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AS DINÂMICAS FORMAL-INFORMAL NO PARQUE DAS FEIRAS EM
TORITAMA: CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA E MUDANÇAS RECENTES
Bruno Mota Braga
RESUMO:
O presente artigo tem como propósito principal analisar o processo de diferenciação
interna dos empreendimentos comerciais em Toritama, Pernambuco, e como tais
diferenciações repercutem numa dinâmica formal e informal das relações de trabalho
presentes no Pólo de Confecções do Agreste Pernambuco. Este se constitui em um
aglomerado produtivo e comercial dedicado ao setor de confecções. Suas atividades se
caracterizam, preponderantemente, pelo trabalho informal, familiar, domiciliar,
precário. Toritama é um dos principais centros de produção e comércio do referido Pólo.
Palavras Chave: Cluster de Confecções, Trabalho informal, Processo de Diferenciação
ABSTRACT
This paper has as main goal analises the process of differentiation that is ocurring inside
comercial firms in Toritama, Pernambuco, and how that affects labor relations existing
in the Pólo de Confecções do Agreste Pernambuco. This is established as a productive
and comercial cluster dedicated to garment sector. Its activities are characterized,
mainly, by the informal work, familiar, home-based work, precarious. Toritama is one of
the main centers of production and trade of that Pole.
Keywords: Garment cluster, Informal work, Process of differentiation
Introdução
O presente artigo trata dos resultados iniciais da pesquisa intitulada “A
Informalidade no Pólo de Confecções do Agreste Pernambucano: Processos de
Diferenciação dos Empreendimentos Comerciais em Toritama e suas Implicações para
as Relações de Trabalho” e compõe uma pesquisa mais ampla, desenvolvida no âmbito
do Grupo de Pesquisa Trabalho, Desenvolvimento e Políticas Públicas, registrado no
CNPq. Não obstante a diversidade de dimensões a serem consideradas nesse projeto
“guarda-chuva”, a abordagem encontra-se centrada na problemática da informalidade
nas relações de trabalho e, mais particularmente, sobre como novas condições, práticas
e sentidos da informalidade vêem desafiando os diversos sujeitos envolvidos na
experiência em questão (diversos tipos de trabalhadores, gestores públicos, sindicalistas,
empregadores etc.).
Quanto a este projeto, em particular, procura dar continuidade a um esforço de
pesquisa iniciado na versão 2009 do PIBIC, tomando como foco os processos de
diferenciação dos empreendimentos comerciais situados no município de Toritama e
suas implicações para as relações de trabalho, as quais historicamente são de tipo
predominantemente informais (assim como os próprios empreendimentos). Daqui
deriva uma questão: em que medida há uma correspondência (ou não) entre a
formalização dos empreendimentos, que vão se consolidando como empresas, e a
formalização dos trabalhadores por essas contratados? Ou seja: como vêm se
estabelecendo os processos de diferenciação dos empreendimentos comerciais situados
no Parque das Feiras, em Toritama? Que repercussões tais processos vêm tendo quanto
à formalização dos referidos empreendimentos? Que conseqüências tais diferenciações
têm trazido para as relações de trabalho no citado segmento? A consolidação do Pólo de
Confecções e as diferenciações que no seu interior vêm se estabelecendo (quanto às
dimensões dos empreendimentos e aos graus de organização e de formalização por esses
alcançados) têm implicado em vínculos de trabalho mais estáveis e formais? Por que?
Com as alterações que vêm ocorrendo na relação formal-informal, é possível se falar em
uma nova informalidade?
Aqui não pretendendo responder a todas essas questões, mesmo porque a
pesquisa, na sua versão ampliada, ainda está em curso. Por outro lado, as questões em
pauta se colocam muito mais como guias da pesquisa. A seguir, a partir do que já temos
acumulado, vamos tecer alguns comentários sobre as mesmas.
O Pólo de Confecções do Agreste Pernambucano e sua constituição.
O Pólo de Confecções do Agreste de Pernambuco é um aglomerado de
iniciativas produtivas e comerciais relacionadas ao setor de confecções, com foco em
roupa casual (masculina e feminina), brim (jeans, bermudas, saias, shorts e camisas),
malharia (camisetas, tops, blusas, vestidos), outras vestimentas (calças, saias, camisas e
blusas), moda infantil e lingerie. Se estabeleceu, a partir dos anos 1950/1960, em torno
das “Feiras da Sulanca”, em Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru e Toritama, mas hoje
seu raio de influência se estende por dezenas de municípios do Agreste de Pernambuco
e repercute na Região e no país. As unidades produtivas são na sua maioria constituídas
de “fabricos” e “facções”, mas, com a consolidação do Pólo, já vêm se estabelecendo
algumas “fábricas”. As atividades comerciais ocorrem nas “Feiras da Sulanca” e, agora
também, nos agigantados Centros Comerciais, para onde acorrem comerciantes
(revendedores) consumidores de diversos estados do país. Estimativas de Raposo e
Gomes (2003) indicavam, no começo dos anos 2000, a existência de algo em torno de
12 mil unidades produtivas no Pólo, dentre as quais apenas 8% eram formalizadas. Ao
todo empregavam, direta e indiretamente, por volta de 76 mil pessoas e produziam 57
milhões de peças por mês (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2011).
Os primeiros indícios de confecção no Agreste Pernambucano datam do final da
década de 1940, no munícipio de Santa Cruz do Capibaribe, à época distrito de
Taquaritinga do Norte (Neves, 1979 apud Cabral, 2007). Carente de oportunidades
produtivas, tipicamente recorrentes na região do semiárido, que sofre com os efeitos
danosos causados pelo fenômeno da seca, Santa Cruz do Capibaribe dispunha naquele
período de um grande contingente de mão de obra e uma habilidade principiante na
costura doméstica de confecção, prática comumente presente nas cidades do interior
nordestino, sobretudo, nos afazeres femininos do segmento de baixa renda.
Não bastante a dificuldade de ordem climática, as quais se desdobravam em
perdas no cultivo de subsistência (mandioca, milho, feijão, fava), outro aspecto que
colaborou com a expropriação do pequeno produtor, que já trabalhava sob condições
rudimentares, foi a expansão da produtividade na agropecuária, que passou a requerer
mais quantidade de mão de obra para a realização da produção, bem como a
incorporação as menores propriedades as maiores (XAVIER, 2006).
Soma-se a isso, o processo de crescimento da economia do algodão, com a
produção de tecidos (estopas), criando as primeiras unidades produtivas de telas de
algodão, o que proporcionou o fortalecimento local da produção dos primeiros tecidos e
de sacos.
Nesse sentido, o processo histórico de transformação socioeconômica de Santa
Cruz do Capibaribe laçou bases para o aparecimento da produção confeccionista de
natureza industrial e comercial. O declínio da agricultura, principal atividade produtiva
na época, deixou muitas pessoas desprovidas de ocupação, as quais tiveram que deixar o
campo (já que este não mais propiciava os ganhos necessários à sobrevivência) e migrar
para a cidade, na tentativa de conseguir algum trabalho. Encontraram como opções o
trabalho doméstico, o modesto comércio local, que começava a despontar, e outros
serviços, todos de baixa remuneração. “Junte-se ao fato de a mulher, antes mesmo de
receber a educação formal, apreender algumas tarefas que, pela cultura local, são-lhes
imposta a título de trabalho exclusivamente feminino. É o caso do trabalho doméstico
de costura” (XAVIER apud CABRAL, 2007, p.95)
Além destas condições locais, com destaque para o aprendizado doméstico em
confecções, as mulheres de Santa Cruz do Capibaribe, a história dá conta de que outros
acontecimentos impulsionaram decisivamente a adesão da prática confeccionista neste
munícipio. Conforme menciona Cabral (2007), por volta de 1949, um grupo de
comerciantes começou a comprar sacos e retalhos em massa (restos da fábrica de
tecidos) em Recife e em São Paulo denominados de sulanca, para revendê-los em suas
casas e nas feiras, bem como para confeccionar cobertas que eram feitas a partir de tiras
de tecido, com os retalhos emendados, ficando essa última função a cargo das esposas
(ARAUJO, 2003).
Comerciantes da região, ao deslocarem-se para Recife, levando produtos locais,
como galinhas, queijo e carvão vegetal, passaram a retornar trazendo “retalhos de
tecido”, os quais vieram a ser utilizados, por costureiras locais, para a confecção de
roupas e outras peças de uso doméstico (toalhas, lençóis, tapetes etc.), incrementando a
venda desses produtos nas feiras locais (LIRA, 2006). As peças produzidas eram
destinadas às populações mais pobres e tinham como principal atrativo os preços
baixos. Na medida em que tal atividade foi se estabelecendo, constituindo uma clientela
e incorporando novos produtores e vendedores, a demanda pelos retalhos ampliou-se,
pressionando-a. Algumas fábricas da capital passaram a “cobrar o que antes era
disponibilizado gratuitamente” (LIRA, 2006, p. 102).
E assim a “Feira da Sulanca” foi constituindo o primeiro espaço comercial do
Pólo. “A sulanca ficou conhecida, então, como feira que possui produtos simples, de
qualidade inferior e preços acessíveis a camadas da população de baixa renda” (LIRA,
2006, p. 102).
Foto 1: Feira da “sulanca” na cidade de Santa Cruz do Capibaribe em 1940.
Foto 2: Vista panorâmica da Feira da “Sulanca” na cidade de Santa Cruz do Capibaribe na
década de 90. O comércio de confecções se situava no centro da cidade.
No munícipio de Santa Cruz do Capibaribe, além da atividade confeccionista
expandir-se no sentido de novas unidades produtivas e novos espaços comerciais,
percebe-se um amadurecimento no processo produtivo e a expansão ou reprodução de
suas atividades na cidade de Caruaru e Toritama. A atividade comercial (através das
feiras) e produtiva confeccionistas começaram a despontar em Toritama.
Na passagem aos anos 1980, enquanto a produção de “sulanca” encontrava-se
em forte ascensão em Santa Cruz, a atividade couro-calçadista se encontrava em franco
declínio em Toritama. Com isso, a produção e venda da “sulanca” cresceram e passaram
a envolver outros municípios da região, a exemplo de Toritama. Este havia se
especializado, por influência de Caruaru, na produção de calçados desde os anos 1930.
A produção de calçados, principalmente os modelos de couro destinados às
populações mais pobres, vinha sendo substituída por produtos sintéticos. Com isso,
Toritama passa a incorporar a produção da “sulanca” e posteriormente especializa-se na
produção de jeans. No começo dos anos 2000, estimava-se que o município produzia
algo como 15% da produção do jeans nacional, tendo se tornado o “maior pólo de
produção desse tipo de roupas do Norte e do Nordeste” (RAPOSO e GOMES, 2003, p.
11). Associadamente desenvolveu-se, no município, o ramo das lavanderias, que é onde
se realiza a lavagem, a amaciagem, o tingimento e a descoloração do jeans.
O setor direcionou sua produção para a linha de produtos populares,
fortalecendo o processo de comercialização, através de grandes feiras de ruas,
conhecidas como “feiras da Sulanca”, que passaram a abastecer os mercados local e
nacional, com registros para o mercado internacional.
No início da década de 90, o Pólo de Confecções do Agreste Pernambucano
desponta como um importante pólo produtor de vestuário, voltado para o mercado
informal e produzindo peças para atender a uma população de baixa renda. Atualmente,
a dinâmica do Pólo se insere em um cenário de maior abrangência, explorando o
conceito de moda, incorporando novas tecnologias de produção e de gestão e novas
especialidades técnico-profissionais, estendendo-se por novos mercados.
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE), o setor de confecções concentra mais de 60% dos estabelecimentos
industriais no Estado, gerando e mantendo um número elevado de empregos formais e
informais na região. Atualmente, o setor produtivo de confecções é composto por
milhares de empreendimentos, na maioria informais.
Com o desenvolvimento alcançado, atualmente o setor de vestuário agrupa um
conjunto de unidades comerciais bastante diversas. No caso de Toritama, observa-se a
presença, no setor comercial, do Parque das Feiras, que abriga boxes e lojas, além de
uma rede de grandes lojas e de um aglomerado de barracas de madeira e lona, ambos
situados no entorno do Parque.
Configura-se uma dinâmica diferenciada e diferenciadora, quanto aos
estabelecimentos que vêm se constituindo na trajetória do Pólo e, mais em particular, no
processo que envolve a cidade de Toritama e o Parque das Feiras. Vigora desde um
comércio ainda de fácil entrada (com os barraqueiros), até formas de constituição cada
vez mais sofisticadas e, com isso, de mais difícil acesso (cujo ponto mais elevado se dá
com as grandes lojas situadas nos arredores do Parque).
O propósito do presente estudo é abordar o processo de diferenciação que
historicamente vem se estabelecendo na dinâmica interna das atividades do Pólo, mais
particularmente no âmbito das atividades comerciais, e quanto às suas implicações para
as relações de trabalho em Toritama.
Trajetória do comércio local de Toritama e seus principais processos de
diferenciação
A própria denominação da cidade de Toritama como “capital do jeans” não é à
toa, em vista do crescimento dos setores industriais e comerciais e principalmente na
confecção do índigo (jeans). A rápida expansão da produção confeccionista do jeans
exigiu uma configuração comercial cada vez mais complexa e com novas práticas e
sentidos em jogo, fazendo com que Toritama se destacasse no Agreste Pernambucano
pela sua capacidade de acompanhar o ritmo de desenvolvimento que se instaurava
enquanto parte das três cidades referência do Pólo de Confecções do Agreste
Pernambucano. Neste sentido, é necessário resgatar as três principais fases de
desenvolvimento comercial, como fonte e subsídio pra pensarmos as diferenciações
internas produzidas e reproduzidas nos dias atuais:
Analisar o processo de diferenciação dos empreendimentos comerciais no
interior do Pólo de Confecções do Agreste Pernambucano é não deixar de refletir a
respeito da constituição da cidade de Toritama, se firmando como pioneira nesse
processo de legitimação e reconfiguração, especialmente com a criação do Parque das
Feiras, em 2001, que serviu de modelo para um processo que seguiu, se estabelecendo
posteriormente nas principais cidades do Pólo.
Com os resultados da pesquisa até o momento, é possível constatar a existência
de três fases principais na trajetória de desenvolvimento do pólo comercial de Toritama.
A partir dessa configuração, procuraremos identificar os processos de diferenciação dos
estabelecimentos. A primeira fase se inicia na década de 1970, quando a cidade de
Toritama registrava uma produção de um número considerável de calçados de couros e
de borracha, chinelos e pichilingas (como eram denominados os calçados infantis),
caracterizando a cidade como pólo calçadista, tendo seus traços estruturais fortemente
marcados por uma tecnologia de domínio popular, com a precarização das relações de
trabalho e unidades produtivas familiares e informais. Desde os anos de 1930, a cidade
de Toritama havia se especializado, por influência de Caruaru, na produção de calçados,
tendo-se mantido como “uma produção bastante artesanal e destinada também a
populações de baixa renda” (LIRA, 2006, p 102). A comercialização se estabelecia tanto
dentro dos fabricos, como através de bancos de madeira na feira popular do município.
Os calçados, principalmente os modelos de couro destinados às populações mais pobres,
passaram, no entanto, a ser substituídos por produtos sintéticos, nacionais ou
importados, fazendo com que esta atividade produtiva entrasse em crise. Ao mesmo
tempo, sob a influência da emergência da produção de confecções, a partir da cidade
vizinha de Santa Cruz do Capibaribe, começou a ocorrer uma readaptação das máquinas
e equipamentos da produção calçadista para a produção de jeans. Essa foi a razão pela
qual os toritamenses optaram pelo jeans, o qual se utilizava de uma matéria prima com
características parecidas com o couro, um tecido pesado e grosso, que guardava uma
certa semelhança com o manuseio das matérias primas empregadas na produção de
calçados (ANDRADE, 2008).
A segunda fase se configurou no momento em que o comércio de confecções de
Toritama ganha força através da Feira da Sulanca. Esta se alocava nas ruas da cidade,
sendo esse o primeiro espaço de comercialização caracterizado por barreiras frágeis à
inserção dos produtores/comerciantes da região no comércio local. A Feira da Sulanca
se estabelece, assim, sob uma estrutura marcadamente precária: bancos de madeira,
lonas no chão, uso de carroças. Com a rápida dimensão tomada pela feira (sobretudo
pelo baixo preço de suas mercadorias), instaurava-se a cada dia de feira um quadro
caótico nas ruas da cidade, com um grande número de transeuntes e de veículos de
outras cidades se destinando às compras. Diante disso, os órgãos municipais tiveram a
iniciativa de realocar os comerciantes, estabelecendo um local fixo, na tentativa de
reorganizar o espaço comercial na cidade.
A terceira fase configurou-se com a construção do Parque das Feiras. Nesse
momento, o Pólo começa a se projetar com mais força para fora do Estado, repercutindo
em diversas regiões do país. As cidades de Toritama, Santa Cruz do Capibaribe e
Caruaru se consolidam como os centros principais da produção e comercialização da
“sulanca”. Novos municípios cada vez mais vão se integrando à dinâmica produtiva e
comercial do Pólo, a exemplo de Taquaritinga do Norte, Brejo da Madre de Deus,
Jataúba, Vertentes, Riacho das Almas, São Caitano, Surubim etc. O que até o início dos
anos 2000 era conhecido por “Feira da Sulanca” passou sob, a ação de um pool de
instituições e a liderança do Sindicato das Indústrias do Vestuário do estado de
Pernambuco – SINDIVEST e do SEBRAE, a ser denominado por “Pólo de confecções
do Agreste Pernambucano” ou “Pólo da Moda de Pernambuco” (VÉRAS DE
OLIVEIRA, 2011). Esse processo de configuração e reconfiguração da imagem do Pólo
de Confecções implicou em uma ampla campanha midiática local juntamente com as
associações empresariais, visando a modernização tanto objetiva quanto subjetiva das
atividades comerciais e industriais ali desenvolvidas.
Em 2001, um grupo de investidores privados, contado com o apoio discreto dos
poderes públicos municipais, tiveram a iniciativa de criar em Toritama o primeiro
Grande Centro Comercial, o qual foi denominado de Parque das Feiras. Este foi
construído em uma área de 11 hectares, situando-se às margens da BR104, deslocado do
centro da cidade. Inicialmente foram oferecidos 985 boxes de 3 m ² (primeira parte) e
posteriormente 115 lojas de 25 m² (segunda parte).
Foto 3: Vista panorâmica do Parque das Feiras, da Feira da “Sulanca ao lado”
e das Grandes Lojas de Marcas a Frente.
Foto 4: Feira da “Sulanca” ao lado do Parque das Feiras.
Foto 5: Grandes Lojas de Marca em frente ao Parque das Feiras.
Na tentativa de centralizar o comércio local, evitar riscos de acidentes e o caos
urbano, os órgãos municipais e estaduais se lançaram no propósito de retirar a feira do
centro urbano da cidade, realocando os bancos de comércio ao lado do Parque das
Feiras. Para evitar contratempos futuros, o Ministério Público foi acionado pelos
feirantes para legitimar e garantir este espaço. Nesse sentido foi realizada uma audiência
pública juntamente com o ENPAL (construtora do Parque das Feiras), a Prefeitura
Municipal de Toritama e uma Comissão de Feirantes (primeira organização própria dos
feirantes), tendo por objetivo criar um Termo de Ajustamento e Conduta, que garantisse
a alocação dos feirantes sob determinadas condições propostas por eles, sem a
interferência dos outros espaços, como o Parque das Feiras e outros. Conforme
comentou um entrevistado:
“Como o Parque não tinha dado certo de primeira, a intenção era levar
a feira lá próximo para o Parque para dar uma levantada, só que antes
de se fazer essa transferência o Ministério Público interveio, porque
ninguém ia fazer uma transferência de boca para depois o Parque das
Feiras crescer, expandir e retirarem a feira de lá... Inicialmente os
feirantes não queriam, mas o Ministério Público interveio, foi formada
uma comissão e foi feita uma audiência onde foi convocada uma
comissão de sulanqueiros. Foram pegos aleatoriamente 5 feirantes com
o Ministério Público, ENPAL, que é a empresa proprietária do Parque
das Feiras, e a Prefeitura Municipal. Foram essas pessoas que estavam
envolvidas. Mas na verdade os sulanqueiros apenas estavam como
fiscalizadores. Aí foi feito um acordo, um Termo de Ajustamento de
Conduta, em 04/2001, onde a Prefeitura se responsabilizou em transferir
a Feira, que ficava na margem da BR, em frente ao campo do Ipiranga,
para os arredores do Parque das Feiras e a ENPAL, que é a construtora
do Parque das Feiras, cedeu uma área para abarcar esses feirantes, que
eram 700 feirantes na época. Então esse espaço foi cedido durante 50
anos. Foi um acordo feito entre Ministério Público, ENPAL e Prefeitura.
A ENPAL foi quem construiu e a prefeitura ficou de organizar a feira”.
Cabe ressaltar que o Parque das Feiras foi o primeiro grande centro comercial do
Pólo, norteando a construção dos centros comerciais de Santa Cruz do Capibaribe e de
Caruaru.
O Parque das Feiras, sua dinâmica comercial e a dinâmica comercial do entorno
Diante de todo o processo de modernização e constituição do Pólo de
Confecções do Agreste Pernambucano, o Parque das Feiras tornou um modelo de
grande Centro Comercial para o Pólo. O Parque das Feiras divide espaço com a “Feira
da Sulanca” e, no seu entorno, se instalaram ainda grandes lojas de marca, promovendo
com isso uma visível estratificação dos espaços da grande região do Parque.
O Parque das Feiras se constituiu em três etapas principais. A primeira delas se
estabeleceu com a construção de 985 boxes, de 3 m², cada um. Neste momento, os
comerciantes eram oriundos da “Feira da Sulanca”, mantendo quase que exclusivamente
o caráter informal dos seus empreendimentos e das relações de trabalho. As práticas, os
habitus, o modo de lidar com o público praticamente se mantiveram nos termos de
antes, quando se praticava o comércio na “Feira Da Sulanca”. Frente a isso e
preocupados em constituir uma nova imagem para fora, mais adequada à nova estrutura
comercial e à nova denominação, de Pólo, os gestores do Parque das Feiras, a
Associação Lojista do Parque das Feiras, passaram a atuar incisivamente na “reedução”
dos comerciantes, por meio de palestras, reuniões, cursos, mensagens veiculadas no
sistema interno de som, entre outros recursos.
A segunda etapa se constitui com a construção de mais 115 lojas, ocupando a
área de 25 m², cada. Com as lojas, de tamanho bem maior do que os boxes, se observa
uma crescente formalização das relações de trabalho por parte dos comerciantes.
Entretanto, cabe uma ressalva: a grande maioria dos comerciantes são vinculadas a
unidades produtivas informais, com vistas ao abastecimento das mercadorias em suas
lojas.
A terceira etapa de expansão do Parque das Feiras encontra-se em construção.
Projeta-se a construção de um número considerável de novos boxes e lojas, mistos em
um mesmo espaço. Como informa, no cartaz abaixo, a Associação Comercial de
Lojistas do Parque das Feiras:
Foto 6: Cartaz confeccionado pela ACPF (Associação comecial do Parque das Feiras,
anunciando a expansão do Parque das Feiras.
Em cada um desses momentos, vários boxes e lojas foram sendo adquiridos por
poucos compradores e, assim, foram sendo produzidas sucessivas diferenciações na
conformação dos estabelecimentos ali situados. Compondo um quadro mais geral, na
parte externa do Parque, de um lado, encontram-se instaladas as barracas dos
“sulanqueiros” (estágio mais precário da atividade comercial dos produtos do Pólo) e,
do outro, grandes lojas de marca. No primeiro caso, grassa a informalidade, seja no que
se refere aos estabelecimentos, seja quanto às relações de trabalho. Trata-se do
segmento em relação ao qual o Poder Público se mostra mais ausente, tanto na
fiscalização da atividade, como no fornecimento de suporte em termos de infra-
estrutura.
Entre esses tipos de estabelecimentos observam-se diferenças de preços e de
qualidade das mercadorias, condições de instalação, tipos de vínculos de trabalho e
condições de trabalho. O grau de formalização é, no entanto, bastante minoritário. Por
outro lado, a formalização dos empreendimentos não tem sido acompanhada, na mesma
proporção, pela formalização das relações de trabalho. O Poder Público, por sua vez,
não atua como regulador eficaz, sobretudo no que se refere às garantias sociais. O
trabalho continua se reproduzindo em bases informais e precárias.
Considerações Finais
Observando a trajetória de configuração e reconfiguração na dinâmica de
constituição do Pólo e, mais em particular, da constituição do pólo comercial de
Toritama, nota-se um franco processo de diferenciação interna, envolvendo os
estabelecimentos comerciais, com repercussões diretas sobre os padrões de relações de
trabalho. Constatamos, a partir de então, um visível, embora ainda tímido, processo de
formalização dos estabelecimentos e, em menor proporção, das relações de trabalho.
Quanto mais se consolida o Pólo, mais se aprofundam tais diferenciações.
Quanto mais os estabelecimentos se estruturam, ganham espaço, diversificam as
mercadorias disponibilizadas ao público, mais se distanciam do padrão do comércio de
confecções na origem do Pólo. Com isso, mais aumentam as barreiras para novos
ingressos nessa atividade. As novas entradas continuam acontecendo, entretanto isso
ocorre nos segmentos mais precarizados. Desse modo, a dinâmica é diferenciadora: o
padrão mais precário continua se reproduzindo, ao mesmo tempo em que novos
padrões, mais sofisticados, passam a se constituir e se reproduzir.
A partir do momento que se surge novos espaços comerciais (Parque das Feiras)
e são legitimados os antigos espaços (Feira da “Sulanca”), surge por parte de alguns
agentes a formação de sindicatos e associações, para gerir, manter e fazer a ligação
desses empreendimentos com órgãos municipais ou estaduais. Institucionalizam-se tais
espaços comerciais, sob motivações como: incrementar a arrecadação de impostos
municipais; aumentar o controle de qualidade das mercadorias; propiciar a obtenção de
alvarás, CNPJ, entre outros documentos, aos lojistas; em alguns casos órgãos públicos
fiscalizam esses espaços, visando o combate à informalidades dos empreendimentos.
Observa-se que a dinâmica comercial em Toritama, ao mesmo tempo em que
mantém, em seus espaços um caráter coletivo e originário de organização (Feira da
“Sulanca” e Parque das Feiras), começa a constituir uma forte tendência à
personificação e individualização dos seus empreendimentos, a partir das Lojas de
Marcas e Grandes Lojas, caracterizando o comércio de confecção, por concentrar uma
dinâmica coletiva e individual tomada pela atual conformação heterogênea dos espaços
comerciais e das relações de trabalho. Diante da constituição e personificação dos
empreendimentos comerciais, como as Grandes Lojas e Lojas de Marcas, através de
seus segmentos como surf wear, moda casual, alternativa, entre outros, observa-se a
forte abrangência e as entradas nos espaços comerciais (Parque das Feiras) como forma
de reconhecimento, distinção e como forma absorver novos públicos.
Através da abrangência tomada pelo Pólo de Confecções do Agreste
Pernambucano, principalmente a nível nacional, observa-se uma tímido constituição de
espaços virtuais de compra e divulgação de Grandes Lojas e Lojas de Marca,
explorando assim um nível mais global de comercialização de seus produtos, com
reconhecimento, propaganda e acesso ao comércio de Toritama e do Pólo.
Associando-se a processos exógenos (com os investimentos vindos de fora, com
a ação do Estado e de instituições privadas, que se mostram cada vez mais presentes),
vem se estabelecendo um gradativo mas sistemático processo de diferenciação interna,
que produz contrastes cada vez mais flagrantes nos padrões de organização e de gestão
dos estabelecimentos e, por outro lado, cada vez mais uma aproximação dos setores
mais destacados frente às dinâmicas mais gerais de acumulação de capital. Que padrão
de organização e de relações de trabalho resultará daí? Só o tempo dirá.
Bibliografia
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