jornal arrocha - edição 14 - crianças e jovens

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Arrocha OUTUBRO DE 2012. ANO III. NÚMERO 14 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - VENDA PROIBIDA Jornal JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ Crianças e jovens: ensaios do futuro SUZAIRA BRUZI

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Jornal Arrocha - Edição 14 - Crianças e Jovens. Produzido pelos acadêmicos de Jornalismo da UFMA de Imperatriz

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Page 1: Jornal Arrocha - Edição 14 - Crianças e Jovens

ArrochaOUTUBRO DE 2012. ANO III. NÚMERO 14 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - VENDA PROIBIDA

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ

Crianças e jovens:ensaios do futuro

SUZAIRA BRUZI

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Um simples passeio por Impera-triz permite perceber como a cida-de está cheia de jovens e crianças. Brincando nas portas das casas, praticando atividades físicas nas praças ou namorando nas baladas, sem falar nas saídas de escolas. A força jovem deixa a cidade mais viva.

Nesta edição os acadêmicos do curso de jornalismo decidiram olhar com mais atenção e ouvir aqueles que serão os adultos de Imperatriz daqui a pouco tempo. Quais são os seus sonhos, frustra-ções, esperanças? Perguntas muitas vezes de difícil resposta para quem vive a inocência da infância ou o período de indecisões da adoles-cência.

Na página de entrevista (9) uma

psicóloga ajuda a trazer a luz do olhar especializado sobre várias das questões abordadas nas repor-tagens desta edição. Para tratar de assuntos como mudanças do cor-po; profissão sonhada; os talentos juvenis; religião entre os jovens; brincadeiras de ontem e de hoje; abandono dos pais e outras tantas nuances, fomos ouvir as próprias crianças e adolescentes. O objetivo foi entender a cidade pela sua pers-pectiva especial, por meio da infân-cia e da juventude. Boa leitura.

Arrocha: É uma expressão típi-ca da região tocantina e também é um ritmo musical do Nordeste. Significa algo próximo ao popular desembucha. Mas lembra também “a rocha”, algo inabalável como o propósito ético desta publicação.

EDITORIAL - Adultos de amanhã

Ensaio Fotográfico

TIRINHA

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ANO III. NÚMERO 14 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

EXPEDIENTE

Fotografia: André Wallyson, Cristina Costa, Dayane Silva, Daniel Sena, Edigeny Soares, Evanilde Miranda, Fernando Costa, Heliud Santos, Jéssika Ribeiro, José Bispo De Sousa, Layane Ribeiro, Mayara Gabrielle, Patrícia Araújo, Paula de Társsia, Raimundo Cardoso, Ramon Cardoso, Rômulo Fernandes, Rosana Barros, Suzaira Bruzi, Victor Aurelio.

Reportagem: Cristina Costa, Dayane Silva, Edigeny Soares, Evanilde Miranda, Genyedi Soares, Guilherme Barros, Heliud Santos, Jéssika Ribeiro, Layane Ribeiro, Patrícia Araújo, Raimundo Cardoso, Ramon CardosoRaphael Giannotti, Suzaira Bruzi.

Professores:

DANIEL SENA

KELLY SARAIVA

MAYARA GABRIELLE

VICTOR AURELIO

ROSANA BARROSDANIEL SENA

Publicação laboratorial interdisciplinar do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). As informações aqui contidas não representam a opinião da Universidade.

Jornal Arrocha. Ano III. Número 14. Outubro de 2012

Reitor - Prof. Dr. Natalino Salgado Filho | Diretor Pró-tempore do Campus de Imperatriz - Prof. Dr. Marcelo Soares | Coordenadora Pró-tempore do Curso de Jornalismo - Profa. M. Marcelli Alves.

M. Alexandre Maciel (Jornalismo Impresso),M. Marco Antônio Gehlen (Programação Visual), M. Li Chang Shuen Cristina (Fotojornalismo). R-evisão: Dr. Marcos Fábio Belo Matos.

Diagramação: Adriana Dias da Silva, Andre Ricardo Guimaraes Cadete, Andreza Vital da Silva Pinto, Angela Maria Laurindo da Silva, Aurikelly Renata Saraiva, Breno Rafael Alves Franco, Camila de Sousa Silva, Cicero Fernando Pereira Alves, Diego da Silva Carreiro, Dionnatha da Conceicao Silva, Erica Fernanda Silva Ferreira, Flavia Brito Silva, Flavia Luciana Magalhaes Novais, Francisca Sheila Rodrigues da Costa, Giovana Cordeiro Cardoso, Israel Shamir Mendes Chaves, Jhonatha Pereira dos Santos, Jorzennilio Alves Junior, Lanna Luiza Silva Bezerra, Luanda Vieira de Oliveira, Maria Rhemylla Oliveira, Marina Pereira Cardoso, Railson de Andrade Carvalho, Railson Silva Lima,

Samia Said Mulky, Samoel Pereira de Freitas, Sueda Marilia Silva Borges, Yanny Dorea Moscovits.

Fan Page: www.facebook.com/JornalArrochawww.imperatriznoticias.com.br | Fone: (99) 3221-7625Email: [email protected]

Contatos:

Acadêmicos: André Wallyson, Fernando Costa e Paula de Társsia.

Tirinha: Kelly Saraiva

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3ArrochaJorn

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ANO III. NÚMERO 14 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

TALENTOSJovens de Imperatriz demonstram habilidades para a dança, teatro e música. Eles anseiam por novas conquistas e encontram nessas atividades meios de escape

Arte que encanta e impulsiona desejos

HELIUD SANTOS

As mãos pairam no ar feito plu-mas em queda livre. Os braços, graciosamente esticados, buscam o equilíbrio a todo instante. As per-nas estão pousadas em forma de ‘P’, sustentadas pela ponta do pé. Com um brilho de poucos, ele empina o rosto. Fita o seu próprio reflexo, no grande espelho à sua frente. Os olhos cor de mel parecem enxergar o infinito. Quem o vê logo percebe, ele quer mais, muito mais.

O garoto que vive a maior par-te do tempo nas “alturas” é Jorge Luiz, de 13 anos. Ele descobriu bem cedo a sua verdadeira paixão. Aos sete, se interessou pelo balé na escola em que estudava e des-de então, não parou mais. Descrito pelos amigos como hiperativo e ex-tremamente carinhoso, o pequeno bailarino refaz incansavelmente o mesmo passo inúmeras vezes.

Flávia Homobono, professora de Jorge, destaca que o garoto tem futuro na dança. “Ele nasceu com

a habilidade motora nata, voltada para o balé clássico”. Talento esse, que foi comprovado internacio-nalmente. Jorge acabara de ganhar uma bolsa integral na companhia de Balé da cidade de Miami (Mia-mi City Ballet), uma das referências mundiais nesse tipo de dança. O pequeno bailarino tem o sonho de seguir a carreira profissionalmente e declara: “Eu amo dançar”.

Música - Os dedos ágeis dedi-lham precisamente as cordas do violão. Os acordes se unem, a me-

lodia vai sendo criada aos poucos. Logo a harmonia dos sons tocados por Francisco Lucas, de 18 anos, inunda os espaços onde ele está presente. Lucas é uma exceção, aprendeu a tocar instrumentos musicais aos sete anos de idade. Sozinho. “Eu lia as revistas de ci-fras da minha irmã e aprendia”, re-lembra.

Começou com a flauta, depois o violão da irmã, que tocava escon-dido no quarto. Hoje ele toca gui-tarra, flauta, baixo, cavaquinho,

violino, gaita e teclado. E como todo bom músico, gosta de desa-fios: “Não gosto de tocar Metalli-ca, é muito fácil, prefiro Angra ou Sepultura”, gaba-se. Fã do músico multi-instrumentista Kiko Lourei-ro, não suporta sertanejo e explica: “É muito chato, além dos acordes sem criatividade, os solos são po-bres e as letras fracas”. Francisco já recebeu vários convites para tocar em bandas, mas recusou por causa da pouca idade. Por enquanto o es-tudo é a sua prioridade.

