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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I PEDAGOGIA – ANOS INICIAIS
NAIANA SANTOS CARVALHO
SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS NA
EDUCAÇÃO PARA SURDOS
SALVADOR
2010
NAIANA SANTOS CARVALHO
SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS NA
EDUCAÇÃO PARA SURDOS
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de graduação em Pedagogia Anos Iniciais do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª Dr. Ana Portela.
SALVADOR 2010
FICHA CATALOGRÁFICA – Biblioteca Prof. Edivaldo Machado Boaventura Bibliotecária : Jacira Almeida Mendes – CRB : 5/592
Carvalho, Naiana Santos Surdez e Bilingüismo : perspectivas, possibilidades e práticas na educação para surdos / Naiana Santos Carvalho . – Salvador, 2010. 103f. Orientadora: Ana Portela. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2010. Contém referências e anexos. 1.Surdez - Educação. 2. Bilingüismo. 3. Estudantes surdos - Educação. 4.Língua de sinais. 5. Educação inclusiva. I. Portela, Ana. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação. CDD: 371.912
NAIANA SANTOS CARVALHO
SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS NA
EDUCAÇÃO PARA SURDOS Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de graduação em Pedagogia Anos Iniciais do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª Dr. Ana Portela.
Aprovado em 11 de Março de 2010
BANCA EXAMINADORA
Profª . Ana Portela
Profª. Jaciete Barbosa
Profª. Márcia Araújo
Dedico este trabalho a toda comunidade
surda, pois eles (os surdos) foram à
inspiração e a razão para a realização deste.
AGRADECIMENTOS
Em especial...
À Deus, pela vida e por me presentear está ao lado de pessoas admiráveis a qual
respeito e tanto amo.
Família...
À minha mãe Noélia, pela preocupação com a minha formação, pela paciência e
compreensão em entender - às vezes - a minha falta de humor e principalmente pelo incentivo
na minha busca por novos caminhos e descobertas.
À minha vó Marlene, que juntamente com a minha mãe, contribuíram para a minha
formação como pessoa, ensinando-me valores e atitudes onde o principal lema era: não faça
nada para os outros que você não queria para si própria.
Aos meus dois pais, Elisio (in memoriam) pela existência e Ailton (in memoriam) pela
criação e pelos mimos.
Professora...
À minha orientadora Profª Ana Portela, pela compreensão das nossas dificuldades,
valorização de nossos esforços, apoio e incentivo para a construção deste trabalho.
A Turma...
Em particular a minha equipe Boutinet (Arianne Lima, Isabel Gomes, J. Jorge Santana,
Nivia Cataline e Tauana Dias) que com nosso lema de “lançar pra frente e jogar pra cima”
produzimos e apresentamos trabalhos de extrema competência e qualidade.
Aos amigos que ganhei nesse percurso: Juliana Moreira, Ana Carla Silva, Iracema de
Jesus, Fabiana Nascimento, Soraya Leiro, Rafaela Franco, Dú (Durval de Jesus), a Bin (Diogo
Pinho), Sidney Michel, Alberto Novais, Alessandra Silva, Anne Caroline, Alda Lobo, Márcia
Bispo, Renata Uchoa, Maiana Caldas, Ana Paula Fiais, Clara Torres, Noeli Santos, Sandra do
Vale...
Aos diretores, coordenadores, funcionários e instituições...
À diretora Maria Luiza Godinho, por me permitir fazer trabalho voluntário na Escola
João das Botas e a professora Cyrene Miranda Silva;
À fundadora e presidente da APADA Marizanda Dantas, a coordenadora Jâmara
Cardoso, bem como meus professores de LIBRAS Ronaldo Freitas e Aline Porto e Márcia
Schiavon;
À professora Simone Andrade do CAS – Wilson Lins, pela contribuição teóricas e
auxílios nas observações, a professora Ana Maria Menezes pela assistência em me demonstrar
como ocorre o ensino com os alunos surdos.
“O futuro não é apenas a conquista de metas
estabelecidas a priori, mas, principalmente, a
possibilidade de novas respostas a novas
perguntas que escapem a todo e qualquer
critério de previsibilidade”.
(Cláudio Roberto Baptista)
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo apresentar as perspectivas e possibilidades que permeiam a educação para surdos em uma proposta educativa bilíngue. A função desta pesquisa é destacar a relevância de uma nova concepção sobre a surdez e suas contribuições tanto no processo educacional dos discentes surdos, com a valorização da LIBRAS, quanto na construção da identidade e cultura surda. O presente trabalho, de cunho qualitativo, visa através do estudo de caso, investigar como ocorrem as práticas educativas para surdos na escola regular de ensino e nas escolas para surdos. Participaram desta pesquisa alunos surdos e ouvintes, coordenadores, professores, diretores e funcionários da Escola Estadual João das Botas, da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos (APADA – BA) e do Centro de Atendimento ao Surdo – CAS – Wilson Lins. A partir dos resultados pode-se inferir que uma proposta educativa baseada em uma perspectiva bilíngue possibilita ao estudante surdo uma melhor educação, no sentido em que prioriza em uma metodologia a utilização de recursos visuais para o ensino a esses alunos. Palavras chaves: Educação de Surdos – Surdez – Bilinguismo.
ABSTRACT
This paper aims to present perspectives and possibilities that permeate the education for the deaf in a bilingual educational program. The function of this research is to highlight the importance of a new conception of deafness and its contributions both in the educational process of deaf students, with valuation of LIBRAS, as in the construction of identity and deaf culture. This study, using a qualitative approach aims at using the case study, investigate and place the educational practices for deaf students in mainstream education and schools for the deaf. Participants were deaf and hearing students, co-ordinators, teachers, directors and employees of the State School João das Botas, the Association of Parents and Friends of Auditory Deficient (APADA - BA) and the Center for Deaf Service - CAS - Wilson Lins. From the results it can be inferred that an educational approach based on a bilingual perspective enables the deaf student a better education, in that it emphasizes a methodology to use visual recourses to teach the students.
Key words: Education of the Deaf - Deafness - Bilingualism
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
IMAGEM 1 – Fachada da Escola Estadual João das Botas......................................................85
IMAGEM 2 – Sinalização da Sala de Apoio............................................................................85
IMAGEM 3 – Sala de Apoio................................................................................................... 85
IMAGEM 4 – Atendimento na Sala de Apoio..........................................................................85
IMAGEM 5 – Atendimento na Sala de Apoio (2)....................................................................85
IMAGEM 6 – Dicionário Capovilla.........................................................................................86
IMAGEM 7 – Representação Trilíngue....................................................................................86
IMAGEM 8 – Vídeo de História Infantis em LIBRAS..........................................................86
IMAGEM 9 – Vídeo “Contando História em Libras”..............................................................86
IMAGEM 10 - Coleção Fala Sério...........................................................................................86
IMAGEM 11 – Refeitório e Pátio.............................................................................................86
IMAGEM 12 – Mesa de jogos Lanches....................................................................................86
IMAGEM 13 – Quadra de Esportes..........................................................................................86
IMAGEM 14 – Fachada da APADA – BA...............................................................................87
IMAGEM 15 – Símbolo da APADA – BA..............................................................................87
IMAGEM 16 – Sala do Curso de Libras..................................................................................87
IMAGEM 17 – Intérprete/Professor de LIBRAS e Assistente Social da APADA .................87
IMAGEM 18 – Certificado e Conteúdo Programático (Módulo I)..........................................87
IMAGEM 19 – Certificado e Conteúdo Programático (Módulo II).........................................87
IMAGEM 20 – Sala de Aula.....................................................................................................88
IMAGEM 21 – Sala de Aula (1)...............................................................................................88
IMAGEM 22 – Sala de Aula (3)...............................................................................................88
IMAGEM 23 – Sala de Informática..........................................................................................88
IMAGEM 24 – Parquinho/Área de Lazer.................................................................................88
IMAGEM 25 – Brinquedoteca (1)............................................................................................88
IMAGEM 26 – Brinquedoteca (2)............................................................................................88
IMAGEM 27 – Livro “Cinderela Surda”..................................................................................88
IMAGEM 28 – Cena do livro (Momento da transformação)...................................................88
IMAGEM 29 – Cena do Livro “Cinderela Surda” (Quando ela esquece a Luva)...................88
IMAGEM 30 – Vídeo “Contando História em LIBRAS” (Literatura Mundial – Fabula).......89
IMAGEM 31 – Vídeo “Contanto em LIBRAS” (Lendas Brasileiras)......................................89
IMAGEM 32 – Sinalização das atividades desenvolvidas na Brinquedoteca..........................89
IMAGEM 33 – Sinalização Sala da Direção............................................................................89
IMAGEM 34 – Sinalização sobre Higiene...............................................................................89
IMAGEM 35 – Sr. Wilson Lins................................................................................................90
IMAGEM 36 – Fachada CAS – Wilson Lins...........................................................................90
IMAGEM 37 – Símbolo CAS – Wilson Lins...........................................................................90
IMAGEM 38 – Sinalização do Sanitário de Aluno..................................................................90
IMAGEM 39 – Sinalização do Sanitário Feminino..................................................................90
IMAGEM 40 – Sinalização do Sanitário Masculino................................................................90
IMAGEM 41 – Sala de informática..........................................................................................91
IMAGEM 42 – Sala de informática (2)....................................................................................91
IMAGEM 43 – Prof.. Informática............................................................................................91
IMAGEM 44 – Figura, configuração de mãos e escrita em português dos componentes do
computador................................................................................................................................91
IMAGEM 45 – Prof.ªs do CAS – Wilson Lins..........................................................................91
IMAGEM 46 – Prof.ªs do CAS – Wilson Lins (1)....................................................................91
IMAGEM 47 – Interprete e Instrutora de LIBRAS..................................................................91
IMAGEM 48 – Funcionárias Surdas do CAS...........................................................................91
IMAGEM 49 – Sinalização Sala de Aula.................................................................................91
IMAGEM 50 – Sala de Aula.....................................................................................................91
IMAGEM 51 – Sala de Aula (1)...............................................................................................91
IMAGEM 52 – Sinalização luminosa.......................................................................................92
IMAGEM 53 – Desenho dos alunos do Patinho Feio...............................................................92
IMAGEM 54 – História do Patinho Surdo...............................................................................92
IMAGEM 55 – História da Turma da Mônica..........................................................................92
IMAGEM 56 – Desenho dos alunos da Turma da Mônica.......................................................92
IMAGEM 57 – Espaço de Convivência...................................................................................92
IMAGEM 58 – Espaço de Convivência (1)..............................................................................92
LISTA DE SIGLAS
APADA – Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos
APAS – Associação de Pais e Amigos dos Surdos
CAS – Centro de Atendimento ao Surdo
FENEIDA – Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos
FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo
INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos
LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais
LSCB – Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros
UNEB – Universidade do Estado da Bahia
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................13
2. CAPÍTULO I – EDUCAÇÃO DE SURDOS......................................................17
2.1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS...........................................................17
2.2 EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL.......................................................................22
3 . CAPÍTULO II – ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS...27
3.1 ORALISMO......................................................................................................................27
3.2 COMUNICAÇÃO TOTAL..............................................................................................29
3.3 BIMODALISMO..............................................................................................................31
3.4 BILINGUISMO................................................................................................................33
3.4.1 Educação Bilíngue.........................................................................................................35
4 . CAPÍTULO III – CULTURA, IDENTIDADE E SURDEZ.........................41
4.1 SURDO: DIFERENTE OU DEFICIENTE?..................................................................41
4.2 CULTURA SURDA..........................................................................................................45
4.3 IDENTIDADE SURDA....................................................................................................48
4.4 LÍNGUA DE SINAIS.......................................................................................................51
4.4.1 Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS .......................................................................53
5 . CAPÍTULO IV – ANÁLISES DE DADOS.........................................................57
5.1 PROPOSTA METODOLÓGICA...................................................................................57
5.1.1 Recursos Metodológicos................................................................................................60
5.2 ESPAÇOS EMPÍRICOS................................................................................................ 60
5.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA......................................................................................61
5.4 ANÁLISE DOS DADOS..................................................................................................61
5.4.1 Escala Inclusiva..............................................................................................................62
5.4.2 Escola para Surdos.........................................................................................................67
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................77
REFERENCIAS......................................................................................................................80
ANEXOS..................................................................................................................................85
1. INTRODUÇÃO
A educação para surdos ao longo do tempo vem ganhando destaque no cenário
educacional brasileiro. Apesar disso, ainda não podemos afirmar que os direitos conquistados
pela comunidade surda estão sendo respeitados e, dentre esses direitos, está o reconhecimento
da língua sinais como língua natural dos surdos. Direito garantido pelo Congresso Nacional
que decretou e sancionou a Lei Nº 10.436 de 24 de abril de 2002 que profere no Art. 1 “É
reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais -
Libras e outros recursos de expressão a ela associados”. Em parágrafo único complementa:
Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.”( BRASIL, 2002)
Para Quadros (1997), a postura educacional perante a língua de sinais interfere no
processo histórico das comunidades surdas. O fato de “permitir” e/ou “não permitir” que as
pessoas surdas usem a língua de sinais provocam profundas mudanças na vida das pessoas
que interagem com tais comunidades. Percebe-se que os surdos passam a ter um papel
importante no processo educacional no momento em que a língua de sinais passa a ser
respeitada como uma língua própria dos membros deste grupo social (p. 45).
Diante disto, este trabalho tem como propósito estudar os pressupostos teóricos que
permeiam os conceitos de bilinguismo e surdez na educação para surdos. Teóricos como
Skliar (1999), Quadros (1997, 2004), Sá e Botelho (2002) irão, dentre outros autores,
subsidiar essa pesquisa, pois destacam em suas obras aspectos que dizem respeitos à educação
dos surdos; a relação dos surdos com os ouvintes nos ambientes escolares, conceitos
antagônicos como normalidade e anormalidade, diferença e deficiência, maioria e minoria,
língua oral e língua de sinais; a importância da língua de sinais na construção da identidade
surda, tendo como conseqüência a formação de uma comunidade própria; metodologias para o
ensino dos alunos surdos, bem como a preocupação com a formação dos professores para o
ensino destes discentes surdos.
As limitações na organização de projetos políticos educacionais, de cidadania, dos
direitos lingüísticos, e as dificuldades no processo de reorganização e de reconstrução
pedagógicas, ainda sugerem a existência de uma problemática educacional não revelada
totalmente. Em outras palavras, a questão não está no quanto os projetos pedagógicos se
distanciam do modelo clínico, mas no quanto realmente se aproximam de um olhar
antropológico e cultural (SKLIAR,1998, p. 8).
Assim, esta pesquisa tem como objetivo geral conhecer os métodos de ensino
necessários para o desenvolvimento na formação dos alunos surdos numa perspectiva
bilíngue. Os objetivos específicos são: identificar as abordagens teóricas que oferecem
subsídios aos profissionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem dos alunos
surdos; apontar estratégias que permitam a aquisição e o desenvolvimento da língua de sinais
como primeira língua na educação dos surdos; identificar como a educação em uma
perspectiva bilíngue possibilita ao sujeito surdo construir uma identidade surda; apontar as
representações sociais sobre a surdez em uma proposta educacional baseada no bilinguismo.
A construção dos objetivos desta pesquisa se deu através da formulação do seguinte
problema: a prática educacional na perspectiva bilíngue possibilita um melhor
desenvolvimento na construção da identidade do surdo e no aperfeiçoamento do processo de
ensino e aprendizagem para os discentes surdos?
A escolha do tema Surdez e Bilinguismo: perspectivas, possibilidades e prática na
educação para surdos se justifica por duas razões. A primeira por causa da elaboração do
projeto de pesquisa, no 1º semestre, que tinha como tema a inclusão dos deficientes auditivos
no ensino regular, em função disto surge o interesse em aprender a língua de sinais, a partir
disto, começo a fazer um curso de LIBRAS na APADA- BA (Associação de Pais e Amigos
dos Deficientes Auditivos). Durante este curso tive, então, a oportunidade de conhecer a
diretora da Escola Estadual João das Botas, uma escola é denominada inclusiva, pois atende
alunos surdos em suas salas regulares. Com permissão desta diretora comecei, a partir daí, a
realizar um trabalho voluntário na sala de apoio desta mesma instituição.
Neste período, vivenciei o cotidiano educacional dos alunos surdos nas salas regulares e
de apoio, e com isso acabei, constatando quão era difícil o processo de ensino e aprendizagem
dos alunos surdos. A falta de profissionais especializados era a principal razão para se
explicar esta situação. O único auxílio que os discentes tinham de professores com
conhecimentos da LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais era na sala de apoio, na própria
escola, que os mesmos freqüentaram no turno oposto. Este atendimento, realizado por duas
professoras, consistia em ajudar os alunos a responder e desenvolver seus exercícios e
trabalhos escolares.
Uma outra razão para a escolha deste tema foi que, neste mesmo período de construção
do projeto de pesquisa, ocorreu o Congresso Nacional de Educação para Surdos, no qual a
comunidade surda manifestou-se favorável a uma inclusão social e não educacional. Neste
momento, surge a inquietação em investigar as metodologias de ensino e o cotidiano
educacional dos discentes surdos em escolas especificas para o ensino de surdos, ou seja, em
escolas que seguem uma proposta educacional baseada na perspectiva bilíngue.
A partir de então deixo de pensar como uma ouvinte preocupada com a educação desses
alunos, crendo que o melhor para eles era estudar com os ditos “normais”. Assim, deste modo,
ficou evidente perceber que a principal questão era fazer com que existisse, de fato, um
processo de ensino e aprendizagem na educação dos alunos surdos e a primeira atitude para
viabilizar este objetivo, era que fossem respeitadas as diferenças lingüísticas entre surdos e
ouvintes.
Assim sendo, a relevância dessa pesquisa sobre a Surdez e o Bilinguismo na educação
para surdos surge da necessidade tanto do reconhecimento da LIBRAS como língua materna
do surdos, e assim sendo, ela deve ser ensina para eles nos ambientes escolares como primeira
língua quanto do recolhimento de uma nova concepção da surdez que, diferentes dos modelos
clínico-terapêutico, a surdez é entendida na perspectiva de uma educação bilíngue de acordo
com os pressuposto do modelo sócio-antropológico.
Para poder investigar esta problemática a proposta metodológica escolhida para
subsidiar este trabalho segue a linha de pesquisa qualitativa, com a utilização da técnica do
estudo de caso, uma vez que esta, permite ao pesquisador observar e analisar o espaço
empírico e os sujeitos estudados. Os espaços empíricos desta pesquisa são as instituições:
Escola Estadual João das Botas (escola inclusiva); APADA-BA e CAS – Wilson Lins
(escolas para surdos). Os sujeitos desta pesquisas são: os diretores ou coordenadores das
instituições; os professores das escolas inclusivas e para surdos; os funcionários surdos e os
ouvintes e alunos surdos da 3ª, 6ª e 8ª série do ensino médio e fundamental com faixas etárias
entre 12 a 18 anos.
Posto isto, o presente estudo foi dividido em quatro capítulos: CAPÍTULO I – A
EDUCAÇÃO DOS SURDOS; este capítulo tem como finalidade demonstrar as
representações histórico-sociais sobre os surdos desde a antiguisdade, bem como apresentar
como se iniciou a educação para surdos, os primeiros educadores e métodos de ensino de
alunos surdos e as primeiras instituições criadas para educar estes alunos. Com relação ao
Brasil, iremos destacar como se iniciou a educação de surdos no país, enfatizando os
educadores que tornaram isso possível; a criação das federações e associações para surdos; as
escolas para surdos e as primeiras metodologias utilizadas para o ensino destes alunos.
CAPÍTULO II – AS ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS; este capítulo
tem como finalidade demonstrar de forma detalhada as metodologias de ensino para surdos.
Nele, serão analisadas as abordagens oralista, a comunicação total, o bimodalismo e por fim o
bilinguismo e a educação bilíngue; CAPÍTULO III – CULTURA, IDENTIDADE E
SURDEZ; a função deste capítulo é, a princípio, esclarecer questões sobre a surdez como
deficiência ou diferença, bem como esclarecer alguns conceitos antagônicas que permeiam
este assunto. Em seguida, serão abordados temas a respeito de como se constituem e se
formam a cultura e a identidade surda e, por fim, mas não menos importante, discutiremos
como se constituem as línguas de sinais e a Língua Brasileira de Sinais. CAPÍTULO IV – AS
ANÁLISES DOS DADOS; este capítulo tem como finalidade apresentar a metodologia
escolhida para subsidiar a pesquisa, as características dos espaços empíricos e seus sujeitos,
juntamente com os resultados das análises feitas através de pressupostos teóricos dos dados
coletados.
2. EDUCAÇÃO DE SURDOS
2.1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS
Os relatos sobre a história da educação de surdos, na maioria das vezes, foram narradas
por ouvintes e poucas vezes contadas por surdos. Qualquer que seja a época, a educação de
surdos não é contada por seus principais protagonistas os surdos, este se encontram em papéis
de coadjuvantes de sua própria história. O que verificamos na maioria das vezes são as
impressões dos ouvintes em relação à vida e a relação ouvinte/surdo, a partir de contatos que
ocorreram por causa do trabalho dos ouvintes com os alunos surdos ou por um interesse
particular dos ouvintes na educação de surdos.
A história da educação do surdo tem seus primeiros relatos acerca de 400 anos, sendo
que no início havia pouca compreensão do problema, e os indivíduos deficientes eram
colocados em asilos. Ao longo da historia, a idéia que a sociedade fazia sobre os surdos quase
sempre assumiu uma forma negativa, na antiguidade eram consideradas pessoas castigadas
pelos deuses, e por isso eram abandonados ou sacrificados. Por essa razão, existia a crença de
que o surdo era uma pessoa primitiva, daí então não haveria a necessidade de educá-los.
No Egito, acreditava-se que o surdo era um sujeito incapaz de aprender e nem mesmo
era considerado ser humano, uma vez que estavam desprovidos da capacidade da fala não
poderia se comunicar/exprimir através da língua oral.
De 2000 a 1500 a.C ,no Egito, as leis judaicas vigentes começaram a proteger o surdo.
No entanto, essas leis apenas reconheciam o direito do sujeito surdo à vida e não à educação.
Os romanos, por sua vez, acreditavam que os surdos não deveriam ser educados, sendo
assim privados de qualquer possibilidade de desenvolvimento intelectual e moral. Segundo o
código Justiniano, em Roma, no ano de 483 a.C., o surdo de nascimento também não poderia
ser educado. Foi nesta época que se estabeleceram as primeiras diferenciações dos tipos de
surdez: a surdez congênita (nascimento) e a surdez adquirida.
Para Aristóteles, o surdo não era capacitado para a fala, e sendo essa uma condição sem
a qual não poderia ocorrer o desenvolvimento dos processos cognitivos, era inadmissível para
o surdo a possibilidade de construção de pensamento. Segundo Lima (2004), “Essa
impossibilidade de pensar, pois não falava, tornava o surdo um sujeito incapaz de ser
educado, pois ele não conseguiria se expressar oralmente. Sendo assim, o sujeito surdo em
uma palavra era considerado um ‘não humano’” (p.24).
Essa concepção de o surdo como um “não humano” persistiu por mais de mil anos. De
acordo com Sacks (1989, p. 31) apud Lima (2004, p.15): “A condição sub-humana dos mudos
era parte do código mosaico e foi reforçada pela exaltação bíblica da voz e do ouvido como a
única e verdadeira maneira pela qual o homem e Deus podiam se falar”. Durante esse período,
o surdo viveu épocas de grande sofrimento, privações e pobreza e, até o século XV, o surdo
não encontrava meio de desenvolver nenhuma atividade que lhe permitisse a sobrevivência,
pois, como não tinha acesso à educação, o trabalho lhe era vetado.
No século XVI, essa percepção de que o surdo não merecia ser educado começa a mudar
e na Europa surgem os primeiros educadores de surdos que, assim como se faz atualmente,
criaram diversas metodologias para ensinar surdos, utilizando-se da língua auditivo-oral
nativa, língua de sinais, datilologia (alfabeto manual) e outros códigos manuais.
Em 1579, Girolamo Cardano, um médico italiano interessado em estudar o caso do filho
surdo, foi o primeiro a afirmar que o surdo poderia ser educado, uma vez que o mesmo tinha a
total capacidade de pensar, compreender e estabelecer relações entre as coisas e fazer
representações de objetos. Cardano defendia a idéia de que para que essas ações pudessem
ocorrer não seria necessária a utilização da fala. Suas declarações eram pautadas em um
método de aprendizagem que fazia a associação entre figuras desenhadas para demonstrar a
realidade, construindo um sistema lógico que possibilitaria a construção coerente de
pensamento, demonstrando assim uma mente racional capaz de analisar idéias e elaborar
conceitos a partir delas. Neste sentido, Cardano conclui que “seria um crime não instruir o
surdo-mudo”.
Nesse momento da história na educação de surdos, as primeiras contribuições
metodológicas estão relacionadas diretamente a membros constitutivos da igreja, é ela que vai
pensar no surdo como um “ser humano” que tem o direito, assim como os ouvintes, à
educação.
Entre uma das principais referências nos primórdios na educação de surdo está o monge
beneditino Pedro Ponce de Leon que, no século XVI, na Espanha, é reconhecido como o
primeiro professor de surdos. Seu trabalho serviu como ponto de partida para diversos
educadores de surdos. Sua trajetória de trabalho foi consolidada com o ensino dos filhos
surdos da aristocracia espanhola. Ponce de Leon desenvolveu uma metodologia de educação
para surdo que utilizava a datilologia – representação manual do alfabeto – escrita e
oralização. Dentre suas principais contribuições para a educação de surdos estão a criação do
alfabeto manual e a escola de professores surdos.
Na Espanha, em 1620, Juan Martin Pablo Bonet publicou o primeiro manual de
educação de surdos, o livro Reduccion de las letras y artes para enseflar a hablar a los mudos
(Redução das letras e arte de ensinar a falar os mudos), que trata da invenção do alfabeto
manual de Ponce de Leon.
Outra referência importante na educação de surdos foram as contribuições do abade1
francês Charles Michel de L´Epée que, no século XVIII (1750), é considerado um dos
maiores precursores na história da educação de surdos, sendo o primeiro o reconhecer a
necessidade de utilizar sinais como o primeiro passo para o ensino do surdo. Neste mesmo
ano, L´Epée iniciou a instrução formal de duas irmãs gêmeas surdas obtendo, com essa
instrução, um grande sucesso. Depois de algum tempo, em contato com surdos pelas ruas de
Paris, aprendeu com eles a língua de sinais criando assim o “Sinal Metódico2”, que é uma
combinação da língua de sinais com a gramática francesa. Segundo Reily (2007), o monge
Ponce de Leon foi designado “anjo de guarda dos meninos e foi aí que se deu o cruzamento
histórico dos sinais metódicos com os sinais surdos”. O principal objetivo dessa metodologia
era fazer com que o surdo se aproximasse da língua francesa. Devido ao imenso sucesso do
sistema desenvolvido e o êxito na educação de surdos, L´Epée transforma sua residência na
primeira escola pública para surdos. Em poucos anos passou a atender cerca de 80 alunos,
utilizando em seu trabalho pedagógico uma abordagem gestualista.
Ainda assim, essa nova tendência metodológica educacional para surdos não era uma
realidade na maioria dos países. Na França, por exemplo, era cada vez mais comum a
utilização do método manual para a educação de surdos, mas, em contrapartida, em alguns
países da Europa o método oral vinha ganhando força, sobretudo na Alemanha e Inglaterra.
Esse método oral, concepção que surgiu a partir das idéias de Samuel Heinick e o
método manual defendido por L´Epée, deu início a uma das principais discussões
relacionadas à metodologia educacional que seria utilizada no ensino dos alunos surdos.
Mesmo com todos esses debates sobre a melhor metodologia para o ensino de surdos, a
utilização dos sinais continuou a ser permitida na educação de surdos, bem como a
1 Superior de ordem religiosa, etimologicamente o termo significa pai e tem sido utilizado como título clerical, no Cristianismo, com diversas acepções (pároco, cura de almas, monge, etc). 2 Surgiu através do voto de silêncio impostos pelos mosteiros (ordem beneditina) aos noviços. Essa forma de comunicação era a única permitida, pois acreditava-se que através do silêncio os noviços se purificariam aprendendo um nova maneira de viver. Entendia-se que o contato com o mundo mundano contaminaria a alma, e o silêncio tinha a função de apagar as lembranças da vida pregressa.
participação dos professores nesse ensino. O oralismo3, porém o foi ganhando força e
modificando o cenário da educação de surdos mundialmente.
Dois marcos históricos contribuíram decisivamente para a adoção do oralismo como
metodologia educacional no ensino de surdos: a realização do VII Congresso da Sociedade
Pedagógica Italiana e o I Congresso de Professores Italianos Surdos.
O VII Congresso da Sociedade Pedagógica Italiana foi realizado em Veneza (1872). As
propostas levantadas por este Congresso corroboram com as mesmas idéias de Aristóteles que
atribui ao ato de falar como sendo uma condição essencial para qualquer ser humano
desenvolver-se cognitivamente, uma vez que a fala é responsável pelo processo de construção
do pensamento. Sendo assim, a única forma pela qual os surdos mudos se desenvolveriam
seria através da leitura dos lábios, juntamente com a técnica de oralização. As idéias
levantadas por esse Congresso deixaria cada vez mas evidente que o oralismo estava ganhado
força e seria o possível substituto do ensino por meio dos sinais. Com o texto do congresso
aprovado – agora era oficialmente – foi determinado que a metodologia Oralista fosse a forma
mais adequada para a educação de surdos.
Esse congresso influenciou diretamente na postura ideológica dos representantes do I
Congresso de Professores Italianos Surdos, realizado em Siena, em Setembro de 1873. As
propostas não se modificaram em relação as idéias do congresso realizado um ano antes,
embora este congresso não tenha trazido novos conceitos e metodologias educacionais no
ensino de surdos, foi de extrema importância tanto para a consolidação do Oralismo como
metodologia educacional quanto como referencial para o Congresso de Milão.
Dando continuidade as discussões sobre qual metodologia deveria ser adotada na
educação de surdos (oral e gestual), outros congressos foram realizados na França (Paris) e na
Itália (Veneza e Siena). Na França, algumas escolas particulares resolveram adotar o método
misto, baseando-se no ensino do língua oral e da escrita, na Itália a abordagem oralista foi
ganhando cada vez mais adeptos.
Na Itália (Milão), em 1880, aconteceu o segundo Congresso Mundial sobre Educação de
Surdos. E seguindo uma tendência em relação as propostas dos congressos anteriores, neste
Congresso foi decidido que o método oral – e somente ele – deveria ser adotado como forma
oficial e definitiva para o ensino dos alunos surdos. O argumento apresentado pelos
congressistas era de que a utilização dos sinais e da língua oral de forma simultânea
3 O Oralismo será retomado no segundo capítulo.
“atrapalharia” o desenvolvimento da fala e da própria leitura labial e, em conseqüência,
ocorreria uma confusão no processo de construção das idéias.
Por essa razão o Congresso de Milão é considerado um marco na história das políticas
educacionais para surdos, pois além de determinar a erradicação da língua de sinais como
forma de metodologia educacional no ensino dos surdos, proíbe que todos os profissionais
surdos trabalhem no ambiente educacional.
Cabe ressaltar, que esse congresso reuniu profissionais ligados à educação de surdos,
sendo que do total de 174 congressistas, 112 eram italianos. O restante estava dividido entre
franceses, suecos, ingleses, alemãs, suíços e americanos. Vale salientar, que dentre todos os
esses congressistas, apenas um era surdo!
Os professores surdos foram excluídos da votação, o oralismo saiu vencedor e o uso da língua de sinais foi “oficialmente” abolido. Os alunos surdos foram proibidos de usar sua própria língua “natural” e, dali por diante, forçados a aprender, o melhor que pudessem, a (para eles) “artificial” língua falada. E talvez isso seja condizente com o espírito da época, seu arrogante senso da ciência como poder, de comandar a natureza e nunca se dobrar a ela. (SACKS, 1989:40 apud LIMA, 2004, p. 20)
Decisão tomada, o ambiente escolar começa a ter suas primeiras modificações. A
primeira medida educacional aplicada foi a proibição do uso da língua de sinais entre os
alunos, em seguida foi a aterrorizante medida de obrigar os alunos a sentarem sobre as
próprias mãos. Não se dando por satisfeitos, posteriormente foram retiradas da sala de aula as
janelas de vidro das portas, com a intenção de impedir a comunicação sinalizada entre os
alunos. E por último, como já era óbvio, todos os professores surdos e seus auxiliares foram
dispensados de todas as escolas e instituição. Agora, a educação dos surdos estava a cargo dos
ouvintes.
Diante dos fatos enfatizados nesses momentos históricos, muitos foram os mentores que
se dedicaram a educação de surdos. Os que mais se destacaram com contribuições
humanitárias e metodológicas na vida e na educação para surdos foram o cientista e médico
Girolamo Cardano, que foi o primeiro a reconhecer que o surdo seria capaz de ser educado
independentemente da falta de audição, Pedro Ponce de Leon e Charles Michel de L´Epée,
um monge e outro abade respectivamente que, trazem a importância da igreja como
precursora nos métodos utilizados na educação de surdos, bem como o reconhecimento do
surdo como ser humano.
Destacados alguns dos principais mentores e fatos que deram início a educação de
surdos, ao longo de quatro décadas, passaremos a focalizar os acontecimentos mais
relevantes, que contribuíram para o início do trabalho com surdo, no Brasil.
2.2 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL
No Brasil, a educação de surdos teve inicio durante o segundo império (1855), com a
chegada do educador francês Hernest Huet, portador de surdez congênita. Huet foi ex-diretor
do Instituto de Surdos de Paris, ele foi trazido com o objetivo de ajudar através de sua vasta
experiência obtida através do trabalho com alunos surdos, nos primeiros passos e ações do
Brasil em direção a educação de surdos. A iniciativa em trazê-lo partiu do imperador D. Pedro
II, que contou com o apoio de Huet para trabalhar na educação de duas crianças surdas, com
bolsa auxilio patrocinada pelo governo brasileiro.
O professor Hernest Huet durante seu trabalho em prol da educação de surdo no Brasil
deixou-nos várias contribuições como a criação do 1º Instituto de Surdo Mudo, situado no
Rio de Janeiro. Mas, a grande contribuição do francês foi a fundação do Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES), em 26 de Setembro de 1857, – data na qual se comemorado o dia
nacional do surdo. Atualmente se encontra em Laranjeira, no Rio de Janeiro. Foi através de
Huet que a Língua de Sinais de difundiu e se desenvolveu no Brasil.
Durante alguns anos o INES permaneceu sendo a única escola para surdos. Tanto que
até hoje é considerado como uma referência nacional na educação de surdos. Mesmo com
tanto progresso em relação a educação, os surdos enfrentaram bastante dificuldade, haja
vista, que após o Congresso Mundial de Milão em 1880, foi determinado a imposição do
oralismo como metodologia a ser seguida na educação de surdos.
Com a educação de surdos ganhando cada vez mais espaço no cenário educacional
brasileiro, vários surdos começam a se mobilizar criando grupos para reivindicar seus direitos
sociais e educacionais. E dentre 1923 a 1929, surgiu a Associação Brasileira de Surdos que
tinha entre uma das suas principais exigências o direito do estudante surdo ser ensinado
através da Língua de Sinais. Durante esse período os movimentos sociais em defesa do surdo
ganharam cada vez mais adeptos e, conseqüentemente, cada vez mais força, de modo que
durante o período de ditadura militar, a comunidade surda reivindicou melhores condições e
qualidade de vida.
A igreja foi uma das instituições que mais colaboraram, seja na vida ou na educação dos
surdos e, no Brasil, isso não foi diferente. Em 1971 foi fundada a Federação Brasileira de
Surdos, presidida pelo Padre Vicente P. Bournier, mas só depois de seis anos em 1977, foi
criada a FENEIDA, Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos,
cujos membros eram compostos apenas por ouvintes e tratavam apenas da problemática da
surdez (falta de audição). Em 1983, a comunidade surda cria uma Comissão de Luta pelos
Direitos dos Surdos que, apesar de não ser legitimada, apresenta em suas propostas questões
bastante significativas, pois reivindicam os direitos das pessoas surdas como cidadãos.
Nessa época, a Comissão desejava a participação – efetiva – das pessoas surdas como
membros da Diretoria da FENEIDA, o que de imediato foi negado pelos membros da atual
diretoria que consideravam os surdos incapazes para comandar a instituição. Para insatisfação
dos membros ouvintes, a Comissão formou uma chapa e conquistou em Assembléia Geral a
presidência por um ano que, com a reestruturação do Estatuto e a Entidade, ganhou a
denominação de FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo).
Em 1990, foi fundada a Federação Nacional da Associação de Pais e Amigos dos Surdos
(APAS), representada por pais de surdos. Esta iniciativa dividiu um pouco o grupo de
trabalho, mas a FENEIS considerou que o trabalho entre surdos e ouvintes (pais e amigos)
elevaria o patamar da educação de surdos.
Tendo em vista os fatos históricos apontadas anteriormente, é possível constatar que a
trajetória da educação de surdos, no Brasil, está relacionada diretamente com a história do
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). A criação desta entidade é um marco
histórico na Educação de Surdos, pois é através dela, juntamente com a comunidade surda,
que outros grupos de surdos começaram a se sentirem constitutivos de um grupo social,
fazendo assim com que o surdo se reconhecesse e identificasse como cidadão pertencente a
uma nação.
Mesmo com todas essas conquistas obtidas pela comunidade surda, é fato que no século
XIX o Brasil não possuía uma política educacional que legitimasse a educação para surdos,
motivo pelo qual pode ser explicado pela resistência de alguns pais a educarem seus filhos
surdos.
Esta resistência dos pais dos surdos brasileiros dificultava um pouco o trabalho de
Hernest Huet que, através de uma carta de recomendação emitida pelo Ministro de Instrução
Pública da França, obteve as condições para criar a primeira escola de surdo do país, sem
esquecer de que, para desenvolver o seu trabalho, o professor Huet contava com o auxílio da
nobreza ligada ao governo” (PERLIN, 2002 apud LIMA 2004, p.24).
A metodologia educacional para o ensino de surdo desenvolvida por Huet, era a
“didática especial dos surdos mudos” Ainda segundo PERLIN apud LIMA 2004 “ tratava-se
do mesmo processo utilizado por L´Epée e Sicard no Instituto de Surdos em Paris.” Huet
também se interessava pela formação de professores surdos, porém o pouco tempo de
permanência no Brasil não foi o suficiente para que essa profissão pudesse de desenvolver.
Além da criação do INES o francês Hernest Huet também foi responsável por um dos
principais marcos históricos da educação de surdos no Brasil que foi a criação de uma escola,
em 1857, cuja função principal era o desenvolvimento da Língua de Sinais.
Seguindo uma tendência mundial, o INES, em 1911, estabeleceu no seu currículo o
Oralismo como modalidade de ensino. A língua de sinais, mesmo com todas as proibições,
sempre foi utilizada pelos alunos nos pátios e corredores da escola (REIS,1992 apud
GOLDFELD,2001, p.29). Esta resistência, com a utilização dos sinais, durou até 1957,
quando a diretora Ana Rimola de Faria Doria, assessorada pela professora Alpia Couto,
proibiu oficialmente o uso dos sinais em classe. A partir daí, todos os estudantes que
utilizassem a língua de sinais nas salas de aula eram punidos, ainda assim, fora do instituto os
surdos continuavam a “falar” através de sinais principalmente nas comunidades que se
formavam nos grandes centros urbanos do país.
Todavia, a história da educação de surdos no Brasil não se limita apenas a fundação da
escola e do Instituto, no Rio de Janeiro por Huet. Várias outras iniciativas foram adotadas em
outros estados brasileiros.
Conforme Baleiro (1989), na cidade de São Paulo, foi a iniciativa particular e religiosa
que marcou o início do atendimento educacional do surdo (1933), tornando-se único por duas
décadas. É somente a partir de 1950 que surgiram as primeiras iniciativas da rede municipal
de ensino e de pais de surdos e as primeiras delas foram o Instituto Hellen Keller4 e o Instituto
Educacional de São Paulo. A rede estadual de ensino manifestou-se apenas em 1957, criando
classe especial para atendimento dos alunos surdos, em escala regular. Tanto o Instituto
Hellen Keller quanto o Instituto Educacional de São Paulo utilizavam-se do método oral.
Todas as instituições - escolas especiais - brasileiras que se dedicaram a educação de
surdos tinham por metodologia de ensino o oralismo. A meta dessas escolas era desenvolver
um trabalho na primeira fase do ensino fundamental e posteriormente encaminhar esses
alunos para as escolas regulares a fim de integrá-los juntos aos ouvintes. O objetivo dessa
integração era fazer com que houvesse um “treino da fala” pelos estudantes surdos, através da
oralização.
De acordo com Silva (1998):
4 Helen Adams Keller foi uma mulher que, apesar de cega e surda desde a infância superou todos os obstáculos tornando-se uma escritora e jornalista, obteve ainda o título de bacharel em filosofia e ao longo de sua vida ganhou vários títulos e diplomas honorários, como o da universidade de Harvard. No Brasil, foi condecorada com a ordem do Cruzeiro do Sul.
A educação de surdos ocorreu em ambientes especiais, separados de crianças ouvintes, pelo menos para o ensino básico. Apenas eram encaminhadas para a escola comum aquelas crianças que se mostrassem aptas a acompanhar rede regular de ensino, isto é, que tivessem adquirido uma fala boa e inteligível e tivessem também uma boa leitura labial, além de já estarem alfabetizadas... A esses surdos não era permitido usar qualquer gesto além dos naturais, com a justificativa de que esses acabavam por inibir a iniciativa, ou o desejo, da criança pela fala. ( p. 14 )
A educação, nesse período, era feita para os surdos, mas pensada por e para os ouvintes,
ou seja, os surdos tinham que se dar por satisfeitos pelo simples fato de serem educados, ainda
que essa educação se desse em função dos ouvintes. Como vimos, ao longo da história da
educação de surdos, a falta de audição sempre fez com que o sujeito surdo sofresse grandes
privações e como conseqüência disso os surdos não tinham uma vida social ativa como alguns
ouvintes. Assim, o fato de a educação de surdo no início ser baseada no oralismo ou na
tentativa grosseira de fazer o surdo falar, no Brasil e no resto do mundo, era simplesmente
para que eles pudessem sentir o “gostinho” de viver e ser como os ouvintes.
Desde o final do século XIX até a década de 60 o método oral predominou na educação
dos surdos brasileiros. A língua de sinais foi pouco ou quase nunca utilizada nas salas de aula,
pois os professores acreditavam que os surdos deveriam primeiro aprender a “falar” tanto para
serem alfabetizados quanto para serem integrados aos ouvintes.
Na década de 70, chega ao Brasil a Comunicação Total5, em conseqüência da visita de
Ivete Vasconcelos, uma educadora de surdos da Universidade de Gallaudet. Segundo Ciccone
1996, p. 7 apud Lima 2004, p. 27 a Comunicação Total é uma “completa liberdade de
quaisquer estratégias, que permitem a resgate de comunicação, total ou parcialmente
bloqueadas”. Com essa nova metodologia é permitido ao surdo “escolher” quais os recursos
que eles utilizam para se comunicar, como gesto, mímica, língua de sinais, fala, leitura labial
e leitura-escrita.
O grande questionamento em relação a Comunicação Total é que como uma criança
surda poderá “optar” por língua de sinais, fala, leitura labial e leitura-escrita se a mesma
ingressam a escola desprovida dessas técnica/habilidades? Ainda que a criança saiba alguns
gestos muitas vezes inventados para o interlocução mãe-criança esses serão utilizados apenas
nesse contexto. Marchesi (1987) argumenta que não é importante somente apresentar ao surdo
diferentes formas de se comunicar (diferentes códigos) para que este faça a sua escolha. É
5 A Comunicação Total será retomada no segundo capítulo.
necessário que, além disso, saber se o conhecimento e a incorporação de tais códigos, por
parte do aluno, estão se dando de modo eficiente.
Diversas foram as críticas a Comunicação Total na educação de surdos no Brasil. Na
década de 80 começam as primeiras discussões sobre o Bilingüismo6 decorrentes das
pesquisas da professora lingüista Lucinda Ferreira Brito, sobre a Língua Brasileira de Sinais.
E seguindo o padrão internacional de abreviação das línguas de sinais, a professora abreviou a
língua de LSCB (Língua de Sinais dos Centos Urbanos Brasileiros). Só a partir de 1994, que
Brito passa a utilizar a abreviação LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), que foi criado pela
própria comunidade surda para designar LSCB.
Atualmente, essas diferentes abordagens (Oralismo, Comunicação Total e Bilingüismo)
ainda causam bastante discussão entre os profissionais de educação para surdos. No capítulo
seguinte serão minuciosamente descritas as principais características de tais metodologias,
juntamente com as propostas apresentadas por cada uma delas para que haja uma educação
para surdo com qualidade.
6 O Bilingüismo será retornado no segundo e terceiro capítulos.
3. ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS
Vistas as primeiras ações no decorrer da história da educação para surdos, faz-se
necessário destacar os fatos mais relevantes que contribuíram para o surgimento das
abordagens educacionais (oralismo, comunicação total e bilinguismo), em diferentes épocas.
Se feita uma retrospectiva acerca das abordagens educacionais para surdos, notam-se, a
princípio, duas fases distintas, o oralismo e a comunicação total respectivamente e uma
terceira fase essa mais contemporânea o bilinguismo.
A primeira fase é constituída pelo oralismo, uma abordagem educacional que tem como
principal objetivo a aquisição da linguagem oral pelo surdo. Nesse sentido, o espaço escolar
atua como um laboratório de fonética, no qual se utiliza da técnica de terapia de fala para que
o aluno supere seu déficit (a surdez), fazendo assim com que se assemelhe a um membro da
comunidade ouvinte.
A segunda fase baseia-se na ideia da comunicação total. Nessa abordagem educacional o
uso dos sinais é permitido com a finalidade de propiciar o desenvolvimento da linguagem da
criança surda, ainda assim estes sinais aprendidos têm como objetivo principal a aquisição da
linguagem oral por parte dos sujeitos surdos. Vale salientar que esses sinais eram ensinados
na escola dentro de uma estrutura da língua portuguesa.
A terceira fase é composta pela educação bilíngue. O bilinguismo é uma proposta que
possibilita ao estudante surdo a aprendizagem no espaço escolar de duas línguas: a língua de
sinais e a língua portuguesa, essa última na modalidade escrita.
Diante dessa breve introdução, faremos agora um apanhado mais detalhado sobre todas
as abordagens educacionais para surdos, a fim de mostrar e esclarecer suas funções e
objetivos diante da educação para surdo.
3.1 ORALISMO
O oralismo que surge no século XVIII defendendo a idéia da fala (comunicação oral)
como a única forma de comunicação entre surdos/ouvinte e surdos/surdos. Os defensores
dessa abordagem educacional combatem a língua de sinais, por considerarem que o uso dos
sinais atrapalha o desenvolvimento do surdo na aquisição da língua oral.
Essa abordagem educacional tem como principal função levar o surdo a se adaptar ao
mundo ouvinte, ou seja, impõe ao sujeito surdo que ele se comporte como se não fosse surdo,
em outras palavras que negue a própria surdez. Segundo Sá (1999), o oralismo:
Visa capacitar a pessoa surda a utilizar a língua da comunicação ouvinte na modalidade oral como única possibilidade lingüística, de modo a que seja possível o uso da voz e da leitura labial tanto nas relações sociais como em todo o processo educacional. A língua na modalidade oral é, portanto, meio e fim dos processos educativos e de integração social. (p. 69)
A abordagem educacional oralista propõe a integração do surdo na comunidade
ouvintes, sendo assim, os defensores dessa filosofia acreditam que se o surdo tiver contato
direto com os ouvintes o processo de desenvolvimento de aquisição da língua oral será melhor
aprendido pelos membros da comunidade surda. Esta noção de linguagem restringe á língua
oral, como sendo o único meio possível de comunicação entre sujeitos surdos. Assim sendo,
para que a criança surda possa se comunicar é necessário que ela oralize que ela seja uma
“falante” da língua portuguesa.
