reforma pombalina - carlota boto

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  • A dimenso iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras universidade*

    Carlota Boto Universidade de So Paulo, Faculdade de Educao

    * O presente artigo foi originalmente elaborado com o ttulo

    O Iluminismo e as reformas pombalinas, a convite do Col-

    quio 250 anos de ensino pblico no Brasil, realizado em junho

    de 2009, na Faculdade de Educao da Universidade Federal de

    Minas Gerais.

    A secularizao como um modo de ser mundo

    O Iluminismo foi um fenmeno intelectual que

    teve lugar na Europa em meados do sculo XVIII.

    Tinha por principal baliza a referncia da crtica; com-

    preen dendo o mesmo conceito de crtica como o reco-nhecimento das possibilidades, mas tambm dos limites da capacidade humana de conhecer. Mais do que isso,

    os iluministas compreendiam que a instruo condu-ziria no apenas a um acrscimo de conhecimento no sujeito, mas tambm a um aprimoramento do indivduo

    que se instrui. Movimento crtico do Absolutismo;

    crtico da sociedade estamental; dos consequentes pri-

    vilgios da aristocracia e do clero; crtico, enfim, das

    instituies de uma ordem poltica considerada arcaica.

    Propunha-se refundar a nacionalidade; e, para tanto,

    havia de ser criado um novo pacto civil.

    Apostando no avano do esprito humano e do conhecimento, no progresso dos povos e na caminhada do gnero humano rumo a um indefectvel percurso de aprimoramento a que chamava perfectibilidade ,

    o Iluminismo foi tambm um movimento de f: f na

    razo, no futuro, na flecha de um tempo, no comrcio

    entre os homens e, finalmente, f na educao. Edgar

    Morin (1988) admite ter sido a f nessa racionalidade

    crtica que transformada em mstica quase religio-sa firmou no Ocidente, para o bem e para o mal, o

    universalismo do conceito de Humanidade.1 De todo modo, o esprito racional era e universal (p. 85).

    Uma das marcas do Iluminismo portugus foi sua dimenso religiosa, convivendo com a ideia de um Estado condutor dos assuntos temporais. Pode-se

    1 Edgar Morin dir que h um antagonismo profundo nesse

    humanismo europeu, que se radicaliza no sculo das Luzes. As

    contradies manifestar-se-iam entre a crena na universalidade

    desse mesmo humanismo, a qual, por si mesma, dissimula um

    euro pocentrismo dominador, e a sua potencialidade verdadeira-

    mente universalizante, aberta a todos os indivduos e a todas as

    culturas, que desmascara e critica o europocentrismo (Morin,

    1988, p. 101).

    o Mtodo o primeiro requisito do Estudo, para, por

    meio dele se poder adquirir um conhecimento profundo

    e slido das Cincias. Quem desconhece o Mtodo no

    pode ter ordem no Estudo. E quem estuda sem ordem,

    adianta-se pouco na Estrada das Cincias, tropea a

    cada passo e perde um tempo infinito.

    Compndio, 1972, p. 245

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  • dizer que se toda a laicidade uma secularizao,

    nem toda a secularizao (ou foi) uma laicidade

    (Catroga, 2006, p. 273). So conceitos com significa-dos diversos. Como diz ainda Catroga, o conceito de

    secularizao passou a conotar a perda, nas sociedades modernas ocidentalizadas, da posio-chave que a religio institucionalizada ocupava na produo e na reproduo do elo social e na atribuio de senti-do (p. 62). A religio deixa de ser a viga mestra da

    cultura, sua pedra de toque, e passa a ser um recurso auxiliar. J a laicidade supe de modo radical a

    institucionalizao da diferena entre o espiritual e o temporal, o Estado e a sociedade civil, o indivduo e o cidado (p. 273). A clivagem entre a instruo p-blica portuguesa e o modelo pedaggico arquitetado pelos planos da Frana revolucionria acontece a. A

    escola pombalina no era conduzida pela utopia da emancipao.

    O fenmeno da secularizao este sim, como

    j se observou acima um dos alicerces do Iluminismo

    e da modernidade. Junto da progressiva secularizao

    das instituies, vinham os emblemas da racionaliza-o, da civilizao de costumes (Elias, 1993, 1994)

    e do que Weber (2000) qualificou de desencantamento do mundo.

    Carlos Guilherme Mota (2006) define o homem

    da Ilustrao como o homem da Razo, da Lgica, da

    Experimentao, da Cincia, do Direito Natural. Era o

    pesquisador, cosmopolita, reformista, antiabsolutista

    (p. 67). Fenmeno europeu no sculo XVIII, a secula-rizao integra o movimento que separa a moralidade da religio, que marca os limites entre Estado e Igreja;

    que determinar o mundo e o modo-de-ser-no-mundo

    do homem moderno. Por isso, uma interpretao do

    Iluminismo , por essncia, uma leitura da Seculari-zao (Pereira, 1990, p. 7).

    Tambm Roberto Romano (2003) destaca o prin-cpio da secularizao inscrito no projeto das Luzes

    como elemento essencial para estruturar um imaginrio

    que daria lugar a preceitos de universalidade, nos quais os signos da impessoalidade e da igualdade jurdica se

    tornassem as grandes ideias-fora da cultura poltica moderna: lei natural, razo, vontade geral, povo etc.

    (p. 22). Trata-se de um movimento no qual, progressiva-mente, por etapas, o Estado-Nao viria a vassalizar

    a Igreja (Morin, 1988, p. 45). Por isso, vale para o caso

    portugus, sob a gide de Pombal, a caracterizao de Edgar Morin acerca da situao francesa do Antigo Regime: a monarquia absoluta foi relativa (idem, ibidem). Laerte Ramos de Carvalho destaca tambm o sentido de secularizao impresso na reforma pomba-lina dos estudos menores. Diz o historiador:

    [...] seu objetivo superior foi criar a escola til aos fins do

    Estado e, nesse sentido, ao invs de preconizarem uma

    poltica de difuso intensa e extenso do trabalho escolar,

    pretenderam os homem de Pombal organizar uma escola que,

    antes de servir aos interesses da f, servisse aos imperativos

    da Coroa. (1978, p. 139)

    Marques destaca que despotismo esclarecido foi a fase tardia do absolutismo rgio, muito mais em cone-

    xo com as grandes mudanas que a Europa sofreu no sculo XVIII do que com a nica influncia de uma

    atitude filosfica (1984, p. 322). Maria Lcia Garcia

    Pallares-Burke (2001) acredita que as principais medi-das voltadas para a criao e organizao de escolas de Estado no sculo XVIII europeu seriam oriundas, no

    tanto das ideias iluministas, mas, sobretudo, daqueles que a histria chamou de dspotas esclarecidos. Por

    sua iniciativa, foram adotadas polticas pblicas diri-gidas a racionalizar e ilustrar seus Estados (idem, p. 59). Para tanto, a historiadora d o exemplo da in-

    troduo do ensino compulsrio e universal nos rei-

    nados de Frederico II da Prssia (1740-1786) e Maria

    Tereza da ustria (1740-1780) (idem, ibidem). O mode lo de ensino arquitetado para ambos os reinos tinha como ponto comum o atendimento das neces-sidades do Estado quanto formao de consensos.

    Nesse sentido, os principais valores vei culados pela escolarizao especialmente a primria seriam

    di li gncia, obedincia, sentimento de dever e preste-za na interiorizao de regras. Tratava-se pode-se

    dizer de um modelo voltado para a formao de

    sditos esclarecidos; mas no de cidados. Mesmo

    assim, Pallares-Burke se interroga: como explicar que

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  • dois governos absolutistas, e no os mais progressistas regimes ingls e holands, procurassem pr em prtica

    a educao do povo e, com isso, fossem coerentes com o princpio do ecumenismo racional que era defendido em teoria? (idem, ibidem). Seja como for, esses monarcas orientavam-se inequivocamente por uma compreenso diversa acerca da potencialidade da educao na produo do controle social. Mas

    talvez os mesmos soberanos compreendessem que o desenvolvimento da escolarizao teria algo a ver com a prosperidade dos povos.

    Luzes, esclarecimento, Iluminismo ou despotis-mo esclarecido? Muitos j tentaram definir o Marqus

    de Pombal. Para ns, educadores brasileiros do prin-cpio do sculo XXI, a certeza que temos a de que, nos territrios que geriu, foi ele o criador da escola pblica de Estado precisamente h 250 anos.

    O modelo de escola pblica que Pombal gestou ti-nha vale dizer caractersticas prprias: tratava-se de

    um artefato organizador da fora e da potncia do Es-tado. Sem dvida alguma, rascunhavam-se ali como

    sublinha Antnio Nvoa (2005) as condi es para o

    processo histrico de uma sociedade de ba se escolar

    (p. 23). O Estado tomava para si a tare fa de selecionar,

    nomear e fiscalizar professores. O Estado controlaria as

    matrias a ser ensinadas. Mas no havia intuito de, por

    meio da educao, alterar a base poltico-social desse mesmo Estado. O projeto pombalino (e a Ilustrao

    portuguesa que o embasou) no se inscreveu como

    observa Catroga (2006, p. 360) em nenhuma luta de

    libertao nacional. A veia regalista conduzia um pro-cesso de secularizao das instituies e dos costumes.

    Tal percurso traduziu-se como a Modernidade possvel para o mundo lusitano.

    A escola estatal do mundo que Portugal perfilha-va teve lugar a partir de 28 de junho de 1759 com o

    Alvar Rgio que implementava a Reforma dos Es-

    tu dos Menores. O protagonista da mesma reforma,

    personificando a lgica do despotismo esclarecido

    por tuguesa, o Marqus de Pombal que tinha por

    referenciais polticos alguns tericos e pedagogos lu-sitanos: D. Lus da Cunha, Antnio Nunes Ribeiro

    Sanches e Lus Antnio Verney.

