clínica e cirurgia de animais de companhia · 2014. 12. 23. · hipotiroidismo canino os...
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Universidade de Évora
Mestrado Integrado em Medicina Veterinária
Relatório Final de Curso
Clínica e Cirurgia de Animais de
Companhia
Um caso de Hipotiroidismo Canino
Autor: Carla Isabel Duarte Domingos
Orientadora de estágio: Dr.ª Maria Virgínia Fialho Souto e Silva
Tutor académico: Professor Dr. Helder Carola Espiguinha Cortes
Évora
2010
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
i
Universidade de Évora
Mestrado Integrado em Medicina Veterinária
Relatório Final de Curso
Clínica e Cirurgia de Animais de
Companhia
Um caso de Hipotiroidismo Canino
Autor: Carla Isabel Duarte Domingos
Orientadora de estágio: Dr.ª Maria Virgínia Fialho Souto e Silva
Tutor académico: Professor Dr. Helder Carola Espiguinha Cortes
Évora
2010
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
ii
Dedicado ao meu, para sempre, querido pai
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
iii
Agradecimentos
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para me dirigir às pessoas que tiveram uma
participação especial durante a minha formação académica e realização do estágio
fundamental, pois sem elas teria sido muito difícil percorrer este caminho.
Especialmente à Dr.ª Maria Virgínia Souto e Silva por ter aceite orientar este estágio,
por todos os conhecimentos transmitidos, disponibilidade e amizade ao longo dos
meses.
Ao professor Helder Cortes pela presença constante ao longo deste último ano, por ter
tratado de todas as burocracias inerentes à realização dos estágios e pela prontidão em
ajudar.
Gostaria de agradecer, no conjunto, à equipa da Clínica Médico-Veterinária da Sé a
óptima recepção e a facilidade de integração que proporcionaram desde o primeiro
momento. Em particular:
Ao Dr. Paulo Gaspar pelos conhecimentos transmitidos, apoio, disponibilidade, amizade
e boa disposição demonstrados ao longo do período de estágio.
À Dr.ª Liliana Cardoso pelos conhecimentos transmitidos, apoio, companheirismo e
amizade ao longo do estágio.
Às auxiliares, Renata Rendeiro e Sílvia Marçal por todos os bons momentos, boa
disposição e amizade.
À Dr.ª Ana Souto e Silva por todos os conhecimentos transmitidos, boa disposição e
amizade.
Àqueles colegas de curso que tiveram um papel fundamental ao longo do percurso
académico.
Aos meus amigos que ao longo destes últimos anos, naqueles momentos em que tudo
parecia muito difícil, estiveram comigo. Em particular, à Sandra Matias.
À Marta Neto por ter enriquecido a minha estadia em Aveiro.
Em especial, à minha querida mãe, por todo o apoio e dedicação ao longo dos anos, por
ter possibilitado que frequentasse o curso e por sempre me ter incentivado a perseguir os
meus objectivos;
Ao meu querido pai, que possibilitou que eu chegasse aqui e que sei que estaria muito
feliz se pudesse estar presente.
O meu mais sincero obrigado
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
iv
Resumo
Hipotiroidismo canino
Os distúrbios da tiróide são cada vez mais comuns na prática da clínica veterinária,
principalmente no que concerne ao hipotiroidismo canino. O hipotiroidismo é, segundo
vários autores, a endocrinopatia mais comum no cão e resulta da diminuição da síntese e
secreção das hormonas tiroideias o que afecta, consequentemente, o metabolismo basal
originando a sua diminuição.
O hipotiroidismo pode ser considerado primário, secundário ou terciário, se a disfunção
estiver localizada a nível da tiróide, hipófise ou hipotálamo, respectivamente.
Em cães adultos, o hipotiroidismo espontâneo é usualmente primário e consequência de
patologia na tiróide, geralmente devido a tiroidite linfocitária ou atrofia idiopática.
O hipotiroidismo pode originar uma grande diversidade de sinais clínicos, sendo mais
comuns os provocados por diminuição do metabolismo basal e os dermatológicos. Mas
para além destes, podem ser detectados sinais reprodutivos, neuromusculares,
cardiovasculares e oftalmológicos.
O diagnóstico de hipotiroidismo deve ser realizado atendendo a história pregressa,
dados provenientes do exame físico, sintomatologia, resultados da analítica sanguínea e
testes de função tiroideia. Contudo, o diagnóstico pode não ser simples, devido a
sintomas e resultados laboratoriais inespecíficos, assim como testes da função tiroideia
não totalmente fiáveis. Existem diversos factores que podem alterar as concentrações
séricas das hormonas e, consequentemente, influenciar os resultados dos testes de
função. A presença de doenças não tiroideias ou administração de fármacos são alguns.
A levotiroxina sintética oral é o tratamento de eleição para o hipotiroidismo canino e
deve ser iniciada na dose de 0.02mg/kg cada 12 ou 24 horas.
Palavras-chave: hipotiroidismo, cão, hormonas, testes de função, levotiroxina.
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v
Abstract
Canine Hypothyroidism
The thyroid disorders are increasingly common in veterinary practice, especially in
regard to canine hypothyroidism. Hypothyroidism is, according to several authors, the
most common endocrine disease in dogs and results from decreased synthesis and
secretion of thyroid hormones affecting, therefore, the basal metabolism leading to its
decline.
Hypothyroidism may be considered primary, secondary or tertiary, if the dysfunction is
located at the thyroid gland, pituitary or hypothalamus, respectively.
In adults, spontaneous hypothyroidism is usually primary and result of pathology in the
thyroid gland, usually due to lymphocytic thyroiditis or idiopathic atrophy.
Hypothyroidism can cause a wide diversity of clinical sign, but metabolic and
dermatologic are the most common. Beyond these can be detected reproductive,
neurological, cardiovascular and ophthalmic signs.
The diagnosis must be base on past history, findings from the physical examination,
symptoms, results from blood analytical and thyroid function tests.
However, the diagnosis can’t be easy due to non-specific symptoms and laboratorial
results, as well as thyroid function testes not completely reliable.
There are several factors than can change serum concentrations of hormones and,
therefore, influence thyroid function tests results. Non-thyroidal diseases or drug
administration are some of these.
The synthetic oral levothyroxine is the treatment of choice for hypothyroidism and
should be initiated at a dose of 0.02mg/kg every 12 or 24 hours.
Keywords: hypothyroidism, dog, levothyroxine, thyroid function tests, hormones
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vi
Índice geral
Agradecimentos iii
Resumo iv
Abstract v
Índice de figuras viii
Índice de gráficos ix
Índice de tabelas x
Lista de abreviaturas e símbolos xi
I. Introdução 1
1. Descrição do local de estágio 1
2. Actividades desenvolvidas 2
II. Casuística 3
1. Otite externa 11
2. Diarreia aguda 12
III. Revisão bibliográfica sobre Hipotiroidismo canino 16
1. Anatomia e fisiologia da glândula tiróide 16
2. Etiopatogenia 20
3. Epidemiologia 23
4. Sinais clínicos 24
4.1. Sinais metabólicos 25
4.2. Sinais dermatológicos 25
4.3. Sinais reprodutivos 27
4.4. Sinais cardiovasculares 27
4.5. Sinais oftalmológicos 28
4.6. Sinais neuromusculares 28
4.7. Sinais gastrointestinais 29
4.8. Alterações da coagulação 29
4.9. Sinais clínicos associados a hipotiroidismo congénito 29
4.10. Sinais clínicos associados a hipotiroidismo secundário 30
4.11. Poliendocrinopatias 30
5. Diagnóstico laboratorial 30
5.1. Análise hematológica completa 30
5.2. Bioquímicas séricas 31
6. Testes de função da tiróide 32
6.1. Concentração sérica de tiroxina total 33
6.2. Concentração sérica de tiroxina livre 34
6.3. Concentração sérica de triiodotironina total 35
6.4. Concentração sérica basal de tirotropina canina 36
6.5. Teste de estimulação com TSH 37
6.6. Teste de estimulação com TRH 38
6.7. Factores que influenciam as provas de função da tiróide 39
7. Diagnóstico de tiroidite linfocitária 40
7.1. Anticorpos antitiroglobulina 40
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
vii
7.2. Anticorpos anti-T4 e anti-T3 42
8. Métodos auxiliares de diagnóstico 44
8.1. Biópsia tiroideia 44
8.2. Diagnóstico imagiológico da tiróide 44
9. Síndrome do Eutiroideu Doente 45
10. Diagnóstico terapêutico 46
11. Diagnóstico definitivo 47
12. Tratamento e monitorização terapêutica 47
13. Prognóstico 50
IV. Caso clínico de hipotiroidismo canino 51
1. História pregressa 51
2. Exame físico 52
3. Analítica sanguínea 52
4. Provas de função de tiróide 53
5. Diagnóstico definitivo 54
6. Tratamento, prognóstica e monitorização terapêutica inicial 54
7. Discussão 57
V. Conclusão 59
VI. Referências bibliográficas 60
VII. Anexo 62
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viii
Índice de figuras
Figura 1. Figura 1. DAPP em felino. 6
Figura 2. Dermatofitose e IRC em felino 6
Figura 3. Projecção radiológica abdominal latero-lateral em canídeo: sinais de enterite. 7
Figura 4. Leiomioma vaginal em cadela. 9
Figura 5. Histiocitoma em cadela. 9
Figura 6. Carcinoma das células escamosas em felino. 9
Figura 7. Parésia do membro anterior em felino. 9
Figura 8. Fractura de fémur em canídeo. 10
Figura 9. Fractura radio-ulnar em canídeo. 10
Figura 10. Síntese e secreção de hormonas tiroideias. 18
Figura 11. Eixo hipotálamo-hipófise-tiróide. 19
Figura 12. Cadela Dama. 56
Figura 13. Alterações dermatológicas. 56
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
ix
Índice de gráficos
Gráfico 1. Casuística, de acordo com espécie animal, expressa em percentagem. 3
Gráfico 2. Casuística, de acordo com a área médica, expressa em percentagem. 3
Gráfico 3. Casuística em canídeos, de acordo com área médica, em percentagem . 5
Gráfico 4. Casuística felina, de acordo com área médica, expressa em percentagem 5
Gráfico 5. Casuística canina, de acordo com sistema ou área médica, expressa em percentagem.
10
Gráfico 6. Casuística felina, de acordo com sistema ou área médica, expressa em percentagem.
11
Gráfico 7. Distribuição de exames complementares de diagnóstico efectuados durante o período
de estágio. 15
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
x
Índice de tabelas
Tabela 1. Distribuição da casuística relativa a dermatologia e gastroenterologia e estomatologia,
em canídeos e felídeos, expresso em valor absoluto e percentagem. 6
Tabela 2. Distribuição da casuística relativa a aparelho genito-urinário e respiratório,
endocrinologia, cardiologia, doenças infecciosas e oftalmologia, em canídeos e felídeos,
expresso em valor absoluto e percentagem. 8
Tabela 3. Distribuição da casuística relativa a oncologia, traumatologia, sistema músculo-
esquelético, neurologia, hematologia e urgências toxicológicas, em canídeos e felídeos, expresso
em valor absoluto e percentagem. 7
Tabela 4. Distribuição da casuística em felídeos e canídeos em Cirurgia, expresso em valor
absoluto e percentagem. 14
Tabela 5. Abordagem diagnóstica de hipotiroidismo. 43
Tabela 6. Resultados do hemograma (12/07/2010). 52
Tabela 7. Resultados das bioquímicas séricas (12/07/2010). 53
Tabela 8. Resultado do hemograma (07/08/2010). 55
Tabela 9. Resultado da bioquímica sérica (07/08/2010). 55
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
xi
Lista de Abreviaturas e Símbolos
µg/dl – micrograma por decilitro;
ALP – Fosfatase alcalina;
ALT – Alanina aminotransferase;
AST – Aspartato aminotransferase;
BID – A cada 12 horas;
BUN – Blood urea nitrogen;
cc – Centímetro cúbico (equivalente a mililitro);
CHCM – Concentração de hemoglobina corpuscular média;
CMVS – Clínica Médico-Veterinária da Sé;
cTSH – Tirotropina canina;
DAPP – Dermatite alérgica à picada da pulga;
DIT – Diiodotirosina;
fT4 – Tiroxina livre;
GGT – Gama-Glutamiltransferase;
GI – Tracto gastrointestinal;
Hct – Hematócrito;
HCM – Hemoglobina corpuscular média;
IRC – Insuficiência renal crónica;
MIT – Monoiodotirosina;
rT3 – Triiodotironina reversa;
RIA – Radioimunoensaio;
T3 – Triiodotironina;
T4 – Tiroxina ou Tetraiodotironina;
TBG – Globulina transportadora de tiroxina;
TgAA – Anticorpos antitiroglobulina;
TRH – Hormona libertadora de tirotropina;
TSH – Hormona estimulante da tiróide ou tirotropina;
tT3 – Triiodotironina total;
tT4 – Tiroxina total;
VCM – Volume corpuscular médio
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
1
I. Introdução
Com o presente relatório pretendo referir-me sucintamente ao trabalho desenvolvido
durante o estágio realizado na Clínica Médico-Veterinária da Sé (CMVS), no período
compreendido entre 5 de Abril e 6 de Agosto do corrente ano. Este constituiu estágio
curricular fundamental, obrigatório para obtenção do grau de Mestre pela Universidade
de Évora, e a sua orientação ficou a cargo da directora clínica da instituição, a Dr.ª
Maria Virgínia Souto e Silva. A escolha da área Clínica Médica e Cirúrgica de Animais
de Companhia advém do facto desta ser a minha principal área de interesse.
Após ter dispendido algum tempo em acompanhamento de actividades hospitalares no
Hospital Veterinário da Universidade de Évora, durante o decorrer do curso, decidi
realizar estágio numa clínica para familiarização a uma realidade que considerava ser
um pouco distinta. Acreditava que numa clínica teria oportunidade de acompanhar todos
os casos de forma continuada e individualizada. De facto, durante o período de estágio
foi possível acompanhar a totalidade das actividades exercidas na clínica.
A consolidação e aplicação de conhecimentos adquiridos durante o percurso académico
constavam dos principais objectivos do estágio. Ambicionava, portanto, a aquisição de
competências profissionais na área clínica de animais de companhia, e esperava
desenvolver raciocínio clínico, capacidade de pesquisa e autonomia.
O presente relatório consiste de uma sumária apresentação da casuística acompanhada
durante o estágio, seguida de uma revisão bibliográfica sobre Hipotiroidismo canino, e
finaliza com a exposição de um caso clínico sobre o mesmo tema e do qual pude
acompanhar todas as etapas relativas ao diagnóstico e acompanhamento inicial da
resposta à terapia. A endocrinopatia em questão sempre me suscitou interesse e dado
que actualmente é uma doença de relativa incidência entre a população canina, penso
que o conhecimento mais aprofundado das suas particularidades me poderá ser muito
útil na prática clínica futura.
1. Descrição do local de estágio
A CMVS localiza-se em pleno centro urbano de Aveiro e encontra-se em
funcionamento há já alguns anos. O corpo clínico, na altura da realização do estágio,
consistia da directora clínica e três Médicos Veterinários, sendo que um deles restringia
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
2
a sua actividade à clínica cirúrgica e imagiologia. Duas auxiliares e uma enfermeira
veterinária contribuíam para a formação da equipa.
A nível estrutural possui dois consultórios, sendo contudo um mais direccionado para
realização de ecografia e exame oftalmológico, um laboratório, uma sala de cirurgia,
uma sala de apoio à cirurgia na qual se realiza, por exemplo, a preparação do material,
uma sala de radiografia, uma sala onde se realiza a recuperação pós-cirúrgica dos
animais e internamento e uma zona destinada aos banhos terapêuticos.
Para além de consultas de medicina interna, a clínica está equipada de modo a permitir a
realização dos mais variados procedimentos cirúrgicos, meios complementares de
diagnóstico e eventual internamento.
A clínica dispõe de serviço de radiografia, endoscopia, ultrassonografia e
electrocardiografia. O laboratório, já referido, permite a realização de diversas análises,
nomeadamente hemograma, bioquímicas séricas, urianálise, esfregaços sanguíneos e
citologias.
2. Actividades desenvolvidas
Durante o período de estágio foi possível intervir um pouco em todas as actividades
desenvolvidas, desde acompanhamento de consultas em diversas áreas, auxílio nas
cirurgias de tecidos moles ou ortopedia, e posterior acompanhamento pós-cirúrgico de
animais, assistência à realização de exames complementares imagiológicos e execução
de analítica laboratorial. Para além disso, foi possível a interacção contínua com
clientes, o que penso ser uma mais-valia a nível de familiarização à profissão.
Durante as consultas pude assistir e auxiliar à execução da anamnese e exame clínico,
colaborando sempre que possível nos diversos procedimentos.
Relativamente à clínica cirúrgica foi possível intervir nas diferentes etapas,
nomeadamente preparação pré-cirúrgica, administração e monitorização anestésica,
auxílio ao cirurgião na cirurgia propriamente dita, e recobro.
Por regra geral, os animais não permaneciam internados, a menos que o carácter urgente
de uma situação assim o determinasse. O corpo clínico defendia que a recuperação de
um animal doente sucede mais rapidamente se este permanecer no seu meio ambiente
habitual, não sendo sujeito ao stress causado pelo internamento. Contudo, em caso de
internamento realizava a monitorização do animal através de exame clínico
pormenorizado e procedia a administração de medicamentos.
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
3
II. Casuística
As espécies acompanhadas durante o estágio foram, essencialmente, a canina e felina,
embora de forma mais esporádica fossem consultados os apelidados animais exóticos.
Gráfico 1. Casuística, de acordo com espécie animal, expressa em percentagem (n=481).