RAMON CARDOSO HELIUD SANTOS

Jorge Luiz em mais uma rotina exaustiva de ensaios, se prepara para o Miami City Ballet, umas das refereências na área Francisco Lucas, que começou a tocar aos 7 anos de idade, mantém o hábito de treinos diários e estudos para o vestibular

Luzes, câmera, ação: cenas da vida de uma jovem atriz HELIUD SANTOS

Sincera, feliz, engraçada, extro-vertida, fã de Paulo Autran. Essas são algumas das qualidades que de-finem a atriz e estudante Raylene Costa Souza. Suas caras, bocas e tre-jeitos no palco não deixam dúvidas: ela é um sucesso.

Diz que ao compor seus tipos não se inspira em ninguém específi-co. “Cada personagem é um desafio. O diretor diz o perfil e a gente pro-cura fazer um laboratório”.

A jovem atriz relembra que co-meçou encenando peças na igreja. Interessou-se por teatro na escola, quando foi convidada a recitar po-esias. Sua maior experiência na área foi com a companhia de teatro Oka-zajo, entre os anos de 2006 e 2011.

Esse grupo tem por marca prin-cipal o fenômeno de atrair uma plateia numerosa em suas apresen-tações no Teatro Ferreira Gullar. Seus espetáculos já se tornaram históricos em Imperatriz pela ironia

dos textos, que trazem comentários sarcásticos sobre vários costumes típicos da cidade.

Hoje, Raylene Costa continua desempenhando papeis em outros projetos, como o grupo de dramati-zação de uma igreja católica no bair-ro Bacuri, onde frequenta.

No princípio teve que enfrentar preconceitos e a desconfiança ini-cial da família. Todas essas dificul-dades esvaíram-se na medida em que a nova escolha era tratada com seriedade e dedicação pela estudan-te.

“Meus pais começaram a fre-quentar o teatro, assistir aos espe-táculos e mudaram o conceito. Mas não me apoiaram quando resolvi fazer a inscrição do vestibular para artes cênicas”.

O interesse foi passageiro. Hoje Raylene Costa cursa direito e faz teatro porque se sente bem. “O palco é onde eu alivio todas as tensões, sinto a energia do perso-nagem”.

JOSÉ BISPO DE SOUSA

Raylene Costa fez parte da Companhia de Teatro Okazajo de 2006 a 2011. “O palco é onde eu alivio todas as tensões e sinto a energia do personagem”

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al ANO III. NÚMERO 14 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

ADOLESCÊNCIAAo mesmo tempo que relembra das experiências anteriores com as meninas, Rafael Costa diz que, no momento, está “repensando os seus objetivos”

Mudanças da puberdade geram dúvidasEVANILDE MIRANDA

Rafael Costa, 17 anos, 1.78 me-tro, cabelo moicano, líbero na Escolinha do Flamengo, descalço, de short e camisa do Manchester, confessa, desinibido: “Eu fiquei alegre foi quando nasceu meus pu-bianos”. Nas “brincadeiras” de es-cola ele é o tal.

“Comigo traçava qualquer uma, eu não tava nem aí, nunca fui muito de escolher. Agora que eu tô querendo escolher, mas antes, beijava todo mundo”. E que ex-periência! “Foi o selinho, aí foi aumentando o nível, puxando os lábios, depois foi pro beijo de lín-gua”.

O namoro foi na mesma época, de 9 para 10 anos, durou um mês. Preferiu a liberdade e propôs ape-nas “ficar”. “Eu sei que tem outras meninas diferentes, mas minha experiência foi ruim. Ela queria controlar meus passos e eu não me submeto a isso”.

Agora Rafael Costa está só “fi-cando”. Ele já tem uma consciên-cia bem formada sobre a diferença entre cada tipo de relacionamen-to e as consequências que podem gerar. “O lado ruim é porque você nunca tem a pessoa fixa que vai tá com você toda hora. E o lado bom é que tem muitas opções, vai prum lado, vai pro outro. Mas num tem aquela pessoa pra dizer, é minha namorada, meu amor, pra tá abra-çando toda hora”.

A primeira relação sexual foi após ouvir as palavras solidárias do tio: “Vai se não tu vai dormir

lá na casa do cachorro hoje”. Com certo temor ele pensava: “Meu Deus, será que eu dou conta?” Pe-gou o preservativo e ficou conver-sando com a menina. “Entramos pro quarto, ficamos se beijando e tal. Mas tudo era só ela que fala-va, por incrível que pareça, eu não conseguia dizer quase nada”.

Criado pela mãe, Rafael buscou referência paterna no avô, auxí-lio para as orientações sexuais da mãe e nas rodas de conversa dos amigos mais velhos. Questiono se tem vida sexual ativa. “Agora não estou na ativa, porque eu tô um bom tempo sem. Sei lá, tô repen-sando meus objetivos”.

Aleguei que na ausência do sexo, geralmente muitos recorrem à masturbação. “Eu não. Já tive a experiência. Acho que dez, onze anos porque na escola ficavam falando só nisso. As crianças tão ficando muito precoce”.

No time de futsal, tinha fama de bonzão. Quando alguém caía a culpa era dos hormônios. “Que nada, tá batendo muita punheta”. Não sabia o que era e só entendeu quando viu os garotos fazendo gestos com as mãos que indicavam os movimentos da masturbação.

“Ah, vou experimentar porque num pode. Se disseram que fica morto por causa disso! Fui banhar 11 horas, aí pan, pan, pan, aí fi-quei, 12 pra 13 anos, nada né? Os caras já eram mais velhos, 15, 17. Ai comecei, tam, tam, tam, e nada, eu não sentia nada. Meu Deus, pra que eu tô fazendo isso mesmo? Não, isso num dá pra mim não!”

EVANILDE MIRANDA

Henrique Oliveira, um rapaz de voz mansa, fala tranquilamente como se o tempo parasse para ouvi--lo contar sua história. “Aos 9 anos eu já tinha arquitetado quase tudo na minha vida. Com quantos anos ia terminar os estudos, fazer alguns cursos, me empregar num emprego tal e por aí vai”.

Mas as coisas mudaram de rumo. Saíram de Minas Gerais para o Mara-nhão, onde passaram muitas neces-sidades. “Aos 17, vou confessar, foi a fase psicológica, emocional, alimen-tar todas as áreas mais difíceis da minha vida”.

A vontade de namorar veio aos 9 anos. O primeiro beijo, aos 12, com a garota com quem foi fazer um tra-balho. A atitude partiu dela. “Quando entra nos 15 anos já é outra coisa. Aí é mais sério! Eu acho que comecei um pouco atrasado, tinha 14 anos quando começou nascer pelos nas axilas, nas partes íntimas e a desen-volver a questão da massa muscular. Ficava revoltado, com 15 anos eu pa-recia ter 12”.

As mudanças não paravam. “Nos 16, namorar virou quase uma priori-dade. Tenho que namorar, tenho que namorar! Começou a tensão na mi-nha cabeça, olhando pras jovens, até

pra mulheres casadas”. Quando fez 18, começou a entender “que a gen-te não deve tá assim ansioso, deve primeiro buscar uma estrutura”. Per-guntei sobre sua vida sexual. Ele ro-deia com uma contra-pergunta. “Tu quer ouvir o que tu quer ou a verda-de?” Em tréplica eu disse: “Quero ou-vir o que de fato é! “Foi com 15 anos. Comecei a conversar com as meni-nas, uma entrou no assunto, aí foi! Foi até estranho. Fui um oportunista, se eu não fizesse passava por mole”.

Perguntava muito. Aos 14, apa-nhou da mãe porque quis saber pra que servia absorvente. Aos 15, não perguntava mais. “A maioria das coisas eu aprendi experimentando”. Sem apoio financeiro, emocional e afetivo, era rejeitado pelo pai, que duvidava da própria paternidade.

“O meu pai nunca me deu nada. Me deu uma cueca e não serviu pra mim. Ficou pra ele”. Os presentes que ele ganhava eram dos primos, que compravam para alguém, não ser-viam e eram repassados para ele. “Às vezes eu comprava roupa e ele rasga-va. Comida, ele jogava fora. Na hora da briga eu não apanhava. Quando isso acontecia, minha mãe me batia”.

Citou os defeitos da família. Ga-rantiu não os possuir. Então qual seu defeito? Repetiu a indagação umas duas vezes dizendo ter gostado da

pergunta e entre risos declarou-se teimoso. “Eu sou teimoso porque as pessoas só querem me colocar pra baixo”. Depois de vários lugares, ago-

ra na casa de Luís Pires, que o chama de filho, Henrique tem outras pers-pectivas de vida. “Hoje eu tenho ca-pacidade de realizar. Não sabia que

a gente poderia passar no Enem e fazer faculdade de graça”. Finalizou dizendo que sempre odiou jornalis-tas. “Eles perguntam demais”.

Rafael Costa, 17 anos, afirma que antes “traçava” qualquer uma, não era muito de escolher. Ele anda muito indeciso se troca o “ficar” por uma namorada

EVANILDE MIRANDA

Adolescência exige aprendizado sobre várias formas de se relacionar

Henrique Oliveira repassa a sua vida com sinceridade, analisando seu aprendizado de relacionamento com a família e com as meninas

EVANILDE MIRANDA

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alANO III. NÚMERO 14 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

Ana Caroline é vaidosa e tem muita imaginação. A garotinha adora assistir desenhos animados, pintar as unhas, pranchar o cabelo e brincar de salão

Com seis anos, Ana já sabe bem o que quer

Adolescente não tem pressa para amadurecer. Estudo é a prioridadePATRÍCIA ARAÚJO

Mudanças fazem parte do cres-cimento, é o que Guilherme dos Santos Anchieta, 12 anos, está des-cobrindo. “Antes eu era super cari-nhoso. Acho que é os hormônios que estão fazendo isso. Agora eu tô agressivo, esse ano tô muito agres-sivo por que tô entrando na puber-dade”.

Guilherme é um menino tími-do, que está vivendo um período de transição entre a infância e a pré- adolescência. Em sua casa, sentados no chão da sala de estar, com a TV ligada para direcionar seu olhar, ele me conta que suas ideias chocam-se com as dos seus pais. Suas respon-sabilidades aumentaram e ainda tem a mudança de escola e as novas amizades que influenciam seu com-portamento.

Ele conta que seus novos amigos têm uma cabeça diferente da sua. Enquanto ele quer ir devagar com essas transformações e emoções, eles têm pressa. “Tenho uma colega de 13 anos que ela já namora, a mãe dela já liberou”. Pergunto o que ele pensa sobre isso, se está na hora dele

namorar? “Não, sou muito novo”. E ficar? Com um sorriso faceiro, res-ponde: “Minha mãe já liberou ficar, mas namorar não pode”. Diz já ter

ficado com várias garotas, mas só isso, sem qualquer compromisso.

Amadurecer - Seus amigos o chamam de meninão por causa da

mudança de voz e por não querer namorar. “Quero namorar com 14 anos, quando minha cabeça já es-tiver acostumada com o mundo”. E

explica que até 2010, não sabia o que era o mundo de verdade, sua mente ainda era de uma criança. Este pequeno adulto passou a se im-portar com coisa serias.

Ele fala de um amigo da escola que está com câncer, os colegas se reuniram para escrever uma carta de apoio a este companheiro. “Se eu tivesse um amigo desse com câncer o ano passado, eu não daria impor-tância. Agiria como se fosse uma gripe, por que eu não sabia dar im-portância de dar uma ajuda psicoló-gica a alguém assim”.

2011 e 2012 foram anos de in-tensas transformações na vida do jovem Guilherme. A maturidade batendo à sua porta e com ela um mundo de emoções e mudanças di-fíceis de controlar. Ele diz não se as-sustar com tudo isso, está levando com naturalidade.

Seus pais, Eliana Pereira dos Santos e Antônio Jardins Anchieta, conversam com ele sobre a vida e o orientam, afirma Guilherme. A puberdade do meninão trouxe-lhe mais que agressividade na sua baga-gem. Com ela veio uma boa dose de maturidade.

Guilherme quer acostumar-se com o mundo, seguindo o curso natural de seu crescimento com consiência,responsabilidade e tranquilidade

PATRÍCIA ARAÚJO

SUZAIRA BRUZI

SUZAIRA BRUZI

Pintar as unhas, fazer maquia-gem, pranchar o cabelo, colocar pulseiras, usar vestido florido e calçar sandálias cor-de-rosa. “As-sim eu vou arrasar”.

Ana Caroline Cunha Mota mora com a avó, a mãe, os dois irmãos de 9 e 11 anos e uma prima ado-lescente, por quem é apaixonada. A casa é simples, mas nota-se ao longe que é cheia de afeto.

É absurdamente louca por cho-colate, adorava assistir aos dese-

nhos animados de Bob Esponja e da Barbie. Sua brincadeira predi-leta é a que está fazendo comigo agora, chama-se brincar de salão. Ela enche os cabelos de quem apa-recer, com presilhas, grampos, tia-ras, xuxinhas e ainda pinta, corta e prancha. Os meus já estão verme-lhos. Ana Caroline além de vaidosa tem muita imaginação.

Com apenas cinco anos, a preco-ce tem idade de criança e conversa de mulher. Seu maior desejo é se casar. “Eu vou arrumar namorado na feira. Vai ter uma mesa cheia de

bolinhas, e vai ter uma com meu nome e um namorado dentro”. Criativa, acrescenta que ele poderá ser feio, mas será rico, poderoso e cheio de “florzinha”, além de ficar sempre caladinho. Ela quer casar para sair de casa e comer todos os dias no Pica-Pau Lanches.

Moreninha, magrinha, com ca-belos cacheados na altura dos om-bros, olhos grandes e enormes ex-pressões. Tudo o que a espertinha e carinhosa quer é dormir com a prima e novamente se encher de chocolate, mas “a vovó não deixa”.

No entanto, quando crescer, Carol quer ser consultora Romanel “para usar aquelas jóias lindas”. Deseja muito dinheiro para com-prar todo chocolate do mundo. Mas enquanto isso não acontece, ela frequenta uma creche, muito a contragosto. A menina faz gar-ras com as mãos, ruge e range os dentes para contar que não gosta dos colegas. Bate neles sempre que possível. Tem temperamento forte e não gosta de ser contrariada. Se isso acontecer “eu vou te deixar no meio da rua e com frio, pro carro

passar por cima”. Ela não conse-gue dizer isso sem um riso meigo.

Mas, ao ser questionada sobre o que a deixa feliz, ela muda com-pletamente a expressão e respon-de: “Jesus. Ele me perdoa, agradece as crianças e agradece às mães”. Imediatamente, emenda uma ora-ção: “Papai do céu, obrigada por esse dia maravilhoso e por tudo que eu faço”.

No fundo, Carolzinha é doce como o chocolate que tanto ama e sobre o qual fala a cada dois mi-nutos.

INFÂNCIA

Com apenas seis anos, a menina precoce tem idade de criança e conversa de mulher. Casar com um homem rico, poderoso, cheio de “florzinha” e que fique sempre calado, faz parte dos planos da garotinha que não para

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al ANO III. NÚMERO 14 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

Encontros de catequese envolvem atividades dinâmicas em grupos e a linguagem é adaptada a cada faixa etária, privilegiando o estudo da Bíblia

Formação religiosa voltada aos jovens

DAYANE SILVA

Domingo, 9 horas. Reunidos em sala, dez dos 22 alunos matri-culados na turma de crisma. Todos sentados em círculo. Dois jovens direcionam o estudo. Aqui, o cate-quizar e o vestir possuem traços jo-viais. Atrativos da coordenação.

Logo na chegada, percebo um ambiente acolhedor. Ao fundo, ainda ecoa uma música cristã, to-cada por um grupo em ensaio. Na reunião, garotos e garotas em seus mais diversos estilos se atêm ao iní-cio da lição.

“Como podemos aproveitar a vida?”, indaga o catequista. “Acho que fazendo a vontade de Deus!”, responde a estudante. Perguntas feitas aleatoriamente. Respostas subjetivas. Alunos e professores interagem em mesmo código lin-guístico: a jovialidade.

A oração do Pai-Nosso abre mais uma reunião, unindo as mãos ali presentes. O tema: “Quem sou eu?” é levantado logo no início. Mas, não há respostas do alunado. Explica-ções surgem com base em uma lei-tura bíblica. “Vós sois o sal da terra e a luz do mundo”, Mateus 5: 13.

