leonarda jacinto josé maria menezes - texto
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Sumrio
Sumrio ........................................................................................................................... 14
RESUMO ....................................................................................................................... 16
ABSTRACT ................................................................................................................... 17
INTRODUO .............................................................................................................. 18
CAPTULO I: O PLURILINGUISMO EM MOAMBIQUE ...................................... 23
1. Consideraes Preliminares ................................................................................................ 23
2. Itinerrio do Portugus em Moambique: breve contextualizao histrica dos roteiros
traados. .................................................................................................................................. 24
3. Plurilinguismo, Multilinguismo e Bilinguismo: Reflexes sobre a Realidade Lingustica
Moambicana. ......................................................................................................................... 29
3.1 A variao sociolingustica na viso de alguns autores................................................. 32
3.2. A variao sociolingustica em Moambique .............................................................. 36
CAPTULO II: PORTUGUS COMO LNGUA ESTRANGEIRA E SEGUNDA
LNGUA EM MOAMBIQUE ..................................................................................... 39
1. Introduo ........................................................................................................................... 39
1.1 Aquisio e aprendizagem do Portugus ....................................................................... 39
2. Letramento nas zonas rurais de Moambique: Uma questo a ser estudada. ..................... 47
3. Descosturando a Lngua: O caso das Interferncias Lingusticas no Portugus de
Moambique (PM). ................................................................................................................. 55
CAPTULO III: ABORDAGENS METODOLGICAS .............................................. 72
1. Abordagens ......................................................................................................................... 73
1.1 Enfoque qualitativo ....................................................................................................... 73
1.2 Enfoque quantitativo ..................................................................................................... 75
2. Limitaes do Estudo .......................................................................................................... 85
CAPTULO IV: APRESENTAO E DISCUSSO DE DADOS .............................. 86
1. Introduo ........................................................................................................................... 86
2. Anlise das atitudes lingusticas dos alunos das duas escolas ............................................. 88
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3. Anlise dos questionrios etnosociolingusticos e demogrficos dos alunos ...................... 95
4. Anlise das Atividades para o Desenvolvimento da Lngua dos alunos da 7 classe das
escolas em estudo .................................................................................................................. 110
5. Anlise das Atividades para o Desenvolvimento da Lngua dos alunos da 4 classe da
EPCM e da EPCL .................................................................................................................. 122
6. Anlise das entrevistas com os professores ....................................................................... 132
7. Anlise das entrevistas feitas aos gestores/coordenadores das escolas selecionadas ........ 143
8. Anlise da entrevista feita ao formador dos professores do Ensino Bilngue ................... 148
9. Anlise das entrevistas sociolingusticas com os responsveis pelos alunos .................... 154
CONCLUSES ............................................................................................................ 160
REFERNCIAS ........................................................................................................... 166
ANEXOS ...................................................................................................................... 180
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RESUMO
Nesta tese de doutorado, analisa-se o desempenho lingustico, na modalidade escrita de
alunos da 4 e 7 classes de escolas do ensino bsico bilngue de zonas rurais de
Moambique, depois da transio da L1 para LE como lngua de ensino. Para isso,
realiza-se o diagnstico das dificuldades que os alunos deste ensino e classes
apresentam no desenvolvimento da competncia da escrita na L2 e demonstra-se que a
fala e a escrita dos alunos do ensino bsico bilngue em Moambique, particularmente
na provncia da Zambzia, so marcadas por interferncias das lnguas maternas de
origem bantu no portugus escrito e falado. Trata-se de um estudo de natureza
qualitativa e quantitativa com enfoque sociolingustico e etnogrfico, de acordo com Gil
(1999). Dentre as tcnicas de coleta de dados utilizadas, a observao participante foi
tambm realizada, como forma de verificar se havia diferenas significativas entre as
duas escolas em estudo no que tange ao desempenho lingustico oral dos alunos
inquiridos em lngua portuguesa e, assim, identificar quais as suas maiores dificuldades
na aprendizagem dessa lngua que, para eles, lngua estrangeira. Para tanto, alm de
considerar a produo dos dados escritos de alunos da 4 e 7 classes das escolas
envolvidas na pesquisa, foram tambm entrevistados os professores, os gestores das
duas escolas, o formador de professores deste ensino, bem como os responsveis pelos
alunos inquiridos, o que tem relevncia para a concluso de que a fala dos professores e
dos responsveis por este ensino influencia grandemente na fala e na escrita dos alunos
inquiridos. Com a investigao realizada, espera-se, de alguma maneira, contribuir para
o estudo do portugus como lngua estrangeira nas zonas rurais das provncias de
Moambique, tanto no que diz respeito a um melhor desempenho lingustico dos alunos,
quanto no que concerne formao dos professores do ensino bsico bilngue dentro da
rea do ensino de portugus como lngua estrangeira.
Palavras-chave: Moambique; Ensino Bsico Bilngue; Portugus Lngua Estrangeira;
Lngua Materna; Interferncia Lingustica.
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ABSTRACT
In this thesis, we analyze the linguistic performance in the written student of the 4th and
7th classes of bilingual primary schools in rural areas of Mozambique, after the
transition from L1 to LE as the teaching language. For this, we make the diagnosis of
the difficulties that students of this school and classes present in the development of
competence in L2 writing and demonstrate that speech and writing of elementary school
students bilingual in Mozambique, particularly in Zambzia province, are marked by
interference of the mother tongues of Bantu origin in written and spoken Portuguese.
This is a study of qualitative and quantitative approach focused on sociolinguistic and
ethnographic matters, according to Gil (1999). Among the techniques used for data
collection, participant observation was also held as a way to check if there were
significant differences between the two schools studied in relation to oral language
performance of students surveyed in Portuguese language and thus identify the their
greatest difficulties in learning this language that, to them, is a foreign language. For
this, besides considering the production of written data of students in the 4th and 7th
grades of the schools involved in the survey were also interviewed teachers,
administrators from both schools, the trainer of teachers of this education, as well as
those responsible for the pupils surveyed; this has relevance to the conclusion that the
speech of teachers and those responsible for teaching this greatly influences in speech
and writing of students surveyed. With this research, it is hoped, somehow contribution
to the study of Portuguese as a foreign language in rural areas of the provinces of
Mozambique, both with regard to improved language performance of students, as in
regard to the formation of elementary school teachers in the area of bilingual teaching
Portuguese as a foreign language.
Keywords: Mozambique; Bilingual Elementary Education; Portuguese Foreign
Language, Mother Tongue, Language Interference.
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INTRODUO
A escolha do tema sobre o ensino bilngue em Moambique deve-se ao fato de
sermos docentes de Lngua Portuguesa em cursos de graduao da Universidade
Eduardo Mondlane em Maputo, Moambique, que tm, na sua maioria, o portugus
como lngua segunda, o que nos induz a desejarmos conhecer melhor o grau de
interferncia das lnguas bantu no portugus, lngua estrangeira, falado pelos alunos do
ensino bilngue em zona rural da provncia da Zambzia, em Moambique.
Moambique um pas que foi colonizado pelos portugueses tendo-se tornado
independente h 37 anos. Ora, o fato de o pas ser muito jovem em termos de
independncia e com ainda resqucios de uma guerra civil ps-independncia, passa por
problemas econmicos que afetam o desenvolvimento do pas, a todos os nveis, sendo
o da educao o mais preocupante, j que afeta o ensino, principalmente na questo dos
materiais de ensino, que no chegam para todos e, por vezes, chegando as escolas com
bastante atraso devido as ms condies das vias de acesso s escolas mais afastadas da
capital provincial. Outra questo que tambm afeta os alunos da zona rural,
principalmente no ensino da lngua portuguesa, o fato dessa lngua ser ouvida e
aprendida s em contexto escolar. Assim, pretendemos, com este estudo, demonstrar
que, apesar das dificuldades por que passa o ensino bsico bilngue em Moambique,
como a falta de material escolar e a deficiente formao profissional e pedaggica dos
professores que lecionam neste ensino, os alunos sentem-se motivados em continuarem
a estudar no ensino bsico bilngue, fato que leva o Ministrio de Educao continuar a
investir neste ensino.
O objetivo da nossa pesquisa de diagnosticar o processo de ensino-
aprendizagem da Lngua Portuguesa em Moambique atravs da anlise de desempenho
lingustico, na modalidade escrita, de alunos da 4 e 7 classes da Escola Primria
Completa de Lussa e da Escola Primria Completa de Mugogoda, depois da transio
da L1 para LE como lngua de ensino, para: contribuir na melhoria das dificuldades que
os alunos do ensino bilngue da 4 e 7 classes apresentam no desenvolvimento da
Competncia na escrita em Lngua Portuguesa como L2 e/ou LE, e demonstrar que a
escrita dos alunos em Lngua Portuguesa dos alunos do ensino bsico bilngue em
Moambique, particularmente na provncia da Zambzia, so marcadas por
interferncias das lnguas maternas de origem bantu.
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Considerando as razes que nos levaram a este estudo e os poucos estudos nesta
rea em Moambique, os seguintes questionamentos esto sendo considerados:
Que tipos de dificuldades apresentam os alunos na aprendizagem da lngua
portuguesa quando se introduz a L2 e/ou LE nos programas curriculares do
ensino bsico bilngue?
Que tipos de interferncias lingusticas os alunos do EB apresentam no
portugus L2/LE?
Como se caracteriza o ensino da lngua portuguesa que realizado pelos
professores (as) moambicanos (as) nessas escolas-piloto?
Qual o nvel de conhecimento de lngua portuguesa dos alunos no final da 3 e
7 classes?
Tentamos, atravs da pesquisa, obter respostas aos questionamentos formulados
com o propsito de, ao final da investigao, estarmos em condio de apresentarmos
propostas de possveis solues para os problemas detetados.
Convm sublinharmos que as metodologias atuais usadas por alguns professores
do ensino bsico bilngue para ensinarem o Portugus Lngua Estrangeira (PLE), no
so as mais adequadas para este tipo de ensino, situao que se agrava pelo fato de o
tempo de aprendizagem da escrita na LE pelo aluno do ensino bilngue na educao
primria ser muito curto, e o ensino no produz o sucesso escolar desejado.
