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SECRETARIA DA CASA CIVIL 1 TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA CONJUNTA CNV/CEMVDHC REALIZADA EM 13/10/2014 LOCAL : CENTRO DE CONVENÇÕES DE PE AUDITÓRIO DO BRUM DEPOENTES TEN.CEL. EX. JOAQUIM GONÇALVES VILARINHO NETO E CEL. PM. JOSÉ CARLOS ACÂMPORA DE PAULA MACHADO

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

1

TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA CONJUNTA CNV/CEMVDHC REALIZADA EM 13/10/2014

LOCAL : CENTRO DE CONVENÇÕES DE PE

AUDITÓRIO DO BRUM

DEPOENTES

TEN.CEL. EX. JOAQUIM GONÇALVES VILARINHO NETO

E

CEL. PM. JOSÉ CARLOS ACÂMPORA DE PAULA MACHADO

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Tenente Coronel do Exército, Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto (à direita), acompanhado por seu advogado, Roberto de Acioli Roma

Coronel da Polícia Militar-PE, José Carlos Acâmpora de Paula Machado

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(Obs.: sessão transcrita a partir do sítio www.youtube.com.br)

PEDRO DALARI – (trecho com gravação cortando)... E desde logo declaro que o faço com profunda emoção, por que trata-se da ultima audiência pública de instrução que a Comissão Nacional da Verdade... (inaudível), por dois anos e meio de intensa atividade. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) se aproxima do seu final; é um órgão público constituído por Lei Federal votada pelo congresso nacional e sancionada pela senhora Presidenta e tem prazo para acabar. Em data que no mundo inteiro se celebra os direitos humanos a Comissão Nacional da Verdade irá fazer a entrega do relatório final do seu trabalho a Sra. Presidenta. E nesse momento, portanto, a CNV tem que se dedicar ao trabalho de finalização do texto do relatório final, que é o que nós temos feito e portanto estaremos encerrando nesta data todas as audiências públicas que coletamos. Ainda haverá algumas diligências, amanhã mesmo haverá aqui no Recife e na cidade do Rio de Janeiro, mas esta é a última audiência pública que nós realizamos em caráter de instrução, já que nos próximos dias ficará dedicada a finalizar o seu relatório final. Não foi por coincidência que escolhemos o estado de Pernambuco e a cidade do recife para fazer essa audiência pública. A Comissão da Memória e Verdade Dom Helder Câmara (CMVDHC) foi a primeira Comissão parceira da CNV constituída em território brasileiro por lei no estado de Pernambuco, e nesse sentido, registro a presença muito honrosa do Dr. Bernardo d’Almeida, Secretário de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Governo de Pernambuco, e hoje a Comissão Nacional da Verdade tem cerca de 80 Comissões parceiras... (inaudível). Ao longo desse período todo a CMVDHC foi de extrema colaboração com a CNV, por várias vezes estivemos em ações conjuntas, e os subsídios tem sido extremamente valiosos à medida que os membros se debruçam no seu relatório. Daí por que, como disse já, saúdo o presidente da CMVDHC, nosso colega Fernando Coelho. É pra nós, presidente Fernando coelho, uma grande satisfação estar aqui em Pernambuco conduzindo esta audiência de hoje que tem, além de tudo, essa carga simbólica muito importante por que mais do que o trabalho em si que a CNV desenvolveu, ela procurou contribuir na construção de uma rede de Comissões e de agentes que se dedicam hoje à investigação das graves violações de direitos humanos ocorridas por agentes do Estado no Brasil. E fazer esta última sessão em Pernambuco é algo que homenageia realmente uma Comissão que tem sido de extrema importância para nós. Quero registrar a presença aqui, além do Secretário Bernardo d’ Almeida, do presidente Fernando Coelho e também dos nossos colegas da CMVDHC Dr. Henrique Mariano e Dr. Humberto Vieira de Melo, que estão na mesa aqui conosco e registrar a presença dos meus colegas da CNV o Prof. Paulo César pinheiro, o Dr. José Carlos Dias, a Dra. Maria Rita Kehl e o nosso colega, ilustre advogado da terra, José Paulo Cavalcanti. Entre os seis membros efetivos da Comissão, dois são originários do Estado de Pernambuco. O Dr. José Paulo Cavalcanti e a Dra. Rosa Cardoso, que não está presente; pediu-me para justificar a sua ausência, por ela não estar justamente na audiência pública que se realiza no seu estado natal. Mas nós, membros da Comissão, exercemos essa função em paralelo com outras atividades e ela, pela sua função de advogada teve que comparecer na data de hoje e também amanhã em audiência, por tanto será a única componente da Comissão que não está presente, mas sua ausência é absolutamente justificada. Portanto Presidente Fernando Coelho, eu quero com

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essas palavras agradecer não só o trabalho que a CMVDHC do Estado de Pernambuco desenvolveu durante todo esse tempo, mas também a sua disponibilidade e dos seus colegas de Comissão de estarmos juntos nessa sessão. Passo-lhe a palavra então, por que junto comigo, preside a sessão, já que é uma sessão conjunta da CNV com a CMVDHC e as duas presidem a audiência já que é uma audiência conjunta. Então passo a palavra ao Presidente.

FERNANDO COELHO – Boa tarde a todos, em nome da CEMVDHC devo inicialmente registrar a honra que a todos nos toca por essa cidade do recife servir de sede à última reunião da CNV, como há pouco foi registrado. Nós, da Comissão de Pernambuco, temos a fazer ainda outros registros. Essa nossa Comissão foi a primeira a ser constituída por Lei pelo Estado, esse é um registro que se deve e, inclusive, é justo que se faça esse registro à visão do saudoso governador Eduardo Campos (aplausos). Foi uma iniciativa à altura das tradições desse Estado. Constituiu essa Comissão consultando a sociedade civil através dos seus organismos mais representativos. Cuidou de imprimir à Comissão e aos trabalhos a seriedade que todo o Brasil reconhece... (trecho incompreensível). Pernambuco também tem outro fato a registrar. Aqui neste estado, no dia mesmo do golpe, foram feitas as duas primeiras vítimas da repressão. Aqui, dois estudantes, ainda quando Miguel Arraes governava o estado, se deslocavam no meio de uma passeata de estudantes desarmados para apresentar sua solidariedade ao governo naquele momento e foram mortos nas proximidades do Palácio do Governo, na Av. Dantas Barreto. É muito honroso para todos nós que essa reunião seja realizada aqui, e o que podemos lembrar ainda é que talvez a primeira iniciativa da Comissão foi celebrar um convênio de parceria com a CNV dentro do espírito... (inaudível)... Pelas comissões da verdade, tentam restabelecer uma verdade que foi sonegada por tanto tempo e mantida como se fosse a verdade oficial do Estado através de expedientes como a censura. Era um motivo, pra nós todos de Pernambuco, de grande honra; nós vamos continuar ainda os trabalhos dessa Comissão até daqui a um ano e meio, mas, de logo, registrando a grande tarefa que a Comissão Nacional desempenhou abrindo os caminhos para as comissões estaduais. Quero dizer que nós continuaremos tentando obter do poder judiciário o registro de óbitos que eram feitos para pessoas, sabidamente, e agora comprovadamente que morreram sob tortura, e que nos registros da época eram tidos como, e se noticiava, como tendo sido vítimas de morte natural. Agradecendo a presença de todos em nome da Comissão de Pernambuco, registrando que a nossa Comissão está integralmente presente neste ato, quero desejar à CNV mais uma vez o êxito total nos trabalhos, complementando o êxito da atuação durante todo esse tempo. A população, o povo brasileiro, espera muito de nós e tenho certeza que alcançaremos êxito na nossa luta para restabelecer a verdade, num compromisso que também é de nossas consciências com aqueles que foram sacrificados e vitimados pela repressão e tem o direito de saber a história como se passou nesse país. Nosso compromisso é esse com a verdade, e continuamos na nossa luta sempre, portanto temos a certeza que mesmo após o prazo de trabalho da CNV, contamos com as lições, os esclarecimentos e a continuidade de uma causa que não tem limite no tempo e que vai até onde possam ir as nossas forças e a nossa coragem de tentar restabelecer a verdade. Muito obrigado. (aplausos)

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PEDRO DALARI – Obrigado, Presidente. (trecho inaudível). O Dr. Aquino de Farias Reis encaminhou por intermédio de seu filho André Reis um ofício alegando que o depoente está com problemas de saúde. Faz juntar o atestado médico, assinado pelo Dr. Marcos Magalhães em 09/10/2014, portanto data bastante recente, e na manifestação o médico desaconselha firmemente a presença do seu paciente aqui entre nós. Essa Comissão tem tido o maior respeito pela condição de saúde daqueles que apresentam dificuldades de comparecer como o Dr. Aquino encaminhou. Ele seria ouvido para esclarecer a morte de Odijas Carvalho e encaminhou um ofício, um longo arrazoado apresentando, já que não pode estar presente por razões médicas, as suas alegações sobre esse fato. A comissão está recebendo, fazendo o protocolo a essa manifestação que vai então ser incorporada aos trabalhos e vamos aguardar a evolução do quadro de saúde do Dr. Aquino. O que nós temos feito por diversas vezes, é que elementos da Comissão tem se dirigido à residência do depoente para colher as informações, e podemos fazer o mesmo no caso do Dr. Aquino de Farias Reis. Lembra inclusive o Dr. José Carlos Dias, que a própria Comissão Estadual pode tomar esse depoimento em nome da CNV e depois repassar o depoimento pra que nós possamos considerar. De qualquer maneira o ofício encaminhado pelo Dr. Aquino de Farias Reis será incorporado já para consideração da Comissão. Quero chamar então para prestar depoimento e agradecer desde já a sua presença entre nós, o Ten. Cel. ex Comandante da Polícia Militar de Pernambuco, Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto. Boa tarde. Muito bem, tenente coronel. Quero agradecer a presença do senhor e vou aguardar só para que o senhor preencha o termo. Muito bem. Quero em princípio agradecer a disponibilidade, tenente coronel Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto, de comparecer à CNV, esclarecendo que o mesmo se faz acompanhar do seu advogado, Dr. Roberto de Acioli Roma, a quem então nós convidamos pra que dê toda a assistência ao seu constituinte, podendo manter diálogo com ele; nós aqui somos colegas e o objeto da Comissão é realmente a apuração de fatos que esclareçam (trecho inaudível) e, pela lei, a Comissão não tem nenhuma prerrogativa jurisdicional. Ela não julga, ela não condena, ela não realiza nenhum tipo de (...?...). Nesse sentido, a sua presença com o seu advogado, eu deixo claro que o nosso objetivo é construir um clima de parceria; nós precisamos muito das informações que o senhor pode prestar para a Comissão levar à cabo a sua missão legal. Passo então a palavra ao nosso colega José Carlos Dias para que conduza a arguição do depoente.

JOSÉ CARLOS DIAS – Tem. Cel. Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto, o senhor compareceu perante a Comissão nacional da Verdade e a Comissão da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, de Pernambuco, para esclarecer, dar informações a respeito de atos que são atribuídos ao senhor. Então eu gostaria que o senhor nos dissesse quando é que o senhor ingressou no exército; hoje o senhor é Tenente Coronel?

VILARINHO – Reformado. Ingressei no ano de 1947.

JOSÉ CARLOS DIAS – E o senhor durante quanto tempo serviu o exército?

VILARINHO – Trinta anos.

JOSÉ CARLOS DIAS – Em que unidade o senhor trabalhava?

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VILARINHO – Trabalhei no quartel de Olinda, no 7º RO, na cidade de Olinda, fui professor na AMAN, fui professor da USP, durante esses períodos.

JOSÉ CARLOS DIAS - Professor de quê?

VILARINHO – Professor exatamente de ciências exatas. Matemática. Continuei servindo no Estado de São Paulo, e de São Paulo fui para a AMAN ser instrutor na Academia Militar.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor serviu sob o comando do Major Viloque e do Cel. Ibiapina?

VILARINHO – Não senhor. Eles serviam em Casa Forte e eu servia no quartel de Olinda.

JOSÉ CARLOS DIAS – E teve algum relacionamento com eles?

VILARINHO – O meu relacionamento era de... Quando tinha alguma reunião que eu tinha que comparecer, aquelas reuniões mensais que haviam ou às vezes de dois em dois meses, me encontrava com eles.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor presenciou alguma prática de tortura durante o período que o senhor serviu o exercito?

VILARINHO – Quanto ao assunto afirmo que jamais admiti, estimulei ou pactuei com essa ação. Eu até notei que tinha certeza que ia me emocionar, por que eu consegui desafetos (...?...), minhas convicções impediam (...?...)...

JOSÉ CARLOS DIAS – É de seu conhecimento que os militares praticavam violências contra presos políticos?

VILARINHO – Eu fiz questão de me afastar.

JOSÉ CARLOS DIAS – Eu não entendi. O senhor quis se afastar por quê? De que área?

VILARINHO – Eu quis me afastar de qualquer coisa que não fosse a minha área profissional.

JOSÉ CARLOS DIAS – Sim, mas por que o senhor sabia que havia torturas aí o senhor se afastou?

VILARINHO – Não senhor, não é fato isso.

JOSÉ CARLOS DIAS – Eu estou perguntando ao senhor.

VILARINHO – Daquelas pessoas que eu...

JOSÉ CARLOS DIAS – Que pessoas, por exemplo? O Cel. Viloque comandou uma unidade que torturou publicamente Gregório Bezerra em 1964. O senhor tem conhecimento disso?

VILARINHO – Nada tenho a declarar. Não tenho provas e não posso responder por uma coisa que não posso provar. Não participo, não participei e me afastei de qualquer coisa que pudesse ter alguma tendência pra isso. Até pela maneira de ser como sou. Tanto que logo em

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seguida me deram homenagem como cidadão de Pernambuco. E todos os partidos votaram a meu favor, inclusive, para muita admiração minha o próprio Partido Comunista, e diziam até que eu era comunista por que eu andava com Dom Helder Câmara.

JOSÉ CARLOS DIAS – Mas de forma o senhor se afastou? Qual foi o período que o senhor comandou a PMPE?

VILARINHO – Março de 71 até abril de 73.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor é militar de carreira. Como é que foi essa sua ida assim pra o comando da PM? Como é que se operou a escolha do seu nome pra comandar a PM?

VILARINHO – Não sei. Fui convidado e aceitei.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor foi convidado por quem?

VILARINHO – Por quem? Pelo governador do Estado.

JOSÉ CARLOS DIAS – Quem era o governador do Estado?

VILARINHO – Eraldo Gueiros Leite.

JOSÉ CARLOS DIAS – Do comando da PM o senhor foi transferido para onde?

VILARINHO – Fui transferido de PE para Brasília. É evidente que eu estou com 85 anos... De vez em quando minha memória apaga um pouco. Eu não tenho esses dados precisos...

JOSÉ CARLOS DIAS – Sua memória está perfeita. O senhor dê graças a Deus por estar bem lúcido.

VILARINHO – É sim. Mas de vez em quando eu sinto ela falhar. (trecho incompreensível) eu não vou dizer aquilo que eu não tenha absoluta convicção.

JOSÉ CARLOS DIAS – (trecho incompreensível)... Que o senhor teria coibido atos de tortura quando o senhor era comandante da PM. O senhor concorda com isso?

VILARINHO – Nada tenho a declarar. Não tenho provas e só posso responder pelos meus atos. Nada mais tenho a declarar. Obrigado.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor tinha conhecimento do que ocorria no DOPS e no DOI?

VILARINHO – Nunca passei nem pela porta. Nunca entrei numa repartição dessas.

JOSÉ CARLOS DIAS – Bom, mas o senhor teve conhecimento de atos de tortura praticados no DOPS e no DOI?

VILARINHO – Estou sabendo pelo senhor, mas nada tenho a declarar.

JOSÉ CARLOS DIAS – Qual era a relação institucional da PM com o DOPS e DOI?

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VILARINHO – Nada tenho a declarar.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor conheceu José Carlos Acâmpora de Paula Machado e Luís Carlos Barreto?

VILARINHO – Nada a declarar.

JOSÉ CARLOS DIAS – O delegado Sérgio Fleury de São Paulo esteve em Pernambuco. O senhor...

VILARINHO – Nenhuma palavra a dizer.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor se recorda de um investigador de São Paulo, Rubens Gomes Carneiro ou Laecato? Que teria estado no Recife em 1973, no caso da Chácara São Bento?

VILARINHO – Estou ouvindo falar pe4la primeira vez nesse homem agora.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor nunca ouviu falar no delegado Sergio Paranhos Fleury?

VILARINHO – Nada tenho a declarar.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor sabe que foram levantados, foi levantada uma lista grande de pessoas que foram mortas em Pernambuco e que eram presos ou perseguidos políticos? Eu vou ler pro senhor e o senhor vai me dizer se ouviu falar deles. Ivan Rocha Aguiar, ouviu falar?

VILARINHO - Nunca

(segue leitura da lista dos 51 mortos e desaparecidos em PE ou pernambucanos fora do estado e depoente se mantém em silêncio)

JOSÉ CARLOS DIAS – Antônio Henrique Pereira Neto é o padre Henrique. O senhor nunca ouviu falar dele?

VILARINHO – Ouvi pela imprensa.

JOSÉ CARLOS DIAS – O que o senhor ouviu?

VILARINHO – O que os jornais publicaram na época. Não me ocorre mais. Eu tenho 85 anos e a minha memória às vezes esquece uma coisa ou outra.

JOSÉ CARLOS DIAS – (continua citando a lista, nome por nome) Eudaldo...

VILARINHO – Nada mais tenho a declarar.

JOSÉ CARLOS DIAS – Evaldo Luís Ferreira da Silva.

VILARINHO – Nada tenho a declarar.

JOSÉ CARLOS DIAS – Pauline Reischtul, Jarbas Pereira Marques, José Manoel da Silva... Todos vítimas da chacina da Chácara São Bento. O senhor lembra disso?

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VILARINHO – Nunca ouvi falar em Chácara São Bento. Ouvi falar hoje.

JOSÉ CARLOS DIAS – Anatália de Melo Alves?

VILARINHO – Não, senhor.

JOSÉ CARLOS DIAS - Manoel Aleixo da Silva?

VILARINHO – Não, senhor.

JOSÉ CARLOS DIAS – Mais uma pessoa conhecidíssima: Soledad Viedma Barrett, também vítima da chacina da Granja São Bento.

VILARINHO – Não sei.

JOSÉ CARLOS DIAS – Rui Frazão Soares?

VILARINHO – Não, senhor.

JOSÉ CARLOS DIAS – Sr. Tenente Coronel, o senhor estima que o senhor pode prestar alguma colaboração para que nós possamos levar avante o nosso trabalho de esclarecimento dos fatos que ocorreram naquele período, já que nós temos a obrigação de reescrever a História daquele período dando informações precisas sobre as graves violações de direitos humanos? Como militar, com a honra militar, o senhor não pode dar alguma informação? Alguma colaboração?

VILARINHO – Com o devido respeito aos senhores da Comissão, eu de vez em quando tenho lapsos de memória. Eu tenho 85 anos e não me recordo das coisas, então nada mais tenho a declarar. Muito obrigado.

JOSÉ CARLOS DIAS – Alguém tem alguma pergunta?

MARIA RITA KHEL – Eu queria saber se o senhor se considera um liberal?

VILARINHO – Tanto me considero que fui eleito aqui cidadão de Pernambuco, cidadão de Olinda, cidadão de Petrolina, das cidades quase todas daqui por unanimidade. Se eu não fosse um liberal, eu acho que eles me cortariam, eu acho isso. Eu tenho diplomas dessas Universidades todas. Até minha forma de ser, eu sou um ser social, eu sou um homem da concórdia, eu nunca tive discussão com ninguém, nunca levantei falso a ninguém. Então é absolutamente estranho isso e as pessoas que me conhecem dizem: “Mas logo você, o homem cordial que é?” Mas em respeito aos senhores eu estou aqui com muita honra, até por que o nome da Comissão é Dom Helder Câmara, que era amigo pessoal meu.

MARIA RITA KHEL – Infelizmente o senhor não colaborou.

VILARINHO – Não ouvi senhora.

MARIA RITA KHEL – Infelizmente o senhor não colaborou, não é?

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PEDRO DALARI – Eu vou fazer uma pergunta (trecho com áudio cortando as palavras)... O senhor alega não se lembrar dos fatos que ocorreram no tempo (cortando)... Em ofício de 17/ 08/75, eu vou exibir ao senhor o documento em que o senhor atesta o recebimento desse preso Manoel Lisboa de Moura. Eu queria que o senhor, junto com seu advogado, ateste a veracidade desse documento, e eu vou pedir à colega Socorro Ferraz da Comissão de Pernambuco, que nos auxilie, por que esse fato é bastante conhecido. Tem depois um memorando de entrega deste preso por parte do senhor ao DOI CODI do Recife. É uma das pessoas consideradas mortas por razões políticas pelo regime. Como o senhor está mencionado nos dois documentos da entrega do Sr. Manoel Lisboa por parte do senhor ao DOI CODI de São Paulo, está registrado no nome do senhor, eu gostaria então de, tendo refrescado a sua memória, que o senhor nos contasse sobre, especificamente, esse caso de Manoel Lisboa de Moura.

VILARINHO – Primeiro, o documento nem assinado está. Segundo, nada a declarar.

PEDRO DALARI – Se o senhor não quiser, evidentemente, fazer uso da palavra é um direito que a Comissão respeita. Nós estamos querendo saber se o senhor não quer declarar ou se o senhor não sabe ou não se lembra.

VILARINHO – Nunca ouvi falar isso.

PEDRO DALARI – O senhor ouviu falar em Manoel Lisboa de Moura?

VILARINHO – Não, senhor.

PEDRO DALARI – Portanto, se a Comissão apresenta o documento que tem a sua assinatura entregando esse preso ao DOI CODI e o senhor não o conhece, isso significa que o senhor está mentindo pra Comissão? Foi o que perguntei: o senhor não quer declarar ou o senhor não sabe?

VILARINHO – Nada tenho a declarar no microfone que possa ser utilizado.

PEDRO DALARI- Eu pediria a Socorro Ferraz que fizesse o registro desse fato, por favor.

SOCORRO FERRAZ – Boa tarde. É o seguinte, nós temos essa documentação que foi encontrada no Inquérito. E esse inquérito foi presidido pelo senhor. A pessoa de quem estamos falando, o morto Manoel Lisboa de Moura, ele esteve três vezes preso. Essa prisão é a primeira prisão dele e ela foi realizada em 1965. Ele foi preso por um comissário conhecidíssimo aqui na cidade do recife como Miranda. Ele foi preso sob as ordens do Dr. Moacir Sales, que o senhor também deve conhecer, que era Secretário de Segurança e foi durante muito tempo do DOPS, Departamento de Ordem Política e Social; esse preso foi encaminhado ao senhor pelo Bel. Álvaro Gonçalves da Costa Lima, que era o delegado auxiliar. Isso aqui é um ofício, dentro dessa documentação, fazia parte dessa documentação do inquérito, e aqui diz que é um ofício de nº 1277, do Sr. Cap. Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto, comandante do 3º e do 1º Grupo de Artilharia da Costa Motorizado. Aqui se lê “...Acompanha também o preso Manoel Lisboa bem como uma cópia de documentos escritos pelo mesmo...” E

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aqui está, nós temos todo o depoimento de Manoel Lisboa de Moura. Finaliza “...renovo a V. Sa. Os meus protestos de estima e apreço. Bel. Álvaro Gonçalves da Costa Lima (delegado auxiliar)”. Isso aqui se encontra no acervo do arquivo do Estado de PE, Arquivo Professor Jordão Emerenciano, (trecho interrompido no áudio), se o senhor pudesse nos esclarecer por que esse preso político vai ser encaminhado ao comandante do 1º e 3º GACosM. Haviam pessoas presas nesse lugar que o senhor comandava?

VILARINHO – Nada a declarar e não direi mais uma palavra.

PEDRO DALARI – Socorro, ele não vai mais falar, mas gostaria que a senhora completasse a informação para registro da audiência.

SOCORRO FERRAZ – Bem, o que eu quero dizer e que toda a Comissão sabe, é que depois dessa primeira prisão, logo depois, ele foi solto e foi preso outra vez. Esse rapaz era filho de militar e irmão também de um militar. Acho que o pai era da Marinha e o irmão do Exército e eles tinham uma certa influência na área militar. Na segunda prisão ele foi acusado de ter colocado a bomba lá do Aeroporto dos Guararapes. Mas o irmão foi lá no exército e explicou que na data ele estava junto com o irmão. E como o irmão era oficial do exército com um certo apoio lá dentro, foi aceita essa declaração e ele foi solto. Depois ele foi preso outra vez e depois de sua prisão as pessoas o viram bastante machucado e também há uma pessoa, o professor José Nivaldo, que o viu muito torturado no DOPS, no DOI CODI também, e então depois disso Manoel desapareceu e foi aparecer no DOPS de São Paulo. E há um conflito de informações: que ele já foi morto aqui e levado pra São Paulo; como tinha uma família incluída aqui, do ponto de vista militar, ficava, digamos, desconfortável ter este morto aqui com parentes militares com certa influência; o que os companheiros do seu grupo, do seu partido, que era o PCR, Partido Comunista Revolucionário, acham é que ele foi levado para São Paulo já morto. Então, tanto a CNV como a nossa Comissão devem investigar mais. Obrigada.

PEDRO DALARI – Agradeço muito os seus esclarecimentos Socorro, por que nos ajudam exatamente a ter um painel mais abrangente dessa situação e eu agradeço a sua disponibilidade. Constato pelo depoente e seu advogado a decisão de não acrescentar mais informações aqui, mas de qualquer forma eu pergunto aos colegas daqui de Pernambuco se desejam fazer alguma pergunta, mesmo que seja só pra efeito de registro por que o depoente não quer falar.

HENRIQUE MARIANO – Coronel Vilarinho, boa tarde, o senhor diz que foi amigo de Dom Helder Câmara.

VILARINHO – Sempre.

HENRIQUE MARIANO – A partir de que ano o senhor manteve essa alegada amizade com ele?

VILARINHO – Com Dom Helder foi o seguinte. Eu era muito amigo de D. Penido que era amicíssimo de Dom Helder. E quando eu comandava o quartel eu tinha por hábito pegar D. Penido no Mosteiro de São Bento para celebrar a missa, e daí veio a aproximação com D.

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Helder. Isso deve ter sido por volta de... Eu não me lembro assim a data, mas foi através de Dom Penido que era o prior do Mosteiro de São Bento.

HENRIQUE MARIANO – Mas foi depois que o senhor assumiu o comando da PMPE certamente. Ou antes? Na época de Dom Helder foi assassinado aqui em Pernambuco o Padre Antônio Henrique Pereira Neto, o senhor lembra o episódio?

VILARINHO – Nada a declarar sobre isso.

HENRIQUE MARIANO – O senhor conheceu o delegado Bartolomeu Gibson?

VILARINHO – Nada tenho a declarar.

HENRIQUE MARIANO – Estou satisfeito.

PEDRO DALARI – Passo a última pergunta ao Dr. Manoel Moraes que é da Comissão de Pernambuco. Como a audiência pública é conduzida em comum pela CNV e CEMVDHC, os integrantes das duas Comissões podem fazer uso da palavra de maneira regimental.

MANOEL MORAES – Cel. Vilarinho, boa tarde.

VILARINHO – Boa tarde.

MANOEL MORAES – Cel. Vilarinho, o senhor, em comando na PM comandou a Segurança Pública no estado de Pernambuco durante um período, como o senhor declarou. Nesse período nós temos relato do major Ferreira dos Anjos que uma das atribuições dele como membro da PM nesse período era prender estudantes, secundaristas inclusive. O senhor tem relatos, informes? Qual era o papel da PM nesse momento? Era colaborar com o exército? Quer dizer, o senhor era membro do exército. A PM se colocava como um corpo auxiliar ao exército? Ferreira dos Anjos diz que nada tem a PM a ensinar (trecho cortando o áudio). O senhor foi constrangido pelo exército a cooperar?

VILARINHO – Nada tenho a declarar.

MANOEL MORAES – O senhor nega então que a PM participou de atividades na 2ª seção nesses processos de acompanhamento de presos políticos?

VILARINHO – Nunca ouvi falar.

MANOEL MORAES – Quando o senhor atuou na PM (trecho inaudível) que com Dom Helder, inclusive chegou a levá-lo a uma missa, não é?

VILARINHO – Lá no Derby, missa de Natal.

MANOEL MORAES – Exato. Isso mostra que o senhor teve um papel ao lado de Dom Helder. Ele foi no Brasil todo muito massacrado por que não tinha direito a falar nas violações de direitos humanos na sua região (trecho cortando o áudio).

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VILARINHO – Nada tenho a declarar.

MANOEL MORAES – O senhor poderia... (áudio cortando)

VILARINHO – Nada tenho a declarar.

MANOEL MORAES – Muito obrigado, presidente.

PEDRO DALARI – (trecho inaudível)... Mas de qualquer forma a Comissão faz o registro das circunstâncias que motivaram a convocação do tenente coronel. Então eu agradeço a presença do senhor. O senhor está dispensado. Agradeço também a presença do colega seu advogado.

VILARINHO – Muito obrigado.

(familiares de mortos e desaparecidos na plateia acompanham a saída do tenente coronel apresentando fotos e gritando “Assassino”)

PEDRO DALARI – Dando sequência então ao nosso trabalho eu quero registrar que na lista que foi elaborada para coleta de depoimentos, nós temos a registrar também a ausência por motivo de saúde de Clidenor de Moura Lima e também fazer o registro dos depoentes que não compareceram sem justificar a ausência, e a Comissão vai apurar o ocorrido para, se for o caso, providenciar a condução coercitiva. Por favor, eu peço à plateia que deixe o depoente anterior se ausentar. Peço, por favor, que se mantenham em silêncio para que possamos continuar os trabalhos da audiência. Quero registrar então que José Carlos Acâmpora de Paula Machado...

MACHADO – Estou aqui!

PEDRO DALARI – Peço desculpas. Eu não tinha sido informado. Peço então que o senhor venha aqui à mesa para prestar depoimento. Coronel, mais uma vez, muito obrigado pela sua presença, por ter atendido ao pedido de seu comparecimento à esta Comissão. Eu quero esclarecer ao senhor que esta Comissão não tem nenhuma função de perseguição policial, não exerce funções de Ministério Público, não exerce funções de Judiciário; ela tem como finalidade apenas a apuração dos fatos, por isso toda a colaboração que possa ser prestada por aqueles que tem informações relacionadas aos fatos que são objeto da Comissão, são informações relevantes e a Comissão de antemão agradece a sua presença para colaborar com os trabalhos da Comissão. Passo a palavra ao Dr. José Carlos Dias para que dê início à inquirição.

JOSÉ CARLOS DIAS – Coronel José Carlos Acâmpora de Paula Machado, o senhor é coronel da PM?

MACHADO – Sim, senhor.

JOSÉ CARLOS DIAS – Como é que o senhor ingressou na PMPE?

MACHADO – Através de concurso.

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JOSÉ CARLOS DIAS – Quando?

MACHADO – Eu sou da turma de 69. Saí aspirante em 69.

JOSÉ CARLOS DIAS – Onde é que o senhor serviu?

MACHADO – Eu servi no batalhão da polícia de choque, Cia. de Polícia de Guerrilha, servi em Salgueiro e no...

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor serviu no DOI CODI, não foi?

MACHADO – Sim, senhor.

JOSÉ CARLOS DIAS – E quais eram seus superiores no DOI?

MACHADO – O DOI se organizava com uma chefia, uma sub chefia a quem a gente era subordinado, equipes de interrogatório e equipes de busca. A minha equipe era de busca.

JOSÉ CARLOS DIAS – E qual era o seu trabalho no DOI?

MACHADO – Quando me davam alguma missão de prender ou trazer alguém, eu fazia isso.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor participou também de sessões de tortura?

MACHADO – Não, mas existia.

JOSÉ CARLOS DIAS – Mas quem eram os que participavam das sessões de tortura?

MACHADO – Olhe. O DOI, é preciso que se esclareça aqui, por que todo mundo tem medo de depor e eu não tenho. O que eu souber eu vou lhe dizer. Existia uma segurança. A missão de um não era passada pra outro, você não sabia qual a missão do outro. Você podia saber por ouvir dizer e se alguém quisesse relatar. Por que seria muita burrice de quem fez ficar dizendo: “Olhe, eu fiz isso, eu torturei fulano...” O DOI tinha essa segurança, lá todo mundo tinha nome frio...

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor tinha nome frio?

MACHADO – Sim, Dr. Brito.

JOSÉ CARLOS DIAS – E me diga uma coisa Dr. Brito, o senhor assistiu a muitos atos de tortura?

MACHADO – Não, senhor. Eu nunca participei de atos de tortura. Eu sou contra a tortura. Eu acho que se você é inimigo, você elimina. Agora, tortura não. Tortura é covardia.

JOSÉ CARLOS DIAS – E casos de morte? O senhor teve conhecimento?

MACHADO – Dentro do DOI de PE eu acredito que não. Eu fiquei estranhando aqui o depoimento do Cel. Vilarinho. Eu não conheço morte s no DOI, por que estão misturando aqui

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DOPS e DOI e os quartéis do Exército que transferiam presos do DOPS pra lá. No DOI eu não tenho conhecimento de morte. Tenho de tortura.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor tem conhecimento de mortes onde?

MACHADO – Eu tenho conhecimento de mortes fora do DOI.

JOSÉ CARLOS DIAS – Mas onde?

MACHADO – Quartel da PE, que dizem que morreu gente lá, mas aí eu não sei lhe dizer, por que o DOI não ia a quartéis.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor podia nos dizer nomes de pessoas que foram mortas?

MACHADO – Não, senhor. A única pessoa, quando o senhor estava lendo a lista, a única que eu sei que morreu aqui foi essa Soledad, que morreu aqui em PE e essa operação aí da Granja não sei o quê, foi comandada pelo delegado Fleury, na época. O DOI, se participou, eu não tenho conhecimento.

JOSÉ CARLOS DIAS – O delegado Fleury vinha muito a Pernambuco?

MACHADO – Muito não, mas ele veio algumas vezes.

JOSÉ CARLOS DIAS – E aqui ele praticou também atos de tortura?

MACHADO – Não sei lhe dizer, por que ele passava no DOI e seguia. Ele trazia a equipe dele de São Paulo.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor conheceu o coronel Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto que hoje esteve aqui?

MACHADO – Eu fui pro DOI no comando dele.

JOSÉ CARLOS DIAS – E ele presenciou atos de tortura?

MACHADO – Não sei lhe dizer. Aí eu não sei. Eu acredito que não, por que o que ele disse aqui é uma verdade. A gente, na vida militar, tem dois tipos de oficiais. Os que pilotam o birô e os que são operacionais. Ele pilota birô.

JOSÉ CARLOS DIAS – Ele o quê?

MACHADO – Ele pilota birô. É administrativo, ele nunca foi guerreiro.

JOSÉ CARLOS DIAS – Foi ele que escolheu o senhor pra participar do DOI?

MACHADO – Quem me mandou pro DOI foi ele. Na época, um oficial de polícia, se dissesse que não ia, ele ia sair da PM. Não havia essa condição. Essa história de que não havia pressão, de que não sei, de que não vi é, desculpe a expressão, é papo furado. Se mudar essa lei eu

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tenho que pagar pelo que eu fiz e estou aqui por isso. Senão eu não vinha. Eu não era obrigado a vir.

JOSÉ CARLOS DIAS – Exatamente.

MACHADO – Eu tenho câncer de próstata. Era só pegar um médico e dizer “Atesta aí!”.

JOSÉ CARLOS DIAS – As equipes de busca do DOI eram as mesmas que realizavam transporte de presos para outros centros de tortura? Como o Quartel da Aeronáutica, por exemplo?

MACHADO – O DOI não transportava presos. Eu vou explicar isso como é que ocorria. Toda a culpa, que eu tenho visto os depoimentos e lido, sempre pesa no Exército brasileiro. As três forças participaram disso e todas elas tinham equipes. O cara podia ir ao DOI buscar um preso, mas não o DOI levar. Então a Marinha, o CENIMAR, tinha gente, o CISA tinha gente, o CIE tinha gente. Só que esses depoimentos... Se eu tivesse matado alguém eu ia lhe dizer agora “Matei”. O único homem que eu prendi, que é aqui no Estado conhecido chama-se Pedro Eugênio, que na época foi estudante inclusive comigo no Colégio Militar. É a única prisão de nome que eu saiba.

JOSÉ CARLOS DIAS – Que tipo de tortura era feita no DOI?

MACHADO – Olhe, eu não participei de tortura, agora vou lhe dizer o que deve ser feito por que como eu fiz o Curso de Guerra na Selva, e no curso a gente aprende a torturar, normalmente afogamento e choque, que não mata e você diz o que o cara quer.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor fez treinamento?

MACHADO – Eu fiz o Curso de Operações na Selva e Ações de Comando em Manaus.

JOSÉ CARLOS DIAS – E lá recebia aulas de tortura?

MACHADO – Isso acabou. E acabou exatamente através de Dom Helder Câmara, que se eu não me engano, ele fez uma reportagem dizendo que o exército estava treinando o pessoal pra fazer isso.

JOSÉ CARLOS DIAS – Mas o senhor foi treinado?

MACHADO – Eu fui.

JOSÉ CARLOS DIAS – Então conta pra nós como é que era isso. Como é que era esse treinamento?

MACHADO – Isso é coisa simples, não mata ninguém, não. Se não eu não estava aqui. Isso é a coisa mais simples. Choque de 110 não mata ninguém. (ri)

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor recebeu choque?

MACHADO – Sim senhor.

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JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor recebeu choque e o senhor aplicou choque também?

MACHADO – Eu não disse isso, por favor. Eu vou ser a pessoa mais honesta com o senhor. Não bote palavras na minha boca, o senhor veja, o que eu souber eu vou lhe dizer. Eu estou dizendo que recebi, não apliquei.

JOSÉ CARLOS DIAS – Está certo. Mas o senhor viu aplicar?

MACHADO – No curso, no DOI não.

JOSÉ CARLOS DIAS – Agora me diz uma coisa, e além do choque quais outras torturas ensinaram nesse curso?

MACHADO – Não ensinaram tortura pra mim. O senhor quando é preso vai pro campo de concentração na guerra, na selva. E lá o senhor tem informações que é obrigado a prestar, por que isso é do curso. Se o senhor for torturado, e eu acho que não é coisa demais por que eu não disse nada, então é por que não é uma coisa muito violenta. Por que eu sou um homem frouxo, se tivesse que dizer eu dizia. Então não é ensino de tortura, por que a tortura, na minha cabeça, ela é mental. Se o senhor tiver medo de cobra, eu uso cobra, se o senhor tem medo de aranha eu uso aranha, certo?

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor sabe o que aconteceu com os mortos? Eles eram levados? Transportados?

MACHADO – Eu nunca vi ninguém morto no DOI.

JOSÉ CARLOS DIAS – E notícia?

MACHADO – Notícia que morria tinha. Que se jogava no mar, que se enterrava... Eu fui pra guerrilha do Araguaia, então a notícia é essa, que morria, enterrava e tal... O problema é tempo nisso aí. E eu estou estranhando muito a comissão da verdade não ouvir ninguém da Polícia Federal, que na época tinha no DOI. Ninguém da Marinha é ouvido, que eu não vi nenhum oficial da Marinha ser ouvido... É estranho, eu só vejo a culpa cair diretamente no exército brasileiro.

MARIA RITA KHEL – Dá licença, o senhor foi pra guerrilha do Araguaia em qual das três expedições?

MACHADO – Ah! Eu não sei dizer não qual foi a expedição, agora, eu posso lhe narrar toda a história. Se teve expedição...

MARIA RITA KHEL – Você lembra o ano?

MACHADO – Eu acho que foi 72 pra 73.

MARIA RITA KHEL – Foi o ano em que o exército começou a matar?

MACHADO – Matar?

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MARIA RITA KHEL – É. Por que teve um ano que o exército matou todo mundo. No ano que o senhor foi ainda não?

MACHADO – Olhe, eu não sei lhe dizer se o exército começou a matar no ano que eu fui. Por que veja bem, eles separavam muito o oficial da Polícia do oficial do Exército. Apesar de eu ser qualificado, ter o curso de Operações na Selva e Ações de Comando, as ações em selva eram feitas pela brigada paraquedista e pelo COSAC. A gente fazia o papel de polícia, a gente patrulhava a cidade.

MARIA RITA KHEL – O senhor ficou em alguma delegacia também?

MACHADO – Não.

MARIA RITA KHEL – Obrigada.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor conheceu um sargento, o sargento Laecato?

MACHADO – Laecato?

JOSÉ CARLOS DIAS – É. É de São Paulo. Veio aqui com Fleury.

MACHADO – Não. Olhe. A única pessoa que eu conheci que veio com o delegado Fleury aqui, eu não sei se é nome frio, era KIMBAL. Foi a única pessoa que eu conheci com o Dr. Fleury.

JOSÉ CARLOS DIAS – E o cabo Anselmo, o senhor conheceu?

MACHADO – Eu sei que ele esteve aqui, agora, eu não conheci.

JOSÉ CARLOS DIAS – O que o senhor sabe me informar sobre o cabo Anselmo?

MACHADO – A única coisa que eu sei sobre o cabo Anselmo é que essa Soledad que morreu, que o senhor leu aí na relação, parece que tinha um relacionamento com ele. Isso é o que eu sei. Na época que houve essa operação eu não me encontrava de serviço

JOSÉ CARLOS DIAS – Mas o senhor sabe se ele era agente duplo?

MACHADO – Pelo que eu sei, sim. Eu não posso dizer que é por que como o Cel. Vilarinho dizia, eu não tenho prova, eu não falo. Mas que ele era agente duplo, devia ser.

MARIA RITA KHEL – Você sabia que a Soledad estava grávida de um filho dele?

MACHADO – Não, senhora. Não sabia não.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor fez parte da equipe de busca que sequestrou Anatália Alves em gravatá em 10/12/72?

MACHADO – Não. Não senhor.

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JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor participou da equipe de busca que conduziu um preso do DOI para cobrir um ponto no restaurante Gamela de Ouro, em Vitória de Santo Antão?

MACHADO – Não, senhor.

PEDRO DALARI – Eu queria que o senhor nos contasse o que o senhor sabe sobre o massacre da Granja São Bento.

MACHADO – Olhe, eu não sei por que eu não participei disso. Eu sei de ouvir dizer, que todo mundo que estava lá morreu e que houve reação. Não sei se houve ou se não houve.

PEDRO DALARI – Como foi a operação, o que o senhor se lembra?

MACHADO – Olhe, eu vou voltar a repetir...

PEDRO DALARI – Essa operação foi conduzida pelo DOI?

MACHADO – Essa operação deve ter sido conduzida pelo DOI, agora só participava do planejamento quem ia pra operação, o restante não participava. O horário de chegada ficava por conta da chefia, ninguém tomava conhecimento. Isso era uma medida de segurança que o DOI tomava. Não tenho conhecimento de como foi feito não.

PEDRO DALARI – Mas o senhor tem conhecimento...

MACHADO – Que a operação houve, tenho.

PEDRO DALARI – E chegou aos seus ouvidos a operação de que houve mortes das pessoas que...

MACHADO – Não sei se todas, mas que houve mortes eu sei.

PEDRO DALARI – Passo então a palavra ao Dr. Henrique Mariano para que faça suas perguntas.

HENRIQUE MARIANO – Sr. Machado, boa tarde.

MACHADO – Boa tarde.

HENRIQUE MARIANO – O senhor conheceu o ex major Ferreira?

MACHADO – Sim, senhor. É meu amigo.

HENRIQUE MARIANO – A respeito do atentado ao estudante Cândido Pinto, o senhor lembra do fato, e em caso positivo...

MACHADO – Lembro do fato, tá certo? Que foi na ponte da Torre. Agora é bom que se esclareça que Ferreira nunca pertenceu ao DOI. Nunca pertenceu ao DOI. Ferreira, se trabalhou, foi com o DOPS. Nunca foi pro DOI. E o boato corrente no Recife, eu não sei também por que nunca ele me disse, é que foi ele que atirou em Cândido.

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HENRIQUE MARIANO – Exatamente. Ele chegou alguma vez a comentar com o senhor a respeito disso?

MACHADO – Comigo não.

HENRIQUE MARIANO – Com relação ao delegado Bartolomeu Gibson, o senhor conheceu?

MACHADO – Conheci, mas não tem nada a ver com o DOI.

HENRIQUE MARIANO – Não. Eu não estou perguntando isso. Estou perguntando se o senhor conheceu.

MACHADO – Ah, desculpe. Conheci. Fernando Gibson, não é esse?

HENRIQUE MARIANO – Não. Bartolomeu Gibson.

MACHADO – Ah, não. Conheci Fernando Gibson. Deve ser parente.

HENRIQUE MARIANO – Fernando Gibson? Seria parente? Bartolomeu Gibson era delegado, era promotor e serviu como delegado na SSP de PE. O senhor não o conheceu?

MACHADO – Não conheci não senhor.

HENRIQUE MARIANO – O senhor já ouviu falar da atuação de um grupo chamado CCC, Comando de Caça aos Comunistas, aqui no estado de Pernambuco?

MACHADO – Ouvi falar, mas não tem nada a ver com o DOI.

HENRIQUE MARIANO – Eu não estou perguntando se tem a ver com o DOI, eu estou perguntando se o senhor já ouviu falar na atuação desse grupo.

MACHADO – Eu vou então, infelizmente, me limitar a responder o que for de DOI. Do CCC eu tenho conhecimento como todo cidadão tem, agora, eu vim aqui por que fui intimado por ter pertencido ao DOI. Então se o senhor me perguntar eu não vou saber. Eu não estou querendo tomar o tempo da Comissão. O que for de DOI, e eu souber, eu vou dizer, como já estou dizendo.

HENRIQUE MARIANO – Bom, mas eu vou fazer de novo a pergunta.

MACHADO – Sim, senhor.

HENRIQUE MARIANO – O senhor já ouviu falar da atuação desse grupo?

MACHADO – Já.

HENRIQUE MARIANO – O senhor conheceu alguém que tenha participado desse grupo?

MACHADO – Não, senhor.

HENRIQUE MARIANO – Estou satisfeito.

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PEDRO DALARI – Dr. Manoel, da Comissão de Pernambuco.

MANOEL MORAES – Machado, eu queria agradecer a sua presença, dizer inclusive que o senhor já deu também outro depoimento à Comissão que foi extremamente elucidador, como está sendo hoje à tarde. Então, dentro dessa sua presença no DOI, o senhor poderia nos dizer, por que amanhã nós estaremos no prédio do IV Exército, como era o espaço físico? O senhor disse que vivia dentro daquele ambiente, como era o espaço, quais eram os equipamentos, como era a estrutura, a hierarquia. Nos fale um pouco, nesse depoimento que é tão rico pra verdade do nosso país e do nosso estado. Obrigado.

MACHADO – O DOI se situa... Se situava... Tem a Faculdade de Direito, tem o quartel do Exército, é aquela casa branca que até hoje existe, é onde era o DOI. É uma casa antiga. Em cima ficava a chefia e subchefia; logo à esquerda, quando você entra, por que entrava pelo lado, ficava a sala dos interrogadores e a parte burocrática. As equipes de busca, elas ficavam... Não tinha local certo, ficavam à vontade, do lado esquerdo do fim da casa. Tinha uma saída que dava para o IV Exército. Ali é onde era o presídio e atrás era exatamente onde se faziam os interrogatórios. Era um beco, eu não sei, eu acho que isso tudo deve estar reformado hoje.

MANOEL MORAES – Nesse beco, vocês tinham quantas celas?

MACHADO – Parece que eram três, se não me engano. Não tenho certeza absoluta.

MANOEL MORAES – Vocês chegaram a ter quantas pessoas presas lá?

MACHADO – Se eu cheguei a ver? As equipes de busca não participavam. Prendiam e a gente trazia encapuzado exatamente por isso. Por que se a gente vivia dentro do Recife e fosse visto, se sabia e não se prendia mais ninguém. A gente entregava o preso e não tinha mais contato nenhum com ele.

MANOEL MORAES – Mas o senhor falou de um preso em particular...

MACHADO – O Pedro Eugênio eu conhecia do Colégio Militar, a gente foi moleque juntos, então eu não precisava botar capuz nele.

MANOEL MORAES – Mas teve outro preso que o senhor falou, não sei se o senhor lembra, talvez o senhor não se recorde, que era um preso do Maranhão.

MACHADO – Não. Era do Ceará. Mas esse, eu fui falar com esse cara uma vez, por que ele tumultuou a carceragem. E como não tinha ninguém pra assumir, eu fui lá e falei com ele. Conversamos e tal, e como ele também tinha curso de guerrilha, na China, esse cabra, nós trocamos figurinhas. Aí ele se acalmou, ficou pra lá; por que ele sabia que também não ia mudar a minha cabeça nem eu a dele.

MANOEL MORAES – O senhor falou que ele tinha um aspecto físico característico...

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MACHADO – É. Ele parece, se não me engano, que ele não tinha uma perna, ou era meia perna, assim...

MANOEL MORAES – Manoel da Conceição.

MACHADO – Eu não sei o nome dele, não sei lhe dizer.

MANOEL MORAES – O senhor lembra, dentre os nomes arrolados, algum deles?

MACHADO – Só Soledad.

MANOEL MORAES – Dos estudantes presos, que foram levados pro DOI? E a Operação CACAU? O senhor lembra?

MACHADO – Operação CACAU? Não.

MANOEL MORAES – Mas o senhor participou das operações?

MACHADO – A gente não sabia do nome da operação, amigo. Isso aí olhe, hoje é que a Polícia Federal dá nome bonito, os nomes mais bonitos do mundo eles dão, Vassoura não sei o quê... Olhe, lá não tinha nome assim não. Agora, não sei se hoje nos depoimentos que vocês tem alguém deu esses nomes. Na minha época não me lembro disso.

MANOEL MORAES – Machado, você dizia que participava das operações. Como é que participava? Como era sua vestimenta? Como era que o senhor andava pela cidade?

MACHADO – Os presos com capuz. Eu, do mesmo jeito que estou aqui, menos o sapato vermelho. Era tênis.

MANOEL MORAES – Mas tinha roupas de hippie, era?

MACHADO – O quê?

MANOEL MORAES – Hippies.

MACHADO – Ah, roupas de hippie. Sim, por que quando a gente tinha que ir, por exemplo, no Mustang, era uma bolsa velha, o cabelo... na época eu tinha cabelo, o cabelo era grande.

MANOEL MORAES – Da presença de Fleury, o senhor disse uma coisa muito importante pra gente. O senhor disse que soube de uma operação que ele veio fazer. Aonde é que essa operação se desdobrava?

MACHADO – É. Ele veio fazer uma operação aqui. se desdobrava, se não me engano, em Petrolina.

MANOEL MORAES – Humberto quer complementar?

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PEDRO DALARI – Eu quero passar a palavra a Humberto Vieira de Melo, para que faça suas perguntas, ele também pertence, como nós podemos atestar, a essa laboriosa e combativa Comissão do Estado de Pernambuco.

HUMBERTO VIEIRA – Coronel, essa operação em Petrolina, se deu em que local?

MACHADO – Eu vou lhe contar o que eu sei, por que eu não participei dela. Esse cidadão que o senhor está procurando, eu não sei o nome, ele foi preso na feira e de lá ele foi conduzido para o quartel da PM, por erro de quem o prende, por que não era pra ter ido pra quartel da PM. E de lá, pelo que eu sei, ele foi pra Brasília e daí não se tem notícias mais.

HUMBERTO VIEIRA – Coronel, se ele foi pra PM, algum PM participou dessa busca?

MACHADO – Sim, agora eu vou me limitar a não dar o nome de ninguém aqui, por que eu não tenho autorização e tem muita gente na polícia, frouxo, que não vem aqui por que tem medo. Então eu não vou fazer o que ocorreu aqui, essa brincadeira não serve pra mim. Eu sempre fui um homem disposto a morrer pelo que eu acredito. Se um dia essa lei mudar e quiserem me sacrificar e eu tiver que passar o resto dos meus dias preso, eu não faço a mínima questão, certo? Agora frouxo, aí não. Aí é problema meu, é honra.

HUMBERTO VIEIRA – O senhor falou que tinha uma equipe de busca e que essa operação foi feita por Fleury. Então foi designado Fleury que não era uma pessoa daqui, você disse que ele veio poucas vezes, e era uma operação em Petrolina. Então uma das equipes de busca do DOI deve ter ido...

MACHADO – Deve não, foi.

HUMBERTO VIEIRA – Foi. Essa equipe era composta por PMs locais ou Polícia Civil local?

MACHADO – Pois é. As equipes do DOI não eram compostas só de PMs. Elas tinham exército, policia federal, polícia civil... Aqui não tinha ninguém da Marinha ou Aeronáutica, mas teve da Polícia Federal, da Polícia Civil e do Exército.

HUMBERTO VIEIRA – Coronel, o senhor numa pergunta anterior, informou que o DOI mão encaminhava presos para os quartéis, mas encaminhava para o DOPS?

MACHADO – Também não.

HUMBERTO VIEIRA – Mas no depoimento de Pedro Eugênio, que o senhor citou, ele conta um transporte que o senhor o teria levado...

MACHADO – Eu não.

HUMBERTO VIEIRA - Para o DOPS.

MACHADO – Ele está mentindo. Ou estava preso, com a cabeça perturbada; eu prendi Pedro Eugênio e não levaria. Não levaria; eu tenho certeza que Pedro Eugênio deve ter dito que não torturei ele.

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HUMBERTO VIEIRA – Não disse.

MACHADO – É. Não disse. Nem era doido, por que estaria mentindo. Eu não levei ele pra DOPS. A outra equipe levou e deve ter levado de capuz e ele pensou que era eu por que do xadrez do DOI, se ouvia todo mundo que falava e ele me conhecia e conhecia minha voz.

HUMBERTO VIEIRA – Então veja, coronel, O senhor está dizendo que uma outra equipe deve ter levado.

MACHADO – Deve ter sido outra equipe.

HUMBERTO VIEIRA – Então quem fazia o transporte do DOI para o DOPS eram as equipes do próprio DOI?

MACHADO – Que eu saiba, não. É o que estou lhe dizendo, eu estou estranhando, por que o DOPS na época ficava bem aqui, na Rua da Aurora, dava pra ir a pé.

HUMBERTO VIEIRA – É. 500 metros.

MACHADO – Dava pra ir a pé.

HUMBERTO VIEIRA – É, mas eu insisto na pergunta. Então se as equipes do DOI não levavam os presos para o DOPS, o próprio DOPS ia buscar os presos?

MACHADO – Podia ir buscar. Por que tem um aspecto que os senhores não estão levando em conta, tá certo, nisso aí. E eu estou dando isso aqui por que está no fim da Comissão da Verdade. O número de informantes, de gente que tinha poder na época, era muito grande pro DOI. E frequentavam o DOI, por que tudo é época, cidadão. Hoje, desculpe a expressão, as estrelas são vocês. Se fosse um regime revolucionário vocês estariam hoje presos aqui e eu seria a estrela. Eu sei o lado que eu estou e sei o risco que corro. Não tenho aperreio contra isso, não.

PEDRO DALARI – O senhor aqui conosco não corre risco nenhum.

MACHADO – Não, olhe, e se corresse... Eu não estou preocupado... Olhe, esse tipo de manifestação que eu ouvi aqui eu acho válida, por que se eu tivesse um parente que morreu por um cara eu também ia gritar. Não ia dar nele não, mas eu ia gritar que ele é assassino como fizeram. Por que se você foi assassino, se eu tivesse matado alguém, eu ia dizer. Qual é o problema? Matei! Não tem uma lei dizendo que está anistiado? Se mudar, é outro problema... (ri)

PEDRO DALARI – Eu quero passar a palavra ao professor Paulo Sérgio Pinheiro, membro da CNV, que deseja também fazer uma pergunta.

PAULO PINHEIRO – Se o senhor pudesse compartilhar conosco, eu queria umas informações, como o senhor está disposto a falar sobre o DOI. Dada essa composição mista das equipes que o senhor agora mencionou, Polícia Federal, Polícia Civil, Exército, qual era a cadeia de

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comando interna do DOI? Como é que funcionava a hierarquia dentro do DOI quando o senhor operou? Eu também queria saber quantas equipes...

MACHADO – Três.

PAULO PINHEIRO – Um momento senhor,, e se todas as equipes eram mistas.

MACHADO – Todas elas eram mistas e a cadeia de comando era a seguinte...

PAULO PINHEIRO – Se pudesse falar devagar pra eu ir seguindo...

MACHADO – Certo. Um oficial do Exército, normalmente do Estado Maior, do EMA, o daqui era. Depois vinha um major, que era a subchefia. Dele pra baixo você tinha delegados e oficiais que comandavam as equipes, interrogavam, colhiam depoimentos e essas coisas. A hierarquia era essa. Quem era chefe de equipe era oficial e sargentos e agentes em baixo.

PAULO PINHEIRO – Na sua experiência isso funcionava de uma maneira regular ou essa cadeia de comando suscitava conflitos, tensões?

MACHADO – Não, a gente acha que não. Eu não acredito que gerasse tensão por que o risco maior era o da gente, na rua; não havia tensão, havia o cuidado, sim, do exército tirar um oficial do Rio Grande do Sul e botar aqui, por que quando ele fosse transferido esquecia-se disso. Os da PM ficavam, que isso muitas vezes eu disse lá dentro: “A gente vai ficar aqui, certo? E vai ter inimigo pro resto da vida”. E esses inimigos ocorreram, não vamos pegar só coisa boa não. Meu primeiro casamento foi embora. Nem existia celular e nem mulher acredita que você passe um mês na Bahia, como eu passei na operação Lamarca, sem estar em casa. Ela diz que está tomando cachaça e raparigando. A conversa é essa.

PAULO PINHEIRO – Uma informação complementar. Em números absolutos, todo esse conjunto dessa cadeia de comando que o senhor mencionou, havia uma preponderância de oficiais do exército?

MACHADO – O comando era de oficiais do exército.

PAULO PINHEIRO – Aqui apenas o exército?

MACHADO – Sim, nem Marinha nem Aeronáutica.

PAULO PINHEIRO – Está bem. Obrigado.

PEDRO DALARI – Só na linha do que perguntou o professor Paulo Sérgio, eu gostaria que o senhor só desse os nomes das pessoas da cadeia de comando, o que o senhor lembra, 71, 72, 73.

MACHADO – Eu me lembro da cadeia de comando, agora eu não posso falar em nome de outros. Eu não vou lhe dar pelo seguinte, essa morte desse coronel aí, eu acho que alguém matou. Aquela conversa não me convenceu até hoje não. Nem quero arranjar mais inimigos do que eu já tenho não.

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PEDRO DALARI – O senhor está se referindo ao Paulo Malhães?

MACHADO – É, esse. Eu não vou arranjar mais inimigos do que eu já tenho não. Os meus eu coordeno, agora arranjar mais é ruim.

PAULO PINHEIRO – Se o senhor pudesse repetir sem dar os nomes, em termos das posições hierárquicas...

MACHADO – Era uma chefia e uma subchefia. Abaixo da subchefia tinha delegados. Delegados da Polícia Civil tinha, não sei se tinha de outro canto por que quando eu cheguei lá eu não sabia quem era, mas um de Polícia Civil tinha, não lembro o nome dele. Depois alguns oficiais, aí vinham as equipes de busca.

PEDRO DALARI – De que grau eram esses? Os oficiais eram de que patente?

MACHADO – Normalmente capitão ou 1º tenente. Eu era 1º tenente na época.

JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor se referiu que o senhor participou dessa operação Lamarca. Como é que foi isso?

MACHADO – Fiquei na Bahia. Não fui pro campo, não. Fiquei na Bahia por que havia uma área de segurança, que na época chamavam aparelho, e eu tinha que ficar ali, por que se entrasse alguém eu tinha que prender. E não chegou ninguém.

JOSÉ CARLOS DIAS – Mas tinha o conhecimento da operação, sim? O objetivo era...

MACHADO – Era prender quem entrasse lá.

JOSÉ CARLOS DIAS – Era prender ou era matar?

MACHADO – Prender. O senhor... Olhe, eu vou logo lhe ser sincero, se eu tivesse o poder de matar, mas eu não tinha, por que as equipes de busca não tinham ordem pra matar e além do mais, vá me desculpando, mas a subversão aqui em Pernambuco, ela era muito mais de mesa de bar, sabe? Não era de briga mesmo não, por que senão tinha morrido muita gente. Eu não vi esse movimento de guerrilha aqui, que tanto falam, sabe? Eu não vi isso.

MARIA RITA KHEL – Dá licença, então o senhor teria, em Salvador, vigiado um aparelho. E o senhor estava presente quando morreu a Iara Yavelberg?

MACHADO – Não, mas eu sei a história que ela morreu lá, mas eu não estava presente. Por que tem um aspecto nisso, a gente também não podia passar 24 horas no ar. Por que campana, você entra, bota um carro, ou fica vendendo picolé ou amendoim. Mas tem um tempo e aí vai ter que ser substituído.

MARIA RITA KHEL – E você soube de alguém mais que foi morto nesse aparelho?

MACHADO – Não, mas sei que a Iara foi.

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JOSÉ CARLOS DIAS – O senhor sabe como ocorreu a morte do Lamarca? Não depois, na ocasião. O senhor teve conhecimento?

MACHADO – Não. Mas posso, dentro da minha visão operacional... Eu acho que ninguém nem deixou Lamarca botar a mão na arma por que ele era campeão brasileiro de tiro com 38. Lamarca matou um soldado da polícia a 40metros com um Colt 45. Atirou na cabeça dele pra todo mundo ver, em São Paulo. Então, quem está com um FAO na mão, não vai deixar um rapaz desse botar uma arma na mão, não. Se tiver um canhão, vai derrubar a casa.

MARIA RITA KHEL – E você sabe alguma coisa sobre a tortura da família Barreto? Que eram os pais e irmãos do Zequinha, que estava acompanhando Lamarca? Que a família foi torturada...

MACHADO – Não, sei não senhora.

MARIA RITA KHEL – Está bem, obrigada.

PEDRO DALARI – Eu tenho, pra finalizar, três perguntas referentes a um caso específico. O senhor tem conhecimento de um caso ocorrido em outubro de 73, bastante noticiado, na Av. Caxangá com a General Polidoro?

MACHADO – Não, não tenho. É de DOI isso?

PEDRO DALARI – É, mas em 73.

MACHADO – Não senhor.

PEDRO DALARI – O senhor estava no Araguaia na época?

MACHADO – Não sei lhe precisar assim não. Eu podia até estar, mas não tomei conhecimento disso não.

PEDRO DALARI – Bem, as outras perguntas eram relacionadas a isso. Eu pergunto se mais algum membro da mesa tem alguma pergunta?

MANOEL MORAES – Presidente, nós estamos com o quartel projetado na Internet. O senhor reconhece?

MACHADO – É essa casa aqui ó, que está com essa placa na frente. E aquela janela era o gabinete da Chefia, aquela janela lá em cima. Tinha uma entrada pelo lado, que aqui, que aqui eu não estou vendo se ainda tem. Por que aqui por essa porta não entrava ninguém. A entrada das viaturas está correta, é aí mesmo. Lá atrás tem um pátio muito grande. Esta é a casa onde era o DOI.

MANOEL MORAES – É um complexo não é? É um quarteirão, é isso?

MACHADO – Ela não pega o quarteirão todo não. Por que atrás é o Hospital Militar e do lado o IV Exército.

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MANOEL MORAES – Isso.

MACHADO – Aqui tem um aspecto que serve apenas como... Esse “cotó” que eu falei com ele, que eu disse aqui, ele, como tinha curso de guerrilha, se orientou pela triangulação e sabia aonde estava, por causa do relógio da Faculdade de Direito e da corneta do quartel. Então ele tinha dois pontos e aí sabia. Por que Pernambuco só tem dois relógios iguais, daquele ali. Esse e o da antiga fábrica da Fratelli Vita, que também já foi demolida.

MANOEL MORAES – Onde ficava o espaço de tortura? Era em baixo?

MACHADO – Não. Daí o senhor não vê. Era lá atrás e na altura, mais baixo que essa frente aqui que o senhor está vendo.

MANOEL MORAES – Rafael tenta ver se consegue reverter a foto. É possível? Vamos tentar ver se a gente consegue chegar por trás da casa. Então as pessoas entravam por aquele portão, de capuz?

MACHADO – É.

MANOEL MORAES – E isso não era sempre? Por que alguns entraram pela Riachuelo.

MACHADO – Riachuelo?

MANOEL MORAES – Sim, pelo outro lado, Rua do Riachuelo.

MACHADO – Se alguém entrou pela Riachuelo passou dentro do quartel.

MANOEL MORAES – Sim. É aquela casa que está sendo projetada. Está vendo? A entrada a que o senhor está se referindo fica à esquerda. E o pátio que o senhor estava dizendo não é?

MACHADO – É. Pronto. Esse quadrado é a casa não é?

MANOEL MORAES – Isso.

MACHADO – Então a seta ali era exatamente a última área não é? Atrás é o Hospital do Exército e do lado era, na época, o IV Exército.

MANOEL MORAES – E onde ficava, na altura da planta, o espaço das celas que o senhor falou?

MACHADO – As celas ficavam aqui, ó, do lado direito. Pra cá... Pra cá mais... É dentro da casa mesmo. No espaço da casa. Projete, por favor, a casa que pela casa eu lhe mostro. Elas ficavam aqui, ó. Aqui é a passagem para o IV Exército e aqui era a prisão. Dava uma média de umas 7 ou 8 celas só. A pessoa entrava aqui, ó, do lado, onde você mostrou, onde tinha um carro entrando.

PEDRO DALARI – Eu queria, pra encerrar, fazer uma pergunta. O senhor se referiu ao caso do coronel Paulo Malhães, que é aquele coronel que morreu. O senhor tem medo de ser seguido?

MACHADO – Não, de morrer não. Eu tenho medo de sofrer, morrer não.

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PEDRO DALARI – Mas sofrer como?

MACHADO – Sofrer, ser baleado, ficar aleijado, mas eu acredito que isso não vai ocorrer não, por que eu vou reagir. Não tem aperreio não.

PEDRO DALARI – O senhor tem alguma notícia, alguma informação de que haja esse tipo de ameaça?

MACHADO – Olhe, eu vou lhe ser muito sincero, doutor. Se fosse parente meu eu ia à forra.

PEDRO DALARI – Mas o senhor não tem informação?

MACHADO – Não, tenho não.

PEDRO DALARI – Mas quando o senhor fala do coronel Malhães, quem que o senhor acha que matou o coronel?

MACHADO – Não sei lhe dizer quem matou. Olhe, eu não acredito em nada de graça, sabe? Não me entra isso na cabeça e eu sei com quem eu trabalhei e sei do que esse povo é capaz.

PEDRO DALARI – O senhor está falando dos agentes com quem trabalhou?

MACHADO – Dos agentes. Por que é muito fácil chegar aqui... É essa coragem que falta. Não é pra passar a limpo? Então vamos passar a limpo, pra ficar todo mundo tranquilo. Não passam a limpo! Agora eu não sei se esse homem, por exemplo, que saiu daqui, tá certo, não pode fazer. Por que é muito simples: “nada tenho a declarar”, “eu não sei”, eu não vi”. Isso não colabora com ninguém e nem lhe exime de culpa. Por que o senhor tem prova aí, eu vi, eu vi o senhor ler o ofício. Como é que eu assino e digo que não conheço? Isso não é bom pra ninguém.

PEDRO DALARI – O senhor acha que tem gente que está resistindo, que não está querendo colaborar?

MACHADO – Eu não tenho dúvidas quanto a isso. Nenhuma. Se é pra colaborar, por exemplo, se um dia essa lei mudar, muita gente que está hoje como deputado, presidente, também vai ter que dizer o que fez. Por que eu tenho certeza que a maioria dos agentes de alto nível na época deve ter documentos sobre isso, pra provar a inocência deles e condenar também quem fez. Certo? Por que a verdade, como vocês estão pondo aqui, não é a sua verdade nem a minha verdade. É a Verdade. E ela não está esclarecida, os senhores me desculpem, mas não está. Por que quando eu nego a verdade eu não esclareço. Por que, vamos admitir que hoje os senhores pudessem levar a julgamento. Desse universo, uns dois ou três seriam condenados. Não poderiam fazer nada por que não vai haver prova. Principalmente com a competência de advogados que a gente sabe que tem, como tem aí na mesa.

PEDRO DALARI – Então, só pra gente encerrar, eu estou preocupado com o nosso horário...

SOCORRO FERRAZ – Boa tarde coronel Machado. Agradeço muito a sua presença.

MACHADO - Boa tarde, como vai? Vai bem?

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SOCORRO FERRAZ – Vou bem, obrigada. Eu agradeço muito a sua franqueza e a sua participação. Já é a segunda vez que o senhor nos presta um depoimento e sempre muito útil à Comissão. Já nos vimos antes.

MACHADO – Obrigado.

SOCORRO FERRAZ – Mas eu queria lhe perguntar sobre uma... Sobre um dos mortos que se chama Manoel Aleixo, “Ventania”. Que era um camponês, foi preso várias vezes, e o inquérito dele, eu queria só lhe perguntar... Em 73 o senhor era do DOI?

MACHADO – Era. Eu acredito que sim.

SOCORRO FERRAZ – No inquérito, no processo do Manoel Aleixo, constam três assassinos. Um deles o delegado de Ribeirão encaminha com o nome dele, dizendo que era um sargento do exército, que era um agente secreto, e que o matou em Ribeirão. Depois, aqui, o Álvaro da Costa Lima indica um outro, um agente secreto ligadíssimo à 2ª seção. E por fim o Cláudio Guerra quando veio aqui disse: “Não, eu vim e matei o Manoel Aleixo”. Então são três assassinos no mesmo inquérito, no mesmo processo. O senhor ouviu falar disso?

MACHADO – Não. Não ouvi falar. Agora o que está me estranhando, professora, é que vocês estão falando em inquérito. O DOI não fazia inquérito, o DOI ouvia.

SOCORRO FERRAZ – Certo. Isso eu sei.

MACHADO – Então, dentro da ouvida, logicamente, eu tenho condições de fazer o inquérito por que estudei e coronel da polícia faz inquérito, pode não prestar, mas faz e os delegados tomavam esse depoimento. Acredito eu que esses inquéritos eram ratificados no DOPS pra ter validade.

SOCORRO FERRAZ – Não, isso é verdade. Mas o que nos estranha é que na vinda do Cláudio Guerra, ele no depoimento que prestou à Comissão, ele disse que veio, e muitas vezes também sob as ordens do Fleury, ele era um delegado ligado a Fleury, e provavelmente esse delegado acha que o Fleury estava aqui. E que lhe foi dada essa missão de matar Manoel Aleixo, que estava preso, e ele disse que ele veio com seus algozes, digamos assim, e “o retiraram do carro e deram a ele a liberdade. Ele saiu do carro e eu passei por ele, me virei e o matei pelas costas”. Aí o inquérito policial que foi feito na Delegacia de Ribeirão e depois aqui o Álvaro da Costa Lima completam esse inquérito, mas não foi realizado por alguém da delegacia, do DOPS, foi realizado por um agente federal que era o Cláudio Guerra.

MACHADO – O inquérito?

SOCORRO FERRAZ – O inquérito não, a morte, segundo Cláudio Guerra. O senhor ouviu falar?

MACHADO – Não. Essa morte eu não ouvi falar não.

PEDRO DALARI – Eu queria passar a palavra para a última pergunta ao Dr. Roberto Franca, que é membro também da Comissão do estado de Pernambuco, CEMVDHC.

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ROBERTO FRANCA – Senhor Presidente Pedro Dalari, eu não ia fazer perguntas, mas como eu não participei da primeira conversa, entrevista, com o coronel Machado, e achei que foi um dos depoimentos mais importantes que estou presenciando agora, pela sua sinceridade, a sua disposição de colaborar e inclusive pelo balizamento que faz do que não quer dizer assumidamente. O que contrasta muito com o depoimento anterior que ouvimos do coronel Vilarinho. Eu pergunto ao coronel machado, no período de 71 a 72, o senhor já estava no DOI?

MACHADO – Estava no DOI.

ROBERTO FRANCA – E foi o período em que o coronel Vilarinho era o comandante?

MACHADO – Sim senhor.

ROBERTO FRANCA – De forma que ele sabia as pessoas que estavam transferidos para o DOI?

MACHADO – Ele sabia, não, ele chamava no gabinete dele, com ele me chamou e disse: “Você vai pro DOI”.

ROBERTO FRANCA - vou lembrar do seu amigo, o ex major Ferreira, que nós ouvimos nesta Comissão...

MACHADO – Major o quê?

ROBERTO FRANCA – Ferreira.

MACHADO – Ele não foi do DOI.

ROBERTO FRANCA – Não, eu estou dizendo que nós ouvimos aqui o ex major Ferreira dos Anjos e ele afirmou isso que o senhor está dizendo, que não pertenceu ao DOI.

MACHADO – É verdade.

ROBERTO FRANCA – Nós inclusive, a Comissão, já oficiou para que fossem localizados quais os oficiais que foram transferidos para o DOI...

MACHADO – Mas eles não tem isso não, doutor. Eu fui buscar nas minhas alterações o meu período de DOI que tinha que constar e não achei. E até hoje a Polícia ainda não me deu.

ROBERTO FRANCA – Seu tempo de serviço?

MACHADO – Sim, exatamente?

ROBERTO FRANCA – Mas consta o quê na folha de alterações?

MACHADO – Nada!

ROBERTO FRANCA – Consta que o senhor estava na PM?

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MACHADO – Eu não vi. Não recebi isso. Se deram aos senhores, graças a Deus deram. Eu fui lá duas vezes e não me entregaram isso.

ROBERTO FRANCA – É. Essa é uma dificuldade que nós temos.

MACHADO – E não tem motivo pra ter, por que quem hoje mexe com esses papéis não tem nada a ver com isso. É só bater um ofício e dizer.

ROBERTO FRANCA – A gente sabe que a Comissão Nacional já está no prazo de extinção brevíssimo, mas a Comissão estadual de Pernambuco continuará. Eu, embora o esteja ouvindo pela primeira vez agora, sei que um grupo da Comissão já teve com o senhor uma conversa preliminar e eu realmente acharia extremamente importante se nós pudéssemos continuar posteriormente a ter essa conversa. Pela seguinte razão, eu acho, sem querer comprometer o balizamento que o senhor definiu de não contar nomes, etc., mas para nós da Comissão de Pernambuco há alguns casos que são profundamente obscuros.

MACHADO – Mas o senhor acabou de dar o caminho. O senhor disse que procurou na Polícia. E o comandante da PM hoje não vai lhe negar os nomes. Ele sabe. E se ele disser que não sabe o senhor me leva lá que eu digo: “Você sabe: é Fulano, Fulano e Fulano”. Eu não tenho medo, meu doutor, já estou lhe avisando. Isso aí pra mim não vale nada, certo?

ROBERTO FRANCA – Mas veja, para nós tem sido extremamente importantes esses indícios, essas pistas, por exemplo, nós temos o caso de Ezequias Bezerra, que foi um caso brutal. Ezequias já não era mais militante, estava indo pra Salvador fazer um curso. Foi sequestrado, torturado e morto. Esse caso está quase praticamente esclarecido. Ele esteve no DOI em 71, foi no DOI. Mas há um caso mais intrigante ainda, que várias comissões, inclusive a de Mortos e Desaparecidos tem procurado, nós mesmos, a Comissão da Paraíba, que fizemos uma audiência conjunta, que é o caso de Miriam Verbena que faleceu num acidente com seu marido Benevides, no interior. E esse caso ainda está em investigação, então, sem querer estender o tempo hoje, mas eu acho que seria muito importante se colaborações pudessem ser dadas posteriormente para esses casos pontuais, inclusive no caso de suspeita da participação da Policia Federal na perseguição ao carro quando ocorreu o acidente e morreram Miriam e Benevides. E o carro era de Ezequias, que também foi assassinado posteriormente. Como foi no mesmo período que o senhor estava no DOI, então são informações que nós poderíamos ter sem comprometer a nomenclatura, nomes e responsáveis. Mas eu vou registrar que foi extremamente importante pela seriedade. Eu acho que o depoimento do Cel. Vilarinho foi decepcionante.

MACHADO – É. Mas isso aqui não é lugar de brincadeira não.

ROBERTO FRANCA – Pois é. E o senhor respeitou isso.

MACHADO – Por que tudo tem seu dia e pode ser que mude...

PEDRO DALARI – Dr. Roberto, pelo que entendi, o depoente tem total disponibilidade para auxiliar os trabalhos de apuração dos casos e como a Comissão Dom Helder Câmara vai ter

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uma sobrevida para além do período de funcionamento da Comissão Nacional, certamente essa contribuição poderá ser dada à Comissão. Eu quero agradecer muito o depoimento do coronel José Carlos Acâmpora de Paula Machado. Foi muito esclarecedor pra CNV, quero crer que os nossos companheiros de Pernambuco se beneficiaram bastante, por que já tinham um contato inicial. Para nós foi muito esclarecedor e depoimento e pelo teor do seu depoimento eu sou obrigado a lhe fazer uma pergunta para que fique registrado. O senhor mencionou uma situação ou deu a entender, uma situação ainda de hostilidade, de tensão e até mesmo de perseguição que pode ocorrer. Eu lhe pergunto formalmente, como coordenador da CNV, se o senhor necessita de proteção, se o senhor deseja que a CNV atue junto ao Fórum do estado pra lhe assegurar a proteção tendo em vista a importância dos depoimentos que o senhor está dando para a CNV e para a Comissão de Pernambuco.

MACHADO - Não, não senhor. Eu não preciso de proteção nenhuma, até por que eu sou qualificado pra isso, certo? A idade é que não dá mais, mas eu sou qualificado pra esse tipo de proteção e não acredito nela não. (risos)

PEDRO DALARI – Eu quero agradecer então a sua presença entre nós e o senhor está dispensado. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------