram-se estranhas unanimidades. As mais recentes vieram com a cri- se. De repente, descobriram que os especuladores financeiros são uns malandros, os offshores abominá- veis, o neoliberalismo a causa de todas as desgraças por que a huma- nidade está a passar e, mais recen- temente, que os salários e prémios dos gestores das empresas públicas são imorais. Comentadores, fazedo- res de opinião, associações patro- nais, grandes e pequenos patrões, banqueiros, políticos, governantes, gestores, que ainda há menos de dois anos defendiam com unhas e dentes o que condenam agora, es- candalizam-se com os ganhos milio- nários dos gestores públicos, que num só dia auferem, cada um deles, milhares de salários mínimos anuais. Como se pode pedir sacrifícios aos trabalhadores se aqueles que dis- põem do poder de decidir dos seus ganhos se fazem pagar principesca- mente? — moralizam. Ao ponto de os visados, à defesa, hipocritamente dizerem que sim, mas que a culpa não é deles, apenas se limitam a re- ceber aquilo que determinam as co- missões de vencimentos e as assem- bleias de accionistas. O governo, por seu lado, diz que vai propor a re- dução das remunerações e prémios. Mas nenhum destes sobressaltos é para levar a sério. Da mesma forma que, passado o susto inicial, volta- ram as antigas práticas especulado- ras e a cantiga do “menos Estado” — quando os tão incensados “produ- tos financeiros” passaram a não va- ler nada e os bancos a ameaçar falir uns atrás dos outros — também, da- qui a umas semanas, quando o as- sunto já estiver esgotado e não for politicamente relevante, toda esta cambada vai descobrir que “o mérito deve ser devidamente recompensa- do”, da mesma forma que já redesco- briu que afinal a crise e a corrupção no nosso país só se ultrapassam quan- do o “Estado sair da economia e a deixar entregue aos privados”. Muito prosaicamente, a EDP e a ZON já recusaram a proposta do Estado de redução de remunerações e pré- mios dos seus gestores. Consta que o mesmo vai acontecer nas outras empresas públicas. Pronto, é a vi- da… O governo cumpriu o seu de- ver, que mais se lhe pode pedir? Desiludam-se os que pensam que o capitalismo é regulável. O problema não está no capital financeiro, está no capital. É a vida…

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Publicacom do colectivo comunista portugues do mesmo nome

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Page 1: Politica Operaria 124

Fundador: Francisco Martins RodriguesFrancisco Martins RodriguesFrancisco Martins RodriguesFrancisco Martins RodriguesFrancisco Martins Rodrigues MARÇO / ABRIL 2010 Nº 124 MARÇO / ABRIL 2010 Nº 124 MARÇO / ABRIL 2010 Nº 124 MARÇO / ABRIL 2010 Nº 124 MARÇO / ABRIL 2010 Nº 124 3,003,003,003,003,00

SUPLEMENTSUPLEMENTSUPLEMENTSUPLEMENTSUPLEMENTO POO POO POO POO PO

A culpa foi doesquerdismo?FRANCISCO MARTINS

RODRIGUES

Kollontai,dissidente

ou estalinista?ANA BARRADAS

Nos primórdiosdo comunismo

portuguêsÂNGELO NOVO

Assinala-se a 22 deAbril o segundoaniversário do fa-lecimento de Fran-cisco Martins Ro-drigues, fundadore director da Polí-

tica Operária. Noúltimo estádio dasua vida, dizia:“Não vai ser nomeu tempo, mashá-de ser: os po-bres hão-de desa-grilhoar-se”.

Abaixo o governo PS

Um 1º Maio de luta a sério - Se aquilo que nos oferecem os partidos que nos têmgovernado nos últimos 30 anos é salários congelados, agravamento do desempregoe das condições de vida, do que está à espera a esquerda parlamentar e nãoparlamentar para exigir e trabalhar para o derrube do governo e fazer os ricospagar a crise que provocaram?

IRAQUE Democratizar à bombaAs “eleições” iraquianas não foram livres porque serealizaram com este país sob ocupação. O seu únicoobjectivo foi legitimar a invasão e a ocupação e criaras condições mínimas para a consolidação do con-trolo interno do Iraque capaz de permitir a retiradaamericana em 2011.  Pág. 13

No nosso país, volta, não voltageram-se estranhas unanimidades.As mais recentes vieram com a cri-se. De repente, descobriram que osespeculadores financeiros são unsmalandros, os offshores abominá-veis, o neoliberalismo a causa detodas as desgraças por que a huma-nidade está a passar e, mais recen-temente, que os salários e prémiosdos gestores das empresas públicassão imorais. Comentadores, fazedo-res de opinião, associações patro-nais, grandes e pequenos patrões,banqueiros, políticos, governantes,gestores, que ainda há menos dedois anos defendiam com unhas edentes o que condenam agora, es-candalizam-se com os ganhos milio-nários dos gestores públicos, quenum só dia auferem, cada um deles,milhares de salários mínimos anuais.Como se pode pedir sacrifícios aostrabalhadores se aqueles que dis-põem do poder de decidir dos seusganhos se fazem pagar principesca-mente? — moralizam. Ao ponto deos visados, à defesa, hipocritamentedizerem que sim, mas que a culpanão é deles, apenas se limitam a re-ceber aquilo que determinam as co-missões de vencimentos e as assem-bleias de accionistas. O governo, porseu lado, diz que vai propor a re-dução das remunerações e prémios.Mas nenhum destes sobressaltos épara levar a sério. Da mesma formaque, passado o susto inicial, volta-ram as antigas práticas especulado-ras e a cantiga do “menos Estado” —quando os tão incensados “produ-tos financeiros” passaram a não va-ler nada e os bancos a ameaçar faliruns atrás dos outros — também, da-qui a umas semanas, quando o as-sunto já estiver esgotado e não forpoliticamente relevante, toda estacambada vai descobrir que “o méritodeve ser devidamente recompensa-do”, da mesma forma que já redesco-briu que afinal a crise e a corrupçãono nosso país só se ultrapassam quan-do o “Estado sair da economia e adeixar entregue aos privados”.Muito prosaicamente, a EDP e a ZONjá recusaram a proposta do Estadode redução de remunerações e pré-mios dos seus gestores. Consta queo mesmo vai acontecer nas outrasempresas públicas. Pronto, é a vi-da… O governo cumpriu o seu de-ver, que mais se lhe pode pedir?Desiludam-se os que pensam que ocapitalismo é regulável. O problemanão está no capital financeiro, estáno capital.

É a vida…

Page 2: Politica Operaria 124

[email protected]

Colaboraram neste número: Ana Barradas, António Barata, Antonio Doctor,António Vinhas, Ângelo Novo, Fernando Pulido Valente, José Borralho,Paulo Jorge Ambrósio, Ricardo Noronha, Vítor Colaço Santos

Propriedade: Cooperativa Política Operária

Correspondência: Apartado 1682 - 1016-001 LISBOA | TM: 960 135 270 |

Periodicidade: Bimestral | Tiragem: 1100 exemplares

Publicação inscrita na DGCS com o número 110858

ASSINATURAS

5 números 10 números 5 números(1 ano) (2 anos) (apoio)

Continente e Ilhas 12,50 25,00 25,00 Europa 17,50 35,00 35,00 Resto do Mundo 20,00 40,00 40,00

Pagamento por cheque ou vale de correio em nome de POLÍTICAOPERÁRIA e endereçado, Apartado 1682, 1016-001 LISBOA, ou por

transferência bancária para o NIB 0033 0000 4535 4654 3330 5

FRANCISCO LOUÇÃE A REVOLUÇÃO 

Foi publicada na editora Bertrand a biogra-fia oficial de Francisco Louçã, assinada pe-lo jornalista, editor e historiador AntónioSimões do Paço. Na verdade é uma auto-biografia.A chave para a compreensão desta (auto)biografia está na página 137, onde o autorrecupera excertos de uma entrevista feitapor José Manuel Fernandes a FranciscoLouçã em 8 de Setembro de 2009. À insis-tente pergunta sobre se Francisco Louçãcontinuava a ser um revolucionário, esterespondeu que era o que sempre foi: umsocialista.Se recuarmos algumas décadas, vemos ojovem Louçã, que nasceu numa família on-de se respirava um ambiente antifascista.Em Dezembro de 1972, por curiosidade,vai ver o que se estava a passar na capelado Rato. Ainda é estudante do liceu. Em1973 matricula-se no ISCEF, uma escolaconsiderada por Marcelo Caetano como“um antro de comunistas”. No final dessemesmo ano adere à recém-formada LCI,onde pontificam Francisco Sardo, no Por-to, e Cabral Fernandes, em Lisboa. No Por-to, já em finais de 1972 se tinha constituídoa UOR, resultante de uma cisão no primiti-vo grupo de trotskistas daquela cidade, queainda não tinha sigla oficial.Quando se dá o 25 de Abril, Louçã é mili-tante da LCI e estudante do ISCEF. Nessaaltura inicia-se a discussão para a fusão en-tre a UOR e a LCI, que se vem a consumarem Julho. O resto de 74 e 75 são anos debrasa. A agitação social espontânea ultra-passa muitos militantes e algumas organi-zações de esquerda. Em 75, no Verão, aRevolução está num ponto crucial. Os tra-balhadores estão na rua e nos quartéis ossoldados conquistam poder e criam a suaprópria organização (SUV).A LCI realiza um congresso (II). Ganha atendência liderada por Francisco Vale, quederrota a tendência de Cabral Fernandese Francisco Louçã e a de Francisco Sardo.Repare-se que Francisco Vale vem daUOR, que resultou de uma cisão com ogrupo de Francisco Sardo e Cabral Fer-nandes, em 72, acusados de revolucioná-rios de gabinete. A LCI adere  à FUP (de-pois FUR, com a saída do PCP). O Revo-lução está num momento decisivo. Louçãnão está no Bloco Revolucionário. Nãoconcorda com a participação da LCl naFUR. Louçã tem medo da Revolução. Em25 de Novembro a Revolução é derrotadapor um golpe militar levado a cabo poruma ampla frente com toda a direita e ex-trema-direita, PS e PCP.

OS CÚMPLICES DE MARX - Há neste mundo gente tãoatrasada que não entende porque é que os povos de Lesteque estão a despedir os seus patrões “comunistas” corruptosprecisam, para ser inteiramente felizes, de voltar a trabalharpara os patrões capitalistas. Dúvida ingénua: está-se mesmoa ver que enquanto os bancos e empresas do Leste não foremprivatizados, os direitos humanos desses povos continuamsob ameaça permanente. Está provado que o sistema da pro-priedade privada e da livre empresa é o grande esteio das“sociedades abertas” e o único antídoto seguro contra o tota-litarismo.Assim o mundo todo vai sendo educado nos bons princípiosda democracia. Desde muito jovens todos aprendem que émá educação perguntar porque é que uns hão-de ser proprie-tários e outros assalariados, ou criticar o direito das pessoasdonas de um capital viverem à custa do trabalho alheio, oupôr em causa a lógica de os salários subirem à medida queas pessoas andam de costas mais direitas. Todos sabem quepensar nesses coisas não faz bem à cabeça e “não leva aparte nenhuma”.

PADRALHADA COBRA FACTURA – Torna-se difícil sa-ber o que é mais espantoso: se a ingenuidade cínica dos maisousados analistas, ao descobrirem a avidez da Igreja pelodinheiro e pelo poder; se o jesuitismo das críticas com quetodos, do CDS ao PCP, passando pelos restantes candidatosaos canais de TV, acolhem o tratamento de favor reivindicadopela padralhada… a força e a autoridade dos bispos e cardeaisjunto do poder não vem tanto da sua base social de apoio,mas sim do papel por eles desempenhado após o 25 de Abrilcomo, por exemplo, durante o “Verão quente” e nas campa-nhas da AD. Ao reivindicar um tratamento privilegiado e aorecordar as promessas de Sá Carneiro, a Igreja está unica-mente a exigir uma contrapartida pelo seu trabalho de agita-ção política nas homilias e missas a favor da contra-revolução,dos bombistas do ELP/MDLP, do CDS e do PPD contra o“demónio vermelho”.

PCP: LUTA ENTRE DUAS LINHAS OU DESMANCHARE FEIRA? – Veja-se esta “lição” espantosa que o PCP colhedos acontecimentos, e que vale por uma confissão cabal:“Com a consolidação do Estado socialista, o poder popularefectivo foi substituído por um poder fortemente centralizadoe cada vez mais afastado do vontade do povo”. (Teses do CCao XIII Congresso). Como é possível, perguntamos, que seconsolidasse o Estado socialista quando o poder se afastavada vontade do povo? Chegar ao fim de 70 anos a uma “lição”destas não equivale a confessar que a vossa concepção desocialismo é completamente alheia ao marxismo e à classeoperária?

Na PO 24, Março/Abril de 1990:- PS monta cartel das “esquerdas”- Presos políticos espanhóis em greve

da fome- Centrais sindicais – Revolta a menos,

realismo a mais- PCF: fracturas múltiplas- África do Sul – Inevitável a transição

por compromisso?- URSS – Criar bom ambiente ao capi

tal estrangeiro- A explosão dos nacionalismos na URSS

Após o 25 de Novembro, Louçã preparao assalto ao poder na LCI. No III Congres-so, em Janeiro de 1976, conquista a direc-ção com Cabral Fernandes e outros. Verda-deiramente ninguém na nova direcção que-ria a Revolução.Francisco Louça, no quadro da democraciaburguesa, inicia a sua carreira política. Écandidato em sucessivos actos eleitorais atéser eleito deputado em Outubro de 99 àfrente do Bloco de Esquerda. De entãopara cá, com o PS cada vez mais à direitaapostado em destruir o PSD, o BE con-quista cada vez mais eleitorado moderadoescorraçado pelo PS e que não tolera osectarismo do PCP. Agora Louçã diz: “sousocialista”. O PS é que já não é socialista.Virá Louçã a ser primeiro-ministro?

