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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica RAFAEL FREITAS DOS SANTOS Contextualidade e grafos Campinas 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DECAMPINAS

Instituto de Matemática, Estatística eComputação Científica

RAFAEL FREITAS DOS SANTOS

Contextualidade e grafos

Campinas2018

Rafael Freitas dos Santos

Contextualidade e grafos

Dissertação apresentada ao Instituto de Mate-mática, Estatística e Computação Científicada Universidade Estadual de Campinas comoparte dos requisitos exigidos para a obtençãodo título de Mestre em Matemática Aplicada.

Orientador: Marcelo de Oliveira Terra Cunha

Este exemplar corresponde à versãofinal da Dissertação defendida peloaluno Rafael Freitas dos Santos e ori-entada pelo Prof. Dr. Marcelo de Oli-veira Terra Cunha.

Campinas2018

Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES

Ficha catalográficaUniversidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Matemática, Estatística e Computação CientíficaAna Regina Machado - CRB 8/5467

Santos, Rafael Freitas dos, 1994- Sa59c SanContextualidade e grafos / Rafael Freitas dos Santos. – Campinas, SP :

[s.n.], 2018.

SanOrientador: Marcelo de Oliveira Terra Cunha. SanDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Matemática, Estatística e Computação Científica.

San1. Física matemática. 2. Teoria quântica. 3. Teoria dos grafos. I. Terra-

Cunha, Marcelo de Oliveira, 1973-. II. Universidade Estadual de Campinas.Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Contextuality and graphsPalavras-chave em inglês:Mathematical physicsQuantum theoryGraph theoryÁrea de concentração: Matemática AplicadaTitulação: Mestre em Matemática AplicadaBanca examinadora:Marcelo de Oliveira Terra Cunha [Orientador]Rafael Luiz da Silva RabeloRicardo Antônio MosnaData de defesa: 15-03-2018Programa de Pós-Graduação: Matemática Aplicada

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

Dissertação de Mestrado defendida em 15 de março de 2018 e aprovada

pela banca examinadora composta pelos Profs. Drs.

Prof(a). Dr(a). MARCELO DE OLIVEIRA TERRA CUNHA

Prof(a). Dr(a). RICARDO ANTONIO MOSNA

Prof(a). Dr(a). RAFAEL LUIZ DA SILVA RABELO

As respectivas assinaturas dos membros encontram-se na Ata de defesa

Este trabalho é dedicado a todas criançasdas escolas públicas deste país!!!

ResumoNesta dissertação apresentamos uma abordagem operacional que formaliza matematica-mente medições que podem ser implementadas num sistema físico genérico, tal abordagemestá incluída nas teorias de probabilidades generalizadas (GPT’s). Definido o palco dasGPT’s, apresentamos o conceito de contextualidade, o conceito central desta dissertaçãoe que responde algumas questões quanto a (não)classicidade da teoria quântica. Emseguida, apresentamos o conceito de localidade como um caso particular muito especial danão-contextualidade. E por fim, exibimos alguns resultados envolvendo teoria de grafospara estudar esses aspectos da teoria quântica.

Palavras-chave: Teoria Quântica; Contextualidade; Não-localidade; Teoria de Grafos.

AbstractIn this dissertation we present an operational approach that formalizes matematicalymeasurements that can be implemented in a generic physical system, such an approachis included in the generalized probability theories (GPT’s). Defined this scenario aboutGPT’s, we present the concept of contextuality, the central concept of this dissertation andthat answer some questions about the (non)classicity of the quantum theory. Following,we show the concept of locality, such as a particular so special case of non-contextuality.And finally, we show some results involving graph theory to study these aspects inside thequantum theory.

Keywords: Quantum theory; Contextualilty; Non-locality; Graph Theory.

Sumário

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

1 TEORIAS DE PROBABILIDADES GENERALIZADAS . . . . . . . 121.1 Estados e medições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121.2 Cenário de compatibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131.3 Algumas teorias probabilísticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181.3.1 Teoria clássica de probabilidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181.3.2 Teoria quântica de probabilidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201.4 A hipótese de não-contextualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

2 CONTEXTUALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 312.1 Sobre a hipótese de não-contextualidade . . . . . . . . . . . . . . . . 312.1.1 Sobre o conjunto clássico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 382.1.2 Sobre o conjunto quântico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 402.2 Teorema de Bell-Kochen-Specker . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 432.3 Outras demonstrações do Teorema de Bell-Kochen-Specker . . . . . 472.3.1 Algumas demonstrações multiplicativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

3 LOCALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 523.1 Cenário de Bell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 523.1.1 Condição de não-sinalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 543.1.2 Condição de localidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 573.1.3 Conjunto quântico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 593.2 Cenário (2,2,2) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 603.2.1 Desigualdade CHSH . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 603.2.2 Teorema de Bell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 613.2.3 Cota de Tsirelson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

4 GRAFOS E CONTEXTUALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . 664.1 Grafo de Exclusividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 664.2 Os invariantes de grafos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 704.2.1 O conjunto estável STAB(G) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 714.2.2 O Grötschel-Lovász-Schrijver theta-body TH(G) . . . . . . . . . . . . . . . 724.2.3 O conjunto QSTAB(G) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 744.3 Aspectos geométricos do STAB(G), TH(G) e QSTAB(G) . . . . . . 764.4 Grafos coloridos e cenários de Bell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

4.4.1 Desigualdades Bell-pentagonais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

10

Introdução

Ao lançarmos uma moeda podemos predizer com absoluta certeza se obteremoscara ou coroa? Esta pergunta ingênua pode trazer algumas reflexões quanto ao uso dasprobabilidades para descrever fenômenos físicos. Será que se conhecermos completamenteo efeito de todas as variáveis que interferem nesse processo seríamos capazes de determinaro resultado?

Uma intuição nos induziria a pensar que sim, se conhecermos o efeito dadistribuição da massa nessa moeda, das suas dimensões físicas, o efeito do lançador damoeda, da velocidade do vento, da temperatura e pressão do ambiente, ... etc, poderemosprever o resultado de um lançamento. Mas ainda assim, isso seria uma intuição. Numadescrição simplista, dizemos que a probabilidade de obter cara e coroa são iguais e, portanto,a probabilidade de cada resposta seria igual a 1/2. Aqui, as probabilidades surgem paradescrição desse fenômeno físico devido a uma incapacidade de um completo conhecimentosobre o que está ocorrendo no processo de lançar uma moeda.

Mas será que somos capazes de obter total conhecimento sobre os eventos queocorrem na natureza? Caso afirmativo, seria possível uma espécie de “completamento”dessa falta de informação total e, assim, alcançarmos uma descrição que seja consistentecom essa intuição clássica? Ou, de fato, a natureza seria probabilística e máxima informaçãoque podemos obter sobre ela são probabilidades?

Gostando ou não de “apenas” probabilidades, teorias sobre probabilidadesse apresentam como excelentes descrições de fenômenos físicos. Motivo suficiente paraa humanidade ao longo do tempo se esforçar no sentido de compreender melhor essasdescrições. Nesse sentido, desde o fim do século XIX, a teoria quântica, uma das teoriasde maior sucesso da história da humanidade, vem chamando bastante atenção por seruma teoria probabilística e que, por diversas razões, incomoda bastante a comunidadecientífica.

Em grande parte, esse incômodo está associado ao fato de ela apresentarfenômenos contra-intuitivos que estão além de uma compreensão clássica. Mas em qualsentido ela apresenta essas propriedades além dessa intuição clássica? E será que de algumaforma ela pode ser consistente com uma descrição clássica? Ou, de fato, ela está alémdesse universo clássico? Pessoas de diferentes linhas de pensamento poderiam dar váriasrespostas a essas perguntas. No entanto, neste trabalho vamos olhar para a teoria quânticae a teoria clássica dentro de um mesmo palco, ambas como casos particulares de um cenáriode teorias de probabilidades generalizadas (GPT) e explorar aspectos em contextualidadee não-localidade.

Introdução 11

Fixando um cenário no qual várias teorias de probabilidades podem ser definidas,sejam elas clássicas, quânticas ou de qualquer outra natureza possível, podemos de algumaforma comparar essas classes de teorias. Nesse sentido, teoria de grafos vem se apresentandocomo uma estratégia para se estudar questões associadas a contextualidade.

No capítulo 1, apresentamos uma abordagem das teorias de probabilidadesgeneralizadas, que é uma abordagem operacional capaz de apresentar as teorias clássica,quântica e outras classes de teorias como casos particulares. No capítulo 2 dissertamossobre a hipótese de não-contextualidade e mostramos em que sentido a teoria quântica seapresenta como uma teoria contextual. No capítulo 3, apresentamos a localidade como umcaso particular muito especial da não-contextualidade. E no capítulo 4 apresentamos umaabordagem via teoria de grafos que surge como uma estratégia para se explorar aspectosem contextualidade.

12

1 Teorias de probabilidades generalizadas

Neste capítulo vamos apresentar uma abordagem operacional. Tal abordagemé capaz de formalizar matematicamente um cenário que, de um modo conceitual, descreveum sistema físico genérico e medições que podem ser realizadas neste sistema. Definidoesse palco, vamos apresentar os cenários de compatibilidade, que são os cenários cara-terizados pelas medições num sistema físico e suas relações de comensurabilidade. Feitoisso, apresentamos as teorias de probabilidades clássica e quântica como casos particulares.E por fim, vamos apresentar a hipótese de não-contextualidade, a hipótese central paraencararmos esse problema sobre a classicidade da teoria quântica.

1.1 Estados e mediçõesVamos introduzir nesta seção uma abordagem operacional que descreve de

um modo conceitual como caracterizar estados e medições em um sistema físico genérico.Para o leitor que deseja uma outra leitura sobre esse tipo de abordagem, veja (AMARAL;TERRA CUNHA, 2018) e para leituras com outras abordagens semelhantes, veja (LIANG;SPEKKENS; WISEMAN, 2011) e (BARRET, 2007). Nesta seção, queremos basicamenteresponder a uma questão: Como descrever matematicamente estados e medições? Emoutras palavras, quais objetos matemáticos podem caracterizar estados e medições?

Vamos supor aqui que nos experimentos que podem ser realizados em um sistemafísico existem dois tipos intervenções possíveis: preparações e operações. As operaçõessobre um sistema precisam ser reprodutíveis, ou seja, deve ser possível repetir uma mesmaoperação sobre cópias de um sistema quantas vezes se queira, de forma que podemoscontar as frequências relativas de determinadas respostas que o sistema retorna. Dessaforma, somos capazes de atribuir probabilidades para as saídas de determinadas operações.Preparações podem ser comparadas através das estatísticas associadas às operações, eassim, podemos definir um estado.

Definição 1.1 (Estado). Duas preparações são equivalentes se elas fornecem a mesmaditribuição de probabilidades para todas as operações disponíveis. A classe de equivalênciadas preparações é chamada de um estado.

Toda operação pode ser classificada em dois tipos, ela pode ser uma transfor-mação ou uma medição. As medições podem ser definidas como:

Definição 1.2 (Medições). Medições são operações com mais de uma saída.

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 13

Quando queremos obter qualquer informação possível sobre o estado de umsistema temos apenas as medições como um recurso para tal tarefa. São as medições quenos fornecem informação sobre o estado do sistema, já que elas são as únicas operaçõesque fornecem uma resposta ao observador. Já as transformações apenas levam um estadoa outro estado e não conseguimos inferir algo sobre o que exatamente acontece em talprocesso. Inferir algo sobre uma transformação pode ser feito, indiretemente, mas apenasvia preparações e medições.

Aqui vamos supor que a máxima informação que possa ser obtida sobre umsistema físico genérico sejam as probabilidades de saídas de um certo conjunto de mediçõesque podem ser realizadas. Se dizemos que a probabilidade de um evento ocorrer é 1 ou 0,determinamos se tal evento ocorrerá ou não. Uma visão determinística não é automati-camente descartada quando assumimos que uma determinada teoria é probabilística, asprobabilidades podem surgir como fruto de uma ignorância inerente à descrição do sistemae/ou medições.

Haja visto que o estado de um sistema tenta caracterizar a condição em queele se encontra, condição esta que tenta incorporar todas as suas propriedades, e que asprobabilidades são essa máxima informação que podemos obter, nada mais justo definir osestados como essa classe de equivalência. Se dois sistemas fornecem a mesma probabilidadepara todas as saídas de todas as medições possíveis, então eles estão no mesmo estado, poiseles se inserem numa mesma classe de equivalência que não permite uma distinguibilidadeentre eles. Vamos denotar por S o espaço de estados. Vamos nos preocupar neste trabalhoem estudar o caso onde temos uma quantidade finita de operações e cada medição temtambém um conjunto finito de saídas. Ou seja, a máxima informação que podemos obterde um estado é um vetor cujas entradas sejam probabilidades.

1.2 Cenário de compatibilidadeEssa abordagem operacional genérica na qual definimos estados e medições na

seção anterior não é suficente ainda para estabelecermos uma teoria de probabilidades comogostaríamos aqui. Precisamos que nossos estados e medições apresentem mais algumaspropriedades. Uma das propriedades mais cruciais está associada a repetibilidade dasmedições sobre um dado estado.

Definição 1.3 (Repetibilidade das medições). Uma medição A tem saídas repetíveis setoda vez que a medição A é realizada em um sistema e uma saída i é obtida, uma mediçãosubsequente de A no mesmo sistema retorna a mesma saída i com probabilidade 1.

Suponhamos, por exemplo, que tenhamos uma caixa com várias bolas, metadedelas azuis e a outra metade branca. Aleatoriamente, vamos escolher uma dessas bolas

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 14

para “medir” sua cor. Aqui, o processo de medição consiste numa simples verificação dacor da bola escolhida e cada uma das duas possíveis saídas são associadas a uma das coresazul ou branco. Ao realizar essa operação, obtemos como saída a cor azul. Ao realizarmos,essa mesma medição sequencialmente nesta mesma bola, não podemos ter como saídanada diferente de azul, ou seja, uma medição subsequente nos retorna a mesma saída comprobabilidade igual a 1.

Cabe aqui nos perguntarmos agora sobre um processo de medição de massadessas bolas. Essa medição de massa, que pode ser realizada sobre o sistema, é completa-mente independente da medição da cor dessas bolas? Nossa intuição clássica, nos induza pensar que sim. Se temos duas medições dintintas que podem ser realizadas sobre ummesmo sistema, a realização de uma delas pode inteferir na outra? Até que ponto podemosconfiar em nossa intuição para responder uma pergunta desta natureza?

Suponhamos agora que a medição de cor que realizamos sobre o sistema dasbolas dentro da caixa nos tivesse retornado como resposta uma cor branca. Será que umamedição de massa subsequente nos retornaria uma resposta diferente da que obtivemos naprimeira medição de massa na bola azul? Como correlacionar essas medições?

Ao obtermos uma determinada saída após realizarmos uma medição A veri-ficamos que tal saída tem uma probabilidade não-nula de ocorrer e daí, ganhamos umainformação sobre o sistema. No entanto, se assumimos que tal medição respeita a proprie-dade de repetibilidade podemos perder informação das possíveis saídas de uma medição Bque poderia ser realizada sobre esse estado inicial. Ou seja, realizar uma medição A podeestar associado também a perdemos informação sobre um medição B.

Por outro lado, podemos usar essa propriedade da repetibilidade para preparar-mos estados no qual temos completa informação sobre uma medição A e, potencialmente,sobre um outro conjunto de medições que podem ser realizadas. Ou seja, podemos usar essapropriedade de um modo conveniente. Discutiremos isso em mais detalhes nas próximassessões.

Para classificar medições que podem (ou não) ser realizadas conjuntamente, semque umas afetem às outras, precisamos analisar as possíveis distribuições de probabilidadeque elas nos fornecem. Uma das definições mais importantes nesse sentido está associadaao conceito de compatibilidade das medições.

Vamos denotar por ppi|Aq como a probabilidade da saída i ao ser realizada amedição A.

Definição 1.4 (Compatibilidade). Dadas as medições

A1, A2, ..., An(

com saídas re-petíveis, dizemos que elas são compatíveis se existe uma outra medição A com saídas

1, 2, ...,m(

e funções f1, f2, ..., fn tais que todas as possíveis saídas de cada Ai são

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 15

fip

1, ...,m(

q eppk|Aiq “

ÿ

jPf´1i pkq

ppj|Aq. (1.1)

A medição A é chamada de refinamento das medições

A1, A2, ..., An(

, medições estas quepodem também ser vistas como coarse grainings da medição A.

Medições compatíveis são comensuráveis, ou seja, podem ser realizadas conjun-tamente sem que a realização de uma delas perturbe o resultado de outras. Ou simplesmentebastaria realizar a medição associada ao refinamento em comum e, se conhecida todas asrelações de marginalização, calcular as probabilidades das saídas de todas as medições.

As relações de compatibilidade/incompatibilidade das medições tomam umpapel relevante inserido no cenário de uma GPT. Num primeiro instante, a incompatibili-dade das medições pode soar como algo estranho, mas para o leitor acostumado com teoriaquântica não é nenhuma novidade essa propriedade das medições, lá é a incompatibilidadeque ganha um papel central. Nas próximas seções vamos exibir exemplos de teorias deprobabilidade que apresentam medições dessas duas naturezas.

Dado um conjunto de medições que podem ser realizadas num determinadosistema físico, podemos definir um contexto por:

Definição 1.5 (Contexto). Um contexto é um conjunto de medições compatíveis.

E como um conjunto maximal de medições compatíveis:

Definição 1.6 (Contexto maximal). Dado um conjunto de medições, dizemos que umcontexto é maximal se nenhum outro contexto o contém propriamente.

Ou seja, fixado um conjunto de medições que podem ser implementadas numsistema físico, caracterizamos como um contextos maximais os respectivos subconjuntosmaximais que podem ser medidos conjuntamente.

Diante de tais definições, podemos agora definir um cenário de compatibilidadecomo:

Definição 1.7 (Cenário de compatibilidade). Um cenário é definido como uma tripla`

X,O, C˘

, no qual o conjunto X é o conjunto de todas medições que podem ser implemen-tadas com as suas respectivas sáidas O e o conjunto C é formado pelos subconjutos de Xque formam os contextos maximais.

Vejamos alguns exemplos:

Exemplo 1.1. Seja o cenário definido pela tripla`

X,O, C˘

, na qual

X “

M1,M2,M3(

;

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 16

O “

1,´1(

;

C “

M1,M2(

,

M1,M3(

,

M2,M3((

.

Ou seja, este cenário contem 3 medições, sendo que cada uma delas tem duas saídasdistintas e elas são duas a duas compatíveis entre si.

Como um outro exemplo:

Exemplo 1.2. Consideremos o cenário definido pela tripla`

X,O, C˘

, na qual

X “

M1,M2,M3(

;

O “

1,´1(

;

C “

M1,M2,M3((

.

