as imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · as imagens de camponeses em dois...

13
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o Queen Mary Psalter e Les Très Riches Heures du duc de Berry FLAVIA GALLI TATSCH * Apresentação A presente comunicação pretende ser um convite à incursão pela cultura visual da Idade Média. No Brasil, os estudos sobre produção artística desse período ainda são tímidos. Tal cenário tende a se modificar com a criação de cursos de graduação em História da Arte, entre eles o da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp (campus Guarulhos), cuja grade conta com a disciplina “Arte Medieval”. Diante dessa promessa de mudança, é possível que a estranheza abra espaço e dê lugar a discussões em seminários e congressos. Por isso, mais do que apresentar um estudo totalmente novo, meu objetivo é revisitar as imagens de camponeses inseridas nos calendários de saltérios e livros de horas manuscritos. Na Europa Ocidental, os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano: uma mostrava a ocupação do período e a outra o signo dominante do mês. Cada mês estava associado a uma função produtiva específica do mundo agrícola, representando o processo sem fim de prover comida para todos. Nosso intuito é comparar um mesmo motivo - o “trabalhos dos meses” representando as ordens seculares, como a nobreza e os camponeses – em dois importantes manuscritos medievais: o Queen Mary Psalter 1 (século XIV) e as Très Riches Heures du duc de Berry (século XV). Se o saltério inglês apresentava os camponeses de forma idealizada, no livro de horas do Duque de Berry, as cenas de trabalhadores rurais em pleno ofício ou em seu tempo ocioso contrastavam com representações do lazer aristocrático. O “trabalhos dos meses” Na Europa Ocidental, o costume de decorar igrejas com calendários em pedras data do período paleocristão, na decoração dos pavimentos das primeiras basílicas. Assim como os primeiros traços das personificações do “trabalhos dos meses”, encontrados no calendário romano de 354, no qual o mês de Setembro era mostrado como um herói nu que carrega um cacho de uvas. Mas, foi na época carolíngia, que se elaboraram os calendários medievais, bem diferentes dos congêneres anteriores (COMET, 1992: 40-41). * Doutora em História pelo IFCH/UNICAMP. 1 Em relação à tradução dos nomes dos manuscritos, decidimos mantê-los em sua língua mãe. Traduziremos somente o tipo de livro: saltério, livro de horas, etc.

Upload: lydung

Post on 21-Nov-2018

234 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o Queen Mary Psalter e Les

Très Riches Heures du duc de Berry

FLAVIA GALLI TATSCH∗

Apresentação

A presente comunicação pretende ser um convite à incursão pela cultura visual da Idade

Média. No Brasil, os estudos sobre produção artística desse período ainda são tímidos. Tal

cenário tende a se modificar com a criação de cursos de graduação em História da Arte, entre

eles o da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp (campus Guarulhos), cuja grade conta

com a disciplina “Arte Medieval”. Diante dessa promessa de mudança, é possível que a

estranheza abra espaço e dê lugar a discussões em seminários e congressos. Por isso, mais do

que apresentar um estudo totalmente novo, meu objetivo é revisitar as imagens de

camponeses inseridas nos calendários de saltérios e livros de horas manuscritos.

Na Europa Ocidental, os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano: uma mostrava

a ocupação do período e a outra o signo dominante do mês. Cada mês estava associado a uma

função produtiva específica do mundo agrícola, representando o processo sem fim de prover

comida para todos. Nosso intuito é comparar um mesmo motivo - o “trabalhos dos meses”

representando as ordens seculares, como a nobreza e os camponeses – em dois importantes

manuscritos medievais: o Queen Mary Psalter1 (século XIV) e as Très Riches Heures du duc

de Berry (século XV). Se o saltério inglês apresentava os camponeses de forma idealizada, no

livro de horas do Duque de Berry, as cenas de trabalhadores rurais em pleno ofício ou em seu

tempo ocioso contrastavam com representações do lazer aristocrático.

O “trabalhos dos meses”

Na Europa Ocidental, o costume de decorar igrejas com calendários em pedras data do

período paleocristão, na decoração dos pavimentos das primeiras basílicas. Assim como os

primeiros traços das personificações do “trabalhos dos meses”, encontrados no calendário

romano de 354, no qual o mês de Setembro era mostrado como um herói nu que carrega um

cacho de uvas. Mas, foi na época carolíngia, que se elaboraram os calendários medievais, bem

diferentes dos congêneres anteriores (COMET, 1992: 40-41).

