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Revisão Bibliográfica Narrativa: Menoita E. (2020) Etiopathogenesis of pressure ulcers, Journal of Aging & Innovation, 9(1): 82- 99 JOURNAL OF AGING AND INNOVATION, ABRIL, 2020, 9 (1) ISSN: 2182-696X http://journalofagingandinnovation.org/ DOI: 10.36957/jai.2182-696X.v9i1-5 82 Etiopatogenia das úlceras por pressão Etiopathogenesis of pressure ulcers Etiopatogenia de las úlceras por presión. Elsa Menoita 1 1 RN, CNS, MsC, Gestora do PMQCE-úlceras por pressão do CHULC (Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Coordenadora do Feridasau, Mestre em Gestão Avançada de Recursos Humanos, Especialista em Enfermagem de Reabilitação. Corresponding author: [email protected] Resumo Para compreender a etiologia das Úlceras Por Pressão (UPP) é fundamental conhecer o impacto que as cargas mecânicas têm sobre as células e tecidos, tendo a mecanobiologia tido um papel fundamental para o seu estudo. Nos últimos anos, várias teorias da etiopatogenia das UPP têm sido desmanteladas. A isquémia era considerada o primeiro e principal processo fisiopatológico responsável pelo desenvolvimento deste tipo de lesões. Atualmente, os estudos apontam para uma cascata de danos, iniciando- se com um processo de deformação celular, com alongamento da membrana plasmática, seguido por uma fase inflamatória, marcada por edema, com impacto aditivo na deformação celular e sequencialmente por isquémia-reperfusão, tornando-se um ciclo vicioso. Palavras-chave: Úlcera por Pressão, Deformação, Inflamação, Isquémia, Dano cumulativo Abstract To understand the etiology of Pressure Ulcers (UPP) it is essential to know the impact that mechanical loads have on cells and tissues, with mechanobiology having a fundamental role in its study. In recent years, several theories of UPP etiopathogenesis have been dismantled. Ischemia was considered the first and main pathophysiological process responsible for the development of this type of injury. Currently, studies point to a cascade of damage, starting with a process of cell deformation, with elongation of the plasma membrane, followed by an inflammatory phase, marked by edema, with an additive impact on cell deformation and sequentially by ischemia-reperfusion, becoming a vicious cycle. Keywords: Pressure Ulcer, Deformation, Inflammation, Ischemia, Cumulative Damage Menoita E. (2020) Etiopathogenesis of pressure ulcers, Journal of Aging & Innovation, 9(1): 82- 99 Revisão Bibliográfica Narrativa

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JOURNAL OF AGING AND INNOVATION, ABRIL, 2020, 9 (1) ISSN: 2182-696X http://journalofagingandinnovation.org/ DOI: 10.36957/jai.2182-696X.v9i1-5 82

Etiopatogenia das úlceras por pressão

Etiopathogenesis of pressure ulcers

Etiopatogenia de las úlceras por presión.

Elsa Menoita1

1RN, CNS, MsC, Gestora do PMQCE-úlceras por pressão do CHULC (Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Coordenadora do Feridasau, Mestre em Gestão Avançada de Recursos Humanos, Especialista em Enfermagem de Reabilitação. Corresponding author: [email protected]

Resumo

Para compreender a etiologia das Úlceras Por Pressão (UPP) é fundamental conhecer o impacto que as cargas mecânicas têm

sobre as células e tecidos, tendo a mecanobiologia tido um papel fundamental para o seu estudo. Nos últimos anos, várias teorias

da etiopatogenia das UPP têm sido desmanteladas. A isquémia era considerada o primeiro e principal processo fisiopatológico

responsável pelo desenvolvimento deste tipo de lesões. Atualmente, os estudos apontam para uma cascata de danos, iniciando-

se com um processo de deformação celular, com alongamento da membrana plasmática, seguido por uma fase inflamatória,

marcada por edema, com impacto aditivo na deformação celular e sequencialmente por isquémia-reperfusão, tornando-se um

ciclo vicioso.

Palavras-chave: Úlcera por Pressão, Deformação, Inflamação, Isquémia, Dano cumulativo

Abstract

To understand the etiology of Pressure Ulcers (UPP) it is essential to know the impact that mechanical loads have on cells and

tissues, with mechanobiology having a fundamental role in its study. In recent years, several theories of UPP etiopathogenesis

have been dismantled. Ischemia was considered the first and main pathophysiological process responsible for the development

of this type of injury. Currently, studies point to a cascade of damage, starting with a process of cell deformation, with elongation

of the plasma membrane, followed by an inflammatory phase, marked by edema, with an additive impact on cell deformation and

sequentially by ischemia-reperfusion, becoming a vicious cycle.

Keywords: Pressure Ulcer, Deformation, Inflammation, Ischemia, Cumulative Damage

Menoita E. (2020) Etiopathogenesis of pressure ulcers, Journal of Aging & Innovation, 9(1): 82- 99

Revisão Bibliográfica Narrativa

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0. FUNDAMENTOS GERAIS

Em 2016 NPUAP (National Pressure Ulcer Advisory Panel) anunciou a

mudança na terminologia úlcera por Pressão (UPP) para Lesão por Pressão (LP),

defendendo que é mais inclusivo para todas as categorias e descreve de forma mais

precisa a lesão, tanto na pele intacta como na pele ulcerada.

De acordo com EPUAP/NPIAP/PPPIA (2019a), o termo LPP é utilizado no

sudeste da Ásia, Austrália, Nova Zelândia e EUA, no entanto as discussões sobre a

terminologia mantêm-se. Na Europa o termo úlcera por pressão tem sido utilizado e

estas últimas guidelines não o vieram alterar, respeitando as diferentes definições e

classificações dos diferentes pontos geográficos (EPUAP/NPIAP/PPPIA, 2019b).

Uma Úlcera por Pressão é definida como um dano localizado na pele e / ou

tecido subjacente, como resultado de pressão ou pressão em combinação com

cisalhamento. As UPP geralmente ocorrem sobre uma proeminência óssea, mas

também podem estar relacionadas a um dispositivo ou outro objeto.

A EPUAP/NPIAP/PPPIA (2019b) apresentam a classificação das UPP,

variando de I a IV, e integram ainda UPP com profunidade indeterminada e suspeita

de lesão nos tecidos profundos. Este sistema de classificação não pode ser utilizado

para classificar as UPP nas membranas mucosas.

É de salientar que a classificação por graus/categorias (Quadro nº 1) serve

apenas para classificar a profundidade dos tecidos lesados e não para monitorizar a

evolução da cicatrização.

Na Europa, mantém-se o termo de Úlcera de Pressão.

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Quadro nº 1 - Classificação das UPP

CLASSIFICAÇÃO DAS UPP

UPP de Categoria/Grau I: Eritema Não branqueável

Pele intacta com rubor não branqueável numa área localizada, normalmente

sobre uma proeminência óssea. Em pele de pigmentação escura pode não ser

visível o branqueamento; a sua cor pode ser diferente da pele da área

circundante. A área pode estar dolorosa, dura, mole, mais quente ou mais fria

comparativamente ao tecido adjacente. A Categoria/Grau I pode ser difícil de

identificar em indivíduos com tons de pele escuros.

UPP de Categoria/Grau II: Perda Parcial da Espessura da Pele

Perda parcial da espessura da derme que se apresenta como uma ferida

superficial com leito vermelho-rosa sem tecido desvitalizado. Pode também

apresentar-se como flitena preenchida por líquido seroso. Esta Categoria/Grau

não deve ser usada para descrever quebras cutâneas, queimaduras por abrasão,

dermatite associada à incontinência, maceração ou escoriações.

UPP de Categoria/Grau III: Perda Total da Espessura da Pele

Perda total da espessura dos tecidos. O tecido adiposo subcutâneo pode ser

visível, mas os ossos, tendões ou músculos não estão expostos. Pode estar

presente algum tecido desvitalizado. Podem ser cavitadas e tunelizadas. A

profundidade de uma UPP de Categoria/Grau III varia de acordo com a

localização anatómica. A asa do nariz, os pavilhões auriculares, a região

occipital e maleolar não têm tecido subcutâneo e as úlceras de Categoria/Grau

III podem ser superficiais. Em contrapartida, em zonas com tecido adiposo

abundante podem desenvolver-se UPP de Categoria/Grau III extremamente

profundas. Tanto o osso como o tendão não são visíveis nem diretamente

palpáveis.