Pode constatar-se pela análise gráfica que a espécie mais consultada durante o estágio
foi a espécie canina, correspondendo a 67% das consultas efectuadas (325 animais). A
espécie felina aparece como 28% da totalidade, o que corresponde a 134 animais
consultados, e 22 consultas foram efectuadas a animais exóticos o que equivale a apenas
5%.
Os animais exóticos observados foram, essencialmente, coelhos, roedores, quelónios
(concretamente tartarugas) e algumas aves, nomeadamente papagaios. Dado que o
conhecimento relativo a estes animais era muito escasso antes de iniciar o estágio, as
suas consultas eram, além de muito interessantes, um verdadeiro desafio.
Gráfico 2. Casuística, de acordo com a área médica, expressa em percentagem (n=525).
30%
8%
62%
Clínica Médica Clínica Cirúrgica Medicina Preventiva
Canídeos
67%
Felídeos
28%
Exóticos
5%
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
4
A maioria das consultas foi efectuada no âmbito da medicina preventiva, 326 animais o
correspondente a 62% da totalidade. De facto, a vacinação e desparasitação ocupam
lugar de destaque na actividade da CMVS, pois investe-se muito na profilaxia. Existe
uma elevada consciencialização dos proprietários para a necessidade de prevenção e
protecção.
Na CMVS obedece-se a um esquema vacinal, no qual as vacinas monovalentes são
eleitas preferencialmente às polivalentes. No que concerne à população canina aplica-se
uma vacina polivalente contra Leptospirose, Hepatite e Esgana, mas as restantes vacinas
aplicadas são monovalentes. O programa vacinal adoptado inicia-se com aplicação de
vacina contra a Parvovirose, seguida da vacina polivalente referida, vacina contra
afecções respiratórias causadas por Bordetella bronchiseptica e vírus da parainfluenza
de tipo 2 e, por fim, vacina anti-rábica. Na impossibilidade de cumprimento deste
protocolo procede-se a aplicação de vacina polivalente contra Esgana, Hepatite,
Leptospirose, Parvovirose e Tosse do Canil, mas não contra a Raiva. Esta última é
sempre ministrada isoladamente e com cerca de 15 dias de intervalo da vacina
polivalente.
Nos felinos é efectuada a vacinação contra Leucemia Felina e a vacinação contra
Rinotraqueíte vírica, Panleucopénia, infecções por Calicivírus e Chlamydophila felis
separadamente. A vacinação anti-rábica é efectuada isoladamente.
O cumprimento do protocolo anual é atingido somente após várias consultas, pois
idealmente em cada consulta apenas uma vacina é ministrada e, por norma, deve existir
um espaçamento de cerca de 15 dias entre vacinas. No que diz respeito aos reforços
vacinais são realizados 3 a 4 semanas mais tarde, à excepção da vacina contra a Tosse
do Canil, cujo reforço é efectuado 15 dias mais tarde.
O programa vacinal parece trazer inúmeras vantagens no que concerne a
estabelecimento de imunidade, de forma mais progressiva e eficaz. Justifica igualmente
o facto de a área de medicina preventiva corresponder a uma percentagem tão elevada.
A adesão dos proprietários ao protocolo corrobora a sua preocupação na manutenção da
sanidade dos seus animais de companhia.
Quanto à área clínica médica 155 animais foram consultados, o equivalente a 30% da
totalidade, enquanto a cirurgia de tecidos moles e ortopedia abrangeu apenas 8% da
totalidade (44 cirurgias efectuadas).
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
5
Gráfico 3. Casuística em canídeos, de acordo com área médica, expressa em percentagem
(n=356).
Gráfico 4. Casuística felina, de acordo com área médica, expressa em percentagem (n=147).
Embora o número total de animais consultados referente à espécie canina e felina seja
muito distinto, o padrão verificado é muito semelhante. A área em que mais consultas se
inserem é a medicina preventiva, seguindo-se a clínica médica e a clínica cirúrgica, o
que reforça o apresentado anteriormente no gráfico 2.
A casuística apresentada de seguida referente à clínica médica representa apenas os
casos que acompanhei desde a primeira consulta e dos quais pude acompanhar a
evolução. As consultas de seguimento não constam.
28%
9%63%
Clínica Médica
Clínica Cirúrgica
Medicina Preventiva
33%
58%
9%Clínica Médica
Medicina Preventiva
Clínica Cirúrgica
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
6
Tabela 1. Distribuição da casuística relativa a dermatologia e gastroenterologia e estomatologia,
em canídeos e felídeos, expresso em valor absoluto e percentagem (C: Canídeos, F: Felídeos).
C F Total
Dermatologia
Atopia 1 0 1
18,9%
Demodecicose 2 0 2
Dermatite a Malassezia 2 0 2
Dermatite acral por lambedura 1 0 1
Dermatite alérgica à picada da pulga
(DAPP)
1 3 4
Dermatite aguda húmida 2 0 2
Hipersensibilidade alimentar 3 1 4
Otite externa/média 4 1 6
Piodermatite/Piodermatite profunda 3 0 3
Pododermatite 1 0 1
Saculite anal/impactação 2 0 2
Seborreia seca 1 0 1
23 5 28
Gastroenterologia e Estomatologia
Corpo estranho intestinal 1 0 1
17,6%
Diarreia aguda de causa indeterminada 4 1 6
Diarreia aguda de origem alimentar 1 0 0
Diarreia aguda de origem parasitária 1 0 1
Diarreia crónica de causa indeterminada 1 1 2
Doença inflamatória intestinal (IBD) 1 0 1
Doença periodontal 2 0 2
Estomatite 0 1 1
Fecaloma 1 0 1
Gastrite aguda 1 0 1
Gastroenterite aguda 3 0 3
Hepatomegália de origem desconhecida 1 0 1
Massa hepática 1 0 1
Vómito de causa indeterminada 3 2 5
21 5 26
Figura 1. DAPP em felino. Figura 2. Dermatofitose e IRC em felino.
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
7
Figura 3. Projecção radiológica abdominal latero-lateral em canídeo: sinais de enterite – animal
com diarreia aguda.
Tabela 2. Distribuição da casuística relativa a aparelho genito-urinário e respiratório,
endocrinologia, cardiologia, doenças infecciosas e oftalmologia, em canídeos e felídeos,
expresso em valor absoluto e percentagem (C: Canídeos, F: Felídeos).
Genito-urinário
Cistite 1 1 2
6,7%
Infecção tracto urinário 1 1 2
Insuficiência renal crónica 1 1 2
Hiperplasia prostática benigna (HPB) 1 0 1
Piómetra 0 1 1
Síndrome Urológico Felino (FUS) 0 1 1
Urolitíase 1 0 1
5 5 10
Endocrinologia
Diabetes Mellitus 0 1 1
2% Hipoparatiroidismo 1 0 1
Hipotiroidismo 1 0 1
2 1 3
Cardiologia
ICC 2 0 2
2% Sopro cardíaco 1 0 1
3 0 3
Doenças infecciosas
Babesiose 3 0 3
10,8%
Coriza 0 8 8
Leishmaniose 1 0 1
Traqueobronquite infecciosa canina 1 0 1
Síndrome da Imunodeficiência felina 0 1 1
Síndrome da Leucemia Felina 0 2 2
5 11 16
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8
Respiratório
Bronquite crónica 1 0 1
6,1%
Dispneia 0 1 1
Doença bronquial felina 0 2 2
Pneumonia 1 1 1
Rinorreia de etiologia não infecciosa 0 3 3
2 7 9
Oftalmologia
Conjuntivite 1 0 1
3,4%
Queratoconjuntivite seca 0 1 1
Úlcera da córnea 2 1 3
3 2 5
Tabela 3. Distribuição da casuística relativa a oncologia, traumatologia, sistema músculo-
esquelético, neurologia, hematologia e urgências toxicológicas, em canídeos e felídeos, expresso
em valor absoluto e percentagem (C: Canídeos, F: Felídeos).
Oncologia
Adenoma perianal 2 0 2
12,8%
Adenoma sebáceo 3 0 3
Carcinoma células escamosas 0 1 1
Carcinoma epidermóide 1 0 1
Carcinoma mamário 1 1 2
Epúlide acantomatosa oral 1 0 1
Fibrossarcoma 0 1 1
Histiocitoma 1 0 1
Leiomioma vaginal 1 0 1
Lipoma intestinal 1 0 1
Mastocitoma 1 1 2
Melanoma 1 0 1
Papiloma 1 0 1
Sarcoma pós-vacinal 0 1 1
14 5 19
Traumatologia
Hérnia diafragmática 0 1 1
4,1% Lacerações múltiplas 2 2 4
Traumatismo craniano 1 0 1
3 3 6
Músculo-esquelético
Artrose do joelho 1 0 1
6,8%
Claudicação de origem indeterminada 1 0 1
Displasia coxo-femoral 2 0 2
Fractura de bacia 1 1 2
Fractura de fémur 1 0 1
Fractura radio-ulnar 1 0 1
Luxação carpo-radial 0 1 1
Luxação patelar 1 0 1
8 2 10
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
9
Neurologia
Convulsões 0 1 1
3,4% Herniação discal 2 0 2
Meningite 1 0 1
Parésia membro anterior 0 1 1
3 2 5
Urgências Toxicológicas
Fármacos de medicina humana 1 0 1
2% Permetrina 0 1 1
Suspeita de dicumarínico 1 0 1
2 1 3
Hematologia
Anemia por hemorragia aguda 1 0 1
3,4% Anemia hemolítica imunomediada 3 0 3
Anemia não regenerativa (doença crónica) 1 0 1
5 0 5
Figura 4. Leiomioma vaginal em cadela. Figura 5. Histiocitoma em cadela.
Figura 6. Carcinoma das células escamosas Figura 7. Parésia membro posterior em felino.
em felino.
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10
Figura 8. Fractura de fémur em canídeo. Figura 9. Fractura radio-ulnar em canídeo.
Gráfico 5. Casuística canina, de acordo com sistema ou área médica, expressa em % (n=99).
A dermatologia e a gastroenterologia, na espécie canina, foram as áreas de incidência
patológica mais elevada, representando valores de 24 e 21%, respectivamente.
Os problemas dermatológicos são, de facto, de elevada incidência em gatos e cães, pelo
menos a amostra de animais observados na CMVS assim o indica. Além disso, muitas
são as doenças, que mesmo não tendo origem na pele, nesta se reflectem.
Frequentemente o vómito e/ou diarreia eram motivo de consulta. Sendo diversas as
causas que podem estar na origem do aparecimento de vómito e/ou diarreia, muitas
vezes optou-se por realizar tratamento sintomático sem que de facto se estabelecesse um
diagnóstico efectivo. Apesar de serem realizados exames complementares, como
24%
21%
5%2%
2%3%
5%3%
3%3%
14%
2%5%
8%
Dermatologia
Gastroenterologia
Genitourinário
Endocrinologia
Respiratório
Cardiologia
Hematologia
Traumatologia
Neurologia
Oftalmologia
Oncologia
Urgências toxicológicas
Músculo-esquelético
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11
radiografia, ecografia e/ou análises laboratoriais, de acordo com a história pregressa,
muitas vezes não era possível chegar a um diagnóstico definitivo da causa adjacente.
A oncologia apresenta diversos casos, e representa 15% dos casos consultados. Os
tumores de pele são frequentemente motivo da consulta.
Gráfico 6. Casuística felina, de acordo com sistema ou área médica, expressa em % (n=49).
Relativamente aos felinos, as maiores contribuições para a clínica médica foram as
doenças infecciosas, correspondendo a 23% dos casos consultados. A Coriza felina está
na origem desta elevada incidência. O sistema respiratório apresenta, igualmente, um
elevado número de casos, correspondendo a 15%.
De seguida apresento uma breve abordagem às patologias mais frequentes observadas
durante a realização do estágio correspondentes às duas áreas com maior incidência.
1. Otite externa
A otite externa é uma inflamação do canal auditivo comum em cães, mas menos
frequente em gatos. A identificação dos factores primários, predisponentes e
perpetuantes em cada caso é fulcral para um tratamento bem sucedido (Paterson, 2008).
As causas primárias estão presentes em todos os casos. Numa primeira abordagem de
otite externa não complicada pode não ser necessária a investigação da causa primária,
mas em casos recorrentes ou crónicos é essencial a sua identificação e resolução. As
principais causas primárias são hipersensibilidade, parasitas, fungos, doença endócrina,
doença imunológica, corpo estranho e distúrbio na queratinização (Paterson, 2008).
Os factores predisponentes isoladamente não causam doença, mas tornam os animais
mais susceptíveis a que esta ocorra. Os principais factores são a anatomia do ouvido, a
10%
10%
10%
2%
15%6%4%
4%
10%
2%4%
23%
Dermatologia
Gasteroenterologia
Genitourinário
Endocrinologia
Respiratório
Traumatologia
Neurologia
Oftalmologia
Oncologia
Urgências toxicológicas
Músculo-esquelético
Doenças infecciosas
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12
excessiva humidade, obstrução por pólipos ou neoplasia, doença sistémica e tratamentos
efectuados.
Os factores perpetuantes são os organismos patogénicos ou as alterações patológicas
que progridem quando a causa primária não é identificada e o ouvido é tratado
sintomaticamente, por exemplo otite externa por Pseudomonas. Os principais factores
são bactérias, fungos, progressão de alterações patológicas e otite média (Paterson,
2008).
A abordagem à otite externa deve compreender anamnese, exame físico e
dermatológico, exame auricular e exame otoscópico. Em todos os casos deve ser
realizada citologia. A cultura é necessária quando animais falharam na resposta a terapia
instituída para infecção por Gram positivos ou quando na citologia se identificou
infecção mista ou por Gram negativos (Paterson, 2008).
O tratamento tópico deve consistir de soluções de limpeza, essenciais em todos os casos
de otite, anti-bacterianos baseados na citologia, glucocorticóides, anti-parasitários no
caso de Otodectes cynotis e Demodex spp. e anti-fúngico (Paterson, 2008).
Relativamente a terapia sistémica, os anti-bacterianos raramente estão indicados mas os
anti-fúngicos são frequentemente eficazes. Os glucocorticóides sistémicos podem ser
utilizados em casos de alergia e doença imunomediada (Paterson, 2008).
A cirurgia deve apenas ser ponderada quando existam alterações patológicas
irreversíveis e não há resposta a medicação (Paterson, 2008)
2. Diarreia aguda
A diarreia é o aumento da fluidez das fezes, usualmente acompanhado de aumento da
frequência de defecção e volume de fezes. Diarreia de inicio abrupto, que geralmente
dura menos que 7 dias, é um problema comum em cães e gatos. A maioria dos casos
está associada a sinais clínicos moderados, é auto-limitante, e requer mínimos testes
diagnósticos e terapêutica (Hall, Simpson & Williams, 2005). A maioria dos animais
acometidos recupera espontaneamente, embora possa ser necessário efectuar tratamento
suporte (Nelson & Couto, 2000).
As causas mais comuns de diarreia aguda são a indiscrição alimentar e parasitas
gastrointestinais. A indiscrição alimentar engloba mudanças bruscas na alimentação,
ingestão de dieta de baixa qualidade, restos de comida ou lixo (Hall, Simpson &
Williams, 2005).
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13
O passo inicial mais importante na avaliação do animal com diarreia aguda é a distinção
entre problema auto-limitante e problema que pode constituir risco para a vida do
animal (exemplo. gastroenterite hemorrágica, parvovirose ou intussuscepção). Animais
devem ser considerados em risco se existir moderada a severa desidratação, dor
abdominal, prostração, melena ou hematoquésia, massa abdominal palpável ou ansa
intestinal dilatada, vómito frequente ou sinais de doença sistémica (Hall, Simpson &
Williams, 2005).
A história pregressa, achados clínicos e coprológicos são usados para identificação das
possíveis causas de diarreia. Os exames coprológico directo e por flutuação fecal estão
sempre indicados, pois os parasitas podem agravar o problema, mesmo quando não
constituem causa primária (Nelson & Couto, 2000). Se forem detectados parasitas
gastrointestinais a diarreia deve melhorar após tratamento antihelmíntico adequado
(Hall, Simpson & Williams, 2005).
Se a origem da diarreia for indiscrição alimentar devem ser removidas as causas e/ou ser
proporcionada uma dieta altamente digestível, baixa em fibra e gordura moderada (Hall,
Simpson & Williams, 2005)
O objectivo do tratamento da diarreia aguda é restabelecer o equilíbrio hídrico,
electrolítico e ácido-base. Animais com desidratação grave (mais de 8%) devem receber
fluido por via endovenosa. A fluidoterapia oral e subcutânea é, em geral, suficiente para
os pacientes menos desidratados. Raramente é necessário o uso de antidiarreicos,
excepto quando a excessiva perda fecal dificulta a manutenção do equilíbrio hídrico e
electrolítico (Nelson & Couto, 2000).
A inflamação intestinal grave pode originar vómito de difícil controlo. Os anti-eméticos
de acção central (por exemplo, metoclopramida) são mais eficazes do que os fármacos
de acção periférica. A restrição alimentar total pode ser necessária se a ingestão de
alimentos causar vómito grave ou diarreia com perda substancial de líquidos. No
entanto, se a ingestão de alimentos não acentuar o vómito e a diarreia é preferível
oferecer pequenas quantidades de alimentos facilmente digeríveis que não causem
irritação intestinal à restrição total. Se o alimento for retirado deve ser reintroduzido o
mais rapidamente possível. Assim que a enteropatia esteja clinicamente resolvida o
animal deve retornar gradualmente à sua dieta habitual, no período de 5 a 10 dias. Se o
animal estiver febril, existir neutropénia ou choque séptico o uso de antibióticos
sistémicos de amplo espectro é indicado (Nelson & Couto, 2000).
