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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E DESAFIOS PARA UM CURRÍCULO INTERCULTURAL Recife 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE MESTRADO

PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

E DESAFIOS PARA UM CURRÍCULO INTERCULTURAL

Recife

2014

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PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

E DESAFIOS PARA UM CURRÍCULO INTERCULTURAL

VITÓRIA TERESA DA HORA ESPAR

Orientadora: Prof.ª. Drª. Aída Maria Monteiro da Silva

Dissertação apresentada ao curso

de Mestrado em Educação, do

Programa de Pós-Graduação em

Educação, da Universidade

Federal de Pernambuco, como

requisito parcial para a obtenção

do grau de Mestre em Educação.

Recife

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

VITÓRIA TERESA DA HORA ESPAR

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TÍTULO: PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

INDÍGENA E DESAFIOS PARA UM CURRÍCULO INTERCULTURAL

COMISSÃO EXAMINADORA

___________________________________

Profª. Drª. Aída Maria Monteiro Silva

1ª examinadora/ Presidente

___________________________________

Prof. Dr. Renato Monteiro Athias

2º examinador

___________________________________

Profª. Drª. Rosângela Tenório de Carvalho

3ª examinadora

MENÇÃO DE APROVAÇÃO: APROVADA

Recife, 20 de agosto de 2014.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Aída Maria Monteiro da Silva, minha gratidão por acreditar neste

trabalho, pela confiança depositada em mim e por toda a paciência e incentivo.

À toda minha família, em especial aos meus pais, meu esposo, meus irmãos e minha filha,

por toda a ajuda, estímulo, conselhos e, principalmente, por acreditar na minha

capacidade.

Aos povos indígenas de Pernambuco pela oportunidade de conhecê-los e a paciência em

ensinar a esta professora uma nova forma de pensar a educação.

À Secretaria de Educação de Pernambuco, em especial aos colegas da UEEI, pela

disposição em colaborar com esta pesquisa.

Às professoras Zélia Porto, Rosângela Tenório e Renato Athias, pelos ensinamentos,

contribuições e palavras de incentivo, no momento da minha qualificação e sempre

quando precisei.

Ao Curso de Pós-Graduação em Educação da UFPE, em especial aos mestres com quem

tive oportunidade de aprender durante o curso, por todo apoio e pela oportunidade de

aprendizado e formação.

À FACEPE pelo financiamento desta pesquisa.

Aos meus colegas do Mestrado e Doutorado em Educação pela acolhida, pelo apoio e

incentivo recebidos.

A todas as pessoas que contribuíram direta ou indiretamente na realização deste trabalho.

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“Seria uma atitude muito ingênua esperar que as

classes dominantes desenvolvessem uma forma de

educação que permitisse às classes dominadas

perceberem as injustiças sociais de forma crítica.”

Paulo Freire

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Número de matrículas da Educação Indígena por Etapas e Modalidades de

Ensino no Brasil de 2007 – 2012 _________________________________________ 39

Quadro 2 - Minuta de Matriz Curricular do Ensino Fundamental Anos Iniciais da

Educação Escolar Indígena, 2012. _______________________________________ 105

Quadro 3 - Trabalhos sobre Educação Escolar Indígena apresentados em reuniões anuais

da ANPED _________________________________________________________ 139

Quadro 4 - Teses e dissertações sobre Educação Escolar Indígena encontrados no Banco

de Teses da CAPES (com exceção de Pernambuco) _________________________ 140

Quadro 5 - Teses e dissertações sobre a temática Indígena em Pernambuco encontrados

no Banco de Teses da CAPES __________________________________________ 141

Quadro 6 - Relação das escolas indígenas de Pernambuco, com respectiva etnia e

localização _________________________________________________________ 143

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Números de estabelecimentos de ensino na Educação Escolar Indígena no

Brasil, 1999 a 2012. ___________________________________________________ 40

Gráfico 2 - Projeto de Sociedade, construído a partir da interculturalidade. ________ 66

Gráfico 3 - Fases do processo da Análise de Conteúdo ________________________ 84

Gráfico 4 - Quantitativo de Etnias e escolas indígenas em Pernambuco, atendidas pela

Secretaria Estadual de Educação. _________________________________________ 96

Gráfico 5: Quantitativo de professores nas escolas indígenas em Pernambuco. _____ 96

Gráfico 6 - Quantitativo de matrículas nas escolas indígenas em Pernambuco, atendidas

pela Secretaria Estadual de Educação. _____________________________________ 96

Gráfico 7 - Esquema de organização da Estrutura Curricular da EEI em Pernambuco.

__________________________________________________________________ 101

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa da densidade populacional indígena em 1991, 2000 e 2010. ______ 40

Figura 2 - Mapa de Pernambuco com a localização das etnias indígenas. Pankararu Entre

Serras e Pankaiwka estão próximas a Pankararu. _____________________________ 89

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RESUMO

Esta pesquisa foi realizada no período de 2010 a 2014 e teve como objetivo analisar o

processo de construção do currículo intercultural em Pernambuco, a partir da

estadualização da Educação Escolar Indígena em 2002, tendo como subsídios teóricos as

reflexões propostas por Pacheco (1996), Moreira e Silva (1999), Fleuri (1999), Grupioni

(2003a, 2004), Arroyo (2011), Candau e Russo (2010), entre outros pesquisadores, sobre

currículo, interculturalidade e Educação Escolar Indígena. Adotamos como abordagem

metodológica a pesquisa qualitativa e como ferramenta de coleta de dados a pesquisa

documental, a entrevista, o questionário com os sujeitos entrevistados e a observação dos

momentos de construção do currículo. O trabalho de campo constatou que a

ressignificação da concepção e do papel na escola indígena foi um dos marcos

importantes na consolidação do projeto de sociedade indígena e na ruptura do modelo

colonial de escola. Identificamos também que é na resistência epistêmica indígena à

imposição de uma cultura dominante que se constrói o currículo intercultural, no entanto,

após dez anos de estadualização e mais de vinte anos de Constituição Federal de 1988,

ainda há uma enorme lacuna entre o direito à educação, garantido por lei, e a política

estadual que atende às comunidades indígenas. Os grandes desafios para a consolidação

do currículo intercultural indígena no Estado são: a inexistência de ordenamentos

jurídicos e administrativos próprios, que forçam à adaptação do currículo indígena ao

modelo estabelecidos para as escolas não-indígenas; os entraves para a criação da

categoria de professor indígena e a realização de concurso específico, que produz um

clima de insegurança entre os professores, que podem ter o contrato rescindido a qualquer

momento e fez com que o debate sobre currículo fosse deixado de lado; a falta de

autonomia e de uma equipe ampla e especializada nos setores da Secretaria Estadual de

Educação que atuam diretamente com a Educação Escolar Indígena; a desarticulação e/ou

descompromisso de outros setores da Secretaria Estadual de Educação para atender as

demandas da Educação Escolar Indígena de forma específica, que não respeitam a

organização interna e as formas próprias de ensino dos povos indígenas; e a falta de

reconhecimento oficial do Estado de que a Educação Escolar Indígena é um direito das

populações indígenas e deve estar pautada nos princípios e cosmovisões de cada povo.

Palavras chave: Educação Escolar Indígena. Currículo intercultural indígena. Povos

Indígenas de Pernambuco.

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RESUMEN

Esta investigación fue realizada en el periodo de 2010 a 2014 con el objetivo de analizar

el proceso de construcción del currículo intercultural indígena en Pernambuco, a partir de

la asunción por el Gobierno de la Educación Escolar Indígena en 2002; nos valemos de

los subsidios teóricos de reflexiones sobre currículo, interculturalidad y Educação Escolar

Indígena propuestas, entre otros investigadores, por Pacheco (1996), Moreira e Silva

(1999), Fleuri (1999), Grupioni (2003a, 2004), Arroyo (2011), Candau e Russo (2010).

Adoptamos como abordaje metodológico la investigación cualitativa y como

herramientas para colectar datos la investigación documental, la entrevista, el

cuestionario con los sujetos entrevistados y la observación de momentos de la

construcción del currículo. El trabajo de campo constató que la re-significación de la

concepción y del papel en la escuela indígena fue uno de los marcos importantes en la

consolidación del proyecto de sociedad indígena y en la ruptura del modelo colonial de

escuela. Identificamos también que es en la resistencia epistémica indígena a la

imposición de una cultura dominante que se construye el currículo intercultural indígena,

sin embargo, aun después de diez años de su asunción por el Gobierno y más de veinte

años de la Constitución Federal de 1988 existe una enorme distancia entre el derecho a la

educación garantizado por ley y la política del Estado que atiende a las comunidades

indígenas. Los grandes retos para la consolidación del currículo intercultural indígena en

el Estado son: la inexistencia de ordenamientos jurídicos y administrativos propios, lo

que fuerza a la adaptación del currículo indígena al currículo adoptado por la red no

indígena; los obstáculos al establecimiento de la categoría de profesor indígena y a la

realización de oposiciones específicas -con lo que se genera un clima de inseguridad entre

los profesores ya que pueden tener su contrato rescindido a cualquier momento-; la falta

de autonomía y de un equipo amplio y especializado en los sectores de la Secretaria

Estadual de Educação que actúan directamente en la Educación Escolar Indígena en el

Estado; la desarticulación y la ausencia de compromiso de otros sectores de la Secretaria

Estadual de Educação para atender a las demandas de la Educación Escolar Indígena de

forma específica, respetando la organización interna y las formas propias de enseñanza;

y la falta de reconocimiento oficial del Estado de que la Educación Escolar Indígena es

un derecho de la poblaciones indígenas y debe estar pautado por los principios y

cosmovisiones de cada pueblo.

Palabras clave: Educación Escolar Indígena. Currículo intercultural indígena. Pueblos

Indígenas de Pernambuco.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ____________________________________________________ 13

2 ELEMENTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

NO BRASIL _________________________________________________________ 19

2.1 Do Brasil colônia aos dias atuais: situando a educação escolar indígena no Brasil 19

2.2 Marco legal da Educação Escolar Indígena intercultural, específica e diferenciada 26

2.3 A Educação Escolar Indígena nos dias atuais: debatendo o direito a educação ___ 37

2.4 A Educação Escolar Indígena: debatendo a educação específica, diferenciada e

intercultural ________ _________________________________________________ 41

2.5 A Escola Indígena enquanto locus da educação específica, diferenciada e intercultural

________ ___________________________________________________________ 46

3 CURRÍCULO INTERCULTURAL, DIFERENCIADO E ESPECÍFICO ________ 52

3.1 O Currículo como processo de construção cultural, política e de controle de poder 52

3.2 As teorias curriculares ______________________________________________ 55

3.3 Multiculturalismo, pluriculturalismo, interculturalidade e currículo ___________ 60

3.4 Currículo intercultural e escola indígena ________________________________ 68

4 O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO ____________________________ 77

4.1 Pesquisa de abordagem qualitativa _____________________________________ 78

4.2 Procedimentos metodológicos: técnicas e instrumentos de coleta de dados _____ 79

4.3 Os sujeitos da pesquisa ______________________________________________ 81

4.4 Análise e sistematização dos dados: utilização do método da Análise de Conteúdo 83

5 A CONSTRUÇÃO DO CURRICULO ESCOLAR INDÍGENA NA CONJUNTURA

DE PERNAMBUCO __________________________________________________ 86

5.1 Contexto histórico dos indígenas do Nordeste, em especial, de Pernambuco ____ 86

5.2 A Educação Escolar Indígena em Pernambuco ___________________________ 90

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5.3 Idas e vindas do processo de construção do currículo escolar indígena em Pernambuco

________ ___________________________________________________________ 99

5.4 Significados atribuídos ao currículo intercultural indígena e à escola indígena _ 110

5.5 Desafios advindos do processo de construção do currículo escolar indígena ___ 114

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS _________________________________________ 123

REFERÊNCIAS _____________________________________________________ 126

APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO A ____________________________________ 136

APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO B ____________________________________ 137

APÊNDICE C –ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA ________ 138

APÊNDICE D – PESQUISAS REALIZADAS NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO

ESCOLAR INDÍGENA _______________________________________________ 139

ANEXO A –LISTAGEM DAS ESCOLAS INDÍGENAS DE PERNAMBUCO ___ 143

ANEXO B – PROPOSTA DE MATRIZ CURRICULAR PARA A EDUCAÇÃO

ESCOLAR INDÍGENA _______________________________________________ 147

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1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa sobre o currículo intercultural indígena em Pernambuco vem somar-

se a outros estudos no âmbito da educação escolar indígena no estado. Assim, trata-se de

uma tentativa de conhecer e investigar um novo momento da educação escolar indígena

de Pernambuco configurado a partir da estadualização das escolas indígenas, em 2002, e

ainda pouco pesquisado em estudos acadêmicos1.

A estadualização das escolas indígenas de Pernambuco acompanha uma nova

perspectiva de relação do Estado brasileiro com as populações indígenas, de respeito aos

costumes e tradições, à forma de organização e à autonomia política e social dos

diferentes povos.

Segundo dados do Censo 2010, existem no Brasil, aproximadamente, 234 povos

conhecidos, com aproximadamente 900 mil índios, sendo destes, 520 mil formados por

indígenas aldeados (em 683 aldeias), presentes em quase todos os estados brasileiros, com

exceção do Piauí e Rio Grande do Norte, e 380 mil por indígenas desaldeados, vivendo

em diferentes cidades e capitais. Esses dados apontam um crescimento de 204% da

população indígena brasileira em 19 anos (desde o último censo realizado em 1991). A

população indígena, no entanto, já foi maior. Estudos histórico-antropológicos estimam

que a população indígena no território brasileiro à época da chegada dos colonizadores

em 1500 era de cerca de 5 milhões de indígenas.

Essa diferença populacional é resultado de diversos fatores do processo de

colonização e da política integracionista. O contato com doenças trazidas pelos

colonizadores provocou a morte de aproximadamente 80% da população indígena nos

dois primeiros séculos de colonização. Além do mais, a política

colonizadora/integracionista foi marcada pelo extermínio de milhares de índios, (em

alguns casos, foram povos inteiros), pelos mais diversos tipos de violência, pela tomada

de suas terras, levando à dispersão dos grupos. A miscigenação forçada através da

catequização e integração dos índios à sociedade nacional foi outro processo que também

contribuiu para dispersão das comunidades; os índios eram vistos como categoria social

e étnica transitória, que estava, portanto, fadada à extinção:

1 Não conseguimos localizar outras pesquisas sobre o currículo intercultural na temática indígena no âmbito

da Educação de Pernambuco, no período em que se localiza esta pesquisa. Para informações

complementares do levantamento realizado, verificar o Anexo 4.

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Os povos indígenas, ao longo dos 500 anos de colonização, foram

obrigados, por força da repressão física e cultural, a reprimir e a negar

suas culturas e identidades como forma de sobrevivência diante da

sociedade colonial que lhes negava qualquer direito e possibilidade de

vida própria. (Luciano–Baniwa, 2006, p. 41)

Mesmo assim, contrariando as visões de extermínio, ao longo destes 500 anos de

colonização, os povos indígenas não somente elaboraram diferentes estratégias de

resistência/sobrevivência, como também alcançaram nas últimas décadas um

considerável crescimento populacional.

Os povos indígenas localizados no Nordeste foram os que mais sofreram com a

violenta ocupação colonial que “resultou em profundas perdas territoriais e na submissão”

(LUCIANO–BANIWA, 2006, p. 42). Por estarem mais próximos do litoral, seus

territórios tinham importância estratégica para os colonizadores. Logo, toda a faixa

litorânea da Capitania Pernambucana estava tomada por canaviais.

Apesar da violência sofrida pelos povos indígenas, principalmente do Nordeste,

muitos povos resistiram e passaram a lutar pelo seu reconhecimento como grupo étnico

específico e pelas terras que lhes foram tomadas (SILVA E., 2010). Essa resistência “se

deu/dá por meio da utilização de uma série de táticas e estratégias que passam pelas

simulações, acomodações, acordos, alianças” (SILVA E., 2002, p. 352), e pela “invenção

das tradições”, a partir da reelaboração de símbolos e reinvenção de tradições culturais,

muitas das quais apropriadas no período da colonização e reinventadas pelo horizonte

indígena (OLIVEIRA,1999).

Neste processo de reafirmação identitária, a educação indígena representa uma

das principais ferramentas de luta para fortalecimento da identidade cultural do povo, de

sua língua e de sua história. Cavalcante (2004), estudando a relação entre a escola e o

projeto de sociedade2 do povo Xukuru de Pernambuco, percebeu que a educação

contribuiu para o fortalecimento da identidade e da cultura, como também para a

reinvenção social. Segundo a pesquisadora, a escola Xukuru tem a função social de

formar seus guerreiros que darão continuidade à luta e manterão viva a história do povo,

e atua ativamente no processo de “invenção, reinvenção, reelaboração de significados e

sentidos” (CAVALCANTE, 2004, p. 83).

2 Para Cavalcante (2004, p. 16) o projeto de sociedade ou de futuro pode ser entendido com uma ação

coletiva formulada intencionalmente com objetivos específicos.

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Porém, a educação oferecida às populações indígenas nem sempre favoreceu o

ensino de seus costumes e tradições ou sua língua materna. Pelo contrário, na história da

educação brasileira, a educação escolar indígena foi marcada pela negação de sua

identidade, costumes e saberes tradicionais.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os povos indígenas

brasileiros conquistaram o direito a uma educação diferenciada, com o acesso aos

conhecimentos da base curricular comum e o uso dos saberes e práticas específicos do

seu respectivo povo, assim como da língua materna. Após a Constituição, novas leis,

pareceres e normas foram criadas a fim de assegurar uma educação escolar indígena

específica, comunitária, intercultural e bilíngue, com organização, estrutura e normas

próprias, respaldando a utilização de suas línguas maternas e seus processos próprios de

organização do ensino e da gestão escolar. Estes documentos legais serão elencados e

discutidos mais adiante.

Neste processo de ressignificação da escola indígena, os povos apropriaram-se do

espaço escolar e transformaram-no numa parte integrante da comunidade. A escola que

antes era sinônimo de alienação, agora torna-se um espaço comprometido com a luta e a

resistência dos povos. O espaço escolar é, então, ocupado pela comunidade escolar

indígena, como parte do processo de fortalecimento da luta e da identidade.

A educação escolar indígena como campo de pesquisa em Educação no Brasil é

ainda um objeto emergente, com volume de estudos e investigações ainda incipiente. Isso,

porque até pouco tempo a educação indígena vinha sendo pensada, problematizada e

investigada, apenas na perspectiva antropológica (SANTANA, 2012). As pesquisas sobre

a temática indígena são importantes para:

Entendermos as relações da nossa sociedade do presente e do passado

com os indígenas, para pensarmos um país que se reconheça, respeite a

riqueza da diversidade e das diferenças expressas pelos povos indígenas.

(SILVA E., 2011, p. 154)

No levantamento bibliográfico3 que realizamos, percebemos que a temática

indígena, especialmente na educação, é uma área com muito potencial para novas

pesquisas. Também pudemos observar uma variedade de referenciais teóricos e

metodológicos que foram utilizados nesses trabalhos.

3 A revisão bibliográfica foi realizada no Banco de Teses da Capes, nos Anais da ANPED e no site Índios

no Nordeste (Disponível em: <http://indiosnonordeste.com.br/>, Acessado em: 30 mai. 2013);

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Concordamos com Silva E. (2010) ao alertar que as pesquisas sobre a Educação

Indígena apresentem o indígena como sujeitos ativos da história e que resistiram ao

projeto colonial de assimilação cultural.

A partir do levantamento, do ponto de vista de Silva E. (2010) sobre as pesquisas

na temática indígena e da diversidade de questões a serem abordadas em relação a

Educação Escolar Indígena, o que nos trouxe inquietações e o que nos motivou a buscar

um espaço para aprofundamento e compreensão, foi o currículo intercultural indígena.

O interesse em pesquisar o currículo intercultural na Educação Escolar Indígena

surgiu do trabalho à frente da Unidade de Educação Escolar Indígena da Secretaria de

Educação de Pernambuco, no período compreendido entre setembro de 2008 e março de

2012. Ao momento em que assumimos o cargo de Coordenação da Educação Escolar

Indígena do Estado de Pernambuco, tinha havido um longo processo de discussão sobre

a política estadual para a Educação Escolar Indígena, com a realização de quatro

Conferências Estaduais da Educação Escolar Indígena, entre os anos de 2002 e 2007.

Nos anos de 2007 a 2009, dentro da pauta de definição da política estadual, foram

promovidos diversos encontros para a construção do currículo intercultural das escolas

indígenas de Pernambuco.

O currículo resultante desses encontros produzia um sentimento ambíguo entre

lideranças e professores indígenas: por um lado comemorava-se pelo importante avanço

dado para a consolidação de um projeto de Educação Escolar Indígena específica e

diferenciada; por outro, havia uma crítica constantemente presente, vinda dos povos e das

entidades parceiras, de como o processo tinha se estabelecido e o “formato” no qual o

currículo havia sido construído, em que muitas vezes foi necessário “adaptar/encaixar”.

No segundo bimestre de 2009, foi decidido que seria o momento de interromper

os encontros para rediscutir com os representantes dos povos indígenas (coordenadores

pedagógicos e lideranças) o que seria o currículo intercultural indígena e como ele deveria

ser elaborado. Durante o restante do ano de 2009, foram promovidos novos debates, nos

quais foram inseridas as entidades indigenistas, algumas Instituições de Ensino Superior

e o Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco (CEEIN/PE). O documento

oriundo dessa nova discussão foi encaminhado para o CEEIN/PE no final de 2009, que,

até maio de 2014, ainda não deliberou sobre o mesmo. O Conselho vem com um longo

processo de debate e deliberações sobre o concurso público para professores indígenas e,

esta pauta, foi determinada como prioritária.

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Apesar dos povos indígenas terem uma educação diferenciada, pautada no

princípio da interculturalidade e garantida pela Constituição, entendemos que o processo

de efetivação do direito demanda tempo e reestruturações. Então, partindo do princípio

de que o currículo é um campo de disputa de interesses (PACHECO, 1996; ARROYO,

2011), questiona-se: como ocorreu a implementação do currículo intercultural indígena

nas escolas indígenas? Foi garantida a autonomia dos indígenas nos momentos e

instâncias de decisão?

Devido às especificidades dos povos indígenas, a construção do currículo

intercultural indígena é um desafio para os sistemas de ensino, pois cada etnia possui uma

cosmovisão e, por esta razão, é difícil organizar estratégias para atender as diferentes

concepções de escola, currículo e saber.

Assim, esta pesquisa buscou contribuir para a compreensão de currículo e

interculturalidade e sua relação com a Educação Escolar Indígena em Pernambuco,

procurando analisar o como e o porquê do processo de construção do currículo indígena4

no Estado ter sido conflituoso. Mais concretamente, a pesquisa teve como objetivo geral

verificar como aconteceu o processo de construção/consolidação do currículo

intercultural das escolas indígenas de Pernambuco. Como objetivos específicos,

pretendeu-se: identificar o conceito de currículo intercultural dos professores

indígenas e dos técnicos da Secretaria Estadual de Educação (SEE); verificar como

ocorreu o processo e a organização dos povos e da SEE para a construção do

currículo específico das escolas indígenas; e identificar as questões básicas que os

povos indígenas enfrentam para efetivar o seu currículo oficialmente.

No primeiro capítulo do trabalho, iremos apresentar os momentos históricos que

marcaram a Educação Escolar Indígena, desde o período colonial até os dias atuais,

buscando identificar os elementos formadores do currículo em cada tempo histórico para

entender a sua trajetória ao longo da história da Educação Escolar Indígena. Neste

percurso, destacamos a educação oferecida aos povos indígenas do Nordeste e de

Pernambuco, buscando refletir sobre o currículo, a partir da literatura consultada.

4 Para facilitar a fluidez da leitura e evitar a repetição dos termos, ao tratar de currículo no âmbito da

Educação Escolar Indígena, variamos a nomenclatura em Currículo Intercultural Indígena, Currículo

Indígena e Currículo Intercultural. Contudo, entendemos que os currículos das escolas indígenas devem ser

construídos a partir dos princípios da Interculturalidade e da Especificidade e ser diferenciado de outros

currículos adotados para escola não indígenas e também do campo.

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Na segunda parte, refletimos sobre as diversas concepções de currículo,

interculturalidade, e currículo intercultural indígena. Para isso, utilizamos trabalhos das

áreas de educação, antropologia, história e os documentos produzidos pelas próprias

etnias, como o Projeto Político Pedagógico (PPP), documentos oficiais e a literatura

pertinente, que ratifiquem as informações coletadas na pesquisa de campo.

No terceiro capítulo, vamos destacar as escolhas teórico-metodológicas que

nortearam a pesquisa.

Por fim, traremos à tona as novas discussões do campo curricular na temática

indígena, tentando apontar novos horizontes de diálogo e conflitos.

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19

2 ELEMENTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

INDÍGENA NO BRASIL

2.1 Do Brasil colônia aos dias atuais: situando a educação escolar indígena no Brasil

Ao tratar sobre a Educação Escolar Indígena parece-nos importante abordar,

mesmo que sinteticamente, o contexto histórico desta modalidade de ensino, para

aproximar-se da compreensão de como se deu a relação da escola e da sociedade não-

indígena com as sociedades indígenas, desde a colonização até os dias atuais. Esta revisão

histórica mostra-se necessária para melhor compreender a atual situação da Educação

Escolar Indígena e as relações sociais, culturais estabelecidas no espaço escolar e a

importância de uma escola intercultural, específica e diferenciada. A partir desta

conjuntura, tentaremos também refletir sobre o currículo das escolas nas áreas indígenas

ao longo desse período.

A partir dos estudos de Oliveira (1999), Silva E. (1999, 2001, 2010, 2011),

Almeida (2001), Ferreira (1992, 2001), Félix (2008), entre outros pesquisadores, vamos

sintetizar as principais características dos diferentes momentos que marcaram a história

da educação oferecida aos povos indígenas, destacaremos os fatores históricos que

influenciaram as mudanças e os marcos legais que, aos poucos, foram garantindo, na

legislação, uma educação diferenciada e específica para os povos indígenas do Brasil. Por

outro lado, traremos os questionamentos de Quijano (2005) que nos ajudaram a

problematizar que educação é essa que está sendo oferecida.

Para Ferreira (2001), a história da educação escolar oferecida aos povos indígenas

no Brasil pode ser dividida em quatro fases, cada uma marcada pelas diferentes relações

que foram estabelecidas pela escola com os indígenas e o objetivo fim desta educação. Já

Almeida (2001, p. 32), subdivide a quarta fase em duas ao entender que a Educação

Escolar Indígena estaria já numa quinta fase, caracterizada “pela incorporação das

reivindicações dos povos indígenas nas diretrizes e princípios da legislação que orienta a

política educacional”. Salienta-se que, para ambos os autores, uma fase não termina com

o início de outra; a delimitação das fases apenas marca uma predominância de um

determinado tipo de modelo escolar ou política educacional num determinado período.

Percebemos ainda que as fases, mais que determinar períodos ou tipos de escolas

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indígenas, comportam momentos diferentes na relação das práticas pedagógicas em

relação à alteridade.

Segundo Ferreira (2001), Almeida (2001) e Oliveira (2006), na primeira fase, a

educação nos territórios indígenas, promovida pelos missionários católicos

(especialmente os jesuítas) com foco na catequização e na evangelização dos indígenas,

tinha como objetivo a conversão dos “selvagens” em “homens” através da catequese, e

foi a mais extensa das fases, perdurando de 1500 até a metade do século XVIII.

Os religiosos que vieram junto com os colonizadores descreviam os povos que

viviam no território brasileiro como “seres humanos que estavam degradados, [...] mas

possuíam todo o potencial para se tornarem cristãos” (OLIVEIRA, 2006, p. 28). Essa

visão que os mesmos tinham dos indígenas justificava a necessidade de submetê-los aos

valores cristãos.

A chegada à América e as relações estabelecidas com seus habitantes originários

pelos colonizadores europeus vieram a constituir a primeira ideia de raça e marcou o

início da classificação racial mundial como padrão de poder5. Assim, justificava-se que

raças consideradas inferiores fossem colonizadas pela raça superior ou europeia. A ideia

da raça serviu para legitimar à dominação imposta pela colonização e as consequências

desse processo. Para Quijano (2005, p. 2):

Na medida em que as relações sociais que se estavam configurando

eram relações de dominação, tais identidades foram associadas às

hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, com constitutivas

delas, e, consequentemente, ao padrão de dominação que se impunha.

Em outras palavras, raça e identidade racial foram estabelecidas como

instrumentos de classificação social básica da população.

Assim, os indígenas que ficaram foram organizados em aldeamentos e submetidos

à doutrina cristã, onde aprendiam diferentes ofícios. Aqueles que iam contra a submissão

imposta eram expulsos dos aldeamentos e tinham que fugir território a dentro para se

esconder.

Para Santos (2005) a Companhia de Jesus, a primeira entidade católica a iniciar o

processo de catequização nas Américas, era uma ordem plural que havia no seu interior

5 O termo raça começou a ser utilizado para classificar a diversidade humana em grupos fenotípicos

distintos na França, a partir da metade do séc. XVI, para distinguir os grupos Francos de outros que viviam

no país à época. Os Francos, que era grupo étnico dominante, consideravam-se como raça “pura”. No séc

XVIII, a partir das ideias iluministas, o termo incorpora a ideia moderna das diferenças fenotípicas para

explicar as diferenças culturais e sociais entre diferentes grupos humanos (MUNANGA, sd).

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pessoas defensoras de posições distintas, e, a partir de diferentes argumentos, procura

mostrar que a atividade jesuítica permitiu a sobrevivência/resistência de grupos indígenas

no Brasil.

Essa dualidade de interesses nas missões católicas e mudanças políticas na colônia

levaram, na metade do século XVIII, a Coroa portuguesa a iniciar uma reforma estatal

que implicou na expulsão das ordens religiosas (jesuítas), visando o controle rigoroso das

populações indígenas. Foi criado o Diretório de Índios que reorganizou as aldeias após o

afastamento das missões religiosas jesuítas, manteve o controle econômico e

administrativo dos aldeamentos e orientou diferentes esferas da vida dos indígenas,

determinando o uso exclusivo da língua portuguesa, passando a escola a focar a

qualificação do índio para o trabalho doméstico e para a agricultura familiar.

Com a expulsão dos jesuítas em 1759, outras ordens missionárias instalaram-se

com mais força no Brasil, principalmente nas regiões de fronteiras onde havia disputa

territorial. Assim, os capuchinos passaram a representar a política indigenista imperial e

espalharam dezenas de aldeamentos por todas as regiões do país. Algumas mudanças

foram implantadas para que o projeto de educação fosse bem sucedido:

O projeto civilizatório desenvolvido pelos capuchinos associava a

educação religiosa dos índios ao ensino formal de ofícios mecânicos,

práticas agrícolas e atividades militares. A legislação imperial permitia

o ensino na língua indígena, ministrado por professores índios.

(OLIVEIRA, 2006, p. 82)

Apesar da mudança promovida pelo Império, a lógica curricular de redução e

assimilação continuava presente, até mesmo em experiências que não levantavam a

bandeira religiosa, “onde se acrescenta ao discurso técnico uma argumentação política: a

alfabetização em língua indígena é reforço, proteção étnica, valorização cultural”

(FRANCHETTO, 1994, p. 413).

O currículo da escola indígena seguia o mesmo modelo tradicional, proposto a

partir dos princípios da evangelização e da formação de mão-de-obra. De acordo com

Silva E. (2001, p. 96):

Quando a escola foi implantada em área indígena, as línguas, a tradição

oral, o saber e a arte dos povos indígenas foram discriminados e

excluídos da sala de aula. A função da escola era fazer com que os

índios desaprendessem as suas culturas e deixassem de ser índios.

Mesmo a escola que podemos considerar intercultural, por ensinar a liturgia na

língua indígena, seguia a mesma lógica das escolas tradicionais, onde os índios eram

receptores de um conhecimento válido, euro centrado, que colocava o ideal de mundo

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cristão e civilizado como meta a se chegar. Qualquer traço da cultura ou língua indígena

que não fosse voltado para a assimilação, era reprimido.

A segunda fase é marcada pela criação do Serviço de Proteção do Índio (SPI), em

1910, e, posteriormente, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI); a escola nessa época

introduziu no currículo oficial a formação de mão-de-obra para o campo.

A escassez de investimentos e a resistência dos povos indígenas, impedia o

sucesso do projeto de incorporar os índios à sociedade nacional (FÉLIX, 2008). Assim,

foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) na perspectiva de promover a política

indigenista de transformar o índio num trabalhador nacional e tinha como finalidade:

a) estabelecer a convivência pacífica com os índios; b) agir para garantir

a sobrevivência física dos povos indígenas; c) fazer os indígenas

adotarem gradualmente hábitos “civilizados”; d) influir de forma

“amistosa” sobre a vida indígena; e) fixar o índio à terra”, f) contribuir

para o povoamento do interior do Brasil; g) poder acessar ou produzir

bens econômicos nas terras dos índios; h) usar a força de trabalho

indígena para aumentar a produtividade agrícola; i) fortalecer o

sentimento indígena de pertencer a uma nação. (OLIVEIRA, 2006,

págs. 112 e 113)

Em geral, os índios eram treinados para assumir diversos ofícios (trabalhos

manuais, agrícolas e de pecuária), além de serem instruídos sobre cultos cívicos, uso de

vestimentas e práticas de higiene. O SPI atuou nas aldeias indígenas até 1967 quando foi

substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada nesse ano.

Contudo, a FUNAI seguia as mesmas finalidades do SPI, já que os dois tinham

como princípio a integração do índio à sociedade nacional e no mercado de trabalho

(CUNHA, 1990; FÉLIX, 2008). O currículo das escolas indígenas seguia a mesma lógica

de outras escolas rurais e urbanas e não respeitava as formas de organização política e

cultural do povo onde a escola estava inserida. Dessa forma, as reformas realizadas na

escola inseridas na comunidade indígena buscavam silenciar as culturas indígenas.

Conforme Félix (2008, p. 103):

A onda nacionalista, industrializante e tecnicista espalhava-se pelo país

afetando a vida dos povos indígenas. A implantação de disciplinas de

cunho profissionalizante nas escolas em áreas indígenas indicava a

incessante tentativa de desintegração das culturas autóctones.

Neste mesmo período, a partir dos anos 40, os protestantes (através do Summer

Institute of Linguistics – SIL) iniciam missões para as regiões de fronteiras, atuando nos

aldeamentos através da educação. Esses grupos traduziam a Bíblia para a língua indígena

e realizaram ações assistencialistas e levantavam a bandeira de “defesa dos direitos

humanos dos povos indígenas”, possivelmente, na intenção de mascarar sua verdadeira

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missão no país. Félix (2008) chama a atenção que a chegada do SIL coincide com a

política do governo de abertura de investimentos por parte de capital estrangeiro para

financiar a industrialização; também coincide com o período em que as revoluções

comunistas se espalham pelo mundo. Cunha (1990) e Franchetto (1994) apontam a

experiência do SIL nas áreas indígenas como o primeiro ensino bilíngue, concretizado

nas apostilas utilizadas como material didático.

Em 1973, é sancionado o Estatuto do Índio (BRASIL, 1973) que estabelece os

direitos indígenas em diversas áreas, incluindo a educação, que vem referendar os

princípios e ações da FUNAI. Para Cunha (1990), o projeto educacional proposto pelo

Estatuto do índio avança pouco no sentido de problematizar as relações históricas

estabelecidas pelo contato das populações indígenas com outra cultura e os conflitos

decorrentes desse contato:

a escola, ao assumir uma postura supostamente neutra, desconhece os

conflitos da sociedade, alimentando uma pedagogia alienadora,

sustentada administrativamente pelo controle exercido pelos Postos

Indígenas, por outro, a preocupação “metodológica” da Funai vai

excluir a discussão política, impedindo a consideração do(s) projeto(s)

político(s) de escola, distanciando-se assim de uma educação que, ao

invés de assegurar – apenas provisoriamente – a participação dos índios

como etnias diferenciadas, garanta a sua participação efetiva como

cidadãos étnica e culturalmente diferentes, em pleno exercício de suas

capacidades existenciais e políticas. (CUNHA, 1990, p. 104)

O terceiro momento, entre os anos 60 e 70, destaca-se pelo surgimento de diversas

organizações indigenistas e a educação escolar nos povos indígenas passa a ser de

responsabilidade definitiva do Estado brasileiro, através dos governos municipais.

Concomitantemente com a atuação da FUNAI, novas missões católicas mais

progressistas passaram a defender veementemente os direitos indígenas, o respeito à

cultura indígena e apoio às organizações indígenas, criando o Conselho Indigenista

Missionário (CIMI). O CIMI atuava apoiando os indígenas em diferentes áreas, com

assessoria jurídica, educacional, parlamentar, etc. Neste processo, o CIMI promoveu a

organização de movimentos e associações indígenas que passaram a reivindicar seus

direitos e que questionavam a política indígena de assimilação, inclusive na área da

educação. Uma das metas do CIMI era o incentivo à autonomia dos povos indígenas, a

fim de “devolver aos povos indígenas o direito de serem sujeitos, autores e destinatários

de seu crescimento” (Relatório da Assembleia Geral do CIMI 1975 Apud FELIX, 2008,

p. 106). Neste contexto, defendiam que os indígenas assumissem a educação nas suas

comunidades e, assim, a educação escolar interferiria o mínimo possível nos seus valores

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culturais (FERREIRA, 1992). Na educação, o CIMI investia na formação de professores

e na produção de material didático específico, instruindo os índios sobre os seus direitos,

na defesa das terras indígenas, da cultura e da autodeterminação dos povos (ALMEIDA,

2001).

