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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Luiz Roberto Ungaretti de Godoy Crime organizado e seu tratamento jurídico penal MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS DIREITO PENAL São Paulo 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Luiz Roberto Ungaretti de Godoy

Crime organizado e seu tratamento jurídico penal

MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

DIREITO PENAL

São Paulo

2009

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Luiz Roberto Ungaretti de Godoy

Crime organizado e seu tratamento jurídico penal

MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

DIREITO PENAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de Mestre em Direito penal, sob a

orientação do Prof. Doutor Dirceu de Mello.

São Paulo

2009

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Godoy, Luiz Roberto Ungaretti

O crime organizado e seu tratamento jurídico penal

Ungaretti de Godoy: orientador Dirceu de Mello – São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2009.

quantidade de fls. 201

Dissertação (Mestrado – Programa de Mestrado de Direito das Relações

Sociais. Área de concentração: Direito Penal) – Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo.

1. Crime Organizado 2. Histórico 3. Crimes de concurso necessário 4.

Conceito 5. Legislação. 6. Cenário contemporâneo. 7. Tratados e convenções.

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Banca examinadora

______________________________

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RESUMO

Este estudo dedica-se à elaboração da evolução do crime organizado no cenário

nacional e internacional e seus principais reflexos no nosso País, amparado não só na

legislação brasileira e comparada, na casuística, como também na indubitável

relevância dos tratados e convenções pertinentes à matéria. A legislação Pátria não

contempla a figura típica da organização criminosa, contudo, o ordenamento jurídico

brasileiro consolidou-a em diversas leis que disciplinam direta ou indiretamente o

crime organizado. Por ser de relevante importância, merece destaque a recepção pelo

ordenamento jurídico brasileiro da Convenção de Palermo, (Convenção das Nações

Unidas contra o Crime Organizado Transnacional), a qual adotou uma definição para a

organização criminosa transnacional. No transcorrer desse estudo, será realizada uma

análise comparativa entre as diversas organizações, associações, quadrilhas, “máfias” e

outros grupos identificados no cenário mundial, com evidência à criminalidade

organizada brasileira. Convém ressaltar que cada um dos grupos criminosos possui

características próprias, levando-se em conta sua constituição e peculiaridades no

modus operandi; dessa forma, torna-se impossível traçar um perfil hermético sobre

cada um deles. O objetivo do presente estudo não se dirige à busca de uma definição

típica do que seria organização criminosa, mas sim demonstrar suas principais

características no cenário contemporâneo, com base no histórico, na evolução e nas

próprias condutas praticadas por esses grupos. Não se pode desconsiderar a seriedade

da matéria, diante dos reflexos das ações praticadas pelas organizações criminosas

transnacionais, bem como a aplicação da Lei Penal, uma vez que muitos atuam,

simultaneamente, em diferentes países.

Palavras- chave: Crimes de Concurso Necessário - Organização Criminosa –

Legislação Nacional e Internacional – Facções Criminosas – Projetos de Lei

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ABSTRACT

This study is devoted to the elaboration of the evolution of Organized Crime in the

national and international scenery and its main reflexes in our Country, based not only

on the Brazilian Law, but also in the Foreign Law the Judicial Precedent, as well as

the undoubtedly relevance of Treaties and Conventions linked to the subject. The

Brazilian legislation does not consider the typical profile of a criminal organization,

though the Brazilian Judicial ordainment has already consolidated in several laws

which discipline, directly or indirectly the Organized Crime, once it is extremely

important we should highlight the reception of the Brazilian Legal System of the

Palermo Convention (United Nations Convention against Transnational Organized

Crime).Which has adapted a definition for the transnational Criminal Organization. In

the course this study we would try to perform an analysis of several organizations,

associations, mafias, gangs, among others identified in the word scenery with a focus

in the Organized Crime in Brazil. It’s important to highlight that each of the criminal

groups has its own characteristics taking on account its constitution and its peculates in

the modus operandi, making it impossible to draw a draw a hermetic profile of each

one. This way the target of the present study is not a search for a typical definition of a

would be criminal organization, but to show the main characteristics of Organized

Crime in the current scenery, based on the history of development and in the act

themselves performed by these groups. At last we haven’t left aside the great

discussion which involves the subject which are the reflexes of the actions performed

by the criminal transnational organizations, as well as the question of which criminal

law to use once the groups mentioned act simultaneously in several different countries.

Key-words: Organized crime, International and National Law, Treaties and

Conventions, organized criminal gangs, Bill of Law.

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SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................... 01

1. A Evolução do Ordenamento Jurídico Brasileiro................................................ 05

1.1 Panorama Histórico ...................................................................................... 05

1.1.1 Direito Penal Indígena ......................................................................... 06

1.1.2 Ordenações .......................................................................................... 08

1.1.3 Código Criminal de 1830 .................................................................... 11

1.1.4 Código Penal de 1890 .......................................................................... 13

1.1.5 Projetos de Código Penal ..................................................................... 17

1.1.6 Projeto Alcântara Machado ................................................................. 18

1.1.7 Código Penal de 1940 .......................................................................... 20

1.1.8 Código Penal de 1969 .......................................................................... 24

1.1.9 Reforma Penal de 1984 ....................................................................... 28

2. Crimes de Concurso Necessário ......................................................................... 31

2.1 Introdução...................................................................................................... 31

2.2 Quadrilha ou bando ...................................................................................... 34

2.3 Associações Criminosas ............................................................................... 46

2.3.1 Lei 2.889/1956 (Lei do Genocídio) ...................................................... 46

2.3.2 Lei 7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional) ...................................... 48

2.3.3 Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) ........................................................ 51

2.3.4 Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem) ....................................................... 54

3. Organização Criminosa ...................................................................................... 57

3.1 Histórico ....................................................................................................... 57

3.1.1 As máfias do mundo ............................................................................ 63

3.2 Definição de organização criminosa ............................................................ 66

3.2.1 Direito Pátrio ....................................................................................... 77

3.2.2 Direito Comparado .............................................................................. 82

3.2.3 Convenção de Palermo ........................................................................ 92

3.3 Tipificação da Organização Criminosa ........................................................ 97

3.3.1 Princípio da Reserva Legal................................................................... 100

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3.3.2 Princípio da Taxatividade..................................................................... 105

3.3.3 Projeto de Lei ...................................................................................... 107

4. O Crime Organizado no Cenário Brasileiro Contemporâneo ............................. 117

4.1. Introdução ................................................................................................... 117

4.2. As Facções Criminosas ............................................................................... 120

4.2.1 Primeiro Comando da Capital ........................................................... 122

4.2.2 Comando Vermelho ........................................................................... 134

4.3 Organizações Transnacionais ...................................................................... 138

4.4 Crime econômico e crime organizado ......................................................... 151

5. Os Tratados e Convenções Internacionais em matéria do Crime Organizado.... 158

5.1 Princípios ..................................................................................................... 158

5.1.1 Princípio da Legalidade ....................................................................... 158

5.1.2 Extraterritorialidade ............................................................................. 161

5.1.3 Princípio da Soberania ......................................................................... 162

5.14 Princípio da Complementariedade ........................................................171

5.2 Validade e Aplicação ................................................................................... 171

Conclusão ................................................................................................................ 176

Referências Bibliográficas....................................................................................... 179

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1

INTRODUÇÃO

É da essência do ser humano o convívio em castas, grupos, associações, na

busca de uma identidade, objetivos comuns, aprimoramento e desenvolvimento de

suas habilidades.

Infelizmente, muitas vezes, a sordidez humana, a capacidade para o mal, a

destruição do bem comum e a humilhação são induzidas, instigadas, fortificadas com o

convívio entre os seres humanos, de forma que esse lado perverso acaba por ser

enaltecido principalmente no grupo ao qual o indivíduo pertence.

Por iguais razões, a busca incessante pelo poder, pelo dinheiro, a vantagem

a qualquer custo, ultrapassam as fronteiras da ética - moral e legalidade.1

Diante desse quadro, a dignidade humana, a liberdade, a vida, entre outros

bens de valor supremo passam a ser ignorados e desprezados por pessoas que, muitas

vezes, utilizam-se do grupo para alcançar seus objetivos maléficos, que atingirão,

preponderantemente, a sociedade e a ordem pública2.

O cenário atual, de exacerbada criminalidade, demonstra grande

preocupação da sociedade mundial com a existência de grupos criminosos

organizados, voltados a uma gama de crimes de alto potencial ofensivo, afetando bens

1 José de Faria Costa, afirma: “Que vivemos em um tempo de crise – de crise das instituições, da ética, do direito penal e da própria percepção da realidade – não resta qualquer dúvida. No entanto, neste tempo de fractura e de fragmentação de toda a realidade – sobretudo do real construído – emerge, em simultâneo, uma tendência devastadora de homogeneização, uma perigosa inclinação para se pensar de jeito liofilizado, para se aceitar, acriticamente, o absolutismo global”. (José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais – Visão Luso-Brasileira, p. 92-93).

2 Jorge Miranda ao discorrer sobre “ordem pública”, menciona que: “Não raro, na experiência histórica, a

invocação da ‘ordem pública’ tem sido feita como conceito ou preceito beligerante contra a liberdade. Mas a ordem pública – conjunto de condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício dos direitos – tem carácter instrumental, não se justifica de per si, só vale na medida em que propicia a realização da ordem contemplada no art. 28.°, n.° 2, da Declaração;” (in: José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 177).

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2

jurídicos fundamentais3, tais como a vida, a liberdade, a ordem econômico-financeira,

a paz pública, a probidade administrativa, o meio ambiente, a liberdade sexual, a saúde

pública, entre outros.

Não só devido a problemas sócio-econômicos, mas principalmente devido à

grande instabilidade de valores e princípios que são questionados pela atual sociedade

mundial, surge campo nebuloso sobre a eficácia jurídica dos direitos fundamentais

consagrados pelas Constituições garantistas. Em decorrência disso, ocorre um choque

entre o Estado opressor, intervencionista, e o Estado garantista protecionista dos

direitos fundamentais4.

O Direito Penal, mecanismo de controle social subsidiário, surge então,

para alguns juristas, equivocadamente, como uma solução para todas as celeumas

políticas, éticas e sociais da sociedade globalizada5 e como se fosse uma “máquina”,

elaborada para garantir a paz e o bem estar do indivíduo.

3 “O crime adquiriu uma enorme capacidade de diversificação, organizando-se estrutural e economicamente para explorar campos tão diferentes quanto o jogo, o proxenetismo e a prostituição, o tráfico de pessoas, de droga, de armas ou veículos ou o furto de obras de arte, aparecendo invariavelmente o branqueamento de capitais como complemento natural dessas actividades”. (in: José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op., p. 284).

4 Ao expor sua preocupação com o Estado Intervencionista x o Estado liberal no campo do Direito Penal, José de

Faria da Costa expõe sua preocupação da seguinte forma: “Por isso, salientamos este paradoxo como aquele eixo – em um paradoxo pode ser uma excelente placa giratória para o estudo e para a análise do que nos preocupa – sobre o qual em verdadeiro rigor, gira, hoje, toda a problemática da criminalidade, sobretudo aquela que é causa e que é efeito da globalização. Tudo se encerra, a esta luz e de certa maneira, no desdobramento compreensivo da própria nação de Estado punitivo”. (Ibid., p. 90).

5 Importante destacar a opinião de Alberto Silva Franco sobre o absolutismo global: “a globalização não é, na

realidade, um fenômeno novo. Grandes impérios em busca de vastas áreas territoriais. Estados nacionais tendentes à prática de projetos hegemônicos e sistemas econômicos abrangentes envolvendo largas faixas populacionais encontraram sempre registro na história. No atual milênio, ou seja, nos séculos XV e XVI, as grandes descobertas abriram novos espaços geográficos até então desconhecidos e isso foi possível pela conjugação de vários fatores: o aperfeiçoamento das técnicas de navegação, ‘o início do capitalismo comercial e financeiro; a emergência dos Estados ainda vacilante, aprendendo porém a mobilizar seus recursos’. As pessoas comprometidas nessas imensas aventuras eram movidas por vários motivos: a procura de lucros, de ouro, de metais preciosos, de especiarias e de escravos (...)”. (Globalização e criminalidade dos poderosos, p. 103).

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3

A utilização desarrazoada dessa ciência social torna-se um meio

desproporcional6, uma fonte de injustiças e fracassos, principalmente, no combate ao

crime organizado, desestabilizando a paz e a ordem mundial.

Ante a ofensa a bens supra-individuais, o Estado busca uma norma de

emergência com a criação de tipos penais que em nada enfraquecem o poderio

econômico e opressor do crime organizado. Estabelece-se assim uma falsa noção de

efetivo combate7.

Paulatinamente, percebe-se que há uma grande evolução histórica das

organizações criminosas, cuja estrutura, o poder, a intimidação, desestabilizam a paz

pública e, até mesmo, a segurança pública de nações politicamente instáveis.

Diante desse cenário, o presente trabalho pretende demonstrar a evolução

do crime organizado no cenário mundial e seus principais reflexos no Brasil, com base

não só na legislação brasileira e comparada, como também nos tratados e convenções

pertinentes à matéria.

6 Segundo relata Anabela Miranda Rodrigues sob o risco da repressão da criminalidade pública com base na opinião pública: “O facto de se estar avultadíssimos e cuja violência é bem conhecida, convoca um discurso de encurtamento dos direitos, liberdade e garantias do delinquente, pretendendo-se que o respeito pelos direitos fundamentais é, em larga medida, inconciliável com eficácia da perseguição deste tipo de criminalidade”. (in:José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 288).

7 Ao tratar da Proliferação das leis de emergência, José de Faria Costa disciplina que: “Quanto a este ponto basta

só se referir, como seu elemento paradigmático, que a ideia de código está hoje posta em crise. Mais do que leis para vigorarem durante certo tempo – não obstante a aceleração histórica -, o que verdadeiramente se vê é proliferarem leis que, não sendo tecnicamente leis de emergência, são leis que emergem para levarem a cabo. Uma política criminal à flor da pele. Por conseguinte, leis de circunstância, de solução de fenômenos efêmeros que o eco dosa media transforma em essenciais para quem por ele se deixa seduzir, de ausência de qualquer ideia de programação, de deserto de qualquer tênue veleidade de sistematicidade.

Toda a produção legislativa parece ser levada a cabo, não com o propósito sério e empenhado de uma solução estável e consequente para um determinado problema, mas antes como remédio tópico que pode estancar momentaneamente os efeitos mas não, por certo, as causas. As leis e a produção legislativa não são mas antes erupções descoordenadas e motivadas por casos pontuais, quer da vida nacional, quer da vida internacional”. (Ibid., p. 92-93)

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4

De modo a iniciar o estudo da matéria dissertada, é de fundamental

importância analisar o histórico do ordenamento jurídico brasileiro, desde a época das

civilizações primitivas que aqui habitavam, até o período atual.

Após breve narrativa histórica, o presente estudo propõe-se a analisar os

crimes de concurso necessário contemplados pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Posteriormente, uma vez situada a matéria quanto aos crimes de concurso

necessário, passaremos ao estudo do tema central deste trabalho, ou seja, a figura da

organização criminosa.

A seguir, será realizado um estudo histórico-evolutivo dos reflexos do

crime organizado na sociedade, seus impactos no ordenamento jurídico pátrio e

estrangeiro, com base na análise da doutrina, jurisprudência, tratados e convenções.

Por fim, com fundamento no cenário nacional e internacional, procuraremos

realizar uma análise sobre a existência do crime organizado no Brasil, a partir de um

estudo científico e casuístico da matéria.

É nesse contexto contemporâneo que o presente trabalho está amparado,

sempre com o foco na análise dos institutos pertinentes à matéria dissertada, à luz da

máxima efetividade dos Direitos e Garantias Fundamentais do Homem, norteados pelo

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

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5

1. A EVOLUÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

SUMÁRIO: 1.1 Panorama Histórico; 1.1.1 Direito Penal Indígena; 1.1.2

Ordenações; 1.1.3 Código Criminal de 1830; 1.1.4 Código Penal de 1890; 1.1.5

Projetos de Código Penal; 1.1.6 Projeto Alcântara Machado; 1.1.7 Código Penal de

1940; 1.1.8 Código Penal de 1969; 1.1.9 Reforma Penal de 1984.

1.1 Panorama Histórico

Do ponto de vista metodológico, torna-se de fundamental importância para

o estudo do Direito, compreender a essência dos institutos contemplados pelo

ordenamento jurídico de um País.

Desse modo, a análise histórico-evolutiva do Direito Penal brasileiro8, com

base no estudo dos povos primitivos, das Ordenações, dos Códigos Criminal e Penais,

e das consequentes reformas, traduzem essa preocupação no início deste estudo.

Assim, o presente trabalho enriquece-se, para que possamos, no Capítulo

posterior, enfrentar o positivismo vigente, analisar os institutos pertinentes e a

casuística ligada ao crime organizado

8 Nesse sentido, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno relata que: “Primeiramente, está-se ver que os diversos institutos contidos na atual legislação, têm sua forma como conseqüência da experiência jurídico-social observada ao longo do tempo, que evoluíram, como ainda evoluem, paulatinamente consoante as necessidades que fizeram sentir na preservação dos penalmente tutelados.

Ao depois, é de se lembrar que ao lado dos diversos métodos de interpretação a que a doutrina sempre faz referência, invariavelmente tem previsão a histórica, porquanto em determinadas situações a interpretação gramatical ou literal, pura e simples, não se mostra, suficiente, sendo mister incursão mais profunda buscando-se a vontade da lei, momento em que a observância do ângulo histórico assume seu lugar, como parte do processo de interpretação teleológica”. (Breve notícia histórica do Direito Penal no Brasil, p. 192-193)

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1.1.1 - Direito Penal Indígena

Antes mesmo da chegada dos colonizadores portugueses ao Brasil, em

1500, já havia aplicação de normas penais nesta terra.