De acordo com Skliar (1995) apud Lima (2004), o congresso de Milão (1880): “(...)
impôs a superioridade da língua falada com o respeito a Língua de Sinais, e decretou, sem
fundamentação cientifica alguma, que a primeira deveria constituir, como se tem dito o único
objeto de ensino”(p.30) (grifo do autor).
A filosofia oralista entende a surdez como uma deficiência que deve se minimizada
através da estimulação auditiva, assim essa estimulação irá viabilizar a aprendizagem da
Língua Portuguesa levando o surdo a integra-se com a comunidade ouvinte. Ou seja, segundo
Goldfeld (2001, p. 31) o objetivo do Oralismo “é fazer uma reabilitação da criança surda em
direção á normalidade, á não-surdez”. Nesse sentido, o oralismo almeja que, dominando a
língua oral, o surdo esteja apto para se integrar aos membros da língua majoritária os
ouvintes.
Para o oralismo, como mostra Souza (1998):
A linguagem é um código de formas e regras estáveis que tem na fala precedência histórica e na escrita sua via de manifestação mais importante. Gestos ou sinais, não importa de que natureza fossem, eram e ainda são considerados acessórios dependentes da fala e/ou inferiores a ela do ponto de vista simbólico. O oralismo defende essencialmente a supremacia da voz, transformado-a em nuclear do que consideram ser o “tratamento educativo interdisciplinar” da pessoa surda. (p. 04)
Uma das questões centrais do oralismo é o fato dele ser uma imposição social de uma
maioria lingüística (os falantes das línguas orais) sobre uma minoria lingüística que nesta
perspectiva não tem seu direto ao uso da língua própria respeitados. Muito além de um
problema educacional, a imposição do oralismo como metodologia na educação de surdos é
um problema de natureza social entre maioria (ouvintes/língua oral) e minoria (surdos/língua
de sinais). Fato notório é que a história da educação para surdos nos mostra que a língua oral
não dá conta de todas as necessidades da comunidade surda. No momento em que a língua de
sinais passou a ser mais difundida, os surdos tiveram maiores condições de desenvolvimento
intelectual, profissional e social.
3.2 COMUNICAÇÃO TOTAL
Os debates e questionamentos que se instauraram no percurso da educação para surdos,
o descontentamento com a abordagem oralista e os argumentos sobre os estudos da língua de
sinais, iniciados na década de 60, colaboraram para a elaboração de uma nova proposta
educacional para surdos que, na década de 70, foi denominada de comunicação total.
A comunicação total tem como finalidade oferecer aos alunos surdos a possibilidade de
desenvolver uma comunicação de forma mais social, e assim a partir de disso, torna possível
uma interação dos surdos com os próprios surdos, com seus familiares, professores e ouvintes.
A oralização não é o objetivo central da comunicação total, mas por outro lado, serve como
um dos recursos que possibilitam essa comunicação entre surdos e ouvintes.
O recurso oral não seria a única forma para que possa ocorrer essa interação existe
também a técnica de estimulação auditiva – abrange a adaptação de aparelho de amplificação
sonora individual, a leitura labial, a leitura e escrita. Na comunicação total as maneiras,
formas e metodologia de comunicação são ilimitadas, existe uma completa liberdade nas
estratégias que permitam o resgate da comunicação. Seja por meios da língua oral, seja pela
língua de sinais ou a mescla delas, deve-se priorizar a comunicação. Ciccone (1990) apud
Santana (2007) afirma em relação à comunicação total que “(...) seus programas estão
interessados em aproximar pessoas e permitir contatos e, para tanto, pode-se utilizar qualquer
recurso lingüístico comunicativo. Em suma, privilegia-se a interação entre os surdos e os
ouvintes, e não o aprendizado de uma língua” (p.180).
No Brasil, além da língua brasileira de sinais, a comunicação total ainda usa o alfabeto
manual (datilologia) – representação manual das letras – o cued speed (sinais manuais que
representam os sons da língua portuguesa), o português sinalizado (língua artificial que utiliza
o léxico da língua de sinais com a estrutura sintática do português e alguns sinais inventados
para representar estruturas gramaticais que não existem na língua de sinais) e o pidgin
(simplificação da gramática de duas línguas em contato, no caso a língua de sinais e a língua
portuguesa). (GOLDFELD, 2001, p. 37; LIMA, 2004, p.32; SANTANA, 2007, p. 181).
A comunicação total se opõe a abordagem oralista, na medida em que considera que
somente a aprendizagem da língua oral não sustenta o pleno desenvolvimento do surdo.
Segundo Ciccone (1996), os profissionais que adotam a comunicação total concebem o surdo
de maneira diferente dos oralistas: ele não é concebido somente como um portador de uma
patologia de ordem médica, que deveria ser dizimada, mas sim como uma pessoa, e a surdez
como um traço que repercute nas relações sociais e no desenvolvimento afetivo e cognitivo
desse sujeito.
Essa filosofia também se preocupa com a aprendizagem da língua oral pela criança
surda, mas além de tudo acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não devem
ser desconsiderados em prol da aprendizagem exclusivos da língua oral. Por essa razão a
comunicação total defende a utilização de recursos espaços-visuais como facilitadores de
comunicação.
Nessa lógica, a abordagem da comunicação total, visa em seus ideais e propostas
pedagógicas a junção dos diferentes tipos de recursos e instrumentos que ofereçam subsídios
ao ensino de surdos no ambiente escolar. Mas alguns opositores da comunicação total
acreditam que a intenção da comunicação total ainda é da aprendizagem da língua oral.
Goldfeld (2001) critica a comunicação total ressaltando que a língua de sinais não é
utilizada de forma plena. Logo, não se leva em conta o fato de ela ser natural (ter surgido de
forma espontânea na comunidade surda) e de carregar uma cultura própria. A criação de
recursos artificiais para facilitar a comunicação e a educação dos surdos dificulta a
comunicação entre aqueles que dominam códigos diferentes da língua de sinais. Brito (1993)
também argumenta que a comunicação total vem a ser apenas uma visão oralista camuflada, e
que o oralismo e a comunicação total entendem a surdez como um problema.
Ainda em relação aos opositores da comunicação total Santana (2007) complementa:
A comunicação total parece ser do tipo de “vale tudo”. Assim, não se questiona o papel da linguagem oral, tampouco o da língua de sinais nesse contexto. Criou-se uma língua “artificial” com o objetivo de ensinar à gramática da língua falada ao surdo, como se a língua fosse um processo individual, e não social (...) A ideia de que o que vale é comunicar acaba por prejudicar a aquisição de uma matriz de significado que possa ser a base para a aquisição da linguagem e para o desenvolvimento cognitivo. (p. 182)
Ainda que o objetivo central da comunicação total não seja a aprendizagem da língua
oral – apesar da discordância de alguns autores – fica claro que nessa abordagem a língua de
sinais não é vista como uma língua própria e materna dos surdos, o uso dos sinais ainda são
entendidos como “mímicas” que servem para manter ou tentar uma
relação/interação/comunicação entre surdos e ouvintes. Só que, em todo caso, quem tem que
se adequar em prol dessa tão desejada “comunicação a qual preço” sempre – e isso é
historicamente comprovado - é o surdo. Nesse sentido, pode-se afirmar que as abordagens
oralista e da comunicação total comungam de um mesmo ideal educacional que é a negação
do uso da língua de sinais como uma única possibilidade, e somente ela, de comunicação
entre surdos/surdos e surdos/ouvintes.
O grande questionamento não esta no sentido de definir qual seria a melhor maneira de
se educar o surdo, a problemática está no fato de um grupo de pessoas – geralmente a maioria
– determinarem como um outro grupo irá ser educado sem nem ao menos ter feito o básico
que seria perguntar a eles, ou seja, contar com a participação direta e ativa das decisões que
forem tomadas em prol deles.
Por essa e por outras razões, a palavra de ordem da comunicação total era: não importa
qual recurso comunicativo o surdo lançará mão para se comunicar, o importante é que haja
comunicação. (Lima, 2004). Este lema não respeita nem um pouco o surdo como sujeito
capaz de tomar decisões, ter pensamentos e formular idéias. Por essa razão a comunicação
total é considerada uma abordagem que não considera a questão lingüístico-cognitiva
relevante (p. 33).
Ainda que a comunicação total, mescle recursos lingüísticos e pedagógicos visando
proporcionar para os alunos surdos melhores condições de ensino, não irá conseguir
minimizar as dificuldades apresentadas pelos estudantes surdos em sala de aula, a principal
delas é a defasagem na leitura é escrita além do conhecimento dos demais conteúdos
ministrados em sala de aula.
3.3 BIMODALISMO
O Bimodalismo é um exemplo de estratégia educacional que surgiu a partir da
abordagem da comunicação total. Esta modalidade é reconhecida como uma abordagem
educacional própria para o ensino e comunicação dos surdos, pelo fato de ter se tornado
“comum”, ou melhor, o mais freqüente meio de comunicação entre surdos e ouvintes. Esse
fato pode ser explicado pelo próprio significado da palavra bimodalismo ou educação
bimodal, mas conhecido como português sinalizado.
A partir de agora será demonstrada por que essa modalidade/estratégia educacional
ganhou e vem ganhando cada vez mais adeptos no cenário educacional brasileiro no ensino de
surdos.
O bimodalismo ou educação bimodal são termos utilizados para se referir a forma de
comunicação simultânea entre a língua oral e a língua de sinais. Como afirma Felipe (1989, p.
102 apud Lima 2004, p. 35): “Na comunicação bimodal há a utilização das duas línguas a oral
auditiva e a gestual-visual, é uma espécie de ‘pidgin’... que desestrutura a língua natural dos
surdos, inserindo estruturas gramaticais da língua majoritária”.
Nesta passagem, Felipe se refere ao uso simultâneo da língua de sinais e do português,
essa mescla feita pela comunicação bimodal, evidencia que os estudantes surdos não
adquirem nem uma língua nem outra.
Os opositores a essa abordagem acreditam que a criança não é capaz de processar duas
línguas completamente diferentes, o que podemos perceber na prática é a utilização das duas
línguas conjuntamente sempre é claro, com essa modalidade não seria diferente, a
preocupação era com o desenvolvimento da língua oral.
Para Botelho (2005), uma das maneiras refinadas de sustentar a prática bimodal consiste
em reduzir a importância de dizer; argumentando não ser importante como se diz, e sim o que
se tem a dizer, assim é permitido aos interlocutores uma baixa exigência em relação à forma
lingüística (p. 122).
Nessa prática, a criança surda encontrará dificuldades em construir pensamentos
simples, pois a todo o momento ela tentará se ajustar entre a fala e o sinal, e esta
simultaneidade veiculada pelo bimodalismo acaba por transformar o enunciado, que como
conseqüência construída de maneira artificial, e sempre baseada na língua oral. A
comunicação bimodal omite parte do enunciado, por que muitos sinais não são conhecidos
pela pessoa que enuncia bimodalmente. Fato muito bem explicado por Ferreira Brito (1993)
“não há isomorfismo de categorias lingüísticas, isto é, cada sinal não corresponde exatamente
um signo verbal ou escrito” (p.36).
Por desconhecerem a estrutura gramatical da língua de sinais, e até mesmo os sinais, os
usuários que se comunicam por meio do bimodalismo acham que cada sinal equivale a uma
palavra na língua portuguesa. Dois pontos devem ser destacados em relação a essa situação, o
primeiro deles é que se os ouvintes usam a língua de sinais – erroneamente – por
desconhecerem realmente a estrutura da língua ou mais uma vez querem que os surdos se
adaptem a uma necessidade deles, ou seja, que o surdo ajuste seu meio de comunicação de
forma a melhor atender aos ouvintes.
Esses questionamentos são, de toda forma, difíceis de serem respondidos, mesmo por
que na prática é possível presenciar os dois tipos de situação. Por outro lado, os defensores do
bimodalismo estão mais próximos da segunda opção, pois acreditam que essa abordagem é
uma expressão da solidariedade e reciprocidade nas relações entre ouvintes e surdo. De fato,
o bimodalismo mantém a língua do ouvinte. A prática bimodal, mesmo com o discurso de
respeito e valorização da diversidade, representa um sistema de facilitação para o ouvinte em
comparação a demanda da língua de sinais. Acrescenta Ciccone (1990) que “a melhor forma
de linguagem a ser eleita deverá ser aquela que os familiares ouvintes puderem aprender com
maior rapidez e maior facilidade, e da qual puderem fazer uso mais confortável, quando a
praticarem com os filhos surdos” (p. 81).
Deve-se ressaltar também que existem sujeitos surdos que se utilizam do bimodalismo
por terem uma idéia preconceituosa da surdez e da língua de sinais, assim eles constroem suas
identidades a partir da identificação com os ouvintes, ignorando deste modo a surdez como
uma diferença buscando a normalidade. Para Allport (1962) apud Botelho (2005) nesta
perspectiva, “o surdo constitui identificação com o opressor” (p. 134).
Em relação a essa citação, não podemos deixar de lembrar que a grande maioria dos
surdos nascem em família de ouvinte, e que mesmo após seus filhos serem diagnosticados
com um déficit auditivo é comum que num instinto de proteção os pais tendam a educar seus
filhos surdos como se fossem ouvintes.
É necessário que se entenda tanto a atitude dos pais, pois por desconhecerem outras
opções de educação para seus filhos, escolhem aquelas que possibilitam a eles um contato
maior com o mundo dos ouvintes, e a razão desta escolha pode ser explicada pelo desejo dos
deles em proporcionarem aos seus filhos um convívio em um ambiente dito normal, quanto
devemos também compreender as atitudes de alguns surdos, uma vez que nasceram,
cresceram e foram educados numa cultura ouvinte acreditando que aquela fosse a sua cultural
natural.
Devemos pensar a prática bimodal como mais uma das possibilidades de comunicação e
de educação para surdos. Contudo, não podemos acreditar que essa é a melhor opção de
abordagem educacional para surdo, uma vez que ela ainda e feita e pensada por/para ouvintes.
3.4 BILINGUISMO
Antes de explicar os conceitos e idéias da educação bilíngue, faz-se necessário um
esclarecimento do termo bilinguismo, pois diferentemente das outras abordagens educacionais
(oralismo, comunicação total e bimodalismo) esse termo não é utilizado apenas na educação
para surdos.
O Brasil é considerado um país monolíngue, assim como diversos outros países do
continente sul-americano. No entanto, sabemos que existem vários grupos que falam diversas
outras línguas caracterizando assim, o Brasil como bilíngue, embora não reconhecido como
tal.
Acredita-se que no Brasil todo falante adquire a língua portuguesa como primeira língua
(L1), ignorando o fato de termos falantes de famílias imigrantes (japoneses, italianos, e t c) e
as várias línguas das comunidades indígenas. Todas essas línguas faladas no Brasil também
são línguas brasileiras caracterizando-o como um país multilíngue.
Neste contexto, percebe-se que definir bilinguismo depende de várias questões de ordem
política, social e cultural. As políticas lingüísticas no Brasil têm a tendência de subtrair as
línguas, ao invés de utilizar uma política lingüística que possibilite a adição dessas diversas
línguas na construção do capital cultural do país. Assim, não é incentivado o ensino de uma
língua com qualidade, não é trazida para o espaço escolar a multiplicidade lingüística
brasileira. Pelo contrário, o que existe é quase que o ensino exclusivo da língua portuguesa,
uma vez que é a língua oficial do país.
Por estas razões, políticas, sociais, entre outras, ainda não há um consenso no que se diz
respeito ao conceito e classificação do bilinguismo. Os autores ainda não encontraram o ponto
em comum do que deve ser considerado ou não quando se discute sobre sujeito bilíngue,
contexto bilíngue e bilinguismo.
Para Quadros apud Fernandes (2005), “O Bilinguismo, entre tantas possíveis definições,
pode ser considerado: o uso que as pessoas fazem de diferentes línguas (duas ou mais) em
diferentes contextos sociais” (p. 28).
Para SKUTNABB-KANGAS, 1983 apud LIMA (2004):
Nos dias de hoje, o bilinguismo não é mais visto como uma passagem transitória de uma língua para outra, porém um estado permanente valorizado per se, qual ocorre quando dois grupos que falam uma língua diferentes ou diferentes variedades de uma mesma língua entram em contato, e, com o intuito de se comunicarem, um deles tem que aprender a língua do outro (p. 79).
O que podemos perceber é que mesmo o bilinguismo sendo utilizado como meio de
comunicação e interação social, ainda pode ocorrer uma espécie de subordinação (da maioria
falante) sobre um outro grupo social.
Isso nos reporta a uma situação que, provavelmente já foi mencionada nesse capítulo,
que é a imposição de uma língua sobre a outra, na qual se impunha ao sujeito surdo o domínio
da língua portuguesa e a negação da língua de sinais. desta forma, um questionamento deve
ser feito: Em que o bilinguismo se difere das outras abordagens educacionais para surdos
vistas até então?
Esta pergunta será respondida através do que, até então, vemos nas idéias do
bilinguismo, mas só que desta vez na perspectiva da educação para surdos, ou seja, na
educação bilíngue.
3.4.1 Educação Bilíngue
Dentre as novas propostas sugeridas para a educação de surdos, é o bilinguismo que
atualmente tem sido alvo de reflexões pelos profissionais que se dedicam ao atendimento de
estudantes surdos.
A educação bilíngue para surdos ganhou destaque no cenário educacional como uma
abordagem que visa não somente os aspectos relacionados à mudança na escolarização para
surdos, mas também por ir de encontro às práticas pedagógicas apresentadas pelas abordagens
educacionais anteriores que permearam a educação de surdos. Dito de uma outra forma, o
bilinguismo é visto como a “salvação da lavoura” que tende a minimizar as dificuldades
escolares vivenciadas pelos alunos surdos, principalmente na aquisição da língua portuguesa.
Nesse sentido, os primeiros passos que apresentavam o bilinguismo como uma proposta
educacional possível e viável na educação para surdos foram dados , no Brasil, por Lucinda
Ferreira Brito em um artigo datado de 1986. Segundo Brito apud Lima 2004) “o bilinguismo é
a única solução para o surdo brasileiro... E o bilinguismo implica na aceitação sem restrição
da LSCB7” (p. 37).
No mesmo artigo, Brito aponta uma das questões que considero primordial para a
adoção do bilinguismo, ou melhor, da educação bilíngue como uma abordagem educacional
para o ensino de surdos que, é o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS
como o único meio, e somente ele, de comunicação entre surdos/surdos e surdos/ouvintes.
Brito (2004) afirma que:
As línguas gestuais-visuais são a única modalidade de língua que permite aos surdos desenvolver plenamente seu potencial lingüístico e , portanto, seu potencial cognitivo, oferecendo-lhes, por isso mesmo, possibilidade de libertação do real concreto e de socialização que não apresentaria defasagem em relação àquela dos ouvintes. São o meio mais eficiente de integração social do surdo. (Brito apud Lima 2004, p.37)
Estas são as primeiras iniciativas em favor da língua de sinais como primeira língua a
ser adquirida pelo surdo. Brito, foi mais longe, e esclareceu que o português seria apenas visto
como segunda língua (L2).
7 Na época, a língua de sinais era chamada de Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros (LSCB), essa era uma maneira de distinguir a Língua de Sinais Uruku-Kaapor (LSKB), língua utilizada entre os surdos e ouvintes da comunidade indígena Uruku-Kaapor. Hoje, a Língua de Sinais Brasileira é denominada de LIBRAS.
Essas novas propostas, na defesa e implementação do bilinguismo para surdos, serviram
como ponto de partida para gerar uma nova abordagem educacional para surdos, no Brasil.
Se, no Brasil, as primeiras propostas da educação bilíngue só apareceram com Brito em
1986, a UNESCO em 1954, Skliar (1998) e Botelho (2005, p. 111) já definiam a educação
bilíngue como “o direito que têm as crianças que utilizam uma língua diferente da língua
oficial de serem educadas na sua língua”. O que a UNESCO e Brito anteviram foi o fato de o
bilinguismo inovar nas práticas de ensino e a forma de conceber a surdez.
Para Sacks (1989) apud Goldfeld(2001), respeitando a nomenclatura da comunidade
surda americana, utiliza o termo Surdez (com s maiúsculo) para designar um grupo lingüístico
e cultural e o termo surdez (com s minúsculo) para designar uma condição física, a falta de
audição (p. 39).
O que difere a filosofia bilíngue das outras filosofias (oralista, comunicação total e
bimodalismo) é que para os defensores do bilinguismo o surdo não precisa desejar uma vida
igual a dos ouvintes, ele pode e deve assumir e aceitar a surdez. É por essa razão que, o
conceito da educação bilíngue se torna tão importante, pois ele acredita que os surdos formam
uma comunidade com cultura e língua própria.
O que ocorre com muitas propostas ditas bilíngue é que ainda são fragmentos
ideológicos da comunicação total. Isso acontece por causa de um discurso dúbio que ao
mesmo tempo em que valoriza e reconhece a língua de sinais, defendem a idéia de inclusão
dos surdos nas escolas regulares.
Para Botelho (2005):
A educação bilíngue propõe que os processos escolares aconteçam nas escolas de surdos, obviamente não segundo o modelo clínico-terapêutico, ainda oferecido. Reconhece as intensas dificuldades e problemas do surdo em classe com estudantes ouvintes, e não há adesão ás propostas de integração e de inclusão escolar (p. 111-112).
É de fundamental importância que para garantir o sucesso da educação bilíngue a língua
de sinais – concebida como língua materna – deve ser apresentada a mais cedo possível a
criança surda.
Para Brito (1993) apud Goldfeld (2001), se a criança surda não for exposta à língua de
sinais desde seus primeiros anos de vida sofrerá várias conseqüências. Ele perde a
oportunidade de usar a linguagem, senão o mais importante, pelos menos um dos principais
instrumentos para a solução de tarefas que se lhe apresentam no desenvolvimento da ação
inteligente; não adquire independência da situação visual concreta; não se socializa
adequadamente (p. 41 e 42).
É sabido que cerca de 90% dos surdos são filhos de pais ouvintes. Então, para que a
criança tenha sucesso na aquisição da língua de sinais é de fundamental importância que a
família se empenhe em aprender a língua de sinais. Para Quadro (2008), as crianças surdas e
seus pais ouvintes poderiam compartilhar o bilinguismo: das culturas e identidades que se
entrecruzam. “Possibilitar a aquisição da linguagem das crianças surdas implicará no
desenvolvimento mais consistente do seu espaço escolar”. Nesse contexto, fica cada vez mais
evidente a importância da família no processo de aquisição da língua de sinais pela criança
surda. Mas a escola também deve criar meios que possibilitem o encontro das crianças com
adultos surdos, até mesmo para eles se espelharem e visualizarem numa vida normal como
cidadãos surdos.( p. 31)
A instituição escolar tem grande responsabilidade em tornar possível e concretizar um
dos principais desafios que concebem a educação bilíngue que é a prática do letramento na
educação para surdos.
Nas palavras de Soares, 1998, p. 36-7 apud Botelho (2005): Letramento é o estado daqueles que não só sabem ler e escrever, mas que também faz uso completamente e freqüente da leitura e da escrita, e que, ao torna-se letrado, muda seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura. (p. 63)
Para Botelho (2005), “torna-se letrado numa abordagem bilíngue pressupõe a
utilização da língua de sinais para o ensino de todas as disciplinas”. Dessa forma, a língua de
sinais (L1) deverá ser oferecida aos alunos surdos em situações significativas, como jogos,
brincadeira, narrativas de histórias, contos de fadas, lendas, etc (p.112). Esse
acompanhamento deverá contar com além de professores capacitados, surdos adultos
competentes na língua de sinais que, além de auxiliarem aos alunos na aquisição da língua
sinais, poderão ensinar ao restante dos membros da comunidade escolar. Uma vez que, a
escola se proponha a seguir uma corrente bilíngue e letrada é necessário que todo o corpo de
funcionários da instituição aprenda a utilizar a língua de sinais. Para Lacerda (1996) apud
Santana (2007) “as experiências com a educação bilíngue são restritas pela dificuldade tanto
de considerar a língua de sinais uma língua, quanto de encontrar profissionais e professores
que saibam utilizá-lo” (p. 180).
As discussões sobre o letramento em uma perspectiva bilíngue envolvem a reflexão de
sobre duas línguas e não a supremacia de uma língua majoritária sobre a minoria.
Que de acordo com as palavras de Kleiman (1999):
O ensino da língua oficial do grupo dominante em programas de educação bilíngue destinados a minorias étnicas ou grupos socialmente marginalizados, pode se transformar em instrumento de colonização do currículo, e, muitas vezes, coloca em risco a preservação das identidades minoritárias se não constituir em prática para a reafirmação e o reconhecimento da identidade lingüístico-cultural do aluno. (Kleiman, 1999, pág. 266 apud Fernandes 2003, p. 7)
Uma das maiores contribuições da educação bilíngüe é que ela possibilita para o surdo,
pela primeira vez, em toda história da educação de surdos, a construção de uma proposta
educacional que é pensada por surdos e para surdos.
Todavia, o que podemos presenciar nas poucas escolas ditas bilíngue é apenas uma
preocupação com a questão lingüística na educação para surdos, ou seja, os professores têm
um foco apenas na aprendizagem do ensino do português. Nessas escolas bilíngue, a língua de
sinais é imposta para os educadores como sendo a “solução” para todos os problemas
educacionais dos surdos e ainda pior é encarada como um meio de acesso á língua
considerada mais importante que é a língua portuguesa.
De acordo o decreto N° 5.626 de 22 de dezembro de 20058, em seu sexto capítulo, que
trata da garantia do direito á educação das pessoas surdas ou com deficiência auditiva a
educação bilíngue é definida da seguinte forma: §1º são denominadas escolas ou classes de
educação bilíngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa
sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo. Feita
uma análise desse inciso é notório que, o mesmo também apenas de preocupa com as questões
lingüistas para o ensino dos estudantes surdos. Isso mostra que, as leis que vigoram nas
políticas educacionais para a educação de surdos estão equivocadas em considerar que o surdo
ou a surdez se reduz apenas ao ensino e a aprendizagem de uma língua.
O grande problema está em consideramos que disponibilizar para os profissionais que
trabalham como surdos apenas cursos paliativos de LIBRAS irão resolver alguns problemas
na metodologia de ensino para surdos. É evidente que, nestes casos a possível aquisição de
uma língua não vai determinar o sucesso no ensino, o que deve se feito é que não apenas o
profissional deve saber a língua de sinais, mas também é necessário que haja um trabalho em
que possamos discutir como realmente devemos fazer para ensinar aos surdos, de maneira que
possam ser desenvolvidas atividades em todas as disciplinas e não apenas o ensino da língua
portuguesa.
Para Fernandes (2003), nestes casos podemos chamar de “pseudobilinguismo, na qual, a
língua minoritária é apenas valorizada como meio de acesso à verdadeira língua, a que tem
prestígio social, o que acarreta, mais uma vez, mecanismo de opressão e poder sobre grupos 8 Mais informações sobre este decreto será visto no terceiro capítulo.
minoritários, como é o caso dos surdos” (p.4). Deste modo, enquanto o foco dos debates for
apenas uma preocupação com as questões lingüísticas, ignorando as dimensões política
pedagógica que constituem a educação para surdos, poucos serão os avanços na consolidação
da filosofia bilíngue para surdos no Brasil.
A opção política pela implementação de uma proposta de educação bilíngue envolve
uma série de variáveis que extrapolam a mera utilização de duas línguas no processo
educacional, a adoção por esta proposta, envolvem mecanismos históricos, políticos,
regionais, e culturais específicos. Há um conjunto de ações a ser repensadas em um projeto de
educação que considere em sua proposta curricular o legado histórico e cultural das
comunidades surdas. É importante estabelecer relações de poderes e saberes mais assimétricos
entre surdos e não-surdos no interior da escola, criar novas tecnologias educacionais baseadas
essencialmente em recursos visuais, aperfeiçoar a formação de professores voltada para a
concepção sócio-antropológica da surdez, promover maior participação da comunidade surda
na gestão dessa educação, entre outros aspectos (Skliar, 1998).
Assim, é necessário destacar que para que haja uma real implementação da abordagem
educacional baseada na perspectiva bilíngue é importante que possamos inserir nos debates
sobre a educação para surdos não apenas a situação lingüística característica da comunidade
surda, mas a relevância desta nova concepção de surdez.
Dentre os vários questionamentos que permeiam a implementação da educação bilíngue
para surdos, alguns deles devem ser destacados, assim como aponta Fernandes, (2003): o
reconhecimento político (não a tolerância) dos surdos como minoria lingüística que constrói
aspectos de sua identidade cultural pelo uso da língua de sinais, tal como outros grupos
étnicos; a incorporação da língua de sinais ao currículo escolar como língua principal na
mediação das atividades pedagógicas; a superação da perspectivas clínica na educação de
surdos, o que os submeteu/submete a uma pedagogia terapêutica (de correção/normalização)
nas práticas escolares; a ocupação do espaço prioritário dos adultos e profissionais surdos no
processo educacional, favorecendo a formação de identidade das crianças e a vivência de
aspectos culturais da comunidade surda; o domínio efetivo da língua de sinais por parte dos
professores de surdos, em sua maioria não-surdos, como medida necessária ao
encaminhamento de questões essenciais à prática pedagógica, como é o caso do aprendizado
da língua portuguesa, por exemplo.
Nesta situação, caso sejam consolidadas todas essas propostas, estaremos diante de um
momento de transição de paradigmas na educação para surdos que, pressupõe a relação de
todas as principais discussões sobre a concepção de educação e de surdez, o papel do
professor e as políticas públicas. Se concretizado, todas essas situações problemas, serão
garantidos ao sujeito surdo a possibilidade de se sentir cidadãos.
Conforme aponta Fernandes (2003): Vislumbramos a educação bilíngue para surdos como o espaço de aproximação entre diferentes socioculturais de grupos distintas, relevando as práticas de exclusão, rejeição, preconceito e marginalização a que os surdos estiveram relegados historicamente. Precisamos entender a educação bilíngue como uma proposta para fazer valer politicamente a voz da comunidade surda, seus direitos e anseios (que não são homogêneos), em um projeto educacional que construa novas práticas de significação da surdez. Fernandes (2003, p. 5-6)
Nessa ótica, o que podemos concluir sobre as primeiras ações da educação bilíngue, é
que apenas garantir o acesso a duas línguas não vai determinar o sucesso da educação para
surdo. Devemos entender que as questões lingüísticas – e não apenas ela – as políticas
educacionais, as metodologias de ensino, além, é claro, de uma nova concepção sobre a
surdez, devem constituir uma espécie de “ciclo de metas” a serem elaboradas e executadas em
prol de uma educação para surdos de qualidade. Com isso, a educação bilíngue cumprirá com
a sua principal função que é a de formar cidadãos surdos que reconhecem e respeitam seus
membros e sua cultura.
3. SURDEZ, CULTURA E IDENTIDADE
Durante o percurso na história da educação de surdos, presenciamos uma total
desconsideração do surdo como sujeito e, conseqüentemente, como cidadão. Em grande parte
isto deve-se ao fato de as abordagens educacionais (oralismo, comunicação total,
bimodalismo) serem baseadas em função da aprendizagem da língua oral, que tinha como
objetivo principal a busca pela “normalidade”, ou seja, proporcionar ao surdo uma vida igual
a dos ouvintes.
Só após a quebra deste paradigma, proporcionado pela educação bilíngue que, por sua
vez respeita o sujeito surdo e sua forma de comunicação pela língua de sinais, é que novos
conceitos sobre o entendimento do surdo e da surdez ganharam destaque no centro das
discussões na educação brasileira.
A conseqüência desta nova visão sobre a surdez possibilita o reconhecimento do surdo
como um sujeito pertencente a uma comunidade de cultura própria capaz de tornar decisões
em prol de melhorias tanto na educação quanto na vida. Permite ainda que, pela primeira vez
o surdo se reconheça e se identifique como surdos pertencentes a uma comunidade de surdos
e não pertencentes a uma comunidade ouvinte.
Em função dessa nova abordagem, se faz necessária a análise de diversas definições que
permeiam a explicação dos conceitos de Cultura, Identidade e Surdez. Em linhas gerias,
iremos analisar conceitos antagônicos que servirão de base para o entendimento das questões
relacionadas à cultura e identidade na educação para surdos. Dentre os principais conceitos
abordados vamos salientar: diferente/deficiente; cultura surda/cultura ouvinte;
normalidade/anormalidade; língua de sinais/língua oral; minoria/maioria; ciência biológica/
ciências humanas; modelo sócio-antropológico/modelo clínico-terapêutico.
Perante a esta breve introdução, destaco que a intenção desse capítulo é de demonstrar
como a educação bilíngue possibilita o reconhecimento do surdo como sujeito, trazendo um
novo olhar para o surdo e a surdez.
4.1 SURDO: DIFERENTE OU DEFICIENTE?
A concepção do surdo como diferente ou deficiente vem sendo a razão da recente
discussão entre os pesquisadores ligados a educação de surdos. A princípio, podem ser vistas
duas óticas que explicam esta nova concepção sobre a surdez. A primeira delas, segue a
concepção das ciências biológicas que vêem o surdo como deficiente, que assim, precisa
alcançar a normalidade, ou seja, a fala. Neste sentido, concentram-se apenas nos avanços
tecnológicos (próteses auditivas, implantes cocleares) para oferecer ao surdo à possibilidade
de ouvir e falar. A segunda ótica é a defendida pelas ciências humanas que enxergam o surdo
como diferente, pois defendem a língua de sinais como a língua de comunicação das pessoas
surdas e a idéia de uma cultura surda. Para “Santana, (2005) “essa competição parece ocorrer
especialmente entre a área da saúde, que busca” normalizar”, e a área pedagógica, que procura
“diminuir os estigmas” (p. 22)
No modelo sócio-antropológico da surdez, que tende a compartilhar dos mesmos
referencias ideológicos das ciências humanas, reconhece que os surdos formam uma
comunidade própria é que juntamente com a utilização da língua de sinais se tornam um
mecanismo de reafirmação á diferença. Diferença esta que, conforme McLaren (1995), Skliar
(1998, p. 13) apud Sá (2002), não pode ser entendida como um mero espaço retórico, na
medida em que está sempre baseada em representações e significações que geram práticas e
atitudes sociais. A surdez é, portanto, uma diferença, visto que a “surdez é uma construção
histórica e social, efeito de conflitos sociais, ancorada em práticas de significação e de
representações compartilhadas entre os surdos” (p. 95 ).
As propostas defendidas pelas ciências biológicas comungam com os mesmos ideais do
modelo clínico-terapêutico da surdez, que, por sua vez, se opõe ao modelo sócio-
antropológico. No modelo clínico-terapêutico existe uma visão restrita da surdez, considerada
uma patologia decorrente de um déficit biológico. Daí que, no âmbito da escola as propostas
se relacionam os recursos e estratégias para fazer a reparação ou a correção da surdez da
criança surda, e se apóiam na crença de que o processo de conhecimento e de aprendizagem
da criança surda estava ligado diretamente a aquisição da língua oral.
Historicamente podemos comprovar que durante séculos, o modelo clínico-terapêutico
perdurou no cenário da educação de surdos, e apesar de parecer estar relacionada apenas com
a área médica, a escola também pode ser considerada como responsável pela propagação da
ideologia clínica na educação para surdos. Dessa forma, fica cada vez mais evidente que,
através das práticas escolares abusivas e da imposição de uma sociedade majoritária sobre
uma minoria lingüística, é que a adoção do modelo clínico terapêutico ganhou força tornando
possível a realização de um dos seus principais objetivos que era proporcionar ao surdo uma
vida baseada no ouvintismo9. Juntamente com a quebra de paradigma, viabilizado pela
educação bilíngue, o modelo sócio-antropológico aborda a questão, que hoje já podemos
9 Ouvintismo é definido por Skliar (1998: 15) como ‘um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se a narrar-se como se fosse ouvinte’. Ou seja, o termo designa-se a imposição sócio-educacional-cultural e política que sofre (u) o surdo sob a dominação dos ouvintes que se acham no direito de determinar o que é o melhor para ele.
vislumbrar na educação para surdo que são: respeito ao direito lingüístico diferenciado;
reconhecimento do surdo como cidadão; políticas públicas, além da formação de professores
para o atendimento dos alunos surdos.
Ainda assim, hoje, estamos diante de várias mudanças em prol da educação para surdos,
mas não é difícil de encontrar resistência de algumas escolas em aceitar o modelo sócio-
antropológico como filosofia pedagogia. Então como já apontavam (Behares, 1993, Padden e
Humphries,1988; Skliar, Massone e Veinberg, 1995 apud Skliar 1998), a questão não está no
quanto os projetos pedagógicos se distanciam do modelo clínico, mas o quanto realmente se
aproxima de um olhar antropológico e cultural (p. 8).
Existe um movimento preciso da história em que a surdez e a criança surda foram
virtualmente arrancadas do contexto da escola, da pedagogia, e obrigadas a transitar pelo
âmbito da medicina, de acordo com o processo que alguns autores chamam a medicalizacação
da surdez (Cuxac, 1993, op. Cit.; Lane, 1986; List, 1990; Sanchez, 1989, etc. apud Skliar).
Medicalização a surdez significa entender-la como um problema, à correção de defeitos
da fala, que se utiliza de recursos como a leitura labial como um dos meios para a possível
“cura” da deficiência a surdez. Para Behares (20001, p. 1) apud Sá (2002, p. 48), a tradição
médico-terapêutico influenciou a definição da surdez a partir do déficit auditivo e da
classificação da surdez (leve, profunda, congênita, pré-linguistica, etc.), mas deixou de incluir
a experiência da surdez e de considerar os contextos psicossociais e culturais nos quais a
pessoa surda se desenvolve.
Outra discussão que permeia os debates sobre a surdez são as definições do que é ser
normal ou anormal, mas só que desta vez não diz respeito somente às questões biológicas,
mas principalmente a questões sociais.
Nas palavras de Canguilhem (1995):
O anormal não é o ser humano destituído de norma, e sim aquele que possui características diferentes e não faz parte da média considerada normal, que segue as normas estabelecidas socialmente. Características individuais distintas do esperado não são bem vendas. Canguilhem (1995): apud Santana (2005, p. 23)
Características “fora do comum” ou diferentes da maioria, não são bem vistas nesse
processo que classifica a normalidade, quando ocorre em contexto social, por exemplo,
podemos perceber que algumas pessoas são discriminadas por não conhecerem a norma culta
da língua falada ou escrita.
Então, as normas sociais como as encontradas no dia a dia como modo de falar, de se
vestir, de pensar, são responsáveis, mesmo que não intencionalmente, de um discurso de
separação, ou seja, dois grupos coexistentes, dividido em bem e mal, certo ou errado, sim ou
não. A maneira como a surdez é vista está ligada diretamente a estes tipos de normas sociais.
Assim, fazer como que a surdez passe de doença para diferença, não se trata simplesmente de
mudança de ponto de vista, mas de estabelecer novas normas que, evidentemente não vai
acontecer de um dia para outro, até porque implicariam em mudanças de ordem sociais.
Alguns autores têm sugerido que a surdez passe de condição patológica à condição de
fenômeno social, ou político-social.
Essas mudanças de normais sociais devem ser acompanhadas também de uma nova
nomenclatura, não só terminologicamente, mas também conceitual: de deficiente auditivo
para surdo ou ainda Surdo. Historicamente, os surdos eram considerados deficientes e a
surdez uma patologia que não poderia ser curada.
Conforme aponta Moura (2000) esses conceitos:
São termos ideologicamente marcados, Além disso, os surdos não são considerados deficientes, pelo uso de uma língua comum. Eles acabam por inaugurar uma nova fase de luta pelo direito à diferença, que reflete também questões políticas, de poder e de inserção social. Dessa forma, a língua passa a ser considerada ou identificada com expressão de uma cultura especifica. Moura (2000) apud Santana (2005, p. 33)
A língua de sinais é conferida por lei como meio legal de comunicação e expressão dos
sujeitos surdos, que além de questões relacionadas à lingüística e a cognição da criança surda
deve ser vista também como um meio de interação social. Então se é alegado por alguns
autores que o ser “anormal” em relação à surdez é caracterizado pela ausência de uma língua
e tudo que ela representa como o conhecimento, à aprendizagem e o pensamento, a partir do
momento em que se reconhece a língua de sinais como a língua própria dos surdos, o conceito
entendido por normalidade também deve mudar.
Segundo Santana (2005), a língua sinais legitima o surdo como “sujeito de linguagem” e
é capaz de transformar a “anormalidade” em diferença. Isso é resultado de uma luta pela
redefinição do que é considerado normal. A idéia de que a surdez é uma diferença traz com
ela uma delimitação de esferas sociais: a identidade surda, a cultura surda, a comunidade
surda10.
Os conceitos ou a mudanças por novos conceitos não é a solução para o dilema da nova
concepção sobre a surdez. E se o fosse, apenas bastaria determinar a definição e doente e
10 Comunidade Surda, de acordo com Sá (2002, p. 125), é definida como um grupo de pessoas que estão envolvidas com a surdez – compartilhando interpretações, significados e representações – seja pelo fato de serem surdos, ou de serem parentes de surdos, de serem amigos de surdos, ou de serem profissionais que trabalham com os surdos, cujo envolvimento se dá pela sensibilidade para com as questões em envolvem os surdos – sua língua, sua cultura, seus direitos, seus saberes, suas lutas.
diferente. Estes conceitos não podem ser estáticos, mas sim dinâmicos, por que dependendo
do contexto social ou os sujeitos envolvidos esse conceito pode mudar.
A adoção a essa “nova” concepção sobre a representação da surdez como diferença deve
ser introduzida inicialmente com pequenas ações como na utilização e analises de termos
como “cultura surda”, “identidade surda”, “língua de sinais”. Fica evidente que, não se trata
apenas de questões terminológicas ou de nomenclatura, como já foi visto, trata-se de questões
ideológicas daqueles que pesquisam, estudam e escrevem sobre a educação para surdos.
Vejamos, por exemplo, a definição de Behares (1994, p. 1) apud Santana (2005, p. 34), uma
pessoa surda é aquela, que por ter um déficit de audição, apresenta uma diferença com
respeito ai padrão esperado e, portanto, deve construir uma identidade em termos dessa
diferença para integrar-se na sociedade em que nasceu.
Nesta simples, mas esplêndida definição da pessoa surda, o autor utiliza-se dos termos
que salientei no parágrafo acima de maneira muito além de uma simples nomenclatura, mas
de forma significativa, pois se preocupa com praticamente todas as instancias relativas ao
surdo: surdez como diferença, identidade e cultura surda.
4.2 CULTURA SURDA
Quando, de uma forma geral, pensamos no conceito de cultura, logo somos remetidos a
refletir sobre questões como costumes, crenças, religião, modo de agir e vestir. Para Gertz
(1989) apud Santana (2005), o conceito de cultura é essencialmente semiótico: o homem seria
um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo tece. A cultura seria o conjunto
dessas teias. A cultura não é apenas um complexo de padrões concretos de comportamento,
costumes, usos, tradições, feixes de hábitos; é também um conjunto de mecanismo de
controle, planos receitas, regras e instruções para governar os atos (p.45).
Em relação à surdez é bastante comum encontramos o termo “cultura” definida como
um grupo de minoria lingüística que se baseia no fato da língua de sinais ser utilizada por um
grupo restrito de usuários. Nessa lógica, a própria prática gestual, é entendida como
estratégias sociais ou mecanismos compensatórios de que o surdo se utiliza por viverem em
uma situação de desvantagem social, já que tem uma limitada participação na vida
majoritariamente ouvinte.
Existem dois pontos, pelo menos, que merecem ser destacados nessa situação. O
primeiro deles argumenta que apenas fazer parte de um grupo lingüístico diferenciado, não
faz com que o surdo “ganhe” o direito de ser reconhecido como um sujeito que pertence a
uma outra cultura. Em suma, o uso de uma língua isoladamente não é o suficiente para
creditar ao surdo ser membro de uma cultura em particular. O argumento central é que os
surdos e ouvintes nascem e crescem em meio a os mesmos valores, crenças e modos
socialmente estabelecidos, então, os mesmos, são seres que vivem em uma mesma cultura,
uma vez que participam de uma mesma comunidade. Nas palavras de Santana (2005), códigos
específicos não expressam uma cultura diferente, apenas indicam a particularidade de um
grupo dentro de um sistema social (...), porém não se pode ignorar a separação que a própria
sociedade faz entre surdos e ouvintes (p.45).
O outro ponto, tem em seus argumentos um pouco mais de complexidade. Deste modo,
as discussões não devem se limitar apenas às questões teóricas, no sentido em que defende ou
não a existência de uma cultura surda. Questões desse tipo devem ser pensadas não de forma
rígida, como alguns conceituam cultura, de maneira conservadora. Então, assim como nas
questões que pontuamos sobre a surdez, mais uma vez, assumir a existência de uma cultura
surda implica admitir uma segregação entre surdos e ouvintes.
Assim, como pontuamos nas discussões em relativas à surdez, o termo cultura, não
aparece apenas como um direito ou tentativa de melhoria para o surdo, a defesa de uma
cultura surda também pode ser entendida como um mecanismo de desigualdade. Não é o que
dizem Rangel e Stumpf (2004), a ressignificação da surdez, como representação de uma
diferença cultural, possibilita ao sujeito surdo o sentimento profundo de pertencimento e o
leva a inserir-se no social, fazendo parte de um grupo naturalmente definido de pessoas,
práticas e instituições sociais (p. 87).
Nesta duas óticas podemos ,mais uma vez, evidenciar a incessante tentativa dos ouvintes
em negar tanto a existência da língua de sinais, que merece ser vista como um meio de
comunicação entre os surdos, constituindo-se assim como um mecanismo de identidade entre
seus pares e não um mecanismo de desigualdade entre culturas, quanto à negação de uma
cultura surda, esta que pode ser entendida como uma conseqüência da união entre os sujeitos
surdos que se identificam e se reconhecem dentro de uma comunidade.
Quando alguns autores mais extremistas, a exemplo de Anderson (1989) apud Skliar
(1998), diz que o uso da língua de sinais pela comunidade surda se constitui sempre como um
fator de exclusão da sociedade majoritária. Disto isto, nos remetemos ao seguinte
questionamento: Como se exclui um ser humano (surdo) que durante décadas nunca foi
incluído?
Não pretendo, nesse momento, discutir questões como inclusão social ou educacional
dos surdos, apenas salientar que se a razão pela quais os ouvintes negam a existência de uma
cultura surda está no simples fato de acharem que os surdos estarão de alguma forma, sendo
excluídos socialmente existe então uma enorme contradição por parte dessa comunidade
majoritária (os ouvintes). Por que, não foram os próprios ouvintes que durante séculos
excluíram os surdos, por possuírem uma forma de comunicação diferente, como agora, eles
querem abolir com uma prática que durante décadas foi o seu grande ideal.
Partindo da concepção social-antropológico da surdez, Sá (1999) salienta:
O objetivo de considerar, no estudo da problemática do surdo, a questão cultural, não é o de incentivar a criação de grupos minoritários à margem da sociedade, mas justamente o contrário, ou seja, o de considerar a diferença lingüística como necessária para possibilitar o desenvolvimento normal da cognição, da subjetividade, da expressividade e da cidadania da pessoa surda. (Sá, 1999, p. 157 e 158)
Fica sendo óbvio que a utilização do termo cultura surda irá aparecer com mais
freqüência entre os surdos e os profissionais que trabalham com a surdez, mas isso de
nenhuma forma é razão para que seja negada a existência de uma cultura surda.
Kozlowski (2000), por exemplo, afirma que a existência de uma cultura surda faz parte
da educação bilíngue. O surdo seria bilíngue e bicultural. O biculturalismo designa o conjunto
de referencias à história dos surdos, de significações simbólicas veiculadas pelo uso de uma
língua comum, de estratégias e de códigos sociais utilizados de maneira comum pelos surdos
para viverem numa sociedade feita por e para ouvintes.