UPP de Categoria/Grau IV: Perda total da espessura dos tecidos

Perda total da espessura dos tecidos com exposição óssea, dos tendões ou dos

músculos. Em algumas partes do leito da ferida, pode aparecer tecido

desvitalizado (húmido) ou necrose (seca). Frequentemente são cavitadas e

tunelizadas. A asa do nariz, os pavilhões auriculares, a região occipital e

maleolar não têm tecido subcutâneo e as úlceras de Categoria/Grau III podem

ser superficiais. Uma UPP de Categoria/Grau IV pode atingir o músculo e/ou

as estruturas de suporte (ou seja, fáscia, tendão ou cápsula articular), tornando

possível a osteomielite. Tanto o osso como o tendão expostos são visíveis ou

diretamente palpáveis.

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Profundidade Indeterminada

Perda total da espessura dos tecidos, na qual a base da úlcera está coberta por

tecido desvitalizado e/ou necrótico no leito da ferida. Até que seja removido

tecido desvitalizado e/ou necrótico suficiente para expor o leito da ferida, a

verdadeira profundidade e, por conseguinte, a verdadeira Categoria/Grau, não

podem ser determinados.

Suspeita de lesão nos tecidos profundos

Área vermelha escura ou púrpura localizada em pele intacta e descolorada,

provocadas por danos no tecido mole subjacente, resultantes de pressão e/ou

cisalhamento. A área pode estar rodeada por tecido doloroso, firme, mole,

húmido, mais quente ou mais frio comparativamente ao tecido adjacente. A

lesão dos tecidos profundos pode ser difícil de identificar em indivíduos com

tons de pele escuros. Pode incluir uma flictena sobre o leito de uma ferida

escura. A sua evolução pode ser rápida expondo outras camadas de tecido

adicionais, mesmo que estas recebam o tratamento adequado.

Adaptado: EPUAP/NPIAP/PPPIA (2019b).

1. UPP: INTERAÇÃO CORPO-SUPERFÍCIE

A mecanobiologia e a física contribuem para a avaliação das interações complexas

entre corpo-superfície, no contexto das UPP.

Para compreender a etiologia das UPP é fundamental conhecer o impacto que as

cargas mecânicas têm sobre as células e tecidos, e não apenas ao que é aparente,

ao que é observável, como por exemplo, na pele.

Carga mecânica

A carga mecânica compreende todos os tipos de força que são aplicados nos tecidos

moles, como resultado do contacto entre a pele e uma superfície sólida (como por

exemplo, superfícies de apoio, dispositivos médicos e outros tipos de superfícies).

As cargas mecânicas externas são frequentemente caracterizadas como:

• Força normal - força perpendicular à superficie da pele, como a pressão;

• Força de cisalhamento/torção – paralela à superficie da pele.

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A carga mecânica externa, mesmo de natureza uniforme, levará a uma resposta

interna do tecido altamente irregular (isto é, respostas diferentes em localizações

diferentes) - resposta heterogénea ou não homogénea (EPUAP/NPIAP/PPPIA,

2019a).

O modo específico pelo qual as células e tecidos são afetados por cargas mecânicas

é um processo complexo que depende da estrutura anatómica (por exemplo,

geometria das estruturas ósseas) e morfológica (tamanho e forma das diferentes

camadas de tecido), biofísica e das propriedades mecânicas dos tecidos envolvidos,

bem como as magnitudes e distribuições das forças mecânicas aplicadas

(EPUAP/NPIAP/PPPIA, 2019a).

A magnitude da carga mecânica necessária para causar dano tecidular depende da

duração em que a carga é aplicada, bem como a tolerância biomecânica específica

do tecido.

A carga sustentada refere-se a uma carga aplicada por um longo período (minutos a

horas ou até dias) – carga mecânica quase estática.

Sabe-se que cargas baixas, como as vividas diariamente por pessoas saudáveis (por

exemplo, a partir do peso da roupa, ou usando óculos, relógios ou jóias) não levará a

tecidos danificados, mesmo se aplicadas por longos períodos de tempo

(EPUAP/NPIAP/PPPIA, 2019a; Gefen & Weihs, 2016).

A aplicação de uma carga elevada por um curto período ou uma carga baixa por um

período prolongado pode levar ao dano tecidular. Uma carga exercida rápida e de alta

magnitude, resultantes de um acidente ou de um trauma provoca danos tecidulares.

Estas lesões não são UPP, embora, de modo semelhante, a aplicação de cargas

mecânicas cause danos às células e tecidos. A diferença etiológica é essencialmente

o tempo de exposição ao mecanismo das cargas. Com danos por impacto, uma carga

mecânica muito alta é aplicada nos tecidos e nos órgãos, numa fração de um segundo.