R. (ex-militante trotskista) - Porto, 4 deFevereiro

UE DE OLHONO PROLETARIADO GREGO

Mando-vos esta notícia que acho de inte-resse. Com a sua intervenção na Grécia,nunca até agora tinha sido tão claros osobjectivos e a razão de ser da União Euro-peia. O ataque foi dirigido directamentecontra a classe operária grega, que tem umatradição de luta mais importante do quenoutros países da UE. Porque o que se tra-ta é de metê-la na ordem a partir dos ór-gãos da UE, já que o governo grego de-monstra ser incapaz de fazê-lo. Acho quea isto deve ser dada a importância que tem,ao invés de se focar, como fazem os meiosde comunicação europeus, o volume dadívida.Um abraço

António Doctor – Saragoça

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2 | MARÇO / ABRIL 2010

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A 12, 13 e 14 de Maio, o papa BentoXVI vem a Portugal, sem querer saberpara nada de tudo o que ultimamenteestá a ser revelado na comunicação so-cial sobre os inúmeros e escabrosos casosde pedofilia ocorridos no interior da Igre-ja, inclusive com clérigos em cargos degrande visibilidade e cujos bispos, no pas-sado, foram seus cúmplices (o própriopapa, na qualidade de cardeal Ratzinger,à frente da Congregação para a Doutrinada Fé, terá feito de conta, quando, háanos, foi sabedor de um desses casos maisescabrosos).

No mínimo, é uma insensatez que opapa Bento XVI está a cometer. Perantetudo o que está a ser divulgado (e, emmuitos casos, até já confirmado pelostribunais de cada país), o papa Bento XVI,se tivesse um mínimo de pudor, já teriaanunciado, nesta data, urbi et orbi, que essae outras viagens “pastorais” de chefe deEstado do Vaticano ficariam cancela-das sine die. Tanto mais no caso presentede Fátima, das três crianças da freguesiaescolhidas e arregimentadas em 1917 peloclero de Ourém.

Sim. Em verdade, em verdade vosdigo: o teologicamente imbecil fenómenodas “aparições” de Fátima foi, perversa emetodicamente, preparado pelo clero deOurém, e, por isso, perfaz uma barbarida-de de todo o tamanho, certamente pior,muito pior, que os inúmeros casos de pe-dofilia, à excepção, porventura, daquelescasos mais escabrosos. Hoje, sabemosbem quais foram os resultados dessa bar-baridade, com tudo de crime sem perdão:– duas das três crianças, Jacinta e Fran-cisco, irmãos de sangue e primos direitosde Lúcia, a mais velha das três e vizinha,porta-com-porta das outras duas (comose vê, ficou tudo em família!), quando apneumónica, poucos meses depois das“aparições”, atingiu o concelho de Ourém(como vêem, nem a senhora de Fátimalhe valeu! Pudera! E como havia de lhevaler, se aquilo é tudo mentira e invençãodo clero de Ourém?!), não lhe resistiram,de tão fraquinhas que andavam comtodos aqueles estúpidos “sacrifícios pelaconversão dos pecadores”. Morreram am-bas, num total abandono, por parte doclero de Ourém que, meses antes, as haviautilizado para aqueles perversos fins mo-ralistas. Morreram as duas devoradas por

indescritíveis dores e mergulhadas emhorrendas alucinações, sobretudo a Ja-cinta, sozinha no Hospital D. Estefânia,em Lisboa. E quanto à outra menina so-brevivente, a mais velhinha, é absoluta-mente obsceno o que o clero de Ouréme o próprio bispo auxiliar do Patriarcado,candidato a bispo e depois bispo titularefectivo, da restaurada Diocese de Leiria,lhe fizeram (já, então, pelo andar da car-ruagem, era previsível que Fátima viriaa ser a galinha de ovos de oiro da Igrejaem Portugal e da Cúria Romana e, porisso, uma e outra se apressaram a restaurara Diocese!...). Obrigaram Lúcia, pela for-ça – e com um chorrilho de mentirasclericais à mistura, de que ela era “viden-te”, etc. e tal – a sair de Fátima e dafamília. Sequestraram-na até à morte, pri-meiro no então Asilo de Vilar, Porto,depois num convento de Doroteias emTui, na Galiza, onde lhe foi imposto peloconfessor que tinha de ser freira, e, final-mente, freira de total clausura no Con-vento das Carmelitas, em Coimbra. Hor-rendo! Só mesmo de clero celibatário àforça, eunuco à força, não, obviamente,eunuco pelo Reino /Reinado de Deus!A pobre rapariga tinha a terceira classequando a sequestraram, e assim ficou (oupouco mais!), pelo resto da vida. E àmãe dela, que sempre disse que a conhe-cia bem e que aquela sua filha era com-pulsivamente mentirosa e vaidosa (porisso nunca acreditou nem na filha nemnas “aparições”), nem mesmo na hora dasua agonia deixaram que ela visse a filha;tão-pouco permitiram que, pelo menos,a mãe ouvisse a voz da filha pelo telefone!(Digam lá se os sacerdotes e as freiras doÍdolo Religioso não são cruelmente vin-gativos e sádicos?!). Ora, é este horrendocrime e esta mentira sem perdão que opapa Bento XVI vem caucionar com asua visita de chefe do Estado do Vaticanoa Portugal e a Fátima, numa altura emque sobem de tom e de número osclamores de inúmeras vítimas de casosde pedofilia, cometidos por clero, inclu-sive, de grande visibilidade, todos fun-cionários exemplares do InstitucionalReligioso-Eclesiástico católico. Hajamodos e pudor, meu irmão Ratzinger!

PADRE MÁRIO DE OLIVEIRA

(Jornal Fraternizar, Abril-Junho 2010)

Papa Bento XVI vem a Fátimacaucionar um crime, porventuraainda pior que o da pedofilia, queo clero de Ourém cometeu, em1917, contra três criançasdaquela freguesia.

Víciosprivados,públicasvirtudes

O Banco Central Europeu premiou a irresponsabili-dade dos bancos europeus concedendo-lhes créditosbaratos em nome da resolução da crise. Os bancos pega-ram nesses empréstimos a juros baixos e foram empres-tar ao Estado grego a taxas exorbitantes. Portugal é opróximo na fila para a mesma operação.

A Islândia é que foi esperta, que disse que não paga-va as dívidas dos bancos. Entre nós, com o centrãoaliando-se para fazer passar o PEC e a esquerda parla-mentar lamuriando-se, aceitam-se todas as imposiçõesda Comunidade Europeia, por mais gravosas que sejam.A nós dizem-nos que o Estado previdência é insustentá-vel e que tenhamos paciência, vamos ter de apertar ocinto.

A demagogia sobre os perigos da bancarrota públicaé uma maneira de vergar-nos a todos aos interessesdos mercados financeiros. Os credores do Estado nãosão outros Estados, mas sim investidores privados, ban-cos, companhias seguradoras e fundos financeiros quecompram de bom grado pacotes de dívida pública, pordeles obterem juros muito lucrativos, como se viu agoracom a crise da Grécia: as seguradoras e os bancos fran-ceses, suíços e alemães são os seus principais credores,seguidos por bancos britânicos e norte-americanos. 

Esta especulação com a dívida pública é um abusoque os cidadãos vão ter de subsidiar. Por isso nos di-zem que cada um de nós deve uns tantos milhares deeuros, não sabemos bem e a que credores. Por isso seprivatiza quase tudo, a pretexto de falta de liquidez doEstado, sabendo-se de antemão que o Estado está assima delapidar a propriedade pública e a empobrecer-nosainda mais.

Com a aprovação deste PEC do governo, temos pelafrente tempos mais duros. Entretanto, é patetice pen-sar que está tudo a correr bem porque a burguesiaestá em crise. Isso branqueia as oportunidades que aesquerda tem vindo a deixar passar e toda a inactivida-de e falta de espírito ofensivo que campeia por aí.

Na realidade, o sistema só se irá abaixo no dia emque as classes oprimidas começarem a fazer-lhe frente.Até lá, ele sempre recuperará, cada vez menos, é cer-to, e cada vez mais à nossa custa, mas não cai por si.

As crises de sobreprodução e de subconsumo suce-der-se-ão em espiral porque a taxa de lucro desce semparar, o desemprego aumenta e a baixa dos salários temum limite. Se é de saudar esta decadência por ela anun-ciar novos tempos, cabe aos revolucionários apressara sua chegada. É de recear pelo futuro do mundo noseu todo, com tantos focos de conflito, guerra e violên-cia e com o agravamento da crise global, que não sedefronta com nenhuma resistência firme por parte dospovos e dos explorados. É preciso que o proletariadose ponha em marcha para acabar com esse ciclo infer-nal e tomar conta dos meios de produção. As premissasjá existem, só é preciso ir à luta. Não há razão paradesânimos, porque é sabido que, não se sabe aindaonde nem quando, esse processo se iniciará.

Ciclo infernal

Lembram-se de, há cerca de dois anos, Domingos Névoa, umdos patrões da Braga Parques, ter sido condenado por corrupção, aoter tentado comprar o então vereador do BE, José Sá Fernandes,sendo obrigado a pagar a ridícula quantia de 5 mil euros? Pois agora,o mesmo senhor acaba de ganhar um processo por difamação contrao irmão de Sá Fernandes, que lhe chamou corrupto, e recebeu umaindemnização de 10 mil euros! Ou seja, a mesma justiça que provaque Domingos Névoa é de facto corrupto e o condena por isso émesma que depois condena quem se limita a repetir aquilo que ostribunais deram como provado, atribuindo uma indemnização supe-rior à que o corrupto foi condenado a pagar.

Quando o crime compensa

MARÇO / ABRIL 2010 | 3

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ORA LÁ VAI UM... – Apesar de já ter deixado apresidência da REN, cargo agora ocupado porRui Cartaxo, José Penedos teve direito a prémiona empresa pública. O arguido no processo FaceOculta recebeu 243.750 euros de bónus no finaldo ano passado. A este valor soma-se ainda umsalário de quase 27 mil euros por mês na com-panhia, o que totaliza 621 mil euros de remu-neração.No total, a REN atribuiu quase 3,2 milhões deeuros em salários e prémios aos seus adminis-tradores, quer executivos, quer não executivos,embora estes últimos não tenham direito abónus. Só em prémios, os gestores receberam,na totalidade, mais de um milhão de euros.

E Outro... – O ex-administrador da PT, RuiPedro Soares, aos 32 anos já era supervogalduma empresa pública, com um salário de10.000 euros e despesas de representação.

E Ainda Mais Outro... – Inês de Medeirosrecebe  diariamente  da Assembleia da Repú-blica 528• (16.368 euros por mês) porque é de-putada do PS pelo circulo de Lisboa, mas temresidência em Paris. Além disso, tem uma via-gem paga a Paris, ida e volta, aos fins-de-se-mana, mais as senhas de presença diárias daAssembleia.

O Mês em RelanceSÓCRATES mente compulsivamente, o queem nome da esquerda negou e renegou tudo!,bandeou-se para e com a direita, procedendoàs mais graves traições, não ousa nem temmarca ideológica, ignora o que são convicções,não tem esforço de estadista e orgulha-se nu-ma mediocridade feliz, escondida numa ver-borreia retórica que, fartas vezes, reconhece-mos num vendedor debanha da cobra.

O engenheiro técnicoé tolo, ingénuo ou alta-mente sinistro! Tomara quenão escrevesse isto, mas...enuncio os defeitos acimacom suave benevolência.

PEC – “Nós considera-mos que, teoricamente,academicamente, tecnica-mente, o PEC é um bomdocumento” – AlbertoJoão Jardim. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.

Rosto nº 1 do PEC, José Sócrates – oPrograma de Estabilidade e Crescimento ouPrograma de Extermínio dos Contribuintes,porque nós, os tansos fiscais, vamos continuara pagar a irresponsabilidade e incompetênciadeste governo, que, para reduzir o défice para2,8% em 2013, será à custa de um brutalagravamento da carga fiscal sobre as famíliasportuguesas. Os que já pagam vão pagar muitomais. Os que não pagavam porque não tinhamrendimentos suficientes vão passar também apagar. Só quem ganha pouco mais do que oordenado minimíssimo nacional não terá asua taxa agravada. A partir daqui, é tudo (pelovistos) rico...! Entre 7.250 euros e 17.979euros brutos, o IRS sobe 100 euros; até 41.349euros, o aumento é de 180 euros, valor quecresce para 390 euros até 59.926 euros. Eassim sucessivamente, até chegar ao pagamen-to de 700 euros de IRS. Enquanto vampirizaos contribuintes cumpridores, incluindo ocongelamento da dedução específica ao rendi-mento bruto, o PEC é servil para quem fugiuao fisco e colocou o dinheiro em offshores.Mediante uma simpática e reduzida taxa de5%, todos os faltosos, particulares e empresas,que colocaram ilegalmente dinheiro no exte-rior vão poder trazê-lo para Portugal, semnenhuma garantia para o Estado de que nãovoltarão a fazer o mesmo dentro de algumtempo... Este PEC é também para os quepuseram o dinheiro em paraísos fiscais, imoral!O mesmo governo que ainda não vai aplicar ataxação das mais-valias bolsistas “por causada crise económica” (?) decidiu usar o ataqueao rendimento social de inserção e ao subsídiode desemprego como armas. Depois de ir aosque já pagam, foi aos que não podem, paranão ir aos que podem – os ricos, claro! – masque não querem.

O preço que os mais pobres vão pagarpor esta crise não merece nem perda de tempo,nem debates sobre o PEC. Os mais pobresnunca interessaram para nada, e agora muitomenos. Fala-se exclusivamente em classe mé-dia. Esta classe está a proletarizar-se. Nãotem acesso aos jornais nem a colunas de opi-nião. Não tem grupos de pressão, nem asso-

ciação de classe. Foram escolhidos como alvo,porque é fácil atacar quem dificilmente se podedefender. Os vários cortes sociais prevêem reti-rar ao Serviço Nacional de Saúde, até 2013,715 milhões de euros!

“Classes baixas” mais não traduz do que aviolência da nossa sociedade, cujas prostraçõesassumem a feição de um sintoma neurótico. Es-

tamos doentes de resignaçãoe de debilidade moral.

