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    Agronegcioe Realidade

    Agrriano Brasil

    Agronegcioe Realidade

    Agrriano Brasil

    Revista da Associao Brasileira de Reforma Agrria ABRA

    EDIO ESPECIAL JULHO DE 2013 ISSN 0102-1184

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    Revista da Associao Brasileira de Reforma Agrria ABRA

    EDIO ESPECIAL JULHO DE 2013 ISSN 01021184

    Agronegcioe Realidade

    Agrriano Brasil

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    ABRA ASSOCIAO BRASILEIRA DE REFORMA AGRRIA

    A Associao Brasileira de Reforma Agrria uma entidade civil, no governamental,sem fins lucrativos, organizada para ajudar a promover a realizao da reformaagrria no Brasil. Associadamente, integram os objetivos centrais da entidade a lutapela soberania alimentar do pas, a melhoria dos padres de vida dos trabalhadores etrabalhadoras rurais, a luta por um outro modelo agrcola no Brasil baseado na diversi-dade biolgica e de cultivos e tecnologias ambientalmente amigveis conectados a umprojeto democrtico, soberano e popular para o Brasil.

    DIRETORIA EXECUTIVA GESTO 2012/2015

    Presidente:

    Gerson TeixeiraVice-Presidente:

    Snia G. Moraes

    Diretores:

    Guilherme DelgadoJos ParenteJoo Luiz H. de CarvalhoBrancolina Ferreira

    Jos Juliano de Carvalho

    Manoel P. de AndradeAccio Zuniga Leite

    CONSELHO DELIBERATIVO

    Osvaldo RussoRaimundo Joo AmorimVicente AlmeidaLuis C. Pinheiro MachadoClia Anice Porto

    Osvaldo AlyAlessandra LunasAparecido Bispo de AndradeValria TolentinoLauro MatteiRosa Maria MedeirosPedro Ivan ChristoffoliD. Tomas Balduino

    Jernimo TreccaniEnaile IadanzaClara Evangelista

    Fransciso UrbanoCarlyle VilarinhoMarcius Crispim

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    REVISTA REFORMA AGRRIA

    ISSN 0102-1184

    Publicao especial da ABRA

    CONSELHO EDITORIAL

    Newton Narciso Gomes Jr - CoordenadorGerson TeixeiraGuilhereme DelgadoBrancolina FerreiraManoel P. de Andrade

    Editores:

    Gerson TeixeiraNewton Narciso Gomes Jr

    Apoio:

    OXFAM

    livre a transcrio de matria original publicada nesta revista, desde que citada a fonte.A ABRA no se responsabiliza por conceitos emitidos em artigos assinados. Registro ePublicao na Diviso de Censura de Diverses Pblicas do Depto de Polcia Federal, sobn 1.304 p. 209/73 em 24/09/74. Registro sob n 109 no 1 Cartrio de Imveise Anexos de Campinas, SP.

    Endereo da Revista:

    [email protected]

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    Agronegcioe Realidade

    Agrriano Brasil

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    Sumrio

    EDITORIAL

    Newton Narciso Gomes Jr / Gerson Teixeira ..................................................9

    ENSAIOS E DEBATES

    A SUSTENTAO POLTICA E ECONMICA

    DO AGRONEGCIO NO BRASILGerson Teixeira ....................................................................................................13

    A EXPANSO DO CAPITALISMONO CAMPO E A DESNACIONALIZAODO AGRRIO NO BRASILHoracio Martins de Carvalho ............................................................................31

    SETE TESES SOBRE O MUNDO RURALBRASILEIRO: ANTTESESFrancisco de Assis Costa ....................................................................................45

    ECONOMIA DO AGRONEGCIO(ANOS 2000) COMO PACTO DO PODERCOM OS DONOS DA TERRA

    Guilherme C. Delgado .......................................................................................61

    LUTA PELA TERRA, MOVIMENTOS SOCIAISE REARTICULAES DOS POVOS DA TERRA,DAS GUAS E DAS FLORESTASSrgio Sauer ........................................................................................................69

    BANCADA RURALISTA:

    A FACE POLTICA DO AGRONEGCIOJoo Marcelo Intini e Uelton Francisco Fernandes...........................................87

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    Editorial

    A questo agrria brasileira representa para todos aqueles comprometidoscom um Brasil soberano e desenvolvido sob todos os aspectos um dos maislongevos e persistentes problemas. Nossa histria ao longo dos sculos tem sidomarcada, de um lado, pela perversa concentrao da propriedade da terra, dariqueza, do poder poltico e da violncia no campo. De outra parte, pela lutados camponeses, semterra, trabalhadores rurais, homens e mulheres do cam-po, pelo direito de viverem do seu trabalho sem explorao e livres da misria.

    A ABRA se insere no espao institucional onde se travam as lutas pela reformaagrria, atuando subsidiariamente nas lutas dos movimentos sociais do campo ecidade, dos partidos polticos, igrejas e outros tantos segmentos sociais envolvi-dos com a construo de um pas livre das desigualdades sociais e da violaopermanente dos direitos.

    Desde sua fundao nos anos 1960 a ABRA se alinha nas lutas mais densaspela defesa dos interesses dos camponeses, pelo acesso terra para quem

    nela trabalha, pela construo e aplicao de uma legislao de proteo aosdireitos dos povos do campo.

    A entidade no claudicou, no cedeu aos interesses e ofertas duvidosas dopoder e, por isso, mantm ntegra a sua legitimidade quando se apresentacomo uma das frentes de luta do agrarismo brasileiro.

    Com esse esprito que nesta oportunidade a ABRA volta a colocar em cir-culao a sua Revista em edio especial. A revista lanada num momentode adversidades em que se alinham foras poderosas em amplos setores dasociedade seduzidos ou comprometidos com a grande explorao agrcola ecom os capitais que controlam o agronegcio. So intelectuais, acadmicos,polticos, sindicatos patronais e de trabalhadores cooptados, e governantesque se opem e desqualificam a reforma agrria. Em contrapartida, militamem defesa do agronegcio que impede nosso desenvolvimento autnomo, queentrega nossas terras ao grande capital, que compromete severamente o futurode nossas geraes com prticas ambientais destrutivas, tudo em nome de umariqueza que apesar de produzida aqui, em nada contribui para com a melhoriadas condies de vida do povo.

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    Esta edio especial da Revista, dedicada ao temaAgronegcio e RealidadeAgrria no Brasil, rene artigos de estudiosos que refletem sobre tpicos daconformao atual da realidade agrria brasileira a partir de interpretaes

    da histria recente do setor que discrepam das narrativas apresentadas poroutros estudiosos que operam para dar legitimidade cientfica ao agronegcio,supervalorizando as suas virtudes e negando ou escamoteando os seus efeitoscolaterais de profundidade.

    Nos idos dos anos da dcada de 1960 e 1970, a ABRA denunciava osgovernos da ditadura militar pela manuteno do latifndio e do que repre-sentava para o atraso poltico e socioeconmico do Brasil. Na atualidade, aABRA continua denunciando os governos democrticos pela manuteno do

    latifndio, agora sob o escudo das supostas virtudes do agronegcio controla-do pelo capital externo. As dimenses anacrnicas e perversas desse quadropara a sociedade brasileira so as mesmas em ambos os momentos histricos.Porm, na atualidade h o agravante da perda de soberania do pas pelo grauacentuado do controle, pelo capital internacional, da pauta, meios, qualidade,da geografia da produo e do comrcio agrcola brasileiro.. Princpios dasoberania nacional so subtrados pelos interesses desses capitais. Mesmo asegurana alimentar no pas corre risco vez que os interesses do agronegcio

    frustram polticas do Estado nas esferas agrria e agrcola compatveis comestratgias para o enfrentamento dos efeitos da crise climtica.

    Enfim, ao contribuir com esse debate, a ABRA persiste na sua trajetria defortalecer convices, esclarecer dvidas e iniciar todos aqueles interessados ementender e debater a Questo Agrria brasileira.

    Agradecemos o apoio da Oxfam para a viabilizao desta edio de relan-

    amento da revista da ABRA. Uma boa leitura!

    GERSON TEIXEIRAPresidente da ABRA

    NEWTON NARCISO GOMES JRCoordenador do Conselho Editorial

    Editorial

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    E n s a i o s e

    D e b a t e s

    E n s a i o s e

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    A Sustentao Poltica e

    Econmica do Agronegcio

    no Brasil

    Gerson Teixeira1

    APRESENTAO

    O agronegcio responde, atualmente, por 22.15% do PIB brasileiro, confor-me dados da ESALQ/USP. As exportaes correspondentes no ano de 2012somaram 96 bilhes de dlares, o que equivaleu a cerca de 40% do totalnacional. Nesse mesmo ano, o saldo da balana comercial brasileira foi de19.4 bilhes de dlares. Esse resultado foi possvel graas, principalmente,ao desempenho da balana do agronegcio que alcanou supervit de 79.4bilhes de dlares. O segundo setor com o melhor saldo comercial foi o mineralque registrou supervit de 27.4 bilhes de doares. Mesmo sendo quase 3 vezes

    menor que o supervit do agronegcio, esse resultado do setor mineral foi dezvezes superior ao registrado h dez anos.

    Juntos, minero e agronegcio foram responsveis por cerca de 68% do valortotal exportado pelo pas em 2012.

    No caso do agronegcio, nmeros como os expostos, somados ao signifi-cado econmico de suas vastas cadeias e de uma base primria atomizadacom mais de 5 milhes de estabelecimentos, so usados como insumos para

    permanentes e ilimitadas presses polticas por parte das lideranas ruralistaspor mais benesses para o setor. Para essas lideranas, pouco importa que issose d em prejuzo de direitos difusos e da subtrao de garantias constitucionaisde grupos sociais especiais.

    Ao mesmo tempo, indicadores da espcie aguam a criatividade de intelec-tuais conservadores que difundem anlises superlativas e apaixonadas dessecaso de sucesso nacional.

    1 - Presidente da ABRA

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    O objetivo principal dessas reflexes o de destacar a forte interveno doEstado, em especial, do governo central, na constituio e sustentao da hege-monia atual do agronegcio, considerando o corte histrico desde a dcada de

    1990. Graas a esse fato que inclui volumosos estmulos econmicos e quadroinstitucional ajustado aos interesses do capital em geral, a base primria doagronegcio, mesmo sufocada pelos capitais que a controlam mantm nveis po-sitivos de rentabilidade. Estes, devem-se, pois, no aos indicadores de eficinciaeconmica da grande explorao agrcola, mas s condies de precarizaodo trabalho; da frouxido na posse e na tributao da terra, passivos ambien-tais, rolagem, remisses e redues de dvidas no crdito rural e estmulos tribut-rios, entre outras medidas derivadas das aes e omisses dos poderes pblicos.