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14
O prognóstico de diarreia auto-limitante é excelente. Animais severamente parasitados
ou com indiscrição alimentar melhoram com cuidado diligente (Hall, Simpson &
Williams, 2005).
No que concerne à clínica cirúrgica foram apenas realizadas 44 cirurgias durante o
período de estágio, sendo 91% destas correspondentes a cirurgia de tecidos moles, e as
restantes 9% relativas a cirurgias ortopédicas.
A clínica cirúrgica na CMVS não apresenta grande expressão. No que respeita a cirurgia
ortopédica muitos dos casos eram referenciados.
Tabela 4. Distribuição da casuística em felídeos e canídeos em Cirurgia, expresso em valor
absoluto e percentagem (n=44).
Procedimento cirúrgico Canídeos Felídeos Total %
Cirurgia de tecidos moles
Enterotomia 1 0 1 2,27
Exéreses 4 1 5 11,36
Destartarização 2 0 2 4,55
Herniorrafia inguinal 1 0 1 2,27
Laparotomia exploratória 2 0 2 4,55
Limpeza e sutura cirúrgica de feridas 2 0 2 4,55
Mastectomia 1 1 2 4,55
Nodulectomia cutânea 8 0 8 18,18
Orquiectomia 1 1 2 4,55
Ovariohisterectomia 5 10 15 34,09
Cirurgia ortopédica
Amputação alta membro anterior 1 0 1 2,27
Resolução de fractura radio-ulnar 1 0 1 2,27
Resolução de fractura de fémur 1 0 1 2,27
Remoção de cavilha intramedular 1 0 1 2,27
Total 31 13 44 100
A cirurgia mais comummente realizada foi a ovariohisterectomia (OVH),
predominantemente efectuada na gata. Foi perceptível, durante o período de estágio, a
elevada consciencialização dos proprietários em relação ao controlo da população
animal. Muitos deles compreendiam perfeitamente que só se consegue alcançar um
eficaz controlo da população canina e felina recorrendo à castração. O facto de a clínica
ser localizada em pleno centro urbano justifica, pelo menos em parte, a
consciencialização dos proprietários. Para além disso a OVH pode ser considerada
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15
como método preventivo de tumores mamários e infecções uterinas, e os clientes eram
alertados para estes factos aquando de consulta.
A nodulectomia cutânea também apresenta grande expressão, sendo o reflexo dos
diversos casos de oncologia apresentados.
Gráfico 7. Distribuição de exames complementares de diagnóstico efectuados durante o período
de estágio.
Relativamente aos exames complementares o mais comummente utilizado na CMVS,
durante o período de estágio, foi a determinação de bioquímicas sérica (23%),
imediatamente seguida pelo recurso a hemograma (21%). A radiografia apresenta
igualmente alguma expressão, correspondendo a 13% dos meios utilizados.
Os exames complementares representados graficamente incluem apenas aqueles
realizados na clínica, e nos quais pude portanto ter participação activa na execução. As
análises efectuadas em laboratórios externos à clínica não estão representadas.
13%
6%
5%
21%
23%
8%
3%
3%
10%
1%3%
4%
Radiografia
Ecografia
Electrocardiograma
Hemograma
Bioquímicas séricas
Citologia
Esfregaço sanguíneo
Raspagens de pele
Urianálise
Endoscopia
Exame coprológico
Testes serológicos rápidos de diagnóstico
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16
III. Revisão bibliográfica sobre Hipotiroidismo canino
1. Anatomia e fisiologia da glândula tiróide
Na maioria dos mamíferos, a glândula tiróide encontra-se caudalmente à traqueia, ao
nível do primeiro ou segundo anel traqueal. É constituída por dois lobos, localizados
lateralmente à traqueia, conectados por uma estreita porção de tecido designada de
istmo (Cunningham, 2004). No cão, o lobo direito está situado ligeiramente cranial em
relação ao esquerdo e quase que alcança a porção caudal da laringe. Cada lobo tem
dimensões aproximadas de 2x1x0,5centímetros de tamanho médio e o peso combinado
dos dois lobos é de cerca de 1 grama. Dado que os lobos são relativamente pequenos e
estão localizados ventralmente ao músculo esterno-cefálico, não são facilmente
palpáveis, excepto quando aumentados (Pineda & Dooley, 2003).
É comum no cão e gato a existência de tecido tiroideu acessório que pode localizar-se
desde a laringe ao diafragma. Cerca de 50% dos cães adultos tem 1 a 5 ou mais nódulos
de tecido tiroideu acessório localizados na gordura da aorta intrapericardial. A estrutura
folicular e função são idênticas às dos lobos tiroideus (Pineda & Dooley, 2003).
A glândula tiróide tem um papel muito importante na regulação metabólica, e do ponto
de vista funcional a hormona tiroideia é a hormona mais importante do metabolismo
(Cunningham, 2004), É a única glândula endócrina cujas secreções, as hormonas
tiroideias, incluem na sua estrutura um elemento químico específico: o iodo. A função
da glândula inclui a concentração de iodeto e a síntese, armazenamento e secreção das
hormonas tiroideias (Botana, 2002).
O suprimento sanguíneo glandular é assegurado, na quase totalidade, pela artéria
tiroideia cranial, colateral da artéria carótida comum, e a drenagem é efectuada pela veia
tiroideia caudal, afluente da veia jugular interna. Contudo, este suprimento varia
consideravelmente, dependendo da actividade glandular (Pineda & Dooley, 2003).
A glândula tiróide, em animais adultos, é formada por células foliculares,
parafoliculares ou células C, colóide e tecido intersticial conjuntivo (Pineda & Dooley,
2003).
O tecido glandular da tiróide apresenta células em arranjo circular, os chamados
folículos (Cunningham, 2004), que são a unidade funcional básica da tiróide (Feldman
& Nelson, 2000). Estes estão preenchidos por uma substância de coloração homogénea,
o colóide, que é a principal forma de armazenamento das hormonas da tiróide. A parede
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17
do folículo apresenta uma camada única de células, cubóides quando estão em repouso e
cilíndricas se activas (Feldman & Nelson, 2000).
As células parafoliculares, ou células C, estão localizadas exteriormente aos folículos e
secretam calcitonina, hormona importante na regulação de cálcio (Cunningham, 2004).
Para a síntese das hormonas tiroideias é fundamental a presença de duas moléculas,
tirosina e iodo. A tirosina é parte integrante de uma molécula de elevado peso molecular
(660.000 daltons), a tiroglobulina, formada no interior da célula folicular e segregada
para o lúmen folicular. O iodo é convertido em iodeto no tracto intestinal, sendo então
transportado no sangue para a tiróide. A nível glandular as células foliculares procedem
à captação do iodeto através de um processo de transporte activo, o que permite que as
concentrações intracelulares de iodeto sejam 25 a 200 vezes superiores às extracelulares
(Cunningham, 2004). A ingestão adequada de iodo é, portanto, um requisito prévio à
síntese normal de hormonas tiroideias (Feldman & Nelson, 2000).
À medida que o iodeto passa através da parede apical da célula, liga-se às estruturas
anelares das moléculas de tirosina, que constituem parte da sequência de aminoácidos
que forma a tiroglobulina. O anel tirosil pode receber duas moléculas de iodeto. Se
apenas uma se acopla é designado monoiodotirosina (MIT) e se duas são acopladas,
diiodotirosina (DIT). Da união de duas moléculas de tirosina iodada resulta a formação
das hormonas tiroideias, duas moléculas de DIT formam a tetraiodotironina (T4) e uma
MIT associada a uma DIT formam a triiodotironina (T3). A tiroperoxidase tiroideia é a
enzima chave na biossíntese das hormonas tiroideias (Cunningham, 2004).
Após síntese, T4 e T3 permanecem ligadas à molécula de tiroglobulina, no lúmen acinar
extracelular, até serem libertadas, constituindo assim uma reserva que permite aos
mamíferos ficarem privados de iodo durante algum tempo sem que ocorram efeitos
imediatos sobre a produção de hormonas tiroideias (Cunningham, 2004).
A libertação das hormonas tiroideias na sua forma livre implica que a tiroglobulina,
com as suas moléculas de T4, T3, DIT e MIT, seja transladada para o interior da célula
folicular e as hormonas clivadas da tiroglobulina. As tironinas são libertadas através da
membrana celular basal e as moléculas de tirosina e o iodeto remanescentes são
reciclados (Cunningham, 2004).
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18
Figura 10. Síntese e secreção das hormonas tiroideias (adaptado de Ettinger & Feldman, 2005).
A maior parte da formação de T3 ocorre fora da glândula tiróide, pela desiodação da T4,
através da acção da 5’-monodesiodinase. Os tecidos com elevada concentração da
enzima são o fígado e rins, embora o tecido muscular produza mais T3 devido ao seu
maior tamanho relativo. É formada, identicamente, T3 reversa (rT3), mas esta tem pouco
efeito biológico e é formada somente por desiodação extra-tiroideia. (Cunningham,
2004).
Apenas 20% da T3 circulante é derivada da glândula tiróide, enquanto a T4 o é na
totalidade. No sangue, mais de 99% de T4 e T3 estão ligadas a proteínas plasmáticas, T4
com mais afinidade que T3 (Ettinger & Feldman, 2005). A proteína mais importante é
globulina transportadora da tiroxina (TBG), que tem elevada afinidade para T4, mas
também é importante no transporte de T3 (Cunningham, 2004).
Os cães têm menor afinidade entre as proteínas de ligação plasmáticas e as hormonas
tiroideias do que os humanos, o que resulta em concentrações séricas totais de T4 e T3
menores, mas concentrações livres superiores e taxas de clearance mais elevadas
(Ettinger & Feldman, 2005).
Embora a maior parte das hormonas esteja ligada, uma pequena porção está livre para
interagir com os receptores nas células dos tecidos alvo (Cunningham, 2004). Em cães,
a fracção livre de T4 é, aproximadamente, 0,1% da hormona total, enquanto em relação
a T3 a porção corresponde a 1% (Botana, 2002). Somente as hormonas livres entram nas
células para produzir efeito biológico ou feedback negativo na hipófise e hipotálamo. T3
entra na célula mais rapidamente, tem início de acção mais rápido e é 3 a 5 vezes mais
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19
potente que T4. As hormonas ligam-se aos receptores nucleares, o complexo receptor-
hormona liga-se ao ADN e influencia a expressão de uma diversidade de genes
codificados por enzimas de regulação (Ettinger & Feldman, 2005). As hormonas ligadas
a proteínas funcionam como reserva, que se utiliza com lentidão à medida que a
hormona livre entra nas células (Feldman & Nelson, 2000). Existem diversos factores
fisiológicos, patológicos e farmacológicos que podem interferir na união das hormonas
às proteínas, como a hepatite vírica, hiperestrogenémia ou opióides (Botana, 2002).
As hormonas tiroideias são metabolizadas por desiodação progressiva (Ettinger &
Feldman, 2005).
A síntese e secreção das hormonas tiroideias são reguladas primariamente pelas
mudanças na concentração da tirotropina pituitária (TSH) (Ettinger & Feldman, 2005).
A secreção de TSH é regulada pelas hormonas tiroideias por meio de inibição por
feedback negativo da síntese da hormona libertadora de tirotropina (TRH) a nível do
hipotálamo e inibição da TSH a nível da hipófise (Cunningham, 2004). A tirotropina
produz estimulação da secreção de hormona tiroideia. A tiróide tem capacidade de
regular a captação de iodeto e a síntese hormonal mediante mecanismos intra-tiroideios
independentes de TSH (Feldman & Nelson, 2000).
Figura 11. Eixo hipotálamo-hipófise-tiróide. (adaptado de Ettinger & Feldman, 2005)
As hormonas da tiróide têm uma ampla variedade de efeitos fisiológicos (Ettinger &
Feldman, 2005).
É provável que sejam as determinantes primárias do metabolismo basal (Cunningham,
2004). Aumentam a taxa metabólica e consumo de oxigénio na maioria dos tecidos, à
excepção de cérebro adulto, testículos, útero, linfonodos, baço e pituitária anterior
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20
(Ettinger & Feldman, 2005). Suspeita-se da sua intervenção na termorregulação ao
aumentar a produção de calor (Botana, 2002).
Têm efeito inotrópico positivo e cronotrópico sobre o coração (Ettinger & Feldman,
2005). Aumentam em número e afinidade os receptores β-adrenérgicos (Ettinger &
Feldman, 2005). Aumentam a resposta às catecolaminas e aumentam a proporção de
cadeias pesadas α-miosina (Ettinger & Feldman, 2005). Têm ainda efeitos catabólicos a
nível do músculo e tecido adiposo (Ettinger & Feldman, 2005). Estimulam eritropoiese
e regulam a síntese e degradação de colesterol (Ettinger & Feldman, 2005).
São essenciais ao normal crescimento e desenvolvimento do sistema esquelético
(Ettinger & Feldman, 2005), conjuntamente com a hormona de crescimento
(Cunningham, 2004). A nível do sistema nervoso central são importantes para normal
desenvolvimento dos tecidos no neonato (Cunningham, 2004). Afectam o metabolismo
dos carbohidratos, pois aumentam a absorção intestinal de glicose e facilitam o seu
transporte para o interior das células adiposas e musculares e, adicionalmente, facilitam
a captação celular de glicose mediada por insulina (Cunningham, 2004).
A formação de glicogénio é estimulada por pequenas quantidades de hormonas
tiroideias, embora elevadas quantidades promovam glicogenólise (Cunningham, 2004).
2. Etiopatogenia
O hipotiroidismo é o resultado da diminuição da produção de T4 e T3 pela glândula
tiróide e pode resultar de disfunção em qualquer uma das partes do eixo hipotálamo-
hipófise-tiróide (Ettinger & Feldman, 2005). Contudo, em cães adultos, o
hipotiroidismo espontâneo é usualmente primário e consequência de patologia na
glândula tiróide, geralmente devido a tiroidite linfocitária ou atrofia idiopática (Mooney
& Peterson, 2004). O hipotiroidismo primário espontâneo constitui 95% dos casos em
cães (Feldman & Nelson, 2000), mas é extremamente raro em gatos (Ettinger &
Feldman, 2005).
Aproximadamente 50% dos casos de hipotiroidismo canino primário são devidos a
tiroidite linfocitária (Gosselin in Ettinger & Feldman, cap. 238, p. 1536).
Macroscopicamente a tiróide pode permanecer normal ou estar atrofiada. Caracteriza-se
por infiltração, difusa ou multifocal, da glândula por linfócitos, plasmócitos e
macrófagos (Gosselin in Ettinger & Feldman, 238, 1536). Os folículos remanescentes
são pequenos, e linfócitos, plasmócitos e macrófagos podem ser encontrados no interior
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
21
do colóide vacuolizado. À medida que a tiroidite progride, o parênquima é destruído e
substituído por tecido conjuntivo fibroso (Ettinger & Feldman, 2005). O processo é
progressivo e a destruição total da tiróide pode levar meses ou anos, após o qual se
mantém praticamente não funcional. Os sinais clínicos de hipotiroidismo apenas se
manifestam quando aproximadamente 75% da glândula está destruída (Mooney &
Peterson, 2004).
Considera-se a tiroidite canina um processo imunomediado (Nachreiner in Ettinger &
Feldman, 238, 1536), embora a patogénese molecular e imunológica não tenham sido
ainda caracterizadas (Ettinger & Feldman, 2005). Entre 36% e 50% dos cães
hipotiroideus apresentam anticorpos antitiroglobulina (TgAA), (Dixon et al. in Ettinger
& Feldman, 238, 1536), mas se estes ocorrem secundariamente ao dano folicular devido
à infiltração celular ou se estão directamente envolvidos na patogénese ainda não está
completamente esclarecido (Ettinger & Feldman, 2005). A tiroidite é hereditária no
Beagle e Borzoi (Benjamin et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1537), Boxer e Great
Dane (Mooney & Peterson, 2004). A incidência de TgAA varia significativamente de
acordo com a raça (Graham et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1537).
Na atrofia idiopática ocorre perda do parênquima da tiróide e subsequente substituição
por tecido adiposo (Gosselin in Ettinger & Feldman, 238, 1537). A causa subjacente é
desconhecida, mas, histologicamente, parece ser um processo degenerativo não
inflamatório bem distinto da tiroidite linfocitária. Contudo, foi sugerido como um
estado final da tiroidite. A análise epidemiológica evidenciou que cães com tiroidite
linfocitária, com aumento de TgAA circulante, são, tipicamente, vários anos mais novos
que animais sem anticorpos. Isto sugere que a tiroidite pode progredir
subsequentemente para atrofia idiopática não inflamatória (Mooney & Peterson, 2004).
A atrofia idiopática pode distinguir-se da atrofia relacionada com o decréscimo da
secreção de TSH, na qual os folículos estão revestidos por células epiteliais cubóides,
sem sinais de degeneração (Feldman & Nelson, 2000).
A avaliação histológica da tiróide, em alguns cães hipotiroideus, revela hiperplasia das
células foliculares. Uma possível explicação para a sua ocorrência é a função alterada
das células foliculares, como por exemplo a disormonogénese. A hiperplasia das células
foliculares pode aparecer como consequência dos efeitos estimulantes da maior secreção
de TSH em resposta a deficiência de hormona tiroideia (Feldman & Nelson, 2000).
Menos comummente, o hipotiroidismo primário é causado por neoplasia bilateral da
tiróide ou invasão da tiróide por metástases neoplásicas (Marks et al., in Ettinger &
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22
Feldman, 238, 1537). Cães com neoplasia permanecem eutiroideus até que pelo menos
75% do parênquima glandular tenha sido destruído (Ettinger & Feldman, 2005). O
carcinoma da tiróide e carcinoma das células escamosas são as neoplasias que com
maior frequência promovem destruição extensa da tiróide. As neoplasias tiroideias não
parecem ter actividade hormonal. Logo, sinais de hipertiroidismo são raros. Podem no
entanto secretar formas inactivadas ou alteradas das hormonas tiroideias (Feldman &
Nelson, 2000). A tiroidite linfocitária foi identificada como um factor de risco para
aparecimento de neoplasia (Benjamin et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1537).
Outras eventuais causas de hipotiroidismo primário são os defeitos congénitos, embora
pouco comuns em cães (Mooney & Peterson, 2004).
O hipotiroidismo secundário é devido a disfunção nas células tirotrópicas pituitárias que
causa deterioração na secreção de TSH e, consequente, síntese e secreção das hormonas
da tiróide (Nelson & Couto, 2000). A atrofia folicular desenvolve-se gradualmente
devido à ausência de TSH. A ausência de estimulação da tiróide resulta na sua
degeneração atrófica caracterizada por distensão folicular e achatamento do epitélio
folicular e é claramente distinta, histologicamente, das alterações típicas da atrofia
idiopática (Mooney & Peterson, 2004). O hipotiroidismo secundário pode ser
decorrente da destruição das células tirotrópicas da hipófise, por exemplo, por neoplasia
hipofisária (rara) ou supressão da sua função por hormonas ou medicação, exemplo
glucocorticóides (frequente) (Nelson & Couto, 2000). A neoplasia que mais
frequentemente afecta a função tiroideia em cães é uma neoplasia corticotrófica
funcional que causa hiperadrenocorticismo dependente da hipófise. Desenvolve-se
hipotiroidismo secundário por supressão das células tirotrópicas e não por destruição
devida à neoplasia (Feldman & Nelson, 2000).
O hipotiroidismo terciário define-se como a deficiência na secreção de TRH pelos
neurónios dos núcleos supraóptico e paraventricular do hipotálamo. Esta por sua vez
causa deficiência na secreção de TSH e consequente atrofia folicular da tiróide. Neste
caso, a tiróide conserva a capacidade de resposta potencial a TSH ou TRH, ainda que
esteja ausente ou suprimida devido a ausência de estimulação crónica (Feldman &
Nelson, 2000). Para tal reconhecem-se diversas causas em pacientes humanos, mas
ainda não existe comunicação científica relativa a cães, podendo considerar-se como
excepcional tal ocorrência (Nelson & Couto, 2000).
O hipotiroidismo congénito é raramente diagnosticado em cães (Ettinger & Feldman,
2005). Provavelmente este provoca a morte prematura de quase todos os cachorros
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afectados (Feldman & Nelson, 2000). As causas reportadas de hipotiroidismo primário
congénito incluem deficiência em iodo, disgenesia tiroideia e disormonogénese
(Chastain et al., in Ettinger & Feldman, 238, 1537). Hipotiroidismo primário com
bócio, devido a deficiência de tiroperoxidase, foi reportado como gene autossómico
recessivo em Fox Terrier toy (Fyffe et al., in Ettinger & Feldman, 238, 1537). Está
disponível um teste genético para detectar portadores do gene (Ettinger & Feldman,
2005). O hipotiroidismo secundário resultante de aparente deficiência de TSH foi
comunicado em uma família de Schnauzers gigantes e num Boxer (Feldman & Nelson,
2000). A análise da árvore genealógica demonstrou que pode herdar-se como gene
autossómico recessivo na família dos Schnauzers (Nelson & Couto, 2000). O
hipotiroidismo congénito secundário é característico de panhipopituitarismo (Ettinger &
Feldman, 2005).
As causas iatrogénicas de hipotiroidismo incluem tratamento com 131
iodo radioactivo
administração de drogas anti-tiroideias e tiroidectomia cirúrgica. Devido à presença de
tecido tiroideu acessório, hipotiroidismo permanente é raro após tiroidectomia (Ettinger
& Feldman, 2005). O tecido acessório responde rapidamente ao aumento de secreção de
TSH endógena e sofre hipertrofia e hiperplasia foliculares suficientes para suster uma
produção de hormona tiroideia normal (Pineda & Dooley, 2003).
A deficiência de iodo é uma causa rara de hipotiroidismo em cães devido às quantidades
adequadas de iodo nos alimentos comerciais (Feldman & Nelson, 2000).
3. Epidemiologia
O hipotiroidismo em animais adultos jovens é, sem dúvida, uma das mais comuns
desordens endócrinas nos cães (Mooney & Peterson, 2004).
A incidência reportada de hipotiroidismo canino é de 0,2% a 0,8% (Panciera; Dixon et
al., in Ettinger & Feldman, 238, 1537) e a idade média de diagnóstico é 7 anos, embora
possa variar desde 0,5 a 15 anos (Ettinger & Feldman, 2005).
Embora quase todas as raças possam desenvolver hipotiroidismo, cães de raça pura são
mais comummente afectados, reflectindo, pelo menos em parte, a influência genética no
desenvolvimento da condição (Mooney & Peterson, 2004).
Golden Retrievers e Dobermann Pinschers são as raças reportadas com maior risco para
desenvolver hipotiroidismo (Ettinger & Feldman, 2005). Raças Spaniel, particularmente
Cockers, Setters e raças Terrier têm igualmente maior predisposição para
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hipotiroidismo, sendo que a suspeição para esta doença deve ser acrescida nestas raças
(Mooney & Peterson, 2004).
Em raças grandes, aparentemente, o início ocorre mais precocemente do que em raças
pequenas. Além disso, raças de elevado risco têm tendência para desenvolver a
condição numa idade mais precoce (Mooney & Peterson, 2004).
Fêmeas e machos parecem apresentar risco similar de desenvolver a doença, embora
alguns estudos demonstrem maior tendência nas fêmeas (Mooney & Peterson, 2004).
Fêmeas e machos castrados foram reportados num estudo com maior risco
comparativamente a animais inteiros (Panciera in Ettinger & Feldman, 238, 1537), no
entanto num estudo mais recentemente realizado no Reino Unido não parecia haver
associação entre raça, género ou castração (Dixon et al., in Ettinger & Feldman, 238,
1537).
4. Sinais clínicos
Devido à acção das hormonas tiroideias em diversos órgãos o hipotiroidismo é
considerado diagnóstico diferencial em diversos problemas. Numa fase inicial os sinais
clínicos podem ser inespecíficos e insidiosos e frequentemente o hipotiroidismo não é
diagnosticado (Ettinger & Feldman, 2005). A informação importante sobre a existência
de alguns sinais clínicos, nomeadamente no que diz respeito aos metabólicos, pode não
ser manifesta durante a descrição da anamnese pelo proprietário, pois os sinais surgem
com tanta lentidão que os donos se adaptam de forma inconsciente às mudanças no seu
animal e não reconhecem o problema. Somente após o animal voltar à normalidade,
devido a início de tratamento, o proprietário tem um ponto de referência e pode
reconhecer que de facto existiu um problema (Feldman & Nelson, 2000).
Em cães adultos, os sinais clínicos mais constantes de hipotiroidismo têm origem na
diminuição do metabolismo celular e efeitos sobre o estado mental e actividade do
animal. Outros sinais típicos envolvem a pele, o sistema reprodutor e o neuromuscular.
A deficiência de hormona tiroideia pode igualmente afectar outros sistemas, mas os
sinais clínicos relacionados com esses sistemas raramente são motivo para apresentação
do animal ao médico veterinário (Feldman & Nelson, 2000). Mais de 70% dos casos de
cães que sofrem de hipotiroidismo apresentam uma diversidade de sinais metabólicos
associados com anomalias dermatológicas (Mooney & Peterson, 2004).
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4.1. Sinais metabólicos
A grande maioria dos cães adultos, com raras excepções, apresenta sinais originados
pelo efeito do metabolismo celular diminuído sobre o estado mental e actividade do
animal. Estes incluem um certo grau de letargia, intolerância ao exercício ou o falta de
disposição para o realizar, e propensão a ganho de peso, sem um incremento
correspondente do apetite ou ingestão de alimentos (Feldman & Nelson, 2000). A
obesidade ocorre em, aproximadamente, 40% dos animais, embora muitas vezes tenha
origem em sobrealimentação (Ettinger & Feldman, 2005).
A incapacidade de termorregulação em ambientes frios é reportada em,
aproximadamente, 10% dos cães hipotiroideus. No entanto, a sua presença é de pouco
valor diagnóstico, pois esta característica é comum em cães eutiroideus (Mooney &
Peterson, 2004).
A letargia é o sinal metabólico mais comum, afectando até 80% dos animais (Mooney
& Peterson, 2004).
Os sinais metabólicos são possivelmente os mais difíceis de identificar pelo
proprietário, devido ao seu aparecimento gradual e natureza subtil, como já referimos. A
severidade destes sinais guarda relação directa com a durabilidade da doença. Assim, os
sinais metabólicos podem não ser evidentes na anamnese e são difíceis de reconhecer
durante a realização do exame físico, em especial se o médico veterinário examina o
animal pela primeira vez.
A maioria dos animais apresenta melhoria da actividade e interacção com os membros
da família, 7 a 10 dias após início de suplementação tiroideia (Feldman & Nelson,
2000).
4.2. Sinais dermatológicos
Alterações dermatológicas ocorrem em 60 a 80% dos cães hipotiroideus (Panciera;
Dixon et al., in Ettinger & Feldman, 238, 1537) e uma grande variedade pode ser
encontrada (Medleau & Hnilica, 2006).
As hormonas da tiróide desempenham um papel fulcral na manutenção da integridade
cutânea. Os sinais dermatológicos, em particular, variam e reflectem a severidade e
duração da doença (Mooney & Peterson, 2004). Os sinais clássicos a nível do
tegumento incluem alopécia simétrica bilateral do tronco não pruriginosa, que tende a
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não afectar cabeça e extremidades. A alopécia pode ser local ou generalizada, simétrica
ou assimétrica, ou pode afectar a cauda (‘cauda de rato’), e tem início frequentemente
em zonas sujeitas a atrito. Embora a alopécia aprurítica não seja patognomónica de
hipotiroidismo, é o diagnóstico mais provável num paciente canino que evidencia
letargia, aumento de peso, mas não polidipsia nem poliúria (Nelson & Couto, 2000).
Alopécia nasal dorsal ocorre em alguns animais como sinal precoce de hipotiroidismo
(Medleau & Hnilica, 2006).
A seborreia e pioderma são, identicamente, sinais comuns no hipotiroidismo, podendo
ser focais, multifocais ou generalizadas. A depleção da hormona tiroideia suprime as
reacções imunitárias humorais, deteriora a função celular T e reduz o número de
linfócitos circulantes, o que pode reverter-se mediante suplementação. Todas as formas
de seborreia, quer seca, oleosa ou dermatite seborreica, são possíveis de ocorrer. Dado
que a seborreia e pioderma com frequência originam prurido os cães podem chegar à
consulta devido a transtorno cutâneo prurítico (Nelson & Couto, 2000).
Os cães hipotiroideus estão predispostos a infecções bacterianas recorrentes da pele,
infecções por Malassezia spp. e demodicose (Ettinger & Feldman, 2005).
Em alguns cães, o único sintoma é pioderma recorrente e demodicose generalizada em
adultos jovens (Medleau & Hnilica, 2006).
O pêlo pode apresentar-se baço, seco e destacar-se facilmente como resultado de
permanecer, sobretudo, na fase telogénica do ciclo de crescimento do folículo piloso. O
pêlo volta a crescer com maior lentidão (Feldman & Couto, 2000). As hormonas
tiroideias são necessárias à iniciação da fase anagénica do ciclo de crescimento do
folículo piloso (Mooney & Peterson, 2004).
Hiperqueratose leva à formação de escamas e podem notar-se diversos graus de
hiperpigmentação, cicatrização inadequada de feridas e fácil formação de equimoses
(Feldman & Nelson, 2000). Otite externa recorrente é reportada em número
considerável de animais (Mooney & Peterson, 2004).
Mixedema, ou mucinose cutânea, é uma rara manifestação dermatológica de
hipotiroidismo, caracterizada por espessamento da pele, sem rugosidades associada,
especialmente ao nível das pálpebras, face e fronte (Ettinger & Feldman, 2005). Tem
origem em acumulação de mucopolissacáridos e ácido hialurónico na derme devido a
desequilíbrio entre a sua produção e degradação, já que a normalidade destes processos
é determinada pela tiróide. Pode originar a chamada ‘facies tragica’ (Mooney &
Peterson, 2004).
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4.3. Sinais reprodutivos
Raramente as alterações reprodutivas podem ser a única e inicial manifestação clínica
de disfunção tiroideia (Feldman & Nelson, 2000).
A hormona tiroideia é necessária para secreção normal da hormona foliculoestimulante
(FSH) e hormona luteinizante (LH). No hipotiroidismo podem ocorrer intervalos
prolongados entre cios, ausência de cios e/ou ausência de libido nas fêmeas, e atrofia
testicular, oligospermia e azoospermia e/ou falta de libido em machos (Feldman &
Nelson, 2000). Outras alterações incluem ovulações silenciosas, hemorragia éstrica
prolongada, galactorreia e ginecomastia inapropriadas. Acredita-se que esta última se
desenvolve após aumento da secreção de TRH, induzida por deficiência da hormona
tiroideia, o que por sua vez estimula a secreção de prolactina (Feldman & Nelson,
2000).
4.4. Sinais cardiovasculares
Os sinais clínicos relacionados com disfunção do sistema vascular são raros (Feldman
& Nelson, 2000).
Alterações identificadas ao exame físico podem incluir bradicardia, batimento débil a
nível apical, e raramente arritmias cardíacas relacionadas com cardiomiopatia (Feldman
& Nelson, 2000).
As alterações electrocardiográficas incluem bradicardia sinusal e decréscimo na
amplitude das ondas P e R (Feldman & Nelson, 2000).
Apesar de o hipotiroidismo induzir alterações ecocardiográficas não se demonstrou
relação entre este e cardiomiopatia dilatada grave com sinais de insuficiência cardíaca
em cães. Apesar das concentrações séricas basais de hormona tiroideia serem
frequentemente baixas, em animais com cardiomiopatia dilatada idiopática, a
capacidade de resposta a TSH mantém-se, o que sugere síndrome do eutiroideu doente.
Nestes animais a suplementação hormonal deve ser realizada com precaução, pois esta
aumenta o índice metabólico e a demanda de aporte de oxigénio aos tecidos (Feldman &
Nelson, 2000).
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4.5. Sinais oftalmológicos
As alterações a nível ocular são raras e coloca-se a hipótese de surgirem como
consequência da hiperlipidémia (Feldman & Nelson, 2000).
As patologias oculares reportadas no hipotiroidismo canino incluem lipidose corneal,
ulceração corneal, uveíte, efusão lipídica no humor aquoso, glaucoma secundário,
lipémia retinal, deslocamento da retina e queratoconjuntivite seca. No entanto não está
comprovada uma relação causal (Ettinger & Feldman, 2005). A síndrome de Horner foi
identicamente relacionada com deficiência tiroideia (Feldman & Nelson, 2000).
4.6. Sinais neuromusculares
Tanto o sistema nervoso central como o periférico podem ser afectados por
hipotiroidismo (Ettinger & Feldman, 2005). A neuropatia periférica é a manifestação
neurológica melhor estudada (Indrieri et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1537). Cães
afectados apresentam intolerância ao exercício, fraqueza, ataxia, tetraparésia ou
paralisia, défices proprioceptivos consciente e diminuição dos reflexos espinais. Os
sinais clínicos resolvem-se com suplementação de tiroxina (Ettinger & Feldman, 2005).
Miopatia subclínica pode ocorrer em cães hipotiroideus (Braund et al. in Ettinger &
Feldman, 238, 1537). Claudicação unilateral pode ser manifestação de neuromiopatia
(Budsberg et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1537). Sinais do sistema nervoso central
incluem crises convulsivas, ataxia e caminhar em círculos, e geralmente coexistem
sinais vestibulares, como inclinação da cabeça, ou paralisia do nervo facial (Feldman &
Nelson, 2000).
O hipotiroidismo frequentemente não se reconhece como uma causa potencial de
problemas neuromusculares. No entanto, em cães com sinais neurológicos devem ser
avaliadas as concentrações séricas das hormonas tiroideias (Feldman & Nelson, 2000).
Tem sido descrito megaesófago generalizado em cães com hipotiroidismo, sendo que
este pode resultar da neuropatia ou miopatia induzida por hipotiroidismo ou se tratar
apenas de síndrome do doente eutiroideu (Feldman & Nelson, 2000).
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4.7. Sinais gastrointestinais
Sinais clínicos relacionados com o sistema gastrointestinal não são frequentes em cães
hipotiroideus (Feldman & Nelson, 2000).
O hipotiroidismo foi reportado em associação a sobrecrescimento bacteriano no
intestino delgado de alguns animais. Presume-se que seja secundário à redução da
motilidade gastrointestinal (Mooney & Peterson, 2004).
Pode ocorrer obstipação, possivelmente como resultado de alterações na actividade de
controlo eléctrico e respostas contrácteis do músculo liso do tubo digestivo. Foi referido
diarreia, ainda que não se tenha estabelecido uma relação de causa-efeito (Feldman &
Nelson, 2000).
4.8. Alterações da coagulação
Foi reportada, em cães hipotiroideus, uma diminuição do antigénio relacionado com o
factor de von Willebrand, embora este dado não seja constante. No entanto, é raro que
cães hipotiroideus apresentem sinais clínicos relacionados com transtorno hemorrágico
(Feldman & Nelson, 2000).