No entanto, atravs da observao que fizemos no campo e atravs da nossa
experincia como professoras de Lngua Portuguesa, percebemos que talvez a base das
dificuldades esteja na falta de formao pedaggica e profissional adequada de alguns
professores deste ensino, que, de uma maneira ou de outra, acabam influenciando a
aprendizagem, apesar de os contedos programticos refletirem a realidade social dos
alunos. Pudemos constatar tambm que fatores culturais como o medo de errar e de
intervir na sala de aula atravs de uma lngua desconhecida, fazem com que os alunos
no se sintam motivados em participar ativamente nas aulas. Esta situao piora quando
se consideram a falta de material escolar e as precrias condies fisicas do local onde
as aulas so ministradas.
necessrio ressaltarmos que o fato de, j na implementao do ensino bilngue,
a transio da L1 para a L2 e/ou LE, como lngua de ensino, ser feita a partir da 4
classe parece-nos muito prematuro, dado que a transio da L2 e/ou LE, lngua oral,
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para a escrita acontece na 3 classe. Assim, o tempo de aprendizagem da escrita na L2
e/ou LE pelo aluno bilngue muito curto, um ano apenas, insuficiente para enfrentar o
ensino na L2 e/ou LE, fato que se verifica na expresso escrita dos alunos, marcada de
interferncias da lngua materna para o portugus.
Assim, o doutorado na rea e linha de pesquisa por ns selecionado revela-se da
maior importncia para um trabalho no campo do Ensino Bilngue, j que esse tipo de
ensino nos parece a soluo para o ensino da lngua portuguesa como lngua estrangeira
em Moambique. Segundo Cavalcanti (1999, p. 54), cerca de metade da populao
mundial bilngue, apesar de ser o monolinguismo que representa a norma, o
monolinguismo que a base para os estudos lingusticos. No entanto, o monolinguismo
deveria ser tratado como caso especial, como desvio da norma, e o bilinguismo deveria
representar a norma, isto porque h cerca de trinta vezes mais lnguas do que h pases,
e isso implica a presena do bilinguismo em praticamente todos os pases do mundo.
Para Cavalcanti (1999, p. 57), os contextos bilngues (bidialetais1) nas escolas pblicas
brasileiras so ou ignorados ou apagados e passam a impresso de cenrios
monolngues, mesmo tendo-se a conscincia de que se pautam pela heterogeneidade at
em comunidades consideradas monolngues, como o caso das zonas urbanas das
capitais, onde geralmente h variedades regionais, sociais e estilsticas dentro do que
considerado como uma lngua padro.
Isto posto, convm observar que a maioria dos professores moambicanos que
tm uma formao para ensinar a lngua portuguesa no tm uma preparao para gerir
a diversidade lingustica na sala de aula nem para ensinar o Portugus como lngua no
materna. Apesar de a poltica educativa de Moambique contemplar o ensino bilngue
em algumas provncias em regime experimental no ensino primrio2, o professor
depara-se com a situao descrita por Pereira e Amendoeira (2003, p. 12-13):
Subitamente, em qualquer ano de ensino e em qualquer disciplina
incluindo a de lngua portuguesa, com alunos: com diferentes atitudes
em relao lngua portuguesa e sua ou suas lnguas maternas
(aceitao, rejeio, inibio, vergonha, medo de errar); com
diferentes tipos de saberes e experincias lingusticas e
1 Bortoni-Ricardo (198, p. 25) considera que bidialetais so as comunidades rurbanas compostas por
populaes de origem rural que vivem na cidade e que falam alguma variedade estigmatizada de
portugus, que normalmente so as maiorias, mas tratadas como minorias. 2 As provncias contempladas para este ensino, de acordo com o projeto PEBIMO, em regime
experimental, com variante de referncia so: Nampula, Cabo Delgado, Niassa e Zambzia (lngua
Emakhuwa); Sofala, Manica, Zambzia e Tete (Lngua Cisena); Niassa, Zambzia, Tete (lngua
Cinyanja); Sofala e Manica (lngua Cindau) e Inhambane e Maputo (Xichangana).
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sociolingusticas (monolngues, bilngues, multilngues, falantes de
lnguas oficiais ou no); com diferentes mundivivncias e diferentes
graus de contato com a cultura tpica da vida escolar; com diferentes
motivaes para a aprendizagem ou desenvolvimento da lngua
portuguesa e das lnguas em geral. (PEREIRA e AMENDOEIRA,
2003, p. 12-13):
So estas e outras situaes que o professor de lngua portuguesa encontra nas
aulas e que, de uma forma ou de outra, contribuem para que hajam abandonos,
insucesso escolar e desmotivao na aprendizagem da lngua portuguesa. Nesta mistura
de culturas e lnguas, o professor tradicional acaba, muitas vezes, por ter que usar uma
forma rgida e tradicional de ensino, para se impor na sala de aula em relao
aprendizagem da lngua, uma vez que a desmotivao grande por parte dos alunos.
Deste modo, pensando no problema que o professor de lnguas enfrenta no dia-a-
dia nas salas de aula, achamos pertinente, no mbito desta investigao, realizar um
diagnstico do desempenho lingustico dos alunos, como forma de verificarmos se a
questo das interferncias lingusticas no nvel da escrita que se vem fazendo sentir no
ensino do PLE est influenciando o desempenho lingustico e pedaggico em lngua
portuguesa. Para tal, criamos um dispositivo terico-metodolgico a partir de
contribuies da Lingustica Aplicada e da Sociolingustica que nos permitisse alcanar
os objetivos propostos. Para tanto, foi importante a leitura dos trabalhos de Dias (2002);
Ngunga (1988); Firmino (2002); Stroud; Tuzine (1998); Lopes (1997, 2004b);
Gonalves (1996); Sitoe (1996); Cimbutane (2006); Hanks (2008); Moita Lopes (2003);
Santos (2006); Signorini (1998); Cavalcanti (2007); Bortoni-Ricardo (2007); Bakhtin
(1988); Mota (1996) e de outros autores de reas relacionadas e afins.
Com o intuito de analisar os problemas aqui apontados, a presente tese
constituda por quatro captulos, organizados da seguinte forma: o captulo um, intitulado
O Plurilinguismo em Moambique, no qual identificamos os aspetos que caracterizam a
situao do plurilinguismo na frica, particularmente em Moambique, com o objetivo
de fazermos uma breve contextualizao histrica do itinerrio do portugus no pas,
seguida de uma reflexo sobre a realidade moambicana concernente questo do
plurilinguismo, multilinguismo e bilinguismo, por que Moambique passa. A variao
sociolingustica em Moambique um outro ponto por ns abordado neste captulo, no
qual exemplificamos o tipo de variao lingustica dos falantes do portugus em
Moambique, que marcam os seus falares cotidianos. No segundo captulo,
apresentamos a situao do portugus como lngua estrangeira e segunda lngua em
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Moambique. Nele, reforamos a ideia de que o portugus segunda lngua para a
maioria da populao moambicana, principalmente a populao que vive nas zonas
urbanas, e lngua estrangeira para a populao da zona rural. Este fato remete-nos para a
questo da aquisio e/ou aprendizagem do portugus no campo do ensino,
particularmente no ensino bsico bilngue, foco da nossa pesquisa. A questo do
letramento nas zonas rurais e das interferncias das lnguas bantu no portugus falado
pelos alunos do ensino bilngue em Moambique, em alguns pontos da zona rural, foi
tambm abordada por ns neste captulo. No terceiro captulo, apresentamos as
abordagens metodolgicas do trabalho, fazendo referncia amostra e ao perfil dos
sujeitos. Apresentamos ainda as reas pesquisadas e as lnguas em uso, bem como a
localizao e caracterizao fsica dos locais da pesquisa e das escolas pesquisadas. A
forma como foi feita a coleta de dados e as tcnicas usadas quando da pesquisa tambm
so abordadas neste capitulo. No quarto captulo, procedemos apresentao e discusso
dos dados da pesquisa, segundo o quadro metodolgico por ns escolhido para este
trabalho, no qual tratamos da classificao, anlise e discusso dos contedos temticos
que emergem das falas dos participantes e das representaes escritas dos alunos, com a
finalidade de respondermos aos nossos questionamentos, objectivos e hipteses de
pesquisa, a partir do dispositivo terico-metodolgico (elaborado com base em Gil
(1999) dispostos no terceiro captulo. Finalmente, apresentamos as concluses do
trabalho, que julgamos ser um contributo para estudos na rea, de modo a tornar o
ensino da Lngua Portuguesa mais flexvel, particularmente para o estudo da lngua
portuguesa como lngua estrangeira em contextos rurais e orientado para diferentes
contextos de diversidade lingustica e cultural. O trabalho encerra-se com as referncias
e os anexos.
Entre os outros aspectos constantes na concluso, consideramos tambm que
seria importante que o Ministrio da Educao e o INDE, atravs do seu Sistema
Nacional de Educao, investissem na formao contnua dos professores do ensino
bsico bilngue de forma a que se verificasse uma atualizao cientfica e pedaggica
regular.
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CAPTULO I: O PLURILINGUISMO EM MOAMBIQUE
1. Consideraes Preliminares
Neste captulo, depois das consideraes preliminares, identificamos os aspectos
que caracterizam a situao do plurilinguismo na frica, particularmente em
Moambique. Com esse objetivo, realizamos uma breve contextualizao histrica do
itinerrio do portugus no pas, seguida de uma reflexo sobre a realidade moambicana
concernente questo do plurilinguismo, multilinguismo e bilinguismo, por que
Moambique passa. A variao sociolingustica em Moambique um outro ponto por
ns abordado neste captulo. Neste ponto apresentamos alguns exemplos sobre a
variao lingustica dos falantes do portugus, que marcam os seus falares cotidianos.
Quando o pas se tornou independente, em 1975, a populao de Moambique
apresentava uma taxa de analfabetismo de 93%, de acordo com o Instituto Nacional de
Estatstica (INE), uma taxa muito elevada, que foi diminuindo medida que o governo
foi envidando esforos para reduzi-la. Assim, a taxa que j era de 60.5% em 1997
baixou para 50.4% em 2007 (INE, 2007). Desta forma, a taxa de analfabetismo na
populao das zonas urbanas de 31.4%, sendo 17.5% para os homens e 44.9% para as
mulheres. J nas zonas rurais, a taxa de analfabetismo na populao de 68.9%, sendo
52.1% para os homens e 83.2% para as mulheres. Esta percentagem elevada de
mulheres analfabetas decorre da prioridade estabelecida pelos progenitores para a
educao dos filhos em detrimento das filhas (INE, 2007).
Assim, para enfrentar o analfabetismo, desenvolveram-se aes de alfabetizao,
realizadas em portugus, com o intuito de propiciar aos educandos o desenvolvimento
das habilidades bsicas de leitura, escrita e clculo, envolvendo estudantes voluntrios
sem formao como alfabetizadores de adultos e sem materiais apropriados. Nessas
condies, foram alfabetizados aproximadamente 500.000 adultos, das zonas urbanas e
suburbanas, ao mesmo tempo em que se iniciava um processo de escolarizao em
massa de crianas em todo o pas. Apesar disso, a percentagem de pessoas com
educao primria nas reas rurais de apenas 10.3%, sendo 16.5% para os homens e
5.3% para as mulheres (INE, 2007).
Ainda com o propsito de reduzir as taxas de analfabetismo, evaso e repetncia
nas escolas primrias, foi tomada a deciso de valorizar as lnguas maternas
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moambicanas no ensino, as quais, devido a fatores histricos e polticos, haviam sido
estigmatizadas e colocadas margem das escolas. So cerca de 20 as lnguas da famlia
Bantu faladas em Moambique, para alm da lngua portuguesa, da lngua inglesa, das
lnguas de origem asitica e de outras lnguas maternas no padronizadas. Dados do
Recenseamento Geral da Populao de acordo com o censo de 2007 indicam que as
lnguas africanas do grupo bantu continuam a constituir o principal substrato lingustico
do pas dado que elas so as lnguas maternas de mais de 80% de moambicanos de
cinco anos de idade ou mais. Os dados ainda indicam que dos cerca de vinte e trs
milhes de moambicanos, 8.9% falam Portugus como lngua materna
(www.ine.gov.mz).
Essa situao de plurilinguismo no pas fez com que se escolhesse a lngua
portuguesa para lngua de ensino formal, visto ser ela lngua de comunicao social,
lngua do Estado, lngua de comunicao intertnica e internacional. No entanto,
convm ressaltar que a questo da lngua de ensino tem sido objeto de debates em
vrios pases, tanto de lngua portuguesa, como Guin-Bissau, Angola e Moambique,
quanto em pases africanos de lngua inglesa, como a frica do Sul, Zmbia e Tanznia.
A seguir, passamos a apresentar uma breve contextualizao histrica dos
roteiros traados do itinerrio do Portugus em Moambique.
2. Itinerrio do Portugus em Moambique: breve contextualizao histrica dos
roteiros traados.
Segundo Gonalves et al. (2009, p. 12), a ocupao sistemtica de Moambique
pelos portugueses foi concluda em 1918, data em que se assinala o fim das campanhas
militares. nesta primeira metade do sculo XX que comeam a ser tomadas medidas
de relevo para o desenvolvimento de bases sociais que podem garantir a difuso do
Portugus em todo o pas.
Assim, de acordo com Mazula (1995, p. 80), em 1930, atravs do Acto
Colonial, criada a legislao que regula a relao de Portugal com as suas colnias.
Tambm, nesse ano, criado o ensino indgena, atravs do qual a potncia colonial
procura assegurar que as populaes locais tenham acesso instruo formal, em
Portugus, iniciando-se um processo de estigmatizao e de desprezo das lnguas locais,
faladas em Moambique, passando estas a serem vistas como reflexos de tribalismo e
indicadores de indivduos no civilizados (MAZULA, 1995, p. 80). Vale pena
assinalar que ainda nesta primeira metade do sculo XX que surgem os primeiros
http://www.ine.gov.mz/
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jornais em lngua portuguesa, nomeadamente, O Africano e O Brado Africano - que
assinalam a existncia de uma elite moambicana local produtora de um discurso culto
em Portugus, os assimilados, j que o povo moambicano estava dividido em
assimilados e no assimilados, estes ltimos analfabetos e que no falavam o Portugus.
O Portugus, que era o nico meio oficial de comunicao nas instituies, passa a estar
ligado s polticas assimilacionistas, passando a ser a lngua no s do colono, mas
tambm do assimilado, e transformando-se em lngua de prestgio, lngua de subjugao
cultural. a partir deste perodo que se desenvolvem os centros urbanos no sul do pas,
e que se inicia a colonizao massiva do territrio: em 1950, chegam a Moambique
50.000 colonos e h notcia de que, em 1960, chegaram mais 90.000. Estes podem ser
considerados fatores que favoreceram a difuso da lngua portuguesa em Moambique
(MAZULA, 1995, p. 82).
Apesar dos esforos desenvolvidos pelo regime portugus nos ltimos anos do
domnio colonial no sentido de consolidar a sua presena em Moambique, na altura da
independncia, em 1975, o Portugus era, essencialmente, uma lngua urbana, falada
como L2 por uma pequena parte da sua populao. A partir dessa data, verifica-se uma
forte expanso da comunidade de falantes desta lngua, quer devido ao alargamento do
seu uso em contextos no formais (como mercados ou restaurantes), quer devido
exploso escolar que caracterizou o final dos anos 70. Com efeito, logo a seguir
independncia, verificou-se um aumento do nmero de alunos inscritos no ensino
primrio, de seiscentos e cinquenta mil para um milho e trezentos mil (MAZULA,
1995, p. 83).
Com a independncia de Moambique, a preocupao do novo Estado era
assegurar a educao maioria da populao, construir uma identidade nacional ps-
colonial, melhorar a economia do pas e aumentar a participao democrtica da
populao.
Desse modo, perante o ambiente de plurilinguismo e de multiculturalidade em
que o pas se encontrava, definir a poltica lingustica em Moambique no era tarefa
fcil. O Portugus, que antes da independncia era uma lngua falada por brancos e por
uma minoria de negros e mulatos assimilados, era a nica lngua que tinha condies de
unir os moambicanos.
No entanto, apesar desta situao unificadora do povo moambicano atravs da
lngua portuguesa, era necessrio ver qual seria o papel que essa lngua teria em
Moambique ps-independente. Deste modo, pensou-se na nativizao do portugus
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como forma de renovar a lngua portuguesa social, poltica e culturalmente, adaptando-a
ao contexto moambicano. Assim, de acordo com Firmino (2008, p. 23), existem
pesquisas lingusticas que indicam que as lnguas do colonizador, medida que esto
sendo institucionalizadas, em pases africanos, adquirem novas caractersticas
ideolgicas e estruturais, que esto intimamente ligadas a algumas atividades sociais
definidoras da vida social desses povos.
Nesse cenrio, essa nativizao corresponde ao desenvolvimento de uma nova
ideologia lingustica que leva as autoridades oficiais e a opinio pblica a conceberem e
reconhecerem o portugus como smbolo de unidade nacional, como lngua oficial,
veicular e como lngua franca, principalmente em contextos urbanos, onde a
heterogeneidade de lnguas nacionais se faz sentir consideravelmente, em relao s
zonas rurais do pas. No entanto, h que se ter em conta que esta nativizao est mais
relacionada com o novo uso social do que com a diferenciao estrutural da lngua em
si.
deste modo que, medida que a nova percepo lingustica se tem
consolidado, a lngua portuguesa em Moambique foi, paralelamente, incorporando
novas caractersticas lingusticas distintivas, isto , o processo de nativizao do
portugus passou a compreender duas dimenses: uma simblica, com a emergncia de
novas atitudes e ideologias sociais face ao uso da lngua e outra, lingustica, com o
desenvolvimento de novas formas lingusticas associadas ao seu uso, que nos remetem
para o processo de variao lingustica, presente em todos os pases linguisticamente
heterogneos (FIRMINO, 2008, p. 8).
Convm ressaltar, no entanto, que essas formas lingusticas em variao no
esto uniformemente distribudas entre os moambicanos, nem so usadas em todas as
situaes comunicativas pelo falante. Desse modo, o Portugus em Moambique pode
ser visto como um continuum que oscila desde as formas do mau portugus
(pejorativamente chamado de pretogus), at as formas mais prximas do padro do
Portugus europeu, fazendo com que haja uma construo social do portugus, um
processo que criativamente faz uso dos recursos disponveis no modelo europeu, bem
como de inovaes enraizadas nas condies polticas, econmicas, sociais, culturais e
lingusticas prevalecentes no pas (FIRMINO, 2008, p. 10).
Assim, as lnguas locais passaram a ser quase que, exclusivamente, como um
repositrio da herana cultural moambicana, enquanto o Portugus funciona como
lngua oficial.
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Segundo as estatsticas da educao, nos primeiros anos da independncia,
houve um crescimento acentuado das taxas de matrcula no ensino bsico em quase
100%, com o esforo que se fez para aumentar o conhecimento da lngua portuguesa e
alfabetizar as pessoas. No entanto, nos anos seguintes, houve um declnio sucessivo no
ensino bsico que atingiu uma taxa de matrcula de 59,4%, em 1989 (HYLTENSTAM;
STROUD, 1997, p. 45).
J nos anos 80, d-se uma reviravolta na poltica lingustica vigente em
Moambique. H tendncias para a promoo das lnguas bantu, dando origem a vrios
estudos sobre plurilinguismo e sobre as lnguas moambicanas. Dos anos 90 at
atualidade, muito se fez para a promoo das lnguas bantu em Moambique,
culminando com a introduo da educao bilngue no ensino bsico entre 1993-1997,
numa fase experimental, nas provncias de Gaza (utilizando as lnguas changana e
portugus) e em Tete (utilizando as lnguas nyanja e portugus). Segundo Ngunga et al
(2010, p. 8), foi com este projeto que o Instituto Nacional de Desenvolvimento da
Educao (INDE) lanou a semente que iria permitir a introduo das lnguas maternas
nas escolas primrias. Assim, o sucesso dessa experincia, entre 2001-2003, traduziu-se
na reduo significativa do insucesso escolar e das taxas de abandono escolar, o que
permitiu a introduo desse ensino em outras provncias do pas, principalmente nas
escolas das zonas rurais. Em termos estratgicos, a introduo das lnguas bantu no
ensino bsico integra trs modalidades: como meio de ensino-aprendizagem, em
programas de educao bilngue; como disciplina opcional, em programas monolngues
em que o portugus meio de ensino; e, como recurso, tambm em programas em que o
meio de ensino a lngua portuguesa, como L2. Contudo, convm ressaltar que, se vai
privilegiar o desenvolvimento de programas bilngues em zonas linguisticamente
homogneas que so, na sua maioria, zonas rurais (INDE, 2003, p. 127).
Tal mudana curricular, considerada como uma inovao no ensino at ento
vigente, foi implementada numa primeira fase em regies rurais linguisticamente
homogneas, como forma de permitir que cada moambicano aprenda os primeiros
rudimentos de leitura/escrita e aritmtica na sua lngua materna (NGUNGA et al, 2010,
p. 11).
Segundo a mesma fonte, a educao bilngue, numa fase experimental,
comearia com 16 lnguas previamente identificadas, nomeadamente, Emakhuwa,
Cinyanja, Cinyungwe, Cisena, Cindau, Xichangana, Xironga, Xitshwa, Ciyao,
Shimakonde, Echuwabo, Elomwe, Kimwani, Cicopi, Citonga e Cishona, num total de 23
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escolas, a uma mdia de duas ou trs escolas em cada provncia. Mais tarde seriam
introduzidas outras lnguas medida que fossem sendo padronizadas.
A opo por algumas lnguas para a fase inicial do projeto deveu-se existncia
de padronizao ortogrfica para a maioria destas lnguas. de salientar que a proposta
inicial do Ministrio de Educao (MINED) contemplava apenas sete lnguas,
nomeadamente, Emakhuwa, Cinyanja, Cinyungwe, Cisena, Cindau, Xichangana e
Xirhonga, e o acrscimo de mais lnguas deveu-se reivindicao da sociedade civil
representada por vrias organizaes.
Assim, perante os vrios modelos de educao bilngue existentes, Moambique
optou por um modelo transicional com algumas caractersticas de manuteno. Neste
modelo, a lngua local apenas usada nos primeiros anos, uma vez que a sua principal
funo de fazer a ponte entre a casa e a escola. A lngua materna, neste programa de
ensino, apenas usada para facilitar mais tarde a aprendizagem da L2 ou da lngua
oficial. Na 1 e 2 classes, as aulas so ministradas na lngua materna do aluno, como
nico meio de ensino-aprendizagem. Nestas classes o portugus ensinado apenas
como disciplina, na sua expresso oral, preparando deste modo, a aprendizagem da
leitura e da escrita nas classes subsequentes, isto no 2 ciclo (INDE; MEC, 2003, p.
112-113).
No entanto, devido morosidade no processo de expanso deste ensino s
demais provncias e escolas e tendo em vista os resultados pedaggicos animadores que
se foram verificando com a implementao do modelo escolhido, iniciativas locais
precipitaram o aumento de escolas implementando a educao bilngue em quase todas
as provncias (NGUNGA et al, 2010, p. 12). O mesmo autor acrescenta:
tomaram de assalto a educao bilngue, o que ocasionou um acrscimo
descontrolado da populao escolar que procura este modelo de educao e
consequente crescimento do nmero de turmas, escolas e professores sem a
devida preparao. Pelo que, se medidas urgentes no forem tomadas, uma
vez que parece ter-se provado a sua irreversibilidade, a situao de educao
bilngue em certas zonas do pas, pode degenerar-se em caos (NGUNGA et
al, 2010, p. 12).
Entretanto, dados do INDE indicam que em 2012 houve cerca de 400 escolas
com programas de educao bilngue no pas, sendo que na provncia da Zambzia,
local da nossa pesquisa, existiam 4 escolas em 2011. De acordo com dados do INDE
(2010) o nmero total de alunos matriculados nas escolas de educao bilngue na
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Zambzia era de 192 alunos na 4 classe e 23 alunos na 7 classe, sendo que o nmero
total de alunos matriculados que iam da 1 7 classe era de 2.984 alunos,
correspondentes a 97% desses alunos.
Contudo, apesar dos problemas que a educao bilngue enfrenta atualmente,
algumas comunidades/provncias tm se beneficiado com parcerias que ajudam a
encontrar algumas solues (material didtico, capacitao de professores) de que a
educao bilngue padece desde o incio da sua implementao (NGUNGA et al, 2010,
p. 12).
Em seguida, passamos a apresentar algumas reflexes sobre os aspectos tericos
relacionados com o plurilinguismo, multilinguismo e o bilinguismo, de acordo com a
realidade lingustica moambicana.
3. Plurilinguismo, Multilinguismo e Bilinguismo: Reflexes sobre a Realidade
Lingustica Moambicana.
Na frica, independente da dimenso geogrfica e da densidade demogrfica,
todos os pases so plurilngues e multiculturais, situao lingustica e cultural que
decorre de fatores histricos e sociais particulares a cada pas. A situao lingustica de
Moambique no foge a esse cenrio. Assim, em seu territrio coexistem vrias lnguas
tnicas com a Lngua Portuguesa, alm de lnguas transplantadas por imigrantes que se
instalaram no pas, diversidade lingustica que faz de Moambique uma sociedade
plurilngue e pluricultural, resultado de convivncias com vrias etnias, vrias lnguas e
vrias culturas. Este cenrio de plurilinguismo remete-nos para estudos sobre o
bilinguismo e educao bilngue. Fatores histricos, sociais e culturais tambm devem
ser atentados para que todos os estudos lingusticos realizados no pas sejam
representativos da realidade local, dado que todos esses fatores concorrem para a
representao da identidade do indivduo moambicano, na sociedade, na comunidade,
independentemente da sua lngua, sua cultura e sua etnia. No entanto, esta situao de
plurilinguismo em Moambique faz com que se verifique a possibilidade de opo por
cdigos distintos por parte da populao, o que significa que o uso do portugus
acarreta uma escolha significativa, reforando a posio poltico-ideolgica do
indivduo.
As lnguas africanas concorrem num mesmo territrio com as lnguas anglfonas
ou lusfonas, lnguas do ex-colonizador, como o caso de Moambique, Angola,
Tanznia, frica do Sul, Zmbia, e outros, dando lugar a situaes de plurilinguismo ou
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multilinguismo. Assim, importante tecermos consideraes tericas acerca do
plurilinguismo, fenmeno lingustico que observado em Moambique e em vrios
outros pases africanos.
De acordo com o Quadro Comum Europeu, o conceito de plurilinguismo est
ligado ao ensino de lnguas estrangeiras. Este conceito difere do multilinguismo, na
medida em que este se refere basicamente oferta de diferentes lnguas estrangeiras
para a aprendizagem e ao processo de motivao dos alunos para a aprendizagem de
diferentes lnguas, enquanto que o plurilinguismo no se refere apenas ao domnio de
diversas lnguas, mas tambm estreita relao entre lngua e cultura.
Afirma o Documento:
A competncia plurilngue e pluricultural refere-se habilidade de usar
lnguas para propsitos de comunicao e tomar parte em interao
intercultural, onde uma pessoa vista como um agente social tem proficincia,
de nveis variados, em diversas lnguas e experincia de diversas culturas
(CONSELHO da EUROPA, 2001, p. 168).
Sobre o assunto, Gonalves; Andrade (2007, p. 64), argumentam que
desenvolver a competncia plurilngue valorizar a construo da identidade atravs do
contato com outras lnguas e culturas pela promoo de uma educao para a cidadania
de abertura e respeito pela diferena. Para estas autoras, o contato com outras vivncias
e outros modos de ser e estar na vida promove o enriquecimento humano e fomenta uma
maior abertura de esprito, condies fundamentais na construo de uma competncia
plurilngue e intercultural que conduza compreenso e aceitao de outras maneiras de
pensar, de encarar a realidade e de agir. Deste modo, e tendo em conta o objetivo acima
mencionado, as autoras afirmam que as prticas de educao em lnguas tero que se
reconceitualizar preocupando-se em fazer do sujeito, no um bilngue perfeito, mas
algum dotado de uma competncia que evolua no sentido de uma competncia
plurilngue (GONALVES; ANDRADE, 2007, p. 64).
Assim, a competncia plurilngue designa a capacidade de cada falante ativar
capacidades e conhecimentos que possui, ou seja, diz respeito ao repertrio lingustico
de que o falante dispe, de forma a ser capaz de comunicar e compreender mensagens
numa dada situao de comunicao que se constri pela presena de mais de uma
lngua, conforme argumentam as autoras j citadas:
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esta competncia relativamente autnoma face aos contedos e materiais
escolares, j que se estrutura e evolui para alm da escola, noutros contextos
que so os contextos de vida e de formao dos prprios sujeitos, afirmando-se
como uma competncia plural, evolutiva e flexvel, necessariamente
desequilibrada e aberta ao enriquecimento de novas competncias em funo
de novas experincias verbais (GONALVES; ANDRADE, 2007, p. 66).
A competncia plurilngue compe-se de quatro dimenses: socioafetiva; gesto
dos repertrios lingustico-comunicativos; gesto dos repertrios de aprendizagem; e a
gesto de interao (GONALVES; ANDRADE, 2007, p. 66).
Gonalves; Andrade (2007, p. 68), ainda discutindo a competncia plurilngue,
destacam estratgias que podem auxiliar os aprendizes a desenvolv-la:
a construir a sua identidade cultural e lingustica atravs da integrao nessa
construo da experincia diversificada do outro; e a desenvolver a sua
capacidade para aprender, atravs de uma mesma experincia diversificada
de relacionamento com vrias lnguas e culturas (GONALVES.;
ANDRADE, 2007, p. 70).
Assim, a funo do professor passa a ser no s ensinar uma lngua particular,
mas possibilitar a construo e o desenvolvimento da competncia plurilngue,
respeitando, valorizando e incluindo outras lnguas na sua prtica curricular.
Fonto afirma (2011, p. 4), em relao ao plurilinguismo e apoiando-se no
Quadro Europeu Comum de Referncias (QECR), que o plurilinguismo decorre direta
ou indiretamente das competncias de intercompreenso e de comunicao intercultural.
Esse conceito assenta, sobretudo, na necessidade de dar resposta diversidade
lingustica e cultural de um pas e de comunicar numa sociedade que , cada vez mais,
multilngue e multicultural.
O plurilinguismo, segundo o autor acima citado, admite uma dimenso
intercultural que, na prtica, se traduz pela interao e/ou mediao scio comunicativa.
Desse modo, a educao em matrias de lnguas constitui-se, sobretudo, como um
espao privilegiado de objetivos polticos consignados para a cidadania democrtica
(FONTO, 2011, p. 5).
Essa definio de plurilinguismo acentua o fato de que a experincia pessoal de
um indivduo, no seu contexto cultural, se expande para a sociedade em geral e, depois,
para as lnguas de outros povos (aprendidas na escola, na universidade) ou por
experincia direta. Essas lnguas e culturas no ficam armazenadas em compartimentos
mentais rigorosamente separados. Ao contrrio, constri-se uma competncia
comunicativa, para a qual contribuem todo o conhecimento e toda a experincia das
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lnguas bem como a compreenso de como as lnguas em questo se inter-relacionam e
interagem (FONTO, 2011, p. 5).
A seguir, passamos a apresentar o ponto referente variao sociolingustica na
viso de alguns autores, seguida da variao sociolingustica em Moambique.
3.1 A variao sociolingustica na viso de alguns autores
Para melhor entendermos a diversidade lingustica de Moambique, cabe-nos
definir o que bilinguismo e o que ser bilngue em pases com contextos plurilngues.
Segundo Cmara Jnior (1974, p. 94), bilinguismo a capacidade de um
indivduo de usar duas lnguas distintas, como se ambas fossem a sua lngua materna,
optando por uma ou por outra, conforme a situao social em que no momento se ache.
Esta definio, porm, no se diferencia muito da de Hamers; Blanc (1989, p. 6),
segundo o qual o bilinguismo o controle de duas lnguas equivalente ao controle de
que o falante nativo dessas lnguas capaz. Para estes autores, o sujeito bilngue
aquele que funciona em duas lnguas em todos os domnios, sem apresentar
interferncia de uma lngua na outra.
No entanto, esta definio de bilinguismo contestada por Cavalcanti (2007, p.
72), que problematiza a questo de definir quem o falante nativo que tomado como
modelo e qual o seu controle lingustico. Ela afirma que, no conjunto dos falantes
nativos de uma dada lngua, sempre se encontra uma variedade imensa de
comportamentos lingusticos, a depender da procedncia, da faixa etria, do gnero, da
ocupao, do nvel de escolarizao. Entende-se da que o falante nativo e sua
competncia sejam uma abstrao. Para alguns autores, h a noo de que o sujeito
bilngue seria a somatria perfeita de dois monolngues igualmente perfeitos - o que
quer que isso signifique. Tal situao nos remete noo de bilinguismo equilibrado,
defendido por investigadores, como Grosjean (1982, p. 91) e MacSwan (2000, p. 37),
que alertam para o fato de que o bilngue verdadeiro, no o idealizado, no exibe
comportamentos idnticos na lngua X e na lngua Y. Sua proficincia depende do
tpico, da modalidade, do gnero discursivo em questo. A depender das necessidades
impostas por sua histria pessoal e pelas exigncias de sua comunidade de fala,3 ele
3 Questes que envolvem a necessidade ou o desejo de reafirmao de identidade tnica ou social
frequentemente afetam o grau de competncia exibida pelo bilngue.
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capaz de usar melhor uma lngua do que outra e, at mesmo, de comunicar-se melhor
em apenas uma delas em certas prticas comunicativas. Assim, a competncia
comunicativa de um sujeito bilngue s pode ser compreendida e avaliada, quando se
consideram as funes que ambas as lnguas de seu repertrio verbal tm para ele.
Diferentemente do sujeito monolngue, cuja carga funcional da linguagem est
inteiramente alocada em uma nica lngua, o bilngue tem esta mesma carga distribuda
em duas e, por isso, avaliar um comportamento exclusivamente em uma delas avali-
lo apenas parcialmente. Sabe-se que as competncias do sujeito bilngue no so fixas,
estveis. medida que as exigncias para cada lngua mudam, muda a configurao do
repertrio do bilngue, modificando, tambm, o falante.
O funcionamento discursivo do sujeito bilngue prev a utilizao de mudana
de cdigo (code switching) e emprstimos lingusticos (borrowings) em sua gramtica4.
Segundo Gumperz (1982, p.75) o code switching, um fenmeno lingustico natural
que consiste no uso alternado de dois ou mais cdigos nas interaes conversacionais
entre indivduos bilngues. O mesmo autor ressalta que a escolha no marcada do
cdigo na conversao feita de maneira suave e quase que instantnea, no havendo,
portanto, negociaes abertas a respeito da lngua a ser utilizada, uma vez que h uma
partilha de cdigos e princpios de interpretao e pressuposies tcitas entre os
participantes. Assim, mesmo que os falantes sejam livres em relao sua escolha de
cdigo, a interpretao de tal escolha restrita. Relativamente aos emprstimos
lingusticos, sabe-se que estes ocorrem quando uma lngua integra uma palavra existente
em outra lngua, sendo que a palavra no sofre grandes alteraes e mantm o mesmo
sentido. Algumas dessas palavras emprestadas de outras lnguas na lngua portuguesa
passam por um processo de aportuguesamento que no deixa claro para o emissor que
se trata de uma verdadeira influncia que outras lnguas exercem sobre a mesma. Este
processo ajuda na ampliao do lxico, podendo adotar e adaptar um termo de outra
lngua qualquer em determinado momento histrico. Sabe-se tambm que os
emprstimos fazem parte dos neologismos formais. No Portugus de Moambique
(PM), o processo de formao de novas unidades lexicais tambm se rege aos
procedimentos normais de criao lexical, quer atravs da forma, quer atravs do
sentido, embora saibamos que no podemos confundir neologismos com emprstimos e
estrangeirismos, conforme aponta Vilela (1995, p.23). No entanto, para o caso do PM
4 Ver a este respeito Baker (1993, p. 102), Romaine (1989, p. 99), Gumperz (1982, p.75)
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que se encontra em contato permanente com as lnguas bantu, os emprstimos esto
muitas vezes integrados nos neologismos formais, como podemos ver nos exemplos de
Silva (2009, p.113) quando demonstra que foram criados, no poema de Craveirinha5,
neologismos a partir tanto do lxico portugus como do ronga que foram lexicalizados
no PM, como o caso das palavras inconstruir (cidades inconstrudas) no poema
Hino minha Terra ou timbileiros, tocadores de timbila (a maviosa velha
canganhia dos timbileiros/acaba os cios) no poema Timbileiro em (Karingana wa
Karingana) de Jos Craveirinha. Existem ainda no lxico do PM algumas palavras que
provm das lnguas bantu ou do ingls, palavras que entraram na lngua, mas que
mantiveram a sua forma original, ainda que sejam de uso corrente, como o caso das
palavras Shopping Center, show, compact disc, feedback, workshop, nice, backgraund,
(que provm do ingls) e txova- xitaduma, dumba-nengue, tchungamoio, vunar, etc (que
provm das lnguas bantu).
Entretanto, Cavalcanti (2007) ao abordar a questo do code switching afirma que
um bom bilngue transita de uma lngua para outra justamente porque, diferente do
monolngue, tem competncia nas duas lnguas. O code switching no falta de
competncia, mas sinal de competncia bilngue, algo que faz muito sentido quando
consideramos que a mudana de cdigo no se d atravs de misturas ad hoc. Esses
procedimentos so, para o bilngue, recursos comunicativos poderosos dos quais ele
lana mo com frequncia para, pragmaticamente, atribuir sentidos vrios aos seus
enunciados, para expressar a afetividade6, relao de poder, mudana de tpico,
identidade social e ou tnica, dentre outras possibilidades. No se trata de um deficit,
mas de um recurso sofisticado com que somente os bilngues podem contar. Por essa
razo, os bilngues se sentem mais vontade na companhia de outros bilngues, pois na
interao com monolngues no podem lanar mo de todas as habilidades
comunicativas que tm sua disposio (CAVALCANTI, 2007, p. 75)7.
5 Jos Craveirinha um escritor e poeta moambicano que publicou vrias obras quando em vida.
6 Veja-se o caso do bilngue em Moambique, que falante em duas lnguas maternas (a do pai e a da
me), que para evitar conflitos familiares, fala numa determinada lngua materna numa situao de
conversao com a av materna e noutra lngua com a av paterna, para que todas compreendam o
discurso. 7 Veja-se, a ttulo de exemplo, os estudantes estrangeiros em pases monolngues, que so bilngues ou
falantes de mais de duas lnguas, que se vm, por vezes, impotentes em uma situao de comunicao,
quando querem expressar-se em suas lnguas maternas, para melhor explicarem os seus sentimentos, ou
traduzirem expresses com exemplos que s nas suas lnguas maternas seriam possveis e com maior
impacto comunicacional.
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O estudo do bilinguismo remete-nos para a relao lngua e sociedade, questo
objeto de estudos da Sociolingustica.
Para Lopes (2001, p. 84), o objeto de estudo da sociolingustica a fala viva em
seu contexto real, no apenas a lngua idealizada, objeto de outros tipos de estudo.
Afirma ainda que a Sociolingustica uma cincia que estuda fatos lingusticos
propriamente ditos em contextos sociais especficos, buscando descrever e interpretar as
relaes que tais fatos mantm com o contexto social de sua produo. Assim, a
Sociolingustica preocupa-se em explicar a variabilidade lingustica e sua relao com
diversos fatores lingusticos e sociais, buscando tambm relacionar variao e mudana
lingustica. Desse modo, a Sociolingustica considera a heterogeneidade como uma
situao natural ou normal da lngua (LOPES, 2001, p. 84).
Lopes (2001, p. 84) afirma tambm que a heterogeneidade lingustica vista
como uma heterogeneidade ordenada. Sendo parte integrante da economia lingustica da
comunidade, a heterogeneidade necessria para satisfazer a demandas lingusticas da
vida cotidiana e deve ser entendida como distinta da variao livre. Para a autora, a
ocorrncia de variantes relaciona-se a traos do ambiente interno e a caractersticas
externas, do falante e da situao (estilo contextual, status e mobilidade social,
etnicidade, sexo, idade). Assim, a escolha de variantes identifica o falante, seu grupo
social, sua faixa etria, sexo etc. As presses sociais operam continuamente sobre a
linguagem, no apenas em um passado remoto, mas como uma fora dinmica que atua
constantemente no presente (LOPES, 2001, p. 85).
Segundo Tarallo (2007, p. 6), fazendo referncia a Chomsky (1965) o objeto dos
estudos lingusticos a competncia lingustica do falante-ouvinte ideal, pertencente a
uma comunidade linguisticamente homognea, fato que ele contesta na sua obra.
Segundo ele, esse falante-ouvinte ideal no parece ser to falante ouvinte nem
tampouco ideal. A cada situao de fala em que nos inserimos e de qual participamos,
notamos que a lngua falada heterognea e diversificada. essa situao de
heterogeneidade que deve ser estudada atravs de uma teoria da variao lingustica em
todas as sociedades, particularmente as plurilngues, como Moambique, em que a
maioria da populao , pelo menos, bilngue. Esta teoria um modelo terico-
metodolgico que, segundo Tarallo (2007, p. 7) assume o caos lingustico como objeto
de estudo. Este modelo seria meramente social, pois no meio social as variantes
coexistem em seu campo natural de batalha (TARALLO, 2007, p. 7).
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Sabe-se que em toda comunidade de fala so frequentes as formas lingusticas
em variao, denominadas variantes. Assim, consideram-se como variantes
lingusticas as diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e
com o mesmo valor de verdade. A um conjunto de variantes d-se o nome de varivel
lingustica (TARALLO, 2007, p. 8). De acordo com a teoria da variao, toda e
qualquer variante de uma lngua adequada linguisticamente e inapropriado dizer-se
que h variantes piores ou melhores. nesta sequncia de ideias que Silva (2009, p. 18)
afirma:
Alm de no haver lngua melhor ou pior, no h lnguas primitivas ou
evoludas toda lngua permite a expresso de qualquer conceito. Caso seja
necessrio incorpora-se vocabulrio novo ampliando-se o lxico da lngua em
questo. Todas as lnguas mudam continuamente (SILVA, 2009, p. 18).
Contudo, no o que se tem verificado no dia-a-dia em relao lngua,
principalmente em contextos plurilngues. Sabe-se que falantes de qualquer lngua
prestigiam ou marginalizam certas variantes, a partir da maneira pela qual as sequncias
sonoras so pronunciadas e/ou construdas. Trata-se de variantes de prestgio e variantes
estigmatizadas e, consequentemente, as variantes padro e as variantes no-padro que,
ou so relacionadas com a classe de prestgio e a um grau relativamente alto de
educao formal dos falantes, ou se desviam desses parmetros (SILVA, 2009, p. 12).
Esta classificao das variantes vale para todos os pases em que, juntamente
com a lngua padro, coexistem outras lnguas, como o caso de pases plurilingues,
semelhana do portugus falado em Moambique que, para uma grande maioria de
falantes de algumas regies deste pas, marcado pelo sotaque/pronncia das lnguas
nacionais desses falantes.
3.2. A variao sociolingustica em Moambique
As variaes em lngua portuguesa em Moambique abrangem as dimenses,
que incluem aspectos fontico-fonolgicos, morfo-sintcticos, semntico-pragmticos e
retricos. Apresentamos, em seguida, alguns exemplos dessa variao, que marcam o
estado de nativizao do portugus em Moambique. Um fator evidente que d um
aspeto nico ao portugus falado em Moambique a variao do sotaque que, muitas
vezes, surge em conexo com uma transferncia de propriedades das lnguas maternas
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moambicanas. Entre os traos que mostram este tipo de transferncias incluem-se os
seguintes:
a) Ensurdecimento das oclusivas sonoras, tpicas dos falantes nativos do emakhuwa.
O sistema fonolgico do emakhuwa s contm oclusivas surdas e, por isso, no
contempla uma distino fonolgica entre oclusivas sonoras e surdas, como o
portugus faz.
Ex. (PE)/bola/...(PM) /bola/....(emakhuwa) /pola/
(PE) /burro/...(PM) /burro/....(emakhuwa) /purro/
b) traos lexicais: surgem atravs de emprstimos lexicais das lnguas maternas no
portugus falado em algumas zonas de Moambique:
Ex. Dumba-nengue, palavra de origem ronga, lngua moambicana, que literalmente
significa confie nas suas pernas, uma expresso usada em referncia a um tipo de
mercado informal, na zona sul de Moambique. A palavra uma combinao de ku-
dumba, confiar e nengue, p/perna. Indica o fato de que os mercados informais
so ilegais e, por isso, os vendedores tm que fugir constantemente da polcia,
confiando nas suas pernas.
Ex. Tchova-xitaduma, que literalmente significa v empurrando, que vai pegar,
usada em referncia a um tipo de carroa que empurrada por um homem. A palavra
uma combinao de ku-tchova, empurrar, e ku-duma, o pegar de um motor.
Ex. Tchungamoio, que literalmente significa aperta corao isto , palavra usada no
PM para significar mercado informal, mercado repleto de malfeitores, oportunistas e
saqueadores de bolsas das senhoras desatentas. Esta palavra transferida para o PM, em
toda a cidade da Beira, zona centro de Moambique.
Ex. Mukhero, que significa contrabando fuga ao fisco na importao e
exportao de mercadorias. Trata-se de um mercado informal, realizado nas fronteiras
dos pases vizinhos de Moambique. Esta palavra entrou no PM por via da lngua
changana. O termo mukhero designa uma prtica exercida pelos residentes das vilas
fronteirias e consiste no transporte de mercadorias em pequenas quantidades, tantas
vezes quantas as necessrias de e para cada um dos lados da fronteira com a
condescendncia das autoridades alfandegrias. O indivduo que pratica o mukhero
designado de mukherista.
Ex. Chima, que significa piro de farinha de milho, ou de outro cereal, que
geralmente acompanha os pratos de peixe ou carne. Esta palavra entrou no PM por via
das lnguas emakhuwa, cisena e cinyngwe, zonas norte e centro de Moambique.
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De um modo geral, em Moambique, a populao bilngue no contexto das
lnguas bantu moambicanas, que so cerca de vinte, cada uma possuindo normalmente
certo nmero de dialetos. s vezes, existem falantes de duas lnguas ou mais lnguas
dentro do mesmo grupo lingustico. Entretanto, para fins educativos, as comunidades
so consideradas e definidas como linguisticamente homogneas, dado que, de um
modo geral, h uma lngua que o principal meio de comunicao local e, no caso de
programas de educao bilngue, a lngua usada como meio de ensino nas primeiras
classes. Os contextos urbanos so linguisticamente heterogneos devido afluncia de
falantes de diversas lnguas nos mesmos locais.
Estudos de Lopes (2004, p. 27), Firmino (2000, p. 33), Ngunga (1992, p. 7),
Gonalves (1999, p. 36), Katupha (1988, p. 12), sociolinguistas moambicanos, e os
dados do III Recenseamento Geral da Populao e Habitao (2007) feito pelo Instituto
Nacional de Estatstica, em Moambique, mostram que, numa populao de cinco anos
de idade ou mais, os que sabem falar portugus nas zonas urbanas equivalem a uma
percentagem de 72.4% e, nas zonas rurais, de 25.4%, dos quais 15.6% so mulheres.
Entretanto, os que tm o portugus como lngua materna equivalem a 17% nas zonas
urbanas e representam 2% nas zonas rurais.
Assim, para o contexto educacional, vislumbra-se um cenrio deveras
preocupante, j que, quando ingressa no ensino primrio, a maioria dos alunos no fala
o portugus. Tal situao se afigura ainda mais grave no que tange aos alunos do meio
rural, onde o portugus praticamente lngua estrangeira, ouvida pela primeira vez em
contexto de sala de aula, devido quase inexistncia de meios de comunicao que
possam difundir esta lngua.
Assim, o fato de o portugus em Moambique ser para a maioria da populao
moambicana lngua segunda (L2) e/ou lngua estrangeira (LE), e o fato de a maioria da
populao ser bilngue fazem com que o setor da educao passe por avaliaes
regulares dos programas de ensino, particularmente na busca de melhores metodologias
de ensino do portugus, principalmente na educao primria. Outrosim, so regulares
a idealizao e implementao de estratgias do ensino do portugus, assim como a
procura de melhores atitudes a tomar face s diferentes variantes do portugus em
Moambique, quando se toma como parmetro o portugus-padro europeu, usado
como norma.
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CAPTULO II: PORTUGUS COMO LNGUA ESTRANGEIRA E
SEGUNDA LNGUA EM MOAMBIQUE
1. Introduo
Em frica a lngua portuguesa oficial uma opo poltica, uma atitude nacional
e tem, atualmente, uma ligao estreita com a sobrevivncia dos territrios como pases
independentes.
A histria da colonizao em Moambique bem como as relaes com outros
povos e culturas criou para a Lngua Portuguesa uma diversidade de situaes de
contato e de contextos de aprendizagem de que tm resultado produtos lingusticos, de
grupo ou individuais, diferentes entre si. Esses produtos so designados pelos termos
Portugus Lngua Segunda e Portugus Lngua Estrangeira.
Sabe-se que nos pases africanos em que o Portugus lngua oficial a maior
parte dos falantes dessa lngua a tm como lngua segunda. No entanto, com essa
afirmao, no significa dizer que nesses pases, no haja um grupo da populao que a
desconhece completamente, o que nos pode levar a pensar que, para esse grupo, o
Portugus seja lngua estrangeira.
Entretanto, verifica-se que no campo estrito do ensino, o conhecimento de lnguas
no maternas tem consequncias positivas: as crianas que dominam mais do que uma
lngua tm probabilidades acrescidas de atingir um nvel superior de desenvolvimento
das capacidades metalingusticas e cognitivas, e esto mais bem preparadas para
adquirir novas lnguas e novas culturas, e para reconhecer a importncia de usar vrias
lnguas.
Assim, e se quisermos acentuar a importncia de valorizar a lngua portuguesa
entendendo-a como uma riqueza das sociedades que a falam, o portugus encontra-se
bem posicionado para se tornar uma escolha possvel no campo do ensino e
aprendizagem, tanto como lngua segunda ou como lngua estrangeira.
1.1 Aquisio e aprendizagem do Portugus
importante salientar que o portugus segunda lngua (L2) e/ou lngua
estrangeira (LE) para a maioria da populao moambicana, embora seja considerado
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lngua oficial e lngua de unidade nacional. Porm, h que distinguir o portugus como
lngua estrangeira do portugus como segunda lngua, j que no se trata de lnguas
maternas. Lnguas estrangeiras distinguem-se, segundo Gonalves (2000, p. 8), pelo
fato de serem tipicamente aprendidas por via instrucional, com exposio lingua-alvo
no contexto restrito da sala de aula, ao passo que as segundas lnguas (L2) so
adquiridas em ambiente natural, com exposio lngua-alvo no s na escola como no
seio da comunidade em que vivem os aprendizes. Segundo a mesma autora, a aquisio
das L2s pode decorrer em comunidades de falantes nativos (como acontece, por
exemplo, com os imigrantes que aprendem uma L2 no pas em que esta a lngua
materna (L1) da comunidade) ou em comunidades em que a L2 tambm uma lngua
no-materna para a maior parte dos seus membros (como acontece em sociedades ps-
coloniais, em que a lngua colonial no tipicamente a L1 da comunidade que a fala).
Gonalves (2000, p. 9) afirma que o uso de L2 por falantes de diversas camadas sociais,
com diferentes nveis de competncia, d origem a um conjunto de diferentes
subvariedades no nativas dispostas ao longo de um continuum polilectal e reala ainda
que o surgimento destas subvariedades locais no exclusivo das comunidades
bilngues. Fazendo referncia Kato (1993, p. 20), d exemplo do portugus do Brasil
que, apesar de aprendido tipicamente como uma L1, encontra-se numa fase de
competio de variantes (GONALVES, 2000, p. 9).
Ainda sobre a aquisio de segunda lngua e/ou de lngua estrangeira, Carioni
(1988, p. 50) faz, primeiramente, uma distino entre aprendizagem e aquisio. Para
essa autora, aquisio um processo que ocorre no nvel do subconsciente, funcionando
por fora da necessidade de comunicao enquanto impulso vital, funo que o crebro
no pode deixar de cumprir ao ser exposto aos impulsos auditivos identificados como
mensagem codificada em lngua. J a aprendizagem significa saber as regras, ter
conscincias delas, poder falar sobre elas, exigindo, portanto, um esforo consciente.
Para esta autora, a hiptese que distingue aquisio de aprendizagem pressupe que
adultos tambm adquiram uma segunda lngua, com uma quase perfeio de falantes
nativos, sem nenhum conhecimento consciente de suas regras (CARIONI, 1988, p. 52).
No entanto, Carioni (1988, p. 53), ao fazer referncia aquisio de segunda
lngua, fala do ponto de vista de Krashen (1982, p. 98 apud CARIONI, 1988, p. 53)
sobre a hiptese do input. Segundo essa autora, para que a aquisio se processe, isto ,
para que se passe de um estgio da lngua para outro, preciso que o input esteja um
pouco alm do estgio atual em que se encontra o indivduo em fase de aquisio. Em
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outras palavras, se a competncia atual na lngua i, o input deve conter informao
lingustica em grau alm dessa competncia, i + 1, e o indivduo em fase de aquisio
deve ser capaz de entender o input contendo i + 1 (CARIONI, 1988, p. 53).
Para Carioni (1988, p. 54), o processamento da lngua no ocorre isoladamente,
mas em conjuno com uma srie de outros fatores de ordem emocional, cultural, social
que contribuem para a caracterizao da lngua como instrumento de expresso
individual e grupal, facilitando ou inibindo a aquisio. A fora da hiptese do input
est no fato de que o foco deve ser na mensagem, na comunicao que se quer obter.
Segundo a autora acima citada, a correo do indivduo, na hiptese do input
ocorrer com o tempo e maior exposio e depender de sua quantidade e qualidade.
Quanto mais exposio e mais correto for o input que o falante receber, melhor ser a
sua produo lingustica (CARIONI, 1988, p. 55).
Outro aspeto focado pela mesma autora, diz respeito ao filtro afetivo, que est
relacionado com o papel que fatores tais como motivao intrnseca, ansiedade e
autoconfiana desempenham no processo de aquisio de uma lngua. Esta hiptese se
baseia na observao de que indivduos com atitudes positivas em relao lngua
estrangeira aprendero com mais facilidade, pois tendem a buscar mais input, e, por
apresentarem um filtro afetivo mais fraco ou baixo, o input recebido penetrar naquela
parte do crebro que responsvel pela aquisio da linguagem. Esses fatores afetivos,
que podem impedir ou facilitar o recebimento do input, embora importantes, so
externos ao dispositivo de aquisio. O filtro afetivo explica porque, apesar de
exposio a uma grande quantidade de input, pode-se no atingir um nvel de falante
nativo, fossilizando-se a lngua antes de atingir esse nvel (CARIONI, 1988, p. 56).
Assim, transposta para a sala de aula, a hiptese do filtro afetivo implica que a
situao ideal para ensino aquela que mais encoraja uma diminuio das barreiras
psicolgicas, tais como a ansiedade, a inibio ou falta de confiana, melhor motiva o
maior nmero de alunos, desenvolve a autoconfiana e atitudes receptivas
aprendizagem, favorecendo, assim, uma busca e recepo maior de input.
Consequentemente, o melhor professor de lngua aquele que pode fornecer input
correto, que pode tornar esse input o mais compreensvel possvel, em condies de
mais baixa ansiedade (CARIONI, 1988, p. 56).
No entanto, para Pupp Spinass (2005, p. 18), a aquisio de segunda lngua (L2
ou SL) d-se quando o indivduo j domina em parte, ou totalmente, a sua L1, ou seja,
quando ele j est em um estgio avanado de aquisio de sua lngua materna. Para
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esta autora, segunda lngua uma no primeira lngua que adquirida sob a necessidade
de comunicao e dentro do processo de socializao. A situao tem que ser favorvel:
um novo meio, um contato mais intenso com uma nova lngua que seja importante para
a comunicao e para a integrao social. Para o domnio de uma segunda lngua,
necessrio que a comunicao seja diria e que a lngua desempenhe um papel na
integrao em sociedade (PUPP SPINASS, 2005, p. 18).
Muitas vezes, quando se aborda a questo de aquisio de uma segunda lngua,
parte-se do fato de que as pessoas tm a necessidade de possuir um segundo idioma, no
s porque um pr-requisito para adquirir emprego, na maioria das vezes, mas tambm
porque a prpria globalizao assim o exige. No entanto, esses pressupostos no
abrangem fatos relacionados aquisio de segunda lngua em situaes normais de
exposio a lnguas diferentes da primeira lngua, como o caso de crianas que, logo
nos primeiros anos de vida, so expostas aquisio de uma segunda lngua por vrios
motivos.
Sabe-se que os estudos sistemticos de como as pessoas adquirem uma segunda
lngua so um fenmeno relativamente recente, datando do final do sculo XIX.
A Aquisio de Segunda Lngua (ASL) expresso derivada do ingls Second
Language Acquisition (SLA) refere-se no somente a aprender uma segunda lngua
como tambm uma terceira ou quarta lnguas. A aprendizagem de uma segunda lngua
traz consigo uma dualidade, tanto pelo fato de se adquirir conhecimento sobre essa nova
lngua e transform-lo em algo inteligvel, de prtica intelectual, quanto por desenvolver
a habilidade comunicativa necessria para interagir com outros falantes. No entanto,
essa aprendizagem pode ser feita automaticamente em contato com a segunda lngua no
meio ambiente do aprendiz (exemplo das crianas expostas naturalmente aquisio de
segunda lngua, dentro do ambiente familiar) e, tambm, pode ser feita quando o
aprendiz entra em contato com a segunda lngua numa situao de ensino, a partir de
ensinamentos bsicos da lngua, atravs de gramticas, dicionrios, numa situao de
sala de aula.
Segundo Krashen (1988, p. 76), a aquisio de segunda lngua, ou language
acquisition, refere-se ao processo de assimilao natural, intuitivo, subconsciente, fruto
de interao em situaes reais de convvio humano, em que o aprendiz participa como
sujeito ativo. semelhante ao processo de assimilao da lngua materna pelas crianas,
processo este que produz habilidade prtico-funcional sobre a lngua falada e no
conhecimento terico. Desenvolve familiaridade com as caractersticas fonticas da
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lngua, sua estruturao e seu vocabulrio. responsvel pelo entendimento oral, pela
capacidade de comunicao criativa e pela identificao de valores culturais. Uma
abordagem inspirada em aquisio valoriza o ato comunicativo e desenvolve a
autoconfiana do aprendiz. De acordo com Krashen (1988, p. 78),
Language acquisition refers to the process of natural assimilation, involving
intuition and subconscious learning, which is the product of real interactions
between people where the learner is an active participant. It is similar tongue
way children learn their native tongue, a process that produces functional skill
in the spoken language without theoretical knowledge 8 (KRASHEN, 1988, p.
78).
No entanto, o conceito de aprendizagem de segunda lngua, ou language
learning, est ligado abordagem tradicional de ensino de lnguas, assim como ainda
hoje praticada nas escolas. A ateno volta-se lngua na sua forma escrita e o objetivo
de levar o aluno a entender a estrutura e as regras da lngua, atravs de esforo
intelectual e de sua capacidade dedutiva lgica. Esta situao deixa pouco lugar para a
espontaneidade, porque, geralmente, o professor assume o papel de autoridade no
assunto, sendo a participao do aluno frequentemente passiva. Este um processo
progressivo e cumulativo, normalmente ligado a um plano didtico pr-determinado,
que inclui memorizao de vocabulrio e tem por objetivo proporcionar conhecimento
metalingustico:
Its a progressive and cumulative process normally tied to a preset syllabus
that includes memorization of vocabulary. It seeks to transmit to the student
knowledge about the language, its functioning and grammatical structure
with its irregularities, its contrasts with the students native language,
knowledge that hopefully will produce the practical skills of understanding
and speaking the language. This effort of accumulating knowledge becomes
frustrating because of the lack of familiarity with the language9 (KRASHEN,
1988, p. 82).
8 A aquisio de lngua refere-se ao processo de assimilao natural, envolvendo intuio e aprendizagem
subconsciente, que o produto de interao real entre pessoas onde o aprendiz um participante ativo.
similar ao modo como crianas aprendem sua lngua nativa, um processo que produz habilidades
funcionais na lngua falada sem conhecimentos tericos. (traduo nossa) 9 um processo progressivo e cumulativo normalmente ligado a resumos prvios que incluem
memorizao de vocabulrio. Procura transmitir ao estudante conhecimento acerca da lngua, suas
funes e estrutura gramatical com suas irregularidades, seus contrastes com a lngua nativa do estudante,
conhecimento que ir ajudar a produzir as habilidades prticas para entender e falar a lngua. Este esforo
de acumulao de conhecimento torna-se frustrante por causa da falta de familiaridade com a lngua.
(traduo nossa)
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Sabe-se que o aluno que adquire qualquer segunda lngua atravs do processo da
aprendizagem poder ter muito mais vocabulrio do que aquele que adquiriu essa
segunda lngua por assimilao, mas que muito dificilmente saber se comunicar como
esse segundo. Pode-se citar como exemplo o crescente nmero de formados pelos
diversos cursos de lnguas encontrados na atualidade, mas que tm muitas dificuldades
ao se comunicarem em uma segunda lngua.
Entretanto, as aquisies de uma L2 e de uma LE se assemelham no fato de
serem desenvolvidas por indivduos que j possuem habilidades lingusticas de fala, isto
, por algum que possui outros pressupostos cognitivos e de organizao do
pensamento, usados para a aquisio da L1. Uma diferenciao entre essas duas formas
de aquisio da lngua no-materna baseia-se, fundamentalmente, no papel ou funo da
SL na cultura do falante.
No entanto, devemos ter em mente que a capacidade de se comunicar numa
lngua estrangeira importante para a formao do indivduo e constitui uma das oito
competncias essenciais necessrias para a realizao pessoal, a cidadania ativa, a
coeso social e a empregabilidade na sociedade do conhecimento. Por isso, devemos
estar atentos ao valor intercultural da aprendizagem lingustica e a seus benefcios
cognitivos. Sabemos, tambm, que a aprendizagem das lnguas desenvolve a ateno, a
percepo, a memria, a concentrao, o pensamento terico e o pensamento crtico,
bem como a capacidade de resolver os problemas e de trabalhar em equipe. Alm disso,
estes benefcios so extremamente importantes para o bem-estar do indivduo na
sociedade, em todos os nveis (PUPP SPINASS, 2005, p. 27).
Em Moambique, o portugus tem o estatuto de L2 e/ou LE para a maioria da
populao. No meio rural, onde h predominncia das lnguas locais, da famlia bantu e
onde aprendido s em contexto de escola, contexto no qual a maioria da populao,
muita raramente, entra em contato com esta lngua no dia-a-dia, tem que ser
considerado como uma lngua estrangeira, diferentemente do meio urbano em que o
portugus pode ser considerado como uma L2 e j faz parte do ambiente lingustico dos
alunos que entram para a escola. Somente em situao escolar que os alunos entram
em contato, pela primeira vez, com esta lngua, j que os dados da nossa pesquisa
mostram claramente que os alunos s aprenderam esta lngua, tanto na oralidade como
na escrita, na escola.
Como afirma Nhongo (2009, p. 26), a aprendizagem das lnguas estrangeiras
deve iniciar-se quando a criana ainda jovem. A aprendizagem precoce destas lnguas
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proporciona criana o desenvolvimento da sua capacidade de memorizao, de
raciocnio e de reflexo crtica, mas, ao mesmo tempo, deve aproveitar e expandir a sua
imaginao e fantasia. Para tal, as metodologias utilizadas devem ser centralizadas na
criana e estar associadas s atividades que tenham interesse para ela (NHONGO, 2009,
p. 26).
Em algumas zonas de Moambique, normal verificar-se, principalmente nas
zonas rurais e suburbanas em que o portugus lngua estrangeira para os alunos, o uso
de variantes lingusticas que, por vezes, so to marcantes numa comunidade lingustica
que socialmente so vistas como variante-regional, e marcam uma determinada
comunidade lingustica. Esse o tipo de varivel lingustica que marcada pela
presena dos segmentos fnicos /b/ e /p/ em algumas formas lingusticas do portugus
falado no Guru, no centro de Moambique, lugar da nossa pesquisa, onde a populao
falante do elomwe como lngua materna. Nesta lngua, no existem as consoantes
oclusivas vozeadas, ou oclusivas sonoras, (/b/, /d/ e /g/). Por isso, quando aprendem o
portugus, os falantes desta lngua produzem consoantes no vozeadas, ou surdas, (/p/,
/t/ e /k/) no lugar das vozeadas, ou sonoras.
Convm ainda sublinhar que essas variantes lingusticas regionais tambm
abrangem as provncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa, a norte do pas, onde a
populao falante do emakhuwa e do emeetto.
Esta variao verifica-se nas modalidades oral e escrita da maioria dos falantes
dessas lnguas. Portanto, a variante fontica /b/ corresponde variante /p/ e a variante
fontica /d/ corresponde variante /t/. Este fenmeno pode ser justificado por fatores
lingusticos (condicionamento das variantes por fatores internos) e no lingusticos
(condicionamento das variantes por fatores externos como faixa etria, classe social).
No entanto, nessas zonas de Moambique, essa variao abrange falantes de todas as
classes sociais, de qualquer faixa etria e, tambm, de todos os nveis de escolaridade.
Essa situao faz com que esse grupo populacional seja estigmatizado e
descriminado pela restante populao moambicana, devido ao seu modo de falar e
escrever o Portugus. Essa estigmatizao do Portugus falado pelas pessoas falantes do
elomwe, do emakhuwa e do emeetto em Moambique, construda nos discursos
hegemnicos presentes no dia-a-dia, tem contribudo para uma autoimagem negativa
por aqueles que se sentem inseguros e discriminados ao falarem o Portugus.
Segundo Grosjean (1982, p. 32), afirmar que os falantes com marcas de variao
lingusticas regionais falam mal a LE e/ou L2, aprendidas na escola, pode induzir esses
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falantes a assimilarem o discurso do preconceito lingustico preconizado pelas
representaes de lnguas de grupos majoritrios, adotando atitudes negativas em
relao forma de falar de sua comunidade lingustica, produzindo esteretipos, ao se
verem como falantes que falam um Portugus diferente da norma adotada pela
sociedade.
Muitas das vezes essas falas preconceituosas criam conflitos lingusticos, no
geral, em ambientes sociais e, em particular, em ambientes escolares. Sabe-se que, a
assimetria e o preconceito decorrentes do contato entre as lnguas nacionais e a lngua
portuguesa, eleita como lngua padro em Moambique, tambm atingem a escola.
A propsito de outro contexto sociolingustico, Maher (2008, p. 27) faz
referncia a fronteiras que, no sendo impermeveis, existem entre a instituio escolar
e o mundo fora dela. Assim, para essa autora, as relaes sociais, os embates culturais e
disputas lingusticas da sociedade chegam escola e, vrias vezes, adquirem ainda mais
fora nesse contexto.
Convm aqui lembrar o que diz Tarallo (2007, p. 11) sobre a variao
sociolingustica numa comunidade de fala. De fato, ele assinala que as variantes se
encontram sempre em relao de concorrncia: padro x no-padro; conservadora x
inovadora; de prestgio x estigmatizadas. Em geral, a variante considerada padro , ao
mesmo tempo, conservadora e aquela que goza de prestgio sociolingustico na
comunidade, enquanto as variantes inovadoras so quase sempre no-padro e
estigmatizadas pelos membros da comunidade. Contudo, tendo em conta a forma de
pensar de Tarallo (2007) no se pode considerar a forma de falar dos falantes com
marcas de variao lingustica, como formas incorretas ou ruins, mas sim, como uma
questo de atitude sociolingustica dos membros dessa comunidade, porque as atitudes
lingusticas so as armas usadas pelos residentes para demarcar seu espao, sua
identidade cultural, seu perfil de comunidade, de grupo social separado (TARALLO,
2007, p. 14).
Assim, podemos dizer que a lngua pode ser fator extremamente importante na
identificao de grupos, em sua configurao, como tambm uma possvel maneira de
demarcar diferenas sociais no seio de uma comunidade.
Em seguida passamos a apresentar algumas reflexes tericas acerca do
letramento nas zonas rurais de Moambique.
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2. Letramento nas zonas rurais de Moambique: Uma questo a ser estudada.
O termo letramento em Moambique um termo novo e merece toda a ateno
por parte dos linguistas e dos dirigentes da educao, j que seria importante que se
verificasse como se d esse letramento e qual o tipo de letramento que se verifica nos
alunos das zonas rurais, por forma a encontrarem algumas solues para as dificuldades
que os professores enfrentam no ensino da escrita em portugus bem como na lngua
materna do aluno.
No entanto, julgamos que estudar a questo do letramento em Moambique,
particularmente nas escolas de educao bilngue, premente, dado que pode ser uma
soluo para os problemas dos alunos que entram pela primeira vez na escola, caso os
professores aproveitem do conhecimento que os seus alunos trazem das suas prticas
sociais de letramento nas comunidades para ensinar no s a escrita do portugus como
tambm a escrita da lngua materna. Assim, iremos dedicar algumas linhas neste ponto
do trabalho tendo em conta o ponto de vista de alguns linguistas sobre a questo de
letramento.
Nesta tese, iremos adotar o conceito de letramento a partir das teorias de Street
(1993, p. 102), tendo em conta o seu modelo ideolgico. Para este autor, a questo do
letramento deve ser estudada de acordo com uma abordagem etnogrfica, isto porque o
letramento no pura e simplesmente um conjunto de habilidades tcnicas uniformes
a serem transmitidas queles que no as possuem o modelo autnomo, mas sim que
existem vrios tipos de letramento nas comunidades, e que as prticas associadas a esse
letramento tm base social.
Nessa modalidade nova de estudar o letramento, encontramos o contraste entre
os modelos de letramento o modelo autnomo e o modelo ideolgico, bem como
os conceitos de eventos de letramento e de prticas de letramento.
Para Street (2003, p. 4, 2000a, p. 67), o modelo autnomo normalmente surge
em contextos de desenvolvimento, como uma simples tcnica em que as pessoas
precisam aprender uma forma de decodificar as letras. Este modelo, para este autor,
funciona com base da suposio de que, em si mesmo, o letramento, de forma
autnoma, ter efeitos sobre outras prticas sociais
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