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Sobre papel de Engels como editor dos Livros 2 e 3 do CapitalTRANSCRIPT
Lincoln Secco
Engels
Parece primeira vista, um tema estranho biografia de Friedrich
Engels tratar de economia poltica; afinal, sobejamente conhecido
que a Karl Marx coube a elaborao mais fecunda acerca da crtica da
economia poltica, consubstanciada na sua obra magna O Capital;
tambm sabido que entre Marx e Engels vigorou uma certa diviso do
trabalho intelectual, de tal forma que Engels, com excesso de
humildade, declarou-se (numa carta ao amigo datada de 15 de outubro
de 1884) to somente dotado do papel de segundo violino, ao lado da
genialidade de Marx (1).
Para corroborar isso, uma declarao de Engels no prefcio segunda
edio do seu livro Anti-Dhring (setembro de 1885) bastante
clara:
Uma observao de passagem: tendo sido criada por Marx, e em menor
escala por mim, a concepo exposta neste livro. No conviria que eu a
publicasse revelia de meu amigo. Li-lhe o manuscrito inteiro antes
da impresso; [] Era, alis, hbito nosso ajudarmo-nos mutuamente na
especializao de cada um (2).
Contudo, preciso asseverar: antes que Marx se desvencilhasse das
lides filosficas de sua juventude ao lado dos neo-hegelianos,
Engels teve o mrito de refletir sobre a realidade econmica e
poltica da Gr-Bretanha e produzir uma srie de artigos (3) sobre as
crises polticas e econmicas, sobre o movimento cartista liderado
por Feargus OConnor (4) e, finalmente, um livro sobre A situao da
classe trabalhadora na Inglaterra. Os escritos engelsianos
refletiram uma mudana de atitude e de vida que s a sua mudana para
a Inglaterra permitira: sua partida da Alemanha fora planejada pela
famlia a fim de que o jovem Engels adquirisse experincia nos
negcios, e assim foi que ele chegou a Manchester em novembro de
1882 para trabalhar numa fbrica de tecidos de que seu pai era scio,
a Engels & Ermen.
nesse contexto que Friedrich Engels alia seu trabalho convivncia
prxima com os operrios e estabelece a escolha no apenas
intelectual, mas acima de tudo moral, existencial e poltica de toda
a sua vida: a defesa dos interesses da classe operria e do
socialismo. Sua produo intelectual ento copiosa e assustadoramente
avanada do ponto de vista terico. Somente assim pode-se compreender
o significado do seu trabalho mais importante at ento escrito, uma
obra seminal: O esboo para a crtica da economia poltica, escrito em
fins de 1843, quando seu autor tinha apenas 23 anos e nenhuma
passagem pela academia; foi publicado no Deutsch-Franzosisiche
Jahrbucher (Anais Franco-Alemes) de Paris, em 1844. Mais tarde, o
autor diria, numa certa carta de 1871 ao seu companheiro, o
socialista alemo Wilhelm Liebknecht, com mais um excesso de
humildade, que seu artigo estava completamente antiquado e cheio de
inexatides (5).
Dez questes sobre o Esboo genial
Utilizando de forma descontextualizada e livre uma expresso de
Louis Althusser, poderamos dizer que o significado histrico do
Esboo de 1843 reside em ter aberto um novo continente terico, o
continente da crtica da economia poltica, da mesma forma que
Galileu abrira o continente fsica sculos antes. O mais irnico nessa
expresso que ela se refere a uma obra anterior quilo que Althusser
denomina censura epistemolgica no cerne do marxismo, o que no
invalida totalmente a contribuio do notvel filsofo francs apenas a
relativiza. O fato que aqui nos importa que pela primeira vez se
esboa uma crtica cientfica da economia poltica que, como toda obra
seminal, ainda continha traos ideolgicos dessa prpria economia
poltica.
Podemos indicar pelo meno dez pontos para a reflexo do leitor que
evidentemente no sero desenvolvidas aqui, e nem fecham a
possibilidade de que haja outras questes relevantes num texto de
tamanha riqueza terica, pois isso exigiria um trabalho de flego que
percorresse uma parte significativa dos economistas lidos e
analisados por Engels.
1- a primeira crtica de um ponto de vista histrico da economia
poltica e do prprio sistema econmico que a fundamenta; as escolas
do pensamento econmico, como o mercantilismo, a fisiocracia e a
economia clssica (Smith e Ricardo) so analisadas em perspectiva
histrica, a partir de sua gnese no processo da vida material,
embora ainda com muitas confuses que levaram o autor a igualar o
papel de alguns economistas vulgares com os de Adam Smith e David
Ricardo, por exemplo.
2- Pela primeira vez se desnuda a imoralidade que fundamenta o
discurso ideolgico moralizante da economia poltica burguesa; embora
esse seja o ponto normalmente identificado como falho nesse ensaio
de Engels, , na verdade, de extrema importncia ideolgica na sua
poca como contradiscurso para o movimento comunista ao qual Engels,
antes de Marx, j estava ligado informalmente.
3- A concorrncia definitiva como a essncia do capitalismo e produz,
dialeticamente, a sua negao: o monoplio. Engels mostra que, ao
contrrio do que afirmava Adam Smith (cada um na busca dos seus
interesses particulares e egostas concorreria para o bem comum), o
interesse particular e o interesse geral so diametralmente opostos,
visto que o resultado lgico da competio a derrota de uns pelos
outros no monoplio.
4- A crtica da propriedade privada levada a um novo estatuto terico
e identificada com os resultados do prprio movimento capital:
Vimos como o capital e o trabalho so originalmente idnticos; e
assim mesmo vemos pelos argumento dos economistas como o capital,
resultado do trabalho, volta a converter-se, em seguida, dentro do
processo de produo, em abstrato, em material de trabalho, e como,
portanto, a separao estabelecida por um momento entre o trabalho e
o capital volta a desaparecer na unidade de ambos. O divrcio de
capital e trabalho, nascido da propriedade privada, sensivelmente o
desdobramento do trabalho em si mesmo, correspondente a esse estado
de divrcio e resultante desse. Depois de estabelecida essa separao,
o capital se divide em capital inicial e lucro, ou seja, o
incremento do capital obtido no processo de produo, se bem que a
prtica se encarrega de incorporar imediatamente esse lucro ao
capital, para coloc-lo em circulao com ele (6).
Note-se como Engels recorre a uma construo hegeliana para
demonstrar a valorizao do capital vinculada reproduo ampliada das
relaes sociais de produo capitalistas, cristalizadas no antagonismo
de dois elementos o capital e o trabalho , sendo que aquele no seno
produto deste, unido a esse processo produtivo e deste separado no
momento seguinte. O trabalho , em todo o pargrafo, definido como o
sujeito, enquanto o capital o elemento acidental, mas no mero
epifenmeno, e sim parte integrante da totalidade da produo e
reproduo de si mesmo mediante a atividade do trabalhador. A ciso
primitiva (!) entre capital e trabalho explica a propriedade
privada dos meios de produo e levada a propriedade privada dos
meios de produo e levada ao paroxismo com a ciso da humanidade em
capitalistas e trabalhadores.
5- Engels estabelece j uma teoria embrionria das crises econmicas
cclicas; destri a beleza vista pelos economista na lei da oferta e
da procura (por exemplo, a lei de Say, para quem demanda e oferta
sempre se equilibrariam no capitalismo, e no haveria superproduo);
mostra que as crises so o produto lgico do capital.
6- Baseando-se no historiador escocs Archibald Alison, Engels
destri o argumento central de Tomas Robert Malthus. O economista
ingls fora o primeiro a asseverar: A populao, quando no controlada,
cresce numa progresso geomtrica. Os meios de subsistncia crescem
apenas em progresso aritmtica (7). A partir disso, tirou as ilaes
polticas mais abjetas sobre controle de natalidade para a classe
trabalhadora e a necessidade de que uma parte dessa morresse em
guerras para reequilibrar a ordem econmica. Mas o primeiro fato, no
percebido por Malthus, que a populao excedente sempre existe ao
lado da superproduo de mercadorias (8), ou seja, o capital
demasiado abundante para prosseguir explorando a fora de trabalho
com taxas elevadas de lucro (obviamente Engels apenas tangencia a
questo sem considerar o papel da queda da taxa de lucro), a crise
emerge e destri parte das foras produtivas, disseminando a fome e o
desemprego entre os trabalhadores, ao lado de uma produo abundante
que destruda por falta de demanda; o segundo fato que o hiato entre
populao e alimentos no considera o aumento da produtividade da fora
de trabalho.
Obviamente apenas fora do invlucro capitalista que a produo poderia
continuar sem crises e em harmonia com a demanda. Vejamos que
Engels apanha as duas proposies de Malthus e demonstra a
fragilidade de cada uma delas.
7- Decorre da considerao anterior acerca do aumento da
produtividade da fora de trabalho que Engels tece consideraes sobre
os avanos cientficos e considera a cincia como uma fora produtiva
em si mesma.
8- Engels deduz, de forma bem mais concreta que os planos dos
socialistas utpicos, a necessidade de uma economia planificada. Num
estado de coisas digno da humanidade (leia-se comunismo), diz
Engels:
A coletividade ter que calcular o que capaz de produzir com os
meios de que dispe e determinar, na base da relao entre esse
potencial de produo e a massa dos consumidores, em que medida deve
a produo aumentar ou diminuir, at que ponto se pode tolerar o luxo
ou se deve restringir (9). Essa citao influenciou implicitamente
Marx numa de suas raras formulaes de O Capital acerca do
comunismo:
Pensemos a sociedade como no sendo capitalista, mas comunista: ento
o capital monetrio desaparece completamente, portanto, tambm os
disfarces das transaes que dele decorrem. A coisa se reduz
simplesmente ao fato de que a sociedade precisa calcular de antemo
quanto trabalho, meios de produo e meios de subsistncia ela pode,
sem qualquer quebra, aplicar em ramos de atividade que, como a
construo de ferrovias, no fornecem por um tempo mais longo, um ano
ou at mais, meios de produo nem meios de subsistncia, nem efeito
til, mas retiram trabalho, meios de produo e meios de subsistncia
do produto total anual. Na sociedade capitalista, pelo contrrio,
onde a racionalidade social s se faz valer post festum, podem e tm
de ocorrer constantemente grandes perturbaes (10).
9- O impacto desse esboo engelsiano na produo terica marxista foi
ressaltado por Lnin: () Engels havia publicado na revista Anais
Franco-Alemes, editada por Marx e Ruge, seu Estudo crtico sobre a
economia, no qual se analisavam, do ponto de vista socialista, os
fenmenos bsicos do regime econmico contemporneo, como consequncia
inevitvel da propriedade privada. A relao com Engels contribui, sem
dvida, para que Marx se decidisse a ocupar-se do estudo da economia
poltica, cincia em que suas obras produziram uma revoluo
(11).
O prprio Marx, numa honesta deferncia ao amigo, reconheceu muito
mais tarde, no seu prefcio sua obra Contribuio para a crtica da
economia poltica, de 1859, depois de uma rpida explanao do seu
itinerrio intelectual, o seguinte:
Friedrich Engels, com quem (desde a publicao nos Anais
Franco-Alemes de seu genial esboo de uma crtica das categorias
econmicas) eu mantinha constante correspondncia, por meio da qual
trocvamos idias, chegou por outro caminho consulte-se a Situao das
classes trabalhadoras na Inglaterra ao mesmo resultado que eu
(12).
10- Por fim, cabe destacar que o Esboo de 1843 a primeira crtica da
economia poltica de que se tem notcia.
O problema da transformao do valor em preo de produo no ltimo
Engels
Engels no s editou os volumes segundo e terceiro de O Capital de
Karl Marx, mas tambm os organizou e o reescreveu; ele autor ipsis
litteris, por exemplo, do captulo IV do volume III. Alm disso,
publicou uma resenha em duas partes sobre o volume primeiro em um
jornal operrio alemo, o Demokratisches Wochenblatt, nmeros 12 e 13,
em 21 e 28 de maro de 1968 (13). Alm dos artigos para operrios,
curioso notar que Engels escreveu uma srie de artigos annimos para
a imprensa burguesa criticando O Capital de um ponto de vista
burgus (naturalmente em conluio com Marx) para quebrar a conspirao
do silncio com que os economistas receberam a obra (14). A
empreitada obteve sucesso, pois at a segunda edio alem foram
publicadas crticas em La Philosophie Positive Revue, Jornal de So
Petersburgo, Saturday Review, Jornal dos Economistas (Alemanha)
etc., alm de resenhas elogiosas na imprensa operria dos velhos
amigos como Ruge e Feuerbach (15). O segundo e terceiro volumes j
encontraram o nome de Marx indispensvel para o pblico e
definitivamente gravado na histria.
O papel de Engels na divulgao e possvel desenvolvimento da teoria
do valor de Marx perfeitamente visto nos seus diversos textos sobre
O Capital, particularmente o prefcio ao livro terceiro, publicado
em 1894, mas ento o velho dialtico j estava no limiar da morte e
incapaz para prosseguir a investigao marxiana os textos que deixou,
entrementes, documentam como ele acompanhou com vivo interesse os
artigos sobre a teoria do valor publicados na imprensa, embora sem
tempo disponvel para desenvolver uma reflexo prpria, posto que uma
tarefa maior o esperava: pr em ordem e publicar aquilo que em parte
j era sua prpria obra, o volume III de O Capital.
O prefcio de Engels ao livro terceiro, excetuada a parte tcnica em
que explica a confeco da obra e sua organizao, preocupa-se no com
os processos bsicos do processo de produo e circulao expostos nos
volumes primeiro e segundo de O Capital, mas sim com o n grdio da
teoria do valor sobre o qual vrios autores j especulavam na
imprensa: o problema da transformao dos valores em preo da produo
mais tarde alimentaria uma copiosa literatura econmica at hoje
inconclusa. Antes de analisar esse prefcio, imprescindvel expor
brevemente como se d em Marx a formao de um lucro mdio do preo de
produo.
No livro primeiro, Marx investigara o processo de produo
capitalista diretamente, na sua pureza conceitual, mas na vida real
ele complementado pelo processo de circulao que o medeia (objeto do
livro segundo). No livro terceiro, considera-se o processo de
produo do capital como uma totalidade de cujo movimento se
desprendem as suas configuraes concretas. Nesse livro, Marx
desenvolve a categoria de preo de custo ou custo de produo, igual
soma do capital varivel e do capital constante consumidos
produtivamente na confeco de uma mercadoria, lucro, lucro mdio,
taxa de lucro, taxa de juros etc. O preo de custo difere do valor,
pois no agrega a mais-valia e o lucro; este, por ser a relao do
excedente produzido pela fora de trabalho com o montante do capital
adiantado pelo capitalista, aparece ao burgus prtico no como o que
, ou seja, um excedente de valor da mercadoria sobre o seu preo de
custo, mas como o contrrio, o excedente do preo de venda sobre um
suposto valor intrnseco da mercadoria (que seria seu preo de
custo); por isso se obnubila a origem da mais-valia, e esta
erroneamente atribuda circulao. Engels notou muito bem a aporia em
que tinha se metido a economia poltica nesta explicao:
Mas a mais-valia no pode tampouco nascer do fato de que os
vendedores vendem as mercadorias acima de seu valor ou de que os
compradores as compram abaixo de seu valor, porque cada um , por
sua vez, ora comprador, ora vendedor, e isto se equilibra de novo.
Tampouco pode provir do fato de que os compradores e vendedores
tiram proveito uns dos outros, pois isso no criaria nenhum valor
novo, ou mais-valia, mas apenas repartiria de outro modo o capital
existente entre os capitalistas (16).
Assim como no processo produtivo o operrio, fator subjetivo que
gera mais-valia, produz continuamente o capital como potncia alheia
e visto como empregado pela mesma, numa relao de coisificao das
pessoas e de personificao das coisas, ocorre o mesmo processo com a
atribuio da mais-valia a um excedente sobre o preo de custo, obtido
na circulao; apenas o desdobramento da inverso que se d no processo
produtivo, em que as foras subjetivas do trabalho aparecem como
fora produtiva do capital, a medida em que o trabalho passado e
objetivado domina o trabalho vivo e personificado no capitalista,
enquanto o trabalhador aparece como mercadoria, como coisa. Da se
origina uma conscincia ideolgica, transposta, s avessas
(Marx).
Mas os buslis de investigao marxiana no livro terceiro no reside
nessa problemtica, como bem notara Engels no aludido prefcio, e sim
no problema da transformao do valor em preo de produo (PP). Isso
porque as categorias abstratas atinentes ao capital em geral s se
fazem valer para o movimenro geral dos diversos capitais existentes
mediante a concorrncia (17); tambm a lei de valor, que define uma
mercadoria a partir do quantum de trabalho bjetivado nela, exige a
mediao da concorrncia e da equalizao da taxa geral de lucro.
Nos volumes primeiro e segundo de O Capital, os preos de mercadoria
equivalem aos seus respectivos valores, somente no capitulo IX do
volume III emerge a categoria do preo de produo e se explicita como
a lei do valor se faz valer atravs dos desvios de preos em relao
aos valores, devido a uma distribuio proporcional da mais-valia
social. O que antes era um pressuposto (conscincia entre valor e
preo) torna-se uma exceo na realidade concreta. Vejamos o exemplo
de Marx (18).
Suponhamos o seguinte capital (seja L a taxa de lucro e K o capital
consumido produtivamente, soma do desgaste do capital fixo e do
valor da matria-prima e da fora de trabalho envolvidas na produo;
PP o preo de produo, V o valor, v o capital varivel, c o capital
constante, M a mais-valia, C o capital total, PC o preo de custo)
com taxa de mais-valia (m') de 100% (m'=M/v):
Tabela (p. 72)
O que Marx faz aqui considerar os cinco capitais como um nico
capital I-V (soma de todos eles): 390c+110v = 500 ou,
percentualmente, 78%c+22%v = 100% (como m = 100%, M =110 ou 22).
Dividindo-se a mais-valia de 22 por cada um dos cinco capitais
equitativamente, ter-se-ia, por exemplo, para um capital I (que s
receberia 20, pois s tem 20v, logo teria apenas 20M de acordo com
m=100%) um desvio de mais de +2 no preo de produo a fim de que
fique enquadrado na mdia, e assim sucessivamente essas 22 unidades
de capital so o lucro mdio.
O preo de produo de uma mercadoria sempre igual ao seu preo de
custo mais o lucro mdio de 22% no exemplo citado desprezando-se os
gastos improdutivos da sociedade com o capital comercial. O seu
pressuposto imediatamente uma taxa geral de lucros, obtida por
vrios outros nveis de mediao que partem das diversas taxas
particulares de lucro at as determinaes conceituais mais bsicas dos
capitais em geral: Sem esse desenvolvimento, a taxa geral de lucro
(e tambm o preo da produo de mercadoria) permanece uma concepo sem
sentido e irracional (19).
Obviamente, influenciaram o lucro obtido pelo capitalista
circunstncias anormais de concorrncia, como o monoplio, o dumping,
a introduo pioneira de maquinaria mais avanada, e por fim as
condies de rotao como acentua Engels, no capitulo por ele preparado
para O Capital, o incremento de velocidade de rotao e do capital
varivel, e portanto o nmero de rotao num ano, aumenta a taxa de
mais-valia (20).
Os agentes prticos da produo capitalista no percebem que as suas
aes microeconmicas racionais do seu ponto de vista, e que visam a
rebaixar os custos e aumentar o lucro, podem ser irracionais do
ponto de vista macroeconmico, pois diminuem a taxa de lucro; eles
no percebem que no recebem o quantum de mais-valia gerado em sua
empresa seno excepcionalmente, mas sim uma quantia do lucro global
produzido pelo capital social global, proporcional ao volume de
cada capital investido o lucro particular sempre mediado pela
explorao do trabalho social pelo capital de toda a sociedade e os
desvios dos preos acima ou abaixo do valor das mercadorias que
garantem essa repartio equitativa da mais-valia social via
concorrncia, pois no momento em que o capital numa esfera aufere
superlucros, logo outros para l migram e reequilibram o sistema.
Como as oscilaes dos preos em relao aos valores se compensam
mutuamente no nvel macro, a soma dos valores equivale soma dos
preos. No exemplo citado, bastaria somar os nmeros da coluna desvio
para verificar que o resultado ser nulo, de modo que no capital
global I-V no h desvio de seu valor em relao ao preo. Note-se que a
determinao do lucro adicionado ao preo de custo da mercadoria
exgena esfera em que a mesma produzida, o que refora a iluso de que
se trata de uma determinao arbitrria, originada da circulao e em
contradio com a lei de valor.
Esse problema seria mais visvel num terreno em que o capital ainda
se baseasse primordialmente em recursos naturais e satisfizesse
amplamente, ao lado da demanda de matrias-primas industriais, o
consumo produtivo da classe trabalhadora: a agricultura
capitalista. Quando Marx estuda a renda diferencial da terra, ele
pressupe inicialmente um equilbrio de oferta e demanda, de tal
forma que o preo de produo que regula o mercado sempre o do pior
solo cultivado. Assim, por exemplo, um capital igual a 50 xelins de
adiantamento (c + V) e 10 xelins de lucro mdio (L = 20%) em quatro
tipos de solo com recursos naturais diferentes (produtividade
diversa) para a produo de trigo (21).
Tabela (p. 73)
A progresso de D para A, do solo melhor para o pior, pode ser assim
descrita: se a demanda inicial fosse de 4 quaters de trigo, apenas
A estaria produzido a um preo de 15 xelins reais por quarter,
obtendo uma taxa de lucro de 20% e um lucro de 10 xelins (15 xelins
x quarters = 60 xelins, ou 50 de adiantamento mais um lucro de 10).
Suponhamos que a demanda global crescesse de forma que fosse
necessrio aumentar a oferta, ento o cultivo do solo C seria
rentvel, desde que o preo subisse para 20 xelins por quarter (20 x
3 = 60); entretanto, D passaria a vender por 20 x 4 = 80, obtendo
assim um lucro de 10 em relao aos 50 que investiu, mais uma renda
diferencial (22) de 20. Se agora a demanda crescesse de tal modo
que fosse necessrio aumentar a oferta de trigo, tornando-se rentvel
cultivar o solo B, logo o preo teria que subir 30 xelins por
quarter (30 x 2 = 60), mas ento o lucro de A seria de 10 mais uma
renda diferencial de 60 (30 x 4 = 120) e o de C seria de 10 mais
uma renda diferencial de 30 (30 x 3 = 90); por fim, se a demanda
crescente exigisse o cultivo do solo A, a situao seria descrita na
tabela acima. Note-se que o crescimento da demanda em equilbrio com
o crescimento da oferta eleva o preo de produo.
Obviamente o caso da produo industrial o aumento da produtividade
com intensificao de capital fixo, mas pensemos no caso em que a
produtividade do trabalho envolvido no cultivo da terra aumentasse
e ainda com uma progresso inversa do caso anterior (A para D). Por
exemplo, A passaria a produzir 2 quarters de trigo, B passaria a 4,
C a 7 e D a 10. Suponhamos que o aumento populacional tivesse
equilibrado a subida da oferta; logo o preo de produo teria cado
para 30 xelins por quarter (caso do solo A):
Tabela (p. 73)
Tais relaes numricas so evidentemente arbitrrias, como diz o prprio
Marx. O fundamental que se quer mostrar aqui que o aumento de
produtividade em geral dos capitais A, B, C e D baixou o preo de
produo de acordo com o pior solo; este, numa situao de equilbrio,
sempre o verdadeiro regulador de preo e nunca o melhor solo,
aumento de produtividade somente em D, acompanhado de
correspondente aumento da demanda, no reduz o preo da produo, que
continua a ser regulado pela produtividade do pior solo, se se
cultivar um solo ainda melhor que D, mas a demanda crescer
proporcionalmente ao aumento da produo nada se altera, apenas o
solo E aufere uma renda diferencial maior que D. As coisas s se
modificam medida que o aumento geral de produtividade ou a
descoberta de um novo solo mais frtil emerge sem o crescimento do
mercado, ento o solo A deixa de ser cultivado e o preo de produo
passa a ser regulado por B tambm caso B, C e D passassem a produzir
alm da demanda.
Isso demonstra a real articulao da lei do valor com os preos de
produo numa situao de equilbrio entre demanda e oferta, alm do fato
de que as alteraes duradouras dos preos de produo resultam de
alteraes no valor das mercadorias, e no de oscilaes eventuais entre
a oferta e a procura em situao de desequilbrio, embora as aparncias
sejam outras. Entretanto. fundamental que a concorrncia seja a
mediadora da lei do valor: o simples aumento da produtividade no
melhor solo especfico no implica necessariamente mudanas no preo de
produo: preciso que, na concorrncia, seja destrudo o capital
investido no pior solo, desde que a demanda no tenha aumentado.
Caso essa demanda tenha crescido, o que ocorre que o preo de produo
se mantm inalterado, e o capital investido no solo com melhorias de
cultivo obtm uma renda diferencial maior, o que constitui o seu
estmulo para aumentar a produo. Da se percebe o fato de que,
historicamente, os preos flutuem em torno de um eixo, o preo de
produo.
A primeira tentativa sria de se resolver a questo de como se pode
formar uma taxa mdia de lucro sem infringir a lei do valor foi a de
Conrad Schmidt, com o seu livro A taxa mdia de lucro com base na
lei de valor de Marx, publicado em Stuttgart em 1889. Schmidt
chegara por vias prprias e sem conhecer os manuscritos de Marx (e
nisso consiste seu mrito pessoal) idia de que cabia a cada unidade
de capital uma parcela da mais-valia social igual soma de todas as
mais-valias produzidas dividida pela soma dos capitais empregados
na produo. Contudo, prximo de demonstrao de uma soluo, Schmidt
esquivou-se por um desvio ao incorporar como fator co-determinante
o trabalho acumulado como formador de valor. Como diz Engels:
A construo extremamente engenhosa, bem de acordo com o modelo
hegeliano, mas ela compartilha com a maioria das construes
hegelianas a circunstncia de no estar certa (23).
Depois de Schmidt, foi a vez de P. Fireman enfrentar o
problema:
Simplesmente porque em todos os ramos da produo onde a relao entre
[] capital constante e capital varivel mxima [Fireman se refere
alta composio orgnica do capital; compara-se com os capitais IV e V
do exemplo de Marx], as mercadorias so vendidas acima de seu valor,
o que tambm quer dizer que, naqueles ramos da produo em que a relao
entre capital constante : capital varivel = c : v mnima
[comparem-se capitais I e III do exemplo de Marx], as mercadorias
so vendidas abaixo de seu valor, e que s onde a relao c : v
representa determinada grandeza mdia as mercadorias so vendidas por
seu valor verdadeiro [] Essa incongruncia de preos individuais com
seus respectivos valores uma refutao de seu princpio de valor? De
modo algum. Pelo fato de que os preos de algumas mercadorias sobem
acima do valor mesma medida que os preos de outras caem abaixo do
valor, a soma total dos preos permanece igual soma total dos
valores [] desaparece, em ltima instncia, a incongruncia
(24).
Fireman ainda diz que nas cincias exatas um desvio calculvel nunca
refuta uma lei. Engels acentua que Fireman colocou o dedo no ponto
decisivo, mas no desenvolveu nem formalizou matematicamente suas
concluses. Outros mais vulgares, como Loria, Julius Wolf
(acadmicos), este com a arrogncia e mesquinhez prpria de certos
pensadores diletantes, tentaram iludir a problemtica mediante
expedientes pr-cientficos, no valendo a pena repeti-los. J o mdico
norte-americano George B. Stiebeling lanou um livro em Nova Iorque
intitulado A Lei do Valor e a taxa de lucro, onde, atravs de um
clculo matemtico simples, pretendeu resolver a questo toda.
Mais tarde (1895), Schmidt e Sombart fizeram excelentes recenses
acerca do terceiro volume, reconhecendo honra pioneira de Marx em
ter realmente solucionado grande parte da problemtica da
transformao do valor em preo de produo. Mas ambos fizeram ressalvas
formais lei do valor, denominando-a hiptese cientfica, uma fico
teoricamente necessria. No seu Suplemento ao livro terceiro de O
Capital, Engels comenta o equvoco desse pensamento:
Tanto Sombard como Schmidt [] no consideram suficientemente a
circunstncia de se tratar a no de s um processo puramente lgico,
mas tambm de um processo histrico e seu reflexo explicativo no
pensamento, a persecuo lgica de sua coeso interna (25).
Uma vez exposto o cerne da problemtica da teoria do valor, cumpre
considerar que Engels, no momento exato da publicao do terceiro
volume de O Capital (1894), teve o mrito de perceber qual era o
punctun saliens (ponto principal da questo), o estrangulamento da
teoria marxista, invariavelmente olvidado pelo longo perodo em que
o marxismo se deslocou do estudo da economia e da poltica para
objetos mais caros reflexo acadmica e sem vinculao direta com o
movimento operrio. Como no tinha comprado com um diploma o direito
de filosofar (para reproduzir uma expresso de sua juventude),
Engels conhecia os limites e as constries da produo intelectual
acadmica, comprovando que o lugar da teoria marxista no
preferencialmente nos bancos universitrios, mas no movimento real
dos trabalhadores.
* Membro da Coordenao do Ncleo de Estudos de O Capital, do PT de So
Paulo, e da editoria da revista Prxis.
Notas
(1) LNIN, V. I. Frederico Engels, in Marx. K. e Engels, F. Obras
escogidas, Moscou: Progresso, 1983, p. 17.
(2) ENGELS, F. Anti-Dhring, Rio: Paz e Terra, 1990. Primeira edio
alem, 1878.
(3) Vide: Id: Escritos de juventud. Mxico, Fondo de cultura
econmica, 1891.
(4) Feargus Edward OConnor (1794-1855), defensor da cmara britnica
da emancipao irlandesa, evoluiu para a defesa dos interesses da
classe operria. O cartismo foi o mais importante movimento operrio
do sculo XIX, defensor da carta do povo, publicada em 1838 como
projeto de lei que institua o sufrgio universal para os homens
acima de 21 anos, voto secreto, remunerao, dos deputados (para que
os operrios pudessem se candidatar), elegibilidade de no
proprietrios, distritos eleitorais iguais e eleies anuais. A
Peoples charter foi rechaada pelo parlamento ingls.
(5) ENGELS, F. Escritos da juventude, op. cit., p. 755.
(6) Ibid, ibidem, p. 171.
(7) MALTHUS, T. R. Ensaio sobre a populao, in MALTHUS, T. R. e
RICARDOo, D. Princpios da economia poltica e outros escritos, So
Paulo, Nova Cultural, 1986, p. 282 (coleo Os economistas), primeira
edio em ingls, 1798.
(8) ENGELS. F. Escritos da Juventude. Op. cit, p. 178.
(9) Ibid, ibidem, p. 175.
(10) MARX, K. O Capital, So Paulo, Abril Cultural, 1983-85, v. II,
p. 233 (sobre o socialismo e planejamento, vide tambm t. 1, p. 120;
v. III, t. 1, p. 137, 144, 193 e 196). Esta frase praticamente a
reproduo de uma idia exposta por Engels, pioneiramente, no seu
esboo genial (Marx) de 1843. Compare-se com uma outra traduo: A
comunidade ter de calcular aquilo que pode fabricar com os meios de
que dispe e, segundo a relao dessa fora produtiva, a massa dos
consumidores ter que determinar em que medida deve aumentar ou
reduzir a produo, em que medida deve sacrificar-se ao luxo ou
limit-lo. ENGELS, F. Esboo de uma crtica da economia poltica. In
Temas de cincias humanas, So Paulo, Cincias Humanas, 1979, p. 20
(vide tambm 19). H outras passagens em que Marx cita diretamente o
esboo de Engels, para corroborar outras afirmaes (por exemplo, v.
I, t. 1, p.73 e 137), mas nada mais interessante do que a relao
inconscientemente estabelecida entre as duas obras.
(11) LNIN, V. I., op. cit., p. 15.
(12) MARX, K. Contribuio crtica da economia poltica, traduo de
Florestan Fernandes. So Paulo, Flama, 1946, p. 32.
(13) MARX, K. e ENGELS, F. Obras escolhidas, Lisboa: Avante, 1983,
p. 159-166.
(14) Ibid, ibidem, p. 485.
(15) Cf. MARX, K. O capital, op, cit., v. I, t. 1, p.18-19.
(16) MARX, K. e ENGELS, F. Obras escolhidas. Op. cit., p.
161.
(17) Vide MARX, K. O Capital. Op. cit., v. III, t. I, p. 65, 83,
85, 86, 90, 123, 140, 159, 160 etc.
(18) Ibid, ibidem, p. 123.
(19) Ibid, ibidem, p. 123.
(20) Ibid, ibidem, cap. IV. Para uma compreenso mais detalhada,
vide SECCO, L. A formao do conceito de crise em Marx, indito,
1995.
(21) Cf. MARX, K. O Capital, op. cit., v. III, t. 2, p.
149-153.
(22) Ela sempre se origina da diferena entre o preo individual de
produo do capital individual, do qual a fora natural monopolizada
est disposio, e o preo geral da produo de capital investido na
esfera da produo em questo. Ibid, ibidem, v. III, t. 2, p. 145.
Engels j notara precocemente a relao entre a capacidade de
rendimento da terra e o aspecto humano: a concorrncia, embora ainda
se prendesse a categorias irracionais, como valor da terra. ENGELS,
F. Esboo para a crtica, in Temas de cincias humanas, op. cit., p.
14.
(23) Ibid, ibidem, v. III, t. 1, p. 12.
(24) Ibid, ibidem, p 13.
(25) Ibid, ibidem, v. III, t. 2, p. 324-325.
EDIO 38, AGO/SET/OUT, 1995, PGINAS 69, 70, 71, 72, 73, 74