Átimo é brega
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Átimo é Brega é uma Publicação sem fins lucrativos e de responsabilidade dos estudantes de jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Átimo tem como objetivo dar visibilidade a temas que não têm sido discutidos massivamente. Da mesma forma, o conteúdo gráfico é pensado para dialogar necessariamente com o tema escolhido. Como princípio editorial para este exemplar, o brega é entendido como produto, principalmente, das periferias recifenses e da Região Metropolitana do Recife (RMR) e, por isso, são esses espaços que ganham as páginas a seguir. Boa leitura!TRANSCRIPT
Átimo é uma produção dos alunos do 6• períododo curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco,supervisionados pelos professores Bruno Nogueira e Soraya Barreto.
Reportagens: Amanda MeloCaíque LuizKatarina VieiraLeonardo PersivoVinícius de Brito
Fotografia: Amanda Melo - Vinícius de Brito
Editoria de Arte: Renata Barbosa - David Mikhayll
EditorialEditorialEditorial
Eita C****!
“Tem cachaceiro aí, tem?”, perguntou o DJ encarregado de animar a plateia enquanto a primeira
banda da noite não subia ao palco. Eu, que procurava a casa de brega mais famosa de Jardim
São Paulo (a Chopp Lounge Club), andando a pé às 11 horas da noite, pensei: “devo estar no lugar
certo”. Do lado de fora da boate, uma multidão se amontoava na fila de entrada, enquanto seguranças
de uns dois metros de altura iam revistando um por um. Lá de dentro, vinha um som abafado, que se
misturava aos gritos do DJ e ao falatório dos clientes que compravam ingresso. Do outro lado da rua,
havia uma barraquinha de cachorro-quente, uma mangueira, que mais tarde seria transformada em
mictório, e uma caminhonete com o bagageiro aberto. De dentro, ecoava o som de um alto-falante
extremamente potente, que fazia meu estômago vibrar: “Meu pai é f***, eu sou f**inha, ele pega as
coroa e eu pego as novinha”. Era o prólogo de uma noite memorável.
Após meia hora de espera, comprei meu ingresso, passei pela revista dos seguranças e entrei no brega.
O show da primeira atração da noite, MC Tróia, já havia começado, e ele gritava no microfone:
“Eita c****, o brega tá lotado”. Concordei de imediato com o tal do Tróia. Na parede, ao lado da grade
que dava acesso à pista de dança, uma placa: “Capacidade máxima – 1470 pessoas”. Apesar de não
ter contado uma por uma, estimei que ali tivesse quase 2000.
Logo me destaquei na multidão. Meu bloquinho de anotações, minha calça jeans e minha camisa de
botão sobressaíam no meio da casa de shows. Para ir ao brega, é preciso seguir a moda brega, é quem
não segue é encarado com estranhamento. Eu deveria estar trajando camiseta, boné e bermuda de
náilon coloridas, e um chinelinho também cairia bem. O único homem que não seguia esse padrão,
além de mim, era um indivíduo que não vestia nada além de uma sunga. Já as mulheres, vestiam blusas
de cores berrantes, quase sempre acompanhadas por uma mi crossaia ou um nanoshort. A maquiagem,
por coincidência ou não, combinava com as luzes fortes e vivas que piscavam sem parar de holofotes
espalhados por todo o teto.
Durante o show de MC Tróia, muitos se dirigiam às barraquinhas improvisadas de cano PVC para
aproveitarem a promoção relâmpago da noite: balde de cerveja gelada por apenas R$10,00. E
quando eles anunciavam um “balde” de cerveja, não estavam brincando. A bebida era servida em
baldes de plástico usados em obras, muitos ainda sujos de cimento e cal. Reparei num gato que correu
por cima do muro, e pulou para o terreno baldio que ficava atrás da casa. Talvez ele tenha resolvido
fugir quando descobriu a procedência dos espetinhos ali servidos.
Num dado momento, fui abordado por uma moça de uns 22 anos:“Tu é da Globo?”. Eu disse que não,
e perguntei se ela sempre ia pro brega. “Nem gosto muito”, respondeu ela, e continuou: “Só tô
aqui porque minha amiga pediu pra eu vir com ela”. A tal amiga, que estava do lado, reagiu quase que
instantaneamente: “Mentira! Quem me chamou foi tu!”.
Por Leonardo PersivoCrônica
Aparentemente, gostar de brega é brega. Assim como as moças do show, muitas pessoas que
curtem o gênero não assumem que gostam. No entanto, tal “vergonha” não está tão presente nas
ações quanto está nas palavras. Minutos depois, vislumbrei a mesma moça encostada na parede,
'arrochando' ao som de “As novinha tão sensacional” com um homem, completamente sem-vergonha
(no sentido literal da expressão).
Quando a segunda atração da noite subiu ao palco, por volta das 2h da manhã, percebi que eu não
aguentaria até a terceira. A banda Dengosa, formada por um cantor e duas cantoras (que coincidentemente
possuíam o mesmo timbre de voz) iniciou uma nova fase no brega: a sofrência. Com músicas românticas,
que falavam de amor, ciúme e traição, a banda pôs todo mundo para dançar, chorar, beber e eventualmente
brigar entre si, com socos e empurrões de vez em quando. Percebi que era melhor sair dali, se eu
quisesse escrever este texto em algum momento da minha vida.
Do lado de fora, a mesma caminhonete ainda tocava suas músicas a altos decibéis: “E a muriçoca
pica, pica, pica, pica, pica, pica, pica”. Ignorando o provável trocadilho presente na letra da música,
matei uma muriçoca que realmente estava me picando, chamei um táxi e fui embora... Porque
homem não chora. Não resisti a essa última frase.
Por Leonardo Persivo
A Presença da Mulher no BregaPor Katarina Vieira
Na música brega a postura das cantoras e seu estilo têm influenciado no comportamento de algumas de suas fãs e ajudado na propagação do gênero. Durante um show da banda Sedutora no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife, era possível perceber fãs da banda quepassam a adotar o estilo de vestir dessas cantoras. As fãs denominam esse estilo de “Estilo Predadora”, composto pelo combo blusa decotada, saia de bandagem (vem do inglês bandage, que quer dizer atadura), salto alto e cabelos tingidos de loiro ou vermelho.
A estudante de administração Renata Costa, 20 anos, diz que começou a ter mais atitude após frequentar shows de brega. “Eu passei a ter mais coragem de fazer o que tinha vontade, como pintar os cabelos de vermelho por exemplo. Até para paquerar e chegar nos caras mesmo, antes quando eu ia para baladas tipo UK, Joker e Pink [boates no bairro de Boa Viagem ] eu não me sentia muito à vontade para ser eu mesma no meio daquelas cocotas”. Ainda segundo Renata, o gosto pelo gênero musical se intensificou quando veio à identificação com as letras das bandas. “O que eu mais gosto nisso tudo é que eu me vejo nas letras, assim, situações que eu vivi, sabe? Músicas tipo Devagar que eu tô de salto, Bateu a química e Rainhas da balada(musicas da banda Musa), parece que sou eu ali”, conta a estudante,sobre as músicas da banda Musa, da qual é fã.
Assim como Renata, a auxiliar administrativa Alinne Pires, 23, gostada música brega e vai muito a shows, mas com o objetivo de dançar e fazer amizades. “Eu curto muito o brega, adoro vir para os shows e dançar coladinho, conhecer gente nova e curtir a noite mesmo. Esse ritmo é muito bom, é uma batida que eu não consigo ficar parada quando eu escuto”, afirma.A motivação é a mesma partilhada por Cláudia Diaz, 22; Samara Mendes, 18; Patrícia Silva, 22, e Alice Neves, 19.
A mulher aparece nas letras de brega de uma forma sensual, aliada a uma batida que convida as pessoas a utilizarem todo seu capital sexual, ou seja, estratégias de sedução,na performatização de danças. Na cena brega atual, as mulheres estão conquistando um espaço cada vez maior dentro das Bandas. Na Região Metropolitana do Recife (RMR), esse fenômeno começou no final dos anos 1990 quando a banda Calypsoveio do Pará empresariada pela Luan Produções, fixando residência na capital pernambucana.
Segundo o pesquisador de cultura pop da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Thiago Soares,a tradição de cantoras nas bandas de forró contribuíram para a entrada da mulher nas bandas de brega. “Você pega, por exemplo, as bandas Magníficos, Limão com mel, Eliana a Rainha do Forró, todas elas tinham cantoras então a voz feminina sempre foi uma coisa muito presente, então, quando a gente vê hoje a mulher no brega recifense, ela é muito a intercessão de duas tradições: da banda Calypso e das bandas de forró”.
A presença femininano brega, diz o pesquisador, deu mais visibilidade e “empoderamento” ao discurso de autonomia da mulher. “As pessoas dizem que a mulher é objetificada e tal, mas tem muitas letras que falam de autonomia feminina. Na letra de brega, tem primeiro uma construção romântica, a mulher falando do amor romântico, tem muito discurso de traição e muita revanche, muito empoderamento feminino. Essa tradição de objetificar a mulher vem muito dos MCs”, afirma Soares.
No entanto, para a professora e pesquisadora de gênero da UFPE
Fernanda Capibaribe, aideia de “empoderamento feminino” dentro da
música brega só pode ser usada se for considerado um contexto de
permanências e retrocessos. “A gente não pode considerar que o
brega empodera a mulher. Eu acho que a gente não pode
desconsiderar toda a carga machista que está posta aí (na música
brega), porque existem também algumas músicas que trabalham com
o outro lado, que é o homem sendo o algoz e a mulher sofrendo a ação
e isso é um retrocesso.”, explica.
Mas, a professora ressalta que essa postura da mulher se colocando
como autora da ação é um avanço. “Eu só posso considerar que essa
postura das cantoras é um empoderamento se essas mulheres
assumem um eu-lírico de transformação, como quando elas dizem
'pensou que eu ia chorar por você e ha haha', e isso é uma mudança
significativa, mas que ocorre junto com permanências e retrocessos”,
explica Fernanda.
Não tão distante dos conceitos e estudos acadêmicos, mulheres como
Renata Costa e Alinne Pires – e tantas outras que enchem os bailes –
protagonizam letras de músicas dentro do gênero brega a partir do
momento em que se colocam numa postura de praticante das ações,
seja nas letras, nas danças ou nas performances. A atitude, segundo
os especialistas consultados, pode trazer mais visibilidade feminina e
ampliar o público através da identificação acarretada pela produção
musical.
Caminhos do BregaCaminhos do BregaCaminhos do Brega
Caminhos do BregaCaminhos do BregaCaminhos do Brega
Procuro o Brega que não está nos Shows
Há quem goste de cur t i r a mús ica brega nas mais d iversas
casas de show espalhadas pelo Recife e Região Metropolitana. De
norte à sul da cidade, os eventos são aos montes, assim como a
quantidade de bandas anunciadas. Os “bregueiros”, que preferem
estar no calor da multidão, se espremem só para ver o seu ídolo
cantar, ou somente pela “paquera” que os shows noturnos proporcionam.
Mas, show é show! Sendo de brega ou não, vai quem curte não só
a música, como também o ambiente. Do contrário, há aqueles que
preferem trocar as noites de beira de palco pelas batidas do som
do automóvel ou até mesmo pela curtição do brega numa mesa de
bar com os amigos.
Esses defendem que o brega é bom para ser aproveitado pela
letra e ritmo e não no alvoroço da multidão. Estrada da Batalha, em
Prazeres, Jaboatão dos Guararapes), sexta-feira, 23h. De um lado da
avenida, uma casa de show anuncia o “primeiro evento de música
brega do ano”. São sete as bandas anunciadas, com exceção dos DJs,
que pretendem estender a festa pela madrugada toda. Uma verdadeira
maratona de shows. Do lado de fora, uma multidão aguarda para
entrar, e nem poderia ser diferente. Em contrapartida, do outro lado
da avenida, um bar da região, conhecido por tocar música brega,
principalmente nos finais de semana, lota o seu espaço também com
pessoas que estão em busca de curtir o ritmo, mas de uma forma
diferente. O ambiente, ao contrário do seu vizinho, não tem palco,
empurra-empurra, ou bandas para atrair os fãs da música brega.
O som fica a cargo dos automóveis potentes que estacionam no local
e colocam todos para curtir a batida do tecnobrega e o corpo-a-corpo
do brega romântico.
O público, que é mais velho, em uma faixa de 28 a 40 anos de idade,
ressalta principalmente que aproveitar o brega é curtir a dança,
principalmente com o parceiro. Para a recepcionista Bruna de Oliveira,
29 anos, os shows não costumam ser atrativos para pessoas que
querem curtir o brega com o parceiro. “Os shows são muito lotados, e
os de brega são normalmente em locais apertados, não são legais
para curtir o verdadeiro brega romântico, que é dançar com o meu
namorado”, afirma.
Por Caíque Luiz
Segundo Andressa Almeida – secretária, 30 anos, o brega que se toca
no show é para um outro tipo de público. “Estar nesses shows de brega
de hoje é saber gostar do brega com uma batida muito forte. Parece
até mais com funk do que com brega mesmo. É um brega para os mais
jovens, com letras que não chamam a minha ateção. Brenga, pra mim,
é estar aqui, curtindo o som, com os amigos, e dançando num ritmo
que se aproveite a música”, diz a secretária. A ideia de Andressa vem
do que os show do gênero musical hoje se apoiam: do brega ostentação,
por exemplo. Na maioria das casas de show do Recife, as bandas de
brega são formadas por DJs e Mcs que misturam a batida do brega com
outros ritmos como o funk e hip-hop. E isso acaba por fechar um nincho
de público formado, em sua maioria, por adolescentes.
Compartilhando da mesma ideia de Andressa, a vendedora Cláudia
Silva, 35 anos, diz que o ambiente do bar, como este que ela frequenta,
é um melhor lugar para se sociabilizar, encontrar amigos e curtir a
música. “Quando saio do trabalho e penso em me divertir, penso logo
num lugar assim do que em um show. Eu gosto muito de brega, mas
curtir a música na agonia da multidão não me chama muito a atenção.
Sem falar que quem trabalhou durante todo o dia quer relaxar e não
se cansar ainda mais. Eu quero encontrar meus amigos, conversar,
dançar e espairecer, em um ambiente que me ofereça isso’’, ressalta Cláudia.
Neste bar também há som alto, multidão e o brega, mas o público do
local é bem diferente daquele das casas de show. E tem gente que
procura esses locais justamente por isso. O corretor de imóveis André
Lima, de 28 anos, fala que prefere curtir o brega em locais que toque
o ritmo, mas que seja frequentado por pessoas que compartilham da
mesma ideia que ele. “Se você vem pra cá, você dificilmente vai
encontrar aqueles 'boyzinhos' de correntes de prata enormes, cap e
etc., muito menos pessoas usando drogas e querendo brigar. Não que
em todas as casas de show exista isso, mas muitas tem um ambiente
favorável para que aconteça”, esclarece o corretor.
Não é só em shows que se curte o brega. O ritmo se difundiu e criou
nichos dentro do próprio gênero. E com isso, o gosto pelo brega
também variou. As músicas do gênero acabaram criando marcas e pontos
de encontros diferentes. Hoje, os fãs do ritmo tem propósitos diferentes
ouvir a música. Mas, seja pelo calor da multidão ou pela curtição mais
leve num ambiente calmo, o brega continua sendo uma das preferências
do pernambucano.
Brega é brega! Seja em show ou no bar.
Brega para todos os gostos
Brega romântico
Brega original, representado por grandes nomes
como Reginaldo Rossi e Waldick Soriano. Hoje,
este tipo de brega continua atuante, e cada
vez mais consumido. Diferentemente dos bregas
do passado, bandas formadas por mulheres
surgem a cada dia, tais como Musa e Sedutora,
que cantam os prazeres e anseios do amor pela
visão feminina. Atualmente, devido à ascensão do
mais novo ícone do gênero, Pablo, os bregas românticos
que tratam da “dor de corno” em suas
letras recebem o nome de “sofrência”.
Este tipo de brega sofre menos
preconceito que os outros, e é
socialmente aceito e consumido
desde o ‘‘galeroso’’ da
Zona Norte às “cocotas”
de Boa viagem.
Brega Ostentação
Talvez o preferido dos fãs de brega. Os cantores, geralmente acompanhados por um MC no nome, ressaltam as virtudes e belezas da mulher brasileira, fazendo com que sua música atinja vários tipos de público. Artistas como MC Sheldon, MC Cego e MC Menor são a trilha sonora de festas, noitadas e transportes públicos espalhados por toda capital pernambucana. Representado por versos como “Se eu mato eu vou preso, se eu roubo eu vou preso, mas se é pra pegar novinha, eu vou preso satisfeito”, o brega das novinha geralmente aborda temas como sexo e sexo, de forma bastante explícita.
Brega das novinha
Por Leonardo Persivo
Subgênero do brega que tem um único objetivo:
esbanjar. Com clipes gravados em mansões (apenas
cenário), carrões importados (alugados) e chuva de
dinheiro (falso), os cantores ostentam sua fortuna,
seus colares de ouro, suas mulheres e qualquer outra
coisa cara e brilhante. Representado por cantores como
MC Shevchenko e MC Elloco, o brega ostentação conta
com versos como: “Ah, nóis tem dinheiro, as patricinha
gosta do jeito dos maloqueiro”. Seguindo a linha do
funk os tentação, esse t ipo de brega
conf i rma nas baladas da c idade
a velha máxima do funk carioca:
“É som de preto, de favelado,
mas quando toca, ninguém
fica parado”.
Meu vale night com MC Menor
Vinícius de Brito
Os degraus gaudinianos da Ladeira do Piquedo Largo Dom Luiz ao pátio da Matriz de Nossa Senhora da Conceição levam a uma fortaleza do brega no Recife. No Morro da Conceição, à zona norte, o som que vem das casinhas amontoadas e dos botecos de aguardente pode soar interessante frente a um levantamento do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD): a música sertaneja foi a mais tocada nas rádios do Nordeste no primeiro semestre, mas não ali. O que une o urbanismo da Praça da Conceição – onde a centenária imagem de santa que dá nome ao bairro divide espaço com a profana casa de festas Acadêmico do Morro – é o brega.
É o primeiro sábado de novembro; à meia-noite. A iluminação improvisada sombreia dois policiais e a música a alto volume dos carros disputa com a que vem de dentro do Acadêmico do Morro, no qual, em poucas horas, haveria uma sucessiva batalha de MCs.Sem os possantes motorizados e as correntes de ouro dos clipes, entra pela porta lateral, VIP, o MC Menor. “MC Menor é por causa do tamanho, se você repara, né? A galera sempre chamou: 'ei, menorzinho, você é o menor de todos'”, a altura, diz, é de cerca de 1,60 metros.
O “Menorzinho” é cria do decano do brega-funk recifense Sheldon, que dividiu hits como Fio dental, Mulher do chefe e Tá lelé tá maluco com o ex-parceiro MC Boco. “O brega-funk começou aqui em Pernambuco com Leozinho, Sheldon, Cego, Mc Metal. Eu me espelhava neles e sempre quis cantar. Aí eu lancei uma música com um amigo meu no final de 2009. A segunda foi Minha vida, uma música mais romântica”, diz ele, que tem 21 anos.
Nascido no berço de uma família Silva olindense, o MC Menor espera uma dúzia de outros renomados artistas da cena se apresentar no palco. Encostado na parede da coxia, ele veste camisa e tênis de marca, tatuagem nos braços e cabelo moicano tingido. “O visual conta muito para a gente que está nesse meio. A gente não tinha condições de chegar no shopping e comprar roupa cara, mas é uma conquista que eu tive e que hoje eu tenho o poder de usar.”
“A galera quer cantar que pode ter um carro bom, uma roupa boa, um relógio de R$ 3 mil, uma corrente cara.”O poder e a ostentação andam emparelhados. É uma cultura que transborda o brega e o Recife, transformou-se em um fenômeno nacional, geralmente, associado à distribuição de renda e a inchada classe C, uma faixa de 54% da população – dados da Serasa Experian –com renda média de R$ 1.450.
No mercado fonográfico, os números podem ser
trocados, em miúdos, por um sequioso público consumidor. “O clipe da gente é mais dançante. A gente bota mulher, bota carro, bota moto. Se você ver(sic) no YouTube o Senta no grave do paredão, tem uma mulher tal, tem uma galega, tem som, tem carro, tem moto. É o dia a dia do pessoal, então a galera se identifica.” Senta no grave do paredão ou Sentadinha da novinhajá foi cliacada mais de 800 mil vezes na web e, pelo menos, seis vezes naquela noite calorosa no morro – por mim.
Ainda atrás do palco, o MC Menor parece inibido com a minha presença. No “ringue”, anda de um lado a outro o Bonde do Troinha, com uma voz anasalada que, incrivelmente, move a casa lotada de gente. Não é diferente no camarote, solo predominante das “novinhas”. O piso é besuntado de whisky e cerveja; treme às vezes. Com um sorriso de canto de boca, o pupilo de Sheldon, porém, é uma presença tímida e inatingível pela batida.
O apresentador do Acadêmico do Morro pega o microfone e anuncia os MCs Cego e Menor, finalizado um intervalo de troca de turno. Às 3h30, toca-se uma enlatada música estrangeira, que soa como aviso prévio à identidade de cantor do “Menorzinho”. O tímido se reveza com o artista e toma o palco, acompanhado de uma equipe de DJ e dançarino. Lá embaixo, gritos ensurdecedores.
“Um show para mim tem que ser diferenciado. Se você reparou ali [no Acadêmico do Morro], todos os MCs entraram com o funk. Eu tenho o exemplo deles para mim, mas eu gosto de fazer diferente.” Com orgulho na boca:“Eu gosto de chamar a galera para dançar a minha música.” Nessa dança da diferenciação, ele atualiza uma coreografia eternizada em Smooth criminal, sem a mesma pompa hollywoodiana da produção de Michael Jackson, mas com peculiaridades latinas.
“Hoje em dia, tem vár ios t ipos de r i tmo: tem o brega, tem o reggaeton, mas a galera tem tudo como brega. É tudo misto. Tem música elogiando mulher, tem falando de ostentação”. O show termina com um repertório reduzido a trinta minutos; logo, os homens de preto do MC Menor o cercam, levando-o escadas abaixo para um próximo endereço. Do lado de fora da casa, só o orvalho perfumado pelas mornas barracas de espetinho esperando o fim da noite.
Dois automóveis levam a equipe à casa 40 Graus, um primeiro andar de pouco destaque, embora barulhento, na Rua Vinte e Um de Abril, a 8 km do Morro da Conceição. Sentado na parte traseira, oMC Menor categoriza o mapeamento do brega no Recife. “Fiquei solo em 2011 e comecei a ser reconhecido pela galera na zona norte. Tudo começa nas periferias, mas sempre tem a galera na zona sul que critica e, na verdade, vai para o brega, escuta e o som cai para lá.” No mesmo dia, o brega “gerou” em uma festa estudantil em Boa Viagem – zona sul – segundo bairro mais valorizado da capital.
Com um azulejo quadriculado e labirintos vendidos a camarote, o espetáculo mudava de cara e de público, deixou de ocupar a quadra inteira do Acadêmico para se resumir a poucos pagantes. Teria sido o atraso do MC a justificativa. Ouve-se a mesma música estrangeira e se dá início ao ritual de “transformação” em cantor (papel social assumido naquele confim da longa rua do bairro de Afogados). “Lá [no Morro] foi uma parceria com Cego, aqui é um show solo”. Já clareia o dia quando Menor deixa o palco e parte para a derradeira aventura da “noite”.
No para-brisas, a miniatura de Land Rover ainda embalada na caixa parece um relicário. Da mesma forma, a intimidade de Menor surgia, sem máscaras, aos sussurros. Ele canta uma rasgada canção sertaneja da moda olhando a estrada pelo vidro do carro, como se o fizesse para si mesmo. O asfalto nos levava para um bar de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana. A parada ficava na periferia de Barra de Jangada, em uma rua empoeirada a mais de 30 km do ponto inicial da viagem.
Com maresia e uma dezena de clientes na porta – e já passava das 4h30 –, o bar misterioso onde seria o último espetáculo exportação do brega-funk recifense era uma piada. Uma aposta entre amigos: “Você duvida que o MC Menor vem aqui?” O enfadado MC não precisoufazer show nem abandonar o carro-disfarce, pois o apostador de Barra de Jangada já havia conseguido a loteria: apenas a presença do cantor. “Agora a gente vai para casa”, repousou no banco. E cantou outra música post-repertório para a estrada.
“Antes, eu trabalhava com bico. O sonho que eu
tinha era entrar na faculdade, e eu ainda vou
realizar esse sonho. O outro era ser jogador de
futebol, mas não deu... Resolvi arriscar na música”,
ele não precisa a graduação que deseja cursar. Às
5h, o carro levou para as ladeiras de Olinda só o
homem por trás do MC. Não por muito tempo,
“sábado à tarde tenho que ir para o estúdio”. A
músicaNosso romance foi lançada uma semana
depois.
Por Amanda Melo
O que começou como uma estratégia de tornar as igrejas mais atrativas ao jovens, hoje, movimenta mais um segmento da indústria gospel. Alvo de duras críticas por parte das igrejas mais tradicionais, o brega gospel ganha espaço em um mercado já habitado pela suingueira, reggae, funk, forró gospel e muitos outros ritmos. As discussões acerca do ritmo põe em cheque o grande paradigma da igreja: afastar-se do mundo, para aproximar-se de Deus.
Em termos de estética, a música pouco se difere do ritmo não religioso: é uma versão mais comedida do brega considerado pelos evangélicos como "mundano". Para MyllaKarvalho, ex-vocalista do grupo Companhia do Calypso e hoje pastora em uma igreja neopentecostal em Palmas, Tocantins, a grande diferença está nas letras que "exaltam aquele que transformou sua trajetória". A cantora, que ficou nacionalmente conhecida e famosa com a antiga banda, decidiu, em 2007, dedicar-se ao ministério. Pioneira na adaptação das batidas regionais docalipso e do brega à música gospel, Mylla afirma “os ritmos são de Deus, mas o diabo é quem os copia”.
Já o cantor Royce Camargo, conhecido como o "sucesso do brega gospel na Bahia", difere-se do ritmo calipso presente nas composições de Mylla. Royce têm suas referências no sertanejo, misturando o choro da guitarra característico do brega melódico, agora com sanfona e violão bem marcados. Mesmo com pouca produção e investimento, o cantor já lançou dois CD's, além de ser um assíduo publicador no seu canal do youtube.
Louvem eles o seu nome com danças;ofereçam-lhe músicacom tamborim e harpa. Salmos 149:3
Para André Costa, 15 anos, cristão e membro da Igreja Assembleia Semente da Fé, ritmos como o brega, funk e swingueira, quando adaptados em versões gospel, também são formas de adorar a Deus. André, que escuta e frequenta festas de swingueira e brega gospel, afirmou que são festas santas, em que o louvor é somente para Deus. "Antes de começar a festa, o pastor falou que aquela era uma festa santa, festa gospel e não uma festa do mundo. A swingueira era pra atrair os jovens para a igreja, mas que não podia dançar agarrado e nem ter beijo na festa", comenta.
O grande embate que a igreja se encontra na medida em que o ritmo cresce cada vez mais entre os jovens é encontrar uma diferença entre show gospel e culto profano, que, para muitos não existe. A difícil aceitação por parte dos evangélicos mais tradicionais e rigorosos gera a perpetuação do estigma de que o ritmo brega é e sempre será um ritmo "mundano". Em contrapartida, a indústria gospel se alimenta diariamente dos novos sucessos lançados que, em meio a adaptações culturais de melodias características de cada região, movimenta 12 bilhões de reais por ano.
Cantem ao Senhor um novo cântico;cantem ao Senhor, todos os habitantes da terra! Cantem ao Senhor, bendigam o seu nome;cada dia proclamem a sua salvação! Salmos 96:1-2
Aclamem o Senhortodos os habitantes da terra!Louvem-no com cântico de alegriae ao som de música!Salmos 98: 4
Santa SafadezaSanta Safadeza
O Fabuloso Mundo Infantil do BregaPor Vinícius de Brito
O Parque Treze de Maio é um amálgama de pessoas durante a semana. A região, que fica em uma área central do Recife, é ponto de convergência para apaixonados e famílias inteiras. Átimo foi até o local no mês de janeiro para registrar depoimentos de crianças sobre a identidade do brega: “O que é a música brega para você?”, perguntamos. A pesquisa informal foi realizada com 12 crianças entre 8 e 13 anos, cujo objetivo não era revelar a identidade delas, mas ter um panorama de como o ritmo tem sido revelado e inserido na cultura dos pequenos. As crianças falam sobre o público a que a música brega se volta, do estilo e modo de viver das pessoas que escutam músicas brega e de relatos pessoas.
Alan, 13 anos
“Brega é para a pessoa que gosta de tomar uma de
vez em quando. Existe outro tipo de brega, mas eu
não sei, não. Brega é pra gente maior assim, já,
grande. A gente é criança”, Alanmora em Feira
Nova, no Agreste de Pernambuco. Ele diz que as
pessoas que escutam brega se vestem de uma
forma reconhecível: “O jeito de se vestir, andar nos
cantos. Fala assim, pede uma cervejinha e pede
pra botar uma música. Veste calça, short, com
camisa xadrez”. “(Brega) é só sofrência mesmo!”
K., 12 anos
“Assim, ela (a música brega) é um pouquinho chata
e tem muitos palavrões e muita safadeza. Agora,
minha mãe só deixa eu escutar música sem
safadeza e sem palavrões”, K. – a mãe da criança
pediu para não a identificar –, que mora no bairro
dos Coelhos, no Recife, acredita que não há espaço
para a criança no brega: “Acho que é mais para os
adultos.”De acordo com ela, os pais escutam brega
em casa. K. diz que as pessoas que escutam brega
não necessariamente se vestem de uma forma
similar: “Minha mãefrequenta as igrejas e se
veste'normal'. Mas eu tenho umas amigas que
usam shortinho em cima da bunda, parte íntima
aparecendo, eu acho muito feio. Pra elas (é
normal), sim”. O cantor preferido de K. éLuan
Santana: “não tem palavrão, não tem safadeza, é
uma musica assim: muito leve, pra criança.”
Kamyle, 10 anos
“É uma música de um ritmo diferente. Ele é mais pra
você dançar mais. Porque quando você ouve um
brega, você não consegue só ouvir, você dança um
pouquinho.” Kamyle mora em Paulista, na Região
Metropolitana do Recife (RMR), mas diz que não
escuta“muita música, não. Eu não conheço muito de
brega.” A criança fala que, geralmente, quem escuta
brega tende a usar “uma roupa mais chamativa,
algo assim” e especifica a que público o brega é
direcionado, segundo ele:“parece uma música que a
criança não dá atenção”.
Milena, 10 anos
“Assim, (brega) é legal. Às vezes, não escuto, às
vezes, escuto. Alguns sons de brega têm umas
coisas feias e eu não escuto, não. Tem palavrões,
coisas que incitam a sexualidade”, Milenamora em
Paulista e continua: “Eu não sei se Pablo é brega.
Mas pode escutar também. Nada demais.” De
acordo com ela, a maioria das pessoas que moram
perto da casa dela escutam brega. “Todas as vezes
que passo na rua e tá tocando lá “no dia do seu
casamento”, eu digo: “Ah, já sei!Eu sempre vejo
aquela pessoa que está com aquela sainha bem
curtinha, aquela blusa bem curtinha. E “o homem,
geralmente, sai sem camisa no meio da rua, com
aqueles shorts bem grandes, 'folote'”. Na escola,
Milena diz: “todas as pessoas ouvem brega, e eu
não gosto, não. Eu e minha amiga que não
gostamos. A gente prefere escutar músicas
internacionais”.
Romeu, 10 anos
“Brega é uma coisa chata, entediante, que você não
gosta de fazer, não tem vontade de fazer. O brega é
uma música bem caidinha, eu acho o brega lento, eu
gosto de música rápida. Tem que ser uma musica
rápida, ativa, que deixe o coração forte”, diz Romeu,
completando que na região onde mora, no Recife,
“os vizinhos ouvem, algumas vezes.” Romeu não
identifica um modo de se vestir e de se comportar
nas pessoas que escutam brega:“Só porque escuta
brega não tem que se vestir de uma forma”. Porém,
entende a música brega como, “na maioria das
vezes, coisas de outros países. Música brega pra
mim é tipo em inglês. Daí, tipo, música em
português é o que eu gosto. Porque música em
inglês a pessoa vai cantando e não entende.”
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