artigo arqueologia
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Apontamentos de uma actividade econmica em poca Moderna: Produo Oleira
Introduo
Os trabalhos arqueolgicos realizados no Quarteiro dos Lagares (freguesia do Socorro, concelho e
distrito de Lisboa) consistiram na realizao de nove sondagens de diagnstico, numa rea total de cerca
de 50m e trs sondagens parietais (0,5mx0,5m cada), tendo como objectivo caracterizar funcional e
cronologicamente este espao, tendo igualmente por base os dados resultantes de trabalhos anteriores
(Carvalho, Monteiro, Bugalho, 2007), onde se identificaram vestgios de um jardim do sculo XVI,
construdo sobre contextos relacionados com a produo oleira. Os indcios desta actividade neste
espao so por isso indirectos, permitindo apenas colocar uma hiptese de trabalho que carece de
confirmao.
A maioria dos depsitos escavados caracteriza-se pela presena frequente de cermica, sobretudo
comum, existindo na sondagem 3 (rea 3) indcios claros de produo oleira, como sejam fragmentos de
peas com defeitos no vidrado e trempes. No entanto, semelhana do que se verificou em trabalhos
anteriores, no se identificou qualquer estrutura que pudesse ser interpretada como forno. As
estruturas registadas situam-se nas sondagens 1, 4, 5 e 8, e reportam-se todas elas a alicerces e runas
de antigas paredes do edificado e uma estrutura em arco presente na sondagem 1.
No que respeita componente artefactual recolhida, constituda maioritariamente por fragmentos de
cermica comum, estando igualmente representados fragmentos de cermica vidrada e trempes. A
cermica de importao e faiana encontram-se igualmente representados, contudo, a sua
expressividade numrica no conjunto total reduzida.
Quarteiro dos Lagares e a Produo Oleira em poca Medieval/ Moderna
No imvel denominado como Quarteiro dos Lagares realizaram-se trs fases de trabalhos
arqueolgicos. As duas primeiras, da responsabilidade do Dr. Armando Sabrosa e do Dr. Clementino
Amaro, permitiram identificar um jardim do sculo XVI, destrudo e aterrado na sequncia do terramoto
de 1755. Como elementos constituintes deste jardim enumeram-se duas fontes com decorao (uma
revestida a azulejos enxaquetados e outra com uma decorao embrechada), tanques, canalizaes
cermicas, canteiros e uma calada.
Este jardim ter sido construdo sobre contextos (depsitos) relacionados com a actividade oleira, que
cronologicamente pode ser enquadrada entre o sculo XV e a primeira metade do sculo XVI. Estes
contextos reportam-se essencialmente a um depsito com elevada potncia estratigrfica, com
presena muito frequente de cermicas, restos de fauna, escrias e bolsas de carves e cinzas, no se
tendo registado qualquer estrutura relacionada coma produo oleira.
A presena desta actividade econmica nesta rea da cidade pode ser igualmente comprovada
arqueologicamente em trabalhos realizados na Rua da Amendoeira, situada a Sul da Rua dos Lagares,
onde se destaca a presena de um forno de cermica comum e telha, datado do sculo XV. De acordo
com os autores, identificou-se ainda uma estrutura de funcionalidade indeterminada, com materiais
associados dos sculos XIII-XIV.
Importa ainda destacar nas Escadinhas do Monte, em trabalhos de acompanhamento arqueolgico
realizados no mbito do Plano de Renovao da Rede da Epal, a presena, ainda que
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descontextualizada, de trempes em associao com contentores cermicos e cermica de construo.
No entanto, importa salientar que estes trabalhos incidem em valas estreitas, tornando condicionada a
interpretao das estruturas e dos depsitos registados.
As fontes histricas indicam a presena na Rua das Tendas, actual Rua Marqus de Ponte de Lima, do
primeiro mercado de louas e olarias de Lisboa, datado do sculo XV (Arajo, 1992: p. 68).
Para alm das evidncias arqueolgicas mencionadas e dos registos escritos, a prpria toponmia das
ruas, nomeadamente a Rua das Olarias, poder ser indicativo das actividades que se desenvolveram em
cada rea.