∗ Doutora em História pelo IFCH/UNICAMP. 1 Em relação à tradução dos nomes dos manuscritos, decidimos mantê-los em sua língua mãe. Traduziremos somente o tipo de livro: saltério, livro de horas, etc.

Page 2: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

2

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

Os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano: uma mostrava a ocupação do

período e a outra o signo dominante do mês. Cada mês estava associado a uma função

produtiva específica do mundo agrícola, representando o processo sem fim, cíclico, de prover

comida para todos. Pequenas cenas procuravam mostrar as atividades cotidianas.

Ao lado das miniaturas dos ciclos dos meses, signos do zodíaco passaram a ser incluídos em

livros de conteúdo religioso como apoio e ornamento dos textos. A presença dos signos do

zodíaco pode ser explicada, em primeiro lugar, como o único ponto de referência que permitia

fixar os eventos no decurso dos anos – se os meses civis eram pura convenção, as

constelações surgiam sempre de forma regular. Em segundo lugar, essa tradição era tributária

da Antiguidade, período em que se media o tempo com a ajuda das estrelas. Nesse sentido,

retomar os signos do zodíaco seria retomar uma tradição astronômica e científica antiga.

(COMET, 1992: 47)

Ao lado de figuras simbólicas, os calendários sempre traziam cenas da vida dos homens

envolvidos com a agricultura. As primeiras declarações explícitas de que o trabalho agrícola

contribuía para o resto da sociedade surgiram por volta do ano 1000. Foi nesse período que se

estabeleceu um modelo hierárquico de sociedade dividida em três ordens: os que oravam

(oratores), os que lutavam (bellatores) e os que trabalhavam (laboratores). De acordo com

esse modelo, “mutualidade” e “reciprocidade” estavam ligadas à interdependência funcional

entre as três ordens. Por isso, a maioria da população - constituída pelos camponeses - deveria

trabalhar em troca das orações do clero e da proteção dos cavaleiros (DUBY, 1994).

No século XII, “trabalhos dos meses” representando as ordens seculares, como a nobreza e os

camponeses, passaram a fazer parte das imagens elaboradas para o espaço público, como nos

pavimentos (Catedral de Canterbury) e nas fachadas ou vitrais de catedrais, mosteiros e

igrejas dos períodos Românico e Gótico (neste caso, estamos pensando em Autun, Vézelay,

Chartres, Amiens e Pisa, entre outros exemplos). Nas fachadas das igrejas, o “trabalhos dos

meses” estava subordinado às cenas da Escritura: as mais importantes, por sua conotação

doutrinal e moral. Ao contemplarem os relevos nas igrejas, os cristãos encontrariam diferentes

objetos de meditação, dependendo de seu status na sociedade medieval.

Como lembra Alexander, a representação dos meses também podia ser vista em sentido

figurado, na tentativa de embasar a mensagem principal, do Julgamento Final. Este é o caso

dos relevos no portal ocidental da Catedral de Saint-Lazare d’Autun. Elaborado por

Gislebertus, o tímpano era circundado por duas arquivoltas: a interna tinha folhagens

Page 3: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

3

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

esculpidas enquanto a externa estava composta por medalhões com motivos sobre as quatro

estações, o zodíaco e os trabalhos dos meses. Na fachada ocidental da Catedral de Amiens, os

relevos funcionavam como “suporte físico no pedestal para as verdades religiosas” que se

faziam ver no tímpano acima; nesse sentido as representações “completam e servem de base

para a existência física e espiritual da Igreja” (ALEXANDER, 1990: 438).

No entanto, nem sempre a mensagem tinha um aspecto moral. Como escreveu Mane, os

camponeses que iam às missas podiam comparar seu trabalho com as figurações das tarefas

sazonais representadas (MANE, 1986: 258).

Já no espaço privado, o “trabalhos dos meses” – que antecediam a narrativa das Sagradas

Escrituras – ilustravam saltérios e livros de horas. Vale lembrar que este espaço era uma

prerrogativa de letrados e ricos, como o clero e as freiras e, no final da Idade Média, de

membros da alta nobreza e burgueses enriquecidos.

