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1 UNIVERSIDADE BANDEIRANTE (UNIBAN) SÃO PAULO PROGRAMA MESTRADO PROFISSIONAL ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI A IMAGEM QUE SE CRÊ NÃO É AQUELA QUE SE VÊ A violência escolar e a mídia sob o olhar de adolescentes e jovens do Projeto Meninos e Meninas de Rua e protagonistas sociais Dissertação de Mestrado e produção técnica (vídeo) apresentadas à Banca Examinadora como exigência parcial dos requisitos do Curso de Pós-Graduação Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei da Universidade Bandeirante para a obtenção do título de Mestre em Políticas e Práticas com Adolescentes em Conflito com a Lei Orientanda: Alexandra da Silva Alves Orientadora: Profa. Dra. Irandi Pereira SÃO PAULO Outubro 2010

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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE (UNIBAN) SÃO PAULO

PROGRAMA MESTRADO PROFISSIONAL

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

A IMAGEM QUE SE CRÊ NÃO É AQUELA QUE SE VÊ

A violência escolar e a mídia sob o olhar de adolescentes e jovens do Projeto

Meninos e Meninas de Rua e protagonistas sociais

Dissertação de Mestrado e produção técnica (vídeo)

apresentadas à Banca Examinadora como exigência

parcial dos requisitos do Curso de Pós-Graduação

Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei

da Universidade Bandeirante para a obtenção do título de

Mestre em Políticas e Práticas com Adolescentes em

Conflito com a Lei

Orientanda: Alexandra da Silva Alves

Orientadora: Profa. Dra. Irandi Pereira

SÃO PAULO Outubro 2010

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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE (UNIBAN) SÃO PAULO

PROGRAMA MESTRADO PROFISSIONAL

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

ALEXANDRA DA SILVA ALVES

A IMAGEM QUE SE CRÊ NÃO É AQUELA QUE SE VÊ

A violência escolar e a mídia sob o olhar de adolescentes e jovens do Projeto

Meninos e Meninas de Rua e protagonistas sociais

SÃO PAULO Outubro 2010

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ALEXANDRA DA SILVA ALVES

A IMAGEM QUE SE CRÊ NÃO É AQUELA QUE SE VÊ

A violência escolar e a mídia sob o olhar de adolescentes e jovens do Projeto

Meninos e Meninas de Rua e protagonistas sociais

BANCA EXAMINADORA

DISSERTAÇÃO e PRODUÇÂO TÉCNICA (VÍDEO) PARA OBTENÇÃO DO

TÍTULO DE MESTRE

_______________________________________________________

Presidente e orientadora: Profa. Dra. Irandi Pereira

Universidade Bandeirante/São Paulo

__________________________________________________________

2º. Examinador: Prof. Ms. Maria José Azevedo (PUC/SP – COGEAE)

_________________________________________________________

3º. Examinador: Prof. Ms. Claudio Hortêncio Costa (UNIBAN/São Paulo)

__________________________________________________________ 4º. Examinador Suplente: Prof. Dra. Neusa Francisca de Jesus (UNIBAN/São Paulo)

___________________________________________________________

5º. Examinador Suplente: Prof. Pós Doc. Josette Maria Alves de Souza Monzani (UFSCAr)

SÃO PAULO Outubro 2010

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DEDICATÓRIA Aos adolescentes e jovens para quem venho dedicando minha trajetória profissional.

Aos meus amigos de mestrado que tanto contribuíram para o meu crescimento profissional e

pessoal através de suas experiências de vida na militância da área da infância e juventude.

Á minha família que sempre apoio meus projetos até aqueles que achavam mais loucos e

tiveram sapiência para acalmar minha ansiedade e me ouvir quando mais precisava.

A minha companheira Denise Miranda, pelo apoio, dedicação e compreensão nas horas mais

difíceis na elaboração desta dissertação.

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AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Irandi Pereira pela orientação, convivência e parceria na minha trajetória

acadêmica.

Aos educadores sociais Marquinhos, Nei e Léo Duarte do Projeto Meninos e Meninas de Rua

por sua dedicação e trabalho voltados ao atendimento a estes adolescentes e jovens de nosso

país.

Aos protagonistas sociais e profissionais da comunicação que gentilmente aceitaram a

participar da pesquisa como entrevistados e depoentes.

Aos adolescentes e jovens do Projeto Meninos e Meninas de Rua de São Bernardo do Campo

pela disposição de participar de um projeto de pesquisa como entrevistados, depoentes e

produção do vídeo.

Aos amigos Fany Michel e Claudio Fudimoto pelo apoio e dedicação na edição e arte do

vídeo.

Aos mestres Maria José Azevedo (Jô) e Claudio Hortêncio Costa pela dedicação e

contribuição a pesquisa.

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ALVES, Alexandra da Silva. A imagem que se crê não é aquela que se vê: a violência escolar e a mídia sob o olhar de adolescentes e jovens do Projeto Meninos e Meninas de Rua e protagonistas sociais. Dissertação de Mestrado. Programa Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei, UNIBAN, São Paulo, 2010.

RESUMO

A pesquisa busca compreender o papel da mídia (radiofônica, televisiva, impressa e digital) no trato da violência no âmbito da instituição escolar, a partir do olhar de adolescentes e jovens estudantes que também se inserem no Projeto Meninos e Meninas de Rua (PMMR), através do Programa Educação Social para o Retorno à Família, Escola e Comunidade, sediado no município de São Bernardo do Campo, Região do ABCD, em São Paulo. As referências para a compreensão do problema se apóiam na literatura, legislação, pesquisas e práticas de diversos atores que lidam com a garantia dos direitos de crianças e adolescentes, complementadas por pesquisa empírica junto aos sujeitos adolescentes e jovens, autoridades, educadores sociais, profissionais da educação e da comunicação. A sistematização do objeto de pesquisa (descrição e análise) buscou trazer o tema da violência escolar e mídia e seus impactos na educação escolar e, na sociedade, em geral. A análise toma como pressuposto a influência da mídia na vida de adolescentes e jovens e como ela se configura enquanto estímulo ou não à continuidade de práticas de violação ou violência de direitos. A pesquisa traz como resultado a dissertação e a produção de vídeo sobre o tema de estudo no sentido de servir como material de apoio à reflexão sobre violência e mídia e a ampliação do debate junto ao sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente no enfrentamento do problema.

Palavras-chave: Adolescentes e jovens. Mídia. Educação. Violência Escolar.

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ALVES, Alexandra da Silva. The image what you believe is not that what you see: school violence and the media under the eyes of social actors and adolescents of the Project for Street Boys and Girls. Master’s Dissertation. Professional Master's Program Adolescents in Conflict with the Law, UNIBAN, São Paulo, 2010.

ABSTRACT

The research seeks to understand the role of the media (radio, television, print and digital) in dealing with violence within the school institution, through the eyes of teenagers and young students, who have also been part of the Project for Street Boys and Girls (Projeto Meninos e Meninas de Rua - PMMR) through the Social Education Program for the Return to Family, School and Community, based in São Bernardo do Campo, the ABCD region in Sao Paulo. The references for the comprehension of the problem are based on literature, legislation, research and practices of several actors dealing with the guarantee of the rights of children and teenagers, complemented by empirical research directly with the adolescents, authorities, social educators, and professionals within educational and communicational environment. The systematization of the research object (description and its analysis) was aimed at bringing the topic of school violence and media and its impact on school education and in the society in general. The analysis takes as its premise the influence of the media in the lives of adolescents and young adults, and how it is considered as a stimulus or not in continuing the practice of violence or violation of the rights. The research brings as the result a dissertation and production of a video, on the subject of study, in order to serve as a background material for reflection on the violence and media and expand the debate along with the system of guaranteed rights of children and adolescents in confronting the problem. Keywords: Adolescents and Young adults. Media. Education. School Violence.

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SUMÁRIO DE FIGURAS

Figura 01 Tipo de envolvimento que levou à apreensão das crianças e adolescentes no Estado do Rio de Janeiro (2005 e 2006 - valores absolutos)

41

Figura 02 Perfil das crianças e adolescentes vítimas de homicídio doloso no Estado do Rio de Janeiro (2006 - valores percentuais)

42

Figura 03 Taxa de Homicídios população de 15 a 29 anos Brasil 42

Figura 04 Jovens de 15 a 24 anos, defasados ou fora da escola, por anos de estudo

45

Figura 05 Palmatória 48

Figura 06 Região do Grande ABC e seus municípios 70

Figura 07 População total do grande ABC (1980-2009) 71

Figura 08 Pirâmide etária do estado de São Paulo (1980-2020) 72

Figura 09 População total e população de 0-19 anos de idade 72

Figura 10 Tipologia de crianças em situação de rua 76

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................11 PARTE I A PESQUISA E OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...................18 Campo da pesquisa.................................................................................................18 Objeto e recorte do tema.........................................................................................23 Hipóteses de trabalho..............................................................................................24 Objetivos.................................................................................................................24 Pesquisa de campo..................................................................................................25 Produção do vídeo..................................................................................................26 Facilidades, dificuldades e limites..........................................................................28 PARTE II

ADOLESCÊNCIA, JUVENTUDE, VIOLÊNCIA, ESCOLA E MÍDIA.......31 1. Adolescência e juventude..................................................................................31 1.1. Dados sobre a adolescência e juventude brasileira.........................................36 2. Violência............................................................................................................38 2.1. A violência juvenil..........................................................................................38

3. ESCOLA............................................................................................................43

3.1. A violência nas escolas...................................................................................43

3.2 O papel da escola.............................................................................................46

4. A mídia...............................................................................................................53

4.1. Pesquisas em comunicação.............................................................................53

4.1.1. Teoria da “Bola Mágica” e a propaganda de guerra....................................53

4.2. A relação adolescentes, jovens e comunicação..............................................56

4.3. A mídia e a juventude no Brasil.....................................................................60

PARTE III

PROJETO MENINOS E MENINAS DE RUA (PMMR)................................65

1. O PMMR...........................................................................................................65

2. A explosão socioeconômica da Região do ABCD............................................69

3. Adolescentes e jovens “de rua” ou “na rua”?....................................................73

PARTE IV A PESQUISA DE CAMPO................................................................................77

1. Perfil dos entrevistados.....................................................................................77

2. A adolescência e juventude em questão...........................................................78

3. A mídia.............................................................................................................81

4. A escola.......................................................................................................... 88

5. A violência escolar e a violação de direitos....................................................92

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6. O Projeto Meninos e Meninas de Rua.............................................................97

7. A vida familiar e sociocomunitária.................................................................98

8. Perspectivas e sonhos......................................................................................99

CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................101

REFERÊNCIAS...............................................................................................105

APÊNDICES.....................................................................................................110

ANEXOS...........................................................................................................160

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INTRODUÇÃO

A adolescência é um período de formação dos próprios valores, da identidade, período onde [sic] as escolhas devem ser tomadas (...) se caracteriza pelas transformações (...). É um período de muitas contradições (...). Essa é a essência de todas as classes sociais. Há mudanças no que diz respeito à liberdade e à sexualidade (Depoimento de profissional da Psicologia apud OZELLA, Sergio, 2003, p. 17)1. (...) Em uma época em que os meios de comunicação se tornam cada vez mais fundamentais na vida de indivíduos e coletividades, povos e nações, quando a informação e o entretenimento tornam-se esferas relevantes do mundo da cultura e dos imaginários de uns e outros, em todo o mundo (...), é indispensável que aproveitemos os ensinamentos acerca da problemática da comunicação como uma atividade científica da maior importância e atualidade (IANNI, Octávio apud LOPES, 2005, p. 12)2.

(...) violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou passivos. Na medida em que a ética é inseparável da figura do sujeito racional, voluntário, livre e responsável, tratá-lo como se fosse desprovido de razão, vontade, liberdade e responsabilidade é tratá-lo não como humano e sim como coisa (CHAUI, Marilena, 1998 apud MARTINS, 2008. p. 189)3.

Tratar da adolescência parece algo fácil, se partimos do princípio de que já passamos

por essa fase. Lembro que a minha foi muito parecida com a de muitos amigos da época:

escola, namoros, festinhas, reclamação dos pais, muitas e muitas dúvidas.

Um dia em que achava que ia enlouquecer (tinha uns 12 anos na época),

precisava”4sair de casa a qualquer custo. Meus pais, como quaisquer outros conscientes da

idade e imaturidade dos filhos, não autorizaram a minha saída sozinha e sem motivo aparente,

fato este que culminou na minha primeira sensação de morte seguida de uma vontade terrível

de destruir tudo o que estava a minha frente. Consegui me conter. Apenas joguei alguns

objetos pessoais no chão como primeiro ato de revolta consciente: “coisas” ou atitudes da

adolescência?

1 OZELLA, Sergio (Org.) Adolescências construídas: a visão da psicologia sócio-histórica, São Paulo: Cortez, 2003. 2 IANNI, Octávio. Apresentação. In LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Pesquisa em comunicação, São Paulo: Loyola, 2005. 3 MARTINS, Sérgio. Urbanização e violência: reflexões a partir do livro e do filme Cidade de Deus. In DEBORTOLI, José Alfredo O.; MARTINS, Maria de Fátima A. e MARTINS, Sergio (Orgs.). Infâncias na metrópole, Belo Horizonte: UFMG, 2008. 4 Utilizo aqui a palavra precisar no sentido de necessidade individual sobre algo com desejo e mesmo angústia.

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Essa sensação de morte, a qual eu não tinha ideia do que se tratava, nada mais era do

que uma angústia própria do adolescente e jovem5 que necessita ser senhor de si. Pressionada

pelas constantes solicitações e diante da necessidade de se adequar à vida familiar e

comunitária, a pessoa sente-se confusa, insegura e tensa. O que fazer?

Frente a tantas incertezas, parte dos adolescentes acaba seguindo os modelos sugeridos

pela própria cultura. Também passa a imitar seus heróis, “mimetizando-se” em super-homens

e mulheres maravilha. Assim, encobre suas dúvidas e inseguranças: elas que sejam

reprimidas e enviadas para o porão do inconsciente; desta forma, passa a se considerar o forte

e destemido, para ele nada de errado ou ruim irá acontecer. Os adolescentes, de modo geral,

constroem uma imagem de perfeição, de criaturas especiais, particularmente abençoadas pelos

“deuses”. Resultado: se onipotente, parece que coisa alguma no mundo não há que os possa

aterrorizar, uma vez que estão revestidos de “proteções extraordinárias”.

Entre o limite das ações de revide de parte dos adolescentes frente ao tempo de

vivência, de suas angústias, é preciso dizer de qual adolescente e jovem estamos tratando.

Moreno e Del Barrio (2000) debatem em suas análises sobre o desenvolvimento

cognitivo ou intelectual, sustentadas pelo pensamento piagetiano:

(...) a adolescência caracteriza-se pela aparição de profundas mudanças qualitativas na estrutura do pensamento. Piaget denomina este processo de período das operações formais, onde [sic] a atuação intelectual do adolescente se aproxima cada vez mais do modelo do tipo científico lógico. Junto com o desenvolvimento cognitivo, começa na adolescência a configuração de um raciocínio social, sendo importantes os processos identitários individuais, coletivos e sociais, os quais contribuem na compreensão de nós mesmos, as relações interpessoais, as instituições e costumes sociais; onde [sic] o raciocínio social do adolescente se vincula com o conhecimento do eu e os outros, a aquisição das habilidades sociais, o conhecimento e a aceitação/negação dos princípios da ordem social, e com a aquisição e o desenvolvimento moral e de valor dos adolescentes (apud LEÓN, 2003 p.11).

Admirar, respeitar e se espelhar em exemplos que transmitem segurança, poder e

onipotência são atitudes adotadas por adolescentes e jovens. Nesta lógica, a escola surge ao

adolescente e jovem como umas das principais instituições encarregadas de sua sociabilidade

e ação coletiva. É nesse ambiente que as curiosidades, as trocas de experiências, o aumento de

repertório de vida vão se constituindo, pelo contato com os pares, com o conhecimento

5 O estudo trabalha com as categorias adolescente e jovem, considerando as seguintes marcações: adolescente, a partir dos 12 a 18 anos de idade; jovem, entre 15 e 24 anos completos.

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científico e filosófico e com o cotidiano da vida e a sociedade. Também na escola surgem

heróis ou referências, positivas ou não, pela vida coletiva e na busca da autonomia,

independência e maturidade.

Nesse sentido podemos afirmar que a educação escolar, na sua história, vem

cumprindo a sua tarefa de formação de estudantes para a vida social? A escola se permite

conhecer de fato seus estudantes e as reais necessidades destes? Existe um conhecimento do

que é ser adolescente, ser jovem, ser estudante?

Arroyo (1999)6 chama nossa atenção para práticas inovadoras na arte de educar:

Um dado muito importante está acontecendo nas propostas inovadoras de muitas escolas e redes escolares: a organização dos tempos e dos espaços e do tradicional trabalho por ciclos de formação. A organização por séries, por grades curriculares, por competências disciplinares está deixando lugar à organização por ciclos e tempos de desenvolvimento humano. Na organização seriada, nos currículos gradeados e disciplinares a atenção se concentra obrigatoriamente nos programas, no que está preestabelecido, ensina em cada bimestre e ano letivo para quem não sabe, seja ele ou ela quem for novato ou repetente, criança ou adolescente, jovem ou adulto. A organização por ciclos de desenvolvimento humano nos leva a priorizar os educandos, suas temporalidades: a infância, a adolescência, a juventude, a vida adulta. Quem são eles e elas? (apud VEIGA e FARIA FILHO, 1999, p.9)

A preocupação de Arroyo nos faz remeter às contribuições de Piaget (1978), ao

entender que a passagem de um estágio para outro é possível por meio de mecanismos de

organização e adaptação. Piaget considera que a criança7 está tentando compreender o mundo

dela por meio de um relacionamento ativo com pessoas e objetos. As crenças, pensamentos e

modos de uma criança abordar determinados problemas são basicamente o resultado daquilo

que lhe é ensinado diretamente. Para Piaget inteligência é adaptação e seu desenvolvimento

está voltado para o equilíbrio. Sendo assim, a ação humana visa sempre a uma melhor

adaptação ao ambiente (PIAGET, 1978, p.78).

E, em meio a tantos sentimentos e sensações de adaptação, mudanças e

desenvolvimento físico e intelectual, a mídia, a internet, os videogames e uma vasta

tecnologia digital, sinalizando a modernidade e o futuro, se apresentam ao “mundo” dos

adolescentes e jovens. É difícil pensar a sociedade, em particular a ocidental, sem trazer à

cena os meios de comunicação social. Eles são presenças constantes onde quer que a vida 6 ARROYO, Miguel. Apresentação In: VEIGA, Cynthia G. e FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Infância no sótão, Belo Horizonte, Autêntica, 1999. 7 O autor considera criança na fase das operações concretas (de 07 a 14 anos) e adolescência a partir das operações formais ou hipotético-dedutivas.

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aconteça. Refletir a esse respeito “desenrola” inúmeros fios de redes, nas quais se mesclam os

relacionamentos sociais, a informação, os modos de vida e tantas outras questões ligadas à

sociedade e, por consequência, aos adolescentes.

É importante reconhecer que pela mídia eletrônica, especialmente a televisão, o

adolescente ingressa em diversas esferas , muitas delas de responsabilidade ou voltadas ao

adulto. Os adolescentes e jovens se configuram como um público que tem acesso aos temas

da mídia e são alvos das comunicações desta. A mobilização da sociedade sobre o assunto é

tema urgente, pois a audiência dos meios de comunicação, buscada a qualquer custo, acaba

interferindo na qualidade e no estímulo a produções para esse público.

A compreensão desse processo ajuda a instituição escolar a indicar em que estágio o

aluno tem condições para assimilar determinada informação, podendo acomodá-lo como

novas formas de organização do conhecimento e instrumento auxiliar da educação.

Lidar com o adolescente nos diversos espaços da vida social e familiar parece não ser

tarefa tão fácil assim. Tanto que inúmeras pesquisas continuam sendo feitas para se tentar

entender o que é ser adolescente e jovem. Mannheim (1967), ao estudar o fenômeno

juventude, apresenta diferentes visões da sociedade:

(...) Há sociedade em que as pessoas mais velhas desfrutam prestígio bem maior que as mais moças, como, por exemplo, na antiga China. Há outras em que, como nos Estados Unidos da América, depois dos 40 anos muitas vezes um homem é considerado velho demais para um emprego e só os moços interessam. Mas não é só quanto ao prestígio dos moços que as sociedades diferem como também quanto a serem os jovens integrados em grupos ou num movimento que, como tal, influa nos acontecimentos. (...) O problema sociológico é que, apesar de sempre surgirem novas gerações em função dos grupos de idade menor, depende da natureza de uma dada sociedade esta fazer ou não uso delas, e depende da estrutura sociológica dessa mesma sociedade o modo pela qual ela as utiliza. A mocidade pertence aos recursos latentes de que toda sociedade dispõe e de cuja mobilização depende sua vitalidade (MANNHEIM 1967, p.69-70).

Nos diversos tipos de sociedade, tornar-se adolescente e jovem parece carregar uma

responsabilidade de ser o melhor aluno, o melhor empregado, o melhor pai, o melhor em tudo,

principalmente para o grupo adolescente/jovem das camadas média e alta. Porém, ao se referir

ao grupo das camadas populares, alia-se também a necessidade do trabalho precoce para o

sustento destes jovens ou o do grupo familiar e, quase sempre, o trabalho é considerado, como

a educação, por excelência das camadas populares (PEREIRA, 1999).

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Soares (2005) toma em suas análises a hipótese de que se a adolescência é uma etapa

difícil da vida para todo mundo, com muito mais razão é um momento delicado para meninos

e meninas pobres no Brasil. (p.105)

Nem todas as sociedades conhecem a adolescência. Historiadores e antropólogos nos ensinam que ela é uma invenção recente nas sociedades modernas ocidentais e que não existe na maioria das sociedades ditas “primitivas”, nas quais as pessoas transitam da infância à idade adulta num salto, atravessando o umbral simbolicamente edificado pelo ritual de passagem. Lá, tornar-se adulto significa estar preparado e autorizado para casar-se, ir à guerra, ter acesso a segredos religiosos guardados pela tradição e cumprir as obrigações previstas na divisão social do trabalho. Ou se é adulto, ou se é um ser incompleto, desprovido de história: não há etapas da evolução psicológica ou moral, que progridem de acordo com a escalada etária. Já no medievo europeu e ainda no Renascimento, as crianças eram adultos, em miniatura. Os quadros do período retratam os pequenos adultos em poses adultas, vestidos como seus pais. As crianças não são protegidas, tratadas e estudadas como seres especiais. Esse meio do caminho cheio de ambivalências, a adolescência – ao qual correspondem saberes especializados, um mercado específico, metodologias pedagógicas especiais, uma psicologia e um cardápio de exigências morais, constitui uma novidade histórica. São poucos séculos de experiência, ao menos no mundo ocidental. Mas o fato de ser uma criação histórica não lhe retira a realidade. A adolescência é uma invenção cultural recente, mas como dói – assim como a Itabira do poema de Carlos Drummond de Andrade (SOARES 2005, p.105).

O jovem deve estudar, trabalhar, relacionar-se com os pares e, muitas vezes, assumir

responsabilidades que não são suas. No campo do trabalho ele se depara com a ausência de

políticas públicas de emprego e renda enquanto direito social. Aliada a isso, a atual sociedade

do trabalho exige uma série de competências e habilidades que um jovem das camadas

populares dificilmente apresenta: se tem experiência, deverá ter uma especialização, ser bem

apessoado, falar mais de um idioma; não possuindo experiência, habilidades e conhecimento,

dificilmente ingressará no mercado formal de trabalho, inserindo-se, muitas vezes, em

atividades as mais desqualificadas e não reconhecidas formalmente por esse mercado.

O adolescente e o jovem das camadas populares são reclamados para ajudarem na

composição da renda da família e, em muitas situações, criticados por seus pares, por não

possuir posição de liderança, de mandatários frente a tal situação. Pressionados pelas

constantes solicitações e, diante da necessidade de se adaptar à vida socioeconômica e

familiar, muitos deles sentem-se confusos, inseguros e tensos.

Neste ponto, voltamos às linhas iniciais desta Introdução em que foram apresentadas a

minha inquietude na época da adolescência, a vontade de “quebrar” tudo o que via pela frente,

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quando contrariada. Esse modo de lidar com as frustrações e problemas faz parte da condição

peculiar de pessoa em desenvolvimento e pode ser observada não apenas no adolescente e

jovem, mas na criança, no adulto. Tais situações são inerentes às pessoas em condição de

desenvolvimento intelectual, físico, moral. O adolescente e jovem não fogem a tal regra,

porém suas dúvidas e inquietações são vistas por si mesmos de modo ampliado. As cobranças

da família, da sociedade, da escola, para que eles sejam responsáveis por todos os seus atos,

mesmo não podendo ter completa noção do que isto pode significar, faz com que a sociedade,

a família e escola não os aceitem como são e, principalmente, quando estão envolvidos

agressão, delito, etc.

Para Levisk (2009)8, a violência é inerente a esse grupo etário e pode se constituir de

diversas maneiras:

É preciso entender que a violência pode estar contida dentro do próprio jovem e se voltar contra ele, na forma de suicídio. Ela também pode ser banalizada ou não identificada como sintoma da patologia social. Daí, o risco de vê-la (a violência) transformada num valor cultural assimilável pela criança e pelo jovem como forma de ser, via de descarga tensional, modelo de auto-afirmação ou simplesmente uma atividade lúdica que propicia prazer. Algo que fica próximo dos prazeres perversos, distante da relação amorosa idealizada e almejada na vida adulta, porém nunca plenamente alcançada. Lembremo-nos daquele grupo de jovens de classe média/alta, em Brasília, que ateou fogo no índio Pataxó “como brincadeira”. (Disponível em: http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/Portal/portal_detalhe.asp?campo=2453. Acesso em 22/01/2009)

Este fato violento e de violação à dignidade da pessoa humana teve bastante

repercussão na mídia, pois reforçava a relação direta de adolescentes e jovens das camadas

médias e altas na prática de violência e crime. E este tipo exacerbado de violência é temática

recorrente da mídia. Quando a violência e a adolescência estão juntas no mesmo discurso e

ação, o adolescente torna-se alvo preferencial dos principais veículos de comunicação cujas

matérias analíticas e editoriais são relacionados aos adolescentes e jovens e aos graves

problemas sociais.

Além da parte introdutória, a pesquisa está assim organizada: na Parte I, trata da

pesquisa de campo e os procedimentos metodológicos adotados para a consecução do estudo,

destacando também as facilidades e dificuldades na realização do campo investigado.Além

dos procedimentos metodológicos adotados para a realização do estudo e produção técnica de

vídeo sobre o tema, aponta, ainda, os processos e limites da pesquisa e a temática, pois há 8 LEVISKY, Davi Léo. Adolescência e Violência: uma sociedade carente de pai e mãe. Ministério Público de Santa Catarina. Disponível em: http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/Portal/portal_detalhe.asp?campo=2453. Acesso em 22/01/2009

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uma gama de atores lidando com tal complexidade; na Parte II, analisa as concepções de

adolescência e juventude, do que se compreende por violação e violência e da relação da

escola e mídia no trato da questão e sua repercussão no âmbito escolar, envolvendo

estudantes; na Parte III é apresentado o Projeto Meninos e Meninas de Rua, recorte do espaço

da pesquisa de campo, na escuta dos adolescentes e educadores sobre o tema da violência

escolar e o papel da mídia; na Parte IV, são apresentados os resultados da pesquisa de campo,

identificando o perfil dos entrevistados e posteriormente a divisão dos dados por assuntos

abordados. As Considerações finais fecham o estudo da temática, seguidas das Referências,

dos Anexos e Apêndices.

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18

PARTE I

A PESQUISA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O investigador, para encontrar a realidade total e concreta, (...) deve esforçar-se para

integrar no estudo dos fatos sociais a história das teorias a respeito desses fatos

(GOLDMANN, 1984, p. 28)9.

Sabemos que dentro da Ciência existe certa correspondência entre determinada

teoria e a problemática empírica com a qual melhor operam seus conceitos. (...) O

campo de pesquisa é o lugar da prática e da elaboração dos objetos do conhecimento

científico, de sua construção sistemática e da fundamentação empírica dos fatos com

que lida. É o lugar efetivo do trabalho dos pesquisadores, dinâmico e dialético, no

qual se elabora uma prática científica (LOPES, 2005, p. 49 e 94).

Atualmente, é necessário reconhecer a pesquisa não só como princípio científico,

mas também como princípio educativo que pode ser considerado como a alma da

competência inovadora moderna. Assim, o fulcro central do pesquisador é

humanizar o progresso com o melhor empenho e compromisso (DEMO, 2005,

p.11).

O campo da pesquisa envolve as áreas da Educação, incluindo a vertente Educação

Social e da Comunicação e temas transversais como violação e violência, adolescentes e

jovens.

O olhar da pesquisa sobre o tema investigado é interdisciplinar no sentido de ampliar

as condições de compreensão e interpretação do objeto de estudo. Contudo, usar diferentes

referências disciplinares não significa assegurar a prática interdisciplinar consistente e, sim,

conjugar a somatória de diferentes disciplinas de modo multidisciplinar. O fundamental é

promover “a articulação complementar entre universos conceituais” (SOARES, 1991)10 e a

necessidade de uma “cultura teórica” (BOURDIEU, 1989)11 amparada em uma ampla base

disciplinar ancorada em uma cultura filosófica e teórica (apud BRANDÃO, 2002, p. 48).

9 GOLDMANN, Lucien. As ciências humanas e a filosofia, São Paulo: DIFEL, 1984. 10 SOARES, Luis E. Faça a coisa certa: o rigor da indisciplina. In In BIRMAN, Patrícia e BOMENY, Helena (Orgs.), As assim chamadas Ciências Sociais, Rio de Janeiro : UERJ/Relume Dumará, 1991, p. 265-277). 11 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico, Lisboa : Difel, 1989.

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O processo de flexibilização das fronteiras entre as áreas do conhecimento vem exigindo que os pesquisadores, de um modo geral, fiquem alertas [sic] paras as questões que os campos circunvizinhos estão enfrentando no trato de seus objetos. Esta exigência, por sua vez, tem estimulado a intensificação das experiências de pesquisa pluri e ou interdisciplinares. No entanto, apesar de essas experiências poderem contribuir para ampliar as condições de compreensão e interpretação dos objetos de pesquisa, cabe assinalar que, por si só, o uso do vocabulário, das referências e da literatura de diferentes áreas disciplinares não asseguram uma prática interdisciplinar consistente (BRANDÃO, 2002, p. 46-47).

No caso da Educação, a temática se relaciona com a violência no interior da escola

pública e, na vertente da Educação Social, nas ações educativas e culturais complementares à

escola, desenvolvidas pelo PMMR. Cabe ressaltar que a escola, enquanto instituição da

sociedade, “tem despertado interesse de diferentes campos do saber, apresentando-se como

cenário privilegiado para pesquisas sobre as manifestações de violência”, principalmente a

partir dos anos 1950, especialmente nos Estados Unidos da América, conforme anota

MEDEIROS (2006):

Estudos recentes têm demonstrado que este problema não está centrado somente nos países mais pobres, mas também em países como França, Estados Unidos, Rússia, entre outros, ocupando lugar de destaque na imprensa, nos debates acadêmicos, nos órgãos governamentais e não-governamentais e no meio familiar” (p. 13).

Os fatores que corroboram essa busca por conhecer o cotidiano escolar na busca de

uma intervenção social, educativa e pedagógica são: a Educação como direito fundamental

que obriga a garantia de acesso e permanência de todos, sem nenhum tipo de discriminação,

na escola; a presença dos diversos mecanismos de comunicação e informação que, de certo

modo, concorre com a escola na tarefa de promover a Educação e, com isso, a escola perde,

em tese, o lugar exclusivo e legítimo do saber; a falta de condições para as práticas de

Educação, no que se refere à capacitação permanente de seus profissionais; a não-atualização

dos métodos pedagógicos e de material didático e instrucional; as precárias condições das

instalações físicas das escolas e dos equipamentos (laboratório, informática, biblioteca,

equipamento multimídia, quadras desportivas); a ausência de segurança no entorno da escola,

entre outros aspectos. No entender de MEDEIROS (2006), “ainda que este conjunto de fatores

seja reflexo de contextos sociais mais amplos, a violência na escola torna-se [sic] um

problema grave, merecedor de atenção e de investimento, tanto no campo da intervenção

como no campo da pesquisa” (p. 14).

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Nesse sentido, as referências teóricas e metodológicas se situam nessas áreas,

acrescidas de contribuições que incidem sobre a violação, violência, adolescência e jovem,

legislação12. No entender de Maria Immacolata Vassalo de Lopes (2005), “o engajamento

teórico, o compromisso social, as condições institucionais são fatores intervenientes na

escolha e dirigem os alvos teóricos e práticos da pesquisa” (p. 138).

No campo da Comunicação13, a investigação delimita o estudo no “domínio dos

fenômenos da cultura e da comunicação de massa no Brasil” (LOPES, 2005, p. 13) e, por

isso, é importante “a descrição de situações e relações, bem como de variáveis e fatores. É

assim que se alcança a explicação propriamente dita, com a qual se revelam processos e

estruturas ou nexos e tendências da realidade” (IANNI apud LOPES, 2005, p. 11).

Nesse sentido, vale recorrer às contribuições de Maria Immacolata sobre Comunicação

na pesquisa:

O estudo sistemático da Comunicação de Massa no Brasil é mais resultado da presença do vigoroso fenômeno da comunicação de massa – em pleno desenvolvimento desde a década de 50 – do que das descobertas científicas que justificam o aprofundamento de um campo de conhecimento. A instalação das bases industriais do mercado cultural nos anos 60 e sua consolidação nos anos 70 outorgaram aos fenômenos de comunicação de massa a importância que tem se expressado tanto pela atenção crescente da parte de disciplinas afins ou próximas, como pela demanda de um mercado ávido por profissionais competentes. Todo esse processo integra a organização capitalista da cultura no país em sua etapa contemporânea (LOPES, 2005, p. 17).

A autora mostra que, no Brasil, como em outros países da América Latina, a forma

histórica de constituição do mercado cultural teve a “presença ativa do Estado como

instituição organizadora de cultura e pela progressiva hegemonia dos meios de comunicação

de massa (MCM), como agentes produtores de cultura, em presença de uma população

marcada por violentos desníveis socioculturais”. Os meios de comunicação de massa no

projeto nacional populista foram tidos como “um dos meios para converter as massas em

Reis (1991) pondera que, no caso das ciências sociais, “estão inscritas em um universo do conhecimento que as transcende; inscrevem em ‘um movimento para além’ dos muros austeros da ciência tout court, fazem parte de um todo amalgamado que é o universo da história e da cultura” (apud BRANDÃO, 2002, p. ). Ver REIS, Elisa. Reflexões transversas sobre transdisciplinaridade e ensino de Ciências Sociais. In BIRMAN, Patrícia e BOMENY, Helena (Orgs.), As assim chamadas Ciências Sociais, Rio de Janeiro : UERJ/Relume Dumará, 1991, p. 243-249). 13 Segundo LOPES (2005), “a palavra “comunicação” costuma ser empregada tanto para indicar uma disciplina ou estudo, a Comunicação [em maiúscula], quanto seu objeto de estudo, a comunicação. A ambigüidade da palavra não deve obscurecer o fato de a Comunicação ter sido constituída como um campo de estudos que progressivamente se autonomiza dentro da grande párea de conhecimento que são as Ciências Sociais e Humanas” (p. 13).

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povo e o povo em nação”. O acesso das camadas populares à sociedade que se industrializava

e se urbanizava era, pois, “inseparável do processo de massificação que implicava uma nova

inserção dos modos de vida” e de atuação social, entre os anos 1930 e 1950 (LOPES, 2005, p.

23).

Em um segundo período – 1950 e 1980 - marcado pela constituição do mercado

cultural e pelo processo transnacional14 de desenvolvimento, “a indústria passa a ser um lugar

privilegiado de mediação do Estado em suas relações com a sociedade civil” e vai se tornando

um dos principais “veículos de exercício da hegemonia cultural pelas classes dominantes”,

observadas as suas contradições. Nos tempos de hoje cabe observar que a produção cultural

voltada para o mercado tem representado “um importante papel na atividade econômica geral

do país, assumindo gradativamente a forma produtiva própria de outras mercadorias que

circulam no mercado” (LOPES, 2005, p. 27). Ainda, segundo a autora, nos últimos 30 anos,

“a Indústria Cultural tornou-se o setor mais dinâmico e hegemônico de bens culturais do

país”, e, em uma comparação com o sistema de ensino, aponta-a como “um autêntico sistema

de ensino paralelo” e que, assim, “tem-se imposto culturalmente diante da fragilidade da

instituição escolar” (p. 31). Há, por um lado, uma “invisibilidade” da participação popular no

mercado cultural de massa e, por outro, uma forte presença das camadas populares em

conteúdos/fatos/notícias sobre violência e, em especial, quando se trata da presença de

adolescentes e jovens nessas situações.

Como exemplo do papel da mídia na vida brasileira, a televisão ocupa espaço

considerável no dia a dia da vida das pessoas, principalmente nos grandes centros urbanos.

Nesse sentido, é importante destacar três elementos constitutivos da televisão.

Em primeiro lugar, as práticas de linguagens da TV “são constituídas tendo como

referente um certo ‘estado distraído’15, característico do espectador de tevê”, pois “não vemos

TV da mesma foram que lemos um livro ou vemos um filme no cinema” (GUIMARÃES,

2005, p. 55). Nesse sentido, pondera a autora:

14 No entender de LOPES (2005), “o processo de transnacionalização que rege o atual modelo de desenvolvimento do país atinge a esfera cultural e torna-se responsável pelo crescimento acelerado da Indústria Cultural. Esta se torna em curto espaço de tempo seu setor hegemônico e mais dinâmico” por um lado; e, por outro, “a crise das políticas tradicionais, aristocráticas ou populistas, acarretada pelo processo de transnacionalização, exige não somente a transformação do sentido político, mas também da valorização cultural. A questão da democratização do país se coloca para além da esfera do político, nos movimentos sociais e no papel que as diferentes culturas (ou subculturas) aí desempenham. (...) A definição da identidade nacional passa a situar-se na interseção da crise de uma cultura política provocada pela transnacionalização e dos conflitos de uma pluralidade cultural, reavivados pelo crescimento da cultura de massa no país” (p. 32-33). 15 FISCHER, Rosa M. B. Televisão e educação: fruir e pensar a TV., Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

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Vemos TV dispersivamente, enquanto fazemos outra(s) atividade(s) e, por isso, a maior parte das práticas de linguagem da tevê procura capturar, a todo momento, nossa atenção e nossas intuições. Para tanto, as práticas de linguagem utilizam a persuasão como elemento primordial, abrindo, nessa dinâmica, espaço que pode ser ocupado pela formação dos cidadãos e pelo controle, na degeneração da polissemia em paráfrase (GUIMARÃES, 2005, p. 55).

No entender de Bourdieu (1997)16, o uso de imagens, muitas vezes, de forma

descontextualizada de “efeito real” - “de fazer ver e fazer crer no que faz ver” - na

apresentação ou leitura de um texto, pode agregar a algum fato ou notícia conteúdo (apud

(GUIMARÃES, 2005, p. 56).

Em segundo, para além da linguagem, a “articulação entre palavra e

enquadramento/movimento de câmera” é importante para se compreender o papel da mídia no

cotidiano da vida social, em especial para assuntos relacionados à violência.

É a convergência entre as diferentes tomadas de plano e o som usado, com um valor referencial ou dramático (incluindo os efeitos sonoros e tom de voz do apresentador). Em outras palavras, o movimento de câmera pode induzir e corroborar com [sic] o texto falado e o som, aumentando a “impressão de verdade”, efeito de sentido próprio do discurso autoritário, ou aumentando a possibilidade de emocionar-se e identificar-se com as personagens retratadas (GUIMARÃES, 2005, p. 57).

.

Um terceiro aspecto fundamental refere-se à articulação entre “palavra-som-imagem”

e que as notícias ou fatos ou matérias veiculadas de modo repetitivo (à exaustão) tendem “a

ser caracterizados pelo reforço mútuo de sentido ou por apontarem em diferentes direções”.

Exemplos disso são os casos de violência, incluindo aquela que ocorre no interior da

instituição escolar: as imagens passam, muitas vezes, a dispensar o texto escrito e/ou falado,

dispersando-se assim a informação e a sua crítica para o espectador (GUIMARÃES, 2005).

Paulo Freire e Jesús Martín-Barbero partilham uma proposta que deve ser retida: a idéia de que a comunicação, tal como a educação, precisa de [sic] ser pensada no quadro das relações e das práticas sociais, de forma enraizada e contextualizada, em íntima conexão com as culturas (MARTIN-BARBERO17, 1997 apud (GUIMARÃES, 2005, p. 59)

16 BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão, Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 17 MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações, Rio de Janeiro : UFRJ, 1997.

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As referências teóricas e metodológicas no aprofundamento e compreensão do tema

violência escolar e mídia, escolhido como objeto do presente estudo, se situam nessas áreas,

acrescidas de contribuições que incidem sobre a violação, violência, adolescência e jovem,

legislação18. No entender de Maria Immacolata Vassalo de Lopes (2005), “o engajamento

teórico, o compromisso social, as condições institucionais são fatores intervenientes na

escolha e dirigem os alvos teóricos e práticos da pesquisa” (p. 138).

O objeto do presente estudo leva em consideração o olhar de adolescentes e jovens

sobre a especificidade da violência escolar e nos efeitos que a mídia provoca, ou não,

enquanto motivadora e/ou recompensadora de tais atos.

Os adolescentes e jovens participantes da pesquisa são aqueles que fazem parte das

ações do Projeto Meninos e Meninas de Rua (PMMR), no município de São Bernardo do

Campo, Região do ABC, em São Paulo, na condição de estudantes de escolas públicas. A

pesquisa conta com outros olhares sobre o problema, dos profissionais ligados ao sistema de

garantia de direitos (Ministério Público, Conselho Tutelar, Educação, Organização da

Sociedade Civil) e da Comunicação.

O recorte do tema (violência escolar e mídia) e do territorial (município de São

Bernardo do Campo, SP, Região do ABCD) se deve também ao fato de este município ser

considerado um dos ícones do desenvolvimento e expansão industrial do país, principalmente

nas áreas da metalurgia e na produção automotiva. Tal expansão, ao mesmo tempo em que

gerou (e ainda gera) desenvolvimento, também apresentou sinais de esgotamento do modelo

produtivo com grandes consequências para a exclusão de trabalhadores pouco qualificados.

Também porque esse município faz parte do “Movimento Prioridade 1” da região na

promoção, defesa, controle e garantia dos direitos da criança e do adolescente. E os

adolescentes e jovens estudantes de escola pública estão inseridos no PMMR pelo

reconhecimento das estratégias metodológicas criativas e inovadoras desenvolvidas por essa

organização não-governamental que, hoje, conta com mais dois polos de atuação, nos

municípios de Diadema e Guarulhos, SP. Também porque a intervenção social da entidade

filia-se à vertente da Educação Social.

É nesse município, e mesmo região, que os indicadores sobre a exclusão social e

econômica afetam principalmente crianças e adolescentes que historicamente foram obrigados

Reis (1991) pondera que, no caso das ciências sociais, “estão inscritas em um universo do conhecimento que as transcende; inscrevem em ‘um movimento para além’ dos muros austeros da ciência tout court, fazem parte de um todo amalgamado que é o universo da história e da cultura” (apud BRANDÃO, 2002, p. ) Ver REIS, Elisa. Reflexões transversas sobre transdisciplinaridade e ensino de Ciências Sociais. In BIRMAN, Patrícia e BOMENY, Helena (Orgs.), As assim chamadas Ciências Sociais, Rio de Janeiro : UERJ/Relume Dumará, 1991, p. 243-249).

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a sobreviver nas ruas como trabalhadores em diversas atividades e na mendicância, pois suas

famílias faziam parte de um contingente de mão de obra não absorvido pelo parque industrial

local e da região.

Para Demo (2005), “definir é colocar limites” e, nesse sentido:

De uma parte, para “ver” melhor, é mister simplificar, só para um ponto, de preferência o ponto central. De outra, qualquer fenômeno reduzido a seu ponto central pode estar mais descaracterizado do que desvendado (...). Eis um árduo desafio: simplificar. De um lado, para ver melhor; complicar de outro, para ser justo com a riqueza do fenômeno (p. 15;21).

As hipóteses de trabalho consideradas para a realização da pesquisa são as seguintes:

<> A mídia (televisiva, impressa, radiofônica ou digital) colabora para o aumento da

violência enquanto projeção dos anseios, desejos, projetos de vida de jovens e adolescentes?

<> A mídia trabalha no reforço de qual concepção de adolescentes e jovens?

<> Os estudantes das escolas públicas são alvos de uma mídia ou de uma atitude

equivocada da escola em seus fundamentos e práticas?

<> O que os próprios adolescentes e jovens têm a dizer sobre a violência escolar e de

outros violações relacionadas a eles?

No trato do tema a pesquisa levantou parte dos problemas/questões/situações que

permeia atitudes de violação e violência no âmbito escolar e presença da mídia, a partir do

olhar de adolescentes e jovens, estudantes de escolas públicas, sob o olhar dos participantes

do PMMR que, na relação com as contribuições teóricas, pudessem orientar tais hipóteses de

trabalho. Cabe dizer que a função das hipóteses “é fornecer a conexão necessária entre teoria

e investigação, teoria e fato”. Nas relações entre conceitos e variáveis, “as hipóteses se

definem como meios pelos quais a teoria intervém na investigação e nos fatos” (LOPES,

2005, p. 140).