João Bernardino Gonzaga, afirma que “para enfrentar as transgressões

praticadas, disporiam os íncolas do Brasil de um Direito Penal: mas a grande

dificuldade consiste em lhe estabelecer o conteúdo9.”

Sustentam alguns doutrinadores, que não havia normas expressamente

tipificadas, mas sim, a aplicação de regras consuetudinárias, carregadas de sanções,

motivo pelo qual eles lamentam a falta de escritos históricos para o estudo da

matéria10.

A dificuldade de se obter com precisão a história da aplicação do direito à

época, deve-se também à falta de documentos e registros, como a seguir é mencionado

por João Bernardino Gonzaga:

Imensas são as dificuldades para tentar reconstituir o Direito Penal daqueles povos que se espalhavam pelo nosso território. Incultos como eram, não deixaram documentos que lhes revelassem o pensamento e os costumes. Se ao menos tivessem influenciado o Direito dos conquistadores, mesclando-lhe instituições congeniais, estas nos poderiam tornar-se vias de acesso para, retrocedendo, penetrarmos no mundo jurídico-social que as moldara. Mas isso não sucedeu, porque o imenso desnível existente entre as duas civilizações gerou em têrmos amplíssimos a ocorrência dêste fenômeno sociológico11.

9 O direito penal indígena à época do descobrimento do Brasil, p. 55.

10 Ibid., mesma página. 11 Ibid., p. 12.

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7

A doutrina clássica diverge quanto à evolução da matéria, segundo

observado por Nilo Batista:

A conhecida hipótese de Roberto Lyra, segundo a qual o direito dos aborígenes era tão evoluído quanto dos conquistadores, comportando inclusive definição de ramos, nunca foi demonstrada, como também nunca foi demonstrada a suposição de Assis Ribeiro acerca de uma corte de justiça à qual tocaria o julgamento de infrações graves12.

Da mesma forma, Aníbal Bruno relata a ausência de influências da cultura

indígena sob o ordenamento jurídico incorporado pela Coroa portuguesa no Brasil, nos

termos, in verbis:

As práticas punitivas das tribos selvagens que habitavam o país em nada influíram, nem então, nem depois, sôbre a nossa legislação penal. Em grau primário de cultura, êsses povos, que os conquistadores subjugavam brutalmente, interrompendo o curso natural do seu desenvolvimento autônomo, não poderiam fazer pesar os seus costumes sôbre as normas jurídicas dos invasores, que correspondiam a um estilo de vida política muito mais avançado13.

O papel do Direito Penal, portanto, torna-se prevalente em relação aos

outros ramos da ciência jurídica nas sociedades primitivas. As escassas relações

jurídicas entre o grupo fizeram com que as transgressões fossem consideradas graves

ofensas, no âmbito daquela tribo ou coletividade14.

A responsabilidade penal era extensiva ao grupo, ou seja, não havia o

caráter da individualização da pena15. Naquele tempo, a pena de morte era uma sanção

comum, muitas vezes realizada por golpes de tacape no crânio16. Curiosamente, a

12 Práticas penais no direito indígena, p. 81. 13 Direito Penal: Parte Geral – Tomo I, p. 155. 14 João Bernardino Gonzaga, op. cit., p. 57-58. 15 Nilo Batista, op. cit., p. 83-84.

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privação da liberdade não era uma pena conhecida, salvo nas vésperas da execução da

pena de morte17.

A união da tribo era extremamente valorizada pelos índios brasileiros18. A

ofensa entre tribos distintas, como por exemplo, o “homicídio intergrupal”19, gerava

graves consequências, inclusive a própria guerra entre elas.

Diante da economia de subsistência, não era uma prática comum os crimes

contra a propriedade, uma vez que todos os bens eram compartilhados pelo grupo

indígena20.

Com a chegada dos colonizadores portugueses no Brasil, efetivamente,

passamos a ter um ordenamento jurídico codificado21.

1.1.2 - Ordenações

Durante o período da colonização portuguesa no Brasil, vigoraram as

Ordenações Afonsinas22, Manuelinas23 e, por fim, as Filipinas. Estas permaneceram

16 Ibid., p. 84. 17 Ibid., p. 85. 18 Segundo Paulo Amador da Cunha Bueno: “Não se perdeu de vista, porém, que o comportamento social

primitivo era delimitado em função do binômio tradição-misticismo, sendo certo que cada um tinha sua maneira de conduzir adstrita aos imperativos de sua tribo, estando os costumes penais sedimentados justamente na forte solidariedade grupal, geralmente contida e restrita só e somente aos limites da própria tribo”. (op. cit., p. 194).

19 Será sempre necessário, pois, distinguir o homicídio intergrupal (que provocará perda da paz, e postulará inexorável vingança, podendo levar à guerra), e o mais improvável homicídio intragrupal, que pode reduzir-se a soluções não penais. (Nilo Batista, op. cit., p. 85)

20 Ibid., p. 86. 21 Segundo Magalhães Noronha: “É claro que esse direito consuetudinário nenhuma influência teria no

descobridor que para aqui veio, trazendo suas leis. Foram elas os nossos primeiros códigos”. (Direito Penal, 1º vol., p. 53).

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em vigor, em nosso território, por mais de duzentos anos, até a promulgação do

Código Criminal de 1830, conforme esclarece Paulo Amador da Cunha Bueno:

Assim é que, em 11 de janeiro de 1.603, as “Ordenações Manoelinas” ficaram revogadas, por determinação de El Rey, D. Felipe III de Espanha e II de Portugal, que ordenou fossem respeitadas as disposições do novo código cuja elaboração tivera início no reinado do seu genitor. Surgiam as chamadas “Ordenações Filipinas” ou “Código Filipino”, cuja redação é atribuída aos desembargadores Paulo Afonso e Pedro Barbosa, em parceria com Damião de Aguiar e Jorge Cabedo, sendo por sem dúvida de importância ímpar para história do direito no Brasil24.

Basileu Garcia destaca os defeitos que Cesare Bonesana, o Marquês de

Beccaria, apontava nas principais características das Ordenações Filipinas:

As Ordenações assinalavam-se pela exorbitância das penas, que alcançavam ferozmente fatos às vezes insignificantes, pela desigualdade de tratamento entre os vários agentes do delito, pela confusão entre o Direito, a Moral e a Religião e por outros muitos vícios. Dentre as penas, a de morte era prodigalizada. As execuções se efetuavam na fôrca e na fogueira. Em alguns casos, eram precedidas de suplícios, como a amputação dos braços ou das mãos do condenado25.

Nos termos da análise crítica de José Henrique Pierangeli, não era seguido,

na época, o princípio da legalidade nullum crimen nula poena sine lege. Desse modo, a

pessoa investida na função de aplicador da lei, muitas vezes, um mero “julgador”

22 Paulo Amador da Cunha Bueno, afirma que: “Das ordenações Afonsinas, não se tem remoto informe sobre sua aplicação no território do Brasil recém-descoberto, até porque tiveram vida curta, vigorando somente até o reinado de D. Manoel, o Venturoso, que logo ordenou fossem substituídas pelas ‘Ordenações Manoelinas’, cuja elaboração incumbiu a Rui Boto, Rui da Grã e João Cotrim”. (op. cit., p. 196)

23 No mesmo sentido das Ordenações Afonsinas, o autor, descarta a aplicação das Ordenações Manoelinas,

conforme trecho a seguir transcrito: “Em terras brasileiras, das ‘Ordenações Manoelinas’, à guisa do que ocorrera com seu diploma antecessor, não se teve registro de aplicação efetiva, até porque o processo de colonização encontrava-se em estágio embrionário, e certamente se ocorreu qualquer julgado por este diploma terá sido muito tímido, se é que houve”. (Ibid., mesma página).

24 Ibid., p. 196-197. 25 Instituições de Direito Penal, p.117-118.

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sancionador, aplicava penas arbitrárias, ou seja, a critério político, muitas vezes

seguindo interesses obscuros e maliciosos26.

Nesse contexto, devemos apontar a existência do crime de assuada27, figura

típica encontrada em todas as Ordenações que vigoraram no Brasil.

De acordo com o Título XLV, Livro V, das Ordenações do Reino – Código

Filipino:

Qualquer pessoa, que com ajuntamento de gente, além dos que em sua caza tiver, entrar em caza de alguém para lhe fazer mal, e o ferir a elle, ou á outrem, que na dita caza stiver, morra morte natural. (...) (...) 1. E se o ajuntamento de gente, que assi fez, fôr para fazer mal, ou dano a alguma pessoa, e não entra em caza alguma, posto que com o ajuntamento não faça mal, nem dano, se fôr fidalgo, seja preso e degregado quatro annos para Africa, e pague cem cruzados, a metade para quem o accusar, e a outra para nossa Camera.

Destaca-se, na oportunidade, a observação Antônio Sérgio Altieri de

Moraes Pitombo, quanto às características da assuada:

(i) a existência de um cabeça que assuasse e juntasse os mais; (ii) a premeditação do ajuntamento pelo cabeça, não bastando, que casualmente congregassem; (iii) o ajuntamento deveria ser de dez pessoas, sem contar os familiares; (iv) o destino do chefe, e das pessoas converticuladas, seja para fazer mal ao dono da Casa, ou a outra pessoa, que ali estiver, ainda que o mal não se siga28.

26 Códigos Penais do Brasil, p. 58. 27 Joaquim José Caetano Pereira e Souza. Classe dos crimes: por ordem systematica, com as penas

correspondentes segundo a legislação actual, p. 75.

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1.1.3 - Código Criminal de 1830

Após a independência do Brasil, em 1822, a Constituição Imperial de

182429 impôs a elaboração de um Código Criminal30, publicado em 16 de dezembro de

183031. Essa legislação sofreu grande influência da Escola Clássica32.

Assim, as idéias iluministas foram acentuadas nos projetos elaborados por

José Clemente Pereira e Bernardo Pereira de Vasconcelos, que serviram como base

para o Código Criminal de 183033.

É importante destacar que:

A Constituição de 1824, que aboliu os açoites que, pelo Código Criminal de 1830, continuaram, no entanto, para os escravos, que aboliu a tortura, a marca de ferro quente, a transmissão da pena aos parentes do criminoso, mandou que o quanto antes se organizasse um código civil e criminal34.

Apesar dos avanços da primeira nova legislação penal genuinamente

brasileira, que acolheu os princípios humanitários consagrados na obra de Cesare

Bonesana, criou-se uma antinomia entre os pressupostos consagrados e a realidade35,

conforme expõe, in verbis, Luiz Luisi:

28 Tipificação da organização criminosa, p. 35. 29 Art. 179. (...) XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e

Equidade. 30 O artigo 179 da Constituição Imperial, segundo José Henrique Pierangeli: “fixou regras que teriam de ser,

posteriormente, observadas pelo legislador ordinário, e que, desde logo, alteravam todo o sistema penal”. (op. cit., p. 65).

32 Ibid., mesma página. 33 Mário Hoeppner Dutra. Alguns aspectos do novo Código Penal, p. 299-300. 34 Alfredo Albuquerque. Algumas novidades do Código Penal, p. 39. 35 Ao tratar da influência das idéias iluministas em sua obra, Winfried Hassemer aponta com propriedade que o

Direito Penal, ao longo da sua história, jamais será uma ciência linear em busca dos referidos dogmas: “Desde

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Em verdade, as acendradas manifestações de amor à liberdade, de afirmação dos direitos naturais do homem encontravam uma antítese positiva uma sociedade de economia dependente do braço escravo e de uma organização patriarcal. Daí a presença do antagonismo aos postulados liberais, de um tratamento legal profundamente desigualitário, mesmo entre os cidadãos, sem falar da exclusão dos escravos ao alcance da proteção dos direitos civis e políticos36.

Não podemos deixar de ressaltar que o Código Criminal de 1830 vigorou

durante 60 anos e influenciou diversos Códigos de da América Latina37.

Quanto ao tema, valido citar a opinião de Alfredo Albuquerque:

O primeiro Código Penal independente e autônomo da América Latina”, pois que os que o precederam eram adoção dos Códigos da Espanha e da França, caracterizou-se, no conceito de LADISLAU THÓT, pela clareza e concisão de seu estilo e pela nova concepção dada a muitas idéias do direito penal daqueles tempos, tornando-se assim um código de reforma, ‘sugestivo e inspirador 38.

Cabe ressaltarmos, ainda, alguns crimes contemplados pelo primeiro

Código genuinamente brasileiro. Entre eles, ressaltamos, in verbis, os tipos previstos

nos Capítulos II e III, da Parte IV, “Dos Crimes Policiaes”:

Sociedades Secretas Art. 282. A reunião de mais de dez pessoas, em uma casa em certos e determinados dias sómente se julgará criminosa, quando fôr para fim de que se exija segredo dos associados, e quando neste ultimo caso não se

os termos da Filosofia do Iluminismo temos experimentado retrocessos no Direito penal do estado de Direito e em suas teorias em tempos ruins. Também pudemos perceber que os princípios ideais do Direito Penal do estado de Direito só se concretizam aproximativamente, mesmo em tempos bons, e sua observância corre perigo permanente”. (Direito Penal: fundamentos, estrutura, política, p. 37).

36 Os princípios constitucionais penais, p. 279. 37 Alfredo Albuquerque, op. cit., p. 40. 38 Ibid., p. 39.

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communicar em fórma legal ao Juiz de Paz do districto em que se fizer a reunião. Penas – de prisão por cinco a quinze dias ao chefe, dono, morador, ou administrador da casa; e pelo dobro, em caso de reincidência39. Ajuntamentos illicitos Art. 285. Julgar-se-ha commetido este crime, reunindo-se tres, ou mais pessoas, com a intenção de se ajudarem mutuamente para commeterem algum delicto, ou para privarem illegalmente a alguem do gozo, ou exercicio de algum direito, ou dever40.

Já o artigo 286, do aludido Código, disciplinava o preceito secundário da

pena:

Art. 286. Praticar em ajuntamento illicito algum dos actos declarados no Artigo antecedente. Penas – de multa de vinte a duzentos mil réis, além das mais em que tiver incorrido o Réo 41.

Diante da análise dos referidos tipos penais, notamos que o legislador já

demonstrava a necessidade de punição dos crimes de concurso necessário, em especial

para a tutela da ordem e da paz pública, de forma a resguardar futuros atentados contra

outros bens jurídicos amparados pela Constituição Imperial e pelo próprio Código

Criminal do Império do Brasil.

1.1.3 – Código Penal de 1890

Em 1890, o contexto da época exigiu novamente transformações no sistema

jurídico brasileiro; consequentemente, o Ministro da Justiça Campos Salles, solicitou a

Batista Pereira a elaboração de um novo Código42.

39 José Henrique Pierangeli, op. cit., p. 267 40 Ibid., mesma página. 41 Ibid., mesma página.

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O novo Código abandonou a denominação “Criminal” e passou a adotar a

atual denominação, ou seja, a de “Código Penal”, incorporando, assim, a denominação

de grande parte dos códigos europeus.

A abolição da escravatura, juntamente, com os ideais da Escola Clássica,

fez com que o Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, fosse

fortemente influenciado pelas idéias iluministas43.

Segundo Noronha dispôs:

Era ele de fundo clássico. Procurou suprir lacunas da legislação passada. Definiu novas espécies delituosas. Aboliu a pena de morte e outras, substituindo-as por sanções mais brandas, e criou o regime penitenciário de caráter correcional 44.

Já Alfredo de Albuquerque critica o conflito entre as Escolas, naquele

período:

Em derredor da escola clássica, a cujos princípios êste Código se amoldou, e segundo a qual o crime não era propriamente “um fato”, mas uma entidade jurídica; não uma ação, mas uma infração; que estudava antes o crime que o criminoso; que tinha no livre arbítrio o fundamento moral da responsabilidade, que punia, para castigar, vinham bater-se, em arremesso destruidor, os postulados, da escola positiva, voltada antes para o criminoso, que para o crime, considerado este não mais uma abstração jurídica, mas um fato complexo, um produto de forças determinantes intrínsecas ou

42 Com muita propriedade, Pierangeli nos esclarece que: “a proclamação da República interrompeu o trabalho que vinha sendo realizado por Batista Pereira. Todavia Campos Salles, Ministro da Justiça do Governo Provisório, renovou-lhe o encargo de preparar o novo código.” (op. cit., p. 174).

43 Mário Hoeppner Dutra esclarece que: “De fundo clássico, padecendo de perto as conseqüências de uma

transição de regimes, limitou-se a reunir disposições esparsas vigorantes na lei anterior, expurgando-as das falhas, abolindo a pena de morte, a prisão perpétua e a pena infamante. (op. cit., p. 300).

44 Op. cit., p. 58.

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extrínsecas, agindo imperativamente nesse doentio ser anti-social, o delinqüente45.

A sistemática do aludido Código tratava os agentes do crime como autores,

cúmplices e instigadores.

É importante destacarmos o crime de conspiração, previsto no Capítulo I,

do Título II, que tutelava os crimes contra a segurança interna da República,

disciplinado, in verbis, no art. 115, do Código Penal de 1890:

Conspiração Art. 115. É crime de conspiração concertarem-se vinte ou mais pessoas para: §1. Tentar, directamente e por factos, destruir a integridade nacional; §2. Tentar, directamente e por factos, mudar violentamente a Constituição da Republica Federal, ou dos Estados, ou a forma de governo por elles estabelecida; §3. Tentar, directamente ou por factos, a separação de algum Estado da União Federal; §4. Oppor-se, directamente e por factos, ao livre exercício das atribuições constitucionaes dos poderes legislativo, executivo e judiciário federal, ou dos Estados: §5. Oppor-se, directamente e por factos, á reunião do Congresso e á das assembléas legislativas dos Estados: Pena - de reclusão por um a seis annos46.

