o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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8/10/2019 o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial http://slidepdf.com/reader/full/o-atendimento-infantil-na-otica-fenomenologico-existencial 1/20 VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI – CAMON (org.) Arlinda B. Moreno  Débora C. Azevedo  Elizabeth R. M. do Valle Karla C. Gaspar  Marisa Fortes  Paula L. Angerami Sônia C. de Andrade Oliveira  Vanessa Maichin  Vânia M. Bruneli 2ª EDIÇÃO REVISTA E AMPLIADA o atendimento i n f a n t i l na ótica fenomenológico-existencial

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Page 1: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

Arlinda B Moreno bull Deacutebora C Azevedo bull Elizabeth R M do ValleKarla C Gaspar bull Marisa Fortes bull Paula L AngeramiSocircnia C de Andrade Oliveira bull Vanessa Maichin bull Vacircnia M Bruneli

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

o atendimentoinf antilna oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

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Austraacutelia bull Brasil bull Japatildeo bull Coreia bull Meacutexico bull Cingapura bull Espanha bull Reino Unido bull Estados Unidos

O Atendimento Infantil

O Atendimento Infantilna Oacutetica Fenomenoloacutegico Existencial

na Oacutetica Fenomenoloacutegico-Existencial983090a ediccedilatildeo revista e ampliada

Valdemar Augusto Angerami (organizador)

Arlinda B MorenoDeacutebora C Azevedo

Elizabeth R M do Valle

Karla C Gaspar

Marisa Fortes

Paula L Angerami

Socircnia C de Andrade Oliveira Vanessa Maichin

Vacircnia M Bruneli

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VI O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

14 OUTROS FILMES RECOMENDADOS PARA ANAacuteLISE 4315 CONSIDERACcedilOtildeES COMPLEMENTARES 45REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 48

Capiacutetulo 2 ndashCapiacutetulo 2 ndash O autoconhecimento da crianccedila em psicoterapiaO autoconhecimento da crianccedila em psicoterapia

infantil na oacutetica fenomenoloacutegico existencial 51infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial 51V AcircNIA M IDORI B RUNELI

21 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 5322 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 55

221 O Caso Vitatildeo 5523 O TRABALHO DESENVOLVIDO 60

231 Elaboraccedilatildeo do livro de histoacuteria da crianccedila 60232 A entrega do livro o livro em si 64233 Os fenocircmenos que apareceram apoacutes a entrega do livro para

a crianccedila e a famiacutelia 71REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 74

ANEXO AO CAPIacuteTULO 2 ndash RELATOacuteRIO DE AVALIACcedilAtildeO PSICOLOacuteGICA 75

SUFLEcirc DE ROSAS 79

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Capiacutetulo 3 ndashCapiacutetulo 3 ndash Acompanhamento psicoloacutegico em oncologiaAcompanhamento psicoloacutegico em oncologia

pediaacutetrica 81pediaacutetrica 81E LIZABETH R ANIER M ARTINS DO V ALLE

31 INTRODUCcedilAtildeO 8332 PSICOTERAPIA E ONCOLOGIA PEDIAacuteTRICA 8733 O PSICOTERAPEUTA 91

34 POSSIBILIDADES DE ATENDIMENTO 92341 Acompanhamento psicoloacutegico individual 92342 Grupo de apoio aos pais 96343 Grupo de apoio psicoloacutegico agrave crianccedila com cacircncer 98344 Grupo de apoio psicoloacutegico ao adolescente com cacircncer 100

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

Capiacutetulo 4 ndashCapiacutetulo 4 ndashReflexotildees e intervenccedilotildees em um caso deReflexotildees e intervenccedilotildees em um caso de

encoprese 103encoprese 103D EacuteBORA C ANDIDO AZEVEDO

41 INTRODUCcedilAtildeO 105 42 PABLO UM CASO DE ENCOPRESE 106

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43 ALGUMAS REFLEXOtildeES FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAIS 110 44 PABLO E A PSICOLOGIA INFANTIL 112 45 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERSPECTIVA

FENOMENOLOacuteGICA 115 46 REFLETINDO SOBRE O SIGNIFICADO DA ENCOPRESE 117 47 A QUESTAtildeO DA CORPOREIDADE EM PSICOTERAPIA 121 48 VISITANDO A DIMENSAtildeO MOTIVACIONAL EM PABLO 124 49 ENCERRANDO UM CICLO 128

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 129

ANEXO AO CAPIacuteTULO 4 ndash RELATOacuteRIO PSICOLOacuteGICO 130

CHUVA 134

K ARLA C RISTINA G ASPAR

Capiacutetulo 5 ndashCapiacutetulo 5 ndash Suiciacutedio infantil o escarro maior do desesperoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero

humano 135humano 135

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

51 INTRODUCcedilAtildeO 13752 EM BUSCA DE CONCEITOS 137

53 SOBRE O DESESPERO 14254 O DESESPERO INFANTIL 14455 NADA MAIS FALSO 14956 SOBRE A INTENCIONALIDADE 15257 SOBRE A CULPA 155

571 Culpa por ter causado a morte 156572 Culpa em funccedilatildeo do papel cultural ou social 157573 Culpa moral 158574 Culpa por ter sobrevivido 159

575 Atribuiccedilatildeo de culpa ao outro 159576 Culpa por natildeo possuir conhecimentos sobre a condiccedilatildeo

humana 16058 PROPOSTA PROPEDEcircUTICA 16159 CONSIDERACcedilOtildeES COMPLEMENTARES 164

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 165

Capiacutetulo 6 ndashCapiacutetulo 6 ndash Desdobramentos da vivecircncia deDesdobramentos da vivecircncia de ullyinbullying ndash umndash um

olhar existencial 167olhar existencial 167S OcircNIA C RISTINA DE ANDRADE O LIVEIRA

61 INTRODUCcedilAtildeO 169

SUMAacuteRIO VII

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Capiacutetulo 9 ndashCapiacutetulo 9 ndashAnaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265Anaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265

ARLINDA B M ORENO

K ARLA C RISTINA G ASPAR

M ARISA F ORTES

91 INTRODUCcedilAtildeO 26792 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 267

921 Histoacuterico 267922 Queixa 268

93 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICA DA PSICANAacuteLISE (por K ARLA Cristina Gaspar) 270

931 Breve apontamento sobre os primoacuterdiosdo tratamento psicanaliacutetico com crianccedilasateacute os dias atuais 270

932 Breve exposiccedilatildeo sobre as contribuiccedilotildees teoacutericase teacutecnicas de D W Winnicott e J Bowlby 274

933 Compreensatildeo do caso de Lilian 2779331 ldquoA ideia de fazer o suiciacutediordquo 2789332 A bolsinha florida 2829333 A contratransferecircncia 283

94 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICADA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (por MARISA FORTES) 285941 Reflexatildeo sobre o suiciacutedio infantil 286942 O discurso de Lilian 287943 A TCC com crianccedilas 288944 Uma proposta de tratamento para Lilian 290945 Consideraccedilotildees e algumas (in) conclusotildees finais 291

95 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICAFENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL(por Arlinda B Moreno) 293

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 298

UM PEDACcedilO DE CHOCOLATE 301

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Sobre os autores 303Sobre os autores 303

SUMAacuteRIO IX

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AApresentaccedilatildeopresentaccedilatildeoV ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

A essecircncia da vida eacute chorar como adulto

E sorrir como crianccedilahellip

Sabedoria cigana

Este livro traz diversos trabalhos que envolvem crianccedilas e que foram realizados sobo prisma fenomenoloacutegico-existencial Ele mostra o modo como concebemos o uni-

verso infantil e tambeacutem como estamos instrumentalizados para intervir em niacuteveispsicoteraacutepicos quando se faz necessaacuterio Aleacutem disso a obra apresenta uma anaacutelisede caso com diferentes oacuteticas em contraponto com a compreensatildeo fenomenoloacutegico--existencial

Trata-se de um livro que leva um pouco de noacutes mesmos para tantos que buscaminformaccedilotildees e reflexotildees Um pouco daquilo que sonhamos para a psicologia e parauma compreensatildeo mais humana dos pacientes que se encontram diante das vicissi-tudes do caminho e que procuram pela psicoterapia em busca de aliacutevio E antes de

qualquer outro atributo que se queira conferir a esta obra eacute um toque de cariacutecia naalma de seus leitores Cada um deles ainda seraacute acarinhado por nosso orgulho e peloprazer de tecirc-lo como companheiro de jornada Tambeacutem seraacute acarinhado com nossoagradecimento pela generosidade de sua leitura

Cada apresentaccedilatildeo de livro escrita seja ela para um livro proacuteprio ou para o livrode um colega sempre traz uma carga de anguacutestia e afliccedilatildeo muito grande Saber quesomos referenciais teoacutericos para tantos acadecircmicos e profissionais eacute inquietante poisna verdade natildeo somos algo absoluto sobre o qual se pode debruccedilar de modo infaliacutevelem busca de conhecimento Ao contraacuterio temos presente o princiacutepio da maiecircutica de

Soacutecrates em que a dialeacutetica com o outro em vez de nos transmitir seu saber apenasnos aumenta a consciecircncia de nosso desconhecimento Assim ao mesmo tempo quesomos referecircncia ficamos preocupados pela consciecircncia da falta de conhecimentoque temos diante de noacutes em nossos proacuteprios caminhos e buscas

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XII O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Talvez fossem necessaacuterias a delicadeza e a leveza da muacutesica de Mozart para seentender a doccedilura infantil os acordes da grandeza meloacutedica de Villa-Lobos para seentender a crianccedila em seus arroubos e buscas desvairadas a tristeza humana da muacute-

sica de Beethoven para se entender o coraccedilatildeo infantil que padece de sofrimentos emsua alma ainda tatildeo tenra e delicada a algazarra matinal dos paacutessaros anunciando oamanhecer para podermos tocar seu coraccedilatildeozinho ainda tatildeo fraacutegil e delicado a sua-

vidade de um noturno de Chopin para tocar-lhe a alma com carinho e suavidade oencanto das floradas para percebermos que a essecircncia da vida eacute a alma infantil

Villa-Lobos no acircmbito da muacutesica erudita certamente foi o compositor que maisse dedicou a homenagens infinitas ao universo infantil Debruccedilou-se sobre temasinfantis existentes e criou novas cantigas dando-lhes uma formataccedilatildeo de concertos

eruditos Assim muitos exiacutemios pianistas gravaram o conjunto de suas cirandas ede suas muacutesicas infantis o que resultou em uma variedade de discos disponiacuteveis degrandes inteacuterpretes em que podemos encontrar muacutesicas como A prole do bebecirc Xocirc xocirc Passarinho Fui no Tororoacute A canoa virou etc

Eacute uma liccedilatildeo a mostrar que a preocupaccedilatildeo com aquilo que se oferece agraves crianccedilasprecisa ser exiacutegua pois o que temos agrave nossa frente quando deparamos com o universoinfantil eacute o futuro em desdobramento de luzes e cores em que pese muitas vezes osofrimento presente no semblante pueril E nossa perspectiva na funccedilatildeo de psicote-rapeutas eacute justamente o resgate dessa esperanccedila aviltada pelo sofrimento

Somos crianccedilas que ainda acreditam na ilusatildeo do amor e isso independe de nos-sa idade A alma infantil natildeo titubeia diante dos dissabores que a vida nos apresentaE por maiores que sejam as vicissitudes do caminho a crianccedila que ainda somos pro-cura pelos sonhos diante da desesperanccedila e do desamor Ou seja natildeo podemos nosdistanciar da crianccedila que sempre seremos mesmo que as intempeacuteries do caminhosejam grandes

E mais que tentarmos entendecirc-la temos de nos debruccedilar sobre ela para apreen-dermos os detalhes de requinte da proacutepria vida

Serra da Cantareira em uma manhatilde azul de outono

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CAPIacuteTULO

CAPIacuteTULO 1

A COMPREENSAtildeO

A COMPREENSAtildeOINFANTIL A PARTIRINFANTIL A PARTIRDE FILMESDE FILMES

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

1

O privileacutegio da infacircncia eacute podermos transitar livremente entre a magia

da vida e os mingaus de aveia entre um medo desmesurado e uma

alegria sem limites

INGMAR BERGMAN

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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httpslidepdfcomreaderfullo-atendimento-infantil-na-otica-fenomenologico-existencial 2020

ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 2: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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Austraacutelia bull Brasil bull Japatildeo bull Coreia bull Meacutexico bull Cingapura bull Espanha bull Reino Unido bull Estados Unidos

O Atendimento Infantil

O Atendimento Infantilna Oacutetica Fenomenoloacutegico Existencial

na Oacutetica Fenomenoloacutegico-Existencial983090a ediccedilatildeo revista e ampliada

Valdemar Augusto Angerami (organizador)

Arlinda B MorenoDeacutebora C Azevedo

Elizabeth R M do Valle

Karla C Gaspar

Marisa Fortes

Paula L Angerami

Socircnia C de Andrade Oliveira Vanessa Maichin

Vacircnia M Bruneli

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VI O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

14 OUTROS FILMES RECOMENDADOS PARA ANAacuteLISE 4315 CONSIDERACcedilOtildeES COMPLEMENTARES 45REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 48

