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1 Diário da Construção de um Museu de Ciências por Alunos de Ensino Fundamental Guy Barros Barcellos Regina Maria Rabello Borges Maria Salett Biembengut Resumo O presente trabalho, apresentado em forma de diário, mostra os vários papéis que um Museu de Ciências pode demonstrar em uma escola. O diferencial reside na formação deste espaço, chamado de “Museu da Natureza”, ter ocorrido através da “construção participativa”, ou seja, fazer o Museu com trabalhos e pesquisas de alunos de Ensino Fundamental. Durante um período de seis meses, compreendendo o início da construção até a inauguração, os autores apresentaram cada reunião com os estudantes como momentos de aulas práticas e não-formais. Nestas aulas os alunos construíram exposições sobre o sistema solar, o planeta Terra, origens da vida, biologia celular e molecular, paleontologia e oceanologia. Musealizaram e catalogaram coleções de moluscos, corais e fósseis de vertebrados, invertebrados e vegetais. Este relato servirá como uma sugestão e um guia para professores de Ciências que queiram realizar alfabetização científica organizando, com os alunos um museu na escola. Palavras-chave: Centros e Museus de Ciências, alfabetização científica, letramento científico, espaços de ensino não-formais. Introdução Este relato reporta à dissertação de mestrado do primeiro autor, cujo objetivo geral consiste em compreender a importância de um museu escolar, o Museu da Natureza (MN), na alfabetização científica e tecnológica dos alunos participantes - estudantes de 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola particular confessional luterana da grande Porto Alegre. O autor, a época do desenvolvimento do trabalho, era docente, nesta escola, da disciplina de Ciências para o 6º, 7º e 8º ano do Ensino Fundamental. Os alunos pertenciam ao extrato médio de nossa sociedade e alguns de classe média baixa, mas ainda com condições de acesso a bens culturais. É válido constar que, dos catorze indivíduos envolvidos no projeto, dez eram do sexo masculino. Alfabetizar cientificamente implica relacionar a temática científica ao desenvolvimento da criatividade dos alunos, no que concerne ao pesquisar, interpretar e divulgar conhecimento

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Page 1: Diário da Construção de um Museu de Ciências por Alunosde ... · momentos de aulas práticas e não-formais. Nestas aulas os alunos construíram exposições sobre o sistema solar,

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Diário da Construção de um Museu de Ciências por Alunos de Ensino Fundamental

Guy Barros Barcellos

Regina Maria Rabello Borges

Maria Salett Biembengut

Resumo

O presente trabalho, apresentado em forma de diário,

mostra os vários papéis que um Museu de Ciências

pode demonstrar em uma escola. O diferencial reside

na formação deste espaço, chamado de “Museu da

Natureza”, ter ocorrido através da “construção

participativa”, ou seja, fazer o Museu com trabalhos e

pesquisas de alunos de Ensino Fundamental. Durante

um período de seis meses, compreendendo o início da

construção até a inauguração, os autores

apresentaram cada reunião com os estudantes como

momentos de aulas práticas e não-formais. Nestas

aulas os alunos construíram exposições sobre o

sistema solar, o planeta Terra, origens da vida,

biologia celular e molecular, paleontologia e

oceanologia. Musealizaram e catalogaram coleções de

moluscos, corais e fósseis de vertebrados,

invertebrados e vegetais. Este relato servirá como

uma sugestão e um guia para professores de Ciências

que queiram realizar alfabetização científica

organizando, com os alunos um museu na escola.

Palavras-chave: Centros e Museus de Ciências,

alfabetização científica, letramento científico, espaços

de ensino não-formais.