A OUTRA SENHORA foicorrida a pontapé sem dó nempiedade. Coitada da srª Ma-nuela F. Leite, que Deus atenha no PSD, pois é um trun-fo da esquerda, pelas bacora-das, contradições, erros e posi-ções fascizantes que toma. Alei da rolha que aplaudiu é oúltimo tiro dado nos pés man-cos do PSD. Pedro Passos

Coelho, a contrafacção de Sócrates, foi eleitonovo presidente do equívoco que leva o PSD adizer-se social-democrata. Este ex-jota e políticoprofissional nunca fez nada de relevo na vida,nada de nada se lhe conhece, para amanhã podervir a ser primeiro-ministro. Escreveu um livroMudar – o quê, para quê, para quem? – para osmesmos: Belmiros, Amorins, Espíritos Santos etoda esta gente que subiu a pulso (dos outros).É um manual mal escrito para capitalistas. Temque desde já começar a pagar a factura (leia-sedespesas do próximo congresso). Combina atimidez com pedantismo. Também, coitado, nãolhe gabo a sorte.

A geriátrica Manuela Leite não o suporta(escorraçou-o das listas para as eleições legislati-vas, o Bokassa da Ma-deira acha-o intolerá-vel, o cara-de-pau deBelém detesta-o, o re-negado Pacheco Pe-reira tem-lhe azar, ocriptofascistóide RuiRio odeia-o, o sabe--tudo Marcelo [delfimde Caetano] gaguejaquando fala nele... Aeleição deste figurãoameaça para pior acontinuidade destapolítica miserável emque estamos atolados.Que nomes irão subs-tituir os nomes? Queaparelho irá substituiro aparelho?

MAIS DO MESMO –Amado ou odiado, onome líder do P“SD”começou a ser umhomem sob vigilân-cia. Apertada. PassosCoelho é pouca coisae coisa nenhuma. Be-suntem-se com ele!

LEI DA ROLHA – No penúltimo congressodo P”SD” foi aprovada a lei da rolha propostapor, claro!, Santana Lopes, democrata, vira-lata,

coisa-chata... dizem-nos: “In-feliz momento colectivo dedistracção”. Santana foi capazde electrizar melhor que Hitler352 pessoas, que ficaram sus-pensas da sensibilidade exte-rior e dos movimentos volun-tários... dando um sim à expul-são de militantes que criticas-sem a direcção do partido. Paraquem berrou durante mesescontra a “asfixia democrática”e a “tentativa de controle dacomunicação social” por partede Sócrates, é uma contradi-ção(zita). Esta gente, casotivesse o poder, não usava arolha, usava o bastão eléctrico!

PRETO – O deputado doP“SD”, escolhido pela drª Ma-nuela, António Preto, quer “ummecanismo de sorteio que se-leccionará anualmente, com opropósito de fiscalizar, 5% dasdeclarações de interesses e depatrimónio dos titulares de car-gos políticos”. Pasme-se! Como

é possível alguém que recebeu uma mala cheia de dinheiroa propósito de pagamento de luvas, arguido por via disso acontas com a justiça, transvestir-se em arauto da transpa-rência? A Assembleia da República é um sítio mal frequentado.

VÍTOR COLAÇO SANTOS

4 | MARÇO / ABRIL 2010

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Dá que pensar a prisão de doiscombatentes da ETA que, perseguidospela Guardia Civil, entraram em Por-tugal, e depois a descoberta de uma ca-sa onde se abrigavam outros dessa or-ganização independentista basca, comexplosivos. Primeiro, sobre o grau deempenhamento do Estado portuguêsna “luta antiterrorista”, na qual se re-vêem os partidos da alternância – PS,PSD e o parceiro menor CDS – mastambém a chamada “esquerda”, a par-lamentar e a outra, que sobre estesacontecimentos guardam um cautelosoe comprometido silêncio, coisa que sósurpreende os mais distraídos e os eter-nos ingénuos.

Verdadeiro tabu, a prisão dos inde-pendentistas não mereceu da esquerdaqualquer gesto de solidariedade, umapalavra a favor do direito à autodeter-minação do povo basco, um estremeci-mento de alma face à tortura que esperaesses militantes quando forem entre-gues aos torcionários espanhóis. É co-mo se nada tivesse acontecido.

Longe vai o tempo em que intelec-tuais, jornalistas, partidos e organiza-ções de esquerda se mobilizavam con-tra o julgamento, condenação e extradi-ção de militantes bascos no nosso país.E no entanto, a direita (a socialista e asoutras) e a comunicação social, numcoro previsivelmente afinado, não secansaram de diabolizar a ETA e a guer-rilha basca, de fazer tábua rasa do direi-to do povo basco a autogovernar-se ede amedrontar o “tranquilo povo por-tuguês” com a ameaça terrorista que,mais dia, menos dia, poderá fazer irpelos ares o mais incauto cidadão.

É também de salientar a subser-viência do Estado português ao espa-nhol. Começou por não ver nada demais no facto de ser desmentido sobrea quantidade de explosivos, aceitandocomo boa a explicação do país vizinho,que conseguiu multiplicar por dois a

quantidade encontrada (se um quilo-grama em Portugal são mil gramas eem Espanha dois mil, isso nada tem deestranho. É mera “questão técnica”).Depois, as pressões para que os“terroristas” sejam extraditados rapi-damente, e para o estabelecimento deacordos de colaboração entre as polí-cias dos dois países (anunciados compompa e destaque na imprensa), numademonstração clara de que a separaçãode poderes não é mais que mera forma-lidade para enganar papalvos. Assim, àpala da luta contra o terrorismo, nãosó os nacionalistas bascos ficam sobvigilância, como se incrementa a vigi-lância e criminalização de toda a activi-dade revolucionária na península Ibé-rica.

Por último, a burguesia, os seuspartidos, a esquerda parlamentar (PCPe BE) e extraparlamentar, a imprensa,a secção portuguesa da AmnistiaInternacional e outros organismos quetanto se preocupam com os direitoshumanos remeteram-se ao mais abso-luto silêncio. Como não se trata daChina nem do Tibete, da Colômbia edas FARC, de Cuba, da Coreia, nemdo Hamas, não é de bom-tom falardessas coisas, apesar de se saber e ha-ver documentação em quantidade aprovar que o Estado espanhol praticaa tortura de forma sistemática (não setrata de excessos de um ou outro tor-cionário mais desempoeirado) – espan-camentos, tortura do sono, simulaçãode fuzilamento e afogamento, choqueseléctricos, violações – e o assassinatopolítico. Estas são denúncias que, ape-sar de partirem de insuspeitos organis-mos internacionais como a AmnistiaInternacional e a Comissão da ONUpara os Direitos Humanos, são sistema-ticamente silenciadas pelos poderesinstitucionais e pela comunicação so-cial. 

ANTÓNIO BARATA

Solidariedade com osguerrilheiros bascos 

Tão radical como os temposque correm

O caminho é sempre igual, entre a casa e o trabalho. Entro no metro,saio do metro. Publicidade, notícias, publicidade. Coloco o passe quepermite a leitura magnética que abre a porta de vidro que me permitepassar. A porta abre e fecha, como se nos mastigasse um a um. É hora deponta e a carruagem está cheia de gente séria e silenciosa que olha parao vazio. Somos todos filmados para nossa própria segurança. Publicidade,notícias, publicidade. Entro no metro, saio do metro.

O movimento operário do século XIX organizava-se em torno da

fábrica através do sindicato mas, paralelamente, construía “sociedadesde resistência”, espaços de agregação social e apoio mútuo. A produção

capitalista era entendida não só como um problema económico, mas

também social. A luta contra o capitalismo representava uma luta

contra as formas de vida mercantis, indo para além da reivindicação

sindical e dos direitos laborais.

Quando chego ao trabalho faço log in e os minutos começam a contar.O sistema informático já foi informado da minha chegada quando useioutro cartão para abrir a porta que dá acesso à sala do atendimento.Coloco o head-set e preparo-me para ler o script. Abro a aplicação, fechoa aplicação. Cumpro rigorosamente o tempo de handling enquanto esperopelo break, entretendo os clientes com a música da publicidade quandoos coloco em hold. Aqui no call center comunicamos desta maneiraextremamente moderna e sofisticada.

Actualmente, o processo de valorização capitalista incorporou como

força de trabalho as capacidades cognitivas, comunicativas e afectivas do

humano. Uma das dimensões mais dinâmicas da produção social é um tipo

de força de trabalho imaterial. Operadores de informática, desenhadores

de páginas web, publicitários, artistas, jornalistas, são parte da actualcomposição social do trabalho. As novas formas de trabalho, no marco da

produção pós-fordista, introduziram a discussão relativa às formas de

organização social que podem fazer frente à situação de flexibilidade,

mobilidade e precariedade laboral, mas também às formas de vida que

produzem as relações sociais capitalistas. 

Flexível, disponível, atencioso, polido e com um sorriso na voz, oassistente de apoio ao cliente está lá para o que der e vier. Ele é a carada empresa, a voz da empresa, a ferramenta humana da empresa, o capitalhumano da empresa. Ele é da empresa. Tempos de trabalho e desempenhoconstantemente vigiados e controlados, chamadas gravadas para avaliação,nome disponível para reclamações. Férias quando for possível, intervaloquando for possível, prémios quando for possível, alteração de folgasquando for possível, novo horário quando for possível, ajuda do supervi-sor quando for possível, a vida quando for possível. Chamam-lhe umcolaborador.

Só a luta contra a exploração pode conferir aos trabalhadores uma

identidade sociológica de classe, porque só a esse nível eles encontram

uma comunidade fundamental e estabelecem elos de solidariedade. Ogrande problema hoje é o de partir das lutas fragmentadas com o

objectivo de contribuir para que elas ultrapassem a fragmentação.

Pode ser um grupo de intermitentes que ocupa o espaço audiovisualpara dar a conhecer as suas condições de trabalho. Uma orquestra desamba que irrompe num centro comercial numa manhã cinzenta de sábado.Imigrantes que se concentram para exigir documentos. Operadores de callcenter que partilham entre si os segredos da profissão para se furtaremao controlo informático patronal. Caixas de supermercado que se“enganam” a favor dos clientes. Empregados de lojas de roupa que saemdo trabalho estranhamente bem vestidos. Podem ser greves, manifestações,sabotagens, afixação de cartazes, distribuição de panfletos, negociaçõessalariais ou um contrato colectivo de trabalho. Tudo o que inspire conflito,tudo o que produza comunicação, tudo o que ultrapasse a fragmentação,tudo o que coloque as nossas vidas nas nossas mãos. A precariedade é umataque que precisa de um contra-ataque. Nem mais nem menos radical doque os tempos que correm.

Nota - Os parágrafos a itálico foram retirados do blog do MaydayLisboa 2007 (http://www.maydaylisboa.net/)

RICARDO NORONHA

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Regressado em 2010 a Angola, ao trágico teatrode guerra que foi Nambuangongo, o futuro candi-dato presidencial Manuel Alegre evocou os seuscompatriotas combatentes que “estavam aqui, de-fendiam a bandeira e cumpriam o seu papel”, ape-sar de se tratar de “uma guerra sem sentido, forado tempo”. Não lhe deu o nome próprio, masfalava da guerra colonial-fascista. Passados dias,logo um representante desses combatentes veioreclamar que, tal como se fez já nas outras ex--colónias, se procure e recolha em Angola os restosdos soldados mortos em combate.

Este episódio faz lembrar irresistivelmente ahistória do livro O general do exército morto de IsmailKadaré, de um general italiano que vai recolher osrestos mortais de compatriotas abatidos na Albânia.À medida que se apercebe da imprevista dificuldadeda missão e depois de se encontrar com outrogeneral, alemão, também este procurando as ossa-das dos seus soldados, vai perdendo o ânimo altivoe começa a conhecer melhor o ressentimento dosalbaneses vítimas da agressão.

A analogia é tanto mais pertinente quanto emtempos Manuel Alegre  foi sensível ao significadoprofundo da guerra e distanciou-se dela, pagandoo preço obrigatório da perseguição e da vigilânciapolicial. A sua poesia fez passar a mensagem dolo-rosa dos traumas da guerra e serviu de referência amuitos dos que se recusaram a participar no mas-sacre dos povos das colónias: “Não sei se algumavez nós voltaremos/ Da guerra onde deixámospartes d’alma./ As minas ainda estão a rebentar/Trazemo-las por dentro e ninguém pode/ Desarmá-las./” (Nambuangongo, meu amor ­ os poemas da guerra).O seu livro Jornada de África registou também o

terror desencadea-do pela tropa por-tuguesa: “Vi gentea arder regada pelonapalm, e tochashumanas ateadaspor estas mãos. Épor isso que é pre-ciso dar outro sen-tido a esta coisa”(...). “Coxos, ma-netas, paraplégi-cos. O resto ficounas picadas, Ango-la é nossa, venhamver, há bocados decarne por aí, sãopedaços de Portu-gal florindo, algures no mato, sangue e merda,duarte de almeida é o nosso nome, Para Angola eem força, braços, pernas, mãos...”.

Nessa altura Alegre não queria saber do cum-primento do “dever” de “defender a bandeira”criminosa em nome da qual massacres horrendosforam cometidos pela “soldadesca tuga” – comolhe chamavam os movimentos de libertação.

Mas isso foi há muito tempo. Agora a conversaé outra. Nem sequer lhe ocorreu homenagear oscombatentes anticoloniais e as populações que,

na sua própria terra que agora o recebeu sem ran-cor, arrostaram o horror destrutivo de uma guerrade agressão.

Foi assim que, para reunir nas próximas elei-ções mais votos à direita, o ex-resistente e poetade intervenção renegou em duas ou três frases oseu passado anticolonialista. É caso para o para-frasear, em jeito de epitáfio: “Em Nambuangongotu não viste nada”.

ANA BARRADAS

O prestígio a que temos direito

Temos que sair um bocado desta mesquinhez e inve-ja em que se vive e começar a avaliar as pessoas quetêm mérito e contribuem para o desenvolvimento dopaís. Mas este é um debate que tem que ser feito daquia umas semanas e com serenidade… não só orgulhamquem os recebe como prestigiam o país.” (António de

Almeida, presidente do Conselho de Administração da EDP,

sobre as remunerações milionárias pagas a António

Mexia, Jornal de Negócios, 15/4).

 No alvo

Mira Amaral considera “obscenos” os 3,1 milhões deeuros que António Mexia ganhou no ano passado à frenteda EDP... Eu também considero. Mas tenho uma dúvida:este é o mesmo Mira Amaral que em 2002 foi nomeadoadministrador do banco público Caixa Geral de Depósi-tos, preenchendo a quota política do PSD, e saiu um anoe meio depois, com uma pensão de reforma vitalícia de18.000 euros por mês? Se é o mesmo, como suponho,não percebo a sua noção de obscenidade: Mexia, comotoda a gente sabe de há muito, é um homem que temservido todos — Cavaco, Durão, Santana, Sócrates. Comoele há outros mais, que fazem parte desse selecto clubede crânios que vivem luxuosamente à conta das quotaspolítico-partidárias nas empresas públicas ou empresasprivadas com ligações privilegiadas ao poder político.Se há coisa que Mira Amaral não ignora é como funcionao sistema. (Miguel Sousa Tavares, Expresso, 10/4).

