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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Gisele Aparecida Bovolenta Os benefícios eventuais e a gestão municipal MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Gisele Aparecida Bovolenta

Os benefícios eventuais e a gestão municipal

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO

2010

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Gisele Aparecida Bovolenta

Os benefícios eventuais e a gestão municipal

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de MESTRE em Serviço Social, sob a

orientação do Prof.ª Dr.ª Aldaíza Oliveira

Sposati.

SÃO PAULO

2010

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ERRATA

Folha Linha Onde se lê Leia-se 37 13 Serviço Social ajuda Folha Linha Onde se lê Refere-se 34 11 Medeiros MEDEIROS, Francisco

Ary Fernandes de. Reforma e Assistência no discurso do Serviço Social – um estudo Exploratório. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro, UFRJ, 1983.

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Gisele Aparecida Bovolenta

Os benefícios eventuais e a gestão municipal

BANCA EXAMINADORA

__________________________

(NOME)

__________________________

(NOME)

__________________________

(NOME)

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DEDICATÓRIA

Ao mestre Profº. Drº. João Antônio Rodrigues (in memoriam)

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AGRADECIMENTOS

Especiais a...

Profª. Drª. Aldaíza Sposati, orientadora desta pesquisa, que sabiamente a conduziu, sua

competência e conhecimento é motivo de admiração, minha profunda gratidão...

Banca de Qualificação, composta pela Profª. Drª. Maria Carmelita Yasbek e Profª. Drª.

Maria do Rosária Corrêa de Salles Gomes, pela disponibilidade em participar desta banca e

contribuir para o desenvolvimento deste estudo...

Adriano Henriques Machado, querido amigo e namorado, pela sintonia e

companheirismo nesta etapa da vida...

Colegas e amigos da Prefeitura de Mogi Mirim/SP (lócus inicial deste estudo): Elaine

L. da Silva (na época estagiária), Rosemeire Donegá, Rita Guarnieri, Ana Paula V. Miquelini

e, especialmente, Graziete Bronzatto, por todo apoio e consideração...

Colegas e amigos da PUC-SP presentes nesta trajetória de dois anos, pelos momentos

tensos e descontraídos...

Colegas e amigos do NEPSAS (Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Seguridade e

Assistência Social), que durante esses dois anos proporcionaram grandes debates e

socialização de conhecimento e informação...

Colegas e amigos da Prefeitura de São Paulo/SP do Distrito de Campo Limpo (lócus

atual de trabalho), pela compreensão e colaboração neste momento...

Meus pais: José Roberto Bovolenta e Silvéria Maria dos Reis Bovolenta, que mesmo

distante emitem o carinho e o apoio de sempre...

Srª Natalia Henriques Machado, por toda convivência e amizade...

CAPES, pela disponibilização da bolsa de estudo que muito contribuiu e viabilizou

este estudo...

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Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo, diferentemente, cabe transformá-lo.

Marx

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RESUMO A regulamentação dos benefícios eventuais, previstos desde 1993 no corpo da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), ficou a cargo dos municípios, estados e Distrito Federal, por meio de seus respectivos conselhos. O auxílio natalidade e auxílio funeral (parte do artigo 22 da LOAS) eram operacionalizados desde 1954 – quando foram instituídos pelo Decreto nº. 35.448 – pela política previdenciária. O translado de uma política para outra não garantiu a continuidade de concessão desse direito, contrariando os dispositivos postos na própria LOAS. Com isso, seu público alvo foi penalizado: os beneficiários da previdência social, que deixaram de acessar esses auxílios e os potenciais usuários da política de assistência social, face a ausência de sua regulação. Isso demonstra que estar legalmente instituído não foi (e não é) suficiente para estar devidamente implementado em todo o país, o que supõe empecilhos econômicos, políticos, sociais, culturais e mesmo pessoais. As diversas práticas e ações, em relação à concessão de auxílios, fazem parte do próprio histórico da assistência social, em que, no mais das vezes, eram por meio dessas ações que se recebia algum tipo de auxílio ou atendimento. Na era dos direitos, a concessão de benefícios deve ocorrer de modo claro, preciso e qualificado, no sentido de garantir sua gestão, financiamento e controle social, o que contribui por coibir práticas assistencialistas, clientelistas e paternalistas. A partir do estudo de uma dada realidade, buscou-se conhecer como os benefícios eventuais se encontram atualmente: desde do seu reconhecimento, trazido pela LOAS, até a presença de legislações e documentos atuais, como a Resolução 212, de 2006, o Decreto Presidencial nº 6.307, de 2007, entre outros. PALAVRAS-CHAVE: benefícios eventuais, regulação, LOAS, direito, municípios.

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ABSTRACT

The regulation of Possible Benefits, provided since 1993 in the body of Organic Law of Social Assistance (LOAS), were the responsibility of municipalities, states and Federal District, through their respective boards. The birth assistance and funeral assistance (part of Article 22 of LOAS) were put into operation since 1954 – when they were established by Decree no. 35.448 – the social security policy. The transfer from one policy to another is not guaranteed the continuance of grating such right, contrary to its own devices placed in the Organic Law on Social Assistance. With this, its audience was penalized: the welfare recipients who left to access the aid and potential users of social welfare policy, given the absence of its regulation. This demonstrates that not be legally established (and isn’t) enough to be properly implemented throughout the country, which implies economic setbacks, political, social, cultural and even personal. The various practices and actions in relation to grant aid, part of the social history itself, which, in most cases, was through these actions that received some type of aid or assistance. In the obdobie of right, the granting of benefits must occur in a clear, precise and qualified to ensure its management, financing and social control, which helps to curb welfare practices, clientelistic and paternalistic. From the study of a particular reality, aimed to investigate how the benefits are now possible: from is recognition, brought by LOAS by the presence of current law and documents, as Resolution 212, 2006, Presidential Decree no. 6.307, 2007, among others. KEYWORDS: Potential Benefits, regulation, LOAS, law, municipalities.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1: Mapa 1 – As DRADS do Estado de São Paulo ..................................................94

Imagem 2: Mapa 2 – Região Administrativa de Campinas ............................................... 96

Imagem 3: Mapa 2 – Regiões de Governo da Região de Campinas .................................. 98

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LISTA DE TABELAS E QUADROS

Quadro 1 – Comparativo entre BPC e BE ........................................................................... 77

Quadro 2 – Síntese das principais ações a partir da LOAS referente à regulação dos

benefícios eventuais junto aos municípios brasileiros ........................................................81

Quadro 3 – População, área e formação dos municípios pesquisados .............................101

Tabela 1 – Regulamentação dos Benefícios Eventuais junto aos municípios da Região

Mogiana do Estado de São Paulo........................................................................................ 102

Tabela 2 – Situação da regulamentação dos benefícios eventuais nos municípios e

DF ......................................................................................................................................... 104

Quadro 4 – Órgão responsável pela execução dos benefícios eventuais nos municípios da

Região Mogiana do Estado de São Paulo .......................................................................... 105

Quadro 5 – Fluxo de concessão dos benefícios eventuais .................................................. 107

Tabela 3 – Critérios para concessão dos benefícios eventuais ......................................... 109

Quadro 6 – Itens de cobertura como benefícios eventuais no Levantamento

Nacional ................................................................................................................................ 111

Tabela 4 – Frequência no atendimento dos benefícios eventuais..................................... 113

Quadro 7 – A existência de demanda reprimida nos municípios da DRADS

Mogiana ................................................................................................................................ 114

Quadro 8 – Benefícios eventuais oferecidos nos municípios da DRADS Mogiana ........ 115

Quadro 9 – Recursos destinados aos benefícios eventuais e sua fonte ............................ 118

Quadro 10 – Vínculo entre a concessão de benefícios eventuais e serviços soioassistenciais

nos municípios da DRADS Mogiana ................................................................................. 120

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LISTA DE SIGLAS

BE – Benefícios Eventuais

BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

BPC – Benefício de Prestação Continuada

CAP – Caixa de Aposentadoria e Pensão

CEAM – Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB

CEME – Central de Medicamentos

CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe

CF – Constituição Federal

CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

CIB – Comissão Intergestora Bipartite

CIT – Comissão Intergestora Tripartite

CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social

CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social

CONSEAS – Conselho Estadual de Assistência Social

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social

CRESS – Conselho Regional de Serviço Social

DATAPREV – Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social

DRADS – Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social

DEM – Democratas

DF – Distrito Federal

DST – Doença Sexualmente Transmissível

ECOSOC – Conselho Econômico e Social das Nações Unidas

ERAS – Escritórios Regionais de Assistência Social

FEPASA – Ferrovias Paulista S.A.

FLBA – Fundação Legião Brasileira de Assistência

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FMAS – Fundo Municipal de Assistência Social

FEAS – Fundo Estadual de Assistência Social

FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

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FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

FUSSESP – Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo

IAP – Instituto de Aposentadoria e Pensão

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

INAMPS – Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social

INSS – Instituto Nacional de Seguro Social

INPS – Instituto Nacional de Previdência Social

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LBA – Legião Brasileira de Assistência

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social

LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social

MUNIC – Pesquisa de Informações Básicas Municipais

NEPPOS – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Política Social da UnB

NEPSAS – Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Seguridade e Assistência Social

NOB – Norma Operacional Básica

NOB/SUAS – Norma Operacional Básica do Sistema Único da Assistência Social

ONU – Organização das Nações Unidas

PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público

PBF – Programa Bolsa Família

PCdoB – Partido Comunista do Brasil

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PFL – Partido da Frente Liberal

PIB – Produto Interno Bruto

PIS – Programa de Integração Social

PMAS – Plano Municipal de Assistência Social

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PMN – Partido da Mobilização Nacional

PNAS – Política Nacional de Assistência Social

PNUD – Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento

PP – Partido Progressista

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PPS – Partido Popular Socialista

PSC – Partido Social Cristão

PSB – Proteção Social Básica

PSDB – Partido da Social-Democracia Brasileira

PSE – Proteção Social Especial

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

PV – Partido Verde

RA – Região Administrativa

RMV – Renda Mensal Vitalícia

SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados

SEADS – Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social

SINPAS – Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social

SNAS – Secretaria Nacional de Assistência Social

SUAS – Sistema Único da Assistência Social

UNB – Universidade de Brasília

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................. 14

CAPÍTULO I ...................................................................................................................................................... 27

1. BENEFÍCIOS E AUXÍLIOS NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.................................................................... 27

1.1 – CONTEXTO HISTÓRICO DA PRESTAÇÃO DE AUXÍLIOS E BENEFÍCIOS ............................................................................ 27 1.2 – O SERVIÇO SOCIAL DE CASO ENQUANTO MÉTODO DE APOIO AO INDIVIDUO .............................................................. 34 1.3 – O PLANTÃO SOCIAL DO SERVIÇO SOCIAL DE CASO: A PORTA DE ENTRADA DA ATUAÇÃO SOCIOASSISTENCIAL ..................... 41 1.4 – A INSTITUCIONALIZAÇÃO FEDERAL E ESTADUAL (SÃO PAULO) DO AUXÍLIO SOCIAL ....................................................... 45 1.4 – A OFERTA DE AUXÍLIOS E BENEFÍCIOS NA ÓTICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL ................................................................... 53 1.5 – OS BENEFÍCIOS SOCIOASSISTENCIAIS NA ASSISTÊNCIA SOCIAL .................................................................................. 57

CAPÍTULO II ..................................................................................................................................................... 62

2. A TRAJETÓRIA E O CONTEXTO DOS BENEFÍCIOS EVENTUAIS ....................................................................... 62

2.1 – OS AUXÍLIOS NATALIDADE E FUNERAL ANTES DA LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL .............................................. 63 2.2 – OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS E A LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL ..................................................................... 74 2.3 – OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS POSTERIORES À LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL ..................................................... 79

CAPÍTULO III .................................................................................................................................................... 93

3. OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS NA PRÁTICA: ESTUDO DE UMA REALIDADE ..................................................... 93

3.1 – A DRADS MOGIANA: CENÁRIO DA PESQUISA ..................................................................................................... 93 3 .2 – PERFIL DOS MUNICÍPIOS PESQUISADOS .............................................................................................................. 96 3.2 – A PESQUISA ................................................................................................................................................ 100

COSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................. 123

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................................................... 132

ANEXO 1 ....................................................................................................................................................... 138

ANEXO 2 ....................................................................................................................................................... 142

ANEXO 3 ....................................................................................................................................................... 145

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INTRODUÇÃO

“Os benefícios eventuais passaram por importantes transformações até assumirem a forma assistencial atualmente vigente. A primeira forma que estes benefícios assumiram foi de auxílios por natalidade e morte como provisões do sistema de Previdência Social. Estes dois benefícios foram instituídos em 1954 pelo Decreto nº 35.448, em 01 de maio, sendo denominados de auxílio maternidade e funeral. Quando benefícios previdenciários, o auxílio funeral e maternidade eram oferecidos em pagamento único de um salário mínimo. Em ambos os casos era preciso ser segurado da Previdência Social. (...) Com a instituição da Lei 3.807 – Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, em 26 de janeiro de 1960, o auxílio-maternidade, que neste momento passa a ser chamado de natalidade, sofreu modificações que ampliaram o acesso, incluindo como dependente do segurado, além da esposa não segurada, a pessoa designada (...). A aprovação da LOPS, também, imprimiu mudanças no auxílio funeral, que passou a ser fixado a duas vezes o valor do salário-mínimo vigente (...). Neste sentido, os benefícios eventuais adotados na LOPS, configuraram um relativo avanço no esquema de proteção social brasileiro, pois apesar de se basearem por uma perspectiva contratual de seguro social, orientavam-se pelo princípio da universalidade, estabelecendo a ampliação de dependentes beneficiários e o valor do pagamento dos auxílios, que tinham como base o salário mínimo. A provisão dos benefícios eventuais sofreu novas alterações, com a Lei nº 8.213, de 24 de agosto de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, ao introduzir o princípio da seletividade na provisão dos benefícios eventuais, elegendo como beneficiário os segurados com renda correspondente, à época, até três salários mínimos, e ainda, restabelecia como limite máximo do valor do pagamento de ambos os auxílios à importância igual a um salário mínimo vigente. (...) Sem apontar as razões, os valores devidos aos benefícios eventuais tornaram-se distintos daqueles constantes na LOPS, sendo equivalente a 29,42% do salário mínimo para o auxílio natalidade e de um salário mínimo integral para o auxílio funeral. Observa-se com tais mudanças que os benefícios eventuais começam a reproduzir uma lógica de seletividade oposta as anteriores que permitiam o acesso de um público mais ampliado, embora ainda vinculadas à contribuição previdenciária. O cenário dos benefícios eventuais volta a mudar no ano de 1993, agora sendo transformadas suas características, seu público alvo e principalmente a política à qual passam a se vincular, quando o art. 40 da LOAS extingue os auxílios previdenciários substituindo-os pelos benefícios elencados no art. 22 da mesma lei. Segundo a LOAS a prestação dos auxílios natalidade e morte não deveriam sofrer solução de continuidade na sua passagem da órbita da Previdência para a Assistência. Entretanto, a distribuição desses benefícios foi sustada, deixando, a Política de Previdência, de provê-los em 1996.” (...) 1

A construção deste trabalho percorreu caminhos que se encontram no campo pessoal e

coletivo, cuja proposta de analisar, discutir e qualificar a regulamentação municipal ou

1 “Histórico dos Benefícios Eventuais”, descrição posta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) referente à categoria dos benefícios eventuais. Disponível em www.mds.gov.br/suas/revisoes_bpc/benefícios-eventuais/historico-dos-beneficios-eventuais. Acesso em 15 de ago. de 2008.

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ausência dela dos benefícios eventuais, no conjunto dos municípios brasileiros, foi moldada

por desafios e conquistas.

O texto acima, que abre a apresentação deste estudo, estava posto em 2008 2 no site do

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e faz referência ao histórico

destes benefícios como provisão social estatal. Sem contextualizar o trajeto, o texto mostra os

caminhos pelos quais estes benefícios passaram, desde a sua constituição, atrelados de início à

política previdenciária, até sua relação com a política de assistência social.

No entanto, esta síntese parece não ser do conhecimento de muitos gestores da

assistência social. Assertiva esta que se confirma quando, em contato com a região englobada

por este trabalho, um dado representante de um município fez o seguinte comentário: “(...)

mas você quer saber que tipo de benefício eventual? Aquele do tipo Bolsa Família, de

transferência de renda ou aquele do tipo para deficiente e idoso?(...) Assim, nasce o objeto

de estudo – os benefícios eventuais – instituídos desde 1954 no corpo da política

previdenciária, previstos a partir de 1993 na Lei Orgânica da Assistência Social mas que,

ainda em 2010, permanecem à margem das políticas de proteção social.

Acredita-se que a prática profissional do assistente social é campo privilegiado do

conhecimento quanto à implementação e execução da política pública de assistência social. A

partir dela, deram-se a abertura às primeiras indagações acerca dos benefícios eventuais.

Tendo o município de Mogi Mirim3, interior de São Paulo, como início desta inquietação, a

observação estendeu-se ao conjunto dos municípios da Região da Média Mogiana. O intuito

era entender, analisar e debater o que, de fato, era compreendido como benefícios inseridos

nesta categoria pelos gestores municipais.

Concomitante a isto, com a continuidade do processo de formação desta autora,

materializado por meio da realização do Mestrado, permitiu uma melhor formatação,

conhecimento e qualificação do objeto de estudo, o que imprimiu o rigor cientifico necessário

em virtude da participação nas aulas, nos núcleos de pesquisa e nos encontros de orientação

individual e coletiva.

Ao delimitar o objeto de estudo, percebeu-se, de início, certa discrepância da prática

versus a legislação. Distante de uma visão legalista, buscou-se compreender as determinantes

envolvidas face à atual conjuntura: questões políticas, econômicas, históricas e sociais, entre

2 Este histórico ainda permanece no site do MDS, porém com uma nova redação. Acesso em 07.08.10. 3 No começo dessa pesquisa a autora trabalhava nesse município, que se localizava no estado de São Paulo, na Região da Média Mogiana, permanecendo até janeiro de 2010. Eis os motivos da escolha dessa região: sua aproximação, conhecimento e alguns contatos em razão do trabalho.

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outras. Trata-se de uma pesquisa acadêmica que compreende os benefícios eventuais no

conjunto das relações de gestão da assistência social entre os entes federados. A posição

destes benefícios no campo da gestão merece ser pontuada, conhecida e melhor apresentada

no sentido de fortalecer a implementação da assistência social, de fato, enquanto política de

direito.

O Sistema de Único de Assistência Social (SUAS), instituído no Brasil desde 2005,

tem por finalidade trabalhar a política de assistência social de modo integrado e participativo

rumo à concretização plena dos direitos sociais instituídos na Constituição Federal de 1988.

A Carta Magna, ao instituir a assistência social enquanto política pública de

responsabilidade do Estado, inaugurou um novo contexto de reconhecimento e trato desta

(nova) área de atuação. A partir de então, tratou-se de qualificar uma política e, não mais,

endossar a ação benevolente de ajudar aos pobres e miseráveis, realizada de modo aleatório e

focalizada por meio de práticas clientelistas, paternalistas e assistencialistas, as quais,

historicamente, moldaram as relações sociais no Brasil.

A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), promulgada cinco anos após a

Constituição de 1988 (em 07/12/1993) regulamentou e orientou o recém estatuto de política

pública – a assistência social – quando estabelece os princípios e a organização para seu modo

de gestão. As devidas competências dos entes federados (União, estados, municípios e

Distrito Federal), os programas, benefícios, serviços e projetos, o financiamento e os órgãos

de controle social são detalhados nessa legislação.

Com base, portanto, na Constituição de 1988 e orientado pela LOAS, o SUAS propõe

a articulação entre serviços, programas, projetos e benefícios – nas três esferas de governo

(federal, estadual e municipal), de modo a organizar a gestão da política de assistência social,

cuja finalidade é garantir proteção social aos cidadãos brasileiros dentro do campo da

Seguridade Social.

Os benefícios eventuais, como provisão social básica, estão descritos no artigo 22 da

LOAS 4 – e fazem (ou deveriam fazer) parte da estrutura de funcionamento do SUAS. Tão

logo posto na lei, deveria ter sido regulado e implementado em todo território nacional. No

entanto, o que se observa na prática é o fato destes benefícios terem se tornados esquecidos, 4 A LOAS descreve dois benefícios assistenciais, como provisão social básica: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) no artigo 20, destinado aos idosos e pessoas portadoras de deficiência, cujo valor é de um salário mínimo e os Benefícios Eventuais (BE) no artigo 22, como provisão de auxílio por natalidade ou morte, além da situação de vulnerabilidade temporária (ambos orientados pelo corte de renda familiar de ¼ per capita). A implementação do BPC data de 1996, enquanto que os BE ainda não tem sua prática realizada em todo o país, contando tão só com um Decreto Federal, com a Resolução do CNAS e dispositivos de alguns municípios, como poderá ser constatado pela pesquisa empírica desse estudo e pelo Levantamento Nacional realizado pelo MDS juntamente ao CNAS em 2009.

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tratados à margem das legislações existentes. Estar instituído na LOAS não garantiu sua

implementação no conjunto de municípios brasileiros. A ausência de regulamentação

posterior a LOAS o levou a uma operacionalização desregulada, com presença difusa e

distante do campo dos direitos.

Oriundos da política previdenciária, estes benefícios ganham sua primeira formatação,

como auxílio maternidade e auxílio funeral, em 1954, por meio do Decreto nº 35.448. A

legislação que os regia designava o valor de um salário mínimo na concessão e discriminava

suas características de acesso ao grupo dos segurados.

As primeiras mudanças ocorridas na oferta destes auxílios se visualizam na Lei

Orgânica da Previdência Social (LOPS), instituída em 1960. Na ocasião, houve uma

ampliação do campo de acesso a este direito, em que a alteração da nomenclatura do auxílio

maternidade para auxílio natalidade acresce dependentes ao segurado, e o benefício destinado,

em casos de óbito, dobrou de valor.

Neste sentido, os benefícios eventuais adotados na LOPS, configuram um relativo avanço no esquema de proteção social brasileiro, pois apesar de se basearam por uma perspectiva contratual de seguro social, orientavam-se pelo princípio da universalidade, estabelecendo a ampliação de dependentes beneficiários e o valor do pagamento dos auxílios, que tinham como base o salário mínimo. (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME, 2008)

Mudanças subseqüentes voltaram a ocorrer no último quartil do século XX, em que,

por meio da Lei nº 8.213 (de 24/08/1991), que dispõe sobre os “Planos de Benefícios da

Previdência Social” deu início ao princípio da seletividade como mecanismo de acesso ao

auxílio natalidade e auxílio funeral. A partir deste momento, estes benefícios seriam

concedidos ao segurado que possuísse proventos de até três salários mínimos vigentes à época.

Conjuntamente a isto, a importância dos recursos ofertados foi atenuada significativamente: o

auxílio funeral passou de dois para um salário mínimo e o auxílio natalidade passou a

corresponder a uma cota única, o que equivalia a menos de 30% do salário mínimo. E, assim,

permaneceram por dois anos quando, em 1993, ao ser editada, a LOAS, estes auxílios

passaram a compor o corpo desta legislação.

De fato, ocorreu um avanço na CF/88, ao considerar a configuração da assistência

social nos moldes de uma política pública. Do mesmo modo, pode-se dizer da garantia de

benefícios assegurados como direito de cidadania. Todavia, há de reconhecer que o viés que

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levou a este caminho se deu muito mais pelo reconhecimento das ações oriundas da sociedade

civil do que pela responsabilização do Estado na atenção aos seus cidadãos.

Tradicionalmente, em nosso país, o Estado tem sido o último a responder diretamente pelas atenções sociais. Neste campo, tem prevalecido o princípio da subsidiariedade entre o estatal e o privado, em que o Estado transfere para a sociedade as responsabilidades maiores, restringindo-se à execução de ações emergenciais. Para tanto, tem utilizado da estratégia da delegação, manipulando subsídio, subvenções e isenções por meio do mecanismo de convênios e atribuição de certificados, numa pretensa relação de parceria ou de co-produção de serviços sob financiamento estatal. (MESTRINER, 2008, p. 21)

A atenção concedida ao cidadão é prática anterior à instituição desta política pública

no país. No contexto histórico da humanidade, identifica-se que de algum modo, em geral

pela sua norma moral, amparava-se os semelhantes. A partir desta linha do tempo, o primeiro

capítulo deste trabalho busca conhecer as formas mais presentes da concessão de auxílios,

destinados em espécie ou em bens, mas configurados, no mais das vezes, como esmola.

As participações da sociedade, do Estado e da Igreja foram, aqui, pontuadas em suas

ações mais significativas em relação à atenção dispensada ao conjunto de pobres e miseráveis.

Por décadas, sustentou-se o ideário da pobreza como intrínseco ao desenvolvimento da

espécie humana, que deveria estar sempre sob controle das forças hegemônicas do Estado, da

Igreja e da sociedade.

Em geral, a concessão de algum tipo de auxílio se dava por meio de ações de cunho

caritativo, beneficente, misericordioso. No mais das vezes, esta incumbência se destinava à

Igreja, que se tornou o ícone de referência no cuidado e trato com os indivíduos em situação

de pobreza.

A benemerência se expressou em todos os níveis e foi alvo de inúmeras regulamentações. A nobreza criou o “esmoler” para recolher o benefício e os “vinteneiros” para verificar a necessidade; a Igreja criou os diáconos, que visitavam os assistidos e mediam suas necessidades; as misericórdias coletavam esmolas para ajudar principalmente os órfãos e se constituíram na primeira forma organizada de assistência no Brasil; os “bodos” foram também uma forma de acesso dos pobres a alimentos distribuídos pela Igreja. (MESTRINER, 2008, p. 15)

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No entanto, a participação do Estado começou a ser registrada, de fato, a partir da

instituição da Poor’s Law (Lei dos Pobres) por volta de 1600, ainda que voltada ao controle

da miséria em evidência e expansão. O intuito se centrou em instituir as primeiras medidas de

proteção social o que, na prática, se traduziu em estimular o trabalho, manter a ordem e punir

os ociosos e vagabundos.

Certo controle também se observou na promulgação das Encíclicas Papais, nas quais,

de maneira harmoniosa, a Igreja mediava a relação conflituosa existente na sociedade. Era

preciso, de modo pacífico, manter a conciliação da pobreza existente, ao mesmo tempo em

que se preservava a riqueza das classes abastadas, isto é, pregava-se a boa convivência das

classes sociais.

A trajetória em conhecer as formas de auxílio apresenta o método do Serviço Social de

Caso enquanto técnica de ação destinada ao exercício da ajuda face à situação de pobreza e

miséria. Na realidade, esta prática orientava-se pela resolução/normalização do

desajustamento do indivíduo. Com isso, passou-se a padronizar os procedimentos por meio de

instrumentais, documentos, metodologia e planejamento direcionados a orientar e organizar a

concessão de auxílios.

Desde a instituição do Serviço Social no Brasil, em 1936, este método de trabalho foi,

por décadas, referência profissional no trato da questão social. Somente no século XX, na

década de sessenta, ele passou a ser repensado e criticado na perspectiva de cumplicidade dos

seus fundamentos com a manutenção desigual da realidade brasileira e latino-americana. O

chamado Movimento de Reconceituação, iniciado a partir de então, aconteceu em toda

América Latina e propunha rever a adoção de “metodologismos” oriundos de outras

realidades, uma vez que, até o momento, a prática profissional se guiava pelos ideários

europeus e norte-americanos.

Em geral, o lócus de reprodução deste método se dava no chamado “Plantão Social”.

Considerados, ainda hoje, como a “porta de entrada” do cidadão no acesso à atenção por parte

da política de assistência social, o que tanto pode se comportar como um referencial na

formulação de políticas públicas como um reprodutor de ações assistencialistas. Na realidade,

esta é uma das práticas mais antigas de concessão e solicitação de algum tipo de auxílio e,

ainda hoje, encontra-se presente no conjunto dos municípios brasileiros. Segundos dados da

última pesquisa Munic 5, em 2009, quase 50% das cidades brasileiras ainda preservava este

tipo de serviço, o que mereceu destaque neste texto.

5 A Munic é a pesquisa de informações básicas municipais que efetua anualmente um levantamento pormenorizado de informações referente a gestão municipal no que tange a sua estrutura, dinâmica e

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Ao longo da história observam-se outras formas institucionalizadas, tanto em âmbito

federal quanto estadual, na concessão de algum tipo de auxílio e/ou ajuda. A Legião Brasileira

de Assistência (LBA), instituída no Brasil em 1942, foi por quase meio século referência

nacional no trato da ajuda organizada aos mais pobres. Dirigidas pelas primeiras-damas do

país, legitimou-se como fundação (FLBA) em 1974, o que a firmou como órgão estatal

responsável pela concessão de auxílio a pobres e miseráveis.

O Estado de São Paulo foi ‘contemplado pela ilustre presença’ dos Fundos Sociais de

Solidariedade – funcionando junto ao órgão gestor e com ação paralela à política de

assistência social são, em geral, conduzidos por primeiras-damas. Instituídos na década de

1960, são ainda hoje destinados a organizar e trabalhar a generosidade da sociedade civil sob

comando, em geral, da primeira-dama do estado paulista. Geralmente por meio das

campanhas, doações e ideologia do voluntariado, destina-se algum tipo de auxílio àqueles em

situação de penúria. Na realidade, eram ações assistencialistas que endossavam a prática da

caridade e que ainda persistem nos dias atuais.

Outras práticas neste mesmo viés podem ser observadas no contexto do país. Na era

dos direitos e reconhecimento de políticas públicas, proclamam-se, em bandeira estatal,

programas como o “Comunidade Solidária”, dirigido, também, pela primeira-dama do país

em substituição à antiga LBA. Ao focar sua prática nos mais pobres e contar com o apoio de

voluntários e parceiros no exercício das ações, desresponsabilizam o Estado e desviam os

princípios dos direitos de cidadania.

O que se busca apontar, ao longo do primeiro capítulo, é o quão dúbia é a concessão

de auxílios ao longo da história. Em geral, há uma relação direta entre o auxílio e a ajuda, isto

é, entende-se a atenção como um mecanismo de exercício da caridade, da boa ação. Ocorre

que este ideário permaneceu por décadas e não se tornou nulo face à promulgação de leis e

reconhecimento de direitos.

Ao que parece, ao considerar a centralidade do trabalho em relação às benesses, delas

os benefícios são parte, fora são concessões. Com isso, o seguro social, materializado pelas

Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) começou, a partir de 1923, a organizar seus

benefícios contributivos ao conjunto de seus segurados. Não se destinava atenção a todos, mas

sim a grupos específicos que contribuíam para a manutenção sistema.

funcionamento, compreendendo as diversas políticas públicas que envolvem o governo municipal. Esta pesquisa ocorre desde de 1.999 e o conjunto de dados encontram-se disponíveis nos site do IBGE: www.ibge.gov.br

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Estas categorias foram unificadas na década de trinta (século XX) formando os

Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) e, em 1960, com a instituição da LOPS foram

padronizados e passaram a ser regidos por um sistema único de previdência social gerida pelo

Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que vigorou até a Constituição Federal de

1988, quando foi substituído pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que administra

a política previdenciária até os dia atuais.

Com isto, a Carta Magna de 1988 reconheceu a concessão de auxílio e/ou benefícios

ora como direito exercido pela política de assistência social, ora pela previdência social,

conforme sua característica, mas que, em conjunto com a política de saúde, compuseram o

princípio da Seguridade Social.

Os benefícios socioassistenciais assegurados na LOAS foram melhor definidos,

qualificados e enquadrados sob os títulos de benefício de prestação continuada (BPC) e

benefícios eventuais (BE) os quais, em conjunto aos serviços, programas e projetos devem

estar articulados, conforme também prevê o Protocolo de Gestão Integrada editado em 2009

pela Comissão Intergestora Tripartite (CIT).

Os benefícios eventuais – objeto de estudo deste trabalho – serão contextualizados ao

longo de todo o segundo capítulo. Neste sentido, caminha-se rumo à sua história e vigência

atual. Conhecidos como tal desde a instituição da LOAS, estiveram sob responsabilidade da

política previdenciária (como auxílio natalidade e auxílio funeral) até sua transferência para a

política de assistência social.

Ao longo deste capítulo registram-se as diversas legislações editadas na concessão

destes auxílios, salientando que estes, quando migraram para assistência social, tornaram-se

extremamente reduzidos e focalizados, direcionando a atenção aos considerados

extremamente pobres, expressos pelo corte de renda per capita familiar de até ¼ do salário

mínimo para ter acesso. No entanto, ao mesmo tempo ampliou o leque de oferta e atenção,

não se limitando apenas ao auxílio natalidade e auxílio funeral. O inciso 2º do artigo 22 diz

que poderão ser estabelecidos outros benefícios eventuais a fim de atender as necessidades

oriundas da situação de vulnerabilidade.

Isto, na prática, tornou-se dúbio, pois ampliou e limitou a ação em qualificar o que, de

fato, se configura como benefícios eventuais e o que será por eles coberto. Amplia no sentido

de respeitar e considerar as especificidades de cada município brasileiro; e entende-se o limite

ao observar que o não conhecimento neste campo de atenção, por parte da política de

assistência social, pode levá-la a reconhecer benefícios de outras políticas no quadro de seus

benefícios eventuais. Isto se observa como realidade por meio da pesquisa empírica deste

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trabalho e pelo Levantamento Nacional realizado pelo MDS em 2009 em que os municípios

possuem as mais diversas atenções no campo dos benefícios eventuais: fotos, segunda via de

documentos, agasalhos, vestuário, cobertores, pagamentos de taxas, aparelhos ortopédicos,

cadeira de rodas, muletas, fraldas, cesta básica, leite em pó, pagamento de aluguel, uniforme

escolar, material esportivo, entre outros.

Ocorre que, historicamente, muitos atores mal intencionados ou desprovidos do caráter republicano que deve reger a gestão pública e/ou o interesse coletivo tiraram proveito dessa indefinição. De um lado, acomodando orçamentos, transferindo para o “pote” da assistência a responsabilidade pela provisão de BEs de qualquer natureza. Por outro lado, provocando a manutenção de uma rede privada, que para angariar recursos do fundo público, presta atenções nas mais variadas frentes de necessidades humanas reunidas sob a pecha de “assistência social”. (PAULA, 2010, p. 65)

No corpo da LOAS estes benefícios se enquadram como sendo de responsabilidade

dos municípios e seus respectivos estados e do Distrito Federal. Ou seja, a União possui um

papel limitado em relação à sua regulação. A “horizontalidade” trazida pela CF/88, em que se

dividem poderes e responsabilidades, deixou, em relação à regulamentação dos benefícios

socioassistenciais previstos na LOAS, a cargo da União a regulamentação dos benefícios

continuados e aos estados, municípios e Distrito Federal, a regulação dos benefícios eventuais.

Portanto, a regulação destes (BE) não é possível ocorrer em âmbito federal. Esta deve ser

fomentada nos municípios, nos estados e no Distrito Federal por meio de seus respectivos

Conselhos de Assistência Social. Conforme dispõe o inciso 1º do artigo 22, ao CNAS cabe

definir prazos e critérios para sua concessão.

Neste sentido, em 2006 o CNAS editou a Resolução nº 212 (em 19/10/2006) com a

finalidade de propor critérios para a regulamentação na provisão destes benefícios. Tal ação

seria uma espécie de “norte” para dar início (ou continuidade) aos processos de

regulamentação destes junto aos municípios brasileiros. Descrita no âmbito da política pública

de assistência social, esta Resolução 212 definiu e caracterizou os benefícios eventuais por

morte, natalidade e calamidade pública, além de fixar critérios e prazos para a regulamentação

destes.

O artigo 14 estabeleceu que sua inclusão em lei orçamentária do Distrito Federal e dos

municípios se daria no prazo de até doze meses e sua implementação até vinte e quatro meses,

a contar da data da publicação desta Resolução. O artigo 15, na seqüência, pontuou que os

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estados devem definir sua participação junto ao co-financiamento desta provisão perante os

municípios. Isto a partir da:

I - Identificação dos benefícios eventuais implementados em seus municípios, verificando se os mesmos estão em conformidade com as regulamentações específicas; II – levantamento da situação de vulnerabilidade e risco social de seus municípios e índices de mortalidade e de natalidade; e III – discussão junto a CIB e aos conselhos estaduais de assistência social. Parágrafo único. O resultado desse processo deverá determinar um percentual de recursos a ser repassado a cada município, em um prazo de oito meses após a publicação desta resolução.

Mas, na prática, o que se observa é uma verdadeira confusão nas ações. Em outras

palavras, este documento fixou os prazos há quatro anos e até hoje a situação permanece

incompleta. De fato, identificou-se um avanço nos processos de regulamentação posterior a

2006 e 2007, conforme apontou o Levantamento Nacional, em que, dos 1.229 municípios que

declaram ter esses benefícios regulados nos moldes das legislações especificadas, 853 o

fizeram posterior a esta Resolução de 2006 e ao Decreto Presidencial de 2007. Além disto, a

quase total ausência dos estados na fomentação e participação deste processo de regulação se

verifica na realidade atual, face às inexpressivas ações nesse sentido.

Em 2007, instituiu-se o Decreto Presidencial nº 6.307 em 14/12/2007, o qual dispõe

sobre os princípios, a concessão, o destino e as competências destes benefícios perante o

Sistema Único da Assistência Social. A finalidade centrava-se em dar continuidade ou mesmo

suscitar a regulação deste direito em âmbito municipal, estadual e distrital.

Coube à União caracterizar os benefícios eventuais. Neste sentido, o artigo 1º do

referido Decreto estabelece que “Os benefícios eventuais são provisões suplementares,

prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de

vulnerabilidade temporária e de calamidade pública”. Tendo, portanto, os seguintes

princípios:

I - integração à rede de serviços socioassistenciais, com vistas ao atendimento das necessidades humanas básicas; II - constituição de provisão certa para enfrentar com agilidade e presteza eventos incertos; III - proibição de subordinação a contribuições prévias e de vinculação e contrapartidas;

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IV - adoção de critérios de elegibilidade em consonância com a Política Nacional de Assistência Social - PNAS; V - garantia de qualidade e prontidão de respostas aos usuários, bem como de espaços para manifestação e defesa de seus direitos.

Assim, os benefícios eventuais constituem-se em importantes provisões do sistema de

proteção social básica não contributiva, colaborando na prevenção de situações de risco social

por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições além do fortalecimento dos

vínculos familiares e comunitários. Princípios estes em consonância com a Política Nacional

de Assistência Social (PNAS), de 2004.

No entanto, instituir benefícios como um direito social e descrevê-los no corpo da Lei

Orgânica não foi (e não é) suficiente para uma execução como tal. A ausência de

regulamentação posterior a LOAS o levou a uma condição de operacionalização limitada,

incompleta e imprecisa. Isto é, limitada por não se destinar um campo próprio para tratar estes

benefícios; imprecisa, por não haver um entendimento legal do que eles devem prover e

incompleta, por entender que estes benefícios complementam a rede de proteção social. Estar

posto na LOAS não garantiu sua implementação nos municípios brasileiros. A ausência de

regulação posterior o levou a uma condição desregulada.

A isso se dedica o terceiro capítulo deste trabalho: conhecer como se encontra na

prática a operacionalização dos benefícios eventuais. Logo de início, aponta-se à morosidade

no trato à questão: passados dezessete anos, estes benefícios ainda se encontram numa

condição marginal junto à política pública de assistência social executada nos municípios

brasileiros.

