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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I PEDAGOGIA – ANOS INICIAIS NAIANA SANTOS CARVALHO SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS NA EDUCAÇÃO PARA SURDOS SALVADOR 2010

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I PEDAGOGIA – ANOS INICIAIS

NAIANA SANTOS CARVALHO

SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS NA

EDUCAÇÃO PARA SURDOS

SALVADOR

2010

NAIANA SANTOS CARVALHO

SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS NA

EDUCAÇÃO PARA SURDOS

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de graduação em Pedagogia Anos Iniciais do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª Dr. Ana Portela.

SALVADOR 2010

FICHA CATALOGRÁFICA – Biblioteca Prof. Edivaldo Machado Boaventura Bibliotecária : Jacira Almeida Mendes – CRB : 5/592

Carvalho, Naiana Santos Surdez e Bilingüismo : perspectivas, possibilidades e práticas na educação para surdos / Naiana Santos Carvalho . – Salvador, 2010. 103f. Orientadora: Ana Portela. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2010. Contém referências e anexos. 1.Surdez - Educação. 2. Bilingüismo. 3. Estudantes surdos - Educação. 4.Língua de sinais. 5. Educação inclusiva. I. Portela, Ana. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação. CDD: 371.912

NAIANA SANTOS CARVALHO

SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS NA

EDUCAÇÃO PARA SURDOS Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de graduação em Pedagogia Anos Iniciais do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª Dr. Ana Portela.

Aprovado em 11 de Março de 2010

BANCA EXAMINADORA

Profª . Ana Portela

Profª. Jaciete Barbosa

Profª. Márcia Araújo

Dedico este trabalho a toda comunidade

surda, pois eles (os surdos) foram à

inspiração e a razão para a realização deste.

AGRADECIMENTOS

Em especial...

À Deus, pela vida e por me presentear está ao lado de pessoas admiráveis a qual

respeito e tanto amo.

Família...

À minha mãe Noélia, pela preocupação com a minha formação, pela paciência e

compreensão em entender - às vezes - a minha falta de humor e principalmente pelo incentivo

na minha busca por novos caminhos e descobertas.

À minha vó Marlene, que juntamente com a minha mãe, contribuíram para a minha

formação como pessoa, ensinando-me valores e atitudes onde o principal lema era: não faça

nada para os outros que você não queria para si própria.

Aos meus dois pais, Elisio (in memoriam) pela existência e Ailton (in memoriam) pela

criação e pelos mimos.

Professora...

À minha orientadora Profª Ana Portela, pela compreensão das nossas dificuldades,

valorização de nossos esforços, apoio e incentivo para a construção deste trabalho.

A Turma...

Em particular a minha equipe Boutinet (Arianne Lima, Isabel Gomes, J. Jorge Santana,

Nivia Cataline e Tauana Dias) que com nosso lema de “lançar pra frente e jogar pra cima”

produzimos e apresentamos trabalhos de extrema competência e qualidade.

Aos amigos que ganhei nesse percurso: Juliana Moreira, Ana Carla Silva, Iracema de

Jesus, Fabiana Nascimento, Soraya Leiro, Rafaela Franco, Dú (Durval de Jesus), a Bin (Diogo

Pinho), Sidney Michel, Alberto Novais, Alessandra Silva, Anne Caroline, Alda Lobo, Márcia

Bispo, Renata Uchoa, Maiana Caldas, Ana Paula Fiais, Clara Torres, Noeli Santos, Sandra do

Vale...

Aos diretores, coordenadores, funcionários e instituições...

À diretora Maria Luiza Godinho, por me permitir fazer trabalho voluntário na Escola

João das Botas e a professora Cyrene Miranda Silva;

À fundadora e presidente da APADA Marizanda Dantas, a coordenadora Jâmara

Cardoso, bem como meus professores de LIBRAS Ronaldo Freitas e Aline Porto e Márcia

Schiavon;

À professora Simone Andrade do CAS – Wilson Lins, pela contribuição teóricas e

auxílios nas observações, a professora Ana Maria Menezes pela assistência em me demonstrar

como ocorre o ensino com os alunos surdos.

“O futuro não é apenas a conquista de metas

estabelecidas a priori, mas, principalmente, a

possibilidade de novas respostas a novas

perguntas que escapem a todo e qualquer

critério de previsibilidade”.

(Cláudio Roberto Baptista)

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar as perspectivas e possibilidades que permeiam a educação para surdos em uma proposta educativa bilíngue. A função desta pesquisa é destacar a relevância de uma nova concepção sobre a surdez e suas contribuições tanto no processo educacional dos discentes surdos, com a valorização da LIBRAS, quanto na construção da identidade e cultura surda. O presente trabalho, de cunho qualitativo, visa através do estudo de caso, investigar como ocorrem as práticas educativas para surdos na escola regular de ensino e nas escolas para surdos. Participaram desta pesquisa alunos surdos e ouvintes, coordenadores, professores, diretores e funcionários da Escola Estadual João das Botas, da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos (APADA – BA) e do Centro de Atendimento ao Surdo – CAS – Wilson Lins. A partir dos resultados pode-se inferir que uma proposta educativa baseada em uma perspectiva bilíngue possibilita ao estudante surdo uma melhor educação, no sentido em que prioriza em uma metodologia a utilização de recursos visuais para o ensino a esses alunos. Palavras chaves: Educação de Surdos – Surdez – Bilinguismo.

ABSTRACT

This paper aims to present perspectives and possibilities that permeate the education for the deaf in a bilingual educational program. The function of this research is to highlight the importance of a new conception of deafness and its contributions both in the educational process of deaf students, with valuation of LIBRAS, as in the construction of identity and deaf culture. This study, using a qualitative approach aims at using the case study, investigate and place the educational practices for deaf students in mainstream education and schools for the deaf. Participants were deaf and hearing students, co-ordinators, teachers, directors and employees of the State School João das Botas, the Association of Parents and Friends of Auditory Deficient (APADA - BA) and the Center for Deaf Service - CAS - Wilson Lins. From the results it can be inferred that an educational approach based on a bilingual perspective enables the deaf student a better education, in that it emphasizes a methodology to use visual recourses to teach the students.

Key words: Education of the Deaf - Deafness - Bilingualism

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

IMAGEM 1 – Fachada da Escola Estadual João das Botas......................................................85

IMAGEM 2 – Sinalização da Sala de Apoio............................................................................85

IMAGEM 3 – Sala de Apoio................................................................................................... 85

IMAGEM 4 – Atendimento na Sala de Apoio..........................................................................85

IMAGEM 5 – Atendimento na Sala de Apoio (2)....................................................................85

IMAGEM 6 – Dicionário Capovilla.........................................................................................86

IMAGEM 7 – Representação Trilíngue....................................................................................86

IMAGEM 8 – Vídeo de História Infantis em LIBRAS..........................................................86

IMAGEM 9 – Vídeo “Contando História em Libras”..............................................................86

IMAGEM 10 - Coleção Fala Sério...........................................................................................86

IMAGEM 11 – Refeitório e Pátio.............................................................................................86

IMAGEM 12 – Mesa de jogos Lanches....................................................................................86

IMAGEM 13 – Quadra de Esportes..........................................................................................86

IMAGEM 14 – Fachada da APADA – BA...............................................................................87

IMAGEM 15 – Símbolo da APADA – BA..............................................................................87

IMAGEM 16 – Sala do Curso de Libras..................................................................................87

IMAGEM 17 – Intérprete/Professor de LIBRAS e Assistente Social da APADA .................87

IMAGEM 18 – Certificado e Conteúdo Programático (Módulo I)..........................................87

IMAGEM 19 – Certificado e Conteúdo Programático (Módulo II).........................................87

IMAGEM 20 – Sala de Aula.....................................................................................................88

IMAGEM 21 – Sala de Aula (1)...............................................................................................88

IMAGEM 22 – Sala de Aula (3)...............................................................................................88

IMAGEM 23 – Sala de Informática..........................................................................................88

IMAGEM 24 – Parquinho/Área de Lazer.................................................................................88

IMAGEM 25 – Brinquedoteca (1)............................................................................................88

IMAGEM 26 – Brinquedoteca (2)............................................................................................88

IMAGEM 27 – Livro “Cinderela Surda”..................................................................................88

IMAGEM 28 – Cena do livro (Momento da transformação)...................................................88

IMAGEM 29 – Cena do Livro “Cinderela Surda” (Quando ela esquece a Luva)...................88

IMAGEM 30 – Vídeo “Contando História em LIBRAS” (Literatura Mundial – Fabula).......89

IMAGEM 31 – Vídeo “Contanto em LIBRAS” (Lendas Brasileiras)......................................89

IMAGEM 32 – Sinalização das atividades desenvolvidas na Brinquedoteca..........................89

IMAGEM 33 – Sinalização Sala da Direção............................................................................89

IMAGEM 34 – Sinalização sobre Higiene...............................................................................89

IMAGEM 35 – Sr. Wilson Lins................................................................................................90

IMAGEM 36 – Fachada CAS – Wilson Lins...........................................................................90

IMAGEM 37 – Símbolo CAS – Wilson Lins...........................................................................90

IMAGEM 38 – Sinalização do Sanitário de Aluno..................................................................90

IMAGEM 39 – Sinalização do Sanitário Feminino..................................................................90

IMAGEM 40 – Sinalização do Sanitário Masculino................................................................90

IMAGEM 41 – Sala de informática..........................................................................................91

IMAGEM 42 – Sala de informática (2)....................................................................................91

IMAGEM 43 – Prof.. Informática............................................................................................91

IMAGEM 44 – Figura, configuração de mãos e escrita em português dos componentes do

computador................................................................................................................................91

IMAGEM 45 – Prof.ªs do CAS – Wilson Lins..........................................................................91

IMAGEM 46 – Prof.ªs do CAS – Wilson Lins (1)....................................................................91

IMAGEM 47 – Interprete e Instrutora de LIBRAS..................................................................91

IMAGEM 48 – Funcionárias Surdas do CAS...........................................................................91

IMAGEM 49 – Sinalização Sala de Aula.................................................................................91

IMAGEM 50 – Sala de Aula.....................................................................................................91

IMAGEM 51 – Sala de Aula (1)...............................................................................................91

IMAGEM 52 – Sinalização luminosa.......................................................................................92

IMAGEM 53 – Desenho dos alunos do Patinho Feio...............................................................92

IMAGEM 54 – História do Patinho Surdo...............................................................................92

IMAGEM 55 – História da Turma da Mônica..........................................................................92

IMAGEM 56 – Desenho dos alunos da Turma da Mônica.......................................................92

IMAGEM 57 – Espaço de Convivência...................................................................................92

IMAGEM 58 – Espaço de Convivência (1)..............................................................................92

LISTA DE SIGLAS

APADA – Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos

APAS – Associação de Pais e Amigos dos Surdos

CAS – Centro de Atendimento ao Surdo

FENEIDA – Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos

FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo

INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos

LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais

LSCB – Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros

UNEB – Universidade do Estado da Bahia

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................13

2. CAPÍTULO I – EDUCAÇÃO DE SURDOS......................................................17

2.1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS...........................................................17

2.2 EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL.......................................................................22

3 . CAPÍTULO II – ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS...27

3.1 ORALISMO......................................................................................................................27

3.2 COMUNICAÇÃO TOTAL..............................................................................................29

3.3 BIMODALISMO..............................................................................................................31

3.4 BILINGUISMO................................................................................................................33

3.4.1 Educação Bilíngue.........................................................................................................35

4 . CAPÍTULO III – CULTURA, IDENTIDADE E SURDEZ.........................41

4.1 SURDO: DIFERENTE OU DEFICIENTE?..................................................................41

4.2 CULTURA SURDA..........................................................................................................45

4.3 IDENTIDADE SURDA....................................................................................................48

4.4 LÍNGUA DE SINAIS.......................................................................................................51

4.4.1 Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS .......................................................................53

5 . CAPÍTULO IV – ANÁLISES DE DADOS.........................................................57

5.1 PROPOSTA METODOLÓGICA...................................................................................57

5.1.1 Recursos Metodológicos................................................................................................60

5.2 ESPAÇOS EMPÍRICOS................................................................................................ 60

5.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA......................................................................................61

5.4 ANÁLISE DOS DADOS..................................................................................................61

5.4.1 Escala Inclusiva..............................................................................................................62

5.4.2 Escola para Surdos.........................................................................................................67

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................77

REFERENCIAS......................................................................................................................80

ANEXOS..................................................................................................................................85

1. INTRODUÇÃO

A educação para surdos ao longo do tempo vem ganhando destaque no cenário

educacional brasileiro. Apesar disso, ainda não podemos afirmar que os direitos conquistados

pela comunidade surda estão sendo respeitados e, dentre esses direitos, está o reconhecimento

da língua sinais como língua natural dos surdos. Direito garantido pelo Congresso Nacional

que decretou e sancionou a Lei Nº 10.436 de 24 de abril de 2002 que profere no Art. 1 “É

reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais -

Libras e outros recursos de expressão a ela associados”. Em parágrafo único complementa:

Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.”( BRASIL, 2002)

Para Quadros (1997), a postura educacional perante a língua de sinais interfere no

processo histórico das comunidades surdas. O fato de “permitir” e/ou “não permitir” que as

pessoas surdas usem a língua de sinais provocam profundas mudanças na vida das pessoas

que interagem com tais comunidades. Percebe-se que os surdos passam a ter um papel

importante no processo educacional no momento em que a língua de sinais passa a ser

respeitada como uma língua própria dos membros deste grupo social (p. 45).

Diante disto, este trabalho tem como propósito estudar os pressupostos teóricos que

permeiam os conceitos de bilinguismo e surdez na educação para surdos. Teóricos como

Skliar (1999), Quadros (1997, 2004), Sá e Botelho (2002) irão, dentre outros autores,

subsidiar essa pesquisa, pois destacam em suas obras aspectos que dizem respeitos à educação

dos surdos; a relação dos surdos com os ouvintes nos ambientes escolares, conceitos

antagônicos como normalidade e anormalidade, diferença e deficiência, maioria e minoria,

língua oral e língua de sinais; a importância da língua de sinais na construção da identidade

surda, tendo como conseqüência a formação de uma comunidade própria; metodologias para o

ensino dos alunos surdos, bem como a preocupação com a formação dos professores para o

ensino destes discentes surdos.

As limitações na organização de projetos políticos educacionais, de cidadania, dos

direitos lingüísticos, e as dificuldades no processo de reorganização e de reconstrução

pedagógicas, ainda sugerem a existência de uma problemática educacional não revelada

totalmente. Em outras palavras, a questão não está no quanto os projetos pedagógicos se

distanciam do modelo clínico, mas no quanto realmente se aproximam de um olhar

antropológico e cultural (SKLIAR,1998, p. 8).

Assim, esta pesquisa tem como objetivo geral conhecer os métodos de ensino

necessários para o desenvolvimento na formação dos alunos surdos numa perspectiva

bilíngue. Os objetivos específicos são: identificar as abordagens teóricas que oferecem

subsídios aos profissionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem dos alunos

surdos; apontar estratégias que permitam a aquisição e o desenvolvimento da língua de sinais

como primeira língua na educação dos surdos; identificar como a educação em uma

perspectiva bilíngue possibilita ao sujeito surdo construir uma identidade surda; apontar as

representações sociais sobre a surdez em uma proposta educacional baseada no bilinguismo.

A construção dos objetivos desta pesquisa se deu através da formulação do seguinte

problema: a prática educacional na perspectiva bilíngue possibilita um melhor

desenvolvimento na construção da identidade do surdo e no aperfeiçoamento do processo de

ensino e aprendizagem para os discentes surdos?

A escolha do tema Surdez e Bilinguismo: perspectivas, possibilidades e prática na

educação para surdos se justifica por duas razões. A primeira por causa da elaboração do

projeto de pesquisa, no 1º semestre, que tinha como tema a inclusão dos deficientes auditivos

no ensino regular, em função disto surge o interesse em aprender a língua de sinais, a partir

disto, começo a fazer um curso de LIBRAS na APADA- BA (Associação de Pais e Amigos

dos Deficientes Auditivos). Durante este curso tive, então, a oportunidade de conhecer a

diretora da Escola Estadual João das Botas, uma escola é denominada inclusiva, pois atende

alunos surdos em suas salas regulares. Com permissão desta diretora comecei, a partir daí, a

realizar um trabalho voluntário na sala de apoio desta mesma instituição.

Neste período, vivenciei o cotidiano educacional dos alunos surdos nas salas regulares e

de apoio, e com isso acabei, constatando quão era difícil o processo de ensino e aprendizagem

dos alunos surdos. A falta de profissionais especializados era a principal razão para se

explicar esta situação. O único auxílio que os discentes tinham de professores com

conhecimentos da LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais era na sala de apoio, na própria

escola, que os mesmos freqüentaram no turno oposto. Este atendimento, realizado por duas

professoras, consistia em ajudar os alunos a responder e desenvolver seus exercícios e

trabalhos escolares.

Uma outra razão para a escolha deste tema foi que, neste mesmo período de construção

do projeto de pesquisa, ocorreu o Congresso Nacional de Educação para Surdos, no qual a

comunidade surda manifestou-se favorável a uma inclusão social e não educacional. Neste

momento, surge a inquietação em investigar as metodologias de ensino e o cotidiano

educacional dos discentes surdos em escolas especificas para o ensino de surdos, ou seja, em

escolas que seguem uma proposta educacional baseada na perspectiva bilíngue.

A partir de então deixo de pensar como uma ouvinte preocupada com a educação desses

alunos, crendo que o melhor para eles era estudar com os ditos “normais”. Assim, deste modo,

ficou evidente perceber que a principal questão era fazer com que existisse, de fato, um

processo de ensino e aprendizagem na educação dos alunos surdos e a primeira atitude para

viabilizar este objetivo, era que fossem respeitadas as diferenças lingüísticas entre surdos e

ouvintes.

Assim sendo, a relevância dessa pesquisa sobre a Surdez e o Bilinguismo na educação

para surdos surge da necessidade tanto do reconhecimento da LIBRAS como língua materna

do surdos, e assim sendo, ela deve ser ensina para eles nos ambientes escolares como primeira

língua quanto do recolhimento de uma nova concepção da surdez que, diferentes dos modelos

clínico-terapêutico, a surdez é entendida na perspectiva de uma educação bilíngue de acordo

com os pressuposto do modelo sócio-antropológico.

Para poder investigar esta problemática a proposta metodológica escolhida para

subsidiar este trabalho segue a linha de pesquisa qualitativa, com a utilização da técnica do

estudo de caso, uma vez que esta, permite ao pesquisador observar e analisar o espaço

empírico e os sujeitos estudados. Os espaços empíricos desta pesquisa são as instituições:

Escola Estadual João das Botas (escola inclusiva); APADA-BA e CAS – Wilson Lins

(escolas para surdos). Os sujeitos desta pesquisas são: os diretores ou coordenadores das

instituições; os professores das escolas inclusivas e para surdos; os funcionários surdos e os

ouvintes e alunos surdos da 3ª, 6ª e 8ª série do ensino médio e fundamental com faixas etárias

entre 12 a 18 anos.

Posto isto, o presente estudo foi dividido em quatro capítulos: CAPÍTULO I – A

EDUCAÇÃO DOS SURDOS; este capítulo tem como finalidade demonstrar as

representações histórico-sociais sobre os surdos desde a antiguisdade, bem como apresentar

como se iniciou a educação para surdos, os primeiros educadores e métodos de ensino de

alunos surdos e as primeiras instituições criadas para educar estes alunos. Com relação ao

Brasil, iremos destacar como se iniciou a educação de surdos no país, enfatizando os

educadores que tornaram isso possível; a criação das federações e associações para surdos; as

escolas para surdos e as primeiras metodologias utilizadas para o ensino destes alunos.

CAPÍTULO II – AS ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS; este capítulo

tem como finalidade demonstrar de forma detalhada as metodologias de ensino para surdos.

Nele, serão analisadas as abordagens oralista, a comunicação total, o bimodalismo e por fim o

bilinguismo e a educação bilíngue; CAPÍTULO III – CULTURA, IDENTIDADE E

SURDEZ; a função deste capítulo é, a princípio, esclarecer questões sobre a surdez como

deficiência ou diferença, bem como esclarecer alguns conceitos antagônicas que permeiam

este assunto. Em seguida, serão abordados temas a respeito de como se constituem e se

formam a cultura e a identidade surda e, por fim, mas não menos importante, discutiremos

como se constituem as línguas de sinais e a Língua Brasileira de Sinais. CAPÍTULO IV – AS

ANÁLISES DOS DADOS; este capítulo tem como finalidade apresentar a metodologia

escolhida para subsidiar a pesquisa, as características dos espaços empíricos e seus sujeitos,

juntamente com os resultados das análises feitas através de pressupostos teóricos dos dados

coletados.

2. EDUCAÇÃO DE SURDOS

2.1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS

Os relatos sobre a história da educação de surdos, na maioria das vezes, foram narradas

por ouvintes e poucas vezes contadas por surdos. Qualquer que seja a época, a educação de

surdos não é contada por seus principais protagonistas os surdos, este se encontram em papéis

de coadjuvantes de sua própria história. O que verificamos na maioria das vezes são as

impressões dos ouvintes em relação à vida e a relação ouvinte/surdo, a partir de contatos que

ocorreram por causa do trabalho dos ouvintes com os alunos surdos ou por um interesse

particular dos ouvintes na educação de surdos.

A história da educação do surdo tem seus primeiros relatos acerca de 400 anos, sendo

que no início havia pouca compreensão do problema, e os indivíduos deficientes eram

colocados em asilos. Ao longo da historia, a idéia que a sociedade fazia sobre os surdos quase

sempre assumiu uma forma negativa, na antiguidade eram consideradas pessoas castigadas

pelos deuses, e por isso eram abandonados ou sacrificados. Por essa razão, existia a crença de

que o surdo era uma pessoa primitiva, daí então não haveria a necessidade de educá-los.

No Egito, acreditava-se que o surdo era um sujeito incapaz de aprender e nem mesmo

era considerado ser humano, uma vez que estavam desprovidos da capacidade da fala não

poderia se comunicar/exprimir através da língua oral.

De 2000 a 1500 a.C ,no Egito, as leis judaicas vigentes começaram a proteger o surdo.

No entanto, essas leis apenas reconheciam o direito do sujeito surdo à vida e não à educação.

Os romanos, por sua vez, acreditavam que os surdos não deveriam ser educados, sendo

assim privados de qualquer possibilidade de desenvolvimento intelectual e moral. Segundo o

código Justiniano, em Roma, no ano de 483 a.C., o surdo de nascimento também não poderia

ser educado. Foi nesta época que se estabeleceram as primeiras diferenciações dos tipos de

surdez: a surdez congênita (nascimento) e a surdez adquirida.

Para Aristóteles, o surdo não era capacitado para a fala, e sendo essa uma condição sem

a qual não poderia ocorrer o desenvolvimento dos processos cognitivos, era inadmissível para

o surdo a possibilidade de construção de pensamento. Segundo Lima (2004), “Essa

impossibilidade de pensar, pois não falava, tornava o surdo um sujeito incapaz de ser

educado, pois ele não conseguiria se expressar oralmente. Sendo assim, o sujeito surdo em

uma palavra era considerado um ‘não humano’” (p.24).

Essa concepção de o surdo como um “não humano” persistiu por mais de mil anos. De

acordo com Sacks (1989, p. 31) apud Lima (2004, p.15): “A condição sub-humana dos mudos

era parte do código mosaico e foi reforçada pela exaltação bíblica da voz e do ouvido como a

única e verdadeira maneira pela qual o homem e Deus podiam se falar”. Durante esse período,

o surdo viveu épocas de grande sofrimento, privações e pobreza e, até o século XV, o surdo

não encontrava meio de desenvolver nenhuma atividade que lhe permitisse a sobrevivência,

pois, como não tinha acesso à educação, o trabalho lhe era vetado.

No século XVI, essa percepção de que o surdo não merecia ser educado começa a mudar

e na Europa surgem os primeiros educadores de surdos que, assim como se faz atualmente,

criaram diversas metodologias para ensinar surdos, utilizando-se da língua auditivo-oral

nativa, língua de sinais, datilologia (alfabeto manual) e outros códigos manuais.