Aos poucos a interatividade ga-nha espaço. “Perceberam que tem um papel colado na cadeira de vo-cês? Quem pode ler?”, questiona o catequista. Um “eu” entusiasmado rompe a timidez. Em seguida, Dali-la Silva, 15, explica que só Deus co-nhece a nossa mente.

Sua irmã, Maria Thaynara, 17, ressalta que as duas vêm à igreja por espontânea vontade. “Venho à igreja para aprender mais sobre a palavra de Deus, e passar adiante, por que não adianta nada, guardar para si”, afirma. Felipe de Moraes, 19, trabalha há quatro anos na área. Ora

como coordenador da catequese, ora catequista. Não há distinção de ida-de entre os professores de catequese. Um compromisso é aceito no início do ano. Para ele, “um bom catequista, é aquele que se preocupa com o en-contro durante a semana”.

Comunhão – Do grego Kat-ekhéo significa fazer ecoar a palavra de Deus a si e ao próximo. Atualmente, a ca-tequese busca quebrar paradigmas como “dar catecismo” ou “preparar crianças, adolescentes e adultos para a primeira eucaristia e crisma.

Os encontros envolvem atividades dinâmicas em grupos. A linguagem é

adaptada a cada faixa etária. No rotei-ro, o estudo da Bíblia e de uma aposti-la. Na aula, estudantes são co-partici-pantes do processo de educação, que busca fortalecer a fé.

Segundo dados do documen-to Catechesi Tradendae (CT) ou “A catequese do nosso tempo”, deixa-dos pelo papa João Paulo II, “a ca-tequese é uma educação da fé das crianças, dos jovens e dos adultos, a qual compreende especialmente um ensino da doutrina cristã, dado em geral de maneira orgânica e sis-temática, com fim de os iniciar na plenitude da vida cristã”.

DAYANE SILVA

“Júnior, Júnior, uma fonte não pode jorrar dois tipos de água, doce e salgada”, relembra Ailton Júnior, 18, de um alerta feito por uma amiga da escola, quanto à postura do cren-te. Nesse episódio, ele cantara um trecho de uma música secular.

Ailton “nasceu” no evangelho e é filho de pastor da igreja Assembleia de Deus. Mesmo com particularida-des de um jovem, seu comportamen-to deve ser redobrado. Participa ati-vamente da Escola Bíblica Dominical aos domingos, na turma de jovens.

No encontro, professor e alunos, experiências e desafios da vida cristã. “Irmã Elida, ouvi dizer que a gente deve tomar cuidado na oração, quan-do falar de nossas fraquezas, por que o inimigo pode usar isso contra a gente”, questiona um dos membros.

“Sim, sim, isso é verdade, a Bíblia sagrada fala que mesmo antes de pe-dirmos algo a Deus, Ele já conhece o desejo do nosso coração. O inimigo não pode ler nossos pensamentos”, afirma a professora auxiliar.

Adolescentes debatem experiências e desafios da vida cristã nos encontros da Escola Bíblica Dominical

ANDRÉ WALLYSON

DAYANE SILVA

Durante os encontros são discutidos as experiências e os desafios para aqueles que decidem seguir uma vida cristã, principalmente os jovens

Segundo dados do documento “A catequese do nosso tempo”, deixado pelo papa João Paulo II, esta prática é a educação da fé das crianças, dos jovens e dos adultos oferendo, de forma orgânica e sistemática, o ensino da doutrina cristã

RELIGIÃO

Elida Santos, 30, mãe de dois filhos, com traços comunicativos, auxilia há quatro na escola. Hoje, traja saia nos joelhos e blusa de mangas. Antes, na sua mocidade, “adorava usar calças jeans” e “sair com as amigas”.

Ela conta-nos como se reaproxi-mou da igreja. Ano 2000, virada, fim do mundo? Sua família vai à igreja. Elida a um show em praça pública. Um temporal aproxima-se. Já no lo-cal, chuva forte e relâmpagos impe-dem a realização do evento. Pessoas correm. Ao fundo, um homem grita sarcasticamente, “É o fim do mun-do”. Trovoada. Lembra-se da família, sente-se só.

Desde então, tivera a certeza so-bre a direção nova a ser seguida. “Eu não quero mais isso para mim”, res-salta irmã Elida. Mesmo em um gru-po pequeno, há ajuda ao próximo. Thaís Sampaio, 18, conta que esta-va sem frequentar as aulas a algum tempo, mas o incentivo dos amigos a trouxe de volta. “Quero viver mais no caminho do Senhor”.

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7ArrochaJorn

alANO III. NÚMERO 14 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

Moça especial é, antes de tudo, “uma forte”

LIÇÃOA jornada da superação tem muitas surpresas, e uma das mais agradáveis é Taynara. Contra todas as barreiras ela afirma o lugar dos especiais na sociedade

“Eu não sou bebê, você é que me trata assim”RAMON CARDOSO

Hoje, Taynara é bem independente. Faz quase tudo sozinha. Só às vezes a mãe a ajuda para garantir que tudo corra bem e certo. A menina reclama: “Eu não sou bebê, você é que me trata assim”. Ela sempre preferiu ficar entre os adultos. Em vez de bonecas ou TV, prefere ouvir música ou dançar forró. Outra preferência é comer, “mas só se houver suco e salada”, ressalta a mãe.

Na escola ela até tem um admira-dor, que ela diz ser só amigo, mas se diverte ao falarmos do assunto. -Suas irmãs vão casar e você vai ficar com a mamãe, tá?” - Nam! Eu também quero casar!

A mãe tem receio da resposta dela, afinal, apesar de todas as suas supera-ções, Taynara ainda tem uma deficiên-cia mental. “É que tudo é complicado. Só quem sabe é quem está na pele. Às vezes a gente sente rejeição, as pessoas botam logo dificuldade quando vêem que é especial”, revela a mãe.

No entanto, Taynara consegue se superar mesmo com todos os obstácu-los que a sua deficiência mental possa lhe impor graças à dedicação que re-cebe. Seja com a ajuda da escola, da família, da equoterapia no parque de exposições, ou dos cursos que fez na Casa dos Especiais quando o seu pai a levava.

“Fotos?”, eu pergunto. Um sorriso se abre fácil, sem a timidez de antes e seus os olhos brilham para a vida. Em-polgada, ela planeja poses, enquanto a irmã mais velha, recém-chegada no local, me julga com os olhos de quem protege ferozmente uma criança. Re-cebendo um abraço, a mãe comenta: “Ela é carinhosa, adora me abraçar”. Ao que Taynara, com certo complexo de adolescência, resmunga afiada: “Nam! Não gosto não”. E eu, claro, sorrio. Com certeza ali está alguém especial, carinhosa e envolvente, ou melhor, uma família especial. Mas é assim, por inteira, intensa mesmo, que parece se relacionar Taynara.

Muito carinhosa, Taynara faz questão de puxar a mãe para um longo e terno abraço. Após a morte do pai, mãe e filha ficaram bem mais próximas

RAMON CARDOSO

RAMON CARDOSO

Concentrada, Taynara se diverte pintando desenhos. Hoje, mais independente, ela demonstra habilidade, tanto que é capaz de fazer quase tudo sozinha

RAMON CARDOSO

A mãe grita a angústia da demo-ra. O médico só entra na sala na hora que o bebê está saindo. Com as mãos aparentemente apressadas, retira-o de forma bem rápida, entrega à ajudante, termina os procedimentos e vai em-bora. A enfermeira silencia-se, assim como a mãe. A própria sala parece calar-se. Assim, sem choro ou alarde, como que degustando o som da frie-za médica, da angústia materna e do desafio de viver, nascia Taynara. Um dia todo especial, em suas condições e sentidos.

“Ela não chorou quando nasceu, mas chora no dentista. Morre de medo, como muitos. Devido a essas condições, o odontólogo disse para ir-mos a um especialista. É sempre mais difícil para a gente”, desabafa a mãe, Edina Ribeiro.

Taynara faz amizade fácil, aqui e acolá sai às lojas vizinhas a da mãe para falar com os conhecidos. Comi-go nem tanto, a dicção atrapalha no início. A mãe diz que a leitura dela também ainda é difícil.

