fabulosas racas de humanoides monstros e robos

25
Kairos. Revista de Filosofia & Ciência 7: 87-111, 2013. Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa 87 Fabulosas raças de humanóides: monstros e robôs. A robótica humanóide e a captura da intencionalidade Porfírio Silva * (Instituto de Sistemas e Robótica - Instituto Superior Técnico) [email protected] 1. Introdução. Questionar a robótica humanóide O que andam a fazer tantas equipas de investigação por todo o mundo que trabalham na criação de robôs humanóides? Durante muito tempo, a tentativa de construir máquinas inteligentes centrou-se na mente: o Deep Blue, o computador construído pela IBM para jogar xadrez, que em 1997 envergonhou Kasparov, o campeão mundial da modalidade, não era capaz de ver o tabuleiro nem de mexer as peças e, mesmo assim, considerou-se que o computador tinha vencido o humano nesse jogo. Hoje, poucos acreditam que a inteligência possa ser assim desligada do corpo que anda pelo mundo. A importância da robótica na procura da inteligência para máquinas resulta, até certo ponto, dessa compreensão, o hardware sendo como “o corpo” da “criatura artificial”. Contudo, isso não explica só por si a proliferação de robôs humanóides. Interessando compreender o fascínio dos humanos pelos robôs humanóides, o que sugerimos aqui é que essas máquinas são parte do nosso exercício colectivo de compreensão da nossa própria humanidade. O humanóide é do campo onde está a fronteira entre o humano e o não humano. O robô humanóide permite experimentar com o que nos parece ser próprio do humano, na forma e na função, sem quebrar interditos éticos (fazer experiências invasivas em pessoas vivas). Essa *A investigação do autor beneficia do apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BPD/35862/2007)

Upload: kira-adams

Post on 18-Nov-2015

17 views

Category:

Documents


7 download

DESCRIPTION

sobre o que diz o título

TRANSCRIPT

  • Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 87-111, 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    87

    Fabulosas raas de humanides: monstros e robs.

    A robtica humanide e a captura da intencionalidade

    Porfrio Silva*

    (Instituto de Sistemas e Robtica - Instituto Superior Tcnico) [email protected]

    1. Introduo. Questionar a robtica humanide

    O que andam a fazer tantas equipas de investigao por todo o mundo

    que trabalham na criao de robs humanides? Durante muito tempo, a

    tentativa de construir mquinas inteligentes centrou-se na mente: o Deep

    Blue, o computador construdo pela IBM para jogar xadrez, que em 1997

    envergonhou Kasparov, o campeo mundial da modalidade, no era capaz

    de ver o tabuleiro nem de mexer as peas e, mesmo assim, considerou-se

    que o computador tinha vencido o humano nesse jogo. Hoje, poucos

    acreditam que a inteligncia possa ser assim desligada do corpo que anda

    pelo mundo. A importncia da robtica na procura da inteligncia para

    mquinas resulta, at certo ponto, dessa compreenso, o hardware sendo

    como o corpo da criatura artificial. Contudo, isso no explica s por si a

    proliferao de robs humanides. Interessando compreender o fascnio dos

    humanos pelos robs humanides, o que sugerimos aqui que essas

    mquinas so parte do nosso exerccio colectivo de compreenso da nossa

    prpria humanidade. O humanide do campo onde est a fronteira entre o

    humano e o no humano. O rob humanide permite experimentar com o

    que nos parece ser prprio do humano, na forma e na funo, sem quebrar

    interditos ticos (fazer experincias invasivas em pessoas vivas). Essa

    *A investigao do autor beneficia do apoio da Fundao para a Cincia e a Tecnologia (SFRH/BPD/35862/2007)

    mailto:[email protected]

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    88

    experincia passa por construir mquinas que, at certo ponto, pretendemos

    nossa imagem e semelhana. Ora, essa imagem e essa semelhana

    que, precisamente, alimentam a dinmica da relao entre o humano e o

    humanide. Para explorar esta dinmica vamos recuar no tempo, ao tempo

    de outros humanides, tambm eles fabulosos, tambm eles a interrogar a

    nossa humanidade.

    2. A aparncia de ELIZA

    Temos vindo a tentar compreender em que sentido que as cincias do

    artificial devem ser entendidas como uma das vias das cincias do humano1.

    Consideramos como cincias do artificial todas aquelas teorias e prticas

    cientficas que procuram realizar, em mquinas concebidas e construdas

    pelos humanos, certos comportamentos ou capacidades que tenham sido

    definidas como objecto de ateno por parecerem tpicas dos prprios

    humanos ou de outros animais que encontramos na natureza. As Cincias do

    Artificial, que no so uma disciplina cientfica, mas uma constelao de

    disciplinas cientficas, uma constelao em evoluo2, podem ser

    exemplificadas, no sculo XX, pela Inteligncia Artificial (IA) e pela Nova

    Robtica. Muitos praticantes das Cincias do Artificial entendem as suas

    experincias como (directa ou indirectamente) relevantes para compreender

    os prprios humanos. assim que algumas tendncias (como a IA clssica)

    focam aquilo que consideram especfico dos humanos, por exemplo

    competncias deliberativas de tipo simblico altamente sofisticadas,

    enquanto outras (como a Nova Robtica) atendem preferencialmente

    pertena dos humanos ao mundo animal e, desenvolvendo paralelos com

    outros animais, pretendem chegar a compreender essa dimenso infra-

    estruturante da nossa humanidade. Do ponto de vista desta abordagem s

    Cincias do Artificial, um episdio da respectiva histria, datado dos anos

    1960, continua a suscitar questes que, se tm sofrido transformaes no

    seu aspecto tecnolgico, permanecem essencialmente inalteradas no que

    toca pergunta pelo humano que atravessa a investigao sobre inteligncia

    para mquinas. Referimo-nos ao episdio do programa de IA conhecido

    como ELIZA.

    1 Usando cincias do artificial estamos a coincidir na expresso com Herbert Simon,

    embora a coincidncia conceptual seja diminuta, como resulta do captulo 7 de (Silva, 2011). 2 Cf. Schopman, 1987; Gardner, 1985.

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    89

    O programa ELIZA, desenvolvido por Joseph Weizenbaum no MIT entre

    1964 e 1966, estabelece um cenrio de conversa em linguagem natural

    (ingls) entre um computador e um utilizador humano3. O utilizador humano

    escreve as suas falas no teclado e recebe respostas tambm escritas com

    tempos de reaco que no desmentem a humanidade do interlocutor. Na

    verso mais conhecida e usada pelo seu criador para efeitos de

    demonstrao, a mquina desempenha o papel de um psicoterapeuta

    rogeriano. Um dos elementos de credibilizao do sistema consiste

    precisamente no pressuposto de que um psiquiatra dessa escola incentivar

    o seu paciente a esclarecer todas as suas afirmaes, devolvendo

    sistematicamente as suas falas com pedidos de melhor esclarecimento sobre

    os tpicos suscitados. Weizenbaum explica que escolheu o psicoterapeuta

    como o seu personagem, porque a entrevista psiquitrica lhe pareceu um

    dos poucos exemplos de comunicao em linguagem natural com dois

    intervenientes em que parece natural, para uma das partes, que a outra parte

    exiba uma pose de quase completa ignorncia acerca do mundo real.

