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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE CONSTRUINDO COM SUCATA AUTORA OSANA DE AZEVEDO GONÇALVES BARRETO ORIENTADOR PROF. MARCO ANTONIO CHAVES Rio de Janeiro, RJ, setembro/2001

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

CONSTRUINDO COM SUCATA

AUTORA

OSANA DE AZEVEDO GONÇALVES BARRETO

ORIENTADOR

PROF. MARCO ANTONIO CHAVES

Rio de Janeiro, RJ, setembro/2001

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

CONSTRUINDO COM SUCATA

AUTORA

OSANA DE AZEVEDO GONÇALVES BARRETO

Trabalho Monográfico apresentado como requisito

parcial para obtenção do Grau de Especialista em

Arteterapia em Educação e Saúde

Rio de Janeiro, RJ, setembro/2001

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MORADA DO INVENTOR

A professora pedia e a gente levava,

achando loucura ou monte de lixo:

latas vazias de bebidas, caixas de fósforo, pedaços de papel de

embrulho, fitas, brinquedos quebrados, xícaras sem asa,

recortes de bichos, pessoas, luas e estrelas,

revistas e jornais lidos, retalhos de tecido,

rendas, linhas, penas de aves, cascas de ovo,

pedaços de madeira, de ferro ou de plástico.

Um dia, a professora deu a partida

e transformamos, colamos e colorimos.

E surgiram bonecos esquisitos,

bichos de outros planetas, bruxas,

e coisas malucas que Deus não inventou.

Tudo o que nascia ganhava nome, pais, casa,

amigos, parentes e país.

E nasceram histórias de rir ou de arrepiar!...

E a escola virou morada de inventor!

Poema de Elias José

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SUMÁRIO

Lista de Figuras 05

Resumo ..................................................................................................... 06

Introdução ................................................................................................ 07

1 – A Arte na Educação ........................................................................... 09

2 – O Processo Criativo e a Arte ............................................................. 12

3 – As Lições da Arte .............................................................................. 16

4 – O Material Alternativo e a Arte ........................................................ 22

5 – Construindo com Sucata .................................................................... 28

5.1 – Esculturas com sucata............................................................... 31

5.2 – Decoração com sucata ............................................................... 33

5.3 – Brinquedos com sucata.............................................................. 35

5.4 – Sucata na educação.................................................................... 39

6 – Conclusão ........................................................................................... 44

7 – Anexos ............................................................................................... 46

7.1 – Participação em Eventos Culturais ......................................... 46

7.2 – Declaração de Estágio ............................................................. 48

8 – Bibliografia ........................................................................................ 49

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LISTA DE FIGURAS

Página

30 Fig. 1 Sucatas

31 Fig. 2 Escultura “Churrasco”

32 Fig. 3 Escultura “Robô”

34 Fig. 4 Abajour de Sucata

34 Fig. 5 Porta-revista de Sucata

35 Fig. 6 Criança brincando com sucata

36 Fig. 7 Crianças selecionando sucatas

37 Fig. 8 Máquina de escrever de sucata

37 Fig. 9 Criança criando brinquedo com sucata

38 Fig. 10 Robô de sucata

43 Fig. 11 Criança construindo jogo com sucata

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RESUMO

Partindo de uma pesquisa exploratória, de observação de

experiências vividas por arte-educadores em escolas públicas e de apreciação de obras

de arte no sentido da utilização da sucata como material didático de fácil aquisição,

discutindo assim a importância da Arte na Educação e os processos criativos; seguido de

um histórico da Educação Artística ensinada no Brasil desde o século XIX até os dias de

hoje, observando os métodos e conteúdos utilizados.

Para maior compreensão do tema, uma explanação mostra

o caminho percorrido pelo Material Alternativo dentro da Arte, comprovando assim que

a utilização da sucata na Arte já foi explorada por grandes e famosos artistas.

Finalizando, a “construção com sucata” se dá pela análise

e observação de vários objetos recriados: esculturas, objetos de decoração, brinquedos e

jogos didáticos. Para recriar algo é preciso permitir a desmistificação e o esburacar _

para transformar e, assim, poder ressignificar. Construir com sucata é propor a criança

uma participação ativa, o fazer: que ela sinta vontade de lidar com os materiais e

invente, dando a eles a sua forma. Crianças concretizam idéias em pequenos projetos ao

construir objetos para brincar.

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INTRODUÇÃO

O tema deste trabalho de metodologia da pesquisa é a

Arte-Educação.Entendemos que arte é um modo de organizar experiências. Integrar a

Arte no processo educativo é, principalmente, desenvolver os processos mentais:

desenvolver a percepção e a imaginação, a capacidade crítica para analisar a realidade

percebida e encorajar o processo criativo, o qual permite novas respostas a esta

realidade.

O enfoque deste trabalho está no desafio em desenvolver

mecanismos que facilitem a exteriorização da criatividade e da livre expressão nas

aulas de Educação Artística nas escolas públicas, uma vez que não temos disponíveis

material e equipamento apropriados para isso.

Consideramos a criatividade um potencial inerente ao

homem, e a realização desse potencial uma de suas necessidades.

Criar corresponde a um formar, um dar forma a alguma

coisa. Sejam quais forem os modos e os meios, ao se criar algo, sempre se o ordena e se

o configura. Criar é, basicamente, formar. É dar uma forma a algo novo.

Podemos dizer que, independentemente de métodos e

principalmente através da livre auto-expressão, a arte representará sempre um veículo

complementar no desenvolvimento da criatividade, pela sua natureza de agente

interativo dos domínios afetivo, cognitivo e motor.

Sabe-se, entretanto, que para a implementação de projetos

na área de Educação Artística que tenham abrangência e eficácia significativas, é

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necessário utilizar equipamentos e materiais variados que, apesar de não representarem

valores financeiros relevantes, não estão disponíveis, nem se consegue que estejam com

muita facilidade, nas escolas da rede pública estadual do Rio de Janeiro. Junta-se a isso

a baixa renda das famílias dos alunos dessas escolas que inviabiliza, por exemplo, a

solicitação de aquisição desses equipamentos e materiais pelos próprios alunos.

Compreendemos, porém que todos os processos de criação

representam, na origem, tentativas de estruturação, de experimentação e controle,

processos produtivos onde o aluno se descobre, onde ele próprio se articula à medida

que passa a identificar-se com a matéria.

Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo

trabalhar com a Educação Artística, desenvolvendo a capacidade criadora e a livre

expressão através da utilização de materiais que sejam de fácil aquisição devido ao seu

baixo ou nenhum custo.

Procurando facilitar a execução do trabalho artístico junto

às escolas públicas, propomos o uso do material alternativo. Costuma-se denominar

material alternativo, ou sucata, aquele material que é usado e descartado pela sociedade,

ou sobras de lixo urbano que aparentemente não possuem mais utilidade, como também

materiais orgânicos.

Essa proposta de reaproveitamento do material

supostamente sem utilidade em trabalhos expressivos, já vem sendo realizado há muito

tempo dentro das artes plásticas. Vários foram os artistas que se beneficiaram dessas

técnicas, tais como: Juan Miró, Pablo Picasso, e outros.

Portanto, esse trabalho de pesquisa de metodologia

exploratória será contemplado por referenciados bibliográficos e análise após

observação de um grupo de 20 (vinte) alunos da Educação Infantil, meninos e meninas,

na faixa etária de 4 (quatro) a 7 (sete) anos, da rede pública estadual de ensino,

localizada no município de São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro.

