imagens religiosas nos manuscritos medievais wanessa... · todos esses “zoons”, mas a relação...

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IMAGENS RELIGIOSAS NOS MANUSCRITOS MEDIEVAIS Pamela Wanessa Godoi (UEL/ PIBIC-CNPQ) 1 Eixo: Imagem e Religião Resumo: Neste trabalho procuramos desenvolver uma análise de como alguns autores da historiografia atual percebem o estudo de imagens. Utilizamos de base as imagens encontradas em manuscritos medievais: as iluminuras. A iluminação é a arte que nos manuscritos alia a ilustração e a ornamentação, por meio de pintura em cores vivas, ouro e prata, de letras iniciais, flores, folhagens, figuras e cenas, em combinações variadas, ocupando parte do espaço reservado ao texto e estendendo-se pelas margens, em barras ou molduras. Percebemos como as imagens ao longo da história foram utilizadas para expressar e representar o contexto vivido pela sociedade, deste modo, partimos das imagens de uma determinada sociedade para compreendermos melhor suas formas de imaginário e de representação cotidiana do social. Apresentaremos as discussões feitas a partir de historiadores que desenvolvem a questão do uso de imagens como fontes para a narrativa histórica. Dessa forma procuramos demonstrar a transformação da representação visual de simples ilustração para uma base documental de fato, percebendo como esse suporte documental tem sido útil aos historiadores atuais e quais as formas propostas atualmente para a utilização. Ao final apresentamos e discutimos pressupostos do método utilizado por Ginzburg com exemplos e usos de iluminuras. 1 Trabalho desenvolvido no Projeto: A Arte Gráfica Visual Na Imprensa Anarquista (1901-1927) orientado pelo Professor Doutor Alberto Gawryszewski. Coordenador do Laboratório de Estudos da Imagem na Universidade Estadual de Londrina. III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 2276

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IMAGENS RELIGIOSAS NOS MANUSCRITOS MEDIEVAIS

Pamela Wanessa Godoi (UEL/ PIBIC-CNPQ)1

Eixo: Imagem e Religião

Resumo: Neste trabalho procuramos desenvolver uma análise de como alguns autores

da historiografia atual percebem o estudo de imagens. Utilizamos de base as imagens

encontradas em manuscritos medievais: as iluminuras. A iluminação é a arte que nos

manuscritos alia a ilustração e a ornamentação, por meio de pintura em cores vivas,

ouro e prata, de letras iniciais, flores, folhagens, figuras e cenas, em combinações

variadas, ocupando parte do espaço reservado ao texto e estendendo-se pelas margens,

em barras ou molduras. Percebemos como as imagens ao longo da história foram

utilizadas para expressar e representar o contexto vivido pela sociedade, deste modo,

partimos das imagens de uma determinada sociedade para compreendermos melhor suas

formas de imaginário e de representação cotidiana do social. Apresentaremos as

discussões feitas a partir de historiadores que desenvolvem a questão do uso de imagens

como fontes para a narrativa histórica. Dessa forma procuramos demonstrar a

transformação da representação visual de simples ilustração para uma base documental

de fato, percebendo como esse suporte documental tem sido útil aos historiadores atuais

e quais as formas propostas atualmente para a utilização. Ao final apresentamos e

discutimos pressupostos do método utilizado por Ginzburg com exemplos e usos de

iluminuras.

                                                            1  Trabalho desenvolvido no Projeto: A Arte Gráfica Visual Na Imprensa Anarquista (1901-1927) orientado pelo Professor Doutor Alberto Gawryszewski. Coordenador do Laboratório de Estudos da Imagem na Universidade Estadual de Londrina. 

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Um debate teórico

A partir da década de 60 com a intensificação da escola historiográfica chamada

Nova História foi possível pensar na utilização mais próxima da imagem enquanto

documento para análise histórica.

Antes temos, e ainda hoje percebemos isso, a grande utilização da imagem nos

estudos históricos de forma secundária: como ilustração de documentos escritos. Com a

possibilidade de pensar nos “novos problemas, novas abordagens, novos objetos”2 a

imagem por ela mesma começou a aparecer no cenário historiográfico.

Em um mundo tão voltado as imagens como o do ocidente atual, onde todo tipo

de propaganda e relação social busca na imagem uma forma de apresentação, olhar as

imagens na história parece ser quase uma necessidade, já que somos frutos de uma

cultura da imagem3. Buscar entender essas representações advindas de tempos passados

é uma curiosidade contemporânea bastante compreensível.

Porém não está legado apenas a contemporaneidade esse apego pelo uso de

imagens como tradutoras da sensibilidade humana e como mediadora das relações entre

as pessoas.

Ao olharmos para traz vamos perceber que a imagem enquanto linguagem está

fortemente presente em várias culturas e em cada uma se sobressai com um significado

geral que a caracteriza.

Nos estudos históricos a busca por esses elementos que se destacam enquanto

significados para o uso de imagens tem sido relevante para o entendimento da cultura e

da sociedade em que a imagem esta inserida. Neste caso, ainda mais que os textos, a

imagem traz a possibilidade de estudo da cultura que a produziu, que a enxergou e

mesmo que a estudou posteriormente, sendo na maioria das vezes, essas camadas e

passagens das imagens diferentes entre si.

Assim, nem sempre o mesmo tempo que produziu a imagem, e o que a viu ou

que a estudou ou a utilizou e reutilizou. A imagem torna-se objeto pertencente ao

contexto de vários períodos que muitas vezes as leu de formas diferentes, segundo o que

o seu imaginário permitiu, mesmo ela sendo a mesma imagem.

                                                            2BURKE, Peter (Org), A Escrita da História: novas perspectivas, Tradução: Magda Lopes, 1ª Ed., São Paulo: Editora Unesp, 1992. 3PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2006, pp 101- 104.

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Isso tem haver, assim como nos textos, com os signos contidos na imagem.

Alguns significados primários como nomeia Panofsky tem suas mudanças lentas,

quando às tem. Então a representação de um homem, sempre será a imagem e

semelhança de um homem: cabeça, corpo, pernas, braços. O seu significado secundário:

um homem, dormindo, andando, cantando, estará na representação segundo aquele que

a entende. E ainda mais passará aos olhos do observador seu significado intrínseco, que

busca o tema da imagem.4

Dessa forma, a imagem pode ser estudada em todos os níveis de seus

significados, permitindo o entendimento das diversas temporalidades até chegar a nós.

Aumentando ainda, segundo Peter Burke a possibilidade de compreensão do poder

dessas representações:

“O uso de imagens, em diferentes períodos, como objetos de devoção ou meios de persuasão, de transmitir informação ou de oferecer prazer, permite-lhes testemunhar antigas formas de religião, de conhecimento, crença, deleite, etc. Embora os textos também ofereçam indícios valiosos, imagens constituem-se no melhor guia para o poder de representações visuais nas vidas religiosa e política de culturas passadas” (BURKE: 2004: 17)

Porém Peter Burke nos alerta das dificuldades de um historiador trabalhar com

imagens. Estando mais acostumado com textos escritos, o historiador acaba tendo

dificuldade em traduzir o testemunho mudo das imagens em palavras.5

Isso se minimiza com a interdisciplinaridade. A busca de referências da história

da arte, por exemplo, ajuda o historiador a compreender o objeto estudado e localizá-lo

em sua pesquisa, sem torná-lo mera ilustração, ou mesmo sem utilizá-lo como verdade

única.

Meneses adianta que é ainda preciso ir além. Entende que o uso da imagem não

deve aparecer apenas como uma nova área isolada no contexto acadêmico. É preciso dar

conta de todo um entendimento da visualidade6 que possibilitará compreendermos a

vida e os processos ocorridos dentro da sociedade. A imagem, então, não aparece

apenas como explicação de si mesma, mas é entendida a partir de uma reflexão sobre o

                                                            4PANOFSKY, Erwin. Introdução. In: Estudos de iconologia: temas humanísticos na arte do renascimento. Tradução: Olinda Braga de Sousa. Lisboa: Editorial Estampa, 1995. 5BURKE,  Peter. Testemunha Ocular – história e imagem. Tradução: Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru: Edusc, 2004, pp. 11-24 6 MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Fontes visuais, cultura visual, História visual. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 23, nº 45, pp. 11-36, 2003.

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meio que a criou e que a observava, mesmo que nem sempre a criação se dê no mesmo

local e período da observação, como já dissemos. Assim, historicizar a imagem é o

intuíto primeiro do historiador: inseri-la em seu contexto histórico.

Vemos então hoje, com Ginzburg, Burke, Smith, Meneses uma abrangente

bibliografia que busca o entendimento do visual, da linguagem da imagem como

evidencia histórica a ser analisada e desenvolvida por historiadores.

No Brasil, essa utilização da imagem enquanto objeto histórico tem se difundido,

e isso é visível na busca por realizações de encontros que visam o estudo da imagem e a

interdisciplinaridade de áreas. O III Encontro Nacional de Estudos da Imagem é um

exemplo, em sua terceira edição, realizada no interior do país atraiu grande número de

trabalhos e de participantes.