Contextos Intervencionados
A maioria dos contextos identificados pode ser interpretada como reas de lixeira ou de despejos de
produo cermica, dado o elevado nmero de fragmentos cermicos recolhidos, nomeadamente de
cermica comum, assim como a presena de depsitos com restos de carvo e cinza.
Relativamente actividade oleira, apesar de existirem vrios vestgios desta actividade nesta rea da
cidade (j mencionados anteriormente), durante a presente escavao no foi registada nenhuma
estrutura tipo forno, existindo apenas indcios indirectos que sustentam esta interpretao, referindo-
nos nomeadamente a uma fossa, escavada na sondagem 3, cheia por depsitos nos quais se observou a
presena frequente de cinzas, e onde se recolheu um grande nmero de fragmentos de trempes, em
conjunto com alguns fragmentos de cermica vidrada, que apresentavam algumas deformaes ao nvel
do revestimento vidrado. Para alm destes vestgios, o prprio nome de algumas ruas prximas, como
exemplo a Rua das Olarias, leva a crer que existiria produo oleira na zona, sendo que o facto de no
existirem mais evidncias materiais de fornos para a cozedura de cermica e instalaes de apoio
poder estar relacionado no s com a renovao/remodelao do edificado nesta zona com o passar
do tempo, mas poder tambm decorrer da destruio provocado pelo terramoto de 1755. Em
trabalhos anteriores no local (Carvalho, Monteiro, Bugalho, 2007) j haviam sido observados nveis
arqueolgicos que se poderiam relacionar com aces ps-terramoto, sendo que tambm nesta ltima
interveno foi igualmente possvel registar a existncia de pelo menos um depsito de aterro, na
sondagem 1, passvel de se interpretar como resultado indirecto do terramoto de 1755. Se
efectivamente este evento natural ou alguma das permanentes transformaes do tecido urbano
resultou na destruio de algum forno anteriormente existente neste local, os dados actualmente
disponveis no permitem corroborar qualquer uma das hipteses, permanecendo em aberto como
ferramentas de trabalho.
No que respeita s estruturas identificadas no decorrer do presente trabalho, a sua interpretao carece
de dados adicionais que permitam determinar a funcionalidade dos espaos que definiam, podendo
apenas em alguns casos propor-se uma cronologia para a sua construo/ utilizao.
Relativamente s estruturas identificadas na sondagem 1, foi possvel verificar a existncia vrias fases
construtivas, com diferentes concepes do espao. Em termos cronolgicos, as estruturas mais
recentes podem ser datadas do sculo XX, e as mais antigas dos sculos XVI-XVII. A interpretao da
funcionalidade dos espaos que delimitavam encontra-se condicionada, no s porque os depsitos
associados se reportam na sua maioria ao momento de abandono, como pelo facto de no se ter
recuperado a planta completa.
A concepo do espao definido pelas estruturas consideradas na fase IX pode resultar da afectao do
antigo edifcio pelo terramoto que atingiu Lisboa em 1755. O terramoto pode ainda ser a causa da
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formao do depsito [111], sobre o qual assentaram posteriormente as referidas estruturas. Os dados
disponveis no permitem determinar o intervalo temporal que medeia a formao do depsito [111] e
a reconstruo deste espao. Refira-se ainda que este depsito representa a nica evidncia de que o
edifcio foi de algum modo afectado pelo terramoto, no se tendo observado em mais nenhuma
sondagem vestgios da catstrofe natural.
Em relao s estruturas identificadas na sondagem 4, pode apenas afirmar-se que as estruturas [403] e
[412] so as mais recentes, pertencendo a estrutura [406] a uma fase intermdia, e a estrutura [414] a
mais antiga, dado que coberta por uma das estruturas referidas, [406], e possivelmente cortada pela
vala de fundao das outras. A datao absoluta destas estruturas encontra-se limitada pelo facto de a
componente artefactual associada se reportar quase em exclusivo a cermica comum. Usando como
critrio a ausncia de faiana e loua malegueira, pode apontar-se os finais da Idade Mdia, incio do
Perodo Moderno como cronologia possvel, importando nunca descurar a relatividade do critrio
utilizado.
No que concerne s estruturas identificadas na sondagem 5, as suas caractersticas permitem colocar a
hiptese de ter existido pelo menos um compartimento no local antes da construo do actual edifcio,
no sendo, no entanto, possvel com os dados disponveis determinar a sua funcionalidade ou a sua
cronologia de construo/ utilizao.
Relativamente ao muro identificado na sondagem 8, tendo em conta os depsitos de formao
posterior, poder indicar-se uma cronologia de poca moderna, sendo necessariamente mais antigo do
que as construes que actualmente se encontram erigidas.
Em relao s restantes paredes do edifcio, nas quais se procedeu observao da estratigrafia
associada (sondagem 3, 5, 7), estas assentam em depsitos que apontam para cronologias de poca
moderna, sculos XVI/XVII. As paredes das sondagens 6 e 8 no podem ser datadas com os dados
disponveis, pelo facto de no ter sido possvel identificar as respectivas valas de fundao, e ambas
assentarem em depsitos arqueologicamente estreis, podendo apenas propor-se no caso da sondagem
8, que a estrutura ter sido construda ao mesmo tempo que todo o corpo edificado onde esta se insere,
incluindo a parede analisada na sondagem 7, a qual se apresenta como hiptese os finais do sculo XV
como momento da sua construo.
Aps a realizao das sondagens parietais, verificou-se que todas as paredes do edificado anexo ao
edifcio principal eram construdas em taipa, notando-se, contudo, que a parede da sondagem 12
apresentava dois momentos construtivos, um em taipa e outro em alvenaria, o que significa a existncia
de duas concepes de espao distintas, tendo existido possivelmente o emparedamento de uma
janela.
Em termos de utilizao do espao poder afirmar-se que a parte exterior do actual edificado sofreu um
maior nmero de alteraes, sendo que sob o actual edifcio existem tambm vestgios de anteriores
construes, colocando-se por isso a hiptese de se tratar de uma reconstruo ps-terramoto.
Componente Artefactual
Os depsitos escavados nas diferentes sondagens apresentam, numa primeira anlise, uma
uniformidade em termos de componente artefactual. Caracterizam-se pela presena muito frequente
de cermica comum, moderada de cermica vidrada e ocasional de faiana. Apenas os contextos da
sondagem 3 diferem ligeiramente dos restantes, na medida em que aparentam tratar-se dos despejos
de uma olaria, tendo-se por esse motivo observado uma elevada quantidade de fragmentos de trempes,
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uns sem qualquer revestimento e outros revestidos com vidrado. Importa tambm referir a recolha nas
sondagens 1 e 3 de fragmentos de cermica comum decorados com pequenas incrustaes de quartzo.
A anlise preliminar dos materiais permite datar a formao destes contextos de poca moderna, com
especial incidncia nos sculos XVI/XVII, com excepo para a sondagem 9, cuja formao dos depsitos
identificados datam de final do sculo XIX, incios do sculo XX. Importa, no entanto, destacar a
possibilidade de alguns contextos poderem ser datados dos sculos XIV-XV, interpretao sustentada
apenas pela ausncia de faiana ou loua malegueira nos depsitos das sondagens 4, 5, 6 e 8. Em
relao cermica importada, destacam-se as faianas da zona valenciana, em maior quantidade,
existindo ainda faianas importadas da rea de Sevilha e loua majlica, produzida em Itlia, para alm
da presena de um nico fragmento de porcelana chinesa. Por fim, observa-se a recolha de algumas
moedas nas sondagens 4 e 6, no sendo no entanto possvel fazer uma leitura das mesmas dado o seu
mau estado de conservao. Importa ainda salientar o facto de este estudo incidir sobre uma parcela do
esplio recolhido e no sobre a sua totalidade.
Cermica comum e vidrada
Estes tipos de cermica constituem a maior parte do esplio artefactual recolhido, sendo os restantes
achados apenas uma pequena percentagem do total encontrado. Dentro destes dois tipos cermicos
destaca-se a cermica comum, qual pertence a grande maioria dos fragmentos. Em termos de formas,
regista-se uma grande variedade formal, estando representadas testos, taas com e sem carena,
alguidares, tachos e panelas, pcaro, almofariz, caarolas, pratos, escudela de asas e candeias. Salienta-
se o facto de existirem, nos depsitos relativos a uma fossa atribuvel a restos de uma olaria, fragmentos
cermicas que apresentam claras malformaes ao nvel do revestimento (vidrado) e da prpria forma.
Para a anlise tipolgica optou-se por seguir a metodologia utilizada por Artur Martins e Carlos Ramos
(Martins, Ramos, 1992) tendo os recipientes sido divididos em dois grandes grupos: formas fechadas e
abertas.
De todas as formas alvo deste estudo a que aparenta ter maior representatividade o grupo das taas
(fig. 1, ns 1 a 10), encontrando-se neste estudo dez peas, seis com carena, e quatro sem carena. Das
peas seleccionadas destaca-se um exemplar de taa, proveniente da sondagem 3, com um pequeno
elemento de preenso no corpo da pea composto por duas salincias, encontrando-se a taa
revestida com um vidrado esverdeado. Uma segunda pea difere das restantes pelo facto de apresentar
evidentes deformaes ao nvel da forma, tendo sido muito provavelmente j cozida com este defeito.
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Figura 1 Cermica comum e vidrada: taas
No que respeita escudela (Fig. 2, no n11), apresenta pasta bege/esverdeada, com vidrado esverdeado
em ambas as superfcies, uma asa horizontal um pouco abaixo do bordo, que parte da carena.
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Figura 2 - Escudela
Para finalizar a parte correspondente cermica de mesa, identificaram-se trs pratos (Ilustraes ns
12 a 14), todos eles vidrados, variando entre cor de mel e esverdeado, sendo que dois apresentam
decorao na parte interior mais prxima do bordo, um com um motivo vegetalista (Ilustrao n14) e
um segundo apresenta um padro com incises onduladas (Fig. 3, n12).
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Figura 3 Cermica vidrada: pratos
Relativamente cermica de cozinha, registaram-se dois alguidares (Fig. 4, ns 18 e 19), ambos
apresentando pastas laranjas, sendo possvel num observar um brunido na parte interior, e no segundo
um revestimento de vidrado verde contendo ainda uma decorao, junto do bordo, composta por trs
fiadas paralelas de pequenas incises semelhantes a gotas. Para a confeco de alimentos temos trs
caarolas (Fig. 5, ns 15 a 17) apresentado todas pasta de cor laranja, tendo um corpo simples de forma
direita e apresentado bordos extrovertidos com inflexo, salientando-se o facto de tambm em todas
elas se poder observar marcas de fogo na superfcie exterior, demonstrando que tero sido
efectivamente utilizadas para uso culinrio.
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Figura 4 Cermica comum e vidrada: alguidares
N15
N16
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Figura 5 Cermica comum: Caarolas
Os recipientes de forma fechada encontram-se representados por trs panelas (Fig. 6, ns 20 a 22) e um
pequeno pcaro (Fig. 7, n 23). Todas as panelas apresentam cozedura oxidante, pasta laranja, sendo
que duas (Fig. 6, ns 20 e 21) apresentam decorao incisa, uma com uma simples linha ondulada
volta da pea na zona do bojo e outra tambm com uma linha ondulada mas encontrando-se limitada
por duas linhas rectas em cima e abaixo na zona imediatamente acima da carena. A terceira (Ilustrao
n22), para alm de no apresentar decorao, difere das restantes pelo facto de apresentar marcas de
fogo e uma pequena pega triangular na continuao do bordo. Em relao ao pcaro, apresenta
cozedura oxidante, pasta laranja, e encontra-se brunido em ambas as superfcies, tendo uma asa que se
prolonga desde o bojo at continuao do bordo.
N17
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Figura 6 Cermica comum: panelas
Figura 7 Pcaro (n 23)
Destaca-se ainda o conjunto de testos recolhidos, que podem ser relacionados com as panelas,
representados em grande, estando representados dois tipos: um testo de bordo arredondado e testo
com barbela (Fig. , ns 24 e 25).
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Figura 8 Cermica comum: testos
Para alm dos recipientes mencionados, foram recolhidos fragmentos de outras formas,
nomeadamente um almofariz completo (Fig. 9, n26) de pasta laranja e paredes bastante espessas, e
vrios fragmentos de candeias, tendo um fundo plano e apresentando um dos lados estrangulados
formando um bico, como temos demonstrado na ilustrao n 27. Tendo em conta o contexto de onde
foram recolhidos estes fragmentos poder apontar-se para uma cronologia genrica do perodo
moderno.
Figura 9 - Almofariz
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Figura 10 - Candeia
Devido especificidade da decorao parece-nos importante referir a presena nas sondagens 1 e 3 de
fragmentos de cermica com incrustaes de quartzo (Fig. 11), apresentando decorao incisa com
motivos triangulares seguindo a colocao das pedras de quartzo. A caracterizao tipolgica destes
fragmentos condicionado pelo reduzido tamanho das peas, podendo colocar-se a hiptese de se
reportarem a taas. A produo deste tipo de cermica no territrio nacional pode ser enquadrada, em
termos genricos, desde o sculo XVI at ao sculo XVIII. Salienta-se no entanto que podem existir
produes anteriores, no sculo XV, pelo menos na zona do Barreiro (Sardinha, 1999, p.190).
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Figura 11- Fragmentos de cermica com incrustaes de quartzo, [315]
Faiana
Recolheram-se fragmentos de faiana apenas nas sondagens 1, 2, 3, 6 e 9, sendo que esta ltima se
destaca das restantes pelo facto de apresentar uma cronologia significativamente mais recente,
apontando-se para os finais do sculo XIX e incios do sculo XX, comparando com as cronologias das
outras sondagens que se enquadram nos sculos XVII e XVIII. Observa-se o facto de o tamanho reduzido
dos fragmentos no permitir na maioria dos casos realizar a classificao da forma.
Iremos neste estudo, a ttulo de amostragem, centramo-nos nas sondagens 3 e 9, dado que no que se
refere sondagem 3 estas se tornam importantes na datao do que julgamos tratar-se de uma fossa de
despejo de uma olaria e no caso da sondagem 9 as faianas representam os elementos de datao de
carcter mais recente (sc. XIX-XX) distinguindo por isso esta sondagem das restantes em termos
cronolgicos. Em relao sondagem 3, os fragmentos de faiana recolhidos no depsito [303] (Fig.
n12) podem ser enquadrados genericamente em produes do sculo XVII, tendo em conta os motivos
decorativos que se podem observar, nomeadamente as decoraes com rendas e o uso do azul com
contorno a mangans (Dordio, Teixeira, S, 2002), pertencendo os fragmentos possivelmente a pratos e
taas. No que se refere sondagem 9 (Fig. 13), as faianas podem ser datadas de finais do sculo XIX e
incio do XX, apresentando como exemplo um fragmento de uma faiana de produo nacional, com
fundo branco, representando motivos vegetalistas em policromia (Dordio, Teixeira, S, 2002)
pertencente possivelmente a uma taa, e um segundo fragmento de faiana produzido na fbrica de
loua de Sacavm, decorada com estampagem de papel, apresentando motivos vegetalistas em tom
verde sobre fundo branco (Assuno, 1997) pertencente a um prato.
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Figura 12 Fragmentos de faiana, [303]
Figura 13 Fragmentos de faiana, [904]
Cermica de importao
As sondagens (1, 2, 3 e 7) nas quais se recolheram fragmentos de cermica importada correspondem na
sua totalidade a contextos que podemos classificar como de lixeira, ressalvando-se a sua expressividade
no conjunto, embora em muito menor nmero quando comparada com a cermica comum.
Correspondem a importaes predominantemente do sul de Espanha, existindo tambm, em menor
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nmero, fragmentos de produes italianas e um fragmento de porcelana chinesa, podendo enquadrar-
se o perodo de comercializao das peas entre os sculos XVI e XVII exceptuando um fragmento de
faiana majlica para o qual a sua cronologia de produo aponta para o final do sculo XV, e um
segundo fragmento de cermica de Paterna/Manises para o qual se recua o perodo de produo at
aos sculos XIV-XV.
Em relao s peas com origem no sul de Espanha, estas podem ser divididas por dois locais de
importao: Sevilha e de Valncia. A designada loia malegueira, com origem na zona de Sevilha,
encontra-se representada por trs fragmentos (Fig. 14) recolhidos na sondagem 2, pertencentes
provavelmente a tigelas, revestidas com esmalte branco apontando-se o seu fabrico para o sculo XVI
(Dordio, Teixeira, S, 2002). No que respeita loia valenciana, de Paterna/Manises, foram recolhidos
trs fragmentos, nas sondagens 1 e 2. O fragmento representado na figura 15, proveniente do depsito
[112], pertence a uma escudela decorada com um padro pintado a dourado (Puig I Jorba: 1995). Um
segundo fragmento tambm da [112] (Fig. 16), que consiste num fundo em branco com um leo
desenhado a dourado, rodeado por uma cartela em azul, fazendo possivelmente parte de um braso,
podendo estas peas enquadrar-se nos sculos XV/XVI. Um terceiro fragmento (Fig. 17) foi recolhido na
sondagem 2, [204], possivelmente pertencente a uma taa, apresentando uma decorao a azul-
cobalto, cronologicamente enquadrvel entre os sculos XIV e XV (Puig I Jorba: 1995), ou seja,
ligeiramente anterior aos restantes fragmentos.
Figura 14 Loia malegueira da proveniente da sondagem 2
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Figura 15 - Loia valenciana proveniente do depsito [112]
Figura 16 Loia valenciana proveniente do depsito [112]
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Figura 17 Loia valenciana proveniente do depsito [204]
As produes oriundas de Itlia encontram-se representadas por trs fragmentos, um oriundo da
sondagem 2 e os restantes da sondagem 7. O fragmento recolhido na sondagem 2 (Fig. 18) corresponde
a um fundo de prato com o desenho de uma cara contornada a azul, e com fundo a amarelo. As
caractersticas cromticas aparenta tratar-se de cermica majlica, de fabrico no sculo XVI-XVII,
possivelmente em Itlia, havendo no entanto a possibilidade de se tratar de produo nacional se
tivermos em conta a existncia da produo de azulejos com esta tcnica na zona de Lisboa, no segundo
quartel do sculo XVII, cujo contorno das figuras feito em azul cobalto, contrariamente s produes
importadas, em que contorno feito em mangans (AAVV, 2008, p. 204-205), observando-se essa
mesma caracterstica neste fragmento cermico. Pode por isso existir a possibilidade de, para alm de
azulejos, ter sido tambm produzida cermica com o contorno a azul cobalto, no existindo at ao
momento possibilidade de confirmar ou no esta hiptese. Os restantes dois fragmentos, provenientes
da sondagem 7, refere-se um deles (Fig. 19) a um fragmento de um bordo de prato em esmalte azulado
com desenhos vegetalistas, pintados em azul mais escuro sobre esse esmalte de cermica majlica,
produzida em Itlia durante o sculo XVI, sendo o segundo fragmento (Fig. 20) pertencente a uma forma
desconhecida apresentando pintura polcroma, observando-se tons de amarelo, azul e branco,
perfazendo o tema decorativo denominado de tridente (AA VV: 2008), havendo um ligeiro recuo no
perodo de fabrico em relao ao fragmento anterior, sendo esta produo do final do sculo XV.
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Figura 18 Produo italiana proveniente da sondagem 2
Figura 19- Produo italiana proveniente da sondagem 7
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Figura 20 Produo italiana proveniente da sondagem 7
Importa destacar ainda a presena de um pequeno fragmento da boquilha de um cachimbo em caulino,
recolhido na sondagem 1, que pelas reduzidas dimenses e falta de qualquer decorao no torna
possvel a identificao da sua origem, ficando por isso a nota de que o seu fabrico se encontrar, com
maior probabilidade, em Inglaterra ou Holanda.
