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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 0 - Introdução : Selene Herculano e Heitor Delgado Correa - Pag 1 INTRODUÇÃO: A OFICINA SOBRE IMPACTOS SOCIAIS, AMBIENTAIS E URBANOS DAS ATIVIDADES PETROLÍFERAS – O CASO DE MACAÉ (RJ) Selene Herculano e Heitor Delgado Correa Niterói, dezembro de 2010 Esta coletânea de textos, apresentações em slides, filmes e imagens é o material resultante da Oficina sobre Impactos Sociais, Ambientais e Urbanos das Atividades Petrolíferas – o caso de Macaé (RJ) , realizada no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF) da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, entre 7 e 9 de dezembro de 2010. Foi uma realização do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da UFF, através de sua linha de pesquisa sobre Conflitos Ambientais e Urbanos, e foi organizada pelo Laboratório de Cidadania, Territorialidade e Ambiente – LACTA. Por que o crescimento econômico brasileiro é acompanhado por desigualdades sociais e degradação ambiental e urbana? Poderia ser diferente? O que fazer para que seja diferente? Nossos municípios mais ricos são mesmo desenvolvidos? O que é afinal desenvolvimento local? O Plano Diretor urbano é efetivo e dá conta do seu bom ordenamento? Essas foram as perguntas centrais que nortearam nossa Oficina. Escolhemos o município de Macaé (RJ), a “capital nacional do petróleo” como objeto empírico para discutir questões teóricas sobre desenvolvimento local, qualidade de vida, sustentabilidade e destinação justa da receita dos royalties do petróleo. Convidamos para debater este destino trágico das municipalidades os nomes mais expressivos de nossa bibliografia e que já há algum tempo, através de suas instituições (UFF, UCAM-Campos, IFF, UENF, UERJ) se dedicam a pesquisar o norte-fluminense e suas contradições. Trouxemos também para o diálogo integrantes do quadro administrativo da Prefeitura Municipal de Macaé. Pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe e da Unicamp também foram convidados para trazer um contraponto, um depoimento e uma análise sobre outros municípios brasileiros que também sediam investimentos massivos da indústria petrolífera. Esta Oficina teve os auspícios do CNPq, que autorizou o uso de parte dos recursos destinados a um projeto de pesquisa 1 de Selene Herculano, Vera Rezende e Thereza Carvalho sobre o tema. Buscávamos examinar como a riqueza gerada era distribuída, como beneficiaria os segmentos populacionais mais pobres e socialmente vulneráveis, como se refletiria no cenário urbano e no meio ambiente e como funcionariam as políticas públicas municipais orientadas por uma perspectiva distributiva (em habitação, saúde, educação) e por qualidade de vida urbana e ambiental (saneamento, preservação e recuperação de ecossistemas, diminuição de 1 Edital MCT/CNPq 03/2008

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 0 - Introdução : Selene Herculano e Heitor Delgado Correa - Pag 1

 

INTRODUÇÃO: A OFICINA SOBRE IMPACTOS SOCIAIS, AMBIENTAIS E URBANOS

DAS ATIVIDADES PETROLÍFERAS – O CASO DE MACAÉ (RJ)

Selene Herculano e Heitor Delgado Correa

Niterói, dezembro de 2010

Esta coletânea de textos, apresentações em slides, filmes e imagens é o material resultante

da Oficina sobre Impactos Sociais, Ambientais e Urbanos das Atividades Petrolíferas – o caso

de Macaé (RJ), realizada no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF) da Universidade

Federal Fluminense (UFF), em Niterói, entre 7 e 9 de dezembro de 2010. Foi uma realização

do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da UFF, através de sua linha

de pesquisa sobre Conflitos Ambientais e Urbanos, e foi organizada pelo Laboratório de

Cidadania, Territorialidade e Ambiente – LACTA.

Por que o crescimento econômico brasileiro é acompanhado por desigualdades sociais e

degradação ambiental e urbana? Poderia ser diferente? O que fazer para que seja diferente?

Nossos municípios mais ricos são mesmo desenvolvidos? O que é afinal desenvolvimento local?

O Plano Diretor urbano é efetivo e dá conta do seu bom ordenamento? Essas foram as

perguntas centrais que nortearam nossa Oficina. Escolhemos o município de Macaé (RJ), a

“capital nacional do petróleo” como objeto empírico para discutir questões teóricas sobre

desenvolvimento local, qualidade de vida, sustentabilidade e destinação justa da receita dos

royalties do petróleo. Convidamos para debater este destino trágico das municipalidades os

nomes mais expressivos de nossa bibliografia e que já há algum tempo, através de suas

instituições (UFF, UCAM-Campos, IFF, UENF, UERJ) se dedicam a pesquisar o norte-fluminense

e suas contradições. Trouxemos também para o diálogo integrantes do quadro administrativo

da Prefeitura Municipal de Macaé. Pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe e da

Unicamp também foram convidados para trazer um contraponto, um depoimento e uma

análise sobre outros municípios brasileiros que também sediam investimentos massivos da

indústria petrolífera.

Esta Oficina teve os auspícios do CNPq, que autorizou o uso de parte dos recursos destinados

a um projeto de pesquisa1 de Selene Herculano, Vera Rezende e Thereza Carvalho sobre o

tema. Buscávamos examinar como a riqueza gerada era distribuída, como beneficiaria os

segmentos populacionais mais pobres e socialmente vulneráveis, como se refletiria no cenário

urbano e no meio ambiente e como funcionariam as políticas públicas municipais orientadas

por uma perspectiva distributiva (em habitação, saúde, educação) e por qualidade de vida

urbana e ambiental (saneamento, preservação e recuperação de ecossistemas, diminuição de                                                            1 Edital MCT/CNPq 03/2008 

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emissão de poluentes, defesa e recuperação de recursos hídricos, remediação de passivo

ambiental). Como seriam e como deveriam ser idealmente os registros contábeis públicos e os

indicadores sócio-ambientais para melhor aquilatar a eficácia das políticas públicas

municipais? Complementarmente, buscamos saber quais seriam as ações sócio-ambientais da

Petrobrás na localidade, concernentes com os princípios de responsabilidade social e

ambiental.

Damos a seguir “flashes” dos debates havidos, convidando o nosso leitor a visitar os textos e

apresentações dos autores, para maior detalhamento2.

Segundo a fala da Professora Rosélia Piquet, o país se prepara para investir entre 2011 e 2014

cerca de R$ 230 bilhões em exploração e produção de petróleo nos estados do Rio de Janeiro,

Espírito Santo e São Paulo. Estes investimentos fazem parte da retomada do processo de

desenvolvimento econômico, feito por investidores privados, com o aval do BNDES e da CEF, e

se somam a usinas hidroelétricas, refinarias, infraestrutura portuária, reprimarização

(agronegócio em parceria com o setor financeiro). Segundo Piquet, cumprem um papel de

desenvolvimento nacional, mas não regional e local; provocam melhoras no sistema de

abastecimento e de comunicação e tem efeito multiplicador, todavia contraposto pela

atração de uma mão de obra desempregada e desqualificada e que não reflui para outras

áreas. A indústria do petróleo possui efeito multiplicador em função do parque industrial e de

empresas de serviços que se instalam para abastecê-la. A indústria do petróleo na relação

política local, para sua instalação, recebe benefícios em vez de exigências, havendo

receptividade na instalação de indústrias impactantes de outros países. A indústria do

petróleo pode não estar voltada para o desenvolvimento regional, sendo seu efeito

multiplicador sentido em outras regiões. Ao fim de sua fala, Piquet a resumiu, enfatizando a

necessidade de se discutir quais os limites entre a atuação de grandes grupos econômicos e a

atuação do Estado.

A Professora Maria Antonieta Leopoldi em sua fala concordou com este enfoque pois,

apesar das empresas privadas estarem no campo da microeonomia, elas sempre se reportam

ao macroeconômico. Estariam faltando reformas políticas para acompanhar as mudanças

econômicas em curso, principalmente no que tange à política do petróleo. A quebra do

monopólio do petróleo e a reestruturação profunda trazida pela globalização nos anos 90

foram respondidas eficazmente pela Petrobrás com a captação de recursos na Bolsa de Nova

York e com a saída para uma atuação internacional na América Latina, África e Oriente

Médio. Porém, coube lembrar que a Petrobrás, como empresa de economia mista, tem não

apenas um braço no mercado, mas também o braço estatal (política de petróleo/energética e

política externa). Presidência da República, Ministérios de Minas e Energia, de Relações

                                                           2  Alguns dos debatedores mencionados infelizmente não puderam nos oferecer um texto final, razão pela qual resgatar suas falas se torna interessante. 

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Exteriores, Congresso Nacional são atores influentes. Por outro lado, a Petrobrás impacta as

políticas nacionais e as realidades locais na forma de alocação de investimentos, pagamento

de royalties, empregos e salário, alocação de recursos na área social, transformações

ambientais. Tratando da administração local, Leopoldi identificou seu despreparo para lidar

com o montante expressivo gerado pelos royalties e indagou quanto a burocracia local

aprendeu nestes anos, quais os benefícios sociais e ambientais que o desenvolvimento foi

capaz de gerar.

Qual tem sido neste processo o papel das burocracias locais? Houve aprendizado ao longo

desses anos de exploração da Bacia de Campos? A capacidade de gestão municipal melhorou?

Que tipos de obstáculos ao desenvolvimento social foram criados? Que tipo de normatização

foi criado? Qual o papel da Agência Nacional de Petróleo – ANP? Caberia à academia, às

pesquisas universitárias, trazer estas respostas.

Leopoldi lembrou que, a partir de uma revisão crítica do processo de desenvolvimento

econômico, a própria concepção de desenvolvimento se alargou para um desenvolvimento

também social e sem predação, o que exige mais do Estado e se torna um desafio para a

gestão pública municipal. Ela lançou as perguntas: as novas economias do norte-fluminense

provocaram alterações no tradicionalismo político calcado em elites predadores e com visão

de curto prazo? Sim ou não? Como e por que?

Este novo desenvolvimento – justo e sustentável – se exige do Estado e principalmente da sua

esfera local - não pode ser arcado apenas por ele, tendo trazido à realidade as parcerias

público-privado. Mas que impacto estas parcerias geraram? Este seria outro tema importante

para as pesquisas universitárias.

O Professor Eduardo Gomes lembrou que há uma idealização do mundo perfeito e nele da

empresa sustentável. Embora, segundo Lester Salomon, o engajamento social das empresas

esteja substituindo o estilo MBA3 anterior, da gestão virtuosa, não há uma obrigatoriedade

neste engajamento. As empresas buscam mais uma nova legitimação com a inserção do social

em seu portfólio.

Mônica Serrão (geóloga do IBAMA) mencionou o passivo ambiental da Petrobrás na região,

sublinhando a ineficácia do sistema de multas: a empresa foi multada em 2010 em R$ 5

milhões, porém essas multas, acrescentou, tem apenas um efeito simbólico: de um lado a

empresa recorre e de outro o próprio IBAMA cuida de não utilizar muito este mecanismo pelo

desgaste que provocam seu descumprimento. Gil Mendonça (Analista Ambiental do IBAMA)

salientou a importância de se qualificar a sociedade, via educação e informação, a fim de

fortalecer as instituições estatais no seu papel fiscalizador, como seria o caso do IBAMA.

                                                           3 Master in Business Administration. 

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Fernando Marcelo Tavares, da Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Macaé e ex-

Secretário Municipal de Meio Ambiente, comentou que há em Macaé um processo

participativo da Sociedade Civil, via conferências, que há instituições ativas, mas que elas

funcionam mal, representando a si próprias. O Comitè de Bacia do Rio Macaé, que poderia ser

um instrumento de planejamento excelente, tem uma execução complicada e apresenta a

dificuldade prática de como juntar os recursos dos diversos municípios que integram a Bacia.

A Conferência Municipal de Meio Ambiente carece de regulamentação. As Secretarias de

Planejamento dos municípios em geral, segundo ele, não exercem função de planejamento e

sim de manejo de contas.

A Professora Sônia Rabello, ao comentar o instrumento do Plano Diretor no ordenamento

urbano, iniciou sua fala enfatizando que toda legislação é política e assim a legislação

urbana. No Brasil, a legislação urbana estaria eivada de discursos jurídicos e lhe faltaria

apontar caminhos e procedimentos. Assim é com o direito à moradia, parte dos direitos

fundamentais e um belo discurso jurídico, mas que não se traduz em direito à propriedade e

seus procedimentos objetivos. Sublinhou a diferença entre serviço público, que é monopólio

do Estado e que ele é obrigado a prestar, e atividade econômica, que o Estado apenas regula.

O Estado poderia regular o mercado de terras, assegurar procedimentos objetivos para o

acesso de todos à propriedade urbana. A política urbana pode ser instrumento de igualdade

social: na Colômbia, por exemplo, 25% dos recursos em empreendimentos imobiliários tem de

ser aplicados em Habitação social. Rabello enfatizou que o Plano Diretor de um só município,

seja de Macaé, ou Rio das Ostras, ou o de Campos, (todos municípios da região afetada pelas

plantas de exploração petrolífera), por si só não poderia ser capaz de disciplinar todas as

questões geradas pelas impactos desse investimento. A região compreendida por Macaé, Rio

das Ostras e Campos e etc., forma um espaço regional, que necessariamente deveria estar

sujeito a um plano regional de ordenação territorial, ao qual os vários planos diretores

municipais deveriam estar condicionados, e observar. Isto porque o Plano Diretor é

instrumento legislativo municipal, cuja incidência está contida no seu próprio território. E o

ordenamento territorial regional seria competência da União, nos termos do Artigo 21, inciso

IX da Constituição Federal de 1988.

Os Planos Diretores, analisou a Professora Vera Rezende, são equivocadamente encarados

como um produto, uma exigência legal a ser cumprida e que tendem a ser ignorados.

Deveriam, ao contrário, ser entendidos como um processo contínuo e participativo, não

apenas na sua elaboração, mas na sua implementação, fiscalização e cobrança através de

Comissões ou Conselhos. É essencial que o próprio Plano Diretor crie seu instrumento de

fiscalização da sua implementação: “Torna-se fácil destruir ou ignorar um produto, difícil é

destruir comportamentos e atividades que já estejam incorporadas aos trabalhos dos técnicos

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e à vida dos cidadãos.” Rezende mostrou convergência com a fala de Rabello: faltam

procedimentos, determinações objetivas de como o Plano Diretor será operacionalizado.

Macaé tem seu Plano Diretor e um quadro de injustiça espacial e de impactos ambientais. São

realidades paralelas. A função do plano deveria ser a de alterar as situações de injustiça

espacial , mas dificilmente isso poderá ser feito sem a voz e a fiscalização dos cidadãos para

quem sua cidade é sobretudo um território de vida e não apenas um espaço econômico.

Alexandre Lima, contador da Prefeitura de Macaé, falou–nos da inadequação dos orçamentos

municipais, peças que atendem ao cumprimento legal, mas que não ensejam nem espelham o

planejamento governamental e não traduzem as políticas públicas, sendo ainda sub ou

superestimados. A legislação sobre o orçamento público não favorece a transparência nem o

controle social. (Há dois Projetos de Lei tramitando no Congresso Nacional sobre

Responsabilidade Orçamentária (PL 229/09 e PL 248/09). No caso de Macaé, o uso dos

royalties é difícil de ser perscrutado. Um único registro no orçamento seria indicativo do seu

destino, que é a “fonte 04” (royalties) atribuída às rubricas. Indagado sobre o custo da

máquina administrativa do município e sobre os cargos comissionados, apenas informou que a

Prefeitura de Macaé teria 17 mil funcionários, dos quais 8 mil seriam concursados

estatutários. “Se fosse uma empresa privada, a Prefeitura iria se tornar insolvente e pediria

concordata...”.

Por que há o pagamento de royalties e por quais critérios? O debate em torno da Emenda

Ibsen Pinheiro4 e Pedro Simon5 (PLC 16/2010 e PLC 7/2010) trouxe para o centro das

discussões a análise das políticas compensatórias e das políticas públicas municipais.

                                                           4 A Emenda Ibsen Pinheiro, de autoria dos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Humberto Souto (PPS-MG), aprovada por 369 votos a favor e 72 contra, com duas abstenções, em 10/03/2010, modificou as regras de distribuição dos royalties do petróleo com o seguinte texto: “Ressalvada a participação da União, a parcela restante dos royalties e participações especiais, oriundos dos contratos de partilha de produção e de concessão de que trata a Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, será dividida entre Estados, Distrito Federal e Municípios da seguinte forma: I – 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados – FPE; II – 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Municípios, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Municípios – FPM.” O texto aprovado recebeu veto presidencial.

5 A Emenda Pedro Simon: “Art. 64. Ressalvada a participação da União, bem como a destinação prevista no art. 49, inciso II, alínea d da lei nº 9478, de 06.08.1997, a parcela restante dos royalties e participações especiais oriunda dos contratos de partilha de produção ou de concessão de que trata a mesma lei, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, será dividida entre Estados, Distrito Federal e Municípios da seguinte forma: I - 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados - FPE; II - 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Municípios, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Municípios - FPM. § 1º A União Federal compensará, com recursos oriundos de sua parcela em royalties e participações especiais, bem como do que lhe couber em lucro óleo, tanto no regime de concessão quanto no regime

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Rodrigo Serra tratou da legislação de royalties, trazendo referências históricas,

ressaltou que no caso do Rio de Janeiro os royalties se traduzem como compensação pela

imunidade do ICMS nas operações interestaduais com petróleo e gás, havendo um sistema de

tributação híbrido, vez que o ICMS é normalmente taxado na origem da produção. Ao

explicitar os fundamentos para pagamento dos royalties, fez algumas distinções importantes

descaracterizando a compensação por dano ambiental (porque as empresas são responsáveis

pela reparação de eventuais danos ambientais), mas apontando que o fundamento é por mera

opção do legislador (em alguns países os royalties são exclusivamente do governo central e

não das áreas em que ocorrem a produção; e há até o caso em que os royalties são

distribuídos para áreas distantes que não se beneficiam dos efeitos da indústria do petróleo),

isto porque a própria indústria do petróleo já gera impactos positivos na economia local.

Desta forma, a mudança de opção do legislador com distribuição nacional dos royalties

deveria estar atrelada à mudança da tributação do ICMS do petróleo e gás natural na origem.

O Pré-sal provocou a necessidade de rediscussão da lei dos royalties e, por conseguinte, no

sistema tributário nacional e no pacto federativo. Discutiu-se sobre a inadequação da

terminologia “estados produtores”, vez que a produção ocorre sem aplicação de recursos

estaduais e em área da União. Na verdade, há que se falar em “estados onde ocorre a

produção”.

Napoleão Miranda tratou dos impactos sociais da supressão de receita dos royalties,

defendendo regras de transição. A mudança na legislação, em especial a imediata vigência da

Emenda Ibsen, acabaria por impor forte impacto negativo nos Estados e municípios que hoje

recebem os royalties do petróleo.

O caso do município de Carmópolis, a 57 km de Aracaju (SE), foi trazido pelas Professoras

Vera França e Gicèlia Mendes da Silva (Universidade Federal de Sergipe) como um exemplo de

município rico com população pobre. Carmópolis tem, além dos poços da Petrobrás, empresas

como a Nitrofértil e cimenteiras. Seus empregados, contudo, residem em Aracaju, o que

representa um movimento pendular constante e uma drenagem de renda para a capital. A

população residente – 12 mil habitantes - é objeto de um forte assistencialismo, mas convive

com privações de saneamento, de educação e de renda. Trabalham, segundo eles próprios,

                                                                                                                                                                           de partilha de produção, os Estados e Municípios que sofrerem redução de suas receitas em virtude desta Lei, até que estas se recomponham mediante o aumento de produção de petróleo no mar." § 2º Os recursos da União Federal destinados à compensação de que trata o parágrafo anterior deverão ser repassados, aos Estados e Municípios que sofrerem redução de suas receitas em virtude desta Lei, simultaneamente ao repasse efetuado pela União aos demais Estados e Municípios. § 3º Os royalties correspondem à participação no resultado da exploração de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o §1º do art. 20 da Constituição, vedada sua inclusão no cálculo do custo em óleo, bem como qualquer outra forma de restituição ou compensação aos contratados, ressalvado o disposto no §1º do art. 50 da Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997." Este texto impôs à União arcar com compensações aos Estados e Municípios que sofrerem redução de suas receitas como regra de transição. Em sentido diverso, a Emenda Ibsen não prevê regra de transição.

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com a “caneta”, que é como se referem à picareta e ao seu trabalho braçal. Para Vera

França, falta uma política de inserção da população nas atividades petrolíferas e um plano

permanente de capacitação por parte da Prefeitura, que, embora tenha recebido uma

edificação ampla e moderna, construída pela Petrobrás em 2006 para ser o Centro Petrobrás

de Desenvolvimento Sustentável, a mantém vazia e sem uso, segundo a Professora Gicélia

Mendes. Ao ver as fotos de Carmópolis, com dezenas de poços e seus “cavalos mecânicos”

(bombas) dentro da malha urbana e confrontantes com casas e estabelecimentos urbanos, a

Professora Maria Inês Ferreira sugeriu uma investigação de prováveis vazamentos e percolação

de substâncias químicas nocivas. A região, acrescentou, deveria ser desocupada. Embora a

Petrobrás pague uma renda aos proprietários das terras onde se situam seus poços, como

lembrou a Professora Rosélia Piquet, em Carmópolis, segundo Vera França, isso não beneficia

a sua população, uma vez que apenas uma família é dona das terras e nem lá reside.

O contraste entre Macaé-RJ e Carmópolis-SE, ambas na órbita das rendas petrolíferas,

permitiu compreender os impactos dos royalties. Na primeira, o poder municipal recebe

expressivos valores a título de royalties e criou no imaginário coletivo o eldorado da riqueza

advinda do petróleo, não contabilizando o passivo social e ambiental provocado pela

urbanização acelerada. Ao se tornar pólo de atração, sem pré-existir condições técnicas para

efetivar o planejamento urbano e programas sociais, o município passou a estar submetido às

demandas do mercado e pressionado pelo forte movimento migratório de mão-de-obra, não

tendo sido o poder local capaz de mitigar os efeitos do crescimento econômico e populacional

acentuados. Assim, o processo de favelização (em decorrência da grande valorização

mobiliária provocada pela instalação da indústria do petróleo e da incapacidade de absorção

da mão de obra não qualificada), a ocupação desordenada do solo (inclusive em áreas

estratégicas de preservação ambiental) e a criminalidade (a riqueza trazida pelo petróleo

trouxe também um mercado consumidor de drogas e de prostituição) são elementos que

integram o passivo social e ambiental do eldorado do petróleo.

Na segunda, Carmópolis-SE, a excessiva concentração da propriedade transfere as rendas

petrolíferas da exploração do petróleo em terra aos latifundiários locais. A centralidade de

Aracaju define e dimensiona os poderes locais, sendo que a reduzida distância do município

de Carmópolis para a capital manteve em Aracaju o centro empresarial da indústria do

petróleo. O poder público municipal, em função dos tradicionais mecanismos oligárquicos de

manutenção no poder, mostra-se despreparado para empreender estratégias de

desenvolvimento econômico e social. A exploração do petróleo pouco reverte para o

município, o movimento da mão de obra é pendular e diário. Em comum, os dois municípios

não viram as rendas petrolíferas se converterem em redução da desigualdade social ou

mitigação da degradação ambiental.

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Um dos questionamentos que mais ressurgiram na Oficina, resultando em reflexões

diversas, foi o contraste da riqueza dos royalties em meio ao aumento da desigualdade social

e da degradação ambiental.

Convidamos também pesquisadores da Unicamp, Sônia Barbosa e Michelle Renk,

presentes nesta coletânea, a nos trazer a descrição analítica da presença da Petrobrás em São

Paulo: elas nos trouxeram os casos da instalação da Refinaria REPLAN em Paulínia e do

Projeto Mexilhão - Unidade de Tratamento de Gás Monteiro Lobato – UTGCA, em

Caraguatatuba. O artigo enriquece o debate trazendo mais um exemplo do “viés

desenvolvimentista em que os projetos desta natureza são implantados, em que os benefícios

econômicos ocupam ainda uma posição central nos critérios de implantação de novos

empreendimentos, enquanto as questões socioambientais envolvidas ficam em segundo plano

e são justificadas pela possibilidade de desenvolvimento nacional”. Ficam para os locais a

especulação imobiliária, um tecido urbano fragmentado e descontínuo, uma expectativa de

empregos não atendida, um contingente populacional migrante desocupado, impactos

ambientais e uma enorme demanda por políticas sociais e urbanas.

Qual o papel das universidades na modificação deste quadro? Miglievich e Sales

colaboram com esta coletânea trazendo um pouco da história, das expectativas em torno da

criação da Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF, das propostas de seu

idealizador, o antropólogo e educador Darcy Ribeiro e das tensões modernizantes. Ribeiro

propunha-se constituir a UENF como universidade de pesquisa voltada para a aceleração das

potencialidades econômicas do norte do Estado do Rio de Janeiro, entendida, portanto, por

seu mentor intelectual, como porta-voz da civilização emergente e alavanca para o

desenvolvimento regional e nacional. Revéses surgiram: um parque sucro-alcooleiro arcaico e

baseado na precarização do trabalho humano não requeria tecnologia de ponta e não

interagia com a universidade. Por outro lado, a criação do Laboratório de Engenharia e

Exploração de Petróleo (LENEP) em Macaé, pertencente ao Centro de Ciência e Tecnologia da

UENF 6, representou sim um ambicioso programa de formação de recursos humanos e

desenvolvimento de pesquisa científica e tecnológica na área de exploração e produção de

petróleo e a fartura do petróleo levou incontestavelmente ao êxito do LENEP. Contudo,

salientam os autores, “a Universidade “não é só petróleo”, ainda que seus cientistas

entusiasmem-se com as mais recentes descobertas e pareçam esquecer o caráter não-

renovável e, sobretudo, predatório desta fonte energética”. A UENF não deveria isentar-se

de um papel prospectivo e assim retomar o seu projeto inicial, a saber, alcançar o

desenvolvimento econômico indissociado do social.

                                                           6  Ao  lado  das Unidades,  em  Campos  dos Goytacazes,  Cabo  Frio  e Macaé,  do  Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF).   

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Os diversos temas desenvolvidos convergiram para o seguinte diagnóstico:

1. o plano diretor das cidades como instrumento apenas formal para

cumprimento da lei;

2. o planejamento regional como instrumento ausente, motivado pelas disputas

políticas locais que impedem a cooperação entre localidades;

3. o planejamento nacional menosprezando os interesses locais e seus impactos

sociais, cumprindo a tradição autoritária do poder central;

4. a disputa das cidades pelos investimentos empresariais oferecendo benefícios

sem limites menosprezando possíveis impactos sociais e ambientais,

mecanismo encontrado para se inserir no contexto da globalização

econômica;

5. a incapacidade do poder municipal de enfrentar com paridade e autonomia

técnica os empresários e técnicos privados, motivado por anacronismos

institucionais e políticos fundados em interesses oligárquicos e práticas de

clientelismo;

6. a ineficácia do poder municipal para elaborar programas governamentais que

dessem conta dos impactos econômicos, sociais e ambientais da indústria do

petróleo;

7. o sistema contábil público deficiente em transparência;

8. os critérios arbitrários utilizados para a repartição dos royalties que

beneficiaram os Estados localizados em áreas de produção e cuja utilização

em última análise não beneficia a qualidade de vida de seus cidadãos: os

alunos se evadem das escolas, o transporte coletivo urbano é desconfortável,

as ruas são congestionadas, as favelas degradantes substituem a ausência de

habitações sociais dignas etc.

Nossas instituições republicanas, tão necessárias, caminham em descompasso com a

realidade social, ganhando lógica própria. Padecem em geral de formalismo, ritualismo e

clientelismo. Não são inertes: pelo contrário, são muito dinâmicas, mas reproduzem do

mesmo, invertem meios e fins e guiam-se por particularismos. Apesar de muito dinâmicas, o

resultado é inerte. Do outro lado, empresas e indivíduos também são muito dinâmicos:

instalam-se onde lhes é conveniente, buscam e realizam lucros ou estratégias de

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sobrevivência, contornando leis, planos e interesses coletivos. O resultado de tanta dinâmica

é a permanência do mesmo. Macaé é o exemplo da dinâmica da nossa inércia.

Voltamos à questão inicial: o que fazer? Sugerimos alguns pontos para discussão

posterior:

1. Criação de Grupo Força-Tarefa para grandes projetos de desenvolvimento, de

composição tripartite – governo federal, consórcio de municípios atingidos

(autoridades públicas e cidadãos organizados), empresas;

2. Definição, acompanhamento e cobrança de metas e responsabilidades;

3. Definição de metas sociais (educação, saúde, moradia e transporte) como

investimentos do projeto;

4. Definição de sanções para o descumprimento das metas (perda de cargos,

devolução de dinheiro aos cofres públicos, etc).

5. Criação e gestão de um sistema de indicadores operacionais para o

acompanhamento do cumprimento das metas;

6. Acompanhamento e divulgação continuada, pelos meios de informação, desses

indicadores, do cumprimento paulatino das metas.

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Impactos da Indústria do Petróleo no Norte Fluminense

Rosélia Piquet

Resumo O texto discute a importância da implantação do setor produtor de petróleo e gás na economia da região Norte Fluminense. Apresenta dados sobre emprego e distribuição de royalties, que indicam ser Macaé o município que concentra as atividades industriais, sendo os demais apenas beneficiários das compensações financeiras, cujas regras são discutíveis, uma vez que não existem fundamentos teóricos ou jurídicos inquestionáveis que garantam os atuais repasses. Alerta que para os municípios de orçamentos milionários, a abundância de recursos pode ser tão maléfica quanto sua escassez, dado o amplo poder de cooptação que as administrações públicas locais passam a dispor. Palavras-chave: emprego; distribuição regional dos royalties; petróleo e gás; Norte Fluminense.

Introdução

Na história de sua existência no Brasil, a atividade petrolífera já deixou marcas

irreversíveis na paisagem econômica, social e ambiental dos territórios onde se

implantou. A ambigüidade desta atividade é perturbadora: de um lado, se desenvolve

quase de forma isolada nas regiões onde se localiza, mais conectada que está ao

mercado internacional; de outro, funciona como motor propulsor de riqueza, não só

através da geração de empresas e empregos diretamente vinculados ao setor, mas

também por via das compensações financeiras que distribui às administrações públicas

de localidades por ela afetadas.

Trata-se de um setor industrial intensivo em capital, causador de pesados danos sobre o

meio ambiente e que organiza o espaço de modo extremamente seletivo e globalizado.

Tal seletividade se reforça quando se observa que, também em decorrência das leis

brasileiras que regulam a distribuição das compensações financeiras advindas da

atividade petrolífera, vem ocorrendo um efeito de polarização espacial da riqueza

pública no interior das regiões produtoras. São municípios com orçamentos milionários

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-1 - Rosélia Piquet - Pag 12

coexistindo com municípios limítrofes paupérrimos. Com a Bacia de Campos

respondendo por cerca de 84% da produção nacional de petróleo e de 42% do gás

natural, se pode calcular a profundidade da experiência por que passou e passa a Região

Norte Fluminense em função da instalação desta indústria.

De forma inusitada, há ainda, devido a impropriedades nas regras de rateio das

compensações financeiras, um conjunto especial de municípios para os quais pode ser

atribuída a designação de petro-rentistas, pois não possuem outra relação com a

atividade petrolífera que não a de estarem próximos das áreas de produção marítima e

receberem parcelas significativas das rendas públicas do petróleo.

Sobre os municípios de orçamentos milionários convergem interesses de diversas

disciplinas, e na medida em que se multiplicam as investigações sobre estes, vem sendo

reforçada a hipótese de estarem enfrentando o paradoxal desafio da abundância. Um

desafio que se manifesta, dentre outras formas, no descompasso entre a capacidade de

planejar o gasto e o ritmo crescente das receitas; na preguiça fiscal resultante da lógica

tributária de não incomodar o contribuinte eleitor na medida em que as compensações

petrolíferas cobrem as necessidades de gasto das prefeituras; na constituição de cidades

“sem crítica”, devido ao poder amplo de cooptação dos organismos políticos da

sociedade civil. Ainda que de modo sintético, são esses os pontos que serão discutidos a

seguir.

2. Os impactos da indústria do petróleo

A indústria do petróleo deflagra dois tipos de impactos nos territórios em que se

localiza: os diretamente ligados à atividade industrial e os que decorrem do recebimento

das compensações financeiras. 1

1 Sobre os impactos da indústria petrolífera no Norte Fluminense, ver: Piquet, Rosélia. Indústria do Petróleo e Dinâmica Regional: reflexões teórico-metodológicas. In: Piquet, R.; Serra, R. (Orgs). Petróleo e Região no Brasil, o desafio da abundância. Rio de Janeiro: Garamond, 2007; Cruz, José Luis Vianna. Modernização Produtiva, Crescimento Econômico e Pobreza no Norte Fluminense (1970-2000). In: Pessanha, R.; Silva Neto, R. (Orgs). Economia e Desenvolvimento no Norte Fluminense. Campos dos Goytacazes: WTC Editora, 2004. Serra, Rodrigo; Terra, Denise. Notas sobre a região petro-rentista da Bacia de Campos. In: Carvalho, A.M.;Totti, M.E.F. (Orgs). Formação Histórica e Econômica do Norte Fluminense. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

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A Tabela 1 apresenta dados sobre o emprego formal no Norte Fluminense mostrando que

de toda a região, Macaé é o único município que conta com pessoal ocupado

diretamente nos sub setores de Extração e Logística de Petróleo e Gás Natural. Vê-se,

portanto, que as atividades industriais do setor petrolífero concentram-se em Macaé e,

a rigor, apenas esse município poderia ser nomeado como “produtor”. É em seu

território que se darão as resultantes de uma atividade que se enquadra no que se

convencionou chamar de Grande Projeto de Investimento (GPI). 2

Quando do início da exploração de petróleo na Bacia de Campos, não houve, da

Petrobras, preocupação em minimizar os impactos que poderiam ser causados

localmente, e sua atuação seguiu o padrão das demais empresas brasileiras de grande

porte da década de 1970. Em Macaé, então um pequeno município de base

agropecuária, a chegada de trabalhadores e suas famílias, assim como daqueles que se

deslocam em busca de alguma oportunidade de serviço, acarretou uma ocupação urbana

desordenada e uma sobrecarga nos parcos equipamentos de consumo coletivo

existentes. Deu-se uma ocupação predatória do litoral não só pelas empresas ligadas ao

petróleo como também por novos loteamentos para moradias.

Como todo grande projeto, o empreendimento da Petrobras provocou transformações

rápidas e radicais na organização do território, acarretando profundas mudanças na

estrutura populacional, no emprego, na malha urbana, no quadro político e na cultura

local. 3 De fato, embora Macaé ostente um vigor econômico diretamente relacionado às

atividades de extração, produção e logística do petróleo que a situa entre as cidades de

melhor relação entre postos de trabalho e população do Estado do Rio de Janeiro,

apresenta também sobrecarga nos serviços de utilidade pública, escassez de moradias e

outras mazelas que uma ocupação industrial sem planejamento acarreta nos locais em

que se fixa. Só anos mais tarde, a Petrobras inicia e apóia iniciativas voltadas à melhoria

da qualidade de vida local.

2 Sobre a análise dos grandes projetos de investimentos no Brasil, ver a respeito: Piquet, Rosélia. Reestruturação do Espaço Regional e Urbano no Brasil: o papel do Estado e dos grandes investimentos. Rio de Janeiro: UFRJ/IPPUR, 1993. 3 Monié Frédéric. Petróleo, Industrialização e Organização do Espaço Regional. In: Piquet, R. (Org). Petróleo, Royalties e Região. Rio de Janeiro: Garamond, 2003. Fauré, Yves-A. Macaé: continuidade do crescimento municipal e ampliação das transformações locais nos anos 2000. In: Fauré, Yves-A; Hasenclever, L.; Silva Neto, R. E-papers, 2008.

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Tabela 1. Municípios selecionados do Norte Fluminense Emprego Formal por Setores de Atividade Econômica (em 31/12) e Taxa de Crescimento de 2001 a 2007

Campos dos Goytacazes

Macaé S.João da Barra Demais municípios Total Setores da Atividade

Econômica 2001 2007

(%)

2001 2007

(%)

2001 2007

(%) 2001 2007

(%)

2001 2007

(%)

Extrativa Mineral 154 215 40 10.496 19.198 83 78 20.148 11.319 10 731 667 ـ ـ ـ Extração de Petróleo e Gás 65 12.362 7.497 ـ ـ ـ - ـ ـ 65 12.362 7.497 ـ ـ ـ Ativ. de apoio extr.petróleo e gás 134 6.872 2.935 ـ 91 ـ - ـ ـ 131 6.781 2.935 ـ ـ ـ Indústria de Transformação 5.096 10.426 105 3.804 10.399 173 486 467 4 893 1.912 114 10.279 23.204 126 Serviços Ind. De Utilid. Pública 574 1.304 127 88 299 240 115 2.230 1.035 69 627 370 - ـ ـ Construção Civil 3.228 5.344 66 8.615 10.514 22 78 592 659 1.961 2.783 42 13.882 19.233 39 Comércio 12.965 20.081 55 6.089 10.918 79 317 478 51 7.680 14.788 93 27.051 46.265 71 Serviços 17.909 35.473 98 18.128 32.603 80 531 479 (10) 11.292 18.154 61 47.860 86.709 81 Adm. Pública Direta e Autárquica 5.450 23.455 330 3.484 8.593 147 822 2.129 159 7.165 23.442 227 16.921 57.619 241 Agropecuária 2.567 2.944 15 391 405 4 206 211 2 503 997 98 3.667 4.557 24

Fonte: MTE - Relatório Anual de Informações Sociais. Tabulação da autora

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A situação muda radicalmente quando se analisa a situação dos demais municípios do

Norte Fluminense. Os “impactos” que sofrem são aqueles decorrentes do recebimento

dos royalties e das participações especiais que a legislação brasileira garante a todo

município confrontante com poços em operação. Sem nenhum dos ônus que a indústria

do petróleo causa, passam a contar com elevadas receitas advindas do setor. Os dados

contidos na Tabela 2 são tão claros e fortes, que qualquer comentário se torna

redundante.

Royalties + Participações Especiais anuais em valores reais per capita* em municípios selecionados no Norte e Noroeste - 2008

Beneficiário População Valor Real Valor per capita

Campos dos Goytacazes 431.023 1.189.180.017,71 2.524,50

Macaé 179.781 513.636.547,28 2.767,69

Quissamã 18.435 149.944.052,16 7.778,75

São Francisco de Itabapoana 42.147 6.029.187,36 143,05

São João da Barra 29.195 163.633.381,54 5.047,77

Conceição de Macabu 19.733 4.784.234,22 242,45

São Fidélis 37.654 5.741.081,11 152,47

Fonte: InfoRoyalties, a partir da Agência Nacional do Petróleo, IBGE e Fundação Getúlio Vargas, *corrigidos pelo IGP-DI de janeiro de 2009. Tabulação da autora.

Do ponto de vista conceitual o pagamento de royalties serviria para recompensar as

regiões produtoras pelo aumento dos custos nos serviços básicos de educação e saúde,

na sobrecarga nos transportes, na demanda de infra-estrutura, e outras mazelas

urbanas, provocadas pelas atividades industriais em seu território. Assim compreendido,

esse imposto pode ser interpretado como uma “indenização”, e, nesse sentido, somente

Macaé teria direito ao seu recebimento pois, como visto, é o único município onde se

realizam as atividades de apoio à extração de petróleo e gás. O recebimento de

royalties também se justificaria sob outro argumento: prover os governos locais dos

recursos necessários para financiar investimentos que gerem riqueza alternativa para

substituir a “riqueza exaurida”, ou seja, a oriunda de recursos naturais não renováveis,

como é o caso do petróleo.

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Em ambos os casos, pode-se questionar: mesmo quando a descoberta do óleo é na

plataforma marítima (offshore) e o município e/ou cidade não funciona como apoio às

operações industriais e quando nada em seu território foi exaurido, o argumento se

sustentaria? Qual a justificativa para designar esses municípios de “produtores”? Só

porque a legislação brasileira assim os definiu? Não seria mais adequado serem

considerados como “petro-rentistas”? Na Tabela 3 são apresentados dados sobre

municípios das regiões Norte e Noroeste que retratam de modo claro e inquestionável

uma desigualdade de difícil defesa. Qual a lógica econômica, social ou jurídica que

sustenta uma desigualdade tão profunda entre municípios costeiros e interioranos

quanto os que os dados revelam?

Não se pretende aqui realizar uma discussão sobre as regras de repasse das rendas do

petróleo e gás, mas sim apenas indicar que são frágeis e passíveis de mudança, uma vez

que elaborados em função dos diferentes interesses e momentos políticos. A rigor,

nenhum poço, campo ou bacia pertence a nenhum estado, pois a Constituição diz que a

plataforma continental é da União. Ou seja, não existe um direito natural de qualquer

estado ou município sobre os royalties do petróleo. Esse direito foi conferido pelos

governantes por meio de leis e decretos que definiram a forma de rateio dos recursos,

que já foram diferentes no passado e podem ser alteradas a qualquer tempo. 4 Cabe

recordar que os royalties existem na legislação brasileira desde 1953, quando do início

das atividades da Petrobras, mas eram pagos apenas para a exploração terrestre e

somente em 1969 passam a incidir sobre a produção marítima, sendo os recursos

destinados exclusivamente à União. É somente com a Constituição de 1988, com o

crescimento da autonomia dos municípios, que os royalties passam a fazer parte dos

instrumentos de recursos que a União aceita dividir entre os integrantes da federação.

4 Sobre o debate a respeito do repasse das rendas e petróleo e gás, ver: Serra, Rodrigo; Patrão, Carla. Impropriedades dos critérios de distribuição dos royalties no Brasil. In: Piquet, R. (Org). Petróleo, Royalties e Região. Rio de Janeiro: Garamond, 2003. Serra, Rodrigo. Sobre o advento dos municípios “novos ricos” nas regiões petrolíferas nacionais. In: Pessanha, R.; Silva Neto, R. (Orgs). Economia e Desenvolvimento no Norte Fluminense. Campos dos Goytacazes, WTC Editora, 2004. Conceição, Jorge Henrique Muniz et ali. Petróleo e Gás Natural nas finanças públicas do Estado e dos municípios do Rio de Janeiro. In: Rio de Janeiro (Estado) Tribunal de Contas. Síntese. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. n.1 (nov 2006). Rio de Janeiro: O Tribunal, 2006. SERRA, R. V. O seqüestro das rendas petrolíferas pelo poder local: a gênese das quase sortudas regiões produtoras. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais (ANPUR), v. 9, p. 101-114, 2007. Outra fonte de consulta sobre o tema: Boletim Petróleo, Royalties e Região. Disponível em: http://www.royaltiesdopetroleo.ucam-campos.br/.

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Portanto, não existem fundamentos teóricos ou jurídicos inquestionáveis que garantam

as atuais regras de repasse.

Mais uma vez voltando-se aos dados da Tabela 1 observa-se que nos municípios petro-

rentistas é a Administração Pública Direta e Autárquica a atividade que apresenta as

mais elevadas taxas de crescimento. Sem dúvida trata-se de uma estratégia de eficaz

cooptação uma vez que os concursos públicos são pouco utilizados como forma de acesso

aos cargos das administrações locais. Os orçamentos municipais milionários pouco

retornam em benefícios para a população. Campos dos Goytacazes figura como um dos

municípios onde a educação básica apresentou um dos piores desempenhos do Estado do

Rio; Macaé disputa com a Região Metropolitana os mais altos índices de violência do

estado; os crimes de “colarinho branco” aparecem com frequência nas manchetes dos

principais jornais do país e são objeto de frequentes inquéritos do Ministério Público.

Concluindo

Sem dúvida a região Norte Fluminense mudou com o petróleo. Positivamente no volume

do PIB; na morfologia do tecido empresarial; na oferta de postos de trabalho; na

demografia, com a chegada de novos trabalhadores qualificados e também daqueles em

busca de alguma oportunidade e, principalmente, no aumento dos orçamentos

municipais em função dos generosos repasses que o petróleo garante. Contudo, seu

destino permanece incerto5.

Tratando-se de uma região cujo dinamismo é baseado na extração de um recurso

natural, as firmas estão aí localizadas para explorar os recursos existentes. Como as

províncias de petróleo e gás apresentam um ciclo de vida – nascimento, crescimento,

maturidade e declínio –, quando este se exaure as empresas líderes do setor, de modo

geral, dirigem-se para áreas que apresentem novas descobertas em algum lugar do

planeta. Para as firmas de pequeno e médio porte que atuam como fornecedoras de

produtos ou de serviços de alta competência tecnológica restaria a alternativa de

tornarem-se fornecedoras globais para a indústria de petróleo, associando-se a grandes

companhias multinacionais em novas províncias minerais, o que sem dúvida não é trivial. 5 Mota, Ailton et ali. Impactos socioeconômicos e espaciais da instalação do pólo petrolífero em Macaé-RJ. In: Serra, Rodrigo; Piquet, Rosélia (Orgs). Petróleo e região no Brasil, o desafio da abundância. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.

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Àquelas que atuam em setores não-intensivos em conhecimento restaria encerrar as

atividades ou migrar para uma indústria correlata.

Simultaneamente, caso os critérios de distribuição dos royalties e das participações

especiais venham a sofrer mudanças, e há ventos soprando nessa direção, os municípios

cujas dinâmicas têm como apoio quase exclusivamente tais recursos, terão que

enfrentar sérias restrições orçamentárias. Com as descobertas das reservas nas camadas

de pré-sal o horizonte quanto à importância do petróleo na economia norte fluminense

se alongou. Tal fato impõe desde já maior rigor quanto ao uso dos milionários recursos

financeiros que terão como base essas novas descobertas.

Uma política pública regional responsável deveria buscar identificar oportunidades e

alternativas para as firmas locais sobreviverem ao período de declínio da produção

petrolífera, não exclusivamente como forma de proteger o empresariado, mas tendo em

vista que a região hoje dispõe de infra-estrutura física, empresas qualificadas,

universidades e escolas técnicas, o que configura a existência de externalidades

positivas para qualquer empresa industrial. Em que pesem os esforços de alguns

municípios em implantar políticas de desenvolvimento local dignas desse nome, o que

predomina é o uso aleatório do dinheiro público. Segundo dados de pesquisa (Cruz,

2007), no maior município da região – Campos dos Goytacazes – o Fundo de

Desenvolvimento de Campos (Fundecam) possuía, ao final de 2007, recursos aprovados

para mais de 60 projetos, dos quais apenas cerca de 10 encontravam-se implantados e

07 em funcionamento regular. Dos 5.500 empregos anunciados na página oficial da

instituição e na imprensa local, nem 500 (quinhentos) haviam sido gerados de fato. Cruz

indica ainda que as referências para contato indicadas não eram sedes das empresas

beneficiadas ou não existiam e, que apenas 05 empresários se colocaram disponíveis

para entrevistas6.

Talvez “Coronelismo, Enxada e Voto”, um clássico da literatura da Ciência Política que

Vitor Nunes Leal escreveu ainda nos anos de 1950 seja a leitura mais indicada para todos

aqueles que buscam de alguma forma exercer atuação sobre os destinos dessa região

onde a abundância se torna um desafio a ser enfrentado.

6 Cruz, José Luis Vianna. Relatório de Pesquisa. 2007, circulação restrita.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 19

DESENVOLVIMENTO LOCAL, RESPONSABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL E ROYALTIES: A

PETROBRÁS EM MACAÉ (RJ)1

Selene Herculano

Resumo: Este artigo enfoca o desenvolvimento local desigual experimentado por

Macaé (RJ), a auto denominada “capital nacional do petróleo”, onde a Petrobrás

instalou desde 1978 a sua sede operacional da Bacia de Campos; descreve

transformações econômicas, urbanas e ambientais trazidas pelas atividades

petrolíferas off-shore e aumento das receitas municipais advindas do pagamento de

royalties e participações especiais sobre esta produção. O artigo está dividido em

quatro partes: as três primeiras descrevem aspectos históricos e factuais sobre a

Petrobrás, a produção da Bacia de Campos, a contabilidade dos royalties e as

modificações vivenciadas em Macaé; na quarta e última parte discutimos análises

teóricas sobre limites e desafios do desenvolvimento local e a responsabilidade sócio-

ambiental empresarial, com o propósito de contribuir para o debate sobre como e o

que fazer para superar um aspecto trágico e repetitivo brasileiro, que é o fato do seu

crescimento econômico vir acompanhado pela concentração da pobreza e pela

degradação social, ambiental e urbana nas localidades que sediam grandes

investimentos.

Introdução:

Este artigo resulta de uma pesquisa, sob os auspícios do CNPq2, sobre contradições e

desafios do desenvolvimento local efetivado a partir das atividades de uma mega

empresa e seus impactos positivos e negativos. A localidade é o município de Macaé

(RJ) e suas transformações econômicas, urbanas e ambientais de 1979 a 2009; as

origens das mudanças são as atividades petrolíferas de prospecção e exploração off-

shore de petróleo pela Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás e as conseqüentes receitas

1 Texto com base no trabalho intitulado “Petrobrás, desenvolvimento local e royalties em Macaé (RJ)”, da mesma autora, apresentado no VII WORKSHOP EMPRESA, EMPRESÁRIOS E SOCIEDADE -Mesa Temática 2 – Empresas e a responsabilidade social e ambiental -Sessão 2 Florianópolis, 25/28 de maio de 2010.

 2 “Petróleo, desenvolvimento local e ambiente. Um estudo de caso de Macaé (RJ)”. Selene Herculano, Thereza Carvalho Santos e Vera Lúcia Ferreira Motta Rezende. Edital MCT/CNPq 03/2008

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 20

municipais advindas do pagamento de royalties e participações especiais sobre esta

produção.

O artigo está dividido em quatro partes: as três primeiras descrevem aspectos

históricos e factuais sobre a Petrobrás, a produção da Bacia de Campos e as

modificações vivenciadas em Macaé; na quarta e última parte discutimos análises

teóricas sobre o desenvolvimento local e a responsabilidade sócio-ambiental

empresarial com o propósito de debater como e o que fazer para escapar do aspecto

trágico brasileiro, que é o do crescimento econômico vir acompanhado da pobreza e

da degradação social, ambiental e urbana.

1. A Petrobrás, a legislação dos royalties e as suas políticas para minimizar

impactos:

As atividades de prospecção e de exploração petrolíferas são sabidamente altamente

impactantes, positiva e negativamente: geram recursos de vulto e passivos ambientais

de difícil mitigação. Ampliam e diversificam o mercado de trabalho, sendo fator de

atração de migrações que irão pressionar por políticas públicas. Sua lógica de

localização não vem de escolhas políticas, mas das condições geofísicas, inserindo-se

muito freqüentemente em municipalidades pobres e desiguais, onde são recebidas

com as mais altas expectativas de trazerem o desenvolvimento, o bem-estar e a

superação do quadro de desigualdades.

A Petrobrás é a maior empresa do país, orgulho e ícone do desenvolvimento nacional

auto-determinado, resultado do sucesso de uma campanha ampla de cidadãos no início

dos anos 50 - “O petróleo é nosso!” - (MIRANDA, 2004) e, segundo a Revista Fortune, a

54º maior empresa do mundo no ano de 20093. A empresa realizou R$ 33 bilhões e 915

milhões em lucro líquido em 2008, tendo investido R$ 53,3 bilhões no mesmo ano; sua

produção média de petróleo e gás alcançou 2.356.843 barris de óleo equivalente por

dia (boed) em 2009 (www.petrobras.com.br).

Criada pela Lei 2004/53, a Petrobrás é uma empresa estatal de economia mista, e

detinha inicialmente o monopólio integral da pesquisa, prospecção, exploração e

refino das jazidas petrolíferas brasileiras. Pelo seu artigo 27, a empresa indenizava

estados e municípios onde atuasse com 5% sobre a sua produção, da seguinte forma:

4% da produção terrestre para os Estados e 1% para os municípios. Conforme

3 De acordo com a Revista Fortune, a Petrobrás ocupava a 54ª posição dentre as 500 maiores empresas, tendo alcançado rendimentos de 91869 milhões de dólares em 2009.

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estipulado no parágrafo 4º do mesmo Artigo, os Estados, Territórios e Municípios

deveriam aplicar tais recursos “preferentemente na produção de energia elétrica e na

pavimentação de rodovias”. (Ou seja, apesar do emprego da palavra indenizar, o que

sugere compensar, o espírito da lei era investimento em infra-estrutura que facilitaria

a execução das atividades da própria empresa.)

Além dessas indenizações, as localidades se beneficiaram da política salarial

praticada pela empresa, pois a Petrobrás baseava sua folha de pagamento no maior

salário mínimo regional do país (RJ-SP), o que teve um forte efeito direto e indireto

sobre a renda da população dos locais em que atuava, onde os salários praticados

eram muitíssimo menores, como, por exemplo, nos campos de produção baianos onde

iniciou sua exploração. Praticava ainda 15 salários anuais (além do 13º salário criado

pelo Presidente João Goulart nos anos 60, pagava um salário adicional de férias, um

adicional sobre periculosidade e a PL – participação nos lucros); o adicional de

periculosidade se estendia a todas as categorias empregadas, mesmo para os que

atuavam nos escritórios.

Em meados dos anos 70 iniciou-se a prospecção e exploração de petróleo na

plataforma marítima continental (operações off-shore) e uma nova lei federal (Lei

7453, de 27/12/1985) definiu a extensão dos limites territoriais da plataforma

continental e introduziu o conceito de região geoeconômica. Por conta desta

extensão, a obrigatoriedade da indenização passou a incluir a produção do mar com o

mesmo percentual de 5%, indo 1% desses recursos para o Ministério da Marinha e 1%

para um Fundo Especial que beneficiaria as entidades da federação 4.

Na disputa por royalties, municípios que não eram produtores de petróleo, mas que

sediavam instalações de movimentação do produto, pleitearam e ganharam esses

recursos: a Lei 7990/89 (regulamentada pelo decreto nº 01, de 11/01/1991) alterou a

distribuição dos royalties, incluindo 0,5% também para os municípios que “sediassem

instalações de embarque e desembarque de petróleo e de gás natural”. O Fundo

Especial destinado às unidades da federação foi reduzido para 0,5%.

Em 1997, a Lei do Petróleo (Lei 9748, de 06/08/1997) revogou a Lei 2004/53,

quebrando o monopólio sobre a prospecção e produção, criou a ANP – Agência Nacional

de Petróleo - estabeleceu em 10% a alíquota dos royalties sobre a renda bruta dos

poços e criou também uma distribuição diferenciada, a Participação Especial (PE),

4 Destes, 1,5% para os estados confrontantes com os poços e pertencentes às áreas econômicas dos municípios confrontantes; 1,5% para os municípios confrontantes com poços e pertencentes às áreas geoeconômicas confrontantes; 1% para o Ministério da Marinha e 1% para constituir um Fundo Especial a ser distribuído pelas entidades da federação.

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cobrada sobre os campos com grandes volumes de produção ou de grande

rentabilidade, incidindo trimestralmente sobre o lucro do campo.

A institucionalidade ambiental5 criada no país a partir dos anos 70 e recomendações

de organismos internacionais6 em prol da responsabilidade empresarial

(responsabilidade social e ambiental, apontadas como motivadas pelos

questionamentos de um novo consumidor consciente) trouxeram a necessidade da

Petrobrás se ajustar a essas regulações.

Após os acidentes de vazamento de óleo na Baía de Guanabara (em janeiro de 2000), a

empresa iniciou modificações para adequação às normas de meio ambiente e às

exigências do mercado verde: segundo seus relatórios, foi criado o PEGASO, Programa

de Excelência em Gestão Ambiental e Segurança Operacional, com investimentos da

ordem de R$ 1,8 bilhão para o período 2000-20037; um Sistema Corporativo de Gestão

de SMS (Segurança, Meio Ambiente e Saúde) foi implantado em 2002, com o objetivo

de disseminar em todos os níveis do Sistema Petrobrás uma cultura de percepção do

risco e de proteção da vida; o CT-PETRO – um fundo setorial do petróleo e gás natural,

com base nos royalties, havia sido criado em 1999, através do qual a Petrobrás iniciou

um programa de parceria entre empresas, universidades e centros de pesquisa para

estimular a qualificação de recursos humanos e desenvolvimento de projetos e mitigar

impactos negativos de vazamentos e explosões. (Um exemplo de sua aplicação é a

Recupetro - Rede Cooperativa em Recuperação de Áreas Contaminadas por Atividades

Petrolíferas: sob a coordenação do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade

5 Assim nos referimos ao marco regulatório e aos organismos públicos oficiais – federais e estaduais de controle ambiental. Iniciou-se com a SEMA, Secretaria Especial de Meio Ambiente, em 1973,então vinculada ao Ministério do Interior, em decorrência da Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano (UNCHE, em Estocolmo, em 1972). A SEMA foi extinta posteriormente, juntamente com a Superintendência do Desenvolvimento da Borracha-SUDHEVEA e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal-IBDF, dando lugar ao Ministério do Meio Ambiente e ao IBAMA. O marco regulatório se configura no Brasil com a Lei 6938, de 31/8/81, que criou explicitamente a Política Nacional de Meio Ambiente, o SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente) e o CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente). A Resolução CONAMA 001, de 23/01/86, conceitua o que é impacto ambiental e define procedimentos para os EIAs-RIMAs (estudos de impacto ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental), a serem divulgados e debatidos em audiências públicas sobre as atividades fortemente modificadoras do meio ambiente: construção de estradas, ferrovias, portos e terminais, aeroportos, dutos, linhas de transmissão de eletricidade, obras hidráulicas, extração de combustível, aterros sanitários, usinas de eletricidade, complexos industriais e agro-industriais, distritos e zonas industriais, projetos urbanísticos acima de 100 ha, atividades que utilizem carvão vegetal, projetos agropecuários. Integram o marco regulatório ambiental federal ainda a Lei 9605/98, que trata dos crimes ambientais e a Lei 7347/85, sobre Ação Civil Pública em relação a direitos difusos, como são os direitos ambientais.

6 ISO - International Organization for Standardization - desenvolveu e divulgou diretrizes para a efetivação da responsabilidade social –SR (social responsibility), na forma da ISO 26000, de adoção voluntária.

7 Alice Cid Loureiro (Petrobras) Gilson Brito Alves Lima (Universidade Federal Fluminense) et al. Gestão de qualidade, segurança, meio ambiente e saúde: estudo de um modelo integrado para a engenharia da Petrobras. IV Congresso Nacional em Gestão, Niterói, 2008

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Federal da Bahia, que reunia 13 Redes Cooperativas de Pesquisa do Setor de Petróleo

e Gás Natural nas Regiões Norte e Nordeste, financiadas, além do CT-Petro, também

pelo CNPq e Finep).

Ainda segundo seus próprios relatórios, a Petrobrás ter-se-ia tornado referência

também em estudos sócio-ambientais necessários ao início das suas atividades, em

obediência à Resolução do CONAMA sobre EIAs-RIMAs (ver nota 5). Um outro exemplo

da preocupação em minimizar impactos negativos foi o Seminário "Diretrizes para a

exploração, produção e transporte de óleo e gás na Amazônia – desafios ambientais e

soluções" (ANP, abril de 2009, na Cidade do Rio de Janeiro), com a apresentação de

estudos de caso, nacionais e internacionais, relativos à atividade de E&P em florestas

tropicais (BP Brasil, Exxon Mobil, Petrobrás e Shell Brasil), e palestras de

representantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente.

Inspirada também pela chamada Lei Sarbannes-Oxley8, dos Estados Unidos da América,

a empresa reformulou modelos de atuação e divulgação de dados e criou um novo

estatuto, novas perspectivas e novas diretrizes constantes do Plano Estratégico da

empresa até 2015: liderança e responsabilidade; conformidade legal; avaliação e

gestão de riscos; novos empreendimentos; operação e manutenção; gestão de

mudanças; aquisição de bens e serviços; capacitação, educação e conscientização;

gestão de informações; comunicação. (Observamos que não há diretriz específica

sobre a mitigação ambiental). Em seu “Social and Environmental Report” de 2006, ano

de uma celebrada auto-suficiência brasileira, a empresa também festejava sua

admissão ao DJSI – Dow Jones Sustainability Index, comprometia-se com os oito

Objetivos do Milênio9 e com os 10 princípios do Pacto Global da ONU, do qual era

signatária desde 2003. Este Pacto Global (Global Compact), anunciado pelo Secretário-

Geral da ONU em 1999 durante sessão do Forum Econômico de Davos, é de livre

adesão e busca estimular uma cidadania empresarial global e a conciliação dos

interesses empresariais com os projetos, princípios e valores da ONU e das ONGs,

enfocando os temas Direitos Humanos, Condições de Trabalho, Proteção do Meio-

8 A Lei Sarbanes-Oxley (Sarbanes-Oxley Act) é uma lei dos Estados Unidos, de julho de 2002, de autoria do senador Paul Sarbanes e do deputado Michael Oxley. Visa garantir a governança empresarial, através da criação de mecanismos de auditoria e de segurança para evitar fraudes, mitigar riscos aos negócios e garantir transparência na gestão, assim evitando a fuga de investidores. Teria sido motivada por escândalos financeiros como o da empresa Enron. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_Sarbanes-Oxley.

9 Segundo a ONU: erradicação da extrema pobreza e da fome; universalização da educação primária; promoção da equidade de gênero; redção da mortalidade infantil; melhora da saúde materna; combate a AIDS, malária e outras doenças; sustentabilidade ambiental; parceria global para o desenvolvimento.

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Ambiente e Combate à Corrupção10. A Petrobrás também está associada ao World

Business Council for Sustainable Development (WBCSD) e é parceira do Fundo das

Nações Unidas para a Infância (Unicef), para a cooperação em comunidades de baixa

renda na América Latina e Caribe.

Conjugado com o Plano Estratégico, a empresa desenvolveu o Programa Petrobrás

Ambiental, realizado através de política de patrocínio, investindo em iniciativas que

visam à proteção ambiental e à difusão da consciência ecológica. Entre 2003 e 2008,

este Programa Petrobrás Ambiental investiu cerca de R$ 150 milhões em projetos

desenvolvidos em parceria com organizações da sociedade civil de diferentes regiões e

ecossistemas do país. Um segundo programa de patrocínio é o Programa

Desenvolvimento & Cidadania Petrobrás, elaborado em parceria com a sociedade civil

e governos, visando a inserção social de pessoas e grupos que vivem em risco social no

Brasil. Em março de 2010, a Petrobrás anunciou a abertura de inscrições para uma

nova etapa deste programa, com uma dotação de 110 milhões de reais para a vigência

2010-201211. Todavia, tomando-se a produção/dia de 2009 em barris, acima referida,

e seu preço médio de 80 US$ ou R$ 136,00 por barril, essa dotação alcançaria cerca da

terça-parte da produção de um dia.

Cabe observar que as atividades sócio-ambientais retratadas nestes programas de

patrocínio da Petrobrás são as de “estimular iniciativas”. Alcançam e beneficiam

aqueles já capacitados a ter iniciativas, os que já tem acesso à informação sobre tais

possibilidades de patrocínio e detém qualificações sobre como elaborar, redigir e

submeter projetos. Dentre estas iniciativas estimuladas, destacam-se os projetos

universitários, como o do Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental de

Macaé – NUPEM/UFRJ e seu projeto/atividade POLEM – Polos de Educação Ambiental do

Norte Fluminense. Segundo Machado &Miglievich (2010) a UENF – Universidade Estadual

do Norte-Fluminense Darcy Ribeiro, instalada desde 1993 sobre a Bacia de Campos,

10 Aproximadamente 1.500 empresas de 55 países já aderiram ao Pacto Global, destacando-se na área de energia, além da Petrobras, Amerada Hess, BP, China Petroleum & Chemical Corp., ENI, Gaz de France, Indian Oil Corp., Nexen, Petro Canada, Royal Dutch/Shell Group, Statoil e TotalFinaElf. As empresas e organizações brasileiras mais conhecidas que também aderiram: Avon, Banco Itaú, Belgo Mineira, Copel, Fiesp, Furnas, Grupo Abril, Klabin, Natura Cosméticos S/A, Organizações Globo, Pulsar Informática, Samarco, Shell Brasil, Telemig, Instituto Ethos e Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança. Ver, a propósito, SANTAROSA, Wilson. A Petrobras e o Pacto Global da ONU - Organização das Nações Unidas. Capturado em www2.petrobras.com.br/ResponsabilidadeSocial/portugues/Artigos.asp 11 Revista Visão Sócio-Ambiental nº 22, fev/mar 2010.

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“capitaneou R$ 51,8 milhões da Petrobras ao longo de 15 anos, incluindo a criação, em

2006, de seu “Núcleo de Competência Regional”.

Segundo o Balanço Social e Ambiental da Petrobrás 2008, a Petrobrás investiu R$ 1,97

bilhão em meio ambiente, tendo evitado a emissão de 680 mil toneladas de dióxido de

carbono equivalente. A empresa atribuiu-se a meta, para 2013, de alcançar 4,5

milhões de toneladas do gás em emissões evitadas e, complementarmente, investir

três bilhões de dólares, até 2013, em energias renováveis12. Contudo, segundo Ricardo

Young, Presidente do Instituto Ethos, a Petrobrás foi a ausência na Conferência Ethos

2009 sobre ações de responsabilidade social e sustentabilidade, tendo rompido com o

Instituto por conta de polêmicas em torno do diesel.13

Na contramão dessas políticas e programas da empresa, a Petrobrás vem sendo

criticada por ambientalistas e ativistas sociais brasileiros em geral e pela Rede

Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA, em especial, por ter uma atuação considerada

degradadora e “imperialista” na América Latina. Criticam-na com base no conceito de

colonialidade, uma característica que marcaria nossa formação histórico-geográfica

em seu momento neo-liberal e pela qual a Petrobrás cumpriria um triste papel de ir

contra a luta de povos latino-americanos pela reapropriação de suas jazidas. (PORTO-

GONÇALVES, 2007). Segundo denúncias da imprensa equatoriana, moradores da

comunidade de Palo Azul, no Equador, queixavam-se da queda de receitas

compensatórias e o país receava o esgotamento da jazida e a militarização por parte

da Petrobrás. Outra denúncia dizia respeito à invasão de terras indígenas e do Parque

Nacional Yasuní, considerado reserva da biosfera pela ONU, em cuja área a Petrobrás

pretendia abrir estrada de acesso de 17 km. Em 2007, a RBJA apresentou uma Moção

de recomendação à Petrobrás e ao governo brasileiro, apoiando a iniciativa do governo

equatoriano de manter o petróleo da porção amazônica de seu território represado. A

moção recomendava que o Estado Brasileiro, na figura da Petrobrás, “cumprisse seu

papel internacionalmente assumido de garantir a preservação da Amazônia, a

sobrevivência cultural de seus povos indígenas e a reversão do quadro de aquecimento

global e que se diferenciasse voluntariamente das transnacionais que tanto vêm

prejudicando o povo e os ecossistemas da América Latina, passando a aplicar na

Amazônia equatoriana os mesmos princípios adotados pela legislação brasileira no que

concerne às práticas de proteção ambiental no restante dos países em que a Petrobrás

opera”. (LEROY & MALERBA, 2005).

12 Revista Sócio-Ambiental nº 20, set/out de 2009. 13 Revista Visão Sócio-Ambiental nº 20, de setembro/outubro de 2009.

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No Estado do Rio de Janeiro cerca de 20 mil pescadores do entorno da Baía da

Guanabara (Niterói, São Gonçalo, Guapimirim, Magé, Itaboraí e, no Rio de Janeiro, as

regiões do Caju, Ilha do Governador, Marcílio Dias, Ramos e Paquetá) moveram ação

legal no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJ-RJ, pedindo indenização por conta

do vazamento de óleo proveniente da REDUC – Refinaria Duque de Caxias - no dia 18

de janeiro de 2000. A Petrobrás foi condenada em primeira instância, mas recursos

deram prosseguimento à questão. (Divulgado pela imprensa na época, não haviam sido

concluído seus trâmites.). Verbas indenizatórias do derrame de óleo na Baía de

Guanabara foram utilizadas na realização de seminário e pesquisa sobre ambiente pela

UFRJ.

Secretários da Prefeitura de Macaé criticam a forma que consideram distante e

arrogante pela qual a Petrobrás se relaciona com a cidade: desde sua instalação, em

1978, quando unilateralmente decidiu que se instalaria no Porto de Imbetiba, na praia

central do mesmo nome (o que trouxe para a cidade o impacto de 700 carretas/dia

atravessando seu centro), até a atualidade, quando passou a se sentir descomprometida

com o município, porque já paga os royalties (R$299.558.138 em 2009). Segundo a

Secretaria Municipal de Meio Ambiente, os projetos ambientais que a Prefeitura

submete a financiamento da Petrobrás ou não são aprovados, ou o são após modificá-

los substancialmente, como teria se dado com um projeto de apoio à pesca e que

mudou para o Projeto Mosaico. Quando houve diálogo no passado, teria sido apenas em

função da personalidade e empenho individual de gerências passadas e antes do efetivo

início do pagamento dos royalties: dantes a Petrobrás construía creches, fazia-se

presente, mas depois dos royalties isso teria mudado. Exemplos da Itaipu Binacional e

da Usiminas foram lembrados pelo secretariado como empresas que verdadeiramente

teriam atitude de responsabilidade social com as suas comunidades. Para o

Secretariado de Macaé, deveria haver um maior relacionamento entre o poder público e

o poder privado para “planejar juntos a cidade, em um urbanismo de longo prazo”. No

entanto, o Plano Plurianual da Prefeitura de Macaé, apontado adiante na Tabela 5,

permite entrever, pelo montante de recursos previstos por funções, o quanto meio

ambiente, saneamento, urbanismo e habitação tampouco são prioridades para a

administração pública local (Respectivamente 0,3%, 9%, 5,7% e 0,3% dos recursos

previstos para 2010-2013).

A gerência da Bacia de Campos informou ter atividades de apoio a famílias de

pescadores, ter projeto de doação de câmeras de segurança pública e de asfalto para a

duplicação de trecho da Rodovia Amaral Peixoto e que financiara também um estudo

executado pelo Consórcio Rionor, o Prodesmar, com análise situacional e propostas

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para o Norte Fluminense, cuja execução deverá ser atribuição exclusiva do governo

estadual14.

2. A Bacia de Campos:

A exploração da Bacia de Campos começou no final de 1976, com o poço 1-RJS-9-A,

que deu origem ao campo de Garoupa; a produção comercial começou em agosto de

1977, através do poço 3-EM-1-RJS, no campo de Enchova. Entre o final dos anos 70 e

90, a Petrobrás investiu na Bacia de Campos cerca de 20 bilhões de reais (MONIÉ,

2003, p. 271). Considerada a maior reserva petrolífera da Plataforma Continental

Brasileira, a Bacia de Campos tem cerca de 100 mil quilômetros quadrados e se

estende do estado do Espírito Santo nas imediações da cidade de Vitória, até Arraial

do Cabo, no litoral norte do Estado do Rio de Janeiro. É responsável por

aproximadamente 84% da produção nacional de petróleo (dados de 2009), em 55

campos em operação, 36 dos quais são considerados maduros, ou seja, já atingiram o

pico de produção. Dali se extraem cerca de 1,49 milhão de barris/dia de óleo e 22

milhões de metros cúbicos/dia de gás (dados de 2009). A previsão feita para 2010 era

que a produção aumentaria para 1,8 milhão de barris de óleo por dia e 34,6 milhões

de metros cúbicos de gás15. As atividades da Bacia de Campos em 2009 ocupavam

48.829 pessoas embarcadas e tinham 2203 poços perfurados.16. (Segundo o Anuário

Estatístico da ANP de 2009, Tabela 2.7, o estado do Rio de Janeiro teria 554 poços

produtores e o país 8560).

T1 - RESERVAS DE PETRÓLEO (EM MILHÕES DE BARRIS) EM 2009:

Reservas provadas Reservas totais

Rio de Janeiro 10381,9 16337,4

Brasil 12857,0 21134,4

Fonte: ANP, Anuário Estatístico de 2009, tabelas 2.3 e 2.4

Com as operações da Bacia de Campos, o Estado do Rio de Janeiro tornou-se o maior

produtor do país e seus municípios da região norte-fluminense tornaram-se os maiores

beneficiários das participações especiais e dos royalties, passando a ser denominados 14 PRODESMAR. Plano de Desenvolvimento Sustentável do Norte do Estado do Rio de Janeiro- Análise Situacional, Cenários Prospectivos e Estratégia de Desenvolvimento Regional. Belo Horizonte: Consórcio Rionor, março de 2010

15 Fonte: http://www2.petrobras.com.br/Petrobras/portugues/plataforma/pla_bacia_campos.htm

16 Dados da Secretaria Municipal de Finanças de Macaé.

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como “municípios petro-rentistas”. Em 2009 os valores em royalties pagos ao estado

do Rio de Janeiro e aos seus municípios foram de R$ 1.709.375.000,00 para o Estado e

R$ 1.872.103.000,00 para os municípios.17

T2 – PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS E ROYALTIES PAGOS EM 2009 (R$1000):

Participações Especiais Royalties

Estado do Rio de Janeiro 3.175.451 1.709.375

Municípios produtores:

Campos 457.926 419.628

Rio das Ostras 113.987 117.771

São João da Barra 85.451 73.127

Macaé 60.988 294.558

Cabo Frio 29.300 95.662

Quissamã 25.870 65.922

Casimiro de Abreu 14.863 39.162

Búzios 4.477 36.188

Carapebus 761 21.899

Arraial do Cabo 241 4.998

Fonte: ANP – Anuário Estatístico de 2009, Tabela 2.16 (participações) e

UCAM – Info royalties (http://inforoyalties.ucam-campos.br/)- valores correntes

3 Macaé – crescimento econômico e urbano:

Macaé tem um território de 1.219,8 km² na região do Norte-Fluminense, dividido em

seis distritos: além do distrito-sede, há os distritos de Cachoeiros de Macaé, Frade,

Glicério e Sana. A beleza natural da região é diversificada: na costa há lagunas, praias

e arquipélagos; na região serrana, bem cortada por rios e ainda florestada, há matas,

corredeiras e cachoeiras onde se pratica raft e rapel.

Até ser escolhido pela Petrobrás como base das operações em terra da Bacia de

Campos em 1977, era um município rural. Seu povoamento se iniciou em 1580,

integrando a Capitania Hereditária de São Tomé. O município foi criado em 1813 e em

1846 a Vila de Macaé passou à condição de cidade. “Vivia em relativo isolamento e sua

produção açucareira e cafeeira se escoava através do Canal Campos-Macaé, de 109 km

de extensão, construído em 1872 com mão de obra escrava, e pela estrada de ferro

Macaé-Campos, construída em 1875”.18

17 ANP- Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Tabela 2.15. 18 http://www.macae-rj.com.br/acidade.php

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O ambiente construído no seu distrito-sede é fragmentado e acanhado na sua zona

central: em Visconde de Araújo há um casario de casas modestas e malcuidadas

amontoadas em pequenos lotes, em ruas de calçadas estreitas e sem arborização, de

cujos bueiros emana um cheiro de esgoto. Este centro está ladeado por duas zonas de

enormes contrastes: ao norte, favelas que ocupam áreas de manguezais e de proteção

ambiental: Nova Holanda, Malvinas, Aroeira, Nova Brasilia, Botafogo, Parque

Aeroporto, Cabiúnas, Lagomar, dentre outras. Ao sul, zonas de moradia de luxo em

condomínios fechados nos bairros da Glória, Cancela Preta, Cavaleiros, etc., onde

trabalhadores de alta qualificação habitam em torno da Lagoa de Imboassica,

parcialmente aterrada e assoreada. A população migrante, oriunda

preponderantemente de outros pontos do estado do Rio de Janeiro e da Bahia, Espírito

Santo e Minas Gerais, concentra-se no Setor Administrativo 6 (27% dos migrantes estão

em Cabiúnas, Lagomar, Parque Aeroporto). A cidade prepara sua expansão ao longo

das suas Linhas Verde e Azul, recém-abertas e pavimentadas, onde manguezais são

aterrados para a formação de distrito industrial e onde novas favelas despontam,

como Piracema, por exemplo. Em função de aterros e de retificações indevidas de

cursos d’água, toda a cidade é sujeita a enchentes. A Rodovia Amaral Peixoto corta a

cidade e tem congestionamentos intensos e extensos, acidentes e atropelamentos.

Seu Plano Diretor (Lei Complementar 76/2006) identificou oito Unidades de

Conservação - UCs - e 38 áreas de interesse ambiental19. Segundo informação da

Secretaria de Meio Ambiente, as UCs municipais não tem dotação orçamentária

(apenas o que foi nominalmente estipulado no texto da lei que as criou); tampouco

tem plano de manejo. A Secretaria informou tentar levantar recursos para isso via

submissão de projetos a Petrobrás e a diversas fundações e ONGs.

O PIB – Produto Interno Bruto - per capita do município já figurava em 2004 dentre os

10 maiores do país (R$120.602,00, segundo o IBGE). Em 2008, Macaé já ocupava o 4º

lugar dentre as 92 municipalidades do estado do Rio de Janeiro em receita absoluta

total (R$ 1.150.731.987, segundo o Anuário Fluminense 2009, da Aequs Consultoria).

Segundo os dados da UCAM/Info Royalties, em 2008 a receita de Macaé oriunda dos

royalties somados às participações especiais foi de R$ 501.680.92420, mas as aplicações

em despesas com investimentos ficaram em R$ 86.880.672, ou seja, uma quinta parte.

19 Dentre as oito UCs, três são de proteção integral, de uso indireto: Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, com seu complexo lagunar de 18 lagoas; Reserva Biológica União e Parque Municipal do Atalaia; cinco são de uso sustentável: duas Reservas Particulares de Patrimônio Natural – RPPN da Fazenda da Barra do Sana e do Sítio Shangri-lá; cinco Áreas de Proteção Ambiental: APA do Arquipélago de Sant’Anna, APA do Sana e APA do Jardim Pinheiro, nos termos do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei federal 9985/2000). 20 O que contrasta com a cifra divulgada pela SEMIC, que contabilizou R$ 406,9 milhões em 2008. (“Macaé, um lugar para investir”).

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Ainda em 2008, a composição das despesas municipais da Prefeitura de Macaé,

segundo o Anuário Fluminense, foi de 49,2% em pessoal, 43,4% em custeio, 9,9% em

investimento e 2,5% em encargos e amortização de dívida.

Dentre os principais municípios petro-rentistas fluminenses, Macaé figura como aquele

em que o dinheiro dos royalties, embora muito expressivo, tem comparativamente

menos peso nas receitas totais (o que se explica pelas receitas do ISS e do ICMS pagas

pelas empresas, respectivamente 198 e 214 milhões de reais em 2009, segundo a

SEMIC):

T3 - COMPOSIÇÃO (%) DA RECEITA DOS CINCO MAIORES MUNICÍPIOS PETRO-RENTISTAS DO RJ -2008

Macaé Campos Rio das

Ostras

São João da

Barra

Quissamã

População 188787 431839 91085 30348 19315

Receita Tributária 21,8 5 9,9 5 3,6

Royalties 43,9 70,6 68,9 74,4 66,6

FPM 3,0 2,0 3,4 4,6 3,5

QPM-ICMS 16,2 10,2 6,5 9,8 22,0

Outras 15,1 12,2 11,3 6,2 4,4

Total 100 100 100 100 100

Fonte: Anuário Fluminense de 2009 – Aequs Consultoria

A população de Macaé triplicou a partir da década de 70 e seu crescimento urbano foi

assim calculado: taxa anual de crescimento populacional de 3,88 entre 1991 e 2000;

taxa de urbanização de 91,37% em 1991 e de 95,13% em 2000; taxa líquida de

imigração de 103 entradas por mil habitantes em 2000 (MOTA et al, 2007). Sua

população era de 132.461 habitantes em 2001 (IBGE, Censo Demográfico); passou para

188.787 em 2008 (Anuário Fluminense de 2009, dados estimados) e alcançou 194.497

no Censo de 2010. Segundo o Programa Macaé-Cidadão, 86.156 pessoas eram oriundas

de outras localidades em 2007 (cerca de 45% dos habitantes)21 T4 – IDH-M DE MACAÉ

1991 2000 IDH geral 0.73 0.79 IDH-renda 0.72 0.77 IDH-longevidade 0.66 0.89 IDH-educação 0.86 0.89

Fonte: PNUD – Atlas do IDH-M 1991-2000 Apesar de estar entre os 10 municípios mais ricos do país, o Índice de Desenvolvimento

Humano – IDH de Macaé o colocou na 811ª posição entre os cerca de 5 mil municípios

brasileiros. A taxa de indigência recuou de 17,9% em 1970 para 6,5% em 2000 (MOTA et

al , 2007); segundo o orçamento da Prefeitura de 2009, Macaé recebeu R$ 5.512.540,00

de recursos federais para o Bolsa-Família naquele ano e os entregou a 9255 pessoas

21 Programa Macaé-Cidadão, da Prefeitura Municipal de Macaé, Pesquisa Domiciliar. Tabela População Residente segundo a última unidade da federação ou país que morou, por setores administrativos.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 31

beneficiadas (ou seja, cerca de 7% da sua população é reconhecida como

extremamente pobre).

Macaé tem a situação invulgar no cenário econômico brasileiro de ser um município

onde predominam os empregos formais, com carteira de trabalho assinada e encargos

sociais atendidos. Entre 1995 e 2005 seu estoque de empregos formais evoluiu de 67%

para 82% do total de empregados, contrastando com o país, que evoluiu de 10% para

26%, segundo dados do CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados,

do Ministério do Trabalho e Emprego (MOULIN). Outro estudo apontava para 55 mil

postos de trabalho formal (41,7%) numa população de 132 mil habitantes, dos quais 19%

(10432) ocupados nas atividades de extração de petróleo e gás. (RAIS - Ministério do

Trabalho e Emprego, apud F. Araújo, 2005). Todavia, esta população com trabalho

formal não se fixa: é uma população flutuante, estimada em 50 mil segundo a

Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (SEMIC, 2010). Os trabalhadores

embarcados, que operam as plataformas em regime de turnos, chegam a morar

emoutras regiões do país e mesmo fora dele. Em 2006 existiam 8159 empresas

instaladas em Macaé, contra 368 ao final dos anos 70. Dessas 8159, quase a metade -

3555 - no setor de prestação de serviços. (Em 2008 a SEMIC contabilizou menos: 6583,

das quais 90 em atividades de extração de petróleo).

As atividades petrolíferas provocaram intensa modificação urbana. Segundo a

Associação Macaense da Indústria Hoteleira, Macaé tem o segundo maior parque

hoteleiro do estado, voltado para o turismo de negócios, movimentando cifras que

contribuem para 10% do PIB do município. Tem um aeroporto considerado o maior da

América Latina em número de pousos e decolagens de helicópteros. Em 2006 a

Prefeitura aprovou 130 novos projetos de obras para condomínios, prédios

residenciais, comerciais, galpões de empresas e shopping center.22

O crescimento econômico e urbano foi, entretanto, acompanhado pela favelização

(Malvinas, Nova Holanda, Aroeira, Santana, Boa Vista, São Jorge, Jardim Pinheiro, Vila

Pinheiro, Leocádia, Botafogo, Miramar, Lagomar, Jardim Santo Antônio, Nova Macaé,

etc.23), pela violência e tráfico de drogas (ali atuava o temível traficante Roupinol,

Rogério Rios Mosqueira, natural de Macaé) e pela degradação ambiental (poluição dos

corpos hídricos). Como se mostra a seguir, a Prefeitura ainda não universalizou a rede

de esgotamento sanitário.

22 Os dados são da Associação Comercial e Industrial de Macaé – ACIM, coletados pelo doutorando Heitor Delgado Correa, UFF/PPGSD. 23 Segundo Soffiati, nesta coletânea, as ocupações se deram em áreas assoreadas a partir do trabalho equivocado de retificação dos rios pelo DNOS – Departamento Nacional de Obras de Saneamento. Soffiat, A.A. Macaé em quatro tempos.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 32

Em setembro de 2009 a Agência Brasil, órgão oficial da imprensa do Governo Federal,

publicou matéria da Jornalista Isabel Vieira, intitulada “A Maldição do Petróleo”,

focando a violência e favelização local. Segundo o Mapa da Violência dos Municípios

Brasileiros24, a cidade de Macaé foi arrolada entre os 15 municípios mais violentos do

país: ocorreram 123 assassinatos em 2006, o que corresponde a uma taxa de

homicídios de 85,9 (em 100 mil habitantes).

Consultado pela Agência Brasil, o Prefeito Riverton Mussi chamava a atenção para a

pressão da demanda migratória e a conseqüente sobrecarga nova anual sobre os

serviços de educação e saúde e políticas públicas desde o boom do petróleo. Há um

Programa Municipal chamado “Macaé Sem Favelas”, inserido no Plano Local de

Habitação de Interesse Social, desenvolvido pela SEMHAB e apoiado pelo Ministério das

Cidades, dentro do PAC – Programa de Aceleração de Crescimento, do governo

federal, em fase de início de execução e que não se propõe a atender toda a

demanda.

Segundo o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro - TCE-RJ, o rápido

crescimento sem planejamento adequado trouxe sérios problemas para o Município e

dentre estes avulta um sistema de esgotos sanitários ainda parcial e ineficiente25:

embora houvesse um projeto de macrodrenagem e esgotamento sanitário, visando o

tratamento integral do esgoto da área urbana (com um valor estimado de

R$236.835.295,32, segundo Processo 237.198-6/06 do TCE-RJ), o que o município de

Macaé tinha em 2007 eram ETES – estações de tratamento de esgoto – apenas

projetadas ou com funcionamento parcial26: segundo o TCE-RJ, as obras da ETE Virgem

Santa estavam abandonadas, o material apresentava sinais de deterioração e de

extravio, o que foi objeto de investigação da Câmara Municipal.

A Lagoa de Imboassica, que já foi considerada um santuário ecológico, hoje está

assoreada e recebe dejetos de esgoto domiciliar de bairros que surgiram em seu

entorno. Segundo ativistas sociais e ambientalistas de Macaé, em suas manifestações

de rua e em seus blogs27, não teria havido investimentos significativos em saneamento

básico por parte da Prefeitura de Macaé ao longo dos anos. A municipalidade assim

24 J.Jacobo Waiselficz, trabalho divulgado pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana – Ritla e Ministério da Justiça, 2008. http://www.ritla.net.br 25 TCE-RJ- Relatório de Auditoria no Sistema de Gestão Ambiental (SGA) do Municipio de Macaé realizada no periodo de 23.07.07 A 10.08.07 Processo nº 224.872-3/2007 26 Na ZONA NORTE, as ETE do Bairro Lagomar, ETE do Engenho da Praia, ETE Aeroporto, ETE do Bairro da Ajuda (CEHAB), ETE do Centro de Convenções e ETE Nova Holanda; na ZONA SUL, ETE Mutum, ETE Virgem Santa e ETE do Hospital Municipal. 27 http://denunciamacae.forumeiros.com/noticias-local-nacional-f1/o-mau-exemplo-de-macae-t8.htm

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 33

configurou a aplicação de suas receitas, segundo seu Plano Plurianual 2010-2013 e no

qual saneamento aparece com 9% dos recursos:

T5 – PLANO PLURIANUAL DE MACAÉ PARA 2010-2013 (R$ POR FUNÇÃO):

Função Legislativa 33.319.660,00 2,7%

Administração 213.268.954,08 17,6%

Segurança Pública 4.013.687,98 0,3%

Assistência Social 32.708.405,45 2,7%

Previdência Social 13.846.457,21 1,1%

Saúde 227.485.843,35 18,7%

Trabalho 24.651.587,74 2,0%

Educação 248.926.315,92 20,5%

Cultura 8.464.684,96 0,7%

Direitos da Cidadania 289.330,70 0,02%

Urbanismo 70.172.893,49 5,7%

Habitação 2.544.607,36 0,2%

Saneamento 108.873.856,32 9,0%

Gestão ambiental 4.056.593,75 0,3%

Ciência e Tecnologia 2.171.645,45 0,17%

Agricultura 1.316.366,65 0,1%

Comércio e serviços 3.777.923,82 0,3%

Comunicação 10.039.057,28 0,8%

Transporte 29.217.604,74 2,4%

Desporto e lazer 16.865.282,47 1,3%

Reserva de contingência 154.649.741,28 12,7%

Total geral 1.210.660.500,00 100%

Fonte: Prefeitura Municipal de Macaé, Plano plurianual 2010-2013

Segundo dados divulgados pela Prefeitura28, Macaé estaria entre as 10 cidades

economicamente mais pujantes do país, mas em uma posição mediana no que diz

respeito à qualidade de vida (educação, saúde:

“É a primeira cidade do estado e a primeira do Norte Fluminense em desenvolvimento.”

“O PIB per capita do município é de R$ 120 mil, 30% maior do que a média nacional” (IBGE, 2006).

“Está em sétimo lugar no ranking das melhores cidades do sudeste, atrás apenas das metrópoles São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES) e dos municípios Barueri (SP), São Caetano do Sul (SP) e Belo Horizonte (MG). Essa foi a oitava edição da pesquisa “As cem melhores cidades para fazer carreira”, coordenada pelo professor Moisés Balassiano, da FGV”.

No ranking fluminense, Macaé e Niterói foram as únicas duas cidades do Estado a aparecerem na lista dos cem municípios com maior crescimento do Brasil. Em 2000, Macaé ocupava a 45ª posição. Com os novos investimentos, a cidade conquistou a 34ª posição, subindo 11 lugares.

28 http://www.macae.rj.gov.br/conteudo.php?idCategoria=27&idSub=27&idConteudo=41, capturado em 8 de novembro de 2010

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 34

Está entre as 100 melhores cidades da América Latina (segundo Certificado concedido em 28 de maio de 2008 pela Associação Nacional de Municípios Produtores - Anamup.

Em junho de 2008, Macaé foi considerada a cidade mais dinâmica do Estado do Rio de Janeiro e a segunda do país. (Atlas do Mercado Brasileiro). Os critérios para avaliação dos municípios incluem investimentos sociais feitos em 2007 em saúde, educação, habitação, ciência e tecnologia e capacidade de compra.

Em comparação com os 5.564 municípios brasileiros, Macaé está em 686º lugar no setor de educação. Na saúde, em comparação com todo o país, o município aparece em 640º lugar e na geração de emprego, a cidade conquistou o décimo-primeiro lugar.”

Um Programa Municipal de Combate à Evasão Escolar29 mencionava a alta incidência de

morte juvenil por homicídios e relacionava a evasão escolar a esta violência, uma vez

que os jovens deixam de estar protegidos pela escola. Em debate em 2010 sobre o

Programa, professoras propuseram que, dentre as causas prováveis da evasão, dever-se-

ia considerar também a baixa qualidade de escolas da rede municipal, carentes que

seriam de material de consumo, de quadras de esportes e mesmo de abastecimento de

água.

Alguns estudos, a despeito da dificuldade de dados, oferecem indícios no sentido de

comprovar o quanto a riqueza e a pobreza se entrelaçam no mundo do petróleo:

Givisiez & Oliveira (2007) fizeram um estudo comparativo sobre receita de royalties e

Índice de Pobreza Humana (IPH do PNUD- Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento): a partir dos 759 municípios recebedores de royalties no país, foi

construída uma tipologia de cidades por índices de pobreza e níveis de receita de

royalties. (A renda per capita municipal advinda dos royalties - RP-M - foi verificada

sobre dados de 2000 e o Índice de Pobreza Humana – IPH-M - dos municípios sobre

dados de 1997). Dos resultados alcançados, damos destaque ao seguinte: “os 76

municípios que se classificam com RP-M médio alto e muito alto apresentam IPH–M

preponderantemente nas categorias médio alto e alto”. Ou seja, a pobreza

acompanha a riqueza. Note-se que entre os 26 municípios com RP-M alto, apenas três

apresentaram o indicador de pobreza mais baixo e, mesmo entre os 16 municípios no

topo da classificação RP-M, somente cinco apresentaram o IPH-M baixo. (Givisiez &

Oliveira, 2007, p. 155). Ou seja: municípios ricos, população pobre. Os autores

concluem afirmando que grande parte da população nos municípios petro-rentistas

não sabe nem da existência nem da importância dessas receitas no orçamento

municipal, tampouco como deveriam ser usadas.

No caso das jazidas petrolíferas, elas têm um horizonte curto, razão pela qual a

legislação prevê o pagamento dos royalties e participações. Rodrigo Serra os define

29 Programa de Combate à Evasão Escolar, da Câmara Permanente de Gestão-Gerência do Plano Diretor, em setembro de 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 35

como instrumentos de promoção de justiça intergeneracional, uma vez que incidem

sobre um bem finito (a plataforma continental teria “uma duração estimada de pelo

menos três décadas” (2007:93). Sua análise mostra que esses recursos têm sido

utilizados como um “sobrefinanciamento das esferas de governo subnacionais”, o que

representa “um saque feito à conta das futuras gerações”. (2007:78,79).

Municipalidades e estados aquinhoados defendem seu direito aos recursos recebidos,

interpretando-os como indenizações pelos impactos ambientais e de adensamento

causados pelas atividades de exploração e produção (E&P) de petróleo em suas

localidades. Seriam compensações pelos danos. Serra considera isso um “equívoco

interpretativo” talvez proposital, uma vez que a “elevação do fluxo de renda local e

regional gerado pela presença do segmento de E&P provoca um crescimento da base

tributária, permitindo o aumento da arrecadação por meio dos instrumentos

impositivos clássicos” – ICMS; IPTU (2007:80). Parece ocorrer uma “preguiça fiscal” por

parte das autoridades locais, segundo Givisiez & Oliveira.

Serra, analisando a realidade político-econômica dos “novos municípios ricos [..]

avizinhados por regiões empobrecidas” (2007:93), constata os seguintes aspectos:

fragilidade da norma de distribuição dos royalties e participações especiais;

contratação pelas prefeituras de pessoas físicas e jurídicas de forma terceirizada (pela

impossibilidade de ampliar o quadro de pessoal com recursos do petróleo); existência

de processos de alocação dos recursos para fins distantes da política de promoção da

justiça intergeracional (2007: 99); financeirização das rendas petrolíferas (para

pagamento de dívidas com a União e capitalização de fundos previdenciários, segundo

as Medidas Provisórias 1869/99 e 2103/2001); facilitação para as elites políticas e

econômicas do processo de privatização de importantes fundos públicos; falta de

controle social destes recursos.

E o autor recomenda, além da “urgência de se realizar um amplo debate acerca da

necessidade de orientar efetivamente para o público, de forma irrestrita, os

expressivos fundos públicos alimentados pelas rendas petrolíferas” (2007:107):

• um teto para repasse das rendas petrolíferas aos municípios;

• a inclusão de critérios meritórios para o rateio dessas rendas;

• a instituição de mecanismos de controle social;

• a vinculação legal das rendas do petróleo a determinadas funções e programas

de governo no nível local;

• a realização de indicadores para mensurar a efetiva presença territorial de

capital e trabalhadores ligados às atividades de exploração e produção.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 36

Monié (2003), ao examinar as dinâmicas territoriais e culturais provocadas pelas

atividades petrolíferas no norte-fluminense, observou os seguintes aspectos:

• o enriquecimento de parte da população e o afluxo de trabalhadores pobres

sem qualificação;

• o surgimento de áreas de residência e de consumo de alto padrão social e a

expansão de bolsões de pobreza;

• o aumento das desigualdades intra-regionais entre campo e cidade e entre

centros urbanos mais ou menos inseridos na nova economia regional;

• o caráter desigual das dinâmicas em curso;

• a implantação de uma cultura empresarial moderna, que leva à necessidade da

oligarquia tradicional reformular suas estratégias para manter a hegemonia;

• novas estratégias residenciais e demandas por equipamentos comerciais e

culturais modernos.

A organização civil em torno dos interesses das finanças locais advindas do petróleo é

dinâmica. Apontamos a OMPETRO e a Rede Petro-BC: em 2001 os municípios rentistas

criaram a OMPETRO – Organização dos Municípios Produtores de Petróleo da Bacia de

Campos, para a defesa dos interesses regionais, presidida por Rosinha Garotinho30. A

Rede Petro-BC (Bacia de Campos) foi criada em 2003 pela Prefeitura de Macaé, pelo

Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio de Janeiro (Sebrae/RJ) e por

um grupo de empresários para “concentrar esforços na promoção de negócios e acesso

às modernas capacitações em níveis gerenciais e tecno-profissional e gerar

oportunidades de negócios para seus associados, viabilizando projetos, buscando atrair

indústrias de transformação, de maneira a dar mais horizonte à vida produtiva local”.

Piquet e Oliveira entrevistaram executivos de diferentes tipos de empresas31,

chegando às seguintes conclusões: as petroleiras consideram as administrações locais

(prefeituras) pouco eficientes e pouco atentas às suas necessidades de segurança,

iluminação, transporte coletivo e vêem a si mesmas agindo dentro dos princípios

éticos e administrativos modernos, obedecendo à legislação trabalhista e ambiental.

As fornecedoras e as não-vinculadas acham que cumprem seu papel ao gerar empregos

e pagar impostos e percebem os programas sociais como atribuições do setor público.

Nenhuma das empresas demonstrou preocupação com o território que lhes dá

30 Mulher do ex-governador Anthony Garotinho; ela própria ex-governadora e prefeita de Campos. 31 As empresas petroleiras transnacionais - Shell, Texaco, Petrobrás – que são as grandes petroleiras, de alto padrão tecnológico e certificadas nos termos da ISO 9000; as fornecedoras locais, aplicadas em engenharia civil, transporte, alimentos, que são novas, com um quadro pequeno de pessoal e de baixa qualificação e que são prestadoras de serviço às petroleiras; as “empresas não-vinculadas” empresas familiares, com mão de obra de baixa qualificação e sem nenhuma certificação. Em Piquet e Serra, op.cit.

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sustentação (p. 279). Macaé, a cidade que as sedia, vem tendo um crescimento

“especializado e dependente, projetado para um horizonte curto, de 20 a 30 anos”

(p.283).

Piquet define as áreas produtoras de petróleo e gás como “campos de fluxos, onde se

articulam sofisticadas redes de unidades industriais, portos, dutos, aeroportos, bens,

homens e informações e cuja localização se dá por determinação da natureza” (onde

estão as jazidas). Tais campos não são inspirados pela promoção do desenvolvimento

regional, estando antes destinados a cumprir metas globais e/ou nacionais de

desenvolvimento. Tampouco parecem orientados por outras formas de

desenvolvimento (bem-estar, sustentabilidade ambiental, participação local e defesa

da identidade cultural).

Macaé ilustra o que acontece nos demais municípios petro-rentistas: preocupações de

curto prazo; construção de um consenso falso; desinformação; lógicas oligárquicas;

particularismos. (SOFFIATI) Poderia ser diferente, sim, mas por onde começar a

provocar a diferença? Poderia a Petrobrás provocar essa diferença, se o quisesse?

Em resumo: a pujança econômica local no Brasil vem acompanhada da pobreza, da

degradação sócio-ambiental e urbana. Forma os “desafios da abundância” aos quais se

referiu Piquet. Macaé é exemplo disso. Os dados e análises contidos nos estudos acima

mencionados apontam para um processo de crescimento econômico acompanhado por

desigualdades intensificadas.

Nossa pergunta: poderia ser diferente? O que fazer para superar essa dinâmica trágica?

4. Desenvolvimento local e o desafio da abundância: a responsabilidade social

empresarial seria a resposta?

Os campos petrolíferos compartilham com outros grandes projetos – hidrelétricas,

pólos petroquímicos – os mesmos impactos: “migrações, com conseqüente estrutura

demográfica atípica, composta por elevado coeficiente de homens jovens;

favelização, prostituição e criminalidade; espaços urbanos não-equipados; despreparo

do poder público local, que faz concessões que enfraquecem os cofres municipais e

que assiste à ocupação não planejada das beiras de estradas, rios, canais e encostas

de morros e à conseqüente sobrecarga no uso dos equipamentos coletivos, sem cuidar

de sua ampliação e modernização” (PIQUET, 2007).

4.1- Teorias sobre o desenvolvimento local:

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 38

As teorias sobre desenvolvimento local – ou sobre a dificuldade de realizá-lo - podem

ser agrupadas em dois tipos: um, que podemos chamar de estruturalista e que explica

o sub ou mau desenvolvimento local como resultado de forças econômicas que atuam

na macro-estrutura e que constrangem tanto os estados-nações quanto dentro deles as

localidades. As teorias do desenvolvimento dependente e do dependente-associado

(Gunder Frank; Cardoso & Faletto) são seus melhores exemplos. Brandão menciona

alguns autores de concepções marxistas (Lefebvre; Harvey; Lipietz; Castells) que

explicam a reprodução social do espaço a partir da relação entre Estado e capital e

das lutas internas entre frações do capital e entre este e o trabalho. Com base neste

enfoque estruturalista, somos levados a concluir que a superação de tal situação de

sub ou mau desenvolvimento local seria algo que só poderia acontecer do nível macro-

estrutural para o micro. Complementarmente, seria impossível a concretização de um

desenvolvimento local que fosse econômico e social a um só tempo, por conta das

pressões migratórias do segmento mais pobre e sem qualificação e suas urgências.

Um segundo tipo de enfoque sobre o desenvolvimento local forma o pensamento que

Brandão chama criticamente de “localistas” e no qual agrupa as propostas de “capital

social”, de “economia solidária e popular”, de “voluntariado”, “empreendedorismo”,

“microiniciativas”, “parceria público-privada”, “cooperativa”, “governança”,

“responsabilidade social empresarial”, etc. Tais idéias tem em comum não apenas o

nível micro, mas a aposta na capacidade individual, na sua criatividade, o que levaria

a uma nova identidade e um novo perfil mais atraente para as localidades onde os

indivíduos empreendedores agem. Brandão as critica como uma “endogenia exagerada

das localidades” e também por parecerem partir da idéia de que os conceitos de

oligopólios, de classes sociais, de hegemonia estariam superados como explicação para

uma nova realidade onde já não haveria centralização, concentração, massificação e

estandartização (2007:38,45). Além disso, essas teorias localistas partem, segundo

Brandão, da premissa equivocada de que a região e a esfera nacional ter-se-iam

tornado desimportantes. (Lembramos que o próprio mote da Conferência de Cúpula da

ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (Rio 92) – “pensar globalmente, agir

localmente”- parecia também prescindir da esfera nacional.)

Essas teorias endogênicas seriam também voluntaristas, segundo Brandão. Eis como o

autor compara e contrasta os dois blocos teóricos (Brandão, 2007, pgs. 44,45):

Teorias da “Divisão Social do Trabalho” Teorias do “Desenvolvimento Local/Endógeno”

1. Sociedade 1. Comunidade

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2. Classes Sociais 2. Atores, Agentes, Talentos Humanos

3. Capital (e suas frações) x Trabalho 3. “Capital Social”; “Capital Cultural”;

“Capital Sinérgico”; “Capital Humano”

4. Propriedade dos Meios de Produção 4. “Agenciamento de Habilidades” e

Capacidade de “Federar a Produção”

5. Relações Mercantis 5. Relações de Reciprocidade

6. “Mundo do Trabalho” 6. “Capital Humano”; Recursos Humanos e

sua empregabilidade

7. Estado 7. Mercado

8. Ação Pública 8. “Iniciativa Privada” e “Parcerias

Público-Privadas”

9. Rivalidades Intercapitalistas 9. Cooperação

10. Fatores “exógenos” e

“macroeconômicos” fundamentais e

determinantes (câmbio, juros, fisco,

regulação do mercado de trabalho; papel

das questões monetárias, financeiras, dos

fundos públicos, etc.)

10. Fatores Endógenos e

“microeconômicos” do ambiente sinérgico

são determinantes

11. Padrões Concorrenciais, mesmo que

em última instância, comandados por

oligopólios

11. Micro e Pequenas Empresas e Empresas

em Rede

12. Estruturas Produtivas 12. Economia Terciária e “dos serviços”,

pós-industrial, pós-fordista e de

acumulação flexível

13. Poder; Hegemonia 13. Atmosfera

14. “Bloco Histórico” 14. “Espírito Empreendedor”

15. Divergência, Diversidade, Assimetrias 15. Convergência

16. Equidade 16. Eficiência

17. Justiça Ambiental (intergeracional) 17. Sustentabilidade

18. Pouca capacidade de Regulação Local

(posto que o Centro de Decisão está no

núcleo dominante e não é disseminado,

mas concentrado).

18. Governança Local

19. Ética 19. Estética

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Houve, prossegue Brandão, uma “certa banalização e vulgarização da

problemática do desenvolvimento de cidades, regiões e países” porque as explicações

foram deslocadas para o lugar-comum do voluntarismo, esquecendo a “natureza

estrutural, histórica e dinâmica destas “questões espaciais”. O autor propõe um olhar

diverso, examinando o local, o territorial a partir de uma perspectiva estrutural, e

recolocando o urbano e suas políticas dentro da economia política do desenvolvimento.

Segundo ele, há um movimento desigual da acumulação de capital no espaço, através

de processos de homogeneização, integração, polarização e hegemonia:

• o capital homogeneíza porque leva a mercantilização às últimas conseqüências e

porque aniquila o espaço pelo tempo, sendo indiferente ao lugar;

• o capital integra porque cria instâncias mais largas – nacional, supra-nacional, às

custas da supressão da autonomia e independência dos lugares;

• o capital polariza porque hierarquiza espaços, ao criar pontos nodais com

diferentes níveis de estruturas de serviços, centros de armazenagem,

comercialização, gestão, poder político e cultural;

• o capital se funda na hegemonia, na conquista do consenso via persuasão e

alianças de classes, ocultando fissões e conflitos, criando um pacto de

dominação entre donos de terra, o Estado e os donos do dinheiro, contra “as

camadas baixas, difusas, deserdadas e com fratura orgânica.” (2007: 86)

Ao percorrer a história econômica brasileira, Brandão menciona os pontos territoriais

de semi-enclave, as frentes de expansão, as ilhas de infra-estrutura e nelas as

oligarquias regionais que trouxeram uma industrialização restringida em um processo

de “fuga para frente”. As localidades do país receberam um “processo avassalador de

migração, urbanização-metropolização e burocratização” (2007: 129). Frações

modernas do capital soldaram seus interesses com o capital mercantil, aquele de

natureza política, garantido por privilégio político (2007: 139) e perpetuaram o atraso

estrutural do Brasil. Houve, segundo Brandão, uma “pactuação horizontal

interoligárquica”, que permitiu a combinação do dinamismo das forças produtivas com

a reprodução simples e não dinâmica da periferia. (2007: 99). Essa situação, que seria

explosiva, foi amortecida através da mobilidade espacial e social e da expansão da

fronteira agrícola, mas esse amortecimeto implicou em favelas e depredação

ambiental.

No outro extremo das propostas sobre como efetivar o desenvolvimento local, estão

aqueles que enfatizam mesmo a ação inovadora de um indivíduo criativo, mas

sobretudo das empresas que o estimulam (GOMES & MORETTI). Caberia às empresas e

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ao empresariado um papel fundamental em um novo capitalismo, agora conscientizado

das urgências sociais e do comprometimento moral com o entorno das suas

corporações. Tais idéias se difundiram com os conceitos de desenvolvimento

sustentável e de responsabilidade sócio-ambiental das empresas. Elkington (2001), da

“Sustain-Ability”, e Hawkins & Lovins (1999) sustentam a tese de que o

desenvolvimento sustentável é atribuição empresarial porque depende de inovações e

de tecnologia, plantas que vicejam nas empresas, e porque a busca de

sustentabilidade dá oportunidade a novos negócios via criação de novos perfis de

mercado. Layrargues, todavia, mostra-se algo descrente deste ambientalismo

empresarial que se configuraria na maior parte dos casos, em uma cortina de fumaça.

As teorias acima sintetizam duas concepções que deram extenso debate na sociologia

em geral e da sociologia do desenvolvimento em particular: o confronto do

estruturalismo, que trata de forças sociais sem sujeito, versus o voluntarismo da ação

planejada dotada de sentido e vontade de sujeitos que agem. Como se dá o processo

de desenvolvimento, quem o faz, quem o impede? Ao se debruçar sobre o

desenvolvimento urbano, Maricato nos oferece uma análise complexa do porquê da

degradação social e ambiental das cidades brasileiras: sem deixar de ver os aspectos

estruturais, ela não exime das suas causas também as inconsistências internas da

máquina administrativa, o beletrismo bacharelesco, cômodo e ineficaz da sua

tecnocracia, a adaptação esperta do pequeno rentista de imóveis de auto-construção,

as negociações de permissões e até de lotes clandestinos por parte do corpo fiscal etc.

4.2 – O que fazer? É possível escapar ao determinismo trágico das estruturas?

Macaé, como visto acima, é um local rico e desigual; está estreitamente ligado a

estruturas econômicas petrolíferas internacionais; tem um expressivo contingente de

pobres em favelas; tem áreas lindas mas ambientalmente degradadas. Muitos dos

aspectos históricos brasileiros abordados por Brandão se aplicam a Macaé: um

desenvolvimento desigual e desequilibrado. Como mudar isso, como superar esta

abundância trágica? Devem as empresas atuar diretamente na sua superação?

Na literatura sobre a questão, Angra III e a Eletrobrás Eletronuclear são apontadas

(Revista Visão Sócio-Ambiental) como exemplos: de um orçamento total de

investimento de R$ 7 bilhões na Usina Nuclear Angra III, teria destinado 481 milhões

(6,87%) como recursos compensatórios ao longo de seis anos, para projetos sócio-

ambientais nas três municipalidades onde atua: Angra dos Reis, Rio Claro e Parati, o

que significaria R$ 2.226.851,00 por municipalidade/mês, para capacitação de pessoal

e desenvolvimento regional.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 42

Tentemos um quadro esquemático para visualizar a correspondência entre a análise do

desenvolvimento desigual e as propostas de superá-lo:

Por que Macaé apresenta um desenvolvimento desigual

e desequilibrado?

Como solucioná-lo na direção de um desenvolvimento

ambientalmente sustentável, socialmente justo e

dmocrático?

1.1 Por causa das forças estruturais do capitalismo global

1.2 Por causa das forças estruturais da “pactuação

horizontal interoligárquica” a nível nacional

1 Não haveria solução local e nem haveria problema,

posto que todo processo de desenvolvimento gera

“naturalmente” uma cadeia de desequilíbrios

2 Porque as oligarquias locais são perversas, seja por

vontade, seja por omissão (intenção ou inércia)

2.1 Uma solução seria a atuação social empresarial

2.2 Outra a capacitação política da população via

democracia participativa e governança

3 Porque as instituições políticas e jurídicas nacionais são

fatores de perpetuação das desigualdades

3 Não haveria solução local, uma vez que o desenho

destas instituições é nacional, de difícil atualização e de

privilégios quase vitalícios e as instituições locais as

mimetizam

4 Por causa da cultura política geral – local e nacional –

que naturaliza desigualdades e não prioriza o interesse

público

5- Por que as empresas são desterritorializadas e não

ligam para o seu entorno

4.1 Uma solução seria de longo prazo através da educação

formal e continuada

4.2 Um encaminhamento de solução seria uma ampla

campanha de debates nos meios de comunicação

5 – Ações conjuntas de responsabilidade social e

ambiental de fato pelas empresas

Chico Oliveira debruçou-se sobre o que chamou de “o enigma do desenvolvimento

local”. Poderia ele corrigir a tendência da concentração macro? As cidades globais,

frutos da ligação direta global/local, significariam a não-necessidade da instância

nacional? Seria ultrapassar a dimensão do Estado nacional? Para o autor, o

desenvolvimento local pode se inserir em uma estratégia de descentralização que

agrave desigualdades. Oliveira critica um significado atribuído ao desenvolvimento

local que o aplica como um “emplastro” de uma cidadania que seria o não-conflito32.

O caminho que ele aponta é a luta por cidadania, que viria a ser a forma

contemporânea da luta de classes. Essa luta ele a define como uma luta por

32 Os episódios de março e abril de 2010, com a passeata na Cinelândia, organizada pelo governo estadual e municípios do estado do Rio de Janeiro contra a Emenda Constitucional Ibsen Pinheiro, podem ser exemplos deste falso consenso: “mexer cm o Rio é mexer comigo”, estava escrito em um cartaz da passeata que reclamava da proposta do Senador de se distribuir a receita dos royalties por todo o país.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 43

significados, direitos e fala. E que teria peso porque, ainda segundo ele, o poder do

local não é pequeno no Brasil33.

Chico Oliveira reconhece que há mesmo uma nova ética – um clamor público e uma

proposta empresarial - que pede transparência, mas ele cobra da ética empresarial

que ela desça dos preceitos abstratos, nos seus modelos e tipologias34 e se introduza

nas dimensões mais concretas. Piquet e E. L.de Oliveira, como já mencionado, ao

entrevistarem executivos de diferentes tipos de empresas35 parecem corroborar esta

falta de dimensão mais concreta: as petroleiras consideram as administrações locais

(prefeituras) pouco eficientes. Há um clima de animosidade e desconfiança mútuas.

“A economia do petróleo não tem país, as empresas não criam identidade com a

cidade” afirmou Cliton Santos, Secretário de Desenvolvimento Econômico de Macaé.

As fornecedoras e as não-vinculadas acham que cumprem seu papel ao gerar empregos

e pagar impostos e percebem os programas sociais como atribuições do setor público.

Piquet e Oliveira, as autoras, concluem que nenhuma das empresas demonstrou

preocupação com o território que lhes dá sustentação (p. 279). Macaé, a cidade que as

sedia, vem tendo um crescimento “especializado e dependente, projetado para um

horizonte curto, de 20 a 30 anos” (p.283). “A instalação da Petrobrás em Macaé,

antes da Constituição Federal de 1988, foi traumática e há uma dívida social

impagável da empresa com a cidade”, afirmou o jornalista Martinho Santa Fé,

ambientalista local emérito e editor da Revista Visão Sócio-Ambiental. Os municípios

petro-rentistas também padecem de preocupações de curto prazo; construção de um

consenso falso; desinformação; lógicas oligárquicas; particularismos.

33 Não faltam exemplos de fóruns e blogueiros denunciando a falta de transparência e o desperdício das fartas verbas do petróleo em Campos. Como, por exemplo, a “desciclopedia sobre Macaé - http://desciclo.pedia.ws/wiki/Maca%C3%A9. 34 Os autores arrolados na bibliografia e que tratam da responsabilidade social empresarial enfatizam mesmo os preceitos. A responsabilidade social corporativa (RSC) representa o compromisso com a idéia de organização como conjunto de pessoas que interagem com a sociedade. Dela fazem parte: a ação social filantrópica e assistencial; auditoria social, com avaliação sistemática do impacto social da empresa; o capital relacional, entendido como a integração com grupos de interesse; um código de conduta, expressão formal de valores e boas práticas; um código de bom governo interno; o desenvolvimento sustentável, entendido como a compatibilização entre a exploração racional de recursos naturais e sua regeneração; a empresa-cidadã, conceito pelo qual a empresa se percebe tendo deveres; a ética empresarial, valores, normas e providências determinado pela organização aos seus membros; filantropia estratégica, vinculada a um planejamento estratégico de negócio, associando a ação filantrópica a alguns benefícios determinados em termos econômicos e de vantagem competitiva; gestão ambiental, voltada para a prevenção, redução, minimização e eliminação do impacto ambiental negativo que ocasiona ou pode ocasionar a atividade da empresa; marketing social, visando campanhas com apoio da comercialização de produtos e serviços oferecidos por países com vistas ao desenvolvimento e organizações não governamentais que canalizam ajuda a ditos países; reputação corporativa, buscada com o reconhecimento público alcançado, expressão, em certa medida, de legitimidade social; sustentabilidade, entendida como sua tríplice dimensão econômica, social e ambiental; conta tríplice de resultados, apresentando o valor econômico, o valor para o desenvolvimento social ou para o meio ambiente que as empresas criam ou destroem. 35 As empresas petroleiras transnacionais - Shell, Texaco, Petrobrás – que são as grandes petroleiras, de alto padrão tecnológico e certificadas nos termos da ISO 9000; as fornecedoras locais, aplicadas em engenharia civil, transporte, alimentos, que são novas, com um quadro pequeno de pessoal e de baixa qualificação e que são prestadoras de serviço às petroleiras; as “empresas não-vinculadas” empresas familiares, com mão de obra de baixa qualificação e sem nenhuma certificação. Em Piquet e Serra, op.cit.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Selene Herculano - Pag 44

Soffiati36, ambientalista emérito de Campos e professor da UFF, sugere que a

OMPETRO se transforme em um órgão assessorado por um corpo técnico que oriente as

prefeituras sobre a aplicação correta do dinheiro dos royalties e participações e que

haja um fundo municipal administrado paritariamente e com transparência. Tal fundo

existe em Macaé, mas não encontramos maiores informações a respeito.

Macaé, nesse grupo de municípios petro-rentistas, tem aspectos distintivos e

melhores: não é assim tão dependente dos royalties, uma vez que obtém receita

expressiva das multinacionais ali instaladas. Mas que podem ir embora se as atividades

de extração terminarem. As descobertas recentes das jazidas petrolíferas do “pré-sal”

parecem arredar tal ameaça. Continuam, todavia, os problemas de falta de

planejamento urbano, da presença de uma pobreza que não é resgatada. A alternativa

de se preparar para em um futuro sem petróleo vir a ser um centro de tecnologia não

parece estar sendo enfrentada, se lembrarmos dos recursos modestos pensados para

esta função (Tabela 5, acima), apesar dos esforços de construção de espaços para

sediar cursos universitários em experiências de interiorização.

Brandão tem razão: o desenvolvimento, pelo menos em um país desigual, não pode se

dar isoladamente em uma localidade, precisa ser resultante de políticas regionais ou

nacionais, orquestradas de forma sistêmica, integrada e harmoniosa. Mas, enquanto

essas não se realizam, não caberia à Petrobrás, dado o seu histórico – uma empresa

criada a partir de campanhas populares, nacionalistas e desenvolvimentistas – e seu

perfil, uma empresa de economia mista, com dinheiro também público, atuar nesse

sentido? Alguns responderiam que não, que a única responsabilidade de uma empresa

é gerar lucro (M. Fridman), e que cabe ao povo escolher melhor seus governantes e

deles cobrar o bem público. Mas há que se considerar que nem a Petrobrás é uma

empresa particular nem pode escolher com o desejável grau de liberdade e cidadania

uma população com expressivo montante na pobreza e defrontada com instituições

percebidas como tendentes à inércia e à defesa de si mesmas.

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36 Jornal A Folha da Manhã, diversos artigos.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-2: Rodrigo Valente Serra - Pag 47

 

Distribuição das Rendas Petrolíferas no Brasil: uma sistematização crítica das

alternativas em debate nas casas legislativas nacionais

Rodrigo Valente Serra

A concentração espacial da atividade de exploração e produção de petróleo e gás, associada às regras de rateio e aplicação vigentes para as rendas do petróleo (royalties e participações especiais – PE)1, que forjaram o advento de uma espécie de municípios petro-rentistas no país, encontraram um ambiente de franca disputa pela apropriação desta fonte de recursos. Disputa que explicita a forte tensão de nosso pacto federativo – competição vertical pela apropriação das rendas do petróleo – bem como evidencia contendas no âmbito de um mesmo nível de governo. O objetivo da presente artigo é sistematizar as principais críticas ao modelo hoje vigente de distribuição e aplicação das rendas do petróleo e sugerir um mapeamento dos interesses que estão alimentando, justamente agora (no verão de 2011), as propostas de alteração na forma de apropriação das rendas do petróleo.

1. Distribuição das Rendas do Petróleo no Brasil: o quanto está em disputa e a razão dos questionamentos

A disputa pelos royalties do petróleo não é matéria recente, podendo ser apontado como seu primeiro episódio mais eloqüente a demanda pela descentralização destas compensações nas décadas de 1970 e 80, quando estas receitas, oriundas da produção marítima, eram reservadas exclusivamente à União, tendo como protagonistas os conhecidos senadores José Sarney e Nelson Carneiro2.

A contenda atual - instaurado desde o “anúncio do pré-sal” em 2008 3 - ganhou proporções inéditas, adquirindo o, talvez alarmista, título de crise federativa, seja pelo fato de ter atravessado o ano eleitoral de 2010, seja pela magnitude dos valores em disputa.

                                                           1 Os royalties e a participação especial são as principais compensações financeiras pagas às três esferas overnamentais. Os royalties possuem uma alíquota fixa (variando entre 5% e 10%) incidente sobre o valor bruto da produção, distribuído mensalmente, e a participação especial traduz-se em uma alíquota variável, entre 0% e 40% (variando em função da localização do campo, do tempo de produção e do volume produzido), incidente sobre a receita líquida, distribuído trimestralmente. 2 Para uma recuperação histórica destas disputas ver Serra (2005). 3 Estamos nominando como “anúncio do pré-sal” a decisão do Governo Federal de retirar da 10º Rodada de Licitação da ANP os blocos petrolíferos localizados na área hoje delimitada como o polígono do pré-sal.

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O volume das rendas petrolíferas que está em disputa no “cabo de guerra”, em que competem estados/municípios produtores (de petróleo e gás natural) e não produtores, requer uma breve parametrização.

No ano de 2010 foram distribuídos a título de royalties e participações especiais um total de R$ 21,6 bilhões, quantia que – oferecendo uma base comparativa – foi equivalente a 1,65 vezes o programa Bolsa Família, o qual consumiu R$ 13,1 bilhões do orçamento de 2010, com uma cobertura de 12,7 milhões de famílias. (Agência Senado: 2011). (Ver Tabela 1)

Breves menções sobre algumas projeções para a produção petrolífera nacional no médio e longo prazo são suficientes para apontar uma elevação expressiva das rendas do petróleo, e, por extensão, uma promoção das aludidas disputas.

As rendas petrolíferas (royalties + participações especiais) de 2010, em torno de R$ 21,6 bilhões, resultaram de uma produção diária média de aproximadamente 2,5 milhões de barris de óleo equivalente por dia (Mboe/d)4. Tomando as projeções da EPE (2010) para o ano de 2019 5, em que a produção alcançaria 6,5 Mboe/d, é fácil perceber que estamos lidando com uma riqueza vindoura astronômica6.

Para além da magnitude deste fundo formado pelas rendas do petróleo, vale ressaltar o nível de dependência de algum dos principais beneficiários em relação a estas receitas, com destaque para o Estado do Rio de Janeiro (responsável por mais de 83% da produção nacional de petróleo), para o qual nos anos de 2008 e 2009 as rendas petrolíferas (royalties + participações especiais) representaram, respectivamente, 14,9% e 11,1% das receitas totais desta unidade da federação7 (Secretaria do Tesouro Nacional – STN: 2011).

Este nível de dependência reflete a conjugação de dois fatores: a localização da produção, concentrada na Bacia de Campos, e a norma de distribuição das rendas petrolíferas entre os beneficiários, a qual valoriza a proximidade física do beneficiário (Estado e Município) em relação as áreas de produção marítimas. O Estado do Rio de Janeiro, principalmente, seguido pelo Estado do Espírito Santo, em função da conjunção dos fatores explicitados acima, concentram parte expressiva das rendas petrolíferas. Com apoio da Tabela 1, vê-se que a distribuição dos royalties em 2010, reservou ao Estado do Rio de Janeiro 20,4% dos royalties

                                                           4 ANP (2011). Esta medida inclui a produção de gás natural. 5 As projeções podem ser tomadas como superestimadas em função do atraso, não previsto no documento EPE (2010), na realização da 11ª Rodada de Licitação. 6 Observa-se, por oportuno, que tais projeções referentes à produção não podem ser traduzidas, por simples regra de três, em projeções para as rendas petrolíferas, seja em função da não incidência das participações especiais nos vindouros contratos de partilha da produção, seja em função da variação da rentabilidade líquida (que varia campo a campo) que afeta o recolhimento das Participações Especiais nas áreas já licitadas, seja em função da indefinição das alíquotas dos royalties para os contratos do regime de partilha. 7 Em 2008 a participação das rendas petrolíferas na receita estadual foi especialmente elevada em função do aumento do preço do barril no referido ano.

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(entre 29,6% destinado ao conjunto dos Estados) e 37,5% das participações especiais (entre 40% destinado ao conjunto dos Estados).

Tabela 1 - Consolidação das Participações Governamentais no ano de 2010. Em R$ 1.000,00

Abs. %297.421,68 3,00%

2.026.613,39 20,41%618.108,35 6,22%

2.942.143,42 29,63%304.095,99 3,06%

2.233.055,37 22,49%853.789,85 8,60%

3.390.941,21 34,15%2.807.075,82 28,27%

789.829,83 7,95%9.929.990,27 100,00%Abs. %

235.934,8 2,02%4.380.337,9 37,53%

51.731,6 0,44%4.668.004,4 40,00%

58.983,7 0,51%1.095.084,5 9,38%

12.932,9 0,11%1.167.001,1 10,00%5.835.005,5 50,00%

11.670.010,9 100,00%

Total Brasil (Royalties + Participações Especiais) 21.600.001,20

ROYALTIES

Municípios do RJ

Municípios dos Demais Estados

ES

RJ

Demais Estados

Municípios do ES

Total MunicípiosTotal UniãoTotal Brasil

Total Estados

Total MunicípiosTotal União

Item de Receita/Beneficiários

Demais Estados

Total - 2010

ES

RJ

Municípios do ES

Municípios do RJ

Municípios dos Demais Estados

Fundo EspecialTotal Brasil

Total Estados

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL

Fonte: Agência Nacional do Petróleo (www.anp.gov.br)

Para o nível municipal, no mesmo Estado do Rio de Janeiro, o grau de dependência chega à níveis mais críticos, podendo as rendas petrolíferas atingir 75% do orçamento municipal, no ano de 2008, como foi o caso para São João da Barra, conforme Tabela 2.

Também é notório o grau de concentração das rendas petrolíferas entre os municípios. Pela Tabela 1 vê-se que dos 34,1% dos royalties destinados aos municípios, 22,5% foram distribuídos aos municípios do Estado do Rio de Janeiro. Já a participação especial, dos 10% destinados ao conjunto dos municípios, 9,4% foram distribuídos aos municípios do mesmo Estado.

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Tabela 2 – Grau de dependência orçamentária em relação às rendas do petróleo. Ranking Decrescente dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro8.

Receita Orçamentária

Rendas Petrolíferas

Nível de Dependência 

%

A B = B / ASão João da Barra 30.348,00 198.382.112,20 149.133.645,77 75,2%Rio das Ostras 91.085,00 496.477.020,80 344.515.668,46 69,4%Quissamã 19.315,00 227.399.273,50 155.243.524,29 68,3%Carapebus 11.671,00 65.217.802,48 36.904.568,49 56,6%Armação dos Búzios 27.701,00 130.574.019,90 66.495.012,20 50,9%Parati 35.182,00 102.245.900,20 47.280.553,30 46,2%Cabo Frio 180.635,00 447.728.234,70 205.685.909,41 45,9%Macaé 188.787,00 1.150.731.987,00 517.468.310,30 45,0%

MUNICIPIO Populacao

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional

Portanto estamos tratando de uma receita expressiva e que, seguindo as regras vigentes, impacta de forma também expressiva o orçamento, sobretudo, do Estado do Rio de Janeiro e dos municípios que compõem a faixa do petróleo, isto é aqueles municípios litorâneos integrantes das regiões Norte Fluminense e das Baixadas Litorâneas. Impactos estes que ajudam a compreender a radicalização dos debates e a especial movimentação política do final da gestão Lula e início da gestão Dilma (2010/2011), com compromissos (pré-eleitorais) de veto presidencial às mudanças radicais na forma de distribuir as rendas do petróleo (como desejado pelas emendas Ibsen/Simon), o veto efetivo, as ameaças de judicialização da disputa e as ameaças de derrubado do veto.

Tendo trazido as evidências acerca de como a receita advinda das rendas do petróleo atingem o caixa dos principais beneficiários e de como estão espacialmente concentradas, cumpre, agora, apresentar quais os principais critérios que explicam aquela distribuição dos recursos, tendo como referência o trabalho de Serra e Marinho (2010). Royalties Os royalties incidem sobre o valor da produção de petróleo e gás natural, a preços de mercado. Sua alíquota é fixada em 10%, podendo ser reduzida a um mínimo de

                                                           8 Alguns municípios não estão na lista em virtude de não terem enviado as informações referentes à execução orçamentária à Secretaria do Tesouro Nacional, como, por exemplo, o Município de Campos dos Goytacazes, o maior beneficiário, entre os municípios, das rendas petrolíferas.

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5%, em função de variáveis que impactam o custo exploratório. Contudo, para os campos petrolíferos das bacias de Campos e de Santos pode-se dizer que a alíquota padrão é de 10%, sendo poucos os campos petrolíferos com alíquota diferente desta. Para facilitar o entendimento acerca do rateio dos royalties, guarde o leitor que esta alíquota padrão de 10% deve ser dividida em: i) alíquota de 5% (mínima), cujas regras de repartição são determinadas pela Lei 7.990/89 e pelo Decreto 01/91; ii) alíquota excedente a 5% (que varia entre 0% e 5%), cujas regras de repartição são determinadas pela Lei 9.478/97 e pelo Decreto 7.990/89. Assim, como forma de firmar a compreensão, pode-se dizer que o portentoso Campo de Marlim (Bacia de Campos), por exemplo, cuja alíquota dos royalties é de 10%, possui uma alíquota excedente de 5%. A coexistência destas duas estruturas de distribuição dos royalties faz com que o rateio final destes recursos entre as esferas governamentais varie em função da alíquota vigente nos campos petrolíferos, o que pode ser verificado através da análise da Tabela 3. Tomando como exemplo um campo petrolífero hipotético, cuja alíquota dos royalties seja igual a 10% (ou, de outra forma, cuja alíquota dos royalties excedentes seja igual a 5%), procura-se demonstrar a estrutura final de rateio destes recursos entre as esferas governamentais. Tabela 3: Repartição dos royalties incidentes sobre a produção na plataforma continental (hipótese: alíquota = 10%)

Beneficiários

Distribuição da alíquota de 5% (Lei 7.990/89 e Decreto 01/91).

Distribuição da alíquota

excedente a 5% (Lei 9.478/97 e

Decreto 2.705/98).

Rateio final dos royalties entre os

beneficiários

Estados confrontantes 30,0% 22,5% 26,25% Municípios confrontantes e suas respectivas áreas geoeconômicas

30,0% 22,5% 26,25%

Municípios onde se localizam (afetados) instalações de embarque e desembarque de petróleo*

10% 7,5% 8,75%

Comando da Marinha 20% 15% 17,50% Ministério da Ciência e Tecnologia - 25,0% 12,50%

Fundo Especial 10% 7,5% 8,75% Total 100,0% 100,0% 100,0% * A lei 7.990/89 previa o pagamento apenas para os municípios onde se localizavam as instalações de embarque e desembarque, já a lei 9.478/97 inclui também aqueles (municípios contíguos) afetados por estas instalações. Antes de comentarmos sobre os beneficiários dos royalties, vale trazer uma hipótese explicativa para as razões de haver duas distintas regras para o rateio dos royalties. Dito de outra forma: qual a razão para a Lei 9.478/97 não revogar a Lei 7.990/89, determinando uma nova e única forma de rateio dos royalties? A hipótese é que como a Lei 9.478/97 foi também a mesma que ratificou a quebra do monopólio da Petrobras – sendo, portanto, uma votação difícil - o intuito do executivo foi o de barrar resistências à sua aprovação: deixando intacta a regra

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válida para a alíquota mínima de 5%, evitava-se assim uma eventual oposição daqueles entes que interpretariam suas perdas como uma violação em seus direitos adquiridos9. Vê-se, através da Tabela 3, que são, entre os municípios, os maiores beneficiários, aqueles categorizados como “Municípios confrontantes e suas respectivas áreas geoeconômicas”. Este grupo, por sua vez, é subdivido em subgrupos, conforme descrito a seguir, com as respectivas participações: Zona de Produção Principal: formada pelos municípios confrontantes e o município que concentrar instalações industriais para processamento, tratamento, armazenamento e escoamento de petróleo e gás; (60% dos 30% destinados a estes, conforme Tabela 3) Zona de Produção Secundária: formada por aqueles municípios cortados por dutos, destinados, exclusivamente, para o escoamento de óleo cru ou gás natural de uma dada área de produção petrolífera marítima; (10% dos 30% destinados a estes, conforme Tabela 3) Municípios Limítrofes à Zona de Produção Principal: formada pelos municípios territorialmente contíguos aos municípios da zona de produção principal e aqueles pertencentes à mesma mesorregião geográfica (do IBGE) dos municípios da zona de produção principal; (10% dos 30% destinados a estes, conforme Tabela 3) Portanto são os municípios confrontantes aqueles que recebem as maiores fatias do rateio dos royalties da parcela de 5%, bem como da parcela dos royalties superior a 5%. Para melhor compreensão da categoria de municípios confrontantes, apresenta-se um mapa ilustrativo (Figura 1), o qual exemplifica a condição específica de município confrontante. Observa-se que das extremidades de cada município litorâneo partem dois pares de retas. Esses pares representam dois tipos distintos de projeções marítimas dos limites municipais: as projeções ortogonais e as paralelas. O par de retas representando as projeções dos limites ortogonais que partem de determinado município garante geometricamente que os poços localizados em seu interior tenham o mesmo município como o território continental mais próximo. Tal solução não atende, absolutamente, a qualquer fundamento econômico para repartição das indenizações entre os municípios. Isto porque não há, a princípio, qualquer relação entre a distância física10 que separa o poço petrolífero e o município confrontante e a intensidade da presença de capitais transitórios nos municípios beneficiários.                                                            9 Rigorosamente, a proposta original do executivo para a Lei do Petróleo, constante do PL 2.142/96, talvez, justamente, com esta intenção de não ameaçar direitos adquiridos dos beneficiários, previa a repartição dos royalties excedentes na forma idêntica como vinha se realizando até então. Foi no processo de aprovação da Lei do Petróleo que novas regras para rateio dos royalties excedentes foram apresentadas.  10 Observe, por exemplo, que os limites ortogonais do município de Campos dos Goytacazes abarcam quase a totalidade dos poços da Bacia de Campos, embora as atividades de embarque e desembarque associadas à atividade petrolífera sejam pouco expressivas em seu território. 

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Quanto à projeção dos limites paralelos municipais, sua justificativa para definição dos municípios confrontantes carece de sentido econômico e mesmo geométrico (físico), devendo, de outra forma, ser buscadas as razões políticas que efetivamente deram ensejo a esta proposta metodológica. Em Serra (2005), consta a apresentação da hipótese de que as projeções paralelas foram decididas para atenderem às demandas de um maior número de municípios, cujos representantes na câmara federal, que apoiaram a luta pela distribuição dos royalties, tinham ali suas bases. Não há como, diante do aclaramento da forma de rateio desta parcela dos royalties, evitar a seguinte indagação: a proximidade física traduz algum tipo de impacto sobre o território? Antes de enfrentar a citada indagação, observa-se que, rigorosamente, a compensação financeira na forma dos royalties serve, em teoria, para ressarcir o proprietário pela extração de um recurso finito. Sendo a União a proprietária exclusiva destes recursos, caberia, pois, que o ressarcimento fosse destinado à sociedade brasileira. Contudo, por força de nosso municipalismo e pela pequena importância destes recursos à época da definição de sua repartição, o rateio (fruto da barganha política nas duas casas legislativas nacionais) acabou por beneficiar os municípios costeiros junto às áreas de produção. Figura 1 – Bacia de Campos. Projeções dos limites municipais ortogonais e paralelos

Fonte: Barbosa (2001)

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Não se deve ler com pessimismo crônico o fato dos royalties serem distribuídos aos estados e municípios, sobretudo para os que associam descentralização dos recursos com maior grau de democracia11. Sabe-se, contudo, que há municípios entre os maiores beneficiários que não têm qualquer relação com a atividade petrolífera, a não ser o fato de receberem elevadas somas das rendas petrolíferas. O sistema de projeções, para definição dos municípios confrontantes, desenhado pela norma legal nada diz sobre os reais impactos da atividade sobre o território. A confrontação, como princípio para rateio das rendas do petróleo, desprestigia alternativas que, sob o ponto de vista dos impactos sócio-ambientais, nos parece mais equânimes: i) os comportamentos das correntes e dos ventos poderiam ser estudados (como já o são para os Relatórios de Impacto Ambiental relacionados ao licenciamento das atividades de produção na plataforma continental) para delimitação de áreas potencialmente atingíveis por eventuais derramamentos de óleo; ii) o real impacto da atividade petrolífera sobre o território poderia ser verificado por indicadores fartamente oferecidos no país, tais como a presença de empresas ligados ao setor ou o número de trabalhadores vinculados a este; iii) uma distribuição de pesos no rateio das rendas do petróleo que ampliasse a importância de critérios já incorporados na legislação, tal como a movimentação de petróleo e gás nos municípios que detêm instalações para este fim (ver Tabela 3). Para além destas alternativas, cabe ainda questionar-se sobre a justeza de uma maior difusão espacial das rendas petrolíferas. No âmbito nacional, estaríamos falando de uma pulverização destas receitas para o conjunto dos municípios brasileiros, repetindo-se os mesmos critérios de repartição do Fundo de Participação dos Municípios, tal como proposto, como se verá, pela Emenda Ibsen/Simon. Mas também no âmbito das Unidades da Federação poderia ser proposta uma maior pulverização destes recursos, assumindo desenhos de repartição que incorporassem um sistema de tetos. Assim, com um sistema de tetos poderia ser evitado que alguns municípios beneficiários das rendas do petróleo atingissem orçamentos per capita muitas vezes maiores que a média estadual, o que se apresenta como uma iniqüidade ainda maior quando se observa que muitos desses sequer são negativamente impactados pelas atividades petrolíferas. Outro argumento muito utilizado em defesa das regras atuais trata de justificar os royalties destinados aos estados e municípios hoje beneficiados como uma compensação à imunidade tributária sobre as operações interestaduais de petróleo e gás. De fato, o artigo 155, § 2º, inciso X, alínea "b", da Constituição Federal de 1988, dispõe que o ICMS incidente sobre petróleo, lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando os mesmos são destinados a outros estados, não pertence ao estado de origem. Ou seja, enquanto o conjunto das                                                            11 Embora não podemos deixar de traduzir que quando fazemos esta opção estamos descartando alternativas de aplicação destes recursos pelo governo federal, por exemplo, de financiamento de uma profunda política nacional de apoio às fontes renováveis de energia.

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mercadorias transacionadas entre estados deixa a maior parte do ICMS nos estados de origem, e uma menor parte nos estados de destino, as operações com as mercadorias listadas acima reservam o ICMS integralmente aos estados de destino. Tal argumento, entretanto, embora tenha validade explicativa do ponto de vista histórico, deixa a desejar em termos de racionalidade econômica. A tributação no destino é a norma mais aceita no mundo, pois garante que o imposto seja recolhido pelo estado em que vive o pagador de imposto. Portanto, nada mais justo que os combustíveis e derivados de petróleo sejam tributados no destino, como no Brasil. Se há ajuste a ser feito, é nas demais mercadorias tributadas pelo ICMS que têm parte de sua receita apropriada na origem. Essa mudança, aliás, é uma das principais medidas previstas nas últimas tentativas de reforma tributária. E, se caminhamos no sentido de eliminar toda e qualquer tributação na origem, não há mais por que se falar em compensação aos estados produtores de petróleo via royalties. (Gobetti e Serra, 2009) Participações Especiais (PE) Apenas a distribuição dos royalties não é suficiente para explicar o quadro das receitas orçamentárias dos municípios litorâneos do Norte Fluminense e das Baixadas Litorâneas, como demonstrado na Tabela 2. A Participação Especial , precisa ser incluída na presente análise, uma vez que significou, no ano de 2010, uma distribuição aos municípios da ordem de R$ 1,17 bilhão. Distribuição esta que agrava a questão da concentração espacial das rendas do petróleo, aludida no item anterior, uma vez que a PE possui como único critério de distribuição aos municípios o conceito de confrontação com campos. Desta forma, do total de PE distribuído em 2010 aos municípios, R$1,1 bilhão (94%) destinaram-se aos municípios do Rio de Janeiro, sendo R$ 615,4 milhões (53%) para o município de Campos dos Goytacazes (ANP b: 2011), em função do número de campos petrolíferos situados no interior de suas projeções ortogonais na plataforma continental, como visto na Figura 1. A PE, com alíquota de até 40%, diferentemente dos royalties, não incidem sobre o valor da produção, mas sim sobre a receita líquida dos campos de elevada produção. Receita líquida esta resultante da subtração da receita bruta pelos valores dedutíveis, segundo normatização e fiscalização da ANP, os quais incluem, entre outros: os custos de exploração e produção, os royalties e o bônus de assinatura pagos. Mesmo incidindo sobre a receita líquida, apenas dos campos de grande produção, as PE, hoje, é responsável pela arrecadação de quantia superior aos royalties. No ano de 2010, as PE somaram R$ 11,7 bilhões, cuja repartição se dá de acordo com os seguintes percentuais:

□ 40% ao Ministério de Minas e Energia; □ 40% aos Estados Produtores (confrontantes); □ 10% ao Ministério do Meio Ambiente;

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□ 10% aos Municípios Produtores (confrontantes) – o que representou, em 2010, os R$ 1,17 bilhões citados anteriormente

2. A cronologia da recente disputa pelas rendas petrolíferas

Já há alguns anos que a anual Marcha dos Prefeitos em Brasília, de caráter municipalista, vem procurando introduzir em sua pauta a questão da redistribuição das rendas do petróleo. Contudo, como ensina a lógica da ação coletiva de Olson (1999) e as contribuições de Skocpol e Fiorina (1999), a partir de estudos empíricos, os pequenos grupos que são ativos e organizados conquistam os benefícios legislativos que os grupos maiores, mas desorganizados e inativos não conseguem, gerando distorções graves no processo democrático, já que as visões e prioridades pleiteadas pelos pequenos grupos de interesse que pressionam politicamente geralmente não representam as visões e prioridades daqueles que não participam ou que são desorganizados. Na perspectiva teórica de Olson, vale lembrar que o autor afirma que grupos de interesses, em certos casos, precisam de uma organização formal para juntar forças em prol de um objetivo comum. (Serra, Terra e Pontes: 2006) Com estas referências deseja-se especular, entre outras hipóteses aqui não exploradas, que o Estado do Rio de Janeiro e do Espírito Santo e os seus municípios beneficiários, constituíram ações bem sucedidas de lobbies e advocacy groups, que lograram barrar algumas tentativas anteriores de modificação nas regras de rateio das rendas petrolíferas. O retorno à análise das Tabelas 1 e 2 mostram que existe um enfrentamento entre poucos beneficiários (organizados) que têm muito à perder com as mudanças nas regras de distribuição das rendas petrolíferas e muitos não-beneficiários que, ao final das contas, têm pouco a ganhar, já que sua principal conquista seria uma pulverização das rendas entre todos os Estados e Municípios da Federação. Mas, cabe o exercício provocativo, indagar se as regras vigentes de rateio das rendas do petróleo não teriam atingido o seu limite, em termos de iniqüidades nesta distribuição. Agora, com a magnitude das rendas petrolíferas distribuídas atualmente, e com as perspectivas da produção no pré-sal, não passariam os não-beneficiários a terem muito a ganhar com as mudanças?

Independente da aceitação desta hipótese, o fato é que a disputa pelas rendas do petróleo atingiram, após a decisão de erguer-se um novo marco regulatório setorial, níveis inéditos de conflito.

Quando o Executivo Federal, após o anúncio do pré-sal, propôs o novo marco regulatório, a partir dos quatro projetos de lei, listados abaixo, a estratégia era deixar intactas as regras de distribuição das rendas do petróleo, a fim de evitar maiores resistências ao processo de aprovação que se queria célere. Isto é, a estratégia era aprovar primeiramente o regime de partilha, com maior controle e maior participação da União sobre a atividade, postergando a inevitável negociação da apropriação das rendas petrolíferas.

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• PL 5.938/09 (Dispõe sobre o regime de partilha de produção no Pré-Sal e Áreas Estratégicas)

• PL 5.939/09 (Autoriza a criação da Petro-Sal). • PL 5.940/09 (Cria o Fundo Social). • PL 5.941/09 (Autoriza a cessão onerosa da União para a Petrobrás de E&P e

àquela a subscrever ações da Petrobrás). (Oliveira: 2010)

Tão inadiável era este debate que o Relator do PL 5.938/09, Deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), não consegui “segurar” a vontade dos representantes dos não-beneficiários das rendas do petróleo, tendo que introduzir uma nova regra de rateio para o regime de partilha, conforme Tabela 4, no seguinte formato:

• A alíquota dos royalties seria elevada de 10% para 15% nas áreas do pré-sal;

• Para os contratos (já licitados e a serem licitados) fora da área do pré-sal a alíquota continuaria a ser de 10%, e as regras permaneceria como as vigentes;

• Para os contratos de partilha da produção na área do pré-sal a alíquota seria de 15% e os royalties seriam pulverizados entre o conjunto dos estados e municípios brasileiros, não havendo incidência de PE;

• Para os contratos de concessão na área do pré-sal a alíquota seria de 15% e os royalties seriam menos concentrados nos estados e municípios produtores (confrontantes), não havendo incidência de PE;

O PL 5938/09, com a redação final traduzida pelos itens acima, foi fortemente criticado por ambos os lados, sendo o Governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, o principal protagonista da reação pelo lado dos atuais grandes beneficiários. A Emenda Ibsen, ao PL em comento, de autoria do Deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), por sua vez, traduziu o desejo dos não beneficiários das rendas do petróleo, tendo o condão de pulverizar integralmente entre o conjunto dos estados e municípios brasileiros os royalties e as participações especiais, tanto para os contratos de partilha como para os contratos de concessão.

Com esta Emenda Ibsen, o PL 5938/09 foi encaminhando ao Senado, sob a forma do Projeto de Lei da Câmara – PLC 16/2010, no qual foi alvo de um substitutivo de autoria do Senador Pedro Simon (PMDB-RS), no qual incrementava um ressarcimento pela União das eventuais perdas trazidas aos estados e municípios produtores (confrontantes), sem precisar (normatizar) como se efetivaria tal ressarcimento.

Este último desenho da repartição das rendas do petróleo, Emenda Simon, foi incorporado ao PLC 07/2010, tramitando no Senado, que originalmente apenas cuidaria da criação do Fundo Social, e passou também a tratar do novo regime de partilha de produção. Enfim, o artigo 64 do PLC 07/2010, trouxe uma máxima

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distribuição das rendas do petróleo entre o conjunto dos Estados e Municípios brasileiros, de acordo com os mesmos critérios, respectivamente, do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios. Isto é, eliminava-se os conceitos de estados e municípios produtores (confrontantes), relativos à produção de petróleo e gás natural na plataforma continental, pulverizando radicalmente as rendas do petróleo.

O PLC 07/2010 foi aprovado, na forma da Lei 12.351/2010, contudo tendo o artigo 64 vetado pelo presidente da república. Justamente o artigo que tratava da nova (e pulverizada) distribuição das rendas do petróleo.

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Tabela 4 – Distribuição das Rendas do Petróleo segundo Propostas em Disputa.

Alíquota entre 5% e 10%

Alíquota = 15%

Abrangência: Regime de Concessão fora da Área do Pré‐Sal

Abrangência: Regime de 

Concessão na Área do Pré‐Sal

5% >5% 5% >5% 5% >5% 5% >5%União 0,0% 25,0% 20,0% 40,0% 15,0% 22,0% 20,00% 20,00% 40,00%Estados Produtores/Confrontantes * 52,5% 52,5% 22,5% 22,5% 20,0% 0,0% 26,25% 0,00% 0,00%Municípios Produtores e Área Geoeconômica* 37,5% 15,0% 37,5% 22,5% 10,0% 0,0% 18,00% 0,00% 0,00%Município com/afetado por Instalações 10,0% 7,5% 10,0% 7,5% 5,0% 0,0% 5,00% 0,00% 7,50%FEP Estados 0,0% 0,0% 2,0% 1,5% 25%** 39,0% 22%*** 40,00% 26,25%FEP Municípios 0,0% 0,0% 8,0% 6,0% 25,0% 39,0% 8,75% 40,00% 26,25%Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,00% 100,00% 100,00%

** O Fundo Especial dos Estados constituído pelos royalties incidentes sobre a produção marítima na área do pré‐sal não incorpora os Estados Confrontantes com poços/campos na Plataforma Continental

Beneficiários

PL 5938/09 (Redação Final)

Idem

 Regras V

igen

tes

Terra

Abrangência: Regime de Concessão e Partilha

Alíquota entre 5% e 10%

Terra

Regras Vigentes

Alíquota = 15%

Mar

Abrangência: ConcessãoAbrangência: Regime de Partilha

Substitutivo do Senado ao PLC 07/2010 (Emenda 

Simon)

Idem

 Regras V

igen

tes

* Já incorporada a transferência aos Municípios de 25% da parcela de royalties de 5% distribuída aos Estados. O conceito de área geoeconômica não permanece na redação final do PL 5938/09.

Alíquota entre 5% e 10%

Terra Mar Mar Mar

** O Fundo Especial dos Estados constituído pelos royalties incidentes sobre a produção terrestre não incorpora os Estados Confrontantes com poços/campos na Plataforma Continental

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O Veto Presidencial ao artigo 64 do PLC 07/2010, deixou uma lacuna na Lei 12.351/2010, que trata do novo regime de partilha e cria o Fundo Social, qual seja: a distribuição das rendas do petróleo. Tal lacuna impede, em última instância, que sejam licitadas novos blocos petrolíferos, uma vez que não estaria regulada a forma de distribuição das rendas do petróleo.

Em virtude desta lacuna o Executivo apresentou o PL 8051/2010, o qual deixa intactas as regras dos contratos (de concessão) vigentes, propondo uma alíquota dos royalties de 15% para o regime de partilha (sem a incidência de PE), a ser distribuída da seguinte forma:

- 25% aos estados produtores confrontantes (contíguos à área marítima, que no prolongamento de seus limites contenham os poços produtores);

- 6% aos municípios produtores confrontantes;

- 3% aos municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo, gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, na forma e critério estabelecidos pela ANP;

- 22% para constituição de fundo a ser distribuído entre todos os estados e DF, excluídos os produtores, de acordo com o critério de repartição do FPE;

- 22% para constituição de fundo a ser distribuído entre todos os municípios, de acordo com o critério de partilha do FPM;

- 19% para a União, a ser destinado ao Fundo Social, deduzidas as parcelas destinadas aos órgãos específicos da administração direta da União; e

- 3% para constituição de fundo especial, a ser criado por lei, para o desenvolvimento de ações e programas para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e proteção ao ambiente marinho.

Considerações Finais

Este rateio, trazido pelo PL 8051/2010, que procura cobrir a lacuna do veto ao artigo 64 da Lei 12.351/2010, finalmente, trata de respeitar o “acordo” feito entre o Presidente Luis Inácio Lula da Silva e o Governador Sérgio Cabral, em que o Executivo não deixaria “falir” o Estado do Rio de Janeiro, estratégico, no período de campanha presidencial, não só em função do seu colégio eleitoral, mas também em função das políticas nacionais a serem ali concretizadas, como a ocorrência da Copa do Mundo/2014 e das Olimpíadas/2016.

Como a representação dos parlamentares dos estados não-beneficiários é muito maior do que a dos hoje beneficiários das rendas petrolíferas (Rio de Janeiro,

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Espírito Santo e São Paulo12) parece favas contadas tanto a estratégia de derrubada do veto presidencial – que restabeleceria o artigo 64 à Lei 12.351, isto é pulverizaria integralmente as rendas do petróleo – como a alternativa de emendar o PL 8051/2010, no intuito de reformulá-lo de acordo com os interesses dos que defendem a pulverização.

A radical pulverização das rendas do petróleo entre o conjunto dos estados e municípios brasileiros, cotada para vencer na tramitação das duas estratégias aludidas acima, carece de alguns requisitos básicos para o equilíbrio federativo. Primeiramente não prevê uma regra de transição, digamos diluídas entre 5 a 10 anos, para estas radicais modificações no rateio desta expressiva riqueza. Foi visto, afinal, independente da justeza ou não do fato, como as rendas do petróleo são importantes para o orçamento de alguns dos entes hoje beneficiários das rendas do petróleo.

Em segundo lugar, a proposta de radical pulverização das rendas do petróleo concretiza a conhecida prática de jogar fora o bebê com a água da bacia. Se, por um lado, é salutar eliminar o sobrefinanciamento de alguns beneficiários pelo motivo único da proximidade física em relação aos campos marítimos, por outro, parece extremamente indesejável que se elimine a compensação dos Estados e Municípios cujos territórios são efetivamente impactados pela atividade petrolífera.

Se não houver espaço para que estas duas questões basilares (afora outras questões subsidiárias) sejam equilibradamente nestas estratégias de votação da distribuição das rendas do petróleo o desfecho mais provável será a judicialização da matéria, no STF, de onde apenas pode ser cogitado como resultado uma extensão temporal desta celeuma.

Referências Bibliográficas

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BARBOSA, Décio H. (coord.). Guia dos Royalties do Petróleo e do Gás Natural. Rio de Janeiro: ANP, 2001. 156 p.

                                                           12 São Paulo é um Estado que, na verdade, não perderia receitas com a Emenda Simon, mas deixaria de ganhar substantivas rendas petrolíferas com a extensão futura da fronteira de exploração em direção à Bacia de Santos. Portanto, no longo prazo, São Paulo seria também beneficiado pela manutenção das regras atuais de distribuição das rendas petrolíferas.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 63

De Sonhos e Conflitos: A Disputa Federativa em Torno aos Royalties do Pré-sal

Napoleão Miranda1

Como é hoje do conhecimento de uma parcela importante da população

brasileira, um intenso debate nacional foi estabelecido a partir da

descoberta, pela Petrobrás, de uma ampla reserva de petróleo e gás na Bacia

de Campos cujo potencial, especula-se, teria o condão de transformar o Brasil

no 6° maior produtor de petróleo do mundo em função das reservas

disponíveis.

Conhecida como Pré-Sal, devido à profundidade de mais de 7.000

metros em que se encontra este reservatório, para além de uma camada de

sal no leito do oceano Atlântico, a descoberta despertou, imediatamente, o

interesse, não somente do Governo do Estado do Rio de Janeiro e dos

municípios que se beneficiam ou que dependem do pagamento de royalties

gerados pela exploração do petróleo na região, como também de muitos

outros estados e municípios brasileiros que viram na futura renda a ser gerada

pela produção do Pré-sal uma importante fonte de recursos para o

desenvolvimento econômico de suas respectivas entidades federativas.

A partir desta descoberta, forças políticas se mobilizaram no Governo

Federal e no Congresso Nacional para a propositura de modelos de partilha,

que resultaram em uma Medida Provisória e em dois Projetos de Lei que

deflagraram um conflito federativo como há muito não ocorria no país.

Dois grupos disputam o imaginário coletivo criado em torno da riqueza

futura do Pré-sal: aqueles que defendem um novo modelo de distribuição das

riquezas geradas pela exploração do petróleo no país, e aqueles que

defendem a manutenção do modelo atual que beneficia aos estados e

municípios diretamente afetados pela produção de petróleo no Brasil.

De um lado, estão os que argumentam que tal riqueza deveria ser

usada em benefício de todos os brasileiros e não somente daqueles que vivem 1 Professor do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense.

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nos estados e municípios produtores, já que a camada do Pré-sal localiza-se

no mar territorial brasileiro e não no território de qualquer estado ou

município. De outro, estão aqueles que acreditam que, sofrendo o impacto

direto ou indireto do processo de exploração do petróleo, os recursos dos

royalties e das participações especiais devem ficar, essencialmente, nestas

regiões para compensar os efeitos negativos que esta produção traz para seus

territórios na forma de migração crescente, poluição ambiental, especulação

imobiliária, incremento da criminalidade e da violência, entre outros.

Como é possível perceber de imediato, este debate está eivado de

interesses que ultrapassam em muito os próprios termos em que está

colocado, na medida em que envolve disputas políticas, interesses econômicos

poderosos, expectativas sociais de melhoria de vida, além de uma importante

discussão em torno da correta interpretação constitucional a ser dada à

questão da partilha dos recursos gerados pela exploração do petróleo no país.

Nas páginas que seguem, buscaremos explorar algumas das questões

que se colocam atualmente neste debate, com o propósito de destacar os

efeitos possíveis de uma mudança no padrão de distribuição da riqueza do

petróleo, além de chamar a atenção para uma das facetas que se encontra,

estranhamente, ausente nestes tempos de grande discussão mundial em torno

da questão das mudanças climáticas: o efeito potencialmente desastroso que

o uso dos bilhões de barris de petróleo do Pré-sal deverão ter sobre a

produção de gases de efeito estufa causadores do aquecimento do planeta,

com amplas repercussões sobre a biodiversidade e a vida de milhões de

pessoas em todo o mundo.

1. O Pré-sal: Características Principais.

O assim chamado Pré-sal é uma porção do subsolo brasileiro situado na

plataforma marítima continental que se encontra sob uma camada de sal

situada alguns quilômetros abaixo do leito do mar. Acredita-se que o pré-sal

possui grandes reservatórios de óleo leve, de melhor qualidade e que produz

petróleo mais fino, ocupando uma área que se estende por 800 quilômetros do

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litoral brasileiro, desde Santa Catarina até o Espírito Santo, chegando a

atingir até 200 quilômetros de largura2, como pode ser visto na figura abaixo3.

O potencial estimado desta camada equivaleria a cerca de 1,6 trilhão

de metros cúbicos de gás e óleo, total este que superaria em mais de cinco

vezes as reservas atuais do país. Só no campo de Tupi (porção fluminense da

Bacia de Santos), haveria cerca de 10 bilhões de barris de petróleo, o

suficiente para elevar as reservas de petróleo e gás da Petrobras em até 60%.

O total estimado até o momento permitiria que o país passasse a ocupar a 6ª

posição entre os países produtores de petróleo no mundo, atrás somente dos

países do Oriente Médio, onde se encontram as maiores jazidas comprovadas4.

Algumas especulações mencionam ainda um total de 100 bilhões de

barris de petróleo no Pré-sal. Se considerarmos que o preço do barril

atualmente gira em torno de U$ 90,00 (noventa dólares) pode-se facilmente

inferir o montante de riqueza potencial que o Pré-sal poderá, 2 Revista Veja, setembro/2009, disponível em: http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/pre-sal/index.shtml 3 Folha Online. “Entenda o que é a Camada Pré-sal”, disponível em: http://www.folha.uol.com.br/, de 31/08/2009, acesso em 01/12/2010. 4 Ibid.

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potencialmente, representar no futuro: nada menos que U$ 9 trilhões,

equivalentes a 5 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2010!

Por motivos óbvios, este montante potencial de riqueza despertou

muito interesse, especialmente entre governadores, prefeitos, deputados e

senadores de todo o país, seja dos estados e municípios produtores, seja

daqueles que não estão diretamente relacionados com a produção do

petróleo, em razão da possibilidade de projeção do uso destes recursos para o

desenvolvimento de seus respectivos estados e municípios, portanto, de suas

bases eleitorais, elemento central do cálculo político destes agentes.

Neste cálculo não entrou, pelo menos até o momento, a possibilidade

de que o custo da exploração destes recursos se torne proibitivo, ou mesmo

que, em razão da necessidade de uma mudança na matriz energética devido

às mudanças climáticas, o uso de combustível fóssil deixe de ser interessante

economicamente ou mesmo que represente um alto custo político e

ambiental.

Toda a estratégia adotada até agora tem sido a de considerar que o

fluxo esperado de riqueza do Pré-sal efetivamente se materializará e,

portanto, é preciso desde já assegurar um lugar privilegiado, ou, pelo menos,

algum lugar à mesa da sua distribuição. Esta expectativa, no entanto, tem

que passar pela edição e promulgação de leis que regulamentem com clareza

a participação de cada ente federativo neste festim futuro. À discussão deste

aspecto nos dedicaremos à continuação.

2. Aspectos Jurídicos da Distribuição da Riqueza do Petroleo no Brasil.5

A distribuição de royalties derivados da produção de petróleo no país

foi estabelecida já no momento mesmo da criação da Petrobras com a Lei

2.004/53, a qual estabelecia o pagamento de 5% de royalties aos estados e

territórios os quais deveriam, também de acordo com a lei, destinar 20%

destes recursos aos municípios envolvidos neste processo. A participação dos

5 Esta parte do texto se beneficiou em grande medida da leitura do parecer do Professor Luis Roberto Barroso, elaborado a pedido do Governo do Estado do Rio de Janeiro: “Alterações nos Royalties são Inconstitucionais”, no qual o eminente constitucionalista defende a manutenção da atual distribuição dos royalties do petróleo, em beneficio dos estados e municípios produtores, entre os quais o estado do Rio de Janeiro. O texto do parecer está disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-jul-14/alteracoes-distribuicao-royalties-sao-inconstitucionais. Acesso em 02/12/2010.

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municípios, por sua vez, ficou definitivamente consagrada na Lei 3.257/57 a

qual determinava que o pagamento dos royalties deveria ser feita

diretamente aos municípios, evitando, dessa forma, conflitos políticos entre o

governo dos estados e as administrações municipais, mormente quando o

prefeito pertencia a algum partido de oposição ao governador.

A produção legislativa em torno a este tema tem sido relativamente

frequente nos últimos anos, acompanhando a crescente importância da

riqueza gerada pela exploração do petróleo no país, e os conflitos em torno à

sua distribuição.

Neste sentido, a Lei 7453/85, irá estabelecer também a distribuição de

5% de royalties do petróleo para os estados e municípios confrontantes com

aqueles diretamente envolvidos na sua exploração, mas que, por diversas

razões, são também afetados por ela. A mesma lei irá também fixar que, caso

a exploração se realize na plataforma continental, deverá ser destinado 1% de

royalties para um Fundo Especial que irá distribuir estes recursos entre todos

os estados e municípios do país.

A delimitação e caracterização do envolvimento dos diferentes

municípios na exploração do petróleo foi feita, por sua vez, pela Lei 7525/86

que definiu uma Zona Geoeconômica, da qual consta as zonas de produção

principal, secundária e limítrofe, cabendo aos entes federados nela

localizados a participação nos royalties do petróleo.

Um novo marco no tema da participação dos entes federativos na

riqueza do petróleo foi dado com a Constituição Federal de 1988 a qual, no

seu Artigo 20, § 1°, assegura aos estados, aos municípios e ao Distrito

Federal, nos termos da lei, a participação na riqueza gerada pela exploração

do petróleo e do gás natural, entre outros recursos naturais, ou a

compensação financeira por essa exploração. O dispositivo constitucional foi,

por sua vez, regulamentado pelo artigo 7º da Lei 7.990/89, que novamente

explicitou o dever de se pagar uma compensação financeira aos estados e

municípios em cujo território se fizesse a lavra, bem como àqueles

confrontantes às áreas de produção marítima, no montante de 5% do valor da

produção. A lei, no entanto, embora mantendo o Fundo Especial criado pela

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Lei 7.453/85, vai reduzir o percentual a ele destinado, fixando-o em 0,5%6. O

tema dos royalties foi também objeto de outras normatizações, como o

Decreto nº 2.705/1998 que, no seu Art. 11º assim define o tema: “Os royalties

constituem compensação financeira devida pelos concessionários de

exploração e produção de petróleo ou gás natural, e serão pagos

mensalmente, com relação a cada campo, a partir do mês em que ocorrer a

respectiva data de início da produção”.

No entanto, a grande polêmica recente em torno à distribuição dos

royalties do petróleo ocorreu a partir da necessidade de regulamentação dos

mecanismos de exploração do Pré-sal, o que deu origem a várias iniciativas de

lei do Governo Federal e também a propostas oriundas da Câmara de

Deputados, com a Emenda do Deputado Ibsen Pinheiro (PMDB/RS), e do

Senado Federal, com a Emenda apresentada pelo Senador Pedro Simon

(PMDB/RS).

Por parte do Governo Federal foram propostos os seguintes projetos de

lei (PLs) com os respectivos objetivos:

- PL 5938/09: Regime de Partilha da exploração e produção de

petróleo e gás;

- PL 5939/09: Criação da PETRO-SAL (empresa que irá gerir os recursos

gera- dos pela exploração do Pré-sal)

- PL 5940/09: Criação do Fundo Social, para aplicação em programas e

projetos

de educação, cultura, ciência e tecnologia e sustentabilidade

ambiental

- PL 5941/09: Capitalização da Petrobras, voltada para a captação de

recursos

públicos e privados para viabilizar o início das atividades de

exploração do

Pré-sal.

Por sua vez, o Poder Legislativo elaborou projetos de Lei

Complementares (PLCs) com destaque para os seguintes:

6 Luís Roberto Barroso, op.cit., pg. 4.

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- PLC 16/2010 - Emenda do Deputado Ibsen Pinheiro (PMDB/RS), que a

respeito da distribuição dos royalties propõe:

- “Artigo 45:..., Ressalvada a participação da União, a parcela

restante dos royalties e participações especiais oriundos dos contratos de

partilha de produção e de concessão de que trata a Lei 9.478, de 6 de agosto

de 1997, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou

zona econômica exclusiva, será dividida entre estados, Distrito Federal e

municípios da seguinte forma: 50% para constituição de Fundo Especial a ser

distribuído entre todos os estados e o Distrito Federal, de acordo com os

critérios de repartição do fundo de Participação dos Estados (FPE); e 50% para

constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os municípios, de

acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos

Municípios (FPM)”;

- PLC 7/2010 – Emenda do Senador Pedro Simon (PMDB/RS), a qual é

bastante semelhante à Emenda do Deputado Ibsen Pinheiro, ressalvando os

municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo

e gás natural, a serem compensados pela União. Dessa forma, propõe:

- “Artigo 64: Ressalvada a participação da União, bem como a

destinação prevista na alínea ‘d’ do inciso II do artigo 49 da Lei 9.478, de

1997, a parcela restante dos royalties e participações especiais oriunda dos

contratos de partilha de produção ou de concessão de que trata a mesma lei,

quando a lavra ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou zona

econômica exclusiva, será dividida entre estados, Distrito Federal e

municípios da seguinte forma: 50% para constituição de fundo especial a ser

distribuído entre todos os estados e Distrito Federal, de acordo com os

critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados (FPE); e 50%

para constituição de fundo especial a ser distribuído entre todos os

municípios, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de

Participação dos Municípios (FPM)”7.

Argumentando pela inconstitucionalidade destas propostas, em

particular no que se refere à mudança nas regras de distribuição dos royalties

7 Ibid., pg. 2.

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das áreas de exploração já licitadas e contratadas, e na defesa da atual

distribuição dos royalties, o Prof. Luís Roberto Barroso, após análise da

jurisprudência já produzida pelo Supremo Tribunal Federal a respeito do

tema, vai afirmar: “Note-se bem, na linha da clara posição do STF, que o

direito a royalties não decorre quer da propriedade do recurso — que sempre

é da União — quer da titularidade direta da área de produção, mas da

circunstância de o estado e o município estarem na esfera de impacto

ambiental e socioeconômico da atividade, por se tratar de seu território ou

por serem confrontantes da área de exploração. [...] Tais receitas pertencem,

de direito, aos estados e municípios envolvidos, e substituem as que lhes

caberiam a título de ICMS, dentro da sistemática adotada pela Constituição. O

principal propósito do artigo 20, § 1º é compensar os estados e municípios

pelos impactos ambientais e socioeconômicos decorrentes de uma atividade

de interesse nacional, proporcionando-lhes condições de prevenir riscos e de

atender ao aumento da demanda por serviços públicos.”8

Além destes argumentos, o autor afirma ainda que, se adotadas as

propostas contidas nas propostas dos representantes do PMDB/RS, elas

violariam alguns princípios constitucionais importantes que, na sua opinião,

orientaram o legislador constitucional na elaboração do Artigo 20, § 1°, da

Constituição, em particular:

1. Violação do Princípio da Isonomia ou da Igualdade ao dar

tratamento semelhante aos estados produtores e não produtores

2. Violação do Princípio da Segurança Jurídica: incidência das novas

regras inclusive sobre as áreas já licitadas sob regime de concessão, e com

contratos em plena vigência;

3. Violação do Princípio Federativo, com supressão de receita que

compromete a autonomia financeira dos estados produtores9.

Os componentes jurídicos e legais, embora de extrema importância no

atual contexto brasileiro de um Estado Democrático de Direito, não são,

contudo, os principais fatores a serem considerados neste processo, já que os

8 Ibid., pg. 8. 9 Ibid., pgs. 8-13.

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determinantes de caráter político ocupam, em nossa opinião, o lugar central

da disputa deflagrada pela descoberta do petróleo do Pré-sal.

3. Aspectos Políticos da Distribuição dos Royalties: o Conflito Federativo.

A apresentação da proposta do Marco Regulatório do Pré-sal, pelo

Governo Federal, e as propostas elaboradas pelos parlamentares do Rio

Grande do Sul, já votadas e aprovadas no Congresso Nacional, provocou a

imediata reação dos estados produtores de petróleo, em especial do Rio de

Janeiro e do Espírito Santo os dois maiores produtores de petróleo e que

seriam os mais afetados pela mudança na distribuição dos royalties.

O conflito em questão assumiu rapidamente os contornos de uma cisma

federativa, opondo, de um lado, os estados e municípios

produtores/beneficiários diretos da exploração do petróleo, e, de outro, o

conjunto dos demais estados e municípios que, na atual configuração da

exploração do petróleo no país, são beneficiários menores, indiretos, da

riqueza gerada por essa exploração. Para se ter uma ideia dos montantes

envolvidos, só no ano de 2010 – até novembro - foram distribuídos cerca de R$

9,1 bilhões em royalties no país, dos quais R$ 2,7 bilhões foram distribuídos

para os estados produtores e R$ 3,1 bilhões para municípios de diversos

estados da Federação10.

A questão federativa no Brasil – ou seja, o conflito distributivo dos

diversos impostos cobrados no país, envolvendo a União, os Estados e os

Municípios – é antigo, e é parte constitutiva da nossa história. Ao contrário da

forma de estruturação da federação nos Estados Unidos, por exemplo, na qual

se estabeleceu um verdadeiro equilíbrio entre a União e os estados federados,

com a construção de um verdadeiro processo de controle mútuo entre todos

os entes, na lógica dos “checks and balances” buscando estabelecer, ao

mesmo tempo, uma dinâmica de competição e cooperação saudável, no Brasil

deu-se uma construção federativa na qual estes objetivos foram mitigados

pelos conflitos entre os entes federativos.

10 Agência Nacional de Petróleo (ANP), disponível em: http://www.anp.gov.br/?id=522, acesso em 12/01/2011.

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Dessa forma, no nosso caso são claramente observáveis características

que contribuem muito para facilitar o conflito federativo, tais como:

- Assimetria entre os estados no plano político, econômico, social, e

também dos recursos naturais disponíveis em seu território;

- Multipolaridade: competição não-cooperativa, estimulando um

conflito que se manifesta em diferentes níveis: naiconal, regional,

microrregional, o qual varia ao sabor dos diversos interesses conjunturalmente

definidos;

- A introdução, na Constituição Federal de 1988 do Município como ente

federativo, atribuindo-lhe uma série de competências, obrigações e direitos,

entre os quais, no caso em tela, o de participar nos benefícios derivados da

exploração do petróleo, conforme o Artigo 20, §1°, já citado.

A estrutura de distribuição dos royalties e das participações especiais

instituída pela crescente normatização do setor petrolífero, apresentada

brevemente acima, contribuiu para a institucionalização de uma progressiva

dependência financeira de estados e municípios, principalmente, dos recursos

dos royalties – recebidos através, respectivamente, do Fundo de Participação

dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) -, fazendo

com que muitas propostas de políticas públicas nas áreas de educação, saúde,

segurança, habitação, e também de melhoria salarial dos servidores públicos,

esteja atrelada à continuidade do pagamento destes recursos. No caso do Rio

de Janeiro, um exemplo desta dependência financeira pode ser apreciado no

quadro abaixo, elaborado a partir de dados do Tribunal de Contas do Estado

(TCE).

Tipo de Receita

Buzios Campos R.Ostras Quissamã Macaé C.Frio Média

Transf. ERJ 16,7% 14,5% 8,9% 22,3% 18,5% 21,3% 17,1%

Transf. União 9,1% 3,3% 3,3% 4,9% 4,1% 8,8% 5,6%

Outras Rec Corr.

5,3% 2,1% 2,1% 2,4% 4,6% 4,8% 3,6%

Rec. Serv e Contr.

0,7% 1,1% 1,3% 0,1% 2,0% 1,9% 1,2%

Rec. Tributárias

16,7% 5,4% 7,8% 3,2% 20,3% 11,2% 10,8%

Rec. Patrimoniais

1,0% 3,3% 6,3% 1,0% 2,0% 1,5% 2,5%

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Royalties 50,4% 69,9% 70,1% 66,1% 48,5% 50,5% 59,2

Receitas de Capital

0,1% 0,4% 0,2% 0,0% 0,0% 0,0% 0,1

Total de Receitas

100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: Estudos sócio-econômicos – TCE-RJ11

Assim, qualquer possível ameaça à entrada destes recursos representa

um grande problema político e social, resultando em imediata reação

contrária. Foi o que se viu, no caso das propostas de distribuição dos royalties

Pré-sal, com a mobilização de mais de 100 mil pessoas, no Rio de Janeiro, no

mês de março de 2010, em manifestação convocada pelo Governo do Estado

do Rio de Janeiro, com o apoio de vários partidos políticos, de organizações

da sociedade civil e do empresariado fluminense.

A lógica federativa brasileira, na prática, implica na construção de uma

estrutura que, com frequência, coloca em lados opostos a União e os Estados,

assim como os Estados em conflito entre si, e também com os municípios. O

exemplo histórico mais claro deste conflito é a guerra fiscal entre estados e

municípios na tentativa de atrair investimentos – em geral das grandes

indústrias automobilísticas -, concedendo isenção de impostos diversos, entre

outras facilidades, numa lógica que só cobra sentido do ponto de vista

estritamente local, sendo, no entanto, conflitiva e não-cooperativa em uma

perspectiva nacional12.

Neste contexto, a descoberta do potencial petrolífero da camada do

Pré-sal só fez intensificar a lógica conflitiva do nosso federalismo colocando,

em lados opostos, uma coalizão de estados/municípios não produtores X os

estados/municípios produtores de petróleo. Sob o argumento de que os

recursos do Pré-sal pertencem à União – embora os recursos petrolíferos

explorados em terra firme também pertençam a ela -, os defensores de uma

distribuição diferente dos royalties derivados da sua exploração lograram

introduzir na agenda pública brasileira a necessidade de uma rediscussão em

torno desta questão, ainda que o Presidente Lula, em um dos seus últimos

11 Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/15019/despesas-com-pessoal-e-os-royalties-do-petroleo/1 12 ABRUCIO, Fernando Luiz. “Reforma do Estado e Contexto Federativo Brasileiro”, in, Série “Pesquisas”, Fundação Konrad Adenauer, 1998, Vol. 12, São Paulo, pgs. 49-54. O texto também é uma excelente referência para o estudo da questão federativa no Brasil.

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atos como governante, tenha vetado da proposta de distribuição aprovada

pelo Congresso Nacional os artigos que modificavam a estrutura distributiva

vigente, em especial a que se refere aos contratos de exploração do Pré-sal já

assinados com a Petrobrás e outras empresas.

Esta vitória, no entanto, poderá ser só momentânea e limitada somente

aos contratos já assinados do Pré-sal, mas sem efeito sobre as áreas ainda não

licitadas para exploração, em razão dos grandes e diversos interesses que

estarão em jogo quando isso vier a ocorrer. Assim, o resultado provável deste

processo é que a União, os estados e os municípios produtores deverão ter, no

futuro, uma menor participação nos royalties derivados da exploração do Pré-

sal, os quais serão distribuídos de forma menos concentrada entre os demais

entes da Federação.

3. A Questão Ambiental: o Pré-sal e as Mudanças Climáticas.

Um dos elementos relativamente ausentes de todo este debate em

torno à exploração dos recursos do Pré-sal é, sem dúvida, o impacto que o uso

do combustível fóssil a ele associado deverá ter sobre o processo de mudanças

climáticas em curso no mundo.

Algumas vozes, evidentemente, se fizeram escutar aqui e ali, como,

por exemplo, a do ex-ministro de Ciência e Tecnologia e atual presidente do

Conselho de Estudos Ambientais da Federação do Comercio de São Paulo

(FECOMERCIO), José Goldemberg o qual, em entrevista ao blog Observatório

ECO13, afirma que a expectativa de uso dos recursos do Pré-sal é contraditória

com a necessidade mundial de utilização de energias limpas, o que faz com

que o Brasil corra o risco de colocar-se na contramão da história, ainda mais

depois do compromisso assumido pelo país, na COP-15, realizada em

Copenhague em 2009, de reduzir as emissões de CO2 entre 36,1% e 38,9% até

2020.

13 Disponível em: http://www.observatorioeco.com.br/index.php/brasil-e-pre-sal-na-contramao-da-historia-diz-goldemberg/comment-page-1/, acesso em 01/12/2010. Outra voz chamando a atenção para os impactos potenciais da exploração dos recursos do Pré-sal sobre o meio ambiente é a do ambientalista Arthur Sofiati. A respeito, consultar, por exemplo: http://www.silvajardim.com/noticia-palestra-aborda-os-impactos-sociais-e-ambientais-da-exploracao-do-petroleo--159.html.

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Esta contradição é motivada, parece-nos, pela lógica

desenvolvimentista stricto sensu hegemônica na formulação das políticas

públicas, e também privadas, no plano econômico, visando o máximo de

exploração dos recursos naturais no curto e médio prazos, sem grandes

considerações pelos efeitos a longo prazo do uso dos recursos naturais, em

particular o petróleo, diretamente relacionado com o processo de

aquecimento global. Aqui está em jogo a lógica da produção de mais riqueza

material, a geração de mais empregos, o progresso do país, etc., tão cara aos

diversos governantes do país nos últimos anos. Obviamente, esta é também a

expectativa da população em geral, ávida por garantir melhores condições

materiais de vida para si e para seus descendentes, carentes que são, às

vezes, dos elementos básicos para uma boa qualidade de vida, como saúde,

educação, infraestrutura, segurança pública, etc.

Neste processo, portanto, pouca referência tem sido feita aos impactos

ambientais que poderão ser causados pelo lançamento de bilhões de toneladas

a mais de CO2 na atmosfera, contribuindo para acelerar as mudanças

climáticas já em curso. Na verdade, qualquer menção a este tema é vista

como derrotismo, como contrária ao interesse nacional, já que pode

representar, no âmbito de uma perspectiva orientada pelos princípios da

precaução e do desenvolvimento sustentável, a adoção de uma um uso mais

responsável – com o país e também com o mundo - destes recursos, e menos

comprometida com interesses de curto prazo dos diferentes grupos envolvidos

com essa exploração.

É verdade que, no Fundo Social a ser criado para captar e aplicar parte

dos recursos gerados pelo Pré-sal, existe a previsão de destinação de recursos

para aplicação em meio ambiente, como forma de compensação pelos

impactos ambientais resultantes dessa exploração. No entanto, é improvável

que eles sejam suficientes para fazer frente aos efeitos ambientais, sociais e

econômicos provocados pelas mudanças climáticas, cujo principal componente

é o uso de combustível fóssil.

Dessa forma, e talvez contra todas as expectativas de um possível novo

“eldorado” a ser proporcionado pelos recursos do Pré-sal, existe a

possibilidade de que o uso de tais recursos se torne inviável, não só em

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termos econômicos, mas, particularmente, em termos políticos em razão das

pressões mundiais que deverão crescer no futuro próximo pela

abolição/substituição progressiva da matriz energética estruturada no uso de

combustível fóssil, por outra que utilize recursos não poluentes – ou pelo

menos, não tão poluentes e comprometedores do clima – tais como as

energias eólica, solar, elétrica, a baseada em biocombustíveis (para o

transporte público e privado), e também a energia nuclear que passa, nestes

momentos, por uma reavaliação do seu potencial até mesmo entre segmentos

ambientalistas da sociedade em escala global.

Portanto, uma atitude um pouco mais realista e menos ufanista com a

riqueza potencial contida no Pré-sal, talvez seja a mais adequada por parte

de todos nós, considerando-se os riscos que sua exploração poderá

representar para o meio ambiente, o clima e a biodiversidade do planeta e

não só do Brasil.

- Conclusão.

Diante dos temas aqui rapidamente tratados, parece-nos possível

divisar pelo menos três processos que deverão estar no centro das

preocupações em relação ao uso dos recursos do Pré-sal no futuro próximo.

São eles:

1. Elaboração de um novo pacto federativo (que nos parece já em curso)

no tocante a uma melhor distribuição regional da riqueza do petróleo;

2. Necessidade de um planejamento estratégico menos dependente dos

royalties (nos três níveis federativos), de forma a garantir a

continuidade do processo de desenvolvimento econômico e social do

país, em seus três níveis federativos; e,

3. Urgência na preparação social, econômica e tecnológica para enfrentar

os possíveis efeitos climáticos associados ao uso dos combustíveis

fósseis e, dessa maneira, à utilização dos recursos do Pré-sal.

Estas questões não são triviais nem fáceis de resolver, longe disso. Se

tomarmos como referência as manifestações a respeito ocorridas até o

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-4: Naopleão Miranda - Pag 77

momento, elas deverão envolver boa dose de conflito político e social nos

próximos anos, com ênfase em 2011, com o início de uma nova Legislatura no

Congresso Nacional, com os novos deputados e senadores desejosos de

mostrar serviço para seus eleitores atuais e futuros. E nada melhor que buscar

garantir um maior fluxo de recursos financeiros para suas bases territoriais. A

discussão em torno dos royalties do Pré-sal se presta esplendidamente a este

propósito.

- Bibliografia Consultada.

- ABRUCIO, Fernando Luiz. “Reforma do Estado e Contexto Federativo

Brasileiro”, in, Série “Pesquisas”, Fundação Konrad Adenauer, 1998, Vol. 12,

São Paulo.

- BARROSO, Luiz Roberto. “Alterações sobre royalties são

inconstitucionais”, in,

http://www.conjur.com.br/2010-jul-14/alteracoes-distribuicao-royalties-sao-

inconstitucionais, acesso em 14 de novembro de 2010.

- Agência Nacional de Petróleo (ANP), disponível em:

http://www.anp.gov.br/?id=522, acesso em 12/01/2011.

- Folha Online. “Entenda o que é a Camada Pré-sal”, disponível em:

http://www.folha.uol.com.br/, de 31/08/2009, acesso em 01/12/2010.

- Revista Veja, setembro/2009, disponível em:

http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/pre-sal/index.shtml

- Despesas com Pessoal e Royalties do Petróleo:

http://jus.uol.com.br/revista/texto/15019/despesas-com-pessoal-e-os-royalties-do-

petroleo/1, acesso em 01/12/2010.

- Arthur Sofiati, entrevista disponível: http://www.silvajardim.com/noticia-

palestra-aborda-os-impactos-sociais-e-ambientais-da-exploracao-do-petroleo--

159.html, acesso em 01/12/2010.

- José Goldemberg, entrevista disponível em:

http://www.observatorioeco.com.br/index.php/brasil-e-pre-sal-na-contramao-da-

historia-diz-goldemberg/comment-page-1/, acesso em 01/12/2010.

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TRANSPARÊNCIA ORÇAMENTÁRIA: AS APLICAÇÕES DOS ROYALTIES DO PETRÓLEO E A REFORMA NA GESTÃO DAS FINANÇAS PÚBLICAS

Alexandre da Silva Lima 1

RESUMO O trato com a coisa pública e o papel desempenhado por aqueles que se incumbem desta tarefa exige muito mais do que as competências necessárias ao bom desempenho da gestão no contexto da res publica. Pressupõe, acima de tudo, o compromisso vocacional com o próximo; desprendido, sobretudo, da ótica minimalista e umbilical dos interesses pessoais daqueles que são investidos na função estatal. Tal investidura, alicerçada nos pilares dos direitos sociais de nossa Carta Maior repercutem muito além dos formalismos e tecnicismos que a gestão do erário governamental abraça em sua dinâmica. A função estatal é construída pela idéia consolidada do Estado em suas bases primárias, sejam elas o bem-estar, a redução das desigualdades sociais, a alocação adequada de seus recursos finitos, e a correta distribuição de paridade entre o binômio riqueza-renda. Em vista disto, o presente trabalho pretende contribuir para a discussão sobre a transparência orçamentária na evidenciação do impacto que as receitas decorrentes da exploração petrolífera têm acarretado para a gestão aplicada ao desempenho da esfera pública como finalidade e objeto para a construção de políticas públicas eficazes no âmbito estatal, sob a luz das recentes mudanças na legislação da esfera contábil. Palavras-Chave: Gestão Pública, Governo, Contabilidade Pública, Transparência ABSTRACT The deal with the public thing and the paper performed by that itself we charge of this task requires much more than the necessary competences to the good performance of the management in the context of the “res publica”. It presumes, above all, the vocational commitment with the near one; removed, especially, of the umbilical and minimalist point of view of the vested interests of those are invested in the state-owned function. Such investiture, consolidated in the social rights pillars of our Republic Letter have repercussions above and beyond the formalities and technicism that the management of the governmental exchequer embraces in its dynamic. The state-owned function is built by the consolidated idea of the State in his primary bases, be the welfare, the reduction of the social inequalities, the adequate allocation of his finite resources, and to correct distribution of parity between the binomial richness-wealth. In view of this, the present work is going to contribute for the argument about the budgetary transparency in the publicization of the impact that resulting prescriptions of the oil-producing exploitation has caused for the management applied to the performance of the public sphere as purpose and

1 Contador Municipal da Prefeitura de Macaé. Bacharel em Ciências Contábeis, Pós-Graduado, lato sensu¸ em Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Atualmente cursando Especialização, lato sensu, em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal Fluminense – UFF, no Programa Nacional de Formação em Administração Pública, Edital PNAP - UAB/Capes. Email: [email protected].

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object for the construction of efficient public politics in the state-owned scope, under the light of the recent changes in the legislation of the accountancy sphere. Key-words: Public Management, Government, Public Account, Transparency. 1 – Introdução

O trato com a coisa pública e o papel desempenhado por aqueles que se incumbem

desta tarefa exige muito mais do que as competências necessárias ao bom

desempenho da gestão no contexto da res publica. Pressupõe, acima de tudo, o

compromisso vocacional com o próximo; desprendido, sobretudo, da ótica

minimalista e umbilical dos interesses pessoais daqueles que são investidos na função

estatal.

Tal investidura, alicerçada nos pilares dos direitos sociais de nossa Carta Maior

repercutem muito além dos formalismos e tecnicismos que a gestão do erário

governamental abraça em sua dinâmica. A função estatal é construída pela idéia

consolidada do Estado em suas bases primárias, sejam elas o bem-estar, a redução

das desigualdades sociais, a alocação adequada de seus recursos finitos, e a correta

distribuição de paridade entre o binômio riqueza-renda.

Em vista disto, o presente artigo pretende contribuir para a discussão sobre a

transparência orçamentária na evidenciação do impacto que as receitas decorrentes

da exploração petrolífera têm acarretado para a gestão aplicada ao desempenho da

esfera pública como finalidade e objeto para a construção de políticas públicas

eficazes no âmbito estatal, sob a luz das recentes mudanças na legislação da esfera

contábil.

2 – Metodologia

O presente trabalho pretendeu confirmar a suposição de que a gestão de políticas

públicas governamentais e os impactos positivos e negativos das receitas advindas

dos chamados “royalties do petróleo” perpassam exclusivamente pela correta

orientação da gestão pública orientada à legislação contábil aplicada ao setor

público, em vista do desempenho governamental empreendida pelos pressupostos

básicos de ética, transparência e essencialidade com que os gestores públicos

exercem a efetividade da função estatal.

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Em linhas gerais, partiu-se da hipótese que a efetividade da gestão no contexto da

ótica pública por parte do(s) gestor(es) público(s) advém de uma correta avaliação

contábil da mensuração e desempenho da gestão de políticas públicas, com vistas ao

alcance de sua parcela realmente convertida em benesses a toda sociedade, tendo

em vista os vários enfoques referenciais propostos pela literatura sobre o tema.

Nesse sentido, afirma Lubambo (2006)2 que:

“A discussão do conceito de desempenho da gestão pública inicia-se pela distinção de que elementos - num leque de opções colocadas pela literatura existente sobre o tema, pelas evidências da observação empírica e pela informação disponível - devem e podem ser investigados enquanto seus determinantes.”

Há que se pesar, contudo, que a ética do gestor construída a partir dos conceitos

inerentes na esfera pública, perpassa, sobretudo, pela construção permanente das

ideologias que ratificam a res publica, ou seja, o primado pelo bem-comum e da

transparência das ações governamentais.

Dessa forma, a moralidade e respeito estrito às leis pelos governantes é fator

primário esperado para o desenvolvimento sustentável do Estado. Baseado nisso, a

correta mensuração orçamentária, financeira e contábil dos impactos, sejam eles

negativos e/ou positivos desta parcela de recursos destinadas à gestão do erário, são

fatores determinantes para o crescimento econômico e social e redução das

desigualdades sociais.

Em vista disto, a metodologia adotada na confecção deste artigo procurou abordar

uma análise exploratória sucinta e descritiva dos instrumentos de gestão

orçamentária com vistas à evidenciação transparente dos impactos decorrentes das

atividades petrolíferas nas características socioeconômicas abrangidas nos entes

federativos, sejam eles estaduais e municipais, adotando-se na confecção do

presente artigo, o exemplo do município de Macaé, que foi significativamente

impactado por tais atividades nas últimas décadas.

2 LUBAMBO, Cátia W. Desempenho da Gestão Pública: que variáveis compõem a aprovação popular em pequenos municípios?. Porto Alegre. Revista Sociologias, ano 08, nº 16 jul/dez 2006, p. 86-125.

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Assim, na ótica de tais instrumentos procurou-se destacar a desfocalização social das

premissas essenciais quanto à mensuração e elaboração das políticas públicas, bem

como de seu alcance pretendido;

Dessa forma, o objetivo maior deste trabalho é exibir um retrato do conceito de

transparência orçamentária no contexto da gestão pública em relação ao seu gasto

na parcela específica das atividades petrolíferas, e sua importância dentro da

execução orçamentária sob a ótica das recentes mudanças na gestão das finanças

públicas.

3 – Referencial Teórico

3.1 – Instrumentos de Controle Social na Gestão Pública

Os processos de fiscalização e acompanhamento das contas públicas e da execução

de seu erário têm-se mostrado cada vez mais uma tarefa de extrema relevância

social, não somente pela importância que o tema exige, mas, sobretudo, pela voga e

implicações sociais que sua ausência implica a toda sociedade.

Fiscalizar a eficácia, economicidade e eficiência dos serviços públicos pressupõem

não apenas um conhecimento primário da máquina pública, mas principalmente, suas

normas e diretrizes legais que norteiam o processo orçamentário como agente

fomentador de políticas públicas e desenvolvimento social.

Isto posto, revela-se como parte primária e principal para quaisquer estudos e

avaliação da política de gestão e efetividade da coisa pública mensurar corretamente

em que medida a execução orçamentária se destina ao objetivo maior de

proporcionar ao Estado sua qualidade em ações administrativas e sociais. Isto tem

sido o desafio dos gestores públicos da atualidade, assim como a inserção da

participação popular e da sociedade civil organizada no seu controle social tem sido a

perspectiva de uma moralidade pública plena e responsável.

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Nessa esteira, conforme acrescenta Duarte (2006, p. 04)3,

“é direito de qualquer cidadão entender e controlar a vinculação e a aplicação desses valores, para tanto, a disponibilidade de mídias acessíveis constitui parte da estratégia política necessária ao exercício da cidadania em âmbito local ou mesmo nacional. Diante da realidade político-administrativa brasileira, estruturada em três níveis de governo com autonomia de gestão financeira e convivendo com vinte e sete governos estaduais e mais de cinco mil governos municipais, a necessidade de maior participação da sociedade civil, no que diz respeito ao controle social, é vista como uma estratégia central para viabilizar a implementação da política de Estado a respeito dos recursos educacionais constitucionalmente vinculados.”

Não apenas a vinculação dos recursos destinados à educação, como no exemplo

citado pela autora, são merecedores de uma atenção mais detalhada. A participação

popular deve implementar-se pelo exercício de cidadania sobre todos os recursos que

tem seu destino focado na gestão do ente público, seus projetos e seu alcance social,

iniciando-se, sobretudo, pela afirmação dos direitos civis, em meio ao usufruto dos

serviços associados aos direitos sociais.

Somente o controle social exercido pela sociedade e pelos cidadãos apresenta-se

como a utilização prática de um processo democrático, dialógico, percebidas através

da concepção de um Estado aberto e transparente em suas ações, comprometimento

e eficácia.

Instrumentos eficazes de fiscalização popular como o Orçamento Participativo4,

tornam viáveis processos de discussão e decisão pública que articula o Estado e

sociedade através de um formato institucional que, por sua vez, torna a democracia

possível. Esta confirmação requer, portanto, uma institucionalidade que, feita e

refeita através do diálogo incessante entre os atores envolvidos, seja um antídoto

3 DUARTE, Marisa Ribeiro Teixeira. O conceito de Controle Social e a Vinculação de Recursos à Educação. Trabalho apresentado na 29ª Reunião Anual da ANPEd. Caxambu/MG, 15 a 18 de outubro de 2006. Sitio da Associação Nacional de Pós-Graduação e pesquisa em Educação. Disponível em http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT05-2087--Int.pdf. Acesso em 12 de novembro de 2010. 4 A Lei Federal n° 10257, de 10 de julho de 2001, regulamentou os arts. 182 e 183 da CF/88 e dispôs sobre diretrizes gerais da política urbanas e outras providências. Mais conhecida como “Estatuto da Cidade”, esta lei em seu artigo 44, definiu a gestão orçamentária participativa, através da realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.

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aos constantes riscos dos processos participativos, tais como a manipulação, a

cooptação e o controle político e administrativo.

Ademais, conforme afirma Costa (2005, p. 64)5:

“Participar das decisões do Orçamento significa defender o patrimônio público, contribuir para reduzir as desigualdades sociais e aplicar de forma honesta e eficiente o dinheiro público. Isto deverá se traduzir em melhorias nos serviços de saúde, educação, transporte, infra-estrutura e tantos outros de responsabilidade do governo local, como demonstram as experiências de participação da população no processo orçamentário. Se quisermos que os recursos tenham uma aplicação honesta, transparente e eficaz em políticas públicas claramente definidas, o processo orçamentário é o instrumento. Pode-se fazer previsão por um período de quatro anos, levantar não só as necessidades, mas potencialidades, os projetos viáveis para aumentar renda e emprego, estabelecer prioridades em médio prazo, fixar regras, orientações para vincular as decisões e atos do prefeito que podem ser avaliadas e reformuladas ano a ano, após discussões com os diversos segmentos da sociedade”.

Nessa esteira, Lima (2008) ainda completa que:

“o orçamento público revela-se como parte primária e principal para quaisquer estudos e avaliação da política de gestão e efetividade da coisa pública. Mensurar corretamente em que medida o planejamento e execução orçamentária se destinam ao objetivo maior de proporcionar ao Estado sua qualidade em ações administrativas e sociais tem sido o desafio dos gestores públicos da atualidade, assim como a inserção da participação popular e da sociedade civil organizada no seu controle social tem sido a perspectiva de uma moralidade pública plena e responsável.”6

Compreender, de fato, a tríade estabelecida entre planejamento, programação e

orçamentação revela-se neste enfoque os pilares principais de uma gestão pública

comprometida com o binômio eficácia/efetividade.

5 COSTA, Flávia Danyelle Alves da. Orçamento Participativo: a institucionalização da participação popular no controle do orçamento público. O município de Campina Grande – PB. Dissertação de Mestrado apresentada no curso de Pós-Graduação em Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Brasília/DF – 2005. 6 LIMA, Alexandre da Silva. O Gasto Público Social na Gestão Municipal: um estudo de caso sobre o município de Casimiro de Abreu. Monografia de Pós-Graduação, lato sensu, em Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade. Universidade Federal Fluminense, 2008.

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Tal enfoque só pode ser atingindo a partir da premissa natural do equilíbrio das

contas públicas, da compreensão efetiva da capacidade governamental e suas ações,

mas, sobretudo, do fortalecimento do processo democrático consolidado no controle

social e transparência dos componentes do ciclo orçamento quais sejam o Plano

Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual

(LOA), além das normas fiscalizadoras deste controle como, por exemplo, a Lei de

Responsabilidade Fiscal – LRF.7

Contudo, o conhecimento acerca da terminologia contábil das normas, leis e

pareceres técnicos sobre o orçamento público inviabiliza e chega a intimidar uma

participação social efetiva, devido ao rigor estritamente técnico e jurídico de seus

termos. Por fim, a falta de aderência numa linguagem capaz de traduzir de forma

ampla e acessível o que acontece ao erário público na sua execução orçamentária,

tornam-se um “entrave” a este controle social.

Contra este tipo de intimidação, iniciativas fomentadas por organizações da própria

sociedade civil como a distribuição de cartilhas explicativas e campanhas de

conscientização junto à população são cada vez mais freqüentes8, com vistas a

fomentar o desejo individual e coletivo em conhecer e acompanhar a condução das

políticas sociais dos Estados e municípios através de seus orçamentos e sua gestão.

A partir dessa realidade, o controle social pode ser realmente exercido de forma

estratégica na defesa do interesse público e dos direitos de cidadania; com vistas a

um fortalecimento e aprofundamento efetivo da democracia em suas bases em seu

sentido real.

3.2 – Os royalties do petróleo e seus impactos na gestão pública

7 Lei Complementar nº 101, de 05 de maio de 2000. 8 Um exemplo destas organizações é o Instituto Pólis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, que é uma organização não-governamental de atuação nacional, constituída e fundada em 1987 como uma associação civil sem fins lucrativos, apartidária, pluralista e reconhecida como entidade de utilidade pública nos âmbitos municipal, estadual e federal; e que fomenta constantemente uma série de publicações relacionadas ao controle social do orçamento público, desenvolvimento social, participação popular e temas correlatos, sendo a cidadania, enquanto conquista democrática, o eixo articulador de sua intervenção dirigida à construção de cidades justas, sustentáveis e democráticas.

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Os impactos sociais e econômicos nas cidades oriundos das receitas advindas da

exploração dos recursos naturais decorrentes das atividades petrolíferas são cada vez

mais objeto de estudo nos modelos de gestão urbanos e tipologias ideais na aplicação

de suas compensações financeiras aos governos.

Segundo afirmam Guzman et al. (2007) apud Borba & Neto (2008):

“A presença de atividades petrolíferas tem agravado problemas como marginalidade e exclusão social ao invés de resolvê-los. Estudos de caso em distintos países apontam que atividades produtivas tradicionais – especialmente a agricultura e incipientes processos de industrialização - entraram em crise a partir do auge das atividades petrolíferas, devido à falta de atenção governamental.”9

O crescimento econômico dissonante em relação à consolidação de estruturas

urbanas e sociais tem acarretado um descompasso entre desenvolvimento e redução

das desigualdades sociais. Isto faz com que as cidades impactadas pelas receitas

petrolíferas tenham em seu tecido social uma sobrecarga de problemas que, num

cenário ideal, seriam contornáveis com planejamento urbano adequado.

Reflexo primário disso é a extremada explosão demográfica e do “boom” em setores

da economia ligados a indústria de petróleo que inflacionam o custo de vida nesses

lugares.

O inicio deste apogeu e de tais consequências ocorreu a partir de 1997, com a edição

da Lei Federal nº 9.478 que decretou o fim do monopólio da Petrobrás, permitindo

que outras empresas explorassem e produzissem óleo em território brasileiro. Além

disto, esta Lei criou a Agência Nacional de Petróleo (ANP), como órgão responsável

pela regulação, contratação e fiscalização das atividades econômicas da indústria do

petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis.

A partir desta regulação, houve um incremento significativo nas transferências

governamentais e compensações financeiras a estados e municípios pela exploração

das atividades petrolíferas.

9 BORBA, Rafael Corrêa; NETO, Romeu e Silva. Artigo “Impactos das Atividades Offshore de Exploração e Produção de Petróleo nas Cidades: Um Estudo Comparativo entre Macaé (Brasil), Ciudad del Carmen (México) e Alberdeen (Reino Unido).” Disponível em http://www.royaltiesdopetroleo.ucam-campos.br. Acesso em 06 de dezembro de 2010.

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Os impactos mais significativos deste excedente de recursos na gestão pública podem

ser considerados sob dois aspectos fundamentais. O primeiro tem sua relação com a

desfocalização das políticas públicas empreendidas pelo gestor governamental no

trato do erário, haja vista que o excesso de recursos financeiros coloca o ente

federativo numa “zona de conforto” ao qual permite um descuido maior pela busca

constante da tríade “eficiência-eficácia-economicidade”.

Como se tratam de recursos finitos e com vinculação muitas vezes leniente quanto à

sua aplicabilidade pelos gestores públicos, a gestão dos recursos dos royalties do

petróleo muitas vezes não é abrangida em sua plena eficácia, deturpada pelo

imediatismo de políticas públicas construídas a partir de cenários pouco ou nada

planejados.

Um segundo aspecto fundamental dos impactos percebidos na arquitetura social

constituída nos entes recebedores de tais recursos tem sua exposição definida

justamente pela falta de planejamento governamental e aplicabilidade plena dos

instrumentos de gestão pública capazes de garantir a consistência e coesão dos

recursos que ingressam nos cofres públicos.

3.2.1 – O exemplo do município de Macaé/RJ

Localizada na Região Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, a cerca de 200

Km da capital, o município de Macaé foi um dos municípios mais impactado pelos

investimentos da Petrobrás nas atividades petrolíferas do país. No passado, a pesca,

a produção de cana-de-açúcar e a agropecuária foram os alicerces da economia de

Macaé. Contudo, desde a década de 70, a descoberta de campos petrolíferos na

Bacia de Campos e a instalação da Petrobrás no município, Macaé tornou-se base da

exploração de petróleo e gás na Bacia de Campos, formando um grande aglomerado

petrolífero na cidade, consolidando sua posição como principal centro das atividades

deste setor no Brasil.

Nesse sentido, a indústria petrolífera impôs à cidade um processo de reorganização

espacial das suas atividades produtivas e da população diretamente impactada no seu

eixo de influência. Essa reestruturação profunda da base econômica do município foi

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impulsionado pelo crescimento econômico desordenado e acelerado, tendo como viés

principal a alta explosão demográfica.

Em dados pontuais, segundo apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística – IBGE10, Macaé possuía em 1980 uma população de 75.683. Após a

instalação da Petrobrás e da indústria petrolífera na cidade, sua demografia acusou

uma variação de 123,97%, com 169.513 habitantes registrados em 2007.

De acordo com um extrato de dados apurados no Portal “Transparência Macaé”11

idealizado pela Prefeitura Municipal de Macaé, a aplicação dos royalties do petróleo

na gestão municipal em 2009 foi efetivada da seguinte forma:

Figura 1: Extrato da Aplicação dos Royalties (executado) – Macaé 2009

Fonte: Adaptado do Portal “Transparência Macaé”

Apenas pelo extrato sucinto do presente demonstrativo, fica evidenciado que a

máquina administrativa deste município equaciona a aplicação dos royalties do

petróleo de forma desigual, em vista da concentração excessiva de recursos para

10 Dados apurados pelo autor no sítio eletrônico http://www.ibge.gov.br. Acesso em 06 de dezembro de 2010. 11 Dados disponíveis no sítio eletrônico http://www.macae.rj.gov.br. Acesso em 06 de dezembro de 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 88

despesas de custeio12 em detrimento dos investimentos, como é demonstrado na

“Função 04 – Administração”, “Subfunção 122 – Administração Geral”.

Esta volumosa arrecadação e, consequente distribuição de royalties, não altera e

ainda consolida o quadro de desigualdades sociais impostas pelo desenvolvimento. A

economia da cidade de Macaé é periférica a partir do momento que potencializa a

construção de elementos agregadores somente em torno destas atividades

petrolíferas e isso se reflete no âmbito governamental, que idealiza um “estereótipo

de desenvolvimento” que dificulta e neutraliza outras formas de desenvolvimento

econômico.

3.3 – A reforma na Gestão das Finanças Públicas

Este desenvolvimento econômico só poderá ser alcançado e consolidado

tecnicamente a partir da concepção estrita de que o fomento de políticas públicas é

iniciado de forma interna, ou seja, no esteio da gestão pública municipal. Assim, sem

a informação e tratamento correto das peças que compõem a gestão orçamentária e

financeira dos royalties do petróleo, as políticas públicas empreendidas pelos entes

federativos em suas diversas esferas (como neste exemplo da cidade de Macaé),

ficam sub ou superestimadas em relação à realidade social que pretendem interagir.

Nisto, a contabilidade aplicada ao setor público exerce seu papel garantidor desta

consistência de dados e mensuração delineada dos atos e fatos que se esmiúçam no

pilar principal da gestão da coisa pública: o bem-estar social.

O papel da Contabilidade como ciência aplicada reveste-se de uma transversalidade

tácita ao oferecer aos usuários de suas informações um diagnóstico detalhado da

situação orçamentária, financeira, econômica e patrimonial dos entes públicos.

Assim, num plano estratégico, a Contabilidade aplicada ao Setor Público, como

sistema de informações específico, vem incorporando novas metodologias e

recuperando seu papel, adotando parâmetros de boa governança, demonstrando a

importância de um sistema que forneça o apoio necessário à integração das

12 A Lei Federal nº 4.320/64, classifica as “despesas de custeio” como as dotações destinadas à manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive para atendimento a obras de conservação e adaptação de bens imóveis, pagamento de serviços de terceiros, pagamento de pessoal e encargos, aquisição de material de consumo, entre outras. (artigo 12, § 1º e artigo 13).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 89

informações macroeconômicas do setor público e à consolidação das contas

nacionais.

O objeto principal destas práticas de boa governança na gestão pública alicerçadas,

sobretudo, nesta nova configuração das finanças públicas, reflete a necessidade de

resgatar o tratamento dos fenômenos do setor público, em bases teóricas que

reflitam a essência das transações governamentais e seu impacto no patrimônio, e

não meramente o cumprimento de aspectos legais e formais.

A inadequada evidenciação do patrimônio público e a ausência de procedimentos

contábeis suportados por adequados conceitos e princípios revelam intrinsecamente a

necessidade do desenvolvimento de diretrizes estratégicas para o aperfeiçoamento

da Contabilidade e Planejamento Governamental.

Imbuídos nessa premissa, o Conselho Federal de Contabilidade13, em parceria com

entidades governamentais e de classe, buscou a adequação dos Princípios

Fundamentais de Contabilidade sob a perspectiva do Setor Público14. Essa adequação

possibilitou a abertura de um leque mais amplo da gestão pública sob o enfoque

contábil, alicerçado nas seguintes bases conceituais:

A convergência aos padrões internacionais de contabilidade aplicados ao setor

público;

A implementação de procedimentos e práticas contábeis que permitam o

reconhecimento, a mensuração, a avaliação e a evidenciação dos elementos

que integram o patrimônio público;

A implantação de sistema de custos no âmbito do setor público brasileiro;

A melhoria das informações que integram as Demonstrações Contábeis e os

Relatórios necessários à consolidação das contas nacionais;

A possibilidade de avaliação do impacto das políticas públicas e da gestão, nas

dimensões social, econômica e fiscal, segundo aspectos relacionados à

variação patrimonial na gestão pública.

13 O Conselho Federal de Contabilidade é uma Autarquia Especial Corporativa, criada pelo Decreto-Lei n.º 9.295, de 27 de maio de 1946, dotada de personalidade jurídica de direito público e que representa todos os profissionais contabilistas do país. 14 Resolução CFC nº 1.111, de 29 de novembro de 2007.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 90

Todas estas premissas trazem em seu bojo a urgência de uma evolução efetiva da

gestão pública e da ciência contábil com vistas ao aumento do controle social e

transparência exigida pela sociedade e da correta mensuração do patrimônio público

e suas variações que repercutem muito além da sua esfera interna.

Ademais, ainda estão na pauta das motivações para esta reforma profunda na Gestão

das Finanças Públicas as seguintes questões pontuais:

A adequação da legislação financeira atualmente em voga no Brasil (Lei

Federal nº 4320/64 e Decreto-Lei nº 200/67);

A solução de problemas de implementação da LRF como a falta de

padronização de procedimentos contábeis e relatórios da Federação,

divergências conceituais e dúvidas jurídicas quanto à aplicação da Portarias

da STN à Federação;

A adoção de experiências bem-sucedidas em outros países sobre a integração

do processo orçamentário com os processos de gestão;

O surgimento de novos conhecimentos e novas tecnologias de gestão aplicadas

ao setor público.

Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF trouxe em seu aparato

institucional uma evolução que foi a Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de

2009.15

Este novo regulamento determina em seu arcabouço a ampliação do conceito de

transparência orçamentária e controle social, determinando a liberação – em tempo

real – de informações detalhadas sobre a execução orçamentária e financeira dos

entes federativos (Estados e Municípios) através de meios eletrônicos de acesso

público (internet).

Neste ínterim, foram estabelecidos prazos de cumprimento e adequação a essas

determinações legais, quais sejam:

15 Acrescenta dispositivos à Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, a fim de determinar a disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 91

a) União, Estados, Distrito Federal e Municípios com mais de 100.000 habitantes

– até 27 de maio de 2010;

b) Municípios entre 50.000 e 100.000 habitantes – até 27 de maio de 2011;

c) Municípios até 50.000 habitantes – até 27 de maio de 2013.

Percebendo esta enorme evolução em marcha, além desta iniciativa, o Senado

Federal propôs duas novas leis complementares criando um novo regime contábil em

substituição à Lei n° 4320/64 e uma lei de responsabilidade orçamentária.16

Os projetos passaram a ter tramitação conjunta. Na Comissão de Constituição e

Justiça, já foi aprovado o texto substitutivo do Senador Artur Virgílio que fundiu os

dois projetos e considerou sugestões de seminários de técnicos realizados na Escola

Superior de Administração Fazendária – ESAF.

Esta nova legislação propõe uma reestruturação profunda na no processo de

elaboração do orçamento público, tornando a participação parlamentar mais

eficiente, utilizando a contabilidade e o controle para dar maior transparência às

contas públicas, aperfeiçoando e reforçando a austeridade da LRF.

Estes Projetos de Lei de Responsabilidade Orçamentária e Qualidade Fiscal trazem

em seu cerne o esforço em melhorar a qualidade do gasto público de forma

consistente com o equilíbrio fiscal para abrir espaço para investimentos e focalização

dos gastos sociais. Para tanto, sua instrumentalização tem como ação fundamental o

realinhamento através de “choques” de novos paradigmas, em três alicerces

principais que permeiam a Gestão Pública: Gestão, Transparência e Controle.

Estes três “choques” referem-se à adoção de novas formas de repensar e viabilizar

esta reforma na gestão das finanças públicas.

O choque de Gestão tem como objetivo confrontar a Administração Pública com seus

novos paradigmas, voltadas à busca incessante da qualidade do gasto público e

16 O Senador Tasso Jereissati apresentou o Projeto de Lei do Senado nº 229/09 – planejamento e orçamento e o Senador Renato Casagrande propôs o Projeto de Lei do Senado n º 248/09 – contabilidade e controle. Os dois projetos de lei passaram a ter tramitação conjunta. Na Comissão de Constituição e Justiça, já foi aprovado o texto do Senador Artur Virgílio que fundiu os dois projetos e considerou sugestões de seminários de técnicos realizados na Escola de Administração Fazendária - ESAF.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 92

transparência orçamentária. Sua evidenciação no escopo deste novo regulamento a

ser implementado vislumbra-se, sobretudo, em alguns dos seguintes itens:

introduz o conceito de qualidade na gestão, orientando toda a gestão pública,

do planejamento ao controle, para resultados;

normatiza o PPA (arts. 11, 12, 13, 19, § 1º, 70) e a sua avaliação e cria o

banco de indicadores para o PPA;

integra PPA, LDO e LOA, distinguindo as funções de cada um;

cria regra nacional para Restos a Pagar em todos os exercícios e Despesas de

Exercícios Anteriores;

orienta a gestão de recursos humanos orientada para a eficiência do trabalho

e incentiva a capacitação de servidores públicos;

O choque de Transparência é a confirmação explicita desta nova realidade

alicerçada responsabilidade e responsabilização do gestor público na aplicação dos

recursos públicos. Seu mérito pode ser justificado no exemplo sucinto das seguintes

propostas:

amplia o conceito de transparência;

separa os conceitos aplicáveis ao orçamento e à contabilidade, esta última

com foco no patrimônio e regime de competência integral;

exige o orçamento por fonte de recursos;

define as demonstrações contábeis: Balanço Patrimonial, Demonstração das

Variações Patrimoniais, Demonstração do Fluxo de Caixa, Demonstração do

Resultado Econômico, acompanhado de síntese do Relatório de Gestão

Administrativa, esclarece que Balanço Orçamentário é instrumento de

transparência, mas não é demonstração contábil, e define tratamento do

superávit financeiro de exercício anterior;

Já o choque de Controle instrumentaliza e consolida o controle social exercido pela

sociedade através da cobrança efetiva dos atos pertinentes à gestão do erário. Isso é

plenamente evidente na aplicação de alguns dos itens abaixo:

institui a participação dos cidadãos na elaboração e apreciação dos planos

nacionais de políticas públicas e de todas as leis do ciclo orçamentário;

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institucionaliza o controle social das políticas públicas exercido diretamente

pelos cidadãos ou por Conselhos;

aumenta fluxo de informações para órgãos de controle;

determina a realização de auditorias periódicas na folha de pessoal;

institucionaliza cooperação entre tribunais de contas dos estados;

4 – Considerações Finais

A esfera pública tem suas responsabilidades e obrigações. Aqueles que são imbuídos,

ainda que transitoriamente da função pública devem ter a exata noção que a gestão

dos recursos públicos não é simplesmente a gestão eficaz de números e a cuidadosa

atenção à execução orçamentária como um todo

A gestão pública trata de pessoas. Ela enfatiza sua importância na tradução de bem-

estar e qualidade de vida da população que depende estritamente da atuação do

Estado na diminuição das desigualdades sociais. Sua ótica deve seguir sempre a ética

social com que os gastos públicos são alocados, considerando, sobretudo, o

cumprimento da norma legal em consonância com o objetivo maior da supremacia do

interesse público.

A transparência Orçamentária e o Controle Social são os alicerces sólidos para a

consecução de tal premissa. A inovação em marcha das Finanças Públicas

instrumentalizadas nestas reformas em seus basilares de gestão tem trazido à baila a

profissionalização dos gestores públicos e todos aqueles responsáveis pelo

planejamento governamental. E as recentes mudanças na legislação contábil pública

reafirmam isso nessa preocupação essencial com a construção da figura do Estado

Brasileiro e de sua imagem institucional.

Os municípios precisam enxergar esse realinhamento nas funções deste novo aparato

buscando cada vez mais o compromisso ensejado no exercício de nossa democracia.

Sobre isso, os impactos das receitas petrolíferas no desenvolvimento sustentável das

cidades devem cada vez mais ter sua realidade mensurada e estudada, com vistas à

focalização das políticas públicas que realmente trarão benesses para toda

sociedade. No exemplo da cidade de Macaé, é necessário que seus governantes

reflitam e busquem ainda mais políticas e estratégias, para o direcionamento dos

royalties no fomento de outros setores ligados às suas vocações regionais, ou mesmo

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-5: Alexandre da Silva Lima- Pag 94

para a criação de novas potencialidades locais, com o intuito de diminuir as mazelas

trazidas pelo “progresso” das atividades petrolíferas e seus impactos ocasionados

pela dependência destas atividades em um futuro pós-petróleo.

Referencias Bibliográficas

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público: estudo de caso do município de Luziânia/GO. Dissertação de Mestrado em Ciências

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BRASIL. Lei Federal n° 4320, de 17 de março de 1964. Estatui as normas gerais de direito

financeiro para elaboração Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Brasília, DF:

Senado da República, 1964.

______. Lei Complementar n° 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças

públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências.

Brasília, DF: Senado da República, 2000.

______. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 229, de 28 de maio de 2009. Estabelece

normas gerais sobre plano, orçamento, controle e contabilidade pública, voltadas para a

responsabilidade no processo orçamentário e na gestão financeira e patrimonial, altera

dispositivos da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a fim de fortalecer a

gestão fiscal responsável e dá outras providências.

______. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 248, de 04 de junho de 2009.

Estabelece normas gerais de finanças públicas voltadas para a qualidade na gestão e dá

outras providências.

CATELLI, Armando; SANTOS, Edilene Santana. Mensurando a Criação de Valor na Gestão

Pública. Trabalho apresentado na “13th Asian Pacific Conference on International Accounting

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http://www.gecon.com.br/artigo21.htm. Acesso em 28 de novembro de 2010.

JUND, Sérgio. AFO – Administração Financeira e Orçamentária: teoria e 750 questões

(Série Provas e Concursos). 3° ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 600p.

LIMA, Alexandre da Silva. O Gasto Público Social na Gestão Municipal: um estudo de caso

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Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade. Universidade Federal Fluminense, 2008.

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SCHAUFF, Carlos Amadeu. Ferramentas de apoio ao processo de avaliação da Gestão

Pública. Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização – GESPÚBLICA; Cadernos

GESPÚBLICA - Artigos sobre o Prêmio Nacional de Gestão Pública – Ciclo 2006 – Brasília, versão

1 / 2006. 56 p. Disponível em http://www.gespublica.gov.br. Acesso em 29 de novembro de

2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 97

Os impactos socioambientais e as medidas mitigadoras/compensatórias no

âmbito do licenciamento ambiental federal das atividades marítimas de

exploração e produção de petróleo no Brasil

Mônica Armond Serrão1

Licenciamento ambiental: uma decisão de Estado∗

O licenciamento ambiental é uma atribuição exclusiva do Estado e um

instrumento de gestão ambiental, por meio do qual os órgãos ambientais

autorizam a instalação e operacionalização de grandes empreendimentos

econômicos (minerações, siderurgias, indústria de celulose etc.) ou de infra-

estrutura (estradas, portos, hidrelétricas, entre outros).

Ao determinar essa distribuição espacial de grandes obras e empreendimentos,

grande parcela da população passa a conviver com os impactos socioambientais

que tais empreendimentos causam. Quando se decide que certo empreendimento

pode ser instalado em uma determinada região, os técnicos responsáveis por essa

tomada de decisão estarão impondo um determinado grau de risco àquelas

populações que lá residem. São os técnicos, baseados em um conhecimento

“perito”, que decidem se aquele risco é aceitável ou não. Contudo, os grupos

sociais que estarão sujeitos aos impactos e riscos que ali se instalarão não

participam, de fato, da decisão a respeito da localização do empreendimento. O

poder da decisão está na mão do Estado.

No caso do licenciamento ambiental, a legislação determina a realização de

audiências públicas antes de o empreendimento obter a licença ambiental.

Todavia, as audiências são apenas fóruns consultivos, com limitação de tempo

para a exposição de dúvidas por parte da população e, portanto, não é um fórum

de decisão. Essa acontece a posteriori e é restrita aos órgãos ambientais. Dessa

1 Geóloga, especialista em Educação Ambiental Mestre e Doutoranda em Ecologia Social . Analista Ambiental da Coordenação Geral de Petróleo e Gás, CGPEG/DILIC/IBAMA, desde 2002. ∗ Os itens iniciais desse trabalho que discorrem sobre licenciamento ambiental estão baseados no artigo de minha autoria com Tatiana Walter e Anderson Vicente: “Educação ambiental no licenciamento ambiental - duas experiências no litoral baiano”, publicado no livro Educação ambiental no contexto de medidas mitigadoras e compensatórias de impactos ambientais: a perspectiva do licenciamento. Salvador: IMA, 2009. p: 107 – 142.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 98

forma, na maioria das vezes, muito pouco, ou nada, dos anseios e medos das

populações da área de influência dos empreendimentos é incorporado ao processo

de licenciamento. Fica inteiramente sob a responsabilidade dos técnicos

governamentais, e em alguns casos, das próprias empresas, a definição de

projetos ambientais que serão implementados com o objetivo de mitigar ou de

compensar os impactos e riscos aos quais aqueles grupos sociais estarão

submetidos com a chegada do empreendimento.

Portanto, no contexto do licenciamento, um determinado grupo social (técnicos

governamentais) aceita o risco ambiental em nome de outros grupos sociais que

serão afetados pelo empreendimento, sem que se conheça em profundidade suas

necessidades, sua percepção de risco e sem levar em conta seus medos e

ansiedades sobre o que aquele empreendimento causará em suas vidas. Isso

ocorre em nome de que e de quem? A quem essas decisões de Estado de fato

beneficiam? A quem de fato o Estado está atendendo? Quem fica com o ônus,

representado pelos impactos e riscos socioambientais, e quem fica com os

benefícios, dessa distribuição que vem sendo estabelecida pelo Estado brasileiro?

Nesse contexto, caracterizado por uma desigualdade “estrutural” entre os

diferentes grupos sociais que compõem a sociedade brasileira, o Estado, na

maioria das vezes, acaba por favorecer aos grupos econômicos, em nome de um

modelo de desenvolvimento que prioriza o crescimento econômico, em prol das

demais dimensões do desenvolvimento (social, ambiental, cultural, etc).

Diante desse quadro, como promover o empoderamento dos grupos sociais

historicamente excluídos dos processos decisórios que afetam suas vidas, tendo

em vista que, pela legislação vigente, as decisões tomadas no licenciamento

cabem exclusivamente ao órgão ambiental? Que instrumentos poderiam ser

utilizados para propiciar uma real participação dos grupos sociais que serão

afetados pelos empreendimentos? Até que ponto o próprio licenciamento

ambiental poderá prever estratégias de fortalecimento desses grupos sociais para

que se tornem sujeitos atuantes na gestão ambiental de seus territórios? Ou seja,

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 99

será o licenciamento capaz de contribuir para o desenvolvimento socioambiental

e não apenas para o crescimento econômico do país?

Na tentativa de responder tais questões, será feita uma apresentação dos

impactos socioambientais relativos às atividades marítimas de exploração e

produção de óleo e gás, bem como das medidas mitigadoras e /ou compensatórias

demandadas pelo IBAMA às empresas petroleiras, no âmbito do licenciamento

ambiental federal, que constituem condicionantes das licenças concedidas.

Dentre tais medidas, destacam-se as que vêm sendo implementadas por meio de

programas de educação ambiental, cujas diretrizes estão pautadas em processos

participativos que visam à organização social dos grupos impactados pelos

empreendimentos, em situação de vulnerabilidade socioambiental,

historicamente excluídos dos processos decisórios no país.

O licenciamento ambiental das atividades de petróleo

Com a sanção da Lei Federal nº 9.478/98, ocorreu, em 1998, a quebra do

monopólio da exploração e produção do petróleo no Brasil, permitindo-se, dessa

forma, que outras empresas, além da Petrobras, atuassem no país. Em 1999, para

atender à nova demanda por licenciamento ambiental da atividade de petróleo e

em cumprimento à legislação ambiental, foi criada uma unidade específica no

âmbito do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis – IBAMA2. (Walter et al, 2004)

O arcabouço legal3 que respalda o licenciamento em geral, pauta suas exigências

na análise dos riscos e na avaliação dos impactos ambientais oriundos da atividade

licenciada. Os riscos e os impactos são conseqüências das características dos

empreendimentos, aliadas aos aspectos socioambientais dos locais em que estes

serão instalados. (Walter et al, 2004)

2 A Unidade do IBAMA criada naquele momento denominava-se Escritório de Licenciamento das Atividades de Petróleo e Nuclear – ELPN. Em 2006, foi criada a Coordenação Geral de Petróleo e Gás – CGPEG, em substituição ao ELPN (Decreto n.° 5.718/2006). A CGPEG integra a Diretoria de Licenciamento Ambiental do IBAMA e possui a atribuição de coordenar, controlar, supervisionar, normatizar, monitorar, executar e orientar a execução das ações referentes ao licenciamento ambiental, nos casos de competência federal, quanto às atividades de exploração, produção e escoamento de petróleo e gás no mar. 3 O detalhamento da legislação que embasa o licenciamento ambiental dos empreendimentos marítimos de petróleo e gás encontra-se em Walter et al., (2004).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 100

A atividade de petróleo está subdividida em duas etapas na fase de exploração

(pesquisa sísmica e perfuração exploratória) e duas etapas na fase de produção

(perfuração de desenvolvimento e produção). As atividades de pesquisa sísmica,

de perfuração e de produção são distintas, originando impactos ambientais

distintos4. Conseqüentemente, o licenciamento ambiental é específico para cada

uma das três atividades (sísmica, perfuração e produção). Na etapa de produção

são considerados os impactos da instalação do empreendimento, da produção de

óleo ou gás e do sistema de escoamento da produção. (Walter et al, 2004)

As atividades de pesquisa sísmica e de perfuração, em geral, têm duração entre

um mês e um ano, podendo chegar, em casos excepcionais, a dois anos. Já a

atividade de produção pode chegar a ter uma duração de décadas.

Os impactos da atividade marítima de exploração e produção de óleo e gás e

as medidas mitigadoras e compensatórias exigidas no licenciamento

ambiental

Os principais impactos da atividade marítima de petróleo são: i) aumento da taxa

de imigração e alteração dos padrões de uso e ocupação do solo; ii) degradação

ambiental marinha e costeira; iii) potencial de acidentes com derramamento de

óleo; iv) restrição e exclusão de áreas marítimas utilizadas por outras atividades

econômicas, principalmente a navegação e a pesca artesanal; e v) mudança do

comportamento das espécies marinhas em virtude da presença das estruturas

físicas, como exemplo, as plataformas e dutos. A mudança na dinâmica das

pescarias5, a percepção dos atores sociais em virtude da presença de outra

atividade e a incorporação dessas transformações em seu cotidiano necessitam,

também, ser observadas.

De maneira geral, tanto a previsão do recebimento de royalties, quanto a do

aumento na geração de serviços são compreendidas como impactos positivos pela

4 As características de cada uma das etapas (sísmica, perfuração e produção) e seus impactos sobre a pesca artesanal encontram-se em Walter et al. (2004). 5 Na Bacia de Campos, por exemplo, há um tipo de pescaria denominado pesca de plataforma, resultante do efeito atrator das estruturas físicas sobre espécies de importância econômica.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 101

população local, contudo, é necessário levar em conta que o processo de

desenvolvimento regional é extremamente desigual e as diferenças sociais

tendem a se aprofundar quando esses recursos são distribuídos na região. Isso

porque, raramente os grupos detentores do poder político e econômico aplicam

tais recursos com o objetivo de promover melhorias reais para a qualidade de vida

das populações locais.

Soma-se a isso o fato de que a atividade de petróleo caracteriza-se por sua pouca

capacidade de geração de empregos na região onde se instala, um vez que utiliza

mão de obra com alta qualificação técnica, oriunda, geralmente, de outras

regiões do Brasil e de outros países.

O licenciamento avalia, a partir da análise de Estudos Ambientais – EA6, a

viabilidade socioambiental do empreendimento em questão. Quando cabível, de

acordo com a legislação, essa análise é complementada com a realização de

Audiências Públicas. Se o empreendimento for considerado viável, é concedida

uma licença ambiental que define condições gerais e específicas para que ele seja

implementado − as condicionantes de licença −, pautadas principalmente nas

informações do Estudo Ambiental e, em alguns casos, nas informações obtidas em

vistorias prévias e/ou na Audiência Pública. Tais condições devem ser cumpridas

pela empresa durante toda a validade da licença e seu cumprimento é

acompanhado pelo IBAMA. Caso haja descumprimento das condições estabelecidas

na licença, há uma série de sanções previstas na legislação brasileira.

Os Estudos exigidos no licenciamento dos empreendimentos de petróleo são

estruturados de maneira que sejam informadas: as características do

empreendimento; o diagnóstico ambiental da área onde a atividade pretende ser

realizada; os impactos que serão gerados, à luz das metodologias de Avaliação de

6 A legislação ambiental, de forma geral, pauta o licenciamento na exigência de Estudos de Impacto Ambiental – EIA e de seu relatório resumido – Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, bem como na realização de Audiências Públicas como mecanismo de consulta. Entretanto, para as atividades de exploração e produção de petróleo, as Resoluções CONAMA nº 23/94 e 350/04 definem outros tipos de Estudos que podem ser exigidos em substituição ao EIA. Também são previstas outras formas de consulta pública, como exemplo, a Reunião Técnica. Uma vez que os Estudos e Reuniões possuem as mesmas prerrogativas e se pautam pelas mesmas exigências, no presente trabalho, todo tipo de Estudo será considerado como sendo Estudo Ambiental – EA e todo tipo de consulta à sociedade sobre o licenciamento como sendo Audiência Pública.

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Impactos Ambientais; e a proposição de medidas de monitoramento ambiental e

projetos que mitiguem tais impactos ou os compensem, no caso daqueles

impactos não mitigáveis. Uma série de normativas define o conteúdo mínimo a ser

apresentado nos Estudos e, a critério do órgão ambiental e com base nos impactos

gerados pela atividade, podem ser definidos projetos mínimos, contendo

diretrizes específicas. Geralmente as empresas contratam empresas de

consultoria, universidades ou organizações não-governamentais tanto para a

elaboração dos Estudos, como para a implementação dos projetos exigidos como

condicionantes das licenças.

Medidas mitigadoras e compensatórias no licenciamento das atividades

marítimas de exploração e produção de óleo e gás

Para minimizar os impactos constatados pela análise do EA ou compensá-los, cabe

ao órgão licenciador exigir das empresas que implementem Projetos Ambientais,

os quais são condicionantes das licenças concedidas.

Dentre os projetos exigidos à atividade de petróleo têm-se: i) a estruturação da

área – em termos de equipamentos e recursos humanos – para o combate a

qualquer emergência relacionada à atividade; ii) o monitoramento ambiental; iii)

a promoção da educação ambiental dos trabalhadores da empresa, iv) o controle

dos poluentes gerados pela atividade; v) a estruturação de mecanismos de

comunicação social que informem à população situada na área afetada pela

atividade sobre seus riscos e medidas implementadas para minimizá-los; vi) a

promoção da educação ambiental junto às comunidades da área de influência do

empreendimento; e vii) o fortalecimento da pesca artesanal como medida

compensatória devido aos impactos causados a esta atividade. Cada projeto é

embasado e estruturado fazendo uso de legislação específica.

As medidas de Controle da Poluição, Monitoramento Ambiental, Plano de

Emergência, Projeto de Educação Ambiental dos Trabalhadores interagem

indiretamente com o Projeto de Educação Ambiental. Pois, à medida que

asseguram que existe um controle sobre o empreendimento e que seus resultados

são divulgados por meio do Projeto de Comunicação Social, aumentam a

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 103

confiança em torno da Empresa e do órgão regulador, melhorando as ações

educativas.

É possível, ainda, que outros projetos ambientais sejam exigidos como medidas

mitigadoras quando são demandados pela população local ou quando o órgão

ambiental entende ser necessário.

A educação no processo de gestão ambiental

Em um movimento de fortalecimento da gestão pública no país, existe atualmente

em desenvolvimento no âmbito do licenciamento ambiental federal, uma

proposta na qual o espaço da gestão ambiental vem sendo utilizado para se

desenvolver ações educativas de caráter crítico e transformador. O processo de

educação no processo de gestão ambiental, iniciado por José Silva Quintas no

IBAMA, vem sendo construído há mais de quinze anos naquela instituição e, ao

longo desse tempo, promoveu experiências que resultaram no fortalecimento de

grupos sociais envolvidos em conflitos de uso de espaços e de recursos naturais,

instrumentalizando-os no sentido de aumentar o seu poder de participação nas

decisões afetas à gestão ambiental de seus territórios.

A proposta de educação no processo de gestão ambiental parte do princípio de que

cabe ao Estado criar as condições para que o espaço da gestão ambiental seja um

espaço público, evitando que as decisões tomadas privilegiem os atores sociais

com mais visibilidade e influência na sociedade e deixem de fora outros atores,

geralmente, os mais impactados negativamente. Portanto, é o Estado que media

os interesses e conflitos entre atores sociais, definindo os modos de destinação dos

recursos ambientais na sociedade. (Quintas, 2009)

Quando um órgão ambiental licencia um empreendimento ou nega o seu

licenciamento, ele estará definindo também quem ganha e quem perde com tal

decisão, que se configura como um ato de gestão ambiental. Portanto, a gestão

ambiental nunca é neutra. O Estado quando assume uma determinada postura

diante de um problema ou conflito ambiental, define como se distribuirão os

custos e os benefícios decorrentes daquele processo decisório. (Quintas, 2009)

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 104

A gestão ambiental é um processo de mediação de interesses e conflitos entre atores sociais que agem sobre o meio físico-natural e construído. Esse processo de mediação define e redefine, continuamente, o modo como os diferentes atores sociais, por meio de suas práticas, alteram a qualidade do meio ambiente, e, também, como se distribuem os custos e os benefícios decorrentes da ação desses agentes. (QUINTAS, 2002:14).

Diante disso, a proposta de educação ambiental em questão pressupõe que o

Estado deve criar as condições necessárias ao controle social da gestão ambiental,

incorporando a participação de amplos setores da sociedade nos processos

decisórios sobre a destinação dos recursos ambientais.

A construção dessa proposta, denominada Educação no Processo de Gestão

Ambiental, iniciou-se na Coordenação Geral de Educação Ambiental do IBAMA –

CGEAM, nos anos 90, e propõe que o espaço da gestão ambiental pública seja o

ponto de partida para a organização de processos de ensino-aprendizagem,

construídos com os sujeitos neles envolvidos. Para Quintas (2009:55),

buscar a mitigação de assimetrias, pelo menos no plano simbólico, é uma das tarefas primordiais de uma educação ambiental com centralidade na gestão ambiental pública, uma vez que injustiça e desigualdade são inerentes à ordem social vigente. (...)

Assumir este pressuposto significa admitir que a gestão ambiental não se esgota

em suas dimensões administrativas e técnicas, mas é estruturada e permeada por

relações políticas e econômicas que situam as próprias escolhas técnicas (Loureiro,

2009)

A proposta em questão é um processo educativo eminentemente político, que,

segundo Layrargues (apud Quintas, 2009:58) “visa o desenvolvimento, nos

educandos, de uma consciência crítica acerca das instituições, atores e fatores

sociais geradores de riscos e respectivos conflitos socioambientais”.

Para Layrargues (2009:27) “fazer educação ambiental com compromisso social

significa reestruturar a compreensão de educação ambiental para estabelecer a

conexão entre justiça ambiental, desigualdade e transformação social”. De acordo

com o autor, trabalhar com processos pedagógicos voltados para os grupos sociais

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em condições de risco e vulnerabilidade ambiental permite uma abordagem

educativa “contextualizadora, complexa e crítica”.

Ainda de acordo com Layrargues (2009), a educação ambiental com compromisso

social deve politizar o debate ambiental, propiciando que os atores sociais

envolvidos nos processo pedagógicos percebam as contradições da realidade

vivida, as situações de desigualdade, de vulnerabilidade e de risco ambiental,

auxiliando-os a se instrumentalizar para a defesa de seus direitos e interesses,

motivando-os a reagir e a participar, como sujeitos políticos, da gestão ambiental

pública.

Quando pensamos em educação no processo de gestão ambiental estamos desejando o controle social na elaboração e execução de políticas públicas, por meio da participação permanente dos cidadãos, principalmente de forma coletiva, na gestão do uso dos recursos ambientais e nas decisões que afetam à qualidade do meio ambiente. (QUINTAS, 2002:9).

As lutas em torno de questões concretas são importantes não somente porque as

vitórias parciais são úteis por si mesmas, mas também porque contribuem para

uma tomada de consciência e favorecem a atividade e a auto-organização dos

grupos em maior situação de vulnerabilidade socioambiental.

Segundo Layrargues (2009:21), quando a política ambiental é formulada com o

compromisso de combater a injustiça ambiental, “emerge potencialmente como

uma questão de justiça distributiva” e, nesse caso, tal intencionalidade poderia

contribuir para o enfrentamento da desigualdade “materializada pelos conflitos

socioambientais”. (grifos do autor)

A proposta de EA no âmbito do licenciamento ambiental

Ao longo da década de 1990 até o ano de 20077, a Coordenação Geral de Educação

Ambiental do IBAMA (CGEAM), formulou pressupostos teóricos e metodológicos que

embasaram a proposta da educação no processo de gestão ambiental, e as ações

7 Em 2007 a Coordenação Geral de Educação Ambiental – CGEAM - foi extinta da estrutura do IBAMA por um ato da então Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que criou na mesma ocasião o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade.

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promovidas pela CGEAM possibilitaram um acúmulo pedagógico que serviu de

referência para a elaboração da proposta teórico-metodológica desenvolvida no

âmbito do licenciamento ambiental federal. Por conta dessa iniciativa, há hoje no

país, um conjunto de instrumentos jurídicos, teóricos e metodológicos que

norteiam a educação ambiental no licenciamento, sob uma perspectiva crítica e

socioambiental8.

Mas quais seriam as especificidades da educação ambiental no licenciamento? O

que há de novo nessa proposta que tem suscitado tanto interesse ultimamente em

vários estados do país? Por que essa proposta estaria sendo considerada por

vários educadores ambientais como estratégica para a gestão ambiental?

Segundo Loureiro (2009:20) essas respostas podem ser dadas de um modo bem

direto: “a educação ambiental no licenciamento atua fundamentalmente na

gestão dos conflitos de uso e distributivos ocasionados por um empreendimento”

e, objetiva garantir:

(1) a apropriação pública de informações pertinentes; (2) a produção de conhecimentos que permitam o posicionamento responsável e qualificado dos agentes sociais envolvidos; (3) a ampla participação e mobilização dos grupos afetados em todas as etapas do licenciamento e nas instâncias públicas decisórias.

Para o autor o ineditismo da proposta estaria pautado numa perspectiva de

educação ambiental “com forte impacto nas políticas públicas e nas relações de

poder entre os grupos sociais” que possuem diferentes interesses em relação aos

processos produtivos licenciados.

No entanto, alerta Loureiro (2009:21), para que ocorram impactos nas políticas

publicas, os projetos desenvolvidos deverão ir além de ações pontuais e devem

desenvolver processos educativos que abordem as características, os impactos e

os riscos do empreendimento, o qual deve ser o foco motivador da ação

educativa.

8 Entre os documentos norteadores elaborados pelo IBAMA estão: as “Orientações pedagógicas do Ibama para elaboração e implementação, de Programas de Educação Ambiental, no Licenciamento de Atividades de Produção e Escoamento de Petróleo e Gás Natural”, de 2005 e a Nota Técnica CGPEG/DILIC/IBAMA NO 001/10, de 2010.

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Assim, o mesmo autor ressalta que a Educação Ambiental não deve reproduzir e

dar sentido universal a modos de vida e a valores de grupos dominantes e observa

que é comum o desenvolvimento de projetos de Educação Ambiental que levam

“grupos sociais em situação de exclusão a aceitarem padrões culturais e

comportamentais previamente estabelecidos e a assumirem certos problemas

como prioritários”. (Loureiro, 2004:4)

O autor chama atenção para o fato de que estes projetos deveriam,

fundamentalmente, “estabelecer processos participativos de ação consciente e

integrada, fortalecendo o sentido de responsabilidade cidadã e de pertencimento

a uma determinada localidade”. Considerando que “todos são sujeitos da

transformação individual e coletiva, não podendo haver passividade diante do

mundo”. (Loureiro, 2004:5)

Segundo Loureiro (2004:5) “educar é agir conscientemente em processos sociais

que se constituem conflitivamente por atores sociais que possuem projetos

distintos de sociedade, que se apropriam material e simbolicamente da natureza

de modo desigual.”

Para o autor, não se deve admitir que um projeto de EA no licenciamento, por

exemplo, seja pautado por atividades com crianças em escolas ou visitações em

áreas preservadas sem que se leve em consideração o objeto central do processo:

o empreendimento e seus efeitos. Até porque a atribuição educativa própria da

gestão ambiental é a educação não-formal. (Loureiro, 2009)

A EA no âmbito do licenciamento das atividades marítimas de exploração e

produção de óleo e gás

Como já apresentado, as ações de Educação Ambiental no licenciamento das

atividades marítimas de óleo e gás são obrigatórias e visam minimizar os riscos e

os impactos da atividade sobre os grupos sociais afetados por ela. Desde 2004, o

IBAMA tem proposto diretrizes para o desenvolvimento de projetos de educação

ambiental que visam ao empoderamento desses grupos, de maneira a diminuir sua

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 108

vulnerabilidade. No caso da atividade de petróleo, principal atenção tem sido

dada aos pescadores artesanais9, uma vez que estes são considerados os mais

afetados por esse tipo de empreendimento.

De acordo com Loureiro (2009), o público prioritário de qualquer projeto no

contexto do licenciamento devem ser os grupos afetados pelos empreendimentos,

e os espaços de atuação dos educadores aqueles onde se manifestam os conflitos

de uso.

Em consonância com tais princípios, foram propostas pelo IBAMA, ações de

Educação Ambiental para a fase de exploração da atividade petrolífera (etapas de

sísmica e de perfuração), que ocorrem no âmbito de um projeto denominado

Plano de Compensação da Atividade Pesqueira – PCAP e para a etapa de produção,

o projeto de Projeto de Educação Ambiental – PEA.

Ambos os projetos estão orientados para os processos pedagógicos nos espaços

não formais da educação, ou seja, aqueles que ocorrem em reuniões, nos

sindicatos, nas associações, ou seja, no inter-relacionamento das pessoas.

As ações do PEA devem proporcionar meios para a produção e aquisição de

conhecimentos e habilidades e contribuir para o desenvolvimento de atitudes

visando à participação individual e coletiva na gestão do uso sustentável e na

conservação dos recursos ambientais, bem como, na concepção e aplicação de

decisões que afetam a qualidade ambiental (meios físico-natural e sociocultural).

9 A definição de pesca artesanal utilizada pelo IBAMA considera que essa atividade contempla tanto as capturas com objetivo comercial associadas à subsistência das famílias dos participantes, quanto àquelas com objetivo essencialmente comercial. Destaca-se como uma grande fornecedora de proteína de ótima qualidade para as populações locais, é multiespecífica (captura diversas espécies de peixe), utiliza grande variedade de aparelhos e, em geral, a maioria das embarcações não é motorizada. Geralmente, os meios de produção (petrechos de pesca) são confeccionados pelo grupo familiar ou em bases comunitárias e o saber-fazer orienta as pescarias e a divisão das tarefas do grupo. O pescador artesanal exerce sua atividade de maneira individual, em pares ou em grupos de quatro a seis indivíduos e está sob o efeito de pressões econômicas que governam sua estratégia de pesca, selecionando os peixes de maior valor. Sua relação com o mercado é caracterizada pela presença de intermediários. A relação de trabalho parte de um processo baseado na unidade familiar ou no grupo de vizinhança e tem como fundamento o fato de que os produtores ou parte deles são proprietários do seu meio de produção (DIEGUES, 1983).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-6: Mônica Armand Serrão Pag 109

O PEA é elaborado conforme os princípios básicos da educação ambiental

definidos pela Lei 9.795/99 e é construído e implementado em conjunto com os

grupos sociais afetados pela atividade, fazendo uso de metodologias

participativas. Conseqüentemente, o processo educativo se inicia desde a etapa

de diagnóstico e as decisões, ou ações prioritárias, são sempre escolhidas

coletivamente, a partir da negociação entre os grupos sociais, empresa e IBAMA.

O PEA e o PCAP possuem duas etapas. A primeira refere-se a um diagnóstico

participativo realizado com os grupos afetados pelo empreendimento, o qual

resulta na proposição de projetos que compõem uma agenda ambiental

comunitária10. A segunda etapa consiste na escolha e implementação de um ou

mais projetos propostos na primeira etapa. O(s) projeto(s) selecionado deve

promover ações coletivas, atender às exigências legais e buscar mecanismos de

sustentabilidade.

Considerações finais

Diante do que foi apresentado a respeito dos projetos de educação ambiental

enquanto medidas mitigadoras / compensatórias dos impactos socioambientais da

atividade marítima de petróleo e gás, como saber se os projetos de caráter

participativo trarão resultados verdadeiros e serão eficazes no alcance dos

objetivos de empoderamento e de construção de alternativas reais de

desenvolvimento para aquelas comunidades? Como verificar se os impactos

socioambientais provocados pelos empreendimentos licenciados foram

minimizados e/ou compensados? Como medir os resultados obtidos? Esse é sempre

um grande desafio ao se tratar de ações de caráter qualitativo.

Tentar descobrir em que medida esses projetos de educação ambiental são

instrumentos de empoderamento e emancipação dos grupos sociais ou são apenas

instrumentos que manterão o status quo das comunidades, gerando ações

tuteladas pelas empresas em atendimento às exigências do Estado é o desafio

atual dos analistas ambientais da CGPEG/IBAMA.

10 Não necessariamente o produto final da primeira etapa é uma agenda ambiental comunitária. Mas, o termo será aqui utilizado, pois o resultado gerado é um diagnóstico comunitário e um conjunto de ações de curto, médio e longo prazo, necessário para desenvolver a comunidade e diminuir sua vulnerabilidade aos empreendimentos.

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Do que se observou até o momento das experiências de projetos de educação

ambiental relacionados a processos de licenciamento ambiental federal das

atividades marítimas de exploração e produção de petróleo em andamento no

país, é a existência de um limite muito tênue entre ações emancipatórias e

tuteladas, sendo necessária uma reflexão contínua sobre até onde ir e o que se

pode exigir.

A adoção de premissas e de diretrizes claras para nortear os projetos de educação

ambiental exigidos como medidas mitigadoras e compensatórias do licenciamento

ambiental, por exemplo, é uma condição necessária, para que o Estado cumpra

seu papel de gestor, as empresas implementem projetos comprometidos com a

transformação da realidade socioambiental das comunidades e estas sejam co-

autoras dos projetos e exerçam seus direitos e deveres na gestão de seu espaço de

vida.

Portanto, ainda que os projetos de educação ambiental busquem o fortalecimento

das organizações sociais e o apoio dos movimentos sociais, é necessário que sejam

acompanhados, avaliados e sistematizados, gerando informações que subsidiem a

formulação de políticas públicas que visem institucionalizá-los como ações

obrigatórias no campo da gestão ambiental.

Neste contexto, o IBAMA, no licenciamento de petróleo e gás, tem desenvolvido

um conjunto de procedimentos que, recentemente, foram consolidados na

elaboração da Nota Técnica No 001/10, voltada para articular diferentes PEAs

desenvolvidos em uma mesma região impactada pela cadeia produtiva do

petróleo, tendo por principais objetivos direcionar diferentes linhas de ação de

modo que venham a convergir para uma efetiva gestão ambiental regional e

garantir que os processos educativos estejam voltados para a mitigação /

compensação dos impactos da atividade licenciada.

Dentre as linhas de ação propostas na referida Nota Técnica, está prevista a

elaboração de PEAs que desenvolvam ações voltadas para a (i) organização

comunitária para a participação no licenciamento ambiental, o (ii) controle social

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da aplicação de royalties e de participações especiais da produção de petróleo e

gás natural, o (iii) apoio à elaboração, à democratização, à discussão pública e à

fiscalização do cumprimento das diretrizes de Planos Diretores municipais e o (iv)

apoio à discussão e ao estabelecimento de acordos para a gestão compartilhada

das atividades na zona marítima.

Os processos educativos propostos para o licenciamento de petróleo pretendem

realizar um papel de mediação junto aos grupos e movimentos sociais impactados,

contribuindo para que os sujeitos envolvidos no processo educativo sejam capazes

de desvelar a realidade vivida, em todos os seus aspectos, incluindo as

contradições, as causas da desigualdade, da vulnerabilidade socioambiental e dos

riscos a que estão sendo submetidos. Espera-se dessa forma, instrumentalizá-los,

tornando-os aptos a defender seus diretos e interesses, motivando-os a reagir e a

participar “como sujeitos políticos” dos espaços públicos de decisão. (Layrargues,

2009)

Dessa forma, acredita-se que o fortalecimento da proposta de educação no

processo de gestão ambiental no interior das dinâmicas do licenciamento,

possibilitará ao Estado ampliar o seu papel de mediador de conflitos e promotor de

políticas socioambientais de caráter público e universalizante.

Referências Bibliográficas: IBAMA. Nota Técnica CGPEG/DILIC/IBAMA NO 001/10. Rio de Janeiro: CGPEG / IBAMA, 2010. LAYRARGUES, P.P. “Educação ambiental com compromisso social: o desafio da superação das desigualdades”. In: Carlos Frederico Bernardo Loureiro, Philippe Pomier Layrargues, Ronaldo Souza de Castro (Orgs.) Repensar a educação ambiental: um olhar crítico – São Paulo: Cortez, 2009. p: 11-32. LOUREIRO, C. F. B In: “Educação ambiental no licenciamento: aspectos legais e teórico-metodológicos.” In: Carlos Frederico Loureiro (Org.) Educação ambiental no contexto de medidas mitigadoras e compensatórias de impactos ambientais: a perspectiva do licenciamento. Salvador: IMA, 2009. p: LOUREIRO, C. F. B.. “Educação Ambiental e Gestão Participativa na Explicitação e Resolução de Conflitos”. In: Gestão em Ação. v.7, no 1, jan./abr. Salvador, 2004. 16 p. Disponível em: http://homologa.ambiente.sp.gov.br/EA/adm/admarqs/FredericoLoureiro.pdf QUINTAS, J.S. “Educação no processo de gestão pública: a construção do ato pedagógico”. In: Carlos Frederico Bernardo Loureiro, Philippe Pomier Layrargues, Ronaldo Souza de Castro (Orgs.) Repensar a educação ambiental: um olhar crítico – São Paulo: Cortez, 2009. p: 33 – 80.

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SERRÃO, M.A., WALTER, T. VICENTE, A. “Educação ambiental no licenciamento ambiental- duas experiências no litoral baiano”. In: Carlos Frederico Loureiro (Org.) Educação ambiental no contexto de medidas mitigadoras e compensatórias de impactos ambientais: a perspectiva do licenciamento. Salvador: IMA, 2009. p: 107 – 142.

WALTER, T. & MENDONÇA, G. Pode o licenciamento ambiental promover o desenvolvimento local? Uma reflexão a partir do Baixo Sul – BA. IN: Anais do Seminário de Comemoração dos 30 anos do CPDA, 2007.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 113

O licenciamento ambiental de petróleo frente às discussões sobre

desenvolvimento local: potencialidades e limitações quanto à capacidade de

redução de desigualdades sociais

Gilberto Moraes de Mendonça1

1. Introdução

Nas Ciências Sociais, um dos conceitos repletos de juízos de valor é aquele

associado ao termo “desenvolvimento”. Como destaca STAVENHAGEN (1985),

desenvolvimento significa mudança, evolução, crescimento, porém ainda não estão

definidos os pontos de partida e chegada ou as referências nas quais devem se basear

estudos e políticas que buscam promover tal mudança. As questões que se põem para que

sejam definidas essas referências podem ser muitas e, como exemplo, têm-se:

desenvolvimento de quê e para quem?; de onde para onde?; de pobre a rico?; de

tradicional a moderno?; de pequeno a grande? Mesmo assim, o termo é aceito como tema

de trabalho e praticam-se as diversas noções desse conceito, seja entre os economistas e

sociólogos, seja entre os planejadores e gestores. Outros termos e expressões similares

são, também, amplamente usados, tais como “subdesenvolvimento” ou “desenvolvimento

perverso” como uma situação desviante de uma noção de desenvolvimento válida,

mostrando, assim, que os valores estão postos antes mesmo de se estabelecer um

arcabouço consensual de ferramentas para discutir a questão.

Não se pode desconhecer o fato de que a disputa do campo semântico do termo

“desenvolvimento” apresenta-se como uma arena da política e da hegemonia ideológica

vigente. Não se trata, portanto, de um conceito neutro. Sua origem se deu, segundo

FAVERO (2003), no seio da economia liberal, cujo objetivo sempre foi apontar caminhos

para a reprodução do capitalismo. Por isso mesmo, foi alvo de críticas desde o seu

nascimento, permitindo a elaboração de diversas teorias do desenvolvimento. Importa

saber se as teorizações e concepções contemporâneas sobre o desenvolvimento trazem, de

fato, propostas de alterações estruturais na sociedade, centradas no humano e criadoras

de vida digna. Nesse sentido, ressurgem, aqui, outras perguntas clássicas sobre o tema e

destacadas por esse autor: quem é o sujeito do desenvolvimento?; quem é o beneficiário

do desenvolvimento?

1 Analista Ambiental – Coordenação Geral de Petróleo e Gás – Diretoria de Licenciamento Ambiental – IBAMA. Engenheiro

Civil e Agrônomo, Mestre em Ciências em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ), doutorando em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED/UFRJ).

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A partir de um levantamento sumário sobre as concepções históricas de

desenvolvimento e sobre as dinâmicas que envolvem as propostas inseridas no chamado

“desenvolvimento local”, o presente artigo pretende apresentar, de forma sucinta,

potencialidades e limitações do licenciamento ambiental brasileiro de petróleo e gás no

meio marítimo, quanto à sua capacidade de propor redução das desigualdades sociais.

Optou-se, para tal, por lançar mão de abordagens de autores que estudam o

desenvolvimento e daqueles que tratam do papel do Estado e da participação de atores

sociais na elaboração e implementação de políticas públicas, bem como de explanações

sobre a prática do licenciamento ambiental dos empreendimentos marítimos de petróleo e

gás.

2. As concepções de desenvolvimento em perspectiva histórica

COWEN e SHENTON (1996), analisando a obra de diversos autores, dentre eles

Malthus, Comte, Marx e Mill, mostram que a ideia moderna de desenvolvimento emergiu na

primeira metade do século XIX na Europa e era traduzida como um conjunto de

melhoramentos a serem promovidos ante a crise social (pobreza e desemprego) que se

sucedeu ao rápido movimento da população do campo para os centros urbanos para dar

cabo da expansão da produção industrial. Assim, desenvolvimento era a reconstrução da

ordem e combate à miséria social para compensar os efeitos negativos do capitalismo; o

progresso somente poderia ser sustentado por meio de uma ação construtivista intencional

e a produção industrial e a organização eram aceitas como parte integrante do movimento

na direção a um estágio orgânico e positivo da sociedade europeia. Nota-se, aqui, o

desenvolvimento ligado à ideia de progresso e o nascimento de um pensamento

necessariamente eurocêntrico do termo, bem como a inescapável força com que o

conceito é comumente associado ao seu sentido econômico. Foi nesse período que a

economia de mercado adquiriu sua maturidade (na Inglaterra e na esteira da Revolução

Industrial) e potencializou as diferenças já existentes entre os países em termos de

distância entre ricos e pobres, no que diz respeito a seus indicadores socioeconômicos.

Mesmo considerando esses fatos, são as três décadas que se seguiram à Segunda Guerra

Mundial, chamada de “era de ouro” do capitalismo (entre os anos 50 e os anos 70 do século

passado), que diversos autores registram como sendo o período que marca a explosão do

imaginário contemporâneo sobre desenvolvimento.

Segundo FALLEIROS, PRONKO e OLIVEIRA (2010), nesse período, consolidou-se a

hegemonia do capitalismo no mundo ocidental, pela difusão do “americanismo” (expressão

de Antonio Gramsci para designar o modo de vida característico dos norteamericanos no

século XX): um conjunto de estratégias dos Estados Unidos da América que, ao se

transformarem no principal agente de reconstrução da Europa devastada pela Guerra,

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consolidaram seu projeto societário capitalista frente ao ideário comunista soviético. E ao

obterem êxito nessa reconstrução, por meio de significativa melhoria de vida (pleno

emprego, consumo de massa, etc.), fortaleceram mundialmente sua posição

anticomunista. Também nesse período, foi instaurado, nos países capitalistas centrais, o

Estado de bem-estar social e ocorreram, simultaneamente, alto crescimento da

industrialização e expansão da produção. As fronteiras nacionais começaram a se

flexibilizar, surgiram as empresas multinacionais e uma nova e sofisticada divisão

internacional do trabalho.

Como salienta STAVENHAGEN (1985), ao longo das décadas citadas anteriormente,

predominou uma concepção linear evolucionista sobre o desenvolvimento, tendo como

referência o reconhecimento de que determinadas regiões do planeta — a maioria

localizada nas colônias e ex-colônias europeias — eram “atrasadas” em termos

econômicos, sociais e culturais, algumas delas, também no âmbito político. Esse atraso,

conforme entendido na época, se dava nos aspectos da pobreza, fome, baixo produto

nacional, baixa renda per capita e baixos padrões de vida. Percebiam-se como remédio

para o atraso medidas que fomentassem o crescimento econômico, formuladas e

implementadas de diversos modos, a depender da situação diagnosticada, como por

exemplo, incentivo à formação de capital, à tecnologia, à educação. Entretanto, o que se

percebeu, em seguida, é que nem todos esses fatores agindo em conjunto poderiam

solucionar o detectado problema do atraso. Corrobora tal fato o que ressalta MALUF

(2000): a partir da segunda metade dos anos 1970 ficaram patentes os impasses teóricos e

práticos da promoção do desenvolvimento econômico, a partir do reconhecimento dos

limites encontrados nas políticas e programas que buscavam emancipar econômica e

socialmente as nações. Diante dessa constatação, houve uma importante distinção entre o

crescimento econômico (formulado em termos de produto e renda) e o desenvolvimento

em sentido mais amplo, passando o desenvolvimento social e o institucional a serem

componentes mais fortes nas discussões. E o subdesenvolvimento não significava mais “ser

atrasado”, mas sim “ser dependente e explorado”, passando de um conceito linear a um

conceito relacional, ou seja, em termos metodológicos, houve uma mudança de paradigma

em relação ao período anterior.

3. A intervenção do Estado e alternativas para se pensar o desenvolvimento

A questão da intervenção do Estado e se esta beneficia ou prejudica o bem-estar

econômico e social no capitalismo é historicamente recorrente. E defender ou não essa

intervenção passam a ser os argumentos centrais na disputa entre projetos políticos que se

propõem diagnosticar e equacionar questões econômicas e sociais.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 116

Em uma economia capitalista existe uma tensão permanente entre dois mecanismos

pelos quais os recursos escassos são alocados na produção de bens e serviços e esses são

distribuídos entre os cidadãos: o mercado e o Estado. Na esfera política, essa tensão é

exacerbada pela democracia e, ideologicamente, pauta o debate contemporâneo em torno

do papel do Estado na economia.

Conforme REIS (2008), desde meados do século XIX, prevaleceram três teorias ou

quadros conceituais, sustentando quatro projetos políticos em disputa: (i) teoria política e

econômica liberal, sustentando dois projetos distintos, o liberal-conservador (ou

neoliberal) e o liberal-democrata; (ii) teoria marxista, onde se apoia o projeto social-

democrata; (iii) teoria desenvolvimentista da CEPAL (Comissão Econômica para a América

Latina e Caribe), subsidiando o projeto desenvolvimentista. Entre os anos 1950 e 1980, a

discussão atingiu seu auge, principalmente pela apropriação, pelo projeto liberal-

democrata e pela social-democracia, de uma teoria econômica — o keynesianismo — que

propunha, por meio da intervenção estatal no funcionamento dos mecanismos de mercado,

a elevação e manutenção do bem-estar social. Nesse sentido, o liberal-democrata se

distancia do projeto neoliberal, o qual não acredita que as falhas de mercado possam ser

corrigidas por meio da intervenção do Estado. Por fim, as contribuições da CEPAL, com

pontos em comum com o keynesianismo, forneceram subsídios teóricos para a orientação

das ações dos governos nacionais de países da região, no sentido de superarem sua

condição por meio da industrialização. Fato é que, entre os anos 1950 e 1970, prevaleceu a

visão social-democrata e, dos anos 1980 em diante, voltou a prevalecer a liberal-

conservadora, que havia dominado no período entreguerras.

No que concerne aos países periféricos, no modelo prevalecente de

desenvolvimento entre os anos 1950 e 1970, o Estado gestava e implementava uma

variante da industrialização orientada para o interior desses países, tendo como meta a

substituição de importações. A partir dos anos 1980, instaura-se uma política econômica

que, em contraste, alterou quase por completo a intervenção do Estado, com a

liberalização do comércio interno e dos investimentos, privatização de empresas estatais e

aplicação de uma série de reformas econômicas. Como atestam FALLEIROS, PRONKO e

OLIVEIRA (2010), a década marca o início da neoliberalização do mundo, processo

capitaneado pelos governos de então da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, o que

provocou profundas mudanças em todas as dimensões da vida social, a desregulamentação

de todos os mercados, o comércio livre e a mundialização do capital, reforçando a

globalização produtiva, financeira e tecnológica e tendo como consequência o

aprofundamento das desigualdades sociais. Isto porque, ao fim da década, consolida-se o

consenso ideológico global (por vezes, rotulado de Consenso de Washington): uma nova

ordem global, onde, conforme EVANS (1997), as prescrições ideológicas angloamericanas

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passam a ser transcritas dentro de regras formais do jogo, com as quais os Estados

individuais têm de se comprometer ou, então, arriscarem a se tornar párias econômicos. O

receituário foi aplicado aos países em dificuldades financeiras, principalmente aos

latinoamericanos. Nesse cenário, o papel do Estado altera-se significativamente, passando

a ser, então, o de criar e preservar uma estrutura institucional, de modo a garantir a

manutenção da doutrina neoliberal.

Nos anos 1990, os efeitos negativos do neoliberalismo provocaram a criação da

Terceira Via (também conhecida como “social-liberalismo”), um projeto político que,

segundo FALLEIROS, PRONKO e OLIVEIRA (2010), tem a função de desempenhar o papel de

nova âncora do capitalismo neoliberal. Esse projeto também tem interferido de maneira

intensa no papel do Estado na sua responsabilidade pela execução das políticas sociais,

embora diferentemente da doutrina neoliberal: enquanto esta defende a privatização e

define que a execução dessas políticas cabe ao mercado, a Terceira Via repassa essa

responsabilidade para as organizações da sociedade civil. Dentre outras práticas, o Estado

neoliberal da Terceira Via: interfere na legislação e concebe estruturas regulatórias que

privilegiam interesses específicos; assume riscos nas parcerias público-privadas; vigia e

pune, por meios diversos, a classe trabalhadora; tem o dever de proteger interesses

corporativos. Embora receba críticas contundentes, esta é a ideologia hegemônica no

início século do XXI em todos os países do chamado “mundo ocidental” e está voltada para

a criação de um novo senso comum e um novo padrão de sociabilidade, preservando a

lógica da acumulação.

O desgaste de cada um dos projetos postos em prática nas últimas décadas fez com

que diversos autores venham defendendo, por meio de argumentação teórica e evidências

empíricas, que os Estados são vitais para o bem-estar social e econômico de seus cidadãos

e que a questão apropriada não é “o quanto” intervir, mas sim “que tipo” de intervenção

deve ser processada pelo Estado. Surgem, então, os novos caminhos para se pensar a

temática do desenvolvimento, com perspectivas mais amplas e diversificadas. Assim,

STAVENHAGEN (1985) propõe um modelo de “desenvolvimento alternativo”, com uma

abordagem que envolva vários elementos que nem sempre ocorrem em conjunto. Dentre

esses elementos, encontram-se: uma estratégia destinada a satisfazer as necessidades

básicas fundamentais de um grande número de pessoas; uma visão endógena, ao invés

daquela orientada para exportações e importações; ações válidas do ponto de vista do

respeito ao meio ambiente; uso de recursos de forma a ter autossustentação local,

nacional e regional; mais participação da sociedade em todos os níveis do processo e

menos tecnocracia; aproveitamento de tradições culturais existentes; implantação do

“etnodesenvolvimento”, ou seja, respeito e reconhecimento da variedade grupal, tornando

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a etnicidade como aliada do desenvolvimento e da legitimação do Estado-nação e não,

como é usual, encoberta ou negada por este último.

4. As noções sobre desenvolvimento local

Nas três últimas décadas, ficou patente que a globalização desestrutura a sociedade

na periferia e caduca a democracia representativa, potencializando a separação entre

dominantes e dominados. Tende a caducar, também, o Estado-nação, o que desfaz a

cidadania, caso esta não possa se desenvolver sob sua própria racionalidade, para além da

racionalidade burguesa. Tais consequências dos processos de globalização para o Estado-

nação provocaram o surgimento de novas concepções de desenvolvimento a serem

implementadas junto às sociedades situadas no interior dos países. Gestou-se, assim, a

ideia de um tipo de desenvolvimento que pudesse promover uma espécie de proteção da

realidade local contra os reveses advindos da globalização e que, simultaneamente,

elevasse o dinamismo econômico dos territórios em questão, cunhando-se, aí, a expressão

“desenvolvimento local”. Exemplos de iniciativas dessa natureza já eram vários, à época, e

destaca-se, segundo OLIVEIRA (2001), o desenvolvimento em âmbito local praticado (e bem

sucedido) em países europeus, principalmente na Itália, entre a Segunda Guerra e meados

dos anos 1980. Ou seja, no seu nascimento, o desenvolvimento local está associado à ideia

de um processo a ser construído nos Estados nacionais, pela valorização dos atributos

locais, frente à possível desagregação desses atributos promovida pela globalização.

O termo “local”, contido na expressão, passou, a partir de então, a ser identificado

e significado de formas diversas, a depender da intenção e do discurso de quem pretende

implementar alguma forma desse tipo de desenvolvimento ou, mesmo, simplesmente

colocá-lo na agenda de debates, sejam estes acadêmicos, políticos, econômicos, sociais.

Sendo assim, o que se observa, normalmente, é o “local” como sinônimo de território e os

exemplos são dos mais diversos: um determinado país, em uma comparação com os demais

ou com outro país específico; uma região que engloba vários países; uma região ou um

Estado dentro de um país; um município ou conjunto de municípios; uma comunidade ou

localidade dentro de um município. Tudo isso reforça o caráter de territorialidade

associado à construção do conceito.

Outro caráter inescapavelmente associado ao desenvolvimento local é a sua

endogeneidade, o que remete aos grupos sociais que vivem nos territórios em questão,

bem como às suas condições de vida, no que diz respeito à cidadania, e ao nível de

democracia vivenciado por esses grupos. Nesse sentido, refletir, na atualidade, sobre o que

vem a ser desenvolvimento local requer estar atento às atuais tensões na diferenciação

entre o que é público e o que é privado, as quais foram enumeradas e comentadas por

DUPAS (2003). Dentre essas tensões, para o caso específico da endogeneidade, basta

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observar os fatos citados pelo autor no que concerne à cidadania, descritos,

resumidamente, nessa sequência: (i) os mercados globais construíram a metáfora da

soberania popular triunfando sobre Estados coercitivos para garantir a liberdade individual,

de modo a que o individualismo fosse afirmado como único caminho de inclusão e de

sucesso; (ii) essa exaltação desmesurada da individualidade implicou crescente volatização

da solidariedade; (iii) a intensificação do narcisismo leva tanto à emancipação do indivíduo

quanto a uma aversão à esfera pública, o que causa a consequente degradação desta; (iv)

a esfera privada passa a ser, assim, percebida como o único locus possível de liberdade, o

que gera progressiva privatização do conceito de cidadania.

OLIVEIRA (2001) segue essa linha, sublinhando que a noção de desenvolvimento

local, como qualidade, ou se apoia na cidadania, ou então será apenas sinônimo de uma

certa acumulação de bem-estar e qualidade de vida nos âmbitos mais restritos. Sob essa

perspectiva, a noção de cidadania a nortear a tentativa de mensuração dos processos e

estoques de bem-estar e a qualidade de vida deve se referir ao indivíduo autônomo, crítico

e reflexivo, longe, portanto, do indivíduo-massa; ou seja, trata-se de uma aquisição por

meio do conflito. O autor salienta que o desenvolvimento local é uma noção polissêmica

que comporta tantas quantas sejam as dinâmicas de busca do exercício da cidadania e,

portanto, qualquer tentativa de transformá-lo em modelos paradigmáticos está fadada ao

fracasso. Segundo ele, essas dinâmicas poderiam criar um espaço de interação entre

cidadãos e recuperar a autonomia na gestão do bem comum, fazendo com que, dessa

forma, o governo poderia estar ao alcance das mãos dos cidadãos. Destaca, entretanto,

que a maior parte das definições e ensaios de desenvolvimento local, a rigor, assemelha-se

mais com adaptações dos dominados do que com alternativa à dominação. Para romper

essa fronteira, ele sugere que seja inventado, ao longo do processo, um novo recurso que

não possa ser anulado e que se configure como tendência contrária aos processos

dominantes.

5. Aspectos sobre a participação social nos processos de desenvolvimento

No que concerne à relação entre os atores, cabe aqui tecer considerações sobre a

constituição e as formas de ação política dos grupos sociais e sobre a categoria nomeada

de “sociedade civil” e as contradições existentes na inserção desta no debate

contemporâneo sobre a democracia, no Brasil e demais países da América Latina.

DAGNINO, RIVERA e PANFICHI (2006) salientam que os espaços públicos são as

instâncias deliberativas que dão voz aos atores sociais, instâncias estas que não são

monopolizadas por um único ator social ou político ou pelo próprio Estado. É certo que

nessas instâncias, como sustentado pela teoria da sociedade civil, a ação política se faz

presente, pois ela é parte da lógica da própria sociedade civil, cujos atores, quando

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defendem seus projetos na esfera pública e constroem a ação coletiva, estão fazendo

política e disputando espaço de poder. Mas, por refletir a multiplicidade social e política,

as instâncias são, também, a arena de reconhecimento da diversidade de conflitos,

interesses e opiniões na busca por caminhos que estabeleçam igualdade de recursos aos

participantes do processo, em termos de informação, conhecimento e poder. FAVERO

(2003) alerta, contudo, que o lugar, o papel e o significado dos grupos e movimentos

sociais nas dinâmicas do desenvolvimento são definidos em função de quem detém a

primazia da determinação dos rumos dos processos. Os diversos grupos sociais, ao longo da

história, transitam entre mercado e Estado e, assim, constroem conotações diversas para a

ideia de desenvolvimento, o que, na prática, acaba por ser de difícil compreensão, para os

diversos atores, o que seja participar ativa ou passivamente dos processos em curso.

OLIVEIRA (2001) chama a atenção para o não reducionismo da sociedade civil ao

desenvolvimento local e para uma conceituação não apaziguadora tanto da sociedade civil

quanto do desenvolvimento local. Cita, então, Antonio Gramsci, no sentido de sublinhar

que a sociedade civil é o lugar do conflito pela hegemonia. No Brasil, o autor salienta que,

nos discursos governamental, da mídia, das entidades filantrópicas privadas, das

organizações não governamentais, da “nova ética empresarial” e em certos discursos

acadêmicos, todos pautados pela doutrina neoliberal, a sociedade civil passou a designar

um lugar do “não conflito”, onde os interesses não aparecem, e a cidadania virou sinônimo

de harmonia, de paz social. Essa visão não é apenas falsa conceitualmente, mas também

nas práticas social e política, pois que reduz a sociedade civil ao âmbito dos atores

privados.

FONTES (2006) salienta que Gramsci, ao estabelecer seu conceito para sociedade

civil, forjou um instrumento precioso de análise e compreensão das sociedades capitalistas

avançadas. Como o capitalismo sempre produz classes dominantes e subalternos

explorados, é na análise da correlação de forças e da organização das classes dominantes e

do Estado que se apoiam as ideias desse pensador. A autora ressalta que antes das

formulações de Gramsci, os estudiosos davam ao conceito de sociedade civil um sentido

que abarcava os interesses, o mercado, a concorrência. Com Gramsci, o conceito é

recriado e a sociedade civil passa a ser compreendida como inseparável da noção de

totalidade, ou seja, da luta entre as classes sociais, das relações sociais de produção. É o

local da consolidação dos projetos sociais e das vontades coletivas, não havendo, portanto,

separação ou oposição entre sociedade civil e Estado: Gramsci compreende a sociedade

civil como o “Estado integral”; ou, na expressão cunhada por BUCI-GLUCKSMANN (1980), o

“ Estado ampliado”. Como declara a autora, essa ampliação do Estado na perspectiva

gramsciana se dá nos “pontos de fusão” entre Estado e sociedade, os quais ocorrem por

meio da união de frações da classe dominante com unidades da classe burguesa e por meio

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dos vínculos ideológicos e materiais da classe dominante com suas bases. O Estado, em vez

de ser reduzido a um instrumento externo às relações sociais, articula-se a elas na forma

de dominação de classe, qual seja, um processo de organização do consenso de uma ampla

camada da população em torno da política da classe dominante, por meio dos aparelhos de

hegemonia.

É importante frisar que, na América Latina, como discorrido por MESCHKAT (2000),

o conceito de sociedade civil se difundiu quando quase todos os governos eram ditaduras

militares: o “civil” era o “não militar”. Esse contexto é bem distinto daquele que existia

nos países do chamado socialismo real; porém, em ambos os casos, tratava-se de um

esforço para fazer retroceder o Estado e buscar espaço para os grupos sociais. Contudo,

deve-se lembrar que nem todas as associações civis foram eliminadas pelos governos

militares: associações empresariais existiram livremente, apoiando os regimes enquanto

estes garantissem a ordem. O que foi destruído pelos militares foi a outra parte da

sociedade civil: as organizações e movimentos sociais das camadas mais baixas da

população, dentre elas, campesinos, operários, indígenas, moradores — o conjunto dos

oprimidos e explorados da sociedade. Na atualidade, a expressão “sociedade civil” ainda

figura como lema para apoiar esforços dos excluídos para alcançar cidadania e como um

conceito que legitima a tentativa de acesso às novas ou revividas estruturas democráticas

em nível nacional e local. Porém, como assinala o autor, há uma tendência de evocar a

expressão para sair da necessidade de confrontações entre forças opostas e desenhar um

mundo livre de dominação, equiparando a sociedade civil com a economia de mercado. É

preciso, então, cuidado para que um lema de emancipação não seja convertido em um

elemento da ideologia dominante. Nesse sentido, é indispensável realizar um esforço para

entender o contexto no qual surgem e vão se modificando os conteúdos dos conceitos

políticos.

Para LOBATO (2006), em países capitalistas de industrialização retardatária (como

os da América Latina) a formulação de políticas públicas tem outros complicadores. No

Brasil, onde o processo de acumulação está associado à intervenção do Estado em quase

todos os setores da sociedade, a identificação das formas de relacionamento Estado-

sociedade é ambígua e de difícil apreensão. Por um lado, a ausência quase total e quase

frequente, ao longo do tempo, de sistemas representativos legítimos; a exclusão de amplos

setores sociais do processo político; e um tratamento variante entre a cooptação

dominadora e a coerção estrita sobre os setores populares. Por outro lado, as mesmas

características da acumulação vêm induzindo a uma complexidade na dinâmica social por

meio da convivência de padrões diferenciados de relacionamento entre diferentes

segmentos sociais e destes com o Estado e gerando formas pré-capitalistas ou marginais ao

processo dominante, junto com formas típicas do capitalismo avançado. A autora destaca,

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como outros complicadores, a ausência de sistemas partidários fortes, a ainda fraca

organização de grupos pluralistas de interesse e a presença persistente, na sociedade

brasileira, do clientelismo, forma que conviveu juntamente com o corporativismo populista

dos períodos burocraticoautoritários e se mantém forte como canal de relacionamento com

a sociedade.

6. Contradições que permeiam as noções de desenvolvimento local

O deslocamento da territorialidade do plano nacional para o plano local, para se

pensar o desenvolvimento, veio acompanhado, segundo REIS (2008), da diversificação de

atores envolvidos nos novos fluxos de mercadorias e de capitais do processo de

globalização, o que provocou estudos para compreensão da formação e articulação de

redes e do papel do terceiro setor. Induziu, também, os Estados a se empenharem em

pesquisas para identificar a disponibilidade de recursos junto a atores internacionais e

nacionais, onde possam ser engendrados os novos tipos de práticas desenvolvimentistas.

Assim, encontram-se projetos de desenvolvimento local financiados: por empresas (por

conta de responsabilidade social, por exemplo); por organizações de países, como o PPG-7

(grupo dos sete países mais desenvolvidos); por instituições religiosas nacionais e

internacionais; pelo Banco Mundial; por fundações privadas e organizações não

governamentais diversas; pelos próprios agentes públicos (municípios, Unidades da

Federação, fundações e órgãos públicos). O autor alerta que isso não implicou, entretanto,

redução, tanto da desigualdade política e econômica, quanto da dificuldade de

emparelhamento verificada anteriormente entre os países, bem como da assimetria de

poder entre os atores envolvidos. Isto porque, muitas das iniciativas de desenvolvimento

local padecem de uma descontinuidade espacial, temporal e cultural, levando-as ao

fracasso e ao desperdício de tempo, energia e esperança quanto aos sentidos de melhoria

das condições almejados, embora sucesso e fracasso sejam percebidos de forma diferente

pelos atores envolvidos.

Além disso, muitos dos projetos de desenvolvimento local, na atualidade, mesmo

que surjam com a pretensão de solucionar os dilemas da exclusão social, são inócuos

frente à escala dos problemas e despolitizadores quanto às questões sociais — nesse

quadro, como ressalta DUPAS (2003), ganham destaque aqueles incluídos na nova

tendência de responsabilidade social das empresas. Isto porque, essas ações pressupõem a

desqualificação do poder público, desconhecendo a possibilidade de decisão pelo

enfrentamento do conflito, o que é viabilizado pelas políticas públicas ao criar

compromisso e envolvimento dos cidadãos.

Pensar o desenvolvimento local requer considerar que ele se caracteriza por ser

eminentemente endógeno. Muitas vezes, a percepção de quem concebe ou financia os

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projetos de desenvolvimento local e está posicionado “fora do local” não coincide com a

percepção dos atores locais. Assim, conforme REIS (2008), um dos principais problemas dos

projetos está relacionado aos quadros institucionais que encaminham os conflitos e as

potencialidades (por exemplo, governança local, disponibilidade de recursos, coordenação

e articulação de interesses e dos atores).

Na tentativa de romper esses limites, as teorias e enfoques de construção de

estratégias de desenvolvimento local vêm introduzindo ou reformulando conceitos

diversos, tais como: solidariedade social (economia solidária, economia popular e solidária,

economia social); perspectiva ampliada de capital (“ativos de capital”: produtivo, humano,

político, social, cultural, ambiental); associação de processos sociais e instituições

(inovações e especificidades locais; condicionantes estruturais de cada local; criatividade

coletiva; experiências e acumulação de competências; cooperação e intercâmbio entre os

atores). Lembra-se que, nas últimas décadas, surgiu uma abordagem que dá às instituições

um papel central para se pensar os processos de desenvolvimento.

Em que pesem todas as tentativas de teorizar sobre alternativas de

desenvolvimento local, é preciso alertar que vários dos elementos citados acima estão

enredados na corrente da Terceira Via, que, conforme comentado no item 3 deste

trabalho, está situada em países centrais e periféricos e vem operando a ideologia de que

a ordem do capital é imutável. Segundo LEHER (2010), essa operação transcorre em

diversos países da América Latina, por meio de muitas mudanças ocorridas nos anos 1980 e

1990, as quais vêm reconfigurando a esquerda e, também, a direita desses países,

convergindo ambas para um ponto comum. Dessa forma, se forja um aprofundamento do

padrão de acumulação capitalista com alto grau de consentimento popular, mesmo com a

permanência de desigualdades sociais brutais, da violência da expropriação de terras e

direitos sociais e da derrocada das políticas de caráter universalista. Para melhor

compreensão desse processo, faz-se necessário observar as ressignificações da social-

democracia europeia, que nas últimas décadas, assimilou o neoliberalismo e passou a ser

operadora das políticas neoliberais, redefinindo a agenda da social-democracia mundial e

possibilitando o estabelecimento de um tipo de governo social-liberal em diversos países.

7. O licenciamento ambiental de petróleo e o desenvolvimento local

Em outro artigo da presente coletânea, intitulado “Os impactos socioambientais e

as medidas mitigadoras/compensatórias no âmbito do licenciamento ambiental federal das

atividades marítimas de exploração e produção de petróleo no Brasil”, foram

resumidamente descritos a atividade marítima de exploração e produção petróleo e gás,

seus riscos e impactos e o licenciamento ambiental dos empreendimentos, o qual está sob

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responsabilidade da Coordenação Geral de Petróleo e Gás (CGPEG), vinculada à Diretoria

de Licenciamento Ambiental (DILIC) do IBAMA.

Cabe, aqui, trazer outros elementos desse licenciamento, de forma a subsidiar

reflexões sobre esse instrumento de política pública e suas potencialidades e limitações

frente à discussão anterior sobre desenvolvimento local, reflexões estas que são

complementares às levantadas no citado artigo. Para tal, foram utilizadas as medidas

mitigadoras e compensatórias associadas aos impactos no meio socioeconômico

configuradas em projetos cujas ações educativas buscam ter um caráter crítico e

transformador. Nomeadamente, o Plano de Compensação da Atividade Pesqueira (PCAP) e

o Projeto de Educação Ambiental (PEA). As reflexões focam, então, três pontos

específicos: (i) os municípios onde se realizam tais medidas; (ii) os grupos sociais inseridos

nessas medidas; (iii) a legislação que dá suporte ao licenciamento e que pauta as decisões

do quadro técnico da CGPEG.

Quanto aos municípios e aos grupos sociais, é preciso ter em conta que há critérios

para definição da área de influência dos empreendimentos marítimos. Conforme visto no

referido artigo, na atividade de petróleo e gás são licenciados empreendimentos de três

tipos— Pesquisa Sísmica; Perfuração; e Produção & Escoamento — e os impactos se dão nos

meios físico, biótico e socioeconômico. No que tange ao meio socioeconômico, por mais

distante da costa que se pretenda implantar um empreendimento, sua área de influência

são os municípios costeiros onde há comunidades que realizam atividades econômicas (tais

como pesca artesanal, turismo ou outras que venham a ser identificadas) na área do mar

requerida pelo empreendimento. Devem ser consideradas a área de exclusão promovida

pela atividade do navio sísmico (o que inclui o levantamento de dados e a área de manobra

do navio) e aquela do entorno da unidade marítima (plataforma ou sonda) e do sistema de

escoamento (dutos), bem como o aumento do tráfego de embarcações de apoio ao

empreendimento e as rotas dessas embarcações até as bases de apoio, incluindo os portos

ou terminais. Em empreendimento de Produção & Escoamento, também devem ser

incluídos os municípios que, por definição da legislação, irão receber royalties quando do

início da operação da atividade.

De norte a sul do Brasil, são 16 as bacias sedimentares que abrangem a região

costeira e oceânica e, sob responsabilidade da CGPEG, há processos de licenciamento de

empreendimentos localizados na área marítima adjacente a vários Estados. Os

empreendimentos de Sísmica e de Perfuração vêm ocorrendo sistematicamente desde a

Bacia da Foz do Amazonas, situada no extremo norte, à Bacia de Pelotas, situada no

extremo sul. No que diz respeito à Produção& Escoamento, há empreendimentos

licenciados que se encontram frontais aos Estados de São Paulo, Bahia, Sergipe e Rio

Grande do Norte, mas a maior concentração de empreendimentos (e dos processos de

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licenciamento) se encontra, atualmente, na Bacia de Campos, área marítima que se

estende de Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, até próximo a Vitória, no Espírito Santo.

A título de ilustração sobre a potencialização dos conflitos gerados pelo uso do

espaço marítimo, basta observar o tráfego acrescido pela indústria de petróleo off shore

somente na Bacia de Campos, onde operam, atualmente, mais de 100 embarcações,

exclusivamente para essa atividade. E não são embarcações de pequeno porte. De uma

forma geral, uma embarcação lançadora de linha (que instala os dutos de escoamento no

assoalho marinho) chega à arqueação bruta de 25.000 t, podendo abrigar cerca de 200

trabalhadores. O navio sísmico se situa em uma faixa que está entre 2.000 e 4.000 t de

arqueação bruta. Um barco de apoio ou de emergência, entre 4.000 e 10.000 t. E mesmo

as consideradas menores, geralmente, têm mais de 400 t. Para efeito de comparação, uma

traineira comumente utilizada na pesca artesanal na costa fluminense encontra-se na faixa

de 10 a 20 t de arqueação bruta, onde atuam, em média, de 5 a 8 pescadores. E a julgar

pela Produção nos megacampos do pré-sal, na Bacia de Santos (área marítima que se

estende de Florianópolis a Arraial do Cabo), todas as questões sobre gestão socioambiental

nos municípios costeiros fluminenses irão se intensificar, independentemente da discussão

sobre alteração na atual legislação sobre royalties.

Assim, em diversos municípios da costa há PCAPs e PEAs sendo realizados,

envolvendo comunidades pesqueiras e outros grupos sociais, com as mais díspares

dinâmicas sociais, econômicas e culturais e distintos níveis de organização social. Disso

decorre que, nas ações participativas desenvolvidas em cada um desses Projetos, nas quais

se pretende que sejam exercitadas práticas democráticas e cidadãs, além de resultados

coletivos, há que se compreender e reforçar as características de cada grupo trabalhado e

respeitar seu ritmo de construção coletiva de ações. Isto para não incorrer no fracasso,

alertado por OLIVEIRA (2001) no item 4, caso se pense em promover alguma espécie de

desenvolvimento local em uma comunidade, aplicando-se modelos extraídos de outras.

Essa compreensão e respeito, caso sejam praticados pelos executores dos Projetos, em

última instância, vão ao encontro do caráter de territorialidade e de endogeneidade

associados à construção do conceito de desenvolvimento local, também discutidos no

mesmo item.

Os PCAPs e PEAs exigidos pela CGPEG e atualmente desenvolvidos em municípios do

Estado do Rio de Janeiro fazem parte de condicionantes de licenças ambientais das

dezenas de empreendimentos localizados na Bacia de Campos e na Bacia de Santos (muitos

desses Projetos abrangem, também, municípios do Espírito Santo). São cinco os PEAs

vinculados a licenças de empreendimentos de Produção & Escoamento desenvolvidos nos

13 municípios costeiros entre Saquarema e São Francisco do Itabapoana: PEA-BC, Pólen e

NEA-BC, da Petrobras; PEA-Devon; PEA-Shell. São Projetos de longa duração, em ciclos de

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dois ou três anos, pois estão associados ao tempo de duração dos empreendimentos, o que

pode se estender por até 30 anos (exceção ao da Devon, que tem duração de 9 anos). O

PEA-BC trata-se do Programa de Educação Ambiental da Bacia de Campos (em construção)

e irá abrigar todos os Projetos de Educação Ambiental existentes e futuros na região,

inclusive os citados. O Pólen (assim como o NEA-BC) se desdobra em um projeto por

município, onde estão sendo discutidos, dentre outros temas: controle social sobre os

royalties; gestão socioambiental em manguezais e lagoas; planos diretores municipais;

organização comunitária. Os públicos são diferenciados: jovens, pescadores, moradores,

organizações da sociedade civil, professores. O PEA-Devon debate problemas

socioambientais, por meio da instrumentalização de jovens em oficinas de cinema e

exibição e discussão pública dos filmes realizados. O PEA-Shell trabalha as questões

socioambientais com as comunidades quilombolas presentes nos municípios.

Quanto aos empreendimentos de Sísmica e de Perfuração, há mais três projetos

atualmente em andamento. O Projeto de Caracterização Regional da Bacia de Campos

(PCR/BC), da Petrobras, com duração prevista de dois anos, desenvolve-se em 11

municípios litorâneos (entre Saquarema e São Francisco do Itabapoana) e envolve a

caracterização dos meios naturais (físico e biótico) e social. Estão vinculados subprojetos

de monitoramento ambiental, monitoramento do desembarque pesqueiro em 14 pontos

distribuídos nos municípios do Projeto e caracterização socioeconômica da atividade

pesqueira (perfil de pescadores e domicílios). Os outros dois projetos têm prazos flexíveis,

com mínimo de dois anos, em função das especificidades e do andamento das ações

previstas: o PCAP da Petrobras se desenvolve em Casimiro de Abreu, Macaé, Quissamã,

Campos dos Goytacazes, São João da Barra e São Francisco do Itabapoana; e o PEA da

empresa OGX, em Arraial do Cabo, Cabo Frio, Armação de Búzios, Macaé, Campos dos

Goytacazes, São João da Barra, São Francisco do Itabapoana.

A experiência da CGPEG tem mostrado que no litoral de um mesmo Estado e até de

um mesmo município, os Projetos se desenvolvem de forma absolutamente diferente, em

termos de conquistas, progressos e retrocessos, devido, principalmente, ao nível

diferenciado de organização social encontrado de um grupo social para outro. Destaca-se,

sobretudo, um costume muito arraigado em diversas comunidades, que é o de contar com

práticas clientelistas e assistencialistas, promovidas historicamente por políticos e elites

empresariais diversas, além do baixíssimo nível (ou total ausência) de organização social

de vários desses grupos e, por desdobramento, a pouca prática de participação social,

cenário relacionado a fatores históricos, muito comum em toda a sociedade brasileira. A

diferenciação na organização social dos grupos é um dos principais motivos pelos quais a

CGPEG encontra dificuldades na mensuração qualitativa e na construção de indicadores

que permitam retratar com clareza os avanços e sanar, de modo mais célere, os impasses

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 127

verificados ao longo dos Projetos. Soma-se a isso a dificuldade de incorporação, pelas

empresas de petróleo e pelas empresas consultoras que conduzem os Projetos, dos

princípios propostos e das orientações pedagógicas do IBAMA para serem aplicados na

execução dessas medidas mitigadoras e compensatórias.

O cenário dessas comunidades confirma as constatações acerca da fraca

organização de grupos pluralistas de interesse neste país e da prática de clientelismo,

presentes nas ponderações de LOBATO (2006), no item 5. Remete, também, ao baixo nível

de democracia vivenciado por esses grupos, conforme comentado no item 4. Essas

características dificultam o entendimento, por parte dos grupos trabalhados, sobre a

vulnerabilidade aos impactos da atividade de petróleo a que estão sujeitos, bem como

sobre as funções do licenciamento e os objetivos dos Projetos. Junta-se a isso outros

agravantes, bastante percebidos pela prática do licenciamento na CGPEG, tais como o

risco de cooptação de lideranças locais ou, então, a resistência à implementação de

medidas de cunho participativo devido ao interesse na manutenção do status quo por

atores locais.

No que concerne à legislação e às decisões do quadro técnico da CGPEG, vale

assinalar que a flexibilidade contida em toda norma legal, quando se trata do “como

fazer”, dá margem a diversos tipos de iniciativas por parte dos órgãos executores da

política ambiental. Nesse caso, é fundamental a vontade política para criar, manter e

fortalecer quadros técnicos nas distintas Coordenações da DILIC/IBAMA e nos órgãos

ambientais estaduais, nas suas respectivas competências, o que remete ao comentário do

item 6 sobre quadros institucionais mediando conflitos. Este é um dos fatores de maior

peso na diferença entre os licenciamentos ditos mais burocráticos e aqueles que

implementam e renovam procedimentos por meio da discussão técnica após a verificação

prática do cumprimento de condicionantes das licenças concedidas. Ou seja, não se pode

perder de vista a perspectiva histórica e a dinâmica do processo de licenciamento. Não

existe procedimento pronto e acabado, quando se quer dar forma concreta ao que

determina cada lei, decreto, resolução. No licenciamento de petróleo, a experiência tem

evidenciado que, para a construção de cada procedimento, são necessários: (i) os avanços

anteriores e o envolvimento e constância nas discussões dos Grupos de Trabalho formados

por Analistas Ambientais da CGPEG; (ii) a associação das discussões com as práticas de

rotina e com a participação da sociedade, o que se dá por meio de reuniões com as

empresas, verificação da implementação dos projetos no campo, audiências e consultas

públicas. E o licenciamento não é interrompido enquanto é discutido. A permanência de

Analistas no setor por tempo suficiente para que sejam sedimentadas as práticas e criada

massa crítica em torno dos diversos temas tratados, aliada à entrada de novos

concursados, reforçando essa dinâmica, é o que tem permitido avanços no processo de

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 128

licenciamento e melhorias nas medidas de monitoramento, mitigadoras e compensatórias.

O que não quer dizer que todos os Projetos estejam em perfeito andamento e que o

número atual de Analistas esteja satisfatório para a cada vez maior demanda por

licenciamento desses empreendimentos.

8. Considerações finais

São diversos os juízos de valor e as premissas presentes nos debates que envolvem

as questões do desenvolvimento e, dessa forma, faz-se necessário um recorte que

possibilite dar conta de apresentar, a priori, o que está pautando cada debate. As

questões se complexificam quando a expressão “desenvolvimento local” está presente.

Nesse caso, há necessidade de cautela em qualquer observação sobre o discurso que

envolve o termo “local” no debate. Por vezes, as especificidades de uma dada comunidade

podem não estar contempladas ou traduzidas de forma evidente, o que torna frustrante

qualquer iniciativa quanto à idendidade dos comunitários ou à busca da melhoria de suas

condições de vida. Um aspecto a nortear o debate sobre qualquer projeto de

desenvolvimento local, no sentido de se evitar as possíveis frustrações nas ações a serem

implementadas, é a apropriação das práticas sociais locais como fator de produção,

cuidando para que não sejam moldadas de forma a comprometer o bem-estar coletivo e

para que o resultado sejam indivíduos críticos e reflexivos. Por outro lado, o debate não

pode se furtar, também, à questão da influência da hegemonia do projeto neoliberal nos

planos nacionais e locais, que faz com que várias ações levadas em uma dada localidade

não sejam capazes de transformar estruturalmente o próprio local, reproduzindo as

desigualdades no tempo e no espaço, ainda que o desenvolvimento local esteja sendo

perseguido de forma persistente. O desenvolvimento local, como bem lembra DELGADO

(2001), não é simplesmente uma questão de acesso ou disponibilidade de recursos

econômicos e naturais. Requer, também, a criação das condições para que as comunidades

tenham acesso, não somente a recursos para sobreviver, mas a componentes que as

auxiliem a dar significado ao mundo, construir uma identidade, agir, se reproduzir

socialmente e mudar normas e regras que governam o controle e uso dos diversos recursos.

Atualmente, no licenciamento ambiental marítimo de petróleo e gás praticado no

Brasil, os aspectos citados anteriormente são considerados nas orientações e metodologias

exigidas pela CGPEG às empresas, para serem incorporadas em projetos associados aos

grupos sociais afetados pelos empreendimentos. Os projetos têm evidenciado que, por um

lado, há potencialidades no licenciamento quanto à emancipação desses grupos sociais,

mas há, em paralelo, limitações associadas às características dos próprios grupos, a

questões intrínsecas ao processo de licenciamento e à pouca cultura, no meio empresarial,

de lidar com processos sociais emancipatórios. Além disso, o licenciamento não tem as

funções de uma política pública, senão de um instrumento de política e, portanto, não

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 1-7: Gilberto de Morães Mendonça - Pag 129

pode dar conta de todas as condições e problemas que redundaram nas desigualdades

sociais vivenciadas há tempos pelas comunidades que, na atualidade, se encontram

vulneráveis aos impactos dos empreendimentos. Todos esses elementos tornam-se

balizadores quando da intenção de se tratar de desenvolvimento local junto a esses grupos

sociais.

BIBLIOGRAFIA

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 130

MACAÉ EM QUATRO TEMPOS

Arthur Soffiati∗

Juntamente com o Rio Itapemirim, o Rio Macaé delimita uma das feições

costeiras mais originais do norte do Estado do Rio de Janeiro e do Sul do Espírito

Santo. Entre ambos, o mar é afastado da zona serrana por formações geológicas de

origem recente. A mais antiga delas integra o Grupo Barreiras ou a Formação

Barreiras. Popularmente conhecida como tabuleiro, discute-se ainda se sua origem

é continental ou marinha. Ela devia preencher a maior parte do intervalo entre a

foz do Rio Macaé, o arco cristalino e a foz do Rio Itapemirim, sendo cortada pelos

Rios Paraíba do Sul, Guaxindiba e Itabapoana.

Depois do Grupo Barreiras, com idade estimada em 60 milhões de anos,

aderiu-se a ela uma restinga entre o Rio Macaé e o ponto em que futuramente será

aberta a Vala do Furado. Trata-se da Restinga de Carapebus, com 123 mil anos de

idade, onde se instalou o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. No Holoceno

(últimos 11 mil anos), o aquecimento natural da Terra produziu a elevação do nível

do mar. Esta elevação, no trecho costeiro entre os Rios Macaé e Itapemirim, que o

autor denomina Ecorregião de São Tomé, atingiu seu ponto máximo há 5.100 anos

antes do presente, fendendo o grande tabuleiro no seu ponto mais baixo. Assim, o

mar alcançou novamente o sopé da zona serrana e separou o tabuleiro em duas

partes. Da mesma forma, o trabalho do Rio Itabapoana criou mais uma unidade de

tabuleiro entre ele e o Rio Itapemirim.

A partir do ponto em que o mar chegou novamente a tocar o pé da zona

cristalina, o Rio Paraíba do Sul foi construindo uma vasta planície aluvial,

aproveitando as águas calmas de uma grande semilaguna criada pelo máximo

transgressivo do mar. Juntou-se a ela, a maior restinga do futuro Estado do Rio de

Janeiro, entre o Cabo de São Tomé e o Córrego de Manguinhos, constituída pela

ação conjunta do Rio Paraíba do Sul, em seu processo de progradação no interior

da semilaguna, e do mar, em sua regressão1, como mostra o mapa abaixo.

∗ Doutor em História Social, com concentração em História Ambiental, e professor da Universidade Federal Fluminense campus Campos dos Goytacazes. 1 MARTIN, Louis; SUGUIO, Kenitiro; DOMINGUEZ, José M. L.; e FLEXOR, Jean-Marie. Geologia do Quaternário Costeiro do Litoral Norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Belo Horizonte: CPRM, 1997.

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Na foz do Rio Macaé, pode-se perceber nitidamente, na margem esquerda,

uma fímbria arenosa assinalando o ponto terminal da Restinga de Carapebus. Na

margem direita, emergem formações rochosas pré-cambrianas, mostrando, assim,

que o Rio Macaé, ao sul, separa duas províncias geológicas. Ao norte, o Rio

Itapemirim cumpre o mesmo papel.

Alberto Ribeiro Lamego nota que este ponto é particularmente curioso

porque os contrafortes da Serra do Mar tocam diretamente o oceano.

A feição insular da zona da cidade e suas redondezas já era manifesta no Terciário Superior. Um pequeno arquipélago se espalhava entre os mares daquele tempo, onde o arenito de ‘barreiras’ se depositava (...) Das ilhas de Macaé (...), algumas foram ligadas ao continente pelo mecanismo das restingas formando “típicos” tômbolos. Outras permaneceram como tais2.

2 LAMEGO, Alberto Ribeiro. Restingas na costa do Brasil. Boletim nº. 96. Rio de Janeiro: Departamento Nacional da Produção Mineral/Divisão de Geologia e Mineralogia, 1940.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 132

Segundo a explicação de Lamego, a foz do Macaé, na luta travada contra a

restinga para não ser tapada, acabou empurrada para as rochas pré-cambrianas.

Este estrangulamento teria ocasionado o embrejamento de todo o baixo curso do

rio3.

Quem volta das costas para o mar, em qualquer ponto alto de Macaé, divisa

do interior para a costa, três nítidos degraus geológicos e geomorfológicos: a Serra

do Mar, na qual se destaca o ponto culminante, na região, do Pico do Frade; o

Grupo Barreiras; e a planície fluviomarinha. Esta última é formada pela planície

aluvial do baixo Macaé e pela restinga de Carapebus.

A rede hídrica, no âmbito dos limites municipais, é dominada pela Bacia do

Macaé e pela Bacia da Lagoa de Imboacica. O mapa abaixo mostra como esta rede

era intrincada num passado pré-humano.

A cobertura vegetal nativa compunha-se de campo de altitude (refúgio

vegetacional), no Pico do Frade, da mata ombrófila densa atlântica na Serra do

Mar; da mata estacional semidecidual atlântica, no tabuleiro; de formações

pioneiras de influência marinha, na restinga de Carapebus; e de um expressivo

manguezal, na foz do Rio Macaé. Um pequeno manguezal monoespecífico se

formou na Praia de Imbetiba, aproveitando uma descarga de esgoto no mar. Há

3 Id, ibid., págs. 36 e 37.

Fonte: Plano Diretor de Macaé.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 133

consideráveis evidências mostrando que a Lagoa de Imboacica era, na verdade, um

rio que foi barrado pelo mar, em cuja barra devia também existir um manguezal4.

Antes da chegada dos europeus à América, as terras em que seria criado o

município de Macaé eram habitadas por povos nativos do grupo linguístico macro-

jê, ao que tudo indica. Existe um excelente estudo sobre pesquisa arqueológica

efetuada na Ilha de Santana5.

Primeiro tempo

A primeira fase da história de Macaé, para fins deste estudo, situa-se entre a

fundação de um povoado em sua foz, que dará origem à vila e à cidade, até as

grandes obras de drenagem empreendidas pelo extinto Departamento Nacional de

Obras e Saneamento (DNOS), no fim dos anos de 1960 e no início dos anos de 1970.

Trata-se de uma história de tempo lento ou de longa duração.

Já na segunda metade do século XVI, a enseada de Macaé era bastante

conhecida dos europeus. Jean de Léry registra, em torno de 1558, a seguinte

passagem:

Depois de costearmos a terra desses uetacá, avistamos outra região próxima chamada de Macaé e habitada por outros selvagens que (...) não podem se comprazer na vizinhança de índios tão brutais e ferozes. Nessas terras vê-se à beira-mar um grande rochedo em forma de torre, tão reluzente ao sol que pensam muitos tratar-se de uma espécie de esmeralda; e com efeito, os franceses e portugueses que por aí velejam o denominam “Esmeralda de Macaé”. Dizem que ela é rodeada por uma infinidade de rochedos à flor da água que avançam mar afora cerca de duas léguas e como tampouco a ela se tem acesso por terra, é completamente impraticável. Também existem três pequenas ilhas chamadas ilhas de Macaé junto das quais fundeamos e dormimos uma noite (...) estava nossa aguada corrompida, por isso pela manhã (...), alguns marujos foram procurar água potável nessas ilhas desabitadas e verificaram que todo o terreno se achava coberto de ovos de aves de diversas espécies, aliás diferentes das nossas. E tão mansas, por nunca terem visto gente, que se deixavam pegar com a mão ou matar a pauladas; assim nossos homens puderam encher o escaler, trazendo para o navio grande quantidade delas6.

4 VELOSO, Henrique Pimenta; RANGEL FILHO, Antonio Lourenço Rosa e LIMA, Jorge Carlos Alves. Classificação da Vegetação Brasileira, Adaptada a um Sistema Universal. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1991. 5 LIMA, Tania Andrade e SILVA, Regina Coeli Pinheiro da. “Zoo-arqueologia: alguns resultados para a pré- história da Ilha de Santana”. Revista de Arqueologia 2 (2). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, jul/dez de 1984. 6 LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1961.

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O português Gabriel Soares de Sousa considera que

Esta ilha de Santa Ana fica em vinte e dois graus e um terço, a qual está afastada da terra firme duas léguas para o mar, e tem dois ilhéus junto de si. E quem vem do mar em fora parece-lhe tudo uma coisa. Tem esta ilha da banda da costa um bom surgidouro e abrigada por ser limpo tudo, onde tem de fundo cinco e seis braças: e na terra firme defronte da ilha tem boa aguada, e na mesma ilha há boa água de uma lagoa. Por aqui não há de que guardar senão do que virem sobre a água. E quem vem do mar em fora para saber se está tanto avante como esta ilha, olhe para a terra firme, e verá no meio das serras um pico, que parece frade com capelo sobre as costas, o qual demora a loeste noroeste, e podem os navios entrar por qualquer das bandas da ilha como lhe mais servir o vento e ancorar defronte entre ela e a terra firme7.

No Roteiro dos Sete Capitães, Macaé é mencionada diversas vezes, pois foi

de lá que partiu a primeira expedição dos sete fidalgos rumo aos Campos dos

Goitacases. Seu autor encontrou um povoado habitado por mamelucos que viviam

da pesca, havendo grande abundância de bagres no rio. Por esta razão, passou a

ser conhecido, inicialmente, como Rio dos Bagres8.

Couto Reis reparou nos extensíssimos brejos localizados principalmente à sua

margem esquerda. Registrou que suas margens eram pouco povoadas, mas que suas

terras forneciam já boa produção de açúcar e madeira para quatro pequenas

sumacas que navegavam continuamente para o Rio de Janeiro. Quanto aos

alagadiços, o capitão cartógrafo informa que se transformavam em excelentes

pastos em tempos secos e propôs fossem eles esgotados para um aproveitamento

mais regular9.

No princípio do século XIX, o rio foi visitado por três ilustres viajantes

europeus. Em 1815, cruza-o Maximiliano de Wied-Neuwied, que, sobre seu aspecto

físico, contenta-se em registrar seu curso de cerca de quinze léguas, atravessando

a Serra do Iriri e desaguando no oceano10. Ele registrou que, tanto na lagoa de

7 SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. 8 Descrição que faz o Capitão Miguel Aires Maldonado e o Capitão José de Castilho Pinto e seus companheiros dos trabalhos e fadigas das suas vidas, que tiveram nas conquistas da capitania do Rio de Janeiro e São Vicente, com a gentilidade e com os piratas nesta costa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil tomo XVII. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894, pág. 349. 9 COUTO REIS. Manoel Martins do. Descrição Geográfica, Política e Cronográfica do Distrito dos Campos dos Goitacases, que por Ordem do Ilmo. e Exmo. Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza do Conselho de S Majestade, Vice-Rei e Capitão General do Mar e Terra do Estado do Brasil se Escreveu para Servir de Explicação ao Mapa Topográfico do mesmo Terreno, que Debaixo da Dita Ordem se Levantou. Rio de Janeiro: manuscrito original, 1785. 10 WIED-NEUWIED, Maximiliano de. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989, pág. 84.

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Imboacica, onde a comitiva do príncipe encontrou pousada na fazenda de

Itapebuçus, quanto no caminho para Macaé, a hospitalidade dos habitantes era

excelente. Hospedado numa fazenda, ele assinala o cultivo de mandioca, arroz,

café e laranja nas terras da fazenda, assim como a fartura de peixes da lagoa11.

Adentrando a Vila de Macaé, Maximiliano faz observações sobre as capoeiras

que ladeiam o rio, sobre as casas acachapadas feitas de barro com pau-a-pique e

rebocadas de branco. Limpas e bonitas, contavam elas com quintais cercados de

troncos de coqueiros, onde se criavam cabras, porcos e toda a sorte de aves

domésticas. As principais atividades econômicas do núcleo eram constituídas pela

lavoura de mandioca (com a respectiva produção de farinha), feijão, milho, arroz e

cana (para a fabricação de açúcar). O extrativismo vegetal já era intenso, com a

exportação de madeiras por navios costeiros, sumacas e lanchas que ancoravam na

enseada de Macaé12.

Em 1818, é a vez de Saint-Hilaire, mais generoso em suas observações,

inclusive corroborando os levantamentos antes efetuados antes por Couto Reis e

11 Id. ibid., p. 82. 12 Id. Ibid., p. 84.

Aspecto do rio Imboacica, hoje não mais existente. Foto: acervo do DNOS (1957).

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antecipando parcialmente os estudos realizados mais tarde por Alberto Ribeiro

Lamego.

Mas, com rara acuidade, ele atentou para o risco da extração madeireira e

fez uma advertência que não foi levada em conta pelos brasileiros:

O principal comércio desta cidade é atualmente o da madeira. Como os colonos de S. João da Barra, os dos arredores de Macaé escolhem nas matas virgens as árvores mais bonitas para transformarem-nas em tábuas. Alguns enviam a madeira diretamente ao Rio de Janeiro; mas, a maioria, e principalmente os menos abastados, vende-a a negociantes estabelecidos em Macaé mesmo. As árvores que mais freqüentemente exploram nesta região são o jacarandá, cuja madeira é empregada na marcenaria; o araribá; a canela; o vinhático que tem lenho amarelo e quase imputrescível, próprio para marcenaria e construção naval; a cacheta, que substitui (...) o nosso pinho; o óleo, empregado na carpintaria etc. As tábuas são vendidas por dúzias; as do vinhático, com 30 palmos de comprimento por 2 de largura, valiam trinta mil réis à época da minha viagem (...) é de se crer, entretanto, que devido à imprevidência do cultivador, esse comércio tende a diminuir e desaparecer. Aqui, e provavelmente em todo o Brasil, não há, como na Europa, o uso de explorar inteiramente uma certa extensão de floresta; escolhem-se aqui e acolá as árvores que se quer contar e o lenhador as abate à sua altura, para não ter necessidade de curvar o corpo no trabalho. Mesmo que as árvores fossem abatidas ao nível do solo, os tocos, privados de ar e logo abafados pelas lianas não poderiam produzir brotação (...) Quando passei por Macaé as belas árvores já começavam a se tornar raras e freqüentemente eram procuradas em florestas muito distantes da embocadura do rio. Assim, enquanto que de um lado os brasileiros ateiam fogo a imensas florestas, sem outro proveito que o de um adubo passageiro, de outro lado, quando exploram árvores preciosas, fazem-no de modo a concorrer para a extinção de suas espécies13.

Nesta passagem, Saint-Hilaire aponta para um traço marcante e perverso

desenvolvido pelos europeus e pelos habitantes das neo-Europas que, acostumados

à escassez de território e de recursos em seu continente natal, encontram uma

natureza luxuriante nos trópicos. Trata-se da síndrome da abundância inesgotável.

13 Id. ibid., p. 184-185.

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No Brasil, ele depararia com as práticas que levaram à quase extinção das

florestas temperadas da Europa: queimadas indiscriminadas, corte raso de árvores,

subaproveitamento do material lenhoso e aviltamento dos preços. Não sem razão,

ele adverte quanto ao fim dessa economia extrativista perdulária pelo próprio fim

do produto explorado.

Os efeitos a médio e longo prazo não serão percebidos por um viajante que

apenas passa por Macaé. Eles ficarão para os moradores do termo: a erosão e o

assoreamento. Mas o naturalista francês aporta outras informações que corroboram

a marcha de um processo danoso ao rio e ao ambiente como um todo:

A exploração de madeira não é (...) a única ocupação dos cultivadores dos arredores de Macaé. Entre o sítio do Paulista, situado a 4 léguas ao norte dessa cidade e o porto de São João da Barra contam-se cerca de 20 engenhos de açúcar, mais ou menos distanciados da beira do mar; mas reconheceu-se que é a cana-de-açúcar a planta mais conveniente à região e que ela pouco renderia se não fosse cortada no momento da maturação. Vários colonos renunciaram então a seus engenhos e dedicam-se hoje à cultura do cafeeiro, que dá menos trabalho que a da cana, não exigindo tantas benfeitorias, nem tantos escravos e que produz muito bem nas vertentes vizinhas de Macaé. A maioria dos proprietários enviam por conta própria, ao Rio de Janeiro o café colhido; mas a necessidade de numerário obriga freqüentemente os menos ricos a vender na própria região uma parte de suas colheitas. O frete, de Macaé à capital do Brasil é de 2 patacas o saco de 2 alqueires, e, com bom vento pode-se fazer a viagem em 48 horas e mesmo em menos tempo. Os colonos dos arredores de Macaé cultivam o algodão mas somente para o consumo de suas famílias, o mesmo acontecendo ao milho, ao arroz e à mandioca14.

O grande naturalista Charles Darwin viajou a cavalo do Rio de Janeiro a

Macaé, aceitando convite de um conterrâneo seu que possuía uma fazenda ao norte

de Cabo Frio. Sua permanência estendeu-se de 14 a 18 de abril de 1832 e, durante

ela, Darwin atentou menos para o rio (que não mereceu dele uma palavra sequer) e

para o núcleo urbano do que para as aviltantes condições de vida dos escravos15.

Quanto aos escritores regionais, cabe registro para Pizarro e Araujo que fala

da produção de Macaé, incluindo o milho, o arroz, a mandioca, a cana-de-açúcar e

pesca, ressaltando que o principal esteio da economia era a madeira16. O mesmo

sustenta o Visconde de Araruama, mencionando o café, o açúcar e, acima de todos

14 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1974, p. 185. 15 DARWIN, Charles R. Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo, 1º vol. Rio de Janeiro: Sociedade Editora e Gráfica, s/d, págs. 43 a 45. 16 CASAL, Manuel Aires de. Corografia Brasílica ou Relação Histórico-Geográfica do Reino do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1976.

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os produtos, a madeira17. Também Muniz de Souza repisa o café, o açúcar, a

aguardente e a madeira como principais artigos de exportação18.

No que concerne à cartografia, Bellegarde e Niemeyer assinalam a bacia do

Rio Macaé com toda a riqueza dos seus afluentes e subafluentes, inclusive com o

Canal Campos-Macaé19. Esta obra, construída por etapas entre 1845 e 1862, ligou

três grandes bacias da Ecorregião de São Tomé: a do Paraíba do Sul, a da Lagoa

Feia e a do Macaé. Seu impacto foi acentuado sobre uma infinidade de lagoas,

drenando totalmente muitas delas e parcialmente outras tantas. Esta foi a grande

obra de engenharia do primeiro tempo de Macaé20. Ela também aparece, quase

como orgulho provincial, na folha relativa ao Rio de Janeiro do Atlas de Candido

Mendes21.

A partir de fins do século XIX, cada vez mais os governos federal e estadual

começaram a intervir nos trechos baixos dos limnossistemas fluminenses,

acompanhando o grande movimento sanitarista de origem européia e norte-

americana que contagiou vários países. Oswaldo Cruz e Saturnino de Brito

destacam-se como dois grandes expoentes deste movimento. Foram criadas, assim,

a partir de 1883, várias comissões mediante contrato com empreiteiros ou ação

direta do Estado. Uma delas envolvia diretamente o Rio Macaé. Trata-se da

Comissão do Canal de Macaé a Campos, criada pelo Decreto nº. 13.089, de 3 de

julho de 1918 e dirigida consecutivamente pelos engenheiros Lucas Bicalho,

Candido Borges e João Batista de Morais Rego. O primeiro efetuou levantamento

topo-hidrográfico de todo o Canal Campos-Macaé, bem como a limpeza e a

desobstrução do mesmo em vários trechos, que ficou desimpedido de obstáculos

numa extensão de 75 km. Também a eclusa no quilômetro 2 a contar de Macaé foi

17 SILVA, José Carneiro da. Memória Topográfica e Histórica sobre os Campos dos Goitacases, 2ª ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1907 (1ª ed.: 1819). 18 SOUZA, Antonio Muniz de. Viagens e Observações de um Brasileiro que Desejando ser Útil à sua Pátria, se Dedicou a Estudar os Usos e Costumes de seus Patrícios, e os Três Reinos da Natureza em Vários Lugares e Sertões do Brasil. Rio de Janeiro: Rua de Trás do Hospício, 1834. 19 BELLEGARDE. P. A. & NIEMEYER, C.J. Nova Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro, publicada às expensas de Eduardo Bensburg. Rio de Janeiro: Litografia Imperial, 1865. 20 SILVA, José Carneiro da. Memória sobre Canais, e Estradas, e a Utilidade que Resulta à Civilização, a Agricultura, e ao Comércio, da Construção destas Obras. Campos: Tipografia Patriótica de A. J. P. Maia Paraíba e Cia., 1836; e Memória sobre a Abertura de um Novo Canal para Facilitar a Comunicação entre a Cidade de Campos, e a Vila de S. João de Macaé. Rio de Janeiro: Tip. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1836. LAMEGO, Alberto Frederico de Morais. A Terra Goitacá à Luz de Documentos Inéditos, tomo V. Niterói: Diário Oficial, 1942; e SOFFIATI, Arthur. O Nativo e o Exótico: Perspectivas para a História Ambiental na Ecorregião Norte-Noroeste Fluminense entre os Séculos XVII e XX. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 1996 (dissertação de mestrado). 21 ALMEIDA, Candido Mendes de. Atlas do Império do Brasil (1868). Rio de Janeiro: Arte & História, 2000.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 139

restabelecida. Estas obras visavam conferir ao canal o duplo objetivo de navegação

e drenagem. Com respeito ao Rio Macaé, especificamente, Bicalho empreendeu

estudos sobre o porto de Macaé, incluindo o levantamento das enseadas das

Conchas, de Imbetiba e do rio, cuja foz desejava regularizar.

Por seu turno, Candido Borges, com relação ao Rio Macaé, limitou-se a

promover nova limpeza e roçado em suas margens, o que pode significar corte do

manguezal que subia por ele até onde a língua salina alcançava. Já Morais Rego

construiu em Macaé um dique de contenção com vistas a melhorar a barra do rio,

que estava criando empecilhos à entrada de barcos. Em 29 de abril de 1922, a

Comissão do Canal de Macaé-Campos foi anexada à Fiscalização da Baixada

Fluminense, cujo fim precípuo era o mesmo da anterior: restabelecer o Canal

Campos-Macaé, mas, em 1925, a criação da Comissão de Estudos e Obras contra

Inundações da Lagoa Feia e Campos de Santa Cruz absorveu-lhe as funções. Cada

vez mais o Estado avocava tarefas antes delegadas à iniciativa privada22.

Até aqui, o núcleo urbano de Macaé dependia de atividades rurais. Ele

continuará assim até a realização de grandes obras de retilinização e de drenagem,

no século XX.

Segundo tempo

A presença mais ostensiva do Estado na realização de obras hidráulicas na

Baixada Fluminense se efetivou na primeira fase do governo Getúlio Vargas, com a

criação da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, em 1933, e no Estado

Novo, com a transformação da Comissão no Departamento Nacional de Obras e

Saneamento, em 1940, que transcendeu as fronteiras do Estado do Rio de Janeiro

para atuar em vários estados do Brasil. O relatório preliminar da Comissão, um

primor de síntese acerca das obras empreendidas antes de 1933 e redigido pelo

engenheiro Hildebrando de Araujo Góes, dedica poucas linhas à bacia do Rio

Macaé. Sua preocupação maior centrava-se nas baixadas dos Goitacases, da

Guanabara e de Sepetiba23. Até mesmo o detalhado relatório de Camilo de

Menezes, que só trata de obras efetuadas na Baixada dos Goitacases entre 1935 e

22 GÓES, Hildebrando de Araujo. Saneamento da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: s/e, 1934. 23 Id. ibid.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 140

1940, menciona o Rio Macaé apenas por estar ligado ao Rio Paraíba do Sul pelo

famoso canal construído no Império24.

A intervenção do Departamento Nacional de Obras e Saneamento na foz do

Rio Macaé data do fim dos anos de 1960. A Carta do Brasil, do IBGE, cuja primeira

edição foi lançada em 1969, com base em levantamentos efetuados entre 1965 e

1967, mostra a foz do Rio Macaé ainda com seus meandros originais, recebendo

pela margem esquerda a vala de Jurumirim e o Canal Campos-Macaé25. No acervo

da Residência de Campos do Departamento Nacional de Obras e Saneamento, uma

planta do município de Macaé datada de 1965, é esclarecedora. Ela retrata a foz do

Rio Macaé antes da drástica intervenção do DNOS. Na margem direita, figura o Rio

Teimoso e, na esquerda, o Rio São Pedro, o Córrego das Aduelas, o Rio Jenipapo, a

Vala de Jurumirim e o Canal Campos-Macaé26. Saltando para uma carta náutica de

1975, o quadro apresenta mudanças radicais. O rio fora retificado em seu curso

final. O canal central criou três ilhas com os meandros, sendo a maior delas a ilha

Colônia Leocádia

O Córrego Jurumirim, que desembocava na foz do Macaé, foi desviado para o

Canal Campos-Macaé, mas seu braço abandonado, juntamente com o canal e com o

rio, formou a Ilha da Caieira27.

Não apenas a foz, mas todos os cursos baixos dos Rios Macaé e São Pedro,

seu afluente, foram retilinizados nos anos de 1970, principalmente visando à

24 MENEZES, Camilo. Descrição Hidrográfica da Baixada dos Goitacases. Campos: Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense, 1940. 25 FIBGE. Carta do Brasil-Escala 1:50.000, Folha SF-24-M-I-3 (Macaé). Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1969. 26 SILVA, Caio. Município de Macaé. Macaé: 3 de setembro de 1965. 27 MARINHA DO BRASIL. Brasil-Costa Leste: Enseada de Macaé e Proximidades. Marinha do Brasil, 1975.

Retificação do Rio Macaé pelo

DNOS nos anos de 1970. No vale, o canal central corta os meandros em

forma de $. À esquerda, morro coberto com floresta. À direita, morro com vegetação suprimida.

Foto do acervo do DNOS (maio de 1976).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 141

conquista de terras para a agropecuária numa extensa várzea denominada Brejo da

Severina. De sinuosos, os rios tornaram-se retilíneos, o que acarretou o aumento da

velocidade de seu fluxo, o rápido exaguamento de uma vasta área alagada e

alagável, a substituição de ecossistemas nativos e transformados por ecossistemas

antrópicos, a extinção de incontáveis nichos ecológicos, a turbidez das águas dos

cursos hídricos e o aumento da taxa de sedimentação do manguezal da foz, já todo

adulterado pelas obras de retificação no trecho final do rio.

Terceiro tempo

A instalação de uma base da Petrobrás na Cidade de Macaé, no final da

década de 1970, para exploração das descomunais reservas de petróleo e gás

natural existentes na plataforma continental da região norte do Estado do Rio de

Janeiro, produziu um abrupto impacto na economia, na sociedade e na cultura de

uma cidade até então com feições ainda interioranas e sem estrutura para receber

o colossal afluxo de pessoas à procura de emprego e de técnicos dos mais variados

pontos do Brasil e do exterior. Numerosas empresas prestadoras de serviço fixaram-

se também na cidade, que passou por um processo acelerado, desordenado e

mutilador de urbanização. De pacato balneário, Macaé transformou-se em frenético

centro urbano, com intenso trânsito de uma população de passagem. Os

trabalhadores empregados na montagem da infra-estrutura necessária às operações

da Petrobras foram dispensados após o fim das obras, mas permaneceram em seus

arredores. Na expectativa de se reintegrarem ao mercado de trabalho, esta legião

de trabalhadores sem emprego buscou as áreas desocupadas, entre elas as praias

rejeitadas pelas camadas médias e altas da sociedade e o manguezal do Rio Macaé.

Ao longo do antigo leito do Rio Macaé, agora transformado numa espécie de

braço que parte do canal central e a ele retorna, chamado de rio morto, cresceu

rapidamente um assentamento humano que recebeu o nome de Malvinas, em

alusão à Guerra das Malvinas, em 1982. Para tanto, houve a supressão de uma

parte do manguezal. O poder público municipal e os órgãos governamentais de

meio ambiente não tomaram qualquer providência para transferir os ocupantes da

área. Antes, a prefeitura municipal consolidou a invasão instalando infra-estrutura

mínima e permitindo a criação de novos bairros. Tal atitude estimulou novas

ocupações à montante das Malvinas, também na margem direita do rio, em núcleo

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 142

populacional que vem constituindo o bairro Malvinas II. Pontes rústicas de madeira

foram erguidas entre a margem e a ilha Colônia Leocádia, onde restou o maior

fragmento do manguezal do rio. Várias casas começam a ser erguidas em seu

interior, implicando na supressão da vegetação nativa.

Na margem esquerda, a ilha da Caieira transformou-se num condomínio

fechado de mansões. Para tanto, houve também o desarraigamento de mais outra

fatia do manguezal, já estilhaçado pela retificação do rio. Uma dilatada área

coberta por bosque de mangue na margem esquerda do rio, à montante da Ilha

Caieira, foi doada em caráter definitivo pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

(IBRA), em 1970, a Carlos emir Mussi e irmãos28. A legalidade do documento não se

sustenta diante do Decreto-Lei Federal nº 9.760/46 e da Lei Federal nº. 4.771/65.

A primeira considera as áreas de manguezal, em toda a sua extensão, como

terrenos de marinha e bem da União. A segunda considera os bosques de mangue

como vegetação de preservação permanente. Cumpre notar que o título de

propriedade foi concedido após a promulgação dos dois diplomas legais.

Ofício do Procurador Geral da Prefeitura de Macaé sustenta que “todo bairro

de Nova Holanda é fruto de invasão e (...) foi todo calcetado pelo ex-prefeito

28 Cf. M. P. F. “Título definitivo de propriedade – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, nº 0399, 04/05/70”. Procedimento Administrativo MPF PRM/Campos nº 81202.000086/98-00. Campos dos Goitacases: Ministério Público Federal, 1998.

Urbanização do trecho final do Rio Macaé. A seta apontada para o alto assinala o canal aberto pelo DNOS. À esquerda de quem olha, indica-se o rio morto, um meandro do curso original do rio. À direita, figuram o canal Macaé-Campos (perpendicular à costa), desembocando nele o Córrego Jurumirim. A mancha escura representa a ilha Colônia Leocádia. Todo entorno, em cor clara, mostra o grau de urbanização da área. Foto aérea: Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Macaé.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 143

Carlos Emir Mussi.”29 Consta que este prefeito, em sua última gestão, desapropriou

área ilegalmente pertencente a ele e seus irmãos para instalar o bairro popular de

Nova Holanda. Assim, a grande área coberta por manguezal doada ilicitamente

como propriedade pelo IBRA à família Mussi foi dividida em duas partes, tendo uma

delas a vegetação de mangue removida para a instalação de um bairro sobre área

de preservação permanente. A outra parte continuou sob domínio irregular da

família até ser invadida por pessoas de baixa renda. Esta invasão foi precedida pela

construção de um Centro Integrado de Educação Pública, estimulando a ocupação

maciça de pessoas sem moradia. Diante de tal movimento, a família Mussi

ingressou na Justiça com uma ação de reintegração de posse30. Mas o governo

estadual, desejando beneficiar uma deputada aliada e fustigar o atual prefeito de

Macaé, expediu decreto desapropriando a área invadida, com vistas a regularizar a

ocupação. Tal ato motivou novo Procedimento Administrativo do Ministério Público

Federal31.

A urbanização ilegal e desordenada das margens do Rio Macaé, do Canal

Campos-Macaé e do Córrego Jurumirim, como os bairros de Nova Holanda e Nova

Esperança, exigiu o sacrifício de grandes extensões de manguezal do Rio Macaé. A

rodovia RJ-106, entre a ponte sobre o Rio Macaé e o bairro do Lagamar, foi

consolidada sobre a crista da praia e se transformou numa verdadeira barragem ao

escoamento de águas pluviais. Tanto de um lado quanto de outro, a urbanização se

estendeu de forma completamente desordenada. Assim, no lado que se situa no

interior, ruas e casas costumam sofrer com alagamentos, pois muitos são os

obstáculos que as águas encontram para chegar ao Rio Macaé. Por sua vez, o Canal

Campos-Macaé, por demais assoreado, perdeu sua condição de drenagem. Do lado

da praia, o poder público municipal não conseguiu ou não quis organizar a expansão

urbana, permitindo que ruas, casas, depósitos e pequenas casas fossem construídas

muito próximas do mar.

29 CARVALHO, Antônio Franco de. “Ofício nº 046/99 ao Promotor de Justiça Estadual Luciano Oliveira Mattos de Souza”. Ministério Público Federal. Doc. cit. Macaé: 5 de março de 1999. 30 M.P.F. Doc. cit. 31 M.P.F. Procedimento Administrativo MPF PRM/Campos nº 1.30.002.000019/2001-31. Campos dos Goitacases: Ministério Público Federal, 2001.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 144

Também a Lagoa de Imboacica, a partir dos anos de 1970, passou por um

acelerado processo de urbanização, mas, aqui, por pessoas de média e alta rendas.

Em conseqüência, os setores norte e oeste da lagoa sofreram aterros para a

construção de casas residenciais e comerciais. A produção de esgoto saturou

progressivamente suas águas, que foram eutrofizadas. A comunicação com o mar

foi sendo perdida e a lagoa, de salgada que era no século XIX, transformou-se em

salobra, junto à barra, e em doce, nas cercanias do rio Imboacica, no século XX.

Quarto tempo

O espaço costeiro em que se ergueu Macaé está intensamente urbanizado. O

trânsito de veículos congestiona a cidade com horas de pico. O governo municipal

tem duas intenções para a saturação urbana. A primeira é a expansão da cidade

em direção ao interior, ocupando uma área que pertencia ao meio rural. A segunda

é o programa de macrodrenagem da cidade. Pretende-se que ambos sejam

planejados, mas ambos são problemáticos, por mais que se invoque o nome do

urbanista Jaime Lerner, contratado para os trabalhos de planejamento.

A expansão já começou de forma nada planejada. Os indutores do

crescimento urbano são, principalmente, a Linha Verde, a Linha Azul e a Rodovia

Consolidação da Urbanização no terceiro tempo de Macaé. Fonte: TOUGEIRO, Jailce Vasconcelos. Conflitos Socioambientais

Motivados por Ocupação de Manguezais e Restingas para Fins de Moradia no Espaço Urbano de Macaé/1997-2007. Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense,

2008 (dissertação de mestrado).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 145

RJ-168. O espaço escolhido para a expansão é uma área de tabuleiros, formação

constituída por baixas colinas e depressões. Ela é irrigada por banhados e pequenos

cursos d’água, fundamentais para a retenção e o escoamento de águas pluviais e

para controle de cheias. Contudo, o crescimento horizontal da cidade implica, por

um lado, no desmantelamento dos tabuleiros, os grandes fornecedores de terra

argilosa. É o que, capciosamente, os engenheiros denominam “áreas de

empréstimo”. Por outro, no uso do material retirado dos tabuleiros para aterro dos

banhados. Em vários pontos da área escolhida para a expansão, avistam-se colinas

de tabuleiro escalavradas pela retirada de material argiloso.

Nas áreas aterradas, estão sendo construídas casas residenciais de alta e

média rendas, encontrando-se também habitações populares; prédios destinados ao

comércio, como shoppings, e à educação, como a cidade universitária; e prédios de

instituições públicas. Os edifícios em que funcionam o Poder Judiciário Estadual, o

Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e a EMOPI foram

construídos sobre um grande banhado aterrado, às margens da estrada RJ-168. O

RJ-186 ↓

↓↓

Linha Verde→

← Linha Azul

Expansão urbana de Macaé As setas vermelhas indicam alguns pontos de extração de material para aterro. As setas azuis indicam as principais vias indutoras do crescimento da cidade para o interior. O perímetro aberto assinalado com linha azul indica a área de expansão urbana de Macaé. Fonte: Google Earth.

RJ-168

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 146

material para o aterro foi extraído de uma colina de tabuleiro em frente aos

prédios. Há fortes indícios de que a prefeitura prosseguirá aterrando o banhado

para a construção de novas edificações. Nos aterros, já aprecem marcas de erosão

provocada pelas chuvas.

Como as colinas de tabuleiro situam-se próximas às depressões onde se

formaram áreas úmidas, a obtenção de material para aterros se torna fácil. Assim,

em vários pontos de Macaé, cortes em colinas são encontrados. E o processo de

crescimento para o interior e sobre áreas outrora rurais, nada apresenta de

ordenado. O mais grave é que o Ministério Público e o Poder Judiciário,

responsáveis pelo cumprimento da lei, ignoram-na em proveito próprio.

Aspecto geral de um banhado, mostrando as ondulações de um terreno de tabuleiro (E). Corte em tabuleiro para obtenção de material para aterro (D). Fotos do autor (04/11/2010).

Aterro sobre banhado. Vê-se o aterro avançando sobre uma depressão de tabuleiro em que se formou um banhado. Ao fundo, avista-se uma colina. No aterro já há indícios de erosão pluvial,

com a abertura de uma vala (E). Em outro trecho do aterro, estacas já demarcam trecho destinado à construção (D). Fotos do autor (04/11/2010).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 147

Quanto ao programa de macrodrenagem, seus impactos não são menores que

os aterros. Ele objetiva drenar as áreas úmidas para facilitar mais ainda os aterros.

Assim, a expansão urbana de Macaé tende a nivelar excessivamente o terreno,

rebaixando os tabuleiros e elevando as depressões entre colinas. Ele inclui,

também, a retilinização de inúmeros córregos que integram a bacia do Rio Macaé,

profusos originalmente, como mostra a segunda figura deste texto.

Antigos cursos d’água, de há muito canalizados, devem ser cobertos, prática

que dificulta a limpeza e a manutenção deles. Pretende-se ainda conter a língua

salina que avança pelo Rio Macaé com a maré alta.

Prédio em que funciona o Ministério Público Estadual em Macaé visto de frente. A vala para escoamento de águas pluviais, a depressão ao fundo e o ponto elevado em que a edificação foi construída denotam o aterro (E). O mesmo prédio visto do fundo mostrando o corte efetuado no

tabuleiro para extração de material para o aterro (D). Fotos do autor (04/11/2010).

Prédio em que funciona o Ministério Público Federal em Macaé em visão lateral. A cerca demarca a área aterrada. Dentro do perímetro, uma placa anuncia a construção de outra edificação (E). Prédio da EMOPI,

também construído em aterro sobre o banhado. Fotos do autor (04/11/2010).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-1: ArthurAristides Soffiati - Pag 148

Conclusão e recomendações

Parece que a expansão urbana de Macaé para o interior tende a repetir os

erros da urbanização na faixa costeira. O município conta com Plano Diretor

participativo, segundo determinação do Ministério das Cidades, mas ele não é

garantia de que a expansão será ordenada, como acontece em quase todos os

municípios brasileiros. Da mesma forma, o convite ao urbanista Jaime Lerner para

planejar a cidade pressupõe que o atual Plano Diretor é um instrumento

insuficiente. Se o poder público municipal não consegue ou não quer implementar

seu Plano Diretor, a contratação de Jaime Lerner para elaborar outro plano será

inócua e cara para o erário.

De uma forma ou de outra, a expansão urbana de Macaé deve:

1- Observar rigorosamente um zoneamento urbano;

2- Conservar áreas de escape para as águas pluviais e para a biodiversidade;

3- Reduzir ao máximo o desmonte das colinas, recuperação sua vegetação nativa

sempre que esta operação for necessária;

4- Reduzir as desigualdades sociais no que concerne à partilha do espaço urbano.

5- Manter os canais descobertos, promovendo sua despoluição e, sempre que

possível, sua restauração e revitalização.

6- Restaurar as matas ciliares dos rios que não foram canalizados, impendido o

lançamento neles de esgoto sem tratamento terciário.

Canal da linha férrea, verdadeira vala negra no centro da cidade de Macaé (E). Detalhe de lançamento de esgoto no canal (D). Fotos do autor (04/11/2010).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 149

Mudanças no Espaço Urbano de Macaé : 1970-2010.

Denise Cunha Tavares Terra (a) e José Henrique Ressiguier (b)

a- [email protected] Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades – UCAM.

Professora e coordenadora do Centro de Pesquisa

b- [email protected] Mestrando em Planejamento Regional e Gestão de Cidades. Professor

do Instituto Federal Fluminense

Resumo

O texto analisa as mudanças ocorridas no espaço urbano de Macaé, no período

compreendido entre a década de 70 e a atual, e está estruturado em três seções, além

desta introdução e das considerações finais. A primeira seção recupera algumas

contribuições de autores que estudam o recente processo brasileiro de urbanização. A

segunda seção revela os impactos provocados em Macaé pela implantação da sede da

Petrobras e demais empresas petrolíferas e parapetrolíferas. Analisa o significativo

crescimento econômico do município e o consequente adensamento populacional. A

terceira seção trata das repercussões desse adensamento no crescimento das ocupações

irregulares em áreas ambientalmente sensíveis como as de mangue, restinga e lagoa.

Revela que grande parte das ocupações irregulares foi efetuada por pessoas de baixo poder

aquisitivo, mas que o Mirante da Lagoa, no entorno da Lagoa de Imboassica e Ilha Caieira,

em área de mangue, foram ocupadas por pessoas de maior poder aquisitivo. A recente

aprovação do novo Código de Urbanismo do município revela a intenção de legalizar essas

áreas de ocupação, considerando-as Zona Residencial (Mirante da Lagoa e Ilha Caieira) e

Zona de Especial Interesse Social (Lagomar, Nova Esperança e Nova Holanda).

Algumas contribuições para a compreensão do recente processo brasileiro de

urbanização

Esta seção procura destacar alguns aspectos relevantes do atual processo de urbanização

brasileiro e serve como subsídio teórico para o entendimento do padrão das desigualdades

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 150

socioespaciais em Macaé, mesmo reconhecendo que a intensidade e evolução destas são

diferenciadas.

Grande parte da literatura que trata do processo de urbanização brasileiro está voltada

para os estudos das metrópoles. Uma evidência que tem sido apontada é o relativo

esvaziamento econômico ocorrido nos últimos vinte e cinco anos e a conseqüente redução

das taxas de concentração populacional nas metrópoles. Este fato repercute na expansão

urbana das cidades de porte médio e faz emergir na metrópole novos padrões de

segregação socioespacial, caracterizados pela crescente polarização social e pelo mercado

informal de trabalho. Outro aspecto relevante é o fato de as periferias da metrópole terem

apresentado taxas de crescimento superiores às dos núcleos centrais, aumentado o

desemprego e as relações informais de trabalho. ( Lago, 2000)

É importante ressaltar a alteração de função econômica das metrópoles pelo surgimento

de novos padrões de produtividade provenientes do trabalho flexível e da terceirização das

empresas que, conseqüentemente, influenciaram seus padrões locacionais. Estas

alterações também apontam mudanças na estruturação interna das cidades, novos padrões

de segregação e norteiam análises que procuraram correlacionar mudanças

macroestruturais e os processos socioespaciais localizados.

Na visão de Maricato (2001), a década de 80 ampliou o universo da desigualdade social

devido à concentração da pobreza na zona urbana. De forma concomitante, ocorre a

escalada da violência urbana de maneira até então nunca vista na história do país. No

entanto, Maricato reconhece que os graves problemas urbanos brasileiros não foram

gerados recentemente, mas apresentam as suas origens em cinco séculos de formação da

sociedade brasileira, em especial a partir da privatização da terra (1850) e da supressão de

fato da importação de escravos (1888).

Davidovich (1987, p.150) já alertava para o fato de que as tendências da urbanização no

Brasil vinham convergindo para “a exacerbação de características sociais concentradoras e

excludentes” e esse problema vem apresentando maior complexidade em parte devido às

grandes diferenças de valor da terra.

Essas diferenças encontradas no valor da terra são decorrentes da desigual oferta de

serviços públicos e equipamentos urbanos provisionados em grande parte pelo Estado.

Desta forma, áreas mais bem equipadas com infraestrutura física tornam-se proibitivas

para grande parte da população.

A justiça social preconizada por Harvey (1973) implicaria a idéia de adoção de medidas

mais equitativas do ponto de vista da localização dos serviços públicos e da apropriação

dos benefícios desses investimentos pelas classes menos favorecidas. Davidovich (1987)

reconhece a dificuldade de implantação de políticas urbanas mais igualitárias,

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 151

principalmente em países não desenvolvidos, essencialmente no tocante à adoção de uma

legislação tributária sobre a terra urbana, que tem sido utilizada como “mercadoria e

reserva de valor”.

Neste sentido, Davidovich considera difícil atingir a justiça social, ou seja, não produzir ao

lado da “cidade legal”, a “cidade ilegal”, destituída em sua maioria, dos serviços e

equipamentos públicos, construída em grande parte fora da lei, sem qualquer participação

governamental, com recursos técnicos e financeiros restritos e fora do mercado formal.

Dados do Censo IBGE de 2000 revelam que, entre 1991 e 2000, houve um incremento em

torno de 22% no número de favelas no Brasil, atingindo um total de 3905 núcleos. No

entanto, Maricato (2000, p. 13) alerta para o fato de que “o universo da favela não esgota

sua ilegalidade na ocupação do solo. Se a ele se somar o universo dos loteamentos ilegais,

deve-se se chegar à maior parte das populações dos municípios de São Paulo e Rio de

Janeiro”. Este fato decorre do próprio modelo de industrialização brasileira, que remunera

com parcos salários os seus trabalhadores, e também ao crescimento do trabalho informal.

Deve-se ressaltar, no entanto, que mesmo privilegiando a “produção capitalista do

espaço”, que beneficia o capital privado, elevando as suas taxas de lucro, o Estado não

tem se omitido a certas demandas populares por medidas assistenciais e de provimento dos

meios de consumo coletivo. (DAVIDOVICH, 1984)

De que forma estes problemas urbanos vivenciados com toda a intensidade pelas

metrópoles brasileiras se fazem sentir numa cidade como Macaé? São os mesmos, mas

vivenciados em uma escala menor? Na perspectiva de Santos, ocorre o seguinte:

Com diferença de grau e de intensidade, todas as cidades brasileiras exibem problemáticas parecidas. Seu tamanho, tipo de atividade, região em que se inserem etc. são elementos de diferenciação, mas, em todas elas, problemas como os do emprego, da habitação, dos transportes, do lazer, da água, dos esgotos, da educação e saúde são genéricos e revelam enormes carências. Quanto maior a cidade, mais visíveis se tornam essas mazelas. Mas essas chagas estão em toda parte. Isso era menos verdade na primeira metade deste século, mas a urbanização corporativa, isto é, empreendida sob o comando dos interesses das grandes firmas, constitui um receptáculo das conseqüências de uma expansão capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que esses são orientados para os investimentos econômicos, em detrimento dos gastos sociais. (SANTOS, 2005, p. 105)

Macaé: pólo de atração demográfica e econômica

As transformações ocorridas no município de Macaé com a instalação da Petrobras e das

demais empresas petrolíferas e parapetrolíferas foram muitas e em todos os aspectos:

econômico, estrutural, comportamental, ambiental. Isso tem refletido de maneira

significativa na identidade da população nativa, que se encontra coadjuvante de um

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 152

processo em que ela pouco interfere. No entanto, nesta seção, apenas aspectos

econômicos e demográficos serão tratados.

A população de Macaé saltou de 47.221 habitantes em 1970, para 194.403 em 2009,

conforme apresentado na tabela 1. Constata-se que a população neste período mais que

triplicou. É importante ressaltar que este fato se deveu à magnitude econômica da

indústria petrolífera e empresas do ramo instaladas na cidade.

Tabela 1 - Evolução da População nos municípios do Norte Fluminense de 1970 a 2009.

Região e Municípios 1970 1980 1991 2000 2009* Região Norte Fluminense 471.038 514.644 611.576 696 988 811.079 Campos dos Goytacazes 285 440 320 868 376 290 406 511 434.008 Carapebus 8 164 6 834 7 238 8 651 11.939 Cardoso Moreira 17 958 14 728 12 819 12 579 12.481 Conceição de Macabu 11 560 13 624 16 963 18 706 20.687 Macaé 47 221 59 397 93 657 131 550 194.403 Quissamã 9 933 9 620 10 467 13 668 19.878 São Fidélis 35 143 34 976 34 581 36 774 39.256 São Francisco de Itabapoana 39 883 35 932 38 714 41 046 47.832 São João da Barra 15 736 18 665 20 847 27 503 30.595 Fonte: IBGE – Censos Demográficos (1970, 1980, 1991 e 2000) e estimativa de 2009.

Se comparado ao crescimento demográfico de outras cidades vizinhas, Macaé ainda cresce

em ritmo acelerado e com grande tendência de permanência de altas taxas, em função das

recentes descobertas de novas reservas na Bacia de Campos.

Vale ressaltar que o crescimento populacional de Macaé, conforme apresentado na tabela

2, ocorreu principalmente na área urbana do município, cuja população aumentou 4,6

vezes de tamanho, causando com isto uma acelerado e desordenado processo de

urbanização. Por outro lado, a população rural diminui de 12.441 em 1970 para 9.466 em

2007, uma redução em torno de 24%.

Tabela 2 - Evolução da população rural e urbana residentes em Macaé

População 1970 1980 1991 2000 2007 Rural 12.441 10.452 7.737 6.432 9.466

Urbana 34.780 49.215 85.920 125.118 160.047

Total 47.221 59.667 93.657 131.550 169.513 Fonte: IBGE – Censos Demográficos (1970, 1980, 1991 e 2000) e estimativa de 2007.

A partir da instalação da Petrobras, no final da década de 1970, intensificou-se o processo

de urbanização, também estimulado pelo comércio, serviços e construção civil. Ao

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 153

concentrar capitais e gerar milhares de empregos diretos e indiretos, a atividade

petrolífera faz de Macaé um dos mais importantes centros de migração, atraindo pessoas e

empresas de todos os estados e do mundo.

Isso acontece porque as empresas ligadas às atividades petrolíferas (off-shore e on-shore)

não encontram mão de obra local qualificada em número suficiente que atenda à

demanda de suas atividades, tendo que buscá-la em outros municípios. Isso ocasiona

também uma intensa pendularidade de trabalhadores, que vêm e retornam ao seu

município de origem.

O fenômeno da pendularidade diária em Macaé foi descrito por Paganoto:

Como originário nos núcleos urbanos circunvizinhos, o que se explica, em parte, pelo fato de estar em Macaé a concentração das oportunidades de trabalho na região e, também, pelos elevados custos dos imóveis, tanto para compra quanto para locação, estimulando a residência em municípios próximos, especialmente Rio das Ostras. … Em Macaé, o volume de pessoas que circula pelas ruas da cidade porque lá trabalham embora residam em outros municípios não é desprezível. Em 2000, segundo o IBGE, 494 pessoas freqüentavam o município de Macaé para estudar e outras 15299 pessoas freqüentavam o município para fins de trabalho. Assim, 40,47% das vagas disponíveis no mercado de trabalho macaense (37975) eram ocupadas por pessoas não-residentes no município. ( PAGANOTO, 2008, p.78)

Segundo estudos desenvolvidos por Terra, Oliveira e Givisiez (2008), o movimento pendular

está “geralmente associado à expansão urbana e especulação imobiliária dos centros de

atração populacional em função do mercado de trabalho”

Os mesmos autores mostram o seguinte:

Os deslocamentos pendulares em 2000 são significativamente superiores aos verificados em 1980, na Zona de Produção Principal da Bacia de Campos, o que é esperado dado o aumento constante da produção e adensamento da cadeia produtiva do petróleo. Foi em Casimiro de Abreu onde se verificou o maior percentual de deslocamento da mão-de-obra em 2000 (14,64%), seguido por Quissamã com 13,91% e Rio das Ostras com 10,79%. O percentual de deslocamento da mão-de-obra de Campos dos Goytacazes foi de 3,76% e por fim, Macaé, que é lócus privilegiado de oferta de trabalho, apresenta o menor percentual de deslocamento 1,85%. (TERRA, OLIVEIRA & GIVISIEZ, 2008)

Assim, os estudos desenvolvidos pelos autores comprovam o papel de destaque de Macaé

na oferta de trabalho para os municípios da região, atraindo trabalhadores em situação de

pendularidade diária, bem como trabalhadores que se alojam na cidade durante a semana,

retornando a seus municípios de origem apenas nos finais de semana.

Até a década de 70 do século do XX, a economia macaense tinha por base a agroindústria

açucareira, o comércio de malhas, a pesca artesanal, a pecuária leiteira e o turismo. A

descoberta de grandes poços de petróleo e o início da produção na Bacia de Campos, no

fim dos anos 70, marcaram uma nova fase na vida do município. A efetiva atuação da

Petrobrás em Macaé iniciou-se em 1978, quando as antigas instalações da Rede Ferroviária,

em Imbetiba, deram lugar à base de operações das plataformas de exploração de petróleo,

conforme menciona Ramires:

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Em 1978 a cidade de Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, foi atingida por um verdadeiro boom, quando a PETROBRÁS implantou o porto que seria o elo de ligação com as plataformas de exploração de petróleo na Bacia de Campos. Junto com a estatal vieram 126 empresas de prestação de serviços, 5000 novos empregos foram criados e 1000 carros passaram a circular pelas ruas estreitas da cidade. Novas agências bancárias foram inauguradas, além de um grande número de hotéis e bares. (RAMIRES, 1991, p. 120).

Macaé sofre uma série de transformações estruturais/econômicas, fazendo com que a

cidade viesse a ser apontada como um novo pólo de desenvolvimento regional. Macaé

vivenciava instalações de novas empresas, indústrias e comércio, atraindo também

multinacionais gigantes do setor petrolífero.

O acelerado adensamento da população urbana, não foi acompanhado desde o início, por

um planejamento de infraestrutura técnica e/ou social, trazendo com isto sérios

problemas urbano-sociais e adensamento do solo, principalmente na área urbana e áreas

ambientalmente sensíveis.

Este crescimento peculiar de Macaé, com a chegada da Petrobrás e multinacionais do

mesmo ramo, a destacou como cidade altamente próspera regionalmente e em nível de

Brasil, principalmente no quesito taxa de emprego formal, como mostra a tabela 3.

Nota-se que o emprego formal em Macaé, no ano de 2007, mais que dobrou em relação ao

ano de 2000. A implementação e o aumento da formalização de empregos podem ser

percebidos também nas décadas de 80 e 90, principalmente após a flexibilização do

monopólio da exploração de petróleo, que se deu a partir da lei 9.979/97 (Lei do

Petróleo).

A referida lei provocou a entrada de inúmeras empresas multinacionais para a exploração,

produção e serviços técnicos na bacia de Campos, pela própria expansão da capacidade de

exploração produtiva da Petrobrás, consequência dos grandes projetos e investimentos

tecnológicos dessa empresa.

Tabela 3 - Empregos formais em anos selecionados nos municípios do Norte Fluminense.