Em 1579, Girolamo Cardano, um médico italiano interessado em estudar o caso do filho

surdo, foi o primeiro a afirmar que o surdo poderia ser educado, uma vez que o mesmo tinha a

total capacidade de pensar, compreender e estabelecer relações entre as coisas e fazer

representações de objetos. Cardano defendia a idéia de que para que essas ações pudessem

ocorrer não seria necessária a utilização da fala. Suas declarações eram pautadas em um

método de aprendizagem que fazia a associação entre figuras desenhadas para demonstrar a

realidade, construindo um sistema lógico que possibilitaria a construção coerente de

pensamento, demonstrando assim uma mente racional capaz de analisar idéias e elaborar

conceitos a partir delas. Neste sentido, Cardano conclui que “seria um crime não instruir o

surdo-mudo”.

Nesse momento da história na educação de surdos, as primeiras contribuições

metodológicas estão relacionadas diretamente a membros constitutivos da igreja, é ela que vai

pensar no surdo como um “ser humano” que tem o direito, assim como os ouvintes, à

educação.

Entre uma das principais referências nos primórdios na educação de surdo está o monge

beneditino Pedro Ponce de Leon que, no século XVI, na Espanha, é reconhecido como o

primeiro professor de surdos. Seu trabalho serviu como ponto de partida para diversos

educadores de surdos. Sua trajetória de trabalho foi consolidada com o ensino dos filhos

surdos da aristocracia espanhola. Ponce de Leon desenvolveu uma metodologia de educação

para surdo que utilizava a datilologia – representação manual do alfabeto – escrita e

oralização. Dentre suas principais contribuições para a educação de surdos estão a criação do

alfabeto manual e a escola de professores surdos.

Na Espanha, em 1620, Juan Martin Pablo Bonet publicou o primeiro manual de

educação de surdos, o livro Reduccion de las letras y artes para enseflar a hablar a los mudos

(Redução das letras e arte de ensinar a falar os mudos), que trata da invenção do alfabeto

manual de Ponce de Leon.

Outra referência importante na educação de surdos foram as contribuições do abade1

francês Charles Michel de L´Epée que, no século XVIII (1750), é considerado um dos

maiores precursores na história da educação de surdos, sendo o primeiro o reconhecer a

necessidade de utilizar sinais como o primeiro passo para o ensino do surdo. Neste mesmo

ano, L´Epée iniciou a instrução formal de duas irmãs gêmeas surdas obtendo, com essa

instrução, um grande sucesso. Depois de algum tempo, em contato com surdos pelas ruas de

Paris, aprendeu com eles a língua de sinais criando assim o “Sinal Metódico2”, que é uma

combinação da língua de sinais com a gramática francesa. Segundo Reily (2007), o monge

Ponce de Leon foi designado “anjo de guarda dos meninos e foi aí que se deu o cruzamento

histórico dos sinais metódicos com os sinais surdos”. O principal objetivo dessa metodologia

era fazer com que o surdo se aproximasse da língua francesa. Devido ao imenso sucesso do

sistema desenvolvido e o êxito na educação de surdos, L´Epée transforma sua residência na

primeira escola pública para surdos. Em poucos anos passou a atender cerca de 80 alunos,

utilizando em seu trabalho pedagógico uma abordagem gestualista.

Ainda assim, essa nova tendência metodológica educacional para surdos não era uma

realidade na maioria dos países. Na França, por exemplo, era cada vez mais comum a

utilização do método manual para a educação de surdos, mas, em contrapartida, em alguns

países da Europa o método oral vinha ganhando força, sobretudo na Alemanha e Inglaterra.

Esse método oral, concepção que surgiu a partir das idéias de Samuel Heinick e o

método manual defendido por L´Epée, deu início a uma das principais discussões

relacionadas à metodologia educacional que seria utilizada no ensino dos alunos surdos.

Mesmo com todos esses debates sobre a melhor metodologia para o ensino de surdos, a

utilização dos sinais continuou a ser permitida na educação de surdos, bem como a

1 Superior de ordem religiosa, etimologicamente o termo significa pai e tem sido utilizado como título clerical, no Cristianismo, com diversas acepções (pároco, cura de almas, monge, etc). 2 Surgiu através do voto de silêncio impostos pelos mosteiros (ordem beneditina) aos noviços. Essa forma de comunicação era a única permitida, pois acreditava-se que através do silêncio os noviços se purificariam aprendendo um nova maneira de viver. Entendia-se que o contato com o mundo mundano contaminaria a alma, e o silêncio tinha a função de apagar as lembranças da vida pregressa.

participação dos professores nesse ensino. O oralismo3, porém o foi ganhando força e

modificando o cenário da educação de surdos mundialmente.

Dois marcos históricos contribuíram decisivamente para a adoção do oralismo como

metodologia educacional no ensino de surdos: a realização do VII Congresso da Sociedade

Pedagógica Italiana e o I Congresso de Professores Italianos Surdos.

O VII Congresso da Sociedade Pedagógica Italiana foi realizado em Veneza (1872). As

propostas levantadas por este Congresso corroboram com as mesmas idéias de Aristóteles que

atribui ao ato de falar como sendo uma condição essencial para qualquer ser humano

desenvolver-se cognitivamente, uma vez que a fala é responsável pelo processo de construção

do pensamento. Sendo assim, a única forma pela qual os surdos mudos se desenvolveriam

seria através da leitura dos lábios, juntamente com a técnica de oralização. As idéias

levantadas por esse Congresso deixaria cada vez mas evidente que o oralismo estava ganhado

força e seria o possível substituto do ensino por meio dos sinais. Com o texto do congresso

aprovado – agora era oficialmente – foi determinado que a metodologia Oralista fosse a forma

mais adequada para a educação de surdos.

Esse congresso influenciou diretamente na postura ideológica dos representantes do I

Congresso de Professores Italianos Surdos, realizado em Siena, em Setembro de 1873. As

propostas não se modificaram em relação as idéias do congresso realizado um ano antes,

embora este congresso não tenha trazido novos conceitos e metodologias educacionais no

ensino de surdos, foi de extrema importância tanto para a consolidação do Oralismo como

metodologia educacional quanto como referencial para o Congresso de Milão.

Dando continuidade as discussões sobre qual metodologia deveria ser adotada na

educação de surdos (oral e gestual), outros congressos foram realizados na França (Paris) e na

Itália (Veneza e Siena). Na França, algumas escolas particulares resolveram adotar o método

misto, baseando-se no ensino do língua oral e da escrita, na Itália a abordagem oralista foi

ganhando cada vez mais adeptos.

Na Itália (Milão), em 1880, aconteceu o segundo Congresso Mundial sobre Educação de

Surdos. E seguindo uma tendência em relação as propostas dos congressos anteriores, neste

Congresso foi decidido que o método oral – e somente ele – deveria ser adotado como forma

oficial e definitiva para o ensino dos alunos surdos. O argumento apresentado pelos

congressistas era de que a utilização dos sinais e da língua oral de forma simultânea

3 O Oralismo será retomado no segundo capítulo.

“atrapalharia” o desenvolvimento da fala e da própria leitura labial e, em conseqüência,

ocorreria uma confusão no processo de construção das idéias.

Por essa razão o Congresso de Milão é considerado um marco na história das políticas

educacionais para surdos, pois além de determinar a erradicação da língua de sinais como

forma de metodologia educacional no ensino dos surdos, proíbe que todos os profissionais

surdos trabalhem no ambiente educacional.

Cabe ressaltar, que esse congresso reuniu profissionais ligados à educação de surdos,

sendo que do total de 174 congressistas, 112 eram italianos. O restante estava dividido entre

franceses, suecos, ingleses, alemãs, suíços e americanos. Vale salientar, que dentre todos os

esses congressistas, apenas um era surdo!

Os professores surdos foram excluídos da votação, o oralismo saiu vencedor e o uso da língua de sinais foi “oficialmente” abolido. Os alunos surdos foram proibidos de usar sua própria língua “natural” e, dali por diante, forçados a aprender, o melhor que pudessem, a (para eles) “artificial” língua falada. E talvez isso seja condizente com o espírito da época, seu arrogante senso da ciência como poder, de comandar a natureza e nunca se dobrar a ela. (SACKS, 1989:40 apud LIMA, 2004, p. 20)

Decisão tomada, o ambiente escolar começa a ter suas primeiras modificações. A

primeira medida educacional aplicada foi a proibição do uso da língua de sinais entre os

alunos, em seguida foi a aterrorizante medida de obrigar os alunos a sentarem sobre as

próprias mãos. Não se dando por satisfeitos, posteriormente foram retiradas da sala de aula as

janelas de vidro das portas, com a intenção de impedir a comunicação sinalizada entre os

alunos. E por último, como já era óbvio, todos os professores surdos e seus auxiliares foram

dispensados de todas as escolas e instituição. Agora, a educação dos surdos estava a cargo dos

ouvintes.

Diante dos fatos enfatizados nesses momentos históricos, muitos foram os mentores que

se dedicaram a educação de surdos. Os que mais se destacaram com contribuições

humanitárias e metodológicas na vida e na educação para surdos foram o cientista e médico

Girolamo Cardano, que foi o primeiro a reconhecer que o surdo seria capaz de ser educado

independentemente da falta de audição, Pedro Ponce de Leon e Charles Michel de L´Epée,

um monge e outro abade respectivamente que, trazem a importância da igreja como

precursora nos métodos utilizados na educação de surdos, bem como o reconhecimento do

surdo como ser humano.

Destacados alguns dos principais mentores e fatos que deram início a educação de

surdos, ao longo de quatro décadas, passaremos a focalizar os acontecimentos mais

relevantes, que contribuíram para o início do trabalho com surdo, no Brasil.

2.2 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL

No Brasil, a educação de surdos teve inicio durante o segundo império (1855), com a

chegada do educador francês Hernest Huet, portador de surdez congênita. Huet foi ex-diretor

do Instituto de Surdos de Paris, ele foi trazido com o objetivo de ajudar através de sua vasta

experiência obtida através do trabalho com alunos surdos, nos primeiros passos e ações do

Brasil em direção a educação de surdos. A iniciativa em trazê-lo partiu do imperador D. Pedro

II, que contou com o apoio de Huet para trabalhar na educação de duas crianças surdas, com

bolsa auxilio patrocinada pelo governo brasileiro.

O professor Hernest Huet durante seu trabalho em prol da educação de surdo no Brasil

deixou-nos várias contribuições como a criação do 1º Instituto de Surdo Mudo, situado no

Rio de Janeiro. Mas, a grande contribuição do francês foi a fundação do Instituto Nacional de

Educação de Surdos (INES), em 26 de Setembro de 1857, – data na qual se comemorado o dia

nacional do surdo. Atualmente se encontra em Laranjeira, no Rio de Janeiro. Foi através de

Huet que a Língua de Sinais de difundiu e se desenvolveu no Brasil.

Durante alguns anos o INES permaneceu sendo a única escola para surdos. Tanto que

até hoje é considerado como uma referência nacional na educação de surdos. Mesmo com

tanto progresso em relação a educação, os surdos enfrentaram bastante dificuldade, haja

vista, que após o Congresso Mundial de Milão em 1880, foi determinado a imposição do

oralismo como metodologia a ser seguida na educação de surdos.

Com a educação de surdos ganhando cada vez mais espaço no cenário educacional

brasileiro, vários surdos começam a se mobilizar criando grupos para reivindicar seus direitos

sociais e educacionais. E dentre 1923 a 1929, surgiu a Associação Brasileira de Surdos que

tinha entre uma das suas principais exigências o direito do estudante surdo ser ensinado

através da Língua de Sinais. Durante esse período os movimentos sociais em defesa do surdo

ganharam cada vez mais adeptos e, conseqüentemente, cada vez mais força, de modo que

durante o período de ditadura militar, a comunidade surda reivindicou melhores condições e

qualidade de vida.

A igreja foi uma das instituições que mais colaboraram, seja na vida ou na educação dos

surdos e, no Brasil, isso não foi diferente. Em 1971 foi fundada a Federação Brasileira de

Surdos, presidida pelo Padre Vicente P. Bournier, mas só depois de seis anos em 1977, foi

criada a FENEIDA, Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos,

cujos membros eram compostos apenas por ouvintes e tratavam apenas da problemática da

surdez (falta de audição). Em 1983, a comunidade surda cria uma Comissão de Luta pelos

Direitos dos Surdos que, apesar de não ser legitimada, apresenta em suas propostas questões

bastante significativas, pois reivindicam os direitos das pessoas surdas como cidadãos.

Nessa época, a Comissão desejava a participação – efetiva – das pessoas surdas como

membros da Diretoria da FENEIDA, o que de imediato foi negado pelos membros da atual

diretoria que consideravam os surdos incapazes para comandar a instituição. Para insatisfação

dos membros ouvintes, a Comissão formou uma chapa e conquistou em Assembléia Geral a

presidência por um ano que, com a reestruturação do Estatuto e a Entidade, ganhou a

denominação de FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo).

Em 1990, foi fundada a Federação Nacional da Associação de Pais e Amigos dos Surdos

(APAS), representada por pais de surdos. Esta iniciativa dividiu um pouco o grupo de

trabalho, mas a FENEIS considerou que o trabalho entre surdos e ouvintes (pais e amigos)

elevaria o patamar da educação de surdos.

Tendo em vista os fatos históricos apontadas anteriormente, é possível constatar que a

trajetória da educação de surdos, no Brasil, está relacionada diretamente com a história do

Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). A criação desta entidade é um marco

histórico na Educação de Surdos, pois é através dela, juntamente com a comunidade surda,

que outros grupos de surdos começaram a se sentirem constitutivos de um grupo social,

fazendo assim com que o surdo se reconhecesse e identificasse como cidadão pertencente a

uma nação.

Mesmo com todas essas conquistas obtidas pela comunidade surda, é fato que no século

XIX o Brasil não possuía uma política educacional que legitimasse a educação para surdos,

motivo pelo qual pode ser explicado pela resistência de alguns pais a educarem seus filhos

surdos.

Esta resistência dos pais dos surdos brasileiros dificultava um pouco o trabalho de

Hernest Huet que, através de uma carta de recomendação emitida pelo Ministro de Instrução

Pública da França, obteve as condições para criar a primeira escola de surdo do país, sem

esquecer de que, para desenvolver o seu trabalho, o professor Huet contava com o auxílio da

nobreza ligada ao governo” (PERLIN, 2002 apud LIMA 2004, p.24).

A metodologia educacional para o ensino de surdo desenvolvida por Huet, era a

“didática especial dos surdos mudos” Ainda segundo PERLIN apud LIMA 2004 “ tratava-se

do mesmo processo utilizado por L´Epée e Sicard no Instituto de Surdos em Paris.” Huet

também se interessava pela formação de professores surdos, porém o pouco tempo de

permanência no Brasil não foi o suficiente para que essa profissão pudesse de desenvolver.

Além da criação do INES o francês Hernest Huet também foi responsável por um dos

principais marcos históricos da educação de surdos no Brasil que foi a criação de uma escola,

em 1857, cuja função principal era o desenvolvimento da Língua de Sinais.

Seguindo uma tendência mundial, o INES, em 1911, estabeleceu no seu currículo o

Oralismo como modalidade de ensino. A língua de sinais, mesmo com todas as proibições,

sempre foi utilizada pelos alunos nos pátios e corredores da escola (REIS,1992 apud

GOLDFELD,2001, p.29). Esta resistência, com a utilização dos sinais, durou até 1957,

quando a diretora Ana Rimola de Faria Doria, assessorada pela professora Alpia Couto,

proibiu oficialmente o uso dos sinais em classe. A partir daí, todos os estudantes que

utilizassem a língua de sinais nas salas de aula eram punidos, ainda assim, fora do instituto os

surdos continuavam a “falar” através de sinais principalmente nas comunidades que se

formavam nos grandes centros urbanos do país.

Todavia, a história da educação de surdos no Brasil não se limita apenas a fundação da

escola e do Instituto, no Rio de Janeiro por Huet. Várias outras iniciativas foram adotadas em

outros estados brasileiros.

Conforme Baleiro (1989), na cidade de São Paulo, foi a iniciativa particular e religiosa

que marcou o início do atendimento educacional do surdo (1933), tornando-se único por duas

décadas. É somente a partir de 1950 que surgiram as primeiras iniciativas da rede municipal

de ensino e de pais de surdos e as primeiras delas foram o Instituto Hellen Keller4 e o Instituto

Educacional de São Paulo. A rede estadual de ensino manifestou-se apenas em 1957, criando

classe especial para atendimento dos alunos surdos, em escala regular. Tanto o Instituto

Hellen Keller quanto o Instituto Educacional de São Paulo utilizavam-se do método oral.

Todas as instituições - escolas especiais - brasileiras que se dedicaram a educação de

surdos tinham por metodologia de ensino o oralismo. A meta dessas escolas era desenvolver

um trabalho na primeira fase do ensino fundamental e posteriormente encaminhar esses

alunos para as escolas regulares a fim de integrá-los juntos aos ouvintes. O objetivo dessa

integração era fazer com que houvesse um “treino da fala” pelos estudantes surdos, através da

oralização.

De acordo com Silva (1998):

4 Helen Adams Keller foi uma mulher que, apesar de cega e surda desde a infância superou todos os obstáculos tornando-se uma escritora e jornalista, obteve ainda o título de bacharel em filosofia e ao longo de sua vida ganhou vários títulos e diplomas honorários, como o da universidade de Harvard. No Brasil, foi condecorada com a ordem do Cruzeiro do Sul.

A educação de surdos ocorreu em ambientes especiais, separados de crianças ouvintes, pelo menos para o ensino básico. Apenas eram encaminhadas para a escola comum aquelas crianças que se mostrassem aptas a acompanhar rede regular de ensino, isto é, que tivessem adquirido uma fala boa e inteligível e tivessem também uma boa leitura labial, além de já estarem alfabetizadas... A esses surdos não era permitido usar qualquer gesto além dos naturais, com a justificativa de que esses acabavam por inibir a iniciativa, ou o desejo, da criança pela fala. ( p. 14 )

A educação, nesse período, era feita para os surdos, mas pensada por e para os ouvintes,

ou seja, os surdos tinham que se dar por satisfeitos pelo simples fato de serem educados, ainda

que essa educação se desse em função dos ouvintes. Como vimos, ao longo da história da

educação de surdos, a falta de audição sempre fez com que o sujeito surdo sofresse grandes

privações e como conseqüência disso os surdos não tinham uma vida social ativa como alguns

ouvintes. Assim, o fato de a educação de surdo no início ser baseada no oralismo ou na

tentativa grosseira de fazer o surdo falar, no Brasil e no resto do mundo, era simplesmente

para que eles pudessem sentir o “gostinho” de viver e ser como os ouvintes.

Desde o final do século XIX até a década de 60 o método oral predominou na educação

dos surdos brasileiros. A língua de sinais foi pouco ou quase nunca utilizada nas salas de aula,

pois os professores acreditavam que os surdos deveriam primeiro aprender a “falar” tanto para

serem alfabetizados quanto para serem integrados aos ouvintes.

Na década de 70, chega ao Brasil a Comunicação Total5, em conseqüência da visita de

Ivete Vasconcelos, uma educadora de surdos da Universidade de Gallaudet. Segundo Ciccone

1996, p. 7 apud Lima 2004, p. 27 a Comunicação Total é uma “completa liberdade de

quaisquer estratégias, que permitem a resgate de comunicação, total ou parcialmente

bloqueadas”. Com essa nova metodologia é permitido ao surdo “escolher” quais os recursos

que eles utilizam para se comunicar, como gesto, mímica, língua de sinais, fala, leitura labial

e leitura-escrita.

O grande questionamento em relação a Comunicação Total é que como uma criança

surda poderá “optar” por língua de sinais, fala, leitura labial e leitura-escrita se a mesma

ingressam a escola desprovida dessas técnica/habilidades? Ainda que a criança saiba alguns

gestos muitas vezes inventados para o interlocução mãe-criança esses serão utilizados apenas

nesse contexto. Marchesi (1987) argumenta que não é importante somente apresentar ao surdo

diferentes formas de se comunicar (diferentes códigos) para que este faça a sua escolha. É

5 A Comunicação Total será retomada no segundo capítulo.

necessário que, além disso, saber se o conhecimento e a incorporação de tais códigos, por

parte do aluno, estão se dando de modo eficiente.

Diversas foram as críticas a Comunicação Total na educação de surdos no Brasil. Na

década de 80 começam as primeiras discussões sobre o Bilingüismo6 decorrentes das

pesquisas da professora lingüista Lucinda Ferreira Brito, sobre a Língua Brasileira de Sinais.

E seguindo o padrão internacional de abreviação das línguas de sinais, a professora abreviou a

língua de LSCB (Língua de Sinais dos Centos Urbanos Brasileiros). Só a partir de 1994, que

Brito passa a utilizar a abreviação LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), que foi criado pela

própria comunidade surda para designar LSCB.

Atualmente, essas diferentes abordagens (Oralismo, Comunicação Total e Bilingüismo)

ainda causam bastante discussão entre os profissionais de educação para surdos. No capítulo

seguinte serão minuciosamente descritas as principais características de tais metodologias,

juntamente com as propostas apresentadas por cada uma delas para que haja uma educação

para surdo com qualidade.

6 O Bilingüismo será retornado no segundo e terceiro capítulos.

3. ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS

Vistas as primeiras ações no decorrer da história da educação para surdos, faz-se

necessário destacar os fatos mais relevantes que contribuíram para o surgimento das

abordagens educacionais (oralismo, comunicação total e bilinguismo), em diferentes épocas.

Se feita uma retrospectiva acerca das abordagens educacionais para surdos, notam-se, a

princípio, duas fases distintas, o oralismo e a comunicação total respectivamente e uma

terceira fase essa mais contemporânea o bilinguismo.

A primeira fase é constituída pelo oralismo, uma abordagem educacional que tem como

principal objetivo a aquisição da linguagem oral pelo surdo. Nesse sentido, o espaço escolar

atua como um laboratório de fonética, no qual se utiliza da técnica de terapia de fala para que

o aluno supere seu déficit (a surdez), fazendo assim com que se assemelhe a um membro da

comunidade ouvinte.

A segunda fase baseia-se na ideia da comunicação total. Nessa abordagem educacional o

uso dos sinais é permitido com a finalidade de propiciar o desenvolvimento da linguagem da

criança surda, ainda assim estes sinais aprendidos têm como objetivo principal a aquisição da

linguagem oral por parte dos sujeitos surdos. Vale salientar que esses sinais eram ensinados

na escola dentro de uma estrutura da língua portuguesa.

A terceira fase é composta pela educação bilíngue. O bilinguismo é uma proposta que

possibilita ao estudante surdo a aprendizagem no espaço escolar de duas línguas: a língua de

sinais e a língua portuguesa, essa última na modalidade escrita.

Diante dessa breve introdução, faremos agora um apanhado mais detalhado sobre todas

as abordagens educacionais para surdos, a fim de mostrar e esclarecer suas funções e

objetivos diante da educação para surdo.

3.1 ORALISMO

O oralismo que surge no século XVIII defendendo a idéia da fala (comunicação oral)

como a única forma de comunicação entre surdos/ouvinte e surdos/surdos. Os defensores

dessa abordagem educacional combatem a língua de sinais, por considerarem que o uso dos

sinais atrapalha o desenvolvimento do surdo na aquisição da língua oral.

Essa abordagem educacional tem como principal função levar o surdo a se adaptar ao

mundo ouvinte, ou seja, impõe ao sujeito surdo que ele se comporte como se não fosse surdo,

em outras palavras que negue a própria surdez. Segundo Sá (1999), o oralismo:

Visa capacitar a pessoa surda a utilizar a língua da comunicação ouvinte na modalidade oral como única possibilidade lingüística, de modo a que seja possível o uso da voz e da leitura labial tanto nas relações sociais como em todo o processo educacional. A língua na modalidade oral é, portanto, meio e fim dos processos educativos e de integração social. (p. 69)

A abordagem educacional oralista propõe a integração do surdo na comunidade

ouvintes, sendo assim, os defensores dessa filosofia acreditam que se o surdo tiver contato

direto com os ouvintes o processo de desenvolvimento de aquisição da língua oral será melhor

aprendido pelos membros da comunidade surda. Esta noção de linguagem restringe á língua

oral, como sendo o único meio possível de comunicação entre sujeitos surdos. Assim sendo,

para que a criança surda possa se comunicar é necessário que ela oralize que ela seja uma

“falante” da língua portuguesa.

De acordo com Skliar (1995) apud Lima (2004), o congresso de Milão (1880): “(...)

impôs a superioridade da língua falada com o respeito a Língua de Sinais, e decretou, sem

fundamentação cientifica alguma, que a primeira deveria constituir, como se tem dito o único

objeto de ensino”(p.30) (grifo do autor).

A filosofia oralista entende a surdez como uma deficiência que deve se minimizada

através da estimulação auditiva, assim essa estimulação irá viabilizar a aprendizagem da

Língua Portuguesa levando o surdo a integra-se com a comunidade ouvinte. Ou seja, segundo

Goldfeld (2001, p. 31) o objetivo do Oralismo “é fazer uma reabilitação da criança surda em

direção á normalidade, á não-surdez”. Nesse sentido, o oralismo almeja que, dominando a

língua oral, o surdo esteja apto para se integrar aos membros da língua majoritária os

ouvintes.

Para o oralismo, como mostra Souza (1998):

A linguagem é um código de formas e regras estáveis que tem na fala precedência histórica e na escrita sua via de manifestação mais importante. Gestos ou sinais, não importa de que natureza fossem, eram e ainda são considerados acessórios dependentes da fala e/ou inferiores a ela do ponto de vista simbólico. O oralismo defende essencialmente a supremacia da voz, transformado-a em nuclear do que consideram ser o “tratamento educativo interdisciplinar” da pessoa surda. (p. 04)

Uma das questões centrais do oralismo é o fato dele ser uma imposição social de uma

maioria lingüística (os falantes das línguas orais) sobre uma minoria lingüística que nesta

perspectiva não tem seu direto ao uso da língua própria respeitados. Muito além de um

problema educacional, a imposição do oralismo como metodologia na educação de surdos é

um problema de natureza social entre maioria (ouvintes/língua oral) e minoria (surdos/língua

de sinais). Fato notório é que a história da educação para surdos nos mostra que a língua oral

não dá conta de todas as necessidades da comunidade surda. No momento em que a língua de

sinais passou a ser mais difundida, os surdos tiveram maiores condições de desenvolvimento

intelectual, profissional e social.

3.2 COMUNICAÇÃO TOTAL

Os debates e questionamentos que se instauraram no percurso da educação para surdos,

o descontentamento com a abordagem oralista e os argumentos sobre os estudos da língua de

sinais, iniciados na década de 60, colaboraram para a elaboração de uma nova proposta

educacional para surdos que, na década de 70, foi denominada de comunicação total.

A comunicação total tem como finalidade oferecer aos alunos surdos a possibilidade de

desenvolver uma comunicação de forma mais social, e assim a partir de disso, torna possível

uma interação dos surdos com os próprios surdos, com seus familiares, professores e ouvintes.

A oralização não é o objetivo central da comunicação total, mas por outro lado, serve como

um dos recursos que possibilitam essa comunicação entre surdos e ouvintes.

O recurso oral não seria a única forma para que possa ocorrer essa interação existe

também a técnica de estimulação auditiva – abrange a adaptação de aparelho de amplificação

sonora individual, a leitura labial, a leitura e escrita. Na comunicação total as maneiras,

formas e metodologia de comunicação são ilimitadas, existe uma completa liberdade nas

estratégias que permitam o resgate da comunicação. Seja por meios da língua oral, seja pela

língua de sinais ou a mescla delas, deve-se priorizar a comunicação. Ciccone (1990) apud

Santana (2007) afirma em relação à comunicação total que “(...) seus programas estão

interessados em aproximar pessoas e permitir contatos e, para tanto, pode-se utilizar qualquer

recurso lingüístico comunicativo. Em suma, privilegia-se a interação entre os surdos e os

ouvintes, e não o aprendizado de uma língua” (p.180).

No Brasil, além da língua brasileira de sinais, a comunicação total ainda usa o alfabeto

manual (datilologia) – representação manual das letras – o cued speed (sinais manuais que

representam os sons da língua portuguesa), o português sinalizado (língua artificial que utiliza

o léxico da língua de sinais com a estrutura sintática do português e alguns sinais inventados

para representar estruturas gramaticais que não existem na língua de sinais) e o pidgin

(simplificação da gramática de duas línguas em contato, no caso a língua de sinais e a língua

portuguesa). (GOLDFELD, 2001, p. 37; LIMA, 2004, p.32; SANTANA, 2007, p. 181).

A comunicação total se opõe a abordagem oralista, na medida em que considera que

somente a aprendizagem da língua oral não sustenta o pleno desenvolvimento do surdo.

Segundo Ciccone (1996), os profissionais que adotam a comunicação total concebem o surdo

de maneira diferente dos oralistas: ele não é concebido somente como um portador de uma

patologia de ordem médica, que deveria ser dizimada, mas sim como uma pessoa, e a surdez

como um traço que repercute nas relações sociais e no desenvolvimento afetivo e cognitivo

desse sujeito.

Essa filosofia também se preocupa com a aprendizagem da língua oral pela criança

surda, mas além de tudo acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não devem

ser desconsiderados em prol da aprendizagem exclusivos da língua oral. Por essa razão a

comunicação total defende a utilização de recursos espaços-visuais como facilitadores de

comunicação.

Nessa lógica, a abordagem da comunicação total, visa em seus ideais e propostas

pedagógicas a junção dos diferentes tipos de recursos e instrumentos que ofereçam subsídios

ao ensino de surdos no ambiente escolar. Mas alguns opositores da comunicação total

acreditam que a intenção da comunicação total ainda é da aprendizagem da língua oral.

Goldfeld (2001) critica a comunicação total ressaltando que a língua de sinais não é

utilizada de forma plena. Logo, não se leva em conta o fato de ela ser natural (ter surgido de

forma espontânea na comunidade surda) e de carregar uma cultura própria. A criação de

recursos artificiais para facilitar a comunicação e a educação dos surdos dificulta a

comunicação entre aqueles que dominam códigos diferentes da língua de sinais. Brito (1993)

também argumenta que a comunicação total vem a ser apenas uma visão oralista camuflada, e

que o oralismo e a comunicação total entendem a surdez como um problema.

Ainda em relação aos opositores da comunicação total Santana (2007) complementa:

A comunicação total parece ser do tipo de “vale tudo”. Assim, não se questiona o papel da linguagem oral, tampouco o da língua de sinais nesse contexto. Criou-se uma língua “artificial” com o objetivo de ensinar à gramática da língua falada ao surdo, como se a língua fosse um processo individual, e não social (...) A ideia de que o que vale é comunicar acaba por prejudicar a aquisição de uma matriz de significado que possa ser a base para a aquisição da linguagem e para o desenvolvimento cognitivo. (p. 182)

Ainda que o objetivo central da comunicação total não seja a aprendizagem da língua

oral – apesar da discordância de alguns autores – fica claro que nessa abordagem a língua de

sinais não é vista como uma língua própria e materna dos surdos, o uso dos sinais ainda são

entendidos como “mímicas” que servem para manter ou tentar uma

relação/interação/comunicação entre surdos e ouvintes. Só que, em todo caso, quem tem que

se adequar em prol dessa tão desejada “comunicação a qual preço” sempre – e isso é

historicamente comprovado - é o surdo. Nesse sentido, pode-se afirmar que as abordagens

oralista e da comunicação total comungam de um mesmo ideal educacional que é a negação

do uso da língua de sinais como uma única possibilidade, e somente ela, de comunicação

entre surdos/surdos e surdos/ouvintes.

O grande questionamento não esta no sentido de definir qual seria a melhor maneira de

se educar o surdo, a problemática está no fato de um grupo de pessoas – geralmente a maioria

– determinarem como um outro grupo irá ser educado sem nem ao menos ter feito o básico

que seria perguntar a eles, ou seja, contar com a participação direta e ativa das decisões que

forem tomadas em prol deles.

Por essa e por outras razões, a palavra de ordem da comunicação total era: não importa

qual recurso comunicativo o surdo lançará mão para se comunicar, o importante é que haja

comunicação. (Lima, 2004). Este lema não respeita nem um pouco o surdo como sujeito

capaz de tomar decisões, ter pensamentos e formular idéias. Por essa razão a comunicação

total é considerada uma abordagem que não considera a questão lingüístico-cognitiva

relevante (p. 33).

Ainda que a comunicação total, mescle recursos lingüísticos e pedagógicos visando

proporcionar para os alunos surdos melhores condições de ensino, não irá conseguir

minimizar as dificuldades apresentadas pelos estudantes surdos em sala de aula, a principal

delas é a defasagem na leitura é escrita além do conhecimento dos demais conteúdos

ministrados em sala de aula.

3.3 BIMODALISMO

O Bimodalismo é um exemplo de estratégia educacional que surgiu a partir da

abordagem da comunicação total. Esta modalidade é reconhecida como uma abordagem

educacional própria para o ensino e comunicação dos surdos, pelo fato de ter se tornado

“comum”, ou melhor, o mais freqüente meio de comunicação entre surdos e ouvintes. Esse

fato pode ser explicado pelo próprio significado da palavra bimodalismo ou educação

bimodal, mas conhecido como português sinalizado.

A partir de agora será demonstrada por que essa modalidade/estratégia educacional

ganhou e vem ganhando cada vez mais adeptos no cenário educacional brasileiro no ensino de

surdos.

O bimodalismo ou educação bimodal são termos utilizados para se referir a forma de

comunicação simultânea entre a língua oral e a língua de sinais. Como afirma Felipe (1989, p.

102 apud Lima 2004, p. 35): “Na comunicação bimodal há a utilização das duas línguas a oral

auditiva e a gestual-visual, é uma espécie de ‘pidgin’... que desestrutura a língua natural dos

surdos, inserindo estruturas gramaticais da língua majoritária”.

Nesta passagem, Felipe se refere ao uso simultâneo da língua de sinais e do português,

essa mescla feita pela comunicação bimodal, evidencia que os estudantes surdos não

adquirem nem uma língua nem outra.

Os opositores a essa abordagem acreditam que a criança não é capaz de processar duas

línguas completamente diferentes, o que podemos perceber na prática é a utilização das duas

línguas conjuntamente sempre é claro, com essa modalidade não seria diferente, a

preocupação era com o desenvolvimento da língua oral.

Para Botelho (2005), uma das maneiras refinadas de sustentar a prática bimodal consiste

em reduzir a importância de dizer; argumentando não ser importante como se diz, e sim o que

se tem a dizer, assim é permitido aos interlocutores uma baixa exigência em relação à forma

lingüística (p. 122).

Nessa prática, a criança surda encontrará dificuldades em construir pensamentos

simples, pois a todo o momento ela tentará se ajustar entre a fala e o sinal, e esta

simultaneidade veiculada pelo bimodalismo acaba por transformar o enunciado, que como

conseqüência construída de maneira artificial, e sempre baseada na língua oral. A

comunicação bimodal omite parte do enunciado, por que muitos sinais não são conhecidos

pela pessoa que enuncia bimodalmente. Fato muito bem explicado por Ferreira Brito (1993)

“não há isomorfismo de categorias lingüísticas, isto é, cada sinal não corresponde exatamente

um signo verbal ou escrito” (p.36).

Por desconhecerem a estrutura gramatical da língua de sinais, e até mesmo os sinais, os

usuários que se comunicam por meio do bimodalismo acham que cada sinal equivale a uma

palavra na língua portuguesa. Dois pontos devem ser destacados em relação a essa situação, o

primeiro deles é que se os ouvintes usam a língua de sinais – erroneamente – por

desconhecerem realmente a estrutura da língua ou mais uma vez querem que os surdos se

adaptem a uma necessidade deles, ou seja, que o surdo ajuste seu meio de comunicação de

forma a melhor atender aos ouvintes.

Esses questionamentos são, de toda forma, difíceis de serem respondidos, mesmo por

que na prática é possível presenciar os dois tipos de situação. Por outro lado, os defensores do

bimodalismo estão mais próximos da segunda opção, pois acreditam que essa abordagem é

uma expressão da solidariedade e reciprocidade nas relações entre ouvintes e surdo. De fato,

o bimodalismo mantém a língua do ouvinte. A prática bimodal, mesmo com o discurso de

respeito e valorização da diversidade, representa um sistema de facilitação para o ouvinte em

comparação a demanda da língua de sinais. Acrescenta Ciccone (1990) que “a melhor forma

de linguagem a ser eleita deverá ser aquela que os familiares ouvintes puderem aprender com

maior rapidez e maior facilidade, e da qual puderem fazer uso mais confortável, quando a

praticarem com os filhos surdos” (p. 81).

Deve-se ressaltar também que existem sujeitos surdos que se utilizam do bimodalismo

por terem uma idéia preconceituosa da surdez e da língua de sinais, assim eles constroem suas

identidades a partir da identificação com os ouvintes, ignorando deste modo a surdez como

uma diferença buscando a normalidade. Para Allport (1962) apud Botelho (2005) nesta

perspectiva, “o surdo constitui identificação com o opressor” (p. 134).

Em relação a essa citação, não podemos deixar de lembrar que a grande maioria dos

surdos nascem em família de ouvinte, e que mesmo após seus filhos serem diagnosticados

com um déficit auditivo é comum que num instinto de proteção os pais tendam a educar seus

filhos surdos como se fossem ouvintes.

É necessário que se entenda tanto a atitude dos pais, pois por desconhecerem outras

opções de educação para seus filhos, escolhem aquelas que possibilitam a eles um contato

maior com o mundo dos ouvintes, e a razão desta escolha pode ser explicada pelo desejo dos

deles em proporcionarem aos seus filhos um convívio em um ambiente dito normal, quanto

devemos também compreender as atitudes de alguns surdos, uma vez que nasceram,

cresceram e foram educados numa cultura ouvinte acreditando que aquela fosse a sua cultural

natural.

Devemos pensar a prática bimodal como mais uma das possibilidades de comunicação e

de educação para surdos. Contudo, não podemos acreditar que essa é a melhor opção de

abordagem educacional para surdo, uma vez que ela ainda e feita e pensada por/para ouvintes.

3.4 BILINGUISMO

Antes de explicar os conceitos e idéias da educação bilíngue, faz-se necessário um

esclarecimento do termo bilinguismo, pois diferentemente das outras abordagens educacionais

(oralismo, comunicação total e bimodalismo) esse termo não é utilizado apenas na educação

para surdos.

O Brasil é considerado um país monolíngue, assim como diversos outros países do

continente sul-americano. No entanto, sabemos que existem vários grupos que falam diversas

outras línguas caracterizando assim, o Brasil como bilíngue, embora não reconhecido como

tal.

Acredita-se que no Brasil todo falante adquire a língua portuguesa como primeira língua

(L1), ignorando o fato de termos falantes de famílias imigrantes (japoneses, italianos, e t c) e

as várias línguas das comunidades indígenas. Todas essas línguas faladas no Brasil também

são línguas brasileiras caracterizando-o como um país multilíngue.

Neste contexto, percebe-se que definir bilinguismo depende de várias questões de ordem

política, social e cultural. As políticas lingüísticas no Brasil têm a tendência de subtrair as

línguas, ao invés de utilizar uma política lingüística que possibilite a adição dessas diversas

línguas na construção do capital cultural do país. Assim, não é incentivado o ensino de uma

língua com qualidade, não é trazida para o espaço escolar a multiplicidade lingüística

brasileira. Pelo contrário, o que existe é quase que o ensino exclusivo da língua portuguesa,

uma vez que é a língua oficial do país.

Por estas razões, políticas, sociais, entre outras, ainda não há um consenso no que se diz

respeito ao conceito e classificação do bilinguismo. Os autores ainda não encontraram o ponto

em comum do que deve ser considerado ou não quando se discute sobre sujeito bilíngue,

contexto bilíngue e bilinguismo.

Para Quadros apud Fernandes (2005), “O Bilinguismo, entre tantas possíveis definições,

pode ser considerado: o uso que as pessoas fazem de diferentes línguas (duas ou mais) em

diferentes contextos sociais” (p. 28).

Para SKUTNABB-KANGAS, 1983 apud LIMA (2004):

Nos dias de hoje, o bilinguismo não é mais visto como uma passagem transitória de uma língua para outra, porém um estado permanente valorizado per se, qual ocorre quando dois grupos que falam uma língua diferentes ou diferentes variedades de uma mesma língua entram em contato, e, com o intuito de se comunicarem, um deles tem que aprender a língua do outro (p. 79).

O que podemos perceber é que mesmo o bilinguismo sendo utilizado como meio de

comunicação e interação social, ainda pode ocorrer uma espécie de subordinação (da maioria

falante) sobre um outro grupo social.

Isso nos reporta a uma situação que, provavelmente já foi mencionada nesse capítulo,

que é a imposição de uma língua sobre a outra, na qual se impunha ao sujeito surdo o domínio

da língua portuguesa e a negação da língua de sinais. desta forma, um questionamento deve

ser feito: Em que o bilinguismo se difere das outras abordagens educacionais para surdos

vistas até então?

Esta pergunta será respondida através do que, até então, vemos nas idéias do

bilinguismo, mas só que desta vez na perspectiva da educação para surdos, ou seja, na

educação bilíngue.

3.4.1 Educação Bilíngue

Dentre as novas propostas sugeridas para a educação de surdos, é o bilinguismo que

atualmente tem sido alvo de reflexões pelos profissionais que se dedicam ao atendimento de

estudantes surdos.

A educação bilíngue para surdos ganhou destaque no cenário educacional como uma

abordagem que visa não somente os aspectos relacionados à mudança na escolarização para

surdos, mas também por ir de encontro às práticas pedagógicas apresentadas pelas abordagens

educacionais anteriores que permearam a educação de surdos. Dito de uma outra forma, o

bilinguismo é visto como a “salvação da lavoura” que tende a minimizar as dificuldades

escolares vivenciadas pelos alunos surdos, principalmente na aquisição da língua portuguesa.

Nesse sentido, os primeiros passos que apresentavam o bilinguismo como uma proposta

educacional possível e viável na educação para surdos foram dados , no Brasil, por Lucinda

Ferreira Brito em um artigo datado de 1986. Segundo Brito apud Lima 2004) “o bilinguismo é

a única solução para o surdo brasileiro... E o bilinguismo implica na aceitação sem restrição

da LSCB7” (p. 37).

No mesmo artigo, Brito aponta uma das questões que considero primordial para a

adoção do bilinguismo, ou melhor, da educação bilíngue como uma abordagem educacional

para o ensino de surdos que, é o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS

como o único meio, e somente ele, de comunicação entre surdos/surdos e surdos/ouvintes.

Brito (2004) afirma que:

As línguas gestuais-visuais são a única modalidade de língua que permite aos surdos desenvolver plenamente seu potencial lingüístico e , portanto, seu potencial cognitivo, oferecendo-lhes, por isso mesmo, possibilidade de libertação do real concreto e de socialização que não apresentaria defasagem em relação àquela dos ouvintes. São o meio mais eficiente de integração social do surdo. (Brito apud Lima 2004, p.37)

Estas são as primeiras iniciativas em favor da língua de sinais como primeira língua a

ser adquirida pelo surdo. Brito, foi mais longe, e esclareceu que o português seria apenas visto

como segunda língua (L2).

7 Na época, a língua de sinais era chamada de Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros (LSCB), essa era uma maneira de distinguir a Língua de Sinais Uruku-Kaapor (LSKB), língua utilizada entre os surdos e ouvintes da comunidade indígena Uruku-Kaapor. Hoje, a Língua de Sinais Brasileira é denominada de LIBRAS.

Essas novas propostas, na defesa e implementação do bilinguismo para surdos, serviram

como ponto de partida para gerar uma nova abordagem educacional para surdos, no Brasil.

Se, no Brasil, as primeiras propostas da educação bilíngue só apareceram com Brito em

1986, a UNESCO em 1954, Skliar (1998) e Botelho (2005, p. 111) já definiam a educação

bilíngue como “o direito que têm as crianças que utilizam uma língua diferente da língua

oficial de serem educadas na sua língua”. O que a UNESCO e Brito anteviram foi o fato de o

bilinguismo inovar nas práticas de ensino e a forma de conceber a surdez.

Para Sacks (1989) apud Goldfeld(2001), respeitando a nomenclatura da comunidade

surda americana, utiliza o termo Surdez (com s maiúsculo) para designar um grupo lingüístico

e cultural e o termo surdez (com s minúsculo) para designar uma condição física, a falta de

audição (p. 39).

O que difere a filosofia bilíngue das outras filosofias (oralista, comunicação total e

bimodalismo) é que para os defensores do bilinguismo o surdo não precisa desejar uma vida

igual a dos ouvintes, ele pode e deve assumir e aceitar a surdez. É por essa razão que, o

conceito da educação bilíngue se torna tão importante, pois ele acredita que os surdos formam

uma comunidade com cultura e língua própria.

O que ocorre com muitas propostas ditas bilíngue é que ainda são fragmentos

ideológicos da comunicação total. Isso acontece por causa de um discurso dúbio que ao

mesmo tempo em que valoriza e reconhece a língua de sinais, defendem a idéia de inclusão

dos surdos nas escolas regulares.

Para Botelho (2005):

A educação bilíngue propõe que os processos escolares aconteçam nas escolas de surdos, obviamente não segundo o modelo clínico-terapêutico, ainda oferecido. Reconhece as intensas dificuldades e problemas do surdo em classe com estudantes ouvintes, e não há adesão ás propostas de integração e de inclusão escolar (p. 111-112).

É de fundamental importância que para garantir o sucesso da educação bilíngue a língua

de sinais – concebida como língua materna – deve ser apresentada a mais cedo possível a

criança surda.

Para Brito (1993) apud Goldfeld (2001), se a criança surda não for exposta à língua de

sinais desde seus primeiros anos de vida sofrerá várias conseqüências. Ele perde a

oportunidade de usar a linguagem, senão o mais importante, pelos menos um dos principais

instrumentos para a solução de tarefas que se lhe apresentam no desenvolvimento da ação

inteligente; não adquire independência da situação visual concreta; não se socializa

adequadamente (p. 41 e 42).

É sabido que cerca de 90% dos surdos são filhos de pais ouvintes. Então, para que a

criança tenha sucesso na aquisição da língua de sinais é de fundamental importância que a

família se empenhe em aprender a língua de sinais. Para Quadro (2008), as crianças surdas e

seus pais ouvintes poderiam compartilhar o bilinguismo: das culturas e identidades que se

entrecruzam. “Possibilitar a aquisição da linguagem das crianças surdas implicará no

desenvolvimento mais consistente do seu espaço escolar”. Nesse contexto, fica cada vez mais

evidente a importância da família no processo de aquisição da língua de sinais pela criança

surda. Mas a escola também deve criar meios que possibilitem o encontro das crianças com

adultos surdos, até mesmo para eles se espelharem e visualizarem numa vida normal como

cidadãos surdos.( p. 31)

A instituição escolar tem grande responsabilidade em tornar possível e concretizar um

dos principais desafios que concebem a educação bilíngue que é a prática do letramento na

educação para surdos.

Nas palavras de Soares, 1998, p. 36-7 apud Botelho (2005): Letramento é o estado daqueles que não só sabem ler e escrever, mas que também faz uso completamente e freqüente da leitura e da escrita, e que, ao torna-se letrado, muda seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura. (p. 63)

Para Botelho (2005), “torna-se letrado numa abordagem bilíngue pressupõe a

utilização da língua de sinais para o ensino de todas as disciplinas”. Dessa forma, a língua de

sinais (L1) deverá ser oferecida aos alunos surdos em situações significativas, como jogos,

brincadeira, narrativas de histórias, contos de fadas, lendas, etc (p.112). Esse

acompanhamento deverá contar com além de professores capacitados, surdos adultos

competentes na língua de sinais que, além de auxiliarem aos alunos na aquisição da língua

sinais, poderão ensinar ao restante dos membros da comunidade escolar. Uma vez que, a

escola se proponha a seguir uma corrente bilíngue e letrada é necessário que todo o corpo de

funcionários da instituição aprenda a utilizar a língua de sinais. Para Lacerda (1996) apud

Santana (2007) “as experiências com a educação bilíngue são restritas pela dificuldade tanto

de considerar a língua de sinais uma língua, quanto de encontrar profissionais e professores

que saibam utilizá-lo” (p. 180).

As discussões sobre o letramento em uma perspectiva bilíngue envolvem a reflexão de

sobre duas línguas e não a supremacia de uma língua majoritária sobre a minoria.

Que de acordo com as palavras de Kleiman (1999):

O ensino da língua oficial do grupo dominante em programas de educação bilíngue destinados a minorias étnicas ou grupos socialmente marginalizados, pode se transformar em instrumento de colonização do currículo, e, muitas vezes, coloca em risco a preservação das identidades minoritárias se não constituir em prática para a reafirmação e o reconhecimento da identidade lingüístico-cultural do aluno. (Kleiman, 1999, pág. 266 apud Fernandes 2003, p. 7)

Uma das maiores contribuições da educação bilíngüe é que ela possibilita para o surdo,

pela primeira vez, em toda história da educação de surdos, a construção de uma proposta

educacional que é pensada por surdos e para surdos.

Todavia, o que podemos presenciar nas poucas escolas ditas bilíngue é apenas uma

preocupação com a questão lingüística na educação para surdos, ou seja, os professores têm

um foco apenas na aprendizagem do ensino do português. Nessas escolas bilíngue, a língua de

sinais é imposta para os educadores como sendo a “solução” para todos os problemas

educacionais dos surdos e ainda pior é encarada como um meio de acesso á língua

considerada mais importante que é a língua portuguesa.

De acordo o decreto N° 5.626 de 22 de dezembro de 20058, em seu sexto capítulo, que

trata da garantia do direito á educação das pessoas surdas ou com deficiência auditiva a

educação bilíngue é definida da seguinte forma: §1º são denominadas escolas ou classes de

educação bilíngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa

sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo. Feita

uma análise desse inciso é notório que, o mesmo também apenas de preocupa com as questões

lingüistas para o ensino dos estudantes surdos. Isso mostra que, as leis que vigoram nas

políticas educacionais para a educação de surdos estão equivocadas em considerar que o surdo

ou a surdez se reduz apenas ao ensino e a aprendizagem de uma língua.

O grande problema está em consideramos que disponibilizar para os profissionais que

trabalham como surdos apenas cursos paliativos de LIBRAS irão resolver alguns problemas

na metodologia de ensino para surdos. É evidente que, nestes casos a possível aquisição de

uma língua não vai determinar o sucesso no ensino, o que deve se feito é que não apenas o

profissional deve saber a língua de sinais, mas também é necessário que haja um trabalho em

que possamos discutir como realmente devemos fazer para ensinar aos surdos, de maneira que

possam ser desenvolvidas atividades em todas as disciplinas e não apenas o ensino da língua

portuguesa.

Para Fernandes (2003), nestes casos podemos chamar de “pseudobilinguismo, na qual, a

língua minoritária é apenas valorizada como meio de acesso à verdadeira língua, a que tem

prestígio social, o que acarreta, mais uma vez, mecanismo de opressão e poder sobre grupos 8 Mais informações sobre este decreto será visto no terceiro capítulo.

minoritários, como é o caso dos surdos” (p.4). Deste modo, enquanto o foco dos debates for

apenas uma preocupação com as questões lingüísticas, ignorando as dimensões política

pedagógica que constituem a educação para surdos, poucos serão os avanços na consolidação

da filosofia bilíngue para surdos no Brasil.

A opção política pela implementação de uma proposta de educação bilíngue envolve

uma série de variáveis que extrapolam a mera utilização de duas línguas no processo

educacional, a adoção por esta proposta, envolvem mecanismos históricos, políticos,

regionais, e culturais específicos. Há um conjunto de ações a ser repensadas em um projeto de

educação que considere em sua proposta curricular o legado histórico e cultural das

comunidades surdas. É importante estabelecer relações de poderes e saberes mais assimétricos

entre surdos e não-surdos no interior da escola, criar novas tecnologias educacionais baseadas

essencialmente em recursos visuais, aperfeiçoar a formação de professores voltada para a

concepção sócio-antropológica da surdez, promover maior participação da comunidade surda

na gestão dessa educação, entre outros aspectos (Skliar, 1998).

Assim, é necessário destacar que para que haja uma real implementação da abordagem

educacional baseada na perspectiva bilíngue é importante que possamos inserir nos debates

sobre a educação para surdos não apenas a situação lingüística característica da comunidade

surda, mas a relevância desta nova concepção de surdez.

Dentre os vários questionamentos que permeiam a implementação da educação bilíngue

para surdos, alguns deles devem ser destacados, assim como aponta Fernandes, (2003): o

reconhecimento político (não a tolerância) dos surdos como minoria lingüística que constrói

aspectos de sua identidade cultural pelo uso da língua de sinais, tal como outros grupos

étnicos; a incorporação da língua de sinais ao currículo escolar como língua principal na

mediação das atividades pedagógicas; a superação da perspectivas clínica na educação de

surdos, o que os submeteu/submete a uma pedagogia terapêutica (de correção/normalização)

nas práticas escolares; a ocupação do espaço prioritário dos adultos e profissionais surdos no

processo educacional, favorecendo a formação de identidade das crianças e a vivência de

aspectos culturais da comunidade surda; o domínio efetivo da língua de sinais por parte dos

professores de surdos, em sua maioria não-surdos, como medida necessária ao

encaminhamento de questões essenciais à prática pedagógica, como é o caso do aprendizado

da língua portuguesa, por exemplo.

Nesta situação, caso sejam consolidadas todas essas propostas, estaremos diante de um

momento de transição de paradigmas na educação para surdos que, pressupõe a relação de

todas as principais discussões sobre a concepção de educação e de surdez, o papel do

professor e as políticas públicas. Se concretizado, todas essas situações problemas, serão

garantidos ao sujeito surdo a possibilidade de se sentir cidadãos.

Conforme aponta Fernandes (2003): Vislumbramos a educação bilíngue para surdos como o espaço de aproximação entre diferentes socioculturais de grupos distintas, relevando as práticas de exclusão, rejeição, preconceito e marginalização a que os surdos estiveram relegados historicamente. Precisamos entender a educação bilíngue como uma proposta para fazer valer politicamente a voz da comunidade surda, seus direitos e anseios (que não são homogêneos), em um projeto educacional que construa novas práticas de significação da surdez. Fernandes (2003, p. 5-6)

Nessa ótica, o que podemos concluir sobre as primeiras ações da educação bilíngue, é

que apenas garantir o acesso a duas línguas não vai determinar o sucesso da educação para

surdo. Devemos entender que as questões lingüísticas – e não apenas ela – as políticas

educacionais, as metodologias de ensino, além, é claro, de uma nova concepção sobre a

surdez, devem constituir uma espécie de “ciclo de metas” a serem elaboradas e executadas em

prol de uma educação para surdos de qualidade. Com isso, a educação bilíngue cumprirá com

a sua principal função que é a de formar cidadãos surdos que reconhecem e respeitam seus

membros e sua cultura.

3. SURDEZ, CULTURA E IDENTIDADE

Durante o percurso na história da educação de surdos, presenciamos uma total

desconsideração do surdo como sujeito e, conseqüentemente, como cidadão. Em grande parte

isto deve-se ao fato de as abordagens educacionais (oralismo, comunicação total,

bimodalismo) serem baseadas em função da aprendizagem da língua oral, que tinha como

objetivo principal a busca pela “normalidade”, ou seja, proporcionar ao surdo uma vida igual

a dos ouvintes.

Só após a quebra deste paradigma, proporcionado pela educação bilíngue que, por sua

vez respeita o sujeito surdo e sua forma de comunicação pela língua de sinais, é que novos

conceitos sobre o entendimento do surdo e da surdez ganharam destaque no centro das

discussões na educação brasileira.

A conseqüência desta nova visão sobre a surdez possibilita o reconhecimento do surdo

como um sujeito pertencente a uma comunidade de cultura própria capaz de tornar decisões

em prol de melhorias tanto na educação quanto na vida. Permite ainda que, pela primeira vez

o surdo se reconheça e se identifique como surdos pertencentes a uma comunidade de surdos

e não pertencentes a uma comunidade ouvinte.

Em função dessa nova abordagem, se faz necessária a análise de diversas definições que

permeiam a explicação dos conceitos de Cultura, Identidade e Surdez. Em linhas gerias,

iremos analisar conceitos antagônicos que servirão de base para o entendimento das questões

relacionadas à cultura e identidade na educação para surdos. Dentre os principais conceitos

abordados vamos salientar: diferente/deficiente; cultura surda/cultura ouvinte;

normalidade/anormalidade; língua de sinais/língua oral; minoria/maioria; ciência biológica/

ciências humanas; modelo sócio-antropológico/modelo clínico-terapêutico.

Perante a esta breve introdução, destaco que a intenção desse capítulo é de demonstrar

como a educação bilíngue possibilita o reconhecimento do surdo como sujeito, trazendo um

novo olhar para o surdo e a surdez.

4.1 SURDO: DIFERENTE OU DEFICIENTE?

A concepção do surdo como diferente ou deficiente vem sendo a razão da recente

discussão entre os pesquisadores ligados a educação de surdos. A princípio, podem ser vistas

duas óticas que explicam esta nova concepção sobre a surdez. A primeira delas, segue a

concepção das ciências biológicas que vêem o surdo como deficiente, que assim, precisa

alcançar a normalidade, ou seja, a fala. Neste sentido, concentram-se apenas nos avanços

tecnológicos (próteses auditivas, implantes cocleares) para oferecer ao surdo à possibilidade

de ouvir e falar. A segunda ótica é a defendida pelas ciências humanas que enxergam o surdo

como diferente, pois defendem a língua de sinais como a língua de comunicação das pessoas

surdas e a idéia de uma cultura surda. Para “Santana, (2005) “essa competição parece ocorrer

especialmente entre a área da saúde, que busca” normalizar”, e a área pedagógica, que procura

“diminuir os estigmas” (p. 22)

No modelo sócio-antropológico da surdez, que tende a compartilhar dos mesmos

referencias ideológicos das ciências humanas, reconhece que os surdos formam uma

comunidade própria é que juntamente com a utilização da língua de sinais se tornam um

mecanismo de reafirmação á diferença. Diferença esta que, conforme McLaren (1995), Skliar

(1998, p. 13) apud Sá (2002), não pode ser entendida como um mero espaço retórico, na

medida em que está sempre baseada em representações e significações que geram práticas e

atitudes sociais. A surdez é, portanto, uma diferença, visto que a “surdez é uma construção

histórica e social, efeito de conflitos sociais, ancorada em práticas de significação e de

representações compartilhadas entre os surdos” (p. 95 ).

As propostas defendidas pelas ciências biológicas comungam com os mesmos ideais do

modelo clínico-terapêutico da surdez, que, por sua vez, se opõe ao modelo sócio-

antropológico. No modelo clínico-terapêutico existe uma visão restrita da surdez, considerada

uma patologia decorrente de um déficit biológico. Daí que, no âmbito da escola as propostas

se relacionam os recursos e estratégias para fazer a reparação ou a correção da surdez da

criança surda, e se apóiam na crença de que o processo de conhecimento e de aprendizagem

da criança surda estava ligado diretamente a aquisição da língua oral.

Historicamente podemos comprovar que durante séculos, o modelo clínico-terapêutico

perdurou no cenário da educação de surdos, e apesar de parecer estar relacionada apenas com

a área médica, a escola também pode ser considerada como responsável pela propagação da

ideologia clínica na educação para surdos. Dessa forma, fica cada vez mais evidente que,

através das práticas escolares abusivas e da imposição de uma sociedade majoritária sobre

uma minoria lingüística, é que a adoção do modelo clínico terapêutico ganhou força tornando

possível a realização de um dos seus principais objetivos que era proporcionar ao surdo uma

vida baseada no ouvintismo9. Juntamente com a quebra de paradigma, viabilizado pela

educação bilíngue, o modelo sócio-antropológico aborda a questão, que hoje já podemos

9 Ouvintismo é definido por Skliar (1998: 15) como ‘um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se a narrar-se como se fosse ouvinte’. Ou seja, o termo designa-se a imposição sócio-educacional-cultural e política que sofre (u) o surdo sob a dominação dos ouvintes que se acham no direito de determinar o que é o melhor para ele.

vislumbrar na educação para surdo que são: respeito ao direito lingüístico diferenciado;

reconhecimento do surdo como cidadão; políticas públicas, além da formação de professores

para o atendimento dos alunos surdos.

Ainda assim, hoje, estamos diante de várias mudanças em prol da educação para surdos,

mas não é difícil de encontrar resistência de algumas escolas em aceitar o modelo sócio-

antropológico como filosofia pedagogia. Então como já apontavam (Behares, 1993, Padden e

Humphries,1988; Skliar, Massone e Veinberg, 1995 apud Skliar 1998), a questão não está no

quanto os projetos pedagógicos se distanciam do modelo clínico, mas o quanto realmente se

aproxima de um olhar antropológico e cultural (p. 8).

Existe um movimento preciso da história em que a surdez e a criança surda foram

virtualmente arrancadas do contexto da escola, da pedagogia, e obrigadas a transitar pelo

âmbito da medicina, de acordo com o processo que alguns autores chamam a medicalizacação

da surdez (Cuxac, 1993, op. Cit.; Lane, 1986; List, 1990; Sanchez, 1989, etc. apud Skliar).

Medicalização a surdez significa entender-la como um problema, à correção de defeitos

da fala, que se utiliza de recursos como a leitura labial como um dos meios para a possível

“cura” da deficiência a surdez. Para Behares (20001, p. 1) apud Sá (2002, p. 48), a tradição

médico-terapêutico influenciou a definição da surdez a partir do déficit auditivo e da

classificação da surdez (leve, profunda, congênita, pré-linguistica, etc.), mas deixou de incluir

a experiência da surdez e de considerar os contextos psicossociais e culturais nos quais a

pessoa surda se desenvolve.

Outra discussão que permeia os debates sobre a surdez são as definições do que é ser

normal ou anormal, mas só que desta vez não diz respeito somente às questões biológicas,

mas principalmente a questões sociais.

Nas palavras de Canguilhem (1995):

O anormal não é o ser humano destituído de norma, e sim aquele que possui características diferentes e não faz parte da média considerada normal, que segue as normas estabelecidas socialmente. Características individuais distintas do esperado não são bem vendas. Canguilhem (1995): apud Santana (2005, p. 23)

Características “fora do comum” ou diferentes da maioria, não são bem vistas nesse

processo que classifica a normalidade, quando ocorre em contexto social, por exemplo,

podemos perceber que algumas pessoas são discriminadas por não conhecerem a norma culta

da língua falada ou escrita.

Então, as normas sociais como as encontradas no dia a dia como modo de falar, de se

vestir, de pensar, são responsáveis, mesmo que não intencionalmente, de um discurso de

separação, ou seja, dois grupos coexistentes, dividido em bem e mal, certo ou errado, sim ou

não. A maneira como a surdez é vista está ligada diretamente a estes tipos de normas sociais.

Assim, fazer como que a surdez passe de doença para diferença, não se trata simplesmente de

mudança de ponto de vista, mas de estabelecer novas normas que, evidentemente não vai

acontecer de um dia para outro, até porque implicariam em mudanças de ordem sociais.

Alguns autores têm sugerido que a surdez passe de condição patológica à condição de

fenômeno social, ou político-social.

Essas mudanças de normais sociais devem ser acompanhadas também de uma nova

nomenclatura, não só terminologicamente, mas também conceitual: de deficiente auditivo

para surdo ou ainda Surdo. Historicamente, os surdos eram considerados deficientes e a

surdez uma patologia que não poderia ser curada.

Conforme aponta Moura (2000) esses conceitos:

São termos ideologicamente marcados, Além disso, os surdos não são considerados deficientes, pelo uso de uma língua comum. Eles acabam por inaugurar uma nova fase de luta pelo direito à diferença, que reflete também questões políticas, de poder e de inserção social. Dessa forma, a língua passa a ser considerada ou identificada com expressão de uma cultura especifica. Moura (2000) apud Santana (2005, p. 33)

A língua de sinais é conferida por lei como meio legal de comunicação e expressão dos

sujeitos surdos, que além de questões relacionadas à lingüística e a cognição da criança surda

deve ser vista também como um meio de interação social. Então se é alegado por alguns

autores que o ser “anormal” em relação à surdez é caracterizado pela ausência de uma língua

e tudo que ela representa como o conhecimento, à aprendizagem e o pensamento, a partir do

momento em que se reconhece a língua de sinais como a língua própria dos surdos, o conceito

entendido por normalidade também deve mudar.

Segundo Santana (2005), a língua sinais legitima o surdo como “sujeito de linguagem” e

é capaz de transformar a “anormalidade” em diferença. Isso é resultado de uma luta pela

redefinição do que é considerado normal. A idéia de que a surdez é uma diferença traz com

ela uma delimitação de esferas sociais: a identidade surda, a cultura surda, a comunidade

surda10.

Os conceitos ou a mudanças por novos conceitos não é a solução para o dilema da nova

concepção sobre a surdez. E se o fosse, apenas bastaria determinar a definição e doente e

10 Comunidade Surda, de acordo com Sá (2002, p. 125), é definida como um grupo de pessoas que estão envolvidas com a surdez – compartilhando interpretações, significados e representações – seja pelo fato de serem surdos, ou de serem parentes de surdos, de serem amigos de surdos, ou de serem profissionais que trabalham com os surdos, cujo envolvimento se dá pela sensibilidade para com as questões em envolvem os surdos – sua língua, sua cultura, seus direitos, seus saberes, suas lutas.

diferente. Estes conceitos não podem ser estáticos, mas sim dinâmicos, por que dependendo

do contexto social ou os sujeitos envolvidos esse conceito pode mudar.

A adoção a essa “nova” concepção sobre a representação da surdez como diferença deve

ser introduzida inicialmente com pequenas ações como na utilização e analises de termos

como “cultura surda”, “identidade surda”, “língua de sinais”. Fica evidente que, não se trata

apenas de questões terminológicas ou de nomenclatura, como já foi visto, trata-se de questões

ideológicas daqueles que pesquisam, estudam e escrevem sobre a educação para surdos.

Vejamos, por exemplo, a definição de Behares (1994, p. 1) apud Santana (2005, p. 34), uma

pessoa surda é aquela, que por ter um déficit de audição, apresenta uma diferença com

respeito ai padrão esperado e, portanto, deve construir uma identidade em termos dessa

diferença para integrar-se na sociedade em que nasceu.

Nesta simples, mas esplêndida definição da pessoa surda, o autor utiliza-se dos termos

que salientei no parágrafo acima de maneira muito além de uma simples nomenclatura, mas

de forma significativa, pois se preocupa com praticamente todas as instancias relativas ao

surdo: surdez como diferença, identidade e cultura surda.

4.2 CULTURA SURDA

Quando, de uma forma geral, pensamos no conceito de cultura, logo somos remetidos a

refletir sobre questões como costumes, crenças, religião, modo de agir e vestir. Para Gertz

(1989) apud Santana (2005), o conceito de cultura é essencialmente semiótico: o homem seria

um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo tece. A cultura seria o conjunto

dessas teias. A cultura não é apenas um complexo de padrões concretos de comportamento,

costumes, usos, tradições, feixes de hábitos; é também um conjunto de mecanismo de

controle, planos receitas, regras e instruções para governar os atos (p.45).

Em relação à surdez é bastante comum encontramos o termo “cultura” definida como

um grupo de minoria lingüística que se baseia no fato da língua de sinais ser utilizada por um

grupo restrito de usuários. Nessa lógica, a própria prática gestual, é entendida como

estratégias sociais ou mecanismos compensatórios de que o surdo se utiliza por viverem em

uma situação de desvantagem social, já que tem uma limitada participação na vida

majoritariamente ouvinte.

Existem dois pontos, pelo menos, que merecem ser destacados nessa situação. O

primeiro deles argumenta que apenas fazer parte de um grupo lingüístico diferenciado, não

faz com que o surdo “ganhe” o direito de ser reconhecido como um sujeito que pertence a

uma outra cultura. Em suma, o uso de uma língua isoladamente não é o suficiente para

creditar ao surdo ser membro de uma cultura em particular. O argumento central é que os

surdos e ouvintes nascem e crescem em meio a os mesmos valores, crenças e modos

socialmente estabelecidos, então, os mesmos, são seres que vivem em uma mesma cultura,

uma vez que participam de uma mesma comunidade. Nas palavras de Santana (2005), códigos

específicos não expressam uma cultura diferente, apenas indicam a particularidade de um

grupo dentro de um sistema social (...), porém não se pode ignorar a separação que a própria

sociedade faz entre surdos e ouvintes (p.45).

O outro ponto, tem em seus argumentos um pouco mais de complexidade. Deste modo,

as discussões não devem se limitar apenas às questões teóricas, no sentido em que defende ou

não a existência de uma cultura surda. Questões desse tipo devem ser pensadas não de forma

rígida, como alguns conceituam cultura, de maneira conservadora. Então, assim como nas

questões que pontuamos sobre a surdez, mais uma vez, assumir a existência de uma cultura

surda implica admitir uma segregação entre surdos e ouvintes.

Assim, como pontuamos nas discussões em relativas à surdez, o termo cultura, não

aparece apenas como um direito ou tentativa de melhoria para o surdo, a defesa de uma

cultura surda também pode ser entendida como um mecanismo de desigualdade. Não é o que

dizem Rangel e Stumpf (2004), a ressignificação da surdez, como representação de uma

diferença cultural, possibilita ao sujeito surdo o sentimento profundo de pertencimento e o

leva a inserir-se no social, fazendo parte de um grupo naturalmente definido de pessoas,

práticas e instituições sociais (p. 87).

Nesta duas óticas podemos ,mais uma vez, evidenciar a incessante tentativa dos ouvintes

em negar tanto a existência da língua de sinais, que merece ser vista como um meio de

comunicação entre os surdos, constituindo-se assim como um mecanismo de identidade entre

seus pares e não um mecanismo de desigualdade entre culturas, quanto à negação de uma

cultura surda, esta que pode ser entendida como uma conseqüência da união entre os sujeitos

surdos que se identificam e se reconhecem dentro de uma comunidade.

Quando alguns autores mais extremistas, a exemplo de Anderson (1989) apud Skliar

(1998), diz que o uso da língua de sinais pela comunidade surda se constitui sempre como um

fator de exclusão da sociedade majoritária. Disto isto, nos remetemos ao seguinte

questionamento: Como se exclui um ser humano (surdo) que durante décadas nunca foi

incluído?

Não pretendo, nesse momento, discutir questões como inclusão social ou educacional

dos surdos, apenas salientar que se a razão pela quais os ouvintes negam a existência de uma

cultura surda está no simples fato de acharem que os surdos estarão de alguma forma, sendo

excluídos socialmente existe então uma enorme contradição por parte dessa comunidade

majoritária (os ouvintes). Por que, não foram os próprios ouvintes que durante séculos

excluíram os surdos, por possuírem uma forma de comunicação diferente, como agora, eles

querem abolir com uma prática que durante décadas foi o seu grande ideal.

Partindo da concepção social-antropológico da surdez, Sá (1999) salienta:

O objetivo de considerar, no estudo da problemática do surdo, a questão cultural, não é o de incentivar a criação de grupos minoritários à margem da sociedade, mas justamente o contrário, ou seja, o de considerar a diferença lingüística como necessária para possibilitar o desenvolvimento normal da cognição, da subjetividade, da expressividade e da cidadania da pessoa surda. (Sá, 1999, p. 157 e 158)

Fica sendo óbvio que a utilização do termo cultura surda irá aparecer com mais

freqüência entre os surdos e os profissionais que trabalham com a surdez, mas isso de

nenhuma forma é razão para que seja negada a existência de uma cultura surda.

Kozlowski (2000), por exemplo, afirma que a existência de uma cultura surda faz parte

da educação bilíngue. O surdo seria bilíngue e bicultural. O biculturalismo designa o conjunto

de referencias à história dos surdos, de significações simbólicas veiculadas pelo uso de uma

língua comum, de estratégias e de códigos sociais utilizados de maneira comum pelos surdos

para viverem numa sociedade feita por e para ouvintes.

Uma das primeiras ações que a escola pode ter é introduzir em seu currículo questões

onde possa ser discutida a cultura surda e a surdez. Essa ação poderia ocorrer, por exemplo,

em disciplinas como história, onde poderiam ser ensinadas aos alunos surdos, um pouco mais

sobre a história dos surdos, da língua de sinais, das escolas de surdos, da comunidade surda e

das novas tecnologias surdas. Ressaltando mais uma vez que, a proposta bilíngue, parte do

princípio de uma educação para surdos em escolas de surdos e não inclusivas ou em classes

especiais.

A cultura surda não se limita apenas ao uso da língua de sinais assim como bem

aponta Lane (1992), ressaltando que a cultura surda, além de uma língua, é composta de

literatura específica, de história própria, de contos de fadas, fábulas, romances, peças de

teatro, anedotas e jogos de mímicas.

Assim, como em qualquer outra cultura, não se pode alegar que a cultura surda é

“limitada” por causa das diferenças lingüísticas. Devemos pensar na cultura surda como mais

uma, no sentido de reconhecer o Brasil ou o mundo, como sendo um espaço de

multiculturalismo.

4.3 IDENTIDADE SURDA

Em relação à construção de identidade, podemos dizer que, a mesma, ocorre por meio

do desenvolvimento da cultura que uma comunidade se forma, se integra e se identifica. Neste

sentido, a existência de uma Cultura Surda auxiliará na construção de uma identidade das

pessoas surdas. Por essa razão, falar em Cultura Surda significa também abordar questões

como a identidade surda. Para que o surdo possa se sentir, um sujeito integrante de uma

comunidade surda, vai depender diretamente do grau de identidade desse surdo dentro de uma

sociedade.

De acordo com Perlin, (1998), a identidade pode ser definida como: identidade

flutuante, na qual o surdo se espelha na representação hegemônica do ouvinte, vivendo e se

manifestando de acordo com o mundo dos ouvintes; identidade inconformada, na qual o

surdo não consegue captar a representação da identidade ouvinte, hegemônica, esse sente

numa identidade subalterna; identidade de transição, na qual o contado dos surdos com a

comunidade surda é tardio, o que faz passar da comunidade visual-oral (na maioria das vezes

truncada) para a comunidade visual sinalizada – o surdo passa por um conflito cultural;

identidade hibrida, reconhecida nos surdos que nascem ouvintes e se ensurdecem e terão

presentes as duas línguas numa dependência dos sinais e do pensamento na língua oral

identidade surda, na qual ser surdo é estar no mundo visual e desenvolver sua experiência na

Língua de Sinais. Os surdos que assumem a identidade surda são representados por discursos

que os vêem capazes como sujeitos culturais, uma formação de identidade que só ocorre entre

os espaços culturais surdos.

Uma vez que, através do contato, o surdo tinha a possibilidade de se identidade com

outros surdos, esses podem criar uma relação de cumplicidade, como na troca de informações

sobre a vida, contar histórias, piadas, ou até mesmo revelar problemas em comum vivenciados

na escola ou com os familiares, geralmente essas dificuldades estão relacionada à

comunicação, ou na falta dela. É através desse contato surdo-surdo e da necessidade de

construção de uma identidade própria que podemos verificar o surgimento de uma Cultura

Surda.

A maioria dos estudos pautados na discussão da identidade surda esta relacionados à

língua de sinais. Para Perlin (1998), Moura (2000) apud Santana (2005), é através da língua

de sinais, e só por meio dela, adquirida em qualquer idade, o sujeito surdo construirá uma

identidade surda, já que ele não é ouvinte ( p.41).

Seguindo essa lógica, de que o surdo por utilizarem uma forma de comunicação

diferenciada, língua de sinais, seriam automaticamente classificado como seres que se

reconhecem como surdo e assim de identificam tanto como sujeitos surdos quanto com seus

pares, podemos dizer então que, os ouvintes, por utilizarem uma forma de comunicação à

língua oral, se constituem como sujeitos que, de uma forma geral, se identificam, se

reconhecem e convivem harmoniosamente em sociedade.

É sabido que em relação aos ouvintes essa sentença é falsa, por que para definir a

identidade de um ser humano é necessário considerar questões sociais, econômicas, históricas

e étnicas. Então, também nessa mesma lógica, como o surdo é um ser humano, não podemos

determinar que somente com a utilização da língua de sinais o surdo vai possibilitar uma

identidade surda.

Nas palavras de Skliar (1998), além das crianças possuírem a potencialidade da

aquisição da língua de sinais, elas têm o direito de se desenvolver numa comunidade de pares,

e de construírem estratégias de identificação no marco de um processo sócio-histórico não

fragmentado, nem cerceado. E salienta que, o processo individual ou a individualização de

identificações não podem ser vistas como se elas fossem homogêneas, estáveis, fixas, como se

a identificação entre os surdos ocorresse de forma inevitável, uma vez que a “surdez os

identifica”. Ainda segundo Skliar, questões ligadas à raça, à etnia, ao gênero, etc., devem ser

pensadas por uma política de identidade surda, e que sejam entendidas como “identidade

surda”; identidade que são, necessariamente, híbridas e estão em constante processo de

transição (p. 27).

Esta questão sobre a identidade surda, de certa forma também é um pouco complexa,

pois apesar de afirmarmos que o uso da língua de sinais como forma de comunicação não se

constitui, somente ele, como um mecanismo de identidade para o surdo, ao mesmo tempo

temos que entender que ela pode não ser a única, mas deve ser vista como um das mais

importante veículo de construção de uma identidade.

Conforme aponta Sá (2002):

Mesmo considerando que o aspecto lingüístico não é o único nem o principal aspecto na construção da(s) identidade(s) dos surdos, friso que a identidade de um individuo se constrói na e através da língua. A língua é uma atividade em evolução, assim como é a identidade. [...]. Atribui-se importância ao uso da língua de sinais na construção da(s) identidade(s) do surdo, pelo valor que a língua tem como instrumento de comunicação, de troca, de reflexão, de critica, de posicionamento (...). (Sá, 2002, p. 105)

Desta forma, é necessário que se entenda que a língua de sinais deve ser utilizada pelos

surdos o mais cedo possível, através do contato com outros surdos, para que assim o sujeito

surdo possa “criar” deste a infância até a vida adulta uma identificação com esses pares.

Para Sá (2002), os processos identificatórios da criança surda, começam na interação

com os outros surdos: neste relacionamento, a criança surda pode não apenas adquirir de

modo natural a língua de sinais, mas também pode assumir padrões de conduta e valores da

cultura e da comunidade surda (p. 102-103).

Se for negado ao surdo o direito de “ser surdo” com a proibição ou a inibição do uso da

língua de sinais enquanto crianças, quando adulto, o mesmo, não irá se sentir parte de uma

comunidade surda, de uma cultura surda e conseqüentemente não construirão uma identidade

surda.

Uma das causas que podem explicar o processo de aquisição da língua de sinais

relacionada à identidade e família, já foi mencionada no segundo capítulo, quanto foram

abordadas questões sobre a educação bilíngue. Naquele momento, foi apresentado um dado

afirmando que 90% da população surda no mundo constituem-se de surdos filhos de pais

ouvintes. Diante desta realidade, quando falamos nos aspectos identitários dos surdos, temos

que ressaltar, que desde o nascimento, os surdos foram expostos a uma série de construção de

identidades que se iniciam com a expectativa dos pais, usuários de uma língua (oral), desta

maneira seus filhos (surdos) não teriam acesso a língua de sinais de maneira natural.

As representações sociais sobre os surdos e a surdez começaram a se formar desde as

primeiras experiências na família, que por sua vez , é muito influenciada pelos médicos com o

modelo clínico-terapêutico. A grande maioria dos surdos crescem afastados de uma

comunidade surda, com isso não tiveram a chance de crescer em contato com outros surdos,

sendo assim, privados de um dos principais fatores que viabilizam a construção de uma

identidade surda que é o contato com surdos desde criança.

Nas palavras de Sá (2002):

Esse contato possibilita a criança surda absorver não o modelo que a sociedade ouvinte tem para os surdos, mas o que os surdos têm a respeito de si mesmo (este é o principal beneficio da experiência comunitária da surdez através da vida escolar precoce: a possibilidade de construção de sua identidade de surdo). (Sá, 2002, p. 103)

E como apontava Skliar (1998), Sá (2002), os surdos e a comunidade surda são plurais,

como é todo agrupamento humano e que toda identidade é dinâmica e é transformada

continuamente. A intenção é que seja entendido que não existe uma única identidade surda,

apenas pelo fato de serem identificados a partir de descrição universal, ou seja, só por que são

surdos eles têm que se identificarem.

4.4 LÍNGUA DE SINAIS

Desde o início das discussões sobre a educação bilíngue, mesmo que direta ou

indiretamente, a língua de sinais sempre permeou os debates sobre esta abordagem

educacional. Neste momento, a intenção é de demonstrar a importância, da mesma, no

processo da educação para surdos.

A princípio, entendia-se que essa modalidade lingüística surgiu porque a deficiência

auditiva impedia o surdo de adquirir a língua oral. Desta forma, a língua de sinais deixa de ser

vista como um processo e como um produto construído histórico e socialmente pelas

comunidades surdas.

Os primeiros estudos sobre esta modalidade lingüística surgiram das investigações de

Stokoe (1960) e de Bellugi e Klima (1977), e a partir de então, criam-se as bases para o

estudo científico da língua de sinais enquanto sistema lingüístico.

A razão pela qual a língua de sinais não ser reconhecida como a língua da comunidade

surda, pode ser explicada pelo fato de a maioria das pessoas relacionarem a língua com a fala.

Assim, quando falamos em língua de sinais, muitos não conseguem associar a língua com

sinais, ocasionando assim um equívoco sobre a língua de sinais.

Karnopp (1994 p. 24-32), (Quadros, 1997, p. 46), (Quadros, 2004, p. 31-37) baseada em

pesquisas em diversos países sobre o estatuto lingüístico da língua de sinais, apresenta

algumas concepções inadequadas em relação a língua de sinais: haveria uma única e universal

língua de sinais usada por todas as pessoas; haveria uma falha na organização gramatical da

língua de sinais, que seria derivada das línguas de sinais, sendo um pidgin sem estrutura

própria, subordinado e inferior às línguas orais; e a língua de sinais seria um sistema de

comunicação superficial, com conteúdo restrito, sem estética, expressiva e linguisticamente

inferior ao sistema de comunicação oral.

Estas concepções vêm sendo respondidas através de pesquisas com diversas línguas de

sinais existentes no mundo. Faz-se necessário, neste momento, esclarecer estes equívocos que

concernem à língua de sinais, desta forma construiremos uma compreensão de sua função

dentro de uma proposta de educação bilíngue.

Em primeiro lugar, as línguas de sinais estão situadas em uma modalidade lingüística

completamente diferente das línguas orais, uma vez que, o canal de comunicação das línguas

orais é representado por uma modalidade oral-auditivo e a língua de sinais são línguas com

representação na modalidade espaço-visual.

Nas palavras de Skliar (1998):

Os trabalhos da lingüística pós-estruturalista avaliaram a estatuto lingüístico das línguas de sinais como línguas naturais e como sistemas a serem diferenciados das línguas orais: o uso do espaço como valor sintático e a simultaneidade dos espaços gramaticais são algumas das restrições levantadas pela modalidade viso-espacial, que determina sua diferença estrutural e funcional em relação às línguas auditivo-orais. [...]. Deste modo, a língua oral e a língua de sinais não constituem uma oposição, mas sim, canais diferentes para a transmissão e recepção da capacidade – mental – da linguagem. (Skliar, 1998, p. 24)

Quando Skliar faz referência à língua de sinais com uma língua natural, o mesmo

salienta que não se refere à certa espontaneidade biológica. Língua natural, aqui, deve ser

entendida com uma língua que foi criada e é utilizada por uma comunidade especifica de

usuários, que se transmite de geração em geração, e que muda – tanto estrutural como

funcionalmente – com o passar do tempo.

Existem duas causas que dificultam o reconhecimento da língua de sinais como uma

língua natural, a primeira delas, alegar que a língua de sinais não é adquiria de forma natural,

uma vez que esta seria uma derivação da língua oral, esta concepção deve ser desconsiderada,

porque tanto as línguas orais quanto as língua de sinais surgem da mesma forma, que é da

necessidade, natural, dos seres humanos de expressar sentimentos, idéias e ações. Assim, as

línguas de sinais não derivam das línguas orais, apenas apresentam canais de comunicação

diferentes. Uma outra causa acredita que as línguas de sinais são universais, o que é um

verdadeiro absurdo, pois, assim como as línguas orais, tais línguas não são universais, isso

que dizer que, cada país apresenta a sua própria língua de sinais.

O sentido de universal aqui se refere à concepção de ter no mundo inteiro uma língua

gestual como usada pelas pessoas surdas. A LIBRAS, a ASL11 e outras línguas têm

evidenciado a existência de universais lingüísticos essenciais comuns em qualquer línguas,

independente de estas serem orais ou sinalizadas. Isso não significa, no entanto, que tais

línguas não sejam diferentes. Elas diferem no léxico e nos aspectos estruturais

parametrizáveis. (Chomsky, 1995 citado por Quadros, 1997, p. 66).

Na escola a língua de sinais ainda é vista como uma oposição entre a oralidade e a

gestualidade, ou seja, a língua de sinais é derivada de gestos espontâneos produzidos pelos

ouvintes. Essa representação sobre a língua de sinais apresentada pelas escolas, acaba por

produzir problema para os alunos surdos.

11 ASL significa Língua Americana de Sinais (Estados Unidos), assim como: LSF - Língua Francesa de Sinais; HSE – Língua Nigeriana de Sinais; LSA – Língua Argentina de Sinais; JPL – Língua Japonesa de Sinais, etc.

De acordo com Skliar (1998), a grande dificuldade com o uso da língua de sinais no

sistema educacional é que esta língua não é a dos professores e profissionais ouvintes,

portanto, o problema não é a oposição entre língua oral e língua de sinais. Então, a questão

deve ser revertida para a seguinte proposição: a língua dos ouvintes não é a língua dos surdos.

(ibid, p. 24). Nesta perspectivas, mais uma vez, vale ressaltar que, o foco das discussões não

pode ser apenas no víeis lingüísticos, ou seja, não podemos considerar que apenas o uso, ou

não de duas línguas nos projetos de educação para surdos garantirá uma qualidade na

educação.

As propostas bilíngue não devem se concentrar apenas em definir a utilização das duas

línguas (oral e gestual) na educação para surdos, uma vez que a uso da língua de sinais não

significa o fim do problema na educação para surdos. Essas, naturais que são, podem segundo

Skliar (1998, p. 25), ainda que exista um espaço para as duas línguas em questão, pode

corresponder perfeitamente a dois grupos diferentes a duas ou mais representação sobre o

mundo. Dessa forma, a educação de surdos continuará sendo um projeto assimétrico de

poderes e saberes. Nesse sentido, Skliar não se refere à educação bilíngue como sendo para os

surdos o desenvolvimento de habilidades lingüísticas em duas línguas, mas sim com o direito

que a criança surda tem de ser educação em uma língua diferente da oficial.

4.4.1 Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS

Depois de abordamos, de maneira geral, as questões lingüísticas, teóricas e ideológicas

sobre as línguas de sinais, esse momento, apresentaremos as contribuições que concernem a

nossa língua de sinais denominada de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.

O Brasil ainda era uma colônia de Portugal governada pelo imperador D. Pedro II,

quando surgiram os primeiros relatos do aparecimento da língua de sinais para surdos no país,

mas precisamente no estado do Rio de Janeiro. O conde francês Hernest Huet, em 1855, foi

quem trouxe o alfabeto manual francês e alguns sinais, e foi este material que contribuiu para

o surgimento da Língua Brasileira de Sinais.

As primeiras contribuições teóricas sobre a Língua Brasileira de Sinais, começam na

década de 80, através das pesquisas da professora lingüista Lucinda Ferreira Brito, vale

ressaltar que como já foi explicitado no capítulo sobre as abordagens educacionais para

surdos, ela é a mesma responsável pelo pioneirismo da proposta de uma educação bilíngue

para surdos. Para Goldfeld (2001, p. 30), é a partir dessas pesquisas que o bilingüismo

começa no Brasil. No início dessas pesquisas ainda seguindo um padrão internacional, a

professora abreviou está língua de LSCB (Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros),

essa abreviação era, mas para diferenciar - lá da LSKB (Língua de Sinais Kaapor Brasileira),

essa língua de sinais era utilizada pelos índios Uruku-Kaapor no estado do Maranhão.

Vistos estes primeiros acontecimentos que corroboraram para o surgimento e

desenvolvimento da Língua Brasileira de Sinais, o objetivo neste momento é apresentar as

políticas nacionais relacionadas a essa língua, juntamente com as orientações dessas leis para

o desenvolvimento da educação para surdos. Será explicitado então a Lei de N.º10.436 de 24

de Abril de 200212 e o Decreto N.º 5.626 de Dezembro de 200513.

A Lei n.º 10.436, de 24 de abril de 2002, é uma das conquista adquiridas pelas

comunidade surda que durante anos lutaram pelo reconhecimento de sua língua natural. Esse

fato teve como conseqüência o reconhecimento da LIBRAS como uma língua,sendo esta

responsável pela comunicação entre os surdos. Esta lei reconhece a LIBRAS com “a forma de

comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com

estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e

fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil” (artigo 1º, parágrafo único).

Essa lei apresenta, uma alentadora novidade: reconhece a Libras como uma língua

nativa, portanto brasileira, e não estrangeira, ao admitir ser uma língua de comunidades de

pessoas surdas brasileiras, uma ação politicamente marcada, embora focada na perspectiva

lingüística. Portanto, se o Estado mantém o português como língua oficial, por outro lado,

admite a existência de outra língua nativa e de cidadão brasileiros – que não são imigrantes

nem pertencentes a nações indígenas. (Souza, 2007, p. 191).

Após três anos a Lei N.º10.436 de 24 de abril de 2002 é regulamentada pelo Decreto

N.º 5.626 de Dezembro de 2005, que garante o direito do estudante surdo a uma educação

bilíngue nas escolas publicas e privadas até o ensino superior , assim deverá “ofertar,

obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino da Libras e também da Língua

Portuguesa, como segunda língua para os surdos” (art. 14, caput II).

Nota-se que, este reconhecimento da Libras como um meio possível de educar o surdo

se constitui como uma quebra de paradigma no cenário da educação de surdos no Brasileiro,

pois, até então, eles (os surdos) eram educados através da língua portuguesas, não no sentido

somente da aprendizagem na modalidade escrita, mas também na aquisição da língua oral.

Ainda assim, quando pensamos na Libras como língua para o ensino de surdos alguns

questionamentos devem ser feitos: quem é esse profissional que vai ensinar ao surdo? Como

12 Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ccivil/leis/2002/L10436.htm. 13 Disponível em: http://presidencia.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm.

acontece a formação desses profissionais? As instituições superiores estão preparadas para

auxiliar esses profissionais no processo de formação acadêmica?

O decreto N.º 5.626 tenta esclarecer essas dúvidas sobre o formação de professores para

a ensino dos estudantes surdos. Em seu Capítulo II, Art. 3º, o mesmo decreto afirma que: a

Libras deve ser inserida como disciplinas curricular obrigatória nos cursos de formação de

professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de

Fonoaudióloga, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e

dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito e dos Municípios. E complementa em seu § 1º

que: todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de

nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Pedagogia e o curso

de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da

educação para o exercício do magistério. Sendo que todas as especificidades apontam no

decreto devem ser atendidas pelas instituições de ensino superior ou médio até 10 anos, da

data de publicação do mesmo14. Até o presente momento se passaram 5 anos desde a data

publicação, restando assim 5 anos para o cumprimento deste decreto.

De uma forma geral, as discussões acerca da formação docente para o atendimento de

crianças com necessidades especiais, no Brasil, ainda é motivo de muita preocupação em

termos de metodologias educacionais. Essa situação pode ser explicada pelo simples fato de

durante o processo de formação (acadêmica) são notórias as lacunas presentes em termos de

currículo dos cursos de formação universitária.

Em relação à educação para surdos essa dificuldade, na formação docente, não se

apresenta de maneira diferente. Primeiro porque, apesar de estarem determinadas no decreto

citado à cima, o que presenciamos é que ainda algumas instituições acadêmicas não

adaptaram seu currículo de forma que a Libras se constitua como uma disciplina em sua grade

curricular. Segundo (uma possível conseqüência do primeiro), já que o processo de formação

de profissionais especializados em Libras é deficitário, quem seriam essas pessoas

(professores) que ensinariam aos pré-educandos em formação? Terceiro, uma vez que ocorra

de fato esta formação especializada, devemos atentar para o fato de que, as mesmas não

poderem ter apenas um caráter conteudista, um título apenas, ou seja, não se trata somente de

ensinar aos educandos em formação alguns sinais isoladamente e afirmar que esses

profissionais estão prontos para trabalhar com a educação de surdos. Mesmo que de forma

simples, os educandos que desejam trabalhar com alunos surdos, devem está inseridos em

14 O decreto N.º 5.626 foi publicado em: Brasília, 22 de dezembro de 2005.

uma comunidade surda, pois será através dela que os mesmo poderão entender e ajudar os

surdos tanto de maneira educacional quanto na formação do surdo com sujeito. Quarto, uma

vez que, essa formação não ocorra, cabe ao estudante em formação também “correr atrás do

prejuízo”, ou seja, existem cursos de capacitação disponibilizados pela maioria das

instituições que trabalham tanto com a educação especial quanto com a educação de surdos.

O objetivo não é apenas apontar as dificuldades em relação à formação de professores

para ensino de surdos, mas sim evidenciar o quão importante é a formação de professores,

principalmente se pleiteamos uma educação para surdos numa perspectiva de educação

bilíngue.

Portanto, todo o processo de formação de docentes, independentemente da área de

atuação, tem que ser realizado com dedicação. No caso da educação de surdos, existe uma

relação direta entre formação docente e a aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais.

Assim, a prática bilíngue depende exclusivamente dessa formação docente, daí a urgência em

formar profissionais especializados/qualificados para ensinar os alunos surdos.

5. ANÁLISES DE DADOS

5.1 METODOLOGIA DA PESQUISA

A proposta metodologia escolhida para subsidiar este trabalho segue a linha de pesquisa

qualitativa, pois considero esta modalidade investigativa mais apropriada para alcançar o

universo pesquisado das ações educacionais nas escolas que atendem alunos surdos

verificando como ocorre a prática educativa em uma proposta educacional bilíngue. Este

estudo implica, portanto, conhecer e analisar os métodos de ensino, a relação surdo/surdo e

surdo/ouvinte no cotidiano dessas escolas.

Para desenvolver este trabalho foram escolhidas, três escolas como campo de

observação: APADA-BA, Escola Estadual João das Botas e o CAS – Wilson Lins

Segundo Bogdan e Biklen (1982) apud André (1986, p. 11-13), a pesquisa qualitativa

apresenta cinco características básicas:

1.A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o

pesquisador como o seu principal instrumento; ou seja, é necessário que haja um contato

direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada,

somente com um trabalho intensivo de campo é que podemos presenciar situações que

ocorram de maneira natural. Para esses autores esse estudo também pode ser chamado de

“naturalístico”, assim todo estudo qualitativo e também naturalístico.

2. Os dados coletados são predominantemente descritivos; todo material obtido através

das observações descrevam situações, pessoas, depoimentos, fotos e ambientes, dessa maneira

para subsidiar afirmações ou esclarecer pontos de vistas, o uso das citações devem ser

freqüentes um uma pesquisa.

3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto; o pesquisador

deve ser preocupar em estudar, independente do problema, como acontecem as atividades, os

procedimentos e as interações no cotidiano.

4. O “significado” que as pessoas dão às coisas e a sua vida são focos de atenção

especial pelo pesquisador; ao considerar diferente ponto de vista, os estudos qualitativos

permitem iluminar dinamismo interno das situações, geralmente inacessível ao observador

externo. O pesquisador deve ter a preocupação de checar, discutir e confrontar abertamente

com os outros participantes para que as informações possam ser ou não confirmadas.

5. A analise de dados tende a seguir um processo indutivo; os pesquisadores não podem

ser preocupar em buscar evidências para comprovar as hipóteses definidas antes do início da

pesquisa.

Partindo das idéias, características e técnicas que permeiam a pesquisa qualitativa,

adotei através desses pressupostos que subsidiam a metodologia em um caráter qualitativo a

pesquisa do tipo estudo de caso. A escolha por essa técnica, se justifica por permitir ao

pesquisador observar o cotidiano dos sujeitos que estão sendo estudados.

Nas palavras de André (1986):

A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da “perceptiva dos sujeitos”, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações. (p. 26)

A observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza os

sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e

ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se desejam estudar. A observação

ajuda o pesquisador a identificar e a obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os

indivíduos não têm consciência, mas que orienta seu comportamento. Desempenha papel

importante nos processos observacionais, no contexto da descoberta, e obriga o investigador a

um contato mais direto com a realidade. É o ponto de partida da investigação social

(LAKATOS 1991, p. 190-191).

Através dessas técnicas de observações serão descritos o ambiente em que os discentes

surdos estudam, da sala de aula aos espaços de interação dos surdos com os próprios alunos

surdos, bem como com os ouvintes. Com relação aos alunos surdos, será apontado como

ocorre o processo de ensino e aprendizagem durante as aulas bem como descrever os

materiais que são utilizados para o ensino, e principalmente verificar se elas estão sendo

ministradas na língua de sinais. Com relação aos professores e funcionários serão observadas

as formas de comunicação é utilizada com os alunos surdos, bem como qual formação desse

professores que atuam com os estudantes surdos.

De acordo com André e Lüdke (1986, p. 18-21), existem princípios que norteiam o

estudo de caso, entre as características que mais de destacam estão:

1. Os estudos de caso visam à descoberta; os investigadores devem estar atentos em

inserir a todo instante novos elementos ou informações que surjam durante o percurso da

pesquisa. Assim, o quadro teórico inicial servirá de “esqueleto” de uma estrutura básica que

receberá novos elementos na medida em que o estudo avance.

2. Os estudos de caso enfatizam a “interpretação em contexto”; ou seja, o principio

básico para o estudo de caso é que, para uma apreensão mais completa do objeto, é preciso

levar em conta o contexto em que eles se situam, pois assim haverá uma melhor compreensão

dos problemas, das ações e comportamentos das pessoas pesquisadas.

3. Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e profunda; o

pesquisador procura revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada

situação ou problemas, portanto, nesse tipo de pesquisa deve-se priorizar a inter-relação de

seus componentes.

4. Os estudos de caso usam uma variedade de fontes de informações; o pesquisador

deve recorrer a uma variedade de dados, que devem ser coletados em diferentes momentos,

em situações diversas e com uma variedade de tipos de informações.

5. Os estudos de caso revelam experiências vicárias e permitem generalização

naturalística; o pesquisador deve relatar suas experiências durante o estudo de modo que

quem estiver lendo possa fazer suas próprias indagações.

6. Estudos de caso procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos de

vistas presentes numa situação social; quando o objeto ou situação estudada suscitar opiniões

divergentes, cabe ao pesquisador trazer para o estudo esses pontos de vistas, juntamente com

sua própria opinião.

7. Os relatos do estudo de caso utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível do

que os outros relatórios de pesquisa; a apresentação dos dados coletados pode ser

demonstrada através de desenhos, slides, fotografias etc., já os registros escritos, geralmente,

são apresentados de maneira informal, narrativa, ilustrado, citações e descrições.

Portanto, depois de um longo período de observações em campo, através do estudo de

caso, pude vivenciar cada uma dessas etapas. Adiante irei relatar mais detalhadamente essa

experiência, por hora, destaco que foi através dessa prática (estudo de caso) que passei a

entender o sujeito surdo não só como um deficiente auditivo que gostaria de estudar com os

ouvintes, mas como um sujeito com língua e cultura próprias que merece ser reconhecido e

respeitado como tal. Esta é uma das razões pela qual o presente trabalho foi dedicadamente

construído.

Tendo por base, portanto, os pressupostos da pesquisa qualitativa e, especificamente, o

modelo de estudo de casos, os dados obtidos para a construção deste trabalho serão

triangulados por meio de comparações, descrições e análises centradas nas práticas de

educação de surdos orientadas pela proposta bilíngüe.

5.1.1 Recursos Metodológicos

Os dados que serão apresentados, a seguir, foram coletados em três momentos: o

primeiro se refere às minhas primeiras experiências com a comunidade surda, por meio do

curso de LIBRAS na APADA – BA; (2) em função desse curso, conheci a diretora da Escola

Estadual João das Botas, e me ofereci para fazer um trabalho voluntário na sala de apoio dessa

instituição, essas (1,2) aconteceram no período que se estendeu, não ininterruptamente, de

outubro de 2006 a agosto de 2008, (3) se refere às observações mais recentes feitas na escola

para surdos CAS – Wilson Lins, no período do segundo semestre de 2009.

Para configurar este estudo, utilizei os seguintes instrumentos para a coleta de dados:

� Observações em sala de aula (escolas inclusivas e para surdos);

� Registros através de máquina fotográfica de algumas atividades desenvolvidas com os

alunos surdos e da estrutura das instituições15;

� Diário de notas de campo;

� Entrevistas semi-estruturadas com a coordenadora ou diretora responsável pelas

orientações prestadas aos professores e funcionários envolvidas com o trabalho

pedagógico nas escolas;

� Entrevistas semi-estruturadas com professores do ensino inclusivo, especial e das

associações;

5.2 ESPAÇOS EMPÍRICOS

Esta pesquisa tem como espaços empíricos três instituições:

1. APADA – BA16 (Escola Marizanda Dantas); esta associação foi escolhida, pois

além de ser uma escola que atende crianças surdas, também oferece curso de LIBRAS para

todos, sejam profissionais da área de educação, fonoaudiólogos ou pais com filhos surdos.

Uma outra razão para sua escolha, foi por causa de seu objetivo enquanto associação

demonstrando uma preocupação com a formação do sujeito surdo, assim o seu espaço físico é

visto como um ambiente onde os surdos se relacionam com seus pares formando assim uma

comunidade surda.

15 Todas as imagens utilizadas neste trabalho tiveram sua exposição autorizada pelos responsáveis da instituição ou escola investigada. 16 As fotos da instituição encontram-se no Anexo B.

2. Escola Estadual João das Botas17; esta escola foi escolhida por ser uma instituição

inclusiva, onde atende em suas salas regulares alunos surdos. O objetivo com a seleção dessa

escola é poder verificar qual metodologia utilizada pelos professores para o ensino dos alunos

surdos e a formação dos professores, bem como descrever como acontecem os atendimentos

desses alunos na sala de apoio e o cotidiano e a relação dos alunos surdos e ouvintes.

3. CAS – Wilson Lins18; foi selecionada como campo de observação para essa pesquisa,

pois é uma escola onde o ensino é exclusivo para estudantes surdos. O objetivos então são:

examinar como ocorrem as aulas baseadas em uma proposta educativa bilíngue; verificar qual

a formação dos professores da instituição; averigua o espaço escolar, bem como a importância

de uma estrutura física transcritas de forma imagética.

5.3 SUJEITOS DA PESQUISA

Apesar de serem três instituições diferentes os sujeitos da pesquisa, de uma forma geral,

são os mesmos. A princípio os sujeitos dessa pesquisa foram os diretores ou coordenadores

das instituições, em conversas com estes, foram esclarecidas questões como a formação dos

professores e funcionamento da instituição no atendimento aos alunos surdos. Com relação

aos professores foram anotadas questões como os métodos de ensino para o ensino dos alunos

surdos bem como a preocupação deles com a formação desses alunos. Os surdos sujeitos

dessa pesquisa foram estudantes da 6ª e 8ª séries do ensino médio, com faixa etária entre 15 e

18 anos (Escola Estadual João das Botas) e alunos da 3ª série do ensino fundamental, com

faixa etária entre 12 e 16 anos (CAS – Wilson Lins).

5.4 ANÁLISE DOS DADOS

É necessário salientar que para uma melhor compreensão das análises destes dados

coletados, a seqüência dos resultados não serão equivalentes à mesma ordem de observação, a

organização seguirá a seguinte estrutura: na primeira etapa irei descrever e analisar

juntamente com os subsídios teóricos o cotidiano e métodos educacionais para o atendimento

dos alunos surdos em uma escola inclusiva (Escola Estadual João das Botas); na segunda

etapa relatarei esses mesmos ambientes e métodos educacionais só que desta vez na

perspectiva das escolas para surdos (APADA – BA e CAS – Wilson Lins).

Um dos objetivos dessa divisão é demonstrar como ocorre a interação entre surdos e

ouvintes, o processo de ensino e aprendizagem, bem como a formação dos professores para o

17 As fotos da escola encontram-se no Anexo A. 18 As fotos da escola encontram-se o Anexo C.

atendimento aos alunos surdos nas duas instâncias que viabilizam a educação para surdos, que

são as escolas inclusivas, e a escola para surdos. O outro objetivo é que através dessas

observações possamos averiguar a representação da surdez e dos surdos nessas escolas, bem

como verificar como ocorre a educação para surdos baseadas numa perspectiva bilíngue.

5.4.1 Escola Inclusiva

Neste momento, serão relatadas as análises coletadas na primeira fase da pesquisa, que

ocorreu na Escola Estadual João das Botas, localizada na Barra Avenida Morro do Gavazza

S/N próximo ao Quartel da Marinha.

. Essa instituição é denominada inclusiva, pois atende em suas instalações alunos surdos

em suas salas regulares, ou seja, surdos e ouvintes estudam e se relacionam em um mesmo

ambiente educacional.

Iniciando nossas análises, se faz necessário esclarecer o que venha ser inclusão, escola

inclusiva, bem como as políticas educacionais que viabilizam essa pratica educacional.

Um dos marcos históricos que contribuíram com os primeiros pensamentos para a

prática educativa de pessoas com deficiências foi a Conferência Mundial de Educação

Especial realizada em Salamanca na Espanha. Essa conferência tinha o compromisso de uma

Educação Especial para todos19, reconhecendo a necessidade e urgência de providenciar

educação para as crianças, jovem e adulta com necessidade educativas especiais, dentro do

sistema regular de ensino.

Para Mantoan (2004 apud Fonseca-Janes 2007), o termo inclusão não deve ser restringir

apenas “à inserção de alunos deficientes e/ou com necessidades educacionais especiais nas

escolas regulares”, mas sim uma escola que aceite e mantenha todos os alunos, sobretudo, a

seu ver, com qualidade de ensino (p. 90).

E seguindo os mesmo princípios, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, lei

9394/96, influenciada pela Declaração de Salamanca, possui uma diretriz inclusiva apontando

a admissão de todos os discentes com condições físicas e/ou sensorial preferencialmente no

ensino regular.

A fundamentação do discurso da escola inclusiva tem como base o respeito às

diferenças, a democratização do ensino e a igualdade de oportunidade para todos. Esta

perspectiva inclusiva defende a necessidade dos “deficientes” de conviver com os colegas

“normais” e vive-versa, construindo a possibilidade mais a integração desses grupos

19 Referência aos sujeitos excluídos (surdos, cegos, superdotados, dentre outros )

historicamente segregados. (SKLIAR, 1999 e 2000; SASSAKI, 1999; BOTELHO, 2002;

PALHARES, 2002; GOUVÊA, 2005; SILVA, S. & VIZIM 2001; QUADROS, 2003; SILVA,

L & BARAÚNA, 2007).

Integração e segregação são antônimas no sentido literal da palavra, porem são

movimentos dinâmicos presentes nas relações humanas. São conceitos intercambiáveis, pois o

que determina o tipo de relação estabelecida são as possibilidades de “troca” nos espaços e

não a constituição do espaço físico em si. (SILVA S. 2001, p. 181 apud SANTOS, p. 58),

De acordo com a definição do que seria a educação inclusiva e as leis que tangem as

políticas educacionais para surdo, observei três momentos durante meu percurso de estudo de

caso, onde era possível presenciar as relações entre surdos/surdos e , surdos/ouvintes, foram

eles: em salas aula; na sala de apoio e no cotidianos escolar (recreio, eventos na escola).

Pude observar que as aulas ocorriam nas salas regulares e tinham a presença de dois a

três surdos, que por sua vez, sempre sentavam juntos. Na maioria, das vezes durante as aulas,

dava a impressão que eles não eram vistos, nem pelos professores muito menos pelos alunos

ouvintes. Segundo Silva, L. e Baraúna (2007), “segregar e excluir significa colocar o surdo

em uma sala de aula em que este permanece sempre isolado dos demais nas questões relativas

á aprendizagem e desenvolvimento escolar” (p. 66).

Ainda de acordo com Silva, L. e Baraúna (2007):

É preciso romper com as amarras do medo e a falácia de que só existe inclusão quando estão surdos e ouvintes juntos em uma mesma sala de aula. Urge a presença de um conceito de inclusão que ultrapasse as questões físicas. Não se trata de inserir o aluno surdo em salas regulares e heterogêneas, contendo pessoas surdas e ouvintes, mas garantir condições reais de aprendizagem e de desenvolvimento humano para ele. Desta forma, a existência de salas regulares para surdos não sinaliza para a segregação e nem para a “exclusão”. (p. 66)

Os professores ministravam suas aulas normalmente como se todos presentes fossem

ouvintes, não mostrando interesse em saber se os alunos estavam entendendo o assunto.

Quando era realizado algum trabalho em grupo, logo os alunos surdos eram direcionados para

a sala de apoio. Essa falta de contato entre professores, alunos e surdos pode ser explicada

pelo fato de a grande maioria não saber a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e como esse

é o principal responsável pela comunicação entre surdos e ouvintes tanto o processo de ensino

e aprendizagem dos alunos surdos quanto a relação entre professor e aluno fica

comprometido. Para Sá (2002, p. 315), na prática, os professores de surdos geralmente não

são previamente capacitados para o trabalho educacional com surdos, nem são capacitados

para utilizarem língua de sinais, tendo em vista seu lugar de menor importância nos projetos

pedagógicos.

Esta prática ainda revela a questão da baixa expectativa pedagógica dos profissionais

ouvintes com relação á aprendizagem dos educandos surdos. Como os ouvintes, estes

possuem o direito de estar na escola, e de aprender e se desenvolver com dignidade. Assim, é

preciso garantir aos profissionais que atuam nestas escolas uma formação adequada, para

realizar um trabalho capaz de promover a aprendizagem de todos, inclusive daqueles que

estão em condições de deficiência física e/ou sensorial. (SILVA, L & BARAÚNA, 2007, p.

64)

Na sala de apoio, esta situação era bem diferente, pois, a mesma contava com a presença

de duas professoras que sabiam a LIBRAS. Essa sala funcionava de maneira que os alunos

surdos à freqüentavam no turno oposta aos das aulas regulares, assim os alunos que durante a

manhã tinham aula nas salas regulares pela tarde faziam atendimento na sala de apoio, ou

vise-versa.

De acordo com Silva, L. e Baraúna (2007) as escolas regulares, têm que pensar nessas

salas de apoio como um espaço de ensino que trabalhe com as peculiaridades, as potencias e

as necessidades de cada grupo, ou seja, que não se faça um atendimento apenas de apoio no

extra-turno.

Por minhas aulas na faculdade serem pela manhã a maioria das minhas observações e

trabalho voluntário ocorria no turno da tarde. Vale ressaltar que o atendimento na sala de

apoio não era imposto como uma obrigação para os alunos surdos, ainda assim, era muito

freqüente a presença deles nessa sala. Destaco algumas razoes que podem explicar essa

situação: a primeira – e talvez a principal – era por que essa sala era o único ambiente onde

eles poderiam ser comunicar utilizando a língua de sinais, o restante das razões são quase que

conseqüência da primeira, era na sala de apoio que os surdos se relacionavam com surdos e

alguns poucos ouvintes, os exercício e trabalhos passados pelos professores eram respondidos

através do auxílio das professoras da sala de apoio. Ao contrário das salas regulares, a

LIBRAS é a língua utilizada para a explicação de assuntos não entendidos pelos surdos.

As salas de apoio para Santos (2005), devem ser entendidas como “salas de recursos” e

não, apenas, um espaço de apoio, mas um espaço escolar que consolida o aprofundamento de

conhecimento que auxiliam no seu desenvolvimento e aprendizagem (p. 59).

Este espaço escolar utiliza-se de recursos específicos e sistematicamente organizados

para atender às necessidades indicadas pelo aluno surdo. Sua organização e gerenciamento

não dependem apenas da figura do professor deste tipo de atendimento. As ações desse

professor devem ser baseadas na articulação coletiva do trabalho pedagógico da escola em

que o aluno freqüenta a turma regular. Destacamos que a idéia de trabalho coletivo não deve

estar associada à organização hierárquica e departamentalizada da ação pedagógica, ou seja,

um profissional planeja e outro executa, um organiza outro age ou orienta e fiscaliza e outro

cumpre a tarefa. Estamos defendendo a idéia de debate, organização e ação de um grupo de

profissionais (professores da turma regular e o professor da sala de recursos) que, apesar de

funções diferenciadas, comprometem-se com uma realidade fundamental da escola –

organizar sistematicamente a aprendizagem dos que dela participam. (SANTOS, 2005, p. 59)

Em conserva com uma dessas professoras da sala de apoio, ela me relatou que apenas

dois professores (que lecionava português e educação física), de todo quadro de professores

da escola, iam à sala de apoio pedir ajuda com o objetivo de tentar aprender a línguas de

sinais para ensinar e manter contato com os alunos surdos. O restante dos professores, quando

tinham alguma dificuldade apenas mandavam esses alunos para a sala de apoio. Além desses

professores que se interessava em aprender sinais, alguns alunos também iam até essa sala

para aprender alguns sinais. Os estudantes surdos preparavam materiais ilustrados para

ensinar aos alunos ouvintes, esses momentos ocorriam mesmo que de forma limitada muita

interação entre eles, pois de um lado estavam os surdos satisfeitos em perceber que seus

colegas estavam interessados em aprender sua língua materna e de outro os ouvintes

fascinados com as peculiaridades e curiosidade na aprendizagem de uma nova língua.

Com relação ao cotidiano dos estudantes surdos, assim como apontavam Bogdan e

Biklen (1982), me possibilitou presenciar momentos naturais ou naturalísticos dos estudantes

surdos com os ouvintes e seus colegas surdos.

Os primeiros relatos que faço dizem respeito à relação entre os alunos surdos e ouvintes.

Se na sala de apoio alguns poucos alunos ouvintes de interessavam em aprender LIBRAS

outros poucos também – só que de forma negativa – depreciavam a língua de sinais e em

conseqüência os alunos surdos. Estes alunos ouvintes, também se interessavam em aprender a

língua de sinais, só que esses sinais eram palavrão ou sinais pejorativos. Então durante o

intervalo ou na hora da saída esses alunos ouvintes xingavam (através dos sinais) os alunos

surdos ou as vezes os pais desses alunos. Nessas situações os alunos surdos tanto retribuíam

as ofensas quanto comunicavam a direção da escola, que identificavam e repreendiam esses

alunos, ou apenas relatavam a situação com tristeza às professoras da sala de apoio.

Mas a relação entre surdos e ouvintes na escola não se limitava apenas a essa situação.

Em dois momentos era possível presencia uma relação bem significativa e produtiva entre

surdos e ouvintes que eram no grupo de dança, que as alunas surdas participavam e nos jogos

de xadrez que era um trabalho desenvolvido pelo mesmo professor de educação física que me

referir a pouco. E para aqueles que não entendem como os surdos podem dançar, uma vez que

não ouve, esta situação pode ser explicada da seguinte forma, as línguas de sinais são línguas

gestual-visual e a dança por não depender exclusivamente do recurso sonoro para ser

compreendida é representada através do corpo e dos gestos, assim ela pode ser dançada por

todos, ou seja, isso independe da pessoa ser surdo ou ouvinte.

Segundo Almeida (2000) apud Mourão e Silva, L, C (2007), desenvolver a capacidade

sensorial, cognitiva e física do surdo poderá ajudá-lo na inserção social, pois, ao se

demonstrarem possibilidade e habilidades, adquire-se respeito e consequentemente

autoconfiança, estabelecendo-se, assim, condições para a integração com seu meio social de

maneira cada vez mais espontânea e independente, já que se sentir capaz e participante é

essencial para todos (p. 170).

A inclusão social é um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais, pessoas com necessidades especiais, enquanto que, simultaneamente, estas de preparam para assumir seus papéis na sociedade. “A inclusão constitui um processo bilateral na qual as pessoas, ainda excluídas, buscam equacionar problemas, decidir e efetivar a equiparação de oportunidade para todos”. (SASSAKI, 1999, p. 42 apud MOURÃO E SILVA, L.C. p. 170)

Como relação aos jogos de xadrez, depois que o professor criou um projeto que ensina

as regras os procedimentos do jogo era muito comum durante o intervalo os alunos surdos e

ouvintes jogarem. E apesar de ser caracterizado como um jogo que acontece onde pouco se

fala (comunica) era possível observar que existia uma interação entre ele, principalmente

quando ocorria alguma jogada que um deles achava que não podiam ocorrer nesses momentos

eram feitos alguns sinais, mímicas para resolver a situação, mas não era nada que não fosse

resolvido entre eles mesmos.

Portanto, nesse longo período de observações, na referente escola, presenciei situação

que me fizeram entender o porquê de no Congresso Nacional de Educação para Surdos a

comunidade surda desejava que acontecesse uma inclusão social e não a educacional, uma vez

que as escolas regulares não estão preparadas para atender a esse público.

É necessário que se entenda que para que ocorra a inclusão entre surdos e ouvintes o

primordial não é que essa ocorra em ambientes escolares. O conceito de inclusão deve ser

entendido de maneira mais ampla, no sentido de uma sociedade linguisticamente majoritária

reconhecer a existência de um grupo lingüístico diferenciado, ou seja, que usam como forma

de comunicação uma língua natural (a língua de sinais) diferente da oficial. Assim, como

almejam os surdos, a inclusão social é a mais indicada, pois, é através dela que existe a

possibilidade de um reconhecimento e respeito ás diversidades lingüísticas e culturais.

Inclusão na educação requer inclusão social. Especialistas de educação especial devem

entender a luta por melhor educação para pessoas surdas como momento legítimo de um

grupo social, de escuta e respeito às reivindicações da comunidade, com vistas a uma

transformação social. (KELMAN 2005, p. 97, grifo nosso)

5.4.2 Escola para Surdos

APADA – Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos

A escola é um espaço privilegiado de política cultural, por isso em projeto político pode

começar pela escola, ou nela. Os surdos têm o direito de se desenvolver numa comunidade de

pares, constituindo estratégias de identificação num processo sócio-histórico autêntico, livre,

não cerceado; ora, isto é possível (talvez não unicamente, mas primordialmente) numa escola

que reflita sua condição sócio-lingüística e cultura. A questão central, então, não é em que

espaço os surdos estão sendo educados, mas quais são as reais oportunidades de

aprendizagem e quais as políticas de significação que lhes estão disponíveis. (SÁ, 2002, p.

365-366)

Segundo Salles et al. (2004) as associações para surdo surgir como uma conseqüência da

identificação dos surdos com seus pares, formando assim uma comunidade surda, que se

relacionam marcando festas, encontram em bares e shopping etc. (p. 42).

Nas palavras de Salles et al. (2004):

É nessa comunidade que se discute o direito à vida, à cultura, à educação, ao trabalho, ao bem-estar de todos. É nela que são gestados os movimentos surdos (caracterizado pela resistência surda ao ouvintismo, à ouvinte). É por meio dela que os surdos atuam politicamente para terem seus direitos lingüísticos e de cidadania reconhecidos, como destaca Felipe (2001). Nesse sentido, a Cultura Surda é focalizada e entendida a partir da diferença, a partir do seu conhecimento político (Skliar, 1998, p. 5). (SALLES, 2004, p. 42)

Foi na APADA-BA que tive meu primeiro contato com os surdos, que ocorreu por causa

do curso de LIBRAS em função do meu interesse na aprendizagem da língua.

Como fiz o módulo 1 e 2 pude observar que o público que buscava nesse curso era bem

diversificado, além de me estudante de pedagogia, contava também com a participação das

duas professoras da sala de apoio da escola inclusiva juntamente com a diretora, funcionários

do Mercado Bom Preço, alguns alunos de Fonoaudióloga, pais ouvintes com filhos surdo,

pessoas de diversas religiões, professores de escolas inclusivas que aprendiam a língua de

sinais ao mesmo tempo que lecionavam, estes eram um dos casos que mais ocorriam, que era

o grande número de profissionais (da área de educação) formados que durante seu percurso

acadêmico não tiveram em seu currículo aula de LIBRAS.

De acordo com o Decreto N.º 5.626 de Dezembro de 2005, seu Capítulo II, Art. 3º diz

que “a Libras deve ser inserida como disciplinas curricular obrigatória nos cursos de formação

de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de

Fonoaudióloga, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e

dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito e dos Municípios”(Brasil, 2005)

Dessa forma podemos perceber que a APADA possibilita que esse curso de LIBRAS

exerça tanto uma função de caráter educacional, uma vez que subsidia profissionais formados

ou em processo de formação para apreenderem a língua de sinais e o universo que permeia a

surdez, quanto um caráter social, pois, auxilia aos pais de surdos no processo de comunicação

com seus filhos, ao mesmo tempo em que possibilita ao restante das pessoas compreenderem

a língua de sinais e as representações sobre a surdez.

O curso estar dividido de maneira que no primeiro módulo não aprendemos somente

alguns sinais, vimos conteúdos como a história da língua de sinais na Brasil; conceitos de

língua e linguagem; diferenças entre a Língua de Sinais e a Língua Portuguesa; a surdez

causas e tipos e a relação da família com a surdez. No segundo módulo aprendemos a Língua

Brasileira de Sinais mais em um viés lingüístico, a fonologia das línguas de sinais20 e seus

parâmetros21.

Para Quadros e Karnopp (2004), essa (fonologia) é uma das características que

configuram a língua de sinais como qualquer outra língua, nas palavras das autoras as línguas

de sinais são consideradas pela lingüística como línguas naturais ou como um sistema

lingüístico legítimo e não como um problema do surdo ou como uma patologia lingüística.

Stokoe, em 1960, percebeu e comprovou que a língua de sinais atendia todos os critérios

lingüísticos de uma língua genuína, no léxico, na síntese e na capacidade de gerar uma

quantidade infinita de sentenças. (p. 30)

Além dessas contribuições teóricas que esse curso me possibilitou, creio que o maior

ganho foi ter durante as aulas a presença tanto dos alunos surdos da APADA quando de

20 Fonologia das línguas de sinais é definida por Quadros (2004, p. 47) como o ramo da lingüística que objetiva identificar a estrutura e a organização dos constituintes fonológicos, propondo modelos descritivos e explanatórios. A primeira tarefa na fonologia para língua de sinais é determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais. A segunda tarefa é estabelecer quais são os padrões possíveis de cominação entre essas unidades e as variações possíveis na ambiente fonológico. 21 Existem cinco parâmetros que constituem a LIBRAS: A (1) configuração das mãos; (2) ponto de articulação; (3) movimento; (4) direção; (5) expressão facial e/ou corporal.

outros surdos que freqüentavam a instituição. Toda atividade prática desenvolvida no curso

nós apresentávamos para os surdos presentes, o interessante é que eles nos ajudavam

demonstrando a maneira certa de cada sinal, além de quererem saber vários assuntos

relacionados à vida pessoal. Em uma dessas aulas foi “batizada” com o meu sinal, ou seja,

esse sinal representa o que os surdos achavam mais marcantes em minhas características

físicas.

A APADA, além de contar com o curso de LIBRAS, é também uma escola que atende

crianças desde a educação infantil ao fundamental, prestam serviços fonológicos com testes

que avaliam o nível de perca auditiva dos surdos, e realizam trabalhos de capacitação para o

mercado de trabalho.

Para Skliar (2002 apud Silva, L. e Baraúna, 2007, p. 63), quando pensamos em uma

educação para surdos devemos “acreditar numa escola com salas regulares para surdos, que

trabalhe a partir de uma perspectiva bilíngue, respeitando os aspectos específicos do processo

cultural, social e cognitivo desses aprendizes” e complementa destacando dois aspectos

fundamentais para a escolarização dos surdos: a língua e a identidade.

Dessa forma, uma das questões que mais observei foi que as aulas são ministradas em

Língua de Sinais, tanto as professoras quanto os alunos utilizam a LIBRAS como forma de

comunicação. As aulas fluíam de maneira bem natural e participativa, o que pode comprovar

a importância de se ter como política pedagógica a compreensão da importância de as aulas

ocorrerem por meio da comunicação da língua de sinais.

A realização deste projeto educacional (Educação com Bilinguismo para Surdos) requer

a garantia da presença da língua de sinais no contexto educacional que, historicamente, negou

a necessidade desta forma de linguagem. (SANTOS, 2005, p. 51)

Esse tipo de ideal que propõe a APADA irá possibilitar para esses alunos uma

construção de uma identidade surda desde cedo, pelas seguintes razoes: (1) esses alunos estão

tendo o contato com a língua de sinais enquanto criança; (2) essas crianças crescem

aprendendo sinais que estão sendo passados por adultos surdos; (3) elas aprendem, nessa fase,

através desses contatos, a se identificar e reconhecer seus pares; (4) e como conseqüência

dessas, passa a constituir e se reconhecer dentre de uma comunidade surda.

Quando a criança surda tem a chance de, no início do seu desenvolvimento, contar com

pais dispostos a aprenderem a língua de sinais, com adultos surdos, com colegas surdos,

quando eles narrarem em sinais e terem escuta em sinais, a dimensão do seu processo

educacional será outra. (SOUZA, 2000 apud QUADROS, 2005, P. 33)

Nas palavras de Perlin (1998 apud Silva, L. e Baraúna, 2007):

Conhecer o papel e a importância da língua na construção do sujeito é fundamental para se pensar numa proposta curricular diferenciada para surdos. Saber que a língua de sinais imprime uma identidade surda é uma questão preponderante neste movimento. Assim, ao desconsiderá-la, nega-se ao surdo o direito de construir seu saber, sua identidade, sua cultura. (p.63)

Dessa forma, como também pontua Sueli Fernandes (2003), a língua materna em sinais

permite ao surdo ter acesso às mais variadas informações, construir hipóteses, categorização,

generalizações, conhecimentos sobre o mundo, desenvolver juízos de valor e, o mais

importante, permite-lhes sua identificação cultural com um grupo de referência, do qual se

sentem pares, pertencentes. (p.8)

Como relação a sua estrutura física, além das salas de aulas a instituição conta com sala

de informática, brinquedoteca, refeitório e um pequeno parquinho na área de lazer. Os

materiais xerografados eram impressos em LIBRAS, ou seja, os enunciados eram com a

configuração de mãos de uma determina da letra do alfabeto manual.

A literatura também era marcante nessa escola, os alunos tinham uma professora

específica para o ensino e a narrativas das histórias infantis, esse ato de contar história poderia

acontecer de duas formas ou a professora representava a historia através dos sinais ou os

alunos iam até a videoteca assistir histórias em LIBRAS, onde as personagens das histórias

utilizavam a língua de sinais em suas representações. Conforme aponta Skliar (1998) às

crianças surdas devem ter contato com processos e produtos elaborados por grupos de surdos,

como teatro, brinquedo, poesia visual, literatura em língua de sinais, tecnologia. (p. 28-29)

Vale ressaltar que a literatura surda é muito rica em termos de histórias infantis, a

maioria dos clássicos infantis já têm interpretação em LIBRAS, por exemplo, Chapeuzinho

Vermelho, Os Setes Anões, Cinderela, essa tem até uma versão chamada a Cinderela Surda.

As lendas brasileiras também já são encontradas em LIBRAS, como O Cupurira, Iara e a

lenda da Mandioca, as fábulas também têm suas versões, como O Leão e o Ratinho, A Cigarra

e as Formigas e o Pastor e as Ovelhas. Como também aponta Quadros (2000) apud Salles et

al. (2004) é preciso produzir estórias utilizando configuração de mãos especificas produzir

estórias em primeira pessoa sobre pessoas surdas, sobre pessoas ouvintes, produzir vídeos de

produções literárias de adultos surdos. (p. 49)

Em conversa com a coordenadora Jâmara Cardoso, a mesma me relatou que uma das

principais preocupações da instituição é que todos os profissionais da instituição saibam e

utilizem a LIBRAS com os alunos independentemente do momento, ou seja, a LIBRAS é a

língua de instrumento das atividades em geral na escola e declarou ainda que alguns

professores têm especialização em educação especial.

Preocupada, não somente, com as questões educacionais dos surdos, a APADA também

oferece cursos de profissionalização. Esses cursos são de hotelaria, administração, recursos

humanos e a própria instituição indica esses profissionais para o mercado de trabalho.

Em parceria com algumas empresas, eles disponibilizam cursos para os funcionários que

iriam trabalhar com os surdos, por isso a presença dos funcionários do Bom Preço no curso de

LIBRAS.

Para muitos surdos a expectativa de profissionalização após o ensino médio é um desejo

longe de suas possibilidades, mas bem próximos do desejo de terem uma vida com trabalho,

lazer, família, casa, carro, contudo, pela falta de adequação escolar e de oportunidade de

aprendizagem mais efetivas e resolutivas. (FALÇÃO, 2010, p. 327)

Vale ressaltar também um detalhe muito significativo no trabalho que a APADA-BA

desenvolve em sua escola que, são desenhos um de determinado sinais representando tanto os

ambientes da instituição quanto algumas dicas de higiene ou de comportamento que os alunos

surdos devem ter.

CAS – Wilson Lins

Para Paula Botelho, (2005, p. 111), “a educação bilíngue propõe que os processos

escolares aconteçam nas escolas de surdos”. Assim, é com essa citação que dou início as

análises dos dados coletados na segunda escola de ensino para surdos que é a Escola CAS -

Wilson Lins.

Esta instituição foi fundada em 17 de agosto de 1959 pelo Secretário de Educação e

Cultura do Estado o Sr. Wilson Mascarenhas Lins de Albuquerque, no governo de Juracy

Magalhães, onde criou-se as classes de ensino especializado para os surdos, denominadas

classes para educação de surdos Wilson Lins.

Em 06/12/1972, com o Decreto 9301, as classes especiais em educação para surdos

Wilson Lins foram elevadas à categoria de escola, passando a chamar-se Escola de Surdos

Wilson Lins. Depois foi promovida à categoria de instituição de primeiro grau, passando a ser

nomeada Escola de 1º grau Wilson Lins, classificando-se como Escola de pequeno porte. A

Escola Wilson Lins se consolida, portanto, como o primeiro espaço educacional na Educação

de Surdos no Estado da Bahia.

Deste modo, atendendo a política de Educação Inclusiva do MEC em relação ao

atendimento educacional direcionado ao surdo e à formação de profissionais da área da surdez

que passou a ser denominada como Centro de Atendimentos. Desta forma, de acordo com a

portaria do DOC. nº 3088 a Escola Wilson passa a denominar-se Centro de Capacitação de

Profissionais de Educação e Atendimento às Pessoas com Surdez Wilson Lins, cuja sigla é

CAS – Wilson Lins.

O CAS – Wilson Lins foi construído a partir das discussões e estudos envolvendo toda

comunidade escolar, visando sistematizar as suas intenções e demandas para reafirmar o papel

da instituição como espaço de formação de professores que atuam na área da surdez e de

serviços educacionais direcionados aos alunos surdos, numa abordagem pedagógica bilíngüe.

A adoção deste enfoque pedagógico está apoiada na convicção de que esta concepção teórica

metodológica é a que melhor contempla as necessidades educacionais dos alunos surdos e os

anseios dos profissionais para este atendimento.

Em seu projeto político pedagógico o CAS deixa evidente que a proposta de ensino para

os alunos surdos segue uma linha educacional baseada na perspectiva bilíngue e multicultural,

deste modo a instituição desenvolve o acesso a duas línguas, no contexto escolar,

considerando a língua de sinais (L1) e a língua portuguesa (L2) na modalidade escrita.

Desta maneira, com esta proposta metodológica, a instituição pretende atingir os

seguintes objetivos: reconhecer o aluno como sujeito no processo de aprendizagem; valorizar

a auto-estima; investir na construção da identidade surda; valorizar o conhecimento já

construído pelo aluno.

O CAS – Wilson Lins fica localizado na Rua Raimundo Pereira de Magalhães nº 150,

Ondina, Salvador – Bahia. O centro atende alunos surdos da educação fundamental de 1ª a 4ª

série e educação de jovens e adultos (EJA).

Meu primeiro contato com essa instituição aconteceu antes do início de minhas

observações para essa pesquisa. Em setembro de 2008 participei, como ouvinte, do II

seminário caminhos para a inclusão do surdo (Escola e Família: uma parceria necessária). Em

outubro de 2009, participei do terceiro seminário, com a temática “Ciência, práticas

pedagógicas e perspectivas”, e foi nessa época que comecei meu processo de observação

deste tema.

A estrutura da escola é bastante semelhante ao da APADA, não no sentido de espaço,

porque o CAS é maior, mas no sentido de recursos pedagógicos. A instituição apenas não tem

uma videoteca, mas possui TV-Pendriver, recurso do Governo do Estado, onde vídeos e

apresentações são assistidos. Um detalhe interessante é que cada espaço (banheiro, sala de

informática, etc.) da escola são sinalizadas através da língua de sinais (configuração de mãos)

e de imagem que podem diferenciar o gênero masculino e feminino.

Na sala de informática, todos os elementos que compõem o computador estão

representados na parede através de imagem e ao mesmo tempo aparece tanto a configuração

de mãos para aquele objeto quanto a escrita em português.

Esse procedimento de sinalização é classificado por Falcão (2010) como técnica de

descrição visual sinalizada, o autor ainda complementa dizendo que:

A técnica de descrição visual sinalizada pode ser bem aproveitada na comunicação e educação em ambientes com crianças surdas porque garante a cognição visual pela apresentação do mundo, dos espaços comuns domiciliares, familiares, escolares, das ruas e clubes em imagem e dialogo visual, garantindo a assimilação, vivenciando cada situação com as diferentes circunstâncias que se apresentam cada um dos fenômenos e contextos. É preciso romper com o invólucro que delimita a aprendizagem a comandos e estigmas preconceituosos. (p. 187)

Assim como na APADA o CAS – Wilson Lins conta em seu quadro de funcionários

com profissionais especializados e proficientes em LIBRAS. A instituição conta também com

a participação de surdos em seu quadro de funcionários, esses trabalham na secretaria da

escola ou como inspetores que auxiliam os alunos fora da sala de aula alertando-os para o

início ou no término das atividades.

Para Botelho (2005), “um dos principais fundamentos da educação bilíngue é a

participação igualitária dos surdos nas escolas, dividindo o controle, a administração e o

ensino” (p.112).

Meu contato com o CAS – Wilson Lins aconteceu através da Prof.ª Jaciete Barbosa, que

muito solícita me deu o convite para que eu pudesse participar do II Seminário promovido

pelo CAS e me indicou para que eu falasse com, na época, a diretora da escola a Prof.ª

Simone de Andrade, que permitiu que eu fizesse minhas observações na escola. Como quando

eu comecei as observações ela achava-se de licença, indicou-me a professora Prof.ª Lívia que,

muito prestativa, escutou acerca dos meus objetivos e com isso me indicou uma turma da 3ª

série ministrada pela Prof.ª Ana Maria Menezes para que eu pudesse fazer observações em

sala de aula.

Por uma questão de entendimento das análises, vale salientar que minhas observações

em sala de aula ocorreram apenas nas segundas feiras, que me permitiu seguir uma rotina de

horários apenas para algumas disciplinas. Assim, pude presenciar aulas de Ciências,

Geografia e Matemática, mas não as aulas de Português porque acontecia às sexta-feiras,

aulas que eram dadas por outra professora, a Prof.ª Lívia. Mas, por causa da metodologia da

professora, mesmo sem ter assistido nenhuma aula de português, pude presenciar situações

onde os assuntos da disciplina eram utilizados, assim como os das demais disciplinas.

Vale ressaltar que, em todas as salas de aulas, núcleos de pesquisa, capacitação dos

professores e apoio didático existe uma lâmpada que sinaliza o início/término das aulas ou

hora do recreio.

São por meio destas práticas como a colocação de imagens com sinalizações dos

ambientes e a sinalização luminosa que comprovamos que a proposta educacional baseada em

uma perspectiva bilíngue é uma abordagem metodológica pensada realmente para atender as

especificidades dos discentes surdos.

Conversando com a Prof.ª Ana obtive os primeiros dados sobre a turma, e como já foi

mencionado, trata-se da 3ª série e é composta por 7 alunos surdos que têm faixa etária entre

12 a 16 anos. Durante as minhas observações notei que nenhum desses dias a sala estava

completa, geralmente freqüentavam de 3 a 4 alunos. Pensei que era devido à proximidade do

final de ano, mas a professora disse que alguns alunos tinham uma freqüência baixa e que às

vezes era necessária a intervenção da escola nesta situação.

Uma característica marcante dessas aulas, e isso a professora fez questão de pontuar, é

que – na medida do possível – as aulas aconteciam de forma interdisciplinar, ou seja, um

conteúdo era visto de forma contextual em quase todas as disciplinas. Nas palavras da

professora, essa era uma forma de ensino que deveria ser contemplada em todos os níveis da

educação, seja ela para surdos ou não. Então, nessa perspectiva, as aulas aconteciam assim:

nessa época os alunos estavam dando o assunto de matemática sobre números decimais,

sinalizado para eles como apenas números com vírgulas, depois da explicação foram

distribuídos folhetos de mercados para os alunos para que eles identificassem onde eles

poderiam encontrar os números decimais.

Para Sueli Fernandes (2003), “é pela experiência visual que os surdos constroem

conhecimento. O canal sensorial é a porta de entrada para o processamento cognitivo e deve

ser representados por símbolos visuais” (p.34).

Este tipo de trabalho onde os recursos visuais são valorizados no desenvolvimento das

atividades também pode ser visto na literatura infantil e em algumas histórias adaptadas com

personagens surdos.

Acho estes tipos de trabalho são muito interessantes, porque como a língua de sinais é

uma língua gestual-visual atividades como estas demonstram claramente que, além da

comunicação estar acontecendo em LIBRAS, seus fundamentos estão sendo respeitados no

momento em que as atividades escolares propõem-se assumir uma prática escolar baseada na

contextualização e, o mais importante, com os recursos visuais. Permitir esta visualização

para o surdo torna o processo de ensino e aprendizagem concreto e ao mesmo tempo

significativo. A utilização da LIBRAS como mecanismo principal no desenvolvimentos das

atividades é uma das principais prioridades das práticas educativas em uma perspectiva

bilíngue que, o CAS – Wilson Lins às desenvolve com muita eficiência, assim como já

indicavam as propostas em seu projeto político pedagógico.

Para Skliar (1998), a surdez é uma experiência visual e isso significa que todos os

mecanismos de processamento da informação, e todas as formas de compreender o universo

em seu entorno, se constroem como experiência visual. Não é possível aceitar, de forma

alguma, o visual da língua de sinais e disciplinar a mente e o corpo das crianças surdas

como sujeitos que vivem uma experiência auditiva. (p. 27-28, grifo nosso)

Em paralelo às aulas e às atividades, a professora executa um projeto sobre a higiene

doméstica com os alunos. Com esse projeto, ela desenvolve uma atividade que contempla as

disciplinas de ciências, matemática e português. Ainda utilizando o mesmo folheto de

mercado a professora solicita aos discentes que identifiquem os produtos de higiene pessoal,

que somem e multiplicassem o preço de determinados produtos (a lista estava no quadro). O

interessante é que durante a correção quando a professora pergunta qual utilidade daquele

produto eles explicam com gestos corporais, por exemplo, escovando os dentes ou se

ensaboando.

Nas palavras de Falcão (2010), “cada vez que a criança surda “vê” um sinal e associa o

seu significado à imagem também constrói na mente uma representação pessoal e agrega ao

seu campo conceitual registros cognitivos visuais” (p.185).

Em uma dessas aulas interdisciplinares ocorreu um fato intrigante. A profª. Ana estava

dando aula sobre os Estados brasileiros, mostrando um mapa quando um dos alunos levantou

e começou a gesticular intensamente, como minha proficiência na LIBRAS é igual ao meu

fraco Inglês, a professora Ana interpretou para mim o que ele estava dizendo, para a surpresa

de nós duas, ele estava nos explicando como aconteceram os deslocamentos dos continentes,

ele falava sobre a explosão de um vulcão, deslocamento das placas formando os continentes.

Ele explicou a história do surgimento dos continentes, a surpresa, além da explicação, foi em

saber onde ele tinha aprendido aquilo, por que de acordo com a própria professora não foi ela

quem explicou, e como os pais dele eram muito humildes, não se podia acreditar que fossem

eles os responsáveis por tê-lo ensinado. De fato, considero que não importa muito quem ou

onde ele aprendeu isso, devemos nos importar com o fato dele ter conseguido associar uma

aprendizagem que ele já tinha com uma nova, o que demonstra que é possível existir uma

aprendizagem significativa para os surdos.

Na semana da Consciência Negra, eles tiveram a presença de uma estudante surda de

pedagogia Priscilla (imagem 47), não sei se é relevante mais ela era negra, para poder falar

sobre o que representou esse dia para os negros. Antes de eles irem para o pátio a professara

Ana deu uma aula explicando alguns acontecimentos históricos e sociais da comunidade

negra. Ela fez um resumo no quadro contando esses fatos, mas quando foi falar com os alunos

utilizou a LIBRAS em sua estrutura própria. Quando ela foi dar exemplos de personalidades

negras importantes ela citou nomes como o de Obama e rapidamente eles sinalizaram que ele

era o presidente dos Estados Unidos. A palestra ocorreu no pátio da escola e reuniu todas as

turmas. Durante a palestra, alguns alunos estavam bem dispersos, a palestrante encontrou

alguma dificuldade em falar, mas nada que não fosse controlado pelas professoras. E quando

durante a palestra apareceu a foto de Obama e a palestrante perguntou quem ele era foi

automático todos queriam dizer quem era.

Conversando um pouco com a professora, perguntei se ela já havia ensino em escola

inclusiva, ela me respondeu que sim, mas de acordo com suas palavras “é um absurdo o que

fazem com os alunos surdos nesse tipo de educação”.

Assim, acredito que uma das contribuições que todas essas observações (em escolas

inclusivas e escolas para surdos) me proporcionaram foi assumir uma postura ideológica que

defende e luta por uma educação para surdos numa perspectiva bilíngue. Esse tipo de

abordagem educativa além do processo educacional ser pensado para eles (os surdos), no

sentido em que propõe métodos de ensinos que respeitam sua língua e sua diferença, essa

proposta educacional possibilita um olhar sobre a surdez que nenhuma outra abordagem

educacional havia adotado antes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o percurso desta pesquisa, foram apresentados fatos históricos e abordagens

teóricas que por séculos permearam a educação para surdos. Com isto, foi possível perceber

mudanças nas representações da sociedade acerca da surdez e dos métodos de ensino para

surdos. Durante anos a sociedade concebeu os surdos como sujeitos anormais que deveriam

curar-se por meio da aquisição da linguagem oral assim, a escola ou os métodos

desenvolvidos para o ensino dos surdos partiam da premissa de que as pessoas surdas

deveriam adquirir a língua oral para poder se desenvolver cognitivamente. Este princípio

norteou a primeira abordagem metodológica para o ensino de surdos o oralismo.

Esta abordagem teórica metodológica serviu de base para o surgimento das demais

técnicas, criadas posteriormente, para o ensino de surdos. A comunicação total e o

bimodalismo são abordagens que comungam as mesmas concepções ideológicas do oralismo,

conseqüentemente, mesmo com a mudança de metodologia para o ensino dos alunos surdos

nos ambientes escolares, o objetivo principal não se altera, a função das escolas ainda consiste

em desenvolver com estes alunos, mecanismos para aquisição da língua majoritária a língua

oral.

Desta forma, devemos entender que a metodologia baseada em uma perspectiva

bilíngue, não é apenas uma quebra de paradigma educacional é também uma quebra de

paradigma social, uma vez que, a representação social sobre a surdez, ao longo do tempo, vem

sendo modificada, bem como a prática educativa para o ensino dos alunos surdos.

Faz-se necessário esclarecer, como bem pontuamos nesta pesquisa, que estas conquistas

decorrem do esforço e muita luta da comunidade surda. Notamos que, com a criação das

associações e federações de surdos, foi possível discutir e criar leis que viabilizam os direitos

de uma comunidade lingüística diferenciada. O reconhecimento da LIBRAS como língua

natural é, desta maneira, vista como o meio de comunicação entre sujeitos surdos, que tem

como conseqüência o fortalecimento da comunidade surda. Esta comunidade surda, só se

constitui a partir do momento no qual ocorre uma identificação mais consistente entre os

pares desta comunidade, associado ao reconhecimento do uso da língua de sinais como o meio

mais adequado de comunicação e de fortalecimento cultural e social de seus membros.

A adoção da concepção do bilinguismo na educação para surdos possibilita o ensino

para os alunos surdos através da língua de sinais, a LIBRAS. Podemos concluir que, a

denominada educação bilíngüe visa o reconhecimento do surdo tanto na instância educacional

quanto na social. De acordo com esta perspectiva educativa, o surdo tem o direito à educação

onde sejam atendidas as suas especificidades lingüísticas, por exemplo, o uso da língua de

sinais como língua de instrução nas aulas e a utilização de recursos e materiais visuais como

técnicas que auxiliam no processo de ensino e aprendizagem destes discentes. Em relação à

instância social, a prática bilíngüe possibilita uma visão do surdo como um sujeito diferente e

não deficiente que utiliza uma forma de comunicação gestual-visual, e o reconhecimento da

importância da construção de uma identidade surda, já que esta é a responsável pela formação

das comunidades surdas.

Como isto, este trabalho de pesquisa procurou investigar como ocorriam as práticas

educativas nas atuais possibilidades para o ensino dos alunos surdo: a escola regular de ensino

(escola inclusiva) e escola para surdos. Desta forma, observamos as práticas educativas, o

cotidiano, as relações entre surdo e ouvinte, a formação dos professores e os materiais de

ensino para o atendimento dos alunos surdos. Além dessas questões, procuramos observar

como se apresentam os objetivos que propõem as práticas educativas baseadas em uma

perspectiva bilíngüe, x em instituições que atendem alunos surdos.

O que podemos concluir das analises na escola regular é que o processo de inclusão

acontece, mas não nas salas de aula. O que acontece nas salas regulares é conceito antagônico

à inclusão, obviamente, exclusão. Não podemos integrar o aluno surdo nestas classes e

afirmarmos que esses alunos estão incluídos. É necessário um preparo no ambiente para

receber esses alunos, e o preparo a que nos referimos não é no sentido apenas do atendimento

no turno oposto na sala apoio, mas na formação de intérpretes e instrutores surdos para

auxiliarem a estes alunos no processo de inclusão. Com relação à sala de apoio, é necessário

destacar o belíssimo trabalho que é feito nesta sala, a paciência e a dedicação das professoras

para ensinarem a estes alunos merecem ser reconhecidas, principalmente porque neste

ambiente a LIBRAS é utilizada como forma e comunicação.

A inclusão que presenciamos na escola ocorria nos ambientes exteriores às salas de aula

e o que podemos concluir com isto é que a inclusão escolar dos surdos em escolas regulares

independe de um espaço físico onde estudam surdos e ouvintes. Por esta razão, o desejo da

comunidade surda é por uma inclusão social, ou seja, uma inclusão entendida pela ótica social

significa a possibilidade de convivência entre ouvintes e surdos em diferentes espaços sociais,

isto é, para além do espaço físico da sala de aula, nos quais diferenças lingüísticas e culturais

possam ser compartilhadas e não impostas.

Com relação às escolas para surdos e às propostas que visam à prática da educação

bilíngue foram vistas de diversas formas. Desta maneira podemos concluir que, de acordo

com a perspectiva bilíngüe, diversas são as possibilidades que contribuem para um melhor

processo de ensino e aprendizagem e, como conseqüência, para uma construção de uma

identidade surda. Esta perspectiva só pode ser alcançada, na medida em que os ambientes

sejam pensados de forma a atender a concepção da língua de sinais, isto é, uma língua

essencialmente gestual e visual, que assim requer um ambiente todo ele sinalizado, com a

configuração de mão, além da escrita na língua portuguesa.

Em relação as prática de ensino, um dos objetivos principais da proposta bilíngue esta

sendo respeitado que é a utilização da LIBRAS como meio de comunicação tanto para o

ensino nas salas de aula quanto para a comunicação no cotidiano entre surdos e ouvintes.

Outro beneficio que a educação bilíngue possibilita é que nas escolas para surdos já é possível

presenciar o trabalho baseado na contextualização e interdisciplinaridade, todas as atividades

desenvolvidas observadas buscam valorizar os recursos visuais para o ensino dos alunos.

A pesquisa então, após estudo e análise dos dados coletados, no decorrer deste trabalho,

responde à problemática apresentada no início do mesmo do seguinte modo: a prática

educacional na perspectiva bilíngüe possibilita tanto a construção de uma identidade surda,

quanto um melhor processo de ensino e aprendizagem para os discentes surdos.

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SKLIAR, C.B. Educação e exclusão: abordagem sócio-antropológica em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997a. _______ .Um olhar sobre nosso olhar acerca da surdez e as diferenças. In: Skliar,C.B. (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, p.5-6, 1998. _______. Os Estudos Surdos em Educação: problematizando a normalidade. In: Skliar,C.B. (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, p.7-32, 1998. _______. Perspectivas políticas e pedagógicas da educação bilíngüe para surdos. In: Silva, S. & Vizim, M. (Orgs.). Educação especial: múltiplas leituras e diferentes significados. Campinas/SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB, p.85-110, 2001. (Coleção Leituras no Brasil). SOUZA, R.M. Que palavra que te falta? Lingüística, educação e surdez. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (Texto e Linguagem). ______, Regina Maria de. Educação de surdos: pontos e contrapontos / Regina Maria de Souza; Núria Silvestre; Valéria Amorim Arantes, organização. – São Paulo: Summus, 2007. – (Coleção pontos e contrapontos) PERLIN, G. T.T. e outros. História dos surdos. Florianópolis: UDESC/CEAD, 2002. (Caderno Pedagógico). .

ANEXO A – ESCOLA ESTADUAL JOÃO DAS BOTAS

Imagem 1 – Fachada da Escola Estadual João das Botas

Imagem 2 – Sinalização da Sala de Apoio Imagem 3 – Sala de Apoio

Imagem 4 – Atendimento na Sala de Apoio Imagem 5 – Atendimento na Sala de Apoio(2) (Profª Cyrene Miranda Silva)

Imagem 6 – Dicionário Capovilla Imagem 7 – Representação Trilíngue

Imagem 8 – Vídeo de História Imagem 9 – Vídeo “Contando Imagem 10 - Coleção Infantis em LIBRAS História em Libras” Fala Sério

Imagem 11 – Refeitório e Pátio Imagem 12 – Mesa de jogos Imagem 13 – Quadra de Esportes Lanches

ANEXO B – APADA/BA

Imagem 14 – Fachada da APADA – BA Imagem 15 – Símbolo da APADA – BA

Imagem 16 – Sala do Curso de Libras Imagem 17 – Intérprete/Professor de LIBRAS e Assistente Social da APADA

(Ronaldo Freitas e Márcia Schiavon)

Imagem 18 – Certificado e Conteúdo Programático (Módulo I)

Imagem 19 – Certificado e Conteúdo Programático (Módulo II)

Imagem 20 – Sala de Aula Imagem 21 – Sala de Aula (1) Imagem 22 – Sala de Aula (3)

Imagem 23 – Sala de Informática Imagem 24 – Parquinho/Área de Lazer

Imagem 25 – Brinquedoteca (1) Imagem 26 – Brinquedoteca (2)

Imagem 27 – Livro Imagem 28 – Cena do livro Imagem 29 – Cena do Livro “Cinderela Surda” (Momento da transformação) (Quando ela esquece a Luva)

Imagem 30 – “Vídeo Contando História” Imagem 31 – Vídeo “Contanto em LIBRAS” (Literatura Mundial – Fábula) (Lendas Brasileiras)

Imagem 32 – Sinalização das atividades desenvolvidas na Brinquedoteca

Imagem 34 – Sinalização sobre Higiene Imagem 33 – Sinalização Sala da Direção

ANEXO C – CAS/ WILSON LINS

Imagem 35 – Sr. Wilson Lins

Imagem 36 – Fachada CAS – Wilson Lins Imagem 37 – Símbolo CAS – Wilson Lins

Imagem 38 – Sinalização do Imagem 39 – Sinalização do Imagem 40 – Sinalização do Sanitário de Aluno Sanitário Feminino Sanitário Masculino

Imagem 41 – Sala de informática Imagem 42 – Sala de informática (2) Imagem 43 – Prof.. Informática

(Michel Dantas)

Imagem 44 – Figura, configuração de mãos e escrita em português dos componentes do computador.

Imagem 45 – Prof.ªs do CAS – Wilson Lins Imagem 46 – Prof.ªs do CAS – Wilson Lins (1) (Ana Maria Menezes e Maria Guaracy Souza) (Gidete Castro, Mª Isabel Oliveira e Cleide Sena)

Imagem 47 – Interprete e Instrutora de LIBRAS Imagem 48 – Funcionarias Surdas do CAS (Thalita Araújo e Priscilla Ferreira/ surda ) (Roselia Pinheiro – monitora e Marcela Caldas )

Imagem 49 – Sinalização Sala de Aula Imagem 50 – Sala de Aula Imagem 51 – Sala de Aula (1)

Imagem 52 – Sinalização luminosa

Imagem 53 – Desenho dos alunos do Patinho Feio Imagem 54 – História do Patinho Surdo

Imagem 55 – História da Turma da Mônica Imagem 56 – Desenho dos alunos da Turma da Mônica

Imagem 57 – Espaço de Convivência Imagem 58 – Espaço de Convivência (1) (Ambiente onde ocorreriam as palestra, atividades e os alunos remendavam)

ANEXO D – LEI DE LIBRAS

LEI N.º 10.436 de 24 de abril de 2002 Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais -

Libras e outros recursos de expressão a ela associados.

Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e

expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria,

constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de

pessoas surdas do Brasil.

Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços

públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras

como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.

Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde

devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo

com as normas legais em vigor.

Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito

Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudióloga e

de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras,

como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.

Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da

língua portuguesa.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 24 de abril de 2002; 181º da Independência e 114º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Paulo Renato Souza

ANEXO E - DECRETO Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005

Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, e no art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000,

DECRETA:

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Este Decreto regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.

Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras.

Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.

CAPÍTULO II

DA INCLUSÃO DA LIBRAS COMO DISCIPLINA CURRICULAR

Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.

§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto.

CAPÍTULO III

DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LIBRAS E DO INSTRUTOR DE LIBRAS

Art. 4o A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua.

Parágrafo único. As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.

Art. 5o A formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngüe.

§ 1o Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível médio na modalidade normal, que viabilizar a formação bilíngüe, referida no caput.

§ 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.

Art. 6o A formação de instrutor de Libras, em nível médio, deve ser realizada por meio de:

I - cursos de educação profissional;

II - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior; e

III - cursos de formação continuada promovidos por instituições credenciadas por secretarias de educação.

§ 1o A formação do instrutor de Libras pode ser realizada também por organizações da sociedade civil representativa da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por pelo menos uma das instituições referidas nos incisos II e III.

§ 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.

Art. 7o Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja docente com título de pós-graduação ou de graduação em Libras para o ensino dessa disciplina em cursos de educação superior, ela poderá ser ministrada por profissionais que apresentem pelo menos um dos seguintes perfis:

I - professor de Libras, usuário dessa língua com curso de pós-graduação ou com formação superior e certificado de proficiência em Libras, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da Educação;

II - instrutor de Libras, usuário dessa língua com formação de nível médio e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação;

III - professor ouvinte bilíngüe: Libras - Língua Portuguesa, com pós-graduação ou formação superior e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação.

§ 1o Nos casos previstos nos incisos I e II, as pessoas surdas terão prioridade para ministrar a disciplina de Libras.

§ 2o A partir de um ano da publicação deste Decreto, os sistemas e as instituições de ensino da educação básica e as de educação superior devem incluir o professor de Libras em seu quadro do magistério.

Art. 8o O exame de proficiência em Libras, referido no art. 7o, deve avaliar a fluência no uso, o conhecimento e a competência para o ensino dessa língua.

§ 1o O exame de proficiência em Libras deve ser promovido, anualmente, pelo Ministério da Educação e instituições de educação superior por ele credenciadas para essa finalidade.

§ 2o A certificação de proficiência em Libras habilitará o instrutor ou o professor para a função docente.

§ 3o O exame de proficiência em Libras deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento em Libras, constituída por docentes surdos e lingüistas de instituições de educação superior.

Art. 9o A partir da publicação deste Decreto, as instituições de ensino médio que oferecem cursos de formação para o magistério na modalidade normal e as instituições de educação superior que oferecem cursos de Fonoaudiologia ou de formação de professores devem incluir Libras como disciplina curricular, nos seguintes prazos e percentuais mínimos:

I - até três anos, em vinte por cento dos cursos da instituição;

II - até cinco anos, em sessenta por cento dos cursos da instituição;

III - até sete anos, em oitenta por cento dos cursos da instituição; e

IV - dez anos, em cem por cento dos cursos da instituição.

Parágrafo único. O processo de inclusão da Libras como disciplina curricular deve iniciar-se nos cursos de Educação Especial, Fonoaudiologia, Pedagogia e Letras, ampliando-se progressivamente para as demais licenciaturas.

Art. 10. As instituições de educação superior devem incluir a Libras como objeto de ensino, pesquisa e extensão nos cursos de formação de professores para a educação básica, nos cursos de Fonoaudiologia e nos cursos de Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa.

Art. 11. O Ministério da Educação promoverá, a partir da publicação deste Decreto, programas específicos para a criação de cursos de graduação:

I - para formação de professores surdos e ouvintes, para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, que viabilize a educação bilíngüe: Libras - Língua Portuguesa como segunda língua;

II - de licenciatura em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa, como segunda língua para surdos;

III - de formação em Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa.

Art. 12. As instituições de educação superior, principalmente as que ofertam cursos de Educação Especial, Pedagogia e Letras, devem viabilizar cursos de pós-graduação para a formação de professores para o ensino de Libras e sua interpretação, a partir de um ano da publicação deste Decreto.

Art. 13. O ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas, deve ser incluído como disciplina curricular nos cursos de formação de professores para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, de nível médio e superior, bem como nos cursos de licenciatura em Letras com habilitação em Língua Portuguesa.

Parágrafo único. O tema sobre a modalidade escrita da língua portuguesa para surdos deve ser incluído como conteúdo nos cursos de Fonoaudióloga.

CAPÍTULO IV

DO USO E DA DIFUSÃO DA LIBRAS E DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O

ACESSO DAS PESSOAS SURDAS À EDUCAÇÃO

Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior.

§ 1o Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem:

I - promover cursos de formação de professores para:

a) o ensino e uso da Libras;

b) a tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa; e

c) o ensino da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas;

II - ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos;

III - prover as escolas com:

a) professor de Libras ou instrutor de Libras;

b) tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa;

c) professor para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas; e

d) professor regente de classe com conhecimento acerca da singularidade lingüística manifestada pelos alunos surdos;

IV - garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas de aula e, também, em salas de recursos, em turno contrário ao da escolarização;

V - apoiar, na comunidade escolar, o uso e a difusão de Libras entre professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares, inclusive por meio da oferta de cursos;

VI - adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa;

VII - desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos;

VIII - disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar a educação de alunos surdos ou com deficiência auditiva.

§ 2o O professor da educação básica, bilíngüe, aprovado em exame de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, pode exercer a função de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, cuja função é distinta da função de professor docente.

§ 3o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar atendimento educacional especializado aos alunos surdos ou com deficiência auditiva.

Art. 15. Para complementar o currículo da base nacional comum, o ensino de Libras e o ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos, devem ser ministrados em uma perspectiva dialógica, funcional e instrumental, como:

I - atividades ou complementação curricular específica na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental; e

II - áreas de conhecimento, como disciplinas curriculares, nos anos finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior.

Art. 16. A modalidade oral da Língua Portuguesa, na educação básica, deve ser ofertada aos alunos surdos ou com deficiência auditiva, preferencialmente em turno distinto ao da escolarização, por meio de ações integradas entre as áreas da saúde e da educação, resguardado o direito de opção da família ou do próprio aluno por essa modalidade.

Parágrafo único. A definição de espaço para o desenvolvimento da modalidade oral da Língua Portuguesa e a definição dos profissionais de Fonoaudiologia para atuação com alunos da educação básica são de competência dos órgãos que possuam estas atribuições nas unidades federadas.

CAPÍTULO V

DA FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS - LÍNGUA PORTUGUESA

Art. 17. A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa.

Art. 18. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, a formação de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de:

I - cursos de educação profissional;

II - cursos de extensão universitária; e

III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por secretarias de educação.

Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III.

Art. 19. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja pessoas com a titulação exigida para o exercício da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, as instituições federais de ensino devem incluir, em seus quadros, profissionais com o seguinte perfil:

I - profissional ouvinte, de nível superior, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação em instituições de ensino médio e de educação superior;

II - profissional ouvinte, de nível médio, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação no ensino fundamental;

III - profissional surdo, com competência para realizar a interpretação de línguas de sinais de outros países para a Libras, para atuação em cursos e eventos.

Parágrafo único. As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.

Art. 20. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, o Ministério da Educação ou instituições de ensino superior por ele credenciadas para essa finalidade promoverão, anualmente, exame nacional de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa.

Parágrafo único. O exame de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento dessa função, constituída por docentes surdos, lingüistas e tradutores e intérpretes de Libras de instituições de educação superior.

Art. 21. A partir de um ano da publicação deste Decreto, as instituições federais de ensino da educação básica e da educação superior devem incluir, em seus quadros, em todos os níveis, etapas e modalidades, o tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, para viabilizar o acesso à comunicação, à informação e à educação de alunos surdos.

§ 1o O profissional a que se refere o caput atuará:

I - nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino;

II - nas salas de aula para viabilizar o acesso dos alunos aos conhecimentos e conteúdos curriculares, em todas as atividades didático-pedagógicas; e

III - no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim da instituição de ensino.

§ 2o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.

CAPÍTULO VI

DA GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO DAS PESSOAS SURDAS OU

COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA

Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de:

I - escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental;

II - escolas bilíngües ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade lingüística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa.

§ 1o São denominadas escolas ou classes de educação bilíngüe aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.

§ 2o Os alunos têm o direito à escolarização em um turno diferenciado ao do atendimento educacional especializado para o desenvolvimento de complementação curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de informação.

§ 3o As mudanças decorrentes da implementação dos incisos I e II implicam a formalização, pelos pais e pelos próprios alunos, de sua opção ou preferência pela educação sem o uso de Libras.

§ 4o O disposto no § 2o deste artigo deve ser garantido também para os alunos não usuários da Libras.

Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação.

§ 1o Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade lingüística do aluno surdo.

§ 2o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.

Art. 24. A programação visual dos cursos de nível médio e superior, preferencialmente os de formação de professores, na modalidade de educação a distância, deve dispor de sistemas de acesso à informação como janela com tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa e subtitulação por meio do sistema de legenda oculta, de modo a reproduzir as mensagens veiculadas às pessoas surdas, conforme prevê o Decreto no 5.296, de 2 de dezembro de 2004.

CAPÍTULO VII

DA GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS SURDAS OU

COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA

Art. 25. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Sistema Único de Saúde - SUS e as empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, na

perspectiva da inclusão plena das pessoas surdas ou com deficiência auditiva em todas as esferas da vida social, devem garantir, prioritariamente aos alunos matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas, efetivando:

I - ações de prevenção e desenvolvimento de programas de saúde auditiva;

II - tratamento clínico e atendimento especializado, respeitando as especificidades de cada caso;

III - realização de diagnóstico, atendimento precoce e do encaminhamento para a área de educação;

IV - seleção, adaptação e fornecimento de prótese auditiva ou aparelho de amplificação sonora, quando indicado;

V - acompanhamento médico e fonoaudiológico e terapia fonoaudiológica;

VI - atendimento em reabilitação por equipe multiprofissional;

VII - atendimento fonoaudiológico às crianças, adolescentes e jovens matriculados na educação básica, por meio de ações integradas com a área da educação, de acordo com as necessidades terapêuticas do aluno;

VIII - orientações à família sobre as implicações da surdez e sobre a importância para a criança com perda auditiva ter, desde seu nascimento, acesso à Libras e à Língua Portuguesa;

IX - atendimento às pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de serviços do SUS e das empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, por profissionais capacitados para o uso de Libras ou para sua tradução e interpretação; e

X - apoio à capacitação e formação de profissionais da rede de serviços do SUS para o uso de Libras e sua tradução e interpretação.

§ 1o O disposto neste artigo deve ser garantido também para os alunos surdos ou com deficiência auditiva não usuários da Libras.

§ 2o O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal, do Distrito Federal e as empresas privadas que detêm autorização, concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde buscarão implementar as medidas referidas no art. 3o da Lei no 10.436, de 2002, como meio de assegurar, prioritariamente, aos alunos surdos ou com deficiência auditiva matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas.

CAPÍTULO VIII

DO PAPEL DO PODER PÚBLICO E DAS EMPRESAS QUE DETÊM CONCESSÃO OU PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, NO APOIO AO USO E DIFUSÃO DA LIBRAS

Art. 26. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Poder Público, as empresas concessionárias de serviços públicos e os órgãos da administração pública federal, direta e indireta devem garantir às pessoas surdas o tratamento diferenciado, por meio do uso e difusão de Libras e da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, realizados por servidores e empregados

capacitados para essa função, bem como o acesso às tecnologias de informação, conforme prevê o Decreto no 5.296, de 2004.

§ 1o As instituições de que trata o caput devem dispor de, pelo menos, cinco por cento de servidores, funcionários e empregados capacitados para o uso e interpretação da Libras.

§ 2o O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal e do Distrito Federal, e as empresas privadas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar às pessoas surdas ou com deficiência auditiva o tratamento diferenciado, previsto no caput.

Art. 27. No âmbito da administração pública federal, direta e indireta, bem como das empresas que detêm concessão e permissão de serviços públicos federais, os serviços prestados por servidores e empregados capacitados para utilizar a Libras e realizar a tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa estão sujeitos a padrões de controle de atendimento e a avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos, sob a coordenação da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em conformidade com o Decreto no 3.507, de 13 de junho de 2000.

Parágrafo único. Caberá à administração pública no âmbito estadual, municipal e do Distrito Federal disciplinar, em regulamento próprio, os padrões de controle do atendimento e avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos, referido no caput.

CAPÍTULO IX

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 28. Os órgãos da administração pública federal, direta e indireta, devem incluir em seus orçamentos anuais e plurianuais dotações destinadas a viabilizar ações previstas neste Decreto, prioritariamente as relativas à formação, capacitação e qualificação de professores, servidores e empregados para o uso e difusão da Libras e à realização da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, a partir de um ano da publicação deste Decreto.

Art. 29. O Distrito Federal, os Estados e os Municípios, no âmbito de suas competências, definirão os instrumentos para a efetiva implantação e o controle do uso e difusão de Libras e de sua tradução e interpretação, referidos nos dispositivos deste Decreto.

Art. 30. Os órgãos da administração pública estadual, municipal e do Distrito Federal, direta e indireta, viabilizarão as ações previstas neste Decreto com dotações específicas em seus orçamentos anuais e plurianuais, prioritariamente as relativas à formação, capacitação e qualificação de professores, servidores e empregados para o uso e difusão da Libras e à realização da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, a partir de um ano da publicação deste Decreto.

Art. 31. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 22 de dezembro de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad