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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
“Produção de Sentido na Sala de Aula de Língua Inglesa (LE): aspectos
sociocognitivos”
Patrícia Silva de Lira
João Pessoa
2006
Patrícia Silva de Lira
Produção de Sentido na Sala de Aula de Língua Inglesa (LE): aspectos
sociocognitivos”
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras e
Lingüística da Universidade Federal da
Paraíba, em cumprimento às exigências
para obtenção do Grau de Mestre em
Lingüística.
Orientadora: Profª Drª Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante
João Pessoa
2006
PATRÍCIA SILVA DE LIRA
PROCESSOS DE APRENDIZAGEM DE INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA
Dissertação aprovada em: 07 de julho de 2006.
EXAMINADORES:
__________________________________________________
Drª. MARIANNE CARVALHO BEZERRA CAVALCANTE
(Orientadora)
__________________________________________________
Drª. ELIZABETH MARCUSCHI
(1ª Examinadora)
__________________________________________________
Dr. JAN EDSON RODRIGUES-LEITE
(2ª Examinador)
JOÃO PESSOA
2006
À minha, amada e maravilhosa, família que me incentivou,
ajudou e orientou meus passos até o presente momento,
dedico esta dissertação.
AGRADECIMENTOS
Para que esta pesquisa chegasse ao seu término, muitos contribuíram. Sem
eles, talvez, alguns momentos de realização não tivessem sido transpostos tão
facilmente. Portanto, neste momento aproveito para compartir com todos esta
sensação de alegria que me toma, por mais uma etapa cumprida em minha vida.
À Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante que muito me incentivou a assumir
mais um compromisso em minha vida: esta pesquisa. E por me ter norteado tão
bem, sempre tranqüila e alegre. Por todas as excelentes e desafiadoras leituras que
foram por ela recomendadas e solicitadas. Enfim, pela grande orientadora-mestra-
amiga que ela tem sido.
À minha maravilhosa e excelente família que tanto me ajudou nos momentos
de fraqueza, ausência e incertezas. Meus adorados pais pela paciência e empenho,
à minha tia pelo carinho e cuidados, minha irmã pelo apoio e incentivo constantes e
a Neilton pelas incansáveis revisões que me foram tão preciosas. A todos por tudo
terem suportado sem, em qualquer momento, me atingirem com cobranças.
Aos antigos e novos amigos, também agradeço pelo companheirismo,
paciência, colaboração, e tolerância. À Renata da Fonte companheira sincera de
todas as horas que com suas palavras de incentivo sempre me ajudou nos
momentos difíceis de produção, agradecendo, também, aos momentos de
discussões, tão úteis e proveitosos que tivemos, semanalmente, como forma de
reafirmação de nossas idéias acerca dos temas trabalhados em aula. Bem como
pela agradável companhia que me fez em nossas intermináveis idas e vindas pela
estrada do conhecimento que liga Pernambuco à Paraíba.
Meus agradecimentos, também, aos que fazem o Viver Colégio e Curso, que
muito me auxiliaram em minhas poucas, porém necessárias ausências. Pelas
palavras de apoio e brincadeiras que tanto ajudaram a distrair nos momentos de
tensão. À professora e amiga Renata Barros que com presteza e gentileza permitiu
que eu me inserisse no dia-a-dia de suas aulas de inglês para filmá-las e, então,
formar o corpus de minha pesquisa.
[...] a língua estrangeira é, por definição,
uma segunda língua, aprendida depois e
tendo como referência uma primeira
língua, aquela da primeira infância. Pode-
se aprender uma língua estrangeira
somente porque já se teve acesso à
linguagem através de uma outra língua.
Revuz (2002)
RESUMO
O objeto de estudo desta pesquisa é a investigação dos processos que
envolvem a construção de significados na relação ensino-aprendizagem da língua
inglesa, como língua estrangeira, por alunos da 5ª série, de uma escola da rede
privada de ensino. Fundamentamos esta análise nos pressupostos teóricos da
lingüística cognitiva, sobretudo na teoria dos espaços mentais de Fauconnier (1994),
bem como nos postulados interacionistas da lingüística. Temos o intuito de
demonstrar que o conhecimento lingüístico da língua inglesa é constituído através
da mediação da língua materna, no caso a língua portuguesa. Esta é utilizada, pelos
alunos, como a base de onde serão ativados os frames a partir de situações sócio-
interacionais, construções contextualizadas, compartilhamento de conhecimentos de
mundo e a negociação e troca de sensos e realidades distintas que contribuirão para
a construção de sentido na língua que está sendo aprendida. Para tanto, utilizamos
dados coletados em uma turma de 5ª série e os analisamos a partir de uma
metodologia interpretativa, procurando responder o questionamento a respeito dos
processos que envolvem o ensino-aprendizagem de inglês, como língua estrangeira.
Nossos resultados demonstram que a língua materna e a interação em sala de aula
são pontos positivos para a construção do conhecimento lingüístico da língua
inglesa, como língua estrangeira.
Palavras-chave: processo de ensino-aprendizagem, lingüística cognitiva, espaços
mentais, língua inglesa, língua materna.
ABSTRACT
The purpose of this reasearch is to inquire which processes are involved in learning
English as a foreign language by Fundamental Teaching 5th grade students in
private schools. We aim to demonstrate that the knowledge of the English language
is constituted through mediation of the students´mother tongue. It´s used by the
students as the base where the frames will be activated through partner-interacitons
situations, contextualized constructions, sharing of previous knowledge and
negotiation and distinct exchange of senses and realities which will contribute for
meaning in the language that is being learned. To do so, we have collected data from
Fundamental Teaching 5th grade students and analysed them from an interpretative
methodology, aiming to answer the question regarding the processes which are
involved in English learning and teaching as a foreign language. We focus our
analysis on Cognitive Linguistics, Fauconnier´s mental spaces theory (1994) as well
as in the postulates of the Linguistics. Our results demonstrate that the mother
tongue and interactions in the classroom are positive aspects for learning English as
a foreign language.
Key-words: process of teaching learning, Cognitive Linguistics, mental spaces,
English language, mother tongue.
LISTA DE DIAGRAMAS ___________________________________________________________________
Diagrama 1: representacional dos espaços mentais 41
Diagrama 2 (o sanduíche de presunto) 43
LISTA DE ESQUEMAS ___________________________________________________________________
Esquema 1: Relação significado/significante 47
Esquema 2: Língua 49
Esquema 3: Relações Associativas 50
LISTA DE TRANSCRIÇÕES
Transcrição 1: Preços de produtos. 57
Transcrição 2: Uso de provérbio. 62
Transcrição 3: tradução escrita 69
Transcrição 4: Traduzindo “At the circus” 72
Transcrição 5: Reading “At the circus” 75
LISTA DE FIGURAS ___________________________________________________________________
Figura: modelo 56
Figura 1: Preços de produtos 59
Figura 1.2.: Preços de produtos 61
Figura 2: Atividade com um provérbio 63
Figura 2.1.: Atividade com um provérbio 64
Figura 2.1.2.: Atividade com um provérbio 65
Figura 2.2.: Atividade com um provérbio 66
Figura 2.2.1.: Atividade com um provérbio 67
Figura 3: Tradução escrita 70
Figura 3.1.: Tradução escrita 71
Figura 4: Traduzindo “At the circus” 73
Figura 4.1.: Traduzindo “At the circus” 74
Figura 5: Reading “At the circus” 76
Figura 5.1.: Reading “At the circus” 77
LISTA DE ABREVIATURAS ___________________________________________________________________
A
A1
A2
A3
A4
AA
P
ILE
L1
EMs
ALUNO OU ALUNA
ALUNO (A) 1
ALUNO (A) 2
ALUNO (A) 3
ALUNO (A) 4
ALUNOS OU ALUNAS
PROFESSORA
INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA
LÍNGUA MATERNA
ESPAÇOS MENTAIS
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1 – Histórico dos Métodos e Abordagens no Ensino de
Inglês como Língua Estrangeira 6
1.1 Aquisição/Aprendizagem de Língua Estrangeira 6
1.2. Métodos e Abordagens de Ensino de Língua Estrangeira 8
Capítulo 2 - Trajetória da Ciência Cognitiva 13
2.1. A Filosofia 13
2.2. A Psicologia cognitiva 15
2.2.1. Teorias da Aprendizagem Infantil 20
2.3. Inteligência Artificial 25
2.4. Antropologia 29
2.5. Lingüística 31
Capítulo 3 – Espaços Mentais e Relações Sintagmáticas e
Associativas 36
3.1. Articulando com as Relações Sintagmáticas e Associativas
Saussureanas 46
Capítulo 4 – Os Processos de construção de significados na
relação ensino-aprendizagem da língua inglesa,
como língua estrangeira 53
Considerações Finais 80
Referências Bibliográficas 84
Anexo A – Escreva por extenso (Exercício B); Proverb 91
Anexo B – At the circus 92
Anexo C – At the circus 93
INTRODUÇÃO
Os aspectos das coisas que são mais importantes
para nós, são aqueles que estão encobertos,
escondidos por causa de sua simplicidade e
familiaridade.
Wittgenstein (1995)
Adotamos nesta dissertação a perspectiva
de que a linguagem é construída nas
interações e nos processos de
socialização, ou seja, uma atividade social
que constitui um sentido público
(Marcuschi, 1999a e Mondada, 1994).
Faz-se, então, necessário que
explicitemos nossa noção de língua
tomando-a como “uma atividade sócio-
cognitiva em que a interação, a cultura, a
experiência e aspectos situacionais
interferem na determinação referencial”
(Marcuschi, 1999c:01).
Partindo destas perspectivas a respeito de
língua e linguagem, investigamos como o
conhecimento lingüístico de inglês, como
língua estrangeira, é construído no
ambiente escolar. Para tanto tivemos
como pressuposto basilar a teoria dos
espaços mentais de Gilles Fauconnier
(1994) para chegarmos às construções
cognitivas dos alunos de inglês
participantes desta investigação. Também
aqui tomaremos de maneira
complementar os estudos saussurianos a
respeito das relações sintagmáticas e
associativas.
Dentro desta perspectiva teórica de
construção de significados, concebemos
que o conhecimento lingüístico da língua
portuguesa (a língua materna, doravante
L1), será mediador no processo de
aprendizagem do conhecimento lingüístico
da língua inglesa. Para tanto, partimos de
duas perspectivas teóricas, assim
divididas por Levinson (1997): uma que
tem a linguagem como facilitadora no
estudo dos processos de construção de
sentido — as representações semânticas
são a mesma coisa que as
representações conceituais —, e outra,
para o qual a linguagem esconde o que é
essencialmente cognitivo — as duas
representações são tratadas com
distinções e separações conceituais.
Acerca disto, Levinson propõe quatro
hipóteses: a primeira diz que as
representações semânticas não podem
ser idênticas às conceituais por ambas
não serem homomórficas (não possuírem
a mesma forma); a segunda coloca que,
as representações, apesar do que já foi
exposto na primeira hipótese, não podem
estar muito distantes, mas que há um freio
lingüístico e um social; já a terceira
postula que uma representação conceitual
pode abarcar uma semântica desde que
os conceitos acessíveis no vocabulário da
primeira sejam intertraduzíveis com os
conceitos da segunda. A quarta coloca
que a relação entre as duas
representações deva ser investigada
empiricamente.
Isto posto, vejamos como foi constituído o
corpus para esta pesquisa, bem como,
quais são os procedimentos utilizados na
análise dos dados.
Corpus e Procedimentos de Análise
A construção de sentido em língua inglesa, objeto de estudo desta pesquisa,
se dá em contexto de sala de aula. Acreditamos ser neste ambiente encontradas as
respostas às nossas indagações, daí o nosso interesse em constituir o corpus a
partir de dados coletados in loco.
Nosso campo de coleta de dados, portanto, foi uma sala de aula de 5ª série
do ensino fundamental II, de uma escola regular da rede privada1 de ensino na
cidade de Jaboatão dos Guararapes, Recife – PE. A escola está situada em um
bairro de classe média-alta, possuindo alunos desta mesma classe. Todos os
professores de Língua Estrangeira têm seus cursos de graduação concluídos. A
professora que permitiu os registros de aula para a constituição de nosso corpus tem
curso de especialização em andamento. A escola não segue uma metodologia
específica, podendo o professor fazer uso de um único método ou mesclá-lo com
outros de acordo com a sua prática em sala de aula.
Foram filmadas2 16 horas de aula totalizando 16 sessões de filmagens,
durante 2 meses, o que constitui uma unidade escolar. A turma observada possuía
1 Esta foi escolhida pelo fato de as escolas da rede pública encontrarem-se, no momento previsto
para a coleta, em greve por tempo indeterminado. Tal fato contribuía para um adiamento, não possível, no desenvolvimento desta dissertação.
2 As filmagens foram realizadas de forma planejada para não interferir na naturalidade dos eventos. Antes de iniciar as filmagens a professora responsável pela turma explicitou o motivo da presença da investigadora na sala de aula, deixando claro aos alunos os objetivos das sessões.
35 alunos, distribuídos na faixa etária entre 10 e 11 anos. A maioria dos alunos
residia nos arredores da escola e apenas um era repetente.3
Além das filmagens, foram, também, realizadas anotações de campo e uma
posterior transcrição ortográfica das aulas. Os alunos tinham total consciência de
que estavam sendo filmados e, embora, tenha sido feito o pedido para que
evitassem as excitações comuns — por serem crianças e se entusiasmarem com tal
fato —, e agissem naturalmente, alguns alunos alteraram suas participações
naturais, aumentando o tom da voz e prolongando o tempo de participação. No
entanto, tal situação foi normalizada e moderada pela professora, não causando
problemas para a análise dos dados.
Esta análise procura explicar, então, os processos cognitivos que envolvem o
ensino-aprendizagem do conhecimento lingüístico de língua inglesa, tendo como
mediadora a língua portuguesa, através da interação face a face entre
professora/aluno/alunos a partir dos fundamentos teóricos dos Espaços Mentais de
Gilles Fauconnier (1994) e a teoria de Saussure (1995) a respeito das relações
sintagmáticas e associativas. Em relação à situação interacional nos aportamos em
van Dijk. (2004).
Estrutura da Dissertação
Procuramos dividir nossa dissertação ao longo de cinco capítulos: Histórico
dos Métodos e Abordagens no Ensino de Inglês como Língua Estrangeira
(doravante ILE); Trajetória da Ciência Cognitiva; A Teoria dos Espaços Mentais; As
Relações Sintagmáticas e Associativas; Análise dos Processos de construção de
3 Tais informações foram dadas pela professora responsável pela turma em conversa informal.
significados na relação ensino-aprendizagem da língua inglesa, como língua
estrangeira.
No primeiro capítulo procuramos descrever a história dos métodos,
principalmente do método “Tradução e Gramática” — objeto de estudo desta
pesquisa, aplicado na sala de aula observada, fazendo considerações acerca de
como os métodos têm considerado as relações entre as línguas materna e
estrangeira no processo ensino-aprendizagem.