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1 - A ARTE NA EDUCAÇÃO

Acredita-se que Arte não é apenas uma conseqüência de

modificações culturais, porém o instrumento provocador de tais modificações e,

portanto, baseia-se principalmente em pensamento divergente, enquanto que

Educação, pela sua natureza conservativa, baseia-se na convergência do pensamento.

Sabe-se que, pelos processos afetivos que mobiliza, a

Arte pode ser um poderoso auxiliar para o enriquecimento do processo de

aprendizagem dos demais conteúdos cognitivos escolares, e são firmemente aceitos os

objetivos relacionados com a ênfase dessa função da Arte-Educação.

O papel da Arte na Educação é afetado pelo modo como

o professor e o aluno vêem o papel da Arte fora da escola. Daí a necessidade de um

entendimento da teleologia da arte por parte do professor que, transmitido

informalmente aos alunos, dará boas razões para fazer Arte àqueles que usam

materiais e criam imagens somente porque têm de faze-lo na escola, reduzindo desse

modo a Arte a uma mera tarefa escolar agradável.

A Arte não tem importância para o homem somente

como instrumento para desenvolver sua criatividade, sua percepção, etc., mas tem

importância em si mesma, como assunto, como objeto de estudos.

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Além disso, nem toda criança virá a ser um produtor de

Arte, mas todas poderão ser observadores efetivos, extraindo do consumo visual os

mesmos benefícios auferidos na ação sobre os materiais e na construção de símbolos.

Para isso é necessário que aprendam, pela contemplação,

que o objeto de Arte age sobre quem o observa, organizando sentimentos e idéias e

permitindo que o processo de interpretar imagens mobilize o potencial criativo, da

mesma maneira que o processo de produzi-las.

Quando se pensa em Artes na escola, convém refletir

sobre valores, sentimentos, emoções e significações passadas através dessa forma de

comunicação de expressão. Esta, do mesmo modo que os outros meios educacionais,

não é neutra, cabendo ao educador, qualquer que seja sua área de atuação, assumir

uma posição crítica face à ação educativa que desenvolver.

Considerando que as Artes convergem a sua atuação,

mobilizando a pessoa de dentro para fora, a motivação e a criatividade merecem um

destaque especial. Mediante essa verdadeira alfabetização estética que pode ocorrer

em qualquer um de nós, pode-se estimular admiração e respeito pela natureza.

Concorda-se com Louis Porcher nesta colocação:

“a educação artística propõe-se a criar nos

indivíduos não tanto um amor problemático e

isolado pelas belas obras, mas sobretudo uma

consciência exigente e ativa em relação ao meio

ambiente, quer dizer, em relação ao panorama e à

qualidade da vida cotidiana desses indivíduos; a

educação artística propõe-se a criar nos indivíduos

não tanto aptidões artísticas específicas, mas

sobretudo um desenvolvimento global da

personalidade, através de formas as mais

diversificadas e complementares possíveis de

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atividades expressivas, criativas e sensibilizadoras;

a educação artística, porém, não se contenta apenas

com as virtudes instauradoras do acaso, do laissez-

faire e da não-intervenção, mas pressupõe, pelo

contrário, a utilização de métodos pedagógicos

específicos, progressivos e controlados, os únicos

capazes de produzir a alfabetização estética

(plástica, musical, etc.) sem a qual toda expressão

permanece impotente e toda criação é ilusória”.

Importam sobremaneira à educação artística os valores

do meio ambiente, a qualidade de vida. Nessa concepção estão incluídos os objetos

naturais e artificiais, os estímulos sensoriais, formas, cores, cheiros, sabores,

movimentos, ruídos, justaposição e superposição das qualidades percebidas, através

das quais o espaço se acha ocupado, ritmado, modulado, diferenciado, determinado,

como espaço familiar para quem o habita.

Isto significa que a Arte na Educação deve ser

duplamente explorada na escola: como processo, ligada a objetivos da psicologia da

criança e da Educação, enfatizados na prática da Arte, e como produto, ligada

especificamente às disciplinas da Arte, enfatizadas na observação das obras.

Na Educação, os modos de ver a Arte de dentro e de

ver a Arte de fora se completam. Devemos, portanto, educar os estudantes em Arte e

através da Arte, possibilitando-lhes não só o fazer artístico mas também o contacto

programado com a obra de arte adulta.

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2 - O PROCESSO CRIATIVO E A ARTE

Desde as primeiras culturas, o ser humano surge dotado

de um dom singular: mais do que ser fazedor, o homem é um ser formador. Ele é

capaz de estabelecer relacionamentos entre os múltiplos eventos que ocorrem ao redor

e dentro dele. Nas perguntas que o homem faz ou nas soluções que encontra, ao agir,

ao imaginar, ao sonhar, sempre o homem se relaciona e forma.

Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a

algo novo. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta por

sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar.

A percepção de si mesmo dentro do agir é um aspecto

relevante que distingue a criatividade humana. Movido por necessidades concretas

sempre novas, o potencial criador do homem surge na história como um fator de

realização e constante transformação.

Os processos de criação interligam-se intimamente com

o nosso ser sensível. Isto é, a criação se articula principalmente através da

sensibilidade. A sensibilidade é uma porta de entrada de sensações. Representa

abertura constante ao mundo e nos liga de modo imediato ao acontecer em torno de

nós.

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No processo de encorajamento à criatividade há

profunda necessidade de se atender aos conteúdos afetivos, do mesmo modo que aos

conteúdos cognitivos. O ensino criativo é aquele que dá estímulo, entusiasmo e

satisfação à aprendizagem. Esse ambiente criativo de ensino deve prover a criança

com experiências ricas e com encontros que lhe permitam lidar com a fantasia, ser

imaginativo, fazendo perguntas, maravilhando-se investigando e testando suas

próprias idéias e sentimentos contra os fatos.

Criar não representa um relaxamento ou esvaziamento

pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade; criar representa uma

intensificação do viver; um vivenciar-se no fazer; e, em vez de substituir a realidade, é

a realidade; é uma realidade nova que adquire dimensões novas pelo fato de nos

articularmos em níveis de consciência mais elevados e complexos. Daí o sentimento

do essencial e necessário no criar, o sentimento de um crescimento interior, em que

nos ampliamos em nossa abertura para a vida.

Compreende-se que todos os processos de criação

representam, na origem, tentativas de estruturação, de experimentação e controle,

processos produtivos onde o homem se descobre, onde ele próprio se articula à

medida que passa a identificar-se com a matéria. São transferências simbólicas do

homem à materialidade das coisas e que novamente são transferidas para si.

Seja qual for a área de atuação, a criatividade se elabora

em nossa capacidade de selecionar, relacionar e integrar os dados do mundo externo e

interno, de transforma-los com o propósito de encaminha-los para um sentido mais

completo.

Criatividade na Educação tornou-se um assunto que

envolve freqüentemente atitudes, consciente ou inconscientemente, hipócritas. Pais e

educadores concordam que é muito importante desenvolver a criatividade na sala de

aula, todos discordam sob sofísticas justificações, entre as mais comuns a de que tais

atividades representam um gasto de tempo inútil, quando há tanta coisa a “aprender”,

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como se não estivessem suficientemente comprovados os conteúdos cognitivos do

processo de criação.

O potencial criador elabora-se nos múltiplos níveis do

ser sensível-cultural-consciente do homem, e se faz presente nos múltiplos caminhos

em que o homem procura captar e configurar as realidades da vida. Os caminhos

podem cristalizar-se e as vivências podem integrar-se em formas de comunicação, em

ordenações concluídas, mas a criatividade como potência se faz sempre. A

produtividade do homem, em vez de esgotar, liberando-se, se amplia.