Uma das primeiras ações que a escola pode ter é introduzir em seu currículo questões
onde possa ser discutida a cultura surda e a surdez. Essa ação poderia ocorrer, por exemplo,
em disciplinas como história, onde poderiam ser ensinadas aos alunos surdos, um pouco mais
sobre a história dos surdos, da língua de sinais, das escolas de surdos, da comunidade surda e
das novas tecnologias surdas. Ressaltando mais uma vez que, a proposta bilíngue, parte do
princípio de uma educação para surdos em escolas de surdos e não inclusivas ou em classes
especiais.
A cultura surda não se limita apenas ao uso da língua de sinais assim como bem
aponta Lane (1992), ressaltando que a cultura surda, além de uma língua, é composta de
literatura específica, de história própria, de contos de fadas, fábulas, romances, peças de
teatro, anedotas e jogos de mímicas.
Assim, como em qualquer outra cultura, não se pode alegar que a cultura surda é
“limitada” por causa das diferenças lingüísticas. Devemos pensar na cultura surda como mais
uma, no sentido de reconhecer o Brasil ou o mundo, como sendo um espaço de
multiculturalismo.
4.3 IDENTIDADE SURDA
Em relação à construção de identidade, podemos dizer que, a mesma, ocorre por meio
do desenvolvimento da cultura que uma comunidade se forma, se integra e se identifica. Neste
sentido, a existência de uma Cultura Surda auxiliará na construção de uma identidade das
pessoas surdas. Por essa razão, falar em Cultura Surda significa também abordar questões
como a identidade surda. Para que o surdo possa se sentir, um sujeito integrante de uma
comunidade surda, vai depender diretamente do grau de identidade desse surdo dentro de uma
sociedade.
De acordo com Perlin, (1998), a identidade pode ser definida como: identidade
flutuante, na qual o surdo se espelha na representação hegemônica do ouvinte, vivendo e se
manifestando de acordo com o mundo dos ouvintes; identidade inconformada, na qual o
surdo não consegue captar a representação da identidade ouvinte, hegemônica, esse sente
numa identidade subalterna; identidade de transição, na qual o contado dos surdos com a
comunidade surda é tardio, o que faz passar da comunidade visual-oral (na maioria das vezes
truncada) para a comunidade visual sinalizada – o surdo passa por um conflito cultural;
identidade hibrida, reconhecida nos surdos que nascem ouvintes e se ensurdecem e terão
presentes as duas línguas numa dependência dos sinais e do pensamento na língua oral
identidade surda, na qual ser surdo é estar no mundo visual e desenvolver sua experiência na
Língua de Sinais. Os surdos que assumem a identidade surda são representados por discursos
que os vêem capazes como sujeitos culturais, uma formação de identidade que só ocorre entre
os espaços culturais surdos.
Uma vez que, através do contato, o surdo tinha a possibilidade de se identidade com
outros surdos, esses podem criar uma relação de cumplicidade, como na troca de informações
sobre a vida, contar histórias, piadas, ou até mesmo revelar problemas em comum vivenciados
na escola ou com os familiares, geralmente essas dificuldades estão relacionada à
comunicação, ou na falta dela. É através desse contato surdo-surdo e da necessidade de
construção de uma identidade própria que podemos verificar o surgimento de uma Cultura
Surda.
A maioria dos estudos pautados na discussão da identidade surda esta relacionados à
língua de sinais. Para Perlin (1998), Moura (2000) apud Santana (2005), é através da língua
de sinais, e só por meio dela, adquirida em qualquer idade, o sujeito surdo construirá uma
identidade surda, já que ele não é ouvinte ( p.41).
Seguindo essa lógica, de que o surdo por utilizarem uma forma de comunicação
diferenciada, língua de sinais, seriam automaticamente classificado como seres que se
reconhecem como surdo e assim de identificam tanto como sujeitos surdos quanto com seus
pares, podemos dizer então que, os ouvintes, por utilizarem uma forma de comunicação à
língua oral, se constituem como sujeitos que, de uma forma geral, se identificam, se
reconhecem e convivem harmoniosamente em sociedade.
É sabido que em relação aos ouvintes essa sentença é falsa, por que para definir a
identidade de um ser humano é necessário considerar questões sociais, econômicas, históricas
e étnicas. Então, também nessa mesma lógica, como o surdo é um ser humano, não podemos
determinar que somente com a utilização da língua de sinais o surdo vai possibilitar uma
identidade surda.
Nas palavras de Skliar (1998), além das crianças possuírem a potencialidade da
aquisição da língua de sinais, elas têm o direito de se desenvolver numa comunidade de pares,
e de construírem estratégias de identificação no marco de um processo sócio-histórico não
fragmentado, nem cerceado. E salienta que, o processo individual ou a individualização de
identificações não podem ser vistas como se elas fossem homogêneas, estáveis, fixas, como se
a identificação entre os surdos ocorresse de forma inevitável, uma vez que a “surdez os
identifica”. Ainda segundo Skliar, questões ligadas à raça, à etnia, ao gênero, etc., devem ser
pensadas por uma política de identidade surda, e que sejam entendidas como “identidade
surda”; identidade que são, necessariamente, híbridas e estão em constante processo de
transição (p. 27).
Esta questão sobre a identidade surda, de certa forma também é um pouco complexa,
pois apesar de afirmarmos que o uso da língua de sinais como forma de comunicação não se
constitui, somente ele, como um mecanismo de identidade para o surdo, ao mesmo tempo
temos que entender que ela pode não ser a única, mas deve ser vista como um das mais
importante veículo de construção de uma identidade.
Conforme aponta Sá (2002):
Mesmo considerando que o aspecto lingüístico não é o único nem o principal aspecto na construção da(s) identidade(s) dos surdos, friso que a identidade de um individuo se constrói na e através da língua. A língua é uma atividade em evolução, assim como é a identidade. [...]. Atribui-se importância ao uso da língua de sinais na construção da(s) identidade(s) do surdo, pelo valor que a língua tem como instrumento de comunicação, de troca, de reflexão, de critica, de posicionamento (...). (Sá, 2002, p. 105)
Desta forma, é necessário que se entenda que a língua de sinais deve ser utilizada pelos
surdos o mais cedo possível, através do contato com outros surdos, para que assim o sujeito
surdo possa “criar” deste a infância até a vida adulta uma identificação com esses pares.
Para Sá (2002), os processos identificatórios da criança surda, começam na interação
com os outros surdos: neste relacionamento, a criança surda pode não apenas adquirir de
modo natural a língua de sinais, mas também pode assumir padrões de conduta e valores da
cultura e da comunidade surda (p. 102-103).
Se for negado ao surdo o direito de “ser surdo” com a proibição ou a inibição do uso da
língua de sinais enquanto crianças, quando adulto, o mesmo, não irá se sentir parte de uma
comunidade surda, de uma cultura surda e conseqüentemente não construirão uma identidade
surda.
Uma das causas que podem explicar o processo de aquisição da língua de sinais
relacionada à identidade e família, já foi mencionada no segundo capítulo, quanto foram
abordadas questões sobre a educação bilíngue. Naquele momento, foi apresentado um dado
afirmando que 90% da população surda no mundo constituem-se de surdos filhos de pais
ouvintes. Diante desta realidade, quando falamos nos aspectos identitários dos surdos, temos
que ressaltar, que desde o nascimento, os surdos foram expostos a uma série de construção de
identidades que se iniciam com a expectativa dos pais, usuários de uma língua (oral), desta
maneira seus filhos (surdos) não teriam acesso a língua de sinais de maneira natural.
As representações sociais sobre os surdos e a surdez começaram a se formar desde as
primeiras experiências na família, que por sua vez , é muito influenciada pelos médicos com o
modelo clínico-terapêutico. A grande maioria dos surdos crescem afastados de uma
comunidade surda, com isso não tiveram a chance de crescer em contato com outros surdos,
sendo assim, privados de um dos principais fatores que viabilizam a construção de uma
identidade surda que é o contato com surdos desde criança.
Nas palavras de Sá (2002):
Esse contato possibilita a criança surda absorver não o modelo que a sociedade ouvinte tem para os surdos, mas o que os surdos têm a respeito de si mesmo (este é o principal beneficio da experiência comunitária da surdez através da vida escolar precoce: a possibilidade de construção de sua identidade de surdo). (Sá, 2002, p. 103)
E como apontava Skliar (1998), Sá (2002), os surdos e a comunidade surda são plurais,
como é todo agrupamento humano e que toda identidade é dinâmica e é transformada
continuamente. A intenção é que seja entendido que não existe uma única identidade surda,
apenas pelo fato de serem identificados a partir de descrição universal, ou seja, só por que são
surdos eles têm que se identificarem.
4.4 LÍNGUA DE SINAIS
Desde o início das discussões sobre a educação bilíngue, mesmo que direta ou
indiretamente, a língua de sinais sempre permeou os debates sobre esta abordagem
educacional. Neste momento, a intenção é de demonstrar a importância, da mesma, no
processo da educação para surdos.
A princípio, entendia-se que essa modalidade lingüística surgiu porque a deficiência
auditiva impedia o surdo de adquirir a língua oral. Desta forma, a língua de sinais deixa de ser
vista como um processo e como um produto construído histórico e socialmente pelas
comunidades surdas.
Os primeiros estudos sobre esta modalidade lingüística surgiram das investigações de
Stokoe (1960) e de Bellugi e Klima (1977), e a partir de então, criam-se as bases para o
estudo científico da língua de sinais enquanto sistema lingüístico.
A razão pela qual a língua de sinais não ser reconhecida como a língua da comunidade
surda, pode ser explicada pelo fato de a maioria das pessoas relacionarem a língua com a fala.
Assim, quando falamos em língua de sinais, muitos não conseguem associar a língua com
sinais, ocasionando assim um equívoco sobre a língua de sinais.
Karnopp (1994 p. 24-32), (Quadros, 1997, p. 46), (Quadros, 2004, p. 31-37) baseada em
pesquisas em diversos países sobre o estatuto lingüístico da língua de sinais, apresenta
algumas concepções inadequadas em relação a língua de sinais: haveria uma única e universal
língua de sinais usada por todas as pessoas; haveria uma falha na organização gramatical da
língua de sinais, que seria derivada das línguas de sinais, sendo um pidgin sem estrutura
própria, subordinado e inferior às línguas orais; e a língua de sinais seria um sistema de
comunicação superficial, com conteúdo restrito, sem estética, expressiva e linguisticamente
inferior ao sistema de comunicação oral.
Estas concepções vêm sendo respondidas através de pesquisas com diversas línguas de
sinais existentes no mundo. Faz-se necessário, neste momento, esclarecer estes equívocos que
concernem à língua de sinais, desta forma construiremos uma compreensão de sua função
dentro de uma proposta de educação bilíngue.
Em primeiro lugar, as línguas de sinais estão situadas em uma modalidade lingüística
completamente diferente das línguas orais, uma vez que, o canal de comunicação das línguas
orais é representado por uma modalidade oral-auditivo e a língua de sinais são línguas com
representação na modalidade espaço-visual.
Nas palavras de Skliar (1998):
Os trabalhos da lingüística pós-estruturalista avaliaram a estatuto lingüístico das línguas de sinais como línguas naturais e como sistemas a serem diferenciados das línguas orais: o uso do espaço como valor sintático e a simultaneidade dos espaços gramaticais são algumas das restrições levantadas pela modalidade viso-espacial, que determina sua diferença estrutural e funcional em relação às línguas auditivo-orais. [...]. Deste modo, a língua oral e a língua de sinais não constituem uma oposição, mas sim, canais diferentes para a transmissão e recepção da capacidade – mental – da linguagem. (Skliar, 1998, p. 24)
Quando Skliar faz referência à língua de sinais com uma língua natural, o mesmo
salienta que não se refere à certa espontaneidade biológica. Língua natural, aqui, deve ser
entendida com uma língua que foi criada e é utilizada por uma comunidade especifica de
usuários, que se transmite de geração em geração, e que muda – tanto estrutural como
funcionalmente – com o passar do tempo.
Existem duas causas que dificultam o reconhecimento da língua de sinais como uma
língua natural, a primeira delas, alegar que a língua de sinais não é adquiria de forma natural,
uma vez que esta seria uma derivação da língua oral, esta concepção deve ser desconsiderada,
porque tanto as línguas orais quanto as língua de sinais surgem da mesma forma, que é da
necessidade, natural, dos seres humanos de expressar sentimentos, idéias e ações. Assim, as
línguas de sinais não derivam das línguas orais, apenas apresentam canais de comunicação
diferentes. Uma outra causa acredita que as línguas de sinais são universais, o que é um
verdadeiro absurdo, pois, assim como as línguas orais, tais línguas não são universais, isso
que dizer que, cada país apresenta a sua própria língua de sinais.
O sentido de universal aqui se refere à concepção de ter no mundo inteiro uma língua
gestual como usada pelas pessoas surdas. A LIBRAS, a ASL11 e outras línguas têm
evidenciado a existência de universais lingüísticos essenciais comuns em qualquer línguas,
independente de estas serem orais ou sinalizadas. Isso não significa, no entanto, que tais
línguas não sejam diferentes. Elas diferem no léxico e nos aspectos estruturais
parametrizáveis. (Chomsky, 1995 citado por Quadros, 1997, p. 66).
Na escola a língua de sinais ainda é vista como uma oposição entre a oralidade e a
gestualidade, ou seja, a língua de sinais é derivada de gestos espontâneos produzidos pelos
ouvintes. Essa representação sobre a língua de sinais apresentada pelas escolas, acaba por
produzir problema para os alunos surdos.
11 ASL significa Língua Americana de Sinais (Estados Unidos), assim como: LSF - Língua Francesa de Sinais; HSE – Língua Nigeriana de Sinais; LSA – Língua Argentina de Sinais; JPL – Língua Japonesa de Sinais, etc.
De acordo com Skliar (1998), a grande dificuldade com o uso da língua de sinais no
sistema educacional é que esta língua não é a dos professores e profissionais ouvintes,
portanto, o problema não é a oposição entre língua oral e língua de sinais. Então, a questão
deve ser revertida para a seguinte proposição: a língua dos ouvintes não é a língua dos surdos.
(ibid, p. 24). Nesta perspectivas, mais uma vez, vale ressaltar que, o foco das discussões não
pode ser apenas no víeis lingüísticos, ou seja, não podemos considerar que apenas o uso, ou
não de duas línguas nos projetos de educação para surdos garantirá uma qualidade na
educação.
As propostas bilíngue não devem se concentrar apenas em definir a utilização das duas
línguas (oral e gestual) na educação para surdos, uma vez que a uso da língua de sinais não
significa o fim do problema na educação para surdos. Essas, naturais que são, podem segundo
Skliar (1998, p. 25), ainda que exista um espaço para as duas línguas em questão, pode
corresponder perfeitamente a dois grupos diferentes a duas ou mais representação sobre o
mundo. Dessa forma, a educação de surdos continuará sendo um projeto assimétrico de
poderes e saberes. Nesse sentido, Skliar não se refere à educação bilíngue como sendo para os
surdos o desenvolvimento de habilidades lingüísticas em duas línguas, mas sim com o direito
que a criança surda tem de ser educação em uma língua diferente da oficial.
4.4.1 Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS
Depois de abordamos, de maneira geral, as questões lingüísticas, teóricas e ideológicas
sobre as línguas de sinais, esse momento, apresentaremos as contribuições que concernem a
nossa língua de sinais denominada de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.
O Brasil ainda era uma colônia de Portugal governada pelo imperador D. Pedro II,
quando surgiram os primeiros relatos do aparecimento da língua de sinais para surdos no país,
mas precisamente no estado do Rio de Janeiro. O conde francês Hernest Huet, em 1855, foi
quem trouxe o alfabeto manual francês e alguns sinais, e foi este material que contribuiu para
o surgimento da Língua Brasileira de Sinais.
As primeiras contribuições teóricas sobre a Língua Brasileira de Sinais, começam na
década de 80, através das pesquisas da professora lingüista Lucinda Ferreira Brito, vale
ressaltar que como já foi explicitado no capítulo sobre as abordagens educacionais para
surdos, ela é a mesma responsável pelo pioneirismo da proposta de uma educação bilíngue
para surdos. Para Goldfeld (2001, p. 30), é a partir dessas pesquisas que o bilingüismo
começa no Brasil. No início dessas pesquisas ainda seguindo um padrão internacional, a
professora abreviou está língua de LSCB (Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros),
essa abreviação era, mas para diferenciar - lá da LSKB (Língua de Sinais Kaapor Brasileira),
essa língua de sinais era utilizada pelos índios Uruku-Kaapor no estado do Maranhão.
Vistos estes primeiros acontecimentos que corroboraram para o surgimento e
desenvolvimento da Língua Brasileira de Sinais, o objetivo neste momento é apresentar as
políticas nacionais relacionadas a essa língua, juntamente com as orientações dessas leis para
o desenvolvimento da educação para surdos. Será explicitado então a Lei de N.º10.436 de 24
de Abril de 200212 e o Decreto N.º 5.626 de Dezembro de 200513.
A Lei n.º 10.436, de 24 de abril de 2002, é uma das conquista adquiridas pelas
comunidade surda que durante anos lutaram pelo reconhecimento de sua língua natural. Esse
fato teve como conseqüência o reconhecimento da LIBRAS como uma língua,sendo esta
responsável pela comunicação entre os surdos. Esta lei reconhece a LIBRAS com “a forma de
comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com
estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e
fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil” (artigo 1º, parágrafo único).
Essa lei apresenta, uma alentadora novidade: reconhece a Libras como uma língua
nativa, portanto brasileira, e não estrangeira, ao admitir ser uma língua de comunidades de
pessoas surdas brasileiras, uma ação politicamente marcada, embora focada na perspectiva
lingüística. Portanto, se o Estado mantém o português como língua oficial, por outro lado,
admite a existência de outra língua nativa e de cidadão brasileiros – que não são imigrantes
nem pertencentes a nações indígenas. (Souza, 2007, p. 191).
Após três anos a Lei N.º10.436 de 24 de abril de 2002 é regulamentada pelo Decreto
N.º 5.626 de Dezembro de 2005, que garante o direito do estudante surdo a uma educação
bilíngue nas escolas publicas e privadas até o ensino superior , assim deverá “ofertar,
obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino da Libras e também da Língua
Portuguesa, como segunda língua para os surdos” (art. 14, caput II).
Nota-se que, este reconhecimento da Libras como um meio possível de educar o surdo
se constitui como uma quebra de paradigma no cenário da educação de surdos no Brasileiro,
pois, até então, eles (os surdos) eram educados através da língua portuguesas, não no sentido
somente da aprendizagem na modalidade escrita, mas também na aquisição da língua oral.
Ainda assim, quando pensamos na Libras como língua para o ensino de surdos alguns
questionamentos devem ser feitos: quem é esse profissional que vai ensinar ao surdo? Como
12 Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ccivil/leis/2002/L10436.htm. 13 Disponível em: http://presidencia.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm.
acontece a formação desses profissionais? As instituições superiores estão preparadas para
auxiliar esses profissionais no processo de formação acadêmica?
O decreto N.º 5.626 tenta esclarecer essas dúvidas sobre o formação de professores para
a ensino dos estudantes surdos. Em seu Capítulo II, Art. 3º, o mesmo decreto afirma que: a
Libras deve ser inserida como disciplinas curricular obrigatória nos cursos de formação de
professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de
Fonoaudióloga, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e
dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito e dos Municípios. E complementa em seu § 1º
que: todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de
nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Pedagogia e o curso
de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da
educação para o exercício do magistério. Sendo que todas as especificidades apontam no
decreto devem ser atendidas pelas instituições de ensino superior ou médio até 10 anos, da
data de publicação do mesmo14. Até o presente momento se passaram 5 anos desde a data
publicação, restando assim 5 anos para o cumprimento deste decreto.
De uma forma geral, as discussões acerca da formação docente para o atendimento de
crianças com necessidades especiais, no Brasil, ainda é motivo de muita preocupação em
termos de metodologias educacionais. Essa situação pode ser explicada pelo simples fato de
durante o processo de formação (acadêmica) são notórias as lacunas presentes em termos de
currículo dos cursos de formação universitária.
Em relação à educação para surdos essa dificuldade, na formação docente, não se
apresenta de maneira diferente. Primeiro porque, apesar de estarem determinadas no decreto
citado à cima, o que presenciamos é que ainda algumas instituições acadêmicas não
adaptaram seu currículo de forma que a Libras se constitua como uma disciplina em sua grade
curricular. Segundo (uma possível conseqüência do primeiro), já que o processo de formação
de profissionais especializados em Libras é deficitário, quem seriam essas pessoas
(professores) que ensinariam aos pré-educandos em formação? Terceiro, uma vez que ocorra
de fato esta formação especializada, devemos atentar para o fato de que, as mesmas não
poderem ter apenas um caráter conteudista, um título apenas, ou seja, não se trata somente de
ensinar aos educandos em formação alguns sinais isoladamente e afirmar que esses
profissionais estão prontos para trabalhar com a educação de surdos. Mesmo que de forma
simples, os educandos que desejam trabalhar com alunos surdos, devem está inseridos em
14 O decreto N.º 5.626 foi publicado em: Brasília, 22 de dezembro de 2005.
uma comunidade surda, pois será através dela que os mesmo poderão entender e ajudar os
surdos tanto de maneira educacional quanto na formação do surdo com sujeito. Quarto, uma
vez que, essa formação não ocorra, cabe ao estudante em formação também “correr atrás do
prejuízo”, ou seja, existem cursos de capacitação disponibilizados pela maioria das
instituições que trabalham tanto com a educação especial quanto com a educação de surdos.
O objetivo não é apenas apontar as dificuldades em relação à formação de professores
para ensino de surdos, mas sim evidenciar o quão importante é a formação de professores,
principalmente se pleiteamos uma educação para surdos numa perspectiva de educação
bilíngue.
Portanto, todo o processo de formação de docentes, independentemente da área de
atuação, tem que ser realizado com dedicação. No caso da educação de surdos, existe uma
relação direta entre formação docente e a aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais.
Assim, a prática bilíngue depende exclusivamente dessa formação docente, daí a urgência em
formar profissionais especializados/qualificados para ensinar os alunos surdos.
5. ANÁLISES DE DADOS
5.1 METODOLOGIA DA PESQUISA
A proposta metodologia escolhida para subsidiar este trabalho segue a linha de pesquisa
qualitativa, pois considero esta modalidade investigativa mais apropriada para alcançar o
universo pesquisado das ações educacionais nas escolas que atendem alunos surdos
verificando como ocorre a prática educativa em uma proposta educacional bilíngue. Este
estudo implica, portanto, conhecer e analisar os métodos de ensino, a relação surdo/surdo e
surdo/ouvinte no cotidiano dessas escolas.
Para desenvolver este trabalho foram escolhidas, três escolas como campo de
observação: APADA-BA, Escola Estadual João das Botas e o CAS – Wilson Lins
Segundo Bogdan e Biklen (1982) apud André (1986, p. 11-13), a pesquisa qualitativa
apresenta cinco características básicas:
1.A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o
pesquisador como o seu principal instrumento; ou seja, é necessário que haja um contato
direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada,
somente com um trabalho intensivo de campo é que podemos presenciar situações que
ocorram de maneira natural. Para esses autores esse estudo também pode ser chamado de
“naturalístico”, assim todo estudo qualitativo e também naturalístico.
2. Os dados coletados são predominantemente descritivos; todo material obtido através
das observações descrevam situações, pessoas, depoimentos, fotos e ambientes, dessa maneira
para subsidiar afirmações ou esclarecer pontos de vistas, o uso das citações devem ser
freqüentes um uma pesquisa.
3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto; o pesquisador
deve ser preocupar em estudar, independente do problema, como acontecem as atividades, os
procedimentos e as interações no cotidiano.
4. O “significado” que as pessoas dão às coisas e a sua vida são focos de atenção
especial pelo pesquisador; ao considerar diferente ponto de vista, os estudos qualitativos
permitem iluminar dinamismo interno das situações, geralmente inacessível ao observador
externo. O pesquisador deve ter a preocupação de checar, discutir e confrontar abertamente
com os outros participantes para que as informações possam ser ou não confirmadas.