No segundo procuramos apresentar a definição de cognição e seu percurso
histórico-teórico, passando pela filosofia, antropologia, psicologia, inteligência
artificial e lingüística, chegando a Lakoff e Fauconnier, Turner e Sweetser.
No terceiro apresentamos a teoria basilar desta dissertação. Discutimos a
teoria dos Espaços Mentais de Gilles Fauconnier que investiga o processo de
construção de sentido a partir de discursos. Neste capítulo, também, apresentamos
as relações sintagmáticas e associativas de Ferdinand Saussure que nos leva,
juntamente com a teoria dos Espaços Mentais, à compreensão de alguns dos
processos que envolvem o ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira,
sendo a teoria saussureana aqui ilustradora dos processos envolvidos no método
gramática tradução, enquanto que a teoria de Fauconnier nos apresenta os
processos que envolvem a construção do conhecimento a partir do social.
E, finalmente, temos as considerações finais, na qual retomamos todo o
nosso percurso teórico, apresentando nossas reflexões acerca do objeto de estudo
desta pesquisa, bem como os resultados obtidos a partir das análises dos dados.
Capítulo 1 — Histórico dos Métodos e Abordagens no Ensino de Inglês
como Língua Estrangeira
A preocupação em relação à aprendizagem
esteve durante muito tempo intimamente
relacionada à didática e às questões práticas, até
que passou a ser um dos temas das ciências
cognitivas e ganhou dimensão empírico-teórica.
(YOKOTA, 2005: 11).
Este capítulo procura apresentar, inicialmente, os conceitos de
aquisição e aprendizagem, bem como, o percurso histórico dos métodos e
abordagens que têm sido adotados no ensino de inglês como língua
estrangeira.
1.1. Aquisição/Aprendizagem de Língua Estrangeira
A aquisição da linguagem, segundo Correa (1999) é uma questão fundamental
no estudo da cognição e da teoria lingüística, tendo como objeto de estudo:
dados da produção, percepção e compreensão de enunciados lingüísticos
de crianças, obtidos em condições naturais ou experimentais, procurando,
portanto,
(...) explicar de que modo o ser humano parte de um estado no qual não possui
qualquer forma verbal e, naturalmente, ou seja, sem a necessidade de aprendizagem
formal, incorpora a língua de sua comunidade nos primeiros anos de vida, adquirindo
um modo de expressão e de interação social dela dependente. (CORREA, 1999:1).
Ainda, segundo a autora, toda criança é capaz de tomar a língua de sua
comunidade como língua materna e adquirir simultaneamente outra língua.
Isto requererá da criança a identificação dos sistemas fonológico,
morfológico, lexical, sintático e semântico de cada língua a ser adquirida, já
que há uma série de variáveis — a depender de cada língua. E, é objeto da
aquisição da linguagem estudar como a criança extrai do material
lingüístico que possui informações relevantes sobre a(s) língua(s) em
aquisição.
O termo ‘aquisição da linguagem’ segundo Krashen (1977), é utilizado para
(...) referir-se ao modo natural como as habilidades lingüísticas são internalizadas, sem
uma atenção consciente, e se desenvolvem num processo de construção criativa em
que uma série de etapas comuns a todos os que adquirem uma determinada língua
passam e que é resultado da aplicação de regras universais. A aquisição é um
processo subconsciente. (apud, Yokota, 2005:16).
Ou seja, a idéia de que a aquisição de uma língua se dá naturalmente,
sem uma aprendizagem formal em circunstâncias nas quais todos os
indivíduos expostos a adquirem sob regras universais, passando por
etapas comuns a todos.
Dito isto em relação à aquisição, se faz necessário, então o esclarecimento
acerca da aprendizagem.
Segundo Krashen (op. Cit.), a aprendizagem é um processo consciente, que
ocorre a partir de situação formal, sistematizada. Para o autor uma situação
formal de aprendizagem é caracterizada pela correção de erros e a
explicitação de regras.
Devemos ressaltar que a aprendizagem possui uma relação íntima com o
ensino, pois são processos complementares, mediados pela linguagem. E,
que os processos que envolvem a aprendizagem são bastante complexos,
por trazerem variados fatores, tais como: variáveis cognitivas, sociais e
econômicas.
Aqui explicitados os conceitos de aquisição e aprendizagem — nos quais nos
baseamos — passemos, então à trajetória dos métodos e abordagens de
ensino de inglês como língua estrangeira.
1.2 Métodos e Abordagens de Ensino de Língua Estrangeira
Neste subitem traçaremos o percurso dos métodos e abordagens aplicados ao
ensino de língua estrangeira, fazendo uma relação com os estudos acima
citados.
Segundo Richards & Rodgers (1986) método é um conjunto de práticas de
ensino, enquanto a abordagem está relacionada com os pressupostos
teóricos sobre a natureza da linguagem e da aprendizagem. Norteados
pelos estudiosos referidos apresentamos as seguintes visões: a estrutural,
a funcional e a interacional.
A primeira tem a língua como um sistema de elementos relacionados que
servem para decodificar o sentido, baseada nos conceitos de Ferdinand
Saussure de langue e parole. Variados métodos são influenciados por esta
visão estrutural.
Para a segunda visão, a língua expressa sentido, a semântica é enfatizada. A
língua é um sistema de escolhas contextualizado, ou seja, quando
iniciamos um discurso este está ligado a um contexto, a uma situação que
permitirá a comunicação.
E, na visão interacional, a língua é o meio para a realização de relações
pessoais e sociais. Estas visões serviram de fundamento para o ensino de
línguas estrangeiras, no decorrer do tempo, no intuito de desenvolver
princípios e procedimentos para o ensino/aprendizagem.
Fazendo um percurso histórico perceberemos a presença destas visões na
descrição dos métodos que teremos a seguir, nos baseando em Germain
(1993) que nos reporta ao ano 3000 a.C até aproximadamente ao ano 2350
a.C., período no qual os sumérios foram gradativamente conquistados
pelos acadianos. Estes adotaram o sistema de escrita e aprenderam a
língua de seus conquistados. Tal aprendizado se dava através da escrita na
língua sumérica. O novo conhecimento era visto como forma de promoção
social e permitia a quem o possuía o acesso à religião e a cultura. Tem-se
este como o primeiro registro de ensino de uma língua estrangeira. Tal
como os acadianos, também o fizeram os romanos com a língua grega, ao
conquistarem os falantes desta língua.
Os falantes do latim aprendiam o grego — como língua estrangeira — através
de manuais bilíngües que enfatizavam a prática do vocabulário e da
conversação. Estes manuais de aprendizagem são tidos como os primeiros
e datam do terceiro século da nossa era. Também na França, mais ou
menos no século IX, o latim era estudado nas escolas, como língua
estrangeira, e considerado como língua culta. O aprendizado do latim se
dava através do estudo gramatical, a partir da leitura de textos religiosos, e
o vocabulário era decorado com a ajuda de glossários que continham a
tradução do léxico mais utilizado, já que a língua possuía muito prestígio e
era considerada, além de usada nos meios religiosos, comerciais, nas
publicações e nas relações internacionais. Tal método caiu em declínio e
em 1638, Jan Amos Komensky publica a “didática magna”, obra que trata
de princípios para a didática das línguas. Komensky passa a ser
considerado o fundador da didática das línguas, segundo Germain. O latim
era aprendido através de frases isoladas na língua materna, formadas com
base no conteúdo gramatical a ser aprendido e memorizado. A partir do
século XVIII, há uma mudança no método de ensino e o texto na língua
estrangeira passa a ser o objeto de estudo, consagrando o método
gramática-tradução. Este método é, portanto, o mais antigo a ser usado
como mediador da aprendizagem de línguas clássicas.
Os objetivos da metodologia gramática-tradução foram aplicados até o início
do século XX. A ênfase é dada na leitura que é a habilidade mais
desenvolvida, além da escrita. A capacidade de comunicação oral na língua
estrangeira não é alvo nesta metodologia. O aprendiz deve ter o
conhecimento das regras gramaticais, memorizar o vocabulário, e as
conjugações verbais. A língua alvo não é utilizada em sala de aula a não ser
no momento da tradução e, praticamente, toda a interação advém do
professor em direção ao aprendiz. Raramente há interação aprendiz-
aprendiz ou iniciativa do aprendiz em direção ao professor, pois tal
aprendiz tem o papel de um receptor de conhecimentos advindos de fontes
externas.
Contra esse ensino tradicional, e respondendo às novas necessidades e aos
novos anseios sociais, surge a Metodologia Direta — sem intervenção da
tradução — (MD), Puren (1988). Nesta, o princípio fundamental era o contato
direto com a língua a ser aprendida, ou seja, a exclusão da língua materna
da sala de aula, em que os significados eram dados através de fotos,
gravuras, gestos, enfim, tudo que contribuísse com a compreensão sem
recorrer à tradução para que o aprendiz usasse sempre a língua alvo. Dava-
se, também, ênfase à atividades orais. Neste método, o professor, também,
era o centro do processo e o aluno continuava sem autonomia e tinha o
professor como modelo lingüístico. Havia interação aprendiz-aprendiz,
apenas, através de jogos de pergunta e resposta.
O método posterior surge da necessidade que os americanos tiveram ao
entrarem na segunda guerra mundial. Estes necessitavam produzir,
rapidamente, falantes fluentes em diversas línguas e, para atingirem seu
objetivo fecharam convênio com universidades, e surgiu então o método do
exército, hoje conhecido como audiolingual. Tal método tem como
princípios básicos: a língua deve ser falada e não escrita; a língua é um
conjunto de hábitos condicionados que são adquiridos por processo
mecânico; ela é aprendida através da repetição de modelos básicos de
sentença que são memorizados a partir de estímulo-resposta; o papel do
professor é controlar o processo e evitar o erro do aluno, pois o erro é visto
como um reforço negativo, baseando-se na psicologia behaviorista,
essencialmente antimentalista, considerando o ser humano como um
repertório de comportamentos, incluindo o lingüístico.
Com o tempo tal método passou a ser questionado na Europa, pois nos
Estados Unidos ainda era dada ênfase ao código da língua, ao nível da
frase, levando ao surgimento de novos paradigmas. A partir do
desenvolvimento das ciências cognitivas tal método foi reavaliado e houve,
então, novas mudanças no ensino-aprendizagem de língua estrangeira,
dando surgimento ao que conhecemos como abordagem comunicativa
(pressupostos teóricos que têm origem em várias disciplinas: filosofia da
linguagem, pragmática, sociolingüística e análise do discurso, que orientam
o ensino de língua estrangeira). A leitura passa a ter como objetivo a
construção de significados, passa, também, a ser concebido como uma
interação: leitor-texto-contexto, pois o leitor constrói significados fazendo
inferências e interpretações a partir de informações que possui
armazenadas na memória, em estruturas de conhecimento organizadas, ou
seja, o aprendiz une novas informações aos conhecimentos prévios como
estratégia de aprendizado. A construção destes significados vai depender,
então, da metacognição, de como o aprendiz vai refletir e controlar tal
processo. A leitura, portanto, continua tendo grande importância e
destaque no aprendizado de uma língua estrangeira, porém lhe é dado um
novo enfoque.
O que aqui apresentamos é como se dá o processo de ensino aprendizagem
de inglês como língua estrangeira através da aplicação do método
gramática tradução e a relevância do uso da língua materna como
mediadora de tal processo, pois neste método — aplicado na sala de aula
observada — predomina o uso da L1, enquanto a ILE é usada, apenas,
durante a atividade de leitura e a atividade escrita.
No próximo capítulo trataremos o conceito que é dado ao termo ciência
cognitiva, bem como traçaremos um pouco do seu percurso por algumas
das disciplinas associadas ao termo como: filosofia, psicologia cognitiva,
inteligência artificial, antropologia e a lingüística.
Capítulo 2 — Trajetória da Ciência Cognitiva
Segundo Varela (2003) a ciência cognitiva tem como indicativo de que o
estudo da mente é em si mesmo um projeto respeitável pelo termo que a designa.
As disciplinas associadas às ciências cognitivas conceituam de forma diferente a
mente e a cognição, pois cada disciplina possui preocupações específicas a respeito
destas duas reflexões. Verschueren nos diz que “os cientistas cognitivos estudam
uma vasta área do fenômeno cognitivo que inclui a atenção, a percepção, a
memória, a linguagem, o aprendizado e o raciocino”.4 (1995:123. tradução nossa).
4 Cognitive scientists study a broad range of cognitive phenomena, including attention, perception,
memory, language, learning, and reasoning. (Verschueren, 1995:123)
Estes objetos de estudo advêm de várias disciplinas como a filosofia —
considerada por Verschueren como a origem —, a psicologia, a antropologia, a
inteligência artificial, a lingüística, entre outras. Para os cientistas cognitivos a mente
humana é um sistema complexo que envolve a aquisição, armazenagem,
transformação e transmissão de informações a partir de representações mentais,
sistemas formais e modelos computacionais para descrever o fenômeno cognitivo.
2.1. A Filosofia
Iniciemos então, o nosso percurso pela filosofia, pois as ciências cognitivas
abordam questões tratadas por esta ciência. Seu principal problema está na
relação mente/corpo (entre as características mentais da mente e as
características físicas do cérebro). Com Descartes, no começo da Idade
Moderna, temos, então o antecedente filosófico da ciência cognitiva que
privilegia a mente, com a sua teoria da dupla natureza dos seres humanos
que ficou conhecida como ‘dualismo tradicional’. Para o filósofo, o corpo
humano está sujeito às mesmas causas físicas que determinam os
fenômenos da natureza, por possuir o mesmo material que possuem as
outras coisas no mundo. Para Descarte, a mente é de outra natureza, e
constitui um âmbito à parte de investigação. Mas o dualismo cartesiano
sofreu objeções, devido a outras escolas filosóficas como o positivismo, o
fisicalismo e o verificacionismo, que descartavam o que não pudesse ser
objetivamente observável e mensurável. Mesmo sofrendo objeções o
dualismo resultou em duas posições que foram tomadas pelos cientistas
cognitivos: o materialismo e o funcionalismo.
O materialismo adota a idéia de que as características dos estados mentais
estão relacionadas com estados físicos do cérebro e são adotadas,
especialmente, pelos neurocientistas. Hoje, a neurociência realiza a análise
do funcionamento do cérebro o que nos direciona a uma idéia diferenciada
de épocas passadas. Tal disciplina tem como objeto de estudo o sistema
nervoso, suas composições moleculares e bioquímicas e suas
manifestações através das atividades intelectuais: linguagem,
reconhecimento das formas e resolução de problemas, em outras palavras
procura descrever os mecanismos neuronais elementares que sustentam
qualquer ato cognitivo, perceptivo ou motor. Para compreender o cérebro é
preciso conhecer o tipo de operação que ele realiza, bem como seus
desempenhos.
Já o funcionalismo adota a idéia de que as características do fenômeno
cognitivo estão relacionadas com as funções do sistema cognitivo, ou seja,
o seu foco é o processamento da informação. Isto leva à relação entre
input, estados mentais e output do sistema cognitivo.