A pesquisa empírica, que embasa esta dissertação, foi realizada junto a DRADS

Mogiana 6 e busca exemplificar as observações apresentadas aqui. Nesta amostra, propõe-se

constatar a hipótese levantada: “a ausência de implementação dos benefícios eventuais nos

municípios se traduz como realidade expressa 7” .

6 A Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social (DRADS) Mogiana responde por vinte municípios, são eles: Aguaí, Águas da Prata, Caconde, Casa Branca, Divinolândia, Espírito Santo do Pinhal, Estiva Gerbi, Itapira, Itobi, Mococa, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Santa Cruz das Palmeiras, Santo Antonio do Jardim, São José do Rio Pardo, São João da Boa Vista, São Sebastião da Grama, Tambaú, Tapiratiba e Vargem Grande do Sul. Trata-se de uma divisão adotada para o Estado de São Paulo pela Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social (SEADS) no que tange a política de assistência social quanto à gestão e organização. 7 Infelizmente se faz necessário destacar que há quase dois anos vem se mantendo contato com os vinte municípios no sentido de colaborar com a pesquisa deste trabalho. No entanto, nem todos os municípios foram receptivos e retornaram os questionários respondidos, outros tantos responderam as questões de modo incompleto. Isto será detalhado ao longo do terceiro capítulo e acabou por levantar questões acerca dessa

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A presente análise de estudo foi desenvolvida por meio de pesquisa exploratória, de

natureza quanti-qualitativa, nas modalidades: bibliográfica e de campo. Autores do Serviço

Social e de outras ciências sociais nortearam a compreensão e formulação de idéias, as

legislações existentes contribuíram por embasar nosso objeto de estudo e o contato com os

municípios permitiu um olhar sobre a realidade existente.

Desde o início optou-se pela abordagem que “compreende uma relação intrínseca de

oposição e complementariedade entre o mundo natural e social, entre o pensamento e a base

material” (MINAYO, 1994, p. 25) em que “busca-se encontrar, na parte, a compreensão e

relação com o todo” (MINAYO, 1994, 25). Isto é, parte-se de uma realidade singular,

atrelando-a ao contexto universal, a fim de possibilitar a indicação das particularidades que

servirão como indicativos para se trabalhar as hipóteses elencadas. É possível reconstruir o

objeto de estudo da pesquisa como ‘concreto pensado’, ou seja, o pesquisador esforça-se para,

com o auxílio da razão, rever criticamente a realidade com a qual lida e reconstrói situações

concretamente postas na realidade.

Deste modo, elaborou-se um formulário (anexo 01) referente à situação dos benefícios

eventuais no conjunto dos municípios desta região, cujo objetivo foi conhecer sua realidade

no que tange a gestão e implementação. Os dados conferidos pelo “Relatório do

Levantamento Nacional dos Benefícios Eventuais” permitiu um contraste e uma análise

comparativa entre o local e o nacional.

As legislações e normativas instituídas até este ano de 2010 demandaram grande

esforço para dar conteúdo e precisão aos benefícios eventuais, pois regulamentar e

implementá-los no Brasil passa obrigatoriamente pela necessidade de romper com a incerteza

de sua provisão e instituir a certeza, para além de uma provisão caso a caso, adotando uma

perspectiva de direito e de universalidade e ainda de ação organicamente articulada com os

serviços socioassistenciais e com as demais políticas públicas. No entanto, as várias

iniciativas e normatizações descritas aqui ainda não foram suficientes para que este benefício

fosse realmente implementado no conjunto dos municípios brasileiros.

Sem esgotar o debate, traz-se esta discussão à tona, pois se trata de um direito social

relegado ‘a segundo plano’. Ao regulamentar e implementar os benefícios eventuais no Brasil,

na perspectiva do direito, caminha-se no sentido de instituir uma política de caráter universal

limitação ou como possível incapacidade dos municípios em participar de um trabalho acadêmico. Afinal, trata-se de conhecer um direito público, que parece ser pouco transparente.

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operacionalizada de modo coerente, sintonizada e precisa, dentro dos princípios e diretrizes

construídas pelo SUAS.

Tal perspectiva se coloca contrária a um beneficio operado historicamente de forma

fragmentado e dissociado dos princípios de uma política de proteção social não contributiva.

Aqui reside a necessidade de fazer entender que ocorrências de vulnerabilidade social e

calamidade pública merecem respostas e atenção na perspectiva do direito e da universalidade,

sendo e estando devidamente qualificadas e reguladas.

Há de se reconhecer, ainda, que esses benefícios, se tratados ao acaso, constituem-se

em campo estratégico para a prática do assistencialismo e clientelismo, sendo comumente

usados como moeda de troca nas barganhas políticas, além de reforçar a não especificidade da

política de assistência social, em que se atende o que se pode, como pode, sendo ou não da

alçada da política de assistência social.

Ademais, do ponto de vista da gestão das políticas públicas, a não regulamentação dos Bes caracteriza um procedimento politicamente incorreto e traiçoeiro, conhecido como não-ação governamental, porque, paradoxalmente, produz efeitos sociais mais danosos do que qualquer tentativa de intervenção pública. Isso porque, a não-ação, por ser aparentemente inexistente, não é identificada, controlada e avaliada e, por isso, dá margem ao surgimento de ações improvisadas, intuitivas, quando não inconseqüentes ou até oportunistas. (PEREIRA, 2010, p.17)

A regulamentação do artigo 22 da LOAS traduz-se não só em reconhecer o acesso

desmercadorizado a um direito social, mas compõe, também, o SUAS para que opere a

política de assistência social dentro do campo da Seguridade Social. Sob a égide da

responsabilidade estatal, compreende a atenção e especificidade desta política distante da

focalização e redução que sofreu o auxílio natalidade e auxílio funeral no translado de uma

política para outra, o que endossou um estigma, ao invés de assegurá-lo como campo de

atenção.

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CAPÍTULO I

1. BENEFÍCIOS E AUXÍLIOS NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA

SOCIAL

Conhecer e entender a trajetória histórica de benefícios e auxílios não contributivos de

proteção social é parte integrante desta dissertação e seu objeto de estudo.

A finalidade deste capítulo é buscar contextualizar ao longo do tempo as práticas e

ações mais evidentes e presentes para auxiliar pessoas através da transferência de renda e bens.

Estas, em momentos vulgarizadas como esmola no campo privado, constituem-se em auxílios,

em práticas ou ações sociais no campo da ciência aplicada, no caso o Serviço Social, e a partir

da Constituição de 1988 (CF/88) foram classificadas como parte da política pública de

assistência social.

A concessão de benefícios e prestação de auxílio estão presentes na trajetória da

assistência social antes do seu reconhecimento enquanto dever de Estado e direito do cidadão,

o que ocorreu a partir da Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica de Assistência Social

(LOAS) em 1993. Até porque muitas destas práticas e ações da assistência social foram

nomeadas principalmente pela ordem contabilista financeira como transferência de bens em

espécie, financeiros e materiais a pessoas comprovadamente necessitadas.

A nominação de benefícios foi institucionalmente construída no campo da previdência

social. A partir da CF/88, com o estatuto de política pública de assistência social, é que a esta

é transferida a nomenclatura de benefícios antes operados pela política previdenciária, como a

Renda Mensal Vitalícia (RMV), os auxílios natalidade e auxílio funeral. Na assistência social,

estes foram categorizados pela sua duração em permanentes ou eventuais.

1.1 – Contexto histórico da prestação de auxílios e benefícios

Na história da concessão de auxílios e benefícios tem-se apontado que as famílias, os

clãs e as tribos eram a referência no cuidado de seus membros e tinham por função e

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responsabilidade ajudar seus pares, o que acontecia conforme suas respectivas culturas e

costumes. Aqueles que não conseguiam meios de sobreviver, seja porque eram velhos ou

doentes, ou ainda pelo fato de não haver arrimo, como, por exemplo, as viúvas, as crianças

órfãs e/ou abandonadas, eram ajudados pelos considerados mais “aptos”.

Registra-se que a adoção de uma prática mais ordenada por parte de um governo

ocorreu, provavelmente, durante o Império Romano, sendo que este foi: “[...] o único

governo a estabelecer um plano sistemático de distribuição de espórtulas, entretendo desse

modo grande quantidade de pobres e desempregados com víveres e espetáculos.” (VIEIRA,

1977, p. 29).8

Ainda durante o período conhecido como “Era da Cristandade”, a família continuou

como a grande responsável e cuidadora das fragilidades de pessoas próximas e conhecidas,

sob o exercício da caridade. Todavia, estava em questão não só quem recebia ajuda, mas

também quem a praticava: “Ajudar o pobre, recebê-lo, é meritório, pois ele representa a

própria pessoa do Salvador. A caridade constituía, assim, para quem a dispensava, um meio

de alcançar méritos para a vida eterna: era uma virtude.” (VIEIRA, 1977, p. 30). Esta

prática transformada em virtude funcionava como uma “moeda de troca”: quem a praticava

tinha algumas recompensas e dotava de certo prestigio.

A Igreja, através das Irmandades e Congregações Religiosas, fazia-se presente em

obras de caridade, nos hospitais, orfanatos e em escolas (vinculados diretamente aos

Mosteiros). Além disto, atribui-se de responsabilidade de recolher e distribuir, por meio dos

Diáconos, os auxílios e as esmolas destinados aos pobres.

As Congregações Religiosas constituídas entre os séculos XIII e XIV materializaram a

prática da ajuda, auxílios materiais, assistência hospitalar e visitas domiciliares aos seus

atendidos. Era consenso – por parte dos governantes da época (reis e imperadores) – que cabia

ao meio religioso exercitar a prática da caridade e aos governos locais (as Comunas

Municipais) atribuía-se à função de manutenção interna e defesa do território.

8 Neste contexto, a autora (Balbina O.Vieira) faz referência à política conhecida como Pão e Circo, adotada pelo imperador romano Otaviano (ou Augusto como passou a ser chamado) durante o período conhecido como Paz Romana. Esta política se configurou, portanto, como uma das medidas adotada por este imperador no intuito de estabelecer o controle das camadas mais pobres, consistindo-se na distribuição de trigo e na realização de grandes espetáculos que serviam para ocupar o tempo da plebe que vagava por Roma sem emprego e sem outro meio de sobrevivência. Calcula-se que cerca de 200 mil pessoas eram mantidas pelo Estado, recebendo uma ração de alimentos e diversões constantemente.

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O exercício da caridade foi, por séculos, a prática de atenção aos expostos às situações

de pobreza, expressando na família e posteriormente na Igreja o dever de exercitar este feito.

Além disto, a “[...] pobreza é vista como algo natural, decorrente da ‘ausência de

civilização’ e do acelerado processo de urbanização e industrialização, que imprime uma

diferenciação social e econômica, absorvida como um custo social inerente ao

desenvolvimento [...]” (SPOSATI, 1988, p. 21). Era natural o entendimento de que o

crescimento e o desenvolvimento de uma sociedade levassem ao surgimento do estado de

pobreza e miséria, isto era visto como intrínseco e até mesmo inevitável ao processo de

evolução, pensamento que perdurou por séculos.

Era habitual e consenso que os mais “aptos” conseguiriam se sustentar ou sobreviver e

os mais “fracos” (em geral crianças, adolescentes, menores abandonados e infratores, idosos,

pessoas com alguma deficiência e também as mulheres) ficariam à mercê de ajudas e esmolas.

Estas, em geral, ficavam concentradas nas Igrejas, mas eram oriundas de indivíduos (grande

maioria senhoras) que doavam seus “trocados” aos pobres carentes. Na realidade, a esmola

era tida como a prática mais precisa e direta de fornecer ou ofertar ajuda aos necessitados. Era

por meio dela que a grande maioria dos miseráveis tinha acesso ao mínimo de sobrevivência:

comida, roupa, medicamentos etc.

Durante o período histórico conhecido como Renascimento, a caridade ampliou seu

enfoque, chamando mais enfaticamente a sociedade para a execução dessa prática:

[...] até então a caridade representava um meio de santificação para aquele que a praticava [...]. Sobre a influência de alguns escritores, entre eles Jean Jacques Rousseau, nasce a ‘filantropia’, ou seja, a caridade secularizada9, separada muitas vezes da idéia religiosa, e considerando o auxílio ao outro como um dever de solidariedade natural. (VIEIRA, 1977, p. 33)

No intuito de concentrar ações para manter o controle da situação de miséria e pobreza,

amplia-se o apelo pelo qual ‘cuidar dos pobres’ não mais se configurava apenas como

incumbência religiosa, ou restrita ao meio familiar, mas faziam-se necessárias ‘ações mais

precisas’, quer fossem advindas da sociedade, dos governos ou mesmo da Igreja, isto é, todos

deveriam, de alguma forma, auxiliar os mais necessitados.

9 Secularização é a libertação do homem em primeiro lugar, do controle religioso e depois do controle metafísico sobre sua razão e sua linguagem. (VIEIRA, 1977, p. 32)

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No entanto, embora houvesse este entendimento, no mais das vezes, os auxílios aos

pobres eram prestados pelo meio familiar, por terceiros, pela sociedade ou mesmo por órgãos

religiosos. A preocupação, em geral, dispensada pelos governos aos pobres, em cada período

histórico, limitava-se a manter o controle e a ordem. Não havia ainda dispositivos legais de

acesso aos auxílios como sendo direito, nem mesmo se entendia a existência da indigência

como construção complexa. No entanto, iniciavam-se as primeiras legislações e o fomento de

ações mais pontuais realizadas por meio da Igreja e do Estado.

As Misericórdias, instituídas por volta de 1498, tiveram influência direta na

colonização brasileira, com papel específico no amparo aos mais pobres. A Irmandade

composta por homens ricos (os “homens-bons”) que se comprometiam a pratica das

misericórdias para ‘salvar suas almas’, adotava a ideologia religiosa de fazer o bem e ser

misericordioso no trato à situação de pobreza, foi considerada a primeira e duradoura

instituição de amparo social de expressão no Brasil. Vinda de Lisboa e dotada pelos ideários

da esmola como ajuda, ela surge em vários pontos do país, assegurando dote aos órfãos e

caixões para enterros dos pobres alunos. Na realidade, a Irmandade de Misericórdia aliviava o

sofrimento, sua atenção sempre pontual dava ‘status’ a quem dela participava, este era o

principal atrativo para tornar-se um membro, pois tal participação seria alvo de alguns

privilégios políticos. Para Sposati (1988) a Irmandade constitui-se num espaço higiênico-

assistencial, atendendo hansenianos, mas também se dedicando aos exposto, isto é,

Outra iniciativa, também delegada à Irmandade de Misericórdia, foi a atenção aos expostos, ou às crianças abandonadas. Isto vai ocorrer com a criação da primeira Roda, de 1825, junto ao novo prédio do hospital da Irmandade de Misericórdia, na Chácara dos Ingleses. Este, reconhecido como o Hospital da Caridade, e após como Santa Casa, reinicia, nesse mesmo momento, 1825, seu funcionamento, interrompido por vários anos. A Roda10 era um simples mecanismo instalado na Santa Casa, que possibilitava a entrada da criança sem a identificação do portador. (SPOSATI, 1988, p. 75)

Já, a Poor’s Law (Lei dos Pobres) 11 instituiu as primeiras medidas de ‘proteção social’

de cunho estatal, tendo sido impulsionadas por uma monarquia muito preocupada com os

10 A Roda dos Expostos permaneceu em vigor até sua extinção por meio do Código de Menores, o que ocorreu em 1927. 11 As Leis dos Pobres (Poor’s Law) formavam um conjunto de regulações pré-capitalistas que se aplicavam às pessoas situadas à margem do trabalho, como idosos, inválidos, órfãos, crianças carentes, desocupados voluntários e involuntários, etc. Contudo, a despeito de, na aparência, esse conjunto de regulações se identificar com a pobreza, era no trabalho que ele se referenciava. Tanto é assim que, entre 1536 e 1601, as Leis dos Pobres,

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efeitos sociais desagregadores, ampliados, neste contexto, pela exacerbada exploração da

mão-de-obra. Esta lei é considerada o marco inicial de criação e/ou nascimento da assistência

pública; sendo, talvez, a primeira legislação nesta área, demarcou a instituição de auxílios e

socorros públicos aos mais necessitados, recursos esses oriundos do aparelho estatal da época.

Na realidade, a Lei dos Pobres muito mais se enquadrava como mecanismo de

controle (do ócio e da vadiagem) do que propriamente como instrumento legal do exercício da

ajuda, uma vez que cada município deveria cuidar dos seus pobres, restringindo e dificultando

a andança destes de um lugar para outro. Além disto, buscava fiscalizar e melhor distribuir as

esmolas, o que enquadrava esta legislação numa matriz disciplinadora.

No final do século XVIII, em 1795, com as grandes crises, os juízes ingleses, diante da fome, arbitraram um mínimo na cidade de Speenhamland, que configurou o primeiro mínimo social, baseado no preço do pão (era distribuído aos pobres o valor diário do preço do pão). Com o auge do liberalismo, em 1834, surgiu uma nova legislação na Inglaterra estabelecendo o internamento dos pobres nas Work’s Houses, que alguns estudiosos chamam de verdadeiras casas de tortura do trabalhador. Nessas casas, a mortalidade era enorme. Lá se recolhiam os incapazes de trabalhar, os velhos, as crianças e mulheres, que eram obrigados a aprender um ofício. [...] Refiro-me a isso para mostrar como a visão estigmatizadora do liberalismo acabou por colocar os mínimos sociais numa perspectiva de que é o mercado que se resolve a questão da sobrevivência, e o Estado atuava mais enfaticamente na repressão do que propriamente na ajuda. Assistência e repressão caminham juntas por muito tempo. (FALEIROS, 1997, p. 12)

A Poor’s Law preconizava a punição dos vagabundos e o estímulo ao trabalho e não

somente o amparo aos expostos. Mesmo porque a ideologia política predominante na época –

liberalismo – defendia o mercado como órgão regulador, ao Estado cabia a função de

controlar a situação, mesmo por meio da repressão e da violência.

A Poor’s Law e as Misericórdias distintas, ideológica e estruturalmente, tinham o foco

na pobreza e no pobre: a primeira de caráter mais disciplinador e punitivo; a outra com

enfoque mais religioso e bondoso, valorizando o doador.

A Revolução Francesa, ocorrida em 1789, fortemente inspirada pelos ideais

iluministas do século XVIII, adotou os preceitos de igualdade, liberdade e fraternidade, que,

de par com o Estatuto dos Artífices, compuseram o Código do Trabalho na Inglaterra; e em 1662, incorporaram a Lei de Domicílio que restringia a mobilidade espacial de pessoas, protegendo as paróquias mais dinâmicas da invasão de indigentes de paróquias menos ativas. Esse conjunto de leis era mais punitivo que protetor. Sob a sua regência, a mendicância e a vagabundagem eram exemplarmente castigadas. Todos eram obrigados a trabalhar sem ter a chance de escolher as suas ocupações e a de seus filhos. (POLANYI, 1980, p. 87). A Lei dos Pobres sofreu mutações e permaneceu até o século XX.

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apesar de não alterarem as desigualdades sociais, mudaram profundamente a relação dos

homens com a esfera sócio-política, bem como sua relação com o Estado.

Na prática, a Revolução Francesa colocava fim à sociedade estamental existente até

então, ou seja, acabava com a estrutura sócio-política que separava os homens em grupos

sociais e regulamentava privilégios a apenas uma minoria. Abolia, assim, a diferença entre os

diversos grupos sociais dentro do plano jurídico no que tange aos direitos e deveres de cada

um perante o governo e a sociedade. Estes ideais, deixados pela Revolução Francesa,

influenciaram todo o ocidente, demarcando o princípio pelo qual todos os homens são iguais

perante a lei, independente de suas condições sociais, culturais e econômicas.

Com o advento da Revolução Industrial, por volta de 1800, as forças livres do

capitalismo industrial expandiram-se, trazendo consigo um conjunto de mudanças

tecnológicas que modificaram todo o processo produtivo, tanto em nível econômico quanto

social. O domínio sobre os meios de produção foi o mais forte elemento que deu à classe

dominante o controle sobre o trabalho e os trabalhadores, que se viram sem meios de

sobreviver fora do mercado de trabalho. Essas mudanças ampliaram ainda mais a situação de

miséria e pobreza vivenciada pela população da época, pois os ganhos oriundos do trabalho

(quando existente) não subsidiavam as condições necessárias, dignas e mínimas de vida,

ficando os pobres (e trabalhadores) à mercê da ajuda existente como mecanismo auxiliar de

sobrevivência.

Nesta conjuntura de extrema exploração, ganha força o ideário socialista, afirmando

que somente por meio de uma revolução sócio-política se chegaria ao fim das desigualdades

sociais, ocorrendo a coletivização dos meios de produção e a constituição de uma sociedade

sem classes.

Frente a este contexto e em oposição às doutrinas socialistas, as Encíclicas Papais –

Rerum Novarum, escrita por Leão XIII em 1891 e Quadragésimo Anno, instituída por Pio XI

em 1931 – promulgadas pela Igreja Católica, traziam à tona o debate acerca da situação de

pobreza e miséria já vivenciadas pela população, mas agravadas pelo advento da Revolução

Industrial.

O documento da Rerum Novarum referia-se à situação vivida pelos operários naquele

momento, além de abordar questões decorrentes da Revolução Industrial, contrapunha-se aos

ideários socialistas, num contexto marcado por conflitos sociais decorrentes da situação de

pobreza. A Igreja defendia que as transformações sociais deveriam ter como base a própria

religião e a consequente recristianização da sociedade, a qual levaria à conciliação entre o

capital e o trabalho através da busca da justiça e do bem comum, em oposição às doutrinas

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socialistas marcadas pela luta de classes e pela defesa de uma revolução sócio-política. Era

necessário, segundo esta Encíclica, que os patrões respeitassem as necessidades dos

trabalhadores e que estes, por sua vez, respeitassem a propriedade privada. A ideologia que

fundamentava este documento era que somente a ajuda mútua entre burguesia e proletariado

formaria um todo harmonioso que garantiria progresso social, do qual todos se beneficiariam.

Não muito distante, o documento da Quadragésimo Anno também descrevia sobre a

restauração e o aperfeiçoamento da ordem social em conformidade com a Rerum Novarum.

Tratava-se, na verdade, de uma reiteração no sentido de condenar o socialismo e o

comunismo, que estavam ganhando adeptos no país.

Na realidade, as Encíclicas Papais salientam a necessidade da conciliação entre as

classes sociais, destacando que o trabalhador deveria respeitar seu patrão e este, por sua vez,

tinha a obrigação moral de exercer a caridade. Estas foram respostas dadas pela Igreja face ao

enfrentamento da questão social 12, sempre existente e ampliada ainda mais com a expansão

da Revolução Industrial. Em outras palavras, a Igreja, de maneira pacifica, defendia a

sociedade de classe e a propriedade privada.

A ajuda aos pobres, seja com caráter de controle, seja no âmbito da solidariedade – por

parte do Estado, burguesia e Igreja – se limitava, por conseguinte, à pratica da caridade, da

qual a esmola é o maior exemplo. Haviam, é verdade, várias obras sociais, como as creches,

os colégios, os asilos, entre outros, patrocinadas por senhoras da sociedade (que eram

mantidas por chás e jantares beneficentes, quermesses, doações etc.) que auxiliavam os

expostos face à situação de pobreza e miséria.

De acordo com Vieira (1977), neste ideário emergia e desenvolvia o Serviço Social –

a partir do final do século XIX – que foi considerado não apenas um auxílio ao indivíduo,

mas um esforço para o progresso da justiça social, visando minorar o sofrimento gerado

pelo infortúnio da ausência de condições de dignas de vida.

12 “Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”. (IAMAMOTO, 2001, p. 27). Tal contexto manifestava-se e era conhecido e problematizado mas, nem sempre, foi devidamente discutido e verdadeiramente enfrentado.

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1.2 – O Serviço Social de Caso enquanto método de apoio ao individuo

O Serviço Social desenvolveu-se de modo muito específico influenciado pelo contexto

social, econômico e político de cada país. No entanto, há uma ligação direta de sua ação com

a prática da ajuda. O que, talvez, em parte, se explique pelo fato do Serviço Social ter na

questão social a base de sua existência, conforme nos aponta Iamamoto (2001). Hoje, no

Brasil, sua prática se orienta no campo do direito, de modo que sua intervenção se concentre

juntos aos segmentos mais empobrecidos e subalternizados da sociedade (Yasbek, 1999).

Medeiros, em dissertação de mestrado apresentada a UFRJ em 1983, analisa o

discurso do Serviço Social sobre a assistência social e conclui pela ausência de analises que

demonstrem o papel de atualização da caridade desempenhado pelo Serviço Social. Pelo

contrário, ele critica “(...) um esforço, aparentemente consciente, de ocultamento do recurso

que o Serviço Social fez a algumas formas de ajuda material (...)” (MEDEIROS, 1983, p. 14)

A eliminação de formas de ajuda material do discurso do Serviço Social parecia

constituir um ponto de ruptura do Serviço Social com as formas antigas de caridade. Mary

Richmond fez referência à reforma da caridade. De acordo com este autor, somente em 1899,

quando Mary Richmond escreve artigo sobre centros sociais e visitadores, deixa de falar sobre

caridade como ciência ou prática e passa a falar sobre “Social Work”.

Com a emergência e a institucionalização do Serviço Social no Brasil – enquanto

especialização sócio-técnica do trabalho – ocorridas a partir dos anos 30 do século XX, sob

influência da doutrina social católica – houve uma tecnificação da ação social com base nas

idéias de Mary Richmond e nos fundamentos do Serviço Social de Caso.

Esta técnica de ação baseava-se essencialmente no ideário da ajuda ao próximo,

embora não se limitasse a isso, uma vez que o indivíduo deveria estar ou ser ajustado junto ao

meio em que vive, seus métodos e postulados davam a orientação e o suporte necessários à

institucionalização desta prática profissional.

Em geral, os auxílios eram operacionalizados pelo Serviço Social de Caso, cuja

incumbência se dava em analisar a situação apresentada:

O serviço social de casos deve não julgar, visto que o julgamento não é auxílio. O auxílio pode ser dado e usado somente se a assistente social pode aceitar o cliente como alguém que esta fazendo o melhor que pode com as armas que tem. [...] O serviço social de casos deve ser compreensivo, visto que somente se uma assistente social sabe como o cliente sente a respeito de sua situação especial, pode ela

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determinar qual o tipo de auxílio que necessita e pode usar. (NICHOLDS, 1964, p. 32)

Quando um indivíduo solicitava algum tipo de auxílio, cabia ao assistente social

investigar e analisar a sua vida, de modo a ter condições de verificar se, de fato, havia a

necessidade ou não do auxílio e mesmo se a solicitação era a mais indicada àquela pessoa. Era

uma verdadeira averiguação da vida privada do cidadão, uma técnica além da simples

concessão de auxílio (seja no aspecto social, emocional ou material). A solicitação posta, na

realidade, era apenas o ‘ponto de partida’ no intuito de enquadrar ou ajustar o indivíduo ao

meio, naquele momento considerado um desajustado.

As primeiras teorias no sentido de conceituar o Serviço Social de Casos foram

descritas por Mary Richmond, que entendia esta como a arte de ajudar as pessoas a se

ajudarem, e que beneficiariam a si e a sociedade em geral. Nas palavras de Bardavid (1978, p.

12), em 1915 Richmond entendia o Serviço Social de Caso como “a arte de fazer diferentes

coisas, para e com diferentes pessoas, em cooperação com elas, para atingir a um objetivo e

ao mesmo tempo o melhoramento próprio e da sociedade”. E acrescentava, em 1917, se tratar

da “arte de efetuar melhor ajustamento nas relações sociais de indivíduos: homens, mulheres

e crianças.” (BARDAVID, 1978, p.12).

De acordo com o Serviço de Caso, o indivíduo e a sociedade são interdependentes de

modo que, ao ajudar o sujeito, ajuda-se também à sociedade. No entanto, o indivíduo a ser

assistido é chamado a participar do estudo e reflexão acerca de sua situação e de como pode

se esforçar para resolver a problemática vivenciada, deve-se, assim, estimular que o indivíduo

aja por si mesmo, pois sobre essa teoria se entendia que ele possui um grande potencial que

deve ser descoberto, analisado e explorado no intuito de sair da situação em que vive. O

problema vivenciado será superado pela ação do próprio indivíduo.

Não havia, até este momento, nenhuma menção à situação de miséria e pobreza, nem

mesmo ao contexto desigual gerado e ampliado pela sociedade em geral. O ‘problema’ estava

no sujeito e cabia a este, sob algumas orientações e poucos recursos, resolver a própria

situação. Tratava-se, na realidade, de uma verdadeira individualização dos problemas sociais,

o que já se identificava nos trabalhos de São Vicente de Paulo, nos séculos XVI e XVII.

Com os ensinamentos propostos por Mary Richmond, foi iniciado um movimento

sistemático e racional de analise da situação social apresentada pelo indivíduo, algo que já se

fazia, porém sem nenhuma técnica. A partir deste referencial o assistente social tinha

condições de realizar um trabalho mais ordenado, sistematizado, direcionado no sentido de

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ajudar o sujeito face à problemática apresentada. Era, na realidade, uma padronização da ação

com instrumentais, documentos, metodologia e planejamento específico direcionado ao trato

da ajuda.

Outros autores renomados também estudaram e descreveram sobre esta tecnificação da

ação, entre eles: Florence Hollis, Gordon Hamilton, Helen Harris Perlman, Ana Augusta

Almeida, Nadir Kfouri, entre outros, o que demonstra a importância e relevância de conhecer

e estudar esta prática de intervenção que perdurou como referência por décadas no trato a

concessão de auxílios.

Hollis destaca que pertencia ao Serviço Social de Caso a função de ajudar o sujeito

com problemas de ajustamento interpessoal, isto é, deve-se auxiliar aquele indivíduo portador

de condutas problemáticas, visto pela sociedade como um desvio de norma e conduta. É

valorizada a necessidade de um ajustamento social do cliente perante o meio em que vive. Já

Hamilton entende o caso como sendo psicossocial, isto é, o Serviço Social de Caso trabalha

com pessoas que estão em desequilíbrio com o meio em que vivem. Este desequilíbrio deve

ser o foco de atenção da ação, mesmo entendendo que as forças sociais influenciam o

comportamento dos indivíduos. A clientela atendida pelo Serviço Social de Caso é, segundo

Perlman, composta por sujeitos que enfrentam problemas de ajuste pessoal, ou seja, a pessoa

vai procurar auxílio, este será ou não concedido após a abordagem técnica do Serviço Social

de Caso.

Na definição dada por Nadir Kfouri, esta técnica de ação é entendida como o trabalho

social com sujeitos que apresentam problemas ou dificuldades para estar ajustados e

integrados junto ao meio. O Serviço Social de Caso propõe-se a suscitar mudanças e estimular

as potencialidades individuais e os recursos existentes na sociedade. Isto ocorreria por meio

de alguns processos, nos quais levaria o sujeito a resolver seus próprios problemas.

A interpretação dada por Ana Augusta Almeida acerca deste conceito entende que:

Esse trabalho envolve dois aspectos: preventivo e curativo. Enfatizando o preventivo, é a educação social que visa ajustar pessoas humanas no papel que exercem na sociedade; motivá-las para o desenvolvimento, o mais integral possível de suas potencialidades, orientá-las a compreender os valores novos incorporados à sociedade em que vivem, sem destruir os verdadeiros já existentes, ajudando-as nessa conciliação. E mais, oferecendo-lhes oportunidade de assumir obrigações sociais e cumpri-las com a máxima eficiência. Enfocando o aspecto terapêutico, envolve no processo formativo uma terapêutica não diretiva, por meio da qual o indivíduo – agente ou paciente de problemas sociais – é orientado para tomar decisões que o levam à ação, assegurando, tanto quanto possível, condições que permitam manter, no processo de mudança, o equilíbrio emocional desejado. Com esse objetivo, age não só no sentido de aliviar tensões internas e pressões externas,

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originadas tanto umas como outras da realidade interna do indivíduo em contatos sociais dentro da totalidade da vida real e em função da mesma. Age, também, levando o indivíduo a interpretar fatos que se lhe deparam, desenvolvendo a reflexão, o discernimento, o julgamento de valores, a crítica, a apreciação. E, ainda, a planejar com objetividade e utilizar adequadamente os recursos do meio.” (BARDAVID, 1978, p. 24)

O que se destaca nestas concepções acerca do Serviço Social de Caso é o fato de ser o

sujeito o centro do problema e ser, ele mesmo, o agente de mudança e transformação. De

outro modo, o indivíduo era um ‘desajustado’ devendo ser adaptado ao meio em que vive. O

auxílio por ele solicitado deve ser compreendido e justificado por si próprio em seu processo

de superação. O profissional é o agente que ajuda a encontrar saídas e a efetivar suas

capacidades e potencialidades, muitas vezes “escondidas”. Cabe ao próprio indivíduo a busca

de meios para sair da condição em que se encontra.

Segundo Ander-Egg (1995) o ato de ajudar alguém é prática tão antiga como a

humanidade e se transformou em profissão a partir da organização e sistematização das

diversas maneiras de exercer essa ação e da mudança de concepção, com a influência da

religião, principalmente do cristianismo, que leva a organização do modus operandi do

atendimento aos mais necessitados, passando a ajudar por impulsos humanitários, o que

molda o surgimento do Serviço Social. Nesta análise, o Serviço Social emergiu e se

desenvolveu nas civilizações, existindo desde que os seres humanos apareceram sobre a terra,

tendo como orientação os diversos tipos de ações que se realizavam para os que necessitavam

de algum tipo de ajuda.

A prática do Serviço Social se espalhou por toda América Latina. A primeira escola de

Serviço Social na região foi instalada no Chile 13 (fundada pelo médico Alejandro Del Rio)

em 1925, sob forte influência européia e posteriormente, a partir de 1940, orientado pela

ideologia norte-americana. No Brasil e nos demais países latinos a presença do ensino em

Serviço Social tinha por perspectiva controlar o contexto e as mudanças vivenciadas por suas

populações em relação aos que viviam em situação de miséria e pobreza.

O Serviço Social brasileiro desenvolvia metodologias compostas por um conjunto de

técnicas planejadas e de instrumentos de trabalho com o intuito de auxiliar o profissional a

‘ajudar’ o seu cliente.

13 O objetivo, naquele momento, era formar agentes sociais “adequados” às mudanças sociais sofridas pela sociedade chilena, principalmente à partir do final do século XVIII com a Revolução Industrial, quando começou a haver um aumento da situação de miséria e pobreza vivenciado pela população. No Brasil, a primeira escola de Serviço Social surgiu em 1936 e no Peru em 1937.

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Dentre os instrumentais utilizados, a entrevista era considerada básica e essencial no

estudo e ‘tratamento do caso’, no entanto, a ação não se limitava a esta. Após o primeiro

contato (ou a primeira entrevista), que era bem demorada e detalhada, o assistente social ia

visitar os demais familiares (por meio de uma visita domiciliar), visitava também os vizinhos,

além de demais fontes que se faziam necessárias à intervenção profissional.

A entrevista não era o único meio de conhecer se o cliente era mesmo uma pessoa

‘necessitada’ e fragilizada, além de avaliar seus recursos disponíveis, mas era a técnica mais

utilizada, pela qual se estabelecia uma conversa dirigida entre o assistente social e seu

‘cliente’, cujo intuito era realizar o diagnóstico e o tratamento mais adequado ao caso posto. É

interessante notar como características do método foram sendo institucionalizadas como

procedimentos de organização. Estes permanecem presentes como aspecto de conduta

profissional.

O plantão de atendimento era, no mais das vezes, o espaço de triagem, onde, após

primeira análise, ocorriam os encaminhamentos para outros serviços ou para prosseguimento.

Para as situações que exigiam prosseguimento, eram designados profissionais ‘responsáveis’

pelo caso ou segmento de casos. Veremos sobre o espaço do plantão social mais adiante.

O relacionamento, a observação e a documentação eram importantes e necessários ao

Serviço Social de Caso, gerando a base para ação profissional. Não era possível desenvolver

esta técnica sem que se estabelecesse um relacionamento entre o assistente social e seu

‘cliente’. Este relacionamento se baseava na interação de sentimentos e atitudes perante a

situação apresentada, uma espécie de colocar-se no lugar do outro, de modo a levar o ‘cliente’

a aceitar as orientações dadas pelo profissional e este a entender o momento vivenciado pelo

‘indivíduo-cliente’.

Esta interação de caráter recíproco e dinâmico variava conforme o caso e durante o

processo de ação, podendo ser mais ou menos intensa, dependendo da integração estabelecida.

Fato é que não se finda enquanto houver relacionamento entre o assistente social e seu cliente.

Do mesmo modo, era neste contexto que o profissional conseguia identificar as necessidades

básicas de uma pessoa com problemas psicossociais: necessidades de se expressar, de

compreender os sentimentos expressos, necessidades de reconhecimento, mesmo diante de

um problema, necessidades de ser tratado como uma pessoa, e não como uma coisa ou como

“um caso”, necessidade de não ser julgado como sendo ou tendo fracassado, necessidade de

fazer suas próprias escolhas e tomar as decisões pertinentes e, por fim, a necessidade ética que

assegurava o sigilo do conteúdo da entrevista realizada.

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No momento da abordagem e no florescer das necessidades do individuo é que

surgiam os sentimentos e as atitudes que nem sempre eram expressos por palavras, mas

estavam presentes no comportamento do sujeito. Ao assistente social cabia identificar as

necessidades que deveriam ser trabalhadas e isto ocorria observando o comportamento do

individuo. Era uma verdadeira investigação, transmutada de interação entre o profissional e

seu “cliente”, o que Mary Richmond nomeava de “inquérito social”.

Assim sendo, havia um conjunto de elementos essenciais que compunham o corpo da

entrevista como a identificação das necessidades do sujeito: observar, ouvir e questionar, o

que se realizava de modo ordenado rumo aos objetivos da entrevista. Era preciso um local

próprio para aflorar um relacionamento entre o profissional e seu cliente. “A entrevista deve,

portanto, desenvolver-se em ambiente acolhedor, discreto, que permita ao entrevistado e

entrevistador sentirem-se à vontade.” (BARDAVID, 1978, p. 46).

O registro, a documentação, o relato sistemático dos procedimentos adotados eram

instrumentos indispensáveis, essenciais e valiosos presentes no Serviço Social de Caso e

pode-se afirmar que permanecem inclusive agora, com o uso da digitalização.

Além disto, não se fazia referência às condições de espaço e local destinados as

entrevistas sociais. Cabe lembrar que só em 2006 o Conselho Federal de Serviço Social

(CFESS) baixou norma 14 sobre as condições das instalações físicas do espaço de atenção ao

usuário do Serviço Social. A Resolução 493/06 estabelece que a existência de espaço físico é

condição essencial para a realização e execução de qualquer atendimento ao usuário do

Serviço Social. Estes espaços devem ser adequados conforme a característica dos serviços

prestados (se abordagem individual ou coletiva), além de possuir condições físicas

apropriadas: iluminação, ventilação, tamanho e recursos necessários ao processo de

intervenção profissional. Do mesmo modo, o material técnico produzido no atendimento é

considerado de uso restrito do assistente social, que deve garantir sigilo ao atendimento

prestado.

Juntamente a este método de abordagem – Serviço Social de Caso – somavam-se o

Serviço Social de Grupo e o Serviço Social de Comunidade. As três técnicas organizadas e

conjuntas formavam a metodologia de ação do Serviço Social Tradicional 15.

14 Trata-se da Resolução 493 de 21 de agosto de 2006, que dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social. 15 O Serviço Social Tradicional – enquanto profissão de nível superior – possuía em sua grade curricular as disciplinas de Serviço Social de Casos, Serviço Social de Grupo, Organização e Desenvolvimento de Comunidade. Além de outras matérias como: Serviço Social Médico, do Menor, da Família, do Trabalho, Psicologia da Personalidade e Social, Sociologia, Antropologia, Ética, Metodologia, Higiene Social, Estatística,

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Ao Serviço Social de Grupo cabia a utilização de abordagens grupais face aos

problemas sociais identificados em número significativos de sujeitos. Esta técnica organizava

grupos no intuito de promover a participação no processo social. Objetivava-se, aqui, ajudar

as pessoas por meio das experiências em grupo e coletivas. Já pela técnica do Serviço Social

de Comunidade se trabalhava no sentido de organizar a comunidade, isto é, pretendia-se

construir um entrosamento entre as várias instituições e os diversos recursos existentes de

modo a estabelecer um melhor aproveitamento e direcionamento destes na sociedade.

Por meio deste método, o assistente social construía condições de auxiliar os

indivíduos, os grupos e as comunidades no intuito de utilizar suas próprias iniciativas para que

houvesse um maior e melhor ajuste entre as necessidades do sujeito e as do meio ambiente.

Na realidade, desde os anos sessenta (do século XX) o ‘metodologismo’ passa a ser

questionado e analisado criticamente, sendo proposta sua superação pela aplicação de um

modelo teórico-prático e político-ideológico tipicamente latino americano, pensado e

construído a partir da realidade deste sub-continente e não mais importado de outros contextos.

Começava-se a compreender que cada realidade era única e específica, o que suscitava a

criação de um método de ação com a ‘cara’ da América Latina, além de constituir, de modo

claro e preciso, uma expressão de ruptura com o Serviço Social Tradicional e conservador.

Iniciava-se um período de reflexão e superação à prática profissional existente e à estrutura

teórico-metodológica operada pelo Serviço Social fragmentado em Serviço Social de Caso,

Grupo e Comunidade, denominado de Movimento de Reconceituação.

Este movimento é considerado um marco histórico para a profissão e, mais ainda, para

os assistentes sociais, pois a reflexão operada a partir deste produziu documentos que deram

novos rumos à ação profissional. Isto ocorreu a partir dos seminários e encontros regionais

realizados no Brasil e nos demais países latino-americanos.

Vale destacar os quatro grandes encontros de referência ocorridos no país: Araxá-MG

(realizado em 1967), Teresópolis-RJ (em 1970), Sumaré-RJ (1978) e Alto da Boa Vista (em

1984). Segundo Netto (1996), durante duas décadas, a profissão passa por três momentos

distintos de reflexão teórico-metodológica: os documentos produzidos em Araxá e

Teresópolis são considerados uma “tendência modernizadora”, sob influência positivista-

funcionalista. Aliás, a atenção ocorre na objetivação de situação social problema. Os

documentos de Sumaré e Alto da Boa Vista são descritos pelo autor como uma “reatualização

conservadora”, sob influência fenomenológica. A atenção passa para a compreensão da

Pesquisa, Princípios Psico-pedagógicos, Direito Penal e Civil, Legislação Trabalhista, Política Social, Planejamento e Economia.

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“situação existencial problema”. Por fim, a intenção de ruptura surgiu a partir dos estudos da

teoria crítica de Marx, cujo estudo fora reprimido durante o período ditatorial (1964-1985).

Esta terceira fase é materializada pelo “Método B.H.” (Belo Horizonte) o qual, tendo como

fundamento a teoria crítica de Marx, caminhou junto às lutas populares, dando início a um

projeto político da profissão articulando-se às lutas sociais entendidas como expressões da

luta de classes face à questão social.

A partir deste momento, o Serviço Social de Caso (juntamente ao Serviço Social de

Grupo e Comunidade) passa a ser repensado enquanto abordagem da ação profissional.

Buscava-se uma prática qualificada, especializada, realizada dentro dos princípios e realidade

do país. Este movimento culminou na reformulação das grades curriculares dos cursos de

Serviço Social, as quais deveriam compreender o homem permeado por relações sociais,

agente transformador da realidade em que esta inserido.

Dito de outro modo, a sociedade, permeada por relações, interfere no cotidiano e na

vida de seus indivíduos, de modo a possuir certa co-responsabilidade na situação vivenciada

por estes. O caso não é somente individual, mas também social (posto dentro de um contexto

social), o indivíduo não é somente um sujeitado a receber ajuda e caridade, mas também co-

responsável por suscitar mudanças sociais.

O Serviço Social implementado no Brasil, em 1936, teve como uma de suas atuações

primordiais de trabalho o estudo de situações individuais (Serviço Social de Caso) e a

aplicação de metodologias para superar as situações de fragilidades. O crescimento da atuação

individual deu margem à institucionalização de um serviço de triagem da demanda. O local de

realização dessa triagem, via de regra, foi atingida pela concepção de Plantão Social. Esta foi

difundida em quase todas as cidades que contavam com o Serviço Social e indicava os

profissionais destinados para o atendimento individual. Além de um espaço de triagem, o

Plantão Social efetuou algumas atenções no acesso a benefícios, orientações, serviços e

encaminhamentos. Este papel de referência exigiu dos profissionais dos plantões

conhecimento da rede de serviços e suas respostas.

1.3 – O plantão social do Serviço Social de Caso: a porta de entrada da atuação socioassistencial

O chamado Plantão Social – principal lócus de expressão do Serviço Social de Casos –

era e ainda é considerado a ‘porta de entrada’ na atenção ao indivíduo junto às políticas

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sociais, especificamente a política de assistência, mesmo antes de sua elevação ao status de

política pública estatal Na realidade, os plantões são tidos como a prática mais antiga do

binômio solicitação versus concessão de auxílios, benefícios e atenções. Tratava-se do local

para o exercício de processos de triagem, seleção e concessão (ou não) de algum tipo de

recurso.

A institucionalização do Serviço Social no interior do Estado, de empresas, de obras

sociais ocorre na primeira metade do século XX, de 1936 aos anos sessenta. A inexistência de

políticas sociais fazia do Serviço Social ao mesmo tempo uma profissão e uma atenção. O

paradigma era a profissão, a ação especializada dirigida ao individuo, ao pequeno grupo e não,

propriamente, à sociedade ou à questão social. Via de regra, a presença do Serviço Social e de

assistentes sociais em prefeituras, governos estaduais, entre outros, antecipou a introdução de

burocracias voltadas para a promoção social, bem estar social, entre outras nomenclaturas.

Antes de qualquer outro serviço, o plantão social difundiu-se como espaço de escuta e

obtenção de auxílios e apoios. Trata-se de um lócus de articulação profissional que

acompanha o histórico do Serviço Social e ainda está presente nos dias atuais. A última

MUNIC, de 2009, aponta que 48,78% (ou 2.715 municípios) dos gestores municipais

contavam, naquela data, com o serviço de plantão social, isto é, há um contingente

significativo destes junto aos governos municipais brasileiros.

As agências sociais e as obras sociais foram também espaços do plantão social. A este

cabia determinar se o caso poderia ser resolvido ou aceito pelas normas da instituição. Se não,

deveria ser encaminhado ao destino correto, de modo a auxiliar o sujeito que procurava por

ajuda ou apoio. O encaminhamento, assim, se colocou como um dos instrumentos do trabalho

e com ele a existência do conhecimento dos ‘recursos da comunidade’. Esta prática

permaneceu como conduta nas ajudas sociais.

O plantão social pode ser considerada a ação mais presente e mais antiga na gestão

pública da assistência social. A prática em que se acionavam (e se associam) as mais diversas

solicitações e os mais diversos atendimentos. Lócus prioritário na concessão (ou não) de

auxílio, seja em espécie, em matéria ou em palavras. Os serviços públicos e/ou privados

atendem em formato de plantão social, isto é, atendem a demanda espontânea que se

apresenta diariamente à sua porta. Esta prática de atenção não cessou com a instituição das

legislações vigentes no país e, não sendo superada e/ou substituída, permanece nos dias atuais,

sendo comum sua nomenclatura em quase todos os órgãos gestores municipais.

Trata-se, na realidade, de uma atenção de ponta em que o usuário chega diretamente

ao profissional face a alguma solicitação, que em geral entende-se como uma urgência, como

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se o plantão fosse uma espécie de ‘corpo de bombeiros’, ‘pronto-socorro’ ou porta de acolhida.

Daí, talvez, a terminologia plantão, que via de regra constitui-se como um atendimento

emergencial e imediato das necessidades básicas de subsistência. Em geral, o plantão é o

serviço de horário mais prolongado, algumas instituições o praticam por 24 horas, incluindo

até mesmo os finais de semana, face à possível ocorrência de calamidade. O termo aposto

permite identificar que a situação é advinda de uma necessidade tipicamente social, oriunda

de uma expressão da questão social, o que dá abertura para que se chegue a (quase) todo tipo

de solicitação.

A atenção que se iniciou pelo atendimento do plantão social é muito semelhante à

prestada nos dias atuais; o diferencial está na orientação dada pela política pública. Antes da

Constituição de 1988 entendia-se a concessão de auxílio, quando existente, como ajudas,

apoios eventuais discriminados pelo profissional. Hoje, a ação se orienta pelo princípio do

direito e deve receber discriminação clara do seu acesso e alcance.

A ação do plantão, por ser direta e emergencial, tende a ser paliativa, caso não esteja

atrelada a serviços socioassistenciais de atenção continuada, daí a necessidade de ser

articulada à rede desses serviços. A ‘porta de entrada’ se dá pelo plantão e este deve dar

continuidade e encaminhamento à solicitação apresentada, não limitando esta a uma atenção

casual e pontual.

Do mesmo modo, muitas vezes são os próprios profissionais, juntamente aos órgãos

institucionais, que contribuem com a ‘ideologia da ajuda’ quando não reconhecem o direito à

atenção, limitando o seu reconhecimento e seu acesso. Isto se traduz, na prática, pelo fato de,

via de regra, a assistência social trabalhar com o ‘resto’ do orçamento, muitas vezes não se

constitui em serviço planejado com recursos disponíveis face à demanda. Neste cenário, faz-

se o essencial, o mínimo que a legislação determina. Exemplo clássico é o do cidadão que não

é atendido porque ‘não há verba disponível’. Não é difícil observar, junto aos atendimentos de

plantão, a negação da solicitação por não haver recurso naquele momento, o típico ‘agora não

temos’; ‘acabou nossa cota’; ‘somente o mês que vem, e por aí em diante.

Face a isto, a solução encontrada era, e ainda é, no mais das vezes, recorrer a rede de

solidariedade existente; no caso se encaminha a solicitação para alguma entidade, igreja,

parceiro. Alguém que possa, perante a urgência, prestar assistência naquele momento

específico. A política é pública, porém fica meio diluída na atenção dada, pois a

responsabilidade é estatal, mas a atenção acaba por ser privada.

A ‘famigerada’ e emblemática cesta básica é a solicitação que se relaciona quase

diretamente ao plantão social, mesmo já existindo no país a política de Segurança Alimentar

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que nos municípios é direcionada à área de Abastecimento. A cesta básica é presente e/ou

muito presente no dia a dia da ação profissional de forma isolada à política de Segurança

Alimentar. Trata-se de uma solicitação legitima. A crítica se traduz por associá-la diretamente,

ou apenas, à política de assistência social, ou ainda, à ausência e/ou insuficiência de recursos

para a sua concessão, o que gera a necessidades do uso de critérios de um direito elementar e

constitucional, ficando ao julgo do assistente social, o que faz do plantão um espaço, por

vezes, de exercício da negação do direito, o lócus onde se diz o ‘não’, sob responsabilidade

profissional.

Isto contribui por definir que o plantão – como ‘porta de entrada’ ao direito – tanto

pode se configurar como um espaço de atenção e acesso às atenções da política pública,

podendo ser um referencial necessário no seu planejamento. Exemplos disto são os

diagnósticos e levantamentos que podem ser conferidos a uma dada realidade para

implementação de programas, projetos e serviços, bem como para concessão de benefícios.

Tanto pode, também, ser um campo de práticas assistencialistas e clientelista, sendo estas o

antagonismo da política pública de assistência social, enquanto atenção e defesa de direit

O fato do plantão constituir-se, por vezes, como um referencial na solicitação do

auxílio e/ou benefício não o eleva ao status de ação privilegiada ou primordial junto à Política

Nacional de Assistência Social e sua expressão nos gestores municipais, com isto, não se

dispõem de recursos e de profissionais suficientes à demanda apresentada. Parece até que se

reproduz a velha estratégia do ocultamento dos vícios da implantação do Serviço Social ou,

ainda, é o lócus onde se diz ‘não’, como já foi abordado. Isto faz de uma ação, que poderia ser

relevante e importante um trabalho desqualificado, frustrante, um tipo ‘castigo’ ou ‘trote’ aos

profissionais da área, que trabalham com o ‘resto’ disponível.

Além disto, há uma certa confusão ao que cabe ou não à política de assistência social,

um tipo ‘tudo é social’. A cesta básica é a solicitação clássica do plantão social, no entanto,

são corriqueiras as mais diversas solicitações e concessões: de material de construção a

remédios, fraldas, colchões, leite, óculos, cadeiras de rodas e assim por diante. Isto só

evidencia a ausência de clareza, por vezes, do órgão gestor (da assistência social e de outras

políticas públicas) do que cada um deve ser responsável por cuidar, ou a atenção que deveria

ser dispensada por cada política pública.

Como referencial na atenção às necessidades básicas, o plantão social – como uma das

práticas mais antigas do Serviço Social – é presença ainda hoje em quase todos os órgãos

gestores. Isto contribui por pensá-lo como parte e também uma referência na formulação de

políticas públicas, ou deveria sê-lo, mesmo porque é aqui, por vezes, a entrada do usuário

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junto às atenções das políticas públicas. A partir da Constituição de 1988, a política pública de

assistência social é descrita na órbita do direito, como responsabilidade estatal, devendo ser

entendida e respeitada desta forma. Com isto, esta prática realizada por décadas, se não exista,

pode contribuir na garantia de direitos se pensada e estruturada em conjunto aos princípios e

diretrizes postos na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

1.4 – A institucionalização federal e estadual (São Paulo) do auxílio social

A Legião Brasileira de Assistência (LBA), instituída em 1942 em nosso país e dirigida

pela então primeira-dama Darcy Vargas, também dentro do campo da ajuda, visava prestar

assistência às famílias dos soldados enviados à Segunda Guerra Mundial. Com o fim da

guerra, tornou-se uma entidade destinada a ajudar, de um modo geral, às famílias necessitadas,

com enfoque principalmente na maternidade e na infância.16

De lócus ‘auxiliar’ às famílias dos pracinhas, a LBA tornou-se referência na atenção

aos mais necessitados por quase meio século. No início “[...] se insinuava como a mãe da

sociedade, marcada por ações paternalistas e de prestação de auxílios emergenciais e

paliativos à miséria. [...]” (FALCÃO; SPOSATI, 1989, p. 15). Além disto, havia um forte

apelo à ação voluntária (preferencialmente da mulher) e a da primeira-dama (também mulher).

Entendia-se que o cuidado com o pobre era uma atribuição feminina, pois a mulher tem um

coração generoso, algo que o governo (ou o homem) não possui, pois a este cabe pensar, ser

racional, rigoroso e duro. Não foi à toa, que no começo do século XX, o Estado entendia a

questão social como sendo caso de polícia e não de ação estatal, devendo ser reprimida e

combatida de qualquer forma.

A LBA, no curso de sua história, expandiu seus serviços e se adaptou aos governos de

cada período, conforme seus interesses e pretensões. “[...] em 1945, a LBA já existia em 90% dos

municípios brasileiros e mostrava-se extremamente significativa para a articulação das forças

políticas em ascenção [...]”. (FALCÃO; SPOSATI, 1989, p. 18). Além disto:

16 A LBA era administrada pelas primeiras-damas de cada época, tendo sido extinta durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Na década de 1990, durante a gestão de Roseane Collor, pós CF/88, foram feitas várias denuncias de desvios de verbas e recursos desse órgão.

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Suas ações assistenciais evoluíram, passando desde a arrecadação de fundos para a manutenção de instituições carentes, auxílio econômico, amparo e apoio à família, orientação maternal, campanhas de higiene, fornecimento de filtros, assistência médico-odontológica, manutenção de creches e orfanatos, lactários, colônia de férias, concessão de instrumentos de trabalho etc., até as ações preconizadas hoje, uma consequência das diretrizes que redimensionam a LBA. (FALCÃO; SPOSATI, 1989, p. 19).

E assim permaneceu até o período ditatorial iniciado em 1964, quando gradualmente

foi alocada para órgão governamental, embora continuasse a fomentar aliança com a

sociedade civil.

Em 1968, a LBA se expande passando a 26 unidades estaduais. A partir de 1969, seus recursos passam a proceder da Loteria Esportiva, reeditando a antiga fórmula onde ‘a assistência ao pobre’ justifica a institucionalização dos ‘jogos de azar’: o Decreto-lei nº 594, que instituiu a Loteria Esportiva Federal, destina 40% de sua renda líquida para os programas da LBA [...]. (FALCÃO; SPOSATI, 1989, p. 21).

Em 1974, com a instituição do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS)

e, nele, da Secretaria de Assistência Social (SNAS), a LBA passou a ser a Fundação LBA

(FLBA) e recebeu outro estatuto como órgão público governamental, com isso, passou a

compor este novo e recém-criado Ministério e incorporou a contribuição social rural, também

conhecida como FUNRURAL. Mesmo sendo ação governamental, o apelo à participação

voluntária ainda permaneceu forte e presente nos governos de cada período. O voluntário era

considerado o parceiro ideal na execução e realização das tarefas: sem ele, não seria possível

o desenvolvimento de atividades e nem a concessão e arrecadação de auxílios.

A LBA permaneceu neste formato por décadas: atenção voltada ao pobre e forte apelo

à sociedade civil, o que se verificou do Estado Varguista até sua extinção, nos anos noventa.

O cenário político e econômico dos anos de 1980 e 1990 impuseram mudanças, outras

abordagens e novas contextualizações à assistência social, mas o formato de Estado Paralelo,

desempenhado por este órgão governamental, esteve presente desde as origens até sua

extinção.

A concessão de auxílios caminhou na maioria das vezes atrelada à prática da caridade

(sendo ou não ofertada pela LBA). Sua forma estava diluída, tanto em distribuição de

materiais (como alimentos, roupas, calçados, remédios etc), como em espécie (esmolas,

donativos etc.) ou ainda em ações de cunho moral (conselhos, orientação, visitação domiciliar

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etc). Estas concessões eram destinadas diretamente à pessoa usuária ou estimulada por meio

da prática de ajuda-mútua. Na realidade, estes auxílios (presentes também na história do

Serviço Social no Brasil) tiveram uma atitude muito mais paternalista e autoritária por parte

das classes dominantes, tornando seus tutelados submissos e controlados. No entanto, a ajuda

oferecida era ao mesmo tempo precisa e simbólica, a fim de não causar dependência e nem

estimular ao ócio, pensamento predominante que perdurou por um longo período no país.

No Brasil, a atuação e interferência da primeira-dama junto à gestão e execução das

políticas sociais é uma realidade presente. Desde a instituição da LBA, sob comando da

primeira dama da época, Darcy Vargas, este “título” ou “cargo” tem ocupado lugar de

destaque na implementação da política de assistência social, o que, por vezes, caracteriza “a

institucionalização do assistencialismo na figura da mulher do governante.” 17 (SPOSATI,

2009, p. 03)

Na realidade, a presença da esposa do governante nas ações políticas remete-se a um

período longínquo da história do país. “Há indícios de que a figura da primeira-dama no

Brasil comece a aparecer desde o século passado [retrasado], quando a esposa de Dom

Pedro I, Dona Leopoldina, resolveu assumir participação política nos rumos da

independência do Brasil [...]” (TORRES, 2002, p. 79). A ousadia e lucidez da Imperatriz

auxiliaram e influenciaram as decisões tomadas pelo Imperador na condução dos rumos

adotados pela então colônia portuguesa, o que se registra e destaca junto à historiografia

brasileira, não havendo outra primeira-dama, posteriormente, com atitudes semelhantes.

No entanto, a figura da primeira-dama tornou-se mais evidente e remete-se mais

especificamente a partir da década de 1940 nas ações políticas de cunho social. Com a

finalidade de auxiliar os familiares dos combatentes da guerra, a Srª Darcy Vargas (esposa do

então presidente da república Getúlio Vargas) vai presidir a LBA, órgão que dará vazão às

práticas assistencialistas da época.

Na verdade, Getúlio cria uma instituição de bem-estar social para a atuação da primeira-dama. Ele institui a sua esposa na presidência da LBA com o objetivo de buscar a legitimidade do seu governo mediante a tática do assistencialismo como mecanismo de dominação política. (TORRES, 2002, p. 86)

17 Texto de apoio para aula elaborado pela Profª Aldaíza Sposati: “Assistência, assistencialismo e assistência social”, 2009.

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Com isto, vincula-se a presidência da LBA às primeiras-damas da República,

associando-lhe a prática assistencial como algo (quase) inerente. Na realidade, a LBA se

constituía como órgão destinado a administrar e executar a caridade, ação que cabia muito

bem para esposa do chefe do poder Executivo Federal da época, face à política paternalista

exercida pelo então presidente Getúlio Vargas. Era uma maneira populista de assistir e cuidar

dos pobres e necessitados existentes na sociedade.

Deixar os ‘problemas’ oriundos da questão social a cargo das primeiras-damas era um

meio de demonstrar que o governo fazia algo face à atual situação de pobreza e miséria. Do

mesmo modo, deixava evidente que o cuidado com os pobres era uma atribuição feminina,

pois a mulher é quem possuía bom coração, fazia o bem e era generosa, algo quase vocacional.

Questões que inspiravam e motivavam as senhoras da sociedade burguesa a também

praticarem a caridade.

A cada gestão, a presidência da LBA era herdada pelas demais primeiras-damas que

sucederam a Srª Darcy Vargas. Era uma atribuição quase intrínseca à figura do primeiro-

damismo. As ações durante a Ditadura Militar de Yolanda Costa e Silva, esposa do general

Costa e Silva, de Silvia Médici, do general Garrastazu Médici ou de Lucy Geisel, filha do

general Ernesto Geisel, tiveram expressões pontuais e pouco expressivas, vindo a ressurgir

com mais veemência somente na década de 1990, com a então primeira-dama Rosane Collor

(1989-1991).

Em síntese, pode-se dizer, (...), que a cada gestão federal da assistência social pública encontrava-se bipartida entre a FUNABEM e a FLBA, essa última assumindo iniciativas em prol da criança abandonada e/ou fragilizada por contingências familiares e sociais que, em tese, seriam da alçada da FUNABEM. Dessa forma, estabeleciam-se vias paralelas e superpostas de condução das iniciativas governamentais, somado ao fato de robustecerem a execução direta da FLBA com iniciativas típicas do campo da saúde, até porque o predomínio privatista da saúde na época expurgava a atenção ao cidadão empobrecido. Ao lado da capilarização profusa de serviços próprios das duas fundações federais, o governo militar investiu acentuadamente no incentivo fiscal à iniciativa das entidades sociais, o que sugere um movimento duplo de ampliação da oferta de serviços sociais diretos e indiretos, distante, porém, da possibilidade de configurá-los como um conjunto uniforme e integrante de uma política social articulada e equilibrada, sobre competências partilhadas entre os entes federados. (GOMES, 2008, p.144)

Era um oportunismo coligado ao populismo que buscava dar vazão à prática

assistencialista exercida pela LBA e legitimada pelo executivo federal da época. Do mesmo

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modo, camuflava o caráter conservador e autoritário do então Presidente da República – no

caso, Fernando Collor de Mello.

No início de seu trabalho na LBA, a primeira-dama Rosane Collor percorreu todo o país e, segundo suas próprias palavras, ‘sentiu as desigualdades sociais na maioria da população brasileira’. Por isso, o seu objetivo consistia em ‘buscar diminuir essas desigualdades, levando às famílias carentes um pouco mais de amor e carinho, assistindo-as para que elas tenham dias melhores’. (TORRES, 2002, p. 98)

Prova disto, foi a negação posta ao reconhecimento da assistência social enquanto

política pública. Collor vetou a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1990, não a

reconhecendo como política pública de responsabilidade estatal, a qual deveria ser prestada à

população brasileira, conforme disciplinaram o Art. 203 e 204 da Constituição Federal de

1988. A base de sua argumentação era que não haveria orçamento suficiente por parte do

governo da época na responsabilização dessa política, que só voltou a ser retomada em 1993

após o impeachment do Presidente da República. Na realidade,não havia nenhum interesse

deste governo em reconhecer e operar a assistência social no âmbito de uma política pública,

pois isso “[...] supõe controle social, equidade e universalização dos serviços sociais”

(TORRES, 2002, p. 100), o que descaracterizaria o governo clientelista e paternalista da

época, orientado pelo ideário neoliberal.

Ideologia política esta que adentrou ao país durante o governo de Fernando Collor de

Melo. Basicamente seu norte se centrou na privatização de órgãos públicos, na diminuição

dos gastos estatais, na centralidade das ações no executivo federal (não permitindo nenhum

tipo de controle social) e nenhuma intervenção estatal no mercado, além de fomentar a

transferência de responsabilidades (tanto para sociedade civil quanto para a iniciativa privada),

principalmente do aparato social público.

Durante o período em que esteve no poder, o então ‘Caçador de Marajás’, como era

então intitulado o presidente Collor, se viu rodeado por denuncias, escândalos e corrupção.

Nem a LBA foi poupada, sendo denunciada por desvio de verbas públicas, o que levou a sua

extinção durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Como se não bastasse o primeiro-damismo em âmbito federal, a figura da primeira-

dama é também muito presente nos estados do país. Além da expansão da LBA pelo território

brasileiro, o Estado de São Paulo tem a especificidade de implantar o ‘Fundo Social de

Solidariedade’ – denominado desde 2007 como Fundo de Solidariedade e Desenvolvimento

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Social e Cultural do Estado de São Paulo 18 (FUSSESP). Trata-se de um órgão do setor

público que essencialmente trabalha com a generosidade da sociedade civil. A palavra de

‘ordem’ aqui é doação, quer seja esta de ordem pública, como ocorre, por vezes, pela doação

dos ‘inservíveis’, quer seja doação de pessoal, no âmbito da sociedade civil, na execução das

tarefas e dos trabalhos. O Estado atua para recolher agasalhos e alimentos e doar como se

fosse uma ação pública.

O histórico do Fundo Social inicia-se quando o então governador Roberto Costa de

Abreu Sodré criou, em 1968, o chamado Fundo de Assistência Social do Palácio do Governo,

cujo enfoque era prestar assistência aos mais necessitados. Quinze anos mais tarde, em 1983,

o governador da época – André Franco Montoro – decretou a nova nomenclatura, que

perdurou até 2007: Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo, cujo enfoque era,

a princípio, apoiar tecnicamente e financeiramente os fundos dos municípios, sob a gestão da

primeira-dama, a assistente social Lucy Franco Montoro.

Mudaram a nomenclatura, mas não a essência. O enfoque do trabalho se pauta (e se

pautava) na ajuda aos mais necessitados; a caridade organizada destinada a quem mais precisa

camuflada em boas ações geridas pela primeira-dama do estado paulista. Parece uma espécie

de ‘resgate ou retorno aos velhos tempos’, isto é, a primeira dama, senhora boa, caridosa, de

coração generoso, cuidando dos pobres e necessitados. Nenhuma menção ao caráter de direito,

à responsabilidade estatal por afiançar direitos e o respeito aos preceitos constitucionais é

realizada.

Desde o início da constituição do Fundo Social, enfatizou-se o caráter da ajuda, a qual

sempre esteve presente em suas ações. A primeira gestora – Maria do Carmo Mellão de Abreu

Sodré – teve logo de início um grande desafio quando, face a uma catástrofe da época, deveria

prestar atendimento aos flagelados, fornecendo-lhes o mínimo e essencial para sobrevivência:

medicamentos, roupas e alimentos. As ações do Fundo também estiveram presentes nas

enchentes ocorridas no Estado de São Paulo em novembro de 1969, quando conseguiu abrigar

mais de seis mil pessoas das mais de treze mil atingidas pelas enchentes. Concomitantemente

prestou assistência aos municípios da Grande São Paulo e do Litoral 19. A questão que nos

cerca é: qual o papel do Estado? O que os órgãos públicos fizeram face a estas situações?

Afinal, eram ações de caráter público assumidas pelo então recém criado Fundo Social. Não

cabia ao Estado ter uma política para atenção à calamidade?

18 Este órgão está hoje vinculado à Secretaria da Casa Civil e passou a ter esta denominação a partir do Decreto governamental nº 51.737 de 05 de Abril de 2007, assinado pelo então governador do estado de São Paulo, José Serra. Trata-se de um órgão especificamente paulista, ou seja, só há Fundo Social no estado de São Paulo. 19 Informações oriundas do site: www.fundosocial.sp.gov.br consultado em 05/04/2010.

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Tratava-se, como se observa, de ações emergenciais e pontuais, embora se tenha

criado um plano de ação com a proposta de desenvolvimento de ações assistenciais, o que se

moldou basicamente em doações de cadeira de rodas, ambulâncias, óculos etc, repassados aos

fundos municipais e estimulando a esposa de prefeitos a desenvolverem essa prática.

A realização de campanhas também era (e ainda é) uma prática muito freqüente do

Fundo. Com a proposta de tirar os mendigos das ruas de São Paulo, a presidente da época dos

anos 1970 – Maria Zilda Gamba Natel – encabeçou a campanha: “Um mendigo a menos, um

trabalhador a mais”. Na ocasião, os indivíduos eram retirados das ruas e levados até uma

fazenda localizada no município de Franco da Rocha, onde recebiam assistência psicológica e

física. Quando estivessem ‘aptos’ ao convívio social eram novamente reintegrados à

sociedade. Durante o período em que permaneciam na fazenda aprendiam a lidar com a terra e

com os animais, além disto, faziam diversos cursos profissionalizantes como mecanismo de

reinserção.

O que se nota, na verdade, é o enfoque dado ao ‘desajustamento’ do indivíduo. Uma

prática funcionalista de enquadramento dos sujeitos à sociedade capitalista. Não há relatos de

como ocorriam essas abordagens e se os sujeitos ‘iam livremente’, sobre o que existem

dúvidas. De qualquer modo, atribuía-se ao indivíduo a culpa pela situação vivenciada, isto é,

‘ele era pobre e vagabundo por não querer trabalhar’, assertiva que acabava sendo endossada

pela sociedade em geral. Prova disto foi o slogan da campanha “Se me deres esmola comerei

hoje, se me deres trabalho comerei sempre” que conquistou amplo apoio da sociedade e sua

elite.

Outra ação presente e endossada pelo Fundo Social foi e é a formação e o chamamento

do voluntário. Tanto é que em 1976 se instituiu o Dia do Voluntário Social, pois a este se

atribuía uma função essencial: realizar as ações, as campanhas, os programas e os projetos do

Fundo Social. Do mesmo modo, o Fundo incentivou as chamadas parcerias, em que

atividades eram desenvolvidas conjuntamente entre o poder público e a sociedade civil e/ou a

iniciativa privada.

Em 1983, a então presidente – Lucy Pestana Silva Franco Montoro – criou, por meio

do Decreto 20.925/83, os Fundos Municipais de Solidariedade, adotando uma política

descentralizada e de incentivo à participação das comunidades locais. A legislação estimulava

que os municípios paulistas possuíssem um Fundo próprio, que atendesse e ajudasse seus

respectivos munícipes. Com isto, o Fundo Social de Solidariedade se alastrou por todo o

Estado de São de Paulo. Diversos programas e projetos foram geridos pelo Fundo, por meio

dos quais se instituíram decretos, articulações e ações consideradas pioneiras: Programas de

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Atenção aos Portadores de Deficiência, à População Idosa, à Prevenção às Drogas e

DST/Aids, etc.

Hoje em dia, mais de 90% dos municípios paulistas possuem um Fundo Social de

Solidariedade e desenvolvem, em parceria entre governo municipal, sociedade civil e governo

estadual, diversos programas e projetos, concessão de auxílios e doações, além da promoção

de campanhas, tudo encabeçado pelo FUSSESP. Ou seja, é muito forte a presença deste órgão

junto aos municípios paulistas, o que, por vezes, gera ações paralelas ou sobrepostas junto à

política de assistência social. Isto porque esta trabalha com o enfoque do direito, enquanto o

Fundo opera no horizonte da caridade.

Com a instituição da LOAS em 1993, previa-se a extinção do FUSSESP, o que não

ocorreu. O enfoque da ajuda, a prática de doações, a articulação das parcerias, o estímulo e

chamamento ao voluntariado é muito forte e presente nos municípios paulistas, o que muitas

vezes acaba por camuflar as ações e práticas mais convenientes ao governo vigente da época,

gerando ações paralelas ou sobrepostas junto à política de assistência social. Desmontar toda

esta estrutura envolve interesses políticos, econômicos e pessoais.

Com isto, o Fundo Social e a política de assistência social ‘convivem’, na medida do

possível, conjuntamente nos municípios paulistas. É comum se identificar o paralelismo de

ações, o não reconhecimento do direito, a ação no âmbito da ajuda etc. Dependendo das

prioridades do executivo, a ênfase se direciona para um determinado lado, o que condiz com a

política partidária adotada naquele momento. A assistência social enquanto política pública

estatal fica, então, meio diluída na ação e atenção, não enfocando o direito reconhecido

legalmente.

Do mesmo modo, também se identifica no Programa Federal Comunidade Solidária 20

outro exemplo claro, visível e expressivo na atenção dada no trato à miséria e pobreza,

também por meio da ação da primeira-dama. Em substituição a LBA, o governo FHC instituiu

este programa, de cunho assistencialista, que se orientava na contra-mão dos direitos de

cidadania e o colocou sob a direção de Ruth Cardoso.

Esse Programa não só promove o desmanche dos direitos sociais, mostrando-se desfavorável à consolidação da assistência social como política pública, conforme estabelece a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Assistência, como também dá plenas condições ao trabalho político-partidário da primeira-dama, a qual visita todos

20 Programa Federal criado em 1995 pelo então presidente da república Fernando Henrique Cardoso. Sendo instituído pelo Decreto nº 1.366 de 12 de janeiro de 1995, estava vinculado diretamente a Casa Civil da Presidência da República e era presidido pela primeira dama da época, Ruth Cardoso.

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os Estados mostrando-se preocupada com os problemas sociais, envolvendo em suas ações órgãos federais de credibilidade, como as universidades e alguns ideólogos da socialdemocracia. (TORRES, 2002, p. 104)

É como se o status de política pública conquistado pela assistência social com a Carta

Magna de 1988 fosse posto em ‘segundo plano’, simplesmente ignorado, reproduzindo –

agora por meio de uma ação estatal – a prática da benesse, da solidariedade e da caridade.

Fala-se de uma política que ao invés de portar-se como tal – com orçamento, conselho, plano

de ação definidos – rumo à garantia e o acesso aos direitos básicos de cidadania, trabalha

parcialmente no ‘combate à fome e à pobreza’, o que, na realidade, encontra-se desconexo ao

caráter de direito, mas configura-se como uma política social adotada e ampliada durante as

duas gestões de FHC. Todas estas práticas de auxiliar pessoas, no bem da verdade,

constituem-se muito mais como o exercício organizado da caridade do que na garantia, de fato,

dos direitos socioassistenciais, isto na LBA, na década de quarenta, no Comunidade Solidária

nos anos noventa e, por fim, dos Fundos Sociais de Solidariedade existentes até os dias atuais.

Do mesmo modo, a presença e a participação da ideologia do primeiro-damismo são

observados nos dados apresentados pela MUNIC, em que, dos 5.565 municípios, 1.352

possuem a primeira-dama como gestora da política de assistência social no Brasil. No Estado

de São Paulo, dos 645 municípios, 85 são adeptos desta ideologia, o que pode representar

certo retrocesso se pensarmos a assistência social no campo dos direitos e o primeiro-

damismo muito mais atrelado ao viés da benesse e ajuda, como tem mostrado seu legado.

Ao que parece, a prática da benemerência, a presença do primeiro-damismo, do Fundo

Social em São Paulo, a instituição da LBA (como órgão governamental), bem como tantas

outras ações, não fugiram à lógica de atenção ao pobre, como o necessitado, o carente, o

sujeitado aos restos existentes, filiado à ação de benevolência da mulher do governante.

1.4 – A oferta de auxílios e benefícios na ótica da previdência social

A previdência social organiza e administra seus auxílios e benefícios desde as Caixas

de Aposentadorias e Pensão (CAPs) – instituídas em 1923 21, consideradas como sendo o

21 Em 1923 foi apresentado pelo então deputado paulista Eloy Chaves, um projeto de lei que determinava a criação de Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) para os empregados das empresas ferroviárias. Tal projeto foi aprovado, transformando-se no Decreto Legislativo nº 4682 de 24/01/1923, o qual é considerado o marco da

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‘nascimento’ do seguro social no país – até os dias atuais, e desde então se faz jus à

terminologia de benefícios. Os segurados tinham por direito receber os benefícios oferecidos

pelas Caixas, na qual contribuíram por um determinado período. A lógica era de seguro, isto é,

esses benefícios eram destinados a quem fazia parte e era contribuinte de uma das CAPs

existentes, o que na verdade, era a minoria da população.

As CAPs (como organizações autônomas, sob supervisão estatal) criadas com fundo

específico para cada categoria específica, traziam consigo princípios administrativos próprios

sobre seus quadros de benefícios. Suas fontes para captar fundos se davam com a contribuição

dos empregados, dos empregadores e do próprio Estado.

No entanto, observa-se que a previdência social brasileira, de caráter contributivo, não

abrangia toda a sociedade, mas sim a certos setores e/ou categorias profissionais. Isto criou,

de início, uma divisão: os segurados e os não-segurados, além das diferenças administrativas

das CAPs de uma empresa para outra. Além disto, os benefícios administrados pelas CAPs

destinavam-se a estimular o trabalho produtivo e a lidar prudentemente com os conflitos

sociais existentes. Eis, portanto, outras razões destas Caixas se destinarem a determinados

grupos da sociedade. Mesmo porque, sua função não se constituía como redistribuidor de

renda, mas sim como transferidor de renda. Os empregados com as melhores remunerações

receberiam os maiores benefícios, ficando como incumbência das elites políticas e

administrativas a responsabilidade de estruturar os sistemas das CAPs de maneira a viabilizar

esta estrutura. Tais grupos determinavam sua forma de financiamento, suas bases de cálculo e

formas de concessão dos benefícios.

As CAPs deveriam dar quatro benefícios para manter a renda e saúde da família de um trabalhador em caso de doença, incapacidade, velhice ou morte. O primeiro era a aposentadoria por invalidez e por tempo de serviço (ordinário), sendo que esta última era recebida pelo trabalhador quando chegava à idade de cinqüenta anos, com um mínimo de trinta anos de serviço. O segundo benefício envolvia pensões aos dependentes de um empregado morto. O terceiro benefício consistia em cuidados de saúde na forma de serviços médicos e a vantagem de comprar remédios a preço reduzido. Finalmente, a lei estabelecia que à CAP competia pagar as despesas de funeral dos membros segurados. Em acréscimo aos quatro benefícios básicos, a lei rezava que, depois de dez anos de serviço, o empregado só podia ser demitido por causa grave provada pelo empregador em processo administrativo formal. Os quatro benefícios básicos, embora com importantes variações, bem como a provisão de

previdência social no Brasil. Além disso, é com a previdência social que a proteção social brasileira vai se estruturar como um direito ligado diretamente ao trabalho, mesmo que destinado, primeiramente, a determinadas categorias e num contexto em que a saúde e a assistência social ainda possuíam caráter de benevolência. Assim, as CAPs (organizações autônomas, sob supervisão do governo) foram criadas com fundo específico para cada companhia ferroviária do país, trazendo consigo seus respectivos princípios administrativos sobre os quadros de benefícios.