A crise capitalista mundial tem sidoacompanhada por uma onda cada vezmaior de um aparente e indignado anti-corrupcionismo.

Esta onda, impulsionada e aprovei-tada pelos média, serve às mil maravilhaso revisionismo capitalista.

De facto, os paladinos deste sistemaproclamam que a sua excelência não estáposta em causa, pois se trata simples-mente, não de uma doença congénita,mas somente de uma espécie de gripe,causada por agentes indesejáveis estra-nhos ao próprio sistema, que é possívele necessário combater. Na sua originalpureza, o capitalismo nada teria que vercom esta horrorosa infecção daquiloque se considera agora como sendo asua corrupção.

No entanto, o fenómeno não é evi-dentemente de natureza apenasnacional,nem tão-pouco surgiu de imprevisto,com carácter epidémico – os casos decorrupção que quase todos os dias sãodenunciados pelos média em Portugalnão passam, em geral, de casos de fun-cionamento completamente “normal”,à luz do sistema capitalista mundial.Com efeito, não passam, na verdade, decasos todos os dias relatados a nível in-ternacional de influência dos agenteseconómicos privados na política.

O que é  agora relatado sensacional-mente pelos média nacionais não é  mais,muitas vezes, do que a prática correnteassumida internacionalmente, em par-ticular sob a forma de lobbying.

Com a intensificação da luta par-tidária pelo poder político, as denún-cias de corrupção – zangam-se as coma-dres, descobrem-se as verdades – tomama forma de armas de arremesso.

Novos casos de corrupção surgemtodos os dias: Freeport, submarinos,banqueiros, sucateiros etc., etc. Estescasos vão-se acumulando, mas nada nosgarante, evidentemente, que alguma vezse descubra a verdade e que as responsa-bilidades sejam apuradas. Nenhuma daspartes envolvidas está interessada, ape-sar das proclamações em contrário, emque tal aconteça. Passada esta erupçãoanticorrupcionista, certamente voltarátudo à desejada “normalidade”, e o sis-tema continuará a funcionar com atéagora, mantendo-se a promiscuidadeentre a política e a finança, fundamen-tal à economia capitalista. Nem poderiadeixar de ser assim, pois não se vê, porenquanto, qualquer alternativa. Desgra-çadamente, a análise histórica dos resul-tados das tentativas de mudar o sistemacapitalista, instaurando um sistema ditocomunista, mostra que também nestescasos a corrupção acabou por se instalarno sistema, contrariando os seus objecti-vos idealistas teóricos.

Infelizmente a resposta à perguntaque figura no título deste texto só podeser uma: A corrupção não é excepção; acorrupção faz parte de todos os sistemasaté agora conhecidos: é a regra.

FERNANDO PULIDO VALENTE

Corrupção: regra ou excepção?

O poeta do exército morto

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Mais de 700 mil desempregados, meio milhão de trabalhado-res precários e a recibo verde, mais de 2 milhões de pobres,salários em queda contínua, reformas de miséria e cada vezmenores, mais de 350 mil desempregados sem subsídio de de-semprego, cortes crescentes na saúde e noutros benefícios eregalias sociais, liberdade sindical mal tolerada pelas empresasou proibida, os trabalhadores sujeitos a maior arbitrariedade echantagem patronal…

É caso para perguntar, agora que passam 36 anos sobre o 25de Abril, o que resta dele? Que é feito daquela dignidade erebeldia dos trabalhadores, da gente do povo, que descobrianão haver motivos para temer patrões e governos, se reunia paradiscutir e resolver os seus problemas colectivos e se manifestavaespontaneamente nas ruas?

Já muito pouco resta de Abril. A liberdade transformou-seno direito de os ricos se tornarem ainda mais ricos e os trabalha-dores cada vez mais pobres e descartáveis; o pluralismo partidá-rio e a governação são meros exercícios de tráfico de influênciase troca de favores, um trampolim para aceder aos dinheiros ealtos cargos públicos, para enriquecer rapidamente e de formaobscena – a economia já pouco mais é que um negócio de “pa-drinhos” e “famílias” político-partidárias.

Se aquilo que nos oferecem os partidos que nos têm governadonos últimos 30 anos é o agravamento deste quadro negro, do queestá à espera a esquerda parlamentar e não parlamentar para exigire trabalhar para o derrube do governo e fazer os ricos pagarem acrise que provocaram?

 Hoje, 36 anos depois do fim da guerra colonial, o país encon-

tra-se de novo em guerra, envolvido em conflitos alheios inicia-dos pelo imperialismo americano com a conivência da UniãoEuropeia, no Afeganistão, na Somália e na ex-Jugoslávia. Sãoguerras justificadas com mentiras e realizadas pela NATO, quesó têm levado a morte, a fome e a destruição a milhões de pessoas,acirrado ódios e feito do mundo um lugar cada vez menos seguro.

Todos os governos justificam o envolvimento de Portugalnas aventuras imperialistas com os compromissos assumidos noquadro da NATO. Na realidade, trata-se de uma total dependên-cia e identificação com os interesses dos EUA e as potênciaseuropeias.

Se os compromissos com a NATO nos arrastam para guerras deagressão a povos com quem não temos qualquer conflito; se não étido em conta o repúdio popular pela guerra, então devemos sairda NATO, exigir a sua dissolução e manifestar o nosso repúdiopela realização da cimeira da NATO em Novembro, no nossopaís.

Abaixo o governo PS!Os ricos que paguem a crise!Não ao congelamento dos salários!Subsídio de desemprego para todos!Não aos cortes nos subsídios e regalias sociais!Retirada dos contingentes portugueses ao serviço da NATO!Portugal fora da NATO! Não à cimeira da NATO!

Política Operária25 Abril/1.º Maio de 2010

Não à guerra contraos trabalhadores,não à NATO Esta é mais uma luta que in-

dicia que começam a surgir con-dições para os trabalhadoresexperimentarem formas de lutamais audazes e eficazes que aque-las a que estamos habituados.

No dia 3 de Abril os traba-lhadores da cadeia de hotéis Ti-voli (centro de Lisboa, Seteais eSintra) realizaram uma greve exi-gindo aumentos salariais. Apro-veitaram a Páscoa, a altura quelhes é mais favorável devido àgrande procura que as unidadeshoteleiras têm nestes dias. Nadamelhor que os hotéis cheios para dareficácia e contundência a uma greve,fazendo os patrões senti-la onde maislhes dói – o bolso. Por volta das qua-tro da manhã os trabalhadores queintegravam o piquete de greve do Ho-tel Tivoli (Lisboa), quando exigiramverificar se a empresa estava a violara lei da greve contratando “fura--greves” foram agredidos pelos segu-ranças a mando da administração,perante a passividade da polícia. Talnão os impediu de verificar que assuas suspeitas eram fundadas. De fac-to, a administração, perante a recusados trabalhadores sazonais (contrata-dos a prazo para atender ao pico deocupação da Páscoa), que, em solida-riedade com os seus colegas grevistasse recusaram a furar a greve, tinharesolvido contratar à pressa outros,violando a lei da greve.

A Inspecção do Trabalho, que três

Trabalhadores não se intimidamHOTEL TIVOLI

dias antes já tinha sido alertada pelostrabalhadores para esta eventualidadee para as pressões, ameaças e chanta-gens a que estavam a ser sujeitos pelaadministração para os forçar a traba-lhar, não apareceu.

Demonstrando uma combativi-dade exemplar, os trabalhadores nãose deixaram intimidar. No plenáriorealizado no sábado à tarde resolve-ram responder à altura prolongandoa greve por mais um dia e accionar ajustiça. Veio a Inspecção do Trabalhoe, como a administração continuavaa manter-se intransigente, os traba-lhadores avançaram para a greve portempo indeterminado. Então a admi-nistração cedeu, aceitando negociaras actualizações salariais. Os trabalha-dores suspenderam a greve, com apromessa de que retomarão a luta sea administração não apresentar umaproposta aceitável.

MDF E METANOVA

25 anos à esperaque lhes paguem

Pouco mais de vinte trabalhado-res da antiga MDF - MetalúrgicaDuarte Ferreira, do Tramagal, e daMetanova, concentraram-se à entra-da do Tribunal de Abrantes, a 15 deMarço, para entregar um requerimen-to exigindo saber quando lhes pagamos salários e as indemnizações quelhes devem desde 1985, devido à fa-lência daquelas metalúrgicas. A últi-ma ordem de pagamento foi dada emSetembro do ano passado, através deum despacho do Conselho Superiorde Magistratura.

À porta do tribunal, Álvaro Bran-co, ex-dirigente sindical e trabalhadorda MDF, hoje com 71 anos, afirmouque os mais de 200 trabalhadores da-quelas duas empresas esperam há 25anos pelo pagamento de um milhãode euros de salários e pelas indemni-

zações por “despedimento colectivoilícito”. O pagamento da dívida temsido bloqueado pelo Estado que, atra-vés da Segurança Social, tem inter-posto sucessivos recursos. ÁlvaroBranco revelou que os trabalhadores– alguns já falecidos – e as suas famí-lias tem sido “vítimas de um bloqueiojudicial sistemático. De recurso emrecurso, do Tribunal de Abrantes atéàs mais variadas instâncias, passandopelo Supremo Tribunal de Justiça,todos nos deram razão e reconhece-ram os nossos direitos. Passadas maisde duas décadas, os trabalhadores--credores não receberam um cêntimodo activo financeiro de que são co-proprietários.”

A maioria dos trabalhadores daMDF e da Metanova são hoje idosose sobrevivem com fracas reformas.

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As políticas do governo PS são claramente aspolíticas definidas pela União Europeia, ditadas soba liderança do grande capital, e apresentam duasgrandes linhas orientadoras: a primeira diz respeitoao reaccionarismo das medidas profundamente anti-sociais contidas no Orçamento de Estado para 2010,e no Programa de Estabilidade e Crescimento até2013, com a evidência de que as medidas económi-cas representam o aprofundar da dependência e dacrise, e em que os programas sociais se transforma-ram em medidas mínimas para conter a miséria noslimites do suportável; a segunda torna evidente queo chamado Estado-nação foi mandado definiti-vamente às malvas, restando o hino, a bandeira, euns quantos figurões que fazem o papel de corta-fitaspara cumprimento do protocolo europeu. O quetemos de diferente da Grécia é que ainda não apare-ceram propostas para comprar as ilhas Atlânticas.

Ou reduzem o défice até aos 3% e baixam adívida pública, ou acabam-se as remessas da UniãoEuropeia que fazem engordar os burgueses e criamno povo a ilusão de progresso. Por isso a escrava-tura do défice vai continuar, mesmo sabendo que ocrescimento económico é uma miragem.

Foi a União Europeia que impôs cotas de mer-cado para as pescas e a agricultura, e tornou estessectores meros apêndices dos países grandes produ-tores. E a mesma política utilizaram para as indús-trias; naval, siderúrgica, química, têxtil e vidreira. Osdocumentos citados dão continuidade às políticaseconómicas que conduziram à crise.

 Surgem assim três perspectivas (e três tácticas)para a resolução da crise em que o capital está mer-gulhado.

A táctica utilizada pelo governo (com mais oumenos apoio dos partidos da direita PSD e CDS),que se compromete perante Bruxelas a levar a cabomedidas de ataque aos trabalhadores através da con-tenção salarial, do desemprego e precariedade labo-ral, de aumento de impostos por via da diminuiçãodas deduções no IRS, do congelamento das refor-mas de três milhões de pessoas de baixíssimos rendi-mentos, da diminuição de subsídios aos 700.000desempregados actuais e aos que inevitavelmentevão surgir, a começar pelos funcionários públicos:saem três, entra um.

Diminuir tudo o que são direitos sociais e priva-tizar empresas públicas para ir buscar milhões.

Unir tudo o que pode ser unido no campo bur-guês para afrontar o povo e fazê-lo pagar a crisecapitalista; este é o plano e a táctica dos bandoscapitaneados por Sócrates, Vara & Cª, Manuela,Loureiro & Cª, Portas, Guedes & Cª. Tudo o que háde reaccionário e mafioso se junta para se salvar e àsua sacrossanta propriedade privada.

 Uma segunda perspectiva com uma tácticaacoplada surge de um dos partidos que se reivindi-cam do comunismo, concretamente o PCP. O maiore mais combativo partido à esquerda do regime,com uma influência sindical e nos sectores maisexplorados das massas, e uma inegável tradição deluta, este partido debate-se com contradições insaná-veis dada a mudança da sua natureza de classe, bemvisível nas suas propostas políticas. O abandono da

Tácticas, para que servem?É cedo ainda para saber por que vias chegará o

proletariado a recuperar a independência política eideológica e a apropriar-se de novo do marxismo. Vaiser preciso encontrar respostas novas para tudo,

como única forma de reatar o caminho abertopelo leninismo e pela revolução russa.”

Francisco Martins Rodrigues, Anti-Dimitrov                                       

perspectiva revolucionária, combina-da com uma descarada e insípida fra-seologia marxista, fazem dele o típicopartido pequeno-burguês para operá-rios.

Da sua estratégia interclassis-ta, (defende a existência de várias for-mas de propriedade dos meios de pro-dução e a convivência pacíficas dasvárias classes) decorrem as suas pro-postas tácticas actuais.

A sua táctica assenta no pressu-posto segundo o qual a mobilização dos trabalhado-res, em conjunto com os pequenos e médios empresá-rios, acabará por impor uma “ruptura democrática”que abrirá caminho a uma alternativa desenvolvi-mentista e de progresso económico e social. As suasreivindicações imediatas – com algumas das quaisconcordamos – estão assim ao serviço de uma polí-tica reformista e gradual que vai ao encontro dasclasses das quais quer ser o representante.