Segundo Verschueren, outros assuntos da filosofia que foram abordados
pelos cientistas cognitivos envolvem a:
(...) intencionalidade (como as palavras, ações, e representações mentais podem ter
significado); se o conhecimento humano pode ser caracterizado por inato ou aprendido;
racionalismo versus empirismo e a epistemologia. (1995:124. tradução nossa).5
5 (...) intentionality (how it is that words, actions and mental representation in general can have
content); the issue of wheter human knowledge should be characterized as innate or learned; rationalism versus empiricism; (...) and epistemology (...). (Verschueren, 1995:124)
O que percebemos é que as ciências cognitivas se ramificaram a partir da
filosofia, procurando esclarecer conceitos e adequar suas teorias nas diversas
disciplinas que a partir perceberam a possibilidade de novos objetos de estudo.
2.2. A Psicologia cognitiva6
A psicologia cognitiva é o estudo do pensamento humano e dos mecanismos
pelos quais as pessoas processam e utilizam os conhecimentos. Seu
primeiro momento localiza-se no final do século XIX e início do século XX e
está baseado no paradigma behaviorista.
Em 1879, Wundt investiga os Estados de Consciência a partir da metodologia
experimental, usando o método introspectivo. As primeiras investigações
com o método experimental foram realizadas lá pela metade do século XIX
por Gustav Ferchner. A partir daí foi adotado pelos behavioristas e assumiu
um papel privilegiado na busca pelo conhecimento do comportamento
humano e animal. Este método é dividido em etapas para a sua aplicação:
hipótese prévia, experimentação, e generalização dos resultados.
Na primeira o experimentador procura estabelecer uma relação de causa e
efeito entre dois tipos de fatos. Será o guia para a observação do
experimentador. A segunda é um conjunto de observações realizadas, em
determinadas condições controladas com o objetivo de testar a validade da
hipótese formulada. E, por fim, a terceira, a etapa em que é necessário uma
maior rigor, na medida em que é nesta etapa que é feita uma generalização
6 A psicologia cognitiva é a ciência um ramo da psicologia que estuda a cognição o processo
mental que hipoteticamente está por detrás do comportamento. É uma das disciplinas da Ciência Cognitiva. Tal área de investigação cobre diversos domínios, examinando questões sobre: memória, atenção, percepção, representação do conhecimento, raciocínio, criatividade e resolução de problemas.
dos resultados obtidos no grupo de indivíduos sujeitos à experiência
(amostra) a toda a população a que se refere a investigação.
Esta generalização deve ser feita com o maior rigor e prudência para que não
ocorram erros. Este método é caracterizado por uma aplicação limitada e
redutora a certas áreas da investigação, tais como fisiologia, aprendizagem,
memória, percepção e psicologia social. O método introspectivo consistia
na descrição e análise, por parte de uma pessoa, das sensações e
sentimentos que experimentava em resposta a certos estímulos, ou seja,
era centrado na auto-observação ou introspecção.
Wundt acreditava que os processos ou experiências mentais poderiam ser
decompostos nos seus elementos básicos, ou seja, tinha o objetivo de
identifcar a estrutura das nossas experiências conscientes. Já em 1914,
surge Watson com o “Manifesto behaviorista”, propondo uma psicologia
comportamental, observacional. Este critica o estudo da introspecção,
estabelecendo o comportamento do sujeito como o real objeto de estudo da
psicologia.
Seus postulados permitiram avanços no Behaviorismo ou Teoria
Comportamental que declarava a psicologia como um ramo puramente
objetivo e experimental das ciências naturais, e que tinha como finalidade
prever e controlar o comportamento de todo e qualquer indivíduo. Watson
era um defensor da importância do meio na construção e desenvolvimento
do indivíduo.
Os seus estudos basearam-se no condicionamento clássico conceito
desenvolvido pelo fisiologista russo Ivan Pavlov7. O behaviorismo tem as
suas raízes nos trabalhos pioneiros de Watson e Pavlov, mas a criação dos
princípios e da teoria em si foi da responsabilidade do psicólogo americano
Burruhs Skinner que por volta de 1930, Skinner apresenta sua proposta de
“Behaviorismo radical”, afirmando que a organização do comportamento
não se localiza no indivíduo, mas nas suas relações. A esta relação Skinner
dá o nome de “contingência tríplice”, que é: estímulo – resposta –
conseqüência reforçada, que foi muito aceita no campo da educação.
Segundo Verschueren:
No entanto, nem todos os psicólogos aderiram às idéias behavioristas, notavelmente na
Europa, onde os estudos das complexas atividades cognitivas deram margem a um grande
número de teorias, como o trabalho da Gestalt por psicólogos na Alemanha, Bartlett na
Inglaterra e Piaget na Suíça.8 (tradução nossa. 1995:116).
7 Ivan Pavlov, médico russo que a partir do estudo da digestão de cães, em laboratório, descobriu que certos sinais provocavam a salivação e a secreção estomacal no animal, uma reação que deveria ocorrer apenas quando houvesse ingestão de alimento. Teorizou, então, que o comportamento estava condicionado a esses sinais, que habitualmente precediam a chegada do alimento, e que faziam o cão antecipar seus reflexos alimentares. Pavlov procedeu experimentalmente, fazendo soar uma campainha anunciando o alimento, e constatou que em pouco tempo o cão respondia com salivação ao soar da campainha, que passou a ser um estímulo e a provocar o reflexo da salivação mesmo sem a presença da comida. Constatou também que não podia enganar o cão por muito tempo, pois a falta da comida fazia que os sinais perdessem seu efeito. Em 1903 Pavlov publicou os resultados chamando o fenômeno um "reflexo condicionado", que podia ser adquirido por experiência, e designando o processo de "condicionamento". Para ele o reflexo condicionado poderia ter um papel importante no comportamento humano e na educação, e logo sua descoberta tornou-se base para uma nova corrente psicológica, o behaviorismo, fundado por John Watson, em 1913.
8 However, all psychologists did not adhere to the behaviorist credo, notably in Europe, where the study of complex cognitive activities gave rise to a large number of valuable theories, as in the work of the Gestalt psychologists in Germany, Bartlett in England, and Piaget in Switzerland. (Verschueren, 1995:116).
A Gestalt surgiu em oposição direta à psicologia como ramo da biologia e
limitava-se a estudar o comportamento do cérebro do homem, procurando
o conjunto a partir de seus elementos. Tal teoria, portanto, afirma que não
se pode ter conhecimento do todo através das partes, e sim das partes
através do todo. Que os conjuntos possuem leis próprias e estas regem
seus elementos (e não o contrário, como se pensava antes). E que só
através da percepção da totalidade é que o cérebro pode de fato perceber,
decodificar e assimilar uma imagem ou um conceito.
Daí foram formuladas concepções distintas: a corrente dualista (da escola de
Graz, na Áustria) e a corrente monista (defendida pelos alemães). A
primeira identificou dois processos distintos na percepção sensorial: um, a
sensação, corresponde à pura percepção física dos elementos de uma
configuração (o formato de uma imagem ou as notas de uma música), que é
particular do objeto percebido; e o outro, a representação, que seria um
processo “extra-sensorial” através do qual os elementos, agrupados,
excitam a percepção e adquirem sentido (a forma visual ou a melodia da
música), que já é particular do trabalho mental do homem.
Já na segunda corrente “monista” tanto sensação como representação se
dariam simultaneamente, e não em separado. A forma, ou seja, a
compreensão que os dualistas chamaram de “extra-sensorial”, não pode
ser dissociada da sensação do objeto material. Por ocorrerem ao mesmo
tempo, percepção sensorial e representativa vão se completando até
finalizarem o processo de percepção visual. Só quando uma é concluída
que a outra pode ser concluída também.
Enquanto na Inglaterra, o britânico Frederic C. Bartlett, um dos estudiosos da
memória, que ao contrário de Ebbinghaus (psicólogo alemão que no fim do
século XIX, planejou e executou experiências sobre o aprendizado de
sílabas sem sentido, a fim de reduzir a interferência do significado nos
processos de retenção, que lhe permitiram avaliar a capacidade e o tempo
de armazenamento da informação, bem como a facilidade de recuperação
do material armazenado), trabalhou com material significativo: formas,
fotografias, figuras que sugeriam objetos etc. Sua hipótese básica afirma
que a pessoa só retém esquemas muito gerais daquilo que experimentou
anteriormente. O processo de evocação seria, assim, melhor definido como
processo de reconstrução.
E como último psicólogo, a não aderir às idéias behavioristas, temos Jean
Piaget que estudou a evolução do pensamento até a adolescência,
procurando entender os mecanismos mentais que o indivíduo utiliza para
captar o mundo e, como epistemólogo, investigou o processo de
construção do conhecimento. Teremos no tópico a seguir seus estudos,
bem como, os de Vygotsky a respeito da aprendizagem infantil.
2.2.1. Teorias da Aprendizagem Infantil
O estudo do pensamento e da linguagem é uma das áreas da psicologia em
que é particularmente importante ter-se uma compreensão clara das
relações inter-funcionais existentes. Enquanto não compreendermos a
inter-relação entre o pensamento e a palavra, não poderemos responder a
nenhuma das questões mais específicas deste domínio. (Vygotski,1979:11)
Há séculos as teorias sobre como as crianças pensam e aprendem têm sido
sugeridas por educadores, filósofos e psicólogos. Todas as teorias e discussões
contemporâneas vêm de idéias e percepções transformadas ao longo do tempo e,
então utilizadas em termos modernos, pois não se erradica o trabalho das gerações
anteriores, mas sim o reformula.
Nas tendências da educação moderna predominam as teorias da
aprendizagem desenvolvidas por Jean Piaget e por Vygostsky, mas sabemos que
outras teorias encontram-se presentes nas práticas educativas desde os primórdios.
Na antiguidade clássica — Grécia e Roma — a aprendizagem seguia duas
linhas. Estas eram opostas, porém complementares. Eram a pedagogia da
personalidade (formação individual) e a pedagogia humanista (o sistema de ensino
era representativo da realidade social). Já na idade média o ensino e aprendizagem
passam pelas determinações da religião da época e de seus dogmas. Mas ao final
desta fase houve a separação das teorias da aprendizagem e do ensino a partir da
independência em relação à religião. Deste momento, em diante, surgem várias
modificações e ampliações desde o advento do humanismo e Reforma, no século
XVI e revolução francesa.
Do século XVII ao início do século XX a idéia central sobre aprendizagem era
mostrar cientificamente que determinados processos universais regiam os princípios
da aprendizagem. Com isso tentava-se explicar as causas e as formas de seu
funcionamento, visando enquadrar, num único sistema de leis, o comportamento de
todos os organismos. Ou seja, a aprendizagem estava ligada ao condicionamento.
Esta é uma concepção behaviorista do processo de aprendizagem e está baseado
na relação estímulo-resposta. Segundo Wood (2003) por muito tempo o estudo e a
reflexão haviam sido dedicados ao “reforço” e à relação estímulo-resposta o que
influenciou o desenvolvimento de várias teorias da aprendizagem. A tentativa das
teorias desenvolvidas era a de que os resultados da aprendizagem pudessem ser
previstos. Como exemplo podemos citar Skinner que com seu programa intermitente
de reforço apresentou a chave para um ensino efetivo, a “moldagem do
comportamento”. Em sua teoria para que o animal aprenda a produzir uma
determinada resposta a um estímulo, não deve haver reforço toda vez que ele
apresentar resposta, até que seja possível retirar totalmente o reforço. A aplicação
de sua teoria na escola, no ensino de crianças levou a uma crítica aos professores e
à educação formal da época. Para Skinner as crianças apenas decoravam e depois
esqueciam e aquilo que elas eram capazes de expor, desenvolver e aprender não
eram explorados. A partir de suas idéias foram desenvolvidos vários estudos
experimentais da aprendizagem. Vários programas de “reforço” foram projetados,
mas esta abordagem geral do aprendizado foi deixando de ser produtiva, levando
alguns pesquisadores ao ceticismo e à busca de novas tecnologias o que viabilizou
a aceitação das idéias de Piaget.
Os psicólogos que estudavam a
aprendizagem começaram a nutrir (ou
mais precisamente, renutrir) idéias sobre
motivação intrínseca e sobre a
importância da atividade e do domínio
dela “por si só”, a teoria de Piaget
ofereceu uma abordagem compatível e já
bem desenvolvida para o estudo da
aprendizagem e do desenvolvimento.
(Wood, 2003:21).
A teoria de Piaget parecia trazer respostas a problemas difíceis encontrados
pelas teorias anteriores, como por exemplo, algumas coisas que não eram
aprendidas em determinados momentos. Sua teoria trazia explicações para o que foi
nomeado de períodos críticos do desenvolvimento da inteligência humana, ou seja,
A teoria de Piaget oferece uma descrição detalhada e específica de estágios universais no
desenvolvimento humano que proporciona uma explicação possível para quando e como uma
criança está pronta para aprender ou para desenvolver formas específicas de conhecimento e
compreensão. (Wood, 2003:21)
Para Piaget a capacidade de uma criança entender o que lhe é dito, e a
capacidade de usar a linguagem dependem do seu estágio de desenvolvimento
intelectual. Ele era um “epistemologista genético” e procurava estudar as origens e a
evolução do conhecimento humano, ou seja, a análise dos estágios do
desenvolvimento intelectual humano surgiu de um esforço para compreender a
natureza, estrutura e evolução do conhecimento. Seu arcabouço teórico derivava da
lógica e da matemática, o que o levou a analisar e a interpretar o desenvolvimento a
partir de sistemas operacionais lógicos para representar a realidade.
Ele compartilhava com Vygotsky9, segundo Wood (2003:36), “uma concepção
similar das relações entre ação e pensamento”. Para Piaget “O pensamento é a
ação internalizada”10, ou seja, a ação está na base do pensamento e a percepção
está submetida à ação. É através do exame da atividade motora e da solução de
problemas que se analisa o conhecimento e a inteligência humanos. Para o
pesquisador o conhecimento que uma criança intuitivamente tem do mundo, está
baseado em suas ações realizadas sobre esse mundo. 9 De quem falaremos a seguir. 10 Wood, 2003:36.
Em relação ao pensamento e a linguagem Wood (2003:41) nos diz “é um
sistema de símbolos para representar o mundo, enquanto as ações e operações
formam os processos do raciocínio”, ou seja, uma criança só será capaz de entender
conceitos abstratos quando tiver alcançado o que Piaget chama de pensamento
operacional. Para ele antes do pensamento operacional a criança é capaz, apenas,
de aprender um procedimento, como o de produzir sons.
Para Piaget, o conhecimento é gerado através de uma interação do sujeito
com seu meio, a partir de estruturas existentes no sujeito. Assim sendo, a aquisição
de conhecimentos depende tanto das estruturas cognitivas do sujeito como de sua
relação com o objeto. Neste ponto Piaget difere de Vygotsky para o qual aprender
através da instrução é próprio da inteligência humana, ou seja, quando as crianças
são ajudadas naquilo que não são capazes de conseguir sozinhas o que está
acontecendo com elas é o desenvolvimento do conhecimento. A instrução está no
centro do desenvolvimento. O potencial para aprender é desenvolvido nas
interações com outras pessoas que possuem mais conhecimento.
Para a teoria educacional esta é uma das principais contribuições
vygotskyana denominada “zona de desenvolvimento proximal” (ZDP) que afirma que
a aprendizagem acontece no intervalo entre o conhecimento real e o conhecimento
potencial. Em outras palavras, a ZDP é a distância existente entre o que o sujeito já
sabe e aquilo que ele tem potencialidade de aprender. Seria neste campo que a
educação atuaria, estimulando a aquisição do potencial, partindo do conhecimento
da ZDP do aprendiz, para assim intervir. O conhecimento potencial, ao ser
alcançado, passa a ser o conhecimento real e a ZDP redefinida a partir do que seria
o novo potencial. Para Vygotsky algumas crianças têm ZDP maiores do que outras,
mesmo quando seus níveis de desempenho são similares. Este é um outro ponto no
qual este teórico difere de Piaget, pois este não se propôs a explorar as diferenças
individuais em ritmo de desenvolvimento.
O conceito de ZDP contribuiu com o desenvolvimento de novas técnicas que
procuravam diagnosticar as necessidades de aprendizagem das crianças. Segundo
Wood
(...) para Vygotsky, portanto, o sucesso cooperativamente alcançado está na base da
aprendizagem e do desenvolvimento. A instrução — tanto formal como informal, em muitos
contextos sociais, realizada por colegas ou irmãos, pais, avós, amigos, conhecidos e
professores com mais informação — é o principal veículo para a transmissão cultural de
conhecimento. (2003:41)
Os estudos de Vygotsky postulam uma dialética das interações com o outro e
com o meio, como desencadeador do desenvolvimento. Para ele e seus
colaboradores, o desenvolvimento é impulsionado pela linguagem. Eles
acreditam que a estrutura dos estágios descrita por Piaget seja correta,
porém diferem na concepção de sua dinâmica evolutiva. Enquanto Piaget
defende que a estruturação do organismo precede o desenvolvimento,
Vygotsky afirma que é o próprio processo de aprender que gera e promove
o desenvolvimento das estruturas mentais superiores.
Na contemporaneidade da psicologia cognitiva temos o desenvolvimento da
inteligência artificial, uma das disciplinas preocupadas com o
conhecimento, que será apresentada no tópico a seguir.
2.3. Inteligência Artificial
(...) em seus trabalhos, os cientistas da cognição
usaram a metáfora da mente como um computador.
(...), o computador tem sido usado como uma
ferramenta para a construção de modelos do
comportamento inteligente. (Verschueren,
1995:124)11. (tradução nossa).
A contemporaneidade da psicologia cognitiva inicia-se após a II guerra
mundial quando Newell e Simon (1956) apresentaram um programa de
computador capaz de fazer a demonstração de um teorema (logic
theoristic), ou seja, surge a inteligência artificial (A.I.).
A invenção do computador resolvia o problema da relação mente /corpo, pois
há o software (suporte lógico) e o hardware (suporte técnico), uma clara
analogia com o sistema humano e os processos de pensamento. No
entanto, o seu objeto de estudo continua rodeado de uma certa névoa, já
que o homem ainda não possui uma definição satisfatória de inteligência e
para se compreender os processos da inteligência artificial é necessário,
antes, dominar os conceitos de inteligência humana e conhecimento.
Os primeiros anos da A.I. foram caracterizados por duas correntes: a que
achava oportuno a simulação dos processos cognitivos do ser humano e a
outra que concentrava seu interesse na pesquisa sobre o rendimento dos
programas através de processos não humanos.
Nos anos 60 foram elaborados programas capazes de compreender a
linguagem humana, mas tais programas não correspondiam às
expectativas dos investigadores, eram muito limitados, não permitiam 11 (...) cognitive scientists have used the metaphor of mind as a computer to inspire their work. (...), the
computer has been used as a tool for building formal models of intelligent behavior (Verschueren, 1995:124)
abstrações e estavam muito próximos, ainda, do algoritmo. Porém, tal
momento, possibilitou a introdução do pilar da A.I., a construção de
sistemas capazes de gerir conhecimentos empíricos através das suas
representações.
Daí surgem os agentes inteligentes que são programas que possuem um vasto
e específico conhecimento sobre um determinado assunto, chamados
sistemas periciais ou ‘experts’, pois pretendem simular o pensamento de
um perito humano, chegando, então, à maturidade da A.I., o período das
redes conexionistas e da cibernética.
O primeiro advém de um modelo de máquina inspirado na rede neurológica
humana, pois suas investigações são no sentido de, através da
modelização dos processos cognitivos humanos, construir autômatos, que
possuam um sistema neuronal que se interligue por um conjunto de
conexões.
Já a cibernética que foi anexada a A.I., estuda a modelização do cérebro
humano, estando sempre ligada à inteligência artificial, como nos estudos
sobre os comportamentos cognitivos.
A partir de 1955 até 1976 com o surgimento de novas idéias como a teoria dos
sistemas, as ciências da computação (1944), a cibernética (1936), as teorias
da informação (1948) e a robótica começa, então, a crescer uma
insatisfação com o Behaviorismo, impulsionando o surgimento do
Cognitivismo a partir de uma abordagem do processamento da informação.
Este primeiro momento tem suas bases nos modelos de Estimo Resposta
de Pavlov e Hulle e com Von Neumann como criador do modelo de
Processamento da Informação para Computadores (1953).
Donald Broadbent em seu livro Perception and Communication (1958), com
uma abordagem cognitiva divulga o que se tornará, então, o paradigma
dominante na área “o processamento da informação”. No modelo defendido
por Broadbent considera-se que os processos mentais são comparáveis a
um software a ser executado num computador que neste caso seria o
cérebro. As teorias do processamento de informação têm como base
noções como: entrada; representação; computação ou processamento e
saídas.
Os psicólogos cognitivistas do processamento da informação procuram
compreender as capacidades, os processos, estratégias e representações
mentais básicos subjacentes ao comportamento inteligente apresentado
pelas pessoas no desempenho de tarefas difíceis e em como constroem
modelos para essas explicações.
Existem duas principais abordagens em Psicologia Cognitiva: a abordagem do
Processamento da Informação e a abordagem Conexionista. Para a
primeira, o que constitui seu embasamento é o fato de os processos
cognitivos se tornarem equivalentes aos programas mentais, ou seja, há
similaridades entre a mente e o computador, pois ambos possuem memória
para sua organização, seguem direções em bases lineares e recebem
informação externa de uma forma e a colocam na memória de outra forma.
Também aborda alguns processos cognitivos que dirigem
hierarquicamente outros processos e que o sistema cognitivo como um
todo tem uma organização modular, ou seja, que existem partes ou
subunidades que parecem ser mais ou menos separadas umas das outras.
Enquanto a segunda, ou seja, a abordagem conexionista amplia esta visão
explicitando que, o sistema cognitivo pode realizar várias atividades ao
mesmo tempo, simultaneamente. Para esta, os neurônios não mantém uma
relação hierárquica com outros neurônios, o sistema cognitivo não é
modular e não pode ser quebrado em partes.
Em seguida veremos a antropologia cognitiva que se preocupa em observar
as idéias que guiam os comportamentos humanos.
2.4. Antropologia
Para as ciências sociais “não se pode estudar o comportamento humano sem
as idéias que o motivaram e guiaram”.12 (LEVINSON, apud Verschueren, 1995:100.
tradução nossa). Levinson diz que o termo Antropologia cognitiva é recente e tornou-
se corrente a partir da nova etnografia, que emergiu na antropologia americana lá
pelo final da década de ’50. Neste momento o principal objeto de estudo era a
cultura e, esta não era investigada a partir do comportamento, mas sim da
configuração das disposições mentais. Isto levou os antropologistas a reconstruírem
as categorias mentais e a um enfrentamento de asserções mentalistas13 e a
12 (...) The social sciences that one cannot study human behavior without studying the ideas and motivations taht guide and drive it. (LEVINSON, apud Verschueren, 1995:100). 13 Como mentalistas citamos Bloomfield, Sapir e Harris. O primeiro, juntamente com Sapir foram os precursores do estruturalismo americano seguidos por Harris que orientou Chomsky em sua tese de doutorado. Este colocou em xeque todo o fundamento da lingüística estrutural desenvolvida por Bloomfield opondo-se à visão behaviorista. Bloomfield tratava a lingüística como uma ciência
prevalência behaviorista, bem como o compartilhamento com as novas ciências da
mente e os novos métodos.
A partir da década de 70 a antropologia cognitiva começou a decair, mas
foram produzidos alguns artigos de referência. Um artigo representativo está no livro
editado por Tyler (1969).
O movimento Norte Americano sobreviveu, porém de forma branda. A
antropologia lingüística que sempre incluiu os assuntos da sociolingüística toma
outro caminho e passa a se preocupar com os problemas da semântica lexical e
concentra-se nos assuntos da interação verbal. A antropologia psicológica passou a
ter interesse além da afetividade e adota um estudo comparativo da cognição.
Foram desenvolvidas então, sugestões para a revitalização e reconstrução do objeto
de estudo da antropologia. O principal passo foi o de tratar a mente como um
dispositivo de processamento de informação. As questões centrais das ciências
cognitivas neste momento eram segundo Verschueren, “epistemologia — como nós
sabemos o que sabemos —, e — como nós processamos a informação.”14 (tradução
nossa. 1995:102) entre outras questões que passaram a fazer parte de sua agenda.
Foram seguidos passos para as investigações propostas: o primeiro tem a
cognição como o sistema mediador entre o organismo e o ambiente. No segundo o
ambiente é culturalmente construído e as interações com ele são socialmente
controladas, levando ao estudo comparativo entre os dois sistemas: cognitivo e
social. Um terceiro que trata das complexas relações de feedback entre os sistemas.
O quarto explora as intrínsecas propriedades de cada sistema, enquanto o quinto
passo preocupa-se com as complexas interações entre os sistemas. Para os
independente e insistia no uso de procedimentos científicos. Foi influenciado pelo behaviorismo. Foi o sintetizador da teoria e da prática lingüística. 14 “(...) epistemology — (...) how we know what we know, and (...) — (...) how we process information”. (Verschueren, 1995:102)
antropologistas a informação, segundo Sperber (1987) não pode ser transferida por
códigos, mas sim através de nossas inferências aplicadas aos produtos culturais
bem como a todo tipo de comportamento.
Vejamos a seguir os estudos da lingüística cognitiva a respeito da linguagem,
cultura e interações.
2.5. Lingüística
Segundo Verschueren (Op. cit.) um componente chave das ciências cognitivas
foi o desenvolvimento da gramática gerativa de Chomsky. Ele desenvolveu um
paradigma que despertou o interesse de muitos estudiosos. E segundo Pinker,
(...) no século XX, a tese mais famosa de que a linguagem é como um instinto, foi elaborada
por Noam Chomsky, o primeiro lingüista a revelar a complexidade do sistema e talvez o maior
responsável pela moderna revolução na ciência cognitiva e na ciência da linguagem. (2002:14).
Na teoria chomskiana, o inatismo, os humanos têm um dispositivo de aquisição
de linguagem (DAL), isto é, estão biologicamente pré-configurados para adquiri-la.
Chomsky chamou atenção para dois fatos fundamentais sobre a linguagem. Em
primeiro lugar, cada frase dita ou ouvida é uma nova combinação de palavras, que
aparece pela primeira vez na história do universo. Por isso, uma língua não pode ser
um repertório de respostas, o cérebro deve conter alguma receita ou programa que
consiga construir um número infinito de frases a partir de uma lista finita de palavras.
Este programa foi chamado de Gramática Universal (GU).
Segundo Chomsky, o ritmo que as crianças adquirem palavras e gramática,
sem serem ensinadas, é extraordinariamente rápido para ser explicado apenas
pelos princípios da aprendizagem, o que ele chama de "pobreza de estímulo". As
crianças criam tipos diferentes de frases, que nunca ouviram antes, e por isso
mesmo não podem estar imitando. Além disso, muitos dos erros cometidos por
crianças pequenas resultam do excesso de generalização (superextensão) das
regras gramaticais lógicas.
Num segundo momento, Chomsky introduziu a chamada Teoria de Princípio e
Parâmetros, onde ele retoma o problema da "pobreza dos estímulos" com uma
atitude platonista ante a linguagem. Chomsky transfere o problema de Platão (como
é que o ser humano pode saber tanto diante de evidências tão passageiras,
enganosas e fragmentárias?) para a linguagem. Desse modo, vincula a linguagem
aos mecanismos inatos da espécie humana; surge a idéia dos universais
lingüísticos.
De acordo com essa visão, o homem vem equipado, no estágio inicial, com
uma Gramática Universal (GU), dotada de princípios universais pertencentes à
faculdade da linguagem e de parâmetros não-marcados que adquirem seu valor no
contacto com a língua materna. Alguns dos parâmetros que têm sido estudados são:
se a língua aceita sujeito nulo ou preenchido, se o objeto é nulo ou preenchido, o
tipo de flexão ou estrutura do verbo etc. (SCARPA, 2000).
Dessa forma, Chomsky nos conduz à concepção da capacidade de aquisição
da linguagem quase como um "órgão mental".
Os sons de fala que estimulam os nervos auditivos são 'processados' naturalmente de modo a
revelar (a acerta altura) as regras pelas quais aquela fala se estrutura." (WOOD, 1996:165).
Assim, apesar das várias línguas serem aparentemente diferentes quanto a
sintaxe e a fonética, Chomsky acredita que todas sigam certas propriedades
universais, para cuja produção e aquisição desenvolveu-se evolutivamente num
sistema congênito (DAL).
Uma outra decorrência do inatismo lingüístico é a modularidade cognitiva da
aquisição da linguagem. Dessa forma, a relação entre a língua e outros sistemas
cognitivos como a percepção, a memória e a inteligência, é indireta, ou seja, a
aquisição da linguagem não depende dele e nem de nenhuma interação social. Para
a gramática gerativa a faculdade da linguagem é uma componente autônoma da
mente, independente de outras faculdades mentais, portanto, o conhecimento da
linguagem é independente de outros tipos de conhecimento.
Um dos opositores às idéias de Chomsky é Tomasello (2003). Segundo este
autor, há uma forma de transmissão cultural que é típica dos seres humanos. Esta é
difícil para os animais, pois é dependente da capacidade de identificar-se com outros
membros da espécie, ou seja, possuir a compreensão dos “co-específicos” como
seres intencionais iguais a si próprios.