Municípios Norte Fluminense 1985 1990 1995 2000 2007 Campos dos Goytacazes 46309 48616 47206 47741 99242 Carapebus 0 0 0 1215 1700 Cardoso Moreira 0 0 948 994 1249 Conceição de Macabu 765 858 710 1402 1913 Macaé 18283 23759 22669 37975 92929

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Quissamã 6 39 1114 2224 2801 São Fidélis 2278 2685 2584 3472 5070 São Francisco de Itabapoana 0 0 0 909 2309

São João da Barra 3036 3273 3304 2607 4360 Fonte: MTE: Relatório Anual de Informações Sociais.

Observa-se também o emprego formal está concentrado em duas cidades: Campos dos

Goytacazes e Macaé. Em 1985 o município de Campos detinha 65 % dos empregos formais

da região, enquanto que Macaé apresentava o valor de 26%. Em doze anos, a taxa de

empregos formais de Campos caiu para 47% ao passo que a taxa de Macaé já representa

44% de toda a oferta de empregos formais, mostrando uma forte tendência de

crescimento, tendo em vista as novas descobertas do pré sal.

A mídia tem-se referido a Macaé como terra de oportunidades, onde o emprego é farto e

vultosas rendas dos Royalties do petróleo entram para os cofres públicos, transformando a

cidade em um polo atrativo.

Conforme citado anteriormente, a indústria petrolífera proporcionou a Macaé um

vertiginoso salto econômico, que se reflete significativamente no aumento de empregos

formais nos setores da cadeia produtiva do petróleo, conforme tabela 4. Vale ressaltar que

o número de empregos formais nos setores de atividade de extração mineral, extração de

petróleo e gás, atividade de apoio petróleo e gás e indústria de transformação mais que

dobraram entre 2001 e 2008, caracterizando com isso a vocação industrial do ramo

petrolífero em Macaé. Não se deve desprezar, porém, o crescimento ocorrido no setor de

serviços, que alcançaram 97,4%, no período em análise.

Piquet ressalta o vigor econômico recente de Macaé, advindo das atividades de extração,

produção e logística do petróleo:

Macaé, denominada localmente como “Capital do petróleo”, foi a que mais se transformou e hoje ostenta um vigor diretamente relacionado às atividades de extração, produção e logística do petróleo, que a situa entre as cidades de melhor relação entre postos de trabalho e tamanho de população do estado. Enquanto Campos dos Goytacazes, com uma população de 407.000 habitantes, em 2001, detinha 47.943 postos de trabalhos formais, Macaé, com 132.000 habitantes, detinha cerca de 55.000 postos. ( PIQUET, 2003, p.228)

Segundo Piquet (2003), Campos sempre exerceu um perfil de polo regional e, após a

consolidação da Petrobrás, vem-se identificando como centro prestador de serviços e mão

de obra qualificada para os demais municípios, principalmente no setor educacional. Isto

pode ser percebido na tabela 4. Constata-se ainda o dinamismo nos setores de comércio e

administração pública direta, na referida cidade.

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Tabela 4 - Emprego Formal por Setores de Atividades Econômicas em Campos dos Goytacazes e

Macaé. 2001/2008

SETORES DE ATIVIDADE CAMPOS DO GOYTACAZES MACAÉ

2001 2008 2001 2008

Extrativa Mineral 154 193 10.496 22.562 Extração de Petróleo e Gás - 0 7.497 13.321 Ativ. de apoio petróleo e gás - 0 2.935 9.090 Indústria de Transformação 5.096 8.967 3.804 12145 Serviços Ind. de Utilid. Pública 574 1.407 88 293 Construção Civil 3.228 6.375 8.615 12518 Comércio 12.965 21.362 6.089 11898 Serviços 17.909 33.515 18.128 35786 Administração Pública Direta 5.450 13.632 3.484 7507 Agropecuária 2.567 2.779 391 450 Total 47.943 88.230 51.095 103.569

Fonte: MTE: Relatório Anual de Informações Sociais.

O impacto financeiro da indústria petrolífera na Bacia de Campos, além de aquecer os

empregos formais, também influenciou de maneira decisiva a elevação do PIB municipal

per capita de Macaé, da região Norte Fluminense e do Estado do Rio de Janeiro, conforme

mostra a figura 2.

O dinamismo e pujança econômica advindos da exploração de petróleo e gás em Macaé não

têm refletido na melhoria socioeconômica de parte da população, assim como na

preservação de algumas áreas ambientalmente sensíveis, como, por exemplo, manguezais,

lagoas costeiras e restingas, problemas que serão abordados na próxima seção.

Figura 2 : PIB per capita de Macaé – Região N. Fluminense – Est. RJ- 2000/2007 (Bilhões)

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PIB 2000 - 2007 (Bilhões)

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

35.000

40.000

45.000

50.000

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

MacaéRegião Norte Fluminense

Estado do Rio de Janeiro

Fonte: CEPERJ (Centro Estadual de Estatística do Estado do Rio de Janeiro),2009.

Transformações socioespaciais.

Apesar dos benefícios econômicos e financeiros trazidos com a indústria petrolífera e

parapetrolífera, Macaé foi obrigada a enfrentar problemas relacionados à forte pressão

sobre a infraestrutura urbana. Entre os principais desafios enfrentados, pode-se citar a

inexistência, até aquele momento, de projetos voltados para moradias populares, o caos

gerado no sistema viário, o atendimento precário nas áreas de saúde, saneamento,

educação e o agravamento dos índices de poluição.

Como destaca Baruqui (2004), esse acelerado crescimento de Macaé impôs forte pressão

sobre a infraestrutura urbana e levou à ocupação de áreas ambientalmente sensíveis,

ocasionando com isto problemas de degradação ambiental:

Este acelerado processo de crescimento urbano modificou a paisagem costeira de Macaé, com perda de áreas significativas de restingas que na atualidade encontram-se descaracterizadas, em decorrência da especulação imobiliária, que, além disto, criou vários vazios urbanos e elevou o preço da terra. Em decorrência, terrenos menos valorizados como as áreas de manguezais e os terrenos inundáveis estão sendo ocupados pela população de baixa renda. ( BARUQUI, 2004, p.22)

Somente a partir da flexibilização do monopólio da Petrobras, em 1997, e com a entrada

de capitais estrangeiros na exploração e produção de petróleo é que Macaé sofre o “boom”

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 158

imobiliário e os vazios urbanos existentes passam a ser ocupados. O padrão de construção

residencial, até então restrito a casas, passa a ser alterado com a construção de prédios.

Segundo Baruqui (2004), até o final dos anos 70 os limites da área urbana estavam contidos

no entorno do chamado “Centro Histórico”. A partir daí, obedeceu a três vetores de

expansão a partir deste centro histórico, dois deles acompanhando o litoral, em sentidos

opostos, norte e sul, e um terceiro para o interior, conforme Figura 3.

Figura 3 – Vetores Iniciais de Expansão Urbana em Macaé.

Mapa elaborado por Baruqui (2004) sobre base do levantamento aerofotogramétrico de 2001.

Não tendo mais como se expandir na costa litorânea, está ocorrendo uma interiorização da

expansão, surgindo vários vetores perpendiculares à orla, em direção ao interior. ( Figura

4) Segundo Dias (2006), as empresas prestadoras de serviço à Petrobras produziram, no

espaço urbano da cidade, um padrão de ocupação desordenado, pois não se instalaram no

distrito industrial determinado pelo poder público municipal, não tendo respeitado,

portanto, o zoneamento industrial original

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Figura 4 – Novos Vetores de Expansão Urbana em Macaé

Mapa elaborado por Baruqui (2004) sobre base do levantamento aerofotogramétrico de 2001.

Atualmente Macaé tem 22 bairros e 9 setores administrativos. A divisão em setores

administrativos foi uma decisão de gestão municipal anterior visando maior eficiência das

políticas públicas a serem implementadas.

Dias (2006) destaca que a proximidade da Petrobras ao porto de Imbetiba privou a

população do uso da praia, até então cartão de visita da cidade. Os bares e restaurantes

que reuniam os veranistas e moradores foram substituídos pelo embarque e desembarque

dos petroleiros. Além disso, ressalta o poder da empresa como “puxadora” de

infraestrutura, expandindo a malha urbana ao longo das duas direções da RJ-106, tendo

Cabiúnas (zona norte) estimulado a ocupação do Lagomar e o Parque de Tubos ( zona sul)

impulsionado a ocupação de Imboassica.

As desigualdades socioespaciais foram ampliadas e a cidade se dividiu em dois eixos, de

acordo com o nível de renda. Próximo a Cabiúnas, surgiram conjuntos habitacionais e

invasão de áreas. Próximo ao Parque de Tubos, surgiram os loteamentos para uma classe

de maior status socioeconômico.

Esse crescimento desordenado gerou uma série de problemas de natureza ambiental, que

são destacados por Dias:

Dentre tais problemas são ressaltados: ocupação irregular em margens de lagoas, em áreas de manguezais e em restingas: aterros em corpos d´água, para a implantação de loteamentos; desmatamento, provocando assoreamento; lançamento final de esgoto in natura nos rios, lagoas e mar; destinação inadequada de resíduos sólidos. (DIAS, 2006, p. 63)

A ocupação de manguezais e restingas tem sido muito frequente para fins de moradia nas

áreas urbanas. No entanto, a ocupação dessas áreas é considerada ilegal desde a

aprovação do Código Florestal de 1965 ( BRASIL, Lei nº 4771, de 15/09/1965), pois são

consideradas Áreas de Proteção Permanente, segundo o Conselho Nacional de Meio

Ambiente ( BRASIL, CONAMA, Resolução nº 303 de 20/03/2002).

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Baruqui (2004) realiza um breve histórico das ocupações informais em Macaé, mas não

considera as ocupações no aterro da Lagoa de Imboassica como irregulares, pois os

loteamentos foram aprovados pela Prefeitura. Na época em que a lagoa começou a ser

aterrada, houve protestos de segmentos da população que cobraram providências dos

órgãos ambientais, mas o clamor não foi suficiente para barrar os interesses dos que

ganhavam com a especulação imobiliária. No presente estudo, portanto, trataremos esta

localidade como ocupação irregular, mesmo reconhecendo a legalidade do loteamento,

pois a consideramos localizada em área ambientalmente sensível.

O bairro Lagoa surgiu em 1978, com a aprovação do loteamento Mirante da Lagoa, com 781 lotes com área média de 450,00m2. (...) Na década de 90 surgiram no bairro condomínios residenciais, financiados pela Caixa Econômica Federal, e voltados para a classe média. Os condomínios: Recanto da Lagoa, aprovado em 1997, Vista da Lagoa, aprovado em 1998, Morada da Lagoa e Solar da Lagoa, aprovados em 1999, são exemplos disto. ( BARUQUI, 2004, p.36)

O presente estudo apresentará três áreas de ocupação irregular, traçando o perfil

socioeconômico dos moradores e condições de infraestrutura das localidades, com base em

dados da pesquisa do Programa Macaé Cidadão: na área de restinga será pesquisado o

bairro Lagomar, de baixo poder aquisitivo. No mangue, a localidade de Nova Holanda, a

Colônia Leocádia, Nova Esperança, ocupadas por pessoas de baixo poder aquisitivo e Ilha

Caieira, ocupada por pessoas de médio-alto poder aquisitivo. No entorno da Lagoa de

Imboassica, o Mirante da Lagoa, ocupado por pessoas de poder aquisitivo mais alto.

Em consulta realizada por Faria e Tougeiro (2010) aos registros do Ministério Público

Estadual (MPE) e ao Ministério Público Federal (MPF), nos meses de agosto a setembro de

2007, foi identificada a ocorrência de denúncias referentes a sete áreas de ocupação ilegal

para fins de habitação na área urbana de Macaé.

Foram apresentadas denúncias referentes ao processo de ocupação de manguezal nas localidades denominadas Malvinas, Ilha Fluvial colônia Leocádia, Nova Holanda e Nova Brasília. Em relação à ocupação de restingas, foram apresentadas denúncias referentes à ocupação nas localidades de Lagomar, São José do Barreto e Fronteira. A ocupação no Lagomar recebeu três denúncias, a ocupação da Ilha Colônia Leocádia recebeu duas denúncias e as demais localidades uma denúncia cada. ( FARIA e TOUGEIRO, 2010, p.250)

Esses conflitos e dilemas causados por ocupações ilegais em áreas ambientalmente

sensíveis não são de fácil solução. Os conflitos aparecem em decorrência das diferentes

restrições de uso dessas áreas, impostas pela legislação, e das diferentes interpretações

sobre a forma de apropriação desses espaços. Mesmo tendo recursos financeiros, como é o

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 161

caso da Prefeitura de Macaé, ela se depara com a ausência de uma política habitacional

que dê conta do processo de expansão motivado pelo crescimento da atividade econômica

de exploração e produção de petróleo e gás, que atrai um contingente populacional que,

não tendo qualificação, não consegue se inserir no mercado, e se instala nessas áreas de

pouco valor imobiliário e impróprias à urbanização.

Farias e Tougeiro (2010) identificaram, no estudo realizado, que o Poder Público figurou

como principal denunciante. A origem da denúncia era de órgãos responsáveis pela

fiscalização ambiental, em especial o Batalhão de Polícia Florestal da Polícia Militar do

Estado do Rio de Janeiro.

Tendo em vista os diferentes interesses que estão em jogo, Farias e Tougeiro (2010)

identificam três grupos de atores envolvidos no conflito:

Os que defendem a retirada dos ocupantes e a restauração das áreas degradadas, os que defendem a permanência dos ocupantes e urbanização das áreas ocupadas, e os que defendem a necessidade de um estudo de cada situação visando à urbanização das áreas de ocupação já consolidadas e remoção de famílias que estiverem em área de risco ou comprometendo os ecossistemas ainda existentes. A identificação dos interesses de cada ator, ou de cada grupo de atores, é importante ferramenta no auxílio do processo de negociação. ( FARIA e TOUGEIRO, 2010, p.258)

A divisão em setores administrativos e a preocupação com a realização de pesquisa tão

abrangente como é a pesquisa do Programa Macaé Cidadão demonstram o interesse da

Prefeitura Municipal em conhecer a realidade do município e de seus moradores. No

entanto, não a isenta de responsabilidade em relação às ocupações ilegais e de não ter

conseguido implantar com efetividade, nesse período, uma política habitacional e de

expansão urbana para a cidade.

A abrangência da pesquisa realizada pelo Programa Macaé Cidadão é bastante significativa

e alcança quase a totalidade dos domicílios. Na área delimitada como objeto deste estudo,

cerca de 98% dos domicílios foram pesquisados. Dessa forma, constitui-se em uma rica

fonte de informação sobre a realidade destas localidades e de seus moradores. São

levantados dados sobre o tipo de domicílio, condição de ocupação, material predominante

na construção (paredes externas e teto), além de perguntas relacionadas à infraestrutura

(saneamento, lixo, água ). Sobre os moradores há perguntas referentes a sexo, idade, raça,

se é migrante, Unidade Federativa de origem, nível de escolaridade, trabalho e renda,

problemas de saúde e pessoas com necessidades especiais.

Para o estudo proposto, selecionaram-se alguns aspectos considerados fundamentais para a

caracterização das áreas de ocupação: a infraestrutura dos domicílios ( destino do esgoto,

lixo e forma de captação da água) e o perfil de renda e nível educacional dos seus

moradores.

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A tabela 5 indica o número de pesquisas realizadas e o número de domicílios existentes nas

localidades selecionadas. Pode-se observar que o bairro Lagomar, em área de restinga,

apresenta um número mais significativo de domicílios. No entanto, parte significativa das

ocupações ilegais encontra-se nos manguezais.

Tabela 5 - Situação das entrevistas nos domicílios - localidades selecionadas - Macaé, 2006-2007

Áreas de Estudo Realizadas Não

realizadas por recusa

Total de domicílios

% de domicílios entrevistados

Lagomar (restinga) 3293 12 3305 99,6 Nova Holanda ( mangue) 1916 39 1955 98,0 Nova Esperança (mangue) 1639 29 1668 98,3 Colônia Leocádia (mangue) 402 2 404 99,5 Ilha da Caieira (mangue) 149 2 151 98,7 Mirante da Lagoa ( lagoa) 545 29 574 94,9 Fonte: Pesquisa domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007

A tabela 6 indica que a predominância da ocupação na área de estudo é de casas, ficando a

maior parte dos apartamentos (11,4%) no Mirante da Lagoa. As ocupações em quartos ou

cômodos destacam-se na Ilha Caieira (16,8%), Colônia Leocádia (11,7%) e Nova Holanda

(10,2%). A Colônia Leocádia apresenta quase 3% de domicílios improvisados.

Tabela 6 - Tipo de domicílios - localidades selecionadas- município de Macaé, 2006/07

Áreas de Estudo Casa Apartamento Quarto/Cômodo Coletivo Improvisado

Lagomar (restinga) 96,8 0,4 2,7 0,0 0,1 Nova Holanda ( mangue) 87,9 1.2 10,2 0,1 0,7 Nova Esperança (mangue) 90,4 1,5 7,0 0,0 1,2 Colônia Leocádia (mangue) 84,6 0,7 11,7 0,2 2,7 Ilha da Caieira (mangue) 81,2 2,0 16,8 0 0 Mirante da Lagoa ( lagoa) 88,1 11,4 0,2 0 0,4 Fonte: Pesquisa domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007

Uma análise sobre a condição de ocupação dos domicílios destacados na Tabela 7 revela

que 67% destes são próprios já pagos, destacando-se o bairro de Lagomar com 75,9%. No

entanto, sabe-se que parte do Balneário Lagomar adentra o Parque Nacional da Restinga

de Jurubatiba, criado pelo decreto presidencial em 29 de abril de 1998. Além disso,

Baruqui ressalta:

A invasão no Lagomar se deu no início da década de 90, no loteamento Balneário Lagomar, aprovado em 1976, prevendo a instalação de 427 sítios de recreio com área mínima de 5000 m². Desde 1997, tramita no Ministério Público Federal de Campos, um processo que denuncia o parcelamento ilegal desta área, em lotes de 200m² ou menos, num processo que se caracteriza por uma ocupação desordenada, sem infraestrutura básica. ( BARUQUI, 2004, p.71)

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 163

Nova Holanda também tem sua origem atrelada à ocupação de loteamento irregular, no

início da década de 80. Com a intensificação do processo de ocupação no final da década

de 80 e início da década de 90, a Prefeitura passou a intervir, criando a unidade de

Atendimento Comunitário (UNICA) - Nova Holanda, com o objetivo de evitar novas invasões

e atuar de maneira estratégica, melhorando as condições de infraestrutura do local. Nova

Esperança surge como continuação da Nova Holanda, em 2001

Conforme destaca Baruqui:

a lei nº 1717/96 autorizou o Poder Executivo a celebrar contrato de cessão em comodato com os ocupantes das frações ideais dos lotes urbanizados pelo Município, na Nova Holanda. Da mesma forma como ocorreu nas Malvinas, alguns contratos deste tipo chegaram a ser firmados. ( BARUQUI, 2004, p.68)

Tabela 7 - Condição de ocupação dos domicílios - localidades selecionadas em Macaé,

2006/07.

Áreas de Estudo Próprios já pagos

Próprios em

aquisição Alugados Cedidos Invasões

Lagomar (restinga) 75,9 0,5 18,5 4,8 0,4 Nova Holanda ( mangue) 61,0 0,70 29,6 4,7 4,0 Nova Esperança (mangue) 70,5 0,8 15,9 3,5 9,3 Colônia Leocádia (mangue) 67,1 2,0 7,2 5,2 18,5 Ilha da Caieira (mangue) 65,1 0,7 30,2 4 0,0 Mirante da Lagoa ( lagoa) 61,7 3,5 32,3 2,6 0,0 Fonte: Pesquisa domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007

Os dados da Tabela 8 revelam que o principal destino do esgoto da Ilha Caieira é o rio,

alcançando 66,4% dos domicílios. O mesmo problema ocorre de maneira significativa na

Colônia Leocádia (29,2%) e em Nova Holanda (15,5%). Ao contrário, Mirante da Lagoa

apresenta 95,6% dos domicílios com destino do esgoto realizado por meio de rede coletora

ou fossa séptica. Ilha Caieira, no entanto, apresenta apenas 33,6% dos domicílios com estas

formas de destino do esgoto, apesar de ser local de moradia de pessoas de um poder

aquisitivo próximo ao do Mirante da Lagoa.

Tabela 8 - Destino do esgoto de localidades selecionadas - município de Macaé -

2006/2007

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 164

Áreas de Estudo

Rede coletora

de esgoto ou pluvial

(%)

Fossa séptica

(%)

Fossa rudimentar

(%)

Rio, mar ou lagoa (%)

Céu aberto

ou vala (%)

Outra forma

(%)

Total de Domicílios

Moradores em

condições precárias

(%)

Nova Holanda 68,8 5,5 6,0 15,5 3,5 0,8 1915 25,7 Lagomar 4,1 38,2 56,5 0,3 0,6 0,4 3293 57,8

Nova Esperança 19,6 35,0 32,6 4,5 6,7 1,6 1639 45,5

Colônia Leocádia 5,2 19,5 28,2 29,2 14,2 3,7 401 75,3 Ilha da Caieira 17,4 16,1 0,0 66,4 0,0 0,0 149 66,4 Mirante da Lagoa 58,7 36,9 3,9 0,6 0,0 0,0 545 4,4

Fonte: Pesquisa domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007

O destino do lixo nas localidades escolhidas para objeto de estudo, retratado na Tabela 9,

revela que as localidades onde residem as pessoas de melhor poder aquisitivo ( Ilha Caieira

e Mirante da Lagoa) apresentam 100% dos domicílios com coleta de lixo realizada pelo

poder público. Já na Colônia Leocádia, quase 50% do lixo é queimado e 12,5% é jogado em

terreno baldio, sendo esta a área que precisa de maior atenção nesse quesito.

Tabela 9 - Destino do Lixo - Localidades selecionadas - Município de Macaé - 2006-2007

Áreas de Estudo

Coletado serviço público

(%)

Queimado (%)

Enterrado (%)

Jogado no

terreno baldio

(%)

Jogado no rio, vala ou lagoa

(%)

TOTAL

Moradores em

condições precárias

(%) Nova Holanda 86 10,3 0,5 2,6 0,7 1915 14,1

Lagomar 94 5,2 0,1 0,4 0,0 3293 5,7 Nova

Esperança 89 8,5 0,3 1,3 1,1 1639 11,2 Colônia

Leocádia 34 48,1 2,2 12,5 3,2 401 66,1 Ilha da Caieira 100 0,0 0,0 0 0 149 0,0

Mirante da Lagoa 100 0,2 0,0 0 0 545 0,2

Fonte: Pesquisa Domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007

A Tabela 10 indica que as localidades de Ilha Caieira e Mirante da Lagoa são as mais bem

servidas de água canalizada, chegando a 100% dos domicílios. Lagomar e Nova Esperança

são as que precisam ser priorizadas em investimentos relacionados à canalização de água.

O problema de abastecimento de água é significativo em Macaé.

Em entrevista concedida ao Jornal O Debate, no dia 08 de novembro de 2010, o presidente

da empresa Pública Municipal de Saneamento (ESANE), engenheiro Marcos Túlio de Aguiar,

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 165

explicou que há pouco mais de 15 anos, a vazão de abastecimento de água em Macaé era

de 120 mil litros por segundo. Hoje está em torno de 550 mil litros por segundo e é

insuficiente para abastecer o município de Macaé de forma uniforme. Disse que, com os

investimentos previstos na ordem de R$ 240 milhões, fruto de parceria com o Governo

Federal, em breve Macaé contará com uma adutora com capacidade para 800 mil litros por

segundo, que marca o limite atual da capacidade do reservatório. Além disso, os recursos

ajudarão a completar a adutora de água bruta, reformar a estação do Morro de Santana e

duplicar o reservatório de Santa Mônica, acrescendo mais 5 milhões de litros à capacidade

atual.

Tabela 10 - Existência de água canalizada - localidades selecionadas - Município de

Macaé - 2006/2007

Áreas de Estudo Existe (%) Não existe (%) TOTAL Nova Holanda (mangue) 87,9 12,1 1915 Lagomar (restinga) 36,9 63,1 3293 Nova Esperança (mangue) 48,0 52,0 1639 Colônia Leocádia (mangue) 55,9 44,1 401 Ilha da Caieira (mangue) 100,0 0,0 149 Mirante da Lagoa ( lagoa) 99,1 0,9 545 Fonte: Pesquisa Domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007

As tabelas 11 e 12 referem-se ao perfil dos moradores das áreas de estudo. Indicam o nível

de instrução e renda, revelando que diferentes estratos sociais ocupam áreas

ambientalmente sensíveis. O Mirante da Lagoa apresenta um perfil de moradores distinto

dos demais. Detém o maior número de domicílios com pessoas residentes que completaram

ensino médio e superior, alcançando 56,1%. Ilha Caieira vem em seguida, como o local de

melhor nível educacional entre as áreas selecionadas no estudo, tendo quase 30% dos

residentes completados o ensino médio e superior.

A área de restinga e as demais de mangue apresentam maior concentração de pessoas

residentes com o nível de escolaridade mais baixo, até o fundamental.

Tabela 11 - Nível de escolaridade- localidades selecionadas- Macaé, 2006/07

Áreas de Estudo Até 1º Grau

(Ens. Fund.)

2º Grau (Ens. Médio.)

3° Grau (Ens. Sup.e

mais)

Educação Especial TOTAL

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 166

Nova Holanda (mangue) 85,3 13,3 1,2 0,2 2312 Lagomar (restinga) 83,7 14,6 1,4 0,2 3902 Nova Esperança (mangue) 89,2 10,1 0,5 0,2 1985 Colônia Leocádia (mangue) 93,1 6,2 0,4 0,4 565 Ilha da Caieira (mangue) 71,1 16,4 11,2 1,3 152 Mirante da Lagoa ( lagoa) 43,4 19,7 36,5 0,5 636 Fonte: Pesquisa Domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007

A variável renda é proxy da variável educação conforme se verifica na Tabela 12. Mesmo

que os entrevistados no bairro Mirante da Lagoa não tenham declarado o valor da renda

mensal (82,2%), o nível educacional indica que esta localidade apresenta o melhor nível de

renda do conjunto de áreas estudadas.

A Colônia Leocádia e Nova Holanda são as áreas em que residem pessoas de menor poder

aquisitivo. Cerca de 50% dos moradores de Nova Holanda e da Colônia Leocádia recebem

até 1 salário mínimo.

Tabela 12 - Renda Mensal domiciliar - localidades selecionadas - Macaé, 2006-2007

Áreas de Estudo

Até 1 SM (%)

Mais de 1 até 3 SM (%)

Mais de 3 até 5 SM (%)

Mais de 5

até 10 SM(%)

Mais de 10

SM (%)

Sem rendimento

(%)

Sem Declaração

(%)

TOTAL de pessoas de 10 anos ou mais que trabalham

Nova Holanda 46,7 38,6 3,8 0,3 0,04 2,2 8,4 2502 Lagomar 29,4 45,4 4,6 0,6 0,07 0,5 19,5 4527

Nova Esperança 37,9 37,9 2,3 0,1 0,05 1,4 20,3 2084

Colônia Leocádia 53,1 40,3 1,5 0,0 0,00 0,7 4,4 452 Ilha da Caieira 19,2 40,6 15,4 4,3 2,56 0,0 17,9 234

Mirante da Lagoa 1,7 5,1 4,2 3,7 2,98 0,0 82,2 974

Fonte: Pesquisa Domiciliar do Programa Macaé Cidadão - 2006/2007

Considerações Finais

O objetivo desta pesquisa foi analisar os impactos do crescimento urbano em Macaé, fruto

da nova dinâmica econômica da atividade de exploração e produção de petróleo e gás, que

gerou um aumento das desigualdades socioespaciais no município. A aceleração do

processo de ocupação dos manguezais e restingas, Áreas de Proteção Permanente, foi

favorecida pela forte migração. A oferta de postos de trabalho divulgada pela mídia nem

sempre absorvia a mão de obra que chegava ao município à procura de emprego. O maior

nível de especialização exigido para as atividades relacionadas ao setor da cadeia

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 167

produtiva de petróleo e gás tornou-se um grande empecilho para a inserção de uma mão

de obra desqualificada.

A negligência do Estado em promover uma política habitacional que mitigasse o processo

de ocupação dos manguezais e restingas e impedisse a ocupação do entorno da Lagoa pelos

trâmites legais gerou um conflito e divergências de interpretação sobre o processo de

ocupação dessas áreas, culminando em denúncias ao Ministério Público.

Percebe-se que a condução política para o conflito tem sido o de garantir a urbanização

das áreas ocupadas ilegalmente, evitando-se a remoção dos moradores. Desta forma,

pode-se intuir que a população dessas áreas exerceu um poder de influência sobre as

decisões dos gestores municipais. Estes têm tomado iniciativas de legalizar as posses e

melhorar a infraestrutura, aderindo ao Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS)

e fazendo constar do novo Código de Urbanismo, aprovado em maio de 2010, os seguintes

parâmetros urbanísticos para essas áreas: Ilha Caieira e Mirante da Lagoa estão na Zona

Residencial, cujo lote mínimo é de 450 m², altura máxima permitida na construção é de

10m e a taxa de ocupação de 60%. Nova Esperança, Nova Holanda e Lagomar estão na Zona

de Especial Interesse Social, com lotes mínimos de 125m² e taxa de ocupação de 80%. A

Colônia Leocádia está na Zona de Especial Interesse Ambiental, e a definição dos

parâmetros urbanísticos não está dada previamente, mas dependerá de análise prévia do

projeto pelo órgão municipal de meio ambiente, considerando as limitações impostas pela

legislação específica.

Apesar de limitada, a aprovação do novo Código de Urbanismo já é uma conquista no

caminho de se construir uma sociedade menos desigual. Permitir formas de acesso da

população de menor poder aquisitivo às áreas legalizadas e com adequada infraestrutura

urbana é um caminho para atingir a propalada e almejada função social da terra, já

prevista na Constituição Federal. No entanto, é preciso estar atento para a identificação e

remoção das famílias em áreas de risco e evitar que novas ocupações ocorram nas áreas

ambientalmente sensíveis.

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BARUQUI, S.S.C. A Cidade Formal e a Cidade Informal em Macaé: Uma análise do crescimento

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Page 167: PDF compilado

Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-2: Denise Terra e José Henrique Ressiguier - Pag 168

_______________. Urbanização brasileira: tendências, problemas e desafios. Edição Especial de

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DIAS,R.F.L. Urbanização e Petróleo: Um Estudo de Caso sobre Macaé no Limiar do Século XXI. 2006.

Dissertação ( Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal Fluminense – Niterói.

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Querétaro, México.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 169

A SOCIEDADE DO HIDROCARBONETO: O ÔNUS DO AQUECIMENTO ECONÔMICO GERADO PELA CADEIA PRODUTIVA DO PETRÓLEO E GÁS EM MACAÉ-RJ.

Maria Inês Paes Ferreira1; Rafael Nogueira da Costa2; Priscila Gontijo Aguiar de Almeida3; Michelli Rocha Cordeiro4;

Maria Aparecida Vieira Albano Ferreira5 e Ully Hashimoto Mayerhofer6 1 INTRODUÇÃO

A sociedade, de uma maneira geral, relaciona os impactos ambientais negativos

gerados pela exploração de petróleo e gás offshore a derramamentos de óleo nos

ambientes marinhos, que mascaram a percepção de outros impactos ambientais de

amplitude local, ou mesmo regional, relacionados à produção de petróleo. O

crescimento populacional e das atividades econômicas estimuladas pela atividade

petrolífera na Bacia de Campos (RJ) vêm induzindo a uma série de pressões sobre os

recursos naturais e sobre as populações (COSTA e FERREIRA, 2010), principalmente

aquelas socioeconomicamente vulneráveis residentes em cidades como Macaé, que a

partir de 1978 passou a ser a base operacional das atividades de exploração de petróleo

e gás na Bacia de Campos. A partir da década de 80, Macaé veio consolidando-se como o

epicentro das atividades relacionadas à cadeia produtiva do petróleo offshore no país, e

o crescimento acelerado observado na região suscita à reflexão relativa aos impactos

indiretos associados a tais atividades. Perceber o ônus deste aquecimento econômico é

fundamental para que as sociedades macaense e brasileira possam melhor se posicionar

acerca das propostas de incremento da exploração dos seus recursos não renováveis,

associadas ao petróleo do Pré-sal e às metas de aceleração do crescimento.

Diante do quadro de injustiça ambiental presente na sociedade brasileira, esse

trabalho tem como objetivo colaborar com a pesquisa nacional sobre injustiça ambiental

e saúde no Brasil, em cujo mapa de conflitos ambientais apenas São João da Barra é

apontado no Norte Fluminense. O estudo insere-se no projeto “Conflitos ambientais e

riscos à saúde: pesquisa sobre a ocorrência de injustiça ambiental no Município de

Macaé” (linha temática do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego).

Considera-se que, na base do modelo desenvolvimento excludente e insustentável

de exploração dos recursos ambientais planetários, está a indústria do petróleo,

1 Engenheira química, Doutora em Ciência e Tecnologia de Polímeros, pesquisadora do IF Fluminense. 2 Biólogo, Mestre em Engenharia Ambiental pelo IF Fluminense, docente da UFRJ. 3 Bióloga, Mestre em Engenharia Ambiental pelo IF Fluminense, docente da Prefeitura Municipal de Macaé. 4 Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Engenharia Ambiental pelo IF Fluminense. 5 Socióloga, Mestranda em Engenharia Ambiental pelo IF Fluminense. 6 Estudante do Curso Técnico em Automação Industrial no IF Fluminense.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 170

principal sustentáculo de uma sociedade energívora e intrinsecamente insustentável – a

“Sociedade do Hidrocarboneto” (YERGIN, 1994) – que apoia a produção de grande parte

de seus bens de consumo em um recurso natural não-renovável, com uma geografia

industrial não coincidente com a das áreas que detêm suas maiores reservas

(GONÇALVES, 2000). Cabannes7 é quem melhor contextualiza a região quando utiliza a

tipologia da cidade enclave, para caracterizar o processo de desenvolvimento das

cidades petroleiras da América Latina. Nesse contexto, a região aonde foi desenvolvido o

presente trabalho compreende o trecho inferior da Bacia do Rio Macaé, incluindo a parte

final estritamente fluvial e sua zona estuarina (bairros Nova Holanda, Nova Esperança,

com ênfase na localidade Águas Maravilhosas), assim como o trecho costeiro do

município que está situado no entorno do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba

(Balneário Lagomar). O objetivo do estudo foi investigar a hipótese de ocorrência de

injustiça ambiental (HERCULANO, 2004) no município de Macaé, bem como divulgar os

resultados para a sociedade, em ações de mobilização e sensibilização para a superação

dos “efeitos colaterais” do progresso e da economia do bem-estar. As localidades

focadas no trabalho foram escolhidas pelo fato de serem ocupadas por populações de

nível de renda baixo (PMM, 2010), as quais estariam mais expostas aos riscos ambientais.

2 METODOLOGIA No presente estudo, realizado entre os anos de 2008 e 2010, foram investigadas

áreas do trecho inferior da bacia do rio Macaé, incluindo a parte final estritamente

fluvial e sua zona estuarina (bairros Nova Holanda, Nova Esperança, com ênfase na

localidade Águas Maravilhosas); e o trecho costeiro do município, situado no entorno do

Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (Balneário Lagomar). Estas localidades

configuram-se como áreas de grande importância social (navegação, moradias e pesca) e

ambiental (áreas de preservação permanente).

A observação participante caracteriza a base da metodologia adotada, tendo em

vista a implicação dos autores do trabalho, que são educadores atuantes em escolas

localizadas na região do estudo, e/ou atuaram como trabalhadores na cadeia produtiva

do petróleo e gás instalada na região. De forma a testar a hipótese de ocorrência de

injustiça ambiental como um impacto negativo associado aos empreendimentos que

aqueceram a economia macaense (e conseqüentemente a brasileira), vários métodos 7 Palestra proferida por Yves Cabannes, Diretor do Programa de Gestão Urbana da ONU, em 20 de agosto de 2003, durante III Seminário Internacional Desafios e Políticas Públicas para a Sustentabilidade, organizado pela ONG Ecocidadão em Macaé/RJ.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 171

foram aplicados, destacando-se: (i) aplicação de questionários (semi)estruturados, em

escolas, Postos de Saúde da Família (PSFs), Associações de Bairro e domicílios

selecionados (ALMEIDA, 2010; CORDEIRO, 2010) (ii) coleta de sedimentos no Estuário do

Rio Macaé, conforme apresentado na Figura 1, e de amostras de água de poços

escavados (no Balneário Lagomar, conforme apresentado na Figura 2; (iii) avaliação de

toxicidade dos sedimentos estuarinos, associada ao teor de hidrocarbonetos

poliaromáticos (HPAs); (iv) análise da qualidade de água dos pontos apresentados na

Figura 2 (CORDEIRO, 2010); (v) tabulação dos dados da pesquisa domiciliar sobre o perfil

e o anseio das famílias macaenses realizada entre os anos de 2006 e 2007, e utilização

desses resultados para compor um mapa de vulnerabilidade econômica dos bairros do

distrito urbano do município de Macaé e uma proposta para o cálculo de um Índice de

Injustiça Ambiental; e (vi) Divulgação científica e transposição de linguagem via

produção de vídeos de Educação Ambiental (EA).

A aplicação dos questionários semi-estruturados objetivou levantar os problemas

ambientais considerados de maior relevância pelos entrevistados, bem dados primários

acerca do abastecimento de água domiciliar e das possibilidades de contaminação de

mananciais subterrâneos. A tabulação das respostas dos entrevistados norteou a

solicitação oficial do Instituto Federal Fluminense ao Programa Macaé Cidadão para

cessão de alguns dos resultados da extensa pesquisa domiciliar periodicamente realizada

pelo Poder Público Municipal. Esses dados foram espacializados com o auxílio de um

Sistema de Informações Geográficas (SIG), empregando-se os aplicativos VISTA S.A.G.A.

2007 ou ArcGIS® 9.3 e softwares AutoCad da AUTODESK e COREL DRAW (Corel

Coorporation) para apoio ao tratamento das informações.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 172

Figura 1. Pontos de coleta de sedimentos no estuário do Rio Macaé (COSTA, 2010).

Figura 2. Pontos de coleta de água subterrânea no Balneário Lagomar (CORDEIRO, 2010).

Para divulgação dos resultados e transposição de linguagem, de forma a socializar

a reflexão sobre os impactos ambientais e os custos não internalizados do crescimento

econômico, pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Petróleo, Energia e Recursos

Naturais (NUPERN) implementaram, desde 2004, na então Unidade Macaé do CEFET

Campos (hoje campus Macaé do IF Fluminense), uma equipe de produção multimídia. Os

vídeos produzidos no NUPERN, pela InSitu Produções, para além da proposta de

transposição de linguagem e divulgação científica, são fundamentados na análise

histórica “das pessoas em seus lugares”, considerando o ambiente “natural” tanto um

cenário quanto um produto das interações humanas (ADAMS, 2000). Assim, no que tange

à produção de vídeos, o presente trabalho situa-se metodologicamente no campo dos

estudos etnoecológicos, que vêm buscando conciliar a conservação dos ecossistemas com

a melhoria da qualidade de vida das parcelas menos favorecidas da nossa população.

Posicionando-se numa interface com as tradicionais disciplinas acadêmicas e o

conhecimento empírico das comunidades, a etnoecologia pode efetivamente contribuir

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 173

para os debates científicos atuais relativos à conservação da diversidade biológica e

cultural (PEDROSO Jr., 2002).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Macaé é o segundo maior beneficiário dos repasses dos royalties de petróleo e gás

da Bacia de Campos8, e convive com a abundância associada aos recursos que são

transacionados pela cadeia produtiva de petróleo e gás, de um lado, e de outro com a

escassez de intervenções infraestruturais, de planejamento urbano e de saneamento

ambiental, que sejam compatíveis com seu crescimento populacional e com seu de PIB

per capta (R$ 37.667,00 no ano de 2007, quando foi realizada a pesquisa domiciliar do

Programa Macaé Cidadão) (IBGE, 2009). Comparando os percentuais de crescimento

observados, Macaé cresceu de 1970 a 2007 a uma velocidade de aproximadamente 3,6

vezes, superando a taxa de crescimento do Brasil, que foi de aproximadamente 2,0; a do

Estado do Rio de Janeiro (1,7); e a da Região Norte Fluminense (1,6), para o mesmo

período (COSTA, 2010).

Como afirma Soffiati (2010), com a descoberta das jazidas de petróleo da Bacia

de Campos e a posterior construção das instalações da PETROBRAS em Macaé, a cidade

passou a receber anualmente milhares de pessoas de todo o Brasil em busca de

emprego. Muitas não conseguem trabalho e acabam marginalizadas, o que gera, além da

violência, a invasão e urbanização de áreas de preservação ambiental (IPEA, 2008).

Associado aos problemas ambientais e sociais ocasionados pelo processo de extração de

óleo e gás, o crescimento da cidade gerou uma pressão sobre o estuário (COSTA e

FERREIRA, 2010), destacando-se a margem direita do “rio velho” (trecho assoreado do

Rio Macaé pré-retilinização), o interior da ilha Colônia Leocádia, o trecho final do Canal

Campos-Macaé, e a margem esquerda do rio.

A urbanização, além de suprimir importantes áreas, acarreta outro grande

problema: o aumento de lançamentos de produtos químicos e de efluentes, sendo

notória a contaminação do estuário do Rio Macaé por esgoto orgânico, por efluentes

oleosos e por resíduos sólidos (LACERDA et al. 2008; PINHEIRO, 2008). Apesar de possuir

sua foz permanentemente aberta, esse ecossistema encontra-se em estágio avançado de

degradação sofrendo intensos e permanentes impactos antrópicos como lançamento de

esgoto in natura e despejo de óleo das pequenas embarcações utilizadas para pesca,

principalmente no final do Canal Campos-Macaé. Atribui-se ao canal a denominação da

8 Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro – CEPERJ.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 174

localidade “Águas Maravilhosas”, inserida na “Nova Esperança”, que por sua vez

pertence ao bairro Barra de Macaé9, Setor Administrativo 5 (SA-5), que tem como limite

a margem direita do Canal de Macaé (resultante da retilinização da porção final do Rio

Macaé, realizada pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento – DNOS, na

década de 70), o qual flui em paralelo com o rio Jurumirim para o Rio Macaé. Por um

lado, as “Águas Maravilhosas” eram o referencial de uma localidade tida como balneário

turístico para banhos populares no verão macaense. Ressalta-se que ainda hoje essas

águas continuam sendo utilizadas para lazer, sendo frequentadas por grande contingente

de pessoas da localidade e das circunvizinhanças. Por outro lado, o nome Águas

Maravilhosas está vinculado a uma área poligonal de, aproximadamente, 160,60 m², que

foi utilizada como Lixão Municipal de Macaé pelas administrações municipais, por um

período estimado de 15 a 16 anos, até o início da implantação e operação do Aterro

Municipal de Cabiúnas, em 1996. Apenas há informações de que a Prefeitura Municipal

de Macaé (PMM) retirou cerca de 1,50 m de lixo da superfície e alocou o volume de lixo

retirado no Aterro Municipal de Cabiúnas, atualmente desativado.

O lixo depositado em Águas Maravilhosas ao longo do período de utilização desta

área como lixão, contemplou todo o conjunto da classificação da NBR 10004:2004, quais

sejam os resíduos sólidos urbanos (RSU), os resíduos industriais e os resíduos do serviço

de saúde (RSS). Abrangeu inclusive os resíduos perigosos da Classe I. Embora não haja

indicadores que comprovem ações de remediação deste antigo vazadouro a céu aberto,

é de conhecimento público que esta área vem sendo apropriada e ocupada por

populações de baixa renda. Dados da Pesquisa Domiciliar do Programa Macaé Cidadão -

2006/2007, apontam que, da população residente há mais de 10 anos no local, entre os

entrevistados que trabalham, 22,6% recebem renda entre 1 e 2 salários mínimos, e 38,7%

recebem renda entre 2 e 3 salários mínimos. Também segundo o Programa Macaé

Cidadão, 32 pessoas residiam há mais de 10 anos em Águas Maravilhosas (dado que

parece corresponder ao número de pessoas que viviam da catação no antigo lixão

municipal, entre outras atividades). Inicialmente essas pessoas se localizaram na área

entre o Canal de Macaé e o Rio Jurumirim. (PMM, 2010). Águas Maravilhosas encontra-se

em franco processo de expansão urbana, intensificado a partir de 2003, e, na atualidade

é factual sua integração paulatina à malha municipal, não obstante às condições de

sujeição de risco e perigo socioambientais enfrentados pelas pessoas que lá residem.

Segundo informações obtidas de moradores do local, a iniciativa de ocupação foi do

9 Prefeitura Municipal de Macaé (PMM,2010) - Programa Macaé Cidadão.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 175

Movimento dos Sem Terra (MST). Em julho de 2009, os residentes entrevistados em

pesquisa prévia realizada estimaram que a área abriga entre 250 e 300 famílias - mais de

2 mil pessoas de baixa renda. Da mesma forma, é notória a existência de edificações de

alvenaria sobre o passivo ambiental do ex-lixão da cidade de Macaé, o que caracteriza

uma situação de injustiça ambiental, tendo em vista a fragilidade econômica da

população residente na área (Figura 3).

A Linha Azul pode ter sido o fator indutor da ocupação social desta área.

Informações pessoais obtidas a partir dos moradores informam a existência de mais de

250 a 300 famílias na localidade. Os terrenos das posses e ocupações têm dimensões de

até 12m x 27m, e há informes de que as negociações de compra e venda de terrenos de

até R$ 50 mil Reais em Águas Maravilhosas. É possível observar placas contendo

identificação do imóvel e preço de venda. A referência frontal é a rodovia Lacerda

Agostinho (antiga Linha Azul), a qual se prolonga até o distrito industrial de Macaé com o

nome de Avenida Industrial. A Linha Azul foi inaugurada em 2005, posteriormente passou

a ser denominada de rodovia Lacerda Agostinho. Esta rodovia tem, aproximadamente,

7,5 km de extensão em pistas duplas asfaltadas e possui 251 postes, instalados de 30 em

30 m e equipados com lâmpadas a vapor de 400 W. Esta rodovia está sob concessão da

Autopista Fluminense - OHL Brasil. Esta descrição é importante para a percepção de

valor estratégico desta localização, na medida em que o Arco Viário de Macaé,

planejado para interligar e otimizar os fluxos de tráfego entre os extremos Norte e Sul

de Macaé é conformado pela Avenida Industrial, Linha Azul e a Linha Verde, criando

assim a capilaridade necessária ao atendimento às demandas de expansão da produção

e crescimento econômico do município.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 176

Figura 3. Mapa temático de indicador de vulnerabilidade econômica do município de Macaé-RJ

Observa-se que a maior parte das moradias da localidade possui fossas do tipo

sumidouro, Além disso, as famílias utilizam, em geral, água de poços escavados, pois a

água fornecida pela prefeitura é insuficiente para atender todo o bairro devido ao

aumento da densidade populacional no mesmo. A comunidade não tem acesso à rede de

distribuição de água tratada, nem condições econômicas para abastecimento via carro-

pipa e água envasada de boa qualidade.

Não se tem estatísticas oficiais sobre alguns eventos, tais como, doenças de

veiculação hídrica (por utilização de água do Canal de Macaé sem tratamento adequado

para usos domésticos e banhos de lazer); por contaminação por objetos perfurocortantes

(tétano), desconforto ambiental (por odores da produção e emissão de gases da massa

de lixo, intensidade dos efeitos da radiação terrestre a exemplo elevação de

temperatura), contaminação do solo e do lençol freático. Os moradores tem

conhecimento de que a área era utilizada como vazadouro municipal de lixo a céu

aberto, embora pareçam não ter clareza do significado dessa realidade em termos de

possibilidades de contaminação e dos efeitos deletérios dos contaminantes associados

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 177

aos aterros sanitários na saúde individual e coletiva. A percepção de abandono da área

pelo poder público, ainda que sem a devida remediação do solo (Foto 1) parece ter sido

a motivação da ocupação pelo MST para fins de edificação de moradias em área urbana.

Foto 1. Recorte de solo para radier de sustentação de pilares da construção. Nesta estrutura, entre a base de concreto e o aterramento superficial do solo, de apenas 20cm de altura, se pode observar a massa de lixo disposta no solo ao longo do tempo. Ao lado, monturos de lixo retirados para a construção do radier em concreto armado. Autor: Maria Aparecida V. A. Ferreira, 2009. Com o escoamento superficial e o carreamento do lixo em direção à calha do

Canal de Macaé, criado para drenar a área, houve aterramento significativo do seu leito.

Em decorrência, a área vive sob alagamentos constantes. Esses impactos são percebidos

também ações de compactação do solo por aterramento do local e elevação do nível da

área, tentativas frustradas de evitar alagamentos (área abaixo do nível da rodovia -

Linha Azul) e por aumento do nível da vazão dos rios em épocas de cheias. De acordo

com os entrevistados nos bairros Nova Holanda, Nova Esperança e Barra do Macaé,

relativamente aos principais problemas ambientais presentes na Nova Esperança e na

Nova Holanda, o item percebido como sendo de maior relevância, assim como o maior

problema ambiental citado para a cidade de Macaé (Figura 4) foi a ocupação

desordenada em áreas sujeitas a enchentes e transbordamentos, assinalado por 82% dos

entrevistados. Com pouca diferença percentual, o segundo item mais assinalado foi a

redução de áreas de manguezal, com 81%, o que nos leva a concluir que esses dois temas

estão interligados e relacionados entre si. Esse resultado pode ser explicado pela

localização dos bairros estudados, pois tanto a Nova Holanda quanto a Nova Esperança

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 178

são bairros situados em áreas onde anteriormente havia ecossistema de manguezal.

Figura 4. Principais problemas ambientais do município de Macaé percebidos pelos entrevistados na Nova Holanda e Nova Esperança (ALMEIDA, 2010).

Os manguezais são classificados como Áreas de Preservação Permanente (BRASIL,

2002), sendo expressamente proibida a construção e ocupação urbana nesses ambientes.

Entretanto, com a grande explosão demográfica ocorrida no município após a chegada

da PETROBRAS e de outras empresas associadas às atividades petrolíferas, diversas Áreas

de Preservação Permanente foram ocupadas pela população recém chegada que sem

condições financeiras ocuparam áreas ao redor de lagoas, topos de morro e áreas de

manguezal, como no caso da Nova Holanda e Nova Esperança, estando assim as

populações dessas localidades mais expostas aos riscos de transbordamentos e enchentes

(SOFFIATI, 2010). Costa e Ferreira (2010) destacam que a ocupação de Áreas de

Preservação Permanente (APPs) no estuário do Rio Macaé pode ser considerada um

impacto secundário associado à atividade petrolífera na região.

Como decorrência da carência de saneamento básico presente na Nova Holanda

e Nova Esperança, a metade dos entrevistados (50%) sugeriu o tema infraestrutura e

equipamentos urbanos como outro tema de maior relevância de problemas ambientais

presentes nessas localidades (Figura 5). Esse tema abrange as questões de saneamento

básico, calçamento das ruas e abastecimento de água tratada.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 179

Figura 5. Gráfico de sugestão de temas de maior relevância de problemas ambientais presentes na Nova Holanda e Nova Esperança para a elaboração de mapa temático de riscos e conflitos ambientais e na saúde (ALMEIDA, 2010).

O item dinâmica populacional, exposto na Figura 5, se refere às questões de

imigração nas áreas da Nova Holanda e Nova Esperança e à situação socioeconômica

dessas populações. A psicopatologia urbana está relacionada com os problemas de

violência e drogas e o item “outros” ao assoreamento do Rio Macaé e à falta de

Educação Ambiental. Com base nessa pesquisa podemos classificar os bairros Nova

Holanda e Nova Esperança como áreas de “hiperperiferia”, definida por Torres e Marques

(2001) como áreas de periferia que, além de suas características específicas como falta

de infraestrutura adequada e menor renda da população, possuem condições adicionais

de exclusão urbana, relacionadas tanto à precariedade de acesso a serviços urbanos

como à destinação adequada dos resíduos sólidos e líquidos produzidos nesses bairros.

Conforme já mencionado, podemos considerar que a população dessas localidades sofre

maiores exposições aos riscos ambientais, decorrentes de sua desigualdade social

(ACSELRAD, 1999; HERCULANO, 2004).

Cabe destacar, conforme evidenciado no Mapa de Vulnerabilidade Econômica da

área urbana do município (Figura 3), que não só o estuário do Rio Macaé, mas também

os bairros Cabiúnas e Balneário Lagomar (situados na proximidade do Terminal de

Cabiúnas, e portanto sujeitos a riscos de contaminação química) exibem altíssima

vulnerabilidade (mais do que 40% da população residente que trabalha e respondeu à

entrevista ganha até 1 salário mínimo). O cruzamento de dados de risco de

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 180

contaminação por poluentes industriais, com os de localização de empreendimentos

industriais associados à cadeia produtiva do petróleo e gás e com os padrões de

crescimento desordenado e desigualdade social evidenciados no município, confirmaria a

hipótese de ocorrência de injustiça ambiental no município, associada aos impactos

secundários e indiretos da indústria do petróleo. Está-se em desenvolvimento um Índice

de Injustiça Ambiental, que considere as dimensões ambiental e socioeconômica, bem

como a ocorrência de racismo ambiental (que associa a fixação de população não-branca

em regiões próximas a fontes potenciais e/ou reais de contaminação ambiental)

(ACSELRAD, 2009).

A contaminação química associada a resíduos de hidrocarbonetos aromáticos

presentes em solventes e diversas frações de petróleo pode ser investigada pela análise

de poluentes orgânicos persistentes conhecidos como HPAs. Os HPAs podem ser

prejudiciais à saúde, não só dos organismos que habitam estas áreas como a dos seus

consumidores (TANIGUCHI, 2001). Devido à persistência e ao potencial

mutagênico/carcinogênico de vários HPAs e dos seus derivados, frequentemente têm

sido realizados estudos sobre suas fontes, ocorrência, transporte e comportamento nos

diferentes compartimentos ambientais (ZHU et al., 2004). Existem várias fontes

possíveis de contaminação por hidrocarbonetos para o ambiente marinho como: esgotos

e drenagem urbana, fontes naturais, exploração e produção de petróleo, operações com

navios, acidentes com petroleiros e trocas atmosféricas. No estuário do Rio Macaé,

podemos verificar algumas possíveis fontes de contaminação, a saber: (i) o lançamento

de esgoto; (ii) as operações com navios de grande porte (rebocadores utilizados na

indústria petrolífera que utilizam áreas próximas ao estuário para ancorar); e (iii)

pequenas embarcações (utilizadas principalmente na pesca).

De um modo geral, as concentrações de HPAs nos sedimentos do estuário do Rio

Macaé ficaram abaixo do limite de detecção (LD) do método analítico empregado (LD =

0,01 mg/kg). Na segunda coleta, destaca-se a presença de fluoranteno (0,02 mg/kg),

pireno (0,02 mg/kg), criseno (0,01 mg/kg), benzo(b) fluoranteno (0,01) e benzo(a)pireno

(0,01) no ponto P4; na terceira coleta os observou-se ainda a ocorrência e

predominância de fenantreno (0,03 mg/kg), que pode ser decorrente da queima de

combustíveis fósseis das próprias embarcações (TANIGUCHI, 2001). Em comparação com

Taniguchi (2001), que realizou análises de HPAs nos sedimentos da área costeira de

Macaé, próximo ao Arquipélago de Sant`Ana, os valores mensurados no presente

trabalho foram mais elevados, mostrando que ocorreu um aumento da concentração

dessas substâncias nos últimos anos, apesar da área de coleta ser diferente.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 181

Durante o desenvolvimento da pesquisa foi possível verificar a carência de

infraestrutura urbana dos bairros Nova Holanda e Nova Esperança. A população dessas

localidades possui acesso precário aos serviços urbanos como ao saneamento básico

adequado. Parte das construções está localizada dentro do Canal Campos-Macaé, que

deixando o manguezal, atravessa a Restinga de Jurubatiba, no entorno do Terminal de

Cabiúnas, até adentrar o PARNA Jurubatiba. Além dos problemas de infraestrutura,

existem problemas de violência associada ao tráfico de drogas o que dificultou o

desenvolvimento da pesquisa, principalmente nesses dois bairros, mas também no

Balneário Lagomar.

O Bairro Balneário Lagomar, escolhido neste estudo por apresentar população

economicamente vulnerável (Figura 3), sujeita aos riscos ambientais associados à

proximidade do Terminal de Cabiúnas, que processa e distribui o petróleo e o gás

produzido na Bacia de Campos, está localizado na macroárea da orla norte, área

limítrofe e zona de amortecimento do Parque Nacional Restinga de Jurubatiba (PARNA

Jurubatiba), estando portanto contemplado pela Lei 9.985/ 2000 (BRASIL, 2000), a qual

define que as atividades humanas a serem desenvolvidas na região estão sujeitas a

restrições e a um mínimo impacto ambiental negativo. É importante destacar que o

PARNA Jurubatiba possui grande relevância ecológica e beleza cênica, possuindo

inúmeras lagoas costeiras e espécies endêmicas (APAJ e FNMA/PROBIO, 2002). O bairro

caracteriza-se por um local originalmente planejado para abrigar sítios de recreio (com

parcelamento mínimo de 5.000 m2), que sofreu reparcelamento e ocupação irregular,

possuindo hoje lotes habitados com até 50 m2. Caracteriza-se por possuir “residências

precárias” (cerca de 2,5 vezes mais construções de alvenaria chapiscada, taipa não

revestida, madeira aproveitada e palha do que a média do município). Nessa localidade

o prejuízo ambiental associado à contaminação por lançamento inadequado de efluentes

(Foto 2) pode ser maior, pois a área está assentada sobre solos arenosos, ou seja, de alta

permeabilidade com lençol freático elevado em alguns trechos. Alguns moradores

realizam um tratamento de água caseiro (adição de cloro e/ou fervura), fato detectado

nos pontos de coleta 01, 02, 04, 07 e 10 da Figura 2. A avaliação da qualidade da água

de abastecimento das residências urbanas pesquisadas evidenciaram contaminação da

água subterrânea na região do Lagomar, que encontra-se imprópria para o consumo,

tendo em vista que há indicação de contaminação de efluentes domésticos nos poços

escavados. oriunda de poços escavados e situados em depósitos arenosos litorâneos

realizada confirmou a ocorrência de contaminação.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 182

Foto 2. Vazamento de efluente doméstico próximo à poço escavado no Balneário

Lagomar. Autor: Micheli R. Cordeiro, 2009.

A contaminação por coliformes totais tende a ser maior para os pontos onde não

há tratamento de água, sendo observada em 18 das 30 amostras, e aparecendo em todos

os pontos de coleta, em pelo menos uma campanha, com exceção do Ponto 01, que não

exibiu contaminação. O Ponto 04 foi o que apresentou a maior contaminação. É

necessária a fervura ou adição de cloro nas águas antes do consumo. A presença de

coliformes totais na água pode também indicar que a água pode estar sendo armazenada

em péssimas condições, e/ou que o poço foi construído inadequadamente (CAMPOS,

2004). Coliformes fecais surgiram em todas as amostras de água não tratada, até mesmo

no Ponto 04 (água tratada). Ressalta-se que a média dos resultados para este

contaminante subiu, desde a primeira até a última campanha, e esteve presente em 7

das 30 amostras e em 60% dos pontos de coleta (03, 04, 05, 06, 08, e 09). O Ponto 04 foi

o que apresentou a maior contaminação, conforme observa-se na Figura 6. Comparando

os resultados das análises com os padrões de potabilidade, conclui-se que, com exceção

do Ponto 01, a água apresenta-se não-conforme.

Entre os anos de 2005 e 2006, a atuação no setor de Segurança do Trabalho numa

empresa de pequeno porte instalada no Lagomar permitiu a um dos autores o acesso a

relatórios médicos e a índices de absenteísmo. Verificou-se então que a ocorrência de

doenças não-ocupacionais em trabalhadores residentes no bairro era com freqüência

superior àquela observada para trabalhadores não residentes, fato associado à

ineficiência do saneamento ambiental. A água coletada nas torneiras das residências

apresenta coloração, odor desagradável e sabor salino. Tal verificação indubitavelmente

motivou a investigação da qualidade da água dos poços escavados e da adequação das

fossas sépticas das residências do Balneário Lagomar, realizada por Cordeiro (2010).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 183

Figura 6. Teor de coliformes fecais em poços escavados localizados no Balneário Lagomar

(CORDEIRO, 2010).

Quando entrevistados, o médico, as enfermeiras, os técnicos de enfermagem e os

agentes de saúde do bairro relataram que as doenças que mais acometem a população

residente são (i) hipertensão arterial; (ii) doenças respiratórias; e (iii) doenças de pele,

a última podendo estar relacionada à veiculação hídrica. Um dos agentes de saúde

entrevistado destacou que:

“Apesar de possuir anos de experiência trabalhando em comunidades,

nunca vi tantos casos de doenças de pele em um mesmo bairro. A doença

de pele quando não é a principal doença que levou o paciente ao

consultório é secundaria, ou seja, o paciente vai ao posto com outra

reclamação, e o médico e sua equipe detectam doenças de pele também.

E estas assolam desde recém-nascidos a idosos. Não precisa ser cientista e

nem publicar trabalhos científicos, basta ir ao Lagomar e observar in loco

os problemas de ineficácia do saneamento.”

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 184

O uso e a ocupação da terra no bairro em estudo (Figura 11) ajudam a vislumbrar

a inadequação do planejamento urbano municipal aos requisitos compatíveis com uma

zona de amortecimento de UC de Proteção Integral, havendo portanto uma ameaça de

poluição que pode vir a impactar as populações residentes, bem como o PARNA

Jurubatiba. Ressalta-se que o elevado índice de doenças de pele relatado pelos

entrevistados no PSF do bairro pode estar relacionado não só a doenças de veiculação

hídrica associadas aos efluentes domésticos, mas também à contaminação química,

relacionada às atividades industriais da cadeia produtiva do petróleo e gás, que, no caso

do Balneário Lagomar são desenvolvidas concomitantemente à ocupação residencial.

Figura 11. Mapa de uso e ocupação da terra do Balneário Lagomar (CORDEIRO, 2010).

A coleta de água no Lagomar permitiu apreender a percepção de alguns

moradores com relação à qualidade da água consumida no bairro. A maior parte da

população do Lagomar (aproximadamente 95%) utiliza água proveniente de poços (PMM,

2010), e, durante as coletas, foi evidente a insatisfação dos moradores, principalmente

no tocante em relação à cor e ao odor da água. Segundo relatos, atualmente, a maioria

dos moradores utiliza água mineral para o consumo e a água dos poços para cozinhar,

lavar a roupa e tomar banho, sendo que já há uma parcela da população residente que

cozinha com água mineral! Os entrevistados mostraram-se favoráveis à criação de um

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-3: Maria Inês Paes Ferreira - Pag 185

manual que auxiliasse a população e esclarecesse tais práticas, incluindo tipo e

quantidade de substância a ser utilizada e a freqüência adequada para o tratamento.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a desestruturação das formas de uso e apropriação dos recursos

naturais característicos e o modo de vida dos habitantes das regiões litorâneas do Norte

Fluminense, bem como a migração de trabalhadores de baixa qualificação, que são

atraídos por promessas não cumpridas de prosperidade, associadas aos empregos gerados

pelo aquecimento econômico promovido pela cadeia produtiva do petróleo e gás na

região, observa-se em Macaé uma tendência de ocupação de áreas periféricas não

adensadas, e de baixa valorização imobiliária, as quais em sua maioria caracterizam-se

por possuírem restrições ao uso e a ocupação humana, sendo classificadas pela

legislação brasileira como Áreas de Preservação Permanente. Em algumas dessas mesmas

áreas, as moradias convivem com atividades industriais de pequeno porte, e fazem uso

de água para abastecimento proveniente de poços rasos, escavados juntos à fossas

sépticas fora de especificação, assim como foi verificado no Balneário Lagomar, situado

no entorno do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Em outras, como no caso do

Bairro Águas Maravilhosas, a população está assentada sobre um aterro sanitário

desativado. Em todos os casos citados, a degradação ambiental oriunda do

gerenciamento inadequado de resíduos sólidos e/ou líquidos, domésticos e/ou

industriais, desvela a ocorrência de injustiça ambiental no município, indicando que

apesar da sociedade brasileira perceber apenas os bônus advindos do aquecimento

econômico associado à exploração de petróleo e gás, há um ônus que vêm sendo pago

pelos pobres e pelas populações tradicionais, que pouco se beneficiam da prosperidade

ilusória trazida pelo modelo de desenvolvimento atual. Os trabalhos de produção de

vídeo desenvolvidos paralelamente pela InSitu produções vem colaborando para levar

esta reflexão e desvelar os impactos ambientais indiretos associados à cadeia produtiva

do petróleo e gás na região junto à sociedade local.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-4: Sonia Rabello - Pag 188

PLANO DIRETOR E RELAÇÃO COM O ACESSO À MORADIA.

Sonia Rabello

Este texto reproduz a apresentação feita na Oficina sobre os Impactos Sociais, Ambientais e urbanos das Atividades Petrolíferas em Macaé (RJ)1

Essa apresentação propõe fazer uma reflexão geral sobre o papel do Plano Diretor, e também sobre o Plano Diretor e os impactos que seus instrumentos urbanísticos podem ter sobre o valor da terra e sobre o acesso à moradia. Para aprofundar este segundo tema seria necessário responder às seguintes perguntas, que não sabemos conseguirmos nesta oportunidade, mas que vale a pena deixá-las postas desde já: o que é o direito à moradia? O Plano Diretor é um instrumento necessário e suficiente para instrumentalizar o acesso a moradia? Quais os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade que podem ser mais bem utilizados para melhorar o acesso à moradia? E se esses instrumentos, quando aplicados nos planos diretores, são efetivamente eficazes no que tange a esse aspecto específico do acesso à moradia.

Assim, nesta apresentação, nossa intenção é falar sobre alguns aspectos conceituais bem gerais dos Planos Diretores como instrumentos jurídicos, sem aprofundar aspectos técnicos específicos, ou aprofundar nas outras finalidades que ele possa ter, e que seriam inúmeras como, por exemplo, o acesso a serviços públicos, ao ensino, à qualidade de vida, distribuição espacial e estética das construções, etc. Nosso destaque, nas relações do Plano com objetivos a serem alcançados pela sua implantação normativa terá como foco específico sua eficácia no que tange ao acesso à moradia e valor do solo.

Para começar gostaria discutir a idéia de “Plano Diretor”, como o instrumento jurídico apto a resolver os problemas urbanos. Esta idéia adquiriu um aspecto simbólico forte e relevante após a Constituição de 1988, e, especialmente, após o advento do Estatuto da Cidade. Ressalto aqui a frase mencionada no texto legal de que o Plano Diretor é o instrumento fundamental para o desenvolvimento urbano e dos municípios.

Embora a Constituição Federal de 1988 só exija planos diretores para as cidades com mais de vinte mil habitantes, o Estatuto da Cidade o impôs para qualquer cidade que quisesse fazer uso de determinados instrumentos urbanísticos, como outorga onerosa, preempção, transferência de direito de construir. Desta forma, induziu-se, na prática, a necessidade de se ter Plano Diretor como instrumento jurídico quase único e definitivo para o bom funcionamento de uma cidade. Esta unidade de pensamento urbanístico é boa, num país vasto e culturalmente múltiplo como o Brasil? Tenho minhas dúvidas. Se, por um lado, esta imposição normativa pode trazer consigo um “estímulo” ao planejamento urbano, por outro parece ter implantado uma espécie de idéia de quase “sacralização” do instrumento do Plano Diretor. Ou seja, parece ter se disseminado a idéia de que uma cidade, tendo um Plano Diretor, e cumprindo a “ordem” dada pela lei, estaria com todos os seus

1 UFF-PPGSD: Niterói, 7 a 9 de dezembro de 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-4: Sonia Rabello - Pag 189

problemas urbanos resolvidos, fosse qual fosse o Plano por ela aprovado – para o bem ou para o mal...

A exigência constitucional de se ter um Plano induziu a que muitas cidades aprovassem leis, rapidamente denominadas de Plano, para cumprir a formalidade, livrando-se, com isto, de um eventual questionamento de responsabilidade política de seus dirigentes eleitos. Com isto, surgiu também, no nosso ver, um super dimensionamento da função do Plano Diretor, passando por cima de outras questões relevantes como: a abrangência da incidência das normas urbanísticas, previstas no Plano Diretor, para toda a área territorial do município.

Esta é uma questão básica e estrutural, com relação à lei dos Planos Diretores, já que, em muitos casos, essa abrangência se choca com a área de atuação da União no que diz respeito à sua competência legislativa. É que a União é quem tem a responsabilidade de legislar sobre direito agrário, ou seja, regras jurídicas que incidem sobre o território classificado como rural dentro de um Município. Isto suscita um possível confronto entre o Estatuto da Terra, norma de competência privativamente federal, e o Plano Diretor, que é legislação local.

Outro aspecto relevante, no que diz respeito a esta idéia impositiva de se ter uma lei denominada de Plano Diretor, é o dispositivo do Estatuto da Cidade, que exige sua aprovação, ou revisão, em determinados prazos, pois, caso contrário, a autoridade política municipal poderia responder por improbidade administrativa. Quero destacar que considero essa regra, trazida pelo Estatuto da Cidade, como sendo absolutamente inconstitucional, porque o Plano Diretor (embora prenunciado na Constituição) é previsto como um instrumento legislativo, de competência dos municípios e, como tal, é um instrumento político. Toda lei é um instrumento político; por isso, compete exclusivamente ao ente federativo determinar a conveniência política do momento de sua elaboração. Este é um fundamento básico do modelo de Estado Federativo!

Numa Federação, a União, os Estados e os Municípios têm a sua competência legislativa definida texto da Constituição Federal. Isso significa dizer que uma lei ordinária federal - e o Estatuto da Cidade é uma lei ordinária federal -, não pode estabelecer regras sobre o processo legislativo municipal! As regras dos processos legislativos estaduais e municipais derivam diretamente do texto da Constituição Federal, que faz a repartição constitucional de poderes. A Federação é isso. Fôssemos um país unitário, (que talvez sejamos no coração, de tanto que valorizamos o que é federal...) seria diferente. Em países unitários como França, Espanha e Colômbia, o código de urbanismo municipal ou provincial se submete a leis federais, já que nesses países leis nacionais podem ter comandos de procedimentos legislativos a serem observados pelos estados e municípios. Mas não no Brasil, que é um Estado Federal.

Em resumo, o que eu quero dizer é o seguinte: o Estatuto da Cidade não pode impor ao município um processo legislativo: não pode impor que ele legisle sobre algo, em determinado prazo! E nem mesmo que ele faça a revisão de

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uma lei de Plano Diretor, também de tempos em tempos. Isto é flagrantemente inconstitucional, porque rompe com o modelo federativo político. E a lei é a expressão máxima da competência de um ente da federação.

Mas esse deslize, que parece tão óbvio, nunca foi sequer questionado. Pelo contrário. houve um movimento, uma grande concertação conceitual, de se aproveitar a “ordem” e os prazos do Estatuto da Cidade de se fazer planos, para se exigir de todos os Prefeitos uma lei que pudesse chamar de Plano, sob pena de serem acionados pelo Ministério Público por improbidade administrativa.

Isso tem ocasionado absurdos políticos, como o caso do prefeito da Cidade que mandou fazer, às pressas, um substitutivo ao Plano Diretor vigente da Cidade do Rio de Janeiro, apenas para não ser acionado por improbidade administrativa. Absurdos como esse ocorreram em vários municípios. Prefeitos de várias cidades mandaram qualquer coisa para a Câmara dos Vereadores, com o nome de Plano Diretor, apenas para se livrar de uma possível ação de improbidade.

Acresça-se a isto o fato do Estatuto da Cidade não oferecer nenhuma regra, nenhum modelo, nenhum padrão do que seja um Plano Diretor. Quem oferece essas regras é uma Resolução do Ministério das Cidades que é totalmente desconhecida. Pouca gente sabe da existência dessa resolução. Por outro lado não é clara a deferência, pela legislação de competência, regulamentar ao Ministério das Cidades para esta função normativa: de ser uma espécie de “agência reguladora” de regras a serem observadas pela legislação municipal. Esta seria uma idéia até bem interessante, se assim o fosse, uma vez que existem agências reguladoras para atuar em setores como energia elétrica, petróleo, aviação civil, telecomunicações, etc, seria ideal que houvesse também uma agência reguladora de ordenação territorial, com competência para fiscalizar diretrizes territoriais e urbanismo em âmbito estadual e municipal. E existe, na Constituição Federal, competência para isso. Tanto é que o Artigo 21, inciso IX, fala da competência da União para estabelecer “diretrizes de ordenação territorial”. Esta é, certamente, uma competência diversa daquela prevista no artigo 24, que dispõe sobre a competência legislativa concorrente, da União e dos Estados para legislarem sobre Direito Urbanístico.

O artigo 21, inciso IX, diz o seguinte: “Compete a União elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”. Explicitando: o Ministério das Cidades poderia estabelecer um Plano Nacional com diretrizes técnicas de ordenação de território, que seriam de observância obrigatória pelos Estados e pelos Municípios ao elaborarem seus planos diretores. Planos diretores que deveriam observar os critérios estabelecidos pelo Plano Nacional, ou/e estadual de ordenação de território, conforme previsto no Artigo 21, inciso IX.

Esta possibilidade está repetida no art. 4º do Estatuto da Cidade, que repete o que já está disposto na Constituição. O Estatuto da Cidade também fala

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também dos planos estaduais de ordenação de território e planos estaduais de ordenação de território em áreas metropolitanas. Nesse caso, já que estamos falando de planejamento, podemos ilustrar com um exemplo.

Observemos o caso do Estado do Rio de Janeiro. Aqui, quais foram as ações do Estado do Rio, e da União, com vistas a estabelecer normas de ordenação territorial, de molde a compatibilizar a ocupação do território com as plantas de exploração petrolíferas nesta área específica do Estado? E qual o grau de responsabilidade destas entidades políticas quando não estipulam os planos regionais e nacionais de ordenação territorial em áreas onde irão acontecer grandes impactos ocasionados não pelos municípios, mas por investimentos exógenos a eles. E impactos que, com certeza, extravasam a fronteira dos municípios.

Isto significa dizer que o Estado e a União deveriam fazer esses planos territoriais - e eles têm competência constitucional para isso, especialmente quando determinados investimentos públicos alcançam um raio regional. Por isso é que, tomando como exemplo ainda o caso do Rio de Janeiro, levantamos agora a questão colocada anteriormente: se o Plano Diretor de um só município, seja de Macaé, ou Rio das Ostras, ou o de Campos, (todos municípios da região afetada pelas plantas de exploração petrolífera), por si só, seria capaz de disciplinar todas as questões geradas pelas impactos desse investimento? Parece-nos obviamente que não. Por isso é que entendemos que a região compreendida por Macaé, Rio das Ostras e Campos e etc.., forma um espaço regional, que necessariamente deveria estar sujeito a um plano regional de ordenação territorial, ao qual os vários planos diretores municipais deveriam estar condicionados, e observar. Isto porque o Plano Diretor é instrumento legislativo municipal, cuja incidência está contida no seu próprio território.

Vamos passar agora ao aspecto relativo ao direito à moradia, para tentar, no final, juntar este aspecto ao do Plano Diretor.

Primeiro a pergunta básica: o que é Direito de Moradia? Essa pode ser uma pergunta provocativa, na medida em que a resposta poderia ser, simplesmente, a afirmação de que é um direito assegurado na Constituição Federal. De fato, este direito está previsto no art. 6º da CF, e cujo texto completo do dispositivo diz o seguinte: art. 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Então a moradia, e faço questão de chamar atenção para isso, ela é assegurada junto com o direito ao trabalho, à educação, à saúde, e ao lazer. No entanto, queremos ressaltar aqui que não basta colocar na Constituição um direito, para que este fique, na prática, assegurado. O direito ao lazer, por exemplo, que está na mesma linha, e no mesmo plano do direito à moradia, estaria ele assegurado a todos? De que modo? O direito à moradia não é mais, nem é menos que o direito ao lazer no dizer do texto constitucional; ambos estão no mesmo plano; têm o mesmo valor, portanto. Mas pergunto: a quem,

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a que instituição um cidadão sem recursos deve cobrar o seu direito ao lazer? Essa mesma pergunta é a que devemos fazer quanto ao direito à moradia; e perguntar isto toda vez que o legislador introduz um direito na Constituição. A quem o cidadão deve cobrar aquele direito previsto? E como?

Qualquer professor de Introdução ao Direito responderia essa pergunta da seguinte forma: todo direito instituído é como um sistema: você tem que dizer contra quem ele pode ser exercido e o que significa esse direito. Quais as obrigações que ele cria, e em relação a quem elas podem ser cobradas e exercidas? Essa é uma questão fundamental, pois não basta apenas colocar no texto legislativo o enunciado de um direito. Para criar um direito é necessário decodificá-lo: dizer quais as obrigações que ele impõe, e a quem o cidadão pode cobrar essas obrigações, e qual o grau de intensidade dessas prestações. Caso contrário, isso é apenas discurso. Uma retórica. Uma demagogia legislativa.

No caso do direito à moradia ele foi apenas enunciado na Constituição, mas sem conteúdo definido. O máximo que pode acontecer, para dar eficácia a este direito, serão os casos específicos de interpretação jurisdicional. Por exemplo: numa ação judicial um juiz resolva interpretar todo o sistema e dar a uma pessoa específica o direito à moradia. Na prática seria assim: um fulano qualquer invade a casa de veraneio de Sonia Rabello em Macaé. E não quer sair de lá de jeito nenhum. Sonia Rabello entra com uma ação na justiça, e pede ao juiz que mande retirar o Fulano de sua casa. O juiz pode interpretar que, pelo fato da residência estar vazia, o “direito de moradia” do fulano deve ser considerado com relevância maior, em relação ao direito de propriedade de Sonia. Nesse caso o Juiz estaria sopesando dois direitos, e o que vale mais: o direito a propriedade de Sonia Rabello, ou o direito a moradia do Fulano, todos dois garantidos, igualmente, pelo texto constitucional vigente?

Os teóricos dos direitos fundamentais dizem que todas as prestações desta tipologia de direitos devem ser providas, no seu mínimo existencial, pelo Estado. Em princípio sim, mas quanto é o mínimo! Voltemos ao direito ao lazer: ele também deve ser provido pelo Estado? Ressalte-se que o limite do mínimo existencial teria que ser resolvido caso a caso pelo juiz.

O fato é que o direito à moradia foi introduzido na Constituição sem a preocupação maior de se estabelecer os meios para fazer cumprir esse direito. Isso é bem típico da nossa cultura jurídica, que, de modo geral, gosta de deliberar sobre “direitos em tese”.

Passemos agora à relação entre o Plano Diretor e o direito constitucional de acesso a moradia. O que uma coisa pode ter com a outra? O direito à moradia é um direito diferente do direito à propriedade? Um direito pode existir sem o outro? Ou seja, um cidadão pode ter direito à moradia sem, necessariamente ter propriedade? Por que então a ênfase nos programas como o da regularização dominial das comunidades?Se o Estado tem a obrigação de fazer o planejamento urbano, e o Plano Diretor é o seu

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instrumento jurídico fundamental, tem também o Estado a obrigação de, necessariamente prover a moradia?

A resposta a esta pergunta é relevante e, para decifrá-la juridicamente, devemos antes responder se a produção e venda de moradia – de habitação – pode ser considerado um serviço público, ou é uma atividade econômica? Esta diferenciação pode parecer à primeira vista sem sentido, mas juridicamente não o é. Até mesmo em relação à função do Plano Diretor, no que diz respeito ao provimento de terras para o mercado habitacional, este é um ponto crucial. É preciso lembrar que a educação, o transporte, e a saúde, que na Constituição estão no mesmo plano do direito à moradia, mas são atividades consideradas como serviço público. Mas moradia não é considerada um serviço público, ao menos juridicamente.

Moradia não é serviço público que possa ser exigido do Estado, como saúde e educação. A produção de moradia é considerada uma atividade econômica. Uma atividade de mercado, ainda que o mercado não esteja dando conta dessa atividade para o satisfatório provimento de boa parte da população!

Ai temos os seguintes pontos a serem considerados: não é o Estado quem tem a obrigação de prover as moradias, já que esta é uma atividade econômica e, como tal, afeta ao livre mercado (art.170 da CF). Tanto é assim que o art. 23, inciso IX da CF diz o seguinte: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. Promover os programas habitacionais, portanto, é uma atividade de fomento, que o Estado fará, ou não. Mas, regular esta atividade econômica é sua obrigação! Isso deveria funcionar da mesma forma como o Estado regula a atividade bancária através do Banco Central!

O fato é que o Estado regula uma série de atividades econômicas, especialmente através do CADE (Conselho Administrativo de Desenvolvimento Econômico), órgão do governo federal que regula o comércio de cerveja, por exemplo, para evitar que haja uma cartelização dessa atividade econômica, em um produto tão popular entre os brasileiros. É o caso de se perguntar: por que o estado não está regulando a cartelização do mercado de terras? Se o governo pode regular o mercado de cerveja, de chocolate, de seguros, que são atividades econômicas, tudo para evitar desvios, com dumping, cartéis, da livre concorrência, do abuso de preços, porque não faz o mesmo com o mercado de terras? É obvio que é juridicamente possível.

Portanto, com relação a questão do acesso à moradia, que é de interesse municipal (e também regional e até nacional), quando se faz uma lei de ordenação territorial, na verdade o que poderia estar se buscando é a “regulação” do mercado de terras, para viabilizar o acesso à moradia. Mais do que “prover” o acesso à moradia, os entes estatais poderiam, e deveriam, usar os instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade para, na sua função regulatória, estimular o provimento de terras urbanizadas, e com isto tornar o mercado de preço de terras acessível à

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moradia. Este é, ao meu ver, o ponto estratégico das leis de ordenação territorial, especialmente do Plano Diretor, em relação à moradia.

A segunda questão levantada no início desta exposição é a seguinte: o Plano Diretor é um instrumento necessário e suficiente para instrumentalizar o acesso a moradia?

Ora, vimos que hoje em dia ele é necessário (até por exigência legal), mas a sua suficiência depende, fundamentalmente, de como são funcionalizados os instrumentos nele previstos. Deve-se perguntar: quais os instrumentos disponibilizados no Plano para que ele possa “regular”, efetivamente, esse mercado de oferta de terras urbanizadas para moradia a preços de acessíveis? É preciso que o gerenciamento do Plano Diretor seja consciente de sua função básica regulatória de mercado, sendo ele inservível, como instrumento de fomento, de provimento de moradia. Prover é uma questão de disponibilidade orçamentária para obras... E regular é uma questão de mecânica funcional. É preciso estar atento ao que vai acontecer ao mercado fundiário quando da aplicação do Plano Diretor. Nesse caso ele funciona como um instrumento de intervenção econômica para democratizar o acesso a moradia. Se assim for o Pano Diretor está cumprindo a sua função social.

Muito se diz que agora, referindo-se a existência de um eventual Plano Diretor em uma cidade, que a propriedade, com ele, passou a ter função social. Ora vejam: a propriedade sempre teve função social. Há mais de 40 anos a Constituição diz que a propriedade tem função social. Porém, para esta afirmação ser de fato verdadeira, depende como, e do que se exige dela. Se não se exige nada, nenhuma obrigação, como afirmar isto?

A Constituição de 1988 diz que: “A propriedade urbana cumpre a sua função social quando observa as normas do Plano Diretor”. Não podemos interpretar este dispositivo constitucional pensando que dar função social à propriedade é continuar, simplesmente, dando limitações de uso e ocupação do solo: gabaritos, afastamentos, recuos, alturas, zoneamento. Isto é o que foi feito desde todo sempre; desde o Brasil colônia. Não há nisto qualquer novidade, e, portanto, não pode ser confundido com a “nova” função social prenunciada pela Constituição de 1988 para os Planos Diretores.

Função social significa dizer que o Plano Diretor, no âmbito do município, pode e deve exigir que uma propriedade privada venha ter uma funcionalização social. E isto não é limitação administrativa, mas é exigir do proprietário obrigações sociais derivadas da sua condição proprietária. Essa é, no meu entender, a grande expressão funcional que os planos diretores podem ter em relação à moradia e, até onde eu saiba, nenhum Plano Diretor do Brasil tem. Por que repetir, delirantemente, de que se pode limitar uma propriedade, pelo fato dela ter uma função social? Limitação administrativa não tem nada a ver com uma funcionalização social da propriedade, através do Plano Diretor!

Um exemplo interessante. Na Colômbia quem quiser construir um empreendimento imobiliário é obrigado a destinar 25% da área potencial de

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construção para habitação de interesse social. Ou seja, se uma empresa quiser construir um shopping de 10.000 metros quadrados é obrigado a destinar 25% dessa área para habitação de interesse social em outro lugar. Porque o nosso Plano Diretor não poderia exigir isso? É claro que pode.

A terceira questão levantada no início desta exposição foi sobre os instrumentos que, previstos no Estatuto da Cidade, podem ser melhor funcionalizados para permitir o acesso a moradia. Seriam vários os instrumentos. Mas eu destacaria os seguintes:

a) A regularização possessória, que é algo que garante a moradia, mas sem adentrar no universo obscuro do direito à propriedade.

b) As operações urbanas consorciadas. É um tipo de recurso pouco utilizado para construir habitações sociais. É ideal para fazer uma repartição de índices de construtivos e de terras, e a repartição de cargas e benefícios.

c) Instituição da “outorga onerosa do direito de construir”, com índice uniforme e, se possível, unitário para toda a cidade, com a venda do potencial construtivo para todos os proprietários. Esse instrumento é a fórmula econômica de regulação do território. É ideal para produzir moradia e baixar o valor da terra.

d) Função social da propriedade, com um sentido da obrigação de fazer: de uso obrigatório a ser introduzido pelo Plano Diretor.

Esses são os instrumentos que podem ser utilizados pelo Plano Diretor, bem como pelo planejamento regional com o fim efetivo de regular o mercado de terras dentro de um território, estimulando a produção de moradias para a maior parcela da população que delas necessitada. Para terminar eu vou citar um texto do arquiteto argentino Eduardo Reeze, que diz o seguinte:

“A desigualdade social é o nosso maior problema na América Latina. Não é que não temos recursos, mas eles são mal distribuídos. Distribuídos a uns poucos, em detrimento da maioria. E uma ferramenta fundamental para mudar essa lógica é a política urbana. Quando a política urbana, instrumentalizada pelo Plano Urbano ou Plano Diretor, qualifica diferentemente o espaço urbano ou valoriza diferentemente o território e causa uma diferenciação espacial sem recuperação das valorizações urbanísticas, esse plano se torna um importante fator de maximização das desigualdades sociais.”

Eduardo Reeze quer dizer que o próprio Plano Diretor é, ele mesmo, e na maioria das vezes, um agente de desigualdades sociais, pelo modo como é concebido. O Plano Diretor do Rio de Janeiro, recentemente aprovado pela Câmara dos Vereadores, é um exemplo dessa afirmação de Reeze. É um Plano Diretor que, ao ignorar o Índice 1 e priorizar o chamado “crescimento” vai provocar mais desigualdades sociais. Eu diria que é um anti-Plano Diretor.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-4: Sonia Rabello - Pag 196

O Plano Diretor ao distribuir essas diferenciações de uso e de intensidade de uso dos imóveis não é neutro, ou seja, quando distribui gratuitamente fatores de edificabilidade alguém está ganhando, por vezes muito, e outros estão perdendo.

Nada é neutro, nem ingênuo!

Obrigada.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 197

O PLANO DIRETOR COMO PROCESSO. E A ATUAÇÃO METROPOLITANA OU

REGIONAL?

Vera F. Rezende

Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, UFF

([email protected])

Resumo:

O artigo discute as diretrizes para a elaboração de um plano diretor,

destacando a necessidade de encaminhamento de questões de âmbito

metropolitano, regional ou intermunicipal como parte do escopo do

documento, a sua importância para a construção de um processo de

planejamento e para a criação de um sistema de planejamento. A reflexão

que dá suporte a este artigo se iniciou com a preparação do Plano Diretor

para a Cidade do Rio de Janeiro, que deu origem à Lei Complementar nº

16/1992. O trabalho parte das possibilidades do planejamento e, além da

Cidade do Rio de Janeiro, o caso dos municípios de Macaé e Rio das Ostras

sob impacto de grandes transformações, é utilizado como exemplo da

atuação necessária do planejamento regional.

Introdução

A reflexão que dá suporte a este artigo se iniciou com a preparação do Plano

Diretor para a Cidade do Rio de Janeiro, como membro da coordenação do

documento, que deu origem à Lei Complementar nº 16/1992. À época, a

equipe procurou incorporar ao máximo a Constituição de 1988. O plano, cuja

preparação se iniciou em 1990, não contava com as diretrizes e

determinações do Estatuto da Cidade aprovadas, onze anos mais tarde, pela

Lei nº 10.257/2001.

Posteriormente, em várias situações de preparação da revisão do Plano

Diretor, verificou-se a necessidade de se olhar para trás e se verificar os

aspectos que mereceriam maior atenção. Entre esses, destacamos neste

artigo a consideração do Plano Diretor como um processo de planejamento, a

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 198

criação de um sistema de planejamento e a possibilidade dada pelo Plano com

vistas à articulação e ao encaminhamento de questões metropolitanas ou

regionais.

Ao longo dos anos, a dimensão metropolitana ou regional tem se mostrado

essencial na medida em que se intensificam os problemas urbanos comuns a

várias cidades. Carências (saneamento, habitação, transportes) e políticas

setoriais devem ser respectivamente equacionadas e formuladas, através de

um planejamento que promova a integração, tanto em termos temáticos

quanto espaciais, não só em cidades pólos de Região Metropolitana como o Rio

de Janeiro, assim como em cidades, que recebem o impacto de projetos de

desenvolvimento como Macaé e Rio das Ostras. Nesses casos, os impactos

gerados pelo crescimento não podem ser tratados por cada município

isoladamente, pois extrapolam a esfera de cada um deles, encaminhando a

necessidade de um planejamento e atuação regional, com a articulação do

estado e dos municípios ali presentes.

Os municípios de Macaé e de Rio das Ostras são diretamente influenciados

pelo desenvolvimento da economia do petróleo e, consequentemente, pelos

fluxos migratórios, que pressionam a estrutura da cidade e, inevitavelmente, a

oferta e a demanda por terra servida de infra-estrutura. (Freitas, 2009)

Região de Macaé e Rio das Ostras. Fonte: Google Earth. Acesso 19/01/2011.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 199

A situação é agravada pelo fato de Rio das Ostras desempenhar a função de

cidade dormitório de pessoas que se deslocam diariamente para trabalhar em

Macaé. Dados do Censo Demográfico, segundo Feitas, mostram que no período de

2000 a 2007, enquanto a população de Macaé passa de 132.461 hab. para 169.229

hab., a população de Rio das Ostras passa de 36 .769hab. para 74.789 hab. Como

vemos, a população da cidade mais que duplicou, o que coincide “exatamente

com o período após a flexibilização do monopólio do petróleo, alterando a

dinâmica que já existia desde a implantação da Petrobras, com a chegada de

diversas empresas, atraindo novos fluxos de migrantes para trabalhar na

região”. (Freitas, 2009, p.59)

A atuação metropolitana e regional, um pouco da história

A questão metropolitana ou regional não tem sido devidamente considerada

nos planos diretores no Brasil. Não há planejamento regional no Brasil,

desenvolvido de forma consistente e sistemática, embora, desde o final da

década de 1920 encontremos urbanistas brasileiros como Anhaia Mello (1929),

Saboya Ribeiro (1936), Armando de Godoy (1935, 1943), Szilard e Oliveira Reis

(1950), alertando para a sua necessidade e divulgando iniciativas nesse campo

como o “Plan of New York and Its Environs” (1930)1.

No Brasil, na década de 50, textos mencionam o termo planificação,

traduzindo-se por uma política integrada federal, estadual e local que tem o

desenvolvimento por objetivo. Os planos municipais ou para um conjunto de

municípios, além de físicos, deveriam contemplar o desenvolvimento social e

econômico.

Atualmente, ao olharmos para as décadas passadas verificamos um retrocesso

na atenção e na preocupação quanto à necessidade de um tipo de

planejamento que atue nos âmbitos intermunicipal, metropolitano ou

regional. Nos anos de 1960, encontramos já a utilização da noção de

1 O Plano Regional de Nova York, concluído em 1930, atingiu uma área de 100,00 km2, 22 condados para uma população futura (1960) de 20 milhões de habitantes, realizado após sete anos de pesquisas.

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planejamento do desenvolvimento local integrado contemplando quatro

setores básicos: o econômico, o social, o físico e o territorial, reunidos no

âmbito federal por um “Sistema Nacional de Planejamento Local Integrado” 2.

Em 1963, se realiza o Seminário de Habitação e Reforma Urbana em

Petrópolis, um marco na formação do pensamento urbanístico, momento em

que é proposto um órgão central, que deveria preparar o Plano Nacional

Territorial, contendo diretrizes gerais para o planejamento territorial e que

promoveria a interligação dos planos regionais e sua vinculação ao

planejamento econômico e aos grandes empreendimentos de interesse

nacional. Em 1976, o discurso oficial – documento sobre Política Nacional

de Desenvolvimento Urbano reconhece essa necessidade:

...uma estratégia nacional para organização territorial do País deve ser v ista sob dois aspectos: primeiro, em suas macrodefinições, determinadas em função da consecução de grandes objetivos nacionais previamente delineados; em segundo lugar, em seus aspectos regionais, possibilitando a consecução daqueles objetivos nacionais, tomando como base as especificidades, possibilidades e potencialidades de cada uma das regiões geoeconômicas brasileiras. Paralelamente, uma política urbana deve considerar os objetivos próprios e específicos de natureza inter e intraurbana. Ambos estão estreitamente correlacionados,...(Brasil, 1976, p. 182)

A partir de 1964, ocorre a centralização do planejamento no nível federal com

a criação do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo - SERFHAU3,

encarregado de promover a elaboração e a implantação de planos de

desenvolvimento local integrado, de acordo com o planejamento nacional e

regional; colaborar com os governos municipais na execução de planejamento

local integrado e com a criação do Banco Nacional de Habitação – BNH,

responsável pela gestão do sistema financeiro de habitação e pela intervenção

nas cidades através de políticas de habitação e de saneamento.

O SERPHAU é o órgão responsável pela política urbana nacional até ser extinto

em 1974. Antes disso, porém já havia perdido a capacidade de alteração do

quadro urbano brasileiro, em grande parte devido ao fato de os recursos

financeiros estarem afetos ao BNH. Este banco atua profundamente nas

cidades brasileiras nos setores de saneamento e habitação, como nos mostra 2 Sobre o assunto ver Villaça, 2006 e Lucchese, 2009. 3 O SERFHAU foi instituído nos termos do Art. 54 da Lei n° 4.388, de 21 de agosto de 1964, como autarquia do Ministério do Interior, regulamentado pelo Decreto nº/ 66.882, de 16 de julho de 1970

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Villaça (em sua afirmação engloba também a atuação federal no setor de

transportes):

Talvez não tenha havido ação estatal que tenha afetado mais o espaço urbano de nossas cidades grandes e médias, nos anos 70 e 80, do que a ação do governo federal nos campos do saneamento, transportes e habitação. Pergun-ta-se então: essa ação real do Estado brasileiro sobre o urbano insere-se no âmbito do que tem sido recentemente chamado no Brasil de planejamento ur-bano? ... a resposta é negativa, pois o objetivo dos planos federais de saneamento, transportes ou habitação não foi - e nem podia ser - a organiza-ção do espaço intra-urbano. (Villaça, 2004, p.172)

O autor alerta, que “tais ações - embora tenham afetado o espaço de nossas

cidades - não são enquadradas aqui no âmbito do que chamamos de planejamento

urbano”.4 (idem) Podemos somar a seu argumento o fato de que a atuação

federal se deu de forma fragmentada, sem uma organização de intenções e sem a

atenção a diretrizes de desenvolvimento urbano ou regional.

Em 1976, o Instituto de Planejamento/Comissão Nacional de Regiões Metro-

politanas e Política Urbana assim se justificaria sobre a Política Nacional de

Desenvolvimento Urbano :

....o BNH não é mais um simples organismo criado para procurar enfrentar o múltiplo desafio da casa, da água, do esgoto. A taxa de crescimento dos recursos oriundos do FGTS e as dimensões do problema urbano brasileiro vêm levando o BNH a evoluir do financiamento da habitação para o financiamento do saneamento e, mais recentemente, para a criação dos fundos. Face a isto, existem proposições para que o Banco se transforme em um Banco Nacional de Desenvolvimento Urbano. Se concretizada esta proposição, o BNH evoluirá de agente setorial de habitação ou saneamento para agente da política nacional de desenvolvimento urbano, do que resultará, como conseqüência lógica, que esta política passará a ser gerida de fato pelo Conselho do BNH, ou seja, o sistema nacional de desenvolvimento urbano e o sistema de atuação do BNH se mesclarão. (Brasil, 1976, p. 81)

Nos anos 1970, a política urbana nacional é fortalecida com a criação da

Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e de Política Urbana - CNPU

(1974), posteriormente, transformada em Conselho Nacional de

Desenvolvimento Urbano – CNDU e do Fundo Nacional de Desenvolvimento

Urbano - FNDU. Um dos aspectos positivos, embora num quadro de

enfraquecimento dos estados e municípios, é também a criação das oito

regiões metropolitanas brasileiras pela Lei complementar nº 14/1973, quando 4 Ao afirmar que não irá criar uma definição nova, Villaça descreve o planejamento urbano (e que nas décadas de 30 e 40 se chamava de urbanismo), como a ação do Estado sobre a organização do espaço intra-urbano. (2004, p.172)

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é dada atenção às questões intermunicipais e aos problemas comuns aos

municípios que as constituíam.

Introduz-se a noção de serviços comuns que justificariam a atuação além dos

limites municipais, como no documento sobre a Política Nacional de De-

senvolvimento Urbano:

A realidade metropolitana condiciona o surgimento de um novo conceito de div isão administrativa, não mais restrita aos limites territoriais e jurisdicionais de uma só pessoa de direito público, exigindo uma atuação integrada dos três níveis de administração. A constatação da existência de interesses comuns faz com que se torne inoperante a mera div isão administrativa tendo por base apenas limites territoriais. A integração ou inter-relacionamento de órgãos e entidades administrativas se faz premente, levando-se em conta o elemento catalisador caracterizado como serviço comum. (Brasil, 1976, p.151)

À época, o regime autoritário cria os instrumentos e meios para a política

urbana nacional ou regional, que mais tarde viriam a ser extintos ou

enfraquecidos por diversas razões, principalmente, políticas, pela ingerência

nacional em questões equivocadamente entendidas como estritamente

estaduais ou municipais.

Em 1974, é editada a Lei Complementar no. 20, que determina a fusão entre

os estados do Rio de Janeiro e Guanabara, concretizada em 1975. A cidade do

Rio de Janeiro deixa de ser o Estado da Guanabara e se transforma em capital

do novo Estado do Rio de Janeiro. Um ato político, que gerou perdas

consideráveis, segundo o Prefeito Israel Klabin (1979-1980) em entrevista:

Ah, sim, foi uma decisão essencialmente política. Os resultados pre-vistos de aumento da renda estadual e melhoria da distribuição dessa renda não se efetivaram, conforme eu também tinha previsto. E os recursos que o município passou a receber eram muito inferiores àqueles que receberia se tivesse permanecido como estado da Guanabara. .... Perdeu mais, como a administração da malha viária: passamos a ter ruas que começavam municipais, transformavam-se em estaduais e depois viravam federais — e ninguém se responsabilizava por isso. Como prefeito, tive sérios problemas com a abertura, por exemplo, do túnel e do acesso à Barra. (Motta e Sarmento, 2001, p.194)

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Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 1977. Fonte: Pub-Rio , 1977 A partir de 1975, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro integra o quadro

das nove Regiões Metropolitanas, quando o planejamento regional parece

merecer atenção com a criação da Fundação para o Desenvolvimento da

Região Metropolitana – FUNDREM5 no âmbito da estrutura estadual do Estado

do Rio de Janeiro. Os objetivos explicitados são proceder a um planejamento

integrado, apoiar os municípios que compõem a região em seu planejamento e

executar um projeto comum. Grande parte das verbas federais destinadas ao

processo da fusão do Estado do Rio com a Guanabara passa por este órgão,

incluindo-se os recursos para saneamento e habitação popular.

A iniciativa parece ser o entendimento do papel relevante do planejamento

regional no Estado do Rio de Janeiro com o reconhecimento dos problemas

intermunicipais e poderia concorrer para gerar um projeto comum das cidades

que compõem a região. Razões políticas relacionadas à existência de um

órgão com competências e recursos tradicionalmente afetos às Prefeituras e

ao Governo do Estado, o transformam ao longo do tempo em alvo de críticas e

reações. A FUNDREM será gradativamente enfraquecida em suas decisões e

5 Decreto-Lei nº. 14 de 15 de março de 1975 e Decreto-Lei nº. 18 de 15 de março de 1975.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 204

capacidade de financiamento, acabando por ser extinta em 19866. (Rezende

e Azevedo, 2010)

Na década de 1970, diversos projetos de normas evidenciam a preocupação

metropolitana ou regional. Em 1975, o Projeto de Lei Federal nº 775 versa

sobre a política nacional de desenvolvimento urbano. O ante-projeto de 1976

trata das aglomerações urbanas – nova noção introduzida no discurso oficial-

e áreas com interesses comuns. Por outro lado, o II Plano Nacional de

Desenvolvimento II PND (1974), embora focado principalmente em diretrizes

econômicas, afirma buscar o fortalecimento do sistema urbano nacional e

subsistemas regionais, de cidades de porte médio e a eliminação dos

desequilíbrios regionais.

Entretanto, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro as ações e intervenções

escapam a uma visão regional. A concretização da ligação entre os municípios

de Niterói e Rio de Janeiro em 1974, idéia antiga e adiada inúmeras vezes,

não se encontra vinculada a iniciativas de um planejamento regional que

integre as duas cidades e traz transformações significativas.

Sem estudos de seus impactos, inclusive ambientais, e sem medidas de

planejamento de âmbito regional, a ponte contribui para acelerar o processo

de urbanização em Niterói, com reflexos imediatos no adensamento da Zona

Sul e na consolidação de núcleos mais afastados como a Região Oceânica.

(Rezende e Azevedo, 2010, p.183)

6 Extinta em 1986 na gestão do Governador W. Moreira Franco.

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Construção da Ponte Rio Niterói. Fonte: Revista Manchete,

Edição Especial 1973.

Sem uma visão regional e com o olhar voltado em direção contrária, na cidade do

Rio de Janeiro, no final da década de 1960, o foco se encontra na região da Barra

da Tijuca e Baixada de Jacarepaguá. O Governo do Estado da Guanabara, em

face da necessidade de expansão das áreas mais valorizadas da Zona Sul, em

1969, contrata o arquiteto Lúcio Costa para preparar um plano para a região. As

obras para implantação do conjunto de vias, que daria acessibilidade a essa

grande área de expansão natural da cidade, seriam concluídas em 1974, o mesmo

ano da conclusão da Ponte Rio - Niterói.( idem)

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Construção dos acessos à Barra da Tijuca. Fonte: Revista Manchete, Edição Especial 1973.

Após a Constituição de 1988, com o fortalecimento dos municípios, uma leitura

superficial daquela Carta7, parece toldar a importância da atuação regional. E

com a aprovação da Lei nº 10 257/ 2001, o Estatuto da Cidade, as atenções se

voltam para os planos diretores e os instrumentos que foram instituídos.

Entretanto, devemos reafirmar que a mesma lei reforça em suas disposições uma

abrangência para o planejamento mais amplo que só a estritamente municipal :

Art. 3o .Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana: IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social. Art. 4º. Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:

7 Entre outras disposições: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: ...IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;...IX - diretrizes da política nacional de transportes; X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial; XI - trânsito e transporte. Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:...III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;...VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; ...IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. (Brasil, 1988)

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I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; III – planejamento municipal, em especial: a) plano diretor;

Ao mesmo tempo, a Lei nº 5192/ 2008 dispõe sobre a elaboração do Plano Diretor Metropolitano do Estado do Rio de Janeiro:

Art. 1º. Fica determinado que o Poder Executivo Estadual, através de suas instâncias competentes, nos termos das normas dispostas no art. 25, parágrafo 3º, da Constituição Federal; no art. 357, parágrafo único, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro; na Lei Federal nº 10.257, de 10/07/2001 (Estatuto das Cidades); na Lei Federal nº 11.107, de 06/04/2005 (Consórcios Públicos) e na Lei Complementar Estadual nº 87, de 16/12/1997, elabore o Plano Diretor Decenal da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. Parágrafo único. O Plano Diretor de que trata o caput deste artigo deverá ser elaborado, no menor tempo possível, pelo Governo do Estado, através de entidade coordenadora, constituindo, inclusive, uma Comissão que inclua, obrigatoriamente, representantes de todos os municípios que integram a Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro.

Como podemos verificar, existem as disposições em Lei para se proceder ao

planejamento regional, cujas ações e intervenções deveriam estar rebatidas nos

planos diretores incluídos na região. No caso de áreas metropolitanas como a do

Rio de Janeiro ou áreas sob impacto de projetos de desenvolvimento ou que

gerem impactos como o caso da Bacia de Campos, os Planos Diretores dos

Municípios de Macaé e Rio das Ostras deveriam ser desenvolvidos em conjunto,

com a presença das diversas prefeituras e ouvidas as populações interessadas.

Questões de um Plano Diretor: um processo a ser construído

O Plano Diretor é a oportunidade de se instituir um processo de planejamento

dentro da administração municipal. Construir um processo e não somente

preparar um produto é difícil, mas necessário. É mais fácil, embora contenha

dificuldades, preparar um documento, um Projeto de Lei, aprová-lo na Câmara

Municipal e esperar que suas diretrizes e determinações sejam implementadas.

Mais difícil é, sem dúvida, instituir as bases de um processo de planejamento e

consolidá-lo, sendo, contudo, a única saída para garantir a sua implementação.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 208

Uma das observações que se pode fazer ao Plano Diretor Decenal para o

município do Rio de Janeiro, Lei complementar nº 16/1992, é que ele foi

abandonado exatamente porque não era suficiente para gerar em suas

determinações um processo. Instituía instrumentos e possuía dispositivos que

dependiam de regulamentação posterior, mas não existiam instituições ou fóruns

que cobrassem a sua regulamentação ou a sua implementação.

Após 18 anos, lemos o PD do Rio de Janeiro e nos questionamos por que várias

determinações não seguiram adiante. Uma das explicações, embora não seja a

única, é que não foram instituídas atividades, processos, cobranças, instrumentos

de implementação tão fortes quanto aqueles que são as próprias determinações e

diretrizes do Plano. Torna-se fácil destruir ou ignorar um produto, difícil é

destruir comportamentos e atividades, que já estejam incorporadas aos trabalhos

dos técnicos e à vida dos cidadãos.

O processo, ao mesmo tempo, fortalece a população diante do desejo eventual

dos governantes ou de setores da sociedade de não implementar determinada

disposição, ou até o PD na íntegra. Caso esse desejo exista, o processo estará

dando suporte e força aos técnicos para continuarem desenvolvendo as suas

determinações.

Por outro lado, acompanhando o entendimento de que a cidade é o reflexo da

sociedade no espaço. Uma sociedade desigual gera uma cidade espacialmente

desigual, nas mesmas condições. Dentro dessa perspectiva, a função do

planejamento seria principalmente alterar situações de injustiça espacial.

Harvey trabalha com o conceito de distribuição justa e introduz a dimensão

territorial. Segundo ele,

...considerarei principalmente o problema como sendo o de uma autoridade central alocando recursos escassos sobre um conjunto de territórios, de tal modo que a justiça social seja maximizada....O primeiro passo na formulação de um princípio de justiça territorial está em determinar o que cada um dos três critérios – necessidade, contribuição ao bem comum e mérito – significa no contexto de territórios ou regiões.” (1980, p.85)

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Não seria esta a função de um Plano diretor? Estabelecer critérios que levando

em conta as situações de necessidade, o grau de contribuição ao bem comum e o

mérito promovam condições de justiça territorial? Para tanto devemos considerar

que a cidade é o resultado de um processo de urbanização e somente um

processo poderia interferir em outro processo social, em seus desdobramentos

econômico e cultural, etc....

Devemos buscar a atuação no nível social, entendido como Herculano (2006)

como uma totalidade:

... usamos o adjetivo "social" enquanto uma totalidade, dentro da qual há esferas econômicas, políticas etc. Neste sentido, a Economia diz respeito a uma forma de atividade social que lida com a produção da nossa sobrevivência. Enquanto ciência, a Economia é entendida aqui como uma ciência social, que estuda tudo o que diz respeito à produção, circulação e distribuição das riquezas produzidas. Produção que, deve-se sublinhar, é sempre coletiva, donde social. (Herculano, 2006, p.23)

Seria ingênuo considerar que, com um conjunto de papéis, com um pacote legal,

poder-se-ia intervir, no processo de produção da Cidade, num processo social,

que cria um desenvolvimento espacial desigual.

Mas, como fazer isso? A primeira possibilidade de construção de um processo

reside no próprio Plano, contendo determinações que se encaminhem no sentido

da criação de uma atuação continuada em diversos setores, estabelecendo

atividades e um sistema integrado de planejamento com a divisão de

responsabilidades. A segunda possibilidade se dá também a partir da criação no

próprio Plano de um instrumento de fiscalização de sua implementação. Em

1930, o Plano Agache recomendava a criação da Comissão do Plano da Cidade

para coordenar, acompanhar e garantir a sua aplicação. (1930, p.323)

Então, são essenciais os fóruns e conselhos de acompanhamento, mas eles devem

estar previstos no Plano, caso contrário não serão criados e ficarão submetidos à

vontade do Executivo Municipal e ao grau de sensibilidade dos eventuais

governantes em relação às questões urbanas consideradas essenciais para a

população. Mas, ainda assim, em diversos casos, como tem sido disposto sobre os

Conselhos de Planejamento Urbano, esses se encontram instituídos no plano, mas

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 210

não são postos em prática, em algumas situações por falta de regulamentação

em outras por falta de interesse da administração. Com isso, verifica-se que,

além da instituição no Plano, a obrigatoriedade de sua implantação deve estar

clara para que possa ser objeto de questionamentos por parte da população, caso

não seja efetivada.

Outra questão essencial reside no entendimento de que a implementação do

Plano constitui tarefa de vários órgãos da administração municipal, e ainda de

outros níveis de governo, das administrações estadual e federal, resultando na

necessidade de um sistema de planejamento, que deve constar do documento,

contemplando os instrumentos de integração entre os diferentes órgãos em

diferentes níveis. No caso de municípios incluídos em região metropolitana, em

áreas objeto de projetos ou atividades de âmbito regional, essa questão é

crucial, sob pena de inviabilizar os objetivos do planejamento.

O Plano Diretor de 1992 para o Rio de Janeiro (Lei Complementar nº 20/1992) dispõs sobre o sistema de planejamento, mas não de forma suficiente para garanti-lo:

Art. 13 - A lei instituirá o sistema municipal de planejamento urbano, definindo a sua estrutura, a qual será integrada pelo Conselho Municipal de Política Urbana. Art. 14 - O sistema municipal de planejamento urbano se responsabilizará: I - pela integração dos agentes setoriais de planejamento e de execução da administração direta, indireta e fundacional do Município, assim como dos órgãos e entidades federais e estaduais, quando necessário, para aplicação das diretrizes e políticas setoriais previstas nesta Lei Complementar; II - pelo acompanhamento e a avaliação dos resultados da implementação do Plano Diretor Decenal;

A implementação do PD foi entendida como tarefa da Secretaria Municipal de

Urbanismo, mas não das Secretarias de Habitação, de Meio Ambiente ou de

Transportes e de outros órgãos estaduais. Com isso, cada uma das secretarias

municipais seguiu fazendo o que considerava a sua política setorial, em ocasiões

com sucesso, mas sem integração com as demais políticas e com as diretrizes

espaciais gerais para a cidade.

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O Plano Diretor é o mecanismo que pode articular de uma maneira coerente e

racional as Secretarias, caso contrário, trabalharão de forma autônoma. Sem

uma obrigatoriedade, cada administrador quer dar à sua instituição a sua própria

feição, a sua imagem de realização. O Plano é um pacto sócio-territorial, sócio-

espacial e se nesse pacto não estiverem acordados os órgãos envolvidos, entre

outros atores, esse pacto será inviabilizado.

A participação dos atores no Plano

Quais são os atores representados no Plano? Em síntese são a população, os

técnicos, representantes de órgãos públicos, principalmente municipais, e,

ainda, os vereadores responsáveis pela aprovação da lei. No conjunto população,

incluem-se as associações de moradores, os órgãos de classe, os setores

profissionais e os setores empresariais. Mas, não podemos esquecer a articulação

regional ou metropolitana, que se traduz na presença de representantes de

órgãos estaduais e de outros municípios.

No caso do Plano Diretor de 1992, o que se fez? Para canalizar as diferentes

contribuições e demandas desses agentes criou-se, à época de sua preparação,

cinco grupos temáticos: meio ambiente, uso e ocupação do solo, transportes,

equipamentos e serviços públicos e, finalmente, patrimônio e administração.

Houve, nesse caso, uma intensa participação dos técnicos, de representantes de

entidades profissionais e empresariais. Contou-se com representantes de outros

órgãos da administração estadual ou federal, representantes dos empresários da

construção civil e do setor de transportes. Houve a participação de algumas

representações populares, mas não de forma suficientemente ampla no nível

geral da Cidade. Na etapa do tratamento das diretrizes espaciais para a Cidade,

a participação dos moradores foi pequena, em parte pelo tempo limitado para a

conclusão do Plano com vistas a sua entrega no prazo previsto.

À época ficou evidente a necessidade de um tempo destinado à qualificação da

população em geral, em especial, os moradores, com vistas a efetivar a sua

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participação. Não se poderia pretender que um indivíduo por morar na Cidade do

Rio de Janeiro, tivesse ciência de mecanismo operacionais de planejamento e

gestão, por exemplo, o instrumento do Solo Criado, ou Outorga Onerosa do

Direito de Construir como denominada após 2001 pelo Estatuto da Cidade. Com

isso, parece ser indispensável um esforço de qualificação dessa população. Por

outro lado, é importante reconhecer que o discurso dos moradores, ainda que

não preciso em termos técnicos, contém o desejo de mudança com objetivos

claros, e o discurso do técnico muitas vezes não atinge a população no que

entende por necessidades.

Para tanto, o esforço de capacitação da população nas questões da cidade

merece anteceder a preparação do Plano ou, melhor dizendo, ser atividade

permanente como parte de um planejamento democrático. Por outro lado, a

participação também se mostra como um elemento transformador, qualificando

a população nas questões técnicas. A administração municipal e a Câmara de

Vereadores teriam que se empenhar nisso.

Em algumas cidades, por exemplo, Fortaleza, algumas organizações não

governamentais (ONG) preparam essa capacitação, com a constatação de que

não se defende aquilo que não se conhece. Se a população não entender

exatamente o que está no Plano, não se sentir co-autora das propostas, os

técnicos ficarão isolados na fase de implementação, tendo nas mãos um produto

que não possui defensores.

Contudo, em relação à participação da população nem sempre o interesse de

uma comunidade representa o interesse geral, como acontece no caso dos

Projetos de Estruturação Urbana dirigidos para os bairros ou conjuntos de

bairros. Existem interesses gerais da cidade, que podem não ser captados por

uma associação de moradores ou uma associação de empresários locais. Então,

deve-se garantir, que essa participação aconteça também num nível geral,

resultando em diretrizes gerais que forneçam o enquadramento para a solução

de questões locais. Existem questões gerais a serem resolvidas, que escapam a

demandas locais. Por exemplo: nenhuma associação de moradores vai desejar

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 213

que se coloque um cemitério no seu bairro, uma estação de tratamento, um

aterro sanitário, mas em algum lugar fora das áreas estritamente residenciais,

este tipo de equipamento deverá ser localizado.

A questão do plano como um pacto mostra-se, portanto relevante, pois tende-se

a acreditar que alguns usos nunca virão para os nossos bairros e se existir a

intenção da administração em aí localizá-los vamos lutar para que sejam

rejeitados. Trata-se do efeito NIMB, cuja sigla (em inglês) significa: “nunca no

meu quintal.” Com isso, um hospital é importante para a cidade, mas não no

bairro do morador. O plano tem que conter esse pacto, terá que afirmar onde

deverão ficar esses usos especiais nem sempre desejáveis.

