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Não basta ganhar. As esquerdas brasileiras venceram a eleição presidencial. Mas o lado de lá segue sabotando e ameaçando, além de controlar aspectos fundamentais da economia, da política e até do governo nacional PÁGs. 6 a 10 Progressismo num só país? Gustavo Codas Falta ganhar na política Roberto Amaral Indústria é o nó da questão Jandyra Uehara PÁGs. 35 a 37 PÁGs. 69 a 72 ESQUERDA PETISTA revista #3 FEVEREIRO/2015 ISSN 2358-2413 02 Tem que levar

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Não basta ganhar.

As esquerdas brasileiras venceram a eleição presidencial. Mas o lado de lá segue sabotando e ameaçando, além de controlar aspectos fundamentais da economia, da política e até do governo nacional

PÁGs. 6 a 10

Progressismo num só país?

Gustavo Codas

Falta ganhar na política

Roberto Amaral

Indústria é o nó da questão Jandyra Uehara

PÁGs. 35 a 37 PÁGs. 69 a 72

ESQUERDAPETISTA

revista

#3 FEVEREIRO/2015ISSN 2358-2413 02

Tem que levar

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80SUS BrasilRicardo Menezes

31

56

43

50

Desafios da luta de classe no próximo período

Miguel Enrique Stedile

As mulheres e o votoRosana Ramos

e Ane Cruz

27

4

EDITORA

EXPEDIENTE

ESQUERDA PETISTA é uma publicação da Editora Página 13, sob responsabilidade da direção nacional da Articulação de Esquerda, tendência do Partido dos Trabalhadores.

Direção Nacional da AE:

Adilson Nascimento dos Santos (MS), Adria­na Miranda (DF), Adriano Oliveira (RS), Aila Marques (CE), Ana Afonso (RS), Ana Lúcia (SE), Ana Rita (ES), Beto Aguiar (RS), Bruno Elias (DF), Damarci Olivi (MS), Daniela Ma­tos (MG), Denise Cerqueira Vieira (TO), De­nize Silva de Oliveira (MS), Dionilso Marcon (RS), Edma Walker (SP), Eduardo Loureiro (GO), Emílio Font (ES), Expedito Solaney (PE), Fabiana Malheiros (ES), Fabiana Rocha (ES), Iole Iliada (SP), Iriny Lopes (ES), Isaias Dias (SP), Jandyra Uehara (SP), Janeth Anne de Almeida (SC), Joel Almeida (SE), Jonatas Moreth (DF), José Gilderlei (RN), Laudicéia Schuaba (ES), Leyse Souza Cruz (ES), Lício Lobo (SP), Lúcia Maria Barroso Vieira (SE), Marcel Frison (RS), Marcelo Mascarenha (PI), Marco Aurélio Moreira Rocha (MG), Mario Candido (PR), Múcio Magalhães (PE), Olavo Carneiro (RJ), Pere Petit (PA), Rafael Tomyama (CE), Raquel Esteves (PE), Rosana Ramos (DF), Rafael Pops (DF), Rubens Alves (MS), Sílvia de Lemos Vasques (RS), Sonia Hypólito (DF), Teresinha Fernandes (MA), Ubiratan Félix (BA), Valter Pomar (SP).

Comissão de ética nacional:Eleandra Raquel Koch (RS), Rodrigo César (SP) e Wagner Lino (SP).

Editor: Valter Pomar ([email protected])

Colaboraram nesta edição: Adriana Miranda, Edma Walker, Pedro Pomar, Rodrigo César e Wilma dos Reis Rodrigues

Diagramação e projeto gráfico: Movimento Web&Artes Gráficas / Cláudio Gonzalez

Secretaria: Edma Walker([email protected] )

Endereço para correspondência:R. Silveira Martins, 147 conj. 11,São Paulo (SP), CEP 01019­000

ESQUERDAPETISTA

revista

73

86

93

76

91

SUMÁRIOEDITORIAL

O que falta fazer

INTERNACIONAL

NACIONAL

BALANÇO

PRESIDENTA

6

11

19

62

69

6515

45

35

54

38

Bruno Elias

Breno Altman

Dilemas do progressismo em um só país

Gustavo Codas

Encruzilhada petista

Reforma política: prioridade em 2015

Hora de avançarRui Falcão

Dilma RousseffDiscurso feito pela presidenta Dilma

Rousseff, no dia 1º de janeiro de 2015

Vencemos as eleições. Falta ganhar a política

Roberto Amaral

Eleita Dilma Rousseff, aprioridade, agora, são as

reformas estruturaisRenato Rabelo

Da representativa à participativa

Vagner Freitas

O voto da juventude: um passado pela frente?

Rodrigo Cesar

As razões do NordesteMúcio Magalhães e

Antonio Pessoa (Zico)

2015 E DEPOIS

A hora da estratégiaIole Ilíada

Qual economia?Wladimir Pomar

O nó está na indústriaJandyra Uehara

Qual reforma urbana?Marcel Frison

Qual governabilidade?Rubens Alves e Wanderson Mansur

O ódio no horizonteLena Azevedo

Qual agricultura?

Entrevistou com Irene Maria Cardoso

Radicalizar na luta por direitosIriny Lopes

PARTIDO

99

96PT 35 anosCarlos Henrique Menegozzo

2015: Debate e LutaAdriele Manjabosco

41Nota das Centrais

Sindicais

A luta por um mandato superiorResolução aprovada pela direção nacional da Articulação de Esquerda

AGENDA

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4 ESQUERDA PETISTA

EDITORIAL

Esquerda Petista conclui seu primeiro ano de vida, reafirmando os propósitos expos-tos no editorial de nossa primeira edição: ser um espaço para o debate de maior fôlego ideológico, teórico, programático e estratégico.

Esta edição, por exemplo, aborda sob diversos aspectos o que constitui uma das tarefas principais da esquerda brasileira, em 2015 e adiante: completar o que não foi feito em 2014. Ou seja: criar as condições para um segundo mandato Dilma que seja superior ao primeiro. Tarefa que como todos sabem, é dificultada pela conjuntura econômica interna-cional, pelo comportamento do grande capital aqui instalado, pela agressividade da opo-sição, mas principalmente pelo espírito conciliatório que domina o raciocínio estratégico de grandes setores da esquerda brasileira.

Esquerda Petista conclui seu primeiro ano reafirmando, também, o compromisso de ser uma revista editada sob responsabilidade da tendência petista Articulação de Esquerda, mas aberta a militantes de esquerda que não são integrantes de nossa tendência. Lem-brando sempre que cada autor é responsável pelo que escreve e suas posições não neces-sariamente coincidem com as nossas.

2015 será um ano de intensa luta política e social, mas também de muito debate, a exem-plo dos congressos do Partido dos Trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores, da União Nacional dos Estudantes e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Lutaremos para que este debate contribua para retomar -- não apenas como discurso, mas como prática -- uma orientação antiga e atual: para transformar o Brasil, é preciso combinar ação institucional, mobilização social e organização partidária, operando uma verdadeira �revolução cultural� no modo de fazer politica das classes trabalhadoras.

Os problemas do mundo, do Brasil e do PT são imensos. Mas é possível superá-los, se buscarmos as soluções não em indivíduos geniais, mas no coletivo, mais exatamente na conscientização, organização e mobilização da classe trabalhadora. E se adotarmos, no lugar da conciliação que tanto atrasa nosso país, uma postura de enfrentamento com aqueles setores políticos e sociais contrários à soberania. à democracia e à igualdade. Nes-se espírito, aliás, publicamos na contracapa desta edição a lista de criminosos formatada pela Comissão Nacional da Verdade.

Esquerda Petista é do time dos que não perdem a esperança, a cabeça e muito menos o bom humor. Na edição anterior já alertávamos que a burguesia não nos faltaria e ela não nos faltou. E agora reafirmamos que venceremos. Mesmo que às vezes pareça ser contra quase tudo, contra quase todos e contra a maioria de nós mesmos, venceremos.

Os editores

O que falta fazer

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5ESQUERDA PETISTA

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6 ESQUERDA PETISTA

E m 2007-2008 o capitalis-

mo desenvolvido sofreu sua maior crise desde aquela de 1929, que foi a maior da sua história. Partindo dessa constatação – praticamente consensual entre analis-tas de todos os matizes ideológicos – a esquerda latino-americana deve buscar respostas a pelos menos quatro questões: Terminou a crise? Caso a resposta ante-rior seja “não”, quais as condições que o capitalismo desenvolvido tem para supe-rar a crise? Quais impactos tem tido essa crise, cujo epicentro foi o capitalismo de-senvolvido, sobre as outras regiões? E, finalmente e mais importante, em esse contexto, é possível um projeto progres-sista em um só país latino-americano?

Ainda a crise

Se a analisarmos não como uma conjuntura curta, mas como expressão de uma mudança de período no desen-volvimento capitalista, é muito cedo para uma conclusão definitiva sobre se a crise terminou, ou não. Isso é mais certo ainda

INTERNACIONAL

DILEMAS DO PROGRESSISMO em um só país

Gustavo Codas

As crises do capitalismo desenvolvido são oportunidades para as periferias do capitalismo. Mas aproveitar essas oportunidades depende da ação política das forças que lideram os processos

porque à diferença daquela de oito déca-das atrás, na crise de 2008 os governos do capitalismo do Norte intervieram pe-sadamente com recursos públicos para salvar bancos e empresas privadas. Isso obviamente atenuou seu impacto e evi-tou o colapso; mas eliminou suas raízes e sua dinâmica?

Atualmente, há sinais de recupe-ração do crescimento da economia nor-te-americana, ao tempo que Europa e a periferia emergente ou estão estagnadas ou não retomam o ritmo de crescimento pré-crise. Alguns analistas apostam em um período longo de baixo crescimento global.

O que não parece ter resposta mais contundente é sobre o que se assentaria um novo ciclo de expansão capitalista. O anterior – que terminou em 2008 – se er-gueu sobre três vitórias do capital sobre o trabalho no mundo: os ataques aos traba-lhadores e o Estado de Bem-estar no ca-pitalismo do Norte nos anos 1980-90; as transições da ex-URSS, o Leste Europeu, Vietnam e a China a formas diversas de

capitalismo nos anos 1990-2000; e o neo-liberalismo no Sul do mundo, sobretudo na América Latina, nos anos 1980-90.

Esses avanços do capital vieram precedidos desde os anos 1970 e acom-panhados, ao longo das décadas seguin-tes, por uma expansão impressionante do capital financeiro especulativo que se beneficiou da liberalização que os estados (a começar os EUA) concederam a seus mercados financeiros, quebrando acor-dos regulatórios do pós-Segunda Guerra Mundial.

Foi sobre essa base econômica que as novas tecnologias ajudaram à recupe-ração económica do capitalismo desen-volvido que tinha sido atingida por uma crise profunda nos anos 1970. Mas ago-ra nem há uma nova revolução tecnoló-gica em curso, nem mudanças do vulto daquelas três que permitiram recuperar margens de lucro e ampliar mercados para o capitalismo desenvolvido nas dé-cadas anteriores. A crise financeira de 2007-2008 teria sido a expressão última do esgotamento desses três impulsos.

a

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7ESQUERDA PETISTA

A periferia se move

A crise de 1929 arrastou a peri-feria capitalista ao redor do mundo. A economia brasileira sofreu fortemente suas consequências. Porém, como iden-tificariam tempo depois os estudiosos da dependência (entre outros, Raul Prebisch e André Gunder Frank), o en-fraquecimento do capitalismo central, ampliado em seguida pela eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-45), criou condições para o surgimento do primeiro ciclo desenvolvimentista em diversos países latino-americanos, sob liderança do populismo (entre outros Cárdenas em México, Perón na Argen-tina e Vargas no Brasil).

Aquele período marcou também a transição definitiva da hegemonia ingle-sa para a dos EUA no cenário interna-cional (hegemonia bloqueada parcial-mente desde finais da Segunda Guerra Mundial pela existência da URSS e seu campo de aliados).

A crise de 1929 arrastou a periferia capitalista ao redor do mundo. Porém, como identificariam tempo depois os estudiosos da dependência, o enfraquecimento do capitalismo central, ampliado em seguida pela Segunda Guerra, criou condições para o surgimento do primeiro ciclo desenvolvimentista em diversos países latino-americanos

INTERNACIONAL

A crise de 2008 coincidiu com as di-ficuldades e dores do parto de uma nova ordem mundial que busca contestar a hegemonia norte-americana unipolar, exercida com o apoio de seus aliados eu-ropeus desde o fim da URSS em 1991.

Nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) há muito mais que uma sigla ou “marca”. São países com grandes populações, extensões de terra e recursos naturais e economias. Em di-ferentes pontos do planeta buscam cons-truir espaços fora do controle hegemô-nico norte-americano. São governos que com diversas agendas buscam a gestação de uma nova ordem, onde tenham mais peso geopolítico demandas que são con-traditórias com aquele centro capitalista desenvolvido, e que não seriam consegui-das sob a atual hegemonia. Difícil acre-

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8 ESQUERDA PETISTA

ditar que uma disputa desse volume se resolva em um prazo curto e em conversações amenas no G20 (espaço que reúne líderes da hegemonia questiona-da com os governos dos países questionadores dela).

A criação do Banco dos BRICS e outras inicia-tivas dos países do grupo buscam apoiar centros di-nâmicos alternativos aos da hegemonia norte-ame-ricana, que mesmo em declínio econômico (medido, por exemplo, pela participação do PIB dos EUA no produto global) ainda mantém a liderança em maté-ria tecnológica, militar e ideológica (o american way of life) no mundo.

O neoliberalismo foi desde os anos 1970 o pro-grama e a ideologia impulsionados pelo capital fi-nanceiro especulativo. Avançou ao redor do planeta nas décadas seguintes até encontrar seu limite na crise de 2007-2008. Assim, esta foi genuinamente uma crise do neoliberalismo, mas trará como resul-tado sua superação política?

No Brasil – e outros países da região – há heran-ças duradouras desse período: o aumento do grau de abertura da economia às importações e um padrão de consumo predatório de estilo american way of life es-tendido a largas camadas da população, entre outras. Isso quer dizer que não contamos com as ferramentas do protecionismo económico tradicionais – possíveis de aplicar sem maiores questionamentos até os anos 1970. Hoje, qualquer projeto alternativo ao neoliberal deverá se desenvolver em um contexto de concorrên-cia direta com o mercado mundial. Esse parece ser justamente um dos desafios centrais às experiências dos governos progressistas latino-americanos.

Saída nacional ou integração regional?

Os governos progressistas fizeram, com as po-líticas sociais e econômicas implementadas, que o crescimento econômico estivesse ancorado na ex-pansão dos mercados internos de massa, além das exportações ao mercado mundial.

A ciência social entende sempre tarde as no-vas realidades, nas palavras dos clássicos “a ave de Minerva levanta voo ao entardecer”. Mas a ciência social latino-americana neste caso está demorando demais! Quinze anos depois de iniciado o ciclo pro-

INTERNACIONAL

Quinze anos depois de iniciado o ciclo progressista com a vitória eleitoral de Hugo Chávez na Venezuela (dezembro, 1998), a ciência social latino-americana somente conseguiu verificar o que há de “repetição” do antigo ciclo populista-desenvolvimentista na forma do “neoextrativismo”, mas pouco tem analisado as outras dimensões do fenômeno atual

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9ESQUERDA PETISTA

gressista com a vitória eleitoral de Hugo Chávez na Venezuela (dezembro, 1998) somente conseguiu verificar o que há de “repetição” do antigo ciclo populista-de-senvolvimentista na forma do “neoex-trativismo”, mas pouco tem analisado as outras dimensões do fenômeno atual.

Encontramos em uma entrevista à economista Maria da Conceição Tavares (uma cepalina heterodoxa) algumas re-flexões que seria útil continuar1. Ela afir-ma que o atual ciclo sob governos pro-gressistas no Brasil, mas talvez pudésse-mos alargar para outros países, não seria mais “desenvolvimentista”, mas busca construir uma “democracia social”. Indo

mais longe que ela, o economista que viu com mais clareza os termos da disputa foi o neoliberal Chico Lopes quem afirmou: “Eu chamaria essa concepção de política econômica do governo do PT de socialis-ta” (Valor Económico, 16/01/14).

Se o desenvolvimentismo anterior estava ancorado em expectativas com a industrialização tardia, a democracia so-cial tem seu foco principal nas políticas de melhoria dos níveis e distribuição da renda da população. No Brasil, podemos apontar o Bolsa Família, mas sobretudo a formalização do mercado de trabalho que amplia a cobertura de direitos sociais, as negociações coletivas com ganhos sala-riais reais (por cima da inflação) e o aces-so ao crédito para largos setores antes ex-cluídos, entre outras medidas. Isso ala-vancou o “modelo petista” de “distribuir para crescer”, impulsionando o mercado interno com a incorporação de amplos es-tratos sociais antes empobrecidos ao con-sumo (que os equipara à “classe média” nesse quesito, ainda que não nos outros).

Agora, como sustentar esse aumen-to do “custo [do trabalho no] Brasil”, que é como empresários e economistas neoliberais entendem o fenômeno, em um contexto de país aberto ao mercado globalizado? Anteriormente à globaliza-ção neoliberal, até os anos 1970, as polí-ticas protecionistas garantiam os merca-dos internos para a industrialização via substituição de importações. Como con-tinuar agora o processo de industrializa-ção, quando a globalização faz com que os menores custos obtidos em qualquer lugar do planeta, mas provavelmente na Ásia, definam a viabilidade do investi-mento em muitos setores manufaturei-ros em um determinado país?

Três dos grandes países que têm im-plementado políticas progressistas – Ar-gentina, Brasil, Venezuela – enfrentam hoje fortes restrições no mercado inter-

nacional, expressas através de suas con-tas externas, na pressão sobre suas moe-das, processos de desindustrialização por substituição da produção interna por im-portações, ameaças das agências interna-cionais de avaliação de riscos, dificulda-des de financiamento externo e/ou difi-culdades fiscais. É verdade que essas três experiências nacionais – lideradas pelo kirchnerismo, pelo PT e pelo chavismo, respectivamente – provavelmente têm mais diferenças políticas, econômicas e sociais que semelhanças. Mas se identi-ficam nas tentativas do Estado e da De-mocracia avançar sobre o Mercado, isto é, da sociedade através das instituições da democracia representativa impor limites e compromissos aos capitais nacionais e internacionais. A disputa política lidera-da pelas direitas de cada país na presente conjuntura é para reverter esse quadro, fazer retroceder o Estado e a Democracia frente ao Mercado.

Também essas experiências têm em comum a perspectiva da integração regional como alternativa à inserção su-bordinada à hegemonia norte-america-na. Nas recentes eleições brasileiras, as duas principais candidaturas opositoras à reeleição da presidenta Dilma, a do Aécio (PSDB) e a da Marina (Rede/PSB), expu-nham claramente sua intenção de voltar a roda da história atrás e recolocar o Bra-sil na trilha da derrotada ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), enterrada em Mar del Plata em finais de 2005 por Kirchner, Lula e Chávez.

Reverter o projeto da “democracia social” e voltar ao “pátio traseiro” dos EUA são duas caras da mesma moeda do neoliberalismo e do unilateralismo norte--americano.

Justamente o principal nó desses processos progressistas é difícil de ser de-satado, devido ao atraso na construção da integração regional de suas economias.

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10 ESQUERDA PETISTA

Na recente reunião em Quito (dezembro de 2014) voltou a se prometer o início das operações do Banco do Sul. As transações comerciais entre países da região sem uso do dólar estão aprovadas em vários casos, mas tem tido difícil implementação. Há acordos tecnológicos – como entre Ar-gentina e Brasil na área nuclear – mas ainda são em poucos setores e de pouco impacto económico-social. A criação do Conselho de Defesa da UNASUL foi um passo adiante decisivo para começar a sair do “pátio traseiro” do TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recípro-ca)2, mas ainda falta cumprir sua agenda de aproximação das estratégias de defesa.

Os ritmos das agendas progressis-tas e de construção de um mundo mul-tipolar são diferenciados. O dos processos internos em cada país e o das possibili-dades de avançar na integração regional, também. Mas não há outras alternativas senão uma construção regional, suprana-cional, de um projeto progressista3. E ele necessariamente vai ser – como em Mar del Plata 2005 – em oposição à decadente hegemonia norte-americana.

As crises do capitalismo desenvol-vido são oportunidades para as perife-rias do capitalismo. Mas aproveitar essas oportunidades depende da ação política das forças que lideram os processos. Os populismos latino-americanos não foram capazes de sair de suas fronteiras nacio-nais em meados do século passado. Serão as forças progressistas e de esquerda lati-no-americana do Foro de São Paulo, que governam importantes países na região, capazes de superar a tentação de ficar presas ao progressismo em um só país?

GUSTAVO CODAS é mestre em relações internacionais e doutorando em energia

NOTAS 1 Ver em: http://jornalggn.com.br/noticia/conceicao-o-fim-do-desenvolvimentismo-e-a-democracia-social

2 TIAR: tratado assinado em 1947 no Rio de Janeiro, pelo qual os EUA e os países da região comprometiam uma ação militar conjunta caso um país fosse atacado por uma potência estrangeira (se supunha que seria a URSS). Quando em 1982 a Inglaterra atacou a Argentina nas Malvinas, os EUA, violando o TIAR, apoiou o agressor externo.

3 Ver uma explicação mais ampla em nosso artigo de 2006: http://www.contextolatinoamericano.com/articulos/ame-rica-latina-integracion-regional-y-luchas-de-emancipacion/#

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11ESQUERDA PETISTA

Os partidos políti-cos, na tradição conservadora bra-sileira, dificilmen-te passam de má-quinas ou legen-das eleitorais, cuja

vinculação ao Estado é ditada pela relação de troca, entre apoio parlamentar aos go-vernantes que elege e condições de repro-dução, tanto políticas quanto materiais, para as próprias agremiações e seus chefes.

A burguesia brasileira, particularmen-te no período posterior à ditadura, foi cons-truindo ou ocupando outros espaços para disputar a direção programática dos gover-nos, os valores predominantes na socieda-de e o comando das operações políticas de envergadura.

O principal destes instrumentos, sem dúvida, é a rede de comunicação, contro-lada por monopólios de imagem, som e escrita. A interface entre esses veículos e as grandes corporações empresariais, ao mesmo tempo principais anunciantes da mídia e maiores financiadoras de campa-nhas eleitorais, constituem o núcleo duro da hegemonia burguesa, ao redor do qual orbitam partidos e políticos da classe.

A vitória do Partido dos Trabalhado-res, em 2002, poderia ter representado um triplo desafio a esse sistema de poder.

A primeira perna deste possível en-frentamento estava – e continua – na possi-bilidade de mudar drasticamente o modelo eleitoral. Sem doações empresariais e com voto em lista, provavelmente haveria ele-vação da densidade político-ideológica e fortalecimento dos partidos.

Poucas seriam as chances de sobre-vivência para organizações sem molecu-larização nacional, incapazes de fazer o confronto de projetos e desprovidas de canais para representar interesses sociais consolidados.

Democratização dos meios de comunicação

O segundo termo desta oportunidade histórica vislumbrava-se na democratiza-ção dos meios de comunicação, através de regulação antimonopolista.

A expansão dos instrumentos de im-prensa, demolindo privilégios de oligarquias familiares, criaria outro ambiente para a batalha de ideias e informações, aberto à di-versidade, contraposto à pasteurização atu-al, de natureza classista e autoritária.

O terceiro e último elemento seria a emergência, como partido governista, de associação capaz de formular propostas, or-ganizar embate por sua legitimação e mo-bilizar os setores desejosos de efetivá-las.

Encruzilhada PETISTA

Breno Altman

O reposicionamento das relações do

PT com o governo deveria ser

procedido à luz da contradição entre reformas

imprescindíveis para relançar o projeto

democrático-popular e a correlação desfavorável de forças nas

instituições do Estado

NACIONAL

a

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12 ESQUERDA PETISTA

NACIONAL

O PT poderia ter virado de avesso o destino manifesto dos partidos oficialis-tas, qual seja, a concorrência por cotas de poder nas entranhas do Estado como cen-tro de gravidade de sua intervenção.

A verdade é que, a princípio, ne-nhum destes passos foi realmente tentado em escala sensível.

Antes de mais nada, a reforma polí-tica e a regulamentação da mídia foram colocadas em segundo ou terceiro plano, quando não simplesmente em algum ar-quivo morto.

Mas também o cotidiano petista es-teve regido pelo tradicionalismo.

Aceitou-se que a articulação e a vo-calização da política deveriam ser feitas prioritariamente pelo governo. Ao partido caberia, fora dos períodos eleitorais, garan-tir a unidade e a disciplina das bancadas, a defesa pública incondicional dos atos administrativos e o convencimento de seg-mentos eventualmente descontentes.

Braço parlamentar

O PT era, neste desenho, uma espécie de braço parlamentar do poder executivo.

Tal fórmula, de estatização do par-tido, já seria custosa em administração monocolor. Distintas experiências históri-cas nos ensinam que essa receita leva ao esvaziamento do debate interno, ao dis-tanciamento dos movimentos populares, ao desprestígio junto à intelectualidade e à burocratização geral da vida partidária.

O cenário piora, contudo, quando es-tamos tratando de gestão multipartidária, especialmente quando determinados só-cios sentem-se à vontade para agir por seus propósitos ou pressionam para preci-ficar na alta o apoio parlamentar.

O PT, enclausurado no governo, viu--se em situação passiva diante de agre-miações coligadas, que se jogavam na de-fesa de medidas que atendiam às frações

sociais que representam, articulando-se com os poderes fáticos da república.

Sem vida autônoma, o partido aguardava, nas questões mais relevantes, que o Palácio do Planalto ou a Esplanada dos Ministérios tomassem posição, para cerrar fileiras a seu favor.

Parecia haver acordo tácito, pelo qual os petistas renunciavam a qualquer pugna pública na determinação de políticas es-tatais.

Formatava-se, assim, dinâmica de negociação na qual o governo estipulava proposições ou encaminhamentos a partir da sondagem de qual seria o mínimo de-nominador comum entre aliados políticos, sindicais, empresariais e até religiosos.

Raramente o conflito precedia a for-mação de consenso. Abdicava-se de apro-ximar a concertação de concepções histo-ricamente advogadas pela esquerda, o que somente seria possível através de disputa mobilizada na sociedade.

Importante exceção, e vitoriosa, foi a discussão sobre o marco civil na internet.

Mas poucas foram as vezes que se es-tabeleceu o enfrentamento como conduto para pactos mais arrojados entre os agru-pamentos que compõem o gabinete e as classes ali representadas.

Hábitos e vícios das legendas burguesas

Engolido pela engrenagem institu-cional, o PT perdeu muito de sua seiva. Adquiriu vários dos hábitos e vícios das legendas burguesas, além de fazer opção pela retaguarda como lugar preferencial no processo político.

Os efeitos mais sensíveis foram o descolamento em relação à vida e às lutas das massas, o atrofiamento da capacida-de formuladora, a renúncia à formação de quadros para além de tarefas estatais e o predomínio do cretinismo parlamentar como cultura política.

Não se pode esconder que este enfra-quecimento político-ideológico também relaxou o controle interno sobre práticas financeiras, afetando a imagem pública do petismo, bastante corroída por denún-cias de corrupção.

A boa notícia é que o partido vem concluindo, devagar e sempre, sobre o fracasso desta receita de funcionamento. Mesmo sem clara linguagem autocrítica, o que seria mais pedagógico, várias reso-luções partidárias têm sugerido a adoção de outra forma de relacionamento com o governo.

A partir das manifestações ocorridas em junho de 2013 e da última campanha presidencial, ficaram evidentes problemas da opção político-organizativa que preva-leceu desde 2003, mas cujas origens pode-riam ser rastreadas em tempos anteriores.

Natureza política

Esta situação, no entanto, não deve ser encarada por viés administrativo, pois é política sua natureza.

Durante longo tempo foi possível a convivência entre um partido de bastido-res e reformas baseadas no reordenamen-to orçamentário, alavanca para modelo de

A partir das manifestações ocorridas em junho de 2013 e da última campanha presidencial, ficaram evidentes problemas da opção político-organizativa

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NACIONAL

desenvolvimento amparado na inclusão social e na ampliação do mercado interno.

Quando a luta de classes evolui em ambiente de baixo atrito, lastreado pelo crescimento da economia, expressando conflito distributivo que não afeta direta-mente a renda do capital, pode-se supor certos benefícios em estratégia que evite tensões eventualmente arriscadas.

Associada à necessidade de alianças parlamentares fora do campo popular e até com grupos conservadores, esta orien-tação de moderação dos conflitos ganhou ainda mais corpo, tendendo à redução da política como arte de negociação.

Concorde-se ou não com esta con-cepção, deve-se reconhecer certa harmo-nia entre a linha geral na direção do Esta-do e o papel desempenhado pelo PT.

Claro que o partido poderia ter agido de maneira distinta, patrocinando agenda mais avançada sem violar a estratégia esta-belecida, inclusive com resultados melho-res, mas definitivamente não foi o caso.

O segundo governo da presidente Dilma Rousseff, porém, desponta sob o es-gotamento deste primeiro e bem-sucedido ciclo de reformas, cujos sinais passaram a ser politicamente visíveis nos últimos quinze meses.

Mudanças estruturais

Novos e importantes avanços passa-ram a depender de mudanças estruturais.

O processo inaugurado em 2003 pode ser paralisado ou mesmo regredir sem a democratização do Estado, o enxu-gamento da renda financeira dos fundos privados, a consolidação do regime de partilha do pré-sal, a aceleração da inte-gração latino-americana e a adoção de sis-tema tributário progressivo, entre outras medidas de fundo.

Tais modificações são indispensáveis para destravar o desenvolvimento e finan-

ciar a melhoria dos serviços públicos, a ampliação de direitos sociais e o aprofun-damento dos programas distributivos.

O reposicionamento das relações do PT com o governo, portanto, deveria ser procedido à luz da contradição entre re-formas imprescindíveis para relançar o projeto democrático-popular e a correla-ção desfavorável de forças nas instituições do Estado.

Muitos abordam esta disfunção atra-vés da aritmética: se não há forças sufi-cientes, particularmente no parlamento, só restaria atuar sob o objetivo central de evitar retrocessos.

Abordagem um pouco menos assus-tada chegaria a outra conclusão.

Se as realizações dos últimos doze anos não são mais suficientes para expan-dir a base do petismo, como se pode veri-ficar a partir das últimas eleições, é fácil prever o que ocorreria se hipóteses como o congelamento ou o recuo fossem levadas à prática por um período prolongado.

Reinvenção

Ainda que a liderança presidencial seja decisiva para forjar condições políti-cas que permitam o nascimento de uma nova maioria, capaz de implementar as mudanças elencadas, a reinvenção do PT seria fundamental para ultrapassar obstá-culos próprios de um bloco histórico que é governo, mas sem hegemonia no Estado e na sociedade.

O partido precisaria extrair as devi-das consequências do que vem a ser uma política de coalizão pluripartidária e poli-classista. Não deveria conceber como sua incumbência primordial a arbitragem de interesses, mas o esforço para elaborar propostas, estabelecer alianças e conquis-tar apoio público que viabilizem posições de esquerda na sociedade, no gabinete e no Congresso.

A superação da governabilidade es-tritamente institucional, que tranca ini-ciativas mais audaciosas e restringe a ação

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14 ESQUERDA PETISTA

A reconstituição de um bloco progressista, formado por

partidos e movimentos,

com capacidade de ação comum

e plataforma unificada, tem

valor estruturante para defender as

reformas e inverter a correlação de

forças

política ao veto de aliados, pressupõe a ressurreição da pressão social organizada como ferramenta de poder.

Um dos requisitos desta renascença é a reconversão do PT em partido orgânico dos pobres da cidade e do campo, dos in-telectuais, da juventude, das camadas mé-dias favoráveis à transformação do país.

Obviamente isso não significa aban-donar ou subestimar atividades de gover-no, legislativas ou administrativas. Mas indica a necessidade de recuperar elabo-ração programática autônoma, refazer vínculos com o mundo da cultura e do trabalho, reintegrar a luta institucional com as batalhas sociais.

O epicentro desta movida está em estabelecer um novo programa, vertebra-do pela reforma política e a regulação eco-nômica dos meios de comunicação, mas apontando também soluções para outros graves problemas do país.

O fomento de uma agenda para o presente e o futuro talvez seja a principal via de renovação da frente popular que veio sendo forjada desde os anos oiten-ta. Deve-se admitir que a absorção do PT pela institucionalidade foi decisiva para a fragmentação e o esvaziamento desta aliança estratégica.

A reconstituição de um bloco pro-gressista, formado por partidos e movi-

mentos, com capacidade de ação comum e plataforma unificada, tem valor estrutu-rante para defender as reformas e inverter a correlação de forças.

Mas seu vigor depende de autono-mia relativa diante do governo.

Não se trata apenas de criar corren-te de opinião que sirva de alicerce à ad-ministração federal diante da escalada conservadora. Ainda que essa tarefa não deva ser subestimada, a esquerda precisa de instrumentos que também permitam disputar os rumos do próprio governo.

Encruzilhada

Para estar a altura destes desafios, o PT precisa se resolver diante da mais deli-cada encruzilhada de sua existência.

Curiosamente a equação pode ser colocada de forma semelhante à que se fazia nos primórdios petistas: o partido é tático ou estratégico?

Um partido tático pode se limitar a projeto de melhorias sociais, nos marcos de organização política e econômica que permaneça imutável, da qual se apresenta como ala esquerda, mas balizado por pac-to de conservação.

Um partido estratégico incorpora ta-refas de governo, determinadas por reali-dades concretas, a um plano de transfor-mação da ordem, enraizado no objetivo de constituir as classes populares como direção do Estado e da sociedade.

A resposta à esta disjuntiva encon-tra boa síntese em frase das origens do movimento socialista e presente no con-gresso fundacional do PT:

A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores.

Ou não será.

BRENO ALTMAN é jornalista

NACIONAL

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15ESQUERDA PETISTA

A reforma política foi um dos principais com pro-

missos do programa que reelegeu Dilma presidenta. Democratizar o poder, ampliar a participação popular e enfrentar o domí-nio do poder econômico sobre o sistema político são tarefas fundamentais para um segundo mandato superior, voltado para as reformas democráticas e populares.

Desde as manifestações de junho de 2013, quando a presidenta Dilma propôs uma constituinte exclusiva para a refor-ma política, a disputa sobre os rumos e o conteúdo destas mudanças foi retomada com novo vigor.

Ao longo de toda a campanha eleito-ral, a candidata do PT defendeu a reforma política como parte do enfrentamento à corrupção e a realização de um plebiscito tratando das principais mudanças a se-rem realizadas no sistema político.

Ao mesmo tempo, a sociedade rom-peu o cerco que limitava as discussões sobre a reforma política ao parlamento, à midia, ao judiciário e aos governos. A realização do Plebiscito Popular por uma

Constituinte Exclusiva e Soberana do sistema político, impulsionado por mo-vimentos sociais, partidos de esquerda e organizações populares, mobilizou - a despeito do silêncio dos grandes meios de comunicação – centenas de comitês, mi-lhares de ativistas e o apoio de quase oito milhões de pessoas em todo o país.

Congresso conservador: mais dinheiro, menos povo

Embora o campo democrático e po-pular tenha vencido as eleições presiden-ciais, prevaleceu no resultado eleitoral da maioria dos estados e do Congresso Na-cional o poder econômico, a redução da representação dos setores populares e a ampliação das bancadas conservadoras.

Com um custo estimado em quase 5 bilhões de reais, as eleições de 2014 foram as mais caras da nossa história, de acordo com levantamento do jornal Folha de São Paulo a partir das prestações de contas en-viadas ao Tribunal Superior Eleitoral. (1)

As empresas foram responsáveis

pela maior parte deste financiamento. Nas eleições da Câmara dos Deputados, por exemplo, um pequeno número de cor-porações que foram as maiores financia-doras - como a JBS, o Bradesco, o grupo Vale, o Itaú, a OAS, a Ambev, a Andrade Gutierrez, a Odebrecth, a UTC Engenharia e a Queiroz Galvão - fizeram doações para 70% dos deputados eleitos em 2014. (2)

Outra marca das eleições e do próxi-mo Congresso é a acentuada pulverização partidária, com a representação na Câma-ra dos Deputados passando de 22 para 28 partidos. A permissividade com as coliga-ções nas eleições proporcionais, possibili-tando alianças sem coerência ideológica e programática, acentuaram esta dispersão e a distorção entre os candidatos e parti-dos escolhidos pela população e os que de fato são eleitos.

A combinação de vários desses fato-res resultou, de acordo com o DIAP (De-partamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), na eleição do Congresso Nacional mais conservador desde a rede-mocratização.

REFORMA POLÍTICA: prioridade em 2015

Bruno Elias

Temos o desafio de construir uma ampla unidade sobre o próprio conteúdo da reforma política. A partir das campanhas e iniciativas em curso na sociedade, será preciso priorizar mudanças imediatas, que incidam já nas eleições de 2016

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Por um lado, aumentou o número de deputados eleitos ligados aos ruralis-tas (257), empresários (190), aos milita-res/policiais (55) e à bancada evangélica (52). De outro, caiu o número de parla-mentares ligados aos trabalhadores e aos temas sociais (apenas na Câmara, a ban-cada sindical deve cair de 83 para 46 de-putados). Partidos de esquerda também tiveram suas bancadas reduzidas em re-lação à 2010, como a do PT, que caiu de 88 para 70 deputados e a do PCdoB, que passou de 15 para 10 parlamentares. (3)

Além disso, persiste a sub-represen-tação das maiorias populares. Passados 80 anos desde a eleição da primeira mu-lher ao cargo de deputada federal no Bra-sil e com as mulheres correspondendo a mais da metade da população brasileira, a bancada de deputadas cresceu apenas 10% em relação a 2010, passando de 46 para 51 deputadas (9,9%); no Senado, dos 27 eleitos somente 5 são mulheres, totalizando 11 senadoras (13,6%). Para o executivo, Dilma foi reeleita presidenta, mas apenas o estado de Roraima elegeu uma mulher governadora.

Esta desigualdade também é per-cebida em relação à presença de negros, índios e jovens nos espaços de represen-tação política. De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, 50,7% da população brasileira se declara preta ou parda, mas apenas 20% dos deputados eleitos (103) para a legislatura que se inicia em 2015 se autodeclarou da mesma forma. E dos 513 deputados eleitos, nenhum se declarou como índio ou amarelo. No caso da juven-tude, embora represente 26% da popula-ção, foram eleitos apenas 23 deputados com idade até 29 anos, correspondendo a 4,5% da Câmara dos Deputados. (4)

Contribui ainda para esta compo-sição conservadora o papel jogado pelos grandes meios de comunicação. A mani-pulação do poder econômico sobre a mí-

dia e o sistema político, o controle de polí-ticos sobre concessões públicas de rádios e TVs, a falta de lisura de institutos de pes-quisa eleitoral a estes meios associados e a própria criminalização cotidiana da ação política são apenas algumas das evidên-cias de que a reforma política deve cami-nhar lado a lado com a necessária luta por uma lei da mídia democrática.

As propostas em curso

Dada a centralidade da pauta, exis-tem hoje várias ações, campanhas e pro-postas que tratam da reforma política na sociedade, no Congresso Nacional e no poder judiciário.

Em relação ao Plebiscito da Consti-tuinte, a campanha entrou em uma nova fase após a coleta de votos em setembro de 2014. Dois projetos de decreto-legisla-tivo tramitam na Câmara dos Deputados (PDC 1508/14) e no Senado Federal (PDS 150/14), prevendo a convocação de um plebiscito oficial com a mesma pergunta do plebiscito popular: “Você é a favor de uma Constituinte Exclusiva e Soberana sobre o sistema político?”.

Com a maioria do Congresso Na-cional se opondo à realização de uma reforma política popular, a luta pela constituinte seguirá como prioridade na pauta da esquerda e dos movimentos so-ciais que realizarão uma grande jornada

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Foto: Taba Benedicto

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de lutas no primeiro semestre de 2015 e a reativação dos comitês populares em todo o país.

O Partido dos Trabalhadores, por sua vez, impulsiona desde os seus últi-mos congressos um projeto de lei de ini-ciativa popular a partir de quatro pontos prioritários: 1) financiamento público exclusivo de campanhas; 2) voto em lista pré-ordenada; 3) paridade de gênero e 4) convocação de Assembleia Constituin-te exclusiva sobre a Reforma Política. A coleta de assinaturas para o projeto foi retomada em 2014 e a mobilização par-tidária tende a ganhar novo impulso nos próximos meses com a realização da se-gunda etapa do 5º Congresso do PT.

Outra articulação de entidades, como a CNBB, a OAB e a Plataforma dos Movimentos Sociais, lançou a Coalizão democrática para a reforma política e elei-ções limpas. A iniciativa também articula a coleta de assinaturas de um PL de inicia-tiva popular que contempla pontos como 1) a proibição do financiamento empresa-rial de campanha e doações limitadas por pessoas físicas; 2) eleições proporcionais em dois turnos (no 1º turno vota no par-tido e no 2º turno vota no candidato); 3) a paridade de gênero; 4) o fortalecimen-to dos mecanismos da democracia direta. Entretanto, existem pontos negativos na proposta, como as que permitem certa ju-dicialização e interferência na autonomia e organização dos partidos políticos.

No Congresso Nacional, tramita ainda a Proposta de Emenda Constitucio-nal 352/13, elaborada por um Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados, que é fundamentalmente uma contra-refor-ma política. A PEC Vaccarezza/Henrique Alves inclui na Constituição Federal di-versas alterações conservadoras, como o voto facultativo, o fim da reeleição para cargos no Executivo, a coincidência das eleições em todos os níveis, uma modali-dade de voto distrital e a constitucionali-zação do financiamento privado.

Ao mesmo tempo, a proibição do fi-nanciamento empresarial de campanha está sendo julgada pelo Supremo Tribu-nal Federal. A Ação Direta de Inconstitu-cionalidade (ADI) 4650 já recebeu o voto de 7 dos 11 ministros do STF, sendo que a maioria da corte já votou pela proibição das doações empresariais a candidatos e partidos. Atualmente, a votação está sus-pensa por um pedido de vistas do minis-tro Gilmar Mendes que dura quase um ano, motivo pelo qual foi lançada nas re-des sociais a campanha #DevolveGilmar, cobrando a conclusão do voto e a consoli-dação do resultado.

Frente Popular pelas mudanças do sistema

político

Diante dessa correlação de forças no parlamento e das propostas em curso, o campo democrático e popular precisará ampliar o enfrentamento aos setores con-servadores e a capacidade de luta por mu-danças estruturais como a reforma política, que tenham no diálogo com a sociedade e na mobilização popular eixos fundamen-tais de uma governabilidade de novo tipo.

Para tanto, são fundamentais as iniciativas de constituição de uma am-pla frente política de movimentos sociais, partidos, centrais sindicais, juventudes e intelectuais, como têm defendido o PT, a CUT e outras organizações. A construção de uma frente ou um fórum nacional de lutas, que reúna o grande movimento po-lítico e social que venceu as eleições de outubro poderá ser decisiva para articular uma ação comum em relação à reforma política e outras reformas democráticas e populares.

Um primeiro ponto de unidade é cerrar fileiras contra a reforma política que não queremos, em particular a PEC 352/13, que aprofunda os problemas do sistema político atual. O PT e sua banca-da já fecharam posição contrária ao pro-jeto, mas é preciso que sigamos vigilan-tes contra iniciativas com este conteúdo, como as que admitem o voto distrital e a manutenção do financiamento privado.

Um segundo ponto a ser considera-do é a defesa da participação popular na definição dos principais pontos da refor-ma política. Portanto, não é uma polêmica menor a discussão sobre a realização de um plebiscito ou referendo. Para garantir-mos uma reforma política que dê voz ao povo, a participação das pessoas não pode ser reduzida a concordância ou não com uma proposta do Congresso Nacional.

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Nesse sentido, é fundamental que a presidenta Dilma deflagre uma consulta, por meio de um plebiscito oficial, sobre os principais temas da reforma política que foram assumidos pelo programa vitorioso das urnas. Temos o desafio de construir uma ampla unidade sobre o conteúdo da reforma política. A partir das campanhas e iniciativas em curso na sociedade, será preciso priorizar mudanças imediatas, que incidam já nas eleições de 2016, e outras estruturantes de um novo siste-ma político, para além da alteração das regras eleitorais.

Uma plataforma com este caráter, a ser sustentada por uma ampla frente po-pular, deveria contemplar a proibição das doações empresariais e o financiamento público de campanha, o fim das coliga-ções nas eleições proporcionais, a votação em listas partidárias, paridade de gênero e a simplificação dos canais de participa-ção popular, num processo que acumule forças em torno da convocação de uma Assembléia Constituinte.

A direita, como sempre, não nos faltará e seguirá atacando em todas as frentes, inclusive nas ruas. Com o poder econômico, a grande mídia e setores do Congresso e do judiciário a serviço do campo conservador, a reforma política deve deixar o campo das boas intenções e ser encarada como uma necessidade democrática. E que só será realidade com ampla mobilização popular.

BRUNO ELIAS é secretário nacional de movimentos populares do PT

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NOTAS

1. Custo de R$ 5 bilhões faz campanha bater recorde (Folha, 30 de novembro de 2014)http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/197964-custo-de-r-5-bilhoes-faz-campanha-bater-recorde.shtml

2. As 10 empresas que mais doaram em 2014 ajudaram a eleger 70% da Câmara (Estado de São Paulo, 8 de novem-bro de 2014) http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,as-10-empresas-que-mais-doaram-em-2014-ajudam-a-ele-ger-70-da-camara,1589802

3. Mais conservador, Congresso eleito pode limitar avanços em direitos humanos (Agência Brasil, 9 de outubro de 2014) http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2014-10/mais-conservador-congresso-eleito-pode-limitar-a-vancos-em-direitos-humanos

4. Brancos serão quase 80% da Câmara dos Deputados (Carta Capital, 8 de outubro de 2014)http://www.cartacapital.com.br/politica/brancos-serao-quase-80-da-camara-dos-deputados-3603.html

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“Meus queridos brasileiros e brasileiras.

Volto a esta Casa com a alma cheia de ale-gria, de responsabilidade, de esperança. Sinto alegria por ter vencido os desafios e honrado o nome da mulher brasileira. O nome de milhões de mulheres guerreiras, mulheres anônimas que voltam a ocupar, encarnadas na minha figura, o mais alto posto dessa nossa grande nação.

Encarno, também, outra alma coletiva que amplia ainda mais a minha responsabilida-de e a minha esperança. O projeto de nação que é detentor do mais profundo e dura-douro apoio popular da nossa história de-mocrática. Esse projeto de nação triunfou e permanece devido aos grandes resulta-dos que conseguiu até agora, e que porque também o povo entendeu que este é um projeto coletivo e de longo prazo. Este pro-jeto pertence ao povo brasileiro e, mais do que nunca, é para o povo brasileiro e com o povo brasileiro que vamos governar.

A partir do extraordinário trabalho iniciado pelo governo do presidente Lula, continua-do por nós, temos hoje a primeira geração de brasileiros que não vivenciou a tragédia da fome. Resgatamos 36 milhões da extre-ma pobreza e 22 milhões apenas em meu primeiro governo.

PRESIDENTA

DILMA ROUSSEFFEsquerda Petista publica abaixo o discurso feito pela presidenta Dilma Rousseff, no dia 1º de janeiro de 2015, no Congresso Nacional

Foto: José Cruz / Agência Brasil

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20 ESQUERDA PETISTA

Nunca tantos brasileiros ascenderam às classes médias. Nunca tantos brasileiros conquistaram tantos empregos com car-teira assinada. Nunca o salário mínimo e os demais salários se valorizaram por tan-to tempo e com tanto vigor. Nunca tantos brasileiros se tornaram donos de suas pró-prias casas. Nunca tantos brasileiros tive-ram acesso ao ensino técnico e à univer-sidade. Nunca o Brasil viveu um período tão longo sem crises institucionais. Nunca as instituições foram tão fortalecidas e res-peitadas e nunca se apurou e puniu com tanta transparência a corrupção.

Em nossos governos, cumprimos o com-promisso fundamental de oferecer a uma população enorme de excluídos, de pes-soas excluídas, os direitos básicos que de-vem ser assegurados a qualquer cidadão: o direito de trabalhar, de alimentar a sua família, de educar e acreditar em um fu-turo melhor para seus filhos. Isso que era tanto para uma população que tinha tão pouco, tornou-se pouco para uma popu-lação que conheceu, enfim, governos que respeitam e que a respeitam, e que real-mente se esforçam para protegê-la.

A população quis que ficássemos por-que viu o resultado do nosso trabalho, compreendeu as limitações que o tempo nos impôs e concluiu que podemos fazer muito mais. O recado que o povo brasi-leiro nos mandou não foi só de reconhe-cimento e de confiança, foi também um recado de quem quer mais e melhor.

Por isso, a palavra mais repetida na cam-panha foi mudança e o tema mais invo-cado foi reforma. Por isso, eu repito hoje, nesta solenidade de posse, perante as senhoras e os senhores: fui reconduzida à Presidência para continuar as grandes mudanças do país e não trairei este cha-mado. O povo brasileiro quer mudanças,

quer avançar e quer mais. É isso que também eu quero. É isso que vou fa-zer, com destemor mas com humildade, contando com o apoio desta Casa e com a força do povo brasileiro.

Este ato de posse é, antes de tudo, uma cerimônia de reafirmação e ampliação de compromissos. É a inauguração de uma nova etapa neste processo histórico de mudanças sociais do Brasil.

Faço questão, também, de renovar, nesta Casa, meu compromisso de defesa per-manente e obstinada da Constituição, das leis, das liberdades individuais, dos direi-tos democráticos, da mais ampla liberda-de de expressão e dos direitos humanos.

Queridos brasileiros e brasileiras,

Em meu primeiro mandato, o Brasil al-cançou um feito histórico: superamos a extrema pobreza. Mas, como eu disse - e sei que é a convicção e a expectativa de todos os brasileiros -, o fim da miséria é apenas um começo. Agora é a hora de prosseguir com o nosso projeto de novos objetivos. É hora de melhorar o que está bom, corrigir o que é preciso e fazer o que o povo espera de nós.

Sim, neste momento, ao invés de sim-plesmente garantir o mínimo necessá-rio, como foi o caso ao longo da nossa história, temos, agora, que lutar para oferecer o máximo possível. Vamos pre-cisar, governo e sociedade, de paciência, coragem, persistência, equilíbrio e hu-mildade para vencer os obstáculos. E venceremos esses obstáculos.

O povo brasileiro quer democratizar, cada vez mais, a renda, o conhecimento e o poder. O povo brasileiro quer educação, saúde, e segurança de mais qualidade. O

povo brasileiro quer ainda mais transpa-rência e mais combate a todos os tipos de crimes, especialmente a corrupção e quer ainda que o braço forte da justiça alcance a todos de forma igualitária.

Eu não tenho medo de encarar estes de-safios, até porque sei que não vou enfren-tá-los sozinha, não vou enfrentar esta luta sozinha. Sei que conto com o apoio dos senhores e das senhoras parlamen-tares, legítimos representantes do povo neste Congresso Nacional. Sei que conto com o apoio do meu querido vice-presi-dente Michel Temer, parceiro de todas as horas. Sei que conto com o esforço dos homens e mulheres do Judiciário. Sei que conto com o forte apoio da minha base aliada, de cada liderança partidária de nossa base e com os ministros e as ministras que estarão, a partir de hoje, trabalhando ao meu lado pelo Brasil. Sei que conto com o apoio de cada militante do meu partido, o PT, e da militância de cada partido da base aliada, representa-dos aqui pelo mais destacado militante e maior líder popular da nossa história, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sei que conto com o apoio dos movimentos sociais e dos sindicatos; e sei o quanto estou disposta a mobilizar todo o povo brasileiro nesse esforço para uma nova arrancada do nosso querido Brasil.

Assim como provamos que é possível crescer e distribuir renda, vamos provar que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados ou trair compromissos sociais assumidos. Vamos provar que depois de fazermos políticas sociais que surpreenderam o mundo, é possível corrigir eventuais dis-torções e torná-las ainda melhores.

É inadiável, também, implantarmos prá-ticas políticas mais modernas, éticas e,

PRESIDENTA

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por isso, mesmo mais saudáveis. É isso que torna urgente e necessária a refor-ma política. Uma reforma profunda que é responsabilidade constitucional des-ta Casa, mas que deve mobilizar toda a sociedade na busca de novos métodos e novos caminhos para nossa vida demo-crática. Reforma política que estimule o povo brasileiro a retomar seu gosto e sua admiração pela política.

Queridas brasileiras e queridos brasileiros,

Neste momento solene de posse é im-portante que eu detalhe algumas ações e atitudes concretas que vão nortear nosso segundo mandato.

As mudanças que o país espera para os próximos quatro anos dependem muito da estabilidade e da credibilidade da eco-nomia. Isso, para nós todos, não é novi-dade. Sempre orientei minhas ações pela convicção sobre o valor da estabilidade econômica, da centralidade do controle da inflação e do imperativo da discipli-na fiscal, e a necessidade de conquistar e merecer a confiança dos trabalhadores e dos empresários.

Mesmo em meio a um ambiente interna-cional de extrema instabilidade e incer-teza econômica, o respeito a esses funda-mentos econômicos nos permitiu colher resultados positivos. Em todos os anos do meu primeiro mandato, a inflação per-

maneceu abaixo do teto da meta e assim vai continuar.

Na economia, temos com o que nos pre-ocupar, mas também temos o que come-morar. O Brasil é hoje a 7ª economia do mundo, o 2º maior produtor e exportador agrícola, o 3º maior exportador de miné-rios, o 5º país que mais atrai investimen-tos estrangeiros, o 7º país em acúmulo de reservas cambiais e o 3º maior usuário de internet.

Além disso, é importante notar que a dí-vida líquida do setor público é hoje menor do que no início do meu mandato. As re-servas internacionais estão em patamar histórico, na casa dos US$ 370 bilhões. Os investimentos estrangeiros diretos atingi-ram, nos últimos anos, volumes recordes.

Mais importante: a taxa de desemprego está nos menores patamares já vivencia-dos na história de nosso país. Geramos 5 milhões e 800 mil empregos formais em um período em que o mundo submergia no desemprego. Porém queremos avan-çar ainda mais e precisamos fazer mais e melhor!

Por isso, no novo mandato vamos criar, por meio de ação firme e sóbria, firme e sóbria na economia, um ambiente ainda mais favorável aos negócios, à atividade produtiva, ao investimento, à inovação, à competitividade e ao crescimento susten-

tável. Combateremos sem trégua a buro-cracia. Tudo isso voltado para o que é mais importante e mais prioritário: a manu-tenção do emprego e a valorização, mui-to especialmente a valorização do salário mínimo, que continuaremos assegurando.

Mais que ninguém sei que o Brasil pre-cisa voltar a crescer. Os primeiros passos desta caminhada passam por um ajus-te nas contas públicas, um aumento na poupança interna, a ampliação do inves-timento e a elevação da produtividade da economia. Faremos isso com o menor sacrifício possível para a população, em especial para os mais necessitados. Rea-firmo meu profundo compromisso com a manutenção de todos os direitos traba-lhistas e previdenciários.

Temos consciência que a ampliação e a sustentabilidade das políticas sociais exi-ge equidade e correção permanente de distorções e eventuais excessos. Vamos, mais uma vez derrotar a falsa tese que afirma existir um conflito entre a estabi-lidade econômica e o crescimento do in-vestimento social, dos ganhos sociais e do investimento em infraestrutura.

Ao falar dos desafios da nossa economia, faço questão de deixar uma palavra aos milhões de micro e pequenos empreende-dores do Brasil. Em meu primeiro man-dato, aprimoramos e universalizamos o Simples e ampliamos a oferta de crédito para os pequenos empreendedores.

Quero, neste novo mandato, avançar ain-da mais. Pretendo encaminhar ao Con-gresso Nacional um projeto de lei criando um mecanismo de transição entre as ca-tegorias do Simples e os demais regimes tributários. Vamos acabar com o abismo tributário que faz os pequenos negócios terem medo de crescer. E sabemos que,

PRESIDENTA

“Sempre orientei minhas ações pela convicção sobre o valor da estabilidade

econômica, da centralidade do controle da inflação e do imperativo da disciplina fiscal, e a necessidade de conquistar e merecer a confiança dos trabalhadores e dos empresários.”

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22 ESQUERDA PETISTA

se o pequeno negócio não cresce, o país também não cresce. Nos dedicaremos, ainda, a ampliar a competitividade do nosso país e de nossas empresas.

Daremos prioridade ao desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da inovação, estimulando e fortalecendo as parcerias entre o setor produtivo e nossos centros de pesquisa e universidades.

Um Brasil mais competitivo está nascendo também, a partir dos maciços investimen-tos em infraestrutura, energia e logística. Desde 2007, foram duas edições do Pro-grama de Aceleração do Crescimento - o PAC-1 e o PAC-2 -, que totalizaram cerca de R$ 1 trilhão e 600 bilhões em investi-mentos em milhares de kms de rodovias, ferrovias; em obras nos portos, nos termi-nais hidroviários e nos aeroportos. Em ex-pansão da geração e da rede de transmis-são de energia. Em obras de saneamento e ligações de energia do Luz para Todos.

Com o Programa de Investimentos em Lo-gística, demos um passo adiante, constru-ímos parcerias com o setor privado, imple-mentando um novo modelo de concessões que acelerou a expansão e permitiu um salto de qualidade de nossa logística. As-seguramos concessões de aeroportos e de milhares de km de rodovia e a autorização para terminais privados nos portos.

Agora, vamos lançar o 3º PAC, o 3º Pro-grama de Aceleração do Crescimento e o segundo Programa de Investimento em Logística. Assim, a partir de 2015 inicia-remos a implantação de uma nova cartei-ra de investimento em logística, energia, infraestrutura social e urbana, combi-nando investimento público e, sobretu-do, parcerias privadas. Vamos aprimorar os modelos de regulação do mercado, ga-rantir que o mercado privado de crédito

de longo prazo, por exemplo, se expan-da. Garantir também que haja sustenta-ção para os projetos de financiamento de grande vulto.

Reafirmo ainda meu compromisso de apoiar estados e municípios na tão dese-jada expansão da infraestrutura de trans-porte coletivo em nossas cidades. Está em andamento na realidade uma carteira de R$ 143 bilhões em obras de mobilidade urbana por todo o Brasil.

Assinalo que, neste novo mandato, da-remos especial atenção à infraestrutura que vai nos conduzir ao Brasil do futu-ro: a rede de internet em banda larga. Em 2014, em um esforço conjunto com este Congresso Nacional, demos ao Bra-sil uma das legislações mais modernas do mundo na área da internet, o Marco Civil da Internet. Reitero aqui meu com-promisso de, nos próximos quatro anos, promover a universalização do acesso a um serviço de internet em banda larga barato, rápido e seguro.

Quero reafirmar ainda o compromisso de continuar reduzindo os desequilí-brios regionais, impulsionando políticas transversais e projetos estruturantes, es-pecialmente no Nordeste e na região da Amazônia. Foi decisivo mitigar o impacto desta prolongada seca no semi-árido nor-destino, mas mais importante será a con-

clusão da nova e transformadora infraes-trutura de recursos hídricos perenizando mais de 1.000 km de rios, combinada com o importante investimento social em mais de um milhão de cisternas.

Senhoras e Senhores,

Gostaria de anunciar agora o novo lema do meu governo. Ele é simples, é direto e é mobilizador. Reflete com clareza qual será a nossa grande prioridade e sinaliza para qual setor deve convergir o esforço de todas as áreas do governo. Nosso lema será: BRASIL, PÁTRIA EDUCADORA!

Trata-se de lema com duplo significado. Ao bradarmos “BRASIL, PÁTRIA EDU-CADORA” estamos dizendo que a educa-ção será a prioridade das prioridades, mas também que devemos buscar, em todas as ações do governo, um sentido forma-dor, uma prática cidadã, um compromis-so de ética e um sentimento republicano.

Só a educação liberta um povo e lhe abre as portas de um futuro próspero. Demo-cratizar o conhecimento significa univer-salizar o acesso a um ensino de qualidade em todos os níveis – da creche à pós-gra-duação; Significa também levar a todos os segmentos da população – dos mais marginalizados, aos negros, às mulheres e a todos os brasileiros a educação de qualidade.

PRESIDENTA

“Ao bradarmos ‘BRASIL, PÁTRIA EDUCADORA’ estamos dizendo que a educação será a

prioridade das prioridades, mas também que devemos buscar, em todas as ações do governo, um sentido formador, uma prática cidadã, um compromisso de ética e um sentimento republicano.”

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23ESQUERDA PETISTA

Ao longo deste novo mandato, a edu-cação começará a receber volumes mais expressivos de recursos oriundos dos royalties do petróleo e do fundo social do pré-sal. Assim, à nossa determinação política se somarão mais recursos e mais investimentos.

Vamos continuar expandindo o acesso às creches e pré-escolas garantindo para todos, o cumprimento da meta de uni-versalizar, até 2016, o acesso de todas as crianças de 4 e 5 anos à pré-escola. Da-remos sequência à implantação da alfa-betização na idade certa e da educação em tempo integral. Condição para que a nossa ênfase no ensino médio seja efeti-va porque através dela buscaremos, em parceria com os estados, efetivar mudan-ças curriculares e aprimorar a formação dos professores. Sabemos que essa é uma área frágil no nosso sistema educacional.

O Pronatec oferecerá, até 2018, 12 mi-lhões de vagas para que nossos jovens, trabalhadores e trabalhadoras tenham mais oportunidades de conquistar me-lhores empregos e possam contribuir ainda mais para o aumento da compe-titividade da economia brasileira. Da-rei especial atenção ao Pronatec Jovem Aprendiz, que permitirá às micro e pe-quenas empresas contratarem um jo-vem para atuar em seu estabelecimento.

Vamos continuar apoiando nossas uni-versidades e estimulando sua aproxima-ção com os setores mais dinâmicos da nossa economia e da nossa sociedade. O Ciência Sem Fronteiras vai continuar garantindo bolsas de estudo nas melho-res universidades do mundo para 100 mil jovens brasileiros.

Queridas e queridos brasileiros e brasileirasO Brasil vai continuar como o país líder, no

mundo, em políticas sociais transforma-doras. Aos beneficiários do Bolsa Família continuaremos assegurando o acesso às políticas sociais e a novas oportunidades de renda. Destaque será dado à formação profissional dos beneficiários adultos e à educação das crianças e dos jovens.

Com a terceira fase do Minha Casa, Mi-nha Vida contrataremos mais 3 milhões de novas moradias, que se somam aos 2 milhões de moradias entregues até 2014 e às 1 milhão e 750 mil moradias que es-tão em construção e que serão entregues neste segundo mandato.

Na saúde, reafirmo nosso compromisso de fortalecer o SUS. Sem dúvida, a marca mais forte do meu governo, no primeiro mandato, foi a implantação do Mais Mé-dicos, que levou o atendimento básico de saúde a mais de 50 milhões de brasileiros, nas áreas mais vulneráveis do nosso país. Persistiremos, ampliando as vagas em gra-duação e em residência médica, para que cada vez mais jovens brasileiros possam se tornar médicos e assegurar atendimento ao povo brasileiro. Neste segundo man-dato, vou implantar o Mais Especialida-des para garantir o acesso resolutivo e em tempo oportuno aos pacientes que neces-sitem de consulta com especialista, exa-mes e os respectivos procedimentos.

Assumo, com todas as brasileiras e brasi-leiros, o compromisso de redobrar nossos esforços para mudar o quadro da segu-rança pública em nosso país. Instalare-mos Centros de Comando e Controle em todas as capitais, ampliando a capacida-de de ação de nossas polícias e a integra-ção dos órgãos de inteligência e das for-ças de segurança pública. Reforçaremos as ações e a nossa presença nas fronteiras para o combate ao tráfico de drogas e de armas com o Programa Estratégico de

Fronteiras, realizado em parceria entre as Forças Armadas e as polícias federais, en-tre o Ministério de Defesa e o Ministério da Justiça.

Vou, sobretudo, propor ao Congresso Nacional alterar a Constituição Federal, para tratar a segurança pública como ati-vidade comum de todos os entes federa-dos, permitindo à União estabelecer dire-trizes e normas gerais válidas para todo o território nacional, para induzir políticas uniformes no país e disseminar a adoção de boas práticas na área policial.

Senhoras e senhores,

Investimos muito e em todo o país sem abdicar, um só momento, do nosso com-promisso com a sustentabilidade am-biental, a sustentabildiade ambiental do nosso desenvolvimento. Um dado expli-cita este compromisso: alcançamos, nos quatro anos de meu primeiro mandato, as quatro menores taxas de desmata-mento da Amazônia.

Nos últimos 4 anos, o Congresso Nacio-nal aprovou um novo Código Florestal e implementamos o Cadastro Ambiental Rural, o CAR. Vamos aprofundar a mo-dernização de nossa legislação ambiental e, já a partir deste ano, nos engajaremos fortemente nas negociações climáticas internacionais para que nossos interesses sejam contemplados no processo de es-tabelecimento dos parâmetros globais de redução de emissões.

Nossa inserção soberana na política in-ternacional continuará sendo marcada pela defesa da democracia, pelo princípio de não-intervenção e respeito à sobera-nia das nações, pela solução negociada dos conflitos, pela defesa dos Direitos Humanos, e pelo combate à pobreza e às

PRESIDENTA

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desigualdades, pela preservação do meio ambiente e pelo multilateralismo. Insisti-remos na luta pela reforma dos principais organismos multilaterais, cuja governan-ça hoje não reflete a atual correlação de forças global.

Manteremos a prioridade à América do Sul, América Latina e Caribe, que se traduzirá no empenho em fortalecer o Mercosul, a Unasul e a Comunidade dos Países da América Latina e do Caribe (Ce-lac), sem discriminação de ordem ideoló-gica. Agradeço, inclusive, a presença de meus queridos colegas e governantes da América Latina aqui presentes. Da mes-ma forma será dada ênfase a nossas rela-ções com a África, com os países asiáticos e com o mundo árabe.

Com os Brics, nossos parceiros estratégi-cos globais - China, Índia, Rússia e Áfri-ca do Sul –, avançaremos no comércio, na parceria científica e tecnológica, nas ações diplomáticas e na implementação

do Banco de Desenvolvimento dos Brics e na implementação também do acordo contingente de reservas.

É de grande relevância aprimorarmos nosso relacionamento com os Estados Unidos, por sua importância econômica, política, científica e tecnológica, sem falar no volume de nosso comércio bilateral. O mesmo é válido para nossas relações com a União Européia e com o Japão, com os quais temos laços fecundos.

Em 2016, os olhos do mundo estarão mais uma vez voltados para o Brasil, com a rea-lização das Olimpíadas. Temos certeza que mais uma vez, como aconteceu na Copa, vamos mostrar a capacidade de organiza-ção do Brasil e, agora, numa das mais belas cidades do mundo, o nosso Rio de Janeiro.

Amigos e amigas,

Tudo que estamos dizendo, tudo que esta-mos propondo converge para um grande

objetivo: ampliar e fortalecer a democra-cia, democratizando verdadeiramente o poder. Democratizar o poder significa lu-tar pela reforma política, ouvir com aten-ção a sociedade e os movimentos sociais e buscar a opinião do povo para reforçar a legitimidade das ações do Executivo. Democratizar o poder significa combater energicamente a corrupção. A corrupção rouba o poder legítimo do povo. A corrup-ção ofende e humilha os trabalhadores, os empresários e os brasileiros honestos e de bem. A corrupção deve ser extirpada.

O Brasil sabe que jamais compactuei com qualquer ilícito ou malfeito. Meu go-verno foi o que mais apoiou o combate à corrupção, por meio da criação de leis mais severas, pela ação incisiva e livre de amarras dos órgãos de controle interno, pela absoluta autonomia da Polícia Fede-ral como instituição de Estado, e pela in-dependência sempre respeitada diante do Ministério Público. Os governos e a Jus-tiça estarão cumprindo os papéis que se

PRESIDENTA

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espera deles: se punirem exemplarmente os corruptos e os corruptores.

A luta que vimos empreendendo contra a corrupção e, principalmente, contra a im-punidade, ganhará ainda mais força com o pacote de medidas que me comprometi durante a campanha, e me comprometo a submeter à apreciação do Congresso Nacional ainda neste primeiro semestre.São cinco medidas: transformar em cri-me e punir com rigor os agentes públicos que enriquecem sem justificativa ou não

demonstrem a origem dos seus ganhos; modificar a legislação eleitoral para trans-formar em crime a prática de caixa 2; criar uma nova espécie de ação judicial que permita o confisco dos bens adquiridos de forma ilícita ou sem comprovação; alterar a legislação para agilizar o julgamento de processos envolvendo o desvio de recur-sos públicos; e criar uma nova estrutura, a partir de negociação com o Poder Judiciá-rio que dê maior agilidade e eficiência às investigações e processos movidos contra aqueles que têm foro privilegiado.

Em sua essência, essas medidas têm o objetivo de garantir processos e julga-mentos mais rápidos e punições mais du-ras, mas jamais poderão agredir o amplo direito de defesa e o contraditório; jamais poderão significar a condenação prévia sem defesa de inocentes.

Estou propondo um grande pacto nacio-nal contra a corrupção, que envolve todas as esferas de governo e todos os núcle-os de poder, tanto no ambiente público como no ambiente privado.Senhoras e Senhores,

Como fiz na minha diplomação, quero agora me referir a nossa Petrobras, uma empresa com 86 mil empregados dedica-dos, honestos e sérios, que teve, lamen-tavelmente, alguns servidores que não souberam honrá-la, sendo atingidos pelo combate à corrupção.

A Petrobras já vinha passando por um vigoroso processo de aprimoramento de

PRESIDENTA

“O Brasil não será sempre um país em desenvolvimento. Seu destino é ser um

país desenvolvido e justo, e é este destino que estamos construindo (...) Uma nação em que todas as pessoas tenham as mesmas oportunidades: de estudar, trabalhar, viver em condições dignas na cidade ou no campo.”

Advocacia-Geral da União - Luís Inácio Adams Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Kátia Abreu Banco Central - Alexandre Tombini Casa Civil - Aloizio Mercadante Cidades - Gilberto Kassab Ciência, Tecnologia e Inovação - Aldo Rebelo Comunicações - Ricardo Berzoini Controladoria-Geral da União - Valdir Simão Cultura - Juca Ferreira Defesa - Jaques Wagner Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - Armando Monteiro Desenvolvimento Agrário - Patrus Ananias Desenvolvimento Social e Combate à Fome - Tereza Campello Educação - Cid Gomes Esporte - George Hilton Fazenda - Joaquim Levy Gabinete de Segurança Institucional - José Elito Carvalho Siqueira Integração Nacional - Gilberto Occhi Justiça - José Eduardo Cardozo

Meio Ambiente - Izabella Teixeira Minas e Energia - Eduardo Braga Pesca e Aquicultura - Helder Barbalho Planejamento, Orçamento e Gestão - Nelson Barbosa Previdência Social - Carlos Gabas Relações Exteriores - Mauro Vieira Saúde - Arthur Chioro Secretaria da Micro e Pequena Empresa - Guilherme Afif Domingos Secretaria de Assuntos Estratégicos - Marcelo Neri Secretaria de Aviação Civil - Eliseu Padilha Secretaria de Comunicação Social - Thomas Traumann Secretaria de Direitos Humanos - Ideli Salvatti Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - Nilma Lino Secretaria de Políticas para as Mulheres - Eleonora Menicucci Secretaria dos Portos - Edinho Araújo Secretaria de Relações Institucionais - Pepe Vargas Secretaria-Geral da Presidência - Miguel Rossetto Trabalho e Emprego - Manoel Dias Transportes - Antonio Carlos Rodrigues Turismo - Vinicius Lages

Ministério Segue a lista de ministros e ministras que tomaram posse dia 1 de janeiro de 2015.

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gestão. A realidade atual só faz reforçar nossa determinação de implantar, na Pe-trobras, a mais eficiente e rigorosa estru-tura de governança e controle que uma empresa já teve no Brasil.

A Petrobras é capaz disso e capaz de mui-to mais. Ela se tornou a maior empresa do mundo em capacitação técnica para a prospecção de petróleo em águas profun-das. Daí resultou a maior descoberta de petróleo deste início de século – as jazidas do pré-sal -, cuja exploração, que já é rea-lidade, vai tornar o Brasil um dos maiores produtores de petróleo do planeta.

Temos muitos motivos para preservar e defender a Petrobras de predadores in-ternos e de seus inimigos externos. Por isso, vamos apurar com rigor tudo de er-rado que foi feito e fortalecê-la cada vez mais. Vamos, principalmente, criar meca-nismos que evitem que fatos como estes possam voltar a ocorrer. O saudável em-penho da Justiça, de investigar e punir, deve também nos permitir reconhecer que a Petrobras é a empresa mais estraté-gica para o Brasil e a que mais contrata e investe no país.

Temos, assim, que saber apurar e sa-ber punir, sem enfraquecer a Petrobras, nem diminuir a sua importância para o presente e para o futuro. Não podemos permitir que a Petrobras seja alvo de um cerco especulativo de interesses contra-riados com a adoção do regime de par-tilha e da política de conteúdo nacional, partilha e política de conteúdo nacional que asseguraram ao nosso povo o contro-le sobre nossas riquezas petrolíferas. A Petrobras é maior do que quaisquer crises e, por isso, tem capacidade de superá-las e delas sair mais forte.

Queridos brasileiros e queridas brasileiras,

O Brasil não será sempre um país em de-senvolvimento. Seu destino é ser um país desenvolvido e justo, e é este destino que estamos construindo e buscando cada vez mais, com o esforço de todos, cons-truir. Uma nação em que todas as pes-soas tenham as mesmas oportunidades: de estudar, trabalhar, viver em condições dignas na cidade ou no campo. Um país que respeita e preserva o meio ambiente e onde todas as pessoas podem ter os mes-mos direitos: à liberdade de informação e de opinião, à cultura, ao consumo, à dig-nidade, à igualdade independentemente de raça, credo, gênero ou sexualidade.

Dedicarei obstinadamente todos os meus esforços para levar o Brasil a iniciar um novo ciclo histórico de mudanças, de oportunidades e de prosperidade, alicer-çado no fortalecimento de uma política econômica estável, sólida, intolerante com a inflação, e que nos leve a retomar uma fase de crescimento robusto e sus-tentável, com mais qualidade nos servi-ços públicos. Assumo aqui um compro-misso com o Brasil que produz e com o Brasil que trabalha.

Reafirmo também o meu respeito e a mi-nha confiança no Poder Judiciário, no Congresso Nacional, nos partidos e nos representantes do povo brasileiro. Reafir-mo minha fé na política, na política que transforma para melhor a vida do povo. Peço aos senhores e às senhoras parla-mentares que juntemos as mãos em favor do Brasil, porque a maioria das mudan-ças que o povo exige tem que nascer aqui, na grande casa do povo.

Meus amigos e minhas amigas,

Já estive algumas vezes um pouco perto da morte e destas situações saí uma pes-soa melhor e mais forte.

Sou ex-opositora de um regime de for-ça que provocou em mim dor e me dei-xou cicatrizes, mas não tenho nenhum revanchismo. Mas este processo jamais destruiu em mim o sonho de viver num país democrático e a vontade de lutar e de construir este país cada vez melhor. Por isso, sempre me emociono ao dizer que eu sou uma sobrevivente. Também enfrentei doenças mas, se me permitem, quero dizer mais: pertenço a uma geração vencedora. Uma geração que viu a pos-sibilidade da democracia no horizonte e viu ela se realizar.

Essas duas características, elas me apro-ximam do povo brasileiro - ele também, um sobrevivente e um vitorioso, que ja-mais abdica de seus sonhos. Luta para realizá-los.

Deus colocou em meu peito um coração cheio de amor pela minha pátria. Antes de tudo, o que a música cantava, um co-ração valente, não é que a gente não tem medo de nada, a gente controla o medo. Um coração que dispara no peito com a energia do amor, do sonho e, sobretu-do, com a possibilidade de construir um Brasil desenvolvido. Eu não tenho medo de proclamar para vocês que nós vamos vencer todas as dificuldades, porque te-mos a chave para vencê-las, vencer todas as dificuldades.

Esta chave pode ser resumida num verso, e esse verso tem, de uma certa forma, sa-bor de oração, que diz o seguinte:

“O impossível se faz já; só os milagres fi-cam para depois”.

Muito Obrigada.

Viva o Brasil e viva o povo brasileiro!”

PRESIDENTA

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27ESQUERDA PETISTA

Escrevo ainda sob o impacto da chacina dos trabalhadores do semanário francês Charlie Hebdo, crime brutal que causou uma onda mundial de indignação, protestos e so-lidariedade – à qual nos somamos. Começo por aqui por-que, mais que um atentado à liberdade de expressão, o ataque covarde expõe uma faceta abominável dos tempos atuais: o da intolerância e do fanatismo, cujo combate pe-

los partidos democráticos deve ser tarefa permanente.A tentativa de eliminação do outro, do discordante, da minoria, do

diferente – que escapa à leitura tradicional do econômico e do político na luta de classes – são recorrentes na história.

E agora, num mundo multipolar, com o capitalismo em grave crise, a vigilância contra a intransigência e o fundamentalismo exige ações práti-cas, compromissos políticos e respostas institucionais.

Não por outra razão, integra o nosso programa e nossas platafor-mas o repúdio a todas as formas de discriminação e preconceito: o ra-cismo, a xenofobia, o machismo, a homofobia, que para serem erra-dicados exigem, além da repulsa quotidiana, iniciativas no campo da disputa ideológica, da educação e da cultura.

HORA DE AVANÇAR

Rui Falcão

BALANÇO

Passadas as eleições, com a quarta vitória consecutiva do projeto democrático-popular, que evitou o retrocesso neoliberal das candidaturas adversárias, é hora de materializar o programa de governo e de fazer avançar reformas imprescindíveis para um Brasil mais democrático, mais inclusivo, mais justo e com mais desenvolvimento sustentável

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28 ESQUERDA PETISTA

Passadas as eleições, com a quarta vitória consecutiva do projeto democráti-co-popular, que desafiou o atual sistema de poder e evitou o retrocesso neoliberal das candidaturas adversárias, é hora de materializar o programa de governo e de fazer avançar reformas imprescindíveis para um Brasil mais democrático, mais inclusivo, mais justo e com mais desen-volvimento sustentável.

Fazê-lo requer resolver a contradi-ção entre o desejo de mudanças, de re-formas, manifestado pela população nas últimas eleições, e a correlação de forças desfavorável presente nas instituições do Estado. Em todas elas, não apenas no “governo de coalizão”, policlassista, ou no Congresso Nacional, agora mais con-servador que antes.

