carvalho, alonso. burocracia e educacão moderna

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  • Burocracia e Educao Moderna Anotaes a partir de Max Weber

    Alonso Bezerra de CarvalhoDepartamento de Educao FCL Unesp/Assis

    A educao contempornea, herdeira dos valores modernos, no se conscientizou das profundastransformaes pelas quais passou a sociedade: tanto nas novas idias, que o mundo atual gera,como nos comportamentos que da advm. Ainda viveramos num mundo burocratizado. Estetrabalho pretende refletir sobre um dos temas que compem o arcabouo terico da sociologiaweberiana, fazendo a sua interface com a educao. A compreenso da dominao burocrticaconstitui elemento fundamental para entendermos os dilemas por que passam os homens no mundo,que teria se tornado cada vez mais racionalizado. No funcionamento do mecanismo burocrtico huma otimizao da organizao, em que tudo deve ser preciso, constante e rpido. O cumprimentoobjetivo das tarefas significa, primordialmente, um cumprimento de tarefas segundo regrascalculveis e sem relao com pessoas. Quando plenamente desenvolvida, a burocracia modernase coloca sob o princpio do sine ira et studio. Sua natureza especfica, bem recebida pelocapitalismo, desenvolve-se mais perfeitamente na medida em que desumanizada, na medida emque consegue eliminar da conduta humana o amor, o dio e todos os elementos pessoais, irracionaise emocionais que fogem ao clculo. Esse carter burocrtico do mundo repercute na aoeducativa, sobretudo quando a liberdade e a autonomia so impedidas de serem vivenciadas pelosindivduos. Ser mortal, o homem constri sua liberdade no tempo, no tempo desta vida que deve sertransformado no tempo da dignidade humana. Para isso, preciso considerar necessrio oenfrentamento do mundo burocrtico, que estabelece um cenrio frio, calculista - violentando oshomens -, para que o mundo e a vida no deixem de ser apenas uma possibilidade abstrata. Essadeve ser a responsabilidade da ao educativa.

    Burocracia e Educao Moderna Anotaes a partir de Max Weber

    Alonso Bezerra de CarvalhoDepartamento de Educao FCL Unesp/Assis

    Na crnica Cem cruzeiros a mais, Fernando Sabino trata do comportamento de umfuncionrio de um banco que, por excesso de exao, no entende e no atende s solicitaes deum cliente que queria devolver o dinheiro que recebera a mais numa operao bancria(Cf. SabinoIn: Andrade, 1979). Embora a crnica seja uma caricatura do que Weber compreende porburocracia, ela ilustra como se organiza a vida social em nossos tempos. uma caricatura porquepara Weber a burocracia difere daquilo que apresentado na crnica que se caracteriza pelochamado burocratismo dos funcionrios incompetentes, cujo trabalho funda-se num formalismoineficaz, desanimado, lento e geralmente irracional. Em Weber, a burocracia significa o aspectoeficiente, rpido e competente do que outras formas histricas de administrao. a forma maisracional de exerccio de dominao, porque nela se alcana tecnicamente o mximo de rendimentoem virtude de preciso, continuidade, disciplina, rigor e confiabiliade, intensidade eextensibilidade dos servios, e aplicabilidade formalmente universal a todas espcies de tarefas(...)Toda nossa vida cotidiana est encaixada nesse quadro(Weber, 1998 : 145). Deste modo, ela seexpande no apenas em organizaes estatais ou empresariais, mas praticamente em todos oscampos da vida social.

  • 2Como sabemos, a burocracia , em Weber, um tipo de dominao que, na modernidade, seestrutura em princpios cujos regulamentos, normas e aes humanas so distribudos de forma fixacomo deveres oficiais, isto , como atribuies oficiais fixas. elemento central da estruturaorganizada burocraticamente a adoo de medidas metdicas, estveis, em que a autoridade podeusar at de meios coercitivos, fsicos, para o cumprimento dos deveres e direitos estabelecidos.Essas autoridades - na verdade, funcionrios -, so pessoas que tm ou devem ter qualificaes eaptides para serem nomeadas para tais funes. A autoridade ou a administrao burocrticadesenvolveu-se plenamente somente com a apario do Estado moderno e, na economia privada,apenas nas mais avanadas formas do capitalismo. Mesmo que encontremos no Antigo Orientesinais dessa autoridade, isto no constitui a norma mas, sim, a exceo.