    Sintomaticamente, desde a dcada de 1990, a defesa dos interesses doagronegcio nas instncias do Estado passou a ser articulada por representa-o parlamentar pluripartidria organizada na chamada Frente Parlamentar daAgropecuria (Bancada Ruralista). Mais do que as entidades seccionais quepassaram a ter atuao subsidiria, a Bancada Ruralista que paulatinamenteaglutinou a herana da UDR e os interesses dos capitais que controlam o agro-negcio, incluindo o financeiro, adquiriu organizao e fora poltica singularessendo pautada por atuao ousada e coesa na defesa do setor. Pela relevncia

    desse fenmeno poltico a presente edio da Revista da ABRA contempla umaanlise da atuao desse principal ncleo de representao do agronegcio.

    Mesmo no sendo objeto do presente texto, cumpre assinalar, tambm que,consistente com a forte atuao do Estado em favor do agronegcio, as polti-cas inclusivas, de fomento produtivo para a agricultura familiar passaram a serfuncionais ao projeto hegemnico, cuja consequncia estrutural tem sido a gra-dativa perda de elementos que configuram a economia de base camponesa.

    No obstante a aparncia de polticas diferenciadas para a agricultura empre-sarial e a familiar, ambas as polticas esto direcionadas para o mesmo modeloagrcola. A rigor, tais diferenciaes ocorrem apenas nas bases operacionaisde determinadas aes, particularmente no crdito, neste caso, traduzidas emcondies marginalmente mais favorveis para a agricultura familiar.

    Enfim, a presente abordagem tem a pretenso de introduzir os ensaios, nasequncia, que em ltima instncia mostram no apenas ser possvel, masindispensvel, outra leitura sobre a hegemonia do agronegcio vis a vis asinterpretaes da intelectualidade conservadora. Alguns dados sero utilizadosneste exerccio.

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    A Sustentao Poltica e Econmica do Agronegcio no Brasil

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    1 PONTOS DA NARRATIVA DO SUCESSO DO AGRONEGCIO

    No diagnstico setorial dominante, a partir da dcada de 1990 (apogeu doneoliberalismo), houve o divisor de guas em nossa histria rural. Os intelec-tuais que partilham essa compreenso asseguram que, desde aquele perodo,sob o impulso da modernizao da agricultura que ganhou fora na dcadade 1970, passou a ocorrer o processo de sada francesa do Estado naregulao da economia agrcola nacional. O fato teria derivado na presentedominao triunfal do capital na agricultura, obtida graas aos padres vigen-tes de eficincia produtiva e de gesto baseadas na inovao sob o comandodos operadores do capital.

    O ponto que a narrativa desses intelectuais assegura um cenrio atual deexcelncia competitiva do agronegcio fruto, em especial, do avano do crdi-to privado no financiamento do setor e da autorregulao em geral.

    Enfim, da combinao de mudanas de cunho liberalizante nas polticas agr-colas, com as mudanas no cmbio em 1999 e com a progressiva imposiodo capital na dinmica setorial teria resultado, no presente, o agronegcio,como uma ilha de eficincia no pas. O amadorismo teria virado coisa do pas-

    sado e os ganhos de produtividade foram os grandes vetores dessas mudanas.Na realidade as teses apresentadas por esses intelectuais esto em linha com

    os fundamentos do chamado Novo Mundo Rural que conformaram as basesdas estratgias do Banco Mundial para as reas rurais da Amrica Latina, justona dcada de 1990 quando, para tais pensadores, ocorre o divisor de guasna histria rural do pas que projetou a hegemonia atual do agronegcio.

    As melhores tradues da insero do Brasil nesse projeto podem ser encon-

    tradas nos textos do presidente da Embrapa, poca, Alberto Duque Portugal,intitulado As Grandes Transformaes na Agricultura Brasileira, publicado naRevista de Poltica Agrcola do Ministrio da Agricultura, n 02, de 1997, ede Carlos Nayro Coelho, da Secretaria Nacional de Poltica Agrcola, denomi-nado, Uma Agenda de Poltica Agrcola para os Prximos Anos, publicado narevista antes citada, edio n 03, de 1998.

    Enfim, na leitura atual desses intelectuais, uma das consequncias substantivasdas mudanas ocorridas, seria o fato de a terra ter cedido lugar ao capitalenquanto principal fonte de formao e apropriao de riqueza no campo. Odiagnstico soa como um recado aos movimentos sociais para que desistam da

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    Ensaios e Debates

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    luta pela terra. No toa que qualificam a reforma agrria como bandeiraextempornea.

    Na realidade, a posse da terra no Brasil, no perodo recente, passou a

    assumir relevncia sem precedentes para a acumulao do capital nas reasrurais. Nada mais revelador do fato que o processo, em curso, denominadode tomada de terras no Brasil e em outros pases do Sul, por parte do capi-tal internacional, em especial, do financeiro, que provoca apreenses at noBanco Mundial cujo presidente tem exposto na imprensa as suas preocupaescom os reflexos negativos do mencionado processo sobre os pases alvo dessesataques externos pela compra de terras.

    No Brasil, o controle da terra pelo grande capital nacional ou estrangeirovisando a acumulao pela apropriao de recursos naturais ocorre em trsperspectivas. Em primeiro lugar h um forte fluxo de capitais atrados: (i) peloboom dos preos de algumas commodities que se observa desde a segundametade da dcada de 2000; (ii) pelas promessas dos agrocombustveis; (iii)e pelos elevados riscos da segurana alimentar em todo o mundo em funo,em especial, dos efeitos do quadro de mudanas climticas. A tendncia queesses fatores se mantenham medida que pelas projees da FAO/OCDE, a

    taxa de crescimento da produo agrcola global na prxima dcada deverser de 1,5% ao ano, em mdia, quando entre 2003 e 2012 essa taxa foi de2,1% aa. E as previses do IPCC da ONU no deixam dvidas sobre o aumen-to da temperatura mdia do planeta em nveis superiores aos 2C o que tenderesultar em consequncias inevitveis para a oferta agrcola alimentar conside-rando o padro de agricultura dominante, incompatvel com tais circunstncias.

    Em segundo lugar, a posse da terra premissa para a acumulao com asiniciativas mais recentes de mercantilizao de recursos naturais intangveis

    como duvidosa estratgia para a reduo das emisses de CO2. Junto comos recursos florestais esse mercado de carbono, combinado com o florescentemercado de cotas de reserva legal passaram a constituir fatores adicionais paraa atrao de capitais nacional e externo para o controle da terra no Brasil.

    Em terceiro, a posse da terra em nosso pas tem sido alvo da intensa cobiado capital para o controle dos recursos minerais.

    Tambm no passa de delrio ideolgico a tese de que os ganhos de pro-dutividade foram os vetores das mudanas que culminaram na hegemonia doagronegcio. Claro que no Brasil, o deslocamento da fronteira agrcola das re-

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    A Sustentao Poltica e Econmica do Agronegcio no Brasil

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    as de colonizao antiga, para o Centro-Oeste, em especial, possibilitado porvariedades adaptadas a latitudes mais setentrionais e pelo plantio direto, porexemplo, que substituiu a arao por montanhas de agrotxicos, resultou em

    ganhos de produtividade para algumas culturas. Afinal, houve o deslocamentode terras exauridas por solos virgens que da mesma forma tendem ao esgota-mento o que tem sido retardado com o uso ultraintensivo da qumica. Mas, con-forme demonstrado no textoA Pesquisa Cientfica e os Desafios da AgriculturaBrasileira (2011, disponvel no site do SINPAF), os ganhos de produtividadena soja, no Brasil, na srie histrica considerada, por exemplo, sequer foramcapazes de cobrir o gap entre evoluo dos preos e dos custos de produo.

    De fato, o constante aumento da produtividade foi o fator do sucesso daagricultura produtivista por quase todo o sculo XX que se caracterizou pelaabundncia da oferta de alimentos a despeito do fenmeno crescente da fome.

    Contudo, estudos recentes demonstram a tendncia de estagnao ou recuoda produtividade agrcola em todo o mundo, fato que amplia de forma substan-cial as ameaas da segurana alimentar da populao mundial, notadamentecom os cenrios projetados das mudanas climticas.

    A Revista The Economist, de 23/03/2011, apresenta matria especializadademonstrando que a produtividade na agricultura empacou. A produtividadedos alimentos bsicos que cresceu taxa de 3% aa na dcada de 1960,declinou, na atualidade, para a taxa de 1% aa. Segundo a FAO, entre 1990e 2007 a produtividade do trigo caiu para 0.5% aa, e a do arroz caiu pelametade.

    A Revista Science, edio de 26 de maro de 2010, apresentou matria de

    grande relevncia demonstrando o preocupante declnio dos rendimentos degros que caram pela metade entre 1961-1990 e 1990-2007.

    Considerando a agricultura americana, que a origem do padro de mo-dernizao produtivista, observa-se a trajetria declinante, de longo prazo, dosnveis de produtividade do trabalho.

    A produtividade da terra tambm apresenta tendncia declinante de longoprazo, e a do capital levemente positiva, ainda que apresentando taxas mdiasnegativas de 1981 a 2000. Isto mostra que a produtividade geral dos fatores(input) declinante na agricultura.

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    Ensaios e Debates

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    A Tabela abaixo mostra a evoluo da produtividade dos fatores de produ-o na agricultura americana, desde 1948 a 2009, pelas taxas mdias decrescimento nos perodos considerados.

    EUA Agricultura - Produtividade da terra, capital e trabalhoTaxas mdias anuais de crescimento (%)

    1948-

    1953

    1953-

    1957

    1957-

    1960

    1960-

    1966

    1966-

    1969

    1969-

    1973

    1973-

    1979

    1979-

    1981

    1981-

    1990

    1990-

    2000

    2000-

    2007

    2007-

    2009

    TRABALHO -0,81 -1,08 -0,83 -0,81 -0,61 -0,38 -0,19 -0,22 -0,43 -0,34 -0,35 -0,64

    CAPITAL 0,54 0,15 0,03 0,08 0,32 0,14 0,32 0,23 -0,61 -0,21 0,05 0,35

    TERRA 0,02 -0,17 -0,16 -0,07 -0,22 -0,29 0 -0,12 -0,09 0 -0,08 -0,12

    Fonte: USDA

    2 O ESTADO COMO SUSTENTCULO DA CONSTITUIO E EXPANSODO AGRONEGCIO NO BRASIL

    Conforme dito, antes, tanto na dcada de 1990, como na atual, e desdesempre, o Estado sempre interviu de forma vigorosa na economia agrcola.No necessariamente para regular em defesa da sociedade ou enquadrara atividade nos trilhos de um projeto verdadeiramente estratgico para opas. Exemplo: ordenar a expanso territorial da grande explorao, imporrestries aos agrotxicos, medidas de precauo aos transgnicos, etc. Masa forte regulao desde o neoliberalismo tem sido de natureza negativa, ouseja, uma regulao da prpria sociedade, para favorecer o grande capitalque controla o agronegcio. No Brasil, particularmente no caso da economiado agronegcio, o esprito animal foi estatizado. Quem ousa pelo capital o Estado! Os capitalistas e os grandes proprietrios tradicionais so avessosa riscos.