Na área de medieval isso também se faz presente e é o sinal que o estudo de

imagens medievais tem atraído diversos pesquisadores nos últimos anos. O lançamento

de uma nova tradução de um grande livro de estudo de caso chamado “Investigando

Piero” de Carlo Ginzburg pela Cosac Naify, como a própria editora salientou, é um

sintoma de que o estudo de imagens tem atraído um grande público leigo e

especializado.

Já Eduardo Paiva em 2006 desenvolve em seu livro “História & Imagens”7 a

necessidade também de pensar a imagem e o seu uso pelo historiador, e pelo não menos

historiador, professor de história. Em sala de aula, esse material, pode possibilitar ainda

mais envolvimento do aluno com a evidência histórica e permitir ao ensino-

aprendizagem o desenvolvimento da produção de conhecimento histórico.

É preciso lembrar, como fez Burke8 que não é somente de hoje que historiadores

brasileiros tem o interesse nas imagens. Mesmo antes que as escolas européias, Gilberto

Freire se preocupou em ver nas imagens mais do que simples ilustração.

Um exemplo

Passemos agora, para um exemplo, ainda que superficial, de como utilizar uma

iluminura na análise histórica a partir de um método desenvolvido por Carlo Ginzburg.

                                                            7PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 8BURKE, Peter. Testemunha Ocular – história e imagem. Tradução: Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru: Edusc, 2004, pp. 14

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Esclarecemos que um trabalho detalhado pode ser desenvolvido seguindo pressupostos

básicos, que é apenas o que intencionamos apresentar aqui.

Ginzburg é um historiador italiano, que apresentou teorias como a da

circularidade9 e trabalha com a identificação da micro-história. O autor enxerga nos

detalhes algo particular que traz à luz um grande número de elementos que se

relacionam. Como uma foto, onde ele da um “zoom” e analisa aquela pequena parte do

todo.

Claro que a história total, desejada por March Bloch10 não vai ser o conjunto de

todos esses “zoons”, mas a relação entre eles, a partir do debate dos historiadores. Aqui

o “zoom” aparece mais como recorte particular, onde dele é possível se tirar, partindo

de reflexões múltiplas, uma noção do contexto e compreensão dos detalhes.

Em um brilhante livro partindo da micro-história11 ele faz a análise de três obras

de um pintor do começo da Idade Moderna: Piero de La Franscesca. Sobre esses três

trabalhos de Piero, sendo o segundo um ciclo feito em uma igreja, o autor traz a

discussão já feita por historiadores da arte no que diz respeito à datação de cada uma

delas.

Através de ligações feitas entre os personagens, os significados dos símbolos e

do estilo contidos nas pinturas, ele procura a mais provável data para a execução das

obras. Traz no uso de muitos documentos, sejam escritos ou imagéticos, um pouco do

contexto do pintor, da sua vida e de como era o local e os envolvidos na execução das

pinturas.

Utiliza-se também de várias séries de pinturas do mesmo tema e de outros

autores para identificar símbolos e possíveis personagens, assim como usa textos de

circulação e o ambiente da época para caracterizar alguns das representações

encontradas nas pinturas. Pensando o autor e o cliente ele vai traçando o caminho que as

obras devem ter percorrido e desconsiderando assim algumas hipóteses já desenvolvidas

por outros autores.

Ginzburg apresenta neste livro uma forma de analisar imagens que busca uma

investigação quase policial que envolve todo o contexto de produção e utilização da

obra.

                                                            9GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. Tradução: Maria Betânia Amoroso; tradução dos poemas: José Paulo Paes. São Paulo: Cia. das Letras, 2006. 10 BLOCH, March. Apologia da História: ou oficio do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 11LEVI, Giovanni. Sobre a micro história. in: BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992. p. 133-161.

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No caso de uma iluminura, para Ginzburg ter um recorte bastante específico

seria, sem dúvida, de suma importância. Aqui vamos apresentar um exemplo de como

isso poderia começar a ser feito.

Em meio à iluminação é possível ter vários recortes. Apenas para exemplificar

um trabalho como o sugerido por Ginzburg, pegaremos iluminuras em livros de Horas

usados em Roma que tratam dos ofícios fúnebres no século XV.

Primeiro é preciso identificar a datação, localização, tema de cada figura e seguir

adiante: “(...) a datação, assim como a localização é só o primeiro passo para uma

leitura histórica de uma obra de arte.”12. Quando uns desses elementos não são

encontrados, temos um obstáculo que é preciso vencer, ou ser indagado. Por que não

temos essa data, ou esse local?. A partir do contexto e ao longo da pesquisa é possível

encontrar as respostas ou mesmo levantar novas hipóteses a cerca dessas questões.

No caso das iluminuras fizemos um recorte no banco de dados do ministério da

cultura francesa13. Encontramos as imagens da divisão catalogada como “Office

funèbre”. Separamos apenas as imagens dos livros de horas usados em Roma no século

XV para verificar como esse rito é percebido nas imagens desse tipo de documentação.

O próximo passo, sugerido por Ginzburg, é a busca por uma particularidade

daquela imagem ou daquele conjunto de imagens. Algo que a diferencia de tantas

outras. Aqui quando tratamos da iluminura medieval, assim como em outros casos

também, encontramos mais um obstáculo. Muitas são essas imagens, de diferentes

épocas e temas e muitas delas não são de fácil acesso, devido em muito ao trabalho de

catalogação das figuras estar ainda no início. Assim novamente o recorte vem resolver o

problema. Perceber semelhanças e diferenças em iluminuras requer um “zoom” ainda

mais definido.

A imagem dos ritos realizados aos mortos se apresenta como um tema bastante

comum a esse período, não só nos manuscritos iluminados como em outros materiais e

locais. Os personagens da cena também são sempre bem definidos, apesar de nem

sempre serem identificados. Temos um clérigo que está à frente do rito, alguns outros

clérigos que o acompanham e em alguns casos o próprio morto.

                                                            12 GINZBURG, Carlo. Indagações sobre Piero.Tradução: Luiz Carlos Cappellano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, pp. 24 13ENLUMINURES. l'Institut de recherche et d'histoire des textes (CNRS). Disponível em: <http://www.enluminures.culture.fr/documentation/enlumine/fr/LISTES/sujet_00.htm>. Acesso em março. 2011.

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Assim a particularidade dessa imagem pode estar exatamente em sua

continuidade, em sua necessidade de apresentação a partir de uma regra não

estabelecida oficialmente, mas pelo peso da tradição da cena.

Podemos notar e confirmar essa apresentação com a comparação dessas

imagens:

 

Figura 1: Office des morts : matines. Heures à l'usage de

Rome (Angers – BM- MS 0134). Data: Fim do século XV. Fonte:

<http://www.enluminures.culture.fr>

Figura 2: Office funèbre. Heures à l'usage de Rome (Angers – BM- MS

2048). Data: antes de 1485. Fonte: <http://www.enluminures.culture.fr>

 

Figura 3: Office funèbre. Heures à l'usage de Rome (Besançon – BM- MS

0050). Data: Segundo quarto do século XV. Fonte: <http://www.enluminures.culture.fr>

 

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 Figura 4: Office funèbre. Heures à l'usage de Rome (Besançon – BM- MS

0151). Data: meio do século XV. Fonte: <http://www.enluminures.culture.fr>

A hipótese do peso da tradição na representação dessa cena pode ser refletida

dando continuidade às pesquisas. Afirmar que uma cena é representada sempre da

mesma forma apenas por que só é encontrada assim, é ainda um argumento muito frágil.

Segundo Ginzburg: “o contato não explica a permanência” 14.

Passemos para a próxima questão a ser percebida: a produção. Quem são os

autores, onde eles viram essas imagens, para quem elas foram feitas e por quê?.

Utilizando de perguntas básicas da comunicação também propostas por Anni Duprat,

desenvolvemos a pesquisa a partir das buscas dessas respostas exemplificadas por

Ginzburg.

A iluminura traz dificuldade na questão de sua autoria. Um não novamente, que

traz uma nova reflexão. A posição do iluminador, como ele era visto. Por que não temos

o nome dele na imagem ou mesmo no livro? Das figuras exemplificadas nenhum

contém a autoria das imagens.

Castelnovo15 apresenta uma discussão sobre o papel do artista no contexto da

idade média. Importante pensar que esse homem, que no início da prática medieval de

iluminação era um monge, no século XV, já podia ser um artista que não fazia parte da

instituição religiosa. Ele buscava muitas vezes por trabalhos diversos para ganhar seu

sustento utilizando de uma arte aprendida com o pai ou outro familiar da geração

anterior. Refletir sobre a posição do artista pode confirmar a idéia de uma hipótese que

explica a particularidade da cena, ou mesmo, no nosso caso a falta dela.

                                                            14 GINZBURG, Carlo. Olhos de Madeira – nove reflexões sobre a distância.Tradução: Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 91 15 CASTELNUOVO, Enrico. O artista. In: LE GOFF, Jacques (dir). O homem medieval. Tradução: Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: Presença, 1989. p. 145-162.

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Novamente nos deparamos com o peso da tradição no desenhar da cena. O

iluminador, que neste período tem também outras profissões, como carpinteiro, pintor,

entre outras aprendeu as técnicas da pintura com mestres de gerações posteriores. Não

há nenhuma escola específica para o aprendizado dessas práticas e muitas vezes o

próprio livro é uma cópia de outro livro, onde só se muda o necessário, como cores ou

tamanhos.

A criação ou mesmo a inovação neste campo se mostra pouco ousada. Ainda

mais quando se trata de uma cena que representa um ritual já bastante definido no

século XV.

Outro ponto importante a se refletir a partir da análise da imagem, é o que diz

respeito à temporalidade. Falamos de imagens no século XV, de algum forma,

reconstruir os elementos desse contexto é uma maneira de se ter embasamento para

questionar a imagem. No caso das iluminuras, atentar para fato, por exemplo, de que

nesse período já existia a imprensa é fundamental para entender o valor simbólico, e

mesmo material do manuscrito iluminado.

Assim, no “zoom” de Ginzburg saber onde estamos é fundamental para

caminhar a análise.

Mas do que a simples data, o período em si, envolve todo o contexto de

produção, possíveis autores e públicos. É a partir do conhecimento do contexto, que

envolve não só a temporalidade, mas também a espacialidade que é possível para o

historiador, perceber os símbolos contidos na imagem.

No caso da análise dos quadros de Piero, entender e conhecer o período e o

ambiente de circulação de obra, autor e público, faz com que as hipóteses de simbologia

de significados e mesmo de descobrir os personagens do quadro uma ferramenta para o

historiador chegar a indagação final que buscava a datação mais provável.

Considerações finais

A partir de uma discussão teórica que envolve historiadores como Ginzburg e

Burke pensar a análise de imagem, se mostra ainda em caminhos de construção na

historiografia.

Com um exemplo de caminho, que não visa um método fechado e nem um

roteiro pronto, percebemos que a leitura de imagens é assim como a leitura de textos

escritos calcada no entendimento do que Meneses chama de visualidade.

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Assim, quando o historiador se depara com um texto em outra língua que não a

sua materna, necessita para uma análise mais aprofundada, conhecer a língua, o

contexto e os signos e símbolos desse documento. Não é diferente com a imagem.

Reconhecer sua linguagem é uma das necessidades do historiador que pretende

construir conhecimento histórico utilizando delas para compreender o contexto e as

relações da sociedade com que está lhe dando, e mesmo as relações dessa com a

atualidade.

Sem sombra de dúvida, isso torna o interesse do historiador no uso de

documentos imagéticos como evidências históricas, compreensivo e possível. Nessa

área as pesquisas caminham, e hoje com uma velocidade ainda mais rápida. Esse texto

visa fazer parte desse conjunto, na busca pela apresentação e possível troca de estudos

históricos baseados em análise de documentação imagética.

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Referências bibliográficas

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Lopes, 1ª Ed., São Paulo: Editora Unesp, 1992.

BURKE, Peter. Testemunha Ocular – história e imagem. Tradução: Vera Maria Xavier

dos Santos. Bauru: Edusc, 2004.

CASTELNUOVO, Enrico. O artista. In: LE GOFF, Jacques (dir). O homem medieval.

Tradução: Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: Presença, 1989. p. 145-162.

ENLUMINURES. l'Institut de recherche et d'histoire des textes (CNRS). Disponível

em: <http://www.enluminures.culture.fr >. Acesso em abril. 2011.

GINZBURG, Carlo. Indagações sobre Piero. Tradução: Luiz Carlos Cappellano. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1989.

_________________. O queijo e os vermes. Tradução: Maria Betânia Amoroso;

tradução dos poemas: José Paulo Paes. São Paulo: Cia. das Letras, 2006.

________________. Olhos de Madeira – nove reflexões sobre a distância.Tradução:

Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

BLOCH, March. Apologia da História: ou ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 2001.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Fontes visuais, cultura visual, História visual. Revista

Brasileira de História. São Paulo, v. 23, nº 45, pp. 11-36, 2003.

PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

PANOFSKY, Erwin. Introdução. In: Estudos de iconologia: temas humanísticos na arte

do renascimento. Tradução: Olinda Braga de Sousa. Lisboa: Editorial Estampa, 1995.

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