Como já mencionamos, os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano: uma

mostrava a ocupação do período e a outra o signo dominante do mês. As estações do ano

apresentavam cada qual, determinadas características. Os meses do inverno eram passados

dentro de casa, onde as pessoas procuravam manter-se aquecidas pelo fogo, em meio a

algumas festividades.

No trabalho agrícola, dois tipos de cultivo sempre eram representados: o trigo e as videiras.

Ora, o pão e o vinho eram importantes tanto para a simbologia quanto para a liturgia cristãs.

No início da primavera tinham lugar os primeiros trabalhos na terra, procurando deixá-la

pronta para as colheitas. Já em abril e maio, fazia-se uma pequena pausa para celebrar a nova

vida que surgia das sementes. Em seguida, durante os meses de junho, julho e agosto,

acontecia a colheita do trigo e a debulha dos grãos. Em setembro, era a vez da colheita da uva

e do fazer o vinho. No final do outono, os campos eram arados e as sementes semeadas para o

suprimento do ano vindouro, os animais eram engordados e abatidos.

O Queen Mary Psalter

O Queen Mary Psalter (British Library, MS Royal 2 B.VII) recebeu este nome quando, em

outubro de 1553, foi dado de presente à rainha Maria I da Inglaterra (1516-1558) por Baldwin

Smith, agente alfandegário de Londres. Segundo Warner, talvez a própria Maria

desconhecesse as circunstâncias que incidiram para que o volume lhe fosse ofertado. Além de

apreciar o livro por sua beleza artística, havia outro aspecto que lhe despertava interesse: sua

Page 4: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

4

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

ligação com a antiga liturgia que a monarca estava ansiosa para restaurar. E, a julgar pela

moldura, elaborada em veludo contendo a imagem de uma romã – símbolo da rainha –, a nova

proprietária considerava o saltério mais como uma possessão pessoal do que como nova

adição para a biblioteca real (WARNER, 1912:2).

Por volta de 1320-1330, a obra foi produzida na Ânglia Oriental (em Londres ou em

Westminster, não se sabe ao certo), provavelmente, por um único artista que teria

influenciado a manufatura de outros livros nos arredores de Londres, entre eles: o Richard of

Canterbury Psalter (Nova Iorque, Morgan Library, Ms G. 53), o manuscrito devocional

conhecido como Oxford/Paris Miscellany (Oxford, Bodleian Library, MS Douce 79; Paris,

Bibliotèque National de France, MS fr. 133-42) e o calendário elaborado cerca de 1330, na

Ânglia Oriental, por Hawisia de Bois (Avicia de Boys) na Abadia Cisterciense de Bittlesden,

Buckingham Shire (KOSELEFF, 1962: 245).

O Queen Mary Psalter podia ter vários usos: como auxílio devocional, uma vez que ele

continha orações e imagens que tanto acompanhavam o sentido do texto quanto forneciam um

modo de devoção em si. E como um livro de histórias, contendo narrativas da Bíblia e

hagiografia dos santos.

Historiadores vêm se debruçando sobre esse saltério na tentativa de determinar o comitente e

o destinatário da obra, pois não há evidências internas ou externas que os indiquem. Apenas

uma menção, escrita no século XVI, ao conde de Rutland que, provavelmente, possuiu a obra

antes da rainha – mesmo assim, sem precisar qual dos nobres.2 Em seu minucioso estudo,

Stanton observa que, internamente, não existem obituários ou signos heráldicos, “os signos

mais comuns de propriedade de um manuscrito medieval” (STANTON, 2001: 191).

Tampouco foram encontrados indícios externos, como entradas em inventários ou

testamentos. Mas, como alerta a própria Stanton, a falta de provas documentais se dava

também pelos termos gerais - tais como “um saltério e livro de imagens” - com os quais os

saltérios ou outros livros de devoção eram mencionados nos procedimentos de transferência

de bens.

2 “This boke was sume tyme the Erle of Rutelands, and it was his will that it shulde by successioun all way got to

the lande of Ruteland or to him that linyally succedis by reson – of inheritaunce in the saide lande”. Apud: WARNER, George. Queen Mary’s Psalter. Miniatures and Drawings by an English Artist of the 14

th Century.

Reproduced from Royal MS.2B.VII in The British Museum. London: The Trustees of the British Museum, 1912, p.1.