Capiacutetulo 2 ndashCapiacutetulo 2 ndash O autoconhecimento da crianccedila em psicoterapiaO autoconhecimento da crianccedila em psicoterapia

infantil na oacutetica fenomenoloacutegico existencial 51infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial 51V AcircNIA M IDORI B RUNELI

21 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 5322 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 55

221 O Caso Vitatildeo 5523 O TRABALHO DESENVOLVIDO 60

231 Elaboraccedilatildeo do livro de histoacuteria da crianccedila 60232 A entrega do livro o livro em si 64233 Os fenocircmenos que apareceram apoacutes a entrega do livro para

a crianccedila e a famiacutelia 71REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 74

ANEXO AO CAPIacuteTULO 2 ndash RELATOacuteRIO DE AVALIACcedilAtildeO PSICOLOacuteGICA 75

SUFLEcirc DE ROSAS 79

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Capiacutetulo 3 ndashCapiacutetulo 3 ndash Acompanhamento psicoloacutegico em oncologiaAcompanhamento psicoloacutegico em oncologia

pediaacutetrica 81pediaacutetrica 81E LIZABETH R ANIER M ARTINS DO V ALLE

31 INTRODUCcedilAtildeO 8332 PSICOTERAPIA E ONCOLOGIA PEDIAacuteTRICA 8733 O PSICOTERAPEUTA 91

34 POSSIBILIDADES DE ATENDIMENTO 92341 Acompanhamento psicoloacutegico individual 92342 Grupo de apoio aos pais 96343 Grupo de apoio psicoloacutegico agrave crianccedila com cacircncer 98344 Grupo de apoio psicoloacutegico ao adolescente com cacircncer 100

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

Capiacutetulo 4 ndashCapiacutetulo 4 ndashReflexotildees e intervenccedilotildees em um caso deReflexotildees e intervenccedilotildees em um caso de

encoprese 103encoprese 103D EacuteBORA C ANDIDO AZEVEDO

41 INTRODUCcedilAtildeO 105 42 PABLO UM CASO DE ENCOPRESE 106

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43 ALGUMAS REFLEXOtildeES FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAIS 110 44 PABLO E A PSICOLOGIA INFANTIL 112 45 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERSPECTIVA

FENOMENOLOacuteGICA 115 46 REFLETINDO SOBRE O SIGNIFICADO DA ENCOPRESE 117 47 A QUESTAtildeO DA CORPOREIDADE EM PSICOTERAPIA 121 48 VISITANDO A DIMENSAtildeO MOTIVACIONAL EM PABLO 124 49 ENCERRANDO UM CICLO 128

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 129

ANEXO AO CAPIacuteTULO 4 ndash RELATOacuteRIO PSICOLOacuteGICO 130

CHUVA 134

K ARLA C RISTINA G ASPAR

Capiacutetulo 5 ndashCapiacutetulo 5 ndash Suiciacutedio infantil o escarro maior do desesperoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero

humano 135humano 135

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

51 INTRODUCcedilAtildeO 13752 EM BUSCA DE CONCEITOS 137

53 SOBRE O DESESPERO 14254 O DESESPERO INFANTIL 14455 NADA MAIS FALSO 14956 SOBRE A INTENCIONALIDADE 15257 SOBRE A CULPA 155

571 Culpa por ter causado a morte 156572 Culpa em funccedilatildeo do papel cultural ou social 157573 Culpa moral 158574 Culpa por ter sobrevivido 159

575 Atribuiccedilatildeo de culpa ao outro 159576 Culpa por natildeo possuir conhecimentos sobre a condiccedilatildeo

humana 16058 PROPOSTA PROPEDEcircUTICA 16159 CONSIDERACcedilOtildeES COMPLEMENTARES 164

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 165

Capiacutetulo 6 ndashCapiacutetulo 6 ndash Desdobramentos da vivecircncia deDesdobramentos da vivecircncia de ullyinbullying ndash umndash um

olhar existencial 167olhar existencial 167S OcircNIA C RISTINA DE ANDRADE O LIVEIRA

61 INTRODUCcedilAtildeO 169

SUMAacuteRIO VII

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Capiacutetulo 9 ndashCapiacutetulo 9 ndashAnaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265Anaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265

ARLINDA B M ORENO

K ARLA C RISTINA G ASPAR

M ARISA F ORTES

91 INTRODUCcedilAtildeO 26792 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 267

921 Histoacuterico 267922 Queixa 268

93 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICA DA PSICANAacuteLISE (por K ARLA Cristina Gaspar) 270

931 Breve apontamento sobre os primoacuterdiosdo tratamento psicanaliacutetico com crianccedilasateacute os dias atuais 270

932 Breve exposiccedilatildeo sobre as contribuiccedilotildees teoacutericase teacutecnicas de D W Winnicott e J Bowlby 274

933 Compreensatildeo do caso de Lilian 2779331 ldquoA ideia de fazer o suiciacutediordquo 2789332 A bolsinha florida 2829333 A contratransferecircncia 283

94 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICADA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (por MARISA FORTES) 285941 Reflexatildeo sobre o suiciacutedio infantil 286942 O discurso de Lilian 287943 A TCC com crianccedilas 288944 Uma proposta de tratamento para Lilian 290945 Consideraccedilotildees e algumas (in) conclusotildees finais 291

95 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICAFENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL(por Arlinda B Moreno) 293

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 298

UM PEDACcedilO DE CHOCOLATE 301

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Sobre os autores 303Sobre os autores 303

SUMAacuteRIO IX

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AApresentaccedilatildeopresentaccedilatildeoV ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

A essecircncia da vida eacute chorar como adulto

E sorrir como crianccedilahellip

Sabedoria cigana

Este livro traz diversos trabalhos que envolvem crianccedilas e que foram realizados sobo prisma fenomenoloacutegico-existencial Ele mostra o modo como concebemos o uni-

verso infantil e tambeacutem como estamos instrumentalizados para intervir em niacuteveispsicoteraacutepicos quando se faz necessaacuterio Aleacutem disso a obra apresenta uma anaacutelisede caso com diferentes oacuteticas em contraponto com a compreensatildeo fenomenoloacutegico--existencial

Trata-se de um livro que leva um pouco de noacutes mesmos para tantos que buscaminformaccedilotildees e reflexotildees Um pouco daquilo que sonhamos para a psicologia e parauma compreensatildeo mais humana dos pacientes que se encontram diante das vicissi-tudes do caminho e que procuram pela psicoterapia em busca de aliacutevio E antes de

qualquer outro atributo que se queira conferir a esta obra eacute um toque de cariacutecia naalma de seus leitores Cada um deles ainda seraacute acarinhado por nosso orgulho e peloprazer de tecirc-lo como companheiro de jornada Tambeacutem seraacute acarinhado com nossoagradecimento pela generosidade de sua leitura

Cada apresentaccedilatildeo de livro escrita seja ela para um livro proacuteprio ou para o livrode um colega sempre traz uma carga de anguacutestia e afliccedilatildeo muito grande Saber quesomos referenciais teoacutericos para tantos acadecircmicos e profissionais eacute inquietante poisna verdade natildeo somos algo absoluto sobre o qual se pode debruccedilar de modo infaliacutevelem busca de conhecimento Ao contraacuterio temos presente o princiacutepio da maiecircutica de

Soacutecrates em que a dialeacutetica com o outro em vez de nos transmitir seu saber apenasnos aumenta a consciecircncia de nosso desconhecimento Assim ao mesmo tempo quesomos referecircncia ficamos preocupados pela consciecircncia da falta de conhecimentoque temos diante de noacutes em nossos proacuteprios caminhos e buscas

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XII O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Talvez fossem necessaacuterias a delicadeza e a leveza da muacutesica de Mozart para seentender a doccedilura infantil os acordes da grandeza meloacutedica de Villa-Lobos para seentender a crianccedila em seus arroubos e buscas desvairadas a tristeza humana da muacute-

sica de Beethoven para se entender o coraccedilatildeo infantil que padece de sofrimentos emsua alma ainda tatildeo tenra e delicada a algazarra matinal dos paacutessaros anunciando oamanhecer para podermos tocar seu coraccedilatildeozinho ainda tatildeo fraacutegil e delicado a sua-

vidade de um noturno de Chopin para tocar-lhe a alma com carinho e suavidade oencanto das floradas para percebermos que a essecircncia da vida eacute a alma infantil

Villa-Lobos no acircmbito da muacutesica erudita certamente foi o compositor que maisse dedicou a homenagens infinitas ao universo infantil Debruccedilou-se sobre temasinfantis existentes e criou novas cantigas dando-lhes uma formataccedilatildeo de concertos

eruditos Assim muitos exiacutemios pianistas gravaram o conjunto de suas cirandas ede suas muacutesicas infantis o que resultou em uma variedade de discos disponiacuteveis degrandes inteacuterpretes em que podemos encontrar muacutesicas como A prole do bebecirc Xocirc xocirc Passarinho Fui no Tororoacute A canoa virou etc

Eacute uma liccedilatildeo a mostrar que a preocupaccedilatildeo com aquilo que se oferece agraves crianccedilasprecisa ser exiacutegua pois o que temos agrave nossa frente quando deparamos com o universoinfantil eacute o futuro em desdobramento de luzes e cores em que pese muitas vezes osofrimento presente no semblante pueril E nossa perspectiva na funccedilatildeo de psicote-rapeutas eacute justamente o resgate dessa esperanccedila aviltada pelo sofrimento

Somos crianccedilas que ainda acreditam na ilusatildeo do amor e isso independe de nos-sa idade A alma infantil natildeo titubeia diante dos dissabores que a vida nos apresentaE por maiores que sejam as vicissitudes do caminho a crianccedila que ainda somos pro-cura pelos sonhos diante da desesperanccedila e do desamor Ou seja natildeo podemos nosdistanciar da crianccedila que sempre seremos mesmo que as intempeacuteries do caminhosejam grandes

E mais que tentarmos entendecirc-la temos de nos debruccedilar sobre ela para apreen-dermos os detalhes de requinte da proacutepria vida

Serra da Cantareira em uma manhatilde azul de outono

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CAPIacuteTULO

CAPIacuteTULO 1

A COMPREENSAtildeO

A COMPREENSAtildeOINFANTIL A PARTIRINFANTIL A PARTIRDE FILMESDE FILMES

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

1

O privileacutegio da infacircncia eacute podermos transitar livremente entre a magia

da vida e os mingaus de aveia entre um medo desmesurado e uma

alegria sem limites

INGMAR BERGMAN

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 3: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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Austraacutelia bull Brasil bull Japatildeo bull Coreia bull Meacutexico bull Cingapura bull Espanha bull Reino Unido bull Estados Unidos

O Atendimento Infantil

O Atendimento Infantilna Oacutetica Fenomenoloacutegico Existencial

na Oacutetica Fenomenoloacutegico-Existencial983090a ediccedilatildeo revista e ampliada

Valdemar Augusto Angerami (organizador)

Arlinda B MorenoDeacutebora C Azevedo

Elizabeth R M do Valle

Karla C Gaspar

Marisa Fortes

Paula L Angerami

Socircnia C de Andrade Oliveira Vanessa Maichin

Vacircnia M Bruneli

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VI O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

14 OUTROS FILMES RECOMENDADOS PARA ANAacuteLISE 4315 CONSIDERACcedilOtildeES COMPLEMENTARES 45REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 48

Capiacutetulo 2 ndashCapiacutetulo 2 ndash O autoconhecimento da crianccedila em psicoterapiaO autoconhecimento da crianccedila em psicoterapia

infantil na oacutetica fenomenoloacutegico existencial 51infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial 51V AcircNIA M IDORI B RUNELI

21 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 5322 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 55

221 O Caso Vitatildeo 5523 O TRABALHO DESENVOLVIDO 60

231 Elaboraccedilatildeo do livro de histoacuteria da crianccedila 60232 A entrega do livro o livro em si 64233 Os fenocircmenos que apareceram apoacutes a entrega do livro para

a crianccedila e a famiacutelia 71REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 74

ANEXO AO CAPIacuteTULO 2 ndash RELATOacuteRIO DE AVALIACcedilAtildeO PSICOLOacuteGICA 75

SUFLEcirc DE ROSAS 79

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Capiacutetulo 3 ndashCapiacutetulo 3 ndash Acompanhamento psicoloacutegico em oncologiaAcompanhamento psicoloacutegico em oncologia

pediaacutetrica 81pediaacutetrica 81E LIZABETH R ANIER M ARTINS DO V ALLE

31 INTRODUCcedilAtildeO 8332 PSICOTERAPIA E ONCOLOGIA PEDIAacuteTRICA 8733 O PSICOTERAPEUTA 91

34 POSSIBILIDADES DE ATENDIMENTO 92341 Acompanhamento psicoloacutegico individual 92342 Grupo de apoio aos pais 96343 Grupo de apoio psicoloacutegico agrave crianccedila com cacircncer 98344 Grupo de apoio psicoloacutegico ao adolescente com cacircncer 100

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

Capiacutetulo 4 ndashCapiacutetulo 4 ndashReflexotildees e intervenccedilotildees em um caso deReflexotildees e intervenccedilotildees em um caso de

encoprese 103encoprese 103D EacuteBORA C ANDIDO AZEVEDO

41 INTRODUCcedilAtildeO 105 42 PABLO UM CASO DE ENCOPRESE 106

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43 ALGUMAS REFLEXOtildeES FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAIS 110 44 PABLO E A PSICOLOGIA INFANTIL 112 45 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERSPECTIVA

FENOMENOLOacuteGICA 115 46 REFLETINDO SOBRE O SIGNIFICADO DA ENCOPRESE 117 47 A QUESTAtildeO DA CORPOREIDADE EM PSICOTERAPIA 121 48 VISITANDO A DIMENSAtildeO MOTIVACIONAL EM PABLO 124 49 ENCERRANDO UM CICLO 128

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 129

ANEXO AO CAPIacuteTULO 4 ndash RELATOacuteRIO PSICOLOacuteGICO 130

CHUVA 134

K ARLA C RISTINA G ASPAR

Capiacutetulo 5 ndashCapiacutetulo 5 ndash Suiciacutedio infantil o escarro maior do desesperoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero

humano 135humano 135

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

51 INTRODUCcedilAtildeO 13752 EM BUSCA DE CONCEITOS 137

53 SOBRE O DESESPERO 14254 O DESESPERO INFANTIL 14455 NADA MAIS FALSO 14956 SOBRE A INTENCIONALIDADE 15257 SOBRE A CULPA 155

571 Culpa por ter causado a morte 156572 Culpa em funccedilatildeo do papel cultural ou social 157573 Culpa moral 158574 Culpa por ter sobrevivido 159

575 Atribuiccedilatildeo de culpa ao outro 159576 Culpa por natildeo possuir conhecimentos sobre a condiccedilatildeo

humana 16058 PROPOSTA PROPEDEcircUTICA 16159 CONSIDERACcedilOtildeES COMPLEMENTARES 164

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 165

Capiacutetulo 6 ndashCapiacutetulo 6 ndash Desdobramentos da vivecircncia deDesdobramentos da vivecircncia de ullyinbullying ndash umndash um

olhar existencial 167olhar existencial 167S OcircNIA C RISTINA DE ANDRADE O LIVEIRA

61 INTRODUCcedilAtildeO 169

SUMAacuteRIO VII

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Capiacutetulo 9 ndashCapiacutetulo 9 ndashAnaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265Anaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265

ARLINDA B M ORENO

K ARLA C RISTINA G ASPAR

M ARISA F ORTES

91 INTRODUCcedilAtildeO 26792 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 267

921 Histoacuterico 267922 Queixa 268

93 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICA DA PSICANAacuteLISE (por K ARLA Cristina Gaspar) 270

931 Breve apontamento sobre os primoacuterdiosdo tratamento psicanaliacutetico com crianccedilasateacute os dias atuais 270

932 Breve exposiccedilatildeo sobre as contribuiccedilotildees teoacutericase teacutecnicas de D W Winnicott e J Bowlby 274

933 Compreensatildeo do caso de Lilian 2779331 ldquoA ideia de fazer o suiciacutediordquo 2789332 A bolsinha florida 2829333 A contratransferecircncia 283

94 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICADA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (por MARISA FORTES) 285941 Reflexatildeo sobre o suiciacutedio infantil 286942 O discurso de Lilian 287943 A TCC com crianccedilas 288944 Uma proposta de tratamento para Lilian 290945 Consideraccedilotildees e algumas (in) conclusotildees finais 291

95 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICAFENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL(por Arlinda B Moreno) 293

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 298

UM PEDACcedilO DE CHOCOLATE 301

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Sobre os autores 303Sobre os autores 303

SUMAacuteRIO IX

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AApresentaccedilatildeopresentaccedilatildeoV ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

A essecircncia da vida eacute chorar como adulto

E sorrir como crianccedilahellip

Sabedoria cigana

Este livro traz diversos trabalhos que envolvem crianccedilas e que foram realizados sobo prisma fenomenoloacutegico-existencial Ele mostra o modo como concebemos o uni-

verso infantil e tambeacutem como estamos instrumentalizados para intervir em niacuteveispsicoteraacutepicos quando se faz necessaacuterio Aleacutem disso a obra apresenta uma anaacutelisede caso com diferentes oacuteticas em contraponto com a compreensatildeo fenomenoloacutegico--existencial

Trata-se de um livro que leva um pouco de noacutes mesmos para tantos que buscaminformaccedilotildees e reflexotildees Um pouco daquilo que sonhamos para a psicologia e parauma compreensatildeo mais humana dos pacientes que se encontram diante das vicissi-tudes do caminho e que procuram pela psicoterapia em busca de aliacutevio E antes de

qualquer outro atributo que se queira conferir a esta obra eacute um toque de cariacutecia naalma de seus leitores Cada um deles ainda seraacute acarinhado por nosso orgulho e peloprazer de tecirc-lo como companheiro de jornada Tambeacutem seraacute acarinhado com nossoagradecimento pela generosidade de sua leitura

Cada apresentaccedilatildeo de livro escrita seja ela para um livro proacuteprio ou para o livrode um colega sempre traz uma carga de anguacutestia e afliccedilatildeo muito grande Saber quesomos referenciais teoacutericos para tantos acadecircmicos e profissionais eacute inquietante poisna verdade natildeo somos algo absoluto sobre o qual se pode debruccedilar de modo infaliacutevelem busca de conhecimento Ao contraacuterio temos presente o princiacutepio da maiecircutica de

Soacutecrates em que a dialeacutetica com o outro em vez de nos transmitir seu saber apenasnos aumenta a consciecircncia de nosso desconhecimento Assim ao mesmo tempo quesomos referecircncia ficamos preocupados pela consciecircncia da falta de conhecimentoque temos diante de noacutes em nossos proacuteprios caminhos e buscas

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XII O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Talvez fossem necessaacuterias a delicadeza e a leveza da muacutesica de Mozart para seentender a doccedilura infantil os acordes da grandeza meloacutedica de Villa-Lobos para seentender a crianccedila em seus arroubos e buscas desvairadas a tristeza humana da muacute-

sica de Beethoven para se entender o coraccedilatildeo infantil que padece de sofrimentos emsua alma ainda tatildeo tenra e delicada a algazarra matinal dos paacutessaros anunciando oamanhecer para podermos tocar seu coraccedilatildeozinho ainda tatildeo fraacutegil e delicado a sua-

vidade de um noturno de Chopin para tocar-lhe a alma com carinho e suavidade oencanto das floradas para percebermos que a essecircncia da vida eacute a alma infantil

Villa-Lobos no acircmbito da muacutesica erudita certamente foi o compositor que maisse dedicou a homenagens infinitas ao universo infantil Debruccedilou-se sobre temasinfantis existentes e criou novas cantigas dando-lhes uma formataccedilatildeo de concertos

eruditos Assim muitos exiacutemios pianistas gravaram o conjunto de suas cirandas ede suas muacutesicas infantis o que resultou em uma variedade de discos disponiacuteveis degrandes inteacuterpretes em que podemos encontrar muacutesicas como A prole do bebecirc Xocirc xocirc Passarinho Fui no Tororoacute A canoa virou etc

Eacute uma liccedilatildeo a mostrar que a preocupaccedilatildeo com aquilo que se oferece agraves crianccedilasprecisa ser exiacutegua pois o que temos agrave nossa frente quando deparamos com o universoinfantil eacute o futuro em desdobramento de luzes e cores em que pese muitas vezes osofrimento presente no semblante pueril E nossa perspectiva na funccedilatildeo de psicote-rapeutas eacute justamente o resgate dessa esperanccedila aviltada pelo sofrimento

Somos crianccedilas que ainda acreditam na ilusatildeo do amor e isso independe de nos-sa idade A alma infantil natildeo titubeia diante dos dissabores que a vida nos apresentaE por maiores que sejam as vicissitudes do caminho a crianccedila que ainda somos pro-cura pelos sonhos diante da desesperanccedila e do desamor Ou seja natildeo podemos nosdistanciar da crianccedila que sempre seremos mesmo que as intempeacuteries do caminhosejam grandes

E mais que tentarmos entendecirc-la temos de nos debruccedilar sobre ela para apreen-dermos os detalhes de requinte da proacutepria vida

Serra da Cantareira em uma manhatilde azul de outono

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CAPIacuteTULO

CAPIacuteTULO 1

A COMPREENSAtildeO

A COMPREENSAtildeOINFANTIL A PARTIRINFANTIL A PARTIRDE FILMESDE FILMES

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

1

O privileacutegio da infacircncia eacute podermos transitar livremente entre a magia

da vida e os mingaus de aveia entre um medo desmesurado e uma

alegria sem limites

INGMAR BERGMAN

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

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VI O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

14 OUTROS FILMES RECOMENDADOS PARA ANAacuteLISE 4315 CONSIDERACcedilOtildeES COMPLEMENTARES 45REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 48

Capiacutetulo 2 ndashCapiacutetulo 2 ndash O autoconhecimento da crianccedila em psicoterapiaO autoconhecimento da crianccedila em psicoterapia

infantil na oacutetica fenomenoloacutegico existencial 51infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial 51V AcircNIA M IDORI B RUNELI

21 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 5322 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 55

221 O Caso Vitatildeo 5523 O TRABALHO DESENVOLVIDO 60

231 Elaboraccedilatildeo do livro de histoacuteria da crianccedila 60232 A entrega do livro o livro em si 64233 Os fenocircmenos que apareceram apoacutes a entrega do livro para

a crianccedila e a famiacutelia 71REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 74

ANEXO AO CAPIacuteTULO 2 ndash RELATOacuteRIO DE AVALIACcedilAtildeO PSICOLOacuteGICA 75

SUFLEcirc DE ROSAS 79

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Capiacutetulo 3 ndashCapiacutetulo 3 ndash Acompanhamento psicoloacutegico em oncologiaAcompanhamento psicoloacutegico em oncologia

pediaacutetrica 81pediaacutetrica 81E LIZABETH R ANIER M ARTINS DO V ALLE

31 INTRODUCcedilAtildeO 8332 PSICOTERAPIA E ONCOLOGIA PEDIAacuteTRICA 8733 O PSICOTERAPEUTA 91

34 POSSIBILIDADES DE ATENDIMENTO 92341 Acompanhamento psicoloacutegico individual 92342 Grupo de apoio aos pais 96343 Grupo de apoio psicoloacutegico agrave crianccedila com cacircncer 98344 Grupo de apoio psicoloacutegico ao adolescente com cacircncer 100

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

Capiacutetulo 4 ndashCapiacutetulo 4 ndashReflexotildees e intervenccedilotildees em um caso deReflexotildees e intervenccedilotildees em um caso de

encoprese 103encoprese 103D EacuteBORA C ANDIDO AZEVEDO

41 INTRODUCcedilAtildeO 105 42 PABLO UM CASO DE ENCOPRESE 106

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43 ALGUMAS REFLEXOtildeES FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAIS 110 44 PABLO E A PSICOLOGIA INFANTIL 112 45 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERSPECTIVA

FENOMENOLOacuteGICA 115 46 REFLETINDO SOBRE O SIGNIFICADO DA ENCOPRESE 117 47 A QUESTAtildeO DA CORPOREIDADE EM PSICOTERAPIA 121 48 VISITANDO A DIMENSAtildeO MOTIVACIONAL EM PABLO 124 49 ENCERRANDO UM CICLO 128

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 129

ANEXO AO CAPIacuteTULO 4 ndash RELATOacuteRIO PSICOLOacuteGICO 130

CHUVA 134

K ARLA C RISTINA G ASPAR

Capiacutetulo 5 ndashCapiacutetulo 5 ndash Suiciacutedio infantil o escarro maior do desesperoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero

humano 135humano 135

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

51 INTRODUCcedilAtildeO 13752 EM BUSCA DE CONCEITOS 137

53 SOBRE O DESESPERO 14254 O DESESPERO INFANTIL 14455 NADA MAIS FALSO 14956 SOBRE A INTENCIONALIDADE 15257 SOBRE A CULPA 155

571 Culpa por ter causado a morte 156572 Culpa em funccedilatildeo do papel cultural ou social 157573 Culpa moral 158574 Culpa por ter sobrevivido 159

575 Atribuiccedilatildeo de culpa ao outro 159576 Culpa por natildeo possuir conhecimentos sobre a condiccedilatildeo

humana 16058 PROPOSTA PROPEDEcircUTICA 16159 CONSIDERACcedilOtildeES COMPLEMENTARES 164

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 165

Capiacutetulo 6 ndashCapiacutetulo 6 ndash Desdobramentos da vivecircncia deDesdobramentos da vivecircncia de ullyinbullying ndash umndash um

olhar existencial 167olhar existencial 167S OcircNIA C RISTINA DE ANDRADE O LIVEIRA

61 INTRODUCcedilAtildeO 169

SUMAacuteRIO VII

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Capiacutetulo 9 ndashCapiacutetulo 9 ndashAnaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265Anaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265