4.9. Sinais clínicos associados a hipotiroidismo congénito
O hipotiroidismo severo em cachorros denomina-se cretinismo (Feldman & Nelson,
2000). Resulta em retardo mental e crescimento desproporcional devido a disgenesia
epifisária e maturação esquelética retardada (Lieb et al. in Ettinger & Feldman, 238,
1538). Cães afectados são apáticos, e evidenciam cabeça larga, membros curtos,
macroglossia, hipotermia, erupção dentária retardada, ataxia e distensão abdominal
(Mooney & Anderson; Greco et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1538). Os achados
dermatológicos são semelhantes aos encontrados em cães hipotiroideus adultos. Outros
sinais incluem aprumos incorrectos, canal auditivo estenosado, pálpebras encerradas e
obstipação (Ettinger & Feldman, 2005). Os cachorros afectados muitas vezes são os
maiores ao nascimento, mas o seu desenvolvimento retarda-se entre as 3 e 8 semanas.
Cachorros afectados severamente podem morrer sem diagnóstico estabelecido nas
primeiras semanas de vida (Ettinger & Feldman, 2005).
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4.10. Sinais clínicos associados a hipotiroidismo secundário
Os sinais clínicos são similares, em animais adultos e jovens, no hipotiroidismo
primário e secundário. Na maior parte dos canídeos o hipotiroidismo secundário
adquirido tem origem numa neoplasia hipofisária. Os sinais clínicos predominantes
variam com a actividade hormonal da neoplasia e a magnitude da destruição ou
compressão das estruturas circundantes (Feldman & Nelson, 2000).
4.11. Poliendocrinopatias
O hipotiroidismo pode ocorrer em associação com outras desordens endócrinas
imunomediadas, como hipoadrenocorticismo e diabetes mellitus (Melendez et al. in
Ettinger & Feldman, 238, 1538. O hipotiroidismo causa resistência à insulina e pode
mascarar as alterações electrolíticas típicas de hipoadrenocorticismo (Ettinger &
Feldman, 2005).
5. Diagnóstico laboratorial
O hipotiroidismo está associado a alterações laboratoriais bem definidas, cuja
gravidade, frequentemente, se correlaciona com a severidade e cronicidade do estado
hipotiroideu. Contudo, muitas das alterações são inespecíficas e podem ser inerentes a
outras doenças características dos cães. Apesar disso, são evidência de apoio para um
diagnóstico de hipotiroidismo em pacientes com sinais clínicos apropriados (Feldman &
Nelson, 2000).
5.1. Análise hematológica completa
A alteração clássica é anemia normocítica, normocrómica e não regenerativa, com
hematócrito (Hct) compreendido entre 25 e 36. A contagem eritrocitária total,
hemoglobina e Hct encontram-se diminuídos (Feldman & Nelson, 2000). Anemia
moderada afecta, aproximadamente, 40-50% dos cães hipotiroideus (Mooney &
Peterson, 2004). Ainda que se desconheça a causa, estudos em ratos, cães e humanos,
indicam um decréscimo na concentração plasmática de eritropoietina e falta
subsequente de estimulação da medula óssea. A deficiência da tiróide correlaciona-se
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31
com um menor consumo de oxigénio por parte dos tecidos periféricos e um efeito
reducente directo sobre a eritropoietina plasmática e um aumento das concentrações de
2,3-difosfoglicerato nos eritrócitos, que aumenta a libertação de oxigénio nos tecidos
periféricos. Estes factores diminuem a demanda da produção de eritrócitos (Feldman &
Nelson, 2000).
A detecção de anemia regenerativa deve imediatamente remeter para outra causa
subjacente (Mooney & Peterson, 2004).
A avaliação da morfologia eritrocitária, possivelmente, pode revelar aumento das
concentrações de leptócitos. Acredita-se que estas células aparecem devido a um
aumento de colesterol na membrana eritrocitária, um resultado directo da
hipercolesterolémia concomitante. A contagem leucocitária é variável. No geral, a
leucocitose está associada a infecção, como pioderma concomitante. A contagem
plaquetária pode ser normal ou aumentada e o tamanho das plaquetas pode ser normal
ou diminuído (Feldman & Nelson, 2000).
5.2. Bioquímicas séricas
A alteração típica que se observa no painel de bioquímica é a hipercolesterolémia em
jejum, que se encontra em mais de 75% dos cães com hipotiroidismo. Identicamente
pode existir hiperlipidémia e hipertrigliceridémia em jejum (Feldman & Nelson, 2000).
A hipertrigliceridémia ocorre até 88% (Dixon et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1538).
Em raros casos, hiperlipidémia pode levar a desenvolvimento de aterosclerose (Ettinger
& Feldman, 2005).
As hormonas tiroideias estimulam praticamente todos os pontos do metabolismo
lipídico, incluindo síntese, mobilização e degradação. No hipotiroidismo ocorre
diminuição tanto da síntese como degradação dos mesmos. No geral, a degradação é
mais afectada que a síntese, logo há acumulação de lípidos plasmáticos, em especial
lipoproteínas de baixa e muito baixa densidade (Feldman & Nelson, 2000).
A hipercolesterolémia e hipertrigliceridémia podem relacionar-se com vários outros
transtornos e, como tal, não são patognomónicas de hipotiroidismo. No entanto, a sua
presença em cães com sinais clínicos congruentes é uma forte evidência de
hipotiroidismo (Feldman & Nelson, 2000).
Em determinadas situações ocorrem aumentos leves a moderados das concentrações
séricas de desidrogenase láctica, aspartato aminotransferase (AST), alanina
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32
aminotransferase (ALT) e fosfatase alcalina (FA). Acredita-se que estes aumentos se
devem a miopatia ou lipidose hepática. No entanto, estas alterações são pouco
constantes (Feldman & Nelson, 2000).
É possível que se verifique hipercalcémia leve em alguns casos de hipotiroidismo
congénito, como consequência do aumento da absorção intestinal de cálcio e diminuição
da excreção urinária do mesmo (Feldman & Nelson, 2000).
Pode observar-se aumento da creatina quinase (CK), embora a sua ocorrência não seja
constante (Feldman & Nelson, 2000).
Por norma, os resultados da urianálise são normais em animais hipotiroideus (Nelson &
Couto, 2000).
A fructosamina pode aparecer acima dos valores de referência, mas há tendência para
retorno a valor normal durante tratamento com levotiroxina. É sugerido que as suas
concentrações séricas sejam elevadas em cães hipotiroideus, devido ao turnover
proteico estar diminuído, independentemente de concentração de glicose no sangue
(Reusch, 2002).
6. Provas de função da tiróide
Geralmente, a função da tiróide é avaliada através da medição da concentração sérica
basal da hormona tiroideia ou capacidade de resposta da tiróide a estimulação, por
exemplo, recorrendo à prova de estimulação com TSH (Feldman & Nelson, 2000).
Actualmente estão disponíveis diversas provas basais da hormona tiroideia incluindo T4
total (tT4), T4 livre (fT4), T3, T3 livre (fT3) e T3 reversa (rT3) (Feldman & Nelson, 2000).
Porém, as usualmente medidas são tT4, tT3 e fT4 (Ettinger & Feldman, 2005).
A T4 sérica total, tanto a unida a proteínas como a livre, provém da tiróide. Logo, a T4 é
a hormona tiroideia mais idónea para avaliar a função da tiróide. Em contrapartida, a
maioria da T3 e rT3 tem origem na desiodação de T4 extra-tiroideia. A concentração
sérica de T3 é um indicador inadequado da função da tiróide devido à localização
predominante de T3 intracelular e à quantidade mínima de T3 secretada na tiróide
comparativamente a T4 (Feldman & Couto, 2000).
As concentrações de T4, T3, rT3 são, contudo, afectadas por diversos factores que
influem sobre a precisão das medições no diagnóstico de hipotiroidismo (Feldman &
Nelson, 2000). Estes serão referidos mais adiante.
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33
6.1. Concentração sérica de tiroxina total (tT4)
A concentração sérica de tT4 basal diz respeito à totalidade da tiroxina ligada a proteínas
e a circulante no sangue (Nelson & Couto, 2000). A sua determinação foi
tradicionalmente o suporte do diagnóstico de hipotiroidismo e continua a ser um
excelente teste de diagnóstico de primeira linha para esta disfunção endócrina (Mooney
& Peterson, 2004). A medição da concentração sérica de tT4 é, possivelmente, o método
mais simples e económico de avaliação primária da função tiroideia (Nelson & Couto,
2000).
Um cão que apresente concentração de tT4 de valor compreendido no intervalo de
referência é um cão eutiroideu, a não ser que anticorpos anti-T4 estejam na origem de
um falso aumento do valor de tT4 (Ettinger & Feldman, 2005). Mas isto é pouco
comum, dado que os anticorpos são detectados em menos de 2% dos cães suspeitos de
hipotiroidismo (Nachreiner et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1539) e, geralmente,
resultam em valores de tT4 desviados dos valores padrão de referência (Ettinger &
Feldman, 2005).
A tT4 é usualmente inferior quando se está perante hipotiroidismo, apenas <5%
apresentam valores compreendidos no intervalo de referência ou valores aumentados
(Mooney & Peterson, 2004). A diminuição de tT4, contudo, não é específica de
hipotiroidismo, pois pode resultar de variação individual normal, de doença não
tiroideia ou ser secundária à administração de fármacos. A raça e idade do animal,
temperatura ambiente, estação do ano e própria altura do dia podem influenciar a
concentração sérica de tT4 (Ettinger & Feldman, 2005).
A sensibilidade deste teste é indubitavelmente alta, sendo superior a 95%, mas a
especificidade ronda apenas os 70% (Mooney & Peterson, 2004).
Não se recomenda utilizar um valor de T4 sérica, de forma arbitrária, para distinguir
entre eutiroidismo e hipotiroidismo. Este valor deve ser avaliado contextualmente
considerando a anamnese, dados resultantes do exame físico e dados clinicopatológicos.
A informação como um todo estabelece a suspeita de eutiroidismo e hipotiroidismo
(Nelson & Couto, 2000).
A concentração de tT4 em neonatos é similar à de adultos jovens. Cerca das 3 semanas
de idade aumenta em 2 a 5 vezes a concentração adulta, porém, retorna cerca de 12
semanas à concentração adulta, e declina depois gradualmente com a idade (Reimers et
al. in Ettinger & Feldman, 238,1539).
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As concentrações de tT4 não diferem, significativamente, entre machos e fêmeas, mas
costumam ser superior em raças pequenas, relativamente a raças médias e grandes
(Reimers et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1539). Aumentos moderados podem ocorrer
em cães obesos (Ettinger & Feldman, 2005). Os valores de tT4 parecem aumentar
durante fases de predominância de progesterona no ciclo éstrico das cadelas. No
entanto, por os valores geralmente se manterem no intervalo, as alterações não
apresentam sinais clínicos associados (Mooney & Peterson, 2004).
6.2. Concentração sérica de tiroxina livre (fT4)
A tiroxina livre é a fracção metabolicamente activa e representa a fracção da hormona
disponível para utilização pelos tecidos (Mooney & Peterson, 2004).
As proteínas transportadoras de hormonas funcionam como uma reserva para manter
concentração de hormona livre no plasma, apesar das flutuações na libertação e
metabolismo de T3 e T4 ou concentrações das proteínas plasmáticas. As concentrações
de hormonas livres são menos afectadas pelas alterações na concentração de proteínas
de ligação que as hormonas totais (Ettinger & Feldman, 2005).
Dado que apenas a forma livre das hormonas pode entrar nas células e ligar-se a
receptores, a medição de fT4 deve fornecer uma representação mais precisa da função
tiroideia. A concentração de fT4, nos humanos, permanece normal durante doenças não
tiroideias (Ettinger & Feldman, 2005). Teoricamente, a fT4 não seria afectada por
doenças não tiroideias (Mooney & Peterson, 2004), embora nos cães isso possa não
acontecer (Ettinger & Feldman, 2005).
O método standard para determinação da concentração de fT4 é a diálise em equilíbrio.
Mas por ser muito dispendiosa e morosa, por vezes recorre-se a radioimunoensaios
(RIA) destinados a humanos. Estes, porém, dependem da predominância de ligação de
hormona tiroideia a TBG, concentrações estas que são mais baixas nos cães que nos
humanos. As concentrações medidas pelo RIA são inferiores às medidas pela diálise em
equilíbrio e não têm vantagem diagnóstica relativamente à determinação de tT4 (Ettinger
& Feldman, 2005). Está disponível uma técnica de diálise de equilíbrio modificada
indicada para uso comercial e com maior precisão para avaliar a fT4 sérica que os RIA,
sendo mais sensível e específica para o diagnóstico de hipotiroidismo que a
determinação de tT4 (Scott-Moncrieff et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1539), e ostenta
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
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ainda a vantagem de não ser afectada pela presença de anticorpos anti-T4 (Ettinger &
Feldman, 2005).
A determinação de fT4 é particularmente importante em casos nos quais a tT4 está
diminuída e TSH permanece no intervalo de referência, pois a fT4 pode auxiliar na
diferenciação de hipotiroidismo (baixos valores) de doenças não tiroideias (valores
compreendidos no intervalo) (Mooney & Peterson, 2004).
Apenas uma pequena proporção de cães hipotiroideus mantém valores normais, embora
no limite inferior. Provavelmente isso reflecte uma tentativa de manter as concentrações
de fT4 adequadas na fase inicial do hipotiroidismo (Mooney & Peterson, 2004).
A fT4 pode ser à semelhança da tT4 afectada pela terapia com determinados fármacos e
doenças não tiroideias, embora em menor extensão. As concentrações são suprimidas
apenas em doença severa (Mooney & Peterson, 2004).
6.3. Concentração sérica de triiodotironina total (tT3)
A medição da concentração da tT3 é menos precisa que a de tT4 na distinção de cães
hipotiroideus de eutiroideus, pois as concentrações de tT3 oscilam mais frequentemente
fora do intervalo de referência que tT4 nos eutiroideus (Ferguson in Ettinger &
Feldman, 238, 1539). Falsos resultados podem ocorrer devido a anticorpos anti-T3
(Ettinger & Feldman, 2005).
A medição de tT3 não tem, na prática, vantagens em relação a tT4, sendo de fraco valor
diagnóstico. Consequentemente, a sua medição raramente é necessária, até porque
apenas cerca de metade da fracção em circulação é directamente secretada pela tiróide,
sendo o resto produzido por desiodação de T4 nos tecidos periféricos. O processo de
desiodação é inibido por doenças não tiroideias e a coincidência entre valores de T3 em
cães hipotiroideus e aqueles com doença não tiroideia é ainda mais marcada que no caso
de tT4 (Mooney & Peterson, 2004).
A utilidade clínica das medições de fT3 e rT3 em cães não foi demonstrada (Ettinger &
Feldman, 2005).
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36
6.4. Concentração sérica basal de tirotropina canina (cTSH)
A medição da concentração de TSH canina é um precioso indicador da disfunção
tiroideia (Ettinger & Feldman, 2005). A concentração sérica de TSH está elevada na
maioria dos casos de hipotiroidismo primário, devido à ausência de feedback negativo
de T4 e T3 sobre a hipófise (Birchard & Sherding, 2002).
Na maioria dos estudos realizados a sensibilidade e especificidade é cerca de 80%, logo
é recomendada a medição, mas em associação com avaliação de tT4. (Mooney &
Peterson, 2004).
Relativamente à utilidade diagnóstica da concentração de cTSH endógena deve ter-se
em conta que nunca deve ser utilizada como única prova de função da tiróide e deve ser
interpretada em conjunto com concentrações séricas de tT4 ou fT4 analisadas a partir da
mesma amostra sanguínea. A detecção de uma concentração sérica de T4 ou fT4
diminuída, associada a um valor de cTSH elevado, antecedentes e dados do exame
físico apropriados sustenta com solidez o diagnóstico de hipotiroidismo primário,
enquanto a detecção de concentrações séricas de T4, fT4 e cTSH normais descarta
hipotiroidismo (Nelson & Couto, 2000).
O hipotiroidismo primário é caracterizado por aumento da concentração sérica de TSH
antes que se detecte qualquer declínio nas concentrações basais das hormonas tiroideias
(Feldman & Couto, 2000).
Entre 13% e 38% de cães hipotiroideus apresentam concentração de TSH dentro de
limites. Possíveis causas que o justifiquem são hipotiroidismo secundário ou terciário,
flutuação na concentração de TSH, efeito farmacológico e doença concorrente (Ettinger
& Feldman, 2005). Alguns estudos sugerem flutuação aleatória de TSH a várias alturas
durante o dia, embora ainda não se tenha identificado um ritmo circadiano (Mooney &
Peterson, 2004).
A especificidade de avaliação somente de TSH é inferior à de tT4 ou fT4, pois as
concentrações de TSH estão aumentadas em 7 a 18% de animais eutiroideus. Causas
que justifiquem aumento de TSH sem aumento de tT4 incluem efeitos de fármacos e
doença não tiroideia em recuperação (Ettinger & Feldman, 2005). Esta última pode
reflectir o aumento de demanda de produção de hormona tiroideia com o progressivo
retorno à função eutiroideia (Mooney & Peterson, 2004). Na maioria dos cães
eutiroideus doentes a concentração de TSH mantém-se normal (Kantrowitz et al. in
Ettinger & Feldman, 238, 1541).
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37
6.5. Teste de estimulação com TSH
A prova de estimulação com tirotropina é a prova diagnóstica mais precisa de que se
dispõe para avaliar a função da tiróide. Avalia a capacidade de resposta da tiróide à
administração de TSH exógena. Permite diferenciar hipotiroidismo e síndrome do
eutiroideu doente em cães com baixas concentrações basais de hormona tiroideia
(Feldman & Nelson, 2000). Confirma diagnóstico de hipotiroidismo em animais com T4
baixa que não aumenta após administração de TSH (Birchard & Sherding, 2002).
Contudo o custo, disponibilidade esporádica da TSH e resultados ambíguos em alguns
animais são alguns dos inconvenientes inerentes ao teste (Feldman & Nelson, 2000).
Esta prova está indicada em situações em que não foi possível estabelecer diagnóstico
após apreciação de história pregressa, dados do exame físico, achados
clinicopatológicos e concentrações basais de hormona tiroideia; uma doença sistémica
grave pode estar a afectar as concentrações séricas basais de hormona tiroideia; está
contra-indicada a terapia como método diagnóstico ou quando o proprietário solicita um
diagnóstico exacto. Em contrapartida esta prova não está indicada geralmente se sinais
clínicos, dados físicos, dados laboratoriais e concentração sérica de tiroxina sustentam
diagnóstico de hipotiroidismo (Feldman & Nelson, 2000).
É utilizada para realização deste teste TSH bovina, pois a tiróide canina pode responder
a esta, porque à diferença da actividade imunológica da molécula de TSH, a actividade
biológica não tem especificidade de espécie (Feldman & Nelson, 2000).
O protocolo frequentemente utilizado consiste da medição de tT4, seguida da
administração intravenosa de TSH bovina, 0,1UI/kg, no máximo 5UI por animal. Deve
ser feita nova medição de tT4, 6 horas após administração (Ettinger & Feldman, 2005).
Pode igualmente ser utilizada TSH recombinante humana, mas esta é muito dispendiosa
(Scott-Moncrieff, 2007).
O hipotiroidismo é provável se ambas as concentrações de T4 forem inferiores ao valor
de referência, 1,5µg/dl (Ettinger & Feldman, 2005). Uma concentração superior a
3µg/dl, após administração de TSH, indica eutiroidismo (Ramsey et al. in Ettinger &
Feldman, 238, 1541). A interpretação de resultados intermédios é bastante complicada e
deve ter em consideração os sinais clínicos e a severidade de doença sistémica
concorrente (Ettinger & Feldman, 2005). Resultados, pós estimulação, compreendidos entre
1,5 e 3µg/dl podem encontrar-se em fase inicial de hipotiroidismo ou podem representar
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38
a supressão da tiróide como resultado de doença concorrente ou farmacoterapia em
animais que, de outro modo, seriam eutiroideus (Nelson & Couto, 2000).
Enquanto cães com hipotiroidismo não têm capacidade de resposta à estimulação com
TSH, aqueles com concentrações basais diminuídas de hormona, devido a doença ou
fármacos, mostram resposta embora esta esteja reduzida – síndrome do eutiroideu
doente (Feldman & Nelson, 2000).
A existência de doença sistémica grave pode, contudo, proporcionar valores inferiores a
1.5µg/dl. As concentrações séricas, antes e após estimulação, acima do valor basal, em
conjunto com ausência de resposta a TSH, detectam-se em animais hipotiroideus e
podem reflectir a existência de anticorpos anti-T4 circulante em um paciente com
tiroidite linfocitária (Nelson & Couto, 2000).
Alterações em T3, antes e após estimulação, são de pouca utilidade diagnóstica (Ettinger
& Feldman, 2005).
O teste não pode ser utilizado para avaliação da função da tiróide em cães tratados com
T4, pois esta provoca atrofia da tiróide. A suplementação deve ser descontinuada 6 a 8
semanas antes da estimulação (Ettinger & Feldman, 2005).
6.6. Teste de estimulação com TRH
Para avaliação da função tiroideia é possível recorrer à prova de estimulação com TRH,
em substituição do teste de estimulação com TSH. As indicações para realização da
estimulação com TSH ou TRH são idênticas (Feldman & Nelson, 2000).
Em humanos o teste é utilizado para diferenciar hipotiroidismo primário de secundário.
Verifica-se uma resposta de TSH exagerada em humanos com hipotiroidismo primário,
enquanto no hipotiroidismo secundário não há resposta (Ettinger & Feldman, 2005).
Em contrapartida, a maioria dos cães hipotiroideus tem uma resposta de decréscimo de
TSH, comparativamente a eutiroideus (Scott-Moncrieff & Nelson in Ettinger &
Feldman, 238, 1541). Logo, em cães o teste não permite diferenciar hipotiroidismo
primário de secundário (Ettinger & Feldman, 2005).
Um protocolo comum consiste da administração de 200 µg de TRH, por animal, por via
endovenosa, associada a colheita de sangue antes e 4 horas após estimulação (Scott-
Moncrieff & Nelson in Ettinger & Feldman, 238, 1541). Diagnóstico de hipotiroidismo
é provável se a medição da concentração de tT4 post estimulação estiver abaixo do
limite inferior de referência (> 1,5 µg/dl). No entanto, alguns cães eutiroideus podem
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não apresentar resposta a TRH. O teste de estimulação com TRH é menos fidedigno que
o de TSH (Frank in Ettinger & Feldman, 238, 1541).
Tanto na prova de estimulação com TSH como TRH, é importante, apesar de existirem
diversos protocolos, seguir o procedimento sugerido pelo laboratório que realiza a
medição (Nelson & Couto, 2000).
6.7. Factores que afectam as provas de função da tiróide
Uma das principais problemáticas na interpretação dos testes é a interferência de
doenças não tiroideias e administração de fármacos. Logo, recomenda-se que
previamente à realização dos testes, se averigúe se o animal está sujeito a terapia
farmacológica recente ou actual e se investigue e excluam causas não tiroideias dos
sinais clínicos (Mooney & Peterson, 2004).
São vários os medicamentos comummente utilizados que podem alterar em muito a
função tiroideia e os testes subsequentemente. Na prática clínica, muitos casos
avaliados, apresentam achados dermatológicos e recebem tratamento antes da decisão
de avaliar a função tiroideia ser tomada. Os glucocorticóides e sulfonamidas
potenciadas são frequentemente utilizados (Mooney & Peterson, 2004). Os
glucocorticóides influenciam o metabolismo periférico das hormonas tiroideias e inibem
a secreção de TSH. Na maioria dos estudos realizados a administração oral de
glucocorticóides em doses imunossupressoras (1 a 2 mg/kg a cada 12 horas) resulta em
decréscimo em tT4, fT4 e T3, mas pequena alteração relativamente a TSH (Daminet;
Ferguson in Ettinger & Feldman, 238, 1539). Uma semana após suspensão do
tratamento, se este não tiver sido superior a 3 semanas, há um retorno ao normal das
hormonas tiroideias. Tratamento de longa duração pode prolongar a duração da
supressão (Ettinger & Feldman, 2005). As sulfonamidas bloqueiam a iodação da
tiroglobulina e podem causar hipotiroidismo clínico, dependendo da dose e duração do
tratamento. Trimetropim-sulfadiazina (15 mg/kg BID) não tem efeito na função
tiroideia, mas pode causar hipotiroidismo clínico se administrado na dose de 24 mg/kg
BID durante 40 dias (Daminet; Ferguson in Ettinger & Feldman, 238, 1539).
Trimetropim-sulfametoxazol a dose de 30 mg/kg BID diminui as concentrações de tT4
e tT3, aumenta TSH e diminui a resposta a TSH durante 4 semanas. Os efeitos são
reversíveis 2 a 4 semanas após cessão de terapia. A administração de fenobarbital causa
decréscimo das concentrações de tT4 e fT4 e incremento da concentração de TSH.
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Clomipramina resulta na diminuição das concentrações de tT4 e fT4, mas não altera a
concentração de TSH (Ettinger & Feldman, 2005). Outros fármacos que podem afectar
as concentrações de hormona tiroideia em cães incluem androgéneos, furosemida,
heparina, anti-inflamatório não-esteróides, propanolol, amiodarona e iodeto (Daminet;
Ferguson in Ettinger & Feldman, 238, 1539).
Idealmente os medicamentos deveriam ser retirados antes de realizar testes da função
tiroideia. O período varia claramente de droga para droga, dose e duração do tratamento,
mas, por regra geral, deveria ser de 6 semanas. O adiamento dos testes pode evitar
interpretações incorrectas dos testes. Em casos, em que o adiamento não seja possível, o
impacto dos medicamentos usados deve ser considerado e deve recorrer-se ao teste mais
apropriado ou aquele que provavelmente menos afectado (Mooney & Peterson, 2004).
A exclusão de doenças não tiroideias é indiscutivelmente uma das mais relevantes
etapas na confirmação de hipotiroidismo, embora seja provavelmente aquela que mais
vezes é esquecida. Esta etapa pode até prevenir a realização de testes da função tiróide
desnecessários. Se os testes são realizados na presença de doenças não tiroideias é
bastante difícil diagnosticar hipotiroidismo. Os efeitos das doenças não tiroideias nos
testes varia dependendo da origem e severidade da doença (Mooney & Peterson, 2004).
Nas doenças não tiroideias, as concentrações das hormonas tiroideias estão muitas vezes
diminuídas. Alterações na ligação às proteínas de transporte, distribuição periférica e
metabolismo, inibição da secreção de TSH e inibição da síntese a nível da tiróide podem
ocorrer. Em cães a concentração de tT4 é mais frequentemente afectada que a de tT3. A
magnitude do decréscimo depende da severidade da doença. Condições reportadas em
cães que diminuem a concentração de tT4 incluem hiperadrenocorticismo, cetoacidose
diabética, hipoadrenocorticismo, insuficiência renal, doença hepática, neuropatia
periférica, doença ou infecção crítica, cirurgia e anestesia (Kantrowitz et al. in Ettinger
& Feldman, 238, 1539).
7. Diagnóstico da tiroidite linfocitária
7.1. Anticorpos séricos antitiroglobulina
O desenvolvimento de anticorpos contra tiroglobulina é um achado reconhecido em
cães com tiroidite linfocitária. Tem origem na inflamação e destruição da glândula
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41
tiróide com consequente exposição a componentes antigénicos da glândula (Mooney &
Peterson, 2004).
Em 36% a 50% dos cães hipotiroideus são detectados anticorpos antitiroglobulina. Está
disponível um teste ELISA comercial, no qual apenas menos de 5% são falsos positivos
devido a outras endocrinopatias (Dixon et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1542).
A principal limitação da medição de TgAA reside no facto de nem todos os cães com
hipotiroidismo terem tiroidite. Enquanto o título positivo de TgAA providencia uma
forte suspeita de hipotiroidismo, um resultado negativo não elimina a existência de
doença (Mooney & Peterson, 2004).
Contudo é importante ter ciente que título de anticorpos positivos não é diagnóstico de
função tiroideia anormal, pois pode persistir tiroidite subclínica num animal durante
longos períodos de tempo antes de progredir para hipotiroidismo (Ettinger & Feldman,
2005). Cerca de 30% dos cães eutiroideus têm TgAA (Sodikoff, 2002). A identificação
de TgAA confirma diagnóstico de hipotiroidismo causado por tiroidite linfocitária se o
paciente apresenta sintomatologia, dados do exame físico e resultados
clinicopatológicos compatíveis (Nelson & Couto, 2000).
A vacinação pode resultar em aumento transitório do título de anticorpos (Scott-
Moncrieff et al. in Ettinger & Feldman, 238, 1542).
Não está provado se todos os cães com anticorpos desenvolvem hipotiroidismo. Num
estudo em que 171 cães com anticorpos contra a tiroglobulina foram seguidos por um
período de 12 meses observou-se que 4% desenvolveram hipotiroidismo, 13%
apresentaram sinais de hipotiroidismo e em 15% os anticorpos desapareceram (Graham,
2001).
É provável que a progressão de tiroidite varie de acordo com raça. Raças com maior
predomínio de anticorpos incluem o Golden Retrivier, Grand Danois, Setter Inglês e
Irlandês, Doberman Pinscher, Old English Sheepdog, Dálmata, Basenji, Leão da
Rodésia, Boxer, Cocker Spaniel, Shetland Sheepdog, Siberian Husky, Border Collie e
Akita (Graham, 2001).
Os resultados positivos de TgAA apresentam um pico entre os 4 e 6 anos de idade,
sofrendo um subsequente declínio.
Foi sugerido que, em animais destinados a reprodução, deveriam ser realizados testes
para detectar existência de tiroidite, numa tentativa de serem eliminadas as formas
hereditárias. Contudo, não se sabe se é, ou não, medida efectiva (Ettinger & Feldman,
2005).
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42
7.2. Anticorpos anti-T4 e anti-T3
Foram descritos anticorpos circulantes contra hormonas da tiróide em cães e acredita-se
que estejam correlacionados com tiroidite linfocitária (Feldman & Couto, 2000). A sua
predominância é, contudo, inferior à dos TgAA (Ettinger & Feldman, 2005).
A tiroxina e a triiodotironina são pequenas moléculas com peso molecular inferior a
1,000 dáltons e, portanto, não estimulam resposta imunológica por si só, a menos que
exista uma ligação covalente a um imunogéneo, como a tiroglobulina (Piechotta, Arndt,
Hoppen, 2010).
Anticorpos anti-T3 são encontrados em apenas 5,7% dos cães com sinais clínicos
consistentes com hipotiroidismo, mas em 34% de cães confirmados como hipotiroideus.
Anticorpos anti-T4 são encontrados em 1,7% dos cães com sinais clínicos, mas em 15%
dos animais confirmados (Graham et al.; Nachreiner et al. in Ettinger & Feldman, 238,
1542). Os cães podem ter reserva adequada de hormonas tiroideias pelo que a presença
de anticorpos anti-T3 e anti-T4 não é diagnóstica de hipotiroidismo (Ettinger &
Feldman, 2005).
A incidência destes anticorpos é superior em animais jovens, de idade compreendida
entre 2 e 4 anos, cães de raças grandes e fêmeas. Pointers, Setters Inglês e Irlandês,
Skye Terriers, Old English Sheepdog, Boxers e Maltese Terriers, são as raças que
apresentam incidência mais elevada (Nachreiner et al. in Ettinger & Feldman, 238,
1542).
Quando se obtêm valores de T4 sérica incomuns ou inesperados deve suspeitar-se de
presença de anticorpos circulantes, pois estes podem interferir com os RIA utilizados
(Nelson & Couto, 2000), originando aumento ou redução falseada das concentrações,
dependendo do método utilizado (Piechotta, Arndt, Hoppen, 2010).
A identificação de anticorpos anti-T4 e anti-T3 apoia o diagnóstico de hipotiroidismo,
causado por tiroidite linfocitária, se o cão evidenciar sinais clínicos, achados físicos e
dados laboratoriais congruentes com a doença (Feldman & Nelson, 2000). Contudo,
existem dúvidas sobre a interpretação de um título positivo em paciente assintomático e
sem alterações clinicopatológicas e com concentrações normais de hormona tiroideia,
pois pode ser um estado precoce de tiroidite linfocitária ou achado normal (Nelson &
Couto, 2000).
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Tabela 5. Abordagem diagnóstica de hipotiroidismo (adaptado de Feldman & Nelson, 2004).
1- A decisão de se partir para os testes de função tiroideia deve ser baseada nos dados da história pregressa,
exame físico e resultado das análises de rotina (hemograma, bioquímicas e urianálise)
2- Os testes singulares iniciais devem ser de medição da concentração da tiroxina sérica total (tT4) e tiroxina
livre (fT4) pelo método de diálise de equilíbrio.
a. O tratamento está indicado se a concentração de tT4 ou fT4 estão baixas e a avaliação inicial do animal sugere
fortemente o diagnóstico de hipotiroidismo.
b. O tratamento não está indicado se as concentrações séricas de tT4 ou de fT4 estão dentro dos parâmetros
normais e a avaliação inicial do animal não sugere fortemente o diagnóstico de hipotiroidismo.
c. Estão indicados testes de diagnóstico adicionais (medição da concentração de TSH canina (cTSH),
determinação de presença de anticorpos contra a tiroglobulina ou hormonas da tiróide) se as concentrações
séricas de T4 estão normais, mas a avaliação inicial do cão sugere fortemente o diagnóstico de hipotiroidismo ou
se o veterinário tem dúvidas se está perante hipotiroidismo mesmo depois da avaliação da história pregressa,
exames sanguíneos de rotina e determinação da concentração sérica da tT4 ou fT4.
3- Os protocolos que utilizam uma combinação de dois testes comummente utilizam a medição da concentração
sérica de tT4 ou fT4 em conjugação com a medição da concentração sérica de cTSH.
a. O tratamento está indicado se a concentração de tT4 ou fT4 está baixa e a avaliação inicial do animal sugere
fortemente diagnóstico de hipotiroidismo, seja qual for o resultado para a concentração de cTSH.
b. O tratamento não está indicado se todos os testes estão dentro dos parâmetros normais e a avaliação inicial do
animal não sugere diagnóstico de hipotiroidismo.
c. O tratamento não deve ser iniciado e os testes devem ser repetidos em 8 a 12 semanas se a concentração de
fT4 está normal, mas a concentração sérica de cTSH está acima dos valores padrão.
d. A determinação da presença de anticorpos contra a tiroglobulina e contra as hormonas da tiróide está
indicado se a concentração de T4 está normal mas a concentração sérica de cTSH está acima dos valores
padrão, e a avaliação inicial do cão sugere fortemente o diagnóstico de hipotiroidismo.
4- Há painéis de avaliação da tiróide que utilizam a medição da concentração sérica de tT4 ou fT4 medida pelo
método de diálise de equilíbrio, concentração sérica de cTSH e a determinação da presença de anticorpos contra
a tiroglobulina e contra as hormonas da tiróide.
a. O tratamento está indicado se todos os parâmetros avaliados estão alterados e a avaliação inicial do animal
sugere fortemente o diagnóstico de hipotiroidismo, seja qual for o resultado encontrado para a presença de
anticorpos para a tiroglobulina e para as hormonas da tiróide.
b. O tratamento não está indicado se todos os testes de função estão normais e a avaliação inicial do animal não
sugere fortemente o diagnóstico de hipotiroidismo, seja qual for o resultado da pesquisa de anticorpos para a
tiroglobulina e para as hormonas da tiróide. Um teste positivo para a presença de anticorpos contra as hormonas
da tiróide dá-nos o diagnóstico de tiroidite linfocitária e o animal deve ser monitorizado e fazer testes de função
tiroideia cada 3 a 6 meses.
c. Quando temos resultado discordantes nos testes de função tiroideia, a decisão de tratar o cão deve ser baseada
na avaliação inicial do paciente, no índice de suspeita do clínico para hipotiroidismo, e uma avaliação crítica de
cada resultado dos testes de função da tiróide. A medição da concentração sérica de fT4 pelo método de diálise
de equilíbrio é o teste mais preciso para avaliação da função da tiróide.
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8. Métodos auxiliares de diagnóstico
8.1. Biópsia tiroideia
A análise histológica da tiróide permite identificar tiroidite linfocitária e atrofia tiroideia
severa. Se os cães apresentam sintomatologia clínica e resultados das provas
diagnósticas congruentes esta confirma o diagnóstico de hipotiroidismo primário.
Contudo, a avaliação histológica nem sempre esclarece a função da tiróide,
especialmente quando os sinais clínicos e provas diagnósticas são vagos (Feldman &
Nelson, 2000). A biópsia da tiróide é raramente indicada para diagnosticar disfunção
tiroideia (Ettinger & Feldman, 2005).
As alterações podem ser difíceis de diferenciar do hipotiroidismo secundário, atrofia
primária e hiperplasia das células foliculares, especialmente quando esta última se
encontra na fase inicial de desenvolvimento (Feldman & Nelson, 2000).
A biópsia da tiróide deve ser realizada cirurgicamente devido à localização dorsolateral
em relação à traqueia e ao pequeno tamanho dos lóbulos afectados por tiroidite
linfocitária ou atrofia. O cirurgião deve ter em conta potenciais complicações como
recuperação mais prolongada da anestesia devido a metabolização de fármacos mais
lenta e deve conservar a integridade vascular de pelo menos uma paratiróide para evitar
hipocalcémia (Feldman & Nelson, 2000).
São inúmeras as desvantagens da biópsia, entre as quais o facto de não garantir
informação diagnóstica útil. Não se recomenda a sua realização para estabelecer
diagnóstico de hipotiroidismo (Feldman & Nelson, 2000).
8.2. Diagnóstico imagiológico da tiróide
Recentemente a cintigrafia e ultrasonografia têm sido utilizadas no diagnóstico de
hipotiroidismo primário. Os diversos exames imagiológicos têm o potencial de melhorar
a baixa precisão diagnóstica do hipotiroidismo canino (Saunders, Taeymans &
Peremans, 2007).
Devido à ausência de aumento da glândula tiróide a radiografia convencional não é útil
na avaliação de hipotiroidismo adquirido em canídeos (Saunders, Taeymans &
Peremans, 2007). Contudo, se existe hipotiroidismo devido a destruição da tiróide por
neoplasia devem realizar-se radiografias torácicas para descartar metástases (Feldman &
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
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Nelson, 2000). Em casos de hipotiroidismo congénito, contudo, as radiografias do
esqueleto são indicadas, pois resulta em nanismo desproporcional. Podem ser detectadas
patologias, como ossificação epifisária retardada e disgénese epifisária, comummente
encontradas nos côndilos do fémur e úmero e tíbia proximal. O comprimento dos ossos
longos encontra-se diminuído. Degeneração articular pode ocorrer numa fase tardia
(Saunders, Taeymans & Peremans, 2007).
A cintigrafia é principalmente utilizada no diagnóstico e tratamento de gatos
hipertiroideus. As duas principais indicações para realização de cintigrafia em cães são
suspeita de neoplasias cervicais ou hipotiroidismo (Saunders, Taeymans & Peremans,
2007).
Cães com funcionamento normal da tiróide apresentam um rácio tiróide/glândula salivar
de aproximadamente 1, aos 20 e 60 minutos após administração de 99m
TC- pertecnetato
(Adams et al. in Ettinger & Feldman, 2005). Uma diminuição na captação de
pertecnetato é reportada em cães hipotiroideus, mas um aumento da captação foi
detectado num cão hipotiroideu com tiroidite linfocitária (Ettinger & Feldman, 2005).
A ultrasonografia é um meio complementar adequado para observação da morfologia
da glândula tiróide. Recentemente tem sido usada para complemento ao diagnóstico de
hipotiroidismo primário e na diferenciação entre síndrome do doente eutiroideu e
hipotiroidismo primário. A aparência da glândula é normal em animais eutiroideus.
Sensibilidade de 98% na detecção de hipotiroidismo foi registada aquando da
combinação da avaliação de tamanho e ecogenicidade (Saunders, Taeymans &
Peremans, 2007).
9. Síndrome do eutiroideu doente
Existem doenças que não atingem a tiróide e ainda assim podem causar alterações nos
valores das concentrações séricas das hormonas segregadas por esta glândula. Quando
se verifica uma diminuição da concentração sérica das hormonas da tiróide num cão
eutiroideu em resposta a um estado de doença, dizemos que estamos perante uma
síndrome do eutiroideu doente (Feldman & Nelson, 2004).
A síndrome do eutiroideu doente pode ser induzida por afecções sistémicas que
diminuem a concentração de T4 e fT4, provocando um aumento na concentração de
TSH. Existe uma relação directa entre a gravidade do estado animal e a magnitude da
diminuição da concentração das hormonas da tiróide. Afecções sistémicas que estão
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
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comummente associadas a esta síndrome incluem doenças renais e hepáticas,
insuficiência cardíaca, infecções bacterianas graves, afecções imunomediadas (anemia
hemolítica imunomediada) e cetoacidose diabética (Nelson & Feldman, 2004).
10. Diagnóstico terapêutico
Em alguns casos a abordagem mais prática para confirmar diagnóstico de
hipotiroidismo é o ensaio terapêutico. Este apenas é admissível, se todas as tentativas
para excluir doença não tiroideia tiverem sido realizadas antes de se iniciar o ensaio.
Não há evidência de que a suplementação com hormona tiroideia seja benéfica em
animais eutiroideus doentes, podendo ser mesmo prejudicial. A dose inicial da
levotiroxina é 0,02mg/kg, a cada 12 horas (Scott-Moncrieff, 2007), sendo, portanto, a
mesma utilizada na terapia inicial de hipotiroidismo diagnosticado.
Critérios objectivos devem ser usados para avaliar a resposta ao tratamento. Se ocorre
uma resposta positiva, o clínico deve estar apto a retirar a terapia, de modo a confirmar
se há, ou não, retorno dos sinais (Scott-Moncrieff, 2007). A cessão da terapia deve coincidir
com retorno dos sinais clínicos, provando que a resolução clínica era genuinamente
consequência de tratamento (Mooney & Peterson, 2004).
As principais desvantagens do diagnóstico terapêutico são a subsequente dificuldade
diagnóstica que a suplementação causa, se a resposta for subclínica, associada ao facto
da actividade farmacológica poder melhorar alguns sinais en cães eutiroideus (Mooney
& Peterson, 2004).
O uso do diagnóstico terapêutico é apenas apropriado quando índice de suspeição de
hipotiroidismo é elevado, mas os outros testes diagnósticos são comprovadamente
equívocos. O diagnóstico terapêutico deve ser considerado como último recurso nestas
situações (Mooney & Peterson, 2004).
Uma vez que o diagnóstico incorrecto é a causa mais comum para falha terapêutica, o
clínico deve retirar a terapia e analisar outros possíveis diagnósticos (Scott-Moncrieff,
2007).
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47
11. Diagnóstico definitivo
O hipotiroidismo em cães nem sempre é um diagnóstico simples e directo. Os sinais
clínicos são frequentemente vagos e semelhantes aos de outros transtornos, as provas
diagnósticas não são 100% viáveis e são afectadas por inúmeros factores.
Para realizar um diagnóstico exacto de hipotiroidismo é necessário confiar na
combinação da anamnese, dados do exame físico, resultados dos exames laboratoriais e
concentrações séricas basais da hormona tiroideia e sempre que possível resposta a
estimulação de TSH ou TRH exógenas (Feldman & Nelson, 2000).
12. Tratamento e monitorização terapêutica
A suplementação com hormona tiroideia está indicada para o tratamento de
hipotiroidismo confirmado e consiste na administração de uma preparação de tiroxina
sintética (Nelson & Couto, 2000). Em animais com hipotiroidismo secundário ou
terciário pode ser necessário tratamento adicional, sobretudo nos casos em que é devido
a defeitos congénitos do desenvolvimento ou destruição neoplásica da hipófise
(Feldman & Nelson, 2000).
A levotiroxina sintética oral é o tratamento de eleição para o hipotiroidismo (Nelson &
couto, 2000), independentemente da causa subjacente (Ettinger & Feldman, 2005). O
tratamento com T4 preserva a normal regulação de conversão de T4 em T3, o que
permite regulação fisiológica de concentrações de T3 nos tecidos, diminuindo a
probabilidade de hipertiroidismo iatrogénico (Ettinger & Feldman, 2005).
O tratamento com T3 sintética não é recomendado, devido ao elevado risco de
hipertiroidismo iatrogénico e por ter uma semi-vida muito curta o que implicaria 3
administrações diárias. Contudo por ser indicado se houver uma inadequada absorção de
T4 a nível gastrointestinal, dado que a absorção GI de T3 aproxima-se dos 100%,
enquanto a biodisponibilidade de T4 é muito inferior, estando compreendida apenas
entre 10 e 50% (Ettinger & Feldman, 2005).
O tratamento inicial ideal deve originar concentrações séricas normais de T4, T3 e TSH.
É recomendado um produto de levotiroxina sódica que seja, no entanto, aprovada para
uso na espécie canina (Nelson & Couto, 2000). A dose óptima e a frequência de
administração variam entre cães devido à discrepância na absorção de T4 e semi-vida
plasmática (Nachreiner et al. in Ettinger & Feldman, 2005), logo pode ser necessário
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48
efectuar ajustes antes de se conseguir alcançar uma resposta clínica satisfatória (Nelson
& Couto, 2000). O tratamento deve ser iniciado na dose de 0,02mg/kg, via oral, cada 12
horas e a dose deve ser ajustada com base na medição da concentração de T4 sérica.
Esta recomendação está estabelecida com vista ao aumento da probabilidade de resposta
ao tratamento. Se houver resolução dos sinais clínicos e a concentração de T4 estiver
compreendida no intervalo de referência, a frequência pode ser alterada para apenas
uma administração diária (Ettinger & Feldman, 2005).
A suplementação de hormona tiroideia deve continuar durante pelo menos um mês antes
de se avaliar criticamente a eficácia do tratamento (Feldman & Couto, 2000). Deve
realizar-se, portanto, uma monitorização 4 a 8 semanas após inicio da terapêutica, para
verificar se a dose está a ser a adequada (Ettinger & Feldman, 2005).
As concentrações séricas de T4 devem ser avaliadas 4 a 6 horas após administração de
levotiroxina nos cães medicados a cada 12 horas. Em pacientes suplementados a cada
24 horas devem ser avaliadas previamente à medicação e 4 a 6 horas após a toma
(Nelson & Couto, 2000).
A concentração sérica de T4 deve estar compreendida entre os valores padrão
previamente à administração de levotiroxina e no limite superior ou ligeiramente acima
deste 4 a 6 horas após administração. Contudo esta abordagem clínica pode resultar em
suplementação excessiva em alguns animais (Ettinger & Feldman, 2005).
Com uma terapêutica adequada todos os sinais clínicos e alterações clinicopatológicas
associadas ao hipotiroidismo são reversíveis. O estado alerta, aumento da actividade,
força muscular e apetite, por norma, evidenciam-se na primeira semana. A
hiperlipidémia desaparece 2 a 4 semanas após inicio de terapêutica. Entre as 4 e 8
semanas ocorre uma marcada melhoria dos sinais dermatológicos. Embora se verifique
algum crescimento do pêlo, podem decorrer vários meses até atingir a normalidade e
pode ocorrer neste tempo hiperpigmentação cutânea. Se a obesidade tiver de facto
origem no hipotiroidismo verifica-se, perda de peso entre as 4 e 8 semanas após inicio
de tratamento (Nelson & Couto, 2000). A melhoria da função cardíaca é usualmente
visível por volta das 8 semanas embora possa ser retardada até as 12 semanas. Os
défices neurológicos melhoram rapidamente embora a completa resolução só aconteça
entre as 8 e 12 semanas (Nelson & Feldman, 2000). As alterações reprodutivas são
usualmente as últimas a ser resolvidas (Nelson & Couto, 2000).
As concentrações séricas de T4 devem ser medidas com um intervalo de 6 a 8 semanas,
durante os primeiros 6 ou 8 meses de tratamento, pois o metabolismo de T4 sofre
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49
modificações à medida que a taxa metabólica normaliza. A frequência de medição deve
ser posteriormente alterada para somente 1 a 2 vezes por ano (Ettinger & Feldman,
2005).
A inadequada suplementação resulta numa resolução clínica incompleta (Ettinger &
Feldman, 2005).
Um incorrecto diagnóstico de hipotiroidismo é a principal razão para falha terapêutica
(Ettinger & Feldman, 2005).
Se o cão evidencia uma resposta inadequada a levotiroxina devem reavaliar-se de forma
crítica a anamnese, dados provenientes do exame físico e resultados dos testes que
motivaram o início de terapêutica. Uma escassa resposta à terapia pode igualmente
dever-se a dose ou frequência de administração inadequadas, insuficiente absorção
intestinal de levotiroxina ou incumprimento pelo proprietário (Nelson & Couto, 2000).
Doenças como hiperadrenocorticismo, atopia e hipersensibilidade à picada da pulga
podem apresentar sinais clínicos similares aos do hipotiroidismo e muitas vezes estão
associados a decréscimo da concentração de hormonas tiroideias (síndrome do doente
eutiroideu) (Ettinger & Feldman, 2005).
Se anticorpos anti-T4 estiverem presentes no soro de um animal sujeito a suplementação
com T4 a medição desta não deve ser utilizada para monitorizar a eficácia do
tratamento. Deve confiar-se na resposta clínica para avaliação da eficácia terapêutica,
pois a presença de anticorpos não interfere com as acções fisiológicas do suplemento
(Nelson & Couto, 2000).
É pouco comum que hipertiroidismo se apresente como resultado de excessiva
suplementação de levotiroxina no cão, devido às adaptações fisiológicas que deterioram
a absorção GI e potenciam a depuração hormonal pelo fígado e rins. De qualquer forma,
o hipertiroidismo pode surgir em pacientes caninos medicados com quantidades
excessivas de levotiroxina, em animais nos quais a semi-vida plasmática da levotiroxina
tem prolongamento intrínseco sobretudo nos medicados a cada 12 horas, e em animais
com metabolismo hormonal deteriorado (Nelson & Couto, 2000).
Os sinais clínicos de hipertiroidismo incluem hiperactividade, comportamento
agressivo, taquicardia, poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso. As elevadas
concentrações séricas de hormona tiroideia confirmam o diagnóstico. No entanto, em
determinadas ocasiões as concentrações podem estar dentro dos valores num animal
com sinais compatíveis com hipertiroidismo, ou aumentadas em animais sem sinais
clínicos. O ajuste da dose, frequência ou ambas está indicado em animais que
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50
desenvolvem sinais clínicos congruentes com hipertiroidismo. A suplementação poderá
ser suspensa se os sinais forem muito pronunciados, sendo que se tiverem de facto
origem iatrogénica deverão desaparecer em 1-3 dias. A terapia deve ser reavaliada às 2
a 4 semanas após ajuste e resolução dos sinais clínicos (Nelson & Couto, 2000).
Têm sido realizados estudos na tentativa de determinar o efeito de levotiroxina na taxa
de filtração glomerular (TFG). Em cães hipotiroideus a TFG é inferior à apresentada
quando se restabelece o estado eutiroideu, mediante suplementação com tiroxina.
(Gommeren, 2009).
13. Prognóstico
O prognóstico para pacientes caninos hipotiroideus depende da causa subjacente. A
esperança de vida num cão adulto com hipotiroidismo primário, que recebe terapia
apropriada, deve ser normal. A maioria das manifestações clínicas, senão mesmo todas,
resolve-se em resposta à suplementação de hormona tiroideia (Nelson & Couto, 2000).
O prognóstico em cachorros com hipotiroidismo congénito é reservado e depende da
magnitude das alterações esqueléticas e articulares no momento de iniciação do
tratamento (Nelson & Couto, 2000). A resolução dos sinais clínicos é dependente da
idade em que se inicia o tratamento (Ettinger & Feldman, 2005). Ainda que a maioria
dos sinais tenha resolução com a terapia, podem permanecer alterações
musculoesqueléticas, em particular desenvolvimento osteoarticular anormal (Nelson &
Couto, 2000).
O prognóstico para cães com hipotiroidismo secundário ou terciário é de reservado a
mau. A esperança de vida é encurtada em pacientes com malformação congénita da
hipófise e com hipotiroidismo secundário por neoplasia (Nelson & Couto, 2000).
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51
IV. Caso clínico de hipotiroidismo canino
Foi possível, durante o estágio, acompanhar um caso em que foi diagnosticado
hipotiroidismo e fazer o seguimento da resposta inicial ao tratamento. Embora, apenas
um caso tenha sido devidamente diagnosticado, durante o período de estágio curricular,
diversos foram os casos acompanhados nos quais o hipotiroidismo constituía um dos
principais diagnósticos diferenciais.
No dia 12 de Julho do decorrente ano, foi apresentada a consulta uma cadela de nome
Dama com o intuito de realizar revacinação anual.
1. História pregressa
Constituem dados importantes recolhidos na elaboração da anamnese os de seguida
enumerados. Data de nascimento estabelecida como Setembro de 2005, estando,
portanto, quase a completar cinco anos de idade. Raça Labrador Retrivier, pelagem
preta. Sujeita a ovariohisterectomia (OVH) ainda antes de ter completado um ano de
idade. Animal devidamente vacinado e desparasitado.
Previamente à realização de exame físico pormenorizado, o médico veterinário
percebeu que o animal comparativamente a consultas prévias apresentava aumento de
peso. De facto, o peso registado foi de 33,9 kg, o que para um animal daquela estatura
constitua um aumento indesejável.
Apesar disso, a proprietária afirmava que a alimentação e a quantidade de alimento se
mantinham sem qualquer alteração de tipo qualitativo ou quantitativo. Não verificara
aumento de apetite no animal e refere que não houve qualquer mudança na sua rotina
diária. Não notou igualmente qualquer alteração no consumo de água e produção de
urina.
Embora a dona apresentasse o animal à consulta para vacinação, aquando das perguntas
de rotina para estabelecimento de uma anamnese concisa, começou por referir que esta
se mostrava mais apática e que apresentava regularmente intolerância ao exercício. Não
conseguia, contudo, definir temporalmente a altura de inicio destas alterações.
O animal, presentemente, não estava a fazer nenhuma medicação e não havia sido
diagnosticada anteriormente nenhuma doença.
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52
2. Exame físico
Os achados correspondentes a alterações detectadas, durante a realização do exame
físico, são referidos de seguida.
Foi detectada evidência de otite externa bilateral. O pêlo apresentava-se mais baço que o
habitual, e existia claramente seborreia seca. Denotava-se uma queda de pêlo superior à
fisiológica, embora não existissem zonas de alopécia delineadas.
De seguida apresento as principais e possíveis causas dos achados detectados.
Apatia: doença metabólica, distúrbios ácido-base, distúrbios electrolíticos, doença
imunomediada, neoplasia, febre, endocrinopatia, anemia, doença cardiovascular, doença
respiratória, hipoglicémia, doença neuromuscular, inflamação, infecção, dor,
hipertensão/hipotensão, toxinas, stress, diminuição afluxo sanguíneo, drogas, caquexia e
nutrição.
Aumento de peso: obesidade (aumento ingestão calórica), hipotiroidismo,
hiperadrenocorticismo e insulinoma.
Intolerância ao exercício: doença ou falha cardíaca, distúrbio metabólico, distúrbio
vascular, doença vascular pulmonar, edema pulmonar e arritmias.
3. Analítica sanguínea
Foi efectuada colheita de sangue e realizou-se de seguida análise hematológica e
bioquímica sérica.
Tabela 6. Resultados do hemograma (12/07/2010).
Parâmetros hematológicos Valores de referência Unidades Resultado
Eritrócitos 5,4-8,3 106/mm
3 7,52
Hemoglobina 12,2-20,1 g/dl 13,5
Hematócrito 35,3-56,2 % 45,9
VCM 59-77 µm3 61
HCM 20,6-26,6 pg 21
CHCM 30,9-38,6 g/dl 30,9
Leucócitos 6-17,3 103/mm
3 4,9 ↓
Granulócitos 60-80 % 77,3
Linfócitos 12-30 % 14,8
Monócitos 3-10 % 7,9
Plaquetas 119-497 103/mm
3 321
Analisando os resultados do hemograma, a única alteração significativa é a diminuição
dos leucócitos, ou leucopénia, o que não é de todo comum no hipotiroidismo. Não se
constata presença de anemia.
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53
Tabela 7. Resultados das bioquímicas séricas (12/07/2010).
Bioquímica sérica Valores de referência Unidades Resultado
ALP 20-150 U/l 32
Bilirrubina total 0,1-0,6 mg/dl 0,3
Colesterol Total 125-270 mg/dl > 800 ↑↑
BUN 7-25 mg/dl 11
Glicose 60-110 mg/dl 77
GGT 0-7 U/l < 5
ALT 10-118 U/l 57
Albumina 2,5-4,44 g/dl 4
Ácidos Biliares 0-25 mg/dl 2
Em análise dos resultados das bioquímicas séricas, pode perceber-se
hipercolesterolémia bastante acentuada que constitui, porém, a única alteração nos
parâmetros avaliados.
Considerando os achados como um todo, o hipotiroidismo é um dos diagnósticos
diferenciais provável. O facto de o animal evidenciar apatia, apresentar intolerância ao
exercício, alterações dermatológicas, soro lipémico e hipercolesterolémia, é sugestivo
de doença tiroideia. Segue-se, portanto, a realização de testes que determinem se a
função tiroideia está, ou não, alterada.
4. Testes de função da tiróide
Foi realizada nova colheita de sangue, destinada a medição de concentração sérica total
de T4 e concentração sérica de TSH.
O soro foi enviado, para o Segalab – Laboratório de Sanidade Animal e Segurança
Alimentar, S. A., que presta serviços laboratoriais e de diagnóstico clínico. O
laboratório em questão possui um sistema de recolha de amostras e dispõe de um
conjunto alargado de valências na área de animais de companhia, nomeadamente no que
diz respeito a hematologia, bioquímica, imunologia, endocrinologia, serologia/virulogia,
biologia molecular, parasitologia, microbiologia, urianálise, alergologia e anatomia
patológica.
Os resultados, obtidos no dia seguinte, evidenciavam diminuição da concentração sérica
de T4 total e aumento da concentração sérica de TSH.
O valor de T4 total era inferior a 0,5, e o intervalo de referência compreende valores
entre 1,3 e 2,9. Existia, portanto, uma clara diminuição da concentração sérica de tT4.
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
54
Em relação a TSH, o valor obtido foi de 3,0, sendo o intervalo correspondente entre 0,0
e 0,5, o que indica um aumento marcado da concentração sérica de TSH.
Estes resultados são compatíveis com hipotiroidismo primário, com afecção da glândula
tiróide.
5. Diagnóstico definitivo
Tendo em atenção que os dados da história pregressa, achados do exame físico,
alterações na bioquímica sérica e alteração nas concentrações séricas de T4 total e TSH
eram congruentes na globalidade, hipotiroidismo primário foi estabelecido como
diagnóstico definitivo.
O próximo passo seria introduzir a terapêutica adequada.
6. Tratamento, prognóstico e monitorização terapêutica inicial
Foi prescrito, para além do tratamento destinado a resolução do hipotiroidismo,
tratamento tópico da otite externa, com Conofite® forte (associação de nitrato de
miconazol, acetato de prednisolona e sulfato de polimixina B), em duas aplicações
diárias (BID), em ambos ouvidos, durante 15 dias.
Procedeu-se também a alteração da actual dieta para Prescription DietTM
Canine r/dTM
da Hill’s seca, 295 gramas diárias, que está indicada em caso de obesidade,
linfangiectasia e doenças responsivas a fibra em animais de peso excessivo: diabetes
mellitus, hiperlipidémia, colite e obstipação. É aconselhável que, após animal atingir
peso adequado, se proceda à alteração para Prescription DietTM
Canine w/dTM
, para
manutenção de peso. A r/d é ideal para casos de obesidade pois apresenta, na sua
constituição, baixa quantidade de gordura, fibra elevada, suplementação com L-
carnitina (auxilia na conversão de gordura em energia) e antioxidantes.
Por indisponibilidade da proprietária o tratamento apenas teve inicio dia 21 de Julho,
vários dias após estabelecimento de diagnóstico definitivo.
A terapêutica consistiu da administração de levotiroxina sódica, na dose de 20µg/kg, de
nome comercial Leventa® solução oral 1mg/ml, em toma única diária de 0,6 cc.
A administração deve ser feita sempre por volta da mesma hora. Dado a absorção de l-
tiroxina ser influenciada por alimento, para atingir uma concentração consistente, é
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55
recomendável administração 2 a 3 horas antes da ingestão de alimento, o que irá
maximizar a absorção. Isto foi recomendado à proprietária.
Estipulou-se novo controlo 4 semanas após inicio de tratamento.
Duas semanas após inicio do tratamento diário, segundo proprietária, a cadela
permanecia apática e tinha pouco apetite. Em relação ao peso, tinha ocorrido uma
diminuição, apresentando nessa altura 32,4 kg.
No dia 7 de Agosto, cerca de duas semanas e meia após iniciação de tratamento, foi
realizada nova analítica sanguínea, devido a episódio de vómito agudo (Tabelas 4 e 5).
A cadela apresentava, nesse momento, peso de 31,250 kg, o que reflectia uma perda
considerável de peso. Foi efectuado uma radiografia simples, a qual evidenciou apenas
distensão com gás, a nível do tracto gastrointestinal, mas sem mais alterações.
Foi realizado nesse dia tratamento sintomático para o vómito e aconselhado jejum até
dia seguinte. O tratamento consistiu, basicamente, da administração de anti-emético,
antagonista dos receptores de H2 e fluidoterapia suplementada com Duphalite®.
No dia 8 seguinte o vómito havia cessado e a cadela encontrava-se bem-disposta.
Tabela 8. Resultado do hemograma (07/08/2010).
Parâmetros hematológicos Valores de referência Unidades Resultado
Eritrócitos 5,4-8.3 106/mm
3 8,96 ↑
Hemoglobina 12,2-20,1 g/dl 15,3
Hematócrito 35,3-56,2 % 55
VCM 59-77 µm3 61
HCM 20,6-26,6 Pg 20,8
CHCM 30,9-38,6 g/dl 31
Leucócitos 6-17,3 103/mm
3 13,3
Granulócitos 60-80 % 86,2 ↑
Linfócitos 12-30 % 8,4↓
Monócitos 3-10 % 5,7
Plaquetas 119-497 103/mm
3 298
Tabela 9. Resultado da bioquímica sérica (07/08/2010).
Bioquímica sérica Intervalo de referência Unidades Resultado
ALP 20-150 U/l 19 ↓
Amilase pancreática 200-1200 U/l 909
Bilirrubina total 0,1-0,6 mg/dl 0,3
Triglicéridos - 31
Colesterol 125-270 mg/dl 165
BUN 7-25 mg/dl 15
Creatinina 0,3-1,4 mg/dl 0,9
Glicose 60-110 mg/dl 107
AST 14-45 U/l 32
ALT 10-118 U/l 52
Proteínas totais 5,4-8,2 g/dl 6,4
Sódio 138-160 mmol/l 135 ↓
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56
Potássio 3,7-5,8 mmol/l 4,3
Cálcio 8,6-11,8 mg/dl 10,4
Albumina 2,5-4,4 g/dl 3,6
Globulina 2,3-5,2 g/dl 2,9
Fósforo inorgânico 2,9-6,0 mg/dl 4,4
As alterações evidenciadas no hemograma e bioquímica sérica não apresentavam
significado clínico.
Passadas, aproximadamente, 4 semanas após inicio de terapêutica (dia 18 de Agosto),
realizou-se consulta de controlo. A Dama apresentava a este ponto 30,750 kg e, segundo
a proprietária, estava já mais activa.
Foi efectuada colheita de sangue, e este enviado para laboratório. Objectivava-se a
medição das concentrações séricas total de T4 e TSH e concentração sérica de colesterol.
Nessa mesma consulta, a quantidade de ração diária foi diminuída, tendo esta sido
estabelecida em 275 gramas diários.
As fotos apresentadas são referentes ao dia 18/08/2010. Nota-se que a cadela está bem-
disposta, embora ainda continue com algum excesso de peso e ainda sejam evidentes
alterações dermatológicas.
Figura 12. Cadela Dama (notar a aparente boa disposição).
Figura 13. Alterações dermatológicas (pêlo baço, seborreia seca).
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
57
Os resultados das análises de controlo revelam uma normalização de valores (Anexo 1).
A concentração de colesterol era de 197,4 mg/dl, sendo o intervalo de referência entre
115,6 e 253,7. Representa, portanto, um valor normalizado.
A concentração sérica total de T4 foi indicada como 3,3 µg/dl, com valores de referência
compreendidos entre 1,3 e 2,9. Existia na altura da recolha de amostra sanguínea um
aumento da concentração sérica de tT4.
Relativamente à concentração sérica de TSH o valor indicado foi de 0,29, com intervalo
de referência de 0,0 a 0,5. Estamos perante um valor normal.
No dia 20/08/2010, subsequente à avaliação da resposta inicial, optou-se por alterar a
prescrição de 0,6 cc de levotiroxina para 0,4 cc diários.
A evolução foi muito favorável, houve uma rápida remissão de sinais clínicos. O animal
continuou com alimentação adequada, sendo algum tempo depois alterada para ração de
manutenção de peso. Recuperou a sua actividade e cerca dos dois meses após inicio de
tratamento verificou-se resolução completa dos sinais dermatológicos. A dose de
levotiroxina foi diminuída posteriormente para 0,01mg/kg e o animal manteve remissão
dos sinais clínicos. A longo prazo o prognóstico é óptimo.
7. Discussão
Os médicos veterinários enfrentam, no seu dia-a-dia, inúmeros desafios diagnósticos. A
anamnese ou história pregressa é uma ferramenta indispensável à elaboração de um
correcto diagnóstico, contudo esta deve ser a mais completa possível. De igual modo, o
exame físico cuidadoso e sistemático oferece informação fundamental à realização de
um diagnóstico sustentado.
O hipotiroidismo é, sem dúvida, um grande desafio diagnóstico, pois os sinais clínicos
costumam ser muito fastidiosos. Logo, é deveras importante a realização de uma
anamnese concisa e coerente, e um exame clínico detalhado. O caso exposto, em
particular, é um óptimo exemplo da sua importância fulcral.
O facto de o animal em questão frequentar a clínica há já alguns anos, possibilitou que o
médico veterinário se apercebesse rapidamente de uma alteração recente na condição
corporal do animal, e que questionasse a proprietária sobre eventuais alterações no
maneio do animal. A proprietária que apenas desejava realizar a vacinação anual,
começou de facto a aperceber-se que havia, já algum tempo, que o seu animal estava
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
58
‘diferente’ e autorizou a realização de análises para que se pudesse perceber se existia,
ou não, algum problema.
A obesidade seria um dos diagnósticos diferenciais a ponderar inicialmente. No cão esta
patologia tem como principais factores de risco a raça, a idade, sexo e esterilização, vida
sedentária, doenças endócrinas, fármacos e tratamentos contraceptivos, alimentação e
factores sociais (Diez & Nguyen, 2006). No animal em questão alguns destes estão
presentes, nomeadamente a raça e o facto de se tratar de uma fêmea esterilizada. Mas
atendendo ao restante quadro clínico e laboratorial o factor de risco neste caso era
realmente uma doença endócrina.
Foram efectuados testes de função de tiróide, nomeadamente medição da concentração
sérica de tT4 e TSH, que constituem os testes de primeira linha. Caso estes fossem
inconclusivos de seguida deveriam ser realizados os testes de função de segunda linha,
nomeadamente medição da concentração sérica de anticorpos antitiroglobulina e teste
de estimulação com TSH. Neste caso específico, os resultados de tT4 e TSH são
compatíveis com hipotiroidismo primário. Optou-se então por realizar tratamento.
O Leventa® é uma formulação líquida de levotiroxina, que por ser altamente
concentrada está particularmente adaptada aos cães. A sua apresentação consiste de um
frasco de 30 ml, com seringa doseadora para abranger todos os pesos de cães.
As suas propriedades farmacológicas, comparativamente à farmacocinética e
biodisponibilidade relativa dos comprimidos de levotiroxina (cerca de 200% superior)
permitem eficácia com uma única toma diária. Produz uma maior concentração máxima
de tT4, que é atingida passadas cerca de 3 horas após administração. Passadas 24 horas
de uma única administração ainda podem ser detectadas elevadas concentrações de tT4.
É aconselhável que a colheita de sangue para controlo seja realizada 4 a 6 horas após
administração do fármaco. O ajuste da dose deverá ser efectuado se ocorreu melhoria
insuficiente (incrementos de 10 µg/kg/dia), se persistem sinais de sobredosagem
(reduções de 10 µg/kg/dia) ou se houver melhoria e analítica satisfatória (dose de
manutenção situada entre 10 e 40 µg/kg/dia).
Os sinais clínicos, por sobredosagem com l-tiroxina, são idênticos aos do
hipertiroidismo, mas são geralmente ligeiros e completamente reversíveis com redução
da dose administrada.
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
59
V. Conclusão
O estágio realizado na CMVS permitiu, ao longo dos quatro meses, adquirir
competências profissionais na área clínica de animais de companhia. Foi possível, após
vários anos de decorrentes desde o início do curso, adaptar os conhecimentos adquiridos
a situações clínicas reais, e usufruir de um papel activo nas etapas de estipulação da
anamnese, realização de exame físico e meios complementares de diagnóstico,
especialmente, laboratorial e imagiológico. Na área de clínica cirúrgica foi possível
aplicar e aperfeiçoar técnicas que haviam sido ensinadas durante o curso.
Foi possível acompanhar vários casos, das mais diversas áreas, atingindo assim os
objectivos a que me propus ao iniciar o estágio.
Permitiu, além disso, melhorar a relação interpessoal com clientes e colegas, o que tanto
a nível pessoal como profissional penso ser muito compensador.
Foi, na realidade, uma experiência muito enriquecedora, quer a nível profissional, quer a
pessoal.
O desenvolvimento do tema sobre hipotiroidismo permitiu-me aprofundar
conhecimentos acerca de uma patologia que actualmente apresenta elevada incidência
entre a espécie canina. Acredito que possa, no futuro, me ser muito útil.
Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia
60
VI. Referências bibliográficas
Capen, C. C. & Martin, S. L. (2003) - The Thyroid Gland. In McDonald’s Veterinary
Endocrinology and Reproduction. Pineda, M. H. & Dooley, M. P., Ed. lit. 5ª ed. Iowa: A
Blackwell Publishing Company. pp. 35-41.
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