O Código Penal de 1890 igualmente manteve, no Capítulo II, o crime de

ajuntamento ilícito47; entretanto, ampliou as modalidades de condutas praticadas por

grupo constituído por pelo menos quatro pessoas:

Artigo 119. Ajuntarem-se mais tres pessoas, em logar publico, com o designio de se ajudarem mutuamente, para, por meio de motim, tumulto ou assuada: 1.° commeter algum crime; 2.° privar ou impedir a alguem o gozo ou exercício de um direito ou dever; 3.° exercer algum acto de ódio ou

45 Op. cit., p. 40. 46 José Henrique Pierangeli, op. cit., p. 284. 47 Art. 285, do Código Criminal do Império do Brasil.

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desprezo contra qualquer cidadão; 4.° perturbar uma reunião publica ou a celebração de alguma festa cívica ou religiosa: Pena – de prisão cellular por um a tres mezes.

Torna-se oportuna, neste momento, a citação de Cezar Roberto Bitencourt,

quanto à comparação das figuras criminosas contempladas nos Códigos de 1830 e

1890, conforme acima discriminadas48, em relação ao crime de quadrilha ou bando,

previsto no Código Penal de 1940:

O ajuntamento ilícito que aqueles diplomas previam (arts. 285 e 119, respectivamente), não exigiam permanência ou estabilidade, apresentando apenas alguma semelhança com a definição atribuída pelo “atual” Código Penal de 1940 ao crime de quadrilha ou bando: na verdade aquelas tipificações prescreviam mais uma espécie sui generis de concurso eventual de pessoas, distinta, por certo, da figura que acabou sendo tipificada em nosso diploma codificado49.

Apesar das ideias iluministas terem prevalecido no Código Penal de 1890,

cabe destacar a opinião de Antonio Sérgio Altieri Moraes Pitombo, a respeito da

influência da Escola Positiva sobre o legislador brasileiro, uma vez que surgiu a

preocupação com as atividades das máfias e demais grupos criminosos estrangeiros50.

Por fim, é importante mencionar a opinião de Fragoso sobre as citadas

figuras criminosas, que se distinguem das atuais organizações associativas51,

tipificadas pela lei brasileira ora em vigor, conforme expôs: “Diferia ela, porém, do

crime que ora examinamos, por não exigir permanência ou qualquer organização

associativa, não passando de reunião ocasional de delinqüentes52.”

48 Ver também tópico anterior. 49 A confusão proposital do concurso eventual de pessoas: “a formação de quadrilha ou bando, p. 167. 50 Tipificação da organização criminosa, p. 47. 51 Ver Capítulo 3. 52 Lições de Direito Penal: parte especial, vol. II, p. 294.

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1.1.5 – Projetos de Código Penal

Entre a promulgação do Código Penal dos Estados Unidos do Brasil de

1890 e a vigência do atual Código Penal de 1940, foram realizadas diversas tentativas

daquela legislação53.

A primeira tentativa foi o projeto Vieira de Araújo, cujo artigo 150

dispunha, in verbis, sobre o crime de associação para delinquir:

Da Associação para Delinquir Artigo 150. Associarem-se tres ou mais pessoas para commetter crime: Pena: prisão com trabalho por um a tres annos, a cada uma dellas. I. Si alguns ou todos os associados percorrem os campos, ou caminhos públicos, armados, ou tiverem armas em deposito comum. II. Si a associação tiver promotores ou chefes, a pena será , para estes, de prisão com trabalho por dous a seis annos no caso da primeira parte deste artigo, e por tres a nove annos no caso do numero antecedente. Paragrapho unico. Às penas comminadas neste artigo será sempre annexada a sujeição à vigilância especial da policia. Artigo 151. Sera punido como cúmplice todo aquelle que a estas associações ou a qualquer membro dellas ministrar alimento, munição, arma, instrumento, guarida ou logar para reunião. Paragrapho único. Ficará isento de pena aquelle que fornecer alimento, ou der guarida a algum dos delinquentes, uma vez que seja seu ascendente ou descendente, quer consanguíneo, quer affim, cônjuge, irmão, tio, sobrinho, tutor, pupillo ou cunhado durante o cunhadio.

A segunda tentativa de mudança do Código Penal de 1890 partiu de

Galdino Siqueira. Na alteração, o art. 132 disciplinava, in verbis, a conduta:

Artigo 132. Ajuntarem-se diversas pessoas, em logar publico, com a intenção de se ajudarem para, mediante tumulto, assuada, ou outra perturbação da ordem pública: 1° commeter algum crime; 2° privar ou impedir a alguem o gozo ou exercício de um direito ou dever; 3° exercer algum acto de odio ou desprezo contra qualquer cidadão;

53 Na acepção de Mario Hoeppner Dutra: “Mas como ressentia-se de muitos defeitos e deficiências, fazia-se necessária uma reformulação dentro dos imperativos da prática, o que ensejou a aparição dos projetos João Vieira, Galdino Siqueira e Virgílio de Sá Pereira”. (op. cit., p. 300).

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Pena – reclusão de 2 mezes a 2 annos, além das mais em tiver ocorrido.

Seguindo a ordem cronológica, coube a Virgílio de Sá Pereira uma nova

tentativa de reforma54. Ao analisar o Projeto, não houve menção ao crime do gênero

associação.

Convém registrarmos, por fim, que as inúmeras modificações do Código

Penal de 1890, no que diz respeito, principalmente à parte dos tipos penais, ensejaram

a promulgação de diversas leis extravagantes. Nesse contexto, Vicente Piragibe

encarregou-se de realizar a “Consolidação das Leis Penais”, adotada pelo Decreto n.

22.213, de 14.12.193255.

1.1.6 – Projeto Alcântara Machado

Em outubro de 1934, o Ministro da Justiça Vicente Ráo, convidou

Alcântara Machado para elaborar um projeto de código e leis penais. O projeto não

prosperou devido ao golpe de Estado.

Logo após o golpe de 1937, o novo Ministro da Justiça Francisco Campos,

reiterou o convite a Alcântara Machado56.

54 Nota-se que o projeto Sá Pereira apresentava-se como obra notável, porque trazia em si as recentes manifestações do movimento reformador das leis penais, notando-se certa influência do projeto do Código suíço e do Código Penal argentino. Jiménez de Asúa, incluiu-os entre as melhores leis penais de seu tempo, a despeito dos pequenos reparos que apontou. (Ibid., p. 299-300).

55 Leiam-se as palavras de Noronha: “Quer por seus defeitos, quer pelo tempo que vigorou esse estatuto,

numerosas foram as leis extravagantes que o completaram, tornando, às vezes, aos homens de direito. Embaraçosa a consulta e árdua a pesquisa. Foi o Des. Vicente Piragibe encarregado, então, de reunir em um só corpo o Código e as disposições complementares, daí resultando a Consolidação das Leis Penais, que se tornou oficial pelo Decreto n. 22.213, de 14 de dezembro de 1932, e cuja vigência findou com o advento do atual diploma, com a redação original de 1940”. (op. cit., p. 59).

56 Mário Hoeppner Dutra, op. cit., p. 300.

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José Henrique Pierangeli narra que o projeto definitivo possuía 390 artigos

e continha a seguinte advertência:

A eficácia plena da aplicação da nova lei dependerá de duas condições, que estão nas mãos do Governo realizar: a preparação especializada da magistratura e a criação de estabelecimentos destinados à readaptação de certos delinqüentes, à reeducação de outros, ao tratamento de muitos57.

Como forma de desqualificar o trabalho de Alcântara Machado, alguns

críticos da época, infundadamente, atribuíram falta de originalidade ao projeto do

autor58.

E Alcântara Machado rebateu as críticas imputadas ao seu trabalho,

conforme trecho a seguir transcrito:

Outros motivos, igualmente ponderosos, justificam a influência, que fui o primeiro a confessar na “Exposição” preliminar do anteprojeto da Parte Geral, e de que não me pejo, nem me arrependo. Antes de tudo, os laços espirituais, que advêm do caráter acentuadamente latino de nossa cultura e que tendem a aumentar com a transfusão crescente de sangue italiano em veias brasileiras. (...) Sem embargo de tudo isso, o projeto brasileiro está muito longe de ser cópia ou adaptação da obra italiana59.

Ademais, o autor inovou, quanto ao nome do crime de autoria coletiva, ao

disciplinar no artigo 199 do seu projeto, a seguinte figura típica:

Art. 199. Aquadrilharem-se tres ou mais pessoas para a prática de crimes. Pena – reclusão por 3 a 7 anos para o cabeça ou organizador; e por 1 a 5 anos para os outros.

57 Op. cit., p. 78. 58 Para Alcântara Machado: “Acusa-se tão acerba, quanto infundadamente, o projeto de ser imitação do Código

italiano de 1930. A História se repete. Houve quem acusasse o legislador de 1830 de copiar o Código Napolitano de 1819, o codificador de 1890 de plagiar o Código ZANARDELLI de 1889, o Projeto SÁ PEREIRA de reproduzir o suíço”. (O projeto do Código Criminal perante a crítica, p. 293).

59 Ibid., p. 293-294.

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1° Aumentar-se-á a pena, se, armados, os agentes percorrerem o sertão, ou as estradas, ou outros logares em que se desenvolvam a sua atividade criminosa; ou se a quadrilha se valer do concurso de menores de 18 anos. 2° Punir-se-á com detenção por 6 meses a 2 anos, ou multa de 1 a 5:000$000, ou ambas cumulativamente, aquele que, sabendo tratar-se de membro de quadrilha, fornecer a um deles asilo ou viveres, sem participar de qualquer fórma de sua atividade criminosa. Aumentar-se-á a pena, se os viveres ou asilo forem fornecidos continuadamente. Não haverá logar a aplicação da pena, se o beneficiário fôr ascendente, descendente, cônjuge, irmão, cunhado, tio ou sobrinho do agente.

Por fim, merece destaque na disciplina do projeto, a previsão dos crimes

contra a economia pública, da fraude comercial, da venda de coisas nocivas à saúde,

da instigação de delinquir, da resistência, bem como de outras figuras delituosas,

igualmente previstas nas leis de segurança nacional60.

1.1.7 – Código Penal de 1940

Apesar de Alcântara Machado ter finalizado os seus trabalhos, o Projeto

não foi transformado em lei61, mas sim, submetido a uma comissão de revisão

composta por Nélson Hungria62, Narcélio de Queiroz, Vieira Braga e Roberto Lyra,

sob a presidência do Ministro da Justiça Francisco Campos63.

O atual Código Penal, de orientação liberal, não seguiu a Primeira, nem

tampouco, a Segunda Escola, mas sim foi de caráter eclético, como declara a

60 Ibid., p. 297-299. 61 Nos termos a Exposição de Motivos do Código Penal de 1940: “dos trabalhos da comissão resultou este

projeto, embora da revisão houvessem advindo modificações à estrutura e ao plano sistemático, não há dúvida que o Projeto de Alcântara Machado representou, em relação aos anteriores, um grande passo no sentido da reforma da nossa legislação penal”.

62 Importante destacar a lembrança de Noronha sobre uma menção de Hungria sobre o Código Penal de 1940: “o

projeto Alcântara Machado está, para o Código Penal, como o projeto Clóvis está para o Código Civil” (op. cit., p. 60).

63 José Henrique Pierangeli, op. cit., p. 78.

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Exposição de Motivos. Conforme citação de Noronha: “Acende uma vela a Carrara e

outra a Ferri”64.

Alfredo Albuquerque, assim explica: “O Código, à semelhança do direito

canônico, que levava em maior conta o elemento moral da delinquência, acabou com a

distinção entre co-autor e cúmplice65.”

Esther de Figueiredo Ferraz, a respeito da “tormentosa” e “complexa”

realidade da nova disciplina do Código Penal de 194066, observa que:

No que tange ao direito penal brasileiro, é bem verdade que a partir de 1940 filiou-se ele declaradamente à tese da equiparação dos vários agentes do crime, filiação essa reafirmada em termos enfáticos quase trinta anos mais tarde ao ser promulgado o Código de 1969, objeto do decreto-lei n.° 1.004, de 21 de outubro daquele ano. Essa tomada-de-posição não eliminou, porém, as dúvidas de ordem doutrinária e as dificuldades de ordem prática comuns no regime dos códigos e 1830 e 1890 em que imperava a tradicional distinção entre autores e cúmplices67.

Já Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, mencionam que:

O código de 1940 optou por uma grosseira simplificação, criada no código Rocco, de 193068, e, sob a denominação de “Da co-autoria”, afirmava, com

64 Magalhães Noronha, op. cit., p. 61. 65 Op. cit., p. 43. 66 A Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, assim dispôs: “Já não haverá mais diferença entre

participação principal e acessória, entre auxílio necessário e secundário, entre a societas criminis e a societas in crimine”.

67 A co-delinqüência no direito penal brasileiro, p. 02. 68 Conforme observa Esther de Figueiredo Ferraz: “Esse aspecto da questão não passou despercebido aos

apresentadores do código italiano de 1930 e dos códigos brasileiros de 1940 e 1969. Assim, consta da Relação do Ministro Rocco: ‘O modo de participar no crime pode ser tomado em consideração não para o efeito de se atribuir às ações de cada concorrente uma diferente importância causal, mas para daí extrair elementos sintomáticos a respeito da maior ou menor periculosidade do culpado(...)’”. (op. cit., p. 09).

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singular simplicidade, que o projeto aboliu a distinção entre autores e cúmplices: todos que tomam parte no crime são autores69.

Ao longo da vigência do Código Penal de 1940, intensificou-se um

movimento de reformas na legislação, devido ao crescimento exacerbado das

modalidades criminosas, como por exemplo, o tráfico de drogas 70.

Já na Parte Geral do referido Decreto-lei, o legislador disciplinou, no art.

45, como uma agravante genérica, no caso de “concurso de agentes”, aquele que

“promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais

agentes”71.

É oportuno citar aqui a observação de Noronha, a respeito das

circunstâncias agravantes disciplinadas entre os arts. 44 a 48, naquela época:

Mas, as que os arts. 44 a 48 tratam são diferentes porque podem juntar-se a qualquer tipo sem alterá-lo na essência, apenas aumentado ou diminuindo a pena, e sem o fazer dentro dos limites previamente fixados. Traduzem, consequentemente, maior ou menor gravidade do fato. São as denominadas accidentali delicti, que se opõem às essentialia72.

O Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940, disciplinou, ainda que

de forma tímida 73, o crime de quadrilha ou bando. É oportuno, nesse contexto,

69 Op. cit., p. 664. 70 A Lei 4.451, de 4.11.64, e o Dec.-lei 385, 26.12.68, modificaram a redação do art. 281, do CP, para agravar a

pena do comércio, a posse ou a facilitação do uso de entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica. Posteriormente, a Lei 5.726, de 29.10.71, reformulou completamente o art. 281, do CP, até a promulgação da Lei 6368, de 21.10.76, que vigorou por quase vinte anos, ou seja, até a vigência da atual Lei n. 11.343, de 23.08.2006. (René Ariel Dotti, História da legislação brasileira (II) – A reforma do CP 1940: de 1942 a 1984, p. 303).

71 Ver Tópico 3.3.3. 72 Direito Penal, p. 248-249. 73 O contexto da época já exigia uma maior preocupação com os crimes praticados por grupos organizados. Na

Itália e nos Estados Unidos proliferavam os crimes praticados pelas máfias. Silvia Reiko Kakamoto afirma que: “Nesta cidade até hoje atuam várias famílias independentes, que controlam as atividades criminosas, ao

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ressaltar o dispositivo da Parte Geral sobre a periculosidade dos crimes praticados por

agrupamentos, conforme transcrição in verbis:

Art. 78. Presumem-se perigosos: (...). V - Os condenados por crimes que hajam cometidos como filiados a associação, bando ou quadrilha de malfeitores.

O Código Penal de 1940 manteve a estrutura dos demais Códigos europeus,

quanto ao crime ora em estudo. Havia, como ainda há, dificuldade de conceituação

desses grupos criminosos, conforme transcrição literal do atual art. 288, do Código

Penal:

QUADRILHA OU BANDO Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena: reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

Torna-se oportuno citar o comentário de Cezar Roberto Bitencourt ao

comparar o crime de quadrilha ou bando sob a ótica do art. 3174, do atual Código Penal

de 1940:

Em síntese, o crime de quadrilha ou bando é uma criação do Código Penal de 1940, constituindo, por sua definição, uma modalidade especial de punição, como exceção, ao que se poderia denominar de atos preparatórios de futura infração penal, que na ótica do art. 31 do referido diploma legal, não são puníveis75.

passo que, desde 1931, por iniciativa de Lucky Luciano, criou-se uma comissão que reúne as 25 famílias mais influentes.” (Breves Apontamentos sobre o crime organizado e a proteção à testemunha na Itália e nos Estados Unidos, p. 424).

74 Ver Capítulo 3, subitem 3.3.3. 75 A confusão proposital do concurso eventual de pessoas: “a formação de quadrilha ou bando, p. 167.

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1.1.8 - Código Penal de 1969

O anteprojeto do Código Penal ficou a cargo de Nélson Hungria76, também

contou com a participação de outros juristas, tendo recebido inúmeras críticas77 da

doutrina78 da época.

Contudo, cabe ressaltar a visão que Nélson Hungria já sustentava naquela

época, ao ser criticado sobre o seu anteprojeto do Código Penal79, conforme ciclo

conferências proferidas na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em trecho

transcrito, in verbis:

Senhores, se há hoje um ideal definido no campo da ciência jurídico-penal, é o de que todo o mundo civilizado tenha códigos penais idêntico, homogêneos. Há toda uma ciência – não é possível que o Dr. Marco Antonio ignore isso – chamada Direito Penal Comparado, cujo único objetivo é êste: promover a homogeneidade dos códigos penais do mundo atual80.