    Todos eles compunham uma gerao de es-trangeirados; tanto porque viviam fora de Portugal

    quanto porque observavam a situao portuguesa com base em tal deslocamento do olhar (Andrade, 1980; Moncada, 1941). A ambiguidade profcua dessa

    situao de estrangeirado adviria da observao da realidade estrangeira por parte de algum que tem no seu pas de origem a referncia. A comparao

    com outros pases parecer, nesse caso, irresistvel e

    inevitvel. Os estrangeirados portugueses do sculo

    XVIII preocupavam-se com o atraso cultural do

    pas. Consideravam que a situao do seu Portugal

    contemporneo era de decadncia: perante os pases

    mais avanados da Europa; luz dos rumos tomados

    pela colonizao; diante do poder que um dia o pas

    acreditou possuir.

    Muitos fatores explicam o poder do Ministro; a

    maior parte deles compreensvel luz de uma histria comparada. Porm h sempre algo que diz respeito

    especificidade nacional; quilo que, do exterior, no

    facilmente identificado. Alis, alm disso, na histria,

    h o fator acaso; e talvez Oliveira Martins (1991) no

    estivesse errado quando disse que uma das causas do poder do Marqus decorreu da atuao que este tivera quando do terremoto que faria morrer em Lisboa de

    10.000 a 15.000 pessoas.

    Consta que, ao ser indagado pelo Rei sobre o que

    fazer diante da tragdia que fizera ruir mais da metade

    dos prdios de Lisboa, o ento Ministro dos Assuntos

    Exteriores e da Guerra (desde 1750), Sebastio Jos

    de Carvalho e Melo, teria respondido: enterre os

    mortos, feche os portos e cuide dos vivos. A partir

    da, o Ministro teria conquistado definitivamente a

    confiana do Rei; que, no ano seguinte (1756), o no-mearia Secretrio de Estado dos Negcios do Reino

    de Portugal. O Rei, com esse ato, daria a Sebastio

    Jos de Carvalho e Melo futuro Conde de Oeiras,

    em 1759, e Marqus de Pombal, em 1769 estatura

    de primeiro ministro do reinado portugus. Como

    bem observa Kenneth Maxwell (1996, p.24), foi o

    terremoto que deu a Pombal o impulso para o poder virtualmente absoluto que ele conservaria por mais de vinte e dois anos, at a morte do rei, em 1777.

    Carlota Boto

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  • Dom Lus da Cunha e seu Testamento poltico: decadncia, sangrias e alternativas

    Ao abordar a atuao de D. Lus da Cunha (1662-

    1749), a bibliografia costuma sublinhar sua atividade

    diplomtica em Londres, onde teria sido nomeado

    embaixador. Ao olhar do exterior para seu pas di-zem os historiadores , Lus da Cunha acentuava a

    necessidade de se fortalecer o papel do rei. Alm disso,

    preocupava-se com a dependncia portuguesa perante a Gr-Bretanha, com as dificuldades comerciais en-frentadas pelo pas, e, especialmente, com uma certa fraqueza auto-imposta de Portugal no tocante falta

    de populao e de esprito de iniciativa (Maxwell,

    1996, p. 16). Como indica, sobre o tema, Carlos

    Guilherme Mota (2006, p. 39), o Testamento poltico de D. Lus da Cunha escrito nos anos de 1740, um pouco antes da subida do prncipe D. Jos ao poder

    orienta o monarca sobre quem deveria ser escolhido como principal ministro do reino. Ele sugere mais de

    um nome, dentre os quais sublinha o de Sebastio Jos

    de Carvalho e Melo, cujo gnio paciente, especulativo

    e ainda que sem vcio, um pouco difuso, se acorda com o da nao (Cunha, 1976, p. 27). Mota assinala

    que D. Lus da Cunha teria se destacado tambm por

    uma viso mercantilista inovadora para seu tempo, tendo sido, indubitavelmente, um dos idealizadores da modernizao econmica do Reino: seu discpulo,

    Pombal, tornar-se-ia a figura central dessa constelao

    da qual D. Lus era o mentor (Mota, 2006, p. 47).

    Lus da Cunha discorreria sobre a lastimvel

    situao de Portugal no concerto europeu (idem, p. 35). Mota compreende que, inspirador do mar-qus reformista (idem, p. 38), D. Lus da Cunha foi a ex presso mxima do pensamento cosmopolita e

    reformista luso da primeira metade do sculo XVIII,

    antecipando a Ilustrao portuguesa (idem, ibidem). Inaugurava-se ali uma reflexo crtica sobre os males

    de Portugal e os seus remdios (idem, ibidem). Por-tugal era compreendido como um organismo doen te, a quem se deveria observar os sintomas, os humores e a debilidade; de modo a buscar identificar o co-nhecimento da causa do mal que o aflige: isto no s

    para remediar a sua queixa, mas para prevenir o de que pode estar ameaado (idem, p. 43).

    A causa primordial da fragilidade portuguesa residiria na estreiteza dos limites de seu territrio. Tal

    debilidade era, ainda, acentuada quando se comparam nossas foras proporo das dos seus vizinhos

    (idem, ibidem). Em virtude dessa irreparvel fraqueza, Portugal se teria lanado ao encalo de outras terras;

    favorecido por uma situao geogrfica que esta

    sim lhe era favorvel: a vizinhana do mar. Porm,

    a aventura das navegaes no teria sido capaz de con-ter o mau uso das terras do reino: terras incultas,

    proprietrios que no cultivavam seus terrenos e,

    at mesmo, pores de terras usurpadas ao comum

    das cidades, vilas e lugares (idem, p. 61). As terras incultas por desinteresse dos donos ou dos rendeiros deveriam ser-lhes retiradas para ser entregues a pes-soas que pudessem e quisessem cultiv-las (Falcon,

    1982, p. 254).

    D. Lus da Cunha desenvolve a tese de que as

    razes que levaram Portugal a se apequenar perante os demais pases de Europa consistiram em um conjunto

    de fatores que ele caracterizou como sangrias.A primeira sangria que destrua e despovoava o

    reino portugus residiria no conjunto de pes soas de

    ambos os sexos que procuravam os conventos.

    Tornando-se frades e freiras, renunciavam ao mundo, no procriavam, no trabalhavam para o pas e no povoavam o reino com sua prole.

    A segunda sangria que no deixa de enfraque-cer o corpo do Estado, e a que no acho remdio, o socorro da gente que anualmente se manda para a ndia (idem, p. 74). Eram especialmente marinheiros que, ao fazer isso, deixavam mulheres e filhos mu-lheres que, no fosse isso, poderiam ter muitos outros filhos. O Brasil estava tambm includo nessa segunda

    sangria: para l iam todos os que sem passaporte

    encantavam-se com a promessa das minas e o desejo

    de fazer nova vida.

    A terceira sangria do Estado portugus viria dos atos da Inquisio relativamente queles que eram

    por causa dela chamados cristos-novos. Essa san-

    gria D. Lus da Cunha caracteriza como insensvel

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  • e cruelssima (idem, p. 75). Diariamente saem de Portugal essas pessoas, que, em solo portugus, no teriam qualquer oportunidade. O reino, assim, era,

    tambm por isso, despovoado. Uma forma de extinguir

    esse problema seria dar aos judeus a possibilidade

    de viver sua religio como, alis, se pratica entre

    todas as naes da Europa (idem, p. 88). D. Lus da Cunha expressava sua convico de que, quanto mais

    gente fosse perseguida, acusada e punida, maior seria o nmero de judeus travestidos de cristos-novos. Alm

    disso, quando cessassem as perseguies, deixaria de haver tantos sacrlegos quantos, sendo no corao

    judeus, frequentam os santos sacramentos, para no

    serem descobertos (idem, p. 91). Finalmente sem as clivagens que retiram das pessoas oportunidades que seriam justas , os judeus (convertidos ento em

    cristos-novos), caso pudessem assumir sua verda-deira identidade religiosa, permaneceriam no Reino, fazendo com que seu capital girasse em torno dos negcios portugueses; o que desenvolveria a econo-mia nacional e faria florescer o seu comrcio (idem, ibidem). A liberdade de religio e a confiana de que no teriam seus bens confiscados fariam com que os

    judeus contribussem para desenvolver e equilibrar o

    comrcio portugus.

    E o desequilbrio comercial preocupao

    com que Lus da Cunha finaliza o texto pode ser

    compreen dido como a quarta sangria que ceifava o vigor e a potncia do reino portugus.

    Ribeiro Sanches e suas Cartas sobre a educao da mocidade

    Antnio Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782) era

    um mdico que, cristo-novo, embora tenha iniciado seus estudos em Coimbra, cedo se transferiu para Sa-lamanca, onde formou-se em medicina. Diz Rmulo

    de Carvalho (1986) que ele saiu do pas aos 27 anos e

    nunca mais regressou. Exerceu a Medicina na Rssia,

    entre 1731 e 1747, tendo sido mdico da Czarina. Na

    Rssia, ele dirigiu um hospital, desenvolveu investi-gaes cientficas e clinicou na Escola Militar de

    So Petersburgo. Quando soube que Pombal havia

    publicado o Alvar de 28 de junho de 1759, expul-sando a Companhia de Jesus, Ribeiro Sanches teria

    se entusiasmado a redigir um trabalho sobre o tema da educao. Publicada em 1760, essa obra, sob o ttulo

    Cartas sobre a educao da mocidade, constitui um importante opsculo para se ter uma ideia do que foi, em matria educativa, o Iluminismo no tempo e no territrio do Marqus de Pombal.

    Ribeiro Sanches destacava que os privilgios e as imunidades das ordens privilegiadas teriam sido a causa da deturpao de costumes e da m educa-o portuguesa. A mocidade no era preparada para

    ser boa nem para ser til Ptria. Pelo contrrio: o

    fidalgo era educado para tratar como escravos todos

    os subalternos como se as pessoas do povo no

    fossem proprietrias de seus corpos e de sua honra.

    A fidalguia ainda criticada porque acostumava mal

    as pessoas. Aqueles que desfrutavam do epteto de

    fidalgos no poderiam, por exemplo, ser presos por

    dvidas. O resultado do privilgio era frontalmente

    contrrio aos interesses do reino: o senhor dissi-pador, nem sabe o que tem, nem o que deve; perde

    toda a ideia de justia, da ordem, da economia; pede

    emprestado com mando, maltrata e arruna a quem lhe recusa (Sanches, s.d., p. 97). Alm disso prossegue

    o autor , se pela religio crist todos seriam iguais pe-rante os mandamentos da Igreja, como justificar essas

    desigualdades de tratamento entre as pessoas? Como

    justificar as regalias? Contraditoriamente, o plano das

    Cartas traando um retrato do que seria adequado ao ensino portugus nos estudos menores e nos maio-res dividia a mocidade em trs grupos sociais cujo

    destino escolar nada tem a ver com as capacidades dos componentes dos grupos, mas apenas com a sua situao social. Os grupos so o povo, a classe mdia

    e a nobreza (Carvalho, 1986, p. 439-440). A educao

    estaria, sob tal perspectiva, diretamente subordinada aos interesses econmicos, polticos, comerciais e at

    militares do Estado portugus.

    As escolas para Ribeiro Sanches precisavam

    ser distribudas estrategicamente. Existiriam apenas

    naqueles lugares onde fosse necessria a educao da

    juventude. Nesse sentido, o autor propunha a instau-

    Carlota Boto

    286 Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010

  • rao de um tribunal voltado especificamente para as

    coisas do ensino; e, assim, que em nenhuma aldeia,

    lugar ou vila onde no houvesse duzentos fogos no fosse permitido, a secular ou eclesistico, ensinar por

    dinheiro ou de graa a ler ou a escrever (Sanches, s.d.,

    p. 129). Por qual motivo? Diz o autor que a instruo

    criaria no esprito uma certa altivez, inadequada para a maior parte das pessoas, especialmente para aquelas destinadas s lides do trabalho. O estudo, alm do

    mais, exigia um esforo diametralmente contrrio ao

    esforo fsico; fazendo com que a juventude perdesse

    o vigor e a fora: aquela desenvoltura natural; porque

    a agitao, o movimento e a inconstncia prpria

    da idade da meninice (idem, ibidem). O excesso de estudo enfraqueceria o corpo, j que, na escola, os me-

    ninos ficam assentados, sem bulir, tremendo e temen-do (idem, ibidem). Por causa de tudo isso, Ribeiro Sanches conclui que nem todos deveriam frequentar a escola: no convm uma educao to mole a

    quem h-de servir repblica, de ps e de mos, por

    toda a vida (idem, ibidem). Para o povo mido, no convinha a escola. Ribeiro Sanches era iluminista; e

    o Iluminismo era tambm isso.

    Para as escolas a serem abertas e controladas pelo Estado, Ribeiro Sanches sugere que particularmente

    nas de primeiras letras , em vez do aprendizado por

    catecismos religiosos, fosse elaborado catecismo de novo tipo aquele voltado para ensinar s crianas as

    obrigaes com que nasceu (Sanches, s.d., p. 133).

    Para tanto, as escolas deveriam providenciar livri-nhos impressos em portugus por onde os meninos aprendessem a ler, onde se inclussem os princpios da vida civil de um modo to claro que fosse a doutrina compreendida por aquela idade (idem, ibidem). A isso o autor denomina catecismo da vida civil (idem, ibidem). Conhecimentos, valores e condutas ali im-pressos seriam ensinados s crianas com castigos e

    com prmios, acostumando aquela idade mais a obrar conforme a razo do que a discorrer (idem, ibidem). Por meio do livro escolar, seriam instrudas quanto a comportamentos e aes para com os mais velhos, os colegas, a vida social. Pelo compndio se haveria

    de compreender que ningum na prosperidade e na

    grande alegria se deve desvanecer nem ensoberbecer, porque somos nascidos para viver uma vida cerceada sempre pela alegria e pela tristeza; que nenhum bem

    sem mistura de mal, nem nenhum mal sem mistura de bem (idem, p. 135). Tudo isso saberes e costumes poderia ser ensinado meninice; o que, alis, no

    era difcil, como demonstra a facilidade natural que qualquer criana apresenta em dominar rapidamente a forma oral de sua lngua materna.2 Mas fundamental que no nos esqueamos que, para atingir a meninice, ser necessrio o mestre lhe falar na lngua e na frase

    que prpria quela idade (idem, ibidem). Relativamente ao ensino das Universidades,

    Ribeiro Sanches centra-se no exemplo portugus da Universidade de Coimbra. Ali havia, na poca,

    quatro faculdades: Direito Cannico, Jurisprudncia,

    Teologia e Medicina. Porm, segundo o autor, todos

    os cursos eram defasados e obsoletos. Note-se que no

    havia sequer um curso de Filosofia compreendendo-

    se esse estudo como uma pertena do territrio da Teologia. Tomando o caso do Direito Cannico e

    da Jurisprudncia, Ribeiro Sanches assegura que

    as referncias daquele modelo de ensino eram absolutamente insuficientes para formar conselheiros

    de Estado, embaixadores, generais, almirantes, etc.

    (Sanches, s.d., p. 159). E a razo de tal insuficincia

    residia no fato de estar a universidade sob a exclusiva alada do clero.

    Havia uma arquitetura do Estado que pressu-punha pessoas para gerirem a organizao do reino.

    Isso requereria planejamento, execuo de metas,

    fiscalizao e controle. Da a necessidade, identificada

    por Ribeiro Sanches, de preparo desses profissionais

    especializados, que teriam cargos na administrao do reino. A instruo das chamadas escolas maiores

    2 admirvel o juzo humano: na idade de trs anos apren-

    deu um menino a sua lngua falar sem saber o que faz, com o no-

    minativo, com o verbo no singular ou no plural, no tempo, no modo,

    etc. O que to difcil aos adultos que aprendem as lnguas doutas

    ou estrangeiras, pode o menino aprender, no dia, de trs ou quatro

    mestres sem confundir o que aprende (Sanches, s.d., p. 135).

    A dimenso iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras universidade

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  • teria a tarefa de instruir o sujeito em suas obrigaes

    de cristo e cidado (idem, p. 172). Para tanto, ha-veria o menino de aprender latim e grego, histria e geografia, poesia

    [...] e que saiba escrever, ou na lngua latina ou na sua, com

    elegncia e propriedade: porque o Estado no somente tem

    necessidade de letrados, jurisconsultos e mdicos, mas

    tambm de secretrios, de notrios pblicos, de intenden-

    tes, de conselheiros e assessores nos tribunais ou colgios

    que devem governar a economia poltica e civil do reino.

    Tanto mais instrudos sarem estes estudantes das escolas

    referidas, tanto melhor exercitaro os cargos em que sero

    empregados. (idem, ibidem)

    Ribeiro Sanches prope, ento, com base nos requisitos profissionais acima assinalados, trs tipos de

    escolas maiores, que deveriam, por um lado, preparar a mocidade nobre para o aprendizado das cincias e, por sua vez, os sditos para bem servirem a ptria.

    Diz Joaquim Ferreira (s.d., p. 60) que essas escolas

    maiores ou Faculdades seriam de fundao rgia, in-dependentemente da anuncia da Santa-S. Ribeiro

    Sanches, ao tratar dos estudos maiores, sugere, sob os critrios acima indicados, a classificao das cincias

    em trs modalidades de escolas.

    Na primeira escola, seriam aprendidos os assun-tos da natureza humana, dos corpos, de suas combi-naes, a histria natural, a botnica, a anatomia, a

    qumica, a metalurgia e a medicina. A segunda escola seria voltada para os saberes necessrios ao Estado

    poltico e civil para governar-se e a conservar-se

    (Sanches, s.d., p. 158), de modo a assegurar a felici-dade dos sditos. Aqui as matrias de estudo seriam

    histria universal, profana e sagrada; a filosofia mo-ral, o direito das gentes, o direito civil, as leis ptrias;

    a economia civil, que se reduz ao governo interior de cada Estado (idem, ibidem). Finalmente, haveria uma terceira escola, que abarcaria os assuntos da religio mas essa teria sua estrutura organizada pelos prprios eclesisticos , sobre a qual Sanches afirma: no me

    pertence a mim indicar o que nelas se devia aprender

    (idem, ibidem). Assim, as coisas da religio ficariam separadas das cincias humanas (idem, p. 159).

    E como deveriam ser as aulas de tais escolas? Comear-se-ia pela observao, semelhana da percepo que temos na vida cotidiana, quando pres-tamos ateno s coisas, s pessoas e a ns mesmos.

    Da partia-se para a lio, que era o modo de ilustrar o entendimento luz do legado dos que vieram an-tes aquilo que as geraes anteriores aprenderam e

    experimentaram, como se nos valssemos das riquezas que ajuntaram nossos antepassados (Sanches, s.d.,

    p. 165). Em seguida, ocorreria o chamado ensino dos mestres; sempre por viva-voz e no por postilas3 nem temas, explicando o que deve inculcar no nimo dos

    discpulos, perguntando, orando s vezes, e arguin-do, no por silogismos, mas em forma de dilogo

    (idem, ibidem). A partir da, o quarto movimento do ensino seria a conversao, mediante a qual se pode apreender aquilo que os outros sabem. Ouvimos e

    aprendemos quando partilhamos; ou, nos termos do

    texto, quando imitamos sem nos apercebermos o

    judicioso que ouvimos e admiramos; e, com agrado e

    amor da sociedade, transformamos o nosso entendi-mento naquele com quem tratamos (idem, ibidem). Finalmente, aconteceria o momento da meditao; uma reflexo ou ateno madura da alma voltada para

    todos os movimentos anteriormente feitos no percurso desse aprendizado.

    Crtico do ensino domstico, Ribeiro Sanches

    recomenda o estabelecimento, em Portugal, de uma Escola Militar, que seria, para a mocidade portuguesa, de muito maior proveito do que a profuso do que o autor nomeia estabelecimentos literrios (Sanches,

    3 O Dicionrio Contemporneo da Lngua Portuguesa:

    feito sobre o plano de F. J. Caldas Aulete, em sua terceira edio,

    no vo lume II, define a palavra postila: livro, caderno ou folhas

    em manuscrito, por onde os alunos de uma escola ou universi-

    dade estudam as lies explanao, explicao, comentrio

    (ordinariamente manuscrito) a qualquer texto, doutrina, tratado,

    etc. lio que nas aulas de instruo primria, o professor dita

    e os discpulos escrevem para se aperfeioarem na ortografia

    (Aulete, s.d., p. 760).

    Carlota Boto

    288 Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010

  • s.d., p. 183). Essa Escola Real Portuguesa seria vol-tada para a formao da nobreza e da fidalguia; com o

    fito de educar sditos amantes da ptria, obedientes s

    leis e ao seu rei, inteligentes para mandar e virtuosos para serem teis a si e a todos com quem devem tratar

    (idem, p. 184). Nesse estabelecimento, os meninos ingressariam entre doze ou quatorze anos. Segundo

    comenta Rogrio Fernandes, essa Escola Militar ou Colgio dos Nobres foi pensada para ser um colgio destinado educao militar da nobreza, com a con-dio, no entanto, de se no esquecer que os filhos

    da nobreza receberiam nesse colgio uma educao polivalente, de tal sorte que poderiam desempenhar funes nos estratos superiores do aparelho do Es-tado (1992, p. 80).4 Joaquim Ferreira (s.d., p. 65)

    destaca que Ribeiro Sanches, propondo ao Marqus

    de Pombal a criao do Colgio dos Nobres, nutria a

    certeza de ofertar sua ptria um ncleo de estadistas

    capa zes de engrandec-la. E o Marqus de Pombal

    talvez ouvindo seu conselheiro funda em 7 de maro

    de 1761 o Colgio dos Nobres.5

    4 Rogrio Fernandes (1992) recorda que, voltando-se para

    as questes de organizao do sistema escolar, Ribeiro Sanches j

    dialogava, de alguma maneira, com as primeiras medidas tomadas

    pelo Marqus de Pombal nos estudos menores. H ressonncia

    das ideias de Ribeiro Sanches tambm em vrias iniciativas pom-

    balinas, revelando o modo pelo qual ideias e aes circulavam e

    se entremeavam poca: fundao do Real Colgio dos Nobres

    (1761), cuja abertura se efetua em 1766, e da Real Escola Nutica

    do Porto (1762); criao da Real Mesa Censria (1768), organismo

    que passa a superintender na atividade do Diretor dos Estudos;

    criao da Junta de Providncia Literria (1770) (Fernandes,

    1992, p. 85).

    5 Embora no se conheam documentos que nos autorizem

    a admitir qualquer afinidade entre o pensamento iluminista das

    cartas de Ribeiro Sanches e a orientao doutrinria do pombalis-

    mo, ainda que seja nos anos mais dramticos da disputa com os

    jesutas, o certo que estas cartas no deixaram de ter repercusso,

    pois a criao do Colgio dos Nobres, por elas preconizada, logo

    encontrou o firme apoio do gabinete de Dom Jos I (Carvalho,

    1978, p. 91).

    Ribeiro Sanches no hesita em indicar que o

    primeiro e cotidiano ensino dessa escola deve ser a religio, para cumprirmos a obrigao de cristo

    (Sanches, s.d., p. 193). Diferentemente, no entanto,

    da cultura clerical que imperava no perodo, a escola ser administrada por mestres leigos militares, que

    ensinaro os exerccios corporais para fortificar o cor-po, faz-lo gil e endurecido ao trabalho e fadiga

    (idem, ibidem). Procos e vigrios restringir-se-iam a administrar

    sacramentos e a instruir nos Domingos e dias de festa

    na religio; mas sem novenas, irmandades, confrarias

    e outras instituies, que no so essenciais religio catlica (idem, ibidem). Verifica-se aqui um modelo de ensino que, embora no fosse laico, porque man-tinha em seu cenrio o universo religioso, era, sem

    dvida, secularizado. Ou seja: quem mandava ali era

    o Estado. Esse era o plano. No projeto de Ribeiro

    Sanches, o controle da ao educativa no mais per-tenceria Igreja. Seria, antes de tudo, responsabilidade

    do Estado; inclusive porque a educao da mocidade

    era tida por estratgia para conservar e fortalecer a monarquia.

    Outra providncia recomendada por Ribeiro Sanches era a instituio de outro tipo de colgio:

    este voltado para formar meninas fidalgas. Sendo as

    mes as primeiras educadoras, tais escolas preparariam aquelas que, em primeiro lugar, teriam por misso a formao das novas geraes. Percebe-se, todavia,

    que a preocupao com a instruo das mulheres tem tambm o objetivo de ensinar a elas quais eram as

    coisas permitidas e as proibidas; o que deveria ser lido

    e o que estava proscrito. Nesse sentido,

    Todas as primeiras ideias que temos provm da criao que

    temos das mes, amas e aias; e se estas forem bem educadas

    nos conhecimentos da verdadeira religio, da vida civil

    e das nossas obrigaes, reduzindo todo o ensino destas

    meninas fidalgas geografia, histria sagrada e profana,

    e ao trabalho de mos senhoril, que se emprega no risco,

    bordar, pintar e estofar, no perderiam tanto tempo em ler

    novelas amorosas, versos que nem todos so sagrados, e em

    A dimenso iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras universidade

    Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010 289

  • outros passatempos onde o nimo no s se dissipa, mas s

    vezes se corrompe. Mas o pior desta vida assim empregada

    que se comunica aos filhos, aos irmos e aos maridos.

    (Sanches, s.d., p. 190-191)

    O Verdadeiro mtodo de estudar como projeto pedaggico de Verney

    Lus Antnio Verney (1713-1792) era filho de

    pai francs e me portuguesa. Nasceu em Lisboa e

    foi aluno do Colgio Jesutico de Santo Anto. Depois

    frequentou Artes e Teologia na Universidade de vo-ra. De l, seguiu para a Itlia, onde defendeu tese em

    Teologia (Cidade, 1985, p. 143). Defensor da filosofia

    moderna, que se assentava na fundamentao cientfica

    newtoniana, Verney postula a renovao dos estudos

    do reino portugus sob nova base moderna. Para

    ele, isso supunha colocar de parte autores consagrados como Aristteles, Galeno ou Hipcrates.

    Luis Antnio Verney, iluminista, foi com

    D. Lus da Cunha e Antnio Nunes Ribeiro Sanches

    referncia terica do pombalismo. Seu principal

    texto Verdadeiro mtodo de estudar foi publicado antes na Itlia do que em Portugal, onde logo depois

    tambm era impresso. Veio a pblico, pela primeira

    vez, em 1746, em Npoles. Era um manual escrito na

    forma de cartas que contemplava variados aspectos

    da cultura: lgica, gramtica, ortografia, metafsica

    etc. (Maxwell, 1996, p. 12). Em suas cartas, Verney,

    de alguma maneira, articula por meio da crtica sa-trica formas alternativas de se ensinar. Ele reputa

    como fundamental uma reforma que abrangesse, em Portugal, todo gnero de estudos: os menores (escolas

    de primeiras letras e colgios secundrios) e os maio-res (universidades).

    Para o caso das escolas menores especialmen-te no nvel elementar Verney declara que bastava

    examinar o interior das instituies de ensino para verificar que os mestres sobrecarregavam a memria

    das crianas com coisas desnecessarssimas (Verney,

    s.d., p. 76). O excessivo apelo aos castigos derivaria,

    na vida escolar, dessa incapacidade de ensinar as

    coisas importantes e da incompetncia para facilitar

    o caminho para entend-las (idem, ibidem). Reco-menda Verney que, em vez dos longos perodos em

    latim, devia o mestre ensinar ao discpulo compor

    bem uma orao portuguesa breve uma carta, um

    cumprimento, ou coisa semelhante (idem, p. 78). O estudante faria isso com muito maior facilidade do que realizava suas composies em latim, j que agora o

    faz em uma lngua que sabe, na qual o mestre pode cla-ramente mostrar-lhe os erros (idem, ibidem). Verney advertia os contemporneos para o que compreendia

    ser a realidade dos colgios; dos quais saam homens

    que, alm de no saber latim, no eram sequer capazes de redigir uma carta em portugus (idem, p. 79).

    luz dessa preocupao com os temas relativos ao ensino da lngua, Verney critica a ignorncia exis-tente em matria de cincia moderna, bem como o uso de tratados obsoletos sobre questes da fsica, o excessivo apego a um aristotelismo fora de poca, e tambm o inaceitvel recurso ao argumento de autori-dade. Tudo isso paralisaria a razo o que era, ainda,

    agravado pela excessiva valorizao do verbalismo no ensino das cincias. Para Verney, em matria de

    cincias, no interessa quem disse o que. No interessa

    tanto como isso foi dito. O que parecia fundamental

    era verificar se a experincia comprova a veracidade

    da hiptese. Ao tratar agora do conhecimento das

    cincias, o autor encaminha-se para abarcar sua apreciao, no apenas dos estudos dessas matrias, mas dos modos de organizao das chamadas escolas maiores ou universidades.

    Verney enfatiza a necessidade de se observar para

    saber. Compreender a natureza das coisas seria para

    ele observar bem e, para tanto, havia de se possuir

    um juzo claro: observar muito, e bem, ou saber-se

    servir dos que o fizeram; e fundar os seus raciocnios

    em princpios evidentes, quais so os matemticos

    (Verney, s.d., p. 176). Sublinha sempre que apenas a

    experincia poder conduzir ao conhecimento. Somen-te, pois, luz da observao que se poder discorrer

    sobre qualquer coisa. Ns no temos conhecimento

    imediato das naturezas; unicamente temos dois meios

    para o conseguir: observar as propriedades; e ver se,

    Carlota Boto

    290 Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010

  • mediante alguma resoluo, podemos chegar a co-nhecer os princpios de que se compe esta ou aquela entidade fsica (idem, p. 177). Mais do que isso, no devemos querer que a natureza se componha segundo as nossas ideias; mas devemos acomodar as nossas

    ideias aos efeitos que observamos na natureza (idem, ibidem). Finalmente, Verney argumenta que a cincia aristotlica enredada em suas noes de matria,

    forma e privao no possui aparato conceitual para

    apreender, de fato, as realidades descortinadas pela cincia moderna. Tanto a lgica aristotlica quanto

    a razo escolstica eram absolutamente insuficientes

    para explicar os fenmenos da natureza.