Os danos por impacto não são considerados UPP, porque o dano primário ocorre em

frações de segundo (EPUAP/NPIAP/PPPIA, 2019a).

As cargas altas não são necessariamente só as de impacto, traumáticas; podem ser

episódios de deformação, que podem ocorrer em condições clínicas comuns. As

forças de cisalhamento elevadas na interface entre o corpo e uma superfície de apoio

ou dispositivo médico podem agravar a deformação causada por cargas normais

(pressão) isoladamente.

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As tensões internas e as adjacentes às proeminências ósseas são substancialmente

mais elevadas do que aquelas próximas à superfície, devido aos efeitos da

concentração de stresse. Com altas deformações tecidulares resultantes de pressão

e cisalhamento, o dano nas células é visível num nível microscópico em minutos, em

modelos de cultura de células e engenharia de tecidos, embora possa levar horas de

carga sustentada para que seja clinicamente visível como uma UPP.

A tolerância tecidular depende de vários factores, como: idade, morfologia, condições

de saúde e função do sistema corporal, incluindo a capacidade de reparação tecidular.

1.1. IMPORTÂNCIA DA MECANOBIOLOGIA

A mecanobiologia é um campo emergente da bioengenharia, onde o foco está nas

relações entre forças mecânicas e função biológica nos níveis microscópicos de

células e tecidos.

A nova perspectiva da mecanobiologia veio permitir examinar a origem das UPP no

nível celular, e não quando uma ferida se torna macroscópica e clinicamente

identificável. Os novos estudos permitiram compreender a cascata de eventos que

causam danos secundários e terciários poucas horas depois das primeiras células

terem morrido, devido à exposição da deformação sustentada.

Para além disso, permitiu compreender o impacto do dano inflamatório - que antes

era negligenciado-, e que contribui para a escalada da morte celular e tecidular

(Gefen, 2018). Marcadores inflamatórios, como a biocapacitância, podem ser

empregues para auxiliar na detecção precoce de danos que evoluem sob a pele

intacta (Gefen, 2018) e, portanto, facilitar a intervenção precoce.

A isquémia é um fator contribuidor terciário para os danos que ocorrem após danos

diretos à deformação e danos inflamatórios que já comprometeram substancialmente

a viabilidade do tecido (Gefen, 2018). Relativamente à natureza ilusória do limiar de

lesão procurado por Reswick e Rogers, a perspectiva mecanobiológica microscópica,

que considera processos inflamatórios e posterior acumulação de dano isquémico ao

longo do tempo, aponta para o fato de que não existe um universal limiar de lesão

tecidular. As pesquisas mecanobiológicas foram capazes de demonstrar o fracasso

de gerações de pesquisadores que procuravam um valor limite universal de lesão.

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1.2. FATORES CONTRIBUINTES PARA DANOS CELULARES E MORTE

TECIDULAR

As UPP ocorrem principalmente devido à deformação e distorção de células e tecidos.

Através da "engenharia de tecidos", conseguiu-se determinar os efeitos da

deformação celular e a viabilidade de células individuais quando expostas a distorções

sustentadas. Mesmo com níveis normais de oxigénio ou glicose, as células morrem

devido à deformação sustentada. Tal facto vem refutar a teoria etiológica que

defendia que as UPP se desenvolvem devido à isquémia.

As UPP desenvolvem-se ao longo do tempo, mesmo que esse período seja

relativamente curto. Há um processo gradual de acumulação de danos, ao contrário

do que sucede com a ferida traumática. Na fase inicial, as UPP não podem ser

detectadas a olho nu, porque o dano é iniciado na escala microscópica, com a morte

de algumas células ou pequenos grupos de células. Em muitos casos, estes eventos

de morte celular podem ocorrer em intervalos de tempo muito curtos, mesmo em

minutos, e podem sofrer reparos naturais e espontâneos pelo organismo, sem evoluir

para uma lesão visível. No entanto, noutros casos, o dano microscópico da morte

celular inicia uma cascata de danos que resulta no início e na progressão de uma UPP

clinicamente significativa (Gefen, 2018).

A via de interação de danos inclui:

• danos por deformação celular (em células únicas);

• danos relacionados com a inflamação (em células e tecidos);

• lesões por isquémia e reperfusão (também ao nível celular e tecidular).

