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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL Santo Antônio de Jesus Dezembro/2010

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL

Santo Antônio de Jesus

Dezembro/2010

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Camila Barreto Santos Avelino

NOVOS CIDADÃOS: Trajetórias, Sociabilidade e Trabalho em

Sergipe após abolição. (Cotinguiba 1888-1910)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em História Regional e Local da

Universidade do Estado da Bahia/UNEB, como

parte dos requisitos necessários à obtenção do título

de Mestre, sob a orientação do Professor Doutor

Walter Fraga Filho.

Santo Antônio de Jesus

Dezembro/2010

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A948 Avelino, Camila Barreto Santos.

Novos Cidadãos: trajetórias, sociabilidade e trabalho em Sergipe após a

abolição (Cotinguiba 1888-1910). / Camila Barreto Santos Avelino 2010.

160 f.: il.

Orientador: Prof. Dr. Walter Fraga Filho.

Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado da Bahia, Programa de Pós-

Graduação em História Regional e Local, 2010.

1. Abolição da Escravatura. 2. Sergipe – História. 4. Negros – Sergipe –

História I. Fraga Filho, Walter. II. Universidade do Estado da Bahia, Programa de

Pós-Graduação em História Regional e Local.

CDD: 981.41

Elaboração: Biblioteca Campus V/ UNEB

Bibliotecária: Juliana Braga – CRB-5/1396.

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Camila Barreto Santos Avelino

NOVOS CIDADÃOS: Trajetórias, Sociabilidade e Trabalho em

Sergipe após abolição. (Cotinguiba 1888-1910)

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________

Prof. Dr. Walter Fraga Filho (Orientador)

_____________________________________________

Prof. Dr. Antônio Liberac Cardoso Simões Pires (UFRB)

_____________________________________________

Prof.ª. Dar. Isabel Cristina Ferreira dos Reis (UFRB)

_____________________________________________

Prof. Dr. Aldrin Armstrong Silva Castellucci (Suplente)

_____________________________________________

Prof. Dr. Raphael Rodrigues Vieira Filho (Suplente)

Santo Antônio de Jesus

Dezembro/2010

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As minhas origens, Cicero e Rivania,

Aos negros e negras sergipanos que me permitiram,

Narrar um pouco de suas vidas e história.

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6

AGRADECIMENTO

“O coração agradecido comunica-se com Deus”. (Mokiti Okada)

Ao Supremo Deus, minha sincera gratidão por ter conseguido cumprir mais essa

etapa de minha missão. O caminho da busca e aprimoramento espiritualista me deu a

força necessária para superar os obstáculos, as incertezas, as necessidades que não

foram maiores e nem mais forte que meu desejo de superá-las.

O caminho do profissionalismo acadêmico é muitas vezes uma trilha solitária,

mais que com certeza não seria cumprida se ao longo do trajeto fossem surgindo

pessoas que nos encorajariam a seguir adiante. Ao meu orientador, Walter Fraga Filho,

meu sincero agradecimento pela colaboração no direcionamento das pesquisas, nas

leituras atenta dos textos produzido ao longo desses dois anos, enfim, esse também

trabalho é fruto de sua paciência e competência como profissional e amigo.

A minha amiga-irmã Soanne Cristino, que me acompanhou em todos os

momentos nesses dois anos de minha vida. Alegrias, tristezas, realizações, frustações,

você foi o melhor presente que Deus me concedeu nessa fase de busca e realizações, por

isso dedico esse trabalho a você, que foi a maior incentivadora nos momentos em que

eu pensei em recuar.

A minha família, Cicero e Rivania meus pais, que forneceram toda base e amor

para seguir tranquilo nesse desafio. As minhas irmãs, Virginia, Caroline e Joyce

desculpe as ausências e obrigada pelo amor incondicional de vocês. A lembrança de ter

família e poder estar segura em seu seio me enche de vigor sempre. Especialmente,

meus agradecimentos a Carol, que dividiu comigo angustias, incertezas, vibrações e me

encorajou a superar os obstáculos no momento mais difícil de minha vida, serei

eternamente grata. Amo vocês.

Aos amigos de turma e de convivência: Kleberson, Carol, Wanderson, Thethê,

Rejane, Cristiane, Taiane, Daiane, Jacó, Igor Fonseca, Jean, César, Isaias, Monique e os

demais, que me auxiliaram em meu crescimento profissional, nas discursões acadêmicas

e com certeza nas experiências de vida. Em especial a Leandro Bulhões que me ensinou

uma das mais belas lições: viva cada dia como se fosse único, se permite, porque a vida

é um mundo de possibilidades!

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Ao programa de Pós-Graduação em História Regional e Local, aos

coordenadores, docentes e as secretarias Anne e Consuelo que sempre estivem prontas a

nos auxiliar nas tarefas mais burocráticas, muito obrigada.

A Alan Costa Oliveira e família, que me acolheram nesses dois anos como um

familiar. Pelo amor doado, pela convivência sofrida, pelos sorrisos e abraços, que Deus

retribua em dobro a todos vocês.

Aos que aqui não foi possível mensurar, mas, levo em meu coração o desejo e

ensejo que a vida proporcione muito mais a cada um que direta ou indiretamente

contribuiu para o meu crescimento pessoal e profissional.

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Encontrei minhas origens

Em velhos arquivos

Livros

Encontrei

Em malditos objetos

Troncos e grilhetas

Encontrei minhas origens

No leste

No mar em imundos tumbeiros

Encontrei

Em doces palavras

Cantos

Em furiosos tambores

Ritos

Encontrei minhas origens

Na cor de minha pele

Nos lanhos de minha alma

Em mim

Em minha gente escura

Em meus heróis altivos

Encontrei

Encontrei-as, enfim

Me encontrei.

* Antologia dos poetas negros (Oliveira

Silveira)

(*) O professor, poeta e pesquisador gaúcho

Oliveira Ferreira da Silveira foi o idealizador

do Dia da Consciência Negra.

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RESUMO

Esse estudo analisa as trajetórias, as redes de sociabilidade e as relações de

trabalho no pós-abolição das populações afro-brasileiras em Sergipe, especificamente na

Região do Cotinguiba, entre os anos de 1888 a 1910. Por meio da análise de fontes

diversificadas, tais como fontes primárias, processos crimes, correspondências,

relatórios, jornais, a Revista Agrícola de Sergipe e etc. Buscamos entender como a

abolição da escravatura se processou nessa sociedade e como os significados da

liberdade alterou a vida cotidiana dessa população. No discorrer desse trabalho,

objetivamos compreender o processo de inserção social das “populações de cor”

egressas da escravidão, elucidando as suas trajetórias coletivas e individuais e as novas

relações de trabalho livre no limiar do novo regime político – a República.

PALAVRAS-CHAVE: Abolição, trajetórias, trabalho livre, Sergipe.

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ABSTRACT

This study examines the trajectories, networks of social and labor relations in the post-

abolition African-Brazilian populations in Sergipe, specifically in Region Cotinguiba

between the years 1888 to 1910. Through analysis of different sources, such as primary

sources, criminal cases, correspondence, reports, newspaper and journal Agricultural

and Sergipe etc., we understand how the abolition of slavery took place in this society

and how the meaning of freedom changed everyday life this population. In discoursing

of this study, we aimed to understand the process of integration of "people of color"

who returned from slavery, elucidating their individual and collective trajectories and

the new relations of free labor at the dawn of the new political regime - the Republic.

KEYWORDS: Abolition, trajectories, free labor, Sergipe.

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LISTA DE MAPAS, IMAGENS, FOTOGRAFIAS E TABELAS.

MAPA 1 - Mapa da Região do Cotinguiba - Principais rios século XIX.......................27

MAPA 2 – Mapa de Sergipe com destaque da Região do Cotinguiba com principais

rios, cidades e vilas no século XIX..........................,,..................................................28

FOTO 1: Foto do Mercado Municipal de Laranjeiras no século XIX...........................30

FOTO 2: Foto do Engenho Pedras em Maruim............................................................. 32

TABELA 1: Distribuição da População livre e escrava do Cotinguiba......................35

TABELA 2 - Variação da população livre e escrava de Sergipe e do Cotinguiba 1851 e

1873.................................................................................................................................36

MAPA 3: Roteiros e datas oficiais do aparecimento da Cólera Morbus em Sergipe. Set

1855 – Jan 1856..........................................................................................................38

TABELA 3: Estrutura ocupacional da População escrava em Sergipe 1873 e

1887..............................................................................................................................30

TABELA 4: Participação dos principais produtos sergipanos no valor percentual das

exportações..................................................................................................................40

TABELA 5: Quadro dos Presidentes da Província de Sergipe 1889 a 1911........... ......53

TABELA 6: Quadro do Corpo policial de Sergipe 1880 a 1910....................................76

FIGURA 1: Genealogia da família Dias Rollemberg até a 3ª geração...........................85

FOTO 3: Vista parcial da Usina Escurial e dos trabalhadores livres......................... 86

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FOTO 4:Vista da Casa Grande do Engenho Escurial...................................................87

FOTO 5: Vista lateral das casas dos trabalhadores livres da Usina Escurial (antiga

senzala)........................................................................................................................87

FOTO 6: Vista Frontal da Capela da casa grande do Engenho Escurial.......................88

FOTO 7: Vista frontal da Capela da Senzala do Engenho Escurial..............................88

FOTO 8: Fotografia de Homero de Oliveira...............................................................98

FIGURA 2: Capa da Edição especial da Revista Agrícola de 1906.............................102

TABELA 7: Migração líquida interna e internacional de estrangeiros em

Sergipe...................................................................................................................... 137

TABELA 8: Modelo questionário agrícola – Cotinguiba 1910 a 1912........................140

TABELA 9: Situação agrícola e de trabalho do Cotinguiba (1910-1912)...................141

TABELA 10: Tabela da faixa de salários pagos na Região do Cotinguiba (1910-

1912)...........................................................................................................................143

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACMA– Arquivo Público da Cúria Metropolitana de Aracaju

AJES – Arquivo Judiciário do Estado de Sergipe

AJES – Arquivo Judiciário do Estado de Sergipe

APA – Arquivo Público de Aracaju

APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia

APES- Arquivo Público de Sergipe

BPN – Biblioteca Nacional

BPED – Biblioteca Pública Ephifâneo Dórea

IHGS – Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe

IISA – Imperial Instituto Sergipano de Agricultura

SSA – Sociedade Sergipana de Agricultura

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SUMÁRIO

LISTA DE MAPAS, IMAGENS, FOTOGRAFIAS E TABELAS. .......................... 11

LISTA DE ABREVIATURAS ..................................................................................... 13

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 16

Capítulo I - Entre o cativeiro e a liberdade: economia, população e sociedade. .... 26

1.2 Os escravos: a força de trabalho do Cotinguiba e a Crise da Lavoura. ............ 33

1.3 A festa e o silenciamento da abolição - O 13 de maio em Sergipe. ..................... 41

1.4 Sergipe no limiar da República: Um olhar sobre sua evolução no final do século

XIX ................................................................................................................................. 50

Capítulo II - Os Reflexos da Liberdade: cotidiano, cidadania e sociabilidade. ...... 56

2.1 Novos Cidadãos: “Lei da própria Vontade” ........................................................ 57

2.2 A “tragédia” da Vila do Rosário ........................................................................... 63

2.3 De vadios a Soldados: o recrutamento policial como forma de conter a

desordem no pós-emancipação. ................................................................................... 68

2. 4 “Dê instrução ao negro submisso e estúpido e ele tornar-se-á cidadão”: a

educação como medida de “civilizar” os libertos. ..................................................... 80

Capítulo III- Nas fronteiras da liberdade: a organização do trabalho livre em

Sergipe. .......................................................................................................................... 91

3.1 A Revista Agrícola – A serviço da lavoura, comércio e indústria em

Sergipe............................................................................................................................93

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3.2 O combate ao ócio: a direção do olhar das elites sergipanas sobre as

“populações de cor”, livre e pobre...........................................................................105

3.3 Pelas vozes dos outros: “organização do trabalho” após a abolição na Revista

Agrícola de Sergipe. .................................................................................................... 109

Capítulo IV - Os códigos e suas (im)posturas: o Código Rural em Sergipe. ......... 123

4. 1 – Os destinos da liberdade: “a sedução dos nossos pretos”. ............................ 132

4. 2 - A situação Agrícola em Sergipe: notas sobre o Questionário Agrícola na

Região do Cotinguiba. ................................................................................................ 139

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INTRODUÇÃO

O processo de abolição da escravatura e seus desdobramentos vêm sendo a

algumas décadas alvo de estudos em diversos países e também em várias regiões do

Brasil. A partir das abordagens da nova historiografia da escravidão tem-se

problematizado os significados da liberdade e suas inferências no cotidiano das relações

entre brancos e negros nos anos posteriores a emancipação. É fato, que no Brasil, a

abolição gradual do trabalho escravo já vinha se processando no decorrer do século

XIX. Mais precisamente a partir de meados dos oitocentos, entretanto, no dia 13 de

maio de 1888, todo território nacional se viu no mais completo burilamento. Seja pelas

comemorações da abolição, seja pelo descontentamento dos proprietários rurais, que

traduziram esse acontecimento como deletério para suas vidas e riquezas.

Atualmente no Brasil, há uma diversidade de estudos que abordam as

peculiaridades da escravidão e do pós-abolição de forma sistematizada. No decorrer de

minha vida acadêmica, busquei estudar as trajetórias de populações afro-brasileiras

egressas da escravidão. Optei então por pesquisar a região açucareira do Estado de

Sergipe, composta por onze municípios situados na Região do Cotinguiba, até então

pouco explorado no tocante os estudos sobre a abolição da escravatura. Meu objetivo

inicial era conseguir rastrear os “fios” das histórias que envolviam esses “novos

cidadãos” após a emancipação, através das fontes, pude perceber que era possível ir

mais além.

Durante a graduação, no trabalho de conclusão de curso, desenvolvi um estudo

sobre as trajetórias de ex-escravos que eram tidos como vadios, ladrões e defloradores.1

Foi justamente rastreando as historias de vida desses personagens, que me deparei com

uma documentação abundante onde frequentemente era utilizados esses termos

pejorativos para caracterizar a vida errante de muitos libertos. Foi através dessa

representação do liberto como “marginal” que me impulsionou a analisar mais

profundamente as trajetórias de vidas dessas pessoas. Ao longo desse processo,

consegui localizar diversas outras histórias envolvendo as “populações de cor”, mas, por

outro ângulo, construindo famílias, ampliando suas redes de sociabilidades,

1 AVELINO, Camila Barreto Santos. “O olhar branco sobre o preto”: Vadios, ladrões e defloradores, o

negro na sociedade sergipana pós-abolicionista. (1888-1890). Trabalho de Conclusão de Curso, Aracaju,

Unit, 2007.

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estabelecendo e negociando novas relações de trabalho, em confronto a uma sociedade

ainda marcada profundamente pela escravidão.

Foram a diversidades dessas novas fontes que me fizeram percorrer o caminho

trilhado até aqui. As fontes e as histórias que surgem ao longo desse trabalho foram

coletadas em diversos momentos de pesquisas. Surgem, ora entrelaçadas com outras

fontes para desse cruzamento poder ser possível abordá-las, ora uma única fonte aparece

de forma ampla e permite que narremos os acontecimentos do início ao fim.

Desse modo, objetivamos com esse trabalho, analisar as trajetórias das

populações afro-brasileiras em Sergipe, mais especificamente a Região do Cotinguiba,

entre os anos de 1888 a 1910. Buscando compreender como a Lei Áurea e a

emancipação definitiva se processou na sociedade sergipana e como ex-senhores e

libertos significaram a liberdade em suas trajetórias de vidas.

A escolha da temática em análise e o interesse no processo de realização desse

trabalho é fruto da inquietação pessoal e do compartilhamento de momentos em que

foram questionados os posicionamentos e as ocupações das “pessoas de cor” no cenário

social brasileiro e sergipano. Suscitei novos questionamentos e ampliei as

problematizações, na tentativa de compreender o processo de reestruturação social em

Sergipe após a abolição e a inserção das “populações de cor” nessa sociedade,

elucidando entre esses acontecimentos as trajetórias coletivas ou individuais e as

relações de trabalho no limiar do novo regime político – a República.

Ao realizar uma incursão historiográfica sobre essa temática foi possível

perceber que a literatura sobre a escravidão é vastíssima. Uma breve leitura da produção

historiográfica sobre escravidão e liberdade nos últimos anos, permite visualizarmos o

avanço desses estudos, principalmente, no tocante as representações sociais e culturais

das populações afro-brasileiras.

Desse modo, fiz um levantamento bibliográfico sobre Escravidão, resistência e

abolição em Sergipe. Dediquei-me a estudar a historiografia produzida até então, que

dissertassem sobre as populações afro-brasileiras e através dessa pesquisa obtive uma

análise parcial sobre como o negro era visto e representado pelos intelectuais

sergipanos, muitas vezes em traços destoantes. A partir da década de 70, encontramos

trabalhos significativos sobre a escravidão em Sergipe. Ariosvaldo Figueiredo 2; José

2 FIGUEIREDO, Ariosvaldo. O Negro e a Violência do Branco - o negro em Sergipe, Rio de Janeiro, J.

Álvaro Editor, 1977.

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Mário Resende 3; Maria da Glória Almeida

4; Luiz Mott

5 e Maria Nely Santos

6 foram

autores pioneiros em suas abordagens, sobre a sociedade sergipana e a representação

dos escravos nesse universo. Várias contribuições foram trazidas por esses autores, suas

obras são referências no que concerne ao levantamento de fontes e pesquisas sobre a

historiografia da escravidão em Sergipe. Porém, muitos desses estudos, influenciados

teórico e metodologicamente pela historiografia de sua época (em sua grande maioria

produzida na década de oitenta), mostram-se desatualizados, frente às novas abordagens

realizadas por estudos mais contemporâneos.

Trabalhos mais recentes, frutos de dissertações de mestrado e teses de

doutorados, muitos ainda não publicados, vêm contribuindo bastante para o um maior

conhecimento sobre a História de Sergipe. Entretanto, se comparado a outras regiões do

Brasil, ainda é pouco estudado no que concerne à temática em questão.

Josué Modesto dos Passos Subrinho em sua tese de doutorado, Reordenamento

do Trabalho escravo para o trabalho no Nordeste açucareiro: Sergipe (185-1930) 7

estudou o reordenamento do trabalho após a abolição no Nordeste, evidenciando as

peculiaridades da economia sergipana, que conforme o autor, até as vésperas da

abolição possuía por sua principal base econômico a produção açucareira atrelada ao

trabalho escravo e, não havendo imigração maciça a “passagem” do trabalho escravo

para o trabalho livre em Sergipe se deu muitas vezes por “arranjos” de trabalhos entre

proprietários rurais e libertos. 8

Joceneide Cunha Santos e Igor Fonseca de Oliveira, em suas respectivas

dissertações de mestrado, se propuseram a estudar a escravidão e resistência em Sergipe

em meados do Século XIX, analisando aspectos do cotidiano da escravidão sergipana

em regiões diferenciadas. Joceneide Cunha priorizou estudar o agreste-sertão sergipano

3 RESENDE, José Mário. “Entre Campos e Veredas da Cotinguiba: o espaço agrário de Laranjeiras:

1850- 1888”, Dissertação de Mestrado em Geografia, UFS, 2003. 4 ALMEIDA, Maria da Glória. Nordeste Açucareiro (1840-1875) - desafios num processo do vir-a-ser

capitalista, Aracaju, UFS/SEPLAN, 1993; "Uma unidade açucareira em Sergipe: o Engenho Pedras" In:

Simpósio da ANPUH, vol.2, São Paulo, 1976. 5 MOTT, Luiz. Sergipe d’El Rey - população, economia e sociedade, Aracaju, Fundesc, 1986; Sergipe

Colonial e Imperial: Religião, família, escravidão e sociedade. São Cristóvão, UFS, programa editorial

da UFS; Aracaju: fundação Oviêdo Teixeira, 2008. 6 SANTOS, Maria Nely. A Sociedade Libertadora "Cabana do Pai Thomaz"- Francisco Alves- uma

história de vida e outras histórias, Aracaju, Gráfica J. Andrade, 1997. 7 PASSOS SUBRINHO, Josué Modesto. Reordenamento do Trabalho - Trabalho Escravo e Trabalho

Livre no Nordeste Açucareiro: Sergipe, 1850-1930, Aracaju, Funcaju, 2000. 8 Segundo a “Historiografia tradicional”, Subrinho cita os trabalhos de FURTADO, Celso, Formação

Econômica do Brasil, São Paulo, Ed. Nacional, 1969; EISEMBERG, Peter, Modernização sem Mudança,

Rio de Janeiro, Paz e Terra/Unicamp, 1977 e CONRAD, Robert, Os Últimos Anos da Escravidão no

Brasil (1850- 1888), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.

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no trabalho intitulado “Entre Farinhadas, Procissões e Famílias: a vida de homens e

mulheres escravos em Lagarto, 1850-1888” 9, onde a autora aborda temas ligados à

cultura, famílias escravas, trabalho e relações sócias entre escravos e senhores em

Lagarto, município localizado no agreste sergipano e um dos maiores produtores de

farinha de mandioca do Estado. Igor Oliveira em sua dissertação de mestrado defendida

recentemente, “Os Negros dos Matos”: Trajetórias de quilombolas em Sergipe Del Rey

(1871-1888) 10

traz uma nova abordagem sobre as experiências cotidianas dos escravos

fugidos em Sergipe e sobre os quilombos sergipanos, muitos deles localizados nos

arredores das matas pertencentes aos engenhos do Cotinguiba, dando ênfase a

recorrência de escravos fujões nessa região, principalmente, a partir a promulgação da

lei do Ventre Livre em 28 de setembro de 1871.

Outro trabalho recente é a tese de doutorado de Sharyse Amaral, Escravidão,

Liberdade e Resistência em Sergipe: Cotinguiba (1860-1888).11

Nesse estudo a autora

busca compreender o comportamento dos escravos e libertos nas últimas décadas da

escravidão na Região do Cotinguiba. A autora discute as transformações sociais, as

motivações e as expectativas dos diferentes sujeitos históricos frente ao novo mundo

que se formava observando: as estratégias utilizadas para a obtenção da alforria; as

relações estabelecidas com os senhores; as redes de solidariedade e identidade entre as

“populações de cor”, os significados da liberdade e relações de trabalho.

Esses trabalhos foram influenciados pelas novas abordagens da História social

da escravidão. Que desde a década de oitenta da centúria passada, emergiram as

primeiras obras dessa nova corrente historiográfica. 12

Sob a ótica desse renovador viés

teórico iniciado com estudos desenvolvidos por conta do centenário da abolição, as

obras produzidas têm priorizado retratar o escravo em seu universo social. 13

Nesse

contexto, as relações sociais entre escravos, senhores e libertos, durante e após a

abolição, tornaram-se alvo de estudos e pesquisas em diversas regiões do Brasil.

9 SANTOS, Joceneide Cunha, “Entre Farinhadas, Procissões e Famílias: a vida de homens e mulheres

escravos em Lagarto, 1850-1888”, Dissertação de Mestrado em História, UFBA, 2004. 10

OLIVEIRA, Igor Fonseca de. “Os Negros dos Matos”: Trajetórias de quilombolas em Sergipe Del Rey

(1871-1888). Dissertação de mestrado, Programa de Pós-graduação em História Regional e Local –

UNEB, 2010. 11

AMARAL, Sharyse Piroupo do. Escravidão, Liberdade e Resistência em Sergipe: Cotinguiba (1860-

1888). Tese de doutorado, UFBA, Ano de Obtenção: 2007. 12

Entre os autores destacam-se: João José Reis, Maria Odila Leite dias, Robert W. Slenes, Silva Hunold

Lara, Sidney Chalhoub, Hebe Maria Matos, Maria Helena Machado, dentre outros, cujas obras serão

abordadas no decorrer desse trabalho. Esses intelectuais buscaram retratar os escravos como agentes

históricos e possibilitaram a emergências de estudos sobre a mulher, família escrava e os significados da

liberdade e as estratégias para consegui-la, além de outras temáticas. 13

MACHADO, Maria Helena. Crime e escravidão. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 13.

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Intelectuais de diversas áreas: historiadores, antropólogos, sociólogos e etc. Em

especial, os historiadores buscaram explicitar as experiências do cativeiro e da liberdade

para as “populações de cor” dando ênfase as memórias, o cotidiano, as relações de

sociabilidade, de trabalho, de compadrio, de barganhas, dentre outros fatores, tão

importantes para a historiografia brasileira e que anteriormente era subalternizada em

relação ao grande numero de estudos sobre os grupos hegemônicos.

Alguns historiadores dessa corrente historiográfica tiveram como principal

influência teórica as obras Edward P. Thompson. Empregando em seus estudos os

conceitos de experiência 14

e também lutas de classes 15

presentes no trabalho desse

autor. Para a historiografia da escravidão, as obras Senhores e Caçadores, A formação da

Classe Operária Inglesa, A miséria da Teoria e Costumes em Comum16

representa um

novo viés teórico para o embasamento da construção historiográfica sobre a escravidão

no Brasil. Para Silva Lara, os intelectuais brasileiros, inspirados pelos desdobramentos

teóricos e políticos dos conceitos thompsonianas, começaram a insistir na necessidade

de incluir a experiência escrava na História da escravidão. A “inclusão dos excluídos”

possibilitou o surgimento de novas abordagens nas análises sobre as experiências entre

senhor-escravo, assim, as relações históricas são construídas por homens e mulheres

num movimento constante, tecidas através de lutas, conflitos, resistências e

acomodações, cheias de ambuiguidades. 17

Um dos pontos de distinção entre as correntes historiográficas mais antigas e as

novas correntes, diz respeito à utilização das fontes históricas. 18

Os primeiros

14

Thompson mostra que algumas explicações acerca do funcionamento da sociedade, principalmente nas

teorias de Althusser, foram excluídas as experiências cotidianas de homens e mulheres. Tais como,

análises sobre como essas pessoas viveram algumas situações, as relações produtivas, os antagonismos

provenientes dela e etc. Sobre o referido assunto consultar: THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um

planetário de erros, uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro, Zahar editores, 1981. p.

180-200. 15

Segundo Thompson, as pessoas possuem relações numa sociedade estruturada; incluídas as relações de

produção baseadas na exploração e na necessidade de manter o poder sobre os dominados. As pessoas

identificam pontos de interesses antagônicos e, por isso, começam a se confrontar. Nesse processo se

veem como classe; a chamada consciência de classe surge nesse momento. Por isso, o conceito chave

para entender a classe é o de luta de classes, pois é através do ultimo que se forma o primeiro. E o

processo de formação de classe pode se definir como uma formação cultural. Conferir: THOMPSON, E.

P. Tradición, Revuelta y Consciencia de classe. Estudios sobre la crisis de la sociedad preinsdutrial.

Barcelona: Editora Crítica, 1979. p. 13-71. 16

THOMPSON, E. P. A formação da Classe Operaria Inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987;

Senhores e Caçadores: a origem da lei negra, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987 e Costumes em Comum:

estudos sobre a cultura popular tradicional, São Paulo, Companhia das Letras, 1998. 17

LARA, Silvia Hunold. Blowin in the Wind: E.P. Thompson e a experiência negra no Brasil. Projeto

História, São Paulo, N 12, 1995. p. 43-75. 18

MACHADO, Maria Helena. Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a história social

da escravidão. Revista brasileira de História, São Paulo, v. 8 N 16, 1988. p 143-160.

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21

utilizaram, principalmente, relatórios oficiais, relatos, crônicas de viajantes, dentre

outros. Os estudos mais atuais inovaram principalmente no tocante as pesquisas, os

adeptos da nova historiografia social da escravidão ampliaram o leque de fontes. Esse

fato ocorreu no Brasil, sobretudo, na década de setenta, quando houve uma maior

profissionalização dos historiadores, com a criação e consolidação dos cursos de pós-

graduação. Desarte registra-se uma proliferação das pesquisas, também na área da

escravidão. 19

O pós-abolição surgiu como problema histórico nesse contexto. No primeiro

momento, os inúmeros trabalhos sobre o pós-abolição se dedicaram a estudar os

interesses das elites a respeito dos libertos e da utilização dos chamados “nacionais

livres” como mão-de-obra. Detalhes sobre diagnósticos e projetos de construção

nacional, pensados e planejados pelas elites invariavelmente conservadoras, pautaram

por muito tempo a discussão historiográfica sobre o período pós-emancipação. Melhor

dizendo, o pós-abolição como questão específica se diluía na discussão sobre o que

fazer com o “povo brasileiro” e a famosa “questão social”. 20

Enfatizamos que é importante a análise dos projetos dominantes, que são vários

e multifacetados, pois eles nos ajudam a compreender o pensamento das classes

dominantes e o surgimento dos projetos de “Brasil-Nação” em debate no cenário

político no final do século XIX, a partir da perspectiva do fim da escravidão. Nesse

estudo, em uma abordagem regional, discutiremos como as elites sergipanas, a partir da

Sociedade Sergipana de Agricultura pensaram e projetaram através da Revista Agrícola

um discurso de “civilização” e inclusão das “populações de cor” egressas da escravidão.

Entretanto, nossa intenção nesse trabalho é demonstrar até que ponto esses

projetos pensados pelas classes elitistas sergipanas, estiveram formados por um

conhecimento pragmático das elites agrárias sobre as expectativas dos libertos e de que

maneira interagiram com as atitudes e opções adotadas por eles após o fim da

19

Acerca desse tema, houve durante algum tempo, a ideia de não existirem documentos para pesquisar

sobre a escravidão, por conta das ordens de Ruy Barbosa que mandou queimar boa parte dos acervos.

Consultar, SLENES, Robert. “O que Ruy Barbosa não queimou. Novas fontes para os estudos da

escravidão no século XIX”. Estudos econômicos, 13, N 1, 1983. p 117-150. 20

Sobre os estudos que abordam a temática de consolidação do Estado brasileiro e a formulação de uma

identidade nacional no inicio do século XX, consultar, MATOS, Hebe. “Racialização e cidadania no

Império do Brasil”. In: José Murilo de Carvalho e Lucia Bastos Pereira das Neves (org.). Repensando o

Brasil do Oitocentos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009; RIBEIRO, Gladys Sabina. "'Ser

português' ou 'ser brasileiro'?". In: A Liberdade em Construção. Rio de Janeiro: Relume-Dumará-

FAPERJ, 2002; GUIMARÃES, Manoel Salgado. "Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico

Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional". Estudos Históricos, n.1, 1988. Rio de

Janeiro, FGV e CARVALHO, José Murilo. "Os Partidos Políticos Imperiais: composição e ideologia".

In: A Construção da Ordem, Rio de Janeiro: Vértice, 1988.

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escravidão. O campo aberto para os estudos do pós-abolição passou assim a incluir

variáveis e preocupações múltiplas. O papel do estado, dos ex-senhores, as condições

em que eram exercidas as atividades que empregavam os escravos às vésperas do fim da

escravidão, a existência ou não de possibilidades alternativas de recrutamento de mão-

de-obra (imigração) etc. Incluiu também a contextualização de conceitos como

cidadania e liberdade e seus possíveis significados para os diversos atores sociais.

José Murilo de Carvalho tem sido um dos intelectuais que mais tem pesquisado

e escrito sobre cidadania no Brasil, principalmente, nos anos iniciais da República. Esse

autor propôs que a cidadania seja entendida a partir de dois eixos: de baixo para cima e

de cima para baixo. Exemplos de cidadania construída de baixo para cima são as

experiências históricas marcadas pela luta por direitos civis e políticos, afinal

conquistados, no Estado absolutista; exemplos desse movimento em direção oposta são

os países em que o Estado manteve a iniciativa da mudança e foi incorporando aos

poucos os cidadãos, à medida que ia abrindo o guarda-chuva de direitos, exemplo esse

que se aplica no caso do Brasil. 21

Nas análises de Hebe Matos e Ana Rios, em suas pesquisas sobre o pós-abolição

no Brasil, as autoras inferem que essa temática tem sido bastante analisada nas duas

últimas décadas. Nesses novos estudos, as características específicas da escravidão e da

população escrava passaram a ser analisadas para apreender aquilo que se tornou um

diferencial marcante nos modernos estudos do pós-abolição: os projetos dos libertos,

sua “visão” do que seria a liberdade, os significados deste conceito para a população

que iria, finalmente, vivenciá-la, e não apenas para os que o definiram-nos diferentes

momentos do processo de emancipação. Em termos concretos, a liberdade alcançada

com o fim legal da escravidão teve significados diferentes para ex-escravos urbanos e

rurais, com habilitações profissionais ou “de roça”, homens ou mulheres. 22

Este trabalho irá tecer do dialogo realizado com esses autores, inferências para o

que acreditamos caracterizar as relações sociais em Sergipe após a abolição e se

estenderá cronologicamente as primeiras décadas do século XX da política Republicana,

com a ressalva de se ater prioritariamente às relações de sociabilidade, trajetória,

cidadania e trabalho. A abordagem adotada nesse estudo procura se aproximar das

21

CARVALHO, José Murilo de. “Cidadania: Tipos e Percursos”, Estudos Históricos, vol. 9, n. 18,

1995, p. 338-339. 22

RIOS, Ana Maria e MATOS, Hebe. O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas.

TOPOI, v. 5, n. 8, jan.-jun. p. 170-198, 2004. p. 174.

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pesquisas dessas novas correntes historiográfica, incluindo ao longo do texto, os

conceitos utilizados por seus autores.

Buscando aprofundar o conhecimento sobre a abolição e as trajetórias de

homens e mulheres que experimentaram a escravidão e a liberdade, realizei vasta

pesquisa documental nos arquivos sergipanos e pude constatar uma abundância de

fontes pouco exploradas. No Arquivo Público do Estado de Sergipe (APES),

trabalhamos com as sessões do Acervo Geral, da Secretária de Segurança Pública e

Seção de Agricultura. Desses fundos, analisamos atas, correspondências recebidas e

expedidas, ofícios, relatórios e mensagens dos presidentes provinciais, coleções de leis e

decretos, auto de denúncias e de perguntas. Focamos nossas pesquisas entre os anos de

1880 a 1910, mais especificamente, sobre documentos que faziam referencias a Região

do Cotinguiba, porém, como é precioso ao pesquisador cuidado criterioso com as

fontes, também coletamos documentos relacionados à temática abordada que pertence

aos demais municípios.

No Arquivo Judiciário do Estado de Sergipe (AJES), nos dedicamos à coleta de

inventários sobre o Cotinguiba entre os anos de 1880-1910, concernente a (cinco)

municípios dentre os onze que compõe essa região, os quais foram listados nas

referências documentais desse trabalho, o tempo escasso para pesquisa nos restringiu

em suas análises em consequência do grande acervo documental, os quais pretenderam

nos dedicar atenciosamente em pesquisas posterior. No Arquivo Eclesiástico da Cúria

Metropolitana de Aracaju, coletamos registros de óbito, batizado e casamento, datado

entre os anos de 1800 a 1910, esses dados nos permitiu através do cruzamento com

outras fontes, seguir as trajetórias dos escravos para a liberdade, bem como rastrear os

laços familiares e de compadrio.

Na Biblioteca Pública Ephifâneo Dórea (BPED), exploramos o seu rico acervo

em periódicos. Lá encontramos diversos jornais de circulação nacional e local, além dos

(noventa e seis) exemplares completos da Revista Agrícola de Sergipe no período de

circulação entre os anos de 1905 a 1908. Essa fonte foi de grande importância para o

desenvolvimento desse trabalho e, se constitui fonte crucial para entendermos as

relações sociais e a organização do de trabalho livre em Sergipe após a emancipação.

No Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGS), nos surpreendemos com

o acervo de documentos raros sobre a sociedade sergipana. Nesse acervo encontramos

dados sobre as genealogias do baronato sergipano, como também obras raras de

intelectuais sergipanos, produzidas entre os séculos XIX e XX; o Estatuto de Fundação

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24

da Sociedade Sergipana de Agricultura de 1902 e o Questionário Agrícola de Sergipe de

1910 permitiu compreendermos melhor a situação agrícola e de trabalho dessa região

nos anos iniciais de Sergipe República. Os documentos aqui listados, dentre outros, se

apresenta distribuído entre os quatros capítulos que compõem esse trabalho.

No primeiro capítulo, buscamos descrever as características da Região do

Cotinguiba destacando sua importância econômica e social para o Estado de Sergipe

durante o século XIX. Enfatizando as suas riquezas, população e sociedade, tentando

compreender como a abolição se processou nesse espaço fortemente marcado pelas

relações escravistas. E ainda, como as comemorações do 13 de maio e as ações dos

libertos alteraram o cotidiano da sociedade sergipana no limiar da República.

No segundo capítulo, deslocamos nossa atenção para os reflexos da liberdade na

vida de brancos e negros, objetivando vislumbrar como essas populações significaram a

igualdade de direitos em suas trajetórias coletivas e individuais. Nesse processo,

avaliamos o posicionamento tanto das “populações de cor” quanto das elites sergipanas,

no que concerne a efetiva cidadania dos libertos. A partir dessas relações, ora de

conflitos, ora de solidariedade, analisamos as estratégias de inserção social “coercitiva”

tais como o recrutamento forçado de libertos como soldados para suprias as demandas

policiais e também o trabalho compulsório nas lavouras; e de controle “moral” a partir

do discurso civilizatório, avultando dessas relações possíveis impasses e conflitos na

efetiva cidadania dos libertos.

O terceiro capítulo propõe analisar como se processou a “Organização do

Trabalho” em Sergipe nos anos seguintes a abolição da escravatura. Utilizamos como

recurso norteador das nossas discussões, os artigos da Revista Agrícola de Sergipe que

versavam sobre essa temática, entre os anos de 1905 a 1908. Os debates em torno do

trabalho livre, nesse periódico, surgiram com o intuito de sobrepujar a crise da lavoura e

a desorganização do trabalho livre que, após a abolição da escravatura, na visão dos

articulistas da revista, polarizava e refletia os desequilíbrios existentes tanto na

economia sergipana quanto nos demais escalões dessa sociedade. Desse modo, damos

ênfase aos discursos elitista sobre como se processou a inserção da “população de cor”

egressa da escravidão nas diversas esferas do trabalho em Sergipe, buscando perceber

através desses discursos as ações dos libertos em burlarem as vontades dos proprietários

rurais e agirem sobre os próprios desígnios.

Por último, avaliamos as medidas adotadas pelo governo sergipano, boa parte

estimulada e pressionados pelos proprietários rurais, para contornar a questão

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25

econômica e do trabalho agrícola no Estado. A partir de uma pesquisa minuciosa das

leis e decretos que regiam as questões civis e trabalhistas entre os anos de 1880 a 1920,

tais como: os códigos de Posturas Municipais, o Código Rural e o Questionário

Agrícola servem como balizadores das nossas reflexões no tocante a situação agrícola e

de trabalho livre após a abolição em Sergipe. A aplicação de leis coercitivas que

possuíam por finalidade, dentre outros objetivos, obrigar o trabalhador livre a

empregarem-se na lavoura, foi possível perceber as muitas estratégias utilizadas pelos

libertos para contravir a vontade dos proprietários rurais. Especificamente, na questão

da mobilidade social das “populações de cor”, é possível inferir que essa era uma ação

contínua de defesa dos direitos de autonomia sobre suas vidas e de seus familiares.

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I – Capítulo

Entre o cativeiro e a liberdade: economia, população e sociedade.

Sergipe Del Rey, a menor Província do Brasil, quando se separou da Bahia, em

1820, dispunha de um território de 21.994 km², regados por seis bacias hidrográficas

situadas do Sul ao Norte do estado: a do Rio Real, que separa Sergipe da Bahia; a do

Rio Vaza-Barris, que banha São Cristóvão (antiga capital da província); a dos Rios

Sergipe e Cotinguiba, que banham Riachuelo, Laranjeiras e Aracaju; a do Rio

Japaratuba, que deságua no mar, passando pelo Município de mesmo nome; a do Rio

Piauí, que banha o município de Estância e a do Rio São Francisco, limite com a

Província de Alagoas. 23

O grande número de bacias hidrográficas bem distribuídas pela

província facilitava a rede de transportes fluviais, o que era bastante favorável para o

comércio agroexportador.

A Província sergipana, durante todo o século XIX, foi sustentada pela

agricultura e, mais especificamente, pelos engenhos de açúcar situados nas terras dos

massapés, nos vales férteis do Piauí-Piauitinga, do Vaza-Barris e, principalmente, do

Sergipe-Cotinguiba e Japaratuba. Essa produção açucareira impulsionou o surgimento e

o crescimento de povoações e de vilas, estabelecendo um movimentado comércio a

partir da instalação de estruturas portuárias e trapiches, fazendo florescer a economia

açucareira sergipana. Em seu estudo, Sharyse Amaral considera que o auge da economia

açucareira em Sergipe, ocorrera por volta de 1850, momento de alta no preço do açúcar

no cenário nacional.

A região do Cotinguiba, tal como o Recôncavo baiano, possuía os solos de

massapé, argilosos, escuros e pesados, que retinham bem a umidade e eram

preferidos para o cultivo da cana-de-açúcar, a cultura mais rentável no

período colonial. A região tinha o transporte facilitado pela navegação dos

grandes rios e de seus numerosos afluentes durante a maré cheia. Numa

época em que existiam poucas estradas - e as que existiam frequentemente

eram alvo de assaltos ou causas de acidentes, devido ao péssimo estado -, o

transporte fluvial constituía importante fator de produção. A união desses

três elementos - solo, clima e rios navegáveis - fez com que a Cotinguiba

se tornasse o principal núcleo produtor de açúcar em Sergipe. 24

23

Para uma análise mais sistemática sobre a região do Cotinguiba consultar, AMARAL, Escravidão,

Liberdade e Resistência em Sergipe, 2007. p. 28. 24

Ibid. AMARAL, 2007, p. 28.

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27

MAPA DA REGIÃO DO COTINGUIBA - PRINCIPAIS RIOS NO SÉCULO XIX.

MAPA 1 - Mapa da Região do Cotinguiba - Principais rios século XIX. FONTE: AMARAL, Escravidão, Liberdade e Resistência em Sergipe, 2007. p. 29.

Nesse espaço, a região do Cotinguiba se destacava tanto por sua riqueza natural

abundante em solos massapés e rios navegáveis, quanto por sua riqueza econômica,

obtida com a alta produtividade agrícola açucareira. Por isso, essa região também

concentrava o maior número de escravos da Província, conforme consta nos dados da

matrícula de escravos de 1872. Sergipe possuía 32.974 cativos, destes, 15.206

habitavam a região do Cotinguiba, representando aproximadamente 41,35% do

percentual total dos escravos sergipanos. 25

A região era composta por onze sedes de municípios e, na segunda metade do

século XIX, apenas quatro deles gozavam do estatuto de cidades: a capital Aracaju

(1855), Capela (1835), Laranjeiras (1832) e Maruim (1835), estes dois últimos foram as

25

. Conferir em PASSOS SUBRINHO, Josué Modesto. Os classificados da escravidão. Aracaju: Instituto

Histórico e Geográfico de Sergipe, 2008. p. 8-9

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principais forças econômicas sergipanas do período analisado. Constituía também a

região: as vilas de Divina Pastora (1836), Japaratuba (1835), Nossa Senhora do Socorro

(1835), Riachuelo (1878), Rosário do Catete (1835), Santo Amaro das Brotas (1899) e

Siriri (1835). Apesar de algumas dessas vilas serem menores em termos territoriais,

econômico e populacional em relação a Laranjeiras e Maruim, nem por isso eram menos

importantes.

MAPA SERGIPE COM DESTAQUE DA REGIÃO DO COTINGUIBA COM PRINCIPAIS RIOS,

CIDADES E VILAS NO SÉCULO XIX.

MAPA 2 – Mapa de Sergipe com destaque da Região do Cotinguiba com principais rios, cidades e vilas

no século XIX.

FONTE: OLIVEIRA, Igor da Fonseca. “Os negros dos matos”, 2010, p. 24.

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29

Os núcleos urbanos da região da Cotinguiba que mais se destacavam eram

Laranjeiras e Maruim, as duas mais populosas e importantes cidades da região. Por seus

portos escoavam o açúcar, bem como saíam e entravam alimentos e outras mercadorias,

fortalecendo o comércio interno e externo. Além disso, era local de residência preferido

dos políticos, comerciantes e intelectuais sergipanos. 26

Felisbelo Freire discorreu sobre

a criação e ascensão de Laranjeiras ao posto de Vila traçando uma definição do seu

limite territorial:

Freguesia do S. S. Coração de Jesus de Laranjeiras foi criada pela lei de seis

de fevereiro de 1835, desmembrada da freguesia de Socorro, pela divisão do

termo de Villa. A lei de 24 de fevereiro de 1840 traçou os seguintes limites a

esse município: seguirá pelo Rio Sergipe acima (conforme atual demarcação)

até a barra do Rio Jacaracica e por este acima até a barra do riacho do

Salobro, e daí pelo mesmo riacho até sua nascença, e desta seguirá sua

mesma divisão que atualmente tem o termo. 27

A localização geográfica de Laranjeiras e a abundância de solo massapé em seu

território lhe permitiram grande desenvolvimento agrícola e comercial. Possuía 11.350

habitantes, conforme os dados do censo de 1890 28

, e dispunha de economia sólida e

receita elevada, decorrentes, sobretudo, da produção dos seus engenhos de açúcar, que

era exportado pelo seu porto fluvial aonde também chegavam diversos produtos

estrangeiros.

O comércio de Laranjeiras era bastante movimentado e em suas feiras era

possível encontrar variados produtos e especiarias, no mercado municipal (ver foto

abaixo) eram comercializados produtos vindos de todos os cantos da província. 29

No

relatório de Francisco Pimenta Bueno, que visitou Cotinguiba em 1881 a serviço do

Governo Imperial, as cidades de Laranjeiras e Maruim são apontadas por notória

prosperidade e urbanização em relação às outras vilas que compunham a região do

Cotinguiba, despontando até mais do que a capital Aracaju, naquele período. Consta em

suas descrições que: “Laranjeiras possuía doze trapiches, seis na cidade e seis em seu

termo. Por eles haviam escoado, entre 1880 e 1881, 128.147 sacos de açúcar, 14.440

26

AMARAL, Escravidão, resistência e liberdade em Sergipe, 2007. p 33. 27

FREIRE, Felisbelo, História de Sergipe, [1891], Petrópolis, Vozes / Aracaju, Governo de Estado de

Sergipe, 1977.p. 339. 28

Consultar, Anuário estatístico do Brasil. Rio de Janeiro, Fundação IBGE, 1967. p 35-36. 29

NUNES, Maria Théthis. Sergipe Provincial II (1840-1889). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006. p

220.

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fardos de algodão e 1.209 de couros, provenientes de Laranjeiras, mas também de

Riachuelo e Divina Pastora, municípios limítrofes”. 30

FOTO 1: Foto do Mercado Municipal de Laranjeiras no século XIX.

FONTE: Irineu Silva Fontes. Disponível em: http://cafehistoria.ning.com/profile/IrineuSilvaFontesJunior

Com a expansão da indústria açucareira, essa região apresentou rápido

progresso, atiçando a cobiça de muitos imigrantes, principalmente dos portugueses, a

fim de estabelecerem casas comercias. Nos dados do questionário agrícola de 1910,

consta que não havia agricultores estrangeiros no Cotinguiba, o que inferimos o fato dos

estrangeiros que viviam em Laranjeiras, terem se dedicado exclusivamente ao

comércio.31

Durante o século XIX, esses imigrantes fomentavam a economia e as

exportações no Cotinguiba, segundo Sharyse Amaral:

Se constituindo em uma nova fronteira agrícola para a cana-de-açúcar, bem

como para os negócios que esta podia envolver, Maruim e Laranjeiras

30

Pimenta Bueno, foi o engenheiro responsável por fazer um estudo para implantação de duas linhas

férreas na Província de Sergipe. Conferir: BUENO, Francisco A. Pimenta. Relatório apresentado ao

Exmº. Sr. Conselheiro Pedro Luiz Pereira de Souza. Rio de Janeiro, typ. Nacional, 1881. p. 8. 31

IHGS, Acervo Sergipano, nº 3690. Questionário sobre as condições agrícolas dos municípios do

Estado de Sergipe, 1910, p. 57.

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31

atraíram alguns negociantes estrangeiros. Segundo o censo de 1872, eram

eles 79 portugueses, além de 17 italianos, 08 alemães, 02 ingleses e, até

mesmo, 03 paraguaios (...). Em sua maior parte, eram pequenos negociantes,

donos de estabelecimentos de secos e molhados. 32

O setor de serviços era bastante qualificado. Entre seus profissionais constavam

advogados, professores e médicos. 33

A educação era, depois da capital Aracaju, a que

mais possuía cadeiras de ensino (17).34

Era um dos maiores centros culturais,

rivalizando com a capital. Possuía tradição na música, no teatro e na pintura. Suas

diversas igrejas, também se constituíam importante patrimônio cultural, semelhante às

de São Cristóvão, antiga capital. 35

Por representar um dos grandes centros sócio-econômico-cultural, lá circulavam

também, muitos jornais. Como explicita Maria Thétis Nunes, “o crescimento das

atividades mercantis sergipanas nas primeiras décadas do Segundo Império trouxe

consequências positivas para a vida de Laranjeiras, então o principal empório comercial

da província. Os jornais e as atividades culturais se multiplicaram registrando-se até

1889”. 36

Centro irradiador da pregação republicana e abolicionista foi nos seus salões e

ruas que se destacaram muitas das lideranças que ascenderiam ao poder republicano. 37

Desse modo, Laranjeiras se apresentava como um dos mais importantes municípios

sergipanos durante o século XIX, movido pela fase áurea do ouro branco: o açúcar.

Maruim também era um dos centros econômicos mais importantes de Sergipe,

embora sua população fosse bem menor do que a de Laranjeiras, sua economia era mais

elevada. Contava com 7.851 habitantes, em 1890.38

No meio rural havia vários

engenhos. Segundo Orlando Vieira Dantas, em “Vida Patriarcal de Sergipe” Maruim,

possuía 317 (trezentos e dezessete) engenhos, dentre eles, o Engenho Pedras, que além

da plantação da cana-de-açúcar, apresentava também a cultura da mandioca e do

algodão. Era um engenho de grande produção e funcionava com as mais desenvolvidas

32

AMARAL, Escravidão, resistência e liberdade em Sergipe, 2007. p 34. 33

CURVELO, Manoel. Um phase de laranjeiras, in Almanak Sergipano para o ano de 1899. Aracaju,

Tipografia Comercial, 1899. Apud, SOUZA, Terezinha Alves de Oliva. Impasses do federalismo

brasileiro (Sergipe e a Revolta de Fausto Cardoso). Rio de Janeiro, Paz e Terra, UFS, 1985. p. 54. 34

DANTAS, Ibarê. História de Sergipe República (1889-2000). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004.

p. 18. 35

LISBOA, L.C. Silva. Chorographia do Estado de Sergipe. Aracaju, Imprensa Oficial, 1897. 36

NUNES, Sergipe Provincial II, 2006. p 222. 37

Sobre a província sergipana e a política republicana consultar ob. Cit. DANTAS, História de Sergipe

República, 2004. Conferir também os jornais O Republicano e O Laranjeirense, principais periódicos

disseminadores dos ideários republicanos que circulavam na Capital Aracaju e em Laranjeiras. 38

C. f. Anuário estatístico do Brasil, 1967. p 35-36.

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32

técnicas agrícolas, sua arquitetura em estilo neoclássico demonstra a ostentação da

sociedade patriarcal maruinense no século XIX. 39

FOTO 2: Foto do Engenho Pedras em Maruim.

FONTE: Acervo Particular.

Na arquitetura das casas mostrava-se a opulência dos seus proprietários, a

exemplo do Engenho Pedras na figura acima. A cidade possuía ruas largas e algumas

calçadas. Possuía vida cultural pujante, editando seus jornais e eventos, as famílias

estrangeiras, principalmente os alemães, cultivavam o hábito da leitura e eram bastante

interessadas pela literatura que circulava na época, o que não era comum a nível geral,

mesmo no meio mais abastardo, e, assim, estavam sempre bem atualizados com as

discussões que ocorriam tanto no Brasil quanto no exterior, como podemos constatar

pelas cartas da senhora Adolphine Scharmm que se correspondia com seus familiares na

Alemanha e noticiava copiosamente a vida maruinense. 40

Seu gabinete de leitura era

popularmente conhecido e o mais importante de Sergipe. 41

39

DANTAS, Orlando. Vida patriarcal em Sergipe. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980. 40

Adolphine Scharmm, esposa do comerciante alemão Ernest Scharmm, residentes em Maruim e um dos

mais importantes comerciantes locais, dono da casa Scharmm & Co. Consultar, ALBUQUERQUE,

Samuel B. de Medeiros. Memórias de Dona Sinhá, Aracaju, Typografia Editorial/ Scortecci Editora,

2005. 41

AGUIAR. Joel. Traços da História de Maruim. Aracaju, Unigráfica, 1987. AZEVEDO, Dênio, S.

Esfera Pública e Sociabilidade: Grandeza e Decadência do Gabinete de Leitura de Meruim/SE.

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33

Na cidade, a movimentação do porto era superior ao de Laranjeiras. Sua receita

uma das mais expressivas do Estado era resultado dos inúmeros estabelecimentos

industriais e comerciais, como a casa comercial dos alemães Scharmm & Co, de grande

importância para o desenvolvimento econômico do Cotinguiba. Também no relatório de

Pimenta Bueno, consta que: “Maruim possuía dez trapiches que, no mesmo período,

guardaram a produção de 187.476 sacos de açúcar e 2.525 fardos de algodão. Destes, a

altíssima proporção de 93,6% foi exportada pela casa Scharmm, enquanto o restante foi

exportado pela casa do Sr. Joaquim Rodrigues da Cruz, negociante português”. 42

A riqueza econômica do Cotinguiba, também foi objeto de estudo e pesquisa de

vários outros autores sergipanos, tais como Maria Théthis Nunes, Josué Modesto dos

Passos Subrinho, Maria da Glória Almeida e Luiz Mott que, dentre outras temáticas,

buscaram analisar as características econômicas dessa região na tentativa de elucidar os

principais fatores que contribuíam e/ou fomentavam sua riqueza. 43

A base da economia do Cotinguiba, no século XIX, era a cana de açúcar; mas,

no decorrer desse século, foram introduzidos aos poucos outros produtos no rol das

exportações, tais como, como o algodão, couro, farinha de mandioca, sal, carnes e

cereais. 44

A produção desses gêneros sempre esteve atrelada à mão-de-obra escrava,

que permaneceu forte até às vésperas da abolição definitiva, em 1888.

1.2 Os escravos: a força de trabalho do Cotinguiba e a Crise da Lavoura.

Em Sergipe, como em todo Brasil, a utilização da mão-de-obra escrava se

difundiu por todas as regiões e atividades econômicas. Porém, essa atividade não

ocorreu de forma homogênea. 45

Através dos censos, matrículas e diversos outros dados

foi possível perceber que houve utilização do braço escravo em todas as microrregiões

sergipanas. Todavia, devido às diferentes características geográficas do Cotinguiba, da

Dissertação de Mestrado. Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal de Sergipe, ano de

obtenção, 2005. 42

BUENO, apud AMARAL, Escravidão, liberdade e resistência em Sergipe, 2007, p. 35. 43

Conferir: NUNES, Maria Théthis, Sergipe Colonial I, Aracaju, Universidade Federal de Sergipe; Rio

de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1989. “O escravo negro e as culturas de subsistência na Capitania de

Sergipe d’ El Rey”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, n.33 (2000/2002), p. 199-208;

ob. cit. SUBRINHO, Reordenamento do Trabalho, 2000; ALMEIDA, Nordeste Açucareiro, 1993 e

MOTT, Luiz. Sergipe Del Rey, 1986. 44

Ibid. 2007, p. 36. Sobre o incentivo a produção de novos produtos na agricultura sergipana, consultar a

Revista Agrícola de Sergipe entre os anos de 1905 a 1908. 45

SUBRINHO, Reordenamento do Trabalho, 2000. pp 76 – 78.

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34

Mata-Sul e do Agreste-sertão, como apontado no item anterior, essa concentração vai

oscilar em virtude de diversos fatores determinantes, tais como, o clima, o solo, a

economia, a população, etc.

Neste estudo, daremos ênfase à força de trabalho do Cotinguiba durante o século

XIX e início do século XX, prioritariamente às “populações de cor”, trabalhadores

livres ou escravos. Procuraremos apontar as características e especificidades no que se

refere à média de escravos por engenhos, sua distribuição, estrutura ocupacional e

decréscimo dessa população nas últimas décadas do século XIX.

Em 1850, a população livre em Sergipe era de 163.696 habitantes, o Cotinguiba

representava 24,4% dessa população; a Mata Sul, 29,1%; o Agreste-sertão Sul, 15,8%; o

Agreste-sertão do São Francisco, 22,9%; e o Agreste-sertão de Itabaiana 8,5%. A

população escrava era de 55.944 pessoas e, estavam assim distribuídos: 39% na Região

do Cotinguiba, 22,6% na Mata sul e 38,3% no Agreste-sertão. Os escravos estavam em

sua maioria concentrados na Zona da Mata, composta pelas Regiões do Cotinguiba e da

Zona da Mata Sul, que juntos apresentavam um percentual de 61,6% da população

escrava. 46

Como já apontamos, a Região do Cotinguiba destacava-se quanto à distribuição

da propriedade escrava por possuir melhores condições de solo, clima e rios navegáveis,

para o desenvolvimento da agroindústria açucareira, que demandava um grande número

de trabalhadores, acentuado assim, a utilização do trabalho escravo. Segundo relatório

de Pimenta Bueno foi contabilizado 819 engenhos, em Sergipe. Destes, 88,4 % estavam

envolvidos com a cultura da cana-de-açúcar. Do montante, 49,1% estariam instalados

no Vale do Cotinguiba: 22 em Socorro; 23 em Maruim; 43 em Japaratuba; 66 em

Divina Pastora; 97 em Laranjeiras; 10 em Santo Amaro; 82 em Capela e 43 em Rosário.

47

Nessa região, em 1850, a relação população escrava/população livre era de 0,54,

ou seja, havia 54 escravos para cada 100 habitantes livres, o maior índice da província,

em função das suas atividades econômicas estarem totalmente voltadas para a produção

do açúcar, que demandava número elevado de cativos para o desenvolvimento do seu

complexo modo de produção. 48

46

SUBRINHO, Reordenamento do Trabalho, 2004. pp 77. 47

Ver: BUENO. Reconhecimento e Estudos na Província de Sergipe, 1881, p. 2. 48

Ver modo de produção do açúcar em Sergipe em AMARAL, Escravidão, liberdade e resistência em

Sergipe, 2007, p.29.

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TABELA 1 - Distribuição da População livre e escrava do Cotinguiba – 1850.

FONTE: Falas do presidente da Província em 11.01.1851, Apud, PASSOS SUBRINHO, Reordenamento

do Trabalho, 2004. p 76.

O número médio de escravos nos engenhos oscilava entre 5 e 32,5 em Santa

Luzia (Mata Sul) e 32 em Laranjeiras (Cotinguiba). O número em geral para a

província, normalmente, girava em torno de 20 escravos por engenho. 49

Esse número

era relativamente pequeno, se comparado a outras províncias do Brasil, principalmente,

correlacionadas a outras regiões do Nordeste açucareiro. Como o Recôncavo Baiano,

por exemplo, que segundo Schwartz apresenta uma média de 65,5 escravos por

engenho. 50

Segundo Subrinho, esses dados são questionáveis, pois, as informações não

são totalmente detalhadas em todas as regiões e em alguns casos, chegou-se ao número

médio de escravos por engenho, simplesmente dividindo o número da população

escrava pelo número de engenhos. Para esse autor, a média de 20 escravos por engenho,

na primeira metade do século XIX, parece ter sido comum para as províncias do

Nordeste, já que, as características da agroindústria açucareira remontavam ao século

XVIII, ou seja, com um aparato bastante rudimentar. 51

Segundo Luiz Mott, os engenhos de Sergipe, se comparados com os da Bahia e

mesmo os de Pernambuco, não passavam de banguês. Em meados do século passado,

numa amostra de 58% dos engenhos existentes em Sergipe cerca de (447 unidades), a

média foi de 20 escravos por propriedade. Nesse sentido, Maria Almeida, afirma que, os

engenhos banguês se caracterizam como: “de pequena dimensão; instrumentos agrícolas

e manufatureiros rudimentares, gerando baixa produtividade; maioria da força de

49

ALMEIDA Nordeste Açucareiro, 1993. p. 205-206 50

Estudos apontam para o Recôncavo Baiano um número maior de escravos por engenhos. Ver,

SCHART, Stuart B. Segredos internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo,

Companhia das letras, 1988. p. 356 – 371. 51

PASSOS SUBRINHO, Reordenamento do Trabalho, 2004. p. 96.

Distritos Escravos % Livres % Escravos/livres

Socorro 2.811 2.998 0,94

Santo Amaro 748 3.559 0,21

Maruim 1.167 3.456 0,34

Laranjeiras 5.054 9.039 0,56

Rosário 2.204 6.133 0,77

Capela 5.155 13.132 0,39

Divina Pastora 2.204 1.770 1,24

Cotinguiba 21.687 39, 09 40.088 24,49 0,54

Total Sergipe 55.944 100% 163.696 100% 0,34

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trabalho compulsória, aplicando métodos de trabalhos rotineiros e oferecendo reduzidas

margens de lucros”. 52

Na segunda metade do século XIX, Sergipe experimentou a expansão dos seus

engenhos, o que não significou diretamente um aumento no número percentual de

escravos por engenho. Segundo Josué Subrinho, “os primeiros anos da década de 1850

assistiram ao clímax do movimento de expansão dos engenhos na província. Em 1838,

haveria 445 engenhos em Sergipe e, em 1858, já seriam 769, ou seja, em vinte anos 324

novos engenhos estavam em atividade. A população escrava não cresceu no mesmo

ritmo”. 53

Dentre os principais motivos do não crescimento dessa população a despeito do

aumento de engenhos em Sergipe consta: a interrupção do tráfico internacional de

escravos a partir da Lei de 185054

, que fez secar uma fonte tradicional de abastecimento,

a concorrência para a aquisição de estoques remanescentes de escravos revitalizando o

tráfico interno, representando desvantagens para a economia açucareira, que não

conseguiu competir em condições de igualdade com as economias cafeeiras. 55

Em

diversas regiões do Nordeste, assim como, em Sergipe, essa situação se agravou com as

epidemias, principalmente da Cólera-morbus que dizimou parte da população escrava

entre os anos de 1850-60. 56

Localidade Ano Pop.

Livre

%

Pop.

Escrava

% Pop. Total

Sergipe 1851 166.426 74,6 56.564 25,4 222.990

Sergipe 1872 153.620 87,2 22.623 12,8 176.243

Sergipe 1873 224.635* 87,2 32.974 12,8* 257.609*

Cotinguiba 1851 40.623 64,6 22.214 35,4 62.837

Cotinguiba 1872 46.879 82,1 10.234 17,9 57.113

Cotinguiba 1873 69.743* 82,1 15.206 17,9 84.949*

TABELA 2 - Variação da população livre e escrava de Sergipe e do Cotinguiba 1851 e 1873.

FONTE: Mapas estatísticos de 1851, Censo de 1872 e Matrícula de escravos de 1873. Apud

AMARAL, Escravidão Liberdade e Resistência em Sergipe, 2007. p. 43. * dados estimados.

52

ALMEIDA, Nordeste açucareiro, 1993, p. 299. 53

Ibid. SUBRINHO, Reordenamento do trabalho, 2004. p. 99. 54

Emília Viotti observou que o impacto do tráfico foi sentido, sobretudo na década de sessenta. Ver,

COSTA, Emília Viotti da. Da senzala a Colônia. 4ª ed. São Paulo, Unesp. 1997. 55

Consultar, CASTRO, Hebe Maria Matos de, Das Cores do Silêncio: os significados da liberdade no

Sudeste escravista, Brasil, século XIX. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1998. 56

Consultar ob. cit. MOTT, Sergipe Del Rey, 1986, p. 136-138; ALMEIDA, Nordeste açucareiro, 1993,

p. 109.

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Em Sergipe, a diminuição do número de escravos entre os anos de 1851-73,

como se pode observar na tabela, teve como principal motivo às mortes por

consequência da epidemia da Cólera morbus, já que nos anos anteriores com o fim do

tráfico de escravos, Sergipe não apresentava números relativamente altos para a entrada

de escravos, principalmente do sexo masculino, que era característico do mercado

internacional e preferido pelos senhores de engenhos.

Segundo Amâncio Cardoso, em 1855, a Folha Oficial da província publicou

circulares pedindo providências às autoridades sanitárias, dentre elas, o provedor da

saúde pública, para sanar as epidemias que alastravam por todo o Estado,

principalmente de Cólera Morbus, que assolava a província. Estabeleceram-se

quarentenas nos portos e foram dadas instruções sanitárias às paróquias. Diversos

municípios da Região do Cotinguiba foram vitimados, conforme dados em Geografia

da Peste entre os anos de 1855-1856, formulada por Amâncio Cardoso. 57

(ver quadro

na próxima página)

Segundo dados do mesmo autor, foi na cidade de Laranjeiras que a epidemia

ceifou o maior número de almas; num curto espaço de tempo, padeceram cerca de 3.500

pessoas. 58

Quanto à perda de escravos, pelos senhores da cidade muitos eram os dados,

entretanto, confusos para se precisar. Segundo consta, o Brigadeiro Horta perdeu 20

escravos, mas, o Dr. Manoel de Freitas “tem perdido muitos”. 59

A falta de exatidão nos

relatos dos proprietários de escravos torna difícil analisar com precisão o número de

mortes entre essa população. Para constatar dados mais precisos sobre o número de

escravos que foram a óbito, vítimas da epidemia na região do Cotinguiba, seria

necessário um estudo mais detalhado sobre os registros de óbitos dessa região, presentes

no acervo da Cúria Metropolitana, que possivelmente será foco de estudo posterior a

esse trabalho. 60

57

SANTOS NETO, Amâncio Cardoso. Sob o signo da peste: Sergipe no tempo da Cholera. (855-1856).

Dissertação de mestrado, Campinas, SP, 2001. p 66. 58

Ibid. SANTOS NETO, 2001. p. 77. 59

APES – Fundo CM¹, vol. 43. Oficio do presidente da Câmara, Agostinho José Ribeiro Guimarães, ao

Barão de Maruim, Laranjeiras, 05 de Novembro de 1855. Ob. Cit., 2001, p. 77. 60

Acervo da Cúria Metropolitana de Aracaju. Cd – 004 – 36/37. Registro de óbito e casamentos,

Laranjeiras, 1844 a 124.

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38

ROTEIROS DO APARECIMENTO DA CÓLERA MORBUS EM SERGIPE

MAPA 3: Roteiros e Datas oficiais do aparecimento da Cólera Morbus em Sergipe. Set 1855 –

Jan 1856.

FONTE: MELO João Gomes de. Relatório com que foi entregue a província. Aracaju,

Typografia Oficial, 1856. (BPED -1437). In: SANTOS NETO. Sob o signo da Peste. p 67.

Com a sensível diminuição da população cativa, os senhores de engenhos

buscaram algumas realizar melhorias na produção agrícola, de forma a diminuir o

impacto causado pelas perdas. Sharyse Amaral aponta algumas dessas transformações,

principalmente, as que ocorreram na área tecnológica, tais como, a modernização dos

engenhos a vapor, que foram bastante significativas e etc. 61

Houve transformações

também na área administrativa, sobretudo, no que se refere às modificações estruturais,

quando os senhores de engenho passaram a aperfeiçoar o uso dos diferentes espaços, do

maquinário e também da mão-de-obra. 62

As transformações na área tecnológica e administrativa, aparentemente bastante

simples, favoreceram a manutenção da produção com base no trabalho escravo até a

61

AMARAL, Escravidão, liberdade e resistência em Sergipe, 2007, pp 43. 62

ALMEIDA, Nordeste açucareiro, 1993, p. 168.

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abolição da escravidão, concentrados basicamente no trabalho da lavoura açucareira,

que na passagem do trabalho da mão-de-obra escrava para a livre 63

, os proprietários

agrícolas buscaram de várias outras formas legitimar seu domínio, seja pela coerção

moral, policial e/ou até mesmo “civilizatória”, gerando, com isso, novos embates e

conflitos em torno da organização do trabalho livre.

TABELA 3 - Estrutura ocupacional da População escrava em Sergipe 1873 e 1887.

FONTE: Matrículas de escravos 1873 – Diretoria geral de estatísticas. Relatório anexo ao

Ministério dos Negócios do Império, de 1875. 1887 – APES, G¹ vol. 818. Apud SUBRINHO,

pp. 85.

Até às vésperas da abolição, como podemos observar nos dados da tabela, a

estrutura ocupacional da população escrava permaneceu atrelada à agricultura. Nas

análises de Josué Modesto, possivelmente há uma subestimação desses números,

principalmente no que concerne aos serviços domésticos, que pode ter sido baixo

devido às alforrias que eram mais frequentes nessa estrutura ocupacional. 64

Porém,

muito relevantes são os percentuais apontados para o trabalho agrícola, 85,11%, em

1873 e 91,18%, em 1887, diferentemente das outras profissões, que sofreram quedas

percentuais entre os anos abordados. Para o trabalho da lavoura, o aumento foi

significativo, quando, com o declínio gradativo da escravidão a partir de leis

sancionadas na segunda metade do século XIX 65

e das agitações do movimento

abolicionista, esse setor agro econômico esteve apoiado fortemente no trabalho dos

braços escravos.

63

Sobre a “passagem” do trabalho escravo para o trabalho livre na perspectiva dos escravos como agentes

sociais, abordagem presente nos novos estudos sobre a escravidão iniciados na década de 80, consultar,

ob. Cit. CHALHOUB, Sidney. Introdução e Negócios da escravidão. In: Visões da liberdade, 1990, p.

13-22 e 29-93; LARA, Sílvia H. Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil. Projeto História.

São Paulo, 16:25-38, fev. 1998 e REIS, João José. A greve negra de 1857 na Bahia. Revista da USP

Dossiê Brasil/África. São Paulo, 18:07-29, jun./jul./ago. 1993. 64

PASSOS SUBRINHO, Reordenamento do Trabalho, 2004, p.89. 65

Sobre as leis que garantiram o declínio gradativo da escravidão consultar, PENNA, Eduardo Spiller.

Pajens da Casa Imperial: Jurisconduto e Escravidão no Brasil do século XIX, Campinas, SP, 1998.

Profissões 1873 % 1887 %

Agricultores 28.065 85,11 15.387 91,18

Artistas 2.976 9,02 1067 6,32

Jornaleiros 1.146 3, 47 353 2,09

Serviços domésticos 214 0,65 0 0,00

Sem profissão 573 1,74 68 0,40

Total 32.974 100% 16.875 100%

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Para os proprietários rurais todas as conjecturas da crise da lavoura estavam

fortemente ancoradas em problemas locais. Dentre eles, a rotina, a falta de braços livres,

escassez de capitais, obstáculos nos transportes de gêneros, entre outros. 66

Esses

motivos eram veementemente taxados regionalmente como os elementos da crise

econômica que arruinava as finanças pública e também particular, embora a lavoura do

açúcar sergipano sofresse dos mesmos impactos econômicos ocorridos em âmbito

nacional, decorrentes da queda dos preços do açúcar brasileiro, e também na esfera

internacional, gerados pelo aumento da oferta dos produtos provenientes do açúcar da

beterraba, produzido em Cuba e na Europa. 67

A queda dos preços internacionais do produto, gerados pela concorrência e a

diminuição das exportações brasileiras, foram fatores duradouros e que explicam a

diminuta exportação entre os anos 1881-90, longe do patamar que atingira nos anos

anteriores. Assim como em outras regiões do Nordeste açucareiro68

, em Sergipe, esses

fatores ainda foram agravados com as secas que prejudicaram as safras da cana. Os

dados de então, apontam que nos anos de 1881 a 1887 a média anual produzida foi de

41.590 toneladas; em 1889, foi reduzida para 24.424 toneladas, atingindo número ainda

menor em 1890, com a marca de 12.051 toneladas, nível que jamais atingiu os valores

da produção açucareira na segunda metade do século XIX. 69

TABELA 4 - Participação dos principais produtos sergipanos no valor percentual das

exportações.

FONTE: Dados obtidos a partir dos valores em conto de réis das exportações dos principais

produtos sergipanos entre os anos de 1891-1920. PASSOS SUBRINHO, Reordenamento do

Trabalho, 2004. p. 434.

66

IHGB – CD 004 SISDOC – 002. Relatório do vice-presidente de Província José da Trindade Prado, em

27 de novembro de 1868, p.28. 67

SUBRINHO, Reordenamento do Trabalho, 2004. p 207. 68

Estudos recentes apontam que a Bahia, mais especificamente o Recôncavo Baiano – em 1889,

aumentou o número de pedintes e mendigos nas cidades de Cachoeira e São Félix em consequência da

seca que atingia a região. Para o contexto baiano consultar, SOUZA, Jacó dos Santos. Vozes da abolição:

Escravidão e liberdade na imprensa abolicionista cachoeirana (1887 – 1889). Dissertação de mestrado,

Programa de Pós-graduação em História Regional e Local– UNEB, 2010. 69

Ibid., 2004. p 207.

ANOS ACÚÇAR ALGODÃO TECIDOS

1891-1895 0,61 0,16 0,01

1896-1900 0,76 0,12 0,02

1901-1905 0,54 0,34 0,02

1906-1910 0,54 0,28 0,07

1911-1916 0,49 0,07 0,24

1916-1920 0,62 0,04 0,18

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41

A manutenção da participação do açúcar oscilando entre 0,49 a 0,76, no valor

total das exportações entre os anos de 1891 a 1920, teve consequências drásticas para a

economia sergipana. Conforme a tabela, outra parte da explicação se deve à dificuldade

de produzir outros bens que fossem competitivos nos mercados nacionais e estrangeiros,

embora, conforme dados desse mesmo autor, em relação ao período 1891-1920, não

houve sucesso na diversificação da pauta de exportações. Produtos como o arroz, milho,

farinha de mandioca, sal, couros, cocos, aguardente e o algodão, tiveram importância

regionalmente localizada em alguns anos específicos, não sendo, contudo, capaz de

afetar significativamente o volume total das exportações. 70

1.3 A festa e o silenciamento da abolição - O 13 de maio em Sergipe.

As comemorações da abolição ocorreram em todo país. Nos arquivos da

Biblioteca Pública Nacional, há notas de diversos jornais de circulação nacional:

Gazeta de Noticias, O carbonário, O paiz que propagaram a popularidade dos

festejos abolicionistas nas mais diversas regiões do Brasil, destacando a grande

comoção popular em torno da liberdade. O jornal Gazeta de Noticias, que circulava

na Corte do Rio de Janeiro, de 15 de maio, dois dias após a abolição noticiou:

Continuavam ontem com extraordinária animação os festejos populares.

Ondas de povo percorriam a Rua do Ouvidor e outras ruas e praças em

todas as direções, manifestando por explosões, do mais vivo

contentamento o seu entusiasmo pela promulgação da gloriosa Lei (grifo

nosso) que, extinguindo o elemento servil, assinalou o começo de uma nova

era de grandeza, de paz e de prosperidade para o império brasileiro. (...) Em

cada frase pronunciada acerca do faustoso acontecimento traduzia-se o mais

alto sentimento patriótico, e parecia que vinha ela do coração, reverberações

de luz. 71

A nota expressa a animação dos festejos, ressaltando a grande participação

popular evidenciando que a abolição era ansiada por diversas classes sociais. Na

Bahia estudos recentes sobre os festejos da abolição mostram o caráter popular das

comemorações, com grandes passeatas, participações de pelotões militares, batuques

à noite, além de missas e saraus. Na capital baiana, o Jornal Diário do povo noticiou

que as comemorações duraram uma semana entre os dias 11 e 18 de maio. Wlamyra

70

Ibid,2004. p. 434. 71

Ver Biblioteca Nacional. Setor de Microfilmes. Jornal Gazeta de Notícias, de 15 de maio de 1888.

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Albuquerque aponta que o ápice dos festejos foi o desfile dos libertos com o carro

alegórico da Cabocla e do Caboclo, figuras que faziam parte das comemorações

cívicas oficiais do Dois de Julho, na Bahia.72

O desfile da libertação se transformou

na visão de muitos escravocratas descontentes com as festividades, em uma típica

comemoração do Dois de julho misturado a Carnaval. Walter Fraga, afirma que

tanto na capital quanto no interior, os festejos transformaram-se em manifestações

populares com participação de “grande massa”. Segundo o próprio autor, o grande

número de entusiastas da abolição e a participação maciça dos egressos do cativeiro

nos festejos abolicionistas representaram na visão dos ex-senhores ameaças à ordem

pública. 73

Em Sergipe, assim como em outras regiões do Brasil, a abolição da

escravatura foi comemorada ou repugnada pelos seus mais distintos cidadãos, sejam

eles brancos ou negros. Nos diversos municípios sergipanos a euforia por causa das

comemorações da abolição não foi diferente do restante do país. Embora o discurso

oficial relate o processo abolicionista de forma pacífica e simplória, a fala do

Presidente revela conotações importantes, que pretendemos decifrar no decorrer

desse capítulo. Consta no relatório:

A Lei 3.353 de 13 de maio próximo findo declarou extinta a escravidão no

Império, desde a mesma data recebendo participação telegráfica do governo

imperial, sobre promulgação da dita Lei, que começou logo a vigorar, expedi

nesse sentido comunicações a todos os chefes de repartições públicas, juízes

de direito municipais e promotores, e em geral a todas às autoridades da

província, recomendado a pronta e imediata execução da Lei que trato. A

maioria dos escravos ficaram na propriedade de seus antigos senhores,

mediante a pagamento de salários e estou convencido que o trabalho da

lavoura não sofrerá com a medida adotada, nem decrescerá em sua produção.

Há, porém, necessidade de medidas que são de necessária urgência,

como seja a organização do trabalho escravo para o trabalho livre e a

aquisição de capitais de que necessita a lavoura. 74

(grifo nosso)

No relatório de Olympio M. do Campo Vital, predomina a parcimônia em

relação ao processo de transição da escravidão em Sergipe, pois consta em suas palavras

que tudo transcorreu na mais perfeita paz e, “felizmente a solução dada a tão importante

72

Sobre as comemorações da abolição na Bahia seus símbolos e significados, ver a obra de

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O Jogo da dissimulação: Abolição e Cidadania Negra no Brasil. São

Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 126-133. 73

Para uma análise mais completa sobre os festejos da abolição no Recôncavo baiano, ver a obra de

FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia. (1870-

1910). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006. p. 123-163. 74

APES - AG1 cx 05 – Relatório do Presidente Olympio M. do Campo Vital em 13 de Julho de 1888.

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problema não perturbou a ordem pública nesta Província”.75

Apesar do tom conciliador

é fundamental salientar que tão importante processo histórico não passou despercebido

para a sociedade sergipana.

Conforme mencionado, logo após o recebimento da notícia da abolição, os

escravos foram declarados livres e a permanência dos libertos na propriedade de seus

antigos senhores não desorganizou o cotidiano do trabalho. A veracidade desses

argumentos é totalmente questionável, já que, a principal reclamação dos proprietários

rurais após a abolição foi à escassez de mão-de-obra para o trabalho da lavoura, queixa

recorrente nos Relatórios dos Presidentes da Província, nos jornais locais e em vários

exemplares da Revista Agrícola, evidenciando que os libertos não permaneceram em

sua grande maioria, trabalhando para os seus ex-senhores como citado pelo então

presidente. No capítulo seguinte, veremos que, a desorganização do trabalho e a crise da

lavoura foram os assuntos mais repetitivos nos acalorados debates em torno das

consequências da abolição, considerando que, para muitos ex-senhores a Lei Áurea

havia provocado verdadeira ruína econômica e em alguns casos até levado a falência de

algumas propriedades agrícolas. 76

Retornemos às comemorações do 13 de maio em Sergipe. Seguindo os diversos

relatos que discorrem sobre o período, é possível perceber o quanto foi diversificada a

forma como os contemporâneos viram aquele acontecimento. Nas memórias sobre a

recepção da notícia da abolição registrada por Aurélia Rollemberg, mais conhecida

como D. Sinhá, as comemorações do “treze de maio” possuem significados bem

diferentes dos que aparecem no relatório do Presidente Dr. Olympio Vital.77

A referida

senhora era descendente do baronato sergipano e sua família era composta pelos Barões

de Itaporanga: Domingos Dias Coelho e Melo seu avô; pelo Barão de Estância, Antônio

Dias Coelho e Melo seu pai e, pelo Barão de Japaratuba, Manoel Rollemberg de

Menezes, genitor do deputado Gonçalo de Faro Rollemberg, seu esposo, todos os

75

Ver no IHGS – Relatórios dos Presidentes da Província (1869 – 1918). CD – 004 SISDOC – 002. 76

Foram analisados os Relatórios dos Presidentes da Província entre os anos de 1880 a 1910; cerca de

120 exemplares da Revista Agrícola entre os anos de 1905 a 1908; e os Jornais sergipanos da metade do

século XIX e início do XIX. Segundo o Relatório do Presidente da Província de 1859, a escassez da mão-

de-obra para o trabalho da lavoura é citada como um dos impasses no desenvolvimento da lavoura de

cana de açúcar no Estado. Esse argumento, porém, refere-se nessa década a trabalhadores livres, que

exerciam funções temporárias na produção açucareira. Com a abolição os proprietários rurais, esse

problema se agravou, visto que, eram os escravos que realizavam quase todas as tarefas na produção do

açúcar. 77

Ver ALBUQUERQUE, Memórias de Dona Sinhá, 2005, p. 27-28. Trata-se da transcrição do diário de

Aurélia Rollemberg, acompanhado de um ensaio do autor sobre o estudo da genealogia da família

Rollemberg.

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proprietários rurais e donos de engenhos. 78

Ao descrever como foi recebida a dita lei

pelos seus familiares e pelos escravos pertencentes à família, ela menciona:

No dia 13 de maio foi à extinção da escravidão. Foi um alvoroço grande,

minha sogra chamou os escravos e comunicou a eles, foi uma revolução.

Todos ficaram fora de si, davam vivas, dançaram e não atendiam mais a

pressão nenhuma Felizmente minhas amas ficaram sossegadas. Houve

missas cantadas, bailes e grande alvoroço, muitos falaram em mudar-se,

outros ficaram. O mês todo não se teve sossego. (Grifo nosso). 79

Através desses relatos podemos constatar que a sociedade sergipana, assim

como em todo território nacional, a população aderiu às comemorações do 13 de maio,

nas missas, bailes e batuques, houve a participação maciça da população livre e liberta.

Entretanto, não foi com a mesma simpatia que os ex-senhores receberam a notícia da

abolição.

Caracteriza bem o descontentamento das classes elitistas as queixas da referida

d. Sinhá que, incomodada com a desordem das comemorações e desapontada por já não

poder manter o governo da casa, desabafou: “não é essa a casa que sempre desejara”, ou

seja, sem elemento servil suficiente para a manutenção do nível de conforto com o qual

as sinhazinhas estavam acostumadas a conviver, visto que nas casas-grandes era comum

um grande número de escravos domésticos, demostrando poder e riqueza das classes

mais abastardas. Para d. Sinhá, a preocupação predominante era reestruturar a sua

dinâmica familiar, o que nos permitiu visualizarmos melhor os significados da abolição

para alguns ex-senhores. Os significados das comemorações do treze de maio

vivenciados por ela e sua família estavam carregados de outras preocupações. Sendo

mulher, a desarticulação da dinâmica doméstica trazia-lhe grande desapontamento, pois

que haveria de garantir a continuidade dos serviços prestados por seus antigos escravos?

Embora a mesma relate que suas amas permaneceram em sua companhia, o mesmo não

se aplicou à sua cozinheira. Segundo ela:

“Eu fiquei muito triste e só, pois a casa que tanto desejei foi outra. Fiquei

com duas amas e comecei a lutar com a cozinheira (Grifo nosso), mas a

minha já não queria empregar-se. Felizmente Gonçalinho era estimado pelos

escravos. Esse ano eu não fui ao Escurial”. 80

78

Consultar, IHGS, Pac 26, cx 41. Genealogia da família Rollemberg. Descendência de Aurélia

Rollemberg. 79

ALBUQUERQUE, Memórias de Dona Sinhá, 2005, p. 132-133. 80

Ibid. ALBUQUERQUE, 2005, p. 133.

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Esses relatos demonstram que muitos foram os que optaram por não permanecer

nos antigos engenhos, os quais residiam, mesmo quando seu senhor era tido como um

“bom patrão”. Nas memórias de Aurélia Rollemberg, estão implícitas as preocupações

com relação aos caminhos e descaminhos da liberdade para libertos e seus antigos

senhores. Mesmo considerando a estima dos seus ex-escravos por seu marido, Gonçalo

Rollemberg, o “protecionismo” não foi mais forte que o desejo de liberdade e nem mais

atrativo que a oportunidade de se desvencilhar de seus antigos trabalhos/senhores e

talvez de todas as representações que a permanência nos antigos engenhos

simbolizava.81

Para alguns libertos, o fim do cativeiro possibilitou optar por “outros

meio de vida”. 82

Através dessas duas fontes, tornou-se possível compreender melhor sobre as

peculiaridades da abolição em Sergipe. Confrontando as informações do Relatório do

Dr. Olympio Campos e o outro memorialístico narrado por D. Sinhá, uma típica

representante das classes e das famílias senhorias sergipana, essas falas retratam o olhar

diferenciado das elites locais. A predominância da ideia de naturalidade do processo

abolicionista nos relatos do Presidente Dr. Olympio Campos Vital foi intencionalmente

produzido. O discurso de parcimônia, também foi percebido por Wlamyra Albuquerque

para o contexto baiano: “Nos relatos do presidente da província, Manoel do Nascimento

Machado Portela, a abolição provocou fatos mais ou menos graves, mas que não

comprometiam a ordem pública, pois eram ofensivos apenas à segurança individual”. 83

Proclamar a paz e a ordem em tempos de turbulência social e política eram, sem

sombra de dúvidas, uma sábia decisão. O movimento republicano se expandia e

Sergipe, com a abolição, a cada dia ganhava mais adesões por parte dos escravocratas,

motivados principalmente pelo descontentamento com a Monarquia, pois se sentiam

traídos e usurpados pela perda de suas propriedades humanas. 84

Tanto na capital quanto no interior, a ordem pública foi alterada com as

comemorações da abolição. Sharyse Amaral, ao analisar o programa de comemorações

81

Analisando a região Sul dos Estados Unidos entre os anos de (1865-1877) após-emancipação, Eric

Foner discute os significados da liberdade para os negros emancipados. Ver FONER, Eric, Nada além da

liberdade: a emancipação e seu legado. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Brasília, 1988. Ver também do autor,

Os Significados da liberdade. In: Revista Brasileira de História. Escravidão. ANPUH, marco zero v. 8, n°

16. São Paulo. 1987. 82

Para analisar libertos que optaram por outras vias de trabalho na Bahia, consultar os autores Wlamyra

Albuquerque e Walter Fraga em suas obras supracitadas. Consultar o caso do escravo do Barão de viçosa. 83

ALBURQUERQUE, O Jogo da dissimulação, 2009. p. 99 84

Para uma análise panorâmica sobre as peculiaridades da Proclamação da República em Sergipe e uma

maior discussão sobre os partidos políticos e suas cisões e adesões, ver o ob. cit., DANTAS, História de

Sergipe República, 2004. pp. 15-57.

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da abolição na região açucareira do Cotinguiba, destaca a “passeata das luzes” na cidade

de Laranjeiras, noticiada no jornal O Laranjeirense, de 20 de maio de 1888. Esse evento

demonstra a grandiosidade das comemorações no interior do estado. Segundo a autora,

para tal evento, as ruas da cidade estavam “belamente arborizadas”, as “casas

particulares” ostentavam “rica iluminação” e os “conhecidos oradores” declamariam

“brilhantes poesias”. Comunicava o jornal, que a passeata teria início no paço da

municipalidade, onde uma “girândola de foguetes” anunciaria a concentração do

“povo”.

O trajeto da marché incluía as principais praças e ruas; por último, as ruas do

Porto dos Oiteiro, Poeira e Cangaleixo, onde se concentravam o maior número de

africanos e crioulos libertos da cidade.85

Essas ruas constituíam o típico “campo negro”

de que fala, ao estudar o Rio de Janeiro, Flávio Gomes. Em tais lugares, solidariedades,

negociações e também competições e conflitos marcavam o dia-a-dia de comunidades

formadas em torno da pequena agricultura e do pequeno comércio.86

A ordem do povo na passeata seguia a mesma lógica da escolha do trajeto.

Dividia-se em duas alas: primeiramente, os “cavalheiros”, tendo à frente

banda com maestro; por último, a banda dos barbeiros, seguida pelos “ex-

escravos”. O exercício da profissão de barbeiro por africanos era comum em

diversos locais do Brasil, assim como o padrão dos barbeiros possuírem uma

banda de música. Vemos, portanto, que os organizadores da festa pretendiam

separar o povo em duas alas, através de uma linha de cor, renda e título. Se

por um lado o programa evidencia o lugar social que as elites reservavam

para a ala preta do povo, por outro, ele também tinha o objetivo de limitar as

manifestações daquela. 87

Portanto, a escolha do trajeto foi proposital. A “ordem do povo” na grande

passeata das luzes também estabelecia significados e conexões com o que pensavam as

elites locais. Os “donos da festa” foram nas últimas posições do cortejo por medo e/ou

temor das elites locais, pois, receava-se a aglomeração de libertos e populares.

******

As festividades de hoje comemoram a catástrofe feliz do poema de lágrimas

da escravidão. D‟essa brusca tragédia de horrores selvagens, que n‟um

momento vimos convertidos em cataratas de flores. A fraternidade dos

brasileiros, decretada por lei, está solidamente feita. O governo provisório

85

Para uma análise sistemática das comemorações da abolição em Sergipe, ver ob. cit., AMARAL,

Escravidão, Liberdade e Resistência em Sergipe, 2007. 86

Ver, GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no

Rio de Janeiro, século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 87

AMARAL, Escravidão, Liberdade e Resistência em Sergipe, 2007, p.257.

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consagrou-lhe um dia fastos nacionais; é o que se escreve com a data áurea

que hoje passa - 13 de maio. Nós a saudamos radiante: porque o dia do bem é

sempre auspicioso, traz a proteção das boas fadas88

.

A epígrafe foi publicada no Jornal O Republicano em treze de maio de 1890.

A nota faz menção às comemorações dos dois anos da abolição da escravatura e,

conforme a palavra do articulista havia convertido as “lágrimas da escravidão” em

cataratas de flores alusão ao poema Navio Negreiro 89

do poeta e abolicionista Castro

Alves, que versava sobre as amarguras da alma dos “homens e mulheres de cor”

arrancados de sua pátria e submetidos aos suplícios da escravidão. O Jornal pertencia ao

Senhor Josino de Menezes 90

e circulava diariamente na capital da província sergipana e

nas principais vilas do interior. O Jornal noticiava atos oficiais do governo, além de

artigos que defendiam ideários republicanos. Dois anos depois da Lei Áurea, o tom é

ufanista e solene ao se referir às “cataratas de flores” e à “proteção das boas fadas”.

Importante observar que a nota comemorativa faz menção “às dádivas” 91

advindas da

liberdade, ainda que não se deixe claro, quais mudanças haviam ocorrido no seio dessa

sociedade.

Se as comemorações do 13 de maio de 1888, propiciaram uma grande festança

em nome da liberdade, em Sergipe, nos anos seguintes, a data foi tratada com

indiferentismo pelos jornais. Como se observa na nota do Jornal Gazeta de Sergipe de

22 de maio de 1890, apenas dois anos após a abolição.

Dia 13.

Era dia de...

“folga do negro

“branco não vem cá”,

Entretanto passou-se no mais detestável indiferentismo! Nem mesmo aqueles

que a áurea Lei redimiu souberam saudar o aniversário do reconhecimento de

seus direitos de homem!

88

Jornal O Republicano 13/05/1890. Consultar na Biblioteca Pública Ephifâneo Dórea, n° 61, Janeiro a

Junho de 1890. 89

Os poemas de Castro Alves são marcados pelo combate à escravidão, motivo pelo qual é conhecido

como "Poeta dos Escravos". A poesia Navio Negreiro foi publicada em 1869. Existem outros poemas do

autor que versa sobre as atrocidades da escravidão, posteriormente essa coletânea foi publicada na

coleção Os escravos. 90

Josino de Menezes era farmacêutico ativista do movimento republicano. Também era dono do jornal O

Laranjeirense que circulava em Aracaju e adjacências. Atuou como Secretário geral do governo do

Monsenhor Olympio de Souza Campos (1899 a 1902), conhecia a pequena burocracia e relacionava-se

bem com os adversários e correligionários. Com a República, devido às alianças estabelecidas no governo

anterior, foi indicado pelo Monsenhor e governou a província sergipana nos anos de (1902 a 1905). 91

Para ver de forma panorâmica os significados da liberdade e “os males da dádiva” e as ambiguidades

no processo da abolição brasileira consultar a autora SCHAWARCZ, Lilia Moritz. In: Quase Cidadão:

Histórias e antropologias do pós-emancipação no Brasil, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2007. pp 23 a 54.

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Que eu me metesse em casa a folgar com os filhinhos, procurando esquecer

as misérias deste mundo... Vá lá; porque esta república me traz enjoado; mas

os libertos! Só muita ingratidão!

(áurea lei - a redenção dos cativos benemérita lei)

Ass. Dr. Olyntho Dantas e Alfredo Montes.92

A ênfase na ausência dos libertos citada pelo articulista do jornal, revela

importante reflexão sobre os silêncios e esquecimentos acerca das comemorações do 13

de maio, em Sergipe. O artigo silencia sobre a festa e seus participantes. A citação

evidencia que “era dia de folga do negro, branco não vem cá”, ou seja, dois anos após

as comemorações da abolição, a data não foi celebrada com a participação dos brancos,

principalmente a dos proprietários rurais, que estavam bastante descontentes com a

abolição. Possivelmente a suposta “ausência dos libertos” aponta que as comemorações

da abolição em Sergipe certamente sofreram represálias por parte das elites e de

autoridades locais, visto que os discursos que imperavam nesse momento era o de que

as “populações de cor” libertadas pela abolição se encontravam no mais profundo

imobilismo, propenso a batuques, desordens e a vadiagem. 93

Nesse contexto, a figura da princesa Isabel não foi esquecida. Se não há

indícios de seu engrandecimento no calor das comemorações da abolição em Sergipe,

como foi o caso de diversos lugares do Brasil, onde a princesa Isabel foi representada

como a “Redentora” e o ato da abolição transformado em mérito de “dono único” 94

após a abolição muitos foram os anúncios em jornais, divulgando celebrações de missas

em agradecimento aos membros da monarquia, como forma de retribuição e lembrança

da liberdade. Conforme a nota do Jornal Gazeta de Sergipe:

Missa para D. Tereza Cristina

Os libertos, Plácido Penna e Manoel Vieira da Costa, saudando o glorioso dia

13 de maio, que relembra a redenção dos cativos, mandam celebrar uma

missa pelo eterno repouso da alma da e- imperatriz do Brasil, D. Tereza

Cristina Maria e pediu a todos que souberem apreciar as virtudes da excelsa

senhora, o caridoso obséquio de assistirem aquele ato de religião, que é

também uma lembrança da liberdade. 95

Faz hoje 5 anos que se promulgou: A grande Lei de 13 de Maio, libertadora

da raça escrava.

92

BPED, Jornal Correio sergipense – ano I, n° 80 de 15.05.1891. 93

Consultar, Relatórios dos Presidentes da Província de Sergipe. (1888 a 1890) 94

SCHWARCZ, Quase-cidadão, 2007. p. 25. 95

Jornal Gazeta de Sergipe em 13 de maio de 1890.

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Hoje às 7 horas da manhã na matriz desta cidade celebra-se uma missa para a

alma de D. Tereza Cristina, ex-imperatriz do Brasil. 96

As homenagens dos libertos mandando celebrar missas em comemoração ao

dia 13 de maio revelam que embora as elites locais quisessem lançar no esquecimento

as celebrações em torno da libertação dos escravos, para eles (os libertos), a

participação em atos públicos como missas e passeatas com bandas de músicas, que

ocorriam tradicionalmente em Laranjeiras, demonstram que os significados de liberdade

estavam marcados em suas memórias e, consequentemente, também a figura de seus

benfeitores. A memória da liberdade enquanto dádiva da Princesa Isabel, não omite,

portanto, as narrativas dos enfrentamentos que determinaram cada um daqueles

contextos. Muito embora, os republicanos disseminassem em seus ideários mais acesso

aos direitos políticos, igualdade e cidadania, o rígido controle do governo nos anos

iniciais da República, visando “manter a ordem”, principalmente das populações de cor,

nos anos posteriores à abolição, vigiando e punindo os libertos tidos como ociosos,

levaram a aumentar a simpatia dos ex-escravos pela família real em detrimento às

arbitrariedades dos governantes republicanos. 97

O debate em torno do engajamento da mão-de-obra livre e liberta após a

emancipação aumentou os descontentamentos das “populações de cor” no tocante a

garantia de usufruírem plenamente a liberdade. Diversos tipos de penalidades eram

aplicados àqueles que fossem pegos em atos de vadiagem, tais como, perambular sem

destino, praticando atos duvidosos como jogos, bebedeiras e sem engajamento laboral,

sendo obrigado a assinar o termo de bem viver, que sujeitos a dentre outras punições,

deveriam prestar serviços públicos durante um mês e em caso recorrente seriam

engajados em alguma atividade produtiva obrigatória. 98

Tais iniciativas, mesmo que

não fosse exclusividade do período republicano, pois, o termo de bem viver já era

aplicado décadas antes da abolição. Foi nos dias seguintes a esta, que se intensificaram a

adoção de tais medidas, procurando garantir a continuidade dos trabalhos da lavoura.

Entretanto, para os libertos, tais medidas limitavam sua autonomia e seus direitos de

cidadãos livres, causando maior rejeição destes “novos cidadãos” à política republicana.

A “ausência” dos libertos na festa da abolição não significava indiferentismo dos

mesmos em relação à comemoração da liberdade, como noticiado pelo Jornal sergipano.

96

BPED, Jornal Correio de Sergipe- ano I, n° 79 de 13.05.1893. 97

Sobre esse aspecto ver MATOS, memórias do cativeiro, 2005. P. 54 a 59. 98

Consultar APES, Sp1, Vol. 491.

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Comungamos com a ideia de João China, para quem a festa talvez passasse a ser

celebrada numa perspectiva mais particular: “Algumas iluminações, música na rua, no

largo da liberdade e também brincadeira particular, traduziram o sentimento de um

povo.” 99

Possivelmente, em Sergipe as celebrações da abolição, assim como nas

grandes capitais brasileiras, ganharam características mais particulares e nem por isso,

menos importantes.

1.4 Sergipe no limiar da República: Um olhar sobre sua evolução no final do século

XIX

Dez dúzias de casebres remendados

Seis becos com mentrastos entupidos

Trinta soldados rotos e despidos

Cinco igrejas, dez frades, três letrados.

Seis curados sem cura amancebados

Um juiz com bigodes sem ouvidos

Doze presos de piolhos carcomidos

E dois meirinhos por comer cansados.

Mulatas com capote de baetas

Palmilha de tamanco, como frades

Saia de chita, cintas de raquetas.

Muito feijão que faz ventosidade

Muito enredo, trapaça, embuste, treta

De Sergipe Del Rey é a cidade.100

O retrato poético, e nada enaltecedor, da província de Sergipe Del Rey é de

autoria de Gonçalo Soares. Segundo Luiz Mott, que analisa este e mais dois sonetos

sobre Sergipe, um deles atribuído a Gregório de Mattos, poeta brasileiro, mais

conhecido como “boca do inferno” 101

, este soneto caracteriza de forma pitoresca os

99

Ibid., 2007, p. 7. 100

Descrição de Sergipe Del Rey, de Gonçalo Soares. Encontrado na Biblioteca de Évora, no Códice n.29

do armário 1, que traz no título: Poesias do século XVII coligidas na Bahia. In SILVEIRA, Luís.

“Documentos para a História Literária da Bahia”. Revista Brasília, Faculdades de Letras da

Universidade de Coimbra, Volume 1, 1942. p 561-562. 101

O soneto de Gregório de Mattos intitulado “descrição da Cidade de Sergipe Del Rei”, foi divulgado

por Afrânio Peixoto no primeiro volume das obras do poeta publicado pela Academia Brasileira de Letras

em 1923-1933. Para uma análise mais minuciosa sobre esses sonetos consultar: MOTT, Luiz. Sergipe

Colonial e Imperial: Religião, família, escravidão e sociedade. (1591 – 1882). São Cristóvão: Editora da

UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2008. p 119-136.

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municípios sergipanos e sua sociedade, revelando a precariedade dos primeiros séculos,

se tornando motivo de escárnio por muitos dos seus contemporâneos e estudiosos.

A mudança desse quadro e sua evolução foram vagarosamente processadas no

início do século XIX, em meio às tensões e conflitos por maior autonomia desta

província, até então tutelada pela Bahia. Os maiores impasses para sua independência

estavam atrelados às disputas por sua extensão territorial e pela produção econômica. 102

As desavenças provocaram o desligamento de Sergipe da Bahia, em 1820, que em

muitos aspectos, saiu em desvantagens, principalmente no tocante às terras.

No decorrer dos oitocentos, ocorreram diversas outras transformações

econômicas e sociais em Sergipe. A mudança da capital de São Cristóvão para Aracaju,

em 1855, resultou em algumas mudanças na urbanização, buscando dar ares de

“progresso” e civilidade à nova capital, que antes não passava da pequena Vila de Santo

Antônio do Aracaju. A abolição da escravatura em 1888, o declínio do açúcar e a

proclamação da República 1889, também provocaram significativas mudanças em

Sergipe.

Não obstante, sua história ter sido marcada por vários períodos importantes, foi

na fase republicana que ocorreram as maiores modificações na vida de seu povo. Em

Sergipe, a pregação dos republicanos falava em muitas vantagens, entre as quais, maior

compatibilidade da República com a democracia. Seus defensores prometiam maior

participação popular, descentralização administrativa e moralização política. 103

Mas, a

materialização desses avanços tenderia a encontrar fortes resistências diante da

realidade subjacente.

Conforme o censo de 1890, a população era composta por 310.926 habitantes,

dos quais 48% eram considerados mestiços, 30% brancos, 15% pretos e 7% caboclos.104

A maior parte dessa população concentrava-se no campo, envolvida em atividades de

subsistência e/ou em economia agroexportadora na qual o açúcar era o produto

predominante. Para o cientista político Ibarê Dantas especialista em História sobre

Sergipe República,105

a sociedade nesse momento de ruptura estava dividida entre

102

Ver ob. cit., NUNES, Sergipe Provincial II, 2006. 103

BPED, Jornais O Laranjeirense(1887) e O Republicano(1888/1889). 104

Consultar, Anuário estatístico do Brasil. Rio de Janeiro, Fundação IBGE, 1967. pp 35/36. 105

O Cientista político é autor de diversos livros, artigos em jornais, revistas e anais que dissertam sobre

o Estado de Sergipe com ênfase em sua História Política. Entre suas principais obras sobre a temática

estudada consultar: DANTAS, Ibarê. O tenentismo em Sergipe (Da revolta de 1924 á revolução de 1930).

Petrópolis/RJ, editora vozes, 1974; A Revolução de 1930 em Sergipe: dos tenentes aos coronéis. São

Paulo, Cortez Editora, 1983; Coronelismo e Dominação. Aracaju, Diploma/UFS, 1987; Os partidos

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senhores proprietários e trabalhadores despossuídos. Ou seja, no final dos oitocentos,

Sergipe estava bem longe da ordem que asseguraria igualdade de oportunidades a todos

os seus cidadãos.

No cenário político, o poder local, ainda estremecido com as transformações

ocorridas com a queda da Monarquia, buscava de uma forma ainda incipiente se ajustar

aos moldes da República. Para Ibarê Dantas, o governo republicano trouxe importantes

transformações: “em primeiro lugar, o poder executivo passava a ser ocupado pelos

próprios políticos da terra, com a perspectiva de serem eleitos pelo voto popular. Essa

alteração inaugurava ritual bem diferente dos tempos da província, quando o Imperador

indicava os governantes”. 106

O Estado, que era predominantemente rural, urbanizou-se,

estruturou-se e construiu sua base industrial, um grande setor de serviços para atender às

demandas cada vez mais amplas de seus cidadãos que atravessavam as oscilações dos

diversos regimes políticos sempre repercutindo nas relações sociais.

Na esfera econômica, o quadro era bastante desfavorável. 107

Com a abolição da

escravatura, houve uma queda considerável da produção agrícola. A produção anual

exportada apresentou a pior média entre quase três décadas. Para os ex-senhores, isso

era consequência da abolição. 108

Como podemos observar,

A primeira safra de açúcar no pós-abolição rendeu 29% da média anual

exportada no período 1871/1888. Num estado que dependia, sobretudo, das

exportações da produção rural, o impacto foi enorme. O patronato em grande

parte se endividou ou faliu, os comerciantes entraram em dificuldades, a

arrecadação diminuiu e o governo passou a atrasar o pagamento dos

funcionários públicos. A precária maquina pública se deteriorava. 109

Era fraca a atuação do poder público que no alvorecer da República se

encontrava bastante dividido entre as oligarquias locais. A construção de governos

locais com a participação dos quadros de políticos da terra exigia ajustes. Ibarê Dantas

afirma que, “ao fim da primeira década computavam-se cerca de vinte e dois indivíduos

que estiveram no cargo do Executivo, participando de juntas provisórias ou governando

políticos em Sergipe (1889-1964). Rio de Janeiro, Tempo brasileiro, 1989 e História de Sergipe

República (1889-2000). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004. 106

DANTAS, História Sergipe República, 2004. p. 16. 107

IHGS - Documento do Gabinete do Conselho do Estado de 02/10/1889, citando correspondência do

Presidente de Sergipe de 15/07/1889, referindo-se a sérias dificuldades do tesouro da Província. Apud,

DANTAS, História Sergipe república, 2004. p. 17. 108

Para uma análise sistemática sobre economia, trabalho e sociedade sergipana entre o final do século

XIX e inicio do século XX, consultar SUBRINHO, Reordenamento do Trabalho, 2000. 109

Ibid., 2004, p. 17

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isoladamente. Foi uma rotatividade elevada e permeada por várias questões

desgastantes”. 110

PRESIDENTES DA PROVÍNCIA DE SERGIPE 1889 A 1911

NOME PROFISSÃO PERÍODO DE GOVERNO

Thomaz Rodrigues da Cruz Empresário 15.11.1889 a 17.11.1889

Antônio Diniz Dantas Melo

Jose Siqueira de Menezes

Antônio Siqueira Horta

Militar

Militar

Por. Rural

17.11.1889 a 18.11.1889

Vicente Luiz de Oliveira Ribeiro Baltasar de Araújo Góis

Jose Siqueira de Menezes

Prop. Rural Professor

Militar

18.11.1889 a 02.12.1889

Baltasar de Araújo Góis Jose Siqueira de Menezes

Professor Militar

02.12.1890 a 13.12.1890

Felisbelo Firmo de Oliveira Freire Médico 13.12.1889 a 17.08.1890

Augusto César da Silva Militar 17.08.1890 a 04.11.1890

Lourenço Freire de Mesquita Dantas Juiz 04.11.1890 a 26.01.1891

Luís Mendes de Morais Militar 26.01.1891 a 28.05.1891

Vicente Luís de Oliveira Ribeiro Prop. Rural 28.05.1891 a 24.11.1891

Leandro Ribeiro Siqueira de Menezes

Marcelino José Jorge

Olindo Rodrigues Dantas

Advogado

Militar

Médico

27.11.1891 a 18.05.1892

José de Calazans Militar 18.05.1892 a 11.09.1894

João Vieira Leite Médico 11.09.1894 a 24.10.1894

Manoel Prisciliano de O. Valadão Militar 24.10.1894 a 27.07.1896

Antônio Leonardo da Silveira Dantas Padre 27.07.1896 a 24.10.1896

Martinho César da Silveira Garcez Advogado 24.10.1896 a 11.10.1897

José Joaquim Pereira Lobo Militar 11.10.1897 a 20.03.1898

Martinho César da Silveira Garcez Advogado 20.03.1898 a 08.04.1898

Daniel de Campos Médico 08.04.1898 a 24.07.1898

Martinho César da Silveira Garcez Advogado 24.07.1898 a 14.08.1899

Apulcro Motta Jornalista 14.08.1898 a 24.10.1899

Olimpio de Souza Campos Padre 24.10.1899 a 24.10.1902

Josino Menezes Farmacêutico 24.10.1902 a 24.10.1905

Guilherme de Souza Campos Desembargador 24.10.1905 a 10.08.1906

João Maria Loureiro Tavares Desembargador 10.08.1906 a 28.08.1906

Guilherme de Souza Campos Desembargador 28.08.1906 a 24.10.1908

José Rodrigues da Costa Dória Médico 24.10.1908 a 10.07.1909

Manoel Batista Itajaí Médico 10.07.1909 a 13.11.1909

José Rodrigues da Costa Dória Médico 13.11.1909 a 24.10.1911

TABELA 5 - Presidentes da Província de Sergipe 1889 a 1911.

FONTE: DANTAS, História de Sergipe República, 2004, p. 305. (Anexos)

As disputas entre republicanos e monarquistas contribuíram para tornar o quadro

político bastante instável, marcado pela descontinuidade das administrações, o que

afetava severamente as finanças públicas. Por esses motivos, os políticos sergipanos se

dividiram formando dois grupos políticos, sendo um deles denominado de Pebas, os

que ficaram na Capital e os Cabaús, que se concentraram no interior. A acirrada disputa

pelo poder culminou na morte de dois importantes políticos locais, Fausto Cardoso

(1906), e monsenhor Olympio de Souza Campos (1906). O primeiro era reputado como

republicano austero que veio do Rio de Janeiro na tentativa de desarticular o grupo

olimpista e garantir que a República fosse de fato instaurada. O segundo era o principal

110

Ibid., 2004, p. 28.

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líder de oposição, que governou a província entre os anos de (1899 a 1902) e articulado

com o Presidente Campos Sales e com lideranças do congresso, passou a controlar a

política sergipana por vários anos. 111

Entre os principais objetivos da maioria dos governantes republicanos em

Sergipe, estava, além da organização política, o objetivo de urbanização e saneamento

da Capital, que mesmo sendo toda projetada, apresentava uma estrutura muito precária

no que se refere à salubridade. As epidemias eram frequentes, os surtos de Varíola,

Peste Bubônica e Tuberculose tornavam ainda mais vulnerável à vida de seus

cidadãos.112

No alvorecer da República, a nova capital ainda era uma pequena cidade com o

total de 16.336 habitantes, segundo o censo de 1890.113

Como centro político-

administrativo, sua maior importância era garantir o funcionamento das repartições

públicas, pois a força econômica ainda se concentrava no interior, prioritariamente em

Laranjeiras e Maruim. Em seu porto, ancoravam anualmente cerca de 200 navios,

trazendo passageiros e grande variedade de mercadorias que abasteciam o comércio. 114

A grande quantidade de bacias hidrográficas (seis), bem distribuídas ao Sul e ao Norte

do estado, facilitava as navegações entre os diversos municípios e alimentava intenso

intercâmbio de produtos nas feiras locais. 115

Na Capital, as feiras localizavam-se no primeiro trecho da Rua de Laranjeiras,

adjacentes à Rua da Aurora (popularmente conhecida como a Rua da Frente, nas

proximidades da Ponte do Imperador) e aconteciam às segundas-feiras. Essa feira logo

passou a ser alvo dos mais diversos ataques da imprensa e das elites locais, por conta da

“desordem” das ganhadeiras, da sujeira e da falta de “civilidade” de seus

frequentadores e vendedores. 116

Segundo Maria Nely Santos, “a feira era o local do

comércio dos pobres. A feira era considerada local de barulho e balburdia. A população

111

Ver, OLIVA, Terezinha de Souza. Impasses do federalismo brasileiro: Sergipe e a Revolta de Fausto

Cardoso. Rio de Janeiro, Paz e Terra, UFS, 1985. pp. 190-201. 112

Sobre as epidemias em Aracaju ver: SANTANA, Antônio Samarone de. As febres do Aracaju (Dos

miasmas aos micróbios). Dissertação apresentada ao núcleo de ciências sociais da UFS. 1997. p 91;

SANTOS NETO, Sob o signo da peste, 2001. 113

Consultar, Anuário estatístico do Brasil. Rio de Janeiro, Fundação IBGE, 1967. pp 35/36. 114

C.f. Monsenhor Olympio de Souza Campos. Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa do

Estado de Sergipe em 1902. Aracaju, Empresa de “O Estado de Sergipe”. pp. 22/24. 115

Consultar CAMPOS, Josefina Leite. Geografia de Sergipe. Aracaju, L. Regina, 1967. 116

BPED, ver o jornal Folha de Sergipe 12.05.1907. Que traz em seu artigo principal uma critica as feiras

ocorridas na capital, na visão dos articulistas do jornal não propiciavam ares de civilidade a capital.

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encontrava todo tipo de mercadoria vinda dos locais mais diversos da província. E a

disputa não era pouca monta”. 117

A vida cultural era restrita, mas circulavam vários jornais (oito) e alguns

periódicos como a Revista Literária, Revista Agrícola, Revista do Brasil, Revista do

Instituto Histórico e geográfico, etc. 118

Havia um teatro, o São José, uma biblioteca

pública e na educação possuía o maior número de cadeiras de ensino do estado, no total

de 22, sendo 14 (catorze) para o ensino do primeiro grau e 8 (oito) para o segundo. 119

A indústria estava em expansão, havia uma fundição a vapor, que auxiliava a

lavoura no preparo e consertos de máquinas; uma fábrica de óleos inaugurada em 1883,

situada nas margens do Rio São Francisco, no município de Vila Nova (atual Neópolis);

duas fábricas de sabão, uma na Capital e a outra no município de Estância, ambas

funcionando a vapor; e também possuía uma grande unidade têxtil, a Sergipe Industrial,

fábrica de tecidos inaugurada em abril de 1884, onde trabalhavam cerca de 170

operários. 120

As jornadas de trabalho ficavam ao árbitro dos patrões, assim como a

assistência em acidentes de trabalho e na velhice, “que nem sempre eram de fato

garantidos”, como denunciou a folha trabalhista121

que circulava no município de

Estância (onde surgiram as primeiras indústrias do Estado). Buscando garantir melhor

assistência e direitos trabalhistas, começaram também a surgir, ainda na década de 80,

sociedades beneficentes, como a União operária com sede na Capital. 122

Depois de dois séculos de escravidão, tanto os senhores quanto os ex-escravos,

encontravam-se diante do desafio de assimilar a nova estrutura social, onde todos

passaram à condição de cidadãos, formalmente iguais em direito. Esse era um processo

de aprendizagem que demandava tempo. A seguir analisaremos como o fim do

escravismo favoreceu, desarticulou ou engendrou essas relações sociais.

117

SANTOS, Maria Nely. Aracaju: um olhar sobre sua evolução. Aracaju: Triunfo, 2008. pp 75. 118

Atualmente muitos exemplares dessas revistas estão acessíveis no acervo da Biblioteca Pública

Ephifâneo Dória na Hemeroteca ou na Seção de Obras raras. Muitas dessas revistas foram compiladas em

“miscelâneas” nos acervos de particulares que foram doados a BPED. 119

DANTAS, História de Sergipe República, 2004. p. 18. 120

Relatório do Presidente da Província de 07/1888, p. 30. 121

Consultar Jornais Sergipanos. Folha Trabalhista. Clarim do P.T.B propriedade e direção de Francisco

Araújo Macedo de Circulação mensal no Município de Estância. 122

Ibid., DANTAS, História de Sergipe República, 2004. p 17.

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II – Capítulo

Os Reflexos da Liberdade: cotidiano, cidadania e sociabilidade.

“O preto era mais sacrificado do mundo, a cor preta era escravejada,

ninguém gostava, tinha racismo, o preto não tinha valor pra nada. A

coisa era triste mesmo, era triste lá uns tempos atrás. Depois que acabou

o cativeiro ficou uns quarenta, cinquenta anos naquela escravidão ainda,

que nem onça... já não havia mais coro... mas às vezes ainda batiam em

algum, até matava mesmo. Mesmo depois da escravidão”.123

As trajetórias coletivas ou individuais das populações de cor, livre ou liberta, e

suas experiências nos anos seguintes à abolição apresentam-se muitas vezes

entrelaçadas em memórias que perpassam o conceito dúbio entre escravidão e liberdade.

Assim como na citação, depoimento de Seu Julião, que nasceu “ventre livre”,

descendente de escravos, o “cativeiro”, mesmo após a abolição, continuava impregnado

na cor preta,124

não importando em muitos casos, sua condição jurídica de cidadão livre.

O próprio conceito de cidadania é por si só complexo. Nesse trabalho, a ênfase

da cidadania é posta no cidadão como titular de direitos, sobretudo dos direitos que o

garantem contra a opressão (civis) e lhe dão controle sobre o Estado (políticos). É uma

cidadania marcada por seu caráter ativo, ou como bem definiu José Murilo de Carvalho,

pode se dizer que é a cidadania de baixo para cima. 125

As falas de Seu Julião revelam

cenas do cotidiano na vida dos “novos cidadãos” em que, mesmo décadas depois da

abolição, as relações sociais entre brancos e negros permaneceram marcadas pela

discriminação por seu passado escravista, ainda que, essas não fossem regra.

Nesse contexto de “passagem” entre escravidão e liberdade, as vivências

daqueles que presenciaram ambos os processos e de seus descendentes, foram tecidas

muitas vezes por conflitos e tensões. No desenrolar dessas relações no pós-emancipação

em Sergipe, nos confrontamos com casos que se assemelham às descrições feitas por

Seu Julião, onde “o preto era o mais sacrificado do mundo, a cor preta era escravejada,

123

Labhoi – catalogo do acervo oral Memórias do cativeiro. Acesso em www.história.uff.labhoi. Falas do

depoimento de seu Julião, Rio de Janeiro, 81 anos, em 27/10/1995. RIOS, Ana Maria Lugão e Hebe

Maria Mattos. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2005. pp 121 – 122. 124

Hebe Mattos ao estudar os termos “negro” e “preto” infere que durante o século XIX, os mesmos

foram exclusivamente utilizados para designar escravos e forros. Assim, seus descendentes ficavam

marcados, era a própria expressão da “mancha de sangue”, que acreditamos se inserir a discriminação

relatada por Seu Julião. Consultar, MATOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. pp 17 -18. 125

Sobre o conceito de cidadania consultar, CARVALHO, José Murilo de. Cidadania, estadania e apatia.

Publicado no Jornal do Brasil em 24 de junho de 2001, p. 8.

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ninguém gostava, tinha racismo, o preto não tinha valor pra nada”. Esse trabalho irá

analisar as relações sociais nos anos seguintes à abolição em Sergipe, nas quais

procuraremos retratar os processos de inclusão dessas populações em uma sociedade

ainda marcada pelas memórias da escravidão.

O cotidiano de discriminação racial e social foram cenas corriqueiras na vida de

“homens e mulheres de cor” após a abolição. Açoitamentos, violência, maus tratos,

conflitos de trabalho e mortes marcaram as relações entre ex-senhores e ex-escravos,

numa disputa contínua após o cativeiro em definir poder, espaço e autonomia. Porém,

no bojo dessas transformações, também foram fortalecidas e estabelecidas redes de

sociabilidade, solidariedade, religiosidade e principalmente família, entre as populações

de cor ou não, que garantiram segurança, proteção e continuidade de resistência na

busca por direitos e cidadania plena.

2.1 Novos Cidadãos: “Lei da própria Vontade”

“Somos brasileiros e irmãos, o céu ilumina-se para nós que, de hoje em

diante teremos os mesmos sofrimentos e as mesmas venturas. O sol da

liberdade nos envia seu dourados raios, espera-nos uma obra gigantesca, o

despotismo, ainda existe nessa terra, que já chora tantos mártires; ainda

somos escravos, mas cada um de nós tem diante de si a trilha traçada que

conduzirá ao futuro cheio de promessas”. 126

A epígrafe acima é parte de artigo publicado no jornal O Republicano em

comemoração aos dois anos da abolição da escravatura. O articulista do jornal faz

menção a “uma obra gigantesca” que a esperança na República e na liberdade realizaria

no porvir. Mesmo dando ênfase à igualdade de cidadania que o “sol da liberdade” havia

propiciado a partir da Lei Áurea a todos os cidadãos de cor ou não, o articulista deixa

evidente que, “ainda somos escravos”, ou seja, em Sergipe, mesmo com a proclamação

da República a realidade social ainda era excludente, o direito a igualdade estava

implícito na lei, mas, negado cotidianamente na prática. Entretanto, o discurso

republicano pautava suas expectativas e esperanças no “futuro cheio de promessas”.

Desse modo, direcionaremos nossas atenções tanto para o cotidiano de marginalização,

quanto para as estratégias de sobrevivências utilizadas pelas “populações de cor” nos

anos que se seguiram à abolição.

Antes de nos debruçarmos sobre as lutas em torno dos direitos de cidadania nas

126

BPED, Jornal O Republicano. 13/05/1890.

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trajetórias desses novos cidadãos, faz-se necessário definirmos o conceito de cidadania

nos anos iniciais da República, bem como avaliar os direitos aplicáveis às

reivindicações dessa parcela da população, nos anos iniciais da República. O autor José

Murilo de Carvalho tem sido um dos autores que mais tem escrito e refletido sobre

cidadania no Brasil. Suas discussões partem principalmente da análise do conceito de

cidadania de T. P. Marshall,127

propondo que a cidadania seja entendida a partir de dois

eixos (de baixo para cima e de cima para baixo). Exemplos de cidadania construída de

baixo para cima são as experiências históricas marcadas pela luta por direitos civis e

políticos, afinal conquistados, no Estado absolutista. Exemplos de movimento na

direção oposta são os países em que o Estado manteve a iniciativa da mudança e foi

incorporando aos poucos os cidadãos à medida que ia abrindo o guarda-chuva de

direitos. 128

Para Marshall, os direitos civis eram compostos “dos direitos necessários à

liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o

direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça”. 129

José

Murilo tem clara inspiração no conceito desse autor, no seu livro Os bestializados da

República, 130

apontam quatro visões da cidadania no Brasil no início do século XX: a

republicana, a positivista, a anarquista e aquela que partia da visão dos socialistas

democráticos. Por esse reconhecimento de projetos diferenciados sobre a cidadania,

brotando dos movimentos organizados e/ou da resistência popular ao Estado, bem como

pela possibilidade de novas percepções sobre a construção da cidadania, pensamos ser

fundamental esquadrinhar novas formas de lutas pela cidadania.

Assim, em fins do século XIX, os cidadãos buscariam o Estado para

atendimento dos interesses privados ou tinham ações reativas “contra as iniciativas do

governo, que buscavam racionalizar, burocratizar e secularizar as relações sociais”.

Dentro desse conceito amplo de cidadania, buscamos canalizar os anseios das

“populações de cor”, egressos da escravidão, no sentido de garantirem seus “direitos de

cidadãos”.

127

T. H. Marshall, Cidadania, classe social e status, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1967, p.

63-64. 128

José Murilo de Carvalho, “Cidadania: Tipos e Percursos”, Estudos Históricos, vol. 9, n. 18,

1995, p. 338-339. 129

Ibid. 1967, p. 63-64. 130

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados da República, São Paulo, Companhia das Letras,

2004.

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59

O autor Sidney Chalhoub, em sua obra Machado de Assis historiador, 131

também traz um debate esclarecedor sobre alfabetização e cidadania ainda no tempo da

escravidão e sua importância na visão de abolicionistas e membros das classes elitistas

para a completa “civilização” do liberto. Para o autor, alfabetização e cidadania

caminhavam juntas e o debate em torno da educação dos “ingênuos” a partir da Lei do

Vente Livre de 1871, se intensificou nos anos posteriores à abolição; pois, logo esses

cidadãos estariam em pleno gozo dos seus direitos políticos. Chalhoub infere que a

crença geral era que a alfabetização melhorava a qualidade da cidadania. 132 A educação

abria para o liberto as portas da civilização, discurso esse que tempos depois foi

(re)significado pelos proprietários rurais sergipanos na tentativa de doutrinarem os

libertos ao trabalho da lavoura, trabalharemos melhor esse assunto nas páginas a seguir.

O autor Flavio Gomes, discute a formação da cidadania dos ex-escravos na

mentalidade de senhores e libertos na pós-emancipação, ressaltando a dificuldade de se

estabelecer os direitos dos mesmos num contexto ainda marcado pelas antigas relações

escravistas, sendo a liberdade e seus significados constantemente redefinidos e valores

como cidadania e igualdade cotidianamente contestados.

Em muitos casos, a liberdade não significou o avesso à escravidão. Em

outros, a sujeição, a subordinação e a desumanização, que davam

inteligibilidade à experiência do cativeiro, foram requalificadas num contexto

posterior ao término formal da escravidão, no qual relações de trabalho, de

hierarquia e de poder abrigaram identidades sociais, se não idênticas,

similares àquelas, que determinada historiografia qualificou como exclusivas

ou características das relações senhor – escravo. 133

Em diversos momentos, através da análise dos documentos, nos deparamos com

histórias que em muitos aspectos se assemelham com as ocorridas durante o período

escravagista. Se para os ex-senhores e para as elites sergipanas, a luta dos ex-escravos

por melhores salários e mais direitos de usufruírem por um tempo maior a própria

liberdade levavam a classificá-los como cidadãos atípicos aos anseios sociais, para os

escravos, preservarem esses direitos de liberdade possuíam outros significados, ou seja,

era vista sobre outra perspectiva - a lei de sua própria vontade.

131

CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis: historiador. São Paulo, Companhia das Letras, 2003. 132

Ibid. 2003, p. 281. 133

GOMES, Flávio e Olívia Maria (org.), Quase-cidadão: histórias e antropologia da pós-emancipação

no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2007. p. 11.

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60

Direcionar suas vidas e trajetórias a partir de suas escolhas, significava para os

ex-escravos maior autonomia e exercício de sua cidadania. Analisado essas relações

Walter Fraga, definiu que:

Para os ex-escravos, a liberdade significava acesso a terra, direito de escolher

livremente onde trabalhar, de circular livremente pelas cidades sem precisar

de autorização de outra pessoa, de não ser importunado pela polícia, de

cultuar seus deuses africanos, ou venerar a sua maneira os santos católicos e,

sobretudo, direito de cidadania. 134

(grifo nosso)

Para os ex-escravos, a liberdade trouxe consigo um leque de oportunidades de

decidir sobre outros “meios de vida”, tal como fizeram as cozinheiras de Dona Sinhá e

alguns dos seus ex-escravos do Engenho Topo e do Escurial, pertencentes ao seu

marido, Gonçalo Rollemberg, que após a abolição migraram para outros destinos na

esperança de reconstruírem suas vidas longe dos engenhos e das representações do

cativeiro. 135

O que não foi bem assimilado pelos ex-senhores, era que essa “desleal”

liberdade de escolha, não representava aversão ao trabalho ou propensão à vadiagem,

como se disseminava nos artigos da Revista Agrícola, nos jornais e Relatórios

provinciais, mas, a possibilidade de decidir os rumos de sua própria vida. Refazer a vida

no tempo de hostilidade e incertezas, não seria tarefa fácil. Nos muitos processos

existentes nos arquivos sergipanos encontramos diversos casos que retratam a

insubordinação tanto de ex-escravos quantos de ex-senhores, o que exigia trabalho

redobrado das forças públicas, que, muitas vezes, pela fúria desenfreada dos senhores,

ensandecidos com a perda de suas “propriedades humanas” realizavam por iniciativa

particular, “acertos de contas” e tentavam a todo custo restabelecer a ordem às

chibatadas.

Vários casos podem ilustrar bem essas conflituosas relações. Foi o caso que

resultou no indiciamento de Antônio da Cunha Machado, dono de engenho e do seu

filho, Alípio da Cunha Machado, além dos cabras, Juvenal dos Nunes dos Reis, Júlio

Caboclo, Constantino de tal, José Firmino e Antero de tal, todos moradores na Vila do

Espírito Santo, termo de Santa Luzia, Comarca de Estância. Na noite do dia 13 para 14

134

FRAGA FILHO, Encruzilhadas da Liberdade, 2006, p. 348. 135

O autor Walter Fraga apresenta trajetórias de ex-escravos do Recôncavo baiano demonstrando as

diversas atitudes por eles assumidas depois da abolição. Ver ob. Cit., 2006, especialmente os capítulos 7,

8 e 9. ALBURQUERQUE, O Jogo da Dissimulação, 2009, p. 106. Também faz referências a decisões

dos ex-escravos ao optarem por “outros meios de vida”. Em ambos os autores consultar, o caso do ex-

escravo do Barão de Vila Viçosa.

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de março do ano de 1890, o dito senhor Antônio da Cunha mandou os indivíduos

citados, prender o cidadão de nome Nazário, ex-escravo de seu engenho, o qual havia

lhe afrontado. Preso, Nazário foi conduzido para o engenho onde fora castigado

severamente com bolos, depois amarrado com corda e onde permaneceu detido por toda

noite. Consta no processo, conforme as palavras do representante de Nazário, Francisco

Armindo de Andrade, que o réu não possuía queixa nem pronunciamento, sendo a

atitude do Coronel totalmente arbitrária. Conforme os autos:

Não estando o dito Nazário pronunciado, nem consta que cometeu crime

algum. E quando tivesse pronunciado, não tinha autoridade nenhuma o

dito Antônio da Cunha Machado para prender Cidadão qualquer, salvo

do caso único de ser encontrado cometendo algum delito. (grifo nosso)

Convém mencionar que o castigo corporal foi deflagrado pelo próprio

Antônio da Cunha Machado. 136

O caso ainda foi testemunhado por outros moradores que certamente indignados

com tal ato, se prontificaram a relatar o caso à polícia. Eram eles: José Lins, Eduardo

(ex-soldado), Domingues de Mello, Francisca Theodesia, Salvador Pereira, Pastora

Hemeteria Alves Junqueira, Maria da Conceição e José Francisco de Andrade, todos

residentes na Vila e vizinhos de Nazário.

Este caso ilustra bem que após a abolição perpetuava-se a violência do cativeiro

como forma de coerção. Hebe de Castro Mattos ao analisar tais relações afirma: “Foi

gradativo o esgotamento do recurso da violência como forma de subordinação,

entretanto tais mecanismos de tortura foram insistentemente utilizados por ex-senhores

dias depois da abolição”. 137

É interessante frisar que o representante de Nazário fez

questão de acentuar em seu texto que, “O dito Antônio Machado, não tinha autoridade

nenhuma para prender qualquer cidadão”, muito menos aplicar-lhe “com as próprias

mãos” os castigos impetrados no tempo da escravidão.

Este documento traz informações importantes para o entendimento da lógica

senhorial, da vítima e da justiça. Na visão senhorial, a perda do domínio sobre seus

antigos escravos também se constituía uma perda de identidade. 138

Era a afirmação da

136

APES, Sp1, Auto de denúncia, cx 491. 137

CASTRO, Hebe Maria Mattos. Das cores do silêncio – os significados da liberdade no Sudeste

escravista. Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 166. 138

Wlamyra Albuquerque sinaliza que na mentalidade dos senhores de engenho, o fim da escravidão não

representou apenas a perda de propriedade, mas, das referências fundamentais na constituição da

identidade dos proprietários de terras e escravos. A certeza de que o mundo social não poderia mais ser

definido pela oposição entre senhores e escravos comprometia vínculos pessoais e referências de

autoridade. ALBUQUERQUE, O Jogo da Dissimulação, 2009, p. 125.

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continuidade do poder senhorial que o castigo com as “próprias mãos” simbolizava para

o antigo senhor, porque, mesmo acompanhado de diversos “capangas” ele mesmo

desferiu os castigos no ex-escravo na presença de muitos moradores, na intenção

provavelmente de demonstrar seu poder junto àquela população. Não consta nos autos,

que o agressor tenha sido punido. A justiça ou a força policial, em muitos casos, era

omissa e demonstrava postura ambígua, no tocante às atrocidades cometidas pelos ex-

senhores. A hora exigia cautela tanto para com os libertos quanto para com os ex-

senhores.

Outro ponto importante que observamos foi a linguagem das cartas que

referenciada aos ex-escravos. Segundo José Murilo de Carvalho, a linguagem do

tratamento usada na correspondência não tem merecido a atenção dos estudiosos,

porém, as análises dos mesmos também trazem revelações muito importantes. 139

Em

Sergipe, a utilização do termo “cidadão” após 1888 passou a ser constante para nomear

a nova condição social dos libertos. No documento citado e, em outros documentos da

Secretaria de Segurança Pública do Estado de Sergipe o desígnio “cidadão” antes de

1888, aparece como referência a pessoas de status importante. O termo era utilizado

sempre acompanhado da prerrogativa “ilustre” para fazer referência a algumas

autoridades, como juízes, desembargadores, chefes de policia, etc. Com a abolição, o

termo passou a ser usado para enfatizar a igualdade de direitos dos “novos cidadãos”. 140

Valendo-se da sua nova condição jurídica, encontramos várias petições de presos

ex-escravos, requerendo audiência com os respectivos delegados de suas comarcas, a

fim de negociarem sua liberdade, questões familiares ou quantias a serem pagas por dias

trabalhados sem a justa renumeração. Serve-nos como exemplo, o pedido do preto

Joaquim Martins do Nascimento, em 1891,

Ilustre Dr. Chefe de Polícia

O preso, preto, pobre, Joaquim Martins do Nascimento recolhido à casa de

prisão dessa capital, necessitando fazer uma reclamação a bem dos seus

direitos de cidadão (grifo nosso) a V. Ex.ª e não podendo fazer por petição

139

CARVALHO, José Murilo de. Rui Barbosa e a razão clientelista. Dados v. 43 n. 1 Rio de Janeiro

2000. p. 17. O autor neste artigo realiza uma análise sobre as correspondências de Rui Barbosa. Faz

referência a utilização do termo cidadão para designar tratamento a pessoas de distinção e prestigio

social. 140

Hebe Mattos, também faz referência à utilização sistemática do termo “cidadão” como designador de

status social. No caso, abordado pela autora, o termo que antes era utilizado somente por cidadãos

(proprietários, comerciantes, autoridades) com a abolição passa ser utilizado enfaticamente para designar

o liberto. MATOS, Hebe de Castro. Para além das senzalas: campesinato, política e trabalho rural no

Rio de Janeiro. In, Quase Cidadãos, 2007, p. 62.

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em via de sua pobreza, vem ante a V. Ex.ª pedir que se digne fosse justiça de

conceder- lhe 1 hora de audiência para que possa o suplicante fazer sua

queixa de forma que possa ser atendido. Confiando na justiça reta que tanto

tem honrado os atos de V. Ex.ª , o preso. P. Benigno deferimento.141

A petição ressalta a nova condição jurídica de cidadão que passou a usufruir o

liberto. A ênfase no direito de cidadania garantido com a abolição passou a ser

recorrente em diversas petições, o pedido que versava “a bem dos seus direitos de

cidadãos” foi prontamente respondido. O delegado concedeu ao peticionário o direito de

audiência tal qual como solicitado. Infelizmente não foi possível localizar o processo

que condenou Joaquim, mas, o seu requerimento traz à tona uma discussão plausível

para compreensão dos significados da liberdade e de cidadania para a “população de

cor”. Mesmo que os direitos na forma da lei, não fossem severamente aplicados de

forma justa entre seus cidadãos, para Joaquim a ênfase em sua nova condição a qual

poderia usufruir o “direito de cidadão”, significava ao menos a oportunidade de ser

ouvido, mesmo que sua solicitação não fosse atendida e a sua condição pouco se

alterasse. Era a confiança na liberdade que criara a expectativa na “justiça reta” e na

equidade da lei, que o mesmo se sente esperançoso em ser atendido como qualquer

outro cidadão.

Nesse contexto, a imprensa baiana, poucos dias após a abolição, se colocava à

disposição dos libertos, oferecendo as páginas dos periódicos abolicionistas para

publicar qualquer queixa contra ex-senhores que cerceassem as liberdades ou os

submetia a castigos físicos. 142

Desse modo, a imprensa também foi um dos recursos

bastante empregado para dar notoriedade aos atos de violência cometidos contra os

libertos, ora, aumentando o descontentamento dos ex-senhores, ora, atiçando a

manifestação popular, causando balbúrdia na pequena província sergipana, como no

episódio que narraremos a seguir.

2.2 A “tragédia” da Vila do Rosário

No dia 10 do corrente mês [outubro de 1909] o Jornal de Sergipe desta

capital, deu notas de um verdadeiro escândalo, deu notícia de um caso

sensacional, com as mais vivas cores de uma tragédia, representada e

epilogada na Vila do Rosário com “A prisão de um homem considerado até

como inofensivo".

141

APES, Sp1, Correspondência recebida, cx 475. 142

ALBUQUERQUE, O jogo da Dissimulação, 2009, p. 118.

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O presente relato poderia ser considerado apenas como uma notícia

sensacionalista com “as mais vivas cores de uma tragédia”, se a mesma não tivesse

repercussão escandalosa para a sociedade sergipana na primeira década do século XX.

Esta citação é trecho do relatório oficial da Secretaria de Segurança Pública de Sergipe,

referente a noticia publicada no Jornal de Sergipe sobre uma denúncia de “abuso de

poder” por parte da autoridade policial daquela localidade, mais especificamente da Vila

de Rosário do Catete pertencente à Região do Cotinguiba. A nota faz menção à prisão

de um “homem de cor”, conhecido como José Capela, ex-escravo de Sebastião Gaspar

de Almeida Boto. O ex-escravo foi identificado como pessoa de muita aptidão,

moralidade, boa índole, pai de quatro filhos e casado com Micaela, ex-escrava do

mesmo Senhor. 143

O jornal, ao noticiar o caso, anunciando prisão e morte da vítima, o faz em tom

de mais grave denúncia e indignação, não poupando nem se esquecendo de mencionar

detalhes sobre as barbaridades do fato ocorrido. Como consta,

A prisão foi realmente efetuada no dia 27 de setembro, e o preso foi

realmente espancado. Mas, pela madrugada do dia 28, a vítima exalava o

último suspiro, a vítima desgraçada da barbaridade policial e vítima cuja

morte não há de ter ao menos nem um simulacro de punição. Um horror! O

cadáver do assassinado foi dado à sepultura no dia 29 de setembro, todo

retalhado de golpes de facão. Apresentando no ventre profunda abertura de

onde caíam os intestinos. 144

A ênfase na violência está presente em toda a narrativa. Certamente o articulista

do jornal já estava prevendo a impunidade do caso. O apelo jornalístico ao mencionar a

“punição” o fez em tom de desdém, pois, era corriqueira a omissão e impunidade nos

casos que envolviam violência contra “homens e mulheres de cor”. Entretanto, dessa

vez o sensacionalismo jornalístico surtiu efeito, e a repercussão da notícia tornou-se

motivo de preocupação por parte das autoridades, que com o quadro policial debilitado

e não gozando de prestígios no que diz respeito à manutenção da ordem pública, se

ateve a investigar o caso e calar os comentários da imprensa local que há muitos dias

vinham propalando e incomodando as autoridades superiores do governo estadual e da

Secretaria de Segurança Pública. Nas palavras de João Maynard, “O crime nefando e

143

Ver, PASSOS SUBRINHO, Josué Modesto dos. Os classificados da escravidão, (ORG). Aracaju,

IHGS, 2008. p 263. 144

BPED, Jornal de Sergipe em 10.10.1909.

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horrendo por tais cores narrados constituiu nota predominante e sensacionalista por

muitos dias”. 145

A investigação do caso citado foi apresentada no Relatório do Chefe de polícia e

Bacharel João Maynard exposto ao Dr. José Rodrigues da Costa Dória, presidente do

Estado indexado na seção da Secretaria de Segurança Pública intitulado: O caso da Vila

do Rosário. O fato é notificado às autoridades superiores por sua repercussão tanto na

imprensa sergipana, quanto nas correspondências policiais, que frente às pressões e

burburinhos populares, exigiam das autoridades publicas, providências para a tragédia

que resultou na morte de José Capela.

A vítima até então, era um homem conhecido por sua boa índole e considerado

inofensivo. Foi assassinado brutalmente por policiais através de luta corporal travada

quando o mesmo foi surpreendido às 10 horas da noite, na residência de amigos,

acusado pelo crime de roubo à casa de farinha do comerciante Manoel Leobino de

Menezes. Como consta nos autos:

O delegado de polícia em exercício João Derizans, mandando efetuar a prisão

de um homem de cor preta, de nome José Capela, prisão feita a pedido de

Manoel Leobino de Menezes, o qual se queixara de o mesmo haver

arrombado a casa de farinha de sua propriedade e dali subtraído quase todos

os utensílios. Sendo a queixa dada às 10hs da noite do dia 27 de setembro

nessa mesma hora mandou o dito delegado chamar o sargento Marcilio

Manoel Ribeiro e os dois soldados Manoel Theodoro dos Santos e Vicente

Bispo dos Santos que se dirigiram à rua Barro Vermelho, a fim de capturar

José Capela, que estava na casa de Maria de Sebastião. Então o delegado de

polícia às 10hs do dia 27 mandou os soldados prendê-lo. José Capela

percebendo que só havia um policial na porta dos fundos, arma-se de faca e

cacete e agride o policial, em luta corporal da vítima com os policias, Capela

saiu bastante ferido. Conduzido ao quartel, às 8hs do dia 28 a vitima faleceu.

O delegado mandou notificar os peritos não profissionais, Guilhermino

Ribeiro e José Soares para fazerem exame cadavérico e os mesmos deram a

causa do falecimento por ferimentos ou lesão cardíaca, dando as

determinações para o corpo ser sepultado às 2hs da tarde, no dia 29 no

cemitério público. 146

Aparentemente o texto notifica mais um caso corriqueiro num período marcado

pelas constantes tensões sociais. A crescente marginalidade era notória para toda

sociedade e as soluções adotadas pelas autoridades não representavam grandes

melhorias para as constantes desordens ocorridas no cenário social sergipano. O

incômodo causado por causa do direito a liberdade desses “novos cidadãos”,

principalmente no que concerne a permissão de ir e vir, foi constantemente discutido

145

APES, cx 09, vol. 05, p. 43. 146

APES, Cx 09 vol. 05. p. 43.

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nos relatórios policiais, que denunciavam o aumento da vadiagem entre as “populações

de cor” e concomitantemente o crescimento da criminalidade.

O fator que mais é surpreendente na história de José Capela é repercussão deste

caso tanto na sociedade e imprensa, quanto nos bastidores jurídicos, por causa das

contradições entre a visão popular e dos jornais, contra a versão apresentada pelo

delegado de polícia em exercício, João Derizans. A principal dúvida consistia na causa

mortis, por isso, foi solicitadas investigações do Bacharel João Maynard, que logo pediu

uma nova perícia com exumação do corpo da vítima na tentativa de elucidar a

veracidade dos fatos. Nos autos consta:

Havendo dúvida dos resultados mandou chamar José Fernandes Vila Verde e

Helvécio de Andrade doutores formados, no dia 15 [outubro de 1909] ás

12horas, que deram a causa da morte peritonite traumática em decorrência de

uma perfuração oval e estreita a 3 (três) cm a direita da cicatriz umbilical. 147

A vítima do bárbaro caso da Vila do Rosário foi violentamente assassinada por

policiais e enterrada “às pressas” no cemitério público do Estado e o novo laudo

realizado pelos legistas profissionais José Fernandes Vila Verde e Helvécio de Andrade,

contestou a primeira versão apresentada pelo Delegado João Derizans, que havia

averiguado morte por causas naturais. Conforme os laudos dos médicos:

O cadáver estava envolvido em mortalhas simples, branca e descansava no

chão da cova, em posição horizontal, dorso para baixo, braços estendidos ao

longo do corpo, não guardado em caixão. Sexo masculino, raça negra a

natureza das lesões intra-abdominais produzidas por instrumentos

vulnerantes. Morte não natural, violenta. 148

A nova pericia confirmou a causa da morte como não natural, contradizendo a

versão anterior, o que gerou ainda mais suspeitas do crime de abuso de poder. Várias

testemunhas que presenciaram o delito em seus relatos garantiram a idoneidade da

vítima e não esconderam o sentimento de indignação ao afirmar que a José Capela não

havia sido pronunciado, sendo a denúncia feita apenas por suposição do comerciante,

que a fez talvez motivado por rixas antigas e/ou discriminação por sua antiga condição

social. Na citação de João Maynard, designado para investigar o caso, os três

envolvidos: o sargento Marcilio Manoel Ribeiro e os dois soldados Manoel Theodoro

dos Santos e Vicente Bispo dos Santos, são declarados culpados. Como explicitado no

julgamento feito por João Maynard,

147

APES, Cx 09 vol. 05. p. 44 148

Ibid. p. 46.

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Testemunhas afirmam que não existia mandato de prisão preventiva, que José

Capela não estava pronunciado e a prisão foi feita por simples queixa dada

verbalmente e por isso é declarado, ilegal e praticado o crime de abuso de

poder (...) De todo processado não consta quem foi o autor do golpe que

vitimou José Capela; mas está provado que este foi ferido durante a luta. Pelo

nosso código são os três coautores do delito. Os três agrediram a vítima. Pelo

exposto bem ver que se trata de dois crimes. Um de responsabilidade e o

outro comum, crimes esses conexos. Mandei notificar sem perda de tempo o

Promotor público da Comarca pelo Doutor juiz de direito da mesma. 149

O caso foi julgado criminoso pela justiça sergipana e resultou no afastamento do

delegado em exercício, sendo decretada a exoneração dos envolvidos no crime

classificado pela Secretaria de Segurança pública como “abuso de poder”. O que

realmente nos chama a atenção no caso estudado é o posicionamento das testemunhas

frente a “uma aparente injustiça” contra um “homem de cor” e da punição de membros

da autoridade policial. A participação da sociedade no testemunho da conduta de José

Capela é também um dos fatores decisivos para a “condenação” do delegado Derizans e

dos soldados envolvidos. Supomos que estes depoentes, sendo pessoas do convívio de

José eram também “pessoas de cor”, isso se torna uma amostra contundente da

mobilidade social frente à reivindicação dos seus direitos como cidadãos. A indignação

pela morte de José reflete a busca por igualdade de justiça e de direitos.

Mais de um século após a extinção formal da escravidão no Brasil, à indignação

popular contra o “abuso de poder” por parte da autoridade policial nos chama a atenção

para os significados dessa indignação no cotidiano da “população de cor” ao fim do

século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Para desvendar os desdobramentos

desse caso, a primeira tarefa talvez seja investigar os vários significados atribuídos à

experiência de liberdade que concede e permite um novo estatuto social a homens e

mulheres de cor no país no final do século XIX. Interessa-nos entender como e por

quais operações discursivas, processos sociais e históricos, homens e mulheres cujo

estatuto social estava condicionado à combinação de sua condição jurídica, origem

social e aparência física passam a ser vistos e a ver a si próprios como “iguais”. 150

Casos como o de José Capela servem para exemplificar as tensões e disputas em

torno da liberdade no cotidiano das relações entre ex-senhores e ex-escravos em

149

Ibid. p 49. 150

Para Flávio Gomes o que se imagina ruptura ou corte entre estatutos sociais distintos – o do escravo e o

do cidadão – constitui uma rede de temporalidades diversas, porém internamente conectadas GOMES,

Quase-cidadão, 2007. p. 10.

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Sergipe. No alvorecer do século XX ocorreram muitos conflitos, decorrentes das

mudanças econômicas e das alterações nas relações sociais e políticas. 151

Para a sociedade sergipana, a Lei Áurea já tinha cumprido seu papel perante a

população cativa, concedendo-lhes a liberdade, preferindo principalmente os

governantes, não problematizarem a situação deplorável das “populações de cor”

egressas da escravidão, que atravessam as oscilações financeiras e as epidemias que

aumentavam ainda mais a morbidade entre essa população,152

além das secas, que se

alastravam pelo agreste sergipano. Nos discursos policiais, senhorial e muitas vezes da

própria imprensa sergipana, imperava a ideia de incapacidade dos libertos em gerirem

suas próprias vidas de forma ordeira e civilizada. Desse modo, frequentemente os ex-

escravos foram considerados pela sociedade sergipana e até referidos nos autos policiais

como vadios, ladrões e ociosos.

2.3 De vadios a Soldados: o recrutamento policial como forma de conter a

desordem no pós-emancipação.

No Brasil, décadas antes da abolição a liberdade era alcançada algumas vezes

através de redes de favores e relações, e, em muitos casos, o liberto não se tornava livre

plenamente, continuava ligado e dependente dos seus ex-senhores. 153

Assim os

proprietários de escravos se condicionaram a pensar a liberdade como símbolo de

gratidão que deveria ligar os libertos pelos favores infindáveis e lealdades pessoais. A

abolição da escravidão que concedeu a essa parcela da população a liberdade irrestrita,

colocou em suspeitas antigas relações sociais de favorecimento e paternalismo, gerando

conflitos em torno dos significados da liberdade tanto para os ex-senhores quanto para

os libertos.

Eric Foner explicita a dificuldade de moldar as relações de sociedade e cidadania

na pós-emancipação, principalmente, nas regiões agrícolas onde a escravidão vigorou

com mais intensidade, como é o caso do Nordeste brasileiro.

151

FERREIRA JÚNIOR, Fernando Afonso. Derramando os mantos purpúreos e as negras sotainas.

(Sergipe Del Rey e as crises do Antigo sistema Colonial – 1763-1823). Campinas, 2003. Dissertação de

mestrado. Instituto de economia UNICAMP. Ver também NUNES, Maria Thétis. Ob. Cit. 2004. 152

SANTANA. As febres do Aracaju. 1997. p. 91; Sobre os obituários por insalubridade na Capital

sergipana, consultar: ob. Cit. SANTOS, Aracaju: Um Olhar sobre sua evolução 2008. p. 45-49. 153

CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros estrangeiros. Os escravos, os libertos e sua volta à África. São

Paulo: Brasiliense, 1985. p 33.

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Toda sociedade caracterizada pela grande lavoura experimentou, ao passar

por um processo de emancipação, um amargo conflito em torno do controle

da mão-de-obra ou, como pode ser mais bem descrito, da formação de classes

– ou seja, a definição dos direitos, privilégios e papel social de uma nova

classe, a dos libertos. 154

Para o autor Foner, os negros de fato trouxeram da escravidão uma compreensão

da sua nova condição social pautada tanto por sua experiência como escravos quanto

pela observação da sociedade livre ao seu redor. No bojo dessas transformações, as

vivências do período de escravidão permaneciam profundamente gravadas na memória

coletiva dos negros. Desse modo, ao analisar as relações entre negros e brancos na pós-

emancipação no Sul dos Estados Unidos, o mesmo infere que ao tomar posse de sua

cidadania, os libertos logo trataram de “livrar-se” dos signos e símbolos que

representavam alguma semelhança com a sua condição de outrora, tais como, o trabalho

no eito, as vestimentas, as relações familiares, etc. Como podemos observar,

Os escravos recém-libertados procuraram de inúmeras formas “livrar-se da

marca da escravidão” a fim de destruir a autoridade real e simbólica que os

brancos haviam exercido sobre todos os aspectos de suas vidas. Alguns

adotaram novos nomes, que refletiam as profundas esperanças inspiradas pela

emancipação. 155

Buscando “outros meios de vida” em Sergipe, os ex-escravos passaram a ser

alvos de atenção e preocupação policial, principalmente os que tinham “vida livre” ou

conduta recriminável, dentre eles, bêbados, jogadores, desordeiros, prostitutas, insanos,

indigentes e todos aqueles que podiam ser enquadrados no conceito amplo e ambíguo de

vadiagem, acusados de fomentadores e agentes da desordem social. 156

Dentro desta

problemática, Sergipe não era um caso isolado. Para o contexto baiano, Walter Fraga

aponta que “muitos ex-senhores de escravos defenderam a utilização dos braços

nacionais, atrelada a adoção de leis punitivas à vadiagem157

”. Wlamyra Albuquerque,

também enfatiza que denominados de vadios no vocabulário policial, os que traduziram

liberdade por mobilidade e autonomia foram alvos frequentes da desconfiança das

154

FONER, Nada além da liberdade, 1988, p. 26. 155

Ibid,1988, p. 70. 156

Ver Relatório do Presidente da Província do Dr. Chrorophilo Fernandes dos Santos em 1881, Anexos,

p 7. Como medida adotada para a punição e coerção a vadiagem em Sergipe o chefe de polícia Francisco

da Costa Ramos expede uma circular em 28 de agosto de 1879, onde estabelece a aplicação do “termo de

bem viver” que deveria ser assinado por todos aqueles que fossem encontrados em estado de ociosidade,

mendicância e vadiagem, devendo o mesmo ser atualizado mensalmente pelas forças policiais. 157

FRAGA FILHO, Encruzilhadas da Liberdade, 2006, p. 214.

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70

autoridades. 158

Sidney Chalhoub, ao analisar os discursos sobre a vadiagem no Brasil,

sinaliza que as elites nacionais construíram a ideia de que o negro possuía uma

tendência natural ao alcoolismo, à marginalidade e à recusa ao trabalho. O negro, por

esse discurso, era visto como incapaz de estabelecer laços familiares, era um

desagregado, e oscilava constantemente entre a apatia e a violência, atributos

necessários para ser representado como um criminoso em potencial.159

O que talvez não tenha sido bem assimilado pelos ex-senhores nos momentos

seguintes à abolição é que para os homens e mulheres egressos da escravidão, a

liberdade possuía outros significados para além do trabalho da lavoura, além de

renumeração, estes libertos desejavam usufruir mais “tempo livre”. Contrapondo às

expectativas da abolição entre essas duas classes; para os ex-escravos, o “tempo livre”

representava um espaço social a ser protegido e, se possível, expandido. Na visão dos

antigos senhores, o “tempo livre” representava uma forte inclinação à ociosidade. Os

artigos da Revista Agrícola apontam que nos discursos dos proprietários rurais

sergipanos eram considerados ociosos todos aqueles que não exercessem trabalhos

regulares, principalmente, os trabalhos da lavoura e vadios os que desperdiçassem

tempo em jogos, bebedeiras ou desordens e que obtivessem qualquer outra forma de

subsistência que não fosse o trabalho lícito.

Os estudos de Sharyse Amaral e Josué Modesto, muito contribuem para

compreensão dessa lógica senhorial sergipana nos momentos seguintes a emancipação

dos escravos. Estudando as “propostas de engajamento da população livre” em Sergipe

durante a crise do escravismo, Josué Subrinho revela que antes da abolição do trabalho

forçado, apesar da grande oferta de mão-de-obra livre, esta era vista apenas como

“complementar ao trabalho escravo na produção de açúcar”. Para a população pobre e

de cor além do trabalho da lavoura, atividade considerada rude, existiam varias outras

opções de acúmulo pecúlio fora do domínio da propriedade açucareira: ocupando terras

desvalorizadas, agregando-se a propriedades não açucareiras e subsistindo da

apropriação de elementos da natureza. Essas atividades faziam com que essa população

fosse uma fonte insegura e, por vezes, relutante de oferta de força de trabalho. 160

Segundo Amaral, na mentalidade dos senhores sergipanos:

158

ALBUQUERQUE, O jogo da Dissimulação, 2009, p 108. 159

Ver CHALHOUB, Visões da Liberdade, 1990. pp 80 – 141. 160

Consultar, AMARAL, Escravidão, liberdade e resistência em Sergipe, 2007. Capítulo V – Senhores

das próprias vidas: da liberdade e da autonomia. pp. 208 a 217; PASSOS SUBRINHO, Reordenamento

do trabalho, 2000, p. 198.

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71

A liberdade era compreendida como não trabalho e daí ser necessário um

período de “transição” para que os egressos do cativeiro se “adaptassem” ao

trabalho livre. Como forma de incentivar e de tornar mais curta essa

adaptação, os senhores pediam leis que obrigassem os libertos a assinar

contrato de trabalho, na condição de pagarem pena de serem presos por

vadiagem. Para os senhores, no mundo que se criava, a polícia substituiria os

feitores. 161

Na ampla lista de restrições, estava contido caçar, pescar e coletar frutos, ações

com punições previstas nas Posturas Municipais e regido pelo Código Rural,162

além de

atos de mendicância, desordem, prostituição, jogos de azar e bebedeiras, também

proibidos pelo Termo de bem viver.163

Para Amaral, “o que estava em jogo eram os

limites do conceito de liberdade, que os senhores buscavam restringir, ao passo em que

os escravos e libertos buscavam ampliar”. 164

Nos inúmeros artigos da Revista Agrícola,

nos jornais e nos Relatórios presidenciais, disseminava-se o descontentamento dos ex-

senhores com a abolição imediata,

Pensamos sempre que para amenizar o golpe desfechado sobre a lavoura,

com a perda dos escravos sem posterior indenização, curasse ao menos o

governo de publicar uma lei de locação de serviços (grifo nosso) que viesse

remediar o mal causado (...) não seria certamente uma lei que oferece opções

genéricas para o estabelecimento de contrato entre partes igualmente livres,

mas antes a locação de restrições sobre a liberdade de vender a sua força de

trabalho, obtida pela população livre. O trabalho livre não teve uma

orientação racional; não se criou um freio para conter os ímpetos, os

desmandos de todos aqueles que passaram a receber salários de mãos

particulares. 165

Diante do exposto, voltaremos nossa atenção para as inúmeras solicitações de

antigos senhores que temerosos pelos efeitos da liberdade no comportamento dos

egressos da escravidão, gozando de mais “tempo livre”, em suas palavras, estavam

cotidianamente incitados à vadiagem e ociosidade. Os proprietários rurais, em nome dos

“bons costumes” clamavam a Secretaria de Segurança Pública sergipana proteção para

as suas propriedades e familiares, cobrando eficiência frente ao caos instaurado com a

abolição. Buscando analisar algumas medidas adotadas pelo governo provincial como

forma de contenção da suposta desordem e inclusão social dos ex-escravos, dentre elas,

161

Ibid. 2007. p. 211. 162

APES - Leis e decretos, Cx 07. Código Rural de 1905, p. 79. 163

APES – Sp¹, pac. 491. 164

Ibid., p. 213. 165

BEPD, Jornal Folha de Sergipe, 14/12/1890.

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o recrutamento da população pobre e de cor, buscaremos seguir os fios que nortearam as

trajetórias dessa população, que viram da noite para o dia suas vidas trilharem caminhos

opostos, do crime para a lei.

Muitos eram os motivos das queixas dos proprietários rurais contra os libertos.

Nos ofícios e correspondências que circulava entre as delegacias municipais e a

Secretaria de Segurança pública, são abundantes os pedidos de reforços e proteção

policial. As reclamações mais recorrentes eram furtos, defloramentos, incêndios,

invasões a antigos engenhos e agressões aos seus proprietários e familiares, assassinatos

de antigos feitores, arrombamentos a casas comerciais, casa de farinha, roubo de gado, e

etc. 166

Durante o cativeiro, furtos, roubos e desvios da produção eram vistos como algo

legítimo para os escravos, como uma espécie de direito pelo seu trabalho. 167

No

cotidiano das casas-grandes era corriqueiro, alguns escravos cometerem pequenos

furtos, sendo frequentemente acusados de desobediência. Os escravos sergipanos não

eram exceção. Encontramos nas cartas de Adolphine Scharmm, relatos sobre pequenos

furtos cometidos pelos seus escravos domésticos, contando a mesma que só se sentiu

tranquila com o serviço escravo, após a chegada de duas empregadas “brancas” vindo

de sua terra natal (a Alemanha), as quais coordenariam os trabalhos dos escravos

domésticos, pois, para ela as “populações de cor” possuíam caráter sempre duvidoso,

mesmo quando estes eram considerados como bons serviçais. Observemos sua

narrativa:

Agora me sinto segura com os trabalhos das pretas e das mulatas, a minha

felicidade de contar com duas empregadas alemãs (...). Madame Winter tem

uma babá de quinze anos, especialmente cuidadosa para os padrões locais.

Com cabelos lisos e cacheados, uma mistura de índio com mulatos. Porém

masca tabaco, cospe no chão, rouba cigarros para fumar escondido e é

extravagante. Madame Winter tem fortes suspeitas que já surrupiou muitas

velas, rendas e dinheiro... Temos sorte com os nossos escravos, roubar e

mentir é óbvio todos eles o fazem, em nossa casa, contundo, nunca o são

espancados. 168

A tranquilidade da senhora Scharmm, se baseava na confiança de que as

empregadas “brancas” não cultivavam os “maus hábitos” da população negra, mesmo

166

APES, ver Sp9, pacotilhas, 05, 12, 15 e 16 – Processos crimes e auto de denúncias. 167

MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. Crime e escravidão. Crime, luta e resistência nas

lavouras paulistas 1830-1888. São Paulo, Brasiliense, 1987. 168

SCHRAMM, Cartas de Maruim, 1991, p.15-32.

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que em posição subalterna. Com a abolição, essas corriqueiras ações de “gatunagem” 169

praticados pelas “populações de cor” continuaram, mas, com outra significação além do

acumulo de pecúlio ou satisfação, passaram a ser percebida pelos libertos como uma

forma de compensação por todo o tempo que trabalharam na condição de cativos,

usurpados dos seus direitos a renumeração. Para Silvia Hunold Lara, a experiência

escrava certamente moldou as relações e reivindicações dos libertos após a abolição. 170

O recrutamento de ex-escravos para compor o quadro de soldados do Corpo

Policial após a abolição foi uma das medidas adotadas pelo governo Provincial,

objetivando resolver os conflitos gerados principalmente pela escassez de soldados e o

aumento de solicitações para policiamento em função da desorganização do trabalho.

Diversas correspondências entre os chefes de polícia tanto da capital, quanto do interior,

embasam nossas argumentações. Da delegacia de Itabaiana, em 12 de janeiro 1889,

Antônio Araújo Lobos envia correspondência a Licurgo de Albuquerque chefe de

polícia de Sergipe: “Ponho a disposição de V. Ex.ª os recrutas de nomes Elias de tal e

Victor de tal, verdadeiros vagabundos, turbulentos, que anteriormente quis o primeiro

assassinar sua ex-senhores. A vista disso os considero bastante aptos para o serviço”. 171

Delegacia de polícia de Simão Dias, em 7 de janeiro de 1889, Antônio Joaquim da

Motta envia correspondência a mesmo delegado:

Seguiram devidamente escoltados para serem apresentados a V. senhoria os

recrutas Balbiano de tal, conhecido por Balbiano Piancó, Severino de tal e

Honório de tal, ex-escravos, os quais tendo sido recrutados na noite do dia 2

do corrente mês, não apresentaram documentos que os isentasse do serviço

do exército não obstante se haver esgotado o prazo de 48 horas que foi

concedida a cada um dos mesmos recrutas, os quais são todos aptos para o

serviço, acrescentando que todos eles não se dão a ocupação devida, sendo

todos desordeiros e provocadores de conflito. 172

Como podemos observar o recrutamento dos ex-escravos, nesse contexto, ocorre

em função dos mesmos serem considerados como vadios, sem ocupação e desordeiros.

Dentre outros documentos, achamos entre as correspondências policiais, a carta de

solicitação de alistamento voluntario do “preto”, Higino Pereira da Silva, que sai

diretamente da prisão, após ter cumprido pena, para o alistamento no 26º batalhão a fim

de ser integrado ao corpo de praças da polícia provincial. Na Correspondência consta,

169

Sobre a gatunagem dos escravos em anúncios de jornais sergipanos consultar: MOTT, Ob. Cit. 2008.

p. 95 a 118. 170

LARA, Silva Hunold. Escravidão, Cidadania e História do trabalho no Brasil. Projeto História, 16

(1998). p. 36 171

APES, Sp1 – Correspondência Recebida - Cx 05, vol. 10. 172

Ibid., APES, Cx 05, vol. 10.

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Ilustríssimo Senhor Chefe de policia,

Higino Pereira da Silva, preto, preso pobre, recolhido a cadeia pública dessa

capital, achando preso por ordem de V. Ex. desde o dia 10 de maio do

corrente ano, vindo recrutado da Vila de São Paulo, recrutado pelo alferes

delegado de polícia, João R. de Mendonça, vem muito respeitosamente

mandar alistar o suplicante como soldado do corpo de polícia do Estado, a

fim de ser de V. Ex. um soldado fiel e criado.

Nestes termos pede deferimento. Cadeia publica da capital, 27 de setembro

de 1896. Manoel Costa dos Santos. 173

Talvez para Higino, o atendimento de sua solicitação representasse um passe

para a ascensão social. Entretanto, ao encaminhar o requerimento do recrutamento

voluntário do ex-detento, o delegado não observou atentamente e/ou ignorou o

regulamento da força pública que versava sobre os requisitos necessários para o

exercício da atividade: “ser brasileiro, maior de dezoito anos e menor que quarenta com

a precisa robustez verificada em rigorosa inspeção de saúde e provada moralidade”.174

A boa moralidade nesse caso, foi subjugada, talvez fosse melhor mantê-lo na lei do que

contra ela, visto que o recruta já tinha outras passagens pela polícia.

O recrutamento de tais “desordeiros e vadios”, ao certo, fazia parte de um jogo

de interesses tanto do chefe da polícia local quanto da força pública em geral.

Certamente, o que motivava os delegados municipais a encaminharem esses cidadãos ao

Secretário de segurança do Estado, não estava pautado somente na boa intenção de

inserir esses novos cidadãos no seio social, era também uma forma de livrar-se dessa

parcela da população, geralmente composta de pobres pretos, que incomodava a

população branca, rica e inconformada com a abolição.

O recrutamento de libertos era uma boa alternativa para sanar dois

problemas de uma só vez: inibir a vadiagem e uma forma eficiente de aumentar o

alistamento obrigatório que vigorava desde a lei de nº 2453 de 24 de setembro de 1874,

mas, conforme os relatos do presidente Manoel de Araújo Góes vinha sendo

constantemente negligenciados pelas autoridades policiais. 175

Conforme o relatório do Presidente da província Theophilo Fernandes dos

Santos, apontou-se a necessidade de aparelhar a polícia, que desde 1880, carecia de

173

APES, Sp1 - Correspondência Recebida, pac. 491. 174

APES, Leis e Decreto, cx 07– Regulamento da Força Pública. Imprensa Oficial, 1896. Capítulo II, art.

5, § 2. p. 4. 175

APES, Falas do Dr. Manoel de Araújo Góes. 1ª sessão da 27 Legislatura em 15 de fevereiro de 1886. p

26.

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melhorias na organização e principalmente, no aumento dos funcionários, o chefe de

polícia Francisco da Costa Ramos relatou: “O serviço policial está reduzido a cento e

cinquenta praças, e é de primeira intuição não ser possível com tão diminuto quadro,

policiar toda Província”.176

Certamente tal intuição em insuficiência do policialmente,

foi balizada pelas agitações sociais que nos anos iniciais da década de 80, já

representava ameaças pelo crescente movimento abolicionista e pelas constantes fugas

quilombolas.

Desde a vigência do Ato Adicional (1834) que a polícia vinha acumulando

diversos serviços ao nível municipal. Dentre estes, sem dúvida, o que mais ocupava as

milícias locais era coibir qualquer movimento insubordinado que pudesse alterar

tenazmente a ordem pública e privado. Neste sentido, as décadas de 1870 e 1880,

segundo Igor Fonseca, impuseram grandes desafios a essa instituição devido aos muitos

atos impetrados pelos escravos fujões. Em Sergipe, os quilombos estariam no centro das

discussões sobre a falta de segurança pública e privada, e destruir tais movimentos para

as autoridades policiais era imperativo. 177

Em 1888, o quadro do corpo policial contava com o dobro do número de praças,

ainda assim, o contingente era insuficiente para suprir as demandas que se amontoavam

com a abolição. Além de esta em baixa, o quadro policial também se encontrava

sucateado, como observamos através dos relatos do então chefe de polícia: “Contamos

com 375 praças, número insuficiente para atender todas as exigências do serviço

policial, espalhado pela província, e a que fica na capital não satisfaz as necessidades,

além de fardamentos precários”. 178

Contando com número de soldados reduzido para

suprir as demandas e para o devido policiamento, o recrutamento de ex-escravos,

considerados como desordeiros e vadios foi providencial.

Cruzando os dados dos relatórios dos delegados de polícia municipais em anexo

aos Relatórios dos presidentes da província entre os anos de 1880 a 1910, foi possível

avaliarmos a situação do quadro de soldados do corpo policial e realizarmos uma

estatística do número de praças entre as décadas de 80 e 90, o que inferimos ser bastante

ínfimo para suprir o policiamento e todas as demandas da capital e do interior.

176

Falas do chefe de polícia Francisco da Costa Ramos. Relatório do presidente da Província do Dr.

Theophilo Fernandes dos Santos 1880, Anexos, p. 7. 177

OLIVEIRA, “os negros dos matos”, 2010, p. 50. 178

APES, cx 05, vol. 09. Chefe de policia interino Antônio Victor de Sá Barreto ao coronel Manoel P.

Oliveira Valadão. Em 20 de agosto de 1895.

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TABELA 6 – Quadro do Corpo policial de Sergipe 1880 – 1910.

FONTE: Relatórios dos Presidentes da Província de Sergipe de 1880 – 1910.

Conforme podemos observar nos dados da tabela acima, o ano de 1880

apresentou o menor índice no número de soldados, assim como em 1900, tais números,

ainda que insuficientes, foram justificados, devido ao baixo orçamento público. 179

Após

a abolição o quadro policial em Sergipe sofreu alterações. Entre os anos de 1880 a 1888,

o número de soldados duplicou e, e 1896 o número de soldados alcançou o maior índice

do período analisado. Entre os anos de 1896 – 1900, o corpo policial sofreu drástica

redução em função da crise das finanças públicas e conforme relatório do Presidente da

Província de 1900, o número de soldados foi novamente reduzido na tentativa de conter

os gastos do orçamento público.

Ciente da carência do número de soldados para o devido policiamento tanto na

capital, quanto no interior, o presidente Theophilo Fernandes dos Santos enfatiza que

para suprir tais demandas, havia permitido a contratação de apenados, ou seja, réus

condenados a cumprirem suas penas na prestação de serviços público, o que significava

mão de obra não remunerada. Entretanto, com a abolição o aumento do quadro policial

passou a ser constantemente solicitado tanto na capital quanto no interior, o que forçava

os delegados municipais, a requisitarem constantemente a Secretária de segurança

pública o aumento do número de soldados.

Pelo decreto de nº 420 de 29 de dezembro do ano findo, reduzi o corpo

policial a 282 praças e 15 oficiais. Dispensei os oficiais e praças excedentes

desse plano. Não é suficiente o número de praças para o serviço da capital e

do interior, atenta a necessidade de manter destacamento em todas as

localidades. Para suprir a falta de praças, tenho mandado contratar apenados.

Não proponho aumento de força, porque não me animo a fazer qualquer

179

IHGS, Relatório do Presidente da Província Theophilo Fernandes dos Santos em 01 de março de 1880.

p 10.

QUADRO POLICIAL 188O - 1910

150 158

225201

282 298270

410

500

282

392 398 389375

So

lda

do

s

1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1888 1895 1896 1900 1903 1904 1910

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despesa adiável, nas atuais circunstâncias em que ainda não estão

equilibradas a receita e as despesas. 180

Muito antes da abolição, as fragilidades das forças policiais eram conhecidas por

todos, embora, imperasse uma dissimulada parcimônia em relação à ordem pública

frequente nos relatórios dos presidentes provinciais. 181

Oliveira, ao analisar a atuação

da Guarda Nacional na captura de quilombolas em Sergipe, aponta que tais marchas

dispendiam grande número de recrutas, que adentravam as matas durantes dias,

tornando os trabalhos bastante desgastantes. As dificuldades dessas diligências faziam

com que os soldados da Guarda Nacional invariavelmente se recusassem a participar

das capturas “alegando perigo” de vida, passando essa instituição ao descredito da

população. 182

No relatório do presidente Francisco José Cardoso Júnior de 1871, consta que a

Guarda Nacional, era uma instituição completamente falida, só existindo nominalmente,

e que, até mesmo na capital – onde ficava estacionada – nenhum serviço digno

prestava.183

Em 1873, o então presidente Cypriano de Almeida Sebrão repudiava a falta

de disciplina da corporação lamentando o fato da “briosa e valente Guarda Nacional de

Sergipe, cujos importantes serviços foram provados nos campos do Paraguai”, não

possuir a “instrução compatível” e a “disciplina” de onde tirava “o guarda nacional sua

força, respeito e admiração dos seus cidadãos”. 184

180

IHGS, CD – 004 SISDOC – 002. Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa de Sergipe pelo

Monsenhor Olympio Campos em sete de setembro de 1900. p 16. 181

Analisamos os relatórios dos Presidentes da Província entre os anos de 1880 a 1910, sem exceções,

reproduzia-se a frase “conserva-se sem alteração a ordem e a tranquilidade pública” mesmo nos anos

posteriores à abolição os relatos dos chefes de policia e delegados municipais pediam constantemente

reforços policiais, aparelhamento e aumento do corpo de praças. Mata Iacy, Os treze de maio, ex-

senhores, libertos e a polícia na Bahia pós-abolição (1888-1889). Dissertação de Mestrado, UFBA,

2002.p. 66. Colabora para compreensão da atuação da polícia na Bahia nos anos seguintes à abolição. 182

OLIVEIRA, “os negros dos matos”, 2010, p. 50. 183

IHGS, CD – 004 SISDOC – 002. Relatório com que o Exmo. Senhor Tenente Coronel Francisco José

Cardoso Junior abriu a 2° sessão da 20° legislatura da Assembleia Provincial de Sergipe no dia 3 de

março de 1871, p. 30. 184

IHGS, CD – 004 SISDOC – 002. Relatório com que o Exmo. Senhor Doutor Cypriano d'Almeida

Sebrão, 1° vice-presidente, abriu a Assembleia Legislativa Provincial de Sergipe no dia 1° de março de

1873, p. 16. Segundo Adilson Almeida, desde o ano de 1873, ou seja, após a segunda reforma da

Instituição, que a Guarda Nacional passou a vivenciar um processo de enfraquecimento, tanto político

como militarmente. “Sua atuação cotidiana, procedimento ao menos formalmente mantido até então, foi

suspenso, estabelecendo-se que seus componentes só se reuniriam para serviços militares, e mesmo

administrativos, quando convocados pelo governo. Foi também neste período, que a Guarda Nacional

perderia o prestígio que ostentava até a Guerra do Paraguai, realidade que se agravaria com a instalação

do Regime Republicano, em 1889. “Uniformes da Guarda Nacional”, 1831-1852. Neste sentido, ver:

ALMEIDA, Adilson José de. A indumentária na organização e funcionamento de uma associação

armada”, Anais do Museu Paulista, Universidade de São Paulo, vol. 8/9, n° 9, 2000/2001, p. 80.

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A abolição colocou na ordem do dia, as necessidades de reformas na polícia.

Para Iacy Maia Mata, nesse momento de reordenação, onde a organização social se

estruturava em novas bases, cujas antigas hierarquias haviam sido varridas com a

aprovação da lei da abolição, a polícia ocupou um papel fundamental: “A polícia tão

desprivilegiada nos anos anteriores à abolição, não por acaso, voltou com força às

agendas dos debates políticos e aos jornais”. 185

Para os delegados municipais, nos anos

seguintes à abolição, as reformas eram imprescindíveis, principalmente, no que diz

respeito aos salários, armamentos e fardamentos dos praças. Como se observa,

Secretaria de Polícia

O bem público, os interesses da justiça e a conveniência do serviço estão a

exigir reformas do corpo de polícia. Dentre os quais a de indeclinável

necessidade do argumento da força. Não me deteria em pedir ao corpo

legislativo a decretação da lei que aumentasse o pessoal da polícia do Estado,

ao mesmo tempo, melhorasse as condições dos oficiais e praças, (grifo

nosso) fazendo retribuir os seus valiosos serviços de modo até mais

compatível com a decência a que são obrigados e as dificuldades oriundas da

crise financeira que atravessam todas as classes subjugadas pela excessiva

carestia da vida. 186

Diante das necessidades de melhoria, José Joaquim Pereira Lobo, vice-

presidente, ao passar a administração de Sergipe ao presidente eleito, Martinho César da

Silveira Garcez, em 1896, faz questão de frisar que as mudanças mais urgentes

deveriam começar por melhorias salariais do quadro pessoal dos policiais. É importante

considerar que o serviço policial em Sergipe, não era bem remunerado e não desfrutava

de privilégios, os soldos mensais dos soldados correspondiam em 24$000 contos de réis

mensais em 1891, e 45$000 contos de réis mensais em 1906, 187

valores relativamente

baixos se comparados a outras profissões, tal como trabalhadores rurais, que ganhavam

entre 45$000 a 60$000 contos de réis mensais 188

e menores ainda se comparados aos

salários de carpinteiros 75$00 a 90$000 contos de réis mensais, o dobro do valor dos

salários dos soldados.

185

MATA Iacy Maia. Os treze de maio, 2002. p. 67. 186

APES, cx 05, vol. 05. Relatório apresentado por Dr. José Joaquim Pereira Lobo vice-presidente ao

passar a administração do Estado de Sergipe ao presidente eleito Dr. Martinho César da Silveira Garcez

em 1896. 187

APES, Leis e Decreto, cx 07. Regulamentos da Força Pública. Imprensa Oficial, 1891 a 1906. 188

IHGS, acervo sergipano, cx 3690. Questionário sobre as condições da agricultura nos municípios do

Estado de Sergipe. Rio de Janeiro, Typogaphia do serviço de estatísticas. 1913. Os valores são referentes

aos dados sobre salários nos municípios do Cotinguiba, os questionários foram realizados entre os anos

1909 a 1912.

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Conforme relatório do chefe de polícia provincial, os soldados, apesar de

fazerem parte do quadro administrativo do funcionalismo público, que nesse período

gozam de “alguns privilégios”, além de mal remunerados e desprovidos de materiais

necessários para o trabalho, eram constantemente lesados. Em 1895, os praças, foram

os únicos não beneficiados pelo governo provincial com melhorias salariais,

Os vencimentos designados para cada um dos praças, porém, penso serem

demasiadamente exíguos. Peço-vos, assim, soliciteis, por serem eles os

únicos empregados que não foram contemplados, quando se beneficiou a

condição geral dos funcionários públicos. 189

A exclusão do benefício dos soldados não foi por mero acaso. O corpo de polícia

era composto em sua grande maioria pela população pobre e de cor, 190

o que despertava

insegurança também quanto à moral e a eficiência dos serviços prestados por esses

cidadãos.191

Em Sergipe, muitos “desordeiros” foram recrutados após a abolição, na

tentativa de submeter os libertos ao trabalho compulsório. Para os ex-senhores, tais

medidas possuíam a intenção de direcionar as “populações de cor” ao caminho que mais

dignificava o homem - o trabalho.

Segundo Iacy Maia Mata, a atuação das forças policiais na segunda metade do

século XIX, caracterizou-se na ambiguidade no trato existente entre senhores e

escravos. A abolição marcou o fim do caráter ambíguo das forças policiais. Se no

período imediato, posterior à aprovação da lei, a polícia agiu no sentido de impedir que

os libertos fossem alvo de violência por parte dos ex-senhores, nos anos seguintes à

abolição, o recrutamento dos libertos serviu como auxílio, para serenar as constantes

reivindicações por parte dos proprietários rurais, que julgavam ser vadiagem dos

libertos, toda forma de trabalho que não fosse o trabalho da lavoura.

No bojo dessas transformações no campo do trabalho é que tentaremos no

capítulo a seguir recompor as tensões em Sergipe, que permeavam as múltiplas relações

de inserção da “população de cor” no mundo do trabalho livre, colocando em foco, a

disseminação dos discursos de repressão à vadiagem na reorganização do trabalho na

pós-emancipação.

189

APES, cx 05, vol. 09. Chefe de policia interino Antônio Victor de Sá Barreto ao Coronel Manoel P.

Oliveira Valadão. Em 20 de agosto de 1895. 190

Sobre o perfil dos recrutas brasileiros, consultar KRAAY, Hendrik. “‟O abrigo da farda: o Exército

brasileiro e os escravos fugidos, 1800-1880”, Revista Áfro-Ásia, n° 17, 1996, pp. 29-56. 191

Wlamyra Albuquerque, ao analisar as peculiaridades do corpo policial na Bahia, infere que, na

perspectiva dos políticos conservadores e dos proprietários rurais, a polícia deveria ser capaz de

empreender uma política de coerção e vigilância das atividades que envolviam a “população de cor”. Ob.

Cit. 2009, p. 110-111.

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2. 4 “Dê instrução ao negro submisso e estúpido e ele tornar-se-á cidadão”: a

educação como medida de “civilizar” os libertos.

Essa ignorância que lavra como uma chaga, esse analfabetismo que ergue o

colo como uma hidra, explicam o atraso de Sergipe, em todos os ramos da

sua vida social e política, dão a razão de ser esse ódio que se apoderou dos

corações, e que separam os ânimos em manifestações de intolerância que

plantam a desconfiança em todos e em tudo. 192

Durante todo processo de abolição no Brasil, os debates em torno das leis

emancipacionistas giravam basicamente em volta da autonomia dos libertos e em sua

capacidade de gerirem suas próprias vidas após a emancipação. Antes de qualquer coisa,

o ex-escravo deveria pautar sua liberdade pelo trabalho, como vimos, em Sergipe esse

processo não foi diferente. A regulação do reordenamento do trabalho devia dar

continuidade principalmente aos trabalhos da lavoura, pois, na mentalidade dos antigos

senhores, somente a produção agrícola asseguraria a continuidade da prosperidade tanto

particular, quanto pública. Esperava-se dos libertos a “lealdade” que preservaria as

antigas relações paternalistas e que o mesmo continuasse a trabalhar para seus antigos

senhores. 193

Era preciso disciplinar a mão-de-obra livre, tendo em vista as novas relações de

cidadania que se abriria com o fim da escravidão. Para os escravocratas, acostumados

com as relações de “liberdade tutelada” pela proteção “paternalista”, a liberdade

incondicional dos ex-escravos representava uma situação de desamparo, pois o negro

não estava preparado para agir socialmente igual ao branco. 194

Sobre este aspecto, a

proteção se traduzia em diversos signos coercitivos, como controle e restrição ao uso da

liberdade e formas de medidas disciplinares que compelissem os libertos ao trabalho,

preferencialmente ao trabalho agrícola.

Era preciso descobrir outros meios de exercer o controle e a dominação sobre

essa população. Frustradas as expectativas quanto à recompensa e a “generosidade” de

última hora, seria preciso acionar novos recursos de poder. Esses atos de generosidades,

que transformavam os senhores de engenho em “abolicionistas de última hora” visavam

192

Homero de Oliveira, Revista Agrícola, nº 5, de 15/03/1905. p. 451. 193

MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. A lei de 1885 e os caminhos da liberdade. Dissertação de

mestrado, UNICAMP, 1995. p. 41-42 194

Ibid,1995, p. 43. Sobre o declínio do paternalismo pós-1871, ver CHALHOUB, Visões da Liberdade, 1990.

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converter a imagem do Senhor em benfeitor, quando fosse de fato extinta a escravidão

que, como já era do conhecimento das elites, não demoraria muito a acontecer.

Muitos foram os casos de adesão ao abolicionismo nos últimos anos da

escravidão. Em Sergipe, o Deputado Coelho e Campos, talvez pressionado pelos

conterrâneos, justifica seu posicionamento a favor da emancipação; na visão dele, era

questão apenas de tempo para que a abolição fosse fato consumado. Seu voto a favor da

lei abolicionista objetivava contribuir para o restabelecimento da ordem pública e do

trabalho, em função disto o mesmo relata que se posicionou a favor da liberdade no

calor dos acontecimentos: “não pretendo glória, que não me compete. Fui abolicionista

de undécima hora”. 195

As alforrias coletivas também foram um dos recursos muito

utilizado pelos senhores de engenho quando souberam da irreversibilidade da abolição.

Tais atos eram realizados solenemente ganhando notoriedade pública ao serem

noticiados pela imprensa como “atos generoso e humanitário”. 196 Essa alternativa foi a

principal estratégia dos proprietários rurais às vésperas da abolição, que almejavam

tentar preservar a continuidade das relações de submissão dos libertos, muitos

acreditavam que se adiantassem a alforria de seus escravos, conquistariam a gratidão e

sujeição dos seus cativos. 197

Em determinadas regiões do país, assim como em Sergipe, após o 13 de maio,

adotou-se a medida de coerção policial pelos discursos como forma de conter a suposta

desordem e a vadiagem dos libertos. Outro recuso utilizado, foi à “coerção moral” que

consistia no discurso formar e disciplinar o liberto através das escolas agrícolas para a

vida em liberdade, perpassando a imagem de que o liberto era despreparado para viver

como cidadão livre. A figura do liberto associado à vadiagem surgiu nesse contexto,

como aquele que confundia liberdade com ociosidade. 198

Mesmo antes da abolição, abolicionistas defendiam a instrução dos libertos,

pois, a educação era vista como o caminho mais apropriado para preparar os ex-

escravos para viver em liberdade. Jacó Souza aponta que no Recôncavo baiano, após a

195

IHGS, CD – 004 SISDOC – 002. Falas de Coelho e Campos, Anais da Câmara no Senado, Sessão de

02/07/1888. p. 461. 196

FRAGA FILHO, Encruzilhadas da liberdade, 2006. p.117. 197

Lilia Moritz também aponta que em São Paulo, vários jornais publicaram notas de engrandecimento

aos senhores de engenhos, que concediam alforrias em massa a seus escravos. Para essa autora, assim

com para Walter Fraga, a intenção era assegurar a continuidade dos trabalhadores nas suas fazendas. Ver,

SCHAWRCZ, Quase cidadão, 2007. p.27. 198

Essa estratégia de “moldar” a imagem do liberto com despreparado para a vida e o trabalho livre,

também foi notado e analisado pela autora Hebe Castro nos jornais do sudoeste Brasileiro. C.f. CASTRO,

Das Cores do Silêncio, 1998.p. 315.

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abolição, os jornais cachoeiranos defendiam a instrução como forma de inserção dos

libertos na sociedade.

A instrução defendida pela gazeta não estava limitada ao aprendizado da

escrita e leitura, mas tinha uma conotação moral e normatizadora da vida em

liberdade. Buscava-se construir o perfil do homem livre apoiado na ideia de

sobriedade e devotamento ao trabalho. 199

Embora não mensuramos se realmente alguma medida nesse sentido foi adotada

em escala nacional, muitos eram os intelectuais brasileiros que defendiam a educação

para escravos e libertos. Entre outros, o Conselheiro Rebouças, que esteve por Sergipe

no início do século XIX,200

defendia que a instrução deveria ser oferecida aos ex-

escravos como forma de livrarem-se dos “defeitos morais resultados da longa vivência

da escravidão”. O Conselheiro também defendia a democratização do acesso ao ensino

como caminho efetivo para a emancipação social, através do engajamento em

organizações civis que se comprometia a promovê-la, como a Sociedade dos Amantes

da Instrução e a Maçonaria. 201

O debate suscitado por Rebouças surgiu no contexto de

discussão sobre os direitos civis e políticos dos libertos no tocante às ambiguidades da

constituição, no que se refere aos direitos políticos dos “ingênuos”. Para Rebouças, uma

vez liberto, o ex-escravo nascido no Brasil, automaticamente, tornava-se cidadão

brasileiro com todas as suas prerrogativas civis e políticas. 202

Comungando com as ideias abolicionistas disseminadas por todo o país, em

Sergipe, o abolicionista Francisco José Alves, fundou em 1881 na capital a Associação

Libertadora cabana do Pai Thomaz, abriu nessa Associação, salas de aulas que eram

ministradas por sua filha Maria dos Prazeres Siqueira Alves, professora formada e

poetisa, e por sua sobrinha, Etelvina Amália, com o intuito de promover a instrução de

ingênuos, anos antes da abolição, desde que os mesmos fossem filhos de libertos. 203

199

SOUZA, Vozes da abolição, 2010, p. 135. 200

Antônio Pereira Rebouças, provisionado para advogar na Bahia em 1821, envolveu-se diretamente nas

lutas de independência, recebendo o titulo de cavaleiro da Ordem do Cruzeiro, em 1823, sendo nomeado

Secretário da Província de Sergipe em 1824. Sobre suas Recordações do tempo que viveu em Sergipe,

Rebouças destaca que não era bem quisto pelos seus inimigos políticos, que o chamavam de “miserável

neto da rainha Jinga”, numa alusão a rainha africana que se destacou no processo de ocupação portuguesa

em Angola. MATOS, Escravidão e cidadania no Brasil Monárquico, 2004. p.56-57. 201

Ver, PESSANHA, Andréa Santos da Silva. Da abolição da escravatura a abolição da miséria: a vida e

as ideias de André Rebouças. Rio de janeiro: Quartet; Belford Roxo: UNIABEU, 2005. p. 135; MATOS,

Escravidão e cidadania no Brasil Monárquico. 2004. p.57-57. 202

MATOS, Escravidão e cidadania no Brasil Monárquico, 2004. p. 43. 203

Sobre a biografia e militância de Francisco José Alves em Sergipe consultar, SANTOS, Maria Nely. A

sociedade libertadora: “Cabana do Pai Thomaz”, Francisco José Alves, uma história de vida e outras

histórias. Aracaju: Gráfica J. Andrade, 1997. p 105; e FIGUERÔA, Meirevandra Soares. “’Matéria

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Para José Alves, de nada adiantava ajudar os escravos a adquirirem a liberdade, se não

lhes fossem garantido viver em igualdade. Percebe-se através de suas palavras:

A instrução é a base em que se firma a liberdade. Promovendo eu a liberdade

do mísero escravo, nessa Província, não posso esquecer-me da educação de

seus filhos; por essa razão resolvi abrir uma sala de aula de ensino primário,

em casa da minha residência, na rua Capela, para ensinar aos ingênuos de

ambos os sexos, cujas mães já gozem de sua liberdade. 204

Distante das boas intenções do abolicionista José Alves, após a abolição, muitos

ex-senhores adotaram o discurso de que era preciso civilizar o liberto, como forma de

garantir, através desse meio, trazerem os negros para a “civilização” com ordem e

tutela. 205

Assim, em vários engenhos sergipanos foram fundadas as Escolas Agrícolas,

que servia tanto para instruir os libertos e dessa forma prepará-lo a vida em igualdade,

quanto para o aprimoramento do ensino do trabalho agrícola.

Periódico representante das classes elitistas do estado, a Revista Agrícola, se

tornou a principal disseminadora das ideias da utilização do ensino agrícola como

recurso disciplinador do para os libertos, intencionando também educá-lo ao trabalho. A

revista incentiva os proprietários rurais sergipanos a criarem as escolas agrícolas em

seus engenhos, como meio de “civilizar” os libertos, apresentando-lhe as luzes do ABC.

Costa Filho, articulista da revista, enobrece a Escola de Primeiras Letras da Usina

Escurial, pertencente à família Rollemberg, como forma exemplar de “preparar” o

liberto tanto para a vida em liberdade quanto para o trabalho. Conforme documentado

no artigo:

Ainda um apreciável e belo exemplo se impõe ao espírito observador que

tenha a dita de visitar a modelar propriedade agrícola sergipana: é o bom

exemplo da educação que ali se cultiva a todo propósito. Sempre com a

mesma irrevogável superioridade administrativa, a mesma severidade,

(grifo nosso) simpatia e serena, a mesma dedicação abnegada a tudo que é

útil e digno, o generoso e ilustre Coronel Adolpho Rollemberg cura sem

tréguas de estender o mais possível à educação das pessoas e das coisas

(grifo nosso) que vivem sob seu mais pacífico e liberal domínio. Este

exemplo inestimável, bem podia servir de norma a tantos ricos senhores de

engenho, que nunca se lembram de que, no silêncio deletério das senzalas,

também existem almas que tem sede das luminosas letras do ABC. Eduque-

se as senzalas e elas se tornarão cidades; dê instrução ao negro submisso

e estúpido que vegeta sobre as bagaceiras imundas e ele tornar-se-á

cidadão (grifo nosso) e viverá a vida intensa e brilhante da sociedade

odienta. Está resolvido o nefando problema da escravatura odienta, agora

livre... espírito livre para pensar’: um estudo das práticas abolicionistas em prol da instrução e educação

de ingênuos na capital da província sergipana (1881-1884)”. Dissertação de Mestrado. São Cristóvão,

UFS, 2007. 204

. BEPD, Jornal O libertador 14/12/1882. p 2. 205

SCHAWRCZ, Quase cidadão, 2007. p. 29.

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falta resolver outro problema não menos importante: o da educação relativa

d‟esses desventurados seres de cor preta, que também são humanos e também

possuem um espírito e um cérebro. É preciso educá-los. 206

O artigo, óbvio, serviu dentre outros aspectos, para enaltecer a imagem de

benfeitor do Coronel Rollemberg na sociedade sergipana. O articulista buscava dar

notoriedade a nobre ação do Coronel, o que nos leva a inferir, talvez essa fosse a

principal intenção do artigo. Narrando as características da situação deplorável em que

se encontravam as “população de cor” após a abolição, o articulista nos leva a penetrar

os meandros da vida dessas pessoas nos anos posteriores à emancipação. Na primeira

estrofe, ele fala da exemplar administração do Engenho Escurial que geria: “sempre

com a mesma irrevogável superioridade administrativa, a mesma severidade”. O que o

articulista não percebeu, ou se utilizou desse recurso propositalmente, foi representar

que embora a atitude em torno da criação da escola seja louvável, a administração do

engenho e as relações sociais e de trabalho ainda estavam atreladas à “superioridade” e

“severidade” de outrora.

As palavras do articulista da revista em sua visão enobrecedora, tanto do

engenho Escurial quanto dos representantes da Família Rollemberg, nos instigou a

analisarmos a importância dessa família para a sociedade sergipana. A família Dias

Rollemberg era uma típica representante das elites brasileiras do século XIX. Composta

por membros do baronato sergipano, a riqueza e a posição social foi crescendo à medida

que seus descendentes foram realizando enlaces matrimoniais com membro de sua

própria família ou de baronatos próximos. Adolpho Rollemberg, citado como precursor

da boa moral aos libertos que trabalhavam em suas fazendas, possuía parentesco com a

já citada D. Sinhá, cujo marido Gonçalinho era estimado pelos escravos.

206

Revista Agrícola nº 75, de 01/02/1908. p. 716.

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GENEALOGIA DA FAMÍLIA DIAS ROLLEMBERG

FIGURA 1: Genealogia da família Dias Rollemberg até a 3ª geração.

FONTE: IHGS, Genealogia da Família Rollemberg, Cx 41. 207

Com a morte do Barão de Estância em 1904, foi legado a seu neto, Adolpho de

Faro Rollemberg, filho de Amélia e José de Faro, como vimos, o engenho Escurial,

cabendo-lhe a responsabilidade de manutenção de uma propriedade que já figurava

como uma das mais eficazes e modernas no fabrico do açúcar. Adolpho estudou

humanidades na Bahia e fez curso preparatório no Rio de Janeiro, mas, retornou a

Sergipe para assumir o engenho, o qual tratou logo de modernizar, convertendo-o em

meia usina, em 1903, e, posteriormente, em uma usina completa, em 1909, adquirida na

207

IHGS, Genealogia da Família Rollemberg, cx 41. Genealogia e descendência de Aurélia Rollemberg,

cx 025-026; Descendência do Barão de Japaratuba, cx 026, nº 058; Descendência do Barão de Itaporanga,

cx 028. Bisnetos do Barão de Estância, cx 026, nº 027.

Aurélia Dias Rollemberg

Gonçalo de Faro Rolemberg (Neto Barão de Japaratuba

Antônio Dias Coelho e Melo (Barão de Estância)

Lourença Dantas de Mello (1ª Esposa) Lourença de Almeida Dias Mello (2ªEsposa)

Amélia Dias

Rollemberg

Pedro Dantas de Mello

Aurélia Dias Rollemberg (D.

sinhá) Anna Dias Bittencourt

Anna Dias Bittencourt

José Correia Bittencourt

Amélia Dias Rollemberg

José de Faro Rollemberg

Não consta

Adolpho

Rollemberg

Natalia Bittencourt

Ester Bittencourt

Não consta

Pedro Dantas de Mello

Amélia Dias Rollemberg

Amélia Dias Rollemberg

José de Faro Rollemberg (Filho do

Barão de Japaratuba)

Adolpho de Faro

Rollemberg

Pedro Dantas de Mello Anna Luiza Botto Dias

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Inglaterra. Logo as inovações administrativas o qualificaram como um dos mais

arrojados empresários sergipanos daquele momento. 208

FOTO 3: Vista parcial da Usina Escurial e dos trabalhadores livres.

FONTE: Acervo Rosa Faria s/d. In: ROCHA, 2004, p. 107.

As figuras a seguir mostram a dimensão da grandeza do Escurial e as

discrepâncias nas habitações das elites e dos trabalhadores livres. Entretanto, o mais

importante nessas ilustrações é perceber que no Escurial as “populações de cor”

possuíam seu espaço demarcado, seja nas devoções, no trabalho ou nas habitações. O

que nos leva a inferir que tais espaços eram importantes para assegurar aos libertos

ambientes de sociabilidade entre seus semelhantes. Pela organização do Escurial e de

seu administrador, o artigo da revista nos leva a instigar que em tais espaços estava

localizada a Escola do Escurial, onde eram ministradas as aulas às populações de cor.

208

ROCHA, Renaldo Ribeiro. O engenho sergipano em sua materialidade: Escurial, um estudo de caso

(1850-1930). (Dissertação de mestrado em geografia), São Cristóvão, 2004.

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FOTO 4:Vista da Casa Grande do Escurial.

FONTE:ROCHA, 2004, p. 105.

FIGURA 5: Vista lateral da Casa dos trabalhadores livres da antiga Usina Escurial.

FONTE: ROCHA, 2004, p. 110.

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FOTOS 6 e 7: Vista Frontal da Capela da casa grande (à esquerda). Vista frontal da Capela da

Senzala (à direita).

FONTE: ROCHA, 2004, p.107.

Recordemos o Engenho Escurial e o Engenho Topo pertencentes à família

Rollemberg, segundo as memórias de D. Sinhá, foi palco em 1888, da evasão de muitos

escravos, apesar da suposta “benevolência” de seus proprietários. E nos momentos

posteriores, a própria D. Sinhá evidencia que para essa “generosa família” restou à

desordem no trabalho e a posterior solidão pelo abandono dos seus empregados. Ela

declarou: “Eu fiquei muito triste e só, pois a casa que tanto desejei foi outra. Fiquei com

duas amas e comecei a lutar com a cozinheira, mas, a minha já não queria empregar-se.

Felizmente Gonçalinho era estimado pelos escravos. Esse ano eu não fui ao Escurial”.

209

Percebemos a dificuldade em manter intactas as relações entre ex-senhores e ex-

escravos, mesmo quando o antigo Senhor era estimado. Enunciado, “esse ano eu não

fui ao Escurial” evidencia a desestruturação das antigas estruturas sociais desse

engenho, nos momentos seguintes à abolição. A família certamente ficou impedida de ir

ao Escurial, onde passavam as férias juntos, porque, assim como o outro engenho da

família, esse tinha ficado com pouco ou quase nenhum elemento servil. Portanto,

notamos no argumento do articulista da Revista Agrícola a tentativa de reproduzir uma

imagem benemérita do Coronel Rollemberg, talvez para destituí-lo da sua antiga

representação, como um severo escravocrata. Lilia Moritz destaca que em São Paulo,

209

ALBURQUERQUE, Memórias de Dona Sinhá, 2005. p. 133.

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notícias das benfeitorias senhorias nos momentos anteriores e posteriores à abolição foi

uma constante. Em maio de 1888, no município de Capivari, o jornal Província de São

Paulo, publicou uma matéria enobrecendo as atitudes do barão de Almeida Lima, que

havia a poucos dias inaugurado uma escola para educação de ingênuos e à noite, pelos

adultos. 210

Segundo essa autora,

Ao noticiar esses fatos, a intenção era ressaltar a dicotomia de lados

absolutamente desiguais. Em uma parte está o barão benfeitor, construtor de

escolas, um libertador em potencial e, sobretudo, aquele que traz civilização

aos “míseros escravos”. Na outra, estão os cativos – elementos por certo

inferiores – que só se assenhorando do conhecimento dos brancos, e portanto

negando o que “era seu”, podiam viver com a libertação. 211

Nos trechos seguintes do artigo, o autor enfatiza que somente pela educação o

negro se tornará efetivamente cidadão, suas palavras estão marcadas pela ambiguidade

nas definições da cidadania dos libertos, visto que, pela Constituição os ex-escravos já

eram cidadãos, mas, para as elites sergipanas faltava-lhes ainda o requisito básico para a

civilização, a educação: “Eduque-se as senzalas e elas se tornarão cidades; dê instrução

aos negros submissos e estúpidos que vegetam sobre as bagaceiras imundas e eles

tornarão cidadãos e viverão a vida intensa e brilhante da sociedade odienta”. É

importante observarmos que, mesmo após a abolição, a representação do mundo das

populações de cor, ainda era marcada pela escravidão, quando o articulista cita as

senzalas o faz em tons críticos, caracterizando que a situação do negro persistia

submersa em desigualdades.

Senzalas-cidades, submissão-cidadão, esses termos utilizados nos abrem um

leque de interpretações sobre as associações que se faziam da vida cotidiana do negro,

frente às mudanças processadas em sua condição civil. O artigo é datado do ano de

1908, duas décadas após a abolição e, mesmo assim, as caracterizações e semelhanças

sobre as “populações de cor” egressas da escravidão ainda estão atreladas à

subalternização dos mesmos. Era no cotidiano das relações que podíamos perceber que,

se a Constituição havia se alterado e todos gozavam do igual direito de cidadãos, no dia-

a-dia reafirmava-se a desigualdade imposta pelas elites, seja pela dominação ou pela

cor.

Na edição seguinte da Revista Agrícola outro artigo sobre a Usina Escurial,

intitulado O produto, versava sobre a qualidade e importância da produção açucareira

210

SCHAWRCZ, Quase cidadão, 2007. p. 28 211

Ibid., 2007, p. 28

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dessa usina. Torna-se interessante correlacionar esses dois artigos que parecem, a

princípio, tratarem de coisas opostas. Buscamos através dessa análise, elucidar a relação

de “coerção moral” implícita no discurso da Revista Agrícola, para a qual a educação

possuía uma finalidade de “doutrinação” para a manutenção dos trabalhos da lavoura.

Nesse artigo, há referência à excelente qualidade do açúcar do Escurial, que para o

articulista é o melhor do Estado. Como consta,

Aqui no Estado, não vejo açúcar que ganhe vantagem sobre o açúcar do

Escurial; tanto que segundo entendo, ele pode ser justamente classificado,

como o rei dos nossos açúcares. (...) Não padece a mais significante dúvida,

que o ilustre Senhor Coronel Adolpho Rollemberg conseguiu estabelecer no

meio da nossa barbaria agrícola uma usina modelo, desde a disciplina

absoluta do pessoal (grifo nosso), que é a princípio a base de tudo, até o

produto, que é o fator, o fim212

.

O artigo explicita que a qualidade de produção açucareira do Escurial só é

possível graças à Usina Modelo implantada pelo Coronel Rollemberg em meio à

barbárie costumeira das produções agrícolas, era a “civilidade” da escola do Escurial,

que garantia a “disciplina absoluta do pessoal” e consequentemente resultava no

excelente açúcar produzido. Era o discurso de “coerção moral”, através da educação,

que garantiria devoção ao trabalho. Para os principais articuladores da “organização do

trabalho” após a abolição, o que estava implícito como pano de fundo, nesse e em vários

outros artigos difundidos pela Revista Agrícola, era que “os fins sempre justificam os

meios”. Entretanto, para as populações de cor, participar dessa educação talvez

possuísse outros significados, as luzes do ABC carregavam as promessas de um

caminho mais iluminado, permitindo o acesso à cidadania e aos direitos civis e

políticos, os quais lhes eram negados, com a prerrogativa de sem educação o negro não

podia fazer parte do mundo civilizado.

212

Revista Agrícola nº 76 de15/02/1908. p. 726.

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91

III – Capítulo

Nas fronteiras da liberdade: a organização do trabalho livre em Sergipe.

As primeiras décadas do regime republicano foram marcadas por agitações

urbanas e por grandes transformações nas relações de trabalho no país. Podemos afirmar

que nessa época se construiu uma nova ideologia do trabalho que tinha como objetivo

uma mudança radical no conceito deste. Verifica-se a partir de então, uma valoração

positiva em que o trabalho formal se transformou no princípio regulador da sociedade.

213

Nesse contexto de tensão e crise econômica, vieram à baila, vários problemas

que encorpavam a lista de reclamações das elites sergipanas e principalmente, dos

proprietários rurais. Com a abolição, os motivos das dificuldades financeiras passaram a

ter cor e nome: trabalhadores livres, pretos e pobres. Proliferam-se queixas e

reivindicações dos ex-senhores sobre a má conduta do liberto e sua propensão natural à

ociosidade e a vadiagem. Pela dificuldade de encontrar uma documentação produzida

por estes sujeitos, que retrate seu cotidiano e suas estratégias de sobrevivência, tendo

em vista que a grande maioria não dominavam os códigos da escrita, nesse capítulo

utilizamos documentação oficial (relatórios dos presidentes da província, processos

crimes, cíveis, atas, códigos de posturas, leis e decretos código rural e registros de

ocorrências), além de jornais e os inúmeros artigos da Revista Agrícola para rastrear as

histórias que envolvem essa população. Essas fontes, embora produzidas em muitos

casos pelas classes elitistas, se constitui documentação crucial para entendermos a

sociedade sergipana nos anos iniciais do século XX.

Por meio de uma leitura a contrapelo das fontes oficiais foi possível evidenciar

as experiências de trabalho das “populações de cor” pobre, sobretudo negra, no período

pós-emancipação em Sergipe. Através do cruzamento de diversas fontes podemos

identificar o comportamento, salários, a luta pela sobrevivência e as condições de vida

dos trabalhadores livres em Sergipe. A prática desses novos enfoques metodológicos

vem se desenvolvendo na atualidade, a partir da contribuição oferecida por vários

autores da nova historiografia social da escravidão214

que através do “filtro” do olhar

213

CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da

belle époque. 2. ed. São Paulo: UNICAMP, 2001. 214

Ob. cit., MATOS, Hebe e LUGÃO, Ana Rios. TOPOI, v. 5, n. 8, Jan.-jun. 2004, pp. 170-198.

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senhorial,215

possibilita abrir caminhos para novas abordagens, identificando novos

personagens e situações vivenciadas pelas pessoas que tiveram suas vidas marcadas pela

escravidão, tendo em vista que estes sujeitos históricos, nas suas diferentes condições

sociais e de trabalho, foram excluídos em muitos aspectos dos espaços de poder.

Este capítulo tem por objetivo compreender como egressos da escravidão e seus

descendentes constituíram suas experiências de vida, luta e trabalho em Sergipe,

buscando garantir condições de cidadania no contexto de formação e consolidação do

Estado republicano brasileiro. Lavradores, jornaleiros, meeiro, carpinteiros, “alugado” e

etc. Foram algumas das principais funções ocupadas pelos ex-escravos e seus

descendentes na tentativa de garantir moradia e sobrevivência em propriedades rurais,

às quais, na maioria das vezes, pertenciam aos ex-senhores de terras e escravos.

Em meio às tensões e negociações que caracterizaram as relações sociais do pós-

abolição, a alternativa de permanecer no trabalho rural, em muitos casos, na própria

fazenda do tempo de cativeiro, tornou-se inevitável tanto para os ex-escravos como para

os ex-senhores que não puderam contar com a substituição da mão-de-obra por

imigrantes, já que, além de garantir a continuidade das atividades nas fazendas,

possibilitava aos novos sujeitos livres, driblar as dificuldades de inserção em outros

espaços de trabalho bem como a ausência de uma política de integração destes no

Estado republicano que se constituía.

É fato que em um primeiro momento, a liberdade possibilitou aos negros o

afastamento do lugar da memória do cativeiro e muitos trabalhadores livres migraram

na tentativa de refazerem suas vidas e acumular pecúlio longe das terras sergipanas,

porém, poucos foram aqueles que conseguiram se colocar em novos espaços, como “um

pedaço de terra próprio”, ou a ocupação de um “ofício” nas vilas e cidades. Portanto,

significativas parcelas de libertos voltaram às fazendas e refizeram as relações de

trabalho, experiências de vida e de luta pela cidadania. Certamente, o fato de Sergipe ter

seu povoamento ligado à existência de médias propriedades senhoriais, favoreceu os

laços de dependência e as práticas de sociabilidades desenvolvidas entre sitiantes,

lavradores, meeiros, jornaleiros, carpinteiros e etc., nas primeiras décadas da

República.216

Nesse contexto de solidariedades e conflitos, debateremos a representação

215

Conforme Hebe Matos e Ana Rios, através da visão senhorial, presente em abundância nos registros,

policiais, processos crime, correspondências e etc., é possível percebemos a atuação dos libertos nos anos

seguintes a abolição. MATOS, Hebe e RIOS, Ana. Quase Cidadãos, 2007. 216

FRAGA, Encruzilhadas da liberdade, 2007. Ao examinar a abolição e seus desdobramentos no

Recôncavo Baiano reconhece que os embates dos últimos momentos da escravidão marcaram tensões e

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do liberto no pós-abolição, a luz das discursões sobre essa temática nos artigos da

Revista Agrícola pautadas na “organização do trabalho” e no engajamento da população

livre ao trabalho da lavoura.

3.1 A Revista Agrícola – A serviço da lavoura, comércio e indústria em Sergipe.

“A Revista Agrícola, dedica-se à causa das classes conservadoras do Estado,

representadas pela Lavoura, pelo Comércio e pelas Indústrias”. 217

A Revista Agrícola periódico que se autointitulado defensor das “classes

conservadoras” 218

do Estado, era um periódico pertencente à Sociedade Sergipana de

Agricultura, fundada em 1902, composta pelos principais proprietários rurais

sergipanos. Ao todo, no ano de sua fundação a sociedade contava com cento e trinta e

dois membros, divididos entre a capital e o interior. Aracaju (15), entre os ilustres

sócios desse grupo estavam, o então Presidente de Sergipe, Monsenhor Olympio

Campos, padre e politico influente, principal articulador das oligarquias locais e o

médico Coronel José Rodrigues Bastos Coelho, que foi diretor do departamento de

saúde pública do Estado de Sergipe em 1931. Laranjeira (58) foi o município que mais

teve membros associados, o que traduzimos ser em razão de sua grande produção

agrícola, entre seus sócios estavam vários representantes da família Curvello Mendonça,

sendo eles: Antônio Curvello de Mendonça, Ricardo Curvello de Mendonça, Alcino

Curvello de Mendonça, Gabriel Curvello e também apresentava as duas únicas mulheres

a compor essa sociedade, D. Anna de Telles Menezes e D. Josepha Maria Nascimento

mãe de Theodureto Nascimento, certamente proprietárias rurais viúvas. São Paulo (2);

Maruim (5), dentre eles Gonçalo Rollemberg; Riachuelo (15); Divina Pastora (5);

Rosário (6); Capela (1); Simão Dias (5); Boquim (4); Riachão (1); Itaporanga (13),

dentre eles, Adolpho Rollemberg dono da Usina Escurial e neto dos Barões de

projetos de liberdade e que para muitos ex-escravos a permanência nas antigas propriedades poderia se

configurar em possibilidades de conservar e até mesmo ampliar certas conquistas alcançadas no período

do cativeiro. 217

Homero Nascimento, Revista Agrícola de nº 73 de 01/01/1908, p. 693. No acervo da Biblioteca

Pública Ephifâneo Dórea se encontra as edições dessa revista referente aos anos de 1905 a 1908, somando

um total de 96 exemplares da revista, compiladas anualmente. 218

Entende-se por classes conservadoras não em seu sentido político no conceito contemporâneo, mas,

no sentido de ser representantes das forças econômicas que sustentavam as finanças do estado no período

citado.

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Japaratuba e de Estância e Theodureto Nascimento, médico, Inspetor sanitarista do

Estado, presidente e um dos principais porta-vozes da Revista Agrícola. 219

O presidente da Sociedade sergipana de Agricultura no ano de sua fundação era

Evangelino José de Faro, Desembargador, filho de Alexandre José de Faro e D. Josefa

Isabel da Silveira Faro. Nasceu no engenho S. Felix, município de Laranjeiras. Estudou

e formou-se na Faculdade de Direito do Recife em novembro de 1886, passando logo

depois a atuar como promotor municipal. Como presidente da Sociedade Sergipana de

Agricultura escreveu dois importantes documentos: o Memorandum de 1902, e assinava

os Relatórios, sessão da revista, que discorria sobre a agricultura sergipana, sendo

publicada nos números de 1 a 15 de fevereiro e de 1 a 15 de março de 1906, da Revista

Agrícola. 220

No ato da fundação da sociedade, o então presidente, enunciava o objetivo de

sua criação: “é uma agremiação de lavradores, comerciantes e industriais e seus adeptos,

e tem por fim reunir esforços em favor da agricultura sergipana, ocupando-se de todos

os assuntos que possam concorrer para o progresso agrícola, comercial e industrial”. 221

Entre as atribuições a sociedade promoveria:

§ 1 - Criação de sindicatos agrícolas, comerciais e industriais de caixa de

credito rural, cooperativas e demais formas de mutualidade agrícola;

§ 2 - Fundação de campos de experiências e escolas práticas de agricultura;

§ 3 – Promoveria o aperfeiçoamento dos trabalhos rurais do estado tanto

sobre o ponto de vista prático e a luz dos novos métodos de cultura, quanto

em relação à regulamentação do trabalho da caça e da pesca, incentivaria a

instituição da Polícia Rural, meios indispensáveis de aproveitamento do

trabalhador indisciplinado e insuficiente que temos.

A criação dessa sociedade possuía por principal finalidade fortalecer os laços

entre os proprietários rurais e os empresários na tentativa de sanar os problemas

financeiros do Estado e recuperar a produtividade agrícola. Momentos depois de sua

fundação, a sociedade se posicionou frente às autoridades governamentais, buscando a

adoção de medidas que os beneficiassem, visto que para os proprietários rurais os

governantes republicanos eram omissos no combate aos fatores agravantes da crise

econômica que o Estado atravessava, principalmente, no tocante aos créditos agrícolas e

a leis que regulamentassem o trabalho, assunto que debateremos mais adiante.

219

IHGS - Acervo sergipano SS 2215. Estatuto da Sociedade Sergipana de Agricultura – aprovado na

sessão da Assembleia Geral em 7 de setembro de 1902. Imprensa Industrial – Recife, 1902. p. 15-19. 220

GUARANÁ, Armindo. Dicionário bio-bliográfico sergipano. Rio de Janeiro, Ponjeti, 1921. p. 149. 221

IHGS - Acervo sergipano SS 2215. Estatuto da Sociedade Sergipana de Agricultura, 1902, apêndices,

p. 23.

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A visão dos membros da Sociedade Sergipana era de que somente unidos, essa

classe seria capaz de conquistar seus objetivos e promover o progresso de Sergipe.

Como se observa nas palavras de Evangelino de Faro:

Meus Senhores, somos uma força, um poder, uma grandeza, considerados

companheiros unidos, de mãos dadas, para conquista de qualquer

desideratum [desejo]. Pregoeiros da prosperidade da lavoura ecoa bem alto

(...) aqui se reuniu toda lavoura do estado. Perdurar na indiferença era nossa

morte, nosso aniquilamento completo, esse coro de lamentações que ouvimos

a todo o instante produzido pela mais tremenda das crises, em que se debatem

não somente a lavoura, porém, todas as classes ativas e produtoras de

riquezas. 222

No ato solene de fundação, imperava o tom de “a união faz a força” e sob o

discurso inflamado do presidente, segue relatados as características deploráveis em que

se encontrava o Estado e os agricultores locais, visto que muitos haviam perdido boa

parte de suas riquezas e se achavam praticamente falidos, o presidente coloca em seu

discurso a Sociedade como farol que iluminaria o caminho para prosperidade:

Assim é Sergipe, estado puro e simplesmente agrícola (...) a lavoura

incipiente e atrasada, não conta com um só auxilio do seu senhor e continua a

mercê da natureza, deixando que a evolução se opere espontaneamente. A

Sociedade Sergipana de Agricultura será o farol que nos há de guiar na

rota que temos que seguir a cota do engrandecimento geral do Estado.

Será interprete do sentimento comum dos seus associados. O nosso papel será

lutar!223

(grifo nosso)

A sociedade ainda estava incumbida de realizar: “publicação dos interesses dos

agricultores na imprensa diária, manter um órgão de sua propriedade de imprensa e

propaganda dos seus interesses, realizar congressos e exposições agrícolas, distribuir

semente224

, realizar correspondência com associações congêneres do país e exterior,

criar escolas práticas de agricultura, dentre outros”. 225

Três anos após a fundação da

sociedade surge então a Revista Agrícola vociferando aos quatros cantos os interesses

222

Ibid., 1902, p. 23. 223

IHGS - Acervo sergipano SS 2215. Estatuto da Sociedade Sergipana de Agricultura, 1902, p. 25. 224

Em todos os números da Revista Agrícola analisado, encontramos anúncios referentes a distribuições

de sementes. A iniciativa da Sociedade Sergipana de Agricultura era de promover o incentivo de

produção de novas culturas, a fim de diversificar a produção agrícola do Estado. Os produtos eram os

mais diversos tais como: o algodão do Maranhão, beterraba amarela, cânhamo comum, cebolas variadas,

eucaliptos variados, fumo variados, maniçoba Jequié, maniçoba do Piauí e etc. Ver Revista Agrícola de nº

79 de 1/04/1908. p.760. 225

IHGS - Acervo sergipano SS 2215. Estatuto da Sociedade Sergipana de Agricultura, 1902. p. 6.

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das classes produtoras do Estado e o descontentamento dos agricultores com a falta de

braços para o trabalho agrícola.

Defender os interesses da Lavoura, Indústria e Comércio era o assunto principal

da Revista Agrícola de Sergipe. Fundada em quinze de Janeiro de 1905, a revista era de

periodicidade quinzenal e a assinatura anual custava cerca 12.000 para a capital e

15.000 réis para o interior. Para os membros da Sociedade Sergipana de Agricultura a

distribuição era gratuita. 226

A Revista Agrícola possuía entre dez e doze páginas, na

contracapa havia anúncios comerciais variados, como estabelecimentos de secos e

molhados, indústrias têxteis, loterias populares, créditos concedidos pelo Banco do

Estado, escritórios de miudezas, consultórios médicos, tipografias, dentre outros. As

páginas iniciais sempre traziam um artigo de destaque, que versava sobre temáticas

diversas relacionadas à lavoura, indústria e comércio. Algumas desses artigos serão

discutidas neste trabalho tais como, “Organização do trabalho”, “Imigração e

emigração”, “Situação agrícola do Estado”, “A cana de açúcar”, “Finanças do Estado”

“sindicatos rurais” “credito agrícola” e etc.

A revista era composta de três colunas principais; a primeira dedicava-se a Vida

Rural, apresentava algumas alternativas para as dificuldades do cotidiano do campo, tais

como as pestes que assolavam as plantações, as doenças que dizimavam os animais,

informações sobre novas culturas agrícolas como o cacau, a borracha, batatas inglesas e

etc. Sempre voltada ao incentivo da lavoura para produção de novas culturas e

sugerindo a adoção de medidas para sanar pragas e pestes, dentre outros fatores que

assolavam a agricultura sergipana; a segunda seção intitulada Notícias Diversas, trazia

informações variadas pertinentes à agricultura, ao comércio e a indústria, sobre as

experiências estadual, nacional e estrangeira. E ainda publicava leis que beneficiavam a

agricultura, dentre elas, o Código Rural, imigração, sindicatos e cooperativas, e também

propagava variados assuntos de interesse da classe. A terceira denominada Sessão

Comercial apresentava os valores do câmbio, dos gêneros de exportação e importação e

as cotações dos produtos sergipanos como, açúcar (mascavo, mascavinho, branco

cristal), algodão, farinha, feijão e etc., citando seus respectivos valores na Praça do Rio

de Janeiro. Além das três colunas, por último, apresentava as correspondências e

telegramas recebidos, dos mais distintos lugares do país, além de contar também com

correspondentes do exterior.

226

Sobre a crise da lavoura sergipana em meados do século XIX, consultar ob. Cit. MOTT, Sergipe Del

Rey, população, economia e sociedade, 1986. p 153.

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A direção contava com dois ilustres cidadãos que assinavam a maioria dos

artigos principais da Revista Agrícola, o Dr. Theodureto Nascimento e do

Desembargador Homero de Oliveira. 227

O médico Theodureto arcanjo do Nascimento,

Filho de Miguel Arcanjo do Nascimento e D. Josefa Maria do Nascimento, nasceu na

cidade do Lagarto a 18 de setembro de 1886. Matriculou-se na Faculdade de Medicina

da Bahia, recebendo o grau a 18 de dezembro de 1886. Domiciliado em Riachuelo, ali

serviu em comissão por ocasião da epidemia de febres em 1887; fez parte de uma

sociedade em Laranjeiras de conferências públicas sobre assuntos sociais de instrução e

política de que eram membros Fausto Cardoso, Felisbelo Freire, Josino Meneses,

Baltazar Góes e outros, em favor da propaganda republicana de Sergipe, e exerceu até

1888 o cargo de Delegado de Higiene daquela cidade.

Transportando-se para o Estado de S. Paulo, foi em 1889 nomeado para

combater a epidemia da febre amarela em Limeira; extinta esta, voltou para a Capital

onde se matriculou em Direito, fazendo o seu primeiro ano em 1890. Ali exerceu a

clínica, foi delegado de higiene e médico adjunto do Exército. Em 1891 foi nomeado

delegado de higiene na capital de S. Paulo e mandado em comissão chefiada pelo Dr.

Domingos Freire para a Europa, (Berlim) a fim de estudar o tratamento da tuberculose

de Kock e em 1892, foi chefe de clínica nas epidemias de febre amarela em Mogi-

Mirim (S. Paulo) e em 1897 foi nomeado pelo Presidente de Sergipe, Dr. Martinho

Garcez, para estudar no Ceará a cultura da maniçoba.

Voltando a Sergipe, foi nomeado pelo Presidente, Dr. Josino Meneses, Diretor

de Higiene, conservando-se neste lugar até 1901, quando foi escolhido pela 2ª

conferência Açucareira do Recife para estudar no Egito, Índia, Java e Ceilão os

processos de cultura da cana de açúcar, volvendo ao Brasil em janeiro de 1905 de sua

viagem ao Oriente. Theodureto também escrevia para vários jornais do país e

sergipanos (O paiz, Cosmos, Jornal do comércio, O Estado de Sergipe), principalmente

227

Theodoreto Arcanjo Nascimento era médico e atuou como inspetor de higiene de Sergipe em 1903.

Realizou importante campanha sanitarista na capital que padecia de diversas epidemias e mais

especificamente nesse período no controle da peste bubônica. Consultar ob. Cit. SAMARONE. Homero

de Oliveira era desembargador em Sergipe, conhecido por sua excelente oratória, também era famoso na

capital por suas poesias e artigos publicados no jornal Correio de Aracaju. Ambos são membros da

Sociedade Sergipana de Agricultura e figuras importantes no cenário politico e social de Sergipe. Os

artigos desse periódico durante o período estudado 1905 a 1908 são em sua grande maioria de autoria dos

mesmos, sendo que os artigos que versavam sobre a política sergipana, são prioristicamente de autoria de

Homero de Oliveira, o que pressupomos ser em função da sua posição jurídica.

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no tocante as questões de salubridade, visando diminuir as mortes por epidemias que

assolavam o Estado e principalmente a capital. 228

O Desembargador Homero de Oliveira era membro da grande e importante

família sergipana Oliveira Ribeiro, de Laranjeiras, nasceu, por acaso, no Recife, em 14

de abril de 1858. Filho do bacharel Domingos de Oliveira Ribeiro e Helena de Freitas

Oliveira Ribeiro, os primeiros anos de vida passou no Recife, mudando-se com os pais

para Laranjeiras, onde Domingos de Oliveira Ribeiro exerceu a Promotoria Pública e a

advocacia. Bacharelou-se em Direito no Recife, na turma de 1879, tendo convivido com

vários sergipanos, que viriam a ser em Sergipe seus amigos e na magistratura seus

colegas. José de Aguiar Boto de Barros era da mesma turma de 1879, enquanto José

Sotero Vieira de Melo e João Ferreira da Silva saíram da Faculdade um ano antes, em

1878, e Cândido de Oliveira Ribeiro e Melquisedec Matusalém Cardoso. 229

FOTO 8 - Foto de Homero de Oliveira. s/d

FONTE: Desembargadores sergipanos, 2008. p.3.

Em início de 1891, o então Deputado Homero de Oliveira passou a integrar a

Comissão eleita para apreciar a Constituição, sendo designado Relator e apresentou um

Parecer, onde justifica o papel dos constituintes, dizendo:

228

GUARANÁ, Dicionário bio-bliográfico sergipano, 1921. p. 501. 229

Sobre essas personalidades sergipanas consultar, GUARANÁ, Dicionário bio-bibliográfico sergipano,

1921.

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Obedecendo aos princípios democráticos plantados no solo brasileiro com a

revolução de 15 de novembro de 1889, acatando o regime de Governo, posto

em prática pela Constituição da União, solenemente proclamada a 23 de

fevereiro de 1891, o Projeto de Constituição do Estado de Sergipe, esforçou-

se em consagrar o regime Federativo, garantindo, em suas disposições, as

liberdades públicas, e assegurando ao Povo Sergipano, um presente de

ordem e de paz, elementos indispensáveis a um futuro próximo de

progresso e desenvolvimento constantes. 230

No mesmo ano de 1891, Homero de Oliveira ingressou na magistratura do

Estado de Sergipe, assumindo como Juiz de Direito a Comarca do Rio Real, sendo

removido, em 1896 para Gararu, prestando compromisso em 29 de janeiro daquele ano,

sendo removido, pelo Secreto nº 205, da Comarca de Gararu para a Comarca de Capela,

passando depois pelas Comarcas de Laranjeiras (1897) e de Maruim (1898), para ser,

nomeado desembargador, em 1899. De logo foi nomeado Procurador Geral do Estado,

tomando posse em 11 de dezembro de 1900. Homero de Oliveira foi eleito Presidente

do Tribunal de Relação, em sessão de 9 de junho do mesmo ano de 1908, sendo reeleito

em 5 de fevereiro de 1909, permanecendo no cargo até a sua morte, aos 52 anos, em 17

de dezembro de 1910.

Homero de Oliveira fez da poesia uma expressão de sua literatura. Publicou

sonetos e poemas de forma fixa em vários jornais sergipanos e pernambucanos, sendo

mais tarde incluído entre os poetas que compõem a Antologia de Poetas Sergipanos 231

,

organizada por Serafim Vieira de Andrade. “Eterna aspiração” é um dos textos:

Estremece tua alma às vibrações da luz,

Sob o pálio do amor que o coração encerra,

E vives a sonhar atravessando a terra,

Buscando nela o céu que ao teu olhar reluz;

Mas olha, escuta bem, só a ilusão conduz,

A alma cujo aroma em sonhos se descerra;

A verdade só está na dor que nos aterra,

E ao término da vida ao nada se reduz.

Que importa? Dizes tu: - inteira a natureza

Recebe da sentença o fulminante olhar,

Ou brilho na virtude, ou fulja na riqueza,

E a natureza inteira se vê, sempre, a marchar:

Do antro da penúria ao solio da riqueza,

Aspira a alma viver, o coração amar. 232

230

Ver, Biografias dos Desembargadores Presidentes do Poder Judiciário do Estado de Sergipe (1892-

2008). Tribunal de Justiça de Sergipe, Aracaju, 2008. Biografia de Homero de Oliveira, p. 4. 231

ANDRADE, Serafim Vieira. Antologia de Poetas Sergipanos São Paulo: Tipografia Cupolo, 1939. 232

Ibid. 2008, p. 11.

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A presença de Homero de Oliveira como Juiz de Direito de Maruim responde

pela sua entrada, como Orador, na Diretoria do Gabinete de Leitura de Maruim, para o

biênio 1900-1901, substituindo o poeta João Pereira Barreto. Homero de Oliveira fez

sua estreia na tribuna do Gabinete de Leitura em 1889, aumentando a sua fama de

Orador em todo o Estado. Segundo Joel Macieira Aguiar, nas seguintes palavras:

“Homero de Oliveira, o assombroso tribuno, o impoluto magistrado que herdou da

Providência um intelecto de extasiar multidões, dominaram (referindo-se também a

outros oradores) de sobre esta tribuna a nossa plebe com seus inflamados discursos”. 233

Além da Revista Agrícola, na qual assinava os artigos mais polêmicos e

principalmente os que versavam sobre política, o que acreditamos ser em função de sua

condição de Desembargador, também publicava em diversos jornais, em 1881, estava

como redator do Agricultor sergipano, órgão exclusivo da agricultura e do comércio,

publicação semanal, iniciada em maio daquele ano e impresso nas oficinas gráficas da

Gazeta de Aracaju, ligado ao padre Olímpio Campos e a Pelino Nobre, e que tinha

como redatores Brício e Severiano Cardoso. Foi, contudo, no Correio de Aracaju, desde

o seu número inaugural, datado de 24 de outubro de 1906, prestando, assim, preito de

homenagem a Sergipe emancipado, e até a sua morte, em 1910. Homero de Oliveira

esmerou-se na literatura e poesia no Correio de Aracaju, onde publicou muitos dos seus

poemas e artigos, com os quais segundo seus admiradores, mostrava todo o seu preparo,

inspiração e erudição. 234

Ambos os presidentes e articulistas da Revista Agrícola, como citamos, eram

pessoas de grande notoriedade pública no cenário social sergipano, além de pertencerem

a famílias donas de grandes propriedades rurais. Theodureto Nascimento era membro

desde a fundação da Sociedade Sergipana de Agricultura, entretanto, Homero de

Oliveira, torna-se membro no ano de fundação da revista, o que supomos que talvez

fosse à sua função de magistrado, tendo galgado prestigio social como um dos mais

eloquentes oradores do Estado, o que ao certo daria maior crédito aos artigos de sua

assinatura.

233

Desembargadores sergipanos, 2008. p. 12. 234

Ibid. 2008. p.13.

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******

Por ocasião da visita a Sergipe do recém-eleito presidente da República

Afonso Penna, que estava visitando os estados brasileiros para conhecer a sua real

situação, os integrantes da Sociedade Sergipana de Agricultura aproveitaram o

ensejo, para relatar a situação da crise econômica na qual se encontrava as finanças

sergipanas, que dia-a-dia ampliava-se, devido às dificuldades nos transportes, a

escassez do elemento servil para as lavouras e falta de crédito agrícola, logo

trataram de organizar e publicar uma edição especial da revista, com todas as

solicitações das quais reclamavam a lavoura do Estado, além de um relato descritivo

das atuais condições das “classes conservadoras” a lavoura, a indústria e o comércio.

Como consta na edição especial da revista:

Em Sergipe, instalado pela mais urgente e inadiável solução: não temos um

metro sequer de Estrada de ferro e somos o único Estado do Brasil que isso

acontece (...). Precisamos obter fácil saída para os nossos produtos que se

acham onerados de despesas e fretes incomputáveis. Essa condição se agrava

com a exclusão de nossos portos das escalas do Lloyd, o que também é uma

exceção injusta a qual somos o único Estado a sofrer. Até um rebocador falta

aos nossos portos, de modo que somos evitados pelos navios de velas, que de

algum modo viriam contribuir para a barateação dos nossos transportes (...).

Não temos braços para o trabalho, o que além de insuficiente, é caro,

irregular e indisciplinado, de modo que só um pouco de imigração para

estimulo do trabalhador nacional, poderá melhorar a nossa gravíssima

situação nesse particular (...). Não temos credito agrícola, o Banco do Estado,

criado à custa do mais patriótico esforço do governo do Estado. Subscritor de

quase todo capital, alias insuficiente, não resolveu absolutamente a

questão.235

Vislumbrando conquistar solução para tais problemas, a Sociedade

Sergipana de Agricultura publicou um número especial formalizando os pedidos ao

então eleito presidente do Brasil, noticiando seu comprometimento com a sociedade

sergipana.

Além do artigo principal, escrito por Homero de Oliveira, dando boas vindas

ao presidente, esse exemplar da revista, traz um segundo artigo intitulado “Lavoura

sergipana” – necessidade dela, que como supracitado, relatou os principais impasses

para o desenvolvimento da lavoura sergipana. Afonso Penna, buscando não se

comprometer demasiadamente, visto que, os problemas agrícolas se alastravam por

outras províncias do Nordeste, em seu discurso se compromete a acudir os reclames

235

Revista Agrícola nº 33 de 25/05/1906. p. 313.

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da lavoura, facilitando o crédito agrícola e fortalecendo a criação de sindicatos e

associações cooperativas, pelas quais eram concedidos os créditos agrícolas, desse

modo, delegava a terceiros o compromisso de sanar os problemas financeiros do

Estado. 236

FIGURA 2 - Capa da edição especial da Revista Agrícola em homenagem a visita de

Augusto Penna.

FONTE: BPED, Revista Agrícola de nº 33 em 1906. Acervo pessoal. Digitalizado por

Camila Barreto Santos Avelino.

No corpo da revista, as páginas iniciais eram destinadas aos artigos

principais, a crise da lavoura, era o assunto mais recorrente, tal era a importância

desse fato que justificava, sobretudo, a criação da mesma. Dentre os 96 exemplares

da revista entre os anos 1905 a 1908, que coletamos 90% dos seus artigos, os

principais versavam sobre a situação das dificuldades econômica da lavoura e

236

Ibid., 1906. Pp 315.

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apresentavam medidas que na visão dos seus membros, solucionariam tais

problemas.

No artigo de inauguração, a revista fez uma retrospectiva das iniciativas dos

proprietários rurais sergipanos que somando esforços com o Imperador, criou o

Instituto Imperial Sergipano de Agricultura. 237

Mostrando que, desde meado dos

oitocentos que as elites sergipanas se comprometiam no desenvolvimento da

Lavoura, embora tivesse malogrado as medidas anteriormente adotadas.

Quem não sabe que todas as tentativas no sentido de movimentar a lavoura e

reuni-la em favor da defesa dos seus interesses tem todos fracassados em

Sergipe? a primeira d‟elas e a mais esperançosa foi a criação do Instituto

Agrícola Sergipano, criado em 1860 por sua Majestade, e por ele logo dotado

com a quantia de 10 contos de réis, imediatamente elevada a 25 contos de

réis, por força da boa vontade Imperial, exercida sobre os ânimos dos

lavradores, que eram então fidalgos da terra e não fizeram questão do

dinheiro. 238

O Instituto Agrícola Sergipano foi criado em 20 de Janeiro de 1860, por

ocasião da visita do Imperador D. Pedro II. Quando visitou a capital Aracaju, ele

tinha como finalidade modernizar o aparato tecnológico da agricultura e dar tons

plausíveis aos debates a respeito da “passagem” do trabalho escravo para o trabalho

livre. Embora o IISA professasse compactuar com as ideologias do progresso

formuladas pelas elites nacionais, trazendo a pauta de suas discursões assuntos

como igualdade política e de cidadania, defendendo a industrialização e a abolição

gradual e moderada, 239

as suas ideias não passaram do papel, pois, o instituto não

logrou o êxito esperado. As ideias “progressistas” das elites sergipanas dessa época

vieram à tona anos mais tarde, nos debates da Sociedade Sergipana de Agricultura,

na qual acreditamos, ter se filiado muitos membros do antigo IISA e possivelmente

seus herdeiros, os quais já partilhavam desde moços das discursões e dos ideários

das elites sergipanas.

Como cita Theodureto Nascimento, os fidalgos da terra não fizeram questão

do dinheiro oferecido pelo Imperador D. Pedro II e, após ter sido retirado 4$800

237

APES, A¹ 01 – Atas do Imperial Instituto Sergipano de Agricultura. O ISA – Instituto Agrícola

Sergipano, foi objeto de estudo do autor Luiz Mott, que através dos Livros de atas e sessões da

Assembleia Geral deste instituto entre os anos de 1860-81, traça um perfil dessa instituição e importância

de sua atuação no estado de Sergipe. Consultar, MOTT, Sergipe Del Rey, população, economia e

sociedade, 1986. p. 152. 238

Revista Agrícola nº 01 de 15/01/1905. p. 01. 239

Ver, discurso proferido por Thomas Alves Junior, presidente do Estado e do Instituto Imperial

Agrícola Sergipano. APES, A¹ 01 – Atas do Imperial Instituto Sergipano de Agricultura. p. 11.

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contos de réis, para compra da sede do Instituto, os outros 20$000 contos de réis

restantes foram emprestados e utilizados pelo governo. Para o articulista, tais

medidas não foram proveitosas, pois, apesar de terem adquirido uma sede,

abdicaram do recurso financeiro doado pelo Imperador. Também não foram capazes

de gerir o dinheiro da Coroa nem os recursos próprios como fez a Província da

Bahia que utilizou esse mesmo recurso para a fundação da Escola Agrícola de São

Bento das Lages, que muito contribuiu para o conhecimento e desenvolvimento de

novas técnicas agrícolas e que ironicamente, serviu para educar muitos sergipanos,

filhos dos proprietários rurais que outrora haviam menosprezado tais ideias. 240

A segunda medida adotada foi a criação do Comércio Agrícola Sergipense,

fundado por Dr. Felismino Muniz Barreto, cujos serviços de informações foram

valiosíssimos para a lavoura e que resultou na criação do Jornal “O agricultor”, um

jornal de propaganda que demonstrava o espírito moderno dos seus organizadores,

nas palavras de Theodureto Nascimento. O redator principal do jornal como não é

de se admirar, também foi um dos articulistas da Revista Agrícola, Homero de

Oliveira, entretanto, essa associação também não logrou êxito e logo foi extinta. 241

No interior da Província, mais precisamente em Laranjeiras, foi criado a

União Agrícola de Laranjeiras, órgão dos comerciários, que nasceu com a

finalidade de fornecer capitais aos agricultores com o intuito de incrementarem os

serviços e as produções da lavoura. Mediante a tantas tentativas fracassadas, a

quarta e última medida adotada, foi a centralização dos esforços em prol da lavoura

com a criação da Sociedade Sergipana de Agricultura que, dentre outros benefícios,

resultou na criação da Revista Agrícola .242

As atuações desses órgãos ganharam importância no cenário agrícola

sergipano por serem representantes das classes mais abastardas, geralmente

compostas por políticos, intelectuais, doutores, comerciantes, grandes produtores

agrícolas e etc., que, em vários momentos distintos dos embates em torno da

recuperação da economia e da lavoura sergipana durante o século XIX, vão ser as

vozes determinantes das medidas governamentais para manter a ordem e sanar os

problemas socioeconômicos que, para esta classe alta, se agravaram com a abolição

da escravatura.

240

Revista Agrícola nº 01 de 15/01/ 1905. p. 02. 241

Ibid., Revista Agrícola nº 01 de 15/01/1905. p. 02. 242

Ibid., 1905. p. 02.

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105

A abolição para esses senhores tinha legado dois grandes problemas: a

escassez da mão-de-obra, que se constituiu o principal motivo da crise e da

decadência econômica, bem como o agravamento dos problemas sociais,

principalmente os concernentes ao domínio senhorial. Lilia Moritz sobre esse

aspecto infere que, na visão dos ex-senhores a abolição deveria ser entendida e

absorvida como uma dádiva, um belo presente que merecia troco e devolução. No

tocante a mão-de-obra para os proprietários rurais interessava assegurar a

continuidade da prestação de serviços243

, o que não se processou conforme as

expectativas dos proprietários rurais. Muitos ex-escravos optaram por trabalhar fora

das lavouras, causando transtornos e descontentamento. Desse modo, em Sergipe,

esse assunto passará então a ser um “motivo legítimo” causador da crise econômica

e, portanto passa a ser a queixa mais frequente nos artigos da Revista Agrícola, além

de documentos oficiais e jornais como veremos a seguir.

3.2 O combate ao ócio: a direção do olhar das elites sergipanas sobre as

“populações de cor”, livre e pobre.

Dizer para que se saiba fora das nossas fronteiras, que é o negro boçal, o

caboclo indolente, ou o mestiço sem ambição, todos fracos, mal

alimentados, sem interesses ligados ao solo, nômades, maltrapilhos,

ignorantes e adoentados na maior parte pelo abuso do álcool, pelo

impaludismo e mesmo pelo efeito da vida errante que levam de fazenda em

fazenda, a procura de melhor ganho. 244

(grifo nosso)

Os trabalhadores de cor, livre e pobre, como citado na epígrafe, nas páginas da

Revista Agrícola eram caracterizados de forma bastante pejorativa pelas elites

sergipanas. Para os proprietários rurais, a inconstância desses trabalhadores

representava o verdadeiro motivo para os prejuízos da agricultura. O que estava em

pauta era como utilizar a grande massa de trabalhadores livres ou que havia se libertado

em favor da lavoura, visto que muitos deles se recusavam ao trabalho do eito,

problemas gerados com a escassez da mão-de-obra livre representavam os motivos da

crise para a elite senhorial, registradas em diversos artigos publicados na Revista

Agrícola. A questão da “falta de braços para a lavoura” passou a representar o núcleo

das preocupações socioeconômicas para essa classe.

243

SCHWARCZ, Quase-cidadão, 2007. p. 28. 244

Revista Agrícola, nº 8 de 26/04/1905. p. 67.

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Além da Revista Agrícola diversos jornais publicavam notas, reiterando os

discursos dos proprietários rurais, muitos desses periódicos pertenciam aos membros

das elites rurais. O Progresso, de Maruim, ressalta essas preocupações ao afirmar que “a

falta do braço em Sergipe é o centro sobre o qual convergem todas as decepções da

fortuna particular”. 245

Com a abolição, esse discurso aumentou, visto que para os ex-

senhores a continuidade do trabalho estava sendo posta em risco, “os muitos braços

válidos que possui, tem uma existência verdadeiramente negativa, porque já não são

propriedades do fazendeiro (...) justa é essa objeção que sem medo de erro, se pode

afirmar que não temos braços suficientes para a manipulação do trabalho”. 246

Nesse contexto, a abolição da escravidão, enquanto explicação das dificuldades

econômicas de Sergipe vai recebendo um peso crescente. Foi publicado no Jornal O

Republicano:

Até a extinção do elemento servil, que foi a mais devastadora entre todos,

visto que o governo que a promulgou, adormeceu a sombra dos louros,

esquecendo-se que acabara de arrancar a milhares de famílias o único meio

de subsistência, e que lhes abrira a porta da miséria, não curando de um

auxílio que atenuasse, senão todo, ao menos em parte, o mal que lhe causara

para a gloria da nação 247

.

A partir da Abolição, em 13 de maio de 1888, e da República, em 15 de

novembro de 1889, a preocupação em obter e manter o controle social sobre a mão-de-

obra ganhou centralidade para os republicanos e também para os proprietários rurais.

Isso quer dizer que, a mobilidade atribuída ao liberto, por meio da qual, buscava maior

autonomia, passou a ser vista como algo a ser combatido pelo Estado. Fixar o liberto

nas propriedades rurais e compeli-lo ao trabalho regular e disciplinado eram prioridades,

especialmente nas regiões para as quais não houve imigração em massa, a exemplo de

Sergipe.

Analisando a passagem do trabalho escravo para o trabalho livre no Nordeste,

Josué Subrinho estudando as “propostas de engajamento da população livre” sergipana

durante a crise do escravismo, esse autor revela que, apesar da grande oferta de mão-de-

obra livre, esta era vista apenas como “complementar ao trabalho escravo na produção

de açúcar”. 248

245

BEPD, Jornal O Progresso de 20/10/1895. 246

BEPD, Jornal O Republicano de 28/06/1890. 247

BEPB, Jornal O Republicano de 12/03/1891. 248

SUBRINHO, Reordenamento do Trabalho. 2004, p 198.

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A grande população livre e pobre que se recusava ao trabalho da lavoura, fossem

eles de cor ou não, já era motivo de discussão entre as elites sergipanas desde o final da

década de 1850, ganhando força entre as décadas 1860-70. 249

Uma década antes da

abolição, o chefe de polícia Francisco da Costa Ramos, inferia: “a falta de braços de

braços” para os trabalhos da lavoura, era consequência da ociosidade de grande parte da

população livre, que sem ter atividade laboral entregava-se a desordem e a vadiagem,

prejudicando assim a ordem e a boa moral da sociedade sergipana. 250

Como medida pra

conter a desordem, em 1879, o então chefe policial expediu aos delegados municipais

circular comunicando a necessidade de aplicação do termo de bem viver para obrigar

essa população ao trabalho e a aplicar punição aqueles que se recusassem a exercer

alguma atividade,

Convido combater a ociosidade, que tão fatalmente reina nesta província,

onde a lavoura definha à falta de braços ativos, e sendo por isso do maior

interesse obrigar os vadios ao trabalho, que sendo a primeira condição de

moralidade, é também o primeiro elemento de prosperidade, quer para o

indivíduo, quer para a sociedade, ordeno a V. M. que, em seu município,

exerça a sua atribuição [...], fazendo-os assinar termo de bem viver,

marcando-lhes o prazo de 30 dias, para que nele se mostrem perante a polícia

aplicados a uma ocupação útil, com a cominação nas penas estabelecidas no

§3 do citado artigo 12 do mencionado código.251

Desse modo, os argumentos de que a crise da lavoura após a abolição se deu em

virtude da extinção da mão-de-obra escrava eram bastante incongruentes, já que em sua

grande maioria, boa parte da “população de cor” gozava do estatuto de homens livres

antes da Lei Áurea, beneficiados por leis, que no decorrer do século XIX, garantiram,

dentre outros mecanismos, o direito a liberdade pelo fundo de emancipação, acúmulo de

pecúlio para compra de alforrias, o ventre livre e a liberdade dos sexagenários. 252

Na realidade, a questão que os proprietários rurais chamavam de “falta de

braços” era mais precisamente a insatisfação das novas condições de obtenção da força

de trabalho, pois, no período escravista já se reclamava das condições da força de

249

Consultar, Propostas de engajamento da população livre em SUBRINHO, Reordenamento do

Trabalho. 2004, pp. 168-199. 250

IHGS, CD – 004 SISDOC – 002. Relatório com que o Exmo. senhor presidente doutor Theophilo

Fernandes dos Santos abriu a 1° sessão da 23° legislatura da Assembleia da Província de Sergipe no dia

1° de março de 1880, p. 6-7. 251

Ibid. p. 6-7. 252

Sobre as referidas leis, consultar: PENA, Eduardo S., Pajens da Casa Imperial – jurisconsultos,

escravidão e a Lei de 1871, Campinas, Ed. Unicamp, 2001; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes, Entre a

Mão e os Anéis – a Lei dos Sexagenários e os caminhos da Abolição no Brasil, Campinas, Editora da

Unicamp/FAPESP/CECULT, 1999.

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trabalho livre, e as soluções apresentadas para tal problema passavam sempre pela

adoção de medidas coercitivas. 253

Sharyse Amaral analisando a proporção da área

agrícola plantada e o número de indivíduos – mão-de-obra escrava e livre – envolvidos

na produção de nove engenhos localizados no Cotinguiba em (1881) especula que a

média de tarefa trabalhada individualmente nessas propriedades era de 5,7. Uma cifra,

segundo a autora, bastante alta e que provavelmente se elevaria entre 4,7 e 6,9 tarefas

por braço escravo, realidade suficiente para que o trabalhador livre relutasse em dividir

essas atividades do eito com a mão-de-obra cativa, esta última sujeita a um elevado

“grau de exploração”. 254

Comungando com as ideias propagadas pela Revista Agrícola e formuladas

pelos membros da Associação Sergipana de Agricultura, o Presidente do estado, em sua

Mensagem à Assembleia Legislativa, reitera o pedido de adoção de medidas legais

sugerida pela sociedade. Entretanto, ao analisar a questão da escassez de mão-de-obra, o

presidente conclui: “não há falta de braços para o trabalho em Sergipe; o que tem

havido é uma grande imprevidência da parte dos poderes públicos em orientar os

desocupados, em bloquear a vadiagem, batendo-as em todos os redutos, evitando a

deserção da vida útil e produtiva”. 255

Em 1890, o jornal Folha de Sergipe defendendo a “causa” dos proprietários

rurais, assinalou a Lei de locação de serviços, como medida legal que poderia sanar o

problema da escassez de mão-de-obra:

Pensamos sempre que para amenizar o golpe desfechado sobre a lavoura,

com a perda dos escravos sem posterior indenização, curasse ao menos o

governo de publicar uma lei de locação de serviços (grifo nosso) que viesse

remediar o mal causado (...) não seria certamente uma lei que oferece opções

genéricas para o estabelecimento de contrato entre partes igualmente livres,

mas antes a locação de restrições sobre a liberdade de vender a sua força de

trabalho, obtida pela população livre. O trabalho livre não teve uma

orientação racional; não se criou um freio para conter os ímpetos, os

desmandos de todos aqueles que passaram a receber salários de mãos

particulares. 256

(grifo nosso)

Os objetivos das elites sergipanas ao disseminarem o discurso de deficiência na

mão-de-obra livre e liberta, era, sobretudo, conseguir controlar o trabalho livre, visto

que, a experiência do trabalho forçado havia moldado as relações de poder entre os

253

Ibid., SUBRINHO, Reordenamento do Trabalho, 2004, p 297. 254

AMARAL, Escravidão, liberdade e resistência em Sergipe, 2007, p. 65. 255

Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa pelo Presidente do Estado Josino de Menezes em

07/09/1903. 256

Jornal Folha de Sergipe, 14/12/1890.

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proprietários rurais e os trabalhadores. Para os ex-escravos, a liberdade significava a

oportunidade de optarem por outros meios de vida e, sobretudo, de escolherem

livremente suas atividades laborais. Segundo Walter Fraga as vivências no cativeiro

serviram de parâmetro para que os ex-escravos definissem o que era “justo” e aceitável

na relação com os antigos senhores, incluindo estabelecer condições de trabalho que

achavam compatíveis com a nova condição. 257

Foi nesses termos que os libertos rejeitaram a continuidade de práticas ligadas ao

passado escravista ou que ensejassem maior controle sobre suas vidas. Ao reclamarem

da “desorganização do trabalho” nas lavouras após a abolição, os ex-senhores estavam

se referindo também à recusa dos ex-escravos em se submeteram a velha disciplina do

cativeiro, especialmente às longas jornadas de trabalho. 258

3.3 Pelas vozes dos outros: “organização do trabalho” após a abolição na Revista

Agrícola de Sergipe.

O trabalho glorifica o homem. Jamais conquista alguma foi realizada no

mundo sem o emprego do trabalho. A civilização é produto seu. A riqueza é

o seu fim. Enquanto o trabalho encontra apologias e tão largas atenções, a

ociosidade seu oposto, encontra destratações e desdéns. Enquanto trabalho

levanta o homem, a ociosidade é sua perdição. 259

(grifo nosso)

O enaltecimento do trabalho, na epígrafe, serve para ilustrar a ideia de liberdade,

formulado pelas elites sergipanas para os egressos da escravidão. Dignidade, civilização

e riqueza, só seriam alcançadas por essas populações se as mesmas mantivessem suas

expectativas de riqueza e crescimento pessoal atrelado ao trabalho e para os

proprietários rurais, preferencialmente, os libertos deveriam se dedicar aos trabalhos da

lavoura. Segundo os ex-senhores cabia à população branca e “civilizada” ensinar ao

negro “saber o seu lugar”. 260

257

FRAGA FILHO, Encruzilhadas da Liberdade, 2006. p. 214. 258

Para um estudo sobre os libertos, ver OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes de. O liberto: o seu mundo e os

outros, São Paulo, Corrupio, 1988; XAVIER, Regina Célia Lima. A conquista da liberdade: Libertos em

Campinas na 2ª metade do século XIX, Campinas, Centro de Memória da UNICAMP, 1996; CUNHA,

Manuela Carneiro da. Negros estrangeiros. Os escravos libertos e sua volta à África, São Paulo, Ed.

Brasiliense, 1985. Para o período pós-abolição, consultar a obra já citada de FRAGA FILHO,

Encruzilhadas da liberdade, 2006. 259

Revista Agrícola nº 75 de 01/02/1908. p. 712. 260

Conforme Wlamyra Albuquerque “saber o seu lugar” é um dessas expressões capazes de traduzir

regras de sociabilidade hierarquizadas que, sendo referendadas ou contestadas, atualizam-se

cotidianamente. É construindo e conhecendo tais “lugares” que as pessoas estabelecem relações,

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Em 13 maios de 1888, a Lei Áurea extinguiu definitivamente a escravidão no

Brasil. Em Sergipe, essa lei colocou em liberdade 16.888 homens e mulheres “de cor”.

A população total nesse mesmo ano era de 283.112 habitantes, portanto a população

escrava representava cerca de 5,6 %, margem relativamente pequena se comparada à

população total261

. A escassez da mão-de-obra servil em consequência da abolição

tornou-se a queixa mais recorrente entre os proprietários rurais, as autoridades e

membros da elite sergipana. Abria-se, um período de incertezas e de busca de

mecanismos de subordinação dos trabalhadores livres e libertos por meio da coerção

extraeconômica.

Tendo em vista a magnitude do problema, buscou-se a atuação direta do Estado

no encaminhamento da organização do trabalho. Alguns proprietários, descontentes

com a atuação governamental, utilizaram mecanismos violentos, ainda que muitas vezes

não fossem extralegais. Analisando o reordenamento do trabalho em Sergipe, Josué

Subrinho sinaliza que, no período posterior à Primeira República, as elites deram

mostras claras de inconformismo com as consequências da abolição incondicional da

escravidão. Se esse era um fato consumado, o apelo ao retorno de uma estratégia de

coerção extra econômica para o fornecimento de força de trabalho ressurgiu com toda

força. 262

Pautaremos boa parte das nossas discussões sobre a “organização do trabalho”

no dialogo com os discursos produzidos pelos membros da Sociedade Sergipana de

agricultura e publicados nesse periódico entre os anos de 1905 a 1908. Além dos artigos

da revista, buscaremos nos relatórios presidenciais bem como em fontes primárias, nas

notícias jornalísticas e na bibliografia existente elucidar a problemática que envolve o

tema no caso sergipano.

No artigo da Revista Agrícola intitulado: Organização do Trabalho, podemos

destacar as características atribuídas à crise da lavoura em Sergipe, através das palavras

do articulista desse periódico. A escassez da mão-de-obra era posta como cerne da

questão, como abordado no item anterior, buscava-se através desse discurso, dentre

outros objetivos, introduzir medidas que regulassem o trabalho livre. Como podemos

observar em trechos desse artigo:

reconhecendo formas de pertencimento e estruturam disputas próprias ao jogo social. C.f.

ALBUQUERQUE, O jogo da Dissimulação, 2009, p. 118. 261

IHGS, CD – 004 SISDOC – 002. Dados segundo o Relatório do Presidente da Província Olímpio M.

dos Santos Vital de Julho de 1888. 262

SUBRINHO, Reordenamento do Trabalho, 2004, p. 295.

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A mais grave, e mais inadiável necessidade, que reclama a lavoura entre

outras, é a organização do trabalho, sobre as bases que a tornem perdurável e

prolifera. Não se pode compreender como ela, já se tem, atravessado esse

longo período, que decorre da abolição imediata, até hoje, ao meio da

desorganização completa, da anarquia quase absoluta que nela imprime a

vontade caprichosa e sem freio do trabalhador habituado a indolência, e

animado pelo interesse de quem se contenta com quase nada para se viver, de

quem não se ambiciona o mais diminuto pecúlio para amparar a prole e

garantir o dia de amanhã. 263

Na visão da classe senhorial, o trabalhador livre era a principal causa da crise da

lavoura. Nas palavras do articulista da revista, era “a vida errante e despretensiosa dos

libertos que representava um impasse para o progresso da lavoura” e, por isso devia ser

severamente combatido pelo governo que até então, na visão dos proprietários de

engenho estava no seu mais profundo imobilismo:

Causa do e pena, lastima-se o ali pelo que se contempla e vê, se observa e

estuda, não há contratos porque não há lei; nem execução que os estabeleça e

regule, não há, portanto trabalhadores ligados e presos às fazendas por curto

período de tempo que seja o proprietário fazendeiro não sabe com quem

conta qual a força que possui para atender aos seus serviços, e mover a toda

larga complexidades de trabalhos que se vê forçosamente tem que se dedicar.

Os trabalhadores em Sergipe são indivíduos sem pousada certa, sem teto

firme, atravessam isolados ou em pequenos grupos, que percorrem as

inúmeras estradas, maltrapilhos, enfraquecidos pelas moléstias, adquiridas

nessa vida errante, no mal passar contínuo, chegam aos engenhos nos quais

trabalham às vezes um dia, dois ou até mesmo horas, nunca quase passando

de uma semana, e que logo, abandonam em busca de outro, onde reproduzem

a mesma vida de antes, prejudiciais e quase inúteis. 264

A descontinuidade do trabalho, marcado pela indolência do trabalhador, como

citado, traduzia a frustação dos ex-senhores em manterem ao menos parcialmente o

domínio sobre os libertos. A postura que se esperava dos ex-escravos, era certamente de

trabalhadores humildes, que deviam se submeter à tutela dos antigos senhores por

“lealdade e gratidão”. 265

A inconstância dos trabalhadores, para além da visão dos proprietários rurais,

pode significar a recusa desses em permanecerem e/ou aceitarem as antigas condições

que moldavam as relações de trabalho ainda no tempo da escravidão. Essas relações se

tornavam ainda mais conflituosas nas regiões agrícolas, onde a definição dos direitos,

privilégios e condição social dos libertos estavam marcadas pela experiência do

263

Revista Agrícola nº 5 de 15/03/1905. p 33. 264

Ibid., 1905, p. 34. 265

SCHWARCZ, Quase cidadão, 2007, p. 32.

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cativeiro. Eric Foner argumenta que, “Toda sociedade caracterizada pela grande

lavoura experimentou, ao passar por um processo de emancipação, um amargo conflito

em torno do controle da mão-de-obra ou, como pode ser mais bem descrito, da

formação de classes”. 266

A ausência de contratos que regulassem o trabalho após a abolição dificultava a

continuidade do exercício do poder senhorial sobre os trabalhadores. Para Henrique

Espada, “o vagabundo e o indigente no mercado de trabalho “livre” não são figuras

periféricas, revelam o cerne da nova condição do trabalhador: “trata-se de uma

indigência que não é devida à ausência de trabalho, mas, sim, à nova organização do

trabalho, isto é, ao trabalho „liberado””. 267

Um dos aspectos centrais na passagem do

trabalho escravo para trabalho livre foi à promoção de uma modalidade de trabalho que

havia sido não apenas marginal e sufocada pelo regime de tutelas, mas que era

considerada então propriamente degradante: a condição do assalariado. O que estava em

jogo, portanto, era a própria viabilidade da coesão social e da sociedade em última

instância. 268

Em torno dos significados dessa “liberdade” após a abolição se estabeleceu um

campo de lutas de enorme complexidade e extensão. Sua realidade empírica traduziu-se

em configurações que variaram desde a situação ideal-típica do trabalhador

independente assalariado até uma miríade de arranjos de trabalho que recombinavam

graus diversos de “liberdade” e compensação financeira pelo trabalho, com elementos

de coerção (física e pecuniária), tutela, trabalho compulsório e contratado, e ainda

formas análogas à escravidão, como a servidão por dívida. Como resultado dos conflitos

em torno do seu significado e alcance, nos anos posteriores à abolição o “trabalho livre”

construiu-se como uma realidade ambígua. 269

A mobilidade espacial do trabalhador livre, migrando em muitos casos entre

fazendas próximas, traduzia a esperança de talvez alcançar melhores condições de

trabalho e oportunidade de conquistarem suas próprias terras. Para os proprietários

rurais, essa mobilidade representava o desejo de rompimento dos libertos com as

lembranças do seu passado escravista,

266

FONER, Nada além da liberdade, 1988, p. 26 267

Ibid., 2005, p. 284. 268

Ibid., 2005, p. 292. 269

LIMA, Sob o Domínio da precariedade, 2005, p. 295.

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113

Raros, muitos foram os trabalhadores que a abolição deixou nos

engenhos, a estes ligados pelos hábitos do trabalho ou pelo amor ao lugar

em que nasceram. Como era natural, já quase, a todos, repulsa a aquilo

tudo que lhe lembrava do passado de cativeiro humilhante. Já pelo

sôfrego desejo e pela ânsia legitima de gozar a liberdade há tanto tempo

ambicionada, e afinal, alcançada, abandonaram as fazendas onde parecia que

as vidas a seguir, seria a continuação da mesma fruída até ali e as deixaram

no estado lastimável em que permanecem até hoje, a mercê das flutuações

dos trabalhadores de um dia, que passaram sem firmar raízes, nem deixarem

proveitos. E, com esse sistema, os proprietários no tempo das plantações,

lutam com as maiores dificuldades, em face mais do que a escassez de braços

para o trabalho, da incerteza de contar com esses mesmos, no dia de amanha

para estender as suas plantações desenvolvendo-as e melhorá-las270

. (Grifo

nosso)

Cientes de que para o liberto o trabalho da lavoura representava empecilhos para

a sua sobrevivência, logo os ex-senhores, colocavam-se no papel de vítimas nesse

enredo social, buscando que as autoridades republicanas adotassem medidas que os

beneficiassem. É possível perceber, através dos argumentos dos articulistas da revista

que por trás do lamento sobre a escassez da mão-de-obra, tanto ex-senhores e libertos

estavam conscientes que as relações de trabalho, já não se processariam conforme a

vontade de uma única parte, como era de praxes a predominância da vontade senhorial.

Nesse contexto, para os libertos, migrarem para outras regiões, ou até mesmo,

para fazendas vizinhas, significava “livrar-se das marcas da escravidão”, a fim de

destruir a autoridade real e simbólica que os brancos haviam exercido sobre todos os

aspectos de suas vidas. 271

Essas ações eram também entendidas pelas elites, como um,

anseio natural, já o trabalho do eito lhes lembrava do passado de cativeiro humilhante.

Conduzir suas vidas, pautada em suas escolhas, significava para os ex-escravos maior

autonomia e também exercício de sua cidadania. 272

Para os articulistas da revista, restava aos agricultores buscarem a via mais

conhecida por essa classe, a coerção, visando o engajamento da população livre ao

trabalho da lavoura. Sob essa perspectiva, a liberdade vinha repleta de obrigações. A

preocupação com a mão-de-obra expressava-se, portanto, na tentativa de guiar os

libertos para as zonas agrícolas e obrigá-los ao trabalho. Esse era o espaço que a

libertação dos brancos permitia e previa para os ex-escravos. 273

Em favor das elites sergipanas, a Lei Estadual de nº 98, de 23 de Novembro de

1894 passou a regulamentar a Locação de Serviços. Entretanto, os agricultores não se

270

Revista Agrícola de nº 5 de 15/03/ 1905. p 34. 271

Ibid., 1988, p. 70. 272

FRAGA FILHO, Encruzilhadas da Liberdade, 2006, p. 348. 273

SCHWARCZ, Quase cidadão, 2007, p. 37.

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sentiram contemplados em seus anseios, afirmando que a lei não inibia alternativas dos

libertos para obterem subsistência. Segundo a Sociedade Sergipana de Agricultura era

necessário adoção de outras medidas que a complementassem. 274

Em 1902, a Sociedade Sergipana de Agricultura, apresentou ao governador

Josino de Menezes, um Memorandum que reunia as ideias divulgadas tanto pela

imprensa quanto por autoridades locais, sugerindo medidas concretas para a

organização do trabalho livre no estado. Para a Sociedade Sergipana de Agricultura a

Lei de Locação de Serviços de 1894, pouco auxiliou na organização do trabalho,

principalmente, no tocante as restrições de atividades de subsistência, levando seus

membros a criticá-la no Memorandum que dentre outros objetivos, buscava descrever as

autoridades governamentais as suas reais necessidades para organização do trabalho

livre. 275

Entre os principais dispositivos desse documento, estava à regulamentação da

caça e da pesca, visando à restrição das condições de subsistência da população rural.

Ambas as atividades eram tidas como fonte de sustento à margem do mercado de

trabalho e no entender dos proprietários agrícolas contribuíam para a desorganização do

trabalho agrícola.

Sobre a lei de nº 98 de 23 de novembro de 1894, jamais se executou (...)

assim sendo, deveis indicar a Assembleia para legislar especialmente sobre a

caça e a pesca, pequenas explorações em que se nutre a mais abusiva

ociosidade, em detrimento geral da ordem e da regulamentação do trabalho,

além das consequências desastradas que do uso absoluto desse meio de vida

decorrem contra os fazendeiros. 276

Segundo a revista, a situação agrícola em Sergipe se encontrava: “ao meio da

desorganização completa, da anarquia quase absoluta, que nela imprime a vontade

caprichosa e sem freio do trabalhador habituado a indolência, e animada pelo interesse

de quem se contenta com quase nada para se viver de quem não se ambiciona o mais

diminuto pecúlio para amparar a prole e garantir o dia de amanhã”. 277

Essas

circunstâncias deploráveis ganhou notoriedade nas páginas do Memorandum,

274

Sobre a referida Lei consultar: APES , Compilação das Leis, Decretos e Regulamentos do Estado de

Sergipe. Volume III. 1894 a 1896. Aracaju Typografia do Estado de Sergipe, 1902. 275

IGHS – Acervo Sergipano. Nº 3683 – Memorandum 1902, p. 16. 276

Ibid. Memorandum 1902, p. 16. 277

Revista Agrícola nº 8 de 26/04/1905. p 68.

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115

Os estragos das culturas, as destruição de matos, os incêndios de campos, e

tantos outros prejuízos que sabemos nos atropelam, tem por base o abuso

dessa liberdade de que se servem esses malandros e preguiçosos, que

preferem a migalha da caça e da pesca ao salário abençoado e

contínuo.278

(grifo nosso)

O direito de optar por outros meios de subsistência pelos libertos, era traduzido

na visão dos ex-senhores como “liberdade demasiada”. Além dos conflitos em torno

das relações de trabalho, o documento manifesta as reclamações dos proprietários

rurais, referente a outros prejuízos, decorrente da arruaça contra suas propriedades, por

parte do “vandalismo” dos ex-escravos. As queixas de incêndios e roubo de gado eram

constantes. 279

Conforme o Memorandum, em Sergipe muitos eram os prejuízos que

agravavam as finanças dos senhores, como consta na citação. No Brasil, a destruição e

incêndio de campos e roças era uma estratégia utilizada pelos escravos, desde os tempos

da escravidão, constituía uma forma significativa de protesto.

Desde a escravidão, a queima de canaviais ou matas era uma forma de

sabotagem bastante utilizada pelos escravos. A destruição das rocas pelo

gado e a repressão aos que se recusavam a trabalhar nos canaviais criaram

uma atmosfera de ressentimento e contribuíram para elevar as tensões sociais

a um nível perigosamente explosivo. 280

Outra questão abordada no Memorandum foi a existência de terras devolutas

irregularmente utilizadas pelos libertos, o que nos dá a certeza de que as “populações de

cor” em Sergipe se apossaram dessas terras como alternativa para o cultivo de pequenas

roças de subsistência e possivelmente fonte de renda, através da vendagem de sua

produção excedente.

Não seria ocioso lembrar-vos que concorre muito poderosamente para a

ordem anárquica das coisas nesse Estado, no que diz respeito à organização

do trabalho, o abandono em que se acham as terras devolutas, usufruídas

abusivamente por indivíduos sem ocupação certa, que a pretexto de

possuírem aqui e ali, uma habitação, entregam-se a meios de vida

duvidosos, com prejuízos manifesto dos vizinhos laboriosos e ativos. 281

(grifo nosso)

278

APES, AG¹ pac 285 e 416. Sessão Agricultura. Sociedade Sergipana de Agricultura. Memorandum

apresentado ao Presidente do Estado de Sergipe Josino de Menezes em Aracaju 21/11/1902. Walter Fraga

mostra que nos anos posteriores à abolição intensificaram-se as queixas em relação aos incêndios de

canaviais. Para os proprietários rurais tais atos possuíam estreita ligação com a lei de 13 de maio. Em suas

conclusões, o autor infere que parte desses incêndios decorria dos conflitos que estavam ocorrendo nos

engenhos do Recôncavo baiano. FRAGA FILHO, Encruzilhadas da liberdade, 2006, p 152/155. 279

Conferir APES – Sp9 – Secretaria de Segurança Pública do Estado. 280

FRAGA FILHO, Encruzilhadas da liberdade, 2006, p 155. 281

Ibid., Memorandum 1902, p. 17.

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Ao analisar a faixa de riqueza das “populações de cor” em Sergipe, Sharyse

Amaral utilizou inventários da Região do Cotinguiba que possuíam posses até mil

contos de réis. Avaliando Laranjeiras, Maruim e Nossa Senhora do Socorro, a autora

constatou que os inventariados em geral possuíam pequena propriedade, que custavam

em torno de 80 a 500 mil réis. Nessas terras, além de casas de morar, haviam plantações

de cereais e coqueiros, casa de farinha, arvores frutíferas e outros. Segundo a autora

nesses inventários não ficaram evidentes a regulação das posses dessas terras, se havia

contrato de arrendamento ou de meação. Estando presentes diversas posses em terras

devolutas. 282

A mesma autora aponta que a utilização dessas terras, proveniente de

aldeamentos indígenas, desde 1867 já vinham sendo aproveitadas por pessoas “sem

título algum”, o que acarretava prejuízos para o Estado. 283

Analisando as três comarcas conjuntamente, temos que 41,4% dos

inventariados possuíam sítios em terras próprias. Número bastante elevado

para a menor faixa de riqueza. Ao que parece, estas pessoas aceitavam

trabalhar em terras alheias, mas, assim que conseguiam juntar algum

dinheiro, o investiam em seus próprios sítios, ou em salinas, ou, no caso das

cidades, em outros bens, como casas e canoas de aluguel. Dentre estes, 41%

não foram contabilizadas as “posses de terras”, nem as “terras devolutas” que

muitos, inclusive vários donos de sítios em “chãos próprios”, disseram

também possuir.

Contrariando o discurso da Sociedade Sergipana de Agricultura, em que, essas

terras eram utilizadas de forma improdutiva, pode-se observar que além, das casas de

morar, nesses pequenos espaços de terra, era produzido frutas, cereais e farinha de

mandioca a base alimentícia da população mais pobre desse período. A declaração de

posse de terras pelos inventariados do Cotinguiba, expressa à participação ativa do

liberto no mundo rural, mas, aplicando seu trabalho no desenvolvimento de produções

particulares, que de fato concorriam com as produções de seus vizinhos, levando-os a

terem prejuízos, como citado no Memorandum. A autora Hebe Matos, aponta que

grandes partes dessas terras eram cultivadas com o auxilio exclusivo de mão-de-obra

familiar, plantava-se além do necessário para o consumo, comercializava-se o excedente

da produção nas casas atacadistas ou em feiras locais. 284

282

AMARAL, Escravidão, liberdade e resistência em Sergipe, 2007, p. 220. 283

Ibid. p. 223. 284

MATOS, Quase Cidadãos, 2007, p. 67.

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A Sociedade Sergipana de agricultura tinha em vista a possibilidade das terras

devolutas serem empregadas no estímulo à formação de corrente imigratória de

estrangeiros, já que para eles: “a melhor forma de aproveitá-las, é dividi-las em lotes

regulares e distribuí-las (...) a imigrantes estrangeiros que podeis introduzir no Estado,

na firme crença que assim procedendo tereis marcado na história de Sergipe a mais

ilustre página em que se inspirarão as gerações futuras”. 285

Segundo Josué Subrinho, a

questão de terras devolutas em Sergipe sempre esteve sujeita a controvérsias e

manifestações de interesses divergentes. No período monárquico, quando deveriam ter

sido registradas as terras públicas, de acordo com a Lei de Terras de 1850, e de seus

regulamentos, várias Câmaras Municipais afirmaram não existir terras em semelhante

situação. 286

Por último, o Memorandum sugeria a criação de uma Colônia Correcional e a

formação da Policia Rural que atuaria, especificamente, a mando de particulares.

Constava no documento: “se organizardes o trabalho, ou para dizer melhor, se

determinardes a execução da lei de organização do trabalho, imprescindível se torna a

criação de uma colônia correcional, onde cumpriram as penas correspondentes aos seus

delitos, os trabalhadores que se tornarem delinquentes”. 287

A polícia rural surgia nesse

contexto como importante instrumento de coerção e regulamentação do trabalho,

medida aplicada com êxito em outras províncias do Nordeste. Na revista de nº 3, foram

publicadas na sessão Movimento agrícolas, várias resoluções bem sucedidas, adotadas

por províncias vizinhas para conter a desordem nas lavouras, dentre elas a

regulamentação da polícia rural de Pernambuco. Assim rege o regulamento,

Art. 1º - Ao dono ou rendeiro de proprietário agrícola assiste a faculdade de

nomear um ou mais vigias para a segurança e policiamento de seus campos,

lavouras ou fabricas.

Art. 2º a nomeação deve recair sobre pessoas de bons costumes e que estejam

na posse de seus direitos civis,

Art. 3º Ao vigia será permitido o uso de armas de defesa no exercício de suas

funções.

Art. 5º Os vigias terão as seguintes atribuições,

I – O policiamento e segurança dos campos, lavouras e fábricas da

propriedade agrícola, não podendo policiar além dos limites destas, salvo no

285

C. f CARVALHO, José Murilo de. O teatro das sombras: A política imperial. Rio de Janeiro, Ed.

UFRJ / Relume-Dumará, 1996. p. 301. 286

Conforme Subrinho, no momento em que o Presidente da Província estava analisando o Memorandum,

isto, é 1903, essas terras estavam em situação "pro-indivisu”, pelo menos quanto ao seu aspecto legal.

Nesse sentido, além de ser totalmente ilegal, ao menos desde 1854, quando foi regulamentada a Lei de

Terras de 1850, essa posse não registrada de terras as tornava devolutas e, portanto, de acordo com a

Constituição da Primeira República, Patrimônio do Estado de Sergipe. pp 305/306. 287

Ibid., Memorandum, 1902.

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caso de encontrar algum contraventor, podendo nesse caso, pedir auxilio do

policiamento da propriedade vizinha,

II – A prisão dos desordeiros ou malfeitores serão apresentados ao

proprietário ou rendeiro ou a quem substituir, para que seja o preso remetido

para o posto policial mais próximo com ofício, para que indiquem as

testemunhas e os motivos da prisão. 288

O poder da Polícia Rural, mesmo que restrito aos limites das propriedades

agrícolas, descentralizava o poder policial da administração pública e os colocava à

mercê de particulares. Com esse “poder” de coerção em mãos os ex-senhores poderiam

o exerceram de forma arbitrária. Será que esses “policiais rurais” seriam os mesmo que

antes da abolição desempenhavam a função de “capitão de campo”? Segundo Igor

Oliveira, esses capitães dedicavam suas vidas a prender escravos fugidos mediante a

recompensa dos senhores destes. 289

Lourenço Bezerra Cavalcanti Bravo, que já possuía

o titulo de “capitão do campo” adquirido através de solicitação na Secretaria de

Segurança Pública do Estado, foi responsável pela captura do negro fugido Januário no

povoado do Sítio do Meio, município de Propriá. Lourenço exigiu “por esta captura”

um soldo entre “30 mil réis e 40 mil réis”. 290

A diferença entre os “capitães de campo” e os aventureiros “capitães do mato”

tão já conhecidos pela historiografia da escravidão, consistia que os “capitães do

campo” possuíam função normativa vinculada ao governo, ou seja, assim como a

polícia rural, os “capitães de campo” trabalhavam para os proprietários rurais em defesa

de suas propriedades. Oliveira em seu estudo, também revela ter encontrado em várias

correspondências solicitações do título junto aos delegados municipais:

Em 1877, o senhor Francisco José de Santana se dirigiu até a delegacia de

polícia do termo de Capela “a fim de obter o título de Capitão de

Campo”. (grifo nosso) Como não era atribuição do delegado fazer tal

concessão, este expediu um ofício ao chefe de policia informando o seguinte:

O portador do presente ofício é o senhor Francisco José de Santana, morador

neste termo, que a muito me pede uma informação V. S. a fim de obter um

título de Capitão de Campo, ou que esta Delegacia o fizesse, porém não

tendo essas atribuições passo a informar a V. S. que o dito [...] tem se

dedicado a este ofício de capturar escravos fugidos, e outros negócios, de

quem tem sido encarregado, a tudo isto tem se prestado com prontidão [Sic.] 291

288

Revista Agrícola nº 3 de 15/02/1905. “Movimento Agrícola”, p. 21. 289

OLIVEIRA, Os negros do mato, 20101, p. 54. 290

APES. Fundo: SP¹, pacotilha: 705. Ofício do 1º suplente do delegado de polícia de Capela, Antônio

Pereira Resende, ao chefe de polícia da província de Sergipe, em 4 de janeiro de 1872. 291

APES. Fundo: SP¹, pacotilha: 08.Ofício do delegado de Capela, Ângelo Pereira de Andrade, ao chefe

de polícia da província de Sergipe, em 9 de outubro de 1877.

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Nos tempos da escravidão era uma prática comum os proprietários rurais

recorrerem aos trabalhos de feitores, “capitães do mato” e até “capitães de campo”, após

abolição, para a Sociedade Sergipana de Agricultura a Polícia rural desempenharia a

função de “vigiar e punir” os trabalhadores que desafiassem a autoridade patronal, ao

menos nos limites do espaço privado.

Em outro artigo, intitulado “O trabalho agrícola em Sergipe”, a Revista Agrícola

volta a discutir a questão da organização do trabalho enfatizando a ociosidade dos

libertos, sobretudo os caboclos e mestiços:

Dizer para que se saiba fora das nossas fronteiras, que é o negro boçal, o

caboclo indolente, ou o mestiço sem ambição, todos fracos, mal alimentados,

sem interesses ligados ao solo, nômades, maltrapilhos, ignorantes e

adoentados na maior parte pelo abuso do álcool, pelo impaludismo e mesmo

pelo efeito da vida errante que levam de fazenda em fazenda, a procura de

melhor ganho, isto é, do proprietário mais aflito pela urgência do

serviço, (grifo nosso) dizer que essa gente nos tem a discrição nos impõe

seus preços e modo e quando quer fazer o trabalho, e acrescentar que

vivemos satisfeitos com isso, porque ainda tentamos contra, é, não há de

negar cobrir-nos de vergonha, para não confessarmos incapazes da nossa

missão e muito abaixo da confiança comercial do conceito social de que

temos não obstante gozado.292

Além das queixas dos antigos senhores, como destacado na citação acima,

podemos visualizar outros aspectos importantes desse momento. É interessante observar

que os libertos não permaneceram apenas como figurantes. Pelo contrário, eles em

muitos aspectos se aproveitaram da situação onde se deslocavam “de fazenda em

fazenda, a procura de melhor ganho, isto é, do proprietário mais aflito pela urgência do

serviço”. Os ex-escravos aparecem nesse contexto, agindo estrategicamente,

contrariando os discursos dos que acreditavam que eles não possuíam consciência de

direitos, ou que, necessitavam de auxílio dos brancos para fazer valer de fato sua

liberdade. Hebe Matos infere que a competição pelo trabalhador liberto, acirrou-se

ainda mais após a abolição. Nos meses seguintes a abolição o governo imperial chegou

a publicar portarias concedendo passagens ferroviárias a grupo de trabalhadores que

apresentassem contratos de trabalhos nas zonas rurais, contrariando o acordo que

estabelecia a exigência de carta de recomendação dos libertos que deixassem as

fazendas de seus ex-senhores dentro da mesma freguesia. 293

292

Revista Agrícola, nº 8 de 26/04/1905. p 67. 293

MATOS, Quase Cidadãos, 2007, p. 59

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Fica evidente nos artigos da Revista Agrícola que esses senhores manipulavam

os discursos que eram produzidos, a fim de conquistarem a aplicação de medidas que os

beneficiassem. Esses discursos revelam cenas do cotidiano entre ex-senhores e libertos,

também caracterizam a representação do liberto, pelas elites no pós-abolição que em

muitos aspectos destoavam da realidade. Ao reproduzirem o “seu olhar” sobre a

realidade, acabavam também por criá-la nas formas simbólicas que elegiam. Afinal, sua

retórica não parecia fazer sentido só para eles mesmos, uma vez que, a revista circulava

pelos principais municípios sergipanos, sendo exposto numa comunidade de

significação que alcançavam aqueles que ouviam e reconheciam seus próprios

interesses.

Diante de tal “desordem”, provocada pela vida errante das “populações de cor”

livre e liberta, o articulista aponta três alternativas para solucionar o problema: primeiro,

a inovação tecnológica com a modernização dos engenhos; segundo, adoção do trabalho

livre do imigrante e; por último, a regulamentação do trabalho através de leis que

garantissem a continuidade do serviço da lavoura. Nos anos anteriores à abolição, como

já mencionamos, a multiplicação e modernização dos engenhos foram medidas adotadas

sem muito sucesso na busca de reanimar a lavoura, como aborda a Revista Agrícola.

Assim, a segunda opção seria a imigração, opção vista como inviável pelas elites

sergipanas, justificados pela crise econômica. Desse modo, as leis reguladoras do

trabalho se tornaram a principal elemento no combate à ociosidade e vadiagem, como se

percebe no artigo:

Qual o remédio, porém? Ou multiplicamos esses poucos braços e mãos, por

aparelhos e máquinas custosas, o que não é fácil pela deficiência dos nossos

capitais, ou substituímo-los pelos colonos europeus para o que também nos

falta o dinheiro, o preparo e a propaganda dos recursos do nosso Estado,

desconhecido nos estrangeiro, ou teremos que nos servir dessa mesma gente,

até melhores tempos, mas será preciso regulamentar o seu trabalho, interessá-

la ao solo e fixá-la, estabelecendo relações duráveis de direitos e deveres

entre trabalhadores e proprietários de modo a vivermos cercados de

verdadeiros auxiliadores em nossas fazendas.294

A ideia dominante é que após a abolição uma crise estrutural deixou os ex-

senhores a mercê dos caprichos dos trabalhadores rurais, ou até mesmo escravo de suas

próprias fazendas, como cita a revista agrícola: “O fazendeiro sergipano é um escravo

ligado à fazenda da qual não pode sair um só instante, com a certeza que o prejuízo é

294

Revista Agrícola nº 8 de 26/04/1905. p 67.

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inevitável”. 295

Para as elites, era preciso reprimir a crescente ociosidade e combater os

meios possíveis de subsistência que não fossem adquiridos com os salários das lavouras.

No Brasil, em torno da década de 20, as demandas por leis de compulsão ao trabalho

foram abandonadas. Em 1926, foi aprovada a emenda constitucional autorizando o

Congresso Nacional a legislar sobre o trabalho, tornando-se anacrônicas as demandas

por medidas de compulsão ao trabalho.

Nesse processo, a liberdade, para os ex-escravos, esteve dotada de muitos

significados: a possibilidade de movimentar-se sem a necessidade de autorização do ex-

senhores; o fim dos castigos corporais; a escolha de como e em que tempo trabalhar. 296

Ser livre, para os libertos, como afirma Silvia Lara, parecia estar longe de significar o

ideal de “vender a força de trabalho em troca de um salário” 297

, como desejavam os

membros da Associação Sergipana de agricultura.

O que parecia importar para os libertos era a necessidade de afastar qualquer

reminiscência dos tempos da escravidão, por isso o alto índice de rejeição aos trabalhos

na grande lavoura. Para alguns ex-escravos no Brasil, a liberdade parece ter assumido

diversas formas e sentidos culturais. Vários comportamentos e ações de libertos eram

marcados pelo desafio à autoridade senhorial. Suas atitudes muitas vezes caminharam

no sentido de destruir qualquer autoridade real ou simbólica que o ex-senhores tentasse

ainda impor. Neste sentido, não se diferiam dos libertos nos Estados Unidos. 298

Pelas suas próprias características intrínsecas, a implantação de um mercado de

trabalho “livre” não se deu de modo homogêneo e inconteste em lugar algum, prova

disso são as constantes reclamações das elites sergipanas em torno das diferenças da

vida de regalias dos proprietários rurais do Sul do país em relação aos do Nordeste.

Conforme a Revista Agrícola:

Diante desse quadro, que é real o seu acumulo de cores, o fazendeiro

sergipano é um escravo ligado à fazenda da qual não pode sair um só

instante, com a certeza que o prejuízo é inevitável, e quando não da

paralisação, da perturbação de todo o trabalho, em contraposição das

fazendas de São Paulo que reside nas grandes cidades, passeia, diverte-se,

certo de que sua fazenda tudo marcha com a regularidade precisa e proveito

constante299

.

295

IBID. p 68. 296

MATA, Os libertos do treze de maio, 2007, p. 182. 297

LARA, Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil, 1998. 298

FONER, “Os significados da liberdade”, 1998, p. 19. 299

Revista Agrícola nº 5 de 15/03/1905.

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A verdade é que, como já foi apontado, “definir escravidão e liberdade”

provocou e provoca “angústias políticas e conceituais”. O conceito de trabalho livre é

prova disso. A organização do trabalho livre mostrou ser um eixo fundamental de

debate e disputa porque colocava em jogo não apenas questões econômicas sobre a

organização e distribuição da força de trabalho, mas especialmente porque foi capaz de

mobilizar, do mesmo modo, temas como o do direito ao trabalho, a dignidade do

trabalho e o acesso aos direitos políticos que a “liberdade” implicava ou poderia

implicar. 300

Após a abolição da escravidão, tanto no âmbito nacional quanto regional, no

caso em Sergipe, para os libertos a ideia de “liberdade” adquire um significado novo:

passa a carregar a promessa, absolutamente nova, de acesso a direitos universais, que

implicavam outra forma de pertencimento que não passaria mais pela subordinação, mas

pela ideia de filiar-se a uma comunidade de direitos e de deveres cívicos. Entre eles, o

direito ao trabalho, mas também à propriedade, à remuneração digna, ao sustento

próprio, ao futuro. Do mesmo modo, o direito de escolher a quais redes de sociabilidade

e interdependência, a quais relações de solidariedade, a quais vínculos de sentimento

pertencer. Liberdade poderia significar, enfim, poder dar um sentido autônomo a esse

novo pertencimento.

300

Ibid. 2005, p. 308.

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123

IV – Capítulo

Os códigos e suas (im)posturas: o Código Rural em Sergipe.

O discurso de completa desordem econômica e social após a abolição foi em

grande parte retorica das classes elitistas sergipana, buscando ao longo do processo de

reestruturação social após a emancipação preservar benefícios garantidos no “tempo da

escravidão”, tal como, o poder sobre a regulamentação do trabalho. A Revista Agrícola,

principal arma na defesa dos interesses das classes dominantes colacionada a outras

fontes, deixou revelar que seus artigos, produzidos de forma manipuladora, conseguiam

atingir boa parte da população e principalmente das autoridades governamentais que a

mercê das vontades dos proprietários rurais, donos de boa parte das riquezas do Estado,

acabavam cedendo as pressões, adotando medidas coercitivas que regulassem o trabalho

e também os trabalhadores livres, numa perspectiva muitas vezes mais tendenciosa ao

favorecimento dos ex-senhores.

Nesse capítulo, buscaremos avaliar tais medidas como as Posturas Municipais e

o Código Rural que refletiam em seus regulamentos a vontade expressa dos

proprietários rurais em submeterem as “populações de cor” em Sergipe ao trabalho

compulsório. É importante salientar que se já não havia o direito de propriedade que

durante o regime escravista permitia aos senhores de escravos dominarem o trabalho de

suas “propriedades humanas”, após a abolição, foi preciso muito contorcionismo

intelectual para conseguir que a liberdade fosse de fato cumprida. Desse modo,

analisaremos como tais medidas alteraram as relações de trabalho em Sergipe a partir de

um viés regulador, a própria lei.

Na Região do Cotinguiba cinco municípios adotaram posturas municipais que

tinham como objetivo principal regular o trabalho. A formulação dos códigos visava

atender às especificidades de cada município, entretanto, todos se assemelhavam

especialmente nos dispositivos referentes à repressão da vagabundagem. 301

O código de posturas do Município de São Cristóvão era um dos mais rígidos.

Além da proibição da caça, aplicava multa de 5$000 (cinco mil conto de réis) ou quatro

dias de prisão para quem fosse encontrado, sem motivo justo, dentro de roças ou

301

Além de São Cristóvão e Laranjeiras, o Código de postura também foi adotado pelos Municípios de

Siriri, publicado no Jornal O Republicano de 11/02/1891; Nª Senhora das Dores, publicado no Jornal O

Republicano de 12/03/1890; Maruim, publicado no Jornal Gazeta de Sergipe de 07/11/1893 e da Vila de

Japaratuba, publicado no Jornal O Republicano de 14/03/1890.

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pomares. Versava especificamente sobre a vagabundagem, os artigos 81 e 88 que

diziam: “o individuo que, morando nos subúrbios desta cidade não mostrar uma ou mais

tarefas de terra plantada, mostrando assim ter ocupação, pagará multa de 50$000 ou

sofrerá dois dias de prisão. Os policiais devem velar com todo escrúpulo sobre a

vadiagem (...), as pessoas que forem encontradas pelas ruas sem ocupação (sem reserva

de sexo) será obrigada pelo fiscal obrigada a limpar as ruas, se desobedecer sofrerá 24

horas de Prisão”. 302

No código do município de Laranjeiras, a principal medida era o trabalho

compulsório. Incorporando em seus dispositivos parte da declaração de direitos do

projeto da Constituição Estadual, que estabelecia a obrigatoriedade do trabalho lícito.

Consta em seu artigo 1º:

É proibido nesse município a permanência de qualquer indivíduo válido,

tanto do sexo masculino, como do sexo feminino que não mostre exercer

indústria útil ao lugar.

§1º Todo aquele que não tiver ocupação lícita, será internado para os

estabelecimentos agrícolas, onde terá o salário correspondente ao seu

trabalho, ficando sujeito a uma vigilância escrupulosa e incessante.

§2º Recusando-se ao trabalho qualquer indivíduo que nessas condições se

ache, ou retirando-se temporariamente da ocupação em que estiver, no intuito

de continuar na indolência, incorrerá na pena de dez dias de prisão que será

repetida tantas vezes quantas na mesma reincidir. 303

Mesmo os não que aprovavam em tese as medidas de repressão à vadiagem e à

ociosidade, eram muitas vezes coniventes com os abusos por parte das autoridades

investidas de tais dispositivos legais. Alguns jornais colocaram em evidência a

discussão os direitos civis, denúncias de castigos corporais aplicados aos trabalhadores,

o que comprometia para eles, tanto o Estado quanto à República. 304

Ignácio, jornaleiro, trabalhava ao preço de mil e duzentos réis o dia para o

Coronel Felisbelo Firmo de Oliveira Freire, às cinco horas da tarde (provavelmente

horário de término do dia de trabalho) Ignácio mudava de dez em dez toras (de madeira)

de um lugar para o outro, o dito Coronel mandou que o mesmo carregasse mais de dez

de cada vez, alegando não ter forças para tal, Ignácio foi espancado e preso a cordas

pelo Coronel que se sentiu ofendido com tal resposta. 305

302

BEPD, Código de Posturas do Município de São Cristóvão. Publicada no Jornal Gazeta de Sergipe de

20/08/1893. 303

BEPD, Locação de Serviços do Município de Laranjeiras. Publicada no Jornal Gazeta de Sergipe de

10/10/1891. 304

BEPD, Jornal O Paiz de 04.03.1898. 305

APES, Sp9 volume 12. Auto de Perguntas. 1898.

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Segundo o Jornal O Paiz em vários pontos do Estado, ainda vigorava a prática

de castigos corporais aplicados aos trabalhadores. “Pessoa Fidedigna nos informa que

no termo de Capela o cidadão Manoel Barbosa que é suplente da autoridade policial,

tem no engenho denominado Quemdera tronco, palmatória, e etc, para aplicar castigos

em seus trabalhadores”. Segue afirmando que tais medidas bárbaras eram incongruentes

com a República. 306

Sergipe não foi a única região a experimentar a violência contra

ex-escravos após a abolição. Esse foi um recurso muito utilizado também em outras

regiões do Nordeste açucareiro. Estudos apontam que na Bahia, por exemplo, alguns ex-

senhores, descontentes e indignados com a lei, usaram o dispositivo da força

imprimindo, na relação de trabalho livre, aspectos e marcas que caracterizaram a

escravidão. Tentavam não perder a autoridade e os “direitos” advindos da posição

senhorial. 307

No Rio de Janeiro e no sul de Minas, surgiram denúncias de manutenção do

cativeiro em várias fazendas. 308

No sul dos Estados Unidos, as ações violentas contra

os libertos se deram a partir da tentativa dessa população de viverem fora do controle

dos seus ex-senhores. Lá, alguns libertos foram espancados e assassinados por “tentar

deixar as fazendas, discutir ajustes contratuais, ou seja, não “trabalhar do modo

desejado” e alguns casos resistirem aos açoites”. 309

Entretanto, para os proprietários rurais era preciso sancionar um código que

legislasse sobre todo o Estado. Com a finalidade de suprir tais demandas em 1905, o

Código Rural passou a vigorar em Sergipe. 310

Formulado pela Sociedade Sergipana de

Agricultura, entre os principais objetivos estavam: regulamentação das propriedades e

indústrias agrícolas e pastoris; conservação e reconstituição de florestas,

regulamentação sobre fontes de utilidade pública, vias de comunicação terrestre e

fluvial, a caça e a pesca, a higiene e a salubridade nas propriedades rurais e povoações;

a repressão à vadiagem e mendicidade e por fim, a organização do trabalho rural. 311

Ou

seja, uma continuidade de repressão ao direito do Liberto de exercerem de forma

autônoma suas atividades. Esse código traduzia em síntese dos os anseios dos

306

BEPD, Jornal O Paiz de 04.03.1898. 307

MATA, Iacy Maia. Libertos de Treze de Maio. Ex-senhores na Bahia e conflitos no pós-abolição.

Afro-Ásia de nº 35, 2007, 163-198. p. 176. 308

CASTRO, Das cores do silêncio, 1995, p. 311. 309

FONER, “O significado da liberdade”, 1998, p. 73. 310

Decreto de nº 537 de 21 de agosto de 1905, foi estabelecido o Código Rural em Sergipe, que

compreendia 195 artigos, distribuídos em 21 capítulos. Publicado na publicado na Revista Agrícola nos

exemplares de nº 17, 18 e 19. Ano 1905. 311

APES - Coleção de Leis e Decretos de Sergipe 1904/1905.

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proprietários rurais em regulamentar o trabalho da lavoura, desejo não logrado nas leis

anteriores, tal como a Lei de locação de serviços de 1894, as Posturas Municipais do

final do século XIX, e do Memorandum de 1902.

O código estabelecia e consagrava o direito à liberdade das pessoas e

propriedades rurais; as restrições aquelas com vistas ao bem de terceiros e ao bem

comum; as prescrições referentes ao solo das propriedades rurais públicas e particulares,

e também as disposições concernentes à Polícia rural. 312

No tocante ao atendimento das

reivindicações da Associação Sergipana de Agricultura, o Capítulo XI - dos Contratos

rurais - versava sobre as finalidades do contrato rural e definia as atuações de patrões e

empregados. O trabalhador rural poderia ser Jornaleiro, empregado por mês ou ano, ou

colono. O jornaleiro seria o trabalhador rural que vende seu serviço por dia, o

empregado, o que vende seu serviço por mês ou ano; e o colono, o que isoladamente ou

com a família toma a seu encargo o cultivo de uma área de terra, onde se instala

mediante contrato previamente estabelecido.

Os contratos com os colonos poderiam ser: de empreitadas, com salários no final

o serviço; parceria, cujo pagamento corresponderia à parte da lavoura ou renda; por

parte da terra, que seria pago em moeda corrente ou produtos, um percentual dos bens

produzidos. Além dessas classificações, os trabalhadores agrícolas poderiam ser

agregados, os quais seriam moradores sem contrato, limitando-se em geral à vigilância

dos sítios onde se achassem instalados e, eventualmente a prestação de outros serviços

de caráter transitório. O código ainda estabelecia que para ter acesso a direitos e

vantagens nele previstos, tanto proprietários quanto os trabalhadores deveriam, no prazo

máximo de um ano após sua publicação, possuir contratos por escrito e de acordo com

suas disposições. 313

Os acordos poderiam ser rescindidos pelos seguintes motivos: impontualidade

do patrão no pagamento, mau trato ou violência física imposta pelo patrão ao

empregado, descumprimento das cláusulas do acordo, desobediência a ordens expressas

e não exorbitantes do contratador, ato repetido de turbulência ou desacato por parte do

contratado, vício contumaz. E em qualquer hipótese poderia ser rescindido por decisão

amigável entre as partes ou por decisão judicial. 314

312

Revista Agrícola de nº 18 de 30/09/1905. p. 159 a 168. 313

Ibid. nº 18, 1905. 314

Revista Agrícola nº 19 de 15/10/1905. Código Rural, Capítulo XVIII, p. 171.

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No art. 110, consta que, a não ser de acordo com os recursos legais dados pelo

código nenhum proprietário poderia obrigar por meios violentos seus trabalhadores ao

serviço, mesmo previsto em contrato, incorrendo em pena especificada no art. 204 do

Código penal. Com o propósito de viabilizar a aplicação do código e da legislação

Federal, Estadual e Municipal, no Capítulo XVIII previa-se a organização da Polícia

Rural nos seguintes termos:

Art. 177 . À Polícia Rural cabe assegurar, de acordo com as leis da União e

do Estado e as resoluções e posturas municipais, a manutenção da ordem e da

segurança pública, a proteção dos direitos das pessoas e das propriedades

rurais, prevenindo, vigiando e auxiliando com eficácia as autoridades

judiciárias e municipais na execução das leis, resoluções e posturas do que

dispõe esse Código. 315

A Superintendência da Polícia Rural seria exercida nos municípios pelo poder

executivo e pela “polícia particular”, quando organizada com a autorização do governo,

como citamos anteriormente, formada por antigos “capitães do campo”. Incorporava

dispositivos do Código penal e fiscalizava as seguintes contravenções: Jogos de azar,

embriaguez, vadiagem, mendicidade exercida por indivíduos aptos para o trabalho,

exercícios contrários à boa ordem e segurança pública e conservação em estado de

liberdade de animais ou pessoas que, por sua natureza ou estado particular, pudessem

causar danos a outrem. 316

Em 1906, ano seguinte ao da publicação do Código Rural, mais uma vez a

expectativa dos proprietários parece não ter sido atendida. Na voz de Theodureto

Nascimento as reivindicações dessa classe prosseguiam nas páginas da Revista

Agrícola:

É irrisório mais é verdade. E porque assim abrimos a porta nós mesmos, a

invasão e destruição das nossas propriedades, nada mais ali é respeitado: o

roubo dos canaviais e das roças, onde se encontram cereais ou fruto

comestíveis os incêndios muitas vezes proposital e a vagabundagem

provocante de gente que não precisa trabalhar (...) Este ano então o fato

atinge proporções de verdadeira calamidade. Estou informado que todo o

Estado se encontra carbonizado; os pescadores incendeiam as margens dos

rios e os caçadores as matas e os campos com cercas e plantações (...) O que

fazer se, porém não temos no Código Rural em execução, leis regulando

a caça e a pesca, a repressão à vagabundagem nos campos e as

indispensáveis regulamentações do trabalho agrícola? E se leis existe em

315

Revista Agrícola nº 19 de 15/10/1905. Código Rural, Capítulo XVIII, p. 171. 316

Revista Agrícola nº19 de 15/10/1905. Código Rural, Capítulo XIX, p. 172.

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perfeita e completa, quem se interessaria por elas, ou quem prestaria a

executá-la?317

. (grifo nosso)

Para os proprietários rurais, as restrições à caça e à pesca e coleta de produtos

silvestres, que eram utilizadas como forma de subsistência por parte da população rural,

nas disposições do Código não atenderam as expectativas. O capítulo que versava sobre

essas atividades rege-as com base nos regulamentos federais e define que pesca

marítima é livre nos mares e rios do Estado. Quanto à coleta de frutos e à caça é

proibida em áreas publicas, salvo se concedido licença prévia, estabelecidas pelas

posturas municipais. 318

Na visão dos articulistas da revista, o Código Rural não representou grande

mudança, uma vez que, a proibição dessas atividades em áreas públicas e particulares

dependia de uma fiscalização eficaz que para os proprietários rurais não havia sido

contemplada. A Polícia Rural que era o objeto de maior esperança no combate a essas

atividades, não chegou a ser regulamentada. O contingente policial era limitado e a

criação de um corpo policial especializado, esbarrava nas restrições orçamentárias do

Estado.

O desejo de boa parte dos proprietários rurais era que toda população pobre e

sem vínculos, fosse considerada vadia e, portanto sujeitas a penalidades legais. O que na

prática não era possível, pois a vadiagem estava definida no Código Penal e havia um

arcabouço constitucional e federal que limitava o campo de atuação e o aprofundamento

da Legislação Estadual.

Na Bahia, o Código Rural, não passou do papel. O projeto foi alvo de protesto

pelos trabalhadores baiano, quanto ainda tramitava na Assembleia Legislativa319

. O líder

operário Domingos Silva declarava, que o chamado projeto nº 65 feria de modo

vigoroso não apenas as liberdades e garantias constitucionais dos trabalhadores, mas

também as de suas famílias. Por fim, o capitão da Guarda Nacional Domingos,

consignava que a finalidade da Assembleia que convocara era a de usar os “meios legais

317

Revista Agrícola nº 27 de 15/02/1906. A praga dos Incêndios. pp 253 e 254. 318

Revista Agrícola nº 19 de 15/10/1905. Código Rural, Capítulo XVI, p. 170. 319

CASTELLUCCI, Aldrin. A experiência da escravidão e a constituição de uma identidade operária na

Bahia da Primeira República. In: XXIV Simpósio Nacional de História, São Leopoldo. Comunicação.

São Leopoldo: ANPUH, 15 a 20 jul. 2007. O autor faz uma análise sobre a repercussão do projeto do

Código Rural na Bahia. Apontando que, o mesmo foi alvo de vários protestos, sendo o mais importante

deles realizado em 25 de maio de 1893, quando o operário da construção civil Domingos Francisco da

Silva fez uma convocação dirigida à classe operária baiana para uma reunião às 11 horas da manhã de

domingo, 28 de maio, na sede do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, com o objetivo de protestar contra o

Projeto de Código Rural, o qual tramitava na Assembleia Legislativa do Estado.

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e pacíficos” que lhes eram garantidos para exigir que os “patrióticos” deputados baianos

fizessem desaparecer o referido projeto. 320

Em suas palavras, o operário afirmava que,

“sob o pretexto de “repressão da vagabundagem” e de “proteção à lavoura”, o que se

pretendia era impor um regime de “disfarçada escravidão dos fracos sob o jugo dos

fortes”. 321

Para o historiador Aldrin Castellucci, o principal receio desses operários era a

restrição a sua autonomia. O Projeto de Código Rural dava motivos para que parte

significativa da classe operária baiana temesse uma tentativa de re-escravização,

principalmente se considerarmos que ela era fundamentalmente formada por um enorme

contingente de negros e mestiços nascidos na vigência do regime escravista, derrubado

há apenas cinco anos. 322

O projeto estabelecia que todo trabalhador, urbano ou rural,

deveria portar uma “papeleta” na qual deveriam constar seus dados e referências

patronais. O cidadão que fosse encontrado nas ruas sem a devida “papeleta” deveria

pagar multa e na falta de recurso, poderia ser detido e forçado ao trabalho de comuna

por até 30 dias. Tais dispositivos desagradavam em muitos aspectos os trabalhadores

baianos, motivando-os a se posicionarem contra a aprovação do projeto. 323

Aldrin Castellucci, acredita que o projeto do Código Rural baiano, seja um

desdobramento dos trabalhos de uma comissão formada por ato do então Governador

Manoel Victorino Pereira (1854-1903), em 21 de fevereiro de 1890, que tinha por

objetivos declarados “estudar e apresentar projetos de um código e polícia rurais e de

uma legislação florestal e de terras” 324

. Walter Fraga aponta que em outubro de 1890, o

periódico baiano Jornal de Notícias, comemorava a conclusão do Código Rural, que

prestaria um grande beneficio aos lavradores, atuando como “remédio” para a suposta

vadiagem do trabalhador rural, principalmente os egressos da escravidão. 325

O projeto do Código Rural surgiu num contexto de crise, onde a principal

finalidade era ao menos acalmar os ânimos dos proprietários rurais. Em Sergipe a

imprensa, principalmente a Revista Agrícola, veiculava as exigências dos proprietários

320

Jornal de Notícias, Salvador, 26 mai. 1893, p. 2. Apud, CASTELLUCCI, 2007, p. 1. 321

Ibid, 2007, p. 2. 322

Ibid, 2007. p 2. 323

Ibid., 2007. p 3. 324

APEB, Seção Republicana, Documentos da Secretaria de Governo, Caixa 1760, Doc. 1753 (Atos de

1890), p. 14. Os membros da comissão eram os seguintes: Desembargador Thomaz Garcez Paranhos

Montenegro, Dr. José Marcelino de Souza, Dr. José Gonçalves da Silva, Dr. Francisco Muniz Barreto de

Aragão e Dr. Antônio de Cerqueira Lima. Apud, CASTELLUCCI, 2007. p 4. 325

FRAGA FILHO, Encruzilhadas da liberdade, 2006, pp. 158-159.

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rurais em favor da edição do Código Rural, Aldrin Castellucci assinala que o mesmo

aconteceu na Bahia,

O Jornal de Notícias publicou um editorial no qual lhe fazia elogios ao

governo por estarem elaborando um “código rural” por meio do qual

prestaria “grande serviço aos lavradores”, já que por meio dele a “ordem” no

trabalho seria mantida e a “indolência” seria combatida. Segundo o editorial,

o “código rural” seria uma “força modificadora” dos “vícios de herança” e

dos “defeitos de educação” que pesavam sobre os trabalhadores

brasileiros326

.

Mas, para esse autor, o caráter explosivo da situação política, a complexidade do

tema e o amplo e contraditório conjunto de interesses envolvidos tornaram impossível a

execução do projeto na Bahia. De todo modo, o que é importante assinalar é que a

simples apresentação de um documento com tal conteúdo e a reação operária

imediatamente organizada contra ele, é significativa para analisarmos o pensamento das

elites baianas e como a experiência da escravidão marcou profundamente os

trabalhadores e o próprio processo de constituição da identidade operária. 327

Em Sergipe, o Código Rural conseguiu ser estabelecido quase duas décadas

depois de sua projeção na Bahia. As viagens entre esses dois territórios e a presença de

vários estudantes sergipanos, filhos de importantes proprietários rurais, talvez tenha

permitido e inspirado os membros da Sociedade Sergipana de Agricultura a

participarem das discursões sobre a formulação do Código Rural na Bahia. Em Sergipe

não encontramos documentos que comprovem oposição ao código por parte de

trabalhadores, o que inferimos ser em função da tardia formação de uma classe operária

sergipana organizada em sindicados, visto que a industrialização do Estado ocorreu

somente nas décadas iniciais do século XX.

Depois da edição do Código Rural, houve arrefecimento na campanha pela

“organização do trabalho”, por parte dos integrantes da Sociedade Sergipana de

Agricultura, porém, ela não foi suprimida. Nos relatórios de alguns delegados do Estado

podemos observar as dificuldades por parte das autoridades públicas em fazerem

vigorar a lei, principalmente no tocante à vadiagem. Consta no relatório do delegado

regional de Laranjeiras:

É verdade que naquela vila encontram-se algumas pessoas desocupadas,

como costuma existir nessas localidades do interior do Estado. Entretanto não

326

Jornal de Notícias, Salvador, 11 out. 1890, p. 1. Apud, CASTELLUCCI, 2007. p. 4. 327

Ibid. 2007. p 4.

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encontrei nenhuma que por seu procedimento se tornasse perigosa à

sociedade. (...) São apenas pessoas que não tendo trabalho constante e certo,

ora estão ocupadas ora vadiando. As famílias residentes na Vila não se

queixam de nenhuma alteração da ordem. 328

O delegado prossegue expondo que também não encontrou casa de jogos e,

portanto, não existiam jogadores profissionais na Vila. Tendo procurado dois dos

principais proprietários rurais da localidade, coronel Adolpho Rollemberg do Escurial e

coronel Felisberto do Belém, o delegado ouviu deles as mesmas queixas sobre a falta de

trabalhadores. Nas palavras dos coronéis: “existem muitas pessoas que ficam em suas

casas em vez de ir trabalhar, quando não fazem questão de salário”. 329

Na visão do delegado, bem diferente das dos Coronéis, o que os proprietários

rurais desejam era que o povo se entregasse com mais ardor ao trabalho, o que de fato

não acontecia. Muitos optavam por meios alternativos de garantirem sua subsistência

sem precisarem dos trabalhos da lavoura, nem por isso, o delegado, como se observa em

suas palavras, poderia os classificar como vadios, visto que exerciam alguma atividade,

mas, em favor próprio. Nas conclusões do delegado podemos ver claramente a

ambiguidade das leis coercitivas no tocante a sua aplicação:

Mas para ser executada semelhante medida (trabalho compulsório), seria

preciso que em cada termo existisse uma grande força policial a percorrer

diariamente as casas das pessoas que vivessem desse trabalho (caça e pesca),

para, as encontrando algum em casa a preguiçar, obrigá-los a seguir para o

trabalho (da lavoura). Poderia ser isto? Por outro lado não creio muito em

grande preguiça do povo, devido à facilidade que eles encontram para sua

subsistência, como lhes informaram algumas pessoas do Estado. Não me

consta, por exemplo, que em nenhum engenho grande ou pequeno daquele

termo, deixassem de moer devido à falta de trabalhadores. 330

O que fica evidente nas palavras do delegado é que, em muitos casos essa

população livre considerada ociosa, ao dedicar-se a outras atividades para além dos

trabalhos da lavoura, estava constantemente desafiando a ordem social. Também eram

esses desafios que davam sentido às lutas políticas dos trabalhadores para conquistarem

o direito à liberdade nos seus próprios termos. Após a abolição, para os libertos, antes

de qualquer coisa, em termos ideais, o mundo do trabalho livre representava: liberdade

de escolha; ausência de coerção para o trabalho; capacidade de mobilidade dos

trabalhadores; impessoalidade na relação patrão/empregado; mas também oferta de

328

APES, Sp¹ 214. Relatório da Vila de Itaporanga em 30/12/1914. 329

Ibid. Sp¹ 214. 330

Ibid., Sp¹ 214.

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oportunidades de trabalho e possibilidades de acesso a elas por parte dos

trabalhadores.···.

4. 1 – Os destinos da liberdade: “a sedução dos nossos pretos”.

Não é certo, o trabalhador de Sergipe nos impõe além do preço, serviços

feitos com uma enxada estritamente deitada, em ângulo agudíssimo, os quais

não afrouxam o terreno e apenas podam o mato, quando não é somente

machucado e dolosamente coberto? Não é verdade que a chuva de inverno, o

sol ardente do verão, ou simples orvalho das nossas manhãs de primavera,

constituem os obstáculos aos nossos serviços dando-nos lavouras doentias,

sem rendimentos, e muitas vezes produtos enfezados e sempre

depreciados?331

Como citado na epígrafe, vários eram os questionamentos em torno da crise da

lavoura em Sergipe, porém, o principal argumento presente nos artigos publicados na

Revista Agrícola era a deficiência da mão-de-obra. Nesse contexto, o segundo ponto

debatido constituía a emigração dos trabalhadores livres para regiões mais prósperas do

país nos anos posteriores à abolição.

A mobilidade espacial de grande parte dos libertos era outro ponto crucial,

sempre presente nos discursos das elites sergipanas. Fato que nos instigou a inquirirmos

quais os destinos dessa população? Quais os anseios que os moviam? Prevalecia entre

os proprietários rurais a visão de que as “populações de cor” prejudicavam a marcha de

civilização e progresso que as elites pensavam para os estados brasileiros no limiar da

República, então porque o incomodo dessa classe com a saída desses “marginais”?

A ênfase na emigração ressaltava os interesses dos agricultores sergipanos em

buscar meios de atrair novos braços para a lavoura. Pois, via-se na imigração a solução

para os problemas do trabalho. Em relação a outros estados, para os proprietários rurais

“era vergonhosa a falta de iniciativa em Sergipe”, 332

apesar dessa peculiaridade não ser

exclusiva dessa região. Outras províncias do nordeste, tais como, Bahia e Pernambuco

também não receberam grandes levas de imigrantes. O sul do país, no tocante à

imigração, apresentava benéfico resultado para a agricultura o que chamava a atenção

dos proprietários rurais sergipanos, porém, quase vinte anos após a abolição, para

Sergipe, esse não parecia ser o caminho mais viável, pois o mesmo atravessava rígida

331

Revista Agrícola nº 8 de 26/04/1905. p 67. 332

Revista Agrícola de nº 5 de 15/03/1905. p 35.

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dificuldade econômica. Conforme a Revista Agrícola era o exemplo bem sucedido da

substituição do trabalho livre ocorrido nos estados do Sul, que deveria inspirar a

imigração como solução econômica para Sergipe:

Não há, portanto, receio, de como os Estados do Sul, que pela organização do

trabalho e larga corrente de imigração sucedeu a superprodução do café,

Sergipe contribua para a superprodução do açúcar. Mais isto, que quanto a

nós, honra o adiantamento, o progresso e a energia do Sul, envergonha e

humilha as instituições dos progressos sergipanos.

Trabalhar em obras de construção civil, principalmente grandes obras públicas,

como ferrovias, portos, obras de saneamento espalhadas por todo o território nacional,

nos seringais da Amazônia, nas lavouras de Café paulistas, nas plantações de Cacau do

Sul da Bahia, procurar um lugar no mercado de trabalho urbano das cidades que

cresciam nas nascentes indústrias, nas forças armadas e nas policias estaduais, onde

estavam protegidos da concorrência dos imigrantes estrangeiros, era algumas das

possibilidades ofertadas pelos empregadores e demandas pelos trabalhadores

sergipanos. 333

Parte dessa população avistava na emigração uma alternativa mais viável de

subsistência ou de melhoria de seu padrão de vida. Nos artigos da Revista Agrícola

“Imposto de sangue” e “Venda de Homens”, para os articulistas, a escassez de mão-de-

obra para o trabalho da lavoura estava acoplado ao aliciamento indiscriminado dos

trabalhadores sergipanos para outros estados, como noticiado pelos jornais locais. As

elites chegaram a comparar Sergipe a uma “África brasileira”, enfatizando que tais

atitudes acarretavam ainda mais prejuízos para as finanças do Estado:

Os nossos ilustres colegas do “estado de Sergipe” já tem noticiado nos

precisos termos esses fatos revoltantes que há dois anos ocorrem em nosso

estado, sem que tenha até agora levantado contra ele o necessário protesto.

Aliciar patrícios nossos fazendo antever nas inóspitas plagas do Amazonas,

onde são considerados como qualquer mercadoria um eldorado de indizíveis

grandezas, explorarem assim a índole aventureira de nossa gente que já

pagou com grande número de vidas tão humilhante negócio para nossa

civilização, tem sido a especialidade indústria de um português de nome

Guilhermino quem tem percorrido o centro do nosso Estado onde atualmente

se acha em plena atividade (...) Cumpre mandar o português Guilhermino a

outra parte, ou melhor a seu país onde há movimento emigratório favorável

ao seu comércio, sem que isso cause ao Estado prejuízos e danos que aqui

ocasiona entre nós. 334

333

SUBRINHO, Reordenamento do trabalho, 2004, p 387. 334

Revista Agrícola nº 8 de 1/05/1905. “Venda de Homens”. p. 67

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134

Por correspondência, Theodureto Nascimento, recebe do interior do Estado uma

carta do proprietário do Engenho Tabuia em Divina Pastora de Francisco Lucindo

Prado, denunciando o abuso do aliciador português Guilhermino:

Há cerca de dois anos chegou aqui dos seringais da Amazônia um português

de nome Guilhermino de tal, arrebanhando certo número de trabalhadores,

para ali conduzidos. E agora ei-lo de volta aliciando em larga escala os

nossos aventureiros patrícios para uma nova leva aquela inóspita região, para

não dizer, açougue humano. E não obstante tendo falecido um grande número

dos que tem ido e de sofrerem outros brutais tratamentos e rigorosa

escravidão das pessoas que foram consignadas, com raras exceções, com

grande êxodo esta preparado para acompanhar a seguir muito breve aquele

audaz aliciador. Vê pois V.S quão prejudicial será para nossa lavoura que se

resistirá de falta de braços se assim continuar o estado das causas. E com

subida estima e consideração subscrevo-me.335

.

Nesses artigos a revista denunciava que a escassez de mão-de-obra, era agravada

por consequência do aliciamento de sergipanos, trabalhadores que iam fazer prosperar

as riquezas alheias, sendo estes fatores, ainda mais agravados pelo engajamento

indiscriminado de homens aptos ao trabalho nas fileiras do Exército.

Queremos nos referir a levas e levas de trabalhadores, que aqui têm sido

aliciados para o Amazonas, S. Paulo, E. Santo e Bahia, onde muitas vezes são

negociados como quaisquer mercadorias e onde por sem trabalho, vão

multiplicar a riqueza alheia enquanto nossas fazendas desertas de suas

atividades mergulham na ruína nossa desolada lavoura, cada vez mais

depauperada e desprotegida. Referimos ainda com o pesadíssimo contingente

a que contribuímos para as fileiras do nosso exercito territorial e marítimo,

que não satisfeitos com o que espontaneamente lhe damos, aqui não cessa de

mandar comissários a engajar gente, facilitando a sensível e já ruinosa

despovoação do Estado336

.