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estabilidade no emprego, foram incorporados à subseqüente legislação de seguro social até o ano de 1966. (MALLOY, 1986, p. 49-50)

Observa-se logo nos primórdios da previdência social brasileira um modelo de

proteção social desigual e estratificado, em razão dos setores cujo trabalho se mostrava

essencial para a economia e a manutenção do capital. As lutas desses setores em manter um

sistema auxiliar quando necessário implicavam em impactos à economia de exportação. A

preocupação era de “[...] abafar o protesto social e de enfraquecer as organizações trabalhistas

radicais pela apropriação da habilidade de definir um aspecto significativo da questão social.”

(MALLOY, 1986, p. 53). Neste momento, o autor acrescenta ainda que “[...] é mais do que

simples coincidência que a Lei Eloy Chaves e suas variações de 1926 tenham trazido

proteção social às três categorias de trabalhadores mais bem organizadas: ferroviários,

estivadores e marítimos [...]” (MALLOY, 1986, p. 53).

A Lei Eloy Chaves, na verdade, objetivava manter o status quo. A concessão de

benefícios destinava-se às categorias específicas que, naquele momento, eram consideradas

importantes para a economia do país. Ao mesmo tempo em que se baseava em modelos

estrangeiros de seguro social, tinha como respaldo as sociedades de ajuda mútua, que no

Brasil reservaram, de início, um atendimento direcionado a essas categorias em locais como a

Beneficia Portuguesa e o Hospital Sírio Libanês, além de entre outros. Deste modo, Eloy

Chaves atendia aos anseios de uma elite interessada em si própria e controlava, de certa

forma, determinados setores da sociedade assegurando-lhes ‘um prêmio’ ao final da jornada

de trabalho.

A partir da década de trinta do século XX, estas Caixas são fundidas, formando os

Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs). A partir de então, a organização passou a ser por

categoria profissional e não mais por empresa. Primeiro foram os marítimos, logo os

comerciários, na sequência foram os bancários e, posteriormente, ocorreu à fusão das caixas

dos industriários entre outras categorias subsequentes.

Com a instituição da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) em 1960, os IAPs

foram unificados e padronizados, sendo regidos por um sistema único para seus assegurados;

seus benefícios foram ampliados e as fontes de custeio foram centralizadas e organizadas,

estando regidas pela mesma legislação. Entretanto, somente em 1966 passou a existir um

instituto único a gerir o sistema previdenciário no país: o Instituto Nacional de Previdência

Social (INPS), que perdurou até a Constituição Federal de 1988, quando passou a ser

designado e ampliado como Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).

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Face a isto, o INPS operacionalizava os benefícios de seus segurados, aqueles

providos de vínculo previdenciário, os incluídos dentro do sistema de seguro social. Enquanto

isto, a LBA atendia a massa desprovida, ou não coberta, da previdência social. Em geral, com

ações e auxílios pontuais, emergenciais e paliativos perante a situação de pobreza e miséria.

Esta (LBA) compunha a rede de solidariedade civil – juntamente com as Santas Casas, as

Associações de Socorros Mútuos, etc. – que eram responsáveis pelo amparo e auxílio aos que

não estavam cobertos pelo seguro social.

Com a promulgação da Carta Magna – em 05/10/1988, pelo então deputado Ulysses

Guimarães – buscou-se instituir e assegurar, por meio de instrumentos legais, os direitos e

deveres dos cidadãos brasileiros. Após o país vivenciar um período repressor em que

garantias individuais e sociais foram, por vezes, ignoradas durante o Regime Militar, era

desejo de boa parte da sociedade, de vários movimentos sociais e populares, de grupos

militantes de esquerda, do ‘novo sindicalismo’, entre outros, buscar construir uma

Constituição – distante dos Atos Institucionais impostos pelo governo autoritário – que

defendesse os valores democráticos, políticos, civis, sociais e individuais.

O princípio da Seguridade Social foi assegurado, a partir de então, como sendo “[...]

um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas

a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social”. (Art.

194, Brasil, 1988, p. 164). Com a promulgação da considerada Constituição Cidadã ampliou-

se o acesso e o reconhecimento às políticas públicas: passou-se a abranger políticas universais,

reconhecidas e asseguradas legalmente. A política previdenciária estendeu-se a todos os

trabalhadores formais; a política de saúde passou a ser destinada a todos os cidadãos

brasileiros e a política de assistência social foi pela primeira vez reconhecida como política

pública de responsabilidade estatal.

A partir de então, foi iniciada a caminhada no sentido de assegurar e gerir as políticas

públicas como direito de todos. A concessão de benefícios restrita a determinadas categorias

ampliou-se como direito da classe trabalhadora. A assistência social passou ao âmbito de

política pública, como dever do Estado e direito do cidadão, iniciando sua trajetória de

reconhecimento e espaço na cena política. Isto culminará por editar legislações que deram

norte e conteúdo à recém reconhecida política.

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1.5 – Os benefícios socioassistenciais na assistência social

Quando a assistência social se configurou no campo dos direitos, a partir da

Constituição Federal de 1988, sendo posteriormente regulamentada pela Lei Orgânica da

Assistência Social (LOAS) – instituída em 1993 – passou-se a adotar a terminologia

benefícios, como direitos de cidadania, dentro do campo da Seguridade Social 22.

A LOAS fez referências a dois benefícios, considerando-os de direito e instituídos

legalmente: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e os Benefícios Eventuais (BE).23 Os

auxílios tratados se referem ao artigo 22 da LOAS: auxílio natalidade e auxílio funeral e se

encontram dentro do campo de benefícios (benefícios eventuais). Ao que parece, os

benefícios – e aqui em destaque os benefícios eventuais – vão encontrar na previdência social

uma aproximação maior do que junto à política de assistência social, ou seja, esta herança vai

mais ao encontro dos preceitos previdenciários do que em direção ao histórico da assistência

social, referente à concessão de auxílios. A trajetória, operacionalização, conteúdo e

legislações do auxílio natalidade e auxílio funeral caminharam em conjunto com a política

previdenciária até sua transmutação para assistência social, o que ocorreu em 1993.

A terminologia benefício é comumente usada no campo do seguro social pela política

previdenciária, embora se utilize também dos auxílios. Os segurados do sistema

previdenciário sempre foram chamados beneficiários e não auxiliados, contemplados ou

mesmo ajudados. Talvez pelo fato de se tratar de um seguro, algo que se paga, se contribui

para ter direito, a conotação talvez seja ‘pagou tem direito’, ou benefício ligado diretamente

ao conceito de direito não benesse ou ajuda eventual.

É certo, contudo, que o uso deste conceito – benefícios – começa a se tornar mais

freqüente e usado dentro do campo da Seguridade Social e posteriormente na assistência

social com a regulação da LOAS. A assistência social em sua trajetória sempre

operacionalizou a concessão de auxílios, é quase nulo se falar de benefícios antes da Lei

Orgânica, o que, em parte, talvez se explique por sua trajetória histórica muito mais ligada ao

22 O termo Seguridade Social se refere ao artigo 194 da Constituição Federal, o qual estabelece o tripé de políticas públicas: a política de saúde, de assistência social e de previdência social. 23 O Benefício de Prestação Continuada se refere ao artigo 20 e 21 da LOAS. Trata-se de um salário mínimo destinado à pessoa com deficiência e ao idoso com renda per capta de até ¼ do salário mínimo. Está regulamentado e em vigor em todo país desde 1996. Atualmente se orienta pelo Decreto 6.214 de 26/09/2007; já os Benefícios Eventuais se refere ao artigo 22 da LOAS, como sendo os auxílios natalidade e funeral e se encontra em processo de regulação em todo o país.

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contexto de ajuda, caridade, benesse. E, ao instituir benefícios, talvez se proponha a romper

com esse histórico.

A assistência, no seu sentido mais lato, significa auxílio, socorro. Onde quer que haja uma necessidade que o interessado não pode resolver por si e não consiga pagar com seu dinheiro, a assistência tem o seu lugar. Assistência a famintos, a sedentos, nus, desabrigados, doentes, tristes, ativos, transviados, impacientes, desesperados, mal aconselhados, pobres de pão ou pobres de consolação, tudo é assistência, auxílio, socorro”. (CORREIA, 1999, p. 13, apud MESTRINER, 2001, p. 15)

Ao se tratar de benefícios propõe-se compor um campo bem mais definido, na

perspectiva do direito, ao contrário de uma assistência ligada à concessão de auxílios

(material ou moral) como caridade.

No entanto, entende-se que o reconhecimento dos benefícios no corpo da Lei Orgânica

se deu muito mais pela via da transferência de ações da previdência social para a assistência

social, do que pela via da legalização de uma prática histórica de conceder auxílios, algo que

será melhor abordado e definido no próximo capítulo.

É sabido que em 1993 foi promulgada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS);

em 1994 se desenhou, sem aprovar, a primeira versão de uma Política Nacional de Assistência

Social; em 1998 é promulgada a primeira Política Nacional de Assistência Social e a primeira

Norma Operacional Básica da Assistência Social (NOB), reeditada em 1999. Na seqüência,

em 2004, há a promulgação da Política Nacional de Assistência Social, que vigora atualmente

no país; no ano seguinte instituiu-se o Sistema Único da Assistência Social (SUAS) e a

Norma Operacional Básica (NOB/SUAS), que passaram a orientar a gestão da política de

assistência social em todo território nacional.

O SUAS 24 tem por intuito trabalhar a política de assistência social de modo integrado,

articulado e participativo rumo à concretização dos direitos sociais instituídos desde a

Constituição Federal de 1988. Propõe a articulação entre os serviços, programas, projetos e

benefícios – nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal) – de modo a organizar

24 Instituir um Sistema Único para a gestão da política de assistência social, em âmbito nacional, era uma reivindicação que vinha desde 2003, na IV Conferência Nacional de Assistência Social, sendo de fato implementado a partir de 2005. Na verdade, a implementação de uma gestão uniforme se traduz como um grande avanço, no sentido da concretização dos direitos sociais, pois historicamente não se dirigia aos órgãos públicos o trato desta política, ficando a assistência social, na maioria das vezes, com o “resto”, as “sobras” de recursos governamentais.

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a gestão da política pública de assistência social, cuja finalidade é assegurar proteção social

aos cidadãos brasileiros dentro do campo da Seguridade Social.

Ao instituir um Sistema Único, caminha-se no sentido de romper com a cultura

paternalista e clientelista presentes na história desta política, em que a assistência social –

numa condição marginal – apresenta-se como atenção destinada aos pobres, no mais das

vezes, atrelada a interesses eleitoreiros. O SUAS representa, ainda, uma ruptura, contrapondo-

se à marca da benemerência e ampliando a noção de direito como “[...] sistema público não

contributivo, descentralizado e participativo que tem por função a gestão do conteúdo

específico da assistência social no campo da proteção social brasileira [...]” (Brasil,

NOB/SUAS, 2005).

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) materializou-se em 2004 como o

documento de gestão que instrumentaliza a ação da política. Neste sentido, configura a

responsabilidade estatal perante os cidadãos brasileiros, delimitando sua especificidade

enquanto política pública de proteção social.

Assim, por afiançar proteções à assistência social, prevê o desenvolvimento e a

provisão de serviços, programas, projetos e benefícios, estando estes articulados às demais

políticas públicas, centralizados na família e organizados a partir do território.

Hoje se provê benefícios no campo do direito. A PNAS os reconhece como uma das

atenções dirigidas ao cidadão brasileiro. Mas, como já vimos, nem sempre foi deste modo. A

atenção oriunda dos auxílios ocasionais, em geral vinculados ao atendimento de “plantão

social”, bem como o exercício do Serviço Social de Caso, são práticas comumente realizadas

no país, configuradas muito mais no ‘crivo’ profissional do que pela noção do direito.

A concessão e gestão de auxílios e benefícios percorreram (e percorrem) toda uma

trajetória (pública e privada) de identificação e reconhecimento destes como sendo direitos

socioassistenciais providos hoje no âmbito de um Sistema Único. Os auxílios fluíram desde o

conceito de benemerência oriundos do plano nacional da gestão técnica e paralela do Serviço

Social até seu reconhecimento garantido em legislações específicas. Fato é que tais

legislações não foram suficientes para limitar ou extinguir a ‘ideologia da ajuda’ na sociedade

contemporânea, principalmente em sua parcela mais conservadora.

Prova disto é a existência de programas como o Comunidade Solidária que, como ação

paralela à LOAS, tinha por objetivo reunir esforços e recursos tanto dos órgãos

governamentais quanto da sociedade civil para uma melhor qualidade de vida dos mais pobres

e necessitados, isto é, o foco era o pobre, não o cidadão de direito. Para tanto, fomentava e

estimulava as chamadas parcerias, as quais tanto podiam e deviam ocorrer entre os governos

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(união, estados e municípios) quanto, também, entre a iniciativa privada, ou, ainda, com a

sociedade civil. Os diversos projetos desenvolvidos pelo Programa visavam reverter os

indicadores sociais dos bolsões de pobreza e miséria, chamando, para tanto, os parceiros

envolvidos.

A crítica centra-se aqui na ação desconexa do acesso ao direito. Trata-se, na realidade,

de um programa que “[...] representa uma forma efetiva de se manter o conservadorismo

próprio do populismo tradicional no campo da assistência social, que mantêm as classes

subalternas sob a dominação paternalista do Estado por meio da benemerência.” (TORRES,

2002, p. 105), que, faz das parcerias, do voluntariado e das campanhas meios de se auxiliar os

pobres e miseráveis. Além disto, se vivemos na era do reconhecimento dos direitos, sendo

estes legalmente instituídos, questiona-se, aqui, a formatação de um programa na contramão

dos direitos. O Comunidade Solidária acabou se enquadrando muito mais em um programa

político partidário, de caráter emergencial, seletivo e focalista, do que de fato em uma ação

emancipatória da situação de pobreza e miséria, ainda vivenciada pela população.

Tanto é, que embora ainda existam ações oriundas do Comunidade Solidária, este foi

substituído em 2003 pelo Programa “Fome Zero” do atual governo de Luís Inácio Lula da

Silva (sem a presença da primeira-dama – Srª Marisa Letícia). Formatado por um conjunto de

programas, o Fome Zero dedicava-se a combater as causas imediatas e subjacentes advindos

da fome e da insegurança alimentar, embora não estivesse atrelado à figura da primeira-dama.

Em plena era dos direitos, há resquícios de concessão de auxílios e benefícios no

âmbito da ajuda, da benesse, da boa vontade, uma espécie de retorno aos velhos tempos ou

não rompimento com estes. É sabido ser truncada ou mal resolvida à relação entre direito e

ajuda. Em outras palavras, estar o direito instituído e assegurado em lei, não foi suficiente

para sua implementação na prática. Isto perpassa por relações econômicas, políticas e sociais,

o que torna lento e impreciso, em nosso país, o caminho percorrido entre a instituição e a

implementação, de fato, por um direito. De qualquer modo, a atenção deve se pautar no

respeito aos preceitos legais. Além disto, muitas vezes não é, evidentemente, interessante aos

governos eleitos regulamentarem o que é de direito, pois com isso se atende o que convém,

como convém e a quem convém.

No entanto, a era dos direitos instituídos pela Constituição Cidadã de 1988 trás um

norte e direciona competências que, em conjunto com a sociedade civil organizada, órgãos de

classe, conselhos de direitos, buscam materializar as competências estatais junto aos cidadãos

brasileiros. É moroso, em nosso país, o trânsito entre o reconhecimento e a regulamentação de

direitos, prova disto e objeto de estudo deste trabalho, é a regulamentação dos benefícios

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eventuais, como direito instituído desde a LOAS em 1993 (como auxílios oriundos da política

previdenciária) e até hoje em processo de implementação junto aos municípios brasileiros,

situação esta que será retratada no próximo capítulo.

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CAPÍTULO II

2. A TRAJETÓRIA E O CONTEXTO DOS BENEFÍCIOS EVENTUAIS

Os benefícios eventuais, objeto de análise deste capítulo, constituem um direito social

legalmente assegurado aos cidadãos brasileiros no âmbito da proteção social básica, conforme

preconiza o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Previstos desde 1993 pela Lei

Orgânica de Assistência Social (LOAS), inscrevem-se no rol de provisão procedente da

gestão municipal e estadual da política de assistência social, cuja responsabilidade de sua

regulação ficaram a cargo dos respectivos conselhos. Foi destacado como objeto de

regulamentação e provisão os auxílio natalidade e auxílio funeral, instituídos desde 1954 pela

política previdenciária e a partir da LOAS ampliados as demais atenções oriundas das

situações de vulnerabilidade social e calamidade pública.

É sabido que a concessão de auxílios e benefícios é uma prática inerente de atenção

por parte da assistência social, que se construiu no campo do direito. A concessão do auxílio

natalidade, auxílio funeral e renda mensal vitalícia estavam até 1993 sob responsabilidade da

política previdenciária. O translado de uma política para outra gerou alguns impasses em

relação à categoria dos benefícios eventuais (o auxílio natalidade e auxílio funeral): tão logo

foram transferidos deixaram de ser concedidos; o enquadramento dado à atenção limitou-se a

¼ do salário mínimo, focalizando o direito a um público bem específico – àqueles

extremamente pobres; além disto, o que deveria ser um avanço, o fato da regulação ocorrer a

partir do município, tornou-se um problema face às diversas limitações existentes (de ordem

econômica, política, social, cultural, etc.). Com isto, somente a Renda Mensal Vitalícia (RMV)

conseguiu, a partir de 1996, ser regulamentada na assistência social e passou a prestar atenção

similar por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), compondo a outra categoria de

benefícios assegurados na LOAS: os benefícios continuados.

Em outras palavras, as legislações precedentes dividiram as tarefas: os benefícios

continuados ficaram sob responsabilidade da União; os benefícios eventuais (no caso os

auxílios natalidade, funeral e demais provisões) ficaram a cargo dos estados, municípios e

Distrito Federal, o que permanece sem regulação na maioria dos municípios até os dias atuais.

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Em relação ao auxílio natalidade e auxílio funeral temos um impasse logo de início: há

um direito que é repassado e um repasse que está impreciso, o que nos faz repensar que estar

legalmente instituído não foi (e não é) suficiente para estar plenamente implementado em todo

território nacional, o que supõe empecilhos políticos, econômicos, estruturais, pessoais, entre

outros. Mesmo porque, além disto, parece tratar-se de uma parte da LOAS deixada à margem

da política pública de assistência social.

Esta análise, a fim de contribuir para o debate acerca da condição na qual se

encontram os benefícios eventuais, divide-se em três partes: os benefícios antes da Lei

Orgânica da Assistência Social (LOAS); os benefícios no contexto da LOAS; e, por fim, os

benefícios posteriores à Lei Orgânica. A intenção, neste caso, é de mapear o caminho e o

movimento misto pelo qual estes benefícios passaram da previdência social para a assistência

social, e a situação em que se encontram atualmente.

2.1 – Os auxílios natalidade e funeral antes da Lei Orgânica da Assistência Social

Os benefícios eventuais por morte e natalidade, descritos hoje no artigo 22 da LOAS,

já percorreram uma importante trajetória até se configurarem como benefícios

socioassistenciais no âmbito da política pública de assistência social.

Ao serem instituídos, por meio do Decreto nº 35.448 de 01/05/1954 25, sob a égide da

política previdenciária, foram intitulados, primeiramente, como “auxílio maternidade” e

“auxílio funeral”. Neste momento, estavam subordinados ao vínculo previdenciário, e eram

ofertados por meio do pagamento de 01 salário mínimo 26 no valor vigente à época.

25 Trata-se de um ato administrativo oriundo do Poder Executivo, cuja finalidade é regulamentar uma dada lei, ou ainda suprir uma lacuna em virtude da falta de uma lei. Neste caso, faz-se referência ao Regulamento Geral dos Institutos de Aposentadoria e Pensões. 26 O salário mínimo passou a vigorar no Brasil na década de 40 do século XX. A Lei nº 185 de janeiro de 1936 e o Decreto-Lei nº 399 de abril de 1938 regulamentaram a instituição do salário mínimo no país e o Decreto-Lei nº 2162 de 1º de maio de 1940 fixou os valores do salário mínimo, que passaram a vigorar a partir do mesmo ano. “O salário mínimo foi à primeira medida oficial instituída no país relacionada à idéia de proteção social mínima, já veiculada em vários países estrangeiros. Tanto é que o Brasil foi o 12º país do mundo – embora um dos primeiros da América Latina – a incorporar na sua Constituição (a de 1934) um dispositivo que previa o direito de todo trabalhador a receber um salário não inferior a um certo valor. Para definir esse valor, Comissões de Salário Mínimo foram instituídas pela Lei n°185, de 14 de janeiro de 1936, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 399, de 30 de abril de 1938, com o objetivo de realizar estudos a respeito das “necessidades normais” do trabalhador, dos quais resultou o seguinte conceito de salário mínimo: “É a remuneração mínima devida a todo trabalhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço e capaz de satisfazer, em determinada época, na região do país, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte”. Tal medida, contudo, apesar de parecer avançada [...] continha as seguintes restrições: referiam-se as

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Promulgado pelo então presidente – Getúlio Vargas 27 –, este documento era

considerado de grande relevância, devendo ser estudado e também apreciado pelo poder

legislativo da época, uma vez que se via necessário uniformizar o sistema previdenciário

existente naquele momento. Com isto, este Decreto descrevia quem eram os beneficiários;

quem estava excluído deste regulamento; quem eram os segurados facultativos; quem eram os

dependentes; como deveria ocorrer a inscrição no Instituto; quais eram as prestações

destinadas; no art. 20, por exemplo, descrevia-se o auxílio maternidade e o auxílio funeral

como prestações destinadas aos segurados; como deveria ocorrer o custeio e a administração

do auxílio funeral como prestações destinadas aos segurados; como deveria ocorrer o custeio

e a administração do Instituto; além das disposições gerais e transitórias.

Art. 20. As prestações asseguradas pelos Institutos consistem em benefícios ou serviços e são as que se seguem: I – Quanto aos segurados: a) auxílio-doença; b) aposentadoria por invalidez; c) aposentadoria por velhice; d) aposentadoria ordinária; e) auxílio maternidade; f) auxílio funeral; II – Quanto aos dependentes: a) pensão; b) pecúlio. III – Quanto aos beneficiários em geral: a) serviços médicos; b) serviços complementares. (grifo nosso – DECRETO nº 35.448, BRASIL, 1954, p. 05)

Os simpatizantes das ações políticas da época consideravam Getúlio Vargas como o

‘pai dos pobres’, no entanto, a crítica e oposição o viam como ‘a mãe dos ricos’. De qualquer

modo, os feitos realizados por ele influenciaram maciçamente o desenvolvimento do país

durante seu mandato e posterior a isto, conforme nos aponta Malloy, 1986, p. 59:

necessidades individuais do trabalhador, não incluindo a família; deixava de lado necessidades sociais como a educação e o lazer; estabelecia níveis distintos de salário em diferentes regiões; e os estudos realizados pelas Comissões não procuraram conhecer os custos dos bens e serviços essenciais, mas os níveis salariais mais baixos existentes no país, para tomá-los como referência do salário mínimo.” (Retratos do Brasil, 1984 apud Pereira, 2002, a p. 131) 27 Getúlio Vargas governou o Brasil por quinze anos ininterruptos: de 1930 – 1945 e posteriormente, por meio do voto direito permaneceu a frente do país por mais três anos: 1951 – 1954, quando suicidou-se.

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No Brasil, o governo de quinze anos de Vargas é conhecido como a “Revolução de 30”. Embora se possa estranhar o uso do termo “revolução”, não há dúvida de que, sob Vargas, a estrutura básica da economia do Brasil foi transformada significativamente, e muitas das mudanças estruturais e organizacionais introduzidas por Vargas persistiram por muito tempo após a sua deposição em 1945. Na verdade, [...] o modelo de relação Estado-sociedade utilizado por Vargas criou um esquema complexo e contraditório que afetou profundamente a direção de todo o desenvolvimento político subseqüente no Brasil.

Este documento de 1954 (Decreto nº 35.448) tratava, em relação ao auxílio

maternidade e auxílio funeral (essência dos benefícios eventuais posto na LOAS), de sua

forma de concessão, da arrecadação e o recolhimento das contribuições, as quais ficaram a

cargo das respectivas empresas recolher e destinar ao Instituto ao qual estivesse vinculada.

Tratava-se de benefícios previdenciários, oferecidos em pagamento único de um salário

mínimo vigente na época aos segurados dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs),

descritos em artigo próprio.

Art. 30. O auxílio-maternidade garantirá à segurada gestante ou ao segurado, pelo parto de sua esposa não segurada, após a realização de 12 (doze) contribuições mensais, uma quantia, paga de uma só vez, igual ao salário mínimo vigente na sede de trabalho do segurado. (p.08) Art. 31. A pensão garantirá aos dependentes do segurado, aposentado ou não, que falecer após haver realizado 12 (doze) contribuições mensais, uma importância mensal calculada na forma do art. 32. (p.08) Art. 38. O auxílio-funeral garantirá a quem custear o funeral do segurado a indenização das despesas comprovadamente feitas para esse fim, até o valor do salário mínimo de adulto vigente na localidade onde se realizar o enterramento. (DECRETO nº 35.448, BRASIL, 1954, p. 09)

A única exigência, no caso, era o fato de estar vinculado com algum Instituto e ter

cumprido o período de carência de 12 meses face à solicitação de algum destes auxílios.

Getúlio Vargas permaneceu no poder até 24/08/1954, quando se suicidou, seu vice –

João Fernandes Campos Café Filho – assumiu a presidência, tendo permanecido até

novembro de 1955, quando foi deposto.

Durante o mandato de Café Filho houve a revogação deste Decreto (por meio do

Decreto 36.132) em 03 de setembro de 1954, conforme descrevia: “Art. 1º Fica revogado o

Decreto nº 35.448, de 01 de maio de 1954 que aprovou o Regulamento Geral dos Institutos

de Aposentadoria e Pensões, restabelecida a legislação vigente na data de sua expedição”.

(DECRETO nº 36.132, BRASIL, 1954, p.01)

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Em setembro do mesmo ano (em 24/09/1954), o então presidente instituiu outro

Decreto referente a esta mesma temática, em que se dispunha sobre a execução do Decreto nº

36.132, tratava-se do Decreto nº 36.222:

Art. 1º As contribuições devidas aos Institutos de Aposentadorias e Pensões no período de 3 de maio de 1954 à data da vigência do Decreto nº 36.132 de 3 de setembro desse mesmo ano, serão pagas na conformidade da legislação por este estabelecida. Art. 2º Serão revisto os benefícios concedidos no período mencionado no art. 1º deste decreto, para que sejam seus valores reajustados aos termos da legislação restabelecida. Art. 3º O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio expedirá as Instruções que se fizerem necessárias a regularização das importâncias não recolhidas ou escolhidas em excesso bem como à revisão dos benefícios concedidos. Art. 4º O presente Decreto entrará em vigor na data de sua publicação. (DECRETO nº 36.222, BRASIL, 1954)

E assim estes auxílios permaneceram até a década de 1960, quando ocorreu a

instituição da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), promulgada em 26/01/1960 (Lei

3.807), voltou-se a fazer referência ao auxílio maternidade e auxílio funeral.

O auxílio maternidade passou, a partir de então, a ser chamado auxílio natalidade

(terminologia utilizada até os dias atuais), a legislação não trouxe apenas a mudança de

nomenclatura, mas ampliou o acesso, quando passou a considerar outros dependentes do

segurado. A partir da LOPS tinha direito a este auxílio, além da esposa do segurado, a filha ou

a irmã, maior de idade, solteira, viúva ou desquitada, ou ainda alguém designada pelo

beneficiário, desde que esta pessoa estivesse sob sua dependência econômica. A exigência

estabelecida era de que houvesse no mínimo doze contribuições ao seguro social da pessoa

designada, além de sua inscrição no regime previdenciário no mínimo trezentos dias antes do

parto, conforme descrevia o artigo 33:

Art. 33. O auxílio-natalidade garantirá, após a realização de doze (12) contribuições mensais, à segurada gestante, ou segurado, pelo parto de sua esposa ou companheira não segurada, ou de pessoa designada na forma do item II do artigo 11, desde que inscrita pelo menos 300 (trezentos) dias antes do parto, uma quantia, paga de uma só vez, igual ao salário-mínimo vigente na localidade de trabalho do segurado. (LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, BRASIL, 1960)

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A LOPS também instituiu mudanças em relação ao auxílio funeral, que passou de um

para dois salários mínimos, sendo destinados aos dependentes do segurado falecido ou a quem

executasse o funeral, desde que comprovadas as despesas, conforme descrevia seu artigo 44:

Art. 44. O auxílio-funeral, cuja importância não excederá de duas vezes o salário mínimo da sede de trabalho do segurado, será devido ao executor do funeral. Parágrafo único. Se o executor for dependente do segurado, receberá o máximo previsto no artigo. (LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, BRASIL, 1960)

O horizonte da LOPS, além de organizar e orientar a previdência social no país, era,

também, unificar os diversos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) existentes desde

1930, de modo que passasse a haver uma legislação única que os orientasse, pois até o

momento cada IAP funcionava conforme suas determinações específicas. Em outras palavras,

a LOPS propunha padronizar os benefícios previdenciários concedidos. No entanto, a

unificação destes Institutos só ocorreu, de fato, em 1966, ou seja, seis anos após a

promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social. Por meio do Decreto-Lei nº 72 de 21 de

novembro de 1966, estabeleceu-se o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS – o qual

passou a coordenar e administrar os Institutos então existentes de modo unificado.

Além disto, a LOPS imprimiu um contexto de ampliação ao acesso destes benefícios,

pautado na perspectiva da universalidade, embora orientado pela lógica do seguro social, e

tendo o salário mínimo como base e referência.

Tratava-se, portanto, esse rol de medidas introduzidas na LOPS, de relativos avanços no esquema de proteção social brasileiro que não obstante ancorado na tradição contratual do seguro social, guiava-se pelo princípio da universalidade, no âmbito do sistema, e inaugurava a extensão ou o alargamento do leque de dependentes beneficiários, assim como do valor do pagamento dos auxílios, que tinha como parâmetro básico o salário mínimo. (PEREIRA, 2002, b, p.120)

Outros marcos históricos configuravam este contexto e imprimiram mudanças,

conquistas e desafios junto à trajetória da proteção social no país, aqui em destaque: em 1963

foi criado o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL); a Lei Complementar

nº 07 (instituída em 07/09/1970) criou o Programa de Integração Social (PIS) e a Lei

Complementar nº 08 (de 03/12/1970) promulgou o Programa de Formação do Patrimônio do

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Servidor Público (PASEP). Houve, ainda, em 1974, o desmembramento do Ministério do

Trabalho e da Previdência Social, com a criação do Ministério da Previdência e Assistência

Social (MPAS), nela inscrita a Secretaria de Assistência Social. Concomitantemente, criou-se

a empresa responsável pelo processamento de dados da previdência social (DATAPREV). Na

sequência, instituiu-se, em 1977, por meio da Lei nº 6.439 (01/09/1977), o Sistema Nacional

de Assistência e Previdência Social (SINPAS), órgão subordinado ao Ministério da

Previdência e Assistência Social, cuja importância constituiu em administrar os benefícios da

previdência e assistência social.

Algumas autarquias e entidades integravam o SINPAS: Instituto Nacional de

Previdência Social (INPS); Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

(INAMPS); Fundação Legião Brasileira de Assistência (FLBA); Fundação Nacional do Bem-

Estar do Menor (FUNABEM); Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social

(DATAPREV); Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social

(IAPAS) e a Central de Medicamentos (CEME).

No entanto, a integração deste sistema não foi completa e uniforme, conforme se

verifica na Lei nº 6.439 de 01/09/1977, a qual institui o Sistema Nacional de Previdência e

Assistência Social (SINPAS):

Art. 2º São mantidos, com respectivo custeio, na forma da legislação própria, os regimes de benefícios e serviços dos trabalhadores urbanos e rurais, e dos funcionários públicos civis da União, atualmente a cargo do Instituto Nacional de Previdência Social - INPS, do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural - FUNRURAL e do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE. (Brasil, 1977, p. 01)

Ou seja, instituiu-se um Sistema Nacional para administrar os benefícios e serviços do

MPAS, no entanto, a finalidade de conceder e manter os benefícios e a prestação de serviços,

custear as atividades e os programas e gerir financeiramente, administrativamente e

patrimonialmente, possuíam um alcance limitado.

Em contribuição a esta abordagem, Carbone (1994, p. 31) acrescenta que:

A ampliação da cobertura previdenciária foi ocorrendo paulatinamente, como por exemplo: em 1967, com a integração ao INPS dos seguros relativos a acidentes de trabalho, em 1971; com a criação do PRORURAL, destinando-se fundos específicos (FUNRURAL) para sua manutenção e estendendo ao trabalhador rural a Previdência Social; em 1972, com a Lei nº. 5.859, de 11-12-72, estendendo às empregadas domésticas os benefícios da Previdência Social; e, em 1973, com a Lei nº. 5.850, de

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08-06-73, com a extensão dos benefícios aos trabalhadores autônomos [...] Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) como parte deste conjunto de reformas e a quem caberia supervisionar o INPS, sendo seu primeiro ministro Nascimento e Silva. A unificação, entretanto, não se fez integralmente, uma vez que permaneceram ainda distintos regimes previdenciários, a saber: o militar, o dos servidores públicos federais, o dos servidores públicos estaduais, o INPS (trabalhador urbano), o dos empregados em poupança e empréstimos e o FUNRURAL (trabalhador rural).

Outra questão atrelada à realidade posta nos é apontada por Pereira (2002 b, p. 140-

141)

No que tange à proteção do capital à custa do trabalho, foi criado o Programa de Integração Social (PIS), em 1970, e, três meses depois, o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), os quais representavam mais um mecanismo de poupança a serviço da reprodução do capital e da harmonia entre capital e trabalho do que uma tentativa de integração do trabalhador ao desenvolvimento econômico. Ou melhor, com o PIS e o PASEP a política trabalhista deixou de ser uma questão política para transformar-se em um arranjo administrativo calculado.

A ênfase dada a este período foi direcionada às questões de cunho econômico, com um

nítido contraste entre a ilusão do “milagre econômico 28” e a miséria da década de 1980, isto é,

há um empobrecimento da classe média e um processo de miserabilidade dos mais pobres, o

que evidencia a ausência de um mínimo de proteção social institucionalizada.

Em relação ao nosso objeto de estudo, os benefícios eventuais, sua execução enquanto

auxílio natalidade e auxílio funeral permaneceram como prestações asseguradas no âmbito da

previdência social, orientados pela LOPS.

Não houve, na sequência, mudanças significativas referentes à concessão destes

auxílios com a Lei nº 5.890 de 08 de junho de 1973, que alterava a legislação previdenciária e

dava outras providências. Os auxílios natalidade e funeral foram, por mais de duas décadas,

executados desta forma: acessado por meio do vínculo previdenciário, garantido por meio das

condições aqui apresentadas.

28 Milagre Econômico foi o nome dado ao período de extraordinário crescimento econômico (em virtude de reformas oriundas do período anterior e condições internacionais favoráveis) ocorrido no país durante a Ditadura Militar, principalmente entre 1969 a 1973, no governo Médici. Paradoxalmente, mesmo com a ideologia do “Brasil Potência”, suscitado neste período áureo do desenvolvimento brasileiro, houve o aumento da concentração de renda e da pobreza no país.

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No entanto, aos desprovidos do seguro social, não havia (legalmente) benefícios

instituídos. No mais das vezes, a LBA e alguns órgãos de cunho assistencial prestavam ou

forneciam algum tipo de benefício (tipo eventual) dada à situação apresentada. Era comum (e

talvez ainda seja), por exemplo, o fornecimento do enxovalzinho do bebê às gestantes, tidas

carentes. Do mesmo modo, ocorria o fornecimento de caixão ao falecido, cuja família não

possuísse meios de arcar com o ônus do funeral, entre outros auxílios categorizados em

natalidade ou morte, além de tantos outros ofertados face à situação vulnerável, destinados

diretamente a grande maioria da população, fora do sistema previdenciário.

Com isto, a previdência social ministrava seus benefícios eventuais aos seus segurados

e dependentes, ficando os demais a mercê de auxílios eventualmente fornecidos, quer seja

pelo órgão público (quando disponível), quer seja pela rede de solidariedade, formada por

entidades, pessoas físicas, órgãos religiosos, etc.

A conjuntura neoliberal 29 dos anos noventa do século XX imprimiu mudanças

circunstanciais no país e, consequentemente, na destinação e/ou execução destes auxílios.

Conforme Schneider, apud Draibe (1993, p. 89):

Em lugar de ideologia, os neoliberais têm conceitos. Gastar é ruim. É bom ter prioridades. É ruim exigir programas. Precisamos de parcerias, não de governo forte. Falem de necessidades nacionais, não de demandas de interesses especiais. Exijam crescimento, não distribuição. Acima de tudo, tratem do futuro. Repudiem o passado. Ao cabo de pouco tempo as idéias neoliberais começam a soar como combinações aleatórias de palavras mágicas.

Embora não haja uma descrição única e precisa sobre a teoria neoliberal, em linhas

gerais a descrevemos como a liberdade e a primazia que o mercado exerce sobre o Estado; a

predominância do caráter individual sobre o coletivo e a formulação do Estado Mínimo, isto é,

uma redução deste Estado no que tange ao seu tamanho, ao seu papel e as suas funções, o qual

não deve intervir no ‘livre jogo’ do sistema econômico. Além disto, instituiu-se a quebra das

conquistas dos trabalhadores e o desbaratamento do poder dos sindicatos, permitindo o

rebaixamento salarial e o aumento da competitividade entre os trabalhadores.

29 O neoliberalismo se implanta na Inglaterra com [Margareth] Thatcher no final da década de 1970 e, em seguida, com [Ronald] Reagan, nos Estados Unidos, no começo de 1980. Espalha-se pelo mundo, chegando à América Latina, onde o retorno da democracia política foi acompanhado pelo abandono dos modelos econômicos estatizantes, e alcançou o Brasil em 1989, com [Fernando] Collor [de Mello]. (SERRA, 1993, p. 150).

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A defesa era em prol a liberdade individual no livre exercício das leis do mercado de

modo a estimular a competitividade e a concorrência. Os gastos sociais com políticas de

proteção social eram considerados algo ‘ameaçador’ aos interesses individuais, pois anulam e

inibem as atividades e as formas de concorrência, conforme defendiam os liberais.

Com base na ideologia neoliberal, as políticas sociais sofreram um redirecionamento

em sua área de atuação, principalmente em suas prioridades. Em linhas gerais, tal

redirecionamento se daria com cortes do gasto social; além da mencionada desativação direta

dos programas sociais. Por último, mas não menos importante, à efetiva redução do papel do

Estado no campo social, uma vez que, “na base de tal ‘redirecionamento’ estava a vontade de

quebrar a espinha dorsal dos sindicatos e dos movimentos organizados da sociedade”

(DRAIBE, 1993, p. 92).