    A dominao burocrtica caminha de mos dadas com a concentrao dos meios materiaisde administrao nas mos de um senhor. No seu desenvolvimento, vemos ocorrer uma separaodo domiclio privado do funcionrio, sobretudo no servio pblico. Olhando para a Alemanha desua poca, Weber observa algo que se estende a todo ocidente moderno, isto , um processo deburocratizao no campo da pesquisa e da instruo cientficas, onde ocorre um controle excessivodos meios de investigao e exposio. Atravs da concentrao desses meios nas mos do chefeprivilegiado do instituto, a massa de pesquisadores e docentes separada de seus meios deproduo, da mesma forma que a empresa capitalista separou os trabalhadores dos seus. Enfim, hum processo de enfraquecimento das relaes pessoais entre os indivduos.

    No funcionamento do mecanismo burocrtico h uma otimizao da organizao, em quetudo deve ser preciso, constante e rpido. A burocratizao oferece, acima de tudo, a possibilidadetima de colocar-se em prtica o princpio de especializao das funes administrativas, de acordocom consideraes exclusivamente objetivas. O cumprimento objetivo das tarefas significa,primordialmente, um cumprimento de tarefas segundo regras calculveis e sem relao compessoas. Quando plenamente desenvolvida, a burocracia moderna tambm se coloca, num sentidoespecfico, sob o princpio do sine ira et studio. Sua natureza especfica, bem recebida pelocapitalismo, desenvolve-se mais perfeitamente na medida em que a burocracia desumanizada,na medida em que consegue eliminar dos negcios oficiais o amor, o dio e todos os elementospessoais, irracionais e emocionais que fogem ao clculo. essa a natureza especfica da burocracia,louvada como sua virtude especial. Quanto mais complicada e especializada torna-se a culturamoderna, tanto mais seu aparato de apoio externo exige o perito despersonalizado e rigorosamenteobjetivo, ao invs do mestre das velhas estruturas sociais, que era movido pela simpatia epreferncias pessoais, pela graa e gratido.

    Quando se estabelece plenamente, a burocracia est entre as estruturas sociais mais difceisde destruir. Ela o meio que transforma uma relao comunitria em relao associativaracionalmente ordenada1. Portanto, como instrumento de socializao das relaes de poder, aburocracia para quem controla o aparato burocrtico - um instrumento de poder de primeiraordem. E, onde a burocratizao da administrao foi completamente realizada, uma forma derelao de poder se estabelece de modo praticamente inabalvel. O burocrata profissional est preso sua atividade por toda a sua existncia material e ideal. Na grande maioria dos casos, ele apenasuma engrenagem num mecanismo sempre em movimento, que lhe determina um caminho fixo. Ofuncionrio recebe tarefas especializadas e normalmente o mecanismo no pode ser posto emmovimento ou detido por ele, iniciativa esta que tem de partir do alto. O burocrata individual est,assim, ligado comunidade de todos os funcionrios integrados no mecanismo. Eles tm interessescomuns em fazer que o mecanismo continue suas funes e que a autoridade exercida socialmentecontinue. 1 Em Economia e Sociedade Weber explica que uma relao comunitria se d quando uma ao socialrepousa no sentimento subjetivo dos participantes de pertencer (afetiva ou tradicionalmente) ao mesmogrupo. Por sua vez, d-se uma relao associativa quando a ao funda-se num ajuste ou numa unio deinteresses racionalmente motivados(com referncia a valores ou fins)(Cf., Weber, 1998 : 25-7)

  • 3A burocracia baseia-se no treinamento especializado, numa especializao funcional dotrabalho e numa atitude fixada para o domnio habitual e virtuoso de funes nicas e, no obstante,metodologicamente integradas. A idia de eliminar essas organizaes torna-se cada vez maisutpica. No basta destruir os documentos, como queria os discpulos de Bakunin, pois os homenstm uma inclinao para as regras e regulamentos habituais. Funcionrios e governados estocondicionados. O mundo ocidental est alicerado e constitudo de uma grande burocracia omundo seria uma estrutura interna racionalizada.

    As conseqncias da burocracia dependem da direo que os poderes que usam o aparatolhe derem. Nos tempos modernos, a burocratizao e o nivelamento social dentro das organizaesestatais, em conexo com a destruio dos privilgios feudais e locais, beneficiaram freqentementeos interesses do capitalismo. A democratizao da sociedade em sua totalidade, no sentido modernoda palavra, seja prtica ou talvez meramente formal, uma base especialmente favorvel para aburocratizao, mas de forma alguma a nica possvel. Afinal de contas, a burocracia lutasimplesmente para nivelar os poderes que ficam em seu caminho e nas reas que, no casoindividual, ela busca ocupar (Cf., Weber, 1982 : 267-8).