ARLINDA B M ORENO

K ARLA C RISTINA G ASPAR

M ARISA F ORTES

91 INTRODUCcedilAtildeO 26792 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 267

921 Histoacuterico 267922 Queixa 268

93 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICA DA PSICANAacuteLISE (por K ARLA Cristina Gaspar) 270

931 Breve apontamento sobre os primoacuterdiosdo tratamento psicanaliacutetico com crianccedilasateacute os dias atuais 270

932 Breve exposiccedilatildeo sobre as contribuiccedilotildees teoacutericase teacutecnicas de D W Winnicott e J Bowlby 274

933 Compreensatildeo do caso de Lilian 2779331 ldquoA ideia de fazer o suiciacutediordquo 2789332 A bolsinha florida 2829333 A contratransferecircncia 283

94 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICADA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (por MARISA FORTES) 285941 Reflexatildeo sobre o suiciacutedio infantil 286942 O discurso de Lilian 287943 A TCC com crianccedilas 288944 Uma proposta de tratamento para Lilian 290945 Consideraccedilotildees e algumas (in) conclusotildees finais 291

95 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICAFENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL(por Arlinda B Moreno) 293

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 298

UM PEDACcedilO DE CHOCOLATE 301

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Sobre os autores 303Sobre os autores 303

SUMAacuteRIO IX

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AApresentaccedilatildeopresentaccedilatildeoV ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

A essecircncia da vida eacute chorar como adulto

E sorrir como crianccedilahellip

Sabedoria cigana

Este livro traz diversos trabalhos que envolvem crianccedilas e que foram realizados sobo prisma fenomenoloacutegico-existencial Ele mostra o modo como concebemos o uni-

verso infantil e tambeacutem como estamos instrumentalizados para intervir em niacuteveispsicoteraacutepicos quando se faz necessaacuterio Aleacutem disso a obra apresenta uma anaacutelisede caso com diferentes oacuteticas em contraponto com a compreensatildeo fenomenoloacutegico--existencial

Trata-se de um livro que leva um pouco de noacutes mesmos para tantos que buscaminformaccedilotildees e reflexotildees Um pouco daquilo que sonhamos para a psicologia e parauma compreensatildeo mais humana dos pacientes que se encontram diante das vicissi-tudes do caminho e que procuram pela psicoterapia em busca de aliacutevio E antes de

qualquer outro atributo que se queira conferir a esta obra eacute um toque de cariacutecia naalma de seus leitores Cada um deles ainda seraacute acarinhado por nosso orgulho e peloprazer de tecirc-lo como companheiro de jornada Tambeacutem seraacute acarinhado com nossoagradecimento pela generosidade de sua leitura

Cada apresentaccedilatildeo de livro escrita seja ela para um livro proacuteprio ou para o livrode um colega sempre traz uma carga de anguacutestia e afliccedilatildeo muito grande Saber quesomos referenciais teoacutericos para tantos acadecircmicos e profissionais eacute inquietante poisna verdade natildeo somos algo absoluto sobre o qual se pode debruccedilar de modo infaliacutevelem busca de conhecimento Ao contraacuterio temos presente o princiacutepio da maiecircutica de

Soacutecrates em que a dialeacutetica com o outro em vez de nos transmitir seu saber apenasnos aumenta a consciecircncia de nosso desconhecimento Assim ao mesmo tempo quesomos referecircncia ficamos preocupados pela consciecircncia da falta de conhecimentoque temos diante de noacutes em nossos proacuteprios caminhos e buscas

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XII O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Talvez fossem necessaacuterias a delicadeza e a leveza da muacutesica de Mozart para seentender a doccedilura infantil os acordes da grandeza meloacutedica de Villa-Lobos para seentender a crianccedila em seus arroubos e buscas desvairadas a tristeza humana da muacute-

sica de Beethoven para se entender o coraccedilatildeo infantil que padece de sofrimentos emsua alma ainda tatildeo tenra e delicada a algazarra matinal dos paacutessaros anunciando oamanhecer para podermos tocar seu coraccedilatildeozinho ainda tatildeo fraacutegil e delicado a sua-

vidade de um noturno de Chopin para tocar-lhe a alma com carinho e suavidade oencanto das floradas para percebermos que a essecircncia da vida eacute a alma infantil

Villa-Lobos no acircmbito da muacutesica erudita certamente foi o compositor que maisse dedicou a homenagens infinitas ao universo infantil Debruccedilou-se sobre temasinfantis existentes e criou novas cantigas dando-lhes uma formataccedilatildeo de concertos

eruditos Assim muitos exiacutemios pianistas gravaram o conjunto de suas cirandas ede suas muacutesicas infantis o que resultou em uma variedade de discos disponiacuteveis degrandes inteacuterpretes em que podemos encontrar muacutesicas como A prole do bebecirc Xocirc xocirc Passarinho Fui no Tororoacute A canoa virou etc

Eacute uma liccedilatildeo a mostrar que a preocupaccedilatildeo com aquilo que se oferece agraves crianccedilasprecisa ser exiacutegua pois o que temos agrave nossa frente quando deparamos com o universoinfantil eacute o futuro em desdobramento de luzes e cores em que pese muitas vezes osofrimento presente no semblante pueril E nossa perspectiva na funccedilatildeo de psicote-rapeutas eacute justamente o resgate dessa esperanccedila aviltada pelo sofrimento

Somos crianccedilas que ainda acreditam na ilusatildeo do amor e isso independe de nos-sa idade A alma infantil natildeo titubeia diante dos dissabores que a vida nos apresentaE por maiores que sejam as vicissitudes do caminho a crianccedila que ainda somos pro-cura pelos sonhos diante da desesperanccedila e do desamor Ou seja natildeo podemos nosdistanciar da crianccedila que sempre seremos mesmo que as intempeacuteries do caminhosejam grandes

E mais que tentarmos entendecirc-la temos de nos debruccedilar sobre ela para apreen-dermos os detalhes de requinte da proacutepria vida

Serra da Cantareira em uma manhatilde azul de outono

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CAPIacuteTULO

CAPIacuteTULO 1

A COMPREENSAtildeO

A COMPREENSAtildeOINFANTIL A PARTIRINFANTIL A PARTIRDE FILMESDE FILMES

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

1

O privileacutegio da infacircncia eacute podermos transitar livremente entre a magia

da vida e os mingaus de aveia entre um medo desmesurado e uma

alegria sem limites

INGMAR BERGMAN

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 5: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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VI O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

14 OUTROS FILMES RECOMENDADOS PARA ANAacuteLISE 4315 CONSIDERACcedilOtildeES COMPLEMENTARES 45REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 48

Capiacutetulo 2 ndashCapiacutetulo 2 ndash O autoconhecimento da crianccedila em psicoterapiaO autoconhecimento da crianccedila em psicoterapia

infantil na oacutetica fenomenoloacutegico existencial 51infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial 51V AcircNIA M IDORI B RUNELI

21 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 5322 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 55

221 O Caso Vitatildeo 5523 O TRABALHO DESENVOLVIDO 60

231 Elaboraccedilatildeo do livro de histoacuteria da crianccedila 60232 A entrega do livro o livro em si 64233 Os fenocircmenos que apareceram apoacutes a entrega do livro para

a crianccedila e a famiacutelia 71REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 74

ANEXO AO CAPIacuteTULO 2 ndash RELATOacuteRIO DE AVALIACcedilAtildeO PSICOLOacuteGICA 75

SUFLEcirc DE ROSAS 79

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Capiacutetulo 3 ndashCapiacutetulo 3 ndash Acompanhamento psicoloacutegico em oncologiaAcompanhamento psicoloacutegico em oncologia

pediaacutetrica 81pediaacutetrica 81E LIZABETH R ANIER M ARTINS DO V ALLE

31 INTRODUCcedilAtildeO 8332 PSICOTERAPIA E ONCOLOGIA PEDIAacuteTRICA 8733 O PSICOTERAPEUTA 91

34 POSSIBILIDADES DE ATENDIMENTO 92341 Acompanhamento psicoloacutegico individual 92342 Grupo de apoio aos pais 96343 Grupo de apoio psicoloacutegico agrave crianccedila com cacircncer 98344 Grupo de apoio psicoloacutegico ao adolescente com cacircncer 100

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

Capiacutetulo 4 ndashCapiacutetulo 4 ndashReflexotildees e intervenccedilotildees em um caso deReflexotildees e intervenccedilotildees em um caso de

encoprese 103encoprese 103D EacuteBORA C ANDIDO AZEVEDO

41 INTRODUCcedilAtildeO 105 42 PABLO UM CASO DE ENCOPRESE 106

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43 ALGUMAS REFLEXOtildeES FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAIS 110 44 PABLO E A PSICOLOGIA INFANTIL 112 45 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERSPECTIVA

FENOMENOLOacuteGICA 115 46 REFLETINDO SOBRE O SIGNIFICADO DA ENCOPRESE 117 47 A QUESTAtildeO DA CORPOREIDADE EM PSICOTERAPIA 121 48 VISITANDO A DIMENSAtildeO MOTIVACIONAL EM PABLO 124 49 ENCERRANDO UM CICLO 128

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 129

ANEXO AO CAPIacuteTULO 4 ndash RELATOacuteRIO PSICOLOacuteGICO 130

CHUVA 134

K ARLA C RISTINA G ASPAR

Capiacutetulo 5 ndashCapiacutetulo 5 ndash Suiciacutedio infantil o escarro maior do desesperoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero

humano 135humano 135

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

51 INTRODUCcedilAtildeO 13752 EM BUSCA DE CONCEITOS 137

53 SOBRE O DESESPERO 14254 O DESESPERO INFANTIL 14455 NADA MAIS FALSO 14956 SOBRE A INTENCIONALIDADE 15257 SOBRE A CULPA 155

571 Culpa por ter causado a morte 156572 Culpa em funccedilatildeo do papel cultural ou social 157573 Culpa moral 158574 Culpa por ter sobrevivido 159

575 Atribuiccedilatildeo de culpa ao outro 159576 Culpa por natildeo possuir conhecimentos sobre a condiccedilatildeo

humana 16058 PROPOSTA PROPEDEcircUTICA 16159 CONSIDERACcedilOtildeES COMPLEMENTARES 164

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 165

Capiacutetulo 6 ndashCapiacutetulo 6 ndash Desdobramentos da vivecircncia deDesdobramentos da vivecircncia de ullyinbullying ndash umndash um

olhar existencial 167olhar existencial 167S OcircNIA C RISTINA DE ANDRADE O LIVEIRA

61 INTRODUCcedilAtildeO 169

SUMAacuteRIO VII

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Capiacutetulo 9 ndashCapiacutetulo 9 ndashAnaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265Anaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265

ARLINDA B M ORENO

K ARLA C RISTINA G ASPAR

M ARISA F ORTES

91 INTRODUCcedilAtildeO 26792 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 267

921 Histoacuterico 267922 Queixa 268

93 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICA DA PSICANAacuteLISE (por K ARLA Cristina Gaspar) 270

931 Breve apontamento sobre os primoacuterdiosdo tratamento psicanaliacutetico com crianccedilasateacute os dias atuais 270

932 Breve exposiccedilatildeo sobre as contribuiccedilotildees teoacutericase teacutecnicas de D W Winnicott e J Bowlby 274

933 Compreensatildeo do caso de Lilian 2779331 ldquoA ideia de fazer o suiciacutediordquo 2789332 A bolsinha florida 2829333 A contratransferecircncia 283

94 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICADA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (por MARISA FORTES) 285941 Reflexatildeo sobre o suiciacutedio infantil 286942 O discurso de Lilian 287943 A TCC com crianccedilas 288944 Uma proposta de tratamento para Lilian 290945 Consideraccedilotildees e algumas (in) conclusotildees finais 291

95 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICAFENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL(por Arlinda B Moreno) 293

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 298

UM PEDACcedilO DE CHOCOLATE 301

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Sobre os autores 303Sobre os autores 303

SUMAacuteRIO IX

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AApresentaccedilatildeopresentaccedilatildeoV ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

A essecircncia da vida eacute chorar como adulto

E sorrir como crianccedilahellip

Sabedoria cigana

Este livro traz diversos trabalhos que envolvem crianccedilas e que foram realizados sobo prisma fenomenoloacutegico-existencial Ele mostra o modo como concebemos o uni-

verso infantil e tambeacutem como estamos instrumentalizados para intervir em niacuteveispsicoteraacutepicos quando se faz necessaacuterio Aleacutem disso a obra apresenta uma anaacutelisede caso com diferentes oacuteticas em contraponto com a compreensatildeo fenomenoloacutegico--existencial

Trata-se de um livro que leva um pouco de noacutes mesmos para tantos que buscaminformaccedilotildees e reflexotildees Um pouco daquilo que sonhamos para a psicologia e parauma compreensatildeo mais humana dos pacientes que se encontram diante das vicissi-tudes do caminho e que procuram pela psicoterapia em busca de aliacutevio E antes de

qualquer outro atributo que se queira conferir a esta obra eacute um toque de cariacutecia naalma de seus leitores Cada um deles ainda seraacute acarinhado por nosso orgulho e peloprazer de tecirc-lo como companheiro de jornada Tambeacutem seraacute acarinhado com nossoagradecimento pela generosidade de sua leitura