Figura 1- Via de Interação de danos

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É fundamental entender que cada uma destas vias de dano começa

sequencialmente, num momento diferente. O dano direto à deformação, que é a

principal causa de dano celular e tecidular, começa primeiro, seguido pelo dano

inflamatório e, finalmente, evolui para dano isquémico. Os tempos dos danos serão

posteriormente explanados.

A Figura 2 apresenta o processo de dano celular devido às forças do peso

corporal e às consequências resultantes.

Figura 2 – Processo de dano celular (Gefen, 2018)

Fonte: EPUAP/NPIAP/PPPIA (2019a)

De modo geral, as deformações podem causar danos diretos nas estruturas celulares,

desencadeando-se uma resposta inflamatória. Sequencialmente verifica-se um

aumento da permeabilidade entre as células vasculares endoteliais, resultando em

edema inflamatório, provocando um aumento das pressões intersticiais, aumentando

ainda mais as cargas mecânicas nas células e tecidos. Estas alterações têm impacto

nos processos de transporte nas células, no suprimento de nutrientes para os tecidos,

para além de provocar obstrução linfática que compromete a libertação metabólica de

produtos residuais. Em suma, a exposição a deformações sustentadas em células e

tecidos causa direta e indiretamente a formação e progressão do dano celular e

tecidular nestas múltiplas vias de interação (EPUAP/NPIAP/PPPIA, 2019a).

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1.2.1. DEFORMAÇÃO CELULAR

Através dos estudos de mecanobiologia, verificou-se que a PRIMEIRA OCORRÊNCIA

é uma LESÃO MICROSCÓPICA que começa por um DANO EM CÉLULAS

INDIVIDUAIS e depois progride macroscopicamente para a escala de tecido.

Figura 3 – Impacto das cargas mecânicas desde as células (microescala) aos tecidos/

órgãos (macroescala)

Adaptado de: Shoham, et al, 2016

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Os danos induzidos por cargas mecânicas (por exemplo, compressão ou alongamento

externo) aplicadas às células vivas podem ser classificados em três níveis que

induzem efeitos diferentes na viabilidade e função das células (Gefen & Weihs, 2016),

que estão representados na figura 4:

a) CARGA BAIXA (cargas em escala fisiológica) – Conforme já tinha sido referido,

as células serão capazes de tolerar a carga por um longo período. As células

funcionarão normalmente sob as cargas aplicadas durante todo o período de

carga. Por exemplo, as células da pele e tecidos subcutâneos sobrevivem por

dias sob o peso de um relógio de pulso. Assim, com baixas cargas verifica-se

sobrevivência celular.

De acordo com (EPUAP/NPIAP/PPPIA, 2019a), o trabalho de mecanobiologia

demonstrou recentemente que estimular células mecanicamente, aplicando cargas

mecânicas de baixo nível e não prejudiciais aceleram a migração celular para locais

de dano (em culturas de células in vitro).

b) CARGA ALTA (isto é, acima do fisiológico) - as células falharão

catastroficamente, sendo esmagadas, rasgadas, interrompendo de maneira

irreversível e instantânea a sua integridade estrutural e consequentes funções

biológicas. Por exemplo, como anteriormente mencionado, pode ocorrer em

lesões traumáticas resultantes de um acidente de carro. Assim, cargas

elevadas extremas verifica-se necrose celular. Qualitativamente, as cargas

extremas provavelmente levarão à ruptura da membrana plasmática e do

citoesqueleto (normalmente a actina).

c) CARGAS INTERMÉDIAS (possivelmente em magnitudes fisiológicas, mas

contínuas e sem alívio por muito tempo) - As células não falharão

imediatamente, mas também não sobreviverão por um ciclo de vida normal.

Em vez disso, os efeitos dessas cargas na estrutura e na função das células,

particularmente na dinâmica e na integridade da membrana plasmática, serão

tais que as células morrerão lenta e gradualmente; se as cargas forem

removidas a tempo, as células ainda poderão recuperar. As cargas intermédias

podem levar à falha local do citoesqueleto, alternando gradualmente a

homeostase e a célula morre por apoptose. Assim, para cargas intermédias

verifica-se apoptose celular.

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Figura 3 – Mecanismos de respostas celulares sob cargas mecânicas

Fonte: (Gefen & Weihs, 2016)

RECORDA

O citosqueleto, entre várias funções, permite conferir suporte à membrana

plasmática e dar uma forma à célula. O citoesqueleto apresenta vários tipos de

fibras proteicas. Os microfilamentos são os mais finos e são constituidos por

monomeros ligados a uma proteína chamada de actina, combinados numa estrutura

que se assemelha a uma hélice dupla. Pelo fato de serem feitos de microfilamentos

de monomeros de actina, são conhecidos como filamentos de actina. Estes têm um

papel estrutural chave na célula, encontrada na região do citoplasma no limite da

célula. Esta rede de filamentos de actina, que está ligada à membrana plasmática

por conectores proteicos especiais, dá à célula a sua forma e estrutura. Os

microtúbulos são um dos tipos de fibras do citoesqueleto, ajudando a célula a resistir

às forças de compressão.

As células são estruturas, que têm uma certa capacidade de suportar cargas

mecânicas. Uma vez excedida essa capacidade, em termos de magnitude da

carga e do tempo de exposição, a estrutura da célula começa a falhar. Quando a

deformação é sustentada, as estruturas esqueléticas da célula (o citoesqueleto)

começam a falhar e, como são a estrutura de suporte da membrana plasmática,

que regula todos os iões e moléculas que podem entrar ou sair do corpo celular, a

capacidade de transporte da célula estará comprometida. Depois que a integridade

da membrana plasmática for danificada, a célula morrerá muito em breve.

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O dano que ocorre no citoesqueleto e na membrana plasmática quando as

células são cronicamente distorcidas e deformadas, como numa postura estática

de sustentação de peso ou quando forças externas sustentadas estão agindo sobre

os tecidos (por exemplo, de um dispositivo médico) é a causa da formação de todas

as UPP (Weihs e Gefen, 2016) (Figura 5).

Mediante estudos realizados com ferramentas científicas mecanobiológicas

(combinando configurações para distorção celular, microscopia avançada e

processamento de imagens), verificou-se a degradação da membrana plasmática e

subsequente perda de controlo sobre o transporte através da membrana plasmática

da célula sob cargas sustentadas e intensificadas (Slomka & Gefen, 2012; Leopold &

Gefen, 2013).

Figura 5 – Alterações na célula deformada

Fonte: Gefen et al (2020)

Devido à perda da integridade e suporte citoesquelético, os locais da membrana

plasmática tornam-se porosos, alterando a permeabilidade celular, o que pode alterar

os mecanismos de controlo, de transporte e consequentemente a homeostase das

células deformadas (Figura 5).

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Revisão Bibliográfica Narrativa: Menoita E. (2020) Etiopathogenesis of pressure ulcers, Journal of Aging & Innovation, 9(1): 82- 99

JOURNAL OF AGING AND INNOVATION, ABRIL, 2020, 9 (1) ISSN: 2182-696X http://journalofagingandinnovation.org/ DOI: 10.36957/jai.2182-696X.v9i1-5 94

Figura 6 – Efeito da compressão na forma das células

Fonte - Leopold E, Gefen A. (2012)

IMPORTANTE

A dinâmica das células e, particularmente, a ocorrência de danos citoesqueléticos e da membrana

plasmática quando as células são deformadas cronicamente, estão correlacionadas com a formação das

UPP (Gefen & Weihs, 2016).

1.2.2. INFLAMAÇÃO

A inflamação também é destacada, por Gefen (2018), como um fator criticamente

importante que deve ser considerado, pelo “efeito bola de neve” que tem para o

desenvolvimento das UPP.

Na fase inicial do dano celular, as células danificadas libertam citoquinas –

mediadores inflamatórios - que têm um papel de quimiotaxia sobre os leucócitos.

Nesta fase, para permitir que os leucócitos passem do espaço intravascular para o

local da morte celular terá de ocorrer aumento da permeabilidade capilar.

Quando há um aumento do stresse mecânico exercido pelas células circulantes sobre

a camada endotelial, o Óxido Nítrico Endotelial (e-NO) é produzido pelas células

endoteliais, desempenhando um papel essencial no processo de vasodilatação, e um

aumento da permeabilidade capilar, fazendo com que os fluidos plasmáticos sejam

transferidos para o espaço intersticial, gerando edema localizado (em escala micro),

que aumenta gradualmente a pressão intersticial, causando mais deformação e

distorção das células e tecidos. Assim, o edema adiciona gradualmente stresse

mecânico às células e tecidos, exacerbando mais os danos.

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Quando é quebrada a lei de Starling, e os leucócitos passam, por diapedese, para o

espaço extravascular, estes libertam metaloproteinases da matriz – MMP – que

degradam a matriz extracelular para aliviar a pressão resultante dos fluidos

acumulados, mas efetivamente ampliam o dano tecidular.

Em suma, quando há alívio das cargas externas aplicadas, após a lesão inicial por

deformação, o dano continuará enquanto a inflamação persistir.

1.2.3. ISQUÉMIA

Com a instalação do edema, verifica-se obstrução na rede capilar e linfática, levando

a isquémia tecidular. Como resultado, desenvolvem-se danos isquémicos, além do

dano primário por deformação e do dano inflamatório secundário.

Os danos podem ser ampliados no tecido isquémico após reperfusão, através da

libertação de Espécies Reativas de Oxigénio (ERO), que causam stresse oxidativo.

Figura 7- Processo de dano celular (esquema)

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1.3. DANOS NO TEMPO

A deformação direta é o fator inicial que começa a infligir dano no ponto de tempo

tdeform e progride a uma taxa α. O dano relacionado com a resposta inflamatória

ocorre em segundo lugar no momento tinflam e desenvolve-se a uma taxa β. O dano

isquémico é o último a aparecer no ponto do tempo no tischaem e evolui a uma (Gefen,

2018). As contribuições combinadas destes três fatores em momentos sequenciais

explicam a natureza não linear da lesão cumulativa das células e dos tecidos. Este

dano será acelerado da micro-escala para a macro-escala, com dano cumulativo, e

eventualmente, exacerbará a uma taxa de α + β + γ (Gefen, 2018) (Figura 8).

Figura 8 – Danos no tempo

Fonte: EPUAP/NPIAP/PPPIA (2019a)

É importante ressaltar que fatores intrínsecos individuais e extrínsecos /

ambientais contribuem para a espiral de danos - deformação, inflamação e isquémia

-. Especificamente, o tdeform e a taxa α dependem das características anatómicas da

pessoa, incluindo a forma das proeminências ósseas, massa e composição dos

tecidos moles e características das interações osso-tecido mole. No total, essas

características determinam o estado da carga mecânica, em termos de magnitude e

distribuição, na escala de tecidos e células. Os parâmetros de danos relativos à

DANO CUMULATIVO = taxa α + β + γ

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inflamação (tinflam e β) e os de isquémia (tischaem e γ) também dependem de fatores

intrínsecos e extrínsecos. Uma pessoa com perfusão tecidular comprometida (por

exemplo, devido a uma doença vascular periférica, insuficiência cardíaca congestiva

ou diabetes) pode acumular dano isquémico mais rápido, iniciando o componente de

dano isquémico mais cedo. Ou seja, o seu tischaem é deslocado para mais perto do

ponto de origem do eixo do tempo. Da mesma forma, pode ocorrer a uma taxa γ maior.

Outro exemplo que ilustra a diversidade esperada nas taxas de acumulação de danos

entre os indivíduos são os que apresentam inflamação crónica. Nesses casos, o

tempo de início do dano relacionado com a inflamação tinflam provavelmente seria

menor devido à superestimulação do sistema inflamatório, e a taxa de dano

inflamatório β maior.

Além disso, eventos agudos na vida de um doente, ou mesmo durante um período de

hospitalização relativamente curto, podem afetar temporariamente os valores

individuais dos parâmetros acima mencionados. Exemplos desses eventos podem

incluir doenças infecciosas que influenciam as características da resposta inflamatória

(por exemplo, extensão da resposta, escala de tempo da resposta) ou a qualidade e

a eficácia da perfusão (por exemplo, a eficácia da perfusão seria reduzida na

pneumonia). Assim, os limiares de danos e as taxas de acumulação de danos não são

apenas variáveis entre populações e indivíduos, mas também são de natureza

dinâmica. Em suma, o limiar de lesão tecidular do indivíduo muda ao longo do tempo,

potencialmente mesmo durante um período relativamente curto de hospitalização

devido a doença aguda.

Os fatores extrínsecos que influenciam as três vias de acumulação de danos devem

ser discutidos separadamente dos intrínsecos. Como fator extrínseco, o papel das

superfícies de apoio é particularmente importante. As superfícies de apoio devem ter

um efeito direto nos níveis e distribuições de deformação tecidular, o que é relevante

para a via de dano primário à deformação. No entanto, as superfícies de apoio

também podem afetar o nível de edema intersticial através do alívio de pressão e,

portanto, podem afetar o início e a progressão do dano inflamatório ou a qualidade da

perfusão relacionada com o dano isquémico. Os colchões de pressão alternada

podem reduzir o componente isquémico, influenciando os pontos de tempo de início

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dos danos nos tecidos e as taxas de acumulação de danos no indivíduo. Por exemplo,

no caso de um doente com perfusão alterada, seria esperado um tischaem mais curto e

uma taxa y maior, mas se se colocar um colchão de pressão alternada, este

desempenha um papel protetor importante, no atraso do tischaem no eixo do tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mecanobiologia tem fornecido novas informações importantes sobre como a

deformação celular resulta em lesão celular e morte celular apoptótica, como resultado

da degradação das estruturas celulares - membrana plasmática e o citoesqueleto.

Deformações sustentadas nos tecidos moles traduzem em deformações celulares em

microescala e causam distorção das organelas celulares e considerável alongamento

das membranas plasmáticas celulares.

Todos os componentes – deformação, inflamação e isquémia - contribuirão para a

cascata de danos, com natureza aditiva. Estas variáveis explicam a natureza não

linear do dano cumulativo, que geralmente se espera que acelere da microescala para

a macroescala e, eventualmente, para uma taxa em escala completa de α + β + γ. A

natureza aceleradora não linear da curva de dano destaca a necessidade de detecção

precoce no estágio mais rápido possível, seguida de intervenção apropriada para

aliviar a deformação do tecido e interromper o processo de agravamento do dano

(Gefen, 2018). O objetivo na prevenção é adiar a cascata de eventos.

Identificar os primeiros eventos de morte celular infligidos por deformação que

ocorrem exatamente no ponto de tempo inicial – tdeform - pode não ser viável no futuro.

Eventos de morte celular que ocorrem perto do ponto de tempo inicial do tdeform podem

ser totalmente reversíveis se as células conseguirem reparar o dano. Portanto, a

detecção de danos no ponto de tempo inicial da deformação ou muito próximo dela

pode criar falsos positivos, havendo baixa especificidade neste tipo de estudo (Gefen,

2018). A resposta da inflamação, iniciada no momento do tinflam, é provavelmente a

melhor opção para estudos futuros. O edema inflamatório localizado, um dos primeiros

sinais de morte celular em UPP, é detectável através da medição de um marcador

biofísico, chamado biocapacitância dos tecidos. A biocapacitância tecidular aumenta

quando o conteúdo de água extracelular aumenta devido ao micro-edema localizado.

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O edema aumenta ainda mais os níveis de distorção celular, acelerando os danos por

deformação, tornando-se um ciclo vicioso. Assim, os marcadores de inflamação são

promissores para a detecção precoce de UPP, pois surgem relativamente rápido na

espiral de danos, enquanto a morte celular ainda é contida no nível microscópico,

próximo ao ponto no tempo. A inflamação é o evento candidato para estudo e para

implementação de estratégias de prevenção o mais precoce possível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Panel and Pan Pacific Pressure Injury Alliance. Prevention and Treatment of

Pressure Ulcers/Injuries: Clinical Practice Guideline. The International

Guideline. Emily Haesler (Ed.). EPUAP/NPIAP/PPPIA: 2019.

- b) European Pressure Ulcer Advisory Panel, National Pressure Injury Advisory

Panel and Pan Pacific Pressure Injury Alliance. Prevention and Treatment of

Pressure Ulcers/Injuries: Quick Reference Guide. Emily Haesler (Ed.).

EPUAP/NPIAP/PPPIA: 2019.

- Gefen, A; Weihs, D. – Cytoskeleton and plasma-membrane damage resulting

from exposure to sustained deformations: A Review of the mechanobiology of

chronic wounds - Medical Engineering And Physics 38 (2016) 828–833

- Gefen A. The future of pressure ulcer prevention is here: Detecting and

targeting inflammation early. EWMA Journal 2018 19(2).

- Gefen A, Alves P, Ciprandi G et al. Device related pressure ulcers: SECURE

prevention. J Wound Care 2020; 29(Sup2a): S1–S52

https://doi.org/10.12968/jowc.2020.29.Sup2a.S1

- Leopold E, Gefen A. A simple stochastic model to explain the sigmoid nature of

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doi:10.1016/j.jtv.2011.11.002

- Shoham, et al - A multiscale modeling framework for studying the

mechanobiology of sarcopenic obesity. Biomech Model Mechanobiol, 2016.