Foi neste período que os indígenas intensificaram as mobilizações e começaram a

organizar-se em seus próprios movimentos que serviam de articulação entre os povos e

proporcionavam interações interétnicas. As primeiras organizações surgiram no Norte e

Centro-Oeste do país e impulsionaram os indígenas de outras regiões a se organizar. No

Nordeste, podemos destacar a APOINME (Associação dos povos indígenas do Leste,

Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo)6 como principal rede de articulação entre os

povos. Segundo Félix (2008), a causa indígena começou a ganhar visibilidade nacional

porque servia de pano de fundo da mídia nacional para criticar a censura durante a

ditadura militar. Esse fato impulsionou a luta dos indígenas e contribuiu para a garantia

dos seus direitos.

A quarta fase, dos anos 80 até os anos 90, é marcada pela mobilização e

fortalecimento de grandes movimentos indígenas pró-constituinte, que lutavam para

exigir mudanças na política indigenista oficial, como a emancipação, a autodeterminação,

a demarcação das terras e melhoria no atendimento de saúde e educação. Esta fase se

caracteriza pela conquista da Educação Escolar Indígena, bilíngue, intercultural,

específica e diferenciada na legislação. O resultado dessa mobilização foi a transformação

da proposição de uma escola indígena autônoma em política pública (ALMEIDA, 2001).

Para Barbalho (2012, p. 185):

Essas lutas políticas são cruciais no âmbito da afirmação de identidades

e estão presentes nos projetos de resistência entre segmentos defensores

da educação escolar popular diferenciada.

A quinta fase, a partir dos anos 90, está baseada no reconhecimento do avanço na

legislação e em algumas práticas governamentais para garantir aos povos indígenas uma

educação baseada nos princípios propostos pela Constituição Federal (ALMEIDA, 2001).

Esta fase pode ser delimitada como pós-constituinte, quando outras leis, pareceres e

normas foram criados a fim de assegurar uma educação escolar indígena específica,

6 ONG que atua nos estados de Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais e

Espírito Santo, abrangendo 71 povos indígenas, está ligada nacionalmente à Articulação dos Povos

Indígenas do Brasil (APIB) e tem como objetivo a fortalecer a ligação entre os povos indígenas dessa região

e unificar a pauta de reivindicações e as lutas dos povos (APOIMNE, 2012).

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comunitária, intercultural e bilíngue, com organização, estrutura e normas próprias,

respaldando a utilização de suas línguas maternas e seus processos próprios de

organização do ensino e da gestão escolar. Citamos entre elas: Decreto n° 26/1991;

Portaria Interministerial n° 559/917; Portarias 60/92 e 490/93; Lei 9.394/1996; Parecer

nº14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a)8; Resolução nº3 (BRASIL/MEC/CNE/CEB,

1999b)9; Referenciais para a Formação de Professores Indígena/ 2005; PNE;

PNEDH/2003; Decreto nº 6.861/2009 (organiza em territórios etnoeducacionais).

Os modelos de escola indígena implementados pelos jesuítas e, posteriormente,

pelo SIL podem ser consideradas como experiências iniciais interculturais e

diferenciadas. A interculturalidade se caracterizava pelo uso da língua materna e do latim

para trabalhar os conteúdos do currículo e para a evangelização, com o objetivo de

converter os indígenas à fé cristã e para o trabalho no campo, assim servindo aos

interesses dos colonizadores. Por isso, o currículo era diferenciado das escolas da área

urbana que era voltado a formação intelectual das famílias dominantes.

Percebemos, contudo, que essas experiências de escolas indígenas interculturais

visavam a integração do indígena à sociedade nacional, por considerá-los povos

primitivos. Observamos que o currículo não privilegiava suas formas próprias de ensino,

nem respeitava sua organização social, religiosa e cultural. O currículo tão pouco

problematizava as relações do Estado e da sociedade em geral com a sociedade indígena,

ele servia aos propósitos da colonização/dominação.

Os indígenas garantiram legalmente o direito a uma nova escola, pensada a partir

de suas próprias formas de ensinar, a partir de sua concepção de mundo. Contudo,

veremos mais adiante, que as práticas do passado não se consolidaram com a Constituição

Federal e ainda há um longo caminho de lutas, ressignificações e construções.

7 A Portaria nº 559/91 estabeleceu a criação dos Núcleos de Educação Escolar Indígena (Neis) nas

Secretarias Estaduais de Educação, de caráter interinstitucional com representações de entidades indígenas

e com atuação na Educação Escolar Indígena. 8Parecer Nº 14, de 14 de setembro de 1999, delibera sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação

Escolar Indígena, tinha como objetivo “contribuir para que os povos indígenas tenham assegurado o direito

a uma educação de qualidade, que respeite e valorize seus conhecimentos e saberes tradicionais e permita

que tenham acesso a conhecimentos universais, de forma a participarem ativamente como cidadãos plenos

do país” (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999, p. 1). 9 A Resolução nº 03 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999b), de 10 de novembro de 1999, fixa Diretrizes

Nacionais para o funcionamento das Escolas indígenas e, segundo texto da própria Resolução, está baseada

“nos artigos 210, § 2ª, 231, caput, da Constituição Federal, nos arts. 78 e 79 da Lei 9.394, de 20 de dezembro

de 1996, na Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e ainda no Parecer 14/99 (BRASIL/MEC/CNE/CEB,

1999a), homologado pelo Ministro de Estado da educação, em 18 de outubro de 1999”.

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2.2 Marco legal da Educação Escolar Indígena intercultural, específica e

diferenciada

Como dito anteriormente, a Constituição Federal de 88 foi grande marco legal que

garantiu aos povos indígenas o direito à uma educação específica e diferenciada, pensada

e organizada a partir de sua forma própria de ensinar e aprender. No seu Artigo 210

garante:

Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de

maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores

culturais e artísticos, nacionais e regionais.

¨2. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,

assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas

línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. (BRASIL,

1988)

A garantia legal do respeito aos valores culturais, do uso das línguas maternas e

dos processos próprios de aprendizagem possibilitaram aos povos indígenas ferramentas

oficiais para a luta por uma educação específica. As determinações da constituição

impulsionaram a construção de outros documentos normativos no âmbito nacional e

aumentou a pressão para que estados e municípios criassem seus próprios instrumentos

legais.

Esses documentos atendem a algumas das reivindicações dos povos para dispor

de uma escola indígena diferenciada das outras escolas do sistema de ensino regular, que

respeitasse a organização interna e a cosmovisão de cada povo (por isso, específica). Por

outro lado, servem de subsídio para os sistemas de ensino criarem novas

metodologias/procedimentos/programas para atender às especificidades dessas escolas.

Neste trabalho, apresentaremos a legislação que orientou à construção do currículo

específico para a escola indígena10.

Para Secchi (2002, p. 138):

Os anos 1990 caracterizaram-se como um período de implementação

do ideário gestado na década anterior. As novas palavras de ordem –

“educação bilíngue e intercultural”, “currículos específicos e

diferenciados”, “processos próprios de aprendizagem” – precisavam ser

materializadas no cotidiano das escolas.

10 Para uma análise mais profunda sobre os avanços, possibilidade e desafios das leis e normas que

regulamentam e orientam a Educação Escolar Indígena, pode-se consultar as pesquisas de Almeida (2001),

Grupioni (2002), Secchi (2002), Félix (2008) e Barbalho (2012).

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Em 1991, através do Decreto n° 26, o MEC recebia a incumbência de coordenar

as ações referentes à educação escolar indígena, retirando da FUNAI a exclusividade

concedida anteriormente a este órgão, até então, na área. Posteriormente ao decreto, a

Portaria Interministerial n° 559/91 e as Portarias 60/92 e 490/93 instituíram o Comitê de

Educação Escolar Indígena que foi o responsável pela elaboração das Diretrizes para a

Política Nacional de Educação Escolar Indígena (BARBALHO, 2012).

A partir deste decreto, as escolas indígenas passam a integrar o Sistema Nacional

de Ensino, seguindo as mesmas normas e estrutura básica das outras escolas. Os

municípios e os estados, por sua vez, ficaram responsáveis pela execução das ações da

Política Nacional para a Educação Escolar Indígena. Inicialmente, ficaram as escolas

ligadas aos sistemas municipais de ensino e, posteriormente, partindo do princípio da

autonomia, cada povo (individualmente ou nos seus coletivos) pode decidir a qual sistema

ficaria vinculado.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9.394/1996 – além

de reproduzir os direitos garantidos na Constituição Federal, também estabeleceu como

dever do Estado a oferta de uma educação escolar indígena intercultural e bilíngue,

fortalecendo as práticas específicas, a reafirmação de sua identidade étnica e a valorização

de suas línguas e ciências. A LDB orientou que os sistemas de ensino construíssem, com

a participação das comunidades indígenas envolvidas, os projetos político-pedagógicos e

desenvolvessem os currículos específicos, contendo os conhecimentos técnico-científicos

da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não indígenas e os saberes

tradicionais de sua etnia (BRASIL, 1996). A LDB é o primeiro documento que trata de

um currículo diferenciado e estabelece o diálogo entre os saberes tradicionais e os saberes

universais, colocando a interculturalidade como eixo central do currículo.

Em setembro de 1999, o Conselho Nacional de Educação/MEC, por meio do

Parecer nº 14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a), estabeleceu as Diretrizes Curriculares

Nacionais da Educação Escolar Indígena, definindo a Educação Escolar Indígena,

diferenciando-a da educação indígena11, a categoria de escola indígena, a definição das

competências para a oferta da educação escolar indígena, a formação inicial e continuada

11 De forma geral, a Educação Escolar Indígena é tida como a educação formal que atende às normas

nacionais de educação, contudo diferentes autores fazem a distinção com a Educação Indígena, esta

entendida como processo comunitários de formação do ser indígena daquele povo e que transpassa os muros

da escola (BRASIL, 1999; ALMEIDA, 2002; LUCIANO-BANIWA, 2006; PARRA SANCHEZ, 2011). A

diferença entre os dois tipos de educação será discutido no Item 2.4.

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do professor indígena e a formulação do currículo intercultural para as escolas indígenas.

O parecer ainda sugere que a organização, a estrutura e o desenvolvimento da escola

indígena deverão ser sistematicamente formalizados e que o currículo intercultural

indígena, construído por toda a comunidade indígena:

Os princípios do bilinguismo e da interculturalidade, na prática

pedagógica diária, pressupõem uma organização curricular que articule

conhecimentos, habilidades e valores culturais distintos, sem a perda de

processos reflexivos e criativos, incluídos os hábitos, costumes e

princípios religiosos, constituindo-se como conteúdos dos

conhecimentos escolares e direito de acesso à cultura universal e jamais

somente de obrigatoriedade legal (BRASIL/MEC/CNE/CEB,

1999a).

O parecer, contudo, se contradiz, ao limitar a estrutura da construção do currículo

indígena ao propor que “o conjunto de saberes e procedimentos culturais produzido pelas

sociedades indígenas poderá constituir a parte diversificada do conteúdo de aprendizagem

e de formação que compõe o currículo” (p. 16) e que esses saberes são compostos pela

“língua materna, crenças, memória histórica, saberes ligados à identidade étnica, às suas

organizações sociais do trabalho, às relações humanas e às manifestações artísticas”

(Ibidem).

Portanto, no currículo escolar indígena a parte diversificada segundo Monte

(1994a, p. 134) “não é compreendida como um anexo ou complemento do núcleo comum,

mas será o eixo condutor e a base a partir da qual este se edifica”. O corpo de

conhecimentos e capacidades gerais identificadas como de direito comum a todos, e,

portanto, essenciais a vivência da cidadania, estará condicionado à dimensão da

diversidade e pluralidade próprias à constituição social e histórica dos sujeitos inseridos

nos processos educativos.

O currículo intercultural das escolas indígenas deve ser resultado de uma prática

pedagógica autêntica, articulada com o projeto político pedagógico da escola indígena e

com o projeto de sociedade da etnia que pertence. Assim, os saberes das sociedades

indígenas devem perpassar por todo ele e, a partir dele, que seja construído o diálogo com

outros conhecimentos.

Nesta mesma lógica, Parra Sanchez (2011, p. 93) defende a “interculturalidade

como estabelecimento de relações horizontais de diálogo entre diferentes” e que para a

consolidação do projeto de uma educação própria é necessária “uma série de

transformações de saberes que provêm de outras culturas e a construção de novos

conhecimentos” (PARRA SANCHEZ, 2011, p. 96).

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Assim, pensar sobre a importância e o lugar que os saberes dos povos devem

ocupar nos espaços/tempos de cada povo indígena, no sentido de reconhecer e analisar os

limites de uma possível “escola indígena” e, sobretudo, perceber que a “escola indígena”

não pode se apossar da comunidade. Para D’Angelis (1999), existem conteúdos,

“saberes”, modalidades de experiências que emergem da tradição, que não dizem respeito

à escola e, nesse sentido, não podem ser tratados no espaço/tempo do contexto escolar,

numa tentativa de “escolarizar”12 tais saberes/experiências. Essa limitação depende de

cada comunidade.

Neste aspecto, o pensamento decolonial defende o desprendimento do euro

centrismo como esfera do conhecimento e rejeita sempre uma única maneira de ler a

realidade, coloca o conhecimento dos grupos subalternizados em evidência para que

tenham igualdade de condições, mudando o foco das narrativas históricas ao reconhecer

que o outro também produz conhecimento. Para Mignolo (2008, p. 246), “o pensamento

surge da exterioridade, na fronteira, na qual os dois lados não estão em igualdade de

condições, a partir da qual reclamam seus direitos epistêmicos”.

A escola não é o único espaço de aprendizagem indígena que atua como espaço

de reivindicação e resistência (PARRA SANCHEZ, 2011). Por isso, os índios se

apossaram da escola não somente da estrutura, mas, das regras, para estabelecer os limites

entre as formas de educação tradicional e dos processos de educação escolar por eles

vivenciados (SANTANA, 2012).

Em diferentes momentos de observação e diálogo, percebemos uma resistência

das escolas indígenas em aceitar os programas e projetos que são criados a partir da lógica

da educação não indígena e são “oferecidos” às escolas indígenas sem o devido diálogo

com as lideranças e organizações internas. A crítica a esses programas e projetos voltasse

para o fato de não respeitar a organização e a proposta de educação de cada povo.

Ao analisar a legislação sobre a educação escolar indígena da década de 90,

perpassando pela legislação nacional e estadual, Almeida (2001) identifica que as ideias,

as concepções e as práticas das organizações indígenas e indigenistas foram traduzidas

nessa legislação, apesar de encontrar-se contradições quando se confrontam com as

concepções da política educacional e aspectos da organização administrativa, financeira

e institucional mais geral.

12 Grifos nossos.

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30

Em 2005, o MEC lança os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas,

com orientações para as Secretarias de Educação e outros parceiros com o objetivo de

nortear a construção de propostas de formação de professores indígenas em programas

específicos, com a perspectiva de fortalecer os princípios contidos nas legislações sobre

a Educação Escolar Indígena (BRASIL, 2005). O documento também aponta a formação

específica dos professores indígenas como um dever do Estado e um dos desafios para a

implementação de uma escola indígena intercultural, específica e diferenciada de

qualidade.

A Resolução nº3 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999b) estabelece as diretrizes de

funcionamento e organização da escola indígena, reconhecendo-a como escolas com

normas e ordenamento jurídico próprios. Também enfatiza que a formulação do projeto

pedagógico tem por base as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e os

conteúdos curriculares especificamente indígenas e os modos próprios de constituição do

saber e da cultura indígena.

O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001 a 2010 (BRASIL, 2001) atribui a

responsabilidade pela oferta da educação escolar indígena aos sistemas estaduais e

estabelece metas para os estados, como a formação inicial e continuada dos professores

indígenas e o desenvolvimento e reconhecimento do magistério indígena. O PNE ainda

prevê a criação de programas específicos para a melhoria da estrutura física das escolas

indígenas e a necessidade de regularizar juridicamente essas escolas, orientando as

comunidades indígenas na elaboração dos seus projetos político-pedagógicos,

regimentos, currículos, materiais didático-pedagógicos e conteúdos programáticos

adaptados às particularidades étnicas culturais e linguísticas próprias de cada povo

indígena. Silva R. (2001) ao analisar o PNE, lamenta que o documento apenas reproduz

o que já está estabelecido em outras normas e leis. Por outro lado, analisa que alguns

pontos tratados no documento podem servir como obstáculo no processo de consolidação

da educação escolar indígena intercultural e específica. Podemos citar como exemplo a

meta que define como responsabilidade do Governo Estadual a oferta da Educação

Escolar Indígena e coloca que a construção do currículo indígena deve ser norteada pelos

Parâmetros Curriculares Nacionais, quando outros documentos orientadores (como o

Parecer nº14 e a Resolução nº3, ambos do CNE/CBE) orientam para a flexibilização do

currículo.

No último PNE (BRASIL, 2011), na intenção de fazer um documento mais

genérico e “enxuto”, que abordasse apenas propostas globais, reduzindo metas e

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31

objetivos, não possibilitou a abordagem dos grupos historicamente excluídos; apenas há

referência genérica às “diversidades étnicas, religiosas, econômicas e culturais”

(BRASIL, 2011, p. 1), sendo alvo de críticas no movimento indígena e indigenista.

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) (BRASIL 2007)

apresenta entre as recomendações o apoio para o desenvolvimento de políticas públicas

destinadas a promover e garantir a educação em direitos humanos às comunidades

quilombolas e aos povos indígenas, assegurando condições de ensino-aprendizagem

adequadas e específicas aos educadores e educandos; fomentar ações educativas que

estimulem e incentivem o envolvimento de profissionais dos sistemas com questões de

diversidade e exclusão social; capacitar os profissionais do sistema de segurança e justiça

em relação à questão social das comunidades rurais e urbanas (BRASIL, 2007).

O Decreto 6861/2009 cria os Territórios Etnoeducacionais e rompe com a divisão

política-administrativa do território brasileiro, colocando em ênfase as territorialidades

de cada povo indígena, respeitando suas necessidades específicas. O Decreto também

propõe que se faça uma articulação entre os entes Federativos a partir de uma pactuação

que deve ser efetivada em um Plano de Ação, a ser elaborado pelos governos

estadual/municipal juntamente com os indígenas, universidades e entidades indigenistas.

O Estado de Pernambuco, contudo, ainda não oficializou o Território

Etnoeducacional definido pelos povos indígenas do Estado e nem articulou os entes

federativos e os demais representantes indígenas e indigenistas para a construção do Plano

de Ação.

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) (BRASIL, 2010) elenca,

entre suas ações estratégicas, doze tópicos para a Educação Escolar Indígena. Dentre eles,

destacamos: aplicar os saberes dos povos indígenas e das comunidades tradicionais na

elaboração de políticas públicas, respeitando a Convenção 169 da OIT; proteger e

promover os conhecimentos tradicionais e medicinais dos povos indígenas; implementar

políticas de proteção do patrimônio dos povos indígenas, por meio dos registros material

e imaterial, mapeando os sítios históricos e arqueológicos, a cultura, as línguas e a arte;

promover projetos e pesquisas para resgatar a história dos povos indígenas; promover

ações culturais para o fortalecimento da educação escolar dos povos indígenas,

estimulando a valorização de suas formas próprias de produção do conhecimento; garantir

o acesso à educação formal pelos povos indígenas, bilíngue e com adequação curricular

formulada com a participação de representantes das etnias, indigenistas e especialistas em

educação; adotar medidas de proteção dos direitos das crianças indígenas nas redes de

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ensino, saúde e assistência social, em consonância com a promoção de seus modos de

vida (PNDH-3, p. 89-90). E propõe enquanto ação governamental mais ampla: assegurar

aos povos indígenas uma educação escolar diferenciada, respeitando o seu universo

sociocultural, e viabilizar apoio aos estudantes indígenas do ensino fundamental, de

segundo grau e de nível universitário; apoiar o processo de revisão dos livros didáticos

de modo a resgatar a história e a contribuição dos povos indígenas para a construção da

identidade nacional; desenvolver políticas de proteção do patrimônio cultural e biológico

e dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, em especial as ações que tenham

como objetivo a catalogação, o registro de patentes e a divulgação desse patrimônio

(BRASIL, 2010).

Nos dois documentos nacionais de Direitos Humanos, percebemos que a

participação do movimento indígena foi garantida e que suas principais reivindicações

estão presentes.

Em 2012, o Conselho Nacional de Educação reelaborou as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Escolar Indígena13, mas desta vez de caráter mandatório e

com diretrizes atualizadas a partir do debate atual sobre a Educação Escolar Indígena e o

acúmulo de experiências que os povos já vivenciaram desde as diretrizes anteriores (em

1999). Este novo parecer teve como relatora uma representante indígena que buscou

contemplar a legislação vigente, como as metas estabelecidas na Conferência Nacional

da Educação Escolar Indígena em 2009. As novas diretrizes têm como objetivo:

a) orientar as escolas indígenas de educação básica e os sistemas de

ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na

elaboração, desenvolvimento e avaliação de seus projetos educativos;

b) orientar os processos de construção de instrumentos normativos dos

sistemas de ensino visando tornar a Educação Escolar Indígena projeto

orgânico, articulado e sequenciado de Educação Básica entre suas

diferentes etapas e modalidades, sendo garantidas as especificidades

dos processos educativos indígenas; c) assegurar que os princípios da

especificidade, do bilingüismo e multilinguismo, da organização

comunitária e da interculturalidade fundamentem os projetos

educativos das comunidades indígenas, valorizando suas línguas e

conhecimentos tradicionais; d) assegurar que o modelo de organização

e gestão das escolas indígenas leve em consideração as práticas

socioculturais e econômicas das respectivas comunidades, bem como

suas formas de produção de conhecimento, processos próprios de

ensino e de aprendizagem e projetos societários; e) fortalecer o regime

de colaboração entre os sistemas de ensino da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios, fornecendo diretrizes para a

13 Parecer CNE/CEB Nº13/2012 de 10 de maio de 2012.

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33

organização da Educação Escolar Indígena na Educação Básica, no

âmbito dos territórios etnoeducacionais; f) normatizar dispositivos

constantes na Convenção 169, da Organização Internacional do

Trabalho, ratificada no Brasil, por meio do Decreto Legislativo nº

143/2003, no que se refere à educação e meios de comunicação, bem

como os mecanismos de consulta livre, prévia e informada; g) orientar

os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios a incluir, tanto nos processos de formação de professores

indígenas, quanto no funcionamento regular da Educação Escolar

Indígena, a colaboração e atuação de especialistas em saberes

tradicionais, como os tocadores de instrumentos musicais, contadores

de narrativas míticas, pajés e xamãs, rezadores, raizeiros, parteiras,

organizadores de rituais, conselheiros e outras funções próprias e

necessárias ao bem viver dos povos indígenas; h) zelar para que o

direito à educação escolar diferenciada seja garantido às comunidades

indígenas com qualidade social e pertinência pedagógica, cultural,

linguística, ambiental e territorial, respeitando as lógicas, saberes e

perspectivas dos próprios povos indígenas. (BRASIL/MEC/CNE/CEB,

2012, p.3)

Com estas novas diretrizes, os povos indígenas e o Conselho Nacional de

Educação procuraram superar as limitações e preencher as lacunas da legislação anterior.

Em relação ao currículo indígena, o documento orienta que seja construído a partir de

uma perspectiva intercultural e do projeto de sociedade e escola de cada povo,

considerando as condições de aprendizagem do estudante e de trabalho do professor, o

tempo e espaços da escola e outros espaços comunitários/educativos; e define alguns

critérios que devem ser observados na organização curricular das escolas:

a) de reconhecimento das especificidades das escolas indígenas quanto

aos seus aspectos comunitários, bilíngües e multilíngues,

interculturalidade e diferenciação; b) de flexibilidade na organização

dos tempos e espaços curriculares, tanto no que se refere à base nacional

comum, quanto à parte diversificada, de modo a garantir a inclusão dos

saberes e procedimentos culturais produzidos pelas comunidades

indígenas, tais como línguas indígenas, crenças, memórias, saberes

ligados à identidade étnica, às suas organizações sociais, às relações

humanas, às manifestações artísticas, às práticas desportivas; c) de

duração mínima anual de duzentos dias letivos, perfazendo, no mínimo,

oitocentas horas, respeitando-se a flexibilidade do calendário das

escolas indígenas que poderá ser organizado independente do ano civil,

de acordo com as atividades produtivas e socioculturais das

comunidades indígenas; d) de adequação da estrutura física dos prédios

escolares às condições socioculturais e ambientais das comunidades

indígenas, bem como às necessidades dos estudantes nas diferentes

etapas e modalidades da Educação Básica; e) de interdisciplinaridade e

contextualização na articulação entre os diferentes campos do

conhecimento, por meio do diálogo transversal entre disciplinas

diversas e do estudo e pesquisa de temas da realidade dos estudantes e

de suas comunidades; f) de adequação das metodologias didáticas e

pedagógicas às características dos diferentes sujeitos das

aprendizagens, em atenção aos modos próprios de transmissão do saber

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34

indígena; g) da necessidade de elaboração e uso de materiais didáticos

próprios, nas línguas indígenas e em português, apresentando conteúdos

culturais próprios às comunidades indígenas; h) de cuidado e educação

das crianças nos casos em que a oferta da Educação Infantil for

solicitada pela comunidade; i) de atendimento educacional

especializado, complementar ou suplementar à formação dos estudantes

indígenas que apresentem tal necessidade. (BRASIL/MEC/CNE/CEB,

2012, p.24-25)

Esses critérios procuram forçar os sistemas de ensino a criarem condições

adequadas de atendimento à Educação Escolar Indígena. Assim como, formação dos

professores e o fomento à pesquisa e à produção de materiais didáticos específicos.

Para Barbalho (2012, p. 184) toda a legislação pós-constitucional não aparece por

acaso; é resultado de uma “abertura política do aparelho estatal, forçado pela conjuntura

das pressões internacionais, ou por atos isolados de setores progressistas vinculados a

determinadas esferas de governo”.

As contradições do que está preceito na legislação educacional para as escolas

indígenas e o que acontece na prática estão muito presentes nas nossas entrevistas. Mesmo

sem o reconhecimento oficial, as etnias já realizam experiências interculturais e criam

elementos específicos no currículo.

A partir de uma lógica decolonial, Secchi (2002) acredita que a legislação atual

não superou a lógica do modelo integracionista que exerce o controle sobre a educação

escolar indígena e cerca o direito dos índios ao protagonismo de sua própria política

educacional:

a legislação admitiu a alteridade e tolerou a diferença, mas manteve

resguardado o direito discricionário de conceder direitos. Nela, o

reconhecimento à diversidade cultural, aos direitos específicos, à

liturgia diferenciada para as suas escolas etc. seriam como marcos ou

garantias de um porvir de cidadania, de respeito e de valorização das

sociedades indígenas. (SECCHI, 2002, p. 137)

O questionamento de Secchi faz sentido pois mostra que o sistema concede um

espaço, mas ele não se transforma nas suas bases estruturais, financeira e do agir

institucional. O espaço conquistado para uma educação intercultural e específica está

dentro da mesma lógica colonizadora que vem sendo praticada desde a colonização.

Assim, mantendo o controle sobre o que é ensinado e continua privilegiando

determinados conteúdos.

Para Silva (2000) essa condição de controle e privilégio está intimamente ligada

ao fato do Brasil ter sido um país colonizado e escravocrata. Essa condição:

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35

gerou uma cultura de submissão, de autoritarismo, com

comportamentos de servidão, de mando e de privilégios, em que o

indivíduo é desrespeitado em sua condição fundamental de pessoa

humana, tratado como “objeto” de manipulação dos seus

“proprietários”, enfim, não é considerado cidadão. (SILVA, 2000, p.

20)

Apesar do reconhecimento da conquista de direitos por parte dos povos indígenas,

alguns pesquisadores criticam a ausência de autonomia e protagonismo dos povos nos

espaços de decisão e formulação da legislação, que em alguns momentos apenas são

consultados, mas não têm o poder decisório sobre as políticas e ações que afetam suas

comunidades (ALMEIDA, 2001; ESCOBAR, 2003; FAUSTINO,2006; BARBALHO,

2012).

Para Faustino (2006), os documentos mais importantes da política de educação

escolar indígena dos anos 90 foram oficializados mais por pressão internacional do que

para atender aos anseios das populações indígenas. Assim como afirma nesta passagem:

“uma padronização internacional, tendo sido mais um instrumento organizado pelo MEC

para responder a “agenda reformista” imposta pelos organismos internacionais” (ibidem,

p. 158), para atender as transformações sociais, institucionais, jurídicas, políticas e

econômicas exigidas na consolidação do neoliberalismo.

Como exemplo, temos em Pernambuco o Programa de Qualidade na Educação

(Eduq), em parceria com o Banco Mundial, que atuou na Educação Escolar Indígena no

período de 2006 a 2010 e impulsionou a construção de 15 escolas e realização de três

formações com professores dos anos iniciais voltados para o letramento e alfabetização

matemática. O programa fazia parte de uma agenda reformista econômica financiada pelo

Banco que considerava a educação como pilar fundamental para o crescimento

econômico e o desenvolvimento social14.

O currículo intercultural indígena específico, então, torna-se um aliado na

concretização do projeto de sociedade de cada povo indígena, pois conterá os princípios

e saberes que cada etnia escolha como importantes, na perspectiva de dialogar com os

saberes de outras sociedades. Mas a construção desse currículo ainda esbarra em questões

administrativas e conceituais. Segundo Almeida (2001), ainda há um longo percurso para

14 Para uma análise mais aprofundada sobre a presença do Banco Mundial e os projetos educacionais

financiados pelo mesmo, ler Figueiredo (2009).

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efetivar os direitos garantidos pela legislação, enquanto política educacional e prática

pedagógica.

Escobar (2003, p. 13), ao analisar os documentos legais que definem e orientam a

Educação Escolar Indígena, chega à conclusão de que o neoliberalismo e a globalização

“comprometem ou dificultam a desejada autonomia dos povos indígenas”. Visto que a

globalização é o resultado do processo de expansão do capitalismo moderno, chamado

por Quijano (1998) de capitalismo colonial/moderno, como uma nova forma de controle

do poder a nível mundial e o liberalismo é materialidade do primeiro.

A ideia de garantir conteúdos básicos comuns15 que não isolem os indígenas nos

seus próprios saberes, pode proporcionar o sentido da integração dos índios à sociedade

nacional e, muitas vezes, impedem que os indígenas pratiquem suas formas próprias de

aprendizagem.

Quando voltamos nosso olhar para as reivindicações do povo Fulni-ô que pedem

a flexibilização dos 200 dias letivos e do cronograma da Secretaria Estadual de Educação

para distribuição da merenda e do material escolar, já que o calendário escolar do povo é

diferente de todas as outras escolas da rede por conta do ritual religioso, sendo organizado

de dezembro a agosto do ano subsequente. A autonomia do povo esbarra na ausência de

uma política de estado específica para atender a essa especificidade e, a cada mudança de

gestão, as lideranças recomeçam a luta para fazer-se entender e respeitar.

Como veremos mais adiante, outras pautas, consideradas mais urgentes, foram

colocadas como prioridade e a construção do currículo e de outros documentos

normativos foram colocadas em segundo plano.

O entendimento de que a educação é um direito e a luta por uma educação

específica e diferenciada continua na pauta de reivindicação dos povos indígenas, que

buscam em diferentes espaços de negociação e disputa de poder, consolidar os direitos

que foram garantidos pela Constituição Federal. Como percebemos no lema da Comissão

de Professores Indígenas de Pernambuco (COPIPE): “A educação é um direito, mas tem

que ser do nosso jeito”.

15 Conforme o Artigo 210 da Constituição Federal (1988): “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino

fundamental (...)”; e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação quando no artigo 26 afirma: “Os currículos

da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser

complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,

exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos”.

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37

A organização de professores indígenas de Pernambuco reconhece a importância

da educação escolar como um direito inalienável e, ao mesmo tempo, reivindica que essa

educação esteja alicerçada, construída a partir do seu “jeito de ser” e que respeite sua

organização social e sua autonomia.

2.3 A Educação Escolar Indígena nos dias atuais: debatendo o direito a educação

A Constituição Federal (CF) de 1988 é considerada a legislação “mais liberal e

democrática da história do país [...], no qual os direitos foram ampliados em todas as

dimensões: civil, política, social e cultural” (SILVA, 2000, p. 15). A partir de então, o

país reconheceu oficialmente a nossa diversidade cultural e também a obrigatoriedade de

criação de políticas e outras ações para promover o combate à discriminação etnorracial

e preservação das diferentes culturas (BRASIL, 1988).

Neste sentido, a CF de 1988 foi um divisor de águas da forma como o Estado

passa a entender os povos indígenas, reconhecendo-os como grupo social que possuem

formas de organização, valores e costumes próprios:

Artigo 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social,

costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as

terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,

proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (BRASIL, 1988)

No que concerne à Educação, no Artigo 205 da CF, a educação é um direito de

todos, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa para exercer sua cidadania e o preparo

para o trabalho. Da mesma forma, trouxe uma nova perspectiva para a escola presente nas

comunidades indígenas desde a época da colonização, que negava a identidade indígena

e oprimia os costumes e tradições dos povos, e uma escola indígena que valoriza as

práticas específicas e favorece a recuperação/afirmação de sua identidade, ao garantir aos

povos indígenas uma educação específica e diferenciada. A Constituição de 88 garantiu,

também, que o ensino seja realizado na sua língua materna, respeitando suas próprias

formas de aprendizagem.

Entendemos que num Estado Democrático essa nova concepção de educação para

os povos indígenas está pautada no princípio da interculturalidade, com o acesso aos

conhecimentos da base curricular comum e o uso dos saberes e práticas específicos.

Precisamos, porém, refletir acerca do sentido de cidadania para cada sociedade

indígena que é diferente entre si e em relação ao sentido nacional. Para Luciano-Baniwa

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(2006) a cidadania, entendida como direitos e deveres comuns a indivíduos que partilham

os mesmos símbolos e valores nacionais, reflete uma visão limitada e etnocêntrica e que

a discussão sobre uma cidadania indígena brasileira não é pensada nesse processo. A

cidadania nacional deve, então, ser desnaturalizada e questionada. Países latino-

americanos como Bolívia e Equador já constituíram um estado plurinacional, quando

reconhecem aos povos originários o direito a sua própria cidadania16.

Nesta visão, cada povo indígena constitui-se como uma sociedade única, na

medida em que se organiza a partir de uma cosmologia particular própria que baseia e

fundamenta toda a vida social, cultural, econômica e religiosa do grupo (LUCIANO–

BANIWA, 2006).

A criação do Estado-Nação nacionalizou sociedades com profundas diferenças

sociais, culturais e religiosas, implicando na formulação da ideia da cidadania e na

democracia nacional. Para Quijano (2005), toda força que articula formas diferentes de

vivência numa totalidade única é uma estrutura de poder, que parcial ou totalmente, é

uma forma de imposição de alguns, mas frequentemente, de certo grupo sobre os outros.

Assim a ideia que constituiu a sociedade brasileira como única é criada como forma

manutenção dos interesses e do poder advindos da colonialidade.

No âmbito da educação, a universalização da educação básica é um direito com

um longo percurso a ser cumprido. Segundo dados da Pnad (IBGE, 2008 apud PNE,

2011), o crescimento da taxa de atendimento das crianças e jovens entre 0 e 17 anos é de

1,2 pontos percentuais ao ano; com isso, essa meta só seria alcançada em 2030. Quando

se analisa dados referentes às Regiões Norte e Nordeste, às áreas rurais e aos povos

tradicionais (indígenas e quilombolas), vemos a materialidade dessa diferença. Para os

jovens indígenas, com idade entre 18 e 24 anos, a média de escolaridade é de 8,7 anos,

sendo que a média nacional é de 9,3 anos. Apesar de estar abaixo da média nacional,

podemos perceber que essa diferença vem diminuindo, quando comparamos com dados

de 2005, em que a média de escolaridade entre jovens indígenas estava em torno de 7,9

anos e a média nacional de 8,7 anos.

Os dados do censo escolar 2010 revelam que a Educação Escolar Indígena

representa 0,5% do total de matrículas na Educação Básica, com 246.793 alunos (MEC,

16 WALSH (2008) aprofunda a discussão sobre Estado, plurinacionalidade e cidadania e as experiências na

América Latina.

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39

2010). A tabela abaixo, extraída do resumo técnico do Censo Escolar 2010 (p. 23), mostra

a evolução das matrículas na Educação Escolar Indígena de 2007 a 2010, com destaque

especial, para a ampliação dessa matrícula nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no

Ensino Médio:

Quadro 1 - Número de matrículas da Educação Indígena por Etapas e Modalidades de Ensino no Brasil

de 2007 – 2012.