O vício de considerar que a criatividade só existe nas

artes, deforma toda a realidade humana. Constitui uma maneira de encobrir a

precariedade de condições criativas em outras áreas de atuação humana, por exemplo,

na da comunicação, que hoje transformou em meros meios sem fins, sem finalidades

outras do que comerciais. Reduz o fazer a uma rotina mecânica, sem visão ulterior de

humanidade.

Enquanto o fazer humano é reduzido ao nível de

atividades não criativas, joga-se para as artes uma imaginária supercriatividade,

deformante também, em que já não existem delimitações, confins de materialidade.

Há um não comprometimento até com as matérias a serem transformadas pelo artista.

Por isso mesmo, a arte permanece submersa num mar de subjetivismos.

A importância, portanto, da Arte para desenvolver a

criatividade não reside somente no papel de quebrar a ansiedade e a defesa. Pode-se

dizer que, de um modo geral, a Arte em relação ao desenvolvimento específico da

criatividade representa o papel de veículo complementar como agente interativo,

independente do método.

Isto é, mesmo o ensino de Arte com finalidade

profissionalizante, através de métodos estritamente artísticos ou estéticos, poderá ser

um auxiliar dos métodos específicos de desenvolvimento criativo e pode provocar

assistematicamente efeito positivo, estimulando o pensamento divergente.

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Entretanto, se os métodos que norteiam o ensino da Arte

não são estetizantes, mas também têm em vista os modelos mentais da operação

criativa, a Arte poderá desempenhar um papel mais decisivo no desenvolvimento da

criatividade.

Dependendo, portanto, dos métodos de ensino

empregados, a Arte pode ser, não apenas um auxiliar, mas o meio específico para o

desenvolvimento do processo criativo geral. É necessário, entretanto, repetir que essa

especificidade pode ocorrer somente se os métodos empregados incluírem exercícios

que envolvam deliberadamente os critérios do pensamento criativo, em lugar de

objetivar apenas valores estéticos.

Pode-se dizer que, independente de métodos e

principalmente através da livre auto-expressão, a Arte representará sempre um veículo

complementar no desenvolvimento da criatividade, pela sua natureza de agente

interativo dos domínios afetivo, cognitivo e motor.

Talvez mais do que qualquer outra disciplina, o ensino

da Arte pede que se estimule a criatividade natural da criança, não apenas criando

produtos artísticos, mas também apreciando, examinando e avaliando obras de arte;

interagindo com materiais e instrumentos variados; observando as relações entre o

homem e a realidade com interesse e curiosidade, indagando, discutindo,

argumentando e apreciando arte de modo sensível; construindo uma relação de auto-

confiança com a produção artística pessoal, respeitando a própria produção e a dos

outros; buscando e organizando informações sobre arte, reconhecendo e

compreendendo a variedade de produtos artísticos e concepções estéticas presentes na

história das diferentes culturas e etnias.

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3 – AS LIÇÕES DA ARTE

A dupla problematização do ensino da arte,

propondo uma unidade cultural resultante do relacionamento dialético entre dois

campos ideologicamente tão diversos, Arte e Educação, é talvez a principal

dificuldade que se apresenta ao seu especialista.

A Educação, como meio de conservação de

cultura, é naturalmente estratificadora e conformista, enquanto que a arte, como

instrumento de renovação cultural, é anticonformista e de caráter demolidor.

Todas as abordagens do ensino da Arte tinham

em comum a idéia de que o desenho geométrico e a ordem eram a base da natureza e

que semelhante desenho era imprescindível para a educação moral.

Esta concepção, que deu grande valorização à

Arte na Educação, levou o artista para a escola e venceu temporariamente a

preconceituosa concepção de Arte como adorno, originária dos primeiros vinte anos

do século XIX.

De 1800 a 1820, os programas de Arte eram

destinados especialmente às jovens de alta classe, que deviam ser instruídas

apropriadamente para a afetação de uma vida aculturada. Nesse tipo de vida, a Arte

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tinha papel importante. Fazer uma bonita pintura, ser capaz de fazer delicados objetos

era uma indicação de bom nascimento.

Contudo, nas escolas públicas, durante o mesmo

período, a Arte já era ensinada como uma habilidade que poderia ser útil em algumas

profissões. Na escola, a Arte era denominada Desenho e enfatizava conceitos

geométricos e era ensinada por professores não especializados.

Pelo século XX, com o romantismo, começou a

ser sentido que a experiência irracional, a experiência da forma visual e a experiência

que não poderia facilmente ser agrupada com velhas artes liberais poderia mostrar um

novo caminho do conhecimento humano. O romantismo, portanto, tirou o artista de

seu atelier, levando-o para a escola, e o fez atuar em todos os níveis, desde o curso

primário até o universitário.

A idéia da livre expressão, surgida no fim do

século passado, e a presente idéia de criatividade, que provocaram tão grandes

modificações conceituais na Arte-Educação, nos níveis primário e secundário, são,

nos Estados Unidos, resultantes de teorias psicológicas aplicadas à educação.

No Brasil, a idéia comum era a de que o estudo

da Arte “ameigaria o caráter”, refinaria a sensibilidade da mulher, além do que,

através da prática da Arte, ela assimilaria os princípios elementares da estética, tão

úteis à vida feminina.

A Arte nas escolas femininas de elite, nos

Estados Unidos e nas escolas católicas do Brasil, esteve, no século XIX, a serviço da

educação dessas “moças prendadas”.

No Brasil, porém, inexistia qualquer espécie de

programa de Arte para meninos. Exceção a esta regra foi o Seminário de Olinda, de

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Azeredo Coutinho, onde, já no programa de 1800, o desenho ultrapassando os limites

do desenho geométrico, teve seu lugar no currículo.

D. João VI, porém, proporcionou a iniciação de

um ensino artístico no Brasil ao trazer a “Missão Francesa”, que criou, em 1816, pra

somente começar a funcionar dez anos mais tarde, a instituição que seria a nossa

primeira escola de Belas Artes.

Nas décadas de 1870 e 1880, o desenho

geométrico e a cópia continuaram a torturar as crianças brasileiras, enquanto de 1890

a 1920 novos métodos de ensino de Arte revigoraram as escolas americanas. Pela

primeira vez, uma lei oficial apontava como principal finalidade da Arte na Educação

o “desenvolvimento do impulso criativo” e psicólogos começaram a enfatizar a

relação existente entre os processos afetivo e cognitivo, apontando a Arte da criança

como um elo vinculador entre eles.

A partir de 1920, com tentativas de reforma de

Sampaio Dória, depois reforçadas pela Escola Nova, começou no Brasil o movimento

de inclusão da Arte na escola primária como uma atividade integrativa, uma espécie

de segunda linguagem, para expressar ou para fixar o que tinha sido aprendido nas

aulas de geografia e de estudos sociais.

Na realidade, nossa primeira grande renovação

metodológica no campo da Arte-Educação se deve ao movimento de Arte Moderna de

1922. Mário de Andrade e Anita Malfatti foram os introdutores das idéias da livre-

expressão para a criança. Anita, orientando classes para jovens e crianças em São

Paulo, e Mário de Andrade promovendo programas e pesquisas na Biblioteca

Municipal de São Paulo, escrevendo artigos a respeito em jornais e introduzindo no

seu curso de História da Arte, estudos sobre a Arte da Criança.

A idéia da livre-expressão, originada no

expressionismo, levou à idéia de que Arte na educação tem como finalidade principal

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permitir que a criança expresse seu sentimento e à idéia de que Arte não é ensinada

mas expressada.