Introdução

Este relato reporta à dissertação de mestrado do

primeiro autor, cujo objetivo geral consiste em compreender a

importância de um museu escolar, o Museu da Natureza (MN),

na alfabetização científica e tecnológica dos alunos participantes

- estudantes de 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola

particular confessional luterana da grande Porto Alegre. O

autor, a época do desenvolvimento do trabalho, era docente,

nesta escola, da disciplina de Ciências para o 6º, 7º e 8º ano do

Ensino Fundamental. Os alunos pertenciam ao extrato médio de

nossa sociedade e alguns de classe média baixa, mas ainda com

condições de acesso a bens culturais. É válido constar que, dos

catorze indivíduos envolvidos no projeto, dez eram do sexo

masculino.

Alfabetizar cientificamente implica relacionar a temática

científica ao desenvolvimento da criatividade dos alunos, no que

concerne ao pesquisar, interpretar e divulgar conhecimento

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científico. Foi investigada a possibilidade da experiência do Museu

da Natureza fazer do aluno um pesquisador do objeto museal, o

acervo desse Museu (fósseis, gemas, moluscos, insetos), como

um efetuador da musealização do material para exposição. É

importante destacar que o acervo fazia parte da coleção pessoal

do professor, acumulada durante sua formação como biólogo.

Relato

Começo este relato lembrando 18 de maio de 2010,

quando fiz a primeira visita à sala disponibilizada pela escola

para a instalação do Museu da Natureza.

No dia 25 de maio de 2010, convidei alunos do 7º ano a

virem à sala do futuro museu, para conversarmos sobre o

projeto, buscando interessados em trabalhar na construção do

Museu da Natureza. Conversei com os oito alunos que

compareceram, sobre o que é (ou deve ser) um museu de

Ciências, sempre perguntando seus conceitos e comparando com

os meus, visando a chegarmos a um denominador comum.

Ressaltei que o MN seria construído, cuidado e mostrado por eles.

Quando abri a primeira caixa de materiais do acervo,

suas expressões variavam do fabetização científica, pois cada

objeto, ao ser “curado” por um aluno, era capaz de catalisar

percepções e compreensões.

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A reunião seguinte para montagem do MN ocorreu no dia

1º de junho de 2010, mantendo a ideia das anteriores. Mais

alguns alunos apareceram pedindo para participar da

organização do museu. Talvez aqueles que vieram nas

primeiras tenham gostado e dito aos colegas como foram suas

experiências, despertando a curiosidade dos colegas. Convidei

os novos interessados a fazerem a curadoria da coleção de

minerais, que ainda não havia sido explorada. Foi, aos poucos,

desembalada e cada fragmento de rocha ou mineral que surgia

era uma nova surpresa.

Muitos estudantes já conheciam e reconheceram os

geodos de ametista da coleção. Perguntaram por que eram

roxos. Expliquei que a cor se devia à presença de ferro no

retículo cristalino. Forneci aos alunos guias de identificação de

rochas e minerais e pedi que etiquetassem as peças da coleção

para discutirmos posteriormente. Os dois curadores passaram

toda aquela tarde descobrindo os nomes das “pedras”, que,

após minha intervenção passaram a ser reconhecidas como

minerais e rochas. No fim a reunião, um dos alunos disse que

as rochas, além de serem muito bonitas, contavam a história da

Terra. Este também foi um pequeno exemplo da ressonância

que os objetos poderiam adquirir nos aprendizados dos alunos.

Expliquei ao grupo que deveríamos contar uma história

com início, meio e fim. Ou seja, elaborar um roteiro expositivo.

Comecei a preocupar-me em lançar o gérmen de uma seção

sobre os primórdios da vida, algo que não parecia conter

conceitos fáceis para alunos de 11 a 13 anos de idade. A

primeira idéia que me veio em mente foi montar uma exposição

sobre o DNA. Obviamente não falaríamos somente sobre essa

molécula. Precisaríamos considerar seus precursores: RNA e

(talvez) peptídeos pré-bióticos, mas o DNA seria a peça central,

portanto tridimensional, dessa exposição. No primeiro momento

não expus diretamente essas idéias aos alunos, para não limitar

suas criações, mas deixei no ar uma pergunta: “o que é DNA e

por que deveríamos falar sobre ele na exposição do MN?”

Prontamente, puseram-se a fazer levantamentos nos livros

disponíveis; outros, em computadores do laboratório da escola,

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tomaram notas e, depois, criaram um esboço, um protótipo da

exposição.

No mesmo encontro, os alunos-curadores da exposição

sobre a vida marinha, que eles próprios começaram a chamar

de “o fundo do mar” (o que fazia sentido, uma vez que todos

aqueles seres eram bentônicos) separaram as peças do acervo,

espontaneamente, em categorias: moluscos bivalves, moluscos

gastrópodes, moluscos cefalópodes, equinodermos e corais.

Também elaboraram caixas de papel para acondicionamento do

material organizado nas gavetas da reserva técnica do MN, sob

minha orientação.

Perguntaram quando e de que maneira exporíamos

aquela coleção. Respondi que, posteriormente, iríamos preparar

um projeto de diorama e escolheríamos quais seriam colocados

na exposição. Nesse encontro, já pude notar o quanto os alunos

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eram capazes de produzir e aprender sobre as coleções, talvez

além de minhas expectativas. Quanto à coleção de répteis (que

consistia em modelos de répteis contemporâneos), passei a

responsabilidade de estudá-la e fazer a curadoria a um aluno a

quem pedi que fizesse, primeiramente, uma listagem de todas

as peças e, depois, as dividisse nas ordens existentes de répteis

(classe Reptilia): escamados, testudíneos e crocodilianos.

Após alguns minutos, o estudante separou os répteis da

coleção corretamente. Pedi então que caracterizasse cada um

dos modelos quanto aos seus hábitats e hábitos. Disse que em

outra oportunidade pensaríamos no diorama a ser construído

para a coleção.

Na reunião do dia 16 de junho de 2010, os curadores da

exposição de minerais continuaram e concluíram toda a

catalogação do acervo de minerais e rochas.

Separaram as rochas em sedimentares, magmáticas e

metamórficas. Produziram um catálogo com o nome de todas as

peças da coleção e etiquetas de identificação para serem

amarradas nas rochas e minerais que seriam guardadas, além

de cartões com os nomes, principais características e,

eventualmente, utilidades e curiosidades a respeito daquelas

que seriam colocadas em exposição.

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A partir de réplicas de dinossauros, os alunos-curadores

puderam identificar os nomes científicos e consultar sobre

hábitos alimentares, locais de ocorrência, características

reprodutivas, era e períodos geológicos em que habitaram a

Terra. Perguntei como deveríamos/ poderíamos construir uma

exposição sobre dinossauros. Disseram-me que a exposição

sobre esses animais extintos seria interessante se fosse uma

réplica do lugar onde viveram, com florestas de coníferas,

vulcões, campinas e pântanos. Considerei a idéia válida, pois

correspondia ao princípio básico de um diorama (representação

artística, bastante realista e fidedigna de um ambiente natural).

O processo de construção-participativa da exposição

sobre o fundo do mar (seres bentônicos) já havia começado,

mas ainda não havíamos pensado em como faríamos a parte

sobre seres pelágicos. Pedi a um aluno que representasse em

um desenho como faria uma exposição sobre baleias, tubarões,

lulas, arraias e golfinhos. Antes dessa reunião do dia 16 de

junho já havíamos estabelecido que a inauguração do Museu da

Natureza aconteceria em novembro. Começamos então a

escrever o roteiro museal, pensando nas exposições.

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Apesar de as coleções já se encontrarem em estágio

avançado de catalogação e pesquisa, percebi que a montagem

das exposições deveria começar. Portanto, a parte mais difícil

estava por vir: a criação da “magia” do museu, a exposição que

explica, ensina e encanta, tudo isso com recursos limitados.

No dia 06 de julho de 2010, comecei a reunião sugerindo

a um aluno-curador que conferisse, utilizando os atlas de

identificação de minerais e rochas, se estavam certas aquelas

que já haviam sido etiquetadas. Também pedi que conferisse

com lupa se os estojos onde estavam armazenadas continham

alguma degradação. Verificaram que estavam todos intactos.