As mudanças substanciais, quer no retrocessodo regime democrático burguês em Portugal, querna queda do modelo de capitalismo de Estado dosregimes de Leste tão do agrado do PCP, em ligaçãocom o abandono da perspectiva revolucionáriamarxista, conduziram este partido ao papel do mo-ralista que não vê meio de o mundo entrar no seuesquema. 

É possível e acertado que os revolucionários tra-balhem nas organizações de massas sob influência doPCP, mas sempre na condição de não calarem a críticaao seu reformismo na acção e ao seu revisionismo naideologia.

À direita do PCP, mas à esquerda do espectro doregime, apresenta-se o Bloco de Esquerda. A suatáctica consiste na permanente apresentação de alter-nativas políticas, económicas e reivindicativas, e osseus interlocutores privilegiados são a base de apoiodo PS. Querem constituir-se como a grande esquerdaalternativa ao liberalismo do PS, representando umacorrente de pensamento que poderíamos classificarcomo correctora dos pecados de direita da social--democracia, derivando daqui toda a sua política.

Partindo da ideia (correcta) de que é preciso estarsempre com as reivindicações dos trabalhadores, fa-zem-no extrapolando a sua política para a lógicaimplacável da apresentação de programas de governo,inserindo-se cada dia mais na dinâmica parlamentar,como se um íman atraísse irresistivelmente o Blocopara uma completa e total inserção no sistema gira-tório da democracia burguesa parlamentar. Diríamosque os dirigentes do BE já foram absorvidos peloparlamento e pelo chamado jogo democrático, restan-do de positivo as suas denúncias dos aspectos maismalévolos da política do grande capital.

A sua táctica serve que estratégia? A sua tácticaé a sua estratégia. Como vão longe os ideais de umasociedade sem exploradores! Diga-se, em abono daverdade histórica, que um punhado de revolucio-nários encabeçados por Francisco Martins Rodriguesrejeitaram esta via denunciando-a como uma derivapequeno-burguesa: a vida deu-lhes razão.

EXISTE AFINAL UMA ALTERNATIVAREVOLUCIONÁRIA AO CAPITALISMO?

A luta de classes não ensina a todos o mesmo, eisso acontece porque quem se coloca desde o pontode vista de classe do proletariado retirará para a sualuta ensinamentos que a esta e só a esta classe interes-sam. Marx e Lenine uniram tudo o que era possível

unir contra a sociedade burguesa e o seu sistemade exploração capitalista, nunca pugnaram por polí-ticas unitárias sem princípios. Estamos com eles.

Há que contribuir para fortalecer uma correntede pensamento e de acção anticapitalista e anti--imperialista que não se recuse a ir à luta nos domí-nios político, ideológico e prático, sem receio dearrasar o que é revisionismo e reformismo, semcomplexos de atacar em conjunto com outras cor-rentes as diversas lutas operárias e populares, desdeque sirvam para acrescentar combatividade à lutaanticapitalista.

A situação actual de aprofundamento da crisedo sistema, em que o proletariado está debaixo dofogo do capital nacional e internacional, é alturaideal para levantar políticas unitárias e de classenum programa mínimo que nos ajude a golpear oinimigo.

Partindo do princípio de que o sistema é inca-paz de resolver os problemas das grandes massas,ergamos então as reivindicações que nos aproxi-mem do nosso alvo.

Todos estaremos de acordo em que a reivindi-cação principal para uma corrente de pensamentoque se quer revolucionária é a luta contra o desem-prego, embora tenhamos a certeza de que o capitalvai aumentar os despedimentos. A luta contra odesemprego, mais que uma reivindicação de carác-ter económico, transformou-se numa reivindica-ção política que revela a impotência do sistemapara evitar este flagelo. Só um movimento políticoe sindical combativo apoiado pelos trabalhado-res se poderá opor com êxito aos despedimentos,sabendo utilizar de forma hábil a negociação coma luta. Não bastará a exigência de subsídios, é preci-so ir mais longe, desde a expropriação dos capitaispessoais dos patrões até à ocupação da empresapelos trabalhadores. Naturamente que estas formasde luta vão requerer uma muito maior radicaliza-ção do movimento operário e dos activistas políti-cos e sindicais, mas pensamos que é por aqui ocaminho.

Serve de exemplo a ideia exposta, não preten-demos apresentar aqui o conjunto das reivindica-ções operárias e populares que deveriam ser elabo-radas pelos revolucionários e pelos activistas anti-capitalistas do movimento sindical e social. Quantoa nós, o cerne de uma alternativa na luta imediatapassa por pôr em evidência as fortunas dos burgue-ses em contraste com a miséria para a qual sãolançados os produtores de riqueza.

É nesta lógica política de confrontar o capitalcom os seus crimes que poderá reforçar-se umacorrente anticapitalista que conduza as massas arejeitar o podre sistema que já só reproduz a misé-ria para os de sempre, e o capital senil que a todoo custo quer sobreviver. A táctica serve apenaspara nos aproximar do nosso alvo: a revoluçãoproletária e o socialismo.

JOSÉ BORRALHO

8 | MARÇO / ABRIL 2010

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Cerca de 150 trabalhadores das oficinas daEMEF (Empresa de Manutenção e EquipamentoFerroviário) do Entroncamento realizaram umplenário no fim de Fevereiro em que, como játinha acontecido nas oficinas da Figueira da Foz edo Barreiro, discutiram e contestaram a diminuiçãodo trabalho nas oficinas da empresa, responsabili-zando a CP por retardar os trabalhos de manuten-ção do material circulante, que agora faz mais qui-lómetros que os recomendados sem ir à manuten-ção. E porque desconfiam que a redução dotrabalho está relacionada com o contrato assinadocom a Siemens, querem saber quais os termos des-se acordo, para saberem se os seus portos de traba-lho estão ou não em causa. Outra preocupação é asituação de precariedade dos jovens contratados aprazo, que no Entroncamento são cerca de 70 dos460 operários que aí trabalham e vivem na perma-nente incerteza do despedimento, sem serem inte-grados.

Os trabalhadores elaboraram uma moção queentregaram na Câmara Municipal onde, além destasquestões, manifestam a sua preocupação com aausência de uma proposta da administração deacordo de empresa para o sector, o impasse nanegociação do regulamento de categorias profis-sionais, que está a impedir as promoções, e o nãocumprimento dos compromissos assumidos em2008 sobre o pagamento de subsídio de turno.

Com uma adesão próxima do80%, os ferroviários estiveram emgreve a 24 de Março contra a in-tenção do governo de congelaros salários no sector, este ano eaté 2013.

Segundo o Sindicato Nacio-nal dos Ferroviários, tanto aREFER (Rede Ferroviária Na-cional) como a EMEF ( Empresade Manutenção deEquipamento Ferroviá-rio) seguiram as instru-ções da administraçãoda CP (Comboios dePortugal) e apresenta-ram-se na reunião denegociação salarial “afi-rmando que, para sa-

Ferroviários recusamcongelamento de salários

EMEF

Operários queixam-seda falta de trabalho

lários e remunerações, este ano éde zero por cento” e, relativa-mente ao “regulamento de car-reiras, não haverá evolução nasmatérias que impliquem aumen-tos de custos”.

A greve afectou o transportede mercadorias e causou o caosnos transportes de passageiros,sendo particularmente sentidaem Lisboa e Porto. Sobre estas

empresas pende ainda aameaça de privatizaçãodos seus sectores ren-táveis, prevista no PECrecentemente aprova-do, o que, a acontecer,ir á lançar no desempre-go mais trabalhadores.

MARÇO / ABRIL 2010 | 9

No anterior número da PO escrevemos que a“aparente acalmia nas escolas” – resultante da assi-natura do acordo de 7 de Janeiro entre as maioresdirecções sindicais e o Ministério da Educação(ME) – seria “sol de pouca dura”.

De facto, os primeiros sectores a quebrar a pazpodre do acordo e a sair para a rua foram, signifi-cativamente, os mais explorados e inconformados:os professores contratados e os professores dasAECs que, mobilizados pelos órgãos de precáriosdo SPGL, protestaram simbolicamente frente aoME a 18 de Fevereiro e a 11 de Março. O motepara a retoma da luta estava dado.

Quatro dias depois, a 15 de Março, o ministériolançou mais achas para a fogueira, avançando comuma proposta de revisão de carreira que previa aliquidação dos quadros de escola e do concurso na-cional. A pronta reacção dos professores e movi-mentos, secundada pelos sindicatos, goraria contudoessa intenção do governo, que optou por adiá-la.

Mas no primeiro dia do concurso nacional, 12de Abril, os professores contratados (e não só)foram confrontados com problemas na aplicaçãoinformática e com o facto de a nota da avaliação

de desempenho continuar a ser factor de gradua-ção para a classificação profissional. O ministériomanteve assim o prémio aos oportunistas que noano passado entregaram os objectivos individuaise requereram avaliação pedagógica completa.Abriu-se deste modo nova frente de luta. A revoltaaumentou quando se percebeu que o secretariadonacional da FENPROF tratou de forma displicen-te este assunto, chegando ao ponto de afirmar quese estava na presença de uma “anomalia” que oacordo de 7 de Janeiro com o ministério já teriasanado, e que a prova de que esse problema játeria sido resolvido era que no próprio aviso deabertura dos concursos não constava “qualquerreferência à consideração da avaliação para efeitosde graduação profissional”.

A ameaça de uma concentração externa aossindicatos levou as suas cúpulas a jogar na anteci-pação, convocando protestos de rua para 19 deAbril.

Agravando o descontentamento dos precários,a 15 de Abril, PS, PSD e CDS, em escandalosasvotações cruzadas, chumbaram na AR dois diplo-mas do PC e do BE (este extremamente recuado)

Professores: romper a paz podreque contemplavam a efectivação dos professorescontratados.

A paz podre com o socratismo será quebradano X Congresso da FENPROF, a 23 e 24 de Abril,com propostas de ruptura com o ramerrame doreformismo sindical.

PAULO JORGE AMBRÓSIO

O número de desempregados ins-critos nos centros de emprego emPortugal subiu 19,6 por cento emFevereiro face ao mesmo mês do anopassado e aumentou 0,2 por centoface a Janeiro. “Este valor significauma estagnação do desemprego, si-tuação sazonal e positivamente anó-mala, já que em Fevereiro do ano pas-sado, face ao mês anterior, por exem-plo, houve um acréscimo de 21.333pessoas (4,8 por cento)”, refere umanota do Instituto de Emprego e For-mação Profissional (IEFP).

A dívida externa, que em 2008 sesituava nos 100%, em 2009 vale111% do PIB, e continua a aumentar,segundo um estado do Diário Econó-mico publicado em Março.

“Nós somos o país da Europa que

tem a maior dívida externa líquidaem percentagem do PIB; neste mo-mento, no final de 2009 era cerca de110% do produto. Esta é líquida, abruta é de cerca de 250%”. (VítorBento, presidente do SIBS/rede Multi-banco, Global, Março).

Em Janeiro registou-se um agrava-mento do crédito de cobrança duvi-dosa no sector da habitação: as famí-lias portuguesas devem 1900 milhõesde euros, tendo esse valor aumentado1,73%, segundo dados do Banco dePortugal.

Os lucros do BPI aumentaram280%; os lucros da Soares da Costasubiram para os 7,4 milhões, mais46,7%; a REN regista ganhos de 116milhões; os bancos pagam menos 50milhões de impostos. (Dos jornais).

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Realiza-se o congresso da FENPROF a 23, 24 e 25 de Abril. O local, nem de propósito,é em Montemor-o-Novo, com câmara PC.

Apresentam-se três tendências — a maioritária, que dirige a Federação, e duasminoritárias: Autonomia Sindical e outra ligada ao POUS de Carmelinda Pereira (apesarde já se encontrar aposentada). Por isso o congresso não vai dar em nada. Grandeparte dos delegados são-no por inerência, são quadros sindicais do “aparelho”.Tudo vai continuar na mesma visão reformista em que, de vez em quando, há uma“lutas” e depois faz-se um acordo, depois novas “lutas” e novo acordo, etc., etc.Portanto o único suspense está na “luta” entre as lideranças das várias sensibilidadespara assegurar a direcção e a hegemonia. Os dois blocos são o Sindicato da GrandeLisboa (aliança PS/BE/Renovadores) e o Sindicato do Centro, 100% PCP.

O actual secretário-geral Mário Nogueira, da lista 100% PCP, na última vez estevecontra os poderosos sindicatos (as direcções) do Norte e Grande Lisboa, com oapoio do do Centro e os pequenos sindicatos da Madeira, Açores e Sul (Algarve eAlentejo). Por vezes, a corrente unida PS/BE/Renovadores tem posições sindicaismais direitistas que as do PCP. A actual ministra foi sindicalista no Sindicato da GrandeLisboa… outros tempos que já lá vão.

ANTÓNIO VINHAS

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O ciclo infernal da guerraParece-me que os políticos escondem o que é óbvio:

os problemas económicos dos Estados Unidos não estãoalterando os problemas no Iraque. De facto, a guerracontra o Iraque e o seu custo em sangue e tesourosestão impulsionando este período de instabilidadeeconómica, recessão e perda de empregos. 

Como? Pois, ainda que as indústrias de defesa, comoas empresas petrolíferas e agenciadoras de mercená-rios, por exemplo a Blackwater, ganhem dinheiro ilimi-tado, esta riqueza distribui-se estreitamente. Duranteas guerras do passado, operárias e operários viam-seobrigados a entrar nas fábricas, onde construíram osarmamentos para a primeira e para a segunda guerramundial. Portanto, o dinheiro circulou amplamente,em particulare entre os negros recém-chegados do Sulsegregado, ou entre as mulheres que entraram nas fá-bricas para manejar as máquinas deixadas por milhõesde homens brancos chamados à frente de batalha(lembram-se de Rosita, a Rebitadora?).

O chamado “exército de voluntários” que temoshoje é, em grande parte, produto do “alistamento” eco-nómico dos jovens pobres da classe operária que espe-ram obter vantagem na carreira militar para teremacesso às universidades, cada vez mais inacessíveis.

Se esta esperança, este sonho não é alcançado, quaissão as perspectivas para dezenas de milhares de ho-mens e mulheres que regressam sem pernas, sem bra-ços e sem capacidade mental depois de suas repetidasvoltas pelo Iraque?

A guerra no Iraque, que provavelmente custará tri-liões de dólares, é desenhada, na verdade, para o benefí-cio de umas poucas empresas petrolíferas e suas filiais.(Claro, os combustíveis fósseis provenientes de depósi-tos de petróleo têm os seus próprios custos ecológicose sociais que ainda não começámos a calcular.)