Somente em 1948, com a criação da Escolinha de

Arte do Brasil, novos horizontes se abrem para novas concepções, e o objetivo mais

difundido da Arte-Educação passou a ser, o desenvolvimento da capacidade criadora

em geral.

Agora a situação apresenta-se mais complexa.

Sabe-se que os processos intelectuais e emocionais não se mobilizam

automaticamente pelo ato de projeção de formas. É necessário ensinar a ver, a

analisar, a especular, a investigar. Todos os professores de Arte sabem da necessidade

de estudar a conhecer a teoria da percepção, a criatividade, a antropologia, a

sociologia e a estética, mas aos poucos estão realmente empenhados nisso. O resultado

é que, através de leituras ou modismos, novos objetivos vão sendo elaborados

sucessivamente para a Arte na Educação, mas nenhuma mudança de métodos é

operada.

A arte guarda sempre um lado lúdico que lhe é

essencial. O lúdico se apresente nas artes plásticas como um aspecto ligado à criança

(ou à criança interior, no caso do adulto) que explora os materiais em suas diversas

possibilidades, brinca com as cores, as linhas, a luz e as sombras, as texturas, as

formas, os volumes.

Quando a criança começa a se expressar através

do desenho não está preocupada em produzir uma obra, mas interessada na

experimentação das possibilidades de expressar-se de uma nova forma.

Progressivamente isso vai se transformando e podemos observar um esforço crescente

em produzir algo que corresponda a um certo projeto.

Este esforço concentrado, dirigido à produção de

um resultado desejado, cria as bases para o trabalho e a arte. Cabe afirmar que arte é

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trabalho. Uma forma específica de trabalho, talvez. O que é importante frisar é o

caráter ilusório das crenças, em uma criação espontânea, produzida pelo artista sob a

inspiração das musas. Arte envolve experimentação, conhecimento das formas e

materiais empregados; envolve esforço, sucessos e fracassos, alegrias e sofrimentos,

aprendizado e crescimento.

Um aspecto muito interessante é que o ensino da

arte não é isolado: a matéria interage com as outras. Em excursão ao centro da cidade

do Rio de Janeiro, por exemplo, os alunos vêem a paisagem urbana pelo lado artístico,

pelo histórico, pelo geográfico e pelo das ciências sociais. Isso tem a ver com uma

formação global do homem. Nessa integração, a arte tem papel importante.

Conhecer as técnicas artísticas e conviver com a

obra dos grandes criadores faz a criança ver o mundo com olhos mais críticos. A

exemplo disso, a professora Anamélia trabalha com a obra de grandes artistas, como

Van Gogh, Picasso, Miro, Portinari, Volpi, Modigliani e outros, nas suas aulas, da 2ª à

4ª série do Colégio Nossa Senhora das Graças, de São Paulo. Os alunos são

apresentados a um conjunto de obras dos artistas, depois aprendem a respeito das suas

vidas e do período em que viveram. Em seguida, observam e discutem detalhadamente

algumas das obras, enquanto fazem pinturas baseadas no que aprenderam.

Na 2ª série, o estudo das obras de arte destaca

mais os elementos da pintura – o ponto, a linha, a forma, a cor. Na 3ª série, o

importante é a questão do ângulo do observador e como isso se concretiza na obra de

arte ou no trabalho dos alunos. Já na 4ª série, o foco é a descoberta do processo do

artista, as relações entre sua vida e sua obra, para que o aluno trace um paralelo com

sua própria produção, vendo que, de certa forma, ele foi tão singular como o pintor, no

momento de sua criação.

A professora Anamélia, com vinte anos de ensino

da arte, acredita que as aulas contribuem para que a criança tenha uma percepção mais

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aguda do mundo, o que vai se traduzir por um olhar mais crítico no exercício da sua

cidadania.

Os pais das crianças em fase de alfabetização

colocam o ensino da arte em segundo plano, porque se sentem ansiosos quando os

filhos estão aprendendo a ler e a escrever. As crianças acham, então, que obra de arte

é objeto de decoração e que devem se limitar a copiar a natureza; tendem também a

valorizar a escrita, em detrimento do desenho e da pintura. Também nesse momento

há a preocupação da criança com o julgamento de sua produção. É comum que ela

pergunte se o trabalho de arte está certo ou errado. Muitas vezes, ela recorre ao

estereótipo, ao modelo já conhecido, com medo de se arriscar.

Por volta dos nove anos, a criança passa a

valorizar a representação fiel do real e perde o interesse pelo desenho, já que acha

difícil reproduzir realisticamente os objetos. Ela entra na fase do “eu não sei

desenhar”. Some-se a isso a força da massificação, imposta à criança sobretudo pela

televisão. O resultado é um desafio para o professor de arte: resgatar a criança

inventiva.

Valorizar o ensino da arte tem a ver com a

tendência pedagógica de se procurar desenvolver a criança como um todo,

despertando aspectos como a intuição, a sensibilidade e a criatividade. A arte é uma

linguagem que vai possibilitar ao indivíduo se comunicar, ter consciência das formas,

do seu corpo, dos sons à sua volta. A criança, assim, terá um olhar mais sensível e

atento para ler o mundo e mais possibilidade de expressar sua visão.

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4 – O MATERIAL ALTERNATIVO E A ARTE

O caminho iniciado pela arte no século XX

apresentou múltiplas tendências, porém o artista não se preocupou em ajustar-se a

elas. A partir do início do século XX o artista buscou e ainda busca novas formas e

diferentes meios e materiais para satisfazer a sua capacidade de criação e a sua livre

expressão. Nesse contexto variados estilos convivem em uma mesma época e por

vezes até no mesmo lugar.

Pablo Picasso e Georges Braque criaram um

novo estilo artístico que rompeu com a idéia de arte como imitação da natureza e

abandonou as noções tradicionais de perspectiva. Assim surgiu o Cubismo, e, mais

tarde, o Cubismo Sintético, que buscou recuperar um pouco da imagem real do objeto,

utilizando colagem de elementos como letras, números, pedaços de jornal, vidros,

madeira, que eram introduzidos na pintura. Foi uma proposta de reaproveitamento do

material supostamente sem utilidade.

Também o artista francês Marcel Duchamp

inventou um novo tipo de obra de arte, o “ready-made” (o uso de objetos de consumo

como arte). Foi o primeiro a levar para dentro de um museu as bugingangas que tinha

em casa. Ele escolheu por acaso uma roda de bicicleta e a colocou sobre um

banquinho. Mais tarde ele trouxe a público um urinol, batizado de Fonte. Duchamp

atribuiu às coisas do dia-a-dia o rótulo de obras de arte, questionando instituições e

valores estéticos e antecipando o que hoje chamamos de arte conceitual.

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Há quem considere Marcel Duchamp o maior

artista do século XX, porque ele transformou a perspectiva da obra de arte. Depois

dele, o que importa são as idéias. Vários foram os artistas que se beneficiaram dessas

técnicas, tais como: Juan Miro, Kandinski, Paul Klee, e outros.

Sobre o valor das coisas comuns, Kandinski

falava: “Tudo o que está morto palpita. Não apenas o que pertence à poesia, às

estrelas, à lua, aos bosques e às flores, mas também um simples botão branco de calça

a cintilar na lama da rua... Tudo possui alma secreta, que se cala mais do que fala”.

Também dizia Paul Klee: “... o objeto expande-se

além dos limites de sua aparência pelo conhecimento que temos de que ele significa

mais do que vemos exteriormente com nossos olhos”.

