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Um panorama das classificações tipográficas An overview of typeface classifications Fabio Luiz Carneiro Mourilhe Silva Bacharel em Ciência da Computação, Centro Universitário Carioca Priscila Farias Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Professora Assistente Doutora na PUC-SP e Faculdade SENAC de Comunicação e Artes Este artigo faz um mapeamento das classificações de tipos existentes, apresentando suas origens e os conceitos envolvidos em sua elaboração. Seu objetivo é sistematizar a compreensão destas classificações, e a tradução de seus termos para o português. Também são feitas algumas considerações a respeito da conveniência e da possibilidade de elaboração de novas classificações. Palavras-chave: Tipografia, design gráfico, classificação de tipos This article maps the existing typeface classifications, presenting its origins and the concepts involved in their elaboration. It aims to help the understanding of those classifications, and to settle the translation of its terms to Portuguese. It also makes considerations on the convenience and possibilities for the proposal of new classifications. Key words: Typography, graphic design, typeface classification Resumo Abstract

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Um panorama das classificaçõestipográficas

An overview of typeface classifications

Fabio Luiz Carneiro Mourilhe SilvaBacharel em Ciência da Computação, Centro Universitário Carioca

Priscila FariasDoutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP,Professora Assistente Doutora na PUC-SP e Faculdade SENAC deComunicação e Artes

Este artigo faz um mapeamento das classificações de tipos existentes,

apresentando suas origens e os conceitos envolvidos em sua elaboração. Seu

objetivo é sistematizar a compreensão destas classificações, e a tradução de

seus termos para o português. Também são feitas algumas considerações a

respeito da conveniência e da possibilidade de elaboração de novas

classificações.

Palavras-chave: Tipografia, design gráfico, classificação de tipos

This article maps the existing typeface classifications, presenting its origins

and the concepts involved in their elaboration. It aims to help the

understanding of those classifications, and to settle the translation of its terms

to Portuguese. It also makes considerations on the convenience and

possibilities for the proposal of new classifications.

Key words: Typography, graphic design, typeface classification

Resumo

Abstract

IntroduçãoUma classificação de tipos é desenvolvida levando em consideração os

espécimes existentes, criando formas relevantes de organização, acesso e

descrição para este material. Tais classificações devem facilitar a comunicação

entre aqueles que utilizam a tipografia, fornecer meios para compreender o

presente e estabelecer relações com o passado.

As primeiras propostas para uma classificação sistemática de tipos

ocorreram no início do século XX, e tiveram como autores estudiosos e

praticantes da tipografia como Theodore Low de Vinne, Francis Thibaudeau,

A. F. Johnson e Beatrice Warde. Recentemente, alguns autores como a

designer e pesquisadora inglesa Catherine Dixon, e o designer de tipos norte-

americano Jonathan Hoefler questionaram a competência dos sistemas

existentes para a descrição dos tipos atualmente produzidos, tendo em vista os

avanços tecnológicos e a diversificação das formas nos últimos vinte e poucos

anos.

Em um pequeno artigo publicado pela revista Eye em 1995, Catherine

Dixon, argumenta a favor da necessidade de rever e ampliar os sistemas

existentes para abrigar os exemplares pouco convencionais de design de tipos

surgidos a partir do advento das tecnologias digitais. Em um artigo para a

revista Emigre, Hoefler afirma que um sistema ideal deveria levar em

consideração não apenas aspectos formais ou estilísticos mas também os

contextos culturais, estéticos e tecnológicos que influenciaram a tipografia.

Para Hoefler, a elaboração de um sistema de classificação tipográfica deste tipo

é uma tarefa “infinitamente complexa, que requer a sensibilidade de numerosas

disciplinas” (Hoefler 1999: 55), incluindo um profundo conhecimento da

história da tipografia. Segundo ele, uma taxonomia de tipos abrangente,

adaptável, expansível, acessível e refinada, seria extremamente útil para

qualquer um envolvido com tipografia.

Classificações tradicionaisOs sistemas de classificação de tipos existentes foram estabelecidos para

padronizar termos confusos e às vezes contraditórios utilizados para descrever

o tipo em diferentes países, gráficas e oficinas tipográficas. Segundo Dixon

(1995: 86), os esforços de padronização anteriores à proposta de Maximilien

Vox em 1954, como aqueles de de Vinne (em 1900), A. F. Johnson (em 1932)

e Beatrice Warde (em 1935), produziram sistemas que eram demasiadamente

complexos, ou pouco específicos, resultando em uma aceitação limitada. Nos

principais sistemas adotados atualmente (ATypI, British Standard, DIN),

podemos encontrar referências mais ou menos explícitas ao sistema proposto

por Vox.