Devemos destacar alguns pontos inovadores do anteprojeto, como por

exemplo, a redução da idade penal, de 18 para 16 anos81; a manutenção das penas

76 Escreve René Ariel Dotti: “Em 1961, o Ministro da Justiça Pedroso Horta, solicitou a Nélson Hungria, Hélio

Tornaghi e Roberto Lyra a elaboração de anteprojetos de Código Penal, Código de Processo Penal e Código de Execuções Penais, respectivamente. Os textos vieram a lume no ano de 1963. Aqueles documentos sintetizavam as tendências nacionais e internacionais refletidas na teoria e na prática das ciências penais. Compunham, também, parte do legado do efêmero Governo de Janio Quadros, posto que durante a sua gestão aqueles destacados juristas foram convidados para o desafio da reforma global do sistema penal, diante das novas necessidades sociais, econômicas e culturais que emergiram no final da década dos 50”. (op. cit., p. 303).

77 Para José Henrique Pierangeli: “O Anteprojeto Nélson Hungria mantinha, basicamente, a mesma estrutura do

Código de 1940, procurando apenas excluir os defeitos mais graves que aquele apresentava (op.cit., p. 82). 78 Nélson Hungria, afirma que seu anteprojeto do Código Penal sofreu críticas de diversos juristas, professores e

estudiosos, entre eles o Professor Heleno Fragoso, Basileu Garcia, Magalhães Noronha, entre outros. (Respostas as objeções ao anteprojeto, p. 462–481).

79 Relata, ainda, o autor, que foi acusado pelo Dr. Américo Marco Antonio, insigne advogado do foro criminal,

que o seu projeto seria “uma espécie de colcha de retalhos.” (Ibid., p. 471). 80 Ibid., p. 471-472. 81 Ibid., mesma página.

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extraordinariamente graves e as medidas de segurança com uma moldura autoritária

idealista82; a adoção no artigo 35 da teoria ampliativa, ou seja, não havia diferença

entre as formas de autoria e participação.

De acordo com René Ariel Dotti, o novo projeto não trazia muitas

novidades com relação ao Código Penal de 1940:

Não causava estranheza a circunstância do anteprojeto ter sido decalcado no Código Penal de 1940, posto ter sido Nélson Hungria o líder e o principal redator deste diploma. Seria compreensível, portanto, que a proposta de reforma não afetasse os pilares sobre os quais se construiu o texto monumental de 1940 e cuja Parte Especial ainda hoje se mantém virtualmente inalterada83.

Já Luiz Luisi, apesar de criticar o projeto de Nélson Hungria, quanto às

influências do Código Rocco, elogiou o novo projeto, quando mencionou as

influências da legislação alemã no seu texto normativo:

O Código de 1969 acha-se influenciado, de um lado, pelo Código Rocco, mas também pela moderna legislação penal alemã. Do código Rocco importa as superadas figuras criminológicas, do criminoso habitual (presumindo em certos casos a habitualidade) e por tendência e a chamada pena indeterminada no seu máximo. Da parte geral do código penal alemão de 1969, adota a dualidade de estados de necessidade, um excludente de antijuridicidade e outro a culpabilidade. Inclui também um tratamento mais moderno da problemática da perigosidade e as medidas de segurança. Inadmite – como faz o moderno código penal teuto – a possibilidade de aplicação sucessiva de uma pena privativa de liberdade seguido de uma medida de segurança pessoal detentiva84.

No art. 33 do Projeto de Hungria, não havia distinção entre o autor e o

partícipe, nos termos da transcrição do Anteprojeto de Código Penal, in verbis:

82 Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Manual de direito Penal brasileiro: parte geral, p. 223. 83 Op. cit., p. 310. 84 Princípios constitucionais penais, p. 283.

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Art. 33. Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a êste cominadas. § 1° A punibilidade de qualquer dos concorrentes é independente da dos outros, não se comunicando, outrossim, as circunstâncias de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime; § 2° A pena é agravada em relação ao agente que promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agente; § 3° Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, a pena, em relação a ele, é diminuída de um têrço ate a metade, não podendo, entretanto, ser inferior ao mínimo da cominada ao crime85.

Outra matéria que merece destaque no tópico ora em estudo é a figura do

criminoso habitual. Nesse contexto, notamos que códigos europeus e sul-americanos já

o contemplavam. Porém, no cenário pátrio, somente com o Anteprojeto de Hungria de

1963, foi previsto o criminoso reincidente ao lado do criminoso habitual.

Quanto ao tema, segue abaixo a opinião de Dirceu de Mello:

Em suma, considerados os projetos e Códigos da década de 1920, e depois deles os projetos e diplomas da década de 1930, europeus e sul-americanos, o que se pode aduzir, à vista do Código Penal Brasileiro de 1969, calcado no Anteprojeto de Hungria de 1963, é que amanheceu tarde, para o Direito Criminal pátrio, diferenciada da reincidência tradicional, a figura jurídica da habitualidade criminosa. Talvez por atraso, porém, já veio a novidade com toque ausente na quase totalidade das legislações precedentes: a consideração da criminalidade por tendência como entidade distinta da criminalidade habitual86.

Por outro lado, o autor aponta o desacerto do novo diploma, o qual

confunde o criminoso habitual, com inclinação ao delito, com tendência criminosa

(“vocação natural para o crime”).

85 Anteprojeto de Código Penal, p. 10. 86 Criminoso por tendência, p. 266.

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Dirceu de Mello, à luz do Código Penal brasileiro, afinal destaca o tema da

habitualidade e do profissionalismo delituoso:

O que se deseja, particularmente, enfatizar, é que, na habitualidade, qualquer que seja o aspecto com que se apresente, diversamente do que acontece na tendência, não traz o agente, em si, a vocação para o crime. O criminoso habitual, por força das influências do meio ou de outras, contrai o costume do delito87.

A análise do tema ora narrado torna-se culminante para o estudo da autoria

nos crimes de concurso necessário, conforme analisaremos nos Capítulos seguintes.

Com relação à Parte Especial do novo Código Penal, o Título IX, que

disciplinou: “Dos crimes contra a paz pública”, observa-se a previsão do crime de

quadrilha ou bando, nos termos do atual Código Penal 1940, conforme texto do art.

312, a seguir transcrito, in verbis:

Art. 312. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, até 3 anos. Parágrafo único. A pena aplica-se em dôbro, se a quadrilha ou bando se mune de armas88.

Após o fechamento do Congresso Nacional a promulgação do novo Código

ficou suspensa e este, sem nunca estar vigente, foi derrogado pela Lei n. 6578, de 11

de outubro de 1978.

O Projeto não prosperou89.

87 Dirceu de Mello, op. cit., p. 267. 88 Hungria, Anteprojeto de Código Penal, p. 67. 89 Por força do Ato Institucional n. 5, em 1969, diante da impossibilidade de discussão do projeto no Congresso

Nacional. Contudo, no mesmo ano, com a morte de Hungria, o Ministério da Justiça não mais reuniu a Comissão. (René Ariel Dotti, op. cit., p. 313).

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1.1.9 - Reforma Penal de 1984

Sob a presidência de Francisco de Assis Toledo90, no dia 11 de julho de

1984, convertia-se em lei a nova parte geral do Código Penal e a Lei de Execução

Penal.

Com a reforma da Parte Geral foram introduzidas algumas inovações,

dentre as quais destacamos: a disciplina normativa da omissão; o surgimento do

arrependimento posterior; a nova estrutura sobre o erro; as novas modalidades de pena;

a extinção das penas acessórias; e a abolição de grande parte das medidas de

segurança, com o fim da periculosidade presumida91.

Um dos pontos de destaque da nova Parte Geral é a retomada da adoção da

teoria restritiva quanto à diferenciação entre participação e autoria, nos termos do atual

artigo 29 do CP, conforme abaixo disposto, in verbis:

TÍTULO IV DO CONCURSO DE PESSOAS Regras comuns às penas privativas de liberdade Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

90 A comissão era integrada por Francisco de Assis Toledo, Miguel Reale Júnior, Francisco Serrano Neves, Ricardo Antunes Andreucci, Hélio Fonseca e Rogério Lauria e Tucci. (José Henrique Pierangeli, Códigos Penais do Brasil, p.84).

91 Magalhães Noronha, op. cit., p. 63.

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É importante destacar que o revogado art. 45, da antiga Parte Geral do

Código Penal de 1940, passou a ser disciplinado no artigo 62, do Diploma vigente, nos

exatos termos já transcritos no tópico anterior92; contudo é oportuno ressaltar,

conforme exposto no parágrafo anterior, que a reforma modificou o título de

“concurso de agentes” para “concurso de pessoas”, tendo em vista a adoção da teoria

restritiva quanto à diferenciação entre o co-autor e o partícipe da conduta criminosa93.

A Parte Especial do Código Penal de 1940, não foi modificada, tendo

permanecido as disposições do crime de quadrilha ou bando, do artigo 288 do CP.

Finalmente, o próprio Francisco de Assis Toledo, ao dissertar sobre a

reforma de 1984, identifica uma série de efeitos ocasionados pelo Direito Penal

simbólico94:

No Brasil de hoje, esse Direito Penal simbólico chega aos limites extremos da ficção. Diante de um crime de certa repercussão social e da pressão da mídia, identifica-se, logo, simploriamente, a impunidade como causa única ou principal do fato e, em seguida, edita-se mais outra lei agravando penas ou reduzindo benefícios aos condenados. (...) Conclusivamente, mas sem a pretensão de indicar solução definitiva, completa ou miraculosa, temos insistido na necessidade de abandonarmos a retórica da pena criminal. Mas com a pena criminal é necessária, insubstituível, devemos, pelo menos, selecionar melhor as hipóteses de sua aplicação para que ela possa ser efetivamente executada, não fique apenas no papel. (...)

92 Ver Tópico 1.1.7. 93 Ver Capítulo 2. 94 Segundo Cezar Roberto Bittencourt: “Tradicionalmente as autoridades governamentais adotam uma política

de exacerbação e ampliação dos meios de combate a criminalidade, como solução de todos os problemas sociais, políticos e econômicos que afligem a sociedade. Nossos governantes utilizam o direito penal como panacéia de todos os males (direito penal simbólico); defendem graves transgressões de direitos fundamentais e ameaçam bens jurídicos constitucionalmente protegidos, infundem medo, revoltam e ao mesmo tempo fascinam a uma desavisada massa carente e desinformada. Enfim, usam arbitrária e simbolicamente o Direito Penal para dar satisfação à população e, aparentemente, apresentar soluções imediatas e eficazes ao problema da segurança e da criminalidade”. (op. cit, p. 168).

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Mas a lei, por si só, não pode modificar. Quem pode fazê-lo é o destinatário de seus mandamentos, ou seja, o homem que a torna eficaz no mundo social. Por isso concluo afirmando que a verdadeira reforma, aquela que poderá repercutir favoravelmente em prol de uma imagem melhor da Justiça Criminal perante a opinião pública de nosso País, está uma boa parte nas mãos dos senhores – membros do Ministério Público e magistrados 95.

95 Alguns aspectos da reforma do código penal, p. 51-57

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2. CRIMES DE CONCURSO NECESSÁRIO

SUMÁRIO: 2.1 Introdução; 2.2 Quadrilha ou bando; 2.3 Associações

Criminosas; 2.3.1 Lei 2.889/1956 (Lei do Genocídio); 2.3.2 Lei 7.170/1983 (Lei de

Segurança Nacional); 2.3.3 Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas); 2.3.4 Lei 9.613/1998

(Lei de Lavagem).

2.1 Introdução

Na ocasião, torna-se importante situar o presente trabalho em relação aos

crimes de concurso eventual e necessário, a começar pelo Código Penal vigente, para

logo em seguida, analisarmos os crimes de concurso necessário contemplados na

legislação extravagante.

O ponto de partida para o estudo do concurso eventual96 encontra-se na

própria execução da prática criminosa, uma vez que a violação do tipo penal pode

resultar da ação ou omissão de um único ou diversos agentes. Na última hipótese,

embora a ação possa ser realizada por um único agente, haverá concorrência na

execução do delito, através da divisão de encargos.

Ao discorrer sobre o concurso eventual de agentes, Aníbal Bruno afirma:

O fato punível pode ser obra de um só ou de vários agentes, Seja para assegurar a realização do crime, para garantir-lhe a impunidade, ou simplesmente porque interessa a mais de um o seu consentimento, reúnem-se os consócios, repartindo entre si as tarefas em que se pode dividir a emprêsa criminosa, ou, então, um coopera apenas na obra do outro, sem acôrdo

96Segundo Esther Ferraz: “A teoria da participação tem por objeto o concurso eventual ou contingente, que representa no dizer de Antolisei “a hipótese comum”, ou seja, a dos crimes que, abstratamente considerados, podem ser praticados indiferentemente por um só ou por vários indivíduos. Nessa hipótese que corresponde à regra geral se enquadra a maioria dos crimes definidos nas leis penais”. (op. cit., p. 18-19)

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embora, mas com a consciência dessa cooperação. Fala-se, então, em concurso de agentes, participação ou co-delinqüência97.

Os crimes praticados em concurso de pessoas são disciplinados pelo artigo

29 e seguintes do Código Penal98.

Quanto ao concurso de pessoas, segue abaixo a definição de Magalhães

Noronha:

Existe co-delinqüência quando mais de uma pessoa, ciente e voluntariamente, participa da mesma infração penal (crime ou contravenção). Há convergência de vontades para um fim comum, aderindo uma pessoa à ação de outra, sem que seja necessário prévio concerto entre elas99.

Diante da definição do citado autor, é imperiosa a necessidade do conluio

de vontades para a prática da modalidade criminosa, caso contrário, jamais teremos a

modalidade co-delinquência.

Assim, o concurso de pessoas ocorre quando mais de uma pessoa, ciente e

voluntariamente, participa da mesma infração penal, sendo indispensável a

conspiração para um objetivo comum100.

Por sua vez, os crimes de concurso necessário, também conhecidos como

crime coletivo, plurissubjetivo ou de condutas paralelas, são aqueles que

necessariamente são praticados por mais de um agente, ou seja, o próprio tipo penal

exige a pluralidade de agentes para a execução do delito.

97 Direito Penal: Parte Geral. Tomo II, p. 257. 98 Ver Capítulo 2. 99 Op. cit., p. 199. 100 Noronha, op.cit., p. 207.

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Há diversos dispositivos legais que contemplam a figura dos crimes de

concurso necessário, a começar pelo atual Código Penal de 1940, como também, há

outros previstos na legislação extravagante.

Dentre esses crimes, podemos destacar o crime de rixa (art. 137), o furto

qualificado (art. 155, § 4°, IV), o roubo101 (art. 157, § 2°, II), o esbulho possessório

(artigo 161, II, 2ª parte), a paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação

da ordem (arts. 200 e 201), a quadrilha ou bando (art. 288).

Já na legislação extravagante encontraremos outros tipos penais, alguns

deles ligados ao tema central do presente estudo, conforme analisaremos

oportunamente nos tópicos seguintes102.

Torna-se oportuna, nesse contexto, a citação de Silvio Ranieri sobre os

delitos plurissubjetivos:

São, a seu ver, plurissubjetivos de condutas paralelas os delitos em que as ações de cada um dos sujeitos necessários se desenvolvem, em colaboração, no mesmo plano e na mesma direção, movendo-se do mesmo ponto em direção ao mesmo resultado (exemplo, em nosso direito, o da paralização do trabalho). Plurissubjetivos de condutas convergentes aqueles em que ditas ações se desenvolvem, em colaboração, movendo-se de pontos opostos e uma em direção à outra (exemplo, o adultério103 e a bigamia). Finalmente, plurissubjetivos de condutas contrapostas aqueles em que as referidas ações, desenvolvendo-se sempre em colaboração, movem-se ainda de pontos opostos mas já agora uma contra a outra (exemplo, a rixa)104.

101 Segundo Maximiliano R. E. Füher e Maximilianus C. A. Füher: “Há quem preferira a expressão ‘roubo qualificado’. Mas, em boa técnica, o termo deve ser reservado para os tipos derivados, que realmente apresentam um novo mínimo e um novo máximo de pena”. (Código Penal Comentado, p. 392).

102 Ver Capítulo 2. 103 Revogado pela Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005. 104 Diritto Penale: parte generale, p. 312.

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Já Noronha discorre sobre a ausência de co-autoria ou co-participação nos

delitos plurissubjetivos:

Advirta-se que nem sempre a participação de várias pessoas em um crime importa co-participação. Assim, nos chamados delitos plurissubjetivos como o de bando, ou quadrilha (art. 288), em que a pluralidade de agentes é elemento do tipo, não se podendo falar em co-autoria105.

Todavia, com base em uma análise preliminar, podemos concluir que o

atual Código Penal encontra-se obsoleto e ultrapassado para cuidar da criminalidade

organizada, uma vez que se trata de um fenômeno altamente complexo e dinâmico.

Partilha desse entendimento, Maurício Antônio Ribeiro:

(...) os códigos penais continuam adstritos às formulações tradicionais de crime, que focalizam precipuamente os atos anti-sociais episódicos, indicativos da criminalidade em pequena escala, ou, em outras palavras, a microcriminalidade106.

Após essa breve exposição sobre os crimes de concurso eventual e

necessário, passamos a análise dos delitos em espécie, vinculados direta ou

indiretamente ao tema central deste estudo.

2.2 Quadrilha ou bando

Desde a Antiguidade, há resquícios de que algumas formas de agrupamento

incomodavam a classe dominante. Segundo Heleno Cláudio Fragoso, já na Roma

Antiga havia o receio das associações ilícitas:

As associações ilícitas desde tempos remotos preocupavam os governantes, por motivos puramente políticos, ou seja, pelo perigo da sedição ou

105 Direito Penal, 1º vol., p. 207. 106 Apontamentos sobre o crime organizado e notas sobre a Lei 9.034/1995, p. 171.

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conjuração. Um texto de Marciano, inserto no Digesto (Lei n.° 47, tít. 22,1) refere a proibição de confrarias ou sodalícios, e, de modo geral, de congregações ilícitas. (illicitum collegium)107.

O referido autor relata que a periculosidade do agrupamento, inicialmente

estava muito mais ligada a uma questão política, do que a uma criminal, uma vez que

poderia subverter o sistema. Desde a Idade Média, já havia registro das denominadas

conventiocola, conforme expõe: “Esse nome designava, a princípio, reuniões

eclesiásticas, tendo passado a corresponder a associações de homens armados, com o

propósito de praticar saques, depredações e outros crimes, sendo objeto de severa

repressão108”.