    O treinamento especializado do funcionalismo forma o ncleo do aparato, e sua disciplina o pressuposto absoluto do xito. Quanto mais diferencia-se a sociedade e quanto maiscomplicadas so suas tarefas, tanto mais sua existncia depende do poder dos funcionrios. Weberdiz que

    os alemes desenvolveram, de forma virtuosa, a organizao racional, burocrtica,especializada e baseada na diviso do trabalho, de todas as associaes humanas, desde afbrica at o exrcito e o Estado(Weber, 1999 : 540).

    A Primeira Guerra Mundial representou significativamente a marcha triunfal dessa forma de vidapelo mundo inteiro. Esse processo de racionalizao alastrava-se por todos os cantos: universidades,escolas superiores tcnicas e comerciais, escolas industriais, academias militares, escolasespecializadas de todos os tipos imaginveis.

    Em todos esses lugares, a voz era uma s: a formao do funcionrio especializado, tendo odiploma de exame como fundamento de todas as pretenses de reconhecimento social. Tudo issoconstitua a verdadeira exigncia do dia . Esta situao significa a criao da burocracia. Nosendo a nica forma moderna de organizao, do mesmo modo que a fbrica no , nem de longe, anica forma de empresa industrial, a burocracia torna-se a concepo que orienta as aes doshomens modernos, imprimindo seu timbre na era atual e no futuro previsvel. burocratizaopertence o futuro, diz Weber.

    Diante dos outros portadores histricos da moderna ordem racional da vida, a burocraciadestaca-se por ser inescapvel em muito maior grau, tornando seu carter essencialmentemais definitivo do que o daquelas outras: a especializao e o treinamentoracionais(Weber, 1999 : 540).

    Como convm tcnica racional da vida moderna, o funcionrio moderno est cada vez maissujeito, constante e inevitavelmente, a um treinamento especfico e cada vez mais especializado.Todas as burocracias do mundo tomam este caminho.

    Na estrutura burocrtica, o funcionrio tem poderes absolutos, cuja toda organizao doabastecimento vital elementar apia-se sobre seus servios. Para Weber,

    seria teoricamente imaginvel uma eliminao progressiva do capitalismo privado, aindaque isto no seja mesmo uma coisa fcil, como sonham alguns que no o conhecem. Mas, postoque um dia isso acontea, esta eliminao de modo algum significaria, na prtica, uma ruptura dapriso de ao do moderno trabalho industrial, mas sim uma burocratizao tambm da direo dasempresas estatizadas ou transformadas em algum tipo de empresas coletivas(Weber, 1999 :541).

    Para entendermos melhor o que representa a burocracia podemos imagin-la atravs de umafbrica. A fbrica moderna funciona como uma mquina inanimada, forando os homens a servir-

  • 4lhe, determinando de modo dominante o dia-a-dia de sua vida profissional. Uma mquinainanimada esprito coagulado, afirma Max Weber. E continua:

    esprito coagulado tambm aquela mquina animada representada pela organizaoburocrtica, com sua especializao do trabalho profissional treinado, sua delimitao dascompetncias, seus regulamentos e suas relaes de obedincia hierarquicamentegraduadas. Aliada mquina morta, ela est ocupada em fabricar a forma externa daquelaservido do futuro, qual, talvez um dia, os homens estaro obrigados a submeter-se semresistncia(Weber, 1999 : 541-2).

    A burocracia, portanto, est na ordem do dia. Tecnicamente ela superior a todas formas deorganizao que existiram na histria. No h no passado uma estrutura que ordene a vida melhorque ela. Seria uma carapaa irresistvel.

    A constatao de Weber d conta de que a organizao burocrtica tornou-se, com oprocesso de desencantamento do mundo, o meio de poder mais altamente desenvolvido nas mos dohomem (Cf., Weber, 1982 : 268). Ela busca aumentar a superioridade dos que so profissionalmenteinformados e especializados, mantendo secretos seus conhecimento e intenes. Tendencialmente,a administrao burocrtica sempre uma administrao que exclui o pblico(Weber, 1999 :225). Procura por todos os meios ocultar seu conhecimento e ao da crtica.