ThibaudeauO sistema criado pelo tipógrafo parisiense Francis Thibaudeau em 1921 (figura

1) também é considerado limitado por Dixon (1995: 19). Seu sistema, baseado

somente em observações sobre o desenho das serifas, divide as famílias tipos

em 4 classes: antiques ou batôn (‘antigas’ ou ‘bastão’, ou sem serifa), elzévir

(com serifa triangular), didot (com serifas filiformes) e egyptiennes

(‘egipcianas’, ou com serifa quadrada) (Paput 2003, Loubet del Bayle 2003).

Os nomes elzévir e didot homenageiam importantes famílias de tipógrafos,

respectivamente holandeses do século 17, e franceses dos séculos 18-19. O

termo antiques associa as letras sem serifa às convenções de desenho adotadas

antes dos romanos (nas inscrições gregas, por exemplo). O termo egyptiennes

faz menção à expedição de Napoleão Bonaparte ao Oriente Médio, na virada do

século 18 para o 19. Giò Fuga (1996) apresenta uma justificativa bem

satisfatória para o nome desta classe. Segundo ele, as fontes neste estilo

“aparecem no século XIX, na época da descoberta da Pedra de Rosetta no delta

do Nilo, que permitiu que fossem feitas as primeiras traduções dos hieróglifos

egípcios. Foram utilizadas, à princípio, nos escritos feitos nas embalagens de

mercadorias provenientes do Egito e depois em títulos e na publicidade daquela

época”. A primeira fonte egipciana foi criada pelo inglês Vincent Figgins

(Beinert, 2003). Este tipo de letra possui serifas bastante pesadas, tão ou mais

espessas do que as hastes verticais. O arredondamento da junção da serifa com

a haste é, por vezes, inexistente.

No Brasil, esta classificação foi adotada com algumas modificações.

Baer (1999: 38-39), por exemplo, adota a divisão em romanos (no sentido de

‘letra com serifa’), egípcios, góticos (no sentido de blackletter), etruscos (sem

serifa), manuscritos e fantasia, e utiliza o termo ‘elzeviriano’ como sinônimo

de ‘romano antigo’. Dicionários especializados como o Dicionário de

Comunicação de Rabaça e Barbosa e o ABC da ADG listam o termo ‘egípcio’

(egyptian no ABC da ADG). O Dicionário de Comunicação lista também os

termos ‘elzevir’ e ‘didot’ como definições de estilo, e aponta ‘bastonete’ como

sinônimo para ‘grotesca’, ou ‘sem serifa’.

VoxA maioria das classificações atuais faz algum tipo de referência ao sistema

proposto pelo tipógrafo e educador francês Maximilien Vox em 1954 (figura

2). Vox elaborou seu sistema observando, por um lado, personagens e eventos

Figura 1. Exemplos eprincipais características (em

cinza) das classes de tiposdescritas por Francis

Thibaudeau.

importantes história da tipografia, e por outro os aspectos formais das letras.

Sua classificação divide as famílias de tipos em 9 classes: humanes (com

serifas ‘humanistas’), garaldes (com serifas ‘garaldinas’), réales (com serifas

‘reais’), didones (com serifas ‘didônicas’), mécanes (com serifas ‘mecânicas’),

linéales (lineais, ou sem serifas), incises (com serifas ‘incisas’), manuaires

(manuais), e scriptes (escriturais) (Paput 2003, Loubet del Bayle 2003).

A classificação de Vox começa com quatro tipos de letras com serifas

tradicionais, apropriadas para textos longos. As humanistas e as garaldinas

(homenagem ao tipógrafo francês Claude Garamond e ao italiano Aldo

Manunzio) são modelos de letras típicos dos séculos 15 e 16. Ambas possuem

serifas apoiadas (com uma curva entre a haste e a ponta da serifa) e contraste

inclinado (as partes mais estreitas da letra ‘o’ encontram-se, aproximadamente,

às 11 e às 5 horas). A única característica que as distingue é a barra da letra ‘e’,

inclinada nas humanistas e reta nas garaldinas. A classe das ‘reais’ faz

referência ao projeto das ‘romanas do rei’, família de fontes com serifas

apoiadas e contraste vertical (12 e 6 horas) desenvolvida por Philippe

Grandjean em 1702. As didônicas (homenagem ao tipógrafo francês Firmin

Didot e ao italiano Giovanni Battista Bodoni) correspondem às famílias de

serifas não-apoiadas e filiformes que a classificação de Thibaudeau chama de

didot.

As classes seguintes trazem famílias de letras com serifas não tradicionais —

tão ou mais espessas do que as hastes nas mecânicas (correspondendo às

egípcias de Thibaudeau), e pontiagudas como nas inscrições em pedra nas

incisas —, e outros tipos de letras. As lineais correspondem às antiques de

Thibaudeau, e as duas classes seguintes contemplam letras que se parecem com

uma escrita cursiva (escriturais) ou com letras desenhadas (manuais).

Figura 2. Exemplos e principaiscaracterísticas (em cinza) das classes detipos descritas por Maximilien Vox.

Pode-se afirmar que a classificação de Vox é bastante precisa a respeito das

letras serifadas para texto, mas bastante vaga para as letras não serifadas, e para

as letras de títulos em geral. No Brasil, alguns autores de livros recentes sobre

tipografia (Niemeyer 2000, Rocha 2002) têm adotado versões modificadas

desta classificação.

NovareseNa Itália, o tipógrafo e designer de tipos Aldo Noverese propôs, em 1956, uma

divisão dos tipos em dez classes (figura 3): lapidari (lapidares), medioevali

(medievais), veneziani (vênetos), transizionali (transicionais), bodoniani

(bodonianos), ornati (ornamentados), egiziani (egipcianos), lineari (lineares),

fantasie (fantasia) e scritti (escritos) (Valle, 2003).

De forma semelhante aos ‘incisos’ de Vox, os ‘lapidares’ de Novarese são tipos

serifados que imitam as inscrições dos monumentos da Roma Antiga. As

medievais são letras características do século XV, derivam da escrita usada

entre a idade média e o renascimento, e correspondem às ‘fracturas’ de Vox. Os

tipos ‘vênetos’ correspodem às humanistas e às garaldinas de Vox, e, neste

caso, são descritos como derivados das lapidares. Os ‘ornamentados’ são tipos

com adornos e sombreados, e correspondem ao que Baer (1999: 38-39) chama

de ‘fantasia’. As ‘fantasias’ de Novarese são tipos que imitam uma escrita

manual sem ligaduras, equivalentes às ‘manuais’ de Vox. Os tipos que imitam

a escrita cursiva são chamados de ‘escritos’, e correspondem às escriturais de

Vox.

As classes restantes apresentam correspondência direta com outras dos

sistemas de Vox e Thibaudeau: os ‘transicionais’ correspondem aos ‘reais’ de

Vox (mais à frente, veremos que os ingleses também adotam esta

Figura 3. Exemplos dasclasses de tipos descritas por

Aldo Novarese

terminologia); os tipos ‘bodonianos’ correspondem aos ‘didônicos’ de Vox,

(sendo que, neste caso, o homenageado é apenas o italiano Giambattista

Bodoni); os egipcianos correspondem à classe de mesmo nome de Thibaudeau;

e as ‘lineares’ correspondem às ‘antigas ou bastão’ de Thibaudeau e às ‘lineais’

de Vox.

Em 1990, Giò Fuga (1996) propôs uma atualização do sistema de

Novarese, acrescentando novas classes para abrigar outras famílias de

caracteres (figura 4). As novas classes são: onciali (unciais), nuovi transizionali

(novos transicionais), geometrici (geométricos), nuovi lapidari - incisi (novos

lapidares - incisos), lineari lapidari - modulati lineares lapidares modulados),

lineari a contrasto (lineares com contraste), lineari quadrati (lineares

quadrados), spezzettati - stencil (despedaçados - estêncil), dattilografici

(datilográficos), computerizzati (computadorizados), extra latini (extra-latinos)

e non latini (não-latinos).

Os unciais são tipos similares à convenção caligráfica com mesmo nome, que

aparecem pela primeira vez em manuscritos europeus do século III. Os novos

transicionais seriam tipos com estrutura similar à dos transicionais, mas com

espessura de traços maior, próxima à dos egipcianos. Os ‘geométricos’ de Fuga

são tipos com serifa quadrada não apoiada e sem variação de contraste,

correspondendo às serifadas acentuadas egipcianas da classificação alemã (DIN

16518, mais à frente). Os ‘novos lapidares – incisos’, por sua vez, seriam tipos

serifados semelhantes aos lapidares, mas com as serifas não tão pronunciadas,

semelhantes a letras incisas no metal.

Em sua atualizacão, Fuga introduziu também três grupos de lineares,

que ele chamou de ‘lapidares - modulados’, ‘lineares com contraste’ e ‘lineares

Figura 4. Exemplosdas classes de tipospropostas por Giò Fuga

quadrados’. Os ‘lineares lapidares - modulados’ aproximam-se das lineares

humanistas presentes na classificação inglesa (British Standards, mais à frente).

Podem ser consideradas uma transição entre as lapidárias e as lineares de

Novarese, combinando a modularidade típica das fontes sem serifa com uma

suave variação na espessura das hastes, eventualmente sugerindo a presença de

serifas. Os ‘lineares com contraste’ caracterizam-se por apresentar uma alta

variação na espessura das hastes, enquanto os ‘lineares quadrados’ apresentam

silhuetas quadradas e compactas, bastante próximas, segundo Fuga, a formas

encontradas na arquitetura modernista do século 20.

Fuga propôs ainda classes completamente novas, para tipos que, no

sistema de Novarese, seriam classificados como ornamentais. Os

‘despedaçados – estêncil’ são tipos com ou sem serifa que apresentam

desenhos interrompidos, parcialmente apagados, similares aos utilizados como

gabarito para marcação com spray ou caneta. Os datilográficos são tipos que

que imitam os caracteres de máquinas de escrever, geralmente com

espaçamento fixo. Os computadorizados, por sua vez, imitam os displays de

calculadoras eletrônicas e outros tipos de letras desenvolvidas para dispositivos

tecnológicos com restrições específicas, como as telas de computadores em

geral.

As duas últimas classes propostas por Fuga apresentam caracteres

diferentes daqueles do alfabeto latino, e correspondem à classe das ‘orientais’

do sistema Vox-AtypI, descrito a seguir. Os ‘extra-latinos’ seriam tipos que

possuem alguma similaridade com o alfabeto latino, como o cirílico, e os não-

latinos seriam conjuntos de tipos formados por caracteres com formas

completamente diferentes daquelas do alfabeto latino, como os ideogramas

chineses, o sânscrito e o árabe.

Vox-ATypIEm 1962, a ATypI (Association Typographique Internationale) decide adotar a

classificação de Vox como padrão para o mundo profissional das artes e da

indústria gráfica, incluindo duas novas classes: fractur (fractura, ou famílias de

letras em qualquer variante do estilo ‘gótico’ ou blackletter) e orientales

(orientais, ou famílias com caracteres não latinos, independente de seu estilo)

(Paput 2003, Jacques 2003, Loubet del Bayle 2003). Estas adições (figura 5)

aparentemente tinham como objetivo contemplar estilos de letras utilizados em

outros países da Europa (os estilos góticos ainda são bastante populares na

Alemanha) e fora do continente europeu. Contudo, ambas as novas classes

parecem demasiado vagas.

Em Tipografia: uma apresentação, Niemeyer (2000: 45-58) adota uma variante

desta classificação, agrupando as serifadas de texto, com algumas modificações

de nomenclatura, em um grupo chamado ‘romanas’, e subdividindo os grupos

das lineares, das manuais e das fracturas (chamadas de ‘góticas’ em Niemeyer

2000: 46-58).

BS 2961 (British Standards 2961:1967)Assim como a Vox-ATypI, a classificação proposta pela British Standards

Institution em 1967, e conhecida como BS 2961 (Tracy 1971:64-65, Jaspert et

al. 1983: xiv-xv, Devroye 2003, Production First Software 2000) também se

baseia no sistema proposto por Maximilien Vox. Esta classificação possui 11

classes. Algumas delas, como humanists (humanista), garalde (garaldina),

didone (didônica), lineale (lineal) e script (escritural), são traduções diretas das

classes de Vox. Outras apresentam novos nomes para as mesmas classes. O

termo transitional (transicional, indicando um passo intermediário entre as

serifas antigas, humanistas ou garaldinas, e as ‘modernas’, ou didônicas)

substitui o termo ‘real’, e sua referência direta à história da tipografia francesa.

O termo slab-serif (serifa quadrada ou, literalmente, ‘serifa achatada’) substitui

‘mecânicas’, glyphic (glífico) é empregado no lugar de ‘inciso’, e graphic

(gráfico) substitui ‘manuais’.

O BS 2961 também institui subclasses dentro da classe das lineais (figura 6):

grotesque lineale (lineal grotesca, letra sem serifa contrastada e pesada, típica

do século 19), neo-grotesque lineale (lineal neo-grotesca, letra sem serifa mais

simples e regular, típica no século 20), geometric lineale (lineal geométrica,

letra sem serifa extremamente geométrica), e humanist lineale (lineal

humanista, letra sem serifa com detalhes curvos ou caligráficos).

A subclasse das grotescas é formada por famílias de fontes criadas no

século 19, ou inspiradas por estes modelos, e cujo estilo regular, devido às suas

proporções e peso, é mais adequado para títulos do que para textos (ou, muitas

vezes, completamente inadequado para textos). Suas proporções e variações de

Figura 5. Exemplos deletras da classe dasfracturas e orientais.

Figura 6. As subdivisõesda classe das lineaisdescritas pelo BS 2961.

espessura aproximam-se daquelas das serifas quadradas, e não por acaso

surgem no mesmo contexto —o da profusão de letras chamativas para cartazes

publicitários impulsionada pela revolução industrial. Algumas fontes grotescas

não possuiam, originalmente, letras minúsculas, nem variação de itálico.

As lineais neo-grotescas são versões suavizadas das grotescas, mais

leves, mais regulares (neste sentido, mais proximas das geométricas),

produzidas em corpos e pesos mais adequados para uso em textos, embora nem

sempre seu uso em textos muito longos seja recomendável. Este tipo de letra,

que surge nas primeiras décadas do século 20, costuma possuir, no lugar do

itálico tradicional, uma versão inclinada do seu estilo romano. Assim como nas

geométricas, seu ‘g’ minúsculo costuma ter a cauda aberta.

As lineais geométricas, por sua vez, são famílias com formas

modulares, construidas a partir de grades geométricas bastante rigorosas, onde

a simplicidade, a repetição e a simetria são privilegiadas. Assim como as neo-

grotescas, elas surgem no início do século 20. Em nome da simplicidade de

formas, as lineais geométricas costumam eliminar, além das voltas que fecham

a cauda do ‘g’, também o gancho superior do‘a’.

As lineais humanistas, finalmente, podem ser descritas como letras

com proporções e pesos similares aos das letras serifadas humanistas ou

garaldinas (bastante adequadas para textos, portanto), só que sem as serifas.

Possuem formas mais abertas (observáveis em letras como ‘a’, ‘e’ e ‘s’, que

possuem ‘janelas’ para o exterior de suas formas) do que as grotescas e neo-

grotescas, e, muitas vezes, uma altura-x sensivelmente menor em relação ao

corpo. Assim como suas irmãs serifadas, as lineais humanistas possuem

contraste e tracos mais próximos aos que obtemos com ferramentas

caligráficas, e menos regulares e repetitivos do que os obtidos com o

instrumental da geometria. Seu itálico é, geralmente, um itálico verdadeiro, e

não apenas uma inclinação do romano.

DIN 16518A classificação alemã DIN (Deutsches Institut für Normung) 16518 divide os

tipos em 11 grupos. Os primeiros 6 possuem correspondência clara com os

sistemas Vox-ATypI e BS: Venezianische Renaissance-Antiqua (vênetos

romano-renacentistas, ou humanistas), Französische Renaissance-Antiqua

(franceses romano-renacentistas, ou garaldinos), Barock-Antiqua (romano-

barrocos, ou transicionais), Klassizistische Antiqua (romanos clássicos, ou

didônicos), Serifenbetonte Linear-Antiqua (romano-lineares com serifa

acentuada, ou serifa quadrada), e Serifenlose Linear-Antiqua (romano-lineares

sem serifa, ou lineais), Antiqua-Varianten (variantes do romano, ou gráficos),

Schreibschriften (cursivos, ou escriturais), Handschriftliche Antiqua (romanos

manuscritos, ou algo entre os ‘manuais’ de Vox e os ‘gráficos’ do BS),

Gebrochene Schriften (tipos quebrados, ou as ‘fracturas’ de Vox), e Fremde

Schriften (escritas estrangeiras, ou os tipos ‘orientais’ da classificação Vox-

ATypI).

Os romano-lineares com serifa acentuada dividem-se nos subgrupos

(figura 7): Egiptiennes (egipcianos, com serifas não apoiadas), Clarendon (com

serifas apoiadas) e Italiennes (italianos, com serifas exageradamente grandes).

Os tipos quebrados são subdivididos (figura 8) em: Gotisch (góticos

propriamente ditos, com todas as curvas ‘quebradas’, também chamados de

‘textura’), Rundgotisch (gótico arredondado em estilo italiano, também

chamado de ‘rotunda’), Schwabacher (letras em estilo alemão mais aberto e

arredondado, típico do século 15, também chamadas de ‘bastardas’), Fraktur

(fractura, estilo alemão típico do século 16), Fraktur-Varianten (variantes de

fractura, ou outras variações). As subclasses da divisão ‘góticos’ apresentada

por Niemeyer (2000: 46, 57-58) parecem ter sido inspiradas por estas últimas

subdivisões.

Outras classificaçõesOutras classificações incluem aquelas utilizadas por fabricantes de tipos como

Monotype, Linotype, Bitstream, Microsoft e Adobe, e também aquelas

utilizadas por autores influentes como Jan Tschichold (1995 [1952]: 28),

Walter Tracy (1971), Phil Baines (1991: 3-7) e Erik Spiekermann (1993: 50-

51, figura 9). Algumas podem ser consideradas variantes de algum sistema,

outras (em especial aquelas utilizadas por alguns fabricantes ou distribuidores)

parecem ser propostas totalmente independentes. Entre as variantes do BS, é

comum encontrar classificações onde as duas primeiras classes de letras

Figura 7. As 3 subdivisões da classe dostipos romano-lineares com serifaacentuada descritos pelo DIN 16518.

Figura 8. As 5 subdivisões da classe dostipos quebrados descritos pelo DIN 16518.

serifadas (humanistas e garaldinas) são agrupadas em uma única classe (old

style, ou ‘estilo antigo’), e o termo modern (‘moderno’) é usado para

caracterizar as fontes chamadas de ‘didônicas’ no BS. Em seu livro Projeto

tipográfico, Claudio Rocha aponta diversas categorizações parciais (Rocha

2002: 60, 87, 104), sem adotar nenhum sistema por completo.

Um adendo importante às classificações tradicionais foi a inclusão de uma

classe para as fontes dingbat, também chamadas de pi-fonts, pictofonts ou

symbols (símbolos), conjuntos tipográficos que trazem ornamentos,

pictogramas ou ilustrações no lugar das letras. Estes conjuntos, presentes nas

oficinas tipográficas desde o renascimento, somente ganharam o status de fonte

com o advento das tecnologias digitais.

Bringhurst e a classificação por tendências históricasRobert Bringhurst, em seu livro The elements of typographic style, apresenta

uma classificação baseada na história da tipografia. Ele considera que um

design tipográfico é resultado não apenas das influências estilísticas de sua

época, mas também do processo de composição para o qual foi fabricado.

Bringhurst introduz duas escalas complementares de classificação de tipos. A

primeira aponta estilos tipográficos relacionados aos principais movimentos

artísticos, iniciando com o renascimento no século 15, e ignorando variações

formais como presença ou não de serifas. Em paralelo a este sistema,

Bringhurst adota uma escala secundária, que indica o modo de produção

original dos tipos: tipo de metal para composição manual, tipo de metal para

composição mecânica, tipo de fotocomposição, tipo digital.

Figura 9. Umaclassificação

resumida propostapor Spiekermann

(1993: 50).

O sistema principal proposto por Bringhurst (figura 10) divide os tipos de

acordo com os momentos históricos dentro dos quais eles foram criados:

renaissance (renascimento, correspondendo aos tipos humanistas e garaldinos

dos séculos 15-16), baroque (barroco, correspondendo a modelos

intermediários entre os garaldinos e transicionais do século 17), neoclassical

(neo-clássico, correspondendo aos tipos transicionais propriamente ditos, no

século 18), romantic (românticos, correspondendo aos tipos didônicos do

século 18 e 19), realism (realismo, correspondendo aos tipos sem serifa

‘grotescos’ ou com serifas exageradas, como os egipcianos, do século 19 e

início do século 20), geometric modernism (modernismo geométrico,

correspondendo aos tipos sem serifa neo-grotescos e geométricos, bem como às

letras com serifas quadradas e sem apoio do século 20), lyrical modernism

(modernismo lírico, correspondendo às versões de modelos renascentistas e

neo-clássicos elaboradas no século 20), e postmodernism (pós-modernismo,

caracterizado por paródias de formas neo-clássicas ou românticas, ou formas

excessivamente geométricas).

O sistema de Bringhurst não leva em consideração fontes para títulos

(as ‘manuais’, ‘gráficas’ ou ‘variações da romana’ das classificações

anteriores), mas é possível imaginar desdobramentos e implicações de seu

sistema para estes tipos de letras. As classificações por tendências, como

aquelas propostas em Farias (1998: 80-92) e Cauduro (2002) são exemplos de

como esta abordagem pode ser elaborada.

Central Lettering Record e a atualização dasclassificações tradicionaisO Central Lettering Record é um projeto iniciado em meados de 1990 por

pesquisadores do Central Saint Martins College of Art & Design, em Londres.

O projeto têm como objetivo catalogar todo tipo de manifestação de design de

letras, não se limitando à tipografia (enquanto estudo de tipos para impressão),

mas incluindo também letras pintadas, desenhadas, esculpidas, gravadas, etc.

Como parte deste projeto, Catherine Dixon desenvolveu uma classificação de

Figura 10. A divisão detipos por períodoshistóricos de Bringhurst(1997: 12-15).

tipos original, tendo como base o sistema BS 2961 (Dixon 1995: 87, Hoefler

58-59, 69-70, figura 11).

Do British Standard, foram mantidas as classes referentes às serifas tradicionais

(humanistas, garaldinas, transicionais, didônicas) e as serifas quadradas. As

serifas glíficas foram incorporadas à classe das wedge serifs (serifas

triangulares, ou, literalmente, ‘em forma de cunha’), e o termo lineale para

letras sem serifa foi substituído por sans serif (sem serifa). Além das

tradicionais grotescas, neo-grotescas, geométricas e humanistas, as divisões das

letras sem serifas inclui ainda uma subclasse nomeada problems (problemas).

Outra classe que teve seu nome modificado e significado expandido foi a script

(escritural), substituída por calligraphic (caligráfica).

O sistema de Dixon subdivide as letras ‘gráficas’ entre ornamental

(ornamentais, onde floreios tomam conta da estrutura), curvi-linear

(curvilíneas, com combinações de curvas e linhas altamente estilizadas,

independente da presença de serifas), processed/manipulated

Figura 11. O sistemade classificação detipos proposto porDixon (1995: 87).

(processadas/manipuladas, cuja aparência resulta de um processo de distorção

tecnológica), sampled (sampleadas, que resultam da combinação de elementos

extraídos de outras fontes) e emulative (emulativas, que simulam o efeito de

algum tipo de processo de impressão diferente daquele que de fato atualizam).

Por outro lado, o sistema inclui classes únicas para exemplares que certamente

mereceriam subclasses como as letras góticas (blackletter) e as fontes dingbat

(dingbats/symbols/ornaments).

ConclusãoAo analisarmos as classificações de tipos tradicionais, percebemos que elas

possuem diversas limitações e problemas. Uma vez que são elaboradas a

posteriori, estas classificações correm um alto risco de tornarem-se datadas e

parciais, especialmente em tempos onde o experimentalismo e a novidade são

valorizados. O descompasso entre norma e uso corrente da nomenclatura,

somado à incerteza sobre a correta interpretação de certos termos, é outro fator

gerador de problemas, especialmente para o ensino do design. Se é verdade que

as classificações de tipos necessitam de atualização urgente, o primeiro passo

para isso deve ser a compreensão dos sistemas existentes, e das tentativas de

torna-los mais compreensíveis e coerentes. Novas propostas, ou qualquer tipo

de modificação consistente nas classificações existentes somente pode partir de

um conjunto de conhecimentos bem fundamentados a respeito dos aspectos

históricos, técnicos e estéticos que envolvem a tipografia.

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COMO CITAR ESTE TEXTO:

SILVA, Fabio Luiz Carneiro Mourilhe & FARIAS, Priscila Lena. 2005 'Um panorama das classificações tipográficas'. Estudos em Design, v. 11, n. 2, p. 67-81.