5. A analise de dados tende a seguir um processo indutivo; os pesquisadores não podem
ser preocupar em buscar evidências para comprovar as hipóteses definidas antes do início da
pesquisa.
Partindo das idéias, características e técnicas que permeiam a pesquisa qualitativa,
adotei através desses pressupostos que subsidiam a metodologia em um caráter qualitativo a
pesquisa do tipo estudo de caso. A escolha por essa técnica, se justifica por permitir ao
pesquisador observar o cotidiano dos sujeitos que estão sendo estudados.
Nas palavras de André (1986):
A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da “perceptiva dos sujeitos”, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações. (p. 26)
A observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza os
sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e
ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se desejam estudar. A observação
ajuda o pesquisador a identificar e a obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os
indivíduos não têm consciência, mas que orienta seu comportamento. Desempenha papel
importante nos processos observacionais, no contexto da descoberta, e obriga o investigador a
um contato mais direto com a realidade. É o ponto de partida da investigação social
(LAKATOS 1991, p. 190-191).
Através dessas técnicas de observações serão descritos o ambiente em que os discentes
surdos estudam, da sala de aula aos espaços de interação dos surdos com os próprios alunos
surdos, bem como com os ouvintes. Com relação aos alunos surdos, será apontado como
ocorre o processo de ensino e aprendizagem durante as aulas bem como descrever os
materiais que são utilizados para o ensino, e principalmente verificar se elas estão sendo
ministradas na língua de sinais. Com relação aos professores e funcionários serão observadas
as formas de comunicação é utilizada com os alunos surdos, bem como qual formação desse
professores que atuam com os estudantes surdos.
De acordo com André e Lüdke (1986, p. 18-21), existem princípios que norteiam o
estudo de caso, entre as características que mais de destacam estão:
1. Os estudos de caso visam à descoberta; os investigadores devem estar atentos em
inserir a todo instante novos elementos ou informações que surjam durante o percurso da
pesquisa. Assim, o quadro teórico inicial servirá de “esqueleto” de uma estrutura básica que
receberá novos elementos na medida em que o estudo avance.
2. Os estudos de caso enfatizam a “interpretação em contexto”; ou seja, o principio
básico para o estudo de caso é que, para uma apreensão mais completa do objeto, é preciso
levar em conta o contexto em que eles se situam, pois assim haverá uma melhor compreensão
dos problemas, das ações e comportamentos das pessoas pesquisadas.
3. Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e profunda; o
pesquisador procura revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada
situação ou problemas, portanto, nesse tipo de pesquisa deve-se priorizar a inter-relação de
seus componentes.
4. Os estudos de caso usam uma variedade de fontes de informações; o pesquisador
deve recorrer a uma variedade de dados, que devem ser coletados em diferentes momentos,
em situações diversas e com uma variedade de tipos de informações.
5. Os estudos de caso revelam experiências vicárias e permitem generalização
naturalística; o pesquisador deve relatar suas experiências durante o estudo de modo que
quem estiver lendo possa fazer suas próprias indagações.
6. Estudos de caso procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos de
vistas presentes numa situação social; quando o objeto ou situação estudada suscitar opiniões
divergentes, cabe ao pesquisador trazer para o estudo esses pontos de vistas, juntamente com
sua própria opinião.
7. Os relatos do estudo de caso utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível do
que os outros relatórios de pesquisa; a apresentação dos dados coletados pode ser
demonstrada através de desenhos, slides, fotografias etc., já os registros escritos, geralmente,
são apresentados de maneira informal, narrativa, ilustrado, citações e descrições.
Portanto, depois de um longo período de observações em campo, através do estudo de
caso, pude vivenciar cada uma dessas etapas. Adiante irei relatar mais detalhadamente essa
experiência, por hora, destaco que foi através dessa prática (estudo de caso) que passei a
entender o sujeito surdo não só como um deficiente auditivo que gostaria de estudar com os
ouvintes, mas como um sujeito com língua e cultura próprias que merece ser reconhecido e
respeitado como tal. Esta é uma das razões pela qual o presente trabalho foi dedicadamente
construído.
Tendo por base, portanto, os pressupostos da pesquisa qualitativa e, especificamente, o
modelo de estudo de casos, os dados obtidos para a construção deste trabalho serão
triangulados por meio de comparações, descrições e análises centradas nas práticas de
educação de surdos orientadas pela proposta bilíngüe.
5.1.1 Recursos Metodológicos
Os dados que serão apresentados, a seguir, foram coletados em três momentos: o
primeiro se refere às minhas primeiras experiências com a comunidade surda, por meio do
curso de LIBRAS na APADA – BA; (2) em função desse curso, conheci a diretora da Escola
Estadual João das Botas, e me ofereci para fazer um trabalho voluntário na sala de apoio dessa
instituição, essas (1,2) aconteceram no período que se estendeu, não ininterruptamente, de
outubro de 2006 a agosto de 2008, (3) se refere às observações mais recentes feitas na escola
para surdos CAS – Wilson Lins, no período do segundo semestre de 2009.
Para configurar este estudo, utilizei os seguintes instrumentos para a coleta de dados:
� Observações em sala de aula (escolas inclusivas e para surdos);
� Registros através de máquina fotográfica de algumas atividades desenvolvidas com os
alunos surdos e da estrutura das instituições15;
� Diário de notas de campo;
� Entrevistas semi-estruturadas com a coordenadora ou diretora responsável pelas
orientações prestadas aos professores e funcionários envolvidas com o trabalho
pedagógico nas escolas;
� Entrevistas semi-estruturadas com professores do ensino inclusivo, especial e das
associações;
5.2 ESPAÇOS EMPÍRICOS
Esta pesquisa tem como espaços empíricos três instituições:
1. APADA – BA16 (Escola Marizanda Dantas); esta associação foi escolhida, pois
além de ser uma escola que atende crianças surdas, também oferece curso de LIBRAS para
todos, sejam profissionais da área de educação, fonoaudiólogos ou pais com filhos surdos.
Uma outra razão para sua escolha, foi por causa de seu objetivo enquanto associação
demonstrando uma preocupação com a formação do sujeito surdo, assim o seu espaço físico é
visto como um ambiente onde os surdos se relacionam com seus pares formando assim uma
comunidade surda.
15 Todas as imagens utilizadas neste trabalho tiveram sua exposição autorizada pelos responsáveis da instituição ou escola investigada. 16 As fotos da instituição encontram-se no Anexo B.
2. Escola Estadual João das Botas17; esta escola foi escolhida por ser uma instituição
inclusiva, onde atende em suas salas regulares alunos surdos. O objetivo com a seleção dessa
escola é poder verificar qual metodologia utilizada pelos professores para o ensino dos alunos
surdos e a formação dos professores, bem como descrever como acontecem os atendimentos
desses alunos na sala de apoio e o cotidiano e a relação dos alunos surdos e ouvintes.
3. CAS – Wilson Lins18; foi selecionada como campo de observação para essa pesquisa,
pois é uma escola onde o ensino é exclusivo para estudantes surdos. O objetivos então são:
examinar como ocorrem as aulas baseadas em uma proposta educativa bilíngue; verificar qual
a formação dos professores da instituição; averigua o espaço escolar, bem como a importância
de uma estrutura física transcritas de forma imagética.
5.3 SUJEITOS DA PESQUISA
Apesar de serem três instituições diferentes os sujeitos da pesquisa, de uma forma geral,
são os mesmos. A princípio os sujeitos dessa pesquisa foram os diretores ou coordenadores
das instituições, em conversas com estes, foram esclarecidas questões como a formação dos
professores e funcionamento da instituição no atendimento aos alunos surdos. Com relação
aos professores foram anotadas questões como os métodos de ensino para o ensino dos alunos
surdos bem como a preocupação deles com a formação desses alunos. Os surdos sujeitos
dessa pesquisa foram estudantes da 6ª e 8ª séries do ensino médio, com faixa etária entre 15 e
18 anos (Escola Estadual João das Botas) e alunos da 3ª série do ensino fundamental, com
faixa etária entre 12 e 16 anos (CAS – Wilson Lins).
5.4 ANÁLISE DOS DADOS
É necessário salientar que para uma melhor compreensão das análises destes dados
coletados, a seqüência dos resultados não serão equivalentes à mesma ordem de observação, a
organização seguirá a seguinte estrutura: na primeira etapa irei descrever e analisar
juntamente com os subsídios teóricos o cotidiano e métodos educacionais para o atendimento
dos alunos surdos em uma escola inclusiva (Escola Estadual João das Botas); na segunda
etapa relatarei esses mesmos ambientes e métodos educacionais só que desta vez na
perspectiva das escolas para surdos (APADA – BA e CAS – Wilson Lins).
Um dos objetivos dessa divisão é demonstrar como ocorre a interação entre surdos e
ouvintes, o processo de ensino e aprendizagem, bem como a formação dos professores para o
17 As fotos da escola encontram-se no Anexo A. 18 As fotos da escola encontram-se o Anexo C.
atendimento aos alunos surdos nas duas instâncias que viabilizam a educação para surdos, que
são as escolas inclusivas, e a escola para surdos. O outro objetivo é que através dessas
observações possamos averiguar a representação da surdez e dos surdos nessas escolas, bem
como verificar como ocorre a educação para surdos baseadas numa perspectiva bilíngue.
5.4.1 Escola Inclusiva
Neste momento, serão relatadas as análises coletadas na primeira fase da pesquisa, que
ocorreu na Escola Estadual João das Botas, localizada na Barra Avenida Morro do Gavazza
S/N próximo ao Quartel da Marinha.
. Essa instituição é denominada inclusiva, pois atende em suas instalações alunos surdos
em suas salas regulares, ou seja, surdos e ouvintes estudam e se relacionam em um mesmo
ambiente educacional.
Iniciando nossas análises, se faz necessário esclarecer o que venha ser inclusão, escola
inclusiva, bem como as políticas educacionais que viabilizam essa pratica educacional.
Um dos marcos históricos que contribuíram com os primeiros pensamentos para a
prática educativa de pessoas com deficiências foi a Conferência Mundial de Educação
Especial realizada em Salamanca na Espanha. Essa conferência tinha o compromisso de uma
Educação Especial para todos19, reconhecendo a necessidade e urgência de providenciar
educação para as crianças, jovem e adulta com necessidade educativas especiais, dentro do
sistema regular de ensino.
Para Mantoan (2004 apud Fonseca-Janes 2007), o termo inclusão não deve ser restringir
apenas “à inserção de alunos deficientes e/ou com necessidades educacionais especiais nas
escolas regulares”, mas sim uma escola que aceite e mantenha todos os alunos, sobretudo, a
seu ver, com qualidade de ensino (p. 90).
E seguindo os mesmo princípios, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, lei
9394/96, influenciada pela Declaração de Salamanca, possui uma diretriz inclusiva apontando
a admissão de todos os discentes com condições físicas e/ou sensorial preferencialmente no
ensino regular.
A fundamentação do discurso da escola inclusiva tem como base o respeito às
diferenças, a democratização do ensino e a igualdade de oportunidade para todos. Esta
perspectiva inclusiva defende a necessidade dos “deficientes” de conviver com os colegas
“normais” e vive-versa, construindo a possibilidade mais a integração desses grupos
19 Referência aos sujeitos excluídos (surdos, cegos, superdotados, dentre outros )
historicamente segregados. (SKLIAR, 1999 e 2000; SASSAKI, 1999; BOTELHO, 2002;
PALHARES, 2002; GOUVÊA, 2005; SILVA, S. & VIZIM 2001; QUADROS, 2003; SILVA,
L & BARAÚNA, 2007).
Integração e segregação são antônimas no sentido literal da palavra, porem são
movimentos dinâmicos presentes nas relações humanas. São conceitos intercambiáveis, pois o
que determina o tipo de relação estabelecida são as possibilidades de “troca” nos espaços e
não a constituição do espaço físico em si. (SILVA S. 2001, p. 181 apud SANTOS, p. 58),
De acordo com a definição do que seria a educação inclusiva e as leis que tangem as
políticas educacionais para surdo, observei três momentos durante meu percurso de estudo de
caso, onde era possível presenciar as relações entre surdos/surdos e , surdos/ouvintes, foram
eles: em salas aula; na sala de apoio e no cotidianos escolar (recreio, eventos na escola).
Pude observar que as aulas ocorriam nas salas regulares e tinham a presença de dois a
três surdos, que por sua vez, sempre sentavam juntos. Na maioria, das vezes durante as aulas,
dava a impressão que eles não eram vistos, nem pelos professores muito menos pelos alunos
ouvintes. Segundo Silva, L. e Baraúna (2007), “segregar e excluir significa colocar o surdo
em uma sala de aula em que este permanece sempre isolado dos demais nas questões relativas
á aprendizagem e desenvolvimento escolar” (p. 66).
Ainda de acordo com Silva, L. e Baraúna (2007):
É preciso romper com as amarras do medo e a falácia de que só existe inclusão quando estão surdos e ouvintes juntos em uma mesma sala de aula. Urge a presença de um conceito de inclusão que ultrapasse as questões físicas. Não se trata de inserir o aluno surdo em salas regulares e heterogêneas, contendo pessoas surdas e ouvintes, mas garantir condições reais de aprendizagem e de desenvolvimento humano para ele. Desta forma, a existência de salas regulares para surdos não sinaliza para a segregação e nem para a “exclusão”. (p. 66)
Os professores ministravam suas aulas normalmente como se todos presentes fossem
ouvintes, não mostrando interesse em saber se os alunos estavam entendendo o assunto.
Quando era realizado algum trabalho em grupo, logo os alunos surdos eram direcionados para
a sala de apoio. Essa falta de contato entre professores, alunos e surdos pode ser explicada
pelo fato de a grande maioria não saber a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e como esse
é o principal responsável pela comunicação entre surdos e ouvintes tanto o processo de ensino
e aprendizagem dos alunos surdos quanto a relação entre professor e aluno fica
comprometido. Para Sá (2002, p. 315), na prática, os professores de surdos geralmente não
são previamente capacitados para o trabalho educacional com surdos, nem são capacitados
para utilizarem língua de sinais, tendo em vista seu lugar de menor importância nos projetos
pedagógicos.
Esta prática ainda revela a questão da baixa expectativa pedagógica dos profissionais
ouvintes com relação á aprendizagem dos educandos surdos. Como os ouvintes, estes
possuem o direito de estar na escola, e de aprender e se desenvolver com dignidade. Assim, é
preciso garantir aos profissionais que atuam nestas escolas uma formação adequada, para
realizar um trabalho capaz de promover a aprendizagem de todos, inclusive daqueles que
estão em condições de deficiência física e/ou sensorial. (SILVA, L & BARAÚNA, 2007, p.
64)
Na sala de apoio, esta situação era bem diferente, pois, a mesma contava com a presença
de duas professoras que sabiam a LIBRAS. Essa sala funcionava de maneira que os alunos
surdos à freqüentavam no turno oposta aos das aulas regulares, assim os alunos que durante a
manhã tinham aula nas salas regulares pela tarde faziam atendimento na sala de apoio, ou
vise-versa.
De acordo com Silva, L. e Baraúna (2007) as escolas regulares, têm que pensar nessas
salas de apoio como um espaço de ensino que trabalhe com as peculiaridades, as potencias e
as necessidades de cada grupo, ou seja, que não se faça um atendimento apenas de apoio no
extra-turno.
Por minhas aulas na faculdade serem pela manhã a maioria das minhas observações e
trabalho voluntário ocorria no turno da tarde. Vale ressaltar que o atendimento na sala de
apoio não era imposto como uma obrigação para os alunos surdos, ainda assim, era muito
freqüente a presença deles nessa sala. Destaco algumas razoes que podem explicar essa
situação: a primeira – e talvez a principal – era por que essa sala era o único ambiente onde
eles poderiam ser comunicar utilizando a língua de sinais, o restante das razões são quase que
conseqüência da primeira, era na sala de apoio que os surdos se relacionavam com surdos e
alguns poucos ouvintes, os exercício e trabalhos passados pelos professores eram respondidos
através do auxílio das professoras da sala de apoio. Ao contrário das salas regulares, a
LIBRAS é a língua utilizada para a explicação de assuntos não entendidos pelos surdos.
As salas de apoio para Santos (2005), devem ser entendidas como “salas de recursos” e
não, apenas, um espaço de apoio, mas um espaço escolar que consolida o aprofundamento de
conhecimento que auxiliam no seu desenvolvimento e aprendizagem (p. 59).
Este espaço escolar utiliza-se de recursos específicos e sistematicamente organizados
para atender às necessidades indicadas pelo aluno surdo. Sua organização e gerenciamento
não dependem apenas da figura do professor deste tipo de atendimento. As ações desse
professor devem ser baseadas na articulação coletiva do trabalho pedagógico da escola em
que o aluno freqüenta a turma regular. Destacamos que a idéia de trabalho coletivo não deve
estar associada à organização hierárquica e departamentalizada da ação pedagógica, ou seja,
um profissional planeja e outro executa, um organiza outro age ou orienta e fiscaliza e outro
cumpre a tarefa. Estamos defendendo a idéia de debate, organização e ação de um grupo de
profissionais (professores da turma regular e o professor da sala de recursos) que, apesar de
funções diferenciadas, comprometem-se com uma realidade fundamental da escola –
organizar sistematicamente a aprendizagem dos que dela participam. (SANTOS, 2005, p. 59)
Em conserva com uma dessas professoras da sala de apoio, ela me relatou que apenas
dois professores (que lecionava português e educação física), de todo quadro de professores
da escola, iam à sala de apoio pedir ajuda com o objetivo de tentar aprender a línguas de
sinais para ensinar e manter contato com os alunos surdos. O restante dos professores, quando
tinham alguma dificuldade apenas mandavam esses alunos para a sala de apoio. Além desses
professores que se interessava em aprender sinais, alguns alunos também iam até essa sala
para aprender alguns sinais. Os estudantes surdos preparavam materiais ilustrados para
ensinar aos alunos ouvintes, esses momentos ocorriam mesmo que de forma limitada muita
interação entre eles, pois de um lado estavam os surdos satisfeitos em perceber que seus
colegas estavam interessados em aprender sua língua materna e de outro os ouvintes
fascinados com as peculiaridades e curiosidade na aprendizagem de uma nova língua.
Com relação ao cotidiano dos estudantes surdos, assim como apontavam Bogdan e
Biklen (1982), me possibilitou presenciar momentos naturais ou naturalísticos dos estudantes
surdos com os ouvintes e seus colegas surdos.
Os primeiros relatos que faço dizem respeito à relação entre os alunos surdos e ouvintes.
Se na sala de apoio alguns poucos alunos ouvintes de interessavam em aprender LIBRAS
outros poucos também – só que de forma negativa – depreciavam a língua de sinais e em
conseqüência os alunos surdos. Estes alunos ouvintes, também se interessavam em aprender a
língua de sinais, só que esses sinais eram palavrão ou sinais pejorativos. Então durante o
intervalo ou na hora da saída esses alunos ouvintes xingavam (através dos sinais) os alunos
surdos ou as vezes os pais desses alunos. Nessas situações os alunos surdos tanto retribuíam
as ofensas quanto comunicavam a direção da escola, que identificavam e repreendiam esses
alunos, ou apenas relatavam a situação com tristeza às professoras da sala de apoio.
Mas a relação entre surdos e ouvintes na escola não se limitava apenas a essa situação.
Em dois momentos era possível presencia uma relação bem significativa e produtiva entre
surdos e ouvintes que eram no grupo de dança, que as alunas surdas participavam e nos jogos
de xadrez que era um trabalho desenvolvido pelo mesmo professor de educação física que me
referir a pouco. E para aqueles que não entendem como os surdos podem dançar, uma vez que
não ouve, esta situação pode ser explicada da seguinte forma, as línguas de sinais são línguas
gestual-visual e a dança por não depender exclusivamente do recurso sonoro para ser
compreendida é representada através do corpo e dos gestos, assim ela pode ser dançada por
todos, ou seja, isso independe da pessoa ser surdo ou ouvinte.
Segundo Almeida (2000) apud Mourão e Silva, L, C (2007), desenvolver a capacidade
sensorial, cognitiva e física do surdo poderá ajudá-lo na inserção social, pois, ao se
demonstrarem possibilidade e habilidades, adquire-se respeito e consequentemente
autoconfiança, estabelecendo-se, assim, condições para a integração com seu meio social de
maneira cada vez mais espontânea e independente, já que se sentir capaz e participante é
essencial para todos (p. 170).
A inclusão social é um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais, pessoas com necessidades especiais, enquanto que, simultaneamente, estas de preparam para assumir seus papéis na sociedade. “A inclusão constitui um processo bilateral na qual as pessoas, ainda excluídas, buscam equacionar problemas, decidir e efetivar a equiparação de oportunidade para todos”. (SASSAKI, 1999, p. 42 apud MOURÃO E SILVA, L.C. p. 170)
Como relação aos jogos de xadrez, depois que o professor criou um projeto que ensina
as regras os procedimentos do jogo era muito comum durante o intervalo os alunos surdos e
ouvintes jogarem. E apesar de ser caracterizado como um jogo que acontece onde pouco se
fala (comunica) era possível observar que existia uma interação entre ele, principalmente
quando ocorria alguma jogada que um deles achava que não podiam ocorrer nesses momentos
eram feitos alguns sinais, mímicas para resolver a situação, mas não era nada que não fosse
resolvido entre eles mesmos.
Portanto, nesse longo período de observações, na referente escola, presenciei situação
que me fizeram entender o porquê de no Congresso Nacional de Educação para Surdos a
comunidade surda desejava que acontecesse uma inclusão social e não a educacional, uma vez
que as escolas regulares não estão preparadas para atender a esse público.
É necessário que se entenda que para que ocorra a inclusão entre surdos e ouvintes o
primordial não é que essa ocorra em ambientes escolares. O conceito de inclusão deve ser
entendido de maneira mais ampla, no sentido de uma sociedade linguisticamente majoritária
reconhecer a existência de um grupo lingüístico diferenciado, ou seja, que usam como forma
de comunicação uma língua natural (a língua de sinais) diferente da oficial. Assim, como
almejam os surdos, a inclusão social é a mais indicada, pois, é através dela que existe a
possibilidade de um reconhecimento e respeito ás diversidades lingüísticas e culturais.
Inclusão na educação requer inclusão social. Especialistas de educação especial devem
entender a luta por melhor educação para pessoas surdas como momento legítimo de um
grupo social, de escuta e respeito às reivindicações da comunidade, com vistas a uma
transformação social. (KELMAN 2005, p. 97, grifo nosso)
5.4.2 Escola para Surdos
APADA – Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos
A escola é um espaço privilegiado de política cultural, por isso em projeto político pode
começar pela escola, ou nela. Os surdos têm o direito de se desenvolver numa comunidade de
pares, constituindo estratégias de identificação num processo sócio-histórico autêntico, livre,
não cerceado; ora, isto é possível (talvez não unicamente, mas primordialmente) numa escola
que reflita sua condição sócio-lingüística e cultura. A questão central, então, não é em que
espaço os surdos estão sendo educados, mas quais são as reais oportunidades de
aprendizagem e quais as políticas de significação que lhes estão disponíveis. (SÁ, 2002, p.
365-366)
Segundo Salles et al. (2004) as associações para surdo surgir como uma conseqüência da
identificação dos surdos com seus pares, formando assim uma comunidade surda, que se
relacionam marcando festas, encontram em bares e shopping etc. (p. 42).
Nas palavras de Salles et al. (2004):
É nessa comunidade que se discute o direito à vida, à cultura, à educação, ao trabalho, ao bem-estar de todos. É nela que são gestados os movimentos surdos (caracterizado pela resistência surda ao ouvintismo, à ouvinte). É por meio dela que os surdos atuam politicamente para terem seus direitos lingüísticos e de cidadania reconhecidos, como destaca Felipe (2001). Nesse sentido, a Cultura Surda é focalizada e entendida a partir da diferença, a partir do seu conhecimento político (Skliar, 1998, p. 5). (SALLES, 2004, p. 42)
Foi na APADA-BA que tive meu primeiro contato com os surdos, que ocorreu por causa
do curso de LIBRAS em função do meu interesse na aprendizagem da língua.
Como fiz o módulo 1 e 2 pude observar que o público que buscava nesse curso era bem
diversificado, além de me estudante de pedagogia, contava também com a participação das
duas professoras da sala de apoio da escola inclusiva juntamente com a diretora, funcionários
do Mercado Bom Preço, alguns alunos de Fonoaudióloga, pais ouvintes com filhos surdo,
pessoas de diversas religiões, professores de escolas inclusivas que aprendiam a língua de
sinais ao mesmo tempo que lecionavam, estes eram um dos casos que mais ocorriam, que era
o grande número de profissionais (da área de educação) formados que durante seu percurso
acadêmico não tiveram em seu currículo aula de LIBRAS.
De acordo com o Decreto N.º 5.626 de Dezembro de 2005, seu Capítulo II, Art. 3º diz
que “a Libras deve ser inserida como disciplinas curricular obrigatória nos cursos de formação
de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de
Fonoaudióloga, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e
dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito e dos Municípios”(Brasil, 2005)
Dessa forma podemos perceber que a APADA possibilita que esse curso de LIBRAS
exerça tanto uma função de caráter educacional, uma vez que subsidia profissionais formados
ou em processo de formação para apreenderem a língua de sinais e o universo que permeia a
surdez, quanto um caráter social, pois, auxilia aos pais de surdos no processo de comunicação
com seus filhos, ao mesmo tempo em que possibilita ao restante das pessoas compreenderem
a língua de sinais e as representações sobre a surdez.
O curso estar dividido de maneira que no primeiro módulo não aprendemos somente
alguns sinais, vimos conteúdos como a história da língua de sinais na Brasil; conceitos de
língua e linguagem; diferenças entre a Língua de Sinais e a Língua Portuguesa; a surdez
causas e tipos e a relação da família com a surdez. No segundo módulo aprendemos a Língua
Brasileira de Sinais mais em um viés lingüístico, a fonologia das línguas de sinais20 e seus
parâmetros21.
Para Quadros e Karnopp (2004), essa (fonologia) é uma das características que
configuram a língua de sinais como qualquer outra língua, nas palavras das autoras as línguas
de sinais são consideradas pela lingüística como línguas naturais ou como um sistema
lingüístico legítimo e não como um problema do surdo ou como uma patologia lingüística.
Stokoe, em 1960, percebeu e comprovou que a língua de sinais atendia todos os critérios
lingüísticos de uma língua genuína, no léxico, na síntese e na capacidade de gerar uma
quantidade infinita de sentenças. (p. 30)
Além dessas contribuições teóricas que esse curso me possibilitou, creio que o maior
ganho foi ter durante as aulas a presença tanto dos alunos surdos da APADA quando de
20 Fonologia das línguas de sinais é definida por Quadros (2004, p. 47) como o ramo da lingüística que objetiva identificar a estrutura e a organização dos constituintes fonológicos, propondo modelos descritivos e explanatórios. A primeira tarefa na fonologia para língua de sinais é determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais. A segunda tarefa é estabelecer quais são os padrões possíveis de cominação entre essas unidades e as variações possíveis na ambiente fonológico. 21 Existem cinco parâmetros que constituem a LIBRAS: A (1) configuração das mãos; (2) ponto de articulação; (3) movimento; (4) direção; (5) expressão facial e/ou corporal.
outros surdos que freqüentavam a instituição. Toda atividade prática desenvolvida no curso
nós apresentávamos para os surdos presentes, o interessante é que eles nos ajudavam
demonstrando a maneira certa de cada sinal, além de quererem saber vários assuntos
relacionados à vida pessoal. Em uma dessas aulas foi “batizada” com o meu sinal, ou seja,
esse sinal representa o que os surdos achavam mais marcantes em minhas características
físicas.
A APADA, além de contar com o curso de LIBRAS, é também uma escola que atende
crianças desde a educação infantil ao fundamental, prestam serviços fonológicos com testes
que avaliam o nível de perca auditiva dos surdos, e realizam trabalhos de capacitação para o
mercado de trabalho.
Para Skliar (2002 apud Silva, L. e Baraúna, 2007, p. 63), quando pensamos em uma
educação para surdos devemos “acreditar numa escola com salas regulares para surdos, que
trabalhe a partir de uma perspectiva bilíngue, respeitando os aspectos específicos do processo
cultural, social e cognitivo desses aprendizes” e complementa destacando dois aspectos
fundamentais para a escolarização dos surdos: a língua e a identidade.
Dessa forma, uma das questões que mais observei foi que as aulas são ministradas em
Língua de Sinais, tanto as professoras quanto os alunos utilizam a LIBRAS como forma de
comunicação. As aulas fluíam de maneira bem natural e participativa, o que pode comprovar
a importância de se ter como política pedagógica a compreensão da importância de as aulas
ocorrerem por meio da comunicação da língua de sinais.
A realização deste projeto educacional (Educação com Bilinguismo para Surdos) requer
a garantia da presença da língua de sinais no contexto educacional que, historicamente, negou
a necessidade desta forma de linguagem. (SANTOS, 2005, p. 51)
Esse tipo de ideal que propõe a APADA irá possibilitar para esses alunos uma
construção de uma identidade surda desde cedo, pelas seguintes razoes: (1) esses alunos estão
tendo o contato com a língua de sinais enquanto criança; (2) essas crianças crescem
aprendendo sinais que estão sendo passados por adultos surdos; (3) elas aprendem, nessa fase,
através desses contatos, a se identificar e reconhecer seus pares; (4) e como conseqüência
dessas, passa a constituir e se reconhecer dentre de uma comunidade surda.
Quando a criança surda tem a chance de, no início do seu desenvolvimento, contar com
pais dispostos a aprenderem a língua de sinais, com adultos surdos, com colegas surdos,
quando eles narrarem em sinais e terem escuta em sinais, a dimensão do seu processo
educacional será outra. (SOUZA, 2000 apud QUADROS, 2005, P. 33)
Nas palavras de Perlin (1998 apud Silva, L. e Baraúna, 2007):
Conhecer o papel e a importância da língua na construção do sujeito é fundamental para se pensar numa proposta curricular diferenciada para surdos. Saber que a língua de sinais imprime uma identidade surda é uma questão preponderante neste movimento. Assim, ao desconsiderá-la, nega-se ao surdo o direito de construir seu saber, sua identidade, sua cultura. (p.63)
Dessa forma, como também pontua Sueli Fernandes (2003), a língua materna em sinais
permite ao surdo ter acesso às mais variadas informações, construir hipóteses, categorização,
generalizações, conhecimentos sobre o mundo, desenvolver juízos de valor e, o mais
importante, permite-lhes sua identificação cultural com um grupo de referência, do qual se
sentem pares, pertencentes. (p.8)
Como relação a sua estrutura física, além das salas de aulas a instituição conta com sala
de informática, brinquedoteca, refeitório e um pequeno parquinho na área de lazer. Os
materiais xerografados eram impressos em LIBRAS, ou seja, os enunciados eram com a
configuração de mãos de uma determina da letra do alfabeto manual.
A literatura também era marcante nessa escola, os alunos tinham uma professora
específica para o ensino e a narrativas das histórias infantis, esse ato de contar história poderia
acontecer de duas formas ou a professora representava a historia através dos sinais ou os
alunos iam até a videoteca assistir histórias em LIBRAS, onde as personagens das histórias
utilizavam a língua de sinais em suas representações. Conforme aponta Skliar (1998) às
crianças surdas devem ter contato com processos e produtos elaborados por grupos de surdos,
como teatro, brinquedo, poesia visual, literatura em língua de sinais, tecnologia. (p. 28-29)
Vale ressaltar que a literatura surda é muito rica em termos de histórias infantis, a
maioria dos clássicos infantis já têm interpretação em LIBRAS, por exemplo, Chapeuzinho
Vermelho, Os Setes Anões, Cinderela, essa tem até uma versão chamada a Cinderela Surda.
As lendas brasileiras também já são encontradas em LIBRAS, como O Cupurira, Iara e a
lenda da Mandioca, as fábulas também têm suas versões, como O Leão e o Ratinho, A Cigarra
e as Formigas e o Pastor e as Ovelhas. Como também aponta Quadros (2000) apud Salles et
al. (2004) é preciso produzir estórias utilizando configuração de mãos especificas produzir
estórias em primeira pessoa sobre pessoas surdas, sobre pessoas ouvintes, produzir vídeos de
produções literárias de adultos surdos. (p. 49)
Em conversa com a coordenadora Jâmara Cardoso, a mesma me relatou que uma das
principais preocupações da instituição é que todos os profissionais da instituição saibam e
utilizem a LIBRAS com os alunos independentemente do momento, ou seja, a LIBRAS é a
língua de instrumento das atividades em geral na escola e declarou ainda que alguns
professores têm especialização em educação especial.
Preocupada, não somente, com as questões educacionais dos surdos, a APADA também
oferece cursos de profissionalização. Esses cursos são de hotelaria, administração, recursos
humanos e a própria instituição indica esses profissionais para o mercado de trabalho.
Em parceria com algumas empresas, eles disponibilizam cursos para os funcionários que
iriam trabalhar com os surdos, por isso a presença dos funcionários do Bom Preço no curso de
LIBRAS.
Para muitos surdos a expectativa de profissionalização após o ensino médio é um desejo
longe de suas possibilidades, mas bem próximos do desejo de terem uma vida com trabalho,
lazer, família, casa, carro, contudo, pela falta de adequação escolar e de oportunidade de
aprendizagem mais efetivas e resolutivas. (FALÇÃO, 2010, p. 327)
Vale ressaltar também um detalhe muito significativo no trabalho que a APADA-BA
desenvolve em sua escola que, são desenhos um de determinado sinais representando tanto os
ambientes da instituição quanto algumas dicas de higiene ou de comportamento que os alunos
surdos devem ter.
CAS – Wilson Lins
Para Paula Botelho, (2005, p. 111), “a educação bilíngue propõe que os processos
escolares aconteçam nas escolas de surdos”. Assim, é com essa citação que dou início as
análises dos dados coletados na segunda escola de ensino para surdos que é a Escola CAS -
Wilson Lins.
Esta instituição foi fundada em 17 de agosto de 1959 pelo Secretário de Educação e
Cultura do Estado o Sr. Wilson Mascarenhas Lins de Albuquerque, no governo de Juracy
Magalhães, onde criou-se as classes de ensino especializado para os surdos, denominadas
classes para educação de surdos Wilson Lins.
Em 06/12/1972, com o Decreto 9301, as classes especiais em educação para surdos
Wilson Lins foram elevadas à categoria de escola, passando a chamar-se Escola de Surdos
Wilson Lins. Depois foi promovida à categoria de instituição de primeiro grau, passando a ser
nomeada Escola de 1º grau Wilson Lins, classificando-se como Escola de pequeno porte. A
Escola Wilson Lins se consolida, portanto, como o primeiro espaço educacional na Educação
de Surdos no Estado da Bahia.
Deste modo, atendendo a política de Educação Inclusiva do MEC em relação ao
atendimento educacional direcionado ao surdo e à formação de profissionais da área da surdez
que passou a ser denominada como Centro de Atendimentos. Desta forma, de acordo com a
portaria do DOC. nº 3088 a Escola Wilson passa a denominar-se Centro de Capacitação de
Profissionais de Educação e Atendimento às Pessoas com Surdez Wilson Lins, cuja sigla é
CAS – Wilson Lins.
O CAS – Wilson Lins foi construído a partir das discussões e estudos envolvendo toda
comunidade escolar, visando sistematizar as suas intenções e demandas para reafirmar o papel
da instituição como espaço de formação de professores que atuam na área da surdez e de
serviços educacionais direcionados aos alunos surdos, numa abordagem pedagógica bilíngüe.
A adoção deste enfoque pedagógico está apoiada na convicção de que esta concepção teórica
metodológica é a que melhor contempla as necessidades educacionais dos alunos surdos e os
anseios dos profissionais para este atendimento.
Em seu projeto político pedagógico o CAS deixa evidente que a proposta de ensino para
os alunos surdos segue uma linha educacional baseada na perspectiva bilíngue e multicultural,
deste modo a instituição desenvolve o acesso a duas línguas, no contexto escolar,
considerando a língua de sinais (L1) e a língua portuguesa (L2) na modalidade escrita.
Desta maneira, com esta proposta metodológica, a instituição pretende atingir os
seguintes objetivos: reconhecer o aluno como sujeito no processo de aprendizagem; valorizar
a auto-estima; investir na construção da identidade surda; valorizar o conhecimento já
construído pelo aluno.
O CAS – Wilson Lins fica localizado na Rua Raimundo Pereira de Magalhães nº 150,
Ondina, Salvador – Bahia. O centro atende alunos surdos da educação fundamental de 1ª a 4ª
série e educação de jovens e adultos (EJA).
Meu primeiro contato com essa instituição aconteceu antes do início de minhas
observações para essa pesquisa. Em setembro de 2008 participei, como ouvinte, do II
seminário caminhos para a inclusão do surdo (Escola e Família: uma parceria necessária). Em
outubro de 2009, participei do terceiro seminário, com a temática “Ciência, práticas
pedagógicas e perspectivas”, e foi nessa época que comecei meu processo de observação
deste tema.
A estrutura da escola é bastante semelhante ao da APADA, não no sentido de espaço,
porque o CAS é maior, mas no sentido de recursos pedagógicos. A instituição apenas não tem
uma videoteca, mas possui TV-Pendriver, recurso do Governo do Estado, onde vídeos e
apresentações são assistidos. Um detalhe interessante é que cada espaço (banheiro, sala de
informática, etc.) da escola são sinalizadas através da língua de sinais (configuração de mãos)
e de imagem que podem diferenciar o gênero masculino e feminino.
Na sala de informática, todos os elementos que compõem o computador estão
representados na parede através de imagem e ao mesmo tempo aparece tanto a configuração
de mãos para aquele objeto quanto a escrita em português.
Esse procedimento de sinalização é classificado por Falcão (2010) como técnica de
descrição visual sinalizada, o autor ainda complementa dizendo que:
A técnica de descrição visual sinalizada pode ser bem aproveitada na comunicação e educação em ambientes com crianças surdas porque garante a cognição visual pela apresentação do mundo, dos espaços comuns domiciliares, familiares, escolares, das ruas e clubes em imagem e dialogo visual, garantindo a assimilação, vivenciando cada situação com as diferentes circunstâncias que se apresentam cada um dos fenômenos e contextos. É preciso romper com o invólucro que delimita a aprendizagem a comandos e estigmas preconceituosos. (p. 187)
Assim como na APADA o CAS – Wilson Lins conta em seu quadro de funcionários
com profissionais especializados e proficientes em LIBRAS. A instituição conta também com
a participação de surdos em seu quadro de funcionários, esses trabalham na secretaria da
escola ou como inspetores que auxiliam os alunos fora da sala de aula alertando-os para o
início ou no término das atividades.
Para Botelho (2005), “um dos principais fundamentos da educação bilíngue é a
participação igualitária dos surdos nas escolas, dividindo o controle, a administração e o
ensino” (p.112).
Meu contato com o CAS – Wilson Lins aconteceu através da Prof.ª Jaciete Barbosa, que
muito solícita me deu o convite para que eu pudesse participar do II Seminário promovido
pelo CAS e me indicou para que eu falasse com, na época, a diretora da escola a Prof.ª
Simone de Andrade, que permitiu que eu fizesse minhas observações na escola. Como quando
eu comecei as observações ela achava-se de licença, indicou-me a professora Prof.ª Lívia que,
muito prestativa, escutou acerca dos meus objetivos e com isso me indicou uma turma da 3ª
série ministrada pela Prof.ª Ana Maria Menezes para que eu pudesse fazer observações em
sala de aula.
Por uma questão de entendimento das análises, vale salientar que minhas observações
em sala de aula ocorreram apenas nas segundas feiras, que me permitiu seguir uma rotina de
horários apenas para algumas disciplinas. Assim, pude presenciar aulas de Ciências,
Geografia e Matemática, mas não as aulas de Português porque acontecia às sexta-feiras,
aulas que eram dadas por outra professora, a Prof.ª Lívia. Mas, por causa da metodologia da
professora, mesmo sem ter assistido nenhuma aula de português, pude presenciar situações
onde os assuntos da disciplina eram utilizados, assim como os das demais disciplinas.
Vale ressaltar que, em todas as salas de aulas, núcleos de pesquisa, capacitação dos
professores e apoio didático existe uma lâmpada que sinaliza o início/término das aulas ou
hora do recreio.
São por meio destas práticas como a colocação de imagens com sinalizações dos
ambientes e a sinalização luminosa que comprovamos que a proposta educacional baseada em
uma perspectiva bilíngue é uma abordagem metodológica pensada realmente para atender as
especificidades dos discentes surdos.
Conversando com a Prof.ª Ana obtive os primeiros dados sobre a turma, e como já foi
mencionado, trata-se da 3ª série e é composta por 7 alunos surdos que têm faixa etária entre
12 a 16 anos. Durante as minhas observações notei que nenhum desses dias a sala estava
completa, geralmente freqüentavam de 3 a 4 alunos. Pensei que era devido à proximidade do
final de ano, mas a professora disse que alguns alunos tinham uma freqüência baixa e que às
vezes era necessária a intervenção da escola nesta situação.
Uma característica marcante dessas aulas, e isso a professora fez questão de pontuar, é
que – na medida do possível – as aulas aconteciam de forma interdisciplinar, ou seja, um
conteúdo era visto de forma contextual em quase todas as disciplinas. Nas palavras da
professora, essa era uma forma de ensino que deveria ser contemplada em todos os níveis da
educação, seja ela para surdos ou não. Então, nessa perspectiva, as aulas aconteciam assim:
nessa época os alunos estavam dando o assunto de matemática sobre números decimais,
sinalizado para eles como apenas números com vírgulas, depois da explicação foram
distribuídos folhetos de mercados para os alunos para que eles identificassem onde eles
poderiam encontrar os números decimais.
Para Sueli Fernandes (2003), “é pela experiência visual que os surdos constroem
conhecimento. O canal sensorial é a porta de entrada para o processamento cognitivo e deve
ser representados por símbolos visuais” (p.34).
Este tipo de trabalho onde os recursos visuais são valorizados no desenvolvimento das
atividades também pode ser visto na literatura infantil e em algumas histórias adaptadas com
personagens surdos.
Acho estes tipos de trabalho são muito interessantes, porque como a língua de sinais é
uma língua gestual-visual atividades como estas demonstram claramente que, além da
comunicação estar acontecendo em LIBRAS, seus fundamentos estão sendo respeitados no
momento em que as atividades escolares propõem-se assumir uma prática escolar baseada na
contextualização e, o mais importante, com os recursos visuais. Permitir esta visualização
para o surdo torna o processo de ensino e aprendizagem concreto e ao mesmo tempo
significativo. A utilização da LIBRAS como mecanismo principal no desenvolvimentos das
atividades é uma das principais prioridades das práticas educativas em uma perspectiva
bilíngue que, o CAS – Wilson Lins às desenvolve com muita eficiência, assim como já
indicavam as propostas em seu projeto político pedagógico.
Para Skliar (1998), a surdez é uma experiência visual e isso significa que todos os
mecanismos de processamento da informação, e todas as formas de compreender o universo
em seu entorno, se constroem como experiência visual. Não é possível aceitar, de forma
alguma, o visual da língua de sinais e disciplinar a mente e o corpo das crianças surdas
como sujeitos que vivem uma experiência auditiva. (p. 27-28, grifo nosso)
Em paralelo às aulas e às atividades, a professora executa um projeto sobre a higiene
doméstica com os alunos. Com esse projeto, ela desenvolve uma atividade que contempla as
disciplinas de ciências, matemática e português. Ainda utilizando o mesmo folheto de
mercado a professora solicita aos discentes que identifiquem os produtos de higiene pessoal,
que somem e multiplicassem o preço de determinados produtos (a lista estava no quadro). O
interessante é que durante a correção quando a professora pergunta qual utilidade daquele
produto eles explicam com gestos corporais, por exemplo, escovando os dentes ou se
ensaboando.
Nas palavras de Falcão (2010), “cada vez que a criança surda “vê” um sinal e associa o
seu significado à imagem também constrói na mente uma representação pessoal e agrega ao
seu campo conceitual registros cognitivos visuais” (p.185).
Em uma dessas aulas interdisciplinares ocorreu um fato intrigante. A profª. Ana estava
dando aula sobre os Estados brasileiros, mostrando um mapa quando um dos alunos levantou
e começou a gesticular intensamente, como minha proficiência na LIBRAS é igual ao meu
fraco Inglês, a professora Ana interpretou para mim o que ele estava dizendo, para a surpresa
de nós duas, ele estava nos explicando como aconteceram os deslocamentos dos continentes,
ele falava sobre a explosão de um vulcão, deslocamento das placas formando os continentes.
Ele explicou a história do surgimento dos continentes, a surpresa, além da explicação, foi em
saber onde ele tinha aprendido aquilo, por que de acordo com a própria professora não foi ela
quem explicou, e como os pais dele eram muito humildes, não se podia acreditar que fossem
eles os responsáveis por tê-lo ensinado. De fato, considero que não importa muito quem ou
onde ele aprendeu isso, devemos nos importar com o fato dele ter conseguido associar uma
aprendizagem que ele já tinha com uma nova, o que demonstra que é possível existir uma
aprendizagem significativa para os surdos.
Na semana da Consciência Negra, eles tiveram a presença de uma estudante surda de
pedagogia Priscilla (imagem 47), não sei se é relevante mais ela era negra, para poder falar
sobre o que representou esse dia para os negros. Antes de eles irem para o pátio a professara
Ana deu uma aula explicando alguns acontecimentos históricos e sociais da comunidade
negra. Ela fez um resumo no quadro contando esses fatos, mas quando foi falar com os alunos
utilizou a LIBRAS em sua estrutura própria. Quando ela foi dar exemplos de personalidades
negras importantes ela citou nomes como o de Obama e rapidamente eles sinalizaram que ele
era o presidente dos Estados Unidos. A palestra ocorreu no pátio da escola e reuniu todas as
turmas. Durante a palestra, alguns alunos estavam bem dispersos, a palestrante encontrou
alguma dificuldade em falar, mas nada que não fosse controlado pelas professoras. E quando
durante a palestra apareceu a foto de Obama e a palestrante perguntou quem ele era foi
automático todos queriam dizer quem era.
Conversando um pouco com a professora, perguntei se ela já havia ensino em escola
inclusiva, ela me respondeu que sim, mas de acordo com suas palavras “é um absurdo o que
fazem com os alunos surdos nesse tipo de educação”.
Assim, acredito que uma das contribuições que todas essas observações (em escolas
inclusivas e escolas para surdos) me proporcionaram foi assumir uma postura ideológica que
defende e luta por uma educação para surdos numa perspectiva bilíngue. Esse tipo de
abordagem educativa além do processo educacional ser pensado para eles (os surdos), no
sentido em que propõe métodos de ensinos que respeitam sua língua e sua diferença, essa
proposta educacional possibilita um olhar sobre a surdez que nenhuma outra abordagem
educacional havia adotado antes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o percurso desta pesquisa, foram apresentados fatos históricos e abordagens
teóricas que por séculos permearam a educação para surdos. Com isto, foi possível perceber
mudanças nas representações da sociedade acerca da surdez e dos métodos de ensino para
surdos. Durante anos a sociedade concebeu os surdos como sujeitos anormais que deveriam
curar-se por meio da aquisição da linguagem oral assim, a escola ou os métodos
desenvolvidos para o ensino dos surdos partiam da premissa de que as pessoas surdas
deveriam adquirir a língua oral para poder se desenvolver cognitivamente. Este princípio
norteou a primeira abordagem metodológica para o ensino de surdos o oralismo.
Esta abordagem teórica metodológica serviu de base para o surgimento das demais
técnicas, criadas posteriormente, para o ensino de surdos. A comunicação total e o
bimodalismo são abordagens que comungam as mesmas concepções ideológicas do oralismo,
conseqüentemente, mesmo com a mudança de metodologia para o ensino dos alunos surdos
nos ambientes escolares, o objetivo principal não se altera, a função das escolas ainda consiste
em desenvolver com estes alunos, mecanismos para aquisição da língua majoritária a língua
oral.