    Quando um paciente diz Fui dar uma grande volta de barco e o psiquiatra

    responde Fale-me de barcos, no pensamos que o psiquiatra seja ignorante

    acerca de barcos, mas que ele est a perscrutar a mente do paciente.

    So relatadas as mais diversas histrias acerca da forma espantosa como

    muitas pessoas, interagindo com este programa, se convenciam de que

    estavam a conversar com um psicoterapeuta. Por exemplo, uma das

    secretrias do sector onde Weizenbaum trabalhava ter chegado a pedir aos

    circunstantes que a deixassem a ss com o psicoterapeuta para poder falar

    com a necessria privacidade. Contudo, apesar das aparncias, como

    Weizenbaum sempre explicou com total transparncia, o ELIZA no tinha

    qualquer forma de compreenso. O esquema bsico do funcionamento do

    ELIZA era simples: na frase inserida pelo utilizador era procurada uma

    palavra-chave; a cada palavra-chave correspondia um conjunto de regras de

    decomposio e uma delas era aplicada para transformar a frase numa

    sequncia de palavras manipulvel pelo programa; sobre essa sequncia era

    aplicada uma das regras de recomposio associadas mesma palavra-

    chave, de modo a produzir a sequncia de palavras que constitui a resposta

    do computador. O programa variava as respostas: no usava sempre as

    mesmas regras de decomposio e de recomposio para ocorrncias

    diferentes da mesma palavra-chave. Como base desta estratgia, o

    3 Weizenbaum, 1966.

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    90

    programa dispunha de um dicionrio de palavras-chave, que permitia

    determinar se alguma das palavras contidas numa frase inserida pelo

    utilizador era uma palavra-chave. O utilizador podia inserir, de uma s vez,

    mais do que uma frase ou uma frase composta, mas o ELIZA s podia

    transformar uma frase simples de cada vez. Por isso, quando analisava uma

    insero do utilizador e encontrava uma vrgula ou um ponto final, se j

    encontrara at a uma palavra-chave ignorava tudo o que aparecia a seguir a

    esse sinal de pontuao; se ainda no encontrara nenhuma palavra-chave,

    apagava tudo o que lera at a e concentrava-se no restante. Se numa

    entrada no encontrava nenhuma palavra-chave, o ELIZA retomava um

    tpico anterior ou respondia com uma frase do gnero Porque que pensa

    assim?, destinada a ter cabimento em qualquer contexto. Weizenbaum

    sempre foi claro: quem atribui conhecimento e inteligncia ao seu interlocutor

    o humano; os pressupostos so l postos pelo humano; alm dos truques

    relativamente simples da operao interna do ELIZA, tudo o resto fornecido

    pelo humano utilizador. Neste caso, o autor do programa completamente

    transparente: mostra toda a operao interna do ELIZA e explica que, alm

    dos truques relativamente simples que l colocou, tudo o resto fornecido

    pelo humano utilizador.

    Anos mais tarde, Weizenbaum, no quadro de uma reflexo sobre a

    responsabilidade social da investigao em Inteligncia Artificial, volta a

    questionar-se sobre o significado deste episdio4. Se se mostra

    impressionado com o facto de muitas pessoas se envolverem

    emocionalmente com um programa de computador, como se estivessem

    mesmo a consultar um psiquiatra, ainda mais notvel que profissionais,

    psiquiatras no activo, tenham sugerido seriamente que o ELIZA podia ser

    desenvolvido para ser transformado numa forma automtica de psicoterapia.

    Um dos exemplares mais notveis K.M. Colby, que desenvolveu ainda nos

    anos 1960 programas de anlise da neurose, comeando com um programa

    que tratava uma mulher que acreditava que o seu pai a tinha abandonado,

    mas no aceitava conscientemente que o odiava por isso5. Este conjunto de

    reaces ao ELIZA, atribuindo sua obra maravilhas que ele prprio negava

    veementemente, levou Weizenbaum a interessar-se pelos problemas

    suscitados pela facilidade com que as pessoas fazem atribuies

    extraordinrias a uma tecnologia que no compreendem.

    4 Weizenbaum, 1976.

    5 Para uma descrio razoavelmente detalhada do programa da neurose de Colby,

    cf. Margaret Boden, 1977, 21-63.

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    91

    O episdio ELIZA revela como, de dentro das cincias do artificial, as

    mquinas podem ser ocasio de aparncias fundadoras: como a encenao

    de certos elementos de aparncia das mquinas pode estabelecer as

    condies de entrada dos humanos em interaces com coisas no mundo

    que, at ento, eram exclusivas das relaes entre humanos. Os actuais

    desenvolvimentos da robtica humanide abrem novas perspectivas a estes

    cenrios, pelo que vamos tentar captar a dinmica desse processo. Isso ser

    feito no quadro mais vasto da relao do humano com o humanide,

    considerando particularmente o caso das raas fabulosas do Oriente no

    pensar da humanidade, antes e depois dos Descobrimentos dos sculos XV

    e XVI.

    3. O que ser humanide?

    Dizemos que so humanides os robs que, de algum modo, tm uma

    aparncia humana. s vezes tm duas pernas, dois braos, uma cabea;

    outras vezes so apenas pedaos, por exemplo um torso e uma cabea.

    Enquanto no confundirmos mquinas com humanos, dizer de certos robs

    que so humanides remete apenas para essa aparncia exterior. Se

    pensarmos, no entanto, que a forma da mquina serve, em muitos casos, de

    veculo a comportamentos que se querem comparveis aos dos humanos, de

    veculo a expectativas de convvio entre humanos e mquinas, uma nova

    delicadeza desce sobre a questo.

    Insistamos, ento: o que isso de ser humanide? No pode ter s a ver

    com a similitude do corpo: corpos de pessoas com extensas deficincias

    fsicas continuam a ser corpos humanos. Pode ser tambm questo de

    comportamento, mas to pouco por a se traa uma fronteira definitiva: h

    comportamentos que consideramos inumanos, sem deixarmos de reconhecer

    que os seus autores continuam a ser humanos. Quer dizer: a questo do

    humanide passa por dentro da questo do que ser humano, no uma

    questo para domnios claramente exteriores. uma questo de fronteiras

    internas: onde est a linha para c da qual o humanide humano?

    Como estamos a falar de robs, podemos pensar que essa questo pode

    ser rebatida sobre a fronteira entre natural e artificial, mas essa sada

    enganadora. Embora esta seja uma questo inabitual para espcies naturais,

    ela no completamente nova. Pensemos nos Neandertais6. Desapareceram

    6 Finlayson, 2004; Trinkaus e Shipman, 1993.

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    92

    do registo fssil h uns 30.000 anos e antes disso, na vasta rea geogrfica

    da Europa ao sul da Sibria que habitaram, tero convivido com os nossos

    antepassados. Supe-se que seriam aproximadamente to sofisticados como

    ns, mas parece no haver completa unanimidade quanto a consider-los

    como uma subespcie dos humanos (Homo sapiens neanderthalensis, ao

    lado do Homo sapiens sapiens) ou como uma espcie humana separada

    (Homo neanderthalensis, Homo sapiens). Se hoje vivssemos essa situao,

    questes como a da igualdade de direitos entre ns e eles, entre

    diferentes humanos, no seriam fceis de resolver apelando simplesmente

    biologia.

    No sabemos muito desse longnquo convvio com outros humanos,

    diferentes, que poderiam ser considerados humanides naturais. No

    podemos, pois, socorrer-nos desse antecedente para aclarar as

    consequncias do humanide para o humano. Temos, contudo, outro ponto

    de observao para as nossas atitudes passadas face a humanides: as

    raas fabulosas do Oriente no imaginrio ocidental. Fabuloso o monstro o

    qual, nos seus diferentes aspectos, ajuda a pensar o que ns prprios

    somos.

    4. O que ser monstro?

    O que ser monstruoso? O monstro tem vrios sentidos. O primeiro o

    das palavras em grego () e em latim (monstrum) para monstro, que

    significavam originalmente sinal enviado pelos deuses, referindo-se a casos

    individuais, a filhos de casais humanos nascidos com malformaes

    congnitas7. Esses monstros eram sinais do futuro (anncio de grandes

    desgraas) ou do passado (castigos de pecados, designadamente da ordem

    dos interditos sexuais). O segundo sentido para monstro o de animais

    resultantes do cruzamento de espcies: centauros, unicrnios. (Nesta

    acepo cabia, por vezes, o demnio disfarado, por exemplo de cabra). As

    raas fabulosas do Oriente (ou, mais precisamente, da ndia) so o terceiro

    sentido para monstro, onde esto em causa raas (e no indivduos),

    diferentes da humanidade conhecida sem deixarem de ser humanos. este

    sentido que vamos explorar.

    Os esteretipos das raas fabulosas emergem na Grcia Antiga, talvez j

    desde o sc. VI a.C., mantendo-se depois razoavelmente estveis na cultura

    7

    Roux, 2008, 13-15, 80-81.

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    93

    ocidental at ao sculo XVI. Plnio, o Velho, com a sua Histria Natural, ter

    sido o principal responsvel pela sua ulterior retransmisso sucessiva.

    Contudo, um saudvel cepticismo em relao aos testemunhos sem

    fundamentao escrutinada faz com que nem todos os autores antigos

    aceitem as histrias das raas fabulosas. o caso de Estrabo e Ptolomeu,

    que nem as mencionam8.

    De outro modo, mesmo autores sofisticadamente cpticos quanto ao uso

    das fontes contriburam para adensar a problemtica. Um bom exemplo

    Santo Agostinho (sculos IV-V), que, embora considere provavelmente falsa

    a existncia dessas raas, procura no plano geral da Criao um quadro

    teolgico para a sua eventual existncia9: Para concluir esta questo com

    prudncia e cautela: ou o que se conta dessas raas no se verifica; ou, se

    se verifica, no so homens; ou, se so homens, provm de Ado. O que o

    autor dA Cidade de Deus pretende (na concluso do captulo 8 do Livro XVI,

    que acabamos de citar) mostrar como, qualquer que seja o caso quanto

    existncia efectiva das raas fabulosas no Oriente, nada disso desmente a

    unidade da espcie humana, a harmonia da Criao ou a sabedoria do plano

    do Criador harmonia e sabedoria que no dependem da nossa capacidade

    para as entender.

    O certo que muitos autores cristos medievais acolheram as narrativas,

    particularmente de Plnio, o Velho, integrando o fantstico no imaginrio, de

    tal modo que as raas fabulosas so generalizadamente mencionadas nas

    grandes enciclopdias dos sculos XII e XIII. Um aspecto interessante na

    reproduo deste imaginrio o papel da imagem no processo: a imagem

    capaz de resistir ao cepticismo, de extravasar o enquadramento discursivo

    que lhe explicitamente dado, ganhando uma fora prpria contra o

    desmentido racional. A representao pictrica ajudou a manter os monstros

    vivos, mesmo contra o cepticismo dos que representavam. Por exemplo,

    Sebastian Mnster, na Cosmographia, publicada pela primeira vez em

    alemo em 1544, defendia que as raas monstruosas no existiam, porque,

    dava como razo, no havia delas nenhum relato que se pudesse considerar

    fidedigno. No obstante, acompanhando essa opinio com a insero de

    ilustraes das supostas raas, favoreceu a crena na sua existncia10

    .

    como se, espontaneamente, fizesse vencimento o pressuposto de que no

    8 Wittkower, 1942.

    9 Santo Agostinho, 1995, 1476.

    10 Priore, 2000, 42.

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    94

    pode ser pura inexistncia o que to magnificamente pode ser representado

    pela imagem.

    Que as raas fabulosas do Oriente povoaram durante sculos o

    imaginrio ocidental, est bem documentado. Questo outra compreender

    o lugar dessa regio do fabuloso no pensar da prpria humanidade: no

    pensar do que prprio de ser humano, do que essencial ou contingente a

    esta condio humana particular, do que seja moralmente prprio da

    humanidade. Georges Canguilhem escreveu que normal o grau zero da

    monstruosidade11

    . Nesse sentido, o Outro ajuda a olhar para ns. Nas

    palavras de Jos Gil12: Provavelmente, o homem s produz monstros por

    uma nica razo: poder pensar a sua prpria humanidade. Seria possvel

    traar a histria das diferentes ideias ou definies que o homem se deu de

    si prprio atravs das diversas representaes da monstruosidade humana

    que o acompanharam. Cada espcie monstruosa, naquilo que nela

    especificamente monstruoso, ilumina um aspecto da nossa condio humana

    conforme norma.

    O que faz de um monstro um monstro o seu desvio caracterstico.

    Monstros so sempre desvios do normal, em algum sentido. Certas partes do

    seu corpo so excessivas: muito grandes (orelhas, boca); em demasiado

    nmero (seis braos, quatro olhos). Falta algo importante: um olho, o nariz.

    No se conformam distino entre masculino e feminino, sendo andrginos.

    Tm uma organizao corporal errada: tm os ps virados para trs; ou,

    como os monpodes, tm um p muito grande que usavam para se proteger

    do sol.

    Verso monocromtica de imagens de raas monstruosas na obra de Hartmann Schedel, Chronica mundi, publicada em Nuremberga, em 1493.

    11

    Canguilhem, 1952, 160. 12

    Gil, 1994, 56.

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    95

    O desvio do normal no plano fsico, de forma sistemtica (raas

    fabulosas), no o nico plano em que o monstro serve a caracterizao da

    nossa humanidade. Os monstros tinham, tambm, um sentido moral. No s

    os monstros individuais (crianas nascidas com malformaes congnitas)

    eram sinais enviados pelos deuses, sinais de desgraas futuras ou manchas

    do pecado (ligados a tabus sexuais). Ao nvel colectivo, certas raas

    fabulosas tambm tinham um significado moral: um povo de pigmeus era um

    povo humilde; os gigantes eram poos de orgulho; os cinocfalos (cabeas

    de co) eram quezilentos e caluniadores; os acfalos (no tinham cabea,

    sendo representados com olhos no peito), seriam povos sem comando,

    povos sem organizao poltica, anrquicos (numa identificao entre o

    corpo, como microcosmos, e a sociedade, como macrocosmos)13

    . Deste

    modo, o que era distante, na sua diferena, ajuda a compor a norma,

    medida que a explicita por contraste, tanto no plano fsico como no plano

    comportamental, no plano do indivduo como no plano do colectivo.

    Imagem de um povo acfalo na Amrica, na obra de Levin Hulsius, Kurtze Wunderbare Beschreibung, Dess Goldreichen Knigsreichs Guianae in America oder

    newen Welt, publicada em Nuremberga, em 1603.

    5. A imagem e a viagem: os efeitos contraditrios dos Descobrimentos

    Durante sculos, a distncia entre Oriente e Ocidente serve de

    estabilizador da relao entre o conhecido e o fabuloso. A imagem faz a

    viagem: ns no vamos, nem conhecemos quem v, ao Oriente, mas a

    representao pictrica tem uma tremenda fora de apresentao. Alguns

    13

    Roux, 2008, 87; Gimenez, 2001, 288.

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    96

    viajantes famosos, logo no sculo XIII, fazem relatos que, por muito

    impressionantes que sejam, no movem substancialmente o imaginrio

    tradicional: os testemunhos contrrios, dispersos, no conseguem destruir a

    ideia da real existncia de raas fabulosas no Oriente, de algum modo

    correspondentes aos relatos e s imagens que circulam14

    . Vai ser preciso

    massificar a viagem para mover o terreno da tradio adubado pela imagem.

    Poderamos, assim, pensar que as grandes viagens de descobrimento, no

    sculo XVI, quebrariam o encanto e, obrigando ao confronto directo com o

    real do Oriente, transformariam de forma definitiva o imaginrio ocidental do

    fabuloso da ndia. Ora, se esse efeito existe, de facto, h impulsos

    contraditrios que tornam o processo mais complexo.

    Desenho do elefante Hanno, atribudo a Rafael (ou Giulio Romano, a partir de um desenho de Rafael), c. 1514/1516 (Staatliche Museen, Berlin).

    Efectivamente, ningum encontrou as raas fabulosas, os humanides

    clssicos. As populares enciclopdias eram fantasiosas nas suas descries

    e as ilustraes enganavam. Contudo, outras maravilhas do Oriente renovam

    a fora do imaginrio como capaz de se mostrar traduzido na realidade: os

    animais raros. Hanno, o elefante indiano enviado por D. Manuel I que chegou

    ao papa Leo X em 1514, d a ver a Roma uma espcie que a cidade no

    via h sculos. Fez sucesso, tornando-se a grande atraco dessas

    manifestaes de poder e glria que eram as procisses catlicas. Vivo, em

    carne e osso, dava fora tradio pictrica: afinal as gravuras do fabuloso

    mostravam coisas reais.

    14

    Woortmann, 2005.

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    97

    O rinoceronte que o mesmo Rei portugus enviou, mais tarde, ao mesmo

    Papa, morreu pelo caminho, mas isso no o impediu de alcanar ainda maior

    popularidade, graas a uma gravura de Albrecht Drer, datada de 1515, que,

    embora baseada numa descrio enviada de Lisboa, deve tanto

    imaginao pictrica como ao seu referente no mundo. Este caso ilustra o

    lento evoluir das relaes entre o fabuloso e o real enquanto vivem na

    imagem: o antigo monoceros (um corno) dividiu-se em dois: rinoceronte

    (animal real), unicrnio (nunca visto). Embora conhecendo a diferena de

    estatuto ontolgico, o mesmo Drer da gravura do rinoceronte tambm

    representou um unicrnio: na imagem, o nunca visto e o claramente

    observvel podem parecer no mesmo modo15

    .

    Esquerda: Albrecht Drer, Rinoceronte, 1515, British Museum. Direita: Albrecht Drer, O rapto de Proserpina num Unicrnio, c. 1516, Fine Arts Museum, San Francisco.

    A harmonizao dos relatos antigos com os novos mtodos e dados foi

    uma questo problemtica mesmo para os mais exigentes dos cientistas. Um

    exemplo do sculo XVII o Dr. Tulpp, o mdico que Rembrandt pintou na

    Lio de Anatomia. O Dr. Tulpp, que desenhou, com incrvel preciso,

    alguns monstros biolgicos que ele tinha dissecado, tambm desenhou um

    smio, com a inscrio: Homo sylvestris Orangoutang. (Era, de facto, um

    chimpanz.) Num texto, onde estuda a questo de uma das clebres

    espcies fabulosas do imaginrio medieval, intitulado Satyrus Indicus,

    conclui: ou os stiros no existem, ou, se existem, so, afinal, este animal. A

    um nvel to exigente da prtica cientfica tambm era uma tarefa trabalhosa

    tentar harmonizar tradio textual e observao.

    15

    Barbas, 2000.

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    98

    Nicolaas Tulp, Homo sylvestris. Orang-outang, Observationum Medicarum Libri Tres, Amsterdam, 1641, p. 275, Figura XIV.

    Portanto, no tempo dos Descobrimentos, os animais de maravilha

    prolongam os efeitos contraditrios da combinao da viagem com a imagem

    na concepo do real. No se pense, contudo, que isto quer dizer que

    tenham desaparecido as questes mais directamente implicadas com a

    questo do humano e do humanide. Na verdade, com o avano das

    descobertas, a questo das fronteiras do humano torna-se, galgadas as

    distncias, uma questo de grande relevncia prtica. As questes acerca

    dos limites da humanidade so transpostas para frica e para o Brasil e os

    debates teolgicos acerca de os indgenas serem ou no providos de alma, e

    da sua natureza em geral, no se circunscrevem j ao domnio da teoria,

    passando a ser assuntos de administrao das possesses, questes

    polticas decisivas para todos os que nos reinos passaram a pensar em muito

    mais larga escala16

    . Assim, a questo das fronteiras entre o humano e o

    humanide, se adquire novos matizes, no se dissolve pelo encontro com a

    ptria original das raas fabulosas, as ndias Orientais. Ainda aparecem, a

    par de relatos de novos animais (por exemplo, o ganso de Magalhes, o

    pinguim), sugestes de novos monstros humanides no Novo Mundo (por

    exemplo, relatos de homens marinhos no Brasil, nos sculos XVI e XVII,

    como os deixados por Ferno Cardim ou Gabriel Soares)17

    .

    16

    Massimi, 2003. 17

    Priore, 2000, 85ss; Gimenez, 2001.

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    99

    6. Novos humanides: robs

    At que ponto a pergunta por que construmos robs humanides? pode

    ser esclarecida pelas modalidades, que visitmos, de outros contactos que

    tivemos em outros tempos com outros humanides? As raas fabulosas do

    Oriente, mesmo no existindo, ajudavam a construir a norma da nossa

    humanidade. O que nos era dado ver delas (a representao pictrica)

    entrava na relao com a humanidade conhecida no papel de Outro, tanto

    fsica como moral ou comportamentalmente. Questes centrais na

    antropologia dominante ao tempo (a espcie humana no plano da Criao)

    tinham de responder a dificuldades que, alm de testemunhos vagos, s

    tinham como suporte as imagens em proliferao. A fora das imagens na

    criao de um mundo fabuloso era enorme, resistindo inclusivamente a

    enquadramentos discursivos explcitos que contrariavam a credibilidade da

    espessura ontolgica dessas imagens. Em suma: a imaginao, e os seus

    suportes materiais, ajudavam a criar um mundo fabuloso que dialogava com

    o mundo conhecido na posio de fronteira da humanidade em explorao.

    Sugiro que assim que devemos tentar compreender por que se fazem,

    hoje, robs humanides: mais do que construir mquinas, quer-se

    compreender os humanos. Quer-se compreender os humanos como

    mquinas, julga-se que esse um sinal de cientificidade na busca pela

    compreenso do humano.

    Se nem todos os investigadores em robtica humanide assumem

    explicitamente o objectivo de compreender os humanos atravs dos robs,

    encontramos casos onde esse objectivo apresentado de forma

    transparente. essa a orientao, por exemplo, de Hiroshi Ishiguro, cujo

    laboratrio em Osaka (Japo) tem produzido alguns dos robs humanides

    mais impressionantes dos ltimos anos, incluindo a srie Geminoid, cujo

    primeiro exemplar um duplo do prprio Ishiguro em tamanho natural.

    Lemos, dessa equipa, num artigo com um ttulo programtico (construir

    humanos artificiais para compreender os humanos), uma defesa da cincia

    andride. A cincia andride tem uma meta (realizar um rob humanide

    e encontrar os factores essenciais para a representao do que ser

    semelhante ao humano) e persegue essa meta combinando duas

    abordagens: (1) construir andrides, robs muito parecidos com os humanos

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    100

    (em aparncia e em comportamento) e (2) usar esses andrides para

    explorar, no quadro das cincias cognitivas, a natureza humana18

    .

    certo que a investigao em robtica humanide pode ter uma

    motivao meramente funcional: um utilizador, face a um dispositivo robtico

    com a aparncia de, digamos, uma mo, conjectura com alguma segurana

    qual o tipo de interaco que o projectista provavelmente concebeu que

    tenhamos com esse dispositivo. A expectativa desta identificao um

    argumento a favor de recorrer a formas humanides e, neste sentido, essas

    formas humanides tm uma motivao funcional. Alis, esta motivao

    funcional pode combinar com a motivao referida anteriormente (explorar a

    natureza humana). Esta motivao funcional claramente reconhecida

    noutro texto produzido pela equipa de Ishiguro19

    : "desenvolvemos o

    Geminoid porque acreditamos que, para facilitar uma interaco humano-

    rob eficaz, tanto as funes como a aparncia do rob deve ser optimizadas

    para tirar proveito de todas as especializaes cognitivas que humanos

    possam ter para reconhecer outros humanos."

    Para alguns, esta compreenso mecanicista necessria para desfazer

    as iluses humanistas, ou para encontrar vias de compreenso que julgam

    inacessveis s Humanidades. Fazer humanos ser, para alguns, o passo

    que se segue a fazer humanides. E, para isso, os robs tomam formas que

    pretendem aproximar-se dos humanos, desempenham papis que

    costumavam estar reservados aos humanos, misturam-se na forma de vida

    dos humanos. Vrios exemplos de robtica humanide mostram vrias linhas

    de progresso nessa senda. Vejamos.

    O rob Einstein

    18

    Ishiguro e Nishio, 2007, 134-135. 19

    Ogawa et al., 2012, p. 55.

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    101

    O rob Einstein foi projectado segundo a linha de robs hiper-realistas da

    Hanson Robotics, que procura para o rob uma aparncia (facial)

    virtualmente indistinguvel de um humano (pele, voz, olhos e contacto visual

    imitando perfeitamente modelos humanos)20

    . Desenvolvido cognitivamente

    pelo Laboratrio de Percepo para Mquinas da Universidade da Califrnia

    em San Diego, o rob Einstein pretende ser uma mquina emocionalmente

    inteligente. O modelo do famoso fsico (ou melhor, da sua cabea), produz

    um vasto leque de expresses faciais diferenciadas (graas a 31 motores

    internos que movem os "msculos" da "face"), segue os movimentos dos

    olhos dos humanos que se colocam como seus interlocutores, reconhece

    pistas auditivas e certos gestos (como o abanar da cabea), identifica e

    interpreta expresses faciais dos humanos e trata de imit-las, capta pistas

    sobre a idade e o gnero dos humanos que o rodeiam, bem como certas

    indicaes particulares sobre os mesmos (como usarem ou no culos).

    Consegue, por esses meios, uma interaco forte com humanos21

    . Um dos

    usos previstos para este Einstein que ele ajude a entusiasmar

    adolescentes pelo estudo da fsica. Podemos, um dia, precisar de um esforo

    especial para distinguir um destes robs hiper-realistas de verdadeiros

    humanos?

    O futebol dos robs. RoboCup 2009, Graz (Foto de Porfrio Silva)

    Outro exemplo so os robs jogadores de futebol. Desde 1997 que se

    disputa o RoboCup, o Campeonato Mundial de Futebol Robtico, uma

    20

    Vdeo do Machine Perception Laboratory em http://www.youtube.com/watch?v=pkpWCu1k0ZI 21

    Wu et al., 2009.

    http://www.youtube.com/watch?v=pkpWCu1k0ZI

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    102

    iniciativa que combina objectivos educacionais, e de divulgao, com

    objectivos de investigao ligados aos robs autnomos com inteligncia22

    .

    Rene, anualmente, dezenas de equipas de todo o mundo, mobilizando

    centenas de participantes em diferentes modalidades, das quais se destacam

    as que visam contribuir para o objectivo ltimo do RoboCup: que, por volta de

    2050, uma equipa de robs autnomos humanides vena num jogo de

    futebol a equipa campe mundial (dos humanos) segundo as regras da

    FIFA23

    . Nem todas as equipas que participam nas ligas de futebol robtico

    so compostas de robs humanides (em alguns casos, so robs com

    rodas), mas todas tentam implementar nas mquinas comportamentos

    colectivos sofisticados (desempenhar uma aco colectiva no mundo fsico,

    cooperao dentro de uma equipa, competio entre equipas). Nos robs

    humanides que jogam futebol, visando vir a jogar com humanos, h,

    simultaneamente, uma tentativa de aproximar a forma das mquinas da

    forma corporal dos humanos e uma tentativa de construir mquinas que

    entrem numa actividade que faz um sentido especfico na forma de vida dos

    humanos (jogar um certo jogo colectivo).

    A robtica do desenvolvimento leva-nos a um novo patamar da

    interaco entre humano e humanide. Uma diferena importante entre, por

    um lado, as mquinas resultantes da generalidade dos ramos da robtica e,

    por outro lado, muitas espcies naturais, das mais sofisticadas, que as

    mquinas nascem adultas: uma mquina feita, o melhor que os seus

    construtores conseguem, para estar dotada de todas as suas capacidades

    logo que colocada ao servio. Diferentemente, os humanos (e muitas

    outras espcies animais) s chegam a um estado de maturidade aps um

    (mais ou menos) longo processo de desenvolvimento: todo o complexo de

    processos que, nas espcies que se reproduzem sexualmente, levam da

    clula nica resultante da fecundao ao indivduo adulto completamente

    formado. No caso dos humanos, e apenas para o perodo ps-natal, os

    juvenis desenvolvem-se, tanto corporal como mentalmente, passo a passo,

    ao longo de vrios anos, graas interaco fsica e simblica com outros

    espcimes da mesma espcie, sendo que estes, melhor ou pior, adaptam o

    seu modo de interaco s capacidades que, tipicamente, aquele ser ter

    naquela fase do seu desenvolvimento. Mesmo sem grande preparao

    especfica, sabemos que no falamos com crianas de dez e de trs anos da

    22

    Informao extensa e actualizada sobre o RoboCup em http://www.robocup.org. 23

    Asada e Kitano, 1999.

    http://www.robocup.org/

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    103

    mesma maneira, tal como sabemos que o tipo de interaco fsica saudvel

    muito diferente para cada uma dessas idades ou para um beb de meses.

    Mesmo ramos da Nova Robtica que procuram anlogos artificiais de

    processos naturais descuram a questo do desenvolvimento. o caso da

    Robtica Evolutiva24

    , que opera, por assim dizer, com geraes sucessivas

    de robs produzidos adultos. Essa falta de ateno ao desenvolvimento

    (pr-natal ou ps-natal) o espao que pretende ser ocupado pela Robtica

    do Desenvolvimento, ou Robtica Epigentica, como resposta ao diagnstico

    de que esse pode ser um entrave crucial s ambies das Cincias do

    Artificial. Como escrevem Lungarella e os seus colegas25: A mera

    observao de que quase todos os sistemas biolgicos em diferentes

    medidas passam por processos de amadurecimento e desenvolvimento,

    comporta a convincente mensagem de que o desenvolvimento a principal

    razo pela qual a adaptabilidade e a flexibilidade dos sistemas compostos

    orgnicos transcende a dos sistemas artificiais.

    A Robtica do Desenvolvimento no constitui ainda um campo de

    investigao bem delimitado e permanece muito heterogneo. Autores

    diferentes concentram-se em momentos e aspectos diferentes da interaco

    entre organismos e ambiente no desenvolvimento de um organismo. Por

    exemplo, na esteira dos trabalhos de Teuscher e seus colegas26

    , vem uma

    preferncia por abordagens centradas na concorrncia de trs processos

    (filogenia, ontogenia, epigenia) que, em escalas temporais diferentes,

    conformam os organismos adultos de uma dada espcie. J Zlatev e

    Balkenius27

    induzem uma abordagem mais interessada pelos aspectos

    psicolgicos do desenvolvimento ps-natal. De qualquer modo, a robtica do

    desenvolvimento leva muito a srio esta diferena entre criaturas artificiais e

    criaturas naturais, considerando muito poderoso o processo de

    desenvolvimento: indivduos da mesma espcie, agindo informalmente (no

    interagimos com um beb para o programar) mas ajustando

    aproximativamente a interaco ao juvenil (no fao movimento muito

    bruscos com o beb, no tento discutir geografia com ele), estimulam uma

    progresso suave, incremental, que tira partido das competncias inatas e

    das aquisies anteriores para levar o indivduo ao melhor desdobramento

    possvel das suas potencialidades. Ora, e se avanssemos uma etapa nesta

    24

    Nolfi e Floreano, 2000. 25

    Lungarella et al., 2003, 179. 26

    Teuscher et al., 2003. 27

    Zlatev e Balkenius, 2001.

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    104

    interaco entre humano e rob humanide, criando um filhote-rob e

    dando-lhe a oportunidade de um processo de desenvolvimento artificial?

    Filhote de rob gatinhando (stio do iCub em http://www.icub.org)

    isso que faz o projecto RobotCub com os seus robs iCub. Uma breve

    meno ao projecto RoboCub ilustrar alguns dos aspectos mais

    interessantes a esperar da Robtica do Desenvolvimento. O filhote-rob

    um projecto internacional (iniciado em 2004) que construiu uma srie de

    robs designados como iCub28

    . Trata-se de um rob humanide

    representando as caractersticas fsicas e cognitivas de uma criana humana

    de dois a trs anos, capaz de gatinhar e de manipular objectos e de

    aprender pela interaco com humanos. O seu corpo, com 53 graus de

    liberdade, nove dos quais nas mos com trs dedos independentes e outros

    dois para estabilidade e suporte, seis dos quais nas pernas que devero

    permitir locomoo bpede; as cmaras digitais para a viso, os microfones e

    outros sensores; no futuro uma pele artificial; e um poder computacional

    fornecido por mquinas exteriores ligadas por cabos esto j a permitir

    experincias de interaco com humanos, dirigidas para perceber melhor

    como que as capacidades sensoriomotoras e cognitivas de um espcime

    jovem resultam dessa interaco com outros membros de uma espcie

    natural.

    28

    Para uma primeira apresentao geral do projecto, cf. (Sandini et al., 2004). Toda a informao posterior, tambm sobre o rob iCub, incluindo as imagens, foi recolhida no site oficial do projecto, em http://www.robotcub.org/. O Instituto de Sistemas e Robtica (Instituto Superior Tcnico) um dos intervenientes relevantes neste projecto.

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    105

    Aqui, o rob no nasce adulto, ao filhote de rob dada a

    oportunidade de entrar num processo onde a plasticidade do seu sistema de

    controlo largamente influenciada pela interaco com humanos. Por

    exemplo, no o programando directamente para reconhecer determinados

    objectos no seu ambiente, mas dotando-o das capacidades para adquirir

    para o seu mundo de significado objectos que lhe so dados a conhecer de

    forma adequada aos seus processos de aprendizagem. Ou, ainda por

    exemplo, deixando-o descobrir por experincia prpria como lidar com certos

    objectos, dependendo nomeadamente da respectiva forma e peso, em lugar

    de o instruir explicitamente acerca de como fazer em cada caso. Desse

    modo, robs parecidos partida vo crescer de forma diferente na sua

    relao com o mundo, de acordo com as diferentes experincias que lhe

    sero proporcionadas: assim se tornando uma espcie de filhotes dos seus

    parentes humanos.

    Estes exemplos, algumas das mais notveis promessas da investigao

    actual em robtica humanide, j no constituem apenas representaes

    imagticas de possveis seres nas fronteiras do humano: prometem interferir

    no plano das aparncias fundadoras reveladas pelo programa ELIZA, referido

    inicialmente. Vamos terminar propondo, como via para compreender essa

    dinmica, que est em causa um processo de captura da postura intencional

    pelo projecto das mquinas humanides.

    7. A captura da intencionalidade

    A nosso ver, os exemplos de robtica humanide que introduzimos

    mostram como, de novo, estamos a produzir representaes de variantes do

    humano que nos servem de espelho. Desta vez so mquinas, mas com

    essas mquinas exploramos as nossas fronteiras e exploramos as

    fronteiras das nossas capacidades para nos compreendermos e nos

    relacionarmos com outros humanos. Pode ser que nos habituemos a esse

    novo Outro. Nas palavras de Jos Gil: Neste fim de sculo, os monstros

    proliferam (). Cessaro, muito em breve, de nos parecer monstruosos e

    ser-nos-o at simpticos (). Havemos de falar ento da monstruosidade

    banal29

    . Embora Gil no estivesse a falar propriamente de robs, deixa-nos

    uma pista para tentar compreender o que andamos a fazer quando

    construmos robs humanides: estamos, talvez, a criar as condies para

    29

    Gil, 1994, 9.

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    106

    um convvio entre humanos e humanides onde aqueles j nem sempre se

    distinguem nitidamente destes, onde humanos j nem sempre tratem outros

    humanos e humanides de formas em tudo diferentes. Vamos recorrer

    noo dennettiana de postura intencional para esclarecer este ponto, para

    podermos depois passar noo de captura da intencionalidade.

    A postura intencional uma forma de interpretarmos os sistemas com que

    interagimos. Se, com o fito de compreender um determinado sistema, ou

    para nos relacionarmos eficazmente com ele, no for praticvel prever o seu

    comportamento a partir do seu estado fsico actual e de todas as leis fsicas

    aplicveis (postura fsica), nem conhecermos o suficiente sobre a sua

    arquitectura funcional para sermos capazes de prever o seu comportamento

    (postura do design), podemos por vezes adoptar a postura intencional:

    olhamos para esse sistema como tendo certas crenas e desejos e prevemos

    o seu comportamento nessa base. Seja o exemplo de um computador

    programado para jogar xadrez: como no praticvel tentar conhecer todas

    as mincias do funcionamento dos seus circuitos electrnicos para jogar

    contra ele, nem sabemos como foi programado, adoptamos a postura

    intencional: supomos que nos quer ganhar, que tem um certo conhecimento

    do jogo e que se comportar de modo a satisfazer esse desejo. Nesta

    postura podemos at pensar que o computador faz certa jogada para nos

    distrair ou irritar: que isso seja ridculo no importa; o que importa que essa

    postura nos orienta na interaco com o computador programado para lidar

    com o xadrez. Ora, segundo Dennett, tambm nas relaes entre humanos

    adoptamos a postura intencional. No se trata de saber se esses sistemas

    (artificiais ou humanos) tm realmente crenas e desejos mas da utilidade

    de os vermos assim: a definio que dei de sistemas intencionais no diz

    que os sistemas intencionais realmente tm crenas e desejos, mas que

    podemos explicar e predizer o seu comportamento atribuindo-lhes crenas e

    desejos; A deciso de adoptar a estratgia pragmtica, no

    intrinsecamente certa ou errada30

    . E exactamente o mesmo se dir da

    postura intencional face a mquinas. Esta posio completamente

    instrumentalista: no procuramos compreender a realidade do

    comportamento de outros agentes, limitamo-nos a adoptar uma estratgia

    para lidar com eles. Apesar de Dennett ter andado durante muitos anos a

    tentar corrigir este instrumentalismo primrio da sua tese31

    , precisamente

    30

    Dennett, 1971, 7. 31

    Cf. Dennett, 1981 e Dennett, 1991.

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    107

    este instrumentalismo pouco refinado que tem recolhido as preferncias de

    muitos praticantes da chamada Robtica Social32

    .

    Ora, o que dizemos que a robtica humanide explora a nossa

    tendncia para a postura intencional. Quando interagimos com uma criatura

    que nos parece humana, espontaneamente tratamo-la como humana: no

    comeamos por tentar averiguar se realmente da mesma espcie que ns;

    assumimos que esse o caso, o que tem, como implicao notvel, que

    adoptamos face a ela o pressuposto bsico de ser dotada do mesmo tipo de

    intencionalidade que ns. Quem projecta e constri robs humanides,

    procurando que sejam realistas nessa humanidade, est a tentar que os

    humanos adoptem em face desses robs o mesmo pressuposto de

    intencionalidade, que esses humanos se relacionem com esses robs como

    se estes fossem basicamente movidos por crenas e desejos ao mesmo

    ttulo que ns.

    Os construtores de robs humanides realistas tentam que as suas

    mquinas despertem em ns esse tipo de comportamento, porque isso

    denotaria o sucesso dos seus esforos para criar modelos bem-sucedidos de

    mquinas que parecem e se comportam como humanos. Fazer durar uma

    interaco entre humanos e robs onde aqueles tomem estes por humanos e

    assim se orientem na interaco, como se essa interaco fosse uma

    relao, ser um sinal de sucesso de qualquer projecto de robtica

    humanide realista. E esse sucesso da robtica assentar na captura da

    postura intencional: manipular processos cognitivos humanos de modo a ser

    capaz de provocar, de forma controlada e sustentada, a adopo da postura

    intencional face a robs.

    Sem pretender que todas as linhas de investigao em robtica

    humanide visam essa meta, poder ser til exemplificar como essa captura

    da intencionalidade prosseguida em experincias relevantes neste campo.

    Nesse quadro, interessante mencionar um conjunto de experincias com a

    srie de robs Geminoid, j referida. Uma parte das experincias relatadas

    por Ogawa e seus colegas pretendiam averiguar como que o rob gmeo

    de um humano particular, conhecido, comparava com meios de comunicao

    mais tradicionais (por exemplo, vdeo-conferncia) em termos de capacidade

    para transmitir presena, naturalidade e humanidade, bem como at que

    ponto o Geminoid era persuasivo a passar uma mensagem (de tipo

    comercial), desta vez comparado com o seu original humano e com uma

    32

    Cf., por exemplo, Breazeal, 2002.

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    108

    gravao vdeo da mesma pessoa a transmitir a mesma mensagem. Dos

    resultados dessas experincias, concluem os autores que o Geminoid tem

    potencialmente um nvel de presena similar ao de uma pessoa real e,

    devido a este nvel de presena, o Geminoid pode ter uma influncia social

    nos humanos no contexto de uma comunicao persuasiva ou face a face33

    .

    Embora sem discutir aqui e agora se as experincias em causa

    efectivamente permitem as concluses extradas, porque isso nos obrigaria a

    questionar os enviesamentos induzidos por mltiplas simplificaes no plano

    dos pressupostos, o que podemos afirmar que estas experincias revelam

    precisamente um projecto de captura da intencionalidade, na medida em que

    procuram os meios para que robs consigam espoletar em humanos o tipo

    de aceitao que, anteriormente, s outros humanos chegavam a provocar.

    Outra srie de experincias com os Geminoid lida com o conceito de

    transferncia do corpo prprio34. Quando falamos de transferncia do

    corpo prprio falamos de que, em certas circunstncias, o humano que est

    a teleoperar o rob sente como se o corpo do rob fosse uma extenso do

    seu prprio corpo (por exemplo, sente um incmodo fsico quando o rob que

    est a comandar sujeito a uma aco que, no corpo humano, causaria dor).

    Ora, o que queremos fazer notar como esta equipa fala claramente de

    induzir a iluso de corpo prprio atravs da experincia de teleoperar o

    andride, ao mesmo tempo que se espera que essa iluso do operador torne

    mais efectivo o prprio controlo remoto do humanide, tornando-o mais

    eficiente a transmitir presena a outros humanos35

    . H aqui, claramente, uma

    tentativa de misturar o corpo prprio com a mquina, com consequncias no

    plano da interaco entre humanos, envolvendo novas possibilidades de

    captura da intencionalidade.

    Um texto anterior desta equipa j tinha traado a estratgia tcnica para

    esta captura da intencionalidade. Vejamos como a se apresenta a questo.

    Estando os humanos afinados pela evoluo natural para identificar e

    processar estmulos particularmente relevantes no seu entorno habitual,

    aquele em que mais frequentemente deparamos com oportunidades e

    desafios relevantes, a percepo da aparncia humana provoca reaces

    especficas. Tal a fora dessa preparao natural que acabamos por

    antropomorfizar muitos objectos: a interpretao humanide normalmente

    tentada, mesmo que venha a ser defraudada em certas ocasies. O que est

    33

    Ogawa et al., 2012, 58. 34

    Nishio et al., 2012. 35

    Ogawa et al., 2012, 59.

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    109

    em causa, concretamente, que vrios mdulos cerebrais, ao observarmos

    uma cena, tentam interpretar os estmulos sensoriais em termos de modelos

    humanos. Mesmo que essa tentativa s obtenha sucesso parcial, ela pode

    influenciar as nossas reaces. Por exemplo, podemos reconhecer que um

    andride um rob e no um humano e, mesmo assim, reagir-lhe de

    maneiras que usualmente reservamos aos humanos. O que estes

    proponentes da cincia andride tentam fazer explorar esses mecanismos

    cerebrais e procurar afinar a aparncia de certos robs humanides para que

    ela ocasione esse tipo de ocorrncias no funcionamento do nosso crebro36

    .

    Nesse sentido, trata-se de uma abordagem que recorre captura da postura

    intencional o que, em termos instrumentalistas, equivale captura da

    intencionalidade.

    Capturar a postura intencional tornar porosas as fronteiras entre a

    relao humana e a relao de humanos com humanides ser, pois, uma

    estratgia bsica de certas linhas da Nova Robtica. Se estamos ou no a

    cruzar outra fronteira a fronteira entre a captura da postura intencional e a

    captura da intencionalidade genuna dos intervenientes numa relao

    depende de um esclarecimento de maior alcance acerca da prpria

    intencionalidade. Para quem tenha uma viso instrumentalista da

    intencionalidade o que existe na intencionalidade apenas o sucesso da

    postura intencional dos interlocutores , capturar a postura intencional no

    ser menos nem mais do que capturar plenamente a intencionalidade. Essa

    questo fica propriamente como questo: se alguma linha de investigao

    em robs humanides capturar consistente e duradouramente a nossa

    postura intencional, teremos entrado num processo de convergncia entre a

    intencionalidade humana e a intencionalidade de certas mquinas? As

    realizaes mais recentes da robtica humanide sugerem que esta no

    uma questo ociosa.

    A imagem, como mostrmos em seces anteriores, esteve

    historicamente implicada na interrogao pela humanidade. A imagem,

    enquanto aparncia humanide, continua hoje em jogo em linhas de

    investigao robtica que usam a construo dessas mquinas para tentar

    compreender o humano. O nosso ponto que, sendo a questo do

    humanide uma questo de fronteiras internas (passa por dentro da questo

    do que ser humano, como dissemos antes), temos de pensar nas

    experincias com humanides como experincias com o humano. Da a

    36

    Nishio et al., 2007, 345.

  • Porfrio Silva

    Kairos. Journal of Philosophy & Science 7: 2013. Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University

    110

    proposta do presente texto para pensarmos essa questo em perspectiva

    histrica, iluminando os novos usos dos humanides (robs) com os antigos

    usos de outros humanides (monstros).

    Referncias Bibliogrficas

    Santo Agostinho, 1995, A Cidade de Deus, traduo de J. Dias Pereira, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian.

    Asada, M. e Kitano, H., 1999, The RoboCup Challenge. Robotics and Autonomous Systems, 29, 3-12.

    Barbas, H., 2000, Monstros: O Rinoceronte e o Elefante. Da Fico dos Bestirios Realidade Testemunhal. In: Actas do V Encontro Luso-Alemo / Akten der V. Deutsch Portuguiesischen Arbeitgesprche, Kln-Lisboa, 103-122.

    Boden, M., 1977, Artificial Intelligence and Natural Man, Hassocks, The Harvester Press.

    Breazeal, C., 2002, Designing Sociable Robots, Cambridge, The MIT Press.

    Canguilhem, G., 1952, La connaissance de la vie, Paris, Vrin (Reed. 1989).

    Dennett, D.C., 1971, Intentional Systems. Reimpresso in D.C. Dennett, Brainstorms,

    Londres, Penguin, 1977, 3-22.

    Dennett, D.C., 1981, True Believers: The Intentional Strategy and Why It Works. Reimpresso in D.C. Dennett, The Intentional Stance, Cambridge, The MIT Press, 1989, 13-35.

    Dennett, D.C., 1991, Real Patterns. Reimpresso in D.C. Dennett, Brainchildren,

    Londres, Penguin, 1998, 95-120.

    Finlayson, C., 2004, Neanderthals and Modern Humans: An Ecological and Evolutionary Perspective, Cambridge, Cambridge University Press.

    Gardner, H., 1985, The Minds New Science, New York, Basic Books.

    Gil, J., 1994, Monstros, Lisboa, Quetzal Editores.

    Gimenez, J.C., 2001, A presena do imaginrio medieval no Brasil colonial: descries dos viajantes. Acta Scientiarum, 23, 207-213.

    Ishiguro, H. e Nishio, S., 2007, Building artificial humans to understand humans. Journal of Artificial Organs, 10, 133142.

    Lungarella, M. et al., 2003, Developmental robotics: a survey. Connection Science, 15,

    151-190.

    Massimi, M., 2003, Representaes acerca dos ndios brasileiros em documentos jesutas do sculo XVI. Memorandum, 5, 69-85.

  • Fabulosas raas de humanides: monstros e robs...

    Kairos. Revista de Filosofia & Cincia 7: 2013. Centro de Filosofia das Cincias da Universidade de Lisboa

    111

    Nishio, S. et al., 2007, Geminoid: Teleoperated Android of an Existing Person. In: Humanoid Robots: New Developments, Viena, I-Tech Education and Publishing, 343-352.

    Nishio, S. et al., 2012, Body Ownership Transfer to Teleoperated Android Robot. In: Social Robotics. Proceedings of the 4th International Conference (ICSR 2012),

    Lecture Notes in Artificial Inteligence 7621, Berlin Heidelberg, Springer-Verlag, 398-407.

    Nolfi, S. e Floreano, D., 2000, Evolutionary Robotics, Cambridge, The MIT Press.

    Ogawa, K. et al., 2012, Android Robots as Tele-presence Media. In: Biomedical Engineering and Cognitive Neuroscience for Healthcare: Interdisciplinary Applications, Pennsylvania, Medical Information Science Reference, 54-63.

    Priore, M., 2000, Esquecidos por Deus, So Paulo, Companhia das Letras.

    Roux, O., 2008, Monstres, Paris, CNRS ditions.

    Sandini, G. et al., 2004, RobotCub, An Open Framework for Research in Embodied Cognition. In: Proceedings of Humanoids 2004 (IEEE-RAS/RSJ International Conference on Humanoid Robots), Los Angeles, Novembro de 2004 (Disponvel no stio do projecto http://www.robotcub.org)

    Silva, P., 2011, Das Sociedades Humanas s Sociedades Artificiais, Lisboa, ncora. Schopman, J., 1987, Frames of Artificial Intelligence. In: The Question of Artificial Intelligence: Philosophical and Sociological Perspectives, Londres: Croom Helm, 165-219.

    Teuscher, C. et al., 2003, Bio-inspired computing tissues: towards machines that evolve, grow, and learn. BioSystems, 68, 235-244.

    Trinkaus, E. e Shipman, P., 1993, The Neanderthals: Changing the Image of Mankind,

    New York, Knopf.

    Weizenbaum, J., 1966, ELIZA - A computer Program for the Study of Natural Language Communication between Man and Machine. Communications of the ACM, 9, 36-45. Weizenbaum, J., 1976, Computer Power and Human Reason, San Francisco, W.H. Freeman.

    Wittkower, R., 1942, Marvels of the East. A Study in the History of Monsters. Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, 5, 159-197.

    Woortmann, K., 2005, O selvagem na Gesta Dei: histria e alteridade no pensamento medieval. Revista Brasileira de Histria, 25, 259-314.

    Wu, T. et al., 2009, Learning to make facial expressions. In: Proceedings of the International Conference on Development and Learning (ICDL), Shanghai.

    Zlatev, J. e Balkenius, C., 2001, Why Epigenetic Robotics?. In: Proceedings of the First International Workshop on Epigenetic Robotics: Modeling Cognitive Development in Robotic Systems, Lund: Lund University Cognitive Studies, 1-4.

    http://www.robotcub.org/