Para além, portanto, das alianças multipartidárias e da necessária susten-tação do governo Dilma, é vital superar a governabilidade meramente institucional e contribuir para ampliar a pressão social organizada, a chamada luta de massas, em defesa de reformas estruturais.

Vencer este desafio vai exigir do PT um renascimento, uma retomada de valo-res de suas origens, entre os quais a ideia fundadora da construção de uma nova sociedade. Como já temos assinalado, ao nosso V Congresso, em junho próximo, caberá promover este reencontro, nos marcos do País de hoje, guardadas as di-ferenças conjunturais, com o PT dos anos 80, quando nos constituímos num partido com vocação de poder e transformação – e não um partido do melhorismo.

Toda renovação implica vencer re-sistências, obstáculos, interesses em choque. Daí porque propusemos confe-rências abertas, a fim de recolher con-tribuições, críticas e novas energias de fora, pois o PT não pode encerrar-se em si mesmo, numa rigidez que dificulta o acolhimento de novos filiados, ou de

novos apoiadores que não necessaria-mente aderem às formas de organização partidária.

Queremos um partido que pratique a política no cotidiano, presente na vida do povo, de suas agruras e vicissitudes e não somente que sai a campo a cada dois anos, quando se realizam as eleições.

Tal retomada deve ser conduzida pela política e não pela via administra-tiva. Ela impõe mudanças organizativas, formativas, de atitudes e culturais, ne-cessárias para reatar com movimentos sociais, juventude, intelectuais, organiza-ções da sociedade – todos inicialmente re-presentados em nossas instâncias e hoje alheios, indiferentes ou, até, hostis em virtude de erros políticos cometidos nesta trajetória de quase 35 anos.

Portanto, dar mais organicidade ao PT, maior consistência política e ideológi-ca às direções e militantes de base, com-bater os sinais de burocratização, afastar o pragmatismo exagerado, reforçar os va-

lores da ética na política, não dar trégua ao “cretinismo” parlamentar – tudo isso é condição para atingir nossos objetivos intermediários e estratégicos.

Evidente que, neste percurso, é ne-cessário atualizarmos nosso conhecimen-to e compreensão da sociedade brasileira, do seu estágio atual, das classes sociais e forças em presença, da situação da econo-mia, do cenário internacional. Sem o que, fica impossível traduzir propostas gerais em uma política efetiva. Isto é, como fazer valer as mudanças que propomos numa situação concreta, historicamente determinada.

Quando falo da urgência em esten-der nossas preocupações a uma leitura abrangente e profunda da realidade é porque a concentração quase exclusiva da atividade partidária na disputa polí-tico-eleitoral-institucional acarretou um duplo desvio. Primeiro, abriu um grande vazio de análise, reflexões e iniciativas sobre o que vem acontecendo no Brasil e

BALANÇO

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29ESQUERDA PETISTA

no mundo. Segundo, porque a conquista de votos não tem se misturado à luta de massas, de tal sorte que se possam criar condições de construir uma força políti-ca organizada e estável, um verdadeiro bloco histórico capaz de inverter a cor-relação desfavorável na sociedade e de impulsionar mudanças estruturais.

Nas condições atuais, urge conter a ofensiva dos conservadores e da direita - que recrudesceu nas eleições e ganhou fôlego com o apoio da mídia monopo-lizada e as denúncias de corrupção – e, ao mesmo tempo, articular uma frente progressista, com partidos, centrais sin-dicais, movimentos sociais da cidade e do campo, unificados em torno de uma ampla plataforma de mudanças, que te-nha no cerne a reforma política e a de-mocratização da mídia. E que contemple, também, a reforma tributária, a reforma agrária e a exigência de que o chamado ajuste na economia não resulte no can-celamento de direitos – tal como a presi-denta prometeu na campanha.

Inconformados com sua quarta der-rota consecutiva, os opositores do nosso projeto, que desta vez receberam apoio ”militante” inclusive do exterior, atuam para tirar legitimidade de nossa vitória. Operam para forçar o governo, premido pelo impacto da crise global no País, a adotar o programa derrotado nas urnas. Tentam comprometer-nos com a corrup-ção (estrutural ao capitalismo), sendo que ninguém mais que os governos Lula e Dilma, do PT, vêm dando um combate implacável à corrupção e à impunidade.

Os malfeitos descobertos e investi-gados na Petrobrás – que devem ser ob-jeto de punição, após o devido processo legal - dão pretexto a um ataque perma-nente à empresa, que é patrimônio do povo brasileiro. Os que assim procedem – como no passado outros da mesma es-tirpe já o fizeram – pretendem, em últi-

ma instância, revogar a política de conteúdo nacional e, ao proporem a volta das concessões, cancelar o regime de partilha, em que a Pe-trobrás é a operadora única das reservas do pré-sal.

A retórica oposi-cionista, amparada pela mídia, inventa uma suposta oposição en-tre Dilma e o PT, numa inexistente luta encarniçada entre ten-dências para ocupar maiores espaços no aparato estatal. Na mesma linha, fabu-lam uma discordância, seguida de “afas-tamento” entre Dilma e Lula, que estaria descontente com os rumos do governo. Em última instância, concentram ata-ques em nossas duas maiores lideranças, tendo como alvo preferencial a destrui-ção do PT.

Embora os ataques do imediato pós-campanha tenha arrefecido, urge a construção de uma agenda comum de partidos e movimentos, em torno de uma plataforma de reformas.

Este é o caminho mais indicado para romper a defensiva política, alterar a cor-relação de forças e reassumir a iniciativa, inclusive tendo em vista recuperar, nas eleições municipais de 2016, o terreno perdido pelo campo progressista no últi-mo pleito, quando, embora conquistando a Presidência da República, reduzimos as bancadas parlamentares.

Já se construiu um amplo consenso entre a necessidade da reforma política – ainda que seus contornos, amplitude e iniciativas discrepem entre si. Não cabe aqui redesenhar nossa proposta, que di-fere de outras, mas o fato é que há plena convicção de que o fim do financiamento empresarial e a participação popular são

BALANÇO

É vital superar a governabilidade meramente institucional e contribuir para ampliar a pressão social organizada, a chamada luta de massas, em defesa de reformas estruturais. Vencer este desafio vai exigir do PT um renascimento, uma retomada de valores de suas origens, entre os quais a ideia fundadora da construção de uma nova sociedade

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componentes inegociáveis – ao tempo em que entendemos fundamental a convoca-ção de um plebiscito e de uma constituin-te exclusiva para uma reforma mais am-pla, haja vista a resistência do Congresso em efetivá-la.

Para quem duvidava da importância de ampliar a liberdade de expressão, con-trolada por monopólios da imprensa, da imagem e do som, a recente campanha eleitoral, sobretudo na última semana, escancarou o conluio da grande mídia com as classes dominantes e os partidos que representam seus interesses. Se luta-mos tanto para abolir a censura e inscre-ver na lei maior o direito fundamental da liberdade de expressão de pensamento, é tarefa nossa fazer regulamentar os arti-gos da Constituição que proíbem a exis-tência de monopólios e oligopólios na co-municação, que preveem a coexistência dos sistemas público, privado e estatal, e que dispõem sobre a obrigatoriedade da produção de conteúdo regional.

A este respeito vale assinalar a ma-nifestação do novo ministro da Comuni-cação, Ricardo Berzoini, que se compro-meteu a abrir um debate público e amplo sobre a regulação da mídia, bem como as primeiras movimentações para pautar, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei do senador Requião (PMDB-PR) sobre o di-reito de resposta, já aprovado no Senado.

Reformas como as da mídia e do sis-tema político-eleitoral não são meramen-te corretivas, assim como as urgentes reformas agrária e do sistema tributário devem possibilitar um novo mecanismo para o desenvolvimento do País e não um reparo emergencial para um crescimento mais acelerado (embora também neces-sário no momento).

Eis porque insisto em que o ajuste programado deve conter-se nos limites traçados pela presidenta: nada de arro-cho, de recessão, de cancelamento de

direitos ou desemprego. Que o ajuste fis-cal propicie liberar recursos para investi-mentos públicos em infraestrutura e áre-as sociais, sem gravar ainda mais a dívida pública com juros para rentistas.

Do ponto de vista da reforma tribu-tária, é inconcebível não alterar o siste-ma atual, em que os impostos indiretos, como o IPI e o ICMS, representam quase metade da carga tributária. São estes im-postos que oneram a população na aqui-sição de bens e serviços. Ricos e pobres pagam a mesma alíquota, o que configu-ra clara injustiça. Já o imposto de renda representa ínfimos 20% da carga total, ao passo que os tributos sobre o patrimônio são irrelevantes, preservando assim os privilégios dos mais endinheirados. Mais grave ainda: estudos revelam que en-quanto os que ganham até dois salários mínimos recolhem pouco mais de 50% da renda ao Tesouro, os que ganham aci-ma de 30 mínimos respondem por pouco menos de 30%.

Uma reforma tributária e fiscal que desonere a produção e os salários, que institua uma inversão do peso entre im-postos diretos e indiretos, e que grave a especulação e o rentismo, deve integrar uma plataforma comum de lutas de par-tidos, centrais sindicais, movimentos e organizações da sociedade.

O debate gerado pela composição do novo ministério recolocou na ordem do dia a atualidade da reforma agrária. Não porque os governos Lula e Dilma renegassem a sua necessidade e deixas-sem de apoiar as justas reivindicações dos movimentos de luta pela terra. É que, apesar de tudo que se fez, ainda é grande a concentração fundiária no País, a per-sistência das propriedades improdutivas, a reminiscência de trabalho análogo à escravidão, o grande número de acam-pados e assentados ainda sem a devida assistência.

BALANÇO

Assim é que, ao lado das demandas reafirmadas pelos lutadores da reforma agrária – cuja maioria das bandeiras tam-bém encampamos –, o ministro Patrus Ananias reafirmou seu propósito de fazer valer a função social da propriedade, ins-crita na Constituição. Também se dispôs a atualizar os índices de produtividade da terra, um dos critérios para desapropriação de áreas para novos assentamentos.

Neste último aspecto, precisará de forte apoio dos partidos progressistas e dos movimentos a fim de enfrentar a feroz resistência de latifundiários e da bancada ruralista no Congresso, como já ocorreu sempre que se pretendeu atuali-zar indicadores que datam dos anos 70.

De lá para cá, a produtividade da agricultura brasileira multiplicou-se qua-se quatro vezes, praticamente o dobro do que ocorreu nos Estados Unidos no mes-mo período. Entretanto, as aferições para desapropriações ainda respeitam os parâ-metros do século passado!

Para não me estender mais, quero reafirmar uma diretriz de uma resolução unânime do Diretório Nacional do PT, que nos anima a todos. Se queremos que a presidenta Dilma cumpra um segundo mandato ainda melhor que o primeiro (e confiamos que assim será) teremos que reunir mais forças que as do nosso partido.

Considero fundamental que, desde agora, nos unamos com partidos de es-querda para desencadear um amplo pro-cesso de mobilização e organização dos milhões de brasileiros e brasileiras que saíram às ruas para apoiar Dilma Rousseff.

Um amplo movimento pelas refor-mas estruturais e também para defender nossos direitos humanos, nossos direitos à democracia, ao bem estar social, ao de-senvolvimento, à soberania nacional.

RUI FALCÃO é presidente nacional do Partido dos Trabalhadores

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Eleita Dilma Rousseff, a prioridade, agora, são as REFORMAS ESTRUTURAIS

Renato Rabelo

BALANÇO

Nova etapa. Maiores desafios. Um mundo que ainda vive grande crise econômica do sistema capitalista. Internamente uma mídia conservadora dominante, mais hostil. Uma oposição de direita provocadora e antidemocrática. É num quadro como este que a Presidenta Dilma afirmou enfaticamente seus compromissos de campanha em defesa dos interesses dos trabalhadores e da maioria da Nação. Fez um juramento diante da Praça dos Três Poderes, em Brasília, confirmando suas convicções e a mensagem fundamental de seu segundo governo: “Nenhum direito a menos, nenhum passo atrás, só mais direitos e passos à frente”. Reforçamos nossa confiança na presidenta Dilma Rousseff

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Em duro e acirrado embate, de in-tensa polarização, numa trajetória polí-tico-eleitoral marcada por reviravoltas e surpresas, a presidenta Dilma Rousseff alcançou em outubro de 2014 a quarta vitória consecutiva do povo, com a maio-ria de votos da Nação. Vitória histórica, inédita, dado que é o terceiro mais lon-go período de governo desde o segundo Reinado de Pedro II. Quando Luís Inácio Lula da Silva assumiu a presidência em 2003 não tínhamos no horizonte a cer-teza de que as forças democráticas, pro-gressistas e de esquerda pudessem gal-gar umbral como esse.

A presidenta liderou a campanha do início ao final. E soube conduzir a campanha com firmeza e sem recuos, mesmo nos momentos mais difíceis. Na verdade, ela teve de enfrentar pratica-mente duas eleições no pleito presiden-cial de 2014, contra os dois candidatos das forças conservadoras: primeiro, en-frentar e derrotar Marina Silva e, em se-guida, enfrentar e derrotar Aécio Neves, já no segundo turno. Nesses dois gran-des embates procurou sempre demarcar o seu compromisso com a amplíssima maioria da nação: os trabalhadores e as camadas pobres da população. E o resul-tado da eleição presidencial manifesta, de fato, que a maioria do povo respondeu e depositou sua confiança nesse compro-misso assumido pelo governo da presi-denta e reiterado por ela durante todo o processo eleitoral.

Somente assim foi possível vencer a cruzada antidemocrática, antipopular e obscurantista contra o Brasil, que já vi-nha desde a guerra suja que tudo fez para boicotar a realização da Copa do Mundo no Brasil com o intuito de desacreditar Dilma; as manobras especulativas da Bolsa de Valores se sucediam numa cam-panha aberta contra a presidenta; Dilma teve de confrontar uma delação premia-

da, medida realizada para criar um am-biente de escândalo e desgaste contra ela nos momentos mais sensíveis da cam-panha eleitoral; chegou-se ao cúmulo de perpetrar um golpe midiático-eleitoral--político, iniciado 48 horas antes da vo-tação (reportagem, de capa forjada, sem provas, da revista Veja), para atingir fron-talmente Dilma e Lula – as duas maiores lideranças do nosso campo –, quando vi-gorava a Lei do Silêncio que antecedeu uma votação.

Pelo nível dessa aguda polarização, demarcando de forma classista mais ni-tidamente dois campos políticos, a vitó-ria tem uma dimensão de grande even-to histórico, abrindo caminho para um “novo ciclo de transformações”, como formulou a presidenta, no Brasil. Foi barrada a cruzada conservadora e antide-mocrática que atingiu também seu auge, reagrupando todas as forças de direita. Triunfou o campo democrático, progres-sista, popular e patriótico, conseguiu no segundo turno reunir mais amplamen-te a esquerda. Vitória também dessas mesmas forças políticas e classistas do mundo, mais especificamente da Améri-ca Latina, demonstrando sua dimensão internacional em reforço à luta pela in-tegração latino-americana e caribenha, à luta por uma nova ordem mundial de paz, cooperação entre as Nações, direito à soberania e ao desenvolvimento.

O ex-presidente Lula, pela elevada expressão de sua liderança política e po-pular, exerceu papel importante para a construção da vitória alcançada. Mas é muito importante salientar que o movi-mento social organizado foi decisivo nas muitas batalhas da campanha. A atuação do movimento social em geral -- e das or-ganizações nas quais o PCdoB tem influ-ência -- teve papel saliente, destacando-se a ação da juventude. A posição da presi-denta, que demarcou à esquerda temas de

fronteira ao movimento, entusiasmou a militância e a levou a uma crescente mo-bilização. Essa resultante é uma conquista política significativa, sobretudo depois da vitória, que vai exigir uma ação comum, sustentando e impulsionando o governo no sentido das mudanças.

Podemos afirmar que o PCdoB tem sido uma das forças construtoras dessa quarta vitória de grande dimensão para as forças avançadas. Desde as indicações lançadas no seu 13º Congresso, de no-vembro de 2013, e as Resoluções decor-rentes, o PCdoB empenhou-se e se inse-riu na campanha presidencial em todo o país e teve papel destacado na reeleição de Dilma Rousseff – fato reconhecido pela própria presidenta.

Dilma vem se empenhando em prosseguir o projeto político iniciado por Lula em 2003, apesar dos limites e grandes obstáculos, numa marcha para frente, visto que a presidenta é a que mais avançou no sentido democrático--popular (“esticou mais a corda”). O resultado disso, inevitavelmente, é um embate mais agudo e mais acirrado com as forças conservadoras, a direita e seus apêndices extremistas que saem da pe-numbra, a oligarquia financeira, que é o estrato dominante do sistema capitalista contemporâneo.

Dilma deu curso à democratização da sociedade brasileira iniciada por Lula, quando cumulativamente propiciou o surgimento de significativa mobilidade social, reduzindo a desigualdade, dimi-nuindo e modificando os muitos espaços de privilégios das camadas médias altas da sociedade brasileira: maior acesso às melhores universidades, ampliação de oportunidades, aumento real sucessivo do salário mínimo, direitos dos traba-lhadores domésticos, transporte aéreo massivo, alcance amplo aos centros de consumo etc.

BALANÇO

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Em resposta a tais mudanças essas camadas médias privilegiadas e endi-nheiradas cresceram sua oposição e até mesmo o seu ódio contra a presidenta. E no estrato dos círculos financeiros domi-nantes e globalizados, que apoiaram os-tensivamente Aécio Neves, o que transpa-receu? Seus articulistas e porta-vozes de confiança, tanto no plano interno como no internacional, afirmam sinteticamen-te o seguinte: “o que está em questão é o consenso formado há quase três décadas, sobre como a economia deve ser gerida”. FHC consolidou esse consenso. Portan-to, não é circunstancial ou conjuntural que esses estratos sociais dominantes e intermediários – que se voltam contra a presidenta, que detêm grande poder na mídia, na justiça, nos órgãos de controle e policial, nas forças armadas – atuassem e aceitassem democraticamente a perda de poder, status e privilégios.

Assim, é insofismável a lei objetiva do avanço civilizacional: quem inviabiliza a saída de diálogo, com tolerância e pa-cífica para as mudanças mais profundas na sociedade são os setores dominan-tes dessa sociedade, na contemporanei-dade – a sociedade capitalista. Não são as correntes mudancistas, os trabalha-dores e os contingentes populares que inviabilizam o caminho do diálogo e da ação pacífica.

Apesar das contradições e divisões no seio da oposição, procuram sustentar a liderança da vez, Aécio Neves, respal-dado pela grande mídia, para encabeçar um pretenso terceiro turno. Esta é uma demonstração açodada de que eles não aceitam o resultado das urnas. E desde já estão a fim de truncar ao máximo que a presidenta eleita governe o país, levan-do o governo a um impasse econômico e político, pretendendo provocar uma cri-se institucional de governo. Na operação Lava Jato eles tramam uma tempestade

contra o governo Dilma, em um vetor para a operação de impeachment.

Diante disso, torna-se premente, numa ação comum, o apoio e sustentação à presidenta Dilma de todas as forças que a elegeram para garantir-lhe o cumprimento do programa de mudança e reforma, impe-dindo as investidas para o retrocesso. Cres-cem de importância as mobilizações de rua das forças democráticas e populares. Em suma, emerge uma nova situação, com outros componentes resultantes do gran-de embate pós-eleições de 2014. É mais renhida e demarcada a luta entre o avan-ço das mudanças e reformas na atual eta-pa e o retrocesso aos paradigmas e pactos neoliberalizantes da década de 1990.

Vai sendo formada uma convergên-cia no campo da esquerda e progressista de que o Brasil começa a viver um “novo ciclo histórico de transformação” (presi-denta Dilma Rousseff), de “abertura de um novo ciclo de mudanças” (PT). E se generalizam os anseios e propostas de fortalecer e ampliar a esquerda: formação de ampla frente de esquerda, “onde movi-mentos sociais, partidos, setores de parti-

do, intelectuais, juventudes, sindicalistas possam numa ação comum (...) lutar por reformas democrático-populares”. E para “transformar o Brasil é preciso combinar ação institucional, ação social e revolução cultural” (PT). O PT é levado a uma posi-ção mais à esquerda. (Última Resolução: “Giro Histórico?”. Breno Altman)

Vejam, torna-se mais atual o que o PCdoB indicava em seu 13º Congresso, de agregar e pôr em ação todos os que tenham afinidade e compromisso com as bandeiras da esquerda – partidos ou setores deles, os diversos movimentos sociais, as centrais sindicais dos traba-lhadores, personalidades, intelectuais e artistas progressistas – para respaldar e impulsionar o governo Dilma Rousseff a realizar as reformas e cumprir seus obje-tivos. Ao encontro dessas ideias e propos-tas já tivemos uma experiência concreta no segundo turno da eleição presidencial, quando essa unidade da esquerda foi determinante para impedir o retrocesso e alcançar a vitória. E, agora, pode pros-seguir de modo ainda mais organizado e ativo na busca dessa unidade.

BALANÇO

Foto: Roberto Stuckert Filho

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Portanto, o PCdoB se empenha-rá nesse sentido de fortalecer e ampliar a esquerda, prestando seu apoio e sus-tentação à presidenta Dilma. Ademais, consideramos que neste momento estão diante da presidenta Dilma dois desa-fios que demandam solução imedia-ta e exigem dela própria a condução dire-ta, apoiada em lideranças à altura dessas tarefas: 1) constituir a efetiva maioria nas duas Casas do Congresso Nacional e pactuar acordo que assegure à base alia-da a eleição dos presidentes da Câma-ra e do Senado Federal; e 2) retomar o crescimento econômico, com o aumento significativo do investimento público e privado, restabelecendo a confiança com o setor produtivo, empresários, investi-dores e empreendedores interessados no amplo desenvolvimento nacional.

Consideramos que, na nova situa-ção, a construção da maioria política para sustentação do novo governo teria que contar com a participação de um amplo Bloco de esquerda, conformação e estabi-lização do bloco de centro, com base num plano político que dê conta dos objetivos programáticos assumidos pela presidenta Dilma Rousseff.

Reformas – prioridade de governo

A presidenta tem acentuado a rea-lização das reformas como prioridade de seu segundo governo. O PCdoB, desde 2009, no seu Programa Socialista, defende as reformas democráticas estruturais da maneira que se possam superar os gran-des obstáculos que entravam a abertura de nova etapa do desenvolvimento nacional.

Neste momento, reafirmamos o elenco de reformas que avaliamos ser im-prescindíveis. Quero me reportar a duas delas, consideradas prioritárias: a reforma política e a Lei da Mídia democrática.

Essas duas reformas sem dúvida são imprescindíveis para o avanço de-mocrático do país. Para o seu êxito se requer, segundo nosso ponto de vista, a aglutinação do campo democrático e po-pular, em especial uma convergência da esquerda a respeito da plataforma das reformas, buscar respaldo na mobiliza-ção social, condição decisiva, e construir apoios no âmbito do Congresso Nacio-nal. Qualquer proposta passa por ele, outra condição decisiva. Em resumo: mobilização popular ampla e vencer no Congresso Nacional.

No caso da reforma política existem duas plataformas no campo progressista – plebiscito em defesa de uma Consti-tuinte exclusiva para deliberar e promul-gar a reforma política; e a chamada Coa-lizão, que reúne mais de uma centena de entidades da sociedade, encabeçada pela OAB e CNBB, que através da iniciativa popular defende um Projeto de Lei ao Congresso Nacional, com um conteúdo definido, que ressalta a forma de inves-timento somente da pessoa física, com base em um teto, nas campanhas eleito-rais, excluindo a forma de financiamento da pessoa jurídica. De nossa parte temos procurado até agora construir uma con-vergência entre as duas propostas.

No caso da reforma democrática da mídia existe uma unidade maior das

forças democráticas e de esquerda. A luta passa por uma nova fase em fun-ção das posições assumidas pela presi-denta Dilma acerca da essencialidade e premência da regulação econômica da mídia do país, constituída de monopó-lios e oligopólios. Como todas as refor-mas dependem do Congresso Nacional, para o êxito de tal reforma democrática, somente é viável por meio de ampla mo-bilização social, que congregue maiores parcelas do povo. Mas, existem também iniciativas em curso que já podem se tornar em ganhos iniciais e preparação para uma democratização mais profun-da dos meios de comunicação.

O PCdoB se encontra diante de no-vos e maiores desafios. A condição de tornar realidade a missão e o grande ideal comunista passam necessariamen-te por grandes, variados e crescentes embates. Temos a convicção de que nas condições contemporâneas – próximo a completar os 93 anos de sua história -- o PCdoB está mais forjado para ser prota-gonista e condutor da luta pelo avanço civilizacional, pela vitória da nova socie-dade – o Socialismo.

RENATO RABELO é presidente nacional do PCdoB (Partido Comunista do Brasil)

BALANÇO

Consideramos que, na nova situação, a construção da maioria política para sustentação do novo governo teria que contar com a participação de um amplo Bloco de esquerda, conformação e estabilização do bloco de centro, com base num plano político que dê conta dos objetivos programáticos assumidos pela presidenta Dilma Rousseff

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35ESQUERDA PETISTA

Comecemos pelos de sa fios que aguar-dam o segundo mandato de Dilma Rousseff, revelan-do um segredo de Polichinelo: será di-

fícil seu governo, e as razões explicativas ficam mais evidentes se cotejarmos o qua-dro de hoje com aquele da posse e início do governo Lula, que chegava ao Planalto bafejado por uma espetacular vitória po-lítica cimentada em acachapante maioria eleitoral, ainda que em segundo turno. Uma e outra fontes de legitimação abri-ram caminho para uma transição civiliza-da e criaram junto ao povo um clima de euforia, que era também autêntico voto de confiança no novo governante. Final-mente, haveria real mudança de (visão) de governo, ainda que a ruptura sonhada em 1989 tivesse de ser conscientemente adiada. Tantos anos postergado, chegara em 2002 o reveillon que não pudéramos comemorar em 1985, com a não-posse de Tancredo Neves. Mas na festa de 2003 cabiam todos, inclusive liberais conser-vadores e as forças de Sua Excelência, o Mercado, o todo poderoso de ontem e de hoje, pois o novo ministério confirmava os compromissos da “Carta aos Brasileiros”.

Vencemos as eleições. FALTA GANHAR A POLÍTICA

Roberto Amaral

BALANÇO

“Não se pode esquecer que a história é cruel com aqueles que pensam que ela é eterna, porque na verdade ela não é eterna, ela muda suas faces, muda suas exigências e pode se converter num abismo, e pode afogar todos aqueles que não perceberem que é o momento de mudar o rumo”, Florestan Fernandes (in Tempo social, outubro de 1995)

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A confiança nacional majoritária (leia-se: a torcida quase unânime pelo êxito do antigo torneiro-mecânico) en-contrava terreno fértil numa conjuntura político-econômica internacional favo-rável, alimentada pela crise (que alguns chamam de “decadência”) do monopólio dos EUA, o fracasso do intervencionismo militar unilateral, oferecendo condições para que o presidente comandasse, como desejava, uma política externa que seu chanceler cunharia como “ativa e altiva”. No plano econômico, colhíamos os bons frutos do boom da economia internacio-nal comandada pela China, que crescia ininterruptamente a taxa de dois dígitos/ano, o que tornou possível contornar a “herança maldita” da era FHC e, não sen-do pouco, retomar o crescimento. O País que, em 2002, insolvente, pedira socorro ao FMI, em 2004, após um ano com Lula, passaria a credor daquela agência e via seu PIB marcar 4,9%. Crescera só 0,6% no ano anterior.

No plano da política interna, isto é, da pequena política, o governo se as-segurava de numerosa, conquanto nem sempre fiel, maioria parlamentar, ao preço conhecido pela República e pelo presidencialismo de coalizão, caríssimo, principalmente quando um conjunto de forças, oriundo dos movimentos sociais e por eles apoiado, prefere, para garantir sua auto-sustentação, as negociações de cúpula, com as cúpulas partidárias, as ca-pitanias partidárias e as oligarquias par-tidárias, os partidos e os partidinhos de fancaria, as bancadas corporativas e seto-res selecionados do empresariado.

Não obstante, o governo Lula foi so-lapado pela crise de 2005 (ainda não en-cerrada em suas causas e suas consequ-ências deletérias) que quase levou ao im-peachment o mais popular presidente da República desde Getúlio. O resto é histó-ria sabida. Relembro os bons ventos que

sopraram a favor da nau lulista (ressalto os méritos do timoneiro) para evidenciar, em contraste, as dificuldades à espreita de Dilma.

A primeira observação é a crise eco-nô mica. Vários são seus elementos e entre eles está a reversão da economia mundial, detonada pela explosão da bolha imobiliá-ria nos EUA, a implosão do sistema finan-ceiro internacional e a recessão que em seguida se alastrou pelo mundo, abalando a Europa e o euro. Vivemos, desde 2008, conjuntura agravada pela crise externa, que compromete o bom desempenho da economia brasileira. Dilma, vimos, não conseguiu até aqui livrar-se dos efeitos de dois elementos perversamente contempo-râneos: a repercussão em nossa economia (i) daquela débâcle do capitalismo e (ii) a desmoralização da política (que vem de longe), qual a praticamos, e dos partidos, assim como os fazemos. Some-se a essa união diabólica a crise de identidade do PT, carregando consigo – para onde? – o que sobrou de uma esquerda crescente-mente inorgânica e fatidicamente sem teo ria e prática, e, por isso mesmo, atônita diante de processo histórico que não con-segue interpretar.

BALANÇO

Dilma não conseguiu até aqui

livrar-se dos efeitos de dois elementos

perversamente contemporâneos: a repercussão em

nossa economia daquela débâcle

do capitalismo e a desmoralização da

política (que vem de longe), qual a

praticamos, e dos partidos, assim

como os fazemos

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37ESQUERDA PETISTA

A crise econômica torna agudos os conflitos com as forças conservadoras e anti-desenvolvimentistas, daí a unani-midade da grande imprensa e as defec-ções (ou chantagens) de parcelas da base partidária nas votações fundamentais no Congresso. Dilma, desde que ousou contrariar os interesses da banca, ao de-terminar a queda dos juros que historica-mente asfixiam nosso desenvolvimento, tornou-se alvo de sistemática descons-trução de imagem, o que veio a lhe cus-tar a perda do apoio da classe média e de significativas camadas urbanas que, de fundamentais no festejado primeiro ano do mandato, transformam-se no princi-pal obstáculo na corrida para a reeleição.

A opção majoritária da classe média pelo candidato da direita se projetou no pós-eleitoral, está viva, e assim deverá permanecer pelo segundo governo Dil-ma, cuja instalação, aliás, essa parcela do eleitorado intentou impedir, relembran-do a crise que envolveu a eleição, posse e governo de Juscelino Kubitschek. Ali-ás, a campanha contra Dilma (contra sua eleição e já contra sua posse e governo) se anunciou em junho de 2013, nas pri-meiras mobilizações de rua e nos apupos

nos estádios da Copa das Confederações. Quem não quis ver, não viu, e, não vendo, ignorou o pedido de mudanças. Deu no que quase deu.

O quadro econômico que aguarda a presidente não é tranquilizador, nem no Brasil, nem no mundo. Com muito esforço, chegamos ao fim de 2014 com o crescimento zero do PIB. Festejamos ha-vermos saltado fora da recessão técnica. No plano global, as expectativas não são melhores; o crescimento mundial deve girar em torno de 1%, os BRICS continu-arão crescendo a ritmo cadente e a China não passará de 6% ou 7% ao ano. A Eu-ropa patina, o Japão se reencontra com a recessão e as taxas de crescimentos dos EUA são modestas. Há uma difícil jor-nada a ser percorrida até a consolidação política e econômica do Mercosul. A crise europeia acentuará nossas disputas na OMC.

Dilma cedeu, e fê-lo bem, ao divi-dir São Paulo e acenar para o agronegó-cio. Anulou duas áreas de atrito. Faz-se mister, entretanto, não perder o rumo estratégico que, afinal, foi o responsável pela sua difícil vitória: manter o desen-volvimento econômico associado à defe-sa dos interesses da soberania nacional e preservar e aprofundar as conquistas sociais, tudo isso em meio a uma impren-sa hostil, a uma crise institucional que se agrava a cada dia, dialogando com 28 partidos políticos que nada representam (com pouquíssimas exceções, vá lá), e ainda dependente de Congresso rejeitado pela opinião pública.

Já no primeiro governo Lula, o pre-sidencialismo de coalizão (“cooptação”, “aquisição”, “aluguel” ou leasing) revela-va sua degradação e a democracia repre-sentativa afundava na ausência de legi-timidade, agravada eleição após eleição, construindo as bases da crise de hoje: a crise da política, do sistema de partidos,

do processo eleitoral. Essa crise – que é da representação— alcança seu paroxismo em 2014, e o seu melhor retrato é a com-posição do Congresso Nacional, cadinho de nossas misérias. A tarefa difícil será facilitada na medida em que a esquerda se reorganize, nossos partidos se reen-contrem com as ruas, o movimento sin-dical (deixando os gabinetes da Esplana-da) recupere a política e os movimentos sociais retomem autonomia, tendo como principais eixos de atuação as seguintes bandeiras:

1. Resgatar o papel estratégico da

Petrobras na exploração das riquezas do pré-sal, ancorando o desenvolvimento da indústria em extensa cadeia produtiva (P&D, engenharia de materiais, nanotec-nologia, robótica, montagem, naval, pe-troquímica);

2. Atender às demandas da popula-ção urbanizada (habitação, saneamento e mobilidade), o que demandará investi-mentos em pequenas e médias indústrias que empregam mão de obra de baixa qualificação;

3. Apoiar a expansão do agronegó-cio, capital intensivo, fundamental para a geração de recursos externos indispensá-veis ao desenvolvimento. É bom registrar que o desenvolvimento dos EUA desde meados do século 19 tem uma das suas razões no fato de esse país ter-se transfor-mado em celeiro do mundo;

4. Apoiar o desenvolvimento da agricultura familiar, cada vez mais im-portante no abastecimento de gêneros que chegam à mesa do nosso povo.

ROBERTO AMARAL, ex-presidente do PSB, é autor de Socialismo: vida, morte, ressurreição (Vozes Editora) 

BALANÇO

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38 ESQUERDA PETISTA

A

campanha eleitoral de 2014 foi mais acirrada do que as duas eleições do ex-presidente Lula, em 2002 e em 2006, e a da presidenta Dilma Rou-sseff, em 2010. A disputa foi marcada pelo ódio exa-cerbado, pelo preconceito e pela discriminação contra pobres, nordestinos e, em especial, contra petistas.

O conservadorismo político e econômico se uniu para tentar tirar o Partido dos Trabalhadores do gover-no e, com isso, inviabilizar a consolidação do projeto democrático popular que vem sendo eleito há mais de uma década.

A agressividade dos embates estimulou ainda mais a militância da CUT e do PT, que se uniu aos jo-vens, aos sindicalistas de outras centrais que defen-dem o nosso projeto, ao movimento social e parte im-portante da esquerda partidária, e foi às ruas defender os interesses dos/as trabalhadores/as e da sociedade e ganhar a eleição.

Mais do que uma disputa eleitoral, foi uma luta de classes. O que estava em jogo era o retrocesso ao neoliberalismo ou mais avanços e conquistas para a classe trabalhadora e a sociedade.

A estratégia do medo e do moralismo, que parte da mídia e da oposição usou e continua usando para desqualificar o PT, encontrou eco na ultradireita bra-sileira e influenciou até parte da nova classe C, maior beneficiária das políticas públicas e medidas econômi-cas implementadas nos últimos doze anos.

DA REPRESENTATIVA À PARTICIPATIVAVagner Freitas

Neste texto, escrito em dezembro de 2014, o presidente da CUT defende o programa vitorioso nas urnas. Em janeiro de 2015 as centrais sindicais (ver página 41) se unem para impedir retrocesso

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39ESQUERDA PETISTA

Por falha da comunicação do governo ou porque a grande mídia ignora todas as notícias positivas relacionadas a essas políticas públicas, parte dos brasileiros que teve mais conquistas desde que o PT ganhou a presidência da Repúbli-ca, desconsiderou os investimentos feitos para a geração de emprego, de renda, para o combate a miséria e o acesso ao crédito. Tudo passou a ser uma questão de mérito pessoal, como a direita pregava.

Esses elementos contribuíram para a onda contra a reeleição da presidenta Dilma e dos can-didatos do partido aos governos estaduais. E o clamor contrário se intensificou ainda mais no segundo turno, especialmente, nos estados mais industrializados do Sul e Sudeste, em função da retração econômica nacional e internacional.

A direita radicalizou e fez de tudo para ele-ger um candidato de oposição afinado com seu modelo de sociedade e de desenvolvimento neoli-beral, preconceituoso e contra os pobres.

Nós lutamos para manter um programa que defende a economia de mercado com desenvol-vimento econômico, inclusão de todos os pobres, combate à miséria e valorização da agricultura fa-miliar, educação e saúde de qualidade, mobilida-de urbana, casa própria, entre outras demandas da sociedade.

A militância qualificada e bem informada foi decisiva. Garantiu a vitória de Dilma e, conse-quentemente, do projeto que defendemos. Sere-

mos decisivos e fundamentais também para ga-rantir a governabilidade e a viabilização da nossa proposta que é continuar transformando o Brasil em uma Nação mais justa e para todos.

Mais avanços e conquistas

A movimentação da oposição e de vários membros da base aliada depois da eleição já dei-xou claro que eles vão apostar na desestabilização do governo e, evidentemente, trabalhar contra as reivindicações da classe trabalhadora e da so-ciedade civil organizada. Ainda não engoliram a quarta derrota eleitoral e investem em teses gol-pistas, seja obstruindo o governo, seja inventando processos que caem nas mãos de juízes aliados ou até mesmo pedindo a volta dos militares.

É preciso que fique claro que a agenda po-lítica e econômica que está em discussão é a que venceu as eleições. Isso pressupõe ampliação do diálogo com os movimentos social e sindical que apoiaram a presidenta Dilma.

Nesse sentido, já está mais do que na hora de nos debruçarmos sobre a conjuntura política e econômica. Precisamos urgentemente traçar es-tratégias factíveis e coerentes com a nossa histó-ria, que norteiem nossa atuação em 2015. Além de consolidar mais essa grande vitória, é funda-mental garantir que nosso projeto de desenvolvi-mento sustentável, com justiça e inclusão social, continue avançando.

Lutamos para manter um programa que defende a economia de mercado com desenvolvimento econômico, inclusão de todos os pobres, combate à miséria e valorização da agricultura familiar, educação e saúde de qualidade, mobilidade urbana, casa própria, entre outras demandas da sociedade

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A CUT, que mobilizou sua militância e aglutinou todos os atores sociais do país que estavam dispersos e distante do go-verno para trabalhar pela vitória da presi-denta, precisa ser mais ouvida daqui para frente.

Com uma agenda política de debate e de mobilização permanente, que inclui a efetivação das nossas reivindicações, tanto no campo trabalhista quanto no so-cial, poderemos consolidar nosso projeto de Nação.

Para isso, é fundamental começar a discutir a agenda elaborada pela CUT e pelos sindicalistas das demais centrais sindicais que apoiaram à reeleição da presidenta Dilma. Nossas prioridades são encontrar uma alternativa ao fator pre-videnciário; a manutenção da política de valorização do salário mínimo, que ajuda-mos a construir, a aprovar no Congresso e a implementar com muita pressão de mo-bilização; a regulamentação da Conven-ção 151 da OIT (Organização Internacio-nal do Trabalho), que normatiza o direito de negociação dos servidores públicos; a correção da tabela do imposto de renda; a reforma agrária e as políticas de fortaleci-mento da agricultura familiar; redução da jornada de trabalho para 40 horas sema-nais sem redução de salário; as reformas tributária e a política e a regulamentação dos meios de comunicação.

Reforma política

A prioridade e o maior desafio das forças progressistas hoje no Brasil, além das demandas dos trabalhadores e das trabalhadoras, é o aperfeiçoamento da democracia. Estamos falando de uma modificação profunda no sistema político brasileiro que garanta, entre outras coi-sas, a paridade entre as candidaturas de homens e mulheres, o fim das coligações proporcionais parlamentares, o financia-

mento privado de campanha, que amplie a participação popular nos espaços de re-presentação do povo brasileiro.

A reforma política é um pré-requisito para que possamos avançar e consolidar a democratização do Estado brasileiro.

Essa reforma, que deve ser feita por meio de um Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sis-tema Político para debater com a socieda-de o modelo político do país, passa tam-bém pela defesa da política como instru-mento de transformação da sociedade, do PT e dos movimentos sindical e social, e pelo combate à criminalização da política.

Aliado à luta pelos direitos da classe trabalhadora e pela reforma política, temos de priorizar a luta pela ética e combate à corrupção. Ética e honestidade são princí-pios inegociáveis em qualquer sociedade que queria ser reconhecida como democrá-tica. Esses são princípios históricos e fun-damentais da CUT desde a sua fundação há 32 anos e deles jamais abriremos mão.

Temos de depurar todo sistema de governo que facilite ou estimule a cor-rupção. Mais que isso: temos de ser im-placáveis na punição, tanto de corruptos quanto de corruptores. Todos os níveis da administração pública, da iniciativa priva-da e do Judiciário precisam ser modelos de honestidade e de gestão.

A organização e a mobilização da mi-litância da CUT e dos parceiros dos movi-mentos social e sindical, dos jovens e do PT são essenciais para que todas as nossas tarefas sejam colocadas em prática e nos-sas reivindicações atendidas. O que nos move é a defesa da classe trabalhadora, a luta pela consolidação da democracia e pela melhoria de vida da sociedade.

Temos consciência de que sozinho o governo não será capaz de viabilizar todas as nossas reivindicações, até porque terá o Congresso Nacional mais conservador desde a redemocratização do Brasil. E a coalizão que venceu as eleições também tem representantes de setores conserva-dores. Nosso papel é dar condições para que a presidenta faça um governo pro-gressista e de esquerda.

A CUT e o PT precisam estar juntos na construção da democracia participa-tiva. Queremos, junto com o movimento social, participar diretamente nos procedi-mentos de tomada de decisão, elaboração, implementação e consolidação do nosso projeto de desenvolvimento econômico com justiça e inclusão social.

VAGNER FREITAS é presidente nacional da CUT - Central Única dos Trabalhadores

BALANÇO

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eunidas na sede nacio-

nal da CUT em São Paulo, as centrais sindicais brasileiras – CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB – vêm à público manifestar sua posição contrária às duas Medidas Provisórias do Governo Federal (MP 664 e MP 665) editadas na virada do ano, sem qualquer consulta ou discussão prévia com a representação sindical dos trabalhadores e trabalhadoras que, em nome de “corrigir distorções e fraudes”, atacam e reduzem direitos referentes ao seguro-desemprego, abono salarial (PIS-Pasep), seguro-defeso, auxílio-reclusão, pensões, auxílio-doença e, ainda, estabelece a terceirização da perícia médica para o âmbito das empresas privadas.

As medidas incluídas nas duas MPs mencionadas prejudicam os trabalhado-res ao dificultar o acesso ao seguro-de-semprego com a exigência de 18 meses de trabalho nos 24 meses anteriores à dispensa, num país em que a rotativida-de da mão de obra é intensa, bloqueando em particular o acesso de trabalhadores jovens a este benefício social. As novas exigências para a pensão por morte pe-nalizam igualmente os trabalhadores: enquanto não se mexe nas pensões de al-guns “privilegiados”, restringem o valor do benefício em até 50% para trabalhado-res de baixa renda.

As Centrais Sindicais condenam não só o método utilizado pelo Governo Fe-deral, que antes havia se comprometido a dialogar previamente eventuais medi-das que afetassem a classe trabalhadora, de anunciar de forma unilateral as MPs 664 e 665, bem como o conteúdo dessas medidas, que vão na contramão do com-promisso com a manutenção dos direitos trabalhistas.

De forma unânime as Centrais Sin-dicais reivindicam a revogação/retirada dessas MPs, de modo a que se abra uma verdadeira discussão sobre a correção de distorções e eventuais fraudes, discussão para a qual as Centrais sempre estiveram abertas, reafirmando sua defesa intransi-gente dos direitos trabalhistas, os quais não aceitamos que sejam reduzidos ou tenham seu acesso dificultado.

As medidas, além de atingirem os trabalhadores e trabalhadoras, vão na direção contrária da estruturação do sis-tema de seguridade social, com redução de direitos e sem combate efetivo às irre-

gularidades que teriam sido a motivação do governo para adotá-las. Desta manei-ra, as Centrais Sindicais entendem que as alterações propostas pelas MPs terão efeito negativo na política de redução das desigualdades sociais, bandeira histórica da classe trabalhadora.

As Centrais Sindicais farão uma reunião com o Ministro da Secretaria-Ge-ral da Presidência da República no dia 19 de janeiro, em São Paulo, na qual solicita-rão formalmente a retirada das referidas medidas pelo Poder Executivo e apresen-tarão suas propostas.

As Centrais Sindicais também ex-pressam sua total solidariedade à luta contra as demissões de trabalhadores e trabalhadoras da Volkswagen e Mercedes Benz ocorridas também na virada do ano e consideram que a sua reversão é uma questão de honra para o conjunto do mo-vimento sindical brasileiro. As Centrais Sindicais consideram inaceitável que as montadoras, empresas multinacionais que receberam enormes benefícios fiscais

NOTA DAS CENTRAIS SINDICAIS

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Centrais sindicais se reuniram em São Paulo e se manifestaram contrárias às medidas provisórias 664 e 665 do governo federal aprovadas no final de 2014 e prometem mobilizar os trabalhadores para impedir retrocessos nos direitos e garantias trabalhistas e exigir que o governo cumpra a promessa de diálogo com as entidades

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do governo e remeteram bilhões de lucros às suas matrizes no exterior, ao primeiro sinal de dificuldade, demitam em massa.

As Centrais Sindicais também exi-gem uma solução imediata para a situa-ção dos trabalhadores e trabalhadoras das empreiteiras contratadas pela Petrobrás; defendem o combate à corrupção e que os desvios dos recursos da empresa sejam apurados e os criminosos julgados e puni-dos exemplarmente. No entanto, não po-demos aceitar que o fato seja usado para enfraquecer a Petrobras, patrimônio do povo brasileiro, contestar sua exploração do petróleo baseada no regime de parti-lha, nem sua política industrial funda-mentada no conteúdo nacional, e, muito menos, para inviabilizar a exploração do

Pré-Sal. As Centrais também não aceitam que os trabalhadores da cadeia produtiva da empresa sejam prejudicados em seus direitos ou percam seus empregos em função desse processo.

Por fim, as Centrais Sindicais convo-cam toda sua militância para mobilizarem suas bases e irem para ruas de todo país no próximo dia 28 de Janeiro para o Dia Nacional de Lutas por emprego e direitos. Conclamam, da mesma forma, todas as suas entidades orgânicas e filiadas, de to-das as categorias e ramos que compõem as seis centrais, a participarem ativamente da 9ª Marcha da Classe Trabalhadora, prevista para 26 de Fevereiro, em São Paulo, para darmos visibilidades às nossas principais reivindicações e propostas.

São Paulo, 13 de Janeiro de 2014

• CUT – Central Única dos Trabalhadores

• Força Sindical

• UGT – União Geral dos Trabalhadores

• CTB – Central dos Trabalhadores e

Trabalhadoras do Brasil

• Nova Central Sindical de Trabalhadores

• CSB – Central dos Sindicatos Brasileiros

BALANÇO

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v luta de classes possui sua justiça poética. Mesmo

com toda monetariza-ção das campanhas

eleit orais, mesmo com o predomínio do marketing sobre

os programas, mesmo com todos os de-sejos de conciliação e harmonia, eis que as profundas contradições sociais, econô-micas e políticas do nosso país são mais fortes do que as tentativas de ocultá-las.As eleições – em especial, o segundo tur-no – obrigaram a todos os protagonistas

políticos a posicionarem-se no tabuleiro da luta e apresentarem suas armas: desde a ação literalmente criminosa da revista Veja as vésperas da eleição em tabelinha com a Rede Globo, as posições do agrone-gócio e do capital financeiro de um lado, a ação da militância do movimento so-cial, sindical e partidário de outro.

O segundo turno foi um momento de unidade das forças populares diante da ameaça evidente de retrocessos graves para o cenário nacional. Em essência, nas entrelinhas dos debates eleitorais, estava o posicionamento do país em relação à

crise econômica internacional: privilegiar o rentismo, provocando um ajuste fiscal que atingisse os direitos sociais, ou apro-fundar estes direitos sociais, fortalecendo a participação popular e um outro mode-lo de desenvolvimento autônomo.

A reeleição de Dilma Roussef foi, num primeiro momento, a vitória deste bloco em defesa dos direitos sociais e con-tra o recesso neoliberal. E esta vitória de-mocraticamente conquistada nas urnas, independente de sua margem estreita, conferia legitimidade ao próximo man-dato para realizar reformas e demandas

Desafios da LUTA DE CLASSES no próximo período

Miguel Enrique Stedile

BALANÇO

Os próximos anos serão árduos pelas batalhas que se projetam, pela necessária humildade e fraternidade que as forças de esquerda deverão ter para construir esta unidade e pela agressividade e força que demonstrará a direita. Infelizmente, o governo parece ter escolhido a opção derrotada

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44 ESQUERDA PETISTA

sociais ainda estagnadas, como a reforma agrária e a reforma política. Porém, en-cerrado o primeiro ato, quando se abrem as cortinas para o próximo ato, somos surpreendidos com a presidente eleita re-citando as falas do candidato derrotado.

Os primeiros anúncios de composi-ção do novo mandato apontam para um estelionato eleitoral. Não se trata apenas da indicação de Joaquim Levy, mas da si-nalização de um pacote de arrochos e ju-ros altos – justamente a medida do can-didato derrotado – em oposição ao que defenderam as ruas e os simpatizantes da candidatura Dilma.

Já a indicação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura é carregada de um forte simbolismo. Ora, era sabido que o agronegócio seguiria ocupando esta pasta. Entretanto, Dilma escolheu uma representante do setor mais conservador e retrógrado, conhecida por sua postura truculenta e autoritária quando diz res-peito aos povos indígenas, sem terras e a questão ambiental. Legítima herdeira da UDR e da mesma cepa dos Ronaldos Caiados, Dilma escolheu uma “bolsona-ra” para comandar a agricultura.

A primeira conclusão que este cená-rio aponta é de que, apesar das vitórias nas urnas e nas ruas de diversos gover-nos, locais e nacionais, e de movimentos políticos diversos, a principal herança do neoliberalismo permanece intocada: o Estado é refém do capital financeiro, independente de quem seja seu man-datário. O resgate, não do Estado, mas da soberania, só seria possível com um conjunto de políticas que radicalizassem a participação popular, como pode ser o Plebiscito – não referendo – da Reforma Política, que trouxesse os debates estru-turais para a decisão soberana e popular do povo brasileiro.

A segunda conclusão é de que a pre-sidente Dilma é incapaz de aprender com

as consequências que a crise econômica impôs para a periferia européia. Ao insis-tir num modelo econômico fracassado, cuja única razão de insistência é salvar suas matrizes no centro econômico inter-nacional, a presidente está condenando a economia brasileira e, consequentemen-te, a legitimidade da esquerda brasilei-ra, pois está transferindo para o campo popular sua decisão estelionatária. Pavi-menta assim o caminho para os portado-res legítimos do projeto neoliberal.

Neste cenário, o que cabe para a esquerda social? Primeiro, é necessário transformar a unidade pontual que o segundo turno permitiu em aliança per-manente, na constituição de uma Frente Democrática de Esquerda, capaz de aglu-tinar do Partido dos Trabalhadores ao Partido do Socialismo e da Liberdade, dos dissidentes do Partido Socialista Brasilei-ro aos setores comprometidos do Partido Democrático Trabalhista, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto à Via Cam-pesina, das organizações de juventude ao movimento sindical etc.

Esta unidade não pode ser construí-da em discursos ou em reuniões de ga-binete. Deve ser erguida na luta concreta por bandeiras capazes de sair da defensi-va em relação à direita, de dialogar com amplos setores da população, em especial a nova classe trabalhadora precarizada, e de tensionar o governo, o Congresso e o judiciário para garantir todos os direitos e novas conquistas.

Portanto, é preciso incentivar toda forma de luta e mobilização pelos pro-blemas estruturais que seguem insolú-

veis em nossa sociedade, em especial, a moradia urbana e o transporte público, assim como fortalecer o SUS e ampliar o programa Mais Médicos. E é necessário ainda transformar a democratização das comunicações numa batalha que revele para a sociedade o papel político ideoló-gico que os grandes veículos cumprem – e que ao menos constranja a presidenta a suspender o pagamento dos quase R$ 500 milhões que o governo entregou para a Editora Abril nos últimos 13 anos, por exemplo.

É central, ainda, a continuidade e a ampliação da campanha pela Reforma Política, sem concessões para as falsas mini-reformas ou para os referendos que alijam a participação popular, mas que seja de fato um processo em que o deba-te eleitoral e a atuação do Congresso não seja decidido por meia dúzia de emprei-teiras e bancos que a cada quatro anos vão ao mercado comprar e eleger seus representantes.

Os próximos anos serão, portanto, árduos pelas batalhas que se projetam, pela necessária humildade e fraternida-de que as forças de esquerda deverão ter para construir esta unidade e pela agres-sividade e força que demonstrará a direi-ta. Infelizmente, o governo parece ter es-colhido a opção derrotada. Mas não deve se esquecer de que a luta de classes tem a sua própria justiça poética.

MIGUEL ENRIQUE STEDILE integra o coletivo de formação do Movimento Sem Terra. Este texto foi escrito em Veranópolis (RS), em janeiro de 2015

BALANÇO

Ao insistir num modelo econômico fracassado (...) a presidente está condenando a economia brasileira e, consequentemente, a legitimidade da esquerda brasileira

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45ESQUERDA PETISTA

H á muito tempo o PT se organiza, pensa e fala sobre juventude. Em 1979, lideranças

sindicais do movimento pró PT se dirigiram aos estudantes que refundavam à UNE e se colocavam ao lado das lutas dos trabalhadores para convocá-los a construir o PT. Muitos universitários de fato participaram da fundação e dos primeiros passos do novo partido. Entre 1980 e 1982, mais de 40% dos filiados e filiadas tinham até 25 anos (SORG-PT).

Mas em 1981, a pauta da juventude do PT não se restringia às questões edu-cacionais, pois dava centralidade ao fim do subemprego e do desemprego, ao con-trato CLT para os menores e estagiários e ao fim da ditadura. O recenseamento de 1980 indicava que 1,8 milhão de crianças entre 10 e 14 anos exerciam atividade econômica e 6,2 milhões entre 15 e 19 participavam do mercado de trabalho.

Embora o Regimento Interno apro-vado no 3º Encontro Nacional do PT

(1984) instituísse as secretarias estu-dantis, o encontro seguinte, em 1985, decidiu criar um grupo de trabalho para reunir bibliografia e documentos, levan-tar as questões que mais preocupavam os jovens e examinar os critérios de fixação de limites etários para uma definição do que é juventude.

Em 1989, o programa de Lula para os jovens afirmava não haver limites cro-nológicos exatos para definir a etapa da vida em que já não se é mais criança, sem ser ainda adulto. Mas reconhecia que o trabalho era a realidade de quase 15 mi-lhões (30%) de crianças e jovens entre 10 e 17 anos.

Na Constituinte de 1988, a juventu-de e o PT garantiram o direito de voto aos 16 anos e depois, a Frente Brasil Popular mobilizou os jovens para tirarem seu tí-tulo eleitoral e construírem a campanha Lula Presidente em 1989.

Pesquisa de julho daquele ano indi-cava que o Partido tinha a preferência de 8% entre os 51% da população que tinha alguma preferência partidária. Porém, este índice era de 11% entre os jovens de 16 a 24 anos e de 12% de 25 a 34 anos (Ibope).

De algum modo, contribuíram para isso a realização do primeiro Encontro Na-cional dos Estudantes do PT em agosto, a vitória dos petistas no Congresso da União

O VOTO DA JUVENTUDE: um passado pela frente?

Rodrigo Cesar

BALANÇO

A significativa melhora das condições de vida da juventude nos últimos anos não se desdobrou em uma reversão do quadro de deterioração da relação do PT com os jovens. Este não é um problema de política pública, é um problema de política.

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Gráfico 1Tem alguma preferência partidária (2002-2014)

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* Nesta pesquisa, o Ibope pesquisou a faixa etária de 16 a 24 e de 25 a 29 anos.

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ago. 2013(Datafolha)

out. 2014(Datafolha)

dez. 2014(Datafolha)

Gráfico 2Tem preferência pelo PT (2002-2014)

população total 16 a 24 anos 25 a 34 anos

* Nesta pesquisa, o Ibope pesquisou a faixa etária de 16 a 24 e de 25 a 29 anos.

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Grafico 3Intenção de voto para Presidência da República

(2002-2014, Datafolha)

População total (PT) 16 a 24 anos (PT) 25 a 34 anos (PT)População total (PSDB) 16 a 24 anos (PSDB) 25 a 34 anos (PSDB)

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40%

45%

50%

55%

60%

8 e 9/out 14 e 15/out 20/out 21/out 22 e 23/out 24 e 25/out

Gráfico 4Intenção de voto para Presidência da República (2014)

(Datafolha)

16 a 24 anos (PT) 25 a 34 anos (PT) 16 a 24 anos (PSDB) 25 a 34 anos (PSDB)

3

4

BALANÇO

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48 ESQUERDA PETISTA

Nacional dos Estudantes (UNE) em outu-bro, e a criação da Secretaria Nacional de Juventude do PT em dezembro de 1987, no 5º Encontro Nacional do partido.

Somados a esses fatores, a campa-nha eleitoral no segundo semestre de 1989, o primeiro Encontro Nacional da JPT em 1991 e o Fora Collor em 1992 se inseriram em um processo de politização e crescimento do petismo entre os jovens. Se em 1987, 60% da população entre 16 e 24 anos não tinha preferência partidária e apenas 8% preferiam o PT, em 1994 os que não tinham preferência eram apenas 25%, menos que os 31% que preferiam o PT. (Ibope)

Mas os anos 1990 foram duros com a juventude trabalhadora. Entre janeiro de 1990 e dezembro de 1997, 64% das de-missões ocorreram na faixa etária entre 15 e 24 anos. (IBGE) Aqueles jovens en-xergaram no PT uma alternativa política e uma alternativa de governo.A preferên-cia ao Partido saiu de 16% em 1997 para novamente atingir 31% em outubro de 2002 (FPA, Criterium), contribuindo para a eleição de Lula.

Lutas como a greve das universida-des federais em 2001 e a campanha do plebiscito da ALCA em 2002, associados à ampliação da preferência partidária,

parecem ter se desdobrado em adesão ao PT no período seguinte às eleições: en-tre 2002 e 2004, os filiados com 16 a 25 anos passaram de 15% para 20% do total, aproximadamente. (SORG-PT)

A curva ascendente do petismo na juventude atingiu seu ápice em abril de 2005, quando 33% dos jovens desta faixa etária tinham preferência pelo PT, entre os 60% que tinham preferência partidá-ria. (Gráficos 1 e 2)

Mas a crise daquele ano abalou pro-fundamente a relação da população em geral com a política e do PT com a juven-tude, em particular. Entre abril e dezem-bro de 2005, a parcela da população que tinha alguma preferência partidária caiu de 56% para 38% (Criterium, Datafolha), e foi entre os jovens que se deu o maior impacto político da acusação de que o partido teria pagado mesadas em troca de apoio parlamentar e a confissão de que

praticava arrecadação não contabilizada para financiar campanhas eleitorais.

Esse revés político ocorreu conco-mitantemente a uma relativa melhora na situação de trabalho da juventude entre 15 e 24 anos. A taxa de desemprego que havia crescido de 11,4% para 19% entre 1995 e 2003, sofreu modesta queda para ainda elevados 18% em 2006, e a taxa de informalidade caiu de 62,5% em 2003 para 59,8% em 2006 (OIT).

Assim, mesmo Lula obtendo 60% das intenções de voto dos jovens entre 16 e 24 anos às vésperas do segundo turno de 2006, representava uma queda perante os 66% das intenções registradas em 2002. Este quadro seguiu se agravando até as eleições de 2014. Se em 2002 o voto dos jovens puxava para cima o percentual de intenção de votos da população total na candidatura do PT, em 2014 este voto pu-xou o percentual para baixo. (Gráfico 3)

Pouco antes do segundo turno, em um contexto geral no qual apenas 36% da população tinha alguma preferência parti-dária, a preferência pelo PT na faixa entre 16 e 24 anos era de críticos 15% e as in-tenções de voto em Dilma atingiram 50%. (Gráficos 1, 2 e 4) Paralelamente, entre 2008 e 2014, os jovens entre 16 e 25 anos passaram de 15% para 5% dos filiados do PT, aproximadamente. (SORG-PT)

Em suma, a significativa melhora das condições de vida da juventude nos últimos anos não se desdobrou em uma reversão do quadro de deterioração da relação do PT com os jovens. Este não é um problema de política pública, é um problema de política.

Movimentos como o Fora Collor (1992) ajudaram no crescimento do petismo entre os jovens

Preferência pelo PT, por faixa etária (%)

abr. 2005 set. 2006 variação

16 a 24 anos 33 25 - 8

25 a 34 anos 27 17 - 10

35 a 44 anos 29 25 - 4

45 a 59 anos 24 24 0

60 anos ou mais 19 23 + 4

BALANÇO

Fonte: Criterium

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Funcionou especialmente entre os mais novos a tática da direita dos últimos anos – principalmente a partir de junho de 2013 – de estimular a despolitização e criticar “tudo o que está aí”, ao mesmo tempo em que escondia seu programa econômico-social e escancarava seu con-servadorismo reacionário e elevava o tom da luta ideológica.

Estas eleições e o período pós-elei-toral politizaram toda a sociedade. Con-tudo, quem mais se politizou foram os jovens: de outubro a dezembro, enquan-to a população em geral que tem alguma preferência partidária cresceu apenas três pontos, na população entre 25 e 34 anos o aumento foi de cinco pontos e entre os jovens de 16 a 24 anos a variação foi de nove pontos positivos (Gráfico 1). Con-siderando que a preferência pelo PT au-mentou seis pontos entre os mais jovens e quatro pontos entre os menos jovens (Gráfico 2), pode-se dizer que cerca de

66% dos mais jovens que passaram a se identificar com algum partido se identi-ficaram com o PT e que esse índice é de 80% na população de 25 a 34 anos.

Somado a isso, a variação positiva de 42% para 50% das intenções de voto para Dilma entre os jovens de 16 a 24 anos ao longo do segundo turno das elei-ções (Gráfico 4) pode significar que po-litizar, polarizar, mobilizar e falar sobre o futuro tende a render bons frutos na tentativa de dialogar e conquistar a con-fiança da maioria trabalhadora da juven-tude brasileira.

Neste sentido, os atuais desafios do PT sobre o que pensar, como falar e or-ganizar os jovens serão enfrentados em melhores condições se retomarmos a orientação que nos rendeu ampla adesão das novas gerações nos anos 1980 e 1990: uma estratégia que combine, na prática, ação institucional, mobilização social e construção partidária.

Se em 2002 o voto dos jovens puxava para cima o percentual de intenção de votos da população total na candidatura do PT, em 2014 este voto puxou o percentual para baixo

Preferência pelo PT, por faixa etária (%)

06 e 07 jun. 2013

22 e 23 out. 2014

variação

16 a 24 anos 24 15 - 9

25 a 34 anos 23 19 - 2

35 a 44 anos 27 22 - 5

45 a 59 anos 20 19 - 1

60 anos ou mais 18 16 - 2

Diferentemente de 1985, o PT hoje já tem disponível uma vasta bibliografia sobre juventude, inúmeras pesquisas in-dicando as questões que mais preocupam os jovens e uma definição sobre os limi-tes etários para a definição desta fase da vida. O partido dispõe, inclusive, de uma rica elaboração sobre uma organização de juventude militante e de massas que pre-cisa funcionar a pleno vapor.

Entretanto, precisamos de mais transpiração para transformar essa inspi-ração em força política e social organizada e mobilizada por reformas democrático--populares e por políticas sociais univer-sais de qualidade.

Mas tudo isso será ainda insuficien-te se o PT não estiver disposto a humil-demente reconhecer seus erros, aprender com eles e assim se redimir, pois sua ima-gem mudará perante a sociedade somen-te se mudar verdadeiramente sua própria constituição e padrão de funcionamento, o que vai muito além de reformar apenas sua fachada.

Somente esta postura convencerá as novas gerações de que o PT é mais que um partido com um glorioso passado pela frente.

RODRIGO CESAR é historiador e membro do Conselho da Escola Nacional de Formação do PT

BALANÇO

Fonte: Datafolha

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50 ESQUERDA PETISTA

O

dia 24 de fevereiro entrará em 2015 para o calendário oficial do país como a data que celebra a conquista do voto feminino. Sancionada pela presidenta Dilma Rousseff neste mês de janeiro, a lei faz referência ao decreto que instituiu em 1932 o novo Código Eleitoral, cuja redação definiu que, a partir de então, seria considerado eleitor o cidadão “maior de 21 anos, sem distinção de sexo”.

Mais de oito décadas depois as mulheres represen-tam 52% dos eleitores, com 74,4 milhões de votos, con-tra 68,2 milhões de homens. O resultado das eleições, pelo menos numericamente, depende delas que, via de regra, demoram mais para decidir o voto. Em 2014, a menos de um mês do primeiro turno das eleições presi-denciais, cerca de 37% das mulheres ainda não haviam optado por uma das candidaturas. Nas campanhas elei-torais, os candidatos e seus marqueteiros estão sempre de olho neste seguimento do eleitorado.

Há várias teses sobre o voto das mulheres. Como a de que a decisão é fruto de análise mais aprofunda-da, mais pensada que a dos homens. Que elas acom-panham com mais cuidado a vida dos candidatos. E também que avaliam aspectos que dizem respeito às políticas públicas, uma vez que sofrem diretamente o impacto das ações governamentais, seja nos diretos que lhes garantam condições de ter trabalho remune-rado, seja com as responsabilidades que em geral são a elas delegadas no cuidado com a família.

As MULHERES e o votoRosana Ramos e Ane Cruz

Apesar de defender a maior participação das mulheres na política, na vida pública, nos espaços de poder, este, na maior parte das vezes, não é critério para que mulheres votem em mulheres

BALANÇO

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No caso das mulheres mais pobres, são as que mais sentem no dia-a-dia o re-sultado destas políticas, pois dependem de creches para os filhos, acessam mais os postos de saúde. Atualmente são em sua maioria chefes de família, e tem peso maior na hora de influenciar as decisões dentro do lar. Mais de 90%, por exemplo, dos cartões para receber o Bolsa Família estão em nome de mulheres; assim como mais de 50% da titularidade no Programa Minha Casa Minha Vida são delas.

O que se observa é que, a depender da classe a qual pertence, a região do país, ao local em que vive – se no campo ou nas grandes cidades, as mulheres tendem a votar com o olhar em demandas específi-cas. E isto explica em grande parte a pul-verização dos votos em diferentes can-didaturas, com programas tão distintos. Apesar de defender a maior participação das mulheres na política, na vida pública, nos espaços de poder, este, na maior par-te das vezes, não é critério para que mu-lheres votem em mulheres. A escolha de seus candidatos é sempre feita com base em perspectivas distintas. A questão de gênero é importante, mas pode não ser definidor.

Isto em parte se explica o porquê que, apesar de a presidenta Dilma Rous-

seff ser a primeira mulher no cargo mais importante do país, o Brasil ainda é pouco representado por mulheres na política.

Nas eleições de 2014 houve, dentre os sete presidenciáveis, três mulheres disputando o Governo Federal: Dilma Rousseff (PT) – candidata à reeleição; Marina Silva (PSB); e Luciana Genro (PSOL). Juntas obtiveram 64,46% dos votos no primeiro turno da eleição. No segundo turno, Dilma Rousseff foi ree-leita com 51,64% dos votos. É necessário um estudo mais aprofundado para en-tender e qualificar o voto dado em cada uma delas. Porém, é possível afirmar que a sociedade, particularmente no que diz respeito ao primeiro turno, quando o espectro programático é mais difuso, majoritariamente votou em mulheres, sem que a questão de gênero fosse deter-minante; senão, como explicar que este critério não tenha sido suficiente para garantir a opção de voto no segundo tur-no, quando dois projetos antagônicos se enfrentaram. Parcela do eleitorado que havia votado em mulher no primeiro tur-no migrou para a candidatura de Aécio Neves (PSDB) que, além de representar o retrocesso nas políticas implementadas nos últimos 12 anos, imprimiu na cam-panha as piores práticas arraigadas na

Neste ano as mulheres do PT - que mantêm presença paritária nas direções, delegadas e militantes - precisam impor a aprovação de uma agenda para o 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores, que retome a formulação da correlação intrínseca entre feminismo e socialismo

BALANÇO

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sociedade, como o machismo, o racismo, o preconceito e a homofobia.

No entanto, se a questão de gênero, no segundo turno, não foi o fator prin-cipal na decisão dos votos para aqueles 64,46% que optaram por elas no primei-ro, as agressões de Aécio a Dilma resul-taram num crescimento da candidatura petista entre as mulheres, que frente à postura sexista do candidato tucano, op-taram por ela.

O comportamento autoritário e pre-conceituoso de Aécio reverberaram pela sociedade e resultaram, por um lado, na indignação das mulheres com os insultos e a desqualificação de Dilma e a opção de voto nela; de outro, deram força para que os machistas saíssem das catacumbas e desferissem todo tipo de comentário de baixo calão contra as mulheres. Há re-latos de mulheres que foram agredidas fisicamente durante o período eleitoral, porque “ousaram” defender seu ponto de vista e falar sobre política abertamente.

Os xingamentos à presidenta na abertura da Copa, os adjetivos dados a ela nos debates entre presidenciáveis, os posts e memes ultrajantes que circularam pelas redes sociais, questionando inclusive sua sexualidade, fizeram parte de um mosai-co que, assim como na arte, expuseram as fissuras de uma sociedade patriarcal, cujos papéis e imagens das mulheres devem permanecer nos espaços privados, subme-tidas a todo tipo de violência.

O espaço das mulheres

Mesmo sendo a maioria do eleitora-do, em 2014, as mulheres foram minoria das candidaturas aos governos estaduais (10,40%), ao Senado (19,02%), à Câmara Federal (31,85,85%) e a assembleias le-gislativas (32,37%).

Apesar de obrigatória desde 2009, a cota mínima de 30% de mulheres nas

candidaturas partidárias em todos os ní-veis, foi apenas nas últimas eleições que a Lei das Cotas foi cumprida por todos os partidos.

Estabelecida na Lei das Eleições, de 1997, a regra previa a reserva de vagas para a participação feminina nos cargos de deputado federal, estadual e distrital e vereador. Em 2009, a cota passou a ser obrigatória e definida em no mínimo 30% para mulheres. Uma resolução do Tribu-nal Superior Eleitoral (TSE) permite in-clusive que seja negado o registro da cha-pa que estiver fora da regra.

Em 2014, segundo dados do TSE, cresceu em 61% a participação da mulher entre os candidatos em comparação com 2010. Mas os resultados nas urnas mos-traram que este índice não se traduziu na eleição. Na Câmara Federal, dos 513 parlamentares eleitos em 2010, 45 eram mulheres (8,8%). Para a nova legislatura foram eleitas 51 deputadas (9,9%). Hou-ve, portanto, um pequeno aumento com relação ao pleito anterior, mas a bancada feminina passa longe dos 30% que dis-

putaram eleição. Ou seja, a relação é de menos de uma mulher para cada dez de-putados homens eleitos.

No caso da bancada do PT na Câ-mara, dos 70 parlamentares eleitos, nove são mulheres. Na legislatura que termina neste ano havia 11 petistas.

A eleição de 2014 só renovou um ter-ço do Senado. Neste caso, foram eleitas cinco senadoras entre as 27 vagas dispo-níveis. Elas vão dividir espaço com outras seis que cumprem mandato até 2019. Com isso, serão 11 de um total de 81 senadores, ou 13,6% da Casa. Em 2014, o PT elegeu uma senadora no Rio Grande do Norte.

Atualmente tramita no Senado um projeto que prevê que “quando da reno-vação do Senado Federal por dois terços, uma das vagas será reservada para can-didatos do sexo masculino e a outra para candidatas do sexo feminino.”

Nas assembleias legislativas de todo o país o índice da presença de mulheres também não é muito animador. A popu-lação brasileira terá 26 representantes fe-mininas a menos na próxima legislatura

BALANÇO

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(2015-2018). Dezessete casas legislativas terão menos deputadas do que na atual legislatura. A quantidade de mulheres aumentará em cinco assembleias, en-quanto o número de deputadas será igual em quatro estados.

Do total de 1.042 representantes eleitos para a próxima legislatura, 119 são mulheres, ou seja, 11,4% do total.

Entre as candidatas aos Executivos estaduais, somente uma foi eleita neste pleito, Suely Campos (PP) em Roraima. Nenhuma delas concorreu à reeleição. Historicamente, o número de governado-ras nunca passou de 11%.

No Governo Federal também hou-ve redução da presença de mulheres no primeiro escalão. Quando assumiu a Pre-sidência da Republica, em 2011, a pre-sidenta Dilma nomeou nove ministras, que correspondiam a 24,32% do total de 37 ministros. Em 2015, foram nomeadas seis ministras, que totalizam 15,38% do conjunto de 39 ministérios.

5º Congresso do PT

A luta pela libertação das mulheres ainda é um componente fundamental para construção de uma nova sociedade, onde homens e mulheres tenham os mes-mos direitos. Mais mulheres no poder não é somente uma palavra de ordem, trata-se de uma questão de justiça de gênero.

As mulheres são mais da metade da população e a pouca presença neste es-paço viola o princípio da democracia re-presentativa, ou seja, como as mulheres constituem um grupo que é afetado pelas escolhas políticas, têm o direito a partici-par e intervir em condições de igualdade nos processos de decisão.

Reverter esse quadro de desigualda-de, que a radiografia dos resultados das eleições nos mostra, é um desafio que se apresenta para toda a sociedade, de aper-

feiçoar a democracia transformando um direito em potencial em direito exercido. O déficit de representatividade, neste caso, significa um déficit para a democra-cia brasileira.

Neste ano as mulheres do PT - que mantêm presença paritária nas direções, delegadas e militantes - precisam impor a aprovação de uma agenda para o 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores, que retome a formulação da correlação intrínseca entre feminismo e socialismo; a afirmação da democracia como elemen-

to fundamental da política, a superação do machismo, do racismo, da homofobia/lesbofobia e de todas as formas de pre-conceito e discriminação.

ANE CRUZ, feminista, integrante da Secretaria Estadual de Mulheres do PT-RS

ROSANA RAMOS, jornalista, membro do Diretório Nacional do PT e do Coletivo Nacional da Secretaria de Mulheres do PT

BALANÇO

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votação de Dilma no se-gundo turno no Nordeste

surpreendeu muitos e motivou as já conhe-

cidas manifestações preconceituosas e racistas dos incon-

formados com o resultado eleitoral. Seu percentual nos nove estados da região va-riou dos 62,12% aos 78,76%. Para quem não acompanha o que vem ocorrendo na região e dá crédito a avaliações simplifi-cadoras que terminam por cultivar o pre-conceito em maior ou menor grau, credi-

ta todo esse resultado ao programa Bol-sa Família. É natural essa interpretação para quem sempre enxergou o Nordeste como um peso, região do atraso político e econômico e não deu a devida importân-cia ao esforço dos governos Lula e Dilma para reduzir as desigualdades regionais.

Os fatos demonstram que os inves-timentos na região proporcionaram ao Nordeste apresentar um desenvolvimento econômico acelerado, bem acima da mé-dia das demais regiões do País. No início foram as políticas sociais de transferência de renda e o aumento real do salário míni-

mo que contribuíram para o crescimento do PIB per capita do Nordeste e da renda do trabalhador local. Posteriormente, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vieram os grandes investimentos em infraestrutura, como a duplicação das BRs, especialmente da BR 101, a Trans-nordestina, as obras da transposição do Rio São Francisco, os portos, aeroportos, obras de saneamento e outras, que abri-ram caminho para um processo de indus-trialização nunca visto na região, descon-centrando a produção industrial brasileira das regiões Sul e Sudeste.

As razões do NORDESTE

Múcio Magalhães e Antonio Pessoa (Zico)

BALANÇO

No geral, o povo do Nordeste correspondeu aos avanços sociais e econômicos com uma votação consagradora em Dilma, confirmando que acima de tudo quer manter as conquistas propiciadas pelos governos petistas e não confia nos tucanos como alternativa

Campanha em Petrolina (PE)

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BALANÇO

Investimentos privados e das em-presas de capital misto, incentivados por políticas do governo federal, despontam nas áreas da petroquímica, da siderurgia, da indústria naval, da indústria automo-bilística, eólica, ferrovias, refinarias, in-dústria farmoquímica, de papel e celulo-se, etc. É uma indústria de alto valor agre-gado, que por necessitar de trabalhadores com melhor grau de qualificação, oferece melhores salários, o que tem estimulado a formação de uma jovem classe traba-lhadora que passou a ter acesso a bens e serviços que seus pais nunca tiveram.

No campo, as políticas de financia-mento à agricultura familiar, as medidas de estimulo ao desenvolvimento de prá-ticas de convivência com a seca, a im-plantação de mais de um milhão de cis-ternas no semiárido, aliadas às políticas de proteção social, elevaram a qualida-de de vida do sertanejo a uma condição nunca antes vista.

A renda e a riqueza ainda é hiper-concentrada na região, mas o crescimen-to econômico, aliado as políticas sociais nas áreas de educação com a ampliação de vagas no ensino técnico e superior, os investimentos em saúde com novos hos-pitais, mais médicos, entre outros, têm elevado a autoestima da população, que é beneficiária direta das políticas dos go-vernos do PT ou não.

No geral, o povo do Nordeste corres-pondeu aos avanços sociais e econômicos com uma votação consagradora em Dil-ma, confirmando que acima de tudo quer manter as conquistas propiciadas pelos governos Lula e Dilma e que não confia nos tucanos como alternativa de governo para manter os avanços atuais e garantir novas conquistas.

O aspecto que chama a atenção é a diminuição do número de deputados federais eleitos pelo PT na região, 18 ao

todo. Estados como Pernambuco e Rio Grande do Norte não elegeram nenhum; no Ceará, onde foi eleito um governador do PT, foram eleitos quatro deputados; fi-cando a Bahia com o melhor resultado, com a eleição do governador do PT e de oito deputados federais. Também dimi-nuiu o número de deputados estaduais. Parece estar na votação proporcional o reflexo da intensa campanha de desgaste movida contra o PT desde 2005, somada as insuficiências do governo na disputa de hegemonia da sociedade. Não pode ser considerado normal um resultado onde elegemos a presidenta da república e a bancada diminui.