Observando a tabela podemos constatar que o número de matrículas aumenta

significativamente até 2010, a partir de 2011 há uma leve redução. Mesmo assim, até

2012, o aumento das matrículas foi de 12,80%, em relação à 2007. No Ensino Médio, por

exemplo, de 2007 a 2010, podemos notar um aumento de 54% no número de alunos,

tendo uma redução nos anos seguintes17.

Apesar da redução de alunos na Educação Escolar Indígena a partir de 2010, o

número de escolas vem aumentando gradativamente desde 1999, conforme observamos

no gráfico abaixo:

17 Percebemos que seria necessária uma investigação mais aprofundada para descobrir as causas do declínio

no número de matriculados a partir de 2010.

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Gráfico 1 - Números de estabelecimentos de ensino na Educação Escolar Indígena no Brasil,

1999 a 2012.

Fonte: MEC/Inep/DEED.

Esse aumento no quantitativo de escolas, provavelmente, acompanha o

reconhecimento de novas comunidades indígenas e, consequentemente, a necessidade de

ampliação da rede para atende-las. De 1999 para 2012, mais que dobrou o número de

escolas indígenas no Brasil. A partir da figura abaixo, podemos observar o aumento de

comunidades e a da densidade de populações indígenas ao comparar os Censos

Demográficos de 1991, 2000 e 2010, respectivamente:

Figura 1 - Mapa da densidade populacional indígena em 1991, 2000 e 2010.

Fonte: IBGE, 2010. Adaptado pela autora.

Como vimos as conquistas no âmbito da Educação Escolar Indígena foram fruto

de pressões internacionais, mas, principalmente, da mobilização e organização dos

movimentos indígenas, indigenistas e também dos direitos humanos. Justamente, a

importância dos movimentos sociais em direitos humanos dar-se-á da necessidade de que

demandas sociais sejam asseguradas como garantia de direitos. Segundo SILVA E. (1999,

pág. 45), “os movimentos sociais são instrumentos de pressão política”.

Percebemos que o Estado é muitas vezes, o promotor dos direitos humanos, e ao

mesmo tempo, é violador desses direitos. Alguns governos, por sua vez, usam alguns

1.392

2.323

2.765 2.817

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

1999 2005 2010 2012

Número de estabelecimentos na Educação Escolar Indígena

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41

princípios dos DH para esconder o teor violador de suas ações. Os tratados internacionais,

assim como, os movimentos em prol dos direitos humanos, estimulam o debate e a

construção de ações assecuratórias de direito. Percebemos, também pelos dados e pelos

autores pesquisados, que a educação escolar vem sendo gradativamente ampliada para as

populações indígenas. Ainda há um caminho longo para que a educação escolar

intercultural seja de fato garantida a todos.

2.4 A Educação Escolar Indígena: debatendo a educação específica, diferenciada e

intercultural

Já vimos que a educação é um direito básico, que deve ser garantido a toda a

população. Nos casos dos povos indígenas, a partir das mobilizações realizadas pelo

movimento indígena e indigenista pró-constituinte, a legislação garante uma educação

específica, diferenciada e intercultural, mas a consolidação desse direito ainda é um tema

de muitas divergências e que está longe de ser concretizado para todos os povos.

Em relação ao direito conquistado legalmente a uma educação específica, Testa

(2007, p. 10) afirma que:

[...] existe uma lacuna entre o reconhecimento legal de

direitos educacionais específicos e sua implementação,

que depende não apenas de condições para a execução de

políticas, mas também exige revisão e a reelaboração de

propostas concebidas num plano mais amplo para os

contextos locais onde as escolas estão inseridas.

A efetivação do direito à educação indígena intercultural e específica ainda é algo

que o Estado não consegue garantir na sua plenitude, apesar de reconhecermos que o

número de alunos, escolas e professores vêm aumentando gradativamente ao longo dos

anos. Para entender as razões desse não atendimento, buscamos compreender os conceitos

de interculturalidade, específico e diferenciado e qual sua relação com a educação

indígena, embora sabendo que outras variáveis, no conjunto da política educacional,

interferem na efetivação dos direitos, entre elas a dotação orçamentária para o

desenvolvimento da educação escolar indígena.

Na revisão da literatura, encontramos vários trabalhos que estudam o conceito de

educação específica e diferenciada para um determinado povo ou grupos regionais de

povos, como Franchetto (1994), Nascimento (2000, 2005), Testa (2007), Silva B. (2010),

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Valentini (2010) e Barbalho (2012). É comum entre eles destacar o esforço dos povos em

implementar uma educação diferenciada e específica, mas que é encontrada resistência,

justamente nos órgãos de administrativos e de controle que insistem em não reconhecer

as práticas específicas e legítimas de cada povo.

Quando pensamos nessa questão do não reconhecimento das práticas específicas,

podemos citar o exemplo da caderneta escolar que para alguns coordenadores indígenas

não atende a especificidade da educação escolar do seu povo, por não contemplar a

oralidade, as práticas próprias e os conteúdos específicos.

Um outro ponto importante para entender a razão por que os indígenas e diversos

setores da sociedade civil organizada reivindicaram essa escola específica, diferenciada e

intercultural é o fato de que, à época do primeiro contato com o “homem branco”,

existiam no território brasileiro mais de 1.400 povos indígenas, com diferentes costumes,

línguas, culturas, organização social e, principalmente, com diferentes cosmovisões.

Contudo, toda essa diversidade social, linguística, cultural, política foi agrupada na

categoria índio ou indígena. O modelo de escola era único para todos as nações do

território colonizado:

A construção da educação escolar indígena diferenciada poderá ser uma

realidade, na medida em que o Estado brasileiro garantir aos povos

indígenas o direito de ser diferente, com todas as prerrogativas inerentes

a qualquer cidadão comum, a começar pelo respeito aos costumes e

tradições que lhes são próprios. (VALENTINI, 2010, p. 97)

No processo de reivindicar políticas públicas específicas para os povos nativos, os

indígenas adotaram o termo genérico “indígena” como um símbolo de uma luta comum,

do reconhecimento da identidade, da terra e do direito de serem diferentes. Ao mesmo

tempo, os povos entendem que existem especificidades de cosmovisão entre um povo

indígena e outro, e que, nesta perspectiva, o termo indígena não evidencia essa

diversidade e a diferença entre eles. Por isso, a especificidade torna-se bandeira de luta a

partir da conquista de direitos comuns a todos os indígenas.

Dentro do campo da educação, com o termo diferenciado “pretende-se inferir

tratamento diferenciado à escola indígena, distinguindo-a das outras unidades de ensino”

(BARBALHO, 2012, p. 180). Nascimento (2000) explica a diferença, como eixo para a

definição do currículo da escola indígena e categoria básica de produção de

conhecimento; significa, dentro da história da educação escolar indígena, uma ruptura

epistemológica, política e ideológica com as pedagogias dominantes.

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43

Silva B. (2010), ao investigar o conceito de educação diferenciada do povo

Xukuru Kariri de Minas Gerais e o lugar e papel ocupado pela escola e pela educação

escolar no contexto da comunidade, através da análise de narrativas e imagens, verificou

que o conceito de educação diferenciada está ligado ao entendimento da escola indígena

como ativo de resgate/fortalecimento da língua, da cultura e das tradições, da afirmação

da identidade indígena, como também de espaço de fronteira e de diálogo entre as

diferenças:

Tudo isso me leva a pensar e a defender que não existe uma escola

indígena diferenciada sem uma pedagogia da diferença capaz de guiar

o planejamento de um currículo; e em seu centro estaria a discussão da

identidade e da diferença como produção, as formas como são

produzidas e fixadas. (SILVA B., 2010, p. 120)

[...] a escola diferenciada está diretamente relacionada ao “resgate” da

língua, das tradições, e da cultura. (SILVA B., 2010, p. 121)

Uma escola indígena diferenciada pode ser aquela em que o “resgate”

de costumes e tradições não se resuma ao exótico, ao folclórico, à

fixação de um índio genérico, abstrato, preso numa cultura estática,

reivindicando uma identidade cultural congelada num passado morto,

ciladas da diferença. (SILVA B., 2010, p. 122)

Assim, a ideia de uma escola indígena diferenciada está ligada às práticas

pedagógicas próprias dos povos indígenas, onde a cultura e as tradições dialogam o tempo

todo com o currículo, com a escola e com a comunidade escolar. Nela a identidade

daquele povo é constantemente (re)afirmada e (re)inventada. O termo diferenciado aqui

é entendido não apenas como uma diferença de população, cor ou etnia, mas, acima de

tudo, cultural e de visão do mundo sobre o passado, o presente e o futuro (LUCIANO–

BANIWA, 2006).

Silva An. (2012), ao estudar a educação dos índios Tikuna, observou que o ensino-

aprendizagem nas referidas escolas está sendo desenvolvido na direção de uma educação

específica e diferenciada que possibilite a afirmação étnica e cultural daquele povo. A sua

pesquisa ressaltou que o ensino da língua materna e de arte e cultura Tikuna possibilitou

o fortalecimento da sua identidade étnica, “mantendo viva a sua língua e muitos

elementos de sua cultura” (SILVA AN., 2012, p. 3). A pesquisadora concluiu que, mesmo

com esses avanços do currículo específico, é preciso superar as deficiências na área de

formação dos professores Tikuna e a resistência do poder público em reconhecer a

especificidade do povo para que se possa efetivar uma educação diferenciada e específica.

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Já o termo “específico”, dá a conotação de que cada povo indígena tem uma

cosmovisão diferente (ou específica), a partir dela se dá a relação desse povo com a

natureza, com a terra, com o outro (índio e não-índio).

Assim como nos colocam Vieira-Rodrigues e Nascimento-Maciel (2012, p. 166)

quando tratam que “a educação diferenciada, pautada numa proposta de

interculturalidade é, sobretudo, perceber o ‘Outro’ numa perspectiva de reconhecimento

e respeito da diversidade cultural existente em nosso país”.

Para Monte (1994b, p. 424) da condição de escola diferenciada “derivam práticas

curriculares distintas na seleção dos conteúdos, na sua forma de transmissão, na fluência”.

Para Franchetto (1994), para cada povo, cada situação, é preciso estudar, pesquisar e idear

um projeto especifico. Ao trabalhar com língua indígena, por exemplo, deveríamos

definitivamente eliminar a alfabetização através de cartilhas: a escrita se introduz através

de qualquer língua (português ou indígena) pela produção de unidades significativas,

estimulantes, contextualizadas, de frases a textos.

As autoras observam que tratar de escola indígena é pensar uma nova pedagogia,

vista a partir dos elementos nascidos na própria comunidade escolar, contextualizando

com a realidade da comunidade, de forma a contemplar seus saberes e práticas (MONTE,

1994a, 1994b; FRANCHETTO, 1994) e buscar alcançar os objetivos educacionais dentro

do projeto de sociedade do seu povo.

A materialização do currículo intercultural indígena, contudo, depende também

da participação e do empenho dos professores e da compreensão dos que fazem a escola

sobre essa temática. A formação dos professores indígenas é um desafio neste sentido e

é vista sob duas óticas: a primeira trata da falta de índios com formação em nível exigido

para atuação nas modalidades ou áreas do conhecimento, principalmente nos anos finais

do Ensino Fundamental e no Ensino Médio; a realidade que foi mudando com os anos,

pois os indígenas procuraram cursos em faculdade e outras instituições próximas. Hoje,

há poucos professores não-indígenas atuando em escolas indígenas. Aqueles que

permanecem, estão com a anuência das lideranças; a segunda ótica trata da formação

específica nos cursos chamados de Licenciatura Intercultural18, já que a maioria cursou

18 Em Pernambuco, a Licenciatura Intercultural no nível de graduação é oferecida pela Universidade Federal

de Pernambuco – Campus do Agreste, tendo a primeira turma iniciado em 2009 e concluído em 2013, com

150 estudantes.

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45

pedagogia ou outros cursos de licenciatura que não eram voltados para a formação de

professores indígenas.

Essa materialização sofre influência também da relação com que os conteúdos e

saberes dos programas curriculares e dos livros didáticos oficiais dialogam com os

saberes e conteúdos específicos da sociedade indígena. Para Quijano (2005), a

colonialidade do saber criou uma dualidade do conhecimento produzido no mundo, no

processo denominado de “racionalização”. A racionalização determina as formas de se

produzir conhecimento a partir das bases coloniais de poder. Assim, o conhecimento

produzido pelas minorias não é válido. Neste contexto, a interculturalidade tem sido um

termo adotado pelos povos indígenas para destituir os conteúdos de saber oficial como

modo revelado de posições de poder e dominação teórico-cognitiva, permitindo uma

desconstrução teórica e epistêmica destes discursos e construindo experiências

diferenciadas (ALMEIDA, 2001).

A colonialidade do saber contribui com argumentações para a compreensão das

razões para que o currículo intercultural sofra tantas barreiras para sua efetivação.

O Projeto Político Pedagógico Pankará (PANKARÁ, 2007) apresenta a relação

de interculturalidade proposta por esse povo, no sentido de que a educação formal possa

fortalecer os aspectos que caracterizam a identidade do índio Pankará, sem perder de vista

o que os aproxima e diferencia um do outro:

É através do que vivemos no dia-a-dia que procuramos nos relacionar

com os outros, valorizando a pesquisa para conhecermos como os

nossos antepassados viviam, como vivemos e como os outros vivem.

Comparando e buscando o que nos diferencia e o que nos identifica

enquanto povo específico e culturalmente diferenciados. (PANKARÁ,

2007, p. 28)

A partir desta perspectiva, Santos (1997) defende uma educação em direitos

humanos a serviço de uma política progressista e emancipatória. O próprio conceito de

interculturalidade é objeto de disputa e de manipulação, uma vez que certas percepções

colocam a interculturalidade como estratégia de fácil assimilação ao modo de uma

integração romantizada entre culturas (sem considerar as relações de força que sobre elas

incidem) (FEHLAUER, 2012).

A teoria decolonial propõe que a construção de uma nova epistemologia tenha

como ponto de partida a diferença colonial, pensada a partir dos grupos minoritário e

historicamente silenciados, seguindo lógicas diferentes para a construção desse

conhecimento.

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Entendemos assim que a escola indígena é o locus legítimo para a construção

dessa nova prática pedagógica específica, diferenciada e intercultural.

2.5 A Escola Indígena enquanto locus da educação específica, diferenciada e

intercultural

Um outro aspecto que diferencia a Educação Escolar Indígena do sistema

educacional nacional é o papel que esta escola exerce no projeto de sociedade indígena e

as múltiplas implicações que ocasiona dentro e fora da sua comunidade

(CAVALCANTE, 2004).

Para Silva (2000, p. 19) a escola de uma forma geral:

aparece como um “locus” privilegiado, na medida em que trabalha com

conteúdos, valores, crenças, atitudes e possibilita o acesso ao

conhecimento sistematizado, historicamente produzido, de forma que o

aluno se aproprie dos significados dos conteúdos.

Dessa forma, a escola indígena intercultural funciona como um território19 de

desobediência epistemológica na medida em que constrói novos conhecimentos que não

foram validados pela lógica colonialista. No pensamento decolonial, a desobediência

epistêmica leva a novos caminhos metodológicos e ao pensamento de fronteira (diálogo

entre várias epistemologias).

Como foi destacado na primeira parte deste capítulo, boa parte da história da

escola nas aldeias foi marcada pela negação da identidade, a proibição do uso da língua

materna e da expressão dos costumes. Essa imposição do processo escolar entre os povos

indígenas destruiu conhecimentos milenares, guardados na memória coletiva de cada

povo e importantes para a humanidade. Nesse processo, muitos povos indígenas foram

extintos, enquanto outros sobreviveram, mas perderam parte de elementos culturais como

a língua e o território, ao terem sido obrigados a negar sua identidade, expulsos de suas

terras e misturados a outras etnias e/ou integrados à sociedade nacional. Não somente sua

19 Entendemos o território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais, uma marcação geográfica,

adotamos o sentido de território de Santos (2002, p. 08): “O território usado é o chão mais a identidade. A

identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o

lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida”

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cultura, costumes e tradições foram negados aos próprios, como a sua contribuição para

a construção da sociedade brasileira foi apagada.

Para Almeida (2001) a luta pela educação específica tem como um dos principais

espaços de luta o espaço escolar. Isso é corroborado no PPP do Povo Pankará quando

afirmam que a escola Pankará serve para:

formar guerreiros e guerreiras lutadores/as por nossos direitos,

participativo e atuante no nosso povo e preparados para a convivência

numa sociedade intercultural. A nossa escola tem o papel de fortalecer

a identidade étnica do aluno no respeito ao patrimônio histórico e

cultural deixado por nossos antepassados, compreendendo o processo

de resistência, luta e conquista do povo. (PANKARÁ, 2007, p. 28)

No caso da educação escolar indígena, a escola deve ser pensada, organizada e

planejada a partir do projeto de sociedade do povo ao qual pertence.

Assim, como forma de demarcar um espaço de luta, os indígenas costumam

distinguir a educação do povo em duas: a Educação Indígena e a Educação Escolar

Indígena, como já introduzimos essa questão no marco legal da Educação Escolar

Indígena. A primeira “refere-se aos processos próprios de transmissão e produção dos

conhecimentos dos povos indígenas” (Luciano–Baniwa, 2006, p. 129) e ocorre no

convívio da família, nos espaços e eventos comunitários. Já a Educação Escolar Indígena

refere-se ao espaço/sistema:

apropriada pelos povos indígenas para reforçar seus projetos

socioculturais e abrir caminhos para o acesso a outros conhecimentos

universais, necessários e desejáveis, a fim de contribuírem com a

capacidade de responder às novas demandas geradas a partir do contato

com a sociedade global. (Luciano–Baniwa, 2006, p. 129)

A Educação Indígena, portanto, traspassa os muros da escola ao representar todos

os processos de construção e transmissão do conhecimento da etnia. A Educação Escolar

Indígena indica o processo de ensino-aprendizagem ligado a um Sistema de Educação,

mas que também faz parte da Educação Indígena.

Valentini (2010) analisou a relação entre a proposta de educação específica para

a Educação Escolar Indígena – garantida pela Constituição Federal – e sua efetivação, na

Escola Estadual Indígena Djekupé Amba Arandu, em São Paulo. Valentini (2010)

percebeu que, apesar da escola ser uma instituição exógena à cultura indígena:

passou a ser entendida como espaço de acesso a conhecimentos

acumulados pela humanidade, como, também, de valorização de

práticas tradicionais” (p. 95) e que a “participação efetiva da

comunidade, a prática das línguas maternas e de metodologias de

ensino-aprendizagem , calendários diferenciados e materiais

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específicos, representam os elementos essenciais para construção de

uma nova realidade escolar. (VALENTINI, 2010, p. 95 e 96)

Testa (2007), ao estudar a educação do povo Guarani, verificou que a educação

não se restringe ao espaço escolar; para ela, a escola não ocupa um lugar central nos

processos de produção e transmissão de conhecimento.

Essa distinção foi importante para a manutenção de línguas, costumes e tradições

indígenas expressas na comunidade até hoje, visto que a instituição escolar visava à

integração dos índios à sociedade nacional. A educação indígena (não formal) permitiu

que alguns povos resistissem praticando secretamente seus rituais sagrados e religiosos e

ainda mantivessem sua língua materna (como por exemplo o povo Fulni-ô de

Pernambuco).

Assim como Luciano–Baniwa (2006) e Testa (2007), Almeida (2001), Cavalcante

(2004) já tinham observado que a educação do povo não se limita aos muros da escola,

existindo outros espaços educativos, como nos momentos de “luta pela terra, nos rituais,

nas reuniões do povo, no dia a dia, no plantio e na mata” (CAVALCANTE, 2004, p. 114).

No Projeto Político Pedagógico do Povo Xukuru há uma passagem que reflete a

ideia de que a educação do povo está em todos os momentos coletivos da comunidade:

A educação do povo Xukuru acontece na luta pela terra. No território

Xukuru se educa para cuidar da terra, para nela viver e por ela lutar. [...]

Os Toiope nos ensinam a respeitar o outro, os espaços sagrados, nossos

cantos, o nosso ritual, as nossas festas e os Encantos de Luz. Ensinam,

também, a entender os mistérios da Natureza. Eles possuem a ciência e

a sabedoria dos antepassados. O conhecimento que a gente precisa para

continuar sendo Xukuru [...] (XUKURU, 2005, p. 11)

Para os indígenas, o simbolismo e o sentimento representado nas expressões de fé

da educação do povo não se encaixa na estrutura da educação escolar, não pode ser

descrita na caderneta e, menos ainda, pode ser sistematizada em um livro. Pelo menos

não no formato que a educação escolar conserva ainda nos dias atuais.

Entendemos que na visão de escola com a proposta de atender aos anseios das

sociedades indígenas, a mesma precisa ter uma organização diferenciada das outras

escolas da rede estadual de ensino. Além disso, o processo educativo, o fazer pedagógico

também são diferenciados, como entende Cavalcante (2004, p. 68) ao afirmar que “[...]

isso implica que, além de trabalhar com conteúdos específicos e interculturais, a escola

terá que usar métodos próprios, uma pedagogia indígena.”

Essa pedagogia específica está ligada aos costumes, à religião, ao modo de ser de

cada comunidade. Ela é específica e surge na relação social, política e cultural que a

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comunidade cria com a escola, como nos mostra essa passagem do PPP Pankará

(PANKARÁ, 2007, p. 30): “Nossa escola está sempre em contato, sintonia, com a

comunidade e os usos do cotidiano, a fim de tornar mais específica à prática pedagógica

escolar.”

Almeida (2001) avaliou a relação que se estabelece entre a escola, o professor e a

comunidade indígena. Apesar dos dois primeiros serem elementos introduzidos nas

sociedades indígenas, os povos ressignificaram o papel que eles exercem, passando a

atuar em favor da afirmação e fortalecimento da identidade étnica, dentro dos padrões

culturais e políticos de cada povo.

O professor indígena deve atuar como agente mediador da interculturalidade do

currículo. Dentro da sala de aula, ele é que estabelece a relação entre os conhecimentos

do seu povo e os conhecimentos acumulados por outras sociedades. Os materiais

didáticos de uma escola indígena também são produzidos a partir de sua prática na sala

de aula, da vivência na comunidade e dos conhecimentos dos mais velhos. Na educação

indígena, o professor deve ir além da atividade de docência e desenvolve o papel de

pesquisador, organizador, sistematizador dos seus conhecimentos (ALMEIDA, 2001).

Conforme os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas (BRASIL, 2005, p.

20):

Os professores indígenas são os mediadores, por excelência das

relações sociais que se estabelecem dentro e fora da aldeia, por meio

também da escola. Assim, eles ou elas têm uma função social distinta

dos professores não-índios, pois assumem, muitas vezes, o papel de

intérpretes entre culturas e sociedades distintas.

No caso da Educação Escolar Indígena do povo Xukuru, para ser um professor,

entre outros pontos, é necessário: ser um guerreiro; morar na aldeia e merecer a confiança

das lideranças e da comunidade; estar comprometido com o movimento indígena e

participar ativamente da luta; participar das festas e do toré; conhecer e valorizar as

práticas linguísticas e culturais do povo (XUKURU, 2005, p. 14).

Apple (1999, p. 45) destaca a importância dos professores no processo de

resistência a um modelo de currículo que sirva para validar as estruturas sociais existentes

e, ao seu modo, tentam problematizar as relações de poder presentes no currículo oficial:

[...] é vital perceber que, embora nossas instituições educacionais de

fato operem para distribuir valores ideológicos e conhecimento, sua

influência não se resume a isso. Como sistema institucional, elas

também ajudam [...] a produzir o tipo de conhecimento [...] necessário

à manutenção das composições econômicas, políticas e culturais

vigentes.

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O professor indígena seria, então, um dos agentes mais envolvidos na construção

do currículo indígena de sua etnia, para que os saberes desenvolvidos na escola possam

favorecer os objetivos da Educação Escolar Indígena. Também nos Referenciais para a

Formação de Professores Indígenas (BRASIL, 2005, p. 37), os saberes tradicionais são

definidos como conhecimentos que “constituem o patrimônio e a memória histórica

particular de cada povo”.

Ferri (2001) discute o processo de elaboração de um currículo multicultural, na

experiência da educação escolar indígena de Santa Catarina, através de aspectos como a

reorganização da escola, o relacionamento dos conhecimentos étnicos ou não, a

metodologia de ensino e a aprendizagem, a avaliação do processo pedagógico e a

elaboração de material didático específico. Neste trabalho, a autora faz um recorte na

discussão da influência da formação do professor indígena na vivência de um currículo

multicultural, destacando o perfil de profissional que a escola indígena exige e os

conflitos causados pela presença de professores não-índios nas escolas estudadas, fazendo

com que a escola seja um espaço de conflito cultural, social e identitário.

Nesta linha de raciocínio, os aspectos citados mostram a importância de que o

professor de uma escola indígena específica seja um indígena da própria etnia. Ele é o

agente social que dá sentido à escola diferenciada, específica e intercultural, que

condiciona a escola ao projeto de sociedade do povo. Segundo Barbalho (2012, p. 36):

a escola como cenário vivo de práticas sociais é também dizer que os

atores que dela participam dispõem legitimamente da capacidade de

resistir a formas produtoras/reprodutoras de sujeição e dominação.

Neste sentido, a escola pode se transformar num espaço político de

autonomia coletiva, mesmo que coercitivamente amarrada por regras

da sociedade dominante.

Mesmo com o fim da colonização, percebemos que esse processo deixou marcas

profundas, através da colonialidade do poder, do ser e do saber. O poder exercido através

dos órgãos de promoção e controle do direito à educação, demonstram o abismo que

existe na garantia do direito à uma educação escolar indígena específica, diferenciada e

intercultural. Os indígenas continuam a lutar para que os direitos conquistados não fiquem

no papel. Neste processo a escola e o professor assumem um importante papel na

formação dos guerreiros e guerreiras indígenas, no fortalecimento da identidade e do

projeto de sociedade.

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Para que a escola exerça seu papel, é necessário construir um currículo que

favoreça as formas próprias de ensino-aprendizagem, que contemple os conteúdos e

metodologias específicas.

No próximo capítulo, analisaremos as teorias curriculares, tentando situar a

educação escolar indígena no seu processo histórico e abordando as novas perspectivas

curriculares que surgem no âmbito da educação escolar indígena.

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3 CURRÍCULO INTERCULTURAL, DIFERENCIADO E ESPECÍFICO

Antes de discutir o que dizem os teóricos atuais sobre o currículo intercultural,

diferenciado e específico, parece-nos imprescindível compreender que é o currículo e

entender que ele é algo que é construído, a partir de concepções ou ideologias. Por isso,

o currículo deve questionar e problematizar questões que aparentemente são tidas como

naturais ou fruto de fatos históricos e que ocultem ou silenciem questões sociais, políticas

e culturais de grupos minoritários. Moreira e Silva (1999, p. 31) defendem que:

“Desnaturalizar e historicizar o currículo existente é um passo importante na tarefa

política de estabelecer objetivos alternativos e arranjos curriculares que sejam

transgressivos da ordem curricular existente”.

Entender o que é o currículo e como ele vem sendo discutido e construído,

principalmente em relação aos seus objetivos, métodos e fins, passa a ser uma etapa

importante para a compreensão das questões que estão conectadas ao debate sobre o

currículo intercultural na educação indígena e para além dela.

Neste capítulo, iremos nos apoiar em autores que trazem na sua bagagem

importantes contribuições para a (des)construção das concepções de currículo e para uma

análise crítica. São eles: Monte (1994a, 1994b), Pacheco (1996), Moreira e Silva (1999),

Silva T. (1999), Fleuri (1999), Apple (1999) Carvalho (2004), Santos (2000), Canen e

Oliveira (2002), Walsh (2008), Candau e Russo (2010) e Arroyo (2011).

3.1 O Currículo como processo de construção cultural, política e de controle de

poder

A cultura está no centro das discussões sobre o mundo, pois perpassa tudo o que

acontece em nossas vidas e todas as representações que fazemos desses acontecimentos.

Esse fenômeno vem ressignificando também o papel da pedagogia e da escola. Nesse

sentido que a escola assume, o currículo é um elemento importante, pois ele dará

materialidade à proposta do cidadão que se quer formar.

O currículo é parte integrante da vida de qualquer indivíduo e pode ser

considerado como a trajetória deste indivíduo. Pacheco (1996, p. 20) define o currículo

como:

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[...] um projeto, cujo processo de construção e desenvolvimento é

interativo, que implica unidade, continuidade e interdependência entre

o que se decide ao nível do plano normativo, ou oficial, e ao nível do

plano real, ou do processo de ensino-aprendizagem.

.

Nesse sentido, o currículo vai além de procedimentos, técnicas ou métodos, está

envolto por ideologia, por conflitos de classe, raça, sexo e religião. Assim como o

currículo, podemos considerar que a educação (como vimos no capítulo anterior) está

ligada a questões culturais, sociológicas, políticas e epistemológicas por privilegiar um

tipo de conhecimento e destaca uma identidade como ideal e tenta garantir o consenso e

a hegemonia.

Considerando que o currículo é constituído pelo resultado de uma seleção de

saberes e conhecimentos (SILVA T., 1999), passa a ser tão importante quanto o

conhecimento selecionado o fato de saber de onde surgiu esse conhecimento, quem o

selecionou e a que grupo pertence. O que nos remete a uma relação de poder, de lugar,

do que é importante ou não de ser ensinado: da mesma forma que a modernidade classifica

culturas e raças, também classifica o conhecimento que emerge das sociedades ou de

culturas não hegemônicas.

O currículo nesta perspectiva seria uma “construção cultural” (PACHECO, 1996)

e deve ser estudada “na relação com as condições históricas e sociais em que se produzem

as duas diversas realizações concretas e na ordenação particular do seu discurso”

(KEMMIS, 1988, p. 44 apud PACHECO, 1996).

Os critérios que definem a seleção dos conteúdos são os principais aspectos que

diferenciam uma teoria de currículo da outra. Cada teoria defende uma seleção de saberes,

a partir de critérios específicos para atender aos objetivos propostos para a educação

formal num determinado contexto histórico, visando a estabelecer uma determinada

identidade. Esta seleção não é inocente, pois é feita a partir de uma concepção do que se

considera melhor, do que deve ser ensinado e reflete as perspectivas, interesses e visão

de mundo de determinado(s) grupo(s), que normalmente está(ão) numa posição de poder

privilegiada.

A visão de um currículo numa dimensão política da educação, como elemento

integrador das políticas e objetivos educacionais, vem conquistando espaços nas políticas

públicas, na programação escolar e, consequentemente, influencia a realidade do processo

educacional, como podemos auferir a partir do pensamento de Moreira e Silva (1999, p.

8):

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54

O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão

desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em

relações de poder, o currículo transmite visões particulares e

interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais

particulares [...], ele tem história, vinculada a formas específicas e

contingentes de organização da sociedade e da educação.

Arroyo (2011) ainda acrescenta a essa discussão a relação entre as experiências

sociais, a produção de conhecimento e o currículo escolar. Para o autor a polarização entre

o saber emergido da experiência social e os saberes escolares (científicos) é causada pela

hierarquização do conhecimento, onde “os coletivos superiores produzem experiências e

conhecimentos nobres, enquanto os coletivos tidos como inferiores, atolados nas

vivências comuns do trabalho e da sobrevivência, produzem saberes comuns”

(ARROYO, 2011, p. 116). Para Arroyo, esta concepção de currículo é segregadora e

extrapola o ambiente escolar para refletir o mundo social no qual está inserido e serve

para validar estruturas sociais, culturais e políticas hierarquizadas e segregadas: “os

currículos, seu ordenamento, a hierarquização dos conhecimentos fazem parte de

relações, experiências, interesses e tensões sociais” (ARROYO, 2011, p. 122).

Esta hierarquização do conhecimento faz com que o currículo escolar esteja em

descompasso com as transformações sociais e distante da realidade dos alunos. Moreira

e Silva (1999) trazem o exemplo de que o currículo escolar pouco ou quase nada considera

a influência da ‘cultura popular’ (como a televisão, música, dança, videogames, revistas

e internet) e os conhecimentos que provêm dessas experiências; e consideram que a

apropriação dessa cultura é importante para utilizá-la em favor de um projeto de sociedade

mais igualitária e democrática:

Não incorporar uma compreensão dessas transformações à nossa

teorização curricular crítica significará entregar a direção de sua

incorporação à educação e ao currículo nas mãos de forças que as

utilizarão fundamentalmente para seus objetivos mercadológicos.

(MOREIRA E SILVA, 1999, p. 33)

Apple (1999) identifica o distanciamento da educação com a realidade quando a

escola não questiona e não problematiza essas relações de poder; reafirma que as teorias,

as diretrizes e as práticas escolares são de caráter político e ético. Nós consideramos

também que essas relações são políticas e que é, na tensão gerada por essas relações, que

se insere a discussão do currículo indígena, onde se busca incorporar os saberes

construídos historicamente nas experiências sociais, culturais e, principalmente,

religiosas do povo indígena, num diálogo constante com saberes científicos. Para Arroyo

(2010, p. 117) “reconhecer que todo conhecimento é uma produção social, produzido em

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experiências sociais e que toda experiência social produz conhecimento pode nos levar a

estratégias de reconhecimento”. Esse reconhecimento está ligado ao reconhecimento da

diversidade cultural e ao direito de conhecer a própria história de cada povo.

O currículo, portanto, é de uma realidade potencialmente complexa e deve ser

construído levando em consideração as relações de poder, as diferentes culturas, a

identidade dos sujeitos por ele e nele envolvidos. O currículo deve ser discutido baseado

na análise crítica e sociológica dos conhecimentos por ele incorporados, fundamentado

na ideologia, na cultura e na interdisciplinaridade ou, ainda, para ‘além da

interdisciplinaridade’ (Moreira e Silva, 1999).

Para isso, é importante compreender as questões sociais, políticas e culturais que

dominaram as principais teorias curriculares que influenciaram e continuam

influenciando a escola e, consequentemente, o tipo de sociedade que é construída.

Adiante, abordaremos a relação dessas teorias com a educação oferecida aos

povos indígenas e qual a repercussão das ideias nascidas da luta do povo indígena por

uma escola diferenciada, específica e intercultural no campo curricular.

3.2 As teorias curriculares

Apesar de fazer parte da educação, os primeiros estudos de currículo enquanto

campo de pesquisa surgiram nos Estados Unidos no pós Guerra Civil, quando o processo

de industrialização exigia que as grandes indústrias contratassem mão de obra qualificada

e o governo almejava a homogeneidade cultural dos filhos de imigrantes e da comunidade

rural para promover um projeto nacional comum (MOREIRA e SILVA, 1999); a

preocupação dos especialistas em currículo era “planejar ‘cientificamente’ as atividades

pedagógicas e controlá-las de modo a evitar que o comportamento e o pensamento do

aluno se desviassem de metas e padrões pré-estabelecidos” (MOREIRA e SILVA, 1999,

p. 9).

Segundo Pacheco (1996), as chamadas teorias tradicionais do currículo

preocupavam-se com a forma e os objetivos da educação para formar uma massa de

trabalhadores especializados ou uma educação acadêmica, oferecida para a população

menos favorecida. Esse modelo de organização da educação foi predominante nos

Estados Unidos e em diversos países, inclusive o Brasil, até os anos 80. O currículo

tradicional era centrado na questão técnica onde “o sistema educacional fosse capaz de

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especificar precisamente que resultados pretendia obter, que pudesse estabelecer métodos

para obtê-los de forma precisa” (SILVA T., 1999, p. 19).

As teorias tradicionais pouco consideravam o meio em que o aluno estava inserido

e as experiências vividas fora da sala de aula; por isso, ignoravam importantes questões

culturais, políticas e sociais. A formação escolar centrava-se em expor o conteúdo pré-

selecionado para atender a um fim específico, independente do contexto histórico,

político e social. Esse processo de construção do currículo é denominado por Veiga-Neto

(2002, p. 44) de “tranquilidade epistemológica”, pois o currículo não era problematizado

e havia um certo consenso no que deveria ser ensinado.

Apesar dos estudos sobre currículo terem iniciado no século XIX, a ideia de um

currículo assimilador e reducionista, já era utilizada pelo Império no Brasil colônia na

educação escolar oferecida aos povos indígenas com o objetivo de homogeneizá-los

dentro da sociedade nacional e transformá-los em mão de obra para o campo e os

trabalhos artesanais.

Por sua vez, as teorias curriculares críticas defendiam que o currículo fosse

pensado considerando sua constituição social e histórica, a qual não podia continuar se

preocupando apenas com a organização do conhecimento escolar (MOREIRA e SILVA,

1999). As teorias críticas, então, passaram a problematizar o que e para quem estava

sendo ensinado, no centro da questão dessas teorias estavam a preocupação em conhecer

as diferenças sociais e os mecanismos de controle do poder para superá-los.

Um dos exemplos foi o movimento de reconceitualização do currículo, que

questionava os parâmetros tecnocráticos estabelecidos pelas teorias tradicionais e,

inspirado em estratégias interpretativas de investigação dos significados subjetivos que

as pessoas dão às suas experiências pedagógicas, buscava desnaturalizar as categorias que

vivemos cotidianamente (SILVA T., 1999). O currículo é visto como experiência e como

local de interrogação e questionamento da experiência; o currículo não se limita à vida

escolar, mas à vida inteira (PACHECO, 1996).