Isto faz com que os benefícios sociais – conquistados como direito social – juntamente

com os programas sociais em geral e mesmo o sistema de seguro social tenham sofrido uma

redução em seu caráter de universalidade e seu enfoque específico de desenvolvimento, tendo

esta responsabilidade sido transferida, quando necessário e/ou possível, à iniciativa privada e

à sociedade civil. Fazia-se necessário, a mando do sistema econômico e da ‘nova’ ideologia

política em vigor, reformar o sistema de proteção social existente, em que a privatização, a

descentralização e a focalização dos serviços eram o pano de fundo de tal reforma.

Com isto, a Lei nº 8.213 de 24/07/1991, que descrevia os “Planos de Benefícios da

Previdência Social” fez jus a essas ‘palavras mágicas’ introduzindo dentro do seguro social

existente o princípio da seletividade e/ou corte de renda para acessar seus benefícios. A partir

deste momento, estes auxílios foram destinados aos segurados que recebiam até três salários

mínimos vigentes na época, conforme descrevia a legislação:

Art. 140 O auxílio-natalidade será devido, após 12 (doze) contribuições mensais, ressalvado o disposto no § 1º, à segurada gestante ou ao segurado pelo parto de sua esposa ou companheira não segurada, com remuneração mensal igual ou inferior a Cr$ 51.000,00 (cinqüenta e um mil cruzeiros). [...] § 2º. O auxílio-natalidade consistirá no pagamento de uma parcela única no valor de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros). [...] § 6º. O pagamento do auxílio-natalidade ficará sob a responsabilidade da Previdência Social até que entre em vigor lei que disponha sobre os benefícios e serviços da Assistência Social. [...] (LEI nº 8.213, Brasil, 1991, p.45)

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Em 1991, o salário mínimo vigente era de Cr$ 17.000,00 (dezessete mil cruzeiros). As

mudanças trazidas pela lei de benefícios da previdência social apontavam que somente quem

tinha menos de três salários mínimos, isto é, até Cr$ 51.000,00 (cinqüenta e um mil cruzeiros)

da época, teria direito ao auxílio natalidade. A partir daqui, introduziu-se, dentro de um

sistema universal, princípios de seletividade. Houve também um achatamento do valor

concedido, passando de um salário mínimo para a cota única (mesmo que o pai e a mãe do

recém-nascido fossem assegurados) de cinco mil cruzeiros, o que equivalia a 29,41% do

salário mínimo da época.

Em relação ao auxílio funeral não foi diferente; prevalecia, do mesmo modo, a

referência de até três salários mínimos e a redução do valor do benefício, que passou de dois

salários para apenas um salário mínimo vigente, conforme os dispositivos legais:

Art. 141 Por morte do segurado, com rendimento mensal igual ou inferior a Cr$ 51.000,00 (cinqüenta e um mil cruzeiros), será devido auxílio-funeral, ao executor do funeral, em valor não excedente a Cr$ 17.000,00 (dezessete mil cruzeiros). § 1º. O executor dependente do segurado receberá o valor máximo previsto. § 2º. O pagamento do auxílio-funeral ficará sob a responsabilidade da Previdência Social até que entre em vigor lei que disponha sobre os benefícios e serviços da Assistência Social. (LEI nº 8.213, Brasil, 1991, p. 45)

Havia, nesta época, o entendimento de que se tratavam de benefícios em transição, que

iriam passar para esfera da política de assistência social assim que possível. Tanto que, na Lei

nº 8.213/1991 estes auxílios se encontravam nas disposições finais e transitórias e não no

artigo dezoito, juntos às demais prestações disponíveis aos segurados e dependentes.

Art. 18 O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho expressas em benefícios e serviços: I – quanto ao segurado: a) aposentadoria por invalidez; b) aposentadoria por idade; c) aposentadoria por tempo de serviço; d) aposentadoria especial; e) auxílio-doença; f) salário-família; g) salário-maternidade; h) auxílio-acidente; i) abono de permanência em serviço; II – quanto aos dependentes: a) pensão por morte;

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b) auxílio-reclusão; III – quanto ao segurado e dependente: a) pecúlios; b) serviço social; c) reabilitação profissional. (LEI nº 8.213, Brasil, 1991, p.11)

Ou seja,

(...) a provisão desses auxílios passou a sofrer restrição à medida que foi se tornando claro que eles transitariam do âmbito da Previdência para o da Assistência. Já durante o processo de regulamentação dos art. 203 e 204 da Constituição Federal (que tratam da Assistência Social), a Previdência foi antecipando cortes na provisão desses auxílios e focalizando sua oferta. (PEREIRA, 2002 a, p. 120)

Em outras palavras, os auxílios operacionalizados pela previdência social passaram a

configurar-se pela lógica da seletividade na garantia ao seu acesso. Além da exigência de

possuir vínculo previdenciário, fazia-se necessário, a partir daquele momento, que o segurado

recebesse proventos de até três salários mínimos, contrariando a universalidade existente

dentro do sistema até então.

Por seletividade ou focalização entende-se aquele princípio que se colocam como antítese ao princípio da universalidade. Alguns estudos, como o da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL30 (1989), apresentam uma proposta de concertação estratégica entre estes dois princípios, defendendo um reforçamento mútuo dentro de uma perspectiva conjuntiva, ao contrário da ótica disjuntiva propugnada pelo Banco Mundial (BIRD). Entretanto, em que pese à atratividade da proposta da CEPAL, o que tem predominado na América Latina, e no Brasil em particular, é o entendimento do BIRD. Assim, ao invés de uma atenção indiscriminada a todos, de acordo com o princípio da universalização, a seletividade ou a focalização defendidas prevêem um atendimento discriminatório, voltado para os setores mais empobrecidos da população ou para a pobreza extrema. Estes princípios restritivos (...) são atualmente a referência mais influente para a alocação do gasto social no sistema de seguridade em quase todo o mundo. (PEREIRA, 2002, b, p. 115)

30 “A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) foi criada em 25 de fevereiro de 1948, pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), e tem sua sede em Santiago, Chile. A CEPAL é uma das cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas (ONU). Foi criada para monitorar as políticas direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico da região latino-americana, assessorar as ações encaminhadas para sua promoção e contribuir para reforçar as relações econômicas dos países da área, tanto entre si como com as demais nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho ampliou-se para os países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento social e sustentável.” Informações extraídas do site da CEPAL no Brasil. www.eclac.org/brasil consultado em 30/04/2010.

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Os auxílios natalidade e funeral mantiveram-se assim (seletivos dentre os segurados

previdenciários) até deixarem de ser operacionalizados, de fato, pela previdência social, o que

ocorreu ainda na década de noventa, quando a recém reconhecida política pública de

assistência social passa a referenciá-los no corpo de sua legislação.

2.2 – Os benefícios eventuais e a Lei Orgânica da Assistência Social

Com a promulgação da LOAS 31, em 1.993, os auxílio natalidade, funeral e Renda

Mensal Vitalícia (RMV) passaram a compor o rol de benefícios socioassistenciais, sob a

denominação de benefícios eventuais e benefícios continuados. Não se trata apenas de uma

mudança de nomenclatura, mas também da desconstrução e redução que essas provisões

sofreram ao migrar para a assistência social. Todavia, ao mesmo tempo foram integradas na

condição de benefícios eventuais a outras coberturas, o que ampliou suas possibilidades de

atenção ao não se limitar somente à concessão de auxílios: natalidade e funeral, o que se

considera paradoxal.

Embora não estejam explicitamente definidos na LOAS, os Benefícios Eventuais constituem, na história da política social moderna, a distribuição pública de provisões materiais ou financeiras a grupos específicos que não podem, com recursos próprios, satisfazerem suas necessidades básicas. Trata-se de um instrumento protetor diferenciado sob a responsabilidade do Estado que, nos termos da LOAS, não tem um fim em si mesmo, posto que se inscreve em um espectro mais amplo e duradouro de proteção social, do qual constitui a providência mais urgente. (PEREIRA, 2010, p. 11)

Face a LOAS, a previdência social (sem justificativas ou argumentos) deixou,

simplesmente, de conceder o auxílio natalidade e auxílio funeral para o qual o trabalhador

formal contribuiu e que vinha sendo reduzido desde 1991 pelo corte salarial. Do mesmo modo,

até hoje eles não foram devidamente fixados no campo da assistência social, isto é, foram

transferidos e tornaram-se esquecidos no conjunto dos municípios brasileiros. Sua trajetória

mostra que são benefícios construídos historicamente e legalmente constituídos em 31 A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) foi promulgada em 07 de dezembro de 1993 (cinco anos após a Constituição Federal). No entanto, vale destacar que em 1990, o então Presidente da República – Fernando Collor de Mello – vetou totalmente a primeira versão desta legislação, alegando que sua formatação prejudicaria o orçamento público.

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legislações, destinados a priori à categoria formal de trabalho e ampliados a posteriori pela

Lei Orgânica da Assistência Social aos usuários e/ou público alvo desta política.

A LOAS foi instituída como a legislação que regulamenta a política pública de

assistência social, a qual estabelece princípios, organização de gestão, as competências dos

entes federados (União, estados, municípios e Distrito Federal), bem como os programas,

benefícios, serviços e projetos de assistência social, modo de financiamento e órgãos de

gestão e controle social. A partir dela, passou-se a fazer referência aos benefícios eventuais

como sendo de competência e responsabilidade dessa política pública. Assim, eles se

apresentam no artigo 22, fazendo referência aos auxílios por natalidade e morte, como se

observa:

Art. 22 Entende-se por benefícios eventuais aqueles que visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior ¼ (um quarto) do salário mínimo. §1º A concessão e o valor dos benefícios de que trata este artigo serão regulamentados pelos Conselhos de Assistência Social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante critérios e prazos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. §2º Poderão ser estabelecidos outros benefícios eventuais para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para criança, a família, o idoso, a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública. §3º O Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, ouvidas as respectivas representações de Estados e Municípios dele participantes, poderá propor, na medida das disponibilidades orçamentárias das três esferas de governo, a instituição de 25% (vinte e cinco por cento) do salário mínimo para cada criança de até 6 (seis) anos de idade, nos termos da renda mensal familiar estabelecida no caput. (LOAS, 1993)

De acordo com Pereira (2010), a Lei Orgânica, em seu artigo 22, prevê três tipos de

Benefícios Eventuais: os compulsórios, sendo estes os auxílios natalidade e auxílio funeral

destinados às famílias com renda per capita de até ¼ do salário mínimo; os benefícios de

caráter facultativo, instituídos conforme as necessidades oriundas das situações de

vulnerabilidade social e calamidade pública; e os chamados benefícios subsidiários, descritos

no § 3º do art. 22, como provisão às crianças de até seis anos de idade. Destes, Pereira (2010)

aponta que, somente os benefícios subsidiários não deveriam compor o campo de atenção por

parte dos benefícios eventuais. Na realidade, enquadravam-se (e enquadram-se) muito mais na

atenção continuada, conforme previa o primeiro Projeto de Lei 32 que norteou a elaboração da

LOAS, o qual entendia a criança em processo continuo de desenvolvimento.

32 Trata-se do PL 3099/89 de autoria do deputado Raimundo Bezerra, cuja matriz foi, na realidade, elaborada pelo NEPPOS/UnB e IPEA.

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A concessão destes auxílios pela assistência social se deu, a partir de então, pelo corte

de renda “até ¼ do salário mínimo”, o que, de início, reconhece-se como uma perda para a

sociedade na garantia e acesso aos seus direitos, pois no aparato previdenciário estes

benefícios se destinavam ao conjunto de segurados, tendo sido, num segundo momento,

destinados a um grupo específico de beneficiários. Esta focalização precisamente posta na

LOAS limitou o acesso e dificultou a regulamentação dos benefícios, conforme acrescenta

Pereira (2010, p. 18), pois,

Induziu, automaticamente, a focalização desses benefícios na pobreza extrema – ao contrário do que acontecia quando integravam a Previdência – ratificando, assim, a ideia equivocada de que a assistência social tem estreita relação com a indigência. Por isso, não é de estranhar o progressivo rebaixamento do valor dos benefícios por natalidade e morte e de sua focalização na pobreza extrema, tão logo foi anunciado que eles sairiam da esfera da Previdência para integrar a da Assistência Social. E mais: que deixariam de ser contributivos para ser distributivos.

De fato a LOAS amplia esses auxílios, não os tratando somente como auxílio

natalidade e como auxílio funeral, o que ocorria quando estes se encontravam sob

responsabilidade da política previdenciária. É garantido em lei que outros benefícios

eventuais possam ser estabelecidos se advindos de situações de vulnerabilidade ou em casos

de calamidade pública. Ao que parece, a dificuldade centra-se na conceituação – do que seja,

ao que e a quem atenda – desses novos contextos reconhecidos.

A LOAS reconhece dois benefícios (ambos oriundos da política previdenciária e

categorizados em eventuais e continuados): os eventuais (artigo 22) e o de prestação

continuada, BPC, (artigo 20), de modo que este último refere-se ao reconhecimento

constitucional do artigo 203 em seu quinto ítem da Carta Magna, que prevê: “[...] a garantia

de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que

comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua

família, conforme dispuser a lei.” (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

Trata-se de um direito constitucional (assegurado também pela LOAS),

operacionalizado pelo antigo INPS desde a década de setenta do século XX, denominado de

Renda Mensal Vitalícia (RMV) e descrito pela Lei nº 6.179 de 11 de dezembro de 1974, que

instituía o amparo previdenciário para os maiores de setenta anos de idade e para os inválidos,

a cargo do próprio INPS ou do FUNRURAL. Esta atenção se estendeu até 1996, ano em que

passou a vigorar um dos benefícios continuados assegurados pela LOAS, o BPC. Vale

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lembrar que a regulação deste ficou a cargo da União e que os benefícios eventuais foram

postos sob responsabilidade municipal, estadual e do Distrito Federal. A LOAS assumiu este

direito e descreveu, para tanto, seus critérios e meios de concessão, caracterizando como

idoso o cidadão com 65 anos ou mais; e pessoa portadora de deficiência como aquela

incapacitada de uma vida independente para realizar qualquer atividade, inclusive para o

trabalho.

Este benefício assistencial, assim que posto na LOAS, foi regulamentado pelo Decreto

nº 1.744 de 08 de dezembro de 1995 (que passou por alterações em legislações posteriores

como nas Leis n.º 9.720/1998 e Lei n.º 10.741/2003 e nos Decretos nº 4.712/2003 e nº

6.214/2007), tendo entrado em vigor em 01/01/1996, momento em que a RMV deixou de ser

operacionalizada, isto é, a assistência social passa, a partir dessa data, a responder pela

concessão deste benefício e a previdência social deixa de provê-los. Os auxílios natalidade e

funeral também foram suspensos, mas não foram regulados como a RMV. O Art. 39 do

referido Decreto coloca que: “A partir de 1º de janeiro de 1996, ficam extintos o auxílio-

natalidade, o auxílio funeral e a renda mensal vitalícia.” (DECRETO nº 1.744/95). Na

realidade, os três benefícios foram transferidos da previdência social para assistência social,

mas somente a Renda Mensal Vitalícia foi devidamente regulamentada.

Os Benefícios Eventuais e o Benefício de Prestação Continuada compõem, assim, o

escopo de provisão à atenção básica, transposto na LOAS em benefícios socioassistenciais.

No entanto são distintos, pois “apresentam substanciais diferenças normativas, institucionais,

de financiamento e de competência estatal” (PEREIRA, 2010, p.12):

Quadro 1 – Comparativo entre BPC e BE

Benefício de Prestação Continuada (BPC) Benefício Eventual (BE)

Origem: Previdência Social – Renda Mensal Vitalícia

Origem: Previdência Social – Auxílio Natalidade e Auxílio Funeral

Responsabilidade da União Responsabilidade municipal, estadual e do Distrito Federal

Valor definido Provisão indeterminada Previsto na CF/88 e LOAS/93 Previsto na LOAS/93 Regulação pela União Regulação municipal, estadual e Distrito Federal Atenção: Idoso acima de 65 anos e pessoa portadora de deficiência

Atenção: Auxílio natalidade, auxílio funeral, vulnerabilidade temporária e calamidade pública

Corte de renda: fixo em per capita familiar de ¼ do salário mínimo vigente.

Corte de renda variável em per capita familiar de ¼ do salário mínimo vigente.

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Além disto, “a provisão isolada do BPC, como vem ocorrendo, sem a coadjuvância

dos benefícios eventuais e sem a relação otimizadora com os serviços, programas e projetos

de assistência, torna-se frágil e insuficiente como medida de atenção à pobreza.” (PEREIRA,

2002, a, p.1 114)

A Constituição Federal de 1988, após vinte e quatro anos de regime militar, foi

promulgada como o documento à liberdade, à democracia e à justiça social, conforme Ulysses

Guimarães, relator desse documento. Por isso, pautou-se em princípios como a

descentralização político-adminstrativa e participação da sociedade brasileira, dividindo

responsabilidade e reconhecendo as competências dos entes federados: Município, Estado,

União e Distrito Federal. Ou seja, a partir da CF/88, se reconheceu a autonomia de cada esfera

pública no cumprimento dos preceitos legais, após um período de 24 anos de centralização na

esfera federal. É possível, conforme defende Pereira (2010) que seja em virtude dessa

descentralização que os benefícios eventuais ficaram a cargo dos municípios, dos estados e do

Distrito Federal, enquanto o BPC, antiga RMV, ficou sob incumbência da União.

Além disto, entende-se tratar de provisão que, pelo caráter eventual e dada sua

urgência e emergência de atenção, estariam mais próximos do cotidiano dos cidadãos

brasileiros e justamente por isso deveriam estar regulados, pois “não se trata mais de praticar

a caridade diante dos infortúnios ou calamidades sofridos [...], mas de prever e programar

respostas políticas consistentes para fazer frente, como dever de cidadania, a esses

acontecimentos”. (PEREIRA, 2010, p. 14)

O mesmo deveria ter ocorrido com os benefícios eventuais também presentes no corpo

da LOAS, posterior regulamentação em território nacional e continuidade de atenção no

acesso a esses benefícios, de modo a não prejudicar ou cessar a atenção, principalmente

durante a transição de uma política para outra, conforme prevê o inciso 1º do Art. 40 da

LOAS: “A transferência dos beneficiários do sistema previdenciário para a assistência

social deve ser estabelecida de forma que o atendimento à população não sofra solução de

continuidade.” (BRASIL, LOAS, 1993). Face a isso, Pereira (2010, p. 18) acrescenta que:

Contra todas as prescrições éticas e preceituações legais relacionadas à matéria, a distribuição desses benefícios foi sustada sem nenhuma explicação, comoção social ou aplicação de penalidades. Simplesmente, a política de Previdência deixou de provê-los, em 1996, tão logo o BPC foi regulamentado, e a política de Assistência – cuja atenção majoritária centrou-se neste Benefício – postergou-se de forma injustificada a sua regulamentação para a devida operacionalização. Enquanto isso, vários cidadãos antes contemplados com os auxílios natalidade e funeral da Previdência Social foram excluídos do seu acesso; e, outros tantos, que deveriam ser

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contemplados com esses e outros auxílios eventuais, no contexto da Assistência Social, estão sendo, por mais de uma década, lesados em seus direitos e desasistidos em suas legítimas necessidades.

Ou seja, não deveriam ter havido cortes na atenção durante o translado de uma política

para outra, o que na realidade ocorreu, nem os cidadãos no campo previdenciário poderiam ter

sido penalizados como foram. Fato é que tais benefícios deixaram simplesmente de ser

ofertados junto ao sistema previdenciário e se soma a isso que, ao irem para a assistência

social, não foram qualificados, formatados e implementados, mas sim esquecidos e tratados à

margem da LOAS. Quando muito são operacionalizados ao acaso, sem nenhum tipo de

regulação que os implementasse de fato, conforme será mostrado no decorrer deste estudo.

2.3 – Os benefícios eventuais posteriores à Lei Orgânica da Assistência Social

A política de assistência social avançou ao reconhecer benefícios enquanto direito

socioassistenciais. Auxílios e benefícios eram concessões presentes, porém não legitimadas.

Desde 1993, quando o auxílio natalidade e auxílio funeral foram trazidos para ao âmbito da

assistência social, sua provisão junto aos municípios tem-se mostrado desregulada.

Embora não estejam explicitamente definidos na LOAS, os Benefícios Eventuais constituem, na história da política social moderna, a distribuição pública de provisões materiais ou financeiras a grupos específicos que não podem, com recursos próprios, satisfazerem suas necessidades básicas. Trata-se de um instrumento protetor diferenciado sob a responsabilidade do Estado que, nos termos da LOAS, não tem um fim em si mesmo, posto que inscreve em um espectro mais amplo e duradouro de proteção social, do qual constitui a providência mais urgente. (PEREIRA, 2010, p. 11)

Algumas iniciativas estatais já se fizeram presente no intuito de regulamentá-los, mas

a situação ainda não se concretizou plenamente. Por mais de uma década estes benefícios

ficaram meio esquecidos, o que contribuiu para que ainda hoje a situação irregular permaneça.

Embora antecipado por algumas iniciativas de regulamentação destes benefícios, foi,

na verdade, a partir de 2006 que se deu maior visibilidade a este assunto, promovendo alguns

avanços rumo à regulamentação desse direito: em atenção ao que a LOAS preconizava no

artigo 22, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) editou a Resolução nº 212, em

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19 de outubro daquele ano e, no ano seguinte, o Governo Federal instituiu o Decreto nº 6.307,

em 14 de dezembro de 2007. Dois documentos importantes e fundamentais que merecem,

aqui, serem analisados e que provavelmente serviram de base à promoção de algumas

regelações ocorridas no país a partir de então.

Os documentos emitidos a nível Federal – a Resolução 212/06 do CNAS e o Decreto

Federal 6.307/07 – foram norteadores e auxiliam os municípios a regulamentar sua situação

na execução e concessão de auxílios e benefícios, em geral operacionalizada ao acaso por

meio dos plantões sociais. Ao que parece, o Governo Federal foi até onde à legislação

permitia, uma vez que, por se tratar de benefícios oriundos das esferas municipais, estaduais e

do Distrito Federal, a União não poderia regulamentá-los, apenas orientá-los. Isto é posto na

própria LOAS quando o artigo 22 diz ser responsabilidade municipal, estadual e distrital sua

gestão e execução.

Ao editar a Resolução 212, o CNAS reconheceu uma de suas competências (postas no

artigo 18 da LOAS) e considerou o benefício eventual como direito garantido em lei e de

longo alcance social. A importância e impacto destes documentos pode ser observada no

Relatório do Levantamento Nacional realizado pelo MDS em conjunto com o CNAS,

realizado em 2009, em que quase 70% dos municípios – dos 1.229 que declaram ter

regulamentado – o fizeram a partir de 2006, o que supõe que estes documentos tenham

servido de base e orientação quanto à sua regulação.

No primeiro levantamento realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social

(MDS) em 2004, por meio da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), em 626

municípios de onze estados brasileiros, constatou-se que 65% dos municípios concediam

algum tipo de benefício eventual, dentro de suas possibilidades financeiras e gerenciais, a fim

de atender às contingências sociais existentes, mas estes não estavam necessariamente

regulados.

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Quadro 2 – Síntese das principais ações a partir da LOAS referente à regulação dos

benefícios eventuais junto aos municípios brasileiros 33

Ano Ações

1993 Instituição na LOAS dos auxílios natalidade e auxílio funeral – Art. 22. Oriundos da política previdenciária foram denominados de benefícios eventuais.

1996 Pesquisa realizada pelo NEPPOS34 e CEAM35 no sentido de conhecer a atual conjuntura desses benefícios no âmbito da política pública de assistência social, encomendada pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) buscava auxiliar os debates ocorridos no CNAS.

1996 O CNAS elaborou um documento de trabalho a partir ao art. 22 da LOAS no sentido de orientar suas discussões referente a criação de uma proposta de sua normatização.

1997 Reunião Ampliada no CNAS a fim de avaliar a pesquisa realizada em 1996 e dar encaminhamento rumo a regulação dos benefícios eventuais.

1997 Elaboração da Minuta de Resolução pelo CNAS a fim de regulamentar esses benefícios36 1999 Elaboração pelo CNAS de um documento sobre as referências básicas para a concessão desses

benefícios, no sentido de auxiliar os municípios para sua implementação. 2004 1ª Pesquisa Nacional realizada pelo MDS no sentido de conhecer a implementação dos benefícios

eventuais. Houve a participação de 626 municípios de 11 estados brasileiros 37. 2004 Prestação de consultoria pela Profª Potyara ao Departamento de Benefícios Assistenciais do MDS. 2006 Elaboração pelo MDS da Minuta de Portaria, que resultou no Decreto de 2007. 2006 Promulgação da Resolução 212 pelo CNAS, que propõe critérios orientadores para a regulação da

provisão dos benefícios eventuais no âmbito da política pública de assistência social. 2007 Promulgação do Decreto Presidencial nº 6.307, que dispõe sobre os benefícios eventuais de que de

trata o art. 22 da LOAS. 2009 Instituição da Resolução nº 07 pela CIT, que estabelece procedimentos para gestão integrada dos

serviços, benefícios socioassistenciais e transferências de renda. 2009 Promulgação da Resolução nº 109 do CNAS referente a tipificação dos serviços socioassistenciais.

Nesse documento os benefícios eventuais se encontram na categoria de “serviços de proteção em situação de calamidades públicas e de emergências”.

2009 2ª Pesquisa Nacional realizada pelo MDS e CNAS sobre a implementação dos benefícios eventuais, do qual resultou o “Relatório sobre o Levantamento Nacional dos Benefícios Eventuais”. Nesta pesquisa, buscou-se mapear a situação nacional desses benefícios, houve a participação de 75% dos municípios brasileiros.

A LOAS, ao adotar diretrizes em consonância com a Constituição Federal, entende

que as atribuições são descentralizadas e participativas, isto é, cada órgão federado possui

suas competências e responsabilidades face à garantia da política pública. Isto avança e limita

a regulamentação de um direito, caso dos benefícios eventuais. Avança por respeitar e

33 O fato dos benefícios eventuais não estarem regulados na maioria dos municípios e estados brasileiros não significa que não haja algumas iniciativas no sentido de reverter essa situação. 34 NEPPOS – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Política Social – UnB – coordenado pela Profª Drª Potyara. A.P. Pereira 35 CEAM – Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB – diretor: Nielson de Paula Pires. 36 “Essa minuta foi submetida à apreciação da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência e Assistência Social, recebendo, ao mesmo tempo pareceres favoráveis e desfavoráveis. Os favoráveis diziam respeito à definição de prazos pelo CNAS para regulamentação dos Benefícios Eventuais no âmbito dos Conselhos Estaduais, Municipais e do Distrito Federal; mas, os desfavoráveis concerniam à determinação de prazos para o início de pagamento de tais benefícios, dada a autonomia dos entes federados neste aspecto.” (PEREIRA, 2010, p. 21) 37 Participaram desta pesquisa os seguintes estados: Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Goiás e Maranhão.

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considerar as especificidades locais e limita em virtude dos impasses locais de ordem

econômica, política e social, entre outros, que dificultam sua execução. Em relação às

competências referente a esses auxílios, a LOAS aponta que:

Art. 13 – Compete aos Estados: I – destinar recursos financeiros aos Municípios, a título de participação no custeio do pagamento dos auxílios natalidade e funeral, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Estaduais de Assistência Social; [...] Art. 14 – Compete ao Distrito Federal: I – destinar recursos financeiros para o custeio do pagamento dos auxílios natalidade e funeral, mediante critérios estabelecidos pelo Conselho de Assistência Social do Distrito Federal; [...] Art. 15 – Compete aos Municípios: I – destinar recursos financeiros para custeio do pagamento dos auxílios natalidade e funeral, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Municipais de Assistência Social; II – efetuar o pagamento dos auxílios natalidade e funeral; [...] (LOAS, 1993)

A descentralização político-administrativa trazida pela CF/88 implicou distribuição de

responsabilidades e deu certa autonomia a cada órgão federado no trato da gestão de políticas

públicas. Com isto, ficou na esfera dos municípios, estados e Distrito Federal a qualificação

dos benefícios eventuais que seriam atendidos no âmbito da política pública de assistência

social.

As orientações trazidas pela Resolução 212/06 terminaram por estimular de fato o

debate rumo à concretização deste direito ao operacionalizar os dispositivos da Lei Orgânica,

Além disto, o documento buscou definir benefícios eventuais e delimitar seu conteúdo,

porque a ampliação trazida a partir da LOAS requereu conteúdo posterior e qualificação que

imprimissem uma diretriz à sua regulação, já que alargou o campo de atenção, não os

limitando aos auxílios natalidade e funeral, como era na previdência social.

No documento emitido em 2006, entendem-se os benefícios eventuais como “uma

modalidade de provisão de proteção social básica de caráter suplementar e temporário que

integra organicamente as garantias do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com

fundamentação nos princípios de cidadania e nos direitos sociais e humanos” (Art. 01,

Resolução nº 212/2006)

O documento descreve, ainda, a quem os benefícios eventuais previstos na LOAS se

destinam:

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Art. 3º O benefício eventual destina-se aos cidadãos e às famílias com impossibilidade de arcar por conta própria com o enfrentamento de contingências sociais, cuja ocorrência provoca riscos e fragiliza a manutenção do indivíduo, a unidade da família e a sobrevivência de seus membros. (Resolução nº 212/2006)

Do mesmo modo, definir o que são contingências sociais dá base para determinar ou

delimitar o campo de ação deste direito no âmbito da política de assistência social, isto é,

deve-se prestar auxílio ao cidadão face à situação de contingência social, a qual pode levar ao

risco, de modo que isto ocorra dentro da política pública de assistência social.

Etimologicamente o termo contingência deriva do latim contingentia e traduz um fato

possível, porém incerto; é a possibilidade de que algo aconteça ou não. De acordo com o

dicionário Houaiss (2001) significa eventualidade; já social, refere-se à sociedade, à ordem

social. Com isto, presume-se que contingência social seriam as eventualidades ocorridas ou

oriundas na sociedade em razão de algum fato ou acontecimento que pode vir a ocorrer (seria

uma possibilidade, uma previsão).

Esta possibilidade que busca definir contingência termina por associar-se ao termo

eventual. Talvez por isso buscaram-se definir, desde a LOAS, os benefícios eventuais como

aqueles destinados a atender ao conjunto de eventualidades, possíveis de ocorrer com

qualquer cidadão. Eventual, segundo Houaiss (2001), quer dizer esporádico, ocasional, o que

acontece de vez em quando, isto é, o artigo 22 da LOAS trata de benefícios que

eventualmente podem ocorrem na vida dos cidadãos, como por exemplo, casos de morte e

nascimento.

Alguns destes fatos ou acontecimentos, embora ocasionais no ciclo de vida familiar,

são previsíveis de ocorrência. Cada município, ao elaborar sua lei referente à implementação

de seus benefícios eventuais, poderia ou deveria fazer uma leitura da realidade vivenciada, a

fim de estimar a incidência na população de algumas destas contingências sociais, o que

ocorreria a partir de um mapeamento local. A Resolução de 212/06 faz jus aos auxílios

natalidade e funeral, propondo sua regulamentação, a qual tem sido postergada há tempos. Ao

se referir a “contingências sociais” não se reduz aos dois benefícios, com isto, os municípios

podem ir além destes auxílios, podem ofertar outros benefícios eventuais próprios à sua

realidade particular.

O contexto sócio-político do Brasil deve ser levado em conta ao se tentar entender

porque destes benefícios não estão até hoje implementados em todo o país, como descreve

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Sérgio Buarque de Holanda em “O homem cordial” em que relações de compadrio, amizade e

simpatia moldam quase todas as relações sociais num país marcado pelo legado autoritário,

clientelista e patrimonialista.

Este fator pode ter contribuído para a não regulamentação destes benefícios nos

municípios brasileiros: quando não há regulação, pode-se atender quem se quer atender (ou se

indica), como quiser atender (com recursos provenientes ou remanejados), pode ocorrer do

modo que for mais conveniente. Além disto, é sabido que, por vezes, a assistência social

constituiu-se (e ainda se constitui) introduzindo mecanismos de dependência ou de relação de

troca; em outras, usada por políticos descompromissados com a garantia de direitos ao

cidadão. A falta de regulação desta categoria de benefícios dá margem para que a

‘cordialidade’, já descrita por Sergio Buarque de Holanda, seja condutora na concessão destes

benefícios, justamente por não haver clareza, transparência e especificidade de atenção.

A Resolução 212/06 também endossou o critério de renda nos termos da LOAS, isto é,

aqueles com per capita familiar de até ¼ do salário mínimo. Ficou a cargo das esferas

governamentais a possibilidade de ampliar este acesso, não limitando ou focalizando o direito

aos considerados extremamente pobres ou indigentes, uma vez que estes benefícios já foram

reduzidos ao virem para a assistência social. No caso dos auxílios natalidade e auxílio funeral,

estes já vinham sendo focalizados desde a década de noventa, quando ainda se encontravam

no campo previdenciário.

Além disto, trata-se de benefícios com regulação compartilhada entre os municípios e

seus respectivos estados. Não é um ônus a mais para os municípios, como muitas vezes se

interpreta, mas um direito que deverá ser partilhado. Ocorre que, no mais das vezes, os

Estados não se manifestam, esperando dos municípios alguma iniciativa e estes esperam de

alguém alguma ‘ordem’. De qualquer modo, observa-se certa ausência por parte dos Estados

brasileiros, ao contrário do que previa o Art. 15: “O Estado definirá a sua participação no co-

financiamento dos benefícios eventuais junto aos seus Municípios [...]” (Resolução 212,

2006). Entende-se que tal iniciativa possa acontecer a partir do município, por ser o lócus

mais próximo do cidadão, onde se identificam as necessidades, onde o indivíduo busca por

seus direitos. Todavia, nada impede uma qualificação conjunta, mesmo porque trata-se de

uma co-responsabilidade não só no financiamento, mas também na gestão e qualificação

destes benefícios. Ao Governo Federal, por meio do CNAS, conforme prevê o inciso 1º do

artigo 22, coube estabelecer prazos e critérios para que esses benefícios sejam implementados

em todo o país.

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A Resolução 212/06 estabeleceu estes prazos a fim de estimular, acelerar e fomentar a

regulamentação dessa categoria de benefícios junto aos municípios brasileiros: “A

regulamentação dos benefícios eventuais e a sua inclusão na lei orçamentária do Distrito

Federal e dos municípios dar-se-ão no prazo de até doze meses e sua implementação até vinte

e quatro meses, a contar da data da publicação dessa Resolução.” (ART. 14. RESOLUÇÃO

212/2006).

Este documento foi editado em 2006, e os municípios teriam até 2008 – vinte e quatro

meses –, como prevê a Resolução, para regularizar estes benefícios em seus municípios, o que

de fato não ocorreu plenamente, conforme veremos em nosso próximo capítulo e também no

relatório sobre o Levantamento Nacional dos Benefícios Eventuais realizado pelo MDS e

CNAS, em 2009. A partir disto, a questão posta é: a quem cabe cobrar o não feito? Quem se

responsabiliza pelo não cumprimento da Resolução? Não se organiza a situação desta

provisão e permanece tudo sem nenhuma sanção ou algum tipo de penalidade? Estes prazos

foram simplesmente ignorados na maioria dos municípios brasileiros e os maiores

prejudicados acabaram por ser o cidadão de direito, a ele recai a penalização pela morosidade

ou ausência de execução dos benefícios eventuais.

Em dezembro do ano seguinte (2007), a União lançou mão do Decreto Federal nº

6.307, que dispõe sobre os benefícios eventuais de que trata o Art. 22 da Lei nº 8.742 (LOAS),

de 1993, para tratar sobre princípios, concessão, destino e as competências destes benefícios

perante o SUAS. Assim como a Resolução, este documento buscava fomentar o processo de

regulação dos benefícios eventuais em suas devidas esferas de governo. As orientações

trazidas por estes dois documentos deveriam servir de base para dar início ou continuidade,

conforme o caso, ao processo de execução destes benefícios no conjunto dos municípios,

estados e Distrito Federal.

Tanto o Decreto de 2007 quanto a Resolução de 2006 já nasceram no contexto do

SUAS, em que a provisão deste benefício contribui no sentido de instituir uma política

pública de caráter universal operacionalizada de modo coerente, sintonizado e preciso, dentro

dos princípios e diretrizes construídas pelo SUAS.

Princípios - Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; - Universalização dos Direitos Sociais, a fim de tornar o destinatário da ação da assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

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- Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia ao seus direitos a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; - Igualdade nos direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; - Divulgação ampla de benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e de critérios para sua concessão Diretrizes: - Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social, garantindo o comando único das ações em cada esfera de governo, respeitando-se as diferenças e as características socioterritoriais locais; - Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas públicas e no controle das ações em todos os níveis; - Primazia e responsabilidade do Estado na condução da Política de Assistência Social em cada esfera de governo; - Centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, programa e serviços. (PNAS, 2004, p.32-33)

Ao se trabalhar a partir destes princípios e diretrizes, buscou-se superar a pulverização

de ações e recursos, fortalecendo a assistência social enquanto responsabilidade estatal e

como política de proteção social.

No Decreto nº 6.307/07 coube à União caracterizar os possíveis benefícios eventuais.

Neste sentido, o Art. 1º estabelece que se trate de “[...] provisões suplementares e provisórias,

prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de

vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.” (BRASIL, DECRETO

PRESIDENCIAL nº 6.307, 2007). De modo que estes benefícios integrariam as seguranças

previstas no Sistema Único da Assistência Social.

De acordo com a Política Nacional de 2004, a proteção social afiançada deve garantir

segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia), de modo que todo cidadão tenha

uma forma monetária de assegurar sua própria sobrevivência. Sua provisão se dá pelo acesso

às necessidades básicas como alimentação, vestuário, abrigo, entre outras; segurança de

acolhida, em casos de separação familiar ou ausência de qualquer tipo de vínculo, oriunda das

mais diversas situações: destituição, violência, desastres ou acidentes naturais etc. e, por fim,

garantia à segurança de convívio ou de vivência familiar, supondo que as pessoas vivem em

grupos e necessitem manter estas relações; supõe a não aceitação da perda de relações.

Nota-se que tal definição, em consonância com a Resolução 212/06 e a própria LOAS,

busca delimitar e caracterizar o conjunto dos benefícios eventuais: casos de morte (auxílio

funeral); nascimento (auxílio natalidade); vulnerabilidade social e calamidade pública.