As eleições deste ano deixaram li-ções e sinais das mudanças que precisam ocorrer no PT e no governo para que seja mantido o apoio que o Nordeste vem dando em todas as disputas presidenciais as candidaturas do PT. É hora de ouvir com atenção o recado das massas nas ruas e nas urnas que ao mesmo tempo em que reelegeram Dilma também estão chamando o PT para a luta social, para o enfrentamento da direita que cresceu na eleição.

MÚCIO MAGALHÃES e ANTONIO PESSOA (ZICO) são dirigentes do PT Pernambuco

O percentual de votos em Dilma nos nove estados nordestinos variou dos 62,12% aos 78,76%

DilmaAécio

Votação segundo turno

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56 ESQUERDA PETISTA

1 A esquerda brasileira tinha dois objeti-vos na eleição presidencial de 2014. O

primeiro objetivo era vencer, impedindo o retrocesso que seria causado por uma vitó-ria da oposição de direita. O segundo obje-tivo era criar as condições para um segundo mandato superior. O primeiro objetivo foi atingido. O segundo não foi atingido, como se pode verificar pela composição do minis-tério e as Medidas Provisórias 664 e 665.

2 Evidente que os atos iniciais de um go-verno não obrigatoriamente determinam

seu desfecho. Neste sentido, é bom lembrar que tanto o primeiro governo Lula quanto o primeiro governo Dilma começaram fazendo concessões similares à oposição de direita, ao neoliberalismo.

3 Mas para mudar o rumo do governo, é preciso dizer as coisas como elas são:

implementar, mesmo que parcialmente, o programa dos derrotados na eleição contri-bui para confundir e desorganizar as forças que venceram as eleições presidenciais de 2014, facilita as operações de sabotagem implementadas pela oposição de direita e também por setores da base do governo, não ajuda a bloquear eventuais tentativas de interromper nosso mandato, além de criar um ambiente favorável aos que desejam nos derrotar nas eleições de 2016 e 2018.

4Portanto, nossa tarefa principal em 2015 e adiante será completar o que não foi

feito em 2014. Ou seja: criar as condições para um segundo mandato superior. Isto exi-girá um triplo movimento: apoiar o governo contra a oposição de direita, reverter as con-cessões que o governo faz à direita, mobilizar os setores populares em defesa de reformas estruturais.

5É com este espírito que estamos partici-pando, desde já, das ações em defesa da

reforma política e da democratização da mí-dia; das lutas pelo julgamento e prisão para os criminosos da ditadura militar; das mobi-lizações sindicais por emprego e direito, da juventude por transporte público e gratuito; das reuniões em que se busca dar organici-dade à atuação da esquerda política e social; dos debates preparatórios do Quinto Con-gresso do PT, assim como dos congressos da CUT, da UNE, da Ubes e da Juventude petista.

6Achamos que nossas preocupações coincidem com as de grande parte da

militância que foi às ruas garantir a vitória no segundo turno de 2014. E é partir delas que, no 2º Congresso da Articulação de Es-querda, discutiremos como –neste contexto mundial, regional e nacional tremendamen-te difícil e desafiador—seguiremos lutando

A luta por um mandato superiorO texto a seguir é uma versão atualizada da resolução aprovada, no dia 27 de outubro de 2014, pela direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda. Esta versão --ainda em debate e sujeita a alterações nas reuniões que a direção da AE fará nos dias 19/1 e 7-8/2-- constitui um subsídio para os debates do 2º Congresso da Articulação de Esquerda, que será realizado de 2 a 5 de abril de 2015, no Instituto Cajamar (SP).

2015 E DEPOIS

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57ESQUERDA PETISTA

a

em defesa das reformas democrático-po-pulares e do socialismo.

7Iniciamos nossa discussão reafirman-do a necessidade de comemorar o re-

sultado das eleições de 2014. Foi graças à mobilização da maioria do povo brasileiro, da classe trabalhadora, do campo demo-crático-popular e da esquerda socialista que conseguimos reeleger Dilma Rousseff para presidir o Brasil até 31 de dezembro de 2018.

8Nossa vitória foi fortemente comemo-rada por todos os setores democráticos,

progressistas e de esquerda, no mundo e particularmente na América Latina e Cari-be. Comemoração por mais uma vez termos conseguido derrotar eleitoralmente a direi-ta, o oligopólio da mídia, o grande capital, seus aliados internacionais. Comemoração, porque este resultado foi obtido no funda-mental graças à consciência de classe de importantes parcelas do nosso povo, à mo-bilização em grande medida espontânea da velha e da nova militância de esquerda. Co-memoração, porque a campanha confirmou que o Partido dos Trabalhadores conta com duas grandes lideranças populares: o ex--presidente Lula e a presidenta Dilma.

9Como já dissemos, nas eleições de 2014, não estava em jogo apenas a con-

tinuidade e a possibilidade de aprofunda-mento de um processo iniciado em 2002, com a eleição de Lula. Nas eleições de 2014 estava em jogo, também, impedir ou não o retrocesso que resultaria de uma vitória da oposição neoliberal.

10 É importante reafirmar também isto: a oposição encabeçada por Aécio

Neves foi portadora das piores práticas e políticas: o machismo, o racismo, a xenofo-bia, a intolerância, o preconceito, o ódio, a

saudade da ditadura militar, o neoliberalis-mo, a submissão às potências estrangeiras. E, passada a eleição, esta oposição de direita segue atuante, com setores questionando o resultado eleitoral, adotando discursos que defendem a divisão do país, ameaçando a normalidade institucional.

11A radicalidade da oposição de direi-ta serve, também, para chantagear

o governo eleito, a fim de que este adote o programa dos derrotados. Como já disse-mos, tínhamos dois objetivos na eleição pre-sidencial: vencer e criar as condições para um segundo mandato superior. Reiteramos que o segundo objetivo não foi atingido. Joaquim Levy, Kátia Abreu e outros de seus colegas de ministério estão aí para compro-var isto.

12Por isto é que dizemos que ao PT e ao conjunto da esquerda política e

social não basta comemorar a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. É preciso tomar as medidas para que ela cumpra o progra-ma vitorioso nas urnas e realize um segundo mandato superior.

13É com este propósito que conside-ramos necessário um amplo proces-

so de balanço das eleições 2014. Trata-se de estudar o comportamento das classes sociais no processo eleitoral; a atuação do campo democrático-popular; o jogo dos se-tores conservadores; o papel dos partidos políticos, da “terceira via”, dos movimentos sociais; a batalha da cultura e da comunica-ção; os resultados das eleições estaduais e parlamentares, entre outras variáveis: tudo isso é essencial para que a esquerda cons-trua uma nova estratégia e um novo padrão de organização e atuação, indispensáveis se quisermos não apenas seguir governando, mas principalmente seguir transformando o Brasil.

14Não basta administrar bem, fazen-do mais e melhores políticas públi-

cas. É preciso construir hegemonia cultural e fazer reformas estruturais, com destaque para a reforma política e para a Lei da Mídia Democrática. Para atingir estes objetivos, tanto o PT quanto o conjunto da esquerda devemos aprender a incorporar as energias, a militância, o ânimo alegre e combativo que foi às ruas, especialmente no segundo turno da campanha eleitoral. Também é preciso compreender os motivos e os mecanismos político-culturais que levam parcelas dos setores médios e da classe trabalhadora a tomarem atitudes reacionárias e a votarem na candidatura dos ricos e poderosos.

15Para que a presidenta Dilma faça um segundo mandato superior, será

necessário desencadear um amplo processo de organização e mobilização destes mi-lhões de brasileiros e brasileiras que saíram às ruas não apenas para apoiar Dilma, mas principalmente para defender nossos direi-tos humanos, nossos direitos à democracia, ao bem estar social, ao desenvolvimento, à soberania nacional.

16As eleições de 2014 reafirmaram a validade de uma ideia que vem des-

de os anos 1980: para transformar o Brasil, não basta votar e ser votado. Para transformar o Brasil, é preciso combinar ação institucio-nal, mobilização social e organização parti-dária, operando uma verdadeira “revolução cultural” no modo de fazer politica das clas-ses trabalhadoras. O PT, como principal par-tido da esquerda brasileira, está convocado a encabeçar este processo de mobilização cultural, social e política. Que exigirá, repeti-mos, renovar nossa capacidade de entender, de compreender, a sociedade brasileira, a na-tureza do seu desenvolvimento capitalista, a luta de classes que aqui se trava sob as mais variadas formas, cores e sabores.

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58 ESQUERDA PETISTA

17As eleições mostraram que o PT possui raízes profundas no povo, na

classe trabalhadora, entre as mulheres, entre negros e negras, na juventude. Mas também evidenciaram nossas imensas debilidades. A consciência de classe e a generosidade de amplas parcelas do povo brasileiro nos de-ram mais uma oportunidade de corrigir estas debilidades. Não temos o direito de desper-diçá-la.

18 Por tudo isto, reafirmamos que o PT tem a obrigação de realizar um ba-

lanço profundo e sólido do processo eleito-ral, bem como de nossa trajetória a frente do governo federal desde 2003, que sirvam de base para uma orientação política global para o período 2015-2018. Realizar um balan-ço desta natureza demandará certo tempo, necessário para analisar variados aspectos, consolidar os dados mensuráveis, ouvir as distintas opiniões, produzir uma reflexão à altura do processo extraordinariamente rico que vivemos, só comparável à campanha de 1989. O 5º Congresso do PT deve converter--se neste processo de diálogo entre o Partido e estes milhões que foram às ruas defender a reeleição de Dilma Rousseff. Um diálogo tan-to com petistas quanto com quem não é do PT e critica nosso Partido.

19Por outro lado, a realidade interna-cional e nacional, a atitude da opo-

sição de direita e de integrantes da suposta base aliada, assim como as opões equivoca-das de importantes lideranças petistas, im-põem a adoção de medidas imediatas, que não podem esperar pelo 5º Congresso.

20 Embora o candidato da oposição te-nha formalmente aceitado a derrota,

o bloco conservador age muitas vezes como se não tivesse perdido as eleições. Ademais, como resultado do que faz o oligopólio da mídia diuturnamente, mas também em de-corrência do que fizeram Serra em 2010 e Aécio em 2014, o “gênio saiu da garrafa”: não apenas nas redes sociais, mas ao vivo e em cores, a extrema-direita saiu do armário, cresceu no parlamento e está empesteando

o ambiente com todos os preconceitos e ati-tudes violentas.

21Quando afirma que o país está di-vidido, a oposição de direita visa

debilitar a autoridade da presidenta e im-por o programa dos derrotados. Mas vitória é vitória, mesmo que por um voto. E Dilma Rousseff teve 54.477.479 votos, mais de três milhões a frente de Aécio. A oposição foi derrotada no Nordeste, mas também em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, a tal ponto que a maior parte dos votos de Dilma Rous-seff veio do Sudeste e Sul somados. Os par-tidos que apoiaram a reeleição de Dilma têm maioria no Congresso Nacional. A maioria do eleitorado votou não apenas pela continui-dade, mas também pelo aprofundamento das mudanças iniciadas em 2003.

22A “tese” da oposição de direita, por-tanto, não decorre da análise dos

fatos e dos costumes. Decorre do seguinte: eles não aceitam que tenhamos vencido a quarta eleição presidencial seguida, apesar de tudo que fizeram contra nós. Eles temem que o campo democrático-popular avance nas suas conquistas e vença também as elei-ções de 2018. Eles sabem, por experiências antigas e recentes, que com ameaças podem conseguir aquilo que o povo não lhes deu.

23Para os donos do poder, é simples-mente inaceitável a continuidade da

ampliação do bem-estar social, das liberda-des democráticas e da soberania nacional. Frente à quarta derrota consecutiva, eles fazem e farão de tudo para que a presiden-ta implemente o programa dos derrotados; para tentar sabotar o novo governo; para buscar desestabilizar a institucionalidade democrática, por exemplo via impeachment ou cassação do registro do partido; para nos derrotar em 2016 e 2018. Sua estratégia pode ser resumida em duas palavras: rea-ção permanente. Todas as alternativas estão postas na mesa da oposição de direita.

24Não basta constatar isto, muito me-nos atribuir ao governo estrito senso

a solução, pois já aprendemos que o espaço de atuação do governo depende em gran-de medida da mobilização política e social. Portanto, uma de nossas tarefas principais, em 2015 e adiante, será completar o que não foi feito em 2014. Ou seja: criar as con-dições para um segundo mandato superior. Tarefa na qual o PT e o conjunto dos partidos e movimentos sociais aliados, bem como a intelectualidade democrática, têm muito a dizer e fazer. A seguir, enumeramos as três medidas mais urgentes:

I. Dar organicidade ao grande movimento político-social que venceu o segundo turno das eleições presidenciais. Partidos e seto-res de partidos, movimentos sociais, traba-lhadores da cultura e intelectualidade de-mocrática devem ser convidados a compor uma grande frente onde possam debater e articular ações comuns, seja em defesa da democracia, seja em defesa das reformas democrático-populares.

II. Iniciar a construção de um jornal diário de massas e de uma agência de notícias, arti-culados a mídias digitais (inclusive rádio e TV web), com ação permanente nas redes sociais, que sirvam de retaguarda e de ins-trumento do campo democrático-popular na batalha de ideias. Integrar esta ação de co-municação política com o amplo movimento cultural que está em curso neste país e que foi tão importante no segundo turno.

III. Relançar a campanha pela reforma polí-tica e pela mídia democrática, contribuindo para que o governo possa tomar medidas avançadas nestas áreas e para sustentar a batalha que travaremos a respeito no Con-gresso Nacional.

25Neste contexto, cabe ao PT reafirmar seu compromisso com a seguinte

plataforma:

A. reforma política, através de uma Consti-tuinte exclusiva seguida de uma consulta oficial à população, para que esta referende ou não as decisões da Constituinte;

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59ESQUERDA PETISTA

B. democracia na comunicação, com a Lei da Mídia Democrática e a implantação das principais resoluções da Conferência Na-cional de Comunicação de 2009;

C. democracia representativa, democracia direta e democracia participativa, para que a mobilização e luta social influencie a ação dos governos, das bancadas e dos partidos políticos. O governo precisa dar continui-dade à participação social na definição e acompanhamento das políticas públicas e tomar as medidas para reverter a derrubada da Política Nacional de Participação Social, objeto de decreto presidencial cancelado pela maioria conservadora da Câmara dos Deputados no dia 28/10/ 2014;

D. a agenda reivindicada pela CUT, onde se destacam o fim do fator previdenciário e a implantação da jornada de 40 horas sem redução de salários, assim como as medi-das indicadas por seis centrais sindicais em nota divulgada dia 13/1/2015;

E. as reformas estruturais, com destaque para a Lei da Mídia Democrática, a reforma política, as reformas agrária e urbana, a uni-versalização das políticas de saúde e edu-cação, a defesa dos direitos humanos e a desmilitarização das Polícias Militares;

F. salto na oferta e na qualidade dos ser-viços públicos oferecidos ao povo brasilei-ro, em especial na educação pública, com reformas pedagógicas e curriculares no ensino básico, médio e universitário; no transporte público; na segurança pública e no SUS, sobre o qual reafirmamos nos-so compromisso com a universalização do atendimento e o repasse efetivo e integral de 10% das receitas correntes brutas da União para a saúde pública;

G. ampliação da importância e dos recursos destinados às áreas da comunicação, da educação, da cultura e do esporte, pois as grandes mudanças políticas, econômicas e sociais precisam criar raízes no tecido mais profundo da sociedade brasileira;

H. proteção dos direitos humanos, a defesa dos direitos das mulheres, a necessidade de criminalizar a homofobia, o enfrentamento dos que tentam criminalizar os movimentos sociais. Afirmamos o compromisso com a revisão da Lei da Anistia de 1979 e com a punição dos torturadores. Assim como com a reforma das polícias e a urgente desmili-tarização das PMs, cuja ineficiência no com-bate ao crime só é superada pela violência genocida contra a juventude negra e pobre das periferias e favelas;

I. total soberania sobre as riquezas nacio-nais, entre as quais o Pré-Sal, e controle de-mocrático sobre as instituições que adminis-tram a economia brasileira, entre as quais o Banco Central, a quem compete entre outras missões combater a especulação financei-ra que está por detrás das candidaturas da oposição de direita.

J. política de desenvolvimento de novo tipo, articulada com as reformas democráticas e populares, com nossa luta pelo socialismo, com uma concepção de desenvolvimento ambientalmente orientada.

26O Partido dos Trabalhadores con-sidera que são medidas políticas e

diretrizes programáticas desta natureza, am-plas, envolventes, de natureza mais social que institucional, que farão a diferença nos próximos quatro anos. E que garantirão nos-sa vitória em 2018.

27Contamos com grandes lideranças populares. Mas o mais importante é

que contamos com uma força social imensa, a qual, para além das pessoas e dos gover-nos, demonstrou capacidade de defender autonomamente seus direitos e interesses.

28Os fatos confirmaram aquilo que nossa análise indicara há tempos:

uma eleição duríssima, vencida no segundo turno graças à mobilização e ao voto da es-querda, graças à confiança e a consciência de classe de importantes setores do povo brasileiro, graças à disposição de debater

política, demarcar projetos, apontar pers-pectivas de futuro e assumir compromisso com mudanças mais profundas.

29As eleições de 2014 foram um mo-mento marcante da luta de classes

que atravessa a sociedade brasileira. Quem anda pelo Brasil percebe que o debate po-lítico não se interrompeu no dia 26 de ou-tubro. A grande burguesia demonstrou estar decidida a derrotar o PT e o campo democrá-tico-popular. A maioria dos chamados seto-res médios atuou com o mesmo propósito, com ainda maior agressividade. Nossa vitó-ria foi garantida pelo apoio que recebemos da classe trabalhadora.

30Tivemos êxito exatamente porque nossa campanha, a partir de 13 de

agosto, deixou clara a existência de dois projetos antagônicos, apelou para a mobili-zação dos setores populares, democráticos e socialistas. Sem esta mobilização, não con-seguiríamos derrotar o bloco antagonista, que dispunha de meios superiores, em par-ticular do oligopólio da comunicação. Oligo-pólio inconstitucional, cujo desmonte é uma das condições para o aprofundamento da democracia no Brasil. A reforma política, es-pecialmente a proibição do financiamento empresarial, é outra das condições.

31É bom que se diga que nosso êxito eleitoral foi facilitado pelo compor-

tamento hegemônico da oposição. Tanto a campanha de Marina quanto a de Aécio ex-plicitaram rapidamente suas posições mais conservadores. Exemplos didáticos disto: 1) o recuo da primeira no apoio à agenda LGBT e sua adesão à tese de independência do Banco Central; 2) a escolha, pelo segundo, de Armínio Fraga como ministro da Fazenda. Ao dar garantias ao “Deus mercado” e ao adotar explicitamente o discurso de “acabar com a raça do PT”, ambos deixaram claro que estava em jogo não mudar, mas sim re-troceder.

32Derrotamos o retrocesso, mas nem em 2006, nem em 2010 o campo

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60 ESQUERDA PETISTA

conservador esteve tão perto de recuperar a Presidência. Por isto, tão fundamental quanto compreender e criticar os métodos dos inimi-gos é perceber nossas debilidades e erros.

33É o caso da opção preferencial pela mudança sem ruptura, cujo pressu-

posto é fazer concessões aos inimigos. Tal opção só conduz ao êxito se, com o passar do tempo, os inimigos deixarem de ser tão inimi-gos. Mas na vida real, apesar das concessões, os inimigos se tornaram ainda mais inimigos. E graças às concessões que fazemos/fize-mos, eles não apenas mantiveram, como tam-bém ampliaram os meios de que dispõem para agir contra nós. Ao mesmo tempo, certas concessões que fazemos/fizemos dividem nosso campo, nos impedem ou pelo menos reduzem nossa capacidade de ganhar amigos e fortalecer nosso lado. Como resultado, há uma tendência ao fortalecimento deles e ao enfraquecimento nosso, resultando em um “desacumulo de forças”, na direção contrária ao que deveríamos buscar conquistar. O que em algum momento resultará em nossa der-rota total.

34É o caso da opção preferencial pela ascensão por meio do consumo.

Se não for acompanhada de fortes investi-mentos em outro tipo de educação e de cul-tura, combinados com uma forte democrati-zação da comunicação e com uma reforma política, a ascensão via consumo acabará ampliando as fileiras de setores que podem se voltar contra os valores da esquerda. Por outro lado, a ascensão principalmente por meio do consumo individual é insustentável no longo prazo, pois a melhoria da vida “da porta para dentro da casa” não apenas gera a percepção de que a vida estaria piorando “da porta da casa para fora”, como também refor-ça um padrão de investimentos que deixa em segundo plano a oferta de bens públicos e de infraestrutura.

35É o caso da equivocada defesa de um “país de classe média”, quando nos-

so objetivo é, na verdade, construir um país onde a classe trabalhadora viva cada vez me-

lhor, com mais democracia e bem estar social. Isto significa adotar um desenvolvimentismo democrático-popular, ou seja: forte cresci-mento, com ampliação da nossa capacidade industrial e tecnológica, alicerçado em refor-mas estruturais, na ampliação da democracia e do bem-estar social.

36É o caso da incompreensão dos mo-tivos pelos quais o PSDB e o oligo-

pólio da mídia mantêm forte hegemonia so-bre determinadas regiões e setores sociais. O estratégico estado de São Paulo deve ser objeto de uma análise especial. Claro que há erros imensos cometidos pelo Partido e pela esquerda, que ajudam a compreender os re-sultados eleitorais de 2014. Mas não se trata apenas de um problema de tática eleitoral, de política de alianças, de escolha de candidatu-ra, de linha de campanha, da atitude das ban-cadas parlamentares e direções partidárias. Ainda que nos espante a falta de autocrítica por parte de alguns, é claro que coincidimos com as críticas feitas à incapacidade políti-ca e burocratização de certas direções, bem como acerca dos danos causados pelas acu-sações de corrupção. Mas nada disto, tomado isoladamente, explica o chamado tucanistão.

37Assim como parte importante dos se-tores médios reage à ascensão social

dos setores populares, de forma semelhante o estado mais rico da federação reage ao de-senvolvimento dos estados mais empobreci-dos da federação. Hegemonia de classe e he-gemonia regional são parte de um mecanis-mo integrado, que devemos entender para poder incidir sobre ele, recuperando apoios perdidos junto aos trabalhadores e setores médios. O que exigirá medidas políticas, de desenvolvimento, crescimento, industrializa-ção e ampliação da produtividade, em bases democrático-populares.

38Por fim, é preciso compreender o recado que estas eleições deram ao

nosso PT. Desde 1989, o PT polariza as elei-ções presidenciais. Nas sete eleições presi-denciais realizadas desde então, perdemos 3 e vencemos 4. Mas 2014 foi a eleição mais

difícil já disputada por nós: ganhamos enfren-tando um vendaval de acusações não apenas sobre nossa política, mas sobre nosso parti-do. Não nos comove que a direita nos acuse de organização criminosa, de aparelhismo e de acomodação as benesses do poder. Mas nos importa que acusações deste tipo sejam aceitas como verdadeiras por camadas do povo, inclusive por setores que votam em nós. Neste sentido, o PT tem que retomar sua capacidade de fazer política cotidiana, sua independência frente ao Estado, e ser muito mais proativo no enfrentamento das acusa-ções de corrupção, em especial neste am-biente de “delações premiadas”. Faz parte de uma atitude mais proativa lutar pela investi-gação, julgamento e punição dos malfeitos dos corruptores, dos tucanos e seus aliados.

39Como em todas as eleições, perde-mos e ganhamos governos estaduais,

cadeiras no Senado, na Câmara dos Deputa-dos e nas Assembléias estaduais. Mas obser-vando o “conjunto da obra”, especialmente considerando a evolução eleitoral desde 2002, é claro que há uma inflexão para baixo, soterrando o discurso triunfalista que falava em ampliação geral das bancadas e governos. Discurso que falava também que os adversá-rios eram “anões políticos”; que venceríamos no primeiro turno; que elegeríamos muitos novos governadores, inclusive elegeríamos simultaneamente os governos de SP, MG e RJ. Discurso triunfalista que não encontrava cor-respondência na direção da campanha, espe-cialmente na política de alianças, cujos limites e incoerências ficaram mais do que evidentes, até para os seus defensores. Aliás, a oposição de direita conta com o apoio de setores im-portantes da “base parlamentar do governo”.

40 Ao mesmo tempo que tudo isto se passa com o nosso Partido, o que

houve no segundo turno demonstrou que a quase totalidade da esquerda e do campo democrático-popular, inclusive os setores que haviam rompido com o PT, reconheceu que a derrota do PT seria a derrota do con-junto da esquerda; e que nossa vitória seria a vitória do conjunto das forças democráticas e

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61ESQUERDA PETISTA

progressistas. Este reconhecimento poderia ter sido o ponto de partida para uma rearti-culação da esquerda brasileira. As resoluções aprovadas pela direção nacional do PT, em novembro-dezembro de 2014, apontavam neste sentido. Mas as opções feitas na com-posição do ministério mostraram que a estra-tégia conciliatória continua dominante no PT e, com isto, reavivaram o esquerdismo que havia se enfraquecido no segundo turno.

41O voto de esquerda teve papel deci-sivo no resultado do segundo turno.

E não haverá reformas democrático-popula-res nem socialismo sem uma ampla frente de esquerda. Mas isto só ocorrerá se o PT, prin-cipal partido da esquerda brasileira, adotar uma nova estratégia e um novo padrão de funcionamento; se dermos continuidade à li-nha de politização, polarização e mobilização que marcou a reta final das eleições de 2014; se adotarmos outra tática frente à militância social em geral e frente à militância de outros partidos de esquerda.

42De imediato, isto exige que nossa tática para 2016 e 2018 seja cons-

truída tendo como aliado preferencial não o PMDB, mas sim esta esquerda política e social que foi às ruas garantir nossa vitória. Precisamos organizar uma Frente Popular, unificando os partidos de esquerda e os mo-vimentos sociais, numa coalizão estratégica para disputar o comando do Estado. Não será um movimento fácil, pois temos o PMDB na vice e com grande influência num Congresso Nacional ainda mais conservador do que em anteriores legislaturas. Mas é um movimento necessário, pois não haverá vitória sem mu-dança e não haverá mudança tendo o PMDB como aliado prioritário. Aliás, como suposto aliado prioritário, pois a maior parte do PMDB já opera contra nós há anos.

43Cabe construir outro tipo de gover-nabilidade, que dependa menos das

maiorias no Senado e na Câmara dos Deputa-dos, e que dependa mais dos movimentos so-ciais e do apoio na sociedade como um todo. Mas para que isto não seja um gesto incon-

sequente, precisamos de força. E só teremos força, se nosso Partido souber apoiar o go-verno, sem confundir-se com ele, sem adotar uma postura subalterna, passiva, burocrática, apagada. Se deixarmos de ser aquele partido cuja direção aceita que seu papel seja tercei-rizado, inclusive para “técnicos” que muitas vezes esquecem que nossa vitória nas urnas depende sempre da sinergia com as ruas, que nas ruas está o elemento fundamental, não nos dez minutos de horário eleitoral gratui-to, escassos diante das quase vinte e quatro horas diárias de que dispõem nossos adver-sários na mídia hegemônica, para martelar suas ideias e alcançar “corações e mentes” da população.

44Um Partido protagonista deve inci-dir publicamente no debate acerca

das primeiras medidas do segundo mandato, propondo ações quanto à reforma política e em defesa da democracia nos meios de co-municação, bem como incidindo na disputa principal em curso já neste início do segundo mandato, contra os que (como Joaquim Levy) defendem fazer a retomada do crescimento via ajuste fiscal e corte nos gastos públicos; e a favor daqueles que defendem retomar o crescimento através da redução da taxa de juros e da adoção imediata de políticas industrializantes e de investimentos para a elevação da produção.

45O debate acerca do desenvolvimento e da política industrial deve ser prio-

ritário. O desenvolvimento com distribuição de renda, avanços nos serviços públicos, for-talecimento político e econômico da classe trabalhadora assalariada, dependem da su-peração dos graves problemas estruturais por que passa a indústria no Brasil. Vivemos um processo de desnacionalização e desin-dustrialização, com consequências nefastas para o país. Para reverter o quadro de desin-dustrialização e desnacionalização, é funda-mental avançar na construção de uma forte cadeia de empresas estatais e públicas nos setores econômicos estratégicos, para indu-zir o desenvolvimento, a exemplo que já foi feito pelo Estado em outros países e mesmo

no Brasil, noutros períodos da nossa história. E que agora pode e deve ser feito, a partir de uma perspectiva de desenvolvimento demo-crático e popular, com valorização do traba-lho, com empoderamento econômico, políti-co e cultural da classe que vive de salários. Não há classe trabalhadora forte sem desen-volvimento econômico e não há desenvolvi-mento econômico sem indústria forte.

46No que toca à comunicação, reafir-mamos que um governo democrático

não pode financiar com recursos públicos ne-nhuma gangue de delinquentes midiáticos. As pichações e o lixo jogado em frente à sede da Editora Abril, embora tenham sido úteis à manipulação midiática da direita, nada re-presentam frente ao vandalismo brutal que o oligopólio comete cotidianamente contra a democracia brasileira. Por isto, devemos fa-zer uso do poder de Estado para combater o crime organizado midiático.

47Não devemos temer dizer que o Bra-sil está diante de um impasse históri-

co. Nem a direita, nem a esquerda estão sa-tisfeitas com a atual institucionalidade. Nós, que defendemos a democracia, sustentamos que a solução passa por uma Constituinte, por plebiscito e referendo, por uma reforma política que abra caminho para um parla-mento mais democrático, capaz de aprovar reformas estruturais. A direita, que não tem compromisso com a democracia, questiona o resultado eleitoral, alimenta discursos golpis-tas, propõe uma contrarreforma eleitoral, re-cusa a saída constituinte. O impasse alimenta a inaceitável judicialização da política e cria um ambiente de crispação cada vez maior entre direita e esquerda.

48Não será fácil construir uma saída para este impasse histórico, uma sa-

ída que nos leve em direção a um Brasil de-mocrático-popular e socialista. Não será fácil, especialmente porque não é assunto que dependa de retórica, mas sim de persistente construção. Mas uma coisa é certa: para quem realmente tem o coração valente, a saída é vermelha e está no lado esquerdo do peito.

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62 ESQUERDA PETISTA

Na edição passada desta Esquerda Petista, ao analisar a relação entre governos, mo-vimentos e partidos, afirmamos que “as lutas sociais e as lutas eleitorais devem ser compreendidas como faces distintas e articuladas de um mesmo fenômeno”, sendo “manifestações diferentes, em

cada momento histórico e em cada situação particular, da luta de classes”. Faltou talvez dizer que muitas vezes os processos eleitorais-institucionais convertem-se, eles mesmos, em catali-sadores do impulso social, trazendo para a arena desta luta se-tores que de outra maneira estariam dela afastados. Foi o que aconteceu, indubitavelmente, no segundo turno da campanha pela reeleição de Dilma Rousseff, agora em 2014.

Tendo sido extremamente politizada e polarizada, colocan-do em confronto duas visões antagônicas de mundo e de país, esse segundo turno revelou-se uma manifestação aguda da luta de classes travada no Brasil, em que se conformaram dois cam-pos bastante nítidos, à esquerda e à direita, seja no que se refere aos temas econômicos ou às questões sociais e culturais – eviden-ciando a disputa estrutural entre o projeto da classe dominan-te e aquele em que prevalecem os interesses dos trabalhadores. Nesse processo, aglutinaram-se em torno da candidatura Dilma, além da militância dos partidos que a apoiavam formalmente, uma ampla intelectualidade de esquerda; movimentos sociais organizados; organizações sociais e entidades de classe de cunho

A hora da estratégia Iole Ilíada

2015 E DEPOIS

Sem uma estratégia organizada, que integre todos os militantes e dirigentes sociais e políticos – incluindo evidentemente os que atuam nas várias instâncias e escalões do governo –, não haverá meios da pauta programática da esquerda prosperar, já que ela será combatida duramente pelos nossos inimigos

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63ESQUERDA PETISTA

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progressista; antigos ativistas que esta-vam afastados das lutas sociais; impor-tantes dirigentes e muitos militantes de partidos da oposição de esquerda que “li-beraram o voto” no segundo turno; mili-tantes e simpatizantes agindo à revelia de direções que declararam voto nulo; e, não menos importante, uma base social não organizada, composta por muitos jovens, cuja primeira experiência mais intensa no campo da luta de classes foi exatamente essa acirrada disputa eleitoral.

Sobre os partidos de esquerda que declararam voto nulo, aliás, cabe comen-tário. Muito se falou, durante a eleição, sobre o papel que tal posição acaba por cumprir em uma disputa com essas ca-racterísticas, em que qualquer pretensa neutralidade de parte da classe trabalha-dora organizada só pode favorecer a direi-ta. No entanto, poder-se-ia dizer que esse equívoco político contribuiu menos para o resultado final da eleição – dado que fo-ram poucos os que efetivamente seguiram semelhante orientação partidária – e mais para o isolamento de tais organizações em relação ao conjunto da classe trabalhado-ra que dizem representar, bem como aos principais movimentos sociais e a sua pró-pria base política.

Já sobre a intensa mobilização so-cial de esquerda construída em torno da candidatura Dilma, é importante desta-car que ela se caracterizou – como não é incomum nessas circunstâncias – muito mais pelo espontaneísmo, pelo volunta-rismo e por ações profusas e difusas do que por uma “ordem unida”, um centro estratégico organizador e coordenador. Essa mobilização – que levou tais segmen-tos a conquistar novamente as ruas após as disputas por esse espaço ocorridas em ju-nho de 2013 – e o acirramento do embate, fenômenos interconexos, ajudaram a des-locar para a esquerda o programa e o tom

da campanha no segundo turno, o que, por sua vez, tornou ambos – mobilização e acirramento – ainda maiores, funcionan-do como uma espécie de círculo virtuoso da política. Tais circunstâncias acabaram por determinar que a vitória de Dilma fosse, inequivocamente, a vitória do projeto de-fendido amplamente pelos setores demo-cráticos, populares e de esquerda do país. Contraditoriamente, no entanto, a vitória popular deste projeto de esquerda, seja pelos vícios de nosso sistema eleitoral ou pelos erros políticos cometidos, não en-controu correspondência na correlação de forças institucionais emergida da eleição. Basta ver a composição do Congresso elei-to, um dos mais conservadores desde a redemocratização do final dos anos 1980.1

Além disso, o processo também evi-denciou que os distintos segmentos da classe dominante estão hoje melhor or-ganizados e articulados, e que a direita política e social, inclusive suas frações mais radicalizadas, saiu do armário para as ruas, sem nenhum constrangimen-to em pregar publicamente seu ideário preconceituoso, reacionário e golpista. Em tal contexto, no qual o programa de governo vitorioso não possui suficiente apoio institucional, a resposta óbvia pa-rece ser a de buscar constituir uma outra fonte de apoio político e social. E, como muitos apontaram, o movimento gerado na campanha ofereceria, de pronto, as ba-ses para tanto: o governo deveria se anco-rar, para realizar o necessário e anunciado segundo mandato superior ao primeiro, na força desse amplo movimento de es-querda que se constituiu.

É nesse sentido, aliás, que aponta a resolução aprovada, por unanimidade, pelo Diretório Nacional do PT, em novem-bro de 2014, ao destacar, como seu maior desafio, a necessidade de “em conjunto com partidos de esquerda, desencade-

ar um amplo processo de mobilização e organização dos milhões de brasileiros e brasileiras, que saíram às ruas para apoiar Dilma Rousseff, mas também para defen-der nossos direitos humanos, nossos di-reitos à democracia, ao bem estar social, ao desenvolvimento e à soberania nacio-nal”. A resolução reconhece, ainda, que será fundamental “construir uma nova governabilidade democrática, que passe pelo parlamento e deve estender-se pelos movimentos sociais e pela participação or-ganizada da população”2.

O problema fundamental aqui, no entanto, é que tal construção não se dará naturalmente, e nem tampouco somen-te com declarações de intenção. Afinal, o apoio recebido pela candidatura petista, especialmente no segundo turno, não re-presentou um cheque em branco ou uma sustentação incondicional ao futuro go-verno. Ele deu-se claramente em torno de um projeto de corte democrático e popular e da expectativa desse segundo mandato superior. Se essa expectativa se frustrar, a mobilização pode inclusive reverter-se em manifestação de oposição ao governo.

Por sua vez, sem um amplo apoio, não será possível ao governo avançar no projeto eleito nas urnas. Nesse caso, terí-amos um movimento inverso ao ocorrido na campanha; desta vez, um círculo vicioso da política levaria ao enfraquecimento de ambos, campo progressista e projeto de-mocrático e popular.

Para que isso não ocorra e para que se conforme e organize de fato uma verda-deira frente popular, a disposição ao diálo-go e os gestos simbólicos serão condições necessárias; mas não serão suficientes. Também engana-se quem pensa que o modo de funcionamento que vigorou du-rante o período eleitoral – espontaneista, fragmentado, sem coordenação centra-lizada – será capaz de manter essa força

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social ativa, mobilizada e articulada em torno de objetivos comuns.

Para que o anunciado na resolução do PT ganhe concretude e efeito, serão necessários dois instrumentos políticos insubstituíveis: o programa e a estratégia.

Sem uma pauta programática que unifique essa luta e agregue a ela os dis-tintos setores dos movimentos sociais, da intelectualidade progressista e dos demais partidos de esquerda, não se con-seguirá gerar a mobilização necessária para converter opiniões e posições em força política e social, capaz de sustentar os processos de transformação contrá-rios aos interesses das classes dominan-tes. São exemplos dessa pauta a reforma política e a democratização dos meios de comunicação, mas também temas como a criminalização da homofobia e a puni-ção dos que cometeram crimes durante a ditadura militar no país.

E sem uma estratégia organizada, que integre todos os militantes e dirigen-tes sociais e políticos – incluindo eviden-temente os que atuam nas várias instân-cias e escalões do governo –, não haverá meios dessa pauta programática prospe-rar, já que ela será combatida duramente pelos nossos inimigos, cuja capacidade de atuação estratégica vem-se revelando su-perior à nossa no último período.

Lembremos que “estratégia” é uma palavra que deriva do jargão militar para a política. Lá como cá, ela refere-se a tra-çar claramente o objetivo fundamental que se pretende atingir, o conjunto de tá-ticas articuladas que serão utilizadas para isso e as tarefas que cada setor envolvido, a partir de sua posição e dos instrumen-tos de que dispõe, deverá cumprir para que o objetivo seja alcançado. Isso requer, entre outras coisas, a identificação clara dos inimigos e sua separação entre prin-cipais e secundários. Requer ainda a ca-pacidade de discutir, construir consensos, tomar decisões e comunicar as orienta-ções gerais para o conjunto daqueles que estarão na linha de frente das disputas e embates, de forma a que todas as ações executadas possam convergir na mesma direção e sentido, e de modo a que, se por ventura forem necessários recuos táticos, todos possam estar seguros de que isso não comprometerá a estratégia que está sendo implementada – e não se produ-za, para usar ainda uma analogia militar, uma debandada geral das tropas.