Esses homens acreditavam piamente terem esses

objetos uma “alma secreta” ou “o espírito da matéria” que seria em termos

psicológicos, correspondente ao nosso inconsciente. Portanto, a arte não existe

exclusivamente para proporcionar o devaneio, a pausa e a serenidade. Ela vem ao

nosso encontro para provocar novas idéias, idéias transformadoras. Arte é

transformação.

Transformar em arte aquele material que é usado

e descartado, ou sobras de lixo urbano que aparentemente não possuem mais utilidade,

como também materiais encontrados facilmente na natureza, é um desafio excitante.

Uma exposição no mínimo diferente atraiu

muitos sócios a Galeria de Artes. Eram peças artesanais produzidas com material de

ferro velho como carros, bicicletas, e sucatas em geral. A elaboração desse projeto

aconteceu pela união de três arquitetos que formam o Grupo Reciclart. E a exposição

foi um dos eventos organizados pelo Projeto AABB-recicla no ano 2000, na cidade de

São Paulo.

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No início, o grupo queria trabalhar com materiais

convencionais, mas com o decorrer do tempo, percebeu que poderia utilizar matéria-

prima considerada sem função, ou seja, materiais cuja utilização original já acabara.

Partiram então para a elaboração de objetos de decoração com produtos automotivos e

alternativos.

Ao trabalharem com peças deterioradas e

enferrujadas, tiveram que recuperá-las; limpar os materiais; retirar a graxa, ferrugens;

polir as peças, antes que fossem novamente utilizadas.Eram molas, calotas, arroelas,

eixos, e tudo o mais que nunca se viu ou pelo menos se ouviu falar. Por isso a

exposição foi ainda mais atraente. Criaram assim uma linha de luminárias, abajures,

castiçais, mesas, etc; de uma forma artesanal, sendo estas peças umas diferentes das

outras, o que lhes conferiu um caráter de exclusividade.

Com isso, o grupo Reciclart espera abrir novos

horizontes para a reciclagem e uma maior divulgação e aceitação dessas peças, que

surgem da matéria-prima tão desprezada e que terminam alcançando uma nova

função.

Hoje, o Brasil é o país que mais recicla materiais

como plásticos, latas, papéis, etc. Cerca de 100 mil pessoas em todo o País

sobrevivem graças à coleta de latas de alumínio de cerveja e de refrigerante, segundo

dados das indústrias de alumínio. O volume recolhido para venda como sucata já

passa de 40 mil toneladas por anos, 2,5 bilhões de latinhas.

Outra mostra interessante e original, aconteceu

no Hall de Exposições do SESC/SP. Utilizando apenas uma tesoura e uma faquinha, o

artista plástico carioca Luis Fernando Couto cria, com suas mãos habilidosas,

miniaturas de instrumentos musicais e outros objetos estéticos, produzidos a partir de

materiais não nobres como o papel, cola, tinta, nylon e lixo industrial. A exposição

despertou a atenção dos visitantes por ser algo diferente em termos de artes plásticas.

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Parece algo inacreditável de se executar, o aproveitamento do lixo industrial à

fabricação de obras de arte.

Portanto, a arte de hoje propõe um outro fim que

não o belo. Exalta a anti-arte e é contra os valores tradicionais. Convida o expectador

a brincar, mas exige ser levada a sério. A arte já não está restrita a museus, galerias,

ou salões de arte. Ela está sendo introduzida no cotidiano das pessoas sendo exposta

em shoppings, restaurantes, danceterias, bancos, escolas, etc. Está se popularizando.

O artista não está preso simplesmente à sua tela,

mas utiliza novos meios de apresentação, reprodução e difusão, que a técnica moderna

põe a seu serviço (computador, vídeo, out-door, etc.). Também utiliza materiais

diferenciados e pouco comuns, explorando todas as possibilidades desses materiais.

Para realização de trabalhos expressivos,

habitualmente usa-se o material artístico proveniente de produtos industrializados e

conseqüentemente de difícil aquisição a determinadas classes sociais. Atualmente,

para facilitar a execução de trabalhos artísticos variados, com menor custo, utiliza-se o

material alternativo, também chamado de sucata.

Costuma-se denominar material alternativo, ou

sucata, aquele material que é usado e desprezado, descartado pela sociedade. Por

princípio a sucata traz consigo o elemento da transformação: é algo que passa a ser

usado fora do seu habitual (um cabo de vassoura, sementes e caroços, um

liquidificador quebrado, caixas de papelão, palitos de fósforo riscados, latas de

refrigerante, garrafas e copos plásticos, retalhos de tecido, e tantos outros...). Mas é

necessário um trabalho de coleta e armazenamento adequado desse material para uma

melhor utilização do mesmo.

No contexto da vida humana, brincar e criar com

os materiais de sucata ou com o “lixo” traz até certa ironia diante da cidade e da

sociedade capitalista e de consumo... Usar encartes de jornais para recortar, brincar

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com as embalagens das lanchonetes, pode dar um outro prisma à realidade e

enriquecê-la.

O lixo reutilizado e recriado carrega também uma

mensagem psicologicamente construtiva: pois, de maneira simbólica ou por analogia,

podemos lidar internamente com o nosso “lixo” também, usando as partes que não nos

agradam para dizer coisas, para fazer, e para ser mais integralmente. Para as crianças,

isso acontece de maneira menos pensada, mais inconsciente, e num movimento lúdico

no qual a sucata é um “nada” que pode vir a ser um “tudo”.

Isso vale também para o brincar com sucata,

restos e refugos: que a criança exerça sua capacidade de escolha e que possa utilizar o

material que escolheu da maneira que quiser. E parece que é até mais fácil dar essa

liberdade com materiais de sucata do que com brinquedos comprados.

Para brincar de maneira espontânea e criativa, a

sucata, os restos, a matéria antes de ser elaborada e depois de ter sido usada, são um

material muito rico, que não custa nada e que muitas vezes estaria poluindo o meio

ambiente por não ser biodegradável.

Um dos maiores problemas do planeta Terra é a

produção de lixo. Tudo aquilo que é jogado fora pode ser reaproveitado. Os restos de

alimentos são adubos naturais, o lixo sintético também não é simplesmente uma

sucata,ele pode ser separado e reaproveitado por um processo chamado reciclagem.

A reciclagem protege o meio ambiente porque

diminui os montes de sucata dos lixões clandestinos e dos depósitos de lixo. Reciclar

também diminui a poluição causada pelas fábricas, que passam a produzir menos

quantidade desses materiais.

E, ao usar a imaginação, surgem diversas

possibilidades de se divertir com as coisas que normalmente iriam para a lata do lixo.

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O verso do papel que sai da impressora pode ser utilizado para rascunho e desenho.

Pode-se usar caixas de papelão para fazer máscaras e móbiles. A sucata vira um

brinquedo!

O brinquedo-sucata permite a quem brinca com

ele desvendá-lo, ressignificá-lo, pois é um objeto que possui inúmeros significados

que não são óbvios nem estão evidentes. Surgem assim novas e inusitadas relações,

que podem ser até mesmo absurdas, desregradas.

Logo, numa sala de artes, surge a oportunidade

de voltar energias para a execução de um pequeno projeto, na construção de objetos

de sucata, enriquecendo o mundo da criança, favorecendo uma melhora na auto-

imagem e na auto-estima impressionantes!