Outro movimento tomava como elemento central a crítica marxista da sociedade

capitalista, que gira em torno da dominação de classe. Para esse movimento, o currículo

pode ser pensado como “[...] um campo em que se tentará impor tanto a definição

particular de cultura de classe ou grupo dominante quanto o conteúdo dessa cultura”

(MOREIRA e SILVA, 1999, p. 27). Nessa visão crítica, não se pode pensar em cultura

sem discutir questões de grupos e classes sociais, a dominação daqueles que detêm a

propriedade dos recursos materiais sobre aqueles que possuem sua força de trabalho. No

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centro da perspectiva crítica do currículo deveria estar uma concepção de identidade que

o concebesse como histórica, contingente e relacional:

As teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamento e

transformação radical. Para as teorias críticas o importante não é

desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver

conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz. (SILVA

T., 1999, p. 27)

Segundo Veiga-Neto (2002), a questão do poder era uma discussão central das

teorias críticas e, por isso, o currículo deve proporcionar aos educandos uma compreensão

sobre as questões sociais, econômicas e políticas local e mundial. O poder se manifesta

nas relações sociais (ou de poder) em que certos indivíduos ou grupos submetem outros

à sua vontade. Assim a escola e o currículo funcionariam como um forte instrumento para

manutenção dessa realidade por expressar os “interesses dos grupos e classes colocados

em vantagem em relações de poder” (MOREIRA e SILVA, 1999, p. 29).

Os movimentos pós-modernistas e pós-estruturalistas radicalizam a crítica do

currículo, questionando as formas do conhecimento da pedagogia crítica e fazendo sua

conexão com as relações de poder, assinalando o início da pedagogia pós-crítica. As

teorias pós-críticas relacionaram o processo educacional como uma questão de saber,

poder e identidade social e cultural, e ajudaram a aumentar a compreensão dos processos

de dominação e marginalização nas relações de gênero, etnia, raça e sexualidade. O termo

multiculturalismo começou a ser utilizado por “um movimento legítimo de reivindicação

dos grupos culturais dominados no interior daqueles países para terem as suas formas

culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional” (SILVA T., 1999, p. 88),

chamando a atenção para a diversidade cultural no mundo contemporâneo e combatendo

a homogeneização cultural.

Contudo, Walsh (2009) pondera que a lógica multicultural é incorporada pelo

capitalismo multinacional como uma abertura para a diversidade, mas, ao mesmo tempo,

cria ferramentas de controle e domínio do poder hegemônico nacional, regional e global.

Na verdade, o multiculturalismo é utilizado para minimizar os conflitos étnicos, sob o

pano de fundo da igualdade racial.

Para as teorias pós-críticas, discutir somente a luta de classe, gênero e identidade,

não dá conta de problematizar a relação de poder para uma parcela da população

historicamente silenciada. Para Veiga-Neto (2002, p. 49), somente a distinção “binária

entre opressores-oprimidos são insuficientes para dar conta de uma realidade que é

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multifacetada e muito complexa” que é uma sociedade globalizada. Por isso, o currículo

deve agregar as discussões sobre questões de etnia e gênero.

É nessas experiências das teorias pós-críticas que se situa a luta dos povos

indígenas por um currículo que valorize seus conhecimentos, seus saberes e que seja

agente de fortalecimento identitário. A luta dos povos indígenas não está centrada na luta

de classes, nem de gênero ou identidade, mas na luta pela terra, na luta pelo respeito como

sociedade que possui uma cosmovisão específica.

O pós-colonialismo reúne teorias que analisam as heranças e as relações políticas,

econômicas, sociais e culturais geradas pela colonização, a partir do que foi escrito tanto

do ponto de vista dominante quanto do dominado, propondo uma análise das relações de

poder entre os colonizadores e os povos colonizados. Assim como outras teorias pós-

críticas, a teoria pós-colonialista também está centrada na questão de nacionalidade,

identidade e raça. Conforme Silva T. (1999, p. 133):

A análise pós-colonial junta-se, assim, às análises pós-moderna e pós-

estruturalista, para questionar as relações de poder e as formas de

conhecimento que colocaram o sujeito imperial europeu na sua posição

atual de privilégio.

É nesse território de insubordinação e resistência epistêmica à imposição de uma

cultura dominante que se constrói o currículo indígena.

A partir da literatura feita pelo dominante, a análise utiliza-se do princípio de que

“as narrativas imperiais são vistas como parte do projeto de submissão dos povos

colonizados”. Já no caso da literatura dos dominados, o discurso é analisado “como

narrativa de resistência ao olhar e ao poder imperiais” (SILVA T., 1999, p. 129). A crítica

pós-colonialista questiona a centralidade do currículo na produção literária e cultural

europeia e propõe uma decolonialidade desse currículo:

Uma perspectiva pós-colonial exige um currículo multicultural que não

separe questões de conhecimento, cultura e estética de questões de

poder, política e interpretação. Reivindica, fundamentalmente, um

currículo descolonizado. (SILVA T., 1999, p. 134)

Na perspectiva pós-colonialista, a cultura nacional confunde-se com a cultura

dominante, já que o que unifica não é o resultado de um processo de reunião das diversas

culturas que constituem uma nação. Então, todo o conhecimento advindo de grupos

étnicos historicamente oprimidos, como o do negro e o do índio, torna-se elemento

“folclórico” ou “não científico”. Por isso, deve-se questionar o como e por quem ele foi

escrito, o lugar de onde se fala e o que está por trás dessa fala.

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Para o pós-colonialismo, um currículo multicultural crítico deve dar conta de

problematizar as desigualdades educacionais centradas nas relações de gênero, raça e

etnia, questionando as bases históricas, políticas e sociais da construção da ideia de raça

e etnia:

[...] incorporar as estratégias de desconstrução das narrativas e das

identidades nacionais, étnicas e raciais que têm sido desenvolvidos nos

campos teóricos do pós-estruturalismo, dos estudos culturais e dos

estudos pós-coloniais. (SILVA T., 1999, p. 105)

Por sua vez, o pensamento decolonial defende que, apesar da emancipação política

dos países latino-americanos, as heranças coloniais se mantêm por padrões de dominação

do poder, do ser e do saber. A colonialidade, então, reprime/nega/silencia os modos de

produção de conhecimento, os saberes, o mundo simbólico, as imagens do colonizado e

impõe novos.

Para Silva et alii (2013), o pensamento decolonial permite refletir criticamente a

política curricular brasileira. Para Oliveira e Candau (2010), as contribuições do

pensamento decolonial apresentam grande potencial de reflexão sobre a

interculturalidade, as relações étnico-raciais e a educação, por dar ênfase a uma nova

epistemologia, que emerge dos povos historicamente silenciados.

A Teoria de “Pensamento desde a Borda” emergiu desde e como uma resposta às

fronteiras epistemológicas imperiais/territoriais e da retórica da modernidade da salvação

(o conhecimento científico levaria a uma sociedade moderna e superior). O pensamento

desde a borda é a epistemologia da alteridade a partir de um projeto decolonial que está

enraizado nas experiências das colônias e dos impérios subalternos. Assim surgem das

epistemologias que foram negadas/silenciadas pela expansão imperial, negando o

privilégio epistêmico das humanidades eurocentradas.

Entendemos assim que o pensamento desde a borda, a partir de uma lógica

intercultural, evidencia questões sociais, políticas e culturais de conflitos e tensão da

lógica colonial que envolve as relações educacionais na educação escolar indígena.

Como observamos, as teorias pós-críticas do currículo centram seus discursos nas

relações de poder geradas pelas interações sociais, econômicas, políticas e culturais.

Dentro do campo das teorias pós-críticas, acreditamos que os estudos culturais e a teoria

decolonial poderão conter e propiciar categorias importantes de análise sobre o currículo

intercultural indígena. Para isso, buscamos refletir com mais profundidade nas

contribuições de diferentes pesquisadores, como Fleuri (1999), Canen e Oliveira (2002),

Carvalho (2004), Walsh (2008), Candau e Russo (2010), Santos (2000).

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60

3.3 Multiculturalismo, pluriculturalismo, interculturalidade e currículo

Neste tópico, abordaremos os principais conceitos e questionamentos sobre

multiculturalismo e interculturalidade e sua relação com a educação escolar indígena,

tentando nos posicionar nas questões que mais representam o nosso entendimento sobre

o tema. Contudo, compreendemos que não há um consenso sobre o conceito de

interculturalidade, nem na Antropologia, nem na Sociologia. Carvalho (2004), por

exemplo, analisou os discursos no âmbito da educação intercultural, percebendo que a

ideia de interculturalidade está ligada a diferentes proposições de conceitos e práticas,

sendo assim, um campo teórico em construção. Por isso, buscamos aproximações teóricas

do que vem sendo discutido no âmbito da Educação Escolar Indígena.

Antes, porém, temos que refletir sobre a interculturalidade e seus processos de

diálogo e conflito, tentando situá-la no campo dos Estudos Culturais e perpassar para

outros campos teóricos. Na nossa pesquisa, buscaremos compreender a interculturalidade

a partir da noção de cultura e, posteriormente, explicar as relações de poder que envolvem

o nosso objeto de estudo (o currículo indígena).

Segundo Williams (2000), a cultura pode ser percebida como o modo de vida

global de uma sociedade; então, seria como a experiência de vida de qualquer

agrupamento humano, independentemente de sua posição social. Neste sentido, não

existiria hierarquia de uma cultura em relação a outra.

Outra linha teórica da cultura (ORTIZ, 1994) defende que, nessa relação, a

subordinação e opressão podem ocorrer de tal forma que pode chegar a aniquilar a cultura

subordinada por completo. Nessa perspectiva, não há possibilidade de sobrevivência de

povos com cultura diferenciada quando estão submetidos às relações de poder com um

padrão cultural dominante.

A cultura, nesta pesquisa, é trabalhada, basicamente, como expressão das relações

sócio históricas de diferentes atores interagindo, local e globalmente, a partir de relações

de poder e das heranças do processo de colonização, como aborda Costa (2002, p. 138):

“é na cultura que se dá a luta pela significação, na qual os grupos subordinados tentam

resistir à imposição de significados que sustentam os interesses dos grupos dominantes”.

Compreendemos que a cultura é algo vivo, que está em constante interação e

mudanças, portanto não há cultura estática ou parada no tempo. Como também não

percebemos as mudanças culturais como sinônimo de perda, mas como sinal de

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transformações. A cultura também é vista em um campo de disputas que envolve esferas

sociais, políticas e econômicas.

Para Apple (1999), as posturas conservadoras, que visam a homogeneização

cultural, sempre estão se reinventando e ressurgindo. Isso indica a importância de discutir

tanto as relações de poder e de classe no currículo como as questões gênero e raça.

No Brasil, os movimentos sociais dos anos 80 e 90 romperam com o mito da

“igualdade racial” e propagaram possibilidades e conquistas, favorecendo uma nova

consciência acerca das diferenças culturais presentes em nosso país (CANDAU E

ANHORN, 2000). Esse processo exigiu o reconhecimento da diversidade cultural e étnica

e, mais além, impôs mudanças profundas nas bases estruturantes da sociedade. Apesar de

ainda existir uma cultura hegemônica, com forte tendência para uma homogeneização

cultural, é possível perceber algum avanço em diferentes áreas (como saúde, educação,

jurídica, entre outras) para o reconhecimento das diferentes etnias que existem no Brasil.

Sendo assim, a cultura tem cada vez mais assumido um lugar destaque na organização e

estrutura da sociedade e tudo que está associado a ela, também ganha espaço nas

discussões atuais (MOREIRA, 2002). Na mesma medida, crescem os discursos de cunho

político e econômico que colocam em ênfase tanto a cultura, quanto a constatação de uma

diversidade cultural local ou global.

Existem diferentes termos que são utilizados quando a cultura aparece como cerne

da questão e que estão presentes nos discursos de cunho político e nas políticas públicas

que vem sendo implementadas em diversas áreas (WALSH, 2008). De forma sucinta,

Fleuri (1999) expressa-se da seguinte forma:

Os termos multi ou pluricultural são os mais utilizados atualmente e

indicam uma situação em que grupos culturais diferentes coexistem um

ao lado do outro sem necessariamente interagir entre si. O termo

transcultural faz referência a elementos culturais comuns, aos

chamados "traços universais", aos "valores permanentes" nas diferentes

culturas, ou seja, identifica estruturas semelhantes de relação social ou

de interpretação em culturas diferentes, sem que estas culturas

interajam entre si. O termo intercultural indica uma situação em que

pessoas de culturas diferentes interagem, numa atividade que requer tal

interação. A interculturalidade é mais utilizada ao tratar de grupo

minoritários ou historicamente silenciados, como indígenas e negros. A

diferença entre o multiculturalismo e o interculturalismo encontra-se no

modo de se conceber a relação entre estas diferentes culturas,

particularmente na prática educativa. (FLEURI,1999, p. 279)

O termo pluriculturalismo tem sido muito utilizado na América do Sul para refletir

a particularidade e realidade da região onde povos indígenas e negros têm convivido,

durante séculos, com brancos-mestiços e onde a mestiçagem e a mescla racial possuem

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um papel significante. Tem sido utilizado para indicar uma convivência de culturas no

mesmo espaço territorial, mesmo que não haja uma profunda inter-relação equitativa.

Walsh (2008) cita os exemplos de Equador e Bolívia como experiências recentes de

sociedade plurinacionais que reconhecem a existência de diferentes grupos sociais nos

seus países e buscam, com base no interculturalismo, construir políticas e programas

públicos.

O multiculturalismo é uma característica própria das sociedades humanas e se

expressa em processos de interação, dominação, subordinação e resistência de diferentes

grupos e, consequentemente, diferentes culturas (MCLAREN, 1997). Assim, o termo

“multiculturalismo” tem sido empregado, principalmente nos discursos políticos, para

indicar o caráter plural das sociedades ocidentais contemporâneas. Para McLaren (1997),

no currículo multicultural, não há consenso no campo cultural e aceitação pacífica de

acréscimos de pontos de vista dos grupos minoritários à uma base cultural hegemônica.

O termo multiculturalismo tem suas raízes nos países ocidentais nas reformas

neoliberais que buscavam criar um relativismo cultural para esconder as profundas

diferenças sociais. As políticas e programas multiculturais abriram espaço para a

realização de atividades de cunho cultural, esportivo, religioso e educacional com a

participação de diferentes grupos (minoritários ou hegemônicos). Contudo, esse espaço

não promove uma interação entre os grupos, nem os trata com a mesma ênfase. Sendo

assim, aponta apenas para uma coleção de culturas singulares sem relação entre elas e

marcadas por uma cultura fortemente dominante.

Para Moreira (2002), o avanço está limitado a reconhecer, identificar as diferenças

e estimular a tolerância, o respeito e a convivência entre elas, o chamado

multiculturalismo benigno ou interculturalidade funcional (WALSH, 2009). Mas não se

questiona as relações de poder que se estabelecem desse contato, que tratam o que é

diferente (da cultural hegemônica) como “o outro” ou “o inferior”, o multiculturalismo

crítico ou interculturalidade crítica.

Para Canen e Oliveira (2002), o multiculturalismo crítico traz a ideia pós-moderna

da cultura dinâmica, diversa, descentralizada e descontinuada, rompendo com a

percepção moderna que defendia a evolução natural da sociedade para a construção

universal do progresso e a homogeneização cultural.

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Na visão do multiculturalismo crítico, a igualdade só poderá ser obtida a partir de

uma modificação substancial do currículo existente, tratando a questão da diferença como

uma questão histórica e política. Do ponto de vista do multiculturalismo crítico, não existe

nenhuma posição transcendental, privilegiada, a partir da qual se possa definir certos

valores ou instituições como universais (SILVA T., 1999).

Contudo, se, por um lado, o multiculturalismo permite pensar alternativas para as

minorias ao enfatizar a historicidade e o relativismo inerentes à construção das

identidades culturais, por outro lado, pode justificar a fragmentação ou criação de guetos

culturais que reproduzem desigualdades e discriminações sociais (FLEURI, 1999).

Para Santos (2000), essa fragmentação social poderia ser evitada com o

multiculturalismo emancipatório, que tem como princípio o reconhecimento do outro na

condição de sujeito de direito e de conhecimento, a partir de uma lógica pós-colonialista,

e onde a política de igualdade20 e a política da diferença21 estejam em constante tensão:

Há a ideia de que, sendo todos iguais, é fundamental que se dê uma

redistribuição social, nomeadamente ao nível econômico, e é através da

redistribuição que assumimos a igualdade como princípio e como

prática. (SANTOS, 2000, p. 21)

O multiculturalismo emancipatório, da forma como é defendido por Santos

(2000), se aproxima à ideia de interculturalidade. Contudo, a interculturalidade, além do

reconhecimento e da coexistência de diferentes identidades culturais, exige uma inter-

relação entre culturas diferentes a tal ponto que “implique um desafio à reelaboração de

cada um” (MOREIRA, 2002, pág. 22). Segundo Collet (2003, p. 181) a interculturalidade

dá “ênfase ao contato, ao diálogo entre as culturas, à interação e à interlocução, à

reciprocidade e ao confronto entre identidade e diferença”.

Percebemos que há diversas abordagens e pensamentos sobre o termo

multicultural e o multiculturalismo crítico. Canen e Oliveira (2002) denomina o

multiculturalismo crítico de “perspectiva intercultural crítica” [grifo nosso], mostrando

uma aproximação enquanto campo teórico e prático, percebemos essa convergência

quando ela aborda o significado do multiculturalismo crítico:

questionar a própria construção das diferenças e, por conseguinte, dos

estereótipos e preconceitos contra aqueles percebidos como

“diferentes” no seio de sociedades desiguais e excludentes. No caso da

20 A política da igualdade tem seu alicerce na luta de classe e acaba por não abordar outras formas de

discriminação, como as relacionadas com gênero, sexualidade, diferença etária, religiosidade, entre outras. 21 A política da diferença nasce na luta pelo reconhecimento do outro/do diferente.

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educação e da formação de professores em sociedades multiculturais e

desiguais como o Brasil, adotar o multiculturalismo crítico como

horizonte norteador significa incorporar, nos discursos curriculares e

nas práticas discursivas, desafios a noções que tendem à essencialização

das identidades, entendendo-as, ao contrário, como construções,

sempre provisórias, contingentes e inacabadas. (CANEN e OLIVEIRA,

2002, p. 61-62)

A imprecisão do conceito de interculturalidade e de usos do termo intercultural

podem indicar caminhos abertos para o diálogo e anunciar mudanças culturais, políticas

e sociais, visando a emancipação dos subalternizados, por outro lado, podem esconder

estratégias de manipulação, racismo e cooptação (WALSH, 2009). Nesta conjuntura, é

importante distinguir a interculturalidade crítica da interculturalidade funcional22.

Segundo Walsh (2009, p. 13-14), a primeira está ligada à uma “pedagogia e práxis

orientadas ao questionamentos, transformação, intervenção, ação e criação de condições

radicalmente distintas de sociedade, humanidade, conhecimento e vida”; e a segunda

refere-se a apropriação do termo intercultural por “dispositivos de poder que permitem a

permanência e o fortalecimento das estruturas sociais estabelecidas e sua matriz colonial”.

O termo intercultural, então, exige mais do que o respeito e o reconhecimento de

uma diversidade; ele procura identificar, desnaturalizar e questionar os problemas e

conflitos causados nas relações e condições históricas e atuais, da dominação, da exclusão

e desigualdade; ele busca a transformação da sociedade numa perspectiva decolonial.

Segundo Vieira-Rodrigues e Nascimento-Maciel (2012), o termo

interculturalidade na educação indígena brasileira aparece pela primeira vez na LDB,

quando trata da oferta pelos Entes Federados da Educação escolar bilíngue e intercultural

aos povos indígenas. Collet (2003) aponta que a interculturalidade surge no âmbito da

Educação Escolar Indígena como contraponto às ideologias anteriores de assimilação e

integração da diferença.

Na visão de um indígena:

A interculturalidade é uma prática de vida que pressupõe a

possibilidade de convivência e coexistência entre culturas e

identidades. Sua base é o diálogo entre diferentes, que se faz presente

por meio de diversas linguagens e expressões culturais, visando à

superação da intolerância e da violência entre indivíduos e grupos

sociais culturalmente distintos (Luciano–Baniwa, 2006, p. 50-51).

22 Grifos nossos.

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No contexto indígena, a interculturalidade, então, é concebida, dentro desse

processo de afirmação identitária, como projeto político que “orienta pensamentos, ações

e novos enfoques epistêmicos” (CANDAU e RUSSO, 2010, p. 24), que reconhece que

povos indígenas e afrodescendentes produzem conhecimento e que inclui “os

conhecimentos subalternizados e os ocidentais, numa relação tensa, crítica e mais

igualitária” (CANDAU e RUSSO, 2010, p. 27). Por isso, um currículo intercultural

indígena não se resume apenas a inclusão de conteúdos de origem indígena ou

afrodescendente, mas de uma mudança estrutural profunda que problematize a estrutura

ideológica da sociedade e do Estado e rompa com a lógica hegemônica eurocêntrica. Para

Fleuri (1999, p. 280):

As culturas são saberes de grupos e de pessoas históricas, das quais

jamais podem ser completamente separáveis. As pessoas são formadas

em contextos culturais determinados. Mas são as pessoas que fazem

cultura. Neste sentido, a estratégia intercultural consiste antes de tudo

em promover a relação entre as pessoas, enquanto membros de

sociedades históricas, caracterizadas culturalmente de modo muito

variado, nas quais são sujeitos ativos.

Os autores acima nos fazem refletir que a prática pedagógica intercultural deve

criar espaços de identificação, diálogo e problematização das diferenças com uma

perspectiva desafiadora, comprometida com um projeto de sociedade mais igualitária, e

buscando superar o discurso das diferenças culturais do ponto de vista folclórico.

Nesse sentido, construir uma educação multicultural crítica ou intercultural

implica repensar a escola e a prática pedagógica, onde se reconhece que os estudantes são

diferentes, com saberes e necessidades diferentes, o que exige uma abordagem

diferenciada do currículo e da relação pedagógica que estabelece em sala de aula.

Segundo Collet (2003, p. 181) a interculturalidade dá “ênfase ao contato, ao

diálogo entre as culturas, à interação e à interlocução, à reciprocidade e ao confronto entre

identidade e diferença”. Para Canclini (2004), a interculturalidade implica que os

diferentes estão interagindo em relações de negociação, conflitos e empréstimos

recíprocos, reforçando a ideia de interação entre diferentes grupos, o que abre a

possibilidade de um espaço para a igualdade social. Para Sartorello (2009, p. 78) a

interculturalidade se sustenta por “sentidos que representam uma variedade de posições

dinâmicas, individuais e coletivas, oficiais e alternativas, em conflito entre elas”.

Percebemos que os discursos sobre interculturalidade procuram enfatizar a ideia

de negociação, do diálogo, do reconhecimento, do conflito e da disputa de poder. Aqui

percebemos que a interculturalidade faz parte do processo de descolonização, pois nega

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66

totalmente a ideia de que existe apenas uma forma de pensar e construir conhecimento, a

partir do pensamento de fronteira torna visível a existência de outras cosmovisões, outras

lógicas, outros saberes, diferentes da lógica eurocêntrica moderna. Uma sociedade

construída a partir da interculturalidade deve buscar a emancipação dos grupos

minoritário na perspectiva de uma sociedade mais igualitária e justa.

Carvalho (2004) reforça essa ideia de interculturalidade como processo de inter-

relação entre diferentes culturas e entende que, no seu contexto adstrito da teoria pós-

colonialista, remete à resistência dos movimentos sociais em fortalecer sua identidade

cultural.

Essas ideias nos levam a entender a interculturalidade como um novo projeto de

sociedade, construído a partir do pensamento de borda, aberta para o diálogo e com

condições econômicas, sociais, de saberes, de relação com a natureza e com a

espiritualidade que busquem a igualdade de oportunidades, de convívio e de importância.

Walsh (2008) utiliza o termo “interculturalizar” para descrever o processo de construção

a partir desses princípios da interculturalidade na transformação social e estatal, orientada

pelo projeto decolonial. No gráfico abaixo, tentamos sintetizar essa ideia:

Gráfico 2 - Projeto de Sociedade, construído a partir da interculturalidade.

Fonte: Walsh, 2008. Adaptado pela autora.

A construção de um novo projeto alternativo de sociedade, que promova a

ascensão social, política, econômica e epistêmica dos grupos historicamente silenciados,

tem como eixo central os princípios da interculturalidade crítica e exige a reconstrução

das estruturas que compõe essa sociedade. Para Walsh (2009, p. 22), essa (re)construção

deve ser desde a partir dos grupos que sofreram uma histórica submissão e

subalternização, pois assim faria ressaltar o “sentido anti-hegemônico, sua orientação

com relação ao problema estrutural-colonial-capitalista e sua ação de transformação e

criação”.

Interculturalidade

Eixo central de um projeto histórico

alternativo

Transformação radical das estruturas

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O entrelaçamento teórico entre o currículo e os estudos culturais permitiu um

estreitamento na barreira que separava o conhecimento acadêmico e escolar de outros

conhecimentos considerados não científicos, visto que do ponto de vista dos Estudos

Culturais, “todo conhecimento, na medida em que se constitui num sistema de

significação, é cultural” e está “vinculado com as relações de poder” (SILVA T., 1999,

p. 144). A verdade científica, ratificada pela racionalidade, determinação e casualidade,

está sendo questionada a partir de novas "verdades" que estão assinaladas na história das

ciências.

O pensamento decolonial defende que, apesar da emancipação política dos países

latino-americanos, as heranças coloniais se mantêm por padrões de dominação do poder,

do ser e do saber. A colonialidade, então, reprime/nega/silencia os modos de produção de

conhecimento, os saberes, o mundo simbólico, as imagens do colonizado e impõe novos

saberes. Podemos constatar isso numa passagem do texto de Grosfoguel (2007, p. 35)

quando afirma que “a epistemologia eurocêntrica ocidental dominante não admite

nenhuma outra epistemologia como espaço de produção de pensamento crítico nem

científico”.

Na visão decolonial, para superar o modelo colonialista de sociedade, como

também de educação, é necessário emancipar o conhecimento-outro, que vem dos grupos

subalternizados que estão do outro lado da fronteira:

a questão central num projeto de emancipação epistêmica é a

coexistência de diferentes epistêmes ou formas de produção de

conhecimento entre intelectuais, tanto na academia, quanto nos

movimentos sociais, colocando em evidência a questão da geopolítica

do conhecimento. (OLIVEIRA E CANDAU, 2010, p. 23)

A emancipação de conhecimento-outro trará outra perspectiva para os saberes dos

povos indígenas, já que sua maior força está na memória viva da comunidade, dos anciões

e de suas lideranças, quer dizer, na oralidade. Para Franchetto (1994, p. 415) a escola

indígena é um “locus privilegiado para a oralidade, destronando a escrita, quando se trata

do uso das línguas nativas”. Na nossa pesquisa, percebemos que a oralidade vai além do

ensino de línguas maternas, mas está presente em todas as áreas do conhecimento.

Conforme ATHIAS (2010, p.3), a oralidade é a forma mais utilizada pelos povos

indígenas para transmitirem seus conhecimentos, através dos relatos mitológicos e dos

saberes do cotidiano e é construída na ancestralidade com base em princípios filosóficos

e cognitivos.

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68

3.4 Currículo intercultural e escola indígena

Como observamos no capítulo anterior, a perspectiva de um currículo intercultural

para a educação escolar indígena surgiu para se contrapor ao modelo de escola que visava

a integração dos indígenas à sociedade nacional, através da negação de sua identidade e,

consequentemente, a assimilação à cultura hegemônica.

Apesar de reconhecermos a existência de experiências “interculturais” ao longo

da história da educação escolar oferecida aos indígenas, no sentido mais restrito de troca

de experiências entre diferentes culturas, elas não problematizavam as relações de poder

e submissão existentes no currículo e na prática pedagógica, nem tampouco serviam como

instrumento de fortalecimento identitário e cultural ou para a validação de epistemologias

advindas da comunidade ao qual estava inserida.

A partir da pressão dos povos indígenas e dos movimentos indigenistas, a

Constituição Federal de 1988 trouxe uma nova concepção de educação escolar, voltada

para os povos indígenas a partir de uma perspectiva não integracionista e do

reconhecimento de que as etnias possuem culturas diferentes da sociedade nacional, e

possibilitou a organização escolar segundo seus próprios processos de aprendizagem.

Nessa perspectiva, repensar o currículo desta escola diferenciada é fundamental para

consolidar os preceitos da Constituição Federal e servir como base para uma pedagogia

transformadora. De fato, Freire (1996, p. 46-47 apud SOUZA, 2001) entende que são

essenciais para a prática educativa as questões ligadas à identidade cultural e sua

problematização:

a questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão

individual e a de classe dos educandos cujo respeito é absolutamente

fundamental na prática educativa progressista, é um problema que não

pode ser desprezado. Tem que ver diretamente com a assunção de nós

por nós mesmos.

Percebemos, assim, que para Freire a educação (formal e não formal) e a cultura

são indissociáveis; sendo assim, a educação é um problema criado pela cultura e, ao

mesmo tempo, a solução, pois é capaz de contribuir para a democratização do um novo

projeto de sociedade e para o enriquecimento cultural dos diferentes sujeitos.

O currículo intercultural indígena, em nível das práticas educacionais, sugere “o

desenvolvimento de estratégias que promovam a construção de identidades particulares e

o reconhecimento das diferenças, que sustentem sua inter-relação crítica e solidária entre

diferentes grupos” (Scherer-Warren, 1998 apud FLEURI,1999, p. 278). Nessa

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perspectiva, Fleuri (1999) percebe que a escola não reduz a outra cultura a um objeto de

estudo a mais, senão que a considera como um modo próprio de um grupo social ver e

interagir com a realidade.

Na expectativa de extrapolar o pensamento de Fleuri (1999), podemos considerar

que as possibilidades de uma educação intercultural não ficam limitadas ao âmbito da

Educação Escolar Indígena, mas podem ser uma perspectiva educacional para todas as

escolas, a partir de um sistema educacional que promova essa construção de identidades

particulares, mas que também promova o diálogo crítico entre elas e questione as relações

de poder e as estruturas que acentuam as desigualdades sociais.

A educação intercultural, dessa forma, construída a partir de um sistema que

considera a diversidade e a diferença como elementos enriquecedores, poderá contribuir

para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Para Grupioni (2003b), é necessária uma firme determinação para que a

diversidade cultural brasileira passe a integrar o ideário educacional não como um

problema, mas como um rico acervo de valores, posturas e práticas que devem conduzir

ao melhor acolhimento e maior valorização dessa diversidade no ambiente escolar.

Nesse sentido, o currículo pode ser percebido como um terreno ou território, como

discutem Arroyo (2011), Moreira e Silva (1999) e Barbalho (2012), onde a cultura é

ativamente produzida, criada e transformada, onde o conhecimento é criticamente

construído e problematizado, e que questiona a função social da escola, dos seus

educadores, as relações de poder e a desigualdade étnico-racial.

Então, apesar da escola ter sido, historicamente, um lugar para a dominação

cultural dos indígenas, atualmente, esse espaço escolar vem buscando ser mais um espaço

comunitário de fortalecimento identitário e cultural. Para Almeida (2001, p. 53): “atribuir

à escola o poder de demolir as tradições culturais, contrapõe-se aos estudos etnográficos,

que tem demonstrado como as culturas ressignificam e reelaboram elementos de outras

culturas”. A educação escolar indígena intercultural exige repensar desde sua concepção

enquanto escola às práticas pedagógicas em sala de aula23. Atualmente, muitos povos

23 Para Souza (2013), as pedagogias indígenas já existiam antes da inserção da instituição escolar nos

territórios indígenas, quando os saberes eram transmitidos no convívio com a família e com a comunidade.

O processo escolar desvalorizou esses processos próprios de ensino que foram se desfazendo ao longo do

tempo em algumas etnias indígenas.

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passam a (re)viver as pedagogias indígenas na escola, valorizando suas formas próprias

de ensino, aprendizagem e avaliação.

Ainda, segundo Almeida (2001), uma escola intercultural proporciona ao aluno a

possibilidade de compreender o mundo em que vive, relacionando os conteúdos,

problematizando-os e apropriando-se dos mesmos a partir do seu modo de ver o mundo.

A proposta da interculturalidade, neste contexto, é incorporada pelos povos indígenas

quando os mesmos apropriam-se do conhecimento produzido pelos não-índios, dando-

lhe um sentido crítico e não de simples assimilação. Segundo Antonio Nanni (1998 apud

FLEURI,1999, p. 280):

A transformação de um modelo monocultural de escola para uma

perspectiva de educação intercultural, está ligada há mudanças

profundas na estrutura da educação e principalmente nos três pilares: a

igualdade de oportunidades, vendo a necessidade de repensar os

objetivos, os conteúdos e os métodos escolares; a reelaboração

profunda da prática educativa e do material didático; a formação e

requalificação dos educadores.

É a partir dos elementos apresentados acima que podemos afirmar que o processo

de apropriação do espaço, dos conteúdos, da metodologia, da estrutura e da gestão escolar

pelos indígenas, caracteriza essa experiência como uma educação intercultural.

Mesmo com todas as conquistas garantidas pela legislação, a escola e a prática

escolar nas comunidades indígenas atuam num campo de disputas políticas, ideológicas,

de poder e de projetos de sociedades (ALMEIDA, 2001, p. 52); o fato de se proclamar a

diversidade cultural e o respeito à diferença não garante necessariamente uma postura

política transformadora por parte do sistema que atenda esses anseios do povo indígena.

Na prática, os sistemas de ensino apresentam uma distância na efetivação do

direito dos povos indígenas a uma escola intercultural, específica e diferenciada, seja pelo

despreparo ou pelo rígido olhar burocrático das equipes de educação, seja também pela

falta de autonomia na tomada de decisões das equipes indígenas (BRASIL, 1998).

Essas dificuldades refletem-se na implantação de projetos educacionais para

discussão, elaboração e desenvolvimento do currículo intercultural indígena. Muitas

vezes, há um intenso cooptação para a adaptação dos conteúdos e elementos tradicionais

do currículo indígena ao modelo adotado para as escolas não indígenas.

Essa mesma situação é colocada por Silva Ar. (2001, p. 12) como um obtáculo

para consolidação do projeto de escola indígena específica e diferenciada:

Há um grande descompasso entre, de um lado, a educação diferenciada

como projeto e como discussão e, de outro, a realidade das escolas

indígenas no país e a dificuldade de acolhimento de sua especificidade

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por órgãos encarregados da regularização e da oficialização de

currículos, regimentos e calendários diferenciados elaborados por

comunidades indígenas para suas respectivas escolas.

Silva (2000) questionava que o avanço legal dos direitos não foi acompanhado

por políticas públicas que causassem mudanças significativas na garantia dos direitos

básicos, como a educação. De fato, na Educação Escolar Indígena, a falta de uma política

pública que vise a atender a especificidade dos povos indígenas é um dos principais

desafios apontados pelos entrevistados da nossa pesquisa.

O conhecimento superficial, o desconhecimento completo ou, até mesmo, a falta

de comprometimento do poder público, em relação as leis e as concepções dos indígenas

sobre a sua educação formal, fazem com que a utilização de termos como diversidade

cultural, diferença, especificidade, identidade, cultura e resgate cultural24 em muitos dos

discursos educacionais e, da mesma forma, em muitos projetos de educação escolar

indígena no contexto contemporâneo, ainda estejam impregnados de uma visão

“etnocêntrica e distante da produção de um real diálogo cultural com as posições

indígenas” (SAMPAIO, 2006, p. 167). Collet (2003) alerta que essa educação que parece

voltada para a tolerância e o respeito visaria, na verdade, encobrir os profundos conflitos

e as estruturas de poder. Nos documentos oficiais, a diferença estaria sendo tratada como

algo natural, “um dado objetivo do mundo e não como uma construção histórica”

(COLLET, 2003, p. 183).

A formulação do currículo específico para as escolas indígenas, como processo de

fortalecimento da identidade étnica, dos costumes e saberes indígenas, foi orientada pelo

Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) (BRASIL, 1998).

Segundo o RCNEI, o currículo indígena organiza e direciona as experiências educativas

de professores e alunos num determinado período de tempo, podendo sofrer mudanças de

acordo com as necessidades diversas que vão surgindo na própria comunidade, garantindo

também a diversidade individual dentro da mesma escola.

O RCNEI apresenta-se como um documento de caráter informativo com subsídios

para a reflexão e construção de propostas curriculares e de formação de professores e

técnico para atuar nas diferentes esferas da Educação Escolar Indígena. O documento

24 O termo resgate cultural tem sido muito criticado por remeter a um conjunto cristalino de características

de que todos os membros de um grupo partilham. Assim a identidade e a cultura “fazem apelo a uma suposta

qualidade essencial, que permaneceria imutável ao longo do tempo” (SANTANA, 2012, p. 24). Como

vimos anteriormente, a cultura é viva, dinâmica e incompleta.

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reconhece as tensões e conflitos gerados entre as normas, conhecimentos, entre outros

aspectos, que surgem de uma legislação maior (como a LDB) e que vão de encontro à

organização interna dos povos indígenas. Contudo, ao mesmo tempo que reconhece essas

questões aponta caminhos para a flexibilização e o diálogo crítico:

O cotidiano da maior parte dos povos indígenas no Brasil desenrola-se

num contexto de tensão entre conhecimentos indígenas e ocidentais,

entre políticas públicas e política de aldeias, entre tendências políticas

internacionais e a definição de estratégias e de opções específicas de

vida e de futuro para populações indígenas. Supõe-se que estas tensões,

de cunho eminentemente político, passem pela escola indígena, fazendo

dela palco para o diálogo ou o conflito entre essas forças em interação.

(BRASIL, 1998, p. 36)

Para superar esses problemas, o RCNEI (BRASIL, 1998, p. 39-41) propõe que os

sistemas de ensino criem instrumentos que possibilitem um atendimento específico e

especializado nessa área. Como sejam: setores específicos com dotação orçamentária

suficiente; criação da categoria de escola indígena com instrumentos normativos e

regulamentares adequados que atendam a especificidade de todos os povos;

reconhecimento das práticas pedagógicas específicas; contratação apenas de professores

indígenas para atuar nas escolas; formação específica para professores indígenas;

construção de currículos e calendários escolares específicos com a participação ampla da

comunidade indígena; e produção de material pedagógico a partir das metodologias,

conteúdos e sistemas de avaliação específicos.

Em relação ao currículo indígena, Monte (1994a, p. 9-15) considera-o composto

por três dimensões:

1. Dimensão Pedagógica – percebida nos elementos específicos e interculturais no

processo de ensino-aprendizagem, refletida nas práticas interculturais planejadas e

realizadas pelos professores e coordenadores;

2. Dimensão Teórica – observada a partir dos registros documentais das práticas

pedagógicas, como diário de classe, planejamento e a avaliação, e também na

bibliografia publicada nacionalmente;

3. Dimensão Institucional – relacionada à natureza institucional das escolas indígenas,

já que compõem modalidade integrante do sistema de ensino, embora garantido o

direito à especificidade;

Contudo, pensamos que, em virtude do caráter comunitário da escola indígena na

formação de guerreiros e guerreiras, também deve-se considerar a dimensão sociopolítica,

estabelecida pela relação da comunidade com a escola e o papel desta na comunidade,

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que se reflete na participação das lideranças no cotidiano escolar, na presença de

elementos tradicionais nas atividades escolares e na apropriação do espaço escolar como

mais um elemento de fortalecimento identitário.

Ao pesquisar sobre a prática de ensino de professores Hupd'äh, de São Gabriel da

Cachoeira/AM, Athias (2010) observou que nesse povo os conhecimentos são

construídos em um determinado momento e contexto específicos e que não há uma figura

única com a função de transmitir e repassar esses conhecimentos, diferentes elementos

são repassados e ensinados por pessoas especializadas em determinados saberes dos

povos. A pesquisa de Athias (2010) demonstra que o sucesso da educação escolar

indígena, na perspectiva de fortalecimento identitário e cultural, está na participação de

diferentes atores da comunidade indígena e que acontece em momentos e locais

extracurriculares.

O currículo indígena deve estar atento a esses elementos específicos de

transmissão dos conhecimentos de cada povo, as pessoas que assumem a função de

“mestres” de determinados saberes, os locais e momentos onde esse conhecimento é ou

pode ser ensinado. Por isso, o currículo deve ser construído no coletivo da comunidade,

colocando as atividades específicas da etnia como conteúdos presentes em todos os

momentos pedagógicos (BRASIL, 2005). A concepção predominante dos teóricos da

Educação Escolar Indígena é que seja um currículo flexível e dinâmico, construído de

forma a potencializar a participação e a negociação entre as comunidades indígenas e não

indígenas (MONTE, 2001).

A elaboração do currículo indígena é uma iniciativa pedagógica e institucional

complexa, uma vez que deve ser construída de forma participativa, crítica e complementar

aos desenhos curriculares formulados para as escolas indígenas, o qual exige

sensibilidade para identificar e atender demandas sociopolíticas e expectativas na relação

entre o Estado e os povos indígenas (BRASIL, 2005). A legislação escolar indígena

estabelece que os sistemas de ensino criem espaços que possibilitem a construção do

currículo intercultural dos povos indígenas.

Nos debates promovidos pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco,

percebe-se que nos documentos oficiais, na prática, houve uma tentativa de adaptação da

estrutura de organização da educação indígena e dos conteúdos ao modelo adotado pela

Secretaria no período entre os anos de 2006 e 2010. A partir da tensão surgida nesse

processo, alguns povos passaram a se organizar internamente para construir sua proposta

curricular específica que contemplasse as especificidades pertinentes à Educação Escolar

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Indígena e os conhecimentos próprios das etnias indígenas. O que visavam era o

fortalecimento do processo ensino-aprendizagem e à melhoria da qualidade da educação

escolar indígena na etnia que fossem construídos por toda a comunidade indígena e

resultado de uma prática pedagógica autêntica, articulada com o projeto de escola do seu

povo.

Almeida (2001) destaca as contradições na legislação pertinente à educação

escolar indígena que em determinados momentos estabelece que deve-se promover o

diálogo entre diferentes experiências socioculturais, linguísticas e históricas, “não

considerando uma cultura superior a outra” (RCNEI, 1998 apud ALMEIDA, 2001) e em

outros momentos coloca os saberes construídos historicamente pelos povos indígenas na

parte diversificada do currículo escolar (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a). Por isso,

observa que:

[...] na medida em que se colocam os saberes culturais dos povos

indígenas na parte diversificada do conteúdo escolar, o Estado

Brasileiro estabelece uma hierarquização de saberes, um padrão de

verdade, aos quais os saberes dos povos indígenas estão submetidos,

portanto, é de novo tratar os povos indígenas numa perspectiva

assimilacionista. (ALMEIDA, 2001, p. 120)

Na concepção decolonial, a racionalização do conhecimento ou colonialidade do

saber é um dos pilares da Sociedade Moderna Colonial Capitalista para manter a

dominação dos grupos subalternizados. A racionalização do conhecimento cria uma

hierarquização do conhecimento, determinando quais conhecimentos são válidos, a partir

de uma lógica moderna/capitalista.

Moreira e Silva (1999) afirmam que uma das estratégias de superação do currículo

existente é atacar a disciplinaridade, já que vá aquém da interdisciplinaridade; algo que

possa enraizar mais profundamente a estrutura curricular atual, considerada um dos

elementos “naturais” e “inatacável”.

A proposta de Moreira e Silva (1999) sobre a superação do modelo de currículo

com os saberes divididos em disciplinas, acreditamos que busca superar um modelo de

educação que segue a lógica moderna, onde os conhecimentos são classificados em

“caixinhas”. Na perspectiva de construção de um currículo indígena e intercultural, os

conhecimentos não podem ser “encaixados” em uma disciplina, pois sua origem é

ideológica, política e cultural. Não seria possível, a partir dessa lógica, questionar as

estruturas de poder que estão por trás desse conhecimento. Há também que considerar

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que a epistemologia indígena é construída dentro de uma outra lógica a partir da

cosmovisão de um povo e, dificilmente, se enquadra na lógica eurocentrada.

Por sua vez, a avaliação presente no currículo deve levar em conta o

desenvolvimento individual dos alunos e ser de caráter formativo:

[...] os professores indígenas, a exemplo do que ocorre em muitas outras

escolas do país, vêm insistentemente afirmando a necessidade de

contarem com currículos mais próximos de suas realidades e mais

condizentes com as novas demandas de seus povos. Esses professores

reivindicam a construção de novas propostas curriculares para suas

escolas, em substituição àqueles modelos de educação que, ao longo da

história, lhes vêm sendo impostos, já que tais modelos nunca

corresponderam aos seus interesses políticos e às pedagogias de suas

culturas. (BRASIL, 1998)

Essa pedagogia indígena está intimamente relacionada com o currículo e a forma

de socialização dos conhecimentos que são ensinados também na escola da sociedade

envolvente, acrescentando os assuntos sobre um determinado povo indígena

(CAVALCANTE, 2004). O currículo indígena vai além de conteúdos a serem ensinados,

ele reflete diferentes concepções de mundo, agrega a história, o modo de viver da

comunidade, a relação com os mais velhos, com a natureza, com outras comunidades.

A experiência indígena no currículo busca incorporar os saberes que são ensinados

na sala de aula ao que é vivenciado pelo aluno no seu dia-a-dia na aldeia. Para os Pankará,

por exemplo, o currículo “são os saberes construídos coletivamente dentro e fora da

escola” (PANKARÁ, 2007, p. 31) e como nos mostra essa análise sobre o entendimento

de currículo para os Xukuru:

Para ‘formar’ um/uma Xukuru é necessária uma escola que tenha

conteúdos Xukuru, que fale de sua história, de sua geografia, de seus

guerreiros, segunda a visão de mundo, sua religião e, sobretudo utilize

suas formas de ensinar e aprender. (CAVALCANTE, 2004, p. 126)

Nesse contexto de valorização dos saberes do povo, é importante destacar a

utilização de material didático específico, produzido pelos professores e lideranças

indígenas da própria etnia, para o fortalecimento da educação específica.

Ao estudar os povos Guarani/Kaiowá, Nascimento (2005) observa que esses

povos indígenas, ao garantir o direito a uma educação específica e diferenciada, passam

a pensar um currículo que estabeleça um diálogo entre “os seus saberes e os saberes

legitimados historicamente pela cultura escolar”, mudando a lógica dominante na

educação:

[...] a revisão histórica de uma ideologia voltada para a apropriação do

conhecimento socialmente relevante e, convoca para a reinvenção de

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uma escola que possa articular o reconhecimento do direito de busca da

igualdade na construção da qualidade e da garantia da pluralidade, da

negociação de conceitos, da presença do Outro, ou dos Outros, no

detalhamento, na discussão do processo pedagógico. (NASCIMENTO,

2005, p. 3)

Percebemos que a dificuldade de consolidação do currículo específico não está

somente na falta de normas que validem as pedagogias próprias dos indígenas, radica

também na escassez de material didático específico. A promoção de oportunidades para

os professores indígenas realizarem pesquisas sobre a sua etnia e, posteriormente, a

sistematização e publicação desse material, é uma ação importante na consolidação de

uma escola indígena intercultural de qualidade.

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4 O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO

Este capítulo trata do caminho percorrido nesta dissertação que entendemos ser o

mais adequado para compreender nosso objeto e responder aos nossos questionamentos.

Trataremos, então, dos embasamentos teóricos utilizados em cada etapa da pesquisa, dos

procedimentos e da obtenção dos dados, coleta e análise das informações.

O itinerário metodológico desta pesquisa envolveu, inicialmente, uma revisão

bibliográfica na literatura nacional, a fim de contemplar o quadro teórico de referências.

Para isso, buscamos nos principais bancos de textos científicos da área da educação, como

no acervo da Associação Nacional de Pós-Graduação em Pesquisa em Educação

(ANPEd), pela relevância e reconhecimento de trabalhos no âmbito da Educação em

território nacional; no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

de Nível Superior (CAPES), por agregar produções dos programas de pós-graduação do

território nacional; e nos acervos da Biblioteca Central da Universidade Federal de

Pernambuco.

As ferramentas de busca via web facilitaram a coleta dessas informações iniciais

sobre a temática estudada. Especificamente no nosso caso, o site “Índios no Nordeste”25

conta com um grande acervo de informações, artigos, dissertações e teses sobre a

Educação Escolar Indígena da região e foi um grande aliado para a leitura das pesquisas

na íntegra.

No acervo da ANPED foram encontrados 25 trabalhos sobre Educação Escolar

Indígena26. As pesquisas sobre essa temática aparecem a partir de 1999 e, nesse período,

discutiam o processo de conquista na Educação através da mobilização promovida pelo

movimento indígena no Brasil. Nos anos 2000 e 2001, há uma tendência dos artigos em

discutir o papel da escola e da educação escolar indígena e as políticas educacionais para

os povos indígenas. Com a conquista dos direitos e a gradativa implementação de

políticas educacionais (a partir do ano 2002), os estudos se voltam para a formação de

professores indígenas. Somente em 2005, começam a surgir os primeiros trabalhos que

25Site criado pelos professores Raimundo Monte e Edson Silva que agrega informações e documentos sobre

os povos indígenas do Nordeste. MONTE, Edmundo; SILVA, Edson. Índios no Nordeste: informações

sobre os povos indígenas. <http://www.indiosnonordeste.com.br>. [Acesso em: 15/06/2014]. 26Ver Quadro 2, página 99.

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discutem o currículo específico, diferenciado e intercultural. Para nossa pesquisa

utilizamos dois artigos apresentados no GT12 (Currículo): FERRI (2001) e

NASCIMENTO (2005).

No Banco de Tese da CAPES, no primeiro levantamento com o descritor,

“Educação Escolar Indígena”, foram localizadas 393 teses e dissertações27. Destes,

somente 09 têm proximidade com o objeto deste trabalho, o currículo intercultural,

diferenciado e específico e de saberes próprios das comunidades indígenas no campo da

Educação. Desses, a tese de Cortes (2001) não está disponível na web para leitura. Foram

encontrados apenas três estudos sobre os povos indígenas de Pernambuco no campo da

Educação.

Na busca realizada no acervo da Biblioteca Central da UFPE identificamos 44

trabalhos sobre Educação Escolar Indígena28; percebemos, no entanto, que a maioria já

tinha sido localizada no banco de teses da CAPES.

Para melhor organização do percurso metodológico da pesquisa, dividimos este

capítulo em três partes: na primeira, traremos algumas reflexões sobre a pesquisa

qualitativa; na segunda, abordaremos os procedimentos da pesquisa, elucidando sua

utilização para dar conta dos objetivos deste trabalho; por fim, apresentamos um

panorama geral do objeto pesquisado e dos sujeitos que contribuíram para nossa pesquisa.

4.1 Pesquisa de abordagem qualitativa

Para Minayo (1993), o conhecimento científico é sempre uma busca de articulação

entre uma teoria e a realidade empírica, sendo o método o fio condutor para se formular

esta articulação. Ainda, segundo a autora, a pesquisa qualitativa tem por objetivo

responder a questões muito particulares, que não podem ou não deveriam ser

quantificadas, pois atuam no campo dos significados, das crenças, dos valores e das

virtudes.

Conforme Chizzotti (1995, p. 79):

A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação

dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva

27 Ver Quadro 3, Anexo 4. 28 Ver Quadro 4, Anexo 4.

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entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo

objetivo e a subjetividade do sujeito.

Considerando, então, os objetivos desta pesquisa – compreender o significado de

currículo intercultural e analisar o processo de construção do currículo indígena no Estado

– é que se justifica adotar uma abordagem qualitativa para esta pesquisa. Esse modelo

teórico-metodológico procura enfocar o social como “um mundo de significados passível

de investigação e a linguagem comum ou a “fala” como a matéria-prima desta abordagem,

a ser contrastada com a prática dos sujeitos sociais” (MINAYO, 1993, p. 240) e permite

analisar os aspectos implícitos ao desenvolvimento das práticas organizacionais

(TRIVIÑOS, 1987).

A abordagem qualitativa se afirma no campo da subjetividade e do simbolismo,

os dados são obtidos em forma de palavras e imagens, e não somente de números

(BOGDAN e BINKLEN, 1994); considera que há uma relação dinâmica entre o mundo

real e o sujeito; assim, permite a fonte direta de dados com o ambiente natural, no nosso

caso com professores e técnicos que participaram diretamente na discussão e elaboração

do currículo intercultural indígena, justificando a escolha deste tipo de abordagem

metodológica para a pesquisa que desenvolvemos.

4.2 Procedimentos metodológicos: técnicas e instrumentos de coleta de dados

Uma pesquisa qualitativa exige a utilização de instrumentos e ferramentas que

permitam contemplar a riqueza e detalhes de dados implícitos e não implícitos. Isso exige

uma escolha metodológica que proporcione uma estrutura para o processo de pesquisa.

Nossas considerações apoiaram-se nas reflexões de Lüdke e André (1986), Triviños

(1987), Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2002) e Minayo (1993; 2008).

No primeiro momento, o trabalho foi desenvolvido a partir de uma

análise/levantamento documental, definida por Silva Ed. (2001) como a pesquisa

realizada em material que não recebeu tratamento analítico. Para isso, fizemos o

levantamento e análise dos documentos construídos sobre o currículo intercultural

indígena nos espaços de discussão com a Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco

(como relatórios, atas, decretos ou outros atos normativos) e nos espaços internos de

discussão das etnias (como Projeto Político Pedagógico e outros materiais pedagógicos),

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a fim de verificar o processo, as concepções e as propostas de construção do currículo

intercultural indígena e os pontos de conflitos dos diferentes documentos.

Nesse levantamento, localizamos o Projeto Político Pedagógico dos Povos

Pankará e Xukuru, alguns livros produzidos pelos indígenas em parceria com o Centro de

Cultura Luiz Freire, relatórios das formações realizadas durante os anos de 2007 a 2009,

o Relatório da Gestão de 2007 a 2010 e materiais produzidos ou distribuídos nas

formações que fazem parte do nosso acervo pessoal.

A segunda etapa do trabalho constituiu-se no levantamento empírico. Para Silva

Ed. (2001) a pesquisa empírica é realizada através do levantamento das informações

diretamente dos sujeitos cujo comportamento se deseja conhecer. Ela está baseada no

“registro sistemático das informações e ações dos sujeitos pesquisados que implica,

imediatamente após, a interpretação do modo pelo qual eles agem” (GHEDIN e

FRANCO, 2008, p. 179). Utilizamos, também, para a coleta de dados a entrevista.

Como última etapa, a coleta de dados culminou em entrevistas com coordenadores

indígenas e técnicos da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco (SEE).

As entrevistas realizadas foram baseadas em perguntas contidas em um

questionário semiestruturado, disponível no Anexo 3. Optamos pela realização de

entrevistas para que se pudesse ter flexibilidade nas perguntas realizadas durante o

levantamento das informações, conforme as respostas que foram apresentadas pelos

participantes da pesquisa. Assim, buscamos acessar traços ou marcas do entendimento

político dos entrevistados sobre algumas questões-chave relativas ao currículo indígena e

o processo de construção no Estado de Pernambuco, não procurando restringir a pesquisa

à apresentação de conceitos pré-estabelecidos a partir de referenciais da mesma. A

importância dessa ferramenta está em obter a orientação do estudo e aquisição de dados

- para análise e validação -, pertinentes à problemática investigada no presente estudo.

Na perspectiva de atender melhor o objeto desta pesquisa, foram entrevistados

professores e coordenadores indígenas de diferentes etnias e técnicos que atuam direta e

indiretamente na Educação Escolar Indígena.

As entrevistas foram gravadas durante sua realização, e posteriormente foram

transcritos os trechos relativos aos conceitos em análise, em uma tentativa de agrupar e

sintetizar as falas dos entrevistados. Os diálogos foram registrados por meio de um

gravador, a partir da anuência dos entrevistados, e transcritos diretamente no computador.

Foram ao todo 93 min de entrevistas.

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Durante o processo de construção desta dissertação, sentimos a necessidade de

utilização de algumas observações livres, para exemplificar e elucidar algumas situações

e conversas que ocorreram durante o período de construção e debate mais intenso sobre

o currículo.

Essas observações ocorreram antes da intenção de iniciar29 esta pesquisa, época

em que acompanhamos de perto as formações, realizamos visitas técnicas às escolas, às

reuniões do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena de Pernambuco (CEEIN-

PE), aos encontros políticos e pedagógicos nas aldeias e estivemos em outros momentos

lúdicos (comemorações festivas e abertura e fechamento do ano letivo) ou em rituais

religiosos aos quais fomos convidados como representantes governamentais e/ou

admiradores das expressões culturais.

A observação foi um importante aliado no trabalho de campo por fornecer dados

que auxiliaram na mediação da entrevista e ajudaram no enriquecimento da análise dos

dados. A observação permitiu identificar comportamentos não-intencionais ou

inconscientes, além de explorar tópicos que os informantes não se sentiram à vontade

para discutir (ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 2002).

4.3 Os sujeitos da pesquisa

Para Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2002, p. 162), “[...] a escolha do campo

onde serão colhidos os dados, bem como dos participantes, é proposital, isto é, o

pesquisador os escolhe em função das questões de interesse do estudo [...]”. Por isso,

procuramos entrevistar pessoas que participaram em algum momento da construção do

currículo indígena ou que estão envolvidos com a “oficialização” dessa construção.

Como indicamos antes, nesta pesquisa realizamos oito entrevistas, sendo quatro

técnicos que trabalham na SEE e quatro professores/coordenadores indígenas, no período

de novembro 2013 a maio de 2014.

29 Entre os anos de 2009 a 2011, período em que foram realizadas a maioria das formações sobre currículo

e quando foi despertado o interesse em aprofundar os estudos sobre a temática.

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A escolha dos sujeitos se deu pelos seguintes critérios: atuar na Educação Escolar

Indígena; ter participado de mais de um momento de construção/discussão do currículo

intercultural; e estar disposto a contribuir com esta pesquisa.

Para conhecer melhor da situação social, política e de formação dos entrevistados,

aplicamos questionários com os mesmos. O resultado foi o seguinte:

a. Em relação ao gênero: apesar da escolha a partir dos critérios estabelecidos ter

sido aleatória, tivemos uma participação paritária entre os gêneros, mesmo quando

consideramos as categorias indígenas e não indígenas. Assim, nossos

participantes foram quatro mulheres, duas indígenas e duas não indígenas, e

quatro homens, dois indígenas e dois não indígenas;

b. Em relação à representação: na nossa pesquisa, procuramos equiparar o

quantitativo de entrevistados em relação à representação. Como já dito antes,

realizamos a entrevista com quatro profissionais do quadro técnico da Secretaria

de Educação do Estado de Pernambuco (SEE), sendo três com função técnica e

um com função de chefia; e quatro indígenas, sendo três coordenadores e um

professor, cada um de uma etnia diferente. Todos os indígenas entrevistados

moram na aldeia;

c. Em relação ao tempo de atuação/ensino e tipo de contrato: entre os técnicos da

SEE, o tempo de atuação na educação varia entre 08 a mais de 25 anos, sendo que

o tempo específico de atuação na Educação Escolar Indígena ficou entre 07 e

menos de 01 ano. O tempo de atuação na educação indígenas entre os indígenas

variou entre 10 e 22 anos;

d. Em relação à formação: todos os entrevistados tinham curso superior na área de

formação de professores (licenciatura ou pedagogia), sendo que um cursou a

Licenciatura Intercultural e seis deles já possuíam curso de pós-graduação. Cinco

dos participantes afirmam ter cursado alguma formação específica para a

Educação Escolar Indígena, sendo dois do quadro técnico da SEE e três indígenas.

Todos participaram de formação continuada para a Educação Escolar Indígena

nos últimos anos;

e. Em relação à participação nos espaços de construção do PPP, no planejamento

escolar e curricular: apenas um dos entrevistados, representante da SEE, não

esteve presente em nenhum desses momentos (por estar há pouco tempo na

Unidade de Educação Escolar Indígena). Todos os outros indígenas e não

indígenas participaram desses espaços de planejamento;

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4.4 Análise e sistematização dos dados: utilização do método da Análise de

Conteúdo

Segundo Gatti (2005), não existe um modelo único de análise dos dados, o método

de análise deve responder ao objeto e aos objetivos do projeto, considerando o enfoque

teórico privilegiado pelo pesquisador. Nesta pesquisa, utilizamos a análise de conteúdo

proposta por Bardin (1977), como técnica para tratamento, estudo e interpretação dos

dados, visto como um dos métodos mais utilizados na pesquisa qualitativa na área das

Ciências Sociais (MINAYO, 2008).

Segundo Bardin (1977) a análise de conteúdo pode ser uma análise temática dos

significados, embora possa ser também uma análise lexical de significados. Nesse

sentido, a análise de conteúdo representa mais que um procedimento técnico; ela

configura-se em técnicas de pesquisa que possibilitam “tornar replicáveis e válidas

inferências sobre dados de um determinado contexto, por meio de procedimentos

especializados e científicos” (MINAYO, 2008, p. 303).

Bardin (1977) define análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise

das comunicações, e indica que os dados obtidos na coleta de dados devem ser analisados

seguindo três etapas: (1) pré-análise; (2) exploração do material ou codificação; (3)

tratamento dos resultados, inferência e interpretação dos dados sistematizados através da

análise temática.

A pré-análise é a fase que compreende as operações preparatórias para a análise

propriamente dita. Foi o momento para organizar e sistematizar as ideias iniciais, onde

escolhemos os documentos que seriam analisados e elaboramos as categorias (BARDIN,

1977). Foi o momento de leitura livre do material coletado, chamada de leitura flutuante,

a fim de deixar-se “invadir por impressões e orientações”. Essa percepção, aos poucos

foi se tornando mais precisa em função da adaptação das hipóteses e da projeção de teorias

sobre o material coletado (BARDIN, 1977, p. 96).

A segunda etapa, chamada por Bardin (1977) de exploração do material ou

codificação, consistiu no processo no qual os dados brutos foram transformados

sistematicamente e agregados em unidades. Assim, construímos um quadro30onde fomos

30 Ver Quadro 5, Anexo 4.

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sistematizando o material coletado nas categorias e subcategorias que emergiram durante

a leitura flutuante.

Após a sistematização das entrevistas nas categorias, realizamos o que Bardin

(1977) chama de tratamento dos resultados, inferência e interpretação dos dados, que

consistiu em colocar significados à luz das teorias.

Gráfico 3 - Fases do processo da Análise de Conteúdo

Fonte: Bardin, 1977, p. 95-141. Adaptado pela autora.

A análise do conteúdo nos possibilitará, primeiramente, descrever e categorizar os

dados coletados na pesquisa de campo, para chegarmos à interpretação, ou seja, à

inferência. Assim, ela permitirá a decomposição do texto tendo como referência o

problema e os objetivos, à luz da referência teórica que orientará a pesquisa. Ou seja, a

análise do conteúdo nos exigirá uma descrição dialogada com os fundamentos teóricos,

de forma significativa e contextual. Com a análise de conteúdo, compreender e interpretar

os dados fornecidos pelos entrevistados, ressignificando-os a partir dos objetivos aqui

propostos e de uma literatura especializada.

Dentre as diversas formas de análise de conteúdo apresentadas por Bardin (1977),

escolhemos a análise temática como modalidade de análise para essa pesquisa, por ser a

que mais se relaciona com os resultados que se esperam alcançar nesse estudo.

Na análise temática, as transcrições foram divididas em trechos a partir da

temática da pergunta e/ou da resposta concedida pelos participantes da pesquisa.

Posteriormente os trechos foram divididos em respostas relacionadas às categorias de

análise delimitadas.

Análise

Interpretação dos dados Inferências a partir das teorias

Codificação

Transformação dos dados em unidades Categorização das unidades

Pré-análise

Escolha e leitura exaustiva dos documentosFormulação de hipóteses e elaboração de

indicadores

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Seguindo a proposta de Bardin (1977), fizemos a triangulação do trecho transcrito

e categorizado, com as teorias de análise, destacando os participantes de cada

representação institucional e, para finalizar, fizemos observações a partir das teorias.

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5 A CONSTRUÇÃO DO CURRICULO ESCOLAR INDÍGENA NA

CONJUNTURA DE PERNAMBUCO

Neste capítulo, buscamos analisar a experiência de Pernambuco na construção do

currículo escolar indígena. Para isso, procuramos retratar os diferentes momentos da

educação formal nos povos indígenas, o modelo de escola e currículo adotados em

diferentes momentos.

Inicialmente, procuramos entender o processo de constituição da Educação

Escolar Indígena no Estado, a partir do percurso histórico da estadualização, com base

nos estudos de Oliveira (1999), Silva E. (1999, 2009, 2011), Almeida (2001) e Santos

(2004). Depois, procuramos analisar, a partir da estadualização das escolas indígenas em

2002, as idas e vindas de momentos de construção do currículo intercultural para as

escolas indígenas. Por fim, relacionamos os avanços e desafios do processo de construção

desse currículo específico, a partir do relato de professores indígenas e técnicos da

Secretaria de Educação de Pernambuco, além de documentos oficiais e dados de

observação.

5.1 Contexto histórico dos indígenas do Nordeste, em especial, de Pernambuco

Segundo Silva E. (1999), a região que hoje é conhecida como Nordeste foi a que

primeiro teve contato com os colonizadores, por isso os povos indígenas que aqui

habitavam foram os que sofreram mais com as consequências da política colonizadora:

a Colonização foi iniciada no litoral com a exploração do pau-brasil e,

em seguida, com a implantação da lavoura da cana-de-açúcar, em

territórios de povos Tupi que foram exterminados, dispersos ou

forçados a fugirem para o interior. Todavia, outros povos não só

reagiram – através das guerras – às invasões de suas terras, como

permaneceram nelas, como é o caso dos Potiguara que habitam o litoral

do atual Estado da Paraíba. (SILVA E., 1999, p. 111)

Ainda segundo Silva E. (1999), posteriormente à ocupação da área litorânea, a

política expansionista voltou-se para a ocupação do interior do território, e a instalação

de fazendas agrícolas e pastoris. Nessa região, que agrega o agreste e o sertão, os

colonizadores também encontraram forte resistência dos povos que aqui habitavam. O

conflito se acirrava, principalmente, contra os povos que estavam em áreas próximas às

fontes de água, já que eram terras visadas para a produção agrícola. Por esta razão, as

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terras indígenas eram e ainda são motivo de disputa entre os colonizadores – atualmente

os posseiros – e os povos originários, verdadeiros donos das terras.

Como em outras partes do Brasil colônia, no território pernambucano, os

aldeamentos passaram a se formar no final do século XVII. Segundo Pires (1990), as

terras que eram destinadas aos aldeamentos eram áreas não requisitadas por outros

cidadãos, já que estes tinham prioridade na escolha da propriedade.

Aos poucos os aldeamentos foram sendo extintos e, no final do século XIX, os

povos indígenas em Pernambuco eram tidos pelos órgãos oficiais como extintos ou

incorporados à sociedade nacional. Segundo Silva E. (2009), nos documentos oficiais era

comum encontrar afirmações sobre o desaparecimento dos índios para justificar a

extinção dos aldeamentos e o loteamento das terras.

Durante todo o século XX, posseiros e políticos locais continuavam a invadir as

terras indígenas e expulsar seus habitantes, aqueles que resistiam eram dizimados

(SANTOS, 2004). Os poucos índios que resistiam nos antigos aldeamentos se escondiam

sob a identidade de caboclos31 para fugir das perseguições. A forma e intensidade com

que se deu esse contato podem ser observadas atualmente, pois causaram grandes

transformações na organização social e nos costumes dos povos indígenas do Nordeste

(OLIVEIRA, 2006). O projeto de assimilação dos indígenas do Nordeste, como também

de Pernambuco, foi muito intenso e violento, a estratégia de sobrevivência era negar sua

própria origem identitária. Essa política foi tão opressiva que, atualmente, apenas o povo

Fulni-Ô de Pernambuco ainda conserva sua língua materna. Neste sentido Silva E. (2011,

p. 141) afirma que:

Essas populações historicamente foram discriminadas, perseguidas e

expulsas de suas terras. Seus direitos e identidades étnicas foram

negados por aqueles que advogaram o extermínio e o desaparecimento

indígena, a extinção dos aldeamentos baseada na ideia de assimilação

dos índios.

Almeida (2001) cita que há correntes teóricas que acreditam que a subordinação

cultural ocorrida com os povos indígenas no Nordeste foi tão opressiva, que consideram

os indígenas como ‘índios aculturados’ ou, também, ‘índios misturados’. Oliveira (1999,

p. 3) defende a desconstrução desse discurso quando afirma que “é impossível sustentar

31 O termo caboclo surge no século XIX, após séculos de colonização e misturas culturais e fenotípicas,

para classificar os indivíduos que “não gozavam do status de serem portugueses” e, tampouco, poderiam

“ser rebaixados a categoria de escravos”, pela condição social que os diferenciavam do primeiro grupo e

fenotípica que os distanciavam do segundo grupo (VICENTE, 2009, p. 5).

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um estereótipo cultural e fenotípico do índio “puro” quando nos deparamos com o

processo histórico de trocas culturais e de ocupação regional característico da realidade

do Nordeste indígena colonial.” Como vimos no primeiro capítulo, a cultura dinâmica e

está em constante transformação e ressignificação.

Durante todo o século XX e aos poucos, os povos de Pernambuco ressurgem

reivindicando seus direitos junto ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que passa a

reconhecer algumas etnias indígenas no Nordeste (MENDONÇA, 2007). O povo Fulni-

ô de Águas Belas foi o primeiro a ter reconhecimento oficial, em 1924. Posteriormente,

Pankararu, Atikum e Xukuru mobilizaram-se e receberam postos do SPI nas áreas que

ocupavam. Para Silva E. (2010), o processo de “(re)surgimento” dos povos indígenas no

Nordeste coloca em cheque os documentos oficiais e estudos que afirmavam o fim dos

índios na região.

Em conversas com indígenas mais velhos, não é difícil ouvir relatos sobre as

lembranças da infância e de quando ouviam os pais ou os avós falando em uma ‘língua

estranha’ [grifo nosso], em momentos de mais intimidade entre parentes e pessoas mais

próximas ou em rituais secretos. Alguns contam que os pais tinham medo de se identificar

como índio por temor de serem expulsos de suas terras e de outras formas de perseguição.

Mas, eram nesses momentos que se fortaleciam os laços com a história e os elementos

religiosos e culturais. Em uma passagem de um texto sobre o povo Pankararu, construído

pelo coletivo de professores e lideranças com apoio da SEE, eles abordam como eram

perseguidos e silenciados de diferentes formas e grupos sociais:

Eu lembro que minha tia Bia contava que na época de lampião, os

pankararu eram muito reprimidos pelo seu bando, pois eles não

gostavam da gente, principalmente no ritual, quando todos se reuniam.

Através de sua sabedoria e a ciência sagrada, a mãe de Bia, Maria Calu

percebia que lampião e seu bando se aproximavam então todos os índios

se escondiam para se proteger. (Vilma e Fernando Pankararu,

professores)

As crianças Pankararu cresciam tendo que esconder o seu jeito de ser,

sua forma de vida, pois viver certo era viver e falar como os brancos.

Isso nos fez “perder” grande parte da nossa cultura, principalmente a

língua materna. A nossa cultura não estava sendo vivenciada na

escola.”32

32 Acervo pessoal.

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A força da resistência dos povos indígenas de Pernambuco ao processo

assimilatório foi tão importante que, atualmente, o estado possui a maior população

indígena do Nordeste e também é o único da região onde há povo indígena com língua

materna (Povo Fulni-Ô). Silva E. (2009) lamenta que, em contraponto a esse dado, pouco

conhecemos da história e, muitas vezes, da própria existência de indígenas no nosso

estado.

Após quase um século da demarcação das terras Fulni-ô, outros povos indígenas

continuam a lutar pelo reconhecimento e pela devolução do seu território. Essa lentidão

no processo de demarcação e homologação das terras indígenas, obriga os indígenas a

utilizar outras táticas como forma de resistência e pressão, como as retomadas de suas

terras. O Povo Truká (Cabrobó/PE) retomou parte do seu antigo território na Ilha de

Assunção, em 1981, e o povo Xukuru do Ororubá (Pesqueira/PE), em 1988, retomaram

uma área chamada Pedra D’Água, considerada local sagrado para esse povo (SANTOS,

2004). Essas retomadas não aconteceram de forma pacífica e custaram a vida de diversas

lideranças indígenas. Além da homologação do território, outro processo moroso é a

retirada dos posseiros do Território Indígena, conforme determina a legislação, que

também é uma fonte de conflito entre índios e não índios.

Atualmente no Estado de Pernambuco, encontram-se doze povos indígenas, com

uma população de quase 50 mil índios, presentes em 17 municípios. São eles: Fulni-ô,

Pankará, Pankararu, Entre Serras Pankararu, Pipipã, Atikum, Truká, Xukuru de Ororubá,

Kapinawá, Kambiwá, Tuxá e Pankaiuká (ISA, 2010).

Figura 2 - Mapa de Pernambuco com a localização das etnias indígenas. Pankararu Entre Serras e

Pankaiwka estão próximas a Pankararu.

Fonte: Secretaria de Educação de Pernambuco, 2010.

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Pelo mapa33, percebemos que os povos indígenas de Pernambuco estão

localizados no sertão, sendo que a maioria encontra-se na região do São Francisco.

Nesse processo de resistência e luta por seus direitos, a escola também é retomada

e ressignificada, transformando-se num espaço de afirmação cultural e identitária, que os

povos indígenas de Pernambuco chamam de “escola formadora de guerreiros”.

Da mesma forma que outros movimentos indígenas pelo país, os povos indígenas

de Pernambuco procuraram ressituar a educação escolar disponível, aprimorando

soluções, superando desafios e avançando nas possibilidades.

5.2 A Educação Escolar Indígena em Pernambuco

As escolas presentes nos aldeamentos em Pernambuco, de um modo geral,

seguiam os mesmos modelos das escolas em outros aldeamentos do território brasileiro.

E até o século XX, as escolas nas áreas indígenas do Estado pouco se diferenciavam das

escolas em áreas rurais do Nordeste (SANTOS, 2004). O currículo escolar tinha como

objetivo a formação de mão-de-obra para o campo e para o trabalho artesanal.

Com a criação da FUNAI, em 1970, pouco se avançou nas políticas educacionais

para os povos indígenas, apenas algumas experiências com o ensino da língua materna e

a contratação de alguns professores da própria etnia. Destacamos neste processo a

experiência do povo Fulni-ô que passou a ter aulas de Yathê (sua língua materna)

(SILVEIRA, 2012). Contudo, o currículo adotado era o mesmo das escolas rurais e a

grande maioria dos professores continuava sendo de não indígenas, estavam pouco

comprometidos com a qualidade da educação e eram completamente alheios a cultura do

povo ao qual a escola estava ligada, como lembram os professores pankararu:

[...] com a criação da FUNAI vieram mais professores brancos. Foi dada

também oportunidade para professores índios que começaram a

desenvolver seu trabalho junto ao seu povo. Contudo, a metodologia

escolar ainda seguia as ordens do governo, não existia uma proposta de

uma escola diferenciada.34

Segundo Almeida (2001), a educação escolar indígena específica e diferenciada

em Pernambuco tem seu marco teórico em 1989, durante a quinta fase, com a criação do

33 O símbolo que representa cada etnia foi escolhido pela comunidade escolar e pelas lideranças; 34 Acervo pessoal.

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Grupo de Educação Indígena (GREI). O GREI surge a partir da pressão dos povos

indígenas e instituições parceiras35.

O GREI era coordenado pela SEE e tinha como objetivo:

estudar, analisar, discutir, orientar, articular, e encaminhar as questões

relativas à educação escolar indígena, de acordo com a especificidade

do tema a ser tratado nos vários setores apropriados e, por outro lado,

assessorar a Diretoria que estará vinculada em relação aos assuntos

pertinentes à sua função (PERNAMBUCO/SEE, 1989, p. 13).

O GREI elaborou um diagnóstico da situação escolar, que demonstrava o quadro

de precariedade das escolas, a baixa qualidade do ensino, que a maioria dos professores

estava alheia à cultura e organização do povo no qual a escola estava inserida. A partir

desse diagnóstico, foram produzidos, em âmbitos nacional e estadual, uma série de

documentos, como a proposta para nortear a política de educação escolar indígena, os

Planos Estaduais e Decenais de Educação e materiais didáticos específicos. Ainda

segundo Almeida (2001, p. 133):

A criação do GREI e a elaboração do documento intitulado ‘Política de

Educação Escolar Indígena para o Estado’ – PEEIE (1989) são os

marcos que desencadeiam a discussão da necessidade de uma política

educacional específica para os povos indígenas em Pernambuco.

Nesses documentos, o grupo apontava as ações que deveriam ser desenvolvidas

pelo governo, dentre as quais estavam: a) criação de uma política de formação dos

professores indígenas; b) formação para os técnicos da SEE para a especificidade da

questão; c) elaboração de currículos e calendários específicos. (PERNAMBUCO/SEE,

1989).

Apesar de ser anterior à legislação da Educação Escolar Indígena, o PEEIE –

supracitado – apresenta muitas contribuições para a discussão, indicando a necessidade

de elaborar uma política educacional diferenciada para as populações indígenas de

Pernambuco. O trabalho realizado pelo grupo não foi, contudo, apropriado e posto em

ação pela SEE, em função das descontinuidades dos dirigentes à frente do Governo

Estadual. Almeida (2001), por exemplo, lamenta que o documento não serviu de base

para a SEE formular novos projetos para a educação escolar indígena.

35 Esse processo coincide com o momento de abertura política que o Brasil vivia com a nova Constituição

Federal e a luta pela democracia, pressionado por grupos sociais de Direitos Humanos que buscavam

assegurar os direitos historicamente violados. As instituições parceiras foram as universidades,

organizações não governamentais e organizações internacionais que atuavam junto aos indígenas.

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A experiência da primeira PEEI demonstra a enorme distância que existe entre as

ações promovidas pelo setor que atua diretamente na Educação Escolar Indígena e os

outros setores da Secretaria de Educação. As deliberações e metas definidas no

documento não foram efetivadas em forma de políticas e de ações concretas.

Em 09 de março de 1994, o GREI é substituído pelo Núcleo de Educação Escolar

Indígena (NEEI), seguindo orientação nacional, que tinha como objetivo articular

diversos parceiros institucionais que atuam na área indígena para formular, desenvolver,

acompanhar, avaliar a política de educação escolar indígena. O GREI era composto por

organizações não-governamentais, movimento indígena, UFPE, SEE e União dos

Dirigentes Municipais (UNDIME) e tinha como papeis principais: (1) acompanhar,

avaliar e assessorar todas as ações desenvolvidas nas escolas indígenas; (2) promover

cursos de capacitação de professores; (3) elaborar material didático específico; (4)

elaborar e implementar a política de educação escolar indígena de Pernambuco; (5)

supervisionar e acompanhar a utilização dos recursos para a educação escolar indígenas

a nível estadual e municipal; (6) divulgar informações sobre a realidade indígena

brasileira, em especial sobre os índios do Nordeste e de Pernambuco (Portaria SECE nº

940/91).

Almeida (2001, p. 148) chama atenção no sentido que, em função dessa gama de

funções (consultivo, legislativo, fiscalizador e executor), o NEEI acabou se tornando “um

espaço de troca de experiências, de discussão e de acompanhamento da política estadual

de educação escolar indígena”.

A indefinição das funções de cada membro do NEEI e a falta do poder de decisão

fizeram com que seus membros discutissem a necessidade de criar outra instância com

maior poder político de interlocução e que não substituísse o papel de executor da política

da instituição governamental. Foi então que iniciou a discussão para a criação do

Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena. E, ao mesmo tempo em que se discutia

a criação de um espaço de acompanhamento e avaliação da política educacional para os

povos indígenas, a legislação (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a) estabelecia a criação de

um setor específico para coordenar e executar a política, formado por uma equipe

qualificada para atender a essa demanda.

Em 1999, a Diretoria Básica de Ensino é designada para executar e acompanhar a

Educação Escolar Indígena em Pernambuco. Em janeiro de 2003, a SEE passa por nova

estruturação e a Diretoria de Básica de Ensino passa a ser chamada de Gerência de

Educação Básica, que continua respondendo pela educação escolar indígena.

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS ...‡… · 3.3 Multiculturalismo, pluriculturalismo, interculturalidade e currículo _____ 60 3.4 Currículo intercultural e

93

Paralelamente a esse processo, o Centro de Cultura Luís Freire, organização não

governamental, iniciou o Projeto Escola de Índios (PEI), que buscava desenvolver

concepções e práticas de educação para fortalecer a identidade étnica e a organização dos

povos; assessorar a elaboração de uma política de formação de professores indígenas a

partir do princípio da interculturalidade e das formas próprias de transmissão do saber. O

PEI subsidiou a construção de vários documentos para subsidiar a concepção e a prática

docente nas escolas indígenas, um dos exemplos foram os Projetos Político Pedagógicos

das escolas indígenas.

Em 12 de abril de 2002, é criada uma comissão para discutir os assuntos referentes

à estadualização das escolas indígenas, através da Portaria SE nº3096/2002, que inclui

representantes governamentais e indígenas. Seguindo as orientações da Resolução nº03

(BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999b) e a reivindicação da Comissão de Professores

Indígenas de Pernambuco (COPIPE), em agosto de 2002, as escolas indígenas foram

estadualizadas36. Com a estadualização, os indígenas esperavam que a relação com o

governo estadual fosse com menos influência política e que o Estado pudesse atender à

demanda de uma política educacional que envolvesse todos os povos indígenas de

Pernambuco, uma vez que os governos municipais, boa parte dos prefeitos e dos políticos

locais tinha interesses nas áreas indígenas.

A partir da estadualização das escolas indígenas, a SEE promoveu diversos

encontros37 para discutir e construir documentos orientadores da política estadual que

definissem a escola indígena no Estado. Nesse processo, ocorreram momentos de

proposição de um currículo específico e intercultural, com a participação de professores

e lideranças indígenas, entidades indígenas e indigenistas e Instituições de Ensino

Superior, onde foram estabelecidos as diretrizes e os objetivos do currículo intercultural

para os povos indígenas do Estado, e foram formuladas propostas para a organização

curricular.

O processo de estadualização pressionou a criação de um setor para atender à nova

demanda educacional da SEE. E em junho de 2003, foi criada a Unidade de Educação

36 Em 2002, através do Decreto nº24.680, a Secretaria Estadual de Educação estadualizou as escolas

indígenas, passando a responsabilizar-se pela oferta da educação básica para os povos indígenas. 37 Foram realizadas duas Conferências Estaduais para a Educação Escolar Indígena para discutir a Política

Estadual da Educação Escolar Indígena, ver Barbalho (2012).

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS ...‡… · 3.3 Multiculturalismo, pluriculturalismo, interculturalidade e currículo _____ 60 3.4 Currículo intercultural e

94

Escolar Indígena (UEEI)38, que tinha como atribuição promover e acompanhar as ações

no âmbito da Educação Escolar Indígena. A UEEI é composta até hoje por uma chefe de

unidade e uma média de quatro técnicos (o número variou um pouco ao longo do tempo,

entre 3 e 5 técnicos). Diferente do que consta nas metas da PEEI, os técnicos que foram

compor a UEEI não passaram por formação específica e o setor continuava a não ter a

autonomia política ou administrativa necessária para atender à demanda e às

especificidades da Educação Escolar Indígena, da mesma forma que as estruturas

administrativas criadas anteriormente.

O Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco (CEEIN)39 é criado em

julho de 2006, mas só começa suas atividades em 2007, como um órgão consultivo e,

posteriormente, deliberativo e de assessoramento técnico em todos os níveis e

modalidades de ensino. A criação do CEEIN acompanha a agenda reformista das políticas

públicas com a criação de diversos conselhos que permitem a participação da sociedade

civil nas tomadas de decisão e no controle dos gastos públicos.

Da mesma forma que outros conselhos, o CEEIN-PE funciona de forma paritária,

com a participação de representantes indígenas de todas as etnias de Pernambuco,

técnicos da SEE e da Secretaria de Administração, representantes das principais

universidades (UFPE, UFRPE e UPE) e entidades indigenistas.

Acompanhando a estrutura da Secretaria de Educação, regionalmente, a Educação

Escolar Indígena é desenvolvida pelas Gerências Regionais de Educação (GRE’s) que

possuem equipe multidisciplinar, variando entre dois e três técnicos. Da mesma forma

que a UEEI, as GRE’s não possuem equipe especializada e específica, já que os mesmos

técnicos que atendem às escolas indígenas também acompanham outras ações ou

programas.

É importante destacar que o recrutamento para especialistas nessa área encontra

dificuldade na formação dos profissionais da educação. A deficiência em relação à

formação especializada da equipe técnica se dá pelo fato de que os cursos de formação de

professor, em sua maioria, não trazem em sua grade curricular conteúdos que discutam e

38A UEEI foi criada em 2004, através do Decreto nº25.550, de 10 de junho de 2003, que aprova o Manual

de serviço da SEDUC apresenta a Unidade com o objetivo de coordenar e executar as ações da educação

escolar indígena no estado. 39 O Conselho foi criado em julho de 2006, mas só foi regulamentado em 2008, através do Decreto

Nº31.644, de 18/04/2008 e a nomeação dos Conselheiros e Conselheiras ocorreu através do Ato Nº1426,

de 09/05/2008.

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95

problematizem a educação escolar indígena e também pelo fato de não serem promovidas

formações continuadas para suprir essa carência para todo o quadro funcional da SEE.

Apesar dessas dificuldades, podemos notar que, aos poucos, pequenas mudanças

vão acontecendo na política estadual para a Educação Escolar Indígena. Para Santos

(2004) o atendimento às demandas dos povos indígenas acontece por pressão do

movimento de professores indígenas, a COPIPE, que através da sua luta, reafirma as

intenções de construir uma educação indígena específica que respeite a autonomia dos

povos e que esteja em consonância com seu projeto de futuro, mas também observamos

a luta individual de profissionais da área técnica que conseguem pontuar e encaminhar

algumas dessas demandas. Para Almeida (2001), as ações desenvolvidas pela SEE

acontecem de forma fragmentada, intermitente e descontinuada, devido à mudança no

nível de gestão a cada eleição. Por isso a mesma autora defende que:

A política de educação escolar indígena específica, diferenciada,

intercultural, não pode estar submetida aos mesmos procedimentos

administrativos das políticas governamentais, mas situada num projeto

do Estado Brasileiro, coordenado pelos próprios índios, para que não

sofra processos de descontinuidades e rupturas, e que os instrumentos

para execução da política educacional possam realmente estar

referenciados nas instituições culturais desses povos. A criação de um

sistema de ensino autônomo, em que eles possam definir, propor,

acompanhar, conduzir a educação escolar, que não esteja subordinado

às colorações das políticas eleitorais, poderá efetivamente contribuir

nessa perspectiva. (ALMEIDA, 2001, p. 186)

Ao analisar os dados da Educação Escolar Indígena desde a estadualização, em

2002, notamos que, mesmo com as dificuldades que surgem pela falta de uma política de

estado para a Educação Escolar Indígena, houve um crescimento significativo no número

de etnias atendidas e, consequentemente, do número de escolas, alunos e professores ao

longo dos dez anos de estadualização da Educação Escolar Indígena, como tentamos

demonstrar nos quadros abaixo:

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS ...‡… · 3.3 Multiculturalismo, pluriculturalismo, interculturalidade e currículo _____ 60 3.4 Currículo intercultural e

96

Gráfico 4 - Quantitativo de Etnias e escolas indígenas em Pernambuco, atendidas pela Secretaria

Estadual de Educação.

Fonte: SEE/Censo Escolar.

Gráfico 5: Quantitativo de professores nas escolas indígenas em Pernambuco.

Fonte: SEE/Censo Escolar.

Gráfico 6 - Quantitativo de matrículas nas escolas indígenas em Pernambuco, atendidas pela

Secretaria Estadual de Educação.

Fonte: SEE/Censo Escolar.

9 10 12 12

112123 127 132

0

30

60

90

120

150

2003 2007 2010 2012

Quantitativo de Etnias e escolas indígenas em Pernambuco, atendidas pela SEE

Etnias Escolas

650750

950

780

0100200300400500600700800900

1000

2003 2007 2010 2012

Quantitativo de professores nas escolas indígenas estaduais

Professores

7500 800010.088 11000

02000400060008000

100001200014000

2003 2007 2010 2012

Quantitativo de matrículas nas escolas indígenas estaduais

Alunos

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97

Pelos dados, podemos inferir que o direito à educação vem sendo ampliado para

todas as etnias, mas que esse direito é cumprido de forma fragmentada em relação ao

direito à educação intercultural, diferenciada e específica. Mesmo nesse contexto, é

importante destacar que a contratação de professores e funcionários para a escola e o

calendário escolar, por exemplo, na maioria das vezes, atende o princípio da autonomia,

sendo efetivado a partir do que é determinado pelo coletivo dos professores e lideranças.

Atualmente, são 132 escolas indígenas, distribuídas em 17 municípios com 780

professores indígenas e mais de onze mil alunos (CENSO ESCOLAR, 2012)40.

Em Pernambuco, a concepção de educação escolar indígena está apoiada em

quatro princípios: reafirmar o papel que a escola exerce na sociedade; estar em função da

sociedade; ter o Projeto Político Pedagógico constituído pelo povo e não apenas pela

escola; e, por fim, estar organizada em seis eixos norteadores: Terra, Identidade, História,

Organização, Interculturalidade e Bilinguismo (XUKURU, 2005). Almeida (2001) ao

trabalhar a relação entre educação e cultura, percebe que os princípios da educação devem

ser baseados nos referenciais culturais do povo. Sendo assim, afirma que:

a educação indígena é o processo pelo qual se forma o tipo de homem

e de mulher que, segundo os ideais de cada etnia, [...] envolvendo todos

os passos e conhecimentos necessários à formação de indivíduos plenos

nestas sociedades. (ALMEIDA, 2001, p. 50)

A partir desses princípios, os povos indígenas de Pernambuco procuraram dar uma

nova perspectiva para as escolas em suas aldeias, voltada para a formação dos seus

cidadãos ou, melhor, seus guerreiros. Essa nova perspectiva para a escola exige a

construção de novos documentos e diretrizes normativas e pedagógicas dentro do sistema

de ensino que validem essas novas práticas educacionais.

Identificamos, contudo, que na prática o sistema de ensino estadual ainda não

conseguiu garantir o direito dos povos indígenas a uma escola específica e diferenciada,

por diferentes fatores, como podem ser constatados pelos dados e pelos depoimentos dos

entrevistados desta pesquisa:

alguém cumprir: dizer – Ó, precisa cumprir! Não vejo outro caminho a

não ser alguém pode dizer – Eles conhecem, nós já mandamos! Como

é que você conhece e não cumpre? Então alguma coisa precisa ser

repensada, reestruturada [...] (Entrevistado 1B)

40 Ver quadro 6, Anexo 5, com a relação de escolas indígenas, com respectiva etnia e localização.

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98

Entendemos que a educação escolar indígena exige a reconstrução das estruturas

do sistema de ensino, levando em conta as diferentes realidades e culturas. Assim, os

procedimentos e normas específicas poderiam estar definidos organicamente nas ações

da Secretaria de Educação.

Como dito anteriormente, a contratação dos profissionais que atuam na escola

indígena, normalmente, é realizada a partir da anuência e indicação das lideranças. Mas,

no período em que estivemos na Unidade de Educação Escolar Indígena, tivemos casos

onde alguns professores, merendeiras ou auxiliar de serviços gerais eram contratados e

enviados para as escolas indígenas por acordos políticos entre o governo estadual e os

municipais, sem o conhecimento das lideranças e da equipe técnica e causavam sérios

problemas para a equipe técnica.

Essas contradições e indefinições no atendimento educacional às populações

indígenas, criam sentimentos negativos nos técnicos que trabalham diretamente com essa

modalidade. Nas entrevistas, percebemos, em determinados momentos, sentimento de

incertezas, e, em outros momentos, de revolta, pelas diferentes razões apresentadas pelos

entrevistados nesta pesquisa, como podemos observar nesta fala:

as normas existem, a meu ver, precisaria ter dois segmentos. [...] Ainda

só tem uma forma lá na Gerência de Normatização. Ali deveria cada

pessoa daquela que trabalha com esse documento ou, pelo menos, uma

pessoa só pra trabalhar com uma realidade escolar diferenciada [...]

(Entrevistado 1B)

Percebemos que essas lacunas na estrutura e legislação que compõem o sistema

estimulam a cooptação das escolas indígenas para que se adequem ao que já está posto;

isso é amplamente praticado no sistema, como relatam nossos entrevistados:

ou a gente faz assim ou então a escola nunca vai ser reconhecida aqui

[na Secretaria] [...] sempre precisa estar dentro daquele perfil, daquele

tipo de escola [...] (Entrevistado 1B)

eles [instituição de educação] já têm o currículo e a gente vai adaptando

ao nosso currículo e ao nosso conhecimento [...] (Entrevistado 1E)

Alguns autores, como Almeida (2001), Barbalho (2012), que também realizaram

suas pesquisas com a Educação Escolar Indígena de Pernambuco, colocam que esta

situação poderia ter como solução a criação de um sistema ou subsistema de ensino

específico. Pois, assim, as bases legais para a criação desse sistema ou subsistema

forçariam o diálogo com um olhar diferenciado. Como acontece no Sistema Único de

Saúde onde foi criado um subsistema para atender a população indígena.

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99

5.3 Idas e vindas do processo de construção do currículo escolar indígena em

Pernambuco

Durante os dez anos de estadualização da Educação Escolar Indígena, foram

realizados diversos encontros e formações continuadas visando à construção do currículo

intercultural para as escolas indígenas. Desde 1989, na construção da proposta de Política

para a Educação Escolar Indígena (PEEI), os índios colocavam a necessidade de

discussão de um currículo específico para as escolas indígenas. Os registros encontrados

indicam que os encontros oficiais para a construção do currículo iniciaram em 2007, com

a formalização da UEEI e o financiamento de formações continuadas pelo Governo

Federal, com recursos do Plano de Ações Articuladas41 (PAR) e do convênio com o Banco

Mundial.

Contudo outros encontros foram realizados por organizações não-

governamentais, como o Centro de Cultural Luiz Freire, no Projeto Escola de Índio (PEI).

Nesses encontros foram lançados alguns documentos norteadores da Educação Escolar

Indígena em Pernambuco, que serviram de alicerce para a construção de documentos

oficiais.

O primeiro seminário realizado em janeiro de 2007 teve como objetivo apresentar

para a nova gestão da SEE o panorama geral da Educação Escolar Indígena de

Pernambuco. Assim, cada etnia apresentou sua forma de organização interna, a situação

das escolas, as lideranças representativas, o quantitativo de professores, entre outros

aspectos relevantes. No seminário, foram discutidos também os desafios e metas para a

Educação Escolar Indígena, dos quais destacamos: a oferta de formação em nível

superior, a realização de Concurso Público para professor indígena, a regularização da

equipe gestora, do transporte escolar e a construção do currículo específico.

Como deliberação do primeiro encontro, foi realizada uma formação específica

para construção do currículo de língua portuguesa e matemática, no período de 05 a 09

de maio de 2008, para 120 professores indígenas, com o objetivo de discutir a concepção

41 O PAR é um Plano de Ações Integradas que cada Ente Federativo deve elaborar, a partir de sua adesão

ao Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, e compõe um pré-requisito para acesso ao recurso

de financiamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), instituído pelo Decreto nº 6.094, de

24 de abril de 2007. Para mais informações sobre o PDE ou PAR, pode-se acessar o portal do Ministério

da Educação, através do endereço eletrônico:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=159&Itemid=235. Acessado em: 16/06/2014.

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100

de currículo, a organização da estrutura curricular e apresentar as experiências de práticas

interculturais dos professores indígenas em Língua Portuguesa e Matemática, como

podemos ilustrar abaixo.

Segundo o relatório oficial da formação, o currículo intercultural indígena foi

construído tomando como referência o RCNEI, a Base Curricular de Educação Básica de

Pernambuco e as Orientações Metodológicas de Língua Portuguesa e Matemática. A

proposta da formação era que os professores pudessem elencar os conteúdos a serem

ensinados nas escolas, o tempo e os diferentes espaços de aprendizagem, levando em

consideração a “diversidade cultural e os conhecimentos oriundos dos diferentes grupos

sociais da sociedade indígena e não indígena” (PERNAMBUCO/SEE, 2009, p. 1).

Nesse documento, a construção do currículo estava pautada nos princípios

norteadores da Educação Escolar Indígena, no que concerne à autonomia de cada povo

indígena definir os conteúdos, a interculturalidade, o tempo e os espaços de ensino-

aprendizagem, seguindo as orientações do RCNEI.

Como resultado do encontro, foi estabelecida a estrutura do currículo intercultural

indígena, da seguinte forma:

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101

Gráfico 7 - Esquema de organização da Estrutura Curricular da EEI em Pernambuco.

Fonte: PERNAMBUCO/SEE/UEEI (2009, p. 3).

Pelos esquemas apresentados acima, a estrutura curricular difere-se do que está

posto na Rede Estadual por considerar os seis eixos norteadores como eixos temáticos.

Em cada eixo temático, os professores indígenas realizaram a seleção de saberes por

disciplina, a partir dos conteúdos previstos nas Orientações Teóricos-Metodológicas

(OTM’s) da Rede Estadual42. Essa proposta curricular para a Educação Escolar Indígena

42 Pode-se consultar as OTM’s no site da Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco. Disponível em:

<http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&cat=36&art=56>. Acessado em: 20/05/2014.

Estrutura de Organização

Curricular

Eixo Articulador PPP

Eixo Temático

TerraIdentidadeOrganizaçãoHistóriaInterculturalidadeBilinguismo

•Educação Infantil•Ensino Fundamental•Ensino Médio•Normal Médio•EJA

Etapas/Modalidades

•Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias

•Linguagens, códigos e suas tecnologias

•Ciências Humanas e suas tecnologias

Área do conhecimento

•Português•Matemática•Ciências•História•Geografia•Yathê...

Disciplina

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102

se aproxima da organização curricular para a Educação do Campo, que também organiza

os conhecimentos a partir de eixos temáticos.

Dentro do processo de formação continuada, ocorreram mais quatro encontros em

2008, na seguinte ordem cronológica: em setembro, um encontro para Língua Portuguesa

e Matemática; em outubro e dezembro, para elencar os conteúdos de Matemática; em

dezembro, um encontro do mesmo tipo para Língua Portuguesa.

No final de 2008, a UEEI passava por uma mudança de gestão. Foi no momento

em que assumimos a função de coordenadora do setor. No primeiro dia de trabalho à

frente do setor, participamos da Formação Continuada para Construção do Currículo

Intercultural de Matemática, realizado em dezembro de 2008. Neste encontro, foi onde

tivemos o primeiro contato com a concepção de currículo intercultural indígena que

estava sendo proposta pela SEE e aproveitamos para fazer um processo de escuta das

lideranças presentes.

Neste processo de escuta, destacamos como os principais questionamentos

colocados pelos indígenas sobre os momentos de construção curricular:

O primeiro dizia sobre a estrutura do currículo (apresentada no gráfico 2) que

não representava a realidade de sua educação e que apenas seria uma

adaptação do currículo de outras escolas da rede. O impasse estava na

organização do currículo por componentes curriculares que era visto como

uma barreira para o ensino dos saberes dos povos e que colocava em cheque

o projeto de escola pensado por cada povo;

O segundo estava na cobrança pela participação de suas lideranças

tradicionais, que, por não serem funcionários do Estado, não tinha matrícula e

não podiam se hospedar como participantes nos hotéis credenciados e não

recebiam o recurso de deslocamento, o que inviabilizava a participação dessas

lideranças;

Por último colocavam o problema da seletividade de professores para esses

momentos de formação, já que a capacidade dos hotéis credenciados não

comportava todos os professores indígenas e esse aspecto feria o princípio da

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103

coletividade nos processos de elaboração, discussão e proposição de

políticas;43

Em 2009, foram realizados mais dois encontros com a mesma estrutura e

quantitativo de professores que os encontros anteriores: em abril, com orientações para

construção do Regimento Interno das escolas; e, em março, para subsídios de forma que

possibilitasse a cada povo fazer a revisão do seu PPP.

Um terceiro encontro organizado para fazer uma revisão da construção do

Currículo Intercultural de Matemática não foi realizado, devido a um impasse

administrativo e político entre os indígenas e a SEE. Os indígenas cobravam que a

formação fosse realizada com a participação de todos os professores e lideranças;

contudo, a licitação para contratação dos hotéis não previa despesa para pessoas que não

fossem da Rede de Ensino e não havia estrutura para comportar o quantitativo de

professores exigido pelos indígenas.

A realização dessas formações em hotéis atendia a uma padronização das

formações de toda a Secretaria de Educação, pactuada através de convênio assinado com

o MEC/FNDE – PAR –, firmado em 2007, que disponibilizava recurso para hospedagem

e alimentação, deslocamento do professor até o local da formação e compra de material

de consumo. O convênio previa a realização de seis encontros de formação continuada

para construção do currículo intercultural para as escolas indígenas com a participação de

350 professores em cada encontro.

Somado a essa situação, os professores contratados naquele ano estavam há cinco

meses sem receber salários, isso acirrou os problemas gerados pela estrutura de formação.

Assim, os indígenas decidiram não participar de outras formações até que o Governo do

Estado resolvesse a situação salarial dos professores e revisasse a forma de participação

de professores e lideranças nesses encontros.

Diante do impasse e pela necessidade de cumprir o convênio e pela demora da

SEE em mudar as normas administrativas/financeiras para atender às solicitações dos

professores, as lideranças indígenas e a UEEI decidiram readaptar a proposta para que as

etnias tivessem momentos internos de discussão (realizados por cada etnia) e momentos

43Como descrito no PPP de diferentes povos, por exemplo no PPP do Povo Pankará (PANKARÁ, 2007, p.

9): “no processo de decisão valorizamos a participação coletiva da comunidade, tanto na organização como

no planejamento. ”

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104

coletivos (todas as etnias juntas). Os momentos coletivos continuaram a atender o que

estava pactuado no convênio.

Foi então que, em 2010, as formações foram retomadas e foram realizados dois

encontros coletivos, entre eles, encontros internos. Mesmo tendo concordado com a

realização da formação com essa estrutura, os indígenas queixavam-se de que nem todos

os professores e as lideranças podiam participar dos encontros coletivos, onde ocorriam

as deliberações com todas as etnias.

A partir das discussões realizadas nesses encontros, foi criada uma minuta para

uma nova matriz curricular indígena e uma outra minuta para criação de instrução

normativa para a Educação Escolar Indígena no Estado, buscando contemplar a

especificidade de cada povo nesses documentos.

Posteriormente, em uma reunião realizada em 2011 na SEE, reunindo Unidade de

Educação Escolar Indígena, lideranças e coordenadores indígenas e setores normativos

da SEE, para discutir a matriz curricular ou as matrizes curriculares para a Educação

Escolar Indígena, os setores normativos não aceitavam a ideia de compor a parte comum

com saberes indígenas. Fato que é lamentado por um entrevistado:

Então, precisa, realmente, rever essa matriz curricular, respeitando as

disciplinas que eles queriam introduzir na matriz. E infelizmente, não

está sendo discutido [...] (Entrevistado 1A)

Todas as disciplinas ou conteúdos propostos para compor a grade, que tinham

denotação específica, como direito indígena, arte indígena, língua materna, eram

“forçados” a pertencer a parte diversificada do currículo. Sabemos que o tempo escolar

destinado à parte diversificada é menor que o destinado à parte comum e os indígenas

sentiam que os conteúdos e saberes do povo poderiam ficar marginalizados. Por fim, após

muitas idas e vindas, a proposta foi reformulada e a divisão entre “comum” e

“diversificado” deixou de existir. A ideia de interculturalidade passou a permear todas as

disciplinas da matriz curricular e as disciplinas ficaram organizadas por área do

conhecimento. Nos anos iniciais, a proposta de matriz ficou desta forma:

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105

Quadro 2 - Minuta de Matriz Curricular do Ensino Fundamental Anos Iniciais da Educação Escolar

Indígena, 2012. B

ase

Leg

al

Eix

os

Área de

conhecimento Componentes Curriculares

TE

RR

A,

OR

GA

NIZ

ÃO

,

IDE

NT

IDA

DE

, H

IST

ÓR

IA,

INT

ER

CU

LT

UR

AL

IDA

DE

E B

ILIN

GU

ISM

O

Linguagem, códigos

e suas tecnologias

Língua Portuguesa e vocábulos indígenas

Língua Materna*

Cultura Indígena

Educação Física

Ciências da Natureza,

Matemática e suas

tecnologias

Etnomatemática

Ciências e saberes tradicionais

Ciências Humanas e

suas tecnologias

Etnogeografia

História

História dos povos tradicionais

Ensino Religioso

*O componente Língua Materna será ministrado apenas para o povo Fulni-Ô

Fonte: Acervo pessoal.

Esta proposta aborda componentes curriculares mais próximos da realidade

indígena, com nomenclaturas que dão a conotação de interculturalidade entre diferentes

os saberes e exigem um repensar dos conteúdos a serem abordados. Por outro lado, a

perspectiva de separação do conhecimento por componentes curriculares ainda encontra-

se presente. Ela foi construída a partir das experiências de outros estados, como São Paulo

e Mato Grosso.

Esse processo, contudo, criou um certo clima de desconfiança por parte dos

professores e coordenadores indígenas sobre os documentos normativos que foram

construídos. Esse sentimento pode ter surgido porque os indígenas se sentiram

contemplados no momento em que precisaram negociar e “ceder” [grifo nosso], deixando

a impressão de novamente estarem adequando a proposta ao que é “imposto” [grifo nosso]

para o restante da rede. Entre as preocupações levantadas na época em reuniões do

CEEIN, percebíamos o questionamento acerca de se esses documentos poderiam limitar

a autonomia do povo em definir suas próprias diretrizes e se eles traduziam realmente a

realidade de todos os povos.

Os dois documentos foram encaminhados ao CEEIN/PE para análise e

deliberações, mas diante de outras demandas consideradas mais urgentes pelos povos

indígenas, a discussão desses documentos foi sendo adiada. Como essas outras demandas

não foram resolvidas, o currículo e a normativa foram deixadas de lado. É o que nos

mostram os depoimentos a seguir:

[no conselho] não se abordou muito essa questão do currículo, porque

o foco maior foi o concurso público e categoria de professor indígena

[...] (Entrevistado 1B)

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106

essas discrepâncias do sistema são tão grandes que os professores

indígenas elegeram esse ano discutir no conselho a questão da categoria

do professor indígena e do concurso específico para professor indígena,

que está desde 2006 em situação irregular [...] (Entrevistado 1C)

A criação da categoria professor indígena e a realização do concurso específico

eram pautas que, para os indígenas, não podiam mais ser adiadas. Por isso, decidiram

concentrar as questões de educação nessas duas pautas.

A partir das entrevistas, percebemos que há uma preocupação de alguns técnicos

da SEE em garantir que, nesse diálogo intercultural, os saberes historicamente validados

pela educação sejam marginalizados em relação aos saberes indígenas, e isso cause uma

“perda” para os povos. Por outro lado, para os indígenas, a maior preocupação está em

garantir que no diálogo os seus saberes não sejam silenciados novamente e, assim,

garantir o projeto de sociedade ao qual a escola está ligada. Essa interlocução entre os

diversos saberes é importante, pois, é nessa direção que a interculturalidade é construída.

um currículo intercultural iria validar, por exemplo, um dos fatores que

a gente observa no convívio com os indígenas mais importantes que é

a oralidade. Então, no sistema avaliativo, por exemplo, nós valorizamos

muito o que está escrito. Outro exemplo, o conhecimento adquirido fora

da estrutura do prédio escolar; para os indígenas isso é muito válido,

para nós isso é muito questionável. A existência de ordenamentos

jurídicos próprios que permitissem que isso existisse sem nenhum

problema entre a instituição que representa a educação e a escola

indígena que está atuando de forma diferenciada, específica [...]

(Entrevistado 1C)

Neste trecho, notamos a sensibilidade do técnico da Secretaria da Educação que

defende o reconhecimento das práticas educacionais indígenas. Ao mesmo tempo,

percebemos que sente-se de mãos atadas para resolver a situação.

Pelas razões apresentadas acima, a partir da análise das entrevistas e de diferentes

documentos, percebemos que, na prática, houve uma tentativa de adaptação da estrutura

de organização da educação indígena e dos conteúdos ao modelo adotado pela Secretaria

na época para as escolas não-indígenas.

No caso da caderneta escolar, por exemplo, que não atende as especificidades da

prática pedagógica das escolas indígenas. Ao mesmo tempo que se reconhece a

importância, a elaboração de uma caderneta, que acompanhe as formas específicas de

ensino-aprendizagem, que contemple o tempo escolar, a avaliação, os conteúdos e

componentes específicos, é abordada por um entrevistado como um desafio a ser

superado:

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107

a questão é da caderneta, que não tem um espaço/formato adequado

para que seja registrado e seja reconhecido que daquela forma como a

gente trabalha os conteúdos, ele possa se tornar uma aprendizagem e

valor como conceito de avaliação para o ensino-aprendizagem das

crianças [...] (Entrevistado 1G)

O mesmo professor completa:

na educação indígena não é obrigatório esse registro [na caderneta]; o

que vale é a gente saber que nós estamos passando um trabalho

específico para nossas crianças, que tá fortalecendo nossa identidade,

dialogando esses saberes e potencializando a nossa autonomia [...]

(Entrevistado 1G)

Em outros momentos de conversas informais, contudo, observamos que também

existe a postura da importância da caderneta como registro da vida do aluno e da educação

do povo. Acreditamos que a situação colocada pelo entrevistado está relacionada à mesma

questão que o currículo: por ela não representar a realidade da escola e da prática do

professor, há um sentimento negativo sobre a mesma. A caderneta não contempla, por

exemplo, a oralidade e as atividades comunitárias.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena

(BRASIL/MEC/CNE/CEB, 2012) determinam que a avaliação deve estar definida no

projeto político-pedagógico e no regimento escolar; e articulada à proposta curricular,

metodológica e ao modelo de planejamento e gestão. Do mesmo modo, a caderneta é o

documento que reflete a concepção de educação e avaliação de um determinado povo e

precisa estar em consonância com a proposta educacional de cada povo indígena.

A situação exemplificada pela caderneta, faz-nos lembrar de um outro programa

da SEE que causou muitos problemas na área indígena, o Programa Bônus por

Desempenho (PBD) que premia os servidores da escola/GRE que obtiveram boa nota no

Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco (IDEPE), a partir do resultado

do Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco (SAEPE), juntamente com outros

parâmetros. Nessa passagem da entrevista com um coordenador indígena percebemos

como esses programas afetam a organização das escolas indígenas:

o maior desafio são os programas inseridos nas nossas escolas e a

cobrança desses conteúdos que vêm impostos e ai a gente fica sem um

espaço bem maior, como a gente queria, para trabalhar o nosso

específico e diferenciado [...] (Entrevistado 1E)

Um dos pontos polêmicos é que um dos parâmetros do programa é avaliar a carga

horária e os conteúdos fixados pelos Parâmetros Curriculares de Pernambuco que foram

trabalhados pelos professores em sala de aula.

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Então, mesmo as escolas indígenas que obtinham excelentes notas no SAEPE,

ficavam de fora da bonificação porque o PBD não considerava conteúdos e carga horária

específica. As escolas indígenas que quiseram receber o bônus, tiveram que se adequar

ao currículo programado pelo sistema de monitoramento.

Em um relatório da UEEI apresentado para a nova gestão da Secretaria de

Educação que chegava em 2011, durante a mudança de governo estadual, sobre os

avanços e desafios da Educação Escolar Indígena no Estado, o diagnóstico realizado

mostrava que as dificuldades para realizar as formações continuavam as mesmas:

Dentre as dificuldades/entraves encontrados para a realização das

formações pode-se listar:

A impossibilidade de contratar profissionais de outros órgãos e

entidades para atuar como formadores, visto que a temática indígena é

muito específica e o Estado conta com poucos profissionais na área,

sendo que a maioria encontra-se nas universidades e em instituições não

governamentais;

Os(as) professores(as) indígenas exigem a participação de suas

lideranças nas formações, por terem dificuldades de tomar decisões sem

a presença das mesmas. Contudo, as lideranças não têm suas despesas

de hospedagem e deslocamento garantidas pelo Estado;

(PERNAMBUCO/ SEE/UEEI, 2011, p. 3-4)

Em relação ao campo da educação, a Educação Escolar Indígena intercultural,

específica e diferenciada é uma área muito recente para os sistemas de ensino, concebido

a partir de outras lógicas de escola, de ensino, de aprendizagem, de avaliação e de

sociedade. Por isso, são essenciais a criação de instrumentos específicos legais e

administrativos de acompanhamento e a formação dos profissionais de todas as áreas que

atuam direta ou indiretamente nesta modalidade.

A não existência de uma política pública que vise a atender a especificidade dos

povos indígenas é um dos principais desafios apontados pelos entrevistados. O conflito

gerado pela ausência dessa política específica causa problemas entre setores da Secretaria

e desta com os povos indígenas:

o certo seria fazer de acordo com o direito que eles têm, que já foi

conquistado, em decretos e leis. Essas resoluções, essas normas, parece

que ainda não têm, talvez, o conhecimento suficiente das pessoas que

trabalham para se basear [...] ampliação do conhecimento dessa

gerência, dos setores, do pessoal que trabalha na secretaria [...]

(Entrevistado 1B).

não se criam regras próprias, não se cria um elemento próprio que

atenda ao que o indígena precisa. Mas se faz um arranjo para que de

alguma forma não se descaracterize na essência de sua cultura e atenda

ao que a legislação exige [...] (Entrevistado 1C).

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109

estamos correndo atrás para que a unidade possa nos ajudar, a gente

vem cobrando pra gente montar o nosso currículo específico e

diferenciado [...] (Entrevistado 1E).

Nesses trechos, percebemos que há um consenso sobre a importância da

construção do currículo, e que, para avançar nesta questão, é necessário o reconhecimento

oficial das práticas pedagógicas próprias.

Para o RCNEI (BRASIL, 1998, p. 36), os sistemas de ensino precisam ser

preparados para essa nova realidade educacional e apontar caminhos para a flexibilização

da legislação, conforme define a LDB. Assim, o RCNEI destaca alguns aspectos que

devem ser refletidos na formulação do currículo intercultural indígena, entre eles: o

calendário escolar adequado ao tempo necessário para que os saberes selecionados

possam ser construídos e significados pelos alunos; o tempo escolar deve estar de acordo

com os objetivos e respeitar a organização geral do tempo que rege aquelas sociedades

humanas; os processos de avaliação devem ser adequados aos padrões culturais e

cognitivos dos indígenas.

A consolidação do direito a uma educação específica e diferenciada está ligada à

construção de um currículo que valide os saberes indígenas e suas próprias formas de

educar, como nos revela o técnico da SEE:

a discussão do currículo é importantíssima para a existência da escola

indígena, até porque a garantia legal de educação específica,

diferenciada, ... passa pelo estabelecimento de um currículo

diferenciado [...] (Entrevistado 1C)

Os entrevistados indígenas destacaram também a necessidade de consolidar os

conhecimentos do povo e buscar novas metodologias para trabalhar o específico na sala

de aula, o que demanda tempo e muita pesquisa:

o conteúdo oficial já vem prontinho, com índice programático e os

saberes tradicionais, os saberes do outro, a pessoa tem que pesquisar,

não está no livro. Você tem que fazer pesquisa, você tem que conversar,

que conhecer a realidade do outro [...] (Entrevistado 1F).

A pesquisa para a criação de material específico torna-se, portanto, um desafio

para a consolidação desse currículo intercultural indígena. Constatamos em documentos

e nas entrevistas que há um reconhecimento na necessidade do professor estudar e

pesquisar mais sobre os saberes e a história do seu povo. O Xukuru (2005, p. 14) coloca

a responsabilidade do professor em realizar e incentivar a pesquisa e o estudo dos

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110

conhecimentos relativos às áreas de ensino. Na entrevista, um dos indígenas opina que

precisam “dar continuidade à pesquisa44, que é fundamental” (Entrevistado 1D).

Como vimos, anteriormente, o papel do professor na educação escolar indígena,

vai além da atividade de docência; ele é o responsável por pesquisar, organizar e

sistematizar as informações e saberes do seu povo.

5.4 Significados atribuídos ao currículo intercultural indígena e à escola indígena

Como já foi dito no primeiro capítulo, a perspectiva de um currículo intercultural

para a educação escolar indígena surgiu para se contrapor ao modelo de escola que visava

à integração dos indígenas à sociedade nacional, através da negação de sua identidade e,

consequentemente, a sua assimilação à cultura hegemônica.

A partir da pressão dos povos indígenas e dos movimentos indigenistas, a

Constituição Federal de 1988 trouxe uma nova concepção de educação escolar voltada

para os povos indígenas, a partir de uma perspectiva não integracionista e de

reconhecimento de que as etnias possuem culturas diferentes da sociedade nacional. Isso

possibilitou a organização escolar segundo seus próprios processos de aprendizagem.

Nessa perspectiva, repensar o currículo desta escola diferenciada é fundamental para

consolidar os preceitos da Constituição Federal e é reforçada durante as entrevistas:

a discussão do currículo é importantíssima para a existência da escola

indígena, até porque a garantia legal de educação específica,

diferenciada; isso passa pelo estabelecimento de um currículo

diferenciado [...] (Entrevistado 1C)

A escola indígena, a partir da perspectiva intercultural, fortalece a identidade

cultural dos alunos, permitindo conhecer sua realidade e problematizar os conhecimentos

externos a sua forma de compreender o mundo. Esse pensamento foi convalidado durante

as entrevistas:

o currículo é importante porque reforça os nossos saberes, aquilo que é

vivenciado na aldeia [...] (Entrevistado 1F)

com a nossa história, nossos conteúdos, nossos saberes, com a nossa

cultura, nossa identidade e aí pra que a gente no trabalhar no nosso, no

44 A continuidade, refere-se a um processo de pesquisa iniciado a partir de uma formação continuada de

professores de 2011, onde os professores criaram um projeto de pesquisa sobre temas relevantes da aldeia.

Ao final, apresentaram o resultado da pesquisa no Iº Colóquio da Educação Escolar Indígena de

Pernambuco.

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local, a gente pudesse crescer e levar o aluno além do que nosso povo

tem, pro conhecimento global, pro conhecimento do mundo [...]

(Entrevistado 1E)

A partir do entendimento de que a interculturalidade cria um relativismo cultural

e renega a ideia de uma única forma de pensar o mundo, abre-se espaço para a

reformulação da escola presente nos territórios indígenas e de toda a sua estrutura

pedagógica:

diferenciado porque se nós temos outras culturas, outros povos. Ele [o

currículo] é diferenciado, porque cada cultura tem o seu significado

construído do seu universo, que vai garantindo aquela formação, aquela

identidade daquele povo [...] (Entrevistado 1D)

Como expomos, a educação intercultural é percebida como uma pedagogia do

encontro que promove o diálogo entre diferentes formas de ver o mundo sem maquiar os

conflitos e as relações de poder que existem nessas relações. Percebemos nas entrevistas

que a ideia de interculturalidade está fortemente relacionada a esse diálogo, como também

ao fortalecimento e afirmação cultural:

um currículo intercultural está baseado no diálogo, então, tanto ele

interferiria no currículo das escolas não indígenas quanto ele interferiria

no currículo das escolas indígenas. Mas a gente percebe que, na

realidade, está mais fundamentado na questão do reconhecimento ao

direito de ser diferente, mas sem essa interação, sem o diálogo, o que

eu acho que gera uma perda muito grande pros povos indígenas [...]

(Entrevistado 1C)

um currículo contribuirá para potencializar a nossa cultura e firmar

nossa autonomia [...] (Entrevistado 1G)

A Educação Indígena, portanto, transcende os muros da escola, ela está em toda a

comunidade, nos momentos de rituais, no plantio e na colheita, nas relações estabelecidas

pela comunidade. Para garantir uma educação específica de qualidade, os professores

indígenas falam na necessidade de trabalhar os saberes dos povos do povo no currículo,

mas destacam as dificuldades de materializar esse conhecimento por não ter o conteúdo

sistematizado em material didático, sendo necessário estimular a pesquisa e a construção

desse material.

A ideia de currículo diferenciado está relacionada à diferenciação da escola

indígena em relação às outras escolas da rede, ao entender que a escola indígena deve

atender aos princípios e objetivos da comunidade à qual está ligada. Nesse sentido, o

currículo atende a uma lógica diferente de significados e saberes, que tem uma forte

ligação com a cultura, a história, os costumes e as tradições religiosas de cada povo.

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Nesta pesquisa, identificamos que apesar de alguns direitos conquistados pelos

povos indígenas, ainda há uma lacuna grande do Estado para dar conta dessa

especificidade; por isso cada povo procura estratégias de resistências, a partir de suas

concepções para transformar a escola indígena a escola indígena que atenda às suas

necessidades.

Essa questão foi abordada pelos técnicos da Secretaria de Educação ao

reconhecerem que a sociedade indígena tem visões de mundo diferentes da sociedade

geral e, por isso, precisam de um currículo diferenciado que dê conta da formação do

cidadão indígena.

Em alguns momentos, a educação indígena intercultural, específica e diferenciada

é tida como uma concessão e não como um direito. Essa situação aparece principalmente,

nas entrevistas em setores da SEE que não atuam diretamente com a Educação Escolar

Indígena. Nos entrevistados que atuam diretamente com a educação escolar indígena o

currículo específico é tratado como um direito que deve ser respeitado. Este fato

demonstra a necessidade de formação da equipe técnica na perspectiva de sensibilizar e

informar sobre o respaldo legal que garante aos povos indígenas uma educação específica.

O obstáculo apontado está na falta de autonomia e de comando do setor que

acompanha e promove a Educação Escolar Indígena no Estado e a não existência de

ordenamentos jurídicos e administrativos que oficializem e garantam o direito da escola

indígena ter uma organização específica a partir dos princípios do seu povo.

Outro desafio está na formulação de programas e ações da SEE que são pensados

para um único modelo de escola, desconsiderando a organização e a autonomia dos povos

indígenas e os objetivos dessa educação. Observamos que há pouco envolvimento de

outros setores da Secretaria de Educação, como por exemplo, no momento do seu

planejamento anual, quase nada promovem em termos de ações específicas para a

Educação Escolar Indígena. Quando isso acontece, muitas vezes as escolas indígenas são

contempladas nos mesmos padrões/ações/programas que as outras escolas da rede, sem

considerar sua especificidade.

Os documentos, normas, programas e ações da SEE, praticamente ignoram a

existência de um outro tipo de escola na sua Rede de Ensino. Por isso, as tentativas de

consolidar um currículo intercultural indígena esbarraram na falta de respaldo normativo

e, consequentemente, na aprovação dos documentos criados pelos indígenas, forçando os

indígenas a adaptarem seus documentos ao que é exigido pelas normas vigentes.

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113

A diferença e a interculturalidade aparecem na nossa pesquisa como uma via dupla

que deve ser problematizada no currículo indígena e no currículo de outras escolas da

rede:

o currículo intercultural é aquele onde precisa ser realmente bem

trabalhado, utilizando a cultura dos povos indígenas e introduzindo [...]

esta cultura dos indígenas no currículo das escolas de ensino regular [...]

(Entrevistado 1A)

é primordial a existência de um currículo que seja intercultural. Além

disso, como cidadãos brasileiros, a gente não pode também desprezar

os conhecimentos que existem e que estão disponíveis. [...] Ele tem que

ser fundamentado no diálogo entre as duas culturas [...] (Entrevistado

1C)

Dentro dos sentidos e significados sobre o currículo intercultural, percebemos

também que em alguns momentos entre os entrevistados aparecem o sentimento de

“perda” ou do “resgate” da cultura. Como dito anteriormente, a cultura é dinâmica,

criativa; não há perdas, há transformações e reelaborações (Pacheco, 1996).

O processo de construção do currículo intercultural indígena, promovido pela

Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco a partir da estadualização das escolas

indígenas, mostra que o Estado passa a reconhecer a diversidade cultural e a existência

de outras formas não hegemônicas de vida. Contudo, os desafios que levantamos durante

a pesquisa indicam que a interculturalidade adotada segue a perspectiva funcional. Para

Walsh (2009), a interculturalidade funcional admite como eixo a diversidade cultural,

mas mantém todo o aparato de controle de poder institucional-estrutural para responder

aos interesses e necessidades das instituições sociais.

A criação de um setor específico sem autonomia, com poucos profissionais e,

estes, sem formação adequada; as dificuldades de implantação e o isolamento da Política

Estadual para a Educação Escolar Indígena; a resistência para validar o currículo e as

práticas educacionais das escolas indígenas; a não existência de ordenamentos

administrativos, jurídicas e normativos específicos; todas as dificuldades levantadas nesta

pesquisa demonstram que a interculturalidade é incorporada nos discursos oficiais para

favorecer a harmonia social e continuar a assimilar os indígenas e outros grupos

subalternizados à cultura hegemônica.

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114

5.5 Desafios advindos do processo de construção do currículo escolar indígena

Os povos indígenas, desde a época da colonização, criaram estratégias de

sobrevivência e resistência à dominação ao qual foram sendo submetidos. Como vimos,

a escola que por muito tempo era tida como um espaço para a imposição da cultura

hegemônica, foi sendo apropriada através da luta pelo reconhecimento como grupo

etnicamente diferentes45.

A SEE criou um setor para promover e acompanhar a política de Educação Escolar

Indígena, atendendo a recomendação da Resolução nº03 (BRASIL/MEC/CNE/CEB,

1999b). Contudo, não conseguiu avançar na efetivação dos direitos garantidos pela

legislação indígena, visto que a política educacional depende de outros setores para ser

efetivada. O Parecer nº 14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a) já apontava que os sistemas

de ensino precisariam rever suas práticas e criar novas ferramentas para acompanhar e

atender a educação escolar indígena:

A proposta da escola indígena diferenciada representa, sem dúvida

alguma, uma grande novidade no sistema educacional do país, exigindo

das instituições e órgãos responsáveis a definição de novas dinâmicas,

concepções e mecanismos, tanto para que essas escolas sejam de fato

incorporadas e beneficiadas por sua inclusão no sistema, quanto

respeitadas por suas particularidades. (CNE, 1999, p. 29)

Observamos que, quanto mais distante o setor está da UEEI, menor é o

conhecimento sobre a legislação para a educação indígena e menor é o entendimento da

autonomia que os povos têm para definir suas formas próprias de ensino. Em outros

setores da SEE se reconhece uma educação diferenciada para a rede, mas a perspectiva é

que essa educação se adeque às normas. Percebemos que esse balizamento tende às

normas da rede regular e não da legislação indígena. Como nos mostram essas passagens

das entrevistas:

sentia a dificuldade que tem tanto dos indígenas adaptarem às normas,

às leis, como também da própria Secretaria, é aceitar a maneira de ser

dos indígenas, que tem que ser um processo gradativo, onde ele se

familiarizar com a lei [...] incorporando a sua vivência, dentro das

normas [...] (Entrevistado 1A)

45 “A identidade étnica consiste no sentimento de pertencimento a um determinado grupo social, apoiando-

se numa crença de origem comum e na construção de um repertório de elementos diacríticos que permite a

comunidade étnica se definir, se organizar e se diferenciar diante dos outros” (ATHIAS, 2005, p. 2)

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aqui nós temos essa norma, sim, mas essa norma não é pra escola

indígena; [...] aí a gente não pode fazer porque não tem respaldo [...]

então precisa retornar para conversar com os coordenadores, até

arrumar uma forma ou uma adequação, que aquilo ali passe na

aprovação e seja encaminhado [...] (Entrevistado 1B)

O primeiro desafio que destacamos é que, da mesma forma que a política, a

construção do currículo deve atender aos anseios do respectivo povo indígena e estar

intimamente relacionado à sua organização política, social, cultural e religiosa. Essa

construção, como vimos, deve ser realizada de forma coletiva, com a participação dos

mais velhos, das lideranças e de toda a comunidade. Já que o conhecimento indígena

emerge da memória coletiva e dos mais velhos, de suas experiências cotidianas, a partir

de uma lógica diferente de outras culturas. Classificar esses conhecimentos em outra

tradição, que é alheia à tradição indígena, é limitar seu sentido e suas possibilidades.

Os pontos destacados acima têm uma relação forte entre si; a força dos povos

indígenas está na memória coletiva de sua comunidade e na luta junto com outras etnias.

Os saberes dos povos estão fortemente ligados à cultura, à terra e à religião, a partir da

memória viva nos mais velhos e nas lideranças. Assim, o currículo deve ser trabalhado

de forma integrada com o projeto de sociedade do povo, a partir dos seis eixos norteadores

(Terra, Identidade, História, Organização, Interculturalidade e Bilinguismo) e por área do

conhecimento. Estes aspectos demonstram o caráter interdisciplinar do currículo

indígena. Nessa perspectiva esses conhecimentos não cabem na tentativa de serem

“encaixotados” em um único componente curricular. Para DIEHL (2002, p. 130):

o discurso moderno institui uma racionalidade pedagógica através da

educação escolar, onde a representação do passado e nisso a tradição e

a memória coletiva ficam sobre restrito controle, disciplinadas. Com o

advento da modernidade instala-se também uma profunda insegurança,

pois o passado, e nele a memória, passa a ser sinônimo de desconfiança

O segundo desafio observado do processo de construção do currículo está ligado

à estrutura do mesmo. O RCNEI orienta que os conhecimentos sejam organizados em

disciplinas. Para Almeida (2001), esta forma de organização é apenas uma adaptação da

proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais e que o RCNEI não se preocupou em

investigar de que forma os povos indígenas organizam e sistematizam os seus saberes

para assim orientar a organização dos conhecimentos escolares. Então, ao seguir a

proposta curricular contida no RCNEI, a Secretaria de Educação acaba por não

contemplar a perspectiva dos indígenas em construir um currículo específico, conforme

constatamos nas falas dos entrevistados:

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acho que a matriz das escolas indígenas precisa ser retomada,

respeitando a vontade que eles queriam [...] (Entrevistado 1A)

a adequação é ferir de alguma forma e atuar de modo até colonizador

em relação aos indígenas [...] (Entrevistado 1C)

Ao analisar o PPP Pankará percebemos a razão do processo de construção do

currículo, e como as formações de professores em geral, criam atrito entre gestão e

professores indígenas:

Não são somente os professores e professoras que se responsabilizam

diretamente pela educação escolar do nosso povo. Nossa organização

interna procura incorporar o maior número possível de membros das

comunidades para juntos realizarmos, de forma ampla e com qualidade,

as atividades de planejamento e de ação pedagógica. (Pankará, 2007, p.

26)

A escola indígena é parte da comunidade, vista como mais um espaço de

reivindicação de direitos e de formação de guerreiro. Ao realizar um planejamento fora

do território e com um grupo “representativo”, impedindo a participação de membros

importantes da comunidade, como lideranças, anciões e professores, fere-se um princípio

fundamental da comunidade indígena, que é a coletividade.

Os problemas que ocorreram durante as formações e o não atendimento das

reivindicações indígenas nos remetem à pesquisa de Almeida (2001), que demonstra que

a legislação brasileira contempla grande parte das reivindicações dos povos indígenas,

quando aponta para a necessidade de pensar uma escola e um currículo que respeite a

organização social das comunidades indígenas e lhes dá autonomia nas formas próprias

de ensino e gestão de suas escolas. Porém as limitações administrativas e normativas não

permitem a efetivação desses direitos.

Nas nossas observações nesta pesquisa, esse tema surge como uma reivindicação

para a criação de um setor na estrutura da SEE com mais autonomia política e

administrativa:

alguém cumprir: dizer – Ó, precisa cumprir! Não vejo outro caminho a

não ser alguém pode dizer – Eles conhecem, nós já mandamos! Como

é que você conhece e não cumpre? Então alguma coisa precisa ser

repensada, reestruturada [...] (Entrevistado 1B)

O terceiro desafio que conseguimos verificar que nossos entrevistados, da mesma

forma que é defendido por Almeida (2001) e Barbalho (2012), está na possibilidade de

criação de um subsistema, pois acreditam ser a melhor solução para o problema da

educação indígena específica, pois, exigiria a criação de novas estruturas e ordenamentos

jurídicos para atender essa especificidade:

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117

só existindo um subsistema para poder arcar com toda essa diversidade

e toda essa especificidade. [...] a educação tem que passar por uma

mudança estrutural muito forte pra que essa conceituação de educação

escolar indígena específica possa ter seu atendimento pleno [...]

(Entrevistado 1C)

Por razão das características apresentadas acima, considerando as especificidades

exigidas para efetivar uma educação indígena de qualidade, o movimento indígena

reivindica a criação de um sistema próprio de ensino, estruturado a partir da lógica

sociocultural, política e territorial dos povos, com a participação efetiva dos professores

e lideranças na formulação da política educacional.

Luciano-Baniwa (2006) justifica a criação de um sistema de ensino próprio pelo

entendimento de que:

O modelo de organização social, no formato de associação

institucionalizada, não respeita o jeito de ser e de fazer dos povos

indígenas. Os processos administrativos, financeiros e burocráticos,

além de serem ininteligíveis à racionalidade indígena, confrontam e

ferem os valores culturais dos seus povos, como o de solidariedade,

generosidade e democracia (LUCIANO–BANIWA, 2006, p. 82).

Nesta perspectiva, corroboramos o pensamento de Almeida (2001, p. 184) ao

defender a criação de um sistema de ensino próprio para atender as populações indígenas

que “leve em conta a lógica sociocultural e territorial desses povos, possibilitando que os

governos possam desenvolver uma política pública para realidades específicas”.

Apesar da Educação Escolar Indígena ter sido incorporada ao Sistema Estadual de

Ensino em 2002, os técnicos que passaram a atuar, direta ou indiretamente, com essa nova

realidade tiveram poucas formações pontuais e descontinuadas sobre a temática. Um dos

problemas destacados pela própria UEEI no Relatório da Gestão era a dificuldade de

contratação de especialistas da temática indígena para realizar a formação dos técnicos.

Por isso, essas formações se restringiam à leitura e estudo pouco aprofundados da

legislação indígena e de documentos dos povos.

Outro desafio constatado durante nossa pesquisa é que, desde a estadualização em

2002, apesar de todos os documentos produzidos durante as formações e nos encontros

de Educação Escolar Indígena, não localizamos nenhuma portaria ou decreto que trate da

organização ou estabeleça processos de atendimentos às escolas indígenas de forma

específica, diferenciando o funcionamento, estrutura ou organização ao das escolas não

indígenas.

Essa verificação revela uma profunda desarticulação entre os setores que atendem

diretamente à modalidade da Educação Escolar Indígena e outros setores normativos da

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SEE. Na prática, a Educação Escolar Indígena é tratada apenas por uma unidade dentro

da estrutura da secretaria e esquecida pelo restante dos setores. Foi possível observar no

levantamento de dados de campo que há um reconhecimento de que a educação escolar

indígena tem um atendimento deficiente pela SEE:

esse currículo diferenciado precisaria ter um respaldo maior no setor

que está (normatização). Essa gerência tem as normas; só aquelas pra

escola não indígena. Mas eles não têm duas [escolas] [...] (Entrevistado

1C)

Confirmamos assim, os documentos e normas oficiais da SEE não atentam para a

existência de uma outra escola na sua Rede de Ensino; por isso, as tentativas de consolidar

um currículo intercultural indígena, esbarram na falta de respaldo legal e pela não

aprovação dos documentos construídos pelos indígenas. Os técnicos que acompanham

diretamente as escolas indígenas e coordenadores indígenas, na esperança de resolver a

situação irregular da escola e do aluno, acabam cedendo às pressões dos setores

normativos e adaptando os documentos às normas vigentes.

Contrariando o estabelecido no Parecer nº14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a,

p. 15) quando orienta que os sistemas de ensino busquem na legislação nacional o

respaldo legal necessário para a criação de ordenamentos jurídicos e administrativos que

possibilitem o atendimento às especificidades da Educação Escolar Indígena, quando

trata da questão do currículo e sua flexibilidade:

O respaldo legal à organização curricular específica da Educação

Escolar Indígena, em relação às demais modalidades do Sistema

Educacional Brasileiro, está assegurado pela Constituição Federal de

1988, art. 210, que garante às comunidades indígenas o uso das próprias

línguas e a utilização de seus processos próprios de aprendizagem.

Também a LDB, no art. 79, delibera sobre o desenvolvimento dos

currículos e dos programas específicos, pelo Sistema de Ensino,

incluindo-se processos pedagógicos, línguas e conteúdos culturais

correspondentes às diversas sociedades indígenas. A LDB acentua,

ainda e enfaticamente, a diferenciação da escola indígena em relação às

demais escolas dos sistemas pelo bilinguismo e pela interculturalidade.

Outros dispositivos presentes na LDB abrem possibilidade para que a

escola indígena, na definição de seu projeto pedagógico, estabeleça não

só a sua forma de funcionamento, mas os objetivos e os meios para

atingi-los.

O quinto desafio está relacionado à estrutura proposta para a construção do

currículo que impossibilitou a participação de representações consideradas fundamentais

para no processo. Para os indígenas, quando o processo não é construído em conjunto,

fere-se a autonomia dos povos e vai de encontro ao que está estabelecido pela legislação.

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Os técnicos da SEE reconhecem as limitações da estrutura e do processo de construção

desse currículo:

a adequação é ferir de alguma forma e atuar de modo até colonizador

em relação aos indígenas [...] (Entrevistado 1C)

O currículo intercultural das escolas indígenas deve ser resultado de uma prática

pedagógica autêntica, articulada com o projeto da escola indígena e ao projeto de

sociedade da etnia que pertence. Assim, os saberes das sociedades indígenas devem

perpassar por todo ele e, a partir dele, seja construído o diálogo com outros

conhecimentos. Essa mesma perspectiva é defendida por um entrevistado:

o currículo deveria vir, além das matrizes nacionais, ele deveria atender

os eixos norteadores que trabalham na educação indígena diferenciada,

contemplando os conteúdos específicos e os saberes de um povo [...]

(Entrevistado 1G)

As contradições entre o que está preceituado na legislação educacional para as

escolas indígenas e o que acontece na prática estão muito presentes nas nossas entrevistas.

Mesmo sem o reconhecimento oficial, as etnias já realizam experiências interculturais e

criam elementos específicos no currículo: “eles [escolas não indígenas] já têm o currículo

e a gente vai adaptando46 ao nosso currículo e ao nosso conhecimento” (Entrevistado 1E).

E para os técnicos que trabalham na Secretaria de Educação, desafios devido ao

desconhecimento da existência de uma outra escola: “o primeiro desafio parte do próprio

sistema, estar aberto para o novo, aceitar o diferente” (Entrevistado 1A).

Os indígenas, aos poucos, avançam em conquistas importantes na perspectiva de

consolidação do projeto de autoafirmação identitária. Como citado nesta passagem de um

dos nossos entrevistados:

na hora que é da construção do currículo é de grande valia e grande

afirmação, que vai afirmar, cada vez mais, a sua identidade como ser

indígena, como indígena daquele povo ‘x’, diferente daquele povo ‘y’

e ai vai se afirmando [...] (Entrevistado 1D)

Nesse contexto de valorização dos saberes do povo, é importante destacar a

utilização de material didático específico, produzido pelos professores e lideranças

indígenas da própria etnia, para o fortalecimento da educação específica. Esse aspecto

aparece durante a entrevista a professores indígenas como um desafio a ser superado:

46 O sentido de adaptação está relacionado ao material didático e pedagógico e programas que são

destinados às escolas da Rede de forma indiscriminada.

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outro ponto principal que pesa muito é o material didático, porque o

professor faz o trabalho dele, entretanto não tem material específico.

Ele faz como se fosse recorte de materiais [...] (Entrevistado 1D)

uma deficiência que temos é fazer essa relação de conteúdo

programático do sistema com os saberes do povo, fazer essa relação de

interdisciplinaridade, de forma escrita [...] (Entrevistado 1G)

Os entrevistados indígenas destacaram também a necessidade de consolidar os

conhecimentos do povo e buscar novas metodologias para trabalhar o específico na sala

de aula, o que demanda tempo e muita pesquisa:

o conteúdo oficial já vem prontinho, com índice programático e os

saberes tradicionais, os saberes do outro, a pessoa tem que pesquisar,

não está no livro. Você tem que fazer pesquisa, você tem que conversar,

que conhecer a realidade do outro [...] (Entrevistado 1F).

Um outro desafio aparece quando percebemos que a dificuldade de consolidação

do currículo específico não está apenas na falta de normas que validem as pedagogias

próprias dos indígenas; está, também, na escassez de material didático específico.

O termo diferenciado é muito utilizado para identificar uma outra realidade de

educação, ligada à diferença cultural e de visão do mundo:

um currículo diferenciado é a base de um estudo diferenciado, mais que

venha fazer a mesma mistura com o conhecimento específico,

diferenciado e os saberes próprios [...] (Entrevistado 1G)

Quando questionado sobre os desafios para implementar um currículo específico,

a formação dos professores indígenas aparece em duas perspectivas. A primeira trata da

falta de índios com formação em nível exigido para atuação nas modalidades ou áreas do

conhecimento, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino

Médio:

existe uma certa dificuldade, principalmente nas escolas maiores, com

5ª a 8ª série. A gente não tinha professor com formação adequada e nós

precisamos contratar outros professores não índio. Os professores não-

indígenas sentiam dificuldade do que é diferente e é difícil repassar [...]

(Entrevistado 1F)

Essa realidade foi mudando com os anos, os indígenas correram atrás e cursaram

faculdade e outras instituições próximas. Hoje, há poucos professores não-indígenas

atuando em escolas indígenas. Aqueles que permanecem têm a anuência das lideranças.

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O segundo aspecto trata da formação específica nos cursos chamados de

Licenciatura Intercultural47, já que a maioria cursou pedagogia ou outros cursos de

licenciatura que não eram voltados para a formação de professores indígenas:

o primeiro entrave é a formação, para ampliar os conhecimentos e

inovar, fazer novos planejamentos, outras metodologias para ajudar o

professor [...] (Entrevistado 1D)

A formação superior específica para os professores indígenas exigirá um novo

repensar da organização e estrutura curricular da Universidade para atender esta nova

demanda social.

Observamos que o diferente é mais utilizado como característica de alteridade em

relação ao não-índio e o específico é usado na relação entre diferentes povos indígenas,

para identificar questões próprias ou específicas de um determinado povo. Apesar de que

em alguns momentos esses termos se confundem: “esse trabalho da interculturalidade,

específica, que é da cultura, realmente do povo indígena [...]” (Entrevistado 1A).

Esse trecho da entrevista traduz o sentimento de que a construção desse novo

pensar pedagógico emerge na própria comunidade e de um processo legítimo de

construção do conhecimento.

O último desafio que identificamos na nossa pesquisa refere-se à questão da

oralidade no currículo indígena. Ao propor a construção desse currículo, o sistema de

ensino precisa, primeiramente, compreender o papel e a importância da oralidade para os

povos indígenas. A oralidade vai além do ensino de línguas maternas e de saberes dos

povos, mas está presente em todas as áreas do conhecimento e nos processos de ensino-

aprendizagem. Um currículo verdadeiramente indígena deve validar as formas próprias

de transmissão do conhecimento de cada povo indígena, como observa um dos

entrevistados:

[...] um currículo intercultural iria validar, por exemplo, um dos fatores que a

gente observa no convívio com os indígenas mais importantes que é a

oralidade. Então, no sistema avaliativo, por exemplo, nós valorizamos muito o

que está escrito. Outro exemplo, o conhecimento adquirido fora da estrutura

do prédio escolar; para os indígenas isso é muito válido, para nós isso é muito

questionável. A existência de ordenamentos jurídicos próprios que

permitissem que isso existisse sem nenhum problema entre a instituição que

representa a educação e a escola indígena que está atuando de forma

diferenciada, específica. [...] o Estado funciona com suas regras, instruções

normativas, que de uma certa forma, engessam a própria questão da oralidade.

47 Em Pernambuco, a Licenciatura Intercultural a nível de graduação é oferecida pela Universidade Federal

de Pernambuco – Campus do Agreste, tendo a primeira turma iniciado em 2009 e concluído em 2013, com

150 estudantes.

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Você tem de um outro lado, algo que não precisa ser aprovado; existe. Então,

muitas vezes, tem sido feito, algo que os indígenas não gostam, que é a

chamada adequação [...] (Entrevistado 1C)

Em síntese, o campo pedagógico da educação escolar indígena permite

transcender a forma como a escola se relaciona com a comunidade e com tudo que está

ao seu redor. A organização escolar e as formas próprias de ensino-aprendizagem

específicas devem estar relacionadas com a organização social de cada povo para que

“possibilitem a continuidade e a reprodução cultural em qualquer sociedade que seja”

(ATHIAS, 2010, p. 4).

Walsh (2009) propõe a interculturalidade crítica como ferramenta pedagógica de

questionamento constante da racialização, subalternização, inferiorização e de todos os

padrões de poder, o que chama de “pedagogia decolonial” (derivada da pedagogia crítica

de Paulo Freire48). Essa pedagogia decolonial está enraizada na luta e no fazer educativo

das comunidades indígenas e afrodescendentes e anda atada ao projeto intercultural de

sociedade.

Para isso, é importante repensar as bases que consolidam a política educacional

para que seja reconstruída a partir dos alicerces da interculturalidade, respeitando as

regionalidades e a diversidade cultural do país. Ao ponderarmos sobre as possiblidades

da educação escolar intercultural, extrapolamos nossa análise no âmbito da educação

escolar indígena ao entender que esse modelo de educação, aplicado a toda a rede, poderá

promover um país com mais justiça social e equidade.

48 Entendida como a pedagogia que tem como eixo central a superação das negatividades das culturas

existentes e potencializa a capacidade de construção da humanidade do ser humano, fundamentada na

justiça social (SOUZA, 2001).

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatamos que os indígenas vêm sendo protagonistas da luta pelo

reconhecimento oficial da diferença e da especificidade cultural. Esta não como uma

forma de se isolar do restante da sociedade nacional, mas para colocar em pauta a

existência de diferentes cosmovisões e cobrar a mudança das estruturas estatais para

atender aos diferentes grupos originários desse território.

O fortalecimento do movimento indígena e indigenista na década de 70 e 80 foi

determinante para garantir na Constituição brasileira o direito dos indígenas serem um

grupo étnico específico e, a partir de então, reivindicar políticas que contemplassem sua

especificidade cultural, religiosa, política e social, na área da educação, especificamente,

com a garantia de uma educação escolar diferenciada, específica, intercultural e bilíngue.

É neste território de insubordinação e resistência epistêmica à imposição de uma

cultura dominante que se constrói o currículo intercultural indígena, a partir da

participação coletiva dos seus atores.

Nesta pesquisa, identificamos que a interculturalidade está baseada no diálogo

entre diferentes culturas/saberes e que há uma expectativa de que a interculturalidade

deve ser uma via de mão dupla, assim deve estar presente em todos os currículos

escolares, seja indígena ou não indígena. Somente o reconhecimento da diversidade

cultural do Brasil não dá conta dos conflitos gerados pelo contato de diferentes culturas;

é importante problematizar isso no currículo escolar.

Nesse sentido, a ressignificação do papel da escola e da educação indígena foi um

dos marcos importantes para que povos indígenas se apropriassem dessa estrutura

exógena a sua cultura e a transformassem em um dos principais espaços de fortalecimento

da sua identidade, costumes e tradições.

Nossa pesquisa revelou que a construção do currículo intercultural indígena, ao

tomar como referencial os pressupostos já existentes na rede de ensino, não atendeu aos

anseios dos indígenas na construção do seu currículo escolar. O currículo intercultural

indígena construído no Estado, mostrou-se como uma adaptação do currículo da rede,

apenas inserindo saberes e nomes dos povos indígenas para dar um tom de especificidade.

Podemos perceber que a construção do currículo intercultural indígena teve muitas

idas e vindas durante esses dez anos de estadualização da Educação Escolar Indígena.

Foram muitos momentos de negociação, construção e desconstrução. Anteriormente,

vimos que esse processo é complexo e demanda um olhar diferenciado para atender a

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especificidade dos indígenas. Identificamos que, de forma geral, os problemas que foram

surgindo e impediram a consolidação do currículo intercultural indígenas não estão

diretamente ligados à sua construção de fato, mas a questões administrativas e

normativas. Um deles está ligado, por exemplo, a não existência de instrumentos

normativos a nível estadual que subsidiem essa construção e orientem as equipes técnicas

quanto às possibilidades de flexibilização das leis para o atendimento educacional

especializado.