Por sua vez, Magalhães Noronha afirma que o crime de quadrilha ou bando

influenciou vários Códigos, como por exemplo, o italiano, o de Zanardelli e o alemão.

Foi definido pela primeira vez no Código Penal francês como: “Art. 265: Toute

association de malfaiteur envers lês personnes ou les proprietés est um crime contre La

paix publique”109.

Posteriormente, o conceito do tipo penal em questão foi modificado, tendo

hoje a seguinte redação: “Toda associação formada, qualquer que seja sua duração ou

o número de seus membros, todo acordo estabelecido com o fim de preparar ou

cometer crimes contra as pessoas ou as propriedades constituem crime contra a paz

pública”.

Conforme expôs Fragoso:

107 Lições de direito penal: parte especial, vol. II, p. 293. 108 Fragoso, op. cit., p. 294. 109 “Artigo 265. Toda associação de malfeitores envolvidas contra as pessoas ou propriedades é crime contra a

paz pública”. (Direito Penal,. 4° vol., p.107).

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Introduzia-se, assim, a punição da quadrilha como crime por si mesma, sistema que passou a vários códigos do século passado, com maior ou menor amplitude. Na Itália, acolheram-no os códigos parmense, de 1820 (art. 264) ; o albertino, de 1847; o toscano, de 1953 (art. 421) ; o sardo, de 1859 (arts. 426 e 430). Após a unificação, o código Zanardelli (1889) o previa nos arts. 248 a 251, e o vigente código italiano, no art. 416. Encontramos também esta figura de delinot, entre outros, nos códigos alemão (§§ 127 a 129) e argentino (art. 210)110.

Como abordado no subitem 1.1.3 (“Código Penal de 1890”), do Capítulo 1,

o Diploma de 1940, em matéria do crime de “quadrilha ou bando”, conservou a

estrutura dos Códigos europeus.

O histórico do crime ora abordado, remonta o próprio cenário da crescente

criminalidade ligada a grupos ou associações voltados para a prática de delitos.111

Com a revolução industrial, surgiram verdadeiros conglomerados com

objetivos diversos da criminalidade clássica. Podemos citar como exemplo os

gangsters112.

Como modelo histórico-brasileiro, surgiram grupos de caráter permanente,

conforme citação de Magalhães Noronha:

Mais recente é Lampião, imperando no nordeste brasileiro. Cercado de grande número de cangaceiros, durante anos viveu no crime, enfrentando as expedições policiais e sempre levando a melhor, graças ao conhecimento completo da região em que agia e valendo-se dos coiteiros, auxiliando-o e homiziando-o, nas mais das vezes por medo à vingança que sabiam não falhar113.

110 Lições de Direito Penal: parte especial, vol. II., op. cit., p. 294. 111 Ver Tópico 1.1.2, do Capítulo 1. 112 Segundo historiadores, gangster era o nome utilizado popularmente para denominar os integrantes da Máfia

ligada ao contrabando de bebidas nos Estados do Norte dos Estados Unidos principalmente. (Magalhães Noronha, op. cit., p. 107).

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Nesse contexto, oportuno ressaltar outro comentário do autor:

Operando em regiões distintas, esses bandos têm, entretanto, pontos de contato. Sua origem é quase sempre o analfabetismo, a ignorância, a miséria, como fatores sociais. Suas vidas se assemelham material e psiquicamente. São nômades e vivem animados por sincretismo religioso: amálgama de religião, superstição, fetichismo e macumba114.

Nelson Hungria já demonstrava, na época, a sua preocupação com os

grupos de cangaceiros atuantes no sertão nordestino; contudo, posicionou-se pela

ocasionalidade dos demais crimes praticados pelos grupos associativos atuantes

naquele cenário, conforme trecho transcrito, in verbis:

No Brasil, à parte o endêmico cangaceirismo do sertão nordestino, a delinqüência associada em grande estilo é fenômeno episódico. Salvo um ou outro caso, a associação para delinqüir não apresenta, entre nós, caráter espetacular. Aqui e ali são mais ou menos freqüentes as quadrilhas de rapinantes noturnos, de salteadores de bancos em localidades remotas, de abigeatores (ladrões de gado), de moedeiros falsos, de contrabandistas e, ultimamente, de ladrões de automóveis115.

No mesmo sentido de Hungria, José Lafaieti Barbosa Tourinho, entende

que desde o século XVIII, a sociedade brasileira já demonstrava grande preocupação

com relação aos crimes praticados por “bandos” estabelecidos em regiões rurais, em

especial na região do cangaço, localizado em Estados do Nordeste brasileiro. Esses

grupos eram extremamente violentos e contavam, muitas vezes, com a proteção de

governantes, uma vez que estes necessitavam daqueles em seu processo político116.

113 Ibid., p. 108. 114 Ibid., mesma página. 115 Comentário ao Código Penal, vol. IX, p. 175-176. 116 Crime de quadrilha ou bando e associações criminosas, p. 20.

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Todavia, foi a partir da década de 60, principalmente nas grandes

metrópoles brasileiras, que o crime de quadrilha ou bando começou a se destacar como

um grande problema sócio-político, tendo em vista a grande migração da

criminalidade clássica, para os crimes de roubo a bancos, sequestros, tráfico de drogas,

“chacinas”, praticados por agrupamentos relativamente estáveis, alguns com traços de

organização paramilitar.

Na década de 70, destacou-se o trabalho de Hélio Pereira Bicudo, Dirceu de

Mello e José Silvio Fonseca Tavares117, contra a ação de um grupo de extermínio

estabelecido no Estado de São Paulo, com repercussão em diversos Estados

brasileiros.

Já naquela época, poderíamos classificar o referido grupo de criminosos,

como uma espécie de organização paramilitar118. A organização era formada,

preponderantemente, por agentes públicos, em especial integrantes do aparelho

repressivo do Estado.

Hélio P. Bicudo relata em sua obra a periculosidade que atingia os agentes

envolvidos naquela prática criminosa, ao compará-los com a conhecida Máfia

americana:

A leitura da sindicância revelou que era exata a idéia de que o Esquadrão da Morte, institucionalizado na Polícia, deixara de obedecer às instituições que tinham aparentemente presidido à sua formação. Se, logo de início, parecia que ele tomava a simpática atitude de defender as pessoas e os bens da população desta cidade, eliminando bandidos, não tardou a impor-se nos a conclusão de que semelhante instrumento também servia para favorecer quadrilhas de traficantes de drogas em detrimento de outras pessoas,

117 Segundo relato de Hélio Pereira Bicudo: “Na procuradoria, depois de obter a aquiescência do Procurador Geral, que para tanto me deu carta branca, selecionei dois representantes do Ministério Público destinados a colaborar comigo nas investigações. Escolhi dos Promotores Públicos da Capital, os Drs. José Sílvio Fonseca Tavares e Dirceu de Mello, que sempre se mostraram infatigáveis e intimoratos no cumprimento do dever. De resto, às trocas de idéias que muitas vezes tivemos é que se deve grande parte do êxito da nossa missão.” (Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte, p. 16).

118 O art. 5°, XVII, da CF/1988, consagra a liberdade de associação, exigindo, para que se garanta tal liberdade,

que os associados desenvolvam atividades lícitas. É vedada a criação de associações de caráter paramilitar.

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assegurar a prostituição organizada e vender proteção pura e simplesmente, a exemplo do que fazia e ainda hoje faz nos Estados Unidos, a máfia119.

Após diversas dificuldades enfrentadas pelo grupo de atuação do Ministério

Público, no curso dos procedimentos investigatórios e processuais, concluiu Bicudo

que:

Depois deste triste episódio do Esquadrão da Morte, expurgada a Polícia de elementos que a conspurcaram a praticar atos de violência e corrupção, é perfeitamente válido supor um futuro mais promissor e mais digno a uma instituição que em São Paulo sempre mereceu respeito da coletividade e que não pode responder pelos erros de uns poucos. Possa o trauma que a corporação sofreu ao choque de novas técnicas de crime para as quais não estava preparada – e que a levou à reação logo degradada das execuções de criminosos, e daí a solidariedades compreensíveis, embora dignas de melhor causa –, possa esse trama, repito, servir-lhe de exemplo, e de exemplo e estímulo par encontrar os fundamentos necessários à sua reestruturação plena, cabal, eis o voto com que, igualmente na qualidade de agente da Lei, me é grato encerrar este despretensioso relato de meus 364 dias de luta contra o Esquadrão da Morte, e dos fatos posteriores, que ainda toldam uma visão de maior esperança, relativamente à integridade de nossa Justiça120.

Infelizmente, “o exemplo” não serviu para que acontecimentos similares

vivenciados por àquelas autoridades na época, não se repetissem mais no histórico

brasileiro. No capítulo IV, deste estudo, voltaremos a discutir o assunto, conforme o

cenário contemporâneo.

Passaremos agora para a análise doutrinária do art. 288 do Código Penal.

Inicialmente, cabe traçar algumas considerações preliminares sobre a imprecisão da

descrição legal do aludido tipo, bem como o conteúdo do objeto jurídico do crime121.

119 Op. cit., p. 17. 120 Fragoso, Lições de direito penal: parte especial, vol. II, p. 296. 121 Mirabete e Renato N. Fabbrini, Manual de direito penal, p. 161-162.

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Torna-se, nesse momento, relevante o entendimento de Fragoso sobre o

significado que o legislador adotou com relação às expressões “quadrilha” e “bando”,

de acordo com o trecho a seguir, in verbis:

Quadrilha ou bando são termos que a lei emprega como sinônimos, definindo-se como associação estável de delinqüentes (societas delinquentium), com o fim de praticar reiteradamente crimes, da mesma espécie ou não, mas sempre mais ou menos determinados. Não se exige, evidentemente, uma constituição formal ou organização formal, bastando uma organização de fato e mesmo rudimentar, sem que seja necessária a reunião em comum ou que todos os membros se conheçam122.

Igualmente, não podemos deixar de mencionar que apesar do legislador não

ter diferenciado as expressões anteriormente indicadas, é comum a referência ao

“bando” como um agrupamento rural. Já a “quadrilha” seria uma reunião de

criminosos que atuam nos grandes centros urbanos.

Nesse sentido, Marcelo Fortes Barbosa consigna que:

Quadrilha é organizada e dirigida a um fim, portanto, teleológica, operacionalizada previamente e indicativa de societas sceleris racional. Bando é difuso, inorgânico, de regra, ocasionalmente composto e sem articulação, demandando racionalidade maior123.

Conforme a opinião de Figueiredo Dias há uma antecipação da tutela na

proteção a bens jurídicos dispostos pela Lei Penal:

Bem jurídico protegido pelo tipo do crime de associação criminosa é a paz pública no preciso sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crime. Não se trata de uma pois da intervenção da tutela

122 José Lafaiti Barbosa Tourinho, Crime de quadrilha ou bando e associações criminosas, p. 39. 123 Latrocínio , p. 94.

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penal apenas quando foi posta em causa a segurança ou a tanquilidade públicas pela ocorrência efectiva de crimes ou de violências (...). Trata-se de intervir num estádio prévio, através de uma dispensa antecipada de tutela quando a segurança e a tranquilidade públicas não foram ainda necessariamente perturbadas, mas se criou já um especial perigo de perturbação que só por si viola a paz pública; conformando assim a paz pública; conformando assim a paz um conceito mais amplo que os de segurança e tranqüilidade e podendo ser posta em causa quando esta ainda não o foram124.

O legislador exigiu a presença de pelo menos quatro pessoas para definir o

crime de quadrilha ou bando. Já outros códigos, como o italiano, por exemplo,

dispõem de pelo menos três pessoas; o número maior de integrantes serviria apenas

como agravante. Para Hungria, o Código Penal Brasileiro não dispôs sobre

circunstâncias agravantes. Um maior número de agentes da conduta criminosa serviria

apenas como critério de fixação da pena125.

Ante o mencionado contexto histórico, não podemos deixar de narrar que o

legislador francês optou por um número indeterminado de membros para a

configuração do crime ora em estudo. Além do número indeterminado de integrantes,

não há limite temporal para a configuração do tipo.

Apesar do estudo do crime de associação para o tráfico de drogas ser objeto

de referência posterior, torna-se oportuno, neste momento, destacarmos que o

legislador pátrio dispôs que para o referido tipo penal, bastam apenas duas pessoas

para a sua prática. Já no crime de associação para fins de genocídio, manteve-se o

mesmo número de integrantes previstos no artigo 288 do Código Penal.

A ação física é exteriorizada pelo verbo associação e, por consequência,

citamos diversos autores que descrevem o significado do termo associar-se. Contudo,

124 Jorge Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 1.157. 125 Nélson Hungria, Comentário ao Código Penal. 9º vol., p. 179.

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somente na análise do caso concreto, poderemos alcançar o real significado do termo

“associar-se”.

Nas lições de Noronha, associação nada mais é do que “a reunião, a

congregação, juntar-se com o fim cometer delitos”126.

Com o propósito de buscar um real entendimento do conceito do núcleo do

tipo, Nélson Hungria o definiu: “Reunião estável ou permanente (que não significa

perpétua), para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes”127.

Logo, a reunião de pelo menos quatro pessoas jamais pode ser eventual, sob

pena de configurar um mero concurso eventual de agentes, nos termos do artigo 29 do

Código Penal. O animus associativo pode refletir de várias formas; cabe ao julgado

analisar no caso concreto o liame subjetivo entre os membros.

Guilherme de Souza Nucci, ao expor precedente jurisprudencial, dispõe, in

verbis:

Associar-se significa reunir-se em sociedade, agregar-se ou unir-se. O objeto da conduta é a finalidade de cometimento de crimes. O crime de formação de quadrilha aperfeiçoa-se com o momento associativo, o qual já pode revelar pelas dimensões objetivas e subjetivas o modus operandi em único cometimento de autoria múltipla, sem se condicionar à realização de mais de um consumado ou tentado, pelos membros da sociedade de deliqüentes128.

126 Magalhães Noronha, op. cit., p. 110. 127 Nélson Hungria, op. cit., p. 178. 128 TJSP, 2° Grupo de Câmaras, Ap. 254.056, Limeira, Relator Des. Gonçalves Nogueira, j. 03.11.1998, v.u.,

(JUBI 30/99), apud Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado, p. 998.

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Já Noronha afirma que “a exigência de delinqüir indeterminadamente

poderia até levar à chocante conclusão da falta de tipicidade da associação, sempre que

houvesse planos estudados e predeterminados”129.

Mirabete e Fabbrini, por sua vez, opõem-se ao argumento de Noronha e

defendem que: “Evidentemente, requer-se instale a quadrilha antes de decidirem seus

componentes quais crimes pretendam executar, ou seja, só depois de constituída a

associação resolvam sobe a prática de determinado delito”130.

É Importante expor da mesma forma, a opinião de João José Leal sobre a

consumação do crime ora em estudo, uma vez que para o autor basta a reunião

informal e simples de seus membros, os quais se preparam, discutem e decidem em

comum, ou seja, não há “necessidade de uma associação formalmente estabelecida

(estatutos, regimentos, contratos, organogramas ou qualquer documento escrito)”131.

Por sua vez, a ação típica é direcionada tanto contra a coletividade como

contra o Estado, uma vez que este tem a obrigação de garantir a segurança pública.

Ao mesmo tempo, o crime é de perigo abstrato, tendo em vista que a

própria redação do tipo prevê que a simples conduta, independentemente de qualquer

prova de perigo de dano, já tipifica a conduta criminosa.

Na ocasião, importante transcrever, in verbis, a decisão do Desembargador

Dirceu de Mello:

QUADRILHA OU BANDO – Caracterização – Crime que tem autonomia jurídico-penal, independendo dos delitos que a quadrilha venha a praticar –

129 Op. cit., p. 111-112. 130 Op. cit., p. 162. 131 Tratamento legal diferenciado aos crimes de quadrilha ou bando e associação criminosa para o tráfico

(...), p. 42.

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Declaração de extinção da punibilidade quanto a um dos partícipes que não interfere com a configuração do delito. (...). Afinal, se, com propósito criminoso, se uniram os réus, comprando juntos armas na cidade de Aparecida e juntos embarcaram em ônibus de turismo com destino a Foz do Iguaçu e Paraguai, que mais e poderia exigir para a configuração do artigo 288 do Código Penal? De todo os dias, com efeito, comportamento do tipo, onde quadrilheiros, travestidos de turistas, se misturam a estes, para, na viagem ao centro de compras paraguaio, roubar de algum modo os excursionistas. (...). “Anota HUNGRIA – do parecer do Procurador de Justiça Doutor Arthur Cogan – que ‘para que se exista o crime de ‘quadrinha ou bando’ é suficiente o mero fato de se associarem mais de três pessoas (no mínimo quatro) para o fim de cometer crimes, sem necessidade, sequer , do começo de execução de qualquer destes, isto é, independentemente da atuação do mais ou menos extenso plano criminoso que os associados hajam proposto’(‘Comentários ao Código Penal’, vol.IX/177, 1979)’’.132

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também já se posicionou a

respeito dos elementos que tipificam o aludido crime, in verbis:

(...). 1. O crime de quadrilha se consuma, em relação aos fundadores, no momento em que aperfeiçoada a convergência de vontades entre mais de três pessoas, e, quanto àqueles que venham posteriormente a integrar-se ao bando já formado, na adesão de cada qual; crime formal, nem depende, a formação consumada de quadrilha, da realização ulterior de qualquer delito compreendido no âmbito de suas projetadas atividades criminosas, nem, conseqüentemente, a imputação do crime coletivo a cada um dos partícipes da organização reclama que se lhe possa atribuir participação concreta na comissão de algum dos crimes-fim da associação. 2. Segue-se que à aptidão da denúncia por quadrilha bastará, a rigor, a afirmativa de o denunciado se ter associado à organização formada de mais de três elementos e destinada à prática ulterior de crimes; para que se repute idônea a imputação a alguém da participação no bando não é necessário, pois, que se lhe irrogue a cooperação na prática dos delitos a que se destine a associação, aos quais se refira a denúncia, a título de evidências da sua formação anteriormente consumada (...)133.