    Na dcada de 1990 o Estado no reduziu a presena ostensi-va nesse setor, exceto no crdito em funo da crise nas finanaspblicas agravada pelos efeitos dos planos econmicos frustradosque se sucederam desde a dcada de 1980. Faamos a recupe-rao de algumas medidas e aes:

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    A Sustentao Poltica e Econmica do Agronegcio no Brasil

    ABRA REFORMA AGRRIA 19

    Na dcada de 1990 foram implantados os marcos regulat-rios que determinaram o atual quadro acentuado de concentraoe desnacionalizao do setor e que abriram o caminho, tambm,

    para a aprovao e consolidao dos transgnicos. Com a Rodada Uruguai do GATT, e o resultante AcordoAgrcola da OMC, foram estabelecidas, no Brasil, legislaescomo a lei de patentes (Lei n 9.279, de 14 de maio de 1996),lei de cultivares (Lei n 9.456, de 1997), e a adeso do pas UPOV (Unio Internacional para a Proteo de Obtenes Ve-getais).

    O Brasil signatrio do Acordo TRIPS (Trade-Related Aspectsof Intellectual Property Rights), firmado durante a Rodada Uru-guai. No que tange propriedade intelectual sobre obtenesvegetais, o art. 27, III, b, do mencionado Protocolo, obrigou aadoo pelos membros da OMC, do sistema de patentes ou deum sistema sui generis, ou ainda, de um sistema combinando osanteriores. Ante essas opes, e sob as presses internacionais,o Brasil aprovou em regime de urgncia a Lei de Cultivares, por

    meio da qual preferiu um sistema sui generis de proteo decultivares baseado no reconhecimento do direito do melhorista.Essa opo descartou a proteo das obtenes vegetais porpatentes, ou por sistema misto. Consta, no art. 2 da Lei, que oCertificado de Proteo de Cultivar constitui a nica forma deproteo correspondente. Portanto, a Lei coibiu a possibilidadede dupla proteo sobre obtenes vegetais. Por conseguinte, emtese blindou a matria dos efeitos da Lei de Patentes.

    Contudo, a prtica passou a ser outra. Na atualidade, grandesagricultores lutam na Justia contra a dupla proteo que vem sen-do praticada por empresas como a Monsanto. Alm de royaltiessobre as sementes em valores abusivos, cobram taxas tecnolgi-cas ainda mais abusivas que incidem sobre o valor do produtofinal comercializado.

    Com o intenso fenmeno transfronteiras de fuses, aquisies eincorporaes nos setores da qumica e da biotecnologia, um pe-queno grupo de grandes empresas transnacionais, alm da domi-

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    Ensaios e Debates

    20 ABRA REFORMA AGRRIA

    nao absoluta do mercado de sementes no Brasil (e no mundo)passou a dominar, tambm, a indstria dos insumos agroqumicos.No Brasil, aps essas legislaes todas as principais empresas de

    sementes foram incorporadas por algumas grandes corporaesda qumica e biotecnologia.

    Ao contrrio do discurso de alguns pesquisadores da Embrapa, poca, mesmo as empresas pblicas no teriam flego paracompetir com as grandes transnacionais na corrida por proteo.Antes, seriam tragadas (terceirizadas). Um exemplo: a empresaamericana Monsanto investiu cerca de US$ 500 milhes nodesenvolvimento da soja transgnica. Este valor correspondia aooramento da Embrapa naquele ano. Como se previa ocorreu aterceirizao das empresas pblicas de pesquisa, pelas multina-cionais para o desenvolvimento das cultivares com maior potencialde retorno econmico. At ento a Embrapa respondia por 60%da oferta de sementes de soja. Atualmente detm cerca de 10%desse mercado.

    O progressivo monoplio do mercado de sementes se firmou

    com maior intensidade ainda, com os efeitos combinados da Lein 8.661/93, que permitiu a aplicao de 8% do imposto derenda devido, para aplicao em pesquisa. Evidentemente que asempresas de maior porte econmico, como as grandes empresasmultinacionais instaladas no pas, usufruram dessa vantagem adi-cional, relativamente s pequenas e mdias empresas nacionaisdo setor que praticamente desapareceram no pas.

    Em suma, trata-se de pesada interveno do Estado em favordo monoplio pelo capital internacional da base tcnica primriado agronegcio.

    Na linha de atender aos interesses dos capitais que controlamo agronegcio, passando por cima do interesse pblico, o gover-no FHC procedeu reclassificao dos produtos agrotxicos noBrasil, com a reduo aleatria, ditada pelas empresas, dos nveisde toxicidade de venenos, em muitos casos, com utilizao proi-bida em vrios pases do mundo. Essa permissividade se mantmat os dias presentes e est na base da condio brasileira atual

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    de lder no uso de venenos na agricultura.

    Na mesma direo, durante o governo FHC, Ato do Ministrioda Agricultura, que no tinha autonomia para tal, elevou em 50vezes o limite permitido de glifossato nos gros de soja (de 0,2para 10,0 mg/kg). Essa medida, lamentavelmente consolidadaem 2003 por Ato da ANVISA, foi crucial para a aprovao eavano dos transgnicos e, em particular, da soja RR, e tambmpara o crescimento exponencial do uso de herbicida na Brasil. Apropsito, poca, a indstria ainda achou pouco: demanda-vam o aumento para 20 mg/kg.

    Com os efeitos dos planos econmicos e da profunda crise daeconomia brasileira na dcada de 1980, no incio da dcadade 1990 foi instalada Comisso Parlamentar de Inqurito do Con-gresso Nacional (CPMI), destinada a investigar causas e apontarsolues para o problema do endividamento agrcola. Desde en-to e mais exatamente a partir de 1995 Leis e Atos do Executivopassaram a ser editados com periodicidades quase anuais paraprorrogar, anistiar e repactuar as dvidas junto ao crdito rural. Fo-ram estatizadas at dvidas contratadas por grandes agricultoresjunto s grandes empresas que controlam os insumos e a comer-cializao. At o ano de 2003, praticamente somente os grandesprodutores tiveram acesso a esses instrumentos via Securitizao,PESA e RECOOP.

    Dados fornecidos pelo Ministrio da Fazenda em 2011 mos-traram que considerando as operaes de crdito rural realizadaspelas suas trs principais instituies oficiais operadoras (BB, BNBe BASA), o estoque das dvidas era de R$ 149.2 bilhes. Dessevalor, estavam declarados em atraso ou j em prejuzo, em tornode R$ 44 bilhes, valor equivalente a 36% do PIB especfico daagricultura brasileira. Tem-se, ento, que o Tesouro vem despen-dendo volumes gigantescos de recursos em subsdios nos progra-mas de administrao das dvidas agrcolas.

    Previstos pela Constituio de 1988, institudos pela Lei n7.827, de 1989, mas efetivamente operados desde o incio da

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    dcada de 1990, os Fundos Constitucionais de Financiamentodo Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, passaram a injetarvolumes substancias de recursos no financiamento da agricultura

    nas respectivas regies.Na dcada de 1990 passou a ocorrer a elevada concentra-o, em escala mundial, do processamento, comercializao efinanciamento da produo agrcola. Neste caso (financiamento),trata-se de processo deflagrado formalmente no Brasil, em 1999,com o novo formato da poltica de crdito rural que passou fontesvia a abertura da BM&F Bolsa de Mercadorias e Futuros paraoperaes de financiamento agrcola em contratos futuros no mer-cado internacional.

    Para oportunizar a conjuntura internacional, o governo FHCfez aprovar a chamada Lei Kandir, atravs da qual, passou acompensar, s expensas dos Estados (e Municpios) a perda decompetitividade externa do produto brasileiro por conta, em espe-cial, da poltica cambial.

    Na sequncia (1999), o governo, sob a inspiraodo FED edo FMI, abdicou da ncora verde do programa de estabiliza-o, e mudou o regime cambial adotando o regime de cmbioflutuante. Ainda assim, a Lei Kandir foi mantida gerando ambientede enorme atratividade para o setor agroexportador s custas daUnio, Estados e Municpios.

    A dcada de 2000 inicia com a intensificao do contraban-

    do consentido (pelos podres pblicos) das sementes de soja RRprocedentes da Argentina.

    Pode-se afirmar que em termos da forte regulao do Estadoem favor do agronegcio, a diferena essencial entre os perodosde 1995 a 2002 e o perodo desde 2003, tem sido que nesteltimo, o apoio financeiro oficial e as estratgias para consolidara hegemonia desse setor tm sido muito mais intensos.

    Em maro de 2003, o governo Lula edita a Medida Provisrian 113, que iniciou a legalizao do plantio da soja RR. Os

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    transgnicos finalmente passam a ser liberados no Brasil reveliadas cautelas bsicas asseguradas pelo princpio constitucional daprecauo.

    Com a Lei de Biossegurana (lei n 11.105, de 2005) foi defi-nida de vez a liberao dos OGMs na agricultura.

    A mesma Lei criou a CTNBio (Comisso Tcnica Nacional deBiossegurana) transformada no bunker de defesa dos grandeslaboratrios da qumica/biotecnologias que controlam as semen-tes e os agrotxicos.

    Desde ento, foram liberadas no Brasil, 12 variedades dealgodo transgnico, praticamente todos, tolerantes a herbicida;vinte variedades de milho tolerantes a herbicida e, em alguns ca-sos, resistentes a inseto, sendo que um dos casos foi anulado pordeciso judicial; cinco variedades de soja tolerantes a herbicida;e uma de feijo resistente ao vrus do mosaico dourado. Valeassinalar que exceto este ltimo caso do feijo, desenvolvido pelaEmbrapa, todas as demais variedades pertencem a empresasmultinacionais com destaque para a Monsanto.

    Desde 2003, a Embrapa praticamente passou a operar combase em acordos de cooperao com as grandes corporaesda qumica/biotecnologias nas reas de OGMs e biotecnologias,em geral, sem garantia de transferncia plena de tecnologias;

    Passaram a ocorrer estmulos bilionrios, via o BNDES, como aporte de capitalizaes pelo Tesouro, para a constituio de

    empresas nacionais de classe mundial. A estratgia passou aenvolver financiamentos e associao direta do BNDES com asempresas do agronegcio, o que levou criao de monopliosem setores estratgicos. A atuao do BNDES nos ltimos anostambm foi decisiva para desnacionalizao e concentrao dosetor sucroalcooleiro.

    Foi deflagrado projeto estratgico para a expanso da fronteiraagropecuria na Amaznia o que inclui o objetivo do acesso aoPacfico visando condies incomparveis de competitividade nosmercados asiticos de commodities agrcolas e minerais.