    A tendncia para o segredo em certos setores administrativos segue sua natureza material:em toda parte que os interesses de poder da estrutura de domnio para com o exterior estoem jogo, seja ele um concorrente econmico de uma empresa privada, ou um Estadoestrangeiro, potencialmente hostil, encontramos o segredo(Weber, 1982 : 270). Ofuncionrio especializado, o estado racional e o direito formal tornam-se os efeitos maisgerais e de longo alcance produzidos pelo avano da estrutura de dominao burocrticaracional, que exerceram uma profunda transformao nas condies de vida do homemmoderno.

    Educao e Modernidade

    Weber no escreve textos que tratam diretamente de educao, mas fornece indicaes que,olhadas com cuidado, contribuem na formulao de tipologias pedaggicas. Tambm no debate otema da violncia de maneira explcita. Mas verdade que tanto um tema como outro podem serretirados de suas reflexes sobre a dominao burocrtica. Vimos que o domnio burocrticofomentou a vida moderna na direo da objetividade racional e do homem profissionalespecializado.

    Para Weber, a dominao a probabilidade de encontrar obedincia2 a uma ordem dedeterminado contedo, entre determinadas pessoas indicveis. E esta situao est ligada presena efetiva de algum mandando eficazmente em outros, mas no necessariamente existncia de um quadro administrativo(Cf., Weber, 1998 : 33). Constitui fundamento para apersistncia da dominao no apenas os motivos puramente materiais ou afetivos ou racionaisreferentes a valores mas, sobretudo, a crena em sua legitimidade. O grupo de pessoas que obedecedeve reconhecer que as ordens so legtimas. Dependendo da natureza da legitimidade pretendidadiferem o tipo de obedincia e o quadro administrativo destinado a garanti-la, bem como o carterdo exerccio da dominao(Weber, 1998 : 139).

    Para garantir esse estado de coisas uma das formas mais utilizadas a educao. Para que oindivduo seja dominado, obediente e torne-se um homem de[ou da] ordem necessrio se criar

    2 Obedincia significa que a ao de quem obedece ocorre substancialmente como se tivesse feitodo contedo da ordem e em nome dela a mxima de sua conduta, e isso unicamente em virtude da relaoformal de obedincia, sem tomar em considerao a opinio prpria sobre o valor ou desvalor da ordemcomo tal(Weber, 1998 : 140)

  • 5um aparato favorvel aquisio dos princpios que sustentam a burocracia, violentando-se a suapersonalidade.

    Observando as instituies educacionais da Europa de sua poca, Weber constata que elasso dominadas e influenciadas pela necessidade de um tipo de formao cultural que deveproduzir um sistema de exames especiais, indispensveis burocracia moderna. As universidades,as escolas superiores tcnicas e comerciais e as escolas de ensino mdio encontram-se sob ainfluncia dominante daquela espcie de educao que se torna indispensvel para o burocratismomoderno: o ensino especializado. Segundo Weber, somente a moderna burocratizao completad origem ao desenvolvimento irrefrevel do sistema racional de exames especiais(Weber, 1999 :231). Isto significa que, com a burocratizao do capitalismo, com sua exigncia de tcnicos efuncionrios preparados, generalizou-se o sistema de exames por todo o mundo, sobretudo quandose transforma em vantagens econmicas. Se os exames especiais tinham, no passado, a finalidadede garantir e preservar o educando na linhagem e no estamento ao qual pertencia, hoje representaum atestado de formao.

    O aperfeioamento dos diplomas [nas instituies educacionais], o clamor pela criao deatestados de formao em todas as reas, em geral, servem[hoje] constituio de umacamada privilegiada nos escritrios pblicos e privados(Weber, 1999 : 231).

    Em outras palavras se, no passado, a superioridade pessoal vinha da linhagem, na nova situao aprova desta superioridade se dava pela formao adquirida: a burocracia e o status adquiridopela formao elevada estavam unidos de maneira inseparvel.

    Esse novo segmento de intitulados coincidia com o corpo de funcionrios, cuja coeso sefunda no prestgio e no estilo de vida que os distinguem, cujas atitudes e ideais servem de norma aoresto da sociedade e que, atravs de um processo educativo, exercem uma influncia cada vez maiorsobre a cultura da sociedade. Assim, a sociedade passa a ser dominada por homens que necessitamde ordem e somente ordem e que, de to adaptados, ficam completamente inquietos e covardesquando esta ordem desaparece momentaneamente, encontrando-se totalmente perdidos. Nummundo assim, somente poderiam existir homens de ordem.

    O desejo de posse dos certificados justificam-se no mais por uma repentina sede desabedoria mas, sim, diz Weber, pelas pretenses de seus portadores de serem admitidos emcrculos que seguem cdigos de honra, de obterem uma remunerao respeitvel e umaaposentadoria assegurada, bem como terem preferncia em relao mo da filha do chefe e, lastbut not least, pela vontade de monopolizar cargos social e economicamente vantajosos. Nestesentido, a burocracia, tanto nos escritrios comerciais quanto no servio pblico, tanto portadorade um desenvolvimento especificamente estamental quanto o eram os detentores de cargos dopassado. Esse processo significa uma eliminao da pessoa em favor da riqueza e da propriedade(Cf.,Weber, 1999 : 231-2).

    Se compararmos com outras formas de dominao, vamos perceber que o prestgio social,em virtude do desfrute de determinada educao e formao no , por si mesmo, algo especfico doburocratismo. que outras estruturas baseiam-se em fundamentos distintos. Na dominaoteocrtica, feudal, helnica, na antiga burocracia patrimonial chinesa, a educao tinha comofinalidade no o especialista mas o homem culto, isto , o fim da educao no era a instruoespecializada, mas uma qualidade no modo de viver estimada como culta. A personalidade cultano sentido cavalheiresco ou asctico ou - como na China - literrio ou - como na Grcia - ginstico-musical-humanista ou, como entre os anglo-saxes, na forma convencional do gentleman, era oideal educativo determinado pela estrutura de dominao. As atitudes que determinavam a pertena camada senhorial no se referiam a um saber especializado, mas num mais de qualidadecultural. Isso tende a se perder na moderna burocracia. Tanto na formao helnica quanto namedieval e na chinesa, elementos totalmente distintos dos teis para determinada especialidadeconstituam o centro da educao(Weber, 1999 : 232).

    Quando se concebe uma educao que tem como objetivo tornar o indivduo capacitado acumprir ordens e se submeter a normas fixas e estatudas estamos diante de uma situao de

  • 6violncia, sobretudo quando h um processo de despersonalizao, como ocorre na dominaoburocrtica. Weber um pensador da liberdade. Para ele, o ensino representa um desafio ao cartere integridade do professor, o nico agente na sociedade responsvel por formar mentes do futuro.Ele levava o ensino to a srio quanto a sua pesquisa, e isto significa que ao pensador cabia ocompromisso com a objetividade, a livre investigao e o amor verdade.

    Como defensor dos ideais liberais, Weber sentia que, em seu prprio pas, a dominaoburocrtica difundia os seus tentculos vorazmente por todos os lugares. A universidade alemestava submetida s vontades frias dos integrantes do Estado ou da Igreja. A liberdade acadmicacorria srios riscos. Em artigos publicados nos Jornais e Revistas alems, considera que os membrosda classe acadmica na Alemanha estavam perdendo o sentido da dignidade de seu papelacadmico. Uma universidade como ele a imaginava no devia ser uma igreja nem uma seitanem uma instituio defensora do estado, mas um foro de liberdade e de luta intelectual, destacaMarianne Weber (Weber, 1997 : 354).

    A "liberdade acadmica", como Weber a diagnosticava na Alemanha de sua poca, estavamuito distante daquela defendida por ele. Muitos colegas de ctedra tinham um comportamentohostil em relao liberdade na atividade docente, defendendo que a tarefa das universidades eraformar jovens para servir ao Estado e Igreja. Estes professores consideravam que no se podiaconfiar, por exemplo, nos socialistas, uma vez que, segundo eles, eram inimigos da ordem social epoltica alem e que estavam decididos a destru-la. Portanto, nessa viso, um professor deveria seradmitido na ordem pblica, no somente por suas qualificaes cientficas, mas sobretudo pela "suadocilidade perante as autoridades polticas e seus costumes eclesisticos". Qualquer "protestopblico contra o sistema poltico reinante justifica a perda de uma ctedra". Dessa maneira,restaria s pessoas, que foram nomeadas professores universitrios, a sala de aula como lugar ondepoderiam expressar-se como queriam, independentemente de toda autoridade, porm desde que notornassem pblicas suas crticas. Observando a realidade alem, Weber constata o quanto osprofessores esto sujeitos a um processo de burocratizao e apolinizao da vida.

    preciso entender que, para Weber, o homem que se encontra por detrs de qualquerao. Esse homem singular, individual, ele vive num mundo pleno de valores os mais diversos,que coloca a si mesmo como orientadores de suas aes. Compreender essas aes no apontar ofim que os homens devem buscar, mas fornecer-lhe uma coerncia lgica, cabendo a cada umescolher o que melhor para a sua conduta, assumindo as repercusses de sua deciso.

    Weber renuncia idia de uma melhora global no destino da humanidade, o que o distanciada crena nas promessas otimistas do Iluminismo, de Durkheim e de Marx. Se verdade que acincia possibilita maior domnio do homem sobre a natureza como pensa Descartes -, tambm verdade que o tornou o maior predador dessa mesma natureza e, ao lado do domnio da natureza,propiciou o domnio sobre seus semelhantes. Como Marx, entende que o capitalismo no realizasuas promessas, no sendo, portanto, garantia de uma boa soluo para os problemas humanos. Masenquanto Marx faz previses otimistas acerca da superao do capitalismo, Weber no o faz.Embora denuncie o domnio das coisas sobre o homem, Weber no aponta qual sociedade seria amelhor, evitando, assim, a confuso entre os planos da cincia e da poltica, do ser e do dever-ser,do possvel e do desejvel. cincia no cabe prescrever fins ao poltica: a cincia no suficiente para apresentar imperativos para o futuro, mas apenas necessria para estabelecerpremissas no presente.

    No entanto, Weber mantm uma crena iluminista na razo que fez da racionalidade olugar da ao livre, fundando a escolha de cada um sobre a irracionalidade dos seus prpriosvalores. Apesar do processo de racionalizao burocrtica, a histria se faz pela liberdade. Aliberdade a que se refere no entendida como a escolha do melhor, daquilo que se deve fazer, nosentido de uma hierarquia tica que culminaria numa sociedade solidria, harmoniosa e perfeita. Aliberdade, para Weber, no traz em si a garantia e, sim, o risco do qual pode resultar tanto o bemquanto o mal. Por isso, a tica da responsabilidade apontada, por ele, como a nica que se ajusta nossa poca, caracterizada pelo politesmo de valores, diante do qual o homem se encontra

  • 7continuamente no dever de escolher entre alternativas conflitantes. A escolha entre valores no racional, a prpria liberdade. Racional s a coerncia, o clculo entre meios e fins (Cf.,Argello, In: Souza, 1999 : 166). A liberdade, portanto, inclui a imperfeio. No h o melhor dosmundos possveis, como acredita Pangloss em Cndido, de Voltaire.

    Os temas weberianos que apresentei at agora, creio eu, fornecem elementos pararediscutirmos o significado que a educao tem num mundo desencantado e violentamenteburocratizado. De incio, tentemos imaginar como, geralmente, o cotidiano de uma sala de aula:os alunos sentam-se enfileirados, vestidos uniformemente, obrigados a se comportarem tambmuniformemente com uma postura ereta, silenciosos e atentos aos ensinamentos -, proporcionandocondies para absorverem os conhecimentos de uma outra pessoa, que se julga detentor doconhecimento. Tais alunos, geralmente tratados como iguais, so colocados numa condio deaprendizagem dos mesmos contedos, na mesma velocidade e da mesma forma. No se respeitaseus conhecimentos prvios, suas diferenas em termos de capacidade, muito menos suas opiniessobre o que se est aprendendo. O aluno tem apenas o dever de aprender em um tempodeterminado, de uma forma preestabelecida e configurada de acordo com o que se cobra nasociedade burocratizada, relevando a sua histria de vida, suas experincias peculiares, seuspensamentos nicos e, principalmente, seus comportamentos e sentimentos diferenciados.

    Deste modo, seguindo os passos de Weber, seria necessrio, portanto, uma educao quefaa o clinamen ressurgir, que introduza no mecanismo racional e burocrtico da sociedademoderna o espao de libertao, que consiste em romper o determinismo inerente a qualquersituao objetiva e, de forma desviante, abrir espao para o exerccio da autonomia. Ser mortal, ohomem constri sua liberdade no tempo, no tempo desta vida que deve ser transformado no tempoda dignidade humana. Para isso, preciso considerar necessrio o enfrentamento do mundoburocrtico, que estabelece um cenrio frio, calculista - violentando os homens -, para que o mundoe a vida no deixem de ser apenas uma possibilidade abstrata. Essa deve ser a responsabilidade daao educativa.

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