132 TJSP, 4ª Câmara Criminal, AC. 128.456-5, Rel. Des. Dirceu de Mello, j. 10-02-1994, v.u., in: JTJ 156/331. 133 STF, Tribunal Pleno, HC 81.260-1/ES, Rel. Des. Sepúlveda Pertence, v.m., j. 14-11-2001, pub. DJU 19-04-

2002, seção 1, p. 49

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Ainda com relação ao crime ora em estudo, é importante destacar a Lei n.

9.080/1995, que acrescentou ao § 2º, do artigo 25 da Lei n. 7.492/1986, Lei dos

Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, bem como acrescentou no artigo 16, da

Lei n. 8.137/1990, Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica, a figura da

delação premiada, com a previsão de redução na pena para o agente que revelar aos

órgãos competentes a trama delituosa desenvolvida pela quadrilha ou bando, conforme

expomos, respectivamente, in verbis:

Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes (Vetado). § 1º (...) § 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995) Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995).

Alguns juristas, talvez pela imprecisão da Lei n. 9.034, de 03 de maio de

1995, precipitaram-se ao equiparar o crime de quadrilha ou bando com uma suposta

figura típica de organização criminosa, conforme consta na obra de Mirabete e Renato

N. Fabbrini:

Por força da Lei n° 9.034/1995, de 3-5-1995, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, o crime resultante de quadrilha ou bando é considerado crime organizado134.

134 Manual de direito penal, vol. III, p. 168.

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Entretanto, grande parte da doutrina brasileira entende que o tipo penal de

quadrilha ou bando não se amolda à figura da organização criminosa. Importante, na

ocasião, destacar a opinião de Luiz Luisi: “A velha fórmula do bando ou quadrilha

para tipificá-lo, não é mais capaz de subsumir as sofisticadas organizações criminosas

atuantes hoje em todo o mundo135”.

No Capítulo 3, deste trabalho, analisaremos a Lei do Crime Organizado.

2.3 - Associações Criminosas

Ante a necessidade de criar de novas figuras típicas, para alcançar as ações

praticadas por grupos de indivíduos que se utilizam do animus associativo para

perpetrar suas ações criminosas voltadas a determinados delitos específicos, como por

exemplo, o genocídio, tráfico de drogas e lavagem de bens, direitos e valores, o

legislador ordinário entendeu pela tipificação destas condutas que, em tese, seriam

preparatórias para crimes principais.

Passaremos, neste momento, a analisar, nos termos propostos no presente

trabalho, as figuras criminosas correlatas aos referidos grupos qualificados.

2.3.1 – Lei 2.889/1956 (Lei do Genocídio)

Desde 1946, com a Convenção das Nações Unidas, as Resoluções 95 e 96,

da ONU, condenaram o genocídio136 como crime nas leis internacionais, assim

definindo-o: “O genocídio é a denegação do direito à existência de grupos humanos

135 Os princípios constitucionais penais, p. 192. 136 Para Denise Caldas Figueira: “O crime de genocídio, por sua vez, teve sua expressão cunhada pelo advogado

judeu polonês Raphael Lemkim e foi declarado crime contra o Direito Internacional, contrário ao espírito e aos fins das Nações Unidas”. (O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para o estabelecimento de uma jurisdição Penal Internacional, p. 634).

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inteiros, assim como o homicídio é a denegação do direito à vida de indivíduos

humanos...”. Posteriormente o referido texto foi acatado pela Assembléia Geral da

ONU e resultou na Convenção para a Prevenção e repressão do Crime de

Genocídio137.

O Estatuto de Roma, promulgado pelo Decreto 4388, de 25 de setembro de

2002, prevê no seu art. 6°, o crime de genocídio138, conforme disposto, in verbis:

Artigo 6o Crime de Genocídio Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal: a) Homicídio de membros do grupo; b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

Todavia, o crime de associação criminosa surgiu no cenário brasileiro com

base no artigo 2°, da Lei 2.889, de 1°, de outubro de 1956, que define e pune o crime

de associação para fins de genocídio, conforme a seguir tipificado, in verbis:

Artigo 2º. Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para prática dos crimes mencionados no artigo anterior: Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos.

Mais uma vez, encontramos um delito de autoria coletiva, plurissubjetivo.

Conforme leitura do tipo, o número de integrantes é o mesmo da quadrilha ou bando,

ou seja, a lei exige a presença de no mínimo quatro pessoas.

137 O Brasil é signatário da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, assinada em Paris

em 1948, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 02 de 1951, ratificada em 1952, pelo Decreto n. 30.822 de 1952, e com base na Convenção foi elaborada a Lei 2.889, de 1°, de outubro de 1956.

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Alberto Silva Franco, ao analisar a pena do art. 2°, da Lei 2.889/56, em face

do art. 8°, da Lei 8.072/1990, esclarece que:

A associação criminosa, quando se tratar de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo, possui uma sanção punitiva própria: a pena reclusiva variável entre três a seis anos. Ora, a associação de mais de três pessoas pra o fim de praticar qualquer das modalidades de genocídio, descritas no art. 1.° da Lei 2.889/56, será agora punida com a pena cominada no art. 8.° da Lei 8.072/1990 e não mais de acordo com as sanções previstas no art. 2.° da Lei 2.889/56. 139

Torna-se de valiosa importância mencionar que, nos termos da Lei

8.072/90, o tipo penal em exame, trata-se de prática criminosa considerada

hedionda140.

2.3.2 – Lei 7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional)

Com o golpe de Estado, sob regime de exceção, foi promulgado o Decreto-

Lei n. 898, de 29 de setembro de 1969, que definia os crimes contra a segurança

nacional, a ordem política e social, estabelecia seu processo e julgamento e dava outras

providências.

O artigo 12, do referido decreto disciplinava, in verbis:

Art. 12. Concertarem-se mais de 2 (duas) pessoas para a prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos anteriores: Pena: Reclusão, de 1 a 5 anos.

138 O art. 7° do Código Penal e o art. 208 do Código Penal Militar, também prevêem o crime de genocídio. 139 Crimes Hediondos, p. 398. 140 Dispõe Alberto Silva Franco: “Os arts. 1.°, 2.°, 3° da Lei 2.889/56 foram incluídos, no art. 1.° da Lei

8.072/90, entre os ‘crimes hediondos’, não sofrendo nessa inclusão, nenhum acréscimo punitivo”. (Op. cit, p. 398-399).

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Posteriormente, foi promulgada a Lei n. 7.170, de 14 de dezembro de 1983,

que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece

seu processo e julgamento e dá outras providências. A aludida Lei disciplinou figuras

típicas com relação à formação de grupos subversivos ao regime de governo e contra a

formação de organizações de caráter paramilitar, nos artigos 16 e 24, respectivamente

descritos, in verbis:

Art. 16 - Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça. Pena: reclusão, de 1 a 5 anos. Art. 24 - Constituir, integrar ou manter organização ilegal de tipo militar, de qualquer forma ou natureza armada ou não, com ou sem fardamento, com finalidade combativa. Pena: reclusão, de 2 a 8 anos.

Atualmente, tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei n. 6.764/2002,

cujo dispositivo acrescenta o Título XII, que trata dos crimes contra o Estado

Democrático de Direito, à Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro

de 1940 - Código Penal, e dá outras providências.

Segundo a exposição de motivos n. 109, do Ministério da Justiça, a

proposta visa à inclusão no Código Penal, de um Título específico para tratar sobre os

crimes contra o Estado Democrático de Direito, como também a respectiva revogação

da Lei de Segurança Nacional141.

141 A Portaria n. 413, de 30 de maio de 2000, criou a Comissão, cuja coordenação foi incumbida ao Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, e com participação de Luiz Roberto Barroso, Luiz Alberto Araújo e José Bonifácio Borges de Andrada.

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Entre outros artigos, convém ressaltar o crime de “Conspiração”, previsão

anteriormente prevista no art. 115, do Código Penal de 1890142, segundo dispõe, in

verbis, o artigo 367, do referido Projeto:

Conspiração

Art. 367. Associarem-se, duas ou mais pessoas, para a prática de insurreição ou de golpe de estado:

Pena – reclusão, de um a cinco anos.

Diante do caráter polêmico da matéria sobre a tipificação da conduta de

terrorismo143, convém também, destacar no mesmo Projeto, a previsão da definição

típica do referido crime, conforme disposição do Capítulo III, (“Dos Crimes contra o

Funcionamento das Instituições Democráticas e dos serviços essenciais”):

Terrorismo

Art. 371. Praticar, por motivo de facciosismo político ou religioso, com o fim de infundir terror, ato de: I - devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; ou

II - apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de comunicação ao público ou de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população:

Pena – reclusão, de dois a dez anos.

§ 1o Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste artigo, mediante acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro meio interfere em sistemas de informação ou programas de informática.

142 Ver Tópico 1.1.4, do Capítulo 1. 143 Ver Capítulo 3

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2.3.3 – Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas)

A Convenção Única sobre Entorpecentes, promulgada com base no Decreto

54.216, de 27 de agosto de 1964144, dispôs em seu art. 36, sobre a necessidade de criar

um tipo penal específico com relação à “confabulação” de pessoas com o fim de

praticar o delito de tráfico de drogas e figuras equiparadas, conforme exposto, in

verbis:

Artigo 36º Disposições Penais 1. Com ressalva das limitações de natureza constitucionais, cada uma das Partes se obriga a adotar as medidas necessárias a fim de que o cultivo, a produção fabricação, extração, preparação, posse, ofertas em geral, ofertas de venda, distribuição, compra, venda, entrega a qualquer título, corretagem, despacho, despacho em trânsito, transporte, importação e exportação de entorpecentes, feitos em descordo com a presente Convenção ou de quaisquer outros atos que, em sua opinião, contrários às mesma, sejam considerados intencionalmente e que as infrações graves sejam castigadas de forma adequada, especialmente com pena de prisão ou outras de privação da liberdade. 2. Observadas as restrições estabelecidas pelas respectivas constituições, sistema legal e legislação nacional de cada Parte: a) I – (...) II - serão considerados delitos puníveis na forma estabelecida no parágrafo 1, a participação deliberada a confabulação destinada à consumação de qualquer dos referidos crimes, bem como a tentativa de consumá-los, os atos preparatórios e as operações financeiras em conexão com os mesmos.

Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi observam que:

Atendendo a recomendação da Convenção Única Sobre Entorpecentes, foi considerado pela lei anterior delito especial a associação de duas ou mais pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer qualquer dos crimes previstos no artigo e seus parágrafos145.

144 Diário Oficial da União, Brasília, seção: Poder Executivo, p. 01°/09/1964. 145 Lei de Drogas Anotada – Lei n. 11.343/2006, p. 126.

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Essa conduta, consequentemente, foi tipificada na revogada Lei 6.368/1976,

que dispunha sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido

de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá

outras providências, da seguinte forma:

Artigo 14. Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos Arts. 12 ou 13 desta Lei: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Atualmente, no artigo 35, da nova Lei de Drogas, Lei 11.343, de 23 de

agosto de 2006, o legislador manteve a redação antiga do tipo penal do artigo 14, da

revogada Lei, contudo, inovou ao prever, no seu parágrafo único, a associação para

fins de financiamento do tráfico de drogas.

Artigo 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

Da análise do termo “associação”, poderíamos colacionar a esse estudo

diversas definições doutrinárias quanto a seu significado e abrangência. Contudo, neste

momento, optamos por realizar um exame semântico do seu significado, conforme

definição do Dicionário Houaiss, da Língua Portuguesa:

Associação s.f.: ato ou efeito de associar (-se); 1. ação de aproximar, de combinar <de fatos>; 2. Agrupamento permanente de pessoas com objetivos que não sejam esp. de ordem patrimonial; grupo de indivíduos que se unem para uma finalidade específica e se mantêm coesos graças a procedimentos, rotinas e também sanções que aceitam e aprovam de forma consciente e racional; entidade que congrega pessoas de interesse comuns; 3. Com

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sociedade organizada por dois ou mais indivíduos, com o fim de explorar determinado ramo de negócios 146.

A aludida transcrição, em termos jurídicos, não reflete com exatidão o

significado legal do termo “associação”. Essa denominação deve ser compreendida

como um vínculo subjetivo entre pessoas imputáveis ou não, que pretendem realizar

uma atividade voltada a um delito específico, independentemente, da aproximação, ou

mesmo da reunião física entre os seus membros.

É oportuno evidenciarmos a análise de Greco Filho e Daniel Rassi, quanto

ao elemento subjetivo do tipo, conforme transcrevemos, in verbis:

Jamais a simples co-autoria, ocasional, transitória, esporádica, eventual, configuraria o crime de associação. Para este é mister inequívoca demonstração de que a ligação estabelecida entre A e B tenha sido assentada com esse exato objetivo de sociedade espúria para fins de tráfico, ainda que este lance final não se concretize, mas sempre impregnada dessa específica vinculação psicológica, de se dar vazão ao elemento finalístico da infração147.

Grande parte da doutrina afirma que o termo “associação” compreende o

vínculo entre os seus membros e a estabilidade decorrente do mesmo, ainda que seja

para a prática de uma única conduta criminosa vinculada ao tipo que descreve.

A característica da associação é a permanência e a estabilidade do vínculo.

Tornando-se, portanto, necessário o animus associativo, isto é, um ajuste prévio no

sentido de formação de um vínculo associativo de fato, uma verdadeira societas

sceleri, caso contrário será mero concurso eventual de agentes, nos termos do artigo 29

do CP.

146 Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 323. 147 Lei de Drogas anotada – Lei n. 11.343/2006, p. 128.

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2.3.4 – Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem)

A Lei 9.613, de 03 de março de 1998, dispõe sobre a seguinte figura típica:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:148 I – (...) II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003).149 III – (...) IV – (...) V – (...) VI – (...) VII - praticado por organização criminosa.150 VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal).151 Pena: reclusão de três a dez anos e multa. § 1º (...) § 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: I – (...) II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

A referida Lei menciona como crime antecedente aqueles também

praticados por organização criminosa.

148 Numerus Clausulus: “O intérprete deve estar atento ao princípio da reserva legal (art. 5°, inciso XXXV, da

Constituição Federal), não é possível considerar qualquer outro delito como antecedente da lavagem, somente aqueles previamente descritos como tais, por mais gravosa ou socialmente repulsiva que seja a conduta ou seus efeitos.” (José Paulo Baltazar Júnior; Sérgio Fernando Moro, Lavagem de dinheiro: comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp, p. 37).

149 Para parte da doutrina, não há ainda a tipificação do delito de terrorismo, pelo que resta esvaziado o inciso II

do art. 1° da Lei 9.613/1998. Já, segundo Gerson Godinho da Costa: “Todavia, singela leitura do art. 20 da Lei 7.170/1983 denota a impropriedade técnica do legislador, porquanto a norma não contém definição de terrorismo. Simplesmente, em conjunto com outras condutas, estabelece sanção para a prática de atos de terrorismo, sem entretanto definir exatamente no que consistem ou quando ocorrem. (Ibid., p. 43).

150 Tema desenvolvido no Capítulo 3. 151 Inciso incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002.

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Percebemos, num primeiro momento, que a capitulação da conduta prevista

no inciso VII, do seu artigo 1°, não requer nenhum crime antecedente específico,

conforme previsão contida nos incisos anteriores, bem como no inciso VIII, uma vez

que caracterizada a conduta praticada por organização criminosa, conforme

analisaremos nos capítulos seguintes152.

Salienta-se que o Legislador inovou, ao contemplar no § 2º, a tipificação do

partícipe de grupo, associação ou escritório, cuja atividade seja destinada aos fins

ilícitos desta Lei.

Narra Rodolfo Tigre Maia, in verbis, que:

Trata-se, no caso de uma forma especial de concorrência que permitirá a imputação típica mesmo que o sujeito ativo não esteja praticando atos característicos da lavagem ou ocultação descritos pelo caput do art. 1° e do respectivo §1º 153.

Quando da análise dos elementos objetivos, percebemos que o mesmo

doutrinador critica a redação do tipo penal, conforme transcrevemos, in verbis:

Na realidade, o dispositivo analisado, que pretendeu criar um delito associativo de “lavagem” resultou bastante mal-elaborado. Em primeiro lugar por alicerçar-se na conduta de participar, que tecnicamente implicaria uma inegável restrição da pertinência subjetiva do preceptivo, já que diante da atual dicção do artigo 29 do Código Penal é possível optar-se no concurso de agentes pela teoria do domínio do fato ou teoria objetivo material–final, distinguindo-se entre autor e partícipe154.

152 Ver Capítulo 3. 153 Lavagem de Dinheiro: lavagem de ativos provenientes de crime, p. 100. 154 Ibid., p. 101.

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Destacamos a ausência no nosso ordenamento jurídico das figuras do

grupo155 e escritório156. Contudo, a figura da associação está presente nas Leis de

Drogas e Genocídio, cujo exame foi realizado neste capítulo.

155 Com base no artigo 1°, da Lei dos Crimes Hediondos, encontramos no inciso I: ,I - homicídio (art. 121),

quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) a figura do “grupo de extermínio” (Lei n. 8.072/1990, alterada pela Lei n. 8.930/1994).

156 Zaffaroni e Pierangeli, ao definir o crime de autoria de escritório, pressupõe uma “máquina de poder”, que

pode ocorrer tanto num Estado em que se rompeu com a toda legalidade, como numa organização paraestatal (um Estado dentro do Estado), ou como uma máquina de poder autônoma “mafiosa”. (Manual de direito penal brasileiro, p. 672).