Cada apresentaccedilatildeo de livro escrita seja ela para um livro proacuteprio ou para o livrode um colega sempre traz uma carga de anguacutestia e afliccedilatildeo muito grande Saber quesomos referenciais teoacutericos para tantos acadecircmicos e profissionais eacute inquietante poisna verdade natildeo somos algo absoluto sobre o qual se pode debruccedilar de modo infaliacutevelem busca de conhecimento Ao contraacuterio temos presente o princiacutepio da maiecircutica de

Soacutecrates em que a dialeacutetica com o outro em vez de nos transmitir seu saber apenasnos aumenta a consciecircncia de nosso desconhecimento Assim ao mesmo tempo quesomos referecircncia ficamos preocupados pela consciecircncia da falta de conhecimentoque temos diante de noacutes em nossos proacuteprios caminhos e buscas

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XII O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Talvez fossem necessaacuterias a delicadeza e a leveza da muacutesica de Mozart para seentender a doccedilura infantil os acordes da grandeza meloacutedica de Villa-Lobos para seentender a crianccedila em seus arroubos e buscas desvairadas a tristeza humana da muacute-

sica de Beethoven para se entender o coraccedilatildeo infantil que padece de sofrimentos emsua alma ainda tatildeo tenra e delicada a algazarra matinal dos paacutessaros anunciando oamanhecer para podermos tocar seu coraccedilatildeozinho ainda tatildeo fraacutegil e delicado a sua-

vidade de um noturno de Chopin para tocar-lhe a alma com carinho e suavidade oencanto das floradas para percebermos que a essecircncia da vida eacute a alma infantil

Villa-Lobos no acircmbito da muacutesica erudita certamente foi o compositor que maisse dedicou a homenagens infinitas ao universo infantil Debruccedilou-se sobre temasinfantis existentes e criou novas cantigas dando-lhes uma formataccedilatildeo de concertos

eruditos Assim muitos exiacutemios pianistas gravaram o conjunto de suas cirandas ede suas muacutesicas infantis o que resultou em uma variedade de discos disponiacuteveis degrandes inteacuterpretes em que podemos encontrar muacutesicas como A prole do bebecirc Xocirc xocirc Passarinho Fui no Tororoacute A canoa virou etc

Eacute uma liccedilatildeo a mostrar que a preocupaccedilatildeo com aquilo que se oferece agraves crianccedilasprecisa ser exiacutegua pois o que temos agrave nossa frente quando deparamos com o universoinfantil eacute o futuro em desdobramento de luzes e cores em que pese muitas vezes osofrimento presente no semblante pueril E nossa perspectiva na funccedilatildeo de psicote-rapeutas eacute justamente o resgate dessa esperanccedila aviltada pelo sofrimento

Somos crianccedilas que ainda acreditam na ilusatildeo do amor e isso independe de nos-sa idade A alma infantil natildeo titubeia diante dos dissabores que a vida nos apresentaE por maiores que sejam as vicissitudes do caminho a crianccedila que ainda somos pro-cura pelos sonhos diante da desesperanccedila e do desamor Ou seja natildeo podemos nosdistanciar da crianccedila que sempre seremos mesmo que as intempeacuteries do caminhosejam grandes

E mais que tentarmos entendecirc-la temos de nos debruccedilar sobre ela para apreen-dermos os detalhes de requinte da proacutepria vida

Serra da Cantareira em uma manhatilde azul de outono

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CAPIacuteTULO

CAPIacuteTULO 1

A COMPREENSAtildeO

A COMPREENSAtildeOINFANTIL A PARTIRINFANTIL A PARTIRDE FILMESDE FILMES

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

1

O privileacutegio da infacircncia eacute podermos transitar livremente entre a magia

da vida e os mingaus de aveia entre um medo desmesurado e uma

alegria sem limites

INGMAR BERGMAN

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 6: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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43 ALGUMAS REFLEXOtildeES FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAIS 110 44 PABLO E A PSICOLOGIA INFANTIL 112 45 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERSPECTIVA

FENOMENOLOacuteGICA 115 46 REFLETINDO SOBRE O SIGNIFICADO DA ENCOPRESE 117 47 A QUESTAtildeO DA CORPOREIDADE EM PSICOTERAPIA 121 48 VISITANDO A DIMENSAtildeO MOTIVACIONAL EM PABLO 124 49 ENCERRANDO UM CICLO 128

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 129

ANEXO AO CAPIacuteTULO 4 ndash RELATOacuteRIO PSICOLOacuteGICO 130

CHUVA 134

K ARLA C RISTINA G ASPAR

Capiacutetulo 5 ndashCapiacutetulo 5 ndash Suiciacutedio infantil o escarro maior do desesperoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero

humano 135humano 135

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

51 INTRODUCcedilAtildeO 13752 EM BUSCA DE CONCEITOS 137

53 SOBRE O DESESPERO 14254 O DESESPERO INFANTIL 14455 NADA MAIS FALSO 14956 SOBRE A INTENCIONALIDADE 15257 SOBRE A CULPA 155

571 Culpa por ter causado a morte 156572 Culpa em funccedilatildeo do papel cultural ou social 157573 Culpa moral 158574 Culpa por ter sobrevivido 159

575 Atribuiccedilatildeo de culpa ao outro 159576 Culpa por natildeo possuir conhecimentos sobre a condiccedilatildeo

humana 16058 PROPOSTA PROPEDEcircUTICA 16159 CONSIDERACcedilOtildeES COMPLEMENTARES 164

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 165

Capiacutetulo 6 ndashCapiacutetulo 6 ndash Desdobramentos da vivecircncia deDesdobramentos da vivecircncia de ullyinbullying ndash umndash um

olhar existencial 167olhar existencial 167S OcircNIA C RISTINA DE ANDRADE O LIVEIRA

61 INTRODUCcedilAtildeO 169

SUMAacuteRIO VII

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Capiacutetulo 9 ndashCapiacutetulo 9 ndashAnaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265Anaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265

ARLINDA B M ORENO

K ARLA C RISTINA G ASPAR

M ARISA F ORTES

91 INTRODUCcedilAtildeO 26792 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 267

921 Histoacuterico 267922 Queixa 268

93 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICA DA PSICANAacuteLISE (por K ARLA Cristina Gaspar) 270

931 Breve apontamento sobre os primoacuterdiosdo tratamento psicanaliacutetico com crianccedilasateacute os dias atuais 270

932 Breve exposiccedilatildeo sobre as contribuiccedilotildees teoacutericase teacutecnicas de D W Winnicott e J Bowlby 274

933 Compreensatildeo do caso de Lilian 2779331 ldquoA ideia de fazer o suiciacutediordquo 2789332 A bolsinha florida 2829333 A contratransferecircncia 283

94 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICADA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (por MARISA FORTES) 285941 Reflexatildeo sobre o suiciacutedio infantil 286942 O discurso de Lilian 287943 A TCC com crianccedilas 288944 Uma proposta de tratamento para Lilian 290945 Consideraccedilotildees e algumas (in) conclusotildees finais 291

95 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICAFENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL(por Arlinda B Moreno) 293

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 298

UM PEDACcedilO DE CHOCOLATE 301

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Sobre os autores 303Sobre os autores 303

SUMAacuteRIO IX

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AApresentaccedilatildeopresentaccedilatildeoV ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

A essecircncia da vida eacute chorar como adulto

E sorrir como crianccedilahellip

Sabedoria cigana

Este livro traz diversos trabalhos que envolvem crianccedilas e que foram realizados sobo prisma fenomenoloacutegico-existencial Ele mostra o modo como concebemos o uni-

verso infantil e tambeacutem como estamos instrumentalizados para intervir em niacuteveispsicoteraacutepicos quando se faz necessaacuterio Aleacutem disso a obra apresenta uma anaacutelisede caso com diferentes oacuteticas em contraponto com a compreensatildeo fenomenoloacutegico--existencial

Trata-se de um livro que leva um pouco de noacutes mesmos para tantos que buscaminformaccedilotildees e reflexotildees Um pouco daquilo que sonhamos para a psicologia e parauma compreensatildeo mais humana dos pacientes que se encontram diante das vicissi-tudes do caminho e que procuram pela psicoterapia em busca de aliacutevio E antes de

qualquer outro atributo que se queira conferir a esta obra eacute um toque de cariacutecia naalma de seus leitores Cada um deles ainda seraacute acarinhado por nosso orgulho e peloprazer de tecirc-lo como companheiro de jornada Tambeacutem seraacute acarinhado com nossoagradecimento pela generosidade de sua leitura

Cada apresentaccedilatildeo de livro escrita seja ela para um livro proacuteprio ou para o livrode um colega sempre traz uma carga de anguacutestia e afliccedilatildeo muito grande Saber quesomos referenciais teoacutericos para tantos acadecircmicos e profissionais eacute inquietante poisna verdade natildeo somos algo absoluto sobre o qual se pode debruccedilar de modo infaliacutevelem busca de conhecimento Ao contraacuterio temos presente o princiacutepio da maiecircutica de

Soacutecrates em que a dialeacutetica com o outro em vez de nos transmitir seu saber apenasnos aumenta a consciecircncia de nosso desconhecimento Assim ao mesmo tempo quesomos referecircncia ficamos preocupados pela consciecircncia da falta de conhecimentoque temos diante de noacutes em nossos proacuteprios caminhos e buscas

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XII O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Talvez fossem necessaacuterias a delicadeza e a leveza da muacutesica de Mozart para seentender a doccedilura infantil os acordes da grandeza meloacutedica de Villa-Lobos para seentender a crianccedila em seus arroubos e buscas desvairadas a tristeza humana da muacute-

sica de Beethoven para se entender o coraccedilatildeo infantil que padece de sofrimentos emsua alma ainda tatildeo tenra e delicada a algazarra matinal dos paacutessaros anunciando oamanhecer para podermos tocar seu coraccedilatildeozinho ainda tatildeo fraacutegil e delicado a sua-

vidade de um noturno de Chopin para tocar-lhe a alma com carinho e suavidade oencanto das floradas para percebermos que a essecircncia da vida eacute a alma infantil

Villa-Lobos no acircmbito da muacutesica erudita certamente foi o compositor que maisse dedicou a homenagens infinitas ao universo infantil Debruccedilou-se sobre temasinfantis existentes e criou novas cantigas dando-lhes uma formataccedilatildeo de concertos

eruditos Assim muitos exiacutemios pianistas gravaram o conjunto de suas cirandas ede suas muacutesicas infantis o que resultou em uma variedade de discos disponiacuteveis degrandes inteacuterpretes em que podemos encontrar muacutesicas como A prole do bebecirc Xocirc xocirc Passarinho Fui no Tororoacute A canoa virou etc

Eacute uma liccedilatildeo a mostrar que a preocupaccedilatildeo com aquilo que se oferece agraves crianccedilasprecisa ser exiacutegua pois o que temos agrave nossa frente quando deparamos com o universoinfantil eacute o futuro em desdobramento de luzes e cores em que pese muitas vezes osofrimento presente no semblante pueril E nossa perspectiva na funccedilatildeo de psicote-rapeutas eacute justamente o resgate dessa esperanccedila aviltada pelo sofrimento

Somos crianccedilas que ainda acreditam na ilusatildeo do amor e isso independe de nos-sa idade A alma infantil natildeo titubeia diante dos dissabores que a vida nos apresentaE por maiores que sejam as vicissitudes do caminho a crianccedila que ainda somos pro-cura pelos sonhos diante da desesperanccedila e do desamor Ou seja natildeo podemos nosdistanciar da crianccedila que sempre seremos mesmo que as intempeacuteries do caminhosejam grandes

E mais que tentarmos entendecirc-la temos de nos debruccedilar sobre ela para apreen-dermos os detalhes de requinte da proacutepria vida

Serra da Cantareira em uma manhatilde azul de outono

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CAPIacuteTULO

CAPIacuteTULO 1

A COMPREENSAtildeO

A COMPREENSAtildeOINFANTIL A PARTIRINFANTIL A PARTIRDE FILMESDE FILMES

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

1

O privileacutegio da infacircncia eacute podermos transitar livremente entre a magia

da vida e os mingaus de aveia entre um medo desmesurado e uma

alegria sem limites

INGMAR BERGMAN

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 7: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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Capiacutetulo 9 ndashCapiacutetulo 9 ndashAnaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265Anaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265

ARLINDA B M ORENO

K ARLA C RISTINA G ASPAR

M ARISA F ORTES

91 INTRODUCcedilAtildeO 26792 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 267

921 Histoacuterico 267922 Queixa 268

93 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICA DA PSICANAacuteLISE (por K ARLA Cristina Gaspar) 270

931 Breve apontamento sobre os primoacuterdiosdo tratamento psicanaliacutetico com crianccedilasateacute os dias atuais 270

932 Breve exposiccedilatildeo sobre as contribuiccedilotildees teoacutericase teacutecnicas de D W Winnicott e J Bowlby 274

933 Compreensatildeo do caso de Lilian 2779331 ldquoA ideia de fazer o suiciacutediordquo 2789332 A bolsinha florida 2829333 A contratransferecircncia 283