No que respeita a importaes com provenincia de fora da Europa, recolheu-se apenas um fragmento
de uma taa em porcelana (Fig. 21) pertencente cronologicamente dinastia Ming (mais provavelmente
do sculo XVI/XVII), com decorao vegetalista a azul-cobalto sob vidrado (Matos, 1996) de produo na
China, recolhido na sondagem 3.
Figura 21 Taa em porcelana
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Azulejos
Os nicos azulejos recolhidos neste trabalho so provenientes da sondagem 1, destacando-se os
azulejos (Fig. 22) recuperados no depsito [111], que se podem enquadrar cronologicamente entre
incios do sculo XVII e a primeira metade do sculo XVIII (VVAA, 2003, p. 60-61 e 111), salientando-se
os fragmentos de um azulejo de figura avulsa, e uma pea pertencente a um painel de azulejos de ponta
de diamante.
Figura 22 Azulejos dos depsito [111]
Concluso
Os trabalhos arqueolgicos realizados no Quarteiro dos Lagares permitiram identificar contextos
arqueolgicos preservados, de poca moderna, na sua maioria interpretados como reas de lixeira ou
de despejos de produo cermica. Relativamente a esta actividade, no foi registada nenhuma
estrutura passvel de ser interpretada como forno, existindo apenas indcios indirectos que sustam a
interpretao avanada. O facto de no se ter identificado nenhum forno pode resultar efectivamente
da sua ausncia, mas pode igualmente resultar do facto desta zona da cidade ter sido amplamente
afectada pelo terramoto de 1755.
Os depsitos escavados nas diferentes sondagens apresentam, numa anlise preliminar, uma
uniformidade em termos de componente artefactual. Caracterizam-se pela presena muito frequente
de cermica comum, frequente de fauna, moderada de cermica vidrada e ocasional de faiana. A
anlise preliminar dos materiais permite datar a formao destes contextos de poca moderna, com
especial incidncia nos sculos XVI/XVII, com excepo para a sondagem 9, cuja formao dos depsitos
identificados datam de final do sculo XIX, incios do sculo XX. Importa, no entanto, destacar a
possibilidade de alguns contextos poderem ser datados dos sculos XIV-XV, interpretao sustentada
apenas pela ausncia de faiana ou loua malegueira nos depsitos das sondagens 4, 5, 6 e 8.
Em relao cermica importada, destacam-se as faianas da zona valenciana, em maior quantidade,
existindo ainda faianas importadas da rea de Sevilha e loua majlica produzida em Itlia, para alm
de uma muito reduzida presena de porcelana importada da China.
Importa ainda destacar na sondagem 3 a identificao de uma fossa, cheia por depsitos nos quais se
destaca a presena de cinzas e as caractersticas dos materiais que foram recolhidos, nomeadamente
defeitos no vidrado, que sustentam a interpretao desta rea se relacionar com os despejos resultante
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da produo de cermica. Estes contextos sustentam a interpretao avanada em trabalhos anteriores
(Carvalho, Monteiro, Bugalho, 2007), relacionando esta zona da cidade com a produo de cermica
em poca baixo-medieval/ moderna.
Existem outros indcios da actividade de produo oleira, resultante de outros trabalhos arqueolgicos,
nomeadamente mbito do Plano de Renovao da Rede da Epal, realizados nas Escadinhas do Monte,
onde se recolheram, ainda que descontextualizadas, trempes, indicadores da produo oleira, em
associao com contentores cermicos e cermica de construo. Na Rua da Amendoeira, situada a Sul
da Rua dos Lagares, registou-se um forno de cermica comum e telha, datado do sculo XV. A prpria
toponmia das ruas, nomeadamente a Rua das Olarias, poder funcionar como um indicador de
contextos arqueolgicos ainda preservados no sub-solo.
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