    Assim como fizera o mdico Ribeiro Sanches,6 Verney que no era mdico critica severamente

    os modos de se ensinar a medicina. Ambos Ribeiro

    Sanches e Verney aconselhavam o adiantamento da

    filosofia natural (fsica e cincias naturais) e da clnica.

    Propugnavam o abandono da filosofia peripattica e

    da Medicina galeno-rabe (Guerra, 1983, p. 283).

    Alm disso, os iluministas portugueses destacam o

    primado das manifestaes objetivas da doena, basea-

    do no conhecimento das cincias exatas e naturais; o

    desenvolvimento do ensino e da prtica da anatomia e

    da cirurgia (idem, ibidem). Enfim, parecia imperioso substituir como se dizia poca a experincia da

    autoridade pela autoridade da experincia.

    Verney identificava desdobramentos de uma

    ignorncia a outra: o desconhecimento da fsica e da

    qumica era fundamento para a ausncia de conhe-cimentos na medicina. A mesma estupidez conduzia

    ao desprezo pela anatomia. Desconhecendo-se a

    anatomia, erravam-se os diagnsticos e abusava-se de remdios errados. A cirurgia era um saber apenas

    prtico, sem qualquer estatura terica, j que esta re-quereria intrinsecamente conhecimento de anatomia.

    6 D. Joo V teria consultado Ribeiro Sanches sobre uma pos-

    svel reforma dos estudos mdicos (Guerra, 1983, p. 286). Ribeiro

    Sanches escreveu ento, em 1761, um texto intitulado Mtodo

    para aprender a estudar a Medicina o qual procurei abordar em

    O enciclopedismo de Ribeiro Sanches: pedagogia e medicina na

    confeco do Estado (Boto, 1998).

    Verney (s.d., p. 207) reconhece que o bom prtico ,

    de fato, aquele que domina a causa particular dessa

    determinada enfermidade para pod-la curar. Porm

    o prprio saber prtico por isso mesmo s seria

    enriquecido pelo conhecimento da anatomia. O corpo

    uma mquina a ser esquadrinhada; e no se cura s

    apalpadelas (idem, p. 208). A destreza necessria ao cirurgio vista por

    Verney como absolutamente tributria de seu co-nhecimento anatmico, e ele d exemplos de como

    o desconhecimento poderia ser funesto na prtica

    cirrgica: conheci uma senhora a quem um clrigo

    deslocou duas costelas, querendo consertar-lhe uma;

    e ficou toda a sua vida com uma deformidade nas cos-tas (Verney, s.d., p. 215). Finalmente, para concluso

    desse tpico, o texto assinala que, de todos os perigos, o pior seria o de recorrer quelas pessoas que, dizendo possuir poderes mgicos, arrogam-se para si a virtude

    de curar. Era necessrio tornar racional o aprendizado

    da medicina e especialmente era urgente introduzir a

    matria da anatomia com base no estudo de cadveres

    humanos. S assim seria superada a ignorncia relati-vamente ao conhecimento do corpo humano, de suas enfermidades e de suas possibilidades de cura.

    Lus Antnio Verney parte de um pressuposto

    jusnaturalista para defender sua concepo de tica:

    os homens nasceram todos livres, e todos so igual-mente nobres (s.d., p. 194). Os primeiros grupos

    sociais j teriam reconhecido a necessidade de se

    conferir racionalidade vida em comum, alm de ordem e obedincia. Para isso, era indicado meditar

    sobre os costumes. As pessoas dependem umas das

    outras. Os mais virtuosos dentre os homens tendem

    a se destacar tanto em tempos de guerra quanto em tempos de paz. Sendo assim, costumam ser mais

    prestigiados do que os outros. Esse o verdadeiro

    princpio da nobreza. Por a, talvez erroneamente,

    acreditou-se que as pessoas transmitiam a seus filhos

    suas prprias virtudes.

    Assim conclui Verney o que confere a nobreza

    ao sujeito no o prncipe, mas a educao recebida:

    se conduzirem esta criana a um pas incgnito, e for

    criado por viles, h-de ser vilo e no prncipe, e em

    A dimenso iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras universidade

    Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010 291

  • tudo se parecer com quem a criou (s.d., p. 200). A

    pedra de toque do carter e da verdadeira estirpe da

    alma seria, nesse sentido, a educao recebida; j que

    os inteligentes sabem muito bem que o sangue do pai

    poder comunicar ao filho alguma enfermidade here-ditria, como gota, escorbuto, glico, epilepsia etc.;

    mas de nenhum modo lhe comunica nem vcios nem virtudes (idem, p. 202). Muitas vezes, pelo contrrio, aqueles que so socialmente reputados como nobres frequentemente adquirem hbitos afetados, quando

    no pouco civis. Inclusive, muitos, para fingirem

    uma nobreza mui elevada, at so descorteses: no

    cumprimentam quem os sada; no respondem a quem

    lhes escreve; ou, se o fazem, de uma maneira mais

    injuriosa que civil (idem, p. 203).Verney aqui tambm como Ribeiro Sanches

    um defensor da instruo das mulheres. Sero mes

    de famlia; e, portanto, primeiras mestras. Ensinam as

    crianas a falar. Dirigem a economia das casas. Tudo

    isso, por si, j constituiria motivo para que elas fossem

    instrudas na cultura das letras. Alm disso, o estudo

    formar seus costumes. Exatamente por no terem

    assunto com suas mulheres ignorantes (porque as julgam tolas no trato) que homens casados vo a

    outras partes procurar divertimentos pouco inocentes

    (Verney, s.d., p. 217). Nesse sentido, instruir as mulhe-res seria uma forma de obteno de paz e de harmonia familiar. Alm disso, cada donzela deveria aprender

    a ter o seu livro de contas, em que assente a receita e despesa, porque sem isso no h casa regulada

    (idem, p. 223). Muitas vezes as senhoras ficam vivas e os bens so arruinados exatamente porque elas no possuem qualquer noo do modo de conservar e

    aumentar as rendas de suas fazendas (idem, ibidem). Por tudo isso, os trabalhos manuais e especialmente as prendas de salo7 seriam menos importantes do que

    7 Como diz Rmulo de Carvalho (1986, p. 417), aqui o pro-

    gressivismo de Verney no foi suficiente para vencer os preconceitos

    de classe. Ao dizer quando avalia a futilidade do apren dizado das prendas de salo que nas senhoras grandes no to condenvel aplicar-se a estes divertimentos inocentes, se o fazem com o fim

    de no ficarem ociosas (Verney, s.d., p. 227), Verney distingue as

    os conhecimentos rudimentares da leitura, da escrita e do clculo. Desse modo, Verney prope que o ensino

    feminino seja, tanto quanto possvel, o mesmo que se

    deveria aplicar aos rapazes:

    O primeiro estudo das mes deve ensinar-lhes por si ou,

    tendo possibilidade, por meio de outra pessoa capaz os

    primeiros elementos da f etc., explicando-lhes bem todas

    estas coisas, o que podem fazer desde a idade de cinco anos

    at os sete. Depois, ler e escrever portugus corretamente.

    Isto o que rara mulher sabe fazer em Portugal. No digo

    eu escrever corretamente, pois ainda no achei alguma que

    o fizesse; mas digo que pouqussimas sabem ler e escrever; e

    muito menos fazer ambas as coisas corretamente. Ortografia

    e pontuao, nenhuma as conhece. As cartas das mulheres

    so escritas pelo estilo das bulas, sem vrgulas nem pontos; e

    algumas que os pem, pela maior parte, fora do seu lugar.

    Este um grande defeito, porque daqui nasce o no saber

    ler e, por consequncia, o no entender as coisas. (Verney,

    s.d., p. 218)

    Enfim, cobrindo praticamente todos os campos

    da instruo, o trabalho de Verney possibilitava uma

    avaliao panormica da situao do ensino portugus;

    por cuja leitura em larga medida Pombal se pau-taria para levar a efeito as suas reformas educativas

    (Marques, 1984, p. 325).

    A escola pblica traada peloMarqus de Pombal

    Quando sobe ao trono D. Jos I, em 1750, Se-bastio Jos de Carvalho e Melo toma posse como

    ministro da Secretaria do Exterior e da Guerra. Ele

    trazia consigo a experincia diplomtica e o que ob-servara no exterior. Convivera durante anos com uma

    comunidade de expatriados portugueses (Maxwell,

    1996, p. 10); os quais, na grande maioria das vezes,

    pessoas nobres das outras. Essa contradio tpica dos autores

    iluministas; e o Iluminismo portugus no fugiria regra.

    Carlota Boto

    292 Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010

  • tinham deixado o pas por se sentirem perseguidos ou tolhidos pela ao inquisitorial. Mas havia outro

    aspecto tambm fundamental: as preocupaes

    de Pombal tambm refletiam as de uma gerao de

    funcionrios pblicos e diplomatas portugueses que

    haviam meditado muito sobre a organizao imperial e as tcnicas mercantilistas (idem, ibidem). O padro econmico mercantilista e no ainda a economia de

    mercado era compreendido pelos contemporneos

    como o grande responsvel pelo vigor poltico e pela

    riqueza econmica dos pases centrais da Europa.

    Laerte Ramos de Carvalho (1978) consagrou

    no Brasil a ideia de que teria havido ao menos duas reformas pombalinas da instruo pblica, posto que vincula o ano de 1759 reforma dos estudos menores e o ano de 1772 reforma dos estudos maiores (ou da Universidade). Mas, luz da interpretao de Antnio

    Nvoa (1987), Ruth M. Chitt Gauer (2001, 2004) e Tereza Fachada Levy Cardoso (2002), seria mais

    adequado compreendermos a existncia de dois (ou mais) momentos de uma mesma reforma dos estudos;

    at porque as medidas implementadas relativamente aos estudos menores continuaram a ser elaboradas at a dcada de 1770 e, do mesmo modo, algumas dire-trizes relativas aos estudos maiores so anteriores.

    Pode-se dizer que a reforma dos estudos gestada e executada por Pombal, em suas diferentes etapas, re-volucionou a estrutura do ensino portugus. Fechou os

    colgios da Companhia de Jesus. Expulsou os jesutas

    do Reino e de seus domnios sob pretexto de que eles

    teriam participado de alguma maneira de um suposto atentado contra o rei. Confiscou seus bens. Muitos

    membros da Companhia foram deportados.

    Por Alvar de 28 de junho de 1759, o futuro

    Marqus de Pombal reestruturou os chamados estudos menores. Criou-se, a partir dali, a acepo de aulas

    rgias, compreendendo tanto as classes de primeiras letras quanto as classes de humanidades daquilo

    que, posteriormente, se caracterizar como ensino

    secundrio. Assinala Tereza Fachada Levy Cardoso

    (2004) que a palavra rgio tem um carter ambguo,

    porque, ao mesmo tempo em que remete figura do

    monarca, reiterando uma tradio absolutista, que persiste perodo afora, representa tambm o avano que o termo traz, pela contraposio tradio de ensino por parte da Igreja (p. 182). Eram, em sua

    grande maioria, classes de primeiras letras, incluindo o ensino da leitura, da escrita, da aritmtica, do cate-cismo e dos preceitos da civilidade; mas havia tambm classes de latim, grego, hebreu e retrica (Marques, 1984, p. 337). Em todas elas, era proibido aos mestres

    e professores valerem-se dos livros e materiais de ensino utilizados pelos jesutas.8

    O Alvar de 28 de junho de 1759 parte da

    constatao de que existiria uma decadncia em todos os campos dos estudos do Reino. Tal decadncia era

    atribuda ao escuro e fastidioso mtodo (in Almeida, 2000, p. 32) que os padres jesutas introduziram nos colgios sob sua responsabilidade. O projeto

    da Reforma era, ento, o de reaver o que Pombal denomina mtodo antigo: reduzido aos termos

    smplices, claros e de maior facilidade que se pratica atualmente nas naes mais polidas da Europa

    (idem, ibidem). Haveria, pelo plano pombalino, um diretor dos estudos responsvel por fazer observar

    tudo o que se contm neste alvar e sendo-lhe todos

    os professores subordinados (idem, ibidem). Esse

    8 Thas Nvia de Lima e Fonseca (2006, p. 3709) sublinha

    que, para o caso da Capitania de Minas Gerais, at que fossem im-

    plantadas as reformas na educao durante a administrao do

    Marqus de Pombal, no governo de Dom Jos I, foi pouco visvel

    a institucionalizao da instruo elementar, na Capitania, j que

    no houve aqui a presena dos estabelecimentos educacionais

    jesutas ou de qualquer ordem religiosa. Mesmo considerando as

    determinaes constantes nas Ordenaes do Reino, as aes no

    sentido de promover o ensino das primeiras letras ou o ensino se-

    cundrio estavam, em geral, restritas aos particulares. A partir das

    reformas pombalinas e principalmente depois da criao das aulas

    rgias, tornaram-se mais freqentes as referncias a esse tipo de

    educao na documentao administrativa. Foram recorrentes os

    ofcios enviados pelas Cmaras das vilas mineiras ao rei, solicitando

    a instalao de aulas, associando a necessidade da educao como

    instrumento de civilizao, o que significa reforar a formao

    moral, cvica e religiosa da populao.

    A dimenso iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras universidade

    Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010 293

  • diretor dos estudos, auxiliado por comissrios9 que inspecionariam as escolas, deveria verificar o que

    faziam os professores, o que deixavam de fazer, alm de adverti-los e corrigi-los (idem, ibidem), quando isso se fizesse necessrio. Eram su bordinados do

    diretor dos estudos todos os professores das escolas menores (Gomes, 1984, p. 9). Por isso, caberia a ele

    controlar os progressos dos alunos.

    O projeto previa tambm que o diretor deveria ter

    todo o cuidado em extirpar as controvrsias e de fazer

    com que haja entre eles (professores) uma perfeita paz

    e uma constante uniformidade de doutrina, de sorte que todos conspirem para o progresso de sua profisso

    e aproveitamento de seus discpulos (Alvar, 2000, p. 32). No deixa de ser revelador o fato de o Alvar

    de 1759 se referir ao ofcio do magistrio como profis-so (Mendona, 2005). O Alvar de Pombal indicava

    tambm as matrias que deveriam constituir as aulas rgias; e, alm disso, prescrevia quando e onde elas

    deveriam ser abertas. Chegava a recomendar livros

    para uso das escolas, de modo que fossem escolhidos compndios alternativos queles utilizados pelos colgios jesuticos. As aulas rgias seriam abertas a

    todos, sem distines de classe.

    Quanto reforma dos estudos maiores ou univer-sitrios j destacava Rogrio Fernandes (1992) , ela

    teria sido deflagrada quando a Junta da Providncia

    Literria, a que presidiam o Cardeal da Cunha e o

    prprio Marqus de Pombal, elaborou em 1771 o Compndio Histrico do Estado da Universidade de Coimbra (Compndio, 1972, p. 88). O referido documento oferece um preciso diagnstico do que teriam sido os estragos realizados pela Companhia

    de Jesus nos estudos portugueses; especialmente nos

    estudos universitrios.

    9 Como consta da obra de Laerte Ramos de Carvalho (1978, p. 116),

    os Comissrios eram designados, nos diferentes lugares do Reino e de

    seus domnios, para fazer o levantamento do nmero de professores

    existentes, tirando informao sobre sua vida e cos tumes, a fim de levar

    ao conhecimento do diretor geral dos estudos ampla notcia do estado em

    que se achavam as escolas em cada localidade.

    A crtica severa do Compendio Historico do Estado da Universidade de Coimbra Companhia de Jesus vem expressa na prpria continuidade do texto

    que d ttulo ao documento: no tempo da invaso

    dos denominados jesutas e dos estragos feitos nas

    sciencias e nos professores e directores que a regiam pelas maquinaes, e publicaes dos novos estatutos por elles fabricados (Compndio, 1972). Suprimir os vestgios da Companhia de Jesus significava, poca,

    substitu-la altura. Em primeiro lugar, desconstruir o

    suposto atraso; em seguida, formular uma alternativa.

    Quando foi feita a reforma da universidade, aos no-vos professores catedrticos de Coimbra e vora foi

    concedido o uso de residncias dos jesutas expulsos

    (Maxwell, 1996, p. 205).

    Ainda a propsito da estrutura do currculo, uma das censuras explicitadas no Compndio pombalino dizia respeito ao fato de as escolas maiores bem

    como todos os colgios controlados pelos jesutas

    limitarem o estudo da moral ao conhecimento da moral aristotlica. A tica de Aristteles era, segundo consta do Compndio, adotada como obra para se ler nas escolas da Universidade de Coimbra; para se difundir

    nas Aulas de todos esses Reinos; e para constiturem

    nela o venenoso charco, donde saram as mortferas inundaes (Compndio, 1972, p. 204). O argumento aqui cristo. A obra do filsofo grego do sculo IV

    a.C. considerada mpia, ateia, prejudicial e indigna,

    por no ser regida pelos preceitos do cristianismo.

    Curiosamente, a denncia do Compndio repudia os estatutos jesuticos vigentes na Universidade de

    Coimbra em virtude de uma defesa religiosa: a moral

    crist. A est uma das tantas contradies do discurso

    iluminado do sculo XVIII.

    O Compndio tambm severo ao denunciar o atraso dos mtodos com que se ensinava em Coimbra.

    No caso dos cursos jurdicos, por exemplo, as aulas eram sempre uniformemente organizadas luz do que o documento chama de mtodo analtico (Compn-dio, 1972, p. 262). O mtodo analtico corresponderia a aulas centradas em comentrios de textos considerados

    clssicos. Muitas vezes os professores ficavam presos

    a questinculas, fazendo longas digresses sobre

    Carlota Boto

    294 Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010

  • uma s lei ou captulo (idem, ibidem); mas que era tido como aquele que contemplaria a questo central e prpria do texto. Essas lies analticas (idem, ibidem) eram explicaes dadas sempre do mesmo modo, todos os anos, invariavelmente pelo mesmo professor, fazendo com que, no transcurso de sua vida universitria, o estudante travasse contato com

    pouqussimos textos e doutrinas; e ainda elas sem a

    conexo e deduo, que mais que tudo concorrem para elas bem se perceberem, e se imprimirem melhor na memria (idem, ibidem).

    Lia-se pouco; ouvia-se e copiava-se muito. Os

    lentes da universidade expunham, amide, somente

    algumas leis e captulos avulsos, cujas concluses

    prin cipais e doutrinas a elas pertencentes, e que nos mesmos textos se tratam, no podem bastar para a necessria instruo dos ouvintes (Compndio, 1972, p. 262-263). Por causa disso, os estudantes enfadavam-

    se das aulas, muitas vezes deixavam a universidade sem terem chegado a aprender, e nem ainda a ouvir

    as principais Regras e Primeiros Princpios de todas as matrias do Direito (idem, p. 263) como usualmente acontecia. Alm disso, os comentrios dos professores

    tornavam-se postilas, que para as mesmas lies se

    ditavam (idem, ibidem). E os alunos no estudavam pelos textos, mas pelas postilas. Tudo isso era feito sem

    qualquer domnio do que o Compndio qualifica por impreterveis subsdios da interpretao genuna dos

    Textos (idem, ibidem). Nada disso seria to descabi-do complementa o documento caso esse referido

    mtodo analtico fosse seguido do estudo sinttico

    dos princpios e da doutrina do direito. Os estudantes

    precisariam aprender no apenas a interpretar corre-tamente as leis e os cnones, mas, se fossem mais

    textuais, seriam mais hbeis para entenderem bem

    os textos; saberiam deduzir deles as suas verdadeiras

    concluses (idem, p. 264). No estudo da medicina, a situao no era melhor.

    A ineficcia dos estudos preparatrios do curso de

    medicina tambm era um tpico bastante destacado no Compndio pombalino. Formava-se em medicina sem ser preparado para a prtica mdica; sem sequer

    haver aprendido anatomia; sem que o sujeito houvesse

    assistido a cirurgias. Enfim, a formao dos mdicos

    era completamente alheia prtica do ofcio mdico.

    No se ocupava de observar o que mdicos faziam com pessoas que adoeciam. Com a reforma do curso

    de medicina, Pombal dava concretude s sugestes que lhe haviam sido feitas por parte da gerao de estrangeirados com quem conviveu. O ponto de par-tida da reforma do curso de medicina era o seguinte:

    a autoridade, comparada com a experincia e com a

    demonstrao racional, de nada vale (Guerra, 1983,

    p. 293). O substrato da reforma ser, portanto, o de

    considerar as grandes descobertas que modificavam

    o olhar da compreenso biolgica como, por exem-plo, a descoberta de Harvey de que o sangue circula no corpo.

    Na descrio feita das aulas ministradas para o curso de medicina, o Compndio reitera aquele bi-nmio tpico, das lies e das disputas; estas ltimas

    transformando-se, muitas vezes, em brigas ruidosas

    especialmente em ocasio de exames. A descrio fala

    por si mesma:

    A Aula da Medicina oferecia, ento, um espetculo notvel,

    ao qual concorriam os Estudantes das mais Faculdades para

    se divertirem. Enfurecia-se o Presidente; gritavam os Ar-

    guentes; acendia-se o Defendente; todos queriam ter razo;

    e, como estavam dela distantes, nenhum sossegava, todos

    clamavam; e s vencia quem era mais destro e sutil em lanar

    palavras picantes. O Defendente saa com tudo aprovado,

    podia ser promovido honra dos Graus Acadmicos, e de-

    pois ir exercitar livremente a Medicina em prejuzo comum

    de todo este Reino. (Compndio, 1972, p. 340)

    Uma das principais dificuldades assinaladas pelo

    Compndio referia-se ausncia de uma ordem certa no ensino das matrias (Compndio, 1972, p. 330). Assim, alguns aprendiam os Aforismos de Hipcrates

    no terceiro ano; e outros no quinto, conforme as ma-trias que o Lente ensinava quando eles principiavam

    seus estudos (idem, ibidem). Depois que deixavam a faculdade, a prtica dos

    que se haviam formado em medicina pela Universi-dade de Coimbra era simplesmente a de purgar,

    san grar, etc.; sem saber as ocasies oportunas em que

    A dimenso iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras universidade

    Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010 295

  • deviam aplicar esses remdios (idem, p. 342). Por no se terem habituado observao mdica, no eram capazes de conhecer as enfermidades; e, pela mesma

    razo, no sabiam prescrever remdios. Enfim, no

    sabiam curar. Por isso, toda gente achava que poderia

    fazer as vezes de mdico.

    Tal era o estudo pblico da Medicina e tais os mdicos que

    dele saam. E que diremos da inumervel cpia de Cirur-

    gies, de Boticrios, de Barbeiros, de Charlates, de Se-

    gredistas, de Mezinheiros, de Impostores e at de mulheres

    Curadeiras, que, pelas Cidades, pelas Vilas, pelos Lugares

    e Campos se metiam a praticar a Medicina; e conseguiam

    a fortuna de serem atendidos e chamados at que a triste

    experincia de muitas mortes, de que eram rus, os fizesse

    ser desprezados? Teramos aqui um largussimo campo para

    discorrer, e fazer ver quanto essa praga infeccionou o Estado.

    (Compndio, 1972, p. 342-343)

    O Compndio assinala com veemncia a ne-cessidade de se introduzir a prtica de dissecao de

    cadveres humanos no curso de medicina da univer-sidade. S isso permitir que os discpulos aprendam

    a conhecer a estrutura, a configurao, a conexo de

    qualquer parte do corpo humano com outras partes

    (Compndio, 1972, p. 326). Enfim, recuperar o atraso portugus era interagir

    com a transformao do estado das coisas em reas con-

    sideradas estratgicas. Assim eram a educao (tanto os

    estudos menores quanto os maiores), a justia e a medi-cina. Da o privilgio dado pelo Compndio tanto for-mao jurdica quanto ao ensino da medicina. Reformar

    os estudos universitrios bem como reformar a instru-o de primeiras letras e secundria era o passaporte

    para a Reforma do Estado; um Estado que se pretendia

    includo em seu tempo competitivo e potente.

    Consideraes finais: 250 anos depois; o legado dessa escola rastreada

    Um pas como os outros, a contas nunca certas

    com o tempo (Loureno, 1999, p. 109). Poderamos

    emprestar a bela frase de Eduardo Loureno para nos

    referirmos a esse Portugal do final do sculo XVIII.

    Diz Maxwell (1996, p. 104) que foram trs os ob-jetivos principais da ao pombalina em matria de

    ensino: trazer a educao para o controle do Estado,

    secularizar a educao e padronizar o currculo. De

    fato, temos aqui uma sntese do que fizera o Marqus.

    Mas havia nisso uma preocupao com a demarcao das fronteiras. Nesse sentido, a expulso dos jesutas

    tambm era uma necessidade imperiosa do Estado portugus. Por causa da ao jesutica, os indgenas

    brasileiros resistiam a submeter-se autoridade por-tuguesa, que eles viam como inimiga (idem, p. 54). Pombal desejava a miscigenao para estabelecer o

    povoamento brasileiro, sem que, para tanto, ocorresse uma grande emigrao dos portugueses. Era preciso,

    por todas as razes, retirar os jesutas do controle das

    terras e das naes indgenas. Era necessrio traar

    a fronteira brasileira. O Estado necessitava disso. A

    coeso do Brasil significava naquele momento a fora

    de Portugal.

    Os orculos do Marqus de Pombal como j

    foram chamados os autores aqui estudados (Guerra,

    1983, p. 287) haviam alertado os contemporneos

    sobre a fragilidade histrica do Estado portugus; so-bre a necessidade de se estabelecer um plano mediante o qual o controle dos assuntos da instruo passasse de mos religiosas para a tutela do Estado; sobre a

    urgncia de, nesse mesmo sentido, reformarem-se os cursos universitrios, que preparariam os funcionrios

    do Reino. Tratava-se de pensar em um novo modo de

    gerir a justia; tratava-se de fazer com que as pessoas

    vivessem mais e, vivendo mais, pudessem se tornar

    hbeis para aprender coisas teis. Tratava-se, sobretu-do, de formar no territrio e nas colnias um modo de

    ser Portugal que fosse mais avanado, mais racional, mais moderno (Gauer, 1996, 2001).

    Finalmente, preciso compreender que Iluminis-mo no houve um s: foram vrios. H o Iluminismo

    da racionalidade e do progresso; mas h aquele que

    acentua a decadncia nacional; aquele temeroso do

    atraso... O Iluminismo portugus racionalizador,

    centralizador, secularizador no era laico; e no era

    demasiadamente adepto da extenso das liberdades

    Carlota Boto

    296 Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010

  • individuais (Maxwell, 1996, p. 170). Mesmo assim,

    a ao do Estado pombalino, em consonncia com o

    pensamento iluminista portugus, foi alm e trouxe medidas que no apenas favoreceram a laicidade

    ao reforar o poder do Estado na ao poltica e no controle pblico como promoveram tambm uma

    via emancipatria que ficaria clara no liberalismo

    portugus do sculo XIX e nas lutas por libertao nacional que aconteciam no Brasil daqueles tempos. O

    Iluminismo constitudo de luzes e sombras (Pallares-Burke, 2001, p. 53-54). Mas em Portugal como

    tambm aconteceria depois na Frana a ao poltica

    radicalizou o pensamento iluminista que a precedeu.

    Como ressaltou Jos Vicente Serro (1989, p. 12),

    o pombalismo chega a ser maior do que o prprio Pombal. Tratava-se, no limite, de um projeto de gesto;

    empreendido, portanto, por um conjunto de homens

    e de entidades institucionais, unidos numa espcie de rede de solidariedades polticas e pessoais, que tinha por centro a figura do Marqus de Pombal. Para

    o autor, o pombalismo significou a construo do

    moderno Estado portugus com uma clara vertente

    intervencionista; tida como imprescindvel em decor-rncia da debilitao sofrida por Portugal nos anos que antecederam o reinado de D. Jos, e que haviam

    presenciado a desorganizao dos servios adminis-trativos, o aumento da corrupo, a proliferao de faces intestinas, uma grande indefinio de com-petncias (idem, p. 13). O pombalismo luz das ideias iluministas que lhe precederam dignificou, em

    contrapartida, o estatuto de funcionrios pblicos

    como parte integrante duma entidade institucional

    ampla: o Estado (idem, p. 16). Para concluir, creio que preciso tomar cuidado

    com um aspecto. Pombal criou para si uma posteridade

    antecipada. Foi capaz de produzir representaes, de

    fomentar uma autoimagem que indicasse ao futuro os significados desejados de sua biografia e muito

    especialmente de sua dimenso poltica. Porm, como

    recorda Falcon (1982, p. 361), preciso que se tenha

    clareza de que nem sempre coincidem as prticas de

    uma poltica ilustrada e as representaes que tinham sobre elas os prprios protagonistas:

    A imagem que o ministro faz de si mesmo e do seu governo,

    a conscincia que revela do poder real e dos deveres e atri-

    buies dos ministros e secretrios de Estado, seu universo

    mental, em suma, no tm nada em comum com a filosofia

    do despotismo ilustrado.

    Pombal foi moderno, at onde era possvel a Portugal daquele tempo ser. Foi a conscincia-possvel (Goldman, 1972) de uma gerao de estrangeirados.

    Foi iluminista; mas foi, acima de tudo, homem de ao.

    Pelo discurso, mas especialmente pelos atos, ele, de fato pode-se dizer , enterrou os mortos e cuidou

    dos vivos. No se compreender a lgica do ensino

    pblico brasileiro sem que essa histria seja muito bem

    rastreada uma histria de 250 anos atrs...

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    WEBER, Max. A tica protestante e o esprito do capitalismo.

    15. ed. So Paulo: Pioneira, 2000.

    CARLOTA BOTO, doutora em histria social pela Faculdade

    de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So

    Paulo (FFLCH-USP), professora da Faculdade de Educao na

    mesma instituio. bolsista produtividade do CNPq. Publicaes

    importantes: A escola do homem novo: entre o Iluminismo e a

    Revoluo Francesa (So Paulo: Editora da Universidade Estadual

    Paulista, 1996); O enciclopedismo de Ribeiro Sanches: pedagogia

    e medicina na confeco do Estado (Histria da Educao. FaE/

    UFPel, v.2, n. 4., p. 107-117, set. 1998); Iluminismo e educao

    em Portugal: o legado do sculo XVIII ao XIX (In: STEPHANOU,

    Maria & BASTOS, Maria Helena Cmara (Orgs.). Histrias e

    memrias da educao no Brasil. Volume 1: sculos XVI-XVIII.

    Petrpolis: Vozes, 2004. p. 158-178); Reforma pombalina 28 de

    junho de 1759 (In: BITTENCOURT, Circe. Dicionrio de datas

    da Histria do Brasil. So Paulo: Contexto, 2007). Pesquisa em

    andamento: A escola da Revoluo Francesa: poltica e pedagogia

    na agenda pblica. E-mail: [email protected]

    Recebido em julho de 2009

    Aprovado em novembro de 2009

    A dimenso iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras universidade

    Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010 299

  • Isabel Cristina Alves da Silva Frade

    Uma genealogia dos impressos para o ensino da escrita no Brasil no sculo XIX O objetivo deste artigo caracterizar

    e compreender diferentes modelos e formatos de livros escolares ou de outros impressos para ensinar os princpios da escrita, utilizados na Provncia de Minas Gerais e no Brasil a

    partir do incio do sculo XIX. Anterior

    a uma produo escolar mais autoral de livros para ensinar a ler, encontramos menes sobre o uso de abecedrios,

    cartas do ABC e silabrios. Na ausncia

    de materiais conservados, buscaram-se indcios de como eles se apresentavam e eram utilizados em fontes primrias

    (correspondncias, relatrios, mapas de desempenho) produzidas na Provncia de Minas Gerais, desde 1823. Com

    essas fontes, problematizamos o uso de tabelas, tbuas e cartas. Outro conjunto

    de fontes analisado constitudo por quatro livros brasileiros e um livro traduzido para o portugus, cujos

    ttulos continham as denominaes silabrio, abecedrio e cartas de ABC.

    A investigao baseia-se no s nos campos da histria da leitura e do livro (Roger Chartier), que abordam as

    formas dos textos, dos impressos e de seus usos, mas tambm nos estudos da histria da alfabetizao e da educao, no mesmo perodo. Para uma anlise

    comparativa, fontes secundrias

    francesas ajudam a compreender a

    forma e os usos de tabelas, abecedrios

    e silabrios.

    palavras-chave: impressos, tbuas, tabelas, cartas de ABC, silabrios,

    abecedrios, histria da alfabetizao,

    cultura escrita, escolarizao da escrita.

    A genealogy of printed material for teaching writing in Brazil in the nineteenth centuryThe aim of this article is to characterize and understand the different models and formats of textbooks or other printed material for teaching the basics

    of writing, used in the Province of Minas Gerais and in Brazil, from the early nineteenth century. Before the production of more authorial books to teach reading at school, we find

    mention of the use of literacy primers, ABC letters and first reading books.

    In the absence of well preserved materials, we searched for evidence of how they were presented and used, in primary sources (correspondence, reports, performance charts) produced in the Province of Minas Gerais since 1823. With these sources the use of tables, boards and letters was problematised. Another set of sources examined is composed of four Brazilian textbooks and a book translated into Portuguese, whose titles contained such denominations as first reading book,

    literacy primers and ABC letters. The research is based not only on studies related to the history of books and reading (Roger Chartier), which deal with the types of text, printed matter and their uses but also to studies on the history of literacy education in the same period. For a comparative analysis, French secon dary sources help to understand the form and uses of tables, literacy primers and first

    reading books.Key words: printed material, boards, tables, ABC letters, first reading books,

    literacy primers, history of literacy, written culture, school taught writing

    Una genealoga de los impresos para la enseanza de la escrita en Brasil en el siglo XIX El objetivo de este artculo es ca-racterizar y comprender diferentes mo delos y formas de libros escolares o de otros impresos para ensear los principios de la escritura, utilizados en la Provincia de Minas Gerais y en Brasil a partir del inicio del siglo XIX. Anterior a una produccin es co lar ms autoral de libros para ensear a leer, encontramos menciones sobre el uso de abecedarios, cartas de ABC y silabarios. En la falta de materiales conservados, se buscaron indicios de cmo ellos se presentaban

    y eran utilizados, en fuentes primarias (correspondencias, velatorios, mapas de desempeo) producidas en la Provincia de Minas Gerais, desde 1823. Con estas fuentes, se problematiza el uso de tablas y cartas. Otro conjunto de fuentes analizado es constituido por cuatro libros brasileos y un libro traducido para el portugus, cuyos ttulos contenan las denominaciones silabario, abecedario y cartas de ABC. La investigacin se fundamenta no slo en los campos de la historia de la lectura y del libro (Roger Chartier), que abordan las formas de los textos, de los impresos y de sus usos, como tambin en los estudios de la historia de la alfabetizacin y de la educacin, en el mismo perodo. Para un anlisis comparativo, fuentes secundarias fran-cesas ayudan a comprender la forma y los usos de tablas, abecedarios y sila-barios.Palabras clave: impresos, tablas, cartas de ABC, silabarios, abecedarios, historia de la alfabetizacin, cultura escrita, escolarizacin de la escritura.

    Carlota Boto

    A dimenso iluminista da reforma pombalina dos estudos: das primeiras letras universidade O presente artigo tem por propsito discutir o tema da educao luz da interseco entre os ideais polticos e pedaggicos de trs pensadores iluministas portugueses Dom Lus da Cunha, Antnio Nunes Ribeiro Sanches

    e Luiz Antnio Verney e a reforma

    dos estudos empreendida pelo Marqus de Pombal. A ao de Pombal como

    ministro do reino portugus foi, em certa medida, embasada por reflexes

    tericas acerca de Portugal e da crise do imprio portugus. Essas reflexes,

    entre outros aspectos, destacavam ser uma necessidade histrica para o desenvolvimento do pas o Estado portugus tomar para si o controle das questes do ensino em todos os seus nveis. Ao expulsar os jesutas, ao

    Revista Brasileira de Educao v. 15 n. 44 maio/ago. 2010 407

    Resumos/Abstracts/Resumens

  • idealizar o modelo das aulas-rgias, mas, sobretudo, ao reformar os estudos da Universidade de Coimbra, a prtica

    da ao pombalina indicava sua filiao

    terica ao movimento iluminista portugus.

    palavras-chave: instruo pblica; Portugal; histria da educao;

    Marqus de Pombal; Iluminismo.

    The illuminist dimension of the pombaline reform of studies: from literacy to the universityThe objective of this article is to discuss the theme of education in the light of the intersection between the political and pedagogic ideals of three Portuguese Enlightenment thinkers Dom Luis da Cunha, Antonio Nunes Ribeiro Sanches and Luiz Antonio Verney and the educational reform carried out by the Marquis of Pombal. The action of Pombal as minister of the Portuguese kingdom was to some degree based on theoretical reflections on Portugal and the crisis

    of the Portuguese empire. Such reflections, among other aspects,

    emphasized that, for the country to develop, the Portuguese government was historically bound to take control of teaching issues at all levels. By expelling the Jesuits, idealizing the model of the regal-classes, but, above all, by reforming the studies of the University of Coimbra, the practice of Pombals action indicated its theoretical affiliation with the

    Portuguese Enlightenment movement. Key words: public education; Portugal, history of education; Marquis of Pombal; Enlightenment

    La dimensin iluminista de la reforma pombalina de los estudios: de las primeras letras a la universidad Este artculo tiene como propsito discutir el tema de la educacin a la luz de la interseccin entre los ideales polticos y pedaggicos de tres pensadores iluministas portugueses Don Luis da Cunha, Antnio Nunes

    Ribeiro Sanches y Luiz Antnio Verney y la reforma de los estudios emprendida por el Marqus de Pombal. La accin de Pombal como ministro del reino de Portugal fue, en cierta medida, sustentada por reflexiones tericas

    acerca de Portugal y de la crisis del imperio portugus. Tales reflexiones,

    entre otros aspectos, destacaban que era una necesidad histrica para el desarrollo del pas, el Estado portugus tom para s el control de las cuestiones de la enseanza en todos sus niveles. Al expulsar los jesuitas, al idealizar el modelo da las clases regias, mas, sobretodo, al reformar los estudios de la Universidad de Coimbra, la prctica de la accin pombalina indicaba su filiacin terica

    al movimiento iluminista portugus.Palabras clave: instruccin pblica; Portugal; historia de la educacin; Marqus de Pombal; Iluminismo

    Danilo R. Streck

    Entre emancipao e regulao: (des)encontros entre educao popular e movimentos sociais O artigo analisa a dupla face da educao popular na sua relao com os movimentos sociais na Amrica Latina, como subsidiria e promotora

    destes. Por um lado, pode-se dizer

    que a educao popular a expresso pedaggica dos movimentos e como tal aliada na conquista de direitos polticos e civis. Ao mesmo tempo,

    enquanto processo pedaggico, ela tambm uma instncia formadora e

    orientadora da sociedade e dos prprios movimentos sociais. Analisam-se as

    mudanas nas relaes entre a educao popular e os movimentos sociais especialmente a partir da dcada de 1990, quando entram em cena novas forma de regulao e controle. So

    destacados dois temas neste estudo: os

    territrios de resistncia e as respectivas pedagogias, e a questo da nova governabilidade e as implicaes para a educao popular.

    palavras-chave: educao popular; movimentos sociais; Paulo Freire;

    Amrica Latina

    Between emancipation and regulation: (mis)matches between popular education and social movementsThe article analyzes the double face of popular education in its relation with social movements in Latin America, functioning both as subsidiary and as their promoter. In this sense, one can say that popular education is the pedagogical expression of social movements and, as such, is an ally in the struggle for political and civil rights. At the same time, popular education, as a pedagogical process, fulfils a formative and directive role

    within society and for the very social movements. In this article, emphasis is placed on analysis of the ch