Bush e os príncipes sauditas bailam a dança dasespadas, enquanto a economia e a ecologia ardem. Osembargos de géneros de sobrevivência disparam; asmanufacturas fogem da China; os preços da gasolinasobem; os bairros decadentes transformam-se em bura-cos infernais onde as pessoas tentam sobreviver; asescolas parecem campos de treino para a prisão. E asprisões? Talvez sejam a única indústria em crescimen-to nos Estados Unidos.

As guerras são pobres substitutos para as economiasenfermas porque apenas causam dor, perdas e, afinal,mais guerra.

Esta guerra, iniciada pelos imbecis neoconservado-res e pela máfia Bush/Texas, produziu dor, perdas emortes em escalas épicas. Nenhum político tem a me-nor ideia de como pôr fim ao ciclo, porque todos elestambém estão amarrados numa rede imperial, tecidapelos grandes negócios. Nem sequer prometem umasolução, apenas mais do mesmo, talvez em outro lugar.

Do corredor da morte, Mumia Abu-Jamal  

Com a assinatura do Tratado de Comér-cio Livre entre os EUA e o Peru, mais de60% da floresta da Amazónia foi aberta àvoracidade das multinacionais. Petróleo, gásnatural, minerais, madeira são alguns dos re-cursos naturais há muito na mira das multi-nacionais, que com este tratado viram abrir--se-lhes as portas da maior reserva naturaldo planeta. De imediato as multinacionaisPerenco (França), Petrobrás (Brasil), BPZEnergy (EUA), Repsol (Espanha), entre ou-tras, começaram a instalar-se, o que levou àexpropriação e expulsão das várias comuni-dades indígenas peruanas que habitam háséculos nesses locais.

Os indígenas peruanos, que desde a assi-natura do tratado tinham vindo a resistir àsexpulsões e à instalação das multinacionais,iniciaram em 9 de Abril de 2009, pelo segun-do ano consecutivo, uma jornada de luta na-cional em defesa dos seus direitos, exigindo

Imperialismo tropeça no PeruO massacre de Bagua, ordenado por Alan Garcia, foi impotente

para travar os indígenas peruanos, que impuseram aos interessesimperialistas e aos EUA uma importante derrota há cerca de um ano.

Por cá, com a imprensa na altura toda virada para o contrato milionáriode Cristiano Ronaldo, as suas férias e aventuras amorosas, a luta exemplar

dos peruanos não foi notícia. Por isso a recordamos.

a revogação das “leis da selva”, como lhechamam. Bloquearam estradas, portos flu-viais, pistas de aterragem, e iniciam umamarcha, encabeçada pela Associação Regio-nal de Povos Indígenas da Selva Central, emdirecção a Lima.

Sob o pretexto de que estavam a ser“instigados pelo comunismo internacional”e pelo governo venezuelano, o presidentesocial-democrata Alan Garcia (o mesmo queem Julho de 1986 ordenou o massacre de259 presos políticos do Sendero Luminosoamotinados) mandou o exército tratar doassunto. Nos dias 5 e 6 de Junho, em Bagua,os manifestantes foram selvaticamenteatacados por terra e ar, morrendo 44. Ou-tros 200 foram feridos, não se sabendo oque aconteceu a outros 60, desde entãodesaparecidos. O movimento indígenacomeçou então a cortar os acessos à capitalinterrompendo o seu abastecimento,nomeadamente de alimentos, ao mesmotempo que vários edifícios estatais foramincendiados e polícias sequestrados. Depoisfoi convocada, por tempo indeterminado,uma greve nacional que paralisou váriossectores da economia. Os indígenas ape-laram à solidariedade internacional.

Alarmado com a dimensão dos pro-testos, a ineficácia da campanha de dia-bolização dos “revoltosos” e a intransigênciaobtusa de Alan Garcia, o Congresso anulouas leis que abriam a Amazónia peruana àsmultinacionais, por uma maioria de 82votos.

Esta importante vitória da movimentoindígena foi comentada assim por um dosseus dirigentes: “Ganhámos, mas não nossentimos triunfantes. É lamentável que ogoverno, que podia ter solucionado istoantes, tenha precisado de tanta violência etantos mortos para o fazer”.

INFORMAÇÃO ALTERNATIVA

Diário Liberdade é um projectojornalístico alternativo anti-

capitalista e anti-imperialista,virado para a realidade social eas lutas de classes na penínsulaIbérica, América Latina e África

de expressão portuguesa ecastelhana

www.diarioliberdade.org

10 | MARÇO / ABRIL 2010

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MARÇO / ABRIL 2010 | 11

Os grevistas de fome cubanos – todos elescondenados em julgamentos públicos regulares ecom todas as garantias jurídicas comuns no Oci-dente, a penas leves ou intermédias, por infracções,algumas de delito comum – pertencem na sua maio-ria a um movimento de gente muito determinadapoliticamente, ultra-reaccionário e assumidamenteamericanista. O seu vice-presidente faz-se foto-grafar com a bandeira de Cuba do lado esquerdo ea bandeira dos EUA do lado direito.

No seu americanismo há um forte pendorrepublicano, traduzido até em desconfianças emrelação ao Partido Democrata: quando Obamafoi eleito, dirigiu-se-lhe oficialmente para assegurara continuação do financiamento na linha ilimitadae inquestionável que Bush tinha com ele estabele-cido.

Fundado há nove anos e com uma estratégiaperfeitamente delineada, usando uma linguagemescrita ao estilo caceteiro de Miami, o movimentodas greves de fome foi planeado para ser durávelno tempo, de forma rotativa, com o objectivo depressionar o governo cubano a introduzir nas elei-ções municipais de 24 de Abril um referendo quepropõe, além da libertação incondicional dos “pre-sos políticos”, algumas alterações na ordem consti-tucional que criem condições para a sua legalizaçãoe entrada no jogo eleitoral. E claro, atingido esseobjectivo, a intenção será não ficar por aí...

CUBA

Impotência do regime

O governo de Cuba aparece hesitante ao sabordestas pressões, autojustificando-se em matéria de“direitos humanos”, e algo impotente para lidarcom o problema. Entretanto, a evolução do mo-delo castrista tem-se feito em plena crise estrutural

e mostra tendência para se esgotar. Com efeito,com Raul Castro o regime virou-se mais para den-tro e as discussões internas têm revelado uma insa-tisfação profunda e um crescendo de críticas àdirecção.

Com um pano de fundo de gravee prolongada crise económica causadaem grande parte pelo bloqueio dosEstados Unidos, que prossegue coma administração Obama, Cuba vê-sea braços com mais uma crise políticaa nível externo cujos efeitos só podemprejudicá-la, pesem embora as mani-festações de simpatia que apesar detudo consegue suscitar.

Sarauís emgreve de fome

Ahamed Alansari, Brahim Daha-ne, Yahidih Ettarouzi, Rachid Seghir,Salem Tamek e Ealek Labini forampresos pelas autoridades marroquinasem 8 de Outubro de 2009, quandoregressavam de uma visista aos cam-pos de refugiados sarauís na Argélia,administrados pela Frente Polisario.Acusados de pôr em causa a segurançae a “integridade territorial” de Marro-cos, aguardam há seis meses o julga-mento em tribunal militar, apesar deserem civis.

No dia 18 de Março cinco delesiniciaram uma greve de fome em pro-testo contra a sua prisão sem julga-mento, tendo-se-lhes juntado um ou-tro na terceira semana de Abril.Encontram-se na prisão se Salé, pertode Rabat, longe das suas casas no SaraOcidental, e de tal forma debilitadosque não conseguem sair das celas parareceber visitas.

OS VERDADEIROS PIRATAS

Em 2005 havia 800 barcos pesqueiros que realizavampesca irregular nas águas de Somália, país que não podecontrolar a depredação da sua costa. Os pesqueiros espa-nhóis capturam 200 mil toneladas anuais de atum deforma ilegal na Somália, contribuindo com 40 por centodo consumo doméstico. (Relatório da Amnistia Interna-cional).

OS VERDADEIROS TERRORISTAS

Em 2007, aconteceram na Colômbia 280 execuçõesextrajudiciais. As vítimas, na maioria camponeses, foramapresentadas pelos militares como sendo ”guerrilheirosmortos em combate”. Por seu lado, os grupos paramili-tares cometeram 230 assassinatos. Estes grupos, ligadosao narcotráfico, roubaram 4 milhões de hectares de terraa camponeses pobres.

Os que se queixam destes crimes à justiça corremsérios riscos, tal como os seus advogados de defesa,alguns dos quais foram assassinados, como as advoga-das Carmen Romaña e Yolanda Isquierdo.

Os sindicalistas, que Uribe considera “elementossubversivos”, são alvos preferenciais da repressão.Durante as duas últimas décadas, foram assassinados2.245 sindicalistas e desapareceram 138; 3.400sindicalistas estão ameaçados de morte. Mais de 90%destes casos não foram sequer investigados porquemais de 40 legisladores são suspeitos de ligação aosparamilitares. (Relatório da Amnistia Internacional).

CIVIS TERRORISTAS

Um vídeo polémico com três anos e só agoradivulgado por fontes anónimas mostra um heli-cóptero norte-americano a abater civis em Bagdad,incluindo um repórter da Reuters.

O WikiLeaks, um site de fontes anónimas, dizque os tiros mataram onze homens, entre os quais orepórter da Reuters e o motorista que o acompa-nhava. (TSF, 6/4/10)

HEBRON APRISIONADA

O número depalestinianos pre-sos na região de He-bron, actualmentenas cadeias de Israel,é de 1540, dos quais350 foram detidos

este ano. Entre eles contam- se 80 menores de idade,presos no mês de Fevereiro. Segundo Amjad Al Na-jar, comparativamente com as outras regiões daPalestina, Hebron é a que tem mais palestinianosnas prisões de Israel. (Middle East Monitor, 7/4/10).

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Todo o comerciante sabe das dificuldades navenda de mercadorias danificadas, e das filigranasque há que tecer para lhes dar saída. Desde remen-dos e camadas de tinta num carro até dentes posti-ços, se for um burro. E, como convém, as necessá-rias recriações verbais para convencer os incautosde como será para eles boa e benéfica a operaçãoa ser executada.

O beco em que o capitalismo se meteu quandoa avareza que o caracteriza desenvolveu todo oseu pleno potencial torna cada vez mais difícil“vender” o produto, isto é, a tarefa de convencero público de que não há alternativa. Com a crise,quando as chagas purulentas se vão espalhandopor todo o corpo, já não há pintura suficiente nemdentes postiços que possam cobri-la. O que resta?O disfarce, a máscara. Portanto, necessita imperio-samente de expandir ao máximo e controlar osmeios de comunicação para, através deles, cons-truir um mundo virtual, uma espécie de carnavalperpétuo, no qual a câmara de horrores que nosapresenta diariamente, sem paralelo na história,encontre cabimento como fenómeno natural, hu-mano. 

Assim, a máfia dos especuladores bem-suce-didos deu em chamar-se “mercados multinacio-nais”, a resistência natural de quem como nós não

se deixa enganar é denominada “terrorismo”, osexplorados são os “desfavorecidos” ou “per-dedores”, a resignação perante as enormesdiferenças no trato social é apelidada “coesão so-

Carnaval da crise

cial” e necessidade angustiosa de se desfazer demilhões de produtos absolutamente desnecessáriosque as fábricas vomitam é mascarada de “cres-cimento económico”. Poderíamos continuar, maspenso que estes exemplos são suficientes.

Resta examinar a outra frente: os países queapresentam tentativas para dirigir a economia porcaminhos diferentes, como tem acontecido nasúltimas décadas na Venezuela, Bolívia e Equador(em Cuba não preciso de falar, é um velhoempestado, com quem já gastaram a frioleira de51 anos a preparar-lhe o túmulo).

Na Venezuela, (com uma economia demercado), o analfabetismo foi erradicado e estáem marcha um processo centrado na educação,saúde e participação dos cidadãos no processopolítico e económico. Todas as organizaçõesinternacionais o atestam, começando pela ONU.Solução: Ignore-se o facto nos média (mesmoesquecendo que se trata, actualmente, de um paíscapitalista) e foque-se o sátrapa Chávez, ditador,inapresentável, mal educado, e assim por diante.Não importa que tenha ganho 8 vezes nas urnasaos opositores ou que a maioria dos meios decomunicação venezuelanos se dediquem a insultá--lo todos os dias, sem que ninguém os incomode.Porque o que ele fez aos meios de comunicaçãofaz-se diariamente nos países capitalistas, isso sim,aos média que não se sujeitam ao guião dosconglomerados de tipo berlusconiano.

E é que hoje a Venezuela continua na órbitado capitalismo, mas de uma maneira que pareceperigosa para o futuro. De passagem, podemosver até que ponto os países capitalistas estão inte-ressados na saúde, educação ou erradicação da mi-séria. A obsessão dos média, para não dizer o engo-do, em nada contempla esses aspectos sociais, masapenas a nunca definida liberdade e há que retorceros factos para que esta pareça ser a vítima. Mesmoque regularmente se realizem eleições avalizadaspelos organismos que as vigiaram. A gritaria pelaliberdade é agora uma das máscaras mais usadasno carnaval.

ANTÓNIO DOCTOR

Que balanço fazem da luta?O nosso povo deu grandes passos em termos

organizativos de e de consciência política. Agoraestamos organizados por bairros, fábricas e ou-tros sectores. Já não há grandes mobilizaçõescom centenas de milhares de pessoas, mas a lutaprossegue, agora centrada na AssembleiaConstituinte, o que apanhou os golpistas e oimperialismo desprevenido.

O balaço que fazemos, após o 24 de Novem-bro, é que estamos no caminho certo, porque opovo hondurenho deu uma resposta firme aosgolpistas, ignorando a farsa eleitoral. 75% dapopulação não foi votar.

Entrevista a Berta Cáceres, dirigenteda Resistência Nacional

HONDURAS

Resistência apela à solidariedadeinternacional

Quem é o novo presidente?A equipe de Porfirio Pepe Lobo é constituí-

da por gente que durante a administração doex-presidente Maduro foi responsável pelo desa-parecimento de 2.500 jovens em menos de qua-tro anos. São múltiplas as denúncias de gruposde direitos humanos e de defesa dos meninos derua.

Ele apoiou o golpe de Estado desde o início,embora agora apareça a querer marcar distân-cias. Mas não nos engana. Não pode falar dereconciliação deixando impunes os golpistas,os assassinos e torturadores dos nossos compa-nheiros. Pensamos que vamos enfrentar um pe-ríodo de militarização, repressão selectiva e demaior presença de tropas ianques no nosso país.

A Resistência reivindica um estatutode força beligerante?

Estamos a trabalhar nesse sentido. Em todosos fóruns em que participamos apelamos aosmovimentos populares, governos revolucioná-rios e progressistas, para que multipliquem asolidariedade com a Resistência. Queremos quea Frente Nacional contra o Golpe de Estadoseja reconhecida como força política importantee beligerante. É isso que vamos tentar em orga-nismos como a ONU.

(Resumen Latinoamericano, Jan./Fev.)

12 | MARÇO / ABRIL 2010

Page 13: Politica Operaria 124

Dizem-nos que as eleições recentementerealizadas no Iraque foram um êxito, um sinal clarode que começa a dar frutos a nova orientação postaem marcha pelo general Petreus e Obama: a ida àsurnas aumentou, os sunitas abandonaram emgrande número a resistência armada, deixaram deboicotar o “Estado” e as eleições, a Alcai-da caminha para a derrota, o país democratiza-se,garantem.

Vista mais de perto, a realidade dos factosaponta numa direcção diferente. Em primeiro lu-gar, as “eleições” não foram livres porque se reali-zaram com o Iraque sob ocupação. E nunca o po-derão ser enquanto esta durar; em segundo lugar,o seu único objectivo foi legitimar a invasão e aocupação e criar as condições mínimas para a con-solidação do controlo interno do Iraque capaz depermitir a retirada americana em 2011. 

Nestas circunstâncias, as eleições foram tudomenos a normal expressão da vontade do povo doIraque, que tem 40 mil dos seus habitantes presospor actividades políticas e de guerrilha e outros 5milhões refugiados ou deslocados. Tal como noAfeganistão, não passaram de uma farsa em que avontade popular foi substituída por “arranjinhos”locais entre lacaios e colaboracionistas internos eas potências regionais, num quadro de preservaçãodos interesses imediatos dos EUA e da EU. Eacima de tudo, uma mão sobre os recursos ener-géticos do Médio Oriente.

Se, ao contrário do que aconteceu nas eleiçõesanteriores, a resistência decidiu não recorrer aacções armadas contra a campanha nem impedirou dificultar a adesão popular, a verdade é quenão participou nelas por as considerar ilegais. Se aisto juntarmos o facto de os resultados eleitoraisnão terem correspondido ao que se esperava,apesar do “processo eleitoral” ter sido condicio-nado desde a primeira hora para que os resultadosfossem convenientes aos EUA e aos seus parceirosocidentais, o que ressalta é a fragilidade da orien-tação estratégica dos EUA pós-Bush.

PRESOS NA SUA PRÓPRIA ARMADILHA

Tal como aconteceu no Vietname, os norte--americanos encaminham-se para o desastre coma ideia de substituir os seus soldados por iraquianose, principalmente, por mercenários; de apoiar epromover o poder fictício de lacaios, grupos sectá-rios e provocadores, uns ao serviço dos ocupantes,outros de interesses regionais sauditas e iranianos;de aliciar e acenar com concessões às resistênciassunita e xiita e aos nacionalistas curdos com oobjectivo de os manterem sob controlo.

É certo que diminuíram as baixas americanas,o que permitiu reduzir a pressão contra a guerranos EUA e na Europa. Mas multiplicaram-se asiraquianas, nada se sabendo quanto às ocorridasentre as forças mercenárias, não contabilizadas,que constituem o maior contingente militar e desegurança no Iraque. Basta um olhar mais atento einformado para facilmente percebermos que nãodiminuiu a oposição dos iraquianos à ocupação,que as tensões sectárias, étnicas e nacionais perma-necem, que o Curdistão iraquiano é de facto umEstado dentro do Estado, que as milícias sunitas exiitas que observam tréguas não só não desarma-ram, como podem a qualquer momento voltar àluta, que os interesses e agentes das potências re-

IRAQUE 

Democratizar à bombagionais estão à espreita e trabalham para a desagre-gação do Iraque, nomeadamente o Irão, país cujoregime tem forte influência entre os xiitas e noSul do Iraque, e com quem Obama se tem pro-curado entender sobre a partilha das influênciasregionais, o acesso aos recursos do Iraque e àconsolidação do poder interno.

Evidência clara das dificuldades dos ocupan-tes, e do terreno movediço em que assenta o pseu-dopoder que tutelam, os resultados eleitoraisacabaram por não produzir os efeitos esperadosno que respeita à consolidação do poder internoiraquiano e à criação de condições para umaretirada dos EUA no próximo ano. Ao contráriodo que se esperava, quem ganhou as “eleições”não foi Nouri al-Maliki, o homem de mão dosEUA e agente da CIA durante o regime deSaddam Hussein (ficou em segundo lugar),mas Ayad Allawi, o candidato colabora-cionista xiita apoiado pelos sunitas. Ficouem terceiro lugar a Aliança NacionalIraquiana, integrando vários grupos xiitas,o maior grupo étnico. Por seu lado, oscurdos, numa clara afirmação de que sãoum estado dentro do Estado iraquiano ede que a sua ligação ao Iraque é apenasformal, ignoraram mais uma vez o acto elei-toral. Em consequência, em vez da pacificação,democratização e reforço do poder interno,multiplicam-se os implacáveis e violen-tos confrontos armados a que as facçõescolaboracionistas têm vindo a recorrerpara a resolver as disputas políticas, e que tiveraminício no Verão passado, como forma de pressãonegocial.

Estes resultados, além de provocarem já o acir-ramento das disputas sectárias, vão também obrigara renegociar o frágil acordo que permitiu a realiza-ção das eleições, ano e meio depois da data inicial-mente anunciada. Esse foi o tempo necessário paraas facções colaboracionistas xiita, sunita e curdase entenderem sobre a divisão do poder, o controlodos ministérios e territórios, a garantia para cadauma das etnias e nacionalidades de uma fatia doparlamento, a repartição dos lucros do petróleo (aprivatizar), a revisão da lei eleitoral (foram impedi-dos de participar nas “eleições” 16 partidos e maisde 500 candidatos, suspeitos de ligações à resistên-cia ou ao partido de Saddam Hussein, o Baas),etc. A renegociação ainda vai ter de lidar com acomplicada exigência sunita de integração no Esta-do dos mais de 100 mil milicianos sunitas armadospor Petreus para combater a sua própria resistên-cia – o que fizeram com relativo êxito. O frágilprincípio de compromisso pré-eleitoral, a não sersatisfeito, levará ao rompimento dos acordos esta-belecidos por esta facção com os norte-americanose os seus parceiros de poder, com os consequentesboicotes ao parlamento e ao governo, o recrudesci-mento das lutas sectárias, do banditismo armadoe, em menor número, a passagem de algumas destasmilícias para a resistência, onde de resto algumasdelas já estiveram, o que faria a guerra voltar àintensidade e aos caos dos primeiros quatro anos.

PERSPECTIVAS SOMBRIAS

Os EUA estão a ser vítimas da sua própriaacção. Ao invadirem o Iraque, submeteram-no auma lógica colonial, de fragmentação social, para

melhor manobrar e dominar. Com isso liquidaramqualquer possibilidade de a médio prazo se vir aconstituir um poder interno, do tipo neocolonial,minimamente viável, o que compromete uma re-tirada americana nos prazos previstos e a maislongo prazo. Há quem fale na eternização da pre-sença militar ocidental. Se os norte-americanosretirassem em 2011, seria o colapso do poderfantoche iraquiano, a guerra civil e o desmembra-mento do Iraque. Todos o sabem, não é novidadenenhuma. Perante um quadro destes, com um po-der interno de tal maneira frágil e volátil, o Iraquetransformar-se-ia numa segunda Somália. Para umdesastre destes não acontecer – o que implicaria ocatastrófico enfraquecimento do controlo geoes-tratégico das potências ocidentais sobre o MédioOriente e os seus recursos naturais, perigando asua tutela sobre uma das maiores reservas mundiaisde petróleo e deitando por água abaixo os negóciosfabulosos da “reconstrução”, das empresas de mer-cenários e da indústria de guerra dos EUA – ogoverno norte-americano não tem outra soluçãoque não seja continuar a ocupação e manter umadispendiosa e sofisticada presença militar que estáa absorver uma fatia em crescimento galopantedo seu Orçamento de Estado, que já se situa acimados 700 mil milhões e é responsável pelo aceleradoaumento da colossal divida externa dos EUA.

Sintoma claro das dificuldades em que seencontram os ocupantes para saírem do atoleiroem que se meteram é o silêncio cauteloso da admi-nistração Obama, ao mesmo tempo que os chefesmilitares dos EUA no Iraque pedem novo adia-mento da retirada das suas tropas.

ANTÓNIO BARATA

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TRIUNFAR OU PERECERwww.diarioliberdade.org

Não podia ser mais auspiciosa aescolha do nome deste belo portalque a iniciativa dos nossos irmãosgalegos pôs à disposição dos revo-lucionários lusófonos de todo omundo: Diário Liberdade. Liberdadetodos os dias, sempre e já – é esse oterritório que reconhecemos comonosso, aquele em que podemosexprimir o nosso pensamento, ex-pla-nar planos de luta, acção e subversão,debater com outros as ideias que nosajudem a progredir na luta anti-capitalista, gizar programas para umfuturo mais possível que este im-possível presente.É com a maior alegria e confiançaque saudamos a equipa fundadoraque se atirou a esta empresa ambi-ciosa de cumprir a missão de “de-fender os interesses da maioria so-cial” e “dar voz aos que não têm voz”,muito necessária missão neste mundocada vez mais bárbaro e perigoso.Com o Diário Liberdade, podemosganhar um inestimável novo espaçode informação e formação livres dasmentiras e pressões ideológicas dosmídias do sistema. Aqui de Portugal,propomo-nos consultar, criticar, de-bater, apoiar e participar no DiárioLiberdade, o único portal internacio-nal lusófono de cariz anticapitalistae revolucionário.Além do mais, é de salientar o as-pecto linguístico. Com os galegos etodos os povos lusófonos partilhamosa nossa primeira pátria comum, a belalíngua galaico-portuguesa a que esta-mos ligados por laços afectivos e quenos une a todos como zona de afir-mação de identidade e de pensamento.Importante como é, ela será tambéma nossa pátria derradeira, pois perdu-rará para lá da extinção das pátrias,num espaço infinitamente mais am-plo, a esplendorosa comunidade inter-nacional que, esperemos, verá a luzdo dia quem sabe se bem mais cedodo que muitos imaginam. Desde queentretanto demos a morte ao dragãohorroroso que nos asfixia com o seubafo ardente.Por fim, recordem-se dois poemasque nos podem inspirar. Primeiro, osversos de Paul Eluard contra ofascimo:

Et par le pouvoir d’un motJe recommence ma vie.Je suis né pour te connaître,Pour te nommerLiberté.

Por fim, as estrofes finais do hino daMaria da Fonte, aquela mulher devalor que, de lá do seu Minho raiano,“de pistolas à cintura, a cavalo e semcair”, tocou a reunir e clamou:

Ei avante,Não temer,Pela santa liberdadeTriunfar ou perecer!

Ana Barradas

7 de Abril é o Dia da Mulher Mo-çambicana. A assinalá-lo foram exibi-dos dois filmes do cineasta Licíniode Azevedo, um na Livraria Ler De-vagar, outro na embaixada daquelepaís. Ambos baseados em factos reais,um deles é “Desobediência” a históriade uma camponesa acusada de tercausado a morte do marido, des-gostoso por ela não lhe obedecer.Uma carta deixada pelo suicida,apresentada nas cerimónias fúnebrese lida perante todos, recomenda queos cinco filhos do casal e os bens sejam entregues ao seu irmão gémeo.Rosa, para provar a sua inocência,submete-se a dois julgamentospolémicos, um organizado pelocurandeiro, outro pelo tribunal local.Nos dois casos é considerada inocentee absolvida.

Quanto ao segundo filme,“A Guerra da Água”, a personagemprincipal é também uma mulher. Como amanhecer, sai de casa para ir buscarágua, deixando três filhos sozinhoscom pouco alimento e água. O furomais próximo está a quilómetros deonde mora. Terá de passar a noite ali.As mulheres agrupam-se em torno deuma fogueira, cantando e falando so-bre as dificuldades de quotidiano esobre as suas relações pessoais. A es-pera acaba por prolongar-se por váriosdias por causa de uma avaria na bomba

DESOBEDIÊNCIAA GUERRA DA ÁGUA

Licínio de Azevedo,Moçambique

de água. Nesta espera, as mulherestêm que superar a preocupação comos filhos, a fome e as tensões geradaspelos conflitos entre elas.

Na noite de 24 de Junho, vésperado 35º aniversário da independência,será projecto na Ler Devagar o filmeque Fonseca e Costa realizou em Mo-çambique em 1975 – com imagensde celebridades já desaparecidas, co-mo Samora Machel, Miriam Makebae outros – precedido do documentá-rio “Sonhos Guardados”, sobre osguardas, “esses homens quase invi-síveis que, do lado de fora das nossascasas, guardam o sono e nos per-mitem sonhar (...), entre o medo, ofrio, o silêncio da noite e a vontadede ver mais uma madrugada chegar.”

Este é o primeiro volume de umasérie a publicar sobre a história dePortugal, pelo octogenário historia-dor marxista que ao longo das suasmuitas obras tem lançado um olharlúcido sobre o modo de reconstruiros factos e as ideias que presidiram ànossa evolução como Estado-nação.

Este livro de abertura trata dasnossas origem mais remotas, com es-pecial realce para a presença romanana Hispânia, a civilização árabe noGharb Al-Andalus e por fim o Oci-dente cristão peninsular. Na introdu-ção à matéria histórica, Borges Coelhoreflecte sobre Portugal: “Somos ibe-ros. A península hispânica é o nossotorrão. A História podia ter dado ou-tras voltas, mas quis perpetuar du-rante quase nove séculos um Estadoportuguês que modelou profunda-mente as consciências e acumulou umfantástico património material e es-piritual. A perda total da independên-cia política atingiria gravemente anossa memória e afectaria a fala e ainvenção da língua que criámos e par-tilhamos com outros povos.”