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3. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

SUMÁRIO: 3.1 Histórico; 3.1.1 As máfias do mundo; 3.2 Definição de

organização criminosa; 3.2.1 Direito Pátrio; 3.2.2 Direito Comparado; 3.2.3

Convenção de Palermo; 3.3 Tipificação da Organização Criminosa; 3.3.1 Princípio da

Reserva Legal; 3.3.2 Princípio da Taxatividade; 3.3.3 Projeto de Lei.

3.1 - Histórico

Com o surgimento do Estado e a consequente divisão da sociedade em

classes, principalmente, com o sistema de castas adotado pelo Império Romano, as

questões sócio-econômicas passaram a ter uma dinâmica completamente diferente da

economia de subsistência até então adotada.

Ao elencarmos as atividades criminosas que constituíram os tempos

remotos do Pré-Cristianismo, Idade-média, tempo dos desbravadores (Colonização),

transcrevemos especialmente as práticas da escravidão, a exploração da prostituição, a

pirataria no mar e o contrabando.

Desde o Século XIII e XIV, a pirataria pode ser vista como uma atividade

extremamente nociva para a época. Ela era constituída por grupos de mercenários, que

atuavam no comércio clandestino com o roubo de cargas, principalmente de

especiarias transportadas por colonizadores.

Importante o relato de Moisés Naím157, sobre a origem do crime organizado

no cenário mundial:

O comércio ilícito é antigo – um aspecto contínuo e um efeito colateral das economias de mercado ou do comércio em geral. Seu ancestral – o

157 Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem do dinheiro e do tráfico à economia global, p 9.

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contrabando – remonta à Antiguidade, e muitos “mercados de ladrões” sobrevivem nos centros comerciais do mundo.

Na Itália e nos Estados Unidos, formaram-se, muitas vezes, grupos

decorrentes de uma estrutura familiar. Paulatinamente, em decorrência da alta

lucratividade da atividade ilícita desenvolvida, houve um processo de reestruturação,

com a sua consequente profissionalização.

Algumas dessas atividades criminosas jamais deixaram de existir, muito

pelo contrário, elas se profissionalizaram, formaram conglomerados (verdadeiras

estruturas empresariais), fomentaram a lavagem de bens, direitos e valores, e criaram

estruturas globalizadas.

Oportuna a observação de Rodolfo Tigre Maia, sobre a evolução das

empresas constituídas para o crime organizado:

(...) as empresas criminosas “evoluíram” na busca de ilícitos mais rentáveis economicamente. No início atuavam prioritariamente nas atividades de extorsão (“venda de proteção” e nos crimes “sem vítimas” (e.g., os empréstimos usurários, a prostituição, o fornecimento de bebidas ilegais e os jogos de azar). Com o passar do tempo, assumiram a opção preferencial pelos lucrativos tráficos de armas e entorpecentes, pela pornografia, inclusive infantil; pelo controle dos sindicatos para incremento das extorsões; pela corrupção de funcionários públicos e associação de agentes políticos, para a consecução de garantias da tranqüilidade de suas operações, inclusive financiando campanhas eleitorais e apresentando seus próprios candidatos158.

Alguns países da África, Ásia e inclusive da América do Sul, tem entre suas

principais atividades de sustentabilidade econômica, os crimes ora expostos.

158 Op. cit., p. 25.

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Por sua vez, atualmente, o terrorismo159 ligado às organizações criminosas

é uma das principais preocupações no cenário internacional, tanto no aspecto sócio-

econômico, político e criminal.

Ante esse contexto, as principais potências mundiais direcionaram os seus

mecanismos de combate às organizações criminosas, que tinham por base a atividade

terrorista, momento em que, para muitos países, ela passou a ser tratada como

verdadeira questão de Estado, muitas vezes, suprimindo, ou mesmo eliminando

direitos fundamentais do indivíduo, de uma forma impensada e desarrazoada,

conforme leciona Francisco Rezek:

Entretanto, no plano da convivência entre as nações, da busca do ideal de paz internacional e de segurança coletiva, não há como afirmar que as coisas tenham evoluído da melhor maneira possível. As respostas estatais a problemas de extrema gravidade, como o terrorismo, têm sido as menos inteligentes. Não se investigam as causas do fenômeno. Faz-se uma deliberada abstração de tudo aquilo que conduz pessoas ou comunidades a determinadas formas de terrorismo. Se algumas são absolutamente irracionais, há outras manifestações do fenômeno terrorista cujas causas poderiam ser investigadas e neutralizadas, não se adotando uma atitude de mera represália com os mesmo métodos160.

Poder-se-ia pensar que as ações praticadas por grupos terroristas não são

um problema ligado às atividades das organizações criminosas em atuação no Brasil,

uma vez que no nosso país tem uma boa aceitação e goza de boa convivência junto a

todas as nações, etnias e grupos religiosos.

159 Jorge Miranda nos afirma que “o terrorismo não é fenômeno só de agora. Tem havido surtos de terrorismo em

certas épocas (como no final do século XIX, de origem anarquista) ou em certos países, recentemente (na Grá-Bretanha, no País Basco ou na Rússia). Os atentados de 11 de setembro último, apenas têm de singular os meios utilizados, o número de vítimas e as suas repercussões globais.” (in: José Faria da Costa e Marco Antonio Marques da Silva, op. cit, p. 184).

160 “Nova Ordem” e crise de Direito Internacional, p. 678.

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Por outro lado, há quem sustente que o terrorismo não é um problema

ligado ao crime organizado, conforme destaca Antonio Scarance Fernandes:

Por fim, é preciso distinguir crime organizado de terrorismo. A discriminação é feita, essencialmente, com base na diversidade de seus fins, embora os seus praticantes operem de formas semelhantes: enquanto uma organização criminosa objetiva lucro, um grupo terrorista quer produzir medo, insegurança, subverter a ordem, sendo movido por razões ideológicas, políticas e ideológicas161.

Contudo, neste momento, não podemos realizar uma análise sociológica ou

cultural sobre o fenômeno do terrorismo no cenário brasileiro ou mundial. Por sua vez,

no aspecto criminológico, devemos ponderar quais são as atividades que os grupos

voltados a essa conduta nociva fomentam na ilegalidade.

Assim, para que os grupos terroristas possam alimentar suas células, ou

mesmo, patrocinar os atentados, tais como o ocorrido contra as “Torres Gêmeas”, em

11 de Setembro de 2001, torna-se necessária a prática de diversas outras atividades

ilícitas de alta periculosidade, como por exemplo, o tráfico internacional de drogas,

armas, explosivos e produtos químicos, a lavagem de bens, direitos e valores, crimes

contra o sistema financeiro, entre outros.

Nesse momento, oportuno lembrar a afirmação de Jorge Miranda:

O terrorismo globalizado não diz respeito somente a este ou àquele Estado, por mais poderoso ou – simultaneamente – mais vulnerável que seja. Diz respeito a toda comunidade internacional; é ela que também é ofendida. Por isso, só pode ser vencido a partir de instrumentos jurídicos desta mesma comunidade internacional. Por isso, só pode ser vencido sem transigências com qualquer desrespeito ou degradação dos direitos fundamentais162.

161 O equilíbrio na repressão ao crime organizado, p. 13. 162 In: José Faria da Costa e Marco Antonio Marques da Silva, op. cit,, p. 185

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Digno de nota, igualmente é o Código Penal português, que tipifica a ação

praticada por grupos terroristas, conforme previsão do art. 300°:

(...) grupo, organização ou associação terrorista, todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade ou a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupo de pessoas ou a população em geral, mediante a prática de crimes: (...).

Paulatinamente, percebemos que a atividade criminosa não se limita mais à

simples cadeia de atos interligados na preparação, execução e resultado do delito.

Assim, com a diversificação de funções em decorrência das diversas atribuições que

demandam às atividades ilícitas de um grupo estruturado, passamos a demandar um

processo dinâmico pré-crime e pós-crime.

No sistema pré-crime, exigem-se noções de Administração, Logística e

Contabilidade, ou seja, funções planejadas para o sucesso e a consequente preparação

e execução do crime.

O sistema pós-crime, contudo, envolve o próprio processo de lavagem de

bens, direitos e valores, nos termos da Lei n. 9.613/1998, de maneira que os

integrantes do grupo dependem de pessoas especializadas no dinâmico e complexo

processo de “lavagem de dinheiro”, ou seja, na conversão, ocultação e/ou dissimulação

e conseguinte integração do produto do crime à economia formal.

Frente às novas tecnologias, com o fim da Guerra Fria163 (Estados Unidos x

ex-União Soviética), aliada a facilidade de locomoção e comunicação internacional,

163 Conforme ressalta Francisco Rezek: “Recordemos o que aconteceu nos últimos vinte anos. Havia antes um mundo bipolar, um mundo contaminado largamente por um confronto ideológico que consumiu tantas energias, a ponto de que as pessoas da minha geração hoje se perguntam se terá valido a pena debater tanto em torno de algo que, quando desapareceu, praticamente não deixou vestígios. Ou seja, o confronto da época da polaridade da guerra fria”. (op. cit., p. 676).

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abertura e integração de mercados164 e moedas, obteve-se grande favorecimento para a

integração e consequente profissionalização de grupos criminosos de caráter local, que

se tornaram verdadeiras “empresas transnacionais” do crime organizado.

Sobre os efeitos dessa evolução na nova criminalidade de Anabela Miranda

Rodrigues, afirma que:

A nova criminalidade é expressão deste novo modelo de organização social para que tendem as sociedades contemporâneas. A mobilidade das pessoas e dos capitais põe em causa a lógica territorial sobre a qual elas repousam. Este movimento de fundo – um pouco retardado pela confrontação Leste-Oeste – produz agora todos os seus efeitos. As grandes construções institucionais e a concentração do poder dão lugar ao declínio dos Estados e a um mundo onde proliferam as redes165.

Na presença desse novo fenômeno, de exacerbada e desenfreada

criminalidade, a ponto de alguns países tratarem a “questão” como “causas de Estado”,

houve um processo inverso à tendência das correntes iluministas da época166.

Jorge Miranda aponta que:

Em todas as épocas e em quaisquer Estados ocorrem situações de excepção ou de necessidade, resultantes de perturbações de maior ou menor vulto, de origem interna ou externa. Em tais circunstâncias têm de ser adoptadas formas de organização e providências também de caráter excepcional; e a história e a comparação mostra uma grande variedade de soluções, desde a ditadura romana ao Rio Act inglês de 1714, ao etat de siege, da Revolução Francesa, ao Notrecht do art. 48.° da Constituição de Weimar, aos poderes extraordinários do art. 16° da Constituição Francesa de 1958, etc.167

164 Mercosul, Alca, Mercado Comum Europeu etc. 165 Anabela Miranda Rodrigues, in: José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 281. 166 Ibid., p. 180. 167 In: José de Faria da Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit. p. 180.

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3.1.1 – As máfias do mundo

Como parte integrante da cultura mundial, ao tratarmos da acepção do tema

central deste trabalho, corriqueiramente a palavra “máfia”168 será associada a ele.

No cenário brasileiro, tornou-se muito comum associarem-se grupos

criminosos, independentemente das qualidades e características que eles possuem.

Com a Máfia, por exemplo, temos: a) “máfia dos precatórios”; b) “máfia dos fiscais”;

c) “máfia dos perueiros”; e) “máfia dos bingos e máquinas caça-níquel”, entre outras.

Existem até mesmo aqueles que sustentam um ideal quase romântico para a

acepção da palavra máfia, ligando-a a um grupo admirado e respeitado em

determinada região169.

Apesar da dificuldade170 da conceituação histórica do vocábulo máfia,

torna-se importante buscar num trabalho científico, um sentido específico para o termo

e, para isso, destacamos a opinião de Stanislao Rinaldi:

Em um sentido mais específico, o termo Máfia refere-se àquelas organizações criminais que operam na região da Sicília – onde historicamente nasceu o modelo de criminalidade organizada aqui analisado – o termo Camorra à que atuam na região da Campanha, ‘Ndrangheta, as

168 Juarez Cirino dos Santos dispõe: O objeto original do discurso italiano não é o chamado crime organizado, mas a atividade da Mafia, uma realidade sociológica, política e cultural secular da Itália meridional: falar da Mafia como a Cosa Nostra siciliana, ou de outras organizações de tipo mafioso, como a Camorra de Nápoles, a Ndranghetta da Calábria, é falar de associações ou estruturas empresariais constituídas para atividades lícitas e ilícitas, com o controle sobre certos territórios, em posição de vantagem econômica na competição com outras empresas e de poder político no intercâmbio com instituições do Estado, que praticariam contrabando, tráfico de drogas, extorsão, assassinatos etc. – portanto, organizações passíveis de definição como bandos ou quadrilhas, mas inconfundíveis com o conceito indeterminado de crimine organizzato, embora a criminologia italiana também utilize esse conceito. (Crime organizado, p. 218).

169 Sérgio Altieri Moraes Pitombo relata que: “Há muitos anos, conserva-se um ideal, pode-se considerar quase

romântico, de máfia. Desde os escritores estrangeiros de 1800, os quais foram visitar a Sicília para vivenciar o contraste entre a beleza natural e a pobreza da região, constrói-se um modelo de grupo criminoso, grande o suficiente para substituir o Estado em funções relevantes para aquela coletividade”. (op. cit., p. 90).

170 Marcelo B. Mendroni, realiza um minucioso estudo sobre a máfia italiana e afirma que: “não se sabe a origem

exata da palavra ‘máfia’. Raras são as obras que arriscam identificá-la”. (Crime Organizado, p. 287).

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que operam na Calábria, e finalmente, Sacra Corona Unita, fenômeno relativamente recente, às organizações que atuam na Puglia171.

O aludido autor, na dissertação que elaborou sobre o tema, recorre às

principais características dos métodos e dos âmbitos de ação das organizações de tipo

mafioso, encontrado no Relatório Cattanei da Commissione Parlamentare Antimáfia

de 1972, conforme trecho a seguir transcrito:

As características constantes da máfia são a finalidade e o lucro, obtido através de formas intermediação e de inserção parasitária, o uso sistemático da violência e, sobretudo, a coligação com os poderes públicos. Outras características mencionadas seriam: a ação simultânea nos planos lícito e ilícito e a organização interna voltada à proteção da própria atividade e que logra garantir formas de imunidade perante os poderes públicos172.

Convém salientar que no início do Século XX, as “máfias” italianas e

americanas passaram a ser o cerne do combate ao crime organizado, tendo em vista o

seu modelo corporativo estruturado, hierarquizado, violento e com alta lucratividade.

No cenário Americano, destaca-se a famosa organização criminosa

comandada por Alphonse Capone, vulgo “aka.” “Al”, “Scarface”. Filho de imigrante,

nascido em Nova York, no ano de 1899, passou a relacionar-se com integrantes de

gangues locais173.

Em 1920, na cidade de Chicago, Al Capone, aproveitou-se da proibição da

comercialização de bebidas alcoólicas, conhecida como Lei Seca, e montou uma

verdadeira rede criminosa de contrabando de destilados. Para ter liberdade e fomentar

171 Stanislao Rinaldi, Criminalidade organizada de tipo mafioso e poder político na Itália , p. 11. 172 Ibid., pág. 12. 173 Disponível em: <www.fbi.com> consulta em: 01/06/2009.

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suas atividades ilícitas, organizou uma rede de contatos, cooptando setores da

sociedade civil e, principalmente, corrompendo as autoridades públicas174.

Fragoso destaca em sua obra o poder de influência desses agrupamentos,

denominando-os “sindicatos do crime”, bem como a dificuldade que as autoridades

americanas encontraram para o desmantelá-los, uma vez que, privilegiados pelo poder

econômico, exerciam grande influência sobre a vida política da Nação americana:

Nos Estados Unidos, a organização do crime começou ao tempo da “lei seca”, para desenvolver-se logo após a crise de 1929, através de sindicatos que operam em escala nacional, controlando o jogo, o tráfico de mulheres, e de drogas, o roubo de automóveis etc. Alguns de tais sindicatos têm maior número de membros do que o departamento de correios daquele país, com organização perfeita e extraordinário poder, que se estende sobre a administração pública e a vida política da nação.175

A investigação desenvolvida por agentes americanos do FBI (Federal

Bureau Investigation), revelou que a estrutura da organização criminosa comandada

por Al Capone detinha hierarquia entre seus membros, estrutura empresarial,

infiltração de agentes públicos e alto poder de intimidação.

Juarez Cirino dos Santos aponta a origem do termo “organized crime” no

sistema jurídico americano, como fonte de discriminação de grupos étnicos

decorrentes da imigração de estrangeiros para a América, de acordo com trecho

transcrito, in verbis:

O discurso americano do organized crime, originário das instituições de controle social, nasce com o objetivo de estigmatizar grupos sociais étnicos (especialmente italianos), sob o argumento de que o comportamento criminoso não seria uma característica da comunidade americana, mas de um

174 The Godfather, direção: Francis Ford Coppola, produção: Albert S. Ruddy. Roteiro: Mario Puzzo e Francis Ford Coppola: Paramount Pictures, 1972, DVD.

175 Op. cit. p. 295..

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submundo constituído por estrangeiros, aqueles maus cidadãos que ameaçavam destruir a comunidade dos bons cidadãos176.

Nesse contexto, ressaltamos que o modelo histórico de organização

criminosa passou a ganhar uma real dimensão mundial em termos de combate à

criminalidade com as ações violentas e midiáticas de alguns grupos organizados, como

por exemplo, os cartéis colombianos, as tongs chinesas, as tríades de Hong Kong, a

yakuza japonesa e a máfia russa.

3.2 – Definição de organização criminosa

Atualmente, uma das matérias mais controversas na doutrina e na

jurisprudência é a busca por uma definição legal do conceito de organização

criminosa, a começar pelo processo de elaboração da atual Lei n. 9.034, de 03 de maio

de 1995, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e

repressão de ações praticadas por organizações criminosas.

O art. 2º, do Projeto de Lei 3.516177, de 24 de agosto de 1989, de autoria do

Deputado Federal Michel Temer, que deu origem à atual Lei de combate ao crime

organizado - Lei n. 9.034/1995, definia organização criminosa.

Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se organizações criminosas aquela que, por suas características, demonstre a exigência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com atuação regional, nacional e/ou internacional178.

176 Op. cit., p. 215. 177 Diário do Congresso Nacional, 24/08/1989, Seção I, p. 8555. 178 Ibid., 19/09/1989, Seção I, p. 9651.

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Por sua vez, após quase seis anos de tramitação no Congresso Nacional,

somente no dia 06 de abril de 1995, foi apresentado o Substitutivo do Senado ao

Projeto de Lei n. 3.516-A, de 1989. Nos termos do parecer do Deputado Miro

Teixeira, com a tardia aprovação no Senado Federal, a sociedade brasileira reclamava

por mudanças drásticas nos mecanismos de combate ao crime organizado, uma vez

que a legislação se encontrava obsoleta e superada, limitando a liberdade

constitucional de ir e vir do indivíduo, conforme citamos, in verbis:

A idéia inicial do projeto, Sr. Presidente, data de 1989 e àquela época não era difícil perceber que caminhos acabariam tolhendo da sociedade brasileira o direito de ir e vir pela ação criminosa de quadrilhas ou bandos. Mas o hábito é de se botar tranca na porta depois de arrombada. Depois de termos aprovado o projeto rapidamente na Câmara dos Deputados, ficou ele no Senado durante três anos, e somente o clamor público conseguiu tirar de lá esse projeto, que deu lugar a um substitutivo. (...) Portanto, Sr. Presidente, este é o parecer. E podemos celebrar, pelo acordo de Liderança feito em torno deste texto, um grande momento desta Casa, numa hora em que a sociedade brasileira reclama velocidade na utilização de instrumentos para combater a criminalidade que não tem código de ética, não tem limites, não tem territorialidade demarcada pelos códigos, uma criminalidade que avança e que tolhe o cidadão no seu direito de ir e vir – repito – enquanto o Estado fica à mercê de uma legislação processual arcaica e superada179.

O aludido Substitutivo modificava a definição da proposta inicial do Projeto

do Deputado Michel Temer, cuja redação do art. 2° passou a ter a seguinte redação, in

verbis:

Art. 2º Considera-se crime organizado o conjunto de atos delituosos que decorram ou resultem das atividades de quadrilha ou bando, definidos no § 1° do art. 288 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal180.

179 Ibid., 06/04/1995, Seção I, p. 5632. 180 Ibid., p. 5633.

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Nessa oportunidade, expomos que o art. 3º do Substitutivo do Senado

disciplinou o crime de quadrilha ou bando, cuja transcrição segue, in verbis :

Art. 288. Participar de quadrilha ou bando ou organização que se serve das estruturas ou é estruturada ao modo de sociedades, associações, fundações, empresas, grupos de empresas, unidades ou forças militares, órgãos, entidades ou serviços públicos, concebidas, qualquer que seja o princípio, pretexto, motivação ou causa, para cometer crimes ou alcançar objetivos cuja realização implica a prática de ilícitos penais181.

Todavia, em continuidade às sucessivas modificações do Substitutivo do

Senado, o texto do art. 3°, foi novamente alterado e passou a ter a seguinte redação, in

verbis:

Artigo 288. Participar de quadrilha, bando ou organização que se serve das estruturas ou é estruturada ao modo de sociedades, associações, fundações, empresas, grupos de empresas, unidades ou forças militares, órgãos, entidades ou serviços públicos, concebidas, qualquer que seja o princípio, pretexto, motivação ou causa, para cometer crimes ou alcançar objetivos cuja realização implica a prática de ilícitos penais. Pena: reclusão, de um a três anos. § 1° Se a quadrilha ou bando serve-se de estruturas ou é estruturada ao modo de sociedades, associações fundações, empresas, unidades ou forças militares, órgãos ou entidades públicas ou que prestem serviço público. Pena: reclusão, de dois a cinco anos. § 2° A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado182.

No entanto, a nova alteração do artigo 288 do Código Penal não prosperou,

permanecendo sua redação original, nos termos do Código Penal de 1940.

É oportuno destacar que a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, em seu artigo

8°183, alterou o preceito secundário da pena do crime do artigo 288, quando se tratar de

181 Ibid., mesma página. 182 Ibid., p. 5634. 183 “Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de

crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo”.

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crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou

terrorismo.

Ainda assim, a Câmara dos Deputados modificou novamente o Substitutivo

do Senado Federal e suprimiu da lei a expressão “crime organizado”, tendo em sua

redação o seguinte texto: “ação praticada por organização criminosa”. Diante disso, a

ementa ficou redigida, in verbis: “Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para

a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas184”.

Em seguida, o material foi submetido à sanção presidencial e,

consequentemente, em 03 de maio de 1995, foi promulgada a Lei 9.034, que “Dispõe

sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações

praticadas por organizações criminosas”.

Diante desses textos, diversos juristas opinaram sobre a falta de técnica

legislativa na elaboração do conceito de crime organizado, uma vez que apesar de o

legislador ter optado por um sistema anacrônico consoante a redação da questionada

Lei, restou claro que ele não decidiu por uma definição sistêmica do que seria

compreendido por crime organizado e alçou o crime capitulado no artigo 288, do

Código Penal à condição de organização criminosa.

Antonio Scarance Fernandes posicionou-se sobre o assunto:

De modo geral, são três as linhas doutrinárias e legislativas formadas sobre o conceito de crime organizado: 1ª) parte-se da noção de organização criminosa para definir o crime organizado, o qual, assim, seria aquele praticado pelos membros de determinada organização; 2ª) parte-se da idéia de crime organizado, definindo-o em face de seus elementos essenciais, sem especificação de tipos penais, e normalmente, incluindo-se entre os seus componentes o fato de pertencer o agente a uma organização criminosa; 3ª) utiliza-se o rol de tipos previstos no sistema e acrescentam-se outros, considerando-os como crimes organizados.

184 Diário do Congresso Nacional, 06/04/1995, p. 5635.

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(...) A lei seguiu um caminho próprio. Não definiu a organização criminosa, desprezando a linha inicial do projeto. Não definiu, através de seus elementos essenciais, o crime organizado. Não elencou condutas que constituiriam crimes organizados. Preferiu deixar em aberto os tipos penais configuradores de crime organizado, mas, ao mesmo tempo, admitiu que qualquer delito pudesse se caracterizar como tal, bastando de decorresse de ações de bando ou quadrilha. É o que se depreende da leitura do art. 1º, segundo o qual é organizado o "crime resultante de ações de bando ou quadrilha”185.

Como foi demonstrado, o legislador optou em fazer menção apenas à

expressão “crime organizado”, sem delinear os contornos da definição do que se

compreenderia sobre o termo. Deste modo, Alberto Silva Franco destaca que a norma

“não definiu forma nem figura do tipo penal”186.

Além do indagado texto legal não definir o que vem a ser crime organizado,

bem como elevar à sua categoria o tipo quadrilha ou bando, surgiu grande polêmica no

sentido dos métodos “meios de provas e os procedimentos investigatórios” atingirem

as ações praticadas pelo delito do artigo 288, do Código Penal.

Apesar daquela norma, definir os meios de prova e os procedimentos

investigatórios, diante da ausência da definição de crime organizado, surgiu uma

grande polêmica: se os referidos métodos alcançariam também as ações praticadas por

“quadrilha ou bando”.

Ao elevar o crime de quadrilha ou bando à condição irrestrita de crime

organizado o legislador acabou por ferir dispositivos consagrados na Constituição

Federal brasileira. O crime de quadrilha ou bando, nos termos disciplinados pelo

Código Penal de 1940, jamais poderia caracterizar uma conduta praticada por

organização criminosa nos limites delineados pela doutrina nacional e estrangeira.

185 O conceito de crime organizado na Lei 9.034, p. 3. 186 Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial, p. 575.

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O autor, ao criticar o texto legal e aponta a dificuldade na equiparação da

conduta de quadrilha ou bando com o crime organizado, quando discorre sobre o

assunto ora tratado, in verbis:

Não foi boa essa orientação. É ao mesmo tempo ampliativa e restritiva. Abrange crimes que, pelo simples fato de serem resultantes de bando ou quadrilha, serão "crimes organizados", e que, na realidade, podem representar pequena ofensa social, não merecendo especial preocupação. Mas o preceito também restringe, pois, em certos casos, os delitos praticados por determinadas pessoas poderiam se caracterizar como "crimes organizados", contudo, por estarem desvinculados de bando ou quadrilha, ficarão fora da órbita da lei187.

Raúl Cervini e Luiz Flávio Gomes consideram que o legislador “criou uma

nova tipologia”, dando-lhe “o conteúdo mínimo” do delito de quadrilha ou bando e

deixando ao intérprete o complemento conceitual188.

No entanto, convém destacar que, ao seguirmos o posicionamento

doutrinário de permitir que o intérprete amolde o tipo “quadrilha ou bando” ao

conceito jurídico de crime organizado, acabaremos por enfrentar uma celeuma jurídica

diretamente ligada à desobediência do princípio da reserva legal garantido pela Carta

Magna.

É apropriado citarmos, nessa ocasião, o relato de Silva Franco que

demonstra a problemática jurídica causada pela nova acepção terminológica da lei, ao

dispor, in verbis:

Pela primeira, quer dizer explicitar com marcos precisos os contornos de um tipo para que não se confunda com outro, nem sirva de parâmetro para situações fáticas avizinhadas. Já definir, na segunda acepção, significa estruturar com clareza as condutas criminosas para que possam ser, com facilidade, compreendidas por seus destinatários. Se o legislador desavisado ou malicioso, emprega, na construção típica, termos indefinidos para a

187 Ibid., 575. 188 Crime organizado, p. 100.

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descrição do comportamento humano, corre-se o sério risco de estabelecer a insegurança do cidadão e transferir-se ao juiz incumbência do legislador, com a possibilidade de que a arbitrariedade judicial possa campear à solta, sem rei, nem roque.

Nesse sentido, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Adhemar

Ferreira Maciel, ao expor o tema, entende que não cabe ao legislador conceituar o que

seria “crime organizado” e que jamais poderá equiparar o crime de “quadrilha ou

bando” às organizações criminosas:

Embora a lei não esclareça, seu objetivo é a grande criminalidade, e não as “quadrilhas de bagatela”. O número de associados me parece indiferente, não obstante o próprio artigo 1.° falar em “ações de quadrilha ou bando”. Mas, na prática é impensável um “crime organizado” com pouca gente. O fato é que toda a exegese legal deve ser feita no combate das grandes organizações criminosas, evidentemente sem ofensas aos direitos fundamentais. Para o combate às pequenas, a denominada “criminalidade tradicional ou clássica”, a legislação anteriormente existente já é o bastante189.

Conseguinte, assentada no Projeto de Lei 3.275, apresentado em 23 de

junho de 2000, foi promulgada a Lei n. 10.217, de 11 de abril de 2001, cuja ementa

altera a redação dos artigos 1° e 2°, da atual Lei 9.034, de 3 de maio de 1995190.

Nos termos da ementa do aludido Projeto, a redação original do art. 1°, da

Lei n. 9.034/1995, passaria a ser disciplinada da seguinte forma:

Art. 1° Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre a garantia da segurança e estabilidade institucional, ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo191.

189 Observações sobre a lei de repressão ao crime organizado, p.99. 190 Diário da Câmara dos Deputados, 24/06/2000, p. 33931. 191 Ibid., p. 33931.

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Entretanto, com base no Substitutivo do Projeto, apresentado pelo Deputado

Federal José Genuíno, o artigo 1° foi alterado e passou a ser redigido nos termos, in

verbis:

Art. 1o. Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre crime praticado por quadrilha ou bando ou organizações criminosas de qualquer tipo192.

O termo “sobre a garantia da segurança e estabilidade institucional”193, foi

suprimido em votação na Câmara.

Com fundamento em novo Substitutivo apresentado pelo Senado Federal,

finalmente a redação do mesmo artigo foi concluída, in verbis:

Art. 1o Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo194.

Noutra via, antes mesmo da vigência da nova Lei, diversos doutrinadores

insurgiram-se contra a sua constitucionalidade.

192 Ibid., 12/08/2000, p. 42467. 193 Conforme dispôs publicação do Diário do Congresso Nacional: “Requeremos, nos termos do art. 161, inciso I

e § 2° do Regimento Interno, destaque para votação em separado da expressão ‘sobre a garantia da segurança e estabilidade institucional’, constante da proposta do art. 1° da Lei n. 9.034, de 1995, do art. 1° do Projeto de Lei n. 3.275, do ano de 2000, suprimindo-se, em conseqüência, a mesma expressão ‘ou de segurança institucional’ do inciso V”. (Ibid., 14/09/2000, 55576).

194 Ibid., 29/11/2000, p. 61947.

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Uma das críticas elaboradas àquela Lei, que alterou a Lei n. 9.034/1995, foi

a distinção entre os crimes decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando, ou

organizações criminosas e associações criminosas de qualquer tipo.

Após a promulgação da Lei 10.217/2001, Luiz Flávio Gomes, manifestou-

se pela inconstitucionalidade da nova disposição, in verbis, transcrito:

Não existe em nenhuma parte do nosso ordenamento jurídico a definição de organização criminosa. Cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto, absolutamente poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria antes) o legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do fenômeno, só nos resta concluir que, nesse ponto, a lei (9.034/1995) passou a ser letra morta. Organização criminosa, portanto, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma (uma enunciação abstrata) em busca de um corpo (de um conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade)195.

Por sua vez, a argumentação de Luiz Flávio Gomes não pode mais

prosperar com a mudança da Lei do Crime Organizado, uma vez que o delito de

quadrilha ou bando deixou de servir como molde para definir a figura da organização

criminosa.

Assim, o texto da Lei de 2001 acabou por equiparar os conceitos de “crime

organizado”, “quadrilha ou bando” e “associações criminosas de qualquer tipo”

Diversos juristas manifestaram-se contrários a real alteração dos artigos 1º e

2º daquela Lei, haja vista que para eles, mesmo com os novos textos, o legislador

pátrio não teria definido o que seria crime organizado e, ao mesmo tempo, teria trazido

novas figuras de autoria coletiva para serem, com rigor, disciplinadas pelo novo

preceito.

195 Crime organizado: que se entende por isso depois da lei 10.217, de 11.04.2001? (...), p. 489.

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Não obstante à atual redação, Silva Franco demonstra, mais uma vez, sua

preocupação com o artigo 1º da Lei 9.034/1995:

Seja com que nome for – organização criminosa, crime organizado, criminalidade organizada, máfia etc. –, o que na realidade, se pretende incriminar? Para uma resposta adequada, é mister, como premissa básica, que se separem com clareza, os conceitos de organização criminosa e de criminalidade de massa196.

A insegurança da coletividade aliada ao apelo midiático faz com que

qualquer ação, seja a praticada por pequenos aglomerados ocasionais (criminalidade

de massa) ou que cause temor referencial à sociedade, tornem-se antecipadamente

caracterizadas como ações praticadas por organização criminosa, quando na realidade

não passam de crimes ocasionais, sem qualquer característica de permanência e

estabilidade, bem como de demais requisitos exigidos pelas doutrinas e pelas leis,

sejam elas brasileiras e/ou comparadas, tratados e convenções condizentes com a

matéria.

Apesar de no Capítulo 2, do presente trabalho, apontarmos que parte da

doutrina defende a equiparação do crime de quadrilha ou bando, com a suposta figura

típica da organização criminosa197; e, desta forma, existiria uma definição de

organização criminosa no próprio artigo 288, do Código Penal, adiante examinaremos

que o legislador pátrio optou por apontar alguns elementos caracterizadores do crime

organizado.

Descartada a hipótese de encontrarmos no ordenamento jurídico o crime de

organização criminosa, passaremos a analisar no contexto jurídico nacional, a busca

por uma definição da matéria ora em estudo.

196 Op., cit., p. 577. 197 Ver Tópico 3.2.1, do Capítulo 3.

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O legislador brasileiro optou por não defini-lo em Lei Ordinária. Somente

com a vigência do Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a

Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado, também conhecido como

Convenção de Palermo é que nosso ordenamento jurídico passou a dispor sobre uma

definição de organização criminosa transnacional, conforme transcrição do artigo 2, da

aludida Convenção:

Artigo 2 Terminologia Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

Com a recepção da Convenção de Palermo, o Supremo Tribunal Federal se

pronunciou no sentido de adotar os critérios daquela definição para o julgamento de

casos relacionados à matéria crime organizado, conforme pode ser verificado, in

verbis, no trecho do v. acórdão da Ministra Ellen Gracie:

(...). 1. A questão de direito tratada neste writ diz respeito à possível nulidade da decisão que decretou a prisão preventiva do paciente por suposta ausência de fundamentação idônea e adequada. 2. A denúncia imputa ao paciente e aos co-réus terem se associado em quadrilha para a prática do tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, na forma de uma organização criminosa estrutura hierarquicamente com divisão de tarefas e funções de seus membros. 3. No caso concreto, há a noção de periculosidade concreta do paciente, acusado de integrar a facção criminosa intitulada "PCC" (Primeiro Comando de Capital) que seria responsável por ataques violentos ocorridos em maio de 2006 contra civis, unidades prisionais, agências bancárias e veículos, em claro confronto com as forças de segurança pública do Estado de São Paulo. 4. Registro que houve fundamentação idônea à manutenção da prisão processual do paciente. Atentou-se, portanto, para o disposto no art. 93, IX, da Constituição da República. A decisão proferida pelo juiz de direito - que decretou a prisão preventiva - observou estritamente o disposto no art. 1°, da Lei n° 9.034/95 e no art. 312, do CPP, eis que há elementos indicativos no sentido de que as atividades criminosas eram realizadas de modo reiterado, organizado e com alta poder ofensivo à ordem pública. 5. A garantia da ordem pública é representada pelo imperativo de se impedir a reiteração das práticas criminosas. 6. A regra do art. 7°, da Lei