revistateologia ano 1 número 1

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Ano 1, Nº 1 Produzida por Pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil - Habacuque e a justificação pela fé — um tema central da Reforma em um estudo profundo. p. 48. - Hino Castelo Forte em dois arranjos, p. 44 - Hino Bênção da Irlan- da. p. 46 - Liturgia para Período do Advento. p. 66. - O pastor e sua vida devocional. p. 58. - A Reforma. p. 4. - 493 anos depois voltamos a Somente, p. 47. - Mistura Indigesta, p. 71.

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Revista Produzida por pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, em conjunto, com o objetivo de compartilhar material. Pode ser livremente copiada e distribuída desde que citada a fonte e os autores.

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Page 1: RevistaTeologia ano 1 número 1

REFORMA Luterana: 493 anos

Ano 1, Nº 1Produzida por Pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

- Habacuque e a justificação pela fé — um tema central da Reforma em um estudo profundo. p. 48.

- Hino Castelo Forte em dois arranjos, p. 44- Hino Bênção da Irlan-da. p. 46- Liturgia para Período do Advento. p. 66.

- O pastor e sua vida devocional. p. 58.- A Reforma. p. 4.

- 493 anos depois voltamos a Somente, p. 47.- Mistura Indigesta, p. 71.

Page 2: RevistaTeologia ano 1 número 1

EXPEDIENTEPublicação mensal de pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) não oficial. Tem como propósito divulgar textos teológicos/pastorais, inéditos ou não, produzidos por pastores da IELB, recuperar textos teológicos escritos no passado e que não estão disponíveis na Internet, divulgar de forma mais abrangente a teologia evangélica luterana confessional e a reflexão teológica na IELB, e ser uma ferramenta prática para as atividades ministeriais em suas diferentes áreas. Os conteúdos são de responsabilidade dos seus autores.

Colaboradores desta edição:Comissão de Culto; David Karnopp; Dieter J. Jagnow; Edson R. Tressmann; Egon M. Seibert; Jarbas Hoffimann; Lindolfo Pieper; Luisivan V. Strelow; Marcos Schmidt; Márlon H. Antunes.

Imagens:As imagens usadas nesta publicação são de livre acesso na Internet. Caso contrário aparecerá, ao lado da imagem, a referência ao seu autor.

Coordenadores:Rev. Dieter Joel Jagnow (editor)Rev. David KarnoppRev. Jarbas HoffimannRev. Mário Rafael Yudi FukueRev. Waldyr Hoffmann

Diagramador:Rev. Jarbas [email protected]

Bloguehttp://www.revistateologia.blogspot.com

Twitter@revistateologia

Colaborações:Os textos a serem publicados na revista devem ser enviados ao editor

Contato/Editor:[email protected]

Leitura na Internet:www.scribd/revistateologia

A revista Teologia&Prática é uma iniciativa de pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Ela não tem caráter oficial. Seu objetivo básico é coletar e compartilhar bimestral-mente, de forma organizada, via Internet, textos teológicos/pas-torais, inéditos ou não, produzidos por pastores da IELB e que regularmente circulam em listas da Igreja. Além disso, procura recuperar textos teológicos escritos no passado e que não estão disponíveis na Internet. Um objetivo subjacente é a intenção de divulgar de forma mais abrangente a teologia evangélica lute-rana confessional e a reflexão teológica na IELB. Além de pos-sibilitar a reflexão teológica, a revista quer ser uma ferramenta prática para as atividades ministeriais em suas diferentes áreas.

Critérios1. A produção da revista é coordenada por voluntários. Um (ou mais) editor

é responsável para que exista um mínimo de organização na diferentes fases do processo.

2. A revista é fechada em PDF e carregada em um depósito da Internet, de onde poderá ser baixada livremente.

3. A revista tem circulação bimestral. Não há um número fixo de páginas.4. Um blogue serve de apoio para as edições, a fim de possibilitar a sua

divulgação pelos mecanismos de busca da Internet.5. A revista é aberta a todos os pastores da IELB interessados em compar-

tilhar seus textos (meditações, estudos homiléticos, sermões, resenhas, ensaios, etc.), inéditos ou não. Cada autor é responsável pelo seu texto (doutrinária, gramática e ortograficamente). Os textos devem ser enviados ao editor.

Nota: O editor pode recusar — ou solicitar que seja revisado — algum texto, caso julgue que ele afronte a doutrina da IELB. Para tanto, se neces-sário, conta com voluntários para a avaliação. Não serão utilizados textos de conteúdo político-partidário, que promovam o ódio ou a discriminação ou que firam os princípios e valores da Igreja.

6. A publicação dos textos enviados não é imediata. Existe uma tentativa de se ter variação de conteúdos em uma edição e em edições subsequentes. O editor informa ao autor a situação de cada texto recebido.

7. Há uma pauta mínima, no sentido de se buscar conteúdos que de alguma forma abordem questões pontuais (exemplo: Reforma, eleições, Natal). A pauta completa é determinada de acordo com as colaborações recebidas, conforme a ordem de chegada.

8. O organograma de produção é este: a) Lançamento: até o dia 25 do segundo mês da edição b) Preparação / Diagramação: do dia 1 ao dia 20 do segundo mês da edi-

ção c) Recebimento dos textos: até o dia 20 do primeiro mês da edição

e-mail: [email protected]: http://revistateologia.blogspot.comtuíter: http://twitter.com/revistateologia

ApresentAção dA revistA

eletrônicA teologiA & práticA

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História da Reforma, p. 4

- 493 anos depois, voltamos ao Somente, p. 47- Liturgia para o Período de Advento 2010, p. 66- Lutero e os caminhos da liberdade, p. 40- Lutero prega sobre o ministério pastoral, p. 38- Mistura Indigesta, p. 71- Música Bênção da Irlanda, p. 46- Música Castelo Forte, p. 44- Sermão sobre o Hino Castelo Forte, p. 42- Todos os Santos, p. 41- Um Tesouro desenterrado na Reforma, p. 70

Habacuque e a justificação pela fé, p. 48

O pastor e a vida devocional segundo Martinho Lutero, p. 58

Graça, lei e evangelho, p. 20Indulgências, p. 8

A Importância dos Hinos de Lutero, p. 30

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4 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

No dia 31 de outubro come-moramos o dia da Refor-

ma. Por isso, aproveitando a oca-sião, queremos usar este espaço para falar um pouco sobre a Reforma Protestante, o grande acontecimen-to que despertou a atenção de todos no século 16.

A Reforma é, depois do adven-to do Cristianismo, o maior acon-tecimento da história. Partindo da religião, a Reforma deu um podero-so impulso a todo movimento pro-gressista e tornou o protestantismo a força propulsora na história da civilização.

Por causa do seu conteúdo e concisão, na elaboração deste traba-lho valemo-nos em parte como fon-te de pesquisa do livro O Homem e o Sagrado, da Editora ULBRA.

1. Os precursores da Reforma

Durante a Idade Média, muitas pessoas se levantaram contra os er-ros da igreja. São os assim chamados precursores da refor-ma. Mas o mundo não estava preparado para recebê-los, de modo que foram reprimidos com violentas per-seguições, sendo na maioria queimada no fogo como hereges.

Basicamente, esses movimentos se opu-

nham contra a excessiva autoridade do papa, a supremacia da tradição sobre as Escrituras, a imoralidade do clero (celibato), a adoração das imagens, a doutrina do purgatório e a negação do cálice aos leigos.

O trabalho desses precursores serviu para pavimentar o caminho para a Reforma Protestante no sé-culo 16, cujo grande líder foi o dou-tor Martinho Lutero.

2. Causas da Reforma

Houve vários fatores que contri-buíram para que a Reforma aconte-cesse, como políticos, econômicos, intelectuais e religiosos.

A igreja teve grande força políti-ca na Idade Média, mas no final des-se período começou a perder o seu prestígio. O papado perdeu credi-bilidade com o cisma do Ocidente, com a transferência da sua sede para Avignon e a influência do monarca francês nas decisões da igreja.

Neste contexto surgiram perso-nagens que atacaram a autoridade

religiosa, que foram chamados de here-ges e condenados à fogueira, como Sa-vanarola, Wicliff e João Huss.

Nesse período a igreja vivia uma grande crise in-terna. Os papas se preocupavam mais

com as questões administrativas do que com a fé. Eles eram acusados de nepotismo e corrupção, de empre-gar parentes e de tirar dinheiro do povo para financiar obras de artes e campanhas militares. Papas como Júlio II e Leão X tiveram uma ex-cessiva preocupação com questões materiais, favorecendo assim a cor-rupção reinante entre muitos sacer-dotes.

Os abusos cometidos por gran-de parte do clero foram outra causa da Reforma. As riquezas da igreja faziam com que homens, sem a ver-dadeira vocação religiosa, pensando apenas nos lucros, seguissem a car-reira sacerdotal. Assim sendo, pra-ticavam coisas censuráveis, como a venda de relíquias, o comércio de cargos, a simonia, a imoralidade e o abandono do celibato.

A invenção da imprensa pelo cientista alemão João Guttemberg, em 1455, favoreceu a difusão da Bí-blia, um livro que havia desapareci-do na época.

O movimento conhecido como Renascença despertou o interesse pela literatura clássica, pelo gre-go, latim e pelo hebraico, levando o povo a investigar os verdadeiros fundamentos da fé, independente dos dogmas da igreja.

O espírito crítico dos humanis-tas fez com que muitos não aceitas-sem ideias religiosas que não tives-sem uma base literal nas Escrituras Sagradas.

A História daRev. Lindolfo Pieper

REFORMA

Houve vários fatores que

contribuíram para que a Reforma

acontecesse, como políticos, econômicos,

intelectuais e religiosos.

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Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 5

O Humanismo, que foi um bra-ço da Renascença, se espalhou ra-pidamente, formulando críticas à igreja e exigindo reformas radicais. Este estado de espírito preparou o terreno para as teses de Martinho Lutero.

Porém a causa determinante que levou Lutero a reformar a igreja foi espiritual: o desvio da igreja dos ensinamentos das Escrituras Sagradas, especialmente no que dizia a respeito à sal-vação do homem. E o estopim foi a venda do perdão dos peca-dos, ou a assim chamada Questão das Indulgências.

Mesmo sendo professor univer-sitário, Lutero continuou cuidando da sua paróquia em Wittemberg. À medida que ia estudando a Bíblia, o Espírito Santo foi lhe revelando o Evangelho.

Certo dia, ao meditar no Salmo 22, depois em Romanos 1 e 3, reco-nheceu que a graça é um presente de

Deus. Jubiloso, excla-mou: “Fiquei alegre. Abriu-se-me assim toda a Escritura Sa-grada e o próprio céu”.

Notou então o quanto a igreja ha-via se afastado do

Evangelho. A igreja do Castelo de Wittemberg, por exemplo, possuía 19 mil relíquias, colecionadas pelo eleitor Frederico o Sábio. Algumas delas eram supostamente pedaços de madeira da manjedoura de Jesus, espinhos da coroa da cruz de Cris-to e uma pena da cauda do Espírito Santo. Ensinava-se que o culto pres-tado em tais igrejas reduzia as penas no purgatório.

purgatório irá sair”.Vários clérigos criticaram a ati-

tude do papa em cobrar dinheiro pelo perdão dos pecados. Entre es-tes estava Lutero, que divulgou 95 teses, atacando o comércio das in-dulgências, afixando-as na porta da igreja de Wittemberg no dia 31 de outubro de 1517. Muitos intelectu-ais e religiosos aderiram às preposi-ções de Lutero. A nobreza e o povo também.

Em 1520 o papa expeliu uma bula, ameaçando-o de excomunhão caso não se retratasse. Lutero quei-mou a bula papal em praça pública, proclamando ser a Sagrada Escritu-ra a única autoridade em questões de fé e conduta cristã.

Em 1521 Lutero foi intimado pelo imperador Carlos V a compa-recer à Dieta de Worms, a fim de se retratar. Lutero, porém, não se retratou, fazendo na ocasião uma memorável declararão diante do imperador: “A menos que eu seja convencido pelo testemunho das Sa-gradas Escrituras e por se achar pre-sa a minha consciência pela Palavra de Deus, não posso e nem quero me retratar de coisa alguma, porque não é seguro e nem aconselhável proceder contra a consciência. Aqui estou. Que Deus me ajude. Amém”.

o estopim foi a venda do perdão dos pecados, ou a assim

chamada Questão das Indulgências.

Tão logo o dinheiro no cofre cair, a alma do purgatório

irá sair.

Lutero e Luteranismo

3. Martinho Lutero

Lutero nasceu no dia 10 de no-vembro de 1483 em Eisleben, pro-víncia da Saxônia, na Alemanha. Es-tudou em Mansfeld, Magdeburgo e mais tarde em Eisenach. Com 17 anos de idade ingressou na Univer-sidade de Erfurt.

Durante os estudos em Erfurt, Lutero começou a ter conflitos de consciência, que o levava constante-mente a se perguntar: “Como con-seguirei a misericórdia de Deus?” Regressando, certo dia, para casa, foi surpreendido por uma grande tempestade. Lutero refugiou-se na floresta. Subitamente um violento raio caiu perto dele, partindo uma árvore pelo meio. Apavorado, Lute-ro prometeu se tornar monge, caso Deus lhe poupasse a vida.

Lutero ingressou no mosteiro em 1505. Dois anos depois foi or-denado sacerdote. Em 1512 foi con-tratado para ser professor da uni-versidade de Wittemberg, ocasião em que também recebeu o título de doutor em teologia.

4. Indulgências

O papa Leão X, amante das ar-tes, queria terminar a construção da basílica de São Pedro. Para angariar fundos, intensificou a venda das in-dulgências.

O dominicano João Tetzel foi o que mais se destacou na venda de indulgências. Sua vin-da a uma cidade era anunciada com uma grande pompa. Tet-zel erguia um crucifi-xo na praça e pregava sobre os horrores do purgatório. Depois oferecia suas indulgências, dizendo: “Tão logo o dinheiro no cofre cair, a alma do

Por causa dessa sua atitude, Lute-ro teve que se refugiar no Castelo de Wartburgo, onde traduziu a Bíblia para o alemão moderno e escreveu

vários outros livros.Devido às ques-

tões políticas, o impe-rador deixou Lutero trabalhar em paz por algum tempo. Mas em 1529, Carlos V

resolveu convocar a Dieta de Espi-ra, onde foi decidido tolerar o lute-ranismo apenas onde ele já estivesse

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6 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

sido implantado e impedir a sua propagação para outros territórios. Os luteranos se rebelaram contra essa decisão, passando a partir daí a serem chamados de protestantes.

Desejando restabelecer a unida-de cristã em seus domínios, Carlos V convocou no ano de 1530 a Dieta de Augsburgo, solicitando aos lute-ranos que elaborassem por escrito a sua doutrina, a fim de se tentar uma reconciliação com os católi-cos. Como Lutero estava proscri-to, encarregou Filipe Melanchton a executar essa tarefa. Melanchton redigiu um documento contendo 28 artigos, o qual foi chamado de Confissão de Augsburgo, que é ain-da até hoje a confissão básica dos luteranos.

Não foi possível uma conciliação entre católicos e luteranos. Carlos V resolveu então sufocar a rebelião com a utilização das armas. A guerra

civil entre católicos e protestantes se estendeu durante 20 anos.

Em 1555, porém, com a assina-tura do documento Paz de Augsburgo, os protestantes ob-tiveram a liberdade religiosa.

A inquietação religiosa não se li-mitou exclusiva-mente à Alemanha. Em pouco tempo a Reforma se esten-deu por toda a Europa. Quando Lutero morreu, em 1546, as suas ideias haviam sido completamente difundidas em todo mundo.

se alcança apenas por meio da fé; só mediante a graça de Deus é possível se chegar à fé.

Além disso, Lutero reduziu os sacramen-tos, em número de sete, para apenas dois: Batismo e Santa Ceia. Simplificou o culto, passando a ser cele-brado na língua local e não mais em latim.

Lutero decretou o fim da veneração aos

santos. Em seu lugar propôs a me-ditação e a leitura da Bíblia. Aca-bou também com a ociosidade dos monges, transformando os mostei-ros em escolas.

Com o fim da hierarquia ecle-siástica, os sacerdotes se tornaram iguais aos demais fiéis, restando--lhes apenas o papel de guias espi-rituais.

três grandes princípios: a Bíblia

é a única fonte de fé; a salvação se alcança apenas por meio da fé; só mediante a graça de Deus é possível se

chegar à fé.

Lutero e Luteranismo

5. Bênçãos da Reforma

Os ensinamentos de Lutero se baseiam em três grandes princípios: a Bíblia é a única fonte fé; a salvação

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Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 7

Outras bênçãos da Reforma são: a liberdade de pensamento, o livre exame das Escrituras e a valoriza-ção do indivíduo, do trabalho e da família.

fessional, respeito à consciência, ética, desenvolvimento social e pro-gresso científico.

Lutero, ao reformar a igreja, não tinha nenhuma intenção de fundar uma nova igreja. Sua preocupação era unicamente chamar a atenção dos líderes religiosos para os erros doutrinários que eles vinham co-metendo e reformar internamente a igreja. Queria uma igreja como era nos tempos bíblicos, voltada à Bíblia, fundamentada sobre Cris-to, pregando o amor e perdoando o próximo.

Mesmo não querendo dividir a igreja, isso acabou acontecendo. Os líderes religiosos da época, em vez de admitir os erros da igreja, julga-ram que Lutero era um falso mestre e o excomungaram da igreja. Fora da própria igreja, Lutero só viu uma maneira de continuar com a Refor-ma: criar uma nova comunidade re-

ligiosa.Hoje, a Igreja Luterana encon-

tra-se espalhada pelos cinco conti-nentes da terra. Espalhou-se pela Europa, caminhou para os Estados Unidos e mais tarde para outros paí-ses, chegando à América Latina e ao Brasil no final do século dezoito.

A principal característica da Igre-ja Luterana é a fidelidade à Bíblia e a pregação cristocêntrica. A Igreja Luterana confessa e ensina que a Bíblia Sagrada é a clara, pura e infa-lível palavra de Deus; e que Cristo é o único caminho para se chegar a Deus, que só por meio da fé em Cristo é possível alcançar o céu.

Sejamos gratos a Deus por per-tencermos à Igreja Luterana e haver-mos herdade esse tão valioso legado, que são os ensinos do Reformador, doutor Martinho Lutero.

6. Luteranismo

Muitos países aderiram ao movi-mento iniciado por Lutero, como a Alemanha, a Finlândia, a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, a Boêmia, a Morávia, a Inglaterra, a Escócia, a Holanda, a Suíça e, em parte, a França, a Áustria e a Hungria.

A Reforma provocou também uma reforma na Igreja Católica. O Concílio de Trento procurou pôr ordem na casa. Muitos admitem que, provocando a Contra-Refor-ma, Lutero tenha salvado a própria Igreja Católica.

Em virtude da Reforma, surgiu na Europa uma nova ordem social caracterizada pelo pluralismo con-

Rev. Lindolfo Pieper - Jaru-RO pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

Page 8: RevistaTeologia ano 1 número 1

INDULGÊNCIAS

8 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

Introdução

Sem dúvida um dos fatos mais marcantes da história da Reforma é o que se comemora

no dia 31 de outubro: a afixação das 95 teses na porta da igreja do castelo de Witenberg.

O fato de que Lutero nesta época quereria reformar a igreja nas proporções que depois aconteceu é impro-vável. Mas ele não estava satisfeito com os rumos que se dava à Igreja. Por isso resolveu promover um debate para esclarecer a questão.

Este estudo analisa as 95 teses de uma forma sim-ples: olhando o teor das mesmas. Depois, olha nova-mente para as teses, mas agora no ângulo de um sermão de quase um ano depois. E por fim traz um pouco do pensamento que se pode captar de um escrito de Lute-ro sobre Daniel. Este escrito data de 1520.

Há uma ressalva quanto às notas. Já que o material usado faz parte de uma mesma coleção as nossas que aparecem neste trabalho são bem diretas. Mostram a página, o volume de que procedem e, quando há, o pa-rágrafo (§) onde se encontra na página.

1. As 95 Teses

1.1. Uma HistóriaA melhor formulação histórica para o pano de fun-

do das 95 teses é encontrada junto a estas. Na intro-dução desse do-cumento. Que é encontrado no vo-lume um das obras de Lutero publi-cado pela Editora Concórdia.

A data do do-cumento é bastan-te conhecida. É “31 de outubro de 1517”1. E, segun-do a introdução, as 95 teses não “tinham a inten-ção de deflagrar um movimento”2.

1. 1 v. 1, p. 21.1. 2 v. 1, p. 21.

Tinha apenas a intenção de esclarecer sobre as indul-gências.

“A indulgência está relacionada ao Sacramento da Penitência. Na Penitência, esperavam-se o ar-rependimento do pecador, a confissão na presença de um sacerdote, a absolvição e a satisfação impos-ta. Na satisfação, o pecador deveria fazer repara-ção ou expiação por causa do castigo que o pecado acarretava. Era opinião corrente que o pecado não só acarretava culpa, mas também castigo. Esse cas-tigo deveria ser assumido aqui na terra ou expiado no purgatório. Na Alta Idade Média e na Idade Média Tardia desenvolveram-se, em conexão com o Sacramento da Penitência e com o surgimento da doutrina das indulgências, doutrinas que diziam respeito a questões de direito divino e de direito eclesiástico, ao purgatório e ao “tesouro da Igre-

ja”. Este seria formado pelos méritos excedentes de Cristo e dos santos, podendo ser usado pela Igreja para conceder indulgências a terceiros”.3

Nos é esclarecido que as indulgências, a princípio, não tinham o mesmo sentido que chagaram a alcançar na idade média.

As indulgências, surgidas no século XI, diziam res-peito, inicialmente, apenas aos castigos temporais impostos pela Igreja, mas tarde, aos castigos tem-porais que deveriam ser purgados no purgatório e, finalmente, também aos pecados de parentes já falecidos que estavam no purgatório”.4

Boa parte da motivação para propagar as indulgên-cias era arrecadar fundos aprisionando as consciências em intranquilidade. Pois “A Cúria e o Estado papal de-pendiam em grande parte das rendas auferidas com a venda de indulgências”5.

Para a cúria as indulgências eram garantia de renda financeira, para os fiéis um modo de escapar do purga-tório e castigo eternos.

1. 3 v.1, p. 21.1. 4 v. 1, p. 21.1. 5 v. 1, p. 21.

Lutero e Luteranismo Rev. Jarbas Hoffimann

Page 9: RevistaTeologia ano 1 número 1

INDULGÊNCIAS

Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 9

Quando Lutero formulou as 95 teses ainda não ha-via “formulação dogmática”6 sobre o assunto indulgên-cias, mas ele enfrentou o interesse financeiro da Cúria.

Como se percebe ao ler as teses, elas não têm for-mulação radical ou polêmica. Um dos sinais deste ca-ráter pacífico é que Lutero não exclui toda e qualquer indulgência, “limita-a, no entanto, às penas temporais impostas pela Igreja e volta-se contra a falsa segurança provocada pela indulgência”.7

Há um novo conceito de ministério: “segundo Lute-ro, o sacerdote só pode perdoar culpa como declaração de que ela já foi perdoada por Deus”.8 Isso foge à autoridade eclesiástica necessária para a existência da indulgência.

E quanto ao desejo humano de se livrar da ira divina Lutero é enfático:

“O cristão não deve fugir do castigo, mas assumi--lo como cruz”. As obras que o cristão deve realizar

são serviço ao próximo e não devem ser entendidas como atos em prol de seu aperfeiçoamento ou ainda como fuga aos castigos impostos por Deus e, como tais, úteis ao ser humano.9

A caráter de crítica:À época de Lutero se convidava para o debate.

Quantas vezes nós fazemos isso hoje? Nos fechamos na nossa Teologia e Tradição, afirmando que somos os únicos certos e não aceitamos, ou não temos coragem de debater, mesmo que seja para o esclarecimento.

Se temos a verdade, por que não a mostramos a to-dos? Por que queremos ficar com ela só para nós? So-mos incapazes de Debater? Ou porque não acredita-mos que seja verdade?

1.2. As 95 TesesNo que segue procuramos examinar teses por tese

a fim de tentar ler o pensamento de Lutero. Para isso, às vezes pode o trabalho pode parecer repetitivo, pois

1. 6 v.1, p. 21.1. 7 v.1, pp. 21-22.1. 8 v.1, p. 22.1. 9 v.1, p. 22.

poderíamos tê-lo agrupado segundo as nossas afirma-ções e proposições. Ignorando sua ordem. Mas pensa-mos que da maneira que está seria melhor, para a ênfase devida ao documento e à insistência em alguns pontos, como por exemplo que o papa não concordaria com o que se está fazendo das indulgências.

A algumas teses não fizemos nenhum comentário, por isso elas seguem apenas para que o documento es-teja completo. À sua frente pusemos apenas a expressão “sem comentários”.

Por vezes recorremos ao documento chamado “Ex-plicações do Debate sobre o Valor das Indulgências” de Agosto de 1518.

Note-se o caráter pacífico já na introdução às teses:Por amor à verdade e no empenho de elucidá-la, discutir-se-á o seguinte em Wittenberg, sob a pre-sidência do reverendo padre Martinho Lutero, mestre de Artes e de Santa Teologia e professor catedrático desta última, naquela localidade. Por esta razão, ele solicita que os que não puderem es-tar presentes e debater conosco oralmente o façam por escrito, mesmo que ausentes. Em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.10

Como dissemos na introdução histórica, a compre-ensão de Penitência é a compreensão católico-romana. Esta compreendia contrição, arrependimento, confis-são e satisfação. Com esse pano de fundo se pode com-preender melhor a primeira tese.

1. Ao dizer: "Fazei penitência", etc. [Mt 4.17], o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência.

Sem comentários.2. Esta penitência não pode ser entendida como penitência sacramental (isto é, da confissão e satis-fação celebrada pelo ministério dos sacerdotes).3. No entanto, ela não se refere apenas a uma pe-nitência interior; sim, a penitência interior seria nula, se, externamente, não produzisse toda sorte de mortificação da carne.

1. 10 o documento completo está no v. 1, das Obras de Lutero, das páginas 22 a 29.

Lutero e Luteranismo

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10 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

Lutero nega que as indulgências possam livrar al-guém das penas terrestres.

4. Por consequência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira pe-nitência interior), ou seja, até a entrada do reino dos céus.

Lutero mostra que o papa não tem nenhuma autori-dade além daquela dada por Jesus. É, no mínimo, uma atitude de esclarecer à autoridade (da igreja).

5. O papa não quer nem pode dispensar de quais-quer penas senão daquelas que impôs por decisão própria ou dos cânones.6. O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e confirmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos casos reser-vados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por inteiro.

Deus perdoa por graça. Qualquer coisa. A qualquer pessoa. Assim as indulgências erram a ignorar esta gra-ça. Já se pode perceber diferença do pensamento roma-no.

7. Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo humi-lhada, ao sacerdote, seu vigário.

Sem comentários:8. Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.9. Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa quando este, em seus decretos, sempre ex-clui a circunstância da morte e da necessidade.10. Agem mal e sem conhecimento de causa aque-les sacerdotes que reservam aos moribundos peni-tências canônicas para o purgatório.“O purgatório, um estado de penitência e purifica-ção entre a morte e o juízo final, é, para a doutri-na católico-romana, o local para o pagamento das penas decorrentes dos pecados. Estas penas podem ser parcial ou totalmente eliminadas pelas indul-gências. No mundo cristão, a doutrina do purga-tório surge primeiro em Orígenes, no século II. Em 1517 Lutero ainda aceita a doutrina do purgató-rio. Mais tarde irá abandoná-la completamente.11

Lutero parece não acreditar que as indulgências te-1. 11 v. 1, p. 23, nota 7.

nham entrado à igreja com a permissão dos bispos.11. Essa erva daninha de transformar a pena ca-nônica em pena do purgatório parece ter sido se-meada enquanto os bispos certamente dormiam.

Lutero está rebatendo a venda de indulgências para livrar do purgatório até mesmo aos que já morreram. Segundo sua concepção (aqui ainda não contra o pur-gatório) só se pode fazer alguma coisa para livrar-se da condenação aqui na terra.

12. Antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes da absolvição, como verifica-ção da verdadeira contrição.

Lutero reafirma que só aos vivos é dada a oportunidade da salvação.