Só uma estratégia bem definida, na qual sejam eleitas pautas programáticas prioritárias, criará as condições para que se cumpra o que o PT apontou como uma das medidas urgentes a serem tomadas: “adotar iniciativas para dar organicida-

de ao grande movimento político-social que venceu o segundo turno das eleições presidenciais. Compor uma ampla fren-te onde movimentos sociais, partidos e setores de partidos, intelectuais, juven-tudes, sindicalistas possam debater e ar-ticular ações comuns, seja em defesa da democracia, seja em defesa de reformas democrático-populares”3.

No momento em que escrevemos este artigo, esta estratégia não parece es-tar clara. Será o PT capaz de construí-la de forma articulada aos demais setores aqui citados? Essa resposta terá que ser dada rapidamente. E o 5º Congresso do Partido, a ser realizado em junho de 2015, poderá oferecer a oportunidade para isso. Desde que – é claro – converta-se efetiva-mente em processo de diálogo e articu-lação com os milhões que foram às ruas defender a reeleição de Dilma Rousseff, gerando um movimento que transcenda o conjunto da militância petista, e possa abarcar inclusive aqueles que criticam, sob diferentes aspectos, o Partido.

Da capacidade do PT em capitane-ar este processo dependerá, em grande medida, o êxito do segundo mandato de Dilma e o futuro do projeto democrático, popular e socialista no país.

IOLE ILÍADA é vice-presidenta da Fundação Perseu Abramo

NOTAS

1 A respeito, ver QUEIROZ, Antônio Augusto de. As razões da eleição de um Congresso conservador. www.teoriaedebate.org.br/colunas/cafe-no-congresso/razo-es-da-eleicao-de-um-congresso-conservador#sthash.GZgYIljY

2 A referida resolução pode ser acessada em www.pt.org.br/wp-content/uploads/2014/12/DN-FOR-TALEZA-RESOLUCAO-POL%C3%8DTICA.pdf

3 Mais uma vez, citamos aqui a resolução política aprovada pelo PT no DN de Fortaleza, realizado em 28 e 29/11/2014.

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Em meados de 2013, o governo Dilma já esta-va preso numa camisa de força. Não conse-guia fazer a produção crescer, em especial a de alimentos e a de

industrializados não duráveis. Com a in-flação no teto da meta estipulada, usou o amargo remédio da elevação dos ju-ros. Para piorar, sua balança comercial foi deficitária e a taxa de câmbio subiu. É verdade que isso se deveu, em parte, à mudança do vento de popa para ven-to de proa na economia mundial, como disse Delfim. Isto é, os preços das com-modities agrícolas e minerais, que permi-tiram grandes saldos comerciais nos go-vernos Lula, caíram principalmente por-que a crise nos EUA e na Europa reduziu as importações dessas áreas, forçando a queda no ritmo de crescimento na Ásia e na China.

No entanto, mudanças cíclicas des-se tipo fazem parte do desenvolvimento capitalista e eram previsíveis. Mas a eco-nomia brasileira não foi preparada para elas. O que colocou o governo e o empre-sariado diante de menores taxas de ren-tabilidade, incertezas quanto à evolução da taxa de juros e da política fiscal, enco-lhimento do crédito privado, e desacele-ração no crescimento dos salários reais. A produção industrial caiu mais de 5%. A crise da indústria, iniciada nos anos

Qual ECONOMIA?Wladimir Pomar

É preciso realizar um crescimento ampliado da produção industrial e agrícola. E fazer com que tal crescimento sirva não para centralizar, mas para democratizar o capital e melhorar as condições de vida da maior parte da sociedade, evitando conflitos sérios entre consumo e investimento

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1970, agravou-se. Há alta persistente dos preços. A capacidade de endividamento dos consumidores declinou. Os empresá-rios adiaram investimentos. E as contas públicas parecem no limite. Em termos gerais, há descompasso entre o processo de inclusão social e redução da pobreza, e o crescimento mais lento da economia. Ou seja, entre o consumo e o investimen-to na produção. A demanda cresceu mais rápido do que a oferta.

Diante disso, os empresários bra-sileiros apostam nos acordos comerciais com os EUA e com a Europa, abrindo ain-da mais o mercado brasileiro para essas áreas. Segundo eles, a associação com a Aliança do Pacífico, proposta pelos EUA, permitiria a captação de investimentos e a incorporação das empresas brasileiras nas cadeias internacionais de valor. Elas pode-riam aproveitar a “abertura que os países da Aliança têm para a região Ásia-Pacífi-co”, o motor do crescimento mundial.

Esse empresariado desconhece que o motor do crescimento mundial, a Ásia do Pacífico, tem pouco a ver com a “Alian-ça” proposta pelos Estados Unidos. O Brasil não precisa de intermediários para aproveitar as oportunidades da Ásia. Por outro lado, as cadeias internacionais ou globais de valor das corporações transna-cionais procuram subordinar todos a seus interesses. Nessas condições, uma “aber-tura comercial” ainda maior para os paí-ses da Aliança apenas repetirá a devas-tação ocorrida no Brasil dos anos 1990. O mesmo pode ser dito em relação aos “acordos de livre comércio”, que impõem a redução de tarifas, acordos desiguais de propriedade intelectual e de investimen-tos e de compras governamentais, e a re-dução do Estado na economia. Como os EUA não conseguem resolver esses pro-blemas na OMC, pela resistência dos pa-íses em desenvolvimento, adotaram a es-tratégia das Alianças regionais, a exem-

plo da Parceria TransPacífica e da Aliança do Pacífico. Com isso, procuram isolar a China e colocar sob tutela os países em desenvolvimento.

Portanto, a “abertura comercial” para a Aliança do Pacífico seria um hor-ror suicida sem fim. Para evitá-lo é preci-so outro caminho.

Alguns argumentam que o Brasil en-frenta apenas dois grandes desafios ma-croeconômicos: um cambial e outro fiscal. O desafio cambial consistiria em tornar o sistema de metas de inflação menos de-pendente das flutuações cambiais, que dificultam a diversificação produtiva e o desenvolvimento econômico. O desafio fiscal, por outro lado, residiria em aumen-tar o superávit primário do setor público.

Para superar esses dois desafios se-ria necessário liberar os preços relativos da economia, como a taxa de câmbio real e as tarifas. Ou seja, o aumento da produção industrial e agrícola depende-ria da mudança nas tendências do câm-

O Brasil não precisa de

intermediários para aproveitar as oportunidades de negócios na Ásia.

Uma “abertura comercial” ainda

maior para os países da Aliança

do Pacífico apenas repetirá

a devastação ocorrida no Brasil

dos anos 1990. O mesmo pode ser

dito em relação aos “acordos de livre comércio”

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bio. Esta mudança, por sua vez, depen-deria do controle inflacionário tornar-se independente da taxa cambial, que de-veria ser estável. No entanto, o câmbio não depende apenas da política monetá-ria, mas da política macroeconômica em conjunto, sobretudo da política fiscal. E a queda no crescimento tem piorado as metas fiscais. A receita cresce menos em virtude do menor crescimento do PIB e dos incentivos fiscais e tributários. E os gastos cresceram acima das taxas de crescimento do PIB, porque houve am-pliação das transferências de renda e do gasto público com habitação, saúde e educação. E também porque a política fiscal foi utilizada para controlar alguns preços, através de desonerações, o que reduziu o superávit primário.

A conclusão a que chegam é que não haveria mais espaço para incentivos fiscais e financeiros ao setor produtivo, à rede de proteção social, e aos serviços públicos universais. Seria necessário um ajuste fiscal. Teoricamente, tal ajuste te-ria que considerar as demandas da popu-lação, preservar seu bem estar, ajustar o desenvolvimento, e eliminar os controles de preço. Mas, na prática, o governo re-duziria o crescimento econômico e libera-ria os preços para recuperar a capacidade do Estado de gerar superávits primários para pagar os serviços da dívida pública. Portanto, a hipótese de que a estabilida-de fiscal não afetaria as demandas cres-centes da sociedade não passa de teoria. E nem há garantia de que o ajuste fiscal atinja seus objetivos.

Afinal, ajustes macroeconômicos desse tipo só dão certo se tiverem por base uma produção sustentada de alimentos e de produtos industriais, que gerem um valor agregado – ou seja, realizem uma acumulação de capital suficiente para dar apoio às políticas cambial e fiscal e às po-líticas sociais e ambientais.

Na ausência dessa sustentação, ajustes fiscais tendem a repetir a crise de 1998-99. Taxas de câmbio muito elevadas ou muito reduzidas prejudicam o cresci-mento econômico. Políticas fiscais muito apertadas ou muito frouxas também pro-duzem efeitos prejudiciais ao crescimen-to do PIB. É o crescimento da economia, e o capital acumulado por ele, que dão uma base segura para administrar o câmbio e o orçamento fiscal.

Não existe país desenvolvido com câmbio estável e orçamento fiscal equi-librado, sem uma indústria geradora de empregos e de cadeias produtivas. So-mente um setor industrial forte, com inserção adequada no mercado interna-cional, pode dar curso a um desenvolvi-mento sustentável. Apesar disso, parece haver em amplos setores do governo e da esquerda a crença de que a política industrial depende da macroeconomia, e não que a macroeconomia deve estar su-bordinada à política industrial, principal geradora de valor, ou de riqueza.

Essa inversão obedece ao discurso de que indústria é coisa do século passa-do. Está apoiada nos efeitos da devasta-ção e da desnacionalização do parque in-dustrial brasileiro, ocorridas nos últimos 25 anos do século 20. Essa devastação tornou o Brasil incapaz de acompanhar a terceira revolução industrial, e tornou as indústrias restantes incapazes de ter preços competitivos nos mercados inter-nacional e nacional.

Entre 2003 e 2014, o governo supôs não ter força política para modificar os juros altos e o cambio. Mas esse foi um período em que a elevação dos preços internacionais das commodities permitiu saldos comerciais, a redução da dívida publica externa, e a acumulação de re-servas internacionais. O que deu a im-pressão de que o caminho do crescimen-to estava asfaltado.

Em geral, as concessões feitas

ao setor privado na construção e operação da infraestrutura e no

funcionamento dos mercados tiveram pouco efeito, por causa das baixas taxas de retorno

relacionadas com a macroeconomia dos juros altos e

indecentes do cassino financeiro

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No entanto, apresentando uma das maiores taxas de juro real do mun-do, o Brasil erigiu uma barreira aos in-vestimentos produtivos, em especial na indústria. Isso explica porque a política industrial da última década limitou-se a programas de apoio, como o Reintegra e o de Conteúdo Nacional, cujos resultados foram medíocres. De 2003 a 2014, os in-vestimentos públicos mantiveram-se en-tre 0,4% e 0,1% do PIB.

Na prática, setores do governo e do PT acreditaram que o sucesso no cresci-mento econômico poderia ser alcançado apenas através do aumento do consumo e de concessões de infraestrutura ao setor privado. Este setor, entretanto, só inves-tia quando sua taxa de retorno, ou taxa de rendimento, ou taxa de lucro, era su-perior à taxa de juros obtida no mercado financeiro. O que criou distorções de toda ordem nos custos e andamento das obras.

Além disso, grande parte dos atuais investimentos privados na indústria está voltada para o aumento da eficiência pro-dutiva, ou da produtividade. Por um lado, se vê às voltas com a limitação de capital acumulado e com as incertezas quanto à demanda e à carga tributária. Por ou-tro, tende a substituir a mão-de-obra por tecnologia, ou por capital constante, au-mentando o desemprego.

Em geral, as concessões feitas ao se-tor privado na construção e operação da infraestrutura e no funcionamento dos mercados tiveram pouco efeito, por causa das baixas taxas de retorno relacionadas com a macroeconomia dos juros altos e indecentes do cassino financeiro.

A desoneração dos produtos dos se-tores industriais oligopolizados, como o automobilístico, também mostrou pouco efeito na redução de preços e na manu-tenção de empregos. E o aumento da pro-dutividade do trabalho de setores seleti-vos da indústria não será suficiente para

obter altas taxas de crescimento e, muito menos, de emprego.

Para desatar os nós do desenvolvi-mento, o governo Dilma deveria tomar como desafio central alcançar uma taxa de crescimento anual de 4% a 5%. E ter como objetivos complementares absorver o “exército de reserva” ao mercado de tra-balho, resolver os problemas básicos de transporte, saúde, educação e saneamen-to urbano, reconstruir a infraestrutura in-dustrial e agrícola, e ampliar os avanços sociais já conseguidos.

Para materializar tal objetivo será necessário elevar as taxas de investimen-to para cerca de 25% do PIB, ou algo em torno de 400 bilhões de dólares. O que exi-ge maior participação do Estado, ou dos recursos públicos nesses investimentos, assim como a atração de capitais externos.

Em termos práticos, isso demanda uma macroeconomia mais ajustada. Em primeiro lugar, juros mais baixos, que de-sestimulem os capitais especulativos de curto prazo e estimulem os investimentos produtivos. Depois, taxas de câmbio ad-ministradas, que elevem a competividade dos manufaturados brasileiros no merca-do internacional e não prejudiquem a im-portação de bens de capital para a indús-tria. Além disso, demandam uma reforma tributária que taxe fortemente o capital entesourado, estimule o capital produtivo

e desonere os rendimentos do trabalho. E a aplicação firme das leis contra a for-mação de cartéis, oligopólios e monopó-lios. Finalmente, a criação de empresas estatais que induzam os setores privados, principalmente médios e pequenos, a adensar as cadeias produtivas nacionais.

Em outras palavras, trata-se de rea-lizar um crescimento ampliado da produ-ção industrial e agrícola. E fazer com que tal crescimento sirva não para centralizar, mas para democratizar o capital e melho-rar as condições de vida da maior parte da sociedade. Ou seja, a renda gerada pelo aumento da produção deve alimentar não só a reprodução ampliada do capital, mas também a reprodução ampliada da força de trabalho, evitando conflitos sérios en-tre consumo e investimento.

Nas condições brasileiras, essa es-tratégia terá que incluir um novo tipo de regulação dos investimentos estrangeiros, de modo que eles se voltem para o setor produtivo e contribuam para o desenvol-vimento das forças produtivas nacionais.

Sem reverter a econometria liberal e neoliberal em economia política, o gover-no Dilma estará fadado a patinar na flutu-ação das taxas cambiais, no arrocho fiscal e nos juros estratosféricos. (13/12/2014)

WLADIMIR POMAR é jornalista e cola-borador da Fundação Perseu Abramo

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A preocupação central

deste texto é refletir sobre a ação política da classe trabalhadora e em especial da CUT – Central Única dos Trabalhadores, organização de maior influência na clas-se trabalhadora organizada, neste con-texto de intensificação da disputa entre os projetos de desenvolvimento econô-mico, social e democrático, num cenário em que as conquistas obtidas no período nos governos de Lula e Dilma ainda não se converteram em avanços estruturais e tão pouco na consolidação de outro mo-delo de desenvolvimento, sustentado por reformas de base democrático-populares.

O debate e a disputa das alternati-vas de desenvolvimento para o país estão polarizadas como nunca, muito embora tenham sofrido uma grande derrota elei-toral, com a heroica vitória eleitoral de Dilma, impulsionada pelos setores popu-lares e de esquerda.

No entanto o projeto neoliberal, longe de uma derrota que forjasse as condições para Dilma realizar um segun-do mandato superior ao primeiro, forta-leceu-se politicamente em vários fronts, com o apoio da direita conservadora, dos rentistas e do oligopólio da midia

O nó está na indústriaJandyra Uehara

Para reverter o quadro de desindustrialização e desnacionalização, é fundamental avançar na construção de uma forte cadeia de empresas estatais e públicas nos setores econômicos estratégicos

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Uma importante batalha até agora vencida pelos setores conservadores diz respeito ao controle da inflação através da elevação da taxa de juros, resgatada desde meados de 2013, após a importan-te ofensiva que o governo Dilma fez em 2012, quando houve a queda dos juros graças a atitude dos bancos públicos.

A ausência de um projeto estratégi-co (de partido e de governo), apontando

para uma compreensão e consequente ação de sustentação política por parte dos setores organizados, colaborou para que sem luta e disputa pela significação polí-tica, aquela importante decisão do gover-no Dilma se dissipasse em pouco tempo e aumentasse o grau de intolerância e fe-rocidade dos rentistas em relação ao go-verno e aos riscos que a sua continuidade representava.

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A luta por reformas democráticas e populares e por mudanças na política eco-nômica que se contraponham aos interes-ses da poderosa burguesia rentista e seus aliados pressupõe apoio popular e da clas-se trabalhadora em organizações prepara-das para disputar hegemonia no conjunto da sociedade.

A importância da disputa de hege-monia fica clara quando lemos o boletim Economia em Foco, produzido em dezembro de 2014 pela subseção do Dieese da CUT nacional:

“No geral, como ficou claro, não há quaisquer indicativos de uma in-flação de demanda generalizada, mui-to pelo contrário, com as oscilações dos preços sendo causadas por vários movi-mentos como choques de oferta, gestão de preços pelo governo (indexados) e preços sazonais (ainda com diminuto espaço de repasse), além do componente inercial dificultar uma absorção mais rápida dos choques inflacionários. Neste senti-do, quando o governo aumenta as taxas de juros com a justificativa de combater a inflação, torna-se necessário salientar que ele o faz por completa falta de outros instrumentos: no limite, há compressão da demanda mesmo que ela não seja fator determinante de choques inflacio-nários de forma direta e imediata e, de forma indireta, valorizando o câmbio e tentando diminuir o custo dos produtos importados.”

Fica claro, portanto, que a narrativa política dos rentistas acerca do “descon-trole” da inflação e a consequente adoção do amargo remédio dos juros altos, que lhes enchem os bolsos de dividendos, ven-ceu este round e sem a devida resistência política.

Em 2012, a CUT aprovou resolução em defesa de uma Conferência nacional do sistema financeiro, justificando assim:

“Queremos ir além da crítica da política econômica. A CUT quer outra economia política, baseada na soberania e participação popular nas decisões estra-tégicas de rumos do Governo. Em outras palavras, um Estado democratizado. Queremos debater o papel do Sistema Financeiro Nacional, do Banco Central do Brasil, do Conselho Monetário Nacio-nal, dos bancos públicos e dos fundos de pensão, inserir nossas propostas de regu-lamentação do artigo 192 da Constitui-ção Federal e de contrapartidas sociais nos empréstimos públicos e nos fundos sociais.”

Esta proposição precisa ser avaliada na atual conjuntura e efetivada a luta pela regulamentação do sistema financeiro, em bases compatíveis com o projeto de desenvolvimento democrático e popular.

Outra batalha em que estamos per-dendo terreno diz respeito às investiga-ções e denúncias de corrupção na Petro-brás, hoje utilizadas para dois propósitos da direita: criminalizar e destruir o PT e caracterizar a petrolífera e as empresas públicas de modo geral como antro de corrupção, incompetência e ineficiência, ou seja, os ingredientes necessários para construir condições políticas para, com respaldo da opinião pública, defender um novo ciclo de privatizações e entrega do patrimônio do povo brasileiro ao mercado e aos interesses do imperialismo.

E isto justamente num período em que, para reverter o quadro de desindus-trialização e desnacionalização, é funda-mental avançar na construção de uma forte cadeia de empresas estatais e públi-cas nos setores econômicos estratégicos, para induzir o desenvolvimento a exem-plo que já foi feito pelo Estado em vários países desenvolvidos e mesmo no Brasil, noutros períodos da nossa história. E que agora pode e deve ser feito, a partir de uma

O debate acerca do desenvolvimento e

da política industrial deve ser prioritário

no 12º Congresso da CUT, cuja abertura ocorrerá em março

de 2015. Trata-se principalmente de traçar estratégias

de luta, disputa de rumos e processos de conscientização

e mobilização da classe trabalhadora

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perspectiva de desenvolvimento democrá-tico e popular, com valorização do traba-lho, empoderamento econômico, político e cultural da classe que vive de salários.

Não há classe trabalhadora forte sem desenvolvimento econômico e não há de-senvolvimento econômico sem indústria forte.

O debate acerca do desenvolvimento e da política industrial deve ser prioritário no 12º Congresso da CUT, cuja abertura ocorrerá em março de 2015. Trata-se prin-cipalmente de traçar estratégias de luta, disputa de rumos e processos de conscien-tização e mobilização da classe trabalha-dora. Para além dos interesses imediatos de segmentos da classe, é preciso articular as pautas da indústria, do setor público, comércio e serviços, logístico e rural, tirar a Plataforma da Classe Trabalhadora dos bonitos cadernos e colocá-la nas ruas.

Não podemos nos comportar como se estivéssemos nos tenebrosos anos 1990, hegemonicamente neoliberais. Temos um governo em disputa, os projetos de clas-se apresentados claramente e se nos acu-armos, como se a direita conservadora e neoliberal tivesse ganhado a guerra, só fa-remos contribuir para que de fato sejamos derrotados.

Nesta conjuntura, propostas como o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) têm como eixo a redução da jornada e de salários, com a contrapartida de manu-tenção do emprego por determinado pe-ríodo, tem um conteúdo desmobilizador e que por consequência enfraquece a luta da classe. Somos contra a participação da CUT na negociação de PPEs, pois concre-tamente a proposta baseada no modelo alemão abre caminho para a generaliza-ção deste instrumento para todos os ra-mos e setores, numa conjuntura política em que a luta pela afirmação e ampliação de direitos é central na disputa de rumos da sociedade brasileira.

A proposta de PPE não foi aprovada em nenhuma instância cutista e nas pou-cas vezes em que foi debatida em fóruns restritos e sem caráter deliberativo, foi amplamente questionada por dirigentes de todas as correntes políticas.

Dizer isto não significa fechar os olhos para a situação atual da indústria automobilística, que embora tenha sido beneficiada com mais de 8 bilhões em de-sonerações e tendo remetido cerca de 35 bilhões em lucros para as suas matrizes, alega crise, demite e coloca em lay-off mi-lhares de trabalhadores.

Houve um crescimento no número de trabalhadores no setor automobilístico, entre 2002 (298.383) e 2013 (546.674). Mas em 2014 e nos próximos anos, há um risco de reversão. As mais de 5 mil de-missões concentradas na região do ABC e São José dos Campos constituem um sinal muito preocupante e esta situação deve ser tratada e encaminhada em mesa se-torial específica, a exemplo de outras ex-periências, como aquela que resultou no Acordo Nacional da Construção Civil.

O setor automotivo possui uma série de características diferenciadas, como por exemplo a formalização, um menor nível de rotatividade em relação a outros seto-res metalúrgicos, maior nível de especia-lização dos trabalhadores. Tudo isto deve ser considerado nas mesas de negociação, de modo a resultar em acordos que não re-percutam retrocessos para outros setores.

O desenvolvimento com distribuição de renda, avanços nos serviços públicos, e fortalecimento político e econômico da classe trabalhadora assalariada depen-de da superação dos graves problemas estruturais por que passa a indústria no Brasil, em processo de desnacionalização e desindustrialização com consequências nefastas para o país.

No caso do financiamento da Saú-de e da Educação esta questão se torna ainda mais crítica, dado que as estimati-vas do pré-sal, principal fonte de recursos especialmente para a educação, sofreram um grande baque com a decisão da OPEP em manter os níveis de produção, mesmo com menor demanda, provocando a que-da nos preços do petróleo.

O Brasil viveu cinco décadas de de-senvolvimento industrial de caráter con-servador (entre 1930 a 1980) , ou seja, um modelo de desenvolvimento que elevou o país à condição de industrializado, conver-tendo-o numa das maiores economias do mundo, mas que concentrou renda, acen-

Não há classe trabalhadora

forte sem desenvolvimento

econômico e não há

desenvolvimento econômico sem indústria forte

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72 ESQUERDA PETISTA

Alertam o Dieese e os economistas progressistas que é condição sine qua non para o fortalecimento da indústria nacional uma política macroeconômica de juros baixos e câmbio ajustado

tuou as desigualdades de toda ordem na sociedade brasileira e foi construído a partir de longos períodos ditatoriais, com repressão e imensa exploração da classe trabalhadora.

A partir dos anos 1980, a indústria de modo geral e a de transformação em particular vem reduzindo a sua partici-pação no PIB. Se nos anos 1980 isto foi fruto da estagnação provocada pelos de-sajustes macroeconômicos, na década de 1990 deveu-se a uma política deliberada sintetizada na frase do ministro dos oito anos de governo FHC, Pedro Malan para quem “a melhor política industrial é não ter política industrial”.

Política de juros altos, câmbio valo-rizado e uma “modernização” e reestru-turação em que tão somente trocaram homens e mulheres por máquinas, sem qualquer expansão do parque industrial, levaram o país ao quadro atual.

Como resultado deste processo, que não sofreu reversão nos últimos anos, em que pese as propostas de retomada de uma política industrial nos governos Lula e Dilma, chegamos em 2013 aos me-nores níveis desde 1947. Segundo dados do IBGE a participação da indústria de transformação no valor adicionado da economia brasileira, próximo de 20% em 1947, em 2013 atingiu 13,13%.

Alertam o Dieese e os economistas progressistas que é condição sine qua non para o sucesso de uma política indus-trial, uma política macroeconômica de juros baixos que estimule investimentos produtivos e câmbio ajustado a fim de fortalecer da indústria nacional. Se esta é condição fundamental, parece óbvio que precisamos articular as nossas pau-tas sindicais com a disputa de rumos da política macroeconômica.

Corretamente a direção nacional da CUT, em reunião realizada em dezembro de 2014, aprovou a incorporação das pro-

postas expostas no documento final do Seminário Nacional do Macrossetor In-dústria realizado em Guarulhos (SP) nos dias 24 e 25 de julho de 2014.

O citado documento afirma que “apenas com as medidas estruturais, como as propostas abaixo, os desafios com os quais nos deparamos serão con-tornados”. A saber:

implementar política econômica com foco na redução da taxa básica de juros incentivando o investimento produtivo;

retomar a política de utilização dos bancos públicos como indutores da que-da de juros ao consumidor e de maior oferta de linhas de crédito;

otimizar a fiscalização das importa-ções e evitar a entrada de produtos es-trangeiros que estejam fora dos padrões de qualidade e segurança da produção nacional;

criar ferramentas tributárias que pro-tejam a competitividade da indústria na-cional;

taxar as remessas de lucro das multi-nacionais, estimulando o reinvestimento produtivo no país;

criar a exigência de contrapartidas so-ciais para desonerações fiscais, emprésti-mos e licitações públicas;

implementar política de controle cam-bial, com ajuste gradual do câmbio para patamares favoráveis ao desenvolvimen-to e fortalecimento da indústria nacional;

incentivar a exportação de produtos com maior valor agregado;

estabelecer medidas de incentivo e proteção à indústria nacional tradicional, assim como segmentos mais desenvolvi-dos tecnologicamente, com desenvolvi-mento sustentável;

ofertar mais e melhores programas de formação profissional com objetivo de pro-porcionar melhores condições salariais;

incentivar a criação de centros de pesquisa e desenvolvimento através das universidades brasileiras, com vistas a aumentar a produtividade e a competiti-vidade da produção nacional;

condicionar investimentos públicos em empresas que cumpram com critérios de conteúdo mínimo nacional;

estabelecer critérios para o desloca-mento das empresas de uma localidade para outra para que sejam minimizados os impactos das mudanças na vida dos trabalhadores;

criar mecanismos de participação para que os trabalhadores tenham assento no CADE – Conselho Administrativo de De-fesa Econômica.

A grande tarefa de 2015 é incorpo-

rar realmente tais propostas, transfor-mando-as em bandeiras de luta reais da classe trabalhadora.

JANDYRA UEHARA integra a executiva nacional da CUT

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73ESQUERDA PETISTA

Nos últimos 12 anos, vi-venciamos um processo significativo de redução

das desigualdades e de transformação do de-senho da nossa sociedade. Neste Brasil mais igual, paradoxalmente, afloraram com maior nitidez as contradições inerentes do caótico e excludente processo de urbanização do país. Se é verdade que reduzimos o apartheid econômico, constituindo o que comumente tem-se denominado de “nova classe média”, ou seja, a emersão de milhões de brasilei-ros e brasileiras à condição de acesso a bens de consumo antes restritos a uma minoria, o apartheid estrutural imposto por séculos de patrimonialismo e de utilização da terra como instrumento de reprodução do capital, domina perene os territórios urbanos.

Boa parte do povo, embora possa fre-quentar como consumidor os shoppings e aeroportos, ainda vive em condições precá-rias nas periferias das nossas cidades, sem acessar serviços essenciais e equipamentos urbanos de qualidade.

Nas últimas décadas tivemos avanços, principalmente após a Constituição de 1988, com o estabelecimento da função social da propriedade e do reconhecimento da moradia

Qual reforma urbana?

A reforma urbana que buscamos somente será possível se tomar as ruas e se tornar uma pauta viva e cotidiana da maioria do povo brasileiro

Marcel Frison

2015 E DEPOIS

como um direito e depois, na aprovação do Estatuto das Cidades (2001), a insti-tucionalização de um conjunto de ins-trumentos de reforma urbana.

Nos governos Lula e Dilma, esses avanços se tornaram ainda mais signi-ficativos, com a destinação de vultosos recursos para habitação, saneamento bá-sico, urbanização de assentamentos pre-

cários e mobilidade urbana. Além disso, foi fundamental, a criação do Ministério e do Conselho Nacional das Cidades que possibilitou uma gestão articulada sobre os principais vetores de uma política de desenvolvimento urbano.

O Minha Casa Minha Vida permi-tiu o acesso a uma moradia digna para milhões de famílias brasileiras.

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74 ESQUERDA PETISTA

No saneamento básico, uma “revo-lução” silenciosa (sem grandes repercus-sões na mídia), com recursos aportados da ordem de R$ 90 bilhões, sendo que R$ 49 bilhões investidos no tratamento de esgoto, algo que terá um impacto gigan-tesco na saúde da população e no meio ambiente.

Contudo, na complexa dinâmica de mercado imposta ao espaço urbano, é ne-cessário assinalar outro paradoxo, os in-vestimentos que com certeza trouxeram qualidade de vida para os beneficiários dos projetos concluídos, também servi-ram como insumos de valorização das áreas onde foram alocados. Em outras palavras, vias que foram abertas ou pa-vimentadas; bairros que receberam obras de saneamento básico, regiões atingidas por melhorias na mobilidade urbana, terrenos adjacentes a projetos do MCMV,

acabam por potencializar seu custo imo-biliário encarecendo a expansão da infra-estrutura e elitizando o acesso a estes es-paços. Enfim o remédio se torna veneno nos ditames da especulação imobiliária.

Noutro caminho, os incentivos go-vernamentais à indústria automobilísti-ca, aumento da renda e estabilidade no emprego da população e o crédito farto, tem injetado milhares de novos veículos cotidianamente nas nossas ruas. Atual-mente, temos uma frota nos centro urba-nos equivalente a um veículo automotor para cada dois habitantes.

Por consequência estamos viven-ciando um colapso do trânsito nos nossos grandes e médios municípios. Um grave problema, não para aqueles estão perden-do tempo nos engarrafamentos escutando seus CDs preferidos dentro de automóveis confortáveis, mas para a maioria que mora

distante do trabalho, tem horário rígido a cumprir e viaja de pé, apertada como sar-dinhas em lata, nos ônibus.

Para muitos urbanistas, a questão chave é o planejamento, ou melhor, su-perar a falta de planejamento dos nossos municípios. De fato, nossas cidades não expressam um projeto de futuro de na-tureza civilizatória, são produtos de in-teresses particularistas. Mas como se diz popularmente: “o furo é mais embaixo”!

É urgente mudar, é imprescindível colocar na agenda do país a realização de profunda reforma urbana. Uma reforma urbana que persiga, entre outros, os se-guintes desafios:

Primeiro, é rigorosamente neces-sário enfrentar a questão fundiária. Não é mais possível conviver com enormes vazios urbanos formados por glebas des-tinadas exclusivamente para a especula-ção imobiliária, edificações desocupadas mantidas sobre idêntico pretexto e preços cada vez mais aviltantes sobre a terra ain-da que elencada como de interesse social.

Embora tenhamos o Estatuto das Cidades que legitima um conjunto de instrumentos de reforma urbana, o mes-mo (que existe há mais de dez anos) ra-ríssimas vezes foi implementado na sua totalidade. E por que isto acontece?

O dilema está nas relações de poder: os municípios são os elos mais frágeis da federação e neste caso, enfrentam não apenas os operadores do mercado imobi-liário, mas os donos do capital das mais diversas origens. E os enfrentam numa questão, como sabemos, basilar do siste-ma capitalista, a propriedade privada.

Para iniciarmos uma reversão deste quadro, a União e os estados precisam entrar fortemente no jogo. O governo fe-deral e os governos estaduais deveriam passar a exigir por parte das prefeituras a implementação na íntegra do Estatu-to das Cidades em seus territórios como

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condição para repasses de recursos e a inclusão dos municípios nos Programas MCMV e PAC.

Em paralelo, por iniciativa popular e pelo trabalho da nossa bancada federal, precisamos pautar no Congresso Nacio-nal a modificação do caráter dos instru-mentos previstos no Estatuto das Cida-des, de permissivos a obrigatórios.

Segundo, devemos estabelecer pa-râmetros mais justos na relação entre os investimentos estatais em infraestrutura urbana e as suas consequências na re-produção do capital dentro dos negócios imobiliários.

Cabe recordar o discurso histórico de Jango na Central do Brasil, em 1964:

“O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de fer-rovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inex-ploradas ou subutilizadas, ainda subme-tidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável. Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interes-ses dos especuladores de terra”...

Na inspiração proporcionada por este digno brasileiro, nos colocamos na missão de produzir mecanismos de taxa-ção sobre as benfeitorias proporcionadas aos proprietários de grandes extensões de terras e de formatar uma legislação que facilite e torne mais justo os processos de desapropriações tão necessárias à realiza-ção das obras de infraestrutura social.

Terceiro, precisamos reestruturar nosso sistema de transporte e enfrentar os desafios da mobilidade urbana orien-tados por novos e diferentes paradigmas, que nos conduzam a uma melhoria subs-tancial da qualidade dos serviços presta-dos e a sua sustentabilidade.

Precisamos romper com a lógica do financiamento dos sistemas calcado apenas nos usuários. Impõe-se estabelecermos mecanismos de subsídio público, dividindo com toda a sociedade os custos de um serviço qualificado e estruturado para atender a todos

Neste sentido, precisamos romper com a lógica do financiamento dos sis-temas calcado apenas nos usuários. Im-põe-se estabelecermos mecanismos de subsídio público, dividindo com toda a sociedade os custos de um serviço quali-ficado e estruturado para atender a todos.

Quarto, para desenhar uma correla-ção de forças mais favorável às mudanças, será decisivo introduzir de forma massiva a participação popular e democracia dire-ta na gestão das políticas públicas de de-senvolvimento urbano. É claro, a começar pelo governo federal nesta continuidade da gestão da presidenta Dilma.

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Por fim, a reforma urbana que busca-mos, que deve incorporar outros temas de igual relevância e que não fizeram parte desta pequena contribuição, somente será possível se tomar as ruas e se tornar uma pauta viva e cotidiana da maioria do povo brasileiro. Este é o nosso principal desafio.

MARCEL FRISON foi secretário de habitação do governo Tarso Genro (2011-2014)

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Revista Esquerda Petista - Atu-almente o Brasil é o maior consu-midor de agrotóxicos do mundo. O que é a Agroecologia e qual a sua importância para superação do modelo do agronegócio, já que este modo de produção é o maior responsável por este consumo?

Irene Maria Cardoso - A agroeco-logia não é simplesmente um modo de produzir sem agrotóxicos, ela possui três dimensões: ciência, movimento e prática. Enquanto ciência é o estudo dos siste-mas alimentares e enquanto movimento contribui para que haja as transforma-ções necessárias na agricultura brasileira, hegemonizada atualmente pelo agrone-gócio. Este se baseia, nas tecnologias da Revolução Verde, sendo extremamente dependente de insumos externos pro-duzidos pelas empresas, em sistema de monocultura, e que gera graves consequ-ências sociais, ambientais e econômicas. A agroecologia busca alternativas para esse modelo. A base dela é uma relação de parceria com a natureza. É a busca na natureza da produção dos insumos ne-cessários para a produção agrícola, assim, a base da produção agrícola é a qualidade

do solo e da água e a biodiversidade. Em síntese, isso seria a agroecologia, onde você tem um componente científico, mas articulado com a prática dos agricultores, de forma que esses dois conhecimentos se interagem para buscar essas alterna-tivas, ou seja, uma transformação social. É a articulação da prática com o conheci-mento científico. No Brasil historicamen-te a agroecologia é feita em movimento, cuja base foi o movimento pela Agricul-tura Alternativa.

Muitos críticos da agroecologia afirmam que esta não é capaz de ali-mentar o mundo, o que você pensa sobre isto?

E o modelo do agronegócio é capaz de sustentar o mundo? A gente sabe que não e qual a qualidade desse produto? Já está provado em vários relatórios e docu-mentos científicos, inclusive do Olivier de Shutter que foi o relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, que a agro-ecologia tem potencial para sustentar o mundo. Se esse potencial vai se expressar depende de várias condições, inclusive de politicas públicas, porque não dá para o governo investir bilhões na pesquisa e

produção do agronegócio, investir pouco na produção agroecológica e querer que ela responda da mesma forma que o agro-negócio. A agroecologia tem condições de alimentar o mundo e é mais compatível, embora não seja exclusividade, com a agricultura familiar e, atualmente, já sa-bemos que quem alimenta o mundo é a agricultura familiar e não o agronegócio.

Quais são as principais políticas públicas em curso no Brasil que for-talecem a agroecologia? O que se co-bra do segundo governo Dilma?

O Brasil é o primeiro país do mundo a ter uma Política Nacional de Agroecolo-gia e Produção Orgânica (PNAPO). Essa política foi construída em parceria com os movimentos e um dos principais articu-ladores da construção dessa política foi a ANA (Articulação Nacional de Agroeco-logia). Embora tenha debilidades, em si já representa um avanço, pois, foi um es-forço do governo em construir com a so-ciedade civil essa política. Junto a isso já estavam acontecendo ações importantes para fortalecer a agroecologia, como as ações que fortalecem a agricultura fami-liar, como o PNAE (Política Nacional de

Qual agricultura?Esquerda Petista entrevistou Irene Maria Cardoso, agrônoma, professora do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa, militante petista e presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia)

2015 E DEPOISENTREVISTA

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Alimentação Escolar) e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). Estes con-tribuem para a comercialização da diver-sidade, pois, incentivam uma produção diversificada, já que o (a) agricultor (a) tem a oportunidade de comercializar via PAA ou PNAE não um único produ-to, mas vários. Ao mesmo tempo isto os incentiva a diversificar ainda mais. Isto também tem reflexo na segurança ali-mentar, já que se o produto está dispo-nível para a comercialização, aumenta a probabilidade de ser consumido pela fa-mília. O PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) atualmente tem um juro menor para a produção agroecológica. Além disto, há outros projetos, como o Ecoforte que in-centiva a produção e editais do CNPq que incentivam a pesquisa em agroecologia. Mas a gente acha que ainda é pouco fren-te ao agronegócio, embora os governos Lula e Dilma tenham aumentado mui-to o crédito pra agricultura familiar, ele ainda está muito aquém do crédito para

o agronegócio. Este parece mais impor-tante do que é, pois garante a pauta de exportação e a balança comercial brasilei-ra, mas a gente costuma falar que é um gigante com os pés de barro, pois é feito à custa de muitos problemas ambientais e sociais e é dependente da importação de nutrientes, basta ver a dependência que o Brasil tem da importação de nitro-gênio, fósforo e potássio. O potássio, por exemplo, é um dos dez itens da pauta de importação do Brasil. Como é que a gen-te inverte isso? O que a gente espera do próximo governo Dilma é que não apenas incentive mais a agroecologia, crie mais condições para seu florescimento, mas que também coíba as ações deletérias do agronegócio, por exemplo, respeitando toda a pauta da campanha contra o uso de agrotóxicos, atualmente desenvolvida pelos movimentos sociais.

O III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), realizado pela ANA no Ano Internacional da Agri-

cultura Familiar, Camponesa e Indí-gena, reuniu mais de 2,1 mil agricul-tores e militantes, demonstrando a força e abrangência do movimento. Quais foram as principais discussões e encaminhamentos do III ENA?

O III ENA foi expressão de um grande processo de mobilização, com a realização de Caravanas Agroecológicas e Culturais e outros espaços para trocas de experiências, reunindo milhares de pessoas de todos os estados, em Juazeiro da Bahia, no mês de maio, garantindo a paridade de gênero e 70% de agricultores nas delegações. Tudo está documentado na Carta Política construída coletivamen-te ao longo do ENA, disponível no site da ANA (www.agroecologia.org.br) e que foi lida na íntegra para o representante da Dilma lá, o ministro Gilberto Carvalho. Reafirmamos os princípios e bandeiras da agroecologia, apontando nossas prin-cipais demandas em termos de políticas públicas e reformas estruturais. Destaca-

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“Não dá pra discutir a pauta

ambiental sem pensar, também,

na agricultura brasileira, assim, a

primeira coisa a se fazer é um debate

sobre isso com encaminhamentos. O 5º

Congresso do PT é o momento para ter

espaços específicos de discussão desse

assunto e a gente sabe que tem muitos

petistas que são contrários a isso, mas

tem que ser debatido dentro do PT”

Irene Maria Cardoso

Foto: Pedro Sergio da Silveira

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mos que não é possível construir a agroe-cologia sem socialização das terras e gen-te no campo, ou seja, de Reforma Agrária, sua incompatibilidade com o modelo do agronegócio (que com sua expansão vem gerando diversos conflitos e injustiças ambientais), a necessidade de reconheci-mento dos territórios dos povos e comu-nidades tradicionais para a afirmação da sociobiodiversidade, conservação e acesso às águas e sementes crioulas, ampliação dos investimentos em políticas públicas para agricultura familiar e agroecológica, fortalecimento das políticas de comercia-lização, Economia Solidária e de Assis-tência Técnica e Extensão Rural (ATER) com este foco, importância da educação do campo, das plantas medicinais e seu papel para uma saúde integral, agricultu-ra urbana, equidade de gênero... enfim, diversos temas que podem ser conferidos na Carta Política do III ENA.

Historicamente, muitos mili-tantes petistas constroem a agroeco-logia nos espaços em que atuam, mas essa ainda não é uma bandeira empu-nhada com força pelo partido como um todo. Em sua opinião, qual o pa-pel do PT na luta pela agroecologia?

Dever-se-ia discutir isso nas instân-cias internas do PT e compreender o que é a agroecologia, qual é o papel hoje do agronegócio na economia brasileira, na saúde e na relação com o meio ambiente. Leonardo Boff já cobrou isso também re-centemente, qual é a pauta ambiental do PT? Não dá pra discutir a pauta ambiental sem pensa-la também na agricultura bra-sileira, assim, a primeira coisa a se fazer é um debate sobre isso com encaminha-mentos. O 5º Congresso do PT é o mo-mento para ter espaços específicos de dis-cussão desse assunto e a gente sabe que tem muitos petistas que são contrários a

isso, mas tem que ser debatido dentro do PT. E é verdade que os petistas estão na base da construção da agroecologia, não só os petistas cientistas, mas os petistas agricultores, agrônomos e outros profis-sionais. No movimento agroecológico o partido mais forte sem dúvida nenhuma é o PT, já foi até mais, mas é exatamente por algumas ações de fortalecimento do agronegócio em detrimento da agroeco-logia, que muitos desencantaram, então, acho que devia olhar isso com cuidado e criar espaços de discussão dentro das ins-tâncias internas do PT e tomar uma de-cisão, pois a sociedade pressiona, exige.

Como os demais movimentos e organizações populares podem construir esta pauta?

Os movimentos já estão construindo essa pauta. Hoje, o MST e a Contag discu-tem e participam da construção da PNA-PO (Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica). A gota d’água para pressionar a presidenta Dilma a decretar a PNAPO foi a Marcha das Margaridas de 2012, organizada pela Contag. Uma das bandeiras do MST é a agroecologia. Mui-tos sindicatos de trabalhadores rurais que são ligados à FETRAF e a Contag, cons-troem a agroecologia desde a década de 80, no início como agricultura alternativa. É preciso que outras organizações se jun-tem a esse movimento, incluindo aquelas dos movimentos urbanos. Por exemplo, os sindicatos urbanos precisam entender que a agroecologia tem a ver com suas pautas, pois tem a ver com alimentação e a saúde, “nós somos o que comemos”, logo comer alimentos saudáveis é garan-tia de pessoas saudáveis, muitas já dis-seram: “é melhor gastar com comida do que com a farmácia”. Se os movimentos urbanos passam a assumir a bandeira da agroecologia, ela se fortalece em dois sen-

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tidos: primeiro porque são movimentos fortes que vão pressionar o governo para que crie condições de produção saudável de alimentos. Segundo, a parceria com os (as) agricultores (as) permite estreitar a relação produtor-consumidor, valorizan-do os circuitos curtos de comercialização que garantem a chegada de alimentos saudáveis com preços justos para todos e contribuem para o entendimento do que é a agroecologia e o meio rural, a relação campo-cidade. Então é muito importan-te que os movimentos urbanos assumam essa luta.

Para finalizar, fale sobre a ABA e as perspectivas para o avanço do conhecimento agroecológico.

A ABA é a Associação Brasileira de Agroecologia e temos a ANA que é a Articulação Nacional de Agroecologia. A ANA é uma rede da agroecologia no Bra-sil, que articula os movimentos sociais, e a ABA faz parte dessa rede. A ABA tem um cunho mais científico dentro da ANA, ela constrói o Congresso Brasileiro de Agroecologia, onde os trabalhos po-dem ser apresentados e discutidos e tem as revistas, que é a Revista Brasileira de Agroecologia e os Cadernos de Agroeco-logia onde os trabalhos podem ser publi-cados. Quanto às perspectivas do avanço da construção do conhecimento agroeco-lógico, tem sido criados muitos cursos de agroecologia no Brasil em vários níveis, do técnico à pós-graduação, embora a gente reconheça que tenha alguns pro-blemas, estes podem apresentar oportu-nidades para esses avanços. O governo tem incentivado via CNPq em parceria com diversos ministérios, editais de cons-trução do conhecimento agroecológico em uma interface entre pesquisa e exten-são e de apoio aos Núcleos de Agroecolo-gia, nas universidades, Embrapas e OE-

PAs (Organizações Estaduais de Pesqui-sa Agropecuária). Os projetos de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) em agroecologia e o ProExt (Programa Nacional de Extensão Universitária) são muito importantes também. Outra força grande são os movimentos dos estudan-tes, que agora constroem a REGA, Rede dos Grupos de Agroecologia do Brasil, o ENGA (Encontro Nacional dos Grupos de Agroecologia), eles precisam inclusi-ve ter mais visibilidade, ter mais força. A Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), a Associação Brasileira de Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF), a Entidade Nacional dos Es-tudantes de Biologia (ENEBio), dentre outras entidades dos estudantes também são uma força na construção desse co-nhecimento, que não é só da academia.

O envolvimento dos movimentos sociais e o desenvolvimento das práticas e das experiências agroecológicas tam-bém representam uma dimensão muito importante da construção do conheci-mento. A agroecologia, desde o seu nas-cedouro, foi construída em parceria com os agricultores. Essa é uma construção de todos. Todos nós consumimos alimentos. As experiências que os agricultores cons-troem em todos os cantos desse Brasil es-tão crescendo cada vez mais e cada vez tendo maior visibilidade, inclusive inter-nacional.

PÁGINAS DE INTERESSE

ANA (Articulação Nacional de Agroecologia) www.agroecologia.org.br

ABA (Associação Brasileira de Agroecologia) www.aba-agroecologia.org.br REGA (Rede dos Grupos de Agroecologia) www.regabrasil.wordpress.com Experiências agroecológicas em rede www.agroecologiaemrede.org.br AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologiawww.aspta.org.br

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80 ESQUERDA PETISTA

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próximo período selará a história da seção que trata da Saúde na Cons-tituição Federal de 1988 (artigos 196 a 200).

Hoje a tendência dominante é a definitiva transformação em letra morta do Sistema de Saúde nacional, pú-blico e universal, conforme previsto na CF de 1988 com a denominação de Sistema Único de Saúde � SUS. Dizemos isto devido a:

• profunda e progressiva fragmentação do sistema em redes de unidades de saúde de entes federados – Municípios, Esta-dos, Distrito Federal e União –, fruto do tíbio protagonismo histórico do Ministé-rio da Saúde e das Secretarias de Saúde estaduais que não conseguiram garantir a coordenação e integração da rede sani-tária nacional, portanto, o funcionamen-to sistêmico do SUS;

• existência de múltiplas lógicas organiza-tivas que aumentam a fragmentação do sistema (administração direta e indire-ta, contratos e convênios, organizações sociais – OS, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, e ou-tros);

SUS BrasilRicardo Menezes

A realidade atual do SUS gera, por um lado, a insatisfação da população e, por outro, a desorganização do sistema acarretando um número imponderável de mortes evitáveis no País todo ano, todo mês, todo dia

O

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• fragmentação do sistema decorrente da relação existente entre hospitais e ambulatórios privados e filantrópicos e o SUS, há décadas, sobre os quais os gestores públicos têm baixa capacidade de controle e governabilidade, radica-lizada, na atualidade, em decorrência da crescente privatização da gestão de serviços e de redes municipais, crian-do-se no território municipal gestores privados com poder e autonomia para definir estratégias de cuidado, política de pessoal, entre outros aspectos anali-sados por Gastão Wagner;

• crescente privatização de unidades e de recursos públicos da Saúde;

• crônico e desestruturante subfinancia-mento do sistema; e,

• ausência de Planos de Cargos, Carreiras e Salários de âmbito nacional para to-dos os trabalhadores da saúde do SUS.

Esta realidade gera, por um lado, a

insatisfação da população e, por outro, a desorganização do sistema acarretan-do um número imponderável de mortes evitáveis no País todo ano, todo mês, todo dia.

Embora a tendência descrita an-teriormente seja a dominante, ela pode ser revertida e derrotada se adotarmos um conjunto de providências nacio-nais inovadoras e ousadas � nos planos orçamentário, técnico, organizacional, político-administrativo, gerencial e pro-priamente político � que visem eliminar a fragmentação, a privatização e o subfi-nanciamento, objetivando a implantação efetiva do Sistema de Saúde nacional, público e universal, o SUS constitucional.

Aqui é preciso destacar: como a Saú-de deixou de ser focada na campanha elei-toral de 2014 como prioridade nacional, não ensejou o debate de projetos estraté-gicos entre os candidatos e as candidatas à presidência. Deu-se o contrário com as seguintes questões: manutenção de polí-ticas visando o pleno emprego em contra-posição àquelas propostas que desempre-

gam defendidas pela oposição ao governo Dilma Rousseff; manutenção do controle estatal, pela União, dos bancos públicos para que continuem investindo em habi-tação popular e outras áreas e programas sociais em contraposição à política de pri-vatização desses bancos explicitamente defendida pela oposição ao governo Dilma Rousseff; manutenção do controle estatal, pela União, da exploração do pré-sal e a destinação de seus recursos para educação e saúde em contraposição às políticas de privatização da exploração e de recursos do pré-sal e, no limite, a privatização da própria Petrobras, defendidas pela oposi-ção ao governo Dilma Rousseff.

O embate estratégico incidente dire-tamente nas áreas sociais girou em torno daquelas questões, porque as candida-turas conservadoras, ásperas críticas de uma série de políticas sociais implanta-das nos governos Lula e Dilma, durante o processo eleitoral adotaram a tática de elogiá-las afirmando, no entanto, que, caso fossem eleitos, as “melhorariam”.

Em função da ausência de debate estratégico sobre a Saúde nas eleições de 2014, a urgência da resolução dos comple-xos problemas desse campo da área social deixou de ser abordada com ênfase, nos discursos dirigidos à população, por pos-tulantes à presidência da República.

Isto talvez se explique pelo fato de que, embora desde 2008 pesquisas idône-as apontem a Saúde como um problema central na vida da maioria dos brasileiros e brasileiras – os que utilizam os serviços as-sistenciais do SUS e os que não os utilizam �, na última eleição sua abordagem restou subsumida na pauta diversionista estabe-lecida pelas candidaturas conservadoras e pelos meios de comunicação de massas: crítica enfática ao governo Dilma quanto ao enfrentamento da corrupção e à con-dução da economia nacional, aliada ao

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combate sem tréguas ao PT no qual tudo é válido e à proposição de dadas questões macroeconômicas (independência do Banco Central, por exemplo) componen-tes do receituário neoliberal para a alie-nação da soberania nacional.

É necessário ressalvar que a dire-ção nacional do PT, por meio da Secreta-ria Nacional de Movimentos Populares e Políticas Setoriais, e do Setorial Nacional de Saúde vinculado a essa Secretaria, nos meses de junho, julho e agosto, procedeu ampla consulta aos militantes e simpati-zantes do partido, cuja inserção social e profissional é sobremaneira diversificada, com a finalidade de recolher sugestões para o Programa de Saúde, o qual foi con-cretizado no prazo solicitado pela coorde-nação da campanha da presidenta Dilma. Contudo, o programa de Saúde não foi veiculado ao longo da campanha eleitoral.

Caso não se dê o enfrentamento das causas determinantes da transformação da Saúde em um problema central na vida da maioria dos brasileiros e brasilei-ras � é crucial não se perder de vista essa dimensão � tal postura política resulta-rá na continuidade de situações fáticas cujas consequências serão inegavelmente negativas dos pontos de vista sanitário e político, a saber:

a) das 436 Regiões de Saúde exis-tentes no Brasil, as 200 que necessitam de hospitais continuarão sem hospitais;

b) aquelas regiões que necessitam de centros especializados continuarão sem tê-los;

c) outras regiões que precisam es-truturar unidades para que prestem ser-viços qualificados de atenção básica à saúde das pessoas continuarão sem as estruturar;

d) outras regiões ainda nas quais se impõe a fixação de equipes de vigilância em saúde continuarão sem fixá-las.

Ou seja: será impossível reverter os vazios clínico-assistenciais, a insuficiên-cia da qualificação dos estabelecimentos e serviços de saúde públicos e privados, a iniquidade e a desigualdade sanitária entre cidadãos residentes em diferentes Municípios brasileiros, bem como entre cidadãos residentes em diferentes Regi-ões de Saúde do País e em distintos Es-tados, e, por fim, será impossível reverter a iniquidade e a desigualdade sanitária en-tre cidadãos inseridos em diferentes clas-ses sociais e – no interior da classe tra-balhadora – entre cidadãos inseridos em distintos estratos e categorias laborais.

O enfrentamento desta realidade, o que, sem dúvida, evitará um número im-ponderável de mortes evitáveis no País, somente se concretizará se for adotado um conjunto de providências nacionais inovadoras e ousadas, apontadas ante-riormente, objetivando a efetiva implan-tação do SUS constitucional.

Traduzindo em miúdos: deixar tudo como está no campo da Saúde é o cami-nho mais rápido rumo ao definhamento social da defesa do direito à saúde, por-tanto, rumo ao ocaso da perspectiva de implantação do SUS constitucional, e, ao mesmo tempo, é o caminho certo para o sofrimento decorrente do aprofunda-mento da iniquidade e da desigualdade sanitária entre cidadãos, para o estímulo ao esgarçamento da ideia-força da soli-dariedade social na sociedade brasilei-ra e para a continuidade da apropriação privada dos � sabidamente insuficientes � recursos públicos alocados na Saúde no Brasil.

Mas nem tudo é diagnóstico na análise crítica de uma situação complexa como a do campo da Saúde!

O povo brasileiro acaba de demons-trar sua força, sua capacidade de luta, sua aguda percepção do sentido anti-popular e anti-nacional das quase secretas � por-

que não foram explicitadas claramente durante o processo eleitoral – proposições das forças sociais e políticas conservado-ras e as derrotou nas eleições presiden-ciais de outubro de 2014, reelegendo a presidenta Dilma.

Por outro lado, não podemos esque-cer jamais das jornadas de junho de 2013! Nessas, o aparecimento da Saúde como forte item reivindicatório de movimentos de massas não surpreendeu, porque, con-forme já foi citado, ao menos desde 2008, pesquisas idôneas indicavam o campo da Saúde como o principal problema na vida da maioria dos brasileiros e brasileiras in-tegrantes de todas as classes sociais.

Na ocasião, a resposta do governo federal deu-se por meio da apresentação ao Congresso Nacional de legislação es-pecífica que instituiu o programa Mais Médicos. Esse programa contém um componente emergencial – estímulo ime-diato à vinda de médicos formados no

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exterior para suprir o déficit de médicos existente no Brasil – e um componente permanente – ampla reformulação dos cursos de graduação e dos programas de especialização de médicos, adequando-os à realidade sanitária nacional, ao lado de medidas destinadas a incrementar o número de profissionais formados anual-mente no País.

A aprovação popular do Mais Médi-cos decorreu, principalmente, do fato de que a União assumiu a responsabilidade, em face do que já foi sinteticamente des-crito acima sobre o que ocorre atualmen-te no Sistema Único de Saúde: profunda e progressiva fragmentação do sistema

em redes de unidades de saúde de en-tes federados; existência de múltiplas lógicas organizativas que aprofundam ainda mais a fragmentação do sistema; crescente privatização de unidades e de recursos públicos da Saúde; crônico e de-sestruturante subfinanciamento do siste-ma e ausência de Planos de Cargos, Car-reiras e Salários de âmbito nacional para todos os trabalhadores da saúde do SUS.

A União, por meio do Ministério da Saúde, assumiu desassombrado protago-nismo orçamentário, técnico e político, a fim de garantir a mais de 50 milhões de brasileiros e brasileiras espalhados por todas as regiões do País, como compo-

nente indissociável das ações e serviços de atenção à saúde, o acesso à assistência médica fornecida por milhares de médi-cos formados no exterior.

O Mais Médicos materializou o espí-rito da norma constitucional, expressou a tradição mundial de exitosos Sistemas de Saúde nacionais socializados e forneceu à população do Brasil, apesar da diuturna cobertura crítica dos meios de comunica-ção de massas, uma marcante demons-tração: somente com intenso protagonismo federal � orçamentário, técnico, organiza-cional, político-administrativo, gerencial e propriamente político � na coordenação, normatização, execução de serviços e exe-cução de serviços compartilhada com Es-tados e Municípios, lograremos implan-tar o Sistema de Saúde nacional, público e universal, inscrito na CF de 1988, para todos os brasileiros e todas as brasileiras.

A inflexão na atuação da União em relação ao SUS, corporificada no progra-ma Mais Médicos, introduziu um pata-mar superior de resposta às necessida-des de saúde dos cidadãos, ensejando a expectativa de continuidade de vigorosa e arrojada expansão do protagonismo fe-deral na organização do SUS constitucio-nal, no segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff.

Neste sentido, é absolutamente ur-gente que as forças sociais e políticas im-buídas do compromisso ético-político de defesa da vida, analisem, socializem e se mobilizem em torno de proposições po-tentes para desatar o nó do impasse es-tratégico vivenciado no campo da Saúde. Tais proposições devem se assentar em duas dimensões: a ética, consubstancia-da na defesa da vida de todas as pessoas, e a política, efetivada na ação direcionada à estruturação de um aparato sanitário esta-tal nacional, operacionalizado com pujan-ça, agilidade e qualificação, destinado a garantir a promoção, a proteção, a recu-

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A inflexão na atuação da União em relação ao SUS, corporificada no programa Mais Médicos, introduziu um patamar superior de resposta às necessidades de saúde dos cidadãos

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Uma proposição potente para desatar o nó do impasse estratégico vivenciado no campo da

Saúde, cuja razão de ser reflete com nitidez o compromisso ético-político antes assinalado,

vem sendo apresentada à sociedade por Gastão Wagner de Souza Campos, professor

titular do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade

Estadual de Campinas, a qual o autor, com propriedade, vem denominando SUS Brasil.

peração e a reabilitação da saúde de todos os brasileiros e de todas as brasileiras.

Uma proposição potente para desa-tar o nó do impasse estratégico vivencia-do no campo da Saúde, cuja razão de ser reflete com nitidez o compromisso éti-co-político antes assinalado, vem sendo apresentada à sociedade por Gastão Wag-ner de Souza Campos, professor titular do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas, Universi-dade Estadual de Campinas, a qual o au-tor, com propriedade, vem denominando SUS Brasil.

A primeira veiculação da proposta SUS Brasil ocorreu logo após o aparecimen-to da Saúde como reivindicação de movi-mentos de massas, nas jornadas de junho de 2013, em artigo veiculado no mês de setembro desse ano pelo jornal O Globo, intitulado Faltam R$ 55 bilhões por ano na Saúde1. Em 2013 ainda o autor da propos-ta problematizou e aprofundou a discus-são em entrevista concedida à Revista Poli – Saúde, Educação, Trabalho, periódico editado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, matéria que leva o sugestivo título O desenvolvimentismo não nos protegeu2.

No calor das disputas de 2014 deu--se a continuidade do debate público da-quela proposta, por meio de entrevista e de artigo do seu autor, difundidos nos meses de junho e outubro, cujos respec-tivos títulos são Regionalização é o futuro do SUS3 e Uma utopia possível: o SUS Brasil4. Tais manifestações encontram-se dispo-níveis no sítio Regiões e Redes – O Cami-nho da Universalização da Saúde no Bra-sil, mantido pelos coordenadores de pes-quisa sobre Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil, financiada com recursos provenientes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Ministério da Saúde, 2013.

Concluímos o presente artigo com a citação da proposta SUS Brasil, contida na Revista Ser Médico Nº 69, out/nov/dez., 20145, periódico editado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, que circulou no derradeiro mês do ano. Com a palavra, Gastão Wagner:

“Por tudo isso, o SUS necessita de uma ampla reforma administrativa e or-ganizacional. E, com base nas premissas anteriores, gostaria de indicar algumas estratégias para o sistema. Uma utopia possível?

Primeiramente, é preciso compre-ender que o SUS precisa superar a frag-mentação, a privatização e a inadequação da política de pessoal, tendo como núcleo organizacional as Regiões de Saúde. Com este objetivo, proponho:

1. Constituir o SUS Brasil: uma au-tarquia especial integrada pelo Ministé-rio da Saúde, Secretarias de Estado da Saúde e Secretarias Municipais de Saú-de. Todos os serviços de saúde de caráter público, bem como contratos e convênios de todos os entes federados, passariam a essa autarquia especial. A autarquia deve ter um modelo organizacional e de gestão próprio e específico, conforme as singula-ridades e características da área da saúde.

2. O SUS Brasil seria organizado por Regiões de Saúde, que fariam a gestão de uma rede de atenção integral. Todos os serviços públicos teriam um modelo or-ganizacional autárquico, que valeria para atenção básica, redes de atenção, organi-zações sociais, fundações privadas etc.: o fim da privatização e a invenção de um novo modelo público de organização e de gestão.

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NOTAS

1. Gastão Wagner. Faltam R$ 55 bilhões por ano na Saúde. Jornal O Globo, 20 de setembro de 2013.Fonte: http://www.pagina13.org.br/saude/faltam-r-55-bilhoes-por-ano-na-saude/#.VKqIeF4CL0

2. Gastão Wagner. O desenvolvimentismo não nos protegeu. Revista Poli – Saúde, Educação,Trabalho, Ano VI, 38nov/dez. 2013.p.32-35. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV da Fundação Oswaldo Cruz – FIO-CRUZ.

Fonte: http://5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/wp-content/files/SUS_Brasil._Entrevista_Gasto_Wagner.RevistaPoliSadeEducaoTrabalho38-EPSJV-FioCruz-2013.pdf

3. Gastão Wagner. Regionalização é o futuro do SUS. Sítio Regiões e Redes – O Caminho da Universalização da Saúde no Brasil, junho de 2014.

Fontes: http://www.pagina13.org.br/saude/regionalizacao-e-o-futuro-do-sus/#.VKqO114CL0http://www.resbr.net.br/regionalizacao-e-o-futuro-do-sus/

4. Gastão Wagner. Uma utopia possível: o SUS Brasil. Sítio Regiões e Redes – O Caminho da Universalização da Saúde no Brasil, outubro de 2014.

Fontes: http://www.pagina13.org.br/saude/uma-utopia-possivel-o-sus-brasil/#.VKtQbv0tHmJhttp://www.resbr.net.br/uma-utopia-possivel-o-sus-brasil/

5. Gastão Wagner. Proposta para tornar o SUS uma utopia possível. Revista Ser Médico Nº 69, out/nov/dez., 2014. p. 24-27. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.

Fontes: http://5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/wp-content/files/SUS_Brasil._CamposGWS-Ser_MdicoDez.2014CRM-ESP-p.26-29.pdfhttp://www.cremesp.org.br/?siteAcao=FlipRevista&id=69#/26/

3. Todos os profissionais de saúde que trabalhassem no sistema passariam à gestão da autarquia especial por dois caminhos: optariam livremente por inte-grar as novas carreiras do SUS Brasil ou seriam cedidos por Municípios, Estados e universidades para o efetivo exercício no SUS Brasil. Seriam criadas carreiras mul-tiprofissionais para o sistema nacional, organizadas pelas grandes áreas de cui-dado do SUS: atenção básica, vigilância à saúde, urgência e emergência, atenção hospitalar e especializada, e outros agre-gados a serem definidos. O ingresso seria por concurso por Estado da federação � ou talvez por Região de Saúde? �, haven-do possibilidade de progresso por mérito e mobilidade antes de novos concursos. Os servidores já concursados por entes públicos poderiam optar por ingressar na nova carreira como quadro em extinção.

4. Para evitar a burocratização e li-mitar o predomínio de interesses priva-dos no SUS Brasil, o sistema de cogestão e de gestão participativa seria ampliado e valorizado. O Conselho Nacional de Saú-de e a Comissão Tripartite fariam o pla-nejamento e gestão do sistema nacional, valendo-se de gestores do Ministério da Saúde, Secretarias de Estado da Saúde e Secretarias Municipais de Saúde. O mes-mo modelo seria adotado nos Estados e nas Regiões de Saúde. Ainda para dimi-nuir a interferência político-partidária, todos os cargos de gestão de serviços e de programas deixariam de ser de livre provimento pelo Poder Executivo e pas-sariam a depender de um processo de se-leção interno oferecido aos profissionais do SUS Brasil.

5. Seria criada a autoridade sanitá-ria e o corpo técnico para as Regiões de Saúde. O secretário regional de Saúde seria indicado pelo Conselho Regional de

Saúde, obedecidos pré-requisitos técnico, sanitário e a capacidade de gestão dos candidatos.

Tudo isso para garantir a devida atenção em saúde aos brasileiros, am-pliando o financiamento para 8% do PIB, a ser gasto em investimento prioritário para a expansão da Atenção Básica para 80% a 90% dos brasileiros. Teríamos equipe bási-ca de qualidade com médico, enfermeiro e apoio matricial multiprofissional para o conjunto da população. A Atenção Bá-sica não se destina somente à população de baixa renda, trata-se de uma estratégia para resolver 80% dos problemas de saú-de, mediante cuidado personalizado e que implique abordagem clínica e preventiva. Para isso, será necessário aumentar a sua qualidade, com melhor infraestrutura e integração com hospitais e serviços espe-cializados. E com a ampliação da liberdade das famílias, garantindo-lhes a possibili-dade de escolher a qual equipe se vincular em uma dada região.

Estima-se a necessidade de 200 no-vos hospitais gerais em regiões carentes. Para construí-los e equipá-los serão ne-cessários R$10 bilhões. O custeio anual exigirá orçamento semelhante. A recupe-ração e reorganização da precária rede já existente custarão outros R$ 20 bilhões anuais. Haveria ainda que se ampliar o gasto com a Vigilância em Saúde, con-trolar epidemias, drogas, violência, a um custo de cerca de R$ 5 bilhões/ano.

A proposta está lançada. É preciso debatê-la e aperfeiçoá-la para tornar pos-sível a utopia do SUS Brasil”.

RICARDO FERNANDES DE MENEZES é médico sanitarista e mestre em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. É membro do Coletivo do Setorial Nacional de Saúde do Partido dos Trabalhadores

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s eleições gerais de 2014 deixaram um legado nada

auspicioso para o próximo período, no que se refe-

re à representação no Congresso Nacional.

Emergiu das urnas um parla-mento que vem sendo caracterizado, se-gundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), como o mais conservador desde 1964.

Quando analisado de maneira mais detalhada o resultado, fica evidente que a presidenta Dilma Rousseff terá de en-frentar um Congresso ainda mais frag-mentado partidariamente e muito mais conservador do ponto de vista econômi-co e social. Isso significa uma ofensiva em relação à flexibilização dos direitos dos trabalhadores, maior resistência na aprovação de projetos ligados aos direitos humanos e ao meio ambiente, além de pouca ou nenhuma disposição em reali-zar as reformas estruturantes que o Bra-sil necessita.

Qual governabilidade?Rubens Alves e Wanderson Mansur

O atual modelo de governabilidade assentado exclusivamente no parlamento, na dita governabilidade congressual, parece estar esgotado. Um governo de caráter progressista e democrático, eleito com base em compromissos com o aprofundamento das mudanças, não deve apostar a sua sustentação justamente em um espaço que é altamente conservador e refratário a quaisquer medidas que signifiquem avanço destas mudanças

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O novo Congresso, renovado em 46,74% na Câmara e em 81,48% das va-gas em disputa no Senado, alcançou a maior renovação de nomes desde as elei-ções de 1998. Por outro lado, do ponto de vista político e ideológico, houve um for-talecimento do pensamento conservador.

Dados do Diap demonstram que apenas a chamada bancada da bala al-cançará na próxima legislatura 55 depu-tados, aumentando significativamente a presença de parlamentares policiais ou sintonizados a esse segmento, defensor de bandeiras e posições conservadoras em relação à segurança pública, a exem-plo da defesa de mudanças no Estatuto do Desarmamento, da redução da maio-ridade penal e da adoção de medidas que conduzem à desastrosa política de aumento da repressão e do encarcera-mento.

A bancada evangélica também se fortaleceu, passando dos atuais 70 depu-tados para 82, considerando como parla-mentares reconhecidamente evangélicos aqueles que ocupam cargos nas estrutu-

ras das instituições religiosas e também os que professam a fé segundo a doutri-na evangélica.

Importante destacar que dos 82 eleitos, 38 são novatos e 44 foram ree-leitos. Temas como a descriminalização do aborto, o casamento civil igualitário, a legalização do consumo individual de maconha e demais temas ligados às li-berdades individuais e aos direitos civis, que já encontravam enormes resistên-cias na atual legislatura, poderão sofrer ainda mais dificuldades para prosperar a partir de fevereiro de 2015, quando os novos parlamentares tomam posse.

Outra bancada tradicionalmente conservadora que aumentou vertigino-samente sua presença no Congresso é a ruralista. O segmento conseguiu a reelei-ção de praticamente todos os seus candi-datos, além de novos parlamentares. De acordo com dados da Frente Parlamentar Agropecuária, a bancada que conta hoje com 14 senadores e 191 deputados, pas-sará a ter nada menos que 16 senadores e 257 deputados na próxima legislatura.

O aumento da bancada ruralista terá forte impacto em iniciativas de lei que tra-mitam no Congresso que estão relaciona-das com a garantia do direito à terra por parte de povos tradicionais -- mais nota-damente de indígenas e quilombolas--, e a ampliação de direitos trabalhistas aos trabalhadores e trabalhadoras do campo. Como exemplo, é possível citar a tentativa desse setor de cassar direitos constitucio-nais indígenas com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215), que pretende transferir do Executivo para o Legislativo a competência na demarcação de terras indígenas, o que representará um enorme retrocesso para a garantia dos direitos des-ses povos ao seu território.

Também será mais árdua a disputa em torno da regulamentação da PEC do Trabalho Escravo, já aprovada no Con-gresso Nacional. A PEC, que permite ao Estado brasileiro expropriar, portanto, sem indenização, imóveis urbanos e rurais onde for verificada a existência de traba-lho análogo à escravidão, corre o risco de perder sua eficácia com a regulamenta-ção que está sendo proposta, justamente por influência da atual bancada ruralista. O setor quer aprovar um texto que retira do conceito de trabalho escravo a jornada exaustiva e as condições degradantes de trabalho, em prejuízo ao próprio Código Penal, que já tipifica essas duas situações como análogas à escravidão.

A bancada empresarial é outra mantida forte. Apesar de heterogênea e de representar os mais variados segmen-tos, este grupo compartilha do desejo de realizar uma reforma regressiva com objetivo de reduzir a carga tributária, o que segundo eles aumentaria a competi-tividade da indústria nacional, através da eliminação dos encargos sobre a folha de pagamentos e da flexibilização dos direi-tos trabalhistas.

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Importante observar, também, o au-mento crescente e sistemático do número de parlamentares milionários. Este ano foram eleitos 248 parlamentares desse grupo. Em 2006 eles somavam 165 depu-tados, número que se expandiu para 194, em 2010. Quando analisados os partidos, o PMDB é partido que reúne o maior núme-ro de milionários, com 39 candidatos elei-tos. O PSDB vem em segundo, com 32 de-putados. PT e PDT são os partidos que tem o menor número de parlamentares nesta categoria, com 13 e 11, respectivamente.

Neste contexto, os trabalhadores e trabalhadoras em geral devem redobrar a atenção nas movimentações do Con-gresso, pois se por um lado os mandatos comprometidos com pautas conservado-

ras aumentaram, por outro, os mandatos considerados populares e vinculados às bandeiras democráticas, progressistas e de esquerda, reduziram sua presença no parlamento, a exemplo da bancada sindi-cal, que viu seu número de representan-tes cair praticamente pela metade -- de 83 para 47 deputados federais.

Os números da próxima legislatura reforçam o fato de que a renovação pura-mente de nomes não significa nenhuma garantia de avanço político, e, neste caso, podemos afirmar que as eleições 2014 produziram um Congresso com o maior número de novatos, pelo menos desde 1998, porém com posições e ideias retró-gadas e atrasadas, caracterizando a cha-mada renovação conservadora.

Apesar do Partido dos Trabalhado-res ter conquistado de forma inédita um quarto mandato consecutivo no governo central do país e o conjunto de partidos que integram a base governista ter con-quistado na Câmara Federal um percen-tual muito próximo aos obtidos na elei-ção de 2010, e no Senado um número superior a 3/5 da Casa, isso não significa dizer que o governo terá vida fácil.

Do ponto de vista formal, a base permite ao governo da presidenta Dilma números suficientes para aprovar todos os projetos e proposições de seu interes-se, como por exemplo, as reformas estru-turais. Entretanto, a vida real do governo no Congresso indica que a próxima legis-latura será de tempos difíceis. Em suma,

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podemos afirmar que a depender estritamente do Congresso, a presi-denta Dilma terá imensas dificulda-des para implementar o programa eleito pela maioria do povo brasilei-ro nestas eleições.

Ora, mas se os partidos que compõem a atual base parlamentar do governo, participando e ocupan-do espaços consideráveis na má-quina governamental, juntos, con-quistaram maioria parlamentar, por que o governo não terá maioria para aprovar os temas que considera fun-damentais para a implementação do seu programa? Obviamente que este problema não reside apenas em uma causa, mas sem dúvida alguma, dia-loga com o atual modelo da política de alianças que predomina no país, o qual produz maiorias parlamentares sem ne-nhum lastro programático, nem mesmo acordos pontuais, com posições políticas e ideológicas muitas vezes antagônicas. Esse modelo responde em grande medi-da pela conformação de uma base par-lamentar tão inconsistente, pulverizada, que cumpre mais o papel de obstaculizar os governos e os seus possíveis avanços, do que servir de base de sustentação.

É justamente este modelo de alian-ças assentado em um pragmatismo des-medido e oportunista o responsável pelo aumento da fragmentação partidária, do enfraquecimento das instituições parti-dárias e em grande medida pelo rebaixa-mento programático e político dos pro-cessos eleitorais. Saímos do atual quadro de 22 partidos com representação no Congresso, para 28, além de se verificar a redução dos grandes partidos, o cres-cimento dos médios e a proliferação dos pequenos e nanicos, muitos deles legen-das de aluguel, criadas com único obje-tivo de abocanhar o fundo partidário e acessar o horário eleitoral gratuito.

Os efeitos desse modelo geram um tipo de esquizofrenia política, uma vez que as alianças entre partidos acabam elegendo, em uma mesma coligação, tan-to candidatos identificados com pautas progressistas e de esquerda, quanto aque-les identificados com o que tem de mais conservador e reacionário. Aliás, este fe-nômeno é cada vez mais comum de ser identificado dentro da grande maioria dos partidos, encontrando-se facilmen-te parlamentares defensores dos direitos humanos, da democratização da terra, dos meios de comunicação, da ampliação dos mecanismos de participação direta e do financiamento público das eleições e por outro lado, aqueles que defendem a diminuição da maioridade penal, o au-mento da repressão contra pobres e ne-gros nas periferias, defensores e pratican-tes de atitudes homofóbicas, machistas e racistas, de um modelo agrário assentado na grande propriedade, do financiamento privado empresarial de campanha, além de árduos defensores dos monopólios nos meios de comunicação.

Isto tudo, somado à interferência do poder econômico nos partidos e pro-cessos eleitorais, resulta neste quadro descrito acima, de diminuição progres-

siva dos mandatos de caráter mais popular no Congresso e de avanço dos mandatos comprometidos com o que há de mais atrasado e retróga-do na política nacional.

O PT, demais partidos de es-querda, entidades e organizações sociais, e a própria presidenta Dil-ma, têm apontado para a necessida-de de realizar uma reforma política para enfrentar os problemas que distorcem e restringem a democra-cia brasileira. O fim das alianças proporcionais, bem como o fim do financiamento empresarial tem sido algumas das medidas a serem al-cançadas.Mas nos parece também fundamen-

tal considerar o esgotamento do atual modelo de governabilidade assentado exclusivamente no parlamento, na dita governabilidade Congressual. Um gover-no de caráter progressista e democrático, eleito com base em compromissos com o aprofundamento das mudanças, não deve apostar a sua sustentação justamente em um espaço que é altamente conservador e refratário a quaisquer medidas que signi-fiquem avanço destas mudanças.

Se considerarmos que várias ban-deiras tipicamente da direita mais rea-cionária e antidemocrática ganharam mais espaço na sociedade, resultando em maior apoio eleitoral, vide a eleição de figuras representativas deste segmento, como Jair Bolsonaro (PP-RJ), Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Marcos Feliciano (PSC--SP) e Alberto Fraga (DEM-DF), todos campeões de votos em seus estados, a consequência é maior ofensividade deles e das suas posições no parlamento.

Há que se considerar que no início de 2015 o Congresso brasileiro passa-rá por eleições de suas Mesas Diretoras. E no caso da Câmara Federal, as movi-mentações não são nada alvissareiras.

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O reacionário e oposicionista deputado evangélico do PMDB do Rio de Janeiro, Eduardo Cunha, oficializou a sua candi-datura à presidência da Câmara. Cunha é o principal líder de um grupo de deputa-dos conhecido como “blocão”, responsá-vel por diversas derrotas do governo em votações. Financiado por empresas que vão desde o ramo de mineração, bancos, bebidas, taxi aéreo e setor de telecomuni-cações, teve uma das campanhas a depu-tado mais caras do Brasil.

As suas intervenções e proposições no parlamento, os seus projetos e rela-torias estão sempre bem sintonizadas com os interesses destas empresas e dos demais setores privados, destacando-se como o principal adversário do governo na aprovação do marco civil da inter-net, por exemplo. O seu lema oficial de campanha é: “parlamento independente, democrático e forte!” O seu maior “cabo eleitoral” é justamente outro colega de partido, o atual presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), o grande responsável pela derrubada, na Câmara, do decreto presidencial que ins-tituía a Política Nacional de Participação Social.

O fato é que Cunha, líder da banca-da do PMDB, o partido do vice-presidente da república Michel Temer, tem conquis-tado apoios com uma linha política de oposição ao governo Dilma. A sua candi-datura, que é um rompimento do acordo entre PT e PMDB, cumprirá um ótimo pa-pel aos opositores do governo. E caso elei-to, a situação pode ficar delicadíssima, pois o ambicioso Cunha tornar-se-á peça chave, extremamente útil aos interesses

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da direita brasileira, inclusive dos setores que defendem as posições mais reacio-nárias. O PT e o governo precisam com habilidade, com muita articulação inci-direm de imediato neste quadro, cons-truindo alternativas capazes de derrotar as pretensões de Cunha.

Caso isso não seja feito, inescapa-velmente, o governo ficará mais refém da direita e da sua carcomida política, mais vulnerável aos ataques e ao seu golpismo, nas suas mais variadas modalidades, re-duzindo a sua capacidade para avançar e realizar mudanças consistentes, perden-do progressivamente o seu capital políti-co e consequentemente apoio social. Es-tará desta forma, conformada a antessala para uma provável derrota e o fim deste ciclo da experiência petista no governo central do Brasil.

Diante de um cenário como este, de tamanha delicadeza, com um Congresso onde o conservadorismo tem avançado a cada eleição, acentua-se a necessidade de lançar mão de mais ousadia e de dar um salto qualitativo na construção de uma governabilidade de outro tipo, apoiada e sustentada também em outros pilares, como por exemplo na mobilização, na pressão popular, na ampliação e forta-lecimento da participação social, numa relação mais próxima e orgânica com os movimentos sociais. Passa também, pela adoção de uma nova linha política para o PT, capaz de orientar as suas bancadas parlamentares, no Senado e na Câmara a continuarem cumprindo com determi-nação a defesa de seu governo, contudo, sem abrir mão do seu protagonismo na luta política, ideológica e de ideias, dis-

putando cotidianamente os rumos do governo pela esquerda e orientando as suas lideranças no governo, a assumirem mais ativismo e iniciativa política, muito mais disposição para a luta programática e para o diálogo direto com a sociedade.

A formação de uma bancada de apoio ao governo com presença tão am-pla de partidos e parlamentares de centro e de direita; bem como a conformação de uma equipe ministerial tão heterogênea do ponto de vista político, programático e ideológico -- contando com alguns minis-tros até mais próximos do receituário tu-cano do que do programa petista ou mes-mo daquele defendido pela presidenta Dilma na última eleição -- aumenta con-sideravelmente a importância das banca-das petistas no Congresso. Isso significa dizer que os parlamentares do PT preci-sam assumir cada vez mais uma postu-ra protagonista, de ocupação sistemática da tribuna do parlamento, valendo-se da dimensão pública própria dos mandatos para se comunicar, politizar e mobilizar a sociedade, afim de enfrentar e debater os grandes temas nacionais, incidindo mais fortemente na agenda política da socie-dade. Essa é uma tarefa histórica que está colocada. Afinal de contas, se as banca-das petistas, não se posicionarem, sem vacilações, firmemente à esquerda, quem então nesta coalizão se posicionará?!

RUBENS ALVES é geógrafo e integrante da DNAE

WANDERSON MANSUR é  jornalista, militante da AE e do coletivo Intervozes

O PT e o governo precisam, com muita articulação, incidirem de imediato no quadro

sucessório da Câmara, construindo alternativas capazes de derrotar as pretensões de Cunha

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Radicalizar na luta POR DIREITOS

Iriny Lopes

Unificar a esquerda crítica que ajudou a reeleger Dilma passa pela pauta dos direitos humanos. Homologação de terras indígenas e quilombolas, luta por direito à cidade e as questões do campo, direitos das mulheres e LGBTs, enfrentamento ao racismo e democratização da comunicação

s eleições de 2014 contaram com a influência marcan-te e poderosa das grandes

corporações. O poder econômico jogou papel

preponderante, o que redundou na forma-

tação do Congresso Nacional de viés mais conservador desde o golpe militar de 1964. A estimativa é que a bancada rura-lista passará de 14 senadores para 16 e de 190 deputados para 257. Some-se a isso 55 parlamentares policiais ou ligados à área (dentre eles dois campeões de votos e com traços fascistas, como Jair Bolso-naro e Celso Russomano), que defendem a revisão no Estatuto do Desarmamento e a redução da maioridade penal, além de 52 evangélicos. Por outro lado, hou-ve expressiva redução na representação sindicalista (passando de 83 para 46), na de defensores de direitos humanos e de negros; as comunidades indígenas conti-nuam sem representantes.

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A presidenta Dilma Rousseff terá

que compor com setores diversos mas, sobretudo,

buscar nas ruas a força para fazer

as reformas que o país necessita

Será uma Legislatura tensionada, que exigirá do Executivo um diálogo permanente não só com o Parlamento, mas, principalmente com a sociedade civil, se não quiser ficar refém de bar-ganhas políticas e ameaças constantes à governabilidade. Nos próximos quatro anos, a oposição tentará, como foi feito no Paraguai, o chamado golpe institu-cional, auxiliado pelo Legislativo.

Para enfrentar esses desafios, a pre-sidenta Dilma Rousseff terá que compor com setores diversos mas, sobretudo, buscar nas ruas a força para fazer as reformas que o país necessita, saindo da armadilha montada pela oposição. Neste cenário conturbado, torna-se im-prescindível a luta pela reforma política, feita por uma Constituinte exclusiva e a regulação da mídia. São temas estrutu-rantes que definirão o futuro do PT, do projeto da esquerda e do país.

Pastas como a Justiça e as Comu-nicações são essenciais para dar início às reformas reivindicadas, assim como à homologação de terras indígenas e qui-lombolas, além da reforma agrária, sob domínio do MDA, mas que não avança.

Para manter a governabilidade, o governo Dilma precisará dos 54,5 mi-lhões de eleitores, que incluem a diversi-

dade do campo à esquerda e parte da so-ciedade beneficiada pelos governos Lula e Dilma nesses últimos 12 anos.

A despeito de todo bombardeio da mídia, a popularidade de Dilma alcançou a melhor marca desde outubro de 2013, ainda no rescaldo das manifestações de junho. Em pesquisa do Datafolha do início de dezembro, 42% dos brasileiros apontaram a gestão de Dilma como “boa ou ótima” e 33% como regular. Outros dados importantes e subestimados pro-positadamente pela Folha de São Paulo: os entrevistados consideram que o governo Dilma foi o que mais investigou e puniu corruptos. A pesquisa aponta ainda cer-ta fadiga da sociedade com o tema cor-rupção e também a percepção de que o governo tem punido os envolvidos em corrupção. Se em junho, o tema era o principal problema do país para 14%, agora apenas 9% prestam atenção nisso.

Dito isso, é preciso olhar os outros indicadores para posicionar parte da agenda que estará em disputa. Saúde e segurança são as maiores preocupações dos brasileiros.

Na Justiça há programas e secreta-rias capazes de guinar o governo à es-querda. A área de Segurança mostrou-se incapaz de ler e interferir na criminaliza-ção crescente de manifestantes, sobretu-do nos estados sedes da Copa do Mun-do, onde ocorreram protestos diversos desde 2013.

O apoio com recursos e contingen-tes do Exército e da Força Nacional de Se-gurança jogou para Dilma a responsabili-dade das prisões ilegais, do cerco às co-munidades populares, como o Complexo da Maré, e as consequências disso, como torturas e mortes. A pasta da Segurança Pública demonstrou uma incapacidade de tirar do governo federal a responsa-bilidade que diz respeito aos estados. Ao contrário, na campanha eleitoral, a pro-

posta de submeter todas as instituições policiais ao governo federal, além de ser um retrocesso constitucional, agravará ainda mais a situação. Qualquer desvio e ilegalidade nos governos estaduais passa-rá, a partir desse desenho, ser de fato res-ponsabilidade da Presidência da Repúbli-ca. Portanto, disputar internamente para evitar essa tragédia anunciada é tarefa do PT. Assim como tensionar para que as pastas da Justiça e da Comunicação fa-çam uma guinada à esquerda. Não fazê--lo agora, significa entregar para a oposi-ção uma possível eleição de 2018 e jogar por água abaixo um projeto de país que o PT construiu ao longo dos seus mais de trinta anos.

Unificar a esquerda crítica que aju-dou no segundo turno eleitoral passa pela pauta dos direitos humanos. Ho-mologação de terras indígenas e qui-lombolas, luta por direito à cidade e as questões do campo, direitos das mulhe-res e LGBTs, enfrentamento ao racismo e democratização da comunicação.

É possível dialogar com outras for-ças à esquerda, mas a agenda dos direi-tos humanos tem de ser verdadeira e inegociável. Os grupos, sobretudo os au-tônomos, não se rendem ao argumento da governabilidade. A sustentação que o PT deu aos dois governos Lula e a Dilma, sob a justificativa da governabilidade, não ajudou nos avanços necessários para evitar o crescimento da direita. Pelo con-trário. Ao não fazer a reforma política e a da mídia, fornecemos instrumentos potentes à oposição. Para sair da atual situação, teremos que contar com outros que não nós mesmos e radicalizar a luta, que facilita também ao governo ceder às pressões da esquerda. Chegamos a um ponto em que não existe meio termo. É possível e preciso avançar!

IRINY LOPES é deputada federal PT-ES

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O ÓDIO no horizonte

Lena Azevedo

A direita se movimenta virtualmente, na ocupação do imaginário, que em determinados momentos pode ser mais avassalador e fora de controle do que se imagina. O ódio nas ruas no segundo turno eleitoral e pós-eleição evidencia este perigo

O desenho de mo-bilização social que ganhou repercussão a partir de junho de 2013, com as grandes passea-

tas, o #VemPraRua contra os aumentos de passagem e a violência policial, demo-rou para ser compreendido.

Anos antes, um grupo de indígenas e pessoas diversas ocuparam o antigo prédio do Museu do Índio, chamada de Aldeia Maracanã, instalação na Tijuca que estava ameaçada de virar um enor-me estacionamento do novo estádio do Maracanã, em acordo com Eike Batista e o governo do Rio de Janeiro. Parte dessas pessoas esteve no Ocupe Cinelândia e ou-tras pela cidade.

O fluxo de movimentação desses grupos, surgidos nesse período em todos os cantos do país, é muitas vezes apre-sentado como tendo uma lógica hori-zontalizada, sem lideranças e qualquer intenção de disputar espaço na mídia. Relacionam-se às causas das chamadas minorias, ligadas aos direitos humanos e ao direito à cidade.

Tanto a esquerda partidária quanto a direita custaram a entender essa dinâ-mica dos coletivos, que não se posiciona e que não tem uma identidade fechada (o índio que está na Aldeia Maracanã, pode ser o mesmo que irá defender o aumento dos professores na ocupação da Assembleia Legislativa e assim por diante). É um sujeito político com ou-tras práticas, relacionadas a uma forma diferente de luta.

Enquanto a esquerda dividiu-se quanto aos manifestantes, parte apro-vando as manifestações, outras tentando encaixá-los -- principalmente aos black blocs -- na lógica das lideranças políticas da oposição, a direita compreendeu esse funcionamento e traçou uma estratégia para tirar proveito da insatisfação geral.

Focou no combate à corrupção, te ma que atrai a chamada classe média e criou uma série de perfis nas redes sociais, em 2013, a princípio semelhantes aos dos mo-vimentos autônomos, batendo na tecla anticorrupção.

A onda das multidões nas ruas foi incentivada pela mídia tradicional, principalmente a Rede Globo, que tem exercido a oposição mais que os parti-dos políticos e aposta no desgaste do governo.

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Passada a onda das manifestações, ficou mais fácil identificar os perfis usa-dos pela direita. Ao contrário dos movi-mentos autônomos, os perfis fakes têm um caráter unitário e totalizador.

Isso fica evidente nos eventos cria-dos para datas simbólicas, como o 7 de setembro, o Dia da Bandeira etc., em que o objetivo passa ser atacar a “corrupção no governo”.

O uso de certas datas para marcar “território de luta” é algo que perpassa a política partidária, tanto de direita como de esquerda. Embora nas ruas tais even-tos não tenham grande expressão, para a direita interessava colar no imaginá-rio da população uma posição anti-PT e atribuir ao partido a prática “inédita” da corrupção no país, com a ajuda valorosa da imprensa tradicional.

Houve uma paralisia e um bate-ca-beça na esquerda que permitiu à oposi-ção, sobretudo ao PSDB, avançar no anti-petismo com uso das redes sociais, crian-do centenas de robôs que cumpriram e ainda cumprem uma tarefa técnica den-tro dessa estratégia, que é replicar milha-res de vezes hastags contra o PT, o governo Dilma e Lula, associando-os à corrupção.

O PT demorou muito para responder aos ataques. Pode-se dizer que foi apenas com a chegada do Muda Mais que se con-seguiu reverter um quadro que estava con-taminando o processo eleitoral de 2014.

O site Muda Mais (com perfis no Twitter e no Facebook) deu argumentos aos que defendiam Dilma e mesmo para aquela parcela dos movimentos autôno-mos que não queria a vitória da direita.

Foi através do Muda Mais que se alcançou, por exemplo, a derrota de Si-las Malafaia, que desafiou o PT nas redes sociais. A reação petista, com auxílio da juventude autônoma que luta por direi-tos humanos, levou a hastag #MaisA-morMenosMalafaia ao topo dos assun-tos mais comentados. Foi TT (Trending Topic) mundial, o assunto mais comen-tado no Twitter.

O uso das redes sociais não é o único definidor de um resultado eleitoral, mas demonstrou ser imprescindível para a disputa com a direita, considerando, so-bretudo, que a mídia conservadora cum-pre também um papel na estratégia da oposição.

Um dos exemplos disso é que a mo-bilização que reuniu quase vinte mil pes-soas em São Paulo, contra a tentativa de golpe e em defesa de Dilma, logo após o resultado das eleições, não foi noticiada nos meios tradicionais, mas os 2,5 mil que pediam a volta dos militares e o impeach-ment da presidenta foi repercutido por essa imprensa como se fosse uma multidão.

A direita se movimenta virtualmen-te, na ocupação do imaginário, que em determinados momentos pode ser muito mais avassalador e fora de controle do que se imagina. O ódio nas ruas no se-gundo turno eleitoral e pós-eleição evi-dencia este perigo.

À esquerda é importante perceber que o fluxo dos movimentos autônomos não pode ser enquadrado, mas não há nada que impeça o avanço do diálogo.

Como no inferno de Dante, é preciso deixar as ilusões na porta, largar a práti-

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Manifestações de ódio e ignorância: direitistas queimando bandeira do PT nos protestos de junho de 2013 ... ... e pedindo o impeachment de Dilma e a volta da ditadura militar em dezembro de 2014

FÚRIA NA PAULISTA

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Manifestações de ódio e ignorância: direitistas queimando bandeira do PT nos protestos de junho de 2013 ... ... e pedindo o impeachment de Dilma e a volta da ditadura militar em dezembro de 2014

ca cristalizada das mobilizações tradicio-nais, abandonar o fetiche das lideranças e ir para uma franca conversa na “praça”, em que se discute o direito à cidade e ou-tros temas que mobilizam esses grupos.

Esse é um caminho horizontal, que pode apontar para um novo momento e adicionar outras forças na luta. A direi-ta continuará tentando, durante todo o segundo mandato de Dilma, usar meios ilícitos para derrubá-la. Entre os instru-mentos encontram-se as redes sociais. O fim do Muda Mais – que esperamos seja passageiro -- deixa uma avenida aberta para que a oposição avance com o anti-petismo e com as tentativas de golpe.

A disputa política é mais intensa nas redes. Por isso torna-se fundamen-tal o retorno do Muda Mais, que além de fornecer dados e ser um referencial na internet e no whatsapp, identificou centenas de robôs do PSDB e traçou es-

tratégias de comunicação a partir da mo-vimentação da direita na web.

O PT precisa ter em conta que a estratégia de comunicação da oposição foi eficiente e seguirá em ritmo intenso. Portanto, a rearticulação do Muda Mais deve estar presente dentro de um plane-jamento de comunicação, que não pode se restringir ao período eleitoral.

O ataque constante à Petrobras tam-bém sugere que, além do Muda Mais, o blog Fatos e Dados necessita voltar. O blog da Petrobrás foi criado para se contrapor ao discurso da mídia, que cumpria uma missão da direita: enfraquecer a empresa.

Quando surgiu, o Fatos e Dados trouxe informações relevantes que ante-ciparam e desmontaram boa parte do dis-curso da imprensa/direita. Posteriormen-te, o blog abandonou a sua função origi-nal e passou a fazer uma comunicação burocrática e atrasada, insuficiente fren-

te ao bombardeio sofridos pela Petrobras na mídia. Realinhar o Fatos e Dados à sua atribuição inicial, de se adiantar aos gol-pes sucessivos e fornecer subsídios que desmobilizem argumentos falsos vendi-dos como verdadeiros nas redes sociais e na mídia também é estratégico.

Afinal, não é à toa que a Petrobras surge como ponto de disputa em todas eleições desde Getúlio Vargas. As reser-vas de petróleo são alvo de cobiça trans-nacional e os ataques à instituição não cessarão. Portanto, além de reativar o valor crítico do Fatos e Dados, será ne-cessário pensar em outros instrumen-tos que mantenham a Petrobras viva o suficiente para enfrentar as poderosas forças que não desistirão de tentar pri-vatizá-la.

LENA AZEVEDO é jornalista, mora no Espírito Santo

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O site Muda Mais deu argumentos aos que defendiam Dilma e desmascarou ataques virtuais contra o governo, o PT e a esquerda

FÚRIA NA PAULISTA

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PARTIDO

niversários do PT são sem-pre momentos de come-moração para os petistas.

E não poderia ser dife-rente: são muitas as conquistas a celebrar.

E foram essas conquistas aquilo que mais reforçamos na resposta ao feroz ataque desfechado diuturnamente contra o nos-so partido pelas classes dominantes. Por isso, nos últimos anos, evitamos muitas vezes a reflexão sobre nossos limites e er-ros, o que abriria flancos para os ataques das elites que durante 500 anos governa-ram este país.

A comemoração de nossos 35 anos de história, todavia, ocorre num mo-mento especial. Vivemos a abertura de um novo ciclo político, que nos exige o enfrentamento de novos desafios. Fun-damental, nesse contexto, será nossa ca-pacidade de lançar um olhar autocrítico sobre as insuficiências e sobre os erros que cometemos até aqui. Isso vai permi-

tir corrigir rumos e ampliar ainda mais nossas conquistas, com o intuito de ele-var as massas trabalhadoras à condição dirigente, buscando uma mais justa dis-tribuição da riqueza e do poder político.

A convocatória do 5º Congresso Na-cional do PT, cuja segunda etapa é pre-vista para 2015, é bastante clara a respei-to da necessidade e importância de um balanço histórico mais apurado da nossa trajetória. Segundo a convocatória, “a ausência de um balanço aprofundado de nossa experiência de governo e de nossa presença na sociedade dificulta a cons-trução e continuidade de nosso projeto político. […] O Congresso deverá dedicar um espaço importante para analisar a si-tuação e as perspectivas do PT”.

Muitas, entretanto, são as dificul-dades que se impõem a esta tarefa. A começar por alguns traços que podemos considerar essenciais do petismo e que, de algum modo, respondem também por suas maiores qualidades. O PT des-

de o início se apresentou como um par-tido de massas e plural, aberto ao con-junto dos trabalhadores. Por isso, não poderia impor à classe uma ideia fecha-da. Ao contrário, o PT deveria ser – e de fato foi, como ainda é – a expressão da própria classe que pretende organizar e representar.

O lado ruim disso é que o PT nas-ceu e cresceu com certa aversão à teoria e com dificuldade de estabelecer defini-ções políticas sobre uma série de temas, evitando com isto prejudicar seu caráter de massas e composição plural.

Escrevia Emir Sader em 1988: “quase dez anos depois de sua fundação, as experiências acumuladas – e, princi-palmente, as exigências da posição con-quistada pelo partido – se adiantavam largamente às formulações conscientes. O PT não fazia a teoria de sua prática, depois de ter optado por não adiantar a teoria de uma prática que tinha ainda que desenvolver”.

ANOS

A comemoração de nossos 35 anos de história ocorre num momento especial. Vivemos a abertura de um novo ciclo político, que nos exige o enfrentamento de novos desafios. Fundamental, nesse contexto, será nossa capacidade de lançar um olhar autocrítico sobre as insuficiências e sobre os erros que cometemos até aqui

Carlos Henrique Menegozzo

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Encarar o fato de que o balanço do PT, para ser rea lizado, precisa ser tratado como desafio prático e coletivo, nos leva a dar passos importantes na reflexão sobre a própria concepção de partido que nos falta e que precisamos para elevar nossa capacidade prática e teórica como força organizada e projeto de poder

Definições teóricas e políticas sobre problemas com os quais o PT se defronta não implicam em restringir seu caráter massivo e plural. Mas devem partir – e isto é incontornável – de uma disposição autocrítica, decidida a reconhecer erros e limites. E também por isso balanços são tão dolorosos e difíceis.

Nas palavras de Gramsci, “o iní-cio da elaboração crítica é a consciência daquilo que é realmente, isto é, um ‘co-nhece-te a ti mesmo’ como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de tra-ços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicialmente, essa análise”.

A disposição autocrítica e melhores definições teóricas e políticas são certa-mente condições para o sucesso de um esforço coletivo de balanço histórico da nossa trajetória. Mas isso ainda não basta. Precisamos acertar a embocadura da refle-xão: não se trata de mero exercício acadê-mico, ou de sucessão de fatos, resoluções e personalidades. Realizar um balanço do PT implica em fazer perguntas à história inspiradas pelos desafios com os quais nos defrontamos agora; e abordando o PT não como fenômeno isolado, mas inserido num contexto social mais amplo.

Por sua vez, os temas que é preciso investigar, entendendo como foram tra-tados no PT para colher, assim, elementos para elaborações futuras, estão dados nas convocatórias do 5º Congresso – são eles, em resumo: concepção de socialismo, es-tratégia e organização partidária.

Necessária a estas investigações, sem dúvida, são as fontes históricas: memórias de militantes, arquivos e a bi-bliografia dedicada ao partido. Daí a im-portância do Centro Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação Perseu Abramo, responsável pela guarda, tratamento e disponibilização do patrimônio histórico do PT.

Dentre os temas, todavia, um deles merece atenção especial, pois engloba os demais. Trata-se das questões de organi-zação. Se em Marx e Engels encontramos princípios concretizados por Lenin numa concepção partidária; nossas referências estratégicas e programáticas, encontra-das sobretudo em Gramsci e Poulantzas, carecem de tal objetivação. Encarar o fato de que o balanço do PT, para ser rea-lizado, precisa ser tratado como desafio prático e coletivo, nos leva a dar passos importantes na reflexão sobre a própria concepção de partido que nos falta e que precisamos para elevar nossa capacidade prática e teórica como força organizada e projeto de poder.

Outro e último aspecto importan-te a se pensar quando se trata de fazer um balanço histórico do PT é o seguinte: o petismo é uma tradição bastante auto--referenciada e isso nem sempre ajuda quando se trata de fazer balanço.

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98 ESQUERDA PETISTA

PARTIDO

Surgido como alternativa ao socia-lismo de matriz stalinista e ao reformis-mo, o PT se situa numa tradição de socia-lismo democrático; mas tem dificuldade de reconhecer seus vínculos com essa tra-dição (devido, sobretudo, a sua dificulda-de de lidar com teorias), apresentando-se muitas vezes como uma absoluta novida-de histórica.

Daí a pergunta: será suficiente ao avanço do nosso projeto de poder um ba-lanço histórico que se restrinja ao PT? Dito de outro modo: será suficiente um balan-ço que se limite aos termos a partir dos quais o petismo define a si mesmo, apre-sentando-se como uma suposta novidade isolada na história? Um bom balanço deve extrapolar esses limites, reconectando o socialismo petista e sua estratégia demo-crático-popular às reflexões sobre socia-lismo, estratégia e organização partidária acumuladas na tradição socialista demo-crática em escala internacional.

E para ajudar na tarefa – de buscar elementos da história do PT, tanto quanto da tradição socialista democrática, e que são igualmente necessários a uma boa re-flexão sobre nossa trajetória e desafios fu-turos – oferecemos ao leitor uma breve se-leção bibliográfica. Tal seleção inclui ma-teriais não apenas sobre o PT e a esquerda na América Latina; mas também sobre os movimentos de oposição socialista demo-crática ao stalinismo em todo o bloco sovi-ético, e sobre as conquistas e problemas da experiência comunista na Europa Ociden-tal, entre tantos outros temas que precisa-mos resgatar neste momento de profun-das reflexões – nas quais, vale frisar, todo petista está convocado a contribuir.

CARLOS HENRIQUE MENEGOZZO - sociólogo, bibliotecário e especialista em arquivologia. Trabalha na Fundação Perseu Abramo, onde é responsável pelo arquivo histórico do Diretório Nacional do PT.

INDICAÇÕES DE LEITURA

REIS FILHO, Daniel Aarão. As revoluções russas e o socialismo soviético. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

POMAR, Wladimir. Rasgando a cortina. São Paulo: Editora Brasil Urgente, 1991.

CLAUDÍN, Fernando. A crise do movimento comunista. 2 ed. São Paulo: Editora Ex-pressão Popular, 2013.

DESGRAUPES, Pierre; DUMAYET, Pierre (Org.). Praga: quando os tanques avança-ram. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1968.

ANDERSON, Perry; CAMILLER, Patrick (Org.). Um mapa da esquerda na Europa Ocidental. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

RIBEIRO, Pedro Floriano. Dos sindicatos ao governo: a organização nacional do PT de 1980 a 2005. São Carlos: Edufscar, 2010.

MENEGOZZO, Carlos Henrique. Partido dos Trabalhadores: bibliografia comentada (1978-2002). São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2014.

MENEGOZZO, Carlos Henrique (Org.). Centro Sérgio Buarque de Holanda: guia de acervo. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009.

SILVA, Fabrício Pereira da. Vitórias na crise: trajetórias das esquerdas latino-america-nas contemporâneas. Rio de Janeiro: Ponteio, 2011.

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99ESQUERDA PETISTA

assamos 2014, ano da campa-nha eleitoral e da reeleição da

presidenta Dilma, da criação dos comitês e do Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva e Soberana pela Reforma Polí-tica, além de tantas outras atividades e mobilizações que envolveram a militân-cia dos partidos políticos e movimentos sociais da esquerda brasileira.

Em 2015 o ritmo será tão ou ainda mais intenso que 2014. Além do acirra-mento da luta de classes, da polarização política e da necessidade de intensificar as lutas e mobilizações sociais, 2015 também contará com intensos debates e disputas no âmbito de importantes

organizações políticas, entidades e mo-vimentos.

Teremos o 12° Congresso nacional da principal central sindical que organi-za a classe trabalhadora no Brasil hoje, a Central Única dos Trabalhadores. Te-remos os congressos das duas entidades nacionais do movimento estudantil, o 54º Congresso da União Nacional dos Es-tudantes (CONUNE) e o 41º Congresso da União Brasileira dos Estudantes Se-cundaristas (CONUBES). Teremos o 5º congresso do maior partido da esquerda brasileira: o Partido dos Trabalhadores; e também a 3ª Conferência Nacional da Juventude do PT. Entre outros, ocorrerá

também o 2° congresso da Articulação de Esquerda – tendência petista que com-pletará, em 2015, 22 anos de existência.

Os congressos são espaço de debate promovido pelas entidades, movimentos sociais e organizações partidárias, en-volvendo a respectiva militância e base social. Além de avaliar sua atuação e re-pensar aspectos político-organizativos, é nos congressos que são deliberadas as di-retrizes políticas e programáticas que irão nortear a ação destas organizações no pe-ríodo seguinte. Comumente, é também nos congressos onde se elege as direções, podendo ser tanto nacionais como esta-duais e municipais.

AGENDA

2015: DEBATE E LUTA 

Em 2015 o ritmo será tão ou ainda mais intenso que 2014. Além do acirramento da luta de classes, da polarização política e da necessidade de intensificar as lutas e mobilizações sociais, 2015 também contará com intensos debates e disputas no âmbito de importantes organizações políticas, entidades e movimentos

Adriele Manjabosco

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100 ESQUERDA PETISTA

A SEGUIR, UM RESUMO DE CADA CONGRESSO, SEGUINDO A ORDEM CRONOLÓGICA

AGENDA

A pauta do 2º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA (Instituto Cajamar, de 2 a 5/4/2015) inclui os seguintes temas: os desafios e propostas para o segundo mandato Dilma Rousseff, para a luta social, para a comunicação e cultura, para os governos/parlamentos estaduais e municipais, para as eleições 2016 e 2018; nossas propostas de reforma programática, estratégica e organizativa do Partido dos Trabalhadores; atuação e organização da Articulação de Esquerda. Nas etapas municipais, estaduais e nacional do 2º congresso também serão eleitas as respectivas e comissão de ética.

8ª CONFERÊNCIA NACIONAL SINDICAL DA AE (Instituto Cajamar, 02, 03, 04 e 05 de abril de 2015) Será antecedida das etapas estaduais, que devem ser realizados no mês de março de 2015. A pauta será a mesma da etapa nacional, além de eleger as respectivas coordenações estaduais sindicais. A pauta nacional tratará da conjuntura internacional e nacional; movimento sindical, movimentos sociais, PT e governo; balanço, concepção e organização do setorial sindical da AE; d) 12º CONCUT; e) eleição da nova Coordenação Nacional;

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101ESQUERDA PETISTA

O CONGRESSO DA UNE está previsto para mês de junho de 2015. O ponto de partida será o Conselho de Entidade Gerais (CONEG), previsto para março. O CONEG, que reúne DCE´s, UEE´s e Executivas

de Curso, deverá convocar, definir a data, o local e o tema do CONUNE. Provavelmente em abril e maio os

estudantes elegerão seus delegados e delegadas ao CONUNE.Espera-se que este CONUNE venha acompanhado de um amplo

processo de debate e mobilização da militância estudantil. Tal processo deve atualizar a plataforma de lutas da entidade, contemplando desde pautas educacionais tais como a avaliação da expansão do ensino superior, a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), a assistência estudantil e a reforma universitária, como também pautas que vem sendo encampadas pelo conjunto dos movimentos sociais e juvenis, tais como a democratização da mídia e a reforma política. Além disso, o CONUNE será um espaço oportuno para avaliar as últimas gestões da entidade, repensar seus métodos e estrutura organizativa.

A plenária nacional do 5º CONGRESSO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (Salvador, 11 a 14/6/ 2015)

será dedicada a dois temas: estratégia e conjuntura (situação

nacional e internacional, desafios do 4º governo) e organização partidária (mudanças estatutárias e modelo de organização do partido).

O congresso do PT pretende ser um amplo espaço de mobilização, organização partidária e debate estratégico de um programa democrático, popular e socialista para o Brasil. Para isso o congresso tem a perspectiva de envolver o conjunto da militância petista, filiados e não filiados, movimentos sociais, intelectualidade democrática e juventude.

AGENDA

ADRIELE MANJABOSCO é dirigente da UNE

O 3° CONGRESSO NACIONAL DA JUVENTUDE DO PT também está marcado

para 2015. As etapas municipais e estaduais,

assim como a data da plenária nacional do Congresso da JPT serão definidas pela Direção Executiva Nacional da JPT, em reunião a ser realizada ainda no mês janeiro de 2015. Nas etapas do congresso serão eleitas as direções municipais, estaduais e nacional da juventude, além dos respectivos secretários.

O ConJPT deverá envolver o conjunto de jovens militantes, simpatizantes, filiados/as e não filiados/as ao partido. Além de avaliar as atuais gestões das secretarias da JPT, o governo Dilma e as políticas de juventude, a perspectiva é sobretudo debater como dar organicidade a militância que foi as ruas eleger nosso projeto.

O 12° CONGRESSO DA CUT (São Paulo, de 13 a 16/10/2015) começa nos meses de março e

abril, com seminários para debater a política econômica, a reforma política, a democratização dos meios de comunicação e os governos estaduais. Em setembro haverá nova rodada de debates sobre conjuntura, estratégia, plano de lutas, reformas estruturais, condições de trabalho, organização sindical, entre outros temas.

O 12º Congresso da CUT tem como objetivos mobilizar a classe trabalhadora e o sindicalismo cutista; fortalecer a organização sindical e sua capacidade de intervenção na defesa dos interesses históricos e imediatos da classe trabalhadora; fortalecer as relações da CUT com os movimentos sociais e com a juventude, visando a luta por reformas no país.

O 41° CONGRESSO DA UBES (previsto para 12 a 15/11/2015) será

convocado por um Encontro de Grêmios,

que até o momento está previsto para setembro. Assim como no Congresso da UNE, os delegados serão eleitos na base, neste caso nas escolas.

Esperamos que o próximo CONUBES debata qual modelo de educação deve ser defendido pelo movimento secundarista, que reformas são necessárias no ensino, além de pensar estratégias para o enraizamento da UBES nas escolas. Outro desafio será construir uma agenda política que contemple a atuação da UBES nas campanhas dos movimentos sociais, com destaque para os temas da reforma política e da democratização da mídia.

Como vimos, para além da grande luta política, a agenda de 2015 será de intenso debate.

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102 ESQUERDA PETISTA

Congresso Data Nacional  Local Etapas- Antecedentes

2°Congresso da AE 2, 3, 4 e 5 de abril Instituto Cajamar - SP  Municipais: janeiro, fevereiro e marçoEstaduais: março

8º Conferência Nacional Sindical da AE 2, 3, 4 e 5 de abril Instituto Cajamar - SP Estaduais: março

 5º Congresso do PT  11, 13 e 14 de junho  Salvador - BA Municipais: março e abrilEstaduais: maio

 54° Congresso da UNE junho (indicativo) GO, DF ou SP CONEG (indicativo): marçoEleição de delegados: março, abril e maio

 12° Congresso da CUT  13, 14, 15 e 16 de outubro  São PauloAssembleias dos Sindicatos: março e maio;

maio, junho, julho e agosto: Congressos Estaduais da CUT

40° Congresso da UBES  12, 13, 14 e 15 de novembro DF, GO, SP ou MG Encontro de Grêmios (indicativo): setembro

3° Congresso da JPT 2º semestre de 2015 A definir A definir

AGENDA

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APENAS R$ 5,00Peça o seu através do site

www.pagina13.org.br

A editora Página13 preparou um instrumento de agitação e propaganda para ampliar a mobilização, a organização e a conscientização da juventude!

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Torturadores e cúmplices identificados pela CNV

General Leônidas Pires Gonçalves * General José Nogueira Belham * General Carlos Xavier de Miranda * General Darcy de Matos * General Edson Sá Rocha * General Ernani Jorge Correa * General Gentil Nogueira Paes * General João Pinto Pacca * General Leo Etchegoyen * General Newton Cruz * General Nilo Caneppa da Silva * General Nilton Cerqueira * General Oscar Bandeira de Mello * General Ricardo Agnese Fayad * General Ruy de Paula Couto *General Samuel Alves Correa * General Sebastião Ramos de Castro * General Thaumaturgo Sotero Vaz * Vice-almirante Edmundo Herculano * Tenente-brigadeiro Jorge José de Carvalho * Brigadeiro Nereu Peixoto * Coronel Audir Maciel * Coronel Átila Rohrsetzer * Coronel Brilhante Ustra * Coronel Wilson Chaves Machado * Coronel Leo Frederico Cinelli * Coronel Sebastião Curió Rodrigues de Moura * Coronel Aluísio Madruga de Moura * Coronel Celso Lauria * Coronel Ney de Mello Meziat * Coronel Francisco Demiurgo * Coronel Gilberto Zenkner * Coronel Aníbal de Carvalho Coutinho * Coronel Antonio Cúrcio Neto * Coronel Armando Avólio Filho * Coronel Luiz Arthur de Carvalho * Coronel João Leivas Job * Coronel Herbert Curado * Coronel Homero Machado * Coronel Hugo Coelho de Almeida * Coronel José Nei Antunes * Coronel Luiz Valle Correia Lima * Coronel Murilo Alexander * Coronel Raymundo Ronaldo Campos * Coronel Rubens Paim Sampaio * Coronel Sebastião Alvim * Coronel Ydyno Sardenberg Filho * Coronel-aviador Gustavo de Oliveira Borges * Coronel-aviador Ferdinando Muniz de Farias * Coronel-aviador Leuzinger Marques Lima * Coronel-aviador Lúcio Valle Barroso * Coronel-aviador Miguel Cunha Lanna * Coronel PM Euro Barbosa de Barros * Coronel PM João Rodrigues Pinheiro * Coronel PM Luiz Ferreira Barros * Coronel PM Sebastião de Oliveira e Souza * Coronel PM Valter Jacarandá * Tenente-coronel José Brant Teixeira * Tenente-coronel Lício Ribeiro Maciel * Tenente-coronel Maurício Lopes Lima * Tenente-coronel Zuiderzee Nascimento Lins * Tenente-coronel PM Riscala Corbage * Capitão de mar e guerra Herculano Mayer * Capitão de mar e guerra Uriburu Cruz * Capitão de corveta Júlio Saboya Jorge * Major Innocêncio Fabrício Beltrão * Major Gastão Barbosa Fernandes * Major Rubens Robine Bizerril * Major José Montenegro de Magalhães Cordeiro * Capitão Areski Abarca * Capitão Attila Carmelo * Capitão Deoclécio Paulo * Capitão Dulene dos Reis * Capitão Jacy Ochsendorf * Capitão Jurandyr Ochsendorf * Capitão Roberto Duque Estrada * Tenente Jamil Jomar de Paula * Tenente José Conegundes do Nascimento * Tenente PM Tamotu Nakao * Subtenente Ubirajara Ribeiro de Souza * Cabo Marco Povolleri * Cabo Félix Freire Dias * Marcos Camillo Cortes, diplomata * Delegado Alcides Singilo * Delegado Aparecido Laertes Calandra * Delegado Ary Casagrande * Delegado Carlos Alberto Augusto * Delegado Carlos de Brito * Delegado Cláudio Guerra * Delegado David Araújo * Delegado Dirceu Gravina * Delegado Edsel Magnotti * Delegado Firmino Rodrigues * Delegado Marco Aurélio da Silva Reis * Delegado Pedro Seelig * Delegado Raul Nogueira de Lima * Delegado Redivaldo Acioly * Delegado Renato DAndrea * Delegado da PF João Lucena Leal * Delegado da PF Josecir Cuoco * Ailton Guimarães Jorge, ex-oficial * João Henrique Ferreira de Carvalho (Jota), informante * José Anselmo dos Santos (Cabo Anselmo), informante * Investigador Pedro Antonio Mira Grancieri

Processo criminal e cadeia neles * Cassação de títulos, honrarias e proventos