Page 5: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

5

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

O Queen Mary Psalter tem trezentos e dezenove fólios numerados e cinco não numerados.3 O

livro inicia com o ciclo do Velho Testamento, depois apresenta a árvore de Jessé, os

ancestrais de Cristo, os apóstolos e os profetas. Só daí surge o Calendário, depois de duas

páginas em branco4, trazendo os meses e os signos do zodíaco. Cada mês ocupa duas páginas,

que têm como abertura uma miniatura colorida emoldurada, no sentido horizontal, na qual

estão representados o trabalho do mês (verso) ou o signo do Zodíaco (recto). Segundo

Gordon, os signos do zodíaco foram “enriquecidos e transformados em um segundo ciclo

ocupacional, com muitas figuras de humanos, animais e árvores” (GORDON, 1963:249).

Cada página do calendário conta com cinco colunas e dezesseis linhas, escritas em uma

variedade de cores como dourado, púrpura, azul, vermelho e preto (STANTON, 2001: 32). As

iluminuras também são coloridas, com detalhes em folha de ouro.

É no calendário que encontramos as imagens sobre os camponeses, dispostas entre as dos

nobres. Comecemos por estes: eles surgem no banquete real de janeiro, vestindo-se com a

ajuda de servos em fevereiro, colhendo flores em abril e caçando com falcões em maio. Já os

camponeses aparecem podando a vinha em março; ceifando o campo em junho; colhendo o

trigo em julho e em agosto; fazendo vinho em setembro; semeando em outubro; derrubando

frutos do carvalho para alimentar seus porcos em novembro; e, finalmente, matando e

destrinchando porcos em dezembro.

Observando esse conjunto de imagens, percebemos que as iluminuras estão “ancoradas” nos

fólios com folhas de acanto. Os camponeses aparecem entretidos em seus afazeres e os

elementos naturais, como a vegetação, e os animais estão situados em uma paisagem

indistinta. Antes de continuar a análise destas imagens, vale abrir um pequeno espaço para

discutir como os laboratores eram vistos pelos oratores e bellatores.

3 Informações do site da British Library a respeito da composição da obra: “223 prefatory miniatures in colours, in tinted drawing, generally two per page, of the Old Testament cycle with Anglo-Norman explanatory verses (ff. 1v-66v) and 4 miniatures in colours and gold of the tree of Jesse, Ancestors of Christ, and Apostles and Prophets (ff. 67v-70). 12 miniatures in colours and gold of the Labours of the Months and 12 miniatures in colours and gold of the Signs of Zodiac, in the calendar (ff. 71v-83). 87 half- or full-page miniatures in colours and gold of the life of Christ, some on burnished or tooled grounds, in Psalms, and 13 miniatures in colours and gold of Saints, in the Litany (ff. 304-310). 23 historiated initials in colours and gold with foliated extensions, at the beginning of the major text divisions. 464 bas-de-page scenes in tinted drawing (ff. 85v-318). Foliate initials in gold and colours with marginal extensions. Initials in gold on blue and rose grounds with penwork decoration in white. Line-fillers in rose, blue, and gold with penwork decoration in white”. Disponível em: http://www.bl.uk/catalogues/illuminatedmanuscripts/record.asp?MSID=6467&CollID=16&NStart=20207. Acesso em 29/06/2012. 4 As páginas em branco que se encontram antes e depois do calendário enfatizam sua separação dos outros componentes do manuscrito.

Page 6: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

6

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

Em Images of the Medieval Peasant (FREEDMAN, 1999), Freedman apresentou como a

aristocracia, as classes comerciais e o clero viam, geralmente, os camponeses: com desprezo e

escárnio. Na literatura, por exemplo, fosse ela uma sátira, sermão, crônicas, fabliaux francesas

ou Schwankliteratur alemã, os camponeses eram descritos como rústicos, bobos, violentos,

sujos, desonestos e, até mesmo, bestiais. Sua humildade era considerada como uma

consequência do trabalho árduo na agricultura.

Camponeses também serviam como modelo do “não-agir”, pois suas qualidades eram

opostas ao cavaleiro virtuoso. Contudo, Freedman alerta para o perigo de levar essas

descrições ao pé da letra. Mesmo que os escritores medievais tivessem desprezo pelos

laboratores, “o contraste entre o vilão e o cortês, não foi necessariamente estruturado tendo o

camponês em mente como um alvo direto de ataque satírico”. Nesse sentido, os fabliaux

tinham a intenção de ser uma paródia e não possuíam nenhuma intenção de representação

realística dos “rústicos” (FREEDMAN, 1999: 134). Assim, argumenta o medievalista, a

“divergência entre as abordagens literal e literária afeta a maneira em que a literatura é usada

como evidência de atitudes em relação à sociedade” (FREEDMAN, 1999: 135).

Na verdade, Freedman explorou o aparente paradoxo no qual os camponeses medievais eram

desprezados ao mesmo tempo em que percebidos como estando mais próximos de Deus do

que seus nobres opressores. Ora, os laboratores, cujo trabalho sustentava toda a sociedade,

respondiam pela maioria da população medieval. Acima de tudo, eram cristãos: logo, não

podiam ser vistos como um Outro, como os judeus, os muçulmanos, os leprosos, os

condenados e, até mesmo, as “raças de monstruosas” do Oriente. Essas duas características já

se faziam suficientes para que se levassem em conta outros aspectos, como: o fato de ter uma

vida simples, de serem responsáveis por um trabalho extremamente produtivo, de sofrerem

um tratamento injusto por conta da exploração exercida pelas classes sociais superiores. Tudo

somado, o sacrifício sem recompensa ao qual se envergavam deixava-os próximos a Deus e,

consequentemente, mais propensos a alcançar a salvação.

Ora, o reconhecimento desse sofrimento, aliado à consciência da importância vital – apesar de

degradante – de sua labuta, abria espaço para outra forma de visão, em que os camponeses

eram representados de forma idealizada. E aqui retomamos a análise das iluminuras que nos

interessam no Queen Mary Psalter.

Comparando com os nobres, os “rústicos” estão inseridos em outro espaço: sem alimentação

farta, sem conforto, sem tempo para o lazer. Somados à sua postura física e caráter, vemos

Page 7: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

7

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

que há uma evocação nostálgica da simplicidade que lhes é atribuída. Não são estranhos, não

pertencem aos grupos indesejados. Ao contrário, o trabalho imposto vem ao encontro da

natureza que Deus lhes deu, com certeza, muito diferente daquela da aristocracia

(FREEDMAN, 1999: 145).

A violência e a desonestidade poderiam ter sido deixadas para trás não fosse a iluminura do

mês de Agosto. Nela há um indício destoante dos outros meses: o homem que supervisiona o

trabalho, tendo na mão direita uma vara ameaçadora (figura 1).

(figura 1)

The Queen Mary Psalter. Agosto (detalhe)

Inglaterra (Londres/Westminster ou Ânglia Oriental), ca. 1310-1320.

British Library, MS Royal 2 B.VII

Na falta de maiores informações, como a identidade do comitente e do artista, podemos

avançar pouco na análise dessas imagens. Só nos restam perguntas.... Seriam elas decorrentes

de um modus operandi do iluminador? No caso específico da figura 1: tratava-se de uma

mensagem de superioridade? Uma forma de transparecer o medo de uma revolta? A

representação de um evento específico ou uma prática de determinada região?

Ao longo do calendário, nem mesmo a comparação das cenas da nobreza e com aquelas do

campesinato se mostra suficiente para que possamos traçar conclusões mais profundas, a não

ser que estamos frente a representações idealizadas ...

Page 8: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

8

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

O Livro de Horas do Duque de Berry

Considerado como um dos mais finos e luxuosos manuscritos medievais, Très Riches Heures

du duc de Berry (Bibliothèque du Musée Condé, château de Chantilly, Ms. 65) é um livro de

horas comissionado, ca. 1413, por Jean de Valois (1340-1416), duque de Berry.5 Também

conhecido como Très Riches Heures, o manuscrito conta com 206 fólios, 66 grandes e 65

pequenas miniaturas pintadas em guache sobre pergaminho (velino).6 Fora encomendado aos

irmãos Limbourg: Paul (Pol), Hermann (Hennequin) e Jean. Naturais de Nimwegen e

sobrinhos do pintor da corte do duque da Burgúndia, os três começaram a trabalhar, em 1408,

para Jean de Valois – filho, irmão e tio de reis de França e, sobretudo, um notável mecenas

das artes.

Em 1416, ano da morte de Jean de Valois – e, coincidentemente, também dos irmãos, que

teriam sucumbido à peste – o inventário do duque trazia a informação de que o livro não

estava terminado. Anos depois, entre 1482 e 1489, a obra foi completada a pedido do duque

Carlos de Savoia, pelo iluminador francês Jean Colombe (ca.1430-ca. 1493) Este teria

pintado a miniatura referente ao mês de novembro, além de ter retocado as páginas de março e

setembro (ALEXANDER, 1990: 437).

Ao contrário do Queen Mary Psalter, as cenas dos meses e do zodíaco encontravam-se na

mesma página. Cada uma das ilustrações vinha encimada por seu hemisfério correspondente,

em que se via um carro solar, os graus e o signo do zodíaco.

Très Riches Heures du duc de Berry prima pela originalidade, não só pela acuidade de suas

ilustrações, como pelo fato de ser uma obra destinada a glorificar a linhagem de seu

comitente. Como argumenta Comet, a “originalidade das Très Riches Heures não mostra uma

evolução do tema, mas confirma que o calendário se tornara um estereótipo, de tal forma

codificado que não tinha mais uma significação por si mesmo” (COMET, 1992: 58-59).7

Nesse sentido, o tema do ciclo dos meses não se limitava a fazer ver o retorno das estações,

mas tinha como intenção recontar “uma vida, aquela do duque Jean”, criar uma “memória

particular e não contar a aventura de todos os homens” (COMET, 1992: 58).

A forma encontrada foi a de inserir cenas familiares naquelas em que a aristocracia estava

representada; o mesmo artifício valia para os castelos do duque, que marcavam a paisagem.

5 O livro de horas era um tipo popular de livros de orações, que incluía um texto para cada hora litúrgica do dia, um calendário, orações, salmos e indicação de missas específicas para os dias santos. 6 Ver referências em: http://www.calames.abes.fr/pub/#details?id=IF3010065. Acesso em 29/06/2012. 7 Tradução nossa.

Page 9: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

9

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

Por exemplo: em janeiro, na festa real, Jean está sentado magnificamente em frente ao fogo.

Em abril, chegada da primavera, um noivado é acompanhado por amigos e familiares; o

castelo é o de Dourdan, perto de Paris. Historiadores vêm se debatendo sobre a identidade dos

noivos. Alguns sugerem ser Mary de Berry, sua filha, ou Bonne d’Armagnac, sua neta

(COMET, 1992: 58). Maio é o mês da cavalgada: a neta do duque encontra-se entre as

amazonas; ao fundo, o Hôtel de Nesle, a residência parisiense de Jean.8 Agosto, mês da caça

com os falcões: entre o castelo d’Etampes e os nobres, alguns camponeses estão colhendo,

enquanto outros nadam no rio. Aos poucos, a história individual sobrepunha-se à história do

mundo.

Agora, vejamos em quais miniaturas os camponeses são representados. Em fevereiro,

moradores de uma fazenda estão em atividades diversas: se aquecendo frente ao fogo, levando

um burro a uma vila, ou, ainda cortando lenha. Em março, em frente ao castelo de Lusignan,

se desenrolam os primeiros trabalhos do ano: arar e semear a terra. Junho é o tempo da

colheita: os camponeses capinam tendo ao fundo o Palais de La Cité e, à direita, a Sainte

Chapelle. Os trabalhos continuam em julho, mês de tosquiar as ovelhas e ceifar o feno ao

redor do castelo de Clain, perto de Poitiers. Setembro é o período da colheita das uvas, ao

redor do castelo de Saumur. Outubro, o cultivo e a semeadura do campo, com o Louvre –

edifício real de Carlos V, rei de França e irmão de Jean – ao fundo. Novembro9, período de

derrubar frutos do carvalho para alimentar seus porcos. No último mês do ano, camponeses

caçam um javali selvagem com a ajuda de cães; ao fundo, o castelo de Vincennes, residência

da família real francesa e local de nascimento do duque de Berry. Em comum a todas elas,

percebemos camponeses envoltos totalmente em sua labuta. Os castelos nos arredores jamais

teriam existido sem seu trabalho (FREEDMAN, 2000: 145).

Não podemos discordar que cada uma dessas miniaturas mereceria uma descrição mais

acurada de seus significados. No entanto, levantaremos somente os elementos necessários

para nosso objetivo.

Janeiro é o primeiro mês do ano, início de todo calendário (figura 2). Ao contrário de outros

exemplos anteriores, os irmãos Limbourg apresentavam o duque de forma gloriosa

aquecendo-se no fogo, frente a um vasto banquete e rodeado de sua corte: clara

8 As páginas de abril e maio trazem, ainda, outros significados: a primeira representa as formalidades e a importância do casamento para o contexto político e social do período; e, a segunda, as práticas do amor cortês. 9 Única imagem pintada por Jean Colombe; os irmãos Limbourg elaboraram a parte do zodíaco.

Page 10: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

10

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

personalização e indicação dos signos indicativos da “ideologia” do comitente, que de agora

em diante, vai permear as imagens dos nobres em seu tempo de lazer e obrigação social,

assim como os camponeses. (ALEXANDER, 1990: 438). Por ideologia, é preciso pensar que

não se tratava de

“um sistema concreto de crenças que confina a sociedade medieval a uma ‘unidade’

mítica, senão é mais para aludir a um conjunto de representações imaginárias que

mascaram as condiciones materiais reais. O ilusório, o poder espectral de uma

ideologia, como um ídolo, apresenta o construído sob a aparência do natural, em

outras palavras, a ilusão como realidade” (CAMILLE, 2000: 5).

Ou seja, as imagens corporificavam atitudes que refletiam os interesses envolvidos: o

contraste entre a nobreza e os camponeses. Como no Queen Mary Psalter, o livro de horas do

duque de Berry trazia para as cenas a figura de dóceis camponeses. Porém, o indício da

rusticidade não se encontrava em um homem que segurava uma varinha para manter a ordem

do trabalho no campo e sim nas atitudes dos camponeses.

(figuras 2 e 3)

Les Très Riches Heures du duc de Berry. Janeiro e Fevereiro

França, século XV.

Page 11: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

11

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

Bibliothèque du Musée Condé, château de Chantilly, Ms. 65

Na página correspondente a fevereiro (figura 3), vemos, à esquerda, três trabalhadores que

procuravam se aquecer como os nobres da imagem do mês anterior. Longe do fogo acolhedor,

em plena neve, outras três figuras: à direita, uma pessoa parece estar soprando seus dedos para

aquecê-los, enquanto um companheiro corta a lenha e outro leva o burro pela estrada. A

pergunta que vem agora é: qual a ideia, que tanto o duque quanto os irmãos Limbourg

queriam transmitir com esta cena?

Tanto a aristocracia quanto os camponeses – que provinham o sustento de toda a sociedade –

tinham direito ao lazer e ao aquecimento de seus corpos, ainda que estes não usufruíssem do

mesmo conforto daqueles. Mas a mensagem não era tão simples e direta assim. Existem

outros indícios a serem considerados.

Dos três trabalhadores sentados, dois estão mostrando suas partes sexuais enquanto a mulher à

direita levanta sua saia. Este motivo teria sido uma bricolage de um elemento iconográfico

similar que se encontra na obra Tacuinum Sanitatis, livro sobre medicina e saúde, bastante

popular na Europa Ocidental, durante a Baixa Idade Média. Contudo, essa explicação também

não se mostra suficiente para revelar a intenção oculta. Nesse sentido, é Alexander quem nos

chama a atenção para o significado que estamos buscando: mais do que um voyerismo, o que

se vê é uma representação ideológica dos camponeses como seres sem cultura, educação e

refinamento. Nas palavras desse historiador da arte, não se trata de uma “questão de gênero,

mas uma questão de classe” (ALEXANDER, 1990: 440). Ou seja, os camponeses “estão

submetidos a um olhar de desprezo”.

Isto se faz mais claro ainda na miniatura do mês de setembro, período da colheita da uva. 10

No centro da imagem, flanqueado por um burro e dois bois, há um camponês que, ao se

abaixar, deixa de fora parte de suas roupas íntimas. A ideia era mostrar a similaridade entre a

tarefa do homem e dos animais: tipo de trabalho que não requeria raciocínio algum. Jamais se

representaria um nobre ou um cavaleiro dessa forma.

Vale notar que há desprezo, mas não sem certo medo. A imponência dos castelos

representados era um dos fatores de demonstração de poder e força da classe social à qual

pertencia o duque – ao mesmo tempo em que se tratava de clara mensagem a todos os

10 Esta imagem foi desenhada pelos irmãos Limbourg e completada por Jean Colombe (ALEXANDER, 1990: 442).

Page 12: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

12

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

inimigos (internos e externos) de riqueza e de poderio militar, ambos necessários para a

manutenção de cada um desses espaços.