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É amplo, de fato, o entendimento de vulnerabilidade temporária. Segundo Houaiss

(2001) vulnerável é alguém suscetível de ser ferido, ofendido etc. Portanto, os benefícios

eventuais deveriam atender as situações em que houvesse perdas (privação de bens e de

segurança material), danos (agravos sociais e ofensas) e risco (ameaça de sérios padecimentos)

face a algum sofrimento. Esta definição complementa os preceitos da Resolução 212 e da

LOAS, entendendo que se trata de um campo de benefícios acionados face às emergências

eventuais que surgem no cotidiano do cidadão. O Decreto aponta seu entendimento e orienta o

que poderia compor as situações de vulnerabilidade temporária posta como condição de

atenção por parte da política de assistência social:

Art. 7º A situação de vulnerabilidade temporária caracteriza-se pelo advento de riscos, perdas e danos à integridade pessoal e familiar, assim entendidos: I – riscos: ameaça de sérios padecimentos; II – perdas: privação de bens e de segurança material; e III – danos: agravos sociais e ofensa. Parágrafo único: Os riscos, as perdas e os danos podem ocorrer: I – da falta de: a) acesso a condições e meios para suprir a reprodução social cotidiana do solicitante e de sua família, principalmente a de alimentação; b) documentação; e c) domicílio; II – da situação de abandono ou da impossibilidade de garantir abrigo aos filhos; III – da perda circunstancial decorrente da ruptura de vínculos familiares, da presença de violência física ou psicológica na família ou de situações de ameaça à vida; IV – de desastres e de calamidade pública; e V – de outras situações sociais que comprometam a sobrevivência. (DECRETO 6.307/2007)

Os municípios, estados e Distrito Federal ficaram com a incumbência de melhor

qualificar quais seriam estas atenções. No caso, quais seriam, possivelmente, estas perdas,

danos e riscos, identificadas a partir da realidade local. O Decreto nº 6.307/07 aponta

genericamente, mesmo porque se tratam de benefícios oriundos da realidade do cidadão,

identificados a nível municipal, estadual e distrital. Também ficaram a cargo destas esferas

governamentais delimitarem sua atuação referente às chamadas calamidades públicas, uma

vez que há municípios que sofrem em períodos de chuvas ou em períodos de secas e com isto

poderiam descrever a atenção dada aos cidadãos diante destas ocorrências, de modo que, o

acesso ao benefício se desse pela via do direito, não pela via do acaso.

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[...] Para fins deste Decreto, entende-se por estado de calamidade pública o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, advinda de baixas ou altas temperaturas, tempestades, enchentes, inversão térmica, desabamentos, incêndios, epidemias, causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive à incolumidade ou à vida de seus integrantes. (BRASIL, Art. 8º PARAGRAFO ÚNICO, DECRETO 6.307/2007)

Esta legislação reforça o artigo 22 da LOAS, quando chama os auxílios natalidade e

funeral de benefícios eventuais. Isto é, são aqueles oriundos de situações imprevisíveis,

incertas, acidentais, ocasionais ou eventuais, ocorridas no cotidiano do cidadão.

Quando o Decreto nº 6.307/07 e a Resolução 212/06 dizem se tratar de situações

suplementares e provisórias aqueles cobertos pelo benefício eventual, termina por afirmar que

estes benefícios devam atender, suprir ou compensar a deficiência de alguma coisa, o que se

daria de modo temporário e não definitivo: situações imprevisíveis e improváveis oriundas da

ocorrência de morte, de nascimento, do estado de vulnerabilidade e, por fim, da circunstância

de calamidade pública.

São questões que ficariam a cargo de cada esfera pública delimitar e conceituar, de

modo a respeitar as especificidades de cada realidade, o que se daria por meio dos respectivos

conselhos de assistência social – municipal, estadual e do Distrito Federal.

Estas definições contribuem para assegurar e qualificar como direito as provisões

relativas à política de assistência social. É comum a assistência social ser chamada para estar

presente face a fatos e questões as mais diversas. No caso, parece que a ela cabe atender um

pouco de tudo, isto é, a existência de eventualidade deve ser alvo de atenção, respeitando o

campo de ação de cada política pública, um tipo ‘cada um cuida do seu’. Há, é bem verdade,

eventualidade na política de saúde, política de educação, política de habitação, entre outras

que precisam ser definidas e qualificadas em suas respectivas áreas de atuação, senão, ao que

parece, a política de assistência social cuida do que as demais não cuidam. Isso requer um

necessário, claro e preciso entendimento do que de fato seja incumbência da política de

assistência social. O documento de 2007 faz referência a este fato, dado a sua importância:

“As provisões relativas a programas, projetos, serviços e benefícios diretamente vinculados

ao campo da saúde, educação, integração nacional e das demais políticas setoriais não se

incluem na modalidade de benefícios eventuais da assistência social.” (ART.9º. DECRETO

6.307/2007). Isto delimita área, competência e responsabilidade.

Mesmo em face de tantas imprecisões, a Secretaria Estadual de Assistência e

Desenvolvimento Social (SEADS) incluiu, em 2008, no Plano Municipal de Assistência

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Social do Estado de São Paulo (PMAS) um campo destinado aos benefícios eventuais, em que

os municípios paulistas deveriam descrever sua situação, onde se destaca: se existe

regulamentação no município; como se processa o fluxo de concessão dos benefícios

eventuais; quais são os critérios para acessá-los; como é a forma de concessão destes; qual é

número de usuários do município atendidos por estes; qual é a demanda reprimida; qual é o

tempo de duração do benefício; quem é o responsável na gestão destes benefícios no

município; quais são os benefícios eventuais oferecidos no município e, por fim, quais os

recursos financeiros disponibilizados para este fim 38.

As legislações e normativas instituídas até então demandaram um grande esforço para

dar mais conteúdo, concretude e precisão aos benefícios eventuais, pois regulamenta-los e

implementá-los no Brasil passa obrigatoriamente pela necessidade de romper com a incerteza

da provisão. A perspectiva deste direito deve ser universal e estar articulada com os serviços

socioassistenciais e com as demais políticas públicas.

É fato que as várias iniciativas e normatizações descritas aqui foram importantes, mas

não suficientes para que os benefícios eventuais fossem realmente regulados no conjunto dos

municípios brasileiros. O fato de ser um benefício eventual não retira a obrigatoriedade de ser

devidamente articulado com os serviços e as outras políticas públicas e ser operacionalizado a

partir dos princípios e diretrizes do SUAS. Tal perspectiva normatizadora parece colocar-se

em contraponto a um beneficio executado historicamente de forma fragmentada e dissociado

dos princípios de uma política de proteção social não contributiva. Aqui reside a necessidade

de se fazer entender que ocorrências de contingências sociais, vulnerabilidades sociais e

calamidades públicas merecem respostas e atenção na perspectiva do direito e na

universalidade do acesso, sendo devidamente qualificadas.

A assistência social definiu-se como política há pouco mais de duas décadas. Isto a

rigor quer dizer que só a partir deste momento passou a compor o rol de direitos e

responsabilidades do cidadão e do Estado, bem como a garantir legalmente o que outrora se

concedia ao acaso, como se apresentou no decorrer do primeiro capítulo, em que a concessão

de auxílio endossava a prática da ajuda e da caridade.

A presença persistente do clientelismo e patrimonialismo em nosso país permitem que,

por vezes, a assistência social apresente-se como moeda de troca e/ou barganha política.

Questão esta que o SUAS tenta barrar quando institui uma política com princípios e diretrizes

que enfatizam o direito de cidadania, a participação popular e a responsabilidade estatal.

38 Este formulário nos serviu como base para conhecermos a realidade da área pesquisada, foi adaptado e repassado aos municípios pesquisados. Encontra-se em anexo neste trabalho.

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Há, de fato, desafios na consolidação dos princípios e diretrizes trazidos pelo SUAS. O

Brasil é um país que histórica e culturalmente reproduziu uma assistência social à margem de

outras políticas para minimizar os impactos da questão social. Quebrar este paradigma e

construir uma política de direito é por si só um desafio, principalmente se levarmos em conta

o fato de se tratar de um país com uma das maiores concentrações de renda e uma das maiores

desigualdades sociais do mundo.

Além disto, temos também o desafio de dissolver modelos e práticas ainda existentes

na sociedade que insistem em operar uma assistência social de caráter compensatório e

provisório, tanto por parte de gestores, profissionais, intelectuais e mesmo usuários, que não

vêem a assistência social na perspectiva do direito. Prova disto é a significativa presença de

primeiras-damas, Fundo Social de Solidariedade (no caso do estado de São Paulo), órgãos

mesmo ligados ao Estado, como o Comunidade Solidária, que operam no slogan da ajuda e do

voluntariado desconexos ao status de direito, isto sem falar das diversas campanhas nacionais

que chamam a sociedade a ‘fazer a sua parte’ como, por exemplo, “Criança Esperança”, “Tele

Tom”, entre outras, e, principalmente no meio empresarial, a ideologia da “responsabilidade

social.

Existe, enfim, na sociedade, um conjunto de condições contrárias à emancipação e

consolidação da assistência social enquanto política pública de direito. O fato dos benefícios

eventuais não terem sido plenamente regulamentados até os dias atuais demonstra um dever

estatal parcialmente realizado, isto é, um direito posto, hoje, numa condição marginal.

Ademais, do ponto de vista da gestão das políticas públicas, a não regulamentação dos BEs caracteriza um procedimento politicamente incorreto e traiçoeiro, conhecido como não-ação governamental, porque, paradoxalmente, produz efeitos sociais mais danosos do que qualquer tentativa de intervenção pública. Isso porque, a não-ação, por ser aparentemente inexistente, não é identificada, controlada e avaliada e, por isso, dá margem ao surgimento de ações improvisadas, intuitivas, quando não inconseqüentes ou até oportunistas. (PEREIRA, 2010, p.17)

Os vários limites no processo de regulamentação deste direito incentivou em vários

municípios, segundo Pereira (2010, p.19) a:

práticas assistencialistas e clientelistas em torno de demandas eventuais, já que, para a satisfação dessas demandas, não existiam normas-padrão regulamentadas e compatíveis com o conteúdo da LOAS e da PNAS-SUAS. Em decorrência, não é

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casual que a prática da concessão dos Benefícios Eventuais venha apresentando as seguintes tendências: cada governo municipal os concebem, denominam, provêem e administram, de acordo com o seu entendimento, valendo-se quase sempre do senso comum para, dentro de suas possibilidades financeiras e gerenciais, atender contingências sociais prementes. Tem-se, assim, num espaço não desprezível de participação da Assistência Social como política pública e direito de cidadania a condenável prática do assistencialismo que, além de desafiar os recentes avanços no campo assistencial, vem se afirmando como um não-direito social.

Com o Levantamento Nacional referente aos benefícios eventuais da assistência social,

realizado em 2009, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), em parceria com o

Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) buscaram conhecer a realidade vivenciada

pelos municípios brasileiros. O formulário continha questões referentes à regulação, a

operação e a prestação desses benefícios, tendo sido respondido por 4.174 municípios, do

total de 5.564 existentes, o que representa cerca de 75% dos municípios do país, percentual

significativo, o que pode indicar interesse na temática diante da atual situação.

Além disto, esta pesquisa almejava repensar os avanços e desafios ainda presentes

quanto ao fato deste direito encontrar-se como tal perante ao Sistema Único de Assistência

Social (SUAS), tendo por base a LOAS e as legislações subseqüentes.

A análise dos dados aponta a importância da regulação do benefício eventual como

parte integrante de um conjunto de proteções afiançadas pela política de assistência social,

que visa operar serviços, programas, projetos e benefícios com financiamento garantido,

operações permanentes e formas de acesso e concessão claras e transparentes, conforme será

mostrado no capítulo seguinte.

Ainda em 2009, foi editado o Protocolo de Gestão Integrada de Serviços e Benefícios

do SUAS, promulgado pela Comissão Intergestora Tripartite (CIT) 39, chamado Resolução

CIT nº 07, de 10 de setembro de 2009. Tratou-se de instituir um documento cuja gestão seja

integrada entre os serviços, benefícios e transferências de renda no âmbito do Sistema Único

de Assistência Social (SUAS). O Protocolo de gestão é uma orientação padronizada que visa

nortear a estrutura de funcionamento; nesse caso se faz referência à integração entre os

serviços e benefícios executados pela política de assistência social. 39 A Comissão Intergestora Tripartite – CIT é um espaço de articulação entre os gestores (federal, estaduais e municipais), objetivando viabilizar a Política de Assistência Social, caracterizando-se como instância de negociação e pactuação quanto aos aspectos operacionais da gestão do Sistema Descentralizado e Participativo da Assistência Social. As denominadas Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e Comissão Intergestores Bipartite (CIB), têm caráter deliberativo no âmbito operacional na gestão da política. A CIT é constituída pelas três instâncias gestoras do sistema: a União, representada pela então Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), os estados, representados pelo FONSEAS e os municípios, representados pelo CONGEMAS. Informação extraída do site:www.mds.gov.br/suas/departamento-de-gestao-do-suas/comissao-intergestores-tripartite-cit+CIT Acesso em 30 de maio de 2010.

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A CIT faz algumas considerações quando edita este documento. Parte do pressuposto

de que às famílias inseridas nos diversos Programas de Transferência de Renda, bem como

beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC) sejam o foco desta articulação e

atenção especial: referindo-se prioritariamente aos beneficiados pelo Programa de Erradicação

do Trabalho Infantil (PETI), Programa Bolsa Família (PBF), ProJovem, Benefícios Eventuais

e o BPC. Do mesmo modo, deve-se priorizar a atenção às famílias que não cumprem as

condicionalidades (ou contra-partidas) dos respectivos programas inseridos.

O Protocolo de Gestão da CIT nº 07 estabelece procedimentos para que haja uma

gestão integrada entre os benefícios, serviços e transferências de renda, em consonância ao

SUAS, entendendo que o acesso ao benefício deva estar associado à oferta de serviços

(Art.1º). Em outras palavras, os benefícios concedidos devem estar associados aos serviços

socioassistenciais ofertados.

Esta articulação se apóia na “co-responsabilidade entre os entes federados”, de modo

que a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal são responsáveis pela integração

entre serviços e benefícios. Outra diretriz se refere às próprias seguranças já afiançadas na

Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Seguranças de convivências, acolhida e

rendimento, devendo a família ser o foco da atenção.

Com a aprovação da Tipificação dos Serviços Socioassistenciais 40, Resolução nº 109,

de 11 de novembro de 2009, o CNAS buscou organizar os serviços operacionalizados pela

política de assistência social por níveis de complexidade dentro do SUAS. Neste documento,

os benefícios eventuais são alocados na categoria “Serviços de proteção em situações de

calamidades públicas e de emergências”.

Com isto, os objetivos que embasam esta articulação se referem aos procedimentos

que assegurem, de fato, a prioridade nos serviços socioassistenciais às famílias beneficiárias

da política de assistência social, cujo intuito é fortalecer os vínculos familiares e comunitários.

Assim, como se pode observar, há um conjunto de iniciativas que buscam incentivar a

regulação dos benefícios eventuais junto aos municípios brasileiros. Estas iniciativas trazem

conquistas e desafios, conforme será tratado no próximo capítulo.

40 Os serviços socioassistenciais passam, com base nesta tipificação, a ser dividido por níveis de complexidade, de acordo com a política nacional de assistência social (PNAS) de 2004. Assim, se prevê: serviços de proteção social básica; serviços de proteção de média complexidade; serviços de proteção de alta complexidade.

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CAPÍTULO III

3. OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS NA PRÁTICA: ESTUDO DE UMA

REALIDADE

A proposta deste capítulo é conhecer como o objeto de estudo – os benefícios

eventuais – se encontram na realidade: sua execução, conhecimento e implementação. A

análise centra-se na Divisão Regional de Assistência e Desenvolvimento Social (DRADS)

Mogiana, órgão descentralizado instituído pela Secretaria Estadual de Assistência e

Desenvolvimento Social (SEADS) no intuito de melhor gerir e administrar a política pública

de assistência social, dada a grandiosidade do Estado de São Paulo, com seus 645 municípios.

A DRADS Mogiana é composta por vinte municípios, a saber: Aguaí, Águas da Prata,

Caconde, Casa Branca, Divinolândia, Espírito Santo do Pinhal, Estiva Gerbi, Itapira, Itobi,

Mococa, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Santa Cruz das Palmeiras, Santo Antonio do Jardim, São

José do Rio Pardo, São João da Boa Vista, São Sebastião da Grama, Tambaú, Tapiratiba e

Vargem Grande Sul.

A pesquisa baseou-se no formulário (Anexo I), no qual, por meio de algumas

perguntas, buscou-se conhecer como estes benefícios são executados e reconhecidos nestes

municípios.

Trata-se de uma pesquisa quanti-qualitativa, em que não se busca apenas conhecer o

número de cidades que regularam ou não os benefícios eventuais; mas, além disto, entender as

relações que se expressam ou interferem no cotidiano dos municípios em questão, que

contribuem ou limitam o reconhecimento de um direito, atualmente ‘esquecido’.

3.1 – A DRADS Mogiana: cenário da pesquisa

A DRADS Mogiana engloba municípios pertencentes à Baixa e Média Mogiana,

região cuja denominação se deu em virtude da estrada férrea que vai desde a cidade de

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Campinas, na Baixa Mogiana, passa por municípios da Média Mogiana, tais como Casa

Branca, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, indo até Ribeirão Preto e Franca, cidades da Alta Mogiana.

Anteriormente à chegada da Estrada de Ferro Mogiana, na segunda metade do século

XIX, a região onde hoje fica a DRADS Mogiana, a nordeste do município de Campinas e no

limite com o Estado de Minas Gerais, teve o início do seu desenvolvimento ainda no século

XVIII com a chegada dos bandeirantes, que utilizavam a região como ponto de parada rumo a

Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, resultando na formação das primeiras vilas e povoados.

As Bandeiras, como ficaram conhecidas às expedições formadas pelos paulistas, tinham como

objetivo a busca de ouro e pedras preciosas, mas, ao mesmo tempo costumavam empreender a

conquista e a escravização dos índios caiapós que viviam nesta região.

Mapa 1 – As DRADS do Estado de São Paulo

Fonte: Material disponibilizado pela Drads Mogiana em 29/07/10

No início do século XIX, a região mantinha-se ainda pouco desenvolvida

economicamente, com uma economia voltada aos produtos agrícolas para subsistência, além

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de pequena produção de açúcar, que era um pouco mais estruturada. Contudo, foi a partir da

introdução da lavoura cafeeira, na segunda metade do século XIX, que a região passou a ter

um desenvolvimento econômico mais acentuado.

Uma amostra do crescimento proporcionado pelo cultivo do café foi à instalação do

ramal ferroviário da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, o que possibilitou o

incremento do comércio e da produção local, facilitando o intercâmbio econômico e cultural

com as cidades mais desenvolvidas.

A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro foi uma empresa ferroviária brasileira,

criada em 1872, com sede na cidade paulista de Campinas. Sua construção se inscreve na

história da expansão da cultura do café em direção ao interior da então Província de São Paulo.

Inicialmente, era um simples prolongamento da ferrovia existente até a cidade de Mogi Mirim

e de um ramal até a cidade de Amparo, com um segmento até a margem do Rio Grande.

Tinha quase dois mil quilômetros de linhas, servindo os Estados de São Paulo e

Minas Gerais. Em 1967 a companhia passou a ser estatal, além disso, assumiu a administração

da Estrada de Ferro São Paulo e Minas e, em 1971, foi incorporada à FEPASA (Ferrovias

Paulista S.A.) 41 , empresa estatal do ramo ferroviário. O último trecho da Mogiana foi

inaugurado em 1921, quando chegou à cidade mineira de Passos.

A Mogiana, desde 1930, em virtude do declínio da produção de café e dos problemas

econômicos oriundos da segunda guerra mundial, já apresentava dificuldades financeiras, as

quais limitavam a prestação de seus serviços. Com isso, passou a ser controlada pelo governo

do Estado de São Paulo a partir de 1952 e, em 1998, esta empresa foi privatizada e não

conseguiu manter o mesmo nível dos serviços prestados até então, principalmente no que

tange ao transporte de passageiros, o que a levou à extinção deste meio de locomoção.

A crise pela qual passou a lavoura cafeeira nos anos 1930, além de ter sido uma das

principais causadoras das dificuldades pelas quais passou a Companhia Mogiana, também

ocasionou transformações no caráter econômico-produtivo da região, que acabou por

abandonar a monocultura do café e passou a diversificar os produtos cultivados. Na segunda

metade do século XX, a industrialização, ainda incipiente até então, passou por um processo

de crescimento, principalmente nas cidades de Mogi Guaçu e Mogi Mirim.

41A Fepasa foi criada em 1971 e era constituída por: Companhia Paulista de Estradas de Ferro, Estrada de Ferro Sorocabana, Estrada de Ferro Araraquara, Estrada de Ferro São Paulo e Minas (desde 1967 sob administração da Companhia Mogiana) e a Mogiana.

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3 .2 – Perfil dos municípios pesquisados

A DRADS Mogiana possui sua sede no município de São João da Boa Vista, o qual

integra a Região Administrativa de Campinas. Atualmente, os vinte municípios somam pouco

mais de 700 mil habitantes (718.916) distribuídos numa região de 8.103 km².

Apesar da DRADS Mogiana receber esta denominação, ela não abrange todos os

municípios da região Mogiana, pois esta vai desde a região de Campinas, na Baixa Mogiana,

até a região de Franca, na Alta Mogiana. Assim sendo, a DRADS em questão compreende os

municípios pertencentes à Região de Governo de São João da Boa Vista, mais quatro

municípios que se encontram dentro da Região de Governo de Campinas, sendo eles: Estiva

Gerbi, Mogi Guaçu, Mogi Mirim e Itapira.42

Mapa 2 – Região Administrativa de Campinas

Fonte: Instituto Geográfico e Cartográfico. Disponível em: http://www.igc.sp.gov.br/mapras_campinas.htm Acesso em: 01/06/10

42 A Região Administrativa de Campinas é subdivida em sete Regiões de Governo: Campinas, São João da Boa Vista, Bragança Paulista, Jundiaí, Piracicaba, Limeira e Rio Claro.

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A razão pela qual a DRADS Mogiana se encontra instalada em São João da Boa Vista

foi determinada pelo fato deste município ter sido, até 1987, sede do Governo Regional, que

reunia os dezesseis municípios da Média Mogiana, menos Mogi Mirim, Mogi Guaçu, Estiva

Gerbi e Itapira, que estavam atrelados a Campinas. Com a criação da Região Metropolitana de

Campinas, estes quatro municípios deixaram de pertencer à Região de Campinas e, por

ocasião da criação da DRADS Mogiana, o que ocorreu em 11 de novembro de 2005 43, eles

foram incorporados a esta Diretoria Regional, sendo desta forma constituídos os vinte

municípios que integram esta demarcação.

Antes da criação da DRADS Mogiana, os vinte municípios que a compõe pertenciam a

DRADS Campinas e eram supervisionados pelos Escritórios Regionais de Assistência Social

(ERAS), localizados em São José do Rio Pardo, Casa Branca, São João da Boa Vista e Mogi

Mirim.

Logo de início, propomos conhecer um pouco mais sobre os municípios apresentados:

cultura, geografia, economia e contextualização em geral, de modo a correlacionar seus

respectivos entendimentos quanto ao nosso objeto de estudo.

De acordo com os parâmetros estabelecidos na Política Nacional de Assistência Social

(2004), em relação ao porte dos municípios44, percebemos que a maioria das cidades da

DRADS Mogiana compõe-se de municípios de pequeno porte, sendo oito deles de pequeno

porte I, ou seja, até 20 mil habitantes e seis deles de pequeno porte II, até 50.000. Há quatro

municípios de médio porte e apenas um município – Mogi Guaçu – com mais de 100 mil

habitantes (conforme o quadro 3). Em outras palavras, 70% dos municípios são pequenos,

25% são médios e 5% são de grande porte.

Atualmente, mais de 70% de sua população reside em áreas urbanas. Em relação aos

contingentes populacionais que povoaram esta região, podemos destacar a chegada de

imigrantes europeus, principalmente italianos, espanhóis e portugueses, em função do

crescimento da produção de café, por volta do século XIX. Observa-se, porém, que a região

recebeu um grande contingente populacional, oriundos de diversos lugares do país, nas duas

últimas décadas do século XX, devido ao crescimento e dinamismo econômico da região.

43 Na ocasião foram criadas três Diretorias Regionais de Assistência e Desenvolvimento Social: a Drads Mogiana (cenário deste trabalho); a Drads em Itapeva e a Drads em Dracena. Vale pontuar, que as Drads foram criadas desde a década de noventa, com intuito de irradiar para todo o estado paulista as ações sociais propostas pela secretaria de estado, que já passou por outras denominações. A relação da Drads com os municípios é de supervisão e avaliação do desenvolvimento dos programas e projetos sociais do Estado e dos Municípios, além do monitoramento continuo de toda rede socioassistencial (pública e provada). 44 A PNAS descreve que municípios denominados pequeno porte I são aqueles com até 20.000 habitantes; pequeno porte II compreende entre 20.001 até 50.000; médio porte estão entre 50.001 até 100.000 habitantes; grande porte vai de 100.001 até 900.000 e metrópole acima de 900.000 habitantes.

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Nesta mesma época, São José do Rio Pardo recebeu o escritor Euclides da Cunha e foi nesta

passagem, que o escritor e jornalista escreveu a sua grande obra, Os Sertões.

Em relação aos aspectos econômico-produtivos, a região possui características

bastante diversificadas, que compreendem desde uma agricultura moderna e mecanizada até

um expressivo parque industrial.

Mapa 2 – Regiões de Governo da Região de Campinas

Fonte: www.cidadespaulistas.com.br Acesso em 10/07/2010.

A maioria dos municípios tem como atividade principal a agricultura e a pecuária; já,

nos municípios de Estiva Gerbi, Mogi Mirim, Itapira, Mococa e São José do Rio Pardo têm-se

o predomínio da agroindústria, enquanto Mogi Guaçu 45 é fortemente marcado pela presença

de industrias complexas, como destaque em papel e celulose, alimentação, metalurgia e

45 Um destaque a este município se dá pela presença da Usina AES Tietê (em Mogi Guaçu), a qual possui um parque de usinas composto por 10 hidroelétricas, tem capacidade instalada de 2,65 mil megawatts (MW) e responde por cerca de 20% da energia gerada no Estado de São Paulo e por 2% da produção nacional.

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cosméticos. Além disso, destaca-se pela produção agrícola da laranja e do tomate (terceira

cidade na produção estadual); já, São João da Boa Vista e Espírito Santo do Pinhal se

caracterizam por uma economia multissetorial.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 46 procura analisar não só os aspectos

econômicos de uma população, mas também leva em consideração características sociais,

culturais e políticas, as quais interferem e influenciam na sua qualidade de vida e no seu

desenvolvimento humano. O IDH da região da Mogiana varia entre o maior índice, em São

João da Boa Vista com 0,843 (considerado o 15º do Estado de São Paulo) e o menor, em

Santo Antonio do Jardim, com 0,766. A média registrada no Estado de São Paulo, está em

0,820 e no Brasil, em 0,766 47. Na região Mogiana registra-se um índice médio em torno de

0,799, isto é, acima da média brasileira e abaixo da do Estado paulista.

Todavia, o cálculo do IDH apresenta uma média do desenvolvimento local, o que por

vezes, oculta, camufla ou não identifica suas especificidades, por isso, fazem-se necessárias

avaliações internas dos municípios, a fim de conhecer suas particularidades e contextos

específicos.

O mesmo ocorre ao identificar o Produto Interno Bruto (PIB) 48 per capita da região, a

média é de 14.308, encontrando-se abaixo do PIB per capita médio do Brasil, de 15.205. No

entanto, há municípios cujo PIB per capita encontra-se acima da média nacional e estadual – o

Estado de São Paulo possui o segundo maior PIB per capita, com 22.667. A melhor média da

região encontra-se no município de Mogi Mirim, com 24.002 e o valor mais baixo registrado

está em Santa Cruz das Palmeiras, com 7.690 PIB per capitã 49. No entanto, por se tratar de

uma média, não descreve a distribuição desigual e a concentração de renda existente no país e

vivenciada no cotidiano dos municípios brasileiros.

Em relação aos aspectos políticos, é possível afirmar que se trata de uma região de

centro-direita, uma vez que a maioria das cidades é governada por prefeitos eleitos do PSDB

(oito municípios); DEM (três municípios); PMDB (dois municípios); PV (dois municípios);

46 O IDH foi criado na década de 1990, trata-se de uma medida que visa identificar o desenvolvimento humano de uma população. Seu cálculo baseia-se em três dimensões: o Produto Interno Bruto (PIB) per capita (riqueza), a longevidade (expectativa de vida) e a educação. O índice varia de 0 a 1, quanto mais próximo do 1 melhor o desenvolvimento de um local, quanto mais próximo do 0 pior o desenvolvimento humano local. 47 Dados do Atlas de Desenvolvimento Humano, 2000. Disponível em www.pnud.org.br/atlas Acesso em 01/06/2010. 48 O PIB é um indicar que mede o crescimento econômico de um determinado local, leva-se em conta todo o serviço e bens do lugar. Esse cálculo se aplica no Brasil desde 1948, ano em que foi criado, e desde 1990 fica sob responsabilidade do IBGE sua medição e elaboração. O PIB per capita é o valor total do PIB local dividido entre o número de habitantes locais. 49 Dados do IBGE. Disponível em www.ibge.gov.br/cidades. Acesso em 01/06/2010.

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PPS, PTB, PP, PMN e PSC (um município cada). Não é estranho observar que Barros

Munhoz – eleito presidente da Câmara Legislativa do Estado de São Paulo para o biênio

2009-2010 – já foi prefeito do município de Itapira por duas gestões, três vezes deputado

estadual e subprefeito de Santo Amaro, na gestão José Serra, em São Paulo. Líder do PSDB

no legislativo paulista realizou várias articulações e contatos políticos nesta região.

Além disto, a região possui algumas peculiaridades: em Tambaú, identifica-se um

expressivo turismo religioso católico em razão de este município compor, junto com

Aparecida (SP), o “Caminho da Fé” (inspirado em Santiago de Compostela, na Espanha)

representado pela junção destes dois pólos religiosos. Em Águas da Prata – um dos onze

municípios paulistas considerados estâncias hidrominerais pelo Estado de São Paulo –

também se encontra um campo turístico significativo, que atrai turistas de várias localidades.

O mesmo se observa em Caconde, que é um dos quinze municípios paulistas considerados

estâncias climáticas, e que por causa disto recebe recurso estadual para promoção do turismo

regional.

Em geral, trata-se de uma região com municípios considerados ‘jovens’, a média de

fundação dá-se em torno de 129 anos. O município de Caconde é considerado o mais antigo,

com fundação datada em 1765, com 245 anos. Já Estiva Gerbi é a cidade mais jovem da

Mogiana, emancipou-se de Mogi Guaçu em 30 de dezembro de 1991 e instalou-se como

cidade em 1993, encontra-se, atualmente, com 17 anos de formação municipal.

3.2 – A pesquisa

A pesquisa realizada junto aos municípios teve por intuito o conhecimento da

operacionalização dos benefícios eventuais. Aqui, irá se conhecer esta realidade, bem como

contrastá-la junto ao Levantamento Nacional realizado pelo Ministério do Desenvolvimento

Social (MDS) junto com Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) em 2009, a fim de,

com isso, mapearmos como este direito se encontra atualmente, tomando por base esta região.

A construção das questões baseou-se no formulário organizado pela Secretaria

Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social (SEADS) referente à elaboração do Plano

Municipal de Assistência Social (PMAS). Poucas mudanças foram sinalizadas, apenas, optou-

se por questões mais detalhadas, por entender que dariam melhor visibilidade ao contexto na

região. Assim, o formulário trabalha com questões semi-estruturadas, isto é, pede-se a

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resposta, mas se permite que o município descreva algo a mais, ou especifique algumas

respostas. São ao todo onze perguntas, sendo que, apenas uma questão é objetiva. Trata-se da

terceira questão, na qual se pede “quais são os critérios para a concessão dos benefícios?” As

demais questões permitem que se acrescentem outras informações nas respostas dadas. A

partir disso, formularam-se nove categorias de debate, distribuídas em: A, B, C, D, E, F, G, H

e I.

Quadro 3 – População, área e formação dos municípios pesquisados

Município População (hab.)

Área (km²)

Fundação Porte (1) IDH Índice SUAS(2)50

Aguaí 32.101 473 1887 Pequeno porte 2 0,786 0,529 Águas da Prata 7.734 143 1935 Pequeno porte 1 0,810 0,578

Caconde 19.304 470 1765 Pequeno porte 1 0,782 0,551 Casa Branca 28.189 866 1814 Pequeno porte 2 0,810 0,579 Divinolândia 11.343 222 1953 Pequeno porte 1 0,788 0,625

Espírito Santo do Pinhal 42.260 390 1849 Pequeno porte 1 0,808 0,657 Estiva Gerbi 9.657 74 1993 Pequeno porte 2 0,794 0,653

Itapira 72.657 518 1820 Médio porte 0,794 0,605 Itobi 7.708 139 1959 Pequeno porte 1 0,782 0,644

Mococa 68.718 854 1871 Médio porte 0,809 0,529 Mogi Guaçu 139.836 813 1877 Grande porte 0,813 0,593 Mogi Mirim 88.373 499 1769 Médio porte 0,825 0,603

Santa Cruz das Palmeiras 33.583 296 1876 Pequeno porte 2 0,796 0,537 Santo Antônio do Jardim 5.785 109 1953 Pequeno porte 1 0,766 0,645 São José do Rio Pardo 53.281 419 1865 Médio porte 0,815 0,593 São João da Boa Vista 83.909 516 1821 Médio porte 0,843 0,597

São Sebastião da Grama 12.990 252 1925 Pequeno porte 1 0,778 0,538 Tambaú 22.575 562 1886 Pequeno porte 2 0,792 0,565

Tapiratiba 12.410 221 1929 Pequeno porte 1 0,792 0,534 Vargem Grande do Sul 39.160 267 1874 Pequeno porte 2 0,802 0,551

Fonte: IBGE, disponível em: www.ibge.gov.br/cidades Acesso em:13/05/2010. 1 – Informações de acordo com as orientações da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) 2004. 2 – Informações fornecidas pela DRADS Mogiana em 29/07/10. Trata-se do índice SUAS referente a 2008.

Além disto, o formulário estava endereçado ao responsável por fornecer as

informações buscadas. Algumas vezes, tratava-se do gestor, outras do coordenador da

assistência social no município. A indicação deste responsável ocorreu via telefone em

contato direto com o município. Alguns municípios foram prestativos e responderam ao

50 O Índice SUAS organiza a planilha de recursos da Proteção Social Básica, sua finalidade é de fazer a partilha, a priorização e o escalonamento da distribuição de recursos para o co-financiamento da Proteção Social Básica, por meio de critérios técnicos, priorizando os municípios com maior proporção de população vulnerável (indicado pela taxa de pobreza), menor capacidade de investimento (receita corrente liquida municipal per capita) e menor investimento do Governo Federal na Proteção Social Básica. Para fins de normalização, considerou-se o município com menor taxa de pobreza (melhor situação) como 1 e o aquele com maior taxa de pobreza (pior situação) como 0.

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formulário rapidamente. Outros, porém, foram pouco receptivos e houve, ainda, quem não

retornasse o contato. Infelizmente, isto acabou por prejudicar a tabulação dos dados, mas, com

as informações conseguidas é possível apresentar o contexto da região em relação à

implementação (ou não) destes benefícios.

De início, o levantamento questionou se havia regulamentação destes benefícios junto

aos municípios brasileiros. Aplicou a questão:

A) Existe regulamentação específica para a concessão dos benefícios eventuais? Se sim, de

que ordem, portaria ou lei? A nomenclatura benefícios eventuais é usada desde quando no

município? Com qual (is) órgão (s) trabalha?

Tabela 1 – Regulamentação dos Benefícios Eventuais junto aos municípios da Região

Mogiana do Estado de São Paulo 51

SIM

NÃO

Itapira Mogi Guaçu

Águas da Prata Aguaí

Casa Branca Divinolândia

Espírito Santo do Pinhal Estiva Gerbi Mogi Mirim

Santa Cruz das Palmeiras Santo Antonio do Jardim São João da Boa Vista São Sebastião da Grama

Tambaú Vargem Grande do Sul

13,3%

86,7%

A Tabela 1 permite observar que 86,7% dos municípios não possuem os benefícios

eventuais regulados, enquanto 13,3% já o regularam, segundo legislação municipal. Mogi

Guaçu relatou que a legislação referente a este direito foi aprovada em 11/12/2009, no entanto

não a disponibilizou, trata-se da lei municipal nº 4583/09, a qual foi obtida junto à Câmara

51 Como cinco municípios não responderam o formulário, o universo da pesquisa passou a ser de 15 municípios.

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Municipal e se encontra em anexo (Anexo II). A legislação municipal de Itapira data de 2008,

Resolução nº. 04/08 (Anexo III).

Além disto, é possível observar que, embora Mogi Mirim e Estiva Gerbi não possuam

este benefício regulado, eles fazem uso desta nomenclatura ‘benefícios eventuais’. Em Estiva

Gerbi, o uso se dá, segundo informações do próprio município, desde 2006 e, em Mogi Mirim,

este se encontra no “Programa de Atendimento Social de 2007”, referência a esta

denominação, onde se assinala que:

Os Benefícios Eventuais são provisões suplementares e provisórias, prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública. Os critérios serão de acordo com o decreto nº. 6.037 de 14/12/2007 e artigo 22 da Lei nº. 8.742 de 07/12/1993. (PROGRAMA DE ATENDIMENTO SOCIAL, 2007)

No entanto, não há regulamentação municipal, os profissionais orientam-se pelo

“Programa de Atendimento Social de 2007” e pela disponibilidade de recursos disponíveis.52

O Levantamento Nacional realizado em 2009 do MDS e CNAS contou com a

participação de 4.174 municípios, dos 5.564 existentes, isto é, cerca de 75% dos municípios

expuseram suas respectivas realidades referentes à operacionalização dos benefícios eventuais.

Os dados apontaram que 52% dos municípios (2172) possuem estes benefícios

regulados, mas somente 29,4% (1.229) encontram-se em consonância com parâmetros das

legislações legais atualmente existentes. A realidade apresentada pela região da DRADS

analisada neste estudo não é muito diferente, dos quinze municípios que retornaram o

formulário, apenas dois declararam ter este direito efetivamente regulamentado. Em termos de

Estado, istocorresponde a 0,3%, e, em termos de país, temos 0,03% de regulamentação na

Mogiana. Ou seja, a grande maioria das cidades brasileiras (tanto da região Mogiana, quanto

do país como um todo) operam este direito no anonimato, a margem do princípio de direito e

das legislações em vigor. O Levantamento de 2009 discrimina, ainda, a situação em que se

encontram os 4.174 municípios participantes da pesquisa, o que elucida o contexto atual.

Pela Tabela 2, é possível observar o quão é necessário estimular a regulamentação

deste direito junto aos municípios brasileiros, pois desde a LOAS a situação dos benefícios

52 Informação oriunda de observação empírica, uma vez que a autora deste trabalho trabalhou neste município por quatro anos. Em relação ao uso da nomenclatura, é possível que haja o uso desta, mesmo os municípios não a tendo identificado no formulário. Tal afirmação se aponta também em observação empírica ao estabelecer contato com municípios da região.

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eventuais suscita de apoio e estímulo. Assim, a questão é saber a quem cabe, de fato, este

papel, pois passados quatro anos da Resolução do CNAS (em 2006), e três anos do Decreto

Federal (em 2007) a situação, embora tenha se ampliada 53, não se concretizou plenamente.

Os auxílios natalidade e funeral eram benefícios socioassistenciais herdados da

política previdenciária que na passagem, em 1993, de uma política para outra, simplesmente

deixaram de ser executados. No corpo da LOAS a atenção a estes auxílios seria compulsória,

além disto, o município, ao regulamentá-los, poderia, inclusive, ampliar o foco de atenção.

Tabela 2 – Situação da regulamentação dos benefícios eventuais nos municípios e DF

Tipo de Regulação

Situação

Quantidade

%

Qunatidade

total

% total

Com Regulação

Baseada parcialmente nos parâmetros legais

679 16,3

2172

52% Não se baseia nos parâmetros legais

264 6,3

Em consonância aos

parâmetros legais

1.229

29,4

Sem regulação

Em processo de discussão

748 17,9

2002

48% Não esta

regulamentado, mas há previsão de recurso

990 23,7

Não há regulamentação e nem previsão de

recurso

264 6,3

Fonte: Relatório sobre o Levantamento Nacional dos Benefícios Eventuais, MDS, 2009.

53 O Levantamento Nacional apresentado pelo MDS mostrou ter havido um aumento das regulamentações posteriormente as promulgações da Resolução 212 de 2006 e do Decreto 6.307 de 2007. De modo que, 18,23% (dos 1.229 que regulamentaram) o fizeram o fizeram em 2007; 15,54% (ou 191) regulamentaram em 2008 e 31,41% (ou 386) o fizeram em 2009. Isto reforça o argumento da necessidade de se estimular este processo junto aos municípios brasileiros.

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Ocorre que, não só como demonstra o Levantamento Nacional e a pesquisa deste

estudo, tão logo passaram para assistência social, tornaram-se esquecidos. Em outras palavras,

“contra todas as prescrições éticas e preceituações legais relacionadas à matéria, a

distribuição desses benefícios foi sustada sem nenhuma explicação, comoção social ou

aplicação de penalidades”, (PEREIRA, 2010, p.18) e, em muitos municípios tal situação

permanece até hoje.

O Art. 14 da Resolução 212, editada há quatro anos, aponta que “a regulamentação

dos benefícios eventuais e a sua inclusão na lei orçamentária do Distrito Federal e dos

municípios dar-se-ão no prazo de até doze meses e sua implementação até vinte quatro meses,

a contar da data da publicação dessa resolução”. (BRASIL, 2006). Nestas pesquisas (o

Levantamento Nacional de 2009 e este estudo) pode-se observar uma realidade que quase não

condiz com este artigo, a grande maioria dos municípios não cumpriu o prazo dado pela

Resolução, mantendo os benefícios eventuais a margem de sua regulamentação. Embora,

tenha-se registrado algumas mudanças após esta legislação, bem como a partir do Decreto de

2007, conforme já pontuado.

B) Quem é o órgão responsável pela execução dos benefícios eventuais?

Quadro 4 – Órgão responsável pela execução dos benefícios eventuais nos municípios da

Região Mogiana do Estado de São Paulo

Municípios

Órgão Gestor

Convênio

Fundo Social de Solidariedade

Divinolândia X Espírito Santo do Pinhal X Itapira X Mogi Guaçu X Santa Cruz das Palmeiras X São João da Boa Vista X São Sebastião da Grama X Águas da Prata X Mogi Mirim X X Estiva Gerbi X X Estiva Gerbi X X Tambaú X X Vargem Grande do Sul X X Santo Antonio do Jardim X Aguaí X

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Em alguns municípios, como se observa, o Fundo Social de Solidariedade tem

presença significativa. Em Estiva Gerbi, Mogi Mirim e em Tambaú podem haver paralelismos

de ações na área da assistência social, pois tanto o órgão gestor quanto o Fundo Social de

Solidariedade são os responsáveis pela execução destes benefícios. Já em Santo Antonio do

Jardim, embora não haja regulamentação deste direito, sua execução está direta e

exclusivamente alocada ao FUSSESP.

Com a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993, o Fundo Social

de Solidariedade, um campo paralelo à assistência social, deveria ter sido extinto. Isto porque

se entende que, ao ter uma área reconhecida publicamente como de responsabilidade estatal,

sustentar um outro espaço tornar-se-ia inviável em virtude de sua manutenção física,

orçamentária e pessoal. Seria, em outras palavras, manter duas áreas para a mesma finalidade

– a atenção ao cidadão – todavia, enquanto a assistência social o faz estruturado em princípios

legais de garantia de direitos, o Fundo Social de Solidariedade volta sua atuação no caráter da

boa ação, em geral centrada na figura da primeira-dama e realizada junto aos seus parceiros e

voluntários. Além disto, insistir na existência e presença do Fundo Social de Solidariedade

contribui para manter uma cultura clientelista tão arraigada nas relações sociais construídas na

história do nosso país, em que a figura do governante bom se diz daquele que ‘ajuda o seu

povo’, quando atribui, em geral à sua esposa, o dever de ajudar, com parcos recursos, a

sobrevivência de seu eleitorado.

C) O fluxo da concessão também foi objeto de indagação para os municípios e revelou as

mais diversas coberturas no processo.

Por meio desta questão, foi possível tabular que na DRADS Mogiana o órgão público

de assistência social é a referência e ‘porta de entrada’ para a solicitação destes benefícios.

Em alguns municípios pontuou-se mais de uma alternativa referente à concessão dos BE, mas

em todos, a ‘primeira entrada’ era o órgão gestor ou o CRAS 54, que concediam o benefício

solicitado ou encaminhavam para alguma instituição conveniada ou parceria estabelecida,

conforme pode se observar no quadro acima. Esta analise permite algumas ponderações:

embora não se registre regulação na maioria destes municípios, existe um fluxo de concessão

e referência destes benefícios; além disto, volta-se a insistir no possível paralelismo de ações

54 CRAS é o Centro de Referência de Assistência Social, preconizado pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004. Trata-se de um serviço estatal público de referência na atenção à proteção social básica, a qual articula ações no território em que a família está inserida.

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entre o órgão público e o Fundo Social de Solidariedade, uma vez que alguns municípios

relataram ser este o responsável pela execução dos BE ou trabalharem conjuntamente com o

órgão gestor.

Quadro 5 – Fluxo de concessão dos benefícios eventuais

Encaminhamento

Porta de entrada

Realiza todo o atendimento

Entidades conveniadas/parceria

CRAS 08

08

00

Órgão Gestor

14

11

03

O Levantamento Nacional de 2009 enfatiza, especificamente, o local para a concessão

dos benefícios eventuais compulsórios 55: auxílio natalidade e auxílio funeral, em que, 74,4%

ou 2.906 municípios relataram que é o órgão gestor da assistência social o local de oferta do

serviço na concessão do benefício funeral. Mas há, também, a concessão destes benefícios em

outros lugares: 26,3% (ou 1.026 municípios) relataram ofertá-los nos CRAS; 1,5% (ou 58

municípios) concedem o funeral nos Centros Especializados de Assistência Social (CREAS)56;

2,1% (ou 82 municípios) ofertam o funeral em instituições da rede de assistência social ou

órgão conveniado ou contratado; outros 2,1% em outros órgãos da assistência social; 11,7%

(ou 455 municípios) concedem o funeral em forma de contrato ou convênio com fornecedores

55 Vale destacar que o Relatório do Levantamento Nacional do MDS faz uso de quatro modalidade de benefícios eventuais: o auxílio natalidade; auxílio funeral; benefício para situação de calamidade pública e benefício para situação de vulnerabilidade temporária. 56 CREAS é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social preconizado pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004. Trata-se de um serviço público estatal de referência na atenção a proteção social especializada, ou seja, quando há ou se identifica perdas, riscos e danos para a família e/ou indivíduo.

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e, por fim, 12,5% (ou 487 municípios) ofertam o benefício em outro órgão da prefeitura

vinculado à outra área setorial.

Em 67,9%, ou 1.569 municípios, o benefício natalidade é processado na sede do órgão

gestor da assistência social, em segundo lugar, o auxílio natalidade é ofertado nos CRAS,

43,8% ou 1.012 municípios. Há, ainda, a concessão deste direito nos CREAS em 1,9% (ou 44

municípios); em instituições da rede de assistência social ou órgão conveniado ou contratado

em 3,7% (ou em 85 municípios); há oferta deste benefício em outro órgão da assistência

social em 3,4% (ou 79 municípios): observam-se, ainda, municípios em que a oferta se dá em

forma de contrato ou convênios com fornecedores, 1,7% (ou 39 municípios) e se registra, por

fim, a concessão deste direito em outro órgão da prefeitura vinculado a outra área setorial, em

8,4% (ou 194 municípios).

Neste caso, assim como na pesquisa junto a DRADS Mogiana, observa-se que o órgão

gestor da assistência social é a referência na concessão desta categoria de benefícios, muito

embora haja atenção diluída em outros setores. Parece que o órgão público, de alguma forma,

tem ‘feito o seu papel’. Destaca-se a necessidade de regulação no sentido de garantir clareza e

transparência na concessão deste direito.

D) Os dados obtidos sobre os critérios para a concessão dos benefícios eventuais tiveram

alguns destaques importantes.

Os municípios da região da DRADS Mogiana pontuaram os critérios utilizados na

concessão de seus benefícios eventuais, muito embora, a maioria dos municípios não os tenha

regulados em seus respectivos municípios.

Em São João da Boa Vista, Mogi Mirim, Divinolândia, Estiva Gerbi e Tambaú não

regulamentaram os benefícios eventuais, no entanto, relatam ter como critério de concessão a

situação de contingência social. Apenas São João da Boa Vista discrimina o que entende por

contingência social, e a descreve como a “situação de vulnerabilidade social”, ou seja, é

amplo o entendimento do que seja e o que de fato se executa como contingência social. Do

mesmo modo, há municípios que apontaram como critério a situação de calamidade pública,

porém não a descreveu.

Corre-se o risco de operar estes benefícios conforme for mais conveniente ao

município, além de passar pelo crivo de quem o concede. Esta avaliação, caso a caso ou

individualizada, também ocorre em Espírito Santo do Pinhal, o qual relatou que concede o

benefício a partir da avaliação profissional, isto é, não há legislação nem critérios definidos, o

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assistente social verifica se o usuário necessita ou não do recurso solicitado e, ainda, se há

disponibilidade de concessão naquele dado momento. Veja os dados:

Tabela 3 – Critérios para concessão dos benefícios eventuais

Critérios para concessão BE (modalidade)

Freqüência (quantidade)

Porcentagem

(%)

Renda per capita até ¼ do salário mínimo 04 26,6

Renda per capita de até ½ salário mínimo 02 13,3

Renda per capita igual à utilizada para o programa Bolsa Família 06 40

Situação de contingência social 07 46,6

Situação de calamidade pública 05 33,3

Famílias inseridas no Cad-Único 02 13,3

Avaliação do profissional 01 6,6

A prática de alguns municípios, na realidade, faz-nos relembrar o método do Serviço

Social de Caso realizado no segundo quartil do século passado, o qual foi por décadas a

referência técnica para a ação do assistente social. Tal semelhança se dá pelo fato de a

concessão destes benefícios estar muito mais condicionada à avaliação profissional do que, de

fato, a critérios claros, precisos e definidos. Se não há legislação específica que descreva o

que seja e a quem atenda, parece que a interpretação está a cargo de quem concede, e se a

situação apresentada se enquadra, ou não, em calamidade pública ou contingência social.

Já o município de Tambaú só não assinalou um dos critérios do formulário. Diz, então,

atender com renda per capita de até ½ salário mínimo, em situação de calamidade pública; na

situação de contingência social; àqueles com renda per capita igual à utilizada como

parâmetro para o Programa Federal “Bolsa Família” (que atualmente encontra-se em

R$ 140,00) e por fim utiliza também como critério a família estar inserida no Cad-Único. Ou

seja, parece haver uma certa confusão neste caso pois, além do benefício não estar regulado, é

operado através de vários critérios.

Os municípios de Mogi Guaçu e Itapira operam a concessão deste direito com base

em suas respectivas legislações. Itapira em seu artigo 2º apresenta que:

O benefício eventual é uma modalidade de provisão de proteção social básica de caráter suplementar e temporário que integra organicamente as garantias do Sistema

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Único de Assistência Social – SUAS, com fundamentação nos princípios de cidadania e doa direitos sociais e humanos, prestada a pessoa residente no município de Itapira e que possuam renda mensal per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. (RESOLUÇÃO MUNICIPAL Nº 04, 2008, p.01)

Em Mogi Guaçu considera-se que “o benefício eventual destina-se aos cidadãos e às

famílias impossibilitadas de superar, por conta própria, contingências sociais que provoquem

riscos e fragilizem a manutenção do indivíduo, a unidade da família e a manutenção de seus

membros” (ARTIGO 3º, LEI MUNICIPAL Nº 4.583, 2009, p.01) e acrescenta, ainda, no

artigo 5º da referida lei, que:

(...) os benefícios sociais serão concedidos por assistentes sociais do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS – e pelo plantão social da Secretaria Municipal de Promoção Social, mediante critérios pré-estabelecidos em consonância com o SUAS, aprovados pelo Conselho Municipal de Assistência Social.

No entanto, o município respondeu ao formulário dizendo que os critérios de

concessão se dão pela renda per capita de até ¼ do salário mínimo, em situação de

contingência social e em situação de calamidade pública. (Legislação em anexo). Muito

embora não se descreva o entendimento local quanto à “contingência social e calamidade

pública”, e além disto, paira uma certa ‘confusão’, pois os critérios ainda serão definidos pelo

Conselho Municipal de Assistência Social, conforme posto no artigo quinto.

Santa Cruz das Palmeiras, Tambaú e São Sebastião da Grama também não

discriminam o que seja calamidade pública, mas utilizam este critério para concessão de seus

benefícios eventuais. Do mesmo modo, esta situação pode ficar a cargo de quem concede o

benefício em identificar se a situação apresentada se enquadra ou não em calamidade pública.

A confusão ou desentendimento do que seja, de fato, calamidade pública e situação de

vulnerabilidade e risco merecem destaque. No Levantamento Nacional do MDS, os

municípios parecem não ter claro o que de fato seja cada uma dessas atenções. Prova disto é

que apenas seis itens separam uma atenção da outra, isto é, os municípios atendem os mesmos

benefícios com nomenclatura diferente. Apenas os itens de “apoio financeiro para tratamento

de saúde fora do município”; “fornecimento de cadeira de rodas e muletas”; “fornecimento de

fraldas geriátricas”; “ajudas técnicas e tecnologia assistida para pessoa com deficiência”;

“uniforme escolar e material esportivo” não se enquadram como atenção em situação de

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calamidade pública, apenas como vulnerabilidade social e risco, conforme se observa no

quadro 6:

Quadro 6 – Itens de cobertura como benefícios eventuais no Levantamento Nacional

Itens de cobertura Calamidade

Pública

Vulnerabilidade

e risco

Fotos/Segunda via de documentos X X

Agasalho/Vastuário/Cobertores/Movéis/Colchões/Utensílios domésticos X X

Pagamento de taxa/contas de água/energia elétrica e gás X X

Geração de emprego e renda X X

Aparelhos ortopédicos/órteses/próteses/óculos/dentadura X X

Pagamento de exames médicos X X

Medicamentos X X

Transporte de doentes X X

Auxílio alimentação X X

Cesta Básica X X

Leite em pó/dietas especieis X X

Auxílio construção X X

Pagamento de aluguel X X

Passagens X X

Outros X X

Apoio financeiro para tratamento de saúde fora do Município/DF X

Cadeira de rodas/Muletas X

Fraldas geriátricas X

Uniforme/material escolar X

Ajudas técnicas/Tecnolofia assistida para pessoa com deficiência X

Material esportivo X

Fonte: Relatório sobre o Levantamento Nacional dos Benefícios Eventuais, MDS, 2009.

Há um verdadeiro ‘imbróglio’ na conceituação do que seja de fato vulnerabilidade

social e risco, calamidade pública e contingência social. Ocorre, na prática, um mix de tudo,

isto é, o auxílio não tem um campo próprio de identificação, sem falar da ausência de

limitação da especificidade da assistência social, uma vez que, muitas destas concessões não

são campos de atenção por parte desta política pública.

Estas terminologias apresentadas em documentos recentes – Resolução nº 212/2006 e

o Decreto Federal nº 6.307/2007 – se esforçam por descrevê-las e caminhar rumo às

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definições geradas a partir da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004 e do

Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005. A PNAS considera a situação de

vulnerabilidade social como aquela “(...) decorrente da pobreza, privação (ausência de renda,

precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e,ou, fragilização de vínculos

afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero

ou por deficiências, dentre outras (...)” (BRASIL, PNAS, 2004, p. 33). Estes documentos de

2006 e 2007 endossam os conceitos trazidos pela PNAS e também pela LOAS, no que se

refere à provisão dos benefícios eventuais, buscando dar mais conteúdo e precisão para

auxiliar e orientar os municípios, estados e o Distrito Federal no processo de qualificação e

conceituação próprios à sua realidade.

E) Qual é a freqüência de atenção? E o número de beneficiários atendidos anualmente?

Há uma variedade significativa em relação ao número de atendimentos por ano.

Tambaú, por exemplo, relatou possuir 3.500 atendimentos por ano, o que dá uma média de

292/mês, ou cerca de 13 por dia; é um município com 22.575 habitantes. Já Itapira, com

72.657 habitantes, possui uma média de 16 atendimentos por mês, pois relatou um

contingente anual de 200 atendimentos, o que não chega a um atendimento/dia. Os demais

municípios que relataram o número de atendimentos/ano foram: Estiva Gerbi 180; Mogi

Mirim 1.600; Santa Cruz das Palmeiras 2.453; São Sebastião da Grama 1.200 e Vargem

Grande do Sul especificou sua atenção, dizendo fornecer 3000 cestas básicas anualmente e

250 cobertores. Ou seja, parece haver um rigoroso processo de seletividade, um direito

operado àqueles que mais precisam e, em alguns casos, a necessidade pode se manifestar

apenas uma única vez.

Em relação aos auxílios natalidade e funeral, que são compulsórios, a Resolução nº

212/06 indica não haver limite ou freqüência de concessão face a sua solicitação, devido a sua

própria natureza: “Os benefícios natalidade e funeral serão devidos à família em número

igual ao das ocorrências desses eventos” (BRASIL, RESOLUÇÃO Nº 212, 2006, p. 03). O

que parece não condizer com a realidade apresentada na pesquisa junto a DRADS Mogiana,

pois somente um município chegou mais próximo deste artigo, quando diz atender por “mais

tempo, o quanto for necessário”. Os demais municípios concedem seus benefícios de forma

demarcada, cuja freqüência é estabelecida não necessariamente de acordo com sua ocorrência,

como deveria ser em razão da categoria destes benefícios. Conforme se poderá observar na

tabela 4.

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113

Tabela 4 – Frequência no atendimento dos benefícios eventuais

Além disto, esta mesma Resolução aponta os prazos para concessão destes benefícios.

No caso do auxílio natalidade, o inciso terceiro do artigo 6º diz que “o requerimento do

benefício natalidade deve ser realizado até noventa dias após o nascimento” (BRASIL,

RESOLUÇÃO Nº 212, 2006, p. 02) e o inciso quarto deste mesmo artigo complementa ainda

que “o benefício natalidade deve ser pago até trinta dias após o requerimento” (BRASIL,

RESOLUÇÃO Nº 212, 2006, P. 02). Já em relação ao auxílio funeral, o inciso quarto do

artigo nono, aponta que:

O Distrito Federal e os Municípios devem garantir a existência de unidade de atendimento com plantão 24 horas para o requerimento e concessão do benefício funeral, podendo este ser prestado diretamente pelo órgão gestor ou indiretamente, em parceria com outros órgãos ou instituições. (BRASIL, RESOLUÇÃO Nº 212, 2006, p. 03)

Evidentemente, é necessário um estudo de cada realidade, uma vez que o Brasil é

composto por um grande número de municípios considerados pequenos, com até 50.000

habitantes. Portanto, as orientações trazidas pela Resolução de 2006 deveriam ser adaptas e

lidas a partir da realidade local, mas garantindo o acesso a estes benefícios.

Frequência

Quantidade %

Uma única vez

2 13,3

De 2 a 6 meses

3 20

Menos de 2 meses

2 13,3

De 6 meses a 1 ano

3 20

Atendimento contínuo ao idoso e a criança, conforme a necessidade

1 6,7

Mais tempo, quanto for necessário

1 6,7

Não apresentou

3 20

Total 15 100%

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114

F) Demanda reprimida.

Quadro 7 – A existência de demanda reprimida nos municípios da DRADS Mogiana

Demanda Reprimida

26,6%

Ausência de Demanda

Reprimida

46,6%

Não respondeu

26,8%

Dos municípios que relataram haver demanda reprimida, 26,6%, a insuficiência de

recursos financeiros é a justificativa mais evidente, presente em 26,6% dos municípios da

DRADS Mogiana. Em segundo lugar aparece a insuficiência de equipe técnica, com 6,6%.

46,6% dos municípios não quiseram relatar ou não possuem demanda reprimida e 26,8% não

responderam a esta questão. Em relação à quantidade de demanda reprimida existente, apenas

o município de Vargem Grande do Sul relatou que esta se expressa no montante de 50/mês.

Este dado se torna muito interessante se pensarmos os motivos que poderiam ter

levado os municípios a não detalharem seus universo de usuários não atendidos: se descaso

com este trabalho, por tentar, talvez, ocultar a realidade vivida nos municípios; ou descaso

com a política pública de assistência social, gerida ao acaso, a ponto de não ter estes dados

computados. Seja como for, a assistência social, enquanto política pública, parece ainda não

ter sua gestão muito clara, definida e transparente aos olhos de quem deseja consultá-la.

G) Benefícios eventuais oferecidos nos municípios

Nesta questão buscou-se conhecer quais os benefícios eventuais são concedidos nos

municípios da DRADS Mogiana. A partir das respostas, tabularam-se os dados agregando-os

por áreas.

O Quadro 8 mostra a diversidade destes benefícios concedidos como eventuais, no

campo da política pública de assistência social, o que, no mínimo, evidencia a falta de clareza

do que sejam benefícios socioassistenciais operacionalizados por esta política pública.

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Quadro 8 – Benefícios eventuais oferecidos nos municípios da DRADS Mogiana

MUNICÍPIOS

ÁREA 57 BENEFÍCIO A B C* D E F G H I J L M N O P

S A Ú D E

fralda descartável para recem-nascido e idoso; armação e lentes para óculos; cadeira de rodas, muletas e cadeira para banho; remédios; internação para dependência química. exames médicos

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

A LI MEN TAÇÃO

cesta básica leite em pó para recém-nascido

X X

X X X X X X X X

X X

X X

X X

X X

X X

X X

ASSIS TÊN CIA

SOCI AL

auxílio funeral auxilio natalidade

X X X X X

X X

X X

X X

X X X

X

HABI TAÇÃO

aluguel da casa; materiais de construção;

X X X

X X

O U T R A S

distribuição de cobertores, ropuas, móveis; documentação e fotografia; passagem interestadual; passagem intermunicipal; passagem para itinerante; produto de limpeza, higiene; pagamento de taxas.

X

X

X

X

X

X X

X

X

X X

X

X

X

X

X X

X

X X

X X

X

X

X

X

X X

X

X

X

X X

X X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X X

X

X

X

X

X

Legenda: A – Aguaí; B – Águas da Prata; C – Casa Branca; D – Divinolândia; E – Espírito Santo do Pinhal; F – Estiva Gerbi; G – Itapira; H – Mogi Guaçu; I – Mogi Mirim; J – Santa Cruz das Palmeiras; L – Santo Antonio do Jardim; M – São João da Boa Vista; N – São Sebastião da Grama; O – Tambaú; P – Vargem Grande do Sul. * O município C não respondeu não haver nenhum tipo de benefício eventual concedido no município.

57 Estas foram às áreas elencadas a partir dos benefícios ofertados pelos municípios, relatados como sendo benefícios eventuais. É possível que haja outros benefícios ofertados, mas não relatados. Na área “outras” ,elencou-se os benefícios que tanto pode se encaixar em uma das áreas aqui definidas, a partir de sua qualificação, como se constituem um outro campo de atenção que também necessite estar qualificado.

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Além disto, tanto na pesquisa junto aos municípios da DRADS quanto no

Levantamento Nacional de 2009, a cesta básica é a recordista de concessão. Ela é concedida

em 89,6% (ou 2.214 municípios) no relatório do MDS e em todos os municípios da região da

Mogiana.

A concessão de cesta básica é um dos legados históricos da prática da assistência

social, ocorrendo desde as primeiras formas de prestação de auxílio. Todavia, a questão, aqui,

indaga: até que ponto se trata de um benefício socioassistencial? Trata-se de uma concessão

que merece ser revista. De acordo com FREITAS e DE MARCO (2010, p. 45-46):

O debate sobre a concessão de cestas básicas ganha novos contornos na atualidade com o reconhecimento da alimentação como direito. No Brasil, foi aprovada, em 15 de setembro de 2006, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (Lei Federal nº 11.346), que prevê o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). Nesta direção, o Governos Federal possui inúmeros programas relacionados à temática da alimentação e nutrição, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome possui a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN), responsável por formular e implementar a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, promover e coordenar programas do Governo Federal nesta área. Essa Secretaria coordena e apóia tecnicamente e financeiramente inúmeros programas e projetos em estados e municípios brasileiros.

Sem perder a criticidade por se tratar de uma referência atrelada ao governo em

questão, é importante observar as tentativas de se demarcar as especificidades que cada

atenção merece e necessita. Há desafios na implementação dos benefícios eventuais, assim

como na PNAS, e um deles, aqui em destaque, é a concessão destes benefícios na órbita do

direito. A concessão de cesta básica, é sabido, sempre foi um dos grandes ícones de expressão

da ajuda e caridade, algo distante do reconhecimento da atenção enquanto dever estatal e

direito do cidadão. O cuidado é não endossar esta prática.

O documento nacional de 2009 apresenta ainda a concessão de: fotos e segunda via de

documentos em 66,6% (ou 1.644 municípios); fornecimento de agasalhos, vestuário,

cobertores, móveis, colchões e utensílios domésticos em 84,8% (ou 2.094 municípios);

pagamento de taxas, contas de água, energia elétrica e gás em 32,9% (ou 813 municípios);

geração de emprego e renda em 30,8% (ou 760 municípios); fornecimento de aparelhos

ortopédicos, órteses, próteses, óculos e dentadura em 41,5% (ou 1.026 municípios);

pagamento de exames médicos em 43,7% (ou 1.080 municípios); transporte de doente em

56,5% (ou 1.395 municípios); auxílio alimentação em 38,9% (ou 960 municípios);

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fornecimento de leite em pó para dietas especiais em 49,1% (ou 1.212 municípios); concessão

de auxílio construção em 64,1% (ou 1.583 municípios); pagamento de aluguel em 38,9% (ou

960 municípios); fornecimento de passagens em geral em 67,6% dos municípios (ou 1.670

municípios); e por fim 20% (ou 494 municípios) declararam fornecer outros benefícios não

especificados.

Estes dados nos mostram o quanto se faz necessário delimitar o que seja campo de

atenção da política de assistência social, bem como o que se entende como situação de

vulnerabilidade social e risco, uma vez que, em nome de vulnerabilidade social, tem-se

concedido um pouco de tudo, um rol de itens pertencente ou não a esta política pública. Em

outras palavras, pode haver concessões de todas as áreas públicas dentro da assistência social.

Além disto, este mesmo documento apresenta a oferta de benefícios eventuais em

situação de calamidade pública, em que 58,6% (ou 1.448 municípios) relataram conceder

benefícios eventuais face esta ocorrência, muitos dos quais também compreendidos na

categoria de atenção referente à vulnerabilidade social e risco, conforme se observou no

quadro 6.

Já em relação à forma de concessão destes benefícios junto aos municípios da DRADS

Mogiana, Aguaí, Mogi Mirim, Tambaú e Santa Cruz das Palmeiras os ofertam em bens de

consumo e em forma de recursos financeiros; os demais municípios (Águas da Prata, Mogi

Guaçu, Estiva, Santo Antonio do Jardim, São Sebastião da Grama, São João da Boa Vista,

Itapira, Espírito Santo do Pinhal, Divinolândia e Vargem Grande do Sul) concedem os

benefícios eventuais somente em bens de consumo. Ou seja, os benefícios discriminados

como sendo benefícios eventuais são fornecidos na íntegra, não há repasse financeiro para

concessão deste direito, apenas a atenção materialmente constituída.

H) Recursos financeiros

A tabulação dos dados a seguir busca mostrar quais são os recursos disponíveis e

destinados à categoria dos benefícios eventuais, isto é, qual é ou de onde vem à fonte que

custeia esta atenção.

Algumas informações importantes foram elencadas e por isso merecem destaque. Vale

uma observação, de início, que a área de financiamento ainda é algo ou pouco conhecida ou

pouco transparente, pois nem todos os municípios declaram sua fonte de custeio.

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Quadro 9 – Recursos destinados aos benefícios eventuais e sua fonte

Município

FMAS FEAS FUSSESP Soma Percentual para assistência social

Divinolândia R$ 532.000,00 R$ 26.190,00 R$558.190,00 Espírito Santo do Pinhal R$ 40.000,00 R$ 40.000,00

Estiva Gerbi R$ 50.000,00 R$ 50.000,00 0,30% Itapira R$ 100.000,00 R$ 100.000,00 R$ 200.000,00

Mogi Mirim R$ 138.205,00 R$ 12.000,00 R$ 150.205,00 Santa Cruz das Palmeiras R$ 210.000,00 R$ 235.000,00 R$ 445.000,00 Santo Antônio do Jardim R$ 455.100,00 R$ 26.190,00 R$ 98.300,00 R$ 579.590,00 São Sebastião da Grama R$ 80.000,00 R$ 80.000,00 5%

Tambaú R$ 175.000,00 R$ 11.880,00 R$ 186.880,00 R$ 198.855,00

Primeiramente, que, embora não haja regulamentação dos benefícios eventuais nos

municípios de Tambaú, São Sebastião da Grama, Santo Antonio do Jardim, Santa Cruz das

Palmeiras, Mogi Mirim, Estiva Gerbi, Espírito Santo do Pinhal, Estiva Gerbi e Divinolândia,

há recursos destinados a esta finalidade, em alguns casos, estão alocados no Fundo Municipal

de Assistência Social (FMAS) e outros estão conjugados junto ao Fundo Social de

Solidariedade (FUSSESP) e/ou Fundo Estadual de Assistência Social (FEAS). Interessante

observar, também, que os municípios de Santo Antonio do Jardim, Tambaú e Divinolândia

apresentaram um orçamento, para esta finalidade, oriundo do Fundo Estadual de Assistência

Social (FEAS). Se não há regulamentação junto ao estado de São Paulo, como se dá o repasse

deste recurso? De qualquer modo, não é muito clara a participação dos Estados Federados,

algo que precisa ser mais bem apreciado e enfatizado, uma vez que, como já posto, considera-

se importante o papel dos Estados e estes, como se observa, tem-se mostrado, também, a

margem dos processos de regulação destes benefícios.

Além disto, há situações, como em São João da Boa Vista, em que não há regulação

destes benefícios, mas existe sua forma de atenção, mesmo não existindo dotação

orçamentária específica para esta atenção. A isso, corre-se o risco de levar este acesso ao

‘resto’ do que há de recurso, pois há o atendimento nesta categoria de benefícios, embora não

regulados, e não existe nenhum tipo de ‘cota’ específica para a concessão destes benefícios.

A questão do orçamento na área da assistência social ainda parece ser meio obscura ou

de pouco conhecimento, como já posto, isso pensado a partir da ausência de respostas dos

municípios de Aguaí, Águas da Prata, Mogi Guaçu e Vargem Grande do Sul. No caso de

Mogi Guaçu, em que existe uma legislação própria, o art. 9º aponta que “as despesas

decorrentes desta Lei correm à conta de dotações orçamentárias próprias” (LEI nº

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4.583/2009 p. 02). No entanto, não apresentam quais seriam estas dotações e suas respectivas

fontes de custeio.

Além disto, o inciso quarto do artigo oitavo enfatiza: “a manutenção de parcerias com

ONGs e Empresas Privadas e Públicas, para atendimento da clientela e de convênios com os

Governos Federal e Estadual para obtenção de recursos ao custeio dos benefícios eventuais”

(LEI nº 4.583/2009 p. 02). Ao que pese, trata-se de uma responsabilidade municipal e estadual.

A União ficou com a incumbência de regular, custear e monitorar o BPC. Por fim, este

município descreve uma observação, que merece ser apresentada.

A Lei dos benefícios eventuais no município foi criada em 11 de dezembro de 2009, como não havia dotação para 2010, continuamos fazendo os atendimentos da forma antiga, atendendo sem a nomenclatura de benefícios eventuais, os serviços realizados pelo município são: Auxílio funeral: a família que não tem como adquirir o caixão preenche guia no SSM e vai até a funerária e tem o caixão gratuito, pouco procurado, pois o caixão é de baixa qualidade; Passagens para migrantes e itinerantes: A Secretaria de Promoção Social envia mensalmente ao Albergue noturno, passagens para esse tipo de atendimento, a triagem é feita pela assistente social do Albergue. Localidades para onde são oferecidas passagens: São Paulo, Campinas, Araras, Aguaí, Espírito Santo do Pinhal, Poços de Caldas (MG), São João da Boa Vista e Casa Branca. Situação de vulnerabilidade temporária e alimentação. As famílias que necessitem de alimentação, os CRAS encaminham para as entidades conveniadas, temos 12 entidades do segmento família, que recebem subvenção municipal e as entidades pelo convênio reservam 10% de sua capacidade para atender os casos encaminhados pela prefeitura através do CRAS, fraldas também são atendidas pelas entidades. Cadeiras de rodas, muletas, etc. são atendidos pelo Fundo Social e também entidades. Para 2011, os benefícios eventuais já farão parte do orçamento municipal, teremos condições de melhorar o atendimento, principalmente o funeral que deixa a desejar. (SIC)

Do mesmo modo, há uma significativa ausência de respostas referente ao percentual

dos municípios destinados à política de assistência social, isto pode demonstrar ou certo

desconhecimento, ou descaso com esta área, ou, ainda, ausência de transparência.

Apenas Estiva Gerbi, com 0,30%, e São Sebastião da Grama, com 5% , apresentaram

o percentual municipal destinado para política de assistência social, dado este que, na verdade,

é difícil de ser avaliado no sentido de ser pouco ou muito recurso para esta área, pois não há

parâmetros e nem percentuais definidos para esta política pública.

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I) Outros serviços socioassistenciais

Quadro 10 – Vínculo entre a concessão de benefícios eventuais e serviços

soioassistenciais nos municípios da DRADS Mogiana

SIM NÃO

Divinolândia

Aguaí

Estiva Gerbi

São João da Boa Vista

Tambaú

Vargem Grande do Sul

Espírito Santo do Pinhal

Mogi Mirim

Santa Cruz das Palmeiras

Santo Antonio do Jardim

São Sebastião da Grama

Os dados apresentados no quadro 10 mostram seis municípios (Vargem Grande do Sul,

Tambaú, São João da Boa Vista, Estiva Gerbi, Divinolândia e Aguaí) com seus benefícios

eventuais concedidos vinculados à oferta dos serviços socioassistenciais. No entanto, não

especificam ou detalham como isso ocorre. Do mesmo modo, outros cinco municípios (São

Sebastião da Grama, Santo Antonio do Jardim, Santa Cruz das Palmeiras, Mogi Mirim e

Espírito Santo do Pinhal) relataram não ter a concessão de benefícios atrelados à oferta dos

serviços socioassistenciais. Outros quatro municípios (Mogi Guaçu, Itapira, Casa Branca e

Águas da Prata) ignoraram a pergunta.

A intenção em abordar esta questão se refere ao fato de se pensar a concessão de

benefícios vinculada ao acesso dos serviços socioassistenciais existentes como um processo

de emancipação e/ou garantia de direitos. Uma espécie de acompanhamento do público alvo

da política de assistência social e segurança de que a atenção necessária lhe será conferida.

Em outras palavras, seria garantir que o benefício não se limitasse em si, mas abrisse

caminhos no sentido de acessar os serviços sociais existentes das diversas políticas públicas.

Neste sentido, a Resolução nº 07/2009, instituída pela CIT, pactuou o Protocolo de

Gestão Integrada dos Serviços e Benefícios no âmbito do SUAS. A proposta é justamente

garantir que os beneficiários da assistência social tenham acesso direto aos serviços

socioassistenciais. Argumenta-se que as famílias, principalmente inscritas em programas de

transferência de renda, sejam acompanhadas, pois, no mais das vezes, encontrarem-se em

situação de vulnerabilidade social, condição esta que lhe gerou certo benefício.

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Além disto, este documento reconhece a categoria dos benefícios eventuais, como

parte desta pactuação. Com isto, estabelece as formas de operacionalização destinada a cada

esfera de governo (União, Estado e Município). Do mesmo modo, aponta os procedimentos

para atendimento das famílias beneficiárias dos benefícios eventuais.

A equipe do CRAS, ou equipe técnica da Proteção Social Básica deve atualizar, periodicamente, o diagnóstico do território, especificando a quantidade e as características das famílias com membros beneficiários do BPC e benefícios eventuais e os serviços socioassistenciais necessários para atendimento destas famílias. (ART. 27. RESOLUÇÃO nº 07/09)

Do mesmo modo, com a aprovação da Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009,

a qual institui a tipificação dos serviços socioassistenciais, buscou-se organizar a rede de

serviços existentes por níveis de atenção, conforme já categorizados na PNAS. Assim, os

serviços socioassistenciais ofertados passam a estar divididos em serviços de proteção social

básica; serviços de proteção social especial de média complexidade e serviços de proteção

social de alta complexidade. Isto permite uma melhor definição e qualificação do serviço a ser

ofertado, bem como da demarcação das ações e o público alvo de atenção.

Estes documentos não foram mencionados pelos municípios da pesquisa, é possível

que os municípios que disseram atrelar seus serviços aos benefícios tenham conhecimento

destes documentos, mas esta informação não foi alcançada.

Em relação às dificuldades para se instituir as normas que regulamentariam estes

benefícios nos municípios, o Levantamento Nacional de 2009 trouxe os seguintes dados:

20,6% (860 municípios) apontaram que a maior dificuldade encontrada é de ordem jurídica;

em 32,2% (1.345 municípios), as limitações para a não regulação se referem a definir as

situações a serem atendidas como benefícios eventuais; em 32,3%, o problema está em

garantir recursos para a oferta destes benefícios e; em 33,3% (ou 1.388 municípios), a maior

dificuldade está em transferir para outras políticas a responsabilidade de atendimento às

situações que não são próprias da assistência social.

Ao final do formulário na pesquisa junto a DRADS Mogiana, havia um campo

descrito como “comentários e/ou observações acerca dos benefícios eventuais no município”.

Espaço destinado para que fosse descrito algo que, por ventura, não estivesse sido abordado

nas questões ou fazer algum apontamento considerado relevante. Algumas destas observações

poderiam ser atreladas a algumas questões, mas, preferiu-se abordá-las ao final, a fim de

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sistematizar e pensar um pouco sobre a realidade destes municípios. Do mesmo modo, optou-

se por preservar a identidade destes municípios. Assim, apenas três municípios pontuaram

algumas questões:

Nossa população pode ser considerada safrista. A maioria dos trabalhadores encontram-se desempregados durante a entressafra. Na cidade, além do funcionalismo público impera-se a lavoura de cana-de-açúcar e batata. Atendemos uma densa população pobre que não conta com renda fixa para suprimento de suas necessidades básicas. Acreditamos que nossos usuários acomodaram-se neste sistema de pedir, esperar por auxílio. (MUNICÍPIO 1) As respostas [do formulário] tratam-se de serviços oferecidos pelo Departamento de Promoção Social na maioria atendimentos emergenciais, sem regulamentação de programas e projetos. (MUNICÍPIO 2) Nos benefícios eventuais são utilizados recursos apenas do fundo municipal, esporadicamente também recebemos doações destinadas aos benefícios eventuais. (MUNICÍPIO 3)

Ao que parece, há um verdadeiro mix de informações nas declarações acima, o que

permite observar o quão confuso ainda é a categoria dos benefícios eventuais. Além disto, a

concessão de auxílios apresenta-se, aos olhos do município 1, como uma situação de

acomodação por parte daqueles que o solicita. Ou seja, há ainda diversos desafios

(econômicos, políticos, sociais, históricos, culturais, etc) a serem superados no sentido de

garantir, de fato, a implementação dos benefícios eventuais como provisão social básica no

âmbito do Sistema Único de Assistência Social. Já o município 2 chama os benefícios

eventuais de “serviço”; o que nos permite refletir se isto seria um descuido ao preencher o

formulário ou desentendimento do que sejam estes benefícios.

De qualquer modo, a realidade aqui apresentada mostra tratar-se de uma categoria de

benefícios que vem sendo tratada à margem da LOAS e das legislações subsequentes.

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COSIDERAÇÕES FINAIS

O trajeto percorrido até aqui nos permite apontar algumas considerações acerca do

objeto de estudo, os benefícios eventuais: seus avanços, desafios e limites. No entanto, a

temática não se esgota aqui, possivelmente outros estudos poderão elencar outras tantas

considerações. Na medida em que houver maior aprofundamento e detalhamento deste tema e

for superado seu estado à margem das discussões acadêmicas e normativas, será possível

observar um progresso em seu processo de gestão, quanto a sua regulação e implementação

dos benefícios eventuais nos municípios brasileiros.

Com isto, aponta-se, de início, o incipiente debate referente aos benefícios eventuais,

em que a profª Potyara A. P. Pereira (UnB) tem sido uma das grandes referências.

Efetivamente, desde a aprovação da LOAS, em 1993, os benefícios eventuais não foram regulamentados e nem suficientemente tematizados nos fóruns e nas instâncias competentes, transformando-se, assim, em direito apenas declarado e impossibilitado de se concretizar por meio de política. (PEREIRA, 2010, p. 18)

O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) permitiu muitos avanços para política

de assistência social, com princípios e diretrizes que direcionam as ações rumo à garantia e ao

acesso aos direitos socioassistenciais do cidadão.

Todavia, ainda permanece o legado que insiste em manter a assistência social distante

do escopo de política pública, que deve ser constituída por uma gestão, financiamento,

controle social e co-responsabilização executadas de modo claro, preciso e transparente. Fato

este que insiste em ocorrer, na medida em que se observa um direito social, executado à

margem de suas legislações.

Os auxílios natalidade e auxílio funeral – herança da política previdenciária –

permanecem, em grande parte, ausentes de regulação específica, quando muito são operados

de modo casual. No translado para a assistência social, sob categoria de benefícios eventuais,

observou-se uma perda de direitos na passagem de benefício contributivo previdenciário para

o benefício não contributivo, face à redução de alcance por se limitar à população com renda

per capita familiar de até ¼ do salário mínimo, isto é, tornou-se um benefício cujo alcance foi

extremamente reduzido e focalizado, neste caso, àqueles considerados extremamente pobres.

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O que contribui por endossar que a assistência social é a política que cuida de pobre e não

política que assegura direitos.

Este trabalho acadêmico buscou trazer à tona e apresentar a discussão à cena do dia.

Para tanto, tomou a Região da DRADS Mogiana, do Estado de São Paulo, como campo da

pesquisa empírica, que por si só permite algumas considerações a serem destacadas.

Percebeu-se que esta Região não possui sua importância enquanto Região

Administrativa. O reconhecimento alargado do território possibilitaria um maior

conhecimento acerca de suas especificidades, o que poderia dar maior embasamento referente

ao seu contexto social, político, econômico e cultural. As informações apresentadas aqui

foram colhidas junto aos municípios, ainda que com limitações, foi-se montando uma espécie

de quebra-cabeça, a fim de apresentar um contexto regional de âmbito territorial da DRADS

Mogiana.

Além disto, a participação truncada dos municípios, – no sentido de contribuir com

informações sobre a realidade local dos benefícios eventuais na região – mostrou o quão é

impreciso e obscuro o entendimento do que de fato seja esta categoria de benefícios e a que

ocorrências ele é destinado. Isto fica evidente quando se exemplificou na introdução a fala de

um dos gestores da região: “(...) mas você quer saber que tipo de benefício eventual? Aquele

do tipo Bolsa Família, de transferência de renda ou aquele do tipo para deficiente e idoso?(...)

Em geral, o que se percebe é que o gestor da assistência social fundamentalmente não

entende o seu papel, bem como não compreende o campo a que esta política se destina. Isto

permite dar margem para que a assistência social (já posta como política pública) continue a

ser executada ao acaso e sem delimitação de sua especificidade como responsabilidade estatal.

Do mesmo modo, observou-se que no município de Mogi Guaçu a Lei Municipal nº

4.583/2009, que regula os benefícios eventuais estabelece em seu art. 1º que: “Fica criado no

município de Mogi Guaçu, na forma desta Lei e conforme dispõe o artigo 22 da Lei Federal

nº 8.742, de 07.12.1993, o programa de ‘Benefícios Eventuais’”. O motivo da nomenclatura

programa não é plenamente compreensível, mesmo porque, o artigo 22 da LOAS refere-se

explicitamente ao acesso a benefícios e não à programas. No Art 24. da LOAS preveem-se os

programas socioassistenciais: “Os programas de assistência social compreendem ações

integradas e complementares com objetivos, tempo e área de abrangência definidos para

qualificar, incentivar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais”(BRASIL, LOAS,

1993). Ao que parece, benefícios e programas encontram-se em categorias bem distintas, o

que supõe ser desconhecido ou ignorado pela legislação deste município.

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Os dados desta pesquisa empírica, bem como os do Levantamento Nacional do

Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) em conjunto com o Conselho Nacional de

Assistência Social (CNAS), realizado em 2009, mostram a variedade de atenção dada, em

nome de benefícios eventuais, distantes do que seria, de fato, o conteúdo específico na política

pública de assistência social, isto é, a assistência social ainda continua respondendo por

atenções de outras políticas públicas.

Um exemplo apontado por Castro (2010)58 mostra que em Maracanaú (CE) um dos

benefícios eventuais refere-se às ações complementares no campo sócio-ambiental, o

chamado “limpa fossa”. Seu propósito é “viabilizar o acesso a serviços de limpeza hidro-

sanitária das famílias em situação de vulnerabilidade, reduzindo agravos (...)” (CASTRO,

2010. p. 57), cujos critérios adotados são “ter comprovante de residência, renda per capita de

1/5 do salário mínimo, documentação civil e parecer social (...)” (CASTRO, 2010, p. 57).

Em outras palavras, a assistência social endossa seu legado histórico de atender um

pouquinho de tudo ou fazer o que as outras áreas públicas não fazem.

Do mesmo modo, tanto a pesquisa deste estudo quanto o Levantamento Nacional de

2009 apontaram a variedade de atenções ofertadas no conjunto dos municípios brasileiros, o

que seria, na realidade, referência a possíveis benefícios eventuais reconhecidos e qualificados

por suas respectivas políticas. Mais da metade dos municípios, no Levantamento Nacional,

declararam prestar benefícios típicos da política de saúde, como: aparelhos ortopédicos em

geral, óculos, cadeira de rodas, muletas, fraldas geriátricas, medicamentos, transporte de

doentes, entre outros. Nos municípios da DRADS Mogiana esta realidade também se

confirmou.

É necessário e urgente que a política de assistência social reveja a provisão daquilo que é de competência da política de saúde. Vários itens vinculados a essa política são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como parte integrante de um conjunto de ações promotoras de saúde, prescritas por profissional da área. O medicamento que porventura é fornecido pela assistência social foi prescrito mediante avaliação médica e sua utilização deve ser acompanhada por esse profissional. A indicação de órteses e próteses é também realizada, por profissionais da saúde e deve ser apropriada a cada indivíduo segundo suas necessidades, bem como articulada com ações de reabilitação. Fornecimento de preparados para dietas especiais está ligado a programas de nutrição a cargo de profissionais da saúde. O fornecimento de medicamento e outros itens de cuidados da saúde pela assistência social é um desvio da ordem das coisas. Além de extrapolar as competências da

58 Castro, Ieda Maria Nobre. A travessia do SUAS: um olhar sobre os benefícios eventuais em Maracaú-Ce. In: Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate nº 12. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2010. p. 51-62.

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política e as atribuições e aptidões do profissional, pode implicar em fator de risco para o beneficiário e onera recursos da assistência social que poderiam estar atendendo a outras necessidades sociais. (FREITAS e DE MARCO, 2010, p. 45)

Romper com este legado e repassar a cada política pública a atenção que lhe confere

requer coragem e trilha por caminhos que envolvem competências e conflito de interesses. O

Brasil é um país moldado por relações de compadrio, o que torna ainda mais difícil este feitio,

principalmente se levarmos em conta nosso histórico das relações construídas e sustentadas.

“A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança

pessoal que merecem os candidatos, e muito menos de acordo com suas capacidades próprias

(...)” (HOLANDA, 1975, p. 106)

Esta realidade descrita por Sérgio Buarque de Holanda muito se aplica aos dias atuais.

É comum, no Brasil, os cargos de gestão de políticas públicas darem-se por indicação, o que

nem sempre ocorre em virtude da competência e conhecimento profissional de quem irá

assumir determinada área. Os arranjos políticos ou a extensão e manutenção de laços afetivos,

no mais das vezes, moldam estas relações. A partir disto, diz-se que nem sempre quem está na

gestão da política de assistência social (em todas as esferas de governo) conhece exatamente

seu campo de atuação, isto se tem confirmado na prática e pode também ser observado neste

estudo.

Esta inconstância em afiançar direitos também se aplica ao fato de se sustentar ações

paralelas, neste caso, referentes à política de assistência social. A presença e ideologia do

primeiro-damismo, a existência do Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo, os

programas como Comunidade Solidária, por exemplo, as diversas campanhas de

solidariedades, dentre outros, são práticas comumente aceitas e referendadas em nossa

sociedade, por vezes, confundidas ou sobrepostas à política pública. Na pesquisa realizada

junto a DRADS, observaram-se municípios que, embora não tivessem tomado frente quanto à

regulação dos benefícios eventuais, estes eram operacionalizados ou executados com recursos

oriundos do Fundo Social de Solidariedade e/ou eram executados pelos mesmos.

A partir disto, observou-se que tal área (a assistência social) parece ser dotada de certa

desqualificação ou descrédito, qualquer um pode conduzi-la, sua ação pode ser realizada de

qualquer modo, um tipo de ‘política pobre para atender ao pobre’. O que nos remete a

considerar é haver, na realidade, uma relação mal resolvida com seu passado histórico, em

que a ideologia de organizar a ajuda concedida não cessou perante os marcos legais. Ainda se

endossam e enfatizam ações de caridade, algumas das quais centradas na figura da primeira-

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dama ou em ações dúbias, ora realizadas por órgão governamental, ora por seus parceiros, ou,

ainda, por iniciativas privadas.

Além disto, outra consideração a ser pontuada se refere à inexistência de parâmetros

na área da assistência social. Quais são as bases para demarcar o tempo de concessão de um

benefício eventual? Os municípios pertencentes a DRADS Mogiana apontaram uma

variedade de respostas, em que o tempo da atenção se dá em alguns casos de 2 a 6 meses;

outros, para menos de 2 meses; e também de 6 meses a 1 ano de atenção. Em São João da Boa

Vista, por exemplo, o atendimento para crianças e idosos é contínuo, conforme a necessidade.

Portanto, o caráter continuado é sobreposto ao eventual, observa-se que, face à ausência de

qualificação, atende-se conforme a necessidade e/ou a existência de recursos.

Percebeu-se a necessidade de repensar a atenção oferecida pela política de assistência

social quando paramentada a ‘necessidade da solicitação’, muito mais pelo crivo de quem

analisa do que na garantia de afiançar proteção a sujeitos de direito ante as situações de

eventualidades surgidas no cotidiano do cidadão. Isto alimenta a concessão de benefícios na

perspectiva da “meritocracia”, isto é, o acesso dá-se muito mais pelo mérito do que pelo

direito.

Outra observação apontada neste trabalho, reportam-se ao fato de que ter os benefícios

eventuais no âmbito dos municípios, Estados e Distrito Federal necessariamente não facilitou

ou contribuiu para seu processo de regulação. A LOAS os limita a estas esferas de governo e

isto se tem mostrado muito mais um obstáculo do que um avanço. De acordo com o

Levantamento Nacional do MDS, as maiores dificuldades apresentadas pelos municípios são:

dificuldade na definição dos tipos de benefícios eventuais a serem operados no município;

dificuldade para garantir recursos para a oferta dos benefícios e dificuldade em transferir para

outras políticas as responsabilidades antes assumidas como benefícios eventuais. Isto tem

limitado, paralisado e impedido sua regulação, o que acaba por penalizar o cidadão de direito

face à ausência desta provisão. Vale destacar que, desde a transferência do auxílio natalidade

e auxílio funeral para assistência social, eles deixaram de ser providos pela política de

previdência social. Assim, diante de sua não implementação, como se tem observado, tanto os

segurados previdenciários quanto os usuários da assistência social ficaram desprotegidos

neste acesso.

A ampliação democrática trazida pela CF/88, em que se descentraliza poder e imprime

autonomia não foram, por si, motivos suficientes para que os municípios tomassem a frente

destes benefícios e os regulassem, conforme suas diretrizes. No Levantamento Nacional, dos

4.174 pesquisados, 1.229 relataram ter esse benefício regulado, conforme os parâmetros legais

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estabelecidos. Já na DRADS Mogiana, apenas dois, dos quinze municípios que retornaram o

formulário, os regulamentaram. Ao que parece, no mais das vezes, os municípios deixam a

situação como está, tipo ‘vai levando’. Mesmo porque, regular um direito passa por questões

que requerem conhecimento e competência, além de superar questões de cunho econômico,

político, social, cultural, entre outros. Do mesmo modo, ao manter a atenção como política de

governo e não política de Estado, dão-se margens para endossar práticas paternalistas e

clientelistas, as quais atendem a quem se indica, quando dá e da maneira mais conveniente.

Situação que, eventualmente, pode ocorrer face a não regulação destes benefícios. Por outro

lado, na medida em que houver transparência desta atenção, tais práticas podem ser coibidas.

Em decorrência, não é casual que a prática da concessão dos benefícios eventuais venha apresentando as seguintes tendências: cada governo municipal os concebem, denominam, provêem e administram, de acordo com o seu entendimento, valendo-se quase sempre, do senso comum para, dentro de suas possibilidades financeiras gerenciais, atender contingências sociais prementes. Tem-se, assim, num espaço não desprezível de participação da Assistência Social como política pública e direito de cidadania a condenável prática do assistencialismo que, além de desafiar os recentes avanços no campo assistencial, vem se afirmando como um não-direito social. (PEREIRA, 2010, p.20)

Além disto, identificou-se uma significativa dificuldade, por parte dos municípios, no

entendimento dos conceitos trazidos e ampliados a partir da LOAS. Esta categoria de

benefícios foi ampliada para atender situações como de vulnerabilidade social, contingência

social, situação de calamidade pública, etc., e não apenas a eventualidade da situação de

natalidade e morte. Estes conceitos são tratados de maneira genérica, não se especifica a

particularidade das atenções a cada uma destas situações, isto é, diz o que é, mas dá

autonomia quanto à sua qualificação. Ao que parece, isto ainda é um pouco obscuro aos olhos

dos municípios, o que se traduz na necessidade de enfocar mais a temática, delimitando seu

foco de atenção junto à política de assistência social. Em outras palavras, verifica-se a

necessidade de se trabalhar, debater, discutir estes conceitos, a fim de torná-los mais claros e

próximos da realidade local. Prova disto foi que, no Levantamento Nacional de 2009, apenas

seis benefícios ofertados são tipicamente postos na categoria de vulnerabilidade e risco (apoio

financeiro para tratamento de saúde fora do município; cadeira de rodas e muletas; fraldas

geriátricas; ajudas técnicas, tecnologia assistida para pessoa com deficiência; uniforme e

material escolar e, por fim, material esportivo). As demais concessões se encontram tanto

nesta categoria como também são ofertados como calamidade pública.

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Ao qualificar melhor estes conceitos, contribui-se, também, para identificar o que são

e a quem atendem estes benefícios, no mais das vezes, operacionalizados pelos espaços do

Plantão Social, a partir do crivo profissional e da disponibilidade de recurso. É possível que

certos benefícios se enquadrem na categoria de benefícios eventuais e sejam concessões

antigas realizadas nesta área.

Notou-se que orientações auxiliares são cabíveis e extremamente bem vindas aos

olhos dos municípios. Prova disto são os documentos federais: Resolução 212/2006 (emitida

pelo CNAS) e o Decreto Presidencial nº 6.307/2007 (editada pelo Executivo Federal) que

deram base, direção e impulsionaram o processo de regulação junto aos municípios brasileiros.

Pelo Levantamento Nacional, observou-se que cerca de 70% dos municípios que declararam

ter regulado estes benefícios, o fizeram a partir de 2006. Na Região Mogiana, os dois

municípios com seus benefícios regulados também o fizeram a partir de 2006: Itapira, em

2008 ,e Mogi Guaçu, em 2009.

É possível que outros documentos também influenciaram no reconhecimento destes

benefícios na gestão da política de assistência social. A Resolução da CIT nº 07 de

10/09/2009 instituiu o protocolo de gestão integrada de serviços, benefícios e transferências

de renda no âmbito do SUAS, em que serviços e benefícios devam ser ofertados de modo

integrado. O intuito é fortalecer o caráter protetivo das famílias, principalmente àquelas

consideradas em situação de vulnerabilidade social.

Com isto, considera-se um avanço o intuito de integrar os serviços com os benefícios.

Neste documento, faz-se referência aos benefícios eventuais, como provisão que também deve

estar articulada aos serviços socioassistenciais ofertados. O que se destaca é o fato destes

benefícios não estarem regulados em todo o país, de modo a proporcionar um padrão básico

de articulação que dê referências à gestão e ao cidadão. Entende-se, porém, a necessidade de

que deva ocorrer um movimento anterior nos municípios, no sentido de primeiramente

fomentar essa regulação para ela seja e esteja articulada aos serviços socioassistenciais. Na

DRADS Mogiana, a maioria dos municípios relatou haver vínculo entre os serviços

socioassistenciais e os benefícios eventuais concedidos, ou seja, é possível que haja algum

fluxo estabelecido entre eles, que merece ser conhecido, esclarecido e divulgado.

Outra questão observada a partir deste estudo se refere ao fato da redução ou

focalização que os auxílios natalidade e auxílio funeral sofreram ao passar para a política de

assistência social. De fato, a redução da atenção vinha ocorrendo desde a década de noventa –

quando ainda estavam no campo previdenciário – no entanto, sua máxima ocorreu quando

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130

migraram de uma área para outra, deixando de ser ofertados. Contexto este oposto ao que

previa o art. 40 da LOAS, em que o atendimento não cessaria.

Além disto, a redução identificada nesta passagem se refere ao fato do corte de renda

se constituir em ¼ do salário mínimo, isto é, estes benefícios, ao comporem o corpo da LOAS,

foram reduzidos a um público-alvo extremamente específico: os pobre ou indigentes. O que

endossa a assertiva de que a assistência social é política para pobre, não política de direito a

uma necessidade de proteção social, como já pontuado, mas aqui enfatizado.

O que se observou neste estudo, em geral, foi que embora 86,7% dos municípios que

participaram desta pesquisa da Região da DRADS Mogiana declararam não ter os benefícios

eventuais regulados em seus respectivos municípios, existe um tratamento a seu respeito. Ou

seja, alguns municípios pontuaram haver um (ou mais de um, em alguns casos) órgão

responsável pela concessão desta categoria de benefícios. Do mesmo modo, pontuaram existir

um fluxo de concessão destes benefícios. E, sobre isto, considera-se um dado significativo: a

‘porta de entrada’ dos municípios da DRADS Mogiana centrar-se no órgão público, em que é

o órgão gestor ou o CRAS a referência inicial desta concessão.

Do mesmo modo, estes municípios elencaram seus critérios de atenção, em que se

observa uma necessidade de melhor qualificação do público alvo, pois a maioria dos

municípios relatou atender em situação de contingência social e/ou calamidade pública, mas

não descreve o conteúdo desta atenção, isto pode levar a interpretação caso a caso do direito,

como já pontuado. Além disto, observou-se municípios com um mix de critérios, tipo ou

possui um publico alargado, o que seria expressivo aos olhos do acesso ao direito, ou não

possui clareza de quem eles atendem. A isto se soma a variedade de benefícios concedidos,

que, na realidade, pertence a outras políticas públicas, isto pode ser observado neste estudo,

bem como no Levantamento Nacional do MDS, de 2009, o que endossa a ausência de

delimitação ou desconhecimento desta área (assistência social) e alimenta o legado de deixá-

la como subsidiaria de outras políticas públicas.

Em relação ao financiamento dos benefícios eventuais, alguns municípios se

manifestaram e expuseram os recursos disponíveis e suas fontes de custeio. Neste caso,

também se observa a interferência do Fundo Social de Solidariedade, bem como a

inexpressiva participação do estado paulista. A isto se considera a necessidade de trazer a

temática à luz das discussões, pois se observa certa ausência dos Estados, neste caso, o estado

de São Paulo referente à regulamentação destes benefícios, o que garantiria suas fontes de

custeio, sua qualificação e garantia a um direito esquecido.

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131

Ao que pesem as observações aqui pontuadas, é possível afirmar que há significativa

ausência na regulação dos benefícios eventuais, e a consequência disto recai sobre os cidadãos

como retração de seus direitos. Estes são, de fato, os maiores prejudicados ou lesados face à

incompreensão e incerteza na provisão de um direito garantido em lei. Até mesmo os auxílios

natalidade e auxílio funeral (oriundos da política previdenciária), repassados como de caráter

obrigatório, foram esquecidos e são executados, no mais das vezes, à margem de qualquer

legislação. Isto prejudicou não só os cidadãos da política previdenciária, que deixaram de ser

atendidos, mas também o possível público de atenção não contributiva por parte da assistência

social, que permanecem sem acessar este direito, devido a tantas imprecisões que puderam ser

destacados neste estudo.

Trata-se de uma primeira aproximação ao objeto de estudo, que tem como proposta

trazer esta temática ao centro das discussões, em que por meio de fóruns locais, grupos de

estudos, seminários temáticos, entre outros, fomente, comece (ou continue) seu processo de

implementação junto aos municípios brasileiros. Aqui, objetivou-se analisar uma dada

realidade mostrando que a ausência de regulação é uma situação real, isto é, há um direito que

tem sido tratado à margem da LOAS e das legislações subsequentes, o que não condiz com os

princípios e diretrizes do SUAS, cujo intuito deveria ser o de fortalecer e assegurar a política

de assistência social na perspectiva do direito.

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ANEXO 1

Pesquisa

Questionário – Benefícios Eventuais (Art. 22 – LOAS)

01 – Regulamentação:

Existe regulamentação específica para a concessão do benefício?

( ) SIM ( ) NÃO

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Se sim, de que ordem, portaria, lei, etc____________________________________________

A nomenclatura Benefícios Eventuais é usada desde quando?__________________________

Com qual (is) órgão (s) trabalha?_________________________________________________

02 – Benefícios Eventuais:

Quem é o responsável pela execução?

( ) Órgão Gestor;

( ) Convênio/Parceria;

( ) Fundo Social de Solidariedade;

( ) Outros:________________________________________________________________

03 – Fluxo de concessão do benefício:

Como se processa o fluxo de concessão do benefício?

( ) Usuário dirige-se ao órgão gestor e, em seguida, é encaminhado às instituições

conveniadas/parceria;

( ) Usuário dirige-se ao órgão gestor, que realiza todo o atendimento;

( ) Usuário dirige-se diretamente às instituições não governamentais que prestam serviço;

( ) Usuário dirige-se ao CRAS (proteção social básica);

( ) Usuário dirige-se ao CREAS (proteção social especial);

( ) Usuário dirige-se ao plantão social, que fica___________________________________

( ) Órgão gestor faz a concessão via guia de encaminhamento de retirada.

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04 – Critérios para concessão:

Quais são os critérios para a concessão?

( ) Renda per capita de até ¼ do salário mínimo;

( ) Renda per capita de até ½ salário mínimo;

( ) Situação de calamidade pública;

( ) Situação de contingência social;

( ) Renda per capita igual à utilizada como parâmetro para o Bolsa Família;

( ) Famílias inseridas no Cad-Único.

05 – Número de beneficiários no município:

Qual é o número de beneficiários atendidos anualmente?_____________________________

por tipo:____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

( ) Atendimento uma única vez ( ) Mais de uma vez

06 – Demanda reprimida:

Existe demanda reprimida? ( ) SIM ( ) NÃO Quanto:___________________________

07 – Se sim, preencher:

Em caso afirmativo, indique:

( ) Insuficiência de recursos financeiros;

( ) Inexistências de parcerias institucionais;

( ) Insuficiência de equipe técnica;

( ) Outros:_________________________________________________________________

08 – Tempo do benefício:

Qual é a média de tempo em que o benefício é concedido (duração da concessão para cada

beneficiário)?

( ) 1 única vez;

( ) até 1 mês;

( ) menos de 2 meses;

( ) de 2 a 6 meses;

( ) de 6 meses a 12 meses;

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( ) mais tempo:_____________________________________________________________

09 – Outros serviços socioassistenciais:

A concessão do benefício eventual está vinculada à possibilidade de inserção em outros

serviços socioassistenciais?

( ) SIM ( ) NÃO

10 – Benefícios Eventuais oferecidos pelo município:

Quais são os benefícios eventuais oferecidos?

( ) Auxílio natalidade;

( ) Auxílio Funeral;

( ) Distribuição de cesta básica;

( ) Distribuição de material de construção;

( ) Distribuição de cobertores, roupas, móveis, etc;

( ) Aluguel de casa;

( ) Produto de limpeza, higiene,armação e lentes para óculos;

( ) Documentação e fotografia para usuários da política de assistência social;

( ) Passagem interestadual;

( ) Passagem intermunicipal;

( ) Leite em pó para recém nascidos;

( ) Fraldas descartáveis para recém nascidos e idosos;

( ) Pagamentos de taxas de água, luz e gás;

( ) Passagens para itinerantes e usuários da política de assistência social;

( ) Material de trabalho;

( ) Outros:_________________________________________________________________

Qual o procedimento dos benefícios oferecidos?___________________________________

__________________________________________________________________________

Qual o tempo de espera para acessar o benefício pretendido?_________________________-

___________________________________________________________________________

Qual é a forma de concessão do benefício?

( ) Bens de consumo ( ) Recursos Financeiros

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141

Há outros auxílios executados, mas não usam a nomenclatura de Benefícios

Eventuais?__________________________________________________________________

11 – Recursos Financeiros:

Recursos Financeiros aplicados:

Municipal:R$________________________Fundo Municipal da Assistência Social

R$________________________Fundo Social de Solidariedade.

R$ _______________________Órgão Gestor

Estadual:R$__________________________Fundo Estadual de Assistência Social.

R$_________________________ Fundo Social de Solidariedade.

R$_________________________ Órgão Gestor

Federal:R$__________________________ Fundo Nacional de Assistência Social.

Privado:R$__________________________________________________________________

Outras Fontes:R$_____________________________________________________________

Orçamento Municipal destinado à política de assistência social________________________

Comentários e/ou observações acerca dos Benefícios Eventuais no município:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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142

ANEXO 2

P R E F E I T U R A M U N I C I P A L D E M O G I G U A Ç U – S. P.

GABINETE DO PREFEITO

LEI Nº 4.583, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2009

Dispõe sobre criação do programa “Benefícios Eventuais”, em

Mogi Guaçu.

O PREFEITO DO MUNICÍPIO DE MOGI GUAÇU:

FAÇO SABER que a Câmara Municipal aprovou e eu

sanciono e promulgo a seguinte LEI:

Art 1º Fica criado no Município fr Mogi Guaçu, na forma

desta Lei e conforme dispõe o artigo 22 da Lei Federal nº 8.742, de 07.12.1993, o programa

de “Benefícios Eventuais”.

Parágrafo Único: O programa de “Benefícios Eventuais” faz

parte dos programas sociais da Secretaria Municipal de Promoção Social.

Art 2º O benefício eventual é uma modalidade de provisão

de proteção social básica de caráter suplementar e temporário que integra as garantias do

Sistema Único de Assistência Social – SUAS.

Art 3º O benefício eventual destina-se aos cidadãos e às

famílias impossibilitadas de superar, por conta própria, contingências sociais que provoquem

riscos e fragilizem a manutenção do individuo, a unidade da família e a manutenção de seus

membros.

Art 4º O benefício eventual tem, prioritariamente, no âmbito

do SUAS, os seguintes objetivos:

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143

I – Integração à rede de serviços sociais e assistenciais, para atendimento das necessidades

básicas do ser humano;

II – Constituição de provisão certa para enfrentar, com agilidade e presteza, eventos incertos;

III – Garantia de qualidade e presteza dês respostas aos usuários, de espaços para manifestação

e defesa de direitos;

IV – Afirmação dos benefícios eventuais com direito relativo à cidadania;

V – Garantia de igualdade de condições de acesso às informações e à fruição do benefício

eventual;

VI – Ampla divulgação dos critérios para sua concessão e,

VII – Desvinculação de comprovações complexas e vexatórias de pobreza, que estigmatizam os

benefícios, os beneficiários e a política de assistência social.

Art. 5º Os benefícios sociais serão concedidos por assistentes

sociais do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS e pelo plantão social da

Secretaria Municipal de Promoção Social, mediante critérios pré-estabelecidos em consonância

com o SUAS, aprovados pelo Conselho Municipal de Assistência Social.

Art 6º Compete ao Conselho Municipal de Assistência Social

definir o valor dos auxílios, fiscalizar a aplicação do regulamento dos benefícios eventuais,

avaliar e reformular anualmente, se necessário for, a forma de concessão e o valor dos auxílios.

Art 7º São os seguintes os auxílios a serem concedidos:

I – Auxílio natalidade/maternidade;

II – Auxílio morte/funeral;

III – Atendimento de situações de calamidade pública e,

IV – Atendimento em situações de vulnerabilidade temporária.

Art 8º Compete à Secretaria Municipal de Promoção Social:

I – A coordenação geral, a operacionalização, o acompanhamento, a avaliação da prestação dos

benefícios eventuais, bem como seu financiamento;

II – A realização de estudos da realidade e monitoramento da demanda para constante

ampliação de concessão dos benefícios eventuais;

III – A expedição das instruções e a instituição dos formulários e modelos de documentos

necessários à operacionalização dos benefícios eventuais;

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144

IV – A manutenção de parcerias com Organizações Não Governamentais – ONGs e Empresas

Privadas e Públicas, para atendimento da clientela e de convênios com os Governos Federal e

Estadual para obtenção de recursos ao custeio dos benefícios eventuais.

Art 9º As despesas decorrentes desta Lei correm à conta de

dotações orçamentárias próprias.

Art. 10 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação,

revogadas as disposições em contrário.

Mogi Guaçu, 11 de Dezembro de 2009. “Ano 132º da

Fundação do Município, em 09 de Abril de 1877”.

DR. PAULO EDUARDO DE BARROS

PREFEITO

CÁSSIO LUCIANO DOS SANTOS

SEC. MUN. DE PROMOÇÃO SOCIAL

FERNANDO DE SEIXAS PEREIRA

CHEFE DE GABINETE DO PREFEITO

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145

ANEXO 3

Resolução nº 04/08

Assunto Regulamenta os critérios da concessão dos benefícios eventuais de

auxílio Natalidade, Funeral, situações de calamidade pública e situações de

vulnerabilidade temporária no âmbito Municipal da política pública de

Assistência Social.

O Conselho Municipal de Assistência Social do Município de Itapira, no uso das atribuições

que lhe confere a lei nº 2.698, resolve aprovar em Reunião Ordinária realizada em 06 de maio

de 08.

CONSIDERANDO que a concessão dos benefícios eventuais, é um direito garantido em lei e

de longo alcance social.

CONSIDERANDO a competência atribuída ao CMAS, pela Lei nº 8.742, de 1993 – LOAS,

que regulamenta a concessão dos benefícios eventuais conforme art. 22, mediante critérios e

prazos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social.

CONSIDERANDO a minuta do decreto da regulamentação de benefícios eventuais da

Assistência Social apresentada pela Secretaria Municipal de Assistência Social, examinada e

referenciada na reunião ordinária do CMAS ocorrida em 06 de maio de 2008.

CONSIDERANDO a resolução nº 212 de 19 de outubro de 2006 do Conselho Nacional de

Assistência Social.

RESOLVE:

Art. 1º - Estabelecer os critérios de concessão de benefícios eventuais no âmbito municipal da

política de assistência social.

Art. 2º - O benefício eventual é uma modalidade de provisão de proteção social básica de

caráter suplementar e temporário que integra organicamente as garantias do Sistema Único de

Assistência Social – SUAS, com fundamentação nos princípios de cidadania e dos direitos

sociais e humanos, prestada a pessoa residente no município de Itapira e que possuam renda

mensal per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

Parágrafo Único – Para comprovação das necessidades para concessão do benefício eventual

são vedadas quaisquer situação de constrangimento ou vexatória.

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Art. 3º - O benefício eventual destina-se aos cidadãos e as famílias sem possibilidade de arcar

por conta própria o enfrentamento de contingências sociais cuja ocorrência provoca riscos e

fragiliza a manutenção do indivíduo, a unidade da família e a sobrevivência de seus membros.

Art. 4º - O benefício eventual na forma de auxílio natalidade, constitui-se em uma prestação

temporária não contributiva da Assistência Social na forma de bens de consumo, para reduzir

a vulnerabilidade provocada por nascimento de membro da família residente no Município de

Itapira.

Art 5º - O alcance de benefício natalidade, é destinado a família e terá preferencialmente,

entre suas condições:

I – Atenções necessárias ao nascituro;

II – Apoio à mãe no caso de morte do recém-nascido;

III – Apoio à família no caso de morte da mãe.

Art. 6º - O benefício natalidade ocorrerá na forma de bens de consumo.

§ 1º - Os bens de consumo consistem no enxoval do recém-nascido, incluindo itens de

vestuário, utensílios para alimentação e de higiene, observada a qualidade que garanta a

dignidade e o respeito a família beneficiada.

§ 2º - Em caso de falecimento da mãe, fornecer alimentação para o bebê até os 6 meses de

vida, de acordo com a prescrição médica.

§ 3º - Em caso de falecimento do bebe fornecer itens de alimentação para a família.

§ 4º - O requerimento do benefício natalidade deve ser solicitado, no mínimo, 30 dias antes do

nascimento, e no mínimo, até 30 dias depois do nascimento do bebe, em unidades de Centro

de Referência de Assistência Social – CRAS, nas unidades básicas de saúde, na Secretaria de

Promoção Social, com profissional do serviço social, regularmente inscrito no conselho de

classe (CRESS).

§ 5º - O benefício natalidade deverá ser concedido até 30 dias após o requerimento.

§ 6º - O benefício eventual na forma de Auxílio Funeral constitui-se em uma prestação

temporária, não contributiva da Assistência Social em prestação de serviços, para reduzir a

vulnerabilidade provocada por morte de membro da família;

Art. 7º - O alcance do benefício funeral, preferencialmente, será distinto em modalidade de:

I – Prestação de serviços de despesa com: uma urna funerária, velório e sepultamento,

utilização da capela incluindo transporte, isenção de taxas, colocação de placas de

identificação e demais sérvios pertinentes (arrumação do corpo, vestimentas, ornamentação,

desodorização, tapamento, encaminhamento da declaração de óbito ao cartório).

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II – Custeio de necessidades urgentes da família para enfrentar os riscos e vulnerabilidades

advindas da morte de um de seus provedores ou membros, através do auxílio alimentação.

§ 1º - O requerimento do benefício funeral deve ser solicitado logo após o falecimento, ao

serviço funerário municipal, ou em casos de falecimento no hospital, com o profissional de

serviço social, regularmente inscrito no conselho de classe (CRESS).

§ 2º - O benefício funeral, na modalidade custeio (auxílio alimentação) deverá ser concedido

até 30 dias após o requerimento.

Art. 8º - Os benefícios natalidade e funeral serão devido à família em número igual a das

ocorrências desses eventos.

Art. 9º - Os benefícios natalidade e funeral podem ser concedidos diretamente a um integrante

da família beneficiária: mãe, pai, parente até segundo grau ou pessoa autorizada mediante

procuração.

Art. 10 – Os benefícios de vulnerabilidade temporária envolve acontecimentos do cotidiano

dos cidadãos e pode se apresentar de diferentes formas e produzir diversos padecimentos.

I – advento de riscos, perdas e danos a integridade pessoal e familiar e pode decorrer de:

a – falta de acesso a condições e meios para suprir a reprodução social cotidiana do solicitante

e de sua família, principalmente a de alimentação

b – falta de documentação

c – falta de domicílio

d – situação de abandono ou impossibilidade de garantir abrigo a seus filhos

e – perda circunstancial decorrente da ruptura de vínculos familiares

f – presença de violência física ou sexual na família ou por situações de ameaça a vida

g – por situações de desastres e calamidade pública

h – outras situações sociais identificadas que comprometam a sobrevivência

Art. 11 – Atendimento a situação de calamidade pública

I – reconhecimento pelo poder público de situação anormal, advinda de baixas ou altas

temperaturas, tempestades, enchentes, inversão térmica, desabamentos, incêndios, epidemias,

causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive à segurança ou à vida de seus

integrantes.

Art. 12 – Ao município compete:

I – A coordenação geral, a operacionalização, o acompanhamento, a avaliação da prestação

dos benefícios eventuais, bem como seu financiamento.

II – A realização de estudos da realidade e monitoramento da demanda para constante

ampliação da concessão dos benefícios eventuais;

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III – Expedir as instruções e instituir formulários e modelo de documentos necessários a

operacionalização dos benefícios eventuais.

Art. 13 – Ao Conselho Municipal de Assistência Social compete:

I – Fornecer ao município, estado e Distrito Federal, informações sobre irregularidades na

aplicação do regulamento dos benefícios eventuais.

II – Avaliar e reformular, se necessário a cada ano a regulamentação de concessão dos

benefícios natalidade e funeral do município.

III – Apreciar e aprovar os formulários e os modelos de documentos utilizados na

operacionalização dos benefícios eventuais.

Art. 14 – O estado definirá a sua participação no co-financiamento dos benefícios eventuais

junto ao município a partir de:

I – Verificando se a mesmo esta em conformidade com as regulamentações especifica;

II – Levantamento da situação de vulnerabilidade e risco social do município em índices de

mortalidade e de natalidade;

III – Discussão junto a CIB e ao Conselho Estadual de Assistência Social.

Parágrafo Único: O resultado desse processo deverá determinar um percentual de recursos a

ser repassado ao município em prazo de 8 meses após a publicação dessa resolução.

Art. 15 – A regulamentação dos benefícios eventuais e sua inclusão na lei orçamentária do

município dar-se-á no prazo de até 12 meses e sua implementação até 24 meses a contar da

data de publicação dessa resolução.

Art. 16 – O município deve promover ações que viabilizem e garantem a ampla e periódica

divulgação dos benefícios eventuais e dos critérios para a sua concessão.

Fátima Regina Gonçalves

Secretária Executiva do CMAS