Desta forma, devemos entender que a metodologia baseada em uma perspectiva
bilíngue, não é apenas uma quebra de paradigma educacional é também uma quebra de
paradigma social, uma vez que, a representação social sobre a surdez, ao longo do tempo, vem
sendo modificada, bem como a prática educativa para o ensino dos alunos surdos.
Faz-se necessário esclarecer, como bem pontuamos nesta pesquisa, que estas conquistas
decorrem do esforço e muita luta da comunidade surda. Notamos que, com a criação das
associações e federações de surdos, foi possível discutir e criar leis que viabilizam os direitos
de uma comunidade lingüística diferenciada. O reconhecimento da LIBRAS como língua
natural é, desta maneira, vista como o meio de comunicação entre sujeitos surdos, que tem
como conseqüência o fortalecimento da comunidade surda. Esta comunidade surda, só se
constitui a partir do momento no qual ocorre uma identificação mais consistente entre os
pares desta comunidade, associado ao reconhecimento do uso da língua de sinais como o meio
mais adequado de comunicação e de fortalecimento cultural e social de seus membros.
A adoção da concepção do bilinguismo na educação para surdos possibilita o ensino
para os alunos surdos através da língua de sinais, a LIBRAS. Podemos concluir que, a
denominada educação bilíngüe visa o reconhecimento do surdo tanto na instância educacional
quanto na social. De acordo com esta perspectiva educativa, o surdo tem o direito à educação
onde sejam atendidas as suas especificidades lingüísticas, por exemplo, o uso da língua de
sinais como língua de instrução nas aulas e a utilização de recursos e materiais visuais como
técnicas que auxiliam no processo de ensino e aprendizagem destes discentes. Em relação à
instância social, a prática bilíngüe possibilita uma visão do surdo como um sujeito diferente e
não deficiente que utiliza uma forma de comunicação gestual-visual, e o reconhecimento da
importância da construção de uma identidade surda, já que esta é a responsável pela formação
das comunidades surdas.
Como isto, este trabalho de pesquisa procurou investigar como ocorriam as práticas
educativas nas atuais possibilidades para o ensino dos alunos surdo: a escola regular de ensino
(escola inclusiva) e escola para surdos. Desta forma, observamos as práticas educativas, o
cotidiano, as relações entre surdo e ouvinte, a formação dos professores e os materiais de
ensino para o atendimento dos alunos surdos. Além dessas questões, procuramos observar
como se apresentam os objetivos que propõem as práticas educativas baseadas em uma
perspectiva bilíngüe, x em instituições que atendem alunos surdos.
O que podemos concluir das analises na escola regular é que o processo de inclusão
acontece, mas não nas salas de aula. O que acontece nas salas regulares é conceito antagônico
à inclusão, obviamente, exclusão. Não podemos integrar o aluno surdo nestas classes e
afirmarmos que esses alunos estão incluídos. É necessário um preparo no ambiente para
receber esses alunos, e o preparo a que nos referimos não é no sentido apenas do atendimento
no turno oposto na sala apoio, mas na formação de intérpretes e instrutores surdos para
auxiliarem a estes alunos no processo de inclusão. Com relação à sala de apoio, é necessário
destacar o belíssimo trabalho que é feito nesta sala, a paciência e a dedicação das professoras
para ensinarem a estes alunos merecem ser reconhecidas, principalmente porque neste
ambiente a LIBRAS é utilizada como forma e comunicação.
A inclusão que presenciamos na escola ocorria nos ambientes exteriores às salas de aula
e o que podemos concluir com isto é que a inclusão escolar dos surdos em escolas regulares
independe de um espaço físico onde estudam surdos e ouvintes. Por esta razão, o desejo da
comunidade surda é por uma inclusão social, ou seja, uma inclusão entendida pela ótica social
significa a possibilidade de convivência entre ouvintes e surdos em diferentes espaços sociais,
isto é, para além do espaço físico da sala de aula, nos quais diferenças lingüísticas e culturais
possam ser compartilhadas e não impostas.
Com relação às escolas para surdos e às propostas que visam à prática da educação
bilíngue foram vistas de diversas formas. Desta maneira podemos concluir que, de acordo
com a perspectiva bilíngüe, diversas são as possibilidades que contribuem para um melhor
processo de ensino e aprendizagem e, como conseqüência, para uma construção de uma
identidade surda. Esta perspectiva só pode ser alcançada, na medida em que os ambientes
sejam pensados de forma a atender a concepção da língua de sinais, isto é, uma língua
essencialmente gestual e visual, que assim requer um ambiente todo ele sinalizado, com a
configuração de mão, além da escrita na língua portuguesa.
Em relação as prática de ensino, um dos objetivos principais da proposta bilíngue esta
sendo respeitado que é a utilização da LIBRAS como meio de comunicação tanto para o
ensino nas salas de aula quanto para a comunicação no cotidiano entre surdos e ouvintes.
Outro beneficio que a educação bilíngue possibilita é que nas escolas para surdos já é possível
presenciar o trabalho baseado na contextualização e interdisciplinaridade, todas as atividades
desenvolvidas observadas buscam valorizar os recursos visuais para o ensino dos alunos.
A pesquisa então, após estudo e análise dos dados coletados, no decorrer deste trabalho,
responde à problemática apresentada no início do mesmo do seguinte modo: a prática
educacional na perspectiva bilíngüe possibilita tanto a construção de uma identidade surda,
quanto um melhor processo de ensino e aprendizagem para os discentes surdos.
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SKLIAR, C.B. Educação e exclusão: abordagem sócio-antropológica em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997a. _______ .Um olhar sobre nosso olhar acerca da surdez e as diferenças. In: Skliar,C.B. (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, p.5-6, 1998. _______. Os Estudos Surdos em Educação: problematizando a normalidade. In: Skliar,C.B. (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, p.7-32, 1998. _______. Perspectivas políticas e pedagógicas da educação bilíngüe para surdos. In: Silva, S. & Vizim, M. (Orgs.). Educação especial: múltiplas leituras e diferentes significados. Campinas/SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB, p.85-110, 2001. (Coleção Leituras no Brasil). SOUZA, R.M. Que palavra que te falta? Lingüística, educação e surdez. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (Texto e Linguagem). ______, Regina Maria de. Educação de surdos: pontos e contrapontos / Regina Maria de Souza; Núria Silvestre; Valéria Amorim Arantes, organização. – São Paulo: Summus, 2007. – (Coleção pontos e contrapontos) PERLIN, G. T.T. e outros. História dos surdos. Florianópolis: UDESC/CEAD, 2002. (Caderno Pedagógico). .
ANEXO A – ESCOLA ESTADUAL JOÃO DAS BOTAS
Imagem 1 – Fachada da Escola Estadual João das Botas
Imagem 2 – Sinalização da Sala de Apoio Imagem 3 – Sala de Apoio
Imagem 4 – Atendimento na Sala de Apoio Imagem 5 – Atendimento na Sala de Apoio(2) (Profª Cyrene Miranda Silva)
Imagem 6 – Dicionário Capovilla Imagem 7 – Representação Trilíngue
Imagem 8 – Vídeo de História Imagem 9 – Vídeo “Contando Imagem 10 - Coleção Infantis em LIBRAS História em Libras” Fala Sério
Imagem 11 – Refeitório e Pátio Imagem 12 – Mesa de jogos Imagem 13 – Quadra de Esportes Lanches
ANEXO B – APADA/BA
Imagem 14 – Fachada da APADA – BA Imagem 15 – Símbolo da APADA – BA
Imagem 16 – Sala do Curso de Libras Imagem 17 – Intérprete/Professor de LIBRAS e Assistente Social da APADA
(Ronaldo Freitas e Márcia Schiavon)
Imagem 18 – Certificado e Conteúdo Programático (Módulo I)
Imagem 19 – Certificado e Conteúdo Programático (Módulo II)
Imagem 20 – Sala de Aula Imagem 21 – Sala de Aula (1) Imagem 22 – Sala de Aula (3)
Imagem 23 – Sala de Informática Imagem 24 – Parquinho/Área de Lazer
Imagem 25 – Brinquedoteca (1) Imagem 26 – Brinquedoteca (2)
Imagem 27 – Livro Imagem 28 – Cena do livro Imagem 29 – Cena do Livro “Cinderela Surda” (Momento da transformação) (Quando ela esquece a Luva)
Imagem 30 – “Vídeo Contando História” Imagem 31 – Vídeo “Contanto em LIBRAS” (Literatura Mundial – Fábula) (Lendas Brasileiras)
Imagem 32 – Sinalização das atividades desenvolvidas na Brinquedoteca
Imagem 34 – Sinalização sobre Higiene Imagem 33 – Sinalização Sala da Direção
ANEXO C – CAS/ WILSON LINS
Imagem 35 – Sr. Wilson Lins
Imagem 36 – Fachada CAS – Wilson Lins Imagem 37 – Símbolo CAS – Wilson Lins
Imagem 38 – Sinalização do Imagem 39 – Sinalização do Imagem 40 – Sinalização do Sanitário de Aluno Sanitário Feminino Sanitário Masculino
Imagem 41 – Sala de informática Imagem 42 – Sala de informática (2) Imagem 43 – Prof.. Informática
(Michel Dantas)
Imagem 44 – Figura, configuração de mãos e escrita em português dos componentes do computador.
Imagem 45 – Prof.ªs do CAS – Wilson Lins Imagem 46 – Prof.ªs do CAS – Wilson Lins (1) (Ana Maria Menezes e Maria Guaracy Souza) (Gidete Castro, Mª Isabel Oliveira e Cleide Sena)
Imagem 47 – Interprete e Instrutora de LIBRAS Imagem 48 – Funcionarias Surdas do CAS (Thalita Araújo e Priscilla Ferreira/ surda ) (Roselia Pinheiro – monitora e Marcela Caldas )
Imagem 49 – Sinalização Sala de Aula Imagem 50 – Sala de Aula Imagem 51 – Sala de Aula (1)
Imagem 52 – Sinalização luminosa
Imagem 53 – Desenho dos alunos do Patinho Feio Imagem 54 – História do Patinho Surdo
Imagem 55 – História da Turma da Mônica Imagem 56 – Desenho dos alunos da Turma da Mônica
Imagem 57 – Espaço de Convivência Imagem 58 – Espaço de Convivência (1) (Ambiente onde ocorreriam as palestra, atividades e os alunos remendavam)
ANEXO D – LEI DE LIBRAS
LEI N.º 10.436 de 24 de abril de 2002 Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais -
Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e
expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria,
constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de
pessoas surdas do Brasil.
Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços
públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras
como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.
Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde
devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo
com as normas legais em vigor.
Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito
Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudióloga e
de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras,
como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.
Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da
língua portuguesa.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 24 de abril de 2002; 181º da Independência e 114º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Paulo Renato Souza
ANEXO E - DECRETO Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005
Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, e no art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o Este Decreto regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras.
Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.
CAPÍTULO II
DA INCLUSÃO DA LIBRAS COMO DISCIPLINA CURRICULAR
Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.
§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
CAPÍTULO III
DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LIBRAS E DO INSTRUTOR DE LIBRAS
Art. 4o A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua.
Parágrafo único. As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.
Art. 5o A formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngüe.
§ 1o Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível médio na modalidade normal, que viabilizar a formação bilíngüe, referida no caput.
§ 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.
Art. 6o A formação de instrutor de Libras, em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I - cursos de educação profissional;
II - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior; e
III - cursos de formação continuada promovidos por instituições credenciadas por secretarias de educação.
§ 1o A formação do instrutor de Libras pode ser realizada também por organizações da sociedade civil representativa da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por pelo menos uma das instituições referidas nos incisos II e III.
§ 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.
Art. 7o Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja docente com título de pós-graduação ou de graduação em Libras para o ensino dessa disciplina em cursos de educação superior, ela poderá ser ministrada por profissionais que apresentem pelo menos um dos seguintes perfis:
I - professor de Libras, usuário dessa língua com curso de pós-graduação ou com formação superior e certificado de proficiência em Libras, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da Educação;
II - instrutor de Libras, usuário dessa língua com formação de nível médio e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação;
III - professor ouvinte bilíngüe: Libras - Língua Portuguesa, com pós-graduação ou formação superior e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação.
§ 1o Nos casos previstos nos incisos I e II, as pessoas surdas terão prioridade para ministrar a disciplina de Libras.
§ 2o A partir de um ano da publicação deste Decreto, os sistemas e as instituições de ensino da educação básica e as de educação superior devem incluir o professor de Libras em seu quadro do magistério.
Art. 8o O exame de proficiência em Libras, referido no art. 7o, deve avaliar a fluência no uso, o conhecimento e a competência para o ensino dessa língua.
§ 1o O exame de proficiência em Libras deve ser promovido, anualmente, pelo Ministério da Educação e instituições de educação superior por ele credenciadas para essa finalidade.
§ 2o A certificação de proficiência em Libras habilitará o instrutor ou o professor para a função docente.
§ 3o O exame de proficiência em Libras deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento em Libras, constituída por docentes surdos e lingüistas de instituições de educação superior.
Art. 9o A partir da publicação deste Decreto, as instituições de ensino médio que oferecem cursos de formação para o magistério na modalidade normal e as instituições de educação superior que oferecem cursos de Fonoaudiologia ou de formação de professores devem incluir Libras como disciplina curricular, nos seguintes prazos e percentuais mínimos:
I - até três anos, em vinte por cento dos cursos da instituição;
II - até cinco anos, em sessenta por cento dos cursos da instituição;
III - até sete anos, em oitenta por cento dos cursos da instituição; e
IV - dez anos, em cem por cento dos cursos da instituição.
Parágrafo único. O processo de inclusão da Libras como disciplina curricular deve iniciar-se nos cursos de Educação Especial, Fonoaudiologia, Pedagogia e Letras, ampliando-se progressivamente para as demais licenciaturas.
Art. 10. As instituições de educação superior devem incluir a Libras como objeto de ensino, pesquisa e extensão nos cursos de formação de professores para a educação básica, nos cursos de Fonoaudiologia e nos cursos de Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa.
Art. 11. O Ministério da Educação promoverá, a partir da publicação deste Decreto, programas específicos para a criação de cursos de graduação:
I - para formação de professores surdos e ouvintes, para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, que viabilize a educação bilíngüe: Libras - Língua Portuguesa como segunda língua;
II - de licenciatura em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa, como segunda língua para surdos;
III - de formação em Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa.
Art. 12. As instituições de educação superior, principalmente as que ofertam cursos de Educação Especial, Pedagogia e Letras, devem viabilizar cursos de pós-graduação para a formação de professores para o ensino de Libras e sua interpretação, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
Art. 13. O ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas, deve ser incluído como disciplina curricular nos cursos de formação de professores para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, de nível médio e superior, bem como nos cursos de licenciatura em Letras com habilitação em Língua Portuguesa.
Parágrafo único. O tema sobre a modalidade escrita da língua portuguesa para surdos deve ser incluído como conteúdo nos cursos de Fonoaudióloga.
CAPÍTULO IV
DO USO E DA DIFUSÃO DA LIBRAS E DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O
ACESSO DAS PESSOAS SURDAS À EDUCAÇÃO
Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior.
§ 1o Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem:
I - promover cursos de formação de professores para:
a) o ensino e uso da Libras;
b) a tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa; e
c) o ensino da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas;
II - ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos;
III - prover as escolas com:
a) professor de Libras ou instrutor de Libras;
b) tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa;
c) professor para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas; e
d) professor regente de classe com conhecimento acerca da singularidade lingüística manifestada pelos alunos surdos;
IV - garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas de aula e, também, em salas de recursos, em turno contrário ao da escolarização;
V - apoiar, na comunidade escolar, o uso e a difusão de Libras entre professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares, inclusive por meio da oferta de cursos;
VI - adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa;
VII - desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos;
VIII - disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar a educação de alunos surdos ou com deficiência auditiva.
§ 2o O professor da educação básica, bilíngüe, aprovado em exame de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, pode exercer a função de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, cuja função é distinta da função de professor docente.
§ 3o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar atendimento educacional especializado aos alunos surdos ou com deficiência auditiva.
Art. 15. Para complementar o currículo da base nacional comum, o ensino de Libras e o ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos, devem ser ministrados em uma perspectiva dialógica, funcional e instrumental, como:
I - atividades ou complementação curricular específica na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental; e
II - áreas de conhecimento, como disciplinas curriculares, nos anos finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior.
Art. 16. A modalidade oral da Língua Portuguesa, na educação básica, deve ser ofertada aos alunos surdos ou com deficiência auditiva, preferencialmente em turno distinto ao da escolarização, por meio de ações integradas entre as áreas da saúde e da educação, resguardado o direito de opção da família ou do próprio aluno por essa modalidade.
Parágrafo único. A definição de espaço para o desenvolvimento da modalidade oral da Língua Portuguesa e a definição dos profissionais de Fonoaudiologia para atuação com alunos da educação básica são de competência dos órgãos que possuam estas atribuições nas unidades federadas.
CAPÍTULO V
DA FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS - LÍNGUA PORTUGUESA
Art. 17. A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa.
Art. 18. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, a formação de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I - cursos de educação profissional;
II - cursos de extensão universitária; e
III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por secretarias de educação.
Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III.
Art. 19. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja pessoas com a titulação exigida para o exercício da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, as instituições federais de ensino devem incluir, em seus quadros, profissionais com o seguinte perfil:
I - profissional ouvinte, de nível superior, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação em instituições de ensino médio e de educação superior;
II - profissional ouvinte, de nível médio, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação no ensino fundamental;
III - profissional surdo, com competência para realizar a interpretação de línguas de sinais de outros países para a Libras, para atuação em cursos e eventos.
Parágrafo único. As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
Art. 20. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, o Ministério da Educação ou instituições de ensino superior por ele credenciadas para essa finalidade promoverão, anualmente, exame nacional de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa.
Parágrafo único. O exame de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento dessa função, constituída por docentes surdos, lingüistas e tradutores e intérpretes de Libras de instituições de educação superior.
Art. 21. A partir de um ano da publicação deste Decreto, as instituições federais de ensino da educação básica e da educação superior devem incluir, em seus quadros, em todos os níveis, etapas e modalidades, o tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, para viabilizar o acesso à comunicação, à informação e à educação de alunos surdos.
§ 1o O profissional a que se refere o caput atuará:
I - nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino;
II - nas salas de aula para viabilizar o acesso dos alunos aos conhecimentos e conteúdos curriculares, em todas as atividades didático-pedagógicas; e
III - no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim da instituição de ensino.
§ 2o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
CAPÍTULO VI
DA GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO DAS PESSOAS SURDAS OU
COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de:
I - escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental;
II - escolas bilíngües ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade lingüística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa.
§ 1o São denominadas escolas ou classes de educação bilíngüe aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.
§ 2o Os alunos têm o direito à escolarização em um turno diferenciado ao do atendimento educacional especializado para o desenvolvimento de complementação curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de informação.
§ 3o As mudanças decorrentes da implementação dos incisos I e II implicam a formalização, pelos pais e pelos próprios alunos, de sua opção ou preferência pela educação sem o uso de Libras.
§ 4o O disposto no § 2o deste artigo deve ser garantido também para os alunos não usuários da Libras.
Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação.
§ 1o Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade lingüística do aluno surdo.
§ 2o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
Art. 24. A programação visual dos cursos de nível médio e superior, preferencialmente os de formação de professores, na modalidade de educação a distância, deve dispor de sistemas de acesso à informação como janela com tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa e subtitulação por meio do sistema de legenda oculta, de modo a reproduzir as mensagens veiculadas às pessoas surdas, conforme prevê o Decreto no 5.296, de 2 de dezembro de 2004.
CAPÍTULO VII
DA GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS SURDAS OU
COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
Art. 25. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Sistema Único de Saúde - SUS e as empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, na
perspectiva da inclusão plena das pessoas surdas ou com deficiência auditiva em todas as esferas da vida social, devem garantir, prioritariamente aos alunos matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas, efetivando:
I - ações de prevenção e desenvolvimento de programas de saúde auditiva;
II - tratamento clínico e atendimento especializado, respeitando as especificidades de cada caso;
III - realização de diagnóstico, atendimento precoce e do encaminhamento para a área de educação;
IV - seleção, adaptação e fornecimento de prótese auditiva ou aparelho de amplificação sonora, quando indicado;
V - acompanhamento médico e fonoaudiológico e terapia fonoaudiológica;
VI - atendimento em reabilitação por equipe multiprofissional;
VII - atendimento fonoaudiológico às crianças, adolescentes e jovens matriculados na educação básica, por meio de ações integradas com a área da educação, de acordo com as necessidades terapêuticas do aluno;
VIII - orientações à família sobre as implicações da surdez e sobre a importância para a criança com perda auditiva ter, desde seu nascimento, acesso à Libras e à Língua Portuguesa;
IX - atendimento às pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de serviços do SUS e das empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, por profissionais capacitados para o uso de Libras ou para sua tradução e interpretação; e
X - apoio à capacitação e formação de profissionais da rede de serviços do SUS para o uso de Libras e sua tradução e interpretação.
§ 1o O disposto neste artigo deve ser garantido também para os alunos surdos ou com deficiência auditiva não usuários da Libras.
§ 2o O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal, do Distrito Federal e as empresas privadas que detêm autorização, concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde buscarão implementar as medidas referidas no art. 3o da Lei no 10.436, de 2002, como meio de assegurar, prioritariamente, aos alunos surdos ou com deficiência auditiva matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas.
CAPÍTULO VIII
DO PAPEL DO PODER PÚBLICO E DAS EMPRESAS QUE DETÊM CONCESSÃO OU PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, NO APOIO AO USO E DIFUSÃO DA LIBRAS
Art. 26. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Poder Público, as empresas concessionárias de serviços públicos e os órgãos da administração pública federal, direta e indireta devem garantir às pessoas surdas o tratamento diferenciado, por meio do uso e difusão de Libras e da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, realizados por servidores e empregados
capacitados para essa função, bem como o acesso às tecnologias de informação, conforme prevê o Decreto no 5.296, de 2004.
§ 1o As instituições de que trata o caput devem dispor de, pelo menos, cinco por cento de servidores, funcionários e empregados capacitados para o uso e interpretação da Libras.
§ 2o O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal e do Distrito Federal, e as empresas privadas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar às pessoas surdas ou com deficiência auditiva o tratamento diferenciado, previsto no caput.
Art. 27. No âmbito da administração pública federal, direta e indireta, bem como das empresas que detêm concessão e permissão de serviços públicos federais, os serviços prestados por servidores e empregados capacitados para utilizar a Libras e realizar a tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa estão sujeitos a padrões de controle de atendimento e a avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos, sob a coordenação da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em conformidade com o Decreto no 3.507, de 13 de junho de 2000.
Parágrafo único. Caberá à administração pública no âmbito estadual, municipal e do Distrito Federal disciplinar, em regulamento próprio, os padrões de controle do atendimento e avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos, referido no caput.
CAPÍTULO IX
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 28. Os órgãos da administração pública federal, direta e indireta, devem incluir em seus orçamentos anuais e plurianuais dotações destinadas a viabilizar ações previstas neste Decreto, prioritariamente as relativas à formação, capacitação e qualificação de professores, servidores e empregados para o uso e difusão da Libras e à realização da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
Art. 29. O Distrito Federal, os Estados e os Municípios, no âmbito de suas competências, definirão os instrumentos para a efetiva implantação e o controle do uso e difusão de Libras e de sua tradução e interpretação, referidos nos dispositivos deste Decreto.
Art. 30. Os órgãos da administração pública estadual, municipal e do Distrito Federal, direta e indireta, viabilizarão as ações previstas neste Decreto com dotações específicas em seus orçamentos anuais e plurianuais, prioritariamente as relativas à formação, capacitação e qualificação de professores, servidores e empregados para o uso e difusão da Libras e à realização da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
Art. 31. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 22 de dezembro de 2005; 184o da Independência e 117o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad