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1 UIVERSIDADE CADIDO MEDES ISTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SESU” O DELIEAMETO DOS ISTITUTOS DA CESSÃO E COMPESAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS O ORDEAMETO JURÍDICO BRASILEIRO AUTOR RAPHAEL LIMA DE MOURA SOUZA ORIENTADOR PROF. CARLOS AFOSO LEITE LEOCADIO RIO DE JANEIRO 2009

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U�IVERSIDADE CA�DIDO ME�DES I�STITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SE�SU”

O DELI�EAME�TO DOS I�STITUTOS DA CESSÃO E COMPE�SAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS �O ORDE�AME�TO JURÍDICO

BRASILEIRO

AUTOR

RAPHAEL LIMA DE MOURA SOUZA

ORIENTADOR

PROF. CARLOS AFO�SO LEITE LEOCADIO

RIO DE JANEIRO 2009

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U�IVERSIDADE CA�DIDO ME�DES I�STITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SE�SU”

O DELI�EAME�TO DOS I�STITUTOS DA CESSÃO E COMPE�SAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS �O

ORDE�AME�TO JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes – Instituto a Vez do Mestre, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Público e Tributário. Por: Raphael Lima de Moura Souza.

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Agradeço a Deus, meus pais e minha esposa por toda compreensão e incentivo nesta etapa da minha vida.

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A presente obra é dedicada a todos que me encorajaram a permanecer no caminho da evolução intelectual.

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5RESUMO

O presente trabalho se presta ao fornecimento de uma base teórica para delinear o entendimento da legalidade da compensação de créditos tributários com créditos da mesma natureza, adquiridos por meio de cessão. O primeiro ponto a ser fixado para fundamentar a legalidade de tal operação é que o crédito, ainda que seja ele de natureza tributária, é um bem móvel a teor do disposto no art. 83, I do Código Civil. Desta forma, está sob o mesmo regime que qualquer bem corpóreo como um veiculo por exemplo. Corolário disso é que a relação que o titular do crédito guarda com este é guarnecida pela propriedade, cuja defesa tem status constitucional. Ao proprietário é dado o direito de dispor da forma que melhor lhe convir e que não contrarie sua função social. Finda-se este breve resumo com a afirmação de que não há fundamento legal para se proibir a compensação de créditos tributários com créditos adquiridos de terceiros e que todas as decisões judiciais que vem neste sentido são flagrantemente eivadas de inconstitucionalidade e parcialidade, havendo uma inversão da lógica processual por parte dos magistrados, que buscam fundamentação para uma decisão prévia, antes da análise do processo, quando a lógica impõe o inverso.

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6METODOLOGIA

Cumpre esclarecer, em relação à metodologia, que, na fase de investigação e

resultado, fora utilizado o método indutivo. Entretanto, no decorrer do estudo foram

acionadas as técnicas do referente, da categoria e da pesquisa bibliográfica.

No desenvolvimento da presente adotou-se a sistemática de abordar cada

instituto separadamente em cada capitulo, bem delimitando a evolução histórica, natureza

jurídica e demais considerações pertinentes..

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7SUMÁRIO

I�TRODUÇÃO.................................................................................................................... 8

CAPÍTULO 1

DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO......................................................................................... 10

1.1 – DELI�EAME�TO HISTÓRICO........................................................................... 10

1.2 – CO�CEITO JURÍDICO.......................................................................................... 13

1.3 – SURGIME�TO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.....................................................17

1.4 - �ATUREZA JURÍDICA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

E OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA......................................................................................26

CAPÍTULO 2

DA CESSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO...................................................................29

2.1 – DELI�EAME�TO HISTÓRICO........................................................................... 29

2.2 – CO�CEIRO JURÍDICO...........................................................................................31

2.3 - CO�SIDERAÇÕEA QUA�TO A �ATUREZA JURÍDICA...............................33

2.4 – DOS REQUISITOS DE VALIDADE DA CESSÃO...............................................37

CAPÍTULO 3

DA COMPE�SAÇÃO....................................................................................................... 42

3.1 – DELI�EAME�TO HISTÓRICO............................................................................42

3.2 – CO�CEITO E �ATUREZA JURÍDICA................................................................44

3.3 – DA UTILIDADE E PRESSUPOSTOS DO I�STITUTO......................................48

CO�CLUSÃO.................................................................................................................... 55

BIBLIOGRAFIA................................................................................................................ 56

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8I�TRODUÇÃO

A presente monografia tem seu escopo centrado no estudo dos institutos do

crédito, cessão e compensação com a respectiva aplicação no direito tributário, provando

que a compensação de créditos tributários com créditos tributários da mesma natureza

através da cessão é um direito subjetivo do contribuinte.

A escolha do tema foi motivada pela inadequada interpretação que a

jurisprudência tem emprestado a seu respeito, para não dizer tendenciosa, demonstrando

que os magistrados não têm agido com a imparcialidade que reclama o múnus por eles

exercido, além da sua importância econômica como ferramenta de planejamento tributário.

Entretanto, foi inevitável tecer algumas considerações sobre o assunto, ora

criticando, ora acrescendo à doutrina e jurisprudência, pois se constatou que nesta há certa

inércia para quebrar antigos dogmas e naquela a imparcialidade contamina as decisões.

São objetivos deste escrito, em primeiro lugar, a sua elaboração como conditio

sine qua non a obtenção do grau de pós graduação em Direito. Secundariamente, fazer uma

análise cientifica dos temas propostos abordando aspectos históricos, legais,

jurisprudenciais e doutrinários, apontando, críticas e acréscimos a estes dois últimos.

No desenvolvimento da presente adotou-se a sistemática de abordar cada

instituto separadamente em cada capítulo, bem delimitando a evolução histórica, naturezas

jurídicas e demais considerações pertinentes e no capítulo final, conjugou-se os três

institutos em uma só operação, aprofundando-se na seara tributária.

O capítulo inicial trata do gênero crédito e da espécie crédito tributário,

descrevendo a sua trajetória histórica, seu conceito jurídico, seu surgimento, consolidação e

exigibilidade, bem como a sua natureza jurídica.

Logo após, aborda-se a cessão de crédito no âmbito do direito civil, como

instituto pertencente a este ramo. Principia-se pela sua evolução histórica, passando pelo

seu conceito jurídico e natureza jurídica, com as considerações adequadas, chegando-se aos

requisitos necessários a sua validade.

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9O capítulo seguinte aduz o instituto da compensação, ressalvando algumas

peculiaridades do instituo na área tributária. Guardando coerência sistêmica, o primeiro

tópico trata do percurso histórico, prosseguindo até o conceito jurídico e natureza jurídica,

finalizando com a alusão à importância e utilidade do instituto e os pressuposto de

concreção.

Exaustivamente fixadas as premissas nos capítulos precedentes, o capítulo final

cuida de entrelaçar os institutos, que, a priori, são de direito civil, em sede tributária,

demonstrando a legislação permite a compensação de créditos tributários.

Foram fixadas as seguintes hipóteses como ponto de partida para discorrer

sobre o tema escolhido, a saber:

1. A natureza jurídica do crédito é de bem móvel, integra o patrimônio de quem o

possua e está sob a égide do direito real de propriedade.

2. A cessão de crédito é meio de transmissão da propriedade dos créditos, sendo

verdadeira alienação destes.

3. A compensação é um direito subjetivo do contribuinte, ainda que se utilize de

créditos adquiridos de outrem.

Encerra-se a presente monografia com a conclusão, na qual se apresenta, de

forma resumida, a confirmação das hipóteses acima arroladas, com seus respectivos

fundamentos e, ainda, breves e oportunas considerações.

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10CAPÍTULO 1

DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

1.2 – DELINEAMENTO HISTÓRIO

Insta asseverar, inicialmente, que o crédito tributário, em verdade é uma

espécie do gênero crédito, instituo este que é peculiar ao ramo do direito civil. Nesta estira,

cumpre estabelecer a evolução histórica do gênero, ou seja, do crédito propriamente dito,

eis que de grande serventia para o entendimento da espécie.

O crédito é um dos elementos da relação obrigacional, indissociável,

portanto, o estudo daquele instituto alheio ao deste, constituindo-se em o maior deles o

representante da obligatio e, conseqüentemente, o menor do crédito. Desta constatação

decorre que o percurso histórico de ambos é inelutavelmente o mesmo, sendo certo que ao

se abordar a evolução das obrigações se está, ao mesmo tempo, abordando a do crédito.

Em apertada síntese e que será mais profundamente abordado em tópico

específico adiante, o crédito é o objeto de uma relação obrigacional, materializado no poder

que detém o credor de exigir uma prestação – positiva ou negativa – do devedor e que

corresponde, do ponto de vista deste, ao débito que é a prestação que ele está obrigado a

prestar em favor do credor, sempre com conteúdo patrimonial.

Estudos revelam que a evolução da obrigação percorreu vários estágios até

chegar nos hodiernos moldes, dentre os quais destacam-se três momentos fundamentais,

aduzindo que não forma únicos, tão pouco completamente distintos.

Neste sentido inclina-se Bebilaqua, citado por Caio Mário, in verbis:

“Esta tríplice divisão não quer dizer que tenha havido três tipos de obrigação, nem que se tenha conservado uniforme e inalterada em casa um destes três momentos, senão que predominem, em cada um, idéias e influências que permitem distinguir o direito obrigacional peculiar a tal ou qual”.1

1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – P. 05.

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Cumpre observar, que primitivamente a idéia de obrigação surgiu com

caráter eminentemente coletivo, quando todo um grupo estabelecia negociações a fim de

promover o comércio para com outro, sujeitando, destarte, a coletividade ao cumprimento

do acordado, ainda que tenha sido feito através de uns poucos representantes.

Decorrente disto é que o crédito pertencia a uma coletividade em face de

outra, podendo mesmo quem não tinha nem conhecimento de ter sido contraída uma

obrigação sofrer a sanção pelo respectivo inadimplemento, que naquele momento ocorria

através de guerras.

A concepção jurídica mais acurada das relações obrigacionais remete ao

direito romano antigo, ocorrendo, em um primeiro momento, a personalização da obrigação,

portanto e conseqüentemente do crédito e do débito, sendo “possível distinguir o direito de

crédito dos direitos reais, como um iuris vinculum hábil a prender um devedor a um

credor”.2

Nesta época não se confundiam os conceitos de obrigação e de débito. A

obligatio surgia em virtude de um contrato especial, cuja nomenclatura à época era nexum,

que submetia a pessoa do devedor ao credor, penhorando-se a liberdade daquele em favor

deste, como sanção ao eventual descumprimento.

Endossam o acima afirmado as doutas lições de Wald, verbis:

“A execução no caso de inadimplemento era pessoal, realizando-se pela manus injectio, em virtude da qual o credor podia vender o devedor como escravo, ou utilizar diretamente a sua força de trabalho. Foram o nexum, como empréstimo, e a fiança, na forma da sponsio, os primeiros casos de obrigação no campo civil (...)”.3

Assim ocorria, pois no ordenamento jurídico romano a obrigação mantinha

um caráter minimamente personalista, ou seja, a vida do devedor era a garantia do seu

2 Idem, p. 06. 3 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos – volume II – Editora Revista dos Tribunais – 8ª edição – São Paulo – 1989 – P. 03.

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12próprio débito demonstrando a importância dada pelo romano a cumprimento das

obrigações sobrepondo-se, inclusive sobre o direito à vida.

Pode-se tangibilizar as afirmações feitas acima com a transcrição de um

trecho da Lei das XII Tábuas, verbis:

“Tabua Terceira – Dos Direitos de Crédito 6. Se não pagar e ninguém se apresentar como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso máximo de 15 libras, ou menos, se assim o quiser o credor; 7. O devedor preso viverá a sua custa, se quiser, se não quiser, o credor que o mantém preso dar-lhe-á por dia uma libra de pão ou mais, a seu critério; 8. Se não houver conciliação, que o devedor fique preso por 60 (sessenta) dias, durante os quais será conduzido em 03 (três) dias de feira ao comitum, onde se proclamará em altas vozes o valor da dívida; 9 Se não muitos os credores, será permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos, se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre.”4

Havia possibilidade, no entanto, de haver débito sem que, contudo, houvesse

obligatio. Esta situação ocorria quando da formação de convenções, como v.g. os pactos,

que não se revestiam das características inerentes ao contrato na acepção romana, destarte,

não admitiam o constrangimento da pessoa do devedor em face de inadimplemento. “Essa

distinção desaparece no Direito pós-clássico”5

O supra exposto merece o sufrágio de Américo Masset Lacombe, que se

aprofunda ensinando, verbis:

“O debitum era conceituado como objeto da prestação, o que era devido, podendo ser um dare, um facere, ou um non facere. A obligatio constrange o devedor a pagar. Enquanto o debitum é um elemento não coativo, a obligatio é um elemento coativo.”6

4 GIRARD, Frederique. Testes de Droit Romanin – Lex XII Tabularum. 5 CHAMOUN, Ebert. Instituições de Direito Romano – Editora Forense – 5ª edição – Rio de Janeiro – 1968 – P. 294 e 295. 6 LACOMBE, Américo Masset. Curso de Direito Tributário – Editora Saraiva – 9ª edição – São Paulo – 2006 – P. 293.

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13 É mister acentuar que com o advento da Lex Poetelia, que remonta aos idos

do ano 428 a.C., a execução perdeu seu caráter personalista, sendo extirpada a execução

sobre a pessoa do devedor, substituindo-se, destarte, a manus injectio7 pela pignoris capio8

projetando-se a sua responsabilidade para seus bens – pecuniae creditae bona debitoris,

non corpus obnoxium esse9.

O referido diploma legal é, portanto, o marco histórico que atribui ao crédito

contornos exclusivamente patrimoniais, como se concebe até os dias de hoje, sendo certo

que o crédito é o direito do credor receber uma prestação, que pode ser um dare, um facere

ou prestare, conforme a natureza da obrigação e em não adimplindo a exigência põe-se

inicio ao processo executório que invade o patrimônio do devedor com a finalidade de

indenizar o credor.

Por derradeiro, pode-se afirmar que na esteira evolucionista das obrigações,

o crédito passou por duas grandes transformações ocorrendo sua individualização e

tomando a feição patrimonial que persiste até os dias de hoje.

1.2 – CONCEITO JURÍDICO

A investigação etimológica do verbete crédito leva a constatar que, ele

provém do latim creditum, que significa confiança. Juridicamente o crédito pode ser

entendido como prestação que um sujeito ativo pode exigir de um sujeito passivo em face

determinada relação obrigacional, podendo ser de fazer, não-fazer e dar, admitindo-se

também ser concebido o crédito como substrato econômico de uma obrigação de dar

dinheiro. 7 Expressão latina que significava a forma de execução das obrigações em caráter personalista, traduzia-se em que o vencedor da demanda, depois de 30 dias do julgado, sem que o vencido cumprisse a obrigação imposta na sentença, conduzia este último, á força, á presença do juízo e, perante testemunhas, lançava-lhe a mão do julgador, manus injectio, gesto que autorizava o credor a encarcerá-la, transportando-o algemado. Feito isto, devia o credor apregoá-lo em três feiras, a intervalos de nove dias, declarando o valor da condenação para alguém por ele saudasse o débito. Se não aparecesse alguém para ajudá-lo no cumprimento da obrigação, o credor tinha direito de vendê-lo fora da cidade – trans tiberium – podendo até matá-lo. Site Escritório On Line – (http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=5098&) 8 Expressão latina que nomeava uma das ações da legislação do direito romano, consistia principalmente na tomada de uma promessa e foi, de fato, uma modalidade de execução. 9 Expressão latina que significa que os bens do devedor respondem pelas dividas, não seu corpo, ou não haverá prisão por dívidas.

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O eminente doutrinador Luiz Felipe Silveira Defini, inclina-se neste mesmo

sentido, in verbis:

“Como noção inicial, poderíamos indicar que o crédito é o direito que tem o sujeito ativo de exigir do sujeito passivo uma determinada prestação”10

É importante ficar, como bem observou L. G. Paes de Barros Leães, que a

noção de crédito está incindívelmente ligada a de débito, sendo ambos vistos como os dois

lados de uma mesma moeda, destarte, impossível a existência de um sem a do outro.

Insta observar que o conceito de crédito tributário é tema recorrente

discutido pela doutrina face o disposto nos artigos 13911 e 14012 do Código Tributário.

Trasladando-se o conceito geral para a seara tributária temos que crédito

tributário é o direito-dever que o Fisco, ocupando a posição de sujeito ativo, tem de receber

do contribuinte, figurando no pólo passivo da relação, o recolhimento de determinado

tributo, assinalando, no entanto, que a doutrina majoritária define de forma diversa, em

vista do direito positivo e que será alvo de estudo adiante.

Ricardo Lobo Torres a respeito da matéria sob exame declara “Da obrigação

tributária exsurgem um direito subjetivo de crédito para o sujeito ativo e uma dívida para o sujeito

passivo”.13

O insigne Hugo de Brito Machado entende na mesma linha, verbis:

“O crédito tributário, portanto, é o vinculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento

10 DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de Direito Tributário – Editora Saraiva – 3ª edição – São Paulo – 2006 – P. 259. 11 BRASIL, Código Tributário Nacional – artigo 139 “O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta” Brasília, DF: Senado, 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm. Acesso em 20 julho de 2009. 12 Idem. 13 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário – Editora Renovar – 14ª edição – Rio de Janeiro – 2007 – p. 273.

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15do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional)”.14

Difini, não menos eminente doutrinador, ensina que:

“Adaptando tal noção ao crédito tributário, é possível conceituá-lo como importância em dinheiro, objeto da obrigação tributária, que o sujeito ativo (fisco) tem o direito de exigir do sujeito passivo, no cumprimento da obrigação criada pela ocorrência do fato que é a hipótese de incidência da lei tributária”.15

Há por outro lado quem entenda de forma diversa, como, exempli gratia,

Sylvio Marcondes lembrado por Lacombe16, para quem o débito, debitum utilizando-se a

terminologia romana e schuld para a germânica, é uma relação segundo a qual o sujeito

passivo deve cumprir a prestação que lhe incumbe e, de outra vista, como o outro lado da

moeda, o crédito é o direito que o sujeito ativo tem de receber a prestação, ou seja, o direito

de um corresponde ao dever do outro.

É feita distinção entre o direito de o credor receber a prestação do direito de

exigi-la em caso de inadimplemento, ressaltando-se, que em sede tributária, o direito de

receber não é entendido como faculdade da autoridade, mas sim como dever, sob pena de

responsabilidade, na forma do artigo 14117 do CTN.

Prossegue o doutrinador, asseverando que relação de sujeição que se

estabelece entre credor e devedor, na qual aquele pode exigir o adimplemento deste

denomina-se obrigação, obligatio e haftung respectivamente na acepção romana e

germânica. Esta teoria enxerga que o crédito é o direito que assiste ao credor de ver a

14 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário – Editora Malheiros – 28ª edição – São Paulo – 2007 – p. 199. 15 DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de Direito Tributário – Editora Saraiva – 3ª edição – São Paulo – 2006 – p. 259. 16 LACOMBE, Américo Masset. Curso de Direito Tributário – Editora Saraiva – 9ª edição – São Paulo – 2006 – p. 295. 17 Idem. BRASIL, Código Tributário Nacional. Art. 141. “O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias”

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16prestação cumprida pelo devedor e não como relação que sujeita o patrimônio deste para

satisfazê-la.

É esta a teoria dualista e é a mais adequada diante da legislação, sendo

notória a autonomia do crédito tributário em face da sua respectiva obrigação, como

confirma-se pela inteligência do artigo 140 do CTN.

“art. 140 – As circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos, ou as garantias e privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem”.18

Infere-se do referido artigo que, inobstante ocorrendo alteração do crédito

tributário a obrigação que lhe havia dado azo permanece imutável. Tangibiliza-se esta

afirmação quando se observa que,

“havendo a exclusão da exigibilidade do crédito, teremos a existência da obrigação (debitum, Haftubg, relação de responsabilidade), sem correspondente crédito (obligatio, Schuld, relação de débito). Excluída, no entanto, a relação de responsabilidade (obligatio, Haftung, crédito tributário), perdendo o sujeito ativo o poder de agredir o patrimônio do sujeito para forçar a prestação, isto porque se extinguiu o elemento coativo da relação obrigacional”.19

Do exposto pode ser concluir que, há uma corrente que atribui ao crédito a

índole de poder sujeicional, segundo o qual pode o credor submeter o patrimônio do

devedor em caso de inadimplemento, ou ainda, que vislumbra o crédito como direito que

possui o credor de receber a espontânea prestação do devedor de conteúdo patrimonial ou

nele possa converter-se. Há, ainda, a concepção de que o crédito é o conteúdo patrimonial

no qual especializa-se a obrigação.

Inegável, porém, é que diante da legislação tributária positivada, o crédito

tributário é o poder-dever que tem a autoridade administrativa de exigir do sujeito passivo –

18 Ididem. 19 LACOMBE, Américo Masset. Curso de Direito Tributário – Editora Saraiva – 9ª edição – São Paulo – 2006 – p. 297.

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17contribuinte – que recolha determinado tributo, muito embora este conceito confunda-se

com o de obrigação tributária, bem como a sua respectiva soma em dinheiro.

A definição legal de crédito tributário demonstra notável falta de técnica

nomogenética e merece crítica, pois à guisa de uma interpretação correta do instituto,

crédito tributário é o elemento substancial da relação obrigacional existente entre o Fisco –

sujeito ativo – e o contribuinte – sujeito passivo, de conteúdo patrimonial, o qual poderá ser

exigido coercitivamente em razão do liame subjetivo decorrente da obrigação tributária,

acompanhando, desta forma, o entendimento de Lacombe distinguindo o debitum da

obligatio.

1.3 – SURGIMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

1.3.1- Da Obrigação Tributária

Aborda-se neste tópico, a questão de especial importância e que acirra desde

já muito controvertida discussão doutrinária.

A obrigação tributária tem sua localização topográfica postada no capítulo

inaugural do título II do CTN, mas precisamente no artigo 113.20

Reclama muita atenção o estudo da obrigação tributária eis que a partir dela

constituir-se-á o crédito tributário e pode ser considerada como elemento central do próprio

direito tributário.

Corrobora com este entendimento o saudado doutrinador Alcides Jorge

Costa, merecendo transcrição de um trecho de sua obra, in verbis:

20 BRASIL. Código Tributário Nacional. – art. 113 “A obrigação tributária é principal ou acessória”, § 1º “A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”, §2º “A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”, §3º “obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”. Brasília, DF: Senado, 1966.

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18“O Código Tributário Nacional tem na obrigação tributária seu elemento central e aglutinador. Por outras palavras, o CTN concebe a obrigação tributária como elemento central do Direito Tributário”.21

Demonstrado que o crédito tributário, que se pesem diversas correntes

doutrinárias, advém da obrigação tributária inexorável seu estudo para o complemento

entendimento daquele instituto.

O percurso histórico da obrigação tributária remete à época em que os

germânicos do limiar do século XX a concebiam como mera relação de poder

(Abgabengewaltverältnis) entre o Estado e o contribuinte. Seguindo esta linha de raciocínio

na Itália houve quem entendesse que a relação tributária era simples sujeição do

contribuinte ao poder tributante do Estado.

Neste diapasão, cita Alcides Jorge Costa, que in verbis:

“Foi o cado de Orlando que concebia as leis instituidoras de impostos como simples ordem, sem natureza de lei. Foi também o caso de Lolini, cujos escritos a respeito datam de 1912 e 1920, e, mais tarde, de Di Paolo.”22

Acentua-se, que, muito embora seja dominante o entendimento de que a

relação tributária é de natureza obrigacional ex lege, há outra corrente que postula natureza

jurídica diversa, inobstante seja inexpressiva na doutrina pátria passa-se a expô-las.

Vislumbraram a natureza procedimental da relação tributária, dentre os quais

destacam-se Nawiasky na Alemanha e Micheli na Itália. Postulavam que o tributo erigia-se

à realidade no momento do lançamento, este tido como procedimento administrativo

criador do tributo, por isso entendiam que a relação era procedimental, pois para eles era no

momento do procedimento de lançamento, instituto que será oportunamente abordado, que

a obrigação tributária era criada.

O conceito de obrigação é dado pelo direito civil, muito embora a obrigação

tributária seja de direito público. O que é discutido pelo estudiosos é que até que ponto a

21 COSTA, Alcides Jorge. Curso de Direito Tributário – Editora Saraiva – 9ª edição – São Paulo – 2006 – P. 191. 22 Ibidem.

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19obrigação tributária identifica-se ou diferencia-se das obrigações do direito privado. Pode-

se afirmar, contudo, que há correntes das mais variadas, desde os que entendem por

identidade total entre elas e outro que as vêm como diametralmente distintas.

Não havendo dúvidas que hodiernamente a relação tributária é obrigacional,

urge observar que há certa dificuldade entre os doutrinadores estabelecerem a exata

delimitação terminológica de obrigação, visto ser ele multímodo, podendo-lhe ser

atribuídos vários significados.

Etimologicamente o vocábulo obrigação é derivado do latim obligatio, cujo

significado é a ação de mostrar-se atado, ligado ou vinculado à alguma coisa.

Nesta esteira ensina Maria Helena Diniz que “obrigação corresponde ao

vínculo que liga em sujeito ao cumprimento de dever imposto por normas morais,

religiosas, sociais ou jurídicas”.23

Afina-se ao mesmo entendimento Silvio Rodrigues, asseverando que

obrigação “é o vínculo de direito pelo qual alguém (sujeito passivo) se propõe a dar, fazer

ou não fazer qualquer coisa (objeto), em favor de outrem”24. Por outro lado Caio Mário

define obrigação como “o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de

outra prestação juridicamente apreciável”.25

Válida a citação de Alexandre Macedo Tavares acerca da obrigação

tributária, in verbis:

“(...) vínculo obrigacional decorrente da relação jurídica de direito público travada entre o Fisco e o contribuinte, em que, face ao prévio consentimento legal (obligatio ex lege), nasce infalivelmente ao sujeito ativo (credor) o direito subjetivo de exigir do contribuinte (sujeito passivo) o cumprimento de seu dever jurídico de entregar dinheiro ao cofres públicos, a título de tributo (obrigação de dar) e/ou efetuar prestações – positivas ou negativas – de interesse da arrecadação da fiscalização (obrigação de fazer, não fazer ou tolerar)”.26

23 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Editora Saraiva – 5ª Edição – São Paulo – 1989 – p. 29. 24 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – volume II – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – 30ª edição – São Paulo – 2002 – p. 3 e 4. 25 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 05. 26 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do Direito Tributário – Editora Momento Atual – 15ª edição – Florianópolis – 2003 – p. 95.

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20

Entretanto, há correntes que postulam ser o conteúdo da relação tributária

complexo, pois a ela seriam inerentes poderes, direitos e deveres da autoridade

administrativa, aos quais corresponderiam deveres, positivos e negativos, bem como

direitos por parte dos contribuintes, acepção que observa a teoria da bilateralidade

atributiva27 enunciada por Miguel Reale.

Deve-se acentuar, que em se analisando a natureza da obrigação e do crédito

tributário há divergências. Como amplamente demonstrado, a obrigação é uma relação de

direito obrigacional, portanto pessoal e a relação do sujeito ativo para com o seu respectivo

crédito é de direito real, entre o Fisco e a coisa (bem móvel) sendo aquele proprietário desta.

Neste ponto, Hugo de Brito Machado leciona que, in verbis:

“É sabido que obrigação e crédito, no Direito Privado, são dois aspectos da mesma relação. Não é assim, porém, no Direito Tributário Brasileiro. O CTN distinguiu a obrigação (art. 113) do crédito (art. 139). A obrigação é um primeiro momento na relação tributária. Seu conteúdo não é identificado. Por isto mesmo a prestação respectiva ainda não é exigível. No dizer do CTN, ele decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta (art. 139). Surge com o lançamento, que confere à relação tributária liquidez e certeza”.28

Portanto, obrigação tributária é a relação intersubjetiva que autoriza o Fisco

exigir que o contribuinte recolha o tributo (obrigação principal) e realize ou abstenha-se de

realizar certas condutas (obrigação acessórias), já o crédito tributário e o elemento

substancial deste liame, ou seja, a substância material do que pode o Fisco legitimamente

receber do contribuinte em face da obrigação tributária, ou de invadir-lhe o patrimônio em

caso de inadimplemento.

27 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito – Editora Saraiva – 22ª edição – São Paulo – 1995 – p. 51. “Bilateralidade atributiva é, pois, uma proporção intersubjetiva, em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer, garantidamente, algo”. 28 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário – Editora Malheiros – 28ª edição – São Paulo – 2007 – p. 150.

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211.3.2 – Do Fato Gerador

Bem definido o conceito de obrigação tributária e feitas as devidas

distinções desta para com o crédito tributário, passa-se ao seu surgimento, o que remete ao

estudo do fato gerador.

O CTN estabelece no parágrafo 1°, do artigo 113 que a obrigação principal

surge da ocorrência do fato gerador, definindo-o, nos artigos seguintes, como a situação

definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

Deveras, merece crítica a inaptidão do legislador que uma vez mais se revela,

agora no que tange a nomenclatura utilizada pelo código. Primeiro porque fato gerador não

é a única denominação, havendo expressões sinônimas, tais como, fato imponível; suporte

fático; ou situação-base, para se exprimir a mesma idéia.

Secundariamente, aponta-se a inadequação da expressão esposada pelo

legislador, pois fato, segundo Aurélio Buarque de Holanda é “s.m. 1. Coisa ou ação feita;

sucesso, caso, feito. 2. Aquilo que realmente existe, que é real”29, divergindo, do que a lei

apresente, que é a situação hipotética previamente determinada, cuja concretização sim é o

fato gerador do tributo.

Lacombe inclina-se neste mesmo exato sentido, postulando que, in verbis:

“(...) dizem vários autores que, se a lei é um juízo hipotético que imputa uma conseqüência à concorrência de um fato que descreve hipoteticamente, então não seria correto falar em “fato gerador”. O correto seria mencionar “hipóteses de incidência” para denominar aquilo que a lei descreve hipoteticamente e que, ocorrido, faz incidir a conseqüência prevista na mesma lei, ou seja, o nascimento da obrigação tributária”.30

Apesar da crítica, cumpre observar que ela se consagrou no direito brasileiro

por obra de Gaston Jèze e encontra eco em ordenamentos jurídicos alienígenas, como na

Espanha – hecho imponible – na França – fait générateur – na Alemanha – steurtatbestand

29 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua – Editora Nova Fronteira – 3ª edição – Rio de Janeiro – 1993 – p. 246. 30 COSTA, Alcides Jorge. Curso de Direito Tributário – Editora Saravia – 9ª edição – São Paulo – 2006 – p. 196.

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22– e ainda na Itália – fattispecie. Por este motivo e em face de sua adequação ao direito

positivo, será a terminologia mormente adotada.

Mister distinguir duas realidades que por largo tempo foram indistintamente

vistas pela doutrina e pela legislação jungindo-se sob a mesma alcunha: fato gerador. A

primeira diz respeito à hipótese da incidência que se constitui na descrição legal e

hipotética de uma situação, prevendo-lhe conseqüências jurídicas. A outra chama-se fato

imponível, que é a ocorrência da situação hipotética legal e previamente cominada.

A definição legal do que se constitui o fato gerador está entalhada nos

artigos 11431 e 11532 do codex tributário nacional, misturando os dois conceitos aduzidos

supra, mas que após acirrada discussão doutrinária foram dissociados na forma acima

exposta.

Ricardo Lobo Torres apresenta seu entendimento sobre fato gerador, verbis:

“Fato gerador é a circunstância da vida – representada por um fato, ato ou situação jurídica – que, definida em lei, do nascimento à obrigação tributária (...) o fato gerador da obrigação tributária pode ser, portanto, um qualquer fato jurídico ou um conjunto de fatos jurídicos”.33

Simplifica Alcides Jorge Costa o entendimento do que é fato gerador,

prelecionando que “assim, para que exista uma obrigação tributária é preciso que ocorra um

fato do qual a lei faça decorrer, necessariamente, uma obrigação (...) A este fato dá-se o

nome de fato gerador (...)”.34

Em suma, foi exposto que, a obrigação tributária é oriunda da ocorrência do

fato gerador. Aduziu-se, também, que esta expressão deve ser cindida em dois conceitos

distintos, muito embora o direito substantivo abrigue ambos sobre ela. O primeiro é a

hipótese de incidência, tida esta como a descrição abstrata, feita pela lei, de situação capaz

31 BRASIL. Código Tributário Nacional. – art. 114 “Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”. Brasília, DF: Senado, 1966. 32 Idem. – art. 114 “Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de atro que não configure obrigação principal”. 33 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário – Editora Renovar – 14ª edição – Rio de Janeiro – 2007 – p. 241. 34 COSTA, Alcides Jorge. Curso de Direito Tributário – Editora Saravia – 9ª edição – São Paulo – 2006 – p. 195.

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23de dar azo a existência de um tributo, quando da sua efetiva ocorrência no mundo real, o

que se convencionou chamar de fato imponível.

1.3.3 – Do Lançamento

O tema ora sob exame é de suma importância para ser possível delimitar,

com o maior grau de precisão possível, o surgimento do crédito tributário, pois a doutrina

diverge sobre o real momento de sua constituição.

Em apertada síntese, como ponto de partida para o seu estudo, lançamento é

o procedimento administrativo, através do qual a autoridade administrativa competente

verifica a efetiva ocorrência do fato gerador, determina a matéria tributável, quantifica o

tributo devido e por fim identifica o sujeito passivo. O direito positivo conceitua o

lançamento no artigo 142 35 do CTN, o qual, segundo advertência de Hugo de Brito

Machado, dever cuidadosamente interpretado, revelando uma vez mais a falta de técnica na

elaboração das leis.

O nobre preclaro suprimindo as incorreções legislativas declara, verbis:

“Lançamento tributário, portanto, é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível.”36

Cita-se as sempre valiosas lições de Ricardo Lobo Torres, verbis:

“O lançamento resulta de um procedimento complexo, durante o qual são praticados inúmeros atos e averiguações. A autoridade administrativa investiga a ocorrência do fato, procede as avaliações necessárias, realiza

35 BRASIL. Código Tributário Nacional – art. 142 “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” Brasília, DF: Senado, 1966. 36 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário – Editora Malheiros – 28ª edição – São Paulo – 2007 – p. 200.

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24o exame de livros e documentos fiscais para que possa liquidar o tributo devido.”37

Da inteligência das definições doutrinárias extrai-se que são muito próximas

da definição positivada, sendo muito sutil a diferença, mas que do ponto de vista dogmático

é de singular importância.

Repise-se que a obrigação tributária perfaz com a ocorrência do fato gerador,

surgindo ao mesmo tempo o crédito tributário para o Fisco, ou seja, a partir deste momento

o contribuinte deve adimplir o débito que lhe é cabível, muito embora não possa o Fisco, a

este momento, sujeitá-lo coercitivamente ao respectivo adimplemento, desta forma o

crédito tributário seria constituído quando da formação da obrigação tributária em face da

realização do fato gerador do tributo.

Entretanto, encontra-se na doutrina quem diga que o crédito tributário, em

verdade, constitui-se pelo lançamento, ou seja, que ele surgiria a partir do momento em que

a autoridade fazendária completasse o ato administrativo consistente em constatar a efetiva

ocorrência do fato gerador, identificar o sujeito passivo e definir o montante do tributo a ser

recolhido, inclusive comando-se as penalidades por ventura existentes.

Intitula-se esta corrente constitutivista, filiada ao entendimento de que a

relação tributária é de natureza eminentemente procedimental. A leitura mais apressada do

artigo 142 do Código Tributário Nacional e a interpretação literal encaminham à leviana

conclusão de que o ordenamento jurídico pátrio filhar-se-ia a esta corrente, o que não

corresponde a realidade. Desta forma pode-se afirmar por que, a utilização do verbete

“constituir” no diploma legal antecitado interpretado literalmente, trás a aparência de que a

autoridade fazendária teria o poder de criar o tributo de forma concreta em face do sujeito

passivo.

Hugo de Brito Machado não destoa deste entendimento, quando postula que

“a constituição do crédito tributário é da competência exclusiva da autoridade

administrativa. Só ela pode fazer o lançamento”.38

37 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário – Editora Renovar – 14ª edição – Rio de Janeiro – 2007 – p. 241. 38 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário – Editora Malheiros – 28ª edição – São Paulo – 2007 – p. 199.

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25A despeito dos entendimentos acima colacionados, os quais observam o

direito positivado acerca da questão, a doutrina coaduna com a idéia de que a natureza

jurídica do lançamento é declaratória, não admitindo a tese de que a autoridade

administrativa possa criar arbitrariamente um crédito a seu favor e um débito contra o

sujeito passivo.

Ricardo Lobo Torres, com a propriedade que lhe é peculiar que, verbis:

“(...) a “constituição” deve ser entendida como o primeiro grau de concreção do crédito, eis que este, a rigor, se constitui com a ocorrência do fato gerador e não com o lançamento (...) torna-se o crédito exigível (pelo lançamento notificado ou pela decisão administrativa definitiva).”39

Noutras palavras, pode-se afirmar que a exigibilidade deve ser enxergada de

dois pontos de vista distintos, quais sejam, o material o qual decorre da obrigação tributária

e, por outro lado, o processual/procedimental que é conseqüência do lançamento. Neste

caso opõe-se a constituição do direito à prestação ao poder de exercê-lo.

Conclui-se, destarte, que crédito tributário, entendido como o direito que

detém o Fisco de receber o recolhimento do tributo equivalente ao débito do contribuinte

consistente no ato de entregar o valor econômico referente ao mesmo tributo, constitui-se

juntamente com a obrigação tributária que se perfaz com a efetiva ocorrência do fato

imponível, no entanto, a inocorrência do lançamento pode ser considerada como condição

suspensiva da exigibilidade do crédito tributário.

Por derradeiro, afirma-se que o lançamento é o ato ou procedimento

administrativo pelo qual se viabiliza instrumentalmente o direito material de o Fisco exigir

o crédito tributário, ou seja, a exigibilidade deve ser entendida de duas formas: a primeira é

material, consistente no direito de exigir o crédito tributário direito constituído juntamente

com a obrigação tributária e a segunda instrumental, que compõe a viabilidade

procedimental de exercer o direito de exigir o crédito tributário.

39 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário – Editora Renovar – 14ª edição – Rio de Janeiro – 2007 – p. 274.

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26 1.4 – NATUREZA JURÍDICA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E OBRIGAÇÃO

TRIBUTÁRIA

Imprescindível a fixação das premissas acima, para que se possa fazer uma

lídima distinção entre a relação que o Fisco mantém com o contribuinte e a que mantém

com a pecúnia na qual se especializa o objeto da respectiva relação obrigacional entre eles,

para haver a possibilidade de se determinar a natureza jurídica do crédito tributário,

olvidada pela maior parte da doutrina.

É mister destacar que o ordenamento recepciona duas formas distinta de

relações jurídicas, podendo sê-las de natureza real, quando a relação estabelece-se entre

pessoa – coisa, ou de natureza pessoal, quando relaciona-se pelo menos duas pessoas.

Relembrando que crédito tributário é o substrato da relação obrigacional

tributária e que esta, por sua vez, é de direito pessoal, tendo por um lado sempre o Fisco –

como pessoa jurídica – e por outro o contribuinte – podendo ser pessoa física ou jurídica.

Neste diapasão, salienta-se que o dever jurídico que incumbe ao contribuinte

e que corresponde ao crédito do Fisco é o ato de entregar valor pecuniário equivalente ao

tributo devido, ou seja, o conteúdo da obrigação tributária consiste na entrega e não na

pecúnia propriamente dita.

No mesmo sentido posicionou-se Clóvis Bevilaqua, citado por Pereira,

verbis:

“Não é de confundir-se o objeto da obrigação com a coisa em que a prestação se especializa (...) o objeto da obrigação é uma prestação, e esta sempre constitui fato humano, uma atividade do homem, uma atuação do sujeito passivo”.40

A obrigação tributária exsurge da ocorrência do fato gerador, mas só pode o

Fisco, na qualidade de sujeito ativo, exercer seu poder de sujeição sobre o sujeito passivo

após feito o lançamento.

40 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 11.

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27Note-se que através da execução fiscal o sujeito ativo não faz co quem o

sujeito passivo cumpra sua prestação, que seria o ato de entregar do valor econômico

correspondente ao tributo, mas sim invade o seu patrimônio para buscar o conteúdo do

objeto da relação obrigacional.

A propriedade é instituto guardado sob a égide de cláusula pétrea, mais

precisamente no artigo 5º 41 , caput e no inciso XXII da Carta Política de 1988 e as

prerrogativas do proprietário estão enumeradas no artigo 122842 do Código Civil.

Em verdade, o crédito tributário sendo de propriedade do Estado pode ser

ele classificado como coisa, sendo esta definida como todo tipo de bem com conteúdo

patrimonial, cuja natureza jurídica é de bem móvel de acordo com o disposto no artigo 83,

inciso I do Código Civil.43

É de bom alvitre citar as doutas lições de Monteiro, para configurar direito

pessoal para se ter a exata distinção do direito real, verbis:

“conceitua-se como relação jurídica mercê da qual ao sujeito ativo assiste o poder de exigir do sujeito passivo determinada prestação, positiva ou negativa.”44

Malgrado a falta técnica legislativa que se apresenta no direito positivo

relativo a matéria ora sob exame, pode-se afirmar que o crédito tributário, tanto visto como

direito de o Fisco receber a prestação pecuniária do contribuinte, que é um direito pessoal

com caráter patrimonial, quanto como o valor no qual ele especializa-se, tem natureza

jurídica de bem móvel e a propriedade é o instituto que lhe dá guarida com todas as suas

garantias, algumas inclusive de status constitucional.

41 BRASIL. Constituição Federal – art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes:” – XXII “é garantido o direito de propriedade” Brasília, DF:Senado, 1988. Disponível em http://www6.senado.gov.br/con1988/CON1988_30.06.2004/art_5_.htm Acesso em 14 ago. 2009. 42 BRASIL, Código Civil Brasileiro, art. 1228 “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar, e dispor da COISA, e o direito de reavê-la de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. 43 Idem. – art. 83 “Consideram-se móveis para os efeitos legais:” – III – “os direitos pessoais de caráter patrimonial e suas respectivas ações”. 44 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – volume II – Direito das Coisas – Editora Saraiva – São Paulo – 2000 – p. 11.

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28Inclusive Silvio Rodrigues já posicionou-se desta forma, verbis:

(...) no fato de o crédito se apresentar como um bem de caráter patrimonial e capaz, portanto, de ser negociado. Da mesma maneira que os bens materiais, móveis ou imóveis, têm valor de mercado onde alcançam um preço, assim também os créditos(...)”.45

Nesta esteira, foi constatado que o crédito tributário tem natureza jurídica de

bem móvel e, portanto, é de direito real a relação que o Fisco guarda com ele.

45 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – volume II – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – São Paulo – 2002 – p. 91.

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29CAPÍTULO 2

DA CESSÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO

2.1 DELINEAMENTE HISTÓRICO

Neste capítulo será estudado o instituto da cessão de crédito tributário, sendo

mister frisar que é ele correlato ao próprio direito das obrigações e que, desta forma, o

percurso histórico de ambos é bastante coincidente, da mesma forma que já fora advertido.

Os primeiros traços do instituto ora sob exame remontam à época do direito

romano, muito embora naquele momento seus aspectos, mormente os extrínsecos, fossem

distintos dos que atualmente o caracterizam, só tendo recebido “sua construção dogmática

mais precisa no Direito moderno, de vez que o romano não o havia estruturado com

perfeição”.46

Há quem diga, como é o caso de Silvio Rodrigues, que no direito romano a

cessão de crédito era, de certa maneira, inconcebível. A razão disto reside no fato, já

anteriormente aludido, de que a obrigação naquele ordenamento jurídico estabelecia o

liame entre duas pessoas, que as ligava de forma que não haveria a possibilidade de

vincular um terceiro alheio a negociação inicial.

Prosseguindo a análise da legislação pretérita, verifica-se que havia

diametral distinção entre a propriedade do crédito oriundo de uma relação obrigacional,

portanto pessoal, e a propriedade das coisas, entendidas estas como objetos materiais.

Corroborando com esta assertiva Caio Mario preleciona que, verbis:

“ao dominus era permitido transferir a propriedade, e neste caso havia o investimento de outro no complexo jurídico resultante do direito dominial, o que permite aceitar que o romano compreendia a translação de poderes, ao credor não era permitido investir alguém na titularidade de seu crédito.”47

46 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19 ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 228. 47 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 228.

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30

Com a evolução jurídica, ainda no direito romano, iniciou-se o esboço da

sistemática que serviu de pilar à construção do instituto da cessão de crédito nos moldes

que hoje se apresentam, permitindo, a partir de m determinado momento, a alteração do

credor, sendo mister advertir, porém, que se realizava através de um indireto e complexo

processo.

Sobre o tema Arnoldo Wald assinala que:

“A transmissão se realizou inicialmente mediante a representação em causa própria, pela qual o cedente dava ao cessionário um mandato para receber um crédito, sem necessidade de presta contas do mesmo, admitindo-se a cessão do direito mas a da ação própria para cobrar a dívida.”48

Silvio Rodrigues aponta que se fez presente outra forma indireta de serem

obtidos os efeitos práticos semelhantes ao da cessão de crédito, emprestando-lhe a alcunha

de delegação novatória. Prossegue lecionando sobre o instituto no qual “acordes o devedor,

o credor e o terceiro que desempenha o papel de cessionário, o primeiro estipula pagar ao

último, que reembolsa o credor primitivo o equivalente a prestação original”.49

Malgrado Arnoldo Wald postular que foi o código civil francês o primeiro

diploma legal a romper com a concepção de a cessão de crédito ser realizada através de

representação através de mandato sui generis, verifica-se que o romano, em momento

posterior, idealizou uma maneira ligeiramente mais simples para se operar a cessio, quando

separou o crédito de sua respectiva actio utilis, ocorrendo, não propriamente a transferência

do primeiro, mas a cessão da segunda, conferida conseqüentemente ao cessionário, sendo

reconhecido o adquirente-cessinário como titular de um direito, ainda que de forma

potencial.

A evolução das transações comerciais foram acompanhadas de um

fenômeno que as tornou mais complexas e vultuosas, destarte, fazia-se necessário que a

48 WALD, Arnoldo. Curso De Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos – volume II – Editora Revista dos Tribunais – 8ª edição – São Paulo – 1989 – p. 112. 49 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – volume II – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – São Paulo – 2002 – p. 93.

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31ordem jurídica evoluísse na mesma medida sob pena de frear o desenvolvimento

econômico e a cessão de crédito foi tornando-se cada vez mais imprescindível para o

barateamento e facilitação das transações comerciais.

No direito brasileiro perdurou por muito tempo a concepção de que o

credor-cessionário era um mero procurador do credor-cedente, mas posteriormente evoluiu

a doutrina e a legislação neste particular, atribuindo ao instituto a autonomia que lhe era

reclamada, “tendo em vista a sua natureza intrínseca de transferência da obrigação, e por

isto mesmo colocou-a no fecho da parte geral das obrigações, antes da disciplina dos

contratos”.50

Desta forma, a cessão de crédito percorreu diversas fases em sua evolução,

partindo de sua impossibilidade por via particular, passando pela sua possibilidade por via

indireta (processual) até desaguar na moderna dogmática que a enxerga como negócio

jurídico autônomo e abstrato.

2.2 – CONCEITO JURÍDICO

Ab initio cumpre esclarecer que aqui se pretende abordar a cessão de crédito

voluntária, muito embora possa ela ser judicial ou legal, as quais serão aduzidas sem

profundidade, com o único e exclusivo intuito de poderem ser bem diferenciadas da

voluntária.

A Cessão de crédito é a transferência do crédito de um credor-cedente para

um novo credor, chamado cessionário, ensejando, por conseguinte, alteração subjetiva da

obrigação, com a mutação do pólo ativo (credor), desta forma, pode ela ocorrer, por força

da lei, como, exempli gratia, no caso de transferência dos acessórios em decorrência da

translação do principal, ou seja, a despeito da vontade dos sujeitos envolvidos.

A mutatio do credor também pode ser conseqüência de uma sentença

judicial, cujo exemplo pode ser da condenação supletiva da declaração da cessão de quem

tinha obrigação de fazê-la e não a faz espontaneamente.

50 PEREIRA. Cáio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 229.

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32O direito positivo disciplina o instituto a partir do artigo 286 do Código

Civil, inaugural do título II (da transmissão das obrigações), mas não cuida de defini-lo,

incumbindo à doutrina esta árdua tarefa, na qual se encontra divergência.

Cumpre destacar que há previsão expressa autorizando a cessão de créditos

contra o Estado, incluindo-se nestes os de natureza tributária, conforme depreende-se da

leitura do disposto no artigo 7851 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.

Há quem diga que a cessão de crédito é a mutação subjetiva da relação

obrigacional com a manutenção do conteúdo objetivo da mesma. A este entendimento filia-

se Caio Mario ao dizer, verbis:

“Chama-se cessão de crédito o negócio jurídico em virtude do qual o credor transfere a outrem a sua qualidade creditória contra o devedor (...) É uma alteração subjetiva da obrigação, indiretamente e realizada, porque se completa por via de uma trasladação da força obrigatória, de um sujeito ativo para outro sujeito ativo, mantendo-se em vigor o vinculum iuris originário.”52

Extrai-se dos doutos ensinamentos de Silvio Rodrigues, in verbis:

“A cessão de crédito é o negócio jurídico, em geral de caráter oneroso, pelo qual o sujeito ativo de uma obrigação a transfere a terceiro, estranho ao negócio original, independentemente de anuência do devedor.”53

Entretanto Arnoldo Wald enxerga por viés distinto, ensinando que “A cessão

de crédito é o ato pelo qual um credor transmite seu crédito a outrem, abrindo mão de um

direito seu, que se transfere ao novo credor(...)”.54

51 BRASIL. Constituição Federal – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – art. 78 “Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes da data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos” (Artigo acrescido pela emenda constitucional nº 30 de 13 de setembro de 2000) Brasília, DF: Senado, 2000. 52 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 227. 53 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – volume II – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – São Paulo – 2002 – p. 91.

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33Pode-se afirmar que este último entendimento é o mais adequado, pois,

apesar de realmente haver um mutatio da pessoa do credor, esta é conseqüência, eis que o

real intuito da cessão é a transmissão do crédito, noutras palavras a cessão de crédito não é

alteração subjetiva da relação obrigacional, mas sim a transferência da propriedade do

crédito da qual decorre a alteração do sujeito ativo, da mesma forma que a alienação de um

imóvel não é transmissão do título de proprietário ao adquirente, mas sim a transmissão da

propriedade, ensejando, evidentemente, que se torne ele proprietário.

Silvio Rodrigues procura justificar a existência da cessão de crédito,

atribuindo-lhe caráter de transmissão de propriedade e não a simples mutação subjetiva,

asseverando, que “essa espécie de cessão encontra justificativa no fato de o crédito se

apresentar como um bem patrimonial e capaz, portanto, de ser negociado”.55

Em que pese a divergência doutrinária e as reminiscências históricas, o

conceito jurídico da cessão de crédito pode ser apontado, resumidamente, como negócio

jurídico autônomo e abstrato, segundo o qual transmite-se a propriedade do crédito

decorrente de uma determinada relação obrigacional e, conseguintemente, promove a

alteração subjetiva do pólo ativo desta relação, substituindo-se o antigo credor por um novo,

denominado cessionário, mantendo, entretanto, incólume o seu elemento subjetivo.

2.2 – CONSIDERAÇÕES QUANTO A NATUREZA JURÍDICA

Devidamente fixado o conceito da cessão de crédito, é possível situá-la

juridicamente, apontando-lhe sua natureza na forma que se passa a expor.

Observando-se o direito positivado pátrio, a cessão de crédito esta

disciplinada no capítulo I do título II, que cuida da transmissão das obrigações, a partir do

artigo 28656 do Código Civil.

54 WALD, Arnoldo. Curso De Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos – volume II – Editora Revista dos Tribunais – 8ª edição – São Paulo – 1989 – p. 112. 55 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – volume II – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – São Paulo – 2002 – p. 91. 56 BRASIL. Código Civil. Artigo 286 “O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor, a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao

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34Pode-se, entretanto, afirmar que o mais adequado seria acomodá-la na

capítulo que normatiza a aquisição da propriedade, pois o cessionário passa a ser dono dos

créditos adquiridos, afirmando Caio Mario que, “o cedente realiza, por obra da

transferência do crédito, uma alienação (...)”.57

Ocorrida a cessão, independentemente do negócio ou fato que lhe tenha

dado causa, observa-se que o crédito, visto como bem móvel, deixou de integrar o

patrimônio do credor-cedente para se incorporar ao do credor-cessinário.

Caio Mario, corroborando com o entendimento de que cessão é meio de

transladação de propriedade, ressalta que ela é uma forma de aquisição e transmissão de

bens, um ato de disposição, pois o crédito é um elemento integrativo do patrimônio, ou seja,

um bem disponível.

Processe o insigne doutrinador citado acima, afirmando que, verbis:

“De outro lado, a lei interdiz a determinadas pessoas a aquisição de bens de outras, e embora tais princípios sejam expressos no tocante a compra e venda (...) aplicam-se à cessão, que é uma forma de aquisição, e pode efetuar-se ex venditionis causa.”58

Silvio Rodrigues tem entendimento mais atualizado sobre o tema

assinalando que “a cessão desempenha, quanto aos créditos, papel idêntico ao da compra e

venda quanto aos bens corpóreos”.59

Mantendo coerência interna com esta tese, prossegue-se afirmando, ainda,

que a cessão:

“exige, além do requisito da capacidade genérica para os atos comuns da vida civil, a especial reclamada para a prática daqueles que tenham por objeto a alienação de direitos ou de bens, sendo invocáveis aos princípios

cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação” Brasília, DF: Senado, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivl_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em 13 jul. 2009. 57 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19 ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 227. 58 Ibidem. P. 230. 59 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – volume II – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – São Paulo – 2002 – p. 91.

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35relativos à compra e venda, para a onerosa (ex venditionis causa), e à doação, para a gratuita (don’ ionis causa).”60

Sobejamente demonstrado que o crédito é elemento integrante do patrimônio,

é crucial ressaltar que se trata de bem disponível, portanto a sua respectiva cessão é, em

regra, sempre permitida, já as “proibições ou decorrem da natureza da obrigação, ou da

vontade da lei ou da convenção entre as partes”.61

A expressão a que se tem referido poderia ser perfeitamente substituída pelo

nomen iuris do negócio jurídico que lhe deu causa sem, contudo, despir-se da abstração que

o instituto reclama. Se a cessão for feita a título oneroso, poderia ser chamada de venda de

crédito e, de outra vista, se realizada de forma graciosa poderia ser nomeada doação de

crédito.

A legislação alienígena atenta a isto e procurou disciplinar a cessão de

crédito em conjunto com a compra e venda, dadas as suas similitudes.

Silvio Rodrigues corrobora com esta assertiva consignando inclusive, verbis:

“O paralelismo entre a compra e venda e a cessão de crédito conduziu o legislador francês e o italiano de 1865 a tratarem deste último instituto sob a mesma rubrica daquele.”62

A cessão de crédito é hodiernamente qualificada, segundo o entendimento

de Larenz, Von Thur, como negócio jurídico abstrato que se completa independentemente

da sua causa que lhe tenha dado azo.

Assinala Caio Mário acerca da abstração que, verbis:

“em qualquer caso, é sempre distinta do negócio jurídico que a originou. É, por sua vez, um ato jurídico, não criador, acrescenta-se, mas meramente transmissor da titularidade do crédito, no qual ressalta a

60 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 227. 61 Ibidem. 62 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – volume II – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – São Paulo – 2002 – p. 91.

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36substituição do primitivo credor pelo seu atual adquirente, enquanto subsiste objetivamente inalterado”.63

Não se nega que através da cessão de crédito haja alteração do credor da

relação obrigacional, mas ela não se exaure ai, do mesmo ato decorre também a transmissão

da propriedade do crédito, que é, na verdade, o foco principal da operação.

Portanto, a natureza jurídica da cessão de crédito é dúplice, eis que altera o

elemento subjetivo da relação de direito real existente entre o crédito e seu respectivo

proprietário, bem como, e no mesmo momento, e da relação obrigacional existente entre os

respectivos sujeitos ativo e passivo, ainda que por via oblíqua.

Cumpre consignar, por derradeiro, que muito embora a doutrina e a

legislação atribuam à cessão de crédito a função de alterar o elemento subjetivo da relação

obrigacional existente, entende-se que isso é uma conseqüência da trasladação da

propriedade do crédito e que desta forma a sua natureza jurídica deveria ser unicamente de

transmissão de propriedade, ou seja, uma relação de direito real.

2.4 – DOS REQUISITOS DE VALIDADE DA CESSÃO

Neste tópico será abordado um aspecto de vital importância, pois a validade

da cessão de crédito é uma condição de existência, sujeita a determinados pressupostos.

Entretanto, deve ser feita advertência que a validade será abordada entre as partes e com

relação a terceiros.

Mister precípuo é estabelecer de forma lídima quem são as partes e os

terceiros, eis que envolvendo uma pluralidade de sujeitos pode haver alguma confusão. As

partes a que se tem referido são as pessoas envolvidas na cessão, ou seja, o cedente e o

cessionário, não se devendo misturar os participantes da relação obrigacional que originou

o crédito. Por exclusão, terceiros são todos os que não participem do negotium iuris que

perfaz a cessão de crédito, incluindo-se, portanto, o devedor do crédito cedido.

63 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 229.

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37A cessão é, nas palavras de Caio Mário, um contrato translatício que não se

subordina a quaisquer requisitos formais para vincular as partes, ou seja, a legislação não

exige qualquer formalidade para a cessão ser válida, exceto os requisitos gerais de validade

previstos para qualquer negócio jurídico, conforme o disposto no artigo 10464 do Código

Civil, além dos especiais para doação ou venda conforme o caso aplicável.

Silvio Rodrigues não se distancia substancialmente aprofundando-se,

inclusive, verbis:

“Como negócio jurídico que é, depende a cessão de crédito daquels requisitos de validade constantes dos art. 104 do Código Civil, ou seja, a capacidade das partes, objeto lícito e a forma legal. Quanto a capacidade, é mister que o agente tenha não apenas a capacidade para os atos jurídicos em geral, mas também a legitimação para praticar atos de alienação. Quanto ao objeto, dispõe o art. 286 do Código Civil que qualquer crédito pode ser cedido, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor”.65

Sobre isso Caio Mario disserta com a propriedade que lhe é peculiar, verbis:

“Pode ser feita por escrito público ou particular, ou até mesmo verbalmente estipulada, o que ocorre quando o cedente, sem outra formalidade, entrega o título da obrigação ao cessionário, notificando o devedor para que lhe pague.”66

A respeito do tema assevera Arnoldo Wald que, verbis:

“A cessão é consensual, dependendo tão somente do acordo de vontades entre o cedente e o cessionário, sem exigir para a sua validade entre as partes qualquer espécie de solenidade.”67

64 BRASIL. Código Civil. Artigo 104 “A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei” Brasília, DF: Senado, 2002. 65 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – volume II – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – São Paulo – 2002 – p. 95. 66 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 232. 67 WALD, Arnoldo. Curso De Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos – volume II – Editora Revista dos Tribunais – 8ª edição – São Paulo – 1989 – p. 114.

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38Há casos, no entanto, que a lei ou as próprias condições que envolvam o

negócio exijam, excepcionalmente, formalidades maiores para a concreção do ato. Esposa-

se dos ensinamentos de Caio Mario que bem exemplifica uma destas situações ao dissertar

que “se obrigação transferida envolve um direito reais, a forma escrita é da substância do

ato (...)”.68

Inobstante o acima afirmado, é de bom alvitre lembrar que em sendo a

cessão de crédito um negócio jurídico abstrato está ela sujeita a regra geral da prova dos

negócios jurídicos, que dependendo do valor envolvido pode exigir prova escrita.

É importante ressaltar, que não é pressuposto de validade do negócio

jurídico em si a aceitação do devedor, como ocorre, por exemplo, com a novação, ou seja,

“na cessão de crédito não se exige o consentimento do devedor”.69

Diferentemente do que ocorre inter partes, a validade diante de terceiros do

negócio jurídico por meio do qual é cedido determinado crédito está adstrita a alguns

pressupostos mais rígidos.

É requisito indeclinável, para que a cessão de crédito seja eficaz perante

terceiros, a publicidade do ato conforme a inteligência do artigo 28870 do Código Civil,

procurando resguardar desta forma os terceiros de boa-fé.

Deve ser aduzido, inicialmente, que para ser válida a cessão de crédito

perante o devedor-cedido deve ser ele notificado, a teor do artigo 29071 do Código Civil,

garantindo desta forma que ao pagar a dívida ao credor-cedente na possa o credor-

cessionário reclamá-la.

68 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 232. 69 WALD, Arnoldo. Curso De Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos – volume II – Editora Revista dos Tribunais – 8ª edição – São Paulo – 1989 – p. 115. 70 BRASIL. Código Civil. Artigo 288 “É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do §1º do art. 654”. Artigo 654 “Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos” Brasília, DF: Senado, 2002. 71 BRASIL. Código Civil. Artigo 290 “A cessão de crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada, mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da transação feita” Brasília, DF: Senado, 2002.

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39Silvio Rodrigues, complacente com o entendimento acima sobre a validade

da cessão creditória perante o devedor e afirmando a importância da notificação afirma,

verbis:

“no que concerne a esta última não basta a mera transcrição do instrumento no registro, para que fique a ele vinculado. O legislador condiciona a eficácia do negócio, quanto ao devedor-cedido, ao fato de lhe ser notificada a cessão. Esta notificação é de considerável importância no negocio em exame, pelas relevantes funções que desempenha, entre as quais se destaca a de evitar que o cedido possa, validamente, pagar o crédito ao cedente.”72

Sobre a relação entre a notificação e o pagamento feito pelo cedido assinala

Wald que “após a notificação, se o devedor fizer o pagamento do débito ao cedente terá

pago mal e assim pagará uma segunda vez ao cessionário, por ser evidente sua má fé”.73

Outra importante função desempenhada pela notificação do devedor, que

deve ser destacada, é a determinação da tempestividade de oposição do devedor ao

cessionário de quaisquer exceções porventura existentes, as quais devem ser opostas tão

logo tenha o cedido conhecimento da cessão.

Insta acentuar que, dependendo do objeto que permeie a cessão creditória

podem haver outras exigências formais e substanciais reclamadas para a efetividade e

validade do negócio.

Dentre estas hipóteses encontra-se a cessão cujo objeto seja créditos

tributários que será abordada em local próprio, mas com a finalidade de se tangibilizar tal

situação transcreve-se o exemplo dado por Caio Mario, segundo o qual “(...) se for

hipotecário o crédito cedido, tem o cessionário o direito de fazer averbar a cessão à margem

da inscrição principal, como sub-rogado nas qualidades de credor hipotecário”.74

72 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – volume II – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – São Paulo – 2002 – p. 96. 73 WALD, Arnoldo. Curso De Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos – volume II – Editora Revista dos Tribunais – 8ª edição – São Paulo – 1989 – p. 115. 74 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 233.

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40Como desfecho do tópico e também do capítulo, tem-se a fixar que sendo a

cessão de crédito um negócio jurídico, está ele sujeito aos requisitos gerais de validade,

mas sem maiores formalidades para valer entre as partes que realizam o negócio.

A respeito da validade em relação a terceiros, em especial com relação ao

devedor, foi demonstrado que reclama ela requisitos mais rídidos, sendo necessário

instrumento público ou particular nos termos do artigo 684, §1º do Código Civil e quanto a

esta último foi mencionado que imprescindível a sua notificação, salvo se o mesmo

declarar-se ciente por qualquer documento escrito, público ou particular.

Houve menção ainda, que há cessões que exigem outras formalidades para

serem válidas, em decorrência da variação do seu elemento objetivo, citando que uma delas

ocorre quando o que se está cedendo é um crédito proveniente de uma relação obrigacional

tributária e que será devidamente abordada em capítulo próprio.

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41CAPÍTULO 3

DA COMPE�SAÇÃO

3.1 – DELINEAMENTO HISTÓRICO

O instituto da compensação surgiu na época do direito romano clássico,

fundamentado na idéia de equidade. Modestino a definiu: “Compensatio est debiti et crediti

inter se contributio.75 Para situar melhor a questão da evolução histórica do instituto ora

sob exame, vale fracioná-lo em três fases diversas: a primeira, anterior a Marco Aurélio;

resultante da reforma realizada por este imperador; e finalmente a terceira, correspondente

ao direito justinianeu.

Cumpre expor as doutas lições de Maria Helena Diniz, verbis:

“O direito romano, calcando-se no princípio da equidade, admitiu a compensação como meio de facilitar o pagamento, visto que seria ilógica terem ação, uma contra a outra, duas pessoas que fossem, concomitante e reciprocamente, credora e devedora, permitindo-se, então, a cada uma das partes reter a prestação devida à outra, como modo de satisfazer o seu próprio crédito, desde que as obrigações tivessem a mesma causa. Entretanto, esse instituto passou, na era romana, por uma evolução, que pode ser apresentada em três fases: 1ª) A anterior a Marco Aurélio, período em que a compensação era apenas convencional, não operando como forma de extinção legal, de maneira que se solvia a relação obrigacional por meio de renúncia às respectivas ações. Apenas posteriormente forma criadas três formas de compensação, independentemente de convenção: a) a compensatio argentarii, que era aquela em que o banqueiro (argentarius), ao cobrar seu cliente, só podia exigir o saldo da conta corrente; b) a deductio do bonorum emptor76, hipótese em que o bonorum emptor agia contra um devedor da falência, ao mesmo tempo credor do falido, fazendo a dedução, ou seja, obtendo a condenação do adversário no excedente; c) a compensação nas ações de boa fé, decorrentes de um contrato sinalagmático, em que o devedor podia invocar um crédito oriundo da mesma operação que originou sua

75 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 153. 76 Deductio, derivado do latim, de deducere (abater, diminuir, cortar, desapossar), é empregado na terminologia jurídica (...): Dedução. No que lhe dá a equivalência de abatimento, redução, subtração, que se faz a um crédito ou a uma conta quando, anteriormente, por conta deste ou desta, já se promoveu qualquer entrega ou pagamento. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 452.

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42dívida. Dessa maneira o mandatário, acionado pelo mandante, podia compensar seu débito com o crédito gerado de despesas feitas na execução do mandato.: 2ª A do rescrito de Marco Aurélio, que permitiu a exceptio doli, isto é, a possibilidade de compensar sempre que o autor exercesse a ação de direito estrito e o demandado a exceção de dolo. Estabelecia-se como fundamento dessa exceção o fato de constituir dolo “reclamar o que, de logo, se deve restituir”. 3ª) A da reforma de Justiniano, que unificou e generalizou a compensação como um modo extintivo da obrigação, independente da vontade das partes, operando ipso jure em todas as ações, reais ou pessoais, exceto e, benefício do possuidor de má fé e do depositário, e exigindo-se que o crédito do réu fosse líquido e vencido”.77

Merece destaque o fato de que àquela época a desenvoltura do instituto era

deveras acanhada, em especial no período clássico. Assim refere-se porque a compensação

era concebida como convenção entre as partes e não como extinção legal, operando-se por

renúncias recíprocas das respectivas ações.

Credita-se à Justiniano a transição ocorrida com o instituo, que passou a

viger a despeito da vontade das partes, sine facto hominis, extinguindo as obrigações,

chegando Caio Mario a asseverar que, verbis:

“Foi na época justinianéia (Girard) que se chegou a encarar a compensatio como um meio extintivo da obrigação, independente da vontade dos sujeitos, e prevaleceu em toda a extensão a regra que Pompônio formulara: “ideo compensatio necessária est quia nostra potius non sovere qaum solutum repetere”. Foi, porém, Justiniano quem lhe impôs o mecanismo de operar de pleno direito, completando destarte a evolução romana do instituto: “Compensationes ex omnibus ipso iure fieri sansimus nulla differentia in rem, vel personalibus actionibus inter se observanda”.78

A evolução histórica do instituto, no entanto, não foi linear, eis que, muito

embora Justiniano já tivesse imputado à compensação o caráter ipso iure, foi visto em

ordenamentos jurídicos alienígenas posteriores a presença da compensação como

convenção das partes, como o Código Suíço de Obrigações, o Código Alemão de 1896, o

Código Japonês, o Código Chinês e o Código de Obrigações Polonês.

77 DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. P. 296. 78 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 153.

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43A renovação do instituto da compensação deu-se no direito moderno, que

passou a figurar sem o requisito da identidade da causa debendi79, reconhecida em todas as

legislações contemporâneas e dividindo-se em três grandes sistemas: o francês, o inglês e o

germânico.

Entende-se, que a evolução legislativa veio a dar os contornos mais fortes,

preenchendo as lacunas existentes e definindo as normas. O poder administrativo, que

também produz normas, com base em legislação que assim o permite, por vezes, traz

inovações, sejam benéficas (aumentando as possibilidades para o contribuinte exercer a

compensação) ou maléficas (reduzindo ou restringindo essas possibilidades).

3.2 – CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Feitas breves considerações acerca da evolução histórica do instituto da

compensação, adentra-se em sua definição jurídica. Bom subsidio para o entendimento da

matéria é a investigação etimológica da palavra que nomeia o instituto. Compensação80 é

derivada do latim, mais precisamente do substantivo compensatio, de compensare.

Destarte, é a indicação de qual obrigação deve-se cumprir quando existem

duas obrigações, cujos sujeitos ocupem, ao mesmo tempo, a posição de credor e devedor,

verificando-se de acordo com o débito de cada um qual e até onde a obrigação subsiste.

Transcreve-se as lições de Maria Helena Diniz acerca do assunto, verbis:

“(...) a compensação seria um meio especial de extinção de obrigaçãoes, até onde equivalerem, entre pessoas que são ao mesmo tempo, devedoras e credoras uma da outra. Seria a compensação o desconto de um débito a outro ou a operação de mútua quitação entre credores recíprocos.”81

Washington de Barros Monteiro não diverge substancialmente, verbis:

79 Causa debendi, expressão latina que significa, a causa da dívida, indica a origem, a razão, o fundamento ou motivo de ser da obrigação. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. P. 162. 80 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico – Editora Forense – 18ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 185. 81 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – volume II – Editora Saraiva – 16ª edição – São Paulo – 2002 – p. 299.

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44“(...) é como extinção de duas obrigações, cujos credores são ao mesmo tempo devedores uns dos outros ou em outras palavras, é o desconto que reciprocamente se faz no que duas pessoas devem à outra”.82

Oportuno mencionar as palavras de Silvio Rodrigues neste particular, verbis:

“A compensação aparece como um meio de extinção das obrigações e opera pelo encontro de dois créditos recíprocos entre as mesmas partes. Se os créditos forem de igual valor, ambos desaparecem integralmente; se forem de valores diferentes, o maior se reduz a importância correspondente ao menor. Procede-se como se houvesse ocorrido pagamento recíproco, subsistindo a dívida apenas na parte não resgatada. Se A deve a B cem, e B deva a A cento e cinqüenta, tais dívidas se compensam até onde se equivalem, daí resultando remanescer apenas um débito de cinqüenta, de B para com A.”83

Carlos Roberto Gonçalves tem entendimento semelhante, verbis:

“Compensação é meio de obrigações entre pessoas que são, ao mesmo tempo, credor e devedor um da outra. Acarreta a extinção de duas obrigações cujos credores são, simultaneamente, devedores um do outro. É modo indireto de extinção das obrigações, sucedâneo do pagamento, por produzir o mesmo efeito deste.”84

Em arremate, imprescindível o destaque feito por Orlando Gomes, in verbis:

“As pessoas podem ter dívidas recíprocas. O fato não teria maior significado se a lei não determinasse, ou permitisse, o encontro dessas dívidas, como o fim de extingui-las, até a concorrente quantia. A esse modo de extinção dos créditos chama-se compensação. A compensação ipso iure visa a eliminar um circuito inútil. Se devo a alguém que me deve, não há motivo para exigir duas operações de pagamento. Na hipótese mais simples, pagaria ao meu credor e, como este é, ao mesmo tempo, meu devedor, me restituiria o que de mim recebera. Verificar-se-ia, desse modo, dupla transferência de bens, perfeitamente dispensável.”85

82 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – volume IV – Direito das Obrigações – Editora Saraiva – 32ª edição – São Paulo – 2003 – p. 268. 83 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – 30ª edição – São Paulo – 2002 – p.209. 84 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Saraiva – 3ª edição – São Paulo – 2004 – p. 325. 85 GOMES, Orlando. Obrigações – Editora Forense – 16ª edição – Rio de Janeiro – 2004 – p. 153.

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45

O instituto ora estudado, está albergado no direito positivo no artigo 368 do

Código Civil, cuidando de defini-lo, não havendo qualquer divergência a respeito do seu

conceito, o que não ocorre em outros aspectos.

Diante da inteligência do direito positivado brasileiro acerca da matéria

constata-se, inelutavelmente, que o legislador filiou-se à escola francesa, segundo a qual a

compensação é tida como legal e operando-se ipso iure, posição esta que não é guerreada

pela doutrina nacional.

Neste sentido Caio Mario dissera que, verbis:

“Na sua sistemática filiou-se à escola que se poderia dizer francesa, da compensação legal e ipso iure, à qual o nosso Projeto de Código de Obrigações guardou fidelidade.”86

Esclarecedoras as palavras de Silvio Rodrigues, quando afirma que, verbis:

“Duas são as possíveis posições do legislador em face da compensação. Por um lado, pode prescrever que ela opere automaticamente, desde que se encontrem presentes os requisitos necessários à sua efetivação; ou então, pode condicionar o seu funcionamento à manifestação da vontade das partes (...) O Código Civil brasileiro preferiu o primeiro sistema, o da compensação legal, pois o art. 368 determina que as obrigações em causa extinguem-se até onde se compensarem, não condicionando tal extinção a qualquer manifestação de vontade das partes. De modo que entre nós, a compensação processa-se automaticamente, sine facto hominis, e ocorrerá no instante preciso em que se constituírem créditos recíprocos entre duas pessoas.”87

É mister, porém, anunciar a advertência feita por Caio Mário, quando diz

que inobstante a compensação operar-se de pleno direito não é ela de ordem pública,

cabendo às partes, portanto, a faculdade de suprimi-la ou estendê-la aos casos não previstos

na legislação aplicável.

86 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 153. 87 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – volume II – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – 30ª edição – São Paulo 2002 – p. 212.

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46Em sede tributária o legislador não vacilou e prescreveu a compensação

como causa extintiva do crédito tributário, esculpido no art. 156, inciso II do Código

Tributário Nacional, sendo colocado após somente o pagamento que é a modalidade

principal de extinção do crédito tributário.

Assim afirma-se, pois pagamento é o ato de entregar a res debita e do ponto

de vista semântico, segundo Aurélio Buarque de Holanda, é o ato de satisfazer o preço ou

valor de; reembolsar alguém do que lhe é devido. Além do seu próprio significado impedir

que prospere a definição de Diniz, o direito positivo igualmente a obsta, eis que tanto no

Código Civil e no Código Tributário Nacional colocam a compensação em posição paralela

ao pagamento, como meios extintivos da obrigação.

Caio Mario avoca tal posicionamento quando postula que, verbis:

“A compensação, embora se alinhe entre as modalidades de extinção sem pagamento, gera contudo os efeitos deste. A liberação produz-se sem cumprimento da prestação devida, porém mediante o sacrifício dos créditos; cancelam-se as obrigações, e os credores fiam, reciprocamente, satisfeitos. Não se pode, está visto, falar que opera sem satisfação do credor, porque, bem analisado no seu mecanismo, ambos os sujeitos, não obstante a ausência da tradição da res debita, encontram-se em situação de não a perseguirem, já que obtêm a equivalência de uma solutio recíproca, que apenas não se efetua materialmente (...) Resulta que, sem pagamento no sentido material, há todavia satisfação do credor, ou de ambos os credores, ao mesmo passo que se obedece ao princípio da justiça e à própria equidade, obstando a que maliciosamente proceda um dos sujeitos, a pedir o que tem a restituir, e que já receberia condenação no fragmento de Paulo: “Dolo facit, qui petit quod redditurus est”.88

Diante do que fora exposto neste tópico, conclui-se que a compensação é um

meio de extinção de obrigações, sem pagamento, quando da existência de identidades

recíprocas entre pessoas que sejam credora e devedora, ao mesmo tempo, uma da outra, até

onde as dívidas compensarem-se, sobrevindo, conforme o caso, o eventual saldo, cuja

ocorrência se dá de pleno direito se preenchidos os requisitos legais ou convencionais.

88 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 161.

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47É instituto fundado no censo de equidade e de economia evitando manobras

por parte de quem queria fraudar a relação obrigacional ou furtar-se do cumprimento da

prestação desta e, também, a circulação de moeda desnecessariamente.

A compensação, de forma geral, está disciplinada e regulada pelo CC a

partir do já mencionado artigo 368 e, também, mereceu atenção do legislador que a

albergou no artigo 15689, II do CTN, apontando a sua função extintiva do crédito tributário.

Em arremate, cumpre mencionar que se observando a mais nova corrente

que entende serem os princípios verdadeiras normas jurídicas, prescindindo de positivação

para tanto, a compensação tem de existir e operar-se de pleno direito, respeitando, destarte,

o princípio da razoabilidade, pois não afigura-se nem um pouco razoável ser alguém

compelido a pagar um débito próprio à alguém que também é seu devedor, para

posteriormente cobrá-lo.

3.3 – DA UTILIDADE E PRESSUPOSTOS DO INSTITUTO

A compensação é um instituto deveras útil, sendo certo que por isso que ela

foi criada e é igualmente o motivo pelo qual ela tem sobrevivido por tantos séculos,

sofrendo algumas poucas alterações.

Caio Mário assinala que as principais vantagens da compensação residem na

simplificação de pagamentos, obstando-se o transporte de fundos, cujos riscos e custos são

notórios e na garantia de que o credor terá o seu crédito satisfeito. Teixeira de Freitas

afirma “a compensação tem força de pagamento, contendo dois pagamentos recíprocos”.

Silvio Rodrigues assentando seu entendimento, verbis:

“Os escritores, em sua generalidade, apontam duas importantes vantagens oferecidas pela compensação. Em primeiro lugar ela simplifica os negócios, pois permite a extinção de duas obrigações, sem nenhum pagamento, evitando, desse modo, a inútil circulação de moeda. Nos grandes centros comerciais do mundo, mais de 90% dos pagamentos se efetuam pela compensação de cheques, levada a cabo nas câmaras de

89 BRASIL. Código Tributário Nacional. – art. 156 “Extinguem o crédito tributário: II – a compensação”. Brasília, DF: Senado, 1966.

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48compensação. Em segundo lugar ela representa um elemento de garantia, pois cada um dos credores recíprocos tem, a assegurar o seu crédito, o próprio débito pelo qual é responsável. Sem ela seria possível que uma das partes pegasse o seu débito sem nada receber de volta, por haver a outra parte, de quem era credor, se tornando insolvente.”90

Em sede tributária, esta última hipótese aventada por Silvio Rodrigues é a

que mormente observa-se, pois o Estado procura furtar-se de qualquer forma a honrar seus

compromissos, pretendendo, ao arrepio do princípio da moralidade, norteador da

administração pública, que o contribuinte cumpra a sua obrigação sem que o Estado tenha o

mesmo dever.

Com intuito ilustrativo, Caio Mario lembra duas instituições mercantis que

são fundadas no princípio da compensação, defendendo a relevância prática para o mais

perfeito entendimento sobre sua importância, que se transcreve oportunamente, verbis:

“a) a conta corrente, mediante a qual são inscritas as partidas de débito e de crédito, a favor e contra cada uma das partes, gerando a contínua e constante extinção recíproca, para, a qualquer tempo, prevalecer o saldo como expressão da posição de débito de um ou de outro; se os créditos perdem sua individualidade, em função do respectivo lançamento, o que traduz a maior extensão do contrato de conta corrente, e se esta é de conseqüências mais profundas, a compensação esta no seu mecanismo e é o seu ponto de partida. B) as câmaras de compensação (clearing houses), também exercendo uma função importante de controle das disponibilidades bancárias, e de encaixe técnico, têm na compensação a sua mola essencial; por intermédio, evitam os estabelecimentos bancários o pagamento por caixa dos cheques girados na mesma praça, operando-se a liquidação por contabilidade, mediante encontro de contas que facilita os negócios e poupa tempo. No plano internacional, efetua-se a compensação de país a país, para controle das operações de câmbio.”91

Benefício outro que não se pode ser olvidado, principalmente no Brasil

diante da caótica situação em que se encontra o Poder Judiciário, é que a compensação

conduz a uma economia processual, eis que ausente o instituto ora sob exame ensejaria

mais sobrecarga ao já estafado Poder.

90 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – 30ª edição – São Paulo – 2002 – p. 213. 91 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 160.

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49Quanto aos pressupostos, já exaustivamente evidenciado que no sistema

jurídico vigente a compensação ocorre de pleno direito, faz-se necessário mencionar e

estudar os requisitos para a viabilidade da compensação.

Verifica-se que as condições de existências da compensação são a

reciprocidade das obrigações; liquidez das dívidas; exigibilidade atual das prestações e

fungibilidade dos débitos, conforme depreende-se dos artigos 368 e 369 do Código Civil.

Sobre isso Caio Mario posicionou-se asseverando que, verbis:

“Pode-se, então (...) compor os seus requisitos, que os autores alinham assim: 1º) cada um há de ser devedor e credor da obrigação principal; 2º) as obrigações devem ter por objeto coisas fungíveis, da mesma espécie e qualidade, 3º) as dívidas dever ser vencidas, exigíveis e líquidas; 4ª) não pode haver direitos de terceiros sobre as prestações.”92

O primeiro requisito reclama, à toda evidência, que as obrigações, tantas

quantos forem, devem envolver as mesmas partes, havendo somente a alternância entre a

posição de sujeito ativo de uma e sujeito passivo de outra.

Contudo a situação do fiador traz aparente exceção ao caráter personalíssimo

da compensação, pois é lícito ao fiador compensar o débito do afiançado, quando do

inadimplemento deste, com eventuais créditos que tenha perante o credor, não

configurando verdadeira exceção pois em verdade o fiador figura no pólo passivo da

obrigação, ainda que subsidiariamente.

Torna de mais fácil compreensão o acima afirmado quando da leitura das

palavras de Silvio Rodrigues, que por isso transcreve-se, ipsis litteris:

“Reciprocidade das Obrigações – Este é o requisito fundamental da compensação, pois trata-se de um meio de extinção das obrigações pelo encontro de direitos opostos. Como vimos, a compensação compõe-se de pagamentos recíprocos, efetuados com créditos também recíprocos. Assim, para que haja compensação, mister se faz a presença de obrigações e créditos recíprocos, entre as mesmas partes.”93

92 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 154. 93 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – 30ª edição – São Paulo – 2002 – p. 215.

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50

A jurisprudência assim tem entendido também, como se pode ver do

acórdão (RT 304/298) que negou o pedido do autor compensar seus débitos com os créditos

que possuía em face dos réus, mas que estavam imersos em inventário ainda tramitando, ou

seja, sem estar transitado em julgado, pois antes disso não há certeza quanto ao crédito.

A exigibilidade das dívidas é contitio sine qua non para a consecução do

procedimento compensatório. Para ser exigível uma prestação a obrigação deve estar

vencida independentemente de isso ter se dado pelo escoamento do prazo previsto ou por

uma antecipação convencionada.

Uma vez mais esposa-se das doutas lições de Silvio Rodrigues para facilitar

a compreensão, agora sobre o requisito da exigibilidade da prestação, verbis:

“Exigibilidade atual das prestações – Mister ainda se faz que as dívidas, a serem compensadas, estejam vencidas, isto é, possam ser exigíveis desde logo, pois, em rigor, quanto não chega o termo de vencimento o devedor tem o direito ao prazo, não podendo ser compelido a dele abrir mão, por motivo de compensação.”94

A discussão que gera sérias controvérsias é a da prescrição de uma das

prestações que se pretende compensar, sendo falsa a afirmação de que a sua abordagem é

de caráter meramente acadêmico, mas, ao contrário, tem ela relevância de ordem prática.

Em caso de prescrição, devem ser analisadas conjuntamente a exigibilidade

e o caráter automático da compensação, isto porque se ambas as dividas coexistiram em

momento anterior à prescrição elas já terão se compensado, sendo que uma eventual ação

judicial envolvendo a questio limitar-se-ia a declarar a compensação.

Porém o caso seria outro, se quando veio a existir a dívida de um devedor

para com o respectivo credor, a dívida que este mantinha com aquele já estivesse prescrita.

Nesta hipótese a pretensão do devedor que outrora foi credor foi extinta pelo decurso do

prazo prescricional não mais sendo possível opor a compensação ao débito atual.

Posicionou-se Caio Mario dissertando nos seguintes termos, verbis:

94 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – 30ª edição – São Paulo – 2002 – p. 218.

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51

“Controvertem os autores se a obrigação prescrita comporta compensação. Dentro da variedade de opiniões, o que deve prevalecer é a conjugação do requisito da exigibilidade com o efeito automático da compensação. Assim, se a prescrição se completou antes da coexistência das dívidas, aquele a quem ela beneficia pode opor-se a compensação, sob o fundamento de que a prescrição extingue a pretensão (Anspruch), e, portanto, falta o requisito da exigibilidade para que aquela se efetue. Mas se os dois créditos coexistiram, antes de escoar-se o prazo prescricional, operou-se a compensação ipso iure, e premiu as obrigações; a prescrição que venha a completar-se ulteriormente não mais atua sob os débitos desaparecidos. O nosso Anteprojeto enuncia regra simples (art. 260), dizendo que a prescrição de qualquer das dívidas não impede a compensação, se chegarem a coexistir antes de consumada.”95

Há, entretanto, outro aspecto que deve ser abordado e que pode ser

considerado com requisito da compensação, qual seja, que as dívidas sejam compensáveis.

Isto porque, malgrado a compensação ocorrer automaticamente de pleno direito, o

legislador fez ressalvas quanto a algumas dívidas não poderem se compensar nem por

vontade das partes ou por vedação legal expressa.

Resumidamente, incompensável é a dívida quando as partes assim

convencionaram ou, também, quando uma das partes, unilateralmente, renúncia o benefício

que eventualmente assistir-lhe-ia, pois sendo direito patrimonial é ele disponível.

Silvio Rodrigues corrobora com essa assertiva, afirmando que, verbis:

“Dívidas não compensáveis – Embora a lei determine a incidência de pleno direito da compensação, desde que ocorram os pressupostos acima estudados, ela contempla a possibilidade de não se operar a compensação, quer pela vontade das partes (CC/1916, art. 1.016; CC/2002, art. 375)”96

A outra hipótese, que possui uma série de desdobramentos, inclusive em

sede tributária, é a vedação legal da compensação. É de bom alvitre salientar que o Código

Civil é a lei geral que regulamenta a matéria, portanto, afora as hipóteses que aqui serão

enumeradas, podem leis especiais estabelecerem outras regras impeditivas da compensatio. 95 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 155 e 156 96 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – 30ª edição – São Paulo – 2002 – p. 219.

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52O direito positivo abriga as cláusulas impeditivas da compensação no artigo

37397 do Codex Civile, abordando-as de forma expressa e taxativa.

Exceção consignada é quando a dívida decorrer de esbulho, furto ou roubo,

regra esta que, apesar de bem servir o direito por ser taxativa, é desnecessária, em face do

nemo auditur propriam turpitudinem allegans.98

Caio Mario comenta esta hipótese, verbis:

“Se uma delas provier de esbulho, furto ou roubo ninguém pode invocar a própria conduta antijurídica para dela beneficiar-se, contra o tradicional princípio nemo auditor propriam turpitudinem allegans. A dívida proveniente do ilícito não se confunde todavia com a obrigação de restituir, nascida da nulidade desta. E, se a que se funda na conduta antijurídica é insuscetível de compensação, a outra pode ser oposta ao credor.”99

Importantes também as palavras de Silvio Rodrigues, verbis:

“De certo é supérfluo o inciso legal que determina serem incompensáveis os créditos vindos de esbulho, furto ou roubo, pois tais créditos não são reconhecidos como geradores de obrigações voluntárias, dado o caráter ilícito da sua fonte.”100

Quanto as dívidas de alimentos, a compensação não pode subsistir diante da

própria finalidade do instituto, pois os alimentos só são cabíveis quando o alimentado não

tem condições financeiras para a sua subsistência, muito menos, portanto, para solver suas

dívidas, ou seja, a autorização da compensação seria equivalente a uma sentença de morte.

Desta forma e atento ao princípio da equidade, não pode prevalecer um interesse

econômico sobre o direito a vida.

97 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Art. 373 “A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto: I – se provier de esbulho, furto ou roubo: II – se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos; III – se uma dor de coisa não suscetível de penhora”. Brasília, DF: Senado, 2002. 98 Nemo auditur propriam turpitudinem allegans: expressão proveniente do latim cujo significado é que ninguém é atendido alegando a própria torpeza. Disponível em : http://gondoiuris.com.sapo.pt/exp_latinas.htm. Acesso em 14 ago. 2009. 99 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 158 100 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – 30ª edição – São Paulo – 2002 – p. 219

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53Sábias as palavras de Caio Mario a este respeito. “Aqui ocorre uma extensão

da fungibilidade recíproca, além do gênero, e da qualidade para abraçar a origem”.101

Mais profundos são os ensinamentos de Silvio Rodrigues acerca do inciso II

do artigo 373 do Código Civil:

“Sendo o comodato o empréstimo da coisa infungível, as dívidas dele oriundas têm por objeto a devolução de coisa certa, considerada em sua individualidade. Por isso mesmo tais débitos são, por sua própria natureza, insuscetíveis de se compensarem automaticamente com outros, pois falta, para ocorrer a compensação, o requisito da homogeneidade das dívidas.(...) A dívida de alimentos não pode ser objeto de compensação, pois caso contrário, frustrar-se-ia o próprio escopo assistencial que a justifica. (...) Ora, se pudesse o alimentante compensar sua dívida com algum crédito que porventura tivesse contra o alimentário, a prestação alimentícia não seria fornecida, comprometendo-se a existência do beneficiado.”102

O inciso final do artigo ora sob exame, trata da impossibilidade de se

compensar dívidas com coisas impenhoráveis. Estas são tidas como as que não podem ser

tomadas para pagamento de dívidas do seu proprietário, segundo o disposto na lei

processual ou material, conforme o caso.

Contudo, a volúpia com que o Estado almeja o aumento da arrecadação fez

com que através de emendas fosse desfigurado o instituto da compensação quando uma das

partes é o Estado e, dentre várias, pode-se apontar como uma das mais importantes a

supressão, por meio da Lei 10.677103 de 22 de maio de 2003, do artigo 374104 do Código

Civil Brasileiro que previa que a compensação de dívidas com o Fisco fosse regulada pelo

capítulo que cuida da cessão em geral, para poder, através de outra leis dificultar este

procedimento visando a resgatar a sistemática do Código anterior.

101 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume II – Teoria Geral das Obrigações – Editora Forense – 19ª edição – Rio de Janeiro – 2001 – p. 158 102 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral das Obrigações – Editora Saraiva – 30ª edição – São Paulo – 2002 – p. 220 e 221. 103 BRASIL, Antigo Código Civil Brasileiro, artigo 1.017 “AS dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Municípios também na podem ser objeto de compensação, exceto nos casos de encontro entre a administração e o devedor, autorizados nas leis e regulamentos da Fazenda.” Brasília, DF: Senado, 1916. 104 BRASIL, Lei Federal Ordinária, artigo 1º “Fica Revogado o artigo 374 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.” Brasília, DF: Senado, 2003.

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54CONCLUSÃO

Chega-se ao término da presente monografia e, a partir deste momento, será

feito um apanhado geral do que fora discutido até aqui, fazendo um estreita síntese do que

fora apresentado.

Foi verificado que o crédito tem natureza jurídica de bem móvel e que a

espécie tributária não se descola disso. Decorre, portanto, que a relação que guarda o titular

do crédito com este é de natureza real, mais precisamente relação de propriedade.

Desta forma, o crédito é integrante do patrimônio do seu titular e,

conseguintemente, é ele disponível, negociável. Neste sentido, o crédito tributário pode ser

transferido a outrem, através da cessão, quando passará a integrar o patrimônio do

cessionário, passando este a ser seu legítimo proprietário.

A compensação é medida que se impõe quando há entre duas pessoas

identidade recíproca da credora e devedora uma da outra e ao mesmo tempo. Em sede

tributária, ocorre de modo diverso, pois é necessária lei que discipline tal operação.

Em âmbito federal, regem a matéria a Constituição Federal de 1988, o

Código Tributário Nacional, as Leis Ordinárias 9.430/96 e 8.383/91. Destes diplomas legais

extrai-se que a compensação tributária é meio legalmente instituído para extinguir o crédito

tributário, inclusive com créditos adquiridos de terceiros, pois no momento em que são

adquiridos passar a ser propriedade do cessionário e, conseqüentemente, este passa a ser

credor do Fisco, o que preenche o requisito mencionado no parágrafo anterior.

Entretanto, o entendimento majoritário é em sentido contrário,

demonstrando que o judiciário não goza da imparcialidade necessária à atividade julgadora.

A tentativa de obstar a possibilidade de compensação com créditos

adquiridos, atenta contra os princípios básicos da constituição e a legislação reguladora da

matéria.

Desta forma, a compensação, nos moldes legais, é um direito subjetivo,

liquido e certo do contribuinte e a sua negativa por parte da autoridade administrativa deve

ser rechaçada através do mandado de segurança, ressaltando que neste caso não há

necessidade de dilação probatória.

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55BIBLIOGRAFIA

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