DONDE VIEMOS? António Borges Coelho,ed. Caminho, 2010, 25 •

PERSPECTIVAS– Revista de Ciências Sociais,

Jan./Jun. 2008, UniversidadeEstadual Paulista/UNESP, São

Paulo.

Saído com algum atraso, este nú-mero debruça-se sobre a vaga anti--imperialista surgida na última décadana América Latina, que se expressatanto no movimento bolivariano e nachama corrente “socialismo do séculoXXI”, animadas pelos adeptos deHugo Chávez, como no regime cu-bano e nas correntes mais moderadas,de centro-esquerda, que governam oBrasil, a Argentina e, até há poucotempo, o Chile.

Com interesse diferente, os textosque abordam os processos nacionalis-tas e as dinâmicas regionais após asegunda guerra e a guerra fria e pro-curam situar e actualizar o debate so-bre a esquerda, o capitalismo, o socia-lismo e a democracia, têm em contatanto o colapso das correntes tradi-cionais da esquerda latino-americanaque animaram vários movimentos deguerrilha como os processos naciona-

listas progressistas que os antecede-ram e varreram o subcontinente nosanos 50 e 60. Embora não abra gran-des perspectivas relativamente à revi-talização da esquerda e à superaçãorevolucionária do capitalismo, é muitaa informação que aí se pode encontrarrelativamente aos processos em cursona Venezuela e Bolívia e sobre as estra-tégias norte-americanas para a re-gião.    

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O valioso tempo dos madurosContei meus anos e descobri que terei menos tempo

para viver daquipara a frente do que já vivi até agora.Tenho muito mais passado do que futuro.Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia

de cerejas.As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo

que faltampoucas, rói o caroço.Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.Não quero estar em reuniões onde desfilam egos

inflados.Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles

admiram,cobiçando seus lugares, talentos e sorte.Já não tenho tempo para conversas intermináveis,

para discutirassuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem

parte da minha.Já não tenho tempo para administrar melindres de

pessoas, que apesarda idade cronológica, são imaturos.Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram

pelo majestoso cargode secretário geral do coral.

As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,

quero a essência,minha alma tem pressa...Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de

gente humana,muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não

se encanta comtriunfos, não se considera eleita antes da hora, não

foge de sua mortalidade,Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,O essencial faz a vida valer a pena.E para mim, basta o essencial!

Mário de Andrade (1893 – 1945) 

Mário Raul de MoraisAndrade nasceu emS. Paulo, no Brasil.Modernista, foi poeta,romancista, crítico dearte, musicólogo,professor universitário eensaísta, sendoreconhecido como um dosmais importantesintelectuais brasileiros doséculo XX.A sua arte é atravessadapela busca da identidadecultural brasileira, tendodedicado aos ritmosnordestinos uma atençãoparticular.

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A Batalha, nº 238, LisboaAlambique, nº 10, AljustrelBoletim Anarco-Sindicalista, 34,LisboaChallenge, 14 Abril, Nova IorqueChe fare, Abril/Maio, RomaContramarcha, Abril/Maio, MadridContropiano, 1/2010, RomaDans le monde une classe en lutte,Fev., ParisÉxodo, nº 102, MadridJornal Fraternizar, Abril/Junho, S.Pedro da CovaLutte de Classe, 126, ParisLutte Ouvrière, nº 2175, ParisMonthy Review, Março, NovaIorqueO Militante Socialista, Fevereiro,LisboaOctubre, Março, MadridPartisan, nº 237, ParisProletari Comunisti, Jan./Fev.,TarantoResumen Latinoamericano, Jan./Fev., San SebastianUtopia, nº 27/28, Lisboa

17 Abril a 29 Agosto – ExposiçãoDocumental “Memória do Cam-po de Concentração do Tarrafal”,Museu do Neo-Realismo, Vila Francade Xira (Rua Alves Redol, 45).

23 e 24 Abril – Arraial Popular do25 de Abril, Largo do Carmo, du-rante a tarde e a noite. Este ano tempor tema a paz.

1º Maio – Manifestação da CGTP,do Martim Moniz até à Alameda.Concentração PO no Largo doChafariz de Dentro, Av. AlmiranteReis, 14h.

2 Maio – Assembleia Geral Nacio-nal da PAGAN, Paltaforma Anti--Guerra e Anti-NATO, 14,30 h., noAteneu Libertário de Lisboa, Rua doSalitre, 139 – 1º.

5 Maio – Marcha contra a Europado Capital e as suas Crises, parti-das de Lisboa e Porto até Madrid.Organizada pela CGT (Espanha) ePAGAN.

7, 14, 21 de Maio, 4 e 18 de Junho –Sempre às 18.30 h, Museu da Repú-blica, Ciclo “Ateísmo, laicismo eanticlericalismo em Portugal,com Onofre Varela (Saber sobre Deu-ses e crer em Deus), Ludwig Krippahl(Argumentos científicos contemporâ-neos intitulados Deus não existe),Carlos Barroco Esperança (Ateísmo,Laicidade e Democracia, AmadeuCarvalho Homem (A Religião e a Re-pública), Isabel Lousada (O anticleri-calismo em Portugal: uma perspec-tiva).

23 e 24 Maio – Festa do jornal Lut-te Ouvrière, Presles, Val-d’Oise,Paris.

No n.º 122 da Política Operária(página 11) publicámos um textodo nosso amigo e assinanteFernando Pulido Valente cha-mando-lhe impropriamenteFrancisco Pulido Valente. Pelofacto apresentamos as nossasdesculpas aos leitores e em es-pecial ao próprio.

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Sem qualquer surpresa, o governo fezaprovar o Orçamento de Estado e a simbólicaresolução sobre o PEC – Plano de Estabilida-de e Crescimento – com a ajuda da direita.Era o que se esperava e todos sabiam que iaser assim. Só os eternos ingénuos poderiamacreditar e acalentar alguma esperança sobrea possibilidade de se forçar o PS a fazer umacordo “à esquerda”.

O PCP e o BE não obtiveram nas últimaseleições nenhuma vitória capaz de alterar orumo da política nacional e obrigar o governoe a direita a fazer cedências. É certo que con-solidaram ou reforçaram a sua votação e re-presentação parlamentar, mas isso não signi-ficou qualquer princípio de alteração na corre-lação de forças entre o mundo do trabalho eo do capital. A imposição do PEC e a aprova-ção do OE são a prova não só disso mesmo,mas também da falência da estratégia seguidapela esquerdaparlamentar, quese julga em con-dições de arran-car cedências aSócrates. Aquiloque se está a ve-rificar é precisa-mente o contrá-rio. Ao acenaremaos trabalhado-res com essa ilu-são, apenas osfazem passar porparvos úteis econduzem-nospara novos de-sastres. E quandoisso acontecer,não faltarão asvelhas e esfarrapadas desculpas com que sehabituaram a alijar as responsabilidades: aculpa é da direita, da outra parte que foisectária, da (eternamente) insuficiente uni-dade dos trabalhadores e do povo, etc.

Mas a culpa é do PCP e do BE, de facto,por se recusarem a exigir e a trabalhar paraderrubar o governo (no que de resto são acom-panhados por quase toda a esquerda não par-lamentar). Ao recusarem-se a fazê-lo por merocálculo politiqueiro e partidário (com a gravecrise estrutural que o país vive, é eleitoral-mente muito mais vantajoso deixar o governogovernar e “malhar” nele, do que assumir oseu derrube), o PCP e o BE meteram-se numbeco sem outra saída que não seja a de, emalternância com a direita, irem arrastando ospés, dar conselhos e sugestões “construtivas”sobre como deveria ser uma política ao serviçodo povo, como se poderia ter uma melhorjustiça fiscal, como os patrões e o Estadopoderiam contribuir para uma mais justa dis-tribuição da riqueza e uma “economia justa”,elencar as malfeitorias do governo, as mordo-mias dos gestores, para no fim, em nome domal menor, ajudarem o governo do PS a apro-var as suas medidas “sociais”.

Os magros resultados eleitorais do PS edo PSD, somados ao significativo reforço doPP, apenas expressam a divisão do bloco cen-tral, ao contrário do que defendem o PCP e oBE. Essa divisão é provocada pela grave crise

económica que, ao contrário do que era habi-tual, desta vez também afectou a sua base deapoio, a dita classe média, e acirrou as guerrasde interesses mafiosos, de que os sucessivosescândalos vindo a público são a expressãovisível. Os maus resultados do PS e do PSDnão são fruto do combate movido ao governopela esquerda parlamentar. Se assim fosse, hámuito o grande patronato e as suas confedera-ções teriam feito soar os alarmes, em vez deandarem calmamente a dar “recados”, fazendosaber que o governo não é para ir abaixo (porenquanto), o que querem ver feito e aprova-do, e a multiplicar os discretos reparos moraissobre os escandalosos ordenados e prémiosdos gestores públicos (os privados já é outracoisa), a pouca qualidade e idoneidade dospolíticos, a necessidade de não serem só os debaixo a pagar a crise, etc. Ou seja, se os resul-tados eleitorais ditaram que agora nenhum

dos partidos do“arco do poder”pode governarsozinho porqueo “centrão” seencontra divi-dido, isso nãosignifica que agrande burgue-sia, o patronato,tenha ficado de-sarmado, impo-tente, remetidoà defensiva. Aocontrário, sãoeles, a grandeburguesia e o pa-tronato, quemdita as regras,obrigando os

seus partidos, da direita e do centro (CDS,PSD e PS) a manter as suas disputas pseu-dopolíticas em níveis que não prejudiquem arealização de acordos necessários à “esta-bilidade” (a este propósito é significativa asimpatia e unanimidade em torno da eleiçãodo novo líder do PSD) e fazer os pobres pagara crise. Só assim se podem entender ascambalhotas do PS, CDS e PSD, que agoradizia uma coisa e logo outra (onde estão aspreocupações do PSD com as PMEs, o fimdo pagamento especial por conta, as juras deque não apoiariam nenhum aumento deimpostos? E as juras do governo de que nãoiria privatizar nenhum sector estratégico, aintransigência de há meses relativamente aoensino e às obras públicas faraónicas, porexemplo?). Ao não quererem perceber isto,insistindo na fantasiosa possibilidade dearrancar concessões ao governo de Sócrates,o PCP e o BE colocaram-se de facto na depen-dência das estratégias do governo e do patro-nato e são prisioneiros delas. Se no curto prazoaté podem capitalizar alguma simpatia ao ex-plorarem as responsabilidades do governo noagravamento da crise, do desemprego e damiséria, resta saber por quanto tempo poderãomanter essa postura e continuar a iludir ostrabalhadores sobre a possibilidade de, noactual quadro social, provocarem umamudança do rumo político do país.

ANTÓNIO BARATA

Esquerda parlamentarpela trela do PS

Deixei de acreditar no 8 de Março desde quesoube que o rendimento médio do homens portu-gueses no final de 2008 foi de 1112,4 euros por mês,contra os 871,6 euros das mulheres – uma diferençade 21,65% –, que os patrões portugueses devem acada trabalhador 1259 euros e que o sismo do Chiledesviou o eixo da terra. 

É que é muita coisa a mais, custa a digerir. Tale qual como quando se deixa de acreditar no PaiNatal, na Fada dos Dentes ou no Menino Jesus. Eupensava que o 8 de Março servia para alguma coisa,que podíamos forçar uma melhoria da vida das ex-ploradas e oprimidas, que a data comemorada toca-va nos corações mais empedernidos – cento e talmeninas-operárias sacrificadas nas chamas do edifí-cio da Triangle Waist de Nova Iorque há mais decem anos fizeram tremer os alicerces do mundo dotrabalho: os protestos que se seguiram puseram ospatrões em sentido por uns tempos e a energia liber-tada pela indignação diante desse holocausto con-tinua a fazer-se sentir até hoje, por mais que nosqueiram fazer esquecê-lo e convencer-nos de queo 8 de Março foi uma invenção gentil da bondosaburguesia em prol da mulher.

Contra essas falsificações patéticas, nunca é demais recordar que, faz este ano precisamente cemanos, em 1910, o II Congresso de Mulheres Socialis-tas aprovou, por proposta da comunista ClaraZetkin, a realização de um dia de luta internacionalda mulher, a exemplo do 1º de Maio, dia de luta daclasse operária, para lutar pelas reivindicações la-borais das operárias e defender os direitos políticosdas mulheres. Na Europa, a primeira celebraçãodo Dia Socialista das Mulheres, organizado poriniciativa do Secretariado Feminino Internacional,deu-se a 19 de Março de 1911, por decisão da Secre-taria da Mulher Socialista, órgão da Internacional.Levou às ruas mais de um milhão de mulheres naEuropa e nos Estados Unidos, evidenciando o seucarácter massivo.

A luta pela participação política da mulher e aideia da emancipação feminina encontram-se emprimeiro lugar nos escritos de Marx e Engels. Afrase de Marx, “A opressão do homem pelo homeminiciou-se com a opressão da mulher pelo homem”e a perspectiva sobre a família, a mulher proletáriae a mulher burguesa contidas em A Origem da Fa-mília, da Propriedade e do Estado, de Engels sãoparte do legado teórico que dá base à noção danecessidade da libertação da mulher proletária.

E o eixo da terra? O eixo da terra devia desviar--se, sim, mas quando se ouvisse o clamor triunfalda classe revolucionária por excelência – o proleta-riado das fábricas, aquela de produz mais-valia,não esse falso proletariado que nos vendem agoraem que cabem todos os assalariados, síntese teóricada colaboração entre classes em que os de baixoficam sempre a perder porque são carne para ca-nhão dos de cima – e se levantasse um terramototal que o mundo tremesse e oscilasse e uma novaordem surgisse sobre o caos em que hoje vivemos.

Uma nova ordem com as mulheres dentro. Istoé, em igualdade, em simetria e em sintonia com oresto da espécie humana. Uma ordem que promul-gasse uma coisa muito simples: a trabalho igual,salário igual. O resto viria atrás. Depois do pão, asrosas. Nesse ainda incumprido 8 de Março (ou 23de Junho, ou 14 de Novembro) é que vou acreditar.

ANA BARRADAS

Não acreditoneste 8 de Março