Neste cenário temos também 3 medições, nas quais cada uma delas tem duas saídas distintase todas elas formam conjuntamente um contexto maximal.

Dado um cenário, podemos representar as relações de compatibilidade viarepresentações por grafos. Podemos assim definir um hipergrafo de compatibilidade como:

Definição 1.8 (Hipergrafo de compatibilidade). O hipergrafo de compatibilidade de umcenário

`

X,O, C˘

é o hipergrafo H “ pX, Cq, cujos vértices são representados pelas mediçõesX e as hiperarestas representadas pelos contextos maximais C.

As Figuras 1 e 2 apresentam os hipergrafos de compatibilidade dos cenáriosdos Exemplos 1.1 e 1.2, respectivamente. Nesta dissertação, em geral, as figuras de umhipergrafo serão compostas por vértices em azul e as hiperarestas serão elipsóides coloridos.

Figura 1 – Hipergrafo de compatibilidade do cenário do Exemplo 1.1

E também como uma outra representação via grafos bem útil neste trabalho:

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 17

Figura 2 – Hipergrafo de compatibilidade do cenário do Exemplo 1.2

Definição 1.9 (Grafo de compatibilidade). O grafo de compatibilidade de um cenário`

X,O, C˘

é o grafo pX,Eq no qual os vértices são representados pelas medições X e doisvértices são adjacentes se , e somente se, as respectivas medições são compatíveis.

Em outras palavras, um grafo de compatibilidade pode ser obtido pelo hipergrafode compatibilidade mantendo os mesmos vértices e ligando por arestas dois vértices se, esomente se, existir algum contexto que os contém.

Vejamos, por exemplo, que os dois hiper-grafos de compatibilidade dos Exemplos1.1 e 1.2 geram o grafo de compatibilidade da Figura 3 para ambos. Aqui, os vérticescontinuam sendo representados em azul, enquanto as arestas estarão em preto.

Figura 3 – Grafo de compatibilidade dos cenário dos Exemplos 1.1 e 1.2

Vejamos que os grafos que carregam informações sobre a compatibilidade dasmedições de um cenário não levam em consideração as informações associadas às saídasde cada uma das medições. Os grafos de exclusividade, que vamos definir no capítulo 4,incorporam essas informações que são essenciais em um dado cenário. Vamos discutir maissobre esse assunto no capítulo 4.

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 18

Fixado um cenário de compatibilidade, queremos agora atribuir probabilidadesàs possíveis saídas de todas as suas medições. Mas como faremos isso? Qual teoriaprobabilística usaremos para tal tarefa? Na próxima seção vamos definir os modelosprobabilísticos clássico e quântico. Nessa dissertação, eles serão dois modelos centrais deinteresse.

1.3 Algumas teorias probabilísticasNesta seção apresentamos dois modelos probabilísticos de maior intesse nessa

dissertação como casos particulares de uma teoria de probabilidades generalizadas.

1.3.1 Teoria clássica de probabilidades

Uma teoria de probabilidade clássica aqui é a teoria de probabilidades quefoi axiomatizada por Kolmogorov na década de 1930, mais detalhes em (SHIRYAEV;WILSON, 1995). Queremos reescrever esses axiomas de Kolmogorov numa linguagemque se adapte à essa abordagem operacional para estados e medições que caracterizamosna seção 1.1. Em outras palavras, como vamos atribuir probabilidades às saídas de umadeterminada medição M dentro dessa abordagem operacional?

Para definir uma medida de probabilidade clássica, precisamos definir umespaço mensurável pΩ,Σq, no qual Ω é um espaço amostral e Σ é uma σ-álgebra sobre esseespaço mensurável. Aqui, o nosso espaço amostral Ω será o espaço das possíveis saídas deuma medição M . Vejamos que o conjunto das partes de Ω, que inclui também o conjuntovazio, forma uma σ-álgebra Σ sobre esse espaço amostral.

Haja visto que neste trabalho nos restringimos a medições com um conjuntofinito de saídas, a nossa σ-álgebra Σ terá 2n elementos, sendo n a cardinalidade doconjunto Ω, que é a quantidade de saídas da medição M . Podemos assim definir um espaçomensurável pelo conjunto pΩ,Σq.

Definição 1.10 (Medida de probabilidade clássica). Definimos uma medida de probabili-dade µ num espaço mensurável pΩ,Σq como uma função µ : Σ Ñ r0, 1s tal que:

1. Se os elementos de uma coleção enumerável Ai de subconjuntos de Σ são disjuntospar a par, então

µpď

i

Aiq “ÿ

i

µpAiq. (1.2)

2.µpΩq “ 1. (1.3)

Vejamos que como consequência imediata temos:

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 19

1.µp∅q “ 0. (1.4)

2. Se A Ă B Ă Σ, então

µpAq ď µpBq. (1.5)

Definição 1.11 (Teoria clássica de probabilidades). Uma teoria de probabilidades clássicaé uma teoria tal que qualquer medição M está biunivocamente associada a uma partição Aido espaço amostral Ω dentro de sua σ-álgebra Σ e o estado é uma medida de probabilidadeclássica µ sobre esse espaço mensurável pΩ,Σq. A probabilidade de uma saída i ocorrercaso a medição M seja realizada é dada por

ppi|Mq “ µpAiq. (1.6)

Propriedade 1.1. Em uma teoria clássica de probabilidades todas as medições são repetí-veis.

Teorema 1.1. Em uma teoria clássica de probabilidades todas as medições são compatíveis.

Demonstração. Seja um conjunto finito de medições

M1, ...,Mk

(

, cada uma delas estará,respectivamente, associada às partições

A1, ..., Ak(

de seu espaço amostral Ω dentro desua σ-álgebra Σ.

Para cada saída i1, ..., ik das medições M1, ...,Mk, respectivamente, definimosum conjunto gerado pelas intersecções de cada partição A1

i1 , ..., Akik

como

Ri1,...,ii “ A1i1 X ...X A

ki1 .

O conjunto dado por

Ril,...,im

(

onde il, ..., im estão associados a todas saídas para as mediçõesM1, ...,Mk, respectivamente,nos gera uma partição do espaço amostral Ω. Tal partição, está associada a uma mediçãoque é um refinamento comum a todas as medições M1, ...,Mk. Todas medições M1, ...,Mk

podem ser vistas como coarse grainings de uma medição no espaço mensurável pΩ,Σq.Vale comentar aqui que esta demonstração apenas evidencia uma noção de que numateoria clássica, as probabilidades conjuntas para as saídas de uma realização conjunta detodas as medições de um cenário já estão predeterminadas.

O hipergrafo de compatibilidade em um cenário clássico dado por um conjuntofinito de medições apresenta apenas um único contexto maximal que inclui todas todas asmedições. Na Figura 4 apresentamos o grafo K7, que é o hipergrafo de compatibilidade deum cenário com 7 medições.

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 20

Figura 4 – Hipergrafo de compatibilidade de um cenário obtido com 7 medições clássicas

1.3.2 Teoria quântica de probabilidades

Para definirmos os axiomas que regem a teoria quântica precisamos estabelecerum espaço de Hilbert complexo sobre o qual a teoria vai ser construída. Aqui, vamosnecessitar de algum um espaço de Hilbert H de dimensão finita. Ou seja, H é isomorfo aalgum Cd com o produto interno usual, denotamos esse isomorfismo por H – Cd.

Definição 1.12 (Operador Densidade). Um operador densidade ρ é um operador em H

tal que ρ ě 0 e Trpρq “ 1. Denotamos o conjunto dos operadores densidade em H porDpHq.

Definição 1.13 (Estado quântico). Um estado quântico está biunivocamente associado aum operador densidade em H.

Aqui os estados têm essa caracterização bem peculiar à teoria quântica. Vejamosagora algumas propriedades sobre os operadores densidade:

Teorema 1.2. O conjunto DpHq é um conjunto convexo.

Demonstração. Sejam ρ1, ρ2 P DpHq, então o operador gerado por qualquer combinaçãoconvexa entre ρ1 e ρ2

λρ1 ` p1´ λqρ2 ě 0 (1.7)

eTrpλρ1 ` p1´ λqρ2q “ λTrpρ1q ` p1´ λqTrpρ2q (1.8)

“ λ` 1´ λ “ 1. (1.9)

Portanto, λρ1 ` p1´ λqρ2 P DpHq e DpHq é um conjunto convexo.

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 21

Definição 1.14 (Elementos extremais). Um elemento num espaço convexo é dito serextremal se ele não pode ser escrito como combinação convexa de outros dois elementos.

Definição 1.15 (Estados puros). Dizemos que um operador densidade está associado aum estado puro quando ele é um projetor unidimensional em H. Caso contrário, dizemosque ele é misto.

Teorema 1.3. Os elementos extremais do conjunto de operadores densidade são estadospuros.

Demonstração. Como H é um espaço de Hilbert complexo com dimensão finita, qualqueroperador que seja definido sobre ele e que tenha uma positividade definida será hermitiano.Assim, todo operador densidade será hermitiano.

Todo operador hermitiano é diagonalizável e tem autovalores reais. Sabendoque os operadores densidade são definidos semi-positivos, eles terão como autovaloresnúmeros reais não-negativos. Ou seja, existe uma base que é capaz de diagonalizar umoperador densidade na seguinte forma:

»

λ1 ¨ ¨ ¨ 0... . . . ...0 ¨ ¨ ¨ λn

fi

ffi

ffi

fl

(1.10)

em que λi P R com λi ě 0 e, como Trρ “ 1, λ1 ` ... ` λn “ 1. Um operador densidadenão pode ser escrito como uma combinação convexa de outros operadores densidade se, esomente se, ele tem um autovalor igual a 1 e todos os outros iguais a 0, caso em que ele éum projetor unidimensional.

Um dado estado misto pode ser escrito como combinação de outros estadospuros de infinitas formas distintas, já os estados puros não podem ser escritos comocombinação convexa de outros estados. Como veremos adiante, os estados puros são osestados que permitem obtenção de máxima informação.

Estabelecemos assim alguns dos conceitos e propriedades mais básicas queestão associadas à estrutura matemática dos estados quânticos. Para caracterizarmoscompletamente um modelo probabilístico quântico, precisamos também apresentar aestrutura associada às medições. Feito isso, podemos definir a regra de Born, a regraatravés da qual pode-se calcular as probabilidades de possíveis saídas de uma determinadamedição sobre um dado estado.

Definição 1.16 (Medições projetivas1). Dada uma medição M com saídas

1, 2, ..., k(

, po-demos associar a cada uma dessas respectivas saídas um conjunto de operadores

P1, P2, ..., Pk(

1 As medições projetivas podem ser vistas com um caso particular bem especial das medições generalizadas,cuja estrutura matemática está associada aos POVM’s (“positive operator value measure”). No entanto,

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 22

tal quekÿ

i“1Pi “ I (1.11)

onde I é o operador identidade em H e Pi são projetores ortogonais.

Podemos assim definir a regra de Born:

Definição 1.17 (Regra de Born). Dada uma medição projetiva M com saídas

1, 2, ..., k(

,com os respectivos projetores associados

P1, P2, ..., Pk(

, a probabilidade de uma saída iocorrer é dada por

ppi|Mq “ TrpPiρq (1.12)

E caso a saída i seja realizada, o estado em que o sistema vai se encontrar após a mediçãoserá

ρi “PiρPi

TrpPiρPiq. (1.13)

Teorema 1.4. A regra de Born respeita a condição de repetibilidade.

Demonstração. Suponhamos que ao ser realizada uma medição M sobre o estado ρ

obtivemos como resposta a saída i, então o estado após a realização dessa mediçãoé dado por

ρi “PiρPi

TrpPiρPiq. (1.14)

Realizando sequencialmente essa mesma medição M sobre este estado resultante, a proba-bilidade de obtermos novamente i como resposta é

ppi|Mq “ TrpPiρiq (1.15)

ppi|Mq “ TrpP 2i ρPi

TrpPiρPiqq (1.16)

ppi|Mq “1

TrpPiρPiqTrpPiρPiq “ 1. (1.17)

A compatibilidade das medições dentro da teoria quântica está relacionada àgeometria dos projetores associados às saídas das medições. Vejamos que pela condição derepetibilidade da regra de Born, dependendo da ordem que dois projetores são aplicados

o Teorema de Neumark nos garante que medições projetivas já são suficientes para recuperarmos todasas possíveis distribuições de probabilidade para um cenário ao preço de termos alguma liberdade nadimensão do espaço de Hilbert em questão e, além disso, as medições projetivas fornecem uma noçãomais clara da repetibilidade. Mais detalhes podem ser vistos nas notas de aula (WATROUS, 2011)[Aula5].

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 23

num determinado estado, tanto as probabilidades para as saídas das medições quanto osestados após a medição podem ser distintos. Tal propriedade está associada às relações decomutação entre os projetores.

Definição 1.18. Para dois operadores A e B definidos em um mesmo espaço denotamoso comutador entre eles por

rA,Bs “ AB ´BA. (1.18)

Dizemos que dois operadores comutam se o comutador entre eles é nulo.

Teorema 1.5. Para duas medições M e N cujos respectivos projetores associados as suassaídas sejam

P1, ..., Pk(

e

Q1, ..., Ql

(

são equivalentes as seguintes afirmações:

1. rPi, Qjs “ 0 , @i P

1, ..., k(

e j P

1, ..., l(

.

2. M e N são coarse grainings de uma outra medição.

3. M e N são compatíveis.

Demonstração. A equivalência entre as afirmações 2 e 3 segue da definição de compatibi-lidade. Para enxergar que a afimação 1 é equivalente às afirmações 2 e 3, basta ver queoperadores que comutam podem ser simultaneamente diagonalizados, o que implica queas medições associadas podem ser vistas como coarse grainings de uma outra medição. Ese duas medições são compatíveis para todos os estados quânticos, então os projetoresortogonais associados às medições devem comutar, caso contrário, seria possível encontraralgum estado sobre o qual os projetores não comutariam entre si.

Temos aqui uma teoria de probabilidades em que nem todas as mediçõessão compatíveis entre si. Basta ver que existem projetores que não comutam entre si edaí, podemos encontrar medições cujas saídas estejam associadas a esses projetores, taismedições não serão compatíveis. A incompatibilidade entre medições surge aqui na teoriaquântica como um elemento essencial.

Uma medição projetiva pode ser associada também a um operador auto-adjuntono mesmo espaço de Hilbert em questão. As saídas de tal medição serão os autovaloresdesse operador auto-adjunto e os respectivos projetores são os projetores contidos nadecomposição espectral de tal operador.

Vejamos, por exemplo, que um operador auto-adjunto A : H Ñ H - em queH – Cd - tem a seguinte decomposição espectral

A “ λ1P1 ` λ2P2 ` ...` λkPk (1.19)

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 24

sendo que

λ1, ..., λk(

são os autovalores do operador A e cada projetor Pi projeta noNupA´ λiIq ortogonalmente à ImpA´ λiIq. No entanto, devido ao operador A ser auto-adjunto, os autoespaços associados a autovalores distintos são ortogonais entre si, issoimplica que os projetores P1, ..., Pk são ortogonais entre si e

P1 ` P2 ` ...` Pk “ I. (1.20)

Dado um operador auto-adjunto A encontramos a medição M associada recu-perando naturalmente os projetores associados a cada saída via decomposição espectral.E dado os projetores associados a uma medição M , podemos encontrar um operadorautoadjunto A construindo sua decomposição espectral.

Como um exemplo, consideremos o seguinte operador audto-ajunto σz : C2Ñ

C2 que tem 1 e ´1 como autovalores. Ele pode ser diagonalizado por uma base ortonornal

|0y, |1y(

e podemos, em tal base, escrevê-lo como

σz “

«

1 00 ´1

ff

(1.21)

Vejamos que a decomposição espectral dessa matriz nos gera

σz “ |0yx0| ´ |1yx1|. (1.22)

Outras duas matrizes que também têm como autovalores 1 e ´1 nesse mesmoespaço são

σx “

«

0 11 0

ff

(1.23)

σy “

«

0 ´i

i 0

ff

(1.24)

As matrizes σx, σy, σz são conhecidas como as matrizes de Pauli. Além de repre-sentarem operadores auto-adjuntos em C2, elas apresentam propriedades bem interessantese vão surgir durante o texto com uma certa frequência.

Vejamos que via o operador adjunto A, podemos encontrar o valor esperado deuma medição simplesmente calculando o seguinte traço

TrpAρq “ Trppλ1P1 ` ...` λkPkqρq (1.25)

“ Trpλ1P1ρ` ...` λkPkρq (1.26)

“ λ1TrpP1ρq ` ...` λkTrpPkρq (1.27)

“ λ1ppλ1|Mq ` ...` λkppλk|Mq. (1.28)

Aqui, podemos enxergar o valor esperado como uma média ponderada sobre as saídas naqual os pesos são as suas respectivas probabilidades.

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 25

Para outras leituras sobre essa estrutura da teoria quântica, veja (AMARAL;BARAVIERA; TERRA CUNHA, 2011), (NIELSEN; CHUANG, 2000).

Como alguns exemplos de grafos de compatibildade associados a cenários quepodem ser obtidos através de teoria quântica temos as Figuras 5 e 6. Vamos discutir emmais detalhes esses cenários ao longo dos próximos capítulos.

Figura 5 – Grafo de compatibilidade de um cenário

Tal cenário pode ser obtido via teoria quântica em um espaço de Hilbert de dimensãoigual a 3.

1.4 A hipótese de não-contextualidadeUma das maneiras de entender alguns aspectos contra-intuitivos (para aqueles

que constroem uma intuição se baseando numa concepção clássica) da teoria quânticareside no fato de o modelo probabilístico que fornece as probabilidades para as saídas dasmedições não ser consistente com os modelos clássicos de probabilidade.

Sabemos que numa teoria clássica todas as medições formam conjuntamente oúnico contexto de um cenário. O que significa que todas elas são compatíveis entre si e quequalquer uma delas pode ser vista como um coarse graining de alguma medição completa.Como vimos na seção 1.3.1, existe um refinamento comum para qualquer uma de suasdistribuições e, assim, tais distribuições de probabilidade são consistentes com uma noçãoontológica de realismo.

Uma teoria realista é aquela na qual se pode garantir que o valor de uma saídaindepende do processo de medição. Ou seja, em tal teoria o processo de medição apenasrevela um valor que já pré-existia independentemente da realização (ou não realização)da medição. Na teoria quântica, incompatibilidade entre medições existe e não podemos,

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 26

Figura 6 – Grafo de compatibilidade de um cenário

Tal cenário pode ser obtido via teoria quântica. Vamos discutir em mais detalhes noCapítulo 3.

num primeiro instante, dizer que ela é também consistente com essa noção ontológica derealismo.

É nesse sentido que a busca de um “completamento” de um modelo probabilís-tico surge. Nessa utopia de “completamento”, a probabilidade de uma determinada saídade qualquer medição acessível ocorrer é tomada como uma média sobre uma distribuiçãode probabilidades num espaço de variáveis extras Λ, que está acoplado ao espaço de estadosS. Vamos chamar conjuntamente de espaço ôntico o conjunto Λˆ S.

Definição 1.19. Uma distribuição de probabilidades no espaço ôntico Λ ˆ S é definidapor

ppλ,ρ,Cqpj|Miq (1.29)

onde λ P Λ, ρ P S, Mi P C -sendo C um contexto maximal-, j é uma saída qualquer damedição Mi e tais distribuições devem ser determinísticas:

ppλ,ρ,Cqpj|Miq P

0, 1(

. (1.30)

comÿ

j

ppλ,ρ,Cqpj|Miq “ 1. (1.31)

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 27

O conjunto de “variáveis ocultas” Λ aqui cumpre o papel de determinar assaídas das uma determinada medição, um conhecimento completo acerca das distribuiçõesde probabilidades nesse espaço ôntico seria capaz nos prever todas as possíveis distribuiçõesde probabilidades para o cenário. Vejamos também que as Equações (1.30) e (1.31) nosdizem que dada uma medição qualquer Mi, uma variável λ P Λ determina uma e apenasuma das saídas j de Mi. Assim, definimos um “completamento” como:

Definição 1.20 (“Completamento”). Dizemos que uma distribuição de probabilidadespara um cenário admite um “completamento” quando todas as probabilidades para umconjunto de medições

M1, ...,Mk

(

que pertencem a um contexto maximal C podem serescritas como

pρCpi1...ikq “ÿ

λPΛppλq

l“1ppλ,ρ,Cqpil|Mlq (1.32)

onde ppλ,ρ,Cqpj|Miq é uma distribuição de probabilidades no espaço ôntico Λˆ S e ppλq éuma distribuição de probabilidades restrita apenas ao espaço extra Λ.

Vale a pena ressaltar que, nessa construção, as probabilidades para as saí-das de uma medição dependem do contexto no qual a medição pertence. Assim, umamesma medição pode ter probabilidades distintas se observada em contextos distintos. Talconstrução realça a ideia de um determinismo, no entanto, devido a uma ignorância dasprobabilidades no espaço ôntico somos levados a distribuições de probabilidades que podemser inconsistentes com uma noção de realismo. A fim de construirmos um “completamento”consistente com uma noção ontológica de realismo precisamos de mais hipóteses nesse“completamento”. Mas antes disso, vejamos um exemplo.

Exemplo 1.3. Vamos construir um “completamento” para o contexto C1 do cenário exibidoExemplo no 1.1.

Vamos supor aqui que o conjunto de variáveis-extra Λ seja

Λ “

λ1, λ2, ..., λk(

.

Então, a probabilidade conjunta de obtermos as respostas ´1 e ´1, respectiva-mente, para as medições M1 e M2 é dada por

pC1p´1,´1|M1,M2q “ ppλ1qppλ1,ρ,C1qp´1|M1qp

pλ1,ρ,C1qp´1|M2q

` ppλ2qppλ2,ρ,C1qp´1|M1qp

pλ2,ρ,C1qp´1|M2q

...

` ppλkqppλk,ρ,C1qp´1|M1qp

pλk,ρ,C1qp´1|M2q. (1.33)

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 28

Nesse “completamento”, sabemos que as probabilidades ppλk,ρ,C1qpj|Miq acimadevem respeitar as Equações (1.30), ou seja, tais probabilidades são determinísticas. Quandodizemos que ppλk,ρ,C1qpj|Miq “ 1, podemos interpretar que λk “induz” a saída j ao serrealizada a medição Mi P C1.

Podem existir vários λ1ks que “induzem” a saída j, informação esta que podenão ser acessível dada a limitação de inferirmos algo sobre o sistema apenas com asmedições Mi. E é nessa possibilidade de existir mais de um λk que retorna uma mesmasaída j que temos motivação de tentar “completar” a teoria, no sentido que a informaçãocontida nas saídas acessíveis ao ser realizada a medição Mi é incompleta.

Vejamos agora que dada a restrição (1.31), cada λk deve ser reponsável por“induzir” uma saída, e apenas uma, de cada medição do contexto C1. No caso particular,por exemplo, em que ppλ1q “ 1 e ppλ2q “ ... “ ppλkq “ 0, esperamos que apenasuma das 4 saídas possíveis para a medição conjunta de M1 e M2 ocorra. A distribuiçãode probabilidades ppλq sobre Λ apenas tem a função de atribuir pesos a cada uma dasprobabilidades determinísticas que as variáveis λ1, ..., λk vão atribuir.

Para finalizarmos a construção desse “completamento” basta agora atribuirmosvalores 0 e 1 às probabilidades determinísticas no espaço ôntico respeitando a Equação(1.31). Podemos escolher, por exemplo, atribuir da seguinte forma:

ppλk,ρ,C1qp´1|M1q “ 1, @k. (1.34)

eppλk,ρ,C1qp´1|M2q “ 0, @k. (1.35)

Tal distribuição no espaço ôntico, nos retornará pC1p´1,´1|M1,M2q “ 0. Noentanto, pC1p´1, 1|M1,M2q “ 1. Vejamos aqui neste exemplo, que as probabilidades deter-minísticas podem ser trivialmente construídas via um “completamento” no espaço ôntico.

Vejamos também que, pela Equação (1.31), a normalização das probabibilidadesdas saídas da medição conjunta de M1 e M2 é satisfeita:

ÿ

i,j

pC1pi, j|M1,M2q “

kÿ

l“1ppλlq

`

ÿ

i

ppλk,ρ,C1qpi|M1q˘`

ÿ

j

ppλk,ρ,C1qpj|M2q˘

(1.36)

ÿ

i,j

pC1pi, j|M1,M2q “

kÿ

l“1ppλlq “ 1. (1.37)

Vejamos que o conjunto Λ, da maneira que foi inserido aqui, atua de umaforma a determinar qual saída será obtida por cada uma das medições que pertencem ao

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 29

contexto C1. É nesse espaço “ôntico” que a informação para as saídas de todas as mediçõesestão completamente determinadas. E a imposibilidade de termos acesso a todas essasinformações que pode nos impedir (num primeiro momento) de alcançar uma descriçãodeterminística para o conjunto das informação acessíveis.

Essa tentativa de “completamento” surge no sentido de tentar supor a existênciadesse conjunto extra Λ e lá atribuirmos distribuição de probabilidades sob algumashipóteses.

Vejamos aqui que a construção deste “completamento” é feita única e exclusi-vamente sobre um contexto fixo. No entanto, um “completamento” deve contemplar todosos contextos. Mas existem medições que pertencem a contextos distintos e na tentativade realizarmos uma descrição clássica nesse espaço ôntico precisamos impor mais algumahipótese. Daí, a hipótese de não-contextualidade:

Definição 1.21 (Modelo probabilístico não-contextual). Dizemos que um modelo proba-bilístico é não-contextual se ele admite um “completamento” tal que as distribuições deprobabilidades no espaço ôntico Λˆ S respeitam a seguinte igualdade:

ppλ,ρ,C1qpj|Miq “ ppλ,ρ,C2qpj|Miq (1.38)

para quaisquer j1s e i1s.

Ou seja, em um modelo não-contextual, se uma determinada medição pertencea dois contextos distintos, a distribuição de probabilidades no espaço ôntico deve serindependente do contexto no qual ela se insere.

Dizemos que uma teoria de probabilidades é contextual se alguma possíveldistribuição de probabilidades é incompatível com algum completamento que respeita essahipótese de não-contextualidade. Como veremos adiante, a teoria quântica apresenta taisdistribuições de probablidades, sendo por isso conhecida como uma teoria contextual.

Como veremos no capítulo 3, existem sistemas físicos que nos permitem cons-truir cenários compostos por medições que podem ser realizadas intantaneamente empartes espacialmente afastadas, tais medições podem ser vistas como pertencentes a umdeterminado contexto. Em tal cenário, a hipótese de não-contextualidade é traduzida comoa condição de realismo local. Dizer que a teoria quântica é uma teoria não-local significadizer que as distribuições de probabilidades que ela nos fornece não podem ser recuperadaspor um modelo realista e local.

Sob certo ponto de vista, podemos enxergar a violação da teoria quânticaà hipótese de não-contextualidade como uma impossibilidade de ela ter uma descriçãoclássica para suas probabilidades. Gostemos disso ou não, a teoria quântica é uma dasteorias de maior sucesso na história da ciência, não existem indícios experimentais de que

Capítulo 1. Teorias de probabilidades generalizadas 30

ela possa estar inconsistente com a natureza e ela tem se apresentado como um granderecurso em várias aplicações tecnológicas.

No próximo capítulo vamos relacionar a hipótese de não-contextualidade comas teorias de probabilidades clássica e quântica. E nos próximos capítulos vamos exploraralguns resultados sobre contextualidade, não-localidade e teoria de grafos.

31

2 Contextualidade

Neste capítulo, vamos relacionar a hipótese de não-contextualidade com asteorias de probabilidades clássica e quântica. Já discutimos um pouco no fim do capítulo 1que a hipótese de não-contextualidade surge de uma forma natural para se investigar oproblema da classicidade de alguma teoria probabilística, aqui continuamos explorandoesse aspecto da não-contextualidade.

Em outras palavras, dado um cenário qualquer, como se comportam distribui-ções de probabilidades que admitem um modelo não-contextual? E qual a relação entreessas distribuições de probabilidades e àquelas que podem ser recuperadas por uma teoriaclássica ou a teoria quântica?

Na seção 2.1 vamos exibir o Teorema de Brandenburguer-Abramsky-Fine, umteorema central que esclarece essas questões. A partir daí, na seção 2.2, vamos exploraralguns aspectos sobre a contextualidade quântica via o teorema de Bell-Kochen-Specker.E na seção 2.3, apresentamos algumas demonstrações alternativas à demonstração originaldo Kochen e do Specker que exibem cenários que atestam a contextualidade quântica.

2.1 Sobre a hipótese de não-contextualidadeNo fim da Sessão 1.2, no qual definimos um cenário de compatibilidade, deixamos

uma pergunta: Dado um cenário de compatibilidade, no qual temos um conjunto de finitode medições, com todas os contextos maximais definidos, como fornecer uma distribuiçãode probabilidades para as saídas dessas medições? Em outras palavras, como vamoscaracterizar os nossos estados?

Uma distribuição de probabilidades aqui é, inicialmente, atribuída para cadaum dos contextos maximais de um cenário da seguinte maneira:

Definição 2.1 (Distribuição de probabilidade para C). Dado um cenário pX,O, Cq, umadistribuição de probabilidade p para um contexto maximal C é uma família de funçõespC : OC

Ñ r0, 1s tais queÿ

sPOC

pCpsq “ 1. (2.1)

A notaçãoOC” O ˆO ˆ ...ˆO

representa o produto cartesiano |C| vezes, onde |C| é a quantidade de medições que pertenceao contexto C.

Capítulo 2. Contextualidade 32

Vejamos que uma distribuição de probabilidades para um cenário, que é umadistribuição de probabilidades para todos os contextos maximais é um vetor do Rd, emque

d “ÿ

i

|OCi |. (2.2)

Dado que um contexto maximal contém um conjunto finito de medições quepodem ser vistas como coarse grainings de uma outra medição e que elas têm, conjun-tamente, uma distribuição de probabilidades em comum dada pelo refinamento delas,torna-se natural construirmos uma distribuição de probabilidades dessa forma.

Durante o texto, pode ser conveniente indicar o contexto pelo conjunto demedições que o caracterizam, daí usarmos equivalentemente as notações pCpi1...ikq eppi1...ik|M1...Mkq como a probabilidade das saídas i1, ..., ik ocorrerem caso as mediçõesM1...Mk, que formam o contexto maximal C, sejam conjuntamente realizadas.

Vejamos os Exemplos 1 e 2 como dois casos particulares de possíveis distribuiçõesde probabilidades para o cenário do Exemplo 1.1. O cenário exibido no Exemplo 1.1 contém3 contextos maximais que estão indicados pelas linhas das Tabelas 1 e 2. Cada contextomaximal contem 2 ˆ 2 “ 4 possíveis saídas, tais saídas estão indicadas pelas colunas.Atribuir probabilidades a este cenário significa atribuir a cada linha da tabela um conjuntode 4 probabilidades cuja soma seja igual a 1.

Tabela 1 – Uma distribuição de probabilidades para o cenário do Exemplo 1.1(-1,-1) (-1,1) (1,-1) (1,1)

M1,M2(

1 0 0 0

M2,M3(

1/2 1/2 0 0

M3,M1(

1/2 0 1/2 0

Tabela 2 – Uma distribuição de probabilidades para o cenário do Exemplo 1.1(-1,-1) (-1,1) (1,-1) (1,1)

M1,M2(

1 0 0 0

M2,M3(

1/2 1/2 0 0

M3,M1(

0 1/2 0 1/2

Olhando para uma dada distribuição de probabilidades, podemos nos perguntarsobre a probabilidade de uma determinada saída ocorrer no caso em que apenas umadas medições de um contexto maximal é realizada. No caso do cenário do Exemplo 1.1,podemos nos perguntar sobre a probabilidade de a saída ´1 ocorrer caso a medição M1

seja realizada. No entanto, tal resposta pode depender do contexto maximal na qual amedição M1 é realizada, haja visto que tal medição pertence a dois contextos maximaisdistintos.

Capítulo 2. Contextualidade 33

Se a distribuição de probabilidades para este cenário é dada pela distribuiçãona Tabela 1, a resposta para esta pergunta olhando para o contexto C1 é

pC1p´1|M1q “ pp´1,´1|M1,M2q ` pp´1, 1|M1,M2q “ 1. (2.3)

E se olharmos agora para o contexto C3:

pC3p´1|M1q “ pp´1,´1|M3,M1q ` pp1,´1|M3,M1q “ 12` 12 “ 1. (2.4)

Ou seja,pC1p´1|M1q “ pC3p´1|M1q “ pp´1|M1q. (2.5)

Se aplicarmos o mesmo raciocício a todas as saídas de todas as mediçõesdentro da distribuição de probabilidades que exibimos na Tabela 1 obteremos igualdadesequivalentes. No entanto, ao aplicarmos o mesmo raciocínio para a distribuição que seencontra na Tabela 2, veremos que

pC1p´1|M1q “ pp´1,´1|M1,M2q ` pp´1, 1|M1,M2q “ 1. (2.6)

pC3p´1|M1q “ pp´1,´1|M3,M1q ` pp1,´1|M3,M1q “ 0. (2.7)

Ou seja,pC1p´1|M1q ‰ pC3p´1|M1q. (2.8)

Não queremos tal comportamento, haja visto que um dos nossos objetivosé caracterizar condições nas quais seja possível atribuir uma medida de probabilidadeclásssica às saídas das medições de todo o contexto. Queremos que a probabilidade deocorrer uma determinada saída de uma medição seja independente do contexto no qual elase insere. Ou seja, precisamos impor algumas restrições às distribuições de probabilidade.

Se

M1, ...,Mk

(

P C, denotamos por pCpi1, ..., ik|M1, ...,Mkq como as proba-bilidades das saídas i1, ..., ik das medições M1, ...,Mk restritas ao contexto C como asprobabilidades que são obtidas via marginalização das probabilidades de todas as saídasdas outras medições que complementam o contexto maximal C.

Definição 2.2 (Distribuições de probabilidade não-perturbadoras ND). As distribuiçõesde probabilidade não-perturbadoras, denotadas por ND, são aquelas tais que se a intersecçãode quaisquer dois contextos maximais C 1 e C2 é não-vazia, contendo o conjunto das medições

M1, ...,Mk

(

, então

pC1pi1, ..., ik|M1, ...,Mkq “ pC2pi1, ..., ik|M1, ...,Mkq “ ppi1, ..., ik|M1, ...,Mkq (2.9)

para todas as saídas i1, ..., ik.

Capítulo 2. Contextualidade 34

A distribuição de probabilidades contida na Tabela 1 pertence ao conjuntoND enquanto a ditribuição contida na Tabela 2 não pertence ao conjunto ND. Vejamosalgumas propriedades do conjunto das distribuições não-pertubadoras ND de um cenário.

Definição 2.3 (Politopo). Um politopo no Rd pode ser definido, equivalentemente, deduas formas distintas:

• Um politopo é o fecho convexo de um conjunto finito de pontos no Rd;

• Um politopo é um subconjunto do Rd limitado e que pode ser definido por um conjuntofinito de desigualdades lineares.

No caso particular onde d “ 3, um politopo é um poliedro. Ou seja, um politoponada mais é do que uma generalização da noção de um poliedro quando estamos numespaço real com dimensão maior do que 3. Vejamos que podemos definir um poliedro tantocomo o fecho convexo dos pontos que geram seus vértices quanto por um conjunto finitode desigualdades lineares que definem suas faces.

Num espaço de dimensão maior tal noção continua válida. Daí as duas definiçõesequivalentes na Definição 2.3, em que o conjunto finito de pontos é um conjunto de pontosque contém os pontos extremais desse conjunto convexo e o conjunto finito de desigualdadeslineares definem as facetas desse politopo.

Propriedade 2.1. O conjunto ND forma um politopo.

Demonstração. Dado um cenário pX,O, Cq, associamos cada distribuição de probabilidadesa um vetor num Rd, em que

d “ÿ

i

|OCi |. (2.10)

Cada entrada deste vetor é um número entre 0 e 1 que satisfaz a relação denormalização contida na Equação (2.1). Tal conjunto forma um politopo, haja visto quepodemos olhar para tal caracterização dessas distribuições de probabilidades como umconjunto finito de desigualdades lineares nesse Rd.

Para caracterizarmos o conjunto das distribuições não-pertubadoras ND, bastaagora impor mais um conjunto finito de desigualdades lineares que estão expressas naEquação (2.9). Tal imposição, transforma o politopo anterior num outro politopo no Rd

que define o conjunto de vetores de probabilides não-pertubadoras.

Cabe nos perguntarmos aqui se uma distribuição de probabilidades é não-pertubadora ND se, e só se, existir um modelo não-contextual para tal distribuição. Comoveremos adiante, existem distribuições que são não-pertubadoras e ao mesmo tempo nãoadmitem um modelo não-contextual.

Capítulo 2. Contextualidade 35

Mas qual condição precisamos impor ao conjunto das probabilidades não-pertubadoras ND para que possamos sempre dizer que existe um modelo não-contextualque recupera suas estatísticas?

Definição 2.4 (Seção Global). Uma seção global para X é uma distribuição de probabi-lidades pX : OX

Ñ r0, 1s. Uma seção global para uma distribuição p P ND é uma seçãoglobal para X tal que a restrição de pX a cada contexto C é exatamente pC.

Entedemos restrição de pX a cada contexto C como a marginalização que seobtem somando as probabilidades de todas as saídas da seção global sobre as mediçõesque complementam C em X.

Exemplo 2.1. Consideremos novamente o cenário do Exemplo 1.1. Vamos supor que umadada distribuição de probabilidades neste cenário admite seção global pX : OX

Ñ r0, 1s.Vejamos que podemos enxergar tal seção global por uma distribuição de probabilidades comorepresentada na Tabela 3.

Tabela 3 – Uma seção global para o cenário do Exemplo 1.1(-1,-1,-1) (-1,-1,1) (-1,1,-1) (-1,1,1) (1,-1,-1) (1,-1,1) (1,1,-1) (1,1,1)

M1,M2,M3(

p1 p2 p3 p4 p5 p6 p7 p8

Tais probabilidades devem respeitar a condição de normalização,

8ÿ

i“1pi “ 1. (2.11)

E como a distribuição gerada por essa seção global para o cenário, temos:

Tabela 4 – Uma distribuição de probabilidades para o cenário do Exemplo 1.1 construídavia uma seção global

(-1,-1) (-1,1) (1,-1) (1,1)

M1,M2(

p1 ` p2 p3 ` p4 p5 ` p6 p7 ` p8

M2,M3(

p1 ` p5 p2 ` p6 p3 ` p7 p4 ` p8

M3,M1(

p1 ` p3 p5 ` p7 p2 ` p4 p6 ` p8

Vejamos que a existência de uma seção global para uma distribuição de proba-bilidades num cenário é consistente com uma atribuição de probabilides clássica. Vale apena mencionar também que uma dada distribuição de probabilidades pode admitir váriasseções globais distintas, ou seja, não vale uma noção de unicidade para as seções globais deuma distribuição.

Podemos então enunciar o teorema de Fine, Brandenburguer e Abramsky:

Capítulo 2. Contextualidade 36

Teorema 2.1 (Teorema de Fine, Brandenburguer e Abramsky). Uma distribuição deprobabilidades que pertence ao conjunto das distribuições não-pertubadoras ND tem umaseção global se e só se existe um modelo não-contextual que recupera suas estatísticas.

Demonstração. Seja pX,O, Cq um cenário qualquer, queremos estudar as distribuições deprobabilidade que são atribuídas a cada contexto maximal C como definimos em (2.1).

1.Vamos admitir que uma dada distribuição de probabilidades para tal cenáriotenha uma seção global, ou seja, existe

pX : OXÑ r0, 1s

tal que as restrições, obtidas via marginalização, a cada contexto maximal coincidem comas distribuições dadas inicialmente. Vamos agora mostrar que tal distribuição admite ummodelo não-contextual, para isso, vamos construir o conjunto Λ:

Λ “ λ1, λ2, ..., λ|OX | (2.12)

Cada elemento de Λ está biunivocamente associado a uma das saídas OX , quepodem ser interpretadas como todas as saídas de todas as medições do cenário e quepor isso formam o domínio de pX . Aqui, vamos atribuir cada ppλkq às probabilidadesfornecidas por pX . Vamos atribuir as probabilidades no espaço ôntico Λ ˆ S de formaque se, e somente se, λk está associado a uma das saída em OX que contém a saída jda medição Mi, então ppλk,ρ,Cqpj|Miq “ 1. Exibimos assim, um “completamento” para asdistribuições de probabilidades e que recuperam de forma natural as marginalizações daseção global para os contextos maximais. Assim,

ppλk,ρ,Cqpj|Miq “ ppλk,ρ,C1qpj|Miq

pois a atribuição de probabilidades no espaço ôntico independe de quaisquer contextosnos quais as medições se inserem. Portanto, se uma distribuição de probabilidades temseção global, então ela admite um modelo não-contextual.

2. Vamos assumir agora que uma dada distribuição de probabilidades nestecenário admite um modelo não-contextual. Ou seja, existe um espaço Λ

Λ “

λ1, λ2, ..., λk(

(2.13)

tal que para quaisquer saídas j de qualquer medição M P X temos definido os valores de

ppλk,ρ,Cqpj|Mq P

0, 1(

(2.14)

satisfazendo a condiçãoÿ

j

ppλk,ρ,Cqpj|Mq “ 1. (2.15)

Capítulo 2. Contextualidade 37

Se assumimos agora a hipótese de não-contextualidade, as atribuições deprobabilidade na Equação (2.14) independendem de C, de forma que podemos reescrevertais expressões simplesmente como

ppλk,ρqpj|Mq. (2.16)

Assim, quando olhamos para a distribuição de probabilidades para os contextosC deste cenário, temos como probabilidades para as saídas as expressões dadas por

pCpj1, ..., jm|M1, ...,Mmq “ÿ

λk

ppλkqmź

i“1ppλk,ρqpji|Miq. (2.17)

Estas são as distribuições que temos. Dadas todas distribuições para todos os contextos,podemos encontrar alguma seção global para elas?

Vejamos que C “

M1, ...,Mm

(

Ă

M1, ...,Mm, ...,Mn

(

“ X. Se definirmosagora como uma distribuição de probabilidades conjunta dada por

pCpj1, ..., jm, ..., jn|M1, ...,Mm, ...,Mnq “ÿ

λk

ppλkqnź

i“1ppλk,ρqpji|Miq

teremos uma seção global para a distribuição dada acima em (2.17).

Para verificarmos, basta ver que se realizarmos as marginalizações adequada-mente e utilizando a equação 2.15 teremos

ÿ

jm`1

pCpj1, ..., jm, ..., jn|M1, ...,Mm, ...,Mnq “

“ÿ

λk

ppλkqnź

i“1,i‰m`1pÿ

jm`1

ppλk,ρqpjm`1|Mm`1qqppλk,ρqpji|Miq (2.18)

iterando agora esses passos de m` 2 até n obteremos

pCpj1, ..., jm|M1, ...,Mmq “ÿ

λk

ppλkqmź

i“1ppλk,ρqpji|Miq (2.19)

que são exatamente as expressões dadas em (2.17). Portanto, se uma dada distribuição deprobabilidades admite um modelo não-contextual, então suas distribuições de probabilidadetem uma seção global. E assim, finalizamos a demonstração do teorema.

Mais detalhes sobre este teorema pode ser encontrado no trabalho originalde Brandenburguer-Abramsky (ABRAMSKY; BRANDEBURGUER, 2011). Atribuímostambém este teorema ao Fine, haja visto que em 1982 no trabalho (FINE, 1982) eleoriginalmente demonstrou este teorema num cenário mais específico, que vamos discutirno próximo capítulo.

Capítulo 2. Contextualidade 38

Vejamos que o exemplo dado na Tabela 5, é uma distribuição de probabi-lidades que pertence ao conjunto das distribuições não-pertubadoras ND, haja vistoque a probabilidade de uma determinada saída ocorrer para qualquer medição será 1/2independentemente do contexto em que ela se insere.

No entanto, ela não pode ter uma seção global. Vejamos que as medições M1

e M2 têm saídas iguais para ambas as medições, assim como M2 e M3. Se admitirmosque existe uma seção global para tal distribuição, por transitividade, esperaríamos queM1 e M3 tivessem saídas iguais também, o que não ocorre. Por inspeção, poderíamostambém tentar construir uma seção global para as medições M1,M2 e M3 e chegaríamosnum absurdo ao tentar obter as probabilidades restritas a cada um dos contextos. PeloTeorema 2.1, não existe um modelo não-contextual que recupera suas estatísticas, apesarde pertencer ao conjunto ND.

Tabela 5 – Uma distribuição de probabilidades para o cenário do Exemplo 1.1(-1,-1) (-1,1) (1,-1) (1,1)

M1,M2(

1/2 0 0 1/2

M2,M3(

1/2 0 0 1/2

M3,M1(

0 1/2 1/2 0

2.1.1 Sobre o conjunto clássico

Vamos nos referir ao conjunto clássico C como o conjunto de distribuições deprobabilidades que podem ser obtidas via uma teoria de probabilidades clássica comodefinimos na Definição 1.11.

Pelo resultado do Teorema 1.1, todas as medições num dado cenário clás-sico são compatíveis entre si. Todas as medições em tal cenário podem ser vistas comocoarse grainings de alguma outra medição em comum. Em outras palavras, existe umrefinamento comum a todas elas.

A existência de um refinamento em comum, como foi definido na Definição 1.4,está associada à existência de uma distribuição de probabilidades conjunta para todasas medições em qualquer estado que a teoria permite. De certa forma, a tarefa pela qualse presta uma seção global está intrinsicamente associada à essa noção de refinamentocomum.

Teorema 2.2. Uma distribuição de probabilidades para um cenário pX,O, Cq tem seçãoglobal se, e só se, é clássica.

Demonstração. 1. Vamos assumir que uma dada distribuição de probabilidaes para ocenário pX,O, Cq admite uma seção global, ou seja, existe pX : OX

Ñ r0, 1s tal que a

Capítulo 2. Contextualidade 39

distribuição de probabilidades para cada contexto maximal C, pC é obtida via marginalizaçãosobre as saídas das medições complementares de C em X.

Vamos denotar por A aqui uma medição com |OX| saídas, tal que cada uma

delas está biunivocamente associada a uma saída conjunta a todas as medições X docenário. Seja Mi uma medição do cenário. Construímos a função fi, tal como definimos naDefinição 1.4, de forma que os elementos do domínio de fi, cuja imagem esteja associada àsaída j de Mi, são os elementos em |OX

| que contêm à saída j da medição Mi.

Desse modo, A é o refinamento comum das medições Mi do cenário. Ou seja,uma seção global gera naturalmente um refinamento comum para as medições e, portanto,se uma dada distribuição de probabilidades admite uma seção global então ela é consistentecom uma teoria de probabilidades clássica.

2. Se assumimos agora que uma dada distribuição de probabilidades é clássica,já assumimos que todas as medições do cenário são compatíveis e, portanto, existe umrefinamento comum A para todas as medições sobre todos os estados que possam serobtidos.

Seja X “

M1, ...,Mk

(

. Seja então dada uma distribuição de probabilidadesclássica com o seu respectivo refinamento comum A e suas funções f1, ..., fk como definimosna Definição 1.4.

A seguinte distribuição de probabilidades conjunta para X:

ppi1, ..., ik|M1, ...,Mkq “ ppf´11 pi1q X ...X f

´1k pikq|Aq (2.20)

é uma seção global para tal distribuição clássica. Um processo de marginalização aquirecupera naturalmente à distribuição de probabilidade clássica que tínhamos inicialmente.

Portanto, uma distribuição de probabilides tem seção global, se e só se, éclássica.

Vale a pena mencionar que a definição de compatibilidade, dada na Definição1.4, é uma definição associada a uma caracterização entre medições que podem(ou não) sercomensuráveis, admitindo(ou não) um refinamento comum sobre todos os estados que umadeterminada teoria é capaz de nos fornecer. Ou seja, uma propriedade associada a todas asdistribuições de probabilidades que o cenário é capaz de fornecer. Já o conceito de seçãoglobal, é um conceito mais restrito às propriedades de uma distribuição de probabilidadesde um dado cenário.

Vejamos uma propriedade importante do conjunto clássico C:

Propriedade 2.2. O conjunto clássico C forma um politopo.

Capítulo 2. Contextualidade 40

Demonstração. Pelo Teorema 2.2, o conjunto clássico de um cenário qualquer é aqueleque tem seção global. E uma distribuição de probabilidades que tem seção global formaum politopo.

No exemplo 2.1 qualquer seção global pode ser obtida por uma combinaçãoconvexa de 8 probabilidades determinísticas no R8. Tais combinações geram distribuiçõesde probabilidades para o cenário que também podem ser vistas como uma combinaçãoconvexa de 8 probabilidades desterminísticas pentencentes ao R12. Ou, seja, o conjunto dasprobabilidades que admitem seção global no cenário do Exemplo 1.1 formam um politopo.

Uma generalização natural se segue para um cenário qualquer, em que umconjunto conveniente de |OX

| probabilidades determinísticas geram os elementos extremaisdo politopo das distribuições de probabilidades que admitem seção global no R

ř

i |OCi |.

Conjuntamente, os Teoremas 2.1 e 2.2 nos dizem que uma distribuição deprobabilidades de um cenário qualquer ser clássica, ter seção global e admitir um modelonão-contextual são equivalentes. É nesse sentido que a hipótese de não-contextualiade temum papel importante para se investigar o problema da não-classicidade de alguma teoriaprobabilística. Em algum sentido, a não-contextualidade é um conceito que surge de ummodo natural para se investigar a não-classicidade de uma teoria.

O conjunto clássico C é um politopo e, por isso, pode ser caracterizado por umconjunto finito de dedigualdades lineares. Tais desigualdades lineares que caracterizamo conjunto clássico C são chamadas de desigualdades em não-contextualidade. Se umateoria permite uma distribuição de probabilidades que viola alguma desigualdade emnão-contextualidade dizemos que ela é contextual. E uma das principais estratégias parase investigar a contextualidade de uma teoria é buscar violações de tais desigualdades.

Como veremos a partir da próxima seção, a teoria quântica é uma teoriacontextual. Existe uma vasta literatura sobre maneiras de se demonstrar a contextualidadequântica, vamos explorar algumas dessas demonstrações ao longo desta dissertação.

2.1.2 Sobre o conjunto quântico

Analogamente como foi definido o conjunto clássico C, vamos definir o conjuntoquântico Q como o conjunto das distribuições de probabilidades que podem ser obtidasem algum cenário que a teoria quântica, que definimos na seção 1.3.2, é capaz de atribuir.

Dado um cenário que pode ser obtido via teoria quântica pX,O, Cq, ou seja,um cenário que está associado a um espaço de Hilbert H – Cd sobre qual podemosconstruir, convenientemente, projetores atrelados a todas as saídas do conjunto de mediçõesX “

M1, ...,Mn

(

respeitando adequadamente as relações de compatibilidade do cenário,

Capítulo 2. Contextualidade 41

as atribuições de probabilidades a cada um dos contextos maximais C “

M1, ...,Mk

(

serádada por

pCpj1, ..., jk|M1, ...,Mkq “ Trppkź

i“1Pijiqρq (2.21)

no qual ρ P DpHq e cada saída ji de uma medição Mi está associada ao projetor Pijital

queÿ

j

Pij “ I. (2.22)

Propriedade 2.3. O conjunto quântico Q está contido no conjunto de probabilidadesnão-pertubadoras ND.

Demonstração. Seja o cenário pX,O, Cq que pode ser obtido via teoria quântica. Sejam C 1

e C2 dois contextos maximais tais que

C 1 X C2 “

M1, ...,Mk

(

. (2.23)

Assim,

pC1pj1, ..., jk|M1, ...,Mkq “ÿ

jk`1

...ÿ

jl

Trppl

ź

i“1Pijiqρq (2.24)

em que C 1 “

M1, ...,Mk, ...,Ml

(

. Como todos os projetores na equação acima comutamentre si, pela linearidade do traço e distributividade do produto de matrizes, podemosreescrever a equação da seguinte forma

pC1pj1, ..., jk|M1, ...,Mkq “ Trpkź

i“1pÿ

jk`1

Ppk`1qjpk`1qq...p

ÿ

jl

PljlqPijiρq (2.25)

No entanto, pela Equação (2.22), os somatórios dos projetores são operadoresidentidade, assim

pC1pj1, ..., jk|M1, ...,Mkq “ Trpkź

i“1Pijiρq. (2.26)

Analogamente,

pC2pj1, ..., jk|M1, ...,Mkq “ Trpkź

i“1Pijiρq. (2.27)

Ou seja,

pC1pj1, ..., jk|M1, ...,Mkq “ pC2pj1, ..., jk|M1, ...,Mkq. (2.28)

E portanto, o conjunto quântico Q está contido no conjunto das distribuições de probabili-dades não-pertubadoras ND.

Capítulo 2. Contextualidade 42

Propriedade 2.4. O conjunto clássico C está contido no conjunto quântico Q.

Demonstração. Dado um cenário que é construído sob uma teoria quântica, basta cons-truirmos os projetores associados a cada saída de todas as medições simultaneamentediagonalizáveis. O cenário formará completamente um grande contexto maximal e asdistribuições de probabilidade terão seção global, sendo portanto clássicas.

Propriedade 2.5. O conjunto quântico Q é convexo.

Demonstração. Seja um cenário pX,O, Cq que pode ser obtido via teoria quântica. Sejamp1 e p2 duas distribuições de probabilidades que podem ser obtidas nesse cenário viateoria quântica. Ou seja, existe um espaço de Hilbert H sobre o qual podemos construir,convenientemente, projetores que podem estar associado às saídas das medições destecenário e existem ρ1, ρ2 P DpHq tais que

p1Cpj1, ..., jk|M1, ...,Mkq “ Trpp

i“1PM1

iji qρ1

q (2.29)

p2Cpj1, ..., jk|M1, ...,Mkq “ Trpp

i“1PM2

iji qρ2

q. (2.30)

Seja uma combinação convexa qualquer dessas duas distribuições de probabili-dades

αp1` βp2. (2.31)

Consideremos agora o espaço de Hilbert Hb C2 sobre o qual construímos osseguintes projetores

PMiji “ P

M1i

ji b |1yx1| ` PM2i

ji b |2yx2| (2.32)

em que

|1y, |2y(

forma uma base ortonormal para o C2. E consideremos o seguinteoperador densidade ρ P DpHb C2

q

ρ “ αρ1 b |1yx1| ` βρ2 b |2yx2|. (2.33)

Vejamos agora que

PMiijiρ “ αP

M1i

ji ρ1b |1yx1| ` βPM2

iji ρ2

b |2yx2|. (2.34)

Capítulo 2. Contextualidade 43

Assim,

ppj1, ..., jk|M1, ...,Mkq “ Trpkź

i“1pPMi

ijiqρq

“ Trpαpkź

i“1PM1

iji qρ1

b |1yx1| ` βpkź

i“1PM2

iji qρ2

b |2yx2|q

“ αTrpkź

i“1pP

M1i

ji qρ1b |1yx1|q ` βTrpp

i“1PM2

iji qρ2

b |2yx2|q

“ αTrppkź

i“1PM1

iji qρ1

q ` βTrppkź

i“1PM2

iji qρ2

q. (2.35)

Ou seja,

ppj1, ..., jk|M1, ...,Mkq “ αp1pj1, ..., jk|M1, ...,Mkq ` βp

2pj1, ..., jk|M1, ...,Mkq. (2.36)

E portanto, o conjunto quântico Q é convexo.

A geometria do conjunto quântico não é completamente compreendida, sendoassim um problema em aberto. No capítulo 4, vamos mostrar o que a teoria de grafos nosajuda nessa tentativa de compreender o conjunto quântico.

E sintetizando tudo o que foi discutido nessa seção 2.1, temos a Figura 7. Umdos maiores interesses a fim de se estudar o conjunto quântico está no fato de ele apresentardistribuições de probabilidade que estão além do conjunto clássico. Aqui, olhamos para ateoria quântica como “apenas” um caso particular de uma teoria de probabilidades dentrode uma GPT, no entanto, ela é uma teoria de probabilidades fisicamente realizável e, daí,um dos grandes interesses a fim de se entendê-la melhor.

Seja por uma questão de estudar fundamentos de teoria quântica tentandobuscar princípios que culminem com as suas distribuições ou seja por uma questão de autilizarmos como um recurso em várias aplicações, muito trabalho tem sido feito. A partirda próxima seção, vamos explorar diversos aspectos dessas “estranhezas” quânticas.

2.2 Teorema de Bell-Kochen-SpeckerVamos construir um cenário pX,O, Cq que pode ser obtido por um conjunto

de medições via teoria quântica. O espaço de Hilbert aqui será um espaço de dimensão 3,ou seja, H – C3. Queremos estudar como se comporta a hipótese de não-contextualidadepara as distribuições de probabilidades que são atribuídas neste cenário quântico.

Como vimos na seção anterior, uma dada distribuição de probabilidades admitirum modelo não-contextual é equivalente a ter uma seção global para todas as medições

Capítulo 2. Contextualidade 44

Figura 7 – Conjunto das distribuições de probabilidades de um cenário

O politopo vermelho representa o conjunto clássico C, já o conjunto quântico Q estárepesentado pelo conjunto convexo em azul escuro. Tais conjuntos estão contidos nopolitopo das distribuições de probalidades não-pertubadoras ND, que está representadoem azul claro.

do cenário, o que, por sua vez, é equivalente a dizer que a dada distribuição pode serrecuperada por uma teoria clássica.

Vamos nos preocupar aqui em atribuir probabilidades determinísticas a todasas saídas de todas as medições do cenário independentemente do contexto no qual ela seencontra. Será que sempre podemos atribuir probabilidades às saídas de todas as mediçõesnum cenário quântico dessa forma? Essa é a questão central desta seção.

Neste cenário que estamos construindo, todas as medições têm saídas dicotômi-cas, que podem tomar valores a 0 e 1. O projetor associado à saída 1 será um projetorunidimensional, enquanto o projetor associado a saída 0 será bidimensional. Dessa forma,podemos associar cada medição ao projetor unidimensional associado á saída 1. Tal projetorpode ser, biunivocamente, associado à sua imagem, que é o subespaço unidimensionalonde ele projeta, e que, também pode ser associado ao elemento que gera esse subespaço.

Assim, atribuir probabilidades às saídas de uma medição neste cenário estádiretamente associado a um problema de atribuir probabilidades aos subespaços vetoriaisdo C3. De modo geral, atribuir probablilidades a eventos que são governados pela teoriaquântica nada mais é do que atribuir probabilidades a subespaços vetoriais de um espaçode Hilbert, basta fazer uma releitura da regra de Born, que apresentamos na Definição1.17. Tal problema foi estudado por Gleason em (GLEASON, 1957).

Definição 2.5. Seja E um espaço vetorial e F o conjunto dos subespaços fechados emE. Uma medida clássica em F é uma função µ : FÑ R` tal que se

Ei(

é uma coleçãoenumerável de subespaços fechados de E mutuamente ortogonais que geram o subespaço

Capítulo 2. Contextualidade 45

EI , entãoµpEIq “

ÿ

i

µpEiq. (2.37)

Uma medida desse tipo é chamada medida de probabilidade se µ : FÑ r0, 1s, µp

0(

q “ 0 eµpEq “ 1.

Como definimos no Teorema 1.5, duas medições são compatíveis se os projetoresassociados às suas saídas comutam entre si. Assim, neste cenário que estamos construindo,duas medições serão compatíves se, e somente se, os projetores unidimensionais associadosà saída 1 dessas medições são ortogonais (ortogonalidade entre os projetores aqui entendidacomo uma ortogonalidade entre os subespaços onde eles projetam).

Assim, dadas as medições do cenário com os seus respectivos projetores associ-ados à saída 1 podemos construir o grafo de compatibilidade do cenário. Nesse grafo, osvértices são representados pelos projetores unidimensionais e dois vértices são adjacentesse, e só se, os projetores associados são ortogonais entre si.

Sejam M1,M2,M3 medições desse cenário tais que os respectivos projetoresassociados à saída 1, P1, P2, P3, sejam mutuamente ortogonais entre si. Então, o espaçogerado pelos subespaços associados à imagem de cada projetor gera o espaço de HilbertH – C3. Assim,

pp1|M1q ` pp1|M2q ` pp1|M3q “ µpHq “ 1. (2.38)

Como queremos atribuir probabilidades deterministicamente, ou seja, ppj|Miq P

0, 1(

, se tivermos um conjunto finito de probabilidades cuja soma seja 1, então uma, eapenas uma, dessas probabilidades deve ser igual a 1 e as outras iguais a 0.

Como H – C3, contextos maximais neste cenário terão no máximo 3 medições.Se tivermos um contexto com 3 medições uma delas necessariamente terá que assumir ovalor 1 e as outras duas o valor 0. E se uma medição assumir o valor 1 qualquer outracompatível terá que assumir o valor 0. Essas são as regras básicas que devemos assumirpara atribuir probabilidades deterministicamente às medições para o cenário que estamosconstruindo.

Vejamos um conjunto de medições que pode ser obtido através desse espaçode Hilbert H – C3 através do grafo de compatibilidade nas figuras que se seguem. Nessesgrafos, uma medição com a cor vermelha indica que a respectiva medição foi atribuída, comprobabilidade igual a 1, à saída 1. E uma medição com a cor azui indica que atribuímosa saída 0 a tal medição. Em sequência, as Figuras 8, 9, 10 e 11, nos representam umconjunto finito de medições que, associadas a projetores unidimensionais, não podem tersaídas atribuídas deterministicamente neste cenário quântico.

Capítulo 2. Contextualidade 46

Figura 8 – O conjunto KS-8

Vejamos que se o valor atribuído a M1 for 1 (vermelho), então o valor atribuído a M8deve ser 0 (azul). Basta ver que M2 e M3 devem ser 0 (azul), mas, no entanto, os doistriangulos devem ter um vértice vermelho tal que M4 e M5 não podem ser vermelhossimultaneamente. Isso implica que M6 ou M7 devem (pelo menos um deles) ser vermelho,e, consequentemente, M8 será azul. Vejamos aqui que as cores que atribuímos aos vérticesM4,M5,M6 e M7 é apenas uma das 3 colorações possíveis para os vértices.

Tal conjunto exibido na Figura 11 nos atesta a impossibilidade de um modeloontológico não-contextual com saídas determinísticas para a teoria quântica, e assim,provamos o seguinte teorema:

Teorema 2.3 (Bell-Kochen-Specker). A teoria quântica não pode ser compatível com umateoria de probabilidades que admite um modelo não-contextual.

Nessa demonstração uma das partes que deve ser feita com cuidado é verificar aexistência dos projetores unidimensionais respeitando todas as relações de compatibilidadeno grafo da Figura 11. Tais detalhes podem ser encontrados em (KOCHEN; SPECKER,1967) e (CABELLO, 1996), não nos preocuparemos aqui em exibir esses projetores.

O grafo de compatibilidade que exibimos na Figura 11 é uma releitura dademonstração original que foi feita em (KOCHEN; SPECKER, 1967). Independentemente,Bell em (BELL, 1966) também demonstra tal resultado. Daí o nome do teorema, Teoremade Bell-Kochen-Specker.

Vejamos que esta demonstração feita aqui em momento algum leva em contaestados que podem ser obtidos pelo sistema quântico em questão. Aqui, a incompatibilidadeda teoria quântica com um modelo não-contextual é evidenciada por uma demonstraçãoindependente de estados. Na próxima seção, vamos exibir mais alguns exemplos de provasindependentes de estado e que seguem essa mesma lógica de raciocínio.

Capítulo 2. Contextualidade 47

Figura 9 – O conjunto KS-10

Vejamos que se o valor atribuído a M1 for 1, então o valor atribuído a M8 deve ser 0 (comoconcluímos na figura anterior) e, portanto, o valor atribuído a M10 deve ser 1. Basta verque o vértice associado a M9 deve ser azul, o que implica que M10 deverá ser vermelho.

2.3 Outras demonstrações do Teorema de Bell-Kochen-SpeckerNesta seção, vamos exibir outras demonstrações que atestam a contextualidade

quântica via conjuntos de medições que podem ser obtidos via teoria quântica e que nãopodem ter uma atribuição determinística às suas saídas, seguindo a mesma lógica usadana demonstração original do Teorema de Bell-Kochen-Specker.

Existe uma importância em se estudar demonstrações mais simples que atestema contextualidade quântica. A demonstração original que do Teorema de Bell-Kochen-Specker da seção anterior exige um cenário composto por 117 medições. Essa quantidadede medições é muito alta quando se pensa numa verificação experimental utilizando essecenário.

De um lado, a busca por por demonstrações mais simples pode ser motivada poruma necessidade prática e, por outro lado, pode ser um caminho para se entender melhora estrutura matemática da contextualidade quântica. Que tipo de estrutura matemáticaum cenário quântico deve ter a fim de atestar contextualidade independente de estado?Esta é uma questão que ainda hoje é objeto de pesquisa.

Nessa seção vamos exibir apenas o quadrado de Peres-Mermin e um cenário quepode ser obtido num espaço de Hilbert de dimensão 8. Mais exemplos e mais detalhes podemser encontrados em (AMARAL; BARAVIERA; TERRA CUNHA, 2011), (AMARAL, 2014)

Capítulo 2. Contextualidade 48

Figura 10 – O conjunto KS-42

Vejamos que se o valor atribuído a M1 for 1, então o valor atribuído a M8 deve ser 0 e,portanto, o valor atribuído a M10 deve ser 1 (como concluímos nas figuras anteriores).Com um raciocínio análogo, os vértices M18,M26,M34 e M42 devem ser vermelhos. Nestafigura, os vértices em preto podem ter diferentes colorações.

e (AMARAL; TERRA CUNHA, 2018).

2.3.1 Algumas demonstrações multiplicativas

O cenário de Peres-Mermin, conhecido também como o quadrado de Peres-Mermin, consiste de um conjunto de 9 medições que podem ser construídas num espaço deHilbert H de dimensão 4. Na tabela que se segue exibimos esse conjunto de 9 operadoresauto-adjuntos que estão associados a cada uma dessas medições. Esse cenário foi exibidopela primeira vez nos trabalhos (PERES, 1990) e (MERMIN, 1990), o que justifica o seunome.

M11 “ σx b I M12 “ I b σx M12 “ σx b σxM21 “ I b σy M22 “ σy b I M23 “ σy b σyM31 “ σx b σy M32 “ σy b σx M33 “ σz b σz

Capítulo 2. Contextualidade 49

Figura 11 – O conjunto KS-117

Neste grafo de compatibilidade os vértices em verde são par a par adjacentes entre si, ouseja, um, e apenas um deles, deve ser colorido de vermelho e os outros dois coloridos deazuis. No entanto, se algum deles é vermelho, então o seu vizinho no sentido anti-horáriotambém deve ser, como concluímos pela figura anterior. Vejamos que isso implicaria queos três vértices teriam que ser vermelhos, o que é um absurdo!!!

As matrizes de Pauli apresentam propriedades bem interessantes que aquidesempenham um papel importante na construção do cenário. Primeiro, vejamos que assaídas de cada uma dessas medições podem tomar os valores 1 e ´1, basta ver que essessão os autovalores de cada um dos operadores. Cada linha ou coluna nesta tabela exibeum conjunto de 3 operadores que comutam entre si. O grafo de compatibilidade dessecenário é exibido na Figura 12 que se segue. Para visualizar a compatibilidade entre essesoperadores basta usar, basicamente, as seguintes propriedades das matrizes de Pauli

σ2i “ I, i “ 1, 2, 3. (2.39)

σiσj “ iεijkσk, se i ‰ j. (2.40)

Capítulo 2. Contextualidade 50

Figura 12 – Quadrado de Peres-Mermin

Os operadores Mi são tais que:

Mi1Mi2Mi3 “ I, i “ 1, 2, 3. (2.41)

M1jM2jM3j “ I, j “ 1, 2. (2.42)

M13M23M33 “ ´I. (2.43)

Assumindo para um conjunto de operadores auto-adjuntos que comutamA1, ..., An e que respeitam uma expressão da forma

A1 ˆ ...ˆ An “ B (2.44)

uma atribuição de valores determinística deve respeitar a condição

vpA1q ˆ ...ˆ vpAnq “ vpBq (2.45)

Então é impossível atribuir deterministicamente valores às saídas das medições do cenáriode Peres-Mermin respeitando a hipótese de não-contextualidade.

Vejamos que caso isso fosse possível,

1 “ź

i

ź

j

vpMijq “ź

j

ź

i

vpMijq “ ´1. (2.46)

Capítulo 2. Contextualidade 51

O que é um absurdo.

Um outro cenário que pode ser construído num espaço de Hilbert de dimensão8 e que também atesta a contextualidade quântica é exibido na Figura 13, que é umaestrela de 5 pontas. Neste cenário, os contextos maximais são exibidos em cada uma daslinhas da estrela. E todas as medições são dicotômicas, cujas saídas podem tomar valoresem 1 e ´1.

Figura 13 – Cenário de compatibilidade de um cenário que atesta a contextualidadequântica

Neste cenário, o produto dos operadores auto-adjuntos na linha horizontal é´I, enquanto o produto dos operadores auto-adjuntos de qualquer outro contexto é I.Assim, atribuir deterministicamente valores à cada uma das medições do cenário implicarianum absurdo de forma análoga ao quadrado de Peres-Mermin.

52

3 Localidade

Em 1935, Einstein, Podolski e Rosen, no famoso artigo (EINSTEIN; PO-DOLSKI; ROSEN, 1935), “Can quantum-mechanical description of physical reality beconsidered complete?” propuserem um experimento de pensamento no qual, segundo osautores, a teoria quântica não seria completa. Nesse artigo, eles definem o que seriamos “elementos de realidade” de uma teoria, e uma teoria satisfatória, segundo os autores,deveria apresentá-los como elementos fundamentais. Tal experimento de pensamento ficouconhecido como o paradoxo EPR, que por um bom tempo ficou sem uma explicaçãosatisfatória.

Apenas em 1964, Johh Bell no artigo (BELL, 1964) conseguiu propor, deuma maneira satisfatória, uma forma de testar a existência dos “elementos de realidadepropostos por EPR. A ideia do Bell basicamente consistia em construir um “completamento”de uma maneira análoga que definimos no capítulo 1.

A hipótese de localidade desenvolvidada por Bell se torna um caso particularmuito especial da hipótese de não-contextualidade que definimos no capítulo 1. Muitoespecial porque os contextos num cenário de Bell serão definidos por medições que podemser conjuntamente realizadas em partes espacialmente afastadas em um sistema físico.Em tal situação, uma noção explícita de não-comunicação entre as partes nos forneceinterpretações interesssantes para a mecânica quântica, além de consequências práticasbem especiais.

Na seção 3.1 vamos definir os cenários de Bell como uma classe especial decenários que definimos no capítulo 1. Em tais cenários, a condição de não-sinalização setorna um caso particular da condição de não-perturbação e a hipótese de localidade umcaso particular da hipótese de não-contextualidade. E, por fim, invocamos o cenário deBell mais simples possível a fim de exibir alguns resultados sobre os conjuntos clássico equântico. Para outras leituras sobre localidade indicamos (RABELO, 2010) e (BRUNNERet al., 2014).

3.1 Cenário de BellConsideremos um cenário que podemos obter em um sistema físico que é com-

posto por partes. Como um exemplo, consideremos um sistema de várias partículas quepodem ser compartilhadas entre duas pessoas, Alice e Bob. Algumas partículas serãoentregues à Alice, enquanto as restantes serão entregues ao Bob. Após esse comparti-lhamento, tanto a Alice quanto o Bob podem operar em cada um dos seus subsistemas,

Capítulo 3. Localidade 53

ou transformando o estado dessas partículas ou então, realizando medições sobre eles. AFigura 14 ilutra essa situação física.

Figura 14 – Cenário de Bell.

Esquema que ilustra um cenário de Bell composto por duas partes. Nesta figura represen-tamos a situação na qual um sistema físico S é compartilhado entre a Alice e o Bob. Apósesse compartilhamento, a Alice realiza a medição Ai obtendo a saída a enquanto o Bobrealiza a medição Bj obtendo a saída b.

Vamos supor que a Alice pode escolher realizar alguma medição pertencentea um conjunto acessível de medições

A1, A2, ..., Ak(

, cada uma delas com um conjuntofinito de saídas. E, analogamente, o Bob também pode escolher realizar alguma mediçãopertencente ao conjunto

B1, ..., Bl

(

, que também tem um conjunto finito de saídas.

Um contexto C aqui é formado por um par de medições C “

Ai, Bj

(

, ou seja,cada contexto é formado por um par de medições que podem ser, duas a duas, realizadasem partes distintas. Como um exemplo de um grafo de compatibilidade, vejamos a Figura15, que contém um cenário de 2 partes com 3 medições em cada uma delas. Vejamos quecada medição de uma parte é adjacente a todas as medições da outra parte. Em cenáriosde Bell, essa uma das características mais evidentes do grafo de compatibilidade.

E como um caso particular de uma distribuição de probabilidades atribuídasaos contextos maximais de um cenário, como definimos em 2.1 no início do capítulo 2,temos o seguinte conjunto de funções:

p Ai,Bj

( : OAi ˆOBj Ñ r0, 1s (3.1)

tal queÿ

pa,bqPOAiˆOBj

ppa, b|Ai, Bjq “ 1, @Ai, Bj. (3.2)

Uma generalização para cenários com mais partes e/ou mais medições segue deum modo natural. De forma que em um cenário com n partes, um contexto maximal será

Capítulo 3. Localidade 54

Figura 15 – Grafo de compatibilidade de um cenário de Bell composto por 2 partes e 3medições em cada parte

As medições em azul são as medições acessíveis a Alice, enquanto as medições em vermelhosão as medições que o Bob pode realizar no sistema. Qualquer medição em azul está ligadaa qualquer medição em vermelho.

formado por um conjunto de n medições tal que cada uma delas estará associada a umaparte do sistema. Um cenário de Bell denotado por pn,m, oq é um cenário com n partesno qual cada parte pode realizar m medições e cada medição tem um conjunto de saídas o.O grafo de compatibilidade do cenário p3, 3, 2q, por exemplo, está na Figura 16.

3.1.1 Condição de não-sinalização

Suponhamos que num cenário de Bell queremos calcular a probabilidade deuma determinada saída para alguma das medições da Alice. Para isso, devemos, viamarginalização, realizar o seguinte somatório:

ppa|Ai, Bjq “ÿ

b

ppa, b|Ai, Bjq. (3.3)

Vejamos pela equação acima que tal probabilidade pode depender da medição que o Bobescolheu realizar no seu subsistema.

No entanto, a Alice e o Bob podem ser afastados espacialmente tanto quanto sequeira. Assim, qualquer comunicação clássica entre a Alice e o Bob não pode ser realizadadentro de um intervalo de tempo t ă dc, em que d é a distância que os separa e c é avelocidade da luz. Caso contrário, estaríamos violando um dos princípios mais básicos darelatividade restrita.

A separação espacial entre a Alice e o Bob pode ser tal que as medições emcada uma das partes sejam realizadas em eventos do espaço-tempo de forma que o cone de

Capítulo 3. Localidade 55

Figura 16 – Grafo de compatibilidade de um cenário de Bell composto por 3 partes e 3medições em cada parte

As medições em azul são as medições acessíveis a Alice, enquanto as medições em vermelhosão as medições que o Bob pode realizar no sistema e as verdes são as medições do Charlie.Vejamos que medições associadas a cores distintas sempre serão adjacentes no grafo decompatibilidade e um contexto maximal será um conjunto da forma

Ai, Bj, Ck(

.

luz de um dos eventos não intersecta o outro evento. Assim, excluímos a possibilidade dealguma relação de causalidade direta entre esses eventos. A Figura 17 ilustra essa situaçãofísica.

Assim, as medições que a Alice e o Bob podem realizar em cada um dos seussubsistemas podem ser classificadas como comensuráveis. Ou seja, podemos imaginarque tais medições podem ser realizadas simultaneamente (em algum referencial) e quenão existe uma relação de causalidade entre a escolha das medições que cada parte poderealizar. Desse modo, tendo em mente essa noção da não comunicação entre as partes, acompatibilidade entre medições realizadas em partes espacialmente afastadas fica maisclara.

Em outras palavras, queremos que a probabilidade de uma saída para uma deter-minada medição da Alice não dependa da escolha da medição que o Bob instantaneamenterealiza em sua parte, ou seja

ppa|Ai, Bjq “ ppa|Ai, Bj1q “ ppa|Aiq, @a, b; i, j, j1. (3.4)

Capítulo 3. Localidade 56

Figura 17 – Nesta figura representamos a situação na qual dois eventos no espaço-tempoassociados a uma medição local da Alice Ai e a uma medição local do Bob Bj

estão em regiões espacialmente afastadas. Vejamos nesta figura que o conede luz do evento Bj não contem o evento Ai, ou seja, não pode existir umarelação de causalidade direta do evento Bj no evento Ai.

Analogamente, exigimos também que

ppb|Ai, Bjq “ ppb|Ai1 , Bjq “ ppb|Bjq, @a, b; i, i1, j. (3.5)

Tais condições, são as condições de não-sinalização. Vejamos que as condiçõesde não-sinalização se tornam um caso particular das condições de não-perturbação quedefinimos na Definição 2.2 no capítulo 2. No entanto, num cenário de Bell, a condição denão-perturbação nos fornece uma interpretação clara de não-comuniçação entre as partes,daí o nome de não-sinalização, já que uma comunicação clássica não pode ultrapassar avelocidade da luz.

Definição 3.1 (Distribuição de probabilidades não-sinalizadoras NS). Em um cenáriode Bell, definimos como uma distribuição de probabilidades não-sinalizadoras NS aquelasque respeitam a condição de não-perturbação ND do cenário.

Corolário 3.1. O conjunto NS é um politopo.

Como vimos no capítulo 2, a condição de não-perturbação não é suficiente paracaracterizar as distribuições de probabilidades consistentes com uma descrição clássica, nosentido em que o valor atribuído às probabilidades de uma medição independa do contextono qual ela se insere. Assim, é de se esperar que a condição de não-sinalização também nãoseja suficiente para caracterizar as distribuições de probabilidades clássicas. Em outras

Capítulo 3. Localidade 57

palavras, não queremos que a escolha de medições do Bob interfiram “instantaneamente”nas respostas que a Alice vai obter em seu subsistema, e, para isso, precisamos de maisrestrições.

3.1.2 Condição de localidade

Por uma questão de simplicidade, consideremos um cenário bipartido no qualuma parte estará associada a Alice e a outra ao Bob. Nesse cenário queremos compreendercomo caracterizar uma independência entre medições da Alice e do Bob. Aqui, a palavraindependência está associada a uma noção da não causalidade entre as saídas das mediçõesem cada parte.

Mas vejamos que a condição de não-sinalização que discutimos na seção anteriorjá descarta a possibilidade de uma causalidade direta entre a Alice e o Bob. Assim, apossibilidade restante de uma correlação entre as partes está associada a um possívelevento num passado comum a ambas as partes. Essa situação, é ilustrada na seguinteFigura 18.

Figura 18 – Dois eventos com um passado comum

Nesta figura representamos a situação na qual dois eventos no espaço-tempo associadosa uma medição local da Alice Ai e a uma medição local do Bob Bj estão em regiõesespacialmente afastadas, mas que podem estar correlacionadas devido a existência de umevento C num passado comum a ambos eventos Ai e Bj.

Nesse passado comum, podemos construir um “completamento”, como definimosna Definição 1.20, para as distribuições de probabilidades nesse cenário bipartido. Ou seja,“existia” um espaço Λ

Λ “

λ1, ..., λk(

(3.6)

Capítulo 3. Localidade 58

tal que para quaisquer saídas a, b de quaisquer medições Ai, Bj que podem ser realizadas,respectivamente, pela Alice ou pelo Bob, temos definidos os valores de

ppλk,ρ,

Ai,Bj

(

qpa|Aiq P

0, 1(

(3.7)

ppλk,ρ,

Ai,Bj

(

qpb|Bjq P

0, 1(

(3.8)

satisfazendo às equaçõesÿ

a

ppλk,ρ,

Ai,Bj

(

qpa|Aiq “ 1 (3.9)

ÿ

b

ppλk,ρ,

Ai,Bj

(

qpb|Bjq “ 1. (3.10)

Aqui, a hipótese de não-contextualidade nos gera as seguintes restrições paraesse “completamento”:

ppλk,ρ,

Ai,Bj

(

qpa|Aiq “ ppλk,ρ,

Ai,Bj1

(

qpa|Aiq “ ppλk,ρqpa|Aiq. (3.11)

ppλk,ρ,

Ai,Bj

(

qpb|Bjq “ ppλk,ρ,

Ai1 ,Bj

(

qpb|Bjq “ ppλk,ρqpb|Bjq. (3.12)

Assim, as distribuições de probabilidades para as medições da Alice e do Bobpodem ser escritas simplesmente como:

ppa, b|Ai, Bjq “ÿ

λkPΛppλkqp

pλk,ρqpa|Aiqppλk,ρqpb|Bjq. (3.13)

Se uma distribuição de probabilidades respeita a Equação (3.13), dizemos queela é local. Ou seja, a condição de localidade desenvolvida por Bell em (BELL, 1964) podeser vista como um caso particular da condição de não-contextualidade que definimos naseção 1.4. Uma generalização para um cenário com mais partes segue de um modo natural.

Definição 3.2 (Distribuições de probabilidades locais L). Em um cenário de Bell, oconjunto das distribuições de probabilidades locais L é o conjunto das distribuições deprobabilidades que admitem um modelo não-contextual.

Em um cenário de Bell, o conjunto Λ representa as variáveis que poderiam seras causas locais das medições da Alice e do Bob. Um conhecimento completo acerca doconjunto Λ seria capaz de prever quais as probabilidades podem ser obtidas para as saídasdas medições da Alice e do Bob. Essa seria uma única maneira de correlacionar as saídaspara as medições da Alice e do Bob de uma forma consistente com uma visão clássica decorrelação entre as partes.

Como corolário do Teorema de Brandeburguer-Abramsky 2.1,

Capítulo 3. Localidade 59

Corolário 3.2. Em um cenário de Bell, uma distribuição que pertence ao conjunto dasdistribuições de probabilidades não-sinalizadoras NS tem uma seção global se, e só se, elaé local L.

Haja visto que o conjunto das distribuições de probabilidade que admitemseção global são politopos,

Corolário 3.3. Em um cenário de Bell, o conjunto L é um politopo.

E, assim, pelo Teorema 2.2,

Corolário 3.4. Em um cenário de Bell, uma distribuição de probabilidades é local se e sóse é clássica.

3.1.3 Conjunto quântico

Dado um cenário de Bell, o conjunto quântico Q é o conjunto das probabilidadesque podem ser obtidas via teoria quântica. Para obter as probabilidades via teoria quântica,precisamos de um espaço de Hilbert H cujos projetores que vamos definir sobre ele tenham,convenientemente, as relações de compatibilidade que o cenário exige.

Num cenário de Bell, o espaço de Hilbert H será aquele que é obtido peloproduto tensorial dos espaços de Hilbert associados a cada parte. Ou seja, em um cenáriocom n partes, cujos espaços de Hilbert em cada parte sejam H1,H2, ...,Hn, o espaço deHilbert H do cenário será dado por

H “ H1 b H2 b ...b Hn. (3.14)

Uma justificativa para essa estrutura de produto tensorial pode ser vistaem (BARRET, 2007), onde ele recupera essa regra do produto tensorial para sistemasseparados explorando de uma forma especial duas hipóteses: o estado de um sistemapoder ser completamente especificado por um determinado subconjunto de medições eda convexidade do espaço de estados. Não vamos nos preocupar em aprofundar nesseresultado, vamos apenas assumi-lo como verdade daqui para a frente.

Quanto ao projetores associados às saídas das medições vale uma regra análoga.Os projetores associados à saídas conjuntas de medições realizadas em cada parte sãogerados pelo produto tensorial dos projetores associados às respectivas saídas de cadaparte. Ou seja,

ppa, b, ..., c|Ai, Bj, ..., Ckq “ TrppPa|Aib Pb|Bj

b ...b Pc|Ckqρq (3.15)

em que ρ P DpHa b ...b Hcq e Pm|Mié o projetor definido em Hm associado a saída m da

medição Mi.

Capítulo 3. Localidade 60

3.2 Cenário (2,2,2)O cenário de Bell mais simples no qual podemos encontrar, via teoria quântica,

probabilidades além das distribuições clássicas é o cenário p2, 2, 2q, que é o cenário bipartidocom duas medições dicotômicas em cada parte. A Figura 19 exibe o grafo de compatibilidadedeste cenário. Aqui, vamos considerar que o conjunto das saídas de todas as medições éO “

´ 1, 1(

.

Figura 19 – Grafo de compatibilidade do cenário p2, 2, 2q

Dado um par de medições Ai, Bj neste cenário bipartido, vamos definir o valoresperado desse par como

xAiBjy “ `1.pp´1,´1|Ai, Bjq ´ 1.pp´1, 1|Ai, Bjq ´ 1.pp1,´1|Ai, Bjq ` 1.pp1, 1|Ai, Bjq.

(3.16)

Assim, podemos definir

ICHSH “ xA1B1y ` xA1B2y ` xA2B1y ´ xA2B2y. (3.17)

O que queremos fazer aqui é estudar o valor de ICHSH . Vejamos que tal valordepende apenas do comportamento pelo qual as probabilidades conjuntas são obtidas viaalguma teoria probabilística. Ou seja, depende de como essa teoria probabilística atribuias probabilidades aos contextos do cenário. Como ICHSH se comporta se assumirmos queas probabilidades conjuntas são obtidas via teoria clássica? E via teoria quântica?

3.2.1 Desigualdade CHSH

Queremos estudar o comportamento do valor ICHSH quando as probabilidadessão calculadas via teoria clássica. Aqui, assumir a hipótese de realismo local, que foidesenvolvida por Bell, é equivalente a dizer que as probabilidades são obtidas via teoria deprobabilidades clássica, como definimos na seção 1.3.1. Numa teoria clássica, as distribuiçõesde probabilidades de um cenário tem seção global e vale a interpretação de que podemos

Capítulo 3. Localidade 61

atribuir deterministicamente valores às saídas das medições. Assim, nesse cenário, essatarefa de atribuir deterministicamente valores às medições na expressão ICHSH nos retorna

ICHSH “ vpA1qvpB1q ` vpA1qvpB2q ` vpA2qvpB1q ´ vpA2qvpB2q (3.18)

“ vpA1q`

vpB1q ` vpB2q˘

` vpA2q`

vpB1q ´ vpB2q˘

. (3.19)

No entanto, como os valores que cada uma das medições neste cenário é 1 ou ´1, teremosque

ICHSH “ ˘2. (3.20)

A tarefa de tomar uma média sobre as saídas nos retorna um valor que deve estarnecessariamente entre ´2 e 2. Portanto,

´2 ď ICHSH ď 2. (3.21)

Vejamos que a atribuição do valor da saída de uma medição independe docontexto no qual ela se encontra. A desigualdade (3.21) é uma das desigualdades de Bellmais conhecidas e que foi pela primeira vez exibida em (CLAUSER et al., 1969). Clauser,Horne, Shimony e Holt propuseram neste trabalho essa desigualdade como uma propostaexperimental para se verificar a hipótese de localidade. Num cenário bipartido com duasmedições dicotômicas, uma teoria que respeita a hipótese de localidade deve respeitar adesigualdade (3.21).

3.2.2 Teorema de Bell

Primeiramente, vejamos que podemos obter este cenário via teoria quântica.Como um espaço de Hilbert H para construir esse cenário podemos utilizar

H “ Ha b Hb – C2b C2

– C4. (3.22)

Aqui, os projetores das medições da Alice e do Bob são projetores dados emcada um dos seus respectivos espaços. Ou seja,

Pa|Ai“ P 1a|Ai

b I2ˆ2 (3.23)

em que P 1a|Aié um projetor em C2 e I2ˆ2 é o operador identidade em C2.

Analogamente, para o Bob temos

Pb|Bj“ I2ˆ2 b P

1b|Bj

. (3.24)

Como vimos em (1.19) medições projetivas podem ser biunivocamente associa-das a um operador auto-adjunto. Nesta seção, vamos associar cada medição a um respectivooperador auto-adjunto em C2. Mas, vejamos que o espaço dos operadores auto-adjuntos

Capítulo 3. Localidade 62

em C2 forma um espaço vetorial real com dimensão 4. Uma base para tal espaço podeser dada pelo conjunto de 4 matrizes: As matrizes de pauli σx, σy, σz - que definimos nocapítulo 1 - e a identidade.

Ou seja, qualquer operador auto-adjunto em C2 pode ser escrito como umacombinação linear dessas quatro matrizes. No entanto, aqui vai ser conveniente usarmosapenas combinações lineares com as matrizes de Pauli e como uma notação conveniente:

ÝÑa ¨ ÝÑσ “ axσx ` ayσy ` azσz (3.25)

em que ÝÑa “ pax, ay, azq P R3.

No caso em que ‖ ÝÑa ‖2“ 1, os autovalores de ÝÑa ¨ ÝÑσ serão 1 e ´1. Ou seja,impondo essa normalição do vetor ÝÑa P R3, reproduzimos medições num cenário quânticoque tem como saídas 1 e ´1.

Vamos considerar que o estado desse sistema bipartido seja um estado purodado por ρ “ |ψ´yxψ´|, sendo

|ψ´y “|01y ´ |10y

?2

(3.26)

onde

|0y, |1y(

é uma base ortonormal qualquer para o C2.

Então podemos calcular sobre esse estado o valor esperado para a realizaçãode um par de medições, um associado a Alice, A “ ÝÑa ¨ ÝÑσ , e o outro, associado ao Bob,B “

ÝÑb ¨ ÝÑσ . Assim,

xABy “ TrppÝÑa ¨ ÝÑσ bÝÑb ¨ ÝÑσ qρq (3.27)

“ xψ´|ÝÑa ¨ ÝÑσ bÝÑb ¨ ÝÑσ |ψ´y (3.28)

“ ´ÝÑa ¨ÝÑb . (3.29)

Vejamos agora que se as medições que a Alice pode implementar em sua parteestiverem associadas aos operadores:

A1 “ σx (3.30)

A2 “ σz (3.31)

E as medições do Bob:

B1 “ ´1?

2`

σx ` σz˘

(3.32)

B2 “ ´1?

2`

σx ´ σz˘

(3.33)

Capítulo 3. Localidade 63

Então os seguintes valores esperados serão:

xA1B1y “1?

2(3.34)

xA1B2y “1?

2(3.35)

xA2B1y “1?

2(3.36)

xA2B2y “ ´1?

2(3.37)

E portanto,

ICHSH “ xA1B1y ` xA1B2y ` xA2B1y ´ xA2B2y “ 2?

2. (3.38)

Concluímos assim que a teoria quântica não pode ser compatível com ummodelo realista e local, haja visto que teorias locais devem respeitar a desigualdade (3.21).O que fizemos aqui não foi nada além de construir um cenário via teoria quântica queviola a desigualdade CHSH.

Este é um exemplo de uma demonstração dependente de estado que verificaa contextualidade quântica, haja visto que o resultado encontrado na equação acimanos atesta que não podemos atribuir probabilidades às saídas de medições num cenárioquântico de forma independente do contexto no qual ela se insere.

Para testar a não classicidade da teoria quântica aqui, precisamos que umdado estado compartilhado entre a Alice e o Bob tenha algumas propriedades. O estado|ψ´y, por exemplo, é um estado emaranhado. Estados emaranhados podem apresentardistribuições de probabilidades que não podem ser descritas por uma teoria clássica. Daí ogrande interesse quanto à aplicabilidade da teoria quântica como um recurso que apresentapropriedades que uma teoria clássica não é capaz de apresentar, como exemplos podemoscitar a teleportação quântica e a criptografia quântica.

Foge do escopo desta dissertação nos aprofundarmos sobre o emaranhamento.Mais detalhes podem ser encontrados em (DAS et al., 2017) e (HORODECKI et al., 2009),que são artigos de revisão sobre o assunto.

3.2.3 Cota de Tsirelson

Vamos estudar nesta subseção qual o máximo valor pode ser obtido por |ICHSH |dentro de um cenário quântico. Vamos supor que o espaço de Hilbert aqui será descrito

Capítulo 3. Localidade 64

por H – Ha b Hb. Assim, dados os 4 operadores auto-adjuntos associados às medições daAlice e do Bob, construímos o seguinte operador

B “ A1 bB1 ` A1 bB2 ` A1 bB1 ´ A2 bB2. (3.39)

Vejamos que, pela linearidade do traço,

ICHSH “ TrpBρq. (3.40)

O máximo valor que vai ser encontrado em um cenário quântico será obtidosobre algum estado puro, haja visto que o espaço de estados é convexo e o traço é linear.Daí,

ICHSH “ TrpB|ψyxψ|q (3.41)

“ xψ|B|ψy. (3.42)

Maximizar |ICHSH | num cenário quântico vai estar associado a maximizar aexpressão acima sobre todos os estados puros |ψy possíveis. Mas vejamos que B é umoperador auto-adjunto, de forma que seus autovetores formam uma base para o H, ou seja,qualquer estado pode ser escrito como combinação linear desses autovetores. E assim, amaximização será obtida sobre um estado que é o autovetor associado ao maior autovalorem módulo do operador B. Portanto, o problema de maximizar |ICHSH | num cenárioquântico nos leva a um problema de estudar o espectro de autovalores do operador B.

Vejamos agora que

B2“ 4I ´ rA1, A2s b rB1, B2s (3.43)

para se concluir isso basta ver que o quadrado dos operadores Ai, Bj geram operadoresidentidade, haja visto que todos eles são diagonalizáveis e têm como autovalores 1 e ´1.Daí, ao se calcular o quadrado do operador B alguns termos se cancelam e chegamos naexpressão acima. Vejamos que no caso particular em que algum dos operadores acimacomutam, B2

“ 4I, e voltamos exatamente na situação na qual o valor atribuído a ICHSHrespeita a desigualdade de CHSH.

No espaço de operadores autoadjuntos que atuam em Cd, o maior autovalorem módulo define uma norma:

O “ max|ψy2“1

O|ψy2 (3.44)

em que ¨2 é a norma euclidiana em Cd. Assim,

rA1, A2s b rB1, B2s “ rA1, A2s rB1, B2s . (3.45)

Capítulo 3. Localidade 65

Pela desigualdade triangular e pela definição de norma,

rA1, A2s ď A1A2 ` A2A1 (3.46)

ď A1 ` A2 . (3.47)

Ou seja,

rA1, A2s b rB1, B2s ď`

A1 ` A2˘`

B1 ` B2˘

(3.48)

ď 4. (3.49)

Isso implica em›

›B2›› ď 4` 4 “ 8. (3.50)

Portanto,B ď 2

?2. (3.51)

Isso significa que a máxima violação em ICHSH que pode ser obtida com teoria quânticaé exatamente 2

?2. Este resultado foi pela exibido pela primeira vez em (TSIRELSON,

1980) por Boris Tsirelson e, assim, resolveu o problema sobre a máxima violação quânticapara a desigualdade CHSH, haja visto que essa cota superior já tinha sido obtida, comomostramos na subseção anterior em (3.38).

Para um cenário de Bell genérico, a Figura 20 representa os conjuntos dedistribuições de probabilidades que podem ser obtidos via teoria clássica, quântica e querespeitam o princípio de não-sinalização. O conjunto clássico C, ou local L, é um politopoque está contido no conjunto quântico Q que é convexo e que, por sua vez, está contido noconjunto de distribuições de probabilidades que respeitam a condição de não-sinalizaçãoNS.

Figura 20 – Conjuntos de distribuições de probabilidades num cenário de Bell

66

4 Grafos e Contextualidade

Neste capítulo apresentamos a abordagem via teoria de grafos para a con-textualidade. Os conjuntos de distribuções de probabilidades clássicas C e quânticas Qpodem ser descritos usando conjuntos convexos de teoria de grafos. Tal abordagem foidesenvolvida nas referências (CABELO; SEVERINI; WINTER, 2010) e (CABELLO;SEVERINI; WINTER, 2014) e, após esses trabalhos, explorada nas referências (ACINet al., 2015), (RABELO et al., 2014), (AMARAL; TERRA CUNHA, 2017), (AMARAL,2014) e (AMARAL; TERRA CUNHA, 2018).

Na seção 4.1 definimos o grafo de exclusividade de um cenário, o grafo quecontém informações relevantes sobre o cenário e que é explorado dentro dessa abordagem.Definido o grafo de exclusividade de um cenário, na seção 4.2 apresentamos os conjuntosque são invariantes de grafos e que cumprem o papel de atribuir números aos vérticesdo grafo de exclusividade. Tais números são as proabilidades que podem ser recuperadasdependendo do tipo de teoria probabilística que fornece tais probabilidades.

Na seção 4.3, exploramos alguns aspectos geométricos associados aos conjuntosclássico e quântico enunciando o teorema do grafo perfeito, que é um teorema centralpara entender aspectos geométricos centrais associados aos conjuntos clássico e quântico.Por fim, na seção 4.4 apresentamos a abordagem de grafos coloridos, um refinamento daabordagem CSW para cenários de Bell.

4.1 Grafo de ExclusividadeDado um cenário pX,O, Cq nossa tarefa é atribuir a cada um dos contextos

maximais probabilidades às saídas de todas as suas medições, e a partir daí, estudar asdistribuições de probabilidades que alguma teoria é capaz de fornecer, seja ela clássica,quântica ou de qualquer outra natureza.

Dado um contexto maximal C “

M1, ...,Mk

(

, uma realização conjunta dessasmedições pode retornar uma saída j1, ..., jk|M1, ...,Mk. A realização de tais saídas quandoaquelas medições são conjuntamente executadas nos define um evento, que denotamos por

j1, ..., jk|M1, ...,Mk. (4.1)

Definição 4.1 (Eventos exclusivos). Dados dois eventos

j1, ..., jk|M1, ...,Mk

j11, ..., j1k1 |M

11, ...,M

1k1

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 67

dizemos que eles são exclusivos se ambos incluem uma mesma medição Mi com saídasdistintas em cada um deles, ou seja, ji ‰ j1i.

Definição 4.2 (Grafo de Exclusividade de um cenário). Um grafo de exclusividadeG “ pV,Eq é um conjunto de vértices V e arestas E, nos quais os vértices estão associadosa eventos de um dado cenário. Dois vértices serão adjacentes no grafo de exclusividade see só se os eventos associados são exclusivos.

Vejamos alguns exemplos:

Exemplo 4.1. O exemplo 1.1 exibe um cenário cujo grafo de exclusividade exibimos abaixo.Neste cenário, cujo hiper-grafo de compatibilidade também exibimos novamente abaixo,temos 3 contextos maximais, cada um deles contendo 2 medições e cada medição contendo2 saídas, ou seja, temos 12 eventos possíveis e, sendo assim, o grafo de exclusividade seráum grafo com 12 vértices.

Figura 21 – Hipergrafo de compatibilidade do cenário do exemplo 1.1.

Exemplo 4.2. O cenário p2, 2, 2q, que exibimos no capítulo 3, é um cenário que contém4 contextos, cada contexto contém 2 medições e cada medição contém 2 saídas, ou seja,este cenário contém 16 eventos. Nas figuras que se seguem, exibimos tanto o grafo decompatibilidade quanto o grafo de exclusividade desse cenário.

Exemplo 4.3. Neste exemplo, exibimos um cenário bem particular que pode ser obtido viateoria quântica. Tal cenário recebe o nome de cenário KCBS, em homenagem a Klyachko,Can, Biniciolu e Shumonsky que o introduziram na referência (KLYACHKO et al., 2008).

Vejamos que o grafo de exclusividade de um cenário carrega algumas informaçõesimportantes sobre o cenário. E nessa tarefa de atribuir probabilidades, como veremos emmais detalhes no decorrer deste capítulo, o grafo de exclusividade se apresenta como umaestrutura promissora.

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 68

Figura 22 – Grafo de exclusividade do cenário 1.1. Neste cenário todas as medições sãodicotômicas, representamos aqui cada uma das saídas por + e -. Nesse grafo,as retas e as elipses representam arestas, de forma que se dois vértices es-tão contidos numa mesma reta ou elipse, eles são adjacentes. Escolhemosrepresentar as relações de adjacência dessa forma por conveniência.

Figura 23 – Grafo de compatibilidade do cenário p2, 2, 2q.

Suponhamos, por exemplo, que dado um cenário qualquer queremos estudaras distribuições de probabilidades que são atribuídas pela teoria clássica. De que formatraduzimos as regras de atribuição clássica de probabilidades a cada vértice do grafo deexclusividade? Em outras palavras, como o conjunto clássico C está associado ao grafo deexclusividade de um cenário? E o conjunto quântico Q? Nesse sentido, o que a abordagemvia teoria de grafos nos fornece de interessante?

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 69

Figura 24 – Grafo de exclusividade do cenário p2, 2, 2q. As saídas de cada medição nestecenário podem tomar os valores 1 e ´1, que estão associados a ` e ´,respectivamente. Neste grafo, as retas (horizontais e verticais) e os círculosrepresentam arestas, de forma que dois vértices são adjacentes no grafo sepertencem a uma mesma reta ou círculo.

Figura 25 – Grafo de compatibilidade do cenário KCBS.

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 70

Figura 26 – Grafo de exclusividade do cenário KCBS. Todas as saídas das mediçõessão dicotômicas e são indicadas por ` e ´. As relações de adjacência nografo seguem a mesma lógica das figuras anteriores, ou seja, dois vértices sãoadjacentes se pertencem a uma mesma reta ou elipse.

4.2 Os invariantes de grafosDado um grafo qualquer, podemos definir alguns conjuntos que são invariantes

de grafos e que serão responsáveis por atribuir números reais a cada um dos seus vértices.Cada um desses conjuntos que vamos construir retornarão probabilidades que estãoassociadas à natureza da teoria que as reproduzem. Veremos que o conjunto estável de umgrafo está relacionado às probabilidades obtidas via teoria clássica, enquanto o conjuntoquântico estará intimamente ligado ao Grötschel-Lovász-Schrijver theta-body do grafo deexclusividade.

Tal abordagem que vamos discutir nessa seção foi originalmente apresentadapelos autores Cabello, Severini e Winter nos trabalhos (CABELO; SEVERINI; WINTER,2010) e (CABELLO; SEVERINI; WINTER, 2014), daí o nome abordagem CSW. Para umareferência com mais detalhes sobre esses conjuntos indicamos (KNUTH, 1994). Antes dedefinir esses conjuntos, precisamos fixar uma notação além de algumas definições auxiliares.

Dado o cenário pX,O, Cq, construímos o grafo de exclusividade G “ pV,Eq comodefinimos na seção anterior, e, para tal grafo, construímos um vetor x P R|V |, de formaque cada v P V está associado a uma entrada xv desse vetor. Vejamos que |V | “

ÿ

i

|OCi |.

Definição 4.3 (Subgrafo induzido). Dizemos que um grafo G é um subgrafo induzido de

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 71

G se seus vértices formam um subconjunto dos vértices de G e dois vértices em G serãoadjacentes se, e só se, eles são adjacentes em G. Denotamos G Ď G.

Em outras palavras, dizemos que um grafo G Ď G quando o grafo G é obtidopor um subconjunto de vértices de G herdando as arestas deste.

4.2.1 O conjunto estável STAB(G)

Definição 4.4 (Subconjunto de vértices independente ou estável). Um subconjunto S Ď V

é dito independente ou estável se não existem dois vértices em S que são adjacentes emG. Dizemos que um subconjunto de vértices estável é maximal se nenhum outro o contempropriamente.

Aqui, uma noção de independência entre dois eventos de um cenário estáassociada a uma não-adjacência dos respectivos vértices no grafo de exclusividade. Doiseventos são independentes se, e só se, não contêm uma mesma medição em comum ou, secontém alguma medição medição em comum, as saídas associadas são distintas em cadaevento.

Definição 4.5 (Vetor independente). Cada subconjunto de vértices independente S geraum vetor x P R|V | tal que cada entrada xv desse vetor é dado por:

xv “

#

1, se v P S0, se v R S

(4.2)

Tal vetor será dito independente.

E assim, podemos finalmente definir o conjunto estável de um grafo:

Definição 4.6 (Conjunto estável). Definimos como o conjunto estável de um grafo G

como:

STAB(G) = fecho convexo

x | x é um vetor independente(

.

O conjunto estável de um subgrafo induzido G Ď G do grafo de exclusividadeG de um cenário , STAB(G), está diretamente associado às distribuições de probabilidadesclássica C do respectivo subconjunto de eventos de tal cenário.

Teorema 4.1 (Cabello, Severini, Winter - 2010). Dado um cenário, o conjunto dasdistribuições de probabilidades clássicas C que são atribuídas a um subconjunto de eventosdesse cenário é exatamente o STAB(G) gerado pelo subgrafo induzido G Ă G do grafo deexclusividade deste cenário.

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 72

Demonstração. O conjunto das distribuições de probabilidades clássicas C é aquele queadmite seção global. O conjunto das distribuições de probabilidades que admitem seçãoglobal é o conjunto obtido pelo fecho convexo das distribuições determinísticas (distribuiçõesque atribuem probabilidades iguais a 0 e 1 a todas as saídas de todas as medições docenário conjuntamente). Cada distribuição determinítica atribui probabilidades iguais a1 e 0 aos vértices do grafo de forma que quaisquer dois vértices adjacentes não vão seriguais a 1 conjuntamente, ou seja, cada atribuição determinística atribui probabilidadesiguais a 1 a um subconjto de vértices independente. Tomando o fecho convexo dasdistribuições de probabilidades determinísticas, o que recupera o conjunto clássico C,encontramos um conjunto de distribuições de probabilidades que pertence ao STAB(G), ouseja, C Ď STABpGq. Podemos ver que cada vetor estável está associado a uma distribuiçãodeterminística e, com um raciocínio análogo, STABpGq Ď C. Portanto, STABpGq “ C.

Definição 4.7 (Número de independência αpG,wq).

αpG,wq “ max

w ¨ x|x P STABpGq(

.

No qual w é um vetor real com |V | entradas e que atribui um número não-negativo a cada uma de suas entradas. Vejamos que o STAB(G) é um conjunto compactoe o produto interno acima pode ser visto como uma aplicação contínua, de forma que omáximo na expressão acima está bem definido.

E quando todas as entradas desse peso w são iguais a 1, denotamos o númerode independência simplesmente por αpGq, que pode ser, equivalentemente, definido por:

Definição 4.8 (Número de independência αpGq). Definimos como o número de inde-pendência αpGq de um grafo como a cardinalidade do maior subconjunto de vérticesindependente.

Tal equivalência se torna natural se observamos que o conjunto STAB(G) éum politopo e, por isso, o máximo que está na definição do número de independênciavai ser obtido quanto o vetor de probabilidades estiver em um dos seus vértices. Nessecaso o máximo é obtido somando-se 1 uma quantidade de vezes associada à cardinalidademáxima de algum subconjunto independente. E como resultado direto do teorema acima:

ÿ

i

piCď αpGq (4.3)

em que i indica um subconjunto de eventos do cenário e que geram o subgragrafo induzidoG do cenário e o superescrito C indica que as probabilidades pertencem ao conjunto clássicoC.

4.2.2 O Grötschel-Lovász-Schrijver theta-body TH(G)

Antes de definir o TH(G) de um grafo precisamos de algumas outras definições.

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 73

Definição 4.9 (Representação Ortogonal de um grafo G). Uma atribuição de vetores|avy P Rd - sendo d finito - para cada vértice v P V é chamada de representação ortogonalde um grafo G se xau|avy “ 0 sempre que u ‰ v.

Definição 4.10 (Custo de um vetor). Fixada uma representação ortogonal de um grafoG, o custo cpavq de um vetor |avy é definido por

cpavq “ |xψ|avy|2 (4.4)

em que |ψy “ p1, 0, ..., 0q é um vetor em R|V | com a primeira entrada igual a 1 e as outrasiguais a 0 e |avy é o respectivo vetor associado à representação ortogonal do grafo.

Definição 4.11 (TH(G)). Definimos o theta-body TH(G) de um grafo G como

THpGq “

x P R|V pGq||xv “ cpavq(

em que cpavq é o custo associado à uma representação ortogonal do grafo G, o grafocomplementar de G.

Vejamos aqui, que a representação ortogonal ortogonal do grafo G associaum conjunto de vetores |avy tais que xai|ajy “ 0 sempre que os vértices i e j foremadjacentes em G. Vejamos também que, caso i e j não sejam adjecentes uma relação entrea ortogonalidade dos respectivos vetores na representação ortogonal do grafo complementarpode ser qualquer.

Teorema 4.2 (Cabello-Severini-Winter, 2010). Dado um cenário, o conjunto de distribui-ções de probabilidades obtidas via teoria quântica Q que são atribuídas a um subconjuntode eventos deste cenário é exatamente o TH(G) gerado pelo subgrafo induzido G Ă G dografo de exclusividade G deste cenário.

Demonstração. Vejamos que o conjunto quântico Q é um conjunto convexo, isso significaque conhecer as distribuições de probabilidades nos pontos extremais é suficiente paraconhecer todas as possíveis distribuições de probabilidades. No entanto, tais probabilidadessão obtidas por estados puros, ou seja, para algum ρ “ |ψyxψ|. Podemos escolher representaresse estado numa base que o diagonaliza, daí, |ψy “ p1, 0, ..., 0q. As medições projetivasque podem ser realizadas sobre tal estado nesse cenário são tais que as respectivas imagensdos seus projetores podem ser associadas a uma base com vetores que vão ser formar umarepresentação ortogonal do grafo de exclusividade. Sendo assim, as probabilidades quepodem ser obtidas nesse conjunto quântico Q, recuperam, de uma forma construtiva, umarepresentação ortogonal para o grafo de exclusividade e, assim, Q Ă THpGq. Com umraciocínio análogo, dado um vetor que pertence ao THpGq, os vetores que estão associadosà representação ortogonal do grafo podem ser associados à construção de projetores queestão associados a medições projetivas em um estado quântico cujas probabilidades são

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 74

exatamente aquelas do vetor pertencente ao THpGq, sendo assim, THpGq Ă Q. Portanto,Q “ THpGq.

Definido o conjunto THpGq, que é um conjunto de vetores limitado no R|V |,podemos definir o número de Lovasz do grafo G:

Definição 4.12 (Número de Lovasz ϑpG,wq).

ϑpG,wq “ sup

w ¨ x|x P THpGq(

.

como definimos o número de independência na subseção anterior, w P R|V | éum vetor com entradas não negativas. No caso em que todas as entradas desse vetor w sãoiguais a 1, simplesmente denotamos ϑpGq. E como um resultado direto do teorema acima:

ÿ

i

piQď ϑpGq (4.5)

em que i indica um subconjunto de eventos do cenário associado ao subgrafo induzido G eo superescrito Q indica que as probabilidades estão no conjunto quântico Q.

Enquanto o número de independência é um limitante para o conjunto clássico,na teoria quântica quem desempenha esse papel é o número de Lovasz. Dessa forma, onúmero de Lovasz se apresenta como uma perspectiva para se entender as estatísticasquânticas. Seria o número de Lovasz uma das pedras fundamentais para se entender ateoria quântica? Na próxima subseção, vamos apresentar o princípio da exclusividade quetambém tem se apresentado como um possível caminho para se explorar essas questõesdentro da teoria quântica.

Haja visto que teoria de grafos já apresenta alguns avanços consideráveis comrelação a alguns problemas, transcrever problemas de contextualidade para teoria de grafospode se apresentar como uma alternativa promissora. Um dos ganhos, por exemplo, que essaabordagem nos fornece é que o número de Lovasz pode ser eficientemente computado viaprogramação semi-definida. A referência (KNUTH, 1994) - que já indicamos como um textopara se estudar com mais detahes os conjuntos STAB(G), o TH(G), QSTAB(G),dentreoutros assuntos dentro de teoria de grafos - apresenta 5 definições alternativas para onúmero de Lovasz e 2 delas podem ser eficientemente implementadas via programaçãosemi-definida.

4.2.3 O conjunto QSTAB(G)

Definição 4.13 (Clique). Um subconjunto Q Ď V é chamado de um clique se todos osseus elementos são mutuamente adjacentes. Dizemos que um clique é maximal quandonenhum outro clique o contém propriamente.

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 75

Definição 4.14 (QSTAB(G)). Definimos o QSTAB(G) de um grafo G por

QSTABpGq “

x P R|V pGq|` |ÿ

vPQ

xv ď 1 para todos os cliques Q de G(

.

Definição 4.15 (Princípio de exclusividade). Dizemos que uma distribuição de probabili-dades para um cenário respeita o princípio de exclusividade se qualquer subconjunto deeventos mutuamente exclusivos

i(

respeita a seguinte restriçãoÿ

i

pi ď 1. (4.6)

Vamos denotar o conjunto das distribuições de probabilidades que respeitam oprincípio de exclusividade por conjunto E . Vejamos que o conjunto E é um politopo, hajavisto que um conjunto finito de desigualdades lineares é capaz de caracterizar tal conjunto.

Teorema 4.3. O conjunto EpGq é exatamente o QSTAB(G).

Demonstração. Por definição, dois vértices num grafo de exclusividade são adjacentes se,e só se, eles são exclusivos. Assim, se um vetor de probabilidades respeita o princípio deexclusividade, a soma associada às probabilidades dos vértices que pertencem a um cliqueserá menor do que 1 e, dessa forma vão pertencer ao QSTABpGq. E se um vetor pertence aoQSTABpGq, com um raciocínio análogo, ele vai respeitar o pricípio de exclusividade.

Definição 4.16 (Número de empacotamento fracionário).

α˚pG,wq “ max

w ¨ x|x P QSTABpGq(

.

Haja visto que o QSTABpGq é um politopo, o máximo na expressão acimaserá obtido em algum de seus vértices. No caso em que o vetor w tem todas entradasiguais a 1, denotamos o número de empacotamento fracionário simplesmente como α˚pGq.

Teorema 4.4. O conjunto quântico Q respeita o princípio de exclusividade.

Demonstração. Em teoria quântica eventos vão estar associados a projetores. Um subcon-junto i de eventos de um cenário que são mutuamente exclusivos serão associados a umconjunto de projetores Pi que são mutuamente ortogonais e que

ÿ

i

Pi ď I (4.7)

e portanto,ÿ

i

pi “ÿ

i

TrpPiρq ď Trpρq ď 1. (4.8)

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 76

4.3 Aspectos geométricos do STAB(G), TH(G) e QSTAB(G)Vejamos que vale a seguinte relação de continência entre esses conjuntos:

Propriedade 4.1. STABpGq Ď THpGq Ď QSTABpGq.

Já sabemos que o STAB(G) e o QSTAB(G) são politopos enquanto o TH(G),que é um conjunto “sanduichado” entre eles, é um conjunto convexo que até então não temuma geometria completamente compreendida. Essa abordagem via teoria de grafos vemse apresentando como uma alternativa para se estudar o conjunto quântico. Nessa seçãoqueremos dissertar sobre alguns avanços com relação à abordagem da teoria de grafosdentro desse palco de teorias de probabilidades generalizadas.

Como uma consequência direta da propriedade acima:

Corolário 4.1. αpG,wq ď ϑpG,wq ď α˚pG,wq.

E como uma outra maneira de reescrever os teoremas atribuídos a Cabello,Severini e Winter nas seções anteriores:

Teorema 4.5 (Cabelo,Severini,Winter).ÿ

i

wippiqCď αpG,wq

Qď ϑpG,wq

Eď α˚pG,wq (4.9)

onde i é subconjunto de eventos que percorre os vértices de G e os números αpG,wq, ϑpG,wqe α˚pG,wq são calculados para o subgrafo induzido G Ď G.

Vejamos agora que as funções αpG.wq, ϑpG,wq e α˚pG,wq são lineares comrelação à entrada w. Isso significa que a menos de “direção”, temos um conjuto bem definidode desigualdades lineares que caracterizam completamente os conjuntos STAB(G), TH(G)e QSTAB(G), basta ver que varrendo todo o espectro de direções possíveis caracterizamoscompletamente tais conjuntos no espaço das probabilidades. Não podemos esquecer aquitambém que tanto o vetor de probabilidades quanto o vetor w tem todas as entradasnão-negativas.

Cada peso w define uma direção no espaço de probabilidades de forma quecada desigualdade na expressão 4.9 define um subespaço no espaço de probabilidadeslimitado por um hiperplano. No caso em que esse espaço de probabilidades é o R3, umarepresentação ilustrativa se encontra na figura 27 que se segue.

Como o STAB(G) é um politopo nos basta aqui um conjunto finito de desigual-dades lineares para caracterizar tal conjunto. Já o TH(G), em geral, não é um politoponão bastanto apenas de um conjunto finito de desigualdades lineares para caracterizar talconjunto. No entanto, em vários casos o TH(G) pode coincidir com o STAB(G). Em tal

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 77

Figura 27 – Planos que representam superfícies de nível de uma função que é linear emw. Cada plano separa o espaço de probabilidades em duas regiões, uma querespeita, convenientemente, a desigualdade que desejamos, enquanto a outranão.

situação, o conjunto de probabilidades clássica C é exatamente o conjuto de probabilidadesquântico Q. Ou seja, em um cenário que apresenta tal comportamento, a teoria quânticanão se apresenta com alguma vantagem com relação à teoria clássica.

Sendo assim nos cabe aqui a pergunta: Qual a caracterização um grafo deveter a fim de que o conjunto quântico seja estritamente maior do que o clássico? Em outraspalavras, qual caracterização um cenário deve ter a fim de que a teoria quântica seja capazde apresentar contextualidade? Antes de enunciar o teorema que põe um ponto final nessaquestão vejamos uma classe de grafos especiais que se seguem na figura 28: os n-ciclos,que vamos denotar por Cn.

Não é difícil calcular os números de independência e de empacotamento fracio-nário dos n-ciclos. No caso em que n é par, αpCnq “ α˚pCnq “ n2. Basta ver que, devido auma simetria cíclica, α˚pCnq ď n2, e se observamos que tal soma pode ser obtida atribuindo12 a cada vértice, concluímos que α˚pCnq “ n2. Vejamos que um conjunto independentemaximal é exatamente aquele formado por um subconjunto de vértices não vizinhos que sealternam no ciclo, ou seja, αpCnq “ n2. Assim, n2 “ αpCnq ď ϑpCnq ď α˚pCnq “ n2 e,portanto, αpCnq “ ϑpCnq “ α˚pCnq “ n2. Vejamos que nesse grafo o número de Lovasz ésanduichado entre os números de independência e de empacotamento fracionário e, por isso,não precisamos nos preocupar em calculá-lo via construção de representações ortogonais.

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 78

Figura 28 – N-ciclos com n ímpar.

No entanto, para o grafo Cn com n ímpar,

αpCnq “n´ 1

2 ď ϑpCnq “n cospπ

nq

1` cospπnqď α˚pCnq “

n

2 (4.10)

Com um raciocínio análogo ao que fizemos no caso em que n é par, podemos ver que,pela simetria cíclica, α˚pCnq ď n2 e atribuindo 12 a cada vértice, concluímos queα˚pCnq “ n2. Já para o número de independência podemos ver que um subconjuntoestável maximal será um conjunto com pn´ 1q2 vértices, daí, αpCnq “ pn´ 1q2. Quantoao número de Lovasz, indicamos a referência (KNUTH, 1994) onde na seção.22 é calculadoexplicitamente o número de Lovasz do grafo Cn com n ímpar. Vejamos que um grafo Cncom n ímpar, αpCnq ă ϑpCnq, assim, é de se esperar que um cenário que contenha tal grafocomo subgrafo induzido o conjunto quântico seja estritamente maior do que o conjuntoclássico. E de fato, é o que acontece.

Definição 4.17 (Número de clique). O número de clique ωpGq de um grafo G é acardinalidade do maior clique maximal de um grafo.

Definição 4.18 (Número cromático). O número cromático de um grafo G, denotado porχpGq , é o menor número de cores necessárias para colorir os vértices de G de modo quedois vértices adjacentes não tenham a mesma cor.

Definição 4.19 (Grafo perfeito). Um grafo G é chamado perfeito se

ωpG1q “ χpG1q (4.11)

para todo subgrafo induzido G1 Ă G.

Teorema 4.6 (Teorema do grafo perfeito). Um grafo G é perfeito se, e somente se, Gnão contém um ciclo Cn, ou seu complemento Cn, com n ímpar e n ě 5 como um subgrafoinduzido.

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 79

A conjectura deste teorema foi feita em 1961 em (BERGE, 1961) e só foiprovada em 2006 no trabalho publicado em (CHUDNOVSKI et al., 2006). A demonstraçãodeste teorema é demasiadamente longa e foge do escopo desta dissertação.

Teorema 4.7. As seguintes afirmações são equivalentes para um grafo G:

1. STAB(G) = QSTAB(G);

2. STAB(G) = TH(G);

3. TH(G) = QSTAB(G);

4. TH(G) é um politopo;

5. G é perfeito.

A prova deste teorema pode ser encontrada em (KNUTH, 1994), não nospreocuparemos aqui em detalhá-la. Aqui vemos explicitamente um caso no qual a teoriade grafos se apresenta como um recurso interessante para a compreensão da geometria doconjunto quântico.

Corolário 4.2. O TH(G) será estritamente maior do que o STAB(G) se, e somente se,ele contém um ciclo Cn, ou seu complemento Cn, com n ímpar e n ě 5 como um subgrafoinduzido.

Concluímos assim, que as desigualdades do n-ciclo que exibimos em 4.10se apresentam como elementos fundamentais para caracterizar cenários que, via teoriaquântica, podem exibir distribuições de probabilidades contextuais. Na próxima seçãovamos explorar alguns aspectos que relacionam o grafo de exclusividade do cenário p2, 2, 2q,que exibimos no capítulo 3, com as violações das desigualdades de Bell.

4.4 Grafos coloridos e cenários de BellComo vimos nas seções anteriores, o grafo de exclusividade contém algumas

informações importantes que são essenciais nessa nossa tarefa de atribuir probabilidadesaos vértices associados aos eventos. No entanto, o grafo de exclusividade ainda não contémtodas as informações do cenário, vale comentar que existem grafos de exclusividade quepodem ser oriundos de cenários distintos. O grafo de exclusividade de um cenário nãocontém a informação se dois eventos exclusivos têm a relação de exclusividade devido auma medição Mi e/ou Mj, por exemplo.

Na abordagem CSW, o grafo de exclusividade de um cenário de Bell porexemplo não contém a informação sobre qual “parte” do cenário que “induz” a relação de

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 80

exclusividade entre eventos exclusivos. A abordagem de grafos coloridos surge como umrefinamento da abordagem CSW na qual o grafo de exclusividade é um grafo colorido cujasarestas admitem cores distintas, cada cor associada a medições que podem ser realizadasem cada parte. Mais detalhes sobre a abordagem de grafos coloridos podem ser encontradosem (RABELO et al., 2014).

Na figura 29 que se segue exibimos um subgrafo induzido da versão coloridado grafo de exclusividade do cenário p2, 2, 2q. Em tal grafo, as relações de exclusividadeassociadas às medições da Alice são indicadas em azul e as relações de exclusividadedevidas as medições do Bob indicadas em vermelho. Vejamos que existem tanto arestasduplas, quanto arestas simples apenas.

Figura 29 – Subgrafo de exclusividade do cenário p2, 2, 2q

Vale comentar que as cores em um multi-grafo colorido de um grafo de exclusivi-dade de Bell têm uma caracterização peculiar. As arestas com uma mesma cor, associada àsmedições em uma determinada parte, são distribuídas em componentes conexas. Das quais,cada componente conexa estará associada a uma medição em uma determinada parte.E cada subconjunto de vértices independente maximal em uma componente conexa nomulti-grafo colorido é adjacente a todos os outros vértices de um subconjunto independentemaximal distinto. Para um multi-grafo colorido caracterizar um cenário de Bell ele precisa

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 81

ter tal caracterização.

De maneira análoga à forma pela qual definimos o número de Lovasz ϑpG,wqnas seções anteriores, um grafo colorido associado G admite também uma versão refinada,que vamos denotar por θpG, wq e que definimos por:

Definição 4.20 (Número de Lovasz colorido).

θpG, wq :“ maxÿ

vPV

wixψ|Πi|ψy

ondeΠi “ ΠA

i b ...b ΠiN

e

ΠJi : i P V

(

constitui uma representação ortogonal projetiva de GJ sendo GJ o grafoassociado à cor J do grafo colorido e em que o máximo na expressão acima é tomadosobre todas as representações ortogonais possíveis.

Como uma consequência das definições

θpG, wq ď ϑpG,wq. (4.12)

basta ver que as representações ortogonais pelas quais o número de Lovasz colorido θpG, wqé obtido é sobre condições mais restrititas comparadas às representações ortonais usadaspara calcular o número de Lovasz ϑpG,wq.

No capítulo 2 mostramos que no cenário p2, 2, 2q apresenta distribuições deprobabilidades que não pertencem ao conjunto clássico. Traduzindo isso para a abordagemde grafos, significa que o TH(G) é estritamente maior do que o STAB(G) e, assim, peloteorema do grafo perfeito, é necessário que o grafo de exclusividade tenha alguma estruturado n-ciclo como subgrafo induzido. De fato, o subgrafo induzido para 5 eventos seguidosna estrutura do octógono acima é um pentágono. Na próxima subseção, discutiremos umpouco sobre essas estruturas.

4.4.1 Desigualdades Bell-pentagonais

Como consequência do teorema do grafo perfeito, a estrutura mais simplesassociada à violação quântica de uma desigualdade em não-contextualidade é o pentágono.No caso do cenário de Bell p2, 2, 2q, é exatamente a existência de pentágonos comosubgrafos induzidos no grafo de exclusividade do cenário que está associado às violaçõesde desigualdades de Bell, como a desigualdade CHSH por exemplo. Como um exemplo,vejamos o pentágono que exibimos na figura 30. Um estudo mais detalhado sobre asdesigualdades pentagonais pode ser visto em (SADIQ et al., 2013).

Para o pentágono:αpC5q “ 2 (4.13)

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 82

Figura 30 – Pentágonos.

θpGq – 2, 178 ď ϑpC5q “?

5 – 2, 236 (4.14)

α˚pC5q “52 . (4.15)

Uma aproximação para o número de Lovasz colorido pode ser obtida via programaçãosemi-definida, mais detalhes podem ser encontrados em (RABELO et al., 2014).

Assim, para os eventos que estão contidos no pentágono da figura 30 temos

5ÿ

i“1ppiq

Cď 2

Qď θpGq – 2, 178

52 . (4.16)

Na seção 3.2.2 dissertamos sobre o Teorema de Bell mostrando a violação dadesigualdade CHSH via teoria quântica utilizando o estado |ψ´y e um certo conjuntode operadores cujas saídas eram 1 e ´1. Se calcularmos as probabilidades para os cincoeventos que são exibidos no pentágono em 30 obteremos para todos eles as seguintesprobabilidades:

ppiq “1

8´ 4?

2, i “ 1, ..., 5. (4.17)

Assim,

2 ď5ÿ

i“1ppiq “ 5 1

8´ 4?

2– 2, 133 ď θpGq – 2, 178 (4.18)

O que se mostra consistente com a ideia de que tais probalidades violam uma desigualdadede Bell e estão no conjunto quântico de probabilidades. Vejamos que tal conjuto de estadoe medições não atingem ainda o máximo permitido pela teoria quântica.

Capítulo 4. Grafos e Contextualidade 83

Tal desigualdade corrobora tudo o que discutimos neste capítulo. E assim,mostramos que a abordagem via teoria de grafos se apresenta como uma estratégiaeficiente para se estudar problemas relacionados à contextualidade.

84

5 Considerações finais

Como uma continuidade deste trabalho, surgem algumas perspectivas futurasa serem exploradas. Uma das primeiras que gostaríamos de elencar seria a existência deabordagens semelhantes a que apresentamos com relação às teorias de probalidades gene-ralizadas e que são consistentes em exibir a teoria quântica como um caso particular. Hajavisto que um dos nossos maiores interesses reside em estudar fundamentos matemáticos demecânica quântica, compreender postulados e/ou definições que sejam de fato essenciaispara a teoria quântica é um trabalho interessante a ser feito. Nesse sentido, referênciascomo (LIANG; SPEKKENS; WISEMAN, 2011), (BARRET, 2007), (BARNUM; WILCE,2016) se apresentam como textos a serem explorados com maior profundidade.

Na referência (MAYERS; YAO, 2004), os autores exibiram pela primeira veza ideia associada aos auto-testes. Num sistema bipartido, a máxima violação quânticada desigualdade CHSH é obtida quando temos um estado maximamente emaranhadocompartilhado entre as partes e os dois operadores associados às medições em cada parteanti-comutam entre si. Os auto-testes pode sem utilizados como estratégia para se obterinformação sobre um estado e/ou medições se baseando apenas em algumas estatísticasespeciais. A situação na qual obtemos uma maxima violação quântica das desigualdadespentagonais é suficientemente especial para nos perguntarmos se existe um auto-teste paraessa situação.

Já sabemos que teoria quântica apresenta distribuições de probabilidades queestão além das distribuições clássicas. Haja visto que a teoria quântica é uma teoriafisicamente realizável, ter uma compreensão mais profunda sobre o que a contextualidadequântica é capaz de fornecer como um recurso é um grande desafio. Nesse sentido, trabalhoscomo (HOWARD et al., 2014), (RAUSSENDORF, 2013) e (ANDERS; BROWNE, 2009),que exploram ligações entre contextualidadade e computação quântica, e (COECKE;FRITZ; SPEKKENS, 2016), que explora a estrutura matemática da teoria de recursos, seapresentam como referências para serem investigadas mais a fundo.

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