13. Através da morte, os mo-ribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.

Sem comentários:14. Saúde ou amor imperfeito no mo-ribundo necessariamente traz consigo grande temor, e tanto mais, quanto menor for o amor.15. Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar de outras coisas) para pro-duzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do horror do desespero.

Claramente se vê que Lutero aceita o purgatório.

16. Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o desespero, o se-midesespero e a segurança.

Nas teses 17 a 19 Lutero começa com “Parece”, ele não afirma. Demonstrando um caráter pacífico.

17. Parece necessário, para as almas no purgatório, que o horror diminua na medida em que cresce o amor.18. Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas se encontram fora do estado de mérito ou de cresci-mento no amor.

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19. Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório estejam certas de sua bem--aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza.

Lutero não entra no mérito da autoridade do papa, mas diz claramente que ele só pode entender sobre as penas que ele mesmo impôs, ou seja, não pode minis-trar sobre as penas do purgatório.

20. Portanto, sob remissão plena de todas as pe-nas, o papa não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.

Depois de uma introdução de 20 teses, Lutero bate de frente com os vendedores de indulgências.

21. Erram, portanto, os pregadores de indulgên-cias que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.

Para afirmar sua tese Lutero, acreditando no purgatório, usa este como argumento. O que não

for pago em vida será ali pago.22. Com efeito, ele não dispensa as almas no pur-

gatório de uma única pena que, segundo os câ-nones, elas deveriam ter pago nesta vida.

Lutero parece aceitar que existam perfeitos. Isso pode ser classifica-

do como uma clara leitura de sua educação romana. Lutero ainda não entende o homem como com-pletamente corrompido e comple-tamente justificado.23. Se é que se pode dar algum per-dão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais per-feitos, isto é, pouquíssimos.

Acusa as indulgências de serem enganação.24. Por isso, a maior parte do povo está sendo ne-cessariamente ludibriada por essa magnífica e in-distinta promessa de absolvição da pena.

Parece contestar a autoridade superior do papa, mas considerando o caráter destes escritos não nos atreve-ríamos a afirmar isso a essa época. Mas poderíamos ar-gumentar que essa tese leva a entender que cada bispo e cura é um papa em seu território de domínio. A tese não é clara quanto à autoridade do papa e nem é isso

que se está discutindo neste documento.25. O mesmo poder que o papa tem sobre o purga-tório de modo geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e paróquia em particular.

O papa não detém o poder das chaves, poder que é usado para assegurar a validade das indulgências. O po-der do papa é o mesmo que qualquer cristão: interceder pelos outros. Neste caso, até mesmo pelos mortos que estão no purgatório.

26. O papa faz muito bem ao dar remissão às al-mas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão.

Sem comentários:27. Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu].Segundo o pesquisador católico Nicolau Paulus, o pregador dominicano João Tetzel realmente anun-ciou em suas pregações a frase: “Antes que o dinhei-ro tilinte na caixa, a alma salta do purgatório.”12

Lutero contrapõe a vontade de Deus à cobiça da Igreja.

28. Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus.

Sem comentários:29. E quem é que sabe se todas as almas no purga-tório querem ser resgatadas? Dizem que este não foi o caso com S. Severino e S. Pascoal.

Aqui está implícita a luta pela remissão dos pecados que cada um deveria ter na fé católica.

30. Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos de haver conseguido plena remissão.

Lutero não diz que as indulgências não sejam possí-veis, mas que são quase. Uma vez mais não é polêmico e sim pacífico.

31. Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.

1. 12 v. 1, p. 24, nota 13.

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Demonstração de que não aceita de forma alguma as indulgências e ainda condena que as espalha, atrapa-lhando as consciências.

32. Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.

Sem comentários:33. Deve-se ter muita cautela com aqueles que di-zem serem as indulgências do papa aquela inesti-mável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Deus.34. Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental, deter-minadas por seres humanos.

As breves confessionais davam à pessoa a segurança de que na hora da morte poderiam se livrar do castigo eterno ou do purgatório. Ainda poderiam escolher a quem melhor lhes parecia para confessar.

35. Não pregam cristãmente os que ensinam não ser necessária a contrição àqueles que querem res-gatar ou adquirir breves confessionais.As confessionalia, “breves confessionais”, eram parte importante das graças relacionadas com a proclamação das indulgências jubilares. Quem comprasse tal privilégio adquiria o direito de es-colher um confessor, ao qual haviam sido conce-didas autorizações ( faculdades) especiais para a absolvição. Além disso, adquiria uma indulgência plenária para ser usada uma vez na vida e para a hora da morte. Os confessores indicados, quan-do da venda de uma tal bula extraordinária, ti-nham a autoridade de conceder dispensa também nos casos reservados ao papa e de transformar pro-messas especialmente severas em outras de menor peso. Além disso, podiam autorizar a retenção de bens ilegitimamente adquiridos, de matrimônios entre pessoas inabilitadas devido a certos graus de parentesco, etc.13

Qualquer cristão pode ser salvo, não apenas os que compram indulgências.

36. Qualquer cristão verdadeiramente arrepen-dido tem direito à remissão pela de pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência.

A graça é dada por Deus mediante Cristo.1. 13 v. 1, p. 25, nota 16.

37. Qualquer cristão verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem participação em todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem carta de indulgência.

O papa não deve ser ignorado, mas somente porque declara o que Deus já deu.

38. Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma alguma devem ser desprezadas, porque (como disse) constituem declaração do per-dão divino.

A indulgência dificulta a interpretação de pecado. As consciências podem sentir-se tranquilas apesar de quaisquer pecados. Não há contrição. Há suborno.

39. Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificí-limo exaltar perante o povo ao mesmo tempo, a li-berdade das indulgências e a verdadeira contrição.

Os que procuram indulgências estão tentando esca-par da culpa através de meios não lícitos. Está implícito o pensamento de que se pode pagar pelos pecados co-metidos.

40. A verdadeira contrição procura e ama as pe-nas, ao passo que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, pelo menos dando oca-sião para tanto.

Lutero contrapõe as boas obras às indulgências. São preferíveis as obras. Lutero ainda está no pensamento romano de que as obras são necessárias para a salvação.

41. Deve-se pregar com muita cautela sobre as in-dulgências apostólicas, para que o povo não as jul-gue erroneamente como preferíveis às demais boas obras do amor.

Lutero afirma que o papa não corrobora com as in-dulgências.

Lutero pensa ter o apoio papal ao discutir estas questões. Na época julga poder usar a opinião pa-pal contra seus adversários. Somente alguns anos mais tarde é que verá que estava enganado.14

42. Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensa-mento do papa que a compra de indulgências pos-sa, de alguma forma, ser comparada com as obras de misericórdia.

Uma vez mais Lutero afirma que é melhor fazer

1. 14 v. 1, p. 26, nota 18.

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boas obras do que comprar indulgências.43. Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao po-bre ou emprestando ao necessitado, procedem me-lhor do que se comprassem indulgências.

As indulgências são fuga da pena.44. Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas ape-nas mais livre da pena.

Comprar indulgências traz a ira de Deus, pois é preferível usar o dinheiro para ajudar ao necessitado. Lutero afirma claramente que (segundo o pensamento romano) para livrar-se do purgatório e inferno é neces-sário que se faça obras, ao invés de tentar fugir do casti-go buscando as indulgências.

45. Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgên-cias obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.

Lutero entende que Deus dá bens às pessoas para que elas possam viver e cuidar dos seus. Não se deve-ria gastar com indulgências se vai faltar em casa. Isso vai contra o princípio de se comprar a indulgência para livrar-se do castigo eterno.

46. Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é ne-cessário para sua casa e de forma alguma desperdi-çar dinheiro com indulgência.

Lutero aceita as indulgências (devemos lembrar que Lutero aceita a autoridade do papa), mas afirma que não devem ser forçadas e sim oferecidas.

47. Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.

Sem comentários:48. Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder indulgências, o papa, assim como mais necessita, da mesma forma mais deseja uma oração devota a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar.

Lutero é confuso neste argumento. Não define como as indulgências poderiam ser úteis. Mas ele está seguro de que as indulgências representam a tentativa de fuga da ira de Deus.

49. Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgên-cias do papa são úteis se não depositam sua con-fiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.

Nas duas teses abaixo, mais uma vez Lutero defende o papa. Sugere que este não sabe do que se passa na ven-da das indulgências. E que se soubesse não permitiria.

50. Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa sou-besse das exações dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.51. Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto — como é seu dever — a dar do seu di-nheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extraem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Ba-sílica de S. Pedro.

Sem comentários:52. Vã é a confiança na salvação por meio de car-tas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garan-tia pelas mesmas.

Nas teses abaixo (53-55) Lutero defende o valor da Palavra de Deus ante as indulgências. Estava se dando muito mais valor às indulgências do que à Palavra de Deus. Já não era a graça de Deus que salvava e livrava do castigo eterno, mas simplesmente a indulgência papal.

53. São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.O comissário era uma pessoa comissionada pela Igreja com a venda de indulgências.15

Durante o período de sua permanência em uma localidade, o comissário era senhor absoluto sobre a igreja e sobre os sacerdotes. Determinava quando e onde poderia ser pregado. Podia, além disso, sus-pender as indulgências especiais, proibir a confis-são, sob pena de excomunhão, designar confessores de indulgências.16

54. Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.55. A atitude do papa é necessariamente esta: se

1. 15 v. 1, p. 26, nota 19.1. 16 v.1, p. 26, nota 20.

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as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais im-portante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.

Sem comentários:56. Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencio-nados nem conhecidos entre o povo de Cristo.O tesouro da Igreja é formado pelas obras exceden-tes de Cristo e dos santos. Estas obras excedentes es-tão confiadas à administração papal como thesau-rus bonorum operum. Cabe ao papa distribuí-las a quem delas necessita. Lutero nega essa concepção na tese 58.17

Sem comentários:57. É evidente que eles, certamente, não são de na-tureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajun-tam.

Lutero ainda acredita (como a igreja romana) que os santos tenham méritos e que os possam compartilhar.

58. Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior.

Sem comentários:59. S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época.60. É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que lhe foram proporcionadas pelo mé-rito de Cristo, constituem este tesouro.61. Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos, o poder do papa por si só é suficiente.

Aqui se sente que Lutero valoriza o Evangelho aci-ma de todas as coisas que a Igreja possa oferecer.

62. O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.

Sem comentários:63. Este tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão, porque faz com que os primeiros sejam os úl-

1. 17 v. 1, p. 27, nota 21.

timos.

As indulgências servem como fuga da ira divina.64. Em contrapartida, o tesouro das indulgências é o mais benquisto, e com razão, pois faz dos últi-mos os primeiros.

Nas teses abaixo (65-67) Lutero afirma que as in-dulgências servem apenas para arrancar dinheiro das pessoas.

65. Por esta razão, os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens possui-dores de riquezas.66. Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos ho-mens.67. As indulgências apregoadas pelos seus vende-dores como as maiores graças realmente podem ser entendidas como tal, na medida em que dão boa renda.

Indulgências não são nada quando comparadas à graça de Deus em Cristo.

68. Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade na cruz.

Lutero enfatiza a hierarquia à essa época. Talvez por isso ele tenha escrito a tese seguinte.

69. Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgên-cias apostólicas.

Lutero volta a defender o papa. Admitindo que os comissários é que estariam desvirtuando aquilo que o papa lhes tinha ordenado.

70. Têm, porém, a obrigação ainda maior de ob-servar com os dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi in-cumbido pelo papa.

Sem comentários:71. Seja excomungado e maldito quem falar con-tra a verdade das indulgências apostólicas.72. Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências.73. Assim como o papa, com razão, fulmina aque-

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les que, de qualquer forma, procuram defraudar o comércio de indulgências,74. muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram defraudar a santa caridade e verdade.75. A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes ao ponto de poderem absolver um ho-mem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura.

Lutero aponta para a inutilidade das indulgências.76. Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos peca-dos veniais no que se refere à sua culpa.A teologia católica distingue entre pecados veniais e pecados mortais. Os primeiros não são pecados no sentido lato do termo. Os segundos referem-se aos sete pecados capitais. Estes, enquanto não forem perdoados, têm como consequência a morte eterna, devendo, por isso, ser confessados.18

Sem comentários:77. A afirmação de que nem mesmo S. Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o papa.78. Afirmamos, ao contrário, que também este, assim como qualquer papa, tem graças maiores, quais sejam, o Evangelho, os poderes, os dons de curar, etc., como está escrito em 1 Co 12.

Nada é maior do que a cruz de Cristo, nem mesmo a cruz do papa.

79. É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insignemente erguida, equivale à cruz de Cristo.

Lutero lembra da responsabilidade de cada bispo frente ao seu rebanho.

80. Terão que prestar contas os bispos, curas e teólo-gos que permitem que semelhantes conversas sejam difundidas entre o povo.

Nas teses que se seguem (81-89) Lutero usa de sar-casmo para contra argumentar às indulgências. Ele é muito perspicaz e não parece temer o papa. Segundo ele pensava não havia o que temer, pois o papa estaria do seu lado.

Lutero põe nas teses as perguntas que provavelmen-

1. 18 v. 1, p. 28, nota 27.

te estariam circulando entre as pessoas de sua época. Como na tese 82: se o papa pode tirar as pessoas do purgatório por dinheiro, por que não faz isso por bon-dade? Com perguntas assim ele mostra que é totalmen-te contra tais indulgências.

81. Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil, nem para os homens doutos, defender a dignidade do papa contra calúnias ou perguntas, sem dúvida argutas, dos leigos.82. Por exemplo: por que o papa não evacua o pur-gatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas — o que seria a mais justa de todas as causas —, se redime um número infi-nito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica — que é uma causa tão insignificante?83. Do mesmo modo: por que se mantêm as exé-quias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimidos?84. Do mesmo modo: que nova piedade de Deus e do papa é essa: por causa do dinheiro, permitem ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, porém não a redimem por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta, por amor gratuito?85. Do mesmo modo: por que os cânones peniten-ciais — de fato e por desuso já há muito revogados e mortos — ainda assim são redimidos com dinhei-ro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor?86. Do mesmo modo: por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?87. Do mesmo modo: o que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à remissão e participação plenária?88. Do mesmo modo: que benefício maior se pode-ria proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma con-cedesse essas remissões e participações 100 vezes ao dia a qualquer dos fiéis?89. Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das almas do o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências outrora já conce-

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didas, se são igualmente eficazes?

Lutero chama a atenção ao fato de que as pessoas merecem ao menos uma explicação dos abusos que es-tão acontecendo. Eles não deveriam ser tratados à força.

90. Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apre-sentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.

Sem comentários:91. Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.92. Fora, pois, com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo: "Paz, paz!" sem que haja paz! 93. Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: "Cruz! Cruz!" sem que haja cruz!

Os cristãos deveriam confiar que pelas penas esta-riam nos céus (se percebe a teologia romana) e não por comprarem as indulgências. Estas, ao contrário, geram uma esperança falsa e levam que leva ao inferno.

94. Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte e do inferno;

O caminho do céu passa pelas tribulações da terra. O cristão sofre aqui, antes de estar na perfeição com Deus. Isto é claro para Lutero.

95. e, assim, a que confiem que entrarão no céu an-tes através de muitas tribulações do que pela segu-rança da paz.

2. – Um Sermão Sobre a Indulgência e a Graça

Neste escrito, de meados de 1518. Lutero fala uma vez mais abertamente sobre as indulgências. Não con-tra, mas sobre elas. Pode-se sentir uma aparente incerte-za de Lutero. Ele não quer falar contra as indulgências, mas recomenda que não se use delas. Excetuando-se raríssimos casos. E mesmo nestes era preferível fazer obras.

Este escrito foi produzido à mesma época que as “Explicações do Debate sobre o Valor das Indulgências”.

Lutero prefere colocar as indulgências no campo

das “coisas permitidas e autorizadas”. Elas seriam adi-áforos. Pois ele mesmo afirma: “Se as almas são tiradas do purgatório através da indulgência, isso eu não sei e também ainda não acredito, mesmo que alguns novos doutores o afirmem.”19

Também se pode perceber que Lutero acredita no Purgatório e que dali as almas poderiam sair através da atuação dos vivos em favor Delas.

Se as almas são tiradas do purgatório através das indulgências ... eu não sei e também ainda não acredito. ... Por isso, para maior segurança, é mui-to melhor que ores e atues por elas, pois isto está mais comprovado e certo.20

Há neste escrito um caráter mais polêmico do que nas 95 teses:

Ainda que alguns, para os quais esta verdade dá grande prejuízo material, agora me chamem de herege, não dou muita importância a semelhan-te palavrório, pois quem está a fazê-lo são alguns cérebros tenebrosos que nunca cheiraram a Bíblia, nunca leram os mestres cristãos, nunca enten-deram seus próprios professores e já estão quase a decompor-se em suas opiniões esburacadas e es-farrapadas. Pois se os tivessem entendido, sa-beriam que não devem difamar a ninguém sem ouvi-lo e convence-lo do seu erro. Que Deus dê a eles e a nós um entendimento cor-reto! Amém.21

O sermão é baseado sobre os argumentos de sua época e neles se fala que quanto ao ensino de mestres como Pedro Lombardo e S. Tomás

...atribuem três partes à Penitência, quais sejam: a contri-ção, a confissão e a satisfação. Esta distinção, em seu conceito, dificilmente ou mesmo de forma alguma se acha fundamentada na Sagrada Escritura e

1. 19 v. 1, p. 34, § 18.1. 20 v. 1, p. 34, § 18.1. 21 v. 1, p. 34, § 20.

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nos antigos santos mestres cristãos.22

EAfirmo que, mesmo que a Igreja cristã decidisse e declarasse hoje que a indulgência elimina mais do que as obras de satisfação, ainda assim seria mil vezes melhor que cristão algum comprasse ou de-sejasse a indulgência, mas preferivelmente prati-casse as obras e sofresse a pena. Pois a indulgência não é nem pode tornar-se outra coisa do que uma dispensa de boas obras e de benéficas penas, que se-ria melhor fossem preferidas do que abandonadas, ainda que alguns novos pregadores tenham desco-berto dois tipos de penas: medicativas e satisfacto-rias, isto é, uma para o aperfeiçoamento, outras para a satisfação.23

Lutero afirma que mesmo as penas são bênção para o cristão. Pois nas penas está implícito o amor de Deus em corrigir seus filhos.

Porque toda pena, sim, tudo o que Deus impõe é útil e contribui para o melhoramento do cristão.24

Em contra partida as Indulgências são “dispensa de muitas boas obras”25.

Como se afirmava que as indulgências cobrem ape-nas a última parte da Penitência (satisfação), Lutero

volta suas atenções a ela. Observe-se também que a teologia de Lutero ainda acredita na satisfação pro-duzida por obras (teologia romana) como “mortifi-

cação da carne”26.A satisfação também é subdividida em três partes: orar, jejuar, dar esmola, e isto da seguinte forma:

“orar” compreende todas as obras pró-prias da alma, como ler, meditar, ou-

vir a palavra de Deus, pregar, ensinar e si-milares; “jejuar” in-

clui todas as obras de mortificação da carne,

como vigílias, trabalho, leito duro, vestes gros-

seiras, etc.: “dar esmo-las” abrange todas as obras de amor e mise-

1. 22 v. 1, p. 31, § 1.1. 23 v. 1, pp. 32-33, § 9.1. 24 v. 1, p. 33, § 9.1. 25 v. 1, p. 33, § 16.1. 26 v. 1, pp. 31-32, § 3.

ricórdia para com o próximo.27

Lutero chama a atenção para a falta de prova escri-turística para as indulgências. Há muita confusão en-torno delas e não se sabe se valem ou não. Por isso é tão necessário que se prove escrituristicamente.

Afirmo ... que não se pode provar, a partir da Escri-tura, que a justiça divina deseja ou exige do pecador qualquer pena ou satisfação, mas sim unicamente sua contrição e conversão sincera e verdadeira, com o propósito de, doravante, carregar a cruz de Cris-to e praticar as obras acima mencionadas (mesmo que não estejam prescritas por ninguém).28

E ainda, provando pela escritura Lutero afirma:De nada vale dizer que as penas e as obras seriam demasiadas, que a pessoa não conseguiria realizá--las por causa da brevidade de sua vida e que, por isso, precisaria da indulgência. Respondo que isso não tem fundamento e é pura invenção. Porque Deus e a santa Igreja a ninguém impõem mais do que lhe é possível carregar, como também o diz Paulo: Deus não permite que alguém seja tentado acima do que pode carregar. É grande vergonha para a cristandade ser acusada de impor mais do que podemos carregar.29

Talvez pela dúvida Lutero não rejeitou completa-mente as indulgências. Ele acreditou no seu valor, mas apenas para pecadores preguiçosos. Como uma dádi-va àqueles que não fazem obras de satisfação. Por isso “Deixa os cristãos preguiçosos e sonolentos comprarem in-dulgência. Tu, porém, segue teu caminho!”30

A indulgência é permitida por causa dos cristãos imperfeitos e preguiçosos, que ao querem exercitar--se resolutamente em boas obras ou não desejam sofrer. Pois a indulgência não promove o melhora-mento de ninguém, e sim tolera e permite sua im-perfeição. Por esta razão não se deve falar contra a indulgência, mas também não se deve recomendá--la a ninguém.31

No princípio de não ir contra as indulgências Lute-ro ensina o que seria o uso correto destas. Tudo deveria ser feito antes das ditas indulgências.1. 27 v. 1, p. 32, § 3.1. 28 v. 1, p. 32, § 6.1. 29 v. 1, p. 33, § 10.1. 30 v. 1, p. 34, § 16.1. 31 v. 1, p. 33, § 14.

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Sim, e para que os ensine corretamente, atentem bem: antes de todas as coisas (sem preocupação com o edifício de São Pedro nem com a indulgência) de-ves dar ao teu próximo pobre, se queres dar alguma coisa. Mas se chegar o momento em que, em tua cidade, não há mais ninguém que necessite de aju-da (o que jamais será o caso, se Deus quiser), então deves ofertar, se quiseres, às igrejas, altares, orna-mentos, cálice, em tua cidade. E quando isso tam-bém não mais for necessário, só então — se quiseres — podes contribuir para o edifício de S. Pedro ou para alguma outra coisa. Mesmo assim, também não deves fazê-lo por causa da indulgência. Pois São Paulo diz: “Quem não faz o bem sequer aos de sua própria casa não é cristão e é pior do que o descrente.” [1Tm 5.8]32

Peca quem tenta comprar a liberdade que é dada pela graça de Deus. Lutero já afirma a graça gratuita de Deus. Mas aparentemente não com a ênfase que o fará mais tarde.

Incorre em grave erro quem pretende fazer satis-fação por seus pecados, pois Deus os perdoa a toda hora grátis, por graça inestimável, e nada deseja em troca senão que doravante se leve uma vida boa. A cristandade, esta sim, faz exigências; por-tanto, ela também pode e deve dispensar delas e não impor nada pesado ou insuportável.33

Lutero termina o sermão pedindo que Deus venha a esclarecer a questão: “Que Deus dê a eles e a nós um entendimento correto!”34 Ele ainda tem a esperança de reformar os erros na igreja de dentro para fora.

3. Resposta a Ambrósio Catarino

Este documento é mais tardio que os anteriormente tratados. Data de outubro de 1520. Há várias outras re-ferências às indulgências. Mas como falam basicamente a mesma coisa, nós procuramos usar este apenas como um exemplo do pensamento posterior de Lutero a res-peito da questão que girava em torno das indulgências.

Se antes Lutero tenta corroborar a atitude do papa com o que estava sendo feito com as indulgências, aqui ele fala claramente contra as Indulgências:

“Prometendo-lhes a liberdade, quando eles pró-

1. 32 v. 1, pp. 33-34, § 16.1. 33 v. 1, p. 33, § 13.1. 34 v. 1, p. 34, § 20.

prios são escravos da corrupção” [2Pe 2.19]. Isso diz respeito tanto às indulgências quanto a toda a falácia com a qual anunciam a dedicação às apa-rências como algo bom...35

Falando dos abusos e daqueles que os cometem Lu-tero lembra que pecados e leis foram criados para que fossem podidas cobrar indulgências:

E com que dificuldade o santíssimo perdoa esses pecados fictícios, a não ser exclusivamente por di-nheiro, e nesse meio tempo ele favorece inclusive o adultério e os crimes mais ímpios! Por outro lado, com quantas indulgências ele recompensa tais jus-tiças! E com mérito. Pois tais pecadores devem ser dotados com tais remissões, e tais justos têm que ser coroados com tais prêmios, para que as indulgên-cias e absolvições sejam tão verdadeiras como são verdadeiros os pecados e as justiças. Ó abominação abominável!36

O papa que era respeitado nos documentos ante-riores, não recebe o mesmo respeito, pelo contrário, é chamado de anticristo e tem sua autoridade contestada. Segundo as indulgências Lutero afirma:

De que maneira poderia ter descrito melhor o rei-no e as obras do papa? Ele é um mero dolo, e, não obstante, feliz e próspero, a ponto de enfatuar o mundo inclusive com mentiras evidentes e coisas de brincadeira, como se evidencia somente no caso das indulgências. Pois qualquer coisas que ouse empreender, por mais sujo e mentiroso que seja, em tudo o papa terá sucesso.37

Não há dúvidas, neste documento Lutero já rom-peu com o que acreditava sobre as indulgências. Assim como em outros documentos que examinamos fica cla-ra a posição “Luterana”: só a graça de Deus, revelada em Cristo pode livrar do castigo eterno. Nada que o ho-mem possa ordenar vai livrar os pecadores do inferno.

Conclusão

Devemos considerar todo o pano de fundo situacio-nal onde surgiram as 95 teses. Um dos aspectos que fica claro nesta pesquisa é que Lutero, a princípio, não era conta as indulgências, mas queria esclarecimento sobre

1. 35 v. 3, p. 73.1. 36 v. 3, p. 77.1. 37 v. 3, p. 92.

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as mesmas. Até que este esclarecimento existisse se de-veria evitá-las.

Depois, contudo, Lutero é abertamente contra e ex-põe suas idéias. Em vários documentos Lutero expressa sua posição frente às indulgências. Estes documentos não estão aqui englobados, pelo simples fato de que eles têm praticamente o mesmo teor do documento escrito a Ambrósio Catarino. Com a resolva de serem articulados de forma um pouco distinta.

O que fica desse estudo é o profundo respeito que Lutero tinha por quem ele cria ser a autoridade da Igreja. E que quando esta autoridade é visto como um “anticristo” ela não merece respeito. Ao contrário. As pessoas devem ser instruídas contra tais pessoas.

Se num primeiro momento Lutero hesitou em ir contra as indulgências, foi pelo mérito da dúvida. Quando teve certeza ele não mais hesitou e ainda alar-

deou sua opinião para acalmar as consciências que esta-vam atormentadas.

Isto, no mínimo, serve de exemplo para o posicio-namento contemporâneo daqueles que se dizem Lute-ranos.

* Pesquisa científica apresentada ao Professor Paulo W. Buss, da disciplina “Estudos na Teologia de Lutero”.

Rev. Jarbas Hoffimann — Nova Iguaçu-RJ, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

BibliografiaLUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Porto Alegre e São

Leopoldo: Concórdia Editora e Editora Sinodal, 1987. v. 1.LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Porto Alegre e São

Leopoldo: Concórdia Editora e Editora Sinodal, 1989. v. 2.LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Porto Alegre e São

Leopoldo: Concórdia Editora e Editora Sinodal, 1992. v. 3.LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Porto Alegre e São

Leopoldo: Concórdia Editora e Editora Sinodal, 1995. v. 4.

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Graça, lei e evangelhono desenvolvimento da teologia de Lutero (1509-1521)

Lutero, muito cedo, adquiriu profundo interesse e amor pelas

Escrituras. Sua vida e carreira teoló-gica foram guiadas, do início ao fim, pela busca do conhecimento das Es-crituras.

Em 1508, Lutero escreveu a um amigo contando que havia sido obrigado a deixar de lado o estudo da teologia para ensinar filosofia (lógica e de ética), mas que gostaria muito de voltar ao estudo da teo-logia. O estudo de Aristóteles, Lu-tero escreveu nessa carta, era para ele duro como uma casca de uma noz, mas o estudo das Escrituras era como encontrar a amêndoa da noz. Em 1546, na últi-ma de suas anota-ções, Lutero escreveu que o conhe-cimento do teólogo é sempre pobre diante da riqueza das Escrituras: “a verdade é que somos todos mendi-gos” (Wir sind alle bettler. Hoc est verum).

O trabalho do teólogo, para Lutero, não é outro senão o estudo e o ensino das Escrituras Sagradas. Para Lutero, o verdadeiro teólogo é aquele que fundamenta seu ensino na Palavra de Deus, e não em opini-ões humanas. O verdadeiro teólogo, no entanto, não é o que domina as técnicas da hermenêutica, que são

Rev. Luisivan Vellar Strelow

importantes, sem dúvida, mas o que tem a fé e o conhecimento de Cristo. Pois a tarefa do teólogo não é meramente explicar a “letra” das Escrituras, mas explicar as Escritu-ras segundo o seu “espírito”. O ver-dadeiro teólogo precisa ter familia-ridade com a “palavra externa” das Escrituras, mas precisa explicar as Escrituras segundo a fé em Cristo ou “palavra interna”, com auxílio do Espírito Santo e seus dons. Estudar e ensinar a Bíblia é mais do que ex-plicar um texto literário, é lutar com as armas de Deus contra o pecado, o mundo e o diabo. Por essa razão,

o verdadeiro teó-logo é aquele que, no estudo e ensi-no das Escrituras,

ora, medita e luta (oratio, meditatio, tentatio faciunt theologum).

Nas Escrituras, nem todas as pas-sagens são iguais, algumas são como madeira macia em que o sentido é aberto ao teólogo ao primeiro gol-pe do machado, enquanto outras são duras como um nó, e requerem muita oração, meditação e luta até que o sentido delas se abra ao teó-logo. E nem todas as passagens bí-blicas tem o mesmo peso, algumas trazem instrução para o cotidiano, mas pouco conforto na tentação ou luta interior (Anfechtung), as

quais são como “palha” que o fogo da provação logo consome. Outras passagens, no entanto, são como “ouro”, as quais trazem conforto ao coração, tornando-se ainda mais valiosas e claras depois de passada a provação. As passagens bíblicas que apontam para as nossas boas obras são como a “palha”, as quais também têm sua utilidade no cotidiano, mas as passagens bíblicas que apontam para Cristo, essas são como “ouro”, pois trazem o conforto da salvação eterna. O pregador que extrai das Escrituras, com clareza, a palavra da lei e a palavra do evangelho, esse, se-gundo Lutero, é um verdadeiro te-ólogo e doutor nas Escrituras. Por-que a graça de Deus não é revelada em nenhum outro lugar senão nas Escrituras. O Antigo Testamento, por exemplo, é como o presépio, a manjedoura e os panos em que en-contramos o Menino Jesus. A teolo-gia da glória, escreveu Lutero, busca nas Escrituras a exaltação das obras e do mérito humano; a teologia da cruz, porém, busca nas Escrituras o Filho de Deus que veio em humil-dade e pobreza, para que nós o re-cebêssemos sem temor e com toda a confiança.

Muito antes da controvérsia com Zwínglio, Lutero já defendia a inte-gridade do texto bíblico, pois a gra-

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a verdade é que somos todos mendigos

Wir sind alle bettler. Hoc est verum (1546)

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ça de Deus é encontrada somente no texto bíblico, se o conservamos em sua integridade. A razão huma-na é uma grande dádiva de Deus, é a “luz da natureza”, necessária para o estudo do texto bíblico em seus aspectos exteriores (“letra” ou “pa-lavra externa”). Somente o Espíri-to Santo, contudo, concede a ilu-minação ou “luz da graça”, que é o conhecimento do texto bíblico em seu aspecto interior (“espírito” ou “palavra interna”). O teólogo que submete o texto bíblico à razão, es-tabelece divisões e distinções que reduzem as Escrituras a um código de normas morais. O verdadeiro teólogo, ao contrário, ele próprio é um cativo e servo das Escrituras, o qual ora, medita e luta com o pecado, o mundo e o diabo, para compreender cada passa-gem bíblica, porque procura ouvir nas Escrituras não o eco de suas próprias opiniões,

mas a voz de Deus. Em vista disso, o teólogo não pode senão colocar-se como um mendigo diante graça de Deus em Jesus Cristo.

Lutero, no entanto, percorreu um longo caminho até encontrar nas Escrituras um Deus gracio-so, pois havia aprendido a buscar o Juiz severo. Como relatou num importante Prefácio de 1545, foi batendo insistentemente na porta das Escrituras que Lutero finalmen-te encontrou, em Romanos 1.17, a boa notícia de que, no evangelho, não ouvimos a voz de um Juiz que

exige autocondenação (fé como contrição sob a ira misericordiosa de Deus), mas a voz de um Pai que oferece perdão gratuito de todos os pecados (fé como pura recepção da graça de Deus). Essa passagem, diz Lutero, era para ele um nó de madeira muito duro, cujo sentido somente se lhe abriu por graça e iluminação de Deus, porque estava, segundo suas palavras, preso a uma compreensão da “justiça de Deus” que o impedia de compreender o sentido evangélico de Romanos 1.17. Para Lutero, por muito tem-po, a “justiça de Deus” seria a justiça que Deus demanda da fé (verdadei-ra e plena contrição) e não a justiça que a fé recebe de Deus (verdadeira e plena absolvição). Lutero não ne-gou a necessidade da contrição, mas afirmou que a contrição pertence ao ofício da lei, enquanto a absolvição pertence ao ofício do evangelho. A lei produz tristeza por causa do pecado, mas o evangelho traz a ale-gria da salvação pela graça de Deus. Jesus venceu a lei, na cruz, quando morreu por todos os nossos peca-dos, redimindo-nos de toda cul-pa (castigo eterno) e de toda pena

(castigo temporal), e vence a lei novamente, em nossa cons-

ciência, quando vence a acusação da lei e

faz cessar a con-

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trição ou tristeza, porque onde Cristo está,

ali só pode haver alegria (ubi Chris-tus, ibi gaudium).

Segundo o testemunho de Lutero, a descoberta do evange-lho como palavra da graça de Deus abriu para ele as portas do paraíso, porque, até então, vivia em perma-nente purgatório, jamais avançando para além da humilde contrição e acusação de si mesmo (humilitas, accusatio sui). A jornada de Lutero, no entanto, até o seu encontro com o evangelho da graça de Deus nas Escrituras, foi longa, com avanços e recuos, com desvios e retomadas do caminho. Ainda que Lutero avançasse muitas vezes em direção à compreensão evangélica da doutri-na da justificação, sentia-se obriga-do sempre de novo a recuar. A sua compreensão da “justiça de Deus”, em Romanos 1.17 e em outras pas-sagens, o mantinha preso a uma doutrina da justificação que, se já não era por obras exteriores e méri-to humano, ainda era por confiança

na graça de Deus em permanente contrição inte-

rior. Lutero identificava a contrição como parte da fé em Cristo, o juiz misericordioso. Desde, pelo menos, 1513, Lutero já sabia e ensinava que a justificação não era por obras da lei (justificação exterior), mas pela fé em Cristo (justificação interior). Desde 1515, igualmente, Lutero já interpretava Romanos 1.17 em sen-tido passivo, tal como relatou no Prefácio de 1545. Contudo, somen-te em 1518/1519, Lutero finalmente teria achegado à compreensão de que o sentido pas-sivo da justificação não apenas exclui as obras exterio-res, mas também a contrição inte-rior, e que a dádiva da “justiça de Deus” é benefício inteiramente con-ferido pela promessa do evangelho e recebido pela fé.

Grande parte da pesquisa em Lutero está dedicada a encontrar as marcas deixadas nos textos de Lute-ro, 1509 até 1521, que permitissem refazer a sua trajetória intelectual ou peregrinação espiritual e teológica.

O vestígio mais antigo de reorienta-ção teológica ou de posicionamento crítico em relação ao escolasticismo medieval encontra-se numa anota-ção de Lutero à margem do exem-plar de estudo e trabalho das Sen-tenças de Pedro Lombardo (Paris, c. 1100-1160). Em Erfurt, Lutero foi sententiarius ou expositor das Sen-tenças de Pedro Lombardo (1509-1510), antes de sua viagem a Roma (1510-1511) e transferência para Wittenberg (1511). Com base no testemunho dos Pais da Igreja e no comentário de Pedro Lombardo, Lutero afastou-se da concepção es-colástica da graça em favor de uma concepção bíblica e patrística. Para os escolásticos medievais, a graça seria uma qualidade impessoal e supernatural (gratia creata, habitus infusus) dada por Deus para capaci-tar o ser humano a merecer a salva-ção. Lutero rejeitou esse conceito de cunho aristotélico e adotou, nesse momento, uma concepção da graça como presença pessoal de Deus ou a habitação do Espírito Santo no crente (gratia increata).

A graça da regeneração (a nova vida recebida no batismo) não se-ria uma qualida-de nova na alma (qualitas recebida ex opere operato

nos sacramentos), mas a habitação do Espírito Santo com seus dons no coração (cf. Explicação ao 3º Arti-go do Credo, 1529). Fé, esperança e amor eram compreendidos na te-ologia escolástica como qualidades supernaturais (“virtudes teologais”), as quais adeririam à alma junto com as virtudes naturais (prudência, for-taleza, justiça e temperança). A gra-ça infusa seria necessária para tornar as boas obras meritórias para a sal-

a descoberta do evangelho como palavra

da graça de Deus abriu as portas do paraíso.

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vação. Lutero rejeitou essa definição escolástica, e afirmou que a tríade paulina “fé, esperança e amor” são dons do Espírito Santo, recebidos no batismo, pelos quais vivemos fi-lhos de Deus, herdeiros do reino e irmãos em Cristo: ut sit filius dei, haeres regni, frater Christi (1518). Segundo a doutrina escolástica, a graça ou o amor (caridade) seria uma “substância” ou “qualidade” que torna meritórias as obras huma-nas com vistas à aquisição da perfei-ção. Para Lutero, a graça ou o amor (caridade) é o Espírito Santo que cria um novo homem, perfeito, mas que ainda está em luta com o velho homem pecaminoso (simul iustus et peccator). O batismo, para Lutero, não era a recepção de uma graça “material” (fé, espe-rança e amor como virtudes implantadas no batizado ex opere operato), mas o renas-cimento e o ingresso, pela habitação do Espírito Santo, em uma nova “re-lação” com Deus, como filho, her-

deiro e irmão com Cristo.Em sua aula inaugural como ex-

positor bíblico (lector biblicus) na Universidade de Wittenberg, em 1513, Lutero já distinguia entre uma justiça da “letra”, com base na lei e obras exteriores (iustitia pha-risaica et legalis) de uma justiça do “espírito”, com base no evangelho e na fé interior (iustita fidei). Lute-ro, desde esse tempo, já distinguia entre dois tipos de justiça: a do ho-mem interior (homo interior), que é segundo o “espírito” e a fé (spiritus, fides) e a do homem exterior (homo exterior), que é segundo a letra e as obras (littera, opera). Em 1518, Lu-tero chamaria a justiça da fé (confor-

midade interior com Cristo — Fp 2.7-8) de teologia da cruz (theologia crucis), e a justiça das obras (cum-primento exterior da lei), de teologia

da glória (theologia gloriae). Na aula inaugural como lector

biblicus, em sua primeira exposição

dos Salmos, em 1513, Lutero já di-ferenciava a “lei” do “evangelho”, e a “justiça da lei” da “justiça do evan-gelho”. É verdade que, no entanto, ainda o fazia no sentido de distin-ção entre “Antigo Testamento” (lei carnal) e “Novo Testamento” (lei es-piritual, lex spiritualis). A diferença entre “lei” e “evangelho” seria ape-nas de grau: a lei espiritual e interior de Cristo seria “superior” à lei carnal e exterior de Moisés. O “evangelho” não apenas era “lei”, mas era uma “lei” mais exigente do que a lei da Antiga Aliança, porque exigiria ver-dadeiro amor a Deus e verdadeira contrição interior. Cristo, para Lu-tero, nessa etapa de seu desenvolvi-mento teológico, seria um “juiz mi-sericordioso” (iudex misericors). A graça de Deus se revelaria sob a ira, a misericórdia sob o juízo (sub con-trario specie). A fé, por sua vez, seria verdadeira contrição e humildade interior (contritio, humilitas), con-formidade com Cristo (conformitas Christii) ou acusação de si mesmo (accusatio sui). A justificação seria o reconhecimento humilde do juízo gracioso de Deus revelado no Evan-gelho (iustitia dei = iudicium dei, Romanos 1.17).

Nas Preleções sobre Romanos (1515-1516), Lutero já passava a apontar funções distintas da lei e do evangelho: a lei revela a enfermida-de (pecado) e destrói toda confian-ça em obras meritórias; o evangelho revela a cura (graça) e aponta para a misericórdia de Deus em Cristo. O Evangelho já é definido como uma palavra sobre o Filho de Deus feito carne, morto e ressuscitado. Lutero rejeita a distinção entre lei moral e cerimonial — erro cuja introdução na igreja atribuía a Jerônimo — na interpretação da locução paulina “sem as obras da lei” (sine operibus

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Lutero rejeitou a graça infusa e afirmou

que “fé, esperança e amor” são dons do

Espírito Santo, recebidos no batismo.

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legis). As obras da lei incluem as obras feitas em obediência à lei de Moisés, à lei natu-ral ou a qualquer outra lei criada pelos homens. A “lei” amplia-se cada vez mais, para abarcar todas as obras. Ao mesmo tempo, o “evangelho” concentra-se cada vez mais em Cristo, o Filho de Deus encarnado, que morreu na cruz e ressuscitou. Em 1518, Lute-ro expressaria essa concentração do evangelho na fé em Cristo junta-mente com a ampliação da lei cujas obras não justificam, dizendo: “a lei opera a ira de Deus, mata, amaldi-çoa, acusa, julga e condena tudo o que não está em Cristo” (Debate de Heidelberg, 23ª tese).

No Debate de Heidelberg, em 1518, Lutero referiu-se à ação para-doxal de Deus como theologia crucis em oposição a theologia gloriae. Os que buscam ser justificados pela fé em Cristo não confiam em obras exteriores, por maior que sejam sua “glória” no mundo, pois todas estão denunciadas pela lei como “pecado”. A função da lei é acusar tudo o que não está em Cristo e do evangelho é a de ordenar a fé em Cristo (23ª e 26ª teses). Justo não é quem faz muito, mas quem, sem obras, crê muito em Cristo (25ª tese). Na 28ª tese (e na sua fundamentação), Lu-

tero contrasta o “amor” tal como ensinado na teo-logia (Escrituras) e na filosofia (Aris-tóteles). Segundo

a definição filosófica, Deus só pode amar o que tem mérito ou digni-dade perante ele, isto é, o justo e o belo. Essa é a teologia da glória (es-colástica), segundo a qual as obras justificam ou tornam o ser humano merecedor digno do amor de Deus. Segundo a teologia da cruz (Lute-ro), contudo, Deus ama o pecador e o justifica: “os pecadores são belos por serem amados, não são amados por serem belos”. A lei aponta a ira de Deus sobre os pecadores (23ª tese) e destrói toda confiança em obras (o tronar-se justo para obter o amor divino). O evangelho revela o amor imerecido de Deus para com os pecadores (o amor que torna jus-to o pecador). No primeiro caso, o amor é aprovação e Deus é juiz. No segundo, o amor de Deus é imereci-do e cria o objeto de seu amor.

Nas preleções sobre Romanos (1515-1516), o amor imerecido de Deus é apresentado como aquele em relação ao qual não resta outra atitude de parte do pecador senão confessar o seu pecado (comentário a Rm 2.11). A confiança em obras leva à afirmação da justiça humana perante Deus (“julgamento da ra-

zão” ou “teologia da glória”); a fé em Cristo leva ao reconhecimento do pecado e da necessidade da gra-ça de Deus (“julgamento à luz da paixão de Cristo” ou “teologia da cruz”). Nas preleções sobre Roma-nos, a função da fé em Cristo é le-var o cristão a viver em permanente contrição e confissão de pecados: “os justos nunca cessam de confes-sar seus pecados” (comentário a Rm 3.11). O contraste entre a indigni-dade humana (lei) e o amor imereci-do de Deus (evangelho) já está pre-sente na doutrina da justificação. O amor imerecido de Deus, no entan-to, não se revela apenas na cruz ou no sofrimento de Cristo (remissão da culpa), mas também na obra de Cristo no crente (remissão da pena por contrição, confissão e obediên-cia voluntária a Deus). A fé que jus-tifica é a fé que confessa o pecado, como aceitação do juízo de Deus sobre o pecador como verdadeiro (comentário a Rm 3.4).

As Preleções sobre Romanos (1515-1516), das quais as Teses de Heidelberg (1518) são como que um resumo, apresentam uma dou-trina da justificação em que o livre arbítrio e as obras meritórias (“jus-tiça ativa”) já não desempenham nenhum papel. Por outro lado, a fé em Cristo ainda não se distingue inteiramente da contrição. O evan-gelho ainda é compreendido como promessa de cura proferida por um “médico”, a qual inclui um diagnós-tico de enfermidade. A linguagem é nova, mas o conteúdo já ainda é o mesmo, a compreensão do evange-lho como a absolvição proferida por um “juiz misericorioso”, a qual ain-da requer contrição e confissão de pecados (accusatio sui). A justifica-ção, para Lutero, nesse período, ain-da é um julgamento de Deus sobre

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o pecador, e não a remissão de todos os pecados, graça e salvação.

Quando teve início a controvér-sia das indulgências, Lutero já havia avançado muito em direção à dou-trina evangélica da justificação pela fé, mas ainda não havia percorrido o caminho inteiro. Não temos como saber se a controvérsia sobre as in-dulgências apenas levou Lutero a tomar posições mais firmes e fazer pronunciamentos mais claros sobre a justificação, ou se levou Lutero a avançar mais rapidamente na reo-rientação teológica que já estava em curso. Não há dúvidas, porém, que, por uma ou outra razão, esse perí-odo foi crucial para a reorientação teológica de Lutero.

Até 1517, Lutero não havia pu-blicado nenhuma obra sua. Nesse mesmo ano, publicou sua exposição sobre os Salmos Penitenciais e as 95 Teses sobre o Poder das Indulgên-cias. Esses dois escritos tornaram Lutero um escritor conhecido mui-to além de Wittenberg. As 95 Teses, especialmente, tornaram Lutero um reformador amado e apoiado pelos que esperavam ardentemente o re-torno à simplicidade da doutrina e da igreja de Cristo, mas também odiado e atacado pelos que defen-sores da teologia escolástica e da supremacia papal. Do início de sua atividade como expositor das Es-crituras, de 1513 até 1517, Lutero havia apresentado uma proposta de reforma da Teologia, abandonando o método e o ensino escolástico, que chamou de “teologia da gló-ria”, e promovendo um programa de Teologia baseado no estudo das Escrituras e dos escritos dos Pais da Igreja. Essa reorientação hermenêu-tica correspondia a uma reforma da Teologia segundo o ideal humanis-ta, defendido por Erasmo, e que co-

locava as Escrituras e a Patrística no centro, rejeitando as especulações filosóficas da teologia escolástica. Mas foi só gradativamente que os frutos da nova hermenêutica, que submetia ao intérprete e a todas as suas fontes literárias ao texto bíbli-co. Em 1516, Lutero apresentou, na forma de teses para debate, sua críti-ca à teologia escolástica, ao mesmo tempo que reformava os currículos da Universidade de Wittenberg, especialmente na Faculdade de Ar-tes (formação básica para todos os alunos) e na Faculdade de Teologia. Como parte desse programa, Lute-ro dedicou-se, também, ao estudo de Grego e de Hebraico, sem, con-tudo, jamais abandonar a sua Bíblia Latina (Vulgata).

Em 1517, devido ao alcance inesperado dos dois escritos sobre a doutrina do arrependimento ou da Penitência, Lutero viu-se colocado no olho do furacão. O comentário aos “Salmos Penitenciais”, escrito em alemão, destinado à orientação do povo, foi recebido pelos huma-nistas como modelo da nova teologia bí-blica. As “95 Teses”, escritas em latim, e propostas para o de-bate sobre a teologia e praxe da igreja en-tre teólogos, foram logo publicadas também em alemão e, em poucas se-manas, havia alcançado praticamen-te toda a Europa. O que era para ser popular, foi recebido pelos eruditos, e o que era para ser acadêmico, foi acolhido pelo povo. Os ataques à teologia de Lutero não tardaram e vieram da parte de teólogos de vá-rias Universidades, da Cúria roma-na e até mesmo do rei da Inglaterra, Henrique VIII. O papa e o impe-

rador tornaram-se, de um dia para outro, inimigos da teologia bíblica de Lutero.

De 1517 até 1521, durante toda a causa Lutheri (julgamento de Lu-tero, concluído com sua excomu-nhão pelo papa e banimento pelo imperador em 1521), o Reformador teve de defender suas posições teo-lógicas contra os ataques contínu-os dos escolásticos e dos curialistas romanos. Lutero precisou defender, especialmente, a sua doutrina da fé em relação com a doutrina dos Sa-cramentos e da Justificação. Antes de 1517, Lutero havia se ocupado pouco da doutrina dos sacramentos, mas estes estão no centro do debate com Roma (1517-1521) e com os Entusiastas e Zwinglianos (1522-1529). A razão para isso é que a doutrina da justificação, no sistema medieval, era essencialmente uma doutrina sobre os frutos dos sacra-mentos.

A doutrina da justificação tor-nou-se uma questão controversa in-dependentemente da doutrina dos

sacramentos somente a partir da Dieta de Augs-burgo em 1530, quando a Confissão foi rejeitada. A partir de 1530, com a Confissão de Augsburgo (luterana) e a Confuta-ção da Confissão de Au-gsburgo (católica), teve

início, de fato, a controvérsia sobre a doutrina da justificação pela fé, como um tema em si mesmo. Por essa razão, em 1531, Lutero comen-ta a Carta aos Gálatas e faz apon-tamentos para um Tratado sobre a Justificação (que não chegou a escrever) enquanto Melanchthon comenta a Epístola aos Romanos, e escreve a Apologia da Confissão. De 1517 até 1521, no entanto, o de-

Lutero e Luteranismo

Os ataques à teologia de Lutero

não tardaram e vieram da parte de teólogos de várias Universidades.

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bate sobre a doutrina da justificação aconteceu dentro do debate sobre o papel da fé nos sacramentos, entre a doutrina escolástica dos sacramen-tos (ex opere operatur) e a insistên-cia de Lutero sobre a necessidade da fé para a parti-cipação salutar nos sacramentos (opus operantis). Esse é o tema, por exemplo, no confronto entre Lutero e Cajetano, em Augsburgo, em 1518, e na obra Do Cativeiro Babilônico da Igreja, de 1520.

Segundo a teologia escolástica, a graça da justificação (gratia iusti-ficans) era recebida nos sacramentos do batismo (gratia prima, iustitia prima) e da penitência (gratia se-cunda, iustitia secunda). A peni-tência estava destinada àqueles que cometiam pecado mortal depois do batismo, os quais estariam privados, se permanecessem impenitentes (isto é, se não se confessassem), da admissão ao sacramento do altar. O debate sobre a doutrina da justi-ficação, de 1517 até 1521, portan-to, está centrado no papel da fé na recepção da graça da justificação nos sacramentos, e tem a ver direta-mente com a questão da aquisição ou progresso na perfeição cristã ou remoção do pecado na vida cristã. Antes da controvérsia, Lutero não havia comentado a doutrina dos sacramentos em detalhe, mas tan-to ele como seus ouvintes tinham claro que a doutrina da justificação estava relacionada à recepção dos sacramentos (batismo, penitência e eucaristia): a recepção contrita da absolvição e a recepção digna do sacramento, para crescimento na graça da justificação, com vistas ao

progresso na perfeição cristã (remo-ção do pecado iniciada no batismo).

Se não temos isso em mente, facilmente caímos no equívoco de muitos intérpretes de Lutero que dissociam a controvérsia sobre os

sacramentos (ques-tão eclesiástica ou da piedade popular) da reorientação teológi-ca em relação à dou-trina da justificação (questão acadêmica ou da piedade pesso-al de Lutero). Lute-

ro, como vimos, entrou em choque com os vendedores de indulgências porque tinha uma concepção distin-ta da doutrina do arrependimento. Essa diferença se revelou especial-mente do papel da fé na recepção dos sacramentos para recepção da graça da justificação. Para os esco-lásticos, os sacramentos conferem graça ex opere operatur com vistas às obras meritórias que justificam perante Deus. Para Lutero, os sacra-mentos são o exercício da fé (ainda compreendida como humildade e contrição interior, ou conformidade com Cristo) que justifica o pecador perante Deus, sem as obras da lei, pois não há possibilidade de mérito humano perante Deus (opus operan-tis). Os escolásticos, conforme Lu-tero dizia desde 1513, defendiam a “justificação exterior” ou “farisaica”, fazendo das obras um substituto da fé na recepção digna dos sacramen-tos. Perante Cajetano, em Augsbur-go, em 1518, Lutero se escandalizou com a negação, por esse delegado papal, da necessidade da fé para re-cepção digna dos sacramentos (isto é, para a justificação). Mais tarde, afirmou que Cajetano o teria colo-cado, na prática, na situação de ter de escolher entre negar a fé em Cris-

to, perdendo a salvação eterna, para submeter-se ao papa, preservando, desse modo seu bem estar terreno. Para Lutero, a escolha se daria entre a graça de Deus revelada nas Escri-turas e o beneplácito do papa, não lhe sendo possível reter ou conciliar os dois. É por essa razão que, no Pre-fácio de 1545, Lutero relaciona de modo indissolúvel, uma coisa como corolário da outra, a doutrina da jus-tificação pela fé “propter Christum” e a denúncia do papa como promo-tor da doutrina da justificação pelas obras “anti Christum”.

Na mesma época em que tinha início a controvérsia com Roma, Lutero expunha a Carta aos He-breus (1517-1518). A escolha dessa carta, depois de Romanos e Gálatas, não foi acidental. Primeiro, Lutero havia se proposto estudar a Paulo para melhor habilitar-se à expor os Salmos. Conforme Lutero registrou para a posteridade no Prefácio de 1545, ele buscava compreender a doutrina da justificação em Paulo, especialmente no versículo que lhe causava maior dificuldade, a saber, Romanos 1.17, em relação com pas-sagens nos Salmos que também se referiam à “justiça de Deus” (iustitia dei). Hebreus não só era tida como paulina, mas era o texto fundamen-tal sobre a relação entre a lei (AT) e o evangelho (NT). Uma outra razão para o estudo de Hebreus no método hermenêutico de Lutero, a saber, a exegese “espiritual” (Cris-tocêntrica) do Antigo Testamento, de acordo com a distinção paulina entre “letra” e “espírito”, ou o AT como “lei carnal e exterior” (obedi-ência externa, movida pela lei com suas recompensas e castigos) e o NT como “lei espiritual e interior” (obediência interior, movida por verdadeiro amor a Deus). Em sua

Lutero e Luteranismo

A penitência estava destinada àqueles que

cometiam pecado mortal depois do batismo, ... eles eram privados ao Sacramento do Altar.

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preparação para expor a Carta aos Hebreus, Lu-tero leu o Comentário de Crisóstomo a He-breus, onde encontrou um vocábulo funda-mental para expressar sua nova compreensão da fé nos sacramentos.

Crisóstomo ensinava, especial-mente com relação à santa ceia, que as palavras de Cristo no sacramen-to são palavras de um testamento (testamentum), as quais requerem a morte do testador para que os herdeiros sejam beneficiados. No debate sobre as indulgências, Lute-ro diferenciou os méritos de Cris-to (merita Christi) do tesouro da igreja (thesaurus ecclesiae) (56ª-60ª teses). A aquisição da graça é ofício de Cristo somente (officium Christi, solus Christus), mas sua administra-ção na igreja é feita pelos ministros de Cristo (ofício das chaves). Na 60ª tese, Lutero afirma que o verdadeiro “tesouro da igreja” são as “chaves”, isto é, a administração do evangelho e dos sacramentos na igreja, pois a graça da justificação, não é adquiri-da por obras meritórias, muito me-nos pelo comércio das indulgências, mas pelos méritos de Cristo. Em cartas e relatórios sobre o encontro com Cajetano, em 1518, Lutero enfatiza claramente a distinção en-tre aquisição da salvação (justifica-ção propter Christum, justificação propter merita Christi) e a oferta ou distribuição dos benefícios obtidos por Cristo por meio dos ministros de Cristo, na administração (justifi-cação per fidem Christi).

Até então, Lutero entendia, se-gundo havia aprendido na teologia escolástica, que a morte de Cristo obteria a graça ou justiça oferecida no batismo, mas a graça ou justiça

oferecida na penitência (ab-solvição), seria obtida pela fé ou conformi-dade do cris-tão à cruz de Cristo (confor-mitas Christi).

Filipenses 2.5-11 era, para Lutero, o paradigma dessa “segunda justifi-cação” posterior ao batismo (iustitia secunda), uma vida de penitência em conformidade com Cristo em sua humildade, obediência e cruz. A graça de Deus era revelada no evan-gelho como “juízo misericordioso” ou como “remédio amargo”, a saber, conformidade com a cruz de Cristo e contrição interior. Na absolvição e no sacramento, Lutero encontrava--se não com o Cordeiro de Deus (o perdão gratuito de todos os pe-cados), mas com o Juiz (perante o qual apenas a auto-acusação pode esperar misericórdia).

O conforto na teologia escolásti-ca pressupunha a doutrina do méri-to, pois somente as obras meritórias seriam indicativos da salvação futu-ra. Ao rejeitar a doutrina do mérito, restou a Lutero apenas a acusação da lei que destruía toda confiança em obras próprias, e o evangelho como juízo misericordioso, que exigia contrição ou auto-acusação inces-sante. Em certo sentido, o que con-duziu Lutero à angústia e pavor foi seu próprio desenvolvimento teoló-gico, pois a doutrina da lei tornou--se clara para Lutero muito antes dele chegar próximo de compreen-der que a doutrina do evangelho é a doutrina da graça e não a doutrina do juízo misericordioso de Deus. O testemunho de Lutero, em 1545, sobre o pavor e ódio que lhe cau-sava o termo “justiça de Deus” em

Romanos 1.17, ainda ao tempo da controvérsia com Roma, harmoni-za-se com as evidências de que des-de 1513 Lutero já desenvolvia o que chamaria, em 1518, de “teologia da cruz”. Como vimos, nesse período, Lutero buscou reinterpretar, à luz da distinção entre lei (obras da lei, justificação exterior) e evangelho (fé em Cristo, justificação interior), o conceito de Cristo como Juiz Mi-sericordioso (iudex misericors) e do evangelho como a revelação do “juízo da misericórdia” (iudicium misericordiae). Lutero, na verdade, estava opondo dois aspectos da lei, a exigência exterior da lei (obras em obediência aos mandamentos de Deus) e a exigência interior da lei (contrição e amor a Deus). Uma vez tendo negado toda possibilidade de mérito humano, não lhe restava se-não o caminho do desespero quanto à sua salvação eterna, porque a lei ja-mais conforta, somente acusa (Me-lanchthon: lex semper accusat).

Da mesma forma como Lute-ro compreendia “justiça de Deus” como “juízo misericordioso”, tam-bém identificava “coração puro” com “coração contrito e humilde” (Sl 51.11,19). Também interpreta-va in tua iustitia libera me (Sl 31.1; 71.2) como humilde resignação sob o juízo de Deus e conformidade interior com a cruz de Cristo (Fp 2.5-11). Essas passagens bíblicas eram, para Lutero, o fundamento (sedes doctrinae) do artigo da justi-ficação (locus iustificationis). Ele as interpretava, porém, em termos de humildade e negação de si mesmo, segundo o ideal monástico de con-formidade [com] e imitação a Cris-to (Gl 4.19). Ao final da controvér-sia, em 1521, Lutero chegaria a uma inteiramente nova compreensão de todas essas passagens bíblicas, a co-

Para Lutero, os sacramentos são o exercício

da fé que justifica o pecador perante Deus,

sem obras da lei, pois não há possibilidade de mérito

humano perante Deus.

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meçar por Romanos 1.17. O evan-gelho não era mais o anúncio de Cristo como “Juiz misericordioso” ou como “Médico” (também um “juiz”, diagnostica e impõe regime para o paciente), mas o anúncio de Cristo como “Cordeiro de Deus”. Justificação (fé) e regeneração (nova vida) passaram a ser relacionadas, com base em Romanos 5.15, como “graça” e “dom”: “Tudo é perdoado pela graça, mas nem tudo está cura-do pelo dom” (Contra Latomus, 1521).

Lutero já havia compreendido que a lei aponta para dentro do ser humano, denunciando todas as suas obras como pecado, destruindo toda a confiança quanto à possibili-dade de justificação por obras. Du-

rante a controvérsia, contudo, Lu-tero descobriu que não só o pecado ou as obras exteriores, mas também a contrição interior pertence ao re-gime da lei. Lutero jamais deixou de afirmar que a verdadeira contrição é essencial para a recepção dos sacra-mentos, mas nem a contrição inte-rior nem Jesus como legislador, juiz ou exemplo pertencem ao regime do evangelho, que é pura graça, per-dão gratuito de todos os pecados, misericórdia e salvação. Lutero pas-sou a ensinar de forma clara que o evangelho é o “testamento de Cris-to” (testamentum) ou a “promessa da graça” (promissio).

O evangelho aponta para fora de nós (extra nos), para a graça de Deus. A graça ou amor de Deus

não se baseia em nenhum mérito ou dignidade de nossa parte, porque a única dignidade que podemos ter diante de Deus é a fé na sua pala-vra e promessa de graça, de perdão, de vida e salvação. Deus não quer nossa permanente auto-acusação, mas nossa fé. A lei remove a con-fiança nas obras para dar lugar à fé e ao conforto do evangelho, não para nos deixar permanentemen-te em contrição. Em 1531, Lutero dirá que há um tempo da Lei e um tempo do Evangelho, ou que Moi-sés tem seu ofício na consciência, mas que cessa quando começa o ofí-cio de Cristo. O evangelho aponta para o Cristo pro nobis, o Cordeiro de Deus, como um presente para nós (donum), não o Cristo in nobis como sacramentum ou exemplar ao qual somos conformados e nem o Cristo coram nobis como exem-plum para ser imitado. O evangelho é promessa (promissio), ele não se ocupa de outra coisa do que anun-ciar a história de Cristo pro vobis, e a fé recebe Cristo pro me (Gl 2.20b: “vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim”).

A graça, escreveu Lutero no Pre-fácio ao Novo Testamento de 1522, não pode ser fragmentada. Lutero rejeitou completamente a distinção escolástica entre gratia prima (batis-mo) e gratia secunda (penitência), pois qualquer fragmentação na dou-trina da graça a transforma em dou-trina da lei e das obras meritórias. Na Explicação do Segundo Artigo do Credo nos Catecismos (1529), Lutero fala da remissão de todos os pecados, da morte, do inferno e do poder do diabo como benefício recebido de Cristo por seu santo e precioso sangue. A graça de Deus é o favor de Deus, é o próprio Deus

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propício e gracioso, que nos aceita ou justifica por graça, por causa de Cristo (propter Christum, propter merita Christi) e por meio da fé (per fidem) na promessa do evange-lho (promissio, testamentum, verba Christi).

Fragmentar a graça na doutrina da justificação ou na consciência (in loco iustificationis) é uma outra idéia de Deus do que a revelada do evan-gelho, mas não há meio termo, ou estamos sob a graça ou sob a ira de Deus. Se fragmentamos a doutrina da graça, fatalmente reintroduzimos a lei na consciência ou na doutrina da justificação, e fazemos de Cristo um novo Moisés. A indivisibilidade da graça de Deus, requer a distinção entre lei e evangelho. Em 1531, de-fendendo a doutrina da justificação pela fé, Lutero afirmou: tudo o que não é graça, é lei.

A justificação pela fé, igualmen-te, é sempre um ponto matemático, indivisível, porque a indivisibilida-de da graça requer a indivisibilidade da fé na justificação: a graça é um puro dar ou perdoar propter merita Christi (sola gratia) e a fé é um puro receber ou ser perdoado propter me-rita Christi (sola fide). A obra reden-tora de Cristo não pode ser dividida nem compartilhada (solus Chris-tus). Esse é o ponto matemático da justificação, na perspectiva divina, é iustitia dei activa, e na perspectiva humana, é iustitia dei passiva. Qual-quer fragmentação da graça ou da fé significa, na prática, a inversão dessa equação, tornando Deus o receptor e o homem o doador, fazendo de Cristo um legislador e juiz e não o Cordeiro de Deus. Por consequên-cia, toda Escritura divide-se entre a palavra da lei e a palavra da graça. A lei destrói a soberba da razão huma-na, pois a razão busca mérito pelo

cumprimento da lei quando a lei diz que nenhum mé-rito é possível. A graça ilumina a ra-zão, para que esteja a serviço de Deus, mas a graça, quan-do deixa-se ilumi-nar pela razão, já não é graça, mas lei (cf. Comen-tário de Gálatas, 1531/1535). Lei e evangelho, juntos, conduzem a Cris-to, em relação ao qual as Escrituras são como o presé-pio, a majedoura e os panos em que estava Jesus (sola Scriptura).

A doutrina da justificação dis-tingue, por um lado, a contrição interior produzida pela pregação da lei do conforto da fé na promessa da graça de Deus. Por outro lado, a doutrina da justificação distingue entre a fé na graça de Deus e a fé como novidade de vida, ou regene-ração, pela habitação do Espírito Santo com os seus dons. Segundo a “graça da justiça” ou o aspecto forense da justificação (em sentido lato), estamos reconciliados com Deus. Segundo o “dom da justiça” ou o aspecto sanativo da justificação (em sentido lato), lutamos contra o pecado em arrependimento diário. Ninguém é justificado por viver em fé, esperança e amor, mas quem está justificado vive em fé, esperança e amor. Os sacramentos são a pro-messa da graça recebida em fé, sem a qual não há justificação perante Deus. Mas os sacramentos também fortalecem o cristão em sua vida de

Lutero e Luteranismo

fé, esperança e amor, pois nos sacra-mentos Deus não só nos absolve dos pecados e nos coloca em nova rela-ção com ele, mas também envia a nós o Espírito Santo com seus dons. Pela fé na promessa da graça, o cris-tão já vive nos céus com Cristo. Pela fé, esperança e amor, o cristão desce dos céus e vem, como a chuva, regar a terra, isto é, louvar a Deus, servir ao próximo e dar testemunho da es-perança sob a cruz.

Sem distinguir lei e evangelho, portanto, não é possível encontrar nas Escrituras o seu tesouro mais precioso, a revelação da graça de Deus como amor que não mere-cemos e em relação ao qual jamais podemos nos tornar dignos. So-mos e seremos, diante da Escritura, sempre mendigos enriquecidos pela graça de Deus que não tem fim. Wir sind alle bettler. Hoc est verum.

Rev. Luisivan Vellar Strelow, pastor da Igreja Evangélica Luteana do Brasil

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Uma igreja que quer ser luterana, precisa, de todas as formas conhecer as suas ori-

gens. No desenvolvimento da Reforma, a música é um dos elementos que teve grande papel. Sem os hinos de Lutero, a Reforma, teria acontecido igualmente, pois afinal, ela foi obra de Deus, mas jamais teria o impac-to que teve. Ser igreja luterana requer dela não apenas conhecer a teologia luterana, mas também conhecer o contexto em que ele nas-ceu. E para quem quer co-nhecer o fato histórico da Re-forma, precisa necessariamen-te conhecer também sobre a importância que a música teve para concretizá-la.

Neste trabalho não me proponho a fazer uma análise crítica dos textos dos hinos de Lutero. O trabalho quer ape-nas constatar a importância que eles tiveram na sua época para firmar a Reforma, bem como mostrar que a Reforma de hoje será melhor sucedida, quando aliada à uma hinódia firmada na Es-critura com música contextualizada com nossa época.

que houve, porém, na igreja um período em torno de mil anos, onde a voz da congregação foi silenciada. Do-nal P. Hustad explica como isso aconteceu:

Depois do século IV, quando o cristianismo co-meçou a crescer rapidamente e particularmente quando a adoração se tornou sacerdotal (execu-tada pelos sacerdotes) o cântico foi confiado a um côro de sacerdotes. Para todos os propósitos práticos a voz da congregação foi silenciada por mil anos da história cristã. A Schola Cantorum foi estabe-lecida por Gregóio, o Grande (ci 540-604), para padronizar e ensinar o cantochão oficial da igreja (...) A tradição de se usar apenas vozes masculinas para a música se origina do conceito de que ado-ração é conduzida apenas por sacerdotes; conse-qüentemente, as partes de voz mais baixas eram supridas por homens que faziam parte de ordens sacerdotais menores.1

A importância dos hinos de Luteropara o estabelecimento da Reforma

Rev. David Karnoppmúsica e adoração

Sem os hinos de Lutero, a Reforma,

teria acontecido igualmente, pois afinal, ela foi obra de Deus, mas jamais teria o impacto que teve.

1. A Música na igreja antes de Lutero

E para compreendermos melhor o que representou a hinódia de Lutero no estabelecimento da Reforma, precisamos conhecer um pouco a respeito da música na igreja antes de Lutero. Não é, porém, objetivo deste trabalho descrever longamente sobre este período. Mas dois fatos nos interessam. O primeiro é que na igreja primitiva o cântico era congregacional, como também o foi nos temos do Antigo Testamento. E o segundo é

É preciso lembrar ainda que a língua usada oficial-mente na igreja era o latim. As missas eram realizadas no latim. No entanto, a grande parte do povo cristão, pelo mundo afora, não o compreendia plenamente e, em conseqüência disso entendia poucas palavras que ouvia na igreja. Naturalmente o canto da congregação e toda participação do povo no culto também foi afe-tado. Com isso a missa e o canto da congregação foram legados cada vez mais ao clero, restringindo assim, a voz da congregação.

Mas pela glória de Deus este período nebuloso da igreja terminou quando surgiu Lutero, a Reforma e a sua hinódia. A partir de Lutero, a história da música na igreja passa a ter um novo capítulo: “O canto congrega-cional.” Lutero é conhecido como a pessoa que recupe-rou a doutrina do sacerdócio de todos os crentes. Com

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A importância dos hinos de Luteropara o estabelecimento da Reforma

ela em mente ele batalhou para que a Palavra de Deus e o hinário fossem co-locados nas mãos do povo, em sua pró-pria língua. A igreja agora não era mais composta apenas por monges e padres, era a própria assembléia dos fiéis. To-dos os cristãos deviam fazer parte da adoração pública. E foi no aspecto do culto e do canto congregacional onde esta doutrina foi colocada em prática de forma muito brilhante e onde teve suas maiores realizações. Assim Lutero reintegrou a participação da congrega-ção no culto da igreja. Gustav Just sa-lienta isso, quando diz:

Ao estabelecer a ordem do culto divino Lutero se preocupou muito com o fato de que o canto não se restringisse apenas aos clérigos e meninos de côro, mas que a comunidade toda de--vesse cantar seus hinos em louvor a Deus nos céus, e isso, em sua querida língua materna.2

Desta forma Lutero pode ser considerado o pai do canto congregacional. Neste aspecto, querendo ser lute-rano de fato, talvez temos muito o que aprender ainda.

2. O que Significava

Deus. Ela é inimiga de Satanás, através da qual pode-se espantar muita tentação e maus pensa-mentos. O diabo não a aprecia. A música é uma das mais belas artes. A melodia dá vida ao tex-to. A música espanta o espírito da tristeza, como se pode ver na história do rei Saul. A música é o melhor remédio para quem está triste, pois devolve paz ao coração, renova e refrigera. A música é um belo e glorioso presente de Deus, muito semelhante à teologia. Eu não trocaria meus poucos dons de música por nada neste mundo. Deveríamos ensi-nar esta arte aos jovens, pois ela os torna gente boa e habilidosa.4

Merle D’Aubigne também registra este sentimento: Certo dia, quando amigos cantavam lindos hinos em sua casa, ele exclamou com entusiasmo: “Se o Senhor Deus espalhou tão admiráveis dons nesta terra, que não passa de um obscuro recanto, como não será na vida eterna onde tudo é perfeição.” 5

Numa carta a Ludovico Senfl Lutero também ex-

Lutero tocava alguns instrumentos,

especialmente o alaúde e a flauta. Também gostava de cantar.

a Música Para Lutero?

Lutero admirava as artes, especialmente a música. Lutero era músico. Tocava alguns instrumentos, espe-cialmente o alúde e a flauta. Também gostava de cantar. “Era um exelente cantor, tendo uma bela e agradável voz de tom grave” 3. Com o dom de cantar e tocar, teve portas abertas para reintro-duzir a música na igreja.

Na história da Reforma a música ocupa seguramen-te um dos mais emocionantes capítulos. Para Lutero a música tinha um valor muito especial. Ela não era ape-nas mais uma atividade que fazia parte da sua vida e seu trabalho. Ela fazia parte do seu próprio sentimento. Nos seus escritos, quando fala sobre a música, percebe--se que ele escreve com “o coração”. Algumas declara-ções suas sobre a música são impressionantes:

A música é um dos mais belos e gloriosos dons de

pressa este sentimento:Não há dúvida alguma de que o germe de muitas virtudes está presente nas personalidades que são sensíveis à música; aquelas pessoas, entretanto, que não são tocadas por ela, acre-dito que se parecem muito com toros de madeira e blocos de pedra. Pois sabemos que os demônios odeiam e não suportam a música. Dou minha opinião bem franca e não he-sito em afirmar que, depois da teologia, não existe arte que se possa equiparar à música, porque so--mente ela, depois da teologia, é que consegue uma

música e adoração

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coisa que no mais só a teologia proporci-ona: um coração tranqüilo e alegre. Uma prova muito clara disto é que o diabo, o causador de tristes preocupa-ções e de tumultos perturbadores, foge do som da música quase tanto como da palavra da teologia.(...) Mas que estou eu louvando a música, tentan-do pintar, ou melhor, desfigurar algo tão grande em pedaço de papel tão pequenino? Acontece que é muito forte e está transbordando o meu amor pela música, que por diversas vezes me deu conforto e me li-vrou de grandes aflições.6

Lutero entendia que cantar, era algo que deveria fluir naturalmente do cristão. No prefácio do Hinário de Wittemberg, de 1524, o primeiro hinário Luterano, Lutero se expressa dizendo: “Acredito que nenhum cris-tão ignora que cantar hinos sacros é coisa boa e agradável a Deus” 7

O reformador era da opinião de que a música na igreja devia servir como meio educativo. Neste mes-mo prefácio ele diz que gostaria que a juventude fosse ser educada na música e outras artes e “que tivesse algo que lhe permitisse libertar-se das canções de amor e ou-tros cantos profanos, aprendendo algo de sadio em seu lu-gar”8. Numa outra ocasião se expressou dizendo que: “A música é um auxílio à disciplina e à educação; ela torna os homens mais amáveis, melhores, mais sociáveis, mais razoáveis.” 9

Para Lutero a música na igreja tem especialmente a finalidade de “difundir e promover o sagrado Evange-lho”10. Falando do apóstolo Paulo, o qual recomenda aos colossenses cantarem (Cl 3.16), diz ele que a música na igreja deve servir para “difundir a doutrina cristã, a fim de que ela seja praticada de toda maneira possível.”11 Ao falar da mú-sica como um dom de Deus, Lutero se expressa dizendo:

After all, the gift of language combined with the gift of song was only given to man to let him know that he should praise God with both word and music, namely, by proclaiming [the Word of God] throug music and by providing sweet melodies with words.12

Lutero foi o grande batalhador para que as Escri-

fizeram outros. Afinal ela poderia atrapalhar esta com-preensão. Mas Lutero vê as artes como dom de Deus e diz que “gostaria de ver todas as artes, particularmente a música a serviço daquele que as doou e criou”. Por isso ele pedia que “cada cristão a tolere e, no caso de Deus lha ter

música e adoração

turas fossem ouvidas e compreendi-das. Para ele cada palavra era importante. Com isso deveria se imaginar que ele fosse abolir a música das atividades da igreja, e manter apenas a leitura dos textos dos hinos, como o

concedido em grau maior ou idêntico, (a ele) que ajude a promo-vê-la”13.

Os hinos de Lutero são, acima de tudo, uma con-fissão de fé cristã. Eles surgiram das suas experiências de lutas e vitórias de fé. O conteúdo bíblico e doutri-nário deles revela esta convicção cristã e denuncia que ele perseguia o objetivo de proclamar a palavra de Deus através da música. A música é um dos fatores presentes na igreja desde o seu início. Mas é à partir da Reforma que as grandes campanhas evangelísticas e mesmo o

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trabalho em geral das igrejas, vêm se aliando e apoian-do na música e encontrando por meio dela uma facili-dade maior de propagar aquilo que ensinam.

3. Surgem os Primeiros Hinários

tero teve o desejo de colocar nas mãos do povo uma coletânea de hinos. Para ver este objetivo concluído, in-centivou amigos a colaborarem. Em fins 1523 escrevia a Espalatino:

Seguindo o exemplo dos profetas e Pais da Igreja, estou disposto, a compor salmos em língua alemã para o povo, de modo que a Palavra de Deus seja preservada entre o povo também por meio do canto (...) Eu lhe rogo que trabalhes conosco neste assun-to e adapte alguns dos sal-mos em hinos.”14.

música e adoração

Luteranos

É nesta visão de música que surge o primeiro hiná-rio. E apesar da profundidade doutrinária, da clareza dos seus hinos, da riqueza poética, Lutero era humil-de em dizer que não possuía o dom da poesia. Mesmo assim, desde cedo, viu o quanto eram importantes os hinos para que o povo pudesse aprender a Palavra por meio da música, e melhor louvar a Deus. Por isso Lu-

Por esta carta pode-se supor que Lutero tenha es-crito outras cartas para outros ami-gos, solicitando no-vos hinos. De qualquer forma Lutero preocupou-se em compor hinos sacros na língua do povo, que tivessem conteúdo bíblico, especialmente de acordo com os sal-mos, que pudessem ocupar o lugar dos hinos que antes eram cantados em latim. Alías, a característica que mar-ca a hinódia de Lutero é que ela está profundamente apoiada na palavra de Deus.

O primeiro hinário surgiu em 1524 com apenas oito hinos acompanhados de notas musicais conhecido como Achtliederbuch. Quando foi editado, estes hinos já eram canta-dos em Wittenberg. Quatro deles eram da autoria de Lutero. Uma das primeiras composições de Lutero foi o hino: Nun Freut Euch, Lieben Chris-ten G’Mein15 (Vós crentes, todos exultai). Com este hino Lutero abriu o caminho para um novo elemento na igreja cristã: a música. Não que antes não houves-se música na igreja. Mas à partir da Reforma a música começa a tomar um grande lugar na vida do povo de Deus e a igreja cristã se identifica muito mais com ela do que antes da Reforma. Milhões de hinos foram es-critos depois deste primeiro hino pelo mundo afora. E hoje seria impossível alguém contar os hinos cristãos existentes no mundo.

Mas Lutero parece não ter ficado satisfeito com este primeiro hinário. Ainda no ano de 1524 foi editado o segundo hinário, pelo amigo e músico Johann Walter, com o nome de Geistliche Gesangbüchlein com 32 hi-nos, dos quais 24 eram de autoria de Lutero. Paralela-mente foram publicados dois hinários contendo 25 hi-nos por editores diferentes com os mesmos hinos, mas com ordem diferente. Este segundo hinário, a princípio não foi designado para a congregação, mas para o coral. Ele era composto por motetos. Acontece que Lutero queria que seus hinos fossem cantados primeiro pelo

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coral para então familiarizar toda a congregação16. Ali-ás, esta ainda é uma prática existe na IELB e que tem dado bons resultados.

É verdade que nem tudo era composição própria. Lutero e outros basearam seus hinos nos salmos, man-damentos e histórias da Bíblia. Canções folclóricas e populares fo-ram transformadas em hinos novos para a igreja. Alguns hinos foram parafraseados de hinos lati-nos. Outros tiveram apenas algumas palavras modifica-das. Além disso Lutero e outros receberam influências dos estilos musicais e poéticos da época. Estes aspectos na época não era exatamente um plágio, pois ainda não haviam leis de imprensa. Um hino era objeto de domí-nio público.

Outro fato em torno do qual tem havido dú-vidas e debates é se Lute-ro foi autor tam-bém das músicas dos seus hinos. É verdade que algumas ele tomou emprestadas. Por outro lado, Lutero foi mú-sico. E na sua época o poeta e o músico era geralmente o mesmo. A partir disso aceita-se que, se não de todas as músicas, mas uma grande parte são de sua autoria17.

O que nos interessa saber em nossos dias, é que Lutero viu na música um aliado importante na propa-gação da verdade eterna. E nisso Lutero se empenhou com todas as suas forças. Esse esforço podemos ver na própria quantidade de hinos. Do primeiro hinário

eram de sua autoria a metade dos hinos. Do segundo, além de ter sido lançado pouco tempo depois, mais da metade eram de sua autoria. No total, Lutero compôs aproximadamente 37 hinos. Este não é um número exato, pois de alguns hinos ele apenas modificou algu-mas palavras. E de outros apenas acrescentou uma ou duas estrofes. Por outro lado, também precisamos con-siderar que alguns dos seus hinos contêm de dez à quin-ze estrofes e de seis à nove linhas cada estrofe. Ou seja, uma verdadeira obra literária. Esse fenômeno poético--musical presente na propagação da causa da reforma, precisamos redescobri-lo na igreja de hoje.

Vários hinários sucederam a estes dois, ainda no tempo de Lutero. Como o povo começou a cantar muito mais, publicar hinários tornou-se também numa questão de negócio. Desta forma, já nesta época, come-çaram aparecer “piratarias” de hinários. Daí, para dar um toque de originalidade e para demonstrar a aprova-ção de Lutero, muitos editores faziam questão de que Lutero escrevesse o prefácio. E realmente ele se dispôs a escrever vários. Nestes prefácios pode-se dizer que Lu-tero deixou registrada sua filosofia de música e poesia cristã18.

música e adoração

Os hinos de Lutero foram da maior

importância para que a Reforma fosse

realidade.

4. A Importância da Hinódia de Lutero Para a Reforma

A Reforma luterana se divulgou muito rápido por toda Europa. O motivo disso não foram apenas os es-

critos e conferências de Lutero. Os hinos de Lutero foram da maior importância para que a Reforma fosse realidade. Seus hinos produ-ziram um impacto fora do comum. O povo cantava na igreja e fora dela. “Eles chegaram a ser publicados em cartazes e apregoados pe-las ruas da Europa”19. Thedore Hoelty-Nickel diz que eles eram levados de um lugar para outro por meio de panfletos e até por trova-dores ambulantes. Eram memorizados na lín-gua alemã e assim abriam o caminho para a Reforma20. A voz da congregação por tantos anos reprimida, agora, além de poder cantar, cantava confessando a fé e a alegria pela salva-ção. No culto agora havia mais participação do povo, pois podiam adorar na língua que sabiam falar. E as pessoas não se cansavam de cantar. Nas congregações pela Alemanha e depois pelo mundo afora os hinos de Lu-

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Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 35

tero e outros que nasceram da Reforma, levavam o evange-lho até mais rápido do que os sermões, preleções e debates, transformando milhares de corações. Rodolfo F. Hasse, falando deste impacto, diz que: “Houve mesmo casos em que, quando atacado o refor-mador pelos sacerdotes católicos na igreja, o povo se levantava e se retirava entoando hinos de Lutero”21. É, portanto, des-ta época que vem o conceito de que “a Igreja Luterana é a Igreja que canta”. O jesuíta Adam Conzenius, um dos inimigos da Reforma expressou seu descontentamen-to dizendo que: “É cantando que o povo adere à igreja herética; os hinos de Lutero atraíram mais almas do que seus escritos e sermões”22. Houve outros que foram con-tra a Reforma e que expressaram a sua opinião a respei-to dos hinos de Lutero. Talvez sem se darem de conta e pensando causarem uma derrota, acabaram ajudando a registrar o fenômeno da hinódia de Lutero na época.

A respeito da eficácia dos hinos de Lutero Gustav Just registra um dado pitoresco:

Em Braunschweig, um sacerdote manifestou ao duque o seu descontentamento pelo fato de que até na capela do paço se cantavam hinos luteranos. O duque, que comumente se mostrava agastado em relação a Lutero, quis saber de que hino se tratava e qual era o seu conteúdo. Quando o sacerdote in-formou que o nome do hino era: “Queira Deus nos ser gracioso”, o duque repreendeu-o dizendo: “Ora,

deve, por acaso, o diabo nos ser gracioso? Quem, afinal, deve ser gracioso para conosco, se não o pró-prio Deus?”23

Tilemann Heshusius, amigo de Lutero, que editou um hinário alemão em 1565, portanto após a sua mor-te, falando deste impacto se manifestou: “O hino ‘Vós crentes, todos exultai’ sozinho levou centenas de pessoas à fé cristã; pessoas que antes nem queriam saber do nome de Lutero”24.

Os hinos de Lutero realmente deixaram profundas marcas na história da igreja. Na introdução da Citha-ra Lutheri, de 1569 Cyriakus Spangenberg revela este impacto:

Of all the mastersingers since the time of the apos-tles, Luther is the best and most artful. In his

hymns and song one cannot find an unnecessary word. Everything flows beautifully and ar-tistically, full of spirit and doctrine, and each word seems like a sermon, or at le-ast a reminder of a sermon. There is nothing forced or artificial. The rhymes are good, the words well chosen and artistic, the meaning clear and unmistakable, the melo-dies attractive and warm. Altoge-ther his songs are wonderfully rich

and powerful without equal and unsurpassed by other masters.25

música e adoração

Os hinos de Lutero...1. Eram fáceis de assimilar;2. Tinham a linguagem do povo,

simples e direta;3. Tinho objetivos pedagógicos;4. Tinham mensagem de profundo

consolo;5. Tinham a música contextualizada

Além disso, ainda podemos destacar outros fatores dos hinos de Lutero, que os tornaram fundamentais no estabelecimento da reforma:

1. Eram fáceis de assimilar. Percebe-se nos hi-nos de Lutero uma sequência lógica do conteúdo. Ele não procura despejar muitos conteúdos num hino só. É como contar uma história, ou como um sermão, que tem tema e partes. Isso ajuda na assimilação do conteú-do dos hinos.

2. Tinham a linguagem do povo, simples e direta. Tudo o que Lutero escreveu e traduziu estava apoiado numa preocupação: fazer com que o povo compreendesse. Seus hinos não fugi-ram desta regra. Em fins de 1523, numa carta que escrevia a Espalatino solicitando-o que auxiliasse na composição e adaptação de hinos, Lutero se expressou:

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36 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

Rogo-vos, sem embargo, que eviteis o uso de pala-vras novas e expressões da corte, a fim de que o povo possa entender facilmente. Que as palavras sejam o mais simples, porém puras e adequadas, e vede que seu significado seja claro e o mais parecido com os salmos.26

3. Tinham objetivos pedagógicos. Os hinos de Lutero serviram para ensinar as ênfa-ses prin-cipais da doutrina luterana. Neles Lutero des-creve sobre: pecado, arrependimento, perdão, graça, fé, salvação, nova vida em Cristo, palavra de Deus, batismo, santa ceia, morte e eternidade. Através dos hinos o povo pode aprender os ensi-nos da reforma.

4. Tinham mensagem de profundo conso-lo. Depois de uma longa idade das trevas, agora podia-se ouvir e cantar hinos que confortavam as almas tristes. E os hinos de Lutero eram, acima de tudo, firmados na Escritura. Portanto, não ofere-ciam um consolo barato, mas o consolo da infini-ta graça de Deus revelada na Palavra.

5. Tinham a música contextualizada. Lutero além de compor música, tomou músicas folclóri-cas emprestadas da sua época. Exemplo disso é a melodia de Wach auf, wach auf, du schöne (Acor-da, acorda oh tu beleza) que Lutero usou para um

dos seus primeiros hinos Nun Freut Euch, Lieben Christen G”Mein (Vós crentes, todos, exultai)27. A música que Lutero e outros do seu tempo usa-ram era música da época. Neste aspecto, me pa-rece, que não viemos tendo uma “reforma” conti-nuada. É verdade que têm havido alguns esforços isolados em ter a nossa hinódia numa música contextualizada. Mas por outro, têm havido di-ficuldades em aceitar “oficialmente” músicas da nossa época e da realidade brasileira.

O êxito da Reforma deve-se, portanto, em grande parte, ao fato de Lutero ter sabido unir o conteúdo pro-fundo, claro e bíblico com a música agradável da época. É verdade que essa é uma verdadeira arte. Mas para o crescimento da igreja de hoje é fundamental conti-nuar unindo o útil com o agradável.

Conclusão

Uma igreja luterana no seu sentido pleno, procura conhecer todos os aspectos que fizeram parte da vida de Lutero e da Reforma. A música em Lutero e seus hi-nos, certamente são aspectos de grande relevância para quem é herdeiro da Reforma. A igreja luterana já foi chamada de “a igreja que canta”, e sempre será assim chamada se ela tomar como prática aquilo que a música representou no contexto da Reforma.

Rev. David Karnopp, - Vacaria-RS pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

música e adoração

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Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 37

Notas

1. Donald P. HUSTAD A Música na Igreja. São Paulo: Edições Vida Nova. 1991. Trad. de Adiel Almeida de Oliveira. p. 109

2. Gustav JUST, Deus despertou Lutero. Trad. Gastão Thomé. Por-to Alegre: Concórdia Editora Ltda. l983 p. 117

3. Leopoldo HEIMANN, in Mensageiro Luterano Novembro de 1982 p. 03

4. Castelo Forte 07 de Maio de 1983. Trad. de Vilson Scholz. Porto Alegre: Concórdia Editora Ltda, São Leopoldo: Editora Sinodal

5. J.H.Merle D’AUBIGNE, História da Reforma do XVI Século. Trad. de J. Carvalho. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana. Vol. III cap.IX p. 200

6. Martinho LUTERO. Pelo Evangelho de Cristo. Carta a Ludovico Senfl. Porto Alegre: Concórdia Editora. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1984 p. 216

7. Idem. Prefácio do Hinário de Wittemberg. p.2038. Idem, Ibdem p. 2039. Citado por Leopoldo HEIMANN. Lutero era Músico. in Mensa-

geiro Luterano Nov. 83 p. 0310. Martinho LUTERO Pelo Evangelho de Cristo. Op. cit p. 20311. Idem Ibdem p.20312. Martin LUTHER. Preface to Georg Rhau’s Symphonieae Iucun-

dae in Luther’s Works Liturgy and Hymns. Vol.53. Edited and translated by Ulrich S. LEOPOLD. Philadelphia: Fortress Press, 1965 p. 323

13. Martinho LUTERO Pelo Evangelho de Cristo. Op. cit p. 20314. Citado por Theodore HOELTY-NICKEL intitulado por Lutheran

Hymnody no quarto volume da obra Luther and Culture. De-corah Iowa: Luther College Press. 1960 p.176

15. Este hino foi escrito em 1523 e normalmente é reconhecido como sendo o primeiro de Lutero. Acontece, porém, que neste mesmo ano, Lutero escreveu outros hinos, entre os quais o Ein neues Lied wir heben an. Neste hino de doze estrofes com nove linhas cada uma, Lutero retrata a história da persegui-ção ao convento agostiniano de Antuérpeia e o martírio dos monges Heinrich Voes e Johann Esch, que aconteceu em 1º de Julho de 1523 e que se tornaram os primeiros mártires

BibliografiaBAINTON, Roland H. Martin Lutero. 3. ed. Trad. de Raquel Lozada. Mexico: Ediciones Cupsa, l989D’AUBIGNÉ, J.H. Merle. História da Reforma do XVI Século, Vol III. Tradução de J. Carvalho. São Paulo: Casa Editôra Pres-

biterianaHASSE, Rodolpho F. Frei Martinho Restaurador da Verdade. 3.ed. Porto Alegre: Concórdia Editora, 1983HEIMANN, Leopoldo. Lutero Era Músico in Mensageiro Luterano. Novembro de 1982 p. 03 HOLTY-NICKEL, Theodore Lutheran Hymnody in Luther and Culture Vol 4. Decorah Iowa: Luther College Press, 1960 pp.

162-182 HUSTAD, Donald P. A Música na Igreja. 1. ed. reimpressa. Trad. de Adiel Almeida de Oliveira. São Paulo: Edições Vida Nova,

1991 JUST, Gustav. Deus Despertou Lutero. Tradução de Gastão Thomé. Porto Alegre: Concórdia editora Ltda, 1983 KEITH, Edmond D. Hinódia Cristã. Tradução de Bennie May Oliver Rio de Janeiro: Casa Publicadora BatistaLAU, Franz Lutero. Tradução de Walter O. Schlupp. 2. ed. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1980LUTERO, Martinho. A Música in Castelo Forte 1983. Trad. de Ilson Kayser e Vilson Scholz. Porto Alegre:Concór-dia Ltda. São

Leopoldo: Editora Sinodal (01 à 07 de Maio) LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Tradução de Walter O. Schlupp. Porto Alegre: Concórdia ditora Ltda, São

Leopoldo: Editora Sinodal, 1984 (pp. 203-231)LUTERO, Martinho. Obras selecionadas Vol 7. Comissão Interluterana de Literatura. São Leopoldo: Editora Sinodal, Porto

Alegre:Concórdia Editora, 2000LUTHER, Martin. Luther’s Works Vol.53 Edited by Ulrich LEOPOLD. Philadelphia: Fortress Press, 1965PATRICK, Millar. The Story of the Church’s Song. Richmond, Virginia: John Knox Press, 1962

da Reforma. (Veja mais detalhes em J.H.Merle D’Aubigne op.cit pp. 157-164). Parece-me que, por ser uma descrição de um fato histórico, este hino não recebeu lugar na maioria dos hinários. Mas nas principais obras de Lutero ficou registra-do como mais um escrito de Lutero. Este hino também é reconhecido como sendo o primeiro. (Veja em Martinho Lutero. Obras selecionadas Vol 7. P 485-489) Mas considerando que, o fato que hino descreve aconteceu já na metade do ano e que no mesmo ano Lutero escreveu outros hinos, sou inclinado à crer que o primeiro hino de Lutero seja o Nun Freut euch, Lieben Christen G’Mein.

16. Ulrich S. LEOPOLD in op.cit. p. 19317. Um amplo debate sobre esta questão está no 3º Volume do

Luther’s Work Op. cit pp.201-20518. Sobre os prefácios de Lutero para vários hinários veja em

Luther’s Work Op cit pp.311-33419. Donald P HUSTAD, op. cit., p.28920. Theodore Hoelty-Nickel, op. cit., p. 16921. Rodolfo F. HASSE, Frei Martinho Restaurador da Verdade. Por-

to Alegre: Concórdia Editora 3ª ed., 1983 p. 9022. Gustav JUST, Ibidem.23. Idem, ibid.24. Millar PATRICK. The Story of the Church’s Song. Richmond, Vir-

ginia.: John Knox Press. 1962. p.7625. Citado por Theodore HOELTY-NICKEL, op.cit., p.162 26. Citado por Martinho KREBS. A Música Sacra, no Lar Cristão

1986 Porto Alegre: Concórdia, p. 6727. HUSTAD. Donald P. op.cit., p.126

música e adoração

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38 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

HomiLética: artigo

O reformador Martinho Lutero usava as mais di-ferentes plataformas para ensinar sobre os mais

variados temas bíblicos. Uma das mais importantes era as suas pregações.

A seguir, uma síntese do seu ensino acerca do minis-tério pastoral em alguns dos seus sermões.

O ministro precisa ser chamado

Qualquer um que ten-ciona ocupar o ofício do ministério público preci-sa ser chamado. Antes de tudo, é preciso ser chamado pelo próprio Deus; é preci-so ser enviado por Deus assim como Cristo foi enviado pelo Pai ( João 3.34 — pregado em setembro de 1538). Este chamado, no entanto, não vem diretamente de Deus (como aconteceu com os profetas e apóstolos). Deus usa um instrumento humano — a igreja (ou a

congregação). Isto signifi-ca que o ministro precisa ser escolhido ou comissio-nado pelo consenso dos membros (Lucas 14.1-11 — pregado em 5 de outu-bro de 1544). É no ritual da ordenação que os membros (ou a congregação) con-cedem ao ministro uma vocação especial a ser desem-penhada em seu nome e em favor deste ofício. O ofício do ministério não pertence ao pastor, mas a todos os membros; é um ofício público. ( João 3.34; 7.16-18 — pregado em julho de 1531; 10.1-11 — pregado em 1522).

Lutero prega sobre o ministério pastoral

Rev. Dieter Joel Jagnow

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Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 39

precisa ser estendido a todas as pessoas livre e gratuita-mente (Mateus 20.24-28 — pregado em 5 de dezem-bro de 1537).

O ministro tem autoridade

Como mensageiro de Deus no ministério público, o pastor tem o direito de julgar assuntos relativos à doutrina e à vida (Mateus 7.1-2 — possivelmente pre-gado em 1531). O julgamento feito pelo ministro é o julgamento de Cristo e de Deus (Mateus 16.13-19). Esta autoridade é espiritual e significa pregar e ensinar corretamente a Lei e o Evangelho de Deus. Certo disso, o ministro precisa pregar com poder e sem medo; abrir a boca é uma característica do seu ministério (Mateus 5.1-2)

O bom ministro tem marcas

O bom ministro de Deus possui marcas que o identi-ficam, afirma Lutero: a) O ministro precisa ser verdadei-ro, isto, pregar a verdadeira Palavra de Deus (João 8.12 — pregado em setembro de 1531) e praticar o que ensina. A sua fé é provada p e -las suas ações. Onde doutrina e obras combinam, frutos s ã o produzidos (Mateus 8.1-13). Para tanto, é fundamental que ele esteja convencido que a sua doutri-na e mensagem é verdadeira, isto é, a Palavra de Deus. Ele precisa poder sentir orgulho disso. Se não puder, é um traidor (João 8.12); b) O ministro precisa ser hu-milde, isto é, servir às pessoas com humildade. Ele não é um ministro a fim de ser grande (João 13.1-17), alme-jar pompa e glória (João 10.11-16), poder ou um grande salário (Mateus 20.24-28). Como é chamado para ser-vir, precisa resistir à maior tentação que enfrenta: hon-ra e lucro (João 10.11-16); c) O ministro precisa amar — amar o seu rebanho como uma mãe ama o seu filho (João 19.25-37). Se ele não ama, seu rebanho será mal servido e logo se tornará preguiçoso e desgostoso; d) O ministro precisa reter a sua liberdade, isto é, ele precisa ser livre a fim de pregar a Palavra de Deus sem medo. Se ele almeja riquezas ou está preocupado em perder popu-laridade e amizades, ele não pode pregar o que deveria (Mateus 6.33 — pregado em 1532).

Rev. Dieter Joel Jagnow - Ribeirão Preto-SP jornalista e pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

HomiLética: artigo

O ministro é um mensageiro

O ministro é um mensageiro de Deus, diz Lutero. Como tal, ele precisa pregar a palavra de Deus. Somen-te assim ele pode ser reconhecido como um verdadei-ro ministro e mensageiro de Deus. Não existe praga e infortúnio maior na terra do que um ministro que não prega o que Deus lhe ordenou o que pregasse. Se a Palavra de Deus não é pregada, seu poder e seu ofício deixam de existir (Lucas 2.1-14; Mateus 5.1-2 — pre-gado em 1532; João 10.11-16). O ministro somente pode pregar os santos propósitos de Deus de se relacio-nar continuamente com ele. (Lucas 2.1-14). Sendo um verdadeiro mensageiro de Deus, as palavras do prega-dor são palavras de Deus; as palavras que emprega são, na verdade, ditas por Deus. E sendo mensageiro de Deus, o pastor é um ca-nal através do qual Cristo transmite seu Evangelho do Pai para todas as pesso-as ( João 14.10).

O ministro tem tarefas

O ministro ocupa este ofício para executar certas tarefas, diz Lutero. A mais importante tarefa é a prega-ção da Palavra e a administração dos sacramentos. Esta tarefa é tão importante porque através destes meios da graça as pessoas são, através da fé em Cristo, guiadas à vida eterna no céu (Mateus 7.22-23 — possivelmente pregado em 1531) e fortalecidas na fé salvadora (Ma-teus 11.25-30 — pregado em 15 de fevereiro de 1546).

O pastor também é ordenado para fazer uso do ofí-cio das chaves que Cristo deu a Igreja; para julgar e ab-solver (Mateus 16.13-19 — pregado em 29 de junho de 1519). Assim, ele é chamado para auxiliar a Cristo em seu ministério de repreender e perdoar pecados (Lucas 7.36-50).

Tudo isso mostra que o ministro é chamado para servir às pessoas, para cuidar do rebanho como um bom ou verdadeiro pastor ( João 10.11-16 — pregado

em 1522). Ele executa esta tarefa através de en-sino, instrução, conforto e exortação com a Pala-vra de Deus. Este serviço

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40 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

“Liberdade cristã” foi um dos temas prediletos do reformador Martinho Lutero. Para ele, o tema ti-

nha basicamente três ênfases: liberdade da igreja insti-tucional, liberdade da tradição e liberdade da razão. A seguir, uma síntese do que Lutero ensinou.

Razão humana

Para Lutero, a verdadeira liberdade cristã passa pela liberdade da falsa e pretensa autoridade da razão hu-mana. A razão humana sempre quer moldar o coração e a fé das pessoas, seja em nível individual ou coletivo. Ela quer mostrar quais são os caminhos da verdadeira espiritualidade. Ela entrona e destrona deuses. Ela cria céus e destrói infernos. Ela anda de mãos dadas com o misticismo, com a astrologia, com filosofias. Ela tem uma capacidade essencial de produzir idolatria e incre-dulidade. O seu maior perigo reside, em suma, em sua capacidade e natureza de se opor à Palavra de Deus.

Para garantir a liberdade cristã, a Igreja tem o dever levantar, sempre que necessário, a Palavra de Deus con-tra as idolatrias produzidas pela razão humana na épo-ca em que vive. A verdadeira liberdade cristã somente é exercida quando a razão humana é mantida cativa sob a obediência a Cristo.

ela não pode discriminar. Sendo de origem e essência divina, ela não está sujeita a autoridades terrenas, mas ao senhorio de Jesus Cristo. Ela sempre sofre e sai do seu curso quando se torna um palanque político ou um rebanho servil de algumas pessoas. Sempre que pessoas usurpam o senhorio de Jesus, a Igreja padece.

A Igreja se torna real e vital sempre que um grupo de cristãos se reúne para ouvir a Palavra e receber os Sacramentos. É neste exercício que se fortalece e se pre-para verdadeira liberdade cristã para gestos concretos de amor. É a fé ativa no amor.

Tradição humana

Para Lutero, a verdadeira li-berdade cristã passa pela liber-dade de tradições humanas. Costumes e tradições se desenvolvem em qualquer organização humana, inclu-sive na Igreja. Algumas são boas e devem ser mantidas. Outras são ruins e devem ser descartadas.

Parte do dia-a-dia da Igreja é vivido como resultado de tradições humanas. Por isso, ela precisa ter a sabe-doria de examinar-se sobre a validade das tradições que pratica de acordo com a época em que vive. Ela precisa ter cuidado para não transformar a lealdade e a uni-dade doutrinária um exercício meramente intelectual. Ela precisa ter a coragem de livrar-se de fixações e pre-conceitos que prejudicam sua missão de levar Cristo para todos. Ele precisa ter a ousadia de reexaminar e, se necessário, corrigir certas pressuposições teológicas que residem em interpretação humana ou em tradição história e não na Palavra de Deus.

Para manter livre o Evangelho que liberta a Igreja precisa, acima de tudo, guiar-se pela Palavra de Deus. Disse Jesus: “Se vós permanecerdes na minha palavra sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”( João 8.31-32).

Rev. Dieter Joel Jagnow

Lutero e os caminhos da liberdade

HomiLética: artigo

Igreja institucional

Para Lutero, a verdadeira liberdade cristã passa pela liberdade da autoridade temporal da igreja institucio-nal. Por causa das distorções que a Igreja Cristã havia sofrido, o principal esforço de sua obra reformadora foi o de clarear a verdadeira natureza e função da Igreja de Cristo. Ele mostrou que as Escrituras mostravam o contrário do que estava sendo praticado: a Igreja, como organização, não cria e nem controla a Palavra de Deus, mas é criada e controlada por ela. A Igreja não é pri-mariamente uma instituição, mas uma comunhão; não uma organização humana, mas a comunhão dos santos. Esta fraternidade espiritual não pode ser encarcerada entre paredes e legislações humanas.

Isto traz implicações e advertências. A Igreja não pode estar confinada a uma época, raça, cor ou nação;

Rev. Dieter Joel Jagnow - Ribeirão Preto-SP jornalista e pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

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Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 41

Todos os Santos — a colheita de DeusO Dia de Todos os Santos

foi observado já em datas muito remotas na história da Igreja. A data quer honrar a memória de Cristãos que já partiram, especial-mente os mártires. Perto da metade do século 19 esta data foi mudada de 13 de maio para 1º de Novembro. O Dia de Todos os Santos permaneceu na igreja da Reforma, embora se te-

nha dado ênfase maior ao Dia da Reforma, observado um dia antes, o que diminuiu a atenção ao Dia de Todos os Santos.

Na maioria dos símbolos para os santos a coroa está em evidên-cia. A coroa da vida é dada a todo aquele que perseverar na fé. No livro de Apocalipse o Senhor promete (2.10): “Sejam fiéis, mesmo que te-

Rev. Jarbas Hoffimann Tradução e Adaptação

nham de morrer; e, como prêmio da vitória, eu lhes darei a vida.”

O símbolo mostrado aqui apre-senta a coroa que sustenta ramos de trigo — o crente a quem o Senhor da igreja juntou para a sua colheita. Na parábola do joio e do trigo Jesus afirma: “colham o trigo e ponham no meu depósito.” (Mateus 13.30). As almas deles já estão guardadas.

Os demais símbolos que apare-cem aqui (o Alfa e o Ômega e o Chi Rho), são designações para o Salva-dor que tornou a colheita de almas possível.

Há um hino que clama pela ob-servação do Dia de Todos os Santos e que diz: “Por todos os santos que dos seus labores descansam, todos que pela fé, ante o mundo confessa-ram Seu nome, ó Jesus, seja sempre louvado. Aleluia! Aleluia!”

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No fim da década de 1980, multidões cantavam “coração de estudante” de Milton Nascimen-

to. Era a música que dava embalo ao movimento “dire-tas já”, que reivindicava eleições diretas, para presidente da republica.

São inúmeros os hinos ou músicas associadas a grandes conquistas da história. Em momentos trágicos e crí-ticos, multidões se uniram para cantar hinos e os usaram como uma espécie de liga, para dizer: “estamos de mão dadas nesta luta”. A história mostra que os fatores responsáveis por muitas das grandes conquistas nem sempre foram armas e exércitos, mas foram hinos e músicas.

Certamente um dos ingredientes que mais deu liga ao movimento da Reforma Luterana, foi o hino de Lu-tero “Castelo Forte”. A história da Reforma Luterana havia chegado a um ponto crítico. Sabemos que este movimento não ia morrer, porque era obra divina. Mas certamente se houve um fator que teve papel impor-tante na Reforma, este foi o hino Castelo Forte. Como ele surgiu e qual o valor dele para nós hoje ainda? Para compreender vamos voltar aos tempos de Lutero.

No dia 31 de Outubro de 1517, Lutero pregou uma lista de 95 idéias, na porta da principal igreja de Wittemberg, que falavam sobre como Deus oferece o perdão ao pecador. Estas idéias ficaram conhecidas como “95 teses”. Lutero queria discutir estas idéias com as pessoas cultas em Wittemberg, pois as escreveu em latim. Mas para sua surpresa elas logo foram traduzidas para várias línguas e em poucas semanas se espalharam por toda Europa.

O objetivo de Lutero era combater alguns abusos que tinham invadido a igreja da época. E um dos abu-sos era a venda de indulgências. As indulgências eram documentos que a igreja vendia com os quais se pro-metia perdão de pecados. Lutero ensinou que o perdão

de Deus não pode ser comprado. Deus o dá de gra-ça a todos os que creem em Jesus Cristo.

Este gesto de

Lutero deu início ao maior movimento da história da Igreja Cristã: a Reforma Luterana. Com isso Lutero se indispôs com os líderes da igreja e ao mesmo tempo se viu obrigado a escrever e pregar com ousadia contra os abusos e erros da igreja romana. Todo ensino de Lutero

desde o começo resumia-se em três princí-pios: “Somente a Escritura, somente a graça, somente a fé”. Por esta atitude de Lutero e pelos seus escritos, Lutero foi excomungado da Igreja.

O ano de 1529 foi um ano crítico para os luteranos. A causa da Reforma

andava em perigo. O Imperador Carlos V convocou uma grande reunião na cidade de Espira. Nesta reunião um irmão do imperador veio trazer a ordem de que ne-nhuma corte do império poderia introduzir a Refor-ma Luterana e que ninguém poderia mais se converter para o luteranismo. Todo o processo da Reforma estava seriamente ameaçado. Era a hora mais escura na histó-ria da Reforma. Além disso, Lutero a toda hora sofria ameaças de morte.

Foi neste contexto sombrio de 1529 que Lutero es-creveu e compôs seu mais famoso hino, Castelo Forte. A segunda estrofe expressa muito bem este momento crítico bem como a confiança de Lutero de que esta luta não era dele, mas ao Senhor. Numa tradução mais literal e resumida desta estrofe, Lutero diz que: Com nossas forças nada se pode fazer e por elas estaríamos perdidos, mas que Jesus, o Deus Filho, luta por nós.

Lutero baseou seu hino no salmo 46. O autor do Salmo 46 descreve a confiança do povo de Deus em meio às dificuldades da vida e sua esperança por morar na cidade de Deus. Esta confiança permanece, mesmo quando os inimigos lutam contra eles. Mas Deus vence os inimigos e termina com as suas armas e ainda fala benignamente ao seu povo, encorajando-o nesta luta.

A palavra “refúgio” lembra as cavernas naturais da Palestina, lugar de proteção. Lutero modificou esta fi-gura para o contexto da época: Os castelos medievais construídos sobre rochas ou penhascos, que serviam como lugar de refúgio e defesa contra o inimigo. A fi-gura do castelo lhe era muito familiar. Em 1521 o Elei-tor Frederico Sábio o sequestrou para protegê-lo dos inimigos. O lugar que ele ficou recluso, por 10 meses, foi no Castelo de Wartburgo.

HomiLética: sermão

Hino Castelo Forte

em momentos trágicos e críticos, multidões se

uniram para cantar hinos e os usaram como uma

espécie de liga

Lutero ensinou que o perdão de Deus não pode

ser comprado. Deus o dá de graça a todos os que creem

em Jesus Cristo.

Rev. David Karnopp

Page 43: RevistaTeologia ano 1 número 1

Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 43

Lutero tinha profun-da confiança de que Deus é o refúgio contra as cila-das do maior inimigo do cristão: Satanás. E o lugar de encontrar este refúgio é na Palavra. E Lutero

estava muito seguro deste refúgio. Isso fica claro na terceira estrofe, onde diz que, mesmo que o mundo se enchesse de demônios, não haveria por que ter medo. Bastaria uma Palavra do Senhor para derrubá-los.

Na quarta estrofe Lutero chega ao ponto mais singe-lo desta confiança. Diz ele que mesmo que chegassem

ao extremo de roubar o corpo, os bens, mulher e filhos, a palavra e o Reino de Deus não poderiam roubar.

Este hino rapidamen-te se espalhou por toda a Terra. Ele é considerado o maior hino evangéli-co da história cristã. Ao longo de quase 500 anos, milhões de cristãos em diversas línguas fizerem dele seu hino de luta e de consolo. Diz a história que Lutero e seus com-panheiros o cantavam diariamente. Nos mo-mentos de dificuldades Lutero dizia par o seu companheiro e braço direito, Filipe de Melan-chton: “Vamos Filipe, cantemos o salmo 46”.

Irmãos e irmãs, a igre-ja de hoje não está livre de conflitos e momentos críticos e trágicos. Volta e meia eles aparecem. Nes-tes momentos, a igreja e os cristãos individual-mente têm usado armas pouco ou nada reco-mendadas. Uma delas é se retrair, se esconder, se

se houve um fator que teve

papel importante na Reforma, este foi o hino Castelo Forte.

1 Deus é o nosso refúgio e a nossa força, socorro que não falta em tempos de aflição.2 Por isso, não teremos medo, ainda que a terra seja abalada, e as montanhas caiam nas profundezas do oceano.3 Não teremos medo, ainda que os mares se agitem e rujam, e os montes tremam violentamente.

4 Há um rio que alegra a cidade de Deus, a casa sagrada do Altíssimo.5 Deus vive nessa cidade, e ela nunca será destruída; de manhã bem cedo, Deus a ajudará.6 As nações ficam apavoradas, e os reinos são abalados. Deus troveja, e a terra se desfaz.

7 O Senhor Todo-Poderoso está do nosso lado; o Deus de Jacó é o nosso refúgio.

8 Venham, vejam o que o Senhor tem feito! Vejam que coisas espantosas ele tem feito na terra!9 Ele acaba com as guerras no mundo inteiro; quebra os arcos, despedaça as lanças e destrói os escudos no fogo.10 Ele diz: “Parem de lutar e fiquem sabendo que eu sou Deus. Eu sou o Rei das nações, o Rei do mundo inteiro.”

11 O Senhor Todo-Poderoso está do nosso lado; o Deus de Jacó é o nosso refúgio.

Texto da Bíblia NTLH da Sociedade Bíblica do Brasil

Salmo 46

diminuir. Temos, porém, armas po-derosas para nos defender, contra todos os ataques do inimigo ma-ligno, entre elas a Palavra e a oração.

Além delas, uma arma poderosa é nos unirmos em um vibrante hino. O Castelo Forte é uma ótima indicação, pois nele estão reunidas qualidades que poucas músicas reúnem: Palavra, Consolo, motivação, qualidade musical e po-ética.

Nestes tempos em que o Diabo nos assedia de todas as formas, façamos do Castelo Forte uma liga para nos defender e para mostrar que estamos de mãos dadas com Deus e com os irmãos na luta contra o mal. Amém.

Rev. David Karnopp, - Vacaria-RS pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

HomiLética: sermão

1. Castelo forte é nosso Deus, defesa e boa espada; da angústia livra desde os céus nossa alma atribulada. Investe Satã com hábil afã e sabe lutar com força e ardil sem par; igual não há na terra.2. Sem força para combater, teríamos perdido. Por nós batalha e irá vencer quem Deus tem escolhido. Quem é vencedor? Jesus Redentor, o próprio Jeová, pois outro Deus não há; triunfará na luta.3. O mundo venham assaltar demônios mil, furiosos, jamais nos podem assombrar, seremos vitoriosos. Do mundo o opressor, com todo rigor julgado ele está; vencido cairá por uma só palavra.4. O Verbo eterno ficará, sabemos com certeza, e nada nos perturbará com Cristo por defesa. Se vierem roubar os bens, vida e o lar — que tudo se vá! Proveito não lhes dá. O céu é nossa herança.

Ein Feste Burg — Martinho Lutero, 1528. Trad. Rodolfo Hasse. Mel. Martinho

Lutero, 1528.

Castelo Forte

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44 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

música e adoração música e adoração

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música e adoração

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46 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

música e adoração

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Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 47

Sempre gosto de ler os fa-tos históricos e comprovar

que a história sempre se repete. Olhando para o século 16, onde se iniciou a Reforma Protestan-te, e olhando para os dias de hoje, con-sigo enxergar uma nítida repetição da história, claro, que com a diferença de 5 séculos adiante.

Outubro é o mês de decisão no Bra-sil. Os candidatos receberão um voto de confiança nas urnas. E esse voto se deve as propostas feitas. Nos debates, ouvimos as propostas dos candidatos e ainda ouvimos acalorados debates sobre a Reforma, mas não a do século XVI e sim as reformas políticas, eco-nômicas e sociais que cada um se pro-põe a adotar depois de eleito.

As igrejas também se mobilizam nas eleições, pois, dependendo de quem for eleito, as leis que estão em andamento, depois de aprovadas, po-dem prejudicar o cristianismo. Politi-camente, a igreja está preocupada, e até quando será assim?

A meu ver é que estamos em volta a muita tecnologia e teologia facilitado-ra. Não estamos mais sendo educados a uma reflexão profunda e debates ma-duros e expositivos de idéias. Apenas recebemos as informações e se gostar-mos, mesmo sem reflexão passamos adiante. Os Pais da Igreja sempre esti-

veram envolvidos em debates em prol da verdade. E as verdades das Escritu-ras estão esclarecidas de uma forma bela e simples no Livro de Concórdia (escritos confessionais da Igreja Evan-gélica Luterana, 1529-1580), que são escritos confessionais da Igreja Evan-gélica Luterana do Brasil, (IELB), da-tadas de 1580.

Assim como as novidades tecno-lógicas nos agradam, assim também as novidades teológicas. Diante de qualquer novidade que aparece, somos arrastados como folhas secas levadas pelo vento.

Se os nossos candidatos buscaram os nossos votos com defesas de refor-mas sociais, econômicas e políticas, como pastor quero propor aos cristãos a voltarmos os nossos olhos à Reforma da Igreja do século 16, em especial aos “SOMENTE”.

SOMENTE...Escritura...Graça...Fé...Cristo.

Qual era o cenário da Reforma?Durante a baixa idade média, a Eu-

ropa estava passando por um conjunto de transformações sociais, econômicas e políticas, e assim, se iniciava uma

nova socieda-de. Sociedade essa em que o homem renas-centista, com acesso aos li-vros, começa-va a discutir e pensar coisas do mundo.

Enquanto isso, os clérigos

cada vez menos preparados a res-ponder às questões do momento. A burguesia estava crescendo, e a igreja corrupta, tentava controlar os bens materiais através dos seus

dogmas. A intolerância religiosa era outro fator. A própria mentalidade renascentista, onde o individualismo e racionalismo levou ao desenvolvimen-to do senso crítico, principalmente aos clérigos. Nesse contexto surge o mon-ge agostiniano Martinho Lutero. Não é por acaso que ele é citado como o ho-mem de seu tempo.

Lutero voltou seus olhos aos SO-MENTE. Martinho, depois de gran-de luta consigo mesmo em busca da resposta na sua indagação sobre a sal-vação, foi levado ao desespero, e nesse desespero encontrou suas respostas na Escritura Sagrada. Partindo de lá, des-cobriu que SOMENTE....a Escritu-ra....pela Graça......pela Fé.... por Cristo.

O estopim da Reforma foi a ven-da de indulgências, venda do perdão. Nós, 493 anos depois também esta-mos diante de um estopim, a venda da bênção. E 493 anos depois precisamos voltar nossos olhos ao SOMENTE....a Escritura....pela Graça......pela Fé.... por Cristo, e não nos deixar levar pelo “copo d’água, lenço com suor, apresen-tação no templo”, e supostos milagres.

Entre as reformas sugeridas pe-los candidatos, creio que nós cristãos, 493 anos depois possamos reformar a nossa atitude e voltarmos à Escritura e vermos que nela nos é apresentada a graça de que pela fé em Cristo somos salvos, e estando em Cristo, nada mais nos importa.

Deus nos abençoe.

493 anos depois voltamos aoRev. Edson Ronaldo Tressmann

Somente

artigo

Rev. Edson R. Tressmann - Alto Alegre dos Parecis-RO pastor da Igreja Evangélica Luteana do Brasil

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48 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

1. Introdução

Habacuque é um profeta muito discutido, princi-palmente a unidade do livro. Alguns julgam que

o livro não é um todo, discordando da legitimidade do salmo, no terceiro capítulo, afirmando que seria um acréscimo posterior. A parte isagógica requer um estu-do profundo, e tem sido alvo de vários estudiosos, para tentar elucidar esta dúvida quanto ao livro de Habacu-que.

Também no aspecto teológico, Habacuque foi um grande profeta. Sua teologia é fundamental para a dou-trina de igrejas como a Luterana. Ele mostra que apesar de todos os atropelos da vida, nossa vida é governada

por Deus. Sendo assim, quem persistir na fé, e só na fé, será recompensado.

Como parte final apresentam-se as aplicações pasto-rais deste trabalho. De nada adianta um trabalho exaus-tivo, como este se ele ficar guardado em uma gaveta, esquecido. Precisamos aprender a estudar para depois transformar a teoria em prática. Mesmo que essa práti-ca não seja pastoral ela pode ser acadêmica, servindo de auxílio ao estudo de outros, assim como nós usamos as experiências de outros neste trabalho.

O livro de Habacuque nunca será totalmente esgo-tado em seu conteúdo, mas isso não impede que faça-mos um estudo visando esse esgotamento.

A Reforma resgatou a verdade esquecida: a Salvação pela fé em Jesus Cristo.

Rev. Jarbas Hoffimann

desta raiz. Partindo deste princípio temos duas opções mais aceitas: qWQB;h] (abraçar, um abraço ardente) e WqWQb;mh] (nome de uma planta de jardim assíria). Existe ainda outra suposição segundo a qual o nome do profeta derivaria do arábico kibikkatun (anão).

Numa coisa todos os eruditos concordam:Sobre a pessoa do profeta não temos informações. Uma das adições apócrifas ao livro de Daniel (568) conta uma legenda não histórica de suas relações com Daniel entre os leões (Bel e o Dragão 33ss). Esta narrativa é na LXX (não em Teodócio) atribuída a “Ambakum, filho de Jesus da tribo de Levi” e se diz que ela foi tirada “de sua profecia”. Desta tradição Mowinckel infere que, não obstan-

te ser ela um midrash (narrativa devota tardia), talvez tenha preservado uma tradição a respeito do profeta e de seu pai, os quais, portanto, eram levi-tas (569). Da forte influência do estilo dos Salmos, ele ainda conclui que o profeta pertencia aos nabis do templo, que tinham ligações com os cantores do templo e os autores dos Salmos (570).1

Alguns autores chegam a declarar que Habacuque é o profeta sobre quem “menos dados possuímos” 2 e eles estão certos, pouco se sabe realmente sobre este esplên-dido profeta.

isagoge do antigo testamento

2. O Livro de Habacuque

2.1. NomePouquíssima coisa se sabe a respeito da pessoa do

profeta Habacuque. Seu nome é uma incógnita. A raiz de seu nome é qbh. Portanto seu nome seria derivado

2.2. Autoria e DataO livro de Habacuque traz poucas informações so-

bre seu autor. No livro Habacuque apenas se identifi-ca como “o profeta” [1.1 e 3.1]. Não há certeza sobre sua genealogia ou sua descendência. As pistas que te-mos nos levam a considerar o livro apócrifo de Bel e o Dragão, onde Habacuque teria tido um encontro com Daniel na cova dos leões. Apesar de ser um livro não

Habacuque e a justificação pela fé

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Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 49

Habacuque e a justificação pela fé

canônico, este acrésci-mo pode ter preservado uma tradição antiga da genealogia de Habacu-que. Segundo o livro de Bel, Habacuque seria da tribo de Levi, filho de Je-sus (Bel 1.1 = LXX Dn 14.1).

Clemente de Ale-xandria identifica Ha-bacuque como contem-porâneo de Jeremias e Ezequiel, mas ele tam-

bém diz que Jonas e Habacuque são contemporâneos de Daniel. A Concordia Self-Study Bible concorda que Habacuque seja contemporâneo a Jeremias, mas descarta sua ligação a Daniel.

O comentário cabalístico medieval rh'ZOh; dp,s, (ca. 1300) o identifica como “filho de uma mulher Su-namita” 3.

Uma data que é praticamente consenso é 605 a.C. Archer coloca o profeta entre 607-606 a.C., e para pro-var seu ponto de vista ele lembra que à época os caldeus (1.6-10) eram um povo que era tido como guerreiro, que estava dominando seus inimigos. Essa data tam-bém se encaixa com uma data subsequente à “queda de Nínive (612), e talvez até depois de Nabucodonosor ter ganho sua vitória triunfante na batalha de Carque-mis em 605.” 4 Archer afirma também que a profecia, provavelmente esperava um cumprimento rápido. Se tomarmos por base a data de 605 como sendo média, teremos duas invasões como referenciais, uma em 605, por Nabucodonosor, outra em 597.

Outro fato que indica uma data próxima a 605 é o fato dos vv. 1.2-4 deixarem clara uma exploração dos pobres por parte da nobreza de Judá. Podemos então marcar a época posterior à morte de Josias (609).

Como diz a Enciclopedia de La Biblia:

cación con el Habacuc que llevó la comida a Daniel encerrado em la cueva de los leones (Dn 14.32-38). También se há sostenido que fue levita, por la dedicatoria de su cántico. Igualmente se há creído haber encontrado em hl'yaiq/ sus restos morta-les, junto con los del profeta Miqueas, em tiempo del imperador Teodosio (siglo IV). Pero ninguna de estas noticias puede sostenerse con absoluta certeza.5

A Enciclopedia de la Biblia ainda traz três possíveis datas para Habacuque: a) (336-324 a.C.) neste caso, ao invés de caldeus (myDif.K;) os opressores seriam os ma-cedônios (myTiKi), liderados por Alexandre Magno; b) Habacuque teria predito a destruição dos assírios (em vez de caldeus seriam assírios) e aí a época seria anterior à queda de Nínive (612 a.C.) c) Habacuque teria com-posto sua profecia depois da batalha de vymiKediK; (605 a.C.), porque os babilônicos tinham vencido aos Egíp-cios e estavam muito fortes e a ponto de conquistar a Palestina, sob o comando de Nabucodonosor.

Pela opressão apresentada no livro, onde o justo

sofre na mão do injusto, concluímos que o período de Habacuque é posterior ao justo rei Joaquim, já que o seu sucessor foi um rei mal:

Jehoiakim, the evil successor of good king Josiah, became a vassal (albeit an unfaithful one) of Ba-bylon, and his land suffered from repeated incur-sions of Babylonian troops (2K 24:1-2). It is into the period, between 605 and 597 BC (the date of the first siege and surrender of Jerusalem), that the prophetic activity of Habakkuk can be most natu-rally fitted. The promising days of Josiah, the refor-mer of the religions life of his people and the resto-rer (as was hoped) of the Davidic kingdom, have given way to days of Jehoiakim, who “did what was evil in the sight of the Lord” (2K 23:37); evil is rife in the land, and the threat posed by the Babylo-nian is no longer a clout the size of a man’s hand but a huge storm cloud, big with disaster.6

isagoge do antigo testamento

Profetizó hacia el 600 a.C., probablemente em tiempos de Joaquim. No tenemos noticias ciertas acerca de su vida. Se há pensado em una identifi-

De todos os argumentos apresentados, podemos destacar em comum à maioria dos eruditos a datação

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50 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

por volta do ano 605 a.C. para o Livro. Os argumentos mais convincentes são iguais aos de Archer e o do Con-cordia Self-Study Commentary, acima, que tomando o texto bíblico aceitam como inimigo os caldeus e jus-tificam que se fosse rei Joaquim, não haveria tamanha injustiça no reino.

Um caso aparte é a datação do último capítulo do livro de Habacuque. Existem dificuldades como a au-sência deste salmo no comentário Qumran para o livro. Como diz Schökel:

Aqueles que negam a autenticidade colocam o sal-mo nas datas mais diversas, desde o século X até o III. Pretenderam alguns ver nele influências mitológico babilônicas (Stephens, Irwin), egípcias (Zolli) ou cananéias (Cassuto, Gaster, Albright). Elementos mitológicos não faltam, a composição, porém, é muito original e reflete a mesma concep-ção que Jz 5 (cântico de Débora) ou Dt 33 (cânti-co de Moisés). À parte o salmo, outros fragmentos ou versos isolados foram considerados, por vezes, acréscimos posteriores.7

como o último capítulo é um salmo, eles não fizeram o comentário, como veremos na parte destinada à uni-dade.

2.3. — Texto e versõesAlguns eruditos consideram o texto da TM de Ha-

bacuque como completamente corrupto, devido a di-versos problemas de leitura e variantes de leituras en-contradas em versões antigas. O texto foi estudado por Brownlee (1959), que examinou mais de 160 variantes do TM. Havia mudanças substanciais incluindo: mfyw por ~vea'w>, “homens culpados” em 1.11; wbrx em lu-gar de wOmrx,, “sua rede”, em 1.17; dnbw !nh em lu-gar de dnEwOb !yIY:h; (RVS: “vinho é traiçoeiro”) em 2.5; mhydawm em lugar de mh,rewOam/, “sua vergonha”, em 2.15. As variantes no texto de Habacuque, apesar de serem muitas, não influenciam na mensagem geral do texto. São mudanças tais as que Cothenet nota. São va-riações do TM devido a várias causas: textos com varia-ção consonantal, textos com revocalização consonantal e tentativas na reinterpretação do texto.

O autor era um homem de grande sentimento, es-creveu várias frases memoráveis (2.2, 4, 14, 20; 3.2, 17-19). Segundo a Concordia Self-Study Bible, o livro foi muito popular no período intertestamentário.

Concluímos que, apesar das diversas dificuldades de leitura, o livro não apresenta falha na parte teológica, nas assim chamadas “bases de doutrina”. Nestas partes

Esboço

O esboço do livro de Habacuque é simples e todos os autores praticamente fazem o mesmo. Para nosso auxílio tomaremos este que é um híbrido entre diversos modelos:

1. Os Problemas da Fé .................................................................................................. 1.1-2.20 A. Como é que um Deus santo pode permitir a existência da iniquidade? .................................................... 1.1-12 1. Opressão em Judá, sem castigo ............................................................................................................... 1.2-5 2. Os caldeus são o castigo divino ............................................................................................................. 1.6-12 B. Como é que Deus permite a uma nação ímpia triunfar sobre Seu povo? .............................................1.13-2.20 1. Crueldade sem compaixão, idolatria grosseira dos caldeus ................................................................ 1.13-17 2. O que crê deve esperar humildemente, confiante na resposta divina ..................................................... 2.1-4 3. O julgamento que atingirá os caldeus por causa dos cinco pecados que praticam ................................... 2.5-9 4. Deus continua sendo soberano da Sua terra ............................................................................................2.20II. Solução de Todas as Dúvidas: a Oração da Fé e a Confiança Inabalável ..................... 3.1-19 A. Oração pelo reavivamento ......................................................................................................................................3.1-2 B. Os julgamentos do Senhor no passado são sinal claro do futuro ................................................................. 3.3-16 C. O que crê regozija-se só em Deus, está segurao da vindicação da santidade de Deus ............................3.17-19

isagoge do antigo testamento

Se existem dificuldades para provar que o salmo faz parte do livro, também existem para provar que não faz ou que foi um acréscimo posterior. O fato de Qumran não conter o último capítulo pode ser facilmente ex-plicado pela diferença literária deste último capítulo. Provavelmente os comentaristas de Qumran estavam fazendo comentário do texto histórico-profético, e

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não existem corrupções, ou se existem não mudam o sentido do texto.

2.4. Unidade do livroMuitos eruditos sustentam que o Li-

vro de Habacuque contém três unidades

Para os que levam a sério a tradição bíblica de que Davi se preocupava muito com a autoria e a mu-sicalidade dos Salmos, tais termos musicais não oferecem nenhuma evidência de autoria de data posterior. Além disto (sic) não há nada que impeça um profeta de compor um salmo de ações de graça e de louvor ao Senhor. Grandes porções das escritu-ras proféticas são de caráter altamente poético, que os próprios críticos se apressaram a indicar.10

literárias maiores: a) um diálogo entre o profeta e Deus (1.1-2.4/5); b) uma seção contém uma série de oráculos da afli-ção (2.5/6-20) e, c) um salmo no cap. 3 (Childs IOTS, 448).

Essa visão aumenta problemas, toda-via, no que há pouco acordo a respeito da inter-relação dessas unidades. Uma proposta alternativa (Széles Habakkuk, Zephaniah ITC, Sweeney HBC, fc.) sus-tenta que o livro de Habacuque compri-miu duas sessões distintas: a) Hc 1-2, o pronunciamento (aF'm;) de Habacuque, b) Habacuque 3 a oração de Habacuque.

Essas seções são formalmente demar-cadas por suas respectivas subscrições em 1.1 e 3.1; os termos técnicos em 3.1, 9, 13, 19 que identificam o terceiro capítulo como um salmo. Eruditos têm normal-mente obtido um consenso que embora o livro provavelmente não tenha sido inteiramente escri-to por um único autor (contra Eissfeldt 1965 e Bro-wnlee 1971), ele apresenta forma que constitui uma unidade literária coerente ( Jöcken 1977: 241-519). Outros o vêem como uma composição cúltica ou li-túrgica (Fohrer 1985). Uma outra visão diz que o livro está organizado em torno da teodicéia ( Jeller 1973; Gowan 1976; Bratcer 1984; Otto 1985; Gunneweg 1986; Sweeney HBC, fc).

O salmo é sempre um problema à parte para a acei-tação da unidade de Habacuque. A maioria dos erudi-tos concorda com a unidade dos capítulos 1 e 2, mas contestam o terceiro capítulo. Pfeiffer indica uma data provável para o “terceiro século a.C.” 8 . Para tentar pro-var seu ponto de vista, Pfeiffer tenta validar outra supo-sição, a de que os estilos musicais dos Salmos seriam de uma “época posterior, e que, apesar de Amós 6:5 e outras referências semelhantes, o rei Davi nada tinha que ver com música ou cânticos, por ser um homem de guerra” 9 . Ou seja, tenta provar uma suposição com outra.

Mas Archer disse muito bem ao mostrar que:

É obviamente importante o fato de que o Comentá-rio de Qumran do livro de Habacuque não inclui o ter-ceiro capítulo, visto se tratar de um testemunho muito antigo. Mas alguns escritores supervalorizam este fato. Alguns esquecem que a LXX, que também é um teste-munho muito precioso, traz o terceiro capítulo.

Temos que levar em consideração também, que a LXX é uma tradução, ao passo que o Comentário de Qumran, como seu nome diz, é um comentário e não um trabalho de escribas ou tradutores. A LXX foi fei-ta por judeus, para judeus de língua grega, e eles res-peitavam demais o texto bíblico para incluir algo que não fizesse realmente parte do livro. E ainda devemos

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52 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

ter em mente que o terceiro capítulo é estilisticamente diferente dos dois primeiros, e que existem algumas su-posições plausíveis para o fato de não estar incluído no comentário, como afirma Millar Burrows:

Sua ausência... nem sequer prova que os sectários judeus desconhecessem o terceiro capítulo. Sendo um Salmo, não se adapta ao tipo de interpretação adotada para os outros capítulos. Há também a possibilidade de que o comentário não foi comple-tado. A Septuaginta possui os três capítulos, mas se esta parte da Septuaginta é mais antiga do que o Comentário de Habacuque é outra questão.11

Livros como a Enciclopedia de la Biblia lembram que muitos eruditos acreditam que este seja um acrés-cimo posterior. Eles tomam por base o fato do comen-tário de Qumran não conter este último capítulo.

O que pode ter acontecido é:el comentarista de Qumran no acabó su trabajo, o quizás no quizo utilizar el salmo, bien por la diferencia de género literario que no permitirá ya transposiciones en el domínio de la historia. La idea, por lo tanto, de la unidad del libro de Haba-cuc se impone y como dice Baumgartner, el primer capítulo espera una respuesta que da el segundo, éste prepara una situación nueva que aparece en el tercero; y éste último, en fin, que comienza con las palavras “Señor, he oído tu mensaje”, implica necessariamente los que han precedido.12

2.5. QumranO comentário de Habacuque em

Qumran tem 18 linhas em uma coluna ou cerca de 15,24 cm de altura (mas cerca de 2 ou 3 linhas foram comidas sempre ao longo da parte inferior da borda).

Da autoria de Qumran não se duvida:The commentaries are without doubt origi-nal compositions of the Qumran Sect, for the Scriptures are distorted to show the persecu-tion of the community by wicked, the favor of God enjoyed by the Community, and the punishment that will come upon the wicked.13

Os pergaminhos do Mar Morto, ou escritos de Qumran são muito importantes:

The Dead Sea Scrolls are of importance in two principal areas of study: in textual criticism of the Old Testament, and in Judaism in the intertesta-mental period.14

3. Estudo terminológico

Neste estudo tentamos exaurir todas as possibili-dades de interpretação dos dois principais termos da passagem fundamental de Habacuque, o versículo 2.4, onde Habacuque coloca o cerne de sua teologia. As pa-lavras estarão sendo estudadas em todo o Antigo Tes-tamento, o que nos dá um campo bastante amplo para o trabalho.

Como vemos não há consenso sobre a unidade do livro, mas partindo do princípio do tema da teodicéia, podemos encontrar unidade no livro. Habacuque têm uma espécie de diálogo com Deus durante os dois pri-meiros capítulos e no terceiro, quando ele obtém suas respostas ele canta uma canção de louvor ao Deus eterno.

3.1. qyDIc;No original, o substantivo masculino singular

qyDIc; ocorre 120 vezes, das quais, 10 vezes com a con-junção w>, como aparece em Habacuque. Ele aparece um total de 358 vezes em suas variações de masculino plu-ral, feminino e feminino plural. Só este fato já mostra sua importância.

Seu sentido básico foi sempre o mesmo, quer dizer, qyDIc; significa e significava “justo”. Interpretações bási-cas são: 1. justo, quando se tratando de governo “a: Da-vidic King 2Sm 23.3 b: of judges, Ez 23.45, Pr 29.2 c: of law Dt 4.8 d: of God Dt 32.4”15 . 2. justo, em caso de alguém correto, certo. O sentido básico conota confor-midade com uma postura ética e moral. O sentido origi-nal da raiz qdc foi “ser reto/franco”. O uso primitivo de

isagoge do antigo testamento

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Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 53

qd,c, (retidão, exatidão) — exceto em Gn 15.6; 18.19; 30.33) ocorrem em relação às funções de juízes. Neste sentido: todas as decisões devem ser tomadas impar-cialmente com justiça, com exatidão (qd,c,) Lv 19.15.

Em outros ramos também era cobrada a mesma qd,c,:

It is applied similarly to weights and measures (Lev 19:36). Comercial fraud and deception are not allowed. In both these usages is seen the ba-sic sense of “not deviating from the standard.” The word describes three aspects of personal rela-tionships: ethical, forensic, and theocratic.16

Em sentido ético no tratamento do homem com seu próximo:

The man who is righteous tries to preserve the pea-ce and prosperity of the community by fulfilling the commands of God in regard to others. In the supre-me sense the righteous man (qyDIc;) is one who serves God (Mal 3:18).... the “righteousness” consisted in obedience to God’s law and conformity to God’s nature, having mercy for the needy and helpless.The qyDIc;; gives freely (Ps 37:21), without regard for gain. The presence of this kind of people is the exal-tation of the nation (Prov 14:34), and the memory of the righteous man is a blessing. When men follow God, righteousness is said to dwell in the city (Isa 1:21). But when sin rules, it becomes a harlot.17

O qyDIc; é uma pessoa que deve tornar-se nova pes-soa cuja os atos são governados pela lei de Deus. A con-duta justa deriva de um novo coração (Ez 36.25-27). Habacuque coloca esta outra interpretação: o justo de-veria viver pela sua fé (2.4)

Good conduct by an individual establishes a claim on the Lord of deliverance from calamitous judg-ment. Similarly, Gen 15:6 teaches that Abraham receivet Isaac as his heir because his trust in God’s promises was accounted as rigteousness.18

O sentido essencial da palavra sempre foi o mesmo, o ser justo, uma pessoa correta, uma pessoa que tem sua vida guiada por Deus.

pessoa masculino singular, aparece 2 vezes (Sl 96.13; Hc 2.4), da forma que está em Habacuque. Mas suas variações ainda aparecem mais 11 vezes: 2 vezes no Pentateuco (Êx 17.12; Dt 32.4), 6 vezes nos poéticos (Sl 100.5; 37.3; 119.30,86; Pv 12.17,22) e 3 vezes nos Proféticos (Is 33.6; 25.1; Jr 5.1).

Seu sentido é firmeza, constância, fidelidade. O termo é usado para referir-se a “mãos” no Antigo Tes-tamento. Firmeza de mãos, como em Êx 17.12: “...fi-caram as mãos firmes até ao pôr-do-sol.” Em outras pas-sagens ele refere-se à conduta das pessoas e certas vezes de Deus e do homem, como no Sl 119.30: “Escolhi o caminho da fidelidade...”

Fora o livro dos Salmos, hn"Wma/ é traduzido por pi,stij e não por avlh,qeia. hn"Wma/ também não aparece em construções onde tm,a, é muito comum. Assim, o Antigo Testamento diz que a “palavra” é tm,a,, mas esta nunca diz que ela é hn"Wma/.

Em Habacuque temos a frase: o justo viverá pela sua fé. Aqui hn"Wma/ dificilmente significa meramen-te “piedosa honestidade” ou “fidelidade,” mas é o que conduz a pessoa que está de acordo com tm,a,, o qual inclui sinceridade, fidelidade, confiança, e estabilidade. hn"Wma/ é peculiar ao qyDIc; e o traz à vida. Claro, essa sentença não deveria ser isolada de seu contexto. 2.4 é o antecedente do v.5, e não se refere à fé do profeta.

Devemos ver também essa passagem como foi tra-duzida na LXX, que lê evk pi,stew,j mou. Essa tradução fortalece a visão de fidelidade de Deus e não a Deus: “Pela minha fidelidade o justo viverá”. Devemos ques-tionar se a LXX aqui assume um texto hebraico dife-rente. Quando Paulo omite o pronome em Rm 1.17e Gl 3.11 (talvez, mas não com certeza, em conexão com a LXX), isto é mou com di,kaioj, “meu justo” e assim produz um diferente significado, talvez em conexão com a LXX, etc. A LXX traz a partícula mou, enquanto os originais gregos do NT não a trazem. O que prova-velmente aconteceu foi que houve um erro de tradu-ção e os LXX colocaram a partícula mou para que eles pudessem compreender como uma pessoa poderia ser justa sem as obras da lei, apenas pela fé nas promessas de Deus.

isagoge do antigo testamento

3.2. qn"Wma/Este vocábulo, que é um substantivo feminino

singular, que vem acompanhado de sufixo da terceira

4. A Justificação por fé

Para entendermos como realmente se dá a justifica-ção do fiel em Habacuque, devemos tomar o texto com seriedade e respeito. Estamos lidando com o cerne de toda a teologia cristã. O texto é tão importante a ponto

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de ter sido citado três vezes no Novo Testamento, duas vezes por Paulo (Gl 3.11 e Rm 1.17) e uma vez pelo au-tor da carta aos Hebreus (10.37-38). São passagens que são “sedes doctrinae”, passagens que são fonte de doutri-na. Esta é a ideia fundamental do livro de Romanos:

San Pablo se muestra en repetidas ocasiones entu-siasta de la doctrina de Habacuc y toma de ella la idea fundamental de su epístola a los Romanos: la justicia de Dios brota de la fe y recae en la fe, en íntima relación con una de las ideas base del libro de Habacuc. Se insiste de nuevo en esta idea en la epístola a los Galatas y en la de los Hebreos.19

O profeta parece estar muito preocupado com a si-tuação de seu povo. Ele vê diariamente a opressão do impiedoso sobre o humilde fiel. Ele vê violência contra seu povo, provavelmente praticada pelo próprio povo (1.3). Vê o perverso se aproveitando cada vez mais do justo (1.4). Vendo toda esta injustiça Habacuque clama a Deus por uma resposta. Resposta que é dada em 2.4, onde ele é chamado a proclamar a fidelidade a Deus.

4.1. — ConteúdoTemos cinco profecias evidentes em Habacuque:

a) el rey caldeo, aguerrido y conquistador será presa a su vez del expolio a que le someterán otros pueblos;b) el impío comete muchas injusticias, pero esas in-justicias recaerán sobre él;c) el impío oprime los pueblos sometidos, pero la gloria de Yahweh resplandecerá;d) el impío se regocija con el oprobio de los demás, pero la verguenza se cabrá en él;e) el impío es idólatra, pero Dios le impondrá si-lencio.20

4.2. MensagemIsrael está numa fase horrível. Existem pessoas de

todas as espécies se aproveitando do seu poder (religio-so ou político) para afligir cada vez mais o povo. Ha-bacuque se preocupa com isso e pergunta a Deus até quando essas pessoas continuariam agindo assim. Deus diz que suscitará os caldeus contra Israel. Habacuque pergunta novamente: “por que justamente os caldeus, que são um povo ímpio e idólatra, devem servir de ins-trumento do castigo de Deus”. Ao que Deus responde que a seu tempo, os caldeus também serão castigados

isagoge do antigo testamento

por toda sua maldade (2.13-14).Habacuque fica especialmente preocupado com a

derrota para os caldeus, porque ele sabia o que aconte-cia com as nações subjugadas:

O tratamento dado a uma cidade conquistada era uma curiosa combinação de religião, cobiça e crueldade. As antigas idéias religiosas, comparti-lhadas por Israel com os seus vizinhos, exigiam que o deus da batalha recebesse a sua parte dos lucros da vitória.

Ou seja, se o povo de Deus fosse subjugado pelos caldeus ele seria obrigado a seguir os deuses caldeus e o profeta, como um servo de Deus não queria que isso acontecesse.

O livro de Habacuque começa com a palavra aF’M;h;, oráculo, que tem o sentido de um peso a ser suportado. Este termo introduz um julgamento, embo-ra isso não aconteça.

Habacuque dá um exemplo de fidelidade, quando ao invés de desesperar-se ele espera e confia em Deus. A resposta a sua fidelidade logo vem: “o pecador orgu-lhoso que confia em si mesmo será condenado, e seu tempo está próximo, somente o crente e fiel ficará de pé, justifica-do, no julgamento do Senhor. Só ele participará da vida eterna, só ele tomará parte nesta vida, na continuação da história, 2:4.” Depois de resolvidas suas dúvidas, Habacuque glorifica a Deus, entoando um belíssimo Salmo de louvor:

E o poeta, consolado com esta certeza (a justiça de Deus), entoa os versos finais (3.17-19). O curso atormentado da história é trans-posto para imagens do mundo agrícola e pecuário. E que tudo apareça como imerso

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em desolação e morte, a fé em Deus é que ajuda a manter a atitude de otimismo.21

4.3. O MalVários eruditos já discutiram sobre esse tema, o que

cada vez mais contribui para tentar se chegar a uma conclusão sobre qual seria o problema do mal em Ha-bacuque.

A revista Vox Scripturae fez um estudo sobre a pa-lavra mal:

A palavra hebraica [r: (ra‘) e seu feminino h['h' (râ‘âh), conforme o BDB, têm o sentido de mal, miséria, calamidade, desgraça, erro e mal ético. O NDITNT informa-nos que a LXX traduz o termo hebraico por kako,j (kakós) e ponhro,j (po-nerós). Segundo o NDITNT, kako,j (kakós) tem dois sentidos básicos: a) mal físico, muitas vezes relacionado com um castigo divino (Dt 31.17), embora Deus também seja apresentado como um protetor contra o mal (Sl 23) e esteja sempre no controle da situação e b) mal moral, sempre no sentido concreto do termo (Mq 2.1). Já o termo ponhro,j (ponerós) adquire outras nuances no sen-tido: “imprestável”, “corrupto”. Tal levantamento lexical confirma que o termo tem dois sentidos fundamentais: mal físico e mal moral.

Mas trata-se de um conflito interno entre os diver-sos grupos judaizantes, ou de conflito entre Judá e al-guma ou algumas potências estrangeiras? As opiniões

são variadas, mas para a maioria dos críticos, o livro fala da opressão de Judá por

um país estrangeiro. Mas qual é o povo? Existem

diversas opiniões:

– Assírios (Budde, Cornill, Mowinckel, Weiser, Sellin-Fohrer)– Egípcios (Elliger)– Babilônios e Caldeus (Wellhausen, Giesebrecht, Delcor, Sellin, Pfeiffer, Trinquet)– Tribos Árabes do norte (Cheyne)– Persas (Lautergurg). Teoria estranha, visto que o pouco que sabemos sobre os persas, nos conta de sua boa relação com os judeus– Gregos [Alexandre Magno] (Duhm, Torrey)– Selêucitas [Antíoco IV Epífanes 175-163 a.C. (Happel). Teoria sem fundamentação, visto que o cânon dos 12 profetas menores já estava pronto por volta de 190 a.C.

Se deixarmos as especulações de lado e analisarmos simplesmente o texto, chegaremos à conclusão que os inimigos são os caldeus, que como já dissemos, era um povo que estava em franca ascensão por volta do ano 605 a.C.

isagoge do antigo testamento

4.4. O justo viverá pela sua féComo vimos no estudo terminológico, as palavras

justo e fé são de extrema importância para a compre-ensão da profecia de Habacuque. O justo é aquele que vive em conformidade com a vontade de Deus, e por isso será salvo, não por cumprir obras da lei. A fé não é uma mera fé em si mesmo e também não é a fidelidade por parte de Deus para com o homem. É antes de tudo uma fé pura, em Deus, nas promessas Dele.

Paulo usou muito do livro de Habacuque, mostran-do que o conhecia bem. Sua carta aos romanos é cen-trada no tema de Hc 2.4: “O justo viverá pela sua fé”. Em Romanos temos a explicação desta teologia dada pelo próprio Apóstolo Paulo, o que nos serve de grande auxílio para poder interpretar Habacuque.

Como a Concordia Self-Study Bible diz numa tra-dução que fizemos: “Este Habacuque é um profeta do consolo, que quer fortalecer e dar suporte ao povo, para preveni-lo da perda da esperança na vinda de Cristo, po-rém coisas estranhas podem acontecer. Ele usa todo plano e estratagema que pode servir para dar forte sustento em seus corações à fé na promessa de Cristo...

É realmente verdade que por causa dos pecados do povo a nação deveria ser destruída pelo rei da Babilônia. Mas Cristo e seu reino não falharia em vir sobre esse re-lato...

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Do mesmo modo nós podemos sustentar Cristo com a palavra de Deus na antecipação do Último Dia, pois pa-rece que Cristo está demorando muito a vir e não virá...” Assim temos novamente o conforto, pois os judeus es-tavam atormentados com a demorada vinda de Cristo e com os sofrimentos que aqui passavam, como hoje acontece. Mas como em Habacuque, aquele que per-manecer fiel viverá, pois o justo, pela sua fé (em Cristo) viverá (eternamente).

4.5. O agradecimento do fiel recompensado

Com um belíssimo canto é encerrado o livro do profeta Habacuque. Como seria bom se todos nós sou-béssemos colocar nossa confiança em Deus como ele fez (3.19). Este salmo se enquadra perfeitamente com o restante do livro. Ele apenas foi escrito de forma di-ferente. Exemplos disso vemos por toda a literatura, alguns autores misturam história com poesia, fazendo um relato e depois colocando o texto em uma forma mais agradável aos ouvidos e aos olhos.

Vemos o salmo como um canto de louvor, um agra-decimento por toda a atenção que Deus nos dá, assim termina o livro de Habacuque, com uma beleza inigua-lável.

5. Aplicações pastorais

Como Habacuque, nós também questionamos as injustiças do mundo, principalmente quando essas injustiças nos afetam diretamente. Como Habacuque queremos ter nossas respostas e nossas soluções ime-diatamente, somos impacientes. Queremos entender os “mistérios” de Deus. Não deixamos Cristo governar a nossa vida, como deve ser.

Contudo, temos o exemplo de Habacuque, que viveu numa época de muito sofrimento e ameaça de guerras e subsequente derrota. Ele estava confuso com tudo que Deus lhe estava anunciando, como nós tam-bém ficamos confusos com as coisas que acontecem ao nosso redor. O profeta não desanimou, ficou firme em sua fé até o fim, cumprindo o que Deus lhe ordenava e anunciando ao povo as decisões de Deus. Habacuque foi fiel, foi um justo e o justo vive pela sua fé.

Se permanecermos fiéis até o fim, teremos a vida eterna e juntaremos nossas vozes à de Habacuque di-

zendo: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fru-to na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimentos; as ovelhas sejam arrebanhadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação. O Senhor Deus é a minha fortaleza, e faz os meus pés como os da corça, e me faz andar altaneiramente.”

6. Conclusão

Como dissemos na introdução, o livro de Haba-cuque é riquíssimo e o seu conteúdo não será jamais extinguido, contudo, fizemos um estudo acurado de todas as obras que temos à disposição, juntamente com os textos originais e o texto no vernáculo.

Habacuque foi um exemplo de fidelidade a Deus, exemplo a ser seguido por todos os crentes. Se nós an-darmos nos caminhos do Senhor, seremos justificados pela nossa fé. A fé produz coração novo e vida nova. Através dessa nova vida, o fiel começa já na terra a viver sua vida eterna.

Assim terminamos este trabalho, na pretensão de ter alcançado pelo menos alguns dos objetivos aos quais nos propusemos. As aplicações pastorais são basi-camente estas que nós expusemos no capítulo anterior. Mas como Habacuque é um texto riquíssimo em con-teúdo teológico, cada pessoa poderá usá-lo e aplicá-lo em muitas outras circunstâncias.

Rev. Jarbas Hoffimann — Nova Iguaçu-RJ, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

isagoge do antigo testamento

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Notas

1. YOUNG, Edward J. Introdução ao Antigo Testamento — p 1702. SCHÖKEL, Luis Alonso. Profetas II, vol. 2. p. 11233. ANCHOR BIBLE DICTIONARY, The. Ed.: David Noel Freed-

mann, vol. 3. p. 2.III4. ARCHER Jr., Gleason L. — Merece Confiança o Antigo Testa-

mento. — p. 2955. ENCICLOPEDIA DE LA BIBLIA, vol. 3. p. 9966. CONCORDIA SELF-STUDY COMMENTARY, Roehrs, Walter R.

P. 6357. SCHÖKEL, Luis Alonso. Profetas II, vol. 2. p. 11258. ARCHER Jr., Gleason L. — Merece Confiança o Antigo Testa-

mento. — p. 296

BibliografiaANCHOR BIBLE DICTIONARY, THE. Ed.: David Noel Freedmann, vol. 3, New York: Doubleday: 1992;ARCHER Jr., Gleason L. — Merece Confiança o Antigo TestamentoBIBLE WORKS, versão 3.5 para computadores tipo PCBIBLICAL WORLD, THE. Ed. Charles F. Pfeiffer — Grand Rapids. Baker Book House: 1966CONCORDIA SELF-STUDY BIBLE, New International Version. General Editor: Robert G. Hoeber — Concordia Publishing

House, St. Louis: 1986CONCORDIA SELF-STUDY COMMENTARY, Roehrs, Walter R., Concordia Publishing House, Saint Louis: 1979ENCICLOPEDIA DE LA BIBLIA, vol. 3. Ediciones Garriga, Barcelona: 1964HEATON, E. W. O Mundo do Antigo Testamento., Trad.: Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro: Zahar editores: 1965HEBREW AND ENGLISH LEXICON OF THE OLD TEXTAMENT, A –– With an Appendix Containing the Bilblical Aramaic.

Francis Brown, Oxford: Clarendon PressLUTHER’S WORKS, vol. 35 — Word and Sacrament I. Ed. Helmut T. Lehmann — Philadelphia, Muhlenberg Press: 1960NOVO COMENTÁRIO DA Bíblia, O. Ed.: F. Davidson M. A., vol II, São Paulo: Edições Vida Nova. 1985SCHÖKEL, Luis Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português., Trad.: Ivo Storniolo, José bortolini. São Paulo: Paulus: 1997SCHÖKEL, Luis Alonso. Profetas II, vol. 2. São Paulo: Paulinas: 1988STUDIES IN OLD TESTAMENTE PROPHECY. Ed.: H. H. Rowley, Edinburgh: T. & T. Clark: 1950. pp 1-18.THEOLOGICAL DICTIONARY OF THE OLD TESTAMENT. Ed.: G. Johannes Botterweck e Helmer Ringgren, vol. I — Revised

Edition. Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 1983.]THEOLOGICAL WORDBOOK OF THE OLD TESTAMENT. Ed.: R. Laird Harris. Chicago: Moody Press: 1980VOX SCRIPTURAE. Revista Teológica Brasileira. Vol III, nº 1, Março 1993. pp. 3-18. Luiz Alberto Teixeira Sayão. São Paulo: Edi-

ções Vida NovaYOUNG, Edward J. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo. Vida Nova

isagoge do antigo testamento

9. Idem10. Idem11. Idem12. ENCICLOPEDIA DE LA BIBLIA, vol. 3. p. 99713. THE BIBLICAL WORLD. Ed. Charles F. Pfeiffer. p. 18914. Idem15. Bible Works16. THEOLOGICAL WORDBOOK OF THE OLD TESTAMENTO.

Ed.: R. Laird Harris. pp. 752-317. Idem — p. 75318. Idem19. ENCICLOPEDIA DE LA BIBLIA, vol. 3. p. 99720. Idem p. 99621. SCHÖKEL, Luis Alonso. Profetas II, vol. 2. p. 1125

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Introdução

Durante boa parte de meu Mi-nistério Pastoral, de segunda a

sexta, iniciava diariamente minhas atividades entrando às 8h00 no meu gabinete de trabalho para fazer o meu devocional que se desenrola-va, na maioria das vezes, do modo como segue:

a) Orava para que Deus Es-pírito Santo me inspirasse

no trabalho e fortalecesse minha fé pelo estudo de Sua Palavra (breve oração).

b) Lia a Bíblia por cerca de meia hora. Esta leitura

era sistemática, livro após livro. Consultava comentários, lia ou-tras traduções além da portuguesa. Também aqui incluía as leituras da trienal para o domingo quando de-veria pregar sobre um dos seus tex-tos. Na segunda, lia o Salmo e o tex-to do Antigo Testamento. Na terça, a epístola. Na quarta, o Evangelho. O tempo gasto na leitura da Bíblia era o momento que eu considerava que Deus falava comigo.

c) Após a leitura, seguia o mo-mento de oração que perdu-

rava por meia hora, mais ou menos, também. Lia, a partir da convenção da IELB em Veranópolis no ano de 1990, primeiramente as orações do dia propostas no livro de orações de George Kraus, “Palavra e Oração”. Nestas orações, há um espaço sob o título “Súplicas Especiais e Ação de Graças” onde rabisquei o nome de pessoas e de grupos que me eram caros, e pelos quais orava então. De-pois disso, seguia minhas anotações que procediam das visitas pastorais

(necessidades especiais de irmãos) para, finalmente, orar pelos congre-gados seguindo a lista dos filiados que apareciam no rol de membros. Ao terminar de pronunciar meu úl-timo amém, quase sempre havia se passado uma hora até uma hora e meia de tempo.

À noite, na cama ou no gabinete, ainda uma breve oração de confissão de pecados, súplica de perdão, ação de graças pelas bênçãos recebidas, alguns pedidos especiais pelos fami-liares e por mim mesmo, e então me entregava aos prazeres... Do sono. Mas interessantemente e sem que-rer, eu, sem o saber, fazia muito da-quilo que Lutero, em alguns de seus

escritos, recomendou a respeito do orar e ler a Bíblia.

O Pastor e a Vida Devocional segundo Martinho LuteroRev. Egon Martim SeibertLutero e Luteranismo

1. A vida devocional de um cristão (pastor) segundo o que Lutero ensina sobre o orar.

Se cada um de nós pudesse des-crever, aqui e agora, a sua vida de-vocional, certamente haveríamos de receber contribuições valiosas. Contudo, queremos agora, de um modo especial ver, ou então rever, o que Lutero nos tem a dizer a respei-to da mesma.

Com respeito ao motivo que cristãos têm para orar, Lutero em

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primeiro lugar deixa claro que Deus o requer dos que são seus filhos. Ali-ás, para Lutero, somente um cristão podia orar pelo simples fato de que aquele que não o é não sabe pelo que ou como orar (Plass, p. 1.077).

Orar para Lutero não era algo fa-cultativo ao cristão (Plass, p. 1.075 e 1.076). Para ele, cristãos obede-cem ao seu Senhor e o fazem (Lu-tero, 1995, p. 274, v. 7 e Livro de Concórdia, p. 459). Ele até chega a afirmar em 1539, em sua exposição de 1Pedro 4.8, que alguém que não ora não deveria sequer imaginar que fosse cristão (Plass, p. 1.079).

Um segundo motivo que Lutero apresenta para que cristãos orem en-contra-se no fato de que Deus pro-mete ouvir as preces de seus filhos (Livro de Concórdia, p. 459; Lute-ro, 1995, p. 274, v. 7). No entanto, ele deixa claro que embora haja a promessa de que Deus atenda todas as orações, ele as atende a seu modo (Lutero, 1995, p. 275, v. 7). Por isso ele lembra que neste orar o cristão pede que a vontade do Pai seja feita e não a sua, pois ele sabe o que verdadeiramen-te é bom para seus filhos (Plass, p. 1.096 e 1.098). Além disso, este orar sempre deveria ser feito em nome de Jesus por causa de quem somos aceitos e ouvidos (Plass, p. 1.077). Ele afirma: “Em seu nome eu do-bro meus joelhos, embora eu não seja digno de ser ouvido por Deus” (Plass, p. 1.078).

Uma terceira razão que Lute-ro aponta para que um cristão ore, encontra-se nas necessidades que, tanto ele, como seu próximo, têm.

Na instrução aos visitadores ele de-monstra que pastores “devem ins-truir as pessoas a pedirem a Deus coisas terrenas ou eternas. Devem

encorajar a todos a levarem suas pre-ocupações a Deus. Um padece pobre-za, outro doença,

o terceiro sofre por causa de peca-dos, o quarto, por causa de descrença e outros males. Por isso muitos recorrem a Santo An-tônio, outros a São Se-bastião, etc. Qualquer, porém, que seja o problema, deve-se procurar ajuda em Deus” (Lutero, 1995, p. 275, v. 7). No Catecismo Maior ele ainda diz: “Por isso deve-mos nos acostumar desde a mocida-de a orar diariamente, cada qual por toda a sua própria necessidade, onde

quer que sinta algo que lhe diga res-peito, e também pela necessidade de outras pessoas entre as quais vive. Por exemplo, por pregadores, auto-ridades, vizinhos, empregados” (Li-vro de Concórdia, p. 460).

Com respeito ao como orar, Lutero lembra que a oração exige fé verdadeira, baseada na palavra e promessa de que Deus, por Cristo,

por meio de quem, aliás, a oração tor-na-se aceitável dian-te dele, dará aos que oram toda a graça e bem (Livro de Con-

córdia, p. 474; Lutero, 1995, p. 275, v. 7). Para ele a oração tinha que ser sincera e não ser um ato de hipocri-sia por meio do qual, aquele que ora, busca prestígio ou fazer grau diante de outras pessoas (Lutero, 1995, p. 118, v. 5).

O Pastor e a Vida Devocional segundo Martinho LuteroLutero e Luteranismo

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O Reformador também declara que o orar correto é feito com aten-ção, do princípio até o fim. Por isso ele lembra o próprio ofício daquele a quem escrevia, quan-do afirmou: “Assim, um barbeiro aplicado e competente tem que voltar seu pensamen-to, sua atenção e seus olhos, com muita precisão, para a navalha e os cabelos, e não se descuidar, não sa-bendo que esteja afiando ou cortan-do. Mas, se ele, ao mesmo tempo, quisesse fazer muita conversa ou ficar pensando ou olhando outras coisas, certamente iria cortar fora a boca ou o nariz, e até o pescoço. Desta forma, cada coisa que é para ser bem feita, quer ter a pessoa in-teira, com todos os seus sentidos e membros, como se diz: “pluribus intentus minor est ad singula sen-sus — Quem pensa em muita coisa, não pensa em nada, também não faz nada direito. Tanto mais a oração precisa ter o coração uno, por intei-ro e exclusivo, se é que deva ser uma boa oração” (Lutero, 1984, p. 323).

Para Lutero, o ato de orar podia ser realizado a sós e, por exemplo, com outros na Igreja, (Carr, p. 624). De acordo com o seu pensamento, este seu orar não era tão somente feito em silêncio ou falando em voz alta. Até mes-mo ele fazia uso da música para orar e afirmou que ora o dobro quem ora can-tando (“Doppelt betet, wer singet”, Carr, p. 625).

O Reformador ensinou que cris-tãos, além de orarem por si mesmos, também oram pela Igreja e Estado,

pela conversão dos pecadores, pelos inimigos (Plass, p. 1.099), pelos que tinham problemas no casamento, pelos soldados em guerra, muito

embora fosse reti-cente com respeito ao orar para que al-guém vencesse uma guerra que tivesse

um motivo injusto (Carr, p. 626, nota 48).

Ao Mestre Barbeiro Pedro

Beskendorf de Wittenberg, com quem Lutero já fazia então a barba no mínimo por 18 anos, o Refor-mador deu, em 1535, instrução de como se deve orar. Segundo este es-crito, o Reformador reconhece que, por vezes, perdera a vontade de orar em razão do diabo e da própria car-ne. O que fazia então? Dependen-do da hora, ia ao quarto ou igreja, ficava a sós ou colocava-se em meio às pessoas, para então tomar em

Lutero e Luteranismo

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suas mãos o pequeno sal-tério e falar em voz alta os 10 Man-

damentos, o Credo e, dependendo da disponibilidade do tempo, ci-tar passagens bíblicas de Jesus e do apóstolo Paulo (Lutero, 1984, p. 318). Depois disso ele orava de uma só sentada todo o Pai Nosso (Lu-tero, 1984, p. 319) que, segundo o

seu critério, era a melhor de todas as orações (Lutero, 1984, p. 323), ou então, depois de cada petição orava algo que tinha a ver com a mesma, como por exemplo, na sexta petição conforme segue:

“6. A sexta petição: “E não nos deixes cair em tentação”, e diga: Ah, querido Senhor, Deus e Pai, conserva-nos resolutos e bem dis-postos, ardorosos e aplicados em tua palavra e serviço. Que não nos

sintamos seguros, preguiçosos e re-laxados, como se agora tivéssemos tudo, e o diabo ferino nos assalte e tome de surpresa, e nos tire de novo a tua palavra preciosa ou provoque discórdia e sectarismo entre nós, ou ainda nos atraia ao pecado e à vergo-nha, seja espiritual ou corporal; mas dá-nos, por teu Espírito, sabedoria e força, para que lhe resistamos com bravura e obtenhamos a vitória, amém.” (Lutero, 1984, p. 321)

Lutero, apesar deste seu exem-plo, deixa claro ao Mestre Barbei-ro que não queria que o mesmo se prendesse às preces que ele lhe trazia como exemplo e as repetisse todo o dia como uma recitação qualquer. Pelo contrário, o que ele desejava era que o seu amigo se sentisse estimu-lado quanto ao que poderia, com suas próprias palavras, dizer quando orasse cada petição da oração do Se-nhor (Lutero, 1984, p. 322).

Ele também ressalta que, se hou-vesse tempo, então ainda procederia da mesma forma com os 10 Manda-mentos. Ele os tomava nesta ordem: a) como ensinamento, refletindo so-bre o que Deus esperava nele, dele; b) em seguida, fazia dele uma ação de graça; c) então fazia uma confis-são de pecados; para, finalmente, d) colocar diante do Senhor numa prece seus pedidos. E para que o Mestre Barbeiro o pudesse compre-ender, ele exemplifica todos os man-damentos. Como exemplo disto, transcrevo o que ele recomendou a respeito do primeiro mandamento (Lutero, 1984, p. 324).

“1. “Eu sou o Senhor, teu Deus” etc. “Não terás outros deuses dian-te de mim” etc. Aqui penso, em primeiro lugar, que Deus exige de mim e me ensina a confiar nele de coração em todas as coisas, e que ele, muito seriamente, deseja ser meu

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Deus. E como tal devo considerá-lo, sob pena de perder a eterna bem--aventurança. E meu coração em nada mais deve basear-se ou confiar, seja em algum bem, honra, sabedo-ria, poder, santidade ou qualquer criatura. Em segundo lugar, sou grato à sua insondável misericór-dia, por se voltar tão paternalmente para mim, homem perdi-do, oferecendo-se a si mesmo sem ser solici-tado nem procurado e sem qualquer merecimento meu, para ser meu Deus, aceitar-me, e por querer ele ser meu consolo, pro-teção, auxílio e força em todas as aflições. Isso que nós pobres e cegos seres humanos temos procurado di-versos deuses e ainda os procuraría-

mos, caso ele mesmo não se fizesse ouvir de forma tão manifesta e se nos não oferecesse em nossa linguagem humana, querendo ser nosso Deus. Quem, por tudo isso, lhe pode agra-decer o bastante para sempre e eter-

namente? Em tercei-ro lugar, confesso e professo meu grande pecado e ingratidão, de ter desprezado, de maneira tão ver-gonhosa, doutrina tão bela e dádiva tão valiosa por toda mi-

nha vida, e de ter provocado sua ira de forma tão horrível com inúmeras idolatrias; isso me dói e peço miseri-córdia. Em quarto lugar, peço e falo: Deus meu e Senhor, ajuda-me por tua graça que eu, a cada dia, consi-ga aprender e compreender melhor

este teu mandamento e possa em confiança sincera, agir de acordo. Protege meu coração, para que não me torne tão esquecido e ingra-to, não procure outros deuses nem consolo em quaisquer criaturas, mas permaneça de todo o coração unica-mente contigo, meu único Senhor. Amém, querido Senhor Deus e Pai, amém.” (Lutero, 1984, p. 324)

Embora Lutero tenha encerrado este escrito chamando a atenção do Mestre Barbeiro para que o seu espí-rito não se cansasse por querer fazer tudo isso de uma só vez, que uma boa oração não precisava ser longa nem repetida várias vezes (Lutero, 1984, p. 332), é verdade que ele gas-tava cerca de 3 horas diariamente para meditar e orar (Carr, p. 624). Para Lutero, orar era a arte supre-ma (“Kunst über alle Künste”, Plass,

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p. 1.088). Ele não considerava que fosse algo fácil de se fazer (Plass, p. 1.088). Aliás, ele julgava esta tare-fa muito mais difícil do que pregar (Plass, p. 1.088).

Por fim ainda cumpre lembrar que Lutero ensinou que cristãos também agradecem por todas as coisas, até mesmo pelas simples. Em meados de 1530, ele escreveu “O Sublime Louvor” tendo como base o Salmo 118, do qual muitos de nós recitam com fé e gratidão após as refeições o versículo 29, aquele que diz “Rendei graças ao Senhor, por-que ele é bondoso, e sua bondade dura para sempre”.

Dentre as afirmações que Lutero faz neste documento, destacamos que ele chama a atenção ao fato de que muitos pensavam que já haviam entendido este versículo até a últi-ma gota, aos quais ele chama de pa-tifes e de quem ele afirma que jamais se lembraram de agradecer a Deus pelo leite que mamaram no seio de suas mães, muito menos por tudo quanto Deus lhes concedeu ao lon-go de suas vidas. Sim, Lutero ressal-

ta que cristãos agradecem também pelas coisas simples da vida, afir-mando: “Por isso esse versículo de-veria estar, com justiça, no coração e na boca de qualquer pessoa todos os dias, toda vez que come, bebe, olha, ouve, cheira, anda, fica parado ou toda vez que faz uso dos membros de seu corpo, dos bens ou de alguma criatura, a fim de que se lembrasse de que, se Deus não lhe desse essas coisas para uso e não as preservas-se contra o diabo, teria que carecer delas” (Lutero, 1995, p. 25-26, v. 5). E alguém que reconhece isso com um coração alegre, certamente dirá, segundo ele, algo parecido com isso: “Vamos lá! Tu és um Deus amigo e bondoso que me demonstras eter-namente, isso é, sempre e sempre, sem cessar, a mim homem indigno e ingrato, bondade e benefícios tão grandes: a ti se deve louvor e en-grandecimento” (Lutero, 1995, p. 26, v. 5).

2. A vida devocional de um cristão (pastor) segundo o que Lutero ensina sobre o estudar e meditar.

No prefácio do Catecismo Me-nor, dedicado a “todos os pastores e pregadores fiéis e piedosos” (Li-vro de Concórdia, p. 363), Lutero faz ver que é preciso que se ensi-nem as partes principais do mesmo “inculcando-o nas pessoas” (Livro de Concórdia, p. 364). Depois dis-

so, tendo decorado o texto (Livro de Concórdia, p. 364), os pastores deve-riam ensinar o senti-do das palavras, para que todos soubes-sem o seu significa-

do (Livro de Concórdia, p. 365). E, neste ensinar, ele frisa que os pasto-res deveriam martelar “especialmen-te no mandamento e parte” em que houvesse maior negligência entre o povo ao qual eles serviam (Livro de

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Concórdia, p. 365). E ele, ao con-cluir que este ofício envolvia “muita fadiga e trabalho, perigo e tentação, e, além disso, pouca retribuição e gratidão no mundo”, deixa-lhes o consolo de que “o próprio Cristo quer ser a recompensa dos que tra-balharem com fidelidade” (Livro de Concórdia, p. 366).

No prefácio do Catecismo Maior, ao criticar pregadores e pas-tores que negligenciavam o inculcar do Catecismo como pauta do seu ofício por motivo de preguiça ou por serem “comilões despudora-dos e servidores do próprio ventre” (Livro de Concórdia, p. 387), ele afirma que os mesmos demonstra-riam honra e gratidão ao evangelho que os libertava de cargas e apertos, “lendo, pela manhã, ao meio-dia e à noite, uma ou duas páginas do Ca-tecismo, do Livrinho de orações, do Novo Testamento ou de outra parte da Bíblia, e rezassem o Pai-Nosso por si mesmos e seus paroquianos” (Livro de Concórdia, p. 387).

No mesmo prefácio, ao afirmar que havia muitos que atiravam o Catecismo em algum canto por se julgarem doutos e considerarem-no um livro simples e desimportante (Livro de Concórdia, p. 387), ele disse: “Não obstante, faço como uma criança a que se ensina o Ca-tecismo: de manhã, e quando quer que tenha tempo, leio e profiro, palavra por palavra, o Pai Nosso, os Dez Mandamentos, o Credo, al-guns salmos, etc. Tenho de continu-ar diariamente a ler e estudar, e ain-da assim não me saio como quisera, e devo permanecer criança e aluno do Catecismo” (Livro de Concór-dia, p. 388). E ele ainda diz que “existe multiforme proveito e fruto em ler e exercitá-lo todos os dias em pensamento e recitação. É que o Es-

pírito Santo está presente com este ler, recitar e meditar, e concede luz e devoção sempre nova e mais abun-dante, de tal forma, que a coisa de dia em dia melhora em sabor e é re-cebida com apreço cada vez maior” (Livro de Concórdia, p. 388). E ele aconselhou: “Perseverem em ler, en-sinar, aprender, meditar e refletir, e não desistam até fazerem a experi-ência e adquirirem a certeza de que mataram o diabo de tanto lecionar e se tornaram mais sábios que o pró-prio Deus e todos os seus santos” (Livro de Concórdia, p. 390-391).

Para Lutero, não somente era importante a leitura do Catecismo. Ele cria que ocupar-se com a Palavra

de Deus, dela falar e sobre ela me-ditar, era “auxílio poderoso contra diabo, mundo, carne e maus pen-samentos” (Livro de Concórdia, p. 388). Para ele, cristãos deveriam, além de no dia do descanso, ocupar--se diariamente com a palavra de Deus e trazê-la no coração e nos lá-bios (Livro de Concórdia, p. 408). Ele afirmou que todo o “nosso viver e agir, para chamar-se agradável a Deus, ou santo, deve nortear-se pela palavra de Deus” (Livro de Con-córdia, p. 409). Quando, porém, isso não acontece, “quando o cora-

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Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 65

BibliografiaA BÍBLIA Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada no Brasil. 2 Ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do

Brasil, 1999CARR, Sister Deanna Marie. A consideration of the Meaning of Prayer in the Life of Martin Luther. Concordia Theological

Monthly, Saint Louis: Concordia Publishing House, p. 621-629, out. 1971.KRAUS, George. Palavra e oração. Porto Alegre: Concórdia Editora, 1990.LIVRO DE CONCÓRDIA. 5 ed. Traduzido por Arnaldo Schüler. Porto Alegre: Concórdia/São Leopoldo: Sinodal; 1997.LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas, vv. 5 e 7. Porto Alegre: Concórdia/São Leopoldo: Sinodal; 1995.Pelo Evangelho de Cristo. Traduzido por Walter O. Schlupp. Porto Alegre: Concórdia/São Leopoldo: Sinodal; 1984.PLASS, Ewald M. What Luther Says. A Practical In-Home Anthology for the Active Christian. Saint Louis: Concordia Publishing

House, 1959.

ção anda ocioso e a palavra não soa, o diabo pactua e realiza o estrago” (Livro de Concórdia, p. 410). Por isso, ao terminar a explicação do 3º. Mandamento no Catecismo Maior, ele afirma: “quando se medita, ouve e trata a palavra seriamente, ela tem o poder de nunca ficar sem fruto. Sempre desperta novo entendimen-

to, prazer e devoção, e cria coração e pensamentos puros. Pois não há pa-lavras inoperantes ou mortas, senão eficazes e vivas” (Livro de Concór-dia, p. 410 e 411).

Conclusão

Ao encerrarmos este breve estu-do sobre a vida devocional de um cristão/pastor, segundo os ensinos

de Lutero, trazemos a recomenda-ção que Lutero deixa a estudantes de Teologia e um exemplo de oração para que pastores realizem:

“Por isso eu vos admoesto, espe-cialmente aqueles que desejam ser mestres da consciência dos outros, e eu admoesto cada um de vós indi-vidualmente para que se treine atra-vés do estudo, leitura, meditação e oração de tal modo que esteja apto na tentação a ensinar e confortar as vossas próprias consciências as-sim como as dos outros, bem como guiá-las da lei à graça, da justificação ativa para a passiva, em resumo, de Moisés para Cristo (Plass, p. 949).

Oração de um pastor: “Senhor Deus, tu me indicaste para ser um bispo, um pastor na tua igreja. Tu sabes que eu sou incapaz de assumir tão grande e tão difícil encargo e, se não fosse a tua ajuda, eu certamen-te teria fracassado há muito tempo. Por isso clamo a ti; quero dedicar meus lábios e meu coração a teu ser-viço. Desejo ensinar a este povo, e eu mesmo quero aprender mais e mais. Incute em mim o desejo de meditar com diligência na tua Palavra. Usa--me como teu instrumento; só peço que não me desampares, pois, se eu me sentisse entregue a minha pró-pria sorte, certamente poria tudo a perder. Amém. (Kraus, p. 15-16).

Rev. Egon Martim Seibert pastor da Igreja Evangélica Luterana do Braisl

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Litúrgica: Período de advento

Legenda:

Vivemos no segundo Advento. Estamos no tempo da graça de Deus. E ainda hoje há opor-tunidade de Salvação. Todos aqueles que creem em Jesus serão salvos.

Vivemos o Advento nos preparando na Palavra de Deus, na comunhão cristã. Procurando viver uma vida digna diante de Deus e do próximo.

Ao pecarmos temos um porto seguro e o con-vite do Senhor: “Vem que eu perdoo você”. E assim é o nosso Advento.

Espere em Deus! Espere sempre em Deus!

Sugestão Litúrgica para o Período de AdventoVeja uma sugestão de liturgia para o período dos

quatro domingos iniciais do Ano da Igreja. Aqui aparece sem a formatação adequada para uso prático no culto. Caso queira formatar à vontade, este texto pode ser usado. Caso queira o material finalizado, verifique no blog da Comissão de Culto da IELB (www.liturgialuterana.blogspot.com).

Lá você vai encontrar o material para imprimir, bem como para ser projetado e as partituras das me-lodias sugeridas nesta liturgia.

P Pastor de pé

C Congregação sentados

T Todos ajoelhados

cantar

Prelúdio e entrada do(s) Oficiante(s):

Acolhida:

Preparação

Hino:

1. Invocação:P.: O Senhor veio a nós com sua justiça, paz e sal-

vação.C.: Nós estamos alegres e viemos ouvi-lo e adorá-

-lo.P.: Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo! Quem me

segue terá a luz da vida e nunca andará na escu-ridão.”.

C.: Celebramos este culto em nome de Jesus, nossa luz, e do Pai, nosso criador e do Espírito Santo, nosso Consolador.

P.: Vem, Senhor Jesus!C.: Ó vem, Emanuel—Deus conosco.T.: Amém!

2. Alocução Confessional:P.: Espere em Deus! Espere sempre em Deus! Advento é período de preparação. Aguardamos

o Senhor que vem. Não vem novamente me-nino. Ele já veio criança, no primeiro Natal e morreu para salvar a todas as pessoas.

4. Absolvição dos Pecados:P.: Irmãos em Cristo. O Salvador que veio no pri-

meiro Advento é o mesmo que hoje esperamos, no segundo Advento. Na primeira vez ele cum-priu sua tarefa e alcançou a salvação para os pe-cadores. Todos aqueles que se arrependem dos seus pecados, creem em Jesus e têm o sincero propósito de corrigir suas vidas, têm, em Jesus, o perdão de todos os pecados.

Como ministro da Palavra de Deus, eu anuncio a graça do Senhor e perdoo todos os pecados de vocês, em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.

C.: Amém.

3. Confissão e Absolvição dos Pecados:

P.: A desobediência sempre causa tristeza. Filhos entristecem seus pais quando desobedecem. Nós também somos motivo de tristeza para Deus quando desobedecemos aos seus manda-mentos. Por outro lado, quando nos arrepende-mos dos nossos maus caminhos, Deus se alegra e nos estende o seu perdão. Quando recebemos o perdão, não precisa mais haver tristeza. Pode-mos sair por aí, felizes da vida. Vamos, portan-to, confessar os nossos pecados e receber com alegria o perdão que Cristo nos dá.

Todos poderão ajoelhar-se, aqueles que não puderem, sentam-se.

T.: Ó Deus de toda a misericórdia, nós te confessa-mos que somos pecadores e não fazemos a tua vontade. Pecamos diariamente por pensamen-tos, palavras, ações e omissões. Sabemos que muitas vezes somos omissos no trabalho que tu nos confiaste. Por todos os nossos pecados me-recemos a tua eterna condenação. Ó Deus, por amor de Jesus Cristo, não nos condenes. Tem misericórdia de nós, pobres pecadores. Dá-nos o teu perdão. Amém.

Comissão de Culto da IELB

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Outubro e Novembro, 2010 | Teologia | 67

Litúrgica: Período de advento

5 Agradecimento pelo perdão (Cantado) — HL 1.3

P.: O perdão traz a notícia que nos alegra. Assim como o Sentinela esperava o nascer do dia, nós esperamos a volta do Senhor. E gratos canta-mos.

T.: Sentinela, eis nasce o dia; foge a noite tudo é luz; vai-se a treva, cessa o medo, já nos falam de Jesus! Amoroso, desde o berço / ao triunfo lá na cruz, com sua graça nos liberta: para a glória nos conduz.

Adoração

6. Salmo do Dia

6.1. Canto (ou Leitura) do Salmo6.2. Glória Patri (Cantado) — HL 150.3C.: Louvor e adoração / ao trino Deus rendamos! De nosso coração / um templo seu façamos! Eterno é seu poder, / potente, sua mão. / Ele é, e ele há de ser / o nosso galardão.

Ofício da Palavra

7. Saudação:P.: Que o Senhor venha e esteja entre nós.C.: O Senhor está em nosso meio e que esteja conti-

go também.

8. Coleta (Oração do Dia):P.: ...C.: Amém.

9. Leituras Bíblicas:P.: A Palavra de Deus nos mostra o caminho certo

a seguir. Somente na Palavra do Senhor nós po-demos conhecer Jesus Cristo e sua maravilhosa obra de salvação. Com confiança no amor e na graça de Deus, nós queremos ouvir a sua santa vontade e orientação para nós.

9.1. Antigo Testamento:P.: Depois da leitura: “o ser humano não vive só

de pão, mas vive de tudo o que o Senhor Deus diz.”

9.2. Epístola:P.: Depois da leitura: “Mais felizes são aqueles que

ouvem a mensagem de Deus e obedecem a ela.” Aleluia!

C.: Aleluia, aleluia, aleluia!

10. Hino:

11. Evangelho do Dia:P.: “Foi assim que Deus mostrou o seu amor por

nós: ele mandou o seu único Filho ao mundo para que pudéssemos ter vida por meio dele.”

O Evangelho de hoje está escrito... C.: Gloria, gloria, in excelsis Deo! |: Gloria, glo-

ria, aleluia, aleluia! :| Leitura do EvangelhoP.: Assim termina o Evangelho e “Eu não me en-

vergonho do evangelho, pois ele é o poder de Deus para salvar todos os que creem”.

C.: Gloria, gloria, in excelsis Deo! |: Gloria, glo-ria, aleluia, aleluia! :|

12. Confissão de Fé (Credo Apostólico):

13. Hino:

14. Mensagem (Sermão):

15. Ofertório (cantado):C.: Cria em mim, ó Deus, um puro coração e reno-

va em mim espírito reto. Não me lances fora da tua presença e não retires de mim o teu Espírito Santo. Torna a dar-me a alegria da tua salva-ção e sustém-me com um voluntário espírito. Amém.

16. Recolhimento das OfertasP.: “Ao Senhor Deus pertencem o mundo e tudo o

que nele existe; a terra e todos os seres vivos que nela vivem são dele”.

C.: “Não podemos, de fato, te dar nada, ó Senhor, pois tudo vem de ti, e nós somente devolvemos o que já era teu”.

P.: “Que cada um dê a sua oferta conforme resol-veu no seu coração, não com tristeza nem por obrigação, pois Deus ama quem dá com ale-gria”.

C.: “Com alegria e motivados pela fé no Salvador Jesus Cristo, nós queremos ofertar”.

16.1. Hino para o OfertarAqueles que se sentem movidos podem fazê-lo espontaneamente,

enquanto canta-se:

1. Com gratidão, Senhor/ queremos ofertar/ está ao teu dispor / o que dignaste dar.2. Oh! faze a fé vibrar / em nossos corações,/ e vem multiplicar / ofertas e orações.3. Ajuda-nos, Senhor / teu nome proclamar/ E dá-nos mais amor / às almas a salvar.4. Servir a ti, ó Deus / na igreja, emprego e lar/ concede sempre aos teus/ assim viver e andar.

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68 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

17. Convite à Oração—Oração Geral da Igreja:

17.1. Convite:Cita-se os motivos que serão incluídos na Oração Geral.

17.2. Oração Geral da IgrejaP.: ...C. Amem.

18. Hino:

Ofício da Santa Ceia

19. Prefácio:P.: Ó povo redimido, / ó Filha de Sião! Eis vem o teu Ungido, / o Autor da redenção. Com paz e com venturas / teu Rei te vem aí; hosana nas alturas / ao filho de Davi.C.: Jesus Cristo veio no primeiro Advento e virá

novamente buscar os seus. Neste momento nos apresentamos, a seu convite, pare receber seu corpo e sangue. Para nossa salvação.

P.: Nada há de mais sublime do que o amor de Deus por nós. E assim nos lembra a Santa Pa-lavra de Deus: “Porque Deus amou o mundo tanto, que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna.”.

C.: Ao Pai celeste implora / contrito coração e, arrependido chora, / pedindo seu perdão. Convida ao Rei divino / que faça habitação com graça e amor genuíno / no triste coração.P.: O Pai de misericórdia renova suas promessas.

Jesus voltará, este é o Advento que vivemos. As-sim como veio no primeiro Advento. E agora o Pai quer fortalecer nossa fé enquanto participa-mos da Santa Ceia.

C.: Jesus do paraíso / visível voltará; e, no último juízo, / os homens julgará. No derradeiro advento / seus servos vem buscar, / que em grande encantamento / nos céus o vão louvar.

20. Pai-Nosso:T.: Pai nosso, que estás nos céus. Santificado seja

o teu nome. Venha o teu reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dá hoje. E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também per-doamos aos nossos devedores. E não nos deixes cair em tentação. Mas livra-nos do mal.

Pois teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém.

o partiu e o deu aos seus discípulos, dizendo: Peguem, comam, isto é o meu corpo (†), que é dado por vocês; façam isto em memória minha.

E, semelhantemente, também, depois da ceia, pegou o cálice e, tendo dado graças, o entre-gou, dizendo: bebam todos deste; este cálice é o Novo Testamento no meu sangue (†), que é derramado por vocês para remissão dos peca-dos; façam isto, quantas vezes o beberem, em memória minha.

22. Pax Domini:P.: Que a Paz do Senhor Jesus esteja com todos vo-

cês hoje e sempre.C.: E com você também.T.: Amém.P.: Manifestamos a Paz do Senhor, cumprimen-

tando o irmão ao lado. Num gesto de amor mú-tuo. Num gesto de reconciliação. Lembrando como somos gratos por Deus nos trazer a paz.

23. Agnus Dei1. Digno és, ó Cordeiro / de todo louvor. Graças nós rendemos / por teu amor.2. Tua seja a glória / e o domínio também. Para todo o sempre. / Amém. Amém.3. Teus são os poderes / e os tronos também. Hoje e para sempre. / Amém. Amém.4. Glórias nas alturas, / na terra também. Glórias, aleluia. / Amém, Amém.

24. Distribuição da Santa Ceia (Seguindo a recomendação apostólica (1Co

11.27-31), distribuímos a Santa Ceia apenas aos membros confirmados em comunhão com a nossa igreja, que estão preparados. Os visitan-tes, que estão com vontade de participar desta Comunhão, pedimos que primeiro falem com o pastor, a fim de serem melhor instruídos so-bre todo o significado deste Sacramento.)

Despedida

25. Nunc Dimitis:C.: Senhor, agora despedes em paz o teu servo, se-

gundo a tua Palavra, pois os meus olhos viram a tua salvação, a qual preparaste perante a face de todos os povos, Luz para alumiar as gentes e para glória de teu povo Israel. Glória ao Pai e ao Filho e ao Santo Espírito, como era no princípio, agora é e por todo o sempre há de ser! Amém.

26. Ação de Graças:P.: Tendo participado da Santa Ceia, nós demos

um testemunho a respeito do nascimento e da

21. Palavras da Instituição:P.: Nosso Senhor Jesus Cristo, na noite em que

foi traído, pegou o pão, e, tendo dado graças,

Litúrgica: Período de advento

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morte de Jesus em nosso favor. Ao participar-mos, com fé em Jesus, o Senhor nos perdoa os pecados e fortalece a nossa fé.

C.: Estamos anunciando a morte do Senhor até que ele venha.

P.: Rendamos ação de Graças ao Senhor e oremos: Deus Todo-Poderoso, nós somos gratos por-

que mais uma vez nos deste o conforto desta refeição celestial. Com toda a igreja militante e triunfante rendemos louvores a ti. Pois tu és o mesmo ontem, hoje e sempre. E continuas a nos abençoar física e espiritualmente. Recebe nosso louvor hoje e sempre. Em nome de Jesus Cristo, nosso Salvador, que vive e reina contigo e o Espírito Santo. Um só Deus pelos séculos sem fim.

C.: Amém.

27. Oração de Despedida e envio:P.: Oremos ao Senhor: Tu vieste, ó Senhor querido! Tu estiveste entre

nós e viveste como homem.C.: Tu foste fiel até à morte e morte de cruz. E ven-

ceste!P.: Agora aguardamos sua segunda vida. E quere-

mos estar contigo, todos os dias, até o fim dos séculos.

C.: Abençoa-nos com tua presença e teu amparo.

Litúrgica: Período de advento

Liturgia completa e em diversos formatos no blo-gue Liturgia Luterana. Inclusive as melodias para as partes cantadas, sugeridas nesta liturgia.

www.liturgialuterana.blogspot.com

Que sejamos tua boca a falar palavras boas aos outros. Que sejamos tuas mãos a socorrer aos can-sados. Que sejamos teus pés, para ir aonde estão precisando de nós.

T.: E que pelo mundo, sejamos a tua luz, a iluminar a escuridão. Assim como tu iluminas a nossa vida. Amém.

28: Bênção:P.: Recebam a bênção do Senhor. O Senhor abençoe e guarde vocês. O Senhor faça resplandecer o rosto sobre vocês e

tenha misericórdia de vocês. O Senhor, sobre vocês, levante o rosto e dê a paz.C.: Amém. Amém. Amém.

29. Comunicações, convites e despedidas:

30: Hino Final:Seja sempre bem-vindo; Jesus quer estar com você.

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70 | Teologia | Outubro e Novembro, 2010

Em 31 de Outubro de 1517, um tesouro estava por ser

desenterrado. O Monge Agostinia-no Martinho Lutero, deu início a um movimento na Igreja de então, denominado “Reforma”. Com o in-tuito de resgatar a dignidade do ser humano, como filho de Deus, na so-ciedade em que vivia e especialmen-te na igreja que amava, denunciou e derrubou os muros da exploração e comércio que mais afastavam as pessoas do centro da Igreja Cristã, do que lhes aliviava a consciência. Neste dia Lutero resolveu levar o as-sunto ao debate, por isso fixou as 95 teses na porta da Catedral de Wit-tenberg, querendo com isso abrir os olhos das pessoas que ingenua-mente eram ludibriadas com uma Teologia cheia de interesses e bara-ta. Pressionou e desafiou a igreja a cumprir seu papel de apresentar o perdão como um presente de Deus, conquistado na cruz por nosso Se-nhor Jesus Cristo, e não baseada em obras, sacrifícios, indulgências (Efé-sios 2.8-9) que cercavam a base do cristianismo (problema que, 5 sécu-los depois, volta à tona).

Ao traduzir a Bíblia para a língua do povo, uma revolução iniciava. Deus, que parecia aprisionado nos mosteiros e templos, passou a fazer parte do cotidiano das pessoas, sen-do acessível a todos, em qualquer

lugar. A Revista Veja — Edição Espe-

cial do Milênio publicou uma pes-quisa da Revista americana Life, a respeito dos personagens que marcaram o milênio (1001-2000), Guttenberg e Lutero, contempo-râneos, ficaram entre os mais in-fluentes: Guttenberg (1º) que se destacou pela impressão da Bíblia e Lutero (3º) o principal mentor da Reforma, que revolucionou vários conceitos no que diz respeito a Te-ologia, igreja, educação de boa qua-

Um Tesouro Desenterrado na Reforma

Rev. Márlon Hüther Antunesartigo

lidade, ênfase na família e vida em sociedade (luta por impostos justos e administração pública honesta e transparente). A base desta pesquisa se ateve a quantas pessoas um deter-minado acontecimento afetou, e sua influência na atualidade. Depois de montanhas de livros consultadas, especialistas em várias áreas do co-nhecimento elaboraram a lista dos cem nomes.

A descoberta deste homem não pertence apenas aos luteranos, mas a todos os que têm certeza do perdão dos pecados unicamente pela obra de Cristo Jesus, pois Ele é a chave para o céu. A Santa Igreja Cristã é aquela formada por pessoas que “são como um edifício e estão construí-dos sobre o alicerce que os apóstolos e os profetas colocaram. E a pedra fundamental desse edifício é o pró-prio Cristo Jesus” (Efésios 2.20).

Rev. Márlon Hüther Antunes — Maceió teólogo e pastor da Igreja Evangélica

Luterana do Brasil

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A história tem mostrado que misturar reli-gião e política não traz coisa boa. Exem-

plos não faltam. No próximo 31 de outubro, junto à urna eletrônica, seria oportuno dar um voto de confiança aos conselhos de Lutero. Foi neste dia, em 1517, que ele chamou os seus ad-versários para um debate público sobre a práti-ca das indulgências — um fraudulento negócio com o per-dão de Cristo pare-cido com a venda do voto. É o início da Reforma Lute-rana, movimento que traz mudanças globais no cenário político e religioso e a própria separação entre Igreja e Esta-do.

Lutero e o povo alemão não tinham o direito de escolher seus governantes — viviam sob o regime imperial. Mas, cumprindo o seu dever pastoral, acon-selhou os príncipes a não se introme-terem em assuntos espirituais e os sa-cerdotes em questões da administração política. Há dois escritos básicos dele, o Magnificat (1521) e Da Autoridade Secular (1523), que expõem com sa-bedoria uma ética que falta no atual contexto brasileiro. Lembra que é preciso “dis-tinguir cuidadosamente os dois regimes de Deus e deixá-los vigorar — um que torna cristão, o outro que garante a paz civil e combate as obras más”. Ao questionar: “Que são, pois, os sacerdo-

Mistura indigestates e bispos?”, responde: “Seu regime não é de autoridade ou poder, mas de serviço e função”. Já o estado “não pode estender-se ao céu e sobre a alma, mas somente sobre a terra — o conví-vio dos seres humanos”. Onde existe mistura, o resultado será a ruína do convívio das pessoas, alerta o reformador.

Neste princí-pio, os estatutos de minha insti-tuição religiosa (Igreja Evangé-lica Luterana do Brasil — IELB) são claros: “Em obediência ao princípio bíbli-co da separação entre Igreja e Estado, tanto a

IELB como as congregações não se en-volverão em questões de política par-tidária”. Por isto o código de ética do pastor em exercício: “Mesmo que deva estar atento aos problemas da socieda-de, não quero, enquanto pastor, exer-cer política partidária”. Isto não sugere omissão e passividade política, mesmo porque, se no pensamento de Lutero “política é o esforço constante e pa-ciente para estabelecer e manter uma ordem social compatível com os valo-

res do cristianismo”, isto só acontece no exercí-cio cristão da cidadania política.

Rev. Marcos Schmidt - Novo Hamburgo-RS pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

Direto ao Ponto

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