De forma complementar, os técnicos são parte essencial na construção e

implementação do Plano. Se os técnicos de diferentes órgãos não participarem,

não produzirem em conjunto o PD, também não irão defendê-lo. Ao mesmo

tempo, se este Plano não for devidamente entendido e aceito por todos esses

técnicos – é o outro lado da questão - na primeira oportunidade, ele começará a

ser bloqueado. Começarão a surgir as interpretações, que escapam aos objetivos

e diretrizes, dentro de uma mesma secretaria ou em secretarias co-responsáveis

por sua implementação. Os objetivos e propostas não serão implementados da

maneira original, porque não foram aceitos e, da mesma forma, os processos não

foram consolidados dentro da administração.

A totalidade da cidade e o nível local

O Plano Diretor deve expressar uma visão de totalidade da cidade, uma visão

macro da cidade, e até regional e metropolitana, para que a administração

municipal num momento em que tenha que escolher um local, como acontece

em relação à questão da disposição dos resíduos sólidos, não dispute com os

moradores e administrações de municípios vizinhos para determinar em que

lugar, por exemplo, as seis mil toneladas/dia de lixo geradas pela Cidade do Rio

de Janeiro, seriam colocadas.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 214

A questão da participação e também a questão dos instrumentos de participação

têm dois níveis – não somente o nível local. O que seria, então, o geral? O geral

seria o projeto de sociedade. É isso que está bem explícito no Estatuto da

Cidade, ao afirmar que a sustentabilidade da cidade é dada pelo atendimento

das necessidades do cidadão em termos de água, esgoto, habitação, transporte.

Se não se incorpora como objetivo final esse projeto de sociedade, não se torna

possível preparar o Plano. No primeiro momento, ele vai escapulir, os seus

objetivos não se transformarão em instrumentos. A ausência de projeto gera

regulamentações que não têm a ver com o Plano original. Ou, ainda, Projetos de

Estruturação Urbana para bairros que, em que a noção da função social da

propriedade não se encontra traduzida nas propostas. O objetivo inicial se esvai

no decorrer do planejamento, ou seja, aquele projeto de sociedade se perde no

caminho.

Quanto à dimensão ambiental, que resulta em condições melhores de vida para

a população e usuários da cidade, esta é um dos objetivos para se preparar um

PD, e é também incluída na dimensão social. O Plano Diretor é certamente o

momento de acolhimento de forma clara da Agenda 21, do Código Florestal, da

Lei do Parcelamento Urbano Federal e de suas revisões. A Agenda 21 é

importantíssima, mas, várias de suas diretrizes propostas e ações são

programáticas e não poderiam ser especializadas. Então, o Plano Diretor deve

espacializá-las.

No tocante à questão das cidades sustentáveis, como expressa pelo Estatuto da

Cidade deve-se entendê-lo como um feixe de direitos. É obrigação da política

ambiental trabalhar com o saneamento ambiental de forma clara, com a Agenda

Marrom, com a infra-estrutura em todos os seus setores e com transportes, como

uma questão ambiental.

Cabe lembrar que, em 1995 foi preparado umoutro plano para a cidade, o Plano

Estratégico, com claras vinculações a um urbanismo de resultados, sem

preocupações com a totalidade da cidade e suas questões sociais. À época ele foi

apresentado pela administração municipal como aquele, que ao contrário do PD

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 215

de 1992, iria resolver as questões da cidade, expressando o pacto social e

espacial da cidade.

Entretanto, os resultados prometidos com o Plano Estratégico não apareceram,

deixando evidente que as parcerias público-privadas não solucionam as graves

questões urbanas ligadas à habitação, infraestrutura e que o caminho possível é o

retorno a um marco regulatório para a cidade que atenda a sua totalidade, tendo

como enquadramento o Estatuto da Cidade.

O plano, diretrizes ou determinações

O Plano Diretor deve conter somente diretrizes e encaminhar propostas ou deve

incorporar todos os regulamentos, chegando ao nível de detalhes? São duas

posições diferentes. Em relação às diretrizes, parece acertado afirmar que

devem ser fortes, mas não em grande número e que não devem ser somente

frases a enfeitar um documento. Devem ter força para barrar projetos que não se

enquadrem nelas e estimular a realização de projetos que ainda não foram

feitos. Devem, ainda, ser claras para que possam ser fiscalizadas quanto a sua

observação em todos os documentos posteriores ao Plano: regulamentos,

mudanças de legislação e projetos.

Por outro lado, não cabe simplesmente ao Plano repetir as diretrizes do Estatuto

da Cidade, porque elas já estão lá. Cabe ao plano reforçar essas diretrizes e

espacializá-las. Talvez algumas sejam programáticas, mas sempre que possível

devem ser espacializadas. O plano não deve conter os regulamentos de uso e

ocupação do solo, os regulamentos de licenciamento, de parcelamento, mas deve

conter diretrizes bastante fortes, para que eles não possam mais ser preparados

de forma autônoma, fragmentados.

Após o Estatuto da Cidade em 20011, há uma possibilidade que não havia à época

do Plano Diretor de 1992, que é o rebatimento necessário do Plano Diretor no

Plano Plurianual e no Orçamento Municipal. Provavelmente um dos pontos

principais do Estatuto da Cidade, já que as ações e projetos os que não estejam

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 216

contidas ou encaminhadas no PD sob a forma de diretrizes bem claras não

poderão ser executadas e vice-versa.

De volta ao Plano Diretor de 1992, este possui inúmeros objetivos ou diretrizes.

como constantes da Seção III, das diretrizes, normas e objetivos do plano diretor

decenal. Por exemplo, o Art. 6º, item IV afirma que são objetivos do PD

“promover a distribuição justa e equilibrada da infra-estrutura e dos serviços

públicos, repartindo as vantagens e ônus decorrentes da urbanização” e no item

VIII “promover o cumprimento da função social da propriedade urbana”. São

muitos objetivos/diretrizes, cuja obediência não é fiscalizada e cobrada.

O mesmo pode ser dito a respeito do macrozoneamento. Se este mecanismo de

planejamento não se transformar em regras de uso, ocupação, parcelamento,

proteção ao meio ambiente, em um plano de sistema viário e transportes, parte

contida no PD e parte posterior a ele, não se concretizará, não se transformará

em ação concreta. Se o macrozoneamento não estiver articulado a instrumentos

muito fortes que garantam, por exemplo, a existência de áreas de restrição ou

de limite à ocupação, ele pouco servirá.

Por outro lado, se o macrozoneamento estiver articulado com as normas de

ocupação e dando a feição das áreas de restrição ou de limite de ocupação,

trata-se de um mecanismo inovador. As áreas em que não forem feitos

investimentos em transporte de massa, por exemplo, teriam seu crescimento

limitado. E isso é sério, porque estamos tratando de áreas nobres da cidade

como, por exemplo, a Barra da Tijuca.

Parece não haver saída, a não ser partir para um plano que se defina sobre

questões desse tipo. Verifica-se atualmente na saída da Barra da Tijuca em

direção à Zona Sul um estrangulamento pela quantidade de carros. Então, se não

houver limitações quanto à definição dos índices construtivos, as vias saturadas

farão com que esses bairros parem de crescer.

Na realização do Plano de 1992, contratou-se um estudo que efetuava o

cruzamento da possibilidade de ocupação do solo, da construção e verticalização

da cidade com a oferta de transportes, a partir da origem e destino das viagens

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 217

geradas pelo crescimento da cidade, dando-nos uma visão da saturação das vias.

Com isso, em 1992, tentou-se baixar os índices construtivos de vários bairros da

cidade, o que não foi feito de forma efetiva, mas definidas as áreas onde foram

fixados índices básicos e máximos, estes a serem alcançados somente com a

aplicação do Solo Criado.

Havia e, ainda, há duas etapas: a etapa do planejamento e a da legislação, que

produz a cidade. Existem os planos, mas o que realmente atua na produção da

cidade são os regulamentos. Por exemplo: os Decretos nº 3.800/1970 e nº

322/1976. Não importam os planos, porque o que vai produzir a cidade não é

aquele plano. Então, pode ser qualquer um. E os regulamentos continuam

produzindo a cidade, ao sabor dos diferentes interesses, no sentido de adensar

áreas, de pontualmente construir possibilidades, não só para empresários, mas

também para a população.

Atualmente, os Projetos como Porto Maravilha e o Peu das Vargens,

transformados em leis, continuam dentro dessa linha, produzindo a cidade e

adensando-a a despeito das regras do Plano Diretor de 1992, dos índices

construtivos lá estabelecidos e da obrigação de se aplicar o Solo Criado ou a

Outorga Onerosa do Direito de Construir - OODC.

Os projetos e leis que mudam as regras localizadas, os regulamentos, a partir do

Plano devem estar amarrados de uma forma muito forte. Da mesma maneira, os

Projetos de Estruturação Urbana -PEUs têm que estar integrados, de forma a só

ser possível a flexibilização de regras dentro de diretrizes que já estejam no PD.

Há, portanto a possibilidade de um terceiro formato, que não é o primeiro das

diretrizes sem detalhamentos e nem o segundo da situação de tudo determinado

pelo PD, no sentido de incorporar todos os regulamentos. Trata-se de um

terceiro, em que as diretrizes e objetivos sejam, em pequena quantidade e

claros, costurando de todas as formas os regulamentos, para que eles não

escapem, restando coesos na implementação do plano.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-5: Vera Rezende - Pag 218

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 220

REPERCUSSÕES DA EXPLORAÇÃO PETROLÍFERA SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES

URBANAS DE MACAÉ (RJ)

Profº Drª Thereza Carvalho, Professora Associada, PPGAU/UFF [email protected]

Arq. Wandilson Guimarães Mestrando, PPGAU/UFF [email protected]

Jonas Delecave, Bolsista CNPq/PIBIC, EAU/UFF [email protected]

Resumo

Este artigo apresenta resultados preliminares de uma pesquisa interdisciplinar

financiada em parte com recursos do Edital CNPq nº003/2008 concedidos ao

LACTA/UFF, e parte com recursos do Edital PIBIC/UFF de 2009/2010. Examina

aspectos das repercussões territoriais que a geração da riqueza concentrada e

cumulativa gera sobre a morfologia e as funcionalidades urbanas do sitio onde a sua

produção está localizada, neste caso sobre a cidade de Macaé. Serão aqui

destacados algumas transformações urbanas associadas àquela produção. A gênese

de segmentos urbanos produtivos monofuncionais vem se multiplicando a partir da

instalação da Petrobrás assim como, também, significativas mudanças tem sido

introduzidas nas tipologias das edificações de função residencial. Verifica-se, ao

mesmo tempo, a fragmentação do tecido urbano consolidado decorrente da

sobrecarga e congestionamento das redes de provisão de serviços de saneamento e

transporte. Foram realizadas pesquisas documentais, cartográficas e visitas de

campo, além de entrevistas com moradores em Macaé. A análise dos resultados

permitiu a percepção de novas relações entre morfologia e processos sócio-

econômicos em construção no município de Macaé.

Palavras-chave: Morfologia urbana, Macaé, extração petrolífera, transformações

urbanas

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1. Introdução

Este artigo trata da produção do território a partir do exame das formas

urbanas e das alterações introduzidas por diferentes Agentes/Atores/Produtores

atuantes em Macaé desde a instalação da Petrobrás na área dos galpões da

Leopoldina Railway junto à Praia de Imbetiba. Examina alguns aspectos das

repercussões territoriais que a geração da riqueza concentrada e cumulativa gera

sobre a morfologia e as funcionalidades urbanas do sitio onde a sua produção está

localizada, ou seja sobre a cidade de Macaé. Serão aqui analisadas algumas

transformações urbanas associadas àquela produção.

A gênese de segmentos urbanos monofuncionais a partir da Petrobrás,

atendendo a propósitos produtivos específicos do setor mostrou-se associada a

mudanças morfológicas significativas com alteração de traçados de ruas assim

como, também, com a geração de novos ou intensificação dos fluxos anteriores de

carros e transportes de carga. Segmentos urbanos monofuncionais estão sendo

igualmente produzidos por outros “atores” municipais públicos e privados, na

expectativa de atendimento à demanda gerada pela Petrobrás. Por outro lado,

verifica-se a fragmentação do tecido urbano consolidado decorrente da sobrecarga

e congestionamento das redes de provisão de serviços de saneamento e transporte.

A sobredemanda por moradias para outros grupos populacionais cuja renda

percebida não é atendida pelo “novo mercado” imobiliário tem repercussões direta

sobre os valores atribuídos às tipologias existentes assim como, também, sobre a

capacidade de carga das redes de infra-estrutura instaladas e as condições de

habitabilidade, bastante diferenciadas por faixa de consumo. As tipologias

arquitetônicas e urbanísticas dos “novos” assentamentos, com moradias auto-

produzidas igualmente para o atendimento da referida sobredemanda habitacional,

tem mais uma vez, reforçado a referida fragmentação.

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2. Percepções e perspectivas: modelos de referencia e transformações

urbanas

Vários analistas já comentaram sobre a imagem percebida das cidades

chamadas mundiais, como repercutem de maneira generalizada sobre outras

múltiplas cidades e localidades enquanto modelo de referencia e, portanto,

parâmetro de configuração/ reprodução de novos territórios. A quantidade de

recursos financeiros necessários para manter essa ‘vitrine acesa’ – a renaissance

das referidas cidades mundiais e, também, para manter os excluídos excluídos em

locais específicos, é, sem dúvida gigantesca, constituindo, por si só, sinal da

afluência e do prestígio e a isca com que querem atrair a morada dos decisores. As

conseqüências desse modelo vitrine em cada cidade aspirante à algum escalão na

hierarquia de centralidades que as tornem visíveis naquela rede de prestígio é,

pelas mesmas razões, avassaladora, tanto em termos ambientais e financeiros,

quanto sociais, econômicos e morfológicos. Custos enormes são socializados por

força dessas circunstâncias.

O conceito de centralidade que o contexto de globalização parece consagrar

(Hall, 2008), baseado na competitividade setorial, revela, ao mesmo tempo, uma

visão oportunista de um território pontual imaginário, sem relações de

contiguidade, e a indiferença ideológica diante de uma materialidade complexa

mas irrelevante para os fins estratégicos dos decisores. Apresenta-se, por

conseguinte, indissociavelmente ligado à percepção, da mesma forma irreal da

possibilidade de concentração ilimitada de riquezas e benesses e, por razão de

conseqüência, da socialização ilimitada dos custos sociais, ambientais,

econômicos, culturais e institucionais. É sustentável essa prática?

A crise financeira que ora se desenrola parece indicar o contrário. A escala

mundial de planejamento, produção e controle de bens e serviços, da globalização

tem o pressuposto subjacente da existência de um mercado consumidor cuja

expansão em escala e distribuição territorial compatíveis com aquela oferta - fato

que aparentemente não está a se comprovar (Burgel, 2008). A existência desse

mercado nas proporções adequadas exigiria, talvez, um outro modelo de

crescimento baseado na redistribuição territorial dos vários recursos que o modelo

concentrador drena. Os postulados tradicionais - ‘há que concentrar para crescer’

e ‘sem crescimento não pode haver (re)distribuição’ - precisariam ser revistos à

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luz da sua contraparte ‘sem redistribuição não há crescimento sustentável,

econômica e financeiramente, da riqueza’ pois não haverá mais consumidores a

altura.

A exclusão por inadequação ou obsolescência de trechos de territórios

qualificados e de crescentes grupos de populações, somada à atração que a

manifestação da riqueza exerce sobre as populações pobres e miseráveis,

condensam-se nas entranhas das cidades mundiais e, também, naquelas não tão

mundiais assim, na expectativa de que a teoria dos pólos - modelo espacial não

comprovado que defendia a concentração de investimentos e de resultados para a

posterior ‘percolação’ do crescimento econômico para o resto do território e das

suas populações - aconteça.

A ‘fermentação social’ que a fricção entre ricos, pobres e miseráveis gera

particularmente agravada pelo enxugamento do Estado, incluindo das suas

obrigações face à totalidade da sociedade, manifesta-se mais intensamente em

alguns contextos. A guerra civil mal disfarçada em disputas entre grupos rivais - ora

policia, ora milícias e ora ladrão, ora traficantes – é uma das manifestações da

mencionada fricção que algumas das maiores cidades brasileiras produz com muitos

mortos e feridos como resultado e como saldo a pagar se nada mudar.

A proliferação dos condomínios privados na gênese de novos segmentos de

território multiplica as fragmentações. Às frentes de urbanização, por auto-

provisão, sub-infraestruturadas, somam-se, agora, novas urbanizações destinadas a

segmentos de alto padrão de consumo, reforçadas por algum investimento público

ou privado, com a instalação de equipamento de saúde e/ou educação, galerias

comerciais, shoppings, condomínios residenciais, etc.. Essas novas urbanizações

tendem a estar desvinculadas dos centros consolidados da cidade, e das suas

relações de complementaridade, freqüentemente acessíveis apenas por redes

viárias ‘exclusivas’ ou seja que não são servidas pela rede de transportes públicos.

3. Macaé

Macaé (RJ) ocupa uma área de 1.215,904 km²; segundo estimativas do IBGE,

teria 206.748 moradores; o TRE contabilizou 84.054 eleitores nas últimas eleições.

Desde 1974, quando a Petrobrás escolheu a cidade para sediar sua sede da Bacia de

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Campos, mais de quatro mil empresas se instalaram no município e a população foi

multiplicada por três. O petróleo é a maior força econômica de Macaé. Nos

próximos dois anos, a meta da Petrobras é produzir 2 milhões e 200 mil barris de

óleo por dia. Até 2010, a Petrobras vai investir US$ 25,7 bilhões, o equivalente a

80% dos recursos da empresa em Exploração e Produção para todo o país.

Conseqüentemente, o município tem a maior taxa de criação de novos postos de

trabalho do interior do estado, de acordo com pesquisa feita pela Federação das

Indústrias do Rio de Janeiro: 13,2% ao anoi.

A instalação da Petrobrás constituiu-se no marco de mudança da dinâmica

urbana da cidade determinando demandas crescentes por moradia, redes de

ligações, espaços públicos de convivência, serviços e equipamentos coletivos, todas

associadas à expansão da empresa na região. Em 2003, Macaé possuía 7400

empregados diretos da Petrobras, 28.000 funcionários das prestadoras de serviços e

aproximadamente 3500 empresas ligadas ao setor petrolífero.

A evolução da cidade de Macaé em termos habitacionais, especialmente

após a instalação da Petrobras na década de 70, é expressa pela dualidade entre a

cidade formal e informal (BARUQUI, 2004). Condições históricas de posse e

propriedade da terra e condicionantes sociais aliadas às restrições do mercado

formal de habitação com foco nas classes sociais mais altas, somadas ao

crescimento populacional verificado nos últimos anos na expectativa de lucro com

as riquezas geradas pela exploração petrolífera, foram alguns dos fatores que

contribuíram para o crescimento da cidade informal em Macaé.

A falta de lotes destinados à habitação popular, a quase inexistência ou

ineficiência das políticas públicas no setor habitacional, geram conseqüências como

agressão ambiental, invasão e ocupação de áreas ambientalmente frágeis e

estratégicas.

Dados construídos por BARUQUI (2004) com base no Atlas de

Desenvolvimento Humano no Brasil (PNUD), sobre a cidade formal e informal em

Macaé, na década de 90, informa que no períodos de 1991 a 2001, a população

cresceu 40,86%, passando de 94.034 habitantes para 132.461 habitantes, enquanto

a taxa de crescimento da população residente em assentamentos informais cresceu

91,96 %, variando de 11.275 habitantes para 21.644 habitantes, resultando em uma

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taxa de crescimento de 148,96% para os domicílios informais. Percentual bem

superior aos 47,75% referentes aos domicílios formais em Macaé.

A bibliografia examinada apresenta distintas visões sobre o desenvolvimento

da cidade pós-implantação da Petrobrás e sobre os impactos territoriais associados

às dinâmicas sócio-econômico-ambientais resultantes. Alguns autores apontam a

melhoria dos índices e indicadores sociais no período compreendido entre a

instalação da Petrobrás, em 1977, e a atualidade, como suficientes para configurar

uma análise positiva de desenvolvimento. Outros autores (NETO, et al, 2006;

NADER, 2009) retomam a formulação de desenvolvimento teorizada por Sachs

(2004), e avaliam a inserção da Petrobrás de forma mais crítica, procurando

identificar de que maneira a produção de riqueza foi distribuída, direta ou

indiretamente. A participação pública nos processos políticos/administrativos e a

geração de passivos ambientais são também temas recorrentes dessas avaliações.

Uma contribuição interessante é a de Vargas (1997), quando trabalha sobre a

dimensão simbólica da inserção da Petrobrás em Macaé, utilizando-se dos conceitos

de Memória e Identidade. Sua análise aponta o despreparo do município ao receber

a grande estatal como um dos fatores

responsáveis pela geração de conflitos de

várias naturezas com repercussões diretas

sobre conteúdos simbólicos anteriormente

associados a certos locais na cidade. Os

diversos relatos analisados parecem convergir

para uma “nova” Macaé como uma

“plataforma onshore” da Bacia de Campos,

com a qual os estrangeiros não estabelecem

vínculos afetivos, apenas exploram suas

riquezas. Também é percebida como uma mártir do desenvolvimento nacional, pois

Macaé estaria sacrificando sua própria identidade por um bem maior. Nesse

sentido, o historiador Macaense Antônio Alvarez Parada relata, de forma crítica, as

tranformações na cidade, após a inserção da Petrobrás. Ao mesmo tempo, a ‘nova

imprensa alternativa’ de Macaé, que o “The Macaé Times” certamente representa,

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sinaliza um olhar positivo sobre a visibilidade ampliada que a atividade de extração

petrolífera possibilitou à cidade.

4. Estudo de caso: procedimentos

A pesquisa, desenvolvida durante o período de 2009/2010, buscou

compreender como a instalação da Petrobrás, ao mesmo tempo que se apoiou na e

se apropriou da estrutura física da cidade - gerando transformações nas tipologias

arquitetônicas e urbanísticas, na rede viária e na distribuição espacial de pólos

geradores de fluxos - produziu uma nova dinâmica econômica, social e ambiental.

Para isso, foram analisados alguns aspectos das transformações urbanas associados

à geração da riqueza concentrada e cumulativa que a exploração petrolífera

parece promover - neste caso sobre a cidade de Macaé, sua morfologia e suas

funcionalidades urbanas.

A primeira etapa de análise foi o levantamento bibliográfico, cartográfico e

iconográfico sobre Macaé, com especial atenção à sua morfologia urbana, à

implantação da Petrobrás no município e nas alterações que se seguiram na sua

forma urbana, na acessibilidade e na mobilidade resultantes. Nessa etapa, foram

realizadas diversas visitas a bibliotecas, sendo o material utilizado

predominantemente advindo de dissertações de mestrado e doutorado dos

principais programas de pós-graduação do estado do Rio de Janeiro e de

levantamentos sócio-econômicos sobre o município e sua região –a Norte

Fluminense- realizados por órgãos específicos.

Após uma busca cartográfica nas bibliotecas do IPPUR-UFRJ, PROURB-UFRJ,

na biblioteca Central da UFF e na Biblioteca Nacional, somada à planta cadastral

fornecida pela prefeitura, foi possível montar um acervo cartográfico

compreendendo o período de 1848 –data do primeiro plano de parcelamento para a

cidade- até o presente.

Com o objetivo de compreender as novas lógicas urbanas de Macaé com a

instalação da Petrobrás, foram utilizados duas vertentes analíticas, de modo

complementar. A primeira, baseado nos procedimentos analíticos de

Gianfranco Caniggia, identifica o eixo ordenador da cidade. Analisa

comparativamente as ‘pré-existências’ que ocorrem no tecido urbano de Macaé a

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partir da caracterização das tipologias de ruas, lotes e quarteirões, e as

intervenções mais recentes, identificando as permanências de determinados

elementos de sua morfologia. Assim, procurou-se, na evolução dos mapas da

cidade, distinguir os elementos herdados e estruturantes do tecido urbano, de

marcada perenidade, os elementos novos ou que foram transformados ao longo dos

anos, assim como também as marcas daqueles que foram eliminados.

O segundo procedimento de análise, apoiado em Lynch, Cullen e Panerai,

trata da percepção e da ‘construção de imagens’ de referência, a partir de certos

elementos urbanos novos ou herdados, associadas à formação de identidade. As

duas vertentes analíticas se completam na medida em que realçam as relações

espaciais e funcionais entre as ‘pré-existências’ (Caniggia) e os elos físicos da

imagem urbana - como as vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos - com os

diferentes segmentos urbanos mono-funcionais produzidos a partir de diferentes

propósitos de vários co-produtores da cidade. A convergência daquelas relações

sinaliza o reconhecimento (e possível apropriação pelos habitantes) do potencial de

atração que algumas transformações cumulativas que vem ocorrendo em áreas

específicas de Macaé exercem sobre diferentes empreendedores.

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A divergência, por outro lado, aponta para o potencial de refração que

certos segmentos urbanos de gênese mono-funcional, recente e custosa, exercem

sobre a população e sobre os setores público e privado.

A área escolhida para a sede da Petrobrás em Macaé foi o antigo parque de

reparos de vagões de trens, pertencente à Leopoldina Railway. O grande terreno,

de frente para o mar e no centro histórico da cidade, teve suas oficinas desativadas

e seus funcionários realocados para outras regiões, causando grande transtorno às

famílias, como relembra Parada em Vargas (1997,pg 64). Da mesma forma que os

funcionários da Leopoldina foram realocados, os funcionários da recém inaugurada

Petrobrás também o foram, chegando a Macaé de outros municípios, com maiores

salários e outras referências de cidade (aqui entendidas como mapas cognitivos).

Naquele momento, surgiram os primeiros conflitos, tanto pela inflação

imobiliária decorrente dessa injeção repentina de renda, como pela relação,

freqüentemente exploratória, que os novos moradores estabeleceram com a

cidade, desprezando suas memórias. O exemplo mais marcante dessa relação foi a

transformação da praia de Imbetiba - de espaço de fruição, reconhecida como

imagem e identidade associada da cidade – em um porto, com interesses

econômicos para clientes específicos. O Professor Parada, em suas “Cartas da

Província”, publicadas semanalmente no jornal Niteroiense “O Fluminense”,

convida constantemente um amigo fictício a ir “banhar-se na Imbetiba antes que

ela acabe”. Em entrevistas mais recentes, Zamir Silva afirma que “Imbetiba, por

exemplo, que era o cartão de visitas de Macaé, hoje é o cemitério” e Sidney

(entrevista realizada em 23 de novembro de 2010) defende que “Imbetiba foi

destruída, com quebra mares ridículos e vazamentos de óleo constantes”. Sobre

esse tema, Vargas (1997, pg. 75) aponta que, de forma paradoxal, a destruição da

maior referência da cidade se transforma no lugar de memória de uma Macaé que

já não existe.

Progressivamente, o espaço de fruição da cidade foi realocado para o Sul. As

praias dos bairros Campista e Cavaleiros substituíram Imbetiba, em seu uso

recreativo, e construíram os percursos de uma nova Macaé, segmentada por faixa

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de consumo. Essa região apresenta os mais elevados indicadores sociais e

econômicos da cidade, abrigando a elite econômica. Por outro lado são visíveis os

propósitos de ‘acender a vitrine’ e “ficar bonito no filme” do atual planejamento

municipal que promoveu extensa obra de urbanização da orla daqueles bairros

sem, contudo, prover a necessária rede de esgotamento sanitário.

O trabalho de campo realizado complementou a análise e identificou, na

escala do pedestre, os marcos de referencia para a percepção da

imagem/legibilidade e entendimento da paisagem urbana ao longo dos

percursos/eixos estruturantes da cidade. Essa etapa focalizou a confirmação das

continuidades e fragmentações do tecido urbano identificadas na análise

cartográfica realizada nas etapas anteriores da pesquisa. Permitiu, também, a

realização de entrevistas com alguns expoentes locais e o registro das suas

respectivas percepções do processo de transformação que “tomou conta de

Macaé”.

O primeiro percurso procurou estudar o vetor norte de crescimento urbano,

a RJ-168, em direção à BR-101 (rodovia longitudinal brasileira com 4550km de

extensão, uma das mais importantes rodovias do Brasil, parte da rodovia Pan-

Americana). Na referida estrada RJ, observa-se uma grande diferença de escala,

fruto do espraiamento promovido pela própria prefeitura que recentemente

realocou alguns de seus setores administrativos, como a Secretaria de Obras, para

o extremo norte deste percurso. Observa-se, ainda, como o marco de entrada da

cidade, localizado na rótula da RJ-168, é claramente desenhado e implantado para

percepção em alta velocidade, criando grande monotonia para o pedestre, com sua

escala e velocidade específicas. A RJ-168 se consolida como novo eixo ordenador

do crescimento urbano a partir da instalação das edificações que caracterizam a

matriz produtiva da Petrobrás em Macaé, com suas respectivas rotas de

escoamento reproduzindo a mesma direção Norte, portanto ortogonal em relação

ao eixo ordenador pré-existente ( a rua rireita).

O segundo percurso corresponde à Avenida Rui Barbosa, antiga Rua Direita,

culminando na antiga prefeitura e na Praça Washington Luiz. Aqui, vale enfatizar

que a rua mais importante do século XIX permanece, hoje ainda, como a mais

importante centralidade linear comercial e de fruição urbana da cidade. É

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 230

interessante notar, ainda, conforme Cullen, a surpresa que a antiga prefeitura

causa no transeunte, já que, por estar recuada em relação ao alinhamento da rua,

só se permite ser vista à curta distancia.

O terceiro percurso corresponde à articulação, em topografia acidentada, de

Imbetida com a praia do Campista. Neste percurso, observa-se a grande influência

da nova demanda por moradias permanentes e temporárias que a Petrobrás gera.

São casas e hotéis de alto padrão construtivo, aliados a precárias condições de

calçamento desgastados pelo uso e pela falta de adequada manutenção, plasmando

no mesmo território a riqueza recente e a fragilidade do desenvolvimento de

Macaé.

Por último, o quarto percurso corresponde às Praia do Campista/Praia do

Cavaleiro, e pretende observar em campo a nova escala edilícia da orla da Cidade.

Se Imbetiba é uma área consolidada desde o século XIX, com grande significado

simbólico para os moradores pré-Petrobrás de Macaé (Vargas, 1997) essas duas

praias já funcionam como ruptura e frente de expansão da classe alta e média alta,

nos últimos anos.

5 – Expansão urbana, conectividade e descontinuidades

Analisando a cidade através da execução de loteamentos nos bairros do sub

distrito de Macaé, que concentram mais que 90% da população, é possível

identificar que ao longo da história da cidade, até a década de 70, a expansão da

cidade estava contida na região central, próximo a foz do Rio Macaé, com três

vetores definidos, ao Norte, além do rio Macaé, e ao Sul seguindo paralelo a linha

litorânea e à Rua Direita, e o terceiro em direção ao interior.

A instalação de três grandes ‘bases’ que caracterizam a ocupação da

Petrobras no território, desde o fim da década de 70, marcam significativas

mudanças nos eixos que estruturam as redes de ligação, assim como na ampliação,

localização e tipologia da oferta habitacional, todas associadas à crescente

expansão física da “matriz espacial produtiva” configurada pela Petrobrás em

Macaé.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 231

- A base de Imbetiba, localizada na região central próximo ao antigo

porto da cidade e a foz do rio Macaé, é a sede do grupo executivo.

- O Parque dos Tubos de Imboassica, localizada na região Sul, próximo

a lagoa de Imboassica, e ao atual município de rio das Ostras, às Margens da

RJ-106.

- A Estação Cabiúnas, localizada no bairro de Cabiúnas, ao Norte do

território de Macaé, às margens da RJ-106, entreposto terrestre de

recebimento e distribuição da produção petrolífera offshore.

A consolidação do vetor Norte se dá na última década e é reforçada pelos

percursos transversais paralelos determinados pela matriz espacial da produção do

petróleo. Estes passam a ser perpendiculares à linha litorânea, caracterizando

uma mudança de 90º no eixo ordenador anterior da cidade.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 232

A análise dos vetores de expansão

da cidade aponta a direção de

crescimento linear dos eixos que

estruturam as redes de ligação. A

RJ-106, construída na década de 40,

paralela e em muitos pontos

tangente à estrada de ferro do fim

do século XIX, liga a então capital do

estado do Rio de Janeiro, Niterói, à

cidade de Campos dos Goytacazes

que cruza Macaé de Norte a Sul pelo

litoral servindo de suporte à

expansão dos vetores litorâneos.

A ligação do centro da cidade

à BR-101, construída entre as

décadas de 50 e 60, também se

constituiu como vetor de expansão

mas desta vez transversal. Por sua

vez as vias expressas municipais

planejadas e parcialmente

construídas, além de ter a função de

serem uma alternativa a interligação

das extremidades da cidade,

consolidam este vetor expansão para

o Norte, reforçada pelo Poder

Público com dito no tópico anterior,

pela construção de edificações

públicas singulares. A expansão

alcança o limite territorial do

município junto ao litoral e `a

Sudoeste, o vizinho Rio das Ostras,

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 233

sinaliza um possível processo de conurbação com esse município.

Uma importante rede de fluxos construídos na cidade de Macaé pela

Petrobras dá suporte terrestre à rede offshore, igualmente transversal à linha da

costa. Esta complexa rede é composta por vias aéreas, marítimas, subaquáticas e

subterrâneas que têm entre suas funções abastecer as plataformas e navios com

suprimentos, equipamentos e mão de obra, além de transportar e distribuir a

produção de petróleo e gás.

6. Resultados Preliminares

A perspectiva aqui adotada, de investigar o processo, em andamento, de

produção da cidade a partir da morfologia urbana de Macaé permitiu distinguir

propósitos específicos na (re)configuração urbana de Macaé associados a diferentes

Agentes/Atores. As intervenções urbanas praticadas por iniciativa desses que são,

na prática, ‘co-produtores’ da cidade, apresentam algumas características em

comum - são monofuncionais, pontuais e setoriais. São portanto, ao mesmo tempo,

indiferentes à diversidade do contexto onde se inserem, às pré-existências, às

condicionantes de conectividade e desempenho que a qualidade urbana e

ambiental da cidade exige. Alheias às demandas locais externas à sua matriz

produtiva, as repercussões morfológicas, espaciais e funcionais das transformações

urbanas assim praticadas foram indutoras de um conjunto de diferentes tipologias

de rupturas.

Foram consideradas manifestações desse conjunto a expansão crescente da

superfície ocupada, a mudança no eixo ordenador da cidade – de paralelo à

ortogonal à antiga Rua Direita, as mudanças nos padrões funcionais e espaciais de

uso e ocupação do solo, as mudanças nos padrões de produção e de consumo de

segmentos urbanos monofuncionais, as mudanças nos padrões de formação de

novas centralidades e as mudanças nos padrões espaciais das relações

multifuncionais entre esses espaços. Foram também consideradas manifestações do

referido conjunto de tipologias de rupturas a fragmentação da rede de ligações

viárias decorrente do congestionamento e da sobrecarga crescentes - produzidos

pelos Agentes e razões já expostas - e a ampliação dos efeitos desse desgaste sobre

o tecido urbano consolidado associados à visão setorial e pontual mencionada.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 234

O acervo cartográfico constituído para a pesquisa possibilitou a construção

dos mapas apresentados que apontam as relações entre as tipologias identificadas

(com base em Caniggia) e os elos físicos (com base em Lynch, Panerai). A referida

seqüência de mapas desenvolvida serviu como base para as análises morfológicas e

para a identificação dos vetores de expansão urbana.

Sobre essa expansão, pode-se observar o tímido crescimento entre as

décadas de 1950 e 1960, com um tecido urbano muito próximo ao previsto no

parcelamento de 1848. Na década de 1970, porém, após a implantação da

Petrobrás -1977- observa-se um intenso crescimento, não apenas em população e

economia, mas na própria área urbana da cidade de Macaé. Pode-se observar que

esse crescimento utilizou a orla e a rodovia como importantes suportes,

determinando os vetores principais da cidade. Observa-se, ainda, que o

crescimento se deu por segmentos urbanos monofuncionais, produzidos para o

atendimento de propósitos específicos dos quais a articulação com a cidade e a

preservação da sua diversidade morfológica, social e ambiental não fazem parte.

Os grandes vazios urbanos refletem o enfoque espacialmente pontual e

economicamente setorial adotado. Comparando os loteamentos produzidos em

meados da década de 1970 até 1989, com os mapas de exclusão social e

desenvolvimento urbano de COSTA (2007), que espacializam índices sócio-

econômicos na cidade, pode-se perceber a crescente territorialização da

desigualdade em Macaé. Bairros como Lagomar ou Botafogo, com índices de

saneamento e educação baixos apontam, mais uma vez, para um modelo de

crescimento econômico segregado e excludente que a morfologia urbana em

processo de configuração reflete em Macaé como em tantas outras cidades

brasileiras.

O crescimento da extração do petróleo no estado do Rio de janeiro (NATAL,

2004), para a qual Macaé contribui com 80%, foi de 222,99% entre os anos de 1995

e 2001. Verifica-se um aumento do PIB de Macaé de R$670.124,30 para

R$2.854.380,00, entre 1996 e 2002 (CIDE, 2004) e, ao mesmo tempo, um acréscimo

do número de domicílios informais de 2833 para 7053, entre 1991 e 2000 (BARUQUI,

2004). Esses domicílios se localizam majoritariamente nos bairros: ilhas Malvinas,

Nova Holanda, Lagomar, Lixão, Fronteira, Botafogo e Ajuda. Praticamente todos

esses assentamentos se localizam em áreas com significativo valor ambiental onde

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 235

o status de “preservação” predomina sobre qualquer forma de regulação. No

extremo oposto desse continuum de segregação social, a população mais rica têm

se localizado, principalmente, nas áreas de Campista e Cavaleiros que substituíram

a Praia de Imbetiba enquanto pólos de atração para o lazer e fruição. A avaliação

positiva dos índices e indicadores sociais constatada parece estar, no contexto

analisado, a mascarar a realidade de Macaé ‘pela média’, ou seja, a melhora se dá

em razão do grande acréscimo populacional com perfil específico melhor

qualificado em vários aspectos, que a crescente geração de empregos pela

Petrobrás promoveu.

A produção da cidade reflete os critérios do seu planejamento. No período

de 2001-2004, os investimentos dos Royalties de Petróleo aplicados na configuração

de novos tecidos urbanos revelam a perspectiva da criação de “grandes projetos”

sem uma preocupação em reduzir a disparidade sócio-econômica da cidade (Dias,

2006, p.122). Ao mesmo tempo, a exploração petrolífera certamente gerou

recursos e fluxos que projetou Macaé para uma posição muito superior à que tinha

anteriormente, na hierarquia de cidades do estado do Rio de Janeiro.

Diagrama representado a mudança da posição de Macaé na rede de cidades do Norte Fluminense. Fonte: RIBEIRO, 2009

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 236

7. Considerações finais sobre a produção de segmentos mono-funcionais

como critério aparente para a gênese de novos territórios: fragmentação ou

outro paradigma de urbanização?

A finitude das reservas petrolíferas, e a obsolescência prevista das

edificações e demais estruturas que caracterizam a sua exploração, é tema e

preocupação recorrente das cidades e governos cuja pujança financeira tem

relação direta com a exploração deste recurso. O mesmo acontece em Macaé, onde

grande parte das receitas financeiras decorrem do recebimento das participações

governamentais (Royalties e participações especiais) advindas da exploração

Petrolífera. Possibilidade de ausência do recurso mineral é uma das principais

justificativas para a defesa do repasse dos recursos. Além do repasse dos recursos

financeiros, que por força de disputas federativas pode ser alterado mesmo antes

do início do esgotamento das reservas petrolíferas, ficam as perguntas sobre quais

serão as prováveis consequências do declínio produtivo e o que pode ser feito para

diminuir os impactos e evitar cenários desfavoráveis.

A escala de intervenções praticadas na exploração da bacia petrolífera

mostraram ter repercussões espaciais, funcionais e morfológicas sobre a cidade de

Macaé com significativos desdobramentos sobre Rio das Ostras que a continuação

da pesquisa está a comprovar. A abrangência territorial das redes de relações

funcionais e espaciais que caracterizam essas novas intervenções e seus co-

produtores não tem rebatimento na atual estrutura de gestão pública. Novas

institucionalidades precisam ser pensadas para a sua avaliação, monitoramento e

fiscalização. Novas estratégias de gestão precisam ser pensadas para que se

mantenham as condições de planejar o território para o bem comum. Novas

abordagens projetuais precisam ser pensadas para que essas intervenções

urbanísticas de grande escala preservem e aperfeiçoem os resultados apropriáveis

ao bem comum ou, no mínimo, não mais ameacem a coesão territorial que ainda

subsiste.

A promoção da equidade social e ambiental depende da consolidação dos

vários tecidos urbanos que hoje se apresentam fragmentados, não apenas pela

obsolescência e abandono, mas sobretudo pelas gêneses segmentadas decorrentes

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 237

de intervenções setoriais e pontuais de diversos agentes produtores do território.

Dentre os vários desafios que se apresentam ao gestor público, diante dessa

realidade, dois se destacam. O primeiro é catalisar essas iniciativas

empreendedoras para áreas selecionadas mediante estratégias territoriais que

espelhem visões de futuro e consensos construídos em comum e para o bem

comum. O segundo desafio é identificar formas de regulação e gestão dessa

tendência, à luz das novas relações do Poder Público com aqueles agentes que

preservem os compromissos deste com os propósitos coletivos que o justificam. A

parceria com redes acadêmicas de pesquisa e extensão pode contribuir para a

consecução deste propósito.

O foco no processo dinâmico da formação de novos segmentos urbanos e no

papel da conectividade com eixos pré-existentes na configuração das novas redes

de ligação entre pontos de atração no território realça as inter-relações entre os

temas de centralidades, da produção dos novos segmentos urbanos (ou urbanização

para segmentos de mercado específicos), os espaços públicos de convivência, a

acessibilidade e o transporte público. Distintos modelos, espaciais dentre os quais a

centralidade linear e o policentrismo aparecem em apoio a intervenções em

diferentes pontos no território como pólos provedores de serviços e geradores de

novas dinâmicas urbanas capazes de promover a qualificação urbano-ambiental de

novos trechos ou fragmentos de território. Esses mesmos modelos permitem

vislumbrar distintas perspectivas de intervenção voltadas para a valorização do

território qualificado. A promoção da diversidade dos usos do solo pode,

potencialmente, contribuir para reduzir percursos e diminuir custos de conexão e

de qualificação do solo urbano. Da mesma forma, a densificação controlada

colabora para a otimização de custos de produção do conjunto de redes de infra-

estrutura de transporte, comunicação e provisão de serviços de saneamento.

A potencialização de lugares de referência focalizando as relações

funcionais, espaciais e simbólicas que estabelecem entre si e com a cidade, os

padrões espaciais que as caracterizam, aparecem como possível alternativa para o

fortalecimento da identidade e apoio ao processo de sedimentação dinâmica das

novas intervenções segmentadas com as pré-existências - patrimônios construídos e

naturais. O tema da conectividade é condição para a materialização deste

objetivo.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-6: Thereza Carvalho e cols. - Pag 238

O desenvolvimento desta pesquisa aponta para novos temas que abrangerão

uma reflexão sobre as “novas práticas” de produção do território, que se destacam

pelas escalas física e logística de âmbitos metropolitano, regional e além, e sobre

as necessárias estratégias de gestão compatíveis com aquelas escalas.

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Page 239: PDF compilado

Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 240

REFLEXOS DA EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO NO TERRITÓRIO FLUMINENSE: IMPACTOS, NORMATIVAS E INTERVENÇÕES URBANÍSTICAS.

Maria de Lourdes Pinto Machado Costa(a), Aline Couto da Costa(b),

Diana Bogado Correa da Silva(c). a - Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal Fluminense UFF ([email protected]) b - Professora dos Cursos de Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Engenharia de Produção Institutos Superiores de Ensino do CENSA - ISECENSA ([email protected]) c - Acadêmica da EAU - Programa PIBIC / Universidade Federal Fluminense ([email protected]) Resumo

Esta contribuição tem seus fundamentos nos resultados obtidos no desenvolvimento

de pesquisas, nas quais se investigou os municípios do Estado do Rio de Janeiro que

convivem com o processo de urbanização, proveniente de uma das atividades

econômicas mais dinâmicas do País e do Estado: o setor de petróleo e gás. Identifica

impactos positivos e negativos ocorridos sobre este universo e inúmeras

transformações que vêm se processando nos espaços urbanos e rurais locais,

geralmente com reflexos nas respectivas escalas microrregionais segundo diversas

naturezas, contemplando questões afetas às administrações locais, aplicação

evolutiva de normativas atinentes àquelas atividades, com ênfase nos municípios

litorâneos, no pós-1990. Constata o quadro geral de modificações relativas às ações

municipais com os royalties, e procura extrair das observações efetuadas sobre os

municípios, os rebatimentos sócio-espaciais, com implicações econômicas, culturais,

ambientais e institucionais, mediadas pela gestão pública, políticas urbanas e

intervenções urbanísticas materializadas no período.

Palavras-chave: Urbanização, Intervenções Urbanísticas, Royalties do Petróleo,

Municípios Fluminenses, Estado do Rio de Janeiro

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 241

Introdução

O território Fluminense, as administrações municipais e o advento do

Petróleo

O território no Estado do Rio de Janeiro tem formação antiga de sua malha de

comunicações terrestres, algumas desde a época de colonização das terras

brasileiras, a partir do início do século XVI, com as ordens política e econômica

precedendo a social, no curso de seu desenvolvimento.

As administrações municipais ganharam atribuições ao longo do tempo. Mas só em

1946, a Constituição estabeleceu princípios mais próximos da atual organização

municipal. Porém, a sobrevivência da maior parte dos municípios ficou, até

recentemente, na dependência dos fundos especiais federais. Na Constituição de

1988, cresceu a competência municipal, inclusive tributária, ocasião em que se

estabeleceu, entre outros, critérios para a emancipação de municípios.

As atribuições municipais foram ampliadas, somando-se ao que possuía, em termos

do uso e ocupação do solo. Mas o trazer maior responsabilidade sobre a gestão de

seu território, conviveu com o peso dos encargos nem sempre acompanhados de

respaldo financeiro imediato em seus respectivos orçamentos. Assim, os municípios

estiveram cativos de suas receitas próprias e transferidas.

Com a descentralização administrativa, tornou-se necessário o aumento de recursos

a serem disponibilizados aos municípios: Fundo de Participação dos Municípios (FPM),

repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e Imposto

Predial Territorial Urbano (IPTU). No caso do Estado do Rio de Janeiro ainda há o

repasse dos royalties do petróleo, já que possui em seu território uma importante

província petrolífera do Brasil.

Com o advento da exploração e produção offshore do petróleo nos municípios

litorâneos, a maioria lindeira à Bacia de Campos, a aplicação dos recursos

provenientes da arrecadação geralmente vinha alocada no distrito-sede, passando,

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 242

posteriormente, a ser também destinada às sedes distritais dos municípios

emancipados1.

A atividade petrolífera configurou um novo ciclo econômico, que acelerou o

crescimento das cidades, principalmente quanto ao processo de urbanização. O

repasse regular dos recursos financeiros provenientes dessa atividade possibilitou

muitos investimentos aos municípios beneficiários, tornando-se um instrumento

expressivo no planejamento e na gestão urbana.

Entre muitos eventos que se tornaram correntes em relação à urbanização provocada

pela nova atividade - seja pós emancipações municipais, seja pela emergência de

inúmeros interesses neste cenário, seja pela chegada de diferentes atores sociais –

está o fato de certos municípios se ressentirem com a nem sempre gradativa

mudança no perfil de sua população, por causa da assimilação precoce de diversas

identidades exógenas, em comparação àquela dos moradores até então presentes.

O dinamismo da integração aos eixos de expansão da urbanização e crescimento

demográfico2 - à remodelação dos espaços urbanos com equipamentos que traduzem

a anunciada lógica de bem-estar e modernidade, à especulação imobiliária, à

estruturação do mercado de trabalho e à vinda de pessoas de fora do município para

nele trabalhar - geram desafios crescentes quanto à recomposição das identidades

locais.

O ritmo vertiginoso do crescimento tem, em grande parte, desencadeado

descaracterizações de diferentes naturezas, sobretudo físicas e ambientais, em

1. Entre 1986 e 1990, foram instalados: Arraial do Cabo, Italva, São José do Vale do Rio Preto, Paty do Alferes, Itatiaia e Quissamã. Em 1993, mais onze municípios: Cardoso Moreira, Belford Roxo, Guapimirim, Queimados, Quatis, Varre-Sai, Japeri, Comendador Levy Gasparian, Rio das Ostras, Aperibé e Areal. Outros dez se instalaram em 1997: São Francisco de Itabapoana, Iguaba Grande, Pinheiral, Carapebus, Seropédica, Porto Real, São José de Ubá, Tanguá, Macuco e Armação dos Búzios. O mais novo município fluminense é Mesquita, (2001). Hoje são 92 municípios no total, no Estado do Rio de Janeiro. 2. Cf. COSTA, M. L. P. M. Reestruturação do Território no Processo de Urbanização - Dispersão Urbana no Estado do Rio de Janeiro. Mesa de Interlocução de Pesquisa O Processo de Urbanização e as Formas de Tecido Urbano mais Recentes Manifestadas sobre os Territórios. XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Vitória: UFES, 2010. Os resultados do estudo apontaram para: consolidação de eixos e formação mais recente de corredores de urbanização no Estado do Rio de Janeiro (um deles provocado pelas atividades do petróleo), criação de centralidades em função de novos pólos econômicos e de nova territorialidade, devido à presença de grandes projetos regionais.

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decorrência da chegada dos grandes contingentes populacionais e da ação desses

atores externos à municipalidade. O quadro é em geral agravado pela deficiência

generalizada de prestação dos serviços públicos e da disponibilização de

equipamentos comunitários.

Metodologia

Em termos gerais, a pesquisa contou com expressivos levantamentos de fontes

primárias e secundárias, leitura de bibliografia selecionada, com a análise e a

interpretação de dados e informações disponibilizadas pelos órgãos públicos e

instituições privadas, com montagem de um panorama relativo à influência dos

royalties do petróleo no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro e de seus Municípios.

Apoiou-se em visitas de campo locais e na realização de entrevistas junto a técnicos

e representantes de instituições e entidades de interesse da investigação, que

acompanharam a elaboração de diretrizes e propostas de intervenções, bem como de

moradores locais, no contexto da exploração petrolífera no território fluminense.

Buscou-se compreender como a atividade petrolífera se instalou no universo

estadual, com sua formação de muitas singularidades, a alocação de políticas que

influenciaram as dinâmicas das Regiões de Governo Fluminenses, destacando-lhes os

marcos e inflexões nos municípios conviventes com a exploração, desenvolvimento e

produção do petróleo na ocupação costeira do Estado.

O petróleo como motor da transformação

O petróleo sempre mobilizou a sociedade brasileira. Tema importante para a

soberania nacional e recorrente ao se discutir o desenvolvimento do País, a atividade

petrolífera traz um alerta desde a primeira metade do século XX, com a discussão do

“Petróleo é nosso”3.

A descoberta de petróleo na Bacia de Campos (Figs. 01 e 02), sua exploração em

escala comercial e a implantação de uma base operacional da Petrobras em Macaé,

para o acompanhamento da exploração e produção, fizeram com que a partir da

3 Uma breve recuperação de momentos desse percurso faz recordar alguns fatos, entre eles: pressão para que o monopólio exercido pela Petrobrás nas atividades básicas do petróleo e gás fosse extinto, através da Constituinte de 1987/88, confrontação de forças por ocasião da Revisão Constitucional, em que se manteve o quadro e a disseminação de idéias neoliberais favorecendo a privatização da empresa, com a suspensão do referido monopólio constitucional, por força da Lei 9478/1997.

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década de 1980 o estado visse refletido o crescimento dos então núcleos urbanos que

lhes deram abrigo, assim como o aumento de sua arrecadação, além do aparecimento

de novos agentes, de comércio e serviços, e de subsidiárias da indústria do petróleo.

Esta indústria é reconhecida pela Agência Nacional de Petróleo (2000) como o

conjunto de atividades econômicas relacionadas com a exploração, desenvolvimento,

produção, refino, processamento, transporte, importação e exportação de petróleo,

gás natural outros hidrocarbonetos fluidos e seus derivados.

Figura 01: Mapa Descobertas dos campos de petróleo. Fonte: PETROBRAS, 2008.

Figura 02: Mapa: Litoral do Estado do Rio de Janeiro, delimitado pela projeção dos limites municipais (ortogonais e paralelos) e a posição dos poços produtores de petróleo e gás natural que compõem a Bacia de Campos. Fonte: PIQUET (2003)

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Deve-se ressaltar que nos últimos anos, a indústria do petróleo que se configurou a

partir das atividades de pesquisa, exploração e produção transformaram

profundamente a economia, a sociedade e o território dos municípios produtores

brasileiros. No entanto, mais do que a própria formação da indústria petrolífera,

foram os royalties que contribuíram fundamentalmente para tais mudanças.

A princípio, julga-se que os royalties, por ser uma espécie de pagamento associado à

venda de um bem do patrimônio público, devem ser direcionados somente ao

governo federal, já que no Brasil os recursos naturais do subsolo pertencem à União.

No entanto, algumas justificativas fundamentam a aplicação destas compensações

financeiras recolhidas pela União, nas regiões produtoras. Uma delas é que o

processo de implantação da atividade petrolífera gera uma elevada demanda por

serviços públicos e infra-estrutura em geral. Há também a necessidade de se

indenizar ou de se compensar os impactos causados por essas atividades. Ademais, é

preciso analisar a questão que envolve a qualidade finita do adensamento urbano

causado pela atividade petrolífera, caracterizado pelo cenário previsível de

movimentos de saída de capitais e de pessoas nos territórios que atendem à

atividade de exploração de recursos não renováveis (LEAL, SERRA, 2003).

Embora bastante questionadas quanto ao aspecto quantitativo, duas questões

básicas devem ser consideradas em relação aos critérios de distribuição dos recursos

provenientes dos royalties. A primeira é que eles são compensatórios em função da

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venda de um bem do patrimônio público da União e, por isso, sua administração

deve considerar a justiça intergeracional. A segunda refere-se aos contextos

regionais e locais, já que estes devem buscar a diversificação produtiva como

alternativa à finitude prevista destes recursos.

Além da compreensão da divisão dos royalties em esferas governamentais distintas,

a apresentação da matriz legal, que fundamenta essa distribuição, possibilita o

entendimento de como ocorreram as mudanças no regimento tributário do setor

petrolífero. Anteriormente, a carga fiscal recaía sobre o consumo de derivados,

sendo a produção praticamente desonerada de impostos. Com as novas

regulamentações, a partir da década de 1950, um novo regime passou a tributar

fortemente a produção, aumentando os valores dos royalties e, no final dos anos

1990, estabelecendo a participação especial.

Consequentemente, diversas normativas que regulam a cobrança e a distribuição

dessa compensação financeira foram criadas e/ou alteradas a fim de dar respaldo

aos impactos da economia petrolífera, produzindo transformações significativas na

organização e produção do espaço.

Evolução das normativas de distribuição dos royalties em face das transformações e respectivas demandas

A Lei 2.004 de 03 de outubro de 1953 foi a primeira a introduzir o pagamento de

royalties sobre a produção de petróleo e gás natural no Brasil, estabelecendo o valor

da compensação em 5% do valor de referência do barril, em relação à produção

terrestre (onshore), ou seja, em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres.

Com isso, beneficiou estados e municípios, dividindo essa alíquota respectivamente

em 4% e 1%.

A incidência de royalties sobre a produção marítima (offshore) ocorreu com o

Decreto-lei 523, de 08 de abril de 1969, mas estados e municípios só foram

beneficiados a partir da Lei 7.453, de 27 de dezembro de 1985, com alíquota de 1,5%

cada. Essa lei teve um caráter inovador na medida em que estabeleceu que os

municípios deveriam aplicar os recursos previstos, preferencialmente, em energia,

pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção

ao meio-ambiente e saneamento básico. Em 1986, a Lei 7525 alterou o termo

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preferencialmente por exclusivamente, evidenciando a preocupação com a infra-

estrutura das cidades que já sofriam os impactos da indústria petrolífera.

Nesse momento, constatou-se uma transformação do perfil produtivo dos municípios

da Bacia de Campos. As atividades econômicas tradicionais em crise, como a

indústria salineira e a produção de cana-de-açúcar, associada à pecuária bovina,

deram lugar à indústria do petróleo. O processo foi bastante percebido nos

municípios litorâneos, que receberam atividades industriais e terciárias, provocando

um dinamismo demográfico e, consequentemente, significativas transformações na

produção do espaço.

Um dos exemplos foram as novas estruturas espaciais decorrentes das dinâmicas no

processo de (re)distribuição da população no território das cidades. A mão-de-obra

pouco qualificada tendeu a residir nos pólos produtivos, geralmente em áreas

periféricas, mas os mais qualificados estabeleceram estratégias residenciais

diferenciadas, ocupando bairros novos e exclusivos nas mesmas cidades ou

instalaram-se em municípios vizinhos menores por oferecerem melhor qualidade de

vida (MONIÉ, 2003). Aliada à indústria do petróleo, a consolidação do turismo como

estratégia de diversificação da economia aumentou os impactos na região.

Dessa forma, a ocupação do solo em vários municípios litorâneos da Bacia de Campos

refletiu a mudança na economia do lugar e se deu sob duas formas: a legal, através

de parcelamentos destinados a residências de veraneio e de um novo contingente de

mão-de-obra qualificada; e a ilegal, com as áreas de ocupação que se desenvolveram

de maneira espontânea, dando origem a um traçado bastante irregular.

Posterior à promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, a Lei 7.990 de 28

de dezembro de 1989 alterou a distribuição dos royalties em terra e na plataforma

continental. Manteve o valor da alíquota em 5%, que para a produção onshore, ficou

dividida em: 70% (que corresponde a 3,5%) aos estados produtores, 20% (ou 1%) aos

municípios produtores, e 0,5% (ou 1%) aos municípios onde se localizarem instalações

marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de petróleo e gás natural. No

caso da produção offshore, coube 1,5% aos estados confrontantes com os poços

produtores, 1,5% aos municípios confrontantes com os poços produtores e suas

respectivas áreas geoeconômicas, 0,5% aos municípios com instalações de embarque

e desembarque de petróleo e gás natural, 1% ao comando da Marinha, e 0,5% para

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constituir um Fundo Especial a ser distribuído entre os Estados e Municípios da

Federação4.

Isso beneficiou ainda mais os municípios, pois o Fundo Especial passou a ser dividido

na proporção de 80% para os municípios e 20% para os estados. Além disso,

acrescentou 10% aos municípios onde se localizassem instalações de embarque e

desembarque de petróleo ou de gás natural; sendo que para acomodar esta

alteração, o percentual dos estados foi reduzido de 80% para 70%, para a lavra

ocorrida em terra; e o percentual do fundo especial foi reduzido de 20% para 10%

para a lavra ocorrida na plataforma continental.

Entretanto, a mesma normativa suprimiu a exigência setorial de destinação desse

recurso, apenas vedando a aplicação dos mesmos em pagamentos de dívidas e quadro

de pessoal, caracterizando um retrocesso, que foi retificado com o Decreto 01, de

11/01/1991, mas novamente alterado com a Lei do Petróleo (1997).

A Lei 9.478, de 06 de agosto de 1997, ou Lei do Petróleo, trouxe mudanças

significativas quanto à política energética nacional, instituindo o Conselho Nacional

de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que ficou responsável

pelo controle e distribuição dos royalties. Quanto ao valor de compensação,

possibilitou o aumento da alíquota de 5% até 10% em função da rentabilidade dos

campos petrolíferos, definindo critérios de distribuição desse excedente, que

também beneficiaram estados e municípios. Ademais estabeleceu, nos casos de

grande volume de produção ou de grande rentabilidade, o pagamento da participação

especial.

O Estado do Rio de Janeiro contou com arrecadação extra, a partir de meados dos

anos 1990, com a exploração do Petróleo na Bacia de Campos, responsável por cerca

de 80% relativa à produção de petróleo e 49% concernente ao gás natural, sobretudo

pela arrecadação advinda dos campos de Albacora, Marlim e Roncadoro (ANP, 2000),

4 Considerando a disposição geográfica dos poços de extração do petróleo, foram determinadas três zonas: ZPP (Zona de Produção Principal), ZPS (Zona de Produção Secundária) e ZL (Zona Limítrofe). Os municípios da ZPP são os confrontantes com poços produtores e aqueles que possuem três das seguintes instalações industriais: processamento, tratamento, escoamento e armazenamento de petróleo e/ou gás natural, de acordo com a Lei No. 7.525/1996(z), a partir de delimitação feita pelo IBGE, através do decreto No. 93.189, de 29 de agosto de 1986. A ZPS atinge aqueles atravessados por dutos de escoamento da produção do poço produtor e a ZL atinge aqueles que indiretamente são afetados pelas atividades petrolíferas, e são vizinhos aos da ZPP. (BARRETO, 2008).

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que ao mesmo tempo geraram pagamento das participações especiais aos municípios

vizinhos. Também o Estado do Rio de Janeiro repassou a todos seus municípios uma

parcela retirada dos 6,56% que recebeu pelos royalties, independente do rateio da

ANP (BARRETO, 2008).

A produção do petróleo na Bacia tem trazido um aumento gradativo nos orçamentos

municipais em geral, com percentagem crescente nas receitas dos municípios,

influenciando seus diferentes setores. As receitas próprias, referentes ao Imposto

Predial e Territorial Urbano - IPTU e ao Imposto sobre Serviços - ISS, vêm se tornando

relativamente menores perante a presença dessa nova arrecadação, na maioria das

vezes sendo ultrapassadas por ela.

A partir da Lei 9.478/97, mais do que qualquer outra atividade econômica e mais do

que qualquer outro instrumento - como a arrecadação de impostos, por exemplo -

foram os royalties que se tornaram a principal fonte de renda para os municípios

beneficiários. Com a preocupação com a questão da finitude destes recursos, as

administrações municipais optaram pelo incentivo ao turismo, como estratégia de

dinamização da economia. Sendo assim, foram realizadas obras de infra-estrutura

com o objetivo de agregar valores à cidade e atrair pessoas e empreendimentos.

Em função disso, foi iniciada uma fase de planejamento para a execução de projetos

de urbanização, paisagismo, infra-estrutura e embelezamento da cidade, sendo estes

instrumentos mais voltados para o impulso ao turismo e à prestação de serviços -

hotelaria e gastronomia, comércio, construção civil, dentre outros -, consolidando-os

enquanto principais atividades econômicas dos municípios litorâneos da Bacia de

Campos.

No entanto, os royalties nem sempre são distribuídos a ponto de beneficiar nas

mesmas proporções os diversos setores, ou aqueles reconhecidamente prioritários.

De uma forma geral, na rubrica Habitação e Urbanismo vem sendo injetado

considerável montante, embora isto não signifique, por exemplo, construções de

unidades residenciais para segmentos de baixa renda, no sentido de minimizar o

déficit habitacional fluminense ou local, pois os recursos muitas vezes são aplicados

em obras de maior visibilidade, conforme determinação de muitas administrações

governamentais locais, mediante a criação de áreas de lazer nas orlas, de

urbanização de praças centrais e pavimentação de ruas.

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Os processos de intervenção urbanística no território

O processo de decantação do entendimento sobre as intervenções no território

fluminense passa por diferentes escalas e recortes espaciais, sendo necessário

revelar-se, inicialmente, a concepção de território.

Para HAESBAERT (2006), o conceito de território guarda sempre um significado

relacional. E pode se inscrever para as ciências sociais e políticas segundo diversas

perspectivas, tanto sob visão mais totalizante quanto parcial, para o vínculo

sociedade-natureza (e sociedade-espaço), no sentido de abrigar um complexo

conjunto de relações sociais e espaciais, econômicas, políticas e culturais

historicamente circunscritas a determinados períodos ou existência de grupos sociais.

O mesmo autor (2004) ao expor a concepção de território-rede, considera que a

ligação entre territórios se exime de ser contínua, uma vez que ela pode se expressar

pela intermediação de aeroportos, estradas, portos, e até de dutos, entre outros,

sem descartar a comunicação imediata e virtual pela internet, combinando fluxos

materiais e imateriais.

Engendrou-se um modelo, no Brasil, a partir dos anos 1990, referente à forma de

intervenção físico-territorial nas cidades, sobretudo com a descoberta da

importância assumida pelos espaços públicos, visando abrigar projetos urbanos,

protagonizados, muitas vezes, pela parceria público-privada.

A produção do espaço nas cidades tem acompanhado o movimento do capital,

segundo renovados estágios econômicos. Desde a Revolução Industrial, as cidades

surgem com seus problemas urbanos, de localização de residências em função da

relação com os locais de produção, com a industrialização sendo responsável pela

forma de materialização do meio construído, sujeitos intermitentemente a

normativas de ordenação desses espaços.

Nos tempos atuais, produção e consumo de bens buscam resgatar símbolos, forjam

cenarizações, sugerem valores subliminares das memórias coletivas locais,

respaldados pelo marketing e pela tecnologia, instigando a adoção rápida de novos

valores, com conseqüências na gestão institucional, na forma de utilização do espaço

e tempo, no contexto das novas dinâmicas urbanas, açodadas pela nova ordem

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ditada pela mundialização da economia.

Vale lembrar o conceito de intervenção dado por PORTAS (1986), quando se aplica à

cidade existente. Ela é entendida como o conjunto de programas e projetos públicos

ou de iniciativas autônomas que incidem sobre tecidos urbanizados dos aglomerados

antigos ou relativamente recentes, tendo em vista sua reestruturação, revitalização

funcional, recuperação ou reabilitação setorial e cultural.

As características dos projetos e intervenções urbanas marcam diferentes gerações,

passando pela grife de autores notáveis. E dos anos 1980 em diante, estes aparecem

apadrinhados pelo planejamento estratégico, sob forma de intervenções pontuais,

com participação de diferentes atores da sociedade para a discussão, mas de

maneira bem mais restrita do que aquela normalmente formulada pelo planejamento

e desenvolvimento urbano, com participação mais abrangente e democrática dos

extratos sociais.

A associação com o caráter da visibilidade das intervenções passa a ser um dos

principais alvos dos autores de projetos e da administração que os contratou, sendo

ela em qualquer instância.

De modo geral, os administradores dos municípios do Estado do Rio de Janeiro que

sofrem influências da economia do petróleo têm optado por projetos políticos de

cidade, orientados para a promoção do crescimento econômico e para a atração de

investimentos através do turismo, como meio de diversificar a economia e minimizar

os impactos causados pela possível finitude dos royalties na região (COSTA, 2008).

Conseqüentemente, é possível identificar o processo de turistificação do lugar, ou

seja, o tratamento e a acomodação do território para a finalidade turística,

demonstrado através da implantação de projetos urbanos, muitas vezes sob o

paradigma da modernização e do embelezamento. Dessa forma, evidencia-se que

estes projetos constituem a nova maneira de intervir no espaço da cidade.

Ações como recuperação de frentes marítimas, revitalização de beira-rio e orla

marítima, renovação de áreas centrais, reurbanização de áreas degradadas,

construção de praças e edifícios emblemáticos, dentre outros, tornam-se uma

constante na produção do espaço urbano.

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Com o intuito de atrair ainda mais investimentos produtivos, diversificar a

economia dos municípios, estimular o turismo de negócios e gerar empregos,

há também a formação de distritos industriais, com a consolidação de pólos

empresariais voltados para a prestação de serviços.

Intervenções urbanísticas desse tipo objetivam a preparação da cidade para

vocações futuras, para além da indústria petrolífera, e articulam uma estratégia

forte ao redor de apostas urbanas e sócio-econômicas de grande vulto e longa

duração em relação ao desenvolvimento da cidade.

Na presente fase, experimenta-se a dos grandes projetos de âmbito regional, que no

caso fluminense vem provocando a interiorização da economia, sobretudo apoiada

em antigos e novos pólos, a exemplo de Campos de Goytacazes e Macaé (antes

apenas secundário), respectivamente, que hoje carreiam parte significativa de

recursos investidos no Estado. Entre outros grandes projetos estão: a implantação de

portos, a construção do Arco Metropolitano e, sobretudo, a instalação do Complexo

Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro - COMPERJ, todos com forte poder

(re)estruturador do espaço, uma vez que interferem tanto no universo interurbano

(incluindo áreas rurais), quanto no universo intra-urbano e, na medida em que

constituem novas “ilhas de produtividade”, provocam transformações na rede

urbana até então existente e nas hierarquias urbano-regionais.

Cabe lembrar que os impactos sócio-espaciais sofridos pelos municípios,

principalmente litorâneos, da Bacia de Campos demonstram que a transformação

radical e rápida da estrutura produtiva de uma região provoca efeitos complexos e

muitas vezes irreversíveis e excludentes sobre a organização e produção do espaço,

o que deve ser considerado quando da proposta, implementação e gestão desses

novos projetos.

Considerações Finais

Os municípios brasileiros têm a tradição de lutar por maiores recursos em seus

orçamentos. A nova oportunidade surgiu para os que abrigavam a exploração/refino

do petróleo no território nacional (onze estados da federação). Entre eles, destacam-

se os da faixa litorânea fluminense que, desde a exploração na Bacia de Campos

atinge 80% da receita total adquirida com essa atividade. Inúmeras transformações

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vêm ocorrendo nos espaços urbanos e rurais dos municípios, muitas vezes com

reflexos nas respectivas escalas microrregionais.

Essas transformações na organização e produção dos espaços são impulsionadas pela

compensação financeira proveniente da exploração e indústria petrolífera, que são

regulamentadas por normativas que tentam dar respaldo aos impactos dessa

economia.

Entretanto, verifica-se que a legislação poderia ser mais eficiente em relação aos

critérios de aplicação dos royalties e participações especiais, a fim de possibilitar o

princípio da justiça intergeracional e o desenvolvimento pleno, que abrange não só

a dimensão econômica, como também a social, ambiental, cultural, espacial, dentre

outras, e que depende, em muito, da atuação política e administrativa dos poderes

públicos.

Pensar e gerir as cidades que contam com os royalties do petróleo revela novas

demandas de instituições governamentais, de ação privada e de associações

representativas da sociedade, em face das mutantes realidades e da própria

sociedade. A acumulação de políticas urbanas não atendidas e serviços não providos

já provocavam graves impactos. O olhar atento da parte de alguns setores e a

participação consciente de segmentos sociais ainda estão longe de provocar uma

eficácia na estruturação organizacional nas escalas local e regional, fortalecimento

da municipalidade ou a atuação articulada entre entidades.

Dentro desse panorama, faz-se necessário que o planejamento se dê nas várias

instâncias de poder, para garantir as bases para um desenvolvimento mais sensato,

nos níveis regional e local, dando condições para se regular a implantação de infra-

estrutura, ao extrapolar os limites administrativos, de serviços nas diferentes escalas

de atendimento, de qualificação de mão-de-obra, além da possibilidade de

(re)orientar linhas condizentes de pesquisa, entre outras diretrizes e ações, de

naturezas pública e privada. Não se deve esquecer que a par dos empregos e

atividades prometidas, promissoras do desenvolvimento, existem as demandas

anteriores, que configuram situações crônicas acumuladas, a serem revistas devido às

novas condições, para serem também atendidas, de antigos moradores das áreas dos

municípios atingidos.

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Uma questão recorrente que se constata é a da discussão generalizada dos direitos

aos royalties (43% da arrecadação de royalties do País para os municípios fluminenses

e 18% para os municípios das demais unidades da federação), quando na realidade

não se observa as grandes transformações desses territórios, o uso de seus recursos e

as contaminações negativas provenientes dos grandes projetos e empreendimentos

nessas áreas.

Neste contexto situam-se os municípios envolvidos com a exploração e produção de

petróleo e gás, que começaram por reverter a curva do decréscimo econômico, antes

registrado no Estado do Rio de Janeiro. Urge, com isso, identificar, analisar e buscar

formas de gestão dos recursos disponibilizados, em especial para aqueles que vão

conviver com a implantação de futuros e grandes projetos, como o Complexo

Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro – COMPERJ, com suas altas demandas de

recursos hídricos e habitação de suporte ao empreendimento, de dimensões locais,

metropolitanas, e regionais mais amplas.

Um dos maiores objetivos de avaliação reflete o aumento da responsabilidade pelos

resultados do administrador público perante a sociedade, que deve tomar mais

assento nesse acompanhamento, bem como para o crescimento da confiança pública

nos serviços prestados. O exercício exige um incessante processo de deliberação e

decisão. Se não existir um planejamento adequado, as tomadas de decisão começam

a ocorrer de forma desordenada, porque não podem ser prorrogadas, em função de

necessidades emergentes e cobranças da população.

Na realidade, a prefeitura opera com a qualidade permitida por sua estrutura,

mesmo que as questões envolvidas requeiram ampliação das escalas de

debates. A cultura organizacional tem influência decisiva sobre a qualidade da

gestão que, por sua vez, está relacionada com as práticas de trabalho

enraizadas na interação de indivíduos e grupos, na organização e divisão das

funções, na delegação de responsabilidades, na relevância dada aos núcleos

de planejamento e controle. Como não existe uma organização ideal, ela

nunca estará pronta e acabada, mas sim em constante transformação, e a

participação das pessoas que nela trabalham será fundamental no constante

processo de mudança.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-8: Fernando MM Tavares - Pag 256

 

IMPACTOS LOCAIS : A EXPERIÊNCIA DE MACAÉ. LIÇÕES PARA O PRÉ-SAL

Fernando Marcelo Manhães Tavares

Histórico

Cidade sede da exploração de petróleo e gás da Bacia de Campos, Macaé, uma pequena cidade de economia voltada basicamente para a agricultura (cana), pecuária bovina e pesca, passa a sofrer os primeiros impactos a partir de 1974, principalmente no que diz respeito à especulação imobiliária fomentada pelas primeiras movimentações da Petrobras na cidade.

A exploração da Bacia de Campos começou, entretanto, no final de 1976, com o poço 1-RJS-9-A, que deu origem ao Campo de Garoupa, situado em lâmina d’água de 100 metros. Já a produção comercial, começou em agosto de 1977, através do poço 3-EM-1-RJS, com vazão de 10 mil barris por dia, no Campo de Enchova.

Ao se instalar na cidade, a Petrobras ocupou três pontos da rodovia RJ-106, no centro e nos extremos do centro urbano. Situou no centro da cidade, sua principal base de operações, no bairro Imbetiba, descaracterizando aquela que era a praia mais bela e mais acessível à população local, instalando ali seu porto.

A leste, já próximo aos limites com o município de Carapebus, instalou o Terminal Cabiúnas próximo à restinga de Jurubatiba e suas lagoas, mais tarde transformada em Parque Nacional – o único Parque Nacional de Restinga do Brasil e que guarda uma biodiversidade única, sendo hoje, objeto de mais de 50 pesquisas realizadas por universidades de todo o mundo.

E a oeste, nos limites com o município de Rio das Ostras, instalou seu parque de tubos dentro da micro bacia hidrográfica do rio Imboassica, principal contribuinte da Lagoa que sofre intenso processo de degradação desde que toda a área de seu entorno dentro do município de Macaé, passou a ser ocupada de forma desordenada por condomínios e empresas.

Atualmente a atividade de exploração offshore de petróleo e gás envolve cerca de 60 mil trabalhadores das empresas diretamente ligadas à exploração e outras 50 mil nas que trabalham indiretamente.

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Crescimento da cidade

Macaé, foi, sem dúvida, o município brasileiro que mais cresceu da década de 1970 aos dias de hoje. Despreparada para os impactos derivados dos processos migratórios viu sua população crescer cerca de 440% em 36 anos, numa média anual, no período, de 12,23%, passando de 47 mil habitantes em 1974 a 206 mil em 2010, como demonstra o quadro abaixo.

1974 - 47.000 hab Fonte: IBGE 1980 - 75.851 hab 2000 – 132.461 hab 2007 - 169.513 hab 2010 - 206.748 hab

* Crescimento médio de 440% em 36 anos

* Média anual de 12,23% no período

Esta onda de crescimento também atinge fortemente outros municípios considerados produtores ou situados na área de abrangência, com destaque para Rio das Ostras que cresceu puxada pelo crescimento de Macaé, 190% em dez anos. O quadro a seguir mostra os municípios que mais cresceram neste período:

Rio das Ostras – 190% IBGE – 2000/2010 Maricá – 66% Casimiro de Abreu – 59% Carapebus – 51% Quissamã – 43% Búzios – 48% Macaé – 53%

Surgimento de bairros periféricos

Foram vários os bairros sem infra-estrutura que surgiram na periferia da cidade de Macaé desde o início da exploração de petróleo na Bacia de Campos, a maioria ocupando áreas de preservação ambiental. As primeiras ocupações irregulares se deram junto à foz do rio Macaé, em área de manguezal: inicialmente as comunidades de Nova Holanda, Malvinas e Botafogo; e posteriormente, Ilha Colônia Leocádia e Nova Esperança, ressalvando que a Ilha da Caieira, também área de preservação permanente, hoje abriga um condomínio de classe média/alta, sendo a primeira ocupação na foz do rio Macaé, com exceção do centro urbano.

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Destes, sofrem intervenções urbanísticas atualmente, Nova Holanda e Nova Esperança, sendo que há projeto no município para reassentamento dos moradores da Ilha Colônia Leocádia, transformada em Parque por decreto municipal, tendo em vista sua baixa ocupação em comparação com os demais – cerca de 700 moradores.

Este programa, visa, ainda, evitar o fechamento de um cinturão de adensamento populacional envolvendo os bairros já citados e que hoje sofrem com o tráfico de drogas.

A maior ocupação, entretanto, se deu no Lagomar, junto ao Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, reunindo, hoje, aproximadamente 40 mil moradores. Até o ano de 2005 havia o impedimento de obras de infraestrutura no local por estar dentro da área de amortecimento do Parque, impasse solucionado com a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta junto ao Ministério Público Federal. Hoje, cerca de 40% do bairro foi urbanizado, havendo a previsão de término das obras até o final de 2011.

(Ver processo de ocupação em vários bairros através de fotos de satélite da década de 1970 aos dias de hoje,na apresentação em Power Point).

Principais impactos locais

Invasões em áreas de risco e de Preservação Permanente Surgimento de favelas e de bairros periféricos sem infraestrutura Aumento das demandas por serviços públicos Aumento da violência – tráfico de drogas Aumento do custo de vida Especulação Imobiliária Trânsito - Média de 25 mil carros e 700 caminhões/dia (atualizar)

Impactos nos serviços públicos

Saúde – Hospital Público Municipal (HPM)

50 mil atendimentos de urgência em 2010 Aporte de R$ 100 milhões/2011 Atendimento às populações de cidades vizinhas e de acidentados na BR

101

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Educação

Cerca de 3 mil novas vagas/ano no ensino fundamental Investimentos para manter 50/116 escolas da rede municipal em tempo

integral Investimentos em ensino técnico e superior Manutenção de serviços de transporte universitário

Social

Ampliação permanente da rede de assistência social Investimentos para implantação de restaurantes populares Ampliação constante de programas sociais voltados para gestantes,

crianças, idosos, mulheres, dependentes químicos, moradores de rua e deficientes físicos

Infraestrutura

Demanda para : Habitação, equipamentos públicos e saneamento

Outros riscos e impactos ambientais

Vazamentos em alto mar Manipulação, transporte e disposição de resíduos perigosos Utilização de substâncias radioativas Impermeabilização de grandes áreas Desmatamento e ocupação de Áreas de Preservação Permanente Introdução de espécies exóticas no ambiente marinho Perda de identidade cultural

Impactos na pesca

Atividade que mais sofre com a atividade offshore Sísmica Abalroamentos de traineiras Perda de redes Atração do pescado para áreas de exclusão junto às plataformas Descarte de resíduos orgânicos Pesca em área de risco Modificação do ambiente marinho

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Projetos sociais desenvolvidos no município

Há vários anos o município de Macaé vem desenvolvendo projetos de inclusão social e fazendo frente à crescente demanda por serviços públicos na cidade. É de se destacar que o pagamento dos royalties à cidade só passou a ser significativo a partir na nova lei do petróleo em 1997, deixando um longo período de impactos sociais e ambientais sem as contrapartidas para fazer frente a eles.

Se for considerada a data de 1974 como marco para o início destes impactos, levando-se em conta que a simples notícia da instalação de grandes empreendimentos já traz aumento de preços imobiliários, como hoje já acontece em cidades como Santos e Itaboraí, podemos contabilizar nada menos do que 23 anos de defasagem.

A seguir alguns projetos e programas que foram implantados na cidade na tentativa de fazer frente aos impactos já consolidados, principalmente decorrentes dos processos migratórios.

Rede de proteção social

Segundo dados da Prefeitura local, a cidade investe 3,4 vezes mais que a média nacional na área social, representando um gasto anual de R$ 1.450 por habitante. São mais de 100 programas sociais e projetos mantidos pela Prefeitura que promovem a educação, cultura, esporte, saúde e capacidade de trabalho para a população de baixa renda.

Habitação

Foi apenas a partir de 2005 que o município passa a desenvolver programas habitacionais com o objetivo de suplantar seu déficit habitacional, e de desocupar áreas de risco e de preservação permanente com a remoção e reassentamento para condomínios populares. Hoje o município possui um plano municipal de habitação que abrange, ainda, o programa denominado “Macaé sem favelas”. A meta do governo municipal é viabilizar a construção de quatro mil unidades habitacionais até 2012, incluídas as unidades previstas do Programa “Minha Casa Minha Vida” do Governo Federal.

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Educação

São 113 unidades municipais de ensino, das quais 50 em tempo integral e que oferecem ao aluno cinco refeições por dia. São 40 mil alunos matriculados em escolas, creches e unidades de atendimento especializado. A cidade tem, ainda, uma das menores taxas de analfabetismo do estado: 7,3%.

Mesmo sem a obrigação constitucional, o ensino superior tem recebido especial atenção do poder público municipal que construiu e implantou a “Cidade Universitária” que ocupa uma área de 95 mil metros quadrados, sediando três faculdades gratuitas – UFF, UFRJ e FeMass, esta última, faculdade municipal .

É objetivo do governo municipal transformar a cidade em um novo pólo universitário do estado do Rio, tendo em vista projeto para a construção de mais sete blocos para salas de aula e laboratórios no local e a manutenção de uma política para a atração de outras universidades para o município.

Saúde

Com cinco anos de funcionamento, o Hospital Público Municipal (HPM) realiza cerca de 50 mil atendimentos de urgência ou emergência por ano, fazendo o atendimento de pacientes oriundos de toda a região.

O HPM dispõe atualmente de 132 leitos, distribuídos por três enfermarias (masculina, feminina e pediátrica), três serviços de terapia intensiva (adulto, pediátrico e neonatal) e uma unidade de terapia intensiva.

Em 2008, foi firmado convênio entre a Fundação Educacional de Macaé (Funemac) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), através do qual o HPM passa a funcionar como hospital-escola para alunos das faculdades de Enfermagem, Nutrição e Medicina, já implantados na Cidade Universitária.

Agricultura, pesca e turismo

Na agricultura, as principais produções do município são de feijão, aipim, inhame e banana. Macaé tem hoje o terceiro maior rebanho do Rio de Janeiro, com 95 mil cabeças de gado e 1.066 produtores. A maior concentração do rebanho está na área do Vale do Rio Macaé.

A pesca, que no passado foi a principal atividade da cidade, ainda é responsável por uma boa parte da economia. Hoje, cerca de 1,2 mil pescadores vivem da pesca no município, totalizando cerca de 15 mil pessoas que vivem direta ou indiretamente da pesca. Existem cerca de 400 barcos atuando no município. O volume de pescado por ano é de 50 toneladas/mês, em média. O pescado de

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Macaé é vendido para o Rio de Janeiro e mais 12 estados, além de ser exportado para os Estados Unidos e a Suíça.

Os atrativos naturais do município fazem do ecoturismo e o turismo de aventura uma alternativa econômica viável, considerando que 15% do território são ocupados pelo centro urbano, possuindo uma grande área em direção ao interior do Município praticamente inexplorada em todo seu potencial.

Unidades de Conservação

Nome Área (ha) Âmbito

- Parque Municipal Fazenda Atalaia 235,2 Municipal

- APA do Sana (Área de Proteção Ambiental)

14.760 Municipal

- Parque Municipal e APA do Arquipélago de Santana

Não Delimitado Municipal

- APA do Jardim Pinheiro e Morro de Santana- Parque Natural Municipal do Estuário do rio Macaé

Não Delimitado

127,82

Municipal

Municipal

- Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba

14.860 Federal

- Reserva Biológica União 3.126 Federal

- Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)-Sítio Shangrilah - Sana

43 Particular

- Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)-Fazenda Barra do Sana

162,4 Particular

A atuação do movimento ambiental macaense nas décadas de 1980 e 1990

O relato a seguir, pretende resgatar informações que reconstituem alguns momentos decisivos ao longo da história do desenvolvimento da exploração de

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petróleo e gás na Bacia de Campos no que diz respeito às questões ambientais, ocorridos em Macaé, principal sede da Petrobras neste empreendimento.

Fundada em 1988 , a Associação Macaense de Defesa Ambiental (Amda), organizou ambientalistas que anteriormente atuavam de forma descoordenada na defesa dos interesses ambientais na região. A entidade teve atuação decisiva na elevação da consciência ambiental da população e dos gestores da época, resguardando, entretanto, sua personalidade combativa e firme na condução de seus propósitos.

Ativa numa época de pouco respeito ao meio ambiente, organizou protestos que cativaram a população, utilizando-se de ferramentas culturais, como o irreverente “Varal de Poesias”, semanalmente criado e exposto no calçadão da Praia dos cavaleiros, geralmente trazendo denúncias de ordem ambiental; o “Jornal Artenativa”, que publicava reportagens e arte em geral produzida na cidade, e que constituía uma grande rede postal da cultura alternativa brasileira existente na época; além de performances e shows temáticos com bandas e poetas locais nas praias e praças públicas.

A atuação da Amda chegou a extrapolar os limites territoriais de seu município sede, quando protocolou ação judicial, contra a CSN devido ao derramamento de ascarel no Rio Paraíba do Sul, ação que se arrastou por vários anos, ainda sem desfecho.

A partir dos anos 2000 a entidade entra num período de inatividade pela falta de renovação na militância, num momento em que as Ongs passam a ter atuação mais pragmática, já envolvidas nos projetos de educação, reparação e conservação ambiental.

Destaca-se o fato de que vários militantes do movimento ambiental chegaram a ocupar as pastas de meio Ambiente do município de Macaé. Foram os membros da Associação Macaense de Defesa Ambiental (Amda), ainda, que escreveram o capítulo de meio ambiente da Lei Orgânica municipal, aprovado na íntegra pela Câmara de vereadores. Da mesma forma ocorreu com o Plano Diretor de Macaé, que um ano após a promulgação da Constituição de 1988, ganha um texto repleto de preocupações ambientais. Estes processos se deram de forma genuinamente participativa com metodologia empregada por equipe contratada junto à Universidade de Brasília (UNB).

O movimento ambiental macaense sempre encontrara resistência na relação com as Ongs do Rio de Janeiro e região metropolitana que pautavam as reuniões da

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Apedema, que tem cadeira no Conama, apenas com questões relativas à sua realidade, isolando o interior. A imprensa carioca, da mesma forma, não acompanhou os impactos sociais e ambientais no desenvolvimento da produção na Bacia de Campos. Os jornais, não raro, confundiam Macaé com Magé ou Muriaé, evidenciando seu distanciamento com o interior do Estado. Foram esporádicas e provocadas as notas, matérias e reportagens dos grandes veículos sobre o assunto.

Campanha Xô Monobóia

E foram decisivas quando aconteceram. Foi, por exemplo, apenas quando a campanha “Xô Monobóia” ganhou a grande imprensa, que o movimento se tornou vitorioso. Além de mobilizar a sociedade, mobilizou a classe política atraída pelos holofotes. Só se envolveu, no entanto, quando o movimento demonstrou os impactos que poderiam acontecer em cidades como Búzios, Cabo Frio e outras situadas na região dos Lagos, onde se situam casas de veraneio de políticos e empresários poderosos.

Tratava-se de uma espécie de ancoradouro flutuante de grandes proporções que permitia aos petroleiros transferir o óleo para a Estação de Cabiúnas, situada no entorno do hoje Parque Nacional da Restinga de Jururubatiba. A estrutura estava prevista para ser instalada a apenas 3 km do Arquipélago de Santana, transformado em Parque por decreto municipal logo no início do movimento. Esta monobóia tinha porte para receber navios petroleiros de até 300 mil toneladas, transferindo esta carga diariamente.

Os riscos eram muitos. O próprio projeto previa uma possibilidade de falhas na casa dos 0,5%, o que, feito as contas, resultaria em prováveis mil e quinhentas toneladas/dia de óleo derramados no mar. O engate da monobóia com os dutos (mangote) era feito de material frágil, e isso foi provado durante o processo judicial. Fotografias fornecidas por mergulhadores profissionais participantes do movimento mostravam perfurações causadas por peixes espada em material equivalente de proporções menores, em uso na própria Bacia de Campos, junto às plataformas, e que motivaram dezenas de vazamentos de óleo.

O movimento contou com a adesão de grande parte da sociedade. Os próprios funcionários da Petrobras e terceirizadas, se filiavam à Amda fazendo denúncias e fornecendo importantes informações. Participaram do movimento além dos ambientalistas, pescadores, surfistas, sindicatos (destaque para o Sindipetro NF),

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associações de moradores e diversas outras entidades, além da imprensa local, através dos jornais “Folha Macaense” (extinta) e “O Debate”, e, em especial, da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), que aderiu ao movimento e corajosamente enfrentou a empresa empregadora de seus diretores e associados, fornecendo subsídios técnicos ao movimento e participando ativamente dele.

Destaca-se, ainda, a participação da Feema, que através de seu representante na região, mostrou o caminho a ser tomado pelo movimento para respaldar a entidade no confronto com a maior empresa brasileira, num período em que a legislação ambiental não olhava para a produção offshore do petróleo e não havia comprometimentos sociais ou ambientais por parte das empresas.

Ao final do processo, a obra foi embargada e a Petrobras desenvolve toma o caminho dos dutos terrestres para escoar sua produção a partir deste momento.

Constituída em sua maioria por jornalistas, a entidade povoou o noticiário da imprensa local e regional com denúncias de todo o tipo. Os vazamentos eram rotineiros. Os acidentes também.

Na época corria-se atrás da autossuficiência nacional do petróleo. O avanço para águas profundas foi uma aventura de custo social alto, até que a Petrobras desenvolvesse e implementasse as tecnologias, procedimentos e capacitação necessários para a minimização dos riscos nas operações de prospecção e transferência de óleo. Hoje vemos a mesma pressa na exploração do pré-sal, esta, entretanto, determinada pelo avanço das tecnologias alternativas aos combustíveis fósseis.

Mobilização pode ter evitado tragédia ambiental

Os vazamentos ocorridos nas plataformas da Bacia de Campos, entretanto, nunca chegaram às praias macaenses, protegidas pelas correntes marítimas, que sempre levaram estas manchas para o alto mar. Os relatos de acidentes feitos por funcionários embarcados eram freqüentes. E não havia estrutura de fiscalização que pudesse comprová-los. Mas mesmo assim, eram denunciados e noticiados, preservadas as fontes.

A resistência ao rolo compressor do petróleo em Macaé foi intensa nas décadas de 1980 e 1990, e o cenário, hoje, poderia ser muito pior do que o atual.

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Na pior das hipóteses, por exemplo, se instalada a monobóia junto à costa macaense, todo o turismo poderia ser inviabilizado na região dos Lagos, com a poluição de suas praias, com risco maior para Búzios em função de sua situação geográfica. Para não falar nos prejuízos para a pesca e para o meio ambiente com a destruição dos manguezais e dos demais ambientes costeiros.

Mas como não se contabiliza o que deixou de acontecer, fica esta informação com o intuito de mostrar que não houve passividade ou imobilismo da sociedade macaense e da região produtora diante da trajetória da exploração na Bacia de Campos responsável por 86% da produção nacional de petróleo.

O Pré-Sal e o Meio Ambiente (Síntese dos artigos já publicados“ Lições para o Pré-sal” , “O pré-sal e o meio ambiente” e “O Pré-sal e a pesca”– Fernando Marcelo Tavares)

O debate que se aprofunda sobre a destinação dos recursos advindos da

exploração das camadas do pré-sal no litoral sul/sudeste ainda não abordou de

forma contundente um ponto muito importante em toda esta discussão: a

questão ambiental. Ou seja, num momento em que se sabe que é preciso

minimizar o aquecimento global através de adoção de técnicas limpas e

sustentáveis, investindo-se em fontes de energia alternativas em substituição aos

combustíveis fósseis, surgem, das profundezas, 40 bilhões de barris de petróleo,

cujas emissões correspondentes estarão na atmosfera nos próximos anos,

alimentando ainda mais o ciclo do aquecimento global.

Impensável, com as novas posturas empresarias diante da questão ambiental, em

especial da própria Petrobras nos dias de hoje, que não se considere os custos

ambientais da exploração e os contemple na contabilidade geral dos custos,

investimentos e repartições. Mais especificamente, neutralizar todo o carbono

que gerar na exploração do pré-sal, com a logística operacional e com potencial

poluidor do próprio petróleo produzido. Investindo-se em tecnologias limpas,

estruturando novos procedimentos, e plantando árvores, bilhões de árvores

necessárias à neutralização e que nossos mananciais hídricos agradeceriam

muito, aliás, insumo sem o qual não se explora coisa alguma em lugar nenhum. A

discussão sobre onde aplicar os lucros é grande.

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Como se estivéssemos diante do gênio da lâmpada tendo que escolher um desejo,

no caso o da inclusão social que uns entendem deve ser feito através da

educação, outro da saúde e mais um que quer ver os recursos investidos em

habitação. Discussão justa e interessante, até mesmo para percebermos as

dimensões exatas de nossas misérias. Mas, é preciso re-arrumar bois e carroça.

Primeiro os custos, depois, se viável, os lucros. Assim, investimentos em logística

e infra-estrutura nas localidades operacionais, pagamentos de royalties

preferencialmente às cidades impactadas, a neutralização do carbono, além do

planejamento estratégico participativo nas regiões envolvidas, devem ser

prioritariamente garantidos.

A exploração do pré-sal não pode repetir o erro do passado que impactou

demasiadamente cidades como Macaé, que de uma hora para outra se envolveu

num turbilhão transformando-se, da bucólica "Princesinha do Atlântico" à

província petrolífera que dá suporte para a produção de 86% da produção

nacional de petróleo. O planejamento que faltou na implantação da Bacia de

Campos não pode faltar no pré-sal. Tem a questão grave da pesca, a atividade

mais impactada pela produção offshore de petróleo e gás. Tem a questão da

mão-de-obra e da atração de pessoal desqualificado, e o conseqüente surgimento

de favelas em áreas de risco e de preservação ambiental. É preciso garantir que

o desenvolvimento se dê de forma distributiva em várias regiões

simultaneamente, e que as empresas tenham responsabilidade nos municípios

onde operarem.

Estas demandas não são miçangas, nem devem ser substituídas por projetinhos

pra inglês ver nas revistas de responsabilidade social. São custos operacionais

prioritários com referência consolidada.

Feito isso, noves fora, aí sim, deve-se passar à discussão de como vai ser usado o

excedente para minimizar o sofrimento do povo brasileiro, que merece desfrutar

deste tesouro. Se abaixando o preço da gasolina, investindo-se em educação,

saúde, habitação, esporte para todos ... carências não faltam para serem

supridas. Ilusão achar que a exploração do pré-sal vai resolver todos os

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-8: Fernando MM Tavares - Pag 268

 

problemas. Não vai. Por isso este impasse diante do gênio. Tirar de mil, um só

desejo.

Planejamento com foco nas cidades

A experiência da Bacia de Campos já reúne subsídios suficientes para um planejamento mais inteligente e responsável, para que não se arruínem atividades econômicas tradicionais, não se formem bolsões de pobreza nos municípios produtores, não se degrade o meio ambiente, e nem exclua o cidadão comum dos benefícios desta atividade.

Um problema grave no sistema de licenciamento brasileiro quando se trata de um mega empreendimento como o pré-sal, é que ele analisa separadamente cada instalação, não havendo um mecanismo que faça a gestão do processo como um todo. Um mega empreendimento como a exploração do pré-sal deve contar com um olhar macro que analise todo o universo de desdobramentos sobre a sociedade, e que resulte num sistema de gestão abrangente.

Está passando desapercebido que o conjunto de empreendimentos que possibilitarão a exploração do pré-sal, forma um novo empreendimento de características absolutamente peculiares com relação às atividades que o compõem, com grande impacto regional, e que deve ser gerido separadamente.

Não há instrumento legal hoje no Brasil que garanta este tipo de gestão, a exemplo do que ocorreu na Bacia de Campos onde o único planejamento que houve foi o relativo à produção deixando de fora aspectos relevantes como os impactos nos municípios provocados pelos processos migratórios, desemprego, especulação imobiliária, aumento do custo de vida e da demanda por serviços públicos, crescimento desordenado e a retração da atividade pesqueira, experiência que reúne subsídios que devem ser considerados em um, infelizmente improvável, planejamento estratégico do pré-sal.

Da mesma forma como aconteceu com a Bacia de Campos nas últimas décadas, com os municípios a reboque de decisões estatais e empresariais sem nenhuma ingerência nos fatos, está acontecendo com o pré-sal, apesar de contar com disponibilidade de tempo para os planejamentos e adequações necessários, atualmente desperdiçado com polêmicas infrutíferas como as que têm sido travadas a respeito dos royalties.

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Deixar por conta do mercado já provou que não é uma boa solução considerando as maldições já constatadas da cadeia produtiva do petróleo. Mas quem conduziria esta hercúlea tarefa? Ainda não sabemos, talvez o Ministério das Cidades. Uma coisa é certa, entretanto: precisa ser conduzida por uma instância superior,empoderada, independente e representativa, que agregue as mais plurais participações, envolvendo a sociedade civil organizada, os municípios, os estados, as empresas e as universidades das regiões envolvidas.

Tarefa difícil, seja pela incompreensão de sua necessidade ou pela falta de uma cultura participativa. Porém mais fácil do que lidar com problemas como os que aconteceram no golfo do México, ou os que já se consolidaram nos municípios produtores e que tenderão a se repetir nos mais de cem municípios litorâneos da área de abrangência do pré-sal.

Pesca – a atividade mais impactada

A pesca foi a atividade econômica que mais sofreu com a exploração de petróleo e gás na Bacia de Campos nas últimas três décadas. Um olhar mais minucioso sobre a convivência desastrosa entre as pequenas traineiras e os super-petroleiros e rebocadores na Bacia de Campos, certamente captará um cenário que não pode se repetir na tão promissora exploração da Camada do pré-sal nas bacias de Santos, Campos e Espírito Santo, cuja extensão chega a 800 km de mar piscoso e historicamente explorado por pescadores artesanais.

É preciso identificar os reais efeitos da sísmica no comportamento dos cardumes e minimizar este impacto tão prejudicial aos pescadores. Além dos desafios tecnológicos para a retirada de petróleo e gás de áreas tão profundas, há os desafios para evitar que os peixes desapareçam das áreas onde os testes sísmicos são realizados; para que sejam controladas e evitadas as invasões de espécies exóticas que devastam os ecossistemas onde são inseridas; para que as plataformas de petróleo em operação não se transformem em atratores pesqueiros com o sombreamento e o descarte de resíduos orgânicos, praticamente convidando as traineiras a ingressarem nas perigosas áreas de exclusão junto às plataformas em alto mar.

É preciso recuperar os manguezais no continente e formar pesqueiros induzidos fora da rota offshore. É preciso criar áreas de exclusão também para as embarcações de apoio. É preciso organizar os pescadores. É preciso repensar o descarte de resíduos orgânicos pelas plataformas e embarcações em alto mar,

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permitido por norma internacional, mas que têm provocado impactos aqui e por isso deve ser mudado.

Estes são apenas alguns dos desafios para que a exploração do pré-sal seja realmente lucrativa para a sociedade brasileira, muito mais importantes do que os royalties e participações especiais, atualmente em barganha. O pescador artesanal que tradicionalmente sempre pescou nas águas da Bacia de Campos, foi a classe que mais perdeu com a busca desenfreada pela auto-suficiência nacional de petróleo desde a década de 1980. Ele não só já viu esse filme como atuou nele como o personagem que apanha o tempo todo. Como essa história ganha um novo capítulo com a descoberta das reservas do pré-sal, ainda há esperança de que esse personagem não morra no final.

Ações de planejamento propostas

Apresentamos, a seguir, o resumo de uma série de propostas identificadas e colhidas ao longo do processo de desenvolvimento da Bacia de Campos, em debates, conversas, seminários, conferências, audiências públicas e fóruns, numa espécie de grande reflexão sobre diversas iniciativas não implantadas e que resultaram nos impactos hoje observados em Macaé e demais municípios produtores e que projetamos para o futuro, no caso, a exploração do pré-sal.

Planejamento global

Gestão macro do processo.

Plano Diretor para a exploração do Pré-sal.

Processo participativo – Organização de Conferências.

Segmentos – Petrobras, empresas, Poder público nas três esferas, Sociedade Civil, Academia, Instituições ambientais etc.

Experiência da Bacia de Campos como ponto de partida.

Empresas

Maior envolvimento com as cidades onde estão instaladas.

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Responsabilidade Social – Projetos consistentes e estruturantes complementares às ações governamentais.

Situação atual – ações dispersas, geralmente restritas ao cumprimento de exigência legais ou relacionadas ao licenciamento, quando existentes.

Inserção de mão-de-obra local – Política de qualificação profissional antecipada.

SGAs, auditorias ambientais.

Poder Público

Implementação, revisão e regulamentação dos planos diretores municipais – nivelamento legal.

Zoneamento Costeiro.

Proteção de áreas sensíveis.

Estruturação dos sistemas municipais de meio ambiente.

Licenciamento ambiental municipal – descentralização com controle.

Representação do órgão estadual licenciador em municípios chaves.

Dimensionamento das redes de ensino e de saúde em conformidade com as previsões de crescimento.

Gestão regionalizada: formação de consórcios, comitês e associações.

Fomento à produção de mudas de espécies nativas.

Recursos para implementação dos programas indicados (Royalties das três esferas).

Fomento de empreendimentos sustentáveis alternativos ao petróleo.

Fomento à pesquisa.

Planejamento de bairros e condomínios.

Programas habitacionais.

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Qualificação da gestão e implementação de programas de qualificação profissional.

Aperfeiçoamento da fiscalização em mar pelos órgãos competentes.

Concursos públicos para corpo técnico dos órgãos ambientais.

Capacitação de conselhos e outros institutos participativos.

Política para controle de invasões e monitoramento de processos migratórios

- Fiscalização – Capacidade de pronta ação.

- Monitoramento de rodoviárias e postos para orientação aos visitantes.

- Política de orientação legal ao cliente em imobiliárias, cartórios e lojas de material de construção.

- Campanhas educativas.

Universidades e Centros de Pesquisas

Levantamento ambiental cooperativo na área do pré-sal.

Pesquisas para impactos pontuais previstos.

Formação de banco de dados.

Consolidação de pesquisas existentes.

Ações voltadas para a pesca

Criação de unidades extrativistas marinhas.

Inclusão de espécies comerciais nas pesquisas sobre os efeitos da sísmica.

Desenvolvimento de amplo e contínuo estudo ambiental em toda a área do pré-sal.

Investimento em equipamentos e embarcações, implantação e ampliação de estaleiros de barcos de pesca artesanais.

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Programas de qualificação e de incentivo ao cooperativismo.

Estruturação de cadeia produtiva.

Recuperação de manguezais.

Definição das rotas para as embarcações de apoio às plataformas, criando uma área de exclusão também para estas embarcações, em proteção à atividade pesqueira.

Síntese

Diferentemente do que ocorreu com a Bacia de Campos, é possível desenvolver um planejamento para a exploração do pré-sal levando em conta os impactos sofridos pelos municípios produtores nos últimos 30 anos.

Este planejamento deve ser conduzido de forma participativa, com contexto regional e focado no desenvolvimento da qualidade de vida das populações das cidades envolvidas.

Dados resumidos do autor

Fernando Marcelo Manhães Tavares, jornalista e ambientalista, nascido em Niterói, morando por vários anos em Brasília, transferindo-se para Macaé em meados da década de 1980 a partir de quando se engajou nos movimentos ambiental e cultural da cidade e região.

Fundador do Partido Verde em Macaé. Fundador e diretor da Associação Macaense de Defesa Ambiental (AMDA). Fundador e diretor da Associação de Imprensa do Distrito Federal (AIDF). Correspondente da Agência Brasileira de Notícias (ABN). Editor da Revista Meio & Ambiente. Editor da Revista Séculus. Editor do Jornal Artenativa. Participante do movimento literário independente brasileiro nas décadas de 1980 e 1990. Vice-Presidente da Agenda 21 Macaé. Presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente e do Conselho da APA do Sana. Presidente da Comissão Organizadora da I Conferência Municipal de Meio Ambiente. Organizador da Feira de Educação Ambiental Macaé Sempre Verde, a primeira feira do gênero do Estado do Rio. Secretário de Meio Ambiente e de Comunicação de Macaé. Finalizando curso de Gestão Ambiental na Universidade Estácio de Sá.

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Fontes e referências

Portal da Prefeitura de Macaé - Secretaria de Comunicação Social – www.macae.rj.gov.br

Artigo “O Pré-sal e o Meio Ambiente” publicado no Jornal do Brasil - 2008 – Fernando Marcelo Tavares

Artigo “O Pré-sal e a Pesca”, publicado nos sites “Envolverde” e “Gente Praias” – 2010 - Fernando Marcelo Tavares

Artigo “Lições para o Pré-sal” publicado no Globo On Line – 2010 – Fernando Marcelo Tavares

Deliberações da I Conferência Municipal de Meio Ambiente - 2005

Arquivos da AMDA – Associação Macaense de Defesa Ambiental

Fotos da apresentação: Rômulo Campos, Luiz Bispo, Kaná Manhães

Imagens de Satélite da apresentação: Geo Macaé - Coordenadoria do Gabinete de Gestão Integrada – GGI

IBGE – Dados populacionais

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PETRÓLEO E DESIGUALDADES EM MACAÉ: ELEMENTOS PARA UMA

ANÁLISE POLÍTICO-FINANCEIRA

Brasilmar Ferreira Nunes (coord)

Cândido Francisco Duarte dos Santos e Silva

Carolina Weiler Thibes

Daniel Moraes

Tatiana Calandrino

Tiago Magaldi Granato Silva

1. Introdução

O presente trabalho foi realizado no âmbito da disciplina “Conflitos

Socioambientais e Urbanos”, sendo fruto de parceria entre alunos e professor.

Utilizando a teoria estudada para melhor compreender a realidade empírica

do Município de Macaé, pretendeu-se construir uma análise crítica da

realidade social, expressa nos indicadores econômicos e sociais levantados.

Tendo em vista o notório aumento das receitas municipais nos últimos

anos e a não-correspondência deste crescimento nas estatísticas sociais

levantadas pelas pesquisas realizadas, questionamos as possíveis raízes desta

disparidade. Neste sentido, o estudo da organização política foi fundamental

para o entendimento acerca dos fatores que estruturam a dinâmica urbana

local, na medida em que permite relacionar a distribuição desigual dos

recursos econômicos a mecanismos de acesso aos recursos políticos. O

objetivo, porém, não é esgotar o entendimento sobre o assunto, pelo

contrário, apenas contribuir para uma leitura mais atenta da relação entre

política urbana e crescimento econômico, na tentativa de identificar alguns

dos elementos que determinam a distribuição dos recursos locais, sem retirá-

los de sua complexidade.

Como fontes para a análise que ora apresentamos, utilizamos dados

disponibilizados pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro,

Prefeitura de Macaé, IBGE, bem como outras pesquisas científicas publicadas.

Em relação ao quadro político geral, foram utilizadas informações disponíveis

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na página do TRE sobre os cargos eminentemente municipais - vereador e

prefeito. Selecionamos as eleições ocorridas nos anos de 2000, 2004 e 2008,

com base no notável aumento da arrecadação do município a partir do ano

2000.

Partindo de informações primordialmente quantitativas sobre a região,

a proposta do presente trabalho é levantar alguns questionamentos mais

aprofundados através do cotejo debates dados com as teorias sociais sobre o

tema do acesso à cidade, construindo uma leitura qualitativa e crítica dos

dados analisados.

A sociologia pode contribuir para o entendimento dos processos de

mudança social ocorridos em Macaé, na medida em que tem por objeto as

relações que constituem as formas de organização de uma determinada

sociedade ou grupo social. A sociologia urbana, pioneiramente a Escola de

Chicago, consolidou a importância de uma análise da dimensão espacial

enquanto fator que exerce forte influência nas modalidades de interação

social. Através da análise dos fenômenos sociais como expressão das relações

sociais constituídas em determinados espaços territoriais, a sociologia urbana

busca decodificar os elos que indivíduos e grupos criam para a vida em

sociedade.

Um dos autores escolhidos sobre o tema das migrações urbanas foi Paul

Singer. Em seu livro Economia Política da Urbanização, o autor fornece

contribuições que são de extrema importância para um adequado estudo das

transformações urbanas, chamando a atenção para as causas sociais que

determinam os movimentos migratórios. Principalmente baseado em seus

trabalhos, buscamos compreender os arranjos institucionais como parte dos

processos de mudança social, analisando quais mecanismos explicam a

restrição do acesso aos recursos almejados por todos a apenas alguns, não

obstante o aumento da receita municipal.

Paul Singer (1975) entende que dois fatores são determinantes nesse

caso: as migrações e a implantação da indústria. Historicamente os

movimentos migratórios internos, aliados à indústria, são responsáveis pela

urbanização, onde a indústria é o elemento transformador capaz de produzir

mudanças de territórios. Através dela tem-se a mudança das técnicas de

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 277

produção, o emprego da tecnologia aliada ao trabalho. Como resultado tem-se

a diversificação de produtos oferecidos, uma maior divisão do trabalho e a

expansão do processo de acumulação de capital.

Importante destacar que a divisão social do trabalho se caracteriza pela

constituição de pontos de produção social, enquanto que a divisão técnica do

trabalho se caracteriza pela delegação de funções, onde quem trabalha em

uma grande linha de produção, sequer sabe quem construiu as demais peças

da grande engrenagem chamada indústria. Em outros termos, “divisão social

do trabalho” se refere à expansão de postos de trabalho no setor produtivo,

enquanto “divisão técnica do trabalho” diz respeito à distribuição das tarefas

dentro de uma unidade de produção específica; a primeira se passa no

mercado e a segunda no espaço interno da fábrica.

À luz do pensamento de Singer as cidades se tornam importantes, pois

seria a partir das já citadas migrações que formam um circulo virtuoso entre

cidade e indústria. A indústria vai se localizar onde exista seja matéria prima,

seja força de trabalho, seja mercado para seus produtos. È em áreas urbanas

que estas vantagens locacionais se manifestam com mais facilidade e se

tornam o ambiente propício para a implantação das indústrias. A teoria

econômica vai chamar esse fenômeno de “economias de aglomeração” ou

“economias de urbanização”. Em geral, tem-se a transformação da matéria

prima em bens de consumo de forma facilitada quando se tem água, energia e

serviços obtidos com menor esforço, e toda a gama de infra-estrutura que

constituem os chamados serviços coletivos urbanos.

Assim, a implantação das cidades e a fixação da indústria se processa

dentro da lógica do mercado, que através da oferta de empregos e de uma

remuneração relativamente superior funciona como um mecanismo de atração

de força de trabalho para atender à demanda industrial. Logo, na visão de

Singer, tem-se uma espécie de racionalidade utilitarista, onde cidade e

indústria andam lado a lado. Destaca-se que em uma sociedade capitalista, o

mercado não funciona sem o Estado, é insuficiente sem o Estado.

Neste diapasão, a cidade se torna uma unidade coletiva de reprodução

de força de trabalho, onde em tese se busca salários justos, onde o

capitalismo atinge sua essência básica, ou seja, quem produz mais recebe

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 278

melhores salários e em conseqüência tem-se um maior consumo. A busca pela

felicidade se faz presente numa racionalidade estratégica, calcada no

utilitarismo.

O utilitarismo propugnado por John Stuart Mill (2000) é conhecido como

a ética do capitalismo, mas será que existe ética no capitalismo? O

utilitarismo se baseia na busca pela felicidade como a essência do homem, o

que gera a idéia de acumulação de bens, o consumismo, a produção em larga

escala, a busca pelo lucro; os efeitos nefastos dessa lógica se manifestam, por

exemplo, na falta de políticas que objetivem o desenvolvimento mais

igualitário, na medida em que a concorrência é quem define a dinâmica do

sistema.

A ética utilitarista na esfera empresarial pode denotar, efetivamente, a

idéia do “levar vantagem a qualquer preço”, por parte das empresas em

relação aos seus empregados como em relação à sociedade como um todo. De

fato, essa lógica alcança tanto os empresários como a própria força de

trabalho, numa lógica concorrencial onde as partes interessadas estão sempre

à procura de melhorar seus ganhos, dada a produtividade alcançada no

sistema produtivo. A famosa luta pela absorção de maior parcela da mais-valia

gerada gera um movimento de contínua mudança dentro do sistema

produtivo, onde os capitalistas procuram sempre poupar trabalho e os

trabalhadores sempre procurando absorver mais daquilo que produzem.

Dentro desse nosso raciocínio e trazendo essa questão para o nosso

objeto de analise (o município de Macaé) podemos supor que a dinâmica de

crescimento da cidade se faz a partir de uma visão utilitarista. Em outros

termos, as migrações, iniciadas na década de 1970, com o advento da

indústria petrolífera, passa a ser vista como fonte de enriquecimento pessoal

de determinados indivíduos ou grupos locais.

Nesta perspectiva, o presente trabalho é resultado de uma leitura

interdisciplinar dos dados coletados, com vistas a ampliar a discussão acerca

das transformações ligadas ao aumento da receita dos Municípios da região

Norte Fluminense, em razão dos royalties advindos da exploração do Petróleo,

questionando se as mudanças ocorridas com o aumento das receitas são

refletidas no desenvolvimento social e quais fatores determinam e estruturam

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 279

a dinâmica social observada.

Estamos, portanto, considerando que o excedente recuperado pelo

Estado, através de impostos e taxas, é parte de uma riqueza gerada

socialmente e há a expectativa de que seriam recursos a serem aplicados na

melhoria das condições gerais da produção e da reprodução da força de

trabalho. Sua distribuição entre assalariados e capitalistas, tem a função

primeira de garantir a operacionalização das atividades econômicas, e, desta

forma, assegurar melhores condições de vida e de geração de emprego e

renda.

2. Estrutura Econômico-Financeira do Município de Macaé

Com o fito de darmos início à discussão sobre a estrutura financeira do

Município Macaé faremos uma rápida passagem pelas informações da dinâmica

populacional local. Conforme apontado no gráfico abaixo, nota-se um

crescimento populacional de 56% (cinqüenta e seis por cento) em dez anos,

ocasionado por fatores de atração gerados pela indústria petrolífera ali

instalada. Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (2009)

0

50.000

100.000

150.000

200.000

250.000

300.000

350.000

400.000

450.000

500.000

2000 2010

Macaé  56%

Campos dosGoytacazes  14%

Cabo Frio  47%

Crescimento Populacional de 2000 à 2010

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Todavia, o crescimento populacional que Macaé experimentou nos

últimos anos ultrapassa a média regional e esse fenômeno merece alguma

explicação. A melhor maneira de se perceber o crescimento acelerado da

população municipal é compará-la com os municípios vizinhos que formam a

micro-região do Norte fluminense. Ao compararmos o crescimento

populacional de Macaé com os municípios de Campos dos Goytacazes e Cabo

Frio, as duas maiores cidades da área, observamos uma desproporção no

crescimento de Macaé. Esta disparidade pode ser justificada pela chegada da

indústria do petróleo neste município. Podemos, no entanto, questionar por

que Campos dos Goytacazes, distante cerca de 110km de Macaé1, não foi tão

afetado pelo fenômeno das migrações, visto que também dispõe de farta

indústria petrolífera. Uma das possíveis justificativas é ser o pólo petrolífero

macaense mais recente do que o campista, já que a Lei do Petróleo2 data de

1997, quando se acelera a exploração local do petróleo. Campos dos

Goytacazes é reputado como município petrolífero desde 1976, quando a

Petrobrás perfurou o primeiro poço de petróleo na Bacia de Campos3,

enquanto Macaé tem sua economia beneficiada com o incremento da

arrecadação de royalties4 no período entre 2000 – 2010, justamente quando

tem seu crescimento populacional impulsionado. Assim, uma de nossas

hipóteses é de que Macaé se privilegia do fato de ter sua indústria petrolífera

ainda recente o que impacta com mais vigor as taxas de crescimento

populacional na cidade.

O município de Cabo Frio, assim como o de Campos dos Goytacazes,

possui também razões consideráveis para um crescimento populacional

relevante, pois têm suas atividades turísticas bastante desenvolvida, além

1 Conforme informações constantes no site:

http://www.clickmacae.com.br/?sec=90&pag=pagina&cod=58; acesso em 01 de fevereiro de 2011.

2 Lei do Petróleo: lei ordinária n° 9.478 de 06 de agosto de 1997, que marca o fim do monopólio estatal do petróleo da União nas atividades relacionadas à exploração, produção, refino e transporte do petróleo no Brasil, o qual era exercido pela Petrobras até aquela data

3 Conforme informações constantes no site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Petr%C3%B3leo#O_petr.C3.B3leo_no_Brasil; acesso em 01 de fevereiro de 2011.

4 Royalties: terminologia utilizada para designar um valor que deve ser pago ao proprietário de um território pela exploração dos recursos ali existentes, ou ao detentor de uma patente pela exploração industrial de sua invenção

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 281

de também se beneficiar da arrecadação de royalties. No entanto, verificamos

um aumento da população cabofriense de 47% nos últimos dez anos, ou seja,

9% menor do que o de Macaé. Tais estatísticas evidenciam o crescente e

intenso dinamismo deste município, apontando para a consolidação de um

novo pólo de crescimento urbano na região.

De início, bastaria apontar que Macaé teve no ano de 2009 uma

arrecadação total de R$1.113.363.121,615 (um bilhão, cento e treze milhões,

trezentos e sessenta e três mil, cento e vinte e um reais, e sessenta e um

centavos), o que corresponde a um crescimento em sua receita de mais de

683% (seiscentos e oitenta e três) em menos de 10 anos. Da análise do gráfico

abaixo, percebe-se claramente que até o ano de 2005 a maior fonte de renda

do Município era proveniente dos Royalties, que correspondia a mais de 50%

da receita total, englobando receitas próprias (tributos municipais) e receitas

correntes (transferências constitucionais – FPM, ICMS e Royalties).

0,00

200.000.000,00

400.000.000,00

600.000.000,00

800.000.000,00

1.000.000.000,00

1.200.000.000,00

2000 2002 2005 2009Receita arrecadada 162.905.167,96 343.006.233,04 664.269.079,66 1.113.363.121,61

Despesas  realizadas 142.248.234,07 246.242.432,05 621.310.928,89 1.055.171.636,47

Royalties 86.219.323,80 189.410.248,83 358.732.976,02 355.889.013,19

Título do Eixo

CRESCIMENTO ECONÔMICO

Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro

Entretanto, a partir de 2003 iniciou-se uma mudança radical na

arrecadação do município, não mais ocasionada pela transferências dos

Royalties, que estabilizou a partir de 2005 em torno de R$ 350.000.000,00

(trezentos e cinqüenta milhões de reais) anuais, mas sim pelo crescimento do

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mercado formal de apoio ao petróleo (industrias, comercio, empresas

terceirizadas, etc) para atender as novas demandas do local. Essa constatação

é significativa pois aponta para o fato de que a industria petrolífera tem

efeitos multiplicadores positivos evidentes e pode garantir uma expansão

econômica sustentável a médio e longo prazo. Acerca da influencia das

grandes industrias na dinâmica local, Rosélia Piquet explica que:

É nesse segmento que se concentram os maiores efeitos multiplicadores, e onde a escala e a especificidade dos materiais e serviços necessários são tantas que raro paises podem oferecer, competitivamente, a totalidade desses bens e serviços. (...) Desse modo, para atender à petroleiras nas atividades de exploração e produção, geralmente ocorre uma divisão de mercado em que as tarefas mais sofisticadas e mais rentáveis permanecem nas mãos das grandes empresas (nacionais ou transnacionais), enquanto os serviços e equipamentos de baixo conteúdo tecnológico são encomendados a empresas menores, de âmbito local6.

O vertiginoso crescimento do setor formal das indústrias de apoio e

comércio local pode ser constatado pela explosão na arrecadação anual do

Imposto Sobre Serviços e na transferência de receita decorrente do ICMS.

Tamanho foi o crescimento do setor de apoio à indústria de petróleo que, em

2009, as divisas geradas pela prestação de serviços e pela circulação de

mercadorias e serviços foi de R$ 394.503.460,00 (trezentos e noventa e quatro

milhões, quinhentos e três mil e quatrocentos e sessenta reais), ultrapassando

a transferência dos Royalties, ou seja, as maiores receitas não são mais

diretamente provenientes do petróleo.

O principal responsável por essa superação foi a prestação de serviços

no Município, que arrecadou em 2009 R$ 207.545.425, 06 (duzentos e sete

milhões, quinhentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e cinco reais

e seis centavos). Tomando-se como base a alíquota de 5% (cinco por cento)

sobre o serviço prestado, constata-se que no setor formal de prestação de

serviços circulou em Macaé a astronômica quantia de R$ 4.150.908.501,20

(quatro bilhões, cento e cinqüenta milhões, novecentos e oito mil, quinhentos

e um reais, e vinte centavos). Estes dados apontam que Macaé não sofre do

6 Petróleo e região no Brasil: o desafio da abundancia / Rosélia Piquet e Rodrigo Serra, organizadores – Rio de Janeiro: Garamond, 2007, pág. 24.

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maior problema enfrentado pela totalidade dos municípios brasileiros, qual

seja, a falta de recursos. Então é de se questionar: se o quadro econômico em

Macaé é favorável, quais são os fatores que a inviabilizam ser uma referência

nacional em desenvolvimento urbano?

Para se chegar a possíveis indicadores, passa-se à análise das despesas

realizadas pelo Município. Seguindo o crescimento da arrecadação, as

despesas cresceram absurdamente em mais de 740% (setecentos e quarenta

por cento) em menos de 10 (dez) anos, chegando em 2009 ao montante de R$

1.055.171.636,47 (um bilhão, cinqüenta e cinco milhões, cento e setenta e

um mil, e quarenta e sete centavos). Poder-se-ia argumentar que os

investimentos em infra-estrutura, educação, saúde, não permitem um

incremento nos índices sociais. Entretanto, estas hipóteses parecem não

serem confirmadas pelas contas públicas. Destas constata-se que as maiores

despesas com o município é com sua folha de pagamento. Em 2000, a despesa

com pessoal foi de 50.232474,61 (cinqüenta milhões, duzentos e trinta e dois

mil, quatrocentos e setenta e quatro mil, e sessenta e um centavos). Já em

2009, a despesa com pessoal foi de R$ 455.365.516,73 (quatrocentos e

cinqüenta e cinco milhões, trezentos e sessenta e cinco mil, quintos e

dezesseis reais e setenta e três centavos), crescendo quase 1000% (um mil por

cento) em menos de 10 anos, para um crescimento populacional de 56%.

E o que justifica tais gastos? Caberia esclarecer que despesa com

pessoal corresponde a pagamento dos salários, gratificações e diárias do

quadro do funcionalismo municipal. Dessa forma, os dados não confirmam a

hipótese de que os investimentos e a estruturação da máquina pública são os

fatores responsáveis pelo aumento dos gastos públicos e pelo impedimento de

um maior desenvolvimento urbano em Macaé. Parece, sim, apontar para uma

outra hipótese: em razão da disponibilidade de recursos e dos gastos com

pessoal constatados haveria uma irracionalidade no processo decisório sobre a

aplicação das receitas municipais. Como a decisão de gastos públicos tem um

forte componente político, seria estratégica uma análise crítica da situação

político-administrativa, para se investigar a representação política de Macaé

nos últimos 10 (dez) anos.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 284

3. População urbana e rural na região do petróleo fluminense

Nos gráficos abaixo, compara-se o crescimento da população urbana e

rural nos municípios de Macaé, Campos dos Goytacazes e Cabo Frio, nos anos

2000 e 2010. Constata-se que Macaé foi o município em que a população

urbana teve maior crescimento (95%-98%) dentre as três consideradas aqui.

Esta migração para a zona urbana certamente advém do aumento dos

royalties, graças à Lei do Petróleo sancionada em 1997. O incremento na

arrecadação refletiu diretamente no crescimento do setor formal de

prestação de serviços, que como mostrou o gráfico de Crescimento

Econômico, teve um aumento exponencial, superando inclusive a arrecadação

anual do Imposto Sobre Serviços e na transferência de receita decorrente do

ICMS. O município de Campos dos Goytacazes também apresenta um leve

crescimento urbano (89%-90%), levando-nos a concluir que a atividade

petrolífera produz impactos sobretudo urbanos. Essa tendência à

urbanização máxima, no entanto, não é regra para os municípios limítrofes

como Cabo Frio, cuja população rural cresceu em relação à urbana (16%-25%)

no período de 2000-2010. Embora não estejamos tratando dessa cidade

especificamente não seria estranho que Cabo Frio se especialize ainda mais

nas atividades turísticas (beneficiando-se da renda familiar dos municípios

petrolíferos vizinhos) como também na produção agrícola para um mercado

urbano em expansão.

Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (2009)

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Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (2009)

Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (2009)

Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (2009)

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Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (2009)

Fonte: Tribunal de Contas do Rio de Janeiro Apesar de Macaé, Campos dos Goytacazes e Cabo Frio serem

beneficiados com a arrecadação de royalties, seus índices educacionais não

condizem com tal rendimento. Os gráficos abaixo mostram a oscilação de

concluintes dos Ensinos Fundamental e Médios nestes três municípios. Em

Macaé observamos um aumento de quatrocentos mil concluintes do Ensino

Médio entre 1998 e 2000, mas que a partir de 2001 até 2007 tende a se

estabilizar. Este “boom” no Ensino Médio macaense pode ser uma resposta à

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 287

demanda por mão de obra mais qualificada no setor formal, impulsionado pela

Lei do Petróleo de 1997.

4. Alguns elementos para a análise da situação política de Macaé

Conforme estamos percebendo ao longo do texto, o município dde

Maca[e dispõe de elevadas receitas e portanto capacidade financeira para

atender as demandas sociais. Entretanto, a seguinte pergunta pode ser

levantada: o que impede que a cidade de Macaé realize as obras de infra-

estrutura necessárias a toda a sua população, uma vez que dispõe de recursos

para tal? Se voltarmos aos dados apresentados no início deste trabalho,

notaremos que, a partir do ano 2000, as despesas, assim como a arrecadação,

disparam em proporções quase idênticas. Mas, se parte da população segue

sem equipagem urbana, qual o destino desse vultoso montante?

Essa parte do trabalho se propõe a enfrentar o problema sob o viés da

estrutura política local. Sabemos das infinitas variáveis a serem analisadas

quando se trata de discutir política – notadamente as inter-relações políticas

entre os âmbitos municipais, estaduais e federais – ainda mais em uma região

estratégica para a economia nacional -, mas procuraremos nos ater à

flutuação política local e às conclusões (limitadas) que podemos tirar de sua

análise.

Inicialmente, procuraremos estabelecer um quadro político geral. Para

tal, nos utilizaremos dos resultados eleitorais dos pleitos para a vereança e

prefeitura nas eleições de 2000, 2004 e 2008. Como a pesquisa ainda se

encontra em seus primeiros estágios, decidimos escolher os pleitos mais

significativos quanto ao momento da explosão na arrecadação do município:

como vimos na análise da estrutura econômico-financeira, ela acontece a

partir do ano 2000.

Temos, portanto, um “antes” e um “depois” da explosão da

arrecadação. Conseqüentemente, teremos também um fluxo migratório, como

já demonstrado. Entretanto, um olhar atento aos resultados eleitorais nesse

período indica que não houve mudanças significativas na estrutura política

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 288

local7.

Tanto os números das eleições para a prefeitura quanto os para a

vereança contam a história 1) da ascensão e declínio total do PSDB na cidade,

ainda que suas principais figuras sigam sob a sigla do PMDB; e 2) da ascensão

deste como hegemônico. Num certo sentido, a estrutura político partidária

local repete a dinâmica estadual e nacional com a perda de importância do

PSDB e a consolidação do PMDB. A chamada “esquerda” não pode ainda ser

considerada representativa a nível local. Observando a evolução das tabelas

de vereadores e prefeitos eleitos de Macaé, podemos notar uma clara

mudança na hegemonia política: se em 2000 o prefeito era tucano e contava

com cinco companheiros de partido na câmara mais um vereador do PST

eleito em coligação, contra quatro peemedebistas, em 2008 o quadro muda

completamente: teremos um prefeito do PMDB com 5 vereadores mais 1

vereador petista.

A mudança partidária parece não significar, entretanto, uma mudança

nas pessoas que efetivamente exercem o poder. Temos nesse sentido o

exemplo do atual prefeito, Riverton Mussi. Eleito vereador pela primeira vez

em 1992, foi reeleito por duas vezes. Em 2004 fez-se prefeito e em 2006

filiou-se ao PMDB. A mesma migração PSDB-PMDB ocorreu nas eleições de

2008, com os três vereadores mais votados: George Coutinho Jardim, Julio

César de Barros e Paulo Fernando Martins Antunes. Some-se a esses mais um,

Teodomiro de Carvalho, eleito vereador pelo PSDB em 2000, reaparecendo em

2008, eleito pelo PMDB. Outro dado interessante, que consolida o quadro da

(ausência de) fidelidade partidária na cidade: com exceção de 3 vereadores

de primeiro mandato, todos os atuais vereadores de Macaé trocaram de

partido pelo menos uma vez entre as eleições de 2000 e 2008, sendo que a

maioria dos que foram reeleitos em 2008 trocaram de partido mais de uma

vez nesse período, passando pelo PSDB e chegando ao PMDB.

O auge da hegemonia tucana se dá nas eleições de 2004, quando o PSDB

faz 6 vereadores. Nesse ano não foi eleito nenhum peemedebista e 2 petistas.

Mas é na legislatura de 2004 que o quadro parece mudar a favor do PMDB.

Podemos levantar a hipótese de que esta mudança de ventos está diretamente 7 As tabelas contendo os resultados das eleições municipais 2000, 2004 e 2008, utilizadas para esta

análise, se encontram no Anexo

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 289

relacionada à ascensão de Rosinha Garotinho, do PMDB, ao governo do estado

do Rio de Janeiro. É bem provável que a ascensão do PMDB ao governo do

estado tenha precipitado uma “corrida” aos seus quadros durante a legislatura

de 2004-2008, o que explicaria a imigração dos três vereadores mais votados

em 2008, entre outros, do PSDB para o PMDB, além da migração do próprio

prefeito, em 2006. Observamos ainda nessa análise de médio prazo que a

“dança das cadeiras” típica da política nacional se repete também a nível

local, tudo indicando que os partidos políticos são siglas simplesmente de

hospedagem de candidatos, não refletindo uma consciência ideológica da

política. Escolhe-se o partido em razão de conveniências mais pessoais do que

necessariamente Políticas.

Podemos agora observar a evolução dos votos nas eleições para

prefeito. O PSDB foi eleito para a prefeitura em 2000 (Sylvio Lopes Teixeira) e

2004 (Riverton Mussi). Em 2006 Mussi se filia ao PMDB. Nas eleições de 2008,

Sylvio Lopes disputa novamente a prefeitura pelo PSDB mas, diferentemente

de 2000, quando obteve 46% dos votos e foi eleito, dessa feita obteve apenas

18%, o que lhe deu o 3º lugar na disputa. Em segundo lugar ficou Aluízio dos

Santos, do PV, que havia participado da gestão de Mussi – ou seja, cria do

governo peemedebista.

O PSDB foi, então, de 46,6% na eleição pra prefeitura em 2000 para

50,5 % em 2004 e 18,1% em 2008; na câmara, foi de 12,7% dos votos totais

(mais de um terço dos votos dos vereadores eleitos somados) em 2000 para

14,8% em 2004, caindo para 2,5% nas eleições de 2008.

Uma história paralela ao de nossos antagonistas - PMDB e PSDB - é a da

extinção eleitoral do PDT e do PFL, atual DEM. Esses partidos, apesar de

terem feito, em coligação, quatro vereadores em 2000, sumiram em 2004 e

assim ficaram nas eleições de 2008. Apenas dois vereadores desses 4 se

mantiveram desde 2000. Mas hoje encontram-se, ambos - Paulo Fernando

Martins Antunes (ex-PFL) e Eduardo Cardoso Gonçalves da Silva (ex-PDT) -, no

PMDB. Não escaparam ao “magnetismo eleitoral” do PMDB.

Todos os vereadores atuais, à exceção de três, que cumprem 1º

mandato, estão atualmente em partido distinto do qual tenha sido eleito em

2000 e 2004. Exemplo ideal da lógica política local parece ser o atual

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 290

vereador George Coutinho Jardim. Eleito em 2000 pelo PST, em 2004 pelo

PSDB e, finalmente em 2008 pelo PMDB, tendo sido o mais votado do pleito.

Em suma, as siglas mudam, mas os personagens são os mesmos. Dos

atuais doze vereadores, independentemente de mudança de partido, oito já

tiveram mandato em 2000 ou 2004. Ou seja, são os partidos que centralizam

as possibilidades de eleição, e os candidatos flutuam de acordo com o que

imaginam ser a melhor posição para serem eleitos. In casu, o PMDB parece ser

para onde tendem os candidatos.

Provavelmente isto está relacionado com a ascensão do PMDB-PT ao

governo do estado (Anthony Garotinho de 1999 a 2002, Benedita de 2002 a

2003 e Rosinha Garotinho de 2003 a 2007), ainda mais sendo o Norte

Fluminense o berço político do casal Garotinho.

Delineado o quadro político, cabem algumas considerações. Podemos

notar como seria escorregadio analisar o quadro político levando em

consideração os partidos políticos como atores principais. O quadro eleitoral

parece ser definido em função da atuação de pequenos grupos, cujo centro de

gravidade são os próprios candidatos, que flutuam de acordo com as

possibilidades eleitorais. Atualmente, o PMDB é o partido que mais atrai

candidatos.

Mas essa descrição, por si só, não é suficiente para jogar luz sobre

nossa pergunta inicial: o que impede que a cidade de Macaé realize as obras

de infra-estrutura necessárias a toda a sua população, uma vez que dispõe de

recursos para tal?

Uma hipótese sobre a qual podemos trabalhar é a de que a estrutura

política local não é permeável aos anseios das áreas periféricas, recém-

formadas pelo fluxo migratório originado em função da explosão da atividade

econômica. Mesmo tendo sua população aumentada em 56% de 2000 a 2010,

levando a uma acumulação de problemas urbanos, o panorama político não

mostra sinais de mudanças no exercício do poder: os mesmos grupos se

mantêm. Portanto, ou um) os atuais atores políticos incorporaram as

demandas da população periférica em seus discursos, mas pouco realizando na

prática, ou 2) nega-lhe a participação no debate público, não incorporando

suas demandas e não abrindo outros canais de participação.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 291

Assim posto, começamos a clarear a questão. Mais revelador,

entretanto, sendo fundamental na linha de raciocínio que aqui se segue, é

observar, como citado acima, o crescimento das despesas realizadas em

comparação com o investimento em infra-estrutura urbana: os dados revelam

que grande parte do montante é gasto com pessoal. Se isso é fato, comprova

uma cultura política interiorana no Brasil onde pequenos grupos monopolizam

certos partidos e recursos institucionais, conseguindo reproduzir uma elite

pouco progressista, não havendo uma distribuição mais democrática dos

recursos urbanos. Cai-se assim num círculo vicioso de fazer política onde as

desigualdades sustentam uma dinâmica urbana extremamente segmentada e

excludente.

Analisando as contas, verificamos que o maior fator de crescimento das

despesas foi com gastos com pessoal (ou seja, folha de pagamento). Isto

derruba a argumentação de que a Administração de Macaé tem investido

muito em equipamento urbano para atender as novas demandas do Município.

5. Alguns elementos conclusivos preliminares

Nos quadros de nossa análise não tivemos oportunidade de aprofundar

uma serie de aspectos que seriam esclarecedores da situação urbana de

Macaé. O município é rico, diríamos mesmo “milionário”, sobretudo se

comparado aos demais municípios de mesmo porte seja no Estado do Rio de

Janeiro, seja mesmo no Brasil. Estamos habituados à lamúria dos

administradores municipais sobre a carência de recursos para investimentos

urbanos, um argumento que se repete rotineiramente no Brasil todo.

Entretanto, quando nos deparamos com uma situação como essa de Macaé,

onde as receitas municipais são absolutamente adequadas e verificamos a

carência generalizada de serviços básicos para parcelas importantes da

população, é o momento para levantarmos algumas suposições.

Nosso enfoque aqui foi sobre a estrutura político-partidária que governa

o município nesses últimos anos. Estamos considerando que a alocação de

recursos de políticas públicas é uma decisão política que envolve tanto o

poder executivo como o legislativo local. Se assim o é, estaria ali talvez uma

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 292

das explicações dessa situação aparentemente contraditória: há recursos

financeiros, não há ações de melhoria geral das condições de vida da

população, sobretudo a da periferia da cidade.

Sabemos que houve uma explosão demográfica no município, uma

população que se dirigiu sobretudo para sua área urbana, pressionando tanto

o mercado de trabalho quanto a capacidade de atender às novas demandas

por serviços e equipamentos urbanos. Esse descompasso entre oferta e

demanda (regra geral em situação com intenso crescimento populacional)

pode ser entendido como um fenômeno conjuntural: demanda cresce

exponencialmente e a oferta cresce aritmeticamente gerando os déficits.

Pelas rápidas informações sobre a estrutura político partidária, vimos

que a cidade se caracteriza pela sua cultura política tradicional, num

evidente descompasso com a sua atividade econômica moderna e atual. A

ausência de canais de expressão de demandas sociais que poderia relacionar a

administração local e as populações do município talvez seja o principal fator

de entrave na modernização da prática política local. Ao mesmo tempo, o

domínio de oligarquias políticas tradicionais na região de certa forma

restringe as possibilidades de inovação nas praticas que regulam a relação

poder público versus comunidade. A democracia pressupõe códigos formais de

gestão e de relacionamento. É necessário dominá-los para poder jogar o jogo.

Na medida em que tais códigos fiquem restritos a uma elite política

tradicional, não havendo formas de ampliar a sua difusão entre os grupos

interessados, criam-se o ambiente propicio para uma cultura clientelística,

onde gastos com pessoal justifica toda e qualquer ação por mais irracional que

possa parecer.

Teríamos que ter tido condições de trabalhar mais com informações

sobre os movimentos sociais que certamente ocorrem fora da esfera da

política partidária local. Estaria talvez aí o gargalo que legitima estas práticas

e reproduz num dos municípios mais ricos do país um cenário de déficits e

atrasos nas condições gerais de vida de sua gente. Tudo está apontando para

uma realidade peculiar onde o acesso a um emprego (de preferência bem

remunerado) acalma as demandas por melhores condições, repassadas para

um futuro incerto.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 293

Tais aspectos são importantes, sobretudo porque se discute muito hoje

no Brasil o destino dos royalties do petróleo e fica difícil justificar a sua atual

distribuição quando não temos o impacto positivo das atuais medidas sobre a

vida cotidiana dos moradores. A questão é, portanto, muito mais complexa do

que aparenta.

6. Bibliografia consultada

ARAÚJO, Faber Paganoto. Migrantes ricos e migrantes pobres: a herança da economia

do petróleo em Macaé/RJ. IV Encontro Nacional Sobre Migrações, 2005, Rio de Janeiro. Anais

do IV Encontro Nacional Sobre Migrações, 2005.

CONSÓRCIO RIONOR/PETROBRÁS. Plano de Desenvolvimento Sustentável do Norte do

Estado do Rio de Janeiro – Análise Situacional, Volume I, 2� parte (2010).

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, Editora UNESP, 1991.

MILL, John Stuart. Utilitarismo. São Paulo: Martins Fontes Editora, 2000.

PARK, Robert Ezra. A cidade: sugestões para investigação do comportamento humano

no meio urbano in VELHO, Otávio (Org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro, Jorge Zahar

Editora, 1979.

SINGER, Paul. Migrações internas: considerações teóricas sobre o seu estudo in

Economia Política da urbanização. São Paulo, Editora Brasiliense, 1975.

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Estudos Sócio-Econômicos dos

Municípios do Estado do Rio de Janeiro (2009) – Macaé. Consultado no dia 10/11/2010, em

www.tce.rj.gov.br.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 294

ANEXO – Tabelas Eleitorais

• Eleições para prefeitura de 2000 a 2008

• Eleições para a vereança Macaé – 2000

ELEIÇÕES PREFEITURA MACAÉ 2008

UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV RJ MACAÉ Prefeito RIVERTON MUSSI RAMOS 15 PMDB Eleito 41.026 41,64

RJ MACAÉ Prefeito ALUIZIO DOS SANTOS JUNIOR 43 PV

Não eleito 38.072 38,64

RJ MACAÉ Prefeito SILVIO LOPES TEIXEIRA 45 PSDB Não eleito 17.815 18,08

RJ MACAÉ Prefeito ANTONIO DE SOUZA FRANCO 21 PCB

Não eleito 1.295 1,31

RJ MACAÉ Prefeito ALEXANDRE ELIAS DA SILVA 16 PSTU

Não eleito 321 0,33

ELEIÇÕES PREFEITURA MACAÉ 2004

UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV

RJ Macaé Prefeito ANTONIO DE SOUZA FRANCO 26 PAN

NÃO ELEITO 2992 3.805

RJ Macaé Prefeito RIVERTON MUSSI RAMOS 45 PSDB ELEITO 39726 50.518

RJ Macaé Prefeito MIRIAM SANTOS MANCEBO REID 25 PFL

NÃO ELEITO 0 0

RJ Macaé Prefeito CARLOS FREDERICO KOHLER 15 PMDB

NÃO ELEITO 35919 45.677

ELEIÇÕES PREFEITURA MACAÉ 2000

UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV

RJ Macaé Prefeito DARLAN CÉZAR SIMÕES PINHEIRO 22 PL

NÃO ELEITO 825 1.272

RJ Macaé Prefeito MIRIAM SANTOS MANCEBO REID 12 PDT

NÃO ELEITO 25322 39.048

RJ Macaé Prefeito SYLVIO LOPES TEIXEIRA 45 PSDB Eleito 30246 46.641

RJ Macaé Prefeito PÉRICLES VELLOSO DE ASSIS 36 PRN

NÃO ELEITO 210 0.324

RJ Macaé Prefeito PAULO JOSÉ TAVARES LESSA 15 PMDB

NÃO ELEITO 8245 12.714

Page 294: PDF compilado

Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 295

Justiça Eleitoral - Eleições Municipais 2000 Consulta de Resultados Eleitorais - Resultado da Eleição UF (RIO DE JANEIRO) - Município (MACAE) - Cargo (VEREADOR) - Situação (ELEITO E ELEITO POR MÉDIA) - Partido (TODOS) 03/12/2010 - 01:15:53 - Dados sujeitos a alteração Última atualização em: 27/10/2005 UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV Coligação

RJ MACAÉ Vereador CARLOS FREDERICO KOHLER 45630 PSDB Eleito 1723 2,581 PSDB / PST

RJ MACAÉ Vereador RIVERTON MUSSI RAMOS 45699 PSDB Eleito 1560 2,337 PSDB / PST

RJ MACAÉ Vereador PAULO ROBERTO PAES DE OLIVEIRA 45658 PSDB Eleito 1500 2,247 PSDB / PST

RJ MACAÉ Vereador PAULO NOVAES 25125 PFL Eleito 1402 1,402 PDT / PFL / PPB

RJ MACAÉ Vereador JÚLIO CÉSAR DE BARROS 33613 PMN Eleito 1386 2,076 PMN / PRP

RJ MACAÉ Vereador GILSO PESSANHA MACHADO 45677 PSDB Eleito 1288 1,93 PSDB / PST

RJ MACAÉ Vereador GEORGE COUTINHO JARDIM 18654 PST Eleito 1268 1,9 PSDB / PST

RJ MACAÉ Vereador JOSÉ CARLOS DE SOUZA CRESPO 33660 PMN Eleito 1152 1,726 PMN / PRP

RJ MACAÉ Vereador TEODOMIRO BITTENCOURT FILHO 45620 PSDB Eleito 1108 1,66 PSDB / PST

RJ MACAÉ Vereador EDUARDO CARDOSO GONÇALVES 12668 PDT Eleito 1098 1,645 PDT / PFL / PPB

RJ MACAÉ Vereador JOÃO SÉRGIO DE LIMA 15690 PMDB Eleito 1091 1,635 PMDB / PTB

RJ MACAÉ Vereador LUCIANO ANTÔNIO DINIZ CALDAS 13650 PT Eleito 1065 1,596

RJ MACAÉ Vereador RAMON MENA DE OLIVEIRA 15963 PMDB Eleito 1056 1,582 PMDB / PTB

RJ MACAÉ Vereador PAULO FERNANDO MARTINS ANTUNES 25120 PFL Eleito 986 1,447 PDT / PFL / PPB

RJ MACAÉ Vereador RONALDO GOMES PEREIRA 70369

PT do B Eleito 893 1,338 PTdoB / PSL

RJ MACAÉ Vereador MÁRCIO RODRIGUES BARCELOS 12456 PDT Eleito 880 1,318 PDT / PFL / PPB

RJ MACAÉ Vereador WALDECI BRANDÃO WILLEMEN 15111 PMDB Eleito 839 1,257 PMDB / PTB

RJ MACAÉ Vereador EDINALDO CARMO SILVA DE OLIVEIRA 23633 PPS Eleito 806 1,208 PPS / PSDC

RJ MACAÉ Vereador IZAQUEU DA CUNHA MARTINS 70670

PT do B Eleito 606 0,908 PTdoB / PSL

RJ MACAÉ Vereador ELIO TAVARES LESSA 70123 PT do B Eleito 601 0,9 PTdoB / PSL

RJ MACAÉ Vereador ANTÔNIO FRANCO DE CARVALHO 41234 PSD Eleito 497 0,745

Page 295: PDF compilado

Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 296

• Eleições para a vereança Macaé – 2004

Justiça Eleitoral - Eleições Municipais 2004 Consulta de Resultados Eleitorais - Resultado da Eleição UF (RIO DE JANEIRO) - Município (MACAE) - Cargo (VEREADOR) - Situação (ELEITO E ELEITO POR MÉDIA) - Partido (TODOS) 02/12/2010 - 18:51:47 - Dados sujeitos a alteração Última atualização em: 06/03/2008 UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV Coligação

RJ MACAÉ Vereador PAULO ROBERTO PAES DE OLIVEIRA 45658 PSDB Eleito 3,373 4,162 Sem coligação

RJ MACAÉ Vereador PEDRO REIS PEREIRA 45123 PSDB Eleito 3,055 3,77 Sem coligação

RJ MACAÉ Vereador PAULO FERNANDO MARTINS ANTUNES 45615 PSDB Eleito 2,921 3,604 Sem coligação

RJ MACAÉ Vereador MARIA HELENA DE SIQUEIRA SALLES 45601 PSDB Eleito 2,833 3,496 Sem coligação

RJ MACAÉ Vereador GEORGE COUTINHO JARDIM 45678 PSDB Eleito 2,571 3,172 Sem coligação

RJ MACAÉ Vereador LUIZ FERNANDO BORBA PESSANHA 36789 PTC Eleito 2,51 3,097 PSC / PTC

RJ MACAÉ Vereador JULIO CESAR DE BARROS 45613 PSDB Eleito 2,429 2,997 Sem coligação

RJ MACAÉ Vereador FRANCISCO ALVES MACHADO NETO 19611 PTN Eleito 2,218 2,737 PTN / PSDC

RJ MACAÉ Vereador EDUARDO CARDOSO GONÇALVES DA SILVA 23668 PPS Eleito 2,062 2,544 PDT / PPS

RJ MACAÉ Vereador JORGE DE JESUS DA SILVA 22222 PL Eleito 1,437 1,773 PP / PMDB / PL / PMN

RJ MACAÉ Vereador MARILENA PEREIRA GARCIA 13123 PT Eleito 1,135 1,4 PT / PTB / PSL / PSB / PCdoB

RJ MACAÉ Vereador MAXWELL SOUTO VAZ 13456 PT Eleito 1,1 1,357 PT / PTB / PSL / PSB / PCdoB

Page 296: PDF compilado

Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-1: Brasilmar Nunes e cols. - Pag 297

• Eleições para a vereança Macaé – 2008

Justiça Eleitoral - Eleições Municipais 2008 Consulta de Resultados Eleitorais - Resultado da Eleição UF (RIO DE JANEIRO) - Município (MACAE) - Cargo (VEREADOR) - Situação (ELEITO E ELEITO POR MÉDIA) - Partido (TODOS) 02/12/2010 - 18:51:47 - Dados sujeitos a alteração Última atualização em: 06/03/2008 UF Município Cargo Candidato Nr Partido Situação QtVN %VV RJ MACAÉ Vereador GEORGE COUTINHO JARDIM 15678 PMDB Eleito 4.298 4,35 RJ MACAÉ Vereador JULIO CESAR DE BARROS 15613 PMDB Eleito 4.130 4,18

RJ MACAÉ Vereador PAULO FERNANDO MARTINS ANTUNES 15615 PMDB Eleito 3.610 3,66

RJ MACAÉ Vereador LUIZ FERNANDO BORBA PESSANHA 15789 PMDB Eleito 3.520 3,56

RJ MACAÉ Vereador EDUARDO CARDOSO GONÇALVES DA SILVA 23668 PPS Eleito 3.447 3,49

RJ MACAÉ Vereador TEODOMIRO BITTENCOURT FILHO 15620 PMDB Eleito 3.054 3,09

RJ MACAÉ Vereador ANTONIO FRANCO DE CARVALHO 70234

PT do B Eleito 2.897 2,93

RJ MACAÉ Vereador FRANCISCO ALVES MACHADO NETO 23611 PPS Eleito 2.604 2,64

RJ MACAÉ Vereador PAULO ROBERTO PAES DE OLIVEIRA FILHO 45658 PSDB Eleito 2.448 2,48

RJ MACAÉ Vereador JOSÉ CARLOS DE SOUZA CRESPO 19660 PTN Eleito 2.205 2,23

RJ MACAÉ Vereador LÚCIO MAURO DA SILVA JUNGER 70870

PT do B Eleito 2.045 2,07

RJ MACAÉ Vereador DANILO FUNKE LEME 13333 PT Eleito 1.891 1,91

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 298

OS OPERÁRIOS DOS ROYALTIES

Angélica Chaves da Silveira Bacharel em Direito pela UFF em Macaé RJ

Residente Jurídica junto ao Centro de Assistência Judiciária da UFF em Macaé RJ

Sumário: 1. Contexto: Macaé e a Petrobras. 2. Terceirização e

reestruturação produtiva. 3. Precarização das condições de trabalho. 4.

Fragmentação sindical.

1. Contexto

É provável que todo aquele que ouve falar de royalties de petróleo ou

mesmo da suposta abastança gerada pela indústria petrolífera, sem nunca ter

ido à Macaé, imagine que nesta cidade todas as pessoas são ricas, moram em

mansões e recebem pagamentos em moeda estrangeira.

Da mesma forma, é provável que pensem que esses empregos

milionários da indústria do petróleo estejam disponíveis em cada esquina da

cidade a quem quer que seja e em qualquer momento. Que basta ir para

Macaé, ou qualquer cidade do entorno, e escolher o emprego que melhor lhe

agradar. Mas, para quem vive a realidade da região, estes pensamentos não

passam de fantasias geradas por informações distorcidas ofertadas pela mídia

em geral.

É um fato que atualmente o Estado do Rio de Janeiro, mais

especificamente a região da Bacia de Campos, que engloba Macaé, é

responsável por cerca de 80% da produção nacional de petróleo e 47% da

produção nacional de gás natural1, e, dentro desse contexto, Macaé/RJ abriga

grande parte dos trabalhadores dessa indústria devido às bases da Petrobras,

assim como de outras empresas do setor privado, instaladas na cidade.

Também é certo afirmar que essas empresas geram sim muitos 1 Fonte: Prefeitura Municipal de Macaé. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br Acesso em 03 dez. 2010.

Page 298: PDF compilado

Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 299

empregos. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

(CAGED) do Ministério do Trabalho e Emprego, no mês de agosto de 2010,

Macaé passou do 45º para o 28º lugar no ranking das cidades que mais

empregam, ficando na frente de 12 capitais2.

Contudo, é preciso entender que o impacto que o aporte dessa grande

massa de trabalhadores tem sobre o município representa,

consequentemente, um impacto sobre a vida da cidade.

Antes de mais nada, é preciso entender que se a indústria do petróleo

gera muito lucro, e de fato gera, esse lucro não é direcionado para seus

trabalhadores, mas sim para os grandes acionistas das empresas do ramo.

Assim, embora muita riqueza circule pela cidade, isso não significa

necessariamente que essa riqueza seja distribuída pela população ou pelos

trabalhadores da indústria do petróleo.

Cabe lembrar que a ocupação do território que é hoje a cidade de

Macaé tem seu inicio no século XVII, quando o governador geral do Brasil,

Gaspar de Souza, recebeu ordens de proteger a região de possíveis ataques de

contrabandistas de pau-brasil3. A região experimentou o auge em suas

atividades comerciais durante o período de glória da monocultura da cana-de-

açúcar no norte fluminense, no século XIX4, vindo o seu declínio com a

implantação da via férrea para escoamento da produção, diminuindo a

importância de seu porto5. Durante os anos 20 do século XX, houve um certo

crescimento do município em razão da cultura do café6, havendo também

atividade pecuária e pesqueira.

Contudo, nada se compara em sua história ao crescimento

experimentado após a descoberta de petróleo na região, em 19747, e, a

chegada da Petrobras. A Bacia da Campos, possui aproximadamente 100 mil

quilômetros quadrados. A primeira perfuração ocorreu em 1976, e, a

2 Idem, ibidem. 3 Centro de Memória Antônio Alvarez Parada. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br, acesso em: 03 dez. 2010. 4 PARANHOS, Paulo. O Açúcar no Norte Fluminense. In Revista HISTÓRICA – Arquivo do Estado de São Paulo. Ed.n.º8, de mar. 2006. Disponível em: < WWW.historica.arquivoestado.sp.gov.br, acesso em: 03 dez. 2010. 5 Idem, ibidem. 6 Centro de Memória Antônio Alvarez Parada. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br, acesso em: 03 dez. 2010. 7 Fonte: Petrobras. Dados disponíveis em: WWW.petrobras.com.br Acesso em 03 dez. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 300

exploração comercial teve início em 1977, no Campo de Enchova, com

produção de 10 mil barris por dia em plataforma flutuante. Em 1984 é

descoberto o Campo de Albacora, comprovando a existência de campos de

petróleo gigantes em águas profundas, mudando de forma marcante o futuro

da empresa. Em 1985, o país já produzia metade do petróleo que consumia8.

Observe-se que apesar da descoberta feita em 1984, sobre a existência

de campos de petróleo em águas profundas, e dos investimentos em pesquisa

que já vinham sendo feitos desde a década de 70, o país ainda importava a

tecnologia para exploração.

Diante da necessidade de ampliar as reservas do país e aumentar a

produção, a empresa viu-se obrigada a desenvolver sua própria tecnologia de

exploração, uma vez que mesmo no exterior, já não conseguia obtê-la para as

novas profundidades descobertas. A empresa criou o PROCAP – Programa de

Capacitação Tecnológica em Águas Profundas e a tecnologia desenvolvida a

partir de então tornou a empresa líder do mercado mundial de exploração em

águas profundas9, recebendo diversos prêmios internacionais nos anos

seguintes.

Com a inauguração da P-34 e da P-50, em 2006, o país atingiu a auto-

suficiência na produção de petróleo10. Assim, pode-se afirmar, sem sombra de

dúvidas é a chegada da Petrobras que alavanca o crescimento populacional do

município nas décadas seguintes.

De acordo com o senso de 2000 a cidade tinha naquela época uma

população de 132.461 habitantes; já de acordo com o último senso realizado

pelo IBGE, a população de Macaé atingiu em 2010 o total de 206.748

habitantes11, numa base territorial de 1.217 km². Trata-se um número

controvertido, já que o Executivo Municipal acredita que, na verdade, a

cidade já tenha um total de aproximadamente 220.000 habitantes. A 8 Idem, ibidem. 9 Fonte: Petrobras. Dados disponíveis em: WWW.petrobras.com.br Acesso em 03 dez. 2010. 10 Idem, ibidem. 11 O número inicialmente divulgado pelo IBGE era de que Macaé teria em 2010 um total de 194.497 habitantes. Contudo, o Poder Executivo municipal reagiu à divulgação desses números, já que de acordo com dados do próprio IBGE, com base no Fundo de Participação de Municípios (FPM), em 2009 a cidade teria 194.413, habitantes, ou seja, em um ano teria havido um crescimento de apenas 84 pessoas. Após uma revisão nos trabalhos do Censo chegou-se ao número atual, que ainda é questionado pelo Executivo Municipal que acredita que a população da cidade tenha, na verdade, atingido a casa dos 220.000 habitantes. Dados disponíveis em: WWW.ibge.gov.br Acesso em: 03 dez. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 301

controvérsia em relação aos números apresentados pelo último censo

realizado pelo IBGEse justifica, pois é de acordo com o número de habitantes

do município que se estabelece o percentual de recebimento de verbas do

Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Assim, logicamente, para o Poder

Executivo, defender o reconhecimento oficial de um aumento maior da

população local, representa defender um aumento de verbas para o

município.

Macaé teve um crescimento populacional médio de 3,4% entre 1991 e

2002, enquanto a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, cresceu cerda de

0,75% entre 1991-2000, e, 0,63% entre os anos de 2001-200812.

O fluxo intenso de aumento da população resulta, naturalmente, em

aumento da demanda pela prestação de serviços públicos, obrigando o Poder

Público a investir pesado em setores como saúde, educação, assistência

social, habitação e infra-estrutura urbana.

De acordo com dados da Prefeitura Municipal de Macaé são cerca de

4.000 matrículas novas anualmente na rede de educação, sendo um total de

aproximadamente 40.000 estudantes matriculados em escolas, creches e

unidades de atendimento especializado. O orçamento municipal, já aprovado

pela Câmara de Vereadores para o ano de 2011, prevê investimentos de R$

237 milhões para a educação e R$ 143 milhões na área de saúde13.

De fato, Macaé foi a quarta cidade do Estado do Rio de Janeiro que

mais cresceu em população nos últimos dez anos, crescendo 56,08%. Em

primeiro lugar está Rio das Ostras, com taxa de 190,39%, que é, aliás, a

segunda maior taxa de crescimento populacional do país, perdendo apenas

para a cidade de Balbinos, no Estado de São Paulo, que apresentou

crescimento populacional de 199,47%. Em segundo lugar em percentual de

crescimento populacional está Maricá com 66,18% e, Casimiro de Abreu, com

59,68%.14

12 Fonte: Ministério da Saúde. Dados disponíveis em: WWW.datasus.gov.br Acesso em: 03 dez. 2010. 13 Fonte: Prefeitura Municipal de Macaé. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br Acesso em 03 dez. 2010. 14 Fonte: IBGE. Dados disponíveis em: WWW.ibge.gov.br Acesso em 03 dez. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 302

Conforme dados do Ministério do Trabalho, há no município hoje um

total de 103.159 pessoas com carteira assinada15. Estima-se ainda, que 48,8%

dos empregos gerados na região norte do Estado do Rio de Janeiro, no período

de junho de 2008 a junho de 2009, foram em Macaé. Em 2008 registrou-se um

total de 5.13616 empresas atuantes no município. Durante o ano de 2010, o

Estado do Rio de Janeiro foi o campeão da geração de empregos formais.

É fato notório que todo esse crescimento populacional e do mercado de

trabalho local decorre da implantação e posterior ampliação das bases da

Petrobras na cidade. Como dito anteriormente, a empresa chegou à cidade na

década de 70, mas ampliou sua presença a partir da década da última década

do século XX.

Atualmente (2010) existem 45 plataformas que empregam cerca de 30

mil trabalhadores nas unidades marítimas da empresa na Bacia de Campos, a

qual conta com 45 campos de produção. Existem ainda, mais 4 campos

operados pela empresa em parceria e oito operados apenas por terceiros17.

2. Terceirização e Reestruturação Produtiva.

O modelo de terceirização utilizado no país atualmente está

diretamente relacionado ao processo de Reestruturação Produtiva iniciado na

década de 70 do século passado. Em síntese, trata-se de uma substituição do

modelo taylorista/fordista pelo modelo japonês de organização e produção.

Ou seja, passa-se do fordismo para o toyotismo.

Modelo japonês de reestruturação produtiva na década de 1980:

CCQs (Círculos de Controle de Qualidade)

JIT – just in time

CEP – Controle Estatístico de Processos:

Qualidade Total

Terceirização

Inicialmente é preciso entender que:

15 Fonte: Prefeitura Municipal de Macaé. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br Acesso em 03 dez. 2010. 16 Fonte: IBGE. Dados disponíveis em: WWW.ibge.gov.br Acesso em 03 dez. 2010. 17 Fonte: Prefeitura Municipal de Macaé. Dados disponíveis em: WWW.macae.rj.gov.br Acesso em 03 dez. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 303

“O sistema de produção e acumulação capitalista, vigente do pós-guerra à década de 70, no binômio taylorismo/fordismo, se caracterizava pela produção em massa para consumo em massa, que era garantido pela política Keynesiana, firmada no compromisso capital e trabalho, estruturada pela regulação do Estado.”18

Contudo, durante a década de 70, o mundo enfrenta um período de

crise do capitalismo mundial, piorado pelas crises do petróleo de 73 e de 79,

colocando em cheque o modelo de organização da produção até então em

voga.

Essa modificação do modelo de organização do capital, que culminou

no surgimento do chamado “capitalismo flexível”, tem como principal

característica a migração do capital do setor produtivo para o setor

financeiro.

Observe-se que a partir do final dos anos 60, entre outros fatores, os

Estados Unidos começam a perder a hegemonia no cenário mundial diante da

recuperação econômica da Europa e do Japão, e diversos problemas internos,

como gastos excessivos com a corrida armamentista. Assim, durante a década

de 70 o cenário econômico mundial se modifica de forma marcante. Em 1973

há o fim do padrão dólar-ouro, e, os Estados Unidos passam a emitir dinheiro

sem lastro com o dólar dentro de um sistema de câmbio flutuante19. Além

disso, o mercado consumidor torna-se cada vez mais instável, já não

absorvendo as grandes produções em massa do modelo fordista, que trabalha

ainda com a idéia de grandes estoques, e, a concorrência entre empresas se

modifica passando de preços para diferenciação de produtos.

No modelo capitalista “flexível” as empresas são enxutas, com forte

presença da tecnologia, prevalecendo o trinômio, qualidade, produtividade e

competitividade20.

Entra em destaque o neoliberalismo, com seu Estado mínimo,

desregulamentação da economia, privatização do setor empresarial do Estado,

liberalização dos mercados, redução do déficit público, controle da inflação,

18 ANDRADE, Fabrício Fontes. Reestruturação produtiva: dos novos padrões de acumulação capitalista ao novo parâmetro de políticas sociais. Disponível em: <http://www.urutagua.uem.br/010/10andrade.htm> Acesso em 03 dez. 2010. 19 SENE, Eustáquio de. MOREIRA, João Carlos. Geografia Geral do Brasil: Espaço Geográfico e Globalização. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p.51. 20 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 304

corte nas despesas sociais, entre outros, guinados pelo desenvolvimento

tecnológico, em especial na área de informática, e da retirada sistemática de

direitos sociais.

O Japão foi o país onde o novo modelo baseado na Reestruturação

Produtiva teve mais sucesso, chegando ao que se chamou de “toyotismo”.

Uma explicação simples sobre o modelo toyotista encontra-se a seguir:

“Uma produção vinculada à demanda visando atender às exigências mais individualizadas do mercado consumidor (...) [que] fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções (...) [com] processo produtivo flexível, que possibilita ao operário operar simultaneamente várias máquinas. (ANTUNES, 2000:54)”

O modelo fordista de produção é rígido, intenso, repetitivo e

desqualificado, enquanto o novo modelo japonês é multifuncional, flexível e

exige do trabalhador cada vez mais qualificação. Assim, surge a figura do

operário que pode operar diversas máquinas e trabalhar em diversos setores

de acordo com a necessidade do trabalho. Como conseqüência, para atender

às novas demandas do “capital flexível” é preciso ter uma legislação

trabalhista “flexível”.

Com o crescente processo de informatização e mecanização que surge

no país, em especial a partir dos anos 80, o mercado de trabalho brasileiro se

modifica. O DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Socioeconômicos apresentou um estudo que demonstra claramente o impacto

que as mudanças estruturais na produção capitalista passam a ter sobre o

mercado de trabalho:

“O período pós 94 marcou uma mudança nas motivações das greves. As reivindicações sobre remuneração, apesar de ainda manterem grande importância, deixaram de ser a principal causa das greves, que passou a ser o descumprimento de obrigações trabalhistas por parte do empresariado. As greves por melhorias na remuneração caem, gradativamente, de 76,8%, em 1994, para 49,3%, em 1995; 40,1%, em 1996; e 32,4%, em 1997. As paralisações em protesto por descumprimento de direitos saíram de um patamar de 18,6%, em 1994, para 36,8%, em 1995; 42,2%, em 1996; e 43,0%, em 1997 (tabela 3 e anexo). Também a reivindicação de participação nos lucros e resultados, ausente até 1994, passa a ocupar uma posição de destaque nas greves ocorridas a partir de 1995, quando representa 9,2% do total de paralisações, percentual que chega a 17,7% no ano seguinte, ficando em 15,1% em 1997 (tabela 3). As greves cujas motivações estão ligadas à questão da jornada de trabalho apresentam um importante crescimento relativo

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no período - saem de um patamar de 3,3% do total de greves, em 1994; para 4,5%, em 1995; atingindo 11,5%, em 1996; e caindo para 7,6%, em 1997. Apesar dessa queda no último ano, é significativa sua maior participação em relação a 1994 (tabela 3).”21

Pode-se observar pelas considerações apresentadas no texto acima, que

as reivindicações dos movimentos grevistas a partir da década de 90 sofrem

grande transformação, migrando dos simples pedidos de aumento de salário

para questões relacionadas à jornada de trabalho, descumprimento de

direitos trabalhistas e negociação sobre pagamento de PLRs – Participação nos

Lucros e Rendimentos das empresas.

É preciso observar que os efeitos da Reestruturação Produtiva só

começaram a repercutir a partir da década de 90, porque o processo de

automação e informatização nacional só se implementou a partir dos anos 80,

com destaque para o setor bancário, com o surgimento dos serviços de auto

atendimento e bank-on-line. Neste aspecto cabe observar que também a

Petrobras entrou na dança, e, em meados dos anos 80 tentou impor aos seus

funcionários a participação nos Centros de Controle de Qualidade – CCQ22. Tal

experiência acabou fracassando.

Dentro da nova ótica capitalista, o desmantelamento da legislação

trabalhista é vital para o desenvolvimento da nova dinâmica de acumulação.

Não é a toa que a partir da década de noventa vê-se a precarização nas

relações de trabalho, com a terceirização de mão-de-obra, o uso do

trabalhador temporário, etc., e, diante desse novo quadro, as instituições

sindicais perdem força, como se verá na análise do último tópico deste

trabalho. Em resumo pode-se dizer que:

Terceirização – em geral sinaliza a passagem do padrão de economia de

acumulação “fordista” para a economia de acumulação flexível.

Petrobrás, exploração e produção offshore (em fluxo contínuo),

fordismo na “periferia do capitalismo periférico” (Druck: 1999), criando

novo contingente de assalariados, com remunerações médias acima da

média da região.

21 DIEESE. O Movimento Grevista nos Anos 90. Setembro de 1998. Boletim n.º208. Disponível em: <WWW.dieese.org.br> Acesso em 03 dez. 2010. 22 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010.

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Reestruturação produtiva com maior produtividade leva à simplificação

gerencial e ações no âmbito da desregulação do trabalho e à prática da

terceirização.

REDE DE PRODUTOS E SERVIÇOS:

Desregulamentação do setor em 1997 com a lei 9.478, autorizando

atividades de exploração, produção, transporte, refino, importação e

exportação.

Novo modelo de organização gerencial em 2000 dividiu a empresa em

áreas de negócio e unidades corporativas.

Não renovação dos quadros próprios por via de concursos públicos a

partir de meados dos anos 90.

ATUALMENTE (2010) A PETROBRÁS CONCENTRA MÃO DE OBRA TERCEIRIZADA

NOS SEGUINTES SETORES23:

Alimentação.

Análise laboratorial.

Almoxarifado.

Cimentação e complementação de poços.

Montagem e construção de projetos.

Informática.

Limpeza.

Manutenção.

Operação e produção.

Movimentação de cargas na plataforma.

Perfuração e perfilagem de poços.

Operação de sondas.

Serviços médicos e administrativos.

Transportes.

Utilidades.

Vigilância.

23 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 307

Pela análise dos dados acima é possível afirmar que a terceirização

dividida por atividade meio e atividade fim não se aplica ao caso em tela, já

que não há como dizer que atividades como “perfuração e perfilagem de

poços” e “operação e produção” sejam de meio.

Dentro desse contexto, para efeitos de análise no presente trabalho,

traçou-se a seguinte divisão básica do trabalho na indústria do petróleo e gás

em Macaé:

Funcionários próprios da Petrobras

Funcionários terceirizados dentro da Petrobras

Funcionários de outras empresas do setor privado que prestam serviço à

Petrobras em bases próprias ou em plataformas offshore

Para melhor compreensão do tema cabe esclarecer que:

Funcionários próprios da Petrobras: são funcionários aprovados em

concurso público com estabilidade no emprego, que recebem diversas

vantagens.

Funcionários terceirizados dentro da Petrobras: são funcionários de

empresas terceirizadas que prestam serviço dentro das bases da

Petrobras, desenvolvendo todo tipo de atividade.

Funcionários de outras empresas do setor privado que prestam serviço à

Petrobras em bases próprias ou em plataformas offshore: são

funcionários de empresas contratadas que prestam serviço nas bases

operacionais das próprias empresas ou em plataformas.

Dentro dessas três “categorias” de trabalhadores da indústria do

petróleo pode-se ainda apontar uma outra forma de diferenciá-los:

Funcionários próprios da Petrobras: trabalhadores de “elite”.

Funcionários terceirizados dentro da Petrobras: trabalhadores no final

da “cadeia alimentar”.

Funcionários de outras empresas do setor privado que prestam serviço à

Petrobras em bases próprias: classe intermediária, condições de

trabalho são piores que o primeiro grupo e melhores que o segundo.

3. Precarização das Condições de Trabalho

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A partir do entendimento das diferentes “categorias” de trabalhadores

que existem dentro da empresa pode-se entender as relações de trabalho

neste setor. São cerca de 295.260 trabalhadores terceirizados dentro da

Petrobras. Esse número representa um aumento de 13,35% em relação ao ano

de 2008. Com o pré-sal estima-se que esse número ultrapasse o total de 1

milhão de empregos terceirizados. No corpo de funcionários próprios da

Petrobras tem-se 76.919 empregados concursados. Esse número representa

um aumento de 3,60 % em relação ao ano de 200824.

Neste ponto cabe observar que a partir da última década a Petrobras

começou a intensificar o processo de contratação por meio de concursos

públicos, que têm sido realizados com relativa regularidade. Contudo, essas

contratações ainda não chegam nem perto de suprimir as vagas preenchidas

por trabalhadores terceirizados.

Algumas diferenças que podem ser destacadas entre as vantagens dos

trabalhadores próprios e os terceirizados de forma geral:

Próprios: têm uma média salarial maior, PLR, estacionamento

privativo, estabilidade no emprego, plano de previdência próprio,

banco de horas, transporte em ônibus exclusivo, salário extra de férias,

escala de trabalho embarcado de 14 x 21, entre outras vantagens.

Terceirizados: apenas os direitos trabalhistas da legislação ordinária.

Trabalhadores de empresas do setor privado: dependendo da empresa,

têm quase as mesmas vantagens dos próprios da Petrobras, mas não

têm estabilidade no emprego.

É preciso destacar ainda que a precarização na relação de trabalho

resulta também do modelo de contratação de empresas prestadoras de

serviço: 98% das empresas são contratadas por apresentarem menor preço.

Apenas 2% são contratadas por qualidade técnica25.

A falta de fiscalização efetiva aliada à forma de licitação atraem

empresas especuladoras, nem sempre efetivamente preparadas:

“coopergatos”. As Coopergatos são empresas de recrutamento de mão-de- 24 PORTO, Ubiraney. Petrobras Incentiva a Precarização das Condições de Trabalho. 28 de maio de 2010. Dados disponíveis em: HTTP://juventudepetroleira.wordpress.com Acesso em 07 dez. 2010. 25 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010.

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obra para postos de trabalho operacionais. Na maioria das vezes, essas

empresas são criadas justamente para concorrer a um contrato, sem garantias

quanto ao pagamento de encargos trabalhistas, tendo como diferencial o

baixo custo.

A partir de outubro de 2000, a Petrobras implantou um novo modelo de

gestão dividindo a companhia em quatro áreas de negócios – E&P,

Abastecimento, Gás e Energia Internacional, duas áreas de apoio: Financeira e

Serviços, e, as Unidades Corporativas, ligadas ao Presidente. Criaram-se ainda

40 unidades vinculadas às áreas de negócio, com mais autonomia nas decisões

e independência administrativa. Contudo, esse aumento na independência

administrativa levou os gestores a realizar cortes de orçamento na

contratação de empresas para aumentar sua lucratividade, devendo ser

levado em conta o fato de que os resultados financeiros dessas gestões

impactavam na própria avaliação e remuneração dos gestores26. Assim, mesmo

setores mais nobres como manutenção e operação passam a ter atuação

intensa de mão-de-obra terceirizada.

Como resultado da precarização nas relações e condições de trabalho

há o aumento no número de acidentes de trabalho, sendo que de 1995 a 2009

houve um total de 282 mortes de trabalhadores na indústria de petróleo:

deste total 227 eram trabalhadores terceirizados27. Em 2008 foram 15

acidentes fatais, sendo vítimas 11 de funcionários terceirizados. Já em 2009

foram sete acidentes fatais, sendo vítimas 6 terceirizados28. Outros dados

sobre acidentes fatais: efetivos x terceirizados29:

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Efetivo Petrobras 4 1 4 12 3 3 3 0

Terceirizado 22 27 14 18 18 11 14 13

Total 26 28 18 30 21 14 17 13

26 Idem, ibidem. 27 Petroleiros SP – Jornal do Sindipetro Unificado do Estado de São Paulo. Até Quando? Edição n.º 679. De 25 a 31/07/2010. Dados disponíveis em: WWW.sindipetrosp.org.br Acesso em 07 dez. 2010. 28 PORTO, Ubiraney. Petrobras Incentiva a Precarização das Condições de Trabalho. 28 de maio de 2010. Dados disponíveis em: HTTP://juventudepetroleira.wordpress.com Acesso em 07 dez. 2010. 29 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010.

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Principais Acidentes na Bacia de Campos:

“1984 - Plataforma Central de Enchova PCE-1, "Bacia de Campos", mar

do Norte Fluminense: Erupção de blow-out - golpe de bolsa de gás -

num dos poços conectados à plataforma, operada pela empresa POZOS,

com explosão, incêndio prolongado e evacuação do convés. Acidente

com uma das embarcações de abandono (baleeira MACLAREN),

rompimento do cabo do truco com queda e mergulho da embarcação.

42 mortos, 207 sobreviventes.

1988 - Plataforma Central de Enchova PCE-1, "Bacia de Campos", mar

do Norte Fluminense: Reconstruída parcialmente e novamente

operando e ampliando as atividades, a plataforma sofreu outro "blow-

out", com explosão e fogo, desta vez sem mortos, com a fuga dos 250

trabalhadores pela passarela de ligação com o "floating hotel Safe

Jasmínia"; incêndio durante um mês até a obturação de poços, corte de

produção de 80 mil b/d, 15% da produção Petrobrás na época,

destruição total do convés

2001 - Acidente na P-36: Dia 15 de março de 2001. Duas explosões na P-

36 culminariam com a morte de 11 petroleiros e o afundamento, cinco

dias depois, da maior plataforma submersível do mundo. Mortes que

poderiam ter sido evitadas se a direção da Petrobrás atendesse às

reivindicações dos trabalhadores, como recomposição do efetivo

próprio da empresa (reduzido praticamente à metade na última

década); o fim da terceirização, do acúmulo de horas extras e da

multifunção; maiores investimentos em programas de treinamentos,

entre tantos outros pontos relacionados à segurança.

A FUP – Federação Única dos Petroleiros e seus sindicatos afiliados têm

lutado para modificar essa situação. Um dos principais pontos de discussão é a

criação do Fundo Garantidor que seria criado com a retenção de verbas das

empresas terceirizadas e serviria para repasse aos trabalhadores no caso de

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não pagamento de verbas trabalhistas na rescisão contratual30. Contudo, em

relação ao mecanismo de proteção dos direitos trabalhistas e das verbas

rescisórias dos trabalhadores terceirizados, a proposta da Petrobrás é de

apenas excluir de suas licitações as empresas que comprovadamente tenham

praticado “calotes” contra os trabalhadores, estendendo a sanção também

para os seus sócios.

A íntegra da proposta é: “A Companhia compromete-se a considerar

como falta grave em seu sistema de conseqüências, constante no Manual de

Procedimentos Contratuais, o não pagamento, comprovado, por parte das

empresas contratadas, de verbas rescisórias aos empregados alocados nos

contratos de prestação de serviços celebrados com a Companhia, podendo

acarretar suspensão do cadastro e impedimentos de transacionar com a

Petrobras, estendendo as sanções aos sócios dentro dos limites legais”31.

Curiosamente, merece destaque a atuação recente da ANP – Agência

Nacional do Petróleo, na proteção dos trabalhadores do setor offshore. Foram

ações da ANP32:

Interdição da P-33. Esse fato merece destaque especial porque foi a

primeira vez na história que uma unidade foi interditada por razões de

segurança.

Medidas Cautelares: P-35; P-27; Ocean Courage (Brasdril) e West Orion

(Seadril). Essas plataformas tiveram a produção suspensa

“preventivamente” pela própria Petrobras quando a ANP sinalizou que

iria interditá-las.

O presidente da Agência, Haroldo Lima, informou, em reunião realizada

no dia 19/08/2010, com o presidente do Sindipetro-NF, José Maria Rangel e o

coordenador geral da FUP, João Moraes, que a ANP pretende inspecionar

todas as plataformas da Bacia de Campos até meados de 201133.

Voltando à questão dos trabalhadores terceirizados, merecem menção 30 PETROLEIROS SP – Jornal do Sindipetro Unificado do Estado de São Paulo. Até Quando? Edição n.º 679. De 25 a 31/07/2010. Dados disponíveis em: WWW.sindipetrosp.org.br Acesso em 07 dez. 2010. 31 Fonte: Federação Única dos Petroleiros. Dados disponíveis em: WWW.fup.org.br Acesso em 04 dez. 2010. 32 SINDIPETRO-NF. Jornal Nascente Retrospectiva 2010. Dados disponíveis em: WWW.sindipetronf.org.br Acesso em 15 jan. 2011. 33 SINDIPETRO-NF. Fiscalização Fecha Cerco às Plataformas na Bacia de Campos. Dados disponíveis em: WWW.cut.org.br Acesso em 05 dez. 2010.

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as constantes substituições de empresas terceirizadas. Na hipótese da

substituição de uma empresa terceirizada, a grande parte dos trabalhadores

será aproveitada, até mesmo porque contratar novos funcionários e treiná-los

em suas funções seria mais dispendioso do que contratar os que já estão lá, e,

o capital não aceita desperdícios.

Por causa disso, é possível encontrar pessoas que passam anos sem

conseguir tirar férias, de fato, porque quando completam seu período

aquisitivo mudam de empresa, apesar de continuarem trabalhando no mesmo

lugar e na mesma função. A terceirização se enquadra justamente numa

destas “políticas de flexibilização”, aproveitando a brecha aberta pelo

Enunciado n.º 331 do Tribunal Superior do Trabalho, as empresas substituíram

seus funcionários próprios por terceirizados que desempenham as mesmas

funções por um custo menor.

Sobre esse ponto é preciso comentar que este tema é de fundamental

importância tanto para o direito em geral como para toda a sociedade, pois,

considerando que os dois valores principais do direito são a liberdade e a

justiça e, acreditando na crença de que quanto mais justa for uma sociedade

mais livre será o homem que nela viver, não se pode conceber que a situação

atual de milhões de trabalhadores neste país seja simplesmente ignorada,

deixando-se de considerar o alto grau de ofensa à dignidade da pessoa

humana, que se encontra neste caso relegada à posição de mercadoria

descartável.

Observe-se que quando se diz que a terceirização não gerou mais

empregos, a lógica empregada para se chegar a essa conclusão é muito

simples: o empresário não contrata mais que o estritamente necessário para a

reprodução de seu capital. Dessa forma, com ou sem vantagens fiscais, o

empresário contratará se for necessário, e, se não for, não o fará apenas para

gerar empregos. Surge aqui, uma das grandes lutas dos trabalhadores da

indústria do petróleo. Em razão da supracitada terceirização de mão de obra,

aparece na vida do trabalhador petroleiro a figura do assédio moral.

O assédio moral não é um fenômeno novo no mundo do trabalho, mas

fica cada vez mais intenso à medida que se fortalece a terceirização de mão

de obra. Cabe aqui mencionar as palavras Marie France Hirigoyen,

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 313

pesquisadora francesa, psiquiatra e psicanalista, sobre o tema:

“O que me parece importante quando trabalhamos sobre o tema é entender que a noção de assédio moral é, e permanecerá, uma noção subjetiva. Há, efetivamente, procedimentos que são destruidores, que podem ser identificados, mas isto não é suficiente para dizer que se trata de assédio moral, e também foi insuficiente na hora de encontrar uma definição a ser usada na lei. Existem os procedimentos perversos assim como a vivência da vítima, a ofensa à sua dignidade, as conseqüências à sua saúde. São procedimentos que destroem a identidade e a auto-estima da pessoa. Este aspecto, torna difícil a autodefesa, porque começam por destruir seus meios de defesa, atingindo sua dignidade. A pessoa é isolada, perde a confiança em si própria, e não consegue mais se defender. Então, fica mais fácil destruí-la. A vítima é reduzida à condição de objeto que pode ser usado e depois descartado, e sua identidade é desprezada e aviltada. Trata-se, indubitavelmente, de procedimentos antiéticos que transgridem as normas e que são reconhecidos como totalmente inadmissíveis.” 34

O assédio surge nesse ambiente porque o trabalhador terceirizado teme

perder seu emprego se reclamar das condições de trabalho às quais é

submetido. Desta forma, a “flexibilização” das leis trabalhistas representa

para os empregados a precarização de seus direitos e condições de trabalho,

em razão das mudanças nas relações de trabalho do mundo globalizado.

Assim, o contratado, de forma geral, em relação a todas as empresas

que contratam terceirizadas de mão de obra, irá desempenhar, muitas vezes,

a mesma função que o trabalhador próprio, mas irá receber muito menos,

tanto em salário como em vantagens.

Se o próprio receber um vale-refeição de R$ 30,00 (trinta reais), o

contratado receberá um de R$ 15,00 (quinze reais), se o próprio trabalhar

além da hora receberá hora extra ou acumulará pontos no banco de horas, o

contratado não. O próprio tem PLR – participação nos lucros e rendimentos da

empresa, o contratado ficará feliz se receber o 13º em dia.

É claro que mesmo entre os funcionários terceirizados existe

diferenciação, como já exposto acima. Se o trabalhador é um terceirizado de

uma empresa de pequeno porte, seu salário, benefícios e tratamento social

será menor ou pior do que se o trabalhador for de uma grande empresa

multinacional.

34 HIRIGOYEN, Marie France. Disponível em: <http://www.assediomoral.org/spip.php?article214 > Acesso em 05 nov. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 314

As grandes empresas multinacionais são também, em sua imensa

maioria, prestadoras de serviço para a grande empresa mãe, a Petrobras. E,

assim, seus funcionários serão em algum momento “contratados”.

Um grande e mais flagrante exemplo dessa distinção, talvez seja o

tempo de descanso dos trabalhadores offshore. Os funcionários próprios da

Petrobras têm direito a 21 (vinte um) dias de folga a cada 14 (quatorze) dias

de trabalho embarcado, mas os “outros” trabalhadores têm direito a apenas

14 (quatorze) dias de descanso por cada 14 (quatorze) dias de trabalho

embarcado35.

Ou seja, o trabalhador da empresa mãe, que faz o mesmo trabalho do

contratado ou terceirizado, que fica no mesmo confinamento em alto mar,

têm uma semana a mais de descanso. A justificativa para isso é que em tese

ao desembarcar das plataformas, o trabalhador demora a se ambientar “em

terra”, e, por isso precisa dessa semana extra. Nada contra a jornada de

trabalho de 14 x 21, que é resultado de uma conquista por meio de uma luta

árdua e justa dos trabalhadores da empresa, obtida há cerca de vinte anos,

contudo, fica clara aqui, a diferença de tratamento entre o trabalhador do

setor privado e o funcionário próprio da Petrobras. O fato, é que esta é hoje

uma das maiores lutas dos trabalhadores do setor privado da indústria do

petróleo, conseguir a equiparação da escala de trabalho de 14 x 21.

Pelo que já foi exposto, pode-se dizer que a distinção entre

trabalhadores do setor privado e da Petrobras é nítida. As razões para a

permanência desta distinção nos dias atuais são várias. Uma delas, e que mais

chama a atenção, é o fato de que os trabalhadores do setor privado não têm

estabilidade no emprego, e, portanto, manifestações mais “fortes” pela luta

de seus direitos não tendem a ter muito êxito, já que o medo de perder o

emprego está sempre presente.

Cabe também observar que o terceiro grupo de trabalhadores, os

funcionários de outras empresas do setor privado que prestam serviço à

Petrobras em bases próprias, tem melhores condições de remuneração,

embora quando trabalhem nas plataformas estejam sujeitos aos mesmos

35 SINDIPETRO-NF. Jornal Nascente (Setor Privado). Edição n.º55. 09 de junho de 2009. Dados disponíveis em: WWW.sindipetronf.org.br Acesso em 05 dez. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 315

riscos. Dentro desse grupo estão também os trabalhadores estrangeiros da

indústria do petróleo e gás.

Esses trabalhadores, porém, recebem seu salário em moeda

estrangeira, e na maioria das vezes vêm apenas subtrair vagas no mercado de

trabalho brasileiro. Os estrangeiros já somam cerca de 10% da população total

do município de Macaé, sendo a maior concentração de estrangeiros

legalizados e com visto de trabalho do país36.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho, as autorizações

concedidas ao setor econômico relacionado ao petróleo e gás passaram de 33%

em 2009 para 45,5% nos três primeiros meses de 2010, sendo 6.879

autorizações para profissionais estrangeiros trabalharem no estado do Rio de

Janeiro só nos três primeiros meses de 201037.

Mas esses trabalhadores não têm muito a reclamar das condições de

trabalho. Recebem salários de milhares de dólares por mês, com diversos

benefícios das empresas, e normalmente não desempenham atividades de

campo “pesadas”. Vivem em comunidades fechadas, com uma vida quase

paralela à vida cotidiana do município. Seus filhos estudam em escolas de

língua inglesa, com mensalidades astronômicas e vagas restritas. Seu lazer e

interação social também são restritos ao grupo38.

Retornando mais uma vez à questão da terceirização de mão de obra, é

preciso indagar se realmente ela representa todo esse lucro para a empresa

mãe. De acordo com informações da própria empresa em relatório divulgado

no dia 13 de fevereiro de 2004, divulgando resultados do quarto trimestre de

2003 vê-se claramente que a coisa não é o que parece.

Conforme se verifica dos dados apresentados, a empresa teve um

gasto, em 2002, de R$ 398 milhões e, em 2003, R$ 160 milhões com

provisionamento de responsabilidade solidária com o INSS de empresas

36 SALOMONE, Roberta. Welcome to Macaé. Revista VEJA. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/221003/p_056.html> Acesso em: 03 nov. 2010. 37 Fonte: Ministério do Trabalho. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/sgcnoticia. asp?IdConteudoNoticia=7152&PalavraChave=imigra%E7%E3o,%20cgig,%20estrangeiros> Acesso em: 03 nov. 2010. 38 SALOMONE, Roberta. Welcome to Macaé. Revista VEJA. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/221003/p_056.html> Acesso em: 03 nov. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 316

terceiras. Foram mais de meio bilhão de reais, em apenas dois anos39. De

acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego:

“com a onda da terceirização, criou-se um mito de que, ao terceirizar, a contratante se livraria de todas as questões relativas às atividades terceirizadas e às pessoas ligadas a elas. Além disso, em todos os lugares a pressão por redução de custos vem sendo acompanhada por demissões e por uma elevação da carga de trabalho, fato que, às vezes, impede que os responsáveis pela terceirização tenham o devido conhecimento e tempo para analisar todos os pontos necessários. (...) Voltemos, então, aos objetivos buscados pela terceirização. Como um contratante pode focar seus esforços em suas competências principais se ele tem que gastar tanto tempo para checar e exigir tudo isso das empresas terceiras? E a redução de custos? Como obtê-la se há todo um custo nas tomadas de preço e no monitoramento das empresas terceiras” (MTE 2001).40

Assim, pode-se constatar que nem sempre a terceirização de mão-de-

obra representa lucro certo para a empresa tomadora dos serviços, além de,

em muitos casos, colocar em risco a segurança dos trabalhadores que têm

suas relações de trabalho precarizadas.

4. Fragmentação Sindical

Diante desse cenário é preciso analisar a atuação do movimento e

entidades sindicais na defesa desses trabalhadores. Pode-se encontrar um

movimento sindical complexo:

Diversos sindicatos existentes, que foram se fragmentando, na medida

em que o processo de terceirização se acentuou.

Terceirização provocou divisão junto à categoria, conforme as

resoluções do 5º CONFUP – Congresso da Federação Única dos

Petroleiros – um núcleo relativamente estável composto pelos

empregados da empresa e a maior parcela, composto pelos empregados

das demais empresas, desenvolvemdo trabalho precarizado.

No Estado do Rio de Janeiro encontra-se o seguinte panorama do

sindicalismo no setor petroleiro:

Sindipetro (Sindicato dos Petroleiros).

39 DIEESE. A Terceirização na Petrobras – Alguns Pontos Para Reflexão. Subseção DIEESE FUP, dezembro 2006. Disponível em: WWW.fup.org.br Acesso em 03 dez. 2010. 40 Idem, ibidem.

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Sindipetro-RJ – representa trabalhadores de várias unidades no

RJ.

Sindipetro-Caxias – representa trabalhadores da REDUC.

Sindipetro-Norte Fluminense – representa trabalhadores da bacia

de Campos.

Neste ponto é preciso destacar também o trabalho das Comissões

Internas de Prevenção de Acidentes – CIPAs, compostas por trabalhadores

eleitos por voto de outros trabalhadores, e membros indicados pelo

patronato. Com estabilidade temporária no emprego, após o exercício da

função, esses trabalhadores são os que ainda se manifestam mais vividamente

na reivindicação de melhorias nas condições de trabalho, já que um dos

problemas enfrentados pelas entidades de classe da categoria petroleira é a

“dessindicalização” causada pelo medo do empregado de ser punido pelas

ações do sindicato na defesa de seus direitos.

Sobre o sindicato da categoria petroleira no Norte Fluminense, cabe

destacar sua atuação na luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores, seja

do setor privado, seja da própria Petrobras, e, principalmente, pela melhoria

das condições de segurança nas plataformas.

Grandes são os riscos para aqueles que se aventuram a ganhar o pão de

cada dia em alto mar. Ao todo foram nove grandes acidentes no Brasil desde a

implantação da indústria petrolífera no país. Recentemente, os Sindipetros

conseguiram uma vitória importante consistente na interdição de plataformas

que não atendem às condições mínimas de segurança. A P-33 foi interditada

pela ANP – Agência Nacional do Petróleo, sendo a primeira vez na história que

a agência tomou essa atitude. Há, ainda, pedidos de interdição para a P-31 e

para a P-35 (esta última acabou sendo paralisada em função de um grande

vazamento de gás natural no mês de agosto do último ano, 2009). O

Sindipetro-NF vem lutando por ações do Ministério Público do Trabalho, da

ANP e da própria Petrobras para sanear os problemas de segurança

enfrentados pelos trabalhadores offshore.

De fato, atendendo solicitação do Ministério Público do Trabalho, o

sindicato está preparando um documento que reunirá relatos sobre a situação

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 318

das plataformas em relação às quais foram enviadas denúncias dos

trabalhadores sobre insegurança.41

Conforme denuncia o Sindipetro-NF os acidentes nessas plataformas

estão diretamente relacionados com a falha de manutenção e a extrema

corrosão em que se encontram as unidades.

Obviamente outros fatores também contribuem para a ocorrência de

acidentes, como o cansaço dos trabalhadores, submetidos a longas jornadas

de trabalho e o desânimo causado pelo assédio moral e pelas más condições

de trabalho.

Voltando à realidade dos contratados, como exposto, esses

trabalhadores sofrem com humilhações diversas, como o assédio moral, o

preconceito dos funcionários próprios, condições de trabalho nem sempre

salubres, exploração deslavada de sua mão de obra, em longas e exaustivas

jornadas de trabalho, baixos salários e vantagens, e, ainda por cima,

enfrentam a insegurança das renovações de contrato que podem levar à perda

do emprego.

A dificuldade de organização desses trabalhadores terceirizados impede

o avanço nas conquistas de suas lutas. Como já foi mencionado, os

trabalhadores terceirizados temem pela perda do emprego e são impedidos de

se organizarem em CIPAs e sindicatos. No caso dos trabalhadores que se

encontram em empresas de ramo de atividade-fim, ainda conseguem

progresso em suas demandas quando as empresas são afiliadas à FUP, por

exemplo. Já na hipótese dos trabalhadores ligados às empresas que prestam

atividade meio ou que estão em contratos temporários, esse avanço é mais

difícil, porque as empresas não se filiam a sindicatos petroleiros, mas sim a

ramos diversos de acordo com sua atividade principal. Desta forma, embora os

Sindipetros e a FUP venham trabalhando para reverter a situação de

desamparo desses trabalhadores, os avanços nesse sentido tem sido lentos.

Pode-se dizer que o lema “trabalho igual, direitos iguais” enfrenta

sérios dilemas, controvérsias e ausência de consenso. Entretanto, para tentar

resgatá-lo, foi lançada, em fevereiro de 2008, como parte das atividades do

Dia Nacional de Luta dos Trabalhadores Terceirizados e do Setor Privado, a 41 SINDIPETRO-NF. Fiscalização Fecha Cerco às Plataformas na Bacia de Campos. Dados disponíveis em: WWW.cut.org.br Acesso em 05 dez. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 319

campanha permanente “Somos todos petroleiros: Trabalho igual, direitos

iguais”, com o intuito de mobilizar não só os trabalhadores terceirizados, mas

também os trabalhadores próprios do Sistema Petrobrás e demais operadoras

de petróleo do país. Tanto a mobilização quanto a campanha são resoluções

do I Encontro Nacional dos Petroleiros Terceirizados e do Setor Privado,

realizado pela FUP e seus sindicatos em dezembro de 200742, que apontou as

principais reivindicações da categoria, traçando uma política nacional para o

setor, que tem por objetivo unificar a luta e avançar para garantir as

conquistas dos trabalhadores do ramo de petróleo. A pauta de reivindicações

no lançamento da campanha incluía43:

• Regime e jornada de trabalho (Lei 5.811): Administrativo: 40 horas

semanais; Turno ininterrupto de revezamento: 168 horas mensais (5ª

turma); Pagamento dos adicionais de turno e sobreaviso;

• Política salarial: Salários em postos fixos de trabalho iguais aos

praticados para trabalhadores próprios no mesmo cargo ou similar; Piso

salarial equivalente a dois salários mínimos; Horas-extras nas mesmas

condições da Petrobras;

• Fim da fiscalização de contratos de terceirização por outras empresas

terceirizadas;

• PLR: pagamento à luz da Lei 10.101

• Assistência médica e odontológica;

• Transporte gratuito de boa qualidade, seguro e adequado;

• Segurança alimentar com a implantação do beneficio de auxilio-

alimentação no valor mínimo de R$ 200,00 / mês;

• Representação sindical, garantindo que todo trabalhador terceirizado

seja reconhecido como petroleiro;

• Adicionais iguais aos da Petrobras;

• Garantir instalações adequadas em todas as unidades, levando em

consideração a questão de gênero;

• Gratificação de Férias de 65%;

42 SINDIPETRO-NF. Jornal Nascente. Edição n.º540. 20 de fevereiro de 2008. Dados disponíveis em: WWW.sindipetronf.org.br Acesso em 05 dez. 2010. 43 Fonte: CUT – Central Única dos Trabalhadores. Dados disponíveis em: WWW.cut.org.br Acesso em 03 dez. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 320

• Seguro de Vida;

• Horas in itinere.

E onde ficam os royalties arrecadados pelo município? Apesar do

município de Macaé ter diversificado seu investimento em educação nos

últimos anos, com a consolidação de um importante pólo universitário,

ampliado o investimento em saúde com a construção de hospitais, como o

Hospital Infantil de Macaé e o HPM – Hospital Público de Macaé, muito há que

se fazer para justificar o gasto da receita de royalties.

A previsão orçamentária para o município no ano de 2010 era de que

Macaé arrecadasse cerca de R$ 1.200.000.000,00 (um bilhão e duzentos

milhões de reais)44. Contudo, esta não foi a receita apurada. Na verdade o

município arrecadou 200 milhões a mais do que o esperado. Enquanto isso a

Prefeitura de Niterói, para efeito de comparação, cidade de muito maior

porte que Macaé, arrecadou cerca de R$ 900 milhões45, ou seja, 500 milhões a

menos que a cidade do norte fluminense. Para o ano de 2011 o orçamento

municipal aprovado é de R$ 1.347.076.210,8746. Contudo, apesar do

orçamento bilionário, o município está no rol de devedores do CADIN –

Cadastro Informativo dos Créditos Não Quitados do Setor Público Federal, e,

por isso só recebe verbas obrigatórias, previstas em lei, como na área de

saúde e educação, não podendo se inscrever para o recebimento de outras

verbas.

Apesar dessa grande arrecadação - boa parte dela vem não só dos

royalties, mas também do recolhimento das empresas prestadoras de serviço

na área de petróleo - a população local não vê essas cifras bilionárias

convertidas em boa prestação do serviço público. Alagamentos e enchentes

também são um problema constante na cidade, que sofre ainda com o

problema da falta de água em diversos bairros da cidade, durante todo o ano.

44 Fonte: Câmara de Vereadores de Macaé. Disponível em: < http://www.cmmacae.rj.gov.br/?service =news&interface=details&id=731> Acesso em: 03 nov. 2010. 45 Fonte: Câmara Municipal de Niterói. Disponível em: < http://camaraniteroi.rj.gov.br/2009/11/03/ orcamento-2010-de-niteroi-e-tema-de-audiencia-publica-na-camara-de-vereadores/> Acesso em 03 nov. 2010. 46 Fonte: Câmara de Vereadores de Macaé. Disponível em: < http://www.cmmacae.rj.gov.br/?service =news&interface=details&id=731> Acesso em: 03 nov. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 321

Segurança pública também não é um exemplo de sucesso, sendo que

Macaé chegou a ser, inclusive, a única cidade do interior do estado do Rio de

Janeiro a receber o BOPE. Isso ocorreu em janeiro de 200947, quando

movimentações de traficantes contra a repressão ao tráfico na região levaram

a ataques contra ônibus e arrastões pelo centro da cidade. Não será surpresa

se o município for o primeiro do interior do estado a ter uma UPP – Unidade

de Polícia Pacificadora. A cidade sofre ainda com o crescimento desordenado

do povoamento da cidade. A falsa propaganda, comentada lá no início desse

texto, feita de que Macaé terá empregos a oferecer a todo forasteiro, em

cada esquina da cidade e a qualquer momento, faz com que milhares de

pessoas venham tentar a sorte na cidade.

O que a propaganda não explica é que esses empregos do ramo

petrolífero exigem mão de obra super qualificada. Não basta uma formação

técnica. O trabalhador terá que falar, e bem, no mínimo o inglês, e ter cursos

diversos de especialização.

O resultado são pessoas sem nenhuma qualificação profissional vivendo

em condições de quase miséria em áreas mais afastadas do centro da cidade,

e, que não têm qualquer perspectiva de melhorarem de vida. Sobrevivem de

bicos e sub-empregos e da ajuda do Poder Público constituído.

Um ótimo exemplo é o bairro Lagomar: com uma população estimada

em mais de 30.000 habitantes, boa parte de seus moradores reside em área

de preservação ambiental, o que gera conflito direto com os ambientalistas,

que desejam ver o patrimônio natural do município preservado, e entre estes

e a população carente do local, que precisa ter seu direito à moradia

respeitado.

Esse povoamento desordenado está levando a um quadro perigoso no

que diz respeito à própria organização do município. Pela simples observação

do mapa da cidade, pode-se observar que um complexo de comunidades

carentes interligadas está se formando em volta de toda a cidade. A maioria

dessas comunidades sofre grande influência do tráfico de drogas.

47 Fonte: Jornal O Globo. Disponível em: < http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL968660-5606,00-BOPE+VAI+A+MACAE+REFORCAR+COMBATE+AO+TRAFICO+DE+DROGAS.html> Acesso em: 03 nov. 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-2: Angélica Chaves. - Pag 322

Assim, como se pode verificar pelas informações acima expostas, o

município, que tem uma das maiores arrecadações do país, com trabalhadores

recebendo salários acima da média nacional, enfrenta na verdade, vários

conflitos sociais e econômicos.

Quanto aos trabalhadores da indústria do petróleo, como visto, não são

muito diferentes de todos os trabalhadores de modo geral. Sofrem com os

mesmos problemas que todos os outros. O único ponto a seu favor é o fato de

que aqueles que possuem grande especialização técnica, muitas vezes,

conseguem estabelecer para as empresas suas condições de trabalho. De fato,

certos postos de trabalho são tão difíceis de preencher, que quando uma

empresa consegue um trabalhador qualificado naquela área específica, irá

pagar o preço pedido para mantê-lo.

Assim, a melhor arma do trabalhador contra a exploração medieval de

seu trabalho é o investimento em conhecimento. Não é à toa que cursos de

especialização na área de petróleo e gás se espalham pela cidade.

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TESTEMUNHAS, INFRATORES, PARCEIROS, INVISÍVEIS OU CRIMINOSOS: PAPÉIS MÚLTIPLOS EM UMA RELAÇÃO SINGULAR ENTRE PESCADORES E A EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO NA BACIA DE CAMPOS

Ronaldo Lobão PPGSD/UFF

A intolerância tem sua origem em uma

predisposição comum a todos os humanos, a de impor suas próprias crenças, suas próprias

convicções, desde que disponham, ao mesmo tempo, do poder de impor e a crença na

legitimidade desse poder. [...] Mas essa propensão universal assume um aspecto histórico quando o

poder de impedir é sustentado pela força pública, a de um Estado, e a desaprovação assume a forma de

uma condenação pública, exercida por um Estado sectário, que professa uma visão particular do bem.

Paul Ricoeur

1. Introdução

Neste artigo pretendo descrever alguns papéis que já foram atribuídos

a pescadores artesanais em função de sua atuação nas proximidades das

atividades de exploração de petróleo na bacia de Campos, estado do Rio de

Janeiro. Em função da autoria da atribuição desses papéis, discutir algumas

distinções e semelhanças entre as lógicas do Estado e as lógicas da Sociedade

Civil (Santos, 2000), frente às lógicas de um Mercado quase monopolista.

Os contextos etnográficos vêm de pesquisas ao longo da costa do Estado

do Rio de Janeiro e outros espaços litorâneos nos últimos dez anos. O foco

principal se dirige à área de influência da exploração do petróleo na Bacia de

Campos.

A discussão se desdobra em quatro níveis. O primeiro busca montar um

contexto histórico para os pescadores artesanais da costa brasileira. O

segundo tem por objetivo apresentar alguns aspectos da mudança social

dirigida – de fora para dentro – que teve como alvo esses grupos. Em seguida,

busco apresentar qual foi o papel do Estado e das políticas de governo na

construção de um cenário propício ao pleno desempenho de um último

significado: aquele construído com o objetivo de mimetizar nos grupos locais

o Mercado, onde ele era o exótico, a alteridade.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 324

2. Os Cenários, os papéis

Em Gargaú, distrito do município de São Francisco do Itabapoana, que

fica na margem norte da foz do Rio Paraíba do Sul encontramos, em 2002,

múltiplos universos da pesca. No canal que separa a sede do município da

restinga vimos barcos de médio calado que atuavam fortemente sobre um

novo recurso – o peruá1. Com a abundância do peruá, algumas instalações

frigoríficas haviam se adequado às exigências do Serviço de Inspeção Federal –

SIF – e estavam preparadas para a comercialização interestadual do pescado.

Ao lado desses pescadores e seus barcos, encontramos embarcações

menores, com pequenos motores de rabeta, e pescadores que atuavam nos

diversos canais do mangue existente na margem norte do rio. Esses

pescadores reclamavam da ocupação crescente de ilhas e outras áreas do

mangue com a pecuária. Falavam, mas as autoridades não lhes davam

atenção. Seu testemunho não tinha validade.

Fig. 1 – Canal de Gargaú

Além desses pescadores, havia também outro grupo – formado tanto por

homens quanto por mulheres – que atuava sobre outro recurso, o caranguejo.

Diziam na época, com orgulho, que o guaiamum que se comia no nordeste era

de Gargaú, em função da quebra da produção nordestina.

Tanto a pescaria do peruá, quanto a cata do caranguejo provocavam

duas discussões centrais sobre sustentabilidade: um puçá de cerca de um

metro de boca que era usado para a pesca do peruá e uma redinha que servia

1 Peixe-porco.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 325

para aumentar a produtividade da cata do caranguejo. Petrechos

potencialmente predatórios, o que fazia com que os que o utilizavam

pudessem ser considerados criminosos ambientais.

A voz local, entretanto apresentava outras percepções. Em duas falas

de catadoras de caranguejo acerca da abundância do recurso um mesmo

conceito foi utilizado com significados opostos. A primeira, numa comparação

do caranguejo com o camarão afirmou que o caranguejo era “vegetal” e,

portanto, finito. Que merecia cuidados. Já o camarão seria um “mineral”, que

nunca acabava, era inesgotável. Outra catadora usou estes conceitos

invertidos, ao associar o caranguejo ao mineral, pois era só catar, que ele

sempre estaria ali2.

Só que para a lei e para os fiscais do IBAMA, independente de serem

mineral ou vegetal, ou da abundância dos caranguejos, o que valia é a

Portaria do Defeso. Quem cata caranguejo durante o defeso vai preso. E foi o

que aconteceu com um catador de caranguejo que foi flagrado catando

caranguejo com a mão em época de defeso. Para seu azar maior, na delegacia

de Campos, para onde fora levado, eclodira uma rebelião que quase o matou.

Nesse contexto, em conversas com pescadores na Colônia de

Pescadores3 que se fundava, surgiu um outro lado da moeda. Para os

pescadores, no Brasil, só se punia os pequenos. Os pescadores presenciavam

sistematicamente vazamentos de óleo nas plataformas de exploração de

petróleo, e nada acontecia. Não seria crime ambiental também? O presidente

da Colônia já conversara com representantes da empresa que ficaram de

propor parcerias com os pescadores.

O lugar de testemunha ocupado pelo pescador de Gargaú incomodava.

2 Ambas as falas, obtidas em visitas distintas, ocorreram no período do defeso do caranguejo -

período onde não se pode catá-lo - em que a primeira estava respeitando e a segunda não. Outra distinção diz respeito à religião, a primeira evangélica, fez questão de frisar esta condição e relacioná-la com a obediência às regras e a segunda católica, não reconhece a necessidade de cumprir a regra.

3 Trata-se da recriação da Colônia Z1.

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Fig. 2. Testemunho de vazamentos?

Em Macaé, um novo lugar foi evidenciado para os pescadores

artesanais. Desta feita, o de infrator. Alguns pescadores eram devedores de

pesadas multas por pescarem nas proximidades das plataformas de petróleo.

De um lado a segurança das plataformas e das embarcações. De outro, o

aumento da produtividade das pescarias com a pesca na “sombra” das

plataformas, que atraía cardumes diversos.

As plataformas teriam se alojado em pesqueiros tradicionais e a

condição de infrator ameaçava a continuidade da atividade. Diferente de

outras experiências de fiscalização participativa – como os Fiscais

Colaboradores na Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo4 - neste

caso, as denúncias oriundas dos agentes da empresa não eram consideradas

denúncias vazias, como ocorriam com os Autos de Ocorrência lavrados pelos

pescadores artesanais cabistas.

A testemunha mudara de lado. O lugar de infrator era mais adequado.

Fig. 3 – Pescaria na proximidade da plataforma

4 Ver Lobão, 2000.

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Com o controle da situação estabelecido, teve início uma série de

iniciativas que visaram colocar os pescadores dos municípios que sofrem

impactos da exploração de petróleo na Bacia de Campos como parceiros da

atividade. Essa parceria teve o mesmo objetivo que as iniciativas da década

de cinqüenta do século passado, no governo de Getúlio Vargas. As Escolas de

pesca, na Ilha da Marambaia, no Rio de Janeiro, e em Tamandaré, em

Pernambuco, visavam desenvolver a pescaria e os pescadores dotando-os de

uma casa e um barco a motor (Pondé, 1977).

Teve início, no ano de 2003, o Projeto Mosaico, liderado à época por

uma empresa, a Ani Consultoria. Esta atividade desdobrou-se em um

diagnóstico da pesca artesanal na região e o desenvolvimento de um Plano de

Desenvolvimento Local, fundado na concepção do “planejamento

participativo de um projeto coletivo de futuro com vistas ao desenvolvimento

sustentável da pesca artesanal”.

Esse projeto coletivo envolveu pescadores de São Francisco do

Itabapoana, São João da Barra, Farol de São Tomé (Campos dos Goytacazes),

Quissamã, Carapebus, Macaé, Rio das Ostras, Casimiro de Abreu, Búzios, Cabo

Frio e Arraial do Cabo. O “projeto coletivo de futuro” que a dinâmica

procurava construir começava com o seguinte exemplo:

“Um casal de funcionários públicos paulistanos tem um sonho: montar um restaurante de comida tailandesa em Angra dos Reis. Mas eles não saber dirigir um restaurante, não sabem como cozinhar a comida tailandesa e não conhecem Angra dos Reis. Nossos exercícios serão dirigidos a construir as etapas para a concretização do sonho do casal.”

Para um público que tinha como sonho a reprodução do seu saber

tradicional, de suas artes de pesca, de suas relações de querência com seus

lugares, o exemplo era incognoscível. O resultado não poderia ser diferente: o

conjunto de demandas que construiriam o mundo real da “chuva de sonhos”

coletiva começava desde uma necessidade básica individual – uma nova rede

de pesca – e atingia uma necessidade coletiva, geral, como educação,

moradia, saúde de qualidade para todos5.

5 Algumas demandas tiveram caráter mais localizado. Em Arraial do Cabo pensou-se em “reinventar” a Reserva Extrativista Marinha; em Farol de São Tomé buscou-se regularizar as embarcações de pesca. Os resultados das duas iniciativas são negativos...

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Com o tempo o Projeto Mosaico foi transformado em Programa Mosaico

e suas atividades alargaram-se. Por exemplo, no final de 2010, o

assistencialismo clássico foi a tônica:

“Filhos de pescadores de 13 municípios da área de influência da Petrobras, na Bacia de Campos, participam, entre os dias 1º e 17 de dezembro, do Evento de Fim de Ano promovido pelo Petrobras Programa Mosaico. Já foram visitadas as colônias de pescadores de Cabo Frio (Distrito de Tamoios), São João da Barra, São Pedro da Aldeia, Macaé, São Francisco de Itabapoana, Araruama, Carapebus, Búzios, Farol de São Thomé, Saquarema e Quissamã. Até sexta-feira, quando termina o circuito, serão visitadas as colônias de Iguaba Grande, Arraial do Cabo e Cabo Frio. Na última segunda-feira (13), foi a vez dos filhos dos 600 associados da Colônia de Pesca Z-24 de Saquarema aproveitarem a tarde entre brincadeiras e guloseimas. O presidente da instituição, Matheus Alves de Souza Neto, aprovou a iniciativa: "Passamos o ano inteiro pensando prioritariamente nos adultos, e nos esquecemos das crianças. Este evento reafirma uma parceria com a Petrobras iniciada em 2006, com o Projeto de Integração Social da Pesca Artesanal de Saquarema (Peispa) patrocinado pelo Desenvolvimento & Cidadania", disse. [...] Frutos desta parceria, a Cooperativa de Beneficiamento Pescal emprega, atualmente, 23 pessoas, e o Projeto Primeiro Passo ministra aulas de dança de salão, capoeira, balé clássico, jazz, dança livre, karatê, kung-fu, teatro música e reforço escolar. Realizado anualmente, o Evento de Fim de Ano para Filhos de Pescadores atenderá, este mês, 3850 crianças no litoral Norte Fluminense.” (Procópio, 2010).

De alguma forma, o controle sobre os parceiros aumentou.

Entretanto nem todos os pescadores ficam ao alcance dos mecanismos

clássicos de controle a partir da cooptação. Duas estratégias adicionais podem

ser empregadas: a invisibilização e a desqualificação.

A primeira estratégia segue a linha de acusações do tipo “não há mais

pescadores artesanais na região!”. Com essa forma de invisibilização, ficam

abertas as possibilidades de “des-responsabilização” dos empreendedores do

desenvolvimento para com grupos culturalmente diferenciados. Todos estão

no mesmo barco e as desigualdades são justificadas pelo mérito diferenciado

de cada um. Enfim, cada um sabe qual seu lugar e porque está lá.

A segunda estratégia visa dar conta daqueles que recalcitrantes,

insistem em manterem-se visíveis e independentes. O controle por

proximidade não funcionou e sua presença é evidente. Seriam, então,

desviantes - conforme qualificação de Howard Becker (1963) – e a acusação

correspondente é que os pequenos barcos de pesca que se aproximam das

plataformas o fazem para levar drogas para os trabalhadores da plataforma.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 329

O cerco se fechou: ou desaparecem por bem ou pela força. Um controle

que sempre foi exercido sobre os pescadores artesanais do litoral brasileiro...

Fig. 4 – A “solução” para os infratores?

3. Uma Trajetória para os Povos do Mar

Qualquer um que olhe o mapa do Brasil se impressiona com a extensão

do seu litoral. Supor, então, que a pesca é uma importante fonte de renda

não seria de todo improvável. Entretanto, a pesca não é expressiva na

composição da renda bruta nacional, se comparada com o que ocorre em

outros países da América Latina como a Argentina, o Chile e o Peru. A

produção da pesca extrativa brasileira somente superou a marca das 800 mil

toneladas no ano de 2010, conforme dados do Ministério da Pesca e

Aqüicultura. Porém, herdeiros dos navegantes portugueses, dos nativos e dos

negros africanos, podemos dizer que somos devemos muito de nossas riquezas

aos pescadores.

As comunidades de pescadores foram marcos na construção de Portugal

e no Brasil não foi diferente (Silva, 2001). Os primeiros pescadores locais, os

índios, escravizados no primeiro momento, e remunerados em seguida,

beneficiaram-se de inovações trazidas pelos portugueses, como o anzol de

ferro, como atestam vários historiadores.

Com o passar do tempo as jangadas indígenas foram remodeladas,

ganharam a vela triangular e negros para o exercício da pescaria. Novas

técnicas foram desenvolvidas e na segunda metade do século XIX a presença

do negro livre se tornou majoritária na pesca em Pernambuco, conforme

dados da Capitania dos Portos da Província de Pernambuco.

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No final do século XVII surgiram os primeiros currais, ou cercados, que

se desenvolveram como uma importante fonte de renda, de forma que os

coqueirais, jangadas, canoas, redes e currais uniram-se para formar a unidade

produtiva do litoral no nordeste do século XIX (Silva, 2001).

As praias se transformaram em moradias, as folhas dos coqueiros em

teto, o litoral nordestino ganhou sua feição: coqueiros, jangadas e

pescadores. E tal desenho foi se repetindo pelo Brasil afora: a praia como

sustento de muitos.

No início do século XIX começaram as investidas oficiais para

domesticar esse grupo de trabalhadores. No Ceará, em 1811, o juiz de fora

José da Cruz Ferreira determinou um código de posturas para os jangadeiros

(Silva, op.cit.). No Recife, em 1816 foi votada a primeira postura municipal

que limitou o tamanho da malha para a rede de arrasto e em 1822 tentou-se

coibir este tipo de pescaria. Seguiram-se regulamentos sobre pescadores e a

pesca no Pará, em 1839 e 1844.

Em 1845 foi aprovada a lei que criou e regulamentou as Capitanias dos

Portos e com elas uma força militar de reserva formada compulsoriamente

pelos pescadores artesanais registrados em cada Capitania. Ao se registrarem,

os pescadores não mais teriam que servir à Guarda Nacional. Somente

prestariam serviço militar quando a Marinha os chamasse. Em 1846 o

regulamento aprovado pelo Ministério da Marinha fez com que cada Capitania

fosse dividida em distritos e cada distrito entregue a um capataz. Surgiram,

assim, as “capatazias” de pescadores 6.

Os resultados não foram auspiciosos, de forma que, em 1852 desenhou-

se um novo projeto de modernização da pesca no Brasil, que já defendia sua

“industrialização”. O liberalismo econômico chegara à pesca. Tal lei fora

aprovada em 1856, e se dividia em três aspectos: garantia de juros baixos,

concessão de terrenos públicos para a instalação das indústrias e isenção de

impostos durante 10 a 20 anos.

Mas os efeitos também não foram satisfatórios, e novas leis surgiram

para “reduzir” os pescadores artesanais, e colocá-los sob a tutela do Estado.

Em 1912, a República, através da Lei 2.544/12 criou as Colônias de Pesca, 6 É evidente a relação do termo com a forma de organização do período da escravidão, onde capatazes eram encarregados de fiscalizar o bom andamento dos trabalhos dos escravos.

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subordinadas ao Ministério da Agricultura. Em 1920, pelo Decreto 14.086/20,

a Marinha retomou sua tutela sobre os serviços de pesca, e o Capitão

Frederico Villar realizou missões colonizadoras quando “promoveu a

instalação de mais de mil colônias no litoral” (Pessanha, 2002). Essas missões

foram consideradas por seu protagonista como “missões libertadoras” (Villar,

1931). A criação do Conselho Nacional de Pesca em 1933, no âmbito do

Ministério da Agricultura, fez com que as colônias retornassem para a

jurisdição deste Ministério.

Em 1942, ainda no período do Estado Novo, voltaram as colônias para a

responsabilidade do Ministério da Marinha, até que, em 1950, se fixam na

jurisdição do Ministério da Agricultura, que organizou a pesca em um sistema

confederativo (colônias locais, federações estaduais, confederação nacional)

e definiu estatutos padronizados para todas as colônias de pesca. Na década

de 50, o segundo governo de Getúlio Vargas criou Escolas de Pesca nos Estados

de Pernambuco e do Rio de Janeiro, com o objetivo “tirar a pesca do seu

primitivismo, modernizando-a” (Ponde, 1977).

Várias foram as estratégias para manter a filiação dos pescadores às

colônias. Até a década de 80, o documento obrigatório para o exercício da

atividade da pesca profissional era a matrícula correspondente, fornecida pela

Capitania dos Portos. Além deste documento o pescador deveria estar filiado

a uma Colônia e, conseqüentemente, a uma federação e à confederação,

além de estar registrado na Superintendência do Desenvolvimento da Pesca -

SUDEPE -7, para poder exercer a atividade profissional da pesca.

Com a equiparação dos pescadores artesanais aos trabalhadores rurais

para fins de obtenção de benefício de aposentadoria especial, cresceu a

vinculação às Colônias, pois eram estas as entidades aptas a fornecer a

documentação necessária (Pessanha, 2002). Somente a partir da década de 80

é que se começaram a esboçar algumas reações, como as “Associações Livres

de Pescadores”, incentivadas por Frei Alfredo Schnüettgen, Secretário Geral

da Pastoral da Pesca no Brasil, à época. Finalmente, a Constituição de 1988

acabou com qualquer tipo de filiação compulsória. Mas mesmo assim, em 2003

7 Entretanto, a autora afirma que apesar de todas as proibições, nos anos 70, se deva à pesca “não-colonizada no Estado do Rio de Janeiro... a metade do volume da produção total da pesca” (p. 64)

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o decreto que regulamentou a concessão do Auxílio Defeso manteve a filiação

compulsória às Colônias para a obtenção do benefício.

Criada nesse mesmo ano, a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca e

o posterior Ministério da Pesca de da Aqüicultura deram novo impulso à pesca

e à aqüicultura, porém no mesmo diapasão do empreendedorismo e do

desenvolvimentismo, com controle dos grupos sociais locais nas estruturas

montadas pelo Estado.

É certo que um sistema tão longevo haveria de encontrar outras formas

de se manter estruturado. Assim surgem novas “motivações” para se obrigar

aos pescadores a continuarem filiados ao sistema de Colônias de Pesca. Estas

tomam o papel de “representantes”, “porta-vozes”, “interlocutores” dos

pescadores junto aos órgãos oficiais. Carteira de pescador, auxílio-defeso,

redução ICMS sobre o óleo diesel, averbação de tempo de serviço para fins de

aposentadoria, enfim, toda a articulação entre os pescadores e os órgãos

públicos a que eles deveriam contatar para receber seus direitos passa a ser

mediada pelas colônias de pesca.

Surgiu um novo padrão de tutela, que privilegiou uma forma de

representatividade cada vez mais seletiva, onde só poucos detêm a linguagem

para se comunicar com o mundo oficial. Os novos capatazes são aqueles que

mantém o jugo pela relação com os senhores através da comunicação

exclusiva e do conhecimento privilegiado.

4. Impactos da imposição de novos papéis nos espaços e na cultura locais

Os impactos explicitados pela imposição de múltiplos papéis sobre um

grupo social tão particular podem ser discutidos em duas linhas

complementares. Uma delas passa pelo controle do acesso a um determinado

espaço de produção para depois se alcançar o controle do acesso aos recursos.

Nesta linha, a definição explícita dos grupos detentores de direitos é

fundamental. É o que ocorre nos casos de criação de unidades de conservação

de uso sustentável marinhas.

A outra tem início pelo controle da forma de acesso aos recursos

naturais renováveis de uma determinada região. Nessa vertente, o que é

impositivo são as técnicas e os petrechos que podem ser utilizados por todos

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aqueles que partilham do mesmo patamar tecnológico. É o que acontece nos

lagos amazônicos e seus Acordos de Pesca. O que é comum nas duas vertentes

é a intenção de se manejar os recursos naturais em função das características

sociais dos grupos que ocupam um determinado ecossistema.

Por exemplo, o que fazer com grupos tradicionais que atuem em

espaços onde a definição de uma Unidade de Conservação seja impossível,

difícil, ou desnecessária? Temos exemplos de vários espaços nestas condições.

A região estuarina-lagunar-oceânica de Cananéia, Ilha Comprida e Iguape é

uma delas. Já existem inúmeras unidades de conservação na área, tanto da

esfera federal, como da esfera estadual. Os ecossistemas se estendem por

áreas ora sob a administração municipal, ora sob a responsabilidade do estado

de São Paulo, em outras regiões sob a tutela do governo federal.

Por outro lado populações tradicionais atuam, muitas das vezes em

mais de um ecossistema: mangue, lagoa, estuário, por exemplo. Viver da roça

e da pesca é outro exemplo. Qual área preservar e definir como necessária à

reprodução do grupo social?

As questões de um plano de utilização para os recursos naturais

renováveis em áreas protegidas – quem, o que, onde, como e quando – não

estão contempladas nas duas alternativas. Nos acordos, falta, por exemplo, a

definição de uma categoria de tutela expressa para o espaço, ou seja, a

criação de uma Unidade de Conservação. Mas quando se a área já for

protegida, talvez não haja necessidade de novo estatuto legal de proteção, ou

mudança da esfera responsável por sua tutela.

O ordenamento do acesso aos recursos naturais pode ser uma

alternativa importante para a reprodução de determinados grupos sociais.

Pode ser o suficiente. Talvez o possível. Quem sabe um início, um teste. Mas

sem dúvida deve ser uma ferramenta à disposição dos grupos sociais e do

poder público.

Maior atenção deve ser dada ao lugar do saber local, do saber

tradicional. Esse mecanismo já foi feito a partir de sugestões do saber

científico. Em determinada medida, ocorre uma mudança no mecanismo de

tutela. Ela pode ser estabelecida em uma relação de subordinação através do

saber, do poder de determinar o que é sustentável ou não. O desejável talvez

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seja partir do saber local e de discussões sobre as articulações desses saberes

e com os interesses e paixões locais para construir um ordenamento do uso do

espaço por atividades sustentáveis e não predatórias. Os dados coletados ao

longo do tempo serviriam como um balizamento para que a população

tradicional avaliasse suas práticas e discutisse alterações, se necessário.

Outra dimensão fundamental é a da topophilia, das relações afetivas

experimentadas com os lugares (Tuan, 1977; 1990). A querência pelo seu lugar

é uma marca substantiva das possibilidades do grupo local efetivamente

cuidar de seu lugar e dos recursos a serem explorados (Mello & Vogel, 2004).

5. O lugar do Estado e das políticas de Governo

De qualquer forma, parece que a presença do poder público é

fundamental em iniciativas como essas, pois, se o espaço natural, o Meio

Ambiente, possui muitos defensores, poucos são aqueles que estão a serviço

dos grupos sociais que vêm conservando estes espaços ao longo de várias

gerações.

Mas o que fazer quando o espaço não está mais preservado, não por

ação direta das populações tradicionais, mas por terem sido derrotadas frente

a forças a modernizadoras como a especulação imobiliária, o turismo

predatório, a atividade econômica desenfreada?

Os exemplos falam melhor. Na região de Angra dos Reis podemos

encontrar todos os prejuízos de uma atividade turística sem controle, uma

especulação imobiliária ímpar, e atividades econômicas totalmente

inadequadas ao ecossistema local: Usinas Nucleares, Estaleiros e outras

indústrias de grande porte, de suporte a estas, se alojam em verdadeiros

paraísos. Poucas áreas naturais ainda são produtivas, ou por sua extração

desordenada, ou pela destruição provocada pela poluição, decorrente de uma

especulação imobiliária predatória.

Já não se pode falar em criar mais unidades de conservação. O pouco

que restou faz parte da Estação Ecológica de Tamoios e já está protegido. Mas

esta proteção é integral, exigindo grande esforço do IBAMA para cumpri-la de

forma adequada. E os problemas decorrentes da degradação ambiental

chegaram aos grupos sociais tradicionais. Se, segundo dados da Secretaria

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Municipal do Meio Ambiente de Angra dos Reis, existiam cerca de 900

extrativistas na Baía de Tamoios na década de noventa, e hoje não

conseguimos mais os encontrar. Não há mais o quê extrair, portanto não há

mais extrativistas.

O mesmo acontece no sistema lagunar de Jacarepaguá, município do

Rio de Janeiro. Os pescadores locais consultaram o IBAMA sobre a

possibilidade de serem protegidos, mas a resposta foi que o Meio Ambiente

em que viviam estava “detonado”, e que não cabia uma Unidade de

Conservação no local, porque nada mais havia a conservar8. Mas é certo que

não foi este grupo social o responsável pela degradação ambiental e sim a

especulação imobiliária de alta renda, combinada com a instalação de um

pólo industrial na região.

Talvez um conjunto de iniciativas, capitaneadas pelo poder público,

possa recompor os espaços, fazendo com que recursos naturais renováveis

voltem a existir, e fazer com que voltem a atuar sobre eles aqueles que

conhecem seu ciclo de vida e sabem como os extrair. Nestes casos, agir sobre

o espaço pode representar a ação mais eficaz que sobre os grupos sociais. Mas

não agir sobre os espaços com o objetivo de colocá-los numa redoma, apenas

para contemplação, e punir os grupos sociais que nem sempre têm culpa em

sua degradação. A idéia é recompor o espaço com o sentido de devolver sua

produção natural aos grupos que foram seus guardiões, até que os “de fora”

vencessem, e transformassem o espaço, à sua feição: estéril.

E o oposto? O espaço está lá. Mas não há quem se interesse por sua

produção natural, Não há mais quem saiba como extrair riquezas do

ecossistema. Neste caso, que pode ser o de Paraty, na região de São Gonçalo,

caberia ao poder público encetar um conjunto de medidas que incentivassem

grupos sociais na volta á produção de recursos naturais nestes espaços.

A maricultura, em suas diversas formas, é tratada como uma política de

modernização da pesca artesanal. Mas quase sempre é uma política que

envolve grupos tradicionais que, por um motivo ou por outro, perderam a

capacidade de se reproduzir ou se desenvolver nas atividades tradicionais que

8 Tal informação foi fornecida pelo então Gerente das Reservas Extrativistas do CNPT, Alexandre Cordeiro, em palestra na AREMAC, nos idos de 2000. Surpreendentemente o processo de criação da Resex continuava tramitando em 2010 no ICMBio.

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praticavam em seus ambientes. A transformação de pescadores em

“agricultores”, em “empreendedores” tem se mostrado uma empreitada que

tende ao fracasso.

No geral, a observação dos espaços da pesca artesanal no litoral do

Estado do Rio de Janeiro sugere um conjunto de medidas que passam pela

articulação de políticas públicas que constituam áreas protegidas com de

acordos para o ordenamento participativo de acesso a determinados recursos

em espaços definidos, a recomposição da produtividade de espaços naturais

tradicionais e o reagrupamento de grupos extrativistas tradicionais.

Estratégias de alternativas de renda e de atividade podem ser pensadas

como temporárias e secundárias. Pensar em formas de permanência de renda

no interior dos grupos, que aumentam sua circulação interna deveria ser

prioritária.

A idéia de um gerenciamento pesqueiro fundado na dimensão social das

pescarias, nas identidades locais e nas relações dos grupos com seus

territórios e recursos explorados nos parece mais viva do que nunca9.

6. A guisa de conclusão: o lugar dos empreendedores e do mercado

A proposta de discutir o lugar do empreendedor ou do mercado em

universos culturais que não seguem a “lex mercatória” nem vivem uma

“Bukovina global” (Teubner, 2003) é bastante ampla. Nesta conclusão vou

restringir-me a um tipo especial de empreendedor e de mercado: o

empreendedor estatal quase monopolista.

Essa condição cria um agente “semi-público” que ora se vê como um

agente público, ora se vê como um ator do mercado. Não diria que todos os

agentes da empresa desempenham esse papel. Mas alguns exemplos podem

iluminar o argumento.

Em 2001, logo após o grande vazamento de óleo na Bahia de

Guanabara, em uma reunião na Superintendência Regional do IBAMA técnicos

da empresa buscavam reduzir os impactos do vazamento na cadeia produtiva

9 Há uma Instrução Normativa do Ministério da Pesca e Aqüicultura, publicada em janeiro de 2010 que visa alterar os procedimentos de manutenção e obtenção do registro de pescador, onde a demonstração da produção figura como um dos elementos de comprovação da atividade. Entretanto, uma análise detalhada do documento e seus possíveis efeitos fogem do escopo deste artigo.

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do pescado da baía. O argumento foi que um salmão defumado continha mais

hidrocarbonetos em sua carne que os peixes afetados pelo vazamento. Ele

queria dizer que a empresa havia agregado valor ao pescado local? Não,

apenas queria reduzir a responsabilidade da empresa, contra todas as

evidências do próprio mercado.

Mas a atuação da empresa não ficou por aí. Ela precisava identificar o

universo afetado pelo vazamento para o estabelecimento da devida

compensação. Como fazê-lo? Como saber quem eram os “verdadeiros”

pescadores afetados? Os dados de registro das Colônias de Pesca não serviam,

pois havia pescadores que portavam cordões de outro, eram proprietários de

carros caros. Esses não eram aqueles com os quais a empresa era devedora de

sua responsabilidade social.

A alternativa que a empresa adotara era contratar outra empresa para

investigar quem seria de fato pescador e esta buscava informações em fontes

distintas das colônias e associações. Por exemplo, as paróquias eram fontes

mais fidedignas que os registros do setor10, que são uados para pagamento do

seguro defeso, para a concessão da aposentadoria especial dos pescadores,

entre outros direitos de seguridade social.

Em resumo, ao analisar essa lógica por seu reverso, percebe-se que

cuidado com o bem público – patrimônio, erário, espaço, recurso – não se

replica no cuidado com as finanças e a atividade no universo da esfera

privada. Para minimizar custos e encargos – e por que não falar da imagem

pública, que se reflete em perdas ligadas à responsabilidade socioambiental

das empresas – deve-se ser tão diligente quanto possível. Mesmo que para isso

se tenha que ultrapassar os limites da ética, da legalidade e da legitimidade.

No caso brasileiro, parece que a maior intolerância não está no Estado

e na sua visão sobre o bem, mas no Mercado, que imiscuído do poder do

Estado não só professa como impõe sua visão particular do bem.

10 É claro que esta estratégia foi questionada judicialmente e o processo que define o valor da compensação e aqueles que foram afetados se arrasta no judiciário há mais de dez anos...

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-3: Ronaldo Lobão. - Pag 338

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 339

POLUIÇÃO CÍVICA - CRIMINALIZAÇÃO DO BAIRRO LAGOMAR NO

MUNICÍPIO DE MACAÉ E AJUSTAMENTOS DE CONDUTA

Wilson Madeira Filho Prof. Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF

Jane Estanislau Roriz Bacharel em Direito pela Universdade Candido Mendes em Campos dos Goytacazes RJ

Residente Jurídica junto ao Centro de Assistência Judiciária da UFF em Macaé RJ

Angélica Chaves da Silveira Bacharel em Direito pela UFF em Macaé RJ

Residente Jurídica junto ao Centro de Assistência Judiciária da UFF em Macaé RJ

Ai, esta terra ainda há de cumprir seu ideal: Ainda vai tornar-se um império colonial!

(Fado Tropical, Chico Buarque)

Os sucessivos modelos de colonização no Brasil sistematicamente

refletem uma visão de império. No contexto quinhentista como na atual fase

de prospectivas para com o pré-sal, fala mais alto o discurso simbólico do

desenvolvimento. Tanto o Brasil descrito por Fernão Cardim enquanto outro

Portugal, quanto o Brasil onde “O pré-sal é nosso!” desconhecem a

perspectiva do indivíduo e mesmo a complexificação da questão social,

permeando-as por uma análise conjuntural de riqueza de nação, onde a

projeção desse ideal estatal cunha a imagem altaneira de uma metonímia

etnogeográfica que, seja como Reino, seja como “Brasil moleque”, faz crer

seguir uma trilha edênica assinalada.

Para o jesuíta tratava-se de viver um novo mundo, mesmo no sentido

renascentista, de retomar os valores da antiguidade, brindando-os com uma

versão admiravelmente depurada de males, pela perspectiva de um

recomeçar. Desse modo, o constructo ideológico da república clássica,

teorizada na polis grega, é reescrito pela naturalização. Tratava-se de um

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 340

lugar onde se tornava possível coabitar homens, bichos e plantas e onde o mal

era naturalizado.

Os tratados do padre Fernão Cardim, que chegou ao Brasil em 1583,

onde viveu cerca de quarenta anos, constituem não apenas um catálogo de

flora e fauna como um compêndio de usos e costumes indígenas, onde consta

a famosa discrição dos homens marinhos e monstros do mar:

Esses homens marinhos se chamam na língua Igpupiara, têm-lhe os naturais tão

grande medo que só cuidarem nele morrem muitos, e nenhum que o vê escapa; alguns morreram já, e perguntando-lhes a causa, diziam que tinham visto este monstro; parecem-se com homens propriamente de boa estatura, mas têm os olhos muito encovados. As fêmeas parecem mulheres, têm os cabelos grossos, e são formosas; acham-se esses monstros nas barras dos rios doces. Em Jagoarigpe sete ou oito léguas da Baia se têm achado muitos; em o ano de oitenta e dois indo um índio pescar, foi perseguido de um, e acolhendo-se em sua jangada o contou ao senhor; o senhor para animar o índio quis ir ver o monstro, e estando descuidado por uma mão fora da canoa, pegou dele, e o levou sem mais aparecer, e no mesmo ano morreu outro índio de Francisco Lourenço Caeiro. Em Porto Seguro se vêem alguns, e já têm morto alguns índios. O modo que têm em matar é: abraçam-se com a pessoa tão fortemente beijando-a, e apertando-a consigo que a deixam feita toda em pedaços, ficando inteira, e como a sentem morta dão alguns gemidos como de sentimento, e largando-a fogem; e se levam alguns comem-lhes somente os olhos, narizes e pontas dos dedos dos pés e mão, e as genitálias, e assim os acham de ordinário pelas praias com estas cousas de menos.1

Em contexto que se torna correlato, o Brasil como um país do futuro,

em um futuro presentificado há pelo menos cinquenta anos em projetos

estatais como 50 anos em 5 da Era JK, o Milagre Econômico da Era Militar e o

PAC da Era Lula, a autonomia econômica a despertar o “gigante adormecido”

acalenta o mesmo sonho de nação, naturalizando o desenvolvimento. Desse

modo, como uma espécie de metonímia do processo histórico, empresas como

a Petrobrás passam a simbolizar nosso poder de império, ampliando a malha

energética, tornada moeda forte na disputa internacional.

O ouro negro vertido consuma a trajetória extrativista de uma

perspectiva de colonização de uma natureza “que tudo dá” e onde flora e

fauna catalogáveis são delimitadas espacialmente, em mecanismos de

controle chamados de unidades de conservação. Os royalties do petróleo e de

seus derivados passam a centralizar as disputas políticas por recursos de

municípios e de estados federados e, paradoxalmente, as próprias demandas

1 CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. São Paulo: Hedra, 2009, pp. 151-152.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 341

por sustentabilidade econômica dos mecanismos político-administrativos de

conservação da natureza. Assim como a moeda brasileira, o Real, a etimologia

dos royalties traduz o contexto simbólico desse reino em permanente

edificação.

Nesse cenário, municípios como Macaé, localizado na região Norte

Fluminense do estado do Rio de Janeiro, e que se encontra no epicentro da

maior província petrolífera do Brasil, são exemplares para dar conta do

registro de uma dinâmica civilizatória que perpetra o estupro cívico de uma

comunidade de pescadores tornando-a pólo de degredados que passam a

funcionar como alicerce proletário da nova etapa de colonização.

Desde a primeira metade do século XIX, Macaé é reconhecida em

termos de economia agro-industrial apoiada na cana-de-açúcar, exercendo a

função de cidade comercial a partir do desenvolvimento do porto de

Imbetiba, em 1846. Nas últimas décadas do século XX desponta como centro

regional em decorrência das atividades de extração de petróleo e gás natural

na Bacia de Campos, recebendo um reconhecimento a nível nacional, sendo

inclusive conhecida como a “Princesinha do Atlântico”.

O súbito crescimento demográfico, propulsionado pelo novo eldorado,

carreia migrações em busca de trabalho e oportunidades. O crescimento

desordenado do município, a “economia de cassino”2 e a política clientelista

são fatores que concorrem para gerar amplo processo de favelização. Nesse

contexto, o bairro Lagomar é o que mais se expande, com ocupações

desordenadas, chegando a uma população de cerca de trinta mil pessoas.

Lagomar passa a ocupar diariamente as manchetes sobre violência e

criminalidade dos jornais populares, em textos sensacionalistas, que

promovem um folclore marginal de novos “ipupiaras”. “O final de semana foi

marcado por dois homicídios que aconteceram no bairro Lagomar, em Macaé”

2 A expressão é utilizada por Boaventura de Souza Santos para caracterizar um economia de apostas em bolsas de valores, sem compromisso político com os contextos reais, em SANTOS, Boaventura de Souza. Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. In: HELLER, Agnes et al. A crise dos paradigmas em ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro, Contraponto, 1999, pp. 33-75.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 342

anuncia o site macaenews3. “Macaé lidera ranking da violência” informa o

blogspot da tribuna dos municipios4.

Pressionado pela expansão imobiliária da beira mar macaense, pelo

terminal de petróleo e gás de Cabiúnas e pela posição limítrofe ao Parque

Nacional da Restinga de Jurubatiba, Lagomar e seus trinta mil degredados

tornam-se o inimigo comum do poder de império em sua expressão local, pois

passam a simbolizar a dimensão de uma poluição cívica, a ser exterminada, a

ser “limpa”, a ser controlada e domesticada através de ajustes de conduta,

pois aqui a palavra realidade possui apenas a mesma etimologia de realeza.

O presente texto irá abordar a Ação Civil Pública federal movida

contra os moradores do bairro Lagomar, enquanto potencial ameaça à área de

amortecimento do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, e irá

desdobrar-se em três pontos: 1) o relato sucinto do conflito; 2) o estigma da

marginalização; e 3) novos Ajustamentos de Conduta.

1. Pobreza enquanto conflito

A escolha do município de Macaé para fixar o terminal de apoio às

atividades das plataformas da Petrobrás e o Distrito de Produção do Sudeste,

acabou por levar à população local grandes expectativas com relação à

chegada da estatal, e principalmente, o próprio desenvolvimento futuro para

o município de Macaé. Além da expectativa da população macaense, os

demais municípios vizinhos, como Conceição de Macabu, Quissamã e

Carapebus, apresentam-se fortemente influenciados pelas atividades

econômicas surgidas a partir da extração de petróleo e gás natural na Bacia

de Campos.

Por sua vez, o crescimento da atividade industrial de Macaé resulta,

por um lado, dos crescentes investimentos realizados em exploração,

3 Homicídios marcaram o final de semana em Macaé. Disponível em http://www.macaenews.com.br/ver_not.php?id=64748&ed=Pol%EDcia&cat=Not%EDcias, acesso 24/01/2011 4 Macaé lidera ranking da violência. Disponível em http://tribunadosmunicipios.blogspot.com/2007/03/maca-lidera-rancking-da-violncia.html - acesso em 28/01/2011

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 343

desenvolvimento e produção de petróleo e gás, em especial pela empresa

Petrobrás, como também pelo ingresso de empresas nacionais e estrangeiras,

industriais atuantes no mercado off-shore (operadoras e

prestadoras/fornecedoras de bens e serviços), de pequeno, médio e grande

porte, atraídas pelas oportunidades de negócios na Bacia de Campos.

Esse processo foi acelerado em função da quebra do monopólio de

exploração da Petrobrás, a partir da Lei do Petróleo de 1997. Assim, em

pouco mais de três décadas, o município de Macaé presenciou a mudança de

sua base produtiva, de uma estrutura tipicamente primária para uma

estrutura industrial e de prestação de serviços.

Desde a década de 1980, Macaé vem experimentando diversas

transformações nas atividades econômicas desenvolvidas no Município, o que

acabou por desencadear um processo de rápida urbanização e crescimento

populacional. Essa rápida migração, ou seja, a urbanização e crescimento

populacional de forma desordenada tiveram como fundamento o fato do

Município de Macaé ter vivenciado um rápido desenvolvimento econômico,

ocasionando a chegada de muitas pessoas no município, vindas de diversas

regiões do Brasil e do mundo, em busca de uma melhor qualidade de vida, e

uma colocação no mercado de trabalho, sendo considerado um dos municípios

da região Norte Fluminense que mais recebe pessoas de outras localidades.

Todo esse destaque recebido pelo município, além da chegada da

Petrobrás e das diversas empresas especializadas no ramo do petróleo, teve

farta divulgação na mídia (televisão, internet, jornais, entre outros meios de

comunicação), no que tange às diversas oportunidades de trabalho, sendo

comum ouvir que “na cidade não trabalha quem não quer”, “que existem

muitas oportunidades”.

Os imigrantes chegam no município com suas aspirações individuais,

mas muitas vezes não encontram condições sociais disponíveis para

concretizá-las, permanecendo numa região em que o número de empregos

cresce enormemente, mas não conseguem uma colocação no mercado de

trabalho, tendo em vista, ser necessário ter um nível de escolaridade na área

do petróleo. Sem escolaridade, e sem ter condições de retornar para sua

cidade de origem, muitos acabam permanecendo no município, ocasionando

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 344

inúmeras consequências sociais, dentre elas a expansão da criminalidade

urbana.

O Loteamento Balneário Lagomar, que inicialmente se caracterizava

por alocar residências secundárias, ocupadas primordialmente por veranistas

e instalações industriais, em função do crescimento urbano, da valorização e

especulação imobiliária, foi ocupado de forma desordenada e irregular por

população de baixa renda.

Com a criação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, em

1998, a área em que se localiza o Bairro Lagomar passou a figurar como parte

do entorno da Unidade de Conservação, o que acarretou em instaurar

restrições ao uso do solo com vistas a assegurar a preservação do território

protegido. Em decorrência, acirrou-se o conflito entre distintos interesses e

formas de uso e ocupação daquele território. A disputa pelo acesso e uso do

território assumiu nova configuração, indo de encontro à preservação e

conservação da restinga de Jurubatiba.

Importante destacar que a área onde está inserido o Parque Nacional

da Restinga de Jurubatiba, foi reconhecida, em 1992, pela Organização das

Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, a pedido do

governo brasileiro, como parte da reserva da biosfera da Mata Atlântica.

O Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba foi criado em 1998, com

uma superfície de 14.838 ha que se estendem pelos municípios de Macaé,

Carapebus e Quissamã, que se justifica pelo grande número de ambientes

aquáticos existentes em seu entorno, tornando esta região um dos trechos do

litoral brasileiro de maior diversidade de ecossistemas.

O Ministério Público Federal de Campos dos Goytacazes, provocado

por uma iniciativa de sua Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural,

instaurou, em agosto de 1997, um Procedimento Administrativo com a

finalidade de intervir na área do bairro Lagomar, por meio de sanções e

embargos às construções irregulares que se erguiam no local. Diz o texto da

petição inicial do Ministério Público Federal, nos autos da Ação Civil Pública

n.º 2002.51.03.001627-2, sobre a qual se falará mais a frente:

(...) com base em dano ambiental causado pelo Loteamento Balneário Lagomar, com vistas à aplicação das sanções previstas na legislação municipal, inclusive

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 345

com o embargo de diversas obras em andamento, localizadas em área de preservação permanente, sem licença dos órgãos competentes, tendo em vista, o projeto aprovado de implantação do referido loteamento junto ao INCRA, em 30 de novembro de 1970 e a Prefeitura Municipal de Macaé/RJ, em 03 de abril de 1976, determinando “a formação de 527 sítios de recreio, com área de 5.000 m2 cada um”, conforme consta em registro do Cartório do 3º Ofício de Macaé/RJ.5 Cabe esclarecer que a Ação Civil Pública acima referenciada foi

proposta pelo Procurador da República de Campos dos Goytacazes, e não de

Macaé, porque a mesma foi proposta em 18 de julho de 2002 e a Vara Federal

de Macaé só foi inaugurada em 14 de fevereiro de 2003, ou seja, após a

propositura da ação. Por sua vez, a Procuradoria da República de Macaé só foi

instalada na cidade em 2006. Embora o Município de Macaé tenha pedido

recentemente o declínio de competência para a Vara Federal de Macaé, tal

pedido foi julgado improcedente e por isso a ação continua a tramitar na 1ª

Vara Federal de Campos, atuando, portanto, o Procurador da República

daquele município.

Ainda de acordo com a petição do Ministério Público Federal:

Estas áreas, por sua vez, foram sendo alienadas, formando cadeias de transações, até chegarem aos proprietários atuais, os quais confiaram a certos corretores suas quadras, para que as vendessem, atuando, alguns destes, “por confiar na inépcia da justiça e do poder de fiscalização ambiental”, na venda fracionada dos terrenos, em lotes de 200 m2, cada um, sem o necessário licenciamento da Prefeitura Municipal de Macaé, FEEMA (loteamento) e do IBAMA (vegetação). Várias construções com fins residenciais, com supressão de vegetação de restinga, começaram a ser realizadas.6

Em ofício encaminhado pelo Procurador do Município de Macaé ao 3º

Centro Regional do Ministério Público Federal, em março de 1999, este

informa que:

(...) há loteamento na localidade Lagomar, aprovado por esta municipalidade, e que as áreas reservadas ao município foram motivos de invasões”, afirma ainda, que o município aprovou e autorizou os loteamentos, sendo certo que somente houve aprovação para os lotes de 5.000 m2. 7

5 Petição inicial do Ministério Público Federal, na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.03 dos autos. 6 Petição inicial do Ministério Público Federal, na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.04 dos autos. 7 Petição inicial do Ministério Público Federal, na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.09 dos autos.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 346

Contudo, é preciso ressaltar que as autorizações para

desmembramento de lotes de 5.000 m² no bairro Lagomar continham a

ressalva de que o proprietário do imóvel se obrigaria a preservar a vegetação

nativa do local. Talvez a grave falha do município tenha sido a não

fiscalização do cumprimento desta obrigação, permitindo que a especulação

imobiliária descontrolada desfigurasse a área.

Em agosto de 1999, o Deputado Estadual Carlos Minc, então

Presidente da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa

do Estado do Rio de Janeiro, encaminhou ao Ministério Público Federal, um

pedido de abertura de Inquérito Civil Público para investigar a

responsabilidade da Prefeitura de Macaé, nos danos ambientais causados pela

ocupação irregular do solo na área do bairro Lagomar.

O Ministério Público Federal, insatisfeito com a falta de compromisso

e de atenção para com o grave problema ambiental em questão, manifestou-

se no sentido de propor a celebração de um Termo de Ajustamento de

Conduta, ao Prefeito de Macaé/RJ.

Observe-se que um dos argumentos utilizados na defesa do Município

de Macaé, conforme contestação apresentada, consiste na afirmação da

impossibilidade de desocupação do bairro e da recomposição da vegetação

original, ressaltando que:

(...) o Termo de Ajustamento de Conduta celebrado não previa a desocupação do Loteamento Lagomar, com a restauração do local à situação anterior no que tange à vegetação típica de restinga. Previa isso sim, a obrigação de obstar qualquer parcelamento ou edificação no Loteamento Lagomar.8

Ou seja, no entendimento do Município de Macaé, não seria mais

possível efetuar a remoção dos moradores e efetuar uma recuperação da área

de restinga do local em razão do grande número de pessoas residentes no

local e da quantidade de atividades já implantadas na área.

Todo o cenário acima exposto contribuiu por fazer com que as

famílias do Bairro Lagomar, que ficam na área do entorno do Parque Nacional

da Restinga de Jurubatiba, fossem “condenadas” por um Termo de

8 Petição de contestação do Município de Macaé na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.63 dos autos.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 347

Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Município de Macaé e o

Ministério Público Federal de Campos dos Goytacazes, em 08 de novembro de

2000. Neste Termo de Ajustamento de Conduta o Município de Macaé

reconhece seu dever de fiscalização dos lotes e construções no Lagomar, e se

obriga “a obstar qualquer parcelamento, obra ou edificação”, no referido

loteamento.

A Assembléia Permanente de ONGs da Macro Região Ambiental 5/RJ,

assim como, a Associação de Moradores do Balneário Lagomar, fez afirmação

em julho de 2001, de que o prazo de cumprimento do Termo de Ajustamento

de Conduta haveria se esgotado sem que tivessem sido tomadas medidas pelo

Poder Público Municipal para controlar as invasões, e a conseqüente

depredação do patrimônio natural da região.

A ausência de medidas efetivas visando o atendimento do Termo de

Ajustamento de Conduta, agravando ainda mais a situação do conflito social

no loteamento, em razão da falta de saneamento, do acúmulo de lixo e do

incremento dos índices de violência, acabou por exigir a interferência do

Ministério Público Federal, como única alternativa capaz de forçar a adoção

de ações concretas. Este fez tramitar perante a 1ª Vara Federal de Campos

dos Goytacazes – Seção Judiciária do Rio de Janeiro – a Ação Civil Pública de

nº 2002.51.03.001627-2, em face do Município de Macaé, como medida

protetiva do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, solicitando,

liminarmente, cessar, a ocupação irregular do entorno do mencionado Parque.

Após a entrega em 2008 do Plano de Manejo do Parque Nacional da

Restinga de Jurubatiba, que demorou cerca de dez anos para ficar pronto, o

principal objetivo era encontrar uma solução para a população que mora no

entorno do Parque no bairro Lagomar, então habitado em sua maioria por

população de baixa renda, que cresceu ao longo da última década, de

maneira irregular, e desprovidos de serviços públicos de primeira necessidade,

como água tratada e coleta de esgoto doméstico de maneira adequada.

Curiosamente, contudo, o Plano de Manejo, cala com respeito ao Terminal de

Cabiúnas da Petrobrás, cujos investimentos e obras no mesmo território

limítrofe ao Parque não são criminalizados, ao arrepio da lei.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 348

A princípio todo o bairro Lagomar era considerado integrante da área

de entorno do Parque, o que impedia, inclusive, que ali fossem realizadas

quaisquer obras de infra-estrutura na área até que fosse editado o Plano de

Manejo da Unidade. O Termo de Ajustamento de Conduta, firmado entre o

Ministério Público Federal e a Prefeitura Municipal de Macaé, definiu como

área a ser desapropriada apenas aquela mais próxima, limítrofe do Parque,

conhecida como W-30, que corresponde a uma zona de amortecimento

mínima criada, onde não se permitia qualquer tipo de construção. O TAC

determinou um prazo para que fosse concluída a desapropriação e autorizou a

Prefeitura de Macaé a promover obras de infra-estrutura no bairro, firmando,

ainda o compromisso de coibir e evitar invasões na área, tendo em vista, a

intensa utilização da Lagoa de Jurubatiba como área de lazer para essa

população.

Cabe mencionar que a delimitação da área de amortecimento mínima,

constituída pela quadra localizada entre as ruas MPM e W-30, ocorreu em

razão do forte apelo popular dos moradores da localidade que sofriam com a

falta de infraestrutura mínima, como calçamento de ruas, iluminação pública,

rede de água e esgoto e transporte público.

Em decorrência desse apelo popular, o Prefeito de Macaé, Sr. Riverton

Mussi, em 06 de setembro de 2005, instituiu por meio do Decreto

n.º180/2005, o bairro Lagomar como Área Especial de Interesse Social,

utilizando-se o instrumento jurídico disponibilizado na Lei n.º 10.257/2001, o

Estatuto da Cidade. Tal medida representou um esforço do Poder Público

Municipal para regularizar a ocupação fundiária, ao mesmo tempo em que

atendia a demanda da população local por serviços públicos, e, resguardava

parte da zona de amortecimento de impacto do Parque Nacional de

Jurubatiba.

Desta forma, o Município contemplou a sentença dada nos autos da

Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, ao reservar uma área mínima para

servir de amortecimento de impacto ambiental do Parque Nacional de

Jurubatiba e permitiu que os moradores de outras partes do bairro pudessem

ter acesso aos serviços públicos e de infraestrutura essenciais. Esta área

mínima de amortecimento está assinalada na segunda foto a seguir.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 349

Ocorre, porém, que atualmente, também esta área já está ocupada,

com o que se calcula hoje, cerca de 1.000 pessoas. Tal situação criou um novo

impasse para o Município, que precisa cumprir a sentença dada nos autos da

Ação Civil Pública e ao mesmo tempo não tem como remover essa população.

Sobre esse ponto se falará mais detalhadamente a frente.

Lagomar: visão geral. Foto disponível em www.maplandia.com.br/brazil/rio-de.../macaé/macae

Lagomar: visão da área demarcada para desocupação. Foto disponível em www.maplandia.com.br/brazil/rio-de.../macaé/macae

2. Estigma

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 350

Anteriormente à propositura da Ação Civil Pública, ambientalistas e o

Ministério Público Federal pronunciaram-se no sentido de reconhecer que o

reordenamento da ocupação do solo no bairro Lagomar se afigura como o

principal e inarredável meio de conter as invasões, assim como de obstar a

continuidade da degradação ambiental em andamento no local. Insistiu,

porém, o Município de Macaé de que a restauração da conduta à legalidade

não poderia equivaler a retirar todos os ocupantes do local, com a

restauração da vegetação de restinga, porque, não se afigurava mais possível

a recuperação do local. Tal afirmação foi feita com base em um ofício da

FEEMA encaminhado ao Ministério Público Estadual que afirmava que:

Atualmente, as medidas cabíveis para a recuperação da área, com base na alínea b do artigo 3º da Lei n.º 4.771, de 15.09.65, se tornam praticamente inviáveis devido às inúmeras atividades implantadas.9

O Município de Macaé segue ainda em sua defesa trazendo

considerações relevantes ao tema:

Vale dizer, qual o sentido de se retirar do local as famílias já assentadas, vítimas, inclusive da má-fé dos proprietários e corretores, conforme se verifica no procedimento administrativo, se na parte ocupada do Loteamento Balneário Lagomar já não cabia recuperação da vegetação.10

Mesmo defendendo tese em sentido contrário, o próprio Ministério

Público Federal reconheceu a dificuldade da situação quando, em

Procedimento Administrativo, cuja cópia segue acostada aos autos da Ação

Civil Pública que ora se comenta, decide que:

“Junte-se ao Procedimento Administrativo. Oficie-se à Prefeitura informando que estão havendo novas construções no Lagomar. E expondo que sem o reordenamento do local será impossível conter novas invasões. Por isso, deve ser informado à Prefeitura que será feito novo TAC, para que o Município possa custear um estudo por técnicas de reurbanização com proteção das áreas verdes e construção de área de lazer e infra-estrutura etc.”11

9 Petição de contestação do Município de Macaé na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.63 dos autos. 10 Petição de contestação do Município de Macaé na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.63 dos autos. 11 Petição de contestação do Município de Macaé na Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2, que tramita perante a 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes. Fls.64 dos autos.

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Certo é também que, no caso do Município de Macaé, o Centro urbano

passou a ser considerado pequeno para conter o crescimento da população

que se denota em virtude do crescimento econômico da cidade. Assim, mais

lógica seria a organização do espaço, com a sua urbanização e com a

consequente preservação das áreas intactas que se encontram no Loteamento

Lagomar.

Por força do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, os municípios

brasileiros com população superior a 20 mil habitantes tiveram de promover a

confecção de um Plano Diretor, com diagnósticos participativos. Tal processo

culminou em Macaé com a provação da Lei Municipal Complementar n.º076,

de 10 de outubro de 2006. A lei, com 244 artigos, promove uma modernização

do planejamento urbano, em direção a uma dicção de cidade inclusiva, na

linha do que vinha sendo propagado pelo Ministério das Cidades e pelos

diversos ciclos de Conferências das Cidades, sopesando função social e

especial relevância social para populações de baixa renda. Embora no texto

legal não tenha ficado claro, o mapeamento do Balneário Lagomar.

O Plano Diretor de Macaé, em seu Título III, Da Estruturação Urbana,

apresenta, nos artigos 115 e seguintes, o macrozoneamento do território

municipal, compreendido em duas macrozonas: Macrozona de Ambiente

Natural e Macrozona de Ambiente Urbano. A Macrozona de Ambiental Natural

se subdivide em duas categorias: Macroárea de Preservação Ambiental e

Macroárea de Uso Sustentável, ambas sem maiores detalhamentos, se

compreendendo pelos anexos conter a primeira área no interior do Parque

Nacional da Restinga de Jurubatiba. A Macrozona de Ambiente Urbano, por

sua vez, se subdivide em seis categorias: Macroárea da Orla, Macroárea de

Ocupação Prioritária, Macroárea de Ocupação Controlada, Macroárea de

Regularização Urbanísica, Macroárea de Expansão Periférica e Macroárea de

Transição.

A Macroárea da Orla é assim descrita:

Art.131 – A Macroárea da Orla compreende uma faixa territorial de litoral que se destaca pela importância ambiental, beleza cênica e vocação natural para uso público e o lazer, cuja alta valorização imobiliária, verificada ao sul, opõe-se à precariedade de áreas e equipamentos de lazer, observada ao norte.

Art. 132 – Para atender aos objetivos e dirigir a aplicação dos instrumentos da política pública urbana, a Macroárea da Orla classifica-se em:

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I – orla sul, trecho compreendido entre a Lagoa de Imboassica e a Imbetiba, incluindo, no todo ou em parte, as localidades Mirante da Lagoa, Morada das Garças, Vivendas da Lagoa, Cavaleiros, Praia Campista e a faixa de encosta às margens da RJ-106;

II – orla centro, trecho compreendido entre o Pontal da Barra, incluindo parte dos bairros Centro e Imbetiba;

III – orla norte, trecho compreendido entre o Pontal da Barra e o loteamento Balneário Lagomar, excluindo este e a localidade Fronteira e incluindo as localidades São José do Barreto, Barreto e parte do Bairro de Macaé.

O Balneário Lagomar, portanto, excluído da orla norte, deveria

constar, em conformidade com os mapas em anexo, da Macroárea de

Regularização Urbanística e Ambiental, mas não se encontra listado, conforme

a descrição específica;

Art. 146 – A Macroárea de Regularização Urbanística e Ambiental é caracterizada pela predominância de áreas ocupadas PR população de baixa renda, configurada em loteamentos irregulares, assentamentos espontâneos e ocupações em áreas de risco ou de preservação ambiental, apresentando infra-estrutura básica incompleta, deficiência de equipamentos sociais e culturais, comércio e serviços.

Art. 147 – A Macroárea de Regularização Urbanística e Ambiental incluindo as localidades de Fronteira, Nova Brasília, Nova Holanda, Nova Esperança, Ilha Colônia Leocádia, Malvina e parte dos bairros da Barra de Macaé, Botafogo e Parque Aeroporto especialmente o conjunto Residencial Parque aeroporto.

Certo que princípios de hermenêutica jurídica trazem para o caso

concreto disposições de coerência na aplicação da lei, via interpretação

extensiva ou mesmo por analogia. Todavia, vale destacar o silêncio do

legislador, que permite certa confluência de interesses, uma vez que o mesmo

território, por disposição federal encontra-se na área de amortecimento do

Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.

Essa contínua marginalização do Balneário Lagomar, que se expressa

em uma marginalização simbólica, via estigma da violência e da

criminalidade, em marginalização sócio-econômica, via estigma da pobreza,

torna-se também marginalização das próprias “margens” da cidade, pois está

e não está nos mapas e a vastidão da lei faz com que trinta mil pessoas sejam

invizibilizadas, apesar desse quantitativo ser suficiente para propor seu

próprio “plano diretor”.

Henry Lefebvre já chamara a atenção para as descontinuidades nos

processos de planejamento urbano:

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 353

O organicismo com suas implicações, a saber o evolucionismo simplificador de muitos historiadores e o continuísmo ingênuo de muitos sociólogos, ocultou as características específicas da realidade urbana. Os atos ou acontecimentos “produtores” dessa realidade, enquanto formação e obra social, escaparam ao conhecimento. (...) Não esqueçamos as dimensões. A cidade tem uma dimensão simbólica; os monumentos, como também os vazios, simbolizam os cosmos, o mundo, a sociedade ou simplesmente o Estado. Ela tem uma dimensão paradigmática; implica em mostrar oposições, a parte interna e a parte externa, o centro e a periferia, o integrado à sociedade urbana e o não-integrado. Finalmente, ela possui também a dimensão sintagmática: ligação dos elementos, articulação das isotopias e das heterotopias.12

Vale dizer, conceitualmente o Plano Diretor de Macaé incorporou

discursos de tecnologia democrática consoantes com as bandeiras sociais

consagradas, mas evitou, ou procurou evitar, que estruturalmente as

ferramentas democráticas estivessem acionadas para o construtivismo cívico

lagomarense. Um eixo transversal atravessa toda a Lei Complementar

076/2006, que sistematicamente aponta objetivos, diretrizes e meios de

consecução das diretrizes. A Lei se quer, assim, atual e atuante, ou pelo

menos simula, linguisticamente, sua facticidade.

Essa “forma revolucionária” para uma arte jurídica “revolucionária”

pode também ser lida como plágio e, sobretudo, como pastiche. Como plágio,

pois a Lei do Plano Diretor de Macaé semelha diversas outras de planos

diretores em diversos municípios brasileiros. A obrigatoriedade em cumprir o

prazo estabelecido por portarias do Ministério das Cidades, implicando em

possível empate de repasses orçamentários e em desabilitar o ente municipal

à concorrências em editais públicos, contribuiu para que diversas consultorias

“especializadas” se formassem, vendendo seus serviços em todos os cantos do

país. Esse plágio, que nem sempre é exatamente um plágio, antes uma

“paráfrase” legislativa, ao ser utilizada em larga escala dá origem ao

pastiche, ou seja, a cópia pela cópia, posto que a exigência legal passa a ser

absorvida como exigência retórica da modernidade estatal, e depois se vê

como fica, depois se vê como é que se faz.

Da mesma maneira, a construção de favelas e de subúrbios como uma

espécie de subcultura, inclusive por setores da academia, nada tem de

12 LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Farias. São Paulo: Centauro, 2001, p. 51 e p. 65.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 354

recente13. Como comentam Luiz Antonio Machado da Silva e Márcia Pereira

Leite:

O que parece novo é que agora não se trata de basear este entendimento, como antes, na desordem social dessas localidades, mas de associá-las diretamente ao crime violento. (...) Sua contraface são os “mitos” relativos à ausência do Estado nas favelas, que seriam dominadas por um poder paralelo constituído pelos bandos de traficantes, a partir dos quais se constrói a metáfora de guerra. (...) Mais importante é sublinhar que a idéia de um “Estado dentro do Estado” depende em grande parte de duas operações cognitivas. De um lado, da transformação em conivência generalizada o que é a submissão dos moradores, pela força, às necessidades logísticas dos bandos de traficantes. De outro, do desconhecimento de que esta submissão forçada não altera a adesão à ordem institucional, que pode ser claramente percebida tanto nas descrições de ações efetivamente realizadas quanto nas referências a disposições e atitudes subjetivas.14

Lagomar é a cidade dentro da cidade, abandonada a sua própria sorte,

formada com o material de demolição da cidade outra, tida como oficial,

habitando as fissuras da legalidade e se espraiando pelas práticas grilheiras do

especulador imobiliário mafioso, que transaciona certidões subornando

cartórios. Lagomar, entre a Lagoa de Jurubatiba e o mar, não faz parte da

agenda verde da conservação ambiental, é antes a poluição cívica a

apresentar individualidades arcaicas que nada se aproximam do tipo ideal

burguês reciclável. Tampouco perpassa pela pauta liberal energética a dar

sustentação operária ao sonho do pré-sal, é antes a lumpencidadania

3. Novos ajustamentos de conduta

O pivô do conflito com a população do bairro Lagomar, o Parque

Nacional da Restinga de Jurubatiba, em seus 12 anos de existência apresentou

vários percalços em sua gestão, traduzindo embates internos no

conservacionismo brasileiro, pressionado por correntes socioambientalistas. A

começar por sua própria gênese, elaborada a idéia de Parque a partir da

13 Ver, nesse sentido, VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela. Rio de Janeiro: FGV, 2005. 14 SILVA, Luiz Antonio Machado da; LEITE, Márcia Pereira. Capítulo 4: violência, crime e polícia: o que os favelados dizem quando falam desses temas? In: SILVA, Luiz Antonio Machado da (organizador). Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, pp. 47-76.

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militância ambientalista local que, em seguida, confrontou-se com a

burocracia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA), então pouco afeita a modelos de gestão participativa15.

Mudanças se sucederam na direção do Parque, que, iniciando sem

verbas e com três funcionários, obteve, através de medidas compensatórias

junto a Petrobrás, inicialmente guaritas e veículos e, em seguida, sede e

melhores estruturas. Com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação

da Biodiversidade (ICMBio), em 2005, este passou a gerir as Unidades de

Conservação federais, em cisão que, a principio visava trazer mais

sensibilidade social e consolidar gestões participativas.

Essa trajetória, do conservacionismo biocêntrico a socioambientalismo, é

esboçada, em pinceladas macropolíticas, por Joan Martínez Alier. O

economista mexicano distingue três correntes do ecologismo: o culto à vida

silvestre, o evangelho da ecoeficiência e a justiça ambiental ou o ecologismo

dos pobres16. O culto da vida silvestre se caracterizaria pela defesa da

natureza intocada, com o amor aos bosques e o louvor aos cursos d’água,

tendo como representantes John Muir e o Sierra Club dos Estados Unidos.

Nessa corrente, são mencionadas como conquistas a Convenção da

Biodiversidade no Rio de Janeiro em 1992 e a Lei de Espécies em Perigo dos

Estados Unidos, além de organizações do naipe da IUCN (International Union

for the Conservation of Nature), da WWF (Worldwide Fundo of Nature), da

Nature Conservancy e dos Amigos da Terra, assim como autores como

Leonardo Boff e Ronald Inglehart. O evangelho da ecoeficiência seria uma

corrente, que ainda que entrelaçada à primeira, manifestaria preocupação

com os efeitos do crescimento econômico. Essa corrente seria a responsável

pelo termo “desenvolvimento sustentável”, e onde falam “natureza” talvez se

devesse ler “recursos naturais” Seu “templo” mais importante na Europa teria

sido, nos anos 1990, o Instituto Wuppertal, e seus principais teóricos teriam

sido Samuel Hays e Gifford Pinchot, precursores do conservacionismo e do

manejo florestal científico. Ou seja, a ecologia transforma-se em ciência

15 Conforme VAINER, Alice Giacomini. Território, meio ambiente e conflitos: estudo de caso do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba Dissertação de mestrado. Orientação de Wilson Madeira Filho. Niterói: Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, 2010. 16 ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres. Conflitos ambientais e linguagens de valoração. Tradução de Maurício Walman. São Paulo: Contexto, 2007.

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gerencial para minimizar os impactos causados pela degradação industrial. Por

fim, apresenta a corrente da justiça ambiental e o ecologismo dos pobres:

Essa terceira corrente assinala que desgraçadamente o crescimento econômico implica maiores impactos no meio ambiente, chamando a atenção para o deslocamento geográfico das fontes de recursos e das áreas de descarte dos resíduos. Neste sentido, observamos que os países industrializados dependem de importações provenientes do Sul para atender parcela crescente e cada vez maior de suas demandas por matérias-primas e bens de consumo. Os Estados Unidos importam metade do petróleo que consomem. A União Européia importa uma quantidade de materiais (inclusive energéticos) quase quatro vezes maior do que a que exporta. Ao mesmo tempo, a América Latina exporta uma quantidade seis vezes maior de matérias (inclusive energéticos) do que aquela que é importada. O continente que constitui o principal sócio comercial da Espanha, não em dinheiro, mas em quantidade exportada, é a África. O resultado em nível global é que a fronteira do petróleo e do gás, a fronteira do alumínio, a fronteira do cobre, as fronteiras do eucalipto e do óleo de palma, a fronteira do camarão, a fronteira do ouro, a fronteira da soja transgênica... todas avançam na direção de novos territórios. Isso gera impactos que não são solucionados pelas políticas econômicas ou por inovações tecnológicas e, portanto, atingem desproporcionalmente alguns grupos sociais que muitas vezes protestam e resistem (ainda que tais grupos não sejam denominados de ecologistas).17

A corrente advém do movimento organizado contra os casos de

“racismo ambiental” nos Estados Unidos, que relacionaram despejo de dejetos

tóxicos e lixos em bairros pobres ou habitados por minorias raciais. Essa luta

ganhou o nome de justiça ambiental, por via de sociólogos ambientais e está

crescendo em nível mundial18. À perspectiva urbana de justiça ambiental

somou-se à noção rural terceiro-mundista alcunhada de ecologismo dos pobres

pelo historiador peruano Alberto Flores Galindo e conceituada por

Ramachandra Guha e pelo próprio Joan Martínez Alier.

17 ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres. Conflitos ambientais e linguagens de valoração. Tradução de Maurício Walman. São Paulo: Contexto, 2007, pp. 33-34. 18 A Rede de Justiça Ambiental brasileira foi lançada em evento na Universidade Federal Fluminense, em 2002, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, em parceria com diversas universidades e associações, sob coordenação dos professores Selene Herculano e Wilson Madeira Filho. Em seguida, em janeiro de 2004, no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, a Rede constituiu boletim e dinamizou os trabalhos, cujas vertentes se espraiaram em grupos de discussão em diversos eventos e congressos acadêmicos no país, como a ANPPAS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade e a ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. Sob coordenação de Henri Acserald, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, foram lançadas duas versões do Mapa de Justiça Ambiental, criando uma metodologia multidisciplinar de relatoria sobre os casos de conflitos ambientais. Um novo mapeamento, agora sobre o titulo Mapa de Injustiça Ambiental e Saúde foi lançado em 2010, sob coordenação de Marcelo Firpo e Tânia Pacheco, através da FIOCRUZ, e se encontra disponível em http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php?pag=mapas.

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A questão, portanto, da gestão de unidades de conservação, visando

incluir perspectivas socioambientalistas no cerne da política de conservação

da natureza, participa desse conjunto de questões relativas à justiça

ambiental e ao ecologismo dos pobres, uma vez que, em âmbito democrático

e republicano, não é mais possível, para um ambientalismo em movimento,

partilhar de práticas que traduzem a tutela da natureza enquanto exercício

de um ecofascismo.

Retomando o caso concreto, as diferentes gestões do Parque Nacional

da Restinga de Jurubatiba buscaram soluções em parceria com o Município de

Macaé, inicialmente para a desapropriação das casas no bairro Lagomar na

área de amortecimento do Parque. Em diversas oportunidades, em razão de

trabalhos de pesquisa e de extensão orientados junto às turmas de graduação

em Direto da Universidade Federal Fluminense em Macaé, participamos tanto

de reuniões junto a Associação de Moradores do Lagomar como de reuniões do

Conselho do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, como ainda de

reuniões junto aos Ministérios Públicos Estadual e Federal, aferindo o avançar

de negociações junto a Rua W-30, que em acordo entre os diversos órgãos

daria inicio ao processo de realocação das famílias e conseqüente recuperação

da área em conformidade com sentença da 1ª. Vara Federal em Campos dos

Goytacazes19.

19 Conforme, entre outros, MADEIRA FILHO, Wilson; EPIFANI FILHO, Marco Aurélio Alves: OLIVEIRA, Carolina Lopes de; PEÇANHA, Igor Barbosa; PEREIRA, Rute Curvelo. Vai ver se a segurança “ta” lá na esquina: a segurança pública e o Município de Macaé RJ. In: Anais do XVIII Seminário de Iniciação Científica e Prêmio Vascocellos Torres. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008; MADEIRA FILHO, Wilson; VAINER, Alice Giacomini; TINOCO, Ana Beatriz Passos; EPIFANI FILHO, Marco Aurélio Alves: LEITE, Eduardo Lopes; PAULA, Aline Mendonça de. Subsídios para a regularização fundiária e o planejamento turístico no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. In: Anais do XVIII Seminário de Iniciação Científica e Prêmio Vascocellos Torres. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008; MADEIRA FILHO, Wilson; VAINER, Alice Giacomini: ESPÍRITO SANTO, Camile Fonseca do; FREITAS, Iana Andrade; MEDEIROS, Fernanda Ladeira de; OLIVEIRA, Carolina Lopes de; PEÇANHA, Igor Barbosa; PEREIRA, Rute Curvelo; SOUZA, Patrícia Almeida de. Análise comparada dos planejamentos para o território do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e de seu entorno. In: Anais do XVIII Seminário de Iniciação Científica e Prêmio Vascocellos Torres. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 358

Rua MPM (divisa com o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, à esquerda).

Foto de Angélica Chaves da Silveira

Final da Rua MPM (Portal de entrada do Parque Nacional de Jurubatiba, com o mar à direita) Foto de Angélica Chaves da Silveira

Av. Atlântica (com o mar à esquerda e à direita o final da Rua MPM)

Foto de Angélica Chaves da Silveira

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 359

Av. Atlântica (visão a partir de casas construídas na última quadra do bairro)

Foto de Angélica Chaves da Silveira

Rua W30 (no outro lado da última quadra do bairro, à direita na foto)

Foto de Angélica Chaves da Silveira

Todavia, o valor necessário para indenizar os proprietários da área,

assim como os possuidores que fizeram obras (benfeitorias) no local, seria de

aproximadamente trinta e seis milhões de reais, o que seria inviável, já que o

município não disporia dessa verba para aplicar em desapropriações. Além

disso, foi apontada a perspectiva de que a retirada da população, não seria

suficiente para afastar o problema, haja vista, a possibilidade de novas

invasões virem a ocorrer na mencionada área, uma vez que não seria factível

para o Poder Público monitorar o local permanentemente para evitar novas

invasões. Assim, passa a ficar claro que o município não tem o interesse em

efetuar a desocupação da área, da mesma forma que não considera o

investimento relativo às indenizações.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 360

2002.51.03.001627-2 6001 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA Autuado em 18/07/2002 - Consulta Realizada em 08/12/2010 às 08:01 AUTOR : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL PROCURADOR: CLAUDIO CHEQUER REU : MUNICIPIO DE MACAE ADVOGADO: ERIKA PEREIRA DA SILVA NEGREIROS DE FREITAS 01ª Vara Federal de Campos - FABRÍCIO ANTONIO SOARES Juiz - Sentença: FABRÍCIO ANTONIO SOARES Distribuição-Sorteio Automático em 19/07/2002 para 01ª Vara Federal de Campos Objetos: POSSE/PROPRIEDADE DE IMOVEIS: RESTAURACAO AREA INVADIDA/RECUPERACAO AREA DEGRADADA/DESOCUPACAO; RESPONSABILIDADE CIVIL: RESTAURACAO AREA INVADIDA/RECUPERACAO AREA DEGRADADA/DESOCUPACAO -------------------------------------------------------------------- Concluso ao Juiz(a) FABRÍCIO ANTONIO SOARES em 02/05/2007 para Sentença SEM LIMINAR por JRJDNF -------------------------------------------------------------------------------- SENTENÇA TIPO: A - FUNDAMENTAÇÃO INDIVIDUALIZADA LIVRO A-002/2007 REGISTRO NR. 000702/2007 FOLHA 403/421 Custas para Recurso - Autor: R$ 0,00 Custas para Recurso - Réu: R$ 0,00

-------------------------------------------------------------------- Pelo exposto, julgo procedente em parte o pedido veiculado na inicial, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar o Município de Macaé a cumprir o plano exposto no “Projeto Complexo Municipal Jurubatiba Sustentável”, conforme apresentado às fls. 242/293 destes autos. Sem custas processuais e honorários advocatícios, a teor do art. 18 da Lei nº 7.347/85. Sentença sujeita à remessa necessária (Art. 475, I, CPC). Oficie-se ao Relator do Agravo, encaminhando cópia desta sentença. P.R.I. -------------------------------------------------------------------------------- Registro do Sistema em 23/08/2007 por JRJDNI. Publicado no D.O.E. de 28/08/2007, pág. 85/86 (JRJDNI).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 361

Contraditoriamente, em novembro de 2010, a Associação de

Moradores do Lagomar denuncia ao mandato do vereador macaense Danilo

Funke ações truculentas da Polícia Federal, da Polícia Militar e da Polícia

Civil, anexando autos de infração, exigindo a desocupação de Área de

Preservação Permanente, com fulcro nos artigos 25 e 26 do Código Municipal

de Meio Ambiente de Macaé, os quais falam o seguinte:

Art. 25 - São espaços territoriais especialmente protegidos: I - as áreas de preservação permanente assim definidas por Leis Federais,

Estaduais e Municipais; II - as Unidades de Conservação; III - as áreas verdes públicas e particulares, com vegetação relevante ou

florestada. Seção I DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

Art. 26 - São áreas de preservação permanente, além das previstas no art. 157 da Lei Orgânica do Município de Macaé: \I - os manguezais, a vegetação de restinga e os remanescentes da Mata Atlântica, inclusive os capoeirões; II - a cobertura vegetal que contribui para a estabilidade das encostas sujeitas à erosão e ao deslizamento; III - os corpos hídricos e suas nascentes, as matas ciliares e as faixas marginais de proteção das águas superficiais; IV - as áreas que abriguem exemplares raros, ameaçados de extinção ou insuficientemente conhecidos da flora e da fauna, bem como aquelas que servem de pouso, abrigo ou reprodução de espécies migratórias; V - as elevações rochosas de valor paisagístico e a vegetação rupestre de significativa importância ecológica; VI - as demais áreas declaradas por lei.

Ou seja, a legislação referida não apresenta nenhuma especificação

que se enquadre diretamente no caso concreto. Indagados, os representantes

do Município não conseguiram identificar de onde teria saído a solicitação

para aquelas ações.

Em dezembro de 2010, um dos autores participou de reunião na sede

da prefeitura em Macaé, com a presença do Procurador Geral do Município, do

procurador municipal responsável pelo processo do Lagomar, de dois

moradores do bairro Lagomar e do vereador Danilo Funke Leme. Na reunião

foi explicado pelo Procurador Geral o andamento da ação civil pública

2002.51.03.001627-2 que tramita na 1ª Vara Federal de Campos dos

Goytacazes e a posição do município em relação à desocupação da área do

Lagomar (mapa em L, foto 2).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 362

O município estima que haja naquela área um total de 250 famílias

(em torno de 1.000 pessoas), e que o valor para indenização total de todos os

proprietários da área, assim como dos possuidores que fizeram obras

(benfeitorias) no local seria algo em torno de trinta e seis milhões de reais, o

que impossibilitaria o pagamento, já que o município não disporia dessa

verba.

Nesse sentido, aventou-se a proposição de projeto alternativo ao

Ministério Público Federal em reunião a ser realizada no dia seguinte, 12 de

dezembro, em Campos dos Goiatacazes. A idéia central consistia na formação

de uma "força tarefa" da prefeitura municipal de Macaé para evitar novas

invasões em áreas de proteção ambiental do município, conforme experiência

bem sucedida na área do Vale Encantado, tendo inclusive removido

moradores. Também foi dito que novas ações serão realizadas, inclusive no

bairro Águas Maravilhosas, onde também haverá remoção de moradores. Já na

área de Colônia Leocádia e Nova Esperança a proposta da prefeitura seria a de

regularizar a situação.

No dia seguinte, em Campos dos Goytacazes, um dos autores também

participou da reunião no Ministério Público Federal. Estavam também

presentes o procurador de Macaé, o gestor do Parque de Jurubatiba, um

funcionário do parque, o procurador da república e sua assistente.

Inicialmente, o procurador de Macaé explicou o processo de formação do

bairro Lagomar, o problema do fluxo migratório para Macaé e para aquela

região em especial, a impossibilidade do município indenizar todas as

famílias, explicando a quantidade de pessoas e a quantia envolvida, explicou

ainda o problema do crescimento desordenado do município e do bairro,

relacionando-o ao problema de criminalidade na área, e falou sobre a

proposta do Município como alternativa para cumprimento da sentença da

ação civil pública já mencionada.

O procurador da república alegou que o procurador do município

estava apresentando "argumentos", mas não fundamentos jurídicos para suas

alegações, uma vez que se tratava de alteração no processo de execução de

ação judicial, eis que já havia uma sentença determinando a desocupação da

área.

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Por sua vez, o gestor do Parque, manifestou-se no sentido de que era

favorável ao projeto apresentado pela prefeitura, explicando que o parque

vem sofrendo com ameaças de invasão constantes, já tendo sido usado como

área de desova de veículos roubados e mesmo corpos (mortos pelo tráfico na

área), falou da depredação da guarita existente no local e do uso sem

controle do Parque pelos moradores, em especial da Lagoa de Jurubatiba,

principalmente no verão, pela falta de opções de lazer no local (o mar

naquela localidade é muito bravo e profundo, impróprio para banho), explicou

também que o corpo técnico do Parque analisou o projeto da prefeitura e o

considerou perfeitamente viável. Informou também que os investimentos que

o município pretende fazer no Parque (com urbanização do entorno, reforma

e equipamentos para o portal do parque, batalhão de polícia florestal etc.)

resolve mais o problema de amortecimento de impacto do que a simples

retirada da população que está na área. Por fim, enfatizou que os moradores

que estão lá agora, ajudam a conservar “intocados” os limites do parque, sem

problemas de criminalidade e não representam uma ameaça real ao parque.

Lembrou que antes deles teve sérios problemas com traficantes de drogas da

região que tinham uma boca de fumo próxima à entrada do parque. O projeto

do município para o parque incluiria a organização e controle de visitantes,

criando um roteiro turístico controlado, alternativas de lazer e uso da Lagoa,

com passeio com pedalinhos, caiaque, esportes de velas, etc., já que se trata

de um "parque" que pode ser utilizado pela população e poderá servir de

alternativa de lazer para os moradores do bairro, só que de forma

sustentável, sem depredação.

O posicionamento positivo do Gestor do Parque, favorável ao projeto

municipal, foi muito importante, e contribuiu para uma reflexão sobre o

assunto pelo Procurador da República, que indagou ao Gestor se (num mundo

ideal) a retirada desses moradores resolveria de fato o problema do

amortecimento de impacto do Parque, no que o Gestor disse que não. "Num

mundo ideal", como foi perguntado, o Gestor explicou que a área de

amortecimento deveria ser todo o bairro, o que é inviável já que o Lagomar

tem aproximadamente trinta mil pessoas, dessa forma não bastaria retirar

apenas os moradores que estão dentro do "L" previsto pela sentença.

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Ficou, por fim, acertado que se envidariam esforços para buscar,

conjuntamente, uma alternativa viável e que atenda às determinações

judiciais.

Considerações finais

O conflito sociopolítico se transforma em imbróglio jurídico, eis que a

coisa julgada se transforma em mandamento do Estado e seu não

cumprimento fere a segurança jurídica e, via de conseqüência, o próprio ideal

burocrático. Por outro lado, é inconcebível que possa ser deferido o pedido de

demolição das edificações com a desocupação do local, a ser efetuado pelo

Município, se da questão emerge, inegavelmente, a situação possessória de

cada ocupante. É impossível que se promova a desocupação sem permitir a

ampla defesa de cada morador, pois não se pode afastar os argumentos e

exceções oponíveis por cada um deles.

Verifica-se que a questão a ser dirimida, na atualidade, se afigura

como uma grave situação social e não é crível que pretenda qualquer ente

federativo resolvê-la com a desocupação de uma área que não pode mais ser

restaurada à situação anterior, no que tange à vegetação de restinga.

Destaca-se que a solução proposta, em esforço tardio de gestão

conjunta entre a unidade de conservação federal e os órgãos ambientais

municipais, acarretaria aos moradores que vivem no entorno do Parque

Nacional da Restinga de Jurubatiba, mediante todos os investimentos a serem

realizados, benefícios com um melhor aporte de serviços, podendo virem a ser

estimulados a conservar os limites do Parque.

Contudo, o que determinou todo o andamento da questão no correr

desses anos foi aquilo que Marcelo Lopes de Souza classifica como “fobópole”,

ou seja, a fobia nas metrópoles que se traduz em sentimentos de insegurança

e em medo generalizado20. Nessa dimensão, o planejamento urbano

estadocêntrico se converte na militarização da questão urbana. Ou, como

viemos tratando, destaca-se a estratégia de colonização em novo ciclo

extrativista e irracional. 20 SOUZA, Marcelo Lopes de. Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.

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Em sentido correlato, John Ballamy Foster já salientara que para

entender a ecologia faz-se necessário entender as diferentes visões de

natureza, comentando:

De fato, Marx concordava com a economia política liberal clássica que sob a lei valor do capitalismo não se concedia valor à natureza. “A terra”, escreveu ele, “...é ativa como agente de produção na produção de um valor de uso, de um produto material, digamos o trigo. Mas ela nada tem a ver com a produção do valor do trigo”. O valor do trigo, como no caso de qualquer commodity do capitalismo, advinha do trabalho. Para Marx, porém, isto assinalava meramente uma concepção extremamente estreita, limitada, de riqueza, associada com as relações capitalistas de commodity e com um sistema construído em torno do valor de troca. A riqueza genuína, afirmou ele, consistia nos valores de uso – a característica da produção em geral, transcendendo a sua forma especificamente capitalista. Na verdade, era a contradição entre valor de uso e valor de troca, engendrada pelo capitalismo, que Marx considerava uma das principais contradições de toda a dialética do capital. A natureza, que contribuía para a produção de valores de uso, era uma fonte de riqueza tanto quanto o trabalho – muito embora a sua contribuição à riqueza fosse negligenciada pelo sistema. Na verdade, o próprio trabalho era em última instância redutível a tais propriedades naturais – uma proposição profundamente enraizada na tradição materialista, remontando até Epicuro. “O que Lucrécio diz”, escreveu Marx no Capital, “é auto-evidente: nil posse creari de nihilo, nada se pode criar do nada. A ‘criação de valor’ é a transposição da força do trabalho para o trabalho. Em si, a força do trabalho é, acima de tudo, o material da natureza transformado num organismo humano”.21

Não se faz uma real conservação da natureza sem a garantia das

condições sociais de equilíbrio e manutenção. Algo distinto disso é política de

apartheid, que estabelece nichos de conservação em espaços-fortaleza, a

servir de reservas de recursos para uma elite que calcula a crise ambiental

como estratégia de extermínio em massa.

O domínio público sobre o território, respondendo aos objetivos de

conservação, não pode mais se pautar por uma visão centralizadora, apenas

fiscalizadora e “policialesca” da gestão. Nessa visão, o cidadão não é

considerado parte do ambiente natural, mas apenas um potencial gerador de

danos, a ser controlado e “domesticado”, a sofrer “ajustamentos de

conduta”. Os conselhos de unidades de conservação, os conselhos

comunitários de segurança, assim como os demais conselhos sociais ou

institucionais, e o necessário planejamento territorial inclusivo representam a

aposta na consolidação de um discurso democrático. A questão neste

21 FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Tradução de Maria Teresa Machado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, pp. 234-235.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 366

momento é tornar substantiva uma cidadania ativa, participante,

colaboradora, edificadora. Este é o cenário prospectivo e irreversível da

ecologia política.

As unidades de conservação representam uma estratégia política diante

de uma crise no acesso e manutenção dos recursos naturais. Tornaram-se uma

alternativa incontornável para o estabelecimento de uma política ambiental

em qualquer lugar do planeta. Mas, certamente, não podem servir de

pretexto a atitudes discricionárias, posto que o ambiente a todos pertence.

Vale dizer, a natureza, toda ela, deve ser ecologicamente equilibrada - e não

apenas as atuais áreas protegidas. Para isso, uma estrutura dialógica, com

ampla participação social na questão, pode ser um importante passo em um

processo que objetive garantir a todos e a cada um o acesso aos bens

ambientais e o resgate ecologicamente equilibrado da qualidade de vida.

Referências

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-4: Wilson Madeira e cols. - Pag 367

MADEIRA FILHO, Wilson; VAINER, Alice Giacomini; TINOCO, Ana Beatriz Passos; EPIFANI FILHO, Marco Aurélio Alves: LEITE, Eduardo Lopes; PAULA, Aline Mendonça de. Subsídios para a regularização fundiária e o planejamento turístico no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. In: Anais do XVIII Seminário de Iniciação Científica e Prêmio Vascocellos Torres. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008. MADEIRA FILHO, Wilson; VAINER, Alice Giacomini: ESPÍRITO SANTO, Camile Fonseca do; FREITAS, Iana Andrade; MEDEIROS, Fernanda Ladeira de; OLIVEIRA, Carolina Lopes de; PEÇANHA, Igor Barbosa; PEREIRA, Rute Curvelo; SOUZA, Patrícia Almeida de. Análise comparada dos planejamentos para o território do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e de seu entorno. In: Anais do XVIII Seminário de Iniciação Científica e Prêmio Vascocellos Torres. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Ação Civil Pública n.º2002.51.03.001627-2. Campos dos Goytacazes: 1ª Vara da Justiça Federal, 2002. SANTOS, Boaventura de Souza. Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. In: HELLER, Agnes et al. A crise dos paradigmas em ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro, Contraponto, 1999, pp. 33-75. SILVA, Luiz Antonio Machado da; LEITE, Márcia Pereira. Capítulo 4: violência, crime e polícia: o que os favelados dizem quando falam desses temas? In: SILVA, Luiz Antonio Machado da (organizador). Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, pp. 47-76. SOUZA, Marcelo Lopes de. Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela. Rio de Janeiro: FGV, 2005. VAINER, Alice Giacomini. Território, meio ambiente e conflitos: estudo de caso do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Dissertação de mestrado. Orientação de Wilson Madeira Filho. Niterói: Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, 2010.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 368

O PODER PÚBLICO LOCAL NO BRASIL: UM MODELO

INSTITUCIONAL GERADOR DE VÍCIOS E DISTORÇÕES. REFLEXÕES

SOBRE O CASO DE MACAÉ.

Heitor Delgado Correa Doutorando do PPGDS da UFF; Mestre em Direito (UNESA); Advogado.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Desde a promulgação da Constituição da República, em 1988, o

Município ganhou importância como ente integrante do pacto federativo1,

talvez como conseqüência de um longo período autoritário em que o poder

central impunha sua vontade política e seus projetos nacionais. O restrito

exercício da cidadania, típico desses períodos autoritários, teve que ceder

lugar à “Constituição Cidadã”, crendo ser possível, pela edição de leis, a

criação de uma nova realidade capaz de anular uma cultura política fundada

na desigualdade social e na consagração de privilégios. Na nova ordem

implantada por este Estado Democrático de Direito, o município passou a

simbolizar o ideal da prática da cidadania, do acesso do cidadão ao poder

político, da possibilidade de exercício dos direitos civis, ignorando-se a

diversidade de realidades locais como possíveis obstáculos a este ideal. Por

esse prisma, do confronto entre o ideal pretendido pela Constituição e as

realidades locais, é viável desenvolver algumas reflexões.

A primeira questão que se apresenta é compreender o que são estes

municípios, e que realidades institucionais foram constituídas. Em seguida,

compreender as inter-relações e influências dos contextos sociais, políticos e

econômicos frente ao modelo institucional existente. O terceiro ponto diz

respeito à forma de interação com os outros entes da federação e, por fim, a

inserção do município na economia globalizada e a repercussão do poderio

econômico no poder local.

1 Ainda que, estranhamente, os municípios não façam parte do Senado Federal. Somente os Estados têm representação nesta Casa Legislativa, o que torna contraditório o pacto federativo trazido pela Constituição da República de 1988.

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2. O MODELO INSTITUCIONAL

A realidade dos municípios brasileiros é bastante heterogênea2

resultado não só de fatores geográficos e econômicos, como também do

processo político de emancipação. Parte dos municípios surgiu de um processo

político, social e econômico amadurecido no tempo, sendo que outra parte

decorre de um processo político direcionado a atender interesses eleitorais de

grupos políticos dominantes. A fragmentação em novas unidades políticas, não

raro, foi resultado de casuísmos, sem qualquer correspondência ao

crescimento econômico ou a capacidade de sustentação da máquina pública.

Com isso, um significativo contingente de municípios vive de transferências de

recursos advindos do Estado e da União3, ocasionando, assim, a dependência

do poder local a essas esferas e, forçosamente, a perda da autonomia política

local.

Desta forma, a criação de um enorme contingente de municípios,

fundada no interesse de grupos políticos e até mesmo de líderes políticos, e

não no amadurecimento da sociedade local4 e no desenvolvimento econômico,

distorceu o que seria pertinente a uma unidade de poder local inserida em

uma sociedade organizada, capaz de se sustentar economicamente e de se

transformar em unidade de interesses político-partidários para o controle do

2 São 5.565 municípios, segundo dados do Censo 2010. (Fonte: IBGE) 3 No estado do Rio de Janeiro, o Município de Quissamã, emancipado de Macaé, foi criado em 04.01.1989. O Município de Carapebus, emancipado de Macaé, foi criado em julho de 1995. Ambos os municípios dependem dos royalties de petróleo. 4 O sentido aqui utilizado para ‘amadurecimento’ deve ser traduzido como a existência de grupos locais e de cidadãos inseridos nos processos decisórios estatais e que buscam meios permanentes de participação. Uma sociedade ‘amadurecida’ contrasta com uma sociedade tutelada, em que a falta de acesso às informações, aos meios institucionais de participação, aos processos decisórios são quase inexistentes ou distorcidos. Vale esclarecer que o acesso à informação pressupõe capacidade do interesse em compreender e raciocinar sobre o conteúdo a que teve acesso. Informação hermética ou imprecisa não traduz acesso à informação. Ressalte-se que os meios institucionais de participação devem garantir a inserção efetiva e não meramente formal, não deve ser confundida com mecanismos que têm apenas a função de fazer cumprir formalmente exigências legais. A possibilidade de atuação do cidadão no processo decisório deve ser um parâmetro para identificar a existência dos mecanismos institucionais de diálogo democrático, traduzindo a existência de uma sociedade politicamente amadurecida.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 370

processo eleitoral. Em síntese, o que se aponta é que o município

transformou-se, nestes casos, em unidades geradoras de votos e formadoras

de uma teia de interesses político-partidários e pessoais de agentes políticos.

Não é por acaso que o modelo institucional5 adotado, por boa parte deles6,

transformou a máquina pública em estrutura provedora de cargos e de

empregos7 e os investimentos públicos – concretizados através de obras – em

demandas às empresas “bem relacionadas” com os agentes públicos.

O poder público no Brasil, desde sua origem portuguesa8, é um dos

grandes empregadores. Oferece oportunidades diferenciadas que vão das

funções menos qualificadas até aquelas que exigem formação especializada. O

concurso público de provas e títulos, que foi o mecanismo preconizado pela

Constituição da República fundado no mérito9 para preenchimento dos cargos

5 O termo modelo institucional deve ser entendido, para fins deste trabalho, como uma estrutura formal associada a práticas administrativas que atendem a um projeto político específico. 6 Evidente que existem municípios com modelos institucionais bem diversos daquele que aqui está sendo analisado, até porque este modelo explicitado pressupõe algumas condições sociais, políticas e econômicas específicas. Talvez seja possível identificar que regiões do Brasil em que a grande concentração da propriedade nas mãos de uns poucos não seja a regra, mas sim as pequenas propriedades, ou em que a atividade econômica não esteja centrada na agricultura da monocultura e na pecuária para exportação, ambas em grande escala, mas sim na diversificação, como, por exemplo, em regiões dos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o modelo institucional seja diverso. Acrescente-se a esta diferença a contribuição do imigrante, italiano, japonês, alemão. As influências geradoras dos modelos institucionais são diversas, sendo que o legado histórico, as condições econômicas e o legado político interferem, a nosso ver, em qual modelo institucional se concretizou. O presente trabalho trata de um contingente de municípios brasileiros, com base no Município de Macaé. A delimitação precisa de quais municípios poderiam ser enquadrados neste modelo envolveria uma pesquisa específica realizar o levantamento. Desta forma, ao tratar da generalidade dos municípios no texto a referência é para um contingente de municípios que não representa a totalidade. 7 Trazendo um dado conjuntural, no momento, janeiro de 2011, assiste-se à disputa dos partidos que apoiaram a eleição de Dilma Rousseff à presidência da república, ao preenchimento dos cargos da máquina pública, caracterizando o loteamento dos cargos. Estes dados conjunturais são reveladores de como a estrutura da máquina pública vai sendo ocupada e até mesmo moldada segundo interesses políticos, sem que seja possível identificar relações diretas com as demandas sociais. Abre-se, inclusive, uma discussão se seria legítimo aos vencedores dispor da máquina pública segundo seus interesses, como se isto fosse indispensável para levar adiante as propostas eleitorais ganhadoras. 8 Vale conferir BOMFIM, Manoel. A América Latina – Males de Origem. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. 9 Sobre a temática do mérito vale conferir BARBOSA, Lívia. Igualdade e Meritocracia – a ética do desempenho nas sociedades modernas. 4. Ed. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2003.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 371

do quadro efetivo em todos os órgãos do poder público10, consagrando assim

os princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade e da

legalidade, essenciais à concretização da democracia, não raramente, sofre

distorções. Não tem sido incomum o uso dos cargos públicos como mecanismo

de clientelismo político para favorecer grupos específicos ou atender a

interesses pessoais de agentes políticos.

Essa prática ‘desviante’ manifesta-se das formas mais diversas, desde o

crescimento excessivo de cargos em comissão (de livre nomeação), da

celebração de contratos por prazo determinado (em que se situações

emergenciais são criadas), até a distorcida terceirização de mão-de-obra (em

que a Administração Pública interfere na contratação). Tal desvirtuamento

reside na transformação do agente público em grande empregador, sujeitando

os beneficiados a uma relação de vassalagem como condição de permanência

no cargo ou de manutenção dos contratos com empresas privadas, fazendo

surgir eficientes currais eleitorais11 e o uso da máquina pública para fins

privados.

Do exame das estruturas estatais pode-se observar, não raro, que

órgãos, departamentos e cargos de assessoramento e de chefia são criados

para ‘acomodar’ pessoas bem relacionadas. Na administração indireta, o

surgimento de autarquias e de empresas públicas, apesar de justificativas

formais comprometidas com objetivos econômico-sociais específicos, pode

ocultar sua finalidade genuína de criar um novo quadro de cargos para serem

preenchidos com fundamento nos interesses dos agentes políticos.

Este modelo institucional, quando adotado, consagra o nepotismo12, o

clientelismo, o empreguismo, desvirtuando a máquina burocrática de suas

funções precípuas, que deveriam estar voltadas para assegurar o bem comum;

em vez disso, volta-se a realizar projetos políticos pessoais de permanência

no poder. Evidencia-se, assim, não só o desvio de poder como também a 10 Alguns cargos vitalícios, como no caso dos ministros dos tribunais superiores (STF, STJ, TSE) e do TCU, dos desembargadores (TRFs, TJs) e dos conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e municípios, têm seu preenchimento utilizando-se de processo diverso do concurso público. 11 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 6. ed. São Paulo: Alga Omega, 2003. 12 O nepotismo é prática corrente no Brasil. Apesar de o STF ter editado a Súmula Vinculante nº 13 que veda a nomeação de parentes o problema central é a fiscalização de sua efetividade. O costume da nomeação de parentes encontra-se arraigada nas práticas da administração pública do Brasil, desde os tempos dos portugueses.

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impossibilidade da profissionalização do funcionário público, moldando o

perfil do servidor público à subserviência e à lealdade pessoal, em detrimento

da qualificação profissional13 e do comprometimento com a realização do

interesse público.

Se necessário apontar um traço comum entre os municípios brasileiros –

e o Estado e a União não fogem completamente à regra14 – este seria o

personalismo e o patrimonialismo como valores orientadores da conformação

das instituições. O personalismo se manifesta no culto à personalidade do

agente político que ocupa o cargo público com poder de nomeação e de

exoneração. O funcionamento institucional mostra-se centrado na pessoa do

agente político, à semelhança da época do Brasil monárquico ou do Brasil

ditatorial15. Já o patrimonialismo16 se manifesta como o direito de dispor da

coisa pública como bem privado, apropriando-se – inclusive por meios ilícitos

e ofensivos à moralidade administrativa – dos recursos públicos17.

13 Existem ilhas de profissionalização do servidor público com alta qualificação em alguns órgãos estatais como a Receita Federal, o Banco Central, o Tribunal de Contas da União, o servidores efetivos da carreira diplomática. Não é incompatível com este modelo institucional a existência de ilhas de qualificação. A explicação para isso pode ser traduzida nas funções essencialmente técnicas destes órgãos. 14 A mesma prática de hipertrofia da máquina burocrática ocorre no nível federal. Segundo matéria intitulada Máquina foi inchada até com serviços terceirizados, de Regina Alvarez, publicada no Jornal O Globo (de 16.01.10), 82.749 funcionários civis foram incorporados à máquina do governo federal. Na área de educação as contratações somaram mais de 49 mil servidores. Houve um aumento expressivo dos gastos com serviços terceirizados de copa e cozinha (245% acima da inflação; de R$ 36,2 milhões em 2002 para R$ 124,9 milhões em 2010), limpeza e conservação (102,7% acima da inflação; de R$ 665,6 milhões em 2002 para R$ R$ 1,349 bilhão em 2010) e vigilância ostensiva (aumento de 118,2%; de R$ 649,216 milhões em 2002 para R$ 1,416 bilhão em 2010). Os serviços de consultoria: de R$ 181,606 milhões em 2002 para R$ 225,610 milhões em 2010, 24,2% acima da inflação. A Advocacia Geral da União cresceu 334%, passando de 1.683 servidores em 2002 para 7.820 servidores em 2010. O Número de DAS (Cargos de confiança do Executivo Federal) passou de 18.374 (2002) para 21.847 (2010). Os dados tiveram como fonte a Comissão de Orçamento e Ministério do Planejamento. 15 O culto à personalidade da autoridade não vê resistências na cultura da administração pública, mas, pelo contrário, é vista como normalidade, ora com fundamento em uma rígida hierarquia (“manda quem pode, obedece quem tem juízo”) ora com fundamento em um “direito do vencedor” (ou “direito do conquistador”) que legitima inclusive o abuso de poder. 16 URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial – a burocratização do Estado Patrimonial Brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro: DIFEL, 1978. 17 Este desvirtuamento da coisa pública se dá como mecanismo para o ajuste de contas para os financiadores de campanha, como mecanismo de controle institucional por meio da lealdade pessoal, como mecanismo de criação de uma rede relações de interesses dentro da estrutura do Estado. Este desvirtuamento transforma a finalidade pública (identificada com o que seria o bem comum) para um ‘interesse público’ identificado com o interesse do agente político, ainda que contrário ao bem comum. Ao tratar da corrupção, Roberto Romano, professor de filosofia da Unicamp, aponta que lá fora, a cultura é: Que diabo você pensa que é?. Aqui é: Sabe com quem está falando? (Corrupção de mão dupla, de Vera Araújo, Jornal O

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Esses valores impedem o desenvolvimento institucional voltado para a

concretização do interesse da sociedade, favorecendo, ao contrário, o

tratamento desigual, a consagração de benefícios, o incremento do jeitinho

brasileiro18. Consagra-se, assim, o reconhecido lema de que aos amigos tudo,

aos inimigos a lei, cuja interpretação repousa na inexistência de limites legais

aos beneficiados a lei – o desvio de poder não é impeditivo à concessão de

benesses -, da mesma forma que na aplicação do rigor da lei aos desafetos,

revelando assim todo o potencial de injustiça19 – o abuso de poder não se

constitui um limite. O uso vicioso do poder discricionário20 enquadra-se

perfeitamente neste modelo institucional pautado pelo personalismo e pelo

patrimonialismo. Neste aspecto, o caso de Macaé não foge à regra.

Ressalte-se que não é seguro afirmar que esta forma de

institucionalização é decorrência da pobreza local ou da ausência de recursos

públicos. Também não é possível afirmar que tal prática decorre da baixa

qualificação dos agentes públicos. Fosse isso verdade, Macaé não adotaria tão

marcadamente este modelo, porque o que não faltam são recursos públicos,

especialmente aqueles advindos da exploração do petróleo na Bacia de

Campos.

Quanto ao critério da qualificação dos agentes públicos, é possível

aferir que tais práticas de nomeação não são calcadas no mérito profissional,

mas sim nas relações políticas e pessoais, ocorrendo com maior intensidade

nos órgãos em que a natureza da atividade não seja estritamente técnica.

Conclui-se, destarte, que, quanto maior o conteúdo técnico da atividade,

menor a intensidade de nomeações de natureza política, e vice-versa. É fácil

Globo, 01.01.2010). Em matéria intitulada A riqueza dos políticos, de Leandro Loyola e Marcelo Rocha, Revista Época, 19.07.10, com base no patrimônio declarado ao TSE e sites Políticos do Brasil e Transparência Brasil, concluem que os números permitem dizer que a política enriquece. Citando a obra Mudanças na classe política brasileira, de Leôncio Martins Rodrigues, explicitam que há uma correlação positiva entre o número de mandatos e o aumento do patrimônio declarado dos políticos. 18 BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro ou a arte de ser mais igual que os outros. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 19 A lei interpretada e aplicada dentro do Direito como um sistema, orientada por princípios constitucionais, vê reduzido o seu potencial de injustiça. A lei aplicada de forma isolada, distanciada dos princípios constitucionais, pode ser geradora de grandes injustiças e legitimadora de perseguições. 20 A discricionariedade que a lei confere ao gestor público para administrar a coisa pública é utilizada para gerar desvio de finalidade ou abuso de poder que, ao final, acaba por produzir demandas judiciais.

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visualizar que nos órgãos federais da administração direta cuja atividade é

estritamente técnica (como a Receita Federal, o Banco Central e o Ministério

das Relações Exteriores) o nível de profissionalização é reconhecido, o mesmo

ocorrendo no âmbito da administração indireta em que diretorias técnicas

acabam por abrigar técnicos de carreira.

Na esfera municipal, são raros os casos de órgãos cujas atividades

detenham uma natureza que privilegie a qualificação técnica como elemento

indispensável. De forma geral, o conhecimento técnico é desejável, mas não

indispensável. Resulta que o quadro institucional permite a grande

flexibilidade nas nomeações e o menosprezo pela alta qualificação, da mesma

forma que a qualificação medíocre não impede o funcionamento da máquina

pública. Deduz-se assim não ser acidental que a máquina burocrática

municipal careça de quadro de pessoal de alta qualificação, talvez porque o

modelo institucional voltado para si mesmo não veja com bons olhos a

profissionalização e o alto conhecimento técnico, que em longo prazo pode se

tornar em obstáculo ao manejo da máquina pública segundo os interesses dos

grupos políticos21.

Talvez o que se possa afirmar é que a falta de comprometimento do

agente político com o bem comum, com os valores constitucionais, com a

submissão ao Estado de Direito, é elemento indispensável à consagração deste

modelo institucional. A parca profissionalização com distorções dos valores

salariais seria um aspecto complementar, revelando-se principalmente pelo

reduzido valor dos cargos efetivos em contrapartida a valores elevados para

cargos em comissão e funções gratificadas, estes últimos de livre nomeação e

exoneração, permitindo, assim, que estes cargos e funções sejam utilizados

como mecanismo de cooptação externa e garantia da lealdade interna22.

Cabe indagar, prosseguindo nestas reflexões, como este padrão

institucional repercute na realidade social, política e econômica local. Alguns

21 Em episódio recente, no início de 2010, noticiado nos jornais, diversos servidores da Receita Federal, detentores de cargos em comissão, pediram exoneração conjunta por discordar da política que vinha sendo adotada no órgão, trazendo para a sociedade questões que diziam respeito à função do próprio órgão relativas à fiscalização das receitas. 22 Quando a remuneração do cargo efetivo é alta e os valores dos cargos em comissão e funções gratificadas são pouco expressivos, o grau de autonomia funcional aumenta. Órgãos de grande especialização e alta qualificação profissional seguem esta orientação, como por exemplo, a Receita Federal, o Banco Central.

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aspectos podem ser apontados. O poder público, ao se transformar em grande

empregador local, inclusive para os segmentos de menor qualificação

profissional, passa a ser o centro de uma rede de relações de interesses e de

satisfações que influencia direta e indiretamente os atores sociais. Desta

forma, o ideal democrático de desenvolvimento da cidadania próximo ao

poder, de interferência, de discussão, mostra-se com outra face, em que a

subserviência, a lealdade, a vassalagem, atrofiam e direcionam a participação

política.

Vale recordar o caso recente do município de Magé-RJ23, em que,

apesar dos inúmeros processos ajuizados pelo Ministério Público por

improbidade administrativa, identificando práticas escandalosas de abuso de

poder do chefe do Executivo local, este obteve manifestações de apoio à sua

permanência, inclusive com passeatas, em que grande parte dos participantes

era composta de funcionários contratados e comissionados.

Esta forma de institucionalização do poder público local acaba por

impor uma dinâmica às discussões políticas e aos movimentos sociais segundo

os interesses do grupo hegemônico. Os grupos discordantes, de oposição, são

cooptados ou silenciados eliminando-se ou neutralizando-se os mecanismos de

difusão destas idéias. A dinâmica da ‘democracia’ ganha, assim,

especialmente quando choca-se com interesses dos grupos bem situados

23 O caso de Núbia Cozzolino é emblemático, como símbolo da distorção política municipal, envolvendo corrupção, clientelismo político, abuso de poder econômico, crimes diversos. A ex-prefeita teve seus direitos políticos suspensos por dez anos por sentença da 1ª Vara Civel de Magé, decorrência de uma condenação em ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público em 2005. Em sua sentença, a juíza escreveu que "salta aos olhos a grande quantidade de material promocional da municipalidade que a ré utiliza para se autopromover (...). Os outdoors espalhados por toda cidade têm a clara finalidade de induzir o povo mageense, dando a entender que a própria pessoa da administradora se sobrepõe ao ente municipal, levando a crer que as obras ou serviços foram realizados pela ré, e não pelo ente da federação". A ex-prefeita também é ré no processo da Operação Uniforme Fantasma, que desbaratou uma quadrilha acusada de desviar R$ 100 milhões dos cofres de várias prefeituras do interior do estado. O Ministério Público do Estado do Rio denunciou a ex- prefeita de Magé pelos crimes de formação de quadrilha e apropriação e desvio de rendas públicas. De acordo com a denúncia, a prefeita teria celebrado contrato com a Associação Brasileira de Desenvolvimento Humano (ABDH), sob o pretexto de prestação dos mais diversos serviços, desde programas de saúde a apoio administrativo, para a qual pagava valores altíssimos que, depois, eram desviados em benefício próprio e de terceiros. (Fonte: Jornal Extra; Jornal O Dia).

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institucionalmente, um viés autoritário. O espaço público de discussão, e

principalmente sua difusão e assimilação crítica, é aniquilado e direcionado

apenas para reafirmar as posições dominantes.

Não é de se estranhar que os movimentos sociais e seus líderes, quando

afastados do apadrinhamento político dos grupos que disputam o poder (ou

que dispõe dele) são pouco expressivos, não influenciando as políticas

públicas nem o processo eleitoral. Paralelamente, o controle das rádios e dos

jornais locais permite esta neutralização e o permanente marketing político

de reafirmação de versões oficiais, em moldes semelhantes aos utilizados

pelos regimes autoritários, associado às nomeações para cargos na estrutura

do governo, viabiliza uma gestão político-administrativa de mão única.

Este modelo institucional não é sensível à desigualdade social, à

violência, à ineficiência, à cooperação interinstitucional, ao diálogo

democrático, utilizando-se, na verdade, destes problemas para elaborar

plataformas políticas de ‘urgência’ e produzir eventuais programas de governo

pontuais. Nesta institucionalização o poder local movimenta-se pontualmente

para atender a grupos de interesses ou a problemas emergenciais, em vez de

conceber políticas públicas sistêmicas de longo prazo com atuação preventiva.

Por isso é fácil identificar que as questões sociais vêm sempre a reboque de

algum ‘padrinho’ político, na lógica do personalismo deste modelo. Quando

não estão inseridas no foco de interesse do agente político, transformam-se

em caso de polícia, de repressão, ou são neutralizadas por estratégias de

marketing institucional.

O planejamento mostra-se meramente formal do que propriamente

uma visão sistêmica da gestão, elaborado para atender às exigências legais,

como, por exemplo, a elaboração do Plano Diretor que muitas vezes não se

concretiza no mundo real. Questões de planejamento urbano e problemas

sociais não são enfrentados com estratégias de longo prazo24; no lugar são

24 O exemplo das chuvas de verão com enchentes e deslizamentos é caso clássico de ausência de uma visão sistêmica de gestão que envolva dos órgãos setoriais locais e os órgãos das outras esferas de poder. Em um rápido histórico: em dezembro de 2008, tempestades em Santa Catarina atingiram 14 cidades e deixaram 54 mil desabrigados e 133 mortos; em janeiro de 2010, deslizamento de encosta na praia do Bananal, em Angra dos Reis (RJ), matou 138 pessoas; em abril de 2010, deslizamento de encosta com a destruição da favela sobre o lixão do Morro do Bumba, em Niterói (RJ) provocou a morte de 256 pessoas; agora em janeiro de 2011, chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, provocaram mortes em Nova Friburgo, em

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 377

adotadas medidas emergenciais na contratação de serviços e de obras que,

não raro, facilitam o tráfico de influência para direcionamento da

contratação, podendo acirrar as práticas de corrupção.

Quanto às repercussões econômicas, esta forma de institucionalização

patrimonialista tem o foco central na concentração de riquezas, propriedades

e no lucro. Por isso, com esta lógica, mostra-se razoável que a exploração e o

crescimento econômico não estejam submetidos ou condicionados às

repercussões sociais e ambientais. Desta forma, os danos sociais (direitos

trabalhistas, direito à saúde, direito à isonomia) e os danos ambientais

(apesar do discurso da ‘sustentabilidade’) não podem ser encarados como

empecilhos ao crescimento econômico, estabelecendo-se uma relação

complementar entre o modelo institucional e a forma de desenvolvimento das

atividades econômicas. Percebe-se, por conseguinte, que esta lógica não é

incompatível com o processo político que precisa do empresariado para

financiar as candidaturas, muito pelo contrário, é complementar.

Ressalte-se que nos municípios os grupos empresariais possuem estreita

ligação com o poder político e comungam de interesses comuns que acentuam

este modelo institucional examinado. Somente quando os investimentos são

externos, por decorrência de algum projeto dos governos federal e estadual

ou da instalação de empresas estrangeiras, é que a lógica externa se impõe

submetendo os interesses locais. Neste caso, os impactos sociais e ambientais

são subdimencionados, enquanto a geração de empregos costuma ser Teresópolis, em Petrópolis, em Sumidouro e em São José do Vale do Rio Preto, em um total provisório de 800 mortes e um desconhecido número de desaparecidos. (Fonte: Revista IstoÉ, nº 2149, 19.01.2011) O que se vê na prática, neste último caso, é ausência de articulação entre os órgãos públicos dos diversos níveis, ausência de equipamentos, ausência de capacitação, ausência de mecanismos de prevenção e de alerta, ausência de planejamento estratégico, morosidade para atendimento às vítimas, morosidade nas decisões. Há, seguramente, ausência de ações sistêmicas integrando todos os órgãos, e sua visibilidade ocorre quando surgem as grandes tragédias, as epidemias e situações semelhantes, expondo a ineficiência do poder público. Ainda, que o dado tenha natureza conjuntural, há que se fazer sua articulação com uma estrutura institucional inadequada, seja no dimensionamento de seus recursos humanos seja no uso das ferramentas do planejamento e da tecnologia disponíveis. A institucionalização inadequada torna-se visível em situações que demandam ações específicas de urgência, como neste caso. O paralelo que se faz com Macaé refere-se ao crescimento urbano desordenado com impermeabilização de grande parte do solo e ocupação acelerada de áreas de mangues, margens de rios e áreas de preservação, com acelerado crescimento populacional provocado pela migração. A máquina pública deve estar dimensionada, sob o ponto de vista de sua estrutura e da capacitação de seus recursos humanos, para atender cotidianamente tais demandas. O desvirtuamento ocorre quando a estruturação institucional se dá à margem destas demandas sociais e o tamanho da estrutura e a capacidade técnica-gerencial não correspondem à resposta necessária.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 378

alardeada, sem que se revele, contudo, que boa parte destes postos de

trabalho exige capacitação que a população local não possui.

Outro aspecto a ser examinado neste modelo institucional é o

relacionamento entre os municípios e os órgãos estaduais e federais. Como

este modelo está centrado em si mesmo e nos interesses dos próprios agentes,

as relações interinstitucionais que se estabelecem são as estritamente

necessárias à captação de recursos ou benefícios, resultantes de acordos

políticos. A cooperação e a parceria, desta forma, mostram-se raras, não

sendo a via institucional escolhida. As disputas políticas locais impedem

esforços de cooperação globais e estratégicos, especialmente nas áreas sociais

e ambientais, problemas sociais e ambientais complexos por ausência de

cooperação e atuação de longo prazo.

3. O CASO DE MACAÉ-RJ

O município de Macaé, no Rio de Janeiro, apresenta uma conjugação de

fatores que propicia à análise das questões anteriormente tratadas, dentre os

quais se destaca:

i) O município foi escolhido pelo governo federal para sediar as

instalações da Petrobras relativas à exploração do petróleo e gás

natural na Bacia de Campos;

ii) A Bacia de Campos, com o passar dos anos, mostrou-se o grande

centro de extração de petróleo no Brasil;

iii) A lei que disciplina o pagamento de royalties pela exploração do

petróleo beneficia o município, havendo grandes transferências

de recursos ao poder municipal;

iv) A indústria do petróleo tornou-se grande geradora de empregos

especializados, provocando enorme fluxo migratório

indiscriminado;

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 379

v) O poder local e as instituições públicas forjadas em moldes

tradicionais oligárquicos não foram capazes de acompanhar a

nova realidade gerada pelos investimentos externos;

vi) O descompasso entre as novas demandas sociais e as capacidades

das instituições locais permitiu que os problemas sociais e

ambientais se tornassem amplos e complexos25;

vii) A Proliferação dos problemas sociais e ambientais agravou-se,

dentre os quais: favelização26, violência, urbanização

desregulada27, alto custo de vida28, desemprego29, crescimento

das desigualdades sociais.

No âmbito da análise até aqui desenvolvida, Macaé permite visualizar

dois pontos importantes deste modelo institucional abordado. O primeiro 25 Em trabalho apresentado no V Encontro Nacional da ANPPAS, realizado de 4 a 7 de outubro de 2010, em Florianópolis, Santa Catarina, intitulado Articulações Institucionais e Consórcios Públicos para a Sustentabilidade da Pesca Artesanal no Litoral Brasileiro, Sidney Lianza (SOLTEC – Núcleo de Solidariedade Técnica/UFRJ), Vera de Fátima Maciel (SOLTEC/UFRJ) e Fátima Karine Pinto Joventino (SOLTEC/UFRJ), abordam questões institucionais da região dos municípios de Macaé, Casimiro de Abreu e Cabo Frio, identificando a ausência de políticas públicas sistêmicas: “em função da falta de políticas integradas e de um planejamento adequado na gestão do território, este crescimento vem se dando de forma desordenada, gerando vários problemas como a expansão acelerada da população, violência, poluição, entre outros. O município de Macaé continua sendo a principal referência do complexo petrolífero, atraindo indústrias e um contingente grande de pessoas que buscam trabalho, mas que nem sempre optam por morar neste município. Isso, segundo análise do então Secretário de Desenvolvimento Local, tem gerado impactos na administração municipal, no trânsito de veículos e na arrecadação de impostos, uma vez que os gastos e investimentos da população com lazer e habitação, por exemplo, são em grande parte, direcionados para as cidades circunvizinhas. Ainda segundo o entrevistado, o planejamento urbano não previa, inicialmente, que a cidade de Macaé se tornasse um Pólo Regional. Em sua fala, fica explícito que o crescimento desordenado deste município está relacionado com a falta de organização de políticas integradas, seja no âmbito local, estadual ou federal.” [...] “Em Macaé, pode-se destacar a grande quantidade de secretarias com suas várias subdivisões, atuando quase sempre de maneira desarticulada. Pôde-se verificar, ainda, que são poucas as políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento de outros setores, além do petróleo.” [...] “Em Macaé, quase nada está sendo feito pela prefeitura no tocante à gestão ambiental. Segundo o então Secretário de Desenvolvimento Local, uma adequada gestão compartilhada dos recursos naturais exige uma sinergia entre as esferas municipais, estaduais e o governo federal. Para que esse tipo de política seja realmente eficaz, considera necessário uma maior integração das ações desenvolvidas entre o IBAMA, a FEEMA e as Secretarias Municipais de Meio Ambiente.” (grifamos) 26 A favelização é decorrência da atração que a riqueza do petróleo gera no imaginário coletivo e a desqualificação profissional necessária para ser absorvido por esta atividade econômica. Os migrantes ficam fora do mercado dos empregos mais rentáveis. 27 O crescente fluxo de pessoas e empresas impõe o aumento acelerado da urbanização, que vem a reboque da realidade instalada. 28 O alto custo de vida é gerado pela disputa por imóveis e pelos salários diferenciados daqueles inseridos na atividade do petróleo. 29 Maior parte dos empregos gerados exige capacitação especializada.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 380

refere-se ao gasto com pessoal; o segundo à ausência de alternância no poder

político local.

3.1 A Despesa com Pagamento de Pessoal

Para iniciar o exame do caso, vale trazer alguns dados sobre as

despesas realizadas e as receitas relativas a 2009:

QUADRO I

RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL

2009

VALOR (R$)

(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO 1.058.005.309,07

(B) RECEITA DE ROYALTIES30 368.118.183,05

(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 689.887.126,02

(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 455.178.206,13

(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 234.708.919,89

Fonte: TCE-RJ

30 Para o TCE-RJ a categoria royalties deve ser entendida em sentido amplo como compensações financeiras que integram a receita corrente líquida do município. Desta forma, integram a receita royalties: I- Transferências da União (compensação financeira de recursos hídricos; compensação financeira de recursos minerais; compensação financeira por exploração do petróleo, xisto e gás natural que inclui royalties pela produção, pelo excedente de produção, participação especial e fundo especial do petróleo); II – Transferências do Estado; III – Outras compensações financeiras; IV – Aplicações financeiras. Nas análises das prestações de contas de gestão dos municípios encontram-se o detalhamento das receitas. Entretanto, para ilustrar, o impacto do valor dos royalties do petróleo é substancial: dos R$ 368.118.183,05, que totalizam o quadro royalties, R$ 355.889013,19 são relativos à compensação financeira por exploração do petróleo, xisto e gás natural. Para esta análise, que contrasta valores da despesa com pessoal com o crescimento de receitas royalties, mantivemos a abordagem adotada pelo TCE-RJ com transcrição direta dos dados e reprodução dos quadros. Além disso, caso se optasse pelo valor isolado dos royalties, o número seria impreciso porque o valor deveria incorporar o proporcional da aplicação financeira do conjunto total de royalties. Por fim, os dados mais antigos, constantes nos votos das prestações de contas de gestão, não apresentam a discriminação utilizada nos últimos anos, tratando apenas da fonte ‘royalties’. No Anexo I, foi transcrito o quadro relativo às receitas de royalties de 2009.

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Adicionem-se aos dados anteriores as despesas realizadas e as receitas

relativas a 2000, para comparação com o quadro anterior:

QUADRO II

RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL

2000

VALOR (R$)

(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2000) 159.621.201,33

(B) RECEITA DE ROYALTIES 86.219.323,80

(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 73.401.877,53

(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 50.232.474,61

(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 23.169.402,92

Fonte: TCE-RJ

Os dados intermediários entre 2000 e 2009 possibilitam visualizar que o

crescimento das despesas com pagamento de pessoal e o aumento da receita

total de royalties segue de forma continuada, não tendo ocorrido de forma

abrupta.

QUADRO III

RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL

2001

VALOR (R$)

(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2001) 237.131.270,90

(B) RECEITA DE ROYALTIES 115.248.932,43

(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 121.882.338,47

(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 74.844.937,42

(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 47.037.401,05

Fonte: TCE-RJ

Em 2001, a receita de royalties corresponde a 49,49% da receita

corrente líquida do município.

QUADRO IV

RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL

2002

VALOR (R$)

(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2002) 353.212.300,00

(B) RECEITA DE ROYALTIES 189.410.248,83

(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 163.802.051,17

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 382

(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 98.522.600,00

(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 65.279.451,17

Fonte: TCE-RJ

Em 2002, a receita de royalties corresponde a 53,62% da receita

líquida corrente do município.

Os dados relativos a 2003 apresentam formatação diversa dos demais

anos, o que dificulta a elaboração de quadros. Em 2003, o total das receitas

de royalties foi de R$ 264.635.940,52.

QUADRO V

RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL

2004

VALOR (R$)

(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2004) 551.734.033,65

(B) RECEITA DE ROYALTIES 288.932.562,62

(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 262.801.471,03

(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 223.997.368,88

(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 38.804.102,15

Fonte: TCE-RJ

Os dados relativos a 2005 estão disponibilizados em quadro, mas por

erro de digitação com supressão de três casas decimais, impedi-se a

transcrição de dados. No período, a partir de dados de outra tabela, o total

de receita com royalties foi de R$ 358.732.976,02

QUADRO VI

RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL

2006

VALOR (R$)

(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2006) 782.962.313,52

(B) RECEITA DE ROYALTIES 422.882.906,26

(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 360.079.407,26

(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 308.935.412,10

(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 51.143.995,16

Fonte: TCE-RJ

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 383

QUADRO VII

RECEITAS E DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL

2007

VALOR (R$)

(A) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA DO MUNICÍPIO (2007) 851.486.800,00

(B) RECEITA DE ROYALTIES 358.902.823,59

(C) RECEITA CORRENTE SEM ROYALTIES (A-B) 492.583.976,41

(D) TOTAL DAS DESPESAS COM PAGAMENTO DE PESSOAL 388.471.469,64

(E) SOBRA DAS RECEITAS CORRENTES SEM ROYALTIES 104.112.506,77

Fonte: TCE-RJ

Em relação aos dados de 2008, não foi elaborado quadro de receitas e

despesas com pagamento de pessoal. O total das receitas de royalties foi de

R$ 520.233.669,57.

Em síntese, comparando a receita dos royalties e as despesas com

pagamento de pessoal no período de 2000 a 2009, é possível visualizar o

seguinte gráfico:

QUADRO COMPARATIVO

PAGAMENTO DE PESSOAL/RECEITA TOTAL DE ROYALTIES

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 384

O aumento dos valores das despesas com pagamento de pessoal,

comparando os dois quadros, é bastante expressivo: de R$ 50.232.474,61

(2000) para R$ 455.178.206,13 (2009). No período de quase uma década, o

aumento com a despesa de pessoal é gritante (mais de 906%), coerente,

entretanto, com a reafirmação de um modelo institucional em que a máquina

burocrática apresenta centralidade. É importante frisar que tal crescimento

da despesa somente foi possível com o crescimento das receitas de royalties

de R$ 86.219.323,80 (2000) para R$ 368.118.183,05 (2009) mais de 426%.

No entanto, comparando o crescimento dos valores gasto com pessoal/receita

de royalties identifica-se que em 2000 o valor da receita de royalties era

maior que o gasto com pessoal. Em 2009, contudo, o gasto com pessoal passou

a superar o valor da receita advinda dos royalties.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 385

As despesas com pagamento de pessoal incluem não só os gastos com

cargos efetivos, com cargos em comissão e com funções gratificadas, mas

também a terceirização de serviços de empresas privadas. Este conjunto é

que foi crescendo e não só com a contratação terceirizada, como também

com o aumento da própria estrutura da administração pública. Tais fatos

foram identificados nas análises das contas de gestão empreendidas pelo

Tribunal de Contas em diversos momentos.

Segundo o TCE-RJ, de 1999 a 2002 os gastos com serviços de terceiros

triplicou: de 1,82%, em 1999, para 7,99%, em 2002.

No mesmo sentido, em sua análise das contas de gestão de 2007, o

Conselheiro-Relator José Gomes Graciosa aponta o crescimento da estrutura

administrativa de Macaé:

[...] Chama a atenção o elevado número de unidades gestoras existentes no Município de Macaé. Sabemos que a descentralização administrativa é, até certo ponto, benéfica e necessária para uma boa gestão, observados critérios rigorosos de demanda, todavia, o excesso de descentralização causa custos administrativos elevados, dificultando a adoção de um sistema de controle eficiente que possa gerenciar uma máquina estatal dimensionada muito além do razoável. Portanto, a descentralização em si não é boa nem má. Ela depende das circunstâncias. A participação no processo decisório governamental pode ocorrer por formas diversificadas e com uma variedade de agentes, sem a necessidade de se criar uma nova estrutura descentralizada. A participação popular por meio de conselhos formuladores de políticas e ou fiscalizadores é uma delas, em face do custo quase inexistente, haja vista que os membros não são remunerados. (grifamos)

A hipertrofia da máquina estatal não é percebida somente pelo exame

de dados técnicos ou somente por órgãos de controle, mas também pelos

veículos da mídia local. Ainda que não seja confiável o distanciamento destas

matérias, que podem ser motivadas pelas disputas políticas locais, induzindo a

uma visão distorcida da realidade local, há que se identificar sua existência

como um fato relevante que traduz a visibilidade da questão, ou pelo menos

sua relevância nas discussões políticas locais. Com este intuito vale

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 386

transcrever a matéria divulgada na internet31, com base em notícia do Jornal

Expresso Regional de 11 de outubro de 2009, em que se reafirma o aumento

excessivo da máquina pública vigente naquele município:

As obras paralisadas são reflexos da máquina pública que a cada mês do Governo Riverton ficava mais pesada para os cofres municipais devido à quantidade de DAS e cargos comissionados oferecidos por Macaé a apoiadores políticos. Um novo momento pareceu surgir no mapa político da cidade quando em 2007, o Prefeito Riverton anunciou sua Reforma Adminitrativa. Criou mais 954 cargos de comissão e não parou por aí. Hoje o pagamento de assessorias e contratos no município supera o valor de pagamento de servidor efetivo. A metade dos funcionários do município, aproximadamente 8 mil são assessores e contratados. Somente na administração direta, sem falar em fundações, autarquias e estágios remunerados. O orçamento municipal fica comprometido com tanto gasto de contratados e assessores, dificultando o andamento das obras pela cidade. (grifamos)

O TCE-RJ, em 1999, concluiu que o indicador de investimento de 0,18

não pode ser maior em virtude do comprometimento da receita com a

máquina administrativa.

O “Estudo Socioeconômico dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro -

município de Macaé 2009”, elaborado pelo TCE-RJ, aponta que no período

1999 a 2008 a população, nesses dez anos, cresceu 23%, enquanto o número

de servidores e funcionários teve uma variação de 289%. O mesmo trabalho

cita que de acordo com pesquisa do IBGE, no ano 2008 a estrutura

administrativa municipal dispunha de 11.570 servidores, o que resulta em

uma média de 74 funcionários por mil habitantes, a 23ª maior no Estado.

Conclui a análise afirmando que Macaé teve uma receita total de R$1.150,7

milhões em 2008, a 3ª do Estado, apresentando equilíbrio orçamentário. Suas

receitas correntes estão comprometidas em 78% com o custeio da máquina

administrativa32.

31 Fonte: http://denunciamacae.forumeiros.com/u1. Acesso em 03.01.11. Dados semelhantes foram trazidos em uma das apresentações na Oficina realizada em dezembro de 2010 na UFF, quando das discussões. 32 Em matéria intitulada Dinheiro público, herança em votos?, de Gilberto Scofield Jr., Jornal O Globo de 18.07.10, a questão dos gastos do governo federal é analisada sob a ótica de que cem milhões [de brasileiros] dependem de pagamentos do governo. Segundo opinião do economista Raul Velloso, citado no texto, quando um governo tem tanta gente dependendo dele em termos de renda, isso dá um poder de influência eleitoral muito grande. Conclui que isso se deu especialmente nos últimos anos, quando foi praticada uma política agressiva de

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 387

Comparando os percentuais destinados às diversas funções estatais,

com base em dados do TCE-RJ, é possível visualizar o seguinte quadro33:

QUADRO VIII

DESPESAS EMPENHADAS POR FUNÇÃO - 2009

CÓDIGO FUNÇÃO DESPESA EMPENHADA R$ % EM RELAÇÃO AO

TOTAL

04 Administração 258.628.410,02 24,51%

12 Educação 197.072.082,87 18,68%

15 Urbanismo 193.679.671,05 18,36%

10 Saúde 191.997.068,76 18,20%

17 Saneamento 51.649.746,69 4,89%

01 Legislativa 34.565.372,92 3,28%

08 Assistência Social 32.373.990,19 3,07%

27 Desporto e Lazer 17.675.527,34 1,68%

11 Trabalho 17.103.262,30 1,62%

26 Transporte 16.444.083,05 1,56%

09 Previdência Social 12.097.777,15 1,15%

19 Ciência e Tecnologia 9.538.910,94 0,90%

13 Cultura 7.621.589,39 0,72%

23 Comércio e Serviços 6.493.593,13 0,62%

14 Direitos da Cidadania 3.706.527,35 0,35%

06 Segurança Pública 2.153.580,62 0,20%

18 Gestão Ambiental 1.778.327,12 0,17%

16 Habitação 491.115,58 0,05%

20 Agricultura 101.000,00 0,01%

TOTAL 1.055.171.636,47 100,00%

Fonte: TCE-RJ.

Extrai-se deste quadro o relevo que a função administração representa

nas despesas municipais. Neste aspecto, devem ser esclarecidos alguns pontos

específicos sobre as despesas com educação, saúde, já que, por disposição

legal, parte da receita deve ser necessariamente aplicada nestas áreas. O não

aumentos reais do salário do funcionalismo e dos aposentados, sem contar a ampliação maciça do Bolsa Família. Em posição diversa, Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP, diz que programas como o Bolsa Família têm o poder de atrair votos por causa da percepção de melhora na vida de famílias que não possuíam renda e passaram a tê-la. [...] 33 Em relação à execução da despesa nas maiores funções de governo no exercício de 2009.

Fonte: TCE-RJ.

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cumprimento da lei pode ensejar inclusive a rejeição das contas de gestão

pelo Tribunal de Contas, razão pela qual estas funções apresentam

percentuais expressivos, independentemente do modelo institucional

adotado.

No caso da Educação, o município deve aplicar pelo menos 25% das

receitas resultantes de impostos e transferências de impostos. Em 2009,

segundo dados do TCE-RJ, o valor destas receitas foi de R$ 588.605.505,46,

devendo-se por lei (Lei Federal 11.494/07) ser aplicado o montante de R$

147.151.376,37. O valor aplicado pelo município foi de R$ 151.568.053,13.

Ressalte-se que o valor da receita corrente líquida, incluindo os royalties, foi

de R$ 1.058.005.309,07.

No caso da Saúde, conforme regulamentação do SUS, o município deve

aplicar no mínimo 15% dos impostos arrecadados e dos impostos transferidos.

Segundo dados do TCE-RJ, o total das receitas para base de cálculo foi de R$

588.605.505,46, devendo-se por lei ser aplicado o montante mínimo de R$

88.290.825,82. O valor aplicado pelo município foi de R$ 135.751.128,75,

correspondendo a 23,06% desta base de cálculo.

Em relação às despesas com a função Urbanismo, o acelerado

crescimento urbano de Macaé acaba por demandar necessariamente esta

aplicação, que inclui a contratação de obras com empresas privadas. O gasto

expressivo com obras pode refletir uma vertente institucional patrimonialista

em que os interesses de grupos privados são atendidos pelo poder público.

Para afirmar com certeza tal aspecto, seria necessária uma pesquisa focada

no perfil das empresas contratadas e das obras realizadas, identificando

possível atendimento de compromissos políticos.

O último ponto a ser examinado diz respeito à ausência de alternância

no poder político local de Macaé. Examinado o período de 1989 a 2010,

identifica-se que o mesmo grupo político ocupa o poder, ainda que,

aparentemente, pareça ter havido alternância. Sylvio Lopes Teixeira e

Riverton Mussi Ramos são as figuras centrais da política local.

Riverton Mussi é sobrinho de Sylvio Lopes Teixeira34

34 Fonte: Jornal O Dia, matéria intitulada Silvio Lopes inelegível, de Ricardo Villa Verde, publicada em 22/07/10.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 389

Sylvio Lopes Teixeira, empresário e comerciante, exerceu os seguintes

mandatos35:

Prefeito, Macaé/RJ, Partido: PL, Período: 1989 a 1992 Deputado Federal, 1995-1996, RJ, PSDB. Prefeito, Macaé/RJ, Partido: PSDB, Período: 1997 a 2000 Prefeito, Macaé/RJ, Partido: PSDB, Período: 2001 a 2004 Deputado Federal, 2007-2011, RJ, PSDB.

Riverton Mussi Ramos, professor e ex-Secretário de Esportes e Lazer de

Macaé. Foi eleito vereador pela primeira vez em 1992. Atuou como líder do

PSDB na Câmara, foi líder do governo Sílvio Lopes, sendo presidente da

Câmara de Vereadores de 2000 a 2004. Desde 2005 é prefeito de Macaé.36

A continuidade política é registrada em matéria jornalística na

cerimônia de posse de Riverton Mussi37:

Num discurso emocionado o prefeito atual, Sylvio Lopes, convidou a todos, oposição e situação a se darem as mãos, com o objetivo de continuar conduzindo Macaé ao desenvolvimento e ao crescimento da qualidade de vida, haja vista a atipicidade do município, considerado a capital nacional do petróleo.

O prefeito eleito Riverton Mussi, diante de um teatro lotado, afirmou que o seu governo seguirá dando continuidade ao trabalho desenvolvido pelo prefeito Sylvio Lopes, responsável pelo salto de desenvolvimento vivido atualmente pelo município. (grifamos)

4. CONCLUSÕES

Os problemas sociais e a degradação ambiental de Macaé podem ter sua

origem em parte no modelo institucional da municipalidade, tanto no que se

refere às práticas político-administrativas, quanto na centralidade da máquina

burocrática em si mesma.

35 Fonte: www.camara.gov.br. Acesso em 10.01.11. 36 Para registro: Adrian Mussi Ramos exerce o mandato de deputado federal; Elma Mussi ocupa o cargo de Chefe de Gabinete do Prefeito; Carla Mussi Ramos ocupa o cargo de Secretária Municipal de Administração. Glauco Mussi Lopes Teixeira exerceu o cargo de deputado estadual em 2002 e reeleito em 2006. Candidato a 1º Suplente de Senador pelo PSDB. (Fontes: site da Prefeitura de Macaé e do TSE). 37 Fonte: www.clickmacae.com.br

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 390

Neste modelo, as práticas político-administrativas, ainda fundadas no

patrimonialismo e no personalismo, direcionam a atividade do poder público

local para atender aos interesses político-partidários e pessoais dos agentes

políticos. Desta forma, as ações estatais não são sistêmicas tanto no âmbito

interno do nível municipal quanto inter-relacionadas com os órgãos estaduais

e federais, não são de longo prazo, não são articuladas com outros órgãos,

pelo contrário, são pontuais, setoriais, emergenciais, com reduzidíssima

comunicação com outras esferas do poder público.

Outra característica que pode ser observada, decorrência da anterior, é

a centralidade da máquina pública em si mesma. A expansão e reestruturação

dos órgãos públicos resulta em estruturas administrativas pesadas, de alto

custo e baixa eficiência e com um grau de comprometimento questionável em

relação às demandas sociais. Desta forma, segundo este modelo, a máquina

pública transforma-se em mecanismo gerador de permanência no poder.

Macaé consegue ser a síntese deste modelo de alto custo, mas com

resultados sociais pouco expressivos. O município possui enorme receita e

grande parte dela é aplicada na máquina burocrática, sem que isto gere

prestação de serviço eficiente e efetivo. Fosse este modelo voltado para as

demandas sociais, o município não estaria imerso em extensos problemas

sociais e ambientais. Por outro lado, há que se indagar se a máquina

burocrática funciona para sustentar um projeto político de permanência no

poder, o que pode ser observado pela ausência de alternância substantiva no

poder e por significativos grupos de oposição.

Aquilo que parece contraditório, a riqueza do petróleo em contraste

com a favelização de áreas urbanas e a marginalização de grandes segmentos

da população local, pode ter sua explicação primeira no modelo institucional

adotado por Macaé, que não difere de muitos municípios brasileiros. O que

parece claro é que o ideal democrático de participação e de interferência do

cidadão no poder local encontra fortes obstáculos de natureza político-

institucional que precisam de nova arquitetura. Por onde começar?

Page 390: PDF compilado

Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-5: Heitor DelgadoCorrea - Pag 391

ANEXO I - QUADRO DAS RECEITA DISCRIMINADA DE ROYALTIES 2009

RECEITAS DA COMPENSAÇÃO FINANCEIRA - EXERCÍCIO DE 2009

DESCRIÇÃO

REGISTROS CONTÁBEIS

I - Transferência da União 356.137.068,22

Compensação Financeira de Recursos Hídricos 85.343,16

Compensação Financeira de Recursos Minerais 162.711,87

Compensação Financeira pela Exploração do Petróleo, Xisto e Gás Natural

355.889.013,19

Royalties pela Produção (até 5% da produção) 294.900.819,57

Royalties pelo Excedente da Produção -

Participação Especial 60.988.193,62

Fundo Especial do Petróleo -

II - Transferência do Estado 11.369.671,90

III – Outras Compensações Financeiras -

IV - Aplicações Financeiras 611.442,93

V – Total das Receitas (I + II + III + IV) 368.118.183,05

(Fonte: Anexo 10 da Lei nº 4.320/64 Consolidado – fls. 1199/1204)

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 392

DARCY RIBEIRO, UNIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO: APONTAMENTOS A

PARTIR DO CASO DO PETRÓLEO NA UENF

Adelia Miglievich 1

Valter de Sales 2

Apresentação

Até a segunda metade da década de 1980, a região norte-fluminense

compreendia 14 (quatorze) municípios, pertencentes às microrregiões de

Campos dos Goytacazes, Itaperuna e Miracema. A partir de 1987, o processo

conhecido como descentralização administrativa, no período da

redemocratização brasileira, ratificado na Constituição de 1988 que define

que o “município reger-se-á por Lei Orgânica própria, ditada pela Câmara

Municipal, que a promulgará” (artigo n. 29 da Constituição Federal), reforça-

se a autonomia financeira dos municípios, provocando subdivisões de

municípios mais antigos cujo número então ampliado faz surgir as

mesorregiões Norte Fluminense e Noroeste Fluminense (Cruz, 2004)

Do ponto de vista histórico, o recente advento dos royalties devido à

extração do petróleo na Bacia de Campos reacende antigas e fomenta novas

disputas territoriais, políticas e sociais nos espaços intra-regionais do norte do

Estado do Rio de Janeiro. Campos dos Goytacazes, de seu pólo regional

tradicional, vê nascer um novo pólo regional, situado em Macaé, município do

complexo petrolífero fluminense onde se concentra grande parte das

atividades de logística destinadas às operações da Bacia de Campos (IBID.,

p.92),

Este artigo propõe situar o pensamento de Darcy Ribeiro e o projeto da

Universidade Estadual do Norte Fluminense numa região que, sobretudo, a

partir da descoberta de petróleo na Bacia de Campos, ganha uma notoriedade

antes inexistente. Também, quer-se apontar para as tensões em torno do tipo

de intervenção modernizante que a universidade pode operar num dado

contexto. Interessa-nos, examinar êxito da interação com a cadeia produtiva

1 Dra. em Sociologia – UFRJ. Professora do Dept. de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFES. Bolsista Sênior “Cátedras IPEA/CAPES para o Desenvolvimento – Darcy Ribeiro”. 2 Mestre em Políticas Sociais – UENF. Professor do campus Campos-Centro do IFF.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 393

do petróleo mas, a partir daí, apontar para os desafios que ainda lhe faltam

assumir no Estado do Rio de Janeiro.

1) O pensamento de Darcy Ribeiro e a UENF

Darcy Ribeiro (1922-1987) inaugura com “O processo civilizatório”, em

1968, a série de 6 (seis) livros chamados "Estudos de Antropologia da

Civilização" que culmina com a publicação, em 1985, de “O povo brasileiro”.

Darcy Ribeiro apresentava em seu estudo o que veio a chamar de antropologia

dialética. Alimentando-se da antropologia americana de Gordon Childe, Julien

Steward e, mais especificamente, do evolucionismo de Leslie White, devorou

ainda antropofagicamente Marx & Engels para tratar da realidade íbero-latina

e explicar o surgimento de um povo tornado ele mesmo proletariado externo,

provedor colonial de bens para o mercado mundial. (RIBEIRO, 1975).

A idéia de evolução multilinear trazida de Julien Steward possibilitou-

lhe a percepção de que as formações sócio-culturais concretas têm caráter

temporal e sincrônico. Daí sua proposição de aceleração evolutiva em

contraposição à modernização reflexa ou atualização histórica. Enquanto os

últimos se expressam na modernização conservadora e dependente, o

primeiro conceito liga-se à autonomia científico-tecnológica e à soberania

nacional.

Darcy Ribeiro atentava assim para o alheamento histórico do segmento

empresarial brasileiro em face do investimento em C&T. Ainda que, a partir

dos anos 1960, o Brasil tenha iniciado a criação de um sistema de ciência e

tecnologia que é hoje o maior e melhor da América Latina, tal sistema

desenvolveu-se sem a necessária interação com o sistema produtivo nacional.

Como se refere Vermulm, com as exceções da EMBRAER e da PETROBRAS

propriamente dita, vislumbrava-se ainda algo como a ausência de uma

"cultura da pesquisa de da inovação no sistema produtivo brasileiro" (2002, p.

199).

As convicções de Darcy Ribeiro acerca da universidade faziam parte,

portanto, de um arcabouço teórico que visava à superação do atraso (nacional

ou regional) pela conquista da autonomia nos domínios da ciência e da

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 394

tecnologia avançada. Na modernização reflexa, o atraso não seria superado

jamais. Artificialmente, parcelas (minoritárias) de brasileiros poderiam

experimentar os bens da modernidade, mas o país mantinha sua inserção

subordinada de povo atrasado inscrito em formações socioculturais

estruturadas a partir de sistemas tecnologicamente alienígenas e superiores.

Apenas pela aceleração evolutiva, mediante a mobilização de fatores

endógenos à própria sociedade poderia se almejar o desenvolvimento

autônomo, com base em sua criatividade para a adoção completa e

autárquica das inovações tecnológicas alcançadas por outras sociedades. A

universidade é um dos protagonistas deste processo.

É nesse quadro que nasce a UENF, para fazer-se herdeira das tradições regionais do saber popular e erudito, mas comprometida a conquistar o que lá precisa florescer para que toda a região se integre na Civilização Emergente, fundada na ciência e na técnica. Sua missão é adornar-se, cultivar e ensinar a ciência e as tecnologias de ponta, que constituem o patrimônio cultural da humanidade, para colocá-las a serviço da modernização e do progresso econômico e social da região e do Brasil. (RIBEIRO, 1993, p. 16)

A Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), instituída nos

termos do artigo 49 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, e implantada

através do Decreto n. 17206, de 23 de dezembro de 1991, pela Secretaria

Extraordinária de Programas Especiais (SEEPE) do Governo Brizola, no

município de Campos dos Goytacazes sob o signo da Universidade do Terceiro

Milênio não traduziria, por certo, com perfeição a teoria que a inspirou. Mas

nascia imbuída da missão histórica de “atualizar o Brasil quanto aos principais

campos do saber” mediante seus “laboratórios e centros de pesquisa, nos

quais as tecnologias mais avançadas possam ser praticadas, ensinadas e

criadas” (RIBEIRO, 1992, p. 27). Propunha-se constituir como universidade de

pesquisa voltada para a aceleração das potencialidades econômicas do norte

do Estado do Rio de Janeiro, entendida, portanto, por seu mentor intelectual,

como porta-voz da civilização emergente e alavanca para o desenvolvimento

regional e nacional, nos termos de Darcy Ribeiro (RIBEIRO, 1992, p. 9).

Ao anunciar, em seu plano orientador, uma “ruptura com o passado”, a

universidade era projetada como se pudesse desconsiderar seu contexto, que

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 395

não era apenas formado pela visão otimista de Darcy Ribeiro acerca do

progresso vindouro. Não ingenuamente, o que nos permite interpretar como

uma dose de pretensão, Darcy Ribeiro não disfarçava seu descaso às possíveis

forças políticas antagônicas, quer no plano local quer global.

Localmente, para onde se desloca nosso olhar nesta retrospecção, a

UENF queria se espelhar nalgumas universidades mais reconhecidas no Brasil e

no exterior, de um lado, a UNICAMP, de outro, a Johns Hopkins University e a

Rockefeller University. Parecia haver nisto um consenso com a comunidade

campista, na maneira como Darcy Ribeiro estipulava as tarefas da nova

universidade em sua distinção à manutenção das tradicionais fundações

privadas de ensino superior em Campos dos Goytacazes. Mas, no lugar do

consenso, a UENF nascia a partir de celeumas entre grupos locais e o Governo

do Estado do Rio de Janeiro.

A UENF trazia uma história que foi drasticamente interrompida diante

do Plano Orientador de Darcy Ribeiro. Sem pretender aqui julgar se a UENF de

Darcy Ribeiro era superior à ambição dos campistas em torno da agregação

das fundações privadas de ensino e manutenção dos cursos e do corpo docente

naquelas carreiras tidas como convencionais, fato é que foram os professores,

funcionários e alunos de tais fundações que se lançaram em campanha pela

criação de uma universidade pública em Campos de modo que se empenharam

para lograr a emenda popular que asseguraria na Constituição Estadual o

artigo a impor a data-limite em que esta universidade seria implantada na

cidade. Vitoriosos na Constituição Estadual 3, os grupos campistas, entretanto,

foram surpreendidos quando se viram excluídos da UENF projetada por Darcy

Ribeiro que a pensava como o maior centro de pesquisas avançadas em C&T já

visto no Estado cujos recursos humanos seriam buscados dentre os líderes de

pesquisa de renome nacional e internacional, impondo-se o doutorado como

qualificação mínima. Erguia-se, assim, uma “muralha” entre os campistas

3 Tratou-se de uma tarefa hercúlea cumprida pelos campistas. A emenda popular exigia a reunião de pelo menos três mil assinaturas mas os organizadores conseguiram 4.431, sem contar milhares de outras não qualificadas. Deste modo, o Executivo Estadual estava obrigado a criar a UENF até 1990. Caso isto não se desse, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), na capital, cuidaria de instituir um campus avançado na região. Disponível em http://uenf.br/Eventos/economiasolidaria/apresentacao/historia-da-uenf/, acessão em 11/01/2011.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 396

(que não eram, à época, doutores) e o contingente de pesquisadores recém-

chegados na UENF, dentre os quais, tornaram-se notícia os russos advindos das

universidades da ex-União Soviética.

O passar dos anos tornaria as relações na comunidade acadêmica entre

docentes e demais funcionários ainda mais complexa, aumentando as tensões.

A UENF durante seus primeiros anos sofreu a hostilidade da cidade. O Governo

Marcelo Alencar, consecutivo a Leonel Brizola, fechou a torneira da qual

bebia a UENF. Foi quando a universidade sofreu o primeiro grande baque e

boa parte de seu recente corpo docente retirou-se da instituição, incluindo os

estrangeiros.

Aqueles que ficaram, contudo, construíam tijolo a tijolo a nova

universidade. Enfim, os pós-graduandos, vários nascidos na própria região,

alçaram à condição de doutores. Paulatinamente, o corpo docente foi

podendo ser renovado e a população campista começou a identificar no que

lhes parecia, nos primeiros anos de 1990, apenas um corpo estranho, os filhos

da terra. Não se pretende dizer com isso que a UENF se tornava local mas, é

fato, iniciava-se o longo percurso pelo qual ela deixava de ser estrangeira aos

olhos daqueles que eram os nativos na região.

Ainda assim, estranhamentos ocorriam e, também, entre o setor

produtivo e a universidade, quando a meta da interação entre ambos era uma

das nodais de seu Plano Orientador. A tensão subjacente ligava-se ao

propósito mesmo do desenvolvimento com base em tecnologias inovadoras

quando os setores produtivos no norte e do noroeste fluminenses não eram

idênticos ao paulista e muito menos às realidades que as universidades

estrangeiras encontraram quando de sua implementação nos respectivos

países.

A exemplo, o redirecionamento da modernização técnico-produtiva do

setor sucroalcooleiro não fora capaz, segundo Cruz, de oferecer mudanças

tangíveis nos “nós górdios” do padrão de desenvolvimento brasileiro, logo,

também local.

O caso do Norte Fluminense permite relativizar e complexificar os nexos entre crescimento, desenvolvimento, trabalho, emprego e renda. Ele é representativo dos espaços do território nacional, herdeiros de práticas produtivas e políticas tradicionais, sob domínio de oligarquias rurais,

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quase sempre representantes de uma economia monocultora, com estruturas de poder e de relações sociais preservadas pela modernização conservadora realizada pelo país. Tais arranjos e dinâmica permitem que um processo de crescimento profundo e contundente, acompanhado de modernização tecnológica, signifique reprodução e aprofundamento do subdesenvolvimento, da estagnação, da pobreza e do desemprego”. (Cruz, 2004, p. 88)

Os grupos de pesquisa em biotecnologia da cana de açúcar na UENF não

ultrapassavam o patamar conhecido como clássico, que não prevê, num prazo

discernível, a transgenia, ou seja, os investimentos que propõem alterações

de material genético, como nos produtos mais comercializados hoje no

mundo. Mesmo com a alta capacidade de seus cientistas e laboratórios, o

desenvolvimento agroindustrial do norte-fluminense persiste distanciado dos

avanços da engenharia genética. Simplesmente, ainda um arcaico parque

sucro-alcooleiro local não requeria tecnologia de ponta para manter sua

margem de lucro – advinda, sobretudo, da precarização do trabalho humano –

e não interagia com a universidade, em que pesem os esforços de gestores

públicos e de pesquisadores comprometidos com a inovação tecnológica no

setor. Esforços em se reverter tal quadro existem (MIGLIEVICH RIBEIRO &

NEVES, 2005, p. 181).

Também, o empenho dos engenheiros do Laboratório de Materiais

Avançados (LAMAV / CCT) da UENF para prover meios que qualificassem

tecnologicamente o pólo cerâmico em Campos dos Goytacazes de modo a

interromper o ciclo da informalidade e precarização das relações de trabalho

é obstaculizado pela rígida divisão do trabalho no mercado estadual da

cerâmica para o qual a inovação tecnológica no arranjo produtivo do distrito

de São Sebastião e de Tapera torna aqueles produtores indesejáveis

concorrentes. O “Projeto Revitalização” da UENF 4 que, em curto prazo,

4 O projeto “Revitalização da Indústria Cerâmica do Norte Fluminense”, iniciado em outubro de 2003 sob a coordenação do Professor Sergio Neves Monteiro, Doutor em Ciência dos Materiais e Engenharia pela Universidade da Flórida nos Estados Unidos, desenvolvido no Laboratório de Materiais Avançados (LAMAV/CCT/UENF) expressa o que aqui chamamos de uma experiência de “intervenção modernizante” direcionada ao pólo cerâmico do município, sem, contudo, as redes políticas que se fariam necessárias para que os efeitos da modernização fossem auto-sustentáveis a médio e longo prazo, a saber, mediante o ingresso

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bastaria para alçá-los num novo patamar de produtividade, atuando sobre a

débil infra-estrutura do setor, não é suficiente para intervir na lógica do

mercado que lhes reserva o nicho do comércio de tijolos para a auto-

construção local que perderiam, por sinal, com a “intervenção

modernizante”. Os trabalhadores sabem disso e a rejeitam.

Não há dúvidas de que o setor do petróleo foi aquele mais receptivo à

presença da UENF na região e ao empenho de seus cientistas em fazer

convergir os interesses de desenvolvimento de C&T àqueles de sua cadeia

produtiva. Pudemos dizer neste artigo que a economia do petróleo já se

destacava no Brasil pelos elevados padrões requeridos nas operações offshore

demandando esforços permanentes de capacitação e desenvolvimento, o que

reforçou as interações entre as universidades, as escolas técnicas e os centros

de pesquisa.

2) Petróleo e Desenvolvimento Regional

O caso específico de sucesso do segmento da produção de petróleo no

Brasil e da Petróleo Brasileiro S/A (PETROBRAS) tem sua gênese a década de

1950, momento político impar, de efervescente nacionalismo, marcado pelo

bandeira do “petróleo é nosso”. Tempo marcado por polarizações e

radicalismos. De convicção alastrada de que não seríamos eternos reféns do

subdesenvolvimento. O mundo vivia uma nova era das revoluções. O campo

socialista se consolidava, o colonialismo era desmantelado, a América Latina

sonhava em uníssono e a revolução cubana configurava-se como seu símbolo.

Neste clima, em 1953, nascia a PETROBRAS que alimentava a esperança

de descobrir petróleo no território nacional e um dia alcançar a auto-

suficiência na sua produção. Era a criação da mais importante e bem

sucedida empresa brasileira voltada para as atividades petrolíferas configura-

se em oposição a um “[...] capitalismo de padrão de intervenção estatal

frágil, na orientação do “interesse geral” do capitalismo nacional”

(CONTRERAS, 1994, p. 217). Mas, observa a autora, suas qualidades de

da comunidade no mercado produtor do Estado. MIGLIEVICH RIBEIRO & SILVA JR, “Modernização, Ciência e Tecnologia na "Universidade do Terceiro Milênio", 2006.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 399

integração vertical, conglomerada e internacionalizada, seu elevado potencial

de acumulação ao promover uma dinâmica microeconômica típica de grande

firma chamaria atenção também do animus privado, schumpeteriano e

internacionalizante das elites, que saberiam transformar o grupo estatal numa

organização aliada aos interesses do capital privado nacional.

A persistência da PETROBRAS nas ações exploratórias culminou com a

descoberta de hidrocarbonetos em alto-mar, na costa do Norte Fluminense.

Esse feito se deu no ano de 1974, no Campo de Garoupa; entretanto, por

questões técnicas, a produção iniciou-se somente em 1977, com a entrada em

operação do Campo de Enchova.

Conforme Sales (2009), A produção de petróleo na Bacia de Campos

intensificou-se com a instalação da PETROBRAS em Macaé, juntamente com

seus fornecedores e outras empresas ligadas à exploração de petróleo na

região. A dinamização da economia local, decorrente da instalação na cidade

do parque de infra-estrutura produtiva, proporcionou benefícios aos mais

diversos setores. Segundo os dados do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA), citados por Cruz (2005), o Produto Interno Bruto (PIB)

municipal cresceu 239% entre 1975 e 1985. Conforme o mesmo órgão, o

indicador relativo ao índice de aferição do estoque de capital humano no

município elevou-se em 225% entre 1980 e 2000. O nível de renda per capita,

por sua vez, elevou-se em 33% entre 1991 e 2000. Para o entendimento de

como e por que este dinamismo, torna-se mister a compreensão da

necessidade de constante evolução tecnológica pertinente à exploração de

petróleo em águas cada vez mais profundas na referida bacia.

O desenvolvimento das atividades de exploração proporcionou a

evolução da produção de petróleo e gás e o aumento dos investimentos na

região. O arranjo deste pólo produtor de petróleo e gás do país nos dias atuais

conta com cerca de 100 mil quilômetros quadrados que se estendem do

Espírito Santo (próximo a Vitória) até Cabo Frio, no litoral norte do Estado do

Rio de Janeiro (Figura 01).

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Mapa 01: Localização dos campos em produção e novas descobertas na Bacia de Campos Fonte: TN Petróleo – Guia do Estudante, p. 32. Disponível em: http://www.tnpetroleo.com.br/uploads/guia_estudante/05_Guia_do_Estudante_Petroleo.pdf. Acesso em: 11 mar. 2003. A descoberta, na Bacia de Campos, na década de 1980, de campos

gigantescos em águas profundas (com sistemas de exploração em águas de

lâmina d'água entre 400 e 1.000 metros) e ultraprofundas (com sistemas de

exploração em águas de lâmina d'água entre 1.000 e 2.000 metros)

determinou a realização de investimentos que viabilizassem este novo

horizonte de exploração.

Os dados fornecidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e

Biocombustíveis (ANP) evidenciam que a Bacia de Campos é hoje responsável

por aproximadamente 82,3% da produção nacional de petróleo e gás 5. Sua

produção em janeiro/2009 foi de 1.640,7 Mbpd de óleo e gás natural

liquefeito. Estas atividades geram aproximadamente 52 mil empregos diretos

5 Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2008. Disponível em: http://www.anp.gov.br/conheca/anuario_2008/T2.12.xls. Acesso em: 10 mar. 2009.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 401

nas empresas atuantes na região (Gráfico 01), sendo aproximadamente 1/3

de empregados da PETROBRAS; e o volume de recursos injetados na economia

da região oriundos de compensações e tributos foi da ordem de 13,7 bilhões

em 2006 (CARDOSO; LESSA, 2007, p. 28).

Gráfico 01

Força de trabalho da Bacia de Campos

Fonte: CARDOSO, Beatriz; LESSA, Daniela. Bacia de Campos: 30 anos de reinado. Revista Tn Petróleo, Rio de Janeiro, número 54, p. 20, maio/junho 2007.

Uma mudança radical na região ao norte do Estado do Rio de Janeiro,

marcada por profundas desigualdades econômicas e sociais decorrentes de

inúmeros fatores que têm marcado a sua história ao longo dos séculos. Por

estes anos, a PETROBRAS passou ainda por profundas mudanças

organizacionais. A quebra do monopólio estatal no ano de 1997 e a busca pela

competitividade levaram a empresa a intensificar a subcontratação de

produtos e serviços de terceiros. Ainda hoje, a dinâmica da mesoregião Norte

Fluminense com foco nos municípios produtores de petróleo (São Francisco do

Itabapoana, São João da Barra, Campos dos Goytacazes, Quissamã,

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 3-6: Adelia Miglievich e Valter de Sales - Pag 402

Carapebus, Macaé, Rio das Ostras, Casimiro de Abreu e Arraial do Cabo)

concentra o maior volume de recursos destinados aos investimentos na

expansão da indústria petrolífera nacional e a consequente arrecadação pelos

municípios produtores de impostos, royalties e participações especiais.

A grande notícia na área de petróleo no Brasil, após o alcance da auto-

suficiência em 2006, foi a descoberta pela PETROBRAS de um megacampo de

petróleo na Bacia de Santos, a quase 300 quilômetros do litoral do Rio de

Janeiro e a mais de 6000 metros de profundidade: o chamado pré-sal 6. Tudo

leva a crer que existam campos no mar em uma área de até 800 quilômetros

de extensão por 200 quilômetros de largura. As estimativas oscilam entre 30 e

50 bilhões de barris no pré-sal. Segundo a reportagem do FOLHA ONLINE 7.–

“não é um delírio nacional, esta é a avaliação do Credit Suisse (banco de

investimentos). Hoje temos 14 bilhões de barris provados. Com Tupi, Carioca,

Júpiter e áreas próximas, chegaríamos às reservas atuais da Rússia e da

Venezuela”.

Tais cifras bilionárias têm o negativo poder de minorar ainda mais a

consciência da inesgotabilidade do recurso, o que é perigoso em termos

ambientais dentro de um modelo de desenvolvimento altamente predatório.

Os movimentos ambientalistas há décadas apontam para os efeitos da

concentração do dióxido de carbono na atmosfera, triplicados desde 1950.

Somam-se a isso as denúncias dos derrames de cargueiros de petróleo e dos

incêndios de poços no mar que acabam com a flora e a fauna marinas 8.

Há que se considerar também os entraves tecnológicos e humanos que

a exploração das reservas do pré-sal irão demandar. A economia do petróleo

que já tem requerido elevados padrões nas operações offshore visto que

6 A camada pré-sal é uma faixa que se estende ao longo de 800 quilômetros entre os Estados do Espírito Santo e Santa Catarina, abaixo do leito do mar, e engloba pelo menos três bacias sedimentares: Espírito Santo, Campos e Santos (Figura 02). O petróleo encontrado nesta área está a profundidades que superam os 7 mil metros, abaixo de uma extensa camada de sal que, segundo geólogos, conservam a qualidade do petróleo. 7 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u440468.shtml. Acesso em: 12 mar. 2009. 8 Márcia Mérida Aguiar, em dissertação de mestrado defendida no PGPS/UENF “Ciência como política. Um estudo dos híbridos da modernidade na Universidade do Terceiro Milênio” (2005), traz o debate presente na obra do francês Bruno Latour a lhe permitir enxergar no petróleo um híbrido de alto poder de proliferação na modernidade constituída na medida em que o petróleo aparece como solução para a economia mundial, ao mesmo tempo em que multiplica outras questões sem solução.

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atualmente os fornecedores assumem diversas responsabilidades na realização

de testes, na aplicação de equipamentos e no controle do desempenho de

bens e materiais críticos, cria novas expectativas em face dos centros de

pesquisa e de formação profissional.

Neste quesito, cabe destacar a presença do Laboratório de Engenharia

e Exploração de Petróleo (LENEP) em Macaé, pertencente ao Centro de

Ciência e Tecnologia da UENF 9, ambicioso programa de formação de recursos

humanos e desenvolvimento de pesquisa científica e tecnológica na área de

exploração e produção de petróleo.

O LENEP é uma instituição que atua em dois importantes segmentos da industria do petróleo, Exploração e a Produção (E&P), em parceria e cooperação com o setor produtivo, as agências do governo e outras instituições de ensino superior. Até uma década atrás, esses segmentos eram tratados de forma separada, e os motivos que levaram à criação de um instituto de ensino/pesquisa híbrido (E + P) como o LENEP, derivam do pensamento de que a indústria do petróleo no Brasil e no mundo, dada a sua alta especialização, nunca dispôs de um profissional de nível superior apto a desenvolver de imediato suas atribuições específicas, precisando de treinamento custoso e demorado ao ingressar na empresa (www.lenep.uenf.br, acesso em 10/03/2008)

3. UENF, Ciência e Petróleo: uma experiência exitosa

Darcy Ribeiro fora visionário ao enxergar o potencial do petróleo na

região norte-fluminense e a urgência dos investimentos de C&T, muito antes

da descoberta do pré-sal. Professor Carlos Alberto Dias, indicado

nominalmente por Darcy Ribeiro para criar o LENEP/UENF, dedicado, desde

1968, às pesquisas acerca do petróleo 10, vinha com a clara visão da parceria

com a PETROBRAS. Suas estratégias incluíram a criação dos cursos de

graduação e de pós-graduação com ênfase na exploração de petróleo. Criava, 9 Ao lado das Unidades, em Campos dos Goytacazes, Cabo Frio e Macaé, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF). 10 Primeiramente, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), atuou na geofísica. A seguir, em 1972, criou o Instituto de Geociência da Universidade Federal do Pará (UFPA), transferindo-se em 1986 se transferiu para o norte do país. Em 1991, recebeu o convite de Darcy Ribeiro para compor a comissão de criação da UENF. Ao longo do ano de 1992, passou a estar mensalmente no Rio de Janeiro participando das reuniões sobre a criação da universidade. Em julho de 1993, aposentado na UFPA, mudou-se definitivamente para o Estado do Rio de Janeiro, integrando a Secretaria de Extraordinária de Assuntos Especiais do Estado, junto a Darcy Ribeiro.

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em nível superior, um inédito perfil de engenheiro na América Latina –

engenheiro do petróleo - que, saído do Laboratório, poderia ser diretamente

aproveitado pelas empresas, com formação do início até o fim da cadeia de

exploração e produção do petróleo (E&P) 11.

Em artigo anterior, intitulado “A Universidade Pública e o Setor

Produtivo: o caso PETROBRAS na Universidade Estadual do Norte Fluminense

Darcy Ribeiro (UENF)” (2010), Machado e Miglievich Ribeiro dedicaram-se a

sistematizar os dados acerca do investimento da Petrobras na UENF. A

começar pela construção do prédio do LENEP garantida pela PETROBRAS,

firmava-se o primeiro enlace entre a universidade e o setor produtivo.

Investiu ainda o correspondente a 37,80% do valor do convênio, ou seja, R$

3.100.000,00 (três milhões e cem mil reais) no montante total de R$

8.200.000,00 (oito milhões e duzentos mil reais). Também a Prefeitura de

Macaé entrou no convênio com R$ 1,6 milhões, o Governo do Estado do Rio de

Janeiro com R$ 2,5 milhões e a família Brennand 12 com R$ 1 milhão, valor

correspondente ao terreno doado com 100.000 m². Este prédio do LENEP

possui 4.255 m² de área construída

Machado e Miglievich Ribeiro (2010) explicam que da criação da UENF

até hoje, podemos falar em 3 (três) fases vividas pelo LENEP em sua

consolidação e expansão, na correlação com o tipo e o volume dos

investimentos: 1ª – Captação de recursos para a construção do LENEP com

base no voluntarismo de seus professores sob a liderança do professor Carlos

Alberto Dias; 2ª – Captação de recursos para os projetos de P&D, já com o

LENEP criado; e por fim, a 3ª – Recursos advindos dos Convênios do “Núcleo de

Competência e das Redes Temáticas”.

A participação da PETROBRAS nas instituições de ensino e pesquisa no

Brasil intensificou-se com o passar dos anos. Por força da legislação que

obriga o uso de parte do lucro da empresa em pesquisa e desenvolvimento

(P&D), destinado ao fundo setorial do Ministério da Ciência e Tecnologia,

11 Os dados acerca do investimento da Petrobras na UENF foram alvo de artigo anterior. Cf. Tonny Machado e Adelia Miglievich Ribeiro, “A Universidade Pública e o Setor Produtivo: o caso Petrobras na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)”, 2010. 12 Brennand, rica família norte-fluminense, detentora de grandes propriedades agropecuárias, que sensibilizada pela iminente saída do LENEP instalado na UNED-Macaé (CEFET CAMPOS) para Campos, resolveu doar uma área de terra, onde hoje funciona o campus avançado da UENF em Macaé.

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conforme resolução de ANP de n° 33 de 24/11/05, a PETROBRAS tem renúncia

fiscal para apoio a projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), que contam

com 0,5% do faturamento bruto da empresa (MACHADO & MIGLIEVICH RIBEIRO,

2010, p.46)

A partir de 2006, os investimentos da Petrobrás em P&D começaram a

ser distribuídos diretamente pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e

Biocombustíveis (ANP), para a contratação de serviços em empresas e

instituições, na formação das redes temáticas e dos núcleos de competência.

As primeiras têm como objetivo principal desenvolver inovações tecnológicas

de interesse estratégico para o setor de petróleo, gás e energia, enquanto os

Núcleos Regionais de Competência visam a executar atividades voltadas para

a criação e reforma de infra-estrutura, formação e capacitação de recursos

humanos, desenvolvimento de projetos de Pesquisa & Desenvolvimento e

prestação de serviços tecnológicos de interesse da Petrobras, em especial de

seu Centro de Pesquisas e das Unidades de Negócios da região, voltadas para

resolver os gargalos encontrados pela empresa na exploração e produção do

petróleo no local onde a empresa atua.

A Petrobrás em conjunto com a ANP criou 7 (sete) “núcleos de

competências”, nas principais instituições de ensino do Brasil. A excelência da

UENF na área de reservatórios e de exploração de petróleo e gás natural fez

com que a universidade fosse uma das beneficiadas com recursos dessas redes

e do núcleo então formado. A contar do ano de 2006, a Universidade passou

também a receber os recursos vindos das redes temáticas e do Núcleo

Regional de Competência, um montante de precisos R$ 13.369.593,46 (treze

milhões, trezentos e sessenta e nove mil, quinhentos e noventa e três reais e

quarenta e três centavos). (MACHADO & MIGLIEVICH RIBEIRO, 2010, p.46)

Machado (2010) concluíra em seu levantamento de dados que foram,

em convênios em geral, R$38.414.249,87 aplicados na UENF. O volume de

dinheiro aportado no “Núcleo Regional de Competência” da UENF, resultante

da atual política da ANP de se exigir da Petrobras somas aplicadas em C,T&I,

equivale a R$ 13.369.593,46, ainda a 1% da receita bruta da produção de num

determinado campo, sendo que 50% desses recursos hão de ser aplicados na

contratação de projetos/programas em universidades e institutos de pesquisa

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e desenvolvimento previamente credenciados pela ANP para este fim.

(RESOLUÇÃO ANP Nº 33, DE 24.11.2005 - DOU 25.11.2005).

Ao todo, entre os anos de 1999 e 2008, a Petrobras destinou a UENF

cerca de R$ 51,8 milhões. As cifras, porém, investidas pela Petrobras e pela

ANP na UENF - e nas outras universidades do país - ainda não atingiram a

metade do percentual previsto na legislação para aplicação em C&T, bastando

que haja projetos que justifiquem o destino da dotação para seus centros de

pesquisa.

No caso UENF, dos cinqüenta e um milhões e oitocentos mil reais

aportados até fins de 2009, aproximadamente 90% serviram à montagem de

infra-estrutura e à aquisição de equipamentos e software. Os 10% restantes

destinaram-se ao pagamento por prestação de serviços e à concessão de

bolsas para a formação de pessoal qualificado.

4. A missão da UENF e as contradições do desenvolvimento regional

Se o desenvolvimento da Região Norte Fluminense foi profundamente

modificado pela nova economia nascida na década de setenta, é relevante

constatar que o crescimento econômico do norte-fluminense não se

correlaciona ao esperado desenvolvimento social na região. A economia que

gera renda, ainda não foi capaz de gerar o desenvolvimento pleno. Algo ainda

mais explícito quando se tem em vista a indefinição no uso dos royalties do

petróleo. Sem amparo legal para efetivamente virem a servir como

indenizações e compensações diante do adesnamento populacional nas regiões

petrolíferas; menos ainda sem o consenso jurídico de que se tratariam de

instrumentos que hoje garantiriam o que se pode chamar de justiça

intergeracional uma vez que falamos de um recurso não renovável cuja

exploração não beneficiará aqueles que ainda virão. Para minimizar as

condições desiguais, exigir-se-ia hoje a criação de novas estratégias de

incentivo pró-diversificação produtiva (LEAL & SERRA; SERRA & PATRÃO,

2003).

Os números apresentados por pesquisadores são inegáveis, a cadeia

produtiva do petróleo e gás, sobretudo com os royalties e a participação

especial, beneficiaram de sobre maneira a região Norte Fluminense, grande

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parte dos municípios da região tiveram suas contas orçamentárias equilibradas

após o recebimento destes recursos, o que contrasta com a maioria dos

municípios brasileiros, conforme afirma Pacheco, em um paper apresentado

no 3° Congresso Brasileiro de P&D em Petróleo e Gás, em 2005:

O equilíbrio orçamentário dos municípios do Norte Fluminense foi favorável para a maioria nos anos de 2001 e 2002, especialmente para Macaé e Campos dos Goytacazes (revertendo a situação deficitária de 1997/1998), com exceção de São Fidélis e São João da Barra (TCE-RJ, 2003). Dos nove municípios, quatro possuíam, em 2002, mais de metade da sua receita composta pelos repasses dos royalties. Dentre estes, ressalta-se Campos dos Goytacazes com 58,45% e Macaé, com 53,71% de sua receita comprometida com os recursos petrolíferos. Já os demais municípios do Norte Fluminense, apresentam uma baixa dependência, com média de 13,74%, de comprometimento das receitas totais, para o ano em questão.( PACHECO, 2005, p. 4)

Essa dependência citada por Pacheco (2005) é visível e também pode

ser verificada no mesmo trabalho quando o pesquisador analisa o IDH-M dos

municípios e não observa uma melhora neste índice, indicando que os recursos

não estariam sendo aplicados no desenvolvimento homogêneo desses

municípios.

A primeira hipótese que poderia ser levantada é a de que o crescimento dos recursos provenientes de royalties não estaria influenciando expressivamente na melhoria das condições de vida dos municípios beneficiados, uma vez que o principal favorecido, Campos dos Goytacazes, apresentou um baixo desempenho em 2000 (54ª posição) e Macaé, apesar de ser o município do Norte Fluminense com a melhor colocação em 2000 (17ª posição) caiu sete posições desde a avaliação de 1991. É necessário lembrar que o crescimento das atividades econômicas não se traduz necessariamente em desenvolvimento econômico e social. Outra questão fundamental é a de que os recursos originários das indenizações do petróleo são relativamente recentes. Conseqüentemente, não houve tempo suficiente para que tal incremento nas receitas pudesse se converter em sensíveis melhorias, já que as demandas sociais são elevadas.(PACHECO, 2005, p. 3)

Outro trabalho apresentado por Cruz (2005) corrobora os números

apresentados e expressa as discrepâncias da região, da década de 1970 até

2002, em que é citada a influência dos royalties na elevação da renda per

capita e os baixos índices de desenvolvimento humano (IDH). O autor destaca

que em termos gerais a renda per capita dos municípios da região Norte

Fluminense, com população entre 100.000 e 150.000 habitantes, a média é de

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três a oito vezes superiores, a média nacional e nos municípios com população

entre 100.000 e 150.000 habitantes a média é de quatro e duas vezes superior

a média nacional (Macaé e Cabo Frio), em Campos dos Goytacazes, cidade

com população de 406.989 habitantes (IBGE/Sidra/2000) a renda per capita é

duas vezes o valor da renda de outros municípios da mesma faixa

populacional.

O estudo revela ainda, que em Campos dos Goytacazes, a evolução das

receitas de royalties e participações especiais saiu do patamar de 2,5 milhões

em 1995 para 483 milhões em 2003, sendo que até 2005, este número quase

que triplicou. Outra revelação importante faz-se em torno orçamento

campista, no período de 1994 a 2004, o mesmo estudo revela, que este saltou

de 37,2 milhões para 600 milhões.

Os números apontam o crescimento econômico da cidade de Campos de

Goytacazes e da Região Norte Fluminense, em função da imensa riqueza

gerada pela cadeia do “Petróleo e Gás Natural”, mas o crescimento gerado

pelas riquezas econômicas de uma região não se materializa em benefícios

para toda a população.

Podemos nos perguntar se a UENF diretamente vinculada ao arranjo

produtivo do petróleo e do gás - como desenhou seu idealizador, na

formulação do Plano Orientador, antes mesmo da sua instituição oficial, em

1993 - atenta para tal gravidade ou isenta a si própria de um papel

prospectivo que assim se assemelharia mais ao projeto inicial, a saber,

alcançar o desenvolvimento econômico indissociado do social.

A fartura do petróleo levou incontestavelmente ao êxito do LENEP mas

a Universidade “não é só petróleo”, ainda que seus cientistas entusiasmem-se

com as mais recentes descobertas e pareçam esquecer o caráter não-

renovável e, sobretudo, predatório desta fonte energética. Ainda, não cabe

subestimar a autonomia universitária, vinculando a pesquisa nela desenvolvida

de forma reflexa aos picos econômicos e aos ritmos empresariais.

Numa universidade altamente marcada pela sua territorialidade,

pensada como parceira de uma das mais lucrativas cadeias produtivas hoje,

há uma tendência para que os rumos do ensino e da pesquisa passem a ser

determinados exclusivamente pelos interesses deste arranjo produtivo. Não é

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surpreendente que para os cientistas do petróleo haja muito a ser feito no

setor especificamente e, dada fartura de financiamentos à pesquisa, poucos

ou nenhum deles se pensem inaugurando, após uma carreira dedicada a esta

fonte energética, outras trilhas ou abrindo mão da formação de futuros

cientistas do petróleo.

Novas fontes energéticas podem ser alvo de investimento na UENF,

tornando-a também nas inéditas searas referência em P&D no Estado do Rio

de Janeiro e fora dele por outros cientistas. Em entrevista concedida a Tonny

Machado 13, diz o então Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio

de Janeiro, Professor Wanderley de Souza que havia sido o primeiro reitor da

UENF, tendo participado, nos seus inícios da formação do Centro de

Biociências e Biotecnologia (CBB):

Olha se ela (UENF) estiver na linha de frente da investigação científica, ela vai ter sempre como aplicar esse investimentos, nas mais diferentes áreas, quer dizer, você ter ai um potencial ai, nas áreas agrícolas, sempre a questão alimentar, esse é o produto que vai ter 100%, por tanto saber trabalhar a terra vai ter sempre o seu lugar, portanto toda a questão de teoria do sol, toda questão de irrigação, toda questão de culturas, desenvolver a cultura de maior produção, de maior qualidade, acho que esse o caminho, tem outro caminho da agroindústria em cima da indústria do papel que aquela região em vai um determinado momento vai crescer está área,já se houve falar em iniciativas etc. e tal. Você vai ali para o Espírito Santo, aquilo ali é uma potência. (Os parênteses são nossos).

Segundo tal perspectiva, o futuro da UENF em seu impacto no

desenvolvimento regional passa pela Biotecnologia e pelas tecnologias ligadas

ao meio ambiente. Os problemas ambientais são cada vez mais evidentes e

ocupam hoje a vanguarda no debate sobre o desenvolvimento. Haverá de se

sobressair a universidade que apostar numa solução combinada entre tantos

desafios que incluem os ganhos e também a gestão dos efeitos perversos das

inovações tecnológicas, e for capaz de se desembaraçar de uma aposta única

no petróleo como energia produtiva:

13 Por ocasião da elaboração de sua dissertação de mestrado intitulada “A universidade pública e o setor produtivo: o caso PETROBRAS na Universidade Estadual Do Norte Fluminense - Darcy Ribeiro (UENF)", defendida em 2010, sob a orientação de Dra. Adelia Maria Miglievich Ribeiro, no PGPS/UENF.

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(...) tem muita gente que cria restrições à indústria do papel pela questão do eucalipto, a indústria do papel então é um indústria poluidora, mas certamente a biotecnologia tem muito a ajudar neste processo, com métodos de produzir de energia a partir de resíduos vegetais. O bagaço da cana, o mundo inteiro tem trabalhado nisso, quer dizer, produzir não apenas a fase liquida, mas fazer a partir da celulose que sobra. Isso é a área da produção de fármacos, têm produtos biotecnológicos, não é só o petróleo não. O petróleo e finito embora a cada ano se encontrem novas reservas que vão empurrando isso para 20, 30 anos, as pessoas já falam 60, 70 anos, e vem outras descobertas, vem outras coisas, mas de qualquer maneira não se pode pensar só em petróleo, quer dizer, a universidade tem que movimentar neste sentido, abrir cursos novos pensando nestas áreas novas.

A atual discrepância de investimentos na UENF dado que nem é

pretensão do Estado competir, com seus cofres públicos, com o fomento

advindo do setor produtivo, ainda mais, quando se fala do “ouro negro”, faz

com que uma de sua áreas de pesquisa se torne a mais atrativa sobretudo

para jovens discentes. Nada há de irrazoável nisto em tempos de

reestruturação dos postos de trabalho e de insegurança em geral do formando

quanto à sua própria empregabilidade. Mas, pode-se aqui ponderar sobre o

dano para uma sociedade que se dedica exclusivamente a instruir

especializados precoces para o mercado.

Noutros termos, a missão universitária era maior. Darcy Ribeiro tentou

se precaver do bacharelismo, identificado por ele como um mal na

constituição de nossas elites universitárias. Reivindicou da filosofia

pragmatista norte-americana a interface entre conhecimento e aplicação,

mas o intelectual público Darcy Ribeiro que compusera a geração das

“reformas de base” no Brasil, interrompida com o Golpe de 1964, jamais

dispensou da missão universitária a formação de cidadãos brasileiros críticos e

engajados. A universidade tem, assim, a função de formar quadros

intelectuais para atuar em prol do desenvolvimento autônomo do país. Esta

formação distancia-se do tecnicismo, quer, sim, aliar dimensões do

conhecimento que incluem desde as operações filosóficas ao domínio de

técnicas específicas. As ciência sociais têm indiscutível importância num

modelo de universidade cujo objetivo central é:

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[...] formar pessoas capacitadas para a reconstrução da realidade social brasileira. Objetivo que só pode ser alcançado pelo cultivo das ciências e das técnicas no mais alto padrão, pela prática experimental e pela ação social participatória. (RIBEIRO. 1993, p.31)

Na interação com o entorno, caberia, pois, a UENF o diálogo crítico

com os demais protagonistas, governo, empresas, organismos da sociedade

civil, população usuária para se discernir os rumos do desenvolvimento, os

desdobramentos deste, aqueles que se pode evitar ou mesmo remodelar.

Nada mais diferente do que a passiva submissão ao mercado que, numa troca

de posições, passa a mandar abrir ou fechar cursos. Há um equívoco quando

se subestima que no Plano Orientador de Darcy Ribeiro, em consonância com

sua tese acerca da substituição da “modernização reflexa” pela “aceleração

evolutiva”, se pense que esta última possa se dar sem a presença firme do

Poder Público, numa sociedade democrática.

Sabemos que a universidade ao se vincular ao setor produtivo pode

diversificar e intensificar sua área de atuação. Também, pode agir como

dinamizadora das economias locais e regionais onde estão instaladas, através

da geração de emprego e renda. Por sua vez, o setor produtivo demanda

recursos humanos preparados e tecnologia avançada. Assim, para Darcy

Ribeiro, “só uma universidade dará o suporte necessário ao crescimento

industrial agropecuário, petrolífero e de gás à cidade de Campos e

adjacências.” (RIBEIRO, 1993, p. 31). Declarava-se, assim, o sentido da ação

modernizadora, sem deixar de ser crítica, da Universidade Pública em sua

interação com os setores produtivos e com a população a ser beneficiada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na promoção do desenvolvimento regional, Darcy Ribeiro projetou a

conexão entre a UENF e as empresas na região. Este foi, por excelência, o

caso da exploração petrolífera e da indústria do petróleo e do gás na Bacia de

Campos.

Fartos recursos da Petrobras bem como os núcleos de competência

expressam a inserção do capital produtivo na universidade, porém,

demonstram, simultaneamente, o quão localizado e diretivo é seu

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investimento numa universidade. Beneficiam-se do montante aplicado pela

indústria do petróleo na UENF os laboratórios e cursos que atuam diretamente

naquele setor. As próprias a ANP e PETROBRAS exigem de seus investimentos

na UENF o exato aprimoramento na tecnologia e nos quadros profissionais que

lhe servem e saberão cobrar por isto nas prestações públicas. UM setor

produtivo quer da Universidade o investimento em C&T que a este interessa, o

que não é nenhuma surpresa. A Universidade, porém, há de enxergar além.

A UENF há de promover outros programas de pesquisa e

desenvolvimento bem como sedimentar novos cursos que, não

necessariamente, se ligam ao setor que gera hoje o capital. Talvez, a mesma

universidade que reúne cérebros para maximizar a produção petrolífera do

planeta deva fazer igual esforço no sentido de minimizar os riscos reais desta

mesma exploração. Nas contradições do desenvolvimento – uma vez que se

recusa a possibilidade de se fazer como que o petróleo não exista – cabe, nas

parcerias com o Poder Público e agências não governamentais, os melhores

investimentos em torno da proteção dos riscos criados pelo desenvolvimento

mesmo; ao mesmo tempo em que se espera lutar para que as fontes

energéticas predatórias sejam mundialmente substituídas por aquelas menos

poluentes e autodestruidoras. Para tal, pode-se pensar que as universidades

de pesquisa no Brasil devam estar atentas às tecnologias que põem em curso

tipos e ritmos do desenvolvimento menos contrários à vida.

Para Darcy Ribeiro, o diferencial da UENF está no domínio por seu

corpo científico da “linguagem da nova civilização é a da ciência e suas

aplicações tecnológicas” (1992, p. 13). Dominar significa não se submeter a

esta linguagem mas poder manuseá-la no real benefício de seus agentes. A

“revolução educacional” pretendida por Darcy Ribeiro ainda está por ser

feita. O encontro exitoso da C&T com o “ouro negro” há de ser seguido por

outros encontros que, enfim, permita se falar em “nova civilização”, numa

crítica à modernidade constituída.

Este é o principal desafio colocado para as universidades brasileiras. Notoriamente, a maior parte delas mal pode cumprir o papel das antigas universidades produtoras de profissionais. Poucas têm institutos trabalhando na fronteira do saber, com a

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mente posta na cultura científica da futura civilização. (RIBEIRO, 1992, p.14)

Hoje, apresenta-se como inegável desafio a uma universidade que se

intitula como a Universidade do 3º. Milênio promover o desenvolvimento de

fontes de energia alternativas e, neste, cabe aos coletivos que, segundo

Latour, propõe a superação da cisão entre natureza e cultura de modo que

deste participam humanos e não-humanos uma vez que ambos apenas existem

na interação e esta promove as melhores convivências ou as maiores

tragédias, a deliberação sobre de qual desenvolvimento falamos? Para quê?

Para quem?

Referências Bibliográficas

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 415

CARMÓPOLIS, IMPACTOS DA INDÚSTRIA EXTRATIVO-MINERAL

Prof. Dra. Vera Lúcia Alves França

NPGEO/UFS

INTRODUÇÃO

Sergipe é uma província mineral importante com destaque para a presença de

depósitos de sais e evaporitos (salgema, potássio, petróleo, gás natural,

calcário e outros).

Na década de 1950 intensificaram-se as pesquisas que culminam, na década

seguinte com o início da exploração de petróleo, seguindo-se a outros

minerais a exemplo do calcário e, posteriormente, do potássio e do salgema.

Até então, o Estado tinha uma economia tradicional centrada nas atividades

agrícolas, com uma pecuária forte e dispersa por quase todo o território, a

cana-de-açúcar, concentrada na Zona do Vale do Cotinguiba, além de outros

cultivos como o coco-da-baía, o fumo, o algodão e cultivos alimentícios

(mandioca, milho e feijão).

Em 1963, teve início a exploração do petróleo numa área dos terrenos da

Bacia Sedimentar Sergipe/Alagoas, situada num raio de distância de Aracaju

cerca de 50 km.

Carmópolis foi o município onde primeiro jorrou petróleo em Sergipe e se

constitui no centro de área de exploração de petróleo de campo continental

formado pelos municípios de Japaratuba, Divina Pastora, General Maynard,

Maruim, Riachuelo,Rosário do Catete, Pirambu e Pacatuba (Figura 1).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 416

Figura 2 Imagem da área de produção de petróleo com destaque para Carmópolis Fonte: PMC: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, 2007

O município tem uma área de 46 km2, o que corresponde a 0,21% do território

estadual e está situado no Leste Sergipano, fazendo parte da microrregião do

Baixo Cotinguiba (IBGE). Limita-se ao norte com o município de Japaratuba,

ao sul com General Maynard e Santo Amaro das Brotas, ao oeste com Rosário

do Catete e, ao leste, com Santo Amaro das Brotas e Pirambu (Figura2).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 417

SERGIPE

LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CARMÓPOLIS2007

N

S

W E

Fonte:IBGE, 2007.

CARMÓPOLIS

BAIXO COTINGUIBA

Figura 2 – Sergipe Localização do Município de Carmópolis

Com uma área de 46 km2, Carmópolis ocupa 021% do território estadual e está

assentado nos terrenos da Bacia Sedimentar de Sergipe o que o torna

depositário do maior campo continental de petróleo do Brasil. Por se

constituir num município pequeno e pela forte concentração da terra,

mantém na zona rural apenas um povoado: Aguada, situado nas proximidades

das margens do rio Japaratuba.

As relações do município com os demais se efetuam através da rodovia BR-101

e da ferrovia que faz apenas o transporte de cargas. Com o povoado de

Aguada a comunicação é feita através de estrada pavimentada, assim como

com os municípios vizinhos de General Maynard e Japaratuba. Para Aracaju, a

distância é de 47quilometros através das rodovias BR-101 e BR-235 e mais

recentemente, através das rodovias SE-226 e SE-100 Norte.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 418

1. CARMÓPOLIS E O PETRÓLEO

O município de Carmópolis está inserido na Zona canavieira sergipana e, até a

década de 1960, tinha como atividade principal a cana-de-açúcar,

apresentando, portanto, concentração da terra, monocultura e pobreza.

O início da exploração foi problemático pela ausência de infra-estrutura,

pelas difíceis condições de acessibilidade e ainda pelos problemas com os

senhores de terra que dificultavam o acesso (D&M Photodesign, 2009). A

cidade era muito pequena com uma estrutura frágil que foi pressionada com a

chegada de um grande número de técnicos e operários gerando demanda

sobre casas, gêneros alimentícios, encarecendo a vida para os moradores

locais.

Com a implantação da indústria extrativa mineral ocorreram mudanças

sensíveis no uso da terra, reduzindo as atividades agrícolas, com reflexos

sobre a ocupação da mão-de-obra local e a criação de novos postos de

trabalho que exigiam maior qualificação, ficando a população local alijada

dessas atividades. Entretanto, a concentração da terra permanece.

A pavimentação da rodovia BR-101 garantiu as condições de acessibilidade e a

falta de estrutura da cidade trouxe a população de trabalhadores para residir

em Aracaju, cristalizando uma migração pendular que se acentua dia a dia.

A exploração do petróleo incide sobre toda a área municipal, inclusive sobre a

cidade, onde pode se constatar um grande número de poços (Figura 3).

Portanto “a cidade, assim como o município, se constitui em territórios do

petróleo sendo que o ouro negro é um signo para a população que vive o seu

cotidiano com as marcas de indústria extrativo-mineral (SILVA, 2005)”.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 419

Figura 3 - Vista aérea da cidade de Carmópolis

Fonte: Prefeitura de Carmópolis

Nos últimos 46 anos, Carmópolis, passa de município agrícola-canavieiro a um

rico município petroleiro que convive com as contradições de

riqueza/pobreza, de exploração/ degradação ainda tão presentes no dia a dia

de sua população.

Atualmente, a vida do município gira em torno da indústria extrativo-mineral,

com a presença marcante da Petrobras e de várias empresas instaladas para

atender suas necessidades voltadas para a exploração da maior bacia

continental brasileira de exploração de petróleo e gás natural que abrange os

municípios de Japaratuba, Rosário do Catete, Riachuelo, Divina Pastora,

General Maynard, Pirambu e Maruim. Entretanto, esta atividade se baseia em

determinações exógenas, com relações verticais e com população alijada dos

postos de trabalho, em decorrência dos baixos níveis de qualificação. A maior

parte dos técnicos e dos trabalhadores reside em Aracaju, contribuindo para a

drenagem de renda para a capital.

Situado na parte leste do município, nas proximidades das margens do Rio

Japaratuba está o povoado Aguada. Esta localização ocorreu em decorrência

da formação de um quilombo, surgindo a partir da aglomeração de pessoas

fugidas da escravidão dos engenhos. Além disso, passou a ser ponto de parada

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 420

de tropas de burro, em decorrência da presença de água de boa qualidade.

Aguada apresenta uma ocupação concentrada e conta com energia elétrica,

rede de abastecimento de água, calçamento das vias e pavimentação

asfáltica, escola, creche, mercado, clube social, estabelecimentos comerciais

e pequenos serviços e concentra uma população de aproximadamente duas

mil e quinhentas pessoas (Figura 4).

Figura 4 - Povoado Aguada - Praça Ireno José da Silva

Fonte: Ambientec

Por se constituir numa comunidade quilombola e se localizar nas proximidades

do Rio Japaratuba, tradicionalmente, a população guarda relação mais

próxima com outros municípios que margeiam o rio, estabelecendo relações

menos intensas com a sede do município.

A população do povoado mantém expressões culturais importantes,

existentes desde o século XIX, como o grupo folclórico Bacamarteiros (1879),

conhecido nacionalmente e o Samba de Aboio (1888), em louvor a Santa

Bárbara por parte de remanescentes de quilombolas da família de Tamashalim

Ecuobanker, originária de Angola que chegou para ser escrava no engenho São

João, em Japaratuba (PMC, 2007).

Em 2007, foi implantado no povoado um Conjunto habitacional, com 60

unidades, fruto de política pública municipal, nas proximidades do povoado, o

que se constitui num incremento para a população rural. (Figura 5).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 421

Figura 5 - Conjunto Habitacional Ranulfo dos Santos Melo, no povoado

Aguada

Fonte: Ambientec , 2007

2. CARMOPÓLIS: POPULAÇÃO E ECONOMIA

Em 1950, Carmópolis contava com uma população de 3.085 habitantes, sendo

que 1.612 viviam na zona rural e o restante (1.473 pessoas) na zona urbana,

situação característica de um município com economia centrada nas

atividades primárias e acompanhando o que acontecia na maioria dos

municípios brasileiros.

Como na maior parte dos municípios sergipanos, Carmópolis, nos últimos anos,

passa a ter predomínio de população urbana, tendo em vista que as atividades

agrícolas foram reduzidas. Além disso, as condições de acessibilidade

facilitaram a residência na zona urbana e o município segue a tendência

nacional de urbanização. Assim, em 1970, a população alcançava 4.037

habitantes com predomínio da população urbana que correspondia a 59 % do

total.

O período de maior crescimento da população ocorreu entre 1980 e 1991,

quando passou de 4.460 para 6.782 registrando-se uma variação de 52,06%.

Neste mesmo período constata-se que a população urbana apresentou

crescimento superior, com 75%, isto é, passou de 3.065 habitantes, em 1980,

para 5.361, em 1991 (Tabela1).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 422

Tabela 1 –

Carmópolis

Evolução da População

1950-2010

VARIAÇÃO VARIAÇÃO VARIAÇÃO ANOS TOTAL

Abs. Relat. URBANA

Abs. Relat. RURAL

Abs. Relat.

1950 3.085 - - 1.473 - - 1.612 - -

1970 4.037 952 30,85% 2.388 - - 1.649 - -

1980 4.460 423 10,47% 3.065 677 28,35% 1.395 -254 -15%

1991 6.782 2.322 52,06% 5.361 2.295 75,00% 1.421 26 2%

2000 9.352 2.570 37,89% 7.606 2.245 41,87% 1.746 325 23%

2010 13.500 4.148 44,14% 10.701 3.095 40,69 2.799 1.053 60,30%

-

Fonte: IBGE, Censo Demográfico

A população rural apresentou situação diferente, sendo que no período entre

1970 e 1980 reduziu 254 habitantes, isto é, diminuição de 15,00%, porém, nas

outras décadas volta a apresentar saldo positivo, com destaque para o período

entre 2000 e 2010 com crescimento de 60,3%. A melhoria das condições de

infra-estrutura do povoado e a construção de um conjunto habitacional com

60 unidades, certamente, contribuíram para esse incremento.

O último censo demográfico, realizado em 2010, registrou a presença de

13.550 habitantes, o que correspondeu a uma variação de 44,13% com relação

ao ano 2000, se constituindo na maior variação do Estado, superior aquela

apresentada pelos municípios da área metropolitana. As políticas

compensatórias e assistencialistas têm contribuído para atrair população para

o município. Atualmente, 79% da população vivem na cidade e apenas 21% na

zona rural, seguindo a tendência nacional e estadual. A economia municipal

está centrada na industrial extrativo mineral, sendo o setor secundário

responsável por 78% do Produto Interno Bruto, enquanto o setor terciário

corresponde a 17% e a setor primário apenas 1% (Figura 6).

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 423

Figura 06CARMOPOLIS

PRODUTO INTERNO BRUTO 2007

primário

impostos

terciário

secundário

Fonte: IBGE, Contas Nacionais, 2008

As funções presentes no comércio são aquelas destinadas a uma população de

baixa renda e os serviços também. Entretanto, nesses últimos existe a

presença de empresas prestadoras de serviços à Petrobras que não mantém

relação com a comunidade, mas fortalecem as finanças municipais com o

recolhimento do Imposto sobre Serviços. No domingo, dia da feira, a cidade

apresenta maior movimentação com fluxos de pessoas procedentes de

povoados dos municípios vizinhos, como Japaratuba, General Maynard,

Rosário do Catete e de Pirambu. De fato, é o circuito inferior da economia

que caracteriza a centralidade do lugar (DINIZ, 1987).

A primazia de Aracaju incide por todo o Estado de Sergipe e em Carmópolis é

comum que a população de renda mais elevada se abasteça na capital tanto

de bens como de serviços, contribuindo ainda mais para intensificar a

drenagem de renda que é tão alta, uma vez que a maioria dos trabalhadores

reside em Aracaju.

Em 2007, o PIB totalizou R$ 308.684.000,00 (trezentos e oito milhões,

seiscentos e oitenta e quatro mil reais). Entretanto, estes recursos gerados no

município não são distribuídos entre a população local, tendo em vista que a

maioria das pessoas que trabalham na indústria não reside no município. O

baixo nível de escolaridade e de qualificação distancia a população local dos

postos de trabalho existentes.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 424

3. CARMÓPOLIS: IMPACTOS DA ATIVIDADE PETROLÍFERA

No município de Carmópolis estão distribuídos centenas de poços produtores

de petróleo, resultando em impactos ambientais significativos. Segundo o

Diagnóstico do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, “o primeiro impacto

da exploração do petróleo ocorre quando do estudo sísmico. Esse estudo

permite a identificação de estruturas do subsolo, e seu princípio tem como

base a velocidade de propagação do som e suas reflexões nas diversas

camadas do subsolo” (PMC/AMBIENTEC, 2007, p. 42). O aqui descrito tem

como fonte este documento recente.

Então, “em todas as fases, a exploração de petróleo deve ser acompanhada

por ações de prevenção a acidentes ambientais, já que o derramamento do

petróleo pode ocasionar diversos impactos ao meio ambiente, entre eles:

• Nas plantas, o petróleo veda os estômatos, impedindo as

trocas gasosas e com isto a respiração e a fotossíntese.

• Nos peixes e crustáceos, recobre o animal, dificultando os

processos respiratórios.

• Nas aves aquáticas é rapidamente absorvido pela

plumagem reduzindo suas flotabilidades e impedindo vôos.

• No solo, dificulta a absorção de nutrientes pelas raízes”

(op.cit. p.42).

• A salmoura e a substancia H2S provocam corrosão nos

tubos que conduzem óleo até as unidades de separação

existentes nas estações, podendo ocorrer vazamentos que

são agravados pela alta pressão envolvida nas tubulações.

Outros derramamentos acidentais podem ocorrer em função decorrência de

falhas operacionais, como por exemplo, o blow out de poços produtores,

devido ao excesso de pressão (op.cit p.43).

Os vazamentos acidentais ainda podem provocar:

• agressão ao solo e em conseqüência, à fauna e à flora;

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 425

• contaminação do lençol freático devido à migração do óleo através do

meio poroso, podendo ocasionar prejuízos para a agricultura,

piscicultura, entre outros (op.cit p. 43).

Associada à produção de petróleo, ocorre uma produção de água, a depender

das características dos mecanismos naturais ou artificiais de produção e da

composição das rochas reservatórios.

A salmoura é normalmente considerada como uma efluente da produção e

deve ser descartada, podendo causar problemas ao meio ambiente, em

decorrência dos níveis de salinidade, sobretudo aos organismos aquáticos que

tendem a perder sua capacidade de regulação, ocorrendo assim, uma perda

de água em função da diferença de potencial hídrico das soluções externas e

internas do organismo. Nos vegetais e animais o dano fisiológico é grave,

podendo causar a desidratação e até a morte.

Outro problema resultante do descarte da salmoura é o lançamento no corpo

hídrico numa temperatura de mais elevada do que a temperatura do mesmo.

O choque térmico pode causar a morte de alguns organismos que não

suportam grandes oscilações de temperatura Ocorrendo eventuais vazamentos

nas tubulações que transportam água salgada, podem ocorrer impactos:

• ao lençol freático em eventuais vazamentos nas tubulações

subterrâneas;

• ao ser lançada nos corpos d'água aumenta a salinidade, o que implica

em prejuízos à fauna e flora.

As emissões atmosféricas também se constituem em impactos que ocorrem

nas áreas de exploração de petróleo e também estão presentes em

Carmópolis. O H2S pode provocar fadiga olfativa, enquanto a emissão do SOX,

pode eventualmente, em certas condições climáticas dar origem a chuva

ácida, cujas conseqüências danosas ao solo, fauna e flora são conhecidas

((op.cit.p.44).

A unidade de dessulfurização do gás natural no campo produtor de Carmópolis

recebe o gás, contendo H2S, que é separado do processo através do sulfinol

usando-se uma torre de absorção. O gás limpo é transferido por gasoduto até

a UPGN em Aracaju.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 426

O SOX provoca efeitos danosos sobre as plantas de várias formas à depender

da concentração e da duração da exposição. Os danos agudos são resultados

de exposições em curto prazo, com elevadas concentrações de SO2.

Com relação à cobertura vegetal, as áreas atingidas por concentrações

elevadas, usualmente adquirem um tom esbranquiçado. A exposição à

concentrações menores durante períodos prolongados ocasiona lesões crônicas

caracterizadas por um amarelo gradual das folhas, causadas por dificuldade

no mecanismo sintetizador de clorofila. Nas encostas do Monte Carmelo, que

se situa na direção preferencial dos ventos, em determinadas épocas do ano,

observa-se claramente este fenômeno (op.cit. p. 45).

Outros impactos também podem ser verificados como o crescimento da

cidade, a aumento do volume de arrecadação dos impostos sobre serviços, o

recebimento de royalties, a melhoria da infra-estrutura–urbana, com a

presença de equipamentos públicos e uma rede de educação bem equipada.

O município dispõe de um sistema autônomo de abastecimento de água

(SAAE), entretanto, chama atenção a construção de uma rede coletora de

esgotamento sanitário sem tratamento, o que tem contribuído para a poluição

dos corpos hídricos. Por se situar num vale, ainda ocorrem inundações nos

períodos de concentração de chuvas, em decorrência de deficiências no

sistema de drenagem. A população do povoado Aguada não paga pelo

abastecimento de água, entretanto o tratamento da água é feito de forma

precária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há mais de quatro décadas, Carmópolis tem a sua economia atrelada a

indústria extrativo mineral, entretanto, o rico município vive a contradição de

ainda ter uma população pobre e alijada das atividades ali desenvolvidas. Ao

longo desses anos as ações do poder público e da comunidade no sentido de

reverter essa situação foram tênues e descontínuas. Recentemente, o governo

do Estado vem incentivando o Curso Pré-vestibular e, este ano, 14 alunos

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 427

foram aprovados no vestibular da UFS, o que foi considerado uma conquista

para os professores da rede estadual e se constitui num prenúncio de

mudanças, se houver continuidade do programa.

Além disso, falta planejamento para o uso dos recursos provenientes dos

royalties com investimentos que garantam uma infra-estrutura, capaz de

respaldar atividades paralelas ou futuras que contribuam para a diversificação

da economia municipal.

Os níveis de desemprego são elevados em decorrência dos baixos níveis de

escolaridade e de qualificação da mão-de-obra, havendo intensa pressão

sobre o poder público municipal. As empresas que chegam ao município não

aceitam a interferência da Prefeitura, mas, algumas articulações poderiam

ser efetivadas no sentido do aproveitamento da mão-de-obra local, como

acontece em outros municípios. Para tal, seria necessário que houvesse

programas de qualificação de mão-de-obra com cadastramento do pessoal a

fim de atender a demanda, com pessoas qualificadas e não somente por

pedido da Prefeitura. Ao empresário interessa uma mão de obra capaz de

atender as necessidades empresariais e não apenas o local de nascimento ou

de residência do trabalhador.

De fato, o que se constata é um forte assistencialismo que minimiza os níveis

de exclusão social e de baixa renda, o que tem incentivado a migração a fim

de usufruir dos benefícios concedidos pela prefeitura, fato que pode ser

observado no crescimento da população no último decênio.

A exemplo do que vem ocorrendo em outros municípios, o volume de recursos

disponíveis tem atraído grupos políticos externos, que lutam para obter o

controle político do lugar, situação facilitada pela presença de migrantes

desenraizados e descomprometidos com os problemas locais. Ainda há tempo

para que haja uma mudança no posicionamento de condução dos problemas

municipais com a adoção de políticas voltadas para o desenvolvimento

municipal, baseadas na inclusão social e na construção da cidadania.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-1: Vera França - Pag 428

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 429

ROYALTIES DO PETRÓLEO E POBREZA EM SERGIPE: DESAFIOS E INCERTEZAS NA ABUNDÂNCIA

Gicélia Mendes da Silva1

A indústria do petróleo apresenta especificidades em relação a outros

tipos de empreendimentos em função da localização que não pode ser

determinada por outros fatores senão a existência do mineral no subsolo.

Estas e outras peculiaridades da indústria do petróleo são destacadas por

Piquet (2007). Para a autora, o fato de as corporações que operam no setor

atuarem de modo globalizado e organizarem o espaço de maneira “seletiva e

extrovertida”, não caracteriza preocupação com o local onde a extração do

minério é realizada. Desta maneira,

as áreas produtoras funcionam como campos de fluxos, onde se articulam sofisticadas redes de unidades industriais, portos, dutos, aeroportos, bens, homens e informações. Não são, portanto, empreendimentos voltados a promover o desenvolvimento regional. (PIQUET, 2007, p. 23)

Contudo, mesmo não havendo o comprometimento direto da indústria

petrolífera com o desenvolvimento regional, os efeitos de encadeamento

podem trazer benefícios ao local. É possível que um processo de

industrialização seja desencadeado a partir das possibilidades criadas pelo

setor. Além disso, outras atividades de apoio à atividade surgem em torno do

empreendimento e, de certa maneira, contribuem para a dinamização

econômica da área. Estas atividades de apoio às atividades de exploração, em

certa medida, podem contribuir para o desenvolvimento econômico. Como

bem destaca Piquet (2007), a indústria do petróleo pode funcionar como um

enclave às regiões onde se localize ou oferecer benefícios, a depender do

desenvolvimento do país e da região e o comprometimento político nacional e

internacional no trato com criação de estratégias de desenvolvimento.

                                                           1 Professora Adjunto do Departamento de Geografia e do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Universidade Federal de Sergipe; Pesquisadora do GEOPLAN/UFS e do LACTA/UFF.

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No caso da indústria do petróleo, pela característica de exploração de

recursos finitos, são pagos aos entes federados nos quais estão instalados os

aparatos necessários à atividade, compensações financeiras, os chamados

royalties, que têm contribuído para o aumento significativo das receitas

municipais.

No Brasil, a primeira legislação do petróleo data de 1953 e a mais

recente é de 1997 que trouxe mudanças significativas ao processo de

distribuição das participações governamentais do petróleo e do gás natural,

especialmente da produção offshore.

Durante alguns anos tramitaram no Congresso Nacional projetos de Lei

que visavam o beneficiamento de Estados e Municípios por meio do

recebimento de royalties provindos da produção offshore. A busca pela

aprovação dos projetos de Lei respaldava-se nos esforços empreendidos pelos

senadores e deputados federais que usavam de argumentos os mais variados

para justificar as suas solicitações. O fato é que após a vigência da Lei

9478/97, Lei do Petróleo (LP), Estados e municípios brasileiros confrontantes

com campos de petróleo passaram a ter direito a receber royalties da

produção offshore, eventos que representaram um marco diferencial nos

orçamentos estaduais e municipais, a partir daquela data.

Em Sergipe, a distribuição dos royalties e participações especiais do

petróleo, a partir da LP, trouxe alterações significativas nos orçamentos dos

municípios produtores de petróleo, em especial aos municípios litorâneos.

Contudo, o montante que tais municípios recebem em royalties, comparados

ano a ano com alguns indicadores sociais, deixa clara a questão de que o

crescimento econômico não elimina, por exemplo, a pobreza. Em alguns casos

tem havido exatamente o contrário. A despeito dos valores monetários que

circulam nos cofres públicos dos municípios petrolíferos de Sergipe, as

condições sociais apresentadas pela maior parte deles levantam indagações a

respeito da aplicabilidade dos recursos. Os números não falam por si só, mas

contribuem para que a partir da junção de outros fatores, elaboremos um

arcabouço investigativo e propositivo a respeito das compensações financeiras

do petróleo e seus efeitos sociais e, mais especificamente, da pobreza.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 431

Se considerarmos as condições de vida nos municípios produtores de

petróleo em Sergipe constataremos o antagonismo entre as riquezas que

adentram os cofres públicos de boa parte dos municípios e as condições de

vida da população. Após mais quarenta anos de exploração, encontra-se sobre

o subsolo rico uma população empobrecida e com poucas possibilidades de

usufruir dos benefícios que os recursos provindos da exploração das jazidas

poderiam oferecer se a gestão dos recursos fosse adequada. Esta situação

reforça a necessidade de que os municípios invistam em diversificação

produtiva para que as comunidades tenham oportunidades de empregos que

alavanquem a economia dos municípios.

De que pobreza estamos falando?

Entendemos que a discussão em torno do tema pobreza é bastante

complexa. Os autores que discutem o tema têm apresentado critérios por

vezes duvidosos do que venha a ser pobreza. Há muitos que associam pobreza

à incapacidade de adquirir alimento como se o pobre usasse todo dinheiro que

ganha na compra de alimentos.

Santos (2000) apresenta três definições para a pobreza nos países

subdesenvolvidos: a pobreza incluída, a pobreza marginalizada e a pobreza

estrutural global. Estas formas de pobreza são apresentadas como resultado

de processos de transformação social e econômica dos países e representam

momentos históricos específicos. A primeira delas, a pobreza incluída,

característica de um momento onde o consumo ainda não estava difundido e o

dinheiro não assumia papel social de destaque, diz respeito àquela que

acontece sazonalmente por consequência de acidentes naturais ou sociais.

“Era uma pobreza que se produzia num lugar e não se comunicava a outro

lugar”. (SANTOS, 2000, p.70). As soluções para o problema eram de origem

provada, assistencialista e local. No segundo caso, a marginalidade, já

caracteriza a pobreza de um momento onde o processo de comunicação já se

encontrava em estágio mais avançado assim como o consumo. Por meio da

ampliação da circulação e da comunicação as inovações passam a constituir

um “dado revolucionário nas relações sociais”. (SANTOS, 2000, p. 71). Com a

divulgação do êxito do bem-estar social nos países europeus, muitos países

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 432

pobres, inclusive o Brasil, sentiram-se na obrigação de buscarem solução para

a pobreza, como confirma Santos pois, “ mesmo em países como o nosso, o

poder público é forçado a encontrar fórmulas, saídas e arremedos de solução.

Havia uma certa vergonha de não enfrentar a questão”. (SANTOS, 2000, p. 71)

O último período descrito por Santos refere-se ao que vivemos

atualmente. O período no qual está presente a pobreza estrutural globalizada.

A pobreza atual resulta da convergência de causas que se dão em diversos níveis, existindo como vasos comunicantes e como algo racional, num resultado necessário do presente processo, um fenômeno inevitável, considerado até mesmo um fato natural. (SANTOS, 2000, p. 72)

Por conseguinte, é em função da naturalização da pobreza e mesmo da

fome que sua resolução torna-se mais difícil. Algo dado como natural acaba

por se incorporar aos comportamentos e ações dos indivíduos, principalmente

daqueles que sofrem a ação das desigualdades. Tais dificuldades são ainda

mais evidentes quando as aparentes soluções vêm revestidas de todo um

arcabouço moldado para a permanência das desigualdades e ratificação da

exclusão. A pobreza estrutural globalizada, como a própria definição deixa

transparecer, apresenta ramificações, tentáculos que alcançam a todos

aqueles que os sistemas econômicos e político desejam alcançar para manter

o padrão de equilíbrio necessário à disseminação do poder.

Uma das grandes diferenças do ponto de vista ético é que a pobreza de agora surge, impõe-se e explica-se como algo natural e inevitável. Mas é uma pobreza produzida politicamente pelas empresas e instituições globais. Estas, de um lado, paga, para criar soluções localizadas, parcializadas, segmentadas, como é o caso do Banco Mundial, que, em diferentes partes do mundo, financia programas de atenção aos pobres, querendo passar a impressão de se interessar pelos desvalidos, quando, estruturalmente, é o grande produtor da pobreza. Atacam-se, funcionalmente manifestações de pobreza, enquanto estruturalmente se cria a pobreza ao nível do mundo. E isso se dá com a colaboração passiva ou ativa dos governos nacionais. (SANTOS, 2000, p. 73)

Seguindo essa linha de raciocínio, percebe-se que a pobreza tem se

adaptado às necessidades da política e da economia mundiais e que contam,

em certa medida, com a colaboração dos governos nacionais, seja de forma

ativa ou não.

A pobreza, evidentemente, não pode ser definida de forma única e universal. Contudo, podemos afirmar que se refere a situações de carência em que os indivíduos não conseguem manter um padrão

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mínimo de vida condizente com as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico. (BARROS, et.al., 2000)

A pobreza deve ser analisada considerando não só o nível de renda, mas

também a precariedade de infraestrutura sanitária, pela deficiência calórica,

pela esperança de vida e pelas taxas de analfabetismo. (CASTRO, 1992, p.105)

Chama-nos a atenção quando a análise destes indicadores denuncia a

pobreza em municípios enriquecidos pelas rendas petrolíferas. É sobre esta

realidade que, neste texto, pretendemos discutir.

Royalties e indicadores sociais: onde estão as prioridades?

Analisando-se alguns dos indicadores de desenvolvimento econômico

nos municípios da RPS, percebe-se que entre 1991 e 2000 houve melhoria no

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), principalmente naqueles que

apresentavam índice mais baixo a exemplo de Brejo Grande, Itaporanga

D’Ajuda e Pacatuba. Contudo quando os componentes do IDH são analisados

individualmente percebe-se que o aumento nos índices de educação e

longevidade foram os grandes responsáveis pela melhoria do IDH na maior

parte dos municípios da Região petrolífera Sergipana (RPS)2. O índice de

renda, no entanto, não demonstrou aumento significativo entre os anos 1991

e 2000. Desta forma evidencia-se que o problema maior dos municípios

produtores de petróleo em Sergipe encontra-se, principalmente, na má

distribuição da renda. (Tabela 01)

                                                           2 A região petrolífera sergipana (RPS) é composta pelos municípios sergipanos produtores de petróleo. (SILVA, 2008)

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TABELA 01 : REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (1991-2000)

IDH IDH renda

IDH longevidade

IDH educação Município

1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 Aracaju 0,770 0,794 0,949 0,752 0,635 0,729 0,726 0,901 Areia Branca 0,421 0,644 0,280 0,522 0,610 0,719 0,374 0,691 Barra dos Coqueiros

0,553 0,676 0,441 0,578 0,637 0,631 0,581 0,818

Brejo Grande 0,348 0,550 0,203 0,456 0,477 0,526 0,363 0,667 Capela 0,437 0,615 0,293 0,501 0,579 0,629 0,440 0,716 Carmópolis 0,503 0,676 0,394 0,561 0,575 0,666 0,538 0,800 Divina Pastora 0,431 0,655 0,230 0,508 0,579 0,662 0,485 0,795 General Maynard 0,458 0,671 0,248 0,530 0,616 0,695 0,511 0,789 Itaporanga D'Ajuda

0,352 0,638 0,181 0,515 0,536 0,683 0,340 0,715

Japaratuba 0,437 0,651 0,297 0,537 0,533 0,646 0,480 0,771 Laranjeiras 0,444 0,642 0,272 0,519 0,564 0,628 0,496 0,778 Maruim 0,448 0,662 0,269 0,532 0,560 0,659 0,515 0,794 N. S. do Socorro 0,528 0,696 0,324 0,563 0,666 0,695 0,596 0,831 Pacatuba 0,349 0,584 0,179 0,438 0,522 0,646 0,346 0,667 Pirambu 0,424 0,652 0,259 0,554 0,567 0,646 0,445 0,755 Riachuelo 0,453 0,671 0,277 0,521 0,616 0,695 0,466 0,798 Rosário do Catete 0,471 0,672 0,345 0,559 0,564 0,627 0,503 0,829 Sto Amaro das Brotas

0,439 0,655 0,198 0,521 0,662 0,669 0,457 0,775

São Cristóvão 0,514 0,700 0,347 0,583 0,615 0,695 0,581 0,823 Siriri 0,420 0,645 0,247 0,520 0,579 0,662 0,436 0,754 Fonte: IPEA, 2007

A despeito da forte concentração da renda e da riqueza que há no

histórico brasileiro, é preciso que as realidades sejam demonstradas para as

transformações ocorrerem. A análise das relações entre os royalties per

capita dos municípios petrolíferos de Sergipe e os índices indicativos das

condições sociais da população oferecem subsídios que alertam para que

sejam repensadas as formas atuais de investimentos das rendas petrolíferas.

A correlação dos royalties per capita municipal (RP-M) e o Índice de

Pobreza Humana Municipal (IPH-M) demonstra a inversão de posição entre os

municípios na correlação entre as variáveis analisadas3. Este ruído é percebido

quando os royalties são comparados ao IPH-M. Dos cinco maiores beneficiários

                                                           3 Royalties per capita e IPH-M referentes ao ano 2000.

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dois, Japaratuba e Divina Pastora, apresentam índices de pobreza

significativa, estando entre os dez mais pobres da região. Carmópolis, General

Maynard e Pirambu sofrem inversão negativa, mas estão mais bem

posicionados no ranking da pobreza na RPS. A menor inversão ocorreu no

município de Santo Amaro das Brotas que saiu da décima terceira pra a

décima segunda posição. Nesta comparação também dica clara a inversão em

todos os municípios da RPS. Maiores valores per capita em royalties

correspondem, em linhas gerais, a índices de pobreza elevados. (Figura 01)

Royalties per capita

2000 Municípios da RPS Municípios da RPS IPH-M 2000

245,79 Divina Pastora Aracaju 9,82

217,83 Carmópolis Nossa Senhora do

Socorro 13,01 195,86 Japaratuba São Cristóvão 16,62 108,38 General Maynard Barra dos Coqueiros 18,48 102,13 Pirambu Carmópolis 20,20 93,37 Siriri Rosário do Catete 21,07 79,47 Rosário do Catete Riachuelo 21,91 66,43 Pacatuba Pirambu 24,20 57,77 Barra dos Coqueiros Maruim 24,27 50,21 Riachuelo General Maynard 24,59 49,27 Brejo Grande Laranjeiras 24,64

47,45 Itaporanga D’Ajuda Santo Amaro das

Brotas 25,77

26,79 Santo Amaro das

Brotas

Japaratuba 27,46 22,12 Maruim Divina Pastora 28,15 13,57 Aracaju Siriri 28,88 10,57 Laranjeiras Areia Branca 29,35 4,31 São Cristóvão Itaporanga D'Ajuda 32,05 2,17 Areia Branca Capela 33,02

1,97 Nossa Senhora do

Socorro

Brejo Grande 35,42 1,66 Capela Pacatuba 37,58

Figura 01: REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA- Correlação entre royalties per capita e índice de pobreza humana- 2000 Fonte de dados: ANP, 2007 - Elaboração própria

Os números atestam que a existência de exploração e produção de

petróleo nos municípios da RPS não tem contribuído para a resolução de

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problemas sociais. É preciso que os municípios elaborem suas próprias

políticas sociais de combate a pobreza visando uma maior participação da

população nos lucros do petróleo. As disparidades apresentadas pela

comparação dos royalties per capita e o IPH-M apontam para a urgente

necessidade de políticas sociais eficientes e que possibilitem aos municípios

conterem a pobreza e o baixo nível de desenvolvimento social. Pelo exposto

até aqui é notório que os municípios produtores de petróleo em Sergipe

dispõem de recursos financeiros para a promoção das transformações sociais.

A visualização espacial destas disparidades entre Royalties per capita, e IPH-M

possibilita que sejam identificadas as áreas de maiores contrastes e as que

demandam atenção específica.

Givisiez e Oliveira (2007) elaboraram sugestões de investimentos das

receitas petrolíferas para todos os municípios produtores de petróleo no Brasil

a partir do cruzamento de dados do RP-M e IPH-M. (Quadro 01)

TIPO IPH-M RP-M Sugestão de investimentos das rendas

petrolíferas Alto Muito Alta Alto Alta 1 Alto Média

Investimentos urgentes no desenvolvimento humano

Médio Alto Muito Alta Médio Alto Alta 2 Médio Alto Média

Investimentos no desenvolvimento humano

Médio Baixo Muito Alta Médio Baixo Alta 3 Médio Baixo Média

Investimentos direcionados ao desenvolvimento humano e econômico

Baixo Muito Alta Baixo Alta 4 Baixo Média

Investimentos direcionados ao desenvolvimento econômico

Alto Baixa Médio Alto Baixa Médio Baixo Baixa Baixo Baixa Alto Muito Baixa Médio Alto Muito Baixa Médio Baixo Muito Baixa

5

Baixo Muito Baixa

Renda petrolífera insuficiente para gerar grandes mudanças estruturais

Quadro 01: Combinação de IPH-M e RP-M segundo sugestão de investimentos prioritários para as rendas petrolíferas. Fonte: (GIVISIEZ e OLIVEIRA, 2007, p. 158)

Seguindo a metodologia adotada por Givisiez e Oliveira (2007)

buscamos identificar os municípios petrolíferos que demandam mais atenção

por parte do poder público a fim de que os royalties sejam alocados na

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 437

redução da pobreza. Os municípios foram classificados em categorias,

considerando os royalties per capita comparados ao Índice de Pobreza

Humana. O IPH-M foi escolhido pelos autores por não levar em consideração a

renda das pessoas, oferecendo vantagens na comparação com os royalties per

capita.

Os municípios da RPS estão classificados em cinco categorias de

royalties municipais per capita4. Foram utilizados dados de 2000 para efeitos

comparativos com o IPH-M 2000. Na categoria ‘muito baixa’ estão 15% dos

municípios da RPS; na categoria ‘baixa’ estão 20% dos municípios. Os 65%

restantes integram as categorias ‘média’, ‘alta’ e ‘muito alta’. Os municípios

foram também classificados, a partir do Índice de Pobreza Humana Municipal,

em cinco categorias: baixo, médio baixo, médio alto, alto e muito alto.

(Quadros 02 e 03)

QUADRO 02 : REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA CATEGORIAS DE ROYALTIES MUNICIPAL PER CAPITA (2000)

CATEGORIA MUNICÍPIO

Capela Nossa Senhora do Socorro

Areia Branca Muito Baixa

São Cristóvão Laranjeiras

Aracaju Maruim

Baixa

Santo Amaro das Brotas Itaporanga D’Ajuda

Brejo Grande Riachuelo

Média

Barra dos Coqueiros Pacatuba

Rosário do Catete Alta Siriri

Pirambu General Maynard

Japaratuba Carmópolis

Muito alta

Divina Pastora

                                                           4 No âmbito deste trabalho, os dados foram divididos em categorias a partir da frequência. O quadro foi elaborado a partir da adaptação da metodologia sugerida por Givisiez e Oliveira (2007). Fonte de dados: quadro montado a partir de dados da figura 01

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QUADRO 03

REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA CATEGORIAS DE ÍNDICE DE POBREZA HUMANA MUNICIPAL (2000)

CATEGORIA MUNICÍPIO

Baixo Aracaju Nossa Senhora do Socorro

São Cristóvão Barra dos Coqueiros

Médio Baixo

Carmópolis Rosário do Catete

Riachuelo Pirambu Maruim

General Maynard

Médio Alto

Laranjeiras Santo Amaro das Brotas

Japaratuba Divina Pastora

Siriri Alto

Areia Branca Itaporanga D’Ajuda

Capela Brejo Grande

Muito Alto

Pacatuba Fonte de dados: quadro montado a partir de dados da figura 01. O quadro foi elaborado a partir da adaptação da metodologia sugerida por Givisiez e Oliveira (2007).

Para a formulação dos grupos de municípios para os quais serão

sugeridos direcionamentos dos recursos dos royalties serão utilizados as

classificações dos royalties per capita e IPH-M. O cruzamento das informações

dos RP-M e IPH-M será adotado como parâmetro para a definição de grupos de

municípios para os quais serão sugeridos direcionamentos prioritários dos

recursos dos royalties e também de outras receitas municipais. (GIVISIEZ e

OLIVEIRA, 2007).

A correlação entre as categorias de Royalties per capita e as de Índice

de pobreza humana para os municípios da Região Petrolífera Sergipana

permite juntá-los em quatro das cinco grupos propostos por Givisiez e Oliveira

(2007). O grupo um, onde há necessidade de investimentos urgentes no

desenvolvimento humano; o grupo dois que agrupa os municípios carentes de

investimentos no desenvolvimento humano; o grupo três no qual devem ser

feitos investimentos direcionados ao desenvolvimento humano e econômico e

o grupo cinco formado pelos municípios nos quais as rendas petrolíferas são

insuficientes para promover mudanças estruturais significativas.

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 439

Os autores propõem que os investimentos para os municípios do grupo

um devam ser direcionados à educação, à infraestrutura de serviços urbanos e

a programas de saúde com vista à diminuição da mortalidade infantil. Estão

enquadrados neste grupo Divina Pastora, Japaratuba, Siriri, Pacatuba, Brejo

Grande e Itaporanga D’Ajuda. (Tabela 02)

TABELA 02: REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA MUNICÍPIOS DO GRUPO 1

Investimentos urgentes no desenvolvimento humano

MUNICÍPIO IPH-M RP-M Categoria de RP-

M

Divina Pastora 28,15 245,79 Muito alta

Japaratuba 27,46 195,86 Muito alta

Siriri 28,88 93,37 Alta

Pacatuba 37,58 66,43 Alta

Brejo Grande 35,42 49,27 Média

Itaporanga D’Ajuda 32,05 47,45 Média

Fonte de dados: ROLIM, 2002; ANP, 2007. Fonte metodológica: GIVISIEZ e OLIVEIRA (2007)

No grupo dois estão General Maynard, Pirambu, Rosário do Catete e

Riachuelo. Neste grupo os investimentos devem ser direcionados a programas

de incentivo à geração de renda e no incremento de atividades econômicas.

Considerado que os municípios do grupo têm população e área territoriais

relativamente pequenas, a administração e aplicação dos recursos do petróleo

podem ser direcionadas de modo mais eficiente. (Tabela 03)

TABELA 03 : REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA - MUNICÍPIOS DO GRUPO 2

Investimentos no desenvolvimento humano

MUNICÍPIO IPH-M RP-M Categoria de RP-M

General Maynard 24,59 108,38 Muito alta

Pirambu 24,20 102,13 Muito alta

Rosário do Catete 21,07 79,47 Alta

Riachuelo 21,91 50,21 Média

Fonte de dados: ROLIM, 2002; ANP, 2007. Fonte metodológica: GIVISIEZ e OLIVEIRA (2007)

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O grupo três é composto pelos municípios que necessitam de

investimentos no desenvolvimento humano e econômico. Neste grupo estão

apenas dois municípios: Carmópolis e Barra dos Coqueiros. São municípios que

estão na categoria de RP-M muito alta e alta, respectivamente, e IPH-M médio

baixo. Apresentam melhorias sociais em relação aos grupos anteriores, mas

ainda necessitam de investimentos em educação, saúde, infraestrutura urbana

e em recursos de infraestrutura produtiva e programas de geração de renda.

Têm apresentado melhoria nos índices de educação e saúde mas a distribuição

de renda ainda é deficiente. (Tabela 04)

TABELA 04 REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA - MUNICÍPIOS DO GRUPO 3

Investimentos direcionados ao desenvolvimento humano e econômico

MUNICÍPIO IPH-M RP-M Categoria de RP-M

Carmópolis 20,20 217,83 Muito alta

Barra dos Coqueiros 18,48 57,77 Média

Fonte de dados: ROLIM, 2002; ANP, 2007. Fonte metodológica: GIVISIEZ e OLIVEIRA (2007)

O quarto grupo não se configura entre os municípios da Região

Petrolífera Sergipana. Neste grupo deveriam constar municípios nos quais os

investimentos seriam destinados ao desenvolvimento econômico. A ausência

de municípios da RPS nesta categoria demonstra que as necessidades sociais

das populações ainda são significativas e que o investimento no

desenvolvimento humano deve ser prioritário.

No grupo cinco estão os municípios enquadrados da categoria de RP-M

baixa e muito baixa. Estes municípios a despeito dos royalties que recebem,

não apresentam condições de promoção de mudanças na estrutura social a

partir das rendas petrolíferas. Contudo, cabe frisar que as rendas petrolíferas

não são as únicas fontes de recursos dos municípios. No caso dos municípios

do grupo cinco toma-se como exemplos Aracaju e Nossa Senhora do Socorro

que concentram boa parte das atividades industriais do Estado. (Tabela 05)

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TABELA 05 REGIÃO PETROLÍFERA SERGIPANA

MUNICÍPIOS DO GRUPO 5

Renda petrolífera insuficiente para gerar grandes mudanças estruturais

MUNICÍPIO IPH-M RP-M Categoria de RP-M

Santo Amaro das Brotas 25,77 26,79 Baixa

Maruim 24,27 22,12 Baixa

Aracaju 9,82 13,57 Baixa

Laranjeiras 24,64 10,57 Baixa

São Cristóvão 16,62 4,31 Muito baixa

Areia Branca 29,35 2,17 Muito baixa

Nossa Senhora do Socorro 13,01 1,97 Muito baixa

Capela 33,02 1,66 Muito baixa

Fonte de dados: ROLIM, 2002; ANP, 2007. Fonte metodológica: GIVISIEZ e OLIVEIRA (2007)

Pelo exposto fica evidente que os royalties do petróleo não vêm sendo

aplicados em prol da melhoria da qualidade de vida das pessoas. Percebe-se

que não há relação direta entre valores recebidos e mudanças sociais

significativas. Prova disso é que em 2000 todos os municípios com RP-M

média, alta ou muito alta, há necessidade ainda, de investimentos prioritários

no desenvolvimento humano. Apenas em Carmópolis e Barra dos Coqueiros

visualiza-se melhoria nas condições de vida da população. (Figura 02)

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Categorias

Prioridade no desenvolvimento humano

Desenvolvimento humano

Desenvolvimento humano e econômico

Royalties insuficientes para mudanças estruturais

N

S

W E

400 Km

Figura 02: Região Petrolífera Sergipana- Categoria de Investimentos Prioritários Fonte de dados: ROLIM, 2002, ANP, 2007 Fonte Metodológica: GIVISIEZ E OLIVEIRA, 2007

Contudo, a diferença favorável em relação aos demais municípios da

RPS ainda é insuficiente frente às possibilidades que os montantes financeiros

podem proporcionar. A produção petrolífera tem aumentado no Estado e

muitos dos municípios tiveram suas rendas melhoradas demonstrando que os

recursos estão disponíveis, bastando apenas que os investimentos sejam

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-2: Glicélia Mendes - Pag 443

direcionados de modo eficiente. Municípios como Itaporanga D’Ajuda, São

Cristóvão, Nossa Senhora do Socorro, Barra dos Coqueiros, Rosário do Catete,

Brejo Grande e Santo Amaro das Brotas são exemplos de melhorias nos valores

dos royalties per capita.

A redução da pobreza não ocorre percentualmente de modo igual em

todos os lugares e os números não podem ser únicos a explicar a situação da

população, mas servem de termômetro para avaliações e guias para

planejamentos. Os números atestam que a iniquidade social é ainda uma dura

realidade para os municípios produtores de petróleo em Sergipe.

A pobreza das pessoas da RPS indica também a impossibilidade de

reagir aos desafios da convivência social em meio à atividade de ponta que é

a exploração do petróleo. Ser pobre na RPS é também sofrer as imposições

dos grilhões do sistema e da modernidade que acorrentam a ação por meio da

impossibilidade de acesso aos meios de produção, de comunicação e de

inserção e de transformação.

Referências

ANP, Guia dos Royalties, 2001.

BARROS, Ricardo Paes de. Et al. Desigualdade e pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Fevereiro, vol 15, n. 42, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Brasil, 2000.

CASTRO, Iná Elias de. O mito da necessidade: discurso e prática do regionalismo nordestino. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.

GIVISIEZ, Gustavo Henrique Neves; OLIVEIRA, Elzira Lúcia de. A pobreza e a riqueza nas cidades do petróleo. In: PIQUET, Rosélia; SERRA, Rodrigo(Org.). Petróleo e Região no Brasil: o desafio da abundância. Rio de Janeiro: Garamond, 2007

PIQUET, Rosélia. Indústria do petróleo e dinâmica regional: reflexões teórico-metodológicas. In: PIQUET, Rosélia; SERRA, Rodrigo(Org.). Petróleo e Região no Brasil: o desafio da abundância. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.

POCHMANN, Márcio; AMORIM, Ricardo (orgs). Atlas de Exclusão Social no Brasil. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2004. ROLIM, Cássio. Um índice de pobreza humana municipal para o Brasil. Universidade do Paraná, 2002. Disponível em www.economia.ufpr.br/publica/textos/2005/cassio%20rolim.pdf. Acesso em 20/10/2007. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.

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PROJETOS DO SETOR DE PETRÓLEO E GÁS NO SUDESTE BRASILEIRO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESAFIO DESENVOLVIMENTO X PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

Sônia Regina da Cal Seixas1

Michelle Renk2

Resumo: O presente artigo busca apresentar um breve panorama acerca do contexto da implementação de projetos do setor de petróleo e gás no sudeste brasileiro, especificamente no estado de São Paulo, observando os impactos locais e considerando que a percepção dos moradores, quando levada em conta, pode contribuir para minimizar os impactos que tais projetos ocasionam. Para tanto, foram utilizadas as dissertações de mestrado das autoras, desenvolvidas na Universidade Estadual de Campinas. A primeira, realizada em 1990, que analisa a instalação da Refinaria do Planalto – REPLAN -, na cidade de Paulínia, São Paulo e a qualidade de vida da população e, a segunda, realizada em 2010 analisa a instalação do projeto Mexilhão em Caraguatatuba, São Paulo, e a percepção da população do entorno com relação aos riscos socioambientais para os moradores do entorno do Projeto (BARBOSA, 1990 e RENK, 2010). Palavras-chave: Refinaria de Planalto - REPLAN; Projeto Mexilhão – UTGCA; Paulínia; Caraguatatuba; Estado de São Paulo; desenvolvimento econômico; preservação ambiental

1Doutora em Ciências Sociais, IFCH-UNICAMP. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas

Ambientais, NEPAM-UNICAMP, docente do Programa de Doutorado em Ambiente e Sociedade, NEPAM-IFCH-UNICAMP; colaboradora do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos - PSE-FEM-UNICAMP. Bolsista de Pq-CNPq 2.

2Mestre em Planejamento de Sistemas Energéticos, Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos – PSE -FEM-UNICAMP, Bolsista de TT III - .FAPESP.

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Introdução

No Brasil a indústria petroquímica, considerada uma das mais dinâmicas, existe a

mais de meio século e está interligada a praticamente todas as áreas das atividades

econômicas, ocupando posição central no desenvolvimento da economia moderna.

Contudo é, também, considerada um dos segmentos industriais mais poluidores dos

tempos atuais.

No entanto, o que chama a atenção em pesquisas socioambientais sobre a

implantação de empreendimentos do setor de petróleo e gás no Brasil é que ao

analisar o discurso dos moradores das regiões produtoras, fica evidente a existência de

conflitos significativos entre o aumento da oferta de emprego local, e os problemas

que tais empreendimentos podem gerar ao ambiente, as modificações no cotidiano, e

a ausência da participação destas comunidades no processo de decisão para a

constituição desses empreendimentos.

O presente artigo busca apresentar um breve panorama acerca do contexto da

implementação de projetos do setor de petróleo e gás no sudeste brasileiro,

especificamente no estado de São Paulo, observando os impactos locais e

considerando que a percepção dos moradores, quando levada em conta, pode

contribuir para minimizar os impactos que tais projetos ocasionam, tendo como

pressuposto a importância do viés social envolvida nesta temática.

Para tanto, foram utilizadas as dissertações de mestrado das autoras,

desenvolvidas na Universidade Estadual de Campinas. A primeira, realizada em 1990,

analisa a instalação da Refinaria do Planalto3– REPLAN -, na cidade de Paulínia, São

Paulo e a qualidade de vida da população e, a segunda, realizada em 2010 analisa a

instalação do projeto Mexilhão em Caraguatatuba, São Paulo, e a percepção da

população do entorno com relação aos riscos socioambientais para os moradores do

entorno do Projeto (BARBOSA, 1990 e RENK, 2010; PETROBRAS(b), 2011).

Vale ressaltar que pretendemos contribuir para o debate social, tendo como

pressuposto as recomendações da própria Petrobras, que aponta que os modelos de

3 Atual Refinaria de Paulínia (PETROBRAS(b)).

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implantação de complexos de extração ou refino que considerem a perspectiva social

possuem grande relevância, pois visam promover a melhoria e adequabilidade de

projetos voltados ao desenvolvimento econômico com o menor impacto possível para o

meio ambiente e comunidade diretamente afetada (PETROBRAS (a), 2011). Acreditamos

que, essas recomendações aliadas a pesquisas poderão ser fundamentais,

principalmente diante das recentes descobertas de novos campos petrolíferos, como o

Pré-sal, que ampliam significativamente a perspectiva do parque produtor nacional.

Paulínia e Caraguatatuba: considerações e convergências acerca da caracterização da implementação da REPLAN e UTGCA Monteiro Lobato

Neste artigo, são analisados dois empreendimentos do setor, a Refinaria do

Planalto – REPLAN, no município de Paulínia, e a Unidade de Tratamento de Gás,

Monteiro Lobato – UTGCA em Caraguatatuba, ambos no estado de São Paulo. Estes

empreendimentos representaram, cada um em sua época, grandes investimentos em

termos tecnológicos e financeiros. A primeira consiste na refinaria com a maior

capacidade de produção instalada no país (365 Mbpd) e, a UTGCA, que será

responsável pelo tratamento de cerca de 78% do gás que atualmente é importado no

Brasil (BARBOSA, 1990; RENK, 2010; PETROBRAS(c), 2010).

Paulínia é um município pertencente à região de Campinas, localizada no interior

paulista, e possui 144 Km2 de área total. Suas atividades produtivas eram basicamente

agrícolas, possuindo grandes lavouras de café e cana-de-açúcar, além de pequenos

sítios e fazendas voltadas para a cultura de algodão e milho.

Em 1942 instalou-se na cidade a empresa Rhodia Indústrias Químicas e Têxteis,

dedicada à produção de álcool, iniciando a modificação do perfil produtivo da região,

uma vez que a maior parte da mão-de-obra empregada nas atividades agrícolas voltou-

se para a produção de cana-de-açúcar e, deste modo a empresa absorveu, durante um

período aproximado de 20 anos, a mão-de-obra local, incrementando a arrecadação de

impostos (BARBOSA, 1990).

Em 1963 houve a emancipação de Paulínia, tornando-se município e não mais

distrito de Campinas. Neste mesmo período aconteceu, no plano federal a decisão de

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implantar uma refinaria no interior de São Paulo, e, assim a REPLAN foi inaugurada em

maio de 1972, sendo considerada referência na indústria do petróleo devido à rapidez

com que foi construída - mil dias (BARBOSA, 1990; PETROBRAS(b), 2011).

No geral a história de Paulínia não difere muito de outros pólos petroquímicos do

país como Cubatão, Camaçari e Duque de Caxias, onde se pode observar que o

processo de industrialização destes locais correspondeu às necessidades básicas das

elites dirigentes, que consideravam exclusivamente a questão econômica como ponto

fundamental para o desenvolvimento (BARBOSA, 1990). No entanto, apesar da

diferença temporal entre os dois projetos, e das mudanças significativas na sociedade,

na ciência e tecnologia, ainda perdura, o mesmo padrão decisório na implantação do

Projeto Mexilhão, na cidade de Caraguatatuba (RENK, 2010).

A implantação de uma nova refinaria no país surgiu em um momento de crise no

refino do petróleo, onde pesava o fim do estoque armazenado e a necessidade de

importar o insumo em grande escala. A escolha de Paulínia recaiu sobre aspectos

como o grande consumo da região de São Paulo, a necessidade de baratear custos em

transporte do óleo cru em relação aos seus derivados e a conveniência de

interiorização das indústrias consumidoras de matéria prima oriundas do petróleo

(BARBOSA, 1990).

Assim, numa área aproximada de 9 milhões de metros quadrados, desmembrada

da antiga fazenda São Francisco (propriedade da Rhodia), comprada pela Prefeitura e

doada à Petrobras, foi construído a REPLAN, representando investimentos da ordem de

US$ 600.000 milhões (valor corrigido para 1986) (BARBOSA, 1990).

Outro ponto importante está na viabilização das condições mínimas para a

instalação do parque industrial, que ocorreu através do processo de solidificação da

infraestrutura básica que o complexo urbano industrial exige, e que o Estado propicia

através de normas que guiam este processo de urbanização, necessário à

industrialização, ocasionando tensões sociais e políticas, pois, como a preocupação do

estado reside na consolidação das atividades produtivas, ele teve que se ausentar da

provisão das necessidades mais imediatas da grande maioria da população,

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principalmente aquelas que vão se estabelecer na periferia das cidades (JACOBI, 1986;

BARBOSA, 1990).

O município de Caraguatatuba está localizado no Litoral Norte Paulista, tendo

sido instituído Estância Balneária em 1964. Passou por modificações em seu cenário

econômico a partir da década de 50, onde a economia, basicamente agrícola, foi em

grande parte substituída pelo turismo, com o predomínio do setor de serviços. Essa

mudança de atividade econômica foi possibilitada pela abertura da rodovia ligando o

Litoral Norte ao Vale do Paraíba, mais tarde conhecida como Rodovia dos Tamoios (SP-

099), aliada a melhorias na infra-estrutura regional, provenientes da obra de

ampliação do Porto de São Sebastião – TEBAR - (SOUZA, 2009; RENK, 2010).

A descoberta do campo de gás natural na bacia de Santos, em 2003, denominado

Campo de Mexilhão trouxe grandes expectativas nacionais, principalmente com

relação à segurança no fornecimento do gás , cuja utilização tem sido estimulada pelo

governo federal, após a construção do gasoduto Brasil-Bolívia em 1999, e o

lançamento do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT) no ano seguinte

(PERICO, 2007; RENK, 2010). Com a nacionalização do gás boliviano e a instabilidade

no fornecimento, a estratégia adotada foi o Programa de Aceleração do Crescimento

(PAC) do Governo Federal, lançado em janeiro de 2007, e incluindo como meta em

relação ao Gás Natural (GN), a aceleração da produção e da oferta do gás nacional,

visando diminuir a dependência externa. Para isso, foram investidos no setor 40,4

bilhões de reais até 2010 (PERICO, 2007; RENK, 2010).

Tanto na implantação da REPLAN, durante a década de 1970, cujos primeiros

cinco anos correspondem ao período brasileiro conhecido como “milagre econômico”,

quanto na UTGCA, nos anos 2000, podemos verificar, salvos as diferenças temporais, o

mesmo tipo de incentivos federais para a sua realização, envoltos no mesmo modelo

de estratégias de desenvolvimento e crescimento econômico do país.

O objetivo do Projeto Mexilhão é a integração das malhas do sudeste e

abastecimento da região nordeste (que é carente do recurso), sendo que, devido à

localização do campo onde foi descoberto o gás, Caraguatatuba, apresenta

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características mais adequadas como sua proximidade do campo produtor e o ponto de

escoamento em Taubaté (BIODINÂMICA, 2006; RENK, 2010).

Com relação à infraestrutura para a viabilização dos projetos, verifica-se em

Caraguatatuba o Decreto 09, de 06 de maio de 2009, que declara as instalações da

UTGCA de utilidade pública para fins de desapropriação total ou parcial dos imóveis na

cidade e adjacências. Contudo, este projeto prevê a construção de um túnel de

aproximadamente 5 Km na Serra do Mar, por onde passarão os dutos de interligação

entre a Unidade de Tratamento e a REPAV em Taubaté, contrariando os esforços de

proteção e preservação da biodiversidade da região expressos no Sistema Nacional de

Unidades de Conservação (SNUC), Lei 9.985 de julho de 2000 e Plano de

Gerenciamento Costeiro (PEGC), Lei 10.019 de julho de 1998 (PRESIDÊNCIA DA

REPÚBLICA DO BRASIL, 2009; RENK, 2010).

Em Paulínia, este processo de viabilização foi mais ativo, provocando intensa

ruptura na atividade econômica predominante na cidade, até então. Através da

política de uso do solo, cuja zona agrícola foi suprimida, sendo que o solo foi

essencialmente, a partir de 1976, ocupado pelo parque industrial, o que reduziu a

disponibilidade das terras para a agricultura (BARBOSA, 1990).

Segundo Barbosa (1990), é interessante notar que a redução da disponibilidade

da terra, favorável à especulação aliada ao alto potencial poluidor dos processos de

produção presentes na cidade, foi, em 1976, o argumento declarado da adoção de

uma política de supressão das atividades do setor primário local. Essa política

concretizada e garantida por lei (nº 540 de 6/8/1976), que ampliou o perímetro

urbano para uma área correspondente a 75% da área total do município; a maior parte

desse valor é hoje destinada à zona industrial, de acordo com a mesma lei de 1976,

que disciplina o uso do solo para loteamento e utilização.

A mudança para uma nova escala de valores no uso da terra implicou numa

crescente interposição dos recursos técnicos sobre os recursos naturais - tecnologia de

ocupação, produção, urbanização, etc. - (COVIAN, 1976; BARBOSA, 1990). Vale

destacar que, processo semelhante ocorreu com Caraguatatuba, no mesmo período, a

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década de 1970, iniciou-se um profundo processo de especulação imobiliária na região

devido ao aumento do turismo de segunda residência e assim, a construção em

grandes lotes, anteriormente ocupados por comunidades tradicionais, desconfigurando

a cultura local e reduzindo drasticamente a área rural do município, que configura-se

atualmente com 50% de residências de veraneio (CÂMARA MUNICIPAL DE

CARAGUATATUBA, 2009; BARBOSA, 2007; RENK, 2010)

Nos casos descritos, o viés desenvolvimentista em que os projetos desta natureza

são implantados, fica evidente, demonstrando que os benefícios econômicos ocupam

ainda uma posição central nos critérios de implantação de novos empreendimentos,

enquanto as questões socioambientais envolvidas ficam em segundo plano e são

justificadas pela possibilidade de desenvolvimento nacional.

Outro ponto em comum encontrado na implantação de ambos os

empreendimentos foi a baixa participação, principalmente das comunidades

diretamente afetadas pela implementação do novo empreendimento (BARBOSA, 1990;

RENK, 2010). A falta de envolvimento no processo de decisão pode gerar uma série de

expectativas em seus moradores em relação à geração de emprego e melhorias na

infraestrutura local. Para identificar os impactos dessas expectativas na inter-relação

da comunidade com a nova instalação, será observada no próximo item, a experiência

ocorrida em Paulínia aliada às expectativas geradas na fase de implantação da UTGCA

em Caraguatatuba.

Expectativas geradas e a realidade, aspectos relacionados aos períodos de implantação e operação dos projetos REPLAN e UTGCA

Em seu trabalho, Barbosa (1990) salienta que a instalação da refinaria em

Paulínia não difere muito de outros empreendimentos dessa envergadura realizados no

país, que além de dependerem da investida política presente na data, encontram as

condições mínimas para sua realização através de incentivos governamentais. Em

decorrência da instalação do parque industrial, a autora aponta a diversificação da

economia local e expectativas de geração de emprego na indústria e suas

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consequências sociais como a formação de um núcleo totalmente desvinculado da

realidade e a não absorção da mão-de-obra local existente.

Embora Paulínia já tenha tido contato com a instalação de uma empresa química

na região, com a instalação da empresa Rhodia nos anos de 1940, há uma significativa

diferença entre os projetos. Como a empresa naquela época produzia álcool, a mão-

de-obra existente na cidade era suficiente para o plantio e cultivo da cana-de-açúcar,

assim, por um período de praticamente vinte anos a empresa absorveu a mão-de-obra

local, fazendo parte do “patrimônio” cultural da cidade, inclusive possuindo muito

prestígio institucional junto aos moradores (BARBOSA, 1990).

Para os moradores de Paulínia, havia por parte da Rhodia respeito para com eles,

na medida em que todos conseguiam emprego, sem se sentirem estigmatizados, fato

completamente oposto ao ocorrido com a chegada da Petrobras (BARBOSA, 1990).

Segundo a autora, o que passa despercebida para estes moradores é que o tipo de

mão-de-obra que a Rhodia exigia nos seus primeiros 20 anos de atuação poderia ser

encontrado no município, exigindo uma mão-de-obra menos qualificada que a

Refinaria exige. Com a chegada da REPLAN este quadro não permaneceu o mesmo. O

parque industrial atraiu muita gente, mas na realidade a maioria dos migrantes que

para lá se mudaram, possuía uma experiência anterior na agricultura, e não pode ser

totalmente absorvida. Na maioria das vezes quando conseguiram empregos, foi no

setor terciário ou em subempregos (BARBOSA, 1990).

Assim, a falta de opções ocupacionais para o imigrante deriva principalmente da

sua falta de qualificação, pois sua passagem da zona rural para a urbana vai implicar

num caminho que leva a um sistema econômico, que exige do trabalhador um domínio

amplo não só de conhecimento mas de atitudes e valores bastante diferentes dos que

ele possuía em seu meio rural, o que exige dele uma reorganização para seu

ajustamento no meio urbano (BARBOSA, 1990).

A questão da qualificação profissional e do aumento do número de pessoas que

são atraídos para os locais onde há notícia de oportunidade de emprego, está presente

também na instalação da UTGCA. A fase de instalação da infraestrutura do Projeto

Mexilhão contou com um quadro de funcionários com cerca de 3000 trabalhadores.

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Houve um acordo entre a Prefeitura de Caraguatatuba e a Petrobras que previa a

contratação de pelo menos 30% da mão-de-obra local, contudo, as vagas

disponibilizadas neste tipo de empreendimento são altamente qualificadas e

especializadas e, no município não tem sido possível encontrar (RENK, 2010).

É interessante notar que a vantagem mais comentada entre os moradores da

região está na geração de empregos, entretanto o que foi observado é que estes

empregos foram ocupados com pessoal de várias partes do país como Minas Gerais,

Bahia, Ceará e Rio de Janeiro. Esses trabalhadores, são em sua maioria profissionais

qualificados e contratados de empresas terceirizadas que já participaram da

implantação de outras unidades. Vale destacar que do total contratado para a fase de

construção menos de 50 permanecerão, devido à alta tecnologia empregada nestas

instalações é necessário um número reduzido de funcionários para sua operação

(RENK, 2010).

Assim, as observações de Barbosa (1990) sobre Paulínia podem antecipar um

possível cenário para Caraguatatuba, em relação a um rápido processo de

diversificação da economia local, ocasionando um núcleo industrial totalmente

desvinculado da realidade local, tanto em função do tipo de produção e matéria-

prima, quanto em termos de tecnologia, investimentos e mão-de-obra. Ocorreu ainda,

com a instalação da REPLAN, a vinda de outras indústrias petroquímicas atraídas pela

refinaria (BARBOSA, 1990).

Em termos de acréscimo das indústrias, durante o período de 1970 a 1989,

verifica-se que em 1970 existiam 34 empresas instaladas, chagando ao final de 1989

com 72 industrias. Através da relação entre a área do município e o número de

indústrias instaladas era de 1 para cada 4,2 Km2 de área em 1970, vinte anos mais

tarde essa relação aumentou de 1 indústria a cada 2 Km2, indicando acentuado em

termos de área ocupada (BARBOSA, 1990).

Em relação à expansão do complexo industrial em Caraguatatuba, de acordo com

o PINO4 (2010), está previsto a construção de mais quatro empreendimentos para a

4 Relatório Parcial de Avaliação Ambiental Estratégica da Dimensão Portuária, Industrial, Naval e

Offshore no Litoral Paulista. Governo de São Paulo, 2010.

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mesma área onde se encontra a UTGCA, a Fazenda Serramar. Estes novos

empreendimentos envolvem a construção de uma área para suporte à Base de Apoio

Offshore do Porto de São Sebastião, que está em fase de conceituação, e mais três,

que estão com demanda identificada como a instalação de uma Usina Termelétrica à

Gás (UTE), Desenvolvimento Logístico Intermodal, e a preparação de terreno para

recepção de instalações industriais diversas, utilizadoras da disponibilidade de gás

natural como insumo de processos produtivos (PINO, 2010).

Observou-se em Paulínia que essas transformações ocasionaram o surgimento de

duas comunidades distintas: a local existente e o parque industrial em implantação. O

complexo industrial fica em torno do núcleo local, que acabou por se expandir e se

organizou nos moldes impostos pela indústria, e, o não provimento de condições

básicas urbanas pela iniciativa privada reflete as características dominantes do

processo de acumulação desencadeado, onde os contrastes passam a se configurar

como sua tônica dominante (BARBOSA, 1990).

A própria dinâmica da urbanização implicou na implantação de um padrão urbano

com características desiguais, passando a se generalizar pela expansão de periferias

que trazem consigo claras conotações de segregação e exclusão (BARBOSA, 1990).

Assim, o inchaço da cidade em função das possibilidades de novas frentes de trabalho,

aliado a um processo de especulação imobiliária levou ao surgimento de bairros cada

vez mais distantes, afastados dos locais de trabalho e carentes de equipamentos

urbanos, impondo à sua população distâncias de deslocamento cada vez maiores

(BARBOSA, 1990).

A mudança para uma nova escala de uso da terra ocasionou em Paulínia uma

crescente interposição dos recursos técnicos sobre os recursos naturais (tecnologias de

ocupação, produção, urbanização, etc.), além do incremento populacional, gerando

um ônus significativo para a população local, tanto nos aspectos de agressão como

fruto do impacto socioambiental quanto na dificuldade que a população como um todo

teve que começar a enfrentar com relação ao aumento da demanda por infraestrutura

básica (BARBOSA, 1990).

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As questões de urbanização, especulação imobiliária e aumento populacional,

verificadas no processo de industrialização de Paulínia assim como de outras cidades

que tiveram a implantação de grandes indústrias, alerta para o agravamento de

questões que já se fazem presentes em Caraguatatuba devido a características

geográficas e econômicas, como ocupação irregular de áreas de encosta,

infraestrutura e saneamento básico insuficientes e, acentuado processo de

especulação imobiliária.

O grande número de trabalhadores na construção da UTGCA, mesmo que sua

maior parte retorne a sua cidade de origem ou siga para a instalação de outro projeto,

demonstra os primeiros problemas que seriam gerados com a possibilidade de aumento

populacional, com a atração de novos empreendimentos do setor ou consumidores de

matéria-prima para a cidade. Os moradores entrevistados salientam que a cidade

encontra-se atualmente com uma sobrecarga do serviço de saúde que resulta numa

extensa demora na marcação de consulta tanto nos Centros de Saúde locais quanto no

único hospital da cidade (RENK, 2010).

Além do problema de infraestrutura na área da saúde, os moradores do entorno

da UTGCA atribuem também ao grande número de funcionários, o aumento no custo

de vida da região, salientado que alimentos e itens básicos de higiene pessoal e de

limpeza estão tão caros como em período de temporada (RENK, 2010). Ainda

relacionado aos problemas de infraestrutura, o saneamento ambiental do município é

limitado, pois de acordo com a Sabesp5 (2010), o município conta com 45% de coleta,

afastamento e tratamento do seu esgoto.

Outra questão a ser verificada está relaciona a urbanização da cidade, que possui

a maior mancha urbana do Litoral Norte Paulista com mais de 41 km2, e a ocupação

desordenada de áreas risco nas encostas, que podem ser agravadas com o incremento

de população e, acentuar a problemática de deslizamentos já conhecidos na região

como a “catástrofe de 1967”, que foi o caso de deslizamento mais grave registrado na

cidade, resultando em 120 mortos, dezenas de desaparecidos e cerca de 400 casas

soterradas (SANTOS et al, 2000; RENK, 2010). Apesar das semelhanças encontradas no

5 Entrevista concedida por técnico da SABESP, março de 2010.

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processo de implantação dos projetos da Petrobras em ambas as cidades, Barbosa

(1990) e Renk (2010) ponderam que mesmo com as dificuldades elencadas, a visão que

os moradores têm de suas cidades e do processo de industrialização que estas

passaram e estão passando podem ser considerados mais positivos que negativos.

No caso específico de Paulínia os aspectos gerais que fazem com que os

moradores acreditem que a cidade pode oferecer mais vantagens do que desvantagens

aos seus moradores se devem aos inúmeros equipamentos que o município dispõe, na

área da saúde, educação como pronto socorro municipal, postos de saúde, centro

odontológico municipal e centro de terapia e reabilitação integrada municipal,

creches, escolas e museu, aliados ainda à sua feição espacial que reúnem praças

amplas e arborizadas, bosques, áreas de lazer que conferem ao município uma

aparência bastante agradável (BARBOSA, 1990).

Contudo, essas estruturas urbanas não dissipam uma problemática mais profunda

vivenciada por seus moradores, tais como; saneamento ambiental, habitação, perfil de

morbidade e mortalidade e o comprometimento tanto da bacia hídrica quanto do ar

respirado. A visão vantajosa sobre o empreendimento indica que a percepção dos

moradores, assim como algumas das políticas públicas do país, são orientadas em uma

perspectiva imediatista (BARBOSA, 1990).

É interessante notar que, esta mesma ótica imediatista permanece e leva os

moradores da área do entorno da UTGCA a considerar o empreendimento mais

desvantajoso que vantajoso, pois mesmo demonstrando grandes expectativas diante

da geração de empregos, e melhorias na infraestrutura, a etapa vivenciada

atualmente por seus moradores, é a etapa de implantação e esta gera uma série de

transtornos e modificações no cotidiano das áreas adjacentes (RENK, 2010).

Os transtornos relatados envolvem o trânsito de ônibus de funcionários e

maquinários pesados em áreas consideradas tranquilas por seus moradores, bem como

barulho e poeira gerados. Mesmo considerando o pagamento de royalties para a

prefeitura e a geração de empregos, diante dos transtornos que podem ser

considerados transitórios, pois estão restritos à fase de construção, os moradores

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avaliam o empreendimento como desvantajoso nesta etapa inicial da instalação

(RENK, 2010).

Considerações finais

Tendo por base os trabalhos realizados por Barbosa (1990) na região de Paulínia e

Renk (2010) em Caraguatatuba pode-se verificar alguns pontos em comum como a

presença de políticas públicas centradas no crescimento econômico do país e que,

mesmo após a evolução da discussão ambiental nestes vinte anos, ainda hoje existe

mecanismos de viabilização de empreendimentos de potencial poluidor, contrariando

esforços de proteção e sustentabilidade locais, aliados ainda a uma baixa participação

da comunidade nos processos de decisão.

O caso de Paulínia revela algumas consequências da implantação da REPLAN na

região, que podem ser observadas e consideradas na tentativa de minimizar algumas

das características existentes na região de Caraguatatuba, como ocupação irregular,

pressão na infraestrutura e especulação imobiliária. A redução dessas questões

poderia partir do incentivo e abertura para a participação da comunidade nas

questões que envolvem a implantação de novos empreendimentos, diminuído a

expectativa e especulação.

Por fim, observou-se uma ótica imediatista tanto por parte do governo na decisão

de implantação, como na visão dos moradores, que no caso de Paulínia não

consideram a questão da poluição ambiental e consequências para sua saúde, mas sim

os equipamentos urbanos fornecidos pela prefeitura e, no caso de Caraguatatuba que

os moradores avaliam o empreendimento como desvantajoso pois levam em

consideração transtornos em seu cotidiano como trânsito e barulho que estão

limitados a fase de implantação do projeto.

Referências

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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 4-3: Sônia Seixas e Michelle Renk - Pag 456

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