2015 - historia da musica-libre

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147 Musicais Resumo Este artigo visa contribuir para a discussão so- bre as necessárias mudanças no conceito, título e conteúdo das disciplinas “História da Música” e similares, destinadas ao aumento de sua eici- ência no ensino musical da atualidade. Para esse objetivo, aborda-se o possível declínio da função do título e do conceito dessa disciplina na atuali- dade, propondo-se o título mais aberto de “Músi- ca, História, Cultura e Sociedade”. O artigo tam- bém discute a relação entre autor e professor, e entre disciplinas obrigatórias e optativas, des- tacando a urgência, na área de Música, de uma reforma curricular (especialmente da disciplina em questão) voltada às necessidades atuais. Palavras-Chave: História da Música; Ensino; Reforma Curricular; Cultura; Sociedade. Abstract This article aims to contribute to the discussion about the necessary changes in the concept, ti- tle and content of the course “History of Music” and other similar courses, in order to increase its eficiency in the music education of our time. For this purpose, the text approaches the pos- sible decline of the function of the title and the concept of this course in the present time, pro- posing the more opened title “Music, History, Culture and Society”. The article also discusses the relationship between author and teacher, and between compulsory courses and optional courses, highlighting the urgency of the curri- culum reform in the Music area (especially in History of Music) intended to the current needs. Keywords: History of Music; Education; Curriculum Reform; Culture; Society DIFICULDADES, REFLEXÕES E POSSIBILIDADES NO ENSINO DA HISTÓRIA DA MÚSICA NO BRASIL DO NOSSO TEMPO Paulo Castagna “E assim pensei que as ciências dos livros, ao menos aquelas cujas razões são apenas prováveis e que não apre- sentam quaisquer demonstrações, pois foram compostas e avolumadas devagar com opiniões de muitas e diferen- tes pessoas, não se encontram, de forma alguma, tão próximas da verdade quanto os simples raciocínios que um homem de bom senso pode fazer naturalmente acerca das coisas que se lhe apresentam.” “[...] convenci-me de que não seria razoável que um particular tencionasse [...] reformar o corpo das ciências ou a ordem estabelecida nas escolas para ensiná-las; [...] o melhor a fazer seria dispor-me, de uma vez para sempre, a retirar-lhes essa coniança, para substituí-las em seguida ou por outras melhores, ou então pelas mesmas, após havê-las ajustado ao nível da razão.” René Descartes (Discurso sobre o método, 1637)

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Music history

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    Resumo

    Este artigo visa contribuir para a discusso so-

    bre as necessrias mudanas no conceito, ttulo

    e contedo das disciplinas Histria da Msica

    e similares, destinadas ao aumento de sua eici-

    ncia no ensino musical da atualidade. Para esse

    objetivo, aborda-se o possvel declnio da funo

    do ttulo e do conceito dessa disciplina na atuali-

    dade, propondo-se o ttulo mais aberto de Msi-

    ca, Histria, Cultura e Sociedade. O artigo tam-

    bm discute a relao entre autor e professor,

    e entre disciplinas obrigatrias e optativas, des-

    tacando a urgncia, na rea de Msica, de uma

    reforma curricular (especialmente da disciplina

    em questo) voltada s necessidades atuais.

    Palavras-Chave:

    Histria da Msica; Ensino; Reforma Curricular;

    Cultura; Sociedade.

    Abstract

    This article aims to contribute to the discussion

    about the necessary changes in the concept, ti-

    tle and content of the course History of Music

    and other similar courses, in order to increase

    its eficiency in the music education of our time.

    For this purpose, the text approaches the pos-

    sible decline of the function of the title and the

    concept of this course in the present time, pro-

    posing the more opened title Music, History,

    Culture and Society. The article also discusses

    the relationship between author and teacher,

    and between compulsory courses and optional

    courses, highlighting the urgency of the curri-

    culum reform in the Music area (especially in

    History of Music) intended to the current needs.

    Keywords:

    History of Music; Education; Curriculum Reform;

    Culture; Society

    DIFICULDADES, REFLEXES E POSSIBILIDADES NO ENSINO DA HISTRIA DA MSICA NO BRASIL DO NOSSO TEMPO

    Paulo Castagna

    E assim pensei que as cincias dos livros, ao menos aquelas cujas razes so apenas provveis e que no apre-

    sentam quaisquer demonstraes, pois foram compostas e avolumadas devagar com opinies de muitas e diferen-

    tes pessoas, no se encontram, de forma alguma, to prximas da verdade quanto os simples raciocnios que um

    homem de bom senso pode fazer naturalmente acerca das coisas que se lhe apresentam.

    [...] convenci-me de que no seria razovel que um particular tencionasse [...] reformar o corpo das cincias ou a

    ordem estabelecida nas escolas para ensin-las; [...] o melhor a fazer seria dispor-me, de uma vez para sempre,

    a retirar-lhes essa coniana, para substitu-las em seguida ou por outras melhores, ou ento pelas mesmas, aps hav-las ajustado ao nvel da razo.

    Ren Descartes (Discurso sobre o mtodo, 1637)

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    entendida como airmao eurocntrica e averso deliberada s culturas populares e repertrios no-eruditos - ainda que no seja esse o caso - sur-gindo em classe associaes at mesmo com o controle social e a superposio das preferncias pessoais ou institucionais aos interesses coletivos.

    Embora no expressem a complexidade da circu-lao e da relao contempornea com os distin-tos tipos de msica e sua procedncia, os dados sobre o mercado fonogrico atual fornecem ind-cios interessantes para se avaliar o impacto - ao menos quantitativo - da msica de concerto no presente. De acordo com os relatrios da ASSO-CIAO BRASILEIRA DOS PRODUTORES DE DISCOS (2012), que disponibiliza o faturamento do mercado fonogrico, desde 20001, a vendagem dos clssicos, como tem sido denominada toda a msica que tambm denominamos erudita ou de concerto, oscilou, nessa fase, de 1,3% a 3,4% do total, nmeros j posteriores ao reequilbrio de vendas aps o primeiro impacto da pirataria e do download eletrnico, na dcada de 1990. No Gr-ico 1 podemos observar a variao da porcenta-gem dos clssicos entre os anos de 2007 e 2012 e observar sua oscilao em torno de 2,5%.

    Grico 1. Porcentagem da venda de clssicos no faturamento anual total da indstria fonogrica brasileira entre 2007-2012, de acordo com dados da Associao Brasileira dos Produtores de Dis-cos, disponveis em: http://www.abpd.org.br/.

    fundamental mencionar, no entanto, que, em meio a esses cerca de 2,5% de clssicos, foram computadas gravaes de obras, autores ou in-trpretes nem sempre tratados como centrais no meio acadmico, alm de toda a msica contem-pornea e a msica brasileira de concerto (dos s-culos XVIII a XXI), o que aponta para o fato de que esses nmeros esto superestimados, no que se

    Musicais

    1. Introduo

    Este artigo parte da observao pessoal de pro-blemas prticos relacionados ao ensino de Histria da Msica e levanta a hiptese de que tais diicul-dades estejam principalmente relacionadas ma-nuteno - na bibliograia e na estruturao desses cursos - de vises de mundo defasadas da vida contempornea, arriscando a apresentao de al-gumas possibilidades, mesmo que resultantes de livre relexo. O assunto no novo e as solues no so simples, por isso o objetivo deste artigo no chegar a uma soluo fechada, mas sim es-timular o debate para a obteno de solues mais amplas e eicientes. Originalmente, o presente tex-to foi elaborado para ser apresentado em outubro de 2013 como projeto para a solicitao de mudan-as estruturais nos cursos de Histria da Msica no Instituto de Artes da UNESP - Universidade Es-tadual Paulista, porm foi reduzido e transformado na presente verso, para facilitar sua circulao e discusso no meio musical acadmico.

    2. Histria da Msica: ttulo e conceito em de-

    clnio?

    Nos 25 anos nos quais venho ministrando a dis-ciplina Histria da Msica (20 deles no Instituto de Artes da UNESP), tenho percebido uma pro-gressiva e acentuada diminuio do interesse e da aplicao do seu contedo junto aos estudantes, particularmente aqueles interessados na atuao musical prtica, para quem os assuntos em ques-to vm se mostrando cada vez mais desconecta-dos de suas atividades pessoais e proissionais na rea de Msica. Histria da Msica e Histria da Msica Brasileira so hoje disciplinas frequentes nos currculos institucionais, mas com diiculdades de atender s necessidades dos estudantes da atualidade, geralmente mltiplas e diversiicadas.

    Causa particular diiculdade, aos alunos, a defa-sagem entre seus interesses e as prescries da bibliograia ou dos proissionais que se dedicam a esse tipo de curso. Um dos fatores responsveis o ttulo totalizante da disciplina e sua bibliogra-ia - histria da msica, ou seja, de toda a msi-ca - frente abordagem quase exclusiva da m-sica europeia de concerto. Essa concentrao da abordagem da msica europeia, em uma disciplina denominada histria da msica, muitas vezes

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    ramos chegando aos limites operacionais dessa reproduo, em funo de sua cada vez menor aceitao em sala de aula e da diiculdade cada vez maior de sua manuteno por parte dos do-centes?

    Considerando-se a expectativa totalizante, perce-bemos que o ttulo das disciplinas em questo obri-gam seus docentes a se esforarem para abranger o maior nmero possvel de fenmenos musicais, porm com poucas esperanas de resultados sa-tisfatrios, ou, o que ainda pior, levando-os, s vezes, a defender a Histria da Msica como uma disciplina encerrada no universo eurocntrico e de concerto. Para oferecer aos estudantes uma disci-plina com um ttulo to amplo, a instituio acaba legando ao docente - mesmo que de forma invo-luntria - a responsabilidade pelo sucesso ou no de seu ttulo (e no necessariamente de seu conte-do), ou mesmo das posturas ideolgicas assumi-das pelo docente em relao ao mesmo.

    Fica claro, portanto, que o primeiro problema da referida disciplina est em seu ttulo, pois este gera expectativas no atendveis, ao passo que seu contedo geralmente limitado e no corres-pondente aos mesmos. A Etnomusicologia passou por essa mesma necessidade, quando criou esse nome em substituio ao antigo ttulo Musicologia Comparada. Inmeras outras disciplinas, em v-rias reas do conhecimento, vm fazendo o mes-mo, com o propsito de adequao s necessida-des do presente e o fenmeno j est atingindo a Histria da Msica em vrias partes do mundo.

    De fato, o principal sentido acadmico da Histria da Msica e da Histria da Msica Brasileira est em sua existncia enquanto linhas de pesquisa (tanto na Graduao quanto na Ps-Graduao), e no apenas como disciplinas totalizantes. Tais ttu-los so justiicveis enquanto linhas de pesquisa, porque o desenvolvimento de trabalhos aberto ao interesse, vivncia e deciso dos estudantes/pesquisadores, o que no ocorre quando tais ttu-los so aplicados a disciplinas, pois no h como ministrar o contedo convencionalmente progra-mado, de forma totalmente aberta a esses mes-mos interesses e vivncias.

    Do ponto de vista histrico, esse problema est relacionado a uma opo ideolgica, e no neces-sariamente aos destinos da histria, seja ela no Brasil ou em outras partes do mundo. At meados

    refere ao repertrio estudado no meio acadmico. Uma anlise do mercado internacional demonstra uma oscilao quantitativa ainda mais complexa, porm uma situao no mais otimista que a do mercado fonogrico brasileiro. Do ponto de vista qualitativo, as transformaes das ltimas dca-das coniguraram um panorama muito diferente daquele no qual se desenvolveu a maior parte da msica de concerto que chegou at o presente, de acordo com as anlises de HERSCHMANN (2010), que destaca a orientao da indstria da msica para os grandes concertos ao vivo, a difuso digi-tal e os jogos eletrnicos.

    Frente a uma gerao que vem se desenvolvendo em meio era miditica, com uma indstria musi-cal em profunda transformao, com um repert-rio bastante diversiicado, e no qual a msica de concerto ocupa um lugar bastante pequeno, como entender o signiicado dos cursos de Histria da Msica para esses jovens e para o mundo atual? Teria a viso convencional da Histria da Msica tambm alguma responsabilidade no tipo de eva-so do ensino de msica em conservatrios, por exemplo, tal como abordado por ESTEVAM (2012)?

    O choque entre o ttulo totalizante, mas ao mesmo tempo sua base no repertrio europeu de concerto do passado, frequentemente acarreta, nas priori-dades e bibliograia desses cursos, a excluso da msica de outras regies do planeta, da msica popular ou tradicional, de quase toda a msica li-gada ao universo digital ou miditico, e dos reper-trios que no se enquadram no luxo linear geral-mente adotado pela bibliograia sobre o assunto. A questo, aqui, no a importncia da msica europeia de concerto em si, mas sim a importn-cia que a literatura em questo atribui exclusiva-mente ou predominantemente a esse repertrio, o que gera um inevitvel estranhamento por parte de quem no nasceu ou no se formou em um meio social que cultiva exclusivamente ou predominan-temente os clssicos.

    Tais observaes vm sendo motivo de relexes de autores internacionais que se dedicam ao tema, a comear pelo questionamento do cnone musi-cal adotado pelas histrias da msica (ocidental), como fez BRISCOE (2010). Mas se sabemos disso e em geral percebemos a insustentabilidade des-sa viso nos cursos e na bibliograia da atualidade referentes Histria da Msica, por que frequen-temente nos baseamos no mesmo modelo? Esta-

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    sempre estar satisfeito em um meio sertanejo, assim como um roqueiro no se sentir plenamen-te vontade em um mundo de clssicos: porque so redes ou mundos distintos, embora interliga-dos. A Histria da Msica, no entanto, frequente-mente desconsidera os demais mundos e redes, adotando o mundo dos clssicos como o nico ou principal a ser estudado na universidade.

    Outro fator problemtico relacionado ao ttulo dessa disciplina que, em verdade, a Histria da Msica, tal como normalmente praticada, no predominantemente uma histria, mas sim uma apreciao do repertrio musical histrico, na qual se discorre mais sobre as particularidades das obras e dos compositores, do que sobre os aspec-tos propriamente histricos que levaram produ-o de tais repertrios. E isso ocorre justamente porque a apresentao de aspectos principalmen-te histricos referentes msica do passado no um assunto e nem uma tarefa natural nos cur-sos acadmicos da rea de msica, nos quais os estudantes esto essencialmente interessados na prtica ou criao musical e no contedo da m-sica, e no tanto nos debates sobre as razes de sua transformao ao longo do tempo. Quando a bibliograia sobre esse assunto aborda alguns as-pectos histricos, a msica , muitas vezes, apre-sentada como uma sequncia cronologicamente organizada de obras ou de compositores, sobre a qual os autores dos livros em questo tecem suas consideraes e, muitas vezes, seus juzos de va-lor.

    As consequncias prticas da manuteno do antigo modelo da Histria da Msica, particular-mente de seu ttulo, so visveis nas universidades brasileiras: estudantes de vrios cursos frequen-temente encaram a disciplina apenas como uma das inevitveis tarefas para se obter o diploma. corrente, entre eles, utilizar a expresso eliminar a matria, para se referir ao ato de curs-la e ser nela aprovado com o menor envolvimento poss-vel. Por mais que esse quadro seja desanimador aos professores dessa disciplina, pouco adiantar atribuir aos estudantes, sobretudo aos ingressan-tes, a responsabilidade pelo eventual desinteresse pelos contedos em questo, levantando-se aqui a hiptese de que esta seja uma responsabilidade principalmente dos autores dos materiais didti-cos, das instituies e dos prprios docentes.

    A diminuio do interesse e a perda de signiica-

    do sculo XIX, a circulao da msica era um fe-nmeno vivo: os teatros, igrejas, sales e o prprio ambiente domstico (sem contar as feiras e mes-mo as ruas) eram repletos de composies de au-tores vivos, muitos dos quais podiam ser encontra-dos em concertos, eventos e at nos cafs. Com o advento da Belle poque (cerca de 1860-1920), foi sendo criado um repertrio bsico de concerto, principalmente com obras de autores mortos, para prover o repertrio das orquestras proissionais e do mercado teatral e de discos, que passou a ex-plorar esse tipo de msica.

    O repertrio foi sendo assim padronizado, facilitan-do seu ensino, promoo e difuso, em um proces-so semelhante ao que ocorreu com a industrializa-o de alimentos, de bens de consumo, da arte e da cultura. Excluindo a maior parte da msica nova ou contempornea e a maior parte da msica do passado que no interessava a essa viso musical esttica e da era industrial, o mercado de concer-to no apenas apresentou esse repertrio como o tipo de msica mais representativo dos grandes te-atros, mas subsidiou a construo de histrias da msica que valorizassem exclusivamente esse re-pertrio. Guardados os excessos e polmicas, LE-BRECHT (2008) demonstra que nem sempre foi o luxo histrico que determinou os rumos da msica de concerto, tendo sido decisivas algumas aes ligadas ao mercado para a implementao de de-terminados projetos musicais e somente compre-ensveis a partir da lgica do mercado.

    Do ponto de vista terico, no entanto, a questo bem interessante. Em toda a histria existiram diversos crculos ou escolas de compositores e prticas musicais que se relacionavam de distin-tas maneiras: uns eram antagnicos, outros cola-borativos, outros disputavam os mesmos lugares, outros se ignoravam e outros simplesmente con-viviam, apesar de suas diferenas. Teoricamente, portanto, podemos dizer que existiram e existem vrias redes ou mesmo vrios mundos musi-cais: o mundo das igrejas, dos clssicos, do rock, do gospel, do choro, do pagode, do jazz, do serta-nejo, do folclore, da MPB, das culturas tradicionais, das culturas orientais, da musicologia, da etnomu-sicologia, etc. Frequentemente, as pessoas de cada um desses mundos exibem roupas, hbitos, alimentaes, crenas, interesses, opes de vida e necessidades especicas que no seriam aten-didas pelo outro mundo ou rede: um jazzista nem

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    e posterior o compositor deixou de ser o persona-gem principal do mundo da msica e frequente-mente tornou-se um servidor de instituies mais inluentes que os mesmos; 2) Apesar da prtica musical da atualidade no ser mais predominante-mente movida por compositores, a bibliograia do gnero ainda os apresenta como os propulsores da msica do presente, o que estimula vises e posicionamentos um tanto ilusrios por parte dos estudantes, que no sero correspondidos na pr-tica, ao menos fora do mbito acadmico. Tanto na msica medieval quanto na era industrial, no foram os compositores que decidiram os rumos da msica, mas sim as instituies s quais estes se ligaram: na Idade Mdia muitos serviam igreja, enquanto na atualidade vrios atuam em gravado-ras, agncias de publicidade, empresas cinemato-gricas, redes de TV e mesmo universidades.

    A bibliograia convencional de Histria da Msica muito enftica na construo de um discurso linear baseado no apenas na depurao e aperfeioa-mento da msica, mas principalmente na constitui-o de um luxo caracterizado pela competio e pela disputa entre autores, msicos, estilos e g-neros, dos quais venceram os melhores e mais for-tes. Por outro lado, mesmo difcil conceber uma atividade que seja to colaborativa quanto a msi-ca - como ressaltam BARENBOIM e SAID (2003) -, que, alm dos msicos, regentes e compositores, envolve os produtores, os teatros e igrejas (e suas religies), a imprensa, os governos e o prprio p-blico, na busca por um interesse comum, sem o qual as apresentaes musicais no acontecem e nunca teriam acontecido.

    Na prtica, e por muitas razes, o contedo dos cursos de Histria da Msica no muito usado pelos musicistas egressos dos conservatrios e universidades, mesmo tendo frequentado tais dis-ciplinas por trs ou quatro anos consecutivos, sen-do cada vez mais raros os programas de concerto, as explicaes ao pblico, os projetos artsticos e a circulao de informaes histricas associadas prtica musical. O que efetivamente e justa-mente manifesto o interesse dos msicos e dos ouvintes pela msica em si, pela vivncia que dela decorre, o desejo do sucesso, do reconhecimento e da relao positiva com o pblico, embora mui-tas vezes e infelizmente esta se resuma busca por celebridade e reconhecimento exclusivamente pessoal.

    do do contedo das disciplinas de Histria da M-sica vem gerando um debate cada vez mais inten-so, tanto no Brasil quanto no exterior. A American Musicological Society mantm o Journal of Music History Pedagogy, destinado a publicar artigos so-bre as diiculdades enfrentadas por discentes e docentes nessa matria. E entre os eventos volta-dos discusso presencial sobre o assunto so alguns exemplos o I e II Institute for Music History Pedagogy - ciclos de palestras realizados pela Juilliard School of Music (New York, EUA) em 2006 e 2008, destinados a discutir o futuro dessa disciplina - e o de-bate sobre as atuais diiculdades dos cursos de Hist-ria da Msica ocorridos em alguns eventos brasileiros, especialmente os Congressos Anuais da ANPPOM.

    A Histria da Msica, tal como a conhecemos, sur-giu em ins do sculo XVIII (a primeira publicao do gnero que adquiriu notoriedade foi A Gene-ral History of Music, de Charles Burney, impressa em 1789) e vem mantendo essa designao at o presente. Esse gnero tambm circula com o ttulo Histria da Msica Ocidental, que embora assuma a excluso do Oriente, ao menos substi-tui as assim denominadas histrias universais da msica, que apesar do ttulo concentravam-se na msica europia e principalmente no Classicismo e Romantismo.

    A Histria da Msica, da maneira convencional como vem sendo ministrada, estimula a diviso dos repertrios, instrumentos, comportamentos, culturas e aes enquanto aptas ou no a serem estudadas do ponto de vista histrico. Em uma poca na qual so crescentes e cada vez mais necessrias as aes colaborativas para o geren-ciamento e o desenvolvimento de populaes to numerosas quanto as da atualidade, a viso linear-evolutiva, positivista e eurocntrica que predomi-na na Histria da Msica acadmica parece cada vez mais fora de seu tempo.

    Outro aspecto problemtico da Histria da Msi-ca sua relao com a forma de organizao das sociedades atuais. Embora estejamos vivendo em sociedades cada vez mais coletivas, comum en-contrar, na bibliograia convencional dessa disci-plina, um discurso baseado na ao de indivduos (compositores), quando, na prtica, observamos dois aspectos interessantes: 1) Somente do sculo XVI a incio do XX (com apogeu no sculo XIX) a prtica musical foi centralizada na deciso dos compositores, uma vez que nos perodos anterior

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    ressado soubesse mais sobre as peas que apre-ciava, para conhecer obras com as quais ainda no havia tido contato. Mas, embora tenha sido ini-cialmente destinada ao pblico e no aos msicos proissionais, acabou sendo adotada nos cursos acadmicos, por ser uma das poucas disciplinas panormicas disponveis sobre a msica estudada nessas instituies. Se esse tipo de literatura cum-priu uma funo importante junto aos proissionais da rea de Msica at meados do sculo XX, isso vem ocorrendo de forma cada vez menos intensa.