A utilização da sucata como recurso pedagógico

vem mobilizando a realização do saber fazer e a superação das frustrações próprias do

ser que aprende, passando da reflexão à prática e dizendo das possibilidades, aquém e

além do reconstruir permanente em educação. Portanto, “a educação artística deve

propiciar o impulso para a ação construtiva e a oportunidade para que cada indivíduo

se veja como ser aceitável, em busca de novas e harmoniosas organizações, confiante

em seus próprios meios de expressão.”(Viktor Lowenfeld)

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5 – CONSTRUINDO COM SUCATA

Por ser um material facilmente encontrado e com

baixo custo financeiro, a sucata representa inúmeras possibilidades quanto ao seu uso

dentro das várias modalidades expressivas e criativas existentes na arte. Para isso,

deve-se buscar o material alternativo sem preconceitos e com muita determinação

através da coleta e posteriormente sua seleção e uso.

São várias as maneiras de se fazer a coleta do

material. Uma delas, e talvez a mais prática, é ficar atento a sucata local, observar os

recursos oferecidos pelo bairro ou pela cidade. Numa cidade de litoral, por exemplo,

pode-se trabalhar com a sucata extraída da praia: areia, conchas, cascas de coco,

folhagens de árvores da região, etc. Numa outra região localizada próxima a uma

fábrica de borrachas e plástico disporá mais facilmente desses materiais.

Também existe a possibilidade de incentivar a

coleta através de doações de embalagens de remédios, caixas de sapato, de revistas

velhas, jornais velhos, carretéis, rolos de papel toalha, e tantos outros materiais que no

dia-a-dia não percebemos que poderiam ser utilizados de maneira criativa para

produzir e criar outros objetos.

Após a tarefa da coleta da sucata, com toda sua

variedade, a próxima etapa é a seleção do material coletado. Primeiro, a sucata deve

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ser bem limpa e desinfetada, usando-se água e sabão na maioria dos casos. Feita a

desinfecção, faz-se a listagem que poderá ser feita de acordo com a disponibilidade e a

criatividade do “artista” que vai manusear o material.

Essa listagem é semelhante a uma biblioteca. Do

mesmo modo que uma biblioteca se compõe de livros, o sucatário é um acervo de

sucata, organizado e classificado.Para montá-lo é preciso ter espaço, desde uma

gaveta, apenas, até algumas prateleiras, um armário ou uma salinha. Depois de

resgatado e limpo o material, passa-se a organiza-lo, de acordo com o espaço

disponível.

Essa proposta requer envolvimento das pessoas

interessadas em montar o sucatário: é diferente de ir guardando devagarzinho “sucata

caseira”(caixas de fósforo, palitos de fósforo riscados, rolhas...). De fato, o seu

tamanho e a sua variedade e diversidade devem estar de acordo com os objetivos de

quem dele se utilizará.

Na verdade, o importante é ter prazer nesse

trabalho e encontrar um estilo próprio, seja na coleta, seja na organização. A pessoa

que não se identifica com o projeto de montagem de um sucatário não deve nem

começa-lo, pois não terá nenhum tipo de envolvimento lúdico e daí não surgirá

nenhuma força criadora.

Sobre a arrumação daquilo que foi coletado, pode

ser interessante começar a separar primeiro pelo tipo de material: isopor, papel,

madeira, lata, e assim por diante. Surge assim um colorido todo especial no sucatário,

e os materiais ali, passam a ser nobres, com a diferença de que são materiais que já

trazem em si uma história e uma trajetória. O mesmo deve ser sempre bem limpo e

esteticamente bonito, tão “belo” quanto um varal de papéis de seda coloridos. Que

seja agradável de tocar, que seja estimulante e sugestivo, atraente, e dê vontade de

mexer, usar, sentir, pensar e ter idéias para brincar, trabalhar, esburacar e transformar!

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fig.1

Para trabalhar criativamente com sucata é

necessário estar num momento criativo de seu trabalho pessoal, poder usar seu

potencial com prazer e humor. Na sua prática deixar idéias fluírem, fazer associações,

criar, recriar, reexperimentar, procurar o movimento e a ação. Só assim então, surge a

construção com a sucata.

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5.1 - ESCULTURAS COM SUCATA

A maioria das pessoas vê a sucata apenas como lixo,

coisa sem valor. Mas um artista como Jonas Pereira dos Santos vê muito mais. Ele

transforma porcas, parafusos, chapas de ferro, peças velhas de automóveis, tratores e

caminhões em formas que traduzem cenas históricas, cotidianas e autobiográficas.

Um conjunto de peças mostra uma pessoa amarrada a

um tronco, outra obra representa seqüências de movimento de capoeira, jogo do qual o

artista é professor. Mais uma peça repleta de revelações autobiográficas: os pedaços

de sucata formam um homem que tem nas mãos ferramentas utilizadas pelos

mecânicos.Esta obra revela uma cena cotidiana, e é denominada “Churrasco”.

fig.2

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32

A riqueza dos detalhes, as inusitadas técnicas e matérias-

primas utilizadas colocaram o artista em evidência. Agora, Jonas não trabalha mais

como mecânico e dedica-se totalmente às esculturas. Inspiração ele garante que nunca

falta. Uma imagem na rua, em casa, a qualquer momento, transforma-se em idéia que

é traduzida por Jonas imediatamente, sempre com muita sucata, solda, criatividade e

talento.

fig.3

Também o artista cearense Wilson Linhares Filho, cria

formas de objetos os mais variados em suas obras em ferro. Ele aproveita a sucata de

carro, ou aço de metalúrgicas e monta suas esculturas.Para ele a escultura é realmente

a maior paixão. E é através da visão de formas da natureza, ou mesmo de formatos

diferentes, que o artista monta suas obras, com diversos temas. Há esculturas em

sucata que transmitem o sentimento do amor, que podem levar até um mês para ficar

prontas. É um trabalho muito árduo, que inclui a fase da procura pelos materiais e da

montagem em si. “Vou observando o que pode ser colocado num determinado ponto,

até conseguir a peça ideal”, afirma o artista.Wilson já fez também esculturas em

sucata explorando a cultura nordestina, como a “Bumba-meu-boi” e a de um

cangaceiro, ainda não intitulada por ele. São obras ricas em criatividade.

Figuras de animais, objetos abstratos e representações de

personagens conhecidos em todo o mundo, como Dom Quixote de La Mancha e

Sancho Pança, fazem parte da exposição de esculturas feitas de sucata pelo artista

plástico espanhol Roberto Gabriel Crivellé. As peças têm tamanhos variados,

chegando a 60 centímetros de altura e algumas delas são feitas com combinações de

materiais como coco e sucata.

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5.2 – DECORAÇÃO COM SUCATA

O uso de sucata democratiza a decoração. A idéia é

desmistificar a relação casa decorada e classe alta. Esse é o objetivo do Projeto de

Extensão “Decoração Lixo e Luxo” organizado pela Escola de Belas Artes da Bahia,

na feira de arquitetura e decoração “Made in Brazil”/2000.

O aproveitamento da sucata como matéria-prima para a

confecção de peças úteis foi a decisão tomada através de uma pesquisa feita em

moradias da periferia da cidade. Foram observados desde ambientes até peças

utilitárias. Tudo é aproveitado. São feitas colchas com retalhos, tapetes com tampinhas

de garrafa, e várias outras coisas. Alunos e professores são os principais envolvidos no

projeto e estão encarregados de dar função utilitária ou de decoração aos objetos feitos

com a sucata. Um trabalho artístico deverá ser feito nesses objetos como forma de

desenvolver as idéias nos alunos.