Nas estimativas apontadas pelo Jornal Correio de Aracaju, destinando-se a

Amazônia ou ao Sul “aproximadamente quinze por cento do provável meio milhão de

habitantes que vivem dentro do nosso Estado, demandam anualmente o exterior

dele”.337

Para Subrinho, houve uma superestimação do número de emigrantes

sergipanos, na ânsia de chamar a atenção das autoridades e da opinião pública para o

problema. 338

Do ponto de vista dos proprietários rurais e das elites, o núcleo da questão

consistia em que uma forte emigração para outras regiões com o crescimento econômico

acelerado além de prejudicar economicamente o Estado, que sofria com a escassez de

335

Revista Agrícola nº 8 de 1/05/1905. “Venda de Homens”. p. 67 336

Revista Agrícola nº 36 de 15/07/1906. “Imposto de Sangue”. p. 344. 337

BEPD, Jornal Correio de Aracaju, de 19/07/1911. 338

SUBRINHO, Reordenamento do trabalho, 2004, p. 385.

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135

braços para o trabalho, colocaria dificuldades adicionais no processo de reordenamento

do trabalho livre. Para eles, o motivo dessa forte perda dos trabalhadores sergipanos era

o espírito aventureiro, desgarrado, inconstante do povo, combinado com os aliciadores

de força de trabalho, tal como o português Guilhermino. 339

Para os proprietários rurais a solução seria a utilização da mão-de-obra

estrangeira. Assunto que passou a ser discutido como medida plausível, pois, as elites

viam no trabalhador europeu uma antítese do indolente trabalhador de cor. Ansiava-se

que o trabalhador imigrante reabilitasse o trabalho e que sua atividade não só

regenerasse, mas, que imprimisse característica civilizatória ao trabalho. Como

mencionado anteriormente, a Sociedade Sergipana de Agricultura tinha em vista a

possibilidade da utilização das terras devolutas do Estado para o estímulo à formação

de corrente imigratória de estrangeiros. Assim:

A melhor forma de aproveitá-las [terras devolutas], é dividi-las em lotes

regulares e distribuí-las não aos mesmos ociosos e indolentes antigos

habitantes, porém, às imigrantes estrangeiros que podeis introduzir no

Estado, na firme crença que assim procedendo tereis marcado na história de

Sergipe a mais ilustre página em que se inspirarão as gerações futuras. 340

A discussão em torno da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre

pautado na substituição por imigrantes europeus, apontados nos argumentos dos

integrantes da Revista Agrícola fazem parte da noção de “civilização e progresso”

gestado pelas elites brasileiras. Mesmo em áreas em que a imigração não logrou êxito

como o caso sergipano, a mão-de-obra livre branca de ascendência europeia era em

meio ao caos, a medida mais valorizada pelas elites locais. A Nação estava em jogo e a

substituição do escravo pelo trabalhador livre seria menos uma questão de cálculo,

prejuízo e lucro, quando não se desejava qualquer tipo de trabalhador livre, mas sim o

imigrante, o branco europeu, considerado capaz de garantir a civilização e o progresso

do Brasil. 341

A Revista Agrícola redigida pelas elites conservadoras do Estado compactuava

com as ideias de Civilização e progresso projetadas nacionalmente, defendendo a

imigração estrangeira como solução para a organização do trabalho em Sergipe.

339

Ibid., 1906, p. 344. 340

C.f. CARVALHO, José Murilo de. O teatro das sombras, 1996. p. 301. 341

C.f. AZEVEDO, Célia Maria de. (1987), Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites,

século XIX. Rio de Janeiro, Paz e Terra. Apud, NEGRO, Antônio Luigi e GOMES, Flavio dos Santos.

Além de Senzalas e fábricas: Uma história social do trabalho. Tempo Social, Revista de sociologia da

USP, v. 18, n. 1. p. 221.

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136

Visando promover essa medida, a revista publicou dois artigos intitulados: “Imigração e

Emigração I e II”. 342

Em ambos os artigos defendiam-se a necessidade de povoamento

do solo brasileiro, que na visão do articulista, é muito vasto e pouco povoado. A

ocupação do solo pelos imigrantes estrangeiros seria feito prioritariamente, via

utilização das terras devolutas. Segundo o autor dos artigos, essa era uma solução que o

governo republicano havia deixado a cargo dos Estados em função de estarem

comprometidos com as questões da política interna e mais preocupados com a situação

financeira.

O governo da União, a braços periodicamente com as agitações da política

interna e preocupados com as dificuldades financeiras a despertar apreensões

sobre o credito público, e tantos outros preciosos assuntos q que se tem

ligados com preciosas atenção esqueceu que não devia abandonar tão

meticuloso e grave problema, intimamente preso, aos interesses imediatos da

Nação. Dai, entregando pelo pacto federal, todas as terras devolutas ao

domínio dos Estados, entregando-os na posse delas, ficasse firmado que os

Estados mais intimamente, ficasse a pertencer à resolução da espécie, que a

eles o primordial e mais saliente papel na obra final da imigração que se

reduz ao povoamento do solo (...) se assim somos levados a crer, em face da

disposição de quase imobilidade da União em tudo que se diz respeito ao

movimento imigratório, pertencem aos estados o dever de agirem. 343

Desse modo, para os proprietários rurais, Sergipe não poderia permanecer

imóvel ao movimento de incentivo à imigração, que mesmo antes da abolição, como é o

caso da região Sul do Brasil, foi utilizado como alternativa para a substituição da mão-

de-obra escrava. Para o caso de Sergipe, a propaganda do Estado deveria ser estimulada,

como recurso, tendendo a atrair os imigrantes estrangeiros, como ressalta a revista:

Sergipe não pode, portanto, permanecer quedo, em face da agitação que vai

pondo em movimento todos os outros Estados. Promover os meios de

imigração e com ela estabelecer a colonização ampliando-a o mais possível,

até onde possa comportar os recursos do Estado, tal é o fim. Fazer lá fora

nos países estrangeiros à propaganda, dando conhecimento da natureza

dos nossos terrenos, da uberdade deles, da variedade dos nossos

produtos, da amenidade do nosso clima, da riqueza do nosso solo, da

facilidade das nossas comunicações, da simplicidade dos nossos hábitos e

costumes, da candura da nossa índole, (grifo nosso) do grão do nosso

adiantamento, do estado de prosperidade que se acham todos os estrangeiros,

talvez, sem exceção de um só, que demandaram nosso Estado, franceses,

alemães, ingleses, italianos, portugueses, que se dediquem a lavoura, ao

comércio ou as indústrias, tais são os meios a empregar e a por em prática. 344

342

Revista Agrícola nº 09 de 13/05/1905 e nº 10 de 01/06/1905. 343

Revista Agrícola nº 09, 1905. p. 70. 344

Ibid., 1905, p. 71.

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137

O objetivo era divulgar o Estado internacionalmente, propendendo atrair os

imigrantes para o trabalho da lavoura. Além das riquezas naturais, a Revista Agrícola,

buscou também, ressaltar a qualidade de vida e a ascensão econômica dos imigrantes

estrangeiros que já residiam em Sergipe. Grande parte do que era propagado,

obviamente era superestimado, pois, embora Sergipe possuísse solo bastante produtivo

e clima agradável, certamente não foram alocados no trabalho da lavoura que os

estrangeiros que aqui residiam conseguiram consubstanciar suas riquezas.

Em sua grande maioria, os estrangeiros que aqui conviviam, estavam

empregados no trabalho do comércio e muitos deles já possuíam considerável fortuna,

quando vieram para Sergipe, buscando ampliar suas riquezas. Como é o caso dos

alemães da família Scharmm, um dos mais importantes comerciantes do Estado. Para

Subrinho, os projetos de imigração estrangeira em Sergipe não passaram do papel. Entre

os anos de 1872 e 1920, o Estado apresentou uma fração ínfima de migração líquida

interna e internacional de estrangeiros. O quadro abaixo ilustra os dados apontados pelo

autor:

PERÍODO TOTAL

1872-1890 1.536

1890-1900 107

1900-1920 291

TABELA 7 – Migração líquida interna e internacional de estrangeiros em Sergipe FONTE: Graham & Holanda Filho, 1971. p. 34 3 36. Apud SUBRINHO, Reordenamento

do trabalho, 2004, p. 400.

Segundo Subrinho, estima-se, conforme a tabela, que entre os anos 1872-90

Sergipe apresentou uma pequena emigração líquida de estrangeiros. Nos períodos

seguintes, constatou-se uma imigração liquida de estrangeiros, porém, em número muito

reduzido. Portanto, do ponto de vista do suprimento de força de trabalho, a imigração de

estrangeiros pode ser desconsiderada. 345

Para esse mesmo autor, o crescente discurso em busca de sanar os problemas da

escassez de mão-de-obra para as lavouras sergipanas, via imigração estrangeira, havia

sido induzida pela propagação das supostas qualidades dos trabalhadores asiáticos,

principalmente os chineses, os que mais despertaram o interesse dos proprietários rurais

pela constante propaganda veiculada na imprensa local, em que eram ressaltados a

docilidade, o afinco e persistência ao trabalho e pequenas exigências quanto aos

345

SUBRINHO, Reordenamento do trabalho, 2004, p. 401.

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salários. 346

Exaltavam-se as características de brandura e dedicação ao trabalho dessa

população, em oposição às dos trabalhadores “de cor”, principalmente aqueles egressos

da escravidão. 347

Mas, a preferência pelos imigrantes asiáticos, colocava em pauta outro

questionamento, a suposta incompatibilidade dessa imigração para a “civilização”,

pois, essa população representava a para as elites, a ideia de inferioridade cultural e

incapacidade de se construir uma sociedade civilizada. Conforme artigo da Revista

Agrícola, as oportunidades de trabalho em Sergipe estavam abertas principalmente para

os imigrantes: “franceses, alemães, ingleses, italianos, portugueses, que se dediquem a

lavoura, ao comércio ou as indústrias”,348

ou seja, se por um lado a utilização da

imigração asiática era defendida, por outro, a mesma era vista apenas como solução da

escassez da mão-de-obra, o que na prática não sanaria as questões relacionadas à

“civilidade” dos trabalhadores.

Assim, no entender de Subrinho, não obstante a defesa da necessidade da

imigração asiática como forma de resolver os problemas de “organização do trabalho”,

após a abolição da escravidão, a adoção de algumas medidas legais pela Assembleia

Legislativa Estadual estimulando a imigração para Sergipe não conseguiu atrair

qualquer corrente imigratória de estrangeiros. Como alardeado pelos membros da

Sociedade Sergipana de agricultura, parte desse insucesso na atração de imigrantes foi

originada pela concorrência desproporcional em termos financeiros com outras regiões

do país, a estagnação econômica reduzia sua capacidade de concorrer com outras

economias regionais na atração e contratação de imigrantes estrangeiros. 349

Subrinho ainda enfatiza que de certa forma foi à realidade palpável da emigração

dos sergipanos para outros Estados que, como vimos, tornou-se o tormento dos

proprietários rurais para quem não bastasse o golpe da abolição, que os destituiu de suas

“propriedades humanas”, o aliciamento indiscriminado dos trabalhadores havia se

transformado num golpe fatal tanto para a lavoura quanto para a economia sergipana.

Esses motivos acabaram empurrando essa questão para o centro dos debates e fez

praticamente desaparecerem as propostas de imigração estrangeira. 350

346

Sobre a propaganda em incentivo a imigração em Sergipe ver os seguintes jornais: O dia, “Imigração

Chinesa” em 20/12/1892, “Imigração Japonesa” em 04/01/1895; Gazeta de Sergipe, “Imigração Chinesa”

em 12/11/1892, “Inércia” em 05/02/1893 e “A lavoura e a Imigração” em 19/02/1893. 347

Ibid., 2004, p. 403. 348

Revista Agrícola nº 09, 1905. p. 70. 349

SUBRINHO, Reordenamento do trabalho, 2004, p. 405. 350

Ibid., 2004, p. 405.

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139

4. 2 - A situação Agrícola em Sergipe: notas sobre o Questionário Agrícola na

Região do Cotinguiba.

Negociar coletivamente com os libertos parece à luz das fontes citadas

anteriormente, ter sido uma situação para quais os ex-senhores se mostravam

profundamente despreparados. Mas, esbracejavam a partir dos seus interesses, soluções

para o problema da agricultura sergipana. Buscando avaliar a real situação dessa crise,

lançamos o olhar sobre outras fontes, que nos permitissem avaliar a situação agrícola

em Sergipe, mais especificamente no Cotinguiba. Utilizamos para essa finalidade, os

dados do Questionário Agrícola referente à Sergipe, entre os anos de 1910 a 1912,

respectivo aos onze municípios que compõem essa região.

Como reiterava o diretor de serviços e inspeção agrícola, Dias Martins, o

objetivo do questionário aplicado a nível nacional era de: “conhecer melhor a nossa

agricultura, como a tudo que lhe diz respeito, a fim de habilitarmos com informações

verídicas sobre a situação agrícola do país, tão mal julgadas e tão pouco conhecidas”.351

Buscavam conhecer as terras, as aguas, as aéreas cultivadas e incultas, as culturas e as

colheitas, os animais e as pastagens, as construções e os maquinários, os veículos e os

transportes, o sistema de trabalho e os salários, as receitas e as despesas. A aplicação do

questionário foi iniciativa do Ministério da Agricultura, Comércio e Indústria, a fim de

defender os interesses da agricultura do Brasil e em Sergipe foi aplicado em (trinta e

quatro) municípios. 352

O questionário era composto de (trinta e nove) perguntas e um espaço em aberto

para notas, que versavam sobre assuntos variados, tais como: as produções agrícolas,

condições de trabalho naturais e climáticas, condições de transportes, créditos agrícola,

escolas, alimentação, salários e etc. Buscando melhor avaliar a situação agrícola do

Cotinguiba, reduzimos as perguntas desse questionário para (onze) questões e um

quadro de notas, a fim de visualizarmos entre esses dados às condições agrícolas e de

trabalho em Sergipe nos anos posteriores a abolição.

351

IHGS, Acervo Sergipano nº 3690. Questionário sobre a situação agrícola dos municípios. Estado de

Sergipe. Tipografia dos serviços de estatísticas, Rio de Janeiro, 1913. p. 3. 352

Ibid.

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140

MODELO QUESTIONÁRIO APLICADO NESSE ESTUDO

1. AGRICULTORES: Condições econômica

Agricultores impostos:

Agricultores a maior queixa:

Agricultores estrangeiros:

2. COOPERATIVAS:

3. ESTRADAS E PONTES:

4. EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO:

5. ESCOLAS:

6. FÁBRICAS:

7. INSTRUMENTOS AGRÍCOLAS:

8. OPEROSIDADE DA POPULAÇÃO:

9. SISTEMAS DE TRABALHO DE PESSOAL AGRÍCOLA:

10. SALÁRIOS:

Trabalhador rural:

Administrador de fazenda:

Escrivães de fazenda:

Cozinheiro:

Carpinteiro:

Lavadeira:

11. TRANSPORTES:

Notas

TABELA 8 – Questionário agrícola – Cotinguiba. 1910 a 1912.

FONTE: IHGS Acervo Sergipano nº 3690. Questionário sobre a situação agrícola dos

municípios. Estado de Sergipe. 1910 a 1912.

Com base nos dados do questionário referente à Região do Cotinguiba podemos

ter dois referencias de observação. Em um primeiro momento, buscamos avaliar a

situação agrícola dividido e cinco itens: 1, situação agrícola e a principal queixa dos

proprietários rurais do Cotinguiba; 2, a situação dos transporte para produções

agrícolas; 3, os principais itens de exportação e importação; 4, quais os instrumentos

agrícolas eram utilizados; 5, a operosidade de trabalho da população. Os dados

apresentados foram os seguintes:

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SITUAÇÃO AGRÍCOLA E DE TRABALHO DO COTINGUIBA (1910-1912)

Municípios Situação Agrícola

Transportes

Exportação e importação

Instrumentos

agrícolas

OPEROSIDAD

E DA

POPULAÇÃO:

Aracaju Precária

F. de mão-de-obra e

crédito agrícola

Ruins Exp.: Açúcar, Farinha, algodão.

Imp. Tecidos, ferragens e alimentos

Enxadas, machados

e foices.

Há muitos

desocupados.

Capela Regular Péssimos Exp.: açúcar, farinha e algodão

Imp.: tecidos, ferragens e alimentos.

Enxadas, machados,

foices e arados.

Laboriosos

Divina pastora Precária F. de mão-de-obra e

crédito agrícola

Ruins Exp.: açúcar, algodão, aguardente e cereais.

Imp.: alimentos

Enxadas, machados, foices e arados.

Há muitos desocupados.

Japaratuba Regular Ruins Exp. Farinha, algodão, açúcar e

cerais. Imp.: Ferragens.

Enxadas, machados,

foices e arados.

Há muitos

desocupados.

Laranjeiras Péssima Ruins Exp.: açúcar, farinha, algodão e

aguardente e sal. Imp.: tecidos, ferragens e miudezas.

Enxadas, machados,

foices e arados.

Há muitos

desocupados.

Maruim Precária

F. de mão-de-obra e

crédito agrícola

Ruins Exp.: Açúcar, farinha e algodão.

Imp.: tecidos e ferragens.

Enxadas, machados,

foices e arados.

Há muitos

desocupados.

Riachuelo Precária

F. de mão-de-obra e

crédito agrícola

Ruins Exp.: açúcar, aguardente, algodão e

farinha.

Imp.: tecidos, ferragens e miudezas

Enxadas, machados

e foices.

Há muitos

desocupados.

Rosário Precária F. de mão-de-obra e

crédito agrícola

Ruins Exp.: açúcar, aguardente, algodão e farinha.

Imp.: tecidos e ferragens.

Enxadas, machados, foices e arados.

Há muitos desocupados.

Siriri Regular Péssimos Exp.: açúcar, farinha e algodão. Imp.: alimentos e miudezas.

Enxadas, machados, foices e arados.

Laboriosos

Socorro Precária

F. de mão-de-obra e

crédito agrícola

Péssimos Não consta Enxadas, machados,

foices e arados.

Há muitos

desocupados.

Santo Amaro Precária

F. de mão-de-obra e

crédito agrícola

Péssimos Exp.: Coco.

Imp. Tecidos, miudezas e ferragens.

Enxadas, machados

e foices.

Há muitos

desocupados.

TABELA 9 - Situação agrícola e de trabalho do Cotinguiba (1910-1912).

FONTE: IHGS Acervo Sergipano nº 3690. Questionário sobre a situação agrícola dos municípios. Estado

de Sergipe. Região do Cotinguiba. Aplicados em Aracaju – 1 de Junho de 1910; Capela – 23 de outubro

de 1912; Divina Pastora – 3 de janeiro de 1912; Japaratuba – 23 de outubro de 1912; Laranjeiras – 12 de

fevereiro de 1912; Maruim – 12 de dezembro de 1911; Riachuelo – 3 de novembro de 1911; Rosário – 16

de fevereiro de 1912; Siriri – 27 de outubro de 1912; Socorro – 29 de janeiro de 1912; Santo Amaro – 20

de dezembro de 1912.

Esses dados, se confrontados com a operosidade de trabalho da população,

somente os três municípios que apresentaram situação agrícola favorável, responderam

que a sua população era laboriosa. É importante o cruzamento desses dados, pois, nos

discursos apresentados pelos proprietários rurais, os prejuízos da agricultura eram

provenientes da falta de mão-de-obra. Forjando-se a imagem de que era a ociosidade do

trabalhador livre, que de fato trazia prejuízos para a agricultura.

Outro ponto importante a observar é que mesmo em situações agrícolas

precárias, somente (dois) desses municípios, Santo Amaro e Socorro (o qual não

constava os dados, o que talvez não signifique que esse município não era

agroexportador), nos demais entre os itens de exportação, o açúcar era predominante,

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142

seguido da farinha de mandioca e do algodão. Dado que demonstra que mesmo, em

meio à crise esses agricultores garantiram a produção do açúcar, produto que

demandava bastante trabalho em sua produção. Então com que mão-de-obra era

produzidos tais culturas? Se realmente havia falta de braços para lavoura, com porque

esses municípios, mesmo em meio à crise não deixaram de produzir e exportar? Não

seria talvez o discurso de falta de mão-de-obra apenas retórica das classes elitistas para

submeter os trabalhadores livres ao trabalho compulsório?

Nos itens de importação, predominavam a importação de gêneros alimentícios,

tecidos e ferragens. O alto índice de importação de gêneros alimentícios se explica por

ser essa região voltada a produção agroexportadora, onde caracteristicamente a

produção de alimento de subsistência era feita em escala menor. Com isso, acreditamos

que pequenas “roças” cultivadas pelos libertos após a abolição se tornavam fonte

bastante rentável, o que permitia a essa população acúmulo de pecúlio, além do

provimento de sua subsistência. E em alguns outros municípios, a importação de

miudezas, o que acreditamos ser para comercialização, visto que muitos desses

municípios possuíam mercados e feiras.

Referente aos transportes e aos instrumentos agrícolas, no primeiro era

unanimidade que os transportes em Sergipe era precários. Tanto marítimo, dificultado

pelos altos preços das embarcações que faziam o escoamento do açúcar e dos produtos

de exportação, 353

quanto o terrestre, com estradas mal curadas e pontes destruídas; em

relação a estradas de ferros havia uma em construção, ligando Timbó a Própria, mas,

que até esse momento não apresentava benefícios para os agricultores sergipanos.

Quanto aos instrumentos agrícolas, era predominante o uso das Enxadas, machados e

foices, com exceção de alguns municípios que também já adotavam o uso dos arados

para facilitar os trabalhos da lavoura. Entretanto, esses instrumentos ainda eram bastante

rudimentar, o que reforçava a ideia dos membros da Sociedade Sergipana de

Agricultura que era preciso modernizar os instrumentos agrícolas.354

Com base nos dado da tabela, inferimos que as respostas fornecidas pelos

proprietários agrícolas sergipanos no questionário agrícola de 1910, refletem em suma,

os mesmos discursos presentes nos artigos da Revista Agrícola, onde a precariedade dos

transportes, a falta de braços para o trabalho e a ausência de créditos agrícolas, consistia

na trilogia que sufocava e arruinava ainda mais o agricultor sergipano.

353

Sobre a questão do transporte em Sergipe ver a Revista Agrícola de nº 33 de 25/05/1906. p. 313. 354

Ibid.

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143

Em Sergipe, instalado pela mais urgente e inadiável solução: não temos um

metro sequer de Estrada de ferro e somos o único Estado do Brasil que isso

acontece (...).Não temos braços para o trabalho, o que além de insuficiente, é

caro, irregular e indisciplinado, de modo que só um pouco de imigração para

estimulo do trabalhador nacional, poderá melhorar a nossa gravíssima

situação nesse particular (...). Não temos credito agrícola, o Banco do Estado,

criado à custa do mais patriótico esforço do governo do Estado. Subscritor de

quase todo capital, alias insuficiente, não resolveu absolutamente a

questão.355

Em um segundo momento, usamos o Questionário Agrícola, para também

avaliarmos as principais atividades laborais dessa região e as faixas salariais pagas pelos

proprietários rurais aos seus funcionários. Os salários eram pagos de (três) formas:

diário, mensal e anual; as funções eram reguladas de (quatro) formas: Jornal, Meação,

Contratos e Salários. Entre as atividades citadas constam: trabalhadores rurais,

administradores de fazenda, escrivães de fazenda, carpinteiro, cozinheiro e lavadeira.

FAIXA DE SALÁRIOS PAGOS NA REGIÃO DO COTINGUIBA (1901-1912)

Municípios Trabalhador

rural

Administrador

de fazenda

Escrivães de

fazenda

Cozinheiro

Carpinteiro

Lavadeira

Aracaju 1$000 a 1$500

d.i *

Não há. Não há. 4$000 d.i 15$000 mês 6$000 a 10$00

mês

Capela 1$000 a 1$200

dia

100$00 mês** Não há. 3$000 dia 6$000 a 10$00

mês

6$000 mês

Divina pastora 1$000 dia 60$00 mês Não há. 2$500 a 3$000

dia

10$00 a 15$00 mês

8$000 mês

Japaratuba 1$500 dia 100$00 mês Não há. 3$000 dia 8$000 a 12$00

mês

10$00 mês

Laranjeiras 1$000 dia 30$00 a 60$00 mês

Não há. 3$000 dia 10$00 mês 8$000 mês

Maruim 1$000 a 1$200

dia

60$00 mês Não há. 3$000 dia 10$00 a 15$00

mês

8$000 mês

Riachuelo 1$000 dia 30$00 a 60$00 mês

Não há. 2$500 a 3$000 dia

10$00 mês 8$000 mês

Rosário 1$000 dia 30$00 a 60$00

mês

Não há. 2$500 dia 10$00 mês 8$000 mês

Siriri 1$000 a 1$500 dia

30$00 a 50$00 mês

Não há. 2$500 dia 8$000 mês 8$000 mês

Socorro 1$000 dia 1:000$00 ano*** Não há. 3$000 dia 10$00 mês 6$000 mês

Santo Amaro 1$000 dia 50$00 mês Não há. 3$000 dia 10$00 mês 6$000 mês

TABELA 10 – Faixa de salários pagos na Região do Cotinguiba (1910-1912).

FONTE: IHGS Acervo Sergipano nº 3690. Questionário sobre a situação agrícola dos municípios. Estado

de Sergipe. Região do Cotinguiba.

Como podemos observar na tabela, convertendo todos os dados em valores

mensais, os menores salários eram pagos aos carpinteiros que ganhavam 6$000 a 15$00

355

Revista Agrícola nº 33 de 25/05/1906. p. 313.

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contos de réis e as lavadeiras que recebiam entre 6$000 a 10$00 contos de réis mensais,

variando de forma equilibrada os valores pagos a esses trabalhadores em todos os

municípios da Região do Cotinguiba. Dentre os salários pagos nesse território o que

mais causa surpresa é a profissão de cozinheiro, que se somados as variantes diárias de

2$500 a 4$000 contos de reis a valores mensais, respectivamente teríamos uma variação

entre 75$00 a 120$00 contos de réis mensais, soma bastante alta, se comparados a

outras profissões tais como, os administradores de fazendas que recebiam cerca de

30$00 a 100$00 contos de réis mensais, que a nosso ver eram profissionais mais

valorizados que os cozinheiros, visto que em sua maioria essa função era exercida por

ex-escravos ou “pessoas de cor”.

Se compararmos os valores pagos à profissão de cozinheiro aos valores salarias

que os trabalhadores rurais recebiam, cerca de 30$00 a 45$00 contos de réis mensais,

constatamos que os trabalhadores rurais ganhavam apenas ½ dos salários mensais pagos

aos cozinheiros. Diante desses valores, ficamos a indagar, quais os motivos que

levavam a esse grupo de trabalhadores obterem vantagens salariais acima dos

trabalhadores rurais, forças propulsoras da economia agrícola e até mesmo dos

administradores de fazendas? Talvez sirva para tentarmos entender esses dados, as

memórias de d. Sinhá, quando no momento da abolição viu-se a beira do desespero sem

suas cozinheiras que já não queria empregar-se. 356

Quiçá, a abolição tenha propiciado que os cozinheiros (as), que aqui preferimos

opinar que em sua grande maioria essa atividade era exercida por mulheres, tenham

preferido dedicar-se as suas próprias famílias, que anteriormente eram colocadas em

segundo plano nos cuidados domésticos por causa de sua condição de cativa, ou até

mesmo por rejeição de seus conjugues que cientes dos maus costumes dos seus antigos

senhores em violentarem sexualmente as escravas domesticas, preferiam mesmo com a

possibilidade de bons ganhos, manter longe dos ex-senhores suas esposas. Se por

questões, sociais, culturais ou familiares às cozinheiras já não mais queria servir suas

antigas sinhás, a apreciação dessa fonte além de nos revelar os valores correspondentes

às faixas salarias pagas aos trabalhadores da Região do Cotinguiba, nos permitiu

analisar as possibilidades de acúmulos de pecúlios e de riquezas por parte das

“populações de cor” em Sergipe.

356

Ver, ALBUQUERQUE, Memórias de Dona Sinhá, 2005. pp 133.

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145

As observações realizadas ao longo desse capítulo, feita através de fontes

oficiais e em muitos casos, produzidos pelas elites, nos permitiu acessar o mundo das

relações entre essas classes antagônicas, onde em muitos aspectos as “populações de

cor” representavam os alvos de insatisfação dos discursos produzidos. Porém, nas

entrelinhas ou através do “filtro” do olhar do senhor, podemos perceber como e de que

forma essas populações livres e libertas atuaram como protagonistas de suas próprias

histórias, agindo como bem definiu Thompson, sujeitos históricos em constante

movimento e participantes ativos de experiências sócias tecidas numa vasta rede de

relações pessoais de dominação e exploração. 357

357

Conferir: THOMPSON, E. P. Tradición, Revuelta y Consciencia de classe. Estudios sobre la crisis de

la sociedad preinsdutrial. Barcelona: Editora Crítica, 1979. Pp. 13-71.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas décadas posteriores a abolição do trabalho escravo, o debate em torno da

igualdade de cidadania dos libertos, esteve muitas vezes subjugada aos interesses das

elites sergipanas. Passado as algazarras das comemorações, as lembranças do ato da

liberdade em Sergipe se transformaram em pequenas notas nas seções de jornais locais.

Para a sociedade sergipana, a Lei Áurea já tinha cumprido todo papel perante a

população cativa.

Nos anos iniciais da República, as preocupações giravam em torno das

dificuldades econômicas e a necessidade de reorganização do trabalho livre, principais

reclamações das classes elitistas. Onde estão os anúncios sobre os esforços

governamentais na tentativa de garantir a equidade social? Qual a seção que fala da

regulamentação do trabalho visando garantir também maiores benefícios aos

trabalhadores? Os debates em torno do ressarcimento com terras? Certamente esses

anúncios não foram publicados, porque não estavam na pauta das discussões dos

proprietários rurais, priorizavam-se os interesses das classes dominantes sergipanas.

Na Revista Agrícola os debates centrais giravam em torno da economia, da

agricultura, dos ressarcimentos dos senhores, da punição da vadiagem, da organização

do trabalho, da restrição da liberdade dos ex-escravos e etc. Ou seja, prevalecia o

favorecimento das elites rurais que se sentiam usurpados pelas perdas de suas

“propriedades”. Com a promulgação da Lei Áurea esse sentimento de prejuízo por parte

dos ex-senhores se agravaram. É fato, que desde as vésperas da abolição, já se discutia

os rumos da consolidação do Brasil como Nação, a extinção da escravidão se

intensificaram nesse contexto, as conjunturas desse embate foram cruciais para definir

os rumos da abolição no Brasil.

Desse modo, este trabalho buscou demonstrar os reflexos da liberdade na

sociedade sergipana num momento marcado por tensões e os conflitos gerados,

principalmente, após a abolição da escravidão. Procuramos adentrar o universo das

relações entre ex-escravos e ex-senhores, diante de uma nova realidade, a igualdade de

cidadania. Como foi possível perceber, os conceitos de liberdade foram vista e

vivenciadas de forma completamente discrepantes entre essas classes e as relações de

dominação e poder considerada sobre um novo ângulo.

Se para os libertos, a abolição representava o poder de escolha sobre os rumos de

suas vidas e poder optar por maior autonomia, principalmente, em relação ao trabalho,

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para os ex-senhores, a liberdade representava desordem e ruína. Para estes, a liberdade

deveria estar pautada na continuidade das antigas relações do cativeiro, ou seja,

tutelada.

Nesse contexto, os artigos da Revista Agrícola dizem muito. As narrativas

cunhadas nos artigos revelam os significados da liberdade para as elites sergipanas e

evidenciam as alterações na dinâmica das relações entre proprietários rurais e

trabalhadores livres. Nas páginas desse periódico, muitas linhas foram escritas buscando

satisfazer a ambição dos ex-senhores, muitos ainda impulsionados pelo desejo de

exercerem o domínio sobre as vidas dos seus trabalhadores. As constantes discussões

por causa da urgência na “organização do trabalho” em torno da escassez da mão-de-

obra representavam o anseio dos ex-senhores em poder delimitar a autonomia dos

libertos em suas trajetórias. Dessa forma, a revista desempenhou um papel estratégico

para as classes elitistas, pois, era através da repercussão de seus artigos, que as classes

dominantes conseguiam pressionar as autoridades governamentais a adotarem medidas

que os beneficiasse.

Os libertos na contravenção dos interesses dos proprietários rurais, procuraram

exercer constantemente seu direito de autonomia, caçando, pescando, coletando frutos,

provendo sua subsistência, resistindo a não trabalharem nos árduos serviços da lavoura.

Muitas vezes tirando proveito dos desentendimentos entre fazendeiros vizinhos,

negociando com outros patrões melhores pagamentos e condições de trabalho.

Resistindo a deixar limitar-se, migrando para outras regiões do país em ascensão

econômica, mostrando que ao contrário do que se propagava que os libertos eram

incapazes de gerirem suas próprias vidas, a realidade era que, a abolição significava

para os egressos da escravidão a possibilidade de direcionarem suas vidas em um único

caminho: rumo cada vez mais à liberdade.

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REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS

ARQUIVOS E FONTES

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE

A¹ 01. Atas do Imperial Instituto Sergipano de Agricultura.

AG1, Cx 05 – Relatório do Presidente Olympio M. do Campo Vital em 13 de Julho de

1888.

AG¹, pac 285 e 416. Sessão Agricultura. Sociedade Sergipana de Agricultura.

AG1, vol. 818. Matricula de escravos 1873 – diretoria geral de estatística

AG1, vol. 818. Relatório do Ministério dos Negócios do Império 1875 e 1887.

Coleção de Leis e Decretos de Sergipe 1904/1905.

Cx, 05 vol. 05. Relatórios do Vice-Presidente da Província Dr. José Joaquim Pereira

Lobo ao passar a administração do Estado de Sergipe ao presidente eleito Dr. Martinho

César da Silveira Garcez em 1896.

Cx 05, vol. 09. Chefe de policia interino Antônio Victor de Sá Barreto ao coronel

Manoel P. Oliveira Valadão. Em 20 de agosto de 1895.

Cx 09 v 05. Relatório apresentado ao Presidente Dr. José Rodrigues da Costa Dórea

pelo bacharel João Maynard chefe de polícia. 21/10/1910

Fundo CM¹, vol. 43. Oficio do presidente da Câmara, Agostinho José Ribeiro

Guimarães, ao Barão de Maruim, Laranjeiras, 05 de Novembro de 1855.

Fundo: SP¹, pacotilha 08. Ofício do delegado de Capela, Ângelo Pereira de Andrade, ao

chefe de polícia da província de Sergipe, em 9 de outubro de 1877.

Fundo: SP¹, pacotilha: 705. Ofício do 1º suplente do delegado de polícia de Capela,

Antônio Pereira Resende, ao chefe de polícia da província de Sergipe, em 4 de janeiro

de 1872.

Leis e Decreto, Cx 07– Regulamento da Força Pública. Imprensa Oficial, 1896.

Capítulo II, art. 5, § 2. p. 4.

Leis e Decreto, Cx 07. Regulamentos da Força Pública. Imprensa Oficial, 1891 a 1906.

Leis e decretos, Cg 07. Código Rural de 1905, p. 79.

Leis, Decretos e Regulamentos do Estado de Sergipe. Volume III 1894-1896.

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149

Memorandum apresentado ao Presidente do Estado de Sergipe Josino de Meneses em

Aracaju 21 de novembro de 1902

Sp1 – Auto de denúncia Cx 491.

Sp1 – Correspondência Recebida - Cx 05, vol. 10.

Sp1 – correspondência recebida cx 05 v 10

Sp1 – correspondência recebida cx 475

Sp1 - Correspondência Recebida, pac. 491.

Sp1 – cx 214 – Relatório da Vila de Itaporanga 30/12/1914

Sp¹ 214. Relatório da Vila de Itaporanga em 30/12/1914.

Sp1, Auto de denúncia, cx 491.

Sp1, Correspondência recebida, cx 475.

Sp9 volume 12. Auto de Perguntas. 1898.

Sp9, pacotilhas, 05, 12, 15 e 16 – Processos crimes e auto de denúncias.

ARQUIVO JUDICIÁRIO DO ESTADO DE SERGIPE

Cx 14. Inventários do Município de Laranjeiras 1880 – 1910.

Inventários do Município de Riachuelo 1880 – 1910.

Inventários do Município de Santos Amaro1880 – 1910.

Inventários do Município Rosário 1880 – 1910.

ARQUIVO ECLESIÁSTICO DE SERGIPE – CÚRIA METROPOLITANA DE

ARACAJU

Acervo da Cúria Metropolitana de Aracaju. Cd – 004 – 36/37. Registros de batizados,

casamentos e óbitos do Cotinguiba de 1800-1910.

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150

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

Seção Republicana, Documentos da Secretaria de Governo, Caixa 1760, doc. 1753

(Atos de 1890).

BIBLIOTECA PÚBLICA NACIONAL

Gazeta de Notícias, de 15/05/1888.

O libertador 14/12/1882.

O Progresso de 20/10/1895.

O Republicano de 12/03/1891.

O Republicano de 28/06/1890.

Biblioteca Pública Ephifâneo Dórea

Cd - Jornais Sergipanos dos Séculos XIX e XIX

Correio de Aracaju 19/07/1911

Correio de Sergipe- ano I, n° 79 de 13.05.1893.

Correio sergipense – ano I n° 80 de 15.05.1891.

Folha de Sergipe 12.05.1907.

Folha de Sergipe, 14/12/1890.

Folha trabalhista. Clarim do P.T.B

Gazeta de Notícias de 15/05/1888

Gazeta de Sergipe em 13/05/1890.

Gazeta de Sergipe de 22/05/1890.

Gazeta de Sergipe de 12/11/1892.

Gazeta de Sergipe de 20/08/1983.

Gazeta de Sergipe de 19/02/1893.

Gazeta de Sergipe de 05/02/1893.

Gazeta de Sergipe de 07/11/1893.

Gazeta de Sergipe de 07/11/1893

Jornal de Sergipe 10/10/1909

O descrido de 1884

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151

O dia 20/12/1892

O dia 04/01/1895

O Laranjeirense de 1887

O libertador de 1885

O paiz 04/03/1898.

O Paiz de 04.03.1898.

O progresso 20/10/1895

O Republicano 13/05/1890

O Republicano de 12/03/1890;

O Republicano de 11/02/1891;

O Republicano de 14/03/1890.

O Republicano de 1888 a 1889,

O Republicano de Janeiro a Dezembro de 1890, 12/03/1891,

Código de Posturas do Município de São Cristóvão. Publicada no Jornal Gazeta de

Sergipe de 20/08/1893.

Locação de Serviços do Município de Laranjeiras. Publicada no Jornal Gazeta de

Sergipe de 10/10/1891.

Revista Agrícola de nº 01 de 15/01/1905

Revista Agrícola de nº 3 de 15/02/1905.

Revista Agrícola de nº 5, de 15/03/1905.

Revista Agrícola de nº 8 de 26/04/1905.

Revista Agrícola de nº 8 de 1/05/1905.

Revista Agrícola de nº 09 de 13/05/1905

Revista Agrícola de nº 10 de 01/06/1905.

Revista Agrícola de nº 18 de 30/09/1905.

Revista Agrícola de nº 19 de 15/10/1905.

Revista Agrícola de nº 33 de 25/05/1906

Revista Agrícola de nº 36 de 15/07/1906.

Revista Agrícola de nº 73 de 01/01/1908

Revista Agrícola de nº 75 de 01/02/1908.

Revista Agrícola de nº 76 de15/02/1908.

Revista Agrícola de nº 79 de 1/04/1908.

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152

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SERGIPE

Acervo sergipano, cx 3690. Questionário sobre as condições da agricultura nos

municípios do Estado de Sergipe. Rio de Janeiro, Typogaphia do serviço de estatísticas.

1913.

Acervo Sergipano. Nº 3683 – Memorandum 1902.

Anuário Estatístico do Brasil – IBGE – 1967

CD – 004 SISDOC – 002. Relatórios dos Presidentes da Província (1869-1918)

Documento do Gabinete do Conselho do Estado de 02/10/1889, citando

correspondência do Presidente de Sergipe de 15/07/1889, Dr. Chrorophilo Fernandes

dos Santos em 1881.

Falas de Coelho e Campos, Anais da Câmara no Senado, Sessão de 02/07/1888.

Falas do Dr. Manoel de Araújo Góes. 1 sessão da 27 Legislatura em 15 de fevereiro de

1886.

Genealogia da Família Rollemberg, cx 41. Genealogia e descendência de Aurélia

Rollemberg, cx 025-026; Descendência do Barão de Japaratuba, cx 026, nº 058;

Descendência do Barão de Itaporanga, cx 028. Bisnetos do Barão de Estância, cx 026,

nº 027.

Mensagem a Assembleia Legislativa pelo Presidente do Estado Josino de Meneses em

07 de setembro de 1903.

Mensagem apresentada a Assembleia Legislativa de Sergipe pelo Monsenhor Olympio

Campos em 7 de setembro de 1900.

Genealogia da família Rollemberg. Descendência de Aurélia Rollemberg.

Relatório com que o Exmo. Senhor Doutor Cypriano d'Almeida Sebrão, 1° vice-

presidente, abriu a Assembleia Legislativa Provincial de Sergipe no dia 1° de março de

1873. Pac 26, cx 41.

Relatório com que o Exmo. Senhor presidente doutor Theophilo Fernandes dos Santos

abriu a 1° sessão da 23° legislatura da Assembleia da Província de Sergipe no dia 1° de

março de 1880.

Relatório com que o Exmo. Senhor Tenente Coronel Francisco José Cardoso Junior

abriu a 2° sessão da 20° legislatura da Assembleia Provincial de Sergipe no dia 3 de

março de 1871.

Relatório do Presidente da Província do Dr. Chrorophilo Fernandes dos Santos em

1881.

Relatório do Presidente da Província José da Trindade Prado 27 de novembro de 1868.

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153

Relatório do Presidente da Província Olympio M. do Campo Vital em 13 de julho de

1888.

Relatório do vice-presidente de Província José da Trindade Prado, em 27 de novembro

de 1868.

Relatório dos Presidentes da Província Chorophilo Fernades dos Santos – 1880 –

anexos: Falas do chefe de polícia Francisco da Costa Ramos.

FONTES IMPRESSAS

APES, Falas do Dr. Manoel de Araújo Góes. 1ª sessão da 27 Legislatura em 15 de

fevereiro de 1886. p 26.

APES, Monsenhor Olympio de Souza Campos. Mensagem apresentada a Assembleia

Legislativa do Estado de Sergipe em 1902. Aracaju, Empresa de “O Estado de Sergipe”.

pp. 22/24.

Biografias dos Desembargadores Presidentes do Poder Judiciário do Estado de Sergipe

(1892-2008). Tribunal de Justiça de Sergipe, Aracaju, 2008. Biografia de Homero de

Oliveira.

BUENO, Francisco A. Pimenta. Relatório apresentado ao Exº. Sr. Conselheiro Pedro

Luiz Pereira de Souza. Rio de Janeiro, typografia Nacional, 1881.

Falas do chefe de polícia Francisco da Costa Ramos. Relatório do presidente da

Província do Dr. Chrorophilo Fernandes dos Santos 1880.

IHGS - Acervo sergipano SS 2215. Estatuto da Sociedade Sergipana de Agricultura –

aprovado na sessão da Assembleia Geral em 7 de setembro de 1902. Imprensa Industrial

– Recife, 1902.

IHGS, Acervo Sergipano, nº 3690. Questionário sobre as condições agrícolas dos

municípios do Estado de Sergipe, 1910.

IHGS, Anuário estatístico do Brasil. Rio de Janeiro, Fundação IBGE, 1967. pp 35/36.

IHGS, Compilação das Leis, Decretos e Regulamentos do Estado de Sergipe. Volume

III. 1894 a 1896. Aracaju Tipografia do Estado de Sergipe, 1902.

LISBOA, L.C. Silva. Chorographia do Estado de Sergipe. Aracaju, Imprensa Oficial,

1897.

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154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ALMEIDA, Maria da Glória, Nordeste Açucareiro (1840-1875) - desafios num

processo do vir-a-ser capitalista, Aracaju, UFS/SEPLAN, 1993.

___________, "Uma unidade açucareira em Sergipe: o Engenho Pedras” in Simpósio da

ANPUH, vol.2, São Paulo, 1976.

ALMEIDA, Adilson José de. “A indumentária na organização e funcionamento de uma

associação armada”, Anais do Museu Paulista, Universidade de São Paulo, vol. 8/9, n°

9, 2000/2001

ALBUQUERQUE, Samuel B. de Medeiros. Memórias de Dona Sinhá, Aracaju,

Typografia Editorial/ Scortecci Editora, 2005.

ALBURQUERQUE, Wlamyra R. O Jogo da dissimulação: Abolição e Cidadania

Negra no Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 2009.

ANDRADE, Serafim Vieira. Antologia de Poetas Sergipanos São Paulo: Tipografia

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AMARAL, Sharyse Piropo do. Escravidão, Liberdade e Resistência em Sergipe:

Cotinguiba (1860-1888). Tese de doutorado, UFBA, Ano de Obtenção: 2007.

AVELINO, Camila Barreto Santos. “O olhar branco sobre o preto”: Vadios, ladrões e

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de Conclusão de Curso, Aracaju, Unit, 2007.

AZEVEDO, Célia Maria de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das

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comparada (séc. XIX), São Paulo, Annablume, 2003.

AZEVEDO, Dênio, S. Esfera Pública e Sociabilidade: Grandeza e Decadência do

Gabinete de Leitura de Meruim/SE. Dissertação de Mestrado. Mestrado em Ciências

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BARICKMAN, B. J. Um Contraponto Baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão

no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

__________________ “Até a véspera: O trabalho escravo e a produção de açúcar nos

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