    A forte ligao da Histria da Msica convencional com o pblico dos clssicos uma das razes da concentrao dessa literatura na msica que circula nos teatros e nos discos dessa categoria. Por essa razo, so apresentados como externos a essa literatura os repertrios populares ou fol-clricos e de origem no-europeia, os signiicados sociais de seu uso na atualidade e mesmo os reais motivos que levaram o pblico e os compositores a abandonarem os repertrios mais antigos em nome dos mais recentes. Ainal, se a vanguarda do sculo XX negou-se a compor msica como no passado, como explicar, em termos histricos, as razes da existncia desse mesmo repertrio do passado nas salas de concerto e no mercado fo-nogrico?

    Diante do exposto, o que pode ser feito para pro-duzir uma relao mais saudvel e eiciente com a herana musical recebida das geraes e dos sculos que nos antecederam? necessrio, para uma boa relao com a msica, que compreen-damos todas as suas razes sociais, econmicas, polticas e culturais, alm da obrigao de memo-rizar informaes sobre estilos, compositores, g-neros musicais e repertrios, mesmo que nosso propsito no seja esse? E ser que esse estudo nos coloca em contato, de forma eiciente, com as grandes questes sociais, econmicas, polticas e culturais da atualidade, que efetivamente teremos que encarar no decorrer de nossas carreiras?

    3. Msica, Histria, Cultura e Sociedade

    A ideia de que a Histria da Msica convencional prepara os proissionais da rea da msica para um contato amplo com o repertrio com o qual iro trabalhar talvez j no tenha tanta aplicao no presente. Atualmente essa viso no somente se

    No difcil constatar que os proissionais da rea da Msica interessam-se e desenvolvem aes re-lacionadas a instrumentos, grupos vocais e instru-mentais, sonoridades, repertrios, ideias, gneros e estilos, e no necessariamente pelas circunstn-cias sociais, econmicas, polticas e culturais que originaram a msica do passado. Os proissionais que se interessam efetivamente pela histria e de-senvolvem eicientes aes e pesquisas de quali-dade a ela relacionadas so os historiadores, que possuem formao, mtodos, bibliograia e estra-tgias intelectuais bem mais ricas e soisticadas do que as que temos na rea de msica.

    Na poca em que foi criada a Histria da Msica, no auge do Iluminismo, acreditava-se que a hist-ria era o principal atributo que levava excelncia do repertrio, iltrado por sculos de suas impure-zas e aperfeioado de gerao em gerao, rumo ao progresso, como j observou LUCAS (1998). A partir dessa viso, surgiu, para o estudo panormi-co de diversas disciplinas, a ideia de que construir sua histria seria a melhor soluo para entender os seus propsitos. Nasceram assim a histria das cincias, a histria das religies, a histria das na-es, a histria das artes e muitas outras, com a esperana de que proporcionassem uma relao eiciente com o volumoso legado de todas elas. Mas um dos problemas decorrentes foi o aprisio-namento s prticas e repertrios nelas represen-tados e a tendncia excluso das prticas e re-pertrios no representados.

    Uma anlise da bibliograia adotada nos cursos de Histria da Msica demonstra que a maioria dos compndios no se refere exatamente msica universal, ocidental ou mesmo europeia, j que a grande maioria do repertrio europeu externo aos teatros - como as obras religiosas (especialmente no-crists), populares e folclricas - no includa nessa literatura. O que as histrias acadmicas da msica principalmente apresentam a histria do mercado da msica de concerto (e de suas grava-es em udio e vdeo), baseada em um repertrio de autores do passado europeus (recentemente tambm de autores norteamericanos), e de msica destinada ou usvel em teatros e gravaes.

    Diferentemente do que ocorre em outras modali-dades de histria, a Histria da Msica est muito ligada preparao do pblico de concerto e de gravaes ou material relacionado a esse repert-rio. Era uma oportunidade para que o pblico inte-

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    De fato, existem cursos completos de Histria da Msica convencional gratuitamente disponveis em vdeo no Youtube, no Vimeo, na Open Univer-sity, na iTunes U, no TED/Ideas Worth Spreading, na TV Escola e na Univesptv/Unesp, estando dis-ponvel, nesta ltima, um dos cursos completos de Histria da Msica II ministrado por Dorota Machado Kerr no Instituto de Artes da UNESP2, com uma mdia, neste momento, de mais de mil visualizaes por episdio e quase 18 mil visuali-zaes somente do primeiro deles, menos de um ano aps a postagem, o que demonstra que os estudantes realmente consultam esse tipo de ma-terial na internet. A srie Histria da Msica Bra-sileira3, que produzi em colaborao com Ricardo Kanji e Ricardo Maranho em 10 episdios (1999), j est com uma mdia de 5 mil visualizaes por programa no Youtube e quase 30 mil visualizaes do primeiro deles, apenas dois anos aps a pos-tagem. A srie de udios Alma Latina4, sobre a msica nas Amricas do sculo XVI a incios do XIX, conta com quase mil downloads, um ano aps a postagem, sem contabilizar as audies online, provavelmente bem mais numerosas. Vrios blogs esto disponibilizando um nmero cada vez maior de documentrios em vdeo e udio sobre o as-sunto, como Corpo, Som e Movimento, de Pedro Consorte, com mais de 60 documentrios em v-deo sobre msica brasileira (popular ou de concer-to), disponveis gratuitamente.5

    Em mbito internacional, a quantidade desses vdeos e de suas visualizaes surpreendente e vem aumentando a cada ano. A Historia de la Msica - Lecciones Ilustradas, de Pablo Morales de Los Rios6, por exemplo, j ultrapassou 350 mil visualizaes, um ano e meio aps sua pos-tagem. No site Open Culture7, que j conta com mais de 280 mil curtir no Facebook8, existem vrios documentrios sobre msica disponveis, entre os mais de 750 documentrios gratuitos em vdeo, referentes aos mais diversos assun-tos. Tenho reunindo, em meu prprio blog9, en-dereos de dezenas de websites com material semelhante, os quais disponibilizam gratuitamen-te farta quantidade de informaes, textos, gra-vaes, partituras, facsmiles de manuscritos e musicais e edies antigas, imagens, iconograia, dicionrios, enciclopdias, textos histricos, trata-dos e outros links, que permitem o livre acesso dos interessados a esse tipo de material.

    mostra enfraquecida, como diiculta uma funo mais eiciente da msica em uma sociedade mais complexa e diversiicada. Por essa razo, parece mais eicaz dar menos espao ao estudo histrico (sobretudo linear) da msica do passado e mais s suas funes e formas de utilizao na atualidade, bem como s contnuas transformaes que as obras do passado receberam aps sua composi-o. Para citar um nico exemplo, frequentemente estudamos Bach no sculo XVIII, mas no damos tanta nfase s reelaboraes de sua obra no s-culo XIX ou sua popularizao por meios eletr-nicos no sculo XX.

    Ainal, se a Histria da Msica (enquanto linha de pesquisa) estuda as transformaes da msica ao longo da histria, considerando-as como adapta-es s mudanas sociais, culturais, polticas e econmicas, por que no aplicamos esse mesmo pensamento disciplina Histria da Msica, que vem se modiicando de forma bem menos inten-sa, mesmo aps atravessar perodos de profundas mudanas sociais quanto os que ocorreram no s-culo XX?

    Com a crescente diversidade cultural, de interes-ses, vivncias e propostas dos estudantes, que se acentuar ainda mais com o desenvolvimento econmico brasileiro, com o crescimento popula-cional e, sobretudo, com o impacto dos sistemas de cotas de ingresso em algumas universidades, torna-se cada vez mais difcil a adoo de vises nicas e de disciplinas de contedo totalizante no ttulo porm no no contedo.

    O assunto no novo no meio acadmico-musical brasileiro e, em algumas das discusses em even-tos ou nas prprias universidades, alguns cole-gas manifestam a preocupao de que mudanas nessa disciplina causariam a perda de contedo importante aos estudantes. Essa possvel perda obviamente no real, uma vez que nunca houve tanta informao em livros, artigos, ilmes e udio gratuitamente disponveis aos interessados quanto na atualidade. O temor em questo talvez esteja menos relacionado eventual perda de contedo, e mais transformao da antiga funo docente, de transmisso do conhecimento pessoal para a de facilitadores do acesso ao conhecimento pbli-co e disponvel a um nmero cada vez maior de pessoas.

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    4. Ser autor e professor, em disciplinas obriga-

    trias e optativas

    Se o conhecimento oferecido pelas instituies acadmicas icar circunscrito s disciplinas obri-gatrias, uma parte considervel das turmas de estudantes sempre icar insatisfeita e, conse-quentemente, desinteressada pelos assuntos oi-ciais ministrados em cada uma delas. A oferta de disciplinas obrigatrias de contedo geral, aliado ao oferecimento de disciplinas optativas de conte-do especico uma soluo bastante rica para a crescente diversidade de prticas e interesses manifesta pelos estudantes brasileiros da rea de Msica.

    Esse tipo de procedimento comum em muitos cursos universitrios no exterior. Em Portugal, por exemplo, os cursos possuem dois grupos de disci-plinas, divididas (como o caso da Universidade Nova de Lisboa) em obrigatrias e opo con-dicionada, com um nmero mnimo de disciplinas a serem escolhidas. Na Inglaterra, entre os muitos exemplos interessantes, a School of Music at the University of Leeds possui dois grupos de disci-plinas, divididas em Compulsory Modules e Op-tional Modules, no mais existindo, no primeiro deles, a antiga History of Music, mas sim Music in History and Culture, ttulo tambm adotado em vrias outras universidades de pases de lngua in-glesa.

    Ns, professores brasileiros, com raras excees, no temos suiciente produo autoral no campo da histria da msica europeia para ser integrada aos compndios de Histria da Msica usados nos cursos acadmicos da rea. Os livros brasileiros do gnero - novamente com raras excees - so principalmente baseados em informaes secun-drias, muitas vezes obtidas em outras Histrias da Msica, acrescidas da apreciao de novas partituras e gravaes, e escritas com uma lingua-gem mais adaptada ao nosso meio musical do que as obras simplesmente traduzidas de outros idio-mas.

    Temos, sim, produo signiicativa para a Histria da Msica Brasileira (ou no Brasil), mas tal produ-o no tem sido convertida em compndios para o estudo dessa disciplina e os ttulos mais abran-gentes disposio so obras do sculo XX, j defasadas do conhecimento produzido nas ltimas dcadas. Por que no observamos a produo de

    A perda de contedo no , portanto, um perigo associado s transformaes dos cursos de His-tria da Msica. O fato que os interessados nas Histrias da Msica convencionais j no depen-dem tanto de professores para sua transmisso, mas sim de uma boa relao com as livrarias, com as bibliotecas e com a internet. A funo dos docentes e estudantes nas instituies de ensino (ou, digamos, a relao entre eles) est em rpida mudana na atualidade, mas nem sempre conse-guimos adaptar nossos cursos a essas novas re-laes.

    Um dos desaios atuais em disciplinas de mbito geral ou panormico , portanto, oferecer a capa-citao para a soluo de problemas de mbito ge-ral, porm aberta a quaisquer decises, escolhas, tendncias e aptides particulares dos estudantes. A tarefa complexa, porm no est desampara-da: a bibliograia atualmente disponvel na rea de msica (mesmo em portugus) possui muitos ttulos voltados a essa questo, em quantidade ge-ralmente maior do que a bibliograia convencional sobre Histria da Msica. Paradoxalmente, utili-zamos menos essa bibliograia atual nos cursos acadmicos dessa disciplina e preferimos manter os livros convencionais (geralmente europeus ou norteamericanos) e cultivar uma relao frequen-temente discursiva e descritiva da msica do pas-sado, principalmente a europeia.

    Na prtica, experincias mais abertas do que as propostas pelos cursos de Histria da Msica j existem em vrias instituies brasileiras. Discipli-nas e linhas de pesquisa intituladas Arte, Cultura e Sociedade, Arte, Msica e Sociedade, Msica, Cultura e Sociedade, Histria, Cultura e Socie-dade e outras, existem em vrias universidades brasileiras, em nvel de graduao e ps-gradua-o. Histria e Msica (repare a substituio do DA por E) o nome da atual disciplina do Curso de Graduao em Msica da Escola de Msica da UFMG, que substituiu as antigas Histrias da Msica e vrias instituies esto estudando mu-danas nessa direo. Msica, Histria, Cultura e Sociedade , portanto e no mnimo, uma forte ten-dncia atual, apesar das variaes no ttulo, valen-do a pena reletir sobre sua aplicao nos cursos que ministramos em nossas universidades.

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    5. A urgncia de uma reforma curricular volta-

    da s necessidades atuais

    cada vez mais difcil, para as condies nas quais vivemos na atualidade, imaginar que cursos e contedos ixos atendero s necessidades de todos, e que caber exclusivamente a alguns pro-issionais resolver os problemas decorrentes das diferenas entre o ensino recebido e as possibi-lidades proissionais no mercado de trabalho. O mercado de trabalho est em constante transfor-mao e nunca passou por mudanas to intensas quanto as que presenciamos na atualidade, com a extino de corpos estveis, fechamento de te-atros e cinemas, intensa transformao da inds-tria da msica, privatizao direta ou indireta de rgos pblicos que apiam a msica de concerto e brutal massiicao cultural imposta pela mdia, com acentuadas e constantes mudanas (volun-trias ou involuntrias) de interesse por parte dos receptores ou consumidores de msica, no Brasil e em todo o mundo.

    Obviamente, esse quadro suscita, por parte de alguns colegas, a exclusiva abordagem do repertrio de con-certo como uma forma de defesa contra as transfor-maes impostas pelo mercado da atualidade. Essa postura, contudo, poderia at criar um ambiente inter-no favorvel msica de concerto, porm no serviria como real preparao para o mercado de trabalho, que no est mais to baseado na msica de concer-to quanto esteve no passado. Mesmo assim, tal viso no atenderia os estudantes interessados e muitas ve-zes praticantes de outras concepes musicais, cujo nmero cada vez maior nas universidades pblicas. Uma soluo possvel, na atualidade, parece ser a adoo da diversidade de opes, frente diversida-de de interesses e prticas dos estudantes, soluo que faz sentido para o corpo discente e evita a viso nica praticada nos currculos acadmicos da rea de msica e especialmente nos cursos de Histria da Msica. No necessitamos apenas de reformas curri-culares para adequar as antigas disciplinas aos novos tempos, precisamos de disciplinas diferentes e de no-vas abordagens, para estudantes de um novo tempo, que no so mais atendidos e nem eicientemente preparados por disciplinas e mtodos convencionais.

    verses atuais de Histrias da Msica Brasileira, apesar de ensinarmos essa disciplina h algumas dcadas no pas? E como compreender o ensino da Histria da Msica (ocidental ou europeia) sem que sejamos majoritariamente autores nesse cam-po? Haveria alguma maneira de fazermos mudan-as no ttulo e no conceito dessa disciplina, que favorecessem a possibilidade de nos tornarmos, simultaneamente, professores e autores do que ensinamos?

    Uma das possibilidades transformao da anti-ga Histria da Msica em uma disciplina de t-tulo (ou ao menos de contedo) mais amplo, que privilegiasse mais a complexidade da msica atu-al e os assuntos dos quais temos maior vivncia, controle e possibilidade de autoria, como Msica, Histria, Cultura e Sociedade ou ttulos similares, mais abertos aos fenmenos do presente e s necessidades do mundo atual, como j vem pro-pondo CAESAR (2012). Assim, poderamos deixar as questes mais gerais e que permitissem uma compreenso ampla de nossa relao com o pas-sado musical em disciplinas gerais e obrigatrias, icando os assuntos especicos para disciplinas eventuais ou optativas.

    Seria um curso sobre a msica romntica, por exemplo, melhor ministrado por um professor ge-neralista, que muitas vezes no teve um contato orgnico com esse repertrio em funo do ins-trumento ao qual se dedicou, ou por um pianis-ta, regente ou msico de orquestra, cuja atuao proissional foi baseada nesse tipo de msica? No um problema o fato de que os docentes em questo no possuam treinamento no campo da histria, pois no esse o aspecto mais explora-do nessa disciplina e nem o que mais interessa aos estudantes, mas sim o contato com a lgica desse repertrio, com seu signiicado, com as me-lhores maneiras para sua execuo, seus autores e obras. Paralelamente, um curso sobre a msica sacra brasileira do sculo XVIII ou sobre o patri-mnio histrico-musical brasileiro funcionaria bem melhor para alunos que tenham interesse especi-co nesses assuntos, do que ministrado a todos os alunos em disciplinas obrigatrias, entre os quais haver uma parte considervel sem relaes pes-soais com os temas referidos.

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    8. https://www.facebook.com/openculture

    9. http://paulocastagna.com/ alma-latina

    7. Referncias Bibliogricas

    ASSOCIAO BRASILEIRA DOS PRODUTO-RES DE DISCOS. Mercado brasileiro de msica 2012. Rio de Janeiro: ABPD, 2012. 7p.

    BARENBOIM, Daniel & SAID, Edward W. Parale-los e paradoxos: relexes sobre msica e so-

    ciedade; traduo de Hildegard Feist. So Paulo: Companhia das Letras, 2003. 188p. ISBN: 85-359-0427-1; ISBN-13: 978-85-359-0427-7.

    BRISCOE, James R. Vitalizing Music History Teaching. Hillsdale: Pendragon Press, 2010, 202p. (Monographs and Bibliographies in Ameri-can Music, v.20) ISBN: 978-1-57647-162-3.

    CAESAR, Wesley. Msica (cultura e sociedade): introduo ao estudo geral da msica. So Paulo: Scortecci, 2012. ISBN: 978-85-366-2500-3. 245p.

    ESTEVAM, Vicente. Evaso no ensino de msica em conservatrios. So Paulo: Curitiba: Appris, 2012. 220p. ISBN: 85-819-2112-4. ISBN-13: 978-85-819-2112-9.

    HERSCHMANN, Micael M. Indstria da msica em transio. Rio de Janeiro: Estao das Letras, 2010. 184p. ISBN: 8560166378. ISBN-13: 978-85-601-6637-4.

    LEBRECHT, Norman. Maestros, obras-primas e loucura; traduo Rafael Sando. So Paulo: Re-cord, 2008. 350p. ISBN: 85-010-7763-1. ISBN-13: 978-85-010-7763-9.

    LUCAS, Maria Elisabeth. Perspectivas da pesqui-sa musicolgica na Amrica Latina: o caso brasi-

    leiro. I SIMPSIO LATINOAMERICANO DE MUSI-COLOGIA, Curitiba, 10-12 jan. 1997. Anais. Curitiba: Fundao Cultural de Curitiba, 1998. p. 69-74.

    Sobre o autor

    Paulo Castagna (paulocastagna.com/) Graduado e Mestre pela Escola de Comunicaes e Artes da USP na rea de Msica e Doutor pela Faculdade de Filosoia e Cincias Humanas da USP na rea de Histria, com Estgio Ps-Doutoral na Universi-

    6. Concluses

    Pelas razes apresentadas, uma das primeiras tarefas em relao a este assunto, a meu ver, a mudana ou ampliao do ttulo das disciplinas de Histria da Msica, o que evitaria, de antemo, as expectativas totalizantes, o temor pela abor-dagem exclusivamente histrica e a averso pelo repertrio exclusivamente europeu, fatores que limitam o aproveitamento e diicultam a obteno de resultados mais eicientes dos cursos. Msica, Histria, Cultura e Sociedade uma possibilidade mais aberta e no-linear, que permite uma abor-dagem mais ampla e relacionada aos interesses e atividades dos estudantes, sendo outras tarefas o aumento da oferta de disciplinas optativas, o au-mento da diversidade na abordagem da disciplina e o maior engajamento dos docentes na autoria dos textos histricos, e no somente na adoo da literatura disponvel.

    Essa mudana no visa excluir o contedo da con-vencional Histria da Msica que ainda nos possa interessar, mas apenas lexibiliz-lo e conect-lo mais intensamente com os estudantes da atualida-de, de uma forma mais ampla, menos direcionada e mais aberta s possibilidades, aos hbitos, aos interesses e s projees dos alunos. Seu carter geral e sua conexo com os estudos especicos (em disciplinas optativas) permitiriam uma recep-o mais orgnica das matrias e contribuiriam para uma interao mais efetiva e transformadora por parte dos estudantes, alm de um envolvimen-to autoral mais intenso por parte dos docentes.

    Notas

    1. Consultar os demais relatrios em: http://www.abpd.org.br/.

    2.https://www.youtube.com/playlist?list=PLB11EE-BBD5514D1DA

    3. https://www.youtube.com/HistoriadaMB

    4. http://archive.org/details/AlmaLatina

    5 . h t t p : / / p e d r o c o n s o r t e b r . w o r d p r e s s .com/2012/10/30/documentarios-sobre-a-musica-brasileira-lista-completa/

    6. http://youtu.be/ImqEJHsUm3I

    7.http://www.openculture.com/freeonlinecourses

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    dad de Jan (Espanha). Foi bolsista do CNPq, da Funarte, da Fapesp e da Fundao Vitae, sendo atualmente pesquisador do CNPq, na categoria Produtividade. docente e pesquisador do Insti-tuto de Artes da Unesp desde 1994, onde exerce a vice-coordenao do Programa de Ps-Gradua-o em Msica e a coordenao do - N-cleo de Musicologia Social do Instituto de Artes da Unesp. Vem produzindo partituras, livros e artigos na rea de musicologia histrica, alm de cursos, conferncias, programas de rdio e televiso, co-ordenando encontros de musicologia e a pesquisa musicolgica para a gravao de CDs. Coorde-nou a Equipe de Organizao e Catalogao da Seo de Msica do Arquivo da Cria Metropo-litana de So Paulo (1987-1999), a Equipe Musi-colgica do projeto Acervo da Msica Brasileira / Restaurao e Difuso de Partituras no Museu da Msica de Mariana (Fundarq/Santa Rosa Bureau Cultural/Petrobras, 2001-2003) e o projeto Patri-mnio Arquivstico-Musical Mineiro (Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, 2007-2011). Entre os projetos recentes esto a coordenao do XXIV Congresso da Anppom (Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Msi-ca), a criao do E-mhics1 (I Encontro de Msica, Histria, Cultura e Sociedade do Vale do Paraba) e o DiverSampa: um passeio pela diversidade so-nora, cultural, histrica, religiosa e urbanstica da regio central de So Paulo.