Quando tocamos no assunto da morte do pai, ocorrida há dois anos, pego de surpresa por um câncer sem definição, um olhar furtivo se esguei-ra ao meu, simpático, mas também desconfiado. Taynara demonstra es-tar pouco à vontade, mas aciona um sorriso tímido.

Para a mãe, ele era o maior apego da menina, e ela seu maior reflexo. Filha do meio de três irmãs, Taynara é aquela que o pai acompanhava em qualquer lugar, que mimava, que de-fendia. Certa vez, ele quase bate em um homem por este, ao vê-la chorar por um doce que o pai não quis com-prar, ter dito bem alto: “essa doida!”.

Dificuldades - Segundo a mãe, quando bebê, Taynara teve dificulda-de para andar. Esse problema trouxe a necessidade de exames, e então sur-giu a revelação: uma mancha escura

se apresentava na tomografia, em parte do cérebro da menina, provável consequência da forma que se deu o nascimento. A partir daí as coisas deixariam de ser as mesmas. Ou não, nem tanto.

Por experiência, o médico não ar-riscava palpite, mas com fisioterapia ela andou com um ano e três meses e surpreendeu a todos. Taynara co-meçava a mostrar então que especial, acima de tudo, era sua superação, e que com carinho se vai longe.

Durante a infância, no colégio, ela se mostrou bastante agressiva e nos dois primeiros anos a mãe precisou fazer amizades para ela se matricu-lar. “Eles não queriam, tinham receio. Não havia preparo em Imperatriz para cuidar dela. Ainda há pouco”.

Foi muito emocionada que a mãe a colocou em uma escola que prometia melhorar tudo, mas que se tornou um engano, pois só piorou, já que lá havia crianças mais agressivas que Taynara. A saída aconteceu quando a mãe, du-rante um banho na criança, percebeu que o braço desta estava quebrado e a escola se eximiu da responsabilidade. “Ela não saía de casa só, todos a pro-tegiam, e ainda a protegem. Descobri que o prometido não era cumprido”. Bastou tirá-la de lá e colocá-la na es-cola estadual Governador Archer para tudo mudar.

Logo na primeira visita, a fonoau-dióloga, atenciosa, desconfiou que a menina tinha sério problema de visão. A mãe foi apreensiva ao oftalmologis-ta e confirmou as suspeitas. “Como nunca tinham percebido isso na outra escola que se dizia tão bem prepara-da?”, a mãe se indaga revoltada. “Ela foi além do que o esperado, mas ain-da é preciso paciência. Ela ainda vai a alfabetização, isso porque o trabalho de desenvolvimento e de aprendizado de convivência deve ser constante”, diz a mãe. Contudo, foi só ali então, no novo colégio, que Taynara ficou de vez calma, pacífica e carinhosa.

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8 ArrochaJorn

al ANO III. NÚMERO 14 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

Da brincadeira de criança ao profissional

DECISÕES

Jovem atleta luta para ser jogador profissional de futebol. Ele treina muito para ser percebido por olheiros, e assim, poder realizar o sonho de criança

Conflitos entre gerações: pais e filhos divergem sobre valoresGENYEDI SOARES

“No meu tempo, as coisas não eram assim”. A famosa frase to-dos os pais têm na ponta da língua quando as normas da casa e autori-dade deles são colocadas em cheque pelos filhos na temível fase da ado-lescência.

No geral, é diante desta tensão que o medo inconsciente de ambos pelas mudanças que estão aconte-cendo vai tomando espaço dentro do lar. As divergências cada vez mais frequentes, e o confronto de ideias e valores são a dose exata para se instalar uma zona de isolamento entre eles. “Na verdade, é cada um com sua opinião, e ninguém con-versa, debate, ou algo do tipo. Como aqui em casa cada um tem uma per-sonalidade muito forte, opiniões e mentalidades diferentes, se chegar a acontecer certos comentários, é briga na certa”, comenta o estudan-te Diogo Augusto Miranda, 18 anos.

“Por melhor que seja a relação entre pais e filhos, nesta idade o re-lacionamento parece sempre ficar um pouco a desejar. Eles assumem responsabilidades importantes que os inibem ou tiram o nosso tempo

de estar sempre junto deles. O con-trário, quando são crianças, que procuram sempre estar perto da gente para se protegerem de tudo. É fácil saber o porquê destas mu-danças: ambos enfrentam mundos diferentes!”, conclui Maria de Fáti-ma Carvalho, 48 anos, mãe de três filhos em idade entre 16 e 23 anos. De fato, os mundos são bastante di-ferentes.

É natural perceber que muitos dos filhos não conseguem compre-ender o excesso de zelo dos pais, assim como os progenitores não entendem e não se acostumam com as novas situações e mudanças. Ma-rília Carvalho, 19 anos, estudante de direito, compreende bem isso. “As escolhas que nossos pais tinham antigamente como: profissão, casa-mento, enfim... refletiam a vontade dos seus pais. Diferente das nossas hoje, que são baseadas na nossa própria vontade, com pouca inter-ferência deles (os pais). Acho que deve ser também essa nova era, a era do conhecimento, onde se des-cobre coisas e ideias novas a cada minuto. Vivemos num mundo total-mente diferente do deles, todos são mais individualistas”.

Marcelo Jonas Barbosa tenta conciliar o seu desejo de tornar-se jogador de futebol profissional com outros deveres, como de filho e estudante

JÉSSIKA RIBEIRO

RÔMULO FERNANDES

JÉSSIKA RIBEIRO

Debaixo do sol escaldante de Imperatriz, treinam os meninos da categoria de base do clube de futebol JV Lideral. Os garotos usam um uniforme vermelho e meião amarelo. O cabelo moicano é a preferência deles, e o apetre-cho mais importante: a chuteira. Essa tem de todas as cores. Pre-ta, verde cana, laranja florescen-te. Alguns até já adquiriram a moda “a la Neymar”, rosa e lilás.

O dono da chuteira simples, branca (que já não é mais tão branca) com detalhe preto, é o filho de dona Maria Ieda e Josué Pereira Barbosa. Marcelo Jonas Barbosa é o nome da fera. Em meio a tantos moicanos, o jo-vem tímido, de 18 anos, cabelos lisos caindo sobre a testa e sor-riso escondido se diferencia dos demais, dentro e fora de campo.

Marcelo nasceu em Gonçalves Dias, mas logo pequeno veio à Im-peratriz. Menino prodígio, joga-va bola na rua desde criança, foi crescendo e se tornou o craque da escola. Hoje é considerado um jogador “rodado”, como dizem os meninos do time e os treinadores. São chamados assim aqueles que já jogaram em outros clubes. Mar-celo e todos aqueles jovens têm um sonho em comum: Tornar-se um jogador de futebol profissional.

Em 2009, com a ajuda de um olheiro, foi tentar a sorte no clu-be do Cruzeiro, em Minas Ge-rais. Mas retornou para casa três meses depois. “Ficar longe da família, dos amigos de infân-

cia, abrir mão de diversas coisas, não é nem um pouco fácil”, lem-bra Marcelo do quanto foi difícil suportar a saudade. Mas desistir não é da sua natureza. Em 2010, mais uma vez caminhou em bus-ca do seu sonho. Foi jogar no clube do Paysandu, em Belém.

Dessa vez ficou um ano longe de casa, disputou vários campeo-natos, mas voltou para casa mui-to abalado após a perda na final do campeonato paraense contra o clube do Remo. “O nosso time era melhor, mas tem jogo que a bola não quer entrar”, constata Marcelo, ainda com tristeza no olhar. Em 2011 soube que o time JV Lideral estaria na disputa da Copa São Paulo de Futebol Ju-nior, e para estes jovens que lu-tam por esse sonho esta é uma grande oportunidade de muitos olheiros verem o seu potencial.

Seu dia-a-dia tem sido dedicado aos treinamentos para a “copinha”. Treinos pela manhã e a tarde. Per-gunto se o futebol não atrapalha nos estudos, ele responde que sim. “Mas tem que conciliar os dois, o que não pode é ficar sem estudar”. Ele tem um plano B: se formar em educação física. “Se não der certo um, tem que dar o outro”.