Para o Grupo Kri-A, de Belo Horizonte/MG, basta uma

peça qualquer, inutilizada pelo desgaste do uso e jogada na sucata de uma oficina

mecânica; um guidom ou aro de velocípede imprestável; ou qualquer coisa restante

desta infinidade de objetos que a sociedade de consumo bota-fora. Esses artistas

transformam, recriam e fazem surgir um exótico relógio, um estranho abajour que vai

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brigar com as sombras da noite de outro objeto qualquer, belo e inefável a um só

tempo.

fig. 4

Esse grupo tem voltado ultimamente a atenção para os

utilitários feitos a partir de reciclagem dos mais inesperados materiais, logrando a

realização de objetos artisticamente concebidos e montados, dos quais a invenção e o

bom gosto são marca.

Também o Grupo Reciclart, de São Paulo/SP, cria peças

artesanais produzidas com material de ferro velho como carros, bicicletas e sucatas em

geral. O grupo percebeu que poderia buscar uma nova utilização para peças de ferro

velho, consideradas sem função, desenvolvendo projetos que pudessem combinar

formatos e tamanhos junto ao material adquirido. A partir dessa idéia, surgiram peças

decorativas e atraentes, como abajures, castiçais, mesas, e porta revistas.

fig.5

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5.3 – BRINQUEDOS DE SUCATA

É surpreendente o que uma criança pequena pode

aprender apenas brincando com o cartucho de papelão de um rolo de papel higiênico,

ou de papel toalha, ou quão construtivo pode ser brincar com caixas vazias.

fig. 6

O adulto que está disponível vai à cata de rolhas,

caixinhas de fósforo, palitos de sorvete para as crianças brincarem, pois sabe o

sucesso que esses materiais ou esses “brinquedos”, esses brinquedos-sucata, fazem

junto às crianças.

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A confecção do brinquedo de sucata já é uma

brincadeira, pois acontece com a ação da própria criança, permitindo-lhe desvendar

seu uso e ressignificá-lo. Faz com que as mesmas valorizem sua participação na

confecção dos objetos, promovendo também a interação entre as outras pessoas que

participam da construção.

Uma mãe ou um pai pode ter em casa uma ou duas

gavetas para as crianças guardarem seus brinquedos-sucata: rolhas, conchas, pedras,

carretéis, carretilhas, casquinhas de nozes, escovas de dente e cabelo que não servem

mais... Mas que podem se transformar num microfone ou corpo de uma boneca-sucata

no meio da brincadeira! Vale guardar tudo, contanto que a sucata esteja limpa e sem

riscos para as crianças que irão dela se utilizar para brincar, manipular e construir.

fig. 7

Muitos brinquedos podem ser confeccionados com esse

material alternativo. Caixas de papelão que teriam como destino o lixo, podem divertir

a garotada. Ao montar brinquedos, as crianças estudam cores e formas e percebem a

importância da reciclagem.

A seguir, apresenta-se três exemplos de brinquedos, dos

muitos que podem ser feitos com sucata: a máquina de escrever, o caminhão e um

robô.

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MÁQUINA DE ESCREVER

fig. 8

Para construir uma máquina de escrever, são necessárias

uma caixa de papelão e uma de ovos, um rolo de papel alumínio, fita adesiva, cola,

tinta, tesoura e giz. As letras das teclas podem ser escritas ou recortadas de revistas e

coladas.

CAMINHÃO

.

fig. 9

Para construir um caminhão, são necessárias uma caixa

de sapatos, uma caixa menor, pedaços de papelão para fazer as rodas, tesoura, cola,

fita adesiva, canudinho para fazer a antena, um pedaço de plástico para ser o vidro.

ROBÔ

fig. 10

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Para construir um robô, são necessários dois rolos de

papel alumínio para fazer os braços e as pernas, uma caixa grande para fazer o corpo,

uma caixa menor para fazer a cabeça, uma caixa ainda menor para fazer o pescoço, e

outras sucatas para fazer o rosto. Para dar um efeito especial, as caixas podem ser

cobertas com papel alumínio.

A confecção de brinquedos que o educador constrói para

a criança brincar e brinquedos que a própria criança confecciona, estimula a percepção

visual, a percepção tátil, a coordenação motora, a acuidade auditiva, a linguagem oral,

a expressão corporal e a organização.

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5.4–SUCATA NA EDUCAÇÃO

Acabou-se o reinado do quadro-negro, do giz e do velho

caderno de anotações nas salas de aula. Não é que eles deixaram de fazer parte do

material indispensável ao ensino. Pelo contrário. Mas ultimamente ganharam

complementos importantes. São brinquedos propostos por professores criativos,

oficinas pedagógicas e organizações não-governamentais preocupadas com a

qualidade da educação e com o custo do material escolar. O principal objetivo de

iniciativas como essa é motivar a criança e o adolescente e suprir as carências do

ensino tradicional.

Trabalhar com sucata virou moda, mas não é tão simples

assim. Sucata não é qualquer lixo. É um lixo selecionado, limpo, que junto com outros

materiais poderá ser usado para representar algo real ou criar uma escultura, sempre

que possível inserindo conteúdos e aguçando a criatividade da criança.O professor

poderá propor um tema ou deixar o tema livre, definir materiais ou não.

O aprendizado pela brincadeira não se limita às grandes

cidades. Em Curvelo, no interior mineiro, alunos do ensino fundamental aprendem o

bê-a-bá e desenvolvem o raciocínio divertindo-se com joguinhos fabricados com

sobras de material encontradas em qualquer lugar. Boa parte das caixas de papelão,

papéis, potes plásticos, garrafas descartáveis e latas que encheriam lixos de bares e

escritórios da cidade, tem um outro destino: o Centro Popular de Cultura e

Desenvolvimento. Ali, estudantes e professores participam do projeto Bornal de

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|Jogos: Brincando Também se Ensina, em que transformam esse material em mais de

100 jogos educativos adotados em 42 escolas da região.

Os brinquedos facilitam a alfabetização, treinam cálculos

matemáticos, desenvolvem o raciocínio e ajudam crianças e adolescentes a absorver

com prazer os conteúdos escolares. As crianças aprendem a aproveitar essa sucata,

recurso importante numa região pobre, enquanto desenvolvem sua criatividade.

A coordenadora do projeto, conta com uma equipe de

dois adultos e três jovens para desenvolver o material, que sai praticamente de graça

para as crianças. O programa surgiu da iniciativa das próprias crianças que

freqüentavam o Centro Popular para brincar. Aos poucos, elas foram levando os

joguinhos para as escolas, despertando o interesse dos professores, que passaram a

receber treinamento para usar o material em sala de aula.

As experiências também se multiplicaram nas disciplinas

de matemática, física, biologia ou de ciências ambientais. A ONG Super Eco, por

exemplo, premiada pela Academia Internacional de Ciências, treina professores para

dar aula de educação ambiental. Para isso, usa brinquedos especialmente desenhados

para mostrar a integração do homem com a natureza, feitos de sucata e materiais

baratos. A mesma matéria-prima serve de fonte para o físico Aníbal Fonseca

Figueiredo, que ensina professores a fabricar aparelhos demonstrativos de fenômenos

científicos. O aluno fica mais motivado quando monta um equipamento, faz a

experiência e verifica o resultado. E o que é melhor: sem gastar muito.

O Censo analisou alguns dados sobre recursos didáticos

utilizados na Educação Infantil no Brasil e, a partir desta pesquisa, destacou os

seguintes números:

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Creches: Pré-escolas:

- 73,7% - jogos didáticos - 75,2% - jogos didáticos

- 36,7% - livros didáticos - 53,8% - livros didáticos

- 8,4% - cartilha - 43,0% - cartilha

- 58,9% - lápis e caderno - 93,0% - lápis e caderno

- 82,6% - sucatas - 82,3% - sucata

Observa-se nesses dados que a utilização da sucata como

recurso didático na Educação Infantil vem crescendo. Acredita-se que o uso da sucata

é de grande importância para o desenvolvimento sadio e integral da criança, pois

proporciona o prazer criativo de transformar, de tornar útil e belo algo que até então

era considerado inútil e feio. Além de estimular a psicomotricidade, o raciocínio

lógico-matemático e as relações sócio-afetivas. Junta-se a isso o fato de conscientizar

a criança a não sujar o meio ambiente, aproveitando e reciclando o lixo.

