(sobre) vivendo do lixo: um estudo das condiÇÕes de trabalho e de vida dos catadores...

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FACULDADE CEARENSE (FaC) AUDENIR TAVARES XAVIER MOREIRA (SOBRE) VIVENDO DO LIXO: UM ESTUDO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO E DE VIDA DOS CATADORES DE LIXO DO BAIRRO PARQUE SÃO JOSÉ FORTALEZA 2013

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FACULDADE CEARENSE (FaC)

AUDENIR TAVARES XAVIER MOREIRA

(SOBRE) VIVENDO DO LIXO: UM ESTUDO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO E

DE VIDA DOS CATADORES DE LIXO DO BAIRRO PARQUE SÃO JOSÉ

FORTALEZA

2013

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AUDENIR TAVARES XAVIER MOREIRA

(SOBRE) VIVENDO DO LIXO: UM ESTUDO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO E

DE VIDA DOS CATADORES DE LIXO DO BAIRRO PARQUE SÃO JOSÉ

Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de

Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará Faculdade

Cearense, como requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharelado em Serviço Social.

Orientadora: Profa. Dra. Mônica Duarte Cavaignac

FORTALEZA – CEARÁ

2013

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AUDENIR TAVARES XAVIER MOREIRA

(SOBRE) VIVENDO DO LIXO: UM ESTUDO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO E

DE VIDA DOS CATADORES DE LIXO DO BAIRRO PARQUE SÃO JOSÉ

Monografia como pré-requisito para obtenção do título de

Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense –

FaC, tendo sido aprovada pela Banca Examinadora composta pelos

professores.

Data da aprovação: ____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Orientadora Professora Dra. Mônica Duarte Cavaignac

__________________________________________________

Professora Ms.Valney Rocha Maciel

___________________________________________________

Professor Ms. Igor Monteiro Silva

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida, pelo milagre que sou, pela saúde, coragem e determinação

que me concedeu para a realização deste prazeroso trabalho.

À minha família, em especial aos meus pais Antônio Pires e Maria Tavares pelo apoio e

crédito, e aos irmãos, com quem compartilhei os meus momentos difíceis e as angústias.

Aos meus professores e professoras pela dedicação ao ensino e pela contribuição que

trouxeram à minha formação acadêmica.

À minha querida professora Valney Rocha e ao professor Igor Monteiro, que aceitaram

prontamente o convite para fazerem parte da Banca Examinadora.

À minha orientadora e professora Dra. Mônica Duarte, pela paciência, por ter me feito

descobrir a beleza que é pesquisar esse tema, por ter acreditado no meu potencial e pelo

crescimento intelectual e pessoal.

A todos que participaram e participam da minha vida e torceram pela conclusão deste

trabalho.

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4

Ao Deus, Criador de todas as coisas e aos meus

pais, razão do meu existir.

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Mas o homem nasce para o trabalho, como as faíscas

das brasas se levantam para voar. (Jó 5.7).

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa é compreender e analisar a realidade das condições de trabalho e de

vida dos catadores e catadores de lixo do Parque São José – bairro da periferia de Fortaleza.

O presente trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, que foi realizada a partir de

entrevistas e observação simples. Os materiais utilizados para a pesquisa foram gravador,

câmera fotográfica, roteiro de entrevista, diário de campo e caneta. A amostra foi feita por

acessibilidade. Os sujeitos entrevistados foram oito catadores de lixo que coletam lixos

recicláveis, exercendo essa atividade em nome da sobrevivência. O crescente volume dos

resíduos sólidos, comumente denominado lixo, destaca-se no contexto atual como

consequência do modelo de acumulação do capital, dentro da sua lógica destrutiva,

incontrolável, expansionista e globalizante. A reestruturação produtiva e a política neoliberal

atendem aos desejos da classe dominante em detrimento das necessidades da classe

trabalhadora. O desemprego estrutural, oriundo do modelo de valorização do sistema

capitalista, desemprega e precariza as condições de vida e de trabalho de um grande número

de trabalhadores e trabalhadoras, que expulsos do mercado formal de trabalho veem-se diante

do trabalho informal, temporário, subcontratado, por tempo parcial, terceirizado. O capital

tem como objetivo geral e fundamental a expansão dos seus lucros. Cada vez mais são

fabricados produtos descartáveis, de curto tempo de vida útil. Estes destroem a natureza e o

meio ambiente.

Palavras-chave: Catadores de lixo. Trabalho. Precarização. Rua.

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ABSTRACT

The objective of this research is to understand and analyze the reality of working conditions

and lives of scavengers and garbage collectors in the Park San Jose - slum neighborhood in

Fortaleza. The present work it is a qualitative research, which was conducted through

interviews and observation simple. The materials used for the research were a tape recorder, a

camera, interview script, field diary and pen. The sample was performed by reachability. The

interviewees were eight garbage collectors who collect recyclable waste, exercising this

activity in the name of survival. The increasing volume of solid waste, commonly called trash,

stands out in the current context as a consequence of the model of capital accumulation within

its destructive logic, uncontrollable, and global expansion. The productive restructuring and

neoliberal policies meet the desires of the ruling class at the expense of the needs of the

working class. Structural unemployment, derived from the valuation model of the capitalist

system, unemployed and precarious conditions of life and work of a large number of workers,

who expelled the formal labor market find themselves on casual labor, temporary,

subcontracted by part-time outsourced. The capital has the general objective and fundamental

expansion of its profits. More and more disposable products are manufactured, short shelf life.

These destroy the nature and the environment.

Keywords: Garbage pickers. Work. Precariousness. Street.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................................

9

2. A LÓGICA DESTRUTIVA DO CAPITAL: DEGRADAÇÃO DA NATUREZA E

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO

PRODUTIVA..........................................................................................................................

13

2.1 O sistema de metabolismo social do capital e sua lógica expansionista, destrutiva,

globalizante e incontrolável...................................................................................................

22

2.2 Desemprego, flexibilização e precarização das relações de trabalho sob a acumulação

flexível ....................................................................................................................................

27

3. OS MATERIAIS RECICLÁVEIS: UM ELO ENTRE O CATADOR E A INDÚSTRIA

DE RECICLAGEM..............................................................................................................

30

3.1 O Depósito de Reciclagem Evaldo: um dos locus da pesquisa e de ligação do catador com

o ciclo reprodutivo do capital.................................................................................................

32

3.2 Os materiais recicláveis como meio de trabalho e de sobrevivência dos catadores.............. 45

3.3 Os catadores de lixo: uma categoria de trabalhadores que tem a rua como local e ambiente

de trabalho...............................................................................................................................

47

3.4 Perfil dos catadores de lixo do bairro Parque São José........................................................... 52

4. A REALIDADE DOS CATADORES DE LIXO................................................................... 53

4.1 O catador e a questão da escolaridade................................................................................... 56

4.2 O catador e as condições de moradia..................................................................................... 58

4.3 O catador e as condições de alimentação e vestuário............................................................. 59

4.4 O catador: suas motivações e condições de trabalho.............................................................. 60

4.5 O catador e a insegurança no trabalho................................................................................... 65

4.6 O catador e a situação de rua................................................................................................. 66

4.7 O catador e a discriminação.................................................................................................. 67

4.8 O catador e a expectativa para o futuro................................................................................. 69

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................... 72

REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 75

ANEXOS.......................................................................................................................................... 78

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1 INTRODUÇÃO

A produção e o consumo exacerbados de materiais descartáveis e o curto tempo

de vida útil dos produtos fabricados pelas indústrias têm gerado problemas ambientais tais

como desmatamento e poluição do ar, das águas, do solo etc. Mas, dentre eles, destaca-se o

grande volume de lixo produzido diariamente. Este tem sido tratado como uma questão de

caráter mundial, que causa preocupação às autoridades governamentais de vários países.

Diante da problemática da produção crescente de lixo, observam-se expressões da

questão social1, oriunda da lógica capitalista, surgindo uma nova categoria de trabalhadores

de rua - os catadores de lixo2 - os quais são chamados de catadores de material reciclável. Este

trabalho, entretanto, utiliza-se da nomenclatura dita anteriormente, catador de lixo. O termo

foi mantido devido a algumas razões, dentre elas, vale a pena ressaltar que é no lixo que os

catadores encontram seu meio de sobrevivência, coletando utensílios domésticos, roupas,

calçados, alimentos estragados ou com prazo de validade vencida. O lixão ou aterro sanitário

é um dos ambientes de trabalho de quem vive em situação de pobreza e de vulnerabilidade

social. É no amontoado de lixo que os catadores trabalham e extraem os materiais que

necessitam para a sua sobrevivência, seja para o próprio consumo, seja para trocá-los por

dinheiro.

A relevância desta pesquisa está em compreender as condições de vida e de

trabalho dos catadores de lixo no Parque São José – bairro da periferia de Fortaleza. A priori,

a pesquisa seria feita na Associação dos Catadores de Lixo do Jangurussu (ASCAJAN), mas,

em virtude da dificuldade de aproximação com o sujeito no perímetro citado, optou-se em

coletar os dados num local de maior acessibilidade, levando em conta que neste novo campo

da pesquisa, as facilidades e possibilidades na aproximação do sujeito seriam bem maiores e

superariam as dificuldades inerentes à pesquisa, devido a inserção da pesquisadora, nesse

mesmo espaço geográfico, pois trata-se do bairro onde reside há trinta anos.

1 De acordo com Marilda V. Iamamoto (2008, p. 156), a gênese da questão social na sociedade burguesa deriva

do caráter coletivo da produção contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho –

das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos.

2 Conforme Mari Aparecida Bortoli (2009, p. 106), no Brasil, a profissão de catador de material reciclável é

reconhecida e foi oficializada em 2002, pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

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O objetivo geral da pesquisa é analisar as condições de vida e de trabalho dos

catadores e catadoras de lixo e identificar as dificuldades enfrentadas por essa categoria de

trabalhadores de rua, no contexto da sociedade capitalista.

Como afirma Costa (2004, p. 40), quem se viu aproximado de gente humilhada

nunca terá impressões gerais, mas uma impressão concreta. O autor relata sua experiência

vivenciada com os garis numa pesquisa etnográfica na cidade de São Paulo, durante dez anos

de sua vida. O trabalho penoso, desgastante e insalubre é visto com maus olhos e quem vive

desse trabalho é tratado com desdém, com desprezo, como ser indigno e menosprezado. Da

mesma forma que o sujeito da pesquisa de Costa (2004) - os garis de São Paulo -, o sujeito

desta pesquisa – o catador de lixo – encontra-se num patamar de discriminação pela sociedade

de consumo.

De acordo com Yazbek: “Assim, trabalho para estes sujeitos não é resultado de

uma escolha, é apenas uma face do direito à sobrevivência, uma forma de ter o que comer, de

abrigar-se, de „levar a vida‟ enfim, buscando uma dignidade.” (2006, p. 98).

A motivação e interesse pela temática abordada originam-se de uma pesquisa

feita em outubro de 2009, na Associação de Catadores do Jangurussu (ASCAJAN) sobre as

condições de trabalho dessa categoria de trabalhadores e trabalhadoras, tratando-se de um

trabalho requisitado pela disciplina de Antropologia Cultural e Social, durante o 2º semestre

do Curso de Serviço Social. Esta pesquisa busca retomar algumas questões fundamentais que

não foram tratadas, anteriormente, mostrando, sobretudo, a importância do trabalho do

catador de lixo para a sociedade, no que se refere à preservação da natureza e do meio

ambiente, compreendendo essa atividade como um novo campo de ocupação laboral, oriundo

do desemprego estrutural no contexto da reestruturação produtiva3.

3 De acordo com Alves (2000, p. 83), é a partir da mundialização do capital que se desenvolve um complexo de

reestruturação produtiva, com impactos estruturais no mundo do trabalho. Ele surge como ofensiva do capital na

produção, tendo em vista que debilita a classe, não apenas no aspecto objetivo, com a constituição de um novo (e

precário) mundo do trabalho, mas principalmente no subjetivo. É por isso que, na perspectiva histórico-

ontológica, o novo complexo de reestruturação produtiva não possui caráter “neutro” na perspectiva da luta de

classes. Ele apenas expressa, na medida em que se desenvolvem as alterações do processo de trabalho, algo que é

intrínseco à lei da acumulação capitalista: a precarização da classe dos trabalhadores assalariados, que atinge não

apenas, no sentido objetivo, a sua condição de emprego e salário mas, no sentido subjetivo, a sua consciência de

classe. É nesse contexto sócio-histórico particular que tendem a se desenvolver, com vigor, estratégias sindicais

neocorporativas, que são expressões da debilitação da solidariedade de classe, intrínsecas à fragmentação das

negociações coletivas, provocadas pela nova ofensiva do capital na produção.

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Um dos locus desta pesquisa é o Depósito de Reciclagem Evaldo, localizado na

Rua Monsenhor Agostinho, 1478 – Parque São José – bairro da periferia de Fortaleza

pertencente à Secretaria Executiva Regional V (SER V). De acordo com o censo do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) 4, o bairro conta com uma população de

10.486 habitantes e 3.026 domicílios particulares ocupados. Este local foi escolhido pela

acessibilidade de aproximação com o sujeito da pesquisa, o catador de lixo. As ruas do bairro

são o outro locus onde foi entrevistada a maioria dos sujeitos.

Dentre as técnicas utilizadas para a coleta de dados destacam-se: entrevista semi-

estruturada, por ser mais adequada para o desenvolvimento de levantamentos sociais. Deste

tipo de entrevista pode-se fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não

estão condicionadas a uma padronização de alternativas. A observação tem sido a outra

técnica. De acordo com Gil (1991, p. 105), embora a observação possa ser caracterizada como

espontânea, informal, não planificada, coloca-se num plano científico, pois vai além da

simples constatação dos fatos. Os recursos materiais utilizados na pesquisa foram câmera

fotográfica, gravador, diário de campo e caneta e roteiro de entrevista.

Um dos objetivos específicos desta pesquisa é ratificar a importância desses

trabalhadores, que, para muitos, são “invisíveis”, mas exercem um trabalho social e de

responsabilidade ambiental, pois por meio deles, há um novo destino dado aos materiais que

foram descartados, jogados ao lixo e poluem o meio ambiente. O presente trabalho pretende

mostrar a relevância dessa categoria de trabalhadores e trabalhadoras de rua que “ganham a

vida” catando lixo para a indústria da reciclagem e estão excluídos de direitos legais e

trabalhistas, atribuídos ao vínculo empregatício, tais como Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço (FGTS), férias remuneradas, licenças a maternidade e paternidade, seguro-

desemprego, auxílio-doença, aposentadoria etc. Tais trabalhadores excluídos do mercado

formal5, incluem-se no mundo da informalidade.

4 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) Censo da População por bairro de Fortaleza.

Disponível em: (http://www.ibge.gov.br). Acesso em: 18/12/12.

5 De acordo com Mattoso (1999, p. 16), a redução do mercado de trabalho formal, isto é, aquele regulamentado

pelas leis trabalhistas e integrado aos mecanismos institucionais que garantem proteção ao trabalhador como

Previdência Social, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o seguro-desemprego, pode ser

observado pelo crescimento dos trabalhadores sem carteira de trabalho assinada.

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As reflexões sobre a taxa crescente do desemprego e aumento da informalidade do

trabalho, na atual conjuntura da reestruturação produtiva e da política neoliberal6, projetam-se

de forma a realizar uma análise sucinta das reais condições de vida e de trabalho dos

catadores de lixo, sendo que se trata de uma pesquisa qualitativa que traça o perfil de oito

catadores de uma amostra de dez catadores de lixo, fornecedores de matéria-prima, ou seja,

que vendem materiais recicláveis ao Depósito de Reciclagem Evaldo. Não foi possível

entrevistar todos os catadores, pois um deles não aceitou ser entrevistado e o outro não esteve

presente nos dias e horários das entrevistas.

Este trabalho divide-se em três capítulos. No primeiro intitulado a lógica

destrutiva do capital: degradação da natureza e precarização do trabalho no contexto da

reestruturação produtiva é elaborado um resgate conjuntural sobre a produção destrutiva do

capital, tendo esta dois desdobramentos: a degradação da natureza e a precarização das

condições de trabalho7 no contexto da reestruturação produtiva. No segundo capítulo, cujo

título é os materiais recicláveis: um elo entre o catador e a indústria da reciclagem é

analisada a atividade do catador no circuito da cadeia produtiva da reciclagem. No terceiro

capítulo que tem como título a realidade dos catadores de lixo vislumbra-se a realidade dos

catadores de materiais recicláveis, sendo feita uma interpretação e análise crítica, a partir das

expressões da questão social, que se entrelaçam no percurso da pesquisa.

Este trabalho procura socializar as informações sobre as condições de vida e de

trabalho dos catadores e catadoras de lixo no perímetro do bairro Parque São José, mostrando

a realidade dessa categoria de trabalhadores e de trabalhadores de rua, que se encontram

destituídos de direitos sociais e trabalhistas, sendo discriminados e estigmatizados pela

sociedade de consumo, buscando dessa forma resgatar a dignidade humana desses sujeitos

que contribuem diretamente para a despoluição do meio ambiente e da natureza.

6 De acordo com Alves (2000, p. 120), a política neoliberal impulsionou, a partir dos anos 1990, a denominada

modernização industrial no Brasil. Por um lado adotou-se uma liberalização comercial abrupta e desregulada, e

constituiu-se uma nova ideia de política industrial, em que não se protege a indústria nacional; mas procura-se

dar condições para que a indústria localizada no país, nacional ou não, possa concorrer no mercado mundial.

7Conforme Mattoso (1999, p. 15), a precarização das condições de trabalho significa o aumento do caráter

precário da condições de trabalho, com a ampliação do trabalho assalariado sem carteira e do trabalho

independente (por conta própria). Esta precarização pode ser identificada pelo aumento do trabalho por tempo

determinado, sem renda fixa, em tempo parcial, enfim, pelo que se costuma chamar de bico. Em geral, a

precarização é identificada com a ausência de contribuição à Previdência Social e, portanto, sem direito à

aposentadoria.

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2 A LÓGICA DESTRUTIVA DO CAPITAL: DEGRADAÇÃO DA NATUREZA E

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO

PRODUTIVA

Este capítulo trata da produção destrutiva do capital e de suas principais

manifestações: a degradação da natureza e a precarização do trabalho, que se aprofundam no

contexto atual de crise e restauração capitalista. A reestruturação produtiva é uma das

respostas e estratégias de enfrentamento da crise que teve início nos anos 1970 do século XX,

após um longo período de acumulação do capital, que ocorreu durante o apogeu do fordismo -

modelo de produção voltado para o consumo em massa e - do keynesianismo – modelo de

regulação social caracterizado por um conjunto de medidas de intervenção estatal de pleno

emprego, com vistas a aumentar a renda e promover maior igualdade social, numa conjuntura

de estagnação do emprego e da produtividade, nos países centrais. Berhring relata: “Segundo

Keynes, cabe ao Estado o papel de restabelecer o equilíbrio econômico, por meio de uma

política fiscal, creditícia e de gastos, realizando investimentos ou inversões reais que atuem

nos períodos de depressão, como estímulo à economia.” (2008, p. 307-308).

Esse período de estratégia fordista-keynesiana, compreendido entre os anos de

1945 a 1970, ficou conhecido nos países centrais como os “anos de ouro” do capital. Houve

nesse momento, uma efetiva melhoria das condições de vida dos trabalhadores com acesso ao

consumo e ao lazer, que não existiam no período anterior, mas que tiveram duração limitada e

começam a se exaurir no final dos anos 1960 (BEHRING; BOSCHETTI, 2009). Após o

período citado anteriormente, o Estado torna-se incapaz de exercer suas funções mediadoras

de intervenção econômica e acontece em todo o mundo, ou seja, nos países centrais e

periféricos, uma grande recessão, denominada crise estrutural do capital. De acordo com

Wanderley (2009, p. 21):

Crise é entendida normalmente como ruptura, fratura, desconfiança, pânico,

pessimismo, sentimento emocional, transição, conflito, tensão etc., e pode atingir

todas as dimensões da sociedade – econômicas, políticas, sociais, culturais,

religiosas. No geral, também se sabe que ela é estrutural ou conjuntural, parcial ou

sistêmica, de curto ou longo prazo. As conjunturais e parciais são permanentes, com

impactos maiores ou menores; as estruturais e sistêmicas abalam os alicerces, os

fundamentos, os valores, as interpretações, e são mais esporádicas.

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A crise do capital que se inicia a partir dos anos 1970 tem caráter estrutural e

significa a ruptura de um padrão de dominação de classe relativamente estável. De acordo

com Harvey (1992), o longo período de expansão do pós-guerra - o qual teve como base um

conjunto de práticas e de controle do trabalho, tecnologias, hábitos de consumo e

configurações específicas do poder político-econômico - interrompe-se, iniciando-se uma

época de rápidas mudanças, fluidez e incertezas. Aparece, então, uma crise econômico-

financeira que se expressa na queda da taxa de lucro e seu núcleo é marcado pelo fracasso de

um padrão de dominação estabelecido. Tal crise expressa um desequilíbrio entre a produção e

o consumo; em outras palavras, são produzidas mais mercadorias do que a população pode

comprar, ocorrendo a superprodução e o subconsumo de mercadorias.

Os processos de valorização do capital não surgiram por acaso, mas são as

consequências de enfrentamento da sua crise. Antunes assinala que a crise estrutural do

capital tem como traços mais evidentes:

Queda da taxa de lucro, dada, dentre outros elementos causais, pelo aumento do

preço da força de trabalho, conquistado durante o período pós-45 e pela

intensificação das lutas sociais dos anos 60, que objetivaram o controle social da

produção. A conjugação desses elementos levou a uma redução dos níveis de

produtividade do capital, acentuando a tendência decrescente da taxa de lucro; o

esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção (que em

verdade era a expressão mais fenomênica da crise estrutural do capital), dado pela

incapacidade de responder à retração do consumo que se acentuava (...). Hipertrofia

da esfera financeira; (...) a crise do Welfare State ou do Estado de bem-estar social e

dos seus mecanismos de funcionamento; (...) incremento acentuado das

privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e à flexibilização do

processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho, entre tantos outros

elementos contingentes que exprimiam esse novo quadro crítico. (1999, p. 29).

O modelo fordista é marcado pela intervenção do Estado, que assume o papel de

mediador de uma espécie de compromisso ou pacto social entre capital e trabalho. O Estado

moderno, para Mészáros (2002), surge como um complemento às estruturas econômicas do

modelo de acumulação, como uma “estrutura totalizadora de comando político do capital”,

que tem como função primordial assegurar e proteger numa base permanente as suas

realizações produtivas. Subtende-se, portanto, um aparato estatal à acumulação em detrimento

da classe trabalhadora, que vive e sobrevive de forma assalariada e em condições precárias de

vida e de trabalho.

Como formas de enfrentamento à sua própria crise estrutural, o capital desenvolve

mecanismos de superação do baixo consumo, de modo a repor e alargar o seu movimento

incessante de dominação e expansão. Como consequências diretas da reestruturação produtiva

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- pautada na reorganização da produção, tendo em vista elevar a produtividade e lucratividade

e reduzir os custos -, surge o modelo japonês, como forma de maximizar a lucratividade do

capital e suplantar o antigo modelo taylorista e fordista, de produção padronizada e rotinizada,

para as novas formas de acumulação flexibilizada. Antunes discorre sobre algumas

características deste novo modelo de acumulação:

Comecemos enumerando algumas das mudanças e transformações ocorridas nos

anos 80. Em uma década de grande salto tecnológico, a automação, a robótica e a

microeletrônica invadiram o universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas

relações de trabalho e de produção do capital. Vive-se, no mundo da produção, um

conjunto de experimentos, mais ou menos intensos, mais ou menos consolidados,

mais presentes, mais ou menos tendenciais mais ou menos embrionários. (2007, p.

23).

São mostrados aqui, neste trabalho, os novos parâmetros de dominação e

acumulação do capital, a partir da crise do modelo de produção baseado no binômio

taylorismo/fordismo. Este padrão produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e

fragmentado, na decomposição das tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto

repetitivo de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo. Antunes descreve o

ciclo produtivo no fordismo-taylorismo:

Uma linha rígida de produção articulava os diferentes trabalhos, tecendo vínculos

entre as ações individuais das quais a esteira fazia as interligações, dando o ritmo e o

tempo necessários para a realização das tarefas. Esse processo produtivo

caracterizou-se, portanto, pela mescla da produção em série fordista com o

cronômetro taylorista, além da vigência de uma separação nítida entre elaboração e

execução. Para o capital, tratava-se de apropriar-se do savoirfaire do trabalho,

“suprimindo” a dimensão intelectual do trabalho operário, que era transferida para as

esferas da gerência científica. A atividade do trabalho reduzia-se a uma ação

mecânica e repetitiva. (1999, p. 37).

Como estratégia para superação da crise, o capital cria mecanismos para estimular

o consumo de produtos. E um dos métodos mais importantes do novo modelo de acumulação

capitalista, denominado acumulação flexível, é a tendência cada vez maior da lógica

destrutiva do capital, que subsume o valor de uso ao valor de troca da mercadoria,

fomentando, em larga escala, a destruição produtiva, por meio da redução do tempo de vida

útil dos produtos, agilizando, desse modo, o seu ciclo reprodutivo. Como exemplo de

destruição produtiva destaca-se a produção cada vez maior de materiais descartáveis que

degradam a natureza e o meio ambiente, de forma acelerada, pois se trata de materiais de

elevada rotatividade.

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A implantação de novas tecnologias poupadoras de mão de obra, que substituem

em grande parte o trabalho vivo pelo trabalho morto, reflete diretamente sobre a classe

trabalhadora, aumentando o desemprego estrutural e criando uma “superpopulação relativa”

ou “população supérflua” 8. O investimento do capital no uso crescente do incremento

tecnológico proporciona novas formas de intensificação e exploração da força de trabalho.

O novo modelo de acumulação flexível se baseia numa recombinação particular

de utilização de estratégias de mais-valia absoluta e relativa. De acordo com Harvey (1992), a

estratégia de mais-valia absoluta tem sido posta em prática através da imposição de mais

horas de trabalho, aliada à redução dos salários reais e ao consequente rebaixamento do

padrão de vida, por meio da transferência do capital corporativo de regiões de altos salários

para outras de baixos salários, criando-se o “fordismo periférico”. Nesse caso os países

desenvolvidos na busca de maiores lucros e oportunidades contratam mão de obra barata nos

países em desenvolvimento e subdesenvolvidos.

No intuito de aumentar a mais-valia relativa, vêm sendo implementadas profundas

mudanças de ordem organizacional e tecnológica para a redução do trabalho necessário e

aumento do trabalho excedente. Há, portanto, no novo modelo de acumulação, sobrecarga de

trabalho e maior controle do trabalhador, oriundos das novas formas de gestão e de produção

pautadas no avanço tecnológico.

A adoção de mudanças organizacionais, no contexto da reestruturação produtiva,

resulta em redução de postos de trabalho e enxugamento de unidades produtivas. Antunes

(1999, p. 53) utiliza o termo “empresa enxuta” para mostrar novas tendências de terceirização,

subcontratação e transferência, em que empresas são contratadas para a montagem de um

mesmo produto.

Mészáros (apud ANTUNES, 1999, p. 22) afirma que o pilar fundamental do

sistema metabólico do capital é o trabalho assalariado, isto é, um trabalho alienado em que o

trabalhador não se reconhece no produto de sua própria atividade, um trabalho fragmentado e

8 De acordo com Marx (apud Gimenez, 2003, p. 35), é a acumulação capitalista que produz constantemente uma

população supérflua ou subsidiária, pelo menos no que se refere ao seu aproveitamento direto no processo de

acumulação do capital. A população supérflua ou, nas palavras de Marx, a existência dessa “superpopulação

relativa” é explicitada em matizes variadas. Na figura dos desocupados parciais, daqueles inteiramente

desocupados, o chamado “sobretrabalho líquido” , ambos próximos aos centros capitalistas modernos; pelo

“sobretrabalho latente” , materializado na massa de trabalhadores que ainda não estão incorporados à lógica de

exploração capitalista, mas estão prontos a servi-la e a serem incorporados; ou ainda no pauperismo, o mais

profundo sedimento da superpopulação relativa, os “estagnados” (vagabundos, delinquentes...), alguns que

podem estar aptos ao trabalho, porém longe da intenção de serem aproveitados, e ainda, outros, maltrapilhos e

inaptos.

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individualizado que dissocia o trabalhador dos meios de produção. Nesse caso, o trabalho, ao

invés de realizar o homem, escraviza-o; ao invés de humanizá-lo, desumaniza-o. Dessa forma,

o trabalho satisfaz e valoriza o próprio capital em detrimento da “classe-que-vive-do-

trabalho”9, como diz Antunes (2007).

O fundamento do trabalho alienado encontra-se na radical separação dos

produtores diretos em relação às condições objetivas de produção. A partir desse momento, os

trabalhadores se encontram numa situação de subordinação em relação àqueles que detêm o

controle de tais condições, ou seja, os proprietários dos meios de produção. No contexto de

subordinação e subsunção do trabalho ao capital é que se constitui o processo capitalista de

produção; mas o capital, nos momentos de crise, depara-se com um hiato entre a produção e o

consumo, sendo que este expressa um desequilíbrio, comprometendo assim o tripé de sua

autorrealização: produção/circulação/consumo. De acordo com Antunes:

O quadro crítico, a partir dos anos 70, expresso de modo contingente como crise do

padrão de acumulação taylorista/fordista, já era expressão de uma crise estrutural do

capital que se estendeu até os dias atuais e fez com que, entre tantas outras

consequências, o capital implementasse um vastíssimo processo de reestruturação,

visando recuperar do seu ciclo reprodutivo e, ao mesmo tempo, repor seu projeto de

dominação societal. (1999, p. 47).

O sistema capitalista, com o intuito de enfrentar e dar respostas à sua crise tem

como tendência a substituição crescente do padrão taylorista/fordista10

, avançando num novo

modelo de acumulação, de cariz flexível11

. É no cenário de transformações e de ruptura com a

9 Ricardo Antunes (2007, p. 49) lança mão de uma noção ampliada de classe trabalhadora. Procura, com isso,

apresentar a nova forma de ser da classe- que- vive- do- trabalho. O autor deixa claro que não se trata, contudo,

de uma nova expressão conceitual, mas de uma ampliação no foco de análise, com vistas a dar conta da

diversificação e complexificação do proletariado hoje. Para o autor, a classe trabalhadora hoje não é idêntica

àquela existente em meados do século passado; ela também não está em vias de desaparição, nem

ontologicamente perdeu seu sentido estruturante. A classe trabalhadora hoje compreende a totalidade dos

assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho – a classe-que-vive-do-trabalho –

e que estão despossuídos dos meios de produção. Nesta classe não estão inseridos só os trabalhadores formais,

mas uma subproletarização intensificada, presente no trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado,

terceirizado.

10

A acumulação taylorista/fordista vigorou na grande indústria ao logo praticamente de todo século XX,

sobretudo a partir da segunda década, e de acordo com Antunes (1999, p. 36), baseava-se na produção em massa

de mercadorias, que se estruturava a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente verticalizada.

Esse padrão produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado. A atividade de trabalho

reduzia-se a uma ação mecânica e repetitiva.

11

De acordo com Antunes (2007, p. 25), em sua síntese sobre acumulação flexível, essa fase da produção é

marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de

trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Há o surgimento de setores de produção

inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas

altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.

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rigidez do fordismo, que nasce a ideia de que as empresas precisam mudar seus métodos e

técnicas de organização do processo de trabalho. Com a experiência do toyotismo, no Japão,

assiste-se ao nascimento de uma clara e crescente tendência mundial de imitação das técnicas

japonesas de gestão e de produção.

O trabalho segmentado, individualizado, parcelado deixa de ser hegemônico e

passa a ser substituído pelo novo modelo de trabalho, pautado numa visão horizontal e

globalizada, em que o trabalhador exerce várias funções e passa a ser chamado de trabalhador

polivalente ou multifuncional. O modelo fordista/taylorista deixa de ser predominante no

mundo do trabalho e dá lugar ao novo modelo de acumulação flexível. Este suplanta o modelo

anterior de rigidez fordista, mas não erradica totalmente os seus paradigmas. As empresas

buscam trabalhadores e trabalhadoras flexíveis que possam trabalhar em equipe, ajam como

se fossem um time e que estejam aptos a enfrentar mudanças. O autor Alves (2000, p. 29)

relata:

Foi nos anos 80 que o toyotismo conseguiu alcançar um poder ideológico e

estruturante considerável, passando a representar o momento predominante do

complexo da reestruturação produtiva da era da mundialização do capital. Assumiu,

a partir daí, a posição de objetivação universal da categoria flexibilidade, tornando-

se valor universal para o capital em processo.

A década de 1980 define-se como o marco das mudanças e profundas

transformações no mundo do trabalho. Houve um grande salto tecnológico; a robótica e a

microeletrônica invadiram o universo fabril, desenvolvendo novas relações de trabalho e de

produção. De acordo com Antunes (2007, p. 24), novos processos de trabalho apresentam-se,

em que o cronômetro e a produção em série e de massa acabam sendo “substituídos” pela

flexibilização da produção, pela “especialização flexível”, por novos padrões de busca de

produtividade, por novas formas de adequação à lógica do mercado.

Trata-se, portanto, do surgimento de padrões, métodos e procedimentos de gestão

da força de trabalho e de produção, dos quais se destacam os Círculos de Controle de

Qualidade (CCQs), a “gestão participativa”, kanban12

, just in time13

. A partir do toyotismo ou

12

De acordo com Antunes (1999, p. 34), o kanban, - que em japonês significa “cartão visual” e funciona como

placas ou senhas de comando que são utilizadas para a reposição das peças, é fundamental, à medida que se

inverte o processo: é do final, após a venda, que se inicia a reposição de estoques, e o kanban é a senha

utilizada que alude à necessidade de reposição das peças/produtos. Daí o fato de, em sua origem, o kanban estar

associado ao modelo de funcionamento dos supermercados, que repõem os produtos, nas prateleiras, depois da

venda.

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modelo japonês cria-se um novo paradigma de acumulação do capital, não mais dentro de um

modelo fordista pautado na rigidez, em que o trabalhador se restringia ao seu âmbito imediato

de trabalho e não conhecia todo o processo da produção.

Com a crise do padrão fordista, que vigorou até os anos 1970, iniciam-se novas

formas desenvolvidas ou processos de trabalho que são visíveis não só no mundo japonês,

mas em vários países capitalistas. As transformações ocorridas a partir do toyotismo,

trouxeram flexibilização e precarização ao mundo do trabalho, desregulamentando o que já

fora conquistado pela classe trabalhadora. “Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores

são substituídos e eliminados do mundo da produção.” (ANTUNES, 2007, p. 24).

Além das mudanças no mundo do trabalho, a classe trabalhadora depara-se com

medidas de ajuste econômico e retração das políticas públicas de proteção social, que surgem

no país a partir do neoliberalismo. De acordo com Mota (2009, p. 8), este modelo de

regulação social tem seu marco no Brasil com a integração do País à ordem econômica

mundial, nos anos 1990, nos governos de Fernando Collor de Melo e de Fernando Henrique

Cardoso.

Há, no contexto do neoliberalismo, um fortalecimento da lógica destrutiva do

capital, que neutraliza os avanços da classe trabalhadora no terreno da seguridade social e dos

direitos, legalizados na Constituição de 1988, a partir das lutas dos trabalhadores e dos

movimentos sociais. No entanto, mal o País tinha dado os primeiros passos em relação às

políticas sociais universalistas, inicia-se, nos anos 1990, o desmonte e a inviabilização dessas

políticas.

De acordo com Behring (2008, p. 20), esse processo, comumente denominado de

“reforma” do Estado, configura-se como uma verdadeira contrarreforma, tendo em vista que

possui um conteúdo conservador e regressivo em relação aos direitos conquistados na

chamada Constituição Cidadã. A contrarreforma do Estado com a política neoliberal, atrelada

à reestruturação produtiva, inaugura no mundo do trabalho novas formas de flexibilização das

relações de trabalho e novas expressões da desregulamentação dos processos e legislações

trabalhistas inerentes aos novos contratos postos pelo capital, dentro dos ditames de adesão à

ordem capitalista mundial. Behring e Boschetti afirmam:

13

Conforme Antunes (1999, p. 34), just in time - significa que, no momento ou tempo certo, oportuno, é feita a

reposição do produto ou mercadoria de acordo com a necessidade e sem geração de estoque, é a busca incessante

do capital por maiores lucros e menores custos.

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Contudo, com o neoliberalismo e a mundialização, colocam-se alguns

constrangimentos para o controle democrático e a tomada de decisões substantivas,

já que os Estados-nação têm, ao mesmo tempo, sua autonomia limitada e sua

soberania afetada por alguns processos que representam desafios para a democracia.

O maior exemplo, como se viu, é o corte de gastos sociais em função da imposição

do superávit primário pelos acordos com o FMI. Mas existem inúmeros outros. A

democracia não poderia ficar imune em tempos de barbárie. (2009, p. 180).

A política neoliberal, de acordo com Mota (2008, p. 8), subordina os países da

periferia aos países centrais de maior poder econômico, e atinge diretamente a classe

trabalhadora pelos processos de privatização e cortes nos gastos públicos, inicialmente através

da venda de empresas produtivas estatais, seguindo-se uma ampla ofensiva mercantil na área

dos serviços sociais e de infraestrutura, tais como os de saúde, previdência, educação,

saneamento, cultura, habitação etc., sob a égide da liberdade de mercado e retração da

intervenção do Estado.

O mundo do trabalho defrontava-se com formas de enfrentamento do capital à sua

crise: na esfera da produção, observa-se a reestruturação produtiva; na esfera política e

econômica assiste-se a perdas e prejuízos para a classe trabalhadora, vinculados ao projeto

neoliberal. Entre as transformações no mundo do trabalho, estão o desemprego estrutural e as

novas formas de trabalho precarizado, subcontratado, temporário, parcial, terceirizado e

informal. Mattoso relata que:

O Brasil nunca conviveu com um desemprego tão elevado. Tampouco com um grau

crescente de deterioração das condições de trabalho, com o crescimento vertiginoso

do trabalho temporário, por tempo determinado, sem renda fixa, em tempo parcial,

enfim, os milhares de bicos que se espalharam pelo país. (1999, p. 9).

No universo do trabalho precário, destacam-se os sujeitos desta pesquisa, os

catadores de lixo, excluídos do mercado formal de trabalho e sem a proteção social do Estado,

portanto, desprovidos de direitos trabalhistas e sociais, sendo parte da população supérflua,

descartada pelo capital, vivendo da coleta de materiais descartáveis e recicláveis, resultado da

lógica destrutiva do capital, que tem degradado o meio ambiente e precarizado cada vez o

trabalho do catador. Este exerce sua atividade laboral em péssimas condições, que

comprometem a sua saúde, correndo riscos de adquirirem doenças, devido ao contato com os

dejetos humanos e produtos contaminados com todo tipo de sujeira, que foram descartados

pela sociedade de consumo.

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O planeta Terra sob o domínio do capital está fadado a conviver com

desequilíbrios ambientais constantes, devido ao uso predatório dos recursos produtivos e a

contínua destruição dos ecossistemas preservadores do equilíbrio ecológico.

Dentre os problemas mais danosos à vida humana e ao meio ambiente, podem-se

citar: a poluição do ar, da água e do solo, o desmatamento, a queima exagerada de

combustíveis fósseis, o uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura, a extração

desenfreada de insumos e matérias-primas da natureza para a superprodução de materiais de

curto tempo de vida útil, os descartáveis, produção incomensurável do capital. A destruição

produtiva é a ação devastadora do capital em seu processo de acumulação e em detrimento da

vida humana, das relações e condições de trabalho e de todo ecossistema natural.

No interior desta relação predatória do homem com a natureza procura-se destacar

como a moderna empresa capitalista apropria-se das contradições geradas pela produção

destrutiva, transformando os bens duráveis em supérfluos e efêmeros, e criando, por

intermédio dessa lógica expansionista de acumulação, novas formas de valorização do capital.

Sara Granemann esclarece:

Claro está que os processos de manipulação da natureza, em especial no modo de

produção capitalista, não carregam a preocupação de preservar a vida já que a

crescente conversão de todas as esferas da sociabilidade humana em processos

apropriados pelo capital e tornadas mercadejáveis propiciaram incessantes produção

e consumo de mercadorias que têm ameaçado de destruição o planeta. (2009, p. 4).

A produção destrutiva aparece com o seu princípio de insustentabilidade

ambiental, impondo ameaças à continuidade da vida na terra, pois pelo trabalho humano a

natureza é constrangida a abastecer a sociedade de consumo e é obrigada a dar novas

respostas às necessidades humanas em prol da lucratividade do capital. A natureza é

devastada e dizimada para a fabricação de novos produtos “necessários” à expansão

capitalista. É a produção desenfreada e incontrolável de produtos que, por um lado, destrói

planeta em escala globalizada - tendo como exemplo a devastação das florestas, a destruição

da camada de ozônio, dentre outros agravos ambientais -; e, por outro lado, transforma

trabalhadores em refugo humano, sendo estes catadores transformados em lixo como as

mercadorias descartáveis que catam diariamente. (Bauman, 2005).

Os catadores de lixo não participam do processo de produção de mercadorias, mas

como parte da população supérflua, trabalham na coleta de mercadorias, tornadas descartáveis

pela produção destrutiva e pela destruição produtiva. Fazem parte da “classe-que-vive-do-

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trabalho”, que é complexa, heterogênea e fragmentada14

(Antunes, 2007) em seu núcleo mais

precário, não associado a direitos, marcado pela instabilidade e pela insegurança.

2.1 O sistema de metabolismo social do capital e sua lógica expansionista, destrutiva,

globalizante e incontrolável

De acordo com Antunes (1999, p. 25), o sistema de metabolismo social do capital

configura-se como um sistema, em última instância, ontologicamente incontrolável. O capital

é um sistema que não tem limites para a sua expansão; sua finalidade essencial e primordial é

expandir a destruição produtiva, por meio da fabricação de produtos descartáveis, de curta

duração. A lógica destrutiva e expansionista do capital é algo que não se pode deter, é algo

devastador e imperioso. Desde seu microcosmo até sua conformação mais totalizante, o

capital é poderoso e abrangente. O que interessa a este sistema de acumulação é a sua

lucratividade, seja ela obtida por intermédio da produção da mais-valia por meio da

exploração da classe trabalhadora, seja por outros processos e mecanismos de valorização, a

exemplo da acumulação financeira.

Não interessa ao sistema de metabolismo do capital se cada vez mais produtos são

descartados e jogados no meio ambiente. O capital produz bens para a sua autorreprodução,

pois a sua finalidade precípua é o lucro. O fim do sistema metabólico do capital está em si

mesmo, isto é, na sua autorrealização. Mészáros (2002, p. 55) define o sistema

sociometabólico do capital como poderoso e abrangente. Trata-se de um sistema incontrolável

que não mede esforços para a sua expansão, por isso tornou-se globalizante e sem limites.

O modelo de acumulação do capital tem uma lógica expansionista, destrutiva,

globalizante e incontrolável. De acordo com Antunes (1999, p. 27), ele vem assumindo cada

vez mais uma estruturação crítica profunda, que sobrepõe tudo e todos à expansão

incondicional dos seus negócios e do seu mercado, mesmo que para isso tenha que destruir a

natureza e precarizar as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores.

Mészáros descreve o processo de reprodução e de expansão do capital:

14

De acordo com Antunes (2007, p. 62), estes elementos que apresentamos nos permitem indicar que não há

uma tendência generalizante e uníssona, quando se pensa no mundo do trabalho. Há isto sim, como procuramos

indicar, uma processualidade contraditória e multiforme. Complexificou-se, fragmentou-se e heterogeneizou-se

ainda mais a classe-que-vive-trabalho. Pode-se constatar, portanto, de um lado, um efetivo processo de

intelctualização do trabalho manual. De outro, e em sentido radicalmente inverso, uma desqualificação e mesmo

subproletarização intensificada, presentes no trabalho precário, informal, temporário, parcial, subcontratado etc.

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Nesse processo de expansão e concentração, o poder de controle conferido ao capital

vem sendo de fato transferido novamente ao corpo social como um todo, mesmo que

de uma forma necessariamente irracional, graças à irracionalidade inerente ao

próprio capital. (2009, p. 55).

O sistema capitalista busca a sua expansão de todas as formas, mesmo que estas

sejam irracionais, prejudiciais e promotoras da destruição dos recursos naturais renováveis e

não renováveis. Sabe-se que os recursos da natureza, usados irracionalmente, tendem a

desaparecer. De acordo com Mészáros (2002, p. 34), trata-se da destruição em nome do lucro.

Assiste-se a uma apologia à produção e ao consumismo exacerbado e indiscriminado de

mercadorias, à banalização da vida humana e do meio ambiente em escala globalizada em

benefício da valorização do capital. Antunes (1999, p. 52) dá o exemplo da tendência à

redução do valor de uso das mercadorias. Estas já não são produzidas para terem durabilidade,

mas para serem descartáveis, com a agilização necessária do ciclo reprodutivo do capital.

A redução do tempo de vida útil das mercadorias é uma forma de expansão do

capital. É o que Antunes (1999, p. 50) intitula de falácia da “qualidade total” sob a vigência

da taxa de utilização decrescente do valor de uso das mercadorias. Trata-se de um verdadeiro

paradoxo, pois “a qualidade total” não traz em seu bojo bens duráveis, mas sim algo fabricado

para durar pouco, como forma de alavancar a produção destrutiva.

Há uma necessidade imperiosa de reduzir o tempo de vida útil dos produtos em

prol da valorização do próprio capital. Dessa forma, a tendência de supervalorização das

mercadorias adequa-se ao sistema capitalista de metabolismo socioeconômico. A “qualidade

total”, de acordo com Antunes (1999, p. 51), tornou-se inteiramente compatível com a lógica

da destruição produtiva do capital e não pode se contrapor à taxa de utilização decrescente do

valor de uso das mercadorias. Os produtos pautados nessa ideologia tornam-se supérfluos,

obsoletos e descartáveis e são rapidamente substituídos por novos modelos.

O sistema de metabolismo social do capital tem uma tendência depreciativa do

valor de uso das mercadorias, logo a lógica destrutiva do capital promove a depreciação moral

e material dos bens, que outrora, no modelo de acumulação fordista/taylorista, eram tidos

como duráveis. Antunes (1999, p. 51) dá o exemplo do sistema de softwares, que rapidamente

torna-se obsoleto e desatualizado, levando o consumidor à sua substituição, pois os novos

sistemas não são compatíveis com os anteriores. Este exemplo encaixa-se muito bem na

tendência descrente do valor de uso das mercadorias.

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O curto tempo do valor de uso dos produtos é uma tendência que se acentua na

sociedade capitalista, nas quais a descartabilidade das mercadorias é cada vez mais prematura

ou precoce. O descarte, independentemente da qualidade da mercadoria, é induzido

rapidamente, para que novos produtos sejam comprados, o que leva os produtos para o lixo

muito antes de esgotado o seu tempo de vida útil. Hoje, costuma-se dizer que o consumidor

está mais exigente, mas o que está por trás e o que move o consumismo exacerbado é a ânsia,

aceleração e versatibilidade produtiva e destrutiva do capital por lucros cada vez maiores.

Nesse sistema tudo é transformado em mercadoria e somente é considerada cidadã

a pessoa que dá lucros ao capital. Nesta sociedade, o valor de uso é subordinado ao valor de

troca e o ter desvaloriza o ser. Ressalta-se aqui o sujeito desta pesquisa, o catador de lixo, que

não faz parte da classe que mais consome, mas está inserido na categoria de trabalhadores que

sobrevivem da venda dos resíduos sólidos recicláveis lançados ao lixo pelo cidadão-

consumidor. De acordo com Mota (2009, p. 62):

O mesmo processo que determina a expulsão de trabalhadores da produção intensiva

de mercadorias também ocasiona a inserção precarizada dessa força de trabalho,

cujos sujeitos são conceituados de trabalhadores informais, temporais ou por conta

própria. Aqui, os exemplos mais emblemáticos são o da produção de mercadorias à

base da reciclagem de materiais, cujos vendedores de matéria-prima, os

denominados “catadores de lixo”, integram a cadeia produtiva da reciclagem; os

trabalhadores e pequenos produtores rurais que fornecem matéria-prima para a

produção do biodiesel e as mulheres que costuram por facção para a indústria de

confecção, cujo trabalho é pago por peça.

O objetivo do capital é a extração e obtenção de lucros. Eis algumas de suas

estratégias: a rápida obsolescência de objetos e produtos gerados dentro do processo e do

ciclo de sua lógica destrutiva e a máxima redução de custos com a força de trabalho, com

investimentos em tecnologia, que substitui em grande parte o trabalho vivo pelo trabalho

morto. Neste contexto, mais produtos são fabricados e consumidos e mais trabalhadores

ingressam nas fileiras dos desempregados. E todos esses materiais e produtos que estão em

desuso passam a fazer parte de outra realidade, da outra face da moeda do sistema de

metabolismo social do capital, que é o lixo. Bauman fala sobre o cenário mundial da

destruição produtiva:

Mas agora o planeta está cheio. Isso significa, entre outras coisas, que típicos

processos modernos, como a construção da ordem e o progresso econômico,

ocorrem por toda a parte, e assim por toda parte o “„refugo humano” é produzido e

germinado em quantidades sempre crescentes – agora, porém, na ausência de

depósitos “naturais” adequados para sua armazenagem e potencial reciclagem.

(2005, p. 88).

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Destaca-se outra consequência trazida pela lógica de lucratividade do capital: a

geração do “refugo humano”. Trata-se do “lixo humano”, expressão usada dentro desse

cenário para designar seres humanos, que assim como as mercadorias, são descartados e não

se encontram em nenhuma relação estável de trabalho, inserindo-se no mercado informal, no

universo do trabalho precário ou na criminalidade, cujo, atores acabam indo parar nas prisões,

verdadeiros depósitos de “lixo humano” (Bauman, 2005, p. 88), ou seja, que excede a

capacidade dos dispositivos de reciclagem, que o modo de vida moderno não poderia deixar

de produzir numa escala cada vez maior. Trata-se de pessoas “refugadas”, trabalhadores e

trabalhadoras desempregados que não encontram mais depósitos “naturais”, no caso, trabalho

formal. A destinação ao “lixo”, de acordo Bauman (2005) torna-se o futuro potencial de todo

o mundo.

As mudanças no mundo do trabalho acarretam um alto índice de desemprego

estrutural na sociedade de consumo, que “permite o surgimento de uma atividade ocupacional

típica dos países pobres que é a dos catadores e catadoras de materiais recicláveis.” (MOTA;

VALENÇA; SILVA, 2004, p. 72), dentre tantos outros trabalhos informais e precários.

Percebe-se que a sociedade de consumidores se sobrepõe à sociedade de produtores, ou seja,

quem não consegue ser consumista torna-se “refugo humano” e o que é consumido

transforma-se em lixo, dejeto ou sujeira. Nessa premissa capitalista de exaltação do consumo,

aparece o catador de lixo, que se encontra ancorado no trabalho informal e sobrevive da

reciclagem de lixo, de tudo aquilo que tem sido literalmente descartado pela soberania do

capital.

A sociedade moderna e globalizante vive a cultura do consumo e da produção de

lixo. As pessoas tornam-se escravas de cartões de crédito, da beleza e da estética, e tudo isso

faz parte do arcabouço ideológico do modelo de acumulação flexível. É um paradoxo, a

sociedade de consumo é a mesma sociedade da instabilidade do trabalho, da informalidade, da

subcontratação, da terceirização, do trabalho temporário e por facção, do desemprego e da

precarização do trabalho. O termo “refugo humano” traduz a banalização da vida humana em

defesa dos interesses do capital.

De acordo com Bauman (2008, p. 90), a sociedade de consumidores não tem lugar

para os consumidores falhos, incompletos, imperfeitos. A satisfação do capital acontece

quando consegue transformar as suas mercadorias em dinheiro ou lucros por meio da venda

de todos os seus produtos e, para que isso aconteça, o cidadão deve ser estimulado a consumir

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cada vez mais, promovendo-se “vantagens” e várias formas de pagamento. Essa tendência de

lucratividade do capital leva o homem a degradar a natureza e o meio ambiente em larga

escala para extração de insumos, constituintes de novas mercadorias ou produtos, que depois

de fabricados são constantemente lançados no mercado capitalista e, depois de curto prazo de

vida útil, passam a fazer parte do conjunto de materiais comumente denominados de lixo.

Bauman (2005, p. 88) sinaliza uma terrível consequência do caráter expansionista

e incontrolável do capital, quando diz que o planeta está cheio. Essa tendência é derivada da

difusão global do modo de vida moderno, que agora atingiu os limites mais longínquos do

planeta. A lógica destrutiva do capital é também globalizante e tem atingido países

desenvolvidos e em desenvolvimento em prol da sua dominação, valorização e supremacia.

Cada vez mais países periféricos passam a fazer parte da cadeia produtiva e destrutiva do

capital, oferecendo mão-de-obra barata para o “novo (e precário) mundo do trabalho”

(ALVES, 2000).

A maioria dos países está diante de uma realidade nunca vista e sem precedentes

na história da humanidade, que é o grande volume de lixo decorrentes da lógica destrutiva do

capital, que gera, em grande parte, a matéria-prima e a forma de sobrevivência para uma

categoria de trabalhadores informais, que vem crescendo e ocupando cada vez mais as ruas

das cidades: os catadores e catadoras de lixo, que coletam o que foi descartado pela sociedade

de consumo. É algo perceptível e incontestável a destruição produzida pelo capital. De acordo

com Boff:

O modelo do crescimento e do desenvolvimento supõe o domínio da natureza e a

busca do benefício econômico. Neste paradigma não se coloca a questão do limite

de suportabilidade do sistema-Terra nem dos recursos naturais disponíveis cada vez

mais escassos. O pressuposto inconsciente é que os recursos são infinitos e que

podemos ir infinitamente crescendo e nos desenvolvendo em direção ao futuro.

(2009, p. 39).

O paradigma e pensamento “inconsciente” do capital sobre os seus limites é algo

ignorado, pois o sistema de metabolismo social do capital impôs sobre a sociedade sua lógica

expansionista e incontrolável. O modelo do crescimento e desenvolvimento do capital supõe o

domínio da natureza e a busca do seu próprio benefício econômico. Sua preocupação central é

como ganhar mais, com custo cada vez menor.

As manifestações da lógica destrutiva do capital são visíveis, patentes e potentes

diante da natureza, do meio ambiente e da classe trabalhadora. De acordo com Antunes

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(1999, p. 51), as práticas obviamente devastadoras envolvidas no processo de um produto ou

mercadoria, produzido a partir da força de trabalho são plenamente justificadas, desde que

sintonizadas com os critérios de “eficiência”, “racionalidade” e “economia” capitalista, em

virtude da lucratividade comprovada da mercadoria em questão. O capital aprova qualquer

destruição e degradação ambiental ou relação predatória do homem com a natureza, desde que

seja em prol de sua acumulação e expansão. O autor afirma:

Quanto mais aumentam a competição e a concorrência inter-capitais, mais nefastas

são as suas consequências, das quais duas são particularmente graves: a destruição

e/ou precarização, sem paralelo em toda a era moderna, da força humana que

trabalha e a degradação crescente do meio ambiente, na relação metabólica entre

homem, tecnologia e natureza pela lógica societal subordinada aos parâmetros do

capital e do sistema produtor de mercadorias. (ANTUNES, 1999, p. 26).

A degradação ou destruição da natureza pelo homem e a precarização do trabalho

são consequências da lógica destrutiva da acumulação capitalista. Com o advento do sistema

de mediações de segunda ordem do capital, o valor de uso subordina-se ao valor de troca. De

acordo com Antunes (1999, p. 142), tudo fica subordinado à lógica expansionista e destrutiva

do capital, desde as relações de gênero familiares à produção material, incluindo até mesmo a

criação das obras de arte. A última instância da produção do capital é alcançar lucros. Este é o

ápice do capital. E para fortalecer ainda mais essa fome pela lucratividade, o modelo de

acumulação flexível apoia-se na política neoliberal, que suprime e reduz os direitos sociais e

trabalhistas em prol dos interesses do capital.

2.2 Desemprego, flexibilização e precarização das relações de trabalho sob a acumulação

flexível

O contexto da reestruturação produtiva é um cenário propício de maior

competitividade entre as empresas. Estas objetivam a redução dos custos de produção, a maior

viabilidade de suas mercadorias, a melhoria da “qualidade” de seus produtos, de seus serviços

e de sua produtividade. Para tanto, investem em mudanças tecnológicas e organizacionais, que

repercutem negativamente nas relações e condições de trabalho.

Antunes (2007, p. 33) assinala que a acumulação flexível é marcada por um

confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de

mudanças do mercado de trabalho e do padrão de consumo. As mudanças ocorridas no mundo

do trabalho são um fato ratificado e incontestável, mesmo que o antigo padrão de produção

fordista ainda subsista nos dias atuais, mesclando-se ao modelo de acumulação flexível, sendo

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que este tem prevalecido. Neste modelo de acumulação, prevalecem os trabalhadores

flexíveis, que saibam trabalhar em equipe, que vistam “a camisa da empresa” e que se

envolvam com a sua política organizacional.

A classe trabalhadora do século XXI é diversificada e flexibilizada. Houve uma

horizontalização e descentralização das tarefas e rotinas de trabalho, anteriormente

particularizadas, verticalizadas e individualizadas. As empresas, de forma geral, exigem

trabalhadores maleáveis e flexíveis às mudanças do mundo globalizado. A rigidez do

fordismo foi tragada e subordina-se à flexibilidade do toyotismo. As novas relações de

trabalho implicam tanto uma maior exploração quanto um maior controle sobre a força de

trabalho.

As relações de trabalho são flexibilizadas em favor do capital, que cria

mecanismos capazes de gerar trabalhadores multifuncionais, trabalhadores que deixam de ser

meros executores de funções e passam a contribuir, no que diz respeito à sua subjetividade, ou

seja, os empregados são convocados a pensar junto com a empresa sobre propostas de

melhoria da qualidade dos serviços prestados. Neste caso, o trabalhador exerce uma

autonomia relativa dentro do ambiente de trabalho.

Em síntese, as empresas orientadas e pautadas na lógica da acumulação flexível

promovem a adesão do trabalhador aos seus princípios de competitividade e maior

lucratividade. Neste processo, o trabalhador sente-se corresponsável pelo desenvolvimento e

crescimento da empresa em que trabalha. A acumulação flexível é o termo utilizado por

Harvey (1992, p. 45) para designar a transição da rigidez fordista para a flexibilidade dos

processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos, dos padrões de consumo, da

revisão do papel do Estado, da financeirização da economia, da heterogeneização e

fragmentação da classe trabalhadora, da intensificação e precarização do trabalho, enfim, se

fosse necessário simplificar essa nova fase de acumulação, a palavra seria “flexibilização”.

Dentro desse bojo de sustentação do capital e exploração da classe trabalhadora,

delineada pelas relações flexíveis, perdura outra realidade pertinente à reestruturação

produtiva e ao seu modelo de acumulação: a precarização do trabalho, fruto da lógica

destrutiva do capital e das suas novas exigências. Segundo Antunes:

Para atender às exigências mais individualizadas de mercado, no melhor tempo e

com melhor “qualidade”, é preciso que a produção se sustente num processo

produtivo flexível, que permita a um operário operar com várias máquinas (em

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média cinco máquinas, na Toyota), rompendo-se com a relação um homem/uma

máquina que fundamenta o fordismo. (2007, p. 34).

Neste contexto do mundo do trabalho, em que uma máquina substitui o trabalho -

no caso citado, de cinco trabalhadores - acontecem mudanças mais desfavoráveis à classe

trabalhadora. É possível constatar, consequentemente, o crescimento do trabalho informal,

precarizado, subcontratado, terceirizado, em tempo parcial, temporário etc. Em conformidade

com as tendências internacionais, as implicações da reestruturação produtiva sobre o mercado

de trabalho configuram uma realidade de regressão de direitos trabalhistas e de precariedades.

Existe uma tendência de desestruturação do mercado de trabalho formal, qualquer

que seja o ponto de vista que se adote: nível de emprego, grau de formalização do trabalho,

rendimentos reais. Essa tendência, que já começara a se evidenciar nos anos 1980, acentua-se

nos anos 1990.

Conforme alerta Mattoso (1999, p. 14), o desemprego e a precarização que se

observam ao longo da década de 1990 são um fenômeno de amplitude nacional, de

extradionária intensidade e jamais visto na história do país. O desemprego aumenta o trabalho

informal e precarizado. O balanço do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Socioeconômicos (DIEESE, 2001, p. 21), sobre a situação do trabalho no Brasil, vem precisar

essa realidade com uma enorme riqueza de dados. Baseando-se nas pesquisas, a partir de

1996, o crescimento do desemprego pode ser verificado em todas as regiões. Estas apresentam

uma taxa média de 20,2% de desemprego com uma parcela equivalente a 12,4% da População

Economicamente Ativa (PEA) de desemprego aberto, 5,3% de desemprego oculto pelo

trabalho precário.

No contexto de reestruturação produtiva e da política neoliberal, os níveis de

emprego diminuem, as condições de trabalho pioram, os vínculos empregatícios se fragilizam,

a instabilidade aumenta e os alicerces da desigualdade social brasileira são aprofundados e

fortalecidos. Neste cenário, é que se dão as condições de trabalho e de vida do catador de lixo,

que, dentre tantos outros trabalhadores, exerce um trabalho informal e precarizado,

considerado uma atividade autônoma ou “por conta própria”. O próximo capítulo descreve a

relação entre o material reciclável, o trabalhador catador, o depósito e a indústria de

reciclagem.

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3 OS MATERIAIS RECICLÁVEIS: UM ELO ENTRE O CATADOR E A INDÚSTRIA

DE RECICLAGEM

Este segundo capítulo foi dividido em quatro eixos importantes para a

compreensão da pesquisa: o lixo reciclável, o catador, o depósito e a indústria de reciclagem.

Estes quatro formam um conjunto de suma importância e são interdependentes na lógica

destrutiva do capital. Os materiais recicláveis que outrora foram descartados pela sociedade

de consumo, voltam a fazer parte da cadeia reprodutiva do capital, através de dois fatores

preponderantes, quais sejam: o refugo humano - que de acordo com Bauman (2005, p. 25) é a

população “redundante”,15

os pobres, os desabilitados, os excluídos do mercado formal de

trabalho, neste caso, os catadores de lixo, o depósito e a indústria de reciclagem.

Vale ressaltar que nesse ciclo de elementos: materiais recicláveis, catador,

depósito e indústria de reciclagem, o catador de lixo tem sido considerado, de acordo com

Montenegro (2001, p. 15), o pilar de sustentação desse processo econômico de reciclagem,

pois é esse trabalhador quem faz a catação de materiais nas ruas e leva para os depósitos,

associações e cooperativas, trazendo de volta à indústria da reciclagem, a matéria-prima, para

ser novamente processada, sendo também o elo mais frágil da corrente que une o setor da

reciclagem, integrando uma categoria de trabalhadores sem organização coletiva. É recorrente

nas falas dos catadores e catadoras de lixo desta pesquisa, o argumento de que não exercem

outra atividade por falta de oportunidade e de qualificação profissional. O catador de lixo,

trabalhador de rua, trabalha de forma autônoma, mas dentro do circuito de reciclagem do

capital.

Segundo pesquisa do Instituto Municipal de Pesquisas e Administração em

Recursos Humanos (2006, p. 10), estima-se que existam entre seis e oito mil catadores de lixo

nas ruas de Fortaleza. São sujeitos que convivem diariamente com o rejeito humano, dejetos,

lixo, com tudo aquilo que foi expurgado pela sociedade consumista do capital. São

trabalhadores e trabalhadoras de rua que possuem suas particularidades, histórias de vida,

desejos, aspirações, sonhos, crenças. Mas o que todos têm em comum é o convívio diário com

15

De acordo com Bauman (2005, 25), ser declarado redundante significa ter sido dispensado pelo fato de ser

dispensável – tal como a garrafa de plástico vazia e não retornável, ou a seringa usada, uma mercadoria

desprovida de atração e de compradores, ou um produto abaixo do padrão, ou manchado, sem utilidade, retirado

da linha de montagem pelos inspetores de qualidade.

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o lixo e aspiram por um futuro melhor. Mota, Valença e Silva descrevem o retrato do catador

de lixo:

Transformados (as) em produtores (as) simples de mercadoria, à moda do período

manufatureiro, os catadores e catadoras de “lixo” materializam uma das novas

personas do trabalho reestruturado: estão integrados ao circuito mercantil e

produtivo, mas apartados das condições sociais que lhes asseguram os meios de

proteção legais e institucionais, relacionados ao seu estatuto de trabalhador (a).

(2004, p. 72).

Trata-se de trabalhadores e trabalhadoras de rua que exercem um trabalho não

associado a direitos, marcado pela informalidade, instabilidade e insegurança. São

trabalhadores que estão integrados ao circuito da cadeia produtiva da reciclagem, mas

excluídos de vínculos empregatícios, fazendo parte do processo de integração informal na

indústria de reciclagem, mas apartados dos lucros advindos e gerados pela própria reciclagem.

São catadores que se tornam fornecedores da matéria-prima, ou seja, do lixo reciclável,

quando vendem os produtos catados para os depósitos, associações e cooperativas de

materiais recicláveis.

Percebe-se, portanto, uma superexploração dessa categoria de trabalhadores e

trabalhadoras de rua, que não podem negociar e estipular o preço daquilo que estão vendendo,

mas recebem uma quantia muito inferior ao dispêndio da força de trabalho da catação de

resíduo sólido reciclável, ou seja, do lixo. É a superexploração e desvalorização da mão-de-

obra informal que, embora não exerça um trabalho produtivo16

acaba sendo duplamente

prejudicada, pois está fora do mercado formal, mas inserida nos parâmetros da lógica

destrutiva do capital.

O catador é um ser humano explorado pelo capital: trabalha de sol a sol e às vezes

adentra as noites ou passa noites inteiras catando o que foi sobejado, descartado pelos

cidadãos consumidores. Para o catador de lixo não existem domingos, feriados, férias; eles

trabalham, se possível, todos os dias, para arrecadarem o máximo para o sustento da sua

16

Conforme Marx (1988, p. 101), a produção capitalista não é apenas produção de mercadorias, ela é

essencialmente produção de mais- valia. O trabalhador não produz para si, mas para o capital. Por isso não é

mais suficiente que ele apenas produza. Ele tem de produzir mais-valia para o capitalista, servindo assim à

autoexpansão do capital. Utilizando um exemplo fora da esfera da produção material: um mestre escola é um

trabalhador produtivo quando trabalha não só para desenvolver a mente das crianças, mas também para

enriquecer o dono da escola. Que este inverta seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa de fazer

salsicha, em nada modifica a situação. O conceito de trabalho produtivo não compreende apenas uma relação de

produção especificamente social, de origem histórica, que faz do trabalhador o instrumento direto de criar mais-

valia. A produção da mais-valia pode ocorrer mediante o prolongamento da jornada de trabalho (mais-valia

absoluta) ou pela contração do tempo de trabalho necessário e da correspondente alteração na relação

quantitativa entre as partes componentes da jornada de trabalho (mais-valia relativa).

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família. Percebe-se que o catador de lixo não se prende ao calendário e nem tampouco à carga

horária de trabalho. Ele não ganha hora extra, mas pode ter um acréscimo em centavos e reais,

proporcional ao quilo do lixo reciclável, que é catado. Conforme afirma Gimenez:

A vida no lixo e do lixo é o corolário nesse sentido, de um processo econômico que

valoriza a reciclagem de materiais para um florescente negócio industrial, ao mesmo

tempo em que desvaloriza o trabalho das populações que são jogadas no meio da

rua. (2003, p. 21).

Os catadores de lixo transformam o espaço público – as ruas – em seu universo de

vida e de sobrevivência. Muitas vezes são estigmatizados como causadores de risco à

segurança pública. Sobrevivem valendo-se apenas de um acesso precário a mecanismos

públicos como a assistência social e os serviços de saúde e, de forma assistemática e restrita,

também da caridade privada, da filantropia ou da ajuda de entidades assistenciais religiosas.

Esses trabalhadores, que têm a rua como espaço geográfico de trabalho e de labuta diária,

enfrentam o desemprego, a pobreza, a desigualdade social, a discriminação e a indiferença das

autoridades governamentais.

Todos os dias, os catadores enfrentam desafios para continuarem sobrevivendo.

Como se não bastasse a superexploração capitalista, por meio da indústria da reciclagem, eles

são diminuídos ao posto de “viradores de lixo” e de mendigos, pedintes, miseráveis. A vida de

catador é cheia de agravos e injustiças sociais. São cidadãos e cidadãs destituídos de seus

direitos, sentindo-se incapazes de serem protagonistas de suas próprias histórias, quando não

se sentem no dever de reivindicar, de lutar em prol de melhores condições de vida e de

trabalho porque atribuem a si mesmos a vida subumana que levam, vivendo a serviço da

valorização do capital e sendo subordinados aos “deposeiros” ou donos dos depósitos de lixos

recicláveis, sendo estes atravessadores entre o catador e a indústria de reciclagem.

3.1 O Depósito de Reciclagem Evaldo: um dos locus de pesquisa e de ligação do catador

com o ciclo reprodutivo do capital

Este subcapítulo retrata um pouco o locus onde foi realizada a pesquisa de campo

do presente trabalho. A técnica de coleta de dados utilizada foi a entrevista. Esta foi escolhida

por trata-se de uma forma eficaz de coleta de dados em que o investigador se apresenta frente

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ao investigado, visto que o catador é um trabalhador de rua, que não costuma parar o seu

serviço para falar com as pessoas, e um questionário não se aplicaria tão bem, neste contexto.

Os entrevistados concordaram que as suas entrevistas fossem gravadas e que fossem tiradas

fotos deles e de seus carrinhos. Foram utilizados nomes fictícios para os catadores

entrevistados e colocadas tarjas pretas, sobre os olhos dos sujeitos da pesquisa, para

resguardar as imagens deles.

De acordo com Gil (1991, p. 113), a entrevista é uma forma de interação social.

Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca

coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação. O Depósito de Reciclagem

Evaldo foi o primeiro locus da pesquisa e o outro foram as ruas do bairro. A primeira

entrevista foi realizada no dia 10 de outubro de 2012, no Depósito de Reciclagem Evaldo,

localizado na Rua Monsenhor Agostinho, 1478, Parque São José. O Depósito tem uma área

de 1.200m², sendo 30m de frente e 100m de fundo e totalmente descoberto, que deposita

praticamente todos os tipos de materiais recicláveis e funciona de segunda a sábado, nos

horários de 07h:00h às 12h:00h e de 13:30h às 17:00h. Por meio deste depósito de

reciclagem, foram obtidos os primeiros contatos com o sujeito desta pesquisa: o catador de

lixo. O proprietário do depósito, o senhor Evaldo, disse que o seu depósito tem oito anos de

existência e que ele compra todo o tipo de material reciclável. A aproximação com esse

depósito também teve como objetivo saber o preço dos lixos recicláveis que são coletados e

vendidos pelo catador.

O Depósito de Reciclagem Evaldo não possui identificação na entrada do prédio,

mas todos os moradores do bairro sabem que é um local de compra e venda de lixo reciclável.

É uma casa bem simples. A garagem transforma-se num corredor de acesso a um grande

terreno em que se encontra de tudo no que diz respeito a materiais velhos e usados. Faz oito

anos que o senhor Evaldo trabalha nesse tipo de atividade. Seu depósito não dispõe de

caminhão para levar o material diretamente à indústria de reciclagem, por isso ele submete-se

a um intermediário, alguém que compra dele e vende à indústria.

O único equipamento que o senhor Evaldo dispõe no seu depósito de reciclagem é

uma balança em que ele pesa todo o lixo reciclável que adquire das mãos dos catadores e

catadoras de lixo. Quando estes chegam ao depósito, adentram, segregam o material que

trazem nos carrinhos, colocam na balança, e o senhor Evaldo pesa e paga a quantia pelo

quilograma e pelo tipo de material, de acordo com o preço do mercado, sendo que alguns

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resíduos sólidos recicláveis são vendidos pela unidade, tais como as garrafas de vidro de

bebidas e refrigerante. De acordo com José Sales, catador, de 74 anos, a garrafa de

refrigerante é comprada por seis centavos no depósito de reciclagem. O catador afirma: “Eu

também compro e vendo garrafa de Ypióca e de vinho. Compro a Ypióca a vinte centavos e

vendo a vinte e cinco e compro a de vinho a cinco centavos e vendo a quinze centavos.” (José

Sales, catador, 74 anos). Percebe-se a estratégia de sobrevivência do trabalhador de lixo, que

procura meios de aumentar a renda de sua família. Nesse caso, o catador José Sales, além de

catar lixo reciclável nas ruas do bairro Parque São José e nos bairros adjacentes compra e

vende garrafas para aumentar a renda familiar.

Figura 01 – Frente do Depósito de Reciclagem Evaldo.

Foi observado um amontoado de materiais recicláveis - papelões, plásticos

grossos, alumínios, cadeiras e mais cadeiras de plásticos amontoadas umas sobre as outras,

plásticos finos garrafas PET, recipiente de plástico, geladeiras, pneus usados, fogões velhos

etc. O proprietário falou que no depósito trabalham somente ele, a esposa e um filho. Quando

indagado sobre a quantidade de depósitos de reciclagem existentes no Parque São José, ele

disse que existem mais seis depósitos além do dele.

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Apesar de não se tratar de uma pesquisa etnográfica, foram realizadas descrições

do lugar, das pessoas e das circunstâncias. De acordo com Velho (1999, p. 126), o que sempre

vemos e encontramos pode ser familiar, mas não é necessariamente conhecido e o que não

vemos e encontramos pode ser exótico, mas, até certo ponto, conhecido. Neste caso, a pobreza

é naturalizada e banalizada. As condições de vida e de trabalho do catador de lixo são vistas

pela sociedade contemporânea de forma natural, sem questionamentos e criticidade. Como diz

Telles: “a pobreza é transformada em natureza”.

A lógica destrutiva do capital atribui ao catador a sua condição socioeconômica,

ou seja, o catador estaria na informalidade devido a sua não capacitação e desqualificação

para o mercado. A partir desta argumentação do capital que delega ao trabalhador a

responsabilidade pela sua condição de vida e de trabalho, o catador de lixo é escolhido como

sujeito desta pesquisa, pois apesar de ser visto por muitas pessoas pelas ruas e, aparentemente,

parecer familiar, não o é, pois as reais condições e necessidades desses trabalhadores são

desconhecidas daqueles que apenas o veem passar na rua e revirar o lixo, catando material

para a sua sobrevivência.

Por trás dos catadores existe uma engrenagem movida pelo capital que

desemprega e desvaloriza o trabalhador que está fora do mercado formal de trabalho e que o

mantém numa relação de total dependência e de inferioridade na cadeia produtiva da

reciclagem. Faz-se necessário sair do imediatismo e da superficialidade social que mascara o

catador como alguém desinformado, incapaz de trabalhar no âmbito do trabalho formal.

Esta pesquisa propõe uma reflexão crítica que extrai a veraz realidade desses

catadores e catadoras de lixo que sofrem preconceito, discriminação e são muitos vezes

maltratados pela sociedade, como se eles fossem os causadores de todas as expressões da

questão social. Quem está virando o lixo à procura de materiais não é o cachorro ou outro

animal irracional, é um ser humano que vive do lixo, mas não pode ser confundido com o

lixo.

Na sociedade capitalista, o trabalho, atividade vital do ser humano, passa a ser

visto, sobretudo, como uma relação social fundada na propriedade privada, no dinheiro e no

capital e é transformado em trabalho assalariado, alienado. De atividade primeira de

realização do ser humano transforma-se em meio de subsistência. Assim, o capital explora e

subjuga o trabalhador às suas leis. A relação entre o capital e o trabalho é uma relação de

exploração do primeiro em relação ao segundo. No caso do catador de lixo, não há uma

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relação de trabalho com direitos e garantias, mas uma superexploração e precarização dessa

categoria de trabalhadores e trabalhadoras de rua.

Antes da exposição e análise do material coletado na pesquisa serão descritas

algumas dificuldades enfrentadas no percurso da pesquisa. No momento de apresentação e

contato inicial com o senhor Evaldo, proprietário do depósito de reciclagem, este fala: “–

Moça vai ser difícil você falar com os catadores de lixo, pois eles não querem perder tempo.

Assim que chegam aqui, quer logo pesar o material, pegar o dinheiro e ir embora.” Percebe-se

aqui, a ligeireza dos catadores em vender o lixo reciclável, pegar o dinheiro da venda e voltar

para casa ou ir para a catação. O catador tem pressa porque depende da coleta de muitos

materiais recicláveis para a sua sobrevivência. Como forma de retribuir as entrevistas cedidas

para a conclusão da pesquisa, foi proposta uma forma de ganhar o tempo e a confiança desses

trabalhadores, sendo, portanto, importante doar materiais recicláveis para alguns

entrevistados.

O senhor Evaldo tinha razão, pois ser catador de lixo não significa dizer que o

sujeito é de fácil acessibilidade. Faz-se necessário despir-se de pré-julgamentos e pré-noções a

respeito dessa categoria de trabalhadores e de trabalhadoras que literalmente sobrevivem da

catação de lixo e ir à procura deles. E o melhor local encontrado para entrevistá-los foi o

Depósito de Reciclagem, embora tenha abordado os catadores em outras ocasiões, como no

meio da rua, quando andavam com seus carros superlotados e em busca dos lixos recicláveis

para a sua sobrevivência.

No sétimo semestre do Curso de Serviço Social, havia pensado em fazer a

pesquisa sobre as condições de vida e de trabalho dos catadores de lixo no perímetro do

Jangurussu, mas devido à dificuldade de “estar lá” (GEERTZ, 2005, p. 11), ou seja, de

aproximação do sujeito, de observar, de entrevistar, de estar com os catadores de lixo

diariamente, de vivenciar o dia a dia deles, ficou resolvido então, continuar com o mesmo

tema, mas mudar o perímetro ou local da pesquisa. A opção foi pesquisar os catadores no do

bairro Parque São José, pelo fato da pesquisadora morar nesse bairro há trinta anos e conhecer

muito pouco sobre a realidade desses catadores, que têm as ruas da cidade e dos bairros como

postos e ambientes de trabalho e os donos dos depósitos de reciclagem como patrões. Este

termo “patrão” não foi colocado aleatoriamente, mas faz parte da fala de uma catadora de

lixo: “Faz oito anos que trabalho para o seu Evaldo. Ele é o meu patrão. Quando preciso de

qualquer dinheiro emprestado, vou até lá, e ele anota no vale”. (Ivone, 44, catadora).

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Aparentemente, a fala da catadora Ivone parece ser uma contradição; quando a

mesma vende material reciclável no depósito do senhor Evaldo, este deveria ser, na verdade, o

cliente; mas não é assim que dona Ivone o reconhece. Além de ser uma trabalhadora informal,

e ter uma inserção “subalterna” na indústria de reciclagem, a catadora Ivone trata o senhor

Evaldo como se fosse seu patrão. Este processo de dependência e de interação do catador na

cadeia produtiva da reciclagem é algo inerente à lógica do capital.

De acordo com Mota (2009, p. 35), os denominados “catadores de lixo” são

vendedores de matéria-prima. No caso, o senhor Evaldo - proprietário do depósito de

reciclagem – deveria ser o cliente de Ivone - catadora de lixo. Mas por trás desse movimento

contraditório do capital existe todo um contexto de subordinação e de exploração do trabalho

alheio. A catadora Ivone não se reconhece como trabalhadora informal e sem vínculo

empregatício, que pode vender os seus materiais em qualquer outro depósito, associação e

cooperativa.

Numa certa manhã, de segunda-feira, ao adentrar no depósito do senhor Evaldo e

ficar aguardando, em pé, os catadores chegarem para venderem o que haviam catado nas ruas

de alguns bairros da periferia de Fortaleza e no bairro Parque São José, a pesquisadora,

repentinamente vê chegar um catador de cor morena, cabelos muitos cacheados, estatura

mediana, chapéu na cabeça, trajando uma calça jeans comprida muita velha e suja, uma blusa

de malha desbotada, chinelas havaianas. E puxava o seu carro com muita força e resistência.

Observando-se todo o cenário da pesquisa e a chegada do sujeito há uma reflexão

interior: “Pronto chegou o primeiro entrevistado e sujeito da pesquisa”. Ocorre uma

apresentação a respeito da pesquisa, mas o catador fica cabisbaixo, indiferente e nem atenta

para quem lhe fala. Solta a voz, grosseiramente, e diz: “Não quero saber de censo. Isso aí não

dá em nada”. Esta fala do catador apresenta-se como uma das primeiras dificuldades na

execução da pesquisa. Como o sujeito tem autonomia e tem liberdade em responder ou não ao

que lhe é questionado, a situação foi relevada e de certa forma, ignorada e parte-se em busca

de outros sujeitos. Num outro dia, ao abordar outra catadora numa das ruas do Parque São

José, a mesma mostrou-se indiferente, era como se ninguém estivesse falando com ela.

Percebe-se que, a pesquisa requer dedicação, persistência, esforço e boa vontade.

O Depósito de Reciclagem Evaldo é uma pequena amostra ou representação do

modelo de acumulação do capital e faz parte das condições de vida e de trabalho dos

catadores de lixo do Parque São José. O senhor Evaldo fala que os materiais recicláveis que

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ele compra dos catadores são vendidos a um atravessador e este é quem vende os produtos

para a indústria de reciclagem. Observa-se todo um processo de produção e reprodução do

capital, por meio da venda e compra dessa matéria-prima – o lixo reciclável.

Figura 02 – Amontoado de cadeiras quebradas vendidas ao Depósito de Reciclagem Evaldo pela vizinhança e

pelos catadores e catadoras de lixo.

Neste percurso de trabalho do catador, há a supervalorização do capital e a

exploração de catadores e catadoras de lixo, que têm uma longa jornada de trabalho, quando

percebem que o material catado ainda não é suficiente para adquirirem “uns trocados” a mais,

aumentam, consequentemente, as horas de catação. Isto revela a desvalorização dos

trabalhadores de rua, com longas jornadas de trabalho a serviço da reprodução do capital.

O Sr. Evaldo falou que, além dos catadores de lixo, as igrejas do bairro Parque

São José e os moradores vendem para o depósito cadeiras que estão quebradas. Todos os

materiais comprados pelo depósito são vendidos a uma determinada empresa de reciclagem.

Esta, segundo ele, é quem faz o processo da reciclagem. Segundo o senhor Evaldo: “90%

dessas empresas não estão preocupadas com o meio ambiente e sim em obter lucros”. A

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sustentabilidade social e ambiental é, acima de tudo, a sustentação do próprio capital, que

viabiliza e incrementa meios para a sua expansão e globalização. A reciclagem torna-se,

portanto, mais uma porta de supervalorização do capital e precarização das classes

trabalhadoras – catadores de lixo, donos de depósitos, trabalhadores de associações e de

cooperativas.

Figura 03 - Segregação das garrafas de plástico no Depósito de Reciclagem Evaldo.

O Depósito de Reciclagem Evaldo também dispõe de carrinhos para os catadores

e catadoras que não possuem o instrumento de trabalho. O catador que precisar do carrinho

pode levá-lo, mas fica responsável em vender todos os materiais coletados ou catados para o

depósito. Segundo o senhor Evaldo, a sua renda com os lixos recicláveis é de

aproximadamente dois salários mínimos mensais.

De acordo com Montenegro (2011, p. 12), quando se fala em reciclagem também

se está falando de um complexo circuito comercial que possui diferentes níveis de exigência

técnica, bem como se pode valer da utilização em larga medida de mão de obra precarizada,

na medida em que a maioria dos trabalhadores da catação, que atuam nas ruas, não possui

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qualquer vínculo empregatício com os depósitos e com a indústria de reciclagem,

proporcionando aos grandes investidores do setor vultosa lucratividade.

Figura 04 – Carrinho disponível para os catadores de lixo no Depósito de Reciclagem Evaldo.

Na lógica destrutiva do capital tem-se a utilização decrescente das mercadorias,

com a expansão incessante do valor de troca e a diminuição do tempo de vida útil dos

produtos ou de seu valor de uso, levando-os rapidamente à obsolescência para garantir o

consumo, ou seja, para garantir a realização da mais-valia, cuja produção se dá na esfera

produtiva. A circulação da mercadoria é, portanto, a outra fase essencial ao ciclo de

reprodução do capital. Por ela passam não só os produtos “novinhos” destinados aos

consumidores primários, mas também os produtos usados e descartados, visto que o lixo

quando não reciclado para a produção de novos produtos, contribui para a poluição do meio

ambiente e a degradação da natureza.

Observa-se, portanto, o aumento do número de catadores e de catadoras de lixo

nos bairros de Fortaleza, destacando-se aqui, o perímetro da pesquisa, o bairro Parque São

José. Estes trabalhadores de rua passam a ser uma solução barata para o problema do lixo. Os

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catadores desenvolvem uma atividade que é necessária para o mundo consumista de hoje, o

poder público, as empresas e a sociedade. Estes geram e descartam o lixo, mas esquecem de

que na natureza nada se perde, mas tudo se transforma, ou seja, a sociedade de consumo

valoriza o consumo inconsciente.

Diante do desemprego e da informalidade, consequências diretas da reestruturação

produtiva, surge “um exército de trabalhadores informais” e dentre eles ressalta-se o sujeito

desta pesquisa, que cata no lixo não somente os resíduos sólidos recicláveis, mas também

procuram e encontram, neste mesmo lixo, alimentos, que para eles tornam-se reaproveitáveis,

roupas, objetos variados etc. Observa-se nessa mesma realidade socioeconômica o

crescimento de depósitos, associações e cooperativas de reciclagem que são abertos e

engajam-se nesse processo de reciclagem e passam a fazer parte do ciclo de reprodução do

capital por meio da cadeia produtiva da reciclagem.

A tabela, na página seguinte, mostra a desvalorização do trabalho do catador, que

se revela no baixo preço dos materiais por ele coletados em longos e desgastantes dias de

trabalho pesado e penoso. Os catadores e catadoras de lixo enfrentam uma longa jornada de

trabalho, que se torna enfadonha e cansativa, para conseguirem adquirir o máximo de lixo

reciclável possível. Muitos catadores colocam grades de arame nos seus carrinhos,

aumentando assim a altura dos mesmos, para conseguirem carregar um número maior de lixo

reciclável. É sua estratégia de sobrevivência.

A maioria dos catadores carrega os seus carrinhos transbordando de lixo

reciclável, de tão cheios de lixo que ficam, depois de um longo dia de trabalho, ficando

expostos ao sol e à chuva e às intempéries da vida da catação. O trabalho do catador requer,

portanto, um grande esforço físico, tanto para caminhar bastante a pé, como também para

puxar um grande peso pelas ruas da cidade até chegarem ao seu destino final, no caso, o

depósito de reciclagem, local de compra e revenda de resíduos sólidos recicláveis.

Na atividade da catação encontram-se: homens e mulheres idosos, mulheres e

homens de meia idade, jovens e crianças que se lançam às ruas e ao lixo, encontrando na

catação do lixo, a garantia da sobrevivência. Catadores como seu José Sales, de 74 anos,

aposentado pela Previdência Social com um salário mínimo, que vê a catação do lixo como

um biscate. Crianças como a filha da catadora Ivone, que ajuda a sua mãe na catação. Nessa

lógica de exploração da cadeia produtiva da reciclagem não há direitos e garantias e nem

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tampouco respeito à proibição do trabalho infantil.17

A tabela abaixo demonstra a

superexploração da empresa de reciclagem. Basta observar o trabalho do catador de lixo e

quanto ele consegue adquirir se passar o dia todo andando, percorrendo as ruas, empurrando

ou puxando o seu carro pesadíssimo e se catar um quilo de papelão ou outro material

qualquer. No caso do quilo do papelão, o catador recebe apenas cinco centavos. É a

desvalorização do trabalho do catador e a banalização da vida humana. É uma condição de

vida e de trabalho subumana.

Tabela 1 - Preços dos materiais recicláveis

QUANT. DESCRIÇÃO VALOR UNIT. R$ TOTAL

Kg Papelão 0,05

Kg Ferro misto 0,20

Kg Papel branco 0,22

Kg Papel misto 0,50

Kg Plástico 0,40

Kg PET 0,50

Kg Jornal 0,15

Kg Filme misto 0,05

Kg Filme branco 0,30

Kg PVC cano 0,40

Kg PVC cadeira, mesa 1,00

Kg Aço inox 1,50

Kg Latão 4,50

Kg Alumínio panela 2,20

Kg Alumínio misto 1,40

Kg Alumínio latinha 1,50

Kg Alumínio duro 1,60

Kg Ferro fundido 0,35

Kg Cobre 8,50

Kg Ráfia 0,30

Kg Melissa 0,50

Kg Vidro caco 0,03

Kg Placa de CPU 1,80

Kg Monitores 1,50 Fonte: Depósito de Reciclagem Evaldo, 2012.

17

A Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, denominada Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), trouxeram inúmeras inovações na área de políticas públicas dirigidas a esse segmento;

consideraram a infância e a juventude como prioridade absoluta, merecedoras de proteção integral por parte da

família, da sociedade e do Estado; consideraram crianças e adolescentes como pessoas em condição peculiar de

desenvolvimento e merecedores de proteção especial. (OLIVA; KAUCHAKJE, 2009, p. 23).

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Diante desta realidade do trabalho do catador, assiste-se uma verdadeira espoliação do

trabalho alheio. O capital subjuga o catador quando expõe preços baixíssimos para cada

material reciclável coletado. O interessante é que a categoria de trabalhadores e trabalhadoras

de rua que sobrevive da catação não é composta em sua totalidade por analfabetos, idosos,

crianças, o que torna questionável, portanto, argumentos que buscam dar conta dessa

complexidade, ancorando-se tão somente em questões relacionadas à idade, à falta de estudos

e qualificação profissional. Os catadores vivem as angústias do desemprego de longo prazo e,

já sem esperança de encontrarem novas oportunidades de trabalho, veem na catação, a única

oportunidade de subsistirem frente às consequências desastrosas da lógica impiedosa do

capital.

O esforço dos catadores para coletar o lixo reciclável os expõe a todas as formas

subumanas possíveis. São trabalhadores de rua desprotegidos de leis trabalhistas ou “o que

dela restou” como diz Montenegro (2010, p. 15). São trabalhadores e trabalhadoras propensos

às mazelas oriundas do lixo; que entram em contato direto com situações, materializadas no

dia-a-dia de trabalho, que causam riscos à saúde e à segurança; além de sofrerem preconceito

e discriminação por exercerem uma atividade insalubre. É a desvalorização da vida humana e

a glorificação do consumo, que enaltece o capital e ratifica a precarização do trabalho como

resposta imediata ao desemprego estrutural.

Os preços dos materiais recicláveis são tabelados pela indústria da reciclagem e

revelam a superexploração dessa categoria de trabalhadores de rua que vivem no mundo do

trabalho informal e tiram do lixo o seu sustento. A atividade que os catadores desenvolvem

com o lixo não é uma questão de opção, mas o resultado do desemprego e da baixa

escolaridade, tendo em vista as exigências postas pelo mercado formal no contexto da

reestruturação produtiva e do projeto neoliberal. São crescentes o número de desempregados e

as exigências intituladas de requisitos para o ingresso e inserção no mercado formal.

A tabela mostra os preços dos materiais recicláveis vendidos nos depósitos,

cooperativas e empresas de reciclagem. De acordo o senhor Evaldo, todos os valores são

tabelados e fixados pelo mercado. Nesse caso, “quantidade” não significa “qualidade”. O

carro superlotado do catador de lixo não significa dizer grandes rendimentos. O que importa,

literalmente, é a qualidade e não a quantidade. Sabedora disso, uma catadora de rua fala:

“Trabalho juntando latinhas e garrafas PET. Todo dia pego o carro de mão e saio. Não

carrego muito coisa, pois não aguento muito peso”. (Eneuda, catadora, 61 anos). Percebe-se a

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partir da fala desta trabalhadora de rua, o cuidado em catar o que é mais rentável e o esforço

físico que a atividade exige, levando em conta que se trata de uma pessoa na terceira idade.

Outra catadora também expressa insatisfação com os valores dos materiais recicláveis:

Pra mim as coisas que a gente vende deveria ser mais cara, pois a gente faz tanto

esforço pra pegar esse material. Eu acho uma injustiça mesmo, trabalhar tanto para

ganhar tão pouco. Mas graças a Deus que aqui e acolá a gente encontra uma alma

caridosa e nos dá muita coisa usada e aí a gente vende e aumenta o dinheiro da

gente. (Antonia, catadora, 53 anos).

Depreende-se a partir da fala da catadora, uma reivindicação em relação aos

preços dos materiais recicláveis e uma manifestação de louvor à atitude de “pessoas

caridosas” que, esporadicamente, ajudam os catadores com doações de materiais recicláveis.

Na pesquisa foram observadas pessoas, moradoras do bairro, doando lixo reciclável para os

catadores. De acordo com Telles (2001, p. 95), a pobreza vira “carência”, a justiça se

transforma em caridade e os direitos em ajuda, a que o indivíduo tem acesso não por sua

condição de cidadania, mas pela prova de que dela está excluído, ou seja, o mérito é a real

necessidade do catador. A pobreza é transformada e mascarada em condição natural, tendo o

catador como alguém que está impossibilitado de galgar posições melhores, devido a sua

desqualificação para o mercado de trabalho, sendo, portanto, “merecedor” da filantropia e

assistencialismo da sociedade. Conforme Telles:

Transformada em paisagem, a pobreza é trivializada e banalizada, dado com o qual

se convive – com um certo desconforto, é verdade -, mas que não interpela

responsabilidades individuais e coletivas. Como se sabe, a trivialização é sinal de

uma incapacidade de discernimento e julgamento. (...) Como paisagem, essa pobreza

pode provocar a compaixão, mas não a indignação moral diante de uma regra de

justiça que tenha sido violada. (2001, p. 104, 105).

Dessa forma, o catador de lixo é alguém que oscila entre a caridade e a

banalização da vida humana. Enquanto alguns doam materiais recicláveis e ajudam, de certa

forma o catador, outros, do outro lado, naturalizam a condição de vida e de trabalho dessa

categoria de trabalhadores. Todavia, o capital explora o catador e isso foi demonstrado na

tabela de preços dos materiais recicláveis coletados pelos catadores de lixo. No processo de

reciclagem, quanto mais o material percorre o ciclo, que vai desde a coleta até a indústria de

reciclagem, mais valores vão sendo agregados ao produto, ou seja, o catador de lixo que está

situado no início do processo, na linha de frente, deve receber bem menos dinheiro pelo

mesmo material do que o intermediário ou atravessador, e este recebe muito menos do que a

indústria de reciclagem.

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O catador de lixo é superexplorado pelo sistema capitalista, visto que além de

estar no trabalho informal, ainda enfrenta a desvalorização do seu trabalho, no que diz

respeito aos valores tabelados pela indústria de reciclagem para a compra dos resíduos sólidos

recicláveis, catados e vendidos pelo trabalhador de rua no depósito de reciclagem. A tabela

dos preços dos materiais recicláveis mostra a lógica de acumulação capitalista que se apropria

do lucro obtido no processo da cadeia produtiva da reciclagem.

3.2 Os materiais recicláveis como meio de trabalho e de sobrevivência dos catadores

O produto descartado, pós-consumo, já não tem serventia ou utilidade para quem

o descarta, mas para o catador de lixo é matéria-prima, meio de trabalho e de sobrevivência. A

pesquisa mostra o perfil dessa categoria de trabalhadores e de trabalhadoras que veem na

catação de materiais recicláveis o acesso ao trabalho informal e uma forma de continuar

vivendo, mesmo em condições de precariedade. Os produtos recicláveis significam realmente

um elo entre o catador e a indústria de reciclagem. Para contextualizar este subcapítulo foi

feito um resgate do princípio da sustentabilidade ambiental, do que são os resíduos sólidos

recicláveis e do que é reciclagem. Percebe-se que o capital gera os descartáveis e estes são

transformados em produtos recicláveis.

No final da década de 1980, mais precisamente em 1987, surge o princípio

denominado Desenvolvimento Sustentável, que se traduz na garantia da manutenção da

qualidade dos recursos naturais para uso das futuras gerações. Este princípio passa a ser

conhecido por quase todos os países e hoje é amplamente discutido em todos os fóruns

ambientais. Também nessa época surge o princípio conhecido como 3R´s, pautado na

redução, reutilização e reciclagem dos resíduos. Tal abordagem tem reconhecimento

internacional após a ECO-92, em que acontece a II Conferência das Nações Unidas sobre o

Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada entre os dias 3 a 14 de junho de 1992, na

cidade do Rio de Janeiro. (BRASIL/MS/REFORSUS, 2001).

De acordo com o princípio 3R´s, seguem-se os seguintes princípios: REDUZIR

consiste em realizar ações para minimizar a geração dos resíduos e seus impactos, diminuindo

o consumo de materiais, racionalizando o uso de energia e água, substituindo materiais

perigosos. REUTILIZAR consiste em prolongar a vida útil de um produto ou material,

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usando-o novamente, sem que seja necessário reprocessá-lo, ou seja, passar novamente por

algum processo de transformação. RECICLAR é semelhante a reutilizar, com a diferença de

necessitar de um processamento adicional. Quando separamos o plástico para a reciclagem,

por exemplo, este é limpo, triturado, derretido e granulado para poder ser utilizado

novamente. A desvantagem da reciclagem em relação à reutilização é que, no

reprocessamento, energia é consumida e muitas vezes novos resíduos são gerados. Vários

materiais podem ser reciclados, porém os mais comuns são: papel, papelão, plástico, metal e

vidro.

Segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), Norma Brasileira

Regulamentadora (NBR) 10.004:2004, resíduos sólidos são aqueles que:

Resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial,

agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos

provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e

instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas,

particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou

corpos de água, ou exijam para isso soluções, técnica e economicamente, inviáveis

em face à melhor tecnologia disponível. (2004, p. 7).

Os resíduos sólidos apresentam uma vasta diversidade e complexidade, sendo que

suas características físicas, químicas e biológicas variam de acordo com a fonte ou atividade

geradora, podendo ser classificados de acordo com os Riscos Potenciais de Contaminação do

Meio Ambiente: Classe I ou Perigosos, Classe II ou Não inertes, Classe III ou Inertes. Os

resíduos da Classe I sãos os resíduos perigosos, isto é, são aqueles que apresentam riscos à

saúde pública e ao meio ambiente, exigindo tratamento e disposição especiais em função de

suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e

patogenicidade, como os radioativos químicos, biológicos, contaminados. Os materiais da

Classe II são resíduos não inertes, ou seja, são os que podem ter propriedades tais como

combustiblidade, biodegrabilidade ou solubilidade em água. Os resíduos domésticos são

exemplos dessa classe. Por fim, os da Classe III ou inertes são aqueles que submetidos a um

contato estático ou dinâmico com a água destilada ou deionizada, à temperatura ambiente, não

tem nenhum de seus componentes solubilizados em concentrações superiores aos padrões de

potabilidade da água, como os resíduos de construção civil e os pneus. (ABNT/NBR 10.004,

2004).

De acordo com a natureza ou origem, o lixo está classificado em lixo doméstico

ou residencial, lixo comercial, lixo público, lixo domiciliar especial (entulho de obras, pilhas e

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baterias, lâmpadas fluorescentes, pneus etc.). O lixo pode ser de fontes especiais: lixo

industrial, lixo radioativo, lixo urbano, lixo de portos, aeroportos e terminais rodoviários, lixo

agrícola e resíduo de serviço de saúde.

Este trabalho de pesquisa trata dos resíduos sólidos urbanos ou lixo urbano, ou

seja, dos materiais sólidos coletados pelos catadores e que podem ser reciclados. São eles:

metal, aço, papel, papelão, plástico, vidro, alumínio etc. A Escola Superior de Agricultura

“Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP, 2010, p. 48) define reciclagem da seguinte forma:

Reciclagem: é o conjunto de técnicas que tem por finalidade aproveitar os detritos e

reincorporá-los no ciclo de produção. É o resultado de uma série de atividades, pela

qual, materiais que se tornariam lixo ou estão no lixo, são desviados, coletados e

processados para serem usados como matéria-prima na manufatura de novos

produtos. É o terceiro R.

A reciclagem tem papel fundamental na preservação do meio ambiente e gera

trabalho, ainda que precário, para muitas famílias, pois muitos trabalhadores e trabalhadoras

sobrevivem à custa da venda de materiais recicláveis. Dentre eles destacam-se: os catadores

de lixo, que saem pelas ruas e fazem a catação e segregação desses materiais e os devolvem

ao ciclo produtivo do capital, por meio da indústria da reciclagem.

3.3 Os catadores de lixo: uma categoria de trabalhadores que tem a rua como local e

ambiente de trabalho

De acordo com Bortoli (2009, p. 106), no Brasil, a profissão de catador de

material reciclável foi reconhecida e oficializada em 2002 pela Classificação Brasileira de

Ocupações (CBO). Estima-se que no País sejam mais de 500 mil catadores de lixo. Contudo,

o reconhecimento da profissão não implicou mudanças nas condições de vida e de trabalho

dos catadores, os quais atuam sem vínculo empregatício e sem direitos sociais e trabalhistas;

ganham em geral menos de um salário mínimo por mês, disputam materiais recicláveis com

seus pares; não estão inseridos nos sistemas formais de gestão de resíduos e enfrentam a

exploração da indústria da reciclagem.

A rua, como um espaço público, torna-se um ambiente onde se encontram

diversos sujeitos: flanelinhas, mendigos, engraxates, vigia de carro nas ruas, vendedores

ambulantes, pessoas fazendo malabarismos nos semáforos e os catadores de lixo – sujeitos

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desta pesquisa - dentre tantos outros. De acordo com Cunha (2009, p. 80), o comércio de rua é

construído sob a ótica do trabalho precarizado e a apropriação dos espaços públicos como

locais de trabalho são justificadas pelos trabalhadores como normal, natural, necessária para a

sobrevivência, logo relacionada à importância de ganhar a vida honestamente, ou seja,

trabalhando.

O catador não perde tempo no seu trajeto: ele sai com o seu carrinho pelas ruas da

cidade; enfrenta sol, chuva, sede, calor, discriminação, em nome da sobrevivência dele e de

sua família. Ser catador é lutar, diariamente, em movimentos diurnos e noturnos de idas e de

voltas pelo espaço urbano. O catador sai, muitas vezes, sem destino e vai percorrendo as ruas

dos bairros, em busca da sobrevivência. Estas informações sobre o cotidiano do catador

advêm de momentos vivenciados pela pesquisadora, frente a frente com alguns desses

trabalhadores, os catadores de lixo, que contaram um pouco das suas histórias de vida.

A pesquisa move-se em torno do catador e mostra que, embora esse trabalhador

viva no mundo do trabalho precarizado e informal e não tenha horários a cumprir, pois

trabalha de forma autônoma, mas prolonga o seu dia de trabalho, adentrando noites e mais

noites de catação, por causa do baixo preço do quilo dos materiais recicláveis e pelo custo de

vida que é elevado em comparação ao que se apura na catação. Exemplo disso é dado pelo

senhor Manoel, que sai durante a noite para catar um maior número de materiais recicláveis.

“Catar de noite é mais bom, pois arranjo muita coisa, e se sair de manhã é mais difícil porque

o carro passa e leva tudo.” (Manoel, catador, 45 anos).

O catador faz referência ao caminho do lixo, quando diz: “o carro passa e leva

tudo.” Pode-se perceber que, realmente, o senhor Manoel tem razão, pois o caminhão do lixo

passa muito cedo, antes das 08:30h da manhã, na maioria das ruas do Parque São José e o

catador que quiser catar mais materiais tem que ser esperto, levantar-se muito cedo ou sair à

noite para trabalhar pelas ruas da cidade, levando em consideração que existem muitos outros

catadores que percorrem as mesmas ruas e tem prioridade quem chega primeiro ao lixo, tendo

maior probabilidade de juntar uma quantidade de lixo reciclável, superior ao catador, que

chega ao local de catação muito tempo depois.

Conhecer catadores e catadoras de lixo, pessoas como dona Ivone, Manoel,

Edivan, José, Antonia, Eneuda, José Sales, Lucilene, é vivenciar um pouco a enorme

concentração de riqueza do Brasil, que cria uma grande disparidade e desigualdades sociais,

aumentando, consequentemente a pobreza. De um lado, observa-se uma pequena parcela da

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população vivendo “em berço esplêndido” e, do outro, a maioria vivendo de forma

assalariada, precária, informal, em péssimas condições de vida e de trabalho. Como afirma

Tavares: “A lógica do capital não é a de que todos ganhem, ao contrário, é preciso que muitos

percam para que alguns ganhem.” (2009, p. 242). Acumulação e pobreza são polos opostos do

sistema capitalista.

Pessoas que têm lições de vida, de coragem e de destemor. Pessoas que

encantam e desencantam. Encantam quando enfrentam as expressões da lógica

destrutiva do capital; desencantam quando não lutam e pensam que não tem mais jeito

de melhorarem suas condições de vida e de trabalho, quando naturalizam a fome, o

desemprego e todas as consequências fortalecidas e engendradas pela onda neoliberal.

Desencantam quando não se reconhecem como trabalhadores e trabalhadoras e não se

organizam politicamente. Desencantam quando não veem no processo de catação uma

forma de não poluir o meio ambiente e degradar a natureza, trazendo para a cadeia

produtiva da reciclagem, uma grande parte dos resíduos sólidos recicláveis que foram

descartados pela sociedade do consumo e voltam a fazer parte do circuito produtivo do

capital como matéria-prima para a fabricação de novos produtos.

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E assim é que se descobre o catador: alguém que tem sede, não de vingança, mas

sede de justiça social, de cidadania e de políticas públicas. É traçado, aqui, o perfil dos

catadores do perímetro do Parque São José: homens, mulheres, jovens, idosos e até crianças,

que trabalham na catação de lixo pela sobrevivência. São pessoas que veem na catação dos

materiais recicláveis um meio de vida e de subsistência e de complemento à renda familiar. É

uma categoria de trabalhadores e trabalhadoras de rua que vive às margens do sistema

capitalista, sem serem de modo algum contemplados pelo progresso econômico.

Os catadores expressam nas condições de vida e de trabalho, as configurações da

questão social representadas pelo desemprego, fome, analfabetismo, violência psicológica,

que é caracterizada pela discriminação e preconceito. A atividade laboral desses trabalhadores

é uma forma de sobrevivência e de driblar a falta de oportunidade do trabalho formal e de

seus salários fixos etc. A pesquisa mostra que ser catador não significa ser analfabeto. A

catadora Ivone de 44 anos é uma prova autêntica de que a categoria de catadores e catadoras

de lixo é heterogênea, pois a catadora possui o ensino médio e vive a realidade do desemprego

e sobrevive da catação, um trabalho informal.

3.4 Perfil dos catadores de lixo do bairro Parque São José

Dos dez catadores que trabalham no Parque São José e vendem seus materiais no

Depósito do senhor Evaldo, oito foram entrevistados. 50% da amostra por acessibilidade é do

sexo masculino e 50% do sexo feminino. Os catadores estão na faixa etária entre 20 e 75

anos. Quatro desses trabalhadores moram em casa alugada e quatro moram em casa própria.

Apenas dois sobrevivem, exclusivamente, da venda dos materiais recicláveis. Todos veem o

trabalho do catador de lixo não como uma categoria de ocupação, mas como um “bico”.

Todos os entrevistados têm água e luz em casa. Todos falaram que o grau do seu esforço

físico no trabalho é muito forte (muito grande), Somente um dos catadores entrevistados

recebe um pouco acima de um salário mínimo, mensalmente, um recebe o beneficio do

Programa Bolsa Família18

, um catador é aposentado por tempo de serviço pela Previdência

18

Conforme o Ministério de Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS), o Programa Bolsa Família (PBF) é

um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema

pobreza em todo o País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil sem Miséria, que tem como foco de atuação 16

milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$70,00 mensais. O BF possui condicionalidades

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Social. Nenhum deles sofreu acidente de trabalho apesar de todos terem afirmado que não

usam Equipamento de Proteção Individual (EPI) na catação, a não ser três catadores que usam

boné para se defender dos raios do sol, como um objeto de proteção pessoal, e um dos

catadores, que utiliza uma luva cano longo, rasgada, cedida pelo proprietário do depósito de

reciclagem, para ele ajudar a fazer a classificação ou segregação dos materiais, no momento

da compra e da venda à indústria de reciclagem.

Dos entrevistados, oito sofreram discriminações no trabalho de catação. Todos

eles falaram que percorrem muitos bairros da periferia, além do Parque São José. Um dos

catadores faz catação no Centro de Fortaleza, e quando vão ao Centro, passam dois dias, pois

vão num dia e só volta no outro. Nenhum dos catadores entrevistados estuda, atualmente. Seis

dos entrevistados pararam de estudar no ensino fundamental porque tinham que trabalhar.

Dois deles são analfabetos. Dos catadores entrevistados, apenas um conseguiu concluir o

ensino médio. Sete dos catadores entrevistados são pais e mães de família. Três dos catadores

disseram que fazem apenas duas refeições ao dia. Quando questionados sobre as expectativas

para o futuro, um dos catadores de lixo responde: “Tenho vontade de sair dessa vida. Por

exemplo: quero ajuntar dinheiro e trabalhar para mim mesmo. Ter o próprio negócio até

2014.” (Edivan, catador, 23 anos).

Da amostra de oito catadores, 100% dos entrevistados não desejam permanecer na

categoria de catadores de materiais recicláveis pelo resto de suas vidas. Catadores como:

Gostaria de pode montar o próprio negócio e sair da catação. (José, catador, 50

anos).

Sair da reciclagem, comprar a casa própria e voltar para trabalhar com as rosas.

(Ivone, catadora, 44 anos).

Gostaria de continuar fazendo faxina nos prédios, trabalhar em casa de família.

Trabalho. Tem que trabalhar se não dar certo. (Lucilene, catadora, 47 anos).

Os catadores de lixo almejam sair do trabalho de catação, pois para eles

significa um mero meio de sobrevivência. São trabalhadores e trabalhadoras de rua que

aspiram melhores condições de vida e de trabalho, não percebendo e nem acreditando em

mudanças no trabalho de catador, pensam em novas oportunidades. A catadora Lucilene

a serem cumpridas pela família beneficiada, no caso do BF, as crianças até 17 anos devem estar na escola.

Disponível em: ( www.mds.gov.br.).

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trabalhou como empregada doméstica durante quatro meses, desaparecendo a oportunidade de

fazer faxinas nas casas e apartamentos, ele teve que sujeitar-se a trabalhar como catadora com

o seu cunhado, o catador José Sales.

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4 A REALIDADE DOS CATADORES DE LIXO

Este capítulo apresenta a realidade dos catadores de lixo do bairro Parque São

José, revelada em suas próprias falas. Os sujeitos desta pesquisa são trabalhadores e

trabalhadoras que têm a rua não como um passatempo e nem apenas como uma via pública de

passagem, mas como um campo de trabalho informal e precário. O aparecimento dessa

categoria de trabalhadores não é fruto do acaso. Mattoso explica:

O intenso processo de desestruturação do mercado de trabalho ocorrido nos anos 90

e, sobretudo, durante o primeiro governo FHC (1995-98) teve como pedra de toque

uma acentuada redução da capacidade de geração de empregos formais. Em outras

palavras, depois de várias décadas de extraordinário dinamismo e de assalariamento,

a economia nacional mostrou-se pela primeira vez incapaz de gerar postos de

trabalho, não apenas relativamente à elevação da produtividade e aos novos

ingressantes no mercado de trabalho, mas em termos absolutos. (1999, p.17).

Com o crescimento do desemprego, tornam-se crescentes os trabalhos

temporários, sem renda fixa, em tempo parcial e aumenta a degradação das condições de vida

e de trabalho de muitos trabalhadores. Dentre eles, pode-se citar o trabalho dos catadores de

lixo. O desemprego e a informalidade crescem com a retração do trabalho formal e das

atividades produtivas do capital. Mattoso (1999, p. 14) afirma que, depois de negar o

desemprego, tentaram atribuí-lo à desqualificação do desempregado. Dentro do universo de

desemprego, o catador de lixo, destituído de direitos e de garantias trabalhistas, sem

contribuição para a Previdência e, portanto, sem acesso à aposentadoria.

A pesquisa mostra o perfil dos catadores e catadoras de lixo do Parque São José, a

partir dos indicadores sociais mais básicos referentes à escolaridade, condições de moradia,

condições de alimentação e vestuário, motivações e condições de trabalho, insegurança no

trabalho, situação de rua, discriminação e expectativa para o futuro. Percebe-se, portanto, no

exercício laboral da catação, uma categoria de trabalhadores e trabalhadoras de rua que é

marginalizada.

Observa-se nos catadores entrevistados, uma força interior regida pela

necessidade de sobrevivência. São homens e mulheres, jovens e crianças marcados pelo

sofrimento do trabalho de catação de lixo. Os catadores enfrentam tudo em nome do sustento

deles e das suas famílias. Um dia catam mais, no outro dia catam menos; mas o que interessa

para esses trabalhadores é tirar do lixo aquilo que pode ser vendido para a indústria da

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reciclagem e também levam para eles mesmos aquilo que lhes interessam, podendo ser

reaproveitado, neste caso, para uso pessoal. Quando indagada sobre o que já encontrou no lixo

e levou para uso pessoal, dona Lucilene, catadora, de 47 anos responde: “Eu tenho uma jarra

de plástico, um copo de vidro e uma garrafa térmica que encontrei no lixo.” No lixo encontra-

se de tudo. Quanto mais o capital produz mais mercadoria é descartada. Tem-se, portanto, a

destruição produtiva que estimula a produção e o consumo de novos valores de troca,

inserindo no circuito de valorização do capital não só as mercadorias descartadas, o lixo, mas

também os trabalhadores supérfluos ou as “vidas desperdiçadas” - nos termos de Bauman

(2005), lançando-os em um nível de precarização das condições de trabalho e de vida ainda

maior, sem qualquer proteção social oriunda de direitos trabalhistas.

O senhor José Sales, por exemplo, catador de 74 anos começou a trabalhar com

oito anos de idade como ajudante de sapateiro e quando atingiu a maioridade trabalhou 26

anos como padeiro. Mora no bairro Parque Jerusalém há 22 anos. Na casa dele moram mais

quatro pessoas: a esposa, dona Lucimar, catadora, de 52 anos, a dona Lucilene, cunhada do

senhor José, catadora, de 47 anos e uma filha adotiva de 22 anos de idade, que segundo o seu

José Sales, não trabalha e nem estuda. “Eu botei ela numa escola, mas ela não quis estudar.”

(José Sales, catador, 74 anos). O catador José Sales fala da filha adotiva que não quer mais

estudar e também disse que para ele, a catação de lixo é um complemento à renda familiar,

sendo esta quase insuficiente para suprir as necessidades básicas da sua família. Ele gasta

quarenta reais com o gás, trinta e um reais com a “sociedade” (tipo de plano funerário com

direito a consultas médicas e plano odontológico), sessenta reais com a água e a luz. Sobre a

catação, o senhor José Sales afirma: “O que vier aumenta.” Tudo o que é apurado no trabalho

de rua, vem somar à sua aposentadoria, de um salário mínimo mensal, para cobrir as despesas

da família.

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Figura 06 – José Sales, catador, 74 anos e a sua cunhada, Lucilene, catadora, 47 anos.

Apesar de não gozar de boa saúde, pois é diabético e teve início de Acidente

Vascular Cerebral (AVC), o catador José Sales19

, vivencia as condições de trabalho na

catação, sendo que um dia ele sai para catar com a sua esposa, a dona Lucimar e no outro dia,

ele sai para catar com a sua cunhada, Lucilene. Durante o trabalho de catação de lixo, o

senhor José Sales faz algumas pausas para descansar. “Faço uma força mais danada do

mundo.” (José Sales, catador, 74 anos). Para ele, o trabalho de catador é bastante duro, requer

força, coragem, disposição e boas estratégias. Neste caso, ele leva consigo, alternadamente, a

esposa e a cunhada para que elas possam ajudá-lo, catando o lixo e puxando o carrinho, caso

faça-se necessário.

19

Os entrevistados concordaram em ser identificados pelo nome e permitiram que fossem tiradas as fotos.

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4.1 O catador e a questão da escolaridade

As entrevistas foram agrupadas por questões pontuais, para melhor interpretação

dos dados coletados. Trata-se de uma amostra de oito catadores de lixo, de um grupo de dez,

que vendem materiais recicláveis para o Depósito de Reciclagem Evaldo, localizado no bairro

Parque São José.

Figura 07 - Ivone, catadora, 44 anos e pesquisadora.

Uma das oito pessoas entrevistadas é Ivone, que tem 44 anos e cursou o ensino

médio, é natural de Santana de Acaraú – Ceará e há oito anos trabalha como catadora de lixo.

Ela tem sete filhos. Destes, três estudam que são as três mulheres: de sete, dez e doze anos de

idade. Os outros filhos da catadora Ivone têm três, dezessete, dezoito e vinte e seis anos.

Quanto à questão do nível de escolaridade, percebe-se por meio da pesquisa, que ser catador

de lixo não significa necessariamente ser analfabeto. A catadora Ivone mostrou isto, quando

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declarou que cursou o ensino médio. Ela é uma trabalhadora atingida diretamente pelo

desemprego estrutural, sendo este fruto da reestruturação produtiva, da política neoliberal e de

outras estratégias do modelo de acumulação do sistema capitalista. Um catador afirma: “Fiz

até a 3ª. série do Primeiro Grau. Primeiro eu não tenho esse estudo e depois eu não quero

estudar mesmo”. (Edivan, catador, 23 anos).

Edivan representa um maior número de catadores que não concluíram o Ensino

Fundamental e não estudam porque o trabalho precário de catador extingue todas as suas

forças e disposição para enfrentar a sala de aula. São pessoas que, consumidas pelo trabalho

exaustivo e desgastante, não apresentam quaisquer condições para formação escolar e

acadêmica. A realidade da questão da escolaridade dos trabalhadores e trabalhadoras de rua,

tratando-se dos catadores de lixo, é bastante diversificada, não podendo, portanto,

fundamentar-se em uma única resposta superficial, sem procurar compreender o porquê da

prevalência de analfabetismo, entre os catadores ou mesmo a baixa escolaridade dessa

categoria de trabalhadores. A pesquisa também mostra catadores, como dona Lucilene, de 47

anos, que mal sabe falar e é uma pessoa analfabeta. Trata-se de fatores que movimenta o

analfabetismo e a baixa escolaridade e que afeta esse grupo de catadores, salientando,

portanto, a necessidade que todos os membros da família têm em cooperar para a

sobrevivência, comprometendo, na maioria das vezes, o tempo e a disposição para dedicar-se

aos estudos.

Observa-se muitas vezes, crianças em idade escolar, trabalhando com os seus pais,

buscando em primeiro lugar, o seu sustento. O analfabetismo perpassa todo um contexto

socio-histórico, que vem desde o Brasil colonial, em que os escravos tinham que trabalhar e

só a burguesia e as elites tinham o direito ao estudo. Conforme Iamamoto (2008, p.128): “O

moderno se constrói por meio do arcaico”. São as raízes coloniais do atraso que prevalecem

enraizadas na classe menos favorecida da sociedade contemporânea, destaca-se aqui, o sujeito

da pesquisa – o catador de lixo - que lembra o período escravista do País. De acordo com

Silva:

Acresce-se ainda a natureza do colono português que aqui implantou um regime

político-administrativo, visto o monopólio da Coroa portuguesa, a ausência de um

sistema educacional mais amplo, pois somente os filhos das elites recebiam

instrução de qualidade, pois eram preparados para serem os futuros dirigentes. A

maioria da população, quando não ausente das poucas escolas, era agraciada com o

ensino apenas elementar. (2000, p. 30).

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Claro que a modernidade trouxe grandes avanços e maiores oportunidades de

crescimento intelectual e profissional, mas como foi dito, anteriormente, são inúmeros fatores

que envolvem a questão da escolaridade, sinalizando que, a necessidade prioritária para o

catador é a alimentação, revelando, aqui, as péssimas condições de trabalho ratificam as

precárias condições de vida, ou seja, o catador vive da catação e depende literalmente da

catação e a possibilidade desse trabalhador de abrir mão do trabalho para estudar ou conciliar

um trabalho tão desgastante com a sala de aula, é potencialmente nula, com raras exceções.

4.2 O catador e as condições de moradia

A pesquisa mostra que quatro dos catadores entrevistados moram em casa própria

e quatro pagam aluguel. Apesar da metade dos catadores entrevistados possuírem sua própria

moradia, as condições são na maioria das vezes, insalubres. Basta observar as falas desses

catadores e catadoras de rua. “Minha casa é muito pequena, mas não dá pra pagar uma casa

maior e num lugar mais seguro. O que ganho mal dá pra fazer o necessário.” (José, catador,

45 anos). O catador obriga-se a morar numa casa pequena para a sua família e num local

bastante inseguro porque sua condição financeira proíbe-lhe de arranjar outra moradia. Outra

catadora diz: “Moro no Parque Jerusalém. Minha casa é alugada e o aluguel é cento e

cinquenta reais. Pago oitenta reais com a energia e vinte com água. Minha casa não é

rebocada e tem muita catita e tudo tem que ser tampado. No inverno, a rua fica alagada.”

(Ivone, catadora, 44 anos). Percebem-se na fala da catadora Ivone, as precárias condições de

moradia, a que ela está sujeita. O trabalho de catadora não lhe permite pagar um aluguel mais

caro e nem melhorar as condições de suas habitações e tem que conviver numa casa, com

insetos e situações, que causam riscos à saúde deles e de suas famílias.

As condições de moradia dos catadores de lixo José, Ivone e de tantos outros é

uma amostra das precárias condições de vida de uma categoria de catadores e catadoras que

moram de aluguel e em locais insalubres: convivem com insetos, ratos, alagamentos e ainda

têm que arranjar todo mês o dinheiro do aluguel. Tiram da barriga para poderem ficar debaixo

de um teto, ou seja, diminuem os gastos com a alimentação e vestuário para poderem pagar o

aluguel de uma casa para morar. De acordo com Mattoso:

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O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) considera que cerca de

57 milhões de brasileiros – o equivalente a 35% da população – está atualmente

abaixo da linha de pobreza e que entre 16 e 17 milhões de brasileiros vivem em

condições de miséria absoluta. (...) A sociedade brasileira, estruturalmente desigual,

aparece agora fragmentada e contaminada por forte anomia, com uma acentuada

desarticulação dos milhares de brasileiros sem teto, sem terra, sem salário, sem

emprego e, sobretudo, sem esperança. (1999, p. 24).

A realidade de muitos catadores é ainda mais complicada porque estão

desprovidos da casa própria, ganham uma renda mensal inferior a um salário mínimo, não têm

uma boa alimentação, e abstém-se de outras coisas, que são consideradas necessidades básicas

à existência e dignidade da pessoa humana. Esses catadores estão destituídos dos direitos

sociais e universais: à vida, à moradia, à segurança, à saúde, ao lazer. O catador seleciona as

necessidades que são mais prioritárias para ele, devido à própria renda que não supre todas as

suas despesas, neste caso, a moradia e a alimentação prevalecem como indicadores mais

relevantes para o trabalhador de rua.

Depois de um dia de trabalho, o catador volta para a sua moradia: cansado,

exausto, esgotado, fisicamente, mas satisfeito por ter um lugar para descansar. Observa-se

essa realidade, na vida do catador José Sales, de 74 anos, que mora no bairro Parque

Jerusalém e possui casa própria. O catador disse que construiu a sua casa, quando ainda era

padeiro, e nesse tempo, ela tinha apenas dois compartimentos ou dois “vãos”.

4.3 O catador e as condições de alimentação e vestuário

Os catadores vivem em precárias condições de vida e isso envolve, sobretudo, as

condições de alimentação e vestuário. Muitos catadores catam no lixo não só resíduo sólido

reciclável, mas alimentos e roupas. Percebe-se por meio da pesquisa, que o lixo oriundo das

residências ou domicílios traz para o catador uma diversidade de coisas, dentre elas, alimentos

perecíveis e peças de roupas que são sempre encontradas, durante a catação. Destaca-se a fala

de uma catadora:

Quando o botijão seca, tenho uma saca de carvão para cozinhar as coisas mais dura.

Quando preciso de dinheiro peço um vale ao senhor Evaldo. Faz oito anos que

trabalho para o seu Evaldo. Ele é o meu patrão. Quando preciso de qualquer dinheiro

emprestado vou até lá e ele anota no vale. (...). Toda quarta-feira vou vender

bregueço na feira do Canidezinho. Vendo roupas e calçados usados, DVD´s velhos,

som velho. São coisas que as pessoas me dão ou que encontro no lixo. (Ivone,

catadora, 44 anos).

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No lixo domiciliar, o catador acha de tudo, tanto ele encontra coisas imprestáveis,

como objetos que podem ser reaproveitados. A catadora Ivone afirma que já encontrou roupas

e calçados ainda em bom estado de uso, por isso, além de levar para o uso pessoal também

carrega para vender na feira do Canidezinho. Outra catadora afirma:

“Se não trabalhar a gente morre de fome. Se não posso comer frango como um

pedaço de pão e um tomo um copo de café. E desse jeito a gente vai escapando.” (Antônia,

catadora, 61 anos).

As condições de vida e de trabalho são indissociáveis. Se as condições de trabalho

são precárias, isso reflete diretamente nas condições de vida do trabalhador. As catadoras

Antonia e Ivone mostram essa realidade de péssimas condições de alimentação, pois falam

das dificuldades enfrentadas para garantirem a alimentação e o vestuário. O atendimento das

necessidades é feito por meio do trabalho humano, que se torna condição fundamental da vida

humana e da história da humanidade. É por meio do trabalho, mesmo que seja informal, que o

trabalhador supre as suas necessidades básicas, essenciais à sua sobrevivência.

Percebe-se por meio desta pesquisa, que o catador busca no lixo não somente o

resíduo sólido reciclável, mas roupas, alimentos, utensílios domésticos etc. Muitas vezes, o

catador é abordado pelos moradores do bairro e recebe roupas, alimentação, produtos

descartáveis. O catador José Sales disse que as pessoas sempre o ajudam, dando-lhe alguns

alimentos. “Tenho alguns amigos que de vem em quando me ajuda na feira e eu recebo.”

(José Sales, catador, 74 anos). E assim o catador vai sobrevivendo, arranjando um pouquinho

daqui e de lá e trabalhando na catação, significando incessantes estratégias de sobrevivência.

4.4 O catador: suas motivações e condições de trabalho

Este ponto da pesquisa traz questionamentos inerentes às motivações e condições

de trabalho dos catadores e catadoras de lixo no bairro Parque São José e propõe-se a uma

reflexão e compreensão a partir da fala dos sujeitos. Todos os catadores mostraram

insatisfação no desempenho do seu trabalho. São motivados pela necessidade de

sobrevivência. São movidos para a ação da catação, unicamente pela vontade de viver e

continuar vivendo, por isso esses trabalhadores e trabalhadoras de rua se erguem do lixo, não

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baixam as suas cabeças diante das dificuldades encontradas no percurso do seu trabalho, mas

enfrentam o dia a dia de catação, percebendo que eles precisam desempenhar essa atividade,

caso contrário, ficam desprovidos totalmente do meio de subsistência, no caso, a reciclagem.

A fala do senhor Manoel demonstra a angústia de ser catador: “Quer puxar carroça ou quer

arranjar um trabalho de verdade?” Na fala do catador vê-se um complexo de inferioridade, de

desmotivação, quanto ao trabalho que executa. Estes trabalhadores de rua não se reconhecem

como catadores de materiais recicláveis, mas como catadores de lixo, devido ao seu contato

direto com produtos que foram jogados fora, descartados pela sociedade do consumo. Senão

vejamos:

Antes de ser catadora, confeccionava flores com meia trifil, mas não tive mais

condições de comprar o material para fazer as flores e aí tive que trabalhar como

catadora. Mas o meu sonho é sair da reciclagem e comprar a casa própria e voltar

para trabalhar com as rosas. A gente tem que se rebolar de todo o jeito. Ser catador é

aguentar muita coisa, é ter muita força, pois é muito sol e só pega alguma coisa se

pegar peso. (Ivone, catadora, 44 anos).

Ivone expressa em sua fala o que a levou a exercer a atividade de catadora de

lixo. Diante das diversas necessidades humanas e de subsistência, ela não viu outra

oportunidade. Apesar de ter cursado o ensino médio, Ivone vendo-se desempregada, começou

a trabalhar na catação do lixo reciclável, unicamente, pela necessidade. A motivação para o

trabalho de catadora é pautada, exclusivamente, na necessidade de sobrevivência dela e de

seus sete filhos. As condições de trabalho, como catadora, também exigem que a pessoa tenha

muita força, pois de acordo com Ivone, só consegue juntar muito material reciclável quem

tem disposição física para o exercício laboral da atividade de catação. A catadora afirma que

como não tinha dinheiro para comprar o material para a confecção das rosas, teve que ser

catadora de lixo. Já Antônia afirma:

Eu quero que Deus me dê força e coragem pra continuar encarando essa vida de

catadora, pois já sofri muito. Se eu fosse contar tudo para você ia passar o dia todo

aqui no meio da rua. Mas as condições do catador é das piore que existe. É um

trabalho muito puxado. Você não pode nem ficar doente! Se ficar doente é um

avexame! Pronto! Eu acho que já deu pra sentir o que é ser catador. Ninguém é

catador porque escolheu, mas a vida obrigou a gente a ser. (Antonia, catadora, 53

anos).

Percebe-se a unanimidade na fala dos catadores, todos eles encaram a catação de

lixo, não como algo que exercem porque optaram, mas como um mero meio de sobrevivência.

Para Antonia, ninguém escolhe ser catador ou catadora, mas as necessidades básicas obrigam

a exercerem o ofício de trabalhador de rua. Para a catadora, as condições de trabalho são das

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piores que existem. Trata-se de um trabalho precário e em condições desumanas, pois os

catadores não contam com nenhum tipo de segurança, mas estão sujeitos aos diversos perigos

oriundas do lixo. O catador Edivan expõe:

Antes de trabalhar como catador eu era repositor de mercantil, mas fiquei

desempregado e a única coisa que pude conseguir foi ser catador. Pra ser catador

basta o cara ter coragem, pegar o carrinho e sair por aí. É coisa puxada! Primeiro eu

não tenho esses estudo e depois eu não quero estudar mesmo. Se eu pudesse

trabalhava pra mim mesmo. (Edivan, catador, 23 anos).

O desemprego e a baixa escolaridade de Edivan não lhe deram outra oportunidade

e a única saída encontrada por ele foi exercer o trabalho informal de catador. O trabalho na

catação exige coragem, e esta é motivada pela necessidade de sobrevivência dele e de sua

família. Antes ele era repositor de mercantil, mas a instabilidade do mercado, pautado na

acumulação flexível, que exige um trabalhador polivalente, desemprega Edivan, pois outro

trabalhador passa a fazer várias atividades, inclusive, a de repositor.

O catador Manoel também esclarece:

Minha mulher me ajuda muito. Antigamente quando ela tinha mais saúde, ela

trabalhava fazendo faxina em casa de família. Hoje ela lava roupa e engoma pra

ajudar pagar aluguel, luz e água. As coisas vai ficando cada vez pior. O que a gente

ganha com o lixo é só pra tirar a barriga da miséria. (Manoel, catador, 50 anos).

O catador Manoel fala da ajuda mútua da esposa para quitar as dívidas de sua

casa. A renda adquirida na catação do lixo reciclável significa para o catador uma forma de

adquirir dinheiro para sobreviver. A sua esposa o auxilia nas despesas fazendo lavagem de

roupa e engomando. Compreende-se, portanto, que o desemprego e as necessidades básicas

motivam a família do trabalhador de rua, Manoel, ao exercício da atividade de catador, e ao

mesmo tempo mostra que a renda adquirida na venda de materiais recicláveis é insuficiente,

precisando de outras estratégias de sobrevivência, no caso desse catador, a esposa ajuda no

pagamento das despesas.

O catador José afirma:

O que ganho como catador mal dá pra fazer o necessário. Minha companheira

trabalha em casa de família e recebe cinquenta reais por semana. Ela também recebe

o Bolsa Família, e aí ajuda nós. É muito pouco, mas a gente precisa muito. Dá pra

pagar água e luz e eu me viro com o aluguel e a comida. Meu filho de treze anos

estuda de manhã e a tarde vende bombons e chocolate dentro dos ônibus. (José,

catador, 45 anos).

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Observa-se na fala do catador José, a insuficiência da renda adquirida na catação,

mas conta com a ajuda da sua esposa e de seu filho, de treze anos, que exerce o trabalho

infantil no turno da tarde e estuda pela manhã. O catador José tem como complemento à renda

familiar, o benefício Bolsa Família, pago pelo Ministério do Desenvolvimento e Combate à

Fome (MDS), tendo como uma de suas condicionalidades a frequência da criança na escola.

A renda proveniente do trabalho informal – instável e não associado a direitos – e a renda da

assistência social – política seletiva, focalizada e emergencial – não são capazes de garantir

aos catadores, nem a muitos trabalhadores brasileiros, condições dignas de vida. O mercado

os exclui, as sociedades os discriminam e o Estado não lhes oferece a devida proteção social,

restando-lhe a busca por outras estratégias de sobrevivência. Outra catadora declara:

Antes de ser catadora trabalhei como faxineira no Colégio Maria Auxiliadora. Sofri

um acidente de carro. Fui atropelada por uma Kombi e fui demitida do colégio. As

pessoas dizem que sou doida e aí que fica difícil arranjar trabalho em alguma casa.

Minha filha é casada com o filho da dona do colégio e ela tem vergonha de mim.

Faz um ano e sete mês que comecei ser catadora de lixo. Trabalho de catadora

porque preciso. (Eneuda, catadora, 61 anos).

A catadora Eneuda expõe as suas dificuldades. É uma pessoa da terceira idade e

também trabalha na catação por uma questão de necessidade. O que a levou à atividade de

catação foi o desemprego e como ela falou, depois que sofreu um acidente de carro, as

pessoas acham que ela ficou doida, isso porque ela ficou esquecida. Segundo a catadora tem

hora que ela se esquece das coisas, mas depois lembra. Vale ressaltar que a catadora Eneuda

prefere catar latinhas no seu carro de mão, pois segundo ela é o material mais rentável e ela

não se cansa muito.

Diante das falas dos catadores de lixo que foram entrevistados, o trabalho

atividade de catador de lixo é visto como uma forma de sobrevivência e não como uma

realização pessoal e social. Esses trabalhadores veem o trabalho de catador, não como uma

categoria organizada e oficializada pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), mas

como um “bico” e um trabalho humilhante, que não foi encarado como uma opção ou escolha,

como tantos outros tipos de trabalho. O trabalho de catação de lixo significa para eles, um

meio de sobrevivência, uma complementação à renda familiar e uma forma de “ganhar a vida

honestamente”. O catador de lixo vê na catação uma forma honesta de viver, pois está

adquirindo os seus bens, e suprindo as suas necessidades por intermédio do trabalho, e não

roubando ou cometendo atos ilícitos na sociedade, tendo em vista que nos tempos de hoje a

criminalidade, e não só a informalidade, têm aparecido como meio de vida de significativa

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parcela da população. Conforme afirma o catador: “É luta pela sobrevivência. É buscar o que

comer sem pegar nada de ninguém.” (José, catador, 50 anos).

Figura 08 - Edivan, catador de lixo (materiais recicláveis), 23 anos e Audenir, entrevistadora.

Sabe-se que esses trabalhadores, os catadores lixo, realizam as suas atividades

laborais em condições aviltantes e subumanas, sendo o seu ambiente de trabalho constituído

em torno do lixo descartado pela sociedade. Mota, Valença, Silva (2004) afirmam:

Embora esteja atestada a funcionalidade do trabalho do catador e da catadora na

cadeia produtiva do “lixo”, a exploração do seu trabalho é notória e obscurecida sob

o manto da sua funcionalidade ambiental. (...) Essa ocupação configura-se crescente,

já que a reciclagem apresenta-se como um lucrativo mercado que movimenta cerca

de três bilhões de reais por ano. A jornada dos catadores e catadoras varia entre 9 e

15 horas por dia e 20 dias por mês, em ambiente insalubre, sendo que a grande

maioria não utiliza qualquer Equipamento de Proteção Individual (EPI), além de não

possuir nenhuma proteção jurídico-formal. (2004, p. 76).

Durante o percurso da pesquisa foram observadas as condições de trabalho dos

catadores e catadoras. Eles enfrentam todo tipo de adversidade em prol da sobrevivência,

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fazendo percursos entre as ruas e bairros adjacentes ao Parque São José, perímetro da

pesquisa. Percorrem ruas e bairros a pé, suportando o peso de carrinhos pesados e

sobrecarregados de materiais. Cansaço físico, fadiga, sede, fome, sol, chuva, calor, medo,

extensa e longa jornada de trabalho etc. Retratam-se aqui, as condições de trabalho desses

catadores que sobrevivem à custa do lixo gerado pelo capital e encontram-se em situação de

vulnerabilidade social.

4.5 O catador e a insegurança no trabalho

Ser catador é estar na rua, catando lixo; é trafegar nas avenidas movimentadas; é

correr riscos de saúde por meio do contato direto com materiais de origem ignorada e

desconhecida; é estar sujeito aos inúmeros revezes que e o lixo e a rua proporcionam, pois o

que vai para o lixo é considerado inútil. Na rua, o catador está exposto a ataques de animais,

tais como cachorros e outros perigos pertinentes. Bauman esclarece:

Os coletores de lixo são os heróis não decantados da modernidade. Dia após dia, eles

reavivam a linha da fronteira entre normalidade e patologia, saúde e doença,

desejável e repulsivo, aceito e rejeitado (...). Essa fronteira precisa da constante

diligência e vigilância porque não é absolutamente uma “fronteira natural”: não há

montanhas altíssimas, oceanos sem fundo ou gargantas intransponíveis separando o

dentro do fora. E não é a diferença entre produtos úteis e refugo que demarca a

divisa. Muito pelo contrário, é a divisa que prediz - literalmente, invoca – a

diferença entre eles: a diferença entre o admitido e o rejeitado, o incluído e o

excluído. (2005, p. 39).

A “fronteira” entre o catador de lixo e seu campo de trabalho é algo que foi

construído historicamente, não é algo natural. A insegurança é uma consequência do

desemprego estrutural e das atrocidades oriundas da lógica destrutiva do capital. A fala da

catadora, dona Eneuda, 61 anos, demonstra a insegurança no trabalho: “Trabalho na catação

segunda, sábado e domingo. Saio de casa às seis horas da manhã. Não tenho coragem de catar

de noite, pois tem muito ladrão, hoje em dia.” O trabalho do catador é desafiante, pois ele

enfrenta inúmeras expressões da questão social no seu trabalho.

A rua é um espaço público de insegurança. O catador encontra-se totalmente

desprotegido no exercício de sua atividade de catação, pois está propenso às enfermidades

adquiridas no contato direto com o lixo, aos animais ferozes soltos nas ruas e a acidentes no

trânsito, pois muitas vezes eles trafegam pelas avenidas movimentadas da cidade, puxando o

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seu carro superlotado de materiais recicláveis. Os catadores fazem um verdadeiro zigue-zague

nas ruas, procurando acumular mais produtos e ainda têm o trabalho de separar o material

coletado, tendo em vista que a sociedade não tem o costume de fazer a segregação dos

materiais recicláveis e causa insegurança ao trabalho do catador. Com isso, eles ficam sujeitos

a cortes com materiais perfuro cortantes que podem ser encontrados no lixo. Ele costuma,

antes, de abrir o saco de lixo, apalpá-lo para sentir se há material reaproveitável. O

trabalhador de rua vive em meio ao caos social da insegurança proporcionada pela vida no

lixo e do lixo.

4.6 O catador e a situação de rua

De acordo com Silva (2009, p. 21), a pessoa em situação de rua tem origens,

vinculações sociais e perfis socioeconômicos diversificados, por isso não constitui um único

grupo ou categoria. É uma população heterogênea. A situação de rua pode ser permanente ou

transitória. “Dormir na rua” por um intervalo de tempo também expressa a realidade de

pessoa em situação de rua. Esta questão foi ressaltada na fala de uma catadora:

Quando vou catar no Centro saio muito cedo e chego lá quatro horas da tarde. Lá eu

peço comida e água nos restaurantes e as pessoas me dão. Vendo todo o material no

depósito do Centro. De noite pego um papelão, coloco perto de uma loja que tem

vigia e durmo. De manhã, pego o carrinho e venho de lá pra cá catando materiais

para vender no depósito do seu Evaldo. O que eu levo, vendo no Centro e o que

trago de lá pra cá, vendo no seu Evaldo. Pra mim catar na rua materiais recicláveis é

para limpeza do meio ambiente e pra gente ganhar uns centavos. (Ivone, catadora,

44 anos).

Por fazer parte de um grupo heterogêneo, o catador de lixo pode viver uma

situação de rua num determinado espaço de tempo ou conviver com essa realidade

permanentemente. Ivone faz da rua um lugar de trabalho, de sustento e de descanso. Apesar

de ter a sua casa, a catadora vivencia, temporariamente, a condição de dormir na rua. E por

trás dessa situação de rua vivenciada pela catadora, há um conjunto de expressões da questão

social, tais como desemprego, pobreza, desigualdade social e violência. Um trecho da fala de

Ivone descreve a insegurança, quando diz: “De noite pego um papelão, coloco perto de uma

loja que tem vigia e durmo”.

A catadora enfrenta a situação de rua tanto para trabalhar como, para muitas

vezes, dormir na própria rua, sendo que isso acontece, quando ela vai de casa ao centro da

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cidade, puxando o seu carrinho e catando materiais recicláveis pelo caminho. Quem vê a

catadora Ivone dormindo na rua e não conhece a sua história de vida pode pensar que ela é

uma mendiga, ladra ou coisa parecida. Mas a catadora enfrenta o medo, a insegurança, o

desconforto e a discriminação em nome de sua sobrevivência. A situação de rua causa temor,

por isso a catadora Ivone procura ficar perto de uma loja, que tenha vigia, sendo uma

estratégia de segurança pessoal, que ao seu modo, intimida as pessoas mal intencionadas que

venham aparecer durante a sua estada na rua.

4.7 O catador e a discriminação

A questão da discriminação social é abordada nesta pesquisa porque 80% dos

catadores entrevistados disseram que sofreram algum tipo de discriminação. Nas falas de

todos eles pode-se observar a indiferença da sociedade em relação ao catador de lixo. Este

tem sido discriminado, marginalizado e estigmatizado como “vilão”, “ladrão”, “preguiçoso”,

“indolente”, “vagabundo”, “marginal”, “marreteiro” etc. Conforme Telles (2001, p. 88), o

enigma da pobreza está inteiramente implicado no modo como direitos são negados na trama

das relações sociais. A discriminação inferioriza o ser humano e isso é mostrado nas falas dos

sujeitos desta pesquisa. Senão vejamos:

Tem pessoas que quando vê a gente botam o lixo pra dentro e batem a porta. Outros

colocam tudo misturado para que a gente não consiga pegar os materiais. Colocam

as garrafas e os materiais no fundo do saco e as porcarias em cima. Era pra gente ser

cadastrada, ter um crachá, uma farda e ganhar uma cesta básica para não ser

confundida com as pessoas que querem assaltar. O justo paga pelo pecador. As

pessoas discriminam a gente. Um dia uma pessoa botou a cabeça pra fora do ônibus

e gritou: -- Ei, lixeira! Os vândalos chama a gente de lixeira. (Ivone, catadora, 44

anos).

A discriminação social vivenciada pela catadora Ivone é um dos pontos cruciais

enfrentados pela maioria dos trabalhadores de rua. A sociedade discrimina o catador como se

todos fossem pessoas de mau caráter ou fossem pessoas oportunistas, ou seja, pessoas que

vivessem esperando alguma oportunidade para roubar, furtar ou fazer coisa semelhante. A

farda, o crachá e o cadastro que a catadora Ivone faz menção em sua fala revelam uma forma

de mostrar à sociedade que o seu trabalho é um trabalho digno de confiança. A catadora Ivone

é enfática quando fala deste assunto, visto que ela sofre discriminações, constantemente, no

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exercício de sua atividade de catação. Outra catadora declara: “Onde eu chego, as pessoas vai

fechando a porta. Pensa que vou roubar.” (Eneuda, catadora, 61 anos).

A discriminação está atrelada à pobreza e à desigualdade social. Quem vive da

catação de lixo sobrevive do resto, do que foi descartado pela sociedade do consumo e, por

isso o catador já se sente rejeitado pela sociedade. É o “refugo humano”, como diz Bauman

(2008, p. 28). O ser humano é banalizado e é tratado como os dejetos, o “lixo” que foi

descartado e se torna supérfluo para o capital. A discriminação marca as condições de vida e

de trabalho do catador de lixo, trazendo resquícios de indiferença, preconceito e violação aos

direitos da pessoa humana. O catador tem os seus direitos negados e violados constantemente:

o direito à vida, ao trabalho, à educação, o direito de ir e vir, garantidos na Constituição

Federal de 1988. Dessa forma, outros catadores ratificam:

Já sofri discriminação por trabalhar com o lixo e ser de cor escura. As pessoas não

respeita o catador, pensa que o catador também é lixo. (Edivan, catador, 23 anos).

Ser catador é ter um trabalho muito desprezado pelas pessoas, pois elas não sabe dá

valor o nosso trabalho. Só pensa que a gente é maconheiro e ladrão. Mas num meio

dessa gente que é catador tem muito pai de família, pessoas de bem. Sou catador

porque tenho que trabalhar pra ter o que comer e dar de comer os meus filhos e

minha companheira. Já trabalhei de muita coisa quando era mais novo. Mas aí a

gente vai ficando véi e as coisas vai ficando mais difícil. (José, catador, 45 anos).

Os catadores Edivan e José também vivenciaram a discriminação. Ambos relatam

as suas experiências sofridas no cotidiano de suas atividades laborais. Segundo o catador José,

ele já foi confundido com pessoas de má reputação, como maconheiro, ladrão etc. De acordo

com o catador Edivan, as pessoas estigmatizam o catador como se fosse o próprio lixo. O

trabalhador de rua, José, destaca, na sua fala, a importância do trabalho do catador. Observa-

se a indiferença da sociedade com essa categoria de trabalhadores e trabalhadoras de rua que

vivem da catação de resíduos sólidos recicláveis, isto é, o lixo. Os catadores são cidadãos e

cidadãs que lutam pela sobrevivência deles e de suas famílias. São pessoas que ingressam nas

fileiras do trabalho informal e precário, oriundo da lógica da sociedade capitalista, da

reestruturação produtiva e da política neoliberal. Percebe-se na fala de outros catadores, a

questão da discriminação:

O catador é cabra sofredor! Se eu tivesse tido a chance de estudar e ser dotor eu não

estava nessa vida de catador. A gente ganha pouco é discriminado é tratado com

ignorância pelas pessoas. As pessoas sentem medo de nós, é como se nós fosse gente

perigosa, assaltante, sei lá o quê! (Manoel, catador, 50 anos).

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Você passar o dia quase todo puxando um carro, às vezes eu acho que nós ser

humano catador sofre muito. Já chorei muito, mas a gente não pode se desesperar,

tem que encarar de frente o trabalho. (...) Mas as condições do catador é das piores

que existe. Você enfrenta tudo o que não presta. É cara feia das pessoa, olha pra

gente com um olhar de medo, de raiva, como se a gente fosse algum animal”.

(Antonia, catadora, 53 anos).

Os catadores Manoel e Antonia não economizam as palavras, quando a questão é

discriminação. Estes catadores vivenciaram esta questão e expõem por meio de adjetivos, a

condição de vida e de trabalho a que eles estão submetidos. De acordo com catadora Antonia,

o catador encara tudo o que não presta. Subtende-se na fala dos catadores, o peso psicológico

da discriminação que eles têm que sofrer durante a execução dos seus trabalhos. O catador

Manoel relata que as pessoas têm medo deles como se eles fossem pessoas perigosas por

viverem na catação.

Todos esses oito catadores expuseram a indignação, o lamento e a tristeza

causadas pela discriminação e o preconceito da sociedade, que vê o catador pela lente da

lógica imperialista do capital, que banaliza a vida humana e culpabiliza o trabalhador pela sua

situação de pobreza e de desemprego. O capital atribui ao trabalhador a responsabilidade por

estar fora do mercado formal de trabalho, quando exige do trabalhador maior qualificação

profissional, e não permite que sejam analisadas as reais condições de retração dos postos de

trabalho, que tem como causa o desemprego estrutural.

4.8 O catador e a expectativa para o futuro

Os catadores de lixo desta pesquisa revelam as suas expectativas para o futuro.

Como diz o poema de Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho tinha uma pedra.

Tinha uma pedra no meio do caminho”. As “pedras” simbolizam as dificuldades enfrentadas

por essa categoria de trabalhadores e trabalhadoras de rua, entrevistados, que não

submergiram os seus sonhos e expectativas para o futuro. As falas dos catadores expõem a

esperança de dias melhores, em que consigam aquilo que tanto almejam, anseiam e sonham.

Catadores como Ivone e Manoel têm o sonho da casa própria:

Mas o meu sonho é sair da reciclagem e comprar a casa própria e

voltar para trabalhar com as rosas. (Ivone, catadora, 44 anos).

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O que eu queria para o futuro era ter uma casa minha mermo e

ganhar um salário mínimo todo o mês. (Manoel, catador, 50 anos).

Além de sonhar com a casa própria como o catador Manoel, a catadora Ivone

sonha em voltar a trabalhar por conta própria. Este é o sonho dessa trabalhadora que antes de

trabalhar na catação, confeccionava flores com meia calça trifil, mas não tendo mais

condições de comprar o material para confeccionar as rosas, ingressa na categoria de

trabalhadores de rua, que catam no lixo, materiais recicláveis para serem vendidos nos

depósitos de reciclagem, como também encontram nesse mesmo lixo, utensílios, e outros

objetos para uso pessoal. Há outros que sonham em tornar-se empresário e donos do próprio

negócio:

Eu quero mesmo é trabalhar pra mim mesmo. Tenho vontade de sair

dessa vida. Por exemplo: quero ajuntar dinheiro e trabalhar para mim

mesmo. Ter o próprio negócio até 2014. (Edivan, catador, 23 anos).

Para o futuro eu queria botar uma bodega e trabalhar só pra mim.

Como meu pai sempre dizia: quem trabalha pros outros nunca sai do

sapato velho. (José, catador, 50 anos).

O catador Edivan sonha em ser dono de um depósito de reciclagem e galgar uma

posição de destaque na sociedade capitalista, sabendo que para isso ele precisa trabalhar e

economizar bastante. Outra catadora sonha com a aposentadoria e melhores condições de

trabalho, o trabalhador José tem como expectativa para o futuro, trabalhar por conta própria,

colocando seu próprio negócio.

“Para o futuro, gostaria de ser aposentada, de arranjar outro trabalho que pudesse

ganhar mais e ganhar na loteria”. (Eneuda, catadora, 61 anos). Já outros catadores sonham em

garantir um futuro diferente para os seus filhos e desejam muita saúde para continuarem

trabalhando na catação. É o caso de Antonia e José Sales:

O que quero pra o futuro é difícil pra mim, mas pra Deus não é! Eu

peço a Deus um futuro bom pra meus dois filhos e pra mim saúde para

trabalhar. (Antonia, catadora, 53 anos).

Eu desejo muita saúde para continuar no mesmo. (José Sales, catador,

74 anos).

O catador José Sales deseja continuar como catador, visto tratar-se de uma pessoa

idosa e ser aposentada por tempo de serviço. E como ele mesmo disse, na entrevista, que a

catação representa para ele um complemento à renda familiar.

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Os trabalhadores de rua têm perspectivas para um futuro em que haja melhores

condições de vida e de trabalho. Sonham com direitos sociais e garantias de estabilidade do

trabalho formal. Os catadores de lixo são trabalhadores e trabalhadoras de várias faixas

etárias, de origens, níveis de escolaridade e crenças distintas, mas são cidadãos que sonham

com uma sociedade mais justa, em que todos tenham direito às condições dignas de moradia,

educação, saúde, lazer, cultura, alimentação etc.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa sobre as condições de vida e de trabalho dos catadores de lixo do

Parque São José, bairro da periferia de Fortaleza, não foi utilizado o termo catador de

materiais recicláveis, como é atualmente conhecida a ocupação oficializada pela Classificação

Brasileira de Ocupações (CBO), em 2002. Este trabalho faz uso da expressão “catadores de

lixo” por tratar-se de uma categoria de trabalhadores e de trabalhadoras que catam no lixo

tudo que lhes parece reaproveitável e reutilizável, desde alimento até ao vestuário e quaisquer

objetos, sejam eles cadeiras de plástico quebradas, roupas, depósitos de plástico, colchões

velhos, sapatos e chinelas velhas e despregadas, brinquedos velhos etc. O lixo é o mundo de

várias coisas que foram descartadas.

No percurso desta pesquisa, os catadores não demonstraram nenhum

constrangimento pela utilização do termo “catadores de lixo”: foram unânimes em falar que

catam e extraem do lixo, tanto materiais para vender como para o uso pessoal. O trabalho de

catador, para eles, é sinônimo de sobrevivência, de coragem e de luta. São trabalhadores que

sonham com a casa própria, com a estabilidade de trabalho, com a aposentadoria, sonham

com condições dignas de trabalho e em colocar o próprio negócio e têm expectativas para o

futuro.

Os catadores de lixo entrevistados enfrentam diversas dificuldades durante o

exercício de suas atividades de catação. São homens e mulheres de meia idade, pessoas

idosas, jovens e até crianças que exercem esse trabalho perigoso e insalubre em nome da

sobrevivência. São trabalhadores e trabalhadoras de rua que percorrem vários bairros da

periferia de Fortaleza para adquirem o máximo de materiais recicláveis, possível. Os

catadores e catadoras de lixo enfrentam discriminação, sol, chuva, calor, carregam carrinhos

pesadíssimos e sobrecarregados de lixo reciclável. Os catadores expressam a expansão da

população que se tornou não empregável e que não encontra lugar no mercado formal de

trabalho. Esta categoria de trabalhadores não é reconhecida pela sociedade contemporânea

como cidadãos e cidadãs de direito, mas são estigmatizados como analfabetos e

desqualificados para o mercado formal de trabalho.

O modelo de acumulação flexível, além de excluir essas pessoas do seu ciclo

produtivo, desempregando-as, precariza ainda mais o trabalho dessa categoria de

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trabalhadores de rua, tabelando e rebaixando o preço dos materiais recicláveis, que são

catados e vendidos nos depósitos, cooperativas e associações de reciclagem. Vale ressaltar

que a cadeia produtiva da reciclagem faz parte da engrenagem da lógica destrutiva e produtiva

do capital.

É algo perceptível e inegável o aumento de catadores e catadoras de lixo na cidade

de Fortaleza. Esses trabalhadores fazem parte do conjunto de trabalhadores que se encontram

fora do mercado formal de trabalho. De acordo com Cunha (2009, p. 18), a responsabilidade

social pelo desemprego, na sociedade capitalista, é atribuída ao trabalhador que deve buscar

suas próprias “soluções”. É alicerçado, nessa lógica da sociedade capitalista, que os catadores

de lixo buscam na catação e na venda de seus produtos para a indústria de reciclagem, a saída

ou solução para a sobrevivência.

Faz-se necessário sensibilizar os catadores para que, organizados politicamente,

possam reivindicar os seus direitos e para que juntos possam enxergar novos horizontes,

capazes de lhes proporcionar melhores condições de vida e de trabalho. É preciso romper com

o isolamento e o individualismo e sair da cápsula do fatalismo da sociedade contemporânea, e

partir para a articulação com outros grupos, associações e cooperativas de reciclagem, em

busca de maior fortalecimento para o enfrentamento das várias expressões e configurações da

questão social, que permeiam o solo da reestruturação produtiva, do projeto neoliberal e

atingem diretamente o catador de lixo, promovendo ainda mais a exploração desses

trabalhadores e trabalhadoras de rua e desvalorizando o trabalho dessa categoria,

subvalorizando os preços dos materiais recicláveis.

Os catadores são cidadãos e cidadãs com direitos e deveres legalizados pela

Constituição Federal de 1988. São homens, mulheres, jovens, idosos e até crianças que veem

no lixo a única saída para a sobrevivência. São pessoas como a catadora Ivone, Eneuda,

Edivan, José, Manoel e Antônia, Lucilene e José Sales, trabalhadores que necessitam de uma

organização coletiva, e não somente de uma identificação como categoria de trabalho.

Nenhum dos catadores desta pesquisa trabalha na catação por vontade própria ou

porque teve a chance de escolher entre trabalhar na catação ou exercer outras ocupações. O

catador de lixo, sujeito desta pesquisa, trabalha na catação porque a necessidade

socioeconômica o obriga a isto. Este trabalhador de rua exerce sua atividade laboral em

condições precárias, insalubres e subumanas. Esta categoria de catadores e catadoras de lixo

necessita de políticas públicas voltadas para eles e que possam garantir-lhes melhores

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condições de vida e de trabalho, promovendo segurança na catação do resíduo sólido

reciclável e política organizacional para o enfrentamento das refrações e configurações da

questão social, prevalecentes na sociedade capitalista de desvalorização e banalização da vida

humana e exaltação da produção e do consumo.

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ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

ENTREVISTADO nº ________

I - DADOS PESSOAIS:

Nome: ________________________________________________________________

Idade:______________ Naturalidade:________________________________________

Sexo: ( )M F( )

Estado civil: ( ) casado ( )solteiro ( )divorciado ( )outros

Nível de escolaridade: ( ) analfabeto

( ) Ensino fundamental incompleto

( )Ensino fundamental completo

( ) Ensino médio incompleto

( )Ensino médio completo

Profissão atual:__________________________________________________________

Bairro onde mora:________________________________________________________

II - COMPOSIÇÃO FAMILIAR:

Quantas pessoas moram na sua casa?

Quantos filhos você tem? Quais as idades deles? Eles estudam?

III - CONDIÇÕES DE MORADIA:

Reside em:

( ) casa própria ( ) mora na rua

( ) casa alugada ( ) outros

( ) casa cedida

Se a casa for alugada, qual o valor do aluguel?

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A casa em que você mora possui:

Água encanada: ( ) sim ( )não

Energia elétrica: ( )sim ( )não

Fale um pouco sobre a sua moradia:

IV - RENDA FAMILIAR:

Qual a renda total da família? Recebe algum benefício do governo? Qual (caso receba)?

Em sua opinião as necessidades da sua família são supridas com essa renda?

( )sim ( )não

Você tem outra renda ou só vive da catação de materiais recicláveis?

( )sim ( )não

Qual é? (caso tenha outra renda).

V - CONDIÇÕES DE TRABALHO:

Qual foi o seu último trabalho antes da catação de materiais recicláveis?

Qual o motivo da saída do último trabalho?

Quando começou a trabalhar na catação de materiais recicláveis?

Quantas horas por dia e quantas dias da semana você trabalha?

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Qual o grau do seu esforço físico no trabalho?

( )fraco ( )moderado ( )forte ( ) muito forte

Você utiliza no seu trabalho algum equipamento de proteção individual?

( ) sim ( ) não

Quais? ( ) luvas ( ) botas ( ) máscara ( )outros

Quais as dificuldades enfrentadas no seu trabalho?

Que melhoria você gostaria que acontecesse no seu trabalho?

Para você o que significa coletar nas ruas materiais recicláveis?

Você já sofreu alguma discriminação no seu trabalho?

( ) sim ( )não

Caso a resposta for sim, diga em que situação aconteceu.

Você já sofreu algum acidente de trabalho?

( ) sim ( )não

Se a resposta for sim, diga como foi.

Quais os bairros que você costuma catar materiais recicláveis?

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O que gostaria que acontecesse para que melhorasse as suas condições de vida e de trabalho?

VI O CATADOR E AS CONDIÇÕES DE ALIMENTAÇÃO E VESTUÁRIO:

Quantas refeições costuma fazer durante o dia?

Fale um pouco sobre a sua alimentação e o seu vestuário.

Fale sobre as suas expectativas para o futuro.