94 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICADA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (por MARISA FORTES) 285941 Reflexatildeo sobre o suiciacutedio infantil 286942 O discurso de Lilian 287943 A TCC com crianccedilas 288944 Uma proposta de tratamento para Lilian 290945 Consideraccedilotildees e algumas (in) conclusotildees finais 291

95 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICAFENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL(por Arlinda B Moreno) 293

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 298

UM PEDACcedilO DE CHOCOLATE 301

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Sobre os autores 303Sobre os autores 303

SUMAacuteRIO IX

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AApresentaccedilatildeopresentaccedilatildeoV ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

A essecircncia da vida eacute chorar como adulto

E sorrir como crianccedilahellip

Sabedoria cigana

Este livro traz diversos trabalhos que envolvem crianccedilas e que foram realizados sobo prisma fenomenoloacutegico-existencial Ele mostra o modo como concebemos o uni-

verso infantil e tambeacutem como estamos instrumentalizados para intervir em niacuteveispsicoteraacutepicos quando se faz necessaacuterio Aleacutem disso a obra apresenta uma anaacutelisede caso com diferentes oacuteticas em contraponto com a compreensatildeo fenomenoloacutegico--existencial

Trata-se de um livro que leva um pouco de noacutes mesmos para tantos que buscaminformaccedilotildees e reflexotildees Um pouco daquilo que sonhamos para a psicologia e parauma compreensatildeo mais humana dos pacientes que se encontram diante das vicissi-tudes do caminho e que procuram pela psicoterapia em busca de aliacutevio E antes de

qualquer outro atributo que se queira conferir a esta obra eacute um toque de cariacutecia naalma de seus leitores Cada um deles ainda seraacute acarinhado por nosso orgulho e peloprazer de tecirc-lo como companheiro de jornada Tambeacutem seraacute acarinhado com nossoagradecimento pela generosidade de sua leitura

Cada apresentaccedilatildeo de livro escrita seja ela para um livro proacuteprio ou para o livrode um colega sempre traz uma carga de anguacutestia e afliccedilatildeo muito grande Saber quesomos referenciais teoacutericos para tantos acadecircmicos e profissionais eacute inquietante poisna verdade natildeo somos algo absoluto sobre o qual se pode debruccedilar de modo infaliacutevelem busca de conhecimento Ao contraacuterio temos presente o princiacutepio da maiecircutica de

Soacutecrates em que a dialeacutetica com o outro em vez de nos transmitir seu saber apenasnos aumenta a consciecircncia de nosso desconhecimento Assim ao mesmo tempo quesomos referecircncia ficamos preocupados pela consciecircncia da falta de conhecimentoque temos diante de noacutes em nossos proacuteprios caminhos e buscas

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XII O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Talvez fossem necessaacuterias a delicadeza e a leveza da muacutesica de Mozart para seentender a doccedilura infantil os acordes da grandeza meloacutedica de Villa-Lobos para seentender a crianccedila em seus arroubos e buscas desvairadas a tristeza humana da muacute-

sica de Beethoven para se entender o coraccedilatildeo infantil que padece de sofrimentos emsua alma ainda tatildeo tenra e delicada a algazarra matinal dos paacutessaros anunciando oamanhecer para podermos tocar seu coraccedilatildeozinho ainda tatildeo fraacutegil e delicado a sua-

vidade de um noturno de Chopin para tocar-lhe a alma com carinho e suavidade oencanto das floradas para percebermos que a essecircncia da vida eacute a alma infantil

Villa-Lobos no acircmbito da muacutesica erudita certamente foi o compositor que maisse dedicou a homenagens infinitas ao universo infantil Debruccedilou-se sobre temasinfantis existentes e criou novas cantigas dando-lhes uma formataccedilatildeo de concertos

eruditos Assim muitos exiacutemios pianistas gravaram o conjunto de suas cirandas ede suas muacutesicas infantis o que resultou em uma variedade de discos disponiacuteveis degrandes inteacuterpretes em que podemos encontrar muacutesicas como A prole do bebecirc Xocirc xocirc Passarinho Fui no Tororoacute A canoa virou etc

Eacute uma liccedilatildeo a mostrar que a preocupaccedilatildeo com aquilo que se oferece agraves crianccedilasprecisa ser exiacutegua pois o que temos agrave nossa frente quando deparamos com o universoinfantil eacute o futuro em desdobramento de luzes e cores em que pese muitas vezes osofrimento presente no semblante pueril E nossa perspectiva na funccedilatildeo de psicote-rapeutas eacute justamente o resgate dessa esperanccedila aviltada pelo sofrimento

Somos crianccedilas que ainda acreditam na ilusatildeo do amor e isso independe de nos-sa idade A alma infantil natildeo titubeia diante dos dissabores que a vida nos apresentaE por maiores que sejam as vicissitudes do caminho a crianccedila que ainda somos pro-cura pelos sonhos diante da desesperanccedila e do desamor Ou seja natildeo podemos nosdistanciar da crianccedila que sempre seremos mesmo que as intempeacuteries do caminhosejam grandes

E mais que tentarmos entendecirc-la temos de nos debruccedilar sobre ela para apreen-dermos os detalhes de requinte da proacutepria vida

Serra da Cantareira em uma manhatilde azul de outono

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CAPIacuteTULO

CAPIacuteTULO 1

A COMPREENSAtildeO

A COMPREENSAtildeOINFANTIL A PARTIRINFANTIL A PARTIRDE FILMESDE FILMES

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

1

O privileacutegio da infacircncia eacute podermos transitar livremente entre a magia

da vida e os mingaus de aveia entre um medo desmesurado e uma

alegria sem limites

INGMAR BERGMAN

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 8: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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Capiacutetulo 9 ndashCapiacutetulo 9 ndashAnaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265Anaacutelise de caso uma visatildeo multiteoacuterica 265

ARLINDA B M ORENO

K ARLA C RISTINA G ASPAR

M ARISA F ORTES

91 INTRODUCcedilAtildeO 26792 DESCRICcedilAtildeO DO CASO 267

921 Histoacuterico 267922 Queixa 268

93 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICA DA PSICANAacuteLISE (por K ARLA Cristina Gaspar) 270

931 Breve apontamento sobre os primoacuterdiosdo tratamento psicanaliacutetico com crianccedilasateacute os dias atuais 270

932 Breve exposiccedilatildeo sobre as contribuiccedilotildees teoacutericase teacutecnicas de D W Winnicott e J Bowlby 274

933 Compreensatildeo do caso de Lilian 2779331 ldquoA ideia de fazer o suiciacutediordquo 2789332 A bolsinha florida 2829333 A contratransferecircncia 283

94 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICADA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL (por MARISA FORTES) 285941 Reflexatildeo sobre o suiciacutedio infantil 286942 O discurso de Lilian 287943 A TCC com crianccedilas 288944 Uma proposta de tratamento para Lilian 290945 Consideraccedilotildees e algumas (in) conclusotildees finais 291

95 ANAacuteLISE DO CASO PELA OacuteTICAFENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL(por Arlinda B Moreno) 293

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 298

UM PEDACcedilO DE CHOCOLATE 301

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

Sobre os autores 303Sobre os autores 303

SUMAacuteRIO IX

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AApresentaccedilatildeopresentaccedilatildeoV ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

A essecircncia da vida eacute chorar como adulto

E sorrir como crianccedilahellip

Sabedoria cigana

Este livro traz diversos trabalhos que envolvem crianccedilas e que foram realizados sobo prisma fenomenoloacutegico-existencial Ele mostra o modo como concebemos o uni-

verso infantil e tambeacutem como estamos instrumentalizados para intervir em niacuteveispsicoteraacutepicos quando se faz necessaacuterio Aleacutem disso a obra apresenta uma anaacutelisede caso com diferentes oacuteticas em contraponto com a compreensatildeo fenomenoloacutegico--existencial

Trata-se de um livro que leva um pouco de noacutes mesmos para tantos que buscaminformaccedilotildees e reflexotildees Um pouco daquilo que sonhamos para a psicologia e parauma compreensatildeo mais humana dos pacientes que se encontram diante das vicissi-tudes do caminho e que procuram pela psicoterapia em busca de aliacutevio E antes de

qualquer outro atributo que se queira conferir a esta obra eacute um toque de cariacutecia naalma de seus leitores Cada um deles ainda seraacute acarinhado por nosso orgulho e peloprazer de tecirc-lo como companheiro de jornada Tambeacutem seraacute acarinhado com nossoagradecimento pela generosidade de sua leitura

Cada apresentaccedilatildeo de livro escrita seja ela para um livro proacuteprio ou para o livrode um colega sempre traz uma carga de anguacutestia e afliccedilatildeo muito grande Saber quesomos referenciais teoacutericos para tantos acadecircmicos e profissionais eacute inquietante poisna verdade natildeo somos algo absoluto sobre o qual se pode debruccedilar de modo infaliacutevelem busca de conhecimento Ao contraacuterio temos presente o princiacutepio da maiecircutica de

Soacutecrates em que a dialeacutetica com o outro em vez de nos transmitir seu saber apenasnos aumenta a consciecircncia de nosso desconhecimento Assim ao mesmo tempo quesomos referecircncia ficamos preocupados pela consciecircncia da falta de conhecimentoque temos diante de noacutes em nossos proacuteprios caminhos e buscas

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XII O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Talvez fossem necessaacuterias a delicadeza e a leveza da muacutesica de Mozart para seentender a doccedilura infantil os acordes da grandeza meloacutedica de Villa-Lobos para seentender a crianccedila em seus arroubos e buscas desvairadas a tristeza humana da muacute-

sica de Beethoven para se entender o coraccedilatildeo infantil que padece de sofrimentos emsua alma ainda tatildeo tenra e delicada a algazarra matinal dos paacutessaros anunciando oamanhecer para podermos tocar seu coraccedilatildeozinho ainda tatildeo fraacutegil e delicado a sua-

vidade de um noturno de Chopin para tocar-lhe a alma com carinho e suavidade oencanto das floradas para percebermos que a essecircncia da vida eacute a alma infantil

Villa-Lobos no acircmbito da muacutesica erudita certamente foi o compositor que maisse dedicou a homenagens infinitas ao universo infantil Debruccedilou-se sobre temasinfantis existentes e criou novas cantigas dando-lhes uma formataccedilatildeo de concertos

eruditos Assim muitos exiacutemios pianistas gravaram o conjunto de suas cirandas ede suas muacutesicas infantis o que resultou em uma variedade de discos disponiacuteveis degrandes inteacuterpretes em que podemos encontrar muacutesicas como A prole do bebecirc Xocirc xocirc Passarinho Fui no Tororoacute A canoa virou etc

Eacute uma liccedilatildeo a mostrar que a preocupaccedilatildeo com aquilo que se oferece agraves crianccedilasprecisa ser exiacutegua pois o que temos agrave nossa frente quando deparamos com o universoinfantil eacute o futuro em desdobramento de luzes e cores em que pese muitas vezes osofrimento presente no semblante pueril E nossa perspectiva na funccedilatildeo de psicote-rapeutas eacute justamente o resgate dessa esperanccedila aviltada pelo sofrimento

Somos crianccedilas que ainda acreditam na ilusatildeo do amor e isso independe de nos-sa idade A alma infantil natildeo titubeia diante dos dissabores que a vida nos apresentaE por maiores que sejam as vicissitudes do caminho a crianccedila que ainda somos pro-cura pelos sonhos diante da desesperanccedila e do desamor Ou seja natildeo podemos nosdistanciar da crianccedila que sempre seremos mesmo que as intempeacuteries do caminhosejam grandes

E mais que tentarmos entendecirc-la temos de nos debruccedilar sobre ela para apreen-dermos os detalhes de requinte da proacutepria vida

Serra da Cantareira em uma manhatilde azul de outono

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CAPIacuteTULO

CAPIacuteTULO 1

A COMPREENSAtildeO

A COMPREENSAtildeOINFANTIL A PARTIRINFANTIL A PARTIRDE FILMESDE FILMES

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

1

O privileacutegio da infacircncia eacute podermos transitar livremente entre a magia

da vida e os mingaus de aveia entre um medo desmesurado e uma

alegria sem limites

INGMAR BERGMAN

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 9: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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AApresentaccedilatildeopresentaccedilatildeoV ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

A essecircncia da vida eacute chorar como adulto

E sorrir como crianccedilahellip

Sabedoria cigana

Este livro traz diversos trabalhos que envolvem crianccedilas e que foram realizados sobo prisma fenomenoloacutegico-existencial Ele mostra o modo como concebemos o uni-

verso infantil e tambeacutem como estamos instrumentalizados para intervir em niacuteveispsicoteraacutepicos quando se faz necessaacuterio Aleacutem disso a obra apresenta uma anaacutelisede caso com diferentes oacuteticas em contraponto com a compreensatildeo fenomenoloacutegico--existencial

Trata-se de um livro que leva um pouco de noacutes mesmos para tantos que buscaminformaccedilotildees e reflexotildees Um pouco daquilo que sonhamos para a psicologia e parauma compreensatildeo mais humana dos pacientes que se encontram diante das vicissi-tudes do caminho e que procuram pela psicoterapia em busca de aliacutevio E antes de

qualquer outro atributo que se queira conferir a esta obra eacute um toque de cariacutecia naalma de seus leitores Cada um deles ainda seraacute acarinhado por nosso orgulho e peloprazer de tecirc-lo como companheiro de jornada Tambeacutem seraacute acarinhado com nossoagradecimento pela generosidade de sua leitura

Cada apresentaccedilatildeo de livro escrita seja ela para um livro proacuteprio ou para o livrode um colega sempre traz uma carga de anguacutestia e afliccedilatildeo muito grande Saber quesomos referenciais teoacutericos para tantos acadecircmicos e profissionais eacute inquietante poisna verdade natildeo somos algo absoluto sobre o qual se pode debruccedilar de modo infaliacutevelem busca de conhecimento Ao contraacuterio temos presente o princiacutepio da maiecircutica de

Soacutecrates em que a dialeacutetica com o outro em vez de nos transmitir seu saber apenasnos aumenta a consciecircncia de nosso desconhecimento Assim ao mesmo tempo quesomos referecircncia ficamos preocupados pela consciecircncia da falta de conhecimentoque temos diante de noacutes em nossos proacuteprios caminhos e buscas

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XII O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Talvez fossem necessaacuterias a delicadeza e a leveza da muacutesica de Mozart para seentender a doccedilura infantil os acordes da grandeza meloacutedica de Villa-Lobos para seentender a crianccedila em seus arroubos e buscas desvairadas a tristeza humana da muacute-

sica de Beethoven para se entender o coraccedilatildeo infantil que padece de sofrimentos emsua alma ainda tatildeo tenra e delicada a algazarra matinal dos paacutessaros anunciando oamanhecer para podermos tocar seu coraccedilatildeozinho ainda tatildeo fraacutegil e delicado a sua-

vidade de um noturno de Chopin para tocar-lhe a alma com carinho e suavidade oencanto das floradas para percebermos que a essecircncia da vida eacute a alma infantil

Villa-Lobos no acircmbito da muacutesica erudita certamente foi o compositor que maisse dedicou a homenagens infinitas ao universo infantil Debruccedilou-se sobre temasinfantis existentes e criou novas cantigas dando-lhes uma formataccedilatildeo de concertos

eruditos Assim muitos exiacutemios pianistas gravaram o conjunto de suas cirandas ede suas muacutesicas infantis o que resultou em uma variedade de discos disponiacuteveis degrandes inteacuterpretes em que podemos encontrar muacutesicas como A prole do bebecirc Xocirc xocirc Passarinho Fui no Tororoacute A canoa virou etc

Eacute uma liccedilatildeo a mostrar que a preocupaccedilatildeo com aquilo que se oferece agraves crianccedilasprecisa ser exiacutegua pois o que temos agrave nossa frente quando deparamos com o universoinfantil eacute o futuro em desdobramento de luzes e cores em que pese muitas vezes osofrimento presente no semblante pueril E nossa perspectiva na funccedilatildeo de psicote-rapeutas eacute justamente o resgate dessa esperanccedila aviltada pelo sofrimento

Somos crianccedilas que ainda acreditam na ilusatildeo do amor e isso independe de nos-sa idade A alma infantil natildeo titubeia diante dos dissabores que a vida nos apresentaE por maiores que sejam as vicissitudes do caminho a crianccedila que ainda somos pro-cura pelos sonhos diante da desesperanccedila e do desamor Ou seja natildeo podemos nosdistanciar da crianccedila que sempre seremos mesmo que as intempeacuteries do caminhosejam grandes

E mais que tentarmos entendecirc-la temos de nos debruccedilar sobre ela para apreen-dermos os detalhes de requinte da proacutepria vida

Serra da Cantareira em uma manhatilde azul de outono

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CAPIacuteTULO

CAPIacuteTULO 1

A COMPREENSAtildeO

A COMPREENSAtildeOINFANTIL A PARTIRINFANTIL A PARTIRDE FILMESDE FILMES

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

1

O privileacutegio da infacircncia eacute podermos transitar livremente entre a magia

da vida e os mingaus de aveia entre um medo desmesurado e uma

alegria sem limites

INGMAR BERGMAN

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 10: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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XII O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Talvez fossem necessaacuterias a delicadeza e a leveza da muacutesica de Mozart para seentender a doccedilura infantil os acordes da grandeza meloacutedica de Villa-Lobos para seentender a crianccedila em seus arroubos e buscas desvairadas a tristeza humana da muacute-

sica de Beethoven para se entender o coraccedilatildeo infantil que padece de sofrimentos emsua alma ainda tatildeo tenra e delicada a algazarra matinal dos paacutessaros anunciando oamanhecer para podermos tocar seu coraccedilatildeozinho ainda tatildeo fraacutegil e delicado a sua-

vidade de um noturno de Chopin para tocar-lhe a alma com carinho e suavidade oencanto das floradas para percebermos que a essecircncia da vida eacute a alma infantil

Villa-Lobos no acircmbito da muacutesica erudita certamente foi o compositor que maisse dedicou a homenagens infinitas ao universo infantil Debruccedilou-se sobre temasinfantis existentes e criou novas cantigas dando-lhes uma formataccedilatildeo de concertos

eruditos Assim muitos exiacutemios pianistas gravaram o conjunto de suas cirandas ede suas muacutesicas infantis o que resultou em uma variedade de discos disponiacuteveis degrandes inteacuterpretes em que podemos encontrar muacutesicas como A prole do bebecirc Xocirc xocirc Passarinho Fui no Tororoacute A canoa virou etc

Eacute uma liccedilatildeo a mostrar que a preocupaccedilatildeo com aquilo que se oferece agraves crianccedilasprecisa ser exiacutegua pois o que temos agrave nossa frente quando deparamos com o universoinfantil eacute o futuro em desdobramento de luzes e cores em que pese muitas vezes osofrimento presente no semblante pueril E nossa perspectiva na funccedilatildeo de psicote-rapeutas eacute justamente o resgate dessa esperanccedila aviltada pelo sofrimento

Somos crianccedilas que ainda acreditam na ilusatildeo do amor e isso independe de nos-sa idade A alma infantil natildeo titubeia diante dos dissabores que a vida nos apresentaE por maiores que sejam as vicissitudes do caminho a crianccedila que ainda somos pro-cura pelos sonhos diante da desesperanccedila e do desamor Ou seja natildeo podemos nosdistanciar da crianccedila que sempre seremos mesmo que as intempeacuteries do caminhosejam grandes

E mais que tentarmos entendecirc-la temos de nos debruccedilar sobre ela para apreen-dermos os detalhes de requinte da proacutepria vida

Serra da Cantareira em uma manhatilde azul de outono

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CAPIacuteTULO

CAPIacuteTULO 1

A COMPREENSAtildeO

A COMPREENSAtildeOINFANTIL A PARTIRINFANTIL A PARTIRDE FILMESDE FILMES

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

1

O privileacutegio da infacircncia eacute podermos transitar livremente entre a magia

da vida e os mingaus de aveia entre um medo desmesurado e uma

alegria sem limites

INGMAR BERGMAN

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

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CAPIacuteTULO

CAPIacuteTULO 1

A COMPREENSAtildeO

A COMPREENSAtildeOINFANTIL A PARTIRINFANTIL A PARTIRDE FILMESDE FILMES

V ALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI

1

O privileacutegio da infacircncia eacute podermos transitar livremente entre a magia

da vida e os mingaus de aveia entre um medo desmesurado e uma

alegria sem limites

INGMAR BERGMAN

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 12: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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httpslidepdfcomreaderfullo-atendimento-infantil-na-otica-fenomenologico-existencial 2020

ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 13: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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11 INTRODUCcedilAtildeO Meu anjinho de luz teu

espiacuterito jaacute estaacute sendo aguardadohellip

ansiosamente esperadohellip

E ao som de Sarasade o meu

vinho brinda tua chegadahellip

o nosso lar estaacute agrave tua esperahellip

o meu coraccedilatildeo palpita em frenesihellipo fogo da lareira iraacute iluminar

tuas brincadeiras que certamente

nos traratildeo muita alegriahellip

E sua presenccedila seraacute mais um quecirc

de harmonia em nossas vidashellip

Que a luz de Sara Kali continue a

iluminar teus caminhos

por toda a eternidade

V ALDEMAR A UGUSTO A NGERAMI

1

Este capiacutetulo tem como objetivo mostrar e refletir determinadas facetas do universoinfantil que muitas vezes satildeo negadas ateacute mesmo no universo teoacuterico e filosoacutefico daseara acadecircmica E isso em que pese estarmos em um livro que aborda justamentea questatildeo da psicoterapia infantil ou seja um espaccedilo destinado a crianccedilas que apre-sentem teor significativo de sofrimento em sua vida a ponto de justificar esse tipo deintervenccedilatildeo psicoteraacutepica

Tudo que envolve crianccedilas nos atinge de maneira uacutenica Um ato de violecircncia

cometido contra uma crianccedila tem seus matizes tingidos de cores insuportaacuteveis Umacrianccedila vitimada por abusos sexuais traz em seu bojo natildeo apenas o sentimento de atotatildeo abjeto mas toda a incredulidade de se ter tal ato como passiacutevel de ocorrecircncia

Igualmente uma crianccedila acometida de cacircncer nos sensibiliza como se a doenccedilafosse mais severa para ela que para um adulto Sentimos e muitas vezes agimos comose um adulto por exemplo pudesse passar por determinadas intempeacuteries que a vidanos apresenta por jaacute ter vivido anos de sua existecircncia e que a crianccedila ao contraacuteriodeveria ser poupada de sofrimento por ainda ter todo o horizonte de possibilidades

para ser vivido Tais asserccedilotildees satildeo falsas pois seguramente qualquer pessoa viacutetimade uma dessas ocorrecircncias com certeza se sentiraacute injusticcedilada por tal portabilidade

1 ANGERAMI Minha filha Clarinha Disponiacutevel em ltwwwpsicoexistencialcombrgt Acessoem 5 maio 2011

3

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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ISBN 13 978-85-221-1096-4

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Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

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4 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

Neste capiacutetulo vamos discorrer sobre o universo infantil a partir da utilizaccedilatildeo defilmes que envolvem temaacuteticas contemporacircneas contundentes que seratildeo analisadasde modo abrangente em uma visatildeo que contemple natildeo apenas os aspectos dos dra-

mas exibidos mas tambeacutem os determinantes de concepccedilatildeo da arte cinematograacuteficapresentes nesses filmes

A crianccedila nos toca a alma de maneira uacutenica e ao nos debruccedilarmos sobre temasque a envolvem a primeira questatildeo que se faz presente eacute precisamos ter um amorinquebrantaacutevel pelas crianccedilas para podermos permitir que aquela que somos seja to-cada por elas

Arrelia foi um dos mais importantes palhaccedilos brasileiros No final da deacutecada de1950 tinha um programa vespertino na TV Record por meio do qual adentrava o lar

de inuacutemeras crianccedilas que vibravam com suas peraltices e traquinagens Em seu livro Arrelia e o circo2 o palhaccedilo cita de maneira singela como as atividades que envolvemcrianccedilas voltam e nos envolvem em uma aura de carinho e afeto simplesmente indes-critiacuteveis Ele diz

A vida de circo tem me dado imensas alegrias como por exemplo

as que resultam do carinho das crianccedilas As de hoje prestigiam meu

trabalho com o mesmo entusiasmo com que me prestigiaram as

crianccedilas de ontem Isso aliaacutes natildeo eacute soacute uma alegria eacute um tesouro

um patrimocircnio de irradiaccedilatildeo simpaacutetica que me faz muito bem3

E na sequecircncia ilustra seus dizeres com um caso decididamente emocionante

Uma menina de nacionalidade argentina veio para Satildeo Paulo trazida

pelo Lions Clube a fim de ser operada pelo dr Zerbini pois sofria de

grave moleacutestia no coraccedilatildeo e na Argentina natildeo foi possiacutevel encontrar

nenhum cirurgiatildeo capaz de operaacute-la Depois de operada veio o tem-

po da recuperaccedilatildeo A menina era tratada com todo o carinho tanto

pelos meacutedicos como pelo pessoal de enfermagem da Beneficecircncia

Portuguesa A garota tinha tudo em seu quarto ateacute aparelho de TV

para natildeo falar dos presentes e da caacutelida atenccedilatildeo que recebia de to-

dos Atraveacutes daquele aparelho de TV a menina conheceu-me e entatildeo

fez ver a todos que queria conhecer-me pessoalmente Como ainda

estava de cama em convalescenccedila e natildeo podia ir ao meu cirquinho

na TV Record o dr Zerbini e os diretores do Lions encontraram outra

soluccedilatildeo convidaram-me para visitar a pequena operada Marquei a

visita para logo apoacutes o espetaacuteculo que seria irradiado no domingo

seguinte na TV Record Terminado o programa um dos diretores do

Lions estava agrave minha espera e em seu carro fomos para o hospitaleu vestido e maquilado como Arrelia Minha chegada provocou um

2 SEYSSEL Arrelia e o circo Satildeo Paulo Melhoramentos 1977 p 863 Ibid

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

8102019 o atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

8102019 o atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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httpslidepdfcomreaderfullo-atendimento-infantil-na-otica-fenomenologico-existencial 2020

ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 15: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

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6 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

O mito da infacircncia feliz eacute algo que nos acomete como se fosse uma siacutendrome de ne-gaccedilatildeo de que a crianccedila tambeacutem sofre tanto em niacuteveis orgacircnicos como emocionaisem decorrecircncia de sua condiccedilatildeo humana a despeito dessa negaccedilatildeo Tantas crianccedilas

enveredam pelos caminhos da absurdidade do suiciacutedio por simplesmente natildeo maissuportarem o fardo de sua vida6 e essa natildeo eacute a uacutenica situaccedilatildeo de desespero e desespe-ranccedila a assolar o universo infantil

Eacute fato indissoluacutevel e indiscutiacutevel nos meios acadecircmicos que se debruccedilam sobreo estudo do universo infantil que uma crianccedila ao ser indicada para a psicoterapiatraz em si toda a desestruturaccedilatildeo de seu universo familiar Assim raramente teremosem psicoterapia uma crianccedila que natildeo seja depositaacuteria dos conflitos familiares e ateacutemesmo das frustraccedilotildees familiares Eacute jogada sobre ela toda uma carga de problemas

de tal maneira que ela acaba se tornando tatildeo somente a paciente identificaacutevel deuma estrutura doentia E se natildeo houver um cuidado bastante preciso e sensiacutevel des-sas situaccedilotildees o psicoterapeuta simplesmente atuaraacute no sentido de tentar inserir essacrianccedila na conceituaccedilatildeo preestabelecida e denominada mito da infacircncia feliz Ou sejaela estaraacute diante de um tratamento que mais que tentar cicatrizar suas chagas de doremocional estaraacute imbuiacutedo de tentar simplesmente resgatar e inseri-la nessa condiccedilatildeode felicidade infantil

Ao aceitarmos que a crianccedila sofre vicissitudes que satildeo inerentes agrave condiccedilatildeo hu-mana estaremos em condiccedilatildeo de ajudaacute-la natildeo nessa inserccedilatildeo de felicidade infantil

mas em vez disso tentando resgatar sua dignidade e condiccedilatildeo de humanidade Chit-man7 mostra aspectos da solidatildeo presente nas crianccedilas e o tanto que isso iraacute detalharos mais diferentes tipos de sofrimentos e ocorrecircncias E certamente poderemos citarSartre8 para quem ldquoa existecircncia humana eacute um hiato de solidatildeo entre o nascimento e a mor-

terdquo Eacute dizer que o espectro da solidatildeo estaraacute presente em nossa vida em todas as fasesdo desenvolvimento humano por mais que se tente negar sua presenccedila no universoinfantil

E natildeo queremos dizer com essas afirmaccedilotildees que os uacutenicos espectros da condiccedilatildeohumana presentes na infacircncia satildeo a solidatildeo e o desespero do suiciacutedio Em vez disso oniacutevel de sofrimento infantil eacute tatildeo extenso quanto as possibilidades de ocorrecircncias hu-manas em todas as suas configuraccedilotildees A somatizaccedilatildeo presente no universo adulto de-corrente de destrambelhos de origem emocional se faz igualmente presente na infacircnciae tambeacutem determina toda a sorte de sofrimento e desespero

A medicina criou a modalidade de pediatria para alcanccedilar uma nova compreen-satildeo para a crianccedila ao perceber que ela sofria determinadas patologias igualmente pre-sentes nos adultos mas que necessitavam de uma nova abordagem uma vez que aindaestavam em um universo simboacutelico e semacircntico em que a ilusatildeo e a esperanccedila tinham

6 Veja o Capiacutetulo 5 ldquoSuiciacutedio infantil o escarro maior do desespero humanordquo totalmentededicado a essa temaacutetica7 CHITMAN 19988 SARTRE O existencialismo eacute um humanismo Lisboa Editorial Presenccedila 1981 p 125

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

8102019 o atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

httpslidepdfcomreaderfullo-atendimento-infantil-na-otica-fenomenologico-existencial 1820

8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Visite a paacutegina deste livro naCengage Learning Brasil econheccedila tambeacutem todo o nossocataacutelogo

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ISBN 13 978-85-221-1096-4

ISBN 10 85-221-1096-4

Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

o atendimento inf antil na oacutetica fenomenoloacutegico-existencial

2ordf EDICcedilAtildeO REVISTA E AMPLIADA

VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI ndash CAMON (org)

ISBN 13 978-85-221-1168-8

ISBN 10 85-221-1168-5

Page 17: o atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial

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A COMPREENSAtildeO INFANTIL A PARTIR DE FILMES 7

espaccedilos prioritaacuterios Assim tambeacutem a psicologia e outras aacutereas da sauacutede precisamse debruccedilar sobre a realidade infantil considerando tratar-se de seres em desenvol-

vimento e que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias No entanto isso deve acontecer

sem negar-lhes o sofrimento por se tratar simplesmente de crianccedilas e dessa formade pessoas que ainda natildeo podem sofrer tal como um adulto O mito da infacircncia feliz eacutebuscado de todas as formas como se dependecircssemos dessa conceituaccedilatildeo para negaressa realidade sem nos aproximarmos assim do sofrimento infantil ndash simplesmentenegando seus constitutivos estruturais

Quando nos aprofundarmos em textos e fragmentos teoacutericos em busca da com-preensatildeo do universo infantil a primeira dificuldade que se nos apresenta eacute a da acei-taccedilatildeo de que a crianccedila igualmente sofre de padecimentos dos mais diversos matizes

Mostram-se tambeacutem os aspectos pungentes do desespero em seu serParticularmente sempre me eacute presente a sensaccedilatildeo de estupefaccedilatildeo diante de meusprimeiros textos sobre suiciacutedio infantil9 Desde a simples negaccedilatildeo do fenocircmeno emsi ateacute situaccedilotildees irasciacuteveis de inconformismo diante do que era exibido Desde entatildeosempre me surpreendo em ver a negaccedilatildeo do sofrimento infantil como se isso fossepertinente tatildeo somente aos adultos Eacute como se tiveacutessemos uma linha divisoacuteria que nosdelimitasse a partir de que ponto de nosso desenvolvimento deixariacuteamos de ter apenasalegria e ilusatildeo passando a sentir as dores inerentes agrave condiccedilatildeo humana

Vamos entatildeo sistematizar alguns pontos dessa reflexatildeo

121 Sobre a pedofilia A negaccedilatildeo ao sofrimento da crianccedila eacute algo que requer um aprofundamento sobre suasraiacutezes E mesmo aqueles casos de pedofilia que seguramente representam uma dascoisas mais abjetas envolvendo a condiccedilatildeo humana mobilizam a maioria das pessoasno sentido de negar seu raio de accedilatildeo e consequentemente manter na impunidadeseus algozes Nesse rol vamos encontrar desde matildees que fingem ignorar o apelo deseus filhos diante do pai ou companheiro que os molesta ateacute superiores da hierarquia

religiosa que se manteacutem omissa e praticamente indiferente diante dos casos de pedofiliaque atingem seus membrosNo seio da Igreja Catoacutelica a questatildeo da pedofilia ganhou matizes sombrios de

gravidade natildeo apenas pela frequecircncia altiacutessima com que acontece como pela maneiracomo os superiores agem para tentar encobrir os atos de seus subalternos Ao alegarque padres pedoacutefilos satildeo julgados pelos cacircnones do catolicismo e que por isso jaacuteestariam recebendo as devidas sanccedilotildees canocircnicas dispensando-se assim o enfren-tamento da justiccedila ciacutevel e criminal a Igreja Catoacutelica nada mais faz que desprezar agravidade de tais atos E diante do estarrecimento da sociedade em relaccedilatildeo a essas

ocorrecircncias nada eacute dito aleacutem de que tais padres jaacute foram transferidos dos locais emque cometeram tais absurdos como se isso fosse o suficiente para o enfrentamento da

9 ANGERAMI ldquoO suiciacutedio infantil na realidade hospitalarrdquo In 2003

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

placcedilatildeo da matildee que diz nada fazer com medo de represaacutelias ou da perda do proacuteprio10 Maacute educaccedilatildeo Pedro Almodoacutevar 2002 Neste trabalho optamos pelo filme Sopro no coraccedilatildeo para abordar a temaacutetica de pedofilia pelos detalhamentos mais aprumados e tambeacutem por en- volver a questatildeo do incesto

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Este livro mostra a compreensatildeo do atendimento infan-til a partir do enfoque fenomenoloacutegico-existencial Eacute aprimeira obra que reuacutene trabalhos envolvendo crianccedilasdentro desse enfoque e seguramente abriraacute caminhospara que novas publicaccedilotildees venham na sequecircncia O tex-

to dedicado exclusivamente ao universo infantil atendea estudiosos e profissionais que haacute muito se identificamcom essa abordagem fenomenoloacutegico-existencial

O atendimento infantil na oacutetica fenomenoloacutegico-exis- tencial representa uma nova compreensatildeo do adoeci-mento e do tratamento psiacutequico da crianccedila

APLICACcedilOtildeES

Destina-se aos cursos de Psicologia Psiquiatria Enfer-magem e Filosofia nas disciplinas teoria e teacutecnica empsicoterapia ludoterapia psicoterapia infantil e adoles-cente aconselhamento psicoloacutegico e teacutecnicas de examepsicodiagnoacutestico Leitura indicada tambeacutem para progra-mas de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Psicologia CliacutenicaPsicossomaacutetica Psicologia da Sauacutede e psicodiagnoacutesticos

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8 O ATENDIMENTO INFANTIL NA OacuteTICA FENOMENOLOacuteGICO-EXISTENCIAL

opiniatildeo puacuteblica Houve inclusive a absurdidade de um cardeal que simplesmente semanifestou contra essas acusaccedilotildees de pedofilia calmamente argumentando em senti-do contraacuterio que tais padres eram mensageiros da palavra de Cristo e que portanto

natildeo poderiam ser execrados dessa forma por um simples fato pecaminoso que tenhamcometido

As consequecircncias desses atos de pedofilia sobre as crianccedilas atingidas satildeo merosdetalhes que natildeo importam aos olhos dos algozes da Igreja A sexualidade compro-metida para toda uma vida a sequela que certamente deixou marcas indefiniacuteveis eo contraponto apresentado de que esse algoz natildeo deve ser sumariamente punidopois se trata de um mensageiro da palavra de Cristo seriam asserccedilotildees cocircmicas senatildeo fossem traacutegicas Ademais tais atos satildeo cometidos contra crianccedilas indefesas que

muitas vezes satildeo levadas para a Igreja por pais que desejam que seus filhos fiquemdistantes dos perigos da rua Livram tais crianccedilas desses perigos e atiram-nas nas gar-ras de religiosos inescrupulosos que ao pensarem apenas em seu prazer desprezamcompletamente as consequecircncias fiacutesicas e emocionais das pequenas viacutetimas Talveza dimensatildeo de tais fatos no seio das igrejas ganhe dimensionamento exarcebado pelofato de estarmos diante de lugares que em princiacutepio serviriam para a formaccedilatildeo reli-giosa e para o aprendizado escolar Almodoacutevar um dos principais diretores de cinemada atualidade em seu filme Maacute educaccedilatildeo10 uma espeacutecie de produccedilatildeo autobiograacuteficacita o que ocorre no interior de um coleacutegio religioso e o asseacutedio sexual sofrido pelas

crianccedilas dessa instituiccedilatildeo Lidar com um tema sempre tatildeo delicado quanto a questatildeode padres pedoacutefilos e a consequecircncia de uma infacircncia vivida no ambiente opressor daeducaccedilatildeo religiosa eacute o mesmo que brincar com um vespeiro uma vez que ateacute por ques-totildees tradicionais as declaraccedilotildees mais calorosas quando o que estaacute em jogo eacute a criacuteticaagrave Igreja e suas realidades dissimuladas satildeo inibidas

Certamente tais ocorrecircncias tambeacutem acontecem no seio de outras religiotildeesmas no caso da Igreja Catoacutelica o problema se torna ainda mais acintoso diante dasexplicaccedilotildees dadas pelos superiores hieraacuterquicos Coleacutegios internos e outras institui-ccedilotildees que abrigam crianccedilas tambeacutem sofrem por tais situaccedilotildees mas certamente quan-

do tais fatos vecircm agrave tona os superiores satildeo severamente punidos de forma exemplar A negaccedilatildeo da pedofilia principalmente a que ocorre em ambientes domeacutesticos

nada mais eacute que a proacutepria negaccedilatildeo de que isso seja passiacutevel de ocorrecircncia com crian-ccedilas indefesas que ainda natildeo possuem paracircmetros de sua sexualidade E tatildeo dantescoquanto a pedofilia em si seguramente eacute a omissatildeo de tantos envolvidos que preser-

vam o agressor negando a monstruosidade de seus atos como se isso de tatildeo absurdoe horrendo natildeo pudesse acontecer jamais com nenhum deles

Temos por exemplo casos em que o marido molesta a enteada sob a contem-

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