Um dia, ao chegar na escola, Maria das Graças da Costa

Lima escutou pelos corredores que a sala da 1ª série era um lixão. Ela era a professora

dessa turma. Sem ralhar com os autores do comentário malicioso, ela até achou graça

e completou: “Mas tudo muito limpo e organizado”.

A Escola Municipal Paulino Siqueira, que fica na cidade

de Cabedelo, a 18 quilômetros de João Pessoa, não tem recursos para fornecer

materiais modernos e livros atualizados. Os pais, na maioria pescadores, também não

podem contribuir. Como criatividade e sucata não custam nada, a professora Graça,

como é conhecida por todos, tornou suas aulas tão divertidas como se tivesse materiais

de última geração. A primeira lição dos alunos foi trazer a matéria-prima: embalagens,

caixas de papelão e jornal. Em seguida construíram seus próprios materiais.Alguns

jogos surgiram a partir da sucata amontoada no canto da sala da professora Graça.

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Simples dados construídos com papelão ou cartolina

podem ajudar os alunos a aprender as operações matemáticas e treinar cálculo

mental.Usando três dados, a professora sugere aos jogadores que somem os números

obtidos. Com dois, que pratiquem a subtração. É possível também praticar

multiplicação. Ganha o aluno que fizer mais pontos.

Para exercitar a criatividade das crianças e desenvolver a

imaginação, nada melhor do que o teatro. Um mini-palco é construído com uma caixa

de papelão sem fundo, enfeitada com papel-espelho ou tinta. Os fantoches de dedo

podem ser confeccionados com caixas de fósforos ou embalagens de papelão, como as

de remédios. Outra opção é fazer bonecos com palitos de churrasco.Depois é só

inventar personagens e improvisar histórias criadas pelos próprios alunos.

A lata de batatas fritas virou pino de boliche, que virou

conta de subtração. A embalagem de leite longa vida virou depósito de letras, que

virou painel com o nome de cada criança. Quem conseguia associar o nome de um

bicho com o desenho dele, tinha direito a atravessar um túnel que levava ao “grande

prêmio”: a piscina de bolinhas, feita pelos próprios alunos com fundos de garrafa

plástica. É desse jeito, transformando sucatas em jogos, e estes em aprendizagem, que

as professoras do Instituto de Educação Clélia Nanci, escola pública estadual, situada

no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, ensinam as primeiras operações

matemáticas aos seus alunos da Educação Infantil. A gincana “Caminho Lúdico” é

formada por cinco brincadeiras, todas confeccionadas pelos próprios alunos a partir de

sucata, cada uma com um objetivo pedagógico diferente.

A gincana consumiu três meses de trabalho e teve início

com uma discussão sobre a importância do reaproveitamento de materiais. Os alunos

fizeram um levantamento dos objetos que costumavam jogar fora em casa e deram

idéias do que poderia ser feito com eles. Depois, confeccionaram juntos os brinquedos

da gincana, contando com a colaboração dos pais que ajudaram na coleta das sucatas.

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As professoras tinham dois objetivos principais com a

atividade: fazer as crianças entenderem a importância da reciclagem de materiais e

aplicar conceitos básicos de Português e Matemática a partir das brincadeiras. Sem

contar o fato de ser uma escola pública que não dispõe de recursos financeiros para

compra de materiais variados para aplicação em projetos.

No período de pré-alfabetização, por volta dos 5 anos de

idade, a melhor forma de introduzir as crianças no universo das letras e dos números é

brincando. E se essas brincadeiras puderem ser construídas por elas mesmas, com

sucata, melhor ainda. Trabalhando na confecção dos brinquedos elas ficam mais

envolvidas na atividade.

fig. 11

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6 – CONCLUSÃO

O processo educacional, em sua totalidade, tem dado

especial atenção ou única importância a conteúdos e o próprio professor de Arte está

constantemente sugerindo conteúdos; conseqüentemente, o padrão de valor das

crianças se torna necessariamente conteudístico.

Portanto, dar um conteúdo à criança como fundamento

para um trabalho artístico é como dar um líquido e dizer: escolha uma garrafa para ele.

Deve-se pensar em termos de um programa de Arte que desenvolva o entendimento

das relações entre forma e conteúdo.

Um dos papéis da Arte é preparar a criança para os

novos modos de percepção, largamente introduzidos pela revolução tecnológica e da

comunicação de massas. A mudança nos padrões de percepção visual, provocada pela

comunicação eletrônica, é acompanhada por grande variabilidade de excitações

cerebrais.

Tendo em vista que são as Artes plásticas, na escola, o

veículo diretamente exploratório da percepção visual, é de sua competência articular

produtivamente essa vasta gama de excitações.

Sabe-se que a qualidade do ensino é enormemente

influenciada pela sala de aula, como espaço e como atmosfera, e pelos recursos

materiais disponíveis, mas o equipamento somente se torna crucial quando os

objetivos são definidos em termos puramente técnicos, quando o ensino passa a ser

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definido por aquilo que se pode fazer, com os instrumentos no lugar das relações

humanas que se quer vivenciar e as formas expressivas que são necessárias criar e

organizar.

No Brasil, onde a educação enfrenta os problemas

econômicos característicos dos países em desenvolvimento, é importante para o

professor de Arte saber quando é possível exigir e quando é necessário economizar,

cooperando assim com a administração da escola e evitando os já comuns atritos

verificados quando o professor toma a posição de reclamar a falta de material.

A solução para este problema de custo operacional nas

classes de Arte, é descobrir materiais substitutos menos dispendiosos. Portanto, o

professor de arte, perfeitamente consciente da função da Arte no mundo moderno, dos

objetivos mediatos e imediatos da Arte na Educação, dos métodos apropriados para

atingir seus objetivos, será capaz de transformar o meio ambiente escolar em uma

atmosfera adequada ao trabalho criativo e de enriquecer sua sala de aula com

materiais facilmente adquiríveis na comunidade.

Junta-se a isso o reconhecimento da sucata e do material

reciclável como elementos possíveis de serem reutilizados com diversas aplicações: na

escultura, na decoração, na confecção de brinquedos e como material didático.

Arte-educadores estão estimulando criatividade,

despertando mudança de valores e oportunizando crianças a uma experiência nova

através do uso do material alternativo. Por ser um material reaproveitado, sem nenhum

custo financeiro, acredita-se que o seu uso é de grande importância para o

desenvolvimento sadio e integral da criança, pois proporciona o prazer criativo de

transformar, além de suprir as carências do ensino tradicional.

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7 – ANEXOS

7.1 – PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS CULTURAIS

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7.2 – DECLARAÇÃO DE ESTÁGIO

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8 – BIBLIOGRAFIA

BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. Teoria e prática da Educação Artística.

São Paulo, Cultrix,1995.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação.

Rio de Janeiro, Vozes, 1987.

WEISS, Luise. Brinquedos e Engenhocas. Atividades Lúdicas.

S/L, Scipione, 1989.

MACHADO, Marina Marcondes. O brinquedo-sucata e a criança.

São Paulo, Loyola, 1994.

MAY, Rollo. A coragem de criar.

Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982.