O objetivo principal da investigação é analisar o papel da mídia na veiculação de

determinados fatos (ou notícias) e verificar até que ponto a mídia estimula ou não a

reprodução de práticas de violência no interior das instituições escolares. E, a partir do olhar

de adolescentes e jovens participantes do PMMR de São Bernardo do Campo, Região do

ABCD, no Estado de São Paulo, inseridos nas ações sociais do “Programa de Educação Social

para o Retorno à Família, Escola e Comunidade”, apreender o sentido e a percepção daqueles

no olhar e trato do problema que diretamente os envolve e, indiretamente, à sociedade. Esse

olhar ou trato foi complementado pela análise dos profissionais do sistema de garantia dos

direitos da criança e do adolescente e dos profissionais da Comunicação.

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Os objetivos específicos compreendem:

(a) conhecer o perfil e condições sociais de parte dos adolescentes e jovens do PMMR;

(b) compreender como se dá a relação desses adolescentes e jovens com a mídia na

veiculação de fatos violentos, principalmente aqueles que envolvem o universo escolar, no

sentido de verificar a existência ou não de uma relação entre mídia e violência juvenil nas

escolas a partir do olhar dos adolescentes e jovens;

(c) levantar quais os tipos de notícia ou material midiático que mais atrai o adolescente

e jovem, identificando qual o tipo de violência juvenil mais recorrente sob a ótica de

adolescentes e jovens do PMMR;

(f) elaborar vídeo sobre o tema da pesquisa a partir da colaboração e participação de

todos os envolvidos nela como material de apoio à reflexão sobre a problemática tratada,

violência escola e mídia.

A pesquisa de campo, de base empírica, foi realizada com adolescentes e jovens

estudantes de escolas públicas e participantes das ações do PMMR; com profissionais e

autoridades do sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente (educação,

organização social, Ministério Público/Promotoria da Infância e Juventude); com educadores

sociais e profissionais da comunicação. Para Demo (2005), “dados empíricos não garantem

qualquer verificação da tese (...); mas podem contribuir muito com a argumentação, além de

poderem transmitir alguma indicação da prática (...). Como regra, os dados apenas ‘ilustram’

a argumentação teórica, permitindo acompanhar melhor seus contornos dinâmicos” (p. 282).

Foram elaborados instrumentais para a realização das entrevistas, que foram feitas

diretamente pela pesquisadora e gravadas em áudio e vídeo. Foi definida ainda uma amostra

qualitativa com adolescentes e jovens inseridos no PMMR, em que foram aplicados, pela

pesquisadora e sem necessidade de identificação do participante, os questionários que contêm

questões abertas e fechadas.

Ao todo foram entrevistadas 17 pessoas, a saber:

<> nove adolescentes estudantes de escola pública, inseridos no PMMR;

<> uma Conselheira Tutelar;

<> três educadores sociais, sendo que um deles acumula a função de dirigente da

entidade social PMMR;

<> dois profissionais de comunicação;

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<> um profissional da educação (ex-Diretora de escola do sistema de educação

básica);

<> uma Promotora da Infância e da Juventude, representante do Ministério Público.

Os encontros e as entrevistas com os grupos foram gravados, pois, além da

dissertação, tem-se a produção técnica, um vídeo fruto da pesquisa de campo e das ações

desenvolvidas pelo PMMR sobre o tema. Os encontros e as entrevistas foram anotados,

gravados e sistematizados. Todos os instrumentais (roteiros e questionários) estão

relacionados nesta dissertação, no apêndice.

As entrevistas foram colhidas durante os meses de julho a setembro de 2010, a partir

de roteiro que contemplou a discussão acerca da violência; violência escolar; violência

juvenil; violação de direitos; conhecimento e aplicação do Estatuto da Criança e

Adolescente19; práticas profissionais dos entrevistados; relação mídia e violência escolar.

Cabe dizer que as entrevistas e depoimentos dos adolescentes e jovens para o vídeo foram

colhidos na sede do PMMR e nos espaços das Oficinas Culturais. Todos assinaram termo de

consentimento e em relação aos adolescentes menores de 18 anos os termos foram assinados

pelos seus responsáveis legais.

A pesquisadora também participou de outros espaços de intervenção relacionados ao

campo da pesquisa: do desfile do Bloco Carnavalesco EURECA (Eu reconheço o ECA)20,

formado por crianças, adolescentes, jovens, familiares, educadores sociais, população, ligados

direta e indiretamente ao PMMR, na semana do Carnaval, em um dos sábados da semana em

que foram desenvolvidas Oficinas Culturais (percussão e teatro), além de vários encontros e

contatos com a direção e educadores do Projeto. A pesquisadora também participou de um

encontro da rede social pelos direitos de crianças e adolescentes de São Bernardo, articulados

no projeto “Força Tarefa” do qual participam representantes do Ministério Público

(Promotoria da Infância e da Juventude), Conselho Tutelar, Polícia Militar, Sistema de

Educação Estadual e Municipal de Ensino. As entrevistas foram realizadas com parte dos

integrantes do referido Projeto.

Para além da dissertação, um dos objetivos específicos da pesquisa trata da produção

técnica de vídeo como material de apoio à reflexão sobre a problemática tratada, violência

19 Lei Federal nº 8.069/90 que trata da garantia dos direitos da população infanto-juvenil, aquela compreendida entre zero e 18 anos incompletos e, em condições especiais, entre 18 e 21 anos de idade. 20 Esta atividade do PMMR tem encontrado densidade e ampliação, uma vez que os municípios de Campinas e Santos, no Estado de São Paulo, também têm criado os Blocos de Carnaval EURECA (Eu reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente).

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escola e mídia. A ideia dessa produção técnica como um plus da dissertação surgiu da

necessidade de se ter um material de apoio para o enfretamento da violência escolar, com uma

linguagem e elementos próximos à realidade dos adolescentes e jovens, pensado por todos os

participantes da pesquisa.

O vídeo tem parte do título da dissertação, “A imagem que se crê não é aquela que se

vê”. Ele reflete o olhar de adolescentes e jovens participantes do PMMR e dos profissionais

que lidam direta e indiretamente com adolescentes e jovens (Conselho Tutelar, Promotoria

Pública (Ministério Público), educadores sociais, dirigente escolar, jornalistas) sobre o tema

violência escolar e mídia, de modo pedagógico e crítico.

A construção do roteiro foi elaborada tendo por base a mesma linha de

desenvolvimento da dissertação, estruturada por assuntos abordados, iniciando-se com a

contextualização do território em que se insere o recorte da pesquisa (São Bernardo Campo) e

em que atua a maioria dos protagonistas entrevistados. Na sequência foi apresentado ao

público o Projeto Meninos e Meninas de Rua (PMMR) e seus atores (educadores sociais,

adolescentes e jovens, coordenador do Projeto). Foi feita, então, uma ligação entre o PMMR e

o próximo assunto abordado, a violência escolar. Neste ponto, as entrevistas entre

adolescentes e jovens foram entrecortadas pelo discurso dos profissionais (incluindo os da

mídia) e autoridades da área da criança e do adolescente. O último bloco de discussão tratou

da mídia e sua influência sobre as questões que envolvem violência.

O vídeo tem duração aproximada de 20 minutos. Todos assinaram termo de ciência e

liberação da divulgação da imagem e, no caso dos menores de dezoito anos, seus responsáveis

legais assinaram o referido documento. O vídeo não pode ser comercializado, tendo sua

utilização restrita ao sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente e pelos

profissionais da comunicação em espaços reservados à difusão de estratégias sociais e

culturais que valorizam o protagonismo de crianças, adolescentes e jovens. Para a veiculação

em outros espaços deverá ter prévia autorização da pesquisadora. Cada participante do vídeo,

após a defesa pública da dissertação, receberá uma cópia como devolução de parte do

processo da pesquisa.

Cabe dizer mais uma vez que o objetivo do vídeo e mesmo da dissertação é que estes

possam se constituir em referência e apoio didático para a reflexão e práticas sobre as

situações de violação e violência que envolvem adolescentes e jovens tanto no interior como

fora do ambiente escolar.

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A maioria dos processos de investigação acadêmica é permeada por facilidades,

dificuldades e limites. Como fazer para resolver esses problemas? Imaginava que a condição

de pesquisadora acadêmica possibilitaria que as diferentes “portas do saber” estivessem

abertas. Ledo engano. Talvez seja a temática definida para o estudo que apresenta certa

complexidade no trato de situações/fatos/condições ao envolver uma gama de atores e

instituições.

A ida ao campo foi iniciada em 2009 na tentativa de coletar dados e informações sobre

o universo escolar e violência. Tentei por inúmeras vezes contatos com os órgãos públicos

responsáveis pelo desenvolvimento da política de educação em nível estadual e municipal.

Como jornalista, optei pelos contatos com as assessorias de imprensa que ficaram de

encaminhar dados e informações sobre as ocorrências de atos de violação de direitos e

violência nos espaços escolares. O mesmo foi feito com os órgãos de representação da

categoria profissional da Educação. Das instituições contatadas obtive uma resposta negativa

de apenas uma delas quanto à liberação do material; na maioria dos casos, a resposta era de

que não existia material sistematizado sobre a temática violência nas escolas. Os dados de que

as instituições se utilizavam eram estudos e pesquisas realizadas pelos principais veículos de

comunicação, ou seja, as matérias veiculadas pela mídia. Nesse momento iniciei meu

processo de inquietação enquanto pesquisadora. Ora, se as próprias instituições afirmavam

não produzir estudos voltados ao tema da violência escolar e tomavam as referências dos

relatos produzidos pelos mais variados veículos de comunicação, uma das hipóteses da

presente pesquisa estava sendo respondida: a influência da mídia frente à educação e violência

e ainda sobre a violação das garantias de direitos de crianças e adolescentes estudantes.

No enfrentamento de tais dificuldades, outras fontes e formas de se trabalhar o objeto

da pesquisa foram empreendidas. Fui conhecer o projeto denominado “Força Tarefa” que vem

sendo desenvolvido no município de São Bernardo do Campo, SP, e que tem como um dos

objetivos reduzir os índices de violência escolar por meio de ação conjunto com a rede social

de atenção e garantia aos direitos de crianças e adolescentes. Dessa rede fazem parte várias

instituições públicas e da sociedade civil como secretarias estadual e municipal de educação,

da saúde, da assistência social, da polícia militar, conselho tutelar, promotoria da infância e da

juventude (Ministério Público), presentes no município de São Bernardo do Campo.

Também fui procurar o projeto Movimento de Meninos e Meninas de Rua, em São

Bernardo do Campo, SP, para a realização da pesquisa de campo. A direção e educadores

desse Projeto se colocaram dispostos a participarem da pesquisa e mostraram disponibilidade

de debater o tema; repassar informações e dados; conceder entrevistas; auxiliar no processo de

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coleta de dados com os adolescentes e jovens inseridos no Projeto (entrevistas e depoimentos)

e colocar à disposição da pesquisa o arquivo fotográfico e videográfico do Projeto para

construção do vídeo.

Nesse sentido, a pesquisa sobre o tema da violência escolar e mídia foi trabalhada a

partir do olhar dos adolescentes e jovens do Projeto Meninos e Meninas de Rua e de parte dos

atores que atuam direta e indiretamente com a situação e também sob o olhar dos profissionais

da comunicação que, solicitados, se dispuseram a tratar da questão para a pesquisa e também

participar dos depoimentos para o vídeo.

O Conselho Tutelar de São Bernardo do Campo, SP, representado pela Conselheira,

Sra. Vera Gallo, foi fundamental para se trabalhar o tema da pesquisa ao trazer para a reflexão

uma série de dificuldades no enfrentamento de assuntos e situações relativos à violação de

direitos, legislação, evasão escolar e violência no interior da escola.

No tocante à participação de gestor escolar para a reflexão sobre o tema da pesquisa

também foi outra dificuldade encontrada: vários contatos foram feitos, vários encontros foram

marcados; contudo, não foi possível, devido aos trâmites burocráticos dos órgãos

responsáveis pela Educação, a liberação dos dirigentes para a concessão de entrevistas. Diante

dessa dificuldade, optei por entrevistar uma ex-diretora de escola pública que lida com a

educação escolar por quase 30 anos e, atualmente, é docente no ensino superior e aceitou o

convite para participar da pesquisa.

Coletados os dados e informações (entrevistas e depoimentos), a fase mais crítica

estava por vir na hora da edição do material gravado e sua transformação em um vídeo que

tivesse duração máxima de 20 minutos: como escolher os depoimentos, recortá-los, cortá-los

diante de mais de seis horas de gravação e que não prejudicasse a intervenção de seus

participantes, considerados pela pesquisa protagonistas de uma ação social tão relevante no

trato da questão violência escolar e mídia? Muito do que foi coletado não foi utilizado no

vídeo, parte foi agregada ao discurso da pesquisa e o material ainda não utilizado será

arquivado para registros posteriores e utilização em uma próxima pesquisa.

Ao fazer um cômputo geral sobre o processo de “ida ao campo”, percebo que,

parafraseando um programa televisivo, as “portas” certas foram abertas e a “esperança”

apenas iniciou a sua jornada em um amplo universo da pesquisa científica acadêmica acerca

da temática.

Vale lembrar as considerações de Abramo (1997) sobre estudos e pesquisas sobre a

temática:

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(...) a academia, depois de anos de quase total ausência, os jovens voltam a ser tema de investigação e reflexão, principalmente através de dissertações de mestrado e teses de doutorado- no entanto, a maior parte da reflexão é ainda destinada a discutir os sistemas e instituições presentes nas vidas dos jovens21 (notadamente as instituições escolares, ou a família, ou ainda os sistemas jurídicos e penais, no caso de adolescentes em situação “anormal” ou de risco), ou mesmo as estruturas sociais que conformam situações “problemáticas” para os jovens, poucas delas enfocando o modo como os próprios jovens vivem e elaboram essas situações (ABRAMO, 1997, p.25).

21 A autora, ao falar de juventude, refere-se ao momento posterior à infância, que envolve a adolescência e a juventude propriamente ditas.

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PARTE II

ADOLESCÊNCIA, JUVENTUDE, VIOLÊNCIA, ESCOLA E MÍDIA

A adolescência é a idade em que a orientação para o futuro prevalece e o futuro é percebido como apresentando um maior número de possibilidades (MELUCCI, 1997 apud PEREIRA, 2004, p. 5).22

1. Adolescência e juventude

O Brasil tem 17,9 milhões de habitantes entre 15 e 19 anos. São adolescentes e jovens

com alto potencial de participação na vida produtiva, cultural, social e política do país,

conforme demonstra a pesquisa de âmbito nacional “Adolescentes e jovens do Brasil:

participação social e política”, realizada pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a

Infância), Instituto Ayrton Senna e Fundação Itaú Social, publicada em 200823.

No que se relaciona à Educação, é consenso entre os estudiosos da área que os

indicadores melhoraram muito nos últimos anos. Hoje 97,6% das crianças de sete a 14 anos

estão na escola. No entanto, como em outros setores, as desigualdades persistem tanto em

termos regionais quanto raciais e socioeconômicos. Das cerca de 660 mil crianças que não

estudam, 450 mil são negras. Nas regiões mais pobres do país, somente 40% das crianças

terminam o Ensino Fundamental. Na Educação Infantil, uma em cada quatro crianças de

quatro a seis anos está fora da escola e, no Ensino Médio, apenas 48% dos adolescentes de 15

a 17 anos estudam no nível de ensino adequado à sua faixa etária.

No caso da população jovem, uma das dificuldades da faixa de 16 a 24 anos continua

sendo o ingresso no mercado de trabalho formal, qualificado e competitivo. Segundo dados da

22 MELUCCI, Alberto. Juventude, tempo e movimentos sociais. In Revista da ANPEd, nº 5 e 6 (Edição Especial), , São Paulo, 1997. 23 A pesquisa sob responsabilidade do Ibope Opinião teve como objetivo estimular um processo participativo e contribuir com as ações de promoção dos direitos dessa parcela da população. Diante dos problemas, os adolescentes também buscam soluções. O estudo entrevistou 3.010 adolescentes moradores de capitais e do interior de todas as regiões brasileiras e 210 indígenas de 15 municípios e mostra que 16% deles já participaram ou participam de algum grupo, ONG ou projeto social. Outros temas polêmicos foram citados. A segurança pública também não é motivo de orgulho para 20% dos adolescentes. Da mesma forma, o racismo e a discriminação racial foram apontados por 17% dos entrevistados como responsáveis pelos problemas sociais brasileiros.

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Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009, eles são 42,2% do total de

desocupados no país. E os que conseguem uma oportunidade têm de enfrentar outro

problema: a precarização das condições de trabalho. De acordo com dados de 2007 do Banco

Mundial, quase 60% dos brasileiros entre 15 e 19 anos são trabalhadores não remunerados ou

sem carteira de trabalho assinada.

Nas sociedades atuais muito se fala sobre o fenômeno da juventude e, mais

cuidadosamente, sobre os adolescentes e jovens que, de alguma maneira, acabam por infringir

a lei, conhecidos, como categorias de análise, adolescentes e jovens em conflito com a lei. O

“desviante” das normas sociais, no entendimento de Velho (1981), “é um indivíduo que não

está fora de sua cultura, mas que faz uma ‘leitura divergente’. Ele pode estar sozinho (...) ou

fazer parte de uma minoria organizada. Ele não será sempre desviante. Existem áreas de

comportamento em que agirá como qualquer cidadão” (apud MEDEIROS, 2006, p. 14).

A par disso, lembro-me claramente dos momentos que, juntamente com amigos, ao

sair da escola, passava nas Lojas Americanas da cidade em que morava e estudava para comer

chocolates escondido dos seguranças. Não era o caso de não possuir o valor a ser pago pelo

produto, mas a sensação de estar infringindo é que nos motivava na expectativa de que

poderíamos ser pegos a qualquer momento. Quem é que nunca tocou, por brincadeira, as

campainhas das casas dos vizinhos e saía correndo? Ou já não tenha aprontado alguma

“brincadeira” contra um professor?

Paulo Freire (1998) em seu conto a “Galinha Pedrês” nos fala:

Eu tinha possivelmente onze, doze anos, um pouco faminto, mas não tanto quanto os meninos deste país, deste continente. Lembro-me de uma manhã de domingo, uma manhã sem chuva. Estávamos, meus irmãos mais velhos e eu, no fundo do quintal, num gramado em que minha mãe plantara algumas roseiras para enfeitar a vida difícil. Eis que uma galinha pedrês se aproxima de nós, distraída, acompanhando com seu pescoço ondulante os pulos de um gafanhoto incauto. Em certo momento, a galinha apanhou o gafanhoto. E nós apanhamos a galinha. Pegamos a galinha num salto, sem haver um acerto prévio. A mediação da nossa ação era a fome dos três, era a razão de ser da prática, e quando minha mãe ouviu os gritos da galinha e correu até nós no quintal, ela já não gritava mais porque entrava nos estertores. Nós havíamos estrangulado a galinha. E eu não esqueço que minha mãe, cristã, católica, séria, bem-comportada, com uma consciência ética bastante aguçada, agarrou a galinha pedrês nas mãos e deve ter dito a ela mesma: o que fazer? Devolver esta galinha ao proprietário pedindo desculpa pelo ato dos seus filhos, como possivelmente a sua consciência ética sugeriria, ou, pelo contrário, fazer com aquela galinha o lauto almoço que há tempo não tínhamos? Claro que ela nunca me disse isto, eu apenas traduzo a sua hesitação. De repente, sem dizer uma palavra, vira para o terraço e encaminha-se para a cozinha, com o corpo quente da galinha do vizinho.

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Uma ou duas horas depois, comíamos uma excelente refeição. No dia seguinte, não há dúvida nenhuma que o dono sentiu falta da galinha e deve ter estrebuchado de raiva contra o ladrão. Possivelmente ele jamais poderia ter pensado que junto dele, na casa do vizinho, estavam os autores do sumiço. Mas ele não podia fazer esta conjectura porque os autores do sumiço eram os filhos do capitão Temístocles, meu pai, e os filhos do capitão Temístocles não podiam ser ladrões de galinha. O meu vizinho não podia pensar que nós éramos os autores daquele furto porque a classe social à [sic] que nós pertencíamos não possibilitava que ele fizesse esta conjectura. No máximo, se viesse a descobrir que éramos nós os autores, o vizinho iria dar um riso discreto e dizer à minha mãe: não se preocupe, isto é trela das crianças. Se fossem, porém, meninos de um operário, teriam sido considerados delinqüentes infantis. Na verdade, não éramos e nem fomos delinqüentes, matamos a galinha pedrês do vizinho para comer. Tínhamos fome. Inclusive, naquela época, eu não furtei dinheiro porque não houve chance, senão teria furtado. Mas açúcar de uma venda que tinha próxima da nossa casa eu quase canso [sic] de roubar. Descobri na infância que o açúcar era energético, e era meu corpo que ia aos torrões de açúcar bruto e não a minha mente, se eu posso fazer esta dicotomia inviável. Penso nos meninos com fome, nos meninos traídos, nas meninas vilipendiadas nas ruas deste país, deste e de outros continentes. Meninos e meninas que estão inventando outro país. E nós, mais velhos, temos que ajudar essas meninas e esses meninos a refazer o Brasil. (apud BARRETO, 1998, p. 19-21)

Para Delval (1998), a adolescência é uma idade especialmente “dramática e

tormentosa” quando se produzem inúmeras tensões, como instabilidade, entusiasmo e paixão,

e na qual o jovem se encontra dividido entre tendências opostas. Além disso, a adolescência

supõe um corte profundo com a infância, é como um novo nascimento em que o jovem

adquire os caracteres humanos mais elevados (apud LEÓN, 2005, p.11, tradução do autor).

A noção mais geral e usual do termo adolescente e jovem se refere a uma faixa de

idade, um período de vida, em que se completa o desenvolvimento físico do indivíduo e

ocorre uma série de transformações psicológicas e sociais, quando este abandona a infância

para processar sua entrada no mundo adulto. No entanto, a noção de adolescente e jovem é

socialmente variável. A definição do tempo de duração, dos conteúdos e significados sociais

desses processos se modifica de sociedade para sociedade e na mesma sociedade ao longo do

tempo e através de suas divisões internas (ABRAMO, 1994 apud LEON, 2005).

Pais (1990) nos afirma que o adolescente e jovem não deve ser olhado apenas em sua

aparente unidade, mas também na sua diversidade, de onde brotam diferentes adolescentes e

jovens e as diferentes maneiras de olhá-los. Neste contexto ele fala sobre a ideia da criação de

duas correntes para o estudo da juventude: a corrente geracional e a corrente classista.

A corrente geracional toma como ponto de partida a noção de juventude quando referida a uma fase da vida, e enfatiza, por conseguinte, o aspecto unitário da juventude. Para esta corrente, em qualquer sociedade há várias

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culturas (dominantes e dominadas), que se desenvolvem no quadro de um sistema dominante de valores. A questão essencial a discutir no âmbito desta corrente diz respeito à continuidade/descontinuidade dos valores intergeracionais. O quadro teórico dominante baseia-se nas teorias da socialização desenvolvidas pelo funcionalismo24 e na teoria das gerações25. No quadro das teorias funcionalistas da socialização, os conflitos, ou descontinuidades intergeracionais, são vistos, na maior parte dos casos, como disfunções nos processos de socialização que respeitam à juventude, tomada no sentido de fase de vida. Quanto aos defensores da teoria das gerações, tomam uma posição similar àquela que Eistein tomava quando afirmava: “se existisse o movimento contínuo, não haveria física”. Isto é, para os defensores da teoria das gerações, se não existissem descontinuidades intergeracionais, não existiria uma teoria das gerações. (PAIS, 1990, p.152)

Em resumo, a corrente geracional a que o autor se refere trata do adolescente em

contato com grupos sociais como a família e a escola que interiorizam crenças, valores,

normas, símbolos próprios de uma geração adulta e passam a reproduzi-los e que, na medida

em que essa interiorização de signos não é feita de uma forma nem indiscriminada nem

passiva, geram-se fracionamentos culturais entre as várias gerações, os quais teriam a ver,

entre outras razões, com a própria consistência da cultura transmitida pelas instituições sociais

denominadas pelas gerações mais velhas; com os comportamentos e atitudes do mundo adulto

tais como são percebidos pelos jovens e finalmente com os próprios processos de

transformação social e de integração funcional das várias gerações.

Ainda sobre a corrente classista, o autor afirma que:

Com efeito, enquanto, para a corrente geracional, a reprodução se restringe à análise das relações intergeracionais, isto é, à análise da conservação ou sedimentação (ou não) das formas e conteúdos das relações sociais entre as gerações, para a corrente classista, a reprodução social é fundamentalmente vista em termos da reprodução das classes sociais. Por esta razão, os trabalhos desenvolvidos na linha desta corrente são, em geral, críticos em relação a qualquer conceito de juventude, já que, mesmo entendida como categoria, acabaria por ser dominada por relações de classe. De acordo com esta corrente, a transição dos jovens para a vida adulta encontrar-se-ia sempre pautada por mecanismos de reprodução classista, não apenas ao [sic] nível da divisão sexual do trabalho, mas também a [sic] outros níveis. Por outro lado, para a corrente classista, as culturas juvenis são sempre culturas de classe, isto é, são sempre entendidas como produto de relações antagônicas de classe. Daí que as culturas juvenis sejam por esta corrente apresentadas, muitas vezes, como culturas de resistência, isto é, culturas

24 Designadamente a partir dos trabalhos de T.Parsons, Essays in Sociological Theory, Chicago, Free Press, 1964; S.N. Eisenstadt, From Generation to Generation, Nova Iorque, Free Presss of Glencoe, 1956, e J.S Coleman, The Adolescent Society, Nova Iorque, Free Press of Glencoe, 1961. 25 Na linha do trabalho clássico de K. Mannheim. Essays on the Sociology of Know-ledge, Londres, Routledge & Kegan Paul, 1952.

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negociadas no quadro de um contexto cultural determinado por relações de classe. Por outras palavras, as culturas juvenis seriam sempre soluções de classe a problemas compartilhados por jovens de determinada classe social. (…) Mesmo os estilos mais exóticos de alguns comportamentos de jovens (por exemplo, a maneira de vestir) são por esta corrente vistos como uma forma de resistência, uma resolução mágica a contradições de classes. O cabelo punk, os lábios pintados de roxo, os medalhões ou os remendos nas calças seriam, nesta ordem de idéias, signos de cultura juvenil utilizados para desafiar os consensos dominantes, isto é, a ideologia dominante, das classes dominantes (PAIS, 1990, p.157-158).

Como pode ser percebido, a literatura e mesmo a legislação apresentam conceituações

diferenciadas sobre adolescência e juventude; portanto, podemos dizer que não há um

consenso sobre a definição da faixa etária na qual a adolescência e a juventude se enquadram.

A adolescência está relacionada com a dependência social e econômica total da família e, em

termos de processos psicológicos, envolve as reações do jovem às suas mudanças físicas e a

revolução razoável de sua identidade pessoal, que, para a maioria das pessoas, ocorre entre 11

e 21 anos. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência compreende a faixa

etária entre os dez e 20 anos, segundo tendência de documentos e tratados internacionais.

No Brasil, a legislação adota como categoria adolescente a pessoa entre 12 a 18 anos

de idade (Constituição Federal, 1988, art. 228). A legislação que regulamenta os direitos dessa

faixa etária, Estatuto da Criança e do Adolescente, ratifica essa faixa etária e estende para os

casos especiais, de 18 a 21 anos de idade, a saber:

Art. 2º - Considera criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos

de idade incompletos, e adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de

idade.

Parágrafo único: Nos casos expressos em Lei, aplica-se excepcionalmente

este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

Vale então dizer que a adolescência/juventude é parte de uma sociedade que surge e se

renova a cada dia, como surgem a todo o momento novas tecnologias e novos avanços no

campo da ciência. A adolescência/juventude precisa ser avaliada do ponto de vista da

sociedade e de seus valores como algo em constante movimento e não estático.

Carrano e Peçanha (2002-2003)26 abordam a questão do seguinte modo:

26 Paulo Carrano é professor da Faculdade de Educação da UFF, pesquisador do CNPq e da Faperj e coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro (www.uff.br/obsjovem); Josiane Nazaré Peçanha é acadêmica de Pedagogia na UFF e bolsista de Iniciação Científica do CNPq/UFF (2002-2003) no projeto de pesquisa Corporicidade Jovem: a Lapa carioca de muitos tempos, espaços e identidades culturais.

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Ao tratarmos do tema juventude, devemos reconhecer os múltiplos pertencimentos biopolíticos relacionados com o ser e também os limites do poder ser jovem em nossas sociedades. Como expressão das possibilidades dessa múltipla, diversa e tantas vezes desigual vivência juvenil contemporânea se encontram os relacionamentos que os grupos juvenis estabelecem com os espaços urbanos. Ainda que reconheçamos a pressão exercida pelos processos sociais capitalistas em direção à privatização da subjetividade, o encolhimento das esferas públicas de participação social e a crise de sociabilidade pública provocada pelo medo do outro – e por que não dizer também de si? – nas cidades, é possível identificar significativas movimentações coletivas da juventude no sentido de experimentar novas e criativas formas de participação e experimentação dos espaços urbanos. A participação que freqüentemente se identifica com formas e conteúdos estéticos, expressivos e culturais se distancia, em grande medida, do imaginário daquilo que, durante muito tempo, no campo progressista, se considerou como sendo a “boa forma” da participação social e política da juventude. (CARRANO E PEÇANHA, 2002-2003)

Nas sociedades primitivas se desconhecem os conflitos mentais de nossos adolescentes

e jovens, pois não há uma separação radical entre as normas ensinadas pela família e as que

predominam no mundo dos adultos. Para Mannhein (1967), a maior sensação de conflito de

nossa mocidade é apenas reflexo do caos que prevalece em nossa vida pública e a

perplexidade consequente é uma reação “natural” do espírito inexperiente.

Neste contexto se supõe como natural que o adolescente e jovem, que poucas

vivências possuem e que, neste emaranhado de novas informações, solidarizem-se com

movimentos sociais dinâmicos que, por razões bem diferentes das suas, estão insatisfeitos

com o estado de coisas existentes e acabem por investir em atividades ilegais e violentas.

1.1. Dados sobre a adolescência e juventude brasileira

O que vem a significar ser adolescente no Brasil? Segundo pesquisa do PNAD

(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio) 2005, jovens são aqueles indivíduos entre 15 e

29 anos, estando 21% (10,6 milhões) na faixa de 15 a 17 anos, 48% (24,4 milhões) na faixa

etária de 18 a 24 anos e 31% (15, 5 milhões) na faixa de 25 a 29 anos. Ao todo são 50,5

milhões de jovens com idade entre 15 e 29 anos no Brasil, dos quais, de acordo com dados do

último censo do IBGE, 50,2% são do sexo feminino. São 35 milhões de jovens com idades

entre 15 e 24 anos e é nesta faixa etária que se encontra a parte da população brasileira mais

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atingida pelos piores índices de desemprego, de evasão escolar, de falta de formação

profissional, mortes por homicídios, envolvimento com drogas e com a criminalidade.

A mesma pesquisa mostra que os adolescentes e jovens no Brasil estão distribuídos

principalmente na Região Sudeste, com 41% (20,6 milhões) da população jovem vivendo nos

quatro estados que compõem a região. Em segundo lugar vem a Região Nordeste com 29%

(17,8 milhões), seguida da Região Sul com 14% (6,9 milhões) que já apresenta um número

muito mais reduzido do que a predecessora. Completando o quadro, a Região Norte com 9%

(4,3 milhões), vindo por último a Região Centro-Oeste com 7% (3,7 milhões).

Vale salientar que existe um baixo percentual de adolescentes e jovens responsáveis

por crimes graves no país. No Estado de São Paulo apenas 1% dos homicídios são atribuídos

a adolescentes e menos de 4% ao total de crimes.

Segundo Rocha (2000)27 havia no país 9.555 adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa de internação provisória. Destes, 90% eram do sexo masculino; 76% tinham

idade entre 16 e 18 anos; 63% não eram brancos e destes 97% eram afro-descendentes; 51%

não frequentavam a escola; 90% não concluíram o Ensino Fundamental; 49% não

trabalhavam; 81% viviam com a família quando praticaram o ato infracional; 12,7% viviam

em famílias que não possuíam renda mensal; 66% em famílias com renda mensal de até dois

salários mínimos; e 85,6% eram usuários de drogas.

Tais dados demonstram que há no país uma opinião equivocada sobre o jovem e o

envolvimento deste com o crime e/ou atos criminosos. Que uma pequena parcela destes

jovens acaba por ser alvo da mídia que por, na maioria das vezes, não ter tempo para apurar o

fato, acaba por generalizar o envolvimento deles com a violência.

Na escola em particular, a mídia tem a tendência de apontar esse espaço como privilegiado para as manifestações de atos de violência relacionando-os ao uso e ao comércio ilegal de drogas, alegando que os principais protagonistas – os alunos – são vulneráveis ao aliciamento, especialmente nas portas das escolas, porque se encontram numa faixa etária propícia a aventuras infindáveis, motivados pelo dinheiro que facilita o acesso ao consumo de qualquer tipo de produto, inclusive drogas. Os mecanismos de comunicação, ao apresentar essa problemática, apontam para os jovens em situação econômica menos privilegiada, moradores na periferia e estudantes de escolas públicas (MEDEIROS, 2006, p. 10.

27 Caravana Comunidade Segura 2007. Programa de Segurança Humana. O impacto sobre crianças e jovens. Organização “Viva Rio”.

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2. VIOLÊNCIA

(...) violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou passivos. Na medida em que a ética é inseparável da figura do sujeito racional, voluntário, livre e responsável, tratá-lo como se fosse desprovido de razão, vontade, liberdade e responsabilidade é tratá-lo não como humano e sim como coisa (CHAUI, Marilena, 1998 apud MARTINS, 2008. p. 189)28

(...) mito da não-violência está encarregado de negar a realidade das formas de dominação engendradas pela divisão social das classes no modo de produção capitalista, afirmando a unidade nacional e colocando como violação acidental tudo quanto manifeste a existência da divisão, da exploração e da dominação coisa (CHAUI, Marilena, 1998 apud MARTINS, 2008. p. 189)

2.1. A violência juvenil

Lembro-me de minha primeira briga. Tinha por volta de nove anos de idade. Estava na

escola quando uma garota de outra turma me desafiou por algum motivo. Não pensei duas

vezes e chamei-a para o confronto no final da aula. Não era nada demais, provavelmente ela

tinha me insultado por ser mais encorpada (para não dizer acima do peso) do que as demais

crianças da minha idade, mas eu precisava me firmar enquanto corajosa frente aos meus

amigos e também não podia levar insulto para casa. Lá estava eu, no final da aula, na saída da

escola, antes de minha mãe chegar para levar-me para casa. Avistei a garota e fui à sua

direção acompanhada por alguns colegas. Joguei a mochila no chão e quando “estava partindo

para cima” da garota, os inspetores nos separaram.

Pode parecer bobagem, um relato como qualquer outro vivenciado por muitos

adolescentes, mas que tem se tornado alvo de estudo e preocupação quando toma proporções

mais sérias e fatais.

Muito se fala sobre violência entre adolescentes e jovens, sobre uma punção que estes

têm pelo desastre, pelo caos. Porém, tal violência, na maioria das vezes, é motivada por

desigualdades sociais. Segundo Zaluar (2004):

28 MARTINS, Sérgio. Urbanização e violência: reflexões a partir do livro e do filme Cidade de Deus. In DEBORTOLI, José Alfredo O.; MARTINS, Maria de Fátima A. e MARTINS, Sergio (Orgs.). Infâncias na metrópole, Belo Horizonte: Ed, UFMG, 2008

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No início do século, mais precisamente nos anos 1920, em Chicago, começou-se a fazer estudos sistemáticos das gangues que então já existiam naquela cidade, dividindo-a em territórios dominados por jovens de diferentes etnias: italianos, judeus, irlandeses, negros etc. (Thrasher, 1927;Wirth, 1938). Pela primeira vez, falou-se das zonas ecológicas e dos territórios da cidade, e fez-se associação entre desorganização social e violência, zona de transição e criminalidade, violência urbana e juventude. A primeira teoria, aquela que viria a caracterizar inicialmente a escola de Chicago, foi a da desorganização social provocada pela imigração recente para áreas da cidade marcadas pela pobreza e pela decadência, onde os costumes e os valores tradicionais perderiam força ou deixariam de regular comportamentos, abrindo o caminho para a crise da moralidade, dos laços familiares e de vizinhança, o que favoreceria as atividades criminosas. (ZALUAR, 2004, p.177)

As gangues representam uma tentativa dos adolescentes e jovens de reconstruírem

suas identidades e de se rebelarem contra instituições como a família, a escola e até mesmo o

mercado de trabalho, que têm sido afetadas pelos crônicos níveis de desigualdade e exclusão

(RODGERS, 1999). As gangues são uma forma violenta de expressão de descontentamento e

apontamento da ausência de oportunidades para seus membros e a confirmação da inércia do

Estado em atender às necessidades daqueles. São uma fonte alternativa de renda e uma forma

de restaurar o sentimento de segurança, de pertencer a um grupo, de reconhecimento e de

participação em uma sociedade que lhes nega tais condições.

O “mundo” das gangues, a formação, a estrutura e o comportamento das mesmas são

frequentemente definidos em forma de estereótipos. Os estereótipos típicos incluem a noção

de que gangues são formadas por rapazes violentos que consomem álcool e drogas, muito

ativos sexualmente, irresponsáveis, com “sangue-frio”, traficantes que lutam por dinheiro e

pelo domínio dos centros habitacionais. Diversos filmes e seriados que reforçam estes

estereótipos são reproduzidos nas tevês e salas de cinema no mundo e no Brasil, sem grandes

preocupações com a recomendação da faixa etária própria para determinados horários, onde

filmes como “Juventude Transviada” (1955), “Amor, Sublime Amor” (1961), “As cores da

violência” (1988), “Cidade de Deus” (2002) e seriados de tevê como “Cidade dos Homens”

(Globo,2002), “Antônia” (Globo, 2006) fazem parte da grade de programação de muitas

emissoras de canais abertos e pagos.

Becker (1968) argumenta que indivíduos decidem ou não cometer um crime,

motivados por questões econômicas com base nos benefícios que podem ser auferidos do

crime, bem como os custos do mesmo, incluindo-se aí o tempo necessário para o

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planejamento e sua execução, o custo psicológico de infringir a lei e a probabilidade de ser

preso.

Porém, Elias e Dunning (apud Zaluar 2004, p.192), apoiados na ideia de “processo

civilizador” como sendo a descoberta de uma não-violência como uma representação

simbólica da competição entre segmentos, facções e Estados, analisam que onde o Estado é

fraco premiam-se os papéis militares e onde os laços segmentais (familiares ou locais) são

mais fortes, como acontece em bairros populares e vizinhanças pobres, o orgulho e o

sentimento de adesão ao grupo diminuem a pressão social para o controle das emoções e da

violência física, havendo menos sentimento de culpa no uso aberto de violência para resolver

conflitos.

No Brasil, no início do século XX tais resoluções eram representadas por meio de

torneios, concursos e desfiles carnavalescos que envolviam bairros e segmentos populacionais

rivais (Da Matta, 1982 a; Zaluar, 1994b). Com o passar do tempo, este processo tem se

alterado com a globalização da cultura e a mudança de hábitos por parte da sociedade. Para

ZALUAR (2004):

O processo de globalização da cultura, pela rápida difusão na indústria cultural dos novos estilos de cultura jovem, transformou parcialmente os jovens em consumidores de produtos especialmente fabricados para eles, sejam vestimentas, sejam estilos musicais, sejam drogas ilegais. A família não vai mais junta ao samba, e o funk não junta gerações diferentes no mesmo espaço; o tio traficante gostaria de expulsar da favela o sobrinho pertencente a outro comando ou à polícia ou ao Exército; a avó negra mãe-de-santo não pode freqüentar a casa de seus filhos ou netos pentecostais porque estaria carregada pelo demo. A família está partida, o que não aconteceu em algumas etnias nos EUA, onde os jovens das gangues defendem a honra familiar (Katz, 1988; Jankowski, 1991). A classe social está partida, as organizações vicinais estão paralisadas, e esvaziou-se o movimento social, tal como acontece nos bairros da periferia de Paris onde surgiram as galéres. Além disso, o processo civilizador foi interrompido e involuiu, provocando a explosão da violência intraclasse e intra-segmento que não se pode explicar pelo econômico apenas (ZALUAR, 2004, p.193-194).

No Brasil, adolescentes e jovens de diferentes classes sociais acabam seduzidos por

esse antagonismo do poder, por essa força midiática que cria novos signos de poder, sendo o

maior deles a supremacia da virilidade por meio da violência. As associações simbólicas que

relacionam o uso da arma de fogo, o dinheiro no bolso, a conquista de namorados/namoradas,

o enfrentamento da morte e a concepção de um indivíduo completamente livre revelam que as

práticas do “mundo” do crime vinculam-se a um ethos da virilidade por sua vez centrada na

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ideia de chefe, ou seja, um indivíduo que se guia apenas por “sua cabeça”, que não cede a

ninguém nem a nenhum poder superior (ZALUAR, 1988; 1989).

Aqueles adolescentes e jovens que se submetem aos valores da sociedade, que nutrem

o respeito por seus pais são tachados de “otários”, “patinhos”, “cus d´agua”, “manés”, “os

que não têm esperteza” e que se submetem a ganhar pouco em contraposição àqueles que já

“nasceram” ricos (ZALUAR, 2004). Este poder de sedução, aliado a diferenças e

desigualdades sociais, culturais e econômicas, tem motivado o adolescente e jovem para a

prática de delitos.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) no Rio de Janeiro,

entre 2005 e 2006, com jovens envolvidos em alguma atividade criminosa, mostra que grande

parte dos delitos está ligada ao tráfico e que, na maioria das vezes, o adolescente entre 15 e 29

anos é mais vítima de homicídios do que autor destes.

Por tais motivos, o fenômeno da violência juvenil tem recentemente atraído a atenção

de governos federais, organizações comunitárias, agências externas e até mesmo o setor

privado. As diferentes óticas nos debates sobre esse tema são tentativas de se compreender

esse fenômeno e de busca de estratégias para a intervenção social.

Figura 01: Tipo de envolvimento que levou à apreensão das crianças e adolescentes no Estado do Rio de Janeiro (2005 e 2006 - valores absolutos).

Podemos constatar no Gráfico acima que entre 2005 e 2006 o número de delitos

envolvendo crianças e adolescentes teve significativa diminuição sendo mais frequentes

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crimes ligados ao tráfico de drogas, roubo, furto e porte de armas de fogo justiçados por suas

interligações.

Figura 2: Perfil das crianças e adolescentes vítimas de homicídio doloso no Estado do Rio de Janeiro (2006 –

valores percentuais)

Nos casos em que crianças e adolescentes são vítimas de crimes dolosos, o maior

índice concentra-se no gênero masculino, entre adolescentes de 16 a 17 anos de idade, de cor

parda.

Figura 3:Taxa de Homicídios da população de 15 a 29 anos, Brasil.

Fonte: GEPDL. Trabalhado por:

NUPESP/ISP

Fonte: GEPDL. Trabalhado por:

NUPESP/ISP

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Estão concentrados entre jovens de 20 a 29 anos de idade os maiores índices de

homicídio no Estado do Rio de Janeiro, faixa etária esta considerada pelo senso geral como

adultos, estando os homicídios praticados por adolescentes entre 15 e 19 anos como o

segundo maior índice.

3. ESCOLA

A escola é uma instituição direcionada ao ensino que, como outras, é um importante espaço de socialização, possibilita o encontro de jovens de díspares culturas e com tendência à busca e à experimentação, facilita o confronto com a autoridade do saber, o que implica poder e domínio. Na instituição educacional, em especial, além do conteúdo das disciplinas de conhecimentos gerais, ela se encarrega de transmitir normas e valores sociais (MEDEIROS, 2006, p. 13).

(...) se enseña en un sentido más amplio a los alumnos como integrarse en La normalidad de relaciones de poder y domínio (...) un orden de comunicación frontal y unilateral determina quién decide sobre La manera de aprender – ES decir, La profesora-y quién tiene que adaptarse – ES decir los alumnos (BLISSET; BRÜNZELS, 2000 apud MEDEIROS, 2006, p. 14)

3.1. A violência nas escolas

A escola surge na vida do adolescente como um universo que deveria ser não só de

aprendizado, mas um referencial de socialização, promoção de cidadania, formadora de

atitudes e opiniões e fonte para o desenvolvimento pessoal. É no ambiente escolar que o

adolescente aprende os conceitos de cidadania, de convívio social e, na prática, vivencia a

exclusão, a discriminação, a falta de recursos quando em um sistema público de ensino. Como

parte da sociedade, a escola acaba por ser um espelho de modelos contrários àqueles

preconizados na teoria.

Entre as transgressões comportamentais e as agressões verbais e físicas, a violência

escolar é exercida de diversas maneiras e vem se tornando uma rotina real e assustadora,

assumindo proporções preocupantes e que, portanto, não pode continuar sendo tratada de

forma negligente e superficial pelas instituições de proteção social de adolescentes e jovens,

da família e da sociedade, de modo geral.

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Mas quando falamos de violência escolar, não podemos deixar de lado as diferentes

formas em que ela se apresenta. Charlot (2003) classifica a violência escolar em três níveis:

a. Violência: golpes, ferimentos, violência sexual, roubos, crimes, vandalismos; b. Incivilidades: humilhações, palavras grosseiras, falta de respeito; c. Violência simbólica ou institucional: compreendida como a falta de sentido de permanecer na escola por tantos anos; o ensino como um desprazer, que obriga o jovem a aprender matérias e conteúdos alheios aos seus interesses; as imposições de uma sociedade que não sabe acolher os seus jovens no mercado de trabalho; a violência das relações de poder entre professores e alunos. Também o é a negação da identidade e da satisfação profissional aos professores, a obrigação de suportar o absenteísmo e a indiferença dos alunos. (apud ABRAMOVAY e RUA, 2003, p.23-34)

Segundo Debarbieux (1996), devem-se considerar:

1. os crimes e delitos tais como furtos, roubos, assaltos, extorsões, tráfico consumo de drogas etc., conforme qualificados pelo Código Penal; 2. as incivilidades, sobretudo, conforme definidas pelos atores sociais; 3.o sentimento de insegurança ou, sobretudo, o que aqui denominamos sentimento de violência, resultante dos dois componentes precedentes, mas, também, oriundo de um sentimento mais geral nos diversos meios sociais de referência. (apud ABRAMOVAY, 2002, p.22)

A realidade do contexto escolar e suas relações com a violência é muito complexa.

Contudo, essa complexidade acaba por delinear o fracasso escolar e este, por sua vez, traz à

tona um ciclo de fracassos que se formam a partir das frustrações daqueles que participam do

espaço escola.

Estas frustrações reforçam, assim, a ideia de que o espaço escola não tem

correspondido de forma satisfatória às necessidades da pós-modernidade. A esse respeito,

Perrenoud (2001) discute que:

(...) temos de enfrentar a complexidade dos processos mentais e sociais, a ambivalência ou a incoerência dos atores e das instituições, as flutuações da vontade política, a renovação dos currículos e das didáticas, as rupturas teóricas e ideológicas ao longo das décadas. (PERRENOUD,2001, p.15)

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Deste modo, a existência no contexto escolar de frustrações diversas por si só já

denota uma forma de violência. Por violência, nesta pesquisa, tangenciamos o conceito

dicionarizado do vocábulo como: “1. Uso de força física; 2. Ação de intimidar alguém

moralmente ou o seu efeito; 3. Ação freqüente destrutiva exercida com ímpeto, força […]; 4.

Expressão ou sentimento vigoroso: fervor […]” (HOUAISS, 2008, p. 762)

O Brasil possui aproximadamente 97% de crianças na escola, porém apresenta

também o maior número de evasão por adolescentes em escolas do ensino público (estadual e

municipal) por fatores como: ensino de má qualidade, falta de recursos materiais, ausência do

corpo docente, etc.

Segundo o Gráfico abaixo29, a grande maioria da população jovem tem de quatro a

sete anos de estudo (81% para defasados e 59% para os excluídos); uma parcela significativa

tem de um a três anos (18% para os defasados e 27% para os excluídos). No que se refere ao

analfabetismo, por sua vez, os dois grupos se separam: inexpressivo entre os defasados (1%)

chega a 14% entre os excluídos, conforme se verifica na Figura a seguir:

Figura 4: Jovens de 15 a 24 anos, defasados ou fora da escola, por anos de estudo.

29 Fernandes R., Segurança para Viver -Propostas para uma política de redução da violência entre adolescentes e jovens, Viva-Rio, Rio de Janeiro, 2005, p.12.

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Souza (2008) ao pensar a situação do ensino nas escolas introduz o tema da

participação dos estudantes, conhecido como protagonismo juvenil, afirmando que:

Os ‘conteúdos básicos da aprendizagem´ aparecem referidos, não às necessidades intrínsecas do ser humano, ainda que considerado como ser social, mas às necessidades impostas pelo mercado de trabalho: é o próprio mercado que tem necessidades das potencialidades, da aprendizagem constante, da participação no desenvolvimento, enfim, da força de trabalho humana30. As necessidades não aparecem no discurso como requisitos do mercado, mas com algo dado e impessoal, decorrência natural e inevitável de uma realidade que se impõe e em relação à qual não há alternativa possível. A distância entre o real e o discurso é minimizada como se o próprio real fosse capaz de enunciar suas necessidades. Assim, o tipo de educação proposto, baseado na aprendizagem contínua, “a educação ao longo de toda a vida”, é enunciado como uma exigência de algo inexorável, como um dever ao qual ninguém pode furtar-se. Esse tipo de posição discursiva pode ser observada no uso constante de orações com sujeito indeterminado, na freqüente utilização dos verbos impor e exigir31 (e seu derivado exigência) e nas referências à chamada “sociedade da informação” e ao “novo século (SOUZA, 2008, p.145).

3.2 O papel da escola

Ora, se paramos para pensar sobre a história da “escola de massa”, esta nasceu sob a

égide de aliar o trabalho à disciplina. A História comprova que as primeiras tentativas de

implantação de um sistema escolar aconteceram no Baixo Império Romano e no Império

Carolíngio como forma de sustentação de um regime burocrático que necessitava de uma

caterva de escribas e funcionários, conhecedores, ao menos, da leitura e da escrita dos

rudimentos da lei.

É sabida a importância da escola para os domínios da religião quando da época da

Revolução Protestante e a expansão do ensino jesuíta, bem como para a formação dos Estados

Nacionais modernos por meio da unificação das línguas como forma de se cessar a guerra

entre os mesmos povos.

30 O texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio é mais explícito a respeito da coincidência entre as necessidades do mercado e as finalidades educativas, o que, contraditoriamente, é apontado como fator de “autonomia” da Educação. “A nova sociedade, decorrente da revolução tecnológica e seus desdobramentos na produção e na área da informação, apresenta características possíveis de assegurar à educação uma autonomia ainda não alcançada. Isto ocorre na medida em que o desenvolvimento das competências cognitivas culturais exigidas para o pleno desenvolvimento humano passa a coincidir com o que se espera na esfera da produção”. (BRASIL/CNE, 2000, p.11) 31 Chama a atenção o incontável número de vezes que o verbo exigir e a derivação exigência são utilizados no Relatório Delors, em uma delas compondo a contraditória expressão “exigência democrática” em referência à “educação ao longo de toda a vida” (DELORS et al, 2003, p.104)

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Para Enguita (1989), muito da história da formação das escolas acaba por ser

esquecida por um mero comodismo em se revelar apenas aquilo que é “belo” e não o feio que

poderia ser passivo de alteração:

Entretanto, a maior parte da historiografia da escola, elaborada geralmente por escolares já crescidos, mas que raramente saíram dos claustros da instituição, tendeu a basear-se na mera análise da evolução do discurso pedagógico, da sucessão de escolas modelares através das épocas ou da não evolução das cifras agregadas que agrupavam sob epígrafes comuns realidades não acumuláveis nem comparáveis. Por outro lado, é bem sabido que a história é escrita pelos vencedores, que não gostam de mostrar a roupa suja: sempre é mais conveniente apresentar a história da escola como um longo e frutífero caminho desde as presumidas misérias de ontem até as supostas glórias de hoje ou de amanhã, por exemplo, como um processo de domesticação da humanidade a serviço dos poderosos. A verdade, dizia Hegel, é revolucionária (ENGUITA, 1989, p.131).

O papel da escola, portanto, não é o de apenas formar indivíduos para uma vida plena

e satisfatória na sociedade, mas, acima de tudo, ajudá-lo a entender os processos sociais

enquanto partícipes dele. Conforme Delors (2003 et al), “ é no seio dos sistemas educativos

que se forjam as competências e aptidões que farão com que cada um possa continuar a

aprender”. Desta forma, o papel da educação seria propiciar um ambiente favorável para que

os indivíduos pudessem “desenvolver os seus talentos e permanecerem, tanto quanto possível,

donos do seu próprio destino”

O abandono precoce da escola pelos estudantes representa um fator de vulnerabilidade

e risco que pode levá-los a ocupar espaços não adequados e sadios para seu desenvolvimento

físico, emocional, social e aumentar as dificuldades de lida com os conflitos.

Segundo SPÓSITO (2001):

Entre os anos 80 e início dos anos 90, em virtude da intensificação do crime organizado e do tráfico de drogas, há um recrudescimento do sentimento de insegurança na população em geral e, paralelamente a isso, a imprensa passa a dar destaque aos casos graves de violência que envolviam a escola, como, por exemplo, os casos de homicídio. Por conseqüência, o final dos anos 90 é marcado pelas iniciativas públicas, algumas em parceria com ONGs e sociedade civil, que visavam à redução da violência. A partir delas buscou-se desenvolver novas concepções sobre segurança, com ênfase no debate sobre a democratização dos estabelecimentos escolares. (apud RUOTTI, 2007, p.34)

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De acordo com a pesquisa realizada pela autora sobre as relações de violência e escola

no Brasil após 1980, observamos que o tema violência ganha destaque no debate público por

ser um momento de grande demanda por segurança, por parte dos moradores das periferias

das grandes cidades que denunciam as condições precárias dos estabelecimentos escolares

nessas regiões.

Todavia, é importante considerar que a violência não deve ser percebida apenas na

pós-modernidade. Ao analisarmos a história da humanidade, é possível compreendermos o

homem a partir de duas óticas distintas, entretanto, indissociáveis: enquanto aquele que exerce

e/ou sofre algum tipo de violência. Ao longo dos tempos, esta lógica também marcou o

contexto escolar. O uso da palmatória, de ajoelhar em grãos de milho, uso do chapéu com

apologia à inexistência da inteligência discente (orelhas de burro), a reescrita repetitiva de

uma palavra inicialmente grafada errada são exemplos dessa violência.

Figura 05 : Palmatória32.

A desconsideração de sanções como as supracitadas ganhou força, principalmente, a

partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, que em seu

corpus cita:

Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

32 Disponível em: http://profmanuelfernandes.blogspot.com/2008_07_01_archive.html

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desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade [...]

E, no diálogo, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal n.º

8069 de 1990:

Art. 18 - É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

A partir da Legislação, o conceito de práticas pedagógicas sofreu significativa

mudança. O ensino passou a seguir uma horizontalidade que se fundamenta na interação

humana. Logo, o professor assume a condição de mediador e não mais o detentor de saberes,

e, por conseguinte, a escola passa a ser reconhecida enquanto espaço dialógico, cujo discurso

deve apresentar franca coerência à cultura de paz.

O conceito da cultura de paz foi concebido pela Organização das Nações Unidas33 que

a reconhece a partir de três dimensões de cultura:

A primeira dimensão destaca que a paz “possui a marca do humano”. Quer dizer, a

paz, assim como a violência, se constrói e se aprende pelos seres humanos. As agressões ou

guerras são ações humanas, não fazem parte da natureza, mas da cultura.

A segunda dimensão enfatiza a enorme abrangência da paz uma vez compreende todas

as áreas da vida, desde o social, o político e o econômico, até as pequenas ações do cotidiano.

Um bom exemplo é a Educação: o diálogo e a não-violência foram importantes para se mudar

o modo como a escola tratava a diversidade cultural e étnica.

Por fim, a última dimensão consiste na percepção de que a paz não se trata de uma

situação já dada, nem atingida por decreto. Ela é um processo, uma construção social. Nesse

33 Disponível em: http://dh.educacaoadistancia.org.br/arquivos/2010/Modulo_II.pdf

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processo de construir uma cultura da paz, os movimentos sociais reforçam um protagonismo

especial: as mulheres, as minorias étnicas, a classe trabalhadora, os pobres de todo o mundo,

ou seja, grupos que sofrem violações de direitos humanos e que lutam contra elas, são os

construtores do avanço da cultura da paz.

Tal cultura também foi amplamente valorizada e divulgada pela UNESCO e aparece

no relatório elaborado por Delors (1998) referente aos quatro pilares da Educação para este

novo século34:

1. Aprender a conhecer - A Educação precisa priorizar o domínio dos instrumentos do conhecimento, o aprender a aprender, o aprender ao longo de toda a vida. 2. Aprender a fazer - O aprender a fazer é indissociável do aprender a conhecer. Trata-se de saber como pôr em prática o conhecimento. Envolve a qualificação profissional e as competências que tornem a pessoa apta a enfrentar situações e trabalhar em equipe. 3. Aprender a viver juntos - A Educação deve permitir a descoberta do outro e a participação em projetos comuns, trabalhar a diversidade, tomar consciência da semelhança e interdependência entre os seres humanos do planeta. Deve também desenvolver atitudes de empatia, capacidade de abertura e alteridade, além de promover projetos de cooperação, participação em atividades sociais. 4. Aprender a ser - A Educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa, mente e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade. Deve permitir que o sujeito seja autônomo e crítico e possa formular seus próprios juízos de valor

Da mesma forma, estes pilares buscam a construção de uma Educação pautada em

uma escola que priorize a subjetividade humana e o fortalecimento dos laços sociais no

enfrentamento de circunstâncias que envolvam a violência.

E aqui encontramos uma problemática: a escola tende a acompanhar a organicidade da

sociedade/cultura na qual se insere, portanto, é mutável. Seus paradigmas confirmam essa

mutação. Em contraponto, uma circunstância tende a ser considerada violenta quando existem

uma tipificação e o devido reconhecimento como tal. Logo, algumas circunstâncias que são

reconhecidas como violentas por um nicho social podem não ser reconhecidas por outros.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1945) propõe um Termo de

Ajustamento de Conduta (TAC). Para tanto, são inalienáveis e invioláveis - são assim,

inegociáveis. Neste preceito, as violações de direitos humanos não são de modo algum

34 Delors apud Enricone. In: Fracasso escolar e cidadania: o entrelaçamento da escola que temos e da cidade que queremos. (....)

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aceitáveis. Por esse motivo, os direitos humanos devem ser protegidos e amparados pela força

da lei e das instituições35.

Entretanto, o que podemos perceber na atualidade destoa deste contexto: escolas

fragilizadas por falta de políticas públicas concernentes às expectativas da sociedade civil e

por diretrizes muitas vezes contraditórias. Existe, nesse contento, o ato de violar o preceito

educacional. E este violar, como a própria etimologia do termo sugere, pressupõe ato de

violência.

E essa violência pode ser lida em suas entrelinhas a partir de variantes, portanto, é

importante considerarmos a violência por intermédio de duas perspectivas: ‘no’ e ‘do’

contexto escolar.

A primeira perspectiva diz respeito à seguinte aplicação: a violência no contexto

escolar consiste na produção violenta de convívio dentro do espaço escolar, sem, contudo, ter

relação direta à proposta interna da escola. Por exemplo, a invasão da escola por gangues ou

grupos distintos com a finalidade de práticas ilícitas.

A segunda perspectiva refere-se à violência do contexto escolar, que representa a

institucionalização da violência, em significativa parte reproduzida por intermédio de seus

agentes - corpo gestor, administrativo ou docente. Por exemplo, na atribuição de notas como

sanção ou nos atos de exclusão.

E é justamente nessa perspectiva da escola como instituição atrelada à violência que

esta pesquisa se fundamenta. Mais além, a escola não tem dado conta de atender à

organização sociocultural que apresenta em seu interior o fator multicultural. Nessa direção

Gadotti (1992) enfatiza que “a educação multicultural vem em auxílio do professor para

melhor desempenhar sua tarefa de falar ao aluno concreto. Ela valoriza a perspectiva do

aluno, abrindo o sistema escolar e construindo um currículo mais próximo da sua realidade

cultural.” (1992, p.4).

Um fator importante verificado ao longo da História diz respeito à diversidade

cultural. A escola, por esta lógica, passou a acolher diferentes grupos culturais, o que

comumente se denomina diversidade cultural. Entretanto, só acolher não tem sido suficiente.

A escola precisa buscar meios para que esta diversidade se encontre em uma identidade

comum, ou seja, em uma consciência individual e coletiva de como ser no mundo.

A lacuna identificada também nos mostra que a maior parte da violência

protagonizada por adolescentes se explica pelo senso de não-pertencimento ao contexto

escolar, que Charlot (1996) assim explica: 35 Disponível em: http://dh.educacaoadistancia.org.br/arquivos/2010/Modulo_II.pdf

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É preciso tentar entender como histórias singulares se desenvolvem no interior de espaços sociais que são os mesmos para todos, e continuam sendo histórias individuais, singulares (p. 9).

E, para Perrenoud (2001), é compreendido como:

Não podemos subestimar o choque cotidiano das culturas. Ele influencia o fracasso escolar: as rejeições, as rupturas na comunicação, os conflitos de valores e as diferenças de costumes contam tanto quanto o eventual elitismo dos conteúdos (p. 57).

A questão é: qual o papel da escola para seu público principal (estudantes) e

comunidade escolar e externa? A escola tem se formalizado a partir da tríade: dimensão

epistêmica - a serviço da apropriação; dimensão socializante – ensaio, preparação de algo

ainda por vir; dimensão profissionalizante – qualificação para o trabalho, ensino

propedêutico. E sua visão romanceada ainda diz respeito ao espaço escolar enquanto aquele

favorável ao florescimento das potencialidades humanas. Entretanto, não estamos habilitados

para perceber que este ato de florescer tem mudado com o passar dos tempos.

Assim, a escola precisa efetivamente se perceber como instituição dependente, que

não está dissociada ao contexto sócio-histórico. Ainda trabalhamos com a ideia de que a

indisciplina corresponde à bagunça, ao tumulto, à falta de limite, mau comportamento,

desrespeito à figura de autoridade, mas nos esquecemos de que o conceito de disciplina diz

respeito a um padrão aceitável socialmente. Deste modo, esquecemo-nos de olhar para trás

para verificar que o que é aceito hoje anteriormente já foi indisciplina e assim por diante. A

sociedade é orgânica, muda, assim como as demandas que chegam à escola e à sociedade.

As Recomendações Disciplinares de 1922 mostram que o conceito de disciplina era

diferente da que hoje temos por conta da ênfase à obediência e subordinação:

[...] necessárias principalmente no que tange ao controle e ordenação do corpo e da fala. O silêncio nas aulas é absoluto e, fora delas, contido. Os movimentos corporais, por sua vez, são completamente esquadrinhados: sentados em sala, e em filas fora dela (AQUINO, 1996, p. 43).

O paradigma educacional atual faz referência ao espaço escolar como democrático ao

mesmo tempo em que propõe um padrão de comportamento, um ajustamento social. Mais

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ainda, na contramão, refere-se à subjetividade humana e no Artigo 205 da Constituição

Federal de 1988 faz menção à escolarização já como exercício da cidadania.

Logo: quais os novos significados da escola? Um quadro difuso se forma:

(..) a gênese da indisciplina não residiria na figura do aluno, mas na rejeição operada por esta escola incapaz de administrar as novas formas de existência social concreta, personificadas nas transformações do perfil de sua clientela (AQUINO, 1996, p.45).

Em nosso tempo, a indisciplina se marca como força legítima de resistência. E a

grande questão é: resiste-se a quê?

Conforme o autor, a resistência diz respeito à sombra da figura de autoridade. O que

justamente não condiz com o que se espera para a Educação neste novo milênio. Precisa-se

buscar a alteridade e esta por sua vez precisa legitimar o modus operandi no contexto escolar

por intermédio de sua repetição e legitimação, ou seja, o papel da escola precisa ser

constituído pela contínua construção e desconstrução e, com isso, fundamentar um novo

entendimento do que é a (in) disciplina, pois, segundo Aquino (1996), “estamos em outro

tempo e precisamos estabelecer outras relações” (p. 67).

4. A mídia

4.1. Pesquisas em comunicação

4.1.1. Teoria da “Bola Mágica” e a propaganda de guerra

A violência é um dos objetos de estudo de diferentes estudiosos e catedráticos no

campo da comunicação. Seus efeitos benéficos e nocivos são amplamente questionados e

pesquisados.

Um dos primeiros estudos no campo da comunicação que envolvem violência datam

do início do século XX nos Estados Unidos a partir das necessidades de um Estado de

Guerra. Os pesquisadores considerados pioneiros nesse campo buscavam obter respostas a

partir da propaganda política ideológica dos Estados Unidos na Grande Guerra.

Em um Estado de Guerra, a população precisaria estar envolvida no processo para

apoiar a Pátria na ação contra o inimigo e assim suportar possíveis privações em consequência

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do conflito. A persuasão, via meios de comunicação de massa, seria utilizada para se obter

efeitos desejados pelo emissor.

Os cidadãos tinham de odiar o inimigo, amar sua pátria, e devotar-se ao máximo ao esforço de Guerra. Não se podia depender de que o fizessem por conta própria. Os veículos de comunicação de massa disponíveis então tornaram-se as principais ferramentas para persuadi-los a agir assim. (DEFLEUR e BALL-ROKEACH, 1997, p.180.)

O grande objetivo dessas pesquisas era conhecer como se formavam os mecanismos

de persuasão por meio dos veículos de massa (rádio e cinema) de forma a atender e satisfazer

os interesses do Estado. Tal estudo ficou conhecido como “Teoria da Bola Mágica” ou

“Teoria da Agulha Hipodérmica” que tem como ideia principal o fato de o receptor ser

passivo e aceitar as mensagens como são enviadas, sem questionamentos. Pressupõe que a

mensagem é enviada e recebida, assim como uma bala disparada em determinado sujeito.

As propagandas de guerra e os novos meios de comunicação, como o rádio e o

cinema, chamaram a atenção dos pesquisadores para o que essas novas formas de

comunicação podiam causar nas pessoas. É dessa época o conceito de sociedade de massa,

definido como um aglomerado de pessoas, porém, todas completamente isoladas umas das

outras.

Os esforços da propaganda de guerra, por meio de noticiários radiofônicos, fotos,

discursos, livros, sermões e filmes, surtiram efeito na adesão da população à Guerra. Como se

concebia que os indivíduos da sociedade de massa estavam isolados e não possuíam vínculos

unificadores, passou a ser difundido o pensamento de que a mídia era poderosa em uma

sociedade sem coletividade e que seus efeitos seriam diretos, uniformes e imediatos nos

indivíduos.

No Brasil os efeitos da pesquisa foram identificados nos anos de 1938 e 1939 quando

o país sofria forte influência do regime totalitarista e vivia o chamado Estado Novo que impôs

forte repressão aos meios de comunicação, como forma de controle. Dessa época são datados

programas como “Hora do Brasil” (de caráter informativo, cultural e cívico) e a criação do

Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que possuía como principal característica o

fortalecimento da censura e o redirecionamento dos conteúdos da mídia.

Outro destaque que merece ser citado na evolução dos estudos dos processos

comunicacionais diz respeito ao paradigma criado por Harold D. Lasswell36, baseado no

modelo de Aristóteles37.

36 Cientista político e professor da Universidade de Yale – EUA, um dos pais da Mass Comunication Research.

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Lasswell (1902-1978), em seu livro Propaganda Techniques in the World War (1927),

pensava a propaganda (aquela difundida na Primeira Guerra – 1914 a 1918) como único meio

de atrair a adesão com o grande público, de maneira não violenta.

A propaganda constitui o único meio de suscitar a adesão das massas; além disso, é mais econômica que a violência, a corrupção e outras técnicas de governo desse gênero. Mero instrumento, não é nem mais moral nem mais imoral que “a manivela da bomba d`água”. Pode ser utilizada tanto para bons como para maus fins. Essa visão instrumental consagra uma representação da onipotência da mídia, considerada ferramenta de “circulação eficaz dos símbolos”. A opinião comum que prevalece no pós-guerra é a de que a derrota das forças alemãs deveu-se enormemente ao trabalho de propaganda dos Aliados. A audiência é visada como um alvo amorfo que obedece cegamente ao esquema estímulo-resposta. Supõe-se que a mídia haja segundo o modelo da “agulha hipodérmica”, termo forjado por Lasswell para designar o efeito ou impacto direto e indiferenciado sobre os indivíduos atomizados. (MATTLELART, 2002, p.37)

Harold Lasswell estudava a comunicação a partir das hipóteses:

• quem? (emissor – Análise do controle);

• diz o quê?(Mensagem – Análise do conteúdo das mensagens);

• em que canal?(Meio – Análise das mídias);

• para quem?(Receptor);

• com que efeito?(Feedback – análise da audiência e análise dos efeitos).

Sua teoria trazia como reflexão que a mídia afetava o público pelos conteúdos

disseminados; os efeitos produzidos equivaliam a reações manifestas do público e estas

reações compreendiam: atenção, compreensão, fruição, avaliação e ação; as reações

dependiam de identificações projetivas, anseios e expectativas, latentes ou não, dos membros

do público; existia influência do contexto (social, cultural, ideológico) e de predisposições

especiais nas reações; e os conteúdos estavam inseridos em um contexto e constituíam um dos

fatores que provocam reações por parte do público.

37 Arte Retórica, de Aristóteles (384 – 322 a.C.), a mais conhecida e citada caracterização do processo de comunicação. Ensina o filósofo grego que, pelo recurso à “arte da palavra artificial”, comunicar significa persuadir.

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4.2. A relação adolescentes, jovens e comunicação

Nesse contexto, surgem as primeiras pesquisas que envolvem jovens e adolescentes,

em uma tentativa de identificar a influência ou não das mensagens transmitidas pelos veículos

de comunicação de massa quando de um período motivado por reformas sociais, nos Estados

Unidos, da década de 1930.

Em 1933 instituindo uma longa tradição de estudos relativos à questão da mídia e da violência, apareceu sobre o tema o relatório em doze volumes do Payne Fund, no qual psicólogos, sociólogos e educadores eminentes interrogaram-se a respeito dos efeitos do cinema no conhecimento das culturas estrangeiras, nas atitudes em relação à violência e no comportamento delinqüente. Afastando-se do postulado de Lasswell, essas pesquisas ilustradas pelo relatório da fundação Payne já puseram em questão a teoria behaviorista do efeito direto das mensagens nos receptores, atentando em fatores de diferenças na recepção das mensagens, tais como idade, sexo, meio social, experiências passadas e influência dos pais. (WARTELLA e REEVES, 1985 apud MATTELARD, 2002, p.41)

A comunicação há muito tem ser tornada como um tema polêmico de discussão ainda

mais, ao considerarmos a informação como um bem valioso, responsável por erguer e

derrubar diferentes lideranças. Na modernidade, uma discussão sobre a temática que vem

ganhando cada vez mais adeptos, incluindo o Brasil, são as pesquisas denominadas agenda

setting, newsmaking e espiral de silêncio.

Antonio Hohlfeld38, em “Hipóteses Contemporâneas de Pesquisa em Comunicação”

(2001), levanta três hipóteses para o agendamento:

a) O fluxo contínuo de informação – verifica-se que o processo de informação e de comunicação não é, como parecem pressupor as antigas teorias, um processo fechado. (...). Da manhã à noite, contudo, sofremos verdadeira avalanche informacional que, na maioria das vezes, inclusive, nos leva ao conhecido processo de entropia, ou seja, um excesso de informações que, não trabalhadas devidamente pelo receptor, se perdem ou geram situações inusitadas como aquelas já flagradas no engraçadíssimo Samba do Crioulo doido de Stanislaw Ponte Preta. O que, na verdade, ocorre, e que este fluxo contínuo informacional gera o que McCombs denominará de efeito enciclopédia que pode ser inclusive concretamente provocado pela mídia, sempre que isso interesse, através de procedimentos técnicos como o chamado Box que revistas e jornais muitas vezes estampam

38 Doutor em letras pela PUCRS, professor e coordenador do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da FAMECO/PUCRS.

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junto a uma grande reportagem, visando atualizar o leitor em torno de determinado fato (...). b) Os meios de comunicação, por conseqüência, influenciam sobre o receptor não a curto prazo, como boa parte das antigas teorias pressupunham, mas sim a médio e longo prazos – ou seja, é mediante a observação de períodos de tempo mais longos do que os habitualmente até então configurados que podemos aquilatar, com maior precisão, os efeitos provocados pelos meios de comunicação. Mais que isso, deve-se levar em conta não apenas o lapso de tempo abrangido por uma determinada cobertura jornalística quanto, muito especialmente, o tempo decorrido entre esta publicidade e a concretização de seus efeitos em termos de uma ação e conseqüentemente por parte do receptor. (...) c) Os meios de comunicação, embora não sejam capazes de impor o quê pensar em relação a um determinado tema, como desejava a teoria hipodérmica, são capazes de, a médio e longo prazos, influenciar sobre o quê pensar e falar, o que motiva o batismo desta hipótese de trabalho. Ou seja, dependendo dos assuntos que venham a ser abordados – agendados – pela mídia, o público termina, a médio e longo prazos, por incluí-los igualmente em suas preocupações. Assim, a agenda da mídia de fato passa a se constituir também na agenda individual e mesmo na agenda social (HOHLFELDT, 2002, p.190-191)

Sobre newsmaking, Hohlfeldt (2002) nos diz:

A hipótese de newsmaking dá especial ênfase à produção de informações, ou melhor, à potencial transformação dos acontecimentos cotidianos em notícia. Deste modo, é especialmente, no caso o profissional da informação, visto enquanto intermediário entre o acontecimento e sua narratividade, que é a notícia, que está centrada a atenção destes estudos, que incluem sobremodo o relacionamento entre fontes primeiras e jornalísticas, bem como as diferentes etapas da produção informacional, seja ao [sic] nível da captação da informação, seja em seu tratamento e edição e, enfim, em sua distribuição. No horizonte do newsmaking se colocam, dentre os vários temas possíveis, os conhecidos estudos sobre gatekeeping ou filtragem da informação, que se distingue totalmente da censura, por sua perspectiva distinta da ideologia e mais vinculada às rotinas de produção da informação, verificáveis, assim, tanto entre a mídia capitalista, quanto nas socialistas, por exemplo.(...) Algumas pesquisas feitas entre profissionais indicavam que a recusa ou aceitação de um acontecimento enquanto notícia dependeria muito de uma espécie de conceito difuso do que seja a informação – entenda-se, a informação considerada de interesse jornalístico – vigente entre os profissionais. As referências implícitas dos profissionais pesquisados aos grupos de colegas e ao sistema de fontes foram dois dos elementos mais presentes nestas pesquisas, ultrapassando em muito qualquer preocupação ou referência ao público, ao leitor que seria, em última instância, enquanto receptor, o verdadeiro motivo daquela atividade profissional (HOHLFELDT, 2002, p.204-205).

Até aqui podemos considerar que a mídia pode causar algum tipo de influência sobre o

indivíduo e que o material dela é produzido, levando-se em consideração os interesses de

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determinados grupos e das Instituições que os controlam. Porém, também cabe dizer que na

sociedade em que vivemos, repleta de mecanismos provedores de informação, consequência

dos avanços tecnológicos, grande parte da informação deve ser filtrada a fim de se moldar aos

veículos de comunicação existentes e suas especificidades. Nem tudo que é vivenciado,

produzido enquanto informação terá sua divulgação por completo, ao contrário do que

acontecia nas chamadas Gemeinschaften39 (sociedades comunitárias) em que todos os

indivíduos se conheciam e o processo da informação era de fato unificado. Com a expansão

das sociedades, os distanciamentos físicos, a criação de fronteiras culturais e sociais,

assemelhamo-nos muito mais ao conceito de Gesellschaften40 (sociedades anônimas).

Noticiar é um processo organizado que implica uma perspectiva prática dos acontecimentos, uma série produtiva que vai da pragmaticidade41 à factibilidade, num processo múltiplo de descontextualização e recontextualização de cada fato, enquanto narrativa jornalística. A noticiabilidade está regrada por valores-notícia, conjunto de elementos e princípios através dos quais os acontecimentos são avaliados pelos meios de comunicação de massa e seus profissionais em sua potencialidade de produção de resultados e novos eventos, se transformados em notícia. Os valores-notícia (news value) não podem nem devem ser analisados isoladamente. Na verdade, eles se combinam sempre enquanto infinitos compostos, só verificáveis após sua concretização, ou seja, apenas depois que um evento se tornou notícia, de modo retroativo, pode-se analisar a narrativa e reconstituir os valores que influíam na decisão de torná-lo enquanto tal, a partir do acontecimento primeiro. A noticiabilidade é conjunto de regras práticas que abrange um corpus de conhecimento profissional que, implícita e explicitamente, justifica os procedimentos operacionais e editoriais dos órgãos de comunicação em sua transformação dos acontecimentos em narrativas jornalísticas. Reúne o conjunto de qualidades dos acontecimentos que permitem uma construção narrativa jornalística e que os recomendam enquanto informação jornalística. (HOHLFELDT, 2002, p.208-209)

Quando os veículos de comunicação, na busca da noticiabilidade, divulgam material

sobre adolescentes e jovens envolvidos em algum tipo de delito, mesmo que se resguardando

o direito de não identificar, colocar as iniciais ou citar o nome destes jovens, o faz em alguma

situação de risco, pois o entorno da matéria, o contexto da construção de seu lead42 podem, de

39 Termo preconizado por Tonnies Ferdinand em Comunity and society, East Lansing, Michigan State University Press, 1957 (edição alemã original de 1887) in Hohlfeldt, 2002, p. 192. 40 Outro termo preconizado por Tonnies Ferdinand. 41 Lembremos, neste sentido, a perspectiva de CHAPARRO, Manuel Carlos. Pragmática do Jornalismo, São Paulo, Summus, 1994. 42 Na teoria do jornalismo o lead (ou, na forma aportuguesada, lide) é a primeira parte de uma notícia geralmente posta em destaque relativo, respondendo às questões: Quem? Diz o quê? Quando? Como? Por quê?

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alguma forma, identificá-los por meio de seus pares no que o autor denomina de micro

Gemeinschaften, comunidades onde estes jovens estão inseridos, podendo ser seu bairro, seu

grupo escolar ou gangue de que façam parte etc. (HOHLFELDT, 2002). Para tanto, o Estatuto

da Criança e Adolescente, em seu art. 1743, acaba por ser infringido sob a égide do poder da

informação: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e

moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da

autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

Seria ingênuo pensar que os adolescentes e jovens estão totalmente submissos a tudo

que é dito ou pregado pelos veículos de comunicação e pensar que não exista capacidade de

discernimento entre o que está ou pode ser “certo” ou “errado”. O que acontece, não somente

com esse público, é que os veículos de comunicação de massa são capazes de provocar no

indivíduo o questionamento de ideias e valores, formando, assim, o que conhecemos como

opinião pública e, em uma sociedade cercada por todo tipo de informação, da conversa com o

vizinho até a troca de mensagens em redes sociais, todos acabam por tornarem-se

especialistas nos mais diversos assuntos, deixando de lado, em alguns momentos, a reflexão e

pesquisa mais aprofundada e fazendo circular, nos diferentes grupos, informações tomadas

como verdades supremas. É nesse ponto que a influência dos veículos de comunicação de

massa passa a ser alvo de estudos mais aprofundados , sendo enfocados seus efeitos em

adolescentes e jovens que estão em “condição peculiar” de desenvolvimento, conforme art. 6º

do ECA.

Tomamos os estudos desenvolvidos pela pesquisadora Noelle-Neumann44 que

questionam a influência da mídia e de que esta não se estabelecia apenas no sobre o quê

pensar ou opinar, mas o quê pensar ou dizer, no que a pesquisadora conveniou chamar de

espiral de silêncio:

Sua pesquisa indicou que as pessoas são influenciadas não apenas pelo que as outras dizem mas pelo que as pessoas imaginam que os outros poderiam dizer. Ela sugeriu que, se um indivíduo imagina que sua opinião poderia estar em minoria ou poderia ser recebida com desdém, essa pessoa estaria menos propensa a expressá-la.45 Isso porque, segundo ela, para o indivíduo, o não-isolamento em si mesmo é mais importante que seu não-julgamento. Parece ser esta a condição da vida humana em sociedade; caso contrário, não será concretizada uma

43 Art. 17 “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”. 44 NOELLE-NEUMANN Elisabeth, Mass media social change in develope societies, in Hohlfeldt, 2002, p. 222. 45 SINGLETARY, w. Michael W. e STONE, Gerald. Communication theory & Research application.

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integração suficiente (p.118). Para Noelle-Neumann, além do medo ao isolamento, funciona ainda a dúvida sobre a capacidade de julgamento que o indivíduo tem sobre si mesmo e o que o torna vulnerável à opinião dos demais, em especial no caso de pertencer a algum grupo social, que pode puni-lo por ir além da linha autorizada.(..). Assim, para Elisabeth Noelle-Neumann, a opinião pública é na verdade a opinião da maioria que pode e chega a se expressar livremente, na medida em que tenha acesso aos meios de comunicação. Dito de outro modo, a opinião pública é um processo de interação entre as atitudes individuais e as crenças individuais sobre a opinião da maioria. Pela influência provocada na audiência pelos mass media chega-se à confluência do que seja a opinião majortiária46. Expressões como Zeitgeist ou spiritus loci traduziriam, filosoficamente, esta realidade, ligando-as conseqüentemente, aos processos de opinião pública (apud HOHLFELDT, 2002, p. 229-231).

Sendo assim, o indivíduo moldaria seu pensamento por receio de ser excluído ou

simplesmente por achar que seria excluído, de não pertencer mais a determinado grupo social.

Não quero aqui dizer que ele deixaria de pensar ou expressar suas opiniões, porém estas

teriam forte influência do de pertencimento desse indivíduo.

Os veículos de comunicação de massa passam a ter importante papel na “moldagem”

dessas ideias a partir do momento que a mesma informação, o mesmo fato noticioso é

transmitido e multiplicado por diferentes veículos em horários diversos. O indivíduo passa

então a dar credibilidade e moldar sua opinião por meio destes “recortes da verdade” como

forma de sentir-se partícipe em discussões em seu ambiente de trabalho, em casa, com os

amigos, etc. A necessidade do pertencimento, o medo do isolamento fazem com o que o

homem aja de maneira instintiva em relação à multiplicação da informação. Diferentes não

são o adolescente e jovem, porém, seu repertório e vivências são limitados ou restritos por

estarem sem condição peculiar de desenvolvimento, o que fazem é caminhar em um terreno

muito mais ardiloso.

Para Wolf (1994):

(...) a situação social em que cada um acredita ser o único a pensar algo de certo modo e não expressa sua própria opinião por temor de violar um tabu moral ou uma regra indiscutível, ou por medo de ser impopular. Quando ninguém concorda com uma norma, mas cada um pensa que todos os demais concordam com ela, o resultado final é como se todos concordassem com aquela norma (WOLF, 1994, p.71 apud HOHLFELDT, 2002, p.236).

4.3. A mídia e a juventude no Brasil

46 NOELLE-NEUMANN, Elisabeth, Return to the concepto f powefull mass media, op.cit, p.87

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A mídia mundial e, sobretudo, a brasileira sempre tiveram interesse em noticiar todo

tipo de desastre e catástrofes. Barthes (1999) fala de fait divers como uma informação

monstruosa sobre desastres, assassinatos, raptos, acidentes, roubos, assaltos, esquisitices “(...),

remetendo o homem a sua história, a sua alienação, a seus fantasmas, a seus sonhos, a seus

medos” (apud BARBOSA FILHO, 2004, p.120).

Em uma sociedade acuada pela violência não é difícil entender tal tendência dos

principais veículos de comunicação que, enquanto grandes indústrias, procuram atender ao

“gosto do cliente”. Imersos nesta indústria da comunicação, como figuras importantes de um

segmento cada vez mais crescente, estão as crianças, adolescentes e jovens.

A adolescência, em grande parte, é alvo de uma mídia equivocada que tem como

principal objetivo gerar notícias sem o tempo hábil para analisar e verificar os fatos. A

imparcialidade da informação, tida como princípio maior entre os profissionais, dá vez ao

imediatismo da indústria do consumo da informação, da concorrência entre os veículos de

comunicação. Basta observarmos dados do Ilanud47 que constata que, dentre os crimes

cometidos por jovens no Brasil, menos de 10% é considerado de caráter grave. Segundo o

relatório “Balas Perdidas” (2001), da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI),

crimes contra a vida cometidos por jovens são 37,2% dos casos cobertos pela imprensa. Já os

furtos são mencionados em 2% das notícias (apud Caravana Comunidade Segura, 2007).

No entender de MARCONDES FILHO (1986):

Tal visão conduz ao entendimento de que o jornalismo significa, portanto, informação (como notícia) com tênue vinculação com seu produtor ou emissor: objeto de compra e venda em um mercado em que não se sabe como, por que, de onde ou para onde vai. Mercadoria pura e simples, matéria solta e universal, como as demais mercadorias, fato social sem história e com reduzida ação no presente, reduzida inter-relação entre criador e receptor, reduzidas propostas e colaboração para uma transformação individual ou coletiva: alimento simbólico para a mente. Na produção da notícia, no tratamento dos acontecimentos, o que se vende é a aparência do valor de uso. A manchete, o destaque, a atratividade são o chamariz da mercadoria jornal. (MARCONDES FILHO, 1986, p. 31)

O ECA, em seu artigo 18, estabelece: “É dever de todos velar pela dignidade da

criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,

aterrorizante, vexatório ou constrangedor.” A partir do momento em que a mídia veicula

notícias sobre adolescentes e jovens que tenham praticado algum ato fora dos padrões de

47 Instituto Latino-Americano das Nações Unidas.

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convivência social ou que apenas sejam suspeitos, abre precedentes para que haja um

julgamento social sem se levar em consideração, muitas vezes, as circunstâncias em que o

fato ocorreu. O contrário também pode acontecer, o adolescente e jovem identifica na mídia

uma forma de recompensa por seus atos, quando ele terá o seu momento de “fama”, tornando-

se uma personalidade pública sem se importar com as consequências de seu ato.

Tais atitudes dos adolescentes e jovens perante o poder de sedução da mídia dão-se, na

maioria das vezes, por falta de aproximação com esse veículo. Ferrés (1996), ao se referir à

mídia televisiva, argumenta que:

O jogo de interações que se estabelece entre o espectador e a televisão não são iguais [sic] no espectador adulto e na criança. O adulto compara o que está vendo com suas expectativas anteriores, sua ideologia, seu valores, suas expectativas, seus fantasmas. A criança, no entanto, tem poucas experiências prévias. O jogo de relações desenvolve-se em um terreno muito mais virgem, muito mais vulnerável. (FERREZ, 1996, p.87)

Pensando na “sociedade do espetáculo”, parte dos adolescentes e jovens,

independentemente da classe social, ser notícia pode ser motivo de euforia e afirmação de

identidade frente a seus pares e com possibilidade de ser reconhecidos pela sociedade. Um

exemplo: ao ser visto empunhando uma arma de fogo, o adolescente se vê como protagonista

de filmes ou de seriados ou de notícias ou de exemplo de exercício de poder que ele vê na

mídia, no cinema, etc. Nesse contexto, o mercado publicitário acaba por encontrar um novo

nicho entre aqueles que consomem cada vez mais pela necessidade de autoafirmação social e

pela condição de que “ser jovem é sentir-se jovem”.

Para KEHL (2005):

A adolescência, na nossa cultura, é a idade na qual se representam as formas imaginárias do mais gozar. Toda a publicidade apela para o ‘sem limites’ da vida adolescente, representado pela velocidade da moto, pela potência do aparelho de som, pela resistência do carro, pelo barato da cerveja e do cigarro, pelo corpo aeróbico e perfeito malhado nas academias e transformado em ícone sexual, objeto incontestável do desejo de jovens, velhos e crianças. (...) O estilo da vida bandida que os adolescentes tentam imitar é a linguagem elaborada e estetizada pelo cinema, pelo rap, pela televisão (KEHL 2005 apud NOVAES e VANNUCHI, 2004, p. 102-103).

Os principais efeitos adversos relatados, em uma primeira apreciação com a literatura

e resultados de pesquisas, apontam que adolescentes e jovens estão expostos à violência na

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mídia por: (a) suscitar atitudes antissociais e agressivas; (b) tornar o espectador insensível à

violência na vida real; (c) aumentar a sensação de medo (STRASBURGER, 1999).

Porém, há que se considerar também que nem tudo são atitudes “apocalípticas” por

parte da mídia em geral. Inúmeros são os projetos que tentam aliar uma linguagem mais

consciente sobre os veículos de comunicação e a formação do indivíduo.

Para SOARES (2002):

Considero necessário, portanto, procurar novas estratégias que permitam uma abordagem diferenciada ao problema. Estou propondo uma mudança da visão dicotômica (o bem contra o mal) e do confronto com os meios de comunicação de massa para uma visão construtivista que torna o contato entre Comunicação e Educação um espaço novo e autônomo para a intervenção criativa. Estou falando do reconhecimento e legitimação de um campo que poderia ser chamado de “campo da educomunicação”. Em outras palavras: o conflito e o confronto não seriam abandonados, se necessários. Contudo, além disso, seria construído ou reforçado um espaço para a auto-intervenção: o espaço da Educomunicação. Ao adotar a perspectiva da Educomunicação, quero dizer que uma nova produção simbólica e uma nova prática comunicativa serão geradas a partir dela. O Campo da Educomunicação é compreendido, portanto, como um conjunto de ações que permitem que educadores e estudantes desenvolvam um novo gerenciamento, aberto e rico, dos processos comunicativos dentro do espaço educacional e de seu relacionamento com a sociedade. O Campo da Educomunicação incluiria, assim, não apenas relacionamentos de grupos (a área da comunicação interpessoal), mas também atividades ligadas ao uso de recursos de informações no ensino-aprendizagem (a área das tecnologias educacionais), bem como o contato com os meios de comunicação de massa (área de educação para os meios de comunicação) e seu uso e manejo (área de produção comunicativa) (SOARES, 2002, p.64)

Neste sentido, é necessária a criação de novos instrumentos de conscientização e

utilização por parte da mídia, escolas e sociedade em geral para fazer frente ao número de

incidência de violência juvenil por meio de um processo de formação e transformação do

indivíduo, não perdendo de vista os direitos deste enquanto cidadão.

Abramo (2003) também defende que a mídia, sobremaneira o jornalismo, pode e

deve agir como os mecanismos sociais que a caracterizam:

Assim, é defensável que o jornalismo, ao contrário do que muitos preconizam, deve ser não-neutro, não-imparcial e não-isento diante dos fatos da realidade. E em que momento o jornalismo deve tomar posição? Na orientação para a ação. O órgão de comunicação não apenas pode, mas deve orientar seus leitores/espectadores, a sociedade, na formação da opinião, na tomada de posição e na ação concreta como seres humanos e cidadãos. (ABRAMO, 2003, p. 38)

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Ingênuo pensar que os veículos de comunicação mudarão do dia para a noite o

seu modus operandi e passarão a cumprir de fato seu papel, regimentado pelo Código de

Ética da profissão que, em seu artigo 6º, parágrafo XI, afirma: “é dever do jornalista

defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e

coletivas, em especial as das crianças, adolescentes, mulheres, idosos, negros e minorias”.

Ingenuidade, pois a mídia é apenas uma das ramificações da sociedade que precisa melhor

executar o seu papel. Ao discutirmos a questão da violência escolar, da mídia, da

juventude, não podemos perder o foco sobre todos os personagens envolvidos nesse

processo, sobremodo o Estado enquanto instituição maior na preservação das garantias de

direitos dos cidadãos.

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PARTE III

PROJETO MENINOS E MENINAS DE RUA (PMMR)

1. O PMMR

No ano de 1983, em São Bernardo do Campo, Região do ABC, em São Paulo, por

iniciativa de um grupo vinculado à Pastoral do Menor que reunia ativistas das Igrejas

Metodista, Presbiteriana Independente e Católica Romana, funda-se o Projeto Meninos e

Meninas de Rua.

O projeto começou em 1983, começou aqui na cidade de são Bernardo, basicamente com três grupos sociais, estudantes universitários, pastoral do menor, na pastoral através de três igrejas, católica, metodista e presbiteriana independente, e lideranças comunitárias, de bairros aqui de São Bernardo, esse grupo se juntou e foi para a rua conhecer quem eram esses meninos e meninas de rua da cidade e oferecer um projeto alternativo ao projeto oficial que a administração oferecia a estes meninos e meninas. Hoje, nós estamos com três unidades, São Bernardo, Guarulhos e Diadema e nesses 27 anos a gente basicamente trabalha o foco principal que são os meninos e meninas de rua e suas famílias e o que esté no entorno destas famílias (SOUZA48, 2010).

Nessa época a região do Grande ABC apresentava profundos contrastes econômicos,

sociais e culturais devido à industrialização. Grandes contingentes de mão de obra eram

descolados para a região em busca de emprego e não eram absorvidos pelas indústrias, o que

gerava um inchaço à periferia da cidade, estabelecendo gigantescas favelas. Esta situação de

exclusão vitimou principalmente crianças e adolescentes que foram obrigados a buscar sua

sobrevivência nas ruas, fossem como trabalhadores, efetuando várias atividades nas ruas, ou

na mendicância.

O PMMR é uma organização não-governamental e sem fins lucrativos, cuja

missão é a de “contribuir para a construção da cidadania de crianças e adolescentes, em

situação de vulnerabilidade social, desenvolvendo ações educativas, mobilizando-os e

estimulando-os no processo de novas relações com o mundo”.

48 Marco Antonio da Silva Souza, coordenador do Projeto Meninos e Meninas de Rua, em entrevista concedida no mês de junho de 2010 para elaboração desta pesquisa.

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Desde o início das atividades, o PMMR sempre esteve envolvido nas mais

importantes lutas pela cidadania da população infanto-juvenil, contribuindo para o surgimento

do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, tendo inclusive representantes já na

sua primeira equipe de coordenação; organizou e mobilizou pessoas e entidades para a criação

do Fórum Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum Municipal

DCA); organizou a discussão de propostas e coleta de assinaturas para aprovação de capítulos

sobre direitos da criança na Constituição Federal, Constituição Estadual, do Estatuto da

Criança e do Adolescente, da Lei Orgânica do Município; participou da criação do Conselho

Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Tutelares e do Centro de

Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do ABC (CEDECA-ABC); realizou uma

diversidade de atividades públicas, como a Vigília pela Criança e Adolescente, em conjunto

com o Sindicato dos Metalúrgicos; criação do Fórum Contra a Violência à Criança quando do

lançamento do livro “Guerra dos Meninos”, do jornalista Gilberto Dimenstein.

Nós temos uma metodologia participativa, essa metodologia pressupõe a gente ter um tripé, nós chamamos assim, que é trabalho na rua – no espaço e na comunidade, família e comunidade, então nós vamos até as ruas conhecer quem são estas crianças, adolescentes que estão na rua, o porquê estão, de onde vêm, quais são seus nomes, o que estão fazendo na rua e, a partir daí, o primeiro contato, o trabalho inicial, o começo do processo educacional. Depois desse primeiro contato na própria rua se faz [sic] alguns encaminhamentos, nós podemos assim dizer que a gente tem uma pedagogia da inclusão, dentro deste universo nosso da proposta do projeto. A partir da rua a gente já faz alguns encaminhamentos, por exemplo para a área de saúde, documentação, alimentação, coisa parecida, abrigamentos se assim for necessário e a partir da própria rua também a gente dispara outros dois programas, ou convidamos estes meninos para vir e conhecer os espaços de convivência que nós temos, ou nós vamos até suas famílias. Então chegando no [sic] espaço é oferecido para ele uma acolhida, alimentação, a possibilidade de tomar um banho, higienização e participar das oficinas, geralmente trabalhamos com oficinas culturais, tirando algumas das unidades que tem [sic] oficina de inclusão digital, mas, no geral, as oficinas são culturais. Sempre valorizando a cultura popular brasileira. A partir das oficinas, sempre como instrumento pedagógico, como um meio para a gente alcançar a inclusão destas crianças nas políticas sociais, ou na família, nos chegando na [sic] família, também vamos fazer um levantamento sócio econômico desta família e cultural e este levantamento é fundamental para um atendimento individual desta família, então, nós vamos conhecer quem é o pai, quem é a mãe, se este for o formato familiar, se ele tem mais de um formato, mas o maior ainda é o pai e mãe, depois quem são os irmãos, a idade, a condição econômica, social desta família. A partir daí também fazemos a política de inclusão. Dependendo da necessidade desta família nós vamos encaminhá-la para as redes de serviços que o município, as entidades sociais e o Estado ou União oferecem aqui na região.Basicamente este é um campo, é o campo do atendimento direto. A outra área nossa de atenção direta é a de intervenção social e política, que nós entendemos que as crianças que estão na rua, elas

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são fruto de uma estrutura social brasileira, uma estrutura que tem um pilar muito forte em alguns fundamentos. Talvez o principal deles seja a questão econômica. Então a questão da concentração de renda no Brasil termina levando parte da população, entre ela a população infantil, a buscar sobrevivência inclusive nas ruas. Depois nós temos outro perfil, a questão étnico racial, então o Brasil, a constituição brasileira, é fundada na questão da dominação eurocentrista em cima das populações indígena, aborígene e afro-brasileira, então estes são alguns pressupostos que a gente enfrenta. A terceira questão é a de gênero, a gente entende que é fundamental a questão do adolescente estar vinculada a[sic] questão de gênero, a[sic] questão do papel que as sociedades jogam para as mulheres brasileiras, então é trabalhar com meninos de rua é fazer um enfrentamento ao máximo, é fazer um enfrentamento de igualdade de gênero, então estes três fundamentos é que dão base para a gente fazer as intervenções na políticas públicas (SOUZA49, 2010).

Atualmente, os objetivos do PMMR baseiam-se e desenvolvem-se a partir de duas

áreas fundamentais. A Área I com o Atendimento às crianças e adolescentes em situação de

rua; e a Área II com a Organização e Intervenção nas políticas públicas para a Infância e

Juventude. Esta forma de organização, vinculada aos princípios da educação popular, tem

proporcionado ao PMMR bastante êxito na busca de seus objetivos que propõem a médio e

longo prazo, que meninos e meninas assumam projetos de vida e de autossuficiência, que

possibilitem mudanças de suas “condições de rua” e que sejam estimulados a lutar pela

conquista de seus direitos de cidadãos.

O programa de atendimento a crianças e adolescentes em situação de rua se

desdobra em três focos de atuação:

• Programa de Educação Social de Rua – visa ao atendimento de meninos e meninas

em situação de rua, trabalhando na construção de vínculos familiares e na

reinserção de crianças e adolescentes a suas famílias (naturais ou substitutas),

escola e comunidade de origem, ou seja, reintegrando estes jovens no convívio

familiar e social.

• Programa de Educação Social para o Retorno à Família, Escola e Comunidade –

Por meio de oficinas de arte-educação, atividades artísticas e culturais, são feitos

atendimentos de maneira lúdica que fazem com o que o adolescente reflita sobre

regras, limites e condutas de convivência em grupo, que desenvolva sua

autoestima e, por meio destas atividades, seja encaminhado e permaneça em sua

família, escola e comunidade de origem.

49 Marco Antonio da Silva Souza, coordenador do Projeto Meninos e Meninas de Rua, em entrevista concedida no mês de junho de 2010 para elaboração desta pesquisa.

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• Programa de Orientação e Apoio Sócio-Familiar – trabalho desenvolvido com as

famílias atendidas e que estão em extrema situação de vulnerabilidade social, por

meio de ações que amenizam os danos da exclusão social, estabelecendo espaços

de escuta e reflexão, realizando encaminhamentos para a Rede de Serviços e

preparando as famílias para o retorno e permanência de seus filhos.

Outro programa mantido pelo Projeto PMMR é o de Intervenção Social e Política

que agrega as linhas:

• Programa de Esporte, Cultura e Lazer – aglutina as ações Sábado de Lazer e o

Bloco Carnavalesco Eureca – Eu Reconheço o Estatuto da Criança e do

Adolescente. O Sábado de Lazer acontece com uma periodicidade de cinco vezes

ao ano no Espaço de Convivência do PMMR e tem a finalidade de orientar,

formar e sensibilizar a comunidade a respeito dos direitos das crianças e

adolescentes por meio de atividades culturais, de lazer e reuniões temáticas.

Dentro das atividades acontece uma tradicional caminhada pelas ruas de São

Bernardo do Campo com o foco na reivindicação dos direitos das crianças e

adolescentes, conhecida como Caminhada Pela Vida. O Bloco Eureca, que já

existe há mais de 16 anos, durante o carnaval promove um desfile que percorre as

ruas de São Bernardo do Campo e o litoral paulista, promovendo a integração de

crianças, famílias, comunidade e sociedade civil em torno da temática dos direitos

das crianças e adolescentes.

• Programa de Intervenção em Políticas Públicas para a Infância e Adolescência –

O objetivo deste Programa é influir na implementação do ECA e na elaboração de

políticas públicas voltadas à área da infância e adolescência. Participam do

Programa o CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e

Adolescência) e o Fórum Estadual e Nacional.

• Programa de Fortalecimento da Comunidade – o objetivo deste Programa é a

realização de ações que melhorem a qualidade de vida dos meninos e meninas de

rua e suas famílias nas comunidades, por meio de visitas e oficinas culturais de

circo, teatro, danças, cantos populares, percussão e o Programa Ação Jovem que

realiza, também, o levantamento do perfil social, econômico e cultural das

famílias atendidas pelo Programa.

• Programa de Organização e Formação de Meninos e Meninas para a Cidadania –

por meio de encontros quinzenais com cunho educativo, cultural, esportivo e

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lúdico, com a finalidade de realizar orientações e encaminhamentos. Este

Programa visa à formação e qualificação continuada de adolescentes e jovens nos

núcleos de base, a fim de orientá-los para o exercício da cidadania, tanto para a

criação de novos programas e serviços públicos, como para melhoria dos já

existentes. As atividades estão voltadas para meninos e meninas em situação de

rua, seus familiares e comunidade.

O PMMR conta ainda com certificações que lhe conferem seriedade e legitimidade em

sua atuação na área de assistência social, como:

• Utilidade Pública Federal nº. 3416/2005;

• Utilidade Pública Estadual nº. 636/2004;

• Utilidade Pública Municipal nº. 072/1997;

• Registro CMDCA - São Bernardo do Campo nº. 025;

• Registro CMDCA - Guarulhos nº. 057

• Registro nº. CMDCA - Diadema nº. 053;

• Registro CMAS - São Bernardo do Campo nº. 059;

• Registro CMAS - Guarulhos nº. 060;

• Registro do CMAS - Diadema nº. 050;

• Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Filantropia) –

CEBAS nº. 0193/20.

2. A explosão socioeconômica da Região do ABCD

No ano em que o PMMR iniciava seus trabalhos com jovens e adolescentes em

situação de rua, eu, com meus sete anos de idade, tinha apenas como preocupação me divertir.

Naquela época, enquanto filha de pai que trilhava carreira militar, enquadrada na categoria

social C, ou classe média, estava concluindo a alfabetização e sequer sabia ou me importava se

meus pais estavam passando por algum tipo de dificuldade financeira provocada por algum

plano econômico, pois tais problemas não me afetavam diretamente. Diferentemente, crianças,

jovens e adolescentes na região do Grande ABC, em São Paulo, passavam por uma realidade

muito distinta.

Se formos analisar esta região na década de 1980, estamos falando de um conjunto

de sete municípios localizados no Sudeste da Região Metropolitana da cidade de São Paulo,

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que foram divididos nas cidades de: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do

Sul, Diadema, Mauá, Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires. Juntos, os municípios perfazem

uma extensão territorial de 841 Km2 (correspondente a 0,33 % do território paulista, que é de

248.600 Km2). São Bernardo do Campo (411 km2) é o maior e São Caetano do Sul (12 km2) é

o menor em extensão territorial.

Figura 6 – Região do Grande ABC e seus municípios.

Fonte: Prefeitura de Mauá.

Com uma população de cerca de 2,5 milhões de habitantes, “o ABC é o próprio

retrato do Brasil contemporâneo: predominantemente urbano, industrializado, desigual, rico

em experiências sociais e com patrimônio ambiental e histórico a preservar” (ALVES, 2003,

p.09).

Em 2009, segundo estimativa da Fundação SEADE, a população total aproximada

da região era de 2.628.545 habitantes, representando 13,20 % do total da Região

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Metropolitana de São Pauloi, conforme o Gráfico abaixo que demonstra o crescimento

populacional desde 1980, época em que era fundado o Projeto Meninos e Meninas de Rua.

-

100.000

200.000

300.000

400.000

500.000

600.000

700.000

800.000

900.000

1980 1990 2000 2009

Diadema Mauá Ribeirão Pires Rio Grande da Serra

Santo André São Bernardo do Campo São Caetano do Sul

Figura 7 - População total do Grande ABC (1980 – 2009). Fonte: Fundação SEADE.

Em relação ao público adolescente e jovem, objeto desta pesquisa, a região do

Grande ABC vem sofrendo diminuição do número absoluto dessa parcela populacional em

razão da diminuição dos nascimentos. Essa é uma tendência já constatada por pesquisas e que

tem impacto direto no sistema de seguridade social brasileiro. Percebe-se que a projeção para

o ano de 2020 é de diminuição populacional e de achatamento da pirâmide, tendendo-se a

igualarem os números de crianças e idosos na sociedade.

Nesse ponto, permito-me uma reflexão: Quem tem mais consciência sobre estes

números e da importância de políticas de seguridade social? Jovens e adolescentes em busca

do conhecimento de quem são ou idosos que passaram por dificuldades e inúmeras

experiências de vida?

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Figura 8 - Pirâmide Etária do Estado de São Paulo (1980 - 2020).

Fonte: Fundação SEADE.

Ao observamos a relação entre a população total e a população na faixa etária entre

zero -19 anos de idade, o que chama a atenção é o fato de a população nesta faixa etária ter se

mantido praticamente a mesma desde a década de 1980.

Figura 09 - População total e população de zero -19 anos de idade. Fonte: Fundação SEADE.

A crise no setor industrial da região e a busca por novas formas locais de subsistência

passaram a gerar um número cada vez maior de jovens e adolescentes em situação de rua.

Vítimas principais da exclusão social, crianças e adolescentes eram vistos pelas ruas da região

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do Grande ABC, em situação de trabalho como guardadores de carros, vendedores de doces,

pedintes em semáforos, como forma de complementar o sustento de famílias empobrecidas.

Tal cenário motivou o trabalho de iniciativa do Movimento Regional Criança

Prioridade 1, que contou com a participação de técnicos dos Municípios, da Secretaria de

Estado de Assistência e Desenvolvimento Social, do Projeto Meninos e Meninas de Rua de

São Bernardo do Campo e contou com o apoio da EMTU. Na ocasião foi feito um

levantamento sobre crianças e adolescentes em situação de rua no Grande ABC, realizado no

período de 23 de novembro a 01 de dezembro de 1998, junto ao Corredor do Trólebus –

Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos - EMTU, São Mateus-Jabaquara, que passa

pelos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema. Na pesquisa, foram

identificados 450 crianças e adolescentes em situação de rua, e deste total 42% eram crianças,

56%, adolescentes e 2%, sem informação da idade. Quanto ao gênero, 82% eram do sexo

masculino e 18%, do sexo feminino. Vale salientar que, do total, 55% das crianças e

adolescentes declararam estar trabalhando e 26% esmolando com o objetivo de complementar

o orçamento familiar e 15% brincando ou vagando.

A exemplo do que ocorria no Grande ABC com esses adolescentes e jovens, lembro-

me de ter um amigo na infância, filho de uma senhora que lavava roupas para a minha mãe e

que frequentava nossa casa quando do dia dos afazeres de sua mãe, e com o qual eu passava a

tarde toda brincando quando chegava da escola. Porém, por volta das 17h ele saía para vender

doces nos semáforos. Lembro-me da preocupação de meus pais com este meu amigo que, por

várias noites, não dormia na casa de sua mãe, principalmente nos finais de semana, época em

que mais vendia sua mercadoria em portas de restaurantes e boites. Infelizmente, seu destino

não foi tão feliz quanto o meu, pois fora confundido com um menino de rua e assassinado por

um grupo de extermínio da época.

Lembrar este fato traz à tona o questionamento sobre adolescentes e jovens que estão

na rua ou vivem na rua, pela pura falta de oportunidades que lhes foi dada e à sua família.

Que, por muitas vezes, esses jovens são confundidos com vândalos por estarem nada mais do

que tentando, ainda que precocemente, ajudar sua família a sair de uma situação de miséria.

3. Adolescentes e jovens “de rua” ou “na rua”?

Muitos de nós já devemos ter utilizado em algum momento a expressão: “estou... ao

invés de sou...” para descrever uma experiência de vida profissional ou pessoal. Algo similar

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acontece com jovens e adolescentes que, por motivos variados, encontram-se morando nas

ruas ou trabalhando nelas.

Em estudos realizados na década de 1990, Irene Rizzini utiliza Lusk (1992) para

traçar categorias para identificar jovens e adolescentes que atuavam no setor informal: a)

trabalhadores de rua com base familiar constituem o maior grupo de crianças. Moram com

suas famílias, frequentam a escola, exercem atividades no mercado informal (ou de

mendicância) e retornam às suas casas; b) trabalhadores de rua independentes constituem

parcela significativa deste contingente. Moram temporariamente nas ruas devido à distância

da casa, a abusos sofridos no ambiente doméstico e à falta de condições de vida. Ainda assim,

mantêm, mesmo que precariamente, algum vínculo com a escola. Combinam trabalho com

pequenos delitos, estando mais expostos à “cultura da rua”, pois adotam certos padrões de

comportamento que levam ao abandono de suas famílias; c) crianças de rua que moram nas

ruas e cujos vínculos com a família e a escola são frágeis, estando mais próximos da definição

feita pelo senso comum – menino de rua, pivete, pixote. Parte deles tem uma história de vida

marcada pelo abuso, violência, maus tratos domésticos, além do uso regular de drogas. Não

trabalham, tendo como estratégia de sobrevivência a prática de delitos; d) crianças de famílias

de rua são aquelas que vivem de/nas ruas como estratégia de sobrevivência junto com o grupo

familiar, fazendo parte da categoria social, população de rua.

Historicamente esta situação de “trabalho informal” exercido por jovens e

adolescentes tem sua raiz com a mudança do modo de produção e as novas relações sociais

criadas por meio do capitalismo. Grande parte do contingente que vivia em zonas rurais inicia

um movimento de êxodo para os centros urbanos à procura de um novo lugar de realização do

trabalho nas fábricas e ocupa novos espaços urbanos conhecidos como vilas operárias. O

sonho de uma vida melhor com o progresso que se adiante a passos largos nos grandes centros

perde-se com a não-incorporação da força de trabalho, criando uma massa de trabalhadores,

em sua grande maioria, com baixa ou nenhuma escolaridade e que passa a ter um nível de

subsistência praticamente escravo no trabalho do chão de fábrica. Em grande parte, tais

operários mudam-se com toda a família e, por menor que seja a idade dos filhos, estes passam

a colaborar com o sustento da família. Para o Estado, muitas destas crianças e adolescentes,

elos mais fracos desta cadeia e objetos da intervenção estatal, acabam por ser transformar em

“menores”, leia-se aqui, estereótipos de delinquentes e marginais.

É interessante observar que as primeiras estatísticas policiais produzidas no período de

1904 e 1906 já contavam com a presença de crianças e adolescentes: 20% eram autores de

vadiagem, 17%, de embriaguez, 16%, de furto ou roubo. A natureza, porém, dos atos

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praticados por crianças e adolescentes sempre foi significativamente distinta: os adultos eram

responsáveis por 93,1% dos homicídios, para 6,9% praticados por menores de 18 anos.

Santarcangelo (1966), em “Juventude e Delinqüência”, trata a questão na seguinte

perspectiva: “o menor abandonado ou desassistido é um pré-deliquencial, um marginal

embrionário. E a população carcerária em sua maioria se constitui de ex-menores

abandonados.”50

Entre 1970 e 1985, organizações e articulações como a Pastoral do Menor (1979),

com a frente de ação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; o Movimento em Defesa

do Menor (1979), constituído por políticos e profissionais ligados ao Direito, Jornalismo,

assistência social, Psicologia, em São Paulo/SP; a República do Pequeno Vendedor (1970),

ligada à Igreja Católica, contemplando a participação de educadores sociais e dos próprios

meninos e meninas das camadas populares, em Belém/PA; o Movimento Nacional de

Meninos e Meninas de Rua (1985), formado por educadores sociais e pelos próprios meninos

e meninas em situação de/na rua, com sede em Brasília/DF, entre outras de caráter regional,

como o Projeto Meninos e Meninas de Rua de São Bernardo do Campo (1985), iniciam um

amplo processo de luta pela cidadania e organizam formas concretas de defesa e promoção de

direitos.

Em 1982 o Projeto Alternativas de Atendimento a Meninos de Rua (1982-1984)

levantou aproximadamente 70 experiências com meninos e meninas de rua e selecionou cinco

como referências para estudos e estágios pelas suas proposições teórico-práticas. O Projeto

reuniu “um grupo de lideranças emergentes, conhecido e reconhecido em escala nacional,

representativo do que havia de melhor em termos de compromisso político e de competência

real...” (Costa s.d., p. 18) na atenção a meninos e meninas nas ruas e suas comunidades de

origem. Eram lideranças de organizações da sociedade civil que, desde os anos 1970, atuavam

com esse segmento da população infanto-juvenil.

O projeto tinha como finalidade proporcionar o intercâmbio, fortalecer e estimular o surgimento de outras experiências, a partir das experiências, das práticas desenvolvidas pelas organizações da sociedade. Nesse período foi realizada uma sorte de eventos - oficinas, reuniões, encontros, produção de cartilhas e vídeos, socialização do conhecimento por meio dos semitágios – constituindo-se em “(...) espaço de transmissão e produção de idéias, conhecimentos e posturas (...) [que resultou em] um patrimônio de idéias e experiências capaz de ser usado tanto para a geração de novos programas de atendimento, como para a melhoria dos programas existentes. (Costa.s.d., pp. 18 e 19).

50 Santarcângelo, Maria Cândida V. Juventude e Delinqüência. São Paulo: Editora Ática, 1966.

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Várias pesquisas acadêmicas foram realizadas nos anos 1980 sobre a vida desses

adolescentes que faziam das ruas seus espaços de sobrevivência, relacionamentos e convívio

social. Por meio destes estudos, pode-se comprovar que esses jovens e adolescentes não eram

abandonados ou delinquentes que simplesmente passavam longos períodos nas ruas

trabalhando e depois voltavam para o ambiente familiar, daí a expressão “meninos ou

menores na rua “ e não “ meninos ou menores de rua”.

Características Crianças DE rua Crianças NA rua

Idade Até 18 anos Até 18 anos

Vínculo familiar Débil ou inexistente Existente

Zona residencial Urbana Urbana

Habitat principal Rua Família

Lócus de socialização principal

Rua Rua

Atividade principal Sobrevivência: habilidades e destrezas específicas

Sustento: inserção na economia formal/informal

Fonte: UNICEF. In ALVES, 1991.

Figura 10: Tipologia de crianças em situação de rua.

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PARTE IV

A PESQUISA DE CAMPO

Tratar sobre o campo investigado é algo que de mais prazeroso possa existir, em

minha opinião, para um pesquisador. Neste ponto enxergamos melhor quais de nossas

hipóteses de fato serão constatadas ou não. O cuidado no distanciamento sobre os temas

propostos nesta discussão foi parte fundamental para que obtivéssemos um resultado mais

claro e real sobre a questão da violência escolar e a mídia.

Durante quatro meses (entre maio e setembro de 2010) foram ouvidos nove

adolescentes participantes do Projeto Meninos e Meninas de Rua, de um universo de

aproximadamente 600 jovens, adolescentes e crianças atendidos por mês no Projeto, em suas

três unidades (SBC, Diadema e Guarulhos). O número aqui representado nesta amostra diz

respeito a apenas adolescentes entre 12 e 18 anos de idade. Foi aplicado juntamente a esses

adolescentes um questionário que continha perguntas abertas e fechadas como forma de

identificar hábitos de consumo de material midiático, escolaridade e relação escolar, vida

familiar, conhecimento do PMMR, situações de vivência com atos de violência e violação.

Além do questionário, três adolescentes também foram entrevistados por meio de gravação

em vídeo, com autorização dos pais ou responsáveis, sobre os mesmos assuntos.

Foram ouvidos também profissionais que atuam com adolescentes e jovens de forma

direta, como é o caso dos educadores sociais e de uma diretora de escola e, indiretamente,

como o Ministério Público, o Conselho Tutelar e os profissionais da comunicação.

Como forma de melhor estruturar os resultados e possibilitar uma leitura mais ampla e

detida do material coletado, separo-os aqui em blocos, iniciando com uma análise dos

entrevistados; a questão adolescência; a mídia; a escola; o PMMR; violência e violência

escolar; vida sócio-comunitária, perspectivas e sonhos.

1. Perfil dos entrevistados

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Como já foi dito, foram entrevistados nove adolescentes do PMMR, destes, cinco são

do gênero feminino e quatro, do masculino. A idade dos participantes tem uma variação entre

12 e 17 anos e três deles têm idade entre 15 anos.

O grau de escolaridade é o seguinte: quatro adolescentes cursam o 1º ano do Ensino

Médio, dois cursam o 2º ano do Ensino Médio e mais três alunos cursam, respectivamente, o

3º ano do Ensino Médio, a 6ª série e a 7ª série.

No tocante aos profissionais, foram entrevistados dois educadores sociais. Um deles,

Marcos Antonio da Silva Souza (conhecido como Marquinhos), coordenador do Projeto desde

1987:

A minha história naquele ano que falei que o projeto começou em 83 eu fiz parte do primeiro grupo de meninos de rua que foi trabalho por esta organização. Então, eu falo que eu entrei no projeto e o projeto entrou na minha vida, foi desde daí, a gente tinha um grupo de meninos que ficavam aqui no centro de São Bernardo, nos anos 80 e esses educadores foram para as ruas fazer contato com os meninos e eu fiz parte do primeiro grupo que eles contataram. Aí desde então eu estou participando do projeto, venho como educador conhecendo um pouco de experiência, andei um pouco pelo Brasil, conhecendo as experiências que tinham com meninos de rua e um pouco mais para frente, lendo algumas coisas, e desde 95 eu assumi a coordenação do projeto.

Outro entrevistado, Sidnei Pereira de Almeida, também é um educador social que

participa do PMMR, ministrando oficinas de música e percussão. Também foi entrevistado

um representante do Ministério Público, a Promotora de Justiça de São Bernardo do Campo,

Drª Vera Lucia Acayba de Toledo, uma das articuladoras da rede social do município no

desenvolvimento do Projeto “Força Tarefa” de combate à violência. A Conselheira Tutelar

também de São Bernardo do Campo, Vera Lúcia de Oliveira Gallo. A Professora Elisete

Frigo, que atua com educação há mais de 30 anos, tendo sido diretora de escola e supervisora

de ensino. Os jornalistas, Marcio Campos, apresentador e repórter da TV Bandeirantes, e

Carla Pollake, produtora de TV e mestre em audiência televisiva e radiofônica.

2. A adolescência e juventude em questão

Os adolescentes foram perguntados sobre a composição da renda familiar e pelas

informações pudemos observar que a maioria vive com uma média mensal inferior a dois

salários mínimos, sendo: R$ 930,00 (sete pesquisados), na sequência o segundo maior índice

foi de R$ 931 a 1.395,00 (dois pesquisados).

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Aqui temos um indicativo de um dos motivos que levam esses adolescentes a procurar

uma forma de ajudar a família, muitas vezes atuando nas ruas como vendedores de balas,

cuidadores de carros, etc.

Eu já tive que trabalhar na oficina do meu pai com ele, para conseguir mais

dinheiro para ajudar a minha mãe.(...). Eu ajudava ele na mecânica de tudo.

Ele tem uma mecânica na Teles de Menezes, como ele estava precisando de

ajudantes e não pagava pensão nem nada, aí eu fui e entrei de ajudante

dele. (...) É e eu ajudava a minha mãe pagar as contas. Pra não ficar sem

energia e sem água. (Gabriela, estudante, 14 anos)

Eu vinha da escola para casa, aí almoçava, descansava um pouco e eu vinha

para São Bernardo. Comprava minha mercadoria que era meu “Dani Ball”

e bala de goma aí vendia. Por volta de umas 5 horas, 5 e meia eu ia pra

casa(...). Aqui em São Bernardo eu encontrava vários amigos. Amigos que

usavam drogas, só que eu não me envolvia. (Michall Amorim, estudante, 18

anos)

Eu nasci numa cidade chamada Juazeiro do Norte, no Ceará, na Região

Nordeste do país. E quando completei 12 anos vim aqui para São Paulo.

(...). Quando meu pai se separou da minha mãe nossa vida financeira

começou a ter uma caída e a partir daí a gente começou a buscar outros

meios de subsistência. Foi quando minha mãe teve a ideia de nos trazer aqui

para o Estado de São Paulo.(...). Desde lá do Ceará eu fazia trabalhos na

rua. Meu primeiro trabalho foi com sete anos de idade vendendo caju. Com

nove anos de idade, abriu uma churrascaria em frente a minha casa e na

hora que chegava um carro eu falava: “Ô tio, posso pastorar o carro”?

Cuidar de carro. (Leonardo, fotógrafo, ex menino em situação de rua)

Quando perguntados sobre o grau de escolaridade da mãe, três responderam ter o

colegial completo e dois outros, analfabeta/primário incompleto e fundamental incompleto

(ginasial). Com uma resposta cada, ficaram primário completo/ginasial incompleto e um dos

entrevistados não respondeu à questão. Quanto à escolaridade do pai, vários não responderam

até mesmo por não terem convívio familiar cotidiano com a figura paterna (seis

entrevistados). Com apenas uma pesquisa cada, tivemos primário completo/ginasial

incompleto, ginasial completo e colegial incompleto.

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Da participação dos adolescentes em grupos culturais - sete dos entrevistados

participam de grupos de dança; seis, de grupos de música; dois participam de grupos sociais;

outros dois, de grupos religiosos; e um dos entrevistados participa de grupo de teatro ou circo.

Vale ressaltar que neste tópico os adolescentes assinalaram mais de uma opção por

participação e que as oficinas são realmente o ponto alto dos encontros do PMMR ainda mais

porque acontecem, além da sede do Projeto, em centros comunitários do ABCD.

Da participação em grupos sociais - do total, quatro participam de times ou grupo de

prática esportiva e torcida organizada e dois participam de projetos sociais. Aqui, também, o

entrevistado assinalou mais de uma opção.

Quando perguntados, em ordem de interesse, sobre o que mais gostavam de fazer,

apenas um entrevistado respondeu corretamente o que era solicitado, enumerando por

preferência a questão; os demais apenas sinalizaram o que gostavam de fazer, aparecendo, de

forma igual, com cinco respostas cada: “ir à escola” e “frequentar festas”. Em segundo lugar,

empatados, estão “atividades religiosas” e “participar de jogos/estádio”. Na terceira posição

de predileção dos jovens e adolescentes pesquisados estão “fazer compras no shopping”,

“frequentar barzinhos”, “praticar esportes” (sendo o futebol a opção citada) e “viajar” cada

uma com dois votos. Estudar e organizar passeios aparecem com uma única opção cada,

sendo Estoril (parque localizado na represa Billings no grande ABCD) o lugar indicado na

organização do passeio. Um adolescente respondeu de modo mais claro o que foi solicitado na

pergunta e enumerou como ordem de importância: frequentar festas, viajar, ir a shows (de

pagode), cinema (assistir a filmes de ação), lan houses (meia hora por dia), participar de

jogos/estádio, praticar esporte (futsal), ir à escola, participar de atividades religiosas, fazer

compras no shopping, frequentar boate, barzinhos, estudar e, por último, organizar passeios.

Podemos contatar que “frequentar festas” é do que os adolescentes mais gostam, pois ali

encontram seus pares, têm suas primeiras experiências sexuais, sentem-se senhores de si e

independentes.

Entrevistador – O que você mais gosta nas baladas? Fábio – Dançar, beijar, essas coisas. Entrevistador – Você já namora também? Fábio – Já namorei agora só “fico”. Entrevistador – E você? Gabriela – Eu gosto de ir pra balada mais acompanhada da minha mãe. Entrevistador – Sozinha você nunca foi? Gabriela – Já sim, com os amigos mais velhos, com responsabilidade né? com hora certinha pra chegar, tudo pra minha mãe não ficar desconfiada de nada, pensar besteira.

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3. A mídia

Foram feitas várias perguntas que envolviam mídia, adolescência e juventude,

consumo de material midiático, interesse em participação de oficinas de comunicação e

programas de televisão.

Quando questionados sobre a utilização dos principais veículos de comunicação

(aqui também não houve entendimento por parte da grande maioria quanto a classificar os

veículos por ordem de predileção), a TV ficou com o maior indicie de utilização (nove

respostas) e com a maior média de frequência com quatro horas ou mais por dia. O rádio em

segundo lugar com duas horas de escuta por dia. Internet em terceiro lugar com uma média de

três horas/dia. Seguindo empatados ficaram o jornal (com uma frequência de leitura de uma

vez por semana, três vezes por semana e um entrevistado que não respondeu) e revista com

dois votos cada (com frequência de uma vez por semana). Por último, apareceu cinema, uma

vez/mês.

O educador social, Sidnei, levantou a questão da falta de tempo de adolescentes e

jovens, principalmente daqueles que estão em situação de rua, para acompanhar programas

televisivos ou de qualquer outra origem:

É raro algum menino pegar um jornal, o que a gente observa. O acesso que eles gostam é o que vem fácil para eles, então, acesso à música; à televisão, canais que tenham programas não voltados aos adolescentes, mas que intencionalmente “captam” eles, vamos dizer, programas com muita violência, com muito sexo, uma supervalorização do sexo, esses meninos gostam muito disso. Pelo celular eles gostam de ouvir música, mas percebemos que eles nunca assistem jornal, não leem revistas sobre informações gerais. E é isso que nós tentamos trazer para eles nos vários temas que trazemos. “Vamos assistir um programa sobre jornalismo policial? Ta lá, vocês estão morrendo naquele canal”. Aí eles falam: “não queremos ver isso não”. “Mas parem para ver o que está acontecendo”. Mas é o cotidiano deles, com o ritmo deles, não param para ver televisão, é rua constante. Mesmo os que têm casa, não param em casa, eles ficam nas ruas, vão soltar pipa, meninas ficam nas ruas, têm os bailes, então a casa é o dormitório ou a alimentação. É um vínculo com a rua, não negativo, é um vínculo com a rua, porque eles gostam de estar na rua. A rua como a rua deles, então eles não vão ver TV, não vão ouvir rádio para informações gerais. [sic](Sidnei, Educador Social)

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Sobre esta questão a jornalista Carla Pollake, uma das entrevistadas, nos chama a

atenção sobre a elaboração dos programas na TV que estão muito mais voltados para atender

ao grande público, os espectadores no geral, do que ao público adolescente.

Na verdade a gente tem uma carência muito grande de produtos voltados para o adolescente na televisão. Por exemplo, no impresso não, existem mais revistas voltadas muito mais para o público feminino mas no rádio e TV não, por questões comerciais. Nas emissoras a gente ouve, “não vou fazer programa para adolescente porque esta emissora é comercial e eu preciso de um telespectador economicamente ativo, que decide a compra”, esse é um dos lados, então eu não estou a fim de fazer um programa para um telespectador que não irá comprar. Nos termos na Rede Globo alguns produtos, como a Malhação, que apesar de ser um produto ficcional, voltado para este público adolescente, lá eu acredito que exista esta preocupação. (...) O adolescente acaba sendo dissolvido em outros programas que não são diretamente focados a eles, em todas as emissoras. Uma novelinha, um programa de auditório está tudo muito disseminado, não há uma preocupação anterior. A adolescência é a menor faixa de audiência que os veículos de comunicação têm hoje com exceção da internet.

Carla também apontou o fato de os programas jornalísticos, diferentes de outros tipos

de programações, não possuírem classificação indicativa por partirem do princípio da

legitimidade da informação e veracidade, características da profissão:

Os instrumentos de aferição dentro das emissoras são as pesquisas, qualitativas ou quantitativas, não existe uma preocupação específica com o público adolescente, existe uma preocupação com a aferição do púbico. O que geralmente é feito para aferir, em relação ao conteúdo, de certa forma e infelizmente, é se ele vai me dar um retorno ou não. Existe até pelo princípio do jornalismo uma preocupação ética, até onde isso é uma informação, até onde é uma escandalização, um sensacionalismo para atrair uma audiência, mas como o jornalista trabalha com veracidade, com credibilidade, existe uma preocupação muito tênue dependendo da emissora, do programa, mas não é com o adolescente, mas o telespectador em geral. Agora o que tem se debatido muito e talvez seja um instrumento para a emissora utilizar é a classificação indicativa. A sensibilização dentro das emissoras tem que acontecer. Este horário é indicado para este garoto de 12, 14 ou 16 anos assistir, incluindo os jornalísticos? O problema é que até hoje os programas jornalísticos não podem ter classificação indicativa, são isentos de classificação, que é uma grande discussão, porque eu tenho um jornalismo teoricamente mais isento, e eu tenho um jornalismo muito desenfreado, como o caso Eloá que um caso fica um dia inteiro no ar, então até onde isso não deve entrar na classificação indicativa? Então hoje o único instrumento que nós temos de preocupação com o adolescente dentro das emissoras é a classificação indicativa.

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Quando os adolescentes foram perguntados sobre aparição na TV, apenas um

respondeu que já havia participado de algum programa e que não sofreu nenhum desrespeito.

A grande maioria apresentou interesse em participar de algum programa de TV (cinco

entrevistados) no formato de auditório ou cultural.

A maioria dos entrevistados também afirmou (seis deles) conhecer algum colega que

já tenha aparecido na TV. Do total, três acharam a participação interessante, dois se

interessaram, pois o colega apresentou uma dança e um acreditou que aquele tenha sido

discriminado. Nenhum dos entrevistados tem interesse em atuar ou trabalhar na TV, jornal ou

rádio, tendo um deles justificado que não possui interesse em trabalhar na área.

A notícia que mais chamou a atenção (embora os entrevistados também não tenham

ordenado por interesse) foi esporte (cinco respostas), seguido de cultura (duas) e educação

(uma resposta). Mais uma vez o único que optou pela ordem de interesse mostrou simpatia

por cultura, esporte, educação, economia, política e policial.

Ao serem perguntados sobre a lembrança de material veiculado na mídia que

envolveu adolescentes e jovens, cinco dos entrevistados disseram não ter lembrança e quatro

afirmaram ter. Destes últimos, três citaram o envolvimento do adolescente no recente caso do

goleiro Bruno (do Flamengo) como notícia mais lembrada, sendo crueldade, violência e

envolvimento de adolescentes as palavras mais recorrentes no discurso dos entrevistados.

Entrevistador: Vocês já tiveram algum amigo que foi preso ou que passou na televisão? Gabriela – Tenho, porque matou uma professora, a gente não era amigo, amigo, mas a gente conversava, ele matou uma professora. Entrevistador: Você sabe por quê? Gabriela: - Foi roubar e acabou matando ela, pensou que ela ia sacar uma arma. (...)Eu fiquei sabendo quando ele chegou, aí começou a passar na TV, aí eu vi ele saindo do carro. O cara que tava com ele veio pra cá e depois fugiu, essas coisas. (...) Eu não sei direito, só me falaram que ele foi roubar lá no centro e acabou matando esta professora. (...) E uma pessoa que você convive, eu nunca imaginava que podia fazer isso e acaba acontecendo, aí você fica espantada na hora, mas depois...

Nesta pergunta fica clara a identificação que o adolescente e jovem tem com notícias

que envolvam algum tipo de violência. Porém, para o jornalista Marcio Campos este fato não

significa que o adolescente será influenciado a praticar atos violentos em suas relações:

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O que a gente precisa deixar claro é que, infelizmente, a violência não está na televisão, a violência não está no programa que eu faço, a violência não está em outros programas jornalísticos, a violência está na rua. Quem tem que tirar a violência de algum lugar é o poder público, é o Estado quem tem que tirar essa violência da rua, de dentro da escola pública, do caminho do trabalho, a bala perdida tem que ser evitada pelo Estado. Então, a violência não é de responsabilidade dos meios de comunicação, da TV, do rádio, da Internet, a violência é responsabilidade do poder público. Ela só está na televisão, no jornal, nas manchetes, nas capas, nos noticiários porque ela está nas ruas e com isso não estou querendo me eximir de culpa não. Agora, cabe a nós sabermos filtrar que tipo de violência você leva pro ar e como você leva pro ar. Por exemplo, nós temos por regra do nosso manual de jornalismo não divulgar suicídio. É uma violência, não é? A gente não divulga suicídio. Por exemplo, a partir do momento que a gente recebe a informação de que aconteceu um homicídio, uma morte, a morte vai ser investigada. Foi suicídio? Não vamos divulgar mais, agora, se esse suicídio vem precedendo outro tipo de crime, a situação muda. Vários casos já aconteceram, infelizmente, de pais que assassinaram seus filhos, companheiras, parentes e depois se suicidaram. Aí é uma outra história, aconteceram vários crimes antes que vêm sucedidos de um suicídio. Agora, o suicídio puro e simplesmente, isso não se divulga. Por quê? Porque você acaba realmente influenciando esse tipo de situação. Aí você me fala assim: você não divulga o suicídio, mas tem vários homicídios. Tem. E, por incrível que pareça, os casos diferentes que acontecem relacionados à violência acabam sim causando, desencadeando outros casos idênticos que não aconteciam. Quando aconteceu o caso Isabela, quantos e outros casos você ficou sabendo de crianças que entre aspas caíram ou que foram jogadas de janelas de apartamentos? Vários casos surgiram. Aí cabe a você saber filtrar isso, se deve divulgar ou não. Infelizmente o que é divulgado causa impacto sim na sociedade e no meio que se vive. Mas não somos nós os responsáveis pela violência, a violência está nas ruas. Cabe sim, aos meios de comunicação, saber filtrar como exibir essa violência e se ela deve ser exibida.

Carla Pollake acredita que deva existir, por parte dos veículos de comunicação, um

cuidado maior quando da divulgação de material que envolve adolescentes, sobremaneira no

tangente à violência. Cita o caso da matéria veiculada na Rede Globo da mãe que incentivou a

filha a brigar na porta da escola e que foi amplamente divulgada na mídia. Para ela, esses

casos não devem ser omitidos das pautas jornalísticas, mas deve-se ter um cuidado em

contextualizar, em estimar o debate sobre tais questões para que assim possam existir

repercussão e reflexão construtivas por parte dos adolescentes sobre o fato e não apenas

banalizar ainda mais a violência.

Depende, a gente tem algumas pesquisas que apontam que os veículos de comunicação não mudam uma opinião, se a pessoa não tem opinião nenhuma sobre o assunto, ela pode agregar o que ela viu ao discurso dela, mas se ela já tem, isso não muda. A discussão que tem que existir nos veículos de comunicação é qual é a relevância em se mostrar um ato destes.

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Eu me lembro do caso desta mãe, que passou no SPTV e a entonação do jornalista, quando ele pode expressar a opinião pois alguns jornais não emitem opinião, neste caso o SPTV se pronunciou, dizendo o quanto era um absurdo, inclusive chamaram uma psicóloga social, para falar do quanto esta condução familiar era importante. Se eu coloco simplesmente esta informação sem mostrar nenhum tipo de punição, e aí se entenda de várias formas, uma ação e uma reação, é algo muito complexo, mas se eu posso levar a informação e contextualizar como eles fizeram e o quanto a atitude da mãe poderia ser penalizada, eu acho que e válido pois é o papel do telejornal, de prestação de serviços, mas tem que ver como isto será colocado.

Vera Gallo, conselheira tutelar, associa a fragilidade do adolescente que está em

“condição peculiar de desenvolvimento”, como define o próprio ECA, em seu artigo 6º, a uma

posição de vítima da mídia quando da não-aferição dos fatos.

Ele é vítima no sentido de que a concepção aplicada para estas ações, a polícia, enfim, é a concepção menorista, a concepção do código de menores, não é a concepção da proteção integral, que também não é passar a mão na cabeça deste adolescente, que está violando direito do outro ou violentando o outro, que é um ser humano igual a ele, mas eu penso que é assim, ele acaba sendo vítima porque a ação não é pensada neste sentido, a ação é pensada na punição, e aí as literaturas vêm informar, a ciência, a psicologia que a punição não é uma estratégia de recuperação, de trazer esse o adolescente para o convívio social sadio não do jeito do que ele faz, porque não é assim que é pra fazer, neste sentido ele se torna vítima sim. Embora tá lá resguardado, não aparece a imagem porque o próprio Estatuto proíbe, mas a ação em si.[sic]

Do total de adolescentes entrevistados sobre a credibilidade do que se diz e aparece

em imagens na TV, um deles apontou ainda que “algumas coisas que passam na TV são

apenas para impressionar os telespectadores”.

Eu costumo assistir todos os canais que passam jornais para saber... uns falam umas coisas, outros falam outra... daí não dá pra saber quem tá falando a verdade, uns aumentam muito, outros não, daí não dá pra saber.(Gabriela, estudante, 14 anos)

Porém, foram levantas questões como o consumo estimulado pela mídia e sua

relação com o adolescente e jovem como forma negativa e, em alguns momentos, motivadora

de atos infracionais, e se obteve:

(...) mas de uma análise mais rasa, muitos programas de televisão que chamam a juventude, Malhação, enfim, eles mostram um cotidiano só que

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não trazem uma reflexão sobre aquilo. O próprio modo de organização do país que é capitalista, e aí não é só o Brasil, o capitalismo se mantém da exclusão e as populações que vivem excluídas que vivem à margem da sociedade vão lançar mão do que internamente elas tiverem para ter acesso aos bens e serviços que todos os cidadãos deveriam ter. Aliado a isso o consumismo, que acho que é uma das contribuições negativas das mídias para o aumento da violência, é o que elas fazem para ganhar dinheiro que é o consumismo. O que vale é ter esta marca, é ter acesso a celular com este ou aquele recurso, é ter, é ter, é ter... E aí fica esvaziado qualquer outro tipo de relação com o mundo a não ser essa valorização. (Vera Gallo, Conselheira Tutelar)

Pollake (2010) comenta ainda sobre a criação de departamentos exclusivos em

algumas emissoras para tratar apenas sobre a venda de produtos na TV voltados ao público

juvenil:

O consumo na verdade está extremamente ligado aos veículos de comunicação para qualquer faixa etária. Um exemplo disso é a própria Malhação, um dos motivos da criação do departamento da Globo Marcas foi por causa do número de ligações dos adolescentes querendo saber qual era a marca da camisa de fulano, da bolsa de sicrano, o consumo em si intrinsecamente ligado com os veículos, por quê? Nós vivemos numa sociedade que existe um negócio chamado modelagem, eu quero ser muito parecido com aquilo, pode ser uma coisa boa ou ruim, então eu acho sim que os veículos têm uma grande influência no fator de decisão de querer consumir algo, de desejar algo, e isso pode gerar violência. Nos já ouvimos depoimentos, no próprio jornalismo quando eu atuava, era um policial, e um adolescente foi preso porque tinha roubado um tênis e aí vai ser trabalhando esta questão e ele responde, “mas se fulano pode ter um tênis da Nike, eu também posso ter”. Daí eu tenho um discurso que pode ser impulsionado pela mídia. O consumo hoje num país como o nosso, com alto índice de analfabetismo, alto índice de consumismo, uma classe média crescendo em poder de consumo, eu acho que não tem como dissociar, e o adolescente em fase de formação pode sim utilizar a mídia para construir estes parâmetros. (Carla Pollake, jornalista)

Não apenas a mídia, mas os jogos eletrônicos também foram citados como sendo

incentivadores da violência juvenil, segundo o jornalista Marcio Campos:

A violência está também nos produtos que são comprados, que são adquiridos. Você tem brinquedos que simulam armas de fogos, jogos eletrônicos que são mil vezes piores do que as reportagens que mostram a realidade das ruas na TV, que são os jogos eletrônicos, os videogames em que você marca ponto matando alguém, atropelando alguém, tirando a vida de alguém. É um meio de comunicação o jogo eletrônico? É um meio de comunicação, claro que é. Agora, de quem é a responsabilidade? A classificação indicativa desse jogo eletrônico é de quem? É do poder público? É da televisão, é do rádio? Não, é do “Seu José e da Dona Maria”,

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é dos pais. Quem mais pode fazer essa censura dentro de casa? São os pais. (...). É preciso resgatar essa relação filho e pai. Não quero com isso jogar toda a responsabilidade dentro de casa, o poder público tem que fazer a sua parte, mas quem tem condições de fazer uma parte melhor ainda é o pai e a mãe que estão ali dentro da casa com seu filho. (Marcio Campos, jornalista)

Marcos Souza recorreu aos dados do PNAD para justificar uma replicação que a

mídia faz com matérias que envolvem adolescentes e jovens:

Existe uma discussão se a mídia retrata a violência ou se ela estimula, eu acho que é um pouco as duas coisas. Eu acho que os dados estatísticos vão falar um pouco disso, os dados estatísticos não são tão recentes, talvez de uns dois anos atrás feitos pelo ministério da justiça, basicamente ligado ao tema da redução da maioridade penal ,é um tema que está na agenda brasileira e por isso saiu várias pesquisas, tentando entender um pouco desta violência envolvendo crianças e adolescentes e mostrou alguns dados interessantes, acho que o mais interessante que aproximadamente 10 % dos crimes violentos contra a vida têm algum tipo de participação de adolescentes, porém a sensação que nos dá quando aparece algum crime envolvendo adolescentes tem uma replicação na mídia por alguns setores conservadores da mídia e isto vai replicando e a impressão que se dá então é que a todo momento, a toda hora, que todo grande crime que fale contra a vida, ou contra o patrimônio tem a participação do adolescente, na verdade as estatísticas falam o contrario são aproximadamente no máximo 10% que têm participação de adolescentes em crimes que tratam da vida, a maioria deles está ligada ao furto, um crescimento da droga, do envolvimento com as drogas, envolvimento este que alguns chamam de tráfico e quando vamos estudar melhor como estão montados estes processos, você vê que uma parcela importante está no contexto do tráfico e não necessariamente que estes garotos estão ligados ao tráfico, então tem todo um tema a ser discutido e a mídia tem um papel importante, você tem um setor aí principalmente no período da tarde no Brasil que eles vão requentando, tem toda uma lógica, eu por exemplo presenciei varias vezes as rebeliões na Fundação Casa, acontece exatamente do final da tarde para a noite, exatamente quando estes programas estão ao vivo então é alguma coisa que chama a nossa atenção.(Marcos Souza, coordenador do PMMR)[sic]

A promotora de justiça, Vera Lucia Acayba de Toledo, sobre a identificação da mídia

como sendo muito mais uma prestadora de serviços à sociedade do que incentivadora de

atos violentos por parte de adolescentes e jovens, afirma:

Na verdade, não é que a mídia poderia provocar violência, não entendo desta forma, o que acontece é a necessidade da [sic] mídia noticiar os casos e alguns deles noticiados em jornais aqui da região foram razões da[sic] promotoria poder fazer um trabalho nestas escolas, então há necessidade de mostrar para a sociedade civil o que acontece, neste sentido, sim, a importância da mídia.

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Sobre o conhecimento na elaboração de materiais para diferentes veículos, quatro

adolescentes apontaram que conhecem as diferenças na produção, apenas um disse que não e

os demais (quatro entrevistados) não responderam à questão. Resultado parecido foi

encontrado quando perguntados sobre a matéria que mais chamou a atenção nos principais

veículos: sete não responderam, um afirmou ser futebol e outro, novela e Orkut.

Sobre o que mais gostam de ouvir no rádio, samba e pagode tiveram oito votos,

seguidos de reggae, funk, gospel, rapp, sertanejo, MPB, Black e Psy. Nenhum entrevistado

tem conhecimento de rádios comunitárias próximas a suas residências e apenas um já

participou de uma oficina de comunicação, no PMMR. Quando perguntados se teriam

interesse em participar deste tipo de oficina, quatro responderam que sim, dois responderam

não e outros três não responderam à questão.

4. A escola

A escola e seus personagens também foram apontados na pesquisa. Do total dos

entrevistados (09), quatro repetiram o ano e cinco nunca repetiram, sendo uma vez a maior

recorrência (03 entrevistados) e três vezes, a outra. Os motivos variaram entre falta de

interesse (03 entrevistados) e desistência (01 entrevistado).

Para a Professora e ex-Diretora de escola, Elisete Frigo, estes índices são explicados

pela ausência de projetos que trabalhem efetivamente uma necessidade do aluno.

Projeto de vida, no sentido de que o que ele quer para ele, e o que a escola pode, enquanto instituição que tem esta função, fazer pra que esse aluno sinta que ela está ajudando na inserção social, a conseguir ser ele mesmo, a ganhar no sentido do porquê a aprendizagem, o porquê a escola oferecer elementos para ele ser um pouco melhor lá fora, o que a leitura pode fazer para ele, então não é a escola que se fecha e o aluno vem para dentro da escola e se adapta a ela, é o inverso, é a escola que existe em função do aluno que está lá. Se ela fizer o projeto dela em cima daquele aluno que ela atende, vai ser diferente, porque às vezes você vê aí fora, por exemplo, aparece um concurso, ou o alunos que querem entrar nas escolas técnicas, alunos que querem entrar num SENAI, quando chega no momento de fazer a prova, eles começam a estudar e às vezes, tudo fora da escola, fazem grupos, procuram cursinhos e por que a escola não está lá ajudando este aluno? E o aluno, o jovem do Ensino Médio, muitas vezes ele não tem projeto de vida, e ele vai muito pelo grupo, a idade, psicologicamente é a idade do grupo, mas o grupo tá lá, o grupo está dentro da escola, alguns

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estão fora, mas o grupo está lá, então eu vejo que é inverter, é o aluno que vai dizer pra escola, agora será que ela está aberta para ele?[sic]

Leonardo Duarte atenta para o fato de a escola reproduzir o mesmo discurso durante

anos e anos sobre a importância da profissionalização para o mercado de trabalho, esquecendo

os interesses e anseios dos alunos, causando, assim, desmotivação com as aulas e

consequentemente desistência dos estudos:

Quando eu fiz essas tentativas de voltar para escola e só consegui chegar até a 5ª. série através de eliminação e provas, eu comecei a querer participar do processo de organização escolar. Eu tinha na minha mente a escola dos sonhos e cobrava dos profissionais que não foram orientados da forma que eu fui do que deveria ser a escola que estava na minha cabeça. A grande maioria das instituições, seja ela educacional, assistência, de apoio jurídico, ela tem uma limitação de simplesmente reproduzir aquilo que já foi feito. Então, desisti da escola de novo, dois anos depois eu volto com um pouco mais de vontade. Desta outra vez devo ter passado uns quatro meses, não mais que isso, saí de novo por conflito também. Todos os professores, parecia que eles faziam uma reunião e decidiam: “Ô hoje vamos falar isso”. Aí chegava lá o professor de matemática: “Olha, é importante vocês não faltarem, é importante vocês fazerem as provas direitinho, porque senão vocês não vão ser aceitos no mercado de trabalho”. Até quando nós vamos ficar submissos a ter que nos esforçar a produzir riquezas para alguém?

Vera Lúcia, conselheira tutelar, também acredita na elaboração de projetos dentro da

escola que atendam à demanda do aluno, que trabalhem com temáticas atuais para evitar a

evasão e a desmotivação do aluno em sala de aula.

(...) Na verdade, os projetos políticos pedagógicos necessitariam ser mudados para ampliar, ter outras estratégias de ensino. Eu soube recentemente de uma escola que a Copa Libertadores da América que foi interrompida porque começou a Copa do Mundo, os professores começaram a perceber que os alunos estavam usando walkman, fone de ouvido, principalmente os alunos do noturno, que o professor não tem como dar aula, o menino tá lá e de repente o menino, golllllllllllll. Bom, tirar todo este material, o professor vai tirar todo começo do dia, devolver todo final de aula, suspender, embora a legislação proíba, enfim, o que a escola conseguiu olhar para isso é criar um projeto interdisciplinar, onde eles assistem o jogo na quadra com telão, no pátio, enfim, mas com uma comanda, eles vão lá, vão curtir, sofrer se o time sofreu, mas eles tem uma comanda de geografia, de língua portuguesa, onde eles vão produzir um trabalho depois e aí acabou o estresse do professor louco de olhar o aluno com o equipamento no meio da aula, gritando gol no meio da aula e trabalhar o conteúdo que precisa ser trabalhado, aí a América do Sul, de acordo com o campeonato, temas de geografia, de modelo econômico, de

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modelo de governo, nas diversas áreas de conhecimento, interdisciplinarmente, que é difícil da gente saber fazer, porque a gente foi educado na nossa escola de que o conhecimento tem gavetinha, que geografia não mistura com história, com línguas, enfim, e ela acabou com o que a gente podia chamar de indisciplina.[sic]

Grande parte dos adolescentes respondeu gostar da escola (07 entrevistados) e apenas

dois disseram não. O maior motivo foi encontrar os amigos (07 entrevistados), surgindo como

resposta complementar o gosto por algumas aulas, algumas matérias e professores. Os dois

entrevistados que disseram não gostar da escola apontaram como as matérias e o lanche

(merenda escolar) como motivos de desagrado no ambiente escolar. Apenas um dos

entrevistados conhece alguém que está fora da escola e acredita que o motivo seja a falta de

interesse nos estudos.

Leonardo Duarte, através de sua vivência conturbada com a escola, acredita que a falta

de preparo dos professores e da instituição escolar atinge o aluno principalmente ao

subestimar a bagagem de conhecimento deste quando da elaboração das aulas.

Eu me lembro de um conflito que eu tive com uma professora de história, que ela falou assim pra sala de aula: "os índios só não foram escravizados por mais tempo, porque eram preguiçosos e os negros só foram escravos por muito tempo, porque quando os portugueses chegaram lá na África, os seus pais trocavam seus filhos mais novos a troco de pinga". Eu fiquei louco, louco com essa história, falei um monte para a professora. Eu falei: "mas a senhora está tirando isso de onde? Ela falou: na Internet.” Aí, depois da discussão ela chegou com o papel da Internet me mostrando: "aqui, tá na Internet". Mas a Internet é livre. Esses dias eu estava mexendo na Internet e vi lá uma seita defendendo as ideologias do Adolf Hitler. Então, os meus maiores conflitos com a escola foi do ponto de vista ideológico. [sic]

Dentre os adolescentes, quando questionados como a escola se relaciona com os

estudantes, alguns entrevistados não souberam se expressar direito e responderam “não” (02

respostas), dois responderam “mal”, e outros relataram como “de forma razoável”, “até o

momento bem”, e um dos entrevistados não respondeu.

O educador social, Marcos, acredita que os preceitos trabalhados pela escola não

correspondem ao que é pregado pela LDB e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,

criando uma lacuna ainda maior no combate à inserção e reinserção de jovens e adolescentes

nas salas de aula.

Primeiro o projeto entende que a escola é um lugar estratégico para a gente discutir a questão da criança, então a gente entende a escola como uma

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aliada na luta em defesa aos direitos da defesa da criança, porém a gente, no geral, em dados mais gerais, tem uma divergência que nosso movimento, nossa organização é pautada pelo ECA e a escola lamentavelmente não é pautada pelo ECA, então você tem aí uma diferença conceitual, uma diferença filosófica, de como tratar a criança, então isso na prática gera bastante desconforto para ambos os lados, porém existe exceção como toda regra e nós temos bons diretores, bons professores que é possível nós trabalharmos em conjunto, quando isto se dá o sucesso da permanência da matrícula, da permanência e do sucesso escolar da criança pra gente fica satisfatório, mas é um tema bem delicado, porque toda carga hoje da violência da escola, do não-aprendizado das novas tecnologias, da modernidade, hoje dentro da escola, uma boa parcela dos profissionais da educação vão dizer que o problema da escola hoje fundamentalmente está no Estatuto, que ele criou um monte de direitos e não deveres, e que estes direitos vêm levando as crianças a estarem numa situação de agressividade, de violência dentro das escolas. Nós discordamos completamente desta concepção, aí há um conflito e nós tentamos trabalhar isto com os parceiros, sensibilizando os professores sobre os direitos da criança e do adolescente, nós tentamos trabalhar com os próprios profissionais os fundamentos da LDB, daí tem um conflito aí da sociedade, onde a escola não se preparou para a modernidade, é a impressão que eu tenho, ela achava que tudo que ia acontecer, aconteceria do muro para fora e foram se fechando, e hoje a maioria das escolas da periferia você não sabe se está entrando num local de educação ou num presídio, daí é bem difícil.[sic]

Para Elisete Frigo, a evasão escolar se configura como um ato de violência por parte

da instituição escola que não procura, na maioria dos casos, identificar quais foram os

motivos que levaram determinado aluno a sair da escola:

A evasão pra mim ela é sim resultado de “violência”, porque o aluno evade por algum motivo e este motivo muitas vezes é a própria aprendizagem. Então você dizer que a escola não faz ou cumpre a função que ela tem que é ensinar, você pode dizer que ela comete uma violência também, está tirando um direito do aluno. E a evasão quando não é por problemas financeiros, que começou a trabalhar, você pode entender o não-aprendizado como uma violência, dependo do ponto de vista. Agora já não houve aprendizagem e ele se evadiu, dificilmente essa escola vai querer saber por que ele se evadiu, porque ela já não fez um papel lá atrás então não vai fazer o que vem subsequente. Não há um retorno, poucas escolas, pela minha experiência, vão atrás de alunos que se evadem, até porque quando o aluno se evade é ou era um aluno que tinha algum tipo de não-aprendizado, ou uma postura disciplinar que não era de acordo com o que é normativo, é um dos casos que vai se evadir e muitas vezes a escola diz: que bom que se evadiu, aí vem o ciírculo, você evadiu e lá fora o que vai acontecer? Dificilmente casos de evasão por violência, pela minha experiência, não são resgatados. [sic]

Quando perguntados sobre o apoio dos familiares aos estudos, somente um

entrevistado disse não ter o apoio da família e, sobre o fato dos demais irmãos em fase escolar

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estarem na escola, com exceção de um dos entrevistados, frequentam a escola, o que

demonstra a preocupação dos pais e/ou responsáveis pela educação dos filhos, em uma

tentativa de proporcionar a estes uma condição diferenciada da que tiveram.

A promotora Vera Toledo relata também que, de acordo com o artigo 53, incisos II e

III do Estatuto da Criança e Adolescente, deve ser garantida a permanência desses jovens na

escola:

Esse artigo citado do ECA prevê quais são os direitos das crianças e adolescentes em relação à educação. Então prevê, por exemplo, o direito da criança, o acesso, a permanência e êxito, a questão da educação. E se houver infração a este dispositivo legal, o ministério público pode atuar nesse caso para preservação deste direito, como poderia fazê-lo? Primeiramente numa maneira consensual ligando para a diretora da escola, conversando com a diretora, com a diretora regional, para tentar resolver de forma consensual esta questão em relação à criança e ao adolescente, se não conseguir de maneira consensual o objetivo da promotoria da infância, o ministério público pode fazê-lo ingressando com uma ação em juízo, visando preservar este direito de acesso à escola, de permanência e também de êxito da criança e do adolescente.

5. A violência escolar e a violação de direitos

A violência e a violação de direitos do adolescente e jovem foram assuntos

recorrentes durante a pesquisa. Para os adolescentes entrevistados não existe diferenciação

clara entre os dois termos. Para os profissionais que lidam diretamente com esses adolescentes

e jovens, a violência em seus diferentes níveis, acima de tudo a questão psicológica foi a mais

citada:

Bem, eu encaro que tem a ver com a questão social, não sou eu que defino, mas em consideração à própria sociedade que decide o que estaria fora dos padrões no intuito de prejuízo físico, emocional em relação ao outro, a outra pessoa. Neste sentido (...) quer dizer um aluno, um professor, um funcionário, agindo contra uma pessoa, contra uma outra pessoa, não pensando nela em si mesmo, mas seja física, seja emocional, psicológica no sentido de que cause um mau estar ao outro, cause um problema, inflija um sofrimento ao outro. A única diferença é que no contexto escola, ou no contexto social melhor, que diferencia uma da outra. (...) O bullying que acontece como se fosse meio omitido, existe a questão, entrando na parte de ditatorial das pessoas hierarquicamente superiores, que acham que podem infligir a violência, seja professor-funcionário, ou o próprio aluno, entre pessoas é difícil na escola, existem casos de violência física também, sem

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dúvida, mas eu vejo a violência psicológica mais forte na escola, do que a violência física, porque a física é visível e a psicológica nem tanto, ela fica mais escondida, neste sentido ela pode até ser mais grave porque vai causar um dano tão grande quanto o outro, mas não vai ser detectada. (Elisete Frigo, professora e ex-diretora de escola)

Ainda nesta linha Vera Gallo afirma:

A violência urbana, é a violência que a gente vivi hoje é que não é privilégio da escola, privilégio entre aspas, ou seja, o jeito da sociedade se organizar, a impunidade que reina na sociedade, ela atravessa os muros da escola, ela vai pra dentro da escola e, sendo o adolescente que está lá dentro da escola, ele comete os atos que ele não comete apenas lá dentro, mas também fora, isto falando da violência quando ela é cometida do adolescente contra um outro ser humano que é o educador, o professor, o prédio, quando ele comete danos materiais, agora a gente também tem a violência da Instituição aí não é esta escola ou aquela escola, da Instituição escolar que tem uma grade fechada, que não aprendeu a ouvir a comunidade, como diz a lei de diretrizes básicas da educação nacional, para fazer um pedagógico político pedagógico em consonância com as necessidades daquela comunidade, que tem um grande número de alunos por sala, que tem professores com muitas vezes, três jornadas de trabalho, com salário muito defasado, portando eles vão trabalhar pela manhã numa escola, à tarde em outra e à noite em outra, ou as três na mesma escola, enfim, que horário ele tem para planejar, para ter um diagnóstico dos saberes destes alunos para propor um projeto didático a partir do que estes alunos sabe, daí não dá pra gente dizer que o professor é o culpado, que o diretor é o culpado, enfim é este o conjunto que acaba violentando o direito a educação. [sic]

Quando os adolescentes foram perguntados sobre a incidência de alguma briga na

escola, cinco responderam que nunca brigaram e quatro que sim, porém, não houve respostas

do porquê e quando. Já quanto àqueles que afirmaram terem brigado, quando perguntados

sobre a lembrança da ocasião e se o fato lhes trouxe algum benefício, um pesquisado disse

não se lembrar do ocorrido, outros dois disseram que a briga foi devido a xingamentos contra

a mãe e brincadeiras sem graça e, do total, apenas dois responderam que a briga trouxe

benefício. Dos entrevistados que brigaram na escola, dois afirmaram que esta não resolveu

nada, um que os pais foram chamados e outro que uma conversa com a diretoria resolveu o

ocorrido. Com a mesma pergunta direcionada à postura da família quanto à briga, a maioria

(03 entrevistados) disse que foi resolvida com conversa e um único entrevistado disse que os

pais não se interessaram pelo problema. Quando perguntados sob a forma como eles

resolveram o problema, apenas um afirmou não ter dado atenção às pessoas depois da briga e

o restante do entrevistados diz ter resolvido “na porrada”.

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O educador social, Sidnei Almeida, acredita que existam alguns conceitos equivocados

por parte da escola e seus protagonistas, no sentido de tratar casos de violência escolar como

ocorrência policial:

(...) No cotidiano as professoras, as diretoras de escola, os funcionários tratam isso como caso de polícia. Para nós não é caso de polícia, porque vem algo antes do porquê que aqueles meninos são violentos, do porquê esses meninos que vêm da rua são tratados como violentos. Não estou culpando a professora, nem a diretora, não é uma culpabilização, mas é uma situação onde nós percebemos que imediatamente chamar a polícia militar, isso é muito perigoso. Imediatamente coloca esse menino numa sala, onde ele vai tomar uma bronca do diretor e falar que na próxima vez ele vai ser expulso. Será que é isso mesmo?

Ele também discorre sobre a que se deve o fato da existência da violência nas escolas:

A violência escolar é um tema que eu não resumiria somente à escola. Ela é um reflexo de algo que está na nossa sociedade. A violência vem cada vez mais crescendo e entrando. Acho que a violência retrata essa realidade, não é falta de pagamento dos professores, não é mais tempo ou falta de reprovação, falta de merenda na escola. Acho que é algo mais complexo na sociedade e ela vai refletir isso. Acho que no momento que a escola começa a perceber que ela é o reflexo e há a possibilidade de enfrentar isso e na escola dá pequenas respostas, né? “não consigo desenvolver alguma coisa com meus alunos aqui, se ao abrir a porta em frente à casa dele tem um esgoto a céu aberto ou não vão ter comida no outro dia, só na escola”. Então é muito difícil. Há experiências interessantes de que vincular a experiência da escola, como espaço de informação, espaço que a criança passa o maior tempo da vida dela ali, onde o aprendizado, o conhecimento sobre matemática, português, consegue refletir algo que de fato vão usar na prática, algo que vai afetar na vida deles. Possibilidades, né? Possibilidade de conseguir um emprego quando passar nos 16 anos, possibilidade de continuar na escola, uma escola técnica e o acúmulo de conhecimento. Infelizmente a escola hoje, o aluno sai daquela escola e aprende poucas coisas. Nós conhecemos um menino que estuda com a gente que ele tem dificuldade de escrever e está na oitava série. São coisas muito impressionantes, então acho que aprofundar essa troca com o menino ali naquela sala de aula para que de fato ele use na prática, exercitar o seu português, sua matemática, mas que afete diretamente a vida dele. E a escola entendendo que a casa do menino também tem que melhorar, o bairro dele tem que melhorar. Coisas vinculadas. [sic]

Foi também detectado por meio das entrevistas que, ao cometer um ato infracional

no ambiente escolar, o adolescente já teve um ou mais de seus direitos violados, conforme

diz Vera Gallo:

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Aqui em São Bernardo os casos de violência não estão, em sua grande maioria, mais vindo para o conselho, eles estão sendo inclusos no fluxo que a força tarefa criou, exatamente na crença de que este adolescente que está cometendo ato infracional, que está praticando violência no ambiente escolar ele já tem um ou vários de seus direitos violados, às vezes são questões da assistência social, essa família precisa ser incluída num programa de transferência de renda, às vezes são questões de cultura familiar que usa da violência psicológica e corporal para educar, então ele repete isso nas suas relações com o outro, com o mundo. Então, assim, normalmente os casos de violência só chegam no [sic] CT pra nos comunicar, mas escola já inseriu no fluxo, na saúde, na assistência social ou na Fundação Criança que tem os programas de reeducação, que na verdade trabalha com adolescente que teve uma medida aplicada pelo Poder Judiciário, pelo juiz da Vara da Infância. Com relação às outras ocorrências, quer dizer direito violado, quando a escola percebe que um aluno seu apanha em casa, ele é negligenciado nos seus cuidados básicos de guarda, ele passa fome, ou ele não tem atendimento médico embora a escola faça o encaminhamento, a família não procura o serviço médico, pra seja lá qual essa questão, ele tá [sic] tendo um direito seu violado, então a escola comunica o CT e nós vamos conhecer a casa, o entorno, vamos diferenciar aí que nós não vamos fazer uma visita domiciliar, pois esta é um instrumento estratégico de trabalho profissional de serviço social não nosso, mas nós vamos conhecer este entorno, conhecer essa família, notificá-la pra vir aqui ouvir dessa família como ela vive, que [sic] outras necessidades que precisa, e nós vamos aplicar uma medida de proteção. Muitas vezes essa medida de proteção é encaminhar os pais para tratamento psiquiátrico, encaminhar o pai ou a mãe para tratamento de alcoolismo ou dependência de alguma outra droga, encaminhar pro CRAMI que é o Centro de Referência de Atenção aos Maus Tratos na Infância onde vão ter educadores da área de psicologia e do serviço social que vão tratar o agressor e a vítima, enfim aplicar uma medida de proteção.

Dos adolescentes e jovens, quando questionados se já presenciaram algum tipo de

violência na escola e qual tenha sido, apenas um disse nunca ter presenciado, o restante (08

entrevistados) presenciara em sua maioria casos de briga (05 respostas), agressão física e

verbal (01 resposta). Apenas um entrevistado conheceu um amigo que fora assassinado.

Também, apenas um aluno já foi ameaçado na escola e ainda grifou “várias vezes”. A maioria

(06 entrevistados) possui amigos que praticam atos de violência contra a escola.

A maioria dos entrevistados afirma que a família já sofreu algum tipo de violência

(06 entrevistados). E, quanto ao que foi feito, três responderam: “violência com minha mãe”,

“brigou com meu pai”; “pela justiça nada”, “pois a justiça em muitas situações é FALHA” (a

respondente fez destaque sobre a situação); “o pai bateu na mãe”.

Quando perguntados sobre a quem atribuíam o fato da violência escolar, a maioria

não respondeu (05 entrevistados), sendo que, dos que responderam, atribuíram o fato ao

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Governo (01 entrevistado), diretor da escola (02 entrevistados), organização escolar (01

entrevistado).

A direção da escola acaba por ser alvo das grandes críticas efetuadas pelos alunos.

Muitas vezes a ausência de projetos pedagógicos mais claros e objetivos e uma não-

conscientização do que realmente seja educar por parte de professores acabam por tornar

algumas situações no ambiente escolar um verdadeiro “cavalo de batalha”.

Vamos pensar no lado, primeiro aprendizado. Para aprendizagem as escolas têm projetos, muitas têm. Então elas trazem os projetos de como conduzir o aluno que não está aprendendo, porque a própria não-aprendizagem, o próprio não olhar pra mim enquanto aluno já gera [sic] violência dentro da sala, porque ele vai ficando e, no buscar atenção é hora que algumas situações emergem, transbordam nesta relação que existe entre professor e aluno ou entre aluno-aluno. Então na parte pedagógica tem, mas dificilmente há uma ligação entre ações de violência como consequência de uma relação professor-aluno, aluno-aluno que não foi satisfatória no momento de aprendizagem. As pessoas às vezes não juntam as coisas como uma gera a outra é como se fossem coisas diferentes separadas e não são. Uma, a não-aprendizagem, gera violência, não tem estatística, não tem pesquisa, mas é só você ver a relação, que eu conheça, pode ser que tenha, mas é só ver a relação que existe dentro da sala, aquele aluno que o professor chega não fez, não trouxe, cadê o material, aí já começa a ferver o ambiente, e isso vai tendo um segundo, um terceiro, um quarto passo. Então ações para não-aprendizagem têm, mas não com a preocupação de que o que causou a violência em virtude da aprendizagem é como se fossem separadas e a escola deveria ter sim esta visão estar ligados e aí, como proceder, e até violências que ocorrem independente da não-aprendizagem que não é explícita ali, mas, eu sei que os anos mudaram, são outros, mas no meu percurso de profissional de educação, são mais de 30 anos, eu nunca tive casos de violência gratuita, sempre foram resultado de uma ação anterior, e de uma ação anterior de que se o professor não refletir, ele não percebe que foi causada muitas vezes por ele, e não pelo aluno que foi violento. Têm casos à parte? Têm, mas são mínimos, a maioria é resultado do próprio ambiente que está ali. Têm crianças que sofrem violência fora de casa e por conta disso, fora da escola e por conta disso são mais violentas na sala, vamos supor, por exemplo. Tem, porque é o ambiente que ele vive, mas dependo de como a escola tá lidando, isso é minimizado, tem como minimizar, mas precisa de muita coisa, não é tão simples.[sic]

Para Vera Toledo, a solução dos problemas de violência escolar estaria na

unificação de forças entre as redes de atendimento ao jovem e adolescente:

Nós temos várias atividades para ajudar a escola, os demais parceiros vêm

para auxiliar a escola, para ela não se sentir sozinha, e qual o objetivo

principal? Buscar a origem do porquê este aluno, este adolescente, esta

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criança praticou o ato infrancional. Então é enfrentar esta questão da

violência focando o aluno na plenitude de suas necessidades. Sabendo este

motivo, esta causa, ele vai ser inserido num órgão de atendimento

psicológico, psiquiátrico, de família, qualquer órgão vai auxiliá-lo a um

tratamento, a um acompanhamento, e tratando esta questão do aluno,

consequentemente de outra parte nós vamos ter o respeito e a autoridade de

volta para o professor, porque este aluno aqui recebendo um

acompanhamento e um tratamento, ele vai deixar de praticar um ato de

indisciplina ou infracional e consequentemente nós vamos resgatar o

respeito ao professor. Então têm as duas vertentes, tratando aqui o aluno,

nós vamos aqui, também, conseguir melhorar o ambiente da sala de aula e

também o do professor.

6. O Projeto Meninos e Meninas de Rua

Os adolescentes foram questionados sobre como vieram para o PMMR e as

respostas ficaram divididas entre: amigos (02 entrevistados), comunidade (02 entrevistados),

por meio dos “tios” (01 entrevistado), de uma “tia” e para participar do Eureca e do Sábado de

Lazer (01 entrevistado), pessoas que participam do Projeto (01 entrevistado) e andando (01

entrevistado).

O educador social, Sidnei, explicou como os adolescentes e jovens geralmente são

abordados para participar do Projeto:

Desenvolvemos uma constante aproximação com esses adolescentes, meninos e meninas de rua. A base do Projeto é a rua. Nós fazemos uma atividade que se chama educação de rua, onde a principal meta é estabelecer um vínculo com os meninos que estão na rua e não o objetivo imediato de tirar da rua para conversar, é na rua que a gente vai ter o contato, vai conversar, vamos desenvolver oficinas, vão brincar, então vamos conversar com eles vários assuntos, conversamos sobre a rua, sobre o rapp, música, dança, filme, futebol e aí a gente cria esse vínculo, essa proximidade com esse adolescente. E no momento que conseguimos esse primeiro diálogo, porque um menino ou menina rua não quer muito conversar com uma pessoa, desde que não interfira no que ela está fazendo, não é brincando na rua, o principal é trabalhando na rua. É difícil, mas é um caminho para entender como aquele menino ali sofre e coisas que são a realidade deles. Então conseguimos chegar até eles através dessas coisas,

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estar desenvolvendo uma conversa inicial ou trazer para a entidade, entender uma situação ali, entendendo os motivos e tudo mais. [sic]

Quanto a como se sentem no PMMR e se há debate sobre violência e violência

escolar, cinco dos entrevistados afirmam sentirem-se “bem” e que debatem tais temáticas,

três sentem-se “muito bem”, também afirmam debater o assunto, sendo que um deles

acrescentou que debatem assuntos de todos os gêneros e um dos entrevistados afirma estar

muito contente com Projeto em que a temática é debatida.

Sobre as atividades de que participa no PMMR, as respostas foram: oficinas

culturais (03 entrevistados), dança (02 entrevistados), Break, street dance e percussão geral

(01 entrevistado), do Ação Jovem (01 entrevistado). Um dos entrevistados afirmou: “tem

bastante coisa, me ajudou a sair mais da rua, pensar mais em meus direitos e na sociedade em

geral” e outro dos entrevistados não respondeu.

O educador social, Sidnei, explica como são desenvolvidas as oficinas culturais:

Sempre partimos de coisas que eles conhecem, minimamente. Percussão. A proposta desta oficina é que eles aprendam a tocar percussão e o principal, é aquele menino saber dos direitos deles e reivindicar seus direitos. Sempre é vinculado e, na oficina direta, eles vão aprender percussão. Então vou começar com o samba, vou falar do pagode: “Sabiam que o pagode tem instrumentos tal e todos são de percussão?” Então vamos aprender pagode e dali eles vão desenvolvendo. E destas oficinas vamos também desenvolvendo os temas que também afetam esses direitos, que aí a base é o ECA. Informações, leitura e entendimento do ECA, formações com a família sobre o ECA, sobre temas específicos, temos temas como sexualidade, raça, drogas, direitos, então “catamos” os temas no mês, fazemos a formação e, antes dessa formação, vamos desenvolvendo alguns temas ligados ao tema geral. E aí conseguimos vincular a oficina cultural com tema político e falar que eles têm direito, direito à segurança, à moradia, à educação e essas coisas, eles têm canais de serem cobrados e a nossa base sempre é o ECA. [sic]

7. A vida familiar e sociocomunitária

Os adolescentes foram questionados se gostam do lugar onde moram, a maioria

disse sim (08 entrevistados), apenas um dos entrevistados afirmou não gostar e completou: “

se eu tivesse condição, iria para bem longe daqui, só droga e briga”.

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Quanto à relação com a família, todos afirmaram ser boa. Já em relação à

comunidade, seis dos entrevistados afirmam ser boa, um acredita ser razoável, um acha que é

ruim e um afirma “não ter muito contato com as pessoas que coordenam os assuntos da

comunidade”.

8. Perspectivas e sonhos

Sobre a situação de maior constrangimento que já vivenciaram, quatro não

responderam, um não lembra, outro entrevistado não passou por essa situação, e três

entrevistados afirmaram que foi: “cair na escola”, “xingamentos” e “algo em uma loja”.

Quando perguntados sobre uma situação em que se sentiu compreendido, a grande

maioria não respondeu (05 entrevistados). Os demais disseram na dança (03 entrevistados) e

quando entraram no ETEC LG (Escola Técnica Lauro Gomes).

Quanto aos sonhos, por ordem de prioridade, os entrevistados apenas sinalizaram

quais seriam: jogador de futebol (02 entrevistados), ter filhos (01 entrevistado), “terminar os

estudos, fazer faculdade e ajudar a mãe a construir uma casa e muito mais” (um entrevistado),

“ter uma vida superior a que tem hoje” (01 entrevistado) e quatro dos entrevistados não

responderam.

Quando da entrevista com Leonardo Duarte, que tem a mesma idade que eu, que viveu

situações de privações econômicas quando adolescente, tendo que trabalhar nas ruas, sair de

sua cidade natal para uma grande metrópole, sofrer com a separação dos pais e ainda estudar

para ter um bom resultado na escola e, neste ambiente, carregado por tantas preocupações e

angústias que não deveriam ser de responsabilidade de um adolescente de 13 anos de idade, e

como eu que jamais passei por tais problemas, ambos nos deparamos com a mesma realidade

das escolas e de professores que entram em sala de aula com o mesmo discurso: para não

conversamos, nos dedicarmos aos estudos, para que sejamos bons profissionais, que o

mercado isso, que o mercado aquilo. Os hoje adolescentes, Gabriela e Fábio, repetem o

mesmo discurso sobre seus professores. Brilhante, pois o mesmo “conselho” ainda é

propagado em várias salas de aula após 20 anos, enquanto reforço dessa falta de memória.

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Ao participar desta pesquisa, digo participar pois também passei a ser objeto de estudo

enquanto profissional da comunicação e Educação, pude perceber o quanto é fácil trabalhar

com adolescentes e jovens, identificar os porquês de suas revoltas e a motivação de sua

violência e o quanto é difícil alterar essas situações pela enormidade da rede de atendimento

envolvida no processo. Tais situações possuem as soluções, mas acabam por se perder em um

emaranhado burocrático.

O Conselho Tutelar, a promotoria pública, os diferentes profissionais da comunicação,

os educadores sociais e a os próprios dirigentes escolares realizam um ótimo trabalho, têm

“memória” do que é necessário mudar, mas enfrentam dia a dia um batalhão que ainda não

está preparado para retomar o passado como forma de alterar o presente, que não consegue

enxergar que a rotina não gera crescimento, apenas cria angústias.

Pesquisar sobre a comunicação e como seus processos de fato acontecem me fez

acreditar ainda mais que a socialização do conhecimento é algo que deve existir não apenas

em escalas massificadas, mas nas relações interpessoais, com meu amigo, vizinho enfim, na

comunidade em que vivo. Que mais do que ser um comunicador graduado, devo ser uma

comunicadora social e, enquanto educadora, passo a ter um duplo papel e uma dupla

responsabilidade em tentar minimizar as questões que envolvam os processos

comunicacionais e a ampliação do conhecimento. Espero que este estudo inicial sirva como

fonte para se tentar minimizar as falhas nos processos educacionais e na geração da violência

dentro do ambiente escolar.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tomando Gilberto Velho, a história de cada um é construída por meio de suas experiências compartidas, com um coletivo, através de rituais importantes para a reprodução de valores fundamentais para uma determinada sociedade. Essas experiências são armazenadas na memória e definem a forma de interpretar e visualizar o mundo, criar referências, construir identidades e elaborar projetos. Portanto, independentemente do lugar do sujeito no presente, os significados culturais não podem ser descolados (MEDEIROS, 2006, p. 40).

A pesquisa mostrou o quão é complexo tratar dos temas adolescência, juventude,

mídia e violência escolar. Até porque estamos inseridos nesse contexto histórico. Durante o

desenvolvimento da pesquisa tive que retornar à leitura detida do Código de Ética da

profissão escolhida por mim e, nas trocas sobre práticas com colegas que atuam em grandes

empresas de televisão e jornais e mesmo com os entrevistados, pude perceber o quanto

abrimos mão de nossas memórias e, em especial, daquelas do tempo da adolescência e

juventude, particularmente, da convivência escolar. O corre-corre cotidiano na busca da

projeção profissional e status social nos distancia daquilo que realmente somos – nossa

essência – enquanto seres humanos que vivem em determinada sociedade e, que, do ponto de

vista ético e solidário, devemos realizar transformações no plano individual e coletivo.

As incertezas entremeadas no processo de desenvolvimento da pessoa podem induzir a

escolhas determinadas pela cultura. As entrevistas realizadas com os adolescentes, jovens e

os protagonistas mostram parte desse percurso: admirar, respeitar e se espelhar em exemplos

que transmitem segurança, poder e onipotência são, de certa forma, atitudes introjetadas.

Sobre o papel que a escola ocupa para o adolescente e jovem, ela é representada, por

um lado, como “uma referência para estabelecimento de vínculos afetivos, de amizade, de

lazer, é um espaço de reavivamento e cultivo de autênticas, legítimas e improvisadas formas

de sociabilidade” (Medeiros, 2006, p. 40); por outro, como lócus de reprodução da realidade

social enquanto instituição representativa de um sistema de valores e normas: “toda ação

pedagógica é objetivamente uma violência enquanto imposição, por um poder arbitrário, de

um poder cultural” (BOURDIEU e PASSERÒN, 197551 apud MEDEIROS, 2006, p. 39-40).

A pesquisa mostrou indicativos de como esse ambiente coletivo – a escola – contribui,

ou não, para o aumento de repertório de vida a partir do conhecimento científico e filosófico 51 BOURFIEU, Pierre e PASSERON, J. Claude. A reprodução, Rio de Janeiro ; Francisco Alves, 1975.

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combinado com o contato entre pares, professores, comunidade escolar, comunidade do

entorno da escola, ou seja, com o cotidiano da vida e a sociedade. Os entrevistados também

mostraram que esse espaço é também contraditório quando não garante o desenvolvimento

sadio e adequado dos estudantes (adolescentes e jovens) e, assim, pouco colabora para o

exercício da vida coletiva em outras bases, diferente de uma sociedade pautada apenas pela

ética do trabalho e do consumo. Nesse sentido, podemos afirmar que as questões

apresentadas na parte introdutória da dissertação – se a educação escolar em sua trajetória

vem cumprindo a sua tarefa de formação de estudantes para a vida social; se a escola permite,

de fato, conhecer seus estudantes em suas necessidades e direitos; se existe um conhecimento

do que é ser-adolescente e ser-jovem para a escola – foram em parte debatidas, confrontadas,

analisadas, criticadas e reorientadas a partir dos diversos olhares dos entrevistados e partícipes

da pesquisa: adolescentes e jovens do Projeto Meninos e Meninas de Rua e protagonistas

sociais presentes na rede social de proteção do município de São Bernardo do Campo/SP.

Sob o título “A imagem que se crê não é aquela que se vê”, pude trabalhar na pesquisa

a relação mídia e violência escola diante de tantas mudanças trazidas pela modernidade: a

informatização, a informação e as diferentes linguagens utilizadas pela mídia. Como a

pesquisa revelou, é difícil pensar a sociedade, nos tempos de hoje, sem trazer à cena os meios

de comunicação social e uma vasta tecnologia digital que se apresentam ao “mundo” dos

adolescentes e jovens.

A mídia está presente onde quer que a vida aconteça e a reflexão sobre o papel daquela

no interior da escola significou “desenrolar” os inúmeros fios de redes em que se mesclam os

relacionamentos, a informação, os diferentes modos de vida para os adolescentes e jovens

estudantes. Na medida em que os entrevistados foram descortinando as percepeções, o

conhecimento, as críticas sobre o objeto do presente estudo, foi possível verificar como a

escola, as instituições, os projetos lidam com a violação de direitos e as práticas de violência.

E, mais, até que ponto a mídia tem condições de interferir ou não no espaço cotidiano de vida

dos adolescentes e jovens, em especial, no espaço da escola. Foi importante reconhecer a

mídia eletrônica, especialmente a televisão, que atrai esse público ao mesmo tempo em que

são alvos preferenciais de suas comunicações. A compreensão crítica de que a Educação se dá

também fora dos espaços tradicionalmente reservados à escola pode ajudar a instituição

escolar a indicar em que estágio os alunos têm condições para assimilar determinada

informação, podendo acomodá-lo como novas formas de organização do conhecimento e

como instrumento auxiliar da Educação.

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Lidar com o adolescente e jovem nos diversos espaços da vida social e lidar com a

educação para além do espaço escolar não parecem tarefas fáceis segundo o olhar dos

entrevistados da pesquisa. Tanto que, desde os anos de 1950, os temas mídia, escola,

violência escolar vêm sendo, cada vez mais, tratados como objetos de estudo prioritário na

Comunicação, Educação e Educação Social. A pesquisa foi mostrando que a intervenção com

adolescente e jovem precisa ser muito delicada em razão das concepções e caracterizações

que vão sendo construídas que sobre eles pela sociedade e suas instituições. Como nos lembra

Soares (2005), “nem todas as sociedades conhecem a adolescência” e juventude dada a sua

invenção recente nas sociedades modernas e ocidentais.

Na sociedade do trabalho, o adolescente e jovem devem estudar, trabalhar, relacionar-

se com os pares e, muitas vezes, assumir responsabilidades que não são suas, como foi

reafirmado pelos entrevistados. A ausência da garantia de direitos que, em nosso caso, estão

garantidos no plano constitucional e na legislação especial (Estatuto da Criança e do

Adolescente), impede que uma maioria deles fique alijada desse modelo de sociedade que

exige uma série de competências e habilidades para a sua inclusão social, principalmente, no

mercado de trabalho. O que tem sobrado para eles é a inserção em atividades as mais

desqualificadas, não-competitivas e não-reconhecidas formalmente pelo mercado de trabalho.

Contudo, o adolescente e jovem das camadas populares são reclamados para ajudarem na

composição da renda da família e, em muitas situações, pressionados pelas constantes

solicitações e necessidade de se adaptar à vida socioeconômica e familiar, muitos deles

sentem-se confusos, inseguros e tensos. O olhar sobre o papel da escola, da mídia, das

instituições sobre essa questão foi amplamente considerado pela maioria dos entrevistados.

Neste ponto, permito-me voltar às linhas iniciais da parte introdutória da presente

pesquisa quando apresentei minhas inquietações de adolescente/estudante: a vontade de

“quebrar” tudo o que via pela frente, quando contrariada. Isso tinha a ver com a minha

condição peculiar de desenvolvimento que não era possível e, ainda bem, conhecer,

reconhecer e enfrentar os problemas postos à minha frente. E, hoje, olhando para trás e

convivendo com os adolescentes e jovens da pesquisa, não eram tantos problemas e

dificuldades assim e nem tão relevantes também: o que passa é que as dúvidas, problemas e

inquietações dos adolescentes são vistos por eles próprios e pela sociedade de modo

amplificado. Isso em parte corrobora que a família, a sociedade e a escola não os aceitem

como são e, principalmente, quando envolvidos em agressão, delito, etc.

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A repercussão da/na mídia sobre determinados fatos em que estão envolvidos os

adolescentes e jovens reforçava em muito que a prática de violência é “inerente” a esse grupo

e, se este for oriundo das camadas populares, a relação pobreza e crime cai feito “a mão e a

luva”.

Ao realizar esta pesquisa fui, aos poucos, mesmo que procurando o distanciamento

técnico necessário, fui me percebendo partícipe dela, em razão de minhas memórias, de minha

atuação enquanto profissional da comunicação e da Educação. Os procedimentos

metodológicos adotados colaboraram para isso ao permitir, ao mesmo tempo, “olhar de fora”

e “olhar de dentro” o problema pesquisado.

Conviver com os adolescentes e jovens do Projeto Meninos e Meninas de Rua, seu

Coordenador e educadores sociais e com a rede de protagonistas e autoridades no campo da

promoção, defesa e justiça na área da criança e do adolescente auxiliou em muito a minha

compreensão sobre a relação violência escolar e mídia e que os seus resultados (dissertação e

vídeo) possam auxiliar todos aqueles que trabalham direta e indiretamente com adolescentes e

jovens, na escola e em outros espaços de socialização.

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APÊNDICE 1

Modelo

AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E VOZ

Pelo presente termo particular de autorização de uso de imagem e voz, eu,

__________________________________________, Nacionalidade:_____________________________, Estado

civil: ________________________,Profissão:_________________________________, RG nº.

__________________________________,CPF nº.______________________________,Residente e domiciliado

________________________________________, autoriza à ALEXANDRA DA SILVA ALVES, pessoa física

inscrita no CPF sob nº 024.112.164-75, estudante do mestrado profissional Adolescente em Conflito com a Lei

da Uniban Brasil, sob o Registro Acadêmico de nº 080378587, residente a Av. Nove de Julho, 1952 – apt 1320,

Bela Vista, São Paulo/SP, o uso de sua imagem e voz, em decorrência da participação na pesquisa do projeto de

mestrado “A IMAGEM QUE SE CRÊ NÃO É AQUELA QUE SE VÊ – A violência escolar e a influência da

mídia sob o olhar de adolescentes e jovens do projeto Meninos e Meninas de Rua”.

O presente instrumento particular de Autorização é celebrado a título gratuito, podendo a referida participação

ser transmitido ou ainda fixada sua imagem em qualquer veículo (Rádio, TV e internet com todas suas

ferramentas e tecnologia existentes e que venham a existir) por todo território nacional e internacional, no todo

ou em parte, de forma “ao vivo” ou gravada, podendo ser reexibido a qualquer tempo.

A pesquisadora está autorizada, gratuita e exclusivamente, a fixar todo ou parte, do conteúdo de sua participação

e sua conexa interpretação e execução, em CDs, DVDs, CDs-ROM, MDs e quaisquer outras modalidades de

utilização, existentes ou que venham a ser inventadas, podendo a autorizada divulgar ou distribuir tais fixações.

O presente instrumento particular de Autorização é celebrado em caráter definitivo, irretratável e irrevogável,

obrigando as partes por si e por seus sucessores a qualquer título, a respeitarem integralmente os termos e

condições estipuladas no presente instrumento.

São Paulo, de de 2010 .

__________________________________

Participante

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APÊNDICE 2

MODELO

TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E VOZ

(nome da mãe)______________________________________________, inscrita no CPF sob o nº ________________- mãe e (nome do pai) _______________________________________, inscrito no CPF sob o nº_____________________ - pai, residentes e domiciliados na Rua/Av. _________________________________,Bairro _______________,na cidade de ________________________, Estado __________, CEP:____________, adiante denominado(s) RESPONSÁVEL(EIS), autorizam o __________________________________________________, a participar projeto de mestrado “A IMAGEM QUE SE CRÊ NÃO É AQUELA QUE SE VÊ – A violência escolar e a influência da mídia sob o olhar de adolescentes e jovens do projeto Meninos e Meninas de Rua”., produzido pela ALEXANDRA DA SILVA ALVES, pessoa física inscrita no CPF sob nº 024.112.164-75, estudante do mestrado profissional Adolescente em Conflito com a Lei da Uniban Brasil, sob o Registro Acadêmico de nº 080378587, residente a Av. Nove de Julho, 1952 – apt 1320, Bela Vista, São Paulo/SP, nos seguintes termos:

1. O(s) RESPONSÁVEL(EIS) cede(m) à pesquisadora a titularidade patrimonial da OBRA com a participação de___________________________________________ notadamente o direito de utilização e exibição desta.

2. A referida participação do(a) ________________________________________ poderá ser transmitida ou ainda fixada sua imagem em qualquer veículo (Rádio, TV e internet com todas suas ferramentas e tecnologia existentes e que venham a existir) por todo território nacional e internacional, no todo ou em parte, de forma “ao vivo” ou gravada, podendo ser reexibido a qualquer tempo.

3. A pesquisadora está autorizada, gratuita e exclusivamente, a fixar todo ou parte, do conteúdo de sua participação e sua conexa interpretação e execução, em CDs, DVDs, CDs-ROM, MDs e quaisquer outras modalidades de utilização, existentes ou que venham a ser inventadas, podendo a autorizada divulgar ou distribuir tais fixações.

4. A presente autorização é firmada em caráter gratuito, irretratável e irrevogável, por prazo indeterminado, não sendo devido ao ______________________________________ ou ao(s) seu(s) RESPONSÁVEL(EIS) qualquer valor.

5. Neste ato, o(s) RESPONSÁVEL(EIS) declara(m), sob as penas da lei, ser de autoria exclusiva do (a) _______________________________________________os desenhos disponibilizados.

O presente instrumento particular de Autorização é celebrado em caráter definitivo, irretratável e irrevogável, obrigando as partes por si e por seus sucessores a qualquer título, a respeitarem integralmente os termos e condições estipuladas no presente instrumento.

(Local) _____________________, ________ de ____________ de 2010. Assinatura do Pai/Representante Legal: ____________________________________________ RG: _________________________________ CPF: _________________________________ Assinatura da Mãe/Representante Legal: ___________________________________________ RG: _________________________________ CPF: ________________________________

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APÊNDICE 3

ROTEIRO DE ENTREVISTAS

COM ADOLESCENTES E JOVENS DO PROJETO MENINOS E MENINAS DE RUA

1. Gênero

Masculino ( ) feminino ( )

2. Idade ____________________________________________________________________________

3. Escolaridade ____________________________________________________________________________ Distribuição dos jovens por características

4. Renda Familiar Mensal Até R$ 930,00( ) De R$ 931,00 até R$ 1.395,00 ( ) De R$ 1.396,00 a R$ 2.325,00( ) De R$ 2.326,00 até R$ 4.650,00 ( ) De R$ 4.651,00 até R$ 9.300,00 ( ) De R$ 9.301,00 ou mais( )

5. Escolaridade da mãe Analfabeto/ Primário incompleto( ) Primário completo/ Ginasial incompleto ( ) Ginasial completo ( ) Colegial incompleto ( ) Colegial completo ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo ( ) Pós-graduação ( )

6. Escolaridade do pai Analfabeto/ Primário incompleto( ) Primário completo/ Ginasial incompleto ( ) Ginasial completo ( ) Colegial incompleto ( ) Colegial completo ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo ( ) Pós-graduação ( )

7. Participação do(a) adolescente em grupos culturais Grupo de música ( ) Grupo de teatro ou circo ( ) Grupo de dança ( ) Grupo religioso( ) Grupo Esportivo( ) Grupo de capoeira( ) Grupo de artes marciais ( ) Grupo de escoteiros( )

8. Participação do(a) adolescente em grupos sociais Associação de moradores( ) Partido político ( )

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Time ou grupo de prática esportiva ( ) Torcida organizada ( ) ONG (Organização não governamental) ( ) Projeto social ( ) Associação religiosa ( ) Outro tipo de associação( )

9. Relacione por ordem de interesse o que mais gosta de fazer? Estudar ( ) Ir a escola ( ) Atividades religiosas ( ) Fazer compras no shopping ( ) Frequentar shows ( ) Indicar : ___________________________________ Frequentar cinema ( ) Indicar o gênero :____________________________ Frequentar boate ( ) Frequentar barzinhos ( ) Participar de jogos/estádio ( ) Prática esportiva ( ) Indicar : _____________________________________ Frequentar Lan Houses ( ) Indicar tempo médio diário e site __________________________ Frequentar festas ( ) Viajar ( ) Organizar passeios ( ) Indicar: ____________________________________

10. Qual dos veículos abaixo mais utiliza e com que freqüência, por ordem de interesse? ( ) TV ( ) 1 hora/dia ( ) 2 hora/dia ( ) 3 hora/dia ( ) + 4 horas/dia ( ) Rádio ( ) 1 hora/dia ( ) 2 hora/dia ( ) 3 hora/dia ( ) + 4 horas/dia ( ) Internet ( ) 1 hora/dia ( ) 2 hora/dia ( ) 3 hora/dia ( ) + 4 horas/dia ( ) Cinema ( ) 1x semana ( ) 2x semana ( ) 1x mês ( ) não freqüenta ( ) Jornal ( ) todo dia ( ) 1x semana ( ) 2x semana ( ) 3x semana ( ) Revista ( ) todo dia ( ) 1x semana ( ) 2x semana ( ) 3x semana

11. Já apareceu na TV? ( ) sim ( ) não

11.1 Se sim, gostou da sua participação, foi respeitado (a) no seu modo de ser e de se expressar? __________________________________________________________________________________________

11.2 Se não, gostaria de participar e em que tipo de programa? __________________________________________________________________________________________

12. Possui amigos (as) que já apareceram em algum veículo de comunicação?

( ) sim ( ) não

12.1 Se sim, o que você achou desta participação? __________________________________________________________________________________________

12.2 Tem vontade de fazer alguma coisa ou ser alguém que aparece na TV, jornal ou rádio? ( ) sim ( ) não

12.3 Se sim, quem e por quê? __________________________________________________________________________________________

13. Que notícia mais lhe chama a atenção na mídia, por ordem de interesse?

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( ) esporte ( ) cultura ( ) policial ( ) política ( ) economia ( ) educação

14. Lembra de alguma matéria que envolva adolescente que tenha tido repercussão na mídia? ( ) sim ( ) não

14.1 Se sim, qual o assunto e a forma de repercussão? __________________________________________________________________________________________

14.2 O que chamou mais chamou sua atenção nesta matéria? __________________________________________________________________________________________

15. Acredita em tudo que é dito na TV, rádio, jornal, revista e internet?

( ) sim ( ) não

15.1 Se sim, por que? ______________________________________________________________________________

16. Você percebe as diferenças na elaboração de matérias para os diferentes veículos de comunicação e

público? ______________________________________________________________________________

17. Quais as matérias que mais lhe chama a atenção em jornais, revistas, tv, rádio e internet, por ordem de

interesse? ______________________________________________________________________________

18. O que mais gosta de ouvir nas rádios? Qual tipo de música?

______________________________________________________________________________

18.1 Onde você mora existe rádio comunitária? ( ) sim ( ) não ( ) não conheço

18.2 Se sim, quais os assuntos veiculados que mais lhe chamam a atenção, por ordem de interesse? ______________________________________________________________________________

19. Já participou de alguma oficina ou grupo de alunos que produzem material de comunicação?

( ) sim ( ) não

19.1 Se sim, em qual espaço: ( ) escola ( ) PMMR ( ) Comunidade ( ) Igreja ( ) outros ______________________

19.2 Se não, gostaria de participar? ______________________________________________________________________________

20. Já esteve em situação de rua?

______________________________________________________________________________

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21. Já repetiu de ano? ( ) sim ( ) não

21.2 Se sim, quantas vezes, a série e os motivos? __________________________________________________________________________________________

22. Gosta de freqüentar a escola? Por quê?

( ) sim ( ) não

22.1 Se sim, o que mais gosta na escola? __________________________________________________________________________________________

22.2 Se não, o que menos gosta? __________________________________________________________________________________________

23. Se já esteve em situação de rua e, a escola fez falta para você?

( ) sim ( ) não

23.1 Se sim, do que mais sentiu falta? __________________________________________________________________________________________

23.2 Conhece algum amigo em situação e que está fora da escola ? ( ) sim ( ) não

23.1 Se sim, do que acha que o amigo mais sente falta?

__________________________________________________________________________________________

24. Os pais ou familiares incentivam os estudos?

__________________________________________________________________________________________

24.1 Todos da sua casa, em idade escolar, freqüentam a escola? ( ) sim ( ) não

24.2 Se não, você sabe os motivos?

__________________________________________________________________________________________

25. Já brigou ou quis brigar na escola? Porque e com quem?

( ) sim ( ) não 25.1 Se sim, lembra da ocasião, dos motivos e isto lhe trouxe algum tipo de ganho/benefício?

__________________________________________________________________________________________

25.2 Como a escola resolveu o problema? __________________________________________________________________________________________

25.3 Como a sua família resolveu o problema? __________________________________________________________________________________________

25.4 Como você resolveu o problema?

__________________________________________________________________________________________

25.5 Já presenciou algum tipo de violência na escola? Qual? __________________________________________________________________________________________

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25.6 Já teve algum colega de escola assassinado? Por quê? __________________________________________________________________________________________

25.7 Já foi ameaçado na escola? Por quê? Quantas vezes? Relatou para a escola? Para a família? Para amigos?

__________________________________________________________________________________________

26 Como a escola se relaciona com os estudantes?

__________________________________________________________________________________________

Como é sua a relação com os colegas na escola?

__________________________________________________________________________________________

27 Como é a sua relação com a família?

__________________________________________________________________________________________

28 Como é a sua relação com a comunidade?

__________________________________________________________________________________________

Gosta do lugar onde mora? Do bairro, da cidade, do estado, do país?

__________________________________________________________________________________________

29 Você conhece ou tem amigos que participam de grupos que praticam atos que violam o direito das

pessoas ou do patrimônio público? __________________________________________________________________________________________

30 Qual é a situação de maior constrangimento que você já passou? Em casa, na comunidade, na escola,

com os amigos. __________________________________________________________________________________________

Fale de uma situação em que você se sentiu compreendido, realizado, contente.

__________________________________________________________________________________________

31 Fale sobre seus sonhos por ordem de prioridade.

__________________________________________________________________________________________

Alguém da sua família já sofreu algum tipo de violência?

( ) sim ( ) não 35.1 Se sim, o que foi feito? __________________________________________________________________________________________

32 Como você veio para o PMMR?

__________________________________________________________________________________________

33 Como você se sente aqui? Vocês debatem o tema da violência e da violência escolar no PMMR?

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__________________________________________________________________________________________

Quais as atividades em que você participa no PMMR? E o que isso melhora para você, para seus colegas e para a

comunidade?

__________________________________________________________________________________________

Muito se fala sobre violência escolar, a que você atribui este fato?

__________________________________________________________________________________________

Acredita que a violência escolar pode ter influência da mídia? Como?

__________________________________________________________________________________________

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APÊNDICE 4

ROTEIRO DE ENTREVISTA PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO

TOTAL DE PROFISSIONAIS

1. Como você define violência? 2. Como você define a violência escolar? 3. A violência interfere na qualidade do ensino e no projeto pedagógico? 4. Quais os principais tipos de violência apresentados na escola? 5. Qual o procedimento adotado pela Escola para casos de violência? 6. Você acredita em tais procedimentos? Se não, qual sua sugestão? 7. A escola em que você trabalha tem projetos sobre o estudo da violência de modo geral e os atos que

acontecem na escola? 8. A escola faz algum tipo de comunicado aos órgãos do sistema de garantia de direitos sobre os atos

considerados de violência no interior da escola? 9. A que você atribui a existência e os diferentes atos de violência escolar? 10. Já sofreu algum tipo de ato violento na escola? Quem o cometeu? 11. Como vê a postura da mídia em relação à Escola? 12. Já foi alvo de alguma entrevista por parte da mídia? Se sim, por quê? 13. Acredita que a violência escolar pode ter influência da mídia? Como? 14. Quais as providências que a escola toma em relação as matérias veiculadas pela mídia que interferem na

violência escolar? 15. Conhece e aplica o Estatuto da Criança e do Adolescente em sua prática profissional voltada à

adolescentes e jovens? Como? 16. Muito se fala sobre violência escolar, a que você atribui este fato?

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APÊNDICE 5

ROTEIRO DE ENTREVISTA EDUCADORES DO PROJETO MENINOS E MENINAS DE RUA

TOTAL DE EDUCADORES

1. Como é feito o acompanhamento dos adolescentes em situação de rua? 2. Como são realizados o retorno à família e a escola? 3. Quais os principais motivos identificados que levaram estes jovens à situação de rua? 4. Qual a média de retorno e não retorno a escola no ano? 5. Qual o projeto de acompanhamento dos adolescentes na escola? 6. Quais as atividades desenvolvidas no Projeto em consonância com a escola? 7. Existem parcerias com escolas do município no sentido de retorno imediato dos adolescentes a escola? 8. O Projeto tem sistematizado os históricos de violência escolar? 9. Quais os tipos de violência mais freqüentes, por ordem de incidência? 10. Existem atividades no projeto ligadas a Educomunicação? Quais são? Com que freqüência são

utilizadas? Existem profissionais para lidar com tais projetos? 11. Acredita que exista uma relação da mídia com a violência juvenil? Por quê? 12. Acredita que a mídia é responsável por parte da violência escolar? 13. E quais as matérias que você identifica com as principais responsáveis pelos atos de violência escolar? 14. Você vê relação entre atitudes de violência entre pares, entre alunos e professores, alunos e comunidade

escolar e alunos e comunidade em geral? 15. Algum adolescente que participa do projeto já foi alvo de matérias equivocadas da mídia? Quando e por

quê? E qual a providência tomada pelo Projeto? 16. Conhece e aplica o Estatuto da Criança e do Adolescente em sua prática profissional voltada à

adolescentes e jovens? Como? 17. Muito se fala sobre violência escolar, a que você atribui este fato?

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APÊNDICE 6

ROTEIRO DE ENTREVISTA CONSELHO TUTELAR

TOTAL DE PROFISSIONAIS

1. Qual a relação do Conselho Tutelar com a escola levando em consideração os artigos 53 incisos II e III do Estatuto da Criança e do Adolescente?

2. Qual a média de estudantes/adolescentes que procuram o conselho tutelar para tratar de assuntos de violência e violação de direitos (média mensal)?

3. Qual a média mensal de familiares que procuram o conselho tutelar para tratar de assuntos de violência e violação de direitos?

4. Qual a média mensal de escolas que procuram o conselho tutelar para tratar de assuntos de violência e violação de direitos?

5. Quais os procedimentos adotados pelo Conselho Tutela no trato da violência e violação de direitos? 6. Qual a média/mês de entrevistas concedidas pelo Conselho Tutelar no trato da violência escolar? 7. Os conselheiros possuem capacitação para lidar com casos de violência juvenil e escolar? Como são e

quem os promove? 8. Acredita que existe uma relação entre a violência juvenil e a mídia? Por quê? 9. O conselho já foi alvo de matérias equivocadas da mídia? 10. Quando e por quê? 11. Os conselheiros possuem algum tipo de capacitação para lidar com a mídia? 12. Como o Conselho Tutelar atua nos casos considerados de violência escolar? 13. Muito se fala sobre violência escolar, a que você atribui este fato?

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APÊNDICE 7

ROTEIRO DE ENTREVISTA PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO

TOTAL DE ENTREVISTADOS

1. Os veículos de comunicação contribuem para o aumento ou diminuição da violência juvenil? Porque e como?

2. Os veículos de comunicação contribuem para o aumento ou diminuição da violência escolar? 3. Os veículos de comunicação tem tido uma preocupação na formatação de produtos voltados a

adolescência? 4. Existe algum procedimento dos veículos de comunicação para aferir os efeitos das mensagens junto ao

público adolescente?Como funciona? 5. Conhece e aplica o Estatuto da Criança e do Adolescente em sua prática profissional voltada à

adolescentes e jovens? Como? 6. Como identifica a relação mídia x consumo x adolescência? 7. Qual o percentual da programação televisiva (TV aberta) voltada hoje ao público adolescentes?

Corresponde a quanto do percentual total da programação das emissoras? 8. Muito se fala sobre violência escolar, a que você atribui este fato? 9. Há uma percepção por parte dos veículos de comunicação sobre a recorrência de atos infracionais a

partir da veiculação de determinadas matérias na mídia?

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APÊNDICIE 8 – INTEGRA DAS ENTREVISTAS

8.1. Entrevista com Márcio Campos – Jornalista e apresentador de TV

Entrevistador: - Como foi sua participação na cobertura do caso Eloá.

Márcio: - Esse caso desta adolescente que chocou toda a comunidade e agora é objeto de muita pesquisa,

porque como que se pode ter um caso tão moroso como esse, envolvendo uma adolescente e um jovem.

Despretensiosamente eu fui acompanhar um caso de violência, envolvendo jovens adolescentes, sem saber o que

estava me esperando. Eu saí daqui da TV por volta das 3 horas da tarde, para acompanhar um caso que tinha

começado pela manhã e você jamais espera que vai desenrolar da maneira como desenrolou, ultrapassando 5

dias, chegando quase a uma semana, de uma situação bastante grave, bastante delicada. Eu não acreditava que

o fim seria aquele, mesmo porque o que se busca nesses trabalhos de crise, nesses gerenciamentos de crise pela

polícia, é através do diálogo. Mas, ao final disso tudo, você vê que realmente o rapaz, o jovem já estava

decidido no que ele queria. Ele usou da técnica da polícia para cometer o crime que ele cometeu, ou seja, a

arma que a polícia tinha, que era o diálogo, que era retardar o tempo para se tomar uma atitude, uma ação foi

usada mais por ele do que pela polícia.

Eu disse no lançamento do livro e volto a dizer que esse caso Eloá foi uma tremenda derrapada da

imprensa. Por quê? Nós jamais poderíamos poderíamos ter feito, quando digo assim, digo nós da imprensa.

Mesmo que eu não tenha errado, mas os meus colegas erraram. E isso não é anti-ética a gente comentar,

porque estou fazendo “mea culpa” da nossa profissão, do nosso trabalho. Quando um médico erra, a medicina

errou, o conselho regional de medicina está lá investigando, porque um profissional da área errou, quando um

advogado erra, a aérea errou, infelizmente, e a área tem que cuidar para que não aconteça de novo. Porquê os

acidentes aéreos são amplamente investigados e as causas amplamente divulgadas? Para que não venham a

ocorrer novamente. E nós da imprensa temos que fazer exatamente como um acidente aéreo, a gente tem que

investigar muito quem errou em determinados casos e divulgar esse erro para que os novos profissionais ou nós

mesmos não cometamos esse erro de novo. E aí você me pergunta: mas que erro foi esse? Por que a imprensa

errou tanto? Jamais, em uma situação de crise, você pode abrir o microfone para alguém como foi aberto para

o Lindemberg. Jamais. Nós vimos várias emissoras que entrevistaram esse jovem, que estava com uma arma e

que poderia cometer um crime como cometeu. Você é psicólogo, você é psiquiatra? Não, nós somos jornalistas.

Nós não temos a capacidade de numa entrevista, numa crise como aquela, de tentar acalmar uma situação. Não

temos. Nós somos formados para uma outra situação, não para gerenciar crise, não para querer ser o herói de

uma situação. Então, a imprensa derrapou no momento em que colocou sim esse jovem assassino ao vivo,

gravado, ele expondo o que ele queria expor. Se alguém tinha que fazer isso, tinha que ser alguém sob o

comando, olhar e coordenação da polícia. Porque a responsabilidade dessa morte hoje, vai ser colocada nas

costas do Estado, porque, infelizmente, a polícia não conseguiu gerenciar aquela crise com resultado positivo,

que era tirar todo mundo lá de dentro sem um arranhão, inclusive o criminoso.

Entrevistador: - Não existe qualquer tipo de orientação da empresa para lidar com casos de adolescente em

situação de vulnerabilidade, de perigo eminente, como aconteceu no caso do Lindemberg? Há uma orientação

nesse sentido por parte das emissoras?

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Márcio: - Primeiro, no grupo que eu trabalho existe uma orientação sobre como trabalhar com adolescentes

sejam eles infratores ou vítimas. Segundo, no caso específico de Eloá, nós recebemos a seguinte orientação,

assim que houve a primeira entrevista do Lindemberb, divulgada por uma emissora de TV, nenhum produtor,

repórter, ninguém da redação da rádio e da TV está autorizado a ligar para os telefones que nós temos dentro

daquela residência. Nós tínhamos dois números de telefone celular, além do número do telefone fixo daquela

residência, onde aconteceu aquele crime. Porque a partir do momento que você ligasse para dentro daquele

apartamento, você já estava invadindo uma área que estava sob o comando da polícia, que estava sob o

comando de uma autoridade. Então, eu sou muito feliz por ter trabalhado nesse caso aqui e ter recebido esta

orientação. A direção da Band acertou muito em dar esta orientação e foi da maneira como nós procedemos.

Agora, o fato de felizmente da empresa e dos seus profissionais não terem errado, não significa que a gente tem

que sair por aí batendo no peito “nós não erramos”. Não, nós fizemos a nossa obrigação, acertamos na nossa

obrigação. Quem errou, vamos discutir esse erro enquanto comunidade jornalística, não vamos só ficar

apontando que a emissora A ligou, que a emissora B ligou, que o jornal ligou que o outro jornal ligou, não

vamos fazer isso, pra que isso? Agora, a gente precisa discutir o erro. Houve o erro mesmo? Na minha humilde

opinião, como profissional, houve um erro. Agora, nós, enquanto instituição, enquanto associação, enquanto

sindicato precisamos discutir isso. Precisamos discutir esse papel. Será que as empresas têm o direito de tomar

essa decisão quanto como o caso Eloá? Será que elas têm esse direito? Será que nós temos o direito de tomar a

decisão de invadir um espaço que a autoridade policial está coordenando? E agora? De quem é a culpa? Dos

jornalistas que entrevistaram aquele homem que estava lá dentro armado ou a culpa foi da polícia que demorou

para entrar no local, invadir o local, para desarmar aquele rapaz? Agora vamos discutir de quem foi a culpa? A

Eloá foi morta pelos jornalistas que ligaram lá para dentro e botaram no ar esse criminoso o tempo todo? Eloá

foi morta pela ineficiência da polícia que não soube controlar ou coordenar esse trabalho e infelizmente

aconteceu uma morte. Ou Eloá foi morta por conta de uma falta de diálogo em casa? Existem vários fatores que

a gente pode discutir. E este caso Eloá é muito importante por isso. Lamentavelmente houve uma tragédia,

lamentavelmente se perdeu uma vida. Mas se houve esse caso, esse caso tem sim que tem que ser objeto de

pesquisa, tem que ser objeto de discussão não só dos jornalistas, dos psicólogos, dos psiquiatras, das

autoridades que trabalham com gerenciamento de crise, como a polícia militar dentro da equipe dela, como a

polícia civil faz dentro da equipe dela. Tem que ser objeto de estudo sim e tem que ser objeto de pesquisa para

que novas Eloás não sejam assassinadas.

Entrevistador: - Que orientação você recebeu da empresa?

Márcio: - Nós recebemos a orientação do departamento jurídico da Band, através de discussões do Estatuto

que foi o seguinte: o Estatuto da Criança faz algumas previsões e é pra gente obedecer essas previsões”. A

criança quando ela é vítima, não deve ser exposta por nenhum meio de comunicação de maneira alguma,

porque ela já sofreu enquanto vítima, ela já está com as marcas delas, muitas vezes registradas no seu próprio

corpo e se você expõe mais uma vez essa criança, ela vai ficar mais marcada ainda e ela tem que ser protegida

pelo fato dela ter sido vítima. E quando você expõe um menor infrator, você está expondo... Aquele menor

infrator tem condições de se regenerar, ele tem condições de se regenerar, se em que, eu tenho uma postura

individual, que felizmente caminha ao lado da postura que a empresa tem também que a defesa da redução da

maioridade penal. Nós temos que começar a tratar sem hipocrisia essa questão da redução da maioridade

penal. Se vai ser uma redução para 17, 16, 14, 15, 13 pra 10, pra 9, pra 8 anos, pra 7 anos, como existe em

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países na Ásia, não sei. Aí, eu não sou especialista para decidir qual é a melhor idade, a partir de que momento

o menor de 18 anos já tem consciência dos seus atos, existem os especialistas para isso. Agora que, na minha

humilde opinião e é uma defesa que a Band faz neste momento também, eu fico feliz por convergir nesse sentido,

é de que precisa ter uma discussão para redução da maioridade penal sim.

Aí você me pergunta: por que você está convicto disso? Porque hoje, o menor, o adolescente tem muito

mais consciência dos seus atos. Por quê? A velocidade da informação aumentou. Hoje, se tem mais informação,

não só em velocidade em quantidade muito maior do que, por exemplo, 10 anos atrás, que não é tão longe

assim, é um passado recente, do que 20 anos, nem se falar então em 30 anos. Então, as crianças, hoje, têm mais

informação, elas recebem mais informação não só em velocidade, mas em qualidade, em conteúdo, em

quantidade e isso em todos os sentidos, da maneira que ela recebe a boa informação ela recebe a má mais

rápido possível e com maior quantidade, então é preciso ter uma redução da maioridade penal sim. A idade

para que se vai reduzir eu não sei qual é a ideal, mas esta discussão precisa existir.

Entrevistador: - A criança hoje é mais precoce, mas ao mesmo tempo ela não tem uma orientação para que

utilize bem as informações, boas e más. Como você pontua isso, principalmente se tratando da influência da TV?

Márcio: - O que a gente precisa deixar claro que, infelizmente, a violência não está na televisão, a violência

não está no programa que eu faço, a violência não está em outros programas jornalísticos, a violência está na

rua. Quem tem que tirar a violência de algum lugar é o poder público, é o Estado quem tem que tirar essa

violência da rua, de dentro da escola pública, do caminho do trabalho, a bala perdida tem que ser evitada pelo

Estado. Então, a violência não é de responsabilidade dos meios de comunicação, da TV, do rádio, da Internet, a

violência é responsabilidade do poder público. Ela só está na televisão, no jornal, nas manchetes, nas capas,

nos noticiários porque ela está nas ruas e isso não estou querendo me eximir de culpa não. Agora, cabe à nós

sabermos filtrar que tipo de violência você leva pro ar e como você leva pro ar. Por exemplo, nós, temos por

regra do nosso manual de jornalismo, não divulgar suicídio. É uma violência, não é? A gente não divulga

suicídio. Por exemplo, a partir do momento que a gente recebe a informação de que aconteceu um homicídio,

uma morte, a morte vai ser investigada. Foi suicídio? Não vamos divulgar mais, agora, se esse suicídio, vem

precedendo outro tipo de crime a situação muda. Vários casos já aconteceram, infelizmente, de pais que

assassinaram seus filhos, companheiras, parentes e depois se suicidaram. Aí é uma outra história , aconteceram

vários crimes antes que vem sucedido de um suicídio. Agora, o suicídio puro e simplesmente, isso não se

divulga. Por quê? Porque você acaba realmente influenciando esse tipo de situação.

Aí você me fala assim: você não divulga o suicídio, mas tem vários homicídios. Tem. E, por incrível que

pareça, os casos diferentes que acontecem relacionados a violência, acabam sim causando, desencadeando

outros casos idênticos que não aconteciam. Quando aconteceu o caso Isabela, quantos e outros casos você ficou

sabendo de crianças que entre aspas caíram ou que foram jogadas de janelas de apartamentos? Vários casos

surgiram. Aí cabe a você saber filtrar isso, se deve divulgar ou não. Infelizmente o que se é divulgado causa

impacto sim na sociedade e no meio que se vive. Mas não somos nós os responsáveis pela violência, a violência

está nas ruas. Cabe sim, aos meios de comunicação, saber filtrar como exibir essa violência e se ela deve ser

exibida.

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Entrevistador: - Como você identifica a relação mídia, violência e consumo?

Márcio: - Você tem a violência exposta de uma maneira jornalística e isso não é uma exclusividade do nosso

trabalho. Você exibir um caso de violência na TV pode resultar na solução de um caso. Então houve uma

prestação de serviço. Todos os jornais de televisão hoje que você assiste, os primeiros blocos, 10 a 15 minutos,

são dedicados a casos de polícia, que envolvam polícia. Aliás, tem uns jornais hipócritas e tem uns sites

hipócritas que colocam o link para notícia de polícia como caso de segurança pública, não coloca polícia mais.

Porque maquiar isso? É pior ainda você querer a realidade que tem violência maquiando dizendo que é de

segurança pública, ou seja não é de segurança é de insegurança pública, então o link está errado.

Entrevistador: - Existe a classificação indicativa para todos os programas e sabemos que muitas vezes o jovem

e o adolescente não acompanha esta classificação. Como você vê a percepção do adolescente no consumo de

material que envolva esse tipo de material (Malhação) que envolva outros adolescentes?

Márcio: - A violência está também nos produtos que são comprados, que são adquiridos. Você tem brinquedos

que simulam armas de fogos, jogos eletrônicos que são mil vezes piores do que as reportagens que mostram a

realidade das ruas na TV, que são os jogos eletrônicos, os videogames que você marca ponto matando alguém,

atropelando alguém, tirando a vida de alguém. É um meio de comunicação o jogo eletrônico? É um meio de

comunicação, claro que é. Agora, de quem é a responsabilidade. A classificação indicativa desse jogo eletrônico

é de quem? É do poder público? É da televisão é do rádio? Não, é do “Seu José e da Dona Maria”, é dos pais.

Quem mais pode fazer essa censura dentro de casa? São os pais. E aí a gente entra, volta numa discussão como

o caso Eloá. Eu discuti isso no livro. O caso Eloá é um caso que merece muita reflexão, discussão sim. Porque é

um conjunto de fatores que acabou causando uma tragédia. Não estou jogando nas costas da mãe e do pai a

responsabilidade. É muito subjetivo entrar nessa discussão. Eu sei que é subjetivo, mas você precisa discutir.

Qual é a discussão? Como é que você deixa uma garota de 14 anos, de 15 anos, começar a namorar um rapaz

de 20, 21 anos? O que ele já viu no mundo é completamente diferente do que ela está vendo. Será que houve

diálogo com essa garota? Qual foi o conteúdo e nível desse diálogo? O que foi falado? Porque a informação é

de que ela já sofria durante o relacionamento, ela apanhava, era humilhada, era ceceada, não podia sequer ir à

igreja junto com a mãe, porque o rapaz tinha ciúmes de toda relação que ela tinha com pessoas que não fosse

ele. Então, até que ponto, hoje, as famílias deixaram de ter diálogo com seus filhos? Aí você fala: nossa,

Márcio, mas você é muito conservador! Ah, eu prefiro ser conservador sim, porque eu fui criado assim, eu tenho

36 anos e hoje eu sei muito bem o que meu pai e minha mãe queria comigo quando eles me cerceavam de fazer

algo. Hoje eu tenho consciência disso e é preciso sim, que o pai e a mãe tentem ter o freio na mão. O freio está

nas mãos do pai e da mãe dentro de casa. A relação filho e pai está se deteriorando. É preciso resgatar essa

relação filho e pai. Não quero com isso jogar toda a responsabilidade dentro de casa, o pode público tem que

fazer a sua parte, mas quem tem condições de fazer uma parte melhor ainda é o pai e a mãe que está ali dentro

da casa com seu filho.

Entrevistador: - Como você acredita que o adolescente reage frente a essas informações e notícias que

envolvem outros adolescentes em atos infracionais?

Márcio: - Hoje existe uma situação muito delicada que é a influência, não dos meios de comunicação, mas

influência de quem está mais perto do adolescente. E quem está mais perto do adolescente, na maioria das

vezes, não é o pai nem a mãe, é o amigo, é o colega de sala de aula, é o colega que ele encontra numa lan

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house, é o colega da rua. A maior influência hoje que um adolescente pode sofrer é de outro adolescente. E qual

é a educação e qual é o diálogo que esse outro adolescente tem dentro da casa dele? Cada dia que passa, numa

cidade grande como São Paulo ou outras grandes, você vê os pais saindo 7 horas da manhã e voltando 10 horas

da noite. E quem tem essa proximidade com o adolescente, com o filho, com a criança, com o menor? É o

vizinho. Então, essa relação de família, na minha opinião é que precisa ser alterada de alguma maneira.

Um outro detalhe, numa metrópole como São Paulo, existem duas realidades, uma é a realidade

daquela criança que mora no centro da cidade mesmo, a outra realidade é daquela que mora na periferia. Você

não tem como comparar um adolescente da mesma idade do centro da cidade com aquele da periferia. Aí você

vai falar: mas você está elitizando, vai falar que o cara do da cidade é mais educado, mais gentil, tem mais

conhecimento... Não, não é isso que eu estou dizendo. Pelo contrário, eu acho que o adolescente que vive dentro

de um apartamento tem menos vivência, experiência de vida do que aquele que está lá na periferia. Agora, a

violência está mais na periferia do que no centro? Não. Não é isso que eu quero dizer. O que eu quero dizer é

que ela pode ser encontrada na periferia e na cidade. A violência está em todo lugar, o que difere é a maneira

como cada família trata e se relaciona com seu filho, com seu menor dentro de casa.

Entrevistador: - Como você vê essa facilidade que os adolescentes têm hoje de ter celular, filmadoras que

fazem gravação e postar isso nas redes sociais. Casos de violência, como alunos que em sala de aula espancam

outros colegas e postam isso como uma grande recompensa. Como você vê essa violência escolar e essa relação

com a possibilidade de ser produtor de informação em redes sociais?

Márcio: - A facilidade de se obter um eletrônico hoje é muito maior do que 10 anos atrás. Não só porque você

tem mais quantidade de oferta, como você tem também mais quantidade de preço. Você tem diferenças de

preços, qualidade de eletrônicos e isso se tornou mais acessível. Esses equipamentos ficando mais acessíveis,

você tem hoje uma vida muito mais exposta publicamente. E aí eu te pergunto: a culpa é do meio de

comunicação, é da televisão, é do rádio, é do jornal? Não. São as facilidades que o mundo vai te oferecendo.

Quanto mais fácil fica, mesmo sabendo que é errado, mais com vontade você fica de transgredir uma lei, ou não

é? É exatamente isso que a gente está vendo. Hoje é muito mais fácil um adolescente ter um aparelho celular,

porque muitos pais até oferecem isso sob a desculpa de que fica mais fácil localizá-lo. Mentira. A não ser que

você implante um chip no seu filho, porque se ele desligar o celular você não encontra ele mais. Então, muitos

pais hoje dão esse celular e esses celulares têm aplicativos que a gente nem sabe. Essa facilidade que se tem

hoje deixou a vida muito mais exposta. Exposta publicamente, eu estou dizendo, e aí você tendo esse prazer de

ver o outro sofrer. Você acaba tendo prazer de ver o outro ridicularizado, não só em pequenos grupos, mas em

uma rede social que se torna pública.

Na minha opinião, essas gravações que são feitas, não para registrar um fato jornalístico, mas para

expor uma pessoa é a vontade, raiva e sentimento de vingança que você tem ridicularizando aquela pessoa

publicamente. Nós estamos voltando aos tempos medievais, onde toda pessoa que cometia um crime ou uma

infração era exposta em praça pública. É exatamente isso que a gente está vivendo.

Entrevistador:- Ok, terminamos.

Márcio: - Espero que tenha sido... eu não falo para te agradar, eu tento falar o que eu penso e dentro de uma

responsabilidade, até mesmo porque a gente acaba virando uma referência. Eu sou uma pessoa normal, me

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considero uma pessoa normal. Mas nós que trabalhamos nos meios de comunicação, acaba virando uma

referência e eu não estou falando, conversando com a câmera para agradar quem está me vendo agora, eu

estou conversando para que, acabe até servindo de referência numa discussão, numa análise, numa pesquisa.

Isso é importante. Até para as pessoas que estão nos acompanhando agora, os estudantes, universitários, os

catedráticos, criem discussões e não levem em consideração apenas o que uma pessoa fala porque você gosta

do jeito dela, ou porque ela é bonita, porque ela é acessível, porque ela é simpática, não. É preciso discutir, é

preciso criar um ponto de referência de discussão e nunca ter apenas uma pessoa como a verdade do fato ou a

verdade da análise, né? Isso é muito legal. Esses trabalhos de pesquisa, de mestrado, de doutorado têm essa

função, de criar essa discussão e chegar ao maior número de pessoas possível, né? De nada adianta você fazer

esse trabalho, discutir um trabalho com muitas pessoas e depois engavetar. O ideal é fazer com que esse

trabalho seja publicado para muitas pessoas para que as pessoas possam discutir isso, aliás, exclusivamente

dentro da faculdade que é o ideal, quando você têm as pessoas em formação. A formação de ideias, até de

personalidade. Tem muitos que chegam na faculdade que ainda estão formando a sua personalidade, seu modo

de pensar e de agir e isso é muito importante.

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8.2. Entrevistada com Vera Lúcia de Oliveira – Conselho Tutelar

Entrevistador: - Qual que é a relação que existe entre o Conselho Tutelar - CT com a escola levando-se em

consideração os artigos 53 inciso 2 e 3 do Estatuto da Criança e do Adolescente?

Vera – Então, o Conselho Tutelar ele é um órgão criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA para

defender os direitos enunciados nessa Lei da criança e do adolescente brasileiro, com relação a escola a ação

do conselho tutelar ela sempre quando você tem um direto, relativo a educação, ameaçado ou violado. Então

quando o menino ou a menina não tem escola próxima a casa dele, que é uma definição da lei – o direito da

criança e do adolescente ter escola pública, gratuita e próxima a sua residência, quando ele não participa dos

critérios de avaliação, quando ele não tem garantido o seu acesso e a sua permanência na escola. Então o

Conselho Tutelar tem que agir no sentido de garantir o acesso, de garantir a permanência com essas qualidades

que o estatuto aponta, de participação nos critérios avaliativos, de participação na vida acadêmica, de escola

pública, de escola gratuita de escola próxima a sua casa.

Entrevistador: - Qual é a média de estudantes, no caso adolescentes, que procuram o Conselho Tutelar para

tratar de assuntos de violência e violação de direitos?

Vera – Infelizmente muito pequeno, essa situação chega no Conselho Tutelar ou pela família, e a família vem

com o seu viés cultural, então ela vem aqui pedir vaga porque o aluno foi transferido compulsoriamente da

escola, porque a família não agüenta mais ser chamada lá três, quatro vezes por semana porque o aluno está

aprontando e ela quer outra escola, ela quer uma vaga, a diretora o diretor pediu pra ela arrumar vaga em

outra escola porque não agüenta mais esse aluno lá , e ela indo até a outra escola não consegue vaga então ela

recorre ao conselho tutelar.

Nós temos um número muito pequeno, muito pequeno mesmo de adolescentes que chegam

voluntariamente ao Conselho Tutelar para reclamar um direito que esteja sendo ameaçado ou violado com

relação a educação ou com relação a saúde, com relação a convivência familiar e comunitária, não só com

relação a educação.

Entrevistador: - Você acha que isso se deve a que? A falta de conhecimento do Conselho, a falta de

conhecimento de que ele chegar, medo?

Vera – As duas coisas juntas, a falta de divulgação do ECA, que se a gente reconhecer a história brasileira, o

tempo de existência, de República inclusive no Brasil, uma Lei que está completando 20 anos e que ela

intencionalmente não foi divulgada da maneira como deveria ser. Associado a isso as questões culturais, ou

seja, a gente ainda pensa sob o impacto do Código de Menores que legislava em cima de que? Da situação

irregular, a criança órfã está em uma situação irregular, a criança que transgride que está em conflito com a

lei, ela é que está em uma situação irregular, ou adolescente, a criança que trabalha precocemente está em uma

situação irregular. E o estatuto não, ele diz que nestas situações que a gente disse quem está em situação

irregular é a família o Estado e a sociedade que não souberam oferecer proteção aos direitos, o direito a vida, a

saúde, a habitação, a escola, enfim.

Então essas duas coisas somadas, nem uma nem outra, o adolescente não conhece, a sociedade não

conhece o Estatuto, e não conhecem que existem direitos fundamentais garantidos em lei e não sabem onde

procurar, muito menos sabem onde é o CT, que eles podem recorrer ao CT que não precisa da figura do adulto

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pra recorrer e a crença de que eles estão errados, de eles estão em situação irregular. Então que eles é que tem

que se adequar, e não num movimento de garantia de direitos eles precisam de proteção pra ter uma ação

diferente no convívio social, escolar e familiar.

Entrevistador: - Dentro deste último raciocínio o CT tem algum tipo de ação que ele vai até a escola fazer a sua

própria promoção?

Vera – Aqui em São Bernardo na rede municipal nós temos uma entrada maior, mais garantida até porque a

equipe técnica de orientação às escolas ela é composta também por assistentes sociais além de outros

profissionais e o assistente social é o profissional que faz a formação dos diretores, dos coordenadores e dos

professores para implementação do ECA na escola, então é muito mais fácil de acontecer da escola nos chamar

pra fazer formação e aí você amplia.

Na rede estadual até pela diferença de estrutura, só existe o supervisor de ensino, tem outra

característica na formação desses educadores a nossa entrada é muito mais difícil na escola. Os profissionais

por sua bagagem acadêmica, não por serem do mal, muitas vezes a formação inicial deformou o profissional

não o formou e pela sua bagagem cultural ele espera que o CT vá na escola para punir, para tirar como diz o

ditado da cesta as maçãs podres e esta não é a ação do conselho.

Entrevistador: - Falamos de família, dos adolescentes, e qual é a média mensal das escolas que procuram o CT

para tratar de assuntos de violência ou violação de direitos?

Vera – Em números?

Entrevistador: - É. Uma média mensal aproximada.

Vera – Eu poderia te dizer em porcentagem, mais ou menos 50% das escolas, e aí eu vou dizer em especial da

rede estadual, porque é lá que esta faixa etária está, adolescentes e jovens, recorrem ao CT não no sentido de

levá-lo para a escola pra essa discussão, mas no sentido de solicitar uma ação para o aluno transgressor

aparecem questões de indisciplina, de transgressão a regra, aparece questões de dificuldade de aprendizagem,

que a escola não sabendo fazer esta leitura ela associa a indisciplina, e a questão de baixa freqüência e evasão,

então as escolas recorrem ao CT pra que gente procure a família, pra que a gente reinsira esse aluno que tem

baixa freqüência ou que sumiu mesmo, e infelizmente esta última ação só se dá no final do ano que é um desafio

para o CT fazer a formação nas escolas pra que isso se dê desde março, desde abril porque é aí que a gente tem

condição de ter uma ação de proteção, aplicar uma medida de proteção pra família, se for o caso, ou para o

adolescente em função da sua própria conduta e recuperar e trazê-lo de volta para a escola, em novembro a

gente já perdeu.

Entrevistador: - Então a escola não trabalha juntamente com CT de uma forma preventiva?

Vera – Ela não sabe trabalhar, ela não trabalha porque ela é negligente, porque ela não valoriza isso, é porque

ela não sabe. A escola é muito legalista neste aspecto, então ela tem lá uma lei, no estado de São Paulo existe

uma lei que está em vigor desde 2008 que diz que toda vez que um aluno apresentar um índice de faltas

equiparado a 25%, que é o previsto em lei senão reprova, ela tem que comunicar o CT e a Vara da Infância, e

ela faz e cumpre direitinho o seu papel. Sem ter se atentado para o artigo 56 do ECA que diz que deve

obrigatoriamente comunicar o CT após se esgotados todos os recursos escolares, isto é texto da lei. Então ela

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não chamou o conselho da escola para ir atrás desse aluno para ver o que acontece, ela não mandou carta,

telegrama, bilhete pelos alunos, ela não chamou os agentes comunitários de saúde pra saber se essa família tem

um atendimento na UBS, que fragilidades ela tem, que dificuldades ela tem. Ela simplesmente lista e envia.

Cumpre o que diz a lei estadual, mas não consegue trazer de volta pra escola.

Entrevistador: - Quais são os procedimentos adotados pelo CT no caso de violência e violação de direitos?

Qual é o procedimento quando chega um caso? Como é esse trâmite?

Vera – Aqui em São Bernardo os casos de violência não estão, em sua grande maioria, mais vindo para o

conselho, eles estão sendo inclusos no fluxo que a força tarefa criou, exatamente na crença de que este

adolescente que está cometendo ato infracional, que está praticando violência no ambiente escolar ele já tem

um ou vários de seus direitos violados, as vezes são questões da assistência social, essa família precisa ser

incluída num programa de transferência de renda, as vezes são questões de cultura familiar que uso da

violência psicológica e corporal para educar, então ele repete isso nas suas relações com o outro, com o mundo.

Então assim, normalmente os casos de violência só chegam no CT pra nos comunicar, mas escola já inseriu no

fluxo, na saúde, na assistência social ou na Fundação Criança que tem os programas de reeducação, que na

verdade trabalha com adolescente que teve uma medida aplicada pelo Poder Judiciário, pelo juiz da Vara da

Infância.

Com relação as outras ocorrências, quer dizer direito violado, quando a escola percebe que um aluno

seu apanha em casa, ele é negligenciado nos seus cuidados básicos de guarda, ele passa fome, ou ele não tem

atendimento médico embora a escola faça o encaminhamento a família não procura o serviço médico, pra seja

lá qual essa questão, ele ta tendo um direito seu violado, então a escola comunica o CT e nós vamos conhecer a

casa, o entorno, vamos diferenciar aí que nós não vamos fazer uma visita domiciliar, pois esta é um

instrumento estratégico de trabalho profissional de serviço social não nosso, mas nós vamos conhecer este

entorno, conhecer essa família, notificá-la pra vir aqui ouvir dessa família como ela vive, que outras

necessidades que precisa, e nós vamos aplicar uma medida de proteção. Muitas vezes essa medida de proteção é

encaminhar os pais para tratamento psiquiátrico, encaminhar o pai ou a mãe para tratamento de alcoolismo ou

dependência de alguma outra droga, encaminhar pro CRAMI que é o Centro de Referência de Atenção aos

Maus tratos na Infância onde vão ter educadores da área de psicologia e do serviço social que vão tratar o

agressor e a vítima, enfim aplicar uma medida de proteção.

Entrevistador: - Existe algum tipo curso para os conselheiros tutelares para lidar com essa questão de violência

e violação?

Vera – infelizmente não. O que a gente tem visto na prática é o LACRE, que é o Laboratório de Violência

contra a Criança da USP, tem cursos oferecidos pelo Conselho Regional de Psicologia, pelo Conselho Regional

de Serviço Social, enfim, e aí você vai se metendo nos cursos, e vai fazendo. Aqui em São Bernardo nós já

sabemos que para 2011 tem recurso deliberado pelo CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e

do Adolescente pra fazer uma formação de conselheiros. O mandato para o qual eu fui eleita que se iniciou em

novembro de 2007 até o momento não teve nenhum investimento na formação, os investimentos vão sendo de

ordem pessoal você vai se atirando para os cursos que existem. O que vai dando também substância a ação de

cada um de nós é a militância que você tem na área da infância, no meu caso desde a década de 80, na época do

início do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua que teve uma importância grande na

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formulação/criação do ECA, o Fórum Municipal de Defesa dos Direitos da Criança do qual eu também

participo e alguns outros conselheiros daqui de São Bernardo também participam, enfim a sua bagagem vai

sendo construída com o seu auto-didatismo, vamos chamar assim, e a militância nos movimentos.

Entrevistador: - Você acredita que exista uma relação entre violência juvenil e mídia, mídia no sentido de

veículo de comunicação?

Vera – Não só no Brasil, vou dizer de achismo, pois não tenho informação teórica pra afirmar isso, mas de uma

análise mais rasa, muitos programas de televisão que chamam a juventude – malhação, enfim, eles mostram um

cotidiano só que não trazem uma reflexão sobre aquilo. O próprio modo de organização do país que é

capitalista, e aí não é só o Brasil, o capitalismo se mantém da exclusão e as populações que vivem excluídas que

vivem à margem da sociedade vão lançar mão do que internamente elas tiverem para ter acesso aos bens e

serviços que todos os cidadãos deveriam ter. Aliado a isso o consumismo, que acho que é uma das contribuições

negativas das mídias para o aumento da violência, é o que elas fazem para ganhar dinheiro que é o

consumismo. O que vale é ter esta marca, é ter acesso celular com este ou aquele recurso, é ter, é ter, é ter... E

aí fica esvaziado qualquer outro tipo de relação com o mundo a não ser essa valorização.

Entrevistador: - Como é que você analisa casos de violência, como o que passou em vários jornais, da mãe que

incentivou a filha a bater numa outra adolescente, e vários casos em que alunos dentro de sala de aula filmam

casos de violência e postam na internet simplesmente pelo prazer de serem divulgadores daquele tipo de cena?

Vera – Do ponto de vista do adolescente é uma transgressão sim, é uma violência contra o outro sim, mas como

o próprio ECA define lá no artigo 6 crianças e adolescentes são pessoas em condições peculiares de

desenvolvimento que significa isso? Eles ainda não detêm todo o conhecimento de deveres e direitos, eles ainda

não detêm condições de sobreviverem sozinhos e eles ainda condições de defenderem os seus direitos. A

adolescência é uma fase, citando o Maurício Aberasturi que fala de características da adolescência, em que

para a afirmação ele se agrega a grupos onde as suas fragilidades vão estar escondidas, e muitas vezes se

agregando a grupos ele comete estes atos que também são de violência, que também precisa de uma ação no

sentido de resocializar. Agora mais difícil ou pior é o adulto que faz isso, é a mãe que neste caso que você está

citando, é funcionária dessa escola ela é monitora na escola e trabalha no transporte escolar da prefeitura

daquela cidade, então além de mãe, de adulto ela é funcionária da educação que incentiva essa prática de

responder na mesma altura, como se isso fosse possível. E essa tem sido uma marca da nossa sociedade,

infelizmente nas nossas famílias, nas nossas instituições que é de ser de igual pra igual.

Entrevistador : - Você acredita que o adolescente seja vítima da mídia quando matérias jornalísticas são feitas

sem um cuidado maior, sem um aprofundamento, você o vê enquanto vítima, quando acontece alguma coisa na

escola a polícia é chamada, a mídia chega, recolhe os fatos que consegue, elabora a matéria e transforma a vida

do adolescente, como vê isto?

Vera: Ele é vítima no sentido de que a concepção aplicada para estas ações, a polícia, enfim, é a concepção

minorista, a concepção do código de menores, não é a concepção da proteção integral, que também não é

passar a mão na cabeça deste adolescente, que esta violando direito do outro ou violentando o outro, que é um

ser humano igual a ele, mas eu penso que é assim, ele acaba sendo vítima porque a ação não é pensada neste

sentido, a ação é pensada na punição, e aí as literaturas vem informar, a ciência, a psicologia que a punição

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não é uma estratégia de recuperação, de trazer esse o adolescente para o convívio social sadio não do jeito do

que ele faz, porque não é assim que é pra fazer, neste sentido ele ser torna vítima sim. Embora ta lá

resguardado, não aparece a imagem porque o próprio estatuto proíbe, mas a ação em si.

Entrevistador: O conselho já foi alvo de matérias equivocadas por parte da mídia?

Vera: Já, no próprio caso da Eloá de Santo André, no caso daqueles dois meninos que foram de 12 e 10 anos

que foram assinados pelo pai e pela madastra em Ribeirão Pires. O conselho tutelar foi mostrado como o órgão

que os devolveu a família e o conselho tutelar naquele episodio só fez isso porque tinha uma sentença judicial

.Os meninos ficaram abrigados por conta de sofrer violência domestica, depois da equipe técnica do juiz ter

determinado que esta família tinha se recuperado, tinha uma ação já com ela e que elas podiam receber os

meninos de volta, o juiz determinou desabrigamento, hoje nem é mais este termo que usa é o acolhimento, que

seria desacolhimento insticional destas crianças de retorno a família. Eles tendo fugido de casa, o Conselho

Tutelar, nada mais fez do que cumprir a ordem judicial de retorno a família, mas para a mídia o que pareceu é

que a conselheira, levou –os para a morte, na medida em que ela devolveu pra casa. No caso da Eloá, no caso da

própria Isabela Nardoni onde o Conselho Tutelar tentou uma ação, a defensoria, a defesa dos então acusados na

época, no sentido de ouvir os dois pequenininhos, meio irmãos da Isabela, e o conselho tutelar teve uma ação no

sentido de garantir junto com o juiz que isto não acontecesse, de proteção, principalmente ao que tinha 4 anos e

meio, 5 anos de idade na época em que ela foi morta, e a contribuição da mídia no sentido de desqualificar a

ação do conselho tutelar, não deste de São Bernardo, no sentido de dizer que o conselho é um órgão que passa a

mão na cabeça de adolescente, que protege adolescente em conflito com a lei, que não puni.

Entrevistador: - Muito se fala sobre violência escolar, a que você atribui este fato?

Vera – A violência urbana, é a violência que a gente vivi hoje é que não é privilegio da escola, privilegio entre

aspas, ou seja, o jeito da sociedade se organizar, a impunidade que reina na sociedade, ela atravessa os muros

da escola, ela vai pra dentro da escola e, sendo o adolescente que está lá dentro da escola, ele comete os atos

que ele não comente apenas lá dentro, mas também fora, isto falando da violência quando ela é cometida do

adolescente contra um outro ser humano que é o educador, o professor, o prédio, quando ele comete danos

materiais, agora a gente também tem a violência da Instituição aí não é esta escola ou aquela escola, da

Instituição escolar que tem uma grade fechada, que não aprendeu a ouvir a comunidade, como diz a lei de

diretrizes básicas da educação nacional, para fazer um pedagógico político pedagógico em consonância com as

necessidades daquela comunidade, que tem um grande numero de alunos por sala, que tem professores com

muitas vezes, três jornadas de trabalho, com salário muito defasado, portando eles vão trabalhar pela manha

num escola, a tarde em outra e a noite em outra, ou as três na mesma escola, enfim, que horário ele tem para

planejar, para ter um diagnostico dos saberes destes alunos para propor um projeto didático a partir do que

estes alunos sabe, daí não dá pra gente dizer que o professor é o culpado, que o diretor é o culpado, enfim é este

o conjunto que acaba violentando o direito a educação.

Entrevistador: Você acredita que seja interessante que as escolas pudessem trabalhar com ferramentas de

comunicação para que estes adolescentes não fiquem tão a mercê das informações que são passadas pelos

veículos de comunicação, que ele possa produzir estas ferramentas na escola como forma de diminuir esta

exposição?

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Vera: Com certeza, porque as contradições que tem, que vão continuar tendo, elas podem ser explicitadas, e aí

esse meninos em condição peculiar de desenvolvimento, como diz o ECA, construindo a sua identidade, eles

podem olhar por um outro lado que não é só aquele que é apresentado, a imagem, o visual bonito, sedutora,

desqualificante, o que seja. Na verdade, os projetos políticos pedagógicos necessitariam ser mudados para

ampliar, ter outras estratégias de ensino. Eu soube recentemente de uma escola que a copa libertadores da

América que foi interrompida porque começou a copa do mundo, os professores começaram a perceber que os

alunos estavam usando walkman, fone de ouvido, principalmente os alunos do noturno, que o professor não tem

como dar aula, o menino ta lá e de repente o menino, golllllllllllll. Bom tirar todo este material, o professor vai

tirar todo começo dia, devolver, todo final de aula, suspender, embora a legislação proíba, enfim, o que a escola

conseguiu olhar para isso é criar um projeto interdisciplinar, onde eles assistem o jogo na quadra com telão, no

pátio, enfim, mas com uma comanda, eles vão lá, vão curtir, sofrer se o time sofreu, mas eles tem uma comanda

de geografia, de língua portuguesa, onde eles vão produzir um trabalho depois e, aí acabou o estresse do

professor louco de olhar o aluno com o equipamento no meio da aula, gritando gol no meio da aula, e trabalhar

o conteúdo que precisa ser trabalho, aí a América do sul de acordo com o campeonato, temas de geografia, de

modelo econômico, de modelo de governo, nas diversas áreas de conhecimento, interdisciplinarmente, que é

difícil da gente saber fazer, porque a gente foi educado na nossa escola de que o conhecimento tem gavetinha,

que geografia na mistura com história, com línguas, enfim, e ela acabou com o que a gente podia chamar de

indisciplina.

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8.3. Entrevista com Marquinhos – Coordenador Geral do Projeto Meninos e Meninas de Rua

Entrevistador: - Como começou a historia do PMMR?

Marquinhos – O projeto começou em 1983, começou aqui na cidade de são Bernardo, basicamente com três

grupos sociais, estudantes universitários, pastoral do menor, na pastoral através de três igrejas, católica,

metodista e presbiteriana independente, e lideranças comunitárias, de bairros aqui de são Bernardo, esse grupo

se juntou e foi para a rua conhecer quem eram esses meninos e meninas de rua da cidade e oferecer um projeto

alternativo ao projeto oficial que a administração oferecia a estes meninos e meninas. Hoje, nos estamos com

três unidades, são Bernardo, Guarulhos e diadema e nesses 27 anos a gente basicamente trabalha o foco

principal que são os meninos e meninas de rua e suas famílias e o que esta no entorno destas famílias.

Entrevistador: E como é feito este trabalho?

Marquinhos – Nos temos uma metodologia participativa, essa metodologia pressupõem a gente ter um tripé,

nos chamamos assim, que é trabalho na rua – no espaço e na comunidade, família e comunidade, então nos

vamos até as ruas conhecer quem são estas crianças, adolescentes que estão na rua, o porquê estão, de onde

vem, quais são seus nomes, o que estão fazendo na rua e, a partir daí, o primeiro contato, o trabalho inicial, o

começo do processo educacional. Depois desse primeiro contato na própria rua se faz alguns encaminhamentos,

nos podemos assim que a gente a tem uma pedagogia da inclusão, dentro deste universo nosso da proposta do

projeto. A partir da rua a gente já faz alguns encaminhamentos, por exemplo para a área de saúde,

documentação, alimentação, coisa parecida, abrigamentos se assim for necessário e a partir da própria rua

também a gente dispara outros dois programas, ou convidamos estes meninos para vir e conhecer os espaços de

convivência que nos temos, ou nos vamos até suas famílias. Então chegando no espaço é oferecido para ele uma

acolhida, alimentação, a possibilidade de tomar um banho, higienização e participar das oficinas, geralmente

trabalhamos com oficinas culturais, tirando algumas das unidades que tem oficina de inclusão digital, mas no

geral, as oficinas são culturais. Sempre valorizando a cultura popular brasileira. A partir das oficinas, sempre

como instrumento pedagógico, como um meio para a gente alcançar a inclusão destas crianças nas políticas

sociais, ou na família, nos chegando na família, também vamos fazer um levantamento sócio econômico, desta

família e cultural e este levantamento é fundamental para um atendimento individual desta família, então, nos

vamos conhecer quem é o pai, quem é a mãe, se este for o formato familiar, se ele tem mais de um formato, mas

o maior ainda é o pai e mãe, depois quem são os irmãos, a idade, a condição econômica, social desta família. A

partir daí também fazemos a política de inclusão. Dependendo da necessidade desta família nos vamos

encaminhá-las para as redes de serviços que o município, as entidades sociais e o Estado ou União oferecem

aqui na região.Basicamente este é um campo, é o campo do atendimento direto. A outra área nossa de atenção

direta é a de intervenção social e política, que nos entendemos que as crianças que estão na rua, elas são fruto

de uma estrutura social brasileira, uma estrutura que tem um pilar muito forte em alguns fundamentos. Talvez o

principal deles seja a questão econômica. Então a questão da concentração de renda no Brasil termina levando

parte da população, entre ela a população infantil a buscar sobrevivência inclusive nas ruas. Depois nos temos

outro perfil, a questão étnico racial, então o Brasil, a constituição brasileira, é fundada na questão da

dominação eurocentrista em cima das populações indígena, aborígene e afro brasileira, então estes são alguns

pressupostos que a gente enfrenta. A terceira questão é a de gênero, a gente entende que é fundamental a

questão do adolescente estar vinculada a questão de gênero, a questão do papel que as sociedades jogam para

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as mulheres brasileiras, então é trabalhar com meninos de rua é fazer um enfrentamento ao máximo, é fazer um

enfrentamento de igualdade de gênero, então estes três fundamentos é que dão base para a gente fazer as

intervenções na políticas públicas.

Entrevistador: - Como é a relação existente hoje o projeto e as escolas para atender estes jovens e

adolescentes?

Marquinhos: - Primeiro o projeto entende que a escola é um lugar estratégico para gente discutir a questão da

criança, então a gente entende a escola como uma aliado na luta em defesa ao direitos da defesa da criança,

porém a gente, no geral, em dados mais gerais, tem uma divergência que nosso movimento, nossa organização é

pautada pelo ECA e a escola lamentavelmente não é pautada pelo ECA, então você tem aí uma diferença

conceitual, uma diferença filosófica, de como tratar a criança, então isso na prática gera bastante desconforto

para ambos os lados, porém existe exceção como toda regra e nos temos bons diretores, bons professores que é

possível nos trabalharmos em conjunto, quando isto se dá o sucesso da permanência da matricula, da

permanência e do sucesso escolar da criança pra gente, fica satisfatório, mas é um tema bem delicado, porque

toda carga hoje da violência da escola, do não aprendizado das novas tecnologias, da modernidade, hoje dentro

da escola, uma boa parcela dos profissionais da educação vão dizer que o problema da escola hoje

fundamentalmente está no Estatuto que ele criou um monte de direitos e não deveres, e que estes direitos vem

levando as crianças a estarem numa situação de agressividade, de violência dentro das escolas. Nos

discordamos completamente desta concepção, aí há um conflito e nos tentamos trabalhar isto com os parceiros,

sensibilizando os professores sobre os direitos da criança e do adolescente, nos tentamos trabalhar com os

próprios profissionais os fundamentos da LDB, daí tem um conflito aí da sociedade, onde a escola não se

preparou para a modernidade, é a impressão que eu tenho, ela achava que tudo que ia acontecer, aconteceria

do muro para fora e foram se fechando, e hoje a maioria das escolas da periferia você não sabe se esta

entrando num local de educação ou num presídio, daí é bem difícil.

Entrevistador: - Você acredita que exista uma relação entre mídia e violência juvenil

Marquinhos: - Existe uma discussão se a mídia retrata a violência ou se ela estimula, ou acho que é um pouco

as duas coisas. Eu acho que os dados estatísticos vão falar um pouco disso, os dados estatísticos não são tão

recentes, talvez de uns dois anos atrás feito pelo ministério da justiça, basicamente ligado ao tema da redução

da maioridade penal ,é um tema que esta na agenda brasileira e por isso saiu várias pesquisas, tentando

entender um pouco desta violência envolvendo crianças e adolescentes e mostrou alguns dados interessantes,

acho que o mais interessante que aproximadamente 10 % dos crimes violentos contra a vida tem alguma tipo de

participação de adolescentes, porém a sensação que nos da quando aparece algum crime envolvendo

adolescentes tem uma replicação na mídia por alguns setores conservadores da mídia e isto vai replicando e a

impressão que se dá então é que a todo momento a toda hora, que todo grande crime que fale contra a vida, ou

contra o patrimônio tem a participação do adolescente, na verdade as estatísticas falam o contrario são

aproximadamente no máximo 10% que tem participação de adolescentes em crimes que tratam da vida, a

maioria deles esta ligado ao furto, um crescimento da droga, do envolvimento com as drogas, envolvimento este

que alguns chamam de trafico e quando vamos estudar melhor como estão montados estes processos você vê

que um parcela importante esta no contexto do trafico e não necessariamente que estes garotos estão ligados ao

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trafico, então tem todo um tema a ser discutido e a mídia tem um papel importante, você tem um setor aí

principalmente no período da tarde no Brasil que eles vão requentando, tem toda uma lógica, eu por exemplo

presenciei varias vezes as rebeliões na Fundação Casa acontece exatamente do final da tarde para a noite,

exatamente quando estes programas estão ao vivo então é alguma coisa que chama da nossa atenção.

Entrevistador: - Algum adolescente que participa do Projeto já foi alvo de alguma matéria equivocada por

parte da mídia?

Marquinhos: - Acho que o tem muito, às vezes quando o Projeto é envolvido nas caminhadas, é o fato de estar

ligado a questão de como nos somos um grupo de defesa dos direitos humanos e do ECA, muitas vezes uma

vinculação, quando nos estamos fazendo a defesa destes adolescentes, uma vinculação nossa a defender

bandido, então uma visão que os direitos humanos na verdade são direitos para defender bandidos. Então olha

aí de novo o papel importante e esclarecedor da mídia, o que é direitos humanos? O que é defender bandido?

Quem defende bandido na verdade? Quem defende o cidadão juridicamente é advogado, a gente faz a defesa

social desta população, então basicamente o mais forte aparece aí, é uma vinculação sempre que tem um tema

muito forte,uma vinculação que as nossas organizações defendem o direito do bandido e nunca o direito da

vítima, eu discordo porque nos é que estamos na favela, nos que estamos debaixo dos viadutos, nos que estamos

nas ruas trabalhando com estes meninos, com estas famílias, nos que estamos nas áreas de ocupação irregular,

nos que estamos nos morros aqui da nossa região, então a gente está defendendo na verdade, a vitima o tempo

inteiro, talvez não a vitima daquele crime especifico, mas a pior vitima que tem que a da violência estrutural do

nosso país. Eu estou usando de um tempo para o nosso Brasil que é bem interessante que numa matéria desta

deva atingir este setor, eu estou chamando o nosso Brasil de ALETI, por quê? Porque nos temos uma parcela do

nosso país que vive na condição da ALE que é Alemanha, então, vive nas melhores condições sócio, econômicas,

culturais que o mundo tem, e a gente vive aqui em São Paulo e,no Brasil, e depois tem uma parte do TI, que na

verdade temos uma parcela enorme, para não dizer a maior parte que vive no Haiti, então dentro do nosso país

nos temos uma Alemanha e um Haiti, então essa violência estrutural, essa daí me parece que a mídia não quer

discutir, a gente tem a impressão que essa violência estrutural, salário mínimo, desigualdade sociais,

desigualdade racial, concentração de renda, não interessa muito porque a origem no fundo tai, senão você

pensa, tem violência nos países ricos? Tem, lógico que tem, mas tem como tem no Brasil? Os níveis que existem

são parecidos? Você encontra tantas pessoas tendo como opção entrar, por exemplo, no trafico de drogas, por

falta de emprego, de opção, de políticas públicas nas comunidades? Você não vai encontrar desta forma nos

países ricos, e como o problema do Brasil aparece na Colômbia, na America Central, aparece em outros países

da America latina, aparece em alguns países periféricos, por exemplo, do centro da Europa, do leste europeu,

como aparece, por exemplo, na África do Sul onde está tendo a copa, por aí você vê como esta vinculada a

questão e estrutural do país com a questão da violência, e nesse ponto, a mídia esta nas mãos de quem?

Quantos por centos da nossa mídia são publica? Quantos por centos da mídia têm controle social? Porque não

tem que ter controle social? Qual o medo que se tem? Pois eu acho que aí são vários os temas, quando alguém

vai e mostra alguém na tarde, final de tarde uma pessoa com a arma no pescoço e aí o cara vai e coloca aquela

musica de impacto, sensacionalista, que mexe com o emocional das pessoas, e pega a vitima e conta sua

história, põem um parente da vitima para falar, olha é uma pessoa trabalhadora, do bem, e não sei o que, e tal e

a policia ta ali, assistindo, vai criando um clima de tensão, é um ônibus 174, é aqui na região que a policia vai

atirar no cara erra e termina matando o assaltante, esse contexto de violência, a mídia tem um papel, mas ela

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pega foco, o papel individual como se a violência fosse um foco no individuo, aquele foco na pessoa, então, por

exemplo, quando as comunidades são violentas, o crime ta na periferia, o crime ta ligado ao negro, então, são

conceitos que a sociedade tem que são construídos culturalmente mas o papel da mídia que é importante, que é

fortalecer esta concepção ou desmontar esta concepção e eu tenho a impressão que a conferencia de

comunicação, primeira conferencia de comunicação no Brasil, apontou isso e, de toda a grande impressa

brasileira, simplesmente só um canal televisivo participou e o pessoal das televisões, das grandes rádios, já

chamam que esta é uma conferencia dos comunistas, uma conferencia da esquerda. Então olha o medo que tem,

a não pode controlar, ta ligado com censura, ta ligado com isso, com aquilo, aí essa é a questão, qual

informação é boa? Qual informação que educa? Que informação que ajuda o povo a perceber, aquele fato que

está acontecendo ali, como este fato tem a ver com o seu dia a dia? Como se proteger contra este fato? Esta

informação mais qualificada eu não consigo ver em escala nacional em nosso país, então eu acho que a

informação é ideológica, ela é produzida ideologicamente, ela é produzida para manter um setor e para atacar

determinados interesses, ou para preservar determinados, e isto tem que estar claro.

Entrevistador: - O que te fez trabalhar com estas causas sociais, particularmente com o Projeto?

Marquinhos: A minha história é uma história, naquele ano que falei que o projeto começou em 83 eu fiz parte

do primeiro grupo de meninos de rua que foi trabalho por esta organização. Então, eu falo que eu entrei no

projeto e o projeto entrou na minha vida, foi desde daí, a gente tinha um grupo de meninos que ficavam aqui no

centro de São Bernardo, nos anos 80 e esses educadores foram para as ruas fazer contato com os meninos e eu

fiz parte do primeiro grupo que eles contataram. Ai desde então eu estou participando do projeto, venho como

educador conhecendo um pouco de experiência, andei um pouco pelo Brasil, conhecendo as experiências que

tinham com meninos de rua e um pouco mais para frente, lendo algumas coisas, e desde 95 eu assumi a

coordenação do projeto, por ter sempre um foco importante na nossa organização e o direito das populações que

nunca tiveram direito a participar de participarem. Então desde 95 eu assumi a coordenação geral, esta fazendo

15 anos que eu sou coordenador aqui de 27 que participo do projeto, orientando, trabalhando, acompanhando,

chorando e dando risada junto com estes meninos, só nos sabemos o quanto é bom e o quanto nos sofremos de

fazer o que fazemos, mas no fundo vale a pena, tanta coisa boa, tanta historia boa, tantos sobrinhos aí, tantos

casamentos, tantas possibilidades superar o desafio que a vida colocou para algumas famílias, para alguns

meninos, quantas políticas publicas, os meninos de rua criaram neste Brasil afora, entre eles a Mobilização para

criar o Estatuto, como foi imporante o segmento meninos de rua para colocar a pauta da infância pra sociedade

brasileira, como nos somos referencia na America latina em alguns países, fora da America latina ,como uma

referencia de onde não se via nada e saiu uma força, que pudesse mexer nas estruturas ou começar a incomodar

as estruturas sociais do pais, então foi assim que eu fui entrando e participando.

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8.4 Vanderlei Silva – Educador Social do PMMR

Entrevistador: - Com a sua experiência dentro do Projeto Meninos e Meninas de Rua, como é feito um

acompanhamento com o adolescente em situação de rua?

Nei: - Desenvolvemos uma constante aproximação com esses adolescentes, meninos e meninas de rua. A base

do projeto é a rua. Nós fazemos uma atividade que se chama educação de rua, onde a principal meta é

estabelecer um vínculo com os meninos que estão na rua e não o objetivo imediato de tirar da rua para

conversar, é na rua que a gente vai ter o contato, vai conversar, vamos desenvolver oficinas, vão brincar, então

vamos conversar com eles vários assuntos, conversamos sobre a rua, sobre o hap, música, dança, filme, futebol

e aí a gente criando esse vínculo, essa proximidade com esse adolescente. E no momento que conseguimos esse

primeiro diálogo, porque um menino ou menina rua não quer muito conversar com uma pessoa, desde que não

interfira no que ela está fazendo, não é brincando na rua, o principal é trabalhando na rua. É difícil, mas é um

caminho para entender como aquele menino ali sofre e coisas que são a realidade deles. Então conseguimos

chegar até eles através dessas coisas estar desenvolvendo uma conversa inicial ou trazer para a entidade,

entender uma situação ali, entendendo os motivos e tudo mais.

Entrevistador: - Como isto acontece? Existe um mapeamento de qual região vocês conversar e como é feita a

proposta para que eles participem dessas oficinas?

Nei: - Sabemos os locais que esses adolescentes estão, ou é naqueles faróis muito movimentados ou saídas de

supermercados ou são praças onde tem muita aglomeração, muito movimento e sabemos o porquê que eles

estão naqueles pontos. Tem um mapeamento, então dividimos a cidade em campos. Campo 1, campo 2, campo 3

e dentro desses campos sabemos quais adolescentes aparecem por ali pela experiência que tivemos de observar

e entender o movimentos dessas crianças e adolescentes na rua.

Os temas são diversos, levamos brincadeiras, levamos jogos para conseguir desenvolver esse diálogo

com eles e nessa conversa vamos apontando algumas questões de atrações. Há dois tipos de criança que estão

na rua: os que moram na rua e os que trabalham na rua. Entendendo essas duas especificidades desses

meninos, vamos desenvolver algumas coisas diferentes. Os que moram na rua: banho. Uma coisa fundamental,

higiene, alimentação. Aqueles que trabalham na rua, eles são passageiros. Passam na rua, mas a noite voltam

para casa, às vezes ficam uns dias na rua, mas eles têm a casa deles.

Esses que moram na rua, vamos conversar com eles com aquele objetivo primeiro de estabelecer um

vínculo e depois para eles aparecerem no projeto. A gente avisa que tem chuveiro, se quiser tomar uma ducha

sem nenhum compromisso, “de boa”. Porque eles dizem assim: “você vai me levar pra lá, mas vai me levar pro

conselho tutelar”. Não, não é isso. Eles já vêm com receio. Não. É tomar um banho e só. Quer comer alguma

coisa? Então vamos comer. Comeu, tomou um banho. “Ta aqui, o espaço, a casa é de vocês, quer bater um

futebol, tem a quadra, tem desenho para desenhar, televisão para assistir um desenho”, E até hoje vários que

estão saíram, não estão na rua sabem que o projeto é um espaço que essa característica. É um espaço que está

lá para tomar banho e para trocar ideias, coisas que na rua é muito difícil.

Entrevistador: - Qual a freqüência de adolescentes que freqüentar semanalmente o projeto?

Nei: - Hoje caiu o número por algumas dificuldades que projeto tem com relação a atuação de rua. Estamos

mais focalizados nos bairros, nas famílias, mas não significa que os adolescentes pararam de trabalhar na rua.

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Não estamos conseguindo nos aproximar, mas a média que freqüenta chega a ser, semanalmente, 15, 20, por

vários motivos, para tomar banho, para desenhar, para um encaminhamento para tirar o RG, encaminhamento

para tentar entrar na escola, são diversos.

Entrevistador: - Me diga qual é a relação desses adolescente que freqüentam o projeto e a escola. Eles

freqüentam a escola?

Nei: - A maioria tem conflito com a escola, desde os que freqüentam e odeia a escola e os que faltam muito.

Então, é bem variado, mas todos não vêem a escola como um espaço maravilhoso, que gostam de freqüentar

assim. Percebemos que alguns gostam de estar na escola e não de estudar, porque lá eles vão ter merenda,

muitos não vão para a escola para estudar, mas porque lá eles comem, para se alimentar ou para ver os

amigos. Essas coisas é que atraem eles na escola. Quando encaminhamos eles para a escola, observamos que

muito deles, por programa de recebimento de bolsa, ficam na escola, mas os que estão na média dos 15, 16

anos, que estão numa situação muito vulnerável, não se estabilizam na escola.

Entrevistador: - Você sabe algum caso, desses adolescentes, de briga na escola?

Nei: - Tem bastante em situação de agressão aluno com aluno, verbal, xingar a professora e tem de brigar,

assim, o assunto vai crescendo e aí tem cadeira voando e aí é tratado como caso de polícia. A polícia vem, se ele

é ligado ao projeto, vamos lá, será que é um caso de polícia? E aí vem o conselho tutelar e aí acontece um

monte de coisa por causa de uma briga que foi se desenvolvendo por reflexo de uma coisa que não está só na

escola. Isto tem freqüente, essas brigas, que tem ligado a esses meninos, até porque eles são violentos. Eles

estão na rua, precisam ser violentos. Então a professora fala para ele sentar, ele não vai sentar, vai agredir ela

e se defender de qualquer forma. Por isso que é um perigo “catarmos” um menino da rua e já coloca na escola,

então acontecem esses conflitos. São freqüentes essas brigas, conflitos e violência na escola.

Entrevistador: - Você acredita, enquanto educador, que a escola está preparada para lidar com esse aluno, que é

um jovem em situação de rua que procura a escola? Como é que você vê essa situação?

Nei: Não. Vou até dar um exemplo de uma experiência que está ocorrendo há mais de um ano no ABC todo, que

é um programa envolvendo violência na escola. O projeto está participando deste programa para observar o que

ocorre isso. É um programa que está ligado com a polícia militar, com o conselho tutelar e várias coisas. Força

Tarefa. Eles começaram a perceber que violência na escola é caso de polícia. O cotidiano é as professoras, as

diretoras de escola, os funcionários tratam isso como caso de policia. Para nós não é caso de polícia, porque vem

algo antes do porque que aqueles meninos são violentos, do porque esses meninos que vem da rua são tratados

como violentos. Não estou culpando a professora, nem a diretora, não é uma culpabilização, mas é uma situação

onde nós percebemos que imediatamente chama a polícia militar, isso é muito perigoso. Imediatamente coloca

esse menino numa sala, onde ele vai tomar uma bronca do diretor e falar que na próxima vez ele vai ser expulso.

Será que é isso mesmo? Então, uma força tarefa capacitada como aquela percebeu que é assim que os

professores, a escola, tratam esses alunos.

Entrevistador: - Como o projeto lida com a re-inserção do aluno na escola?

Nei: - A realidade é ele ser inserido diretamente, mas o menino que não tem a família estruturada, o pai

alcoólico ou que estuprou o filho, ou a mãe que morreu no parto, situações que vemos cotidianamente, um

menino desse que chega na escola vai ver a professora como uma negação, há um atrito ali. Há algumas

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experiências interessantes que é possível um desenvolvimento com esses meninos que saíram da rua e estão

voltando para a escola, onde existe acompanhamento com psicólogo, os que são drogados, por exemplo há de

fato casos que estão saindo aos poucos das drogas e vão para a escola, então vai usar droga na escola, vai falta

na escola para usar droga, então há experiências interessantes de acompanhamento psicológico,

acompanhamento médico, mas é muito pequeno. E para nós, sabemos que é uma dificuldade grande esse “pega

daqui e já joga pra lá”. É como voltar para a família. Uma família que não é estrutura e um menino que fugiu

de casa, ele não consegue voltar para casa, depois de muitas agressões verbais, violência física ele foge de

casa. Aí falamos para os órgãos competentes que ele não pode voltar para casa e eles falam: “Não, ele volta

para casa porque é dever da família”. Ele volta para casa de novo e aconteceu a mesma situação e aí esse

conflito constante, ele não vai para a escola, ele nem imagina escola e aí ele prefere “colar” no projeto, fazer

alguns desenhos, algumas coisas, conversar sobre várias coisas do que estar com a família ou na escola, por

exemplo. Porquê nós conseguimos a atenção deles, às vezes ficar quatro horas conversando e fazendo algumas

coisas e a escola tem uma barreira, a família tem uma barreira? Então é algo de uma reflexão que não vou dar

uma resposta, não conseguimos dar uma respostas, mas há os caminhos de se observar interessantes.

Entrevistador: - Esses jovens têm acesso a algum veículo de comunicação? Eles gostam de ver televisão, eles

gostam de ler alguma revista ou jornal? O que eles gostam de fazer que envolva os veículos de comunicação?

Nei: - Informação, como um todo, nenhum se interessa. É raro algum menino pegar um jornal, o que a gente

observa. O acesso que eles gostam é o que vem fácil para eles, então, acesso à música; a televisão, canais que

tenham programas não voltados aos adolescentes, mas que intencionalmente “captam” eles, vamos dizer,

programas com muita violência, com muito sexo, uma supervalorização do sexo, esses meninos gostam muito

disso. Pelo celular eles gostam de ouvir música, mas percebemos que eles nunca assistem jornal, não lêem

revistas sobre informações gerais. E é isso que nos tentamos trazer para eles nos vários temas que trazemos.

“Vamos assistir um programa sobre jornalismo policial? Ta lá, vocês estão morrendo naquele canal”.

Aí eles falam: “não queremos ver isso não”. “Mas parem para ver o que está acontecendo”. Mas é o cotidiano

deles, com o ritmo deles, não param para ver televisão, é rua constante. Mesmo os que têm casa, não param em

casa, eles ficam nas ruas, vão soltar pipa, meninas ficam nas ruas, têm os bailes, então a casa é o dormitório ou

a alimentação. É um vínculo com a rua, não negativo, é um vínculo com a rua, porque eles gostam de estar na

rua. A rua como a rua deles, então ele não vão ver TV, não vão ouvir rádio para informações gerais.

Entrevistador: - Você acha que há uma relação entre mídia e violência juvenil?

Nei: - Tem. Grandíssima. Até porque a mídia vai retratar a realidade, então “cata” algumas coisas desta

realidade que interessa né? Até fizemos algumas formações no ano passado que o tema de uma atividade que

nós desenvolvemos foi a mídia. Fizemos várias formações com meninos e meninas e percebemos o quanto essa

mídia captam certas informações que interessam da realidade e os próprios meninos perceberam. “O Datena só

fala de morte na favela, tio. Ta errado isso aí”. “Jornal não tem nada a ver”. Muitos falaram da malhação:

“Pô, o menino pega surfe lá na praia, eu não tenho nada a ver com isso. Ta errado isso aí, hein tio”. Eles

começaram a perceber que não é a realidade deles e aí questionamos até que ponto, de fato, a televisão retrata

a nossa realidade, a ponto de melhorar ou falar de fato somente o que é.

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A mídia vai trazer uma contradição e no caso da violência é muito grande, muito preocupante, porque

ela vai exaltar aquilo, retrata aquilo e não pensa em alguma coisa de solução. E os meninos vão ver o bairro

deles, alguns bairros aqui cotidianamente está no jornal, e aí sempre ta lá: “estourou boca de tráfico, morreu

dois, morreu 3, alguns foram presos”. Infelizmente a gente tem o costume de ir na página no jornal de polícia e

tem lá sigla, não pode por o nome de criança e adolescente, e a idade dele, e aí a gente liga para a família e é o

adolescente que nós atendemos aqui. Aí você vê que a mídia não dá um passo além, ela vai copiando, é um

reflexo da realidade e o menino não vai ler o jornal porque é a realidade dele de fato e ele não está vendo algo

além e prefere fugir mesmo. A conclusão que nós tiramos é que a mídia não está do nosso lado, infelizmente. E

aí, o que vamos fazer? Criar os nossos fanzines, nossos meios, nossas músicas e tudo mais? É uma televisão que

os meninos começaram a pensar.

Entrevistador: - Como são as oficinas? Vocês trabalham dentro de uma categoria que nós chamamos de

educomunicação. Como são formatadas essas oficinas, como são escolhidas, aplicadas e recebidas pelo

adolescente?

Nei: -Sempre partimos de coisas que eles conhecem, minimamente. Percursão. A proposta desta oficina é que

eles aprendam a tocar percursão e o principal, é aquele menino saber dos direitos deles e reivindicar seus

direitos. Sempre é vinculado e na oficina direta, eles vão aprender percursão. Então vou começar com o samba,

vou falar do pagode: “Sabiam que o pagode tem instrumentos tal e todos são de percursão?” Então vamos

aprender pagode e dali eles vão desenvolvendo. E destas oficinas vamos também desenvolvendo os temas que

também afetam esses direitos, que aí a base é o ECA. Informações, leitura e entendimento do ECA, formações

com a família sobre o ECA, sobre temas específicos, temos temas como sexualidade, raça, drogas, direitos,

então “catamos” os temas no mês, fazemos a formação e antes dessa formação, vamos desenvolvemos alguns

temas ligados ao tema geral. E aí conseguimos vincular a oficina cultural com tema político e falar que eles tem

direito, direito à segurança, à moradia, à educação e essas coisas, eles têm canais de serem cobrados e a nossa

base sempre é o ECA.

Entrevistador: - Muito se fala sobre violência escolar. A que você relaciona esse fato?

Nei: - A violência escolar é um tema que eu não resumiria somente à escola. Ela é um reflexo de algo que está

na nossa sociedade. A violência vem cada vez mais crescendo e entrando. Acho que a violência retrata essa

realidade, não é falta de pagamento dos professores, não é mais tempo ou falta de reprovação, falta de merenda

na escola. Acho que é algo mais complexo na sociedade e ela vai refletir isso. Acho que no momento que a

escola começa a perceber que ela é o reflexo é há a possibilidade de enfrentar isso e na escola dá pequenas

respostas, né, “não consigo desenvolver alguma coisa com meus alunos aqui, se ao abrir a porta em frente a

casa dele tem um esgoto à céu aberto ou não vão ter comida no outro dia, só na escola”. Então é muito difícil.

Há experiências interessantes de que vincular a experiência da escola, como espaço de informação, espaço que

a criança passa o maior tempo da vida dela ali, onde o aprendizado, o conhecimento sobre matemática,

português, conseguem refletir algo que de fato vão usar na prática, algo que vai afetar na vida deles.

Possibilidades, né? Possibilidade de conseguir um emprego quando passar nos 16 anos, possibilidade de

continuar na escola, uma escola técnica e o acúmulo de conhecimento. Infelizmente a escola hoje, o aluno sai

daquela escola e aprende poucas coisas. Nós conhecemos um menino que estuda com a gente que ele tem

dificuldade de escrever e está na oitava série. São coisas muito impressionantes, então acho que aprofundar

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essa troca com o menino ali naquela sala de aula para que de fato ele use na prática, exercitar o seu português,

sua matemática, mas que afete diretamente a vida dele. E a escola entendendo que a casa do menino também

tem que melhorar, o bairro dele tem que melhorar. Coisas vinculadas.

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8.5 Entrevista Adolescentes do PMMR – Fábio da Silva Gomes e Gabriela Antonia de Souza Silva

Entrevistador – Qual seu nome e idade, onde estuda, qual série faz?

Fábio – Fabio da Silva Gomes, 15 anos, estudo no Metalúrgico e estou no 1º ano.

Entrevistador – Você gosta da escola?

Fábio – Mais ou menos, alguns professores, aluno que não quer estudar e fica atrapalhando.

Entrevistador – E o professor?

Fábio – O professor fica na dele, às vezes leva para a diretoria, mas não adianta.

Entrevistador – Mas você não gosta dos professores?

Fábio –Uns eu gosto, outros não porque eles entram na sala e não dão lição e ficam só passando texto.

Entrevistador – Você acha que o professor que passa só o texto não está ensinando?

Fábio – É.

Entrevistador – Gosta de ler?

Fábio – Gosto.

Entrevistador – Mas o texto que ele passa não é interessante?

Fábio – Ele passa o texto e não explica.

Entrevistador – E os seus colegas, eles comentam o que em relação aos professores?

Fábio –Eles não gostam muito não também.

Entrevistador – E seus amigos da escola moram perto da sua casa?

Fábio – Alguns sim.

Entrevistador – Você já teve alguma briga na escola? Qual foi?

Fábio – Já. Na quinta série, briga boba por causa de lugar, eu era um pouco ignorante e aconteceu, mas não

deu em nada não. Agora eu já mudei.

Entrevistador – Como você era, porque acha que era ignorante?

Fábio – Ninguém podia olhar para mim que eu ficava nervoso, folgado.

Entrevistador – O que você sentia?

Fábio – Que as pessoas não iam com a minha cara por causa da cor, de preconceito racial, mas agora mudou.

Entrevistador – Você já sofreu algum preconceito do tipo?

Fábio – Mais ou menos, alguns eu levo na brincadeira.

Entrevistador – Você tinha uns 11 anos na quinta série, porque você achava que as pessoas tinham preconceito,

racismo contra você? Quem te falou sobre racismo?

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Fábio – O jeito de olhar era diferente. Na mídia, meu apelido é grafite, daí tinha um jogador do palmeiras que

também tinha o mesmo apelido, daí o chamaram de macaco no jogo, daí achei que fosse a mesma coisa comigo.

Daí eu sofri por causa disso na escola.

Entrevistador – Teve alguma outra briga na escola?

Fábio – Não.

Entrevistador – Fala seu nome.

Gabriela – Gabriela Antonia de Souza Silva, tenho 14 anos, estudo no metalúrgicos, estou no 1º ano, moro no

cafezal, com minha mãe irmão, e o meu pai mora com a mulher dele atual no bairro aqui ao lado.

Entrevistador – E a escola, você gosta?

Gabriela – Mais ou menos.

Entrevistador – O que não gosta?

Gabriela –Professores, alunos que não querem nada com a vida, que não querem aprender e não deixam os

outros aprenderem nada, professor que não sabe ensinar direito, só bater na mesa, cadeira.

Entrevistador – Isto acontece muito? Por quê?

Gabriela –Muito, não sei por quê. Ele já chega nervoso batendo em mesa, lousa, cadeira.

Entrevistador – Já reclamaram para a diretoria?

Gabriela – Já, não resolvem nada. Dizem que diretora não está lá, que não pode atender, que depois resolvem,

mas nunca resolve, já fomos muitas vezes que até desistimos porque não dá certo.

Entrevistador – Quem vai?

Gabriela – Vamos em cinco ou três pessoas, pedimos para chamar a diretora, mas ela nunca está, dizem que

esta em reunião, mas a gente sabe que ela está lá fora fumando, daí a gente tem que ficar esperando, mas

mesmo assim ela não atende a gente, daí temos que ir embora, porque não pode perder aula, ficar com falta,

nota baixa, essa coisas.

Entrevistador – Com você também acontece isso Fábio?

Fábio - Eu nunca tomei esta decisão, mas meus colegas sim. Vão reclamar, por exemplo, tem um professor que

só dança na sala de aula.

Gabriela – É o mesmo que bate nas mesas.

Entrevistador – Qual o sentimento de vocês com estas situações?

Gabriela – Uma falta de respeito dela com a gente.

Entrevistador – E qual a vontade que vocês tem de fazer?

Gabriela – Na hora você pensa em tudo, matar a professora, agredir, depois passa e fica tudo relax.

Entrevistador – E porque não faz?

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Gabriela – Porque é agressão não é um meio para se levar, e sim mais pela conversa e tem que deixar pra lá, já

que não tem conversar, melhor do que ir pra cima, fazer coisa errada.

Entrevistador – Vocês alguma vez com raiva da escola já fizeram algo contra o prédio, chutar lixo, rabiscar,

etc?

Fábio – Eu quando era mais novo pixei a escola, com PNT (pequenos terroristas).

Entrevistador – Por que?

Fabio – Pra se divertir só, era criança, só por zoeira.

Entrevistador – Teve alguma conseqüência?

Fábio – Não.

Entrevistador – Qual a sensação de pixar?

Fábio – Sentia melhor, descontava na diretora, era nosso pensamento. Quando alguém reclamava e não

descobriam a gente ficava meio feliz.

Entrevistador – Alguns de vocês já tiveram que trabalhar ou já esteve em situação de rua?

Gabriela – Eu já, tive que trabalhar na oficina do meu pai com ele, para conseguir mais dinheiro para ajudar a

minha mãe.

Entrevistador – O que você fazia?

Gabriela - Eu ajudava ele na mecânica de tudo. Ele tem uma mecânica na Teles de Menezes, como ele estava

precisando de ajudantes e não pagava pensão nem nada, aí eu fui e entrei de ajudante dele.

Entrevistador – E ele pagava pra você.

Gabriela – É e eu ajudava a minha mãe pagar as contas. Pra não ficar sem energia e sem água.

Entrevistador – É só você, sua mãe e sua irmã?

Gabriela – É.

Entrevistador – Você é a mais nova?

Gabriela – Não, a mais velha.

Entrevistador – Mais velha, a sua irmã mais nova tem quantos anos?

Gabriela – Doze.

Entrevistador – Ela estuda?

Gabriela – Estuda.

Entrevistador – Como ela vai na escola? Você sabe?

Gabriela – É a mesma coisa como eu vejo ela todo dia. Na mesma escola, no mesmo horário. Então...

Entrevistador – Ela tira boas notas?

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Gabriela – Tira.

Entrevistador – E as tuas notas?

Gabriela – As minhas já não são tão melhores. Né.

Entrevistador – É. Você já reprovou?

Gabriela – Não.

Entrevistador – Nunca reprovou de ano?

Gabriela – Não.

Entrevistador – E você já reprovou?

Fábio – Já. Quarta série.

Entrevistador – O que você fazia na quarta, quinta série? Você não gostava de ir para a escola? Você fazia o

quê?

Fábio – É. Ficava bagunçando, né, com os alunos.

Entrevistador – Mas, você chegava a ir pra escola e ficava só bagunçando.

Fábio – É.

Entrevistador – E quando você saia da escola, o que você fazia?

Fábio – Ia pra casa, almoçava e ia jogar bola no campinho.

Entrevistador – Você tem quantos irmãos?

Fábio – Tenho dois irmãos.

Entrevistador – Dois irmãos mais velhos, mais novos?

Fábio – Mais velho.

Entrevistador – Qual a idade deles?

Fábio – Uma tem vinte, outra tem dezessete.

Entrevistador – Elas moram com você?

Fábio – Uma mora e a outra já é casada.

Entrevistador – Quem mora na sua casa?

Fábio – Eu, minha irmã e minha mãe e o meu tio.

Entrevistador – E o seu pai?

Fábio – Meu pai é separado da minha mãe.

Entrevistador – Faz tempo?

Fábio – Faz uns dois anos, um ano e meio.

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Entrevistador – Recente, né?

Fábio – Ahan.

Entrevistador – E me conta uma coisa. Você trabalhou também Fábio?

Fábio – Não.

Entrevistador – Nunca trabalhou. Você já cometeu algum tipo de delito? Algum furto?

Fábio – Não.

Entrevistador – Já passou noite, madrugada na rua?

Fábio – Já. Agora, né. Em balada também.

Entrevistador – Você já saiu de balada? O que você já fez de balada?

Fábio – Ahan. Dança, né. Se diverte.

Entrevistador – Você também?

Gabriela – Já.

Entrevistador – Qual o tipo de diversão você gosta em balada?

Fábio – Dança, beija, essas coisa,

Entrevistador – Você já namora também.

Fábio – Já fica. Só fica.

Entrevistador – Já fica. Namora nem pensa. E você?

Gabriela – Eu gosto de ir pra balada mais acompanhada da minha mãe.

Entrevistador – Sozinha você nunca foi?

Gabriela – Já sim, com os amigos mais velhos, com responsabilidade né, com hora certinha pra chegar, tudo

pra minha mãe não ficar desconfiada de nada, pensar besteira.

Entrevistador – Você namora?

Gabriela – Não, mas já namorei.

Entrevistador – Quantos anos você tinha quando começou a namorar?

Gabriela – Eu, treze.

Entrevistador – E me diz uma coisa. Vocês assistem programa de TV?

Gabriela – Sim.

Entrevistador – O que você mais gosta na televisão?

Gabriela – Gostar, gosta sim, nada. Mais assim, de vez em quando, quando passa alguma dança, alguma coisa

que eu vejo que é boa, interessante, ai eu assisto.

Entrevistador – E você.

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Fábio – Esporte. Eu gosto de futebol.

Entrevistador – Vocês já devem conhecer vários meios de comunicação, tipo rádio, televisão, jornal, revista.

Desses qual deles vocês mais gostam?

Fábio – Eu gosto de rádio.

Entrevistador – Por que?

Fábio – Música. Eu gosto de ficar escutando música.

Entrevistador – E você?

Gabriela – Também.

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8.6 Entrevista Carla Pollake – Jornalista, especialista em audiência televisiva

Entrevistador – Os veículos de comunicação tem tido a preocupação na formatação de produtos para a

adolescência?

Carla – Na verdade a gente tem uma carência muito grande de produtos voltados para o adolescente na

televisão, por exemplo, no impresso não, existem mais revistas, voltadas muito mais para o publico feminino do

que o masculino nem tanto, mas no rádio e TV não, por questões comerciais. Nas emissoras a gente ouve, não

vou fazer para o programa para adolescente porque esta emissora é comercial e, eu preciso de um telespectador

economicamente ativo, decisor da compra, esse é um dos lados, então eu não estou afim de fazer um programa

para um telespectador que irá comprar. Nos temos na rede globo alguns produtos, que é o malhação, apesar de

ser um produto ficcional, voltado para este publico adolescente, lá eu acredito que exista esta preocupação.

Quando a malhação trabalha a questão do bulling, de vários tipos de infrações, existe uma empresa que faz a

pesquisa para isso, é a única referencia que eu tenho, e o adolescente acaba sendo dissolvido em outros

programas que não são diretamente focados a eles, em todas as emissoras. Uma novelinha, um programa de

auditório esta tudo muito disseminado, não há uma preocupação anterior. A adolescência é a menor faixa de

audiência que os veículos de comunicação tem hoje com exceção da internet.

Entrevistador – Você acredita que existam alguns procedimentos dos veículos de comunicação para aferir os

efeitos das mensagens para o publico adolescente?

Carla - Os instrumentos de aferição dentro das emissoras são as pesquisas, qualitativas ou quantitativas, não

existe uma preocupação especifica com o publico adolescente, existe uma preocupação com a aferição do

púbico. O que geralmente é feito para aferir, em relação ao conteúdo, de certa forma e infelizmente, é mais

pela audiência mesmo estes conteúdo, ele vai me dar um retorno ou não. Existe até pelo princípio do jornalismo

uma preocupação ética, ate onde isso é uma informação ate onde é uma escandalização, um sensacionalismos

para atrair uma audiência, mas como o jornalista trabalhar com veracidade, com credibilidade, existe uma

preocupação muito tênue dependendo da emissora, do programa, mas não é com o adolescente, mas o

telespectador em gera, Agora o que tem se debatido muito e talvez seja um instrumento para a emissora utilizar

é a classificação indicativa. A sensibilização dentro das emissoras dentro das emissoras tem que acontecer, este

horário é indicado para este garoto de 12, 14 ou 16 anos assistir, incluindo os jornalísticos, é indicado para

este jovem. O problema é que ate hoje os programas jornalististicos não podem ter classificação indicativa, são

isentos de classificação, que é uma grande discussão, porque eu tenho um jornalismo teoricamente mais isento,

e eu tenho um jornalismo muito desenfreado, como o caso Eloá que um caso fica um dia inteiro no ar, então até

onde isso não deve entrar na classificação indicativa. Então hoje o único instrumento que nos temos de

preocupação com o adolescente dentro das emissoras é a classificação indicativa.

Entrevistador – Porque o jornalismo não pode ter classificação?

Carla – A classificação indicativa ela indica o seguinte, nos tivemos uma palavra com um dos diretores de

classificação indicativa do governo, e pela constituição federal o jornalismo parte do pressuposto da

credibilidade da veracidade, então se ele esta trabalhando com a veracidade e a e a prestação de serviços ,que

o princípio do jornalismo, eu teoricamente não tenho que classificar. Infelizmente não é o que acontece em

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alguns casos, a predisposição deles é esta, não classificar porque existe um bom senso dos veículos de

comunicação em trabalhar com a prestação de serviços para o bem publico.

Entrevistador – Você acredita que reportagens que envolvam adolescentes e violência, como a mãe que

incentivo a filha a brigar na escola e foi filmado, casos como a Eloá quando isso passa no telejornal, você

acredita que exista algum efeito no adolescente;

Carla – Depende, a gente tem algumas pesquisas que apontam os veículos de comunicação não mudam uma

opinião, se a pessoa não tem opinião nenhuma sobre o assunto ela pode agregar o que ela viu ao discurso dela,

mas se ela já tem, isso não muda. A discussão que tem que existir nos veículos de comunicação é qual é

relevância se mostrar um ato destes. Se eu tenho um vídeo deste e a comissão editorial do jornal decidiu que e

importante para mostrar o quanto que isso é, e eu me lembro do caso desta mãe, que passou no SPTV e a

entonação do jornalista quando a opinião tem jornais que não emitem opinião, neste caso o SPTV se

pronunciou, dizendo o quanto era um absurdo, inclusive chamaram uma psicóloga social, para falar do quanto

esta condução familiar era importar. Se eu coloco simplesmente esta informação e sem mostrar nem um tipo de

punição, e aí entenda-se de varias formas, uma ação e uma reação, muito complexo, mas se eu posso levar a

informação e contextualizar como eles fizeram, e o quanto a atitude da mãe poderia ser penalizada, eu acho que

e valido pois é o papel do telejornal, de prestação de serviços, mas tem que ver como isto será colocado.

Entrevistador – Você aplica o ECA na pratica profissional, como?

Carla – Eu acho que a todo o momento a gente tem que aplicar, a gente acaba aplicando no cotidiano, e nas

produções de televisão, quando você esta fazendo um programa de TV para o adolescente e pra criança você

tem que pensar nos princípios, isso a gente aplica no dia a dia, mas não é uma coisa que você perceba

nitidamente, não é algo que você pensa, pois você não esta com o estatuto ao seu lado, tem uma questão ai de

bom senso e de ética, que vai ser associado imediatamente a qualquer tratamento para adolescente ou adulto,

mas não há uma preocupação, especifica com isso, a não ser quando da classificação indicativa, esta cena pode

ser mostrada a esta hora, não pode, porque até esta decisão dessa exposição até certo ponto é do pai e da mãe,

porque mais que a gente faça um filme e coloque a classificação indicativa para 14 anos e o pai ou mãe

acharem interessante, ele pode levar o filho ao cinema. Mas a gente se preocupa sim e no trato pessoal, acho

que os veículos no Brasil acabam sendo reflexo da sociedade de certa forma e aí a gente acaba reproduzindo

algumas questões da televisão no cotidiano.

Entrevistador – Como você identifica a relação mídia x consumo x adolescência ?

Carla – O consumo na verdade esta extremamente ligado aos veículos de comunicação hoje, para qualquer

faixa etária. Um exemplo disso é a própria Malhação, um dos motivos da criação do departamento da Globo

marcas, foi por causa do numero de ligações dos adolescentes querendo saber qual era a marca da camisa de

fulano, da bolsa de sicrano, o consumo em si intrinsecamente ligado com os veículos porque? Nos vivemos

numa sociedade que existe um negocio chamado modelagem, eu quero ser muito parecido com aquilo, pode ser

uma coisa boa ou ruim, então eu acho sim que os veículos tem uma grande influencia no fator de decisão de

querer consumir algo, de desejar algo, e isso pode gerar violência. Nos já ouvimos depoimentos, no próprio

jornalismo quando eu atuava, era um policial e um adolescente foi preso porque tinha roubado um tênis e ai vai

ser trabalhando esta questão e ele responde, mas se fulano pode ter um tênis da Nike eu também posso ter, daí

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eu tenho um discurso que pode ser impulsionado pela mídia. O consumo hoje num pais como o nosso, com alto

índice de analfabetismo, alto índice de consumismo, uma classe media crescendo em poder de consumo, eu acho

que não tem como dissociar, e a adolescente em fase de formação, pode sim utilizar a mídia para construir estes

parâmetros.

Entrevistador – Qual o percentual da programação televisiva voltada para o publico adolescente, na TV aberta

?

Carla – Nem 5%, se eu parar para pensar num produto exclusivamente para o adolescente, eu não vou chegar a

1 hora, 1hora e meia de programação diária, então eu não chego nem a 1,5%. Quando eu vou para a tv por

assinatura aí sim, eu tenho algumas produções voltadas para este publico, mas a tv aberta e eu acho, uma visão

minha, profissional do que eu sinto dentro das emissoras de TV, o fato de não ter estas programações na TV

aberta e totalmente comercial.

Entrevistador – Existe uma pesquisa por parte da mídia sobre a recorrência de atos infracionais a partir de

matérias veiculadas?

Carla – Existem algumas pesquisas, mas não necessariamente encomendas pela TV. De vez em quando você

pode pegar a Veja e diz assim: Numero de adolescentes grávidas cresce após novela x ou programa tal, aí a

própria imprensa inscrita no caso esta fazendo a relação entre, olha ta sendo mostrado isso na televisão em

determinado estado ou região. Então esta percepção é feita fora da emissora, o que acontece é a TV tendo

acesso a este tipo de informação, ela pode ir atrás, mas é muito pouco recorrente, porque fazer uma pesquisa de

audiência e comportamento é muito cara, então as emissoras vão utilizar geralmente este tipo de recurso em

ultima instancia, quando ela consegue vislumbrar uma necessidade muito grande ou perda em credibilidade,

faturamento. Mas geralmente estas pesquisas existem mas não vem de uma demanda das próprias emissoras,

vem da demanda da própria sociedade, de outros veículos que podem despertar na emissora uma sensibilidade

para isso, alguns programas, a malhação já foi muito vitima e já foi muito atrás disso. Quando ela tratava de

um assunto, voltado a determinadas tribos, skatistas, por exemplo, e que tinha uma repercussão negativa frente

a outros veículos ou a própria sociedade e isso saia na imprensa, a própria Comunicart que e responsável por

todos os merchandisings sociais da rede globo, aí ela ia atrás destas pesquisas para mudar o roteiro das

historias.

Entrevistador – E as pesquisas em comunicação ?

Carla - A violência e a criança e o adolescente é objeto de pesquisa a muito tempo, a primeira grande teoria

pra pesquisar os efeitos que a mídia pode provocar no cidadão, vem da década de 30, a teoria da bola mágica

nos Estados Unidos, a propaganda de guerra. Com a evolução da pesquisa na biologia e psicologia eu acabo

percebendo que biologicamente eu teria que era reações muito próximas ao pai e a mãe, e existe o fator externo

que é a sociabilidade que interferem no comportamento. Quando lançadas estas pesquisas, uma delas tendo este

novo olhar foi a do Fundo Payne, o que era? Uma pesquisa com base no cinema, que queria averiguar o quanto

cenas violentas no cinema, influenciavam as crianças, despertavam o instinto violento nas crianças, ela foi

desenvolvida por mais de 10 anos e se chegou a conclusão de que não, mesmo quando tinha algum ato violento,

mesmo quando lançada no cinema, a criança é que tinha uma predisposição para a violência e utilizou a mídia

como modelo. Como? Eu tenho vontade de bater no colega, matar o professor etc, e eu não sei como fazer isso,

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daí a mídia pode dar esta idéia. Mas se a pessoa não tem a predisposição de ter isso, pode ser um distúrbio

psicológica ma formação de caráter, que vem de outras bases, escola, família. A mídia não e formadora do

individuo. Esta pesquisa e muito importante e utilizada ate hoje nos Estados Unidos, como no caso do chinês

que assassinou uma serie de pessoas na escola.

Entrevistador – Como você acha que a escola trabalha a leitura dos veículos de comunicação para que este

adolescente não fique num terreno tão ardiloso e submisso a todas estas mensagens e produtos da mídia?

Carla – Nas emissoras comerciais, acho que há uma preocupação muito menor.A escola faz parte de uma

destas instituições de modelagem sociais e tal, existem algumas emissoras de comunicação que estão voltadas

apenas para educação, que é o caso do canal futura e escola que estão preocupadas com todas as mensagens

para este grupo. Por exemplo, no Futura o publico alvo são os professores, para que o professor use aquele

material em sala de aula, para atender aquele aluno. Mas a maioria das emissoras, principalmente as

comerciais, não há uma preocupação exarcebada com a questão de como o a adolescente vai decodificar esta

mensagem. Hoje, acho constrangedor falar isso, a ficção, as dramaturgias estão muito mais voltadas a

trabalhar estas questões, como escolas publicas trabalham a questão, onde a Gabriela Duarte era diretora de

um escola publica, onde tinha vários problemas de violência, onde o ator Caíque Brito, roubava, era

indisciplinado e ela tinha que resolver estas questões dentro da escola e retratava isso, como ela resolvia estas

questões, daí era uma coisa que o jornalismo podia tratar e deixou para a dramaturgia, e ficamos numa sinuca

de bico, puxa a dramaturgia é uma ficção e o brasileiro acaba por indexa a sua pratica, porque esta sendo

retrato ali, e é o que as pessoas querem ver na televisão, e eu não sei se a escola utiliza da mídia para retratar

situações lá dentro, acho que os laços estão muito soltos, não existe ainda.

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8.7 Entrevista Drª Vera Lúcia Acayba de Toledo – Promotora de Justiça

Entrevistador – Qual a relação da promotoria com a escola levando-se em consideração os artigos ..?

Vera Acayba – Esse artigo citado do ECA, prevê quais são os direitos das crianças e adolescentes em relação a

educação. Então prevê por exemplo, o direito da criança, o acesso, a permanência e êxito, a questão da

educação . E se houver infligência a este dispositivo legal, o ministério público pode atuar nesse caso para

preservação deste direito, como poderia fazê-lo? Primeiramente numa maneira consensual ligando para a

diretora da escola, conversando com a diretora, com a diretora regional, para tentar resolver de forma

consensual esta questão em relação a criança e a o adolescente, senão não conseguir de maneira consensual

que o objetivo da promotoria da infância o ministério publico pode faze-lo ingressando com uma ação em juízo,

visando preservar este direito de acesso a escola, de permanência e também de êxito da criança e a do

adolescente?

Entrevistador – Existe uma procura no MP de familiares de adolescentes para tratar casos de violência escola e

juvenil?

Vera Acayba – Temos muitos casos, tanto o é, que em agosto de 2007 a promotoria de SBC instaurou um inquérito civil para tratar desta questão e atuar em parceria com os demais órgãos que operam nesta aera da infância e juventude, e este projeto tem um prazo de 4 anos, ele vai ate dezembro de 2011 e objetivo e a diminuição de 40% daquele percentual de agosto de 2007 ate o final de 2011 e nos temos neste programa, denominado programa parceria na construção de paz no ambiente escola, nos temos atividades e, dentre elas a principal, é trazer a escola como parceira para ajudar a rede de atendimentos do município, a resolver esta questão de violência. Então a própria escola detectando que exista ali um aluno que praticou um ato infracional, ela encaminha, de pequeno potencial ofensivo, lesão corporal, ameaça, dano, injuria, calunia, difamação, uso de drogas, então nesse caso ela vai ser parceira e ela vai encaminhar este aluno a rede de atendimento do município, por quê?Porque nos percebemos que a maioria destes casos, tem como origem questões de conflitos familiares, vulnerabilidade da família, questões de problemas psicológicos, psiquiátricos, saúde, baixa escolaridade dos pais que refletem nos filhos e temos várias outras causas que seriam tanto causas relativas que ocorrem na própria sala de aula como extrínseco que é o relacionado às famílias, então o intuito deste programa e principalmente buscar a origem, a causa que motivou este aluno a motivar este ato de violência. Ai o aluno vai ser acompanhado e tratado pela rede de atendimentos do município se for questão de saúde, pela secretaria de saúde, se for questão família, pelo centro de atendimento a família da fundação criança e assim dependo da causa ele é encaminhado para o órgão respectivo.

Entrevistador – Mídia e juventude ,acredita que exista uma relação entre ?

Vera Acayba - Não verdade, não é que a mídia poderia provocar violência, não entendo desta forma, o que acontece é a necessidade da mídia noticiar os casos e, alguns deles noticiados em jornais aqui da região, foram razoes da promotoria poder fazer um trabalho nestas escolas, então há necessidade de mostrar para a sociedade civil o que acontece, neste sentido sim, a importância da mídia.

Entrevistador - Nos tivemos alguns casos aqui na região do ABC, como o caso Eloá, casos de mães que incentivam as filhas a brigar na escola, como foi noticiado pela mídia e outros parecidos que foram postadas na internet, como casos de adolescentes que postam vídeos de agressão na internet, você acredita que este tipo de tecnologia atrelado a violência cotidiana dentro das escolas, como isso pode ser resolvido?

Vera Acayba - Exatamente com este programa que nos temos, na verdade, não basta este aluno, este adolescente vir a cumprir uma medida socioeducativa, se ele cometeu um ato infracional. É necessário, além da medida socioeducativa, que se busque saber por que este aluno esta agindo assim, existe algum motivo que o faz agir desta maneira? Algum ato de violência domestica a que foi acometido e vai pra escola e acaba agredindo desta forma. O que causou este aluno a praticar um ato deste? E em relação a mãe que incentiva, a filha, o aluno ela está exatamente incentivando que seu filho pratique um ato de violência, o que nos precisamos fazer? A mãe precisa de um acompanhamento psicológico e do filho também, e de um órgão que atue com a família.

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Aqui em SBC nos temos o centro de atenção da família da fundação criança que iria ajudar a melhorar o comportamento da mãe que conseqüentemente vai afetar e melhorar o comportamento do filho.

Entrevistador – E o força tarefa, fale um pouco sobre ele?

Vera Acayba – Nos temos varias atividades para ajudar a escola, os demais parceiros vêm para auxiliar a escola, para ela não se sentir sozinha, e qual o objetivo principal? Buscar a origem do porque este aluno, este adolescente, esta criança praticou o ato infrancional. Então é enfrentar esta questão da violência focando o aluno na plenitude de suas necessidades. Sabendo este motivo, esta causa, ele vai ser inserido num órgão de atendimento psicológico, psiquiátrico, de família, qualquer órgão vai auxiliá-lo a um tratamento, a um acompanhamento, e tratando esta questão do aluno, conseqüentemente de outra parte nos vamos ter o respeito e a autoridade de volta para o professor, porque este aluno aqui recebendo um acompanhamento e um tratamento ele vai deixar de praticar um ato de indisciplina ou infracional e conseqüentemente no vamos resgatar o respeito ao professor. Então tem as duas vertentes, tratando aqui o aluno, nos vamos aqui também, conseguir melhorar o ambiente da sala de aula e também do professor.

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8.8 Entrevista Elisete Frigo - Professora e ex-diretora de escola

Entrevistador – Como você define violência?

Elisete – Bem, eu encaro que a ver com a questão social, não sou eu que defino, mas em consideração a própria

sociedade que decide o que estaria fora dos padrões no intuito de prejuízo físico, emocional em relação ao

outro, a outra pessoa. Neste sentido.

Entrevistador – O que vem a definir como violência escolar?

Elisete – Seria isto mas dentro do contexto da escola, quer dizer um aluno, um professor, um funcionário,

agindo contra uma pessoa, contra uma outra pessoa, não pensando nela em si mesmo, mas seja física, seja

emocional, psicológica no sentido de que cause um mal estar ao outro, cause um problema, inflija um

sofrimento ao outro. A única diferença é que no contexto escola, ou no contexto social melhor, que diferencia

uma da outra.

Entrevistador – Qual o tipo mais recorrente que acontece no ambiente da escola?

Elisete – O bulling que acontece como se fosse meio omitido, existe a questão, entrando na parte de ditatorial

das pessoas hierarquicamente superiores, que acham que podem infligir a violência seja professor-funcionário,

ou o próprio aluno, entre pessoas é difícil na escola, existem casos de violência física também, sem dúvida, mas

eu vejo a violência psicológica mais forte na escola, do que a violência física, porque a física é visível e

psicológica nem tanto, ela fica mais escondida, neste sentido ela pode até ser mais grave porque vai causar um

dano tão grande quanto o outro, mas não vai ser detectada.

Entrevistador – Você acredita que a violência interfere no projeto pedagocico da escola.

Elisete – Eu não diria interferir, mas que ela deveria fazer parte do projeto no sentido de trabalhos que devem

ser feitos, para se evitar, não digo minimizar, por que violência não pode ser aceita, deve ser excluída, mas ela

tem que fazer parte, porque todo mundo convive com a violência, bem ou mal, num grau menor ou menor, ela

existe e se ela existe, o projeto não pode ignorar. Ela tem que estar lá no projeto de como lidar com a questão

de violência, fisicia, psicológica, social etc.

Entrevistador – Como a direção da escola age quando é detectado um caso de violência envolvendo alunos,

professores e funcionários.

Elisete – Bom primeiro, a rigor tem um conselho de escola, independente do conselho tem as normas

regimentais da escola, casos mais simples, vamos dizer assim, a própria direção já toma uma atitude, ouve o

professor, ouve o aluno, o funcionário e junto toma uma decisão, que nem sempre, ai a gente entra numa outra

discussão, se dever suspender aluno, se não deve, deixando isso de lado, vamos dizer que o regimento tenha a

suspensão, então ele tendo este mecanismo, o diretor, pelo regimento estar aprovado, pela diretoria de ensino

por ter reunido elementos de comunidade, o diretor pode tomar uma decisão de suspensão ou não, ouvindo as

partes.Ai chama pai e tal, agora quando o caso precisa de uma cuidado maior, ou não se define se realmente

houve a violência, quem praticou ou não, tem que chamar o conselho de escola, com direito a ampla defesa do

aluno. Então o aluno, os pais, geralmente, eu acredito, que até um defensor no caso deste aluno é um professor

que faz este papel, de”advogado’ do aluno, de defende-o, porque conhece sistema, então de direito de defesa,

sempre o direito da defesa de todos os lados. E aí o próprio conselho ele emite uma opinião de que medida

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disciplinar tomar em relação ao professor, ao aluno. Ai a direção ouvindo o conselho ela toma providencia,

porque o conselho não é deliberativo no sentido de executar, ele só define o que ele apurou, o que ele acha que

é e, dependo da situação se é funcionário é aberto uma sindicância, então são tres funcionários da escola nível

igual ou acima, pra proceder a sindicância, verificar o que aconteceu, o que não aconteceu porque são coisas

que correm pararelas. Uma coisa é tomar providencia perante o aluno ,pedagogicamente e outra é ele enquanto

funcionário ter infligido normas, e estas normas tem que ser seguidas com processo.

Entrevistador – Existem casos de evasão escolar motivados pela violência e que atitudes a escola tome para que

este aluno não evada?

Elisete – São duas coisas. A evasão pra mim ela é sim resultado de “violência”, porque o aluno evade por

algum motivo e este motivo muitas vezes é a própria aprendizagem. Então você dizer que a escola não faz a

cumpre a funcção que ela tem que é ensinar, você pode dizer que ela comete uma violência também, esta tirando

um direito do aluno. E a evasão quando não é por problemas financeiros, que começou a trabalhar, você pode

entender o não aprendizado como uma violência, dependo do ponto de vista. Agora já não houve aprendizagem

e ele se evadiu, dificilmente essa escola vai querer saber por que ele se evadiu, porque ela já não fez um papel

lá atrás então não vai fazer o que vem subseqüente. Não há um retorno, poucas escolas, pela minha experiência

vão atrás de alunos que se evadem, até porque quando o aluno se evade é era um aluno que tinha algum tipo de

não aprendizado, ou uma postura disciplinar que não era de acordo com o que é normativo é um dos casos que

vai se evadir e muitas vezes a escola diz, que bom que se evadiu, aí vem o circulo, você evadiu e lá fora o que

vai acontecer? Dificilmente casos de evasão por violência, pela minha experiência não são resgatados.

Entrevistador – A escola trabalha com algum projeto para a minimização da violência escolar, caso não o que

você acredita que seja interessante?

Elisete – Vamos pensar no lado, primeiro aprendizado. Para aprendizagem as escolas tem projetos, muitas

tem. Então elas trazem os projetos de como conduzir o aluno que não esta aprendendo, porque a própria não

aprendizagem, a própria não olhar pra mim enquanto aluno já gera violência dentro da sala, porque ele vai

ficando e, no buscar atenção é hora que algumas situações emergem, transbordam nesta relação que existe

entre professor e aluno ou entre aluno-aluno. Então na parte pedagógica tem, mas dificilmente há uma ligação

entre ações de violência como conseqüência de uma relação professor-aluno, aluno-aluno que não foi

satisfatória no momento de aprendizagem. As pessoas as vezes, não juntam as coisas como uma gera a outra é

como se fossem coisas diferentes separadas e não são. Uma, a não aprendizagem, gera violência, não tem

estatística, não tem pesquisa, mas é só você ver a relação, que eu conheça, pode ser que tenha, mas é só ver a

relação que existe dentro da sala, aquele aluno que o professor chega não fez, não trouxe, cadê o material, aí já

começa a ferver o ambiente, e isso vai tendo um segundo, um terceiro, um quarto, passo. Então ações para não

aprendizagem tem, mas não com a preocupação de que o que causou a violência em virtude da aprendizagem é

como se fossem separadas e, a escola deveria ter sim, esta visão estar ligados e aí, como proceder, e até

violências que ocorrem independente da não aprendizagem que não é explicita ali, mas, eu sei que os anos

mudaram são outros, mas no meu percurso de profissional de educação, são mais de 30 anos, eu nunca tive

casos de violência gratuita, sempre foram resultado de uma ação anterior, e de uma ação anterior de que se o

professor não refletir, ele não percebe que foi causadas muitas vezes por ele, e não pelo aluno que foi violento.

Têm casos a parte? Tem, mas são mínimos, a maioria é resultado do próprio ambiente que esta ali. Tem

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crianças que sofrem violência fora de casa e por conta disso, fora da escola e por conta disso são mais violentas

na sala, vamos supor, por exemplo? Tem, porque é o ambiente que ele vive, mas dependo de como a escola ta

lidando isso é minimizado, tem como minimizar, mas precisa de muita coisa, não é tão simples.

Entrevistador – Você já sofreu algum tipo de violência enquanto diretora, professora ou dirigente?

Elisete – Eu diria que a única violência que eu sofri, quer dizer não fui eu, foi meu carro. Eu era diretora do

Jean Piaget, no Detroit e eu tinha um aluno que inclusive foi morto no ano seguinte, ele tinha sérios problemas

sociais, problemas a ser internado, nem lembro se era FEBEM ou Fundação Casa,ele não era aluno, era da

comunidade, não era matriculado, e ele entrava na escola e assaltava, ele levava as coisas da escola,

computador, e houve um fato na escola, eu era diretora dos computadores e, eu não me lembro como foi, mas

“como se a gente mandasse um recado” porque sabiam que tinha sido ele, e foi depois devolveram o

computador, mas ele quebrou a fechadura do carro, e foi a única ocorrência em 30 anos, nunca tive nenhum

outro caso e sempre trabalhei em regiões periféricas, mas também não sei se foi ele, mas só sei que foi ele que

levava. O chamei pra conversar, não o acusei, mas pedi para que providenciasse o retorno do material, caso ele

soubesse e foi devolvido.

Entrevistador – Como você vê a postura da mídia em relação a escola?

Elisete – Olha eu não vejo falar nada de positivo. A gente só vê a mídia em cima quando ta recriminando, e

recriminando, vamos supor ou vou até dar um exemplo de uma escola que foi depredada a alguns anos , quando

eu era dirigente em São Paulo. Os alunos jogaram carteiras, uma série de coisas, quebraram vidros, eu não estou

lembrando o nome da escola. Era uma escola que tinha muitos problemas com a comunidade no sentido do fluxo

de alunos de gangues diferenciadas e lá na escola eles se encontravam. Então não era uma violência contra a

escola, mas entre eles, entra as gangues. E na época a diretora que estava lá, conseguia conduzir bem e, quando

houve isso ,a diretora não estava lá, acho que havia se aposentado e a mídia retratou o primeiro dia da violência

que acontecia. Só que o jovem, muitas vezes quando vê aquilo, ele acha que é por ali mesmo o caminho, quer

dizer, vamos gritar, vamos depredar, vamos quebrar, porque nos vamos ter atenção para o que queremos e não, o

inverso. Então isso eu vejo como prejuízo sim. Eu acho assim, se houver alguma coisa violenta na escola, eu se

fosse diretora hoje, primeira coisa, eu não deixaria a mídia entrar, eu ia resolver ali, com o conselho de escola,

com a diretoria, ali, sem a mídia, porque ela vai aumentar e muito, o que não deve ser aumentado, porque ela não

vai dizer o que a escola pode dizer, ou já fez ou já esta fazendo contra aquilo, ela só vai dizer o que a escola não

fez, e tudo o que foi feito é jogado no bueiro, não tem valor nenhum. Ou seja, podem ser anos de trabalho,

porque educação não é só um ano, são anos e anos de trabalho que são jogados fora com uma noticia.

Entrevistador – Então você crê que existe uma influencia da mídia na violência escolar?

Elisete – Sim quando ela só retrata o que tem de negativo na escola, se ela tiver uma inversão ela pode

minimizar esta violência sem dúvida

Entrevistador – E estes casos que foram divulgados como o exemplo que você citou, qual é a postura da

escola frente a mídia e quais são as providencias que ela toma?

Elisete – Existe no Estado, por exemplo, é proibido dar entrevistas. Professor, diretor nenhum deles pode dar

entrevistas a não ser que autorizado pela secretaria de educação ou diretoria de ensino, isso já é do próprio

estatuto do funcionário. Então muitas vezes pela proibição a entrevista, ou a proibição da entrada na escola

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para filmar, a mídia não retrata como algo que é interno de uma legislação, ela já retrata como algo que o

diretor impediu. Já é o primeiro grande erro. Segundo, ela toma as vezes esta postura de não notificar, não

dizer o que esta acontecendo, e a mídia já leva como, não encontrado, evitou falar e muitas vezes, esse evitar

falar, evita que a escola seja exposta mais do que ela já foi, porque ela já esta num processo muito difícil que

ela tem que enfrentar ali, ela ta com o pai de um lado de quem comentou, o pai da vitima exigindo providencia,

do professor que se recusa a dar aula se a direção na tomar providencia, então ela se assim cercada por todos

os lados e, mais a mídia em cima, não ajudando, dificultado, então é hora que eu acredito que é pra falar, fica

ali, espera, uma noticia vai ser dada, podemos dar uma noticia, agora se vou ser eu ou a diretora, o dirigente, o

supervisor, então é outra questão, porque tem que ser uma pessoa que não esteja no calor da situação, porque

qualquer coisa que se fale pode levar B,C,D de acordo com o interesse de quem está fazendo. Então precisa

cuidar cuidado.

Entrevistador – Como o ECA é aplicado nas escolas e como são tratados os casos de adolescentes que estão

matriculados na escola e cumprindo medida socioeducativa, ou que estão em situação de rua?

Elisete – A questão do Estatuto é o seguinte, muitas vezes o diretor precisa tomar um certo cuidado pro

professor não achar que perante o Estatuo o aluno pode tudo, não é isso. Não é nem pode tudo, nem pode nada,

existe um equilíbrio, tanto não pode tudo porque se ele extrapolar existe, todo juizado da infância, você tem que

comunicar conselho tutelar etc. Agora, quando ele não encara que ele pode tudo, nesta questão, aluno que tenha

qualquer tipo, seja aluno que venha de abrigo, porque tem muitas situações de escolas que atendem abrigos, por

internação, por medida socieducativa, não importa, se a escola é um local onde pode se dizer algo sobre o aluno,

que ajude o aluno a avançar, que ajude o aluno a superar essas situações então, digamos, senão, nada, não se fala

nada, vou te dar um exemplo. Quando eu era dirigente eu recebi três funcionários em estagio da FEBEM na

época do professor Gabriela Chalita. A primeira medida que eu adotei vou chamar todos os funcionários da

diretoria, que eram em torno de 50, uma reunião onde eu falei: ninguém, mas ninguém, eu chamei os chefes pra

depois falarem com os 50, tem o direito de julgar as pessoas que vão entrar e qualquer medida que seja adotada

contra, eu quero saber porque, nesse sentido. Por quê? Porque num ambiente de pessoas, que lida com pessoas,

tem pessoas variadas, então até o olhar, ou qualquer coisa que possa surgir ali, a culpa é dele, sem ter culpa

nenhuma, a culpa vai ser dele, então, se a pessoa que convive com ele não pode saber que é de liberdade

assistida, não pode saber. Se sou eu a diretora que vou decidir não contar para os professores que aquele aluno

veio por liberdade assistida, porque é uma forma de protegê-lo da discriminação então eu me julgo, no dever de

proteger ele e não contar. Embora, todos os alunos da FEBEM, por exemplo, lá dá Celso Garcia, era uma única

escola que atendia os alunos no sentido de documentação, mas no sentido de alunos quando saiam de lá e iam

para variadas escolas e geralmente, o aluno entrava como um aluno como outro qualquer, ninguém vai saber da

sua vida, de onde você veio, pra que você veio, vai saber no sentido de acompanhamento, o que você sabia, o

que não sabia da disciplina. Mas filho de quem, o que você fez, o que você não fez, não é interesse da escola,

isso não pode modificar. Então se isso não deve ser dito é um aluno que chegou como outro qualquer e, o fluxo é

tão grande de alunos que não dá pra se ter tempo de se preocupar com um a mais ou a menos e nem deve. Agora,

as vezes, pode acontecer de ser necessário um cuidado com este aluno porque tem uma serie de problemas de

aprendizagem, uma série de olhares diferenciados, que eu preciso ter com ele, para que ele tenha sucesso. Então

pode ser que seja um momento até que seja o momento de conversar, olha um aluno que precisa deste olhar,

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como outro que também pode ter independente de ser um aluno em medida socioeducativa, é sempre o olhar da

aprendizagem que deveria ser maior.

Entrevistador – O que você acredita que falta hoje nas escolas, no ensino médio, para se minimizar a violência

escolar e aumentar a participação efetiva dos alunos?

Elisete - Projeto, projeto de vida, no sentido de que o que ele quer para ele, e o que a escola pode, enquanto instituição que tem esta função, fazer pra que esse aluno sinta que ela esta ajudando na inserção social, a conseguir ser ele mesmo, a ganhar no sentido do porque a aprendizagem, o porque a escola oferecer elementos para ele ser um pouco melhor lá fora, o que a leitura pode fazer para ele, então não é a escola que se fecha e o aluno vem para dentro da escola e se adapta a ela, é o inverso, é a escola que existe em função do aluno que está lá. Se ela fizer o projeto dela em cima daquele aluno que ela atende, vai ser diferente, porque as vezes você vê aí fora, por exemplo, aparece um concurso, ou o alunos que querem entrar nas escolas técnicas, alunos que querem entrar num SENAI, quando chega num momento de fazer a prova, eles começam a estudar e as vezes, tudo fora da escola, fazem grupos, procuram cursinhos e porque a escola não está lá ajudando este aluno? E o aluno, o jovem do ensino médio, muitas vezes ele não tem projeto de vida, e ele vai muito pelo grupo, a idade, psicologicamente é a idade do grupo, mas o grupo ta lá, o grupo está dentro da escola, alguns estão fora, mas o grupo está lá, então eu vejo que é inverter, é o aluno que vai dizer pra escola, agora será que ela está aberta para ele?

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ANEXO 1

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ANEXO 2

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ANEXO 3

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ANEXO 4

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ANEXO 5

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ANEXO 6

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ANEXO 7

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ANEXO 8

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ANEXO 9

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ANEXO 10

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ANEXO 11