Esta capacidade, segundo Tomasello, é determinada biologicamente e especial
para os seres humanos. Para Tomasello, a linguagem não é intuitiva, por isso critica
a concepção da gramática gerativa de Chomsky, já que não acha que qualquer
estrutura lingüística seja universal, baseada em um conhecimento inato. Ele assinala
a diferença fundamental entre a cognição humana e a de outras espécies. Nas suas
comparações entre os grandes símios e o ser humano, destaca a capacidade do
homem para construir representações cognitivas de estrutura dialógica, de modo
que graças à comunicação possa participar da coletividade constituída pela
cognição humana, portanto as habilidades cognitivas são manifestações da
transmissão cultural. Ele postula que a aprendizagem cultural humana se dá por
imitação, instituição ou colaboração e, o homem aprende do outro e através do
outro. Diz que os modos de transmissão podem ser sociais ou culturais, bem como
pode haver evolução orgânica.
A transmissão social ou cultural é por ele considerada mais rápida, pois as
crianças adquirem as convenções lingüísticas dos outros membros de seu grupo
social, sendo esta evolução cumulativa, pois as tradições e os artefatos culturais
acumulam modificações ao longo do tempo, o que nos difere dos primatas não
humanos.
Propõem, portanto, uma teoria construtivista pragmático-social, segundo a qual
a aprendizagem das estruturas lingüísticas faz parte dos processos de comunicação
em sociedade, isto é, da transmissão cultural.
Também em oposição à gramática gerativa, a lingüística cognitiva procura
demonstrar que os alegados fenômenos ‘formais” que foram o centro da formação
da teoria gerativista, envolvem fatores semânticos e funcionais. Em outras palavras,
para a lingüística cognitiva a linguagem deve ser explicada em termos semânticos e
funcionais.
Os movimentos subseqüentes a Chomsky focaram a conexão entre a forma e o
significado, permitindo o desenvolvimento de investigações que revelaram o
importante papel que os mapeamentos metafóricos têm na semântica lexical. Deste
momento em diante temos os trabalhos de Reddy (1979), Lakoff & Jonhson (1980),
Sweetser (1990) e Turner (1991). Estas concepções foram um campo fértil para a
teoria dos espaços mentais de Fauconnier (1985).
A lingüística cognitiva se ocupa da linguagem como um dos meios de
conhecimento, assumindo que a nossa interação com o mundo é mediada por
estruturas mentais. E está relacionada com outras disciplinas por considerar a
linguagem parte integrante da cognição em interação com outros sistemas
cognitivos, tais como: percepção, atenção, raciocínio, etc.
A lingüística cognitiva é um conjunto de perspectivas e de análises teóricas e
metodológicas compatíveis, onde a linguagem é estudada como um sistema para a
categorização do mundo e nela, naturalmente, se refletem capacidades cognitivas
gerais e a experiência individual, social e cultural.
Neste capítulo vimos, algumas das disciplinas ligadas à ciência cognitiva e
seus objetos de estudo. É necessário ressaltar que aqui tomamos uma abordagem
sócio cognitiva, como a mais produtiva para nosso objeto de estudo.
No próximo capítulo apresentamos a teoria dos espaços mentais e as
relações sintagmáticas e associativas que servirão de base para a análise dos
dados desta pesquisa.
Capítulo 3 – Espaços Mentais e Relações Sintagmáticas e Associativas
A investigação dos usos lingüísticos é uma poderosa ferramenta para tal estudo cognitivo. (Fauconnier and Sweetser, 1994:2). (tradução nossa).15.
Lakoff (2002) e Fauconnier (1994) deslocam de forma notável a atribuição da
capacidade cognitiva humana da esfera individual para a cultural e social.
Dentro da lingüística cognitiva de base social há a relação da cognição com
a linguagem e desta com a realidade social. Esta relação, se assim
podemos chamar, é percebida claramente, pois o processo cognitivo ocorre
a partir de uma mesclagem: tudo o que vem do externo; todas as
informações que chegam do mundo podem vir através de variadas
linguagens e são processadas para após serem externalizadas, ocorrendo,
portanto, o movimento de dentro para fora, pois não há como dissociar:
cognição ↔ linguagem ↔ realidade social.
Lakoff & Johnson (1980), num estudo pioneiro, propuseram que o ser humano
organiza o conhecimento através de estruturas denominadas modelos
cognitivos idealizados (MCI) e que estruturas categoriais são derivadas
dessa organização. A proposta desses modelos admite que a organização
mental ocorre por intermédio da construção cultural de esquemas de
conhecimento do mundo. Tais esquemas são socioculturalmente
estabelecidos e para que sejam representados devem ser compartilhados
15 The examination of linguistic usage is a powerful tool for such conginitive study.
(Fauconnier and Sweetser, 1994:2)
pelos membros do grupo social. Para ilustrar, seguimos o exemplo
proposto pelos autores: a concepção de dias da semana.
No ocidente, a noção de fim-de-semana é constituída tendo por base a
concepção de semana de trabalho que, por sua vez, se constitui por uma
seqüência de cinco ciclos solares. Se os ciclos solares existem na
natureza, o mesmo não se pode dizer do recorte em sete para formar um
conjunto categorial (semana) e menos ainda em cinco, para constituir a
seqüência de dias úteis e, ainda menos, o de fim-de-semana. Essa
representação categorial é socialmente construída. Eles demonstram que
“conceptualizamos” sistematicamente muitos domínios da experiência
através de metáforas conceptuais, isto é, projetando neles outros domínios.
Para a Lingüística Cognitiva, estas metáforas e metonímias são fenômenos
verdadeiramente conceptuais e constituem importantes modelos
cognitivos. A sua principal diferença é a de que enquanto a metáfora
envolve domínios cognitivos (domínios da experiência) diferentes, como
uma projeção da estrutura de um domínio-origem numa estrutura
correspondente de um domínio-alvo, a metonímia realiza-se dentro de um
mesmo domínio, ativando e realçando uma categoria ou um sub-domínio
por referência a outra categoria ou a outro sub-domínio do mesmo domínio
(cf. Lakoff 1987: 288 e Dirven 1993).
A significação e a estrutura de uma categoria lingüística dependem de
determinadas estruturas de conhecimento sobre o domínio ou domínios da
experiência a que essa categoria está associada. Trata-se de um
conhecimento individualmente idealizado, isto é, de um modelo cognitivo, e
interindividualmente partilhado pelos membros de um grupo social, ou
modelo cultural. É no contexto dos respectivos modelos cognitivos e
culturais que, para a Lingüística Cognitiva, as categorias lingüísticas
podem ser devidamente caracterizadas.
Uma categoria pode envolver um complexo de diferentes modelos cognitivos:
por exemplo, mãe remete, não só para os domínios de nascimento e
genético, mas também para os domínios: nutritivo (e educacional), marital e
genealógico (cf. Lakoff 1987: 74-76), razão pela qual a mulher que alimenta
e educa uma criança e, mesmo não tendo dado luz a ela, pode ser
considerada como sua mãe.
Determinados modelos cognitivos são exclusivamente culturais, dependendo
do objeto ou situação podem divergir de cultura para cultura. Um tipo
particularmente interessante de modelos culturais é o que se baseia em
observações informais, crenças tradicionais ou mesmo superstições sobre
fenômenos do mundo. São verdadeiras "teorias populares" ou "modelos
populares" sobre, por exemplo, a medicina, o casamento, os astros, a
mente humana, a linguagem humana, os sentimentos e as emoções, o
comportamento dos animais, etc. (cf. Holland & Quinn eds. 1987).
Os domínios são ativados por frames que segundo Fillmore (1975, 1977, 1978)
entendendo-o, inicialmente, mais num sentido lingüístico um "frame" é o
conjunto dos meios lexicais e sintáticos disponíveis para referir uma cena
ou cenário e cada opção lexical e sintática reflete uma certa perspectiva
sobre uma situação dessa cena. Os frames não só em Lingüística
Cognitiva como na Inteligência Artificial são estruturas de conhecimento
relacionadas com determinadas situações de interação, que se refletem
lingüisticamente nas relações lexicais entre verbos e na sintaxe das
orações.
Fauconnier (1994:10), partindo de Lakoff (2002), investiga o processo de
produção de sentido. Para o primeiro “a linguagem não porta o sentido, mas o guia”,
ou seja, os aspectos principais do sentido não estão na língua e sim é construído
pelos sujeitos durante o processo. Sua teoria divide o processo em espaço mental,
correspondência e mesclagem. Fauconnier postula que a construção de sentido
pressupõe a existência de espaços bases do conhecimento. O segundo momento
diz que há uma interferência analógica já que existe uma correspondência entre dois
domínios cognitivos em que o segundo é um tipo de contraparte do primeiro. Esta
correspondência transfere, produz e processa os significados em um terceiro
domínio, por meio de mesclagens.
A teoria dos espaços mentais,
portanto, nos fornece um modelo de
estudo das relações entre as conexões
cognitivas e a linguagem natural. Sua
teoria centra-se numa perspectiva
semântica em relação à criação e uso dos
espaços mentais. Segundo Leite (2004)
Seu principal foco está na relação de
construção de sentido dos objetos com o
contexto. Fauconnier, portanto, investiga o
funcionamento da cognição social e as
relações estabelecidas entre os espaços
mentais. Seus questionamentos partem
das seguintes reflexões:
(...) se a cognição humana é tão contextual é crucial que examinemos que tipos de conexões
nossas mentes têm predisposição para fazer; que tipos de efeitos são produzidos pelos
diferentes contextos; (...) que tipos de conexões são permitidas entre os nossos domínios
para usar uma palavra ou expressão vinda de um domínio cognitivo usada como gatilho
(tigger) para referir a uma outra como entidade alvo (target entity) de um outro domínio
cognitivo (...).16 (Fauconnier and Sweetser, 1994:2).
Um dos exemplos, ilustrativos, de
Fauconnier leva-nos claramente à
compreensão de suas reflexões: “O
sanduíche de presunto quer um segundo
copo de coca cola”17 (Fauconnier and
Sweetser, 1994:2). Compreendemos tal
frase porque a função pragmática faz o
link do cliente com os seus pedidos, ao
ponto, de permitir que, o sanduíche de
presunto passe a identificar o cliente,
portanto o sanduíche de presunto é o
gatilho para referir-se à entidade alvo, o
cliente. Em seu raciocínio o autor ainda
completa
16 If human cognition is so contextually configured, it is crucial to examine what sorts of connections our minds tend to make, and what sorts of effects are produced by different contexts. (...) What sorts of connections between domains allow us to use a word or expression from one cognitive domain as a trigger to refer to another target entity in another cognitive domain (...).(Fauconnier and Sweetser, 1994:2). 17 The ham sandwich wants a second glass of coke. (Fauconnier and Sweetser, 1994:2).
Isto é possível porque a comida em um restaurante é feita precisamente para que os clientes
a possam comer e os empregados centram-se em conseguir fazer a comida certa para o
cliente certo. (Op. cit)
Também acrescenta que não é
necessário que uma entidade tenha
provada a sua existência real para uma
conexão com as funções pragmáticas,
pois as entidades estão inerentemente
conectadas a nossos domínios cognitivos
através do conhecimento do mundo em
que vivemos. Nós refletimos os links
cognitivos quando usamos expressões
lingüísticas que estão em um domínio
para referir a outras que estão em um
outro domínio. Ou seja, para Fauconnier
os espaços mentais são núcleos
cognitivos, simples, esquemáticos, que
constituem uma rede de enunciados; são
domínios que o discurso constrói para
haver uma interface com o mundo. Há
conectores que ligam os domínios e estes
podem ser ligados a mais de um caminho.
Temos, então, que algumas informações
irão conectar informações de um espaço
mental com frames do conhecimento
anterior acerca do mundo, estruturando o
espaço internamente.
A dinâmica entre a construção dos espaços mentais e os links realizados entre
os espaços, é tecnicamente abstrata. A idéia base é que quando pensamos
e falamos os espaços mentais são estruturados e os links acontecem a
partir da gramática, do contexto e da cultura. Fauconnier postula a
existência de quatro (ou mais) espaços mentais: dois espaços de input
(domínio fonte e domínio alvo), um espaço genérico, que partilha a
estrutura abstrata pelos presentes nos espaços anteriores e um outro
espaço, o de mescla (blend). Neste último há uma combinação das
representações presentes nos domínios fonte e alvo, bem como em outros
espaços mobilizados. Observemos o diagrama abaixo que procura ilustrar a
construção dos espaços mentais.
Diagrama 1: representacional dos espaços mentais
Espaço Genérico
Domínio Fonte Domínio Alvo
Input 1 input 2
Espaço Mescla
Blend
À medida que pensamos e falamos os espaços mentais são construídos e
interconectados. Os elementos que os constituem são estruturados a partir
de contextos. A estrutura desta teoria, ilustrada no digrama 1 acima,
apresenta-se da seguinte forma: temos a construção de um espaço
genérico no qual estão as informações — o que há de comum entre os
domínios —, e gerará um ou mais domínios. Estes domínios podem sofrer
modificações de acordo com o deslizamento do discurso.
Os domínios (input 1 e 2) organizam o conhecimento através do contexto,
ocorrendo a partir daí os mapeamentos que conectam as contrapartes dos
espaços no espaço mescla onde há a combinação das estruturas
projetadas dos domínios, porém nem todos os elementos de um input são
projetados na mescla. Segundo Turner (2000a:2) no processo de integração
conceitual — no espaço de mesclagem —, há uma projeção de conteúdo
estruturado dos espaços de entrada sobre um espaço de mesclagem. neste
há uma nova estrutura que não está presente nos espaços de input e entre
os elementos que o compõem pode haver relações que não existem nos
espaços de input.
Os links entre os espaços nos permitem transitar em uma via dupla, na qual
podemos ir e vir entre o espaço base e os outros construídos a partir dele.
Em “O sanduíche de presunto quer um segundo copo de coca cola” podemos
apresentar o seguinte diagrama:
Diagrama 2 (o sanduíche de presunto)
A = sanduíche de presunto
A
Base Space
A’
Counterpart Space 1 A’ = Cliente
Neste diagrama observamos que o space base e a counterpart space 1 estão
conectados e o elemento A no space base é acessado através do counterpart space
1. Temos o que Fauconnier chama de Princípio de Acesso. O operador que realiza o
link entre o base space e o counterfactual space 1, bem como a construção do
counterfactual space 1, é a função pragmática. O conhecimento de mundo do
usuário leva-o a ativar o que Fauconnier chama de “frame do restaurante”. Ou seja,
nesta enunciação do falante as estruturas lingüísticas funcionam como pistas que
ativam processos de inferenciação que são interpretados pelos participantes da
comunicação.
Também podemos observar o uso da metonímia (gramática) “o sanduíche de
presunto” pelo cliente, muitas vezes usada sem o conhecimento da norma. As
relações de contraparte (counterpart) podem ser ativadas pelas conexões que são
feitas entre a função pragmática, metonímia, metáfora e analogia e o papel, valor e
identidade das entidades envolvidas no discurso.
A teoria dos espaços mentais tem por base a Lewis’ counterpart theory,
adaptando perfeitamente os requisitos da semântica cognitiva e sugerindo que as
sentenças contrafactuais deveriam ser entendidas a partir de duas possibilidades: “a
palavra real” e a “palavra hipotética”.
Segundo Fauconnier & Sweetser (1994) quando falamos construímos
espaços mentais que são ligados a partir da gramática, do contexto e da cultura.
Nos movemos através destes espaços de acordo com o movimento do discurso,
enquanto a linguagem e o contexto acionam a construção dos significados.
Os elementos constituintes dos espaços são advindos do conhecimento de
mundo e da elaboração momentânea em momentos do discurso e podem ter ou não
referentes externos aos espaços. Estes elementos têm contrapartes em outros
espaços estruturados. Primeiro, para cada ponto do discurso, um ou muitos espaços
são construídos e conectados uns aos outros. Um torna-se o espaço base, a partir
do qual todos os outros se formarão. Um dos espaços fará a conexão apropriada
para a construção do sentido. Os espaços são extremamente dinâmicos podendo
mudar à medida que o discurso se desdobra e seus elementos são estruturados de
acordo com o contexto.
O que Fauconnier (1994) nomeia espaços influentes (input) são as estruturas
que organizam o conhecimento. Estes se conectam às contrapartes no espaço de
mesclagem (blending). Devemos lembrar que nem todos os elementos são
projetados no espaço de mesclagem e que este nos conduz a um novo domínio
emergente, ou seja, não há apenas a projeção de um domínio fonte em um domínio
alvo. Neste espaço está o produto da projeção, a transformação da informação, que
não será encontrado no espaço de input. A criação da mesclagem realiza a interface
entre os elementos do discurso e o ambiente real, simulando um contexto
previamente conhecido pelos participantes do ato de fala, levando à compreensão.
Segundo van Dijk,
(...) a compreensão envolve conceitos gerais, categorias, regras e estratégias. Esse
conhecimento geral não é amorfo, e sim organizado em sistemas conceituais. Uma das
formas de explicar essa organização seria em termos de frames. Frames não são ‘porções’
arbitrárias do conhecimento. Antes de tudo eles são unidades de conhecimento, organizadas
segundo um certo conceito. (2004:78).
Para van Dijk “os discursos são produzidos por falantes e ouvintes em
situações específicas, dentro de um contexto sócio-cultural” (2004:17). Do discurso
ele acredita que as dimensões sociais interagem com as dimensões cognitivas. O
ouvinte de um enunciado constrói sua representação do que foi ouvido, constrói a
representação do falante e as combina.
(...) a interpretação de um discurso, enquanto ato de fala (ou uma série de atos de fala) está
embutida dentro de uma interpretação de todo o processo de interação entre os participantes
da conversa. Tanto o locutor quanto o ouvinte terão motivações, propósitos ou intenções ao
entrarem em uma interação verbal e o mesmo se aplica para as ações subseqüentes com as
quais as ações verbais estão relacionadas dentro da mesma situação. (van Dijk,2004:18)
Ou seja, os enunciadores do discurso constroem uma representação cognitiva
da interação verbal e não verbal (Op. cit). Numa situação interacional não podemos
dizer qualquer coisa em qualquer situação, pois as dimensões das situações
restringem as possibilidades de ações discursivas. Pode haver regras, convenções
ou estratégias que determinem, guiem a interação, a depender, também dos papéis
dos participantes e das diferenças contextuais.
Estas reflexões acerca das possibilidades de ações discursivas nos guiam ao
nosso próximo tópico: as relações sintagmáticas e associativas saussureanas que
explicam como ocorrem estas possibilidades.
3.1. Articulando com as Relações Sintagmáticas e Associativas Saussureanas
Este tópico tem o objetivo de apresentar a teoria de Ferdinand de Sausssure a
respeito do significado e significante, das relações sintagmáticas e
associativas, que farão um contraponto com a teoria dos espaços mentais
de Fauconnier, pois o primeiro não leva em consideração o contexto, a
interação, estando nesta pesquisa presente por esclarecer os processos
que envolvem o ensino-aprendizagem através do método gramática
tradução..
Ferdinand de Saussure foi um investigador suíço oriundo de uma família com
elevada cultura científica. Saussure fez os seus primeiros estudos no
colégio de Hafwyl, perto de Berna. Em 1870, ele entrou para o Instituto
Marline, onde complementou os conhecimentos que já detinha de francês,
inglês e alemão com o estudo da língua grega. Já em 1872, terminou um
manuscrito intitulado Essai sur les langues e dois anos depois, começou a
estudar o sânscrito. Investiu por dois semestres nas ciências exatas, mas
resolveu abandonar tal área, prosseguindo com estudos lingüísticos em
Leipzig, Berlim e Paris. Em 1877, antes de completar vinte anos de idade,
Saussure alcançou notoriedade apresentando à Société de Linguistique de
Paris uma memória sobre o sistema primitivo das vogais nas línguas indo-
européias.
Aos vinte e dois anos de idade, apresentou, em Leipzig, como tese de
doutoramento, um estudo sobre o emprego do genitivo absoluto em
sânscrito. Iniciou, a partir daí, a carreira de professor universitário,
lecionando primeiramente a cadeira de Gramática Comparada na Escola de
Altos Estudos de Paris (1881-1891) e, posteriormente, na Universidade de
Genebra, as cadeiras de lingüística indo-européia e sânscrito (1891-1906) e
Lingüística (1906-1912).
Não há em Saussure nenhuma relação com a ciência cognitiva, porém sua
teoria, a respeito das relações sintagmáticas e associativas, permite uma
relação coerente com a teoria dos espaços mentais (construção de
sentido), desenvolvida por Fauconnier (1994), teórico da ciência sócio-
cognitiva. Acreditamos que a relação aqui feita entre as teorias
desenvolvidas pelos dois teóricos contribui para o esclarecimento dos
processos mentais da aprendizagem de uma língua estrangeira.
Iniciemos, pois, nossa jornada pelas idéias saussurianas18 observando o
quadro a seguir que procura resumir as relações significado – significante
propostas por este teórico.
Esquema 1: Relação significado/significante
Significado Significante = signo
lingüístico
arbitrário
Laço
Arbitrário
Conceito Imagem
Acústica
O autor toma como signo lingüístico a união entre conceito e imagem acústica,
sendo este último a “impressão psíquica do som”. Ainda diz que, o caráter
18 Curso de Lingüística Geral (1995).
psíquico das imagens acústicas pode ser percebido quando falamos
conosco sem movermos os nossos lábios. Para ele os elementos conceito
(significado) e imagem acústica (significante) estão intimamente ligados e um
reclama o outro, surgindo a ligação — entre significado e significante —
através de um laço considerado como arbitrário, pois segundo Saussure os
significados se encontram estabelecidos em grupos lingüísticos.
SIGNIFICADO
_______________________
SIGNIFICANTE
19
Por exemplo, há mesa (significado), porém há mesa redonda, quadrada,
triangular (significante) —, não permitindo, portanto, uma livre escolha do
significante pelo usuário. Este tem sim, a livre escolha do signo a ser
usado, que pode gerar uma complicação de compreensão entre os
interlocutores, a partir do momento em que o significante não seja o
mesmo.
Segundo as idéias saussurianas, o recurso dos signos nos auxilia a
compreender a língua, enquanto um sistema de valores puros que tem em
seu funcionamento: “as idéias e os sons” representado no esquema
seguinte:
19 SAUSSURE, 1995:133.
Esquema 2: Língua
Pode-se representar a língua como uma série de subdivisões marcada sobre o
plano indefinido das idéias e dos sons, servindo de intermediária entre o
pensamento e o som em condições específicas que conduzem a
delimitações recíprocas de unidades.
Tratando, então, do valor lingüístico, o autor observa o aspecto conceitual e o
aspecto material do mesmo. Do primeiro diz que é um elemento da
significação, constituído unicamente por relações e diferenças com os
outros termos da língua, já do segundo diz que está presente nas
diferenças fônicas que permitem distinguir uma palavra de todas as outras.
São elas que levam à significação. Tais idéias são por ele nomeadas:
relações sintagmáticas — que ocorrem in praesentia — e relações associativas
— que ocorrem in absentia. Para o sintagma, postula que os elementos se
alinham um após o outro na cadeia da fala — cadeia sintagmática. Já para a
associativa, diz que os grupos formados, mentalmente, não se limitam a
aproximar os termos que possuem algo em comum, mas sim, de aproximar
as possibilidades de relações associativas, quantas delas existam.
LÍNGUA
SISTEMA DE VALORES
IDÉIAS SONS
Segundo Saussure tais associações podem se fundar apenas nas analogias
dos significados. O esquema abaixo procura visualizar tal posicionamento.
Esquema 3: Relações Associativas
Para Saussure os valores parecem estar regidos por um princípio paradoxal.
Em suas palavras temos:
(...) eis o aspecto paradoxal da questão: de um lado, o conceito nos aparece como a
contraparte da imagem auditiva no interior do signo, e, de outro, este mesmo signo,
isto é, a relação que une seus dois elementos, é também, e de igual modo, a
contraparte dos outros signos da língua (1995:133).
Completa o raciocínio dizendo que os valores são constituídos:
1º por uma coisa dessemelhante, suscetível de ser trocada por outra cujo valor resta
determinar;
2º por coisas semelhantes que se podem comparar com aquela cujo valor está em
causa (1995:134).
O VALOR DE UMA PALAVRA
PROPRIEDADE DE REPRESENTAR UMA IDÉIA
CONSTITUI UM ELEMENTO DA SIGNIFICAÇÃO
Para o teórico estes dois fatores são necessários para a existência de um
valor. Citamos aqui um de seus exemplos que ilustram este fato.
O português carneiro ou o francês mouton podem ter a mesma significação que o
inglês sheep, mas não o mesmo valor, isso por várias razões, em particular porque, ao
falar de uma porção de carne preparada e servida à mesa, o inglês diz mutton e não
sheep. A diferença de valor entre sheep e mouton ou carneiro se deve a que o primeiro
tem a seu lado um segundo termo, o que não ocorre com a palavra francesa ou
portuguêsa. (1995:134).
Entendemos que o significante entra no significado através do movimento que
há entre as cadeias sintagmáticas e associativas, permitindo, portanto, que
possamos nos servir da língua para expressar algo completamente
diferente do que ela diz, ou seja, há a substituição de um por outro, em
outras palavras, um assume o lugar na cadeia significante, enquanto o
outro fica oculto. O sentido surge, então, da substituição de um significante
por outro na cadeia simbólica.
Para nós é marcante a presença da teoria saussureana nesta pesquisa como
explicitação, ou podemos assim dizer, iluminadora dos processos que ocorrem
quando aplicado o método gramática tradução em sala de aula. Ela nos serve de
guia, nos leva por caminhos que permeiam o conhecimento. É através dela que
percebemos que a língua como sistema não possibilita e não leva em conta o
contexto, a interação, a construção coletiva do conhecimento. Quando Saussure
trata das relações associativas in absentia relacionamos imediatamente com os
espaços de contraparte e de mesclagem da teoria dos espaços mentais, porém esta
relação não existe. Saussure em sua teoria não levava em consideração o contexto
ele apenas apresentou as possibilidades de uso da língua. A preocupação em como
se dá relação entre o que foi enunciado, absorvido, relacionado e, finalmente
compreendido ou não, pois pode haver a lacuna contextual se dá, apenas, em
Fauconnier. Quando Saussure diz há o significado “mesa” e os possíveis
significantes “redonda, quadrada, triangular”, podemos dizer na teoria dos espaços
mentais que há o espaço base “mesa” e os espaços “redonda”, “quadrada” e
“triangular” que a depender dos seus enquadres, contextos farão as devidas
conexões.
As relações entre significado e significante que ocorrem nas relações
sintagmáticas e associativas estão ilustradas no capítulo da análise que é a análise
dos dados a partir das teorias de Saussure e de Fauconnier, que nos esclarecem os
processos presentes no método gramática tradução e como é realizada a
construção de sentido durante o aprendizado da língua inglesa como língua
estrangeira.
Capítulo 4 – Os Processos de construção de significados na relação ensino-
aprendizagem da língua inglesa, como língua estrangeira
Procuramos, aqui, discutir os processos que envolvem a construção de
significados na relação ensino-aprendizagem da língua inglesa, como
língua estrangeira (ILE), por aprendizes iniciantes, já possuidores da língua
materna (L1). Estes aprendizes realizam uma transferência dos valores e
dos parâmetros da L1, como mediadores no processo da aprendizagem de
(ILE).
Tomamos aqui a idéia de que o ensino e a aprendizagem são processos
complementares, constituídos pelo uso da linguagem e que o processo de
aprendizagem é bastante complexo, envolvendo variáveis cognitivas,
sociais, econômicas e até políticas, assim, como o ensino envolve métodos
tradicionais, monológicos e dialógicos — nos quais a comunicação é
essencial.
Sabemos que os métodos de ensino-aprendizagem são variados e que devem
ser aplicados pelos professores de forma reflexiva. A partir de uma visão
própria do docente, influenciada pela sua prática diária, este pode aplicar
um método tradicional ou mesclá-lo a outros, de acordo com a
complexidade e necessidade de sua sala de aula, pois a heterogeneidade
de sua classe leva os aprendizes a identificarem-se melhor com um ou
outro método.
Devemos levar em conta que a aprendizagem de ILE não é independente da
aprendizagem da L1, pois os aprendizes não são “tabulas rasas”, mas sim,
detentores de uma linguagem, de um sistema lingüístico que permite sua
comunicação e interação com o mundo. É através dos conhecimentos
pragmáticos, discursivos e semânticos construídos na L1 que o aprendiz
iniciante constituirá o sistema lingüístico de ILE.
A metodologia principal aplicada na sala de aula observada é a tradicional —
gramática tradução —, sendo, às vezes, mesclada a outras metodologias.
Esta tem como ponto de referência a L1, dando ênfase ao estudo da
gramática e às semelhanças e diferenças entre as línguas, tendo como
objetivo ensinar a ler e escrever. A aula é ministrada, em sua maior parte
em L1.
Para a discussão dos processos observados, nos aportaremos nas teorias
propostas por Fauconnier (1994) ao tratar dos Espaços Mentais e Saussure
(1995) ao tratar do significado e do significante, valor lingüístico e das
relações sintagmáticas e das relações associativas, por acreditarmos em
suas contribuições para o esclarecimento do processo de aprendizagem da
ILE.
A partir de Revuz (2002), procuramos avaliar qualitativamente a transferência e
a influência da L1 no processo de aprendizagem de ILE, partindo da
perspectiva de que a língua materna é responsável pela posição de sujeitos
falantes que somos, mesmo se falamos uma língua estrangeira.
Revuz postula que a L1
(...) é tão onipresente na vida do sujeito que se tem o sentimento de jamais tê-la
aprendido e que a ILE é um objeto de saber, objeto de aprendizagem raciocinada é, ao
mesmo tempo, próxima e radicalmente heterogênea em relação a L1. (2002:215).
Também não podemos deixar de refletir a respeito da situação a que são
expostos os aprendizes iniciantes, desta pesquisa.
Percebemos que a L1 torna-se um campo de testes para hipóteses, no qual os
aprendizes lançam mão de conhecimentos a partir dos dados da ILE que já
lhes são acessíveis, juntamente com o conhecimento prévio da L1 para
chegarem ao que Gass & Selinker (1983), apud González (1994), apud
Yokota (2005:18) chama de língua do aprendiz.
Refletindo sobre o acima exposto percebemos que a psicolingüística —
baseada na psicologia cognitiva, porém opondo-se à visão comportamental
— nos possibilita abordar as estratégias de aprendizagem, esclarecendo os
processos cognitivos que envolvem tal aprendizado, tendo como foco os
processos mentais. Daí nos basearmos, inicialmente, em Fauconnier (1994),
ou seja, em uma teoria que tem por objeto de estudo, como o conhecimento
se organiza na mente, isto é, a partir de construções conceptuais,
atribuição de sentido, relação entre domínios e espaços ativados por
“frames”, partindo, nem sempre, de situação interacional.
Discutimos, aqui, que os aprendizes desta pesquisa são possuidores da L1
com suas representações e significados construídos a partir do meio social
e cultural, estando estes em processo de aprendizado do sistema de ILE, no
qual possuem algumas representações e significados.
Para nós, a teoria de Fauconnier (1994) ajuda a visualizar, esclarecendo os
processos que envolvem o aprendizado de ILE da seguinte forma: temos o
espaço base (sentença dita em ILE) que produzirá espaço(s) em L1 — em
alguns casos teremos espaços base em L1 — a partir de frames, pistas
gramaticais, contextuais e situações de interação face a face que ativarão
os mappings (estabelecidos por Lakoff). A partir daí temos analogias e
referências que colaborarão com o surgimento dos blendings, levando à
construção de sentido. Tudo isto se dá através do uso da linguagem
compreendida dialogicamente.
Já a partir da teoria saussuriana, então, descrevemos o processo da
aprendizagem da seguinte forma: temos o sistema lingüístico da L1, já
adquirido, em encontro com os sistemas da ILE em fase de aprendizado.
Ambos, constituídos por significante e significado e unidos por um laço
arbitrário, resultando em um signo lingüístico.
O que aqui propomos é que os dois sistemas (L1 e ILE) estão situados em um
único domínio e constituídos, cada um de seus significantes e significados
que estão constantemente em contato através das relações sintagmáticas e
associativas que permitem a chegada da significação em ILE. Tal
significação se dá a partir de analogias e/ou substituições sintagmáticas
quando há semelhança de sintagma entre as línguas e relações
associativas quando o conhecimento em ILE, para tal contexto, é
insuficiente. A significação se dará, portanto, a partir da relação entre o
conhecimento prévio em L1 com o já aprendido em ILE. Observemos o
quadro abaixo que procura visualizar tal descrição:
Figura: modelo
Domínio
RS
L1
Confluência IL
E
RA
Um mesmo domínio, no qual estão localizados os dois sistemas
(L1 e ILE) separados (linhas com setas que vão e vêm). Acima
temos as relações sintagmáticas e abaixo as relações
associativas que em certo momento confluem através da barra
que os separa, levando à significação em ILE.20
Visualizemos, então, a seguir os dados e suas respectivas análises.
DADOS
Situação 1: Realização de exercícios no livro (preços de produtos para serem escritos por
extenso). A: Aluno(a); P: Professora
Transcrição 1: Preços de produtos.
A1: Professora. Como eu faço isso aqui?
P: Você bota no livro.
A1: Eu botei, mas eu quero saber se o dollar eu boto antes ou depois...
P: Twenty-three dollars and eight cents.
A1: Primeiro eu boto twenty-three / aí dollars / aí depois eu boto eight
cents, né?
20 Este quadro sofrerá alterações de acordo com o dado analisado.
P: Primeiro calma / tenha calma / presta atenção / como é que você
escreve em reais?
A1: Um mil real e depois os centavos.
A2: Justamente / é assim no dollar.
Nesta primeira situação observamos bem a aplicação do método Gramática
Tradução, através do exercício do livro21, que procura através de atividade
escrita praticar o que foi visto durante a leitura e tradução do texto. Este
anterior à atividade, apresenta dois adolescentes observando os preços de
alguns objetos em uma loja. A atividade referida na transcrição está no
anexo A (exercício B), e solicita que os alunos escrevam por extenso os
preços grafados em números. A atividade gera dúvida em uma aluna em
relação à ordem sintagmática da ILE. Observemos, então, a figura abaixo
que ilustra os processos ocorridos na situação descrita, utilizando a
adoção gráfica de círculos de Fauconnier (1994).
Figura 1: Preços de produtos
21 AZEVEDO, Dirce Guedes de; GOMES, Ayrton de Azevedo. Blow up 5. São Paulo: FTD, 1999. p.
108.
Princípio de Acesso
SPACE BASE 1 SPACE BASE 2
INPUT 1 INPUT 1
INPUT 2 INPUT 2
Gatilho
BLEND
Através da teoria dos espaços mentais, analisando as duas situações
expostas, temos na primeira o espaço base (domínio fonte) dado em ILE — Twenty-
three dollars and eight cents —, que através da professora — já que esta adota o
método gramática tradução — solicita do aprendiz que este faça uso da analogia
com a L1, a partir do momento em que pergunta como é a estrutura na L1, gerando
o (domínio alvo), surgido a partir de pistas contextuais e gramaticais — como é que
você escreve em reais? —, chega à devida construção de sentido, no sistema
CENTS CENTAVOS
REAL
TWENTY-THREE
DOLLARS AND EIGHT CENTS
UM MIL REAL E DEPOIS OS CENTAVOS
DOLLARS
SINTAGMA DA ILE: DOLLARS
AND CENTS
lingüístico de ILE. O que temos, então, é a elaboração de dois espaços base, pois
um é constituído com o sintagma da ILE (desconhecido do aprendiz), o outro com o
sintagma da L1. Cada espaço base gera outros dois espaços: em ILE (dollars e
cents) e em L1 (real e centavos) Dollars tem como contraparte real e cents tem
como contraparte centavos. Estes se relacionam pelas relações metonímicas de
substituições o que gera o espaço de mescla (neste estão todos os elementos
constitutivos dos dois espaços base), no qual está o sintagma em ILE.
Neste caso há uma semelhança sintagmática que é aproveitada pela
professora e pelo aprendiz como contraparte, como gerador de um outro espaço.
A partir da noção de relações sintagmáticas e associativas saussureanas, o
que podemos visualizar em ambas as situações é a predominância de uso
do sistema lingüístico L1. Observemos a figura 1.2. preços de produtos que
procura apresentar estas relações num quadro ilustrativo, logo abaixo.
Figura 1.2.: Preços de produtos
Domínio
LL1 RS
Confluência
IILE
RA
Um mesmo domínio, no qual estão localizados os dois sistemas (L1 e
ILE) separados (linhas com setas que vão e vêm). Acima temos as
Relações Sintagmáticas (RS) e abaixo as Relações Associativas (RA)
que em certo momento confluem através da barra que os separam,
levando às analogias e substituições possíveis em L1, levando à
compreensão do sintagma em ILE.
Na situação 1, o conhecimento do sintagma de L1 serve como referência para
o aprendizado do sintagma de ILE. Neste caso, os sintagmas são idênticos,
posto que sabemos haver uma diferença sintagmática entre as duas
línguas. São também utilizados pelo aprendiz os conhecimentos já
aprendidos em ILE, dizemos isso em relação aos numerais cardinais ditos
twenty-three e eight, bem como, do conhecimento prévio do nome da
moeda americana dollar e da possível relação associativa da palavra cents
com a palavra centavos da L1. Não deixamos de levar em conta a situação
de aprendizagem envolvida pela atividade proposta no livro, que situa o
aprendiz quanto ao assunto tratado, no caso, preços de produtos.
Transcrição 2: Uso de provérbio.
Situação 222: A professora procura explorar um provérbio que há no livro.
A: Aluno(a); P: Professora
P: Money is Power / É um provérbio que tá aí / num é isso?/ No livro de
vocês / O que é que significa isso?
22 Esta situação nos permite a construção de três figuras ilustrativas dos espaços mentais elaborados
para a produção de sentido.
A1: Dinheiro ligado.
A2: O bolso está cheio.
A3: O meu dinheiro é aceso.
P: É um dinheiro fosforescente / Não é isso / Dinheiro é poder
A4: Ah! Power Rangers
Na segunda situação a professora escreve no quadro o provérbio “Money is
power”, que está no livro23 dos alunos (Anexo A). Após escrevê-lo pergunta
o que significa e aguarda que os alunos respondam. As respostas são
variadas e indicam a ativação de variados frames da L1. Observemos,
então, as figuras a seguir que ilustram os processos ocorridos na situação
descrita, utilizando a adoção gráfica de círculos de Fauconnier (1994).
Figura 2: Atividade com um provérbio
MONEY IS POWER
23 AZEVEDO, Dirce Guedes de; GOMES, Ayrton de Azevedo. Blow up 5. São Paulo: FTD, 1999. p.
108.
Princípio de Acesso
SPACE BASE
INPUT 1
Conhecimento Prévio INPUT 2
Na situação dois, temos aí presentes, também, o espaço base (input 1) dado
em ILE — Money —, que serve de princípio de acesso para a ativação do (input 2)
em L1— Dinheiro — este é ativado a partir de frames já construídos em L1, ou seja,
é ativado o conhecimento prévio do aprendiz.
Figura 2.1.: Atividade com um provérbio
MONEY IS POWER
SPACE BASE
INPUT 1
MONEY DINHEIRO
POWER
Gatilho
INPUT 3 INPUT 2.1
Princípio de Acesso
INPUT 4.1
Gatilho
INPUT 4
Princípio de Acesso
INPUT 4.2
Na figura 2.1 temos aí presentes, também, o espaço base (input 1) dado em
ILE — Power —, que ativará uma sucessão de outros espaços: (input 2) aparelho
eletrônico, que gerará o (input 3) ligado, este gera o (input 4) aceso que tem como
princípio de acesso o conhecimento prévio em L1, gerando a construção de outros
dois (input 4.1) acender a luz e (input 4.2) ligar a luz.
Estes espaços são criados a partir da ativação de frames estabelecidos, já
construídos em L1, como o fato de ligarmos nossos aparelhos eletrônicos
pressionando o botão power, o que levou um outro aprendiz a fazer
referência com a palavra aceso, já que ligar em L1 também representa
acender.
Observemos a figura 2.1.2.: Atividade com um provérbio que procura explicar
os processos a partir de Saussure.
Figura 2.1.2.: Atividade com um provérbio
LIGADO
ACESO
ACENDERA A LUZ
APARELHO ELETRÔNICO
LIGA A LUZ
Domínio
LL1
RA
IILE
Um mesmo domínio, no qual estão localizados os dois sistemas (L1 e
ILE) separados (linhas com setas que vão e vêm). Neste diagrama
temos, apenas, as Relações Associativas (RA) que através de
analogias e substituições possíveis em L1, tenta de chegar à
construção de sentido em ILE.
Notamos, claramente, não apenas as relações sintagmáticas entre os sistemas
L1 e ILE, mas também as relações associativas realizadas pelos aprendizes.
Estas relações deixam evidente a questão já posta do freio que há na
arbitrariedade, ou seja, nas possibilidades dessas relações. Podemos
perceber a não possibilidade das associações entre L1 e ILE, como: power
= ligado, power = aceso a partir da construção sintagmática em L1, pois não
há dinheiro ligado ou dinheiro aceso em comparação com o sintagma em
ILE. Isto se dá pelo freio, como já dissemos acima, que há na arbitrariedade
do signo.
Figura 2.2.: Atividade com um provérbio
DINHEIRO É PODER
SPACE BASE
INPUT 1
Gatilho
Princípio de Acesso
INPUT 2 Gatilho
Na figura 2.2, temos uma analogia que conduzirá um quarto aprendiz a
construir o (input 1) — Poder — a partir do princípio de acesso — Força —
que servirá de gatilho para o (input 2) — Power Rangers. O mais
interessante desta situação é que o sentido desejado não é alcançado pelo
aprendiz, mas sim é ativada a partir do frame — o nome de um desenho
animado, que faz parte do universo de significações do aprendiz —, uma
outra possibilidade de sentido da palavra power. Esta no enunciado money
is power possui o sentido dado à palavra a partir do uso em relação à
palavra dinheiro que é muito diferente do uso em relação à palavra Rangers
— que são personagens de um desenho que possuem extrema força, o que
lhes impõem poder. O aprendiz, portanto, não chega à construção de
PODER
FORÇA POWER
RANGERS
sentido esperada, pois os frames ativados não permitem a construção de
espaços mentais que o levem à significação desejada.
Figura 2.2.1.: Atividade com um provérbio
Domínio
LL1
RA
IILE
Um mesmo domínio, no qual estão localizados os dois sistemas (L1 e
ILE) separados (linhas com setas que vão e vêm). Neste diagrama
temos, apenas, as Relações Associativas (RA) que através de
analogias e substituições possíveis em L1, tenta de chegar à
construção de sentido em ILE.
Visualizando esta figura acima notamos, claramente, que o provérbio
trabalhado em sala “Money is power”, não chega a ser constituído, a ter
significação para os aprendizes de ILE, apesar da realização, do somatório
das variadas relações associativas por eles realizadas. Quando A1 diz:
dinheiro ligado, ele está possivelmente fazendo relação com o botão power
dos aparelhos eletrodomésticos, que são ligados a partir da pressão feita
no referido botão. Em A3 temos: o meu dinheiro é aceso, levando-nos a
refletir sobre o fato de em L1 a palavra aceso ser usada para referir-se a
ligar a luz por exemplo, ou seja, tal aprendiz chegou a este raciocínio
através da associação realizada pelo já dito por um outro aprendiz que o
levou a ativar frames estabelecidos em L1. A cadeia de associações
continua com o explicitado pela professora e seguido pelo aprendiz A4,
respectivamente, dinheiro é poder e ah, Power Rangers, suscitando o
desenho animado, no qual, bonecos chamados Rangers possuem poderes,
ou seja, tal aprendiz, além de utilizar-se de seus conhecimentos prévios em
L1, os associa aos conhecimentos levantados pelos outros aprendizes para
chegar à significação em ILE. Nesta situação temos a antecipação do
sentido realizada pela professora e a partir desta um aprendiz faz uma nova
analogia, substituição de um significante por outro na cadeia simbólica
para tentar chegar ao sentido da frase.
A partir da impossibilidade de sentido em algumas construções, tal como
dinheiro ligado, por não haver este sentido estabelecido em nenhuma das
línguas, notamos nitidamente, a questão da arbitrariedade do signo
lingüístico.
Transcrição 3: tradução escrita
Situação 3: Os alunos estão fazendo a tradução de um texto do livro. O texto
trata de um circo que está chegando à cidade e, algumas crianças
estão comentando e apontando para o circo e seus artistas.
A: Aluno(a); P: Professora
A1: Look é aparência?
P: Onde você ouviu isso?
P: Ah! Olha o meu look! Isso?
A1: É.
Na situação 3 temos a típica atividade de tradução, do método Gramática
Tradução. A professora, após a leitura do texto (Anexo B)24, solicita que os
alunos, com o auxílio de um dicionário bilíngüe realizem a tradução do
texto lido. O que ocorre aqui é o uso de conhecimento prévio por parte do
aluno. Tal conhecimento não é suficiente para esclarecer a dúvida em
questão. Observemos, então, a figura a seguir que ilustra os processos
ocorridos na situação descrita, utilizando a adoção gráfica de círculos de
Fauconnier (1994).
Figura 3: Tradução escrita
LOOK
24 24 AZEVEDO, Dirce Guedes de; GOMES, Ayrton de Azevedo. Blow up 5. São Paulo: FTD, 1999.
p.6-7.
SPACE BASE
INPUT 1
Gatilho
INPUT 2
Na situação acima temos curiosamente a criação de um espaço a partir, como
todos os outros, de um espaço base em ILE — look —, que não terá
correspondente, pois em suas tentativas de correspondência não ocorre o
blending, já que falta no aprendiz conhecimento suficiente na ILE. O
aprendiz relaciona o espaço look que ativa na professora o frame olha o meu
look, que para o aprendiz faz completo sentido em L1, ou seja, aparência,
porém o espaço base, na realidade, tem como referente a expressão look at
que deveria gerar o espaço veja, olhe. Ou seja, nem sempre as analogias,
referências, inferências e pistas contextuais serão norma para que haja a
mescla desejada para a construção de sentido, como no exemplo acima
onde não ocorre a mescla.
Observemos a figura 3.1 que procura ilustrar esta situação a partir de
Saussure.
LOOK
SALÃO DE BELEZA
APARÊNCIA
Figura 3.1.: Tradução escrita
Domínio
LL1
RA
IILE
Um mesmo domínio, no qual estão localizados os dois sistemas (L1 e
ILE) separados (linhas com setas que vão e vêm). Neste diagrama
temos, apenas, as Relações Associativas (RA) que através de
analogias e substituições possíveis em L1, tenta chegar à construção
de sentido em ILE.
À luz das relações sintagmáticas e associativas temos mais uma vez o freio da arbitrariedade
do signo — os valores já estabelecidos — como o fator principal para a não
construção de sentido por parte do aprendiz. Este procura realizar as relações
associativas, metafóricas, a partir da substituição da palavra da língua inglesa look
com seu referente no uso de L1, aparência física, no entanto tal substituição não é
possível, pois o que está em questão não é tal palavra, mas sim o verb phrase look
at que significa: olhar para alguém ou para algo. Tal aprendiz poderia ter ativado
frames outros a partir das ilustrações do livro que o levariam à criação de outros
espaços que talvez o levassem à produção de sentido, porém esta possibilidade não
é explorada pela professora e nem observada pelo aluno.
Situação 4: Os alunos estão fazendo uma tradução escrita, nos cadernos, alguns chamam
a professora para tirar dúvidas quanto à tradução. A: Aluno(a); P: Professora
Transcrição 4: Traduzindo “At the circus”
P: The Lion is in the cage.
A4: O leão está na gaiola.
P: Leão fica na gaiola? / Na gaiola fica o passarinho. / Já pensou você
pendurar um leão na sua sala? / Num ia dá certo.
A4: Jaula.
Aqui temos, novamente, a professora levando os alunos a ativarem frames em
L1, utilizando seus conhecimentos prévios a respeito da situação para
chegarem em ILE. Vejamos, então, a figura a seguir que ilustra os
processos ocorridos na situação descrita, utilizando a adoção gráfica de
círculos de Fauconnier (1994).
Figura 4: Traduzindo “At the circus”
O leão está na gaiola
GAIOLA
INPUT 1 INPUT 2
INPUT 3 BLEND
Temos a frase em ILE The Lion is in the cage, sendo traduzida pelo aluno na
L1. Esta atividade leva-o a produzir o espaço (input 1) leão e o espaço
(input 2) gaiola, que não leva o aluno à relação adequada: cage = jaula, e a
professora, através do conhecimento prévio do aluno, procura ativar nele
frames em L1, que o levem a construir o sentido exato na ILE, quando o
estimula dizendo: Leão fica na gaiola? Na construção de imagens a partir
desta frase o aluno chega à relação adequada e gera o espaço de blend
jaula, ou seja, mais uma vez os frames ativados em L1 servem de guia para
a construção de sentido. Neste caso a construção esperada.
Vejamos a figura abaixo e observemos esta situação à luz das idéias
saussureanas.
Figura 4.1.: Traduzindo “At the circus”
Domínio
JAULA
LEÃO
PASSARINHO
LL1
RA
IILE
Um mesmo domínio, no qual estão localizados os dois sistemas (L1 e
ILE) separados (linhas com setas que vão e vêm). Neste diagrama
temos, apenas, as Relações Associativas (RA) que através de
analogias e substituições possíveis em L1, tenta chegar à construção
de sentido em ILE.
Aqui podemos observar as relações sintagmáticas e associativas,
claramente, pois no enunciado em ILE temos The Lion is in the cage e nas
analogias e substituições realizadas pelo aluno temos em L1 O leão está na
gaiola e O leão está na jaula, o que nos leva à seguinte reflexão: na primeira
há a substituição da palavra gaiola por cage porque na imagem o aluno vê o
leão preso, mas o aprendiz em um primeiro momento não percebe a
impossibilidade de tal substituição, pois leão não cabe em gaiola, é para ele
necessário espaço maior que é nomeado jaula. O aprendiz chega a está
substituição a partir da professora que o estimula a observar uma outra
possibilidade que realizada leva a uma completude de sentido no sintagma
em ILE.
Situação 5: A professora lê, em inglês, e escolhe um aluno (apontando com o dedo) para
fazer a leitura e a tradução oral da frase lida. A: Aluno(a); P: Professora
Transcrição 5: Reading “At the circus”
P:
The seal is cute. / O que é cute? / Pera aí // vamos imaginar a foca. /
Imagina na sua cabeça / quando você olha pra ela você tem vontade
de dizer o que? / Que ela é...
A6: Nadadora.
A7: Bonitinha.
P: Bonitinha. / Fofinha. / Então é / cute é bonitinha / muito bem.
Aqui, realizando a correção da tradução do texto “At the circus”25, já antes
solicitada, a professora enfatiza a tradução da palavra “cute” e leva os
alunos a ativarem frames em L1 para chegarem à compreensão em ILE.
Notemos, na figura a seguir, os processos ocorridos na situação descrita,
utilizando a adoção gráfica de círculos de Fauconnier (1994).
Figura 5: Reading “At the circus”
The seal is cute.
25 AZEVEDO, Dirce Guedes de; GOMES, Ayrton de Azevedo. Blow up 5. São Paulo: FTD, 1999. p. 6-
7.
INPUT 2
SPACE BASE
INPUT 1 INPUT 3
Princípio de Acesso
Nesta situação temos em ILE o enunciado The seal is cute. Os
alunos não sabem o que significa a palavra cute e a professora, mais uma
vez, recorrendo à L1 procura ativar nos alunos frames que façam alusão às
características de uma foca. Isto ativa nos alunos duas situações: uma das
coisas que uma foca é capaz de realizar nadadora, e uma das coisas que
qualificam foca como bonitinha. Imaginamos que a primeira possibilidade
tenha sido ativada no momento em que a professora diz: “vamos imaginar a
foca. Imagina na sua cabeça”. Enquanto que a segunda é ativada a partir da
FOCA
NADADORA
BONITINHA
CUTE
fala: “quando você olha pra ela você tem vontade de dizer o que? / Que ela
é...”.
Estas duas possibilidades servem de acesso ao que a palavra cute
significa, porém não por serem gatilhos para isso, mas sim porque a
professora diz aos alunos. O interessante é que para a professora os
alunos chegaram à construção de sentido da palavra cute, e não que eles,
apenas, estavam construindo possibilidades de sentido de acordo com as
pistas dadas, por ela, em L1. A figura abaixo nos leva as idéias de Saussure
para ilustrar as relações presentes nesta situação.
Figura 5.1.: Reading “At the circus”
Domínio
LL1
RA
IILE
Um mesmo domínio, no qual estão localizados os dois sistemas (L1 e
ILE) separados (linhas com setas que vão e vêm). Neste diagrama
temos, apenas, as Relações Associativas (RA) que através de
analogias e substituições possíveis em L1, tenta chegar à construção
de sentido em ILE.
O interessante nesta situação é que as possibilidades de associações são
permitidas nos sintagmas da ILE e da L1, porém um deles possui o sentido
exato em ILE, dentro do contexto em que se insere. A questão é que
nenhum deles é explorado pela professora. A exploração das duas
possibilidades chamaria a atenção dos alunos às relações possíveis
realizadas por eles, bem como, qual delas seria a relação exata de acordo
com a situação contextual ditada pelas pistas dadas: ilustração, situação
em que é narrada a história, participantes da história, etc.. Todos estes
elementos, em consórcio, construíram as relações, mas não foram
explorados para explicá-las.
Em todas as situações observadas o que notamos é a L1 sempre servindo de
referência e guia, ou princípio de acesso para a construção de sentido em
ILE. No entanto, esta referência nem sempre é produtiva no sentido de não
realizar as construções de sentido, pois o referente utilizado na L1 não
possui sentido na ILE ou possui outras possibilidades de sentido que
variam de acordo com o emprego. O método aplicado restringe a
exploração destas situações ricas em complexidade e possibilidades de
aprendizado.
Em relação ao sintagma na L1 e no ILE é interessante notar que a referência
em L1 concretizou o conhecimento daquela estrutura, por haver relação de
igualdade. Mas quando tratamos das relações associativas que envolvem o
uso de metáforas e metonímias ocorrem situações complexas e ricas a
serem exploradas, novamente limitadas pelo método aplicado. Estas
envolvem questões culturais e pragmáticas da L1 e do ILE, nem sempre
compatíveis em sentido. Como o caso de power = ligado = aceso = poder.
Em cada sistema L1 e ILE as possibilidades de sentido foram construídas
culturalmente ao longo do seu emprego não havendo uma mesma
significação nos dois sistemas.
Vejamos a que chegamos, que resultados encontramos com nossas reflexões
a respeito dos processos que envolvem o aprendizado de inglês como
língua estrangeira.
Considerações Finais
Esta pesquisa teve como objeto de estudo os processos que envolvem a
construção de significados na relação ensino-aprendizagem da língua inglesa, como
língua estrangeira. Tal complexo objeto nada mais é do que o conhecimento, e este,
ao longo dos séculos, tem sido estudado por diversas disciplinas através de diversas
correntes teóricas em áreas como a filosofia, antropologia, psicologia e lingüística
que fazem parte das ciências cognitivas.
Para nós a indagação sobre o conhecimento exige um aporte sócio-
cognitivista, visto que tomamos a produção de sentido a partir da relação interativa
entre os sujeitos em contexto, pois a atividade de ensino aqui observada se dá num
processo interativo, colaborando com a construção coletiva do conhecimento. Este
se relaciona com práticas sociais inserindo-se num contexto sócio-cultural, pois é
percebido como socialmente construído. A construção dos objetos de discurso é
contextual e dinâmica, podendo ser modificada de acordo com os participantes do
processo. É nesta situação de interação que o conhecimento é modificado,
manipulado, estruturado e negociado pelos sujeitos.
A cognição social nos leva a respeitar as diferenças entre os sujeitos
cognitivos; o processamento individual do conhecimento de cada um.
As noções de língua e linguagem advêm de uma concepção sócio-cognitiva
interativa na qual os aspectos situacionais, a cultura e a experiência têm relevância
na determinação do referencial.
Com estas noções o aprendizado de língua, aqui aprendida como uma língua
estrangeira, através do método gramática tradução, foi investigado.
Durante muito tempo os questionamentos acerca do aprendizado estiveram
relacionados à didática e às questões de prática. Estes tomaram uma dimensão
empírico-teórica quando passaram a ser objetos de estudo das ciências cognitivas
que, apesar, dos avanços já alcançados continua em busca de uma resposta
definitiva.
Nos estudos acerca do aprendizado de uma língua estrangeira o papel da
língua materna tem sofrido constantes mudanças e gerado conflito entre a prática
docente do professor de língua estrangeira e a sua formação teórica. Os variados
métodos e abordagens surgidos das necessidades e estudos de cada tempo
possuem características diversas, bem como orientações. Em cada um deles a
língua materna possui papel relevante, ou papel negativo — sendo muitas vezes
totalmente eliminada da sala de aula de língua estrangeira.
Mas para alguns estudiosos a L1 funciona como acesso à língua estrangeira,
pois só aprendemos a segunda porque possuímos a primeira como referência. O
método gramática tradução utiliza-se desta visão. A questão é que a língua materna
predomina na sala de aula em que este método é abordado, servindo de referente,
de acesso à construção dos sentidos na língua estrangeira.
O que verificamos é que a L1, apesar de servir de acesso nem sempre
constrói sentido na ILE. Isto se deve às possibilidades de sentido presentes da ILE
que muitas vezes difere na L1 ou não existem na L1. Estas diferenças são culturais
e estão marcadas na língua em uso.
Em nossa visão, portanto, o método possui limitações. Estas influenciam no
conhecimento aprendido a partir do momento que não permite, mesmo que em
algumas situações, uma total construção de sentido no sistema da ILE. Acreditamos
que isto se dá por que neste contexto a língua é concebida como um sistema,
restrita ao plano da forma, sendo desprezado o contexto sócio-cultural dos dois
sistemas, onde está localizada a complexidade na aprendizagem de línguas.
Observamos, muitas vezes, a tentativa frustrada das relações sintagmáticas dos dois
sistemas e a complexidade das relações associativas entre os mesmos. Em muitas
situações um ou outro não era capaz de ocorrer ou mesmo de ser gerador de
sentido, devido às diferenças existentes.
Na teoria dos espaços mentais a construção destes é dada inicialmente pelo
sistema da ILE, tendo como princípio de acesso ou gatilho a L1 — os conhecimentos
de mundo já construídos —, ou seja, esta é referência, é mediadora nos processos
de construção. A depender dos enunciados são usadas analogias ou substituições
com relevante carga cultural intrínseca à L1 e a ILE, tornando em determinadas
situações incompatíveis tais processos. Estas incompatibilidades demonstram a não
possibilidade de significação em um ou outro sistema, comprovando a questão da
arbitrariedade dita por Saussure.
O que pretendemos aqui foi explicitar a necessidade que temos em observar
a construção do conhecimento, procurando entendê-la, descobrir seus processos.
Percebermos como construímos conhecimentos tão diversos em áreas do saber.
Como a cultura influencia este aprendizado, como nos constituímos sujeitos desse
saber. Pudemos, também, apresentar as limitações geradas pelo método gramática
tradução, pois este não permite a exploração do contexto que levaria à construção
do conhecimento na ILE. Em todas as situações o método limitava a atuação da
professora que não explorava nos alunos os seus conhecimentos prévios e as
associações realizadas entre os dois sistemas. As possibilidades contextuais foram
totalmente desprezadas, gerando, apenas, respostas prontas e não pensadas e
articuladas.
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ANEXO A
ANEXO B
ANEXO C