Solta pela primeira vez um riso, mas bem rápido e volta à ex-pressão de menino acanhado, po-rém, decidido a enfrentar todos os desafios que o destino lhe propor. O pior deles: ver outros garotos da sua idade levando uma vida nor-mal sem ter muitas responsabili-dades, e não sendo obrigados a se tornarem adultos antes do tempo.

Por melhor que seja a relação entre pais e filhos, em certas idades o relacionamento parece entrar sempre em conflito devido a vários fatores

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9ArrochaJorn

alANO III. NÚMERO 14 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

Quais os riscos de um jovem talento lidar com a fama com pouca matu-ridade?

Precisa-se ter, primeiramente, suporte familiar e, depois, bons orientadores para saber como gas-tar o dinheiro, para não deixar o jovem se deslumbrar. Nós vemos

muitos casos que a pessoa come-çou cedo e acabou se metendo com drogas, bebidas, farras, pros-

tituição, porque não lhe foi dada nenhuma orientação e suporte a respeito disso. Um exemplo disso é o ator Macaulay Culkin, que foi um jovem talento que se acabou com drogas. Outro exemplo em andamento é o jogador Neymar. Milionário, já fez um filho, ban-cou o rebelde, bastante jovem... Então esses jovens precisam de alguém que ensine a eles como administrar seu dinheiro e tam-bém não deixar que seu talento se perca. É importante lembrar que temos etapas na vida: temos que brincar, temos que estudar, fazer amizades... O jovem talento acaba não vivendo isso porque ele pre-cisa trabalhar e dependendo da idade, isso pode ser caracterizado como trabalho infantil.

Porque é importante que a criança te-nha o momento de brincar?

Cada fase da vida tem que ser vivida, se não a gente pula etapas e, quando chegar lá na frente, pode prejudicar. Cada brincadeira tem sua representação: a criança brin-ca para aprender, para desenvolver, para crescer. Temos que deixar as crianças brincarem para que isso não tenha um reflexo negativo em suas fases seguintes.

O que acontece com uma criança que precisa trabalhar durante a infân-cia?

Existe uma grande realidade em Imperatriz sobre o Trabalho Infantil Doméstico (TID). A crian-ça é obrigada a varrer casa, a fazer comida, cuidar dos irmãos. Essa criança pula etapas, assume res-ponsabilidades que não são dela. Uma menina de 15 anos que cuida do irmão desde os cinco não terá problema quando tiver seu filho, mas ela deixou de construir uma parte importante de sua vida, não terá expectativas de que ela será di-ferente da mãe dela. O TID é muito comum no Maranhão, porque os países acham comum o filho var-rer, cozinhar, lavar. O certo seria os pais fazerem essas tarefas para ensinarem seus filhos a fazerem, e não obrigá-los a fazer.

Porque os jovens se preocupam cada vez menos com os cuidados de saú-de?

É uma questão de consciência do amanhã. O jovem tem a sensação de que nada de ruim vai acontecer com ele e que será jovem sempre. Porque não usa a camisinha? Porque pensa que nada de ruim vai aconte-cer e quando vê, já está grávida e diz que foi acidente, mas não foi. Ele está ciente da consequência, mas tem a sensação de nunca vai acontecer com ele ou ela.

Por outro lado, existem aqueles que prestam culto ao corpo. Só co-mem alimentos saudáveis, não tomam refrigerante, se comer batata frita vai ter que correr três horas para perder essas calorias. É comum você ver uma menina engravidando na adolescên-cia, dificilmente uma menina de vinte e poucos anos irá engravidar, porque ela se cuida mais.

Sabemos que a educação é de extrema importância, mas como a criança é pre-judicada com a falta dela? Esse período é definitivo para o educador?

O maior período de apreensão de conhecimento é na nossa infância, entrando na adolescência, quando saímos do ensino fundamental e en-tramos no médio. Essa é a fase que estamos mais disponíveis para apren-der que, segundo Freud, é o período de latência. Nesse período é que vai ocorrer a ampliação do seu capital in-telectual. Passado esse período, se tor-na mais difícil a aprendizagem e sem estudo, conhecimento e capacitação fica cada vez mais difícil entrar nesse funil que é o mercado de trabalho.

ENTREVISTAPsicóloga Jaqueline Lopes Teixeira

“Cada fase da vida tem que ser vivida”Graduada em Psicologia há três anos

pela Universidade Celso Lisboa, do Rio de Janeiro, Jaqueline Lopes Teixeira, 28 anos, atua hoje, em Imperatriz, na área da saúde

pública no Núcleo de Apoio à Saúde Pública (Nasf). Em entrevista ao Arrocha, a psicólo-ga fala a respeito das alterações comporta-mentais na mudança de fase de uma criança

para um adolescente, bem como as mesmas alterações ocorridas com os jovens. Jaqueli-ne também alerta sobre o risco que crianças que trabalham na infância possam vir a ter

posteriormente quando forem jovens. A im-portância de se ter uma casa de acolhimento às crianças desamparadas foi outro dos te-mas debatidos. Em todos os casos, foi enfa-

tizada a importância da estrutura familiar para evitar muitos transtornos em relação às crianças, adolescentes e jovens. Confira abai-xo a esses e outros assuntos.

“Esses jovens precisam de alguém que ensine a eles

como administrar seu dinheiro e também não

deixar que seu talento se perca. É importante lem-brar que temos etapas na vida: temos que brincar, temos que estudar, fazer

amizades...”

FERNANDO COSTA

RAPHAEL GIANNOTTI

Quais as principais mudanças compor-tamentais de uma criança para um ado-lescente?

É difícil para os pais, porque a criança chega nos 10, 12 anos e não é adulta, mas também não é mais crian-ça. Então o pai dá uma ordem dizendo que ela não é mais criança ou que não é adulto. É um momento muito con-flituoso e paradoxal para uma pessoa que vive essa fase e ela acaba se ques-tionando sobre coisas que lhe são co-bradas por não serem crianças, e ou-tras por não serem adultos. Mas é no período da infância, até os sete anos de idade, que a criança tem a constru-ção de sua identidade que, então, será posta em prática nos períodos da ado-lescência e juventude.

Já para os adolescentes, o que marca, principalmente, essa mudança para a fase adulta?

O adolescente tem a necessidade de viver em grupo, ele precisa perten-cer a algum grupo. Uns vão fumar, ou-tros beber, porque os amigos bebem e fumam. O adolescente usa a roupa dele igual a dos outros adolescentes: se as meninas usam All Star xadrez, todas as meninas também usarão. Eles precisam ter os comportamentos que lhes farão aceitáveis nos grupos. Além disso, essa pessoa viverá o que foi construído na sua infância e, na sua juventude, continuará a afirmar essa identidade. Mas a principal caracterís-tica que marca essa transição é a inser-ção do jovem no mercado de trabalho, na vida profissional. Aí, então, essa fase determinará a saída da adoles-cência. Outra característica do jovem é de não necessariamente precisar ser aceito por grupos. As escolhas, gostos ficam mais nítidos nas suas práticas.

Psicologicamente falando, o que leva um adolescente a se tornar um infra-tor?

Família, classe social, educação, to-dos esses fatores influenciam no que seremos. Tudo isso nos constrói, nós somos construídos o tempo todo. O mais importante é o limite, a constru-ção do limite. Os pais que são muito liberais podem ter certeza que terão problemas com seus filhos lá na fren-te. Só porque seu filho é neném, o pai vai deixar ele colocar o dedo na toma-da? Tem que saber falar o não e esse não vai construir o limite, desde que seja feito a partir da infância. Isso fará com que o menor crie responsabilida-de. Os pais têm que mostrar para o fi-lho qual o caminho deve seguir. Se há ausência de limites, o menor irá fazer o que lhe convém, porque não será pe-nalizado.

Qual a importância de se ter um órgão responsável pelo acolhimento de crian-ças desamparadas como a Casa de Pas-sagem?

Se nós tivéssemos famílias estru-turadas, não precisaríamos de Casa de Passagem. Eu tenho experiências de crianças em Casa de Passagem que foram péssimas, porque essa situação

caracteriza cada vez mais uma rejeição e a criança começa a pensar que seus pais não a querem mais. Entretanto, se você chega em uma Casa de Passa-gem e encontra acolhimento, carinho, amor e limites, então dá certo. Mas, se a criança chega e encontra o mesmo ambiente que via em casa, o proces-so de tratamento não surtirá efeito algum e essa casa será um mero dis-positivo institucional e não lugar de acolhimento.

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ANO III. NÚMERO 14 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

GUILHERME BARROS

Com cerca de 10 crianças, que moram na Casa de Passagem, fre-quentam a escola e recebem vi-sitas, a instituição busca apagar lembranças negativas para que todos possam dar continuidade à sua vida após uma adoção ou até mesmo no retorno para o lar.

Os pais “problemáticos” rece-bem acompanhamento de órgãos de reabilitação como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e do Centro de Referência de Assistên-cia Social (CRAS). A maioria dos casos está diretamente relaciona-do ao uso de drogas.

Mesmo mantida pelo municí-pio, o auxílio da comunidade é o que movimenta a casa. São rou-

pas, comida, brinquedos e o me-lhor presente que as crianças re-cebem: visitas.

Outubro, o mês da criança, foi recheado de surpresas dentro e fora do abrigo. Acadêmicos sem-pre elaboram projetos de extensão no local, seja lendo histórias, le-vando brinquedos e brincadeiras, ou simplesmente passando um tempo com a garotada.

Mesmo com o sigilo dos no-mes, a proibição das fotografias em que apareçam crianças e tudo mais, o clima na casa é de alegria e de cuidado. “Nós procuramos criar um âmbito familiar, com amor e carinho. Dor e sofrimento, essas crianças já tinham de onde vieram”, considera a coordenado-ra Maria do Socorro.

AUXÍLIOMesmo sendo um abrigo para crianças que fogem da violência e dos maus tratos, o Lar para Meninos mantém um clima de descontração e brincadeira

Chega de lágrimas, agora é hora de sorrir

GUILHERME BARROS

Uma casinha de esquina do bairro Santa Rita. Para quem está do lado de cá do muro, nada além do costumeiro som do tempo pas-sando. Após cruzar o portão, um misto de risos, gritos, choro e “ei tio, tio, tio, tio...”

A Casa Lar para Meninos é um abrigo para rapazes na faixa etária de 9 a 17 anos que são retirados

da guarda dos pais devido à ne-gligência, violência, abuso, viola-ção dos direitos ou mesmo ao uso excessivo de substâncias ilícitas e abandono.

Uma mudança ocorreu na es-trutura da casa em maio deste ano, já que até então o local abri-gava meninos e meninas com a idade de 0 a 17 anos. Agora as me-ninas ficam na casa de passagem localizada na rua 15 de Novembro,

que também acolhe meninos de 0 a 8 anos.

Enquanto eu me dirigia à sala da coordenação da casa, crianças rolavam em colchonetes, outras duas se enroscaram na caixa das compras e estavam girando e dan-do gargalhadas. Ninguém diria que aquelas crianças sofreram al-gum tipo de violência.

A equipe da casa é formada por 15 profissionais. Os servidores

que trabalham em regime de plan-tão são duas cozinheiras, duas auxiliares de serviços gerais, dois cuidadores e três vigias.

A casa conta ainda, com uma equipe multidisciplinar: uma co-ordenadora, Maria do Socorro, uma auxiliar de coordenação, uma assistente social, uma psicóloga, uma nutricionista e uma pedago-ga. Cristiane de Paula é cuidadora da casa há mais de um ano. Ela en-

trou como zeladora e nos últimos meses, passou a auxiliar no traba-lho com as crianças e adolescentes.

Receosa em ceder informações, devido à delicada situação dos mo-radores ela informa que eles têm toda uma programação e horá-rio para acordar e dormir. Todos os abrigados são encaminhados para programas sociais, como o Mais Educação, ProJovem e Jovem Aprendiz.

Infância em confronto: passado a ser apagado e um futuro a ser escrito

A Casa Lar do bairro Santa Rita abriga meninos e jovens na faixa etária de 9 a 17 anos e a brincadeira é uma terapia

PAULA DE TÁRSSIA

Crianças que vivem na Casa Lar para Meninos contam com um ambiente de estímulo às brincadeiras como uma forma de superar passado difícil

FERNANDO COSTA

Fotos demonstram ambiente agradável no abrigo. Antes de chegar aos 18 anos meninos recebem acompanhamento de profissionais

FERNANDO COSTA

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11ArrochaJorn

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ANO III. NÚMERO 14 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

RAIMUNDO CARDOSO

O garoto E.S.V., de 1,62 m, olhos claros, 17 anos, natural de uma cida-de do sudeste do Pará, encontrava-se internado na Fundação da Criança e do Adolescente (Funac) há oito meses por ocasião da entrevista, em 2011. Ele cometeu uma infração que teve como penalidade a aplica-ção do inciso I do ar-tigo 122 do Estatuto da Criança e do Ado-lescente (ECA): trata--se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à vítima.

O menor infrator reconhece que errou. “Estou arrependido”. E quando perguntado sobre o futuro, ele disse: “Não faço idéia de quando estarei em liberdade e nem de qual será o meu destino quando sair daqui”.

A Funac foi criada pela Lei Esta-dual nº 5.650, em 13 de abril de 1993. É um órgão do Poder Executivo Esta-dual, vinculado à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedes) e possui a missão de atender crianças e adolescentes em cumprimento de

medidas socioeducativas, oferecendo possibilidades da ressocialização de acordo com os preceitos do ECA.

Em Imperatriz, a instituição atende 18 jovens, sendo 17 do sexo masculino. A maior parte foi parar ali em função de pequenos furtos, assaltos e envol-vimento com drogas. Cabe à funda-ção oferecer condições para que estes

jovens possam ser devolvidos à socie-dade com uma nova perspectiva de vida e de trabalho. “O espa-ço possui sete aloja-mentos e os internos

recebem na Funac assistência social e pedagógica, psicológica e jurídica”, afirma Claudina Cirqueira da Silva, pe-dagoga da instituição.

No corredor onde ficam os aloja-mentos, eles conversam entre si e com funcionários. Alguns permanecem em regime fechado, saindo para as refei-ções e atividades de socialização. E.S.V. ganhou nos cursos oferecidos pela instituição uma chance de construir um futuro diferente do seu passado, embora viva no momento a incerteza sobre quando finalmente estará livre.

CRISTINA COSTA

As mãos pequenas que deveriam estar com lápis e caderno seguram uma bolsinha, um caixa improvisa-do. As contas de adição são para sa-ber o quanto todas aquelas moedas vão render no fim do dia.

Carregando uma caixa de en-graxate nas costas ou de isopor conservando os ovos de codorna. Assim crianças imperatrizenses por vários motivos trocam a brincadei-ra pela seriedade e o dever de casa pela contabilidade do dia. A maio-ria delas assume este papel quando o patriarca foge do seu dever ou a

quantidade de irmãos menores so-bressai o salário da sua mãe sol-teira, exigindo um esforço do filho mais velho.

M. tem a pele clara, olhos cor de mel, uma inquietude natural das crianças, 14 anos e um sorriso en-cantador. Seu isopor não guarda ovos e sim geladão. É só 75 centa-vos, tem de coco, leite condensado...

“Desde que meu pai saiu de casa, mamãe disse que eu tinha que aju-dar. Então ela faz o geladão e depois que saio da escola eu vou vender”. Tem dois irmãos pequenos e estuda o quinto ano pela segunda vez, mas agora garante que vai passar, já que

as suas notas melhoraram. Quando crescer deseja ser jogador de fute-bol.

Ao terminar a aula, no perío-do matutino, toma banho, almoça, coloca seu instrumento de traba-lho nas costas e sai em direção às praças, escolas e aos lugares mo-vimentados. Primeiro próximo de sua casa. Depois, caso não tenha vendido uma boa quantidade, par-te rumo ao centro da cidade. Uma jornada que pode seguir até as 20 horas. Seu bairro é próximo e dá pra fazer esse percurso sem proble-mas mais graves.

“Às vezes dá pra comprar arroz,

feijão e carne. Também fico com um pouco pra mim, vou mais é pro cy-ber, gosto de jogar”. E qual é a hora das brincadeiras com os colegui-nhas? “Ah eu brinco muito. Quando chego da venda, a gente fica pela rua até tarde. E também no domin-go, porque eu não trabalho não”.

Em um cenário mais colorido, encontro R.. Outra criança muito simpática. É ele quem ajuda a arru-mar o castelo e o pula-pula que tan-tas crianças vão insistir em brincar. Desempenha a tarefa com tanta ale-gria e dedicação que quase me es-queço que aquele é o seu trabalho. Observa o horário dos “clientes”, às

vezes, amarra daqui, puxa dali.De terça-feira a domingo, das 16

horas a mais ou menos 22h, o me-nino de 11 anos permanece por lá.

Mesmo repetindo o quarto ano e dizendo não gostar muito de estu-dar, tem sua rotina trabalhista ba-seada nas aulas e no período letivo e o horário termina mais cedo. Os avós os criam como se fossem fi-lhos, aliás, é assim que R. os chama: pais.

A responsabilidade adquirida parece não o incomodar. Um tanto tímido, mas muito educado, me diz que gosta de vir “trabalhar” e ficar com seus amigos e sua família.

Preocupação do garoto que todo dia sai com sua caixa de geladão embaixo do braço não é brincar depois da aula, mas, sim, quanto sua tarde vai render para auxiliar na compra do feijão e do arroz que irão alimentar a sua família

“Mamãe disse que eu tinha que ajudar”CRISTINA COSTA

Infância sem rumo aguarda novas expectativas de vida

RAIMUNDO CARDOSO

NAS RUASCrianças de Imperatriz, seja no trabalho ou na marginalidade das ruas, ganham ou perdem a vida assumindo responsabilidades maiores que elas

Por trás dos muros da Funac, adolescentes infratores anseiam com grande expectativa por dias melhores, enquanto aguardam uma decisão judicial

“Não faço ideia de quando estarei em

liberdade e nem de qual será o meu destino...”

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12 ArrochaJorn

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ANO III. NÚMERO 14 IMPERATRIZ, OUTUBRO DE 2012

BRINCADEIRAS Na era digital as brincadeiras como “pega-pega” e “adedonha” perderam espaço, mas partidas de futebol e outros esportes continuam entretendo a criançada

Do futebol ao PS3: Distrações do século XXI

LAYANE RIBEIRO

“Eu gosto mais de futebol.

Brinco de peteca, de soltar pipa, do ‘se esconda’, de videogame, mas prefiro mesmo vir com os meninos pra cá jogar futebol”. Quatro horas da tarde, quinta-feira, o estádio Frei Epifânio fechado e Yago Marique Gomes Franco, 10 anos de idade, espera do lado de dentro, na companhia de mais dois amigos, o restante da garotada para mais um dia de jogo.

Se o portão que separa a rua Rui Barbosa do estádio não estiver aberto, não é motivo para acabar com a festa. “Basta ser da minha grossura e ter a cabeça que dê pra

passar aqui. Olha como é fácil!”, explica Yago, pulando as grades com toda sua travessura de menino.

Aos poucos vão chegando. Uns de bicicleta, outros a pé, passam com a mesma habilidade pelas grades e começam a se agregar em meio ao verde dos gramados.

A “pelada” tem início. Bola pra lá, bola pra cá, sol rachante de Imperatriz e os moleques correm, driblam, se exibem para a lente da câmera fotográfica. É o momento deles. Saem de lá suados, exaustos, comentando os gols e os “vacilos” ocorridos durante a tarde. Amantes de futebol como brasileiros que são.

Nessa era de controles, imagens 3D, internet, telemóveis, há também

os que paralisam diante de um computador, se divertindo com os mais variados games e interagindo em redes sociais.

O estudo Segurança de Internet para Crianças & Famílias, feito em sete países pela empresa Trend Micro, aponta que as crianças brasileiras são as que entram mais cedo em redes sociais - com a idade média de nove anos - destacando dos demais países participantes do estudo, com uma média de 12 anos. Bem abaixo da Índia, onde o acesso a esse mundo virtual ocorre por volta dos 14 anos. Juscelino Amarante Junior, 10, morador de um bairro nobre da cidade, tem um play station em casa, um computador

e muitos brinquedos que viraram objetos decorativos de seu quarto. “Tenho o Pro Evolution Soccer, Mortal Kombat 9, Socom 4 e o Heavy Rain, que são games do PS3, e adoro entrar e conversar com meus amigos no Facebook. Esses brinquedos aqui já não tem mais tanta graça”. Depois, acaba confessando que pratica os jogos de queimada e futebol, mas só nos dias de educação física na escola.

Núbia Santos, empresária de 31 anos, mãe de uma criança e outra que está por vir, se perde nas lembranças quando perguntada sobre o que costumava fazer para se distrair na sua meninice. De família pobre, criada com mais

cinco irmãos, os pais não tinham condições de comprar bonecas. Usava a imaginação para montar o cenário de uma cozinha e seus personagens. “Nossas bonecas eram de caroço de manga. A gente botava pra secar, aí com aqueles fiapos a gente fazia as trancinhas. Depois pegava o pincel e desenhava o rosto. As panelas eram latas de óleo e manteiga”.

Ela acredita também que as crianças de hoje não criam, não desenvolvem seus próprios brinquedos, tudo já vem pronto. E ressalta a importância de diversões que trabalhem o condicionamento físico e a imaginação da criança, como “pega-pega” e “adedonha”.

Yago Manrique e seus companheiros de “pelada”, moradores dos arredores do Frei Epifânio, se reunem durante a semana e pulam as grades do estádio em busca de diversão. “Basta ser da minha grossura e ter a cabeça que dê pra passar por aqui”

Entre os diversos estilos, lugares, ritmos e atrações, eles só querem diversãoEDIGENY SOARES

“Em Imperatriz, as opções não são tantas. Ou você sai pra comer, ou você sai pra beber”. É essa a afirmação que ouvimos constante-mente, no que diz respeito à diver-são noturna. Por todos os cantos da cidade há barzinhos, “espeti-nhos”, restaurantes e pizzarias, en-tre outros lugares, tais como Beira Rio e shoppings centers. Os jovens es-tão sempre presentes, seja em um encontro casual, entre amigos ou apenas em outra distração qual-quer.

O público também é variado. Há os lugares que atraem, na sua maioria, os universitários de cur-sos específicos, assim como aque-les frequentados por jovens e adolescentes de cursinhos pré-ves-

tibulares, cursos técnicos e escolas. Nesse meio, identificamos ainda, os mais variados estilos, que, de-pendendo do dia da semana ou da atração musical de algum evento, podem até se encontrar.

É nessa faixa etária de jovens e adolescentes que percebemos a divisão das tribos, ou como diz a maioria: “galera” ou “grupo”. Há os “descoladinhos”, que quase sempre são os adolescentes, que costumam comparecer aos shoppings, cinema e lanchonetes. Como dito anterior-mente, temos em nossa cidade os dias específicos, determinados pe-los bares e restaurantes, em que os jovens costumam encontrar-se.

São ritmos e atrações que ani-mam a noite do público jovem. Sertanejo aqui, rock ali, forró lá no Bar da Tia, ou quem sabe até, pode-

mos ir ao reggae, que uma vez ou outra, está presente em alguns dos bares da cidade. Lembrando ainda, que temos as casas de shows, onde se tocam os mais variados ritmos, que fazem a alegria dos boêmios.

“No domingo, caímos no pago-de, ou se quisermos um lugar mais calmo, vamos pra um barzinho, pra uma pizzaria, ou uma lancho-nete qualquer. A gente só quer sair mesmo, pra distrair um pouco e relaxar. Afinal, amanhã é segunda--feira, dia de trabalho”, conta Carla Bianca de Araújo, 20 anos.

As noites podem ser longas e agradáveis em Imperatriz. Você só precisa descobrir o lugar certo para ir, independente do horário. Não importa se é cedo ou tarde, contanto que haja diversão, tudo é válido.

EDIGENY SOARES

LAYANE RIBEIRO

Agitação, ritmos variados e paquera atraem o público jovem para a vida noturna na cidade