Nessa reunião, foi sugerida uma nova atividade aos

curadores da exposição sobre o DNA: montagem de modelos

tridimensionais de proteínas.

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Aproveitei o ensejo para ensinar sobre o mundo das

proteínas, polímeros biológicos de aminoácidos, e sua

importância para a manutenção da vida na Terra, uma vez que

elas expressam a “vontade” do DNA, que fica retido no núcleo.

As proteínas têm atividades estruturais, de defesa e de síntese,

degradação e reação química em todos os organismos.

Portanto, não poderíamos falar em DNA sem lembrar as

proteínas.

Foi-lhes dado um jogo de montagem de modelos de

proteínas em plástico, logo após a explanação. Durante aquela

tarde todos se envolveram, inclusive curadores de outras

exposições, com o desenvolvimento dos modelos de proteínas,

e buscaram reações e rotas metabólicas em que cada uma

daquelas que tentavam mostrar se envolviam. Ao término da

atividade, cada aluno apresentou um modelo diferente, com

características distintas: hélices alfa, fitas e folhas beta,

ligações de hidrogênio. Cada uma tinha sua função biológica.

Montaram até a aequorina, uma proteína existente na medusa

Aequorea victoria, capaz de gerar uma reação química cujo

subproduto é emissão de luz.

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No dia 07 de julho de 2010, em mais uma reunião da

construção-participativa do Museu da Natureza, os alunos-

curadores começaram a trabalhar com os fósseis de equisetales.

Os alunos-curadores disseram que não conseguiam

entender do que se tratavam aqueles fósseis. Expliquei que

eram vegetais que viveram no período Carbonífero (há

aproximadamente 340 milhões de anos atrás) e, por algum

cataclismo, foram soterrados e não se decompuseram.

Perguntei se imaginavam por quê. Um aluno respondeu que não

havia decompositores, pois não havia oxigênio no local em que

foram soterrados. Aos poucos começaram a conseguir enxergar

os nós e entrenós dos caules e os vestígios dos folíolos

impressos no caolin. Pedi que cada um fizesse um desenho

daquilo que estavam vendo. Após, mostrei a reprodução

artística em um livro de como seriam aqueles vegetais no

Carbonífero e uma fotografia de como são hoje as plantas dessa

ordem. Depois da reunião, notei que o MN estava sendo um

espaço de aulas informais de Ciências e que os alunos

participavam voluntariamente e “contaminavam” os colegas

com este interesse.

Na reunião do dia 30 de agosto de 2010, os alunos-

curadores concluíram o trabalho de revitalização de cores dos

moluscos e corais. Após ter toda a coleção de fósseis

catalogada, pedi que todos juntos escolhessem as peças que

iriam para a exposição e as que iriam para a reserva técnica.

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Participaram da reunião de 07 de julho mais de dez

alunos, alguns que já freqüentavam as reuniões e outros que

demonstraram interesse.

Começamos a construir o modelo de sistema solar em 13

de setembro. Nessa exposição, os alunos sugeriram que seria

retratado o modelo heliocêntrico.

Os alunos começaram a pesquisar sobre cada planeta

que orbita o sol e a fazer uma escala rudimentar. Escolheram as

esferas menores para os planetas telúricos e as maiores para os

planetas gasosos. Após, selecionaram tintas e produziram cores

para reproduzir as cores dos planetas. Ainda não havíamos

definido como seria montado o sistema solar, mas mais tarde

eu perguntaria como poderíamos fazê-lo. Apesar de já possuir

uma idéia inicial, deixaria os alunos construírem um modelo e o

aperfeiçoaria. Tinha noção de meu papel de orientador,

indicando rumos, mas deixando que eles traçassem seu próprio

caminho.

Paralelamente à construção do modelo de sistema solar,

os curadores da cadeia de DNA representavam as bases púricas

e pirimídicas (adenina, timina, guanina e citosina) através de

pequenas esferas pintadas em quatro cores. Utilizariam, para

representar a ligação de hidrogênio, palitos de 15cm pintados

com aerossol prata e, para representar as ligações fosfodiéster,

pedaços de arame reto de 5cm.

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As ranhuras da dupla hélice, os alunos fizeram sem

maiores dificuldades. Em paralelo a todas essas atividades, os

desenhistas do museu (alunos da equipe que optaram em se

encarregar de desenhos para projetos e ornamentos de

dioramas, que não quiseram fazer curadoria) prepararam

cartazes de divulgação do MN para serem afixados aos murais

da escola.

Na reunião de 4 de outubro continuamos a elaboração da

cadeia de DNA, feita em três partes separadas para,

posteriormente, ser pendurada no teto, na área de exposição

sobre biologia celular e molecular.

Os alunos-curadores do modelo de sistema solar já

haviam decidido quais esferas e que cores iriam usar e o

trabalho avançou rapidamente ao longo da tarde. Um aluno

disse que seria importante fazermos uma pequena alusão à

Terra, dizendo que o planeta nem sempre esteve assim como se

encontra. Imediatamente, aceitei a sugestão e pedi que

pensassem em como fariam esta exposição.

Pesquisaram no Google e em dois livros que disponibilizei

na sala do MN. Resolveram utilizar uma esfera de isopor: em

uma delas produziram um relevo áspero, a qual pintaram de

laranja e tons metálicos em cola colorida, representando a Terra

primitiva, como há 4,5 bilhões de anos, incandescente a

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5000ºC. Em outra utilizaram massa corrida para fazer o super

continente Pangéia.

Houve continuidade nos dias 18 e 19 de outubro. Um

aluno, já há algum tempo, havia comentado que o MN deveria

possuir um vulcão. Endossei e incentivei a idéia, sugerindo uma

pesquisa sobre vulcões e um projeto de uma boa maquete

tratando do assunto. Decidiram fazer a maquete com espuma

de poliuretano, pois era leve e se expandia, e a estrutura com

tela de arame hexagonal, por ser flexível. Após taparem toda a

estrutura aramada com a espuma encerraram aquela tarde de

construção-participativa. Aguardaram 24h para que secasse e

no dia seguinte recomeçaram.

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Pintaram toda a extensão com cola branca atóxica e

jogaram sobre ela areia colorida verde, representando a vegetação

que recobre a montanha. Ao redor da cratera colocaram areia ocre

para indicar as rochas calcinadas pelas erupções. Na montagem

mantiveram uma abertura inferior para, quando aberto o museu,

colocarem gelo seco para sair “fumaça” pela cratera. Após mais

uma tarde de trabalho concluíram a maquete, que ficou alocada ao

lado da exposição dos dinossauros.

Para tratarmos sobre a biodiversidade de forma coerente,

deveríamos abordar evolução e origens da vida na Terra. Os

alunos-curadores então sugeriram, em 26 de outubro, a

construção de modelos de célula vegetal, animal (eucarióticas) e

bacteriana (procariótica), e que colocássemos na mesma área

expositiva a cadeia de DNA, visto que essa molécula localiza-se no

núcleo da célula eucariótica e no citoplasma da célula procariótica.

Elaboraram em uma placa hexagonal de isopor, com 12cm

de largura e 55cm de comprimento, o modelo da célula vegetal.

Representaram a membrana plasmática utilizando espuma de

poliuretano. Pintaram o citoplasma em verde claro. As organelas

(cloroplastos, mitocôndrias, retículo endoplasmático, complexo

de Golgi, vacúolo) foram modeladas com cola colorida e o núcleo

com uma meia esfera de isopor.

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Nos dias 8 e 9 de novembro, prosseguimos a elaboração

de objetos para a exposição sobre origens da vida na Terra e

células. O grupo de alunos-curadores construiu um modelo de

célula animal. Um aluno perguntou-me o que dizer caso

alguém, na ocasião do MN já aberto à visitação, perguntasse a

ele o que é uma célula. Ponderei que a resposta deveria ser

objetiva, correta e de fácil compreensão, pois não teríamos

como saber o nível de conhecimento de cada visitante. Antes

mesmo de dar a instrução ao aluno, interrompeu-me dizendo:

então direi que as células são os tijolos dos nossos corpos.

Endossei a solução metafórica bastante prática do estudante e

acrescentei que também poderia alegar que as células, apesar

de serem como tijolos de nossos organismos, são capazes de

realizar diversas reações químicas.

O modelo de célula animal foi estruturado da seguinte

forma: sobre uma placa redonda de isopor, com 12cm de

espessura, foram modeladas em espuma de poliuretano a

membrana plasmática e as principais organelas citoplasmáticas:

mitocôndria, complexo de Golgi, lisossomos, retículo

endoplasmático e núcleo. Representando os centríolos, os

alunos utilizaram cilindros de isopor presos à célula por arames

que seriam os microtúbulos.

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Um aluno-curador, que cuidava da exposição do sistema

solar, ao ler um “Atlas do Universo”, disse-me que lhe ocorreu a

idéia de fazermos um satélite e deixá-lo suspenso sobre o

sistema solar. Perguntei qual satélite e respondeu-me que seria

interessante fazermos o Telescópio espacial Hubble. Percebi

que, assim, poderíamos tratar sobre a “Lei de Hubble-

Humason”, que postula o afastamento das galáxias, e mostrar

fotografias tiradas por este aparelho. Utilizando duas placas

retangulares finas de madeira (15cm x 50cm) pintadas com

tinta acrílica metálica prateada, pedaços de arame, um alicate

de corte e um cilindro de isopor de (50cm) revestido com manta

asfáltica (aproximadamente 1m), os alunos construíram uma

réplica do telescópio.

A 16 de novembro, com a maquete da “Era dos

Dinossauros” pronta, o aluno-curador responsável por esta

seção começou a organizá-los, dividindo a área em três partes

que representavam os períodos Triássico, Jurássico e Cretáceo

da era Mesozóica. Cada réplica de dinossauro recebeu uma

etiqueta contendo informações básicas sobre a espécie.

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Nesse dia, também, os alunos curadores dos fósseis

selecionaram os moluscos fossilizados a serem colocados nas

vitrines que, logo, ficariam prontas.

Foram dados os últimos retoques nos planetas do

sistema solar interativo, com pincel fino, antes de serem

acoplados ao aparelho que iria fazê-los orbitar ao redor do sol

(uma esfera de isopor, com textura de massa corrida pintada

com tinta de tecido dourada).

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Ao final da última reunião antes da inauguração, que

seria no dia 26 de novembro, os alunos-curadores reuniram-se

para uma foto coletiva, cada um mostrando seus artefatos: sol,

vulcão, montagens entomológicas, fases da Terra, telescópio

espacial, entre outros trabalhos elaborados ao longo de seis

meses de construção do MN.

A maioria dos participantes demonstrou comprometimento

e entusiasmo nos estudos, montagens e debates. O trabalho em

equipe culminou em um Museu de Ciências dentro da escola e

tudo isso proporcionou uma alfabetização científica desenvolvida

pelo contato dos estudantes com os objetos musealizados.

Conclusões

A experiência relatada no presente texto visou a

realizar alfabetização científica e tecnológica (CHASSOT,

2000; DEMO, 2011) e desenvolvimento da inteligência

naturalística (GARDNER, 2000) pela construção-participativa

de um museu na escola. O museu funciona como uma

ferramenta para a alfabetização científica, ou seja, opera,

dentro da escola, como um espaço catalisador de

convivências e aprendizados que levam os alunos a

aprenderem Ciências pelo sistema de curadoria, dando voz a

objetos que, contando sua história, ensinam sobre si e sobre

o mundo teórico ao qual pertencem.

Referências:

BARCELLOS, Guy Barros. Museu da Natureza: Um espaço de

divulgação da Ciência em uma escola de ensino fundamental e

médio. In: Borges, R. M. R; LIMA, V. M. R.; Imhoff, A. L, Orgs.

Contribuições de um Museu Interativo à Educação em

Ciências e Matemática. Porto Alegre: Edipucrs, 2009. p. 165-171.

BARCELLOS, Guy Barros. Manual de Implantação de Museus

Escolares. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2013. 114 p.

CHASSOT, Attico. Alfabetização Científica: questões e

desafios para a educação. Ijuí: Unijuí, 2000. 386 p.

DEMO, Pedro. Educação e Alfabetização Científica.

Campinas: Papirus, 2010. 160 p.

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GARDNER, H. Multiple Intelligences. Nova Iorque: Basic Books,

2006. 300 p.

Sobre os Autores

Guy Barros Barcellos é licenciado em Ciências Biológicas pela

PUCRS, Mestre e Doutorando em Educação em Ciências e

Matemática pela PUCRS. Lecionou na Rede de Escolas da

ULBRA, onde criou, junto de seus alunos o Museu da Natureza.

Atualmente é professor do Instituto Estadual Paulo da Gama e

ministra oficinas de Museus Escolares por todo Brasil. E-mail:

[email protected]

Regina Maria Rabello Borges é licenciada em Ciências possui

Licenciatura e Bacharelado em História Natural pela Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1970), Mestrado

em Educação, linha de pesquisa Educação e Ciências, pela

Universidade Federal de Santa Catarina (1991) e Doutorado em

Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do

Sul (1997). Atualmente é professora adjunta da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul, atuando na

Faculdade de Biociências (Graduação) e na Faculdade de Física

(Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e

Matemática), com ênfase nos seguintes temas: Museu

Interativo e Divulgação Científica, Filosofia e História das

Ciências, Educação Inicial e Continuada de Professores de

Ciências, Ensino de Ciências e Biologia e Interdisciplinaridade.

Maria Salett Biembengut é matemática, com especialização

na UNICAMP, mestra em Educação Matemática pela UNESP,

doutora em Engenharia de Produção e Sistemas pela UFSC e

pós-doutora em Educação pela USP e pela University of New

Mexico (USA). Na Universidade Regional de Blumenau FURB

atuou de 1990 a 2010 no Departamento de Matemática e nos

Programas de Pós-graduação em Educação e em Ensino de

Ciências e Matemática; aposentou-se em fevereiro de 2010 e

passou a atuar como professora voluntária. Desde agosto de

2010, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

PUCRS atua na Faculdade de Matemática e no Programa de Pós-

graduação em Educação em Ciências e Matemática. Foi

professora visitante das Faculdades de Educação da

Universidade de Salamanca Espanha (mar-abr/2003) e de

Matemática da Technische Universitat de Dresden Alemanha, da

Lappeenranta University of Technology e da Tampere University

of Technology - Finlândia. Dedica-se à pesquisa em Modelagem

Matemática na Educação desde 1986.

Diary of the setting of a Science Museum by Middle School Students

Abstract

This work, presented as a diary, displays the several roles

of a Science Museum installed in a school. A special

feature refers to the building of this space, by the work of

students, working as a team, aiming to create and

maintain a museum at school. During the period of six

months, from the start of the construction up to the

museum’s inauguration, the authors had meeting with

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students which involved practical activities and non-formal

lessons. In these classes the students built exhibitions

about the solar system, the Earth, the origins of life, the

molecular biology of the cells, paleontology and

oceanology. They have musealized and cataloged

collections of shells and fossils. The present report should

be able to give ideas to Science teachers who are

interested on Science literacy by means of building a

museum at school.

Key-words: Science museums, scientific literacy,

scientific competence, non-formal education