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    Ainda que especialmente voltado para esse projeto, mas noexclusivamente vez que abarcando os interesses gerais da acumu-lao dos capitais do agronegcio, trs aes estruturais passa-

    ram a ser executadas: (i) a flexibilizao da legislao ambientalmediante o relaxamento de normas a exemplo do licenciamentoambiental, mas, sobretudo, com a reforma do Cdigo Florestalque incluiu entre outras concesses, a anistia dos crimes am-bientais da agricultura empresarial. Na perspectiva dos capitaisdo agronegcio, a legislao ambiental comprimia as taxas derentabilidade e, assim, inibia investimentos; (ii) a legalizao dasposses das terras na Amaznia via o programa Terra Legal, ainda

    que com ambio reduzida relativamente ao prottipo defendidopela SAE/PR que previa a legalizao de ofcio de todas asposses, sem condicionalidades de qualquer espcie. Admitia-e, eainda vigora a expectativa de ampla regularizao das posses naAmaznia, sem o que a manuteno do quadro de inseguranajurdica na posse da terra afasta o empreendimento capitalista naagricultura; (iii) o PAC, articulado com o IIRSA, ademais de operara oferta de infra de energia e transporte para o agronegcio, no

    caso, visa operar a sada pelo Pacfico dos produtos nacionais. Antes de apresentarmos alguns nmeros dos pesados investi-mentos do governo central na sustentao do agronegcio, e dosseus resultados objetivos para o pas, vale um destaque sumrioda poltica agrria definida para a proteo plena dos interessesda grande propriedade e do latifndio de um modo geral.

    Desde a segunda metade da dcada de 1990 passou a serimplementada no Brasil, em afronta aos princpios da ConstituioFederal, a chamada reforma agrria de mercado. Desde ento,o direito grande propriedade fundiria passou a ser exercidosem os limites fixados pelo Estatuto Federal. Sob a inspiraodo BIRD tal modelo de poltica agrria contemplou princpios/premissas como: (i) a desideologizao(?) da Reforma Agrria; (ii)os supostos barateamento e celeridade do processo propiciadospelos efeitos do mercado; (iii) a pacificao do campo, com semterra e latifundirio negociando em balco, pacificamente, acompra e venda de terra; (iv) a contribuio do Ministrio para o

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    esforo fiscal e para o Estado Mnimo, com o desmonte do Incra;e entre outros mais (v) o meio mais eficaz de desmobilizao dasentidades que lutam pela terra.

    Foi estabelecida uma complexa e vasta rede de proteo aosgrandes detentores de terra. Vrios instrumentos e aes do go-verno central conduziram a esse quadro. Como maior destaquedessa estratgia tem-se a manuteno at a presente data da MPVn 2.183 de 2001 que fixa todas as premiaes possveis aolatifndio e criminaliza as lutas sociais pela reforma agrria e assuas lideranas polticas.

    Somam-se s Somam-se s consequncias nefastas desse pro-cesso a ampla exposio do territrio brasileiro nas reas rurais apropriao sem limites pelo capital externo. Desde 1994, masformalmente desde 1999, por meio do Parecer n GQ 181 daAGU, as empresas estrangeiras com participao mesmo residualde capital nacional passaram a ser tratadas como brasileiras enessa condio tendo acesso ilimitado posse da terra no Brasil.O Estado e a sociedade brasileiros sequer conhecem a fraodo nosso territrio rural sob o controle externo. Esse fato perdurouat 2010 quando foi publicado novo Parecer CGU/AGU n01/2008 que reconsiderou o anterior para definir mecanismosde controle sobre a apropriao por pessoas jurdicas cujo con-trole de fato e de direito esteja nas mos de estrangeiros. Maso Ato precrio pois incapaz de alcanar todas as pessoasjurdicas existentes na atualidade.Ou seja, na prtica o Brasilmantm o flanco da flexibilizao da posse do seu territrio pelocapital externo.

    Voltando ao tema da poltica agrcola, os recursos controladosdo crdito rural destinados ao financiamento da agricultura empre-sarial saltaram da mdia anual de R$ 35 bilhes (preos constan-tes pelo IGP-DI-ndice mdio anual) no perodo de 1995 a 2002,para a mdia de R$ 79 bilhes, de 2003 a 2012.

    Os gastos tributrios (renncias fiscais) em favor da agriculturade grande escala tambm saltaram do valor de R$ 684 milhes

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    em 2003, para R$ 9 bilhes em 2012, devendo ultrapassar a R$13 bilhes no presente exerccio (fonte: site da SRF).

    As subvenes diretas do Tesouro aos programas agrcolas, damesma forma ampliaram sobremaneira desde 2003. No perodode 1995 a 2002, tais dispndios situaram-se na mdia de R$2.4 bilhes/ano, passando para R$ 4.4 bilhes/ano na mdiado perodo 2003 a 2012. Somente no ano de 2012 essesgastos somaram R$ 6.4 bilhes; valor quase trs vezes maior queo observado em 2002. (fonte: execuo das respectivas LOAS OOC Agricultura).

    Os incentivos com a Lei Kandir para as exportaes de com-modities agrcolas tambm assume propores bilionrias. Con-siderando apenas os repasses da Unio para a compensaoparcial das perdas de Estados e Municpios tem-se que de 2003a 2011 esse valor alcanou R$ 38.1 bilhes, com a mdia anualde R$ 4.2 bilhes2. (Fonte: Secretaria de Oramento Federal SOF/MPOG).

    3 ALGUNS RESULTADOS DA HEGEMONIA DO AGRONEGCIO

    Conforme visto, contrariamente s anlises dos intelectuais do agronegcioeste segmento tem sido sustentado com o apoio ostensivo de legislaes,jurisprudncias, normas e recursos bilionrios do Estado brasileiro, com muitafrequncia, em prejuzo de direitos difusos, de minorias, e de demandas demo-crticas e garantias trabalhistas.

    Nessa direo, as virtudes econmicas do agronegcio, fruto dessa sustenta-o do Estado e da sociedade, esto absolutamente voltadas para o lucro doscapitais correspondentes, ignorando interesses nacionais estratgicos. Cada vezmais a pauta de produtos do agronegcio tem ficado restrita a um pequenogrupo de produtos, fundamentalmente ditados pelo mercado externo. Em con-trapartida, v-se configurada a ameaa ao abastecimento interno dos alimentosque integram a dieta bsica da populao. Vejamos alguns exemplos:

    2 - Valor total dos repasses incluindo todos os incentivos previstos pela Lei.

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    Do ponto de vista quantitativo, a safra de gros no Brasil aumen-tou de forma razovel, da dcada de 1990 para o perodo de2000 a 2013. Da mdia de 74.5 milhes de toneladas evoluiu

    para a mdia de 137.5 milhes de toneladas. A consistncia des-se aumento est garantida com a evoluo da produo per capitaquando se compara os dois perodos. Na dcada de 1990, aproduo per capita de gros girou na mdia de 450 Kg/pessoa;de 2003 a 2013 a mdia foi de 707.7 kg/pessoa.

    Ao se analisar o perfil da produo de gros nas safras de1990 e 2013, conclui-se que:

    Arroz de 14% da produo total em 1990 passou a corres-ponder a 6% em 2013Feijo de 4%, para 1.5%Trigo de 6% para 2.3%J a soja, teve a participao ampliada de 34% para 44%.Juntos, milho e soja representam 86% da produo total degros do pas na atualidade.

    Tomando-se o caso dos cereais, uma categoria de produtos, sem dvidas

    estratgia para a dieta da populao, a evoluo da produo no Brasil, des-de 1990, no causa inveja, sequer, aos nossos parceiros do Mercosul; pelocontrrio.

    O fato constatado quando se analisa os dados brutos e per capita. As Ta-belas abaixo exibem a evoluo (1990/2011) dos ndices da FAO, relativos produo bruta, e da lquida per capita dos cereais, para Argentina, Brasil,Paraguai e Uruguai.

    Cereais Evoluo do ndice de produo bruta, 1990 a 2011(base 2004-2006) - Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai

    1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2011

    ARGENTINA 65,3 66,7 71 75,6 83,4 86,3 84,9 92,5 104,3 112,4 115,4 115,5

    BRASIL 53,1 58,6 63,2 66,3 70 77,5 86,8 97,9 102,9 117,2 122,1 127,7

    PARAGUAI 71,3 67,7 64,5 70,1 77,9 75,8 86,1 97,4 105,4 115,1 139,4 147,9

    URUGUAI 64 68 73,5 81,8 87 83,9 75,3 92,4 106,2 107,6 114,5 115,6

    Fonte: FAOSTAT-Produccin agricola

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    Cereais Evoluo do ndice de produo lquida per capita, 1990 a 2011(base 2004-2006) - Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai

    1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2011

    ARGENTINA 65,9 81,3 78,6 94,2 111,3 111,8 89,6 100,8 94,3 98,4 124,4 134,1

    BRASIL 67,6 89,1 90,2 83,6 72,9 83,4 87,6 108,2 96,6 124,1 114,7 119,7

    PARAGUAI 51,3 61,2 49,7 69,5 60,3 51,6 75,9 97,1 130,8 147 211,4 226,4

    URUGUAI 42,1 60 60,4 87,6 76,5 81,6 67,3 101,3 105,2 133,4 121,9 146,7

    Fonte: FAOSTAT-Produccin agricola

    Portanto, os dados da FAO, conforme a Tabela acima, mostram a evoluo

    relativamente medocre da produo dos cereais no Brasil vis a visos pasesconsiderados.

    No quadro acima, o Brasil tem ampliado sobremaneira a suadependncia na importao de alimentos bsicos, num contextode elevadas vulnerabilidades da oferta mundial por conta, emparticular, dos cada vez mais frequentes e intensos sinistros clim-ticos derivados do processo de aquecimento global.

    Assim, as importaes de feijo saltaram de 110 mil toneladasem 2009 para 400 mil ton 2013 conforme estimativa do MAPA.A produo que foi de 3.5 milhes de toneladas caiu para 2.9milhes de toneladas.

    Em 2012 importamos mais de 1 milho de toneladas de arroz.A produo em 2009 foi de 12.6 milhes de ton. Caiu para11.6 em 2012.

    As importaes de trigo saltaram de 5.6 milhes de toneladaspara 7.2 milhes em 2012. Produo foi de 5.9 milhes t para4.3, de 2009/2012.

    De outra parte, a produo de soja gro produo subiu de57 milhes toneladas em 2009 para a previso 2013 de 82milhes de toneladas.

    3 - http://www.ers.usda.gov/data-products/international-baseline-data.aspx#26220

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    De acordo com as projees do USDA (Departamento deAgricultura dos EUA), a produo brasileira de trigo na safra2022/2023 ser de 5.2 milhes de toneladas contra 5.8 mi-

    lhes de toneladas na safra 2011/20123

    . A mesma fonte prev que na safra 2022/23 a produobrasileira de arroz ser de 8.6 milhes de toneladas. As previ-ses da Conab para a safra 2012/13 so de 11.8 milhes detoneladas.

    A figura abaixo (fonte: MAPA) retrata uma das consequnciasdiretas desse quadro relativo evoluo dos preos dos alimentos

    no perodo de janeiro de 2011 a abril de 2013, via de regra,acima da variao do IPC-A, e dessa forma impactando na cares-tia e no processo inflacionrio, em geral.

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    CONCLUSO

    O agronegcio produto direto das aes do Estado, em especial, do go-verno central. Particularmente desde a dcada de 1990 tais aes/omissesimpuseram os interesses dos capitais que o controlam sobre direitos difusos eque, alm dos riscos para a segurana alimentar entre outros efeitos sistmicosnegativos, pelo lado agrcola, fortaleceram sobremaneira o perfil primrio ex-portador da economia nacional. Ao contrrio da leitura dos intelectuais, os pa-dres de eficincia do agronegcio se traduzem nas presses sem limites sobreo errio e sobre a subtrao de direitos sociais.

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    A expanso do capitalismo no

    campo e a desnacionalizao

    do agrrio no Brasil

    Horacio Martins de Carvalho1

    O AGRONEGCIO E A ACUMULAO VIA ESPOLIAO2

    DOS RECURSOS NATURAISO capital financeiro no campo procura otimizar seus lucros ao incrementar

    seus investimentos em grandes empresas capitalistas a partir de estratgias denegcios nos setores agroalimentar e florestal e na aquisio e ou arrendamentode terras.

    Poder-se-ia afirmar que as terras e os demais recursos naturais, inclusive o sub-solo, esto sendo explorados mundialmente, em particular na Amrica Latina3,de maneira intensiva, expansiva e freneticamente. Essas formas de exploraodos recursos naturais pelo grande capital permitiriam sugerir a presena ou ahiptese de uma acumulao primitiva permanente ou, como a denominouHarvey4, de uma acumulao via espoliao; Ploeg5de imprios alimentares;e Naomi Klein6de capitalismo de desastre.

    As opes empresariais consideradas pelo agronegcio como promissoraspara ampliar a acumulao capitalista pela via da espoliao so as estrat-

    1 - Engenheiro Agrnomo, consultor junto a movimentos e organizaes sociais populares no campo, autor devrios textos sobre o campesinato, planejamento e organizao social no campo.

    2 - Harvey, David (2004). O novo imperialismo.So Paulo, Edies Loyola, pp. 115 ss

    3 - Ver Borras, Saturnino M. et allii. (2011). El acaparamiento de tierras en Amrica Latina y el Caribe vistodesde una perspectiva internacional ms amplia.FAO, octubre.

    4 - Harvey, David (2004), op. cit.

    5 - Ploeg, Jan Douwe van der (2008). Camponeses e imprios alimentares. Lutas por autonomia e sustentabi-

    lidade na era da globalizao.Porto Alegre, Editora da URFGS.6 - Klein, Naomi (2008).A doutrina do choque: a ascenso do capitalismo de desastre.Rio de Janeiro, NovaFronteira.

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    gias burguesas de concentrao da terra, da produo agropecuria e florestalem larga escala, do monocultivo e da busca de um produtivismo insano quelhes induz ao uso intensivo de agrotxicos, de hormnios, de herbicidas e de

    sementes hbridas, transgnicas e mutagnicas, alm de exercitarem hodierna-mente o desprezo sociocultural pelos povos do campo e a desterritorializaodos camponeses. E tudo isso numa tendncia crescente de desnacionalizaoconsentida do agrrio brasileiro.

    Esses processos se do pela reproduo e aprimoramento histrico das pr-ticas da burguesia mercantil e depois financeira de pilhar os recursos naturaisdo pas, degrad-los e polu-los, e de promover, pela presso da grilagem eou da aquisio das terras dos povos do campo, o esvaziamento populacional

    do campo sempre e quando a presena camponesa deixa de ser orgnica aosseus interesses de classe.

    O agronegcio assim reproduzido tem obtido resultados financeiros que lheso altamente favorveis apesar da escolha pela oferta e comercializao deprodutos para exportao em detrimento dos produtos de consumo alimentar eda absoluta indiferena com a dominao exercida pelas empresas capitalistastransnacionais no agrrio brasileiro.

    Essa concentrao de renda e da riqueza pelas empresas capitalistas nocampo vem se concretizando como outrora no perodo colonial, com o apoiomassivo das polticas pblicas governamentais. Seus negcios caminham paripassu com os negcios dos governos. E, esta escolha de favorecimento polticodos governos aos grandes negcios agropecurios e florestais privados nacio-nais e estrangeiros no apenas compromete a soberania alimentar nacionalcomo contribui ao mesmo tempo para a acumulao via espoliao dos recur-

    sos naturais e a explorao dos trabalhadores do pas.No mago do sinistro desenrolar desse modelo capitalista de desenvolvimento

    rural tanto as pessoas como a natureza se tornam mercadorias. E os povos labo-riosos do campo como a massa de camponeses, os ribeirinhos, os extrativis-tas, os quilombolas e os povos indgenas camponeizados so mal vistos pelosempresrios do agronegcio, no apenas porque diferentes dos capitalistas,mas, sobretudo, por considerarem como o centro das suas racionalidades eemoes a reproduo social da famlia e no o lucro; por serem persistentese duradouros no seu modo distinto de produo, de extrativismo e de viver; pordesfrutarem uma relao amorosa com a natureza.

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    Capitalistas e camponeses, duas concepes de mundo inteiramente distintase, a meu ver, antagnicas.

    Nesse contexto histrico as desigualdades sociais no campo tendem a cres-cer, sobretudo porque a articulao entre governos e as classes dominantesconverteram a vida do campo em apenas um negcio que cresce e deslumbraos olhares cobiosos e desumanizantes da burguesia mundial.

    A concentrao da terra, da renda fundiria, da riqueza desses negcios eo desprezo insanvel pelas pessoas so os elementos fundantes, as clusulasptreas, do que-fazer das empresas capitalistas no agrrio brasileiro.

    Os dados estatsticos sobre imveis rurais obtidos pelo Instituto de Coloniza-o e Reforma Agrria INCRA para os anos de 2003 e 2010 evidenciamque a concentrao da terra em grandes propriedades um caminho que sereafirma historicamente no Brasil. De 2003 a 2010 as grandes propriedadesampliarem a rea total dos imveis desse estrato em 104 milhes de hectares.O aumento nesse perodo do nmero desses imveis foi de 18.052 unidades,sendo bem provvel que essa expanso da rea total das grandes proprie-dades tenha sido conseqncia do avano da fronteira agrcola, em especialsobre os cerrados e a regio amaznica.

    A rea total apropriada pelos imveis considerados grande propriedade(INCRA) em relao rea total de todos os imveis do pas aumentou de51,63% em 2003 para 56,12% em 2010. Cresceu tambm a mdia aritm-tica simples das reas das grandes propriedades: em 2003 era de 1910 hse em 2010 de 2.443 hs. No entanto, o numero das grandes propriedadesem relao ao total de imveis rurais do pas caiu de 2.62% em 2003 para2,53% em 2010. Houve, certamente, uma concentrao da apropriao pri-vada da terra.

    No entanto a ampliao da rea mdia das grandes propriedades noteve como correspondncia uma ampliao relativa do seu aproveitamentoprodutivo, evidenciando a natureza social e ambientalmente predatria de seusnegcios. Assim, em 2003 a percentagem do nmero de imveis consideradoscomo grande produtivo em relao ao total de imveis classificados como

    grande propriedade era de apenas 48,13%. Em 2010 essa relao caiu para46,95%. Ou seja, ainda que se tenha aumentado a mdia da rea dos imveis

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    considerados como grande propriedade e crescido o apoio inconteste das po-lticas pblicas houve diminuio relativa do nmero de grandes propriedadesconsideradas como produtivas.

    A apropriao privada da natureza, amplo senso, e a desnacionalizao dasagroindstrias com predomnio de capital da burguesia nacional, tem permitidoque sob novas roupagens e discursos se racionalize a apropriao das terraspara mante-las como reserva de valor, j que mundialmente vai se tornandorelativamente exgua a disponibilidade de terras agricultveis ainda no apro-priadas pelos capitalistas e, portanto, que ainda no se inseriram no mercadomundial de terras.

    Essa acumulao via espoliao do campo no Brasil contemporneo a resultante de um pacto estratgico da economia poltica7 entre o grandecapital agroindustrial, o sistema de crdito pblico agricultura e agro-indstria, a propriedade fundiria e o Estado. Um exemplo desse pacto es-tratgico da economia poltica pode ser ilustrado pela notcia8 (em 29 demaio de 2013) de lanamento pelo Governo Federal de edital no valor deR$ 1 bilho para financiar projetos de agronegcio, edital esse que faz parteda primeira de trs rodadas, estas no valor total de R$ 3 bilhes do programa

    Inova Agro.

    A viabilizao dessas iniciativas espoliadoras requereu ademais dos recur-sos pblicos abundantes disponibilizados, novos arranjos institucionais no nvelda economia e da sociedade poltica. Tais arranjos institucionais se constituramno mbito de uma coero poltico-econmica acrescida ou emoldurada por umpoderoso e abrangente aparato de afirmao da hegemonia (direo intelec-tual e moral), de maneira a disseminar massivamente uma racionalidade inspi-

    radora de um discurso persuasivo para fundamentar ideologicamente a supostaexcelncia da racionalidade do agronegcio e da acumulao via espoliaoem relao a outros modos de produo como, por exemplo, o do camponscontemporneo.

    7 - Delgado, Guilherme Costa (2012). Do capital financeiro na agricultura economia do agronegcio. Mu-

    danas cclicas em meio sculo (1965-2012).Porto Alegre, Editora da UFRGS/PGDR.8 - http://oglobo.globo.com/economia/governo-lanca-edital-de-1-bilhao-para-financiar-projetos-de-agronego-cio-8533914#ixzz2Ui6odV5e

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    A reafirmao positiva do agronegcio pelas classes dominantes do pas,sempre integradas e dependentes do capital transnacional, tem consideradoque a explorao dos trabalhadores, a degradao do meio ambiente e a

    desnacionalizao do agrrio so iniciativas necessrias para o progresso capi-talista. Eximem-se de qualquer apreo ou considerao pela reproduo socialdos povos da terra e pela soberania nacional.

    A negao econmica e social da reproduo social dos camponeses e aprtica da sua desterritorializao pela expanso capitalista no campo temsido, ademais, objeto de cnica e simplista aceitao pela opinio pblica epelos governos que em unssono do respaldo s teses dominantes de que tais

    economias camponesas so tendentes marginalizao na formao econ-mica e social brasileira sob a dominao do modo de produo capitalistacontemporneo.

    A DESNACIONALIZAO CONSENTIDA NO CAMPO

    Os grandes proprietrios de terras ao se reproduzirem socialmente no mbitodo pacto estratgico da economia poltica, anteriormente referido, exercitamsua dominao no campo sob a aquiescncia do Estado e com a colaboraoativa dos governos, seja em relao acumulao via espoliao dos recursosnaturais seja no que se refere crescente dependncia estrutural da economiarural s empresas capitalistas transnacionais de insumos, de agroindustrializaoe de comercializao de commodities.

    Essa postura de convivncia cmplice e de submisso s empresas trans-nacionais de insumos no pas potencializada pelo agronegcio. Para oagronegcio no Brasil o produtivismo insano que lhe conspurca a sensatez e otorna cativo das empresas transnacionais de insumos, em especial daquelas queoferecem sementes geneticamente modificadas sejam elas as transgnicas eas mutagnicas, respaldado por um Estado que orgnico e subalterno aosinteresses dominantes. E para as empresas capitalistas agrrias esse modelo deproduo e tecnolgico o que mais lhe convm financeiramente num contextomarcado pela acumulao via espoliao.

    O Produto Interno Bruto PIB do agronegcio alcanou 22,3% do PIB bra-sileiro em 2010, totalizando R$ 821 bilhes. O agronegcio o principal

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    responsvel pelo supervit da balana comercial brasileira, representando 37%do valor total das exportaes do pas.9Nessa perspectiva objetiva, o gover-no federal sob as mais diversas gestes tem sido cmplice dessa acumulao

    via espoliao no mbito de um processo crescente de desnacionalizao daeconomia do pas.

    A economia brasileira cada vez mais articulada ao capitalismo internacio-nal ao ponto de nos transformar novamente em um pas dependente do tipoagromineral exportador, tendo como um dos resultados negativos o de contribuirpara a desindustrializao da economia. O setor industrial chegou a pesar38% do PIB na dcada de 1980. Em 2012 alcanou apenas 15% do PIB daeconomia nacional.

    A crise que se abateu sobre o capitalismo financeiro internacional (2008)gerou para o Brasil um efeito contraditrio, pois um grande volume daquelecapital fictcio, para evitar o risco de se perder, correu para se abrigar no Brasil.Chegaram aqui, de 2008 para c, algo em torno de 200 bilhes de dlarespor ano.

    Nesse contexto histrico onde prevalece a acumulao via espoliao no

    surpreende que no setor sucroalcooleiro, por exemplo, em apenas trs anos ocapital estrangeiro passou a controlar 58% de todas as terras de cana-de-acare as usinas de acar e etanol. Hoje, trs empresas controlem o setor: Bunge,Cargill e Shell!10

    A corrida por terras agrcolas levou investidores estrangeirosa adquirir pelo menos 83 milhes de hectares em pases emdesenvolvimento entre 2000 e 2010, segundo o Deutsche Bank.

    O total equivale a 1,7% da rea agricultvel global e muitosuperior aos 50 milhes de hectares utilizados para o plantio degros no Brasil na safra 2012/13. O Brasil um dos alvos dacobia estrangeira, liderada por China, Arbia Saudita, Kuait,Qatar, Bahrein e investidores dos EUA. As compras de terras

    9 - Doing Agribusiness in Brazil.PwC.com.br., 2012 Adaptado por PwC Agribusiness Research & Knowledge

    Center, p. 16; fontes CEPEA, MDIC/SECEX (2011).10 - Consultar sobre o tema Lopes, Carlos (2012). Desnacionalizao, monopolizao e cmbio arrasam aproduo nacional de etanol e fazem o de milho invadir o Brasil. Informa CUT, 15/01/2012.

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    brasileiras somaram 2,6 milhes de hectares no perodo. Para obanco, o objetivo dos investidores garantir acesso a alimentose gua.11

    Essa apropriao massiva de terras pelo capital foi acompanhada de suaexplorao para fins de produo (commodities) para agroexportao, detal maneira que apenas quatro grupos de produtos agropecurios e florestaisresponderam, em 2010, por 75% das exportaes brasileiras de produtos deorigem rural: soja e derivados, 22 %; carne e couros, 25%; madeira, celulosee papel, 17%; acar e lcool, 11%.12

    evidente a oligopolizao da oferta e comercializao de produtos agrope-

    curios por apenas 10 grandes empresas transnacionais (Bunge Alimentos, Car-gill, Souza Cruz, Sadia [antes da fuso com a Perdigo], Brasil Foods [FusoSadia com Perdigo], Unilever, Copersucar, JBS, Nestl e ADM). Esse grupo deempresas transnacionais alcanou 59,9 % do Valor Bruto da Produo VBPagropecuria do pas na safra 2009/2010.13Essa concentrao econmicasugere que tanto a ocupao da terra como os produtos a serem plantadosesto sendo determinados pelos interesses oligopolistas dessas empresas.

    No primeiro semestre de 2012 as corporaes estrangeiras adquiriram 167empresas de capital nacional na maior liquidao de empresas privadas bra-sileiras num nico semestre de toda a histria do pas, batendo o recorde doprimeiro semestre de 2011 (94 empresas desnacionalizadas). Isso no dese surpreender considerando-se que o mercado global de commodities con-trolado por apenas dez (10) grandes empresas transnacionais: Vitol, Glencore,Trafigura, Cargill, Gunvor, ADM, Noble, Mercuria, Bunge e Phibro.14

    No de se estranhar, ademais, que com tamanhas facilidades para a acu-mulao via espoliao dos recursos naturais do pas os trabalhadores ruraistambm sejam submetidos s condies anlogas ao trabalho escravo.

    11 - Assis Moreira. Uma corrida por terras de emergentes.Valor Econmico, 16 de novembro de 2012. (tra-duo literal do espanhol por HMC).

    12 - Fonte: MAPA.

    13 - Fonte: Portal Exame, Negcios. Mrcio Juliboni, in EXAME.com (15/09/2010; 20:51)14 - Araujo, Andr (2013).As dez tradings que dominam o mercado global de commodities.Blog Luis Nassif,11 de maio.

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    (...) A pecuria, a produo de carvo vegetal para o bene-ficiamento de minrio de ferro e a construo civil so os setoresda economia dos quais o Ministrio do Trabalho e Emprego

    (MTE) mais resgatou trabalhadores em condies anlogas sde escravo durante o ano de 2012. Tais segmentos esto entreos que apresentam o melhor desempenho econmico no Brasilatualmente...

    (...) Com um montante de US$ 15,62 bilhes exportados emcarne no ano passado, de acordo com dados do Ministrio daAgricultura, a pecuria apresenta casos de trabalho escravo nor-malmente associados ao desmatamento ilcito na regio da Ama-znia legal. Normalmente, as vtimas resgatadas so empregadasna abertura de pastos para a criao de gado, na aplicao deagrotxicos para o terreno ou ento na construo de cercas...

    A madeira recolhida a partir da derrubada das matas paraabrir pastagem aos animais, por sua vez, serve como base paraa produo de carvo vegetal que, com freqncia, usadona cadeia produtiva do beneficiamento de minrio de ferro. Em

    fiscalizao ocorrida no fim de 2012, um grupo de 150 trabalha-dores foi resgatado de duas carvoariasque estariam fornecendopara indstrias siderrgicas no plo de Marab, no Par. 15

    No resta dvida alguma que a lucratividade do complexo agroindustrialsob o domnio das grandes empresas transnacionais vincula subalternamentecada vez mais a estrutura da produo rural brasileira aos interesses do capitalfinanceiro estrangeiro. Reafirma-se, portanto, a acumulao via espoliao, esta

    como uma nova maneira de se identificar a acumulao primitiva permanenteonde se exacerba o carter de mercadoria dos elementos da natureza comoterra, gua doce, florestas, litoral, biodiversidade e subsolo.

    (...) Em 2009, as quatro maiores empresas nos ramos dassementes/biotecnologia, agrotxicos, medicamentos veterinrios,melhoramento gentico animal e maquinaria agrcola controla-

    15 - Zocchio, Guilherme.Pecuria lidera ranking de escravido em 2012.IHU, Notcias on-line 04 de junho de2013. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520650-pecuaria-lidera-ranking-de-escravidao-em-2012.

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    vam pelo menos 50% das vendas globais. Considerando as oitomaiores empresas desses cinco setores, o controle do mercado em2009 variou entre 61% e 75%.

    Segundo os autores do estudo16, as empresas aumentaramsua participao no mercado atravs de duas vias: expandindosuas vendas mais rpido do que suas concorrentes ou (e princi-palmente) realizando aquisies e fuses com outras empresasdo ramo...

    O estudo tambm aponta que cinco das sete maiores empresasde sementes (cujo faturamento em 2009 foi de mais de US$ 600

    milhes, cada) so tambm lderes do mercado de agrotxicos.So elas: Syngenta, Bayer, Dow, Dupont e Monsanto...

    Todas essas constataes do estudo so claramente visveis nocampo, tambm aqui no Brasil.17

    E, mais:

    (...) Os produtores rurais brasileiros esto usando mais defensi-vos em suas lavouras. Apesar do expressivo crescimento da reacultivada com sementes transgnicas, tecnologia que prometereduzir o uso de qumicos na produo agrcola, as vendasdesses produtos aumentaram mais de 72% entre 2006 e 2012 de 480,1 mil para 826,7 mil toneladas , segundo dados doSindag, sindicato que representa fabricantes de defensivos nopas... As vendas de defensivos movimentaram quase US$ 8,5bilhes no Brasil em 2011 o dobro do apurado em 2005.Trata-se do segundo maior mercado do mundo, atrs apenas dosEstados Unidos.18

    16 - Amber Waves, USDA, dezembro de 2012, citado por ASPTA, Concentrao na rea de insumos mais doque dobra em 20 anos e preos dos insumos sobem mais do que os dos produtos agrcolas. Nmero 614,18 de janeiro de 2013.

    17 - ASPTA, op. cit.18 - Gerson Freitas Jr. Uso de defensivos intensificado no Brasil,So Paulo, 30 de julho de 2012, in SindagNews, http://www.sindag.com.br/noticia.php?News_ID=2278.

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    necessrio atentar que em 2012 o Brasil se tornou o maior consumidor deagrotxicos do mundo.

    Em importante artigo, Oliveira19evidencia a lgica dominante da apropria-o privada e controle da terra atravs de dois processos que se articulam: aterritorializao do monoplio e o de monopolizao do territrio:

    (...) estes dois setores (silvicultura e sucroenergtico) atuam nalgica da territorializao do monoplio, quer dizer, atuam no sen-tido de produzir em terra prpria seno a totalidade, pelos menosa maior parte da matria-prima que necessitam. Diferente o queocorre nos demais setores do campo, como por exemplo, o setor

    de gros, onde os grandes monoplios ADM, Cargill, Bunge,LDC, etc. no produzem os gros que monopolizam em terrasprprias, por certo elas nem as tem. Ao contrrio, dos setores dasilvicultura e sucroenergtico, no setor de gros ocorre o processode monopolizao do territrio, pois nele h uma aliana de clas-se entre a burguesia mundial e a burguesia agrria brasileira quepode ou no ser tambm, proprietria de terras. Este processoocorre nos demais setores da agropecuria brasileira e mundial,

    como aqueles dos diferentes tipos de carnes, leite, citrcola, caf,etc. Logo, a presena de empresas e/ou estrangeiros produzindodiretamente nestes setores no Brasil, sempre existiu, porm, nuncarepresentou qualquer ameaa a segurana da ptria. Mesmoporque o capital mundial, inclusive com presena de empresasigualmente mundiais, controlam a economia brasileira (...)

    O sucesso da acumulao via espoliao no rural brasileiro descarta como

    impertinentes tanto a proposta popular de reforma agrria como a hiptesedesejvel de uma resignificao da relao homem-natureza que se baseieno conceito de produtividade biolgica primria. As empresas capitalistas nocampo negam a natureza como portadora de direitos, relegando tal conceitoe prtica a um segundo plano ou ao ostracismo poltico-filosfico. Isso se deve,sobretudo, s imposies ideolgicas e econmicas do capital em considerara natureza como mercadoria e as atividades nela e com ela apenas negcios.

    19 - Oliveira, Ariovaldo Umbelino (2010). A questo da aquisio de terras por estrangeiros no Brasil umretorno aos dossis.So Paulo, AGRRIA, no. 12, pp. 3-113. Citao p. 79.

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    As desnacionalizaes do agrrio, com o apoio e incentivo das empresastransnacionais de insumos, j colocou o pas numa dependncia de umaeconomia globalizada e absolutamente predatria. Para tanto, as classes

    dominantes e os governos do pas j abdicaram da soberania alimentar eda nacional. Esto convencidos de que o capital, amplo senso, promove obem-estar social.

    por essa e outras razes menos explcitas que as polticas pblicas refor-am essa articulao orgnica entre os interesses das classes dominantes e asconcepes e prticas do Estado e dos governos subalternos aos interesses docapital.

    No , portanto, de se estranhar que a estratgia de capital financeiro naagricultura estimulou os mercados organizados como o de terras, de crdito edos complexos agroindustriais. E como esses mercados dependem essencial-mente da regulao (ou desregulao conforme o caso) e proviso estatal,20o pacto na economia poltica no apenas viabilizaria uma parceria estrat-gica pelo alto como excluiria a possibilidade efetiva de democratizao doacesso terra,

    Nesse sentido pode-se afirmar que a racionalidade neoliberal a concepohegemnica na sociedade brasileira. Ela mascara evidncias como o fato his-toricamente demonstrado de que a idolatria do mercado omite que o prpriomercado uma realidade construda e que requer a interveno do Estadocomo um sistema de direito especfico que deve garantir o primado absoluto dodireito privado sobre o direito pblico.

    A NEGAO DOS CAMPONESES PELO AGRONEGCIOA discriminao social e o desprezo dos empresrios do agronegcio pelos

    camponeses tm diversos motivos, entre os quais destaco: os resduos culturaisescravagista das classes dominantes no Brasil, a arrogncia poltica dos empre-srios do agronegcio e a pobreza monetria da maior parte dos camponeses.A essas qualidades dos dominantes acrescente a indiferena dos governos emrelao aos mais pobres do campo (e da cidade)..

    20 - Cf. Delgado, Guilherme Costa (2012) op. cit.

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    (...) O acesso desigual dos camponeses a recursos (educa-o, capital, terra, recursos naturais, bens e servios pblicos ea carncia de sistemas de informao eficientes, capacitao e

    assistncia tcnica, geram diferencias em seus rendimentos, emsua capacidade de inovao e produo, assim como em suaparticipao nos mercados. O 75% dos pobres do mundo vivehoje em rea rurais e enfrenta carncias de educao, sade enutrio por falta de servios pblicos, limitaes para o exercciode seus direitos civis e desigualdade no acesso s oportunidadesde mercado.

    Uma limitao principal da agricultura de pequena escala nos

    pases em vias de desenvolvimento a pobreza e a exclusosocial, especialmente das populaes indgenas. Para as mulhe-res agricultoras, a falta de acesso e controle sobre os recursosacentua o problema. Os camponeses, as populaes sem terra,os diaristas e os povos que vivem de pastoreio, a caa e a pescatradicionais esto entre a gente mais discriminada e vulnervel emmuitas partes do mundo.

    Atualmente o apoio aos camponeses e s comunidades rurais insuficiente: s quatro por cento da cooperao internacionalpara o desenvolvimento destinada agricultura e a maioria dosgovernos nacionais prioriza os investimentos em desenvolvimentoagrcola em grande escala (...)21

    muito elevado o nmero de camponeses pobres. Conforme o Censo Agro-pecurio realizado pelo IBGE em 2006 haveria 3,8 milhes de estabelecimen-tos rurais (72,96% do total de estabelecimentos) com Valor Total da ProduoDeclarada (VTPD) inferior a 2 salrios mnimos mensais (smm), representandoaproximadamente 4% do total do VTPD dos estabelecimentos rurais do pas.

    Por outro lado, 424 mil estabelecimentos que declararam obter mais do que10 smm, representando 8,2% do total dos estabelecimentos, obtiveram 85% doVTPD. E desse total de estabelecimentos com VTDP maior do que 10 smm, 22,2mil (0,4 % do total) obteve 51, 34% do total do VTPD.

    21 - AGRICULTURES. El papel de los campesinos en la agricultura orgnica,Posio de IFOAM, in LEISA revistade agroecologia, dezembro 2012, vol. 28 n 4. Posicin de IFOAM.

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    A acentuada concentrao da terra e da riqueza no campo onde 56,12%do total dos imveis eram considerados em 2010 como de grande proprie-dade (INCRA) e 22 mil estabelecimentos rurais com renda bruta superior a

    200 smm (IBGE 2006) representando 0,43% do total dos estabelecimentosauferiu 51,34 % do total da renda bruta, aliada histrica concentrao daterra no pas e a rejeio social dos pobres, pode ser considerada em seuconjunto como a principal causa das desigualdades sociais extremadas nopas, dela derivando o encantamento dos governos pelos negcios dos empre-srios rurais.

    Essa hiptese, quem sabe uma tese, sugere que a postura de submisso dosgovernos s empresas transnacionais de insumos (entre outras) potencializadapelo agronegcio cujo produtivismo insano, que lhe corri a sensatez e o tornacativo das empresas transnacionais de insumos em especial aquelas que ofere-cem sementes geneticamente modificadas sejam elas as transgnicas sejamas mutagnicas, respaldado por um Estado que orgnico e subalterno aosinteresses dominantes.

    E para os empresrios das empresas capitalistas agrrias tudo leva a crerque o modelo de produo e tecnolgico que praticam seja a nica via

    que permitiria a gerao de elevada renda e lucro compatveis com o usoburgus espoliativo dos recursos naturais e, em especial, das terras agricul-tveis no pas.

    No concebvel nesse modelo dominante qualquer relao com a natu-reza e com os trabalhadores que no se baseie na acumulao via espoliaodos recursos naturais e a subalternizao dos camponeses aos seus interessesde classe.

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    Sete teses sobre o

    mundo rural brasileiro:

    antteses

    Francisco de Assis Costa

    I INTRODUO O NOVO, DE NOVO

    Recentemente, na forma de teses, uma interpretao sobre o rural brasileiroveio tona (BUAINAIN et alii, 2013). No obstante procurando estabelecer oque de novo h no campo, uma primeira caracterstica do esforo que reeditahipteses enunciadas por clssicos da questo agrria h mais de um sculopara o rural de todo o mundo capitalista: por processos condicionados pelarenda da terra e relaes de mercado, ali onde domina a grande propriedaderural como herana histrica, tenderia a se conformarem empresas com base

    em assalariamento, submetidas a tenses para a concentrao, em evoluono muito distinta de suas congneres industriais; onde prevaleciam estrutura-es camponesas, se assistiria uma polarizao cumulativa que, favorecendoas famlias inicialmente melhor aquinhoadas, produziria, de um lado, estabele-cimentos cada vez maiores e mais fortes que, ao final, se somariam torrenteem formao pelo outro processo; de outro, uma massa de famlias pobres comcapacidades produtivas continuamente reduzidas, linearmente condenadas aofracasso, cujo desfecho forneceria os trabalhadores assalariados para o conjun-

    to da produo agrcola e no-agrcola.O que se previu para o mundo no aconteceu, reconhece o diagnstico,

    eis que a produo de base familiar na agricultura permaneceu relevante portoda parte. No Brasil, porm, o capitalismo teria, enfim, afirmado na agriculturaseu ideal eis que as mltiplas formas de capital, o produtivo, o mercantil eo financeiro se realizam diretamente na agricultura, alm dos circuitos indire-tos prevalecentes desde sempre (os limites impostos pela especificidade daagricultura como economiateriam sido superados, ou se tornaram irrelevantespara o que interessa). O sucesso do processo seria incontornvel, uma vez quebaseado numa adaptao de eficincia inquestionvel do padro tecnolgico

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    mecnico-qumico em sua fase atual de incorporao crescente de tcnicas demanipulao gentica, capazes de absorver os constrangimentos ambientaiscrescentes (os limites impostos pela especificidade da agricultura como natureza

    teriam sido superados, ou se tornaram irrelevantes para o que interessa). Demodo que, agora sim, A nova fase vem concretizando uma dupla face adinmica econmica concentra a produo cada vez mais e, de outro lado,aprofunda a diferenciao social, promovendo intensa seletividade entre osprodutores rurais. Em nenhum outro momento da histria agrria os estabeleci-mentos rurais de menor porte econmico estiveram to prximos da fronteira damarginalizao. (op. cit., p.14).

    II DA TENSO ENTRE CONHECIMENTO COMO ESTRATGIA DE AOE COMO CINCIA

    As teses mencionadas abarcam um programa poltico elas articulam adupla funo de conhecimento analtico e conhecimento para a ao. Deve-mos a um grande gegrafo brasileiro a crtica que desvela os riscos inerentesaos exerccios das cincias da sociedade que se fazem sem o controle dessa

    duplicidade de dimenses. Discutindo mediaes essenciais da ao polticanos anos setenta, Milton Santos dizia que as cincias sociais, particularmente aeconomia, falharam quando fundamentaram a cincia do planejamento por-que falharam antes em seu papel de cincia da sociedade, isto , quando,objetivamente, se mostraram incapazes de incorporar a segmentao estruturalque marca a espacialidade dos pases do Terceiro Mundo. Em seus prpriostermos: Nenhuma das teorias espaciais leva em conta a existncia de umoutro subsistema econmico, coexistente com a economia moderna (...e...)

    s se interessam pelos mecanismos da economia moderna. Ora, isto impedea compreenso da economia global e de sua projeo no espao (Santos,2007, p. 81).

    Nos espaos diferenciados dos nossos pases, segue o autor, (...) doissubsistemas, o circuito superior ou moderno e o circuito inferior, podem serisolados e identificados (Santos, 2007, p. 126) compondo totalidades. Ocircuito superior seria resultado direto da modernizao tecnolgica incorpora-

    da a sua referncia estrutural fundamental, os monoplios, cujas relaes sosupralocais, referidas a planos nacionais e internacionais. O circuito inferior

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    Sete teses sobre o mundo rural brasileiro: antteses

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    seria enraizado em fundamentos locais de insumos e mercado e baseado ematividades de pequena escala (Santos, 2007, p. 126). A meno escala referida a condicionantes estruturais, mediante os quais as pequenas empre-

    sas, por uma parte constituem realidade compatvel com o desenvolvimentocapitalista e com o processo de acumulao; por outra, tm suas caracte-rsticas, inclusive de tamanho, ajustadas a papis definidos na reproduosocial. Tal perspectiva supera a viso marxista tradicional de que o processode concentrao e centralizao linear e irrecorrvel. E, nisso, converge, jnaquele momento, com Edith Penrose (2006, p. 319-337), cuja teoria daconvivncia duradoura das pequenas e grandes empresas, apresentada em1959, constitui importante avano s vises dualistas tradicionais baseadas

    em individualismo metodolgico, as quais, no obstante, reconhecendo apermanncia de segmentos de grandes e pequenas empresas, atribuam aestas ltimas uma existncia necessariamente passageira, acidente histricode rpida superao. De modo que, transpondo os limites do estruturalismomarxista e do atomismo, uma e outra perspectiva, a de Santos e de Penrose,vm diversidades estruturais profundas como imanentes natureza das econo-mias reais, os diferentes setores e atores que disso emergiriam desempenhan-do papis essenciais para o funcionamento do sistema como um todo e seu

    desenvolvimento.Sem a considerao desses aspectos, insistia Santos, e as formas especficas

    que assumiam em cada situao mais dramticas no Terceiro Mundo, emboraimportantes, tambm, em muitos pases industrializados , as cincias sociais,particularmente as que organizam a cincia regional, e as intervenes polti-cas que orientavam teriam se tornado temeridades, em razo de se constituremmais em causa da persistncia e aprofundamento da iniqidade, do que basepara o revs de sua eliminao.

    A crtica atual, e merece ser retomada como prembulo s consideraesque seguem: sem capacidade para interpretar a diversidade estrutural profundae operante nas formaes econmico-sociaisconcretas e, mais, sem capacida-de para interpretar as manifestaes particulares da operao dessa diversida-de na constituio dos territrios, as cincias sociais tm falhado miseravelmentepor enfatizar, nas suas recomendaes prticas, apenas aquilo que, por assimdizer, salta aos seus olhos aparelhados pelas lgicas de tipos ideais, sejade modos de produo, seja de convergncias para equilbrios de resultadosequivalentes.

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    Em ambas as situaes, o que se produz so teleologias vises de futurocomo anti-histria, eis que antecipao de devir organizado como promessa doque hoje, no tempo e lugar da anteviso, se mostra como o inevitvel bem, ou

    o incontornvel mal. Teleologias no so neutras elas so os nexos que articu-lam presente e futuro, pavimentando o caminho das profecias auto-realizveis.

    III O PENSAMENTO TELEOLGICO SUBORDINAO PENSAMENTO HISTRICO

    Para oferecerem perspectiva histrica, como uma conscincia compatvelcom a pluralidade das sociedades complexas, as cincias sociais devem sercapazes de explicitar analtica e sinteticamente a diversidade estrutural que lhes prpria, pois nela se expressam sujeitos e razes, a fora e as contradiesde suas interaes estruturadas e os graus de liberdade que podem subverterou reorientar os trajetos reprodutivos. Uma viso histrica requer no menosa explicitao da diversidade territorial, o substrato material da diversidadeestrutural, lcus da expresso da contradio ltima entre as condies culturaise o fundamento natural da existncia de seus sujeitos.

    Os autores das teses a que nos voltamos no admitem diversidade estruturalsubstantiva, de natureza e essncia, nem especificidade nas razes dos agentesque a materializam, do mesmo modo que no problematizam o sentido dassuas relaes polticas e territoriais. Dispensam a vasta discusso existente comgolpes de autoridade: sequer cabe meno ao argumento estapafrdio deque as diferenas entre formas de produzir, se familiares (camponesas) ou no,so substantivas, se tm papis fundamentais na reproduo social no presentee no futuro e porque. As diferenas admitidas so de grau e forma: economi-camente, importa ... produtores mdios e de menor porte econmico... emcontextos heterogneos porque lidando com tecnologias avanadas ou atra-sadas; sociologicamente, produtores pequenos e mdios formam um ...classemdia..., produto de um desaburguesamento da atividade rural que, menosrentvel, afugentou o capital. Uma classe mdia intercambivel com as classesmdias urbanas e, diga-se de passagem, que se manteve nos pases avanadosdo capitalismo por favores do Estado.

    Territorialmente, admitem que o novo momento de modernizao do agrrionacional se realiza em ...ambientes profundamente diferenciados, conforman-

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    do uma visvel heterogeneidade estrutural, decorrente e caracterizada por dis-tintas dinmicas agrcolas (...), situaes que decorrem principalmente ...dacombinao de um grande nmero de situaes e fatores que ainda precisam

    ser estudados... para explicar a convivncia recorrente de dinmicas produti-vas avanadas e atrasadas (op. cit., p. 7). A despeito de admitirem ignornciasobre as formas de conformao territorial e seus significados, esto certos deque seria de importncia secundria a existncia ...de padres tecnolgicossupostamente excludentes....

    IV NOES DE QUANTIDADE, GRAU E FORMA SUBORDINAM

    NOES DE QUALIDADE, NATUREZA E ESSNCIAComo mencionado em II, as teses embasam um programa de ao contido

    nas linhas e entrelinhas das indagaes que seguem:

    Urge, portanto, obter uma resposta da sociedade pergunta: queremosum pujante pas agrcola, o maior produtor de alimentos do mundo, assentadoem uma agricultura de bases tecnologicamente modernas, mas operado quaseexclusivamente em unidades produtivas de larga escala? Ou o melhor objetivonacional seria obter o mesmo resultado econmico-produtivo, porm tambmintegrando parcela significativa dos produtores mdios e de menor porte econ-mico ao mesmo processo de transformao? Se a segunda resposta for a sele-cionada pela sociedade, ento a ao governamental precisa ser modificada,provavelmente de forma radical e com urgncia. (op. cit., p. 23)

    Face aos fundamentos que do sentido s teses interpretativas no h diver-sidade essencial de sujeitos e estruturas, nem razes essenciais que impeama, ou ponham dvidas na alternncia entre trajetrias tecnolgicas distintas, apropulso fundamental dos processos derivando da fora do padro tecnolgi-co em afirmao o que significam as teses polticas do texto?

    Uma sntese entre as teses interpretativas e as orientadas para a ao polticapoderia ser lida como segue. Tal como as coisas vo, um padro tecnolgicose afirmar no Brasil tornando-o o maior produtor de alimentos (soja, milho ecarne) do mundo. Seguindo a tendncia, isso se far com grandes empresas.

    Se se [ou o sujeito oculto, o um falso coletivo sociedade] quer, porm, ter pe-quenas e mdias empresas no processo, dever se ter ao poltica deliberada

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    com dois movimentos concomitantes: um, que se deixe de reforar, por polticasde reforma agrria e fomento a tecnologias alternativas, estruturas anacrnicas,matriz de pobreza; outro, que se foque a ao na formao de uma classe

    mdia no contexto mesmo das trajetrias tecnolgicas triunfantes.Mediante isso, questes de dois tipos se impem:

    Sobre as razes: Porque a sociedade brasileira optaria por pequenas e m-dias empresas, ao invs das grandes, se, por um pressuposto do raciocnio, noh diferena de qualidade entre umas e outras, se indiferente, nos resultadoseconmico-produtivos imediatos, ter um ou outro arranjo? Por que a mudana,se seguir a tendncia mais barato para a sociedade que contrari-la, crian-

    do economias derivadas?

    Sobre as conseqncias: Se o processo levar ao resgate de indefinidaparcela significativa de pequenos e mdios, o que se passar com a outraparcela, o resto, que seguindo o mesmo critrio de acurcia seria tambmsignificativa?

    No h teses a respeito. No obstante, se poder presumir razes de justia

    social, razes de segurana alimentar ou, mesmo, de segurana nacional ou,ainda, preocupao com o inchao das cidades associado ao xodo rural.Tudo isso justificaria uma poltica rural, cujo sentido ltimo seria a retenoestritamente quantitativa de populao. Mesmo assim, no seria contraditriotal anseio mediante as incertezas sobre as dimenses da parcela significativada populao rural que ser deserdada do processo? Qual o saldo resultante,afinal?

    Nos pomos diante do quadro escuro sobre o qual alertava Milton Santos...Podemos, frente a isso, com ele perguntar: ao final, cumprida a estratgia, te-remos uma sociedade mais condizente com a modernidade, porque mais forte,porque mais justa, porque mais ambientalmente sustentvel ou, ao contrrio,teremos nossas deformaes aprofundadas?

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    V REPOSICIONAR HISTRIA E NATUREZA, QUALIDADEE SENTIDO PRECISO

    As teses sob anlise se basearam em interpretaes da dinmica rural sob ocapitalismo avanado e entre ns que carecem avaliao, eis que abstraem fun-damentos de natureza e atributos de qualidade s estruturas e aos processos ve-rificados. E tais fundamentos no so simples barreiras superadas em nenhumadas realidades observadas. Na verdade, sua considerao foi dominantementee , com fora crescente, essencial para moldar um mundo rural compatvelcom os atributos de sustentabilidade que se tornam cada vez mais refernciasnecessrias s polticas de desenvolvimento aqui e alhures.

    Voltemos a noes presentes no texto e essenciais aos seus encaminhamentosprticos. A idia de que a agricultura no capitalismo aburguesou para depoisdesaburguesar, deixando como saldo uma classe mdia rural intercam-bivel com classes mdias em geral, no corresponde ao dominante dosprocessos histricos dos pases capitalistas, inclusive dos Estados Unidos refe-rncia histrica central dos autores, que, entre outras correspondncias, vem oprocesso em curso como similar ao que se passou naquele pas no ps-guerra(para esta e as prximas consideraes ver Costa, 2012a).

    Na maioria das situaes, trajetos ascendentes de camponeses e campesina-tos constituram os fundamentos objetivos da modernizao do rural. Ademais,a mobilidade social ascendente de camponeses a condies de existnciamaterial que hoje se assemelham s da classe mdia urbana resultou de seuprotagonismo econmico e poltico que, no andamento e resultados, marcoudecisivamente as sociedades com atributos de equidade e democracia, almde garantir, pela preservao da memria cultural, nutrientes de eficincia e

    criatividade sistmica na obteno de inmeros itens da reproduo social. Suapresena e desenvolvimento qualificaram sociedades e agriculturas. Quase semexceo, o que se passou foi que, em seus trajetos de modernizao as socie-dades mais avanadas do capitalismo se mostraram, ou em algum momento setornaram, abertas o suficiente para que suas polticas e seus Estados buscassemcorrespondncia alimentada positivamente por sinais de virtuosidade sistmica entre capacidades, demandas e aspiraes camponesas (condies econmi-cas e cidads para a gerao presente e capacidade de transferncia para o

    universo urbano em condies competitivas) e os desafios da modernizaodo rural em regimes particulares de reproduo do capitalismo.

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    possvel, assim, substanciar a tese de que camponeses empreenderamrotas ascendentes nas sociedades modernas mantendo funes produtivaspor razes de mrito. Por vezes, como no caso de muitos pases da Europa

    e do Japo, com papis destacados na moldagem e orientao de trajetostcnicos (ou trajetrias tecnolgicas, eis que padres de solues tcnicasque combinam conhecimento estabelecido, fundamentos i