Os técnicos da Secretaria reconhecem as falhas no processo de construção do

currículo indígena, que este atende apenas a um tipo de escola e público, como também

reconhecem que, ao não fazê-lo, ferem o direito à uma educação específica. Percebemos

que eles têm conhecimento sobre a legislação nacional específica e vontade política para

encaminhar as pautas dos indígenas. Contudo, o setor não tem autonomia suficiente para

validar esse outro modelo de escola.

Neste sentido, percebemos que as ações burocráticas se sobrepõem as questões

políticas de garantia dos direitos e de valorização às lutas sociais dos povos indígenas de

Pernambuco, que poderiam dar sentido para entender a educação como esfera pública e

território de debate do destino das pessoas. No caso de Pernambuco, essas barreiras

burocráticas estão, principalmente, em setores importantes para a consolidação de uma

educação de qualidade para a Educação Escolar Indígena. O que nos leva a acreditar numa

despolitização do debate em detrimento da burocratização para essa modalidade de

ensino.

No nosso estudo, procuramos dar visibilidade à relação assimétrica de poder entre

o órgão promotor da educação, a Secretaria de Educação de Pernambuco e as instituições

públicas escolares, as escolas indígenas.

A educação escolar indígena foi colocada em segundo plano e, por isso, somam-

se às pautas das mudanças na normatização, questões mais profundas, como a

regularização da categoria e da contratação de professores indígenas, que colocam em

risco a efetivação dessa política e faz com que o debate sobre o currículo priorizado.

Os indígenas continuam com a estratégia da resistência, que permitiu a

sobrevivência de suas tradições mesmo após tantos anos de colonização; e, assim, há uma

tentativa da educação indígena específica ser vivenciada nas escolas, independente do

reconhecimento oficial e do acompanhamento do órgão provedor.

Nosso estudo indica que o Estado de Pernambuco precisa repensar a forma como

se relaciona com os povos indígenas, a partir dos princípios propostos pela

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interculturalidade crítica e atendendo os preceitos estabelecidos pela Constituição

Federal, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e pelas Diretrizes

Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena; seja através da criação de um novo

sistema ou um subsistema de ensino, ou através de uma profunda reforma política,

administrativa e jurídica no Sistema Estadual de Ensino que garanta a promoção da

Educação Escolar Indígena Intercultural, Específica e Diferenciada de qualidade.

Por fim, reconhecemos que a discussão sobre o currículo intercultural indígena

precisa ser ampliada e fortalecida. Nesta dissertação, procuramos contemplar todas as

problemáticas identificadas durante a pesquisa de campo, contudo reconhecemos que,

pelo tempo, não conseguimos dar conta de debater todas essas questões. Por isso, optamos

por deixar o debate aberto e deixar a provocação para novas pesquisas sobre o tema.

Assim, esperamos que esta pesquisa venha contribuir para estimular a produção

de novos estudos relacionados ao currículo indígena no Estado de Pernambuco.

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136

APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO A

INSTRUÇÕES: 1. Utilize caneta; 2. Não deixe resposta em branco; 3. Marque

somente uma alternativa para cada questão.

Representação: ( ) Liderança ( ) Coordenador ( ) Professor

Gênero: ( ) Masculino ( ) Feminino Idade: ____

Escola: _______________________ Aldeia: _____________________________

Disciplina: ____________________ Modalidade de ensino: _________________

Tipo de contrato: _______________ Tempo de ensino: ______________

Carga horária semanal: __________

Tipo de vínculo do contrato: ( ) Município ( ) Estado

Mora na aldeia: ( ) Sim ( ) Não

Escolaridade: ( ) Fund. I Incom. ( ) Fund. II Incompl ( ) Médio Incom

( ) Fund. I Compl ( ) Fund. II Compl ( ) Médio Compl

( ) Superior comp ( ) Superior Incom ( ) Pós-graduação

Cursou uma formação para professor: ( ) Sim ( ) Não

Cursou uma formação para professor indígena: ( ) Sim ( ) Não

Participou da elaboração do PPP: ( ) Sim ( ) Não

Participou da construção do currículo: ( ) Sim ( ) Não

Participou de formação continuada no último ano: ( ) Sim ( ) Não

Participou de formação continuada nos outros anos: ( ) Sim ( ) Não

Participou do planejamento escolar: ( ) Sim ( ) Não

Está ministrando disciplina na área de conhecimento de sua

qualificação:

( ) Sim ( ) Não

Considera que os saberes do povo estão presentes no

currículo da mesma forma que os outros conhecimentos:

( ) Sim ( ) Não

Considera que o currículo oficial favorece o ensino dos

saberes do povo:

( ) Sim ( ) Não

Considera que o material didático favorece o ensino dos

saberes do povo:

( ) Sim ( ) Não

A escola possui material didático que contenha os saberes

do povo:

( ) Sim ( ) Não

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137

APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO B

INSTRUÇÕES: 1. Utilize caneta; 2. Não deixe resposta em branco; 3. Marque

somente uma alternativa para cada questão.

Cargo: _______________________ Função: __________________________

Setor: ___________________________________________________________

Gênero: ( ) Masculino ( ) Feminino Idade: ____

Tipo de contrato: _______________ Tempo na função: ____________

Área de formação: ________________________________________________

Atua especificamente com EEI? ( ) Sim ( ) Não

Escolaridade: ( ) Fund. I Incom. ( ) Fund. II

Incompl

( ) Médio

Incom

( ) Fund. I Compl ( ) Fund. II

Compl

( ) Médio

Compl

( ) Superior comp ( ) Superior

Incom

( ) Pós-

graduação

Cursou uma formação para professor: ( ) Sim ( ) Não

Cursou alguma formação para educação escolar indígena: ( ) Sim ( ) Não

Participou dos momentos de elaboração do PPP indígena: ( ) Sim ( ) Não

Participou de formação continuada indígena no último ano: ( ) Sim ( ) Não

Participou de outra formação continuada no último ano: ( ) Sim ( ) Não

Já participou de algum planejamento escolar indígena: ( ) Sim ( ) Não

Participou dos momentos de construção do currículo intercultural: ( ) Sim ( ) Não

Já analisou/estudou algum currículo escolar indígena: ( ) Sim ( ) Não

Considera que os saberes do povo estão presentes no currículo da

mesma forma que os outros conhecimentos: ( ) Sim ( ) Não

Considera que o currículo oficial favorece o ensino dos saberes do

povo: ( ) Sim ( ) Não

Considera que o material didático favorece o ensino dos saberes do

povo: ( ) Sim ( ) Não

A escola possui material didático que contenha os saberes do povo: ( ) Sim ( ) Não

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138

APÊNDICE C –ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

1. Você acha que um currículo intercultural é importante para afirmação cultural do

povo indígena?

2. E o que seria um currículo intercultural indígena, diferenciado e específico?

3. Quais os desafios que você enfrenta para garantir um currículo intercultural,

diferenciado e específico?

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139

APÊNDICE D – PESQUISAS REALIZADAS NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO

ESCOLAR INDÍGENA

Quadro 3 - Trabalhos sobre Educação Escolar Indígena apresentados em reuniões anuais da ANPED

ANO GT AUTOR TÍTULO

1999 GT05 Rosa Helena Dias Da Silva Movimentos indígenas no Brasil e a questão educativa

Relações de autonomia, escola e construção de cidadanias

2000 GT03 Rogério Cunha Campos Movimentos indígenas por educação: novos sujeitos socioculturais na

história recente do Brasil

2000 GT06 Beleni S. Grando

Educação escolar indígena e o processo de "integração" dos povos

indígenas à sociedade brasileira: um movimento histórico de luta e

resistência cultural

2000 GT14 Rosani Moreira Leitão O papel da educação escolar na formação de lideranças indígenas: o

caso dos Karajás

2001 GT05 Rosa Helena Dias Da Silva O estado brasileiro e a educação (escolar) indígena: um olhar sobre o

plano nacional de educação

2001 GT06 Antonio Jacó Brand Educação indígena – uma educação para a autonomia

2001 GT12 Cássia Ferri Currículo Multicultural e a Formação do Professor: a busca por

um profissional culturalmente comprometido

2002 GT03 Valéria Augusta Weigel Os Baniwa e a escola: sentidos e repercussões

2002 GT21 Antonio Jacó Brand Formação de professores indígenas – um estudo de caso

2004 GT06 Adir Casaro Nascimento

Professores –índios e a escola diferenciada/intercultural: a

experiência em escolas indígena Kaiová/Guarani no Mato Grosso do

Sul e a prática pedagógica para além da escola. Um estudo

exploratório

2005 GT 06 Antonio Jacó Brand Educação indígena – uma educação para a autonomia

2005 GT12 Adir Casaro Nascimento Currículo, Interculturalidade e Educação Indígena

Guarani/Kaiowá

2005 GT22

Renata Ferraz de Toledo

Maria Cecília Focesi

Pelicioni

Leandro Luiz Giatti

Levantamento de necessidades socioambientais em

Comunidade indígena do distrito de Iauaretê do município

De São Gabriel da Cachoeira / AM

2006 GT02 Domingos Nobre Escola indígena Guarani Mbya: resistência e subordinação

2006 GT07

Adir Casaro Nascimento

Antonio J. Brand

Antonio H. Agulera Urquiza

Entender o outro - a criança indígena e a questão da Educação infantil

2007 GT03 Valéria Augusta C. M.

Weigel

Pesquisa, educação e luta indígena: a experiência de Professores

Sateré-mawé

2007 GT06 Marina Vinha Atividade física entre indígenas para civilizar e indicada para educar

2008 GT12 Veronice Lopes De Souza

Braga

O sistema de avaliação nacional da Educação Básica e os

descaminhos para uma proposta de educação escolar indígena

2008 GT15

Armando Martins de Barros

Maria Betânia Pereira

Gomes Guerra Duarte

Da alteridade e da dialogia com criança indígena de baixa visão: a

inclusão em contexto intercultural

2009 GT08

Adir Casaro Nascimento

Antonio Hilario Aguilera

Urquiza

Antônio Jacó Brand

Professores índios e a escola diferenciada/intercultural a experiência

em Escolas indígenas Guarani e Kaiowá e a prática pedagógica para

além da Escola

2009 GT11 Irene Jeanete Lemos

Gilberto Educação indígena e formação de professores

2010 GT21 Wagner Roberto Do Amaral

Tânia M. Baibich-Faria

As trajetórias dos estudantes indígenas nas universidades estaduais do

Paraná

2011 GT21 Sônia Filiú Albuquerque

Lima

Identidades/diferenças indígenas nas teias de um currículo

universitário

2012 GT06 Marta Coelho Castro

Troquez

Documentos curriculares para a educação escolar indígena no Brasil:

da prescrição às possibilidades da diferenciação

2012 GT12 Ruth Pavan Exclusão social, escola (indígena) e currículo (intercultural): as

Reflexões de acadêmicos (professores) indígenas

Page 141: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS ...‡… · 3.3 Multiculturalismo, pluriculturalismo, interculturalidade e currículo _____ 60 3.4 Currículo intercultural e

140

Quadro 4 - Teses e dissertações sobre Educação Escolar Indígena encontrados no Banco de Teses da

CAPES (com exceção de Pernambuco)

ANO INSTITUIÇÃO /

AREA AUTOR TÍTULO

2000 UNESP/Doutorado

em Educação

Adir Casaro

Nascimento

Educação Escolar Indígena: em busca de um conceito de

educação diferenciada

2000

PUCSP/Mestrado

em Educação Cássia Ferri

Gênese de um Currículo Multicultural: tramas de uma

experiência em construção no contexto da educação escolar

indígena

2001

UFBA/Doutorado

em Educação Clelia Neri Cortes Educação Diferenciada e Formação de Professores Indígenas:

diálogos intra e interculturais

2005 FURB/Mestrado

em Educação

Carlos Odilon da

Costa Autonomia em Paulo Freire e Educação Indígena

2007 FEUSP/Mestrado

em Educação

Adriana Queiroz

Testa

Palavra, Sentido e Memória: educação e escola nas

lembranças dos Guarani Mbyá

2010 PUCSP/Mestrado

em Educação

Aline de Alcântara

Valentini

Educação Escolar Indígena Guarani: a Escola Estadual

Indígena Djekupé Amba Arandu (São Paulo - SP) e seus

desafios para a construção de uma escola indígena de caráter

diferenciado

2010 UFAM/Mestrado

em Educação

Antônia Rodrigues da

Silva

Identidade/diferença tikuna e o processo educativo formal:

um olhar através das escolas ebenezer e maravilha do

município deBenjamin Constant/AM

2010 UNICAMP/Mestra

do em Educação Beatriz Sales da Silva

Educação Escolar Indígena. mas, o que é mesmo uma escola

diferenciada? Trajetória, equívocos e possibilidades no

contexto da E.E. Indígena Xucuru Kariri Warcanã de Aruanã,

Caldas, MG

2011 UNESP/Mestrado

em Educação

Aldo Ivan Parra

Sanchez Etnomatemática e Educação Própria

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141

Quadro 5 - Teses e dissertações sobre a temática Indígena em Pernambuco encontrados no Banco de

Teses da CAPES

ANO INSTITUIÇÃO /

AREA AUTOR TÍTULO

1991 UFPE / Mestrado

em História

Bartira Ferraz

Barbosa

Índios e Missões: a colonização do Médio São Francisco

pernambucano nos séculos XVII e XVIII

1992 UFPE / Mestrado

em Antropologia

Vânia R. Fialho de

Paiva e Souza As fronteiras do Ser Xukuru…

1995 UFPE / Mestrado

em História Edson H. Silva

O lugar do índio. Conflitos, esbulhos de terras e resistência

indígena no século XIX: o caso de Escada/PE

2001 UFPE/ Mestrado

em Educação

Eliene Amorim de

Almeida

A política de Educação Escolar Indígena: limites e

possibilidades da escola indígena

2002

PUC / Doutorado

em Ciências

Sociais

Sérgio Neves Dantas Sou Fulni-Ô, meu branco

2002

UNICAMP /

Doutorado em

Saúde Coletiva

Moab Duarte Acioli O processo de alcoolização entre os Pankararu: um estudo em

etnoepidemiologia

2003 UFPE / Doutorado

em História

Jacionira Coêlho

Silva

Arqueologia no Médio São Francisco: indígenas, vaqueiros e

missionários

2003 UFPE / Mestrado

em Antropologia

Jozelito Alves

Arcanjo

Toré e identidade étnica: os Pipipã de Kambixuru (índios da

Serra Negra)

2004 UFPE / Mestrado

em História

Anna Elizabeth L. de

Azevedo O Diretório Pombalino em Pernambuco

2004 UFPE / Mestrado

em Educação

Cláudio Eduardo

Felix dos Santos

Uma escola para “formar guerreiros”: professores e

professoras indígenas e a educação escolar indígena em

Pernambuco

2004 UFPE / Mestrado

em História Geyza K. A. da Silva Índios e identidades…

2004 UFPE/ Mestrado

em Sociologia

Heloisa Eneida

Cavalcante

Reunindo as forças do Ororubá: a escola no projeto de

sociedade do povo Xukuru

2005 UFPE / Doutorado

em História Juliana Lopes Elias

Militarização indígena na Capitania de Pernambuco no

século XVII: caso Camarão

2006 UFPE / Mestrado

em Antropologia

Carla Siqueira

Campos Por uma Antropologia ecológica dos Fulni-ô de Águas Belas

2006 UFPE / Mestrado

em Antropologia

Letícia Loreto

Quérette

Onde o céu se encontra com a terra: um estudo antropológico

do Santuário de Nossa Senhora da Graça na Aldeia Guarda,

em Cimbres – Pesqueira/PE

2006 UFPE / Mestrado

em História

Lorena de Mello

Ferreira São Miguel de Barreiros, uma aldeia indígena no Império

2006 UFPB / Mestrado

em Sociologia

Kelly Emanuelly de

Oliveira

Guerreiros do Ororubá: o processo de organização política e

elaboração simbólica do povo indígena Xukuru

2008

UNICAMP /

Doutorado em

História

Edson H. Silva Xukuru: memórias e História dos índios da Serra do Ororubá

(Pesqueira/PE), 1950-1988

2008 UFPE / Mestrado

em Antropologia

Eliana de Barros

Monteiro

Os Truká (PE), ‘grandes projetos’ e o sentido da

territorialidade no exercício da cidadania indígena

contemporânea

2008

UFRPE /

Mestrado em

Ensino de

Ciências

Selma Maria

Ferreira de Souza

Saberes docentes, saberes indígenas: um estudo de caso

sobre o ensino de Ciências entre o povo Xukuru do

Ororubá

2008

CPqAM/FIOCRUZ

/ Mestrado em

Saúde Pública

Glaciene Mary da

Silva Gonçalves

Agrotóxicos, saúde e ambiente na etnia Xukuru do

Ororubá/PE

2009 UFPE/ Mestrado

em História

Alessandra Figueiredo

Cavalvanti

Aldeamentos e política indigenista no bispado de

Pernambuco – séculos XVII e XVIII

2009

CPqAM/FIOCRUZ

/ Mestrado em

Saúde Pública

Tatiane Fernandes

Portal de Lima

Política de informação no contexto da atenção à saúde

indígena: uma análise a partir da perspectiva da vigilância em

saúde

2009 UFPE / Mestrado

em Antropologia

Glauco Fernandes

Machado

Os significados das imagens fílmicas: um diálogo com os

índios Kapinawá

2009 UFPE/ Mestrado

em Antropologia

Hosana C. Oliveira e

Santos

Dinâmicas sociais e estratégias territoriais: a organização

social Xukuru no processo de retomada

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142

2010 UFPB / Doutorado

em Letras

Wilma da Silva

Ribeiro

Histórias que os Xukuru contam: uma abordagem em

semiótica das culturas

2010 UFPE / Doutorado

em Antropologia Kelly E. de Oliveira

Estratégias sociais no Movimento Indígena: representações e

redes na experiência da APOINME

2010 UFPE / Mestrado

em Linguística

Edigar dos Santos

Carvalho

Descrição segmental do português falado pelos índios

Xukuru, em Pesqueira/PE

2010 UFF / Mestrado em

História Mariana A. Dantas

Dinâmica social e estratégias indígenas…Aldeamento do

Ipanema, Águas Belas/PE

2010 UFPE / Mestrado

em Antropologia

Mariana Carneiro

Leão Figueiroa

Ad Argumentandum Tantum: um olhar antropológico acerca

do processo criminal da morte do cacique Xicão Xukuru

2011 ENSP / Doutorado

em Saúde Pública

Thatiana Regina

Fávaro

Perfil nutricional da população indígena Xukuru de Ororubá,

Pernambuco, Brasil

2011 UNIA/ Mestrado

em Agroecologia

André Luis de

Oliveira Araújo

Una mirada Agroecológica en la pisada Xukuru do Ororubá:

un presente de posibilidades

2011

CPqAM/FIOCRUZ

/ Mestrado em

Saúde Pública

Ana Catarina Leite

Véras Medeiros

O consumo de bebidas alcoólicas e o trabalho no povo

indígena Xukuru do Ororubá

2011

UFPE / Mestrado

em Psicologia

Cognitiva

Vanessa Cavalcanti

de Torres

Um estudo sobre os índios Xukuru a partir da noção de

continuidade do self

2011 UFPE / Mestrado

em Antropologia

Sandro Henrique

Calheiros Lôbo

Construindo o pluralismo jurídico no Brasil: a experiência da

harmonia coercitiva no povo Xukuru do Ororubá

2012

UFRJ / Doutorado

em Antropologia

Social

Claudia Mura “Todo mistério tem dono!” Ritual, política e tradição de

conhecimento entre os Pankararu

2012

UFPE /

Doutorado em

Educação

José Ivamilson Silva

Barbalho

Discurso como prática de transformação social: o político

e o pedagógico na Educação Intercultural Pankará

2012 UFPE / Mestrado

em Educação

Lídia M. L. de

Cerqueira Silveira

O processo de estadualização da educação escolar

indígena em Pernambuco: a experiência do povo Fulni-ô

2012 ENSP / Mestrado

em Ciências

Ludimila Raupp de

Almeida da Silva

Indígenas no estado de Pernambuco: uma análise a partir do

Censo Demográfico 2000

2012 UFPE / Mestrado

em Educação

Ana Cláudia Oliveira

da Silva

Diversidades etnicorraciais e a política educacional em

Pernambuco: a inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira

e Indígena como conteúdo curricular

2012 UFPE / Mestrado

em História Edmundo Monte

Migrações Xukuru do Ororubá: memórias e História, 1950-

1990

2012

CPqAM/FIOCRUZ

/ Mestrado em

Saúde Pública

Herika de Arruda

Mauricio

A saúde bucal do povo indígena Xukuru do Ororubá na faixa

etária de 10 a 14 anos

2013

CPqAM/FIOCRUZ

/ Mestrado em

Saúde Pública

Jessyka Mary

Vasconcelos Barbosa

Prevalência e fatores associados à pressão arterial elevada no

povo indígena Xukuru do Ororubá, Pesqueira/PE, 2010

2013 UFPE/ Mestrado

em Educação

Waldete Aparecida

Andrade de Souza

Prática Pedagógica em Escolas Multisseriadas: sentidos e

significados produzidos por professores e professoras de

Escolas Indígenas

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143

ANEXO A –LISTAGEM DAS ESCOLAS INDÍGENAS DE PERNAMBUCO

Quadro 6 - Relação das escolas indígenas de Pernambuco, com respectiva etnia e localização

Nº GRE MUNICIPIO ETNIA ENTIDADE

1 ARCOVERDE IBIMIRIM KAMBIWÁ ESCOLA PEDRO FERREIRA DE QUEIROZ

2 ARCOVERDE IBIMIRIM KAMBIWÁ ESCOLA ROZENO VIEIRA

3 ARCOVERDE IBIMIRIM KAMBIWÁ ESCOLA SÃO FRANCISCO DE ASSIS

4 ARCOVERDE IBIMIRIM KAMBIWÁ ESCOLA DA RETOMADA

5 ARCOVERDE INAJÁ KAMBIWÁ ESCOLA ESTADUAL INDIGENA EMÍDIO PEREIRA

6 ARCOVERDE INAJÁ KAMBIWÁ ESCOLA ESTADUAL INDIGENA CASTELO BRANCO

7 ARCOVERDE INAJÁ KAMBIWÁ ESCOLA AIMBERÊ

8 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA BARÃO DO RIO BRANCO

9 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA JUSSARA BARBOSA

10 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA KAPINAWÁ

11 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA PEDRO BEZERRA DA SILVA

12 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA SÃO MARCOS

13 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA SATURNINO VIEIRA DE MELO

14 ARCOVERDE IBIMIRIM KAPINAWÁ ESCOLA ESTADUAL FIRMINO LARANJEIRA

15 ARCOVERDE TUPANATINGA KAPINAWÁ ESCOLA TOMAS CALIXTO GOMES

16 ARCOVERDE INAJÁ TUXÁ ESCOLA MARIA GILDETE DE ARAÚJO

17 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ANTÔNIO FEITOZA CHALEGRE

18 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ANTÔNIO MARINHO FALCÃO

19 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ANTÔNIO MONTEIRO LEITE

20 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ANTONIO ZUMBA.

21 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA CANA BRAVA

22 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA CÔNEGO OLÍMPIO TORRES

23 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA DAMIAO MONTEIRO

24 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA DIONÍSIO BARBOSA DOS SANTOS

25 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ELIZEU LIBERATO DA SILVA

26 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA INDÍGENA PROC. GERALDO ROLIM MOTA

FILHO

27 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA INTERMEDIÁRIA MONS OLÍMPIO TORRES

28 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JATOBÁ

29 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOAQUIM MOTA VALENÇA

30 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOAQUIM NABUCO

31 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOSÉ ALVES DE CARVALHO

32 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOSÉ NOGUEIRA NETO

33 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOSE TIMOTEO DE LIMA

34 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA NOSSA SENHORA APARECIDA

35 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS

36 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA NOSSA SENHORA DE FATIMA

37 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA NOSSA SENHORA DO CARMO

38 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA OLAVO BILAC

39 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ORORUBÁ

40 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA PADRE CÍCERO

41 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA PEDRO QUINQUIM DE ESPÍNDOLA

42 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA PROF. JOSÉ CARLOS DE LIMA

43 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ROGERIO CAVALCANTE DE BRITO

44 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SANTA ÁGUEDA

45 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SANTA RITA

46 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SÃO GERALDO

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144

47 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SÃO JOÃO

48 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SÃO JOSÉ

49 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SÃO SEBASTIÃO

50 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOÃO PINHEIRO DE SOUZA

51 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA VICENCIA DE SOUZA LIMA

52 ARCOVERDE POCAO XUKURU GRUPO ESCOLAR SAO JOAO BATISTA

53 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA ATIKUM ESCOLA ALDEIA ESTREITO

54 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA ATIKUM ESCOLA ANTONIO DUDU

55 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA ATIKUM ESCOLA CACHOEIRA II

56 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA ATIKUM ESCOLA CAXUÁ

57 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA ATIKUM ESCOLA EMILIANO QUIRINO DE SA

58 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA ATIKUM ESCOLA GOV ESTACIO COIMBRA

59 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA ATIKUM ESCOLA JOAO LIMA

60 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA ATIKUM ESCOLA JULIO JOSÉ DA SILVA

61 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA ATIKUM ESCOLA OLHO DAGUA DO PADRE

62 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA ATIKUM ESCOLA SANTA ANA

63 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA ATIKUM ESCOLA SANTA MADALENA

64 FLORESTA PETROLANDIA ENTRE

SERRAS ESCOLA BARRIGUDA

65 FLORESTA PETROLANDIA ENTRE

SERRAS ESCOLA LOGRADOURO

66 FLORESTA PETROLANDIA ENTRE

SERRAS ESCOLA ESTADUAL SALÃO

67 FLORESTA PETROLANDIA ENTRE

SERRAS ESCOLA ESTADUAL LAGOINHA

68 FLORESTA PETROLANDIA

ENTRE

SERRAS ESCOLA ESTADUAL DOM JOÃO BOSCO

69 FLORESTA TACARATU ENTRE

SERRAS ESCOLA PRINCESA ISABEL

70 FLORESTA TACARATU ENTRE

SERRAS ESCOLA SANTA CLARA

71 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA ANA NUNES DA SILVA

72 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA ANTONIO MANOEL DA SILVA

73 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA BOM JESUS DOS AFLITOS

74 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA ESPECIOSA BENIGNA DE BARROS

75 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA JOSE JERONIMO BARBOSA

76 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA MANOEL JOAO DE SOUZA

77 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA MILTON PEREIRA NETO

78 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA MONTEIRO LOBATO

79 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA NOSSA SENHORA APARECIDA

80 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA NOSSA SENHORA DE FATIMA

81 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA ODILON NUNES

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145

82 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA OLIMPIO PEREIRA BARBOSA

83 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA QUINTINO DE MENEZES

84 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA ROSILDA SABAS DE SOUZA

85 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA SAGRADA FAMILIA

86 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA SANTO EXPEDITO

87 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA SÃO JOSÉ

88 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA SIMÃO CICERO DA SILVA

89 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA TIA AMÉLIA CAXIADO

90 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA VICENTE MUNIZ

91 FLORESTA CARNAUBEIRA DA

PENHA PANKARÁ ESCOLA VÓ OLINDINA

92 FLORESTA JATOBA PANKARARU ESCOLA DR CARLOS ESTEVAO

93 FLORESTA JATOBA PANKARARU ESCOLA INDÍGENA APINAGE

94 FLORESTA JATOBA PANKARARU ESCOLA PANKARARUS

95 FLORESTA JATOBA PANKARARU ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA JOSÉ LUCIANO

96 FLORESTA JATOBA PANKARARU ESCOLA ESTADUAL CAXIADO

97 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA CABRAL

98 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA DO AGRESTE

99 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA DO ESPINHEIRO

100 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA MARECHAL RONDON

101 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA PAKARARUS EZEQUIEL

102 FLORESTA JATOBA PANKAIWKA ESCOLA ESTADUAL RAMIRO DANTAS

103 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA SANTA INES DA TAPERA

104 FLORESTA FLORESTA PIPIPÃ ESCOLA ANTONIO FRANCISCO DA SILVA

105 FLORESTA FLORESTA PIPIPÃ ESCOLA JOAQUIM ROSENO DOS SANTOS

106 FLORESTA FLORESTA PIPIPÃ ESCOLA MENINO JESUS

107 FLORESTA FLORESTA PIPIPÃ ESCOLA TIBURCIO LIMA

108 GARANHUNS AGUAS BELAS FULNI-Ô ESCOLA INDIGENA AMBRÓSIO PEREIRA JÚNIOR

109 GARANHUNS AGUAS BELAS FULNI-Ô ESCOLA INDÍGENA BILÍNGUE ANTÔNIO JOSÉ

MOREIRA

110 GARANHUNS AGUAS BELAS FULNI-Ô ESCOLA INDIGENA MARECHAL RONDON

111 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDÍGENA ACILON CIRIACO DA LUZ

112 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA ANTONIO CIRILO DOS SANTOS

113 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA BERTO CIRILO DOS SANTOS

114 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDÍGENA HERMENEGILDO ANTONIO DOS

SANTOS

115 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA JOÃO ALBERTO MACIEL

116 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA MANOEL DEODATO DOS SANTOS

117 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA MARIA ANTONIA DA CONCEIÇÃO

PRAÇA

118 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA MARIA ROSA DO ESPIRITO SANTO

119 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA MARTILIANO RIBEIRO DE SOUZA

120 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA MILITAO PRIMO DOS SANTOS

121 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA ROSA MARIA DA CONCEIÇÃO

122 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDÍGENA CAPITAO DENA

123 PETROLINA OROCÓ TRUKÁ ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA SÃO FRANCISCO

124 PETROLINA OROCÓ TRUKÁ ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA SÃO FÉLIX

125 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA JOAQUIM VIEIRA

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146

126 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA JOSE GOMES DA SILVA

127 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA JOSE PEDRO PEREIRA

128 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA LUCIO QUIRINO DE FARIAS

129 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA PROF EPIFANIO BEZERRA

130 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA PROFESSOR ANTONIO PEDRO DOS SANTOS

131 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA SANTA LUZIA

132 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA SAO DOMINGOS SAVIO

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147

ANEXO B – PROPOSTA DE MATRIZ CURRICULAR PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

(Proposta enviada ao Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco, ainda não aprovada). Fonte: Arquivo pessoal.

Matriz Curricular da Educação Escolar Indígena – Ensino Fundamental Anos Iniciais

Dias letivos anuais 200 Ano de Implementação 2012

Dias letivos semanais 05 Turno Diurno

Carga Horária anual (a exceção de Fulni-Ô) 800 Carga Horária Total (a exceção de Fulni-Ô) 4.000

Carga Horária anual de Fulni-Ô 840 Carga Horária Total Fulni-Ô 4.200

Bas

e Le

gal

Eixo

s

Área de conhecimento Componentes Curriculares Anos

1º 2º 3º 4º 5º

TER

RA

, OR

GA

NIZ

ÃO

,

IDEN

TID

AD

E, H

ISTÓ

RIA

, IN

TER

CU

LTU

RA

LID

AD

E E

BIL

ING

UIS

MO

Linguagem, códigos e suas tecnologias

Língua Portuguesa e vocábulos indígenas 4 4 4 4 4

Língua Materna* 1 1 1 1 1

Cultura Indígena 2 2 2 2 2

Educação Física 2 2 2 2 2

Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias

Etnomatemática 4 4 4 4 4

Ciências e saberes tradicionais 1 1 1 1 1

Ciências Humanas e suas tecnologias

Etnogeografia 2 2 2 2 2

História 2 2 2 2 2

História dos povos tradicionais 2 2 2 2 2

Ensino Religioso 1 1 1 1 1

TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL (A EXCEÇÃO DE FULNI-Ô) 20 20 20 20 20

TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL FULNI-Ô 21 21 21 21 21

*O componente Língua Materna será ministrado apenas para o povo Fulni-Ô

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148

Matriz Curricular da Educação Escolar Indígena – Ensino Fundamental Anos Finais

Dias letivos anuais 200 Ano de Implementação 2012

Dias letivos semanais 05 Turno Diurno

Carga Horária anual (a exceção de Fulni-Ô) 1.120 Carga Horária Total (a exceção de Fulni-Ô) 4.480

Carga Horária anual de Fulni-Ô 1.200 Carga Horária Total Fulni-Ô 4.800

Bas

e Le

gal

Eixo

s

Área de conhecimento Componentes Curriculares Anos

1º 2º 3º 4º

TER

RA

, OR

GA

NIZ

ÃO

, ID

ENTI

DA

DE,

H

ISTÓ

RIA

, IN

TER

CU

LTU

RA

LID

AD

E E

BIL

ING

UIS

MO

Linguagem códigos e suas tecnologias

Língua Portuguesa e vocábulos indígenas 5 5 5 5

Língua Materna* 2 2 2 2

Artes 1 1 1 1

Cultura Indígena 2 2 2 2

Educação Física** 1 1 1 1

Saberes e literatura tradicional indígena 1 1 1 1

Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias

Língua Estrangeira 2 2 2 2

Etnomatemática 5 5 5 5

Ciências e saberes tradicionais 3 3 3 3

Ciências Humanas e suas tecnologias

Etnogeografia 2 2 2 2

História 2 2 2 2

História dos povos tradicionais 1 1 1 1

Ensino Religioso*** 2 2 2 2

Direitos humanos e cidadania 1 1 1 1

TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL (A EXCEÇÃO DE FULNI-Ô) 28 28 28 28

TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL FULNI-Ô 30 30 30 30

*O componente Língua Materna será ministrado no contraturno apenas para o povo Fulni-Ô

**O componente Educação Física será trabalhado no contraturno

***O componente Ensino Religioso será trabalhado no contraturno no formato de seminários

Page 150: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS ...‡… · 3.3 Multiculturalismo, pluriculturalismo, interculturalidade e currículo _____ 60 3.4 Currículo intercultural e

149

Matriz Curricular da Educação Escolar Indígena – Ensino Fundamental Ensino Médio

Dias letivos anuais 200 Ano de Implementação 2012

Dias letivos semanais 05 Turno Diurno

Carga Horária anual (a exceção de Fulni-Ô) 1.040 Carga Horária Total (a exceção de Fulni-Ô) 3.120

Carga Horária anual de Fulni-Ô 1.120 Carga Horária Total Fulni-Ô 3.360

Bas

e Le

gal

Eixo

s Área de conhecimento Componentes Curriculares

Anos

1º 2º 3º

TER

RA

, OR

GA

NIZ

ÃO

, ID

ENTI

DA

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HIS

TÓR

IA, I

NTE

RC

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DA

DE

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GU

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O

Linguagem, Artes e suas tecnologias

Língua Portuguesa e vocábulos indígenas 4 4 4

Língua Materna* 2 2 2

Artes 1 1 1

Educação Física** 1 1 1

Saberes e literaturas tradicionais indígenas 1 1 1

Língua Estrangeira 2 2 2

Ciências da Terra, da Natureza e suas tecnologias

Etnomatemática 4 4 4

Biologia 2 2 2

Química 2 2 2

Física 2 2 2

Ciências Humanas, Sociais e suas tecnologias

Etnogeografia 2 2 2

Etnohistória 2 2 2

Direitos humanos e cidadania 1 0 0

Antropologia 0 1 1

Sociologia 1 1 1

Filosofia 1 1 1

TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL (A EXCEÇÃO DE FULNI-Ô) 26 26 26

TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL FULNI-Ô 28 28 28

*O componente Língua Materna será ministrado no contraturno apenas para o povo Fulni-Ô

**O componente Educação Física será trabalhado no contraturno

Page 151: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS ...‡… · 3.3 Multiculturalismo, pluriculturalismo, interculturalidade e currículo _____ 60 3.4 Currículo intercultural e

150

Matriz Curricular da Educação Escolar Indígena – Ensino Fundamental – EJA – 1ª e 2ª Fases

Dias letivos anuais 200 Ano de Implementação 2012

Dias letivos semanais 05 Turno Diurno

Carga Horária anual (a exceção de Fulni-Ô) 800 Carga Horária Total (a exceção de Fulni-Ô) 1.600

Carga Horária anual de Fulni-Ô 880 Carga Horária Total Fulni-Ô 1.760

Bas

e Le

gal

Eixo

s Área de conhecimento Componentes Curriculares

Fase

1º 2º

TER

RA

, OR

GA

NIZ

ÃO

, ID

ENTI

DA

DE,

HIS

TÓR

IA,

INTE

RC

ULT

UR

ALI

DA

DE

E

BIL

ING

UIS

MO

Linguagem, Artes e suas tecnologias

Língua Portuguesa e vocábulos indígenas X X

Língua Materna* X X

Cultura Indígena X X

Educação Física X X

Ciências da Terra, da Natureza e suas tecnologias

Etnomatemática X X

Ciências e saberes tradicionais X X

Ciências Humanas, Sociais e suas tecnologias

Etnogeografia X X

História X X

História dos povos tradicionais X X

Ensino Religioso X X

TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL (A EXCEÇÃO DE FULNI-Ô) 20 20

TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL FULNI-Ô 22 22

*O componente Língua Materna será ministrado apenas para o povo Fulni-Ô