O olhar atento nos mostra outros indícios. Seguindo a tradição, três cenas são dedicadas às

ocupações da nobreza: janeiro, abril e maio; enquanto fevereiro, março, junho, julho,

setembro, outubro e novembro trazem os afazeres no campo. Agosto e dezembro são meses

ambíguos: o primeiro mostra tanto aristocratas quanto laboratores; o segundo uma cena de

caça, lazer dos nobres. Aqui o jogo é duplo, pois os servos que matam o javali pertenciam ao

duque, o que leva a pensar que é o próprio Berry que lá se encontra representado. Segundo

Alexander, a cena deve ter sido planejada originalmente para contratar com a precedente –

lembrando, a dos camponeses derrubando frutos de carvalho para alimentar os porcos. Dessa

forma, “o ciclo se completaria da mesma forma como começou, com um par oposto de

representação” (ALEXANDER, 1990: 441).

Tendo feito essa breve descrição, não é difícil perceber que Très Riches Heures du duc de

Berry é um manancial de signos a serem destrinchados.11 No assunto que aqui nos interessou,

a representação do trabalho “dócil” dos camponeses nunca teria sido completa sem uma

comparação com os “afazeres”e o “lazer” dos membros da aristocracia. Neste caso, é possível

perceber que não há uma evocação nostálgica de uma simplicidade rústica, mas um grande desprezo

por parte do comitente. Fator que demonstra uma mudança de atitude provocada, provavelmente, pelas

crises econômicas e sociais ocorridas na virada do Trezentos para o Quatrocentos. Mas, isto é tema

para outra comunicação.

Fontes

THE QUEEN MARY PSALTER. Inglaterra (Londres/Westminster ou Ânglia Oriental), ca.

1310-1320. Disponível em:

http://www.bl.uk/catalogues/illuminatedmanuscripts/record.asp?MSID=6467&CollID=16&N

Start=20207. Acesso em 05/05/2012.

Bibliografia

ALEXANDER, Jonathan. Labeur and Paresse: Ideological Representations of Medieval

Peasant Labor. The Art Bulletin, Vol. 72, N° 3 (Sep., 1990), pp. 436-452. Disponível em:

http://www.jstor.org/stable/3045750. Acesso em 10/05/2012.

11 Um deles seria a ausência da representação de burgueses.

Page 13: As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: o ... · As imagens de camponeses em dois manuscritos medievais: ... os calendários traziam duas cenas para cada mês do ano:

13

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

CAMILLE, Michael. El ídolo gótico. Ideología y creación de imágenes en el arte medieval.

Madri: Ediciones Akal, 2000.

COMET, Georges. Les calendriers médiévaux, une représentation du monde. Journal des

savants. 1992, vol 1, nº 1, pp. 35-98. Disponível em:

http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/jds_0021-

8103_1992_num_1_1_1552. Acesso em 10/05/2012.

DUBY, Georges. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. 2ª Ed. Lisboa: Editorial

Estampa, 1994.

FREEDMAN, Paul. Images of the Medieval Peasant. Stanford: Stanford University Press,

1999.

GORDON, Olga Koseleff. Two Unusual Calendar Cycles of the Fourteenth Century. The Art

Bulletin, Vol. 45, N° 3 (Sep., 1963), pp. 245-253. Disponível em:

http://www.jstor.org/stable/3048096. Acesso em 11/05/2012.

MANE, Perrine. Comparaison dês thèmes iconographiques des calendrieres monumentaux et

enluminés em France, au XIIe et XIIIe siècles. Cahiers de civilisation memdievale. 29e année

(n°115), juillet-septembre 1986, pp. 257-264. Disponível em:

http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/ccmed_0007-

9731_1986_num_29_115_2336 Acesso em 17/06/2012.

STANTON, Anne Rudloff. The Queen Mary Psalter. A Study of Affect and Audience.

Philadelphia: American Philosofical Society, 2001.

WARNER, George. Queen Mary’s Psalter. Miniatures and Drawings by an English Artist of

the 14th

Century. Reproduced from Royal MS.2B.VII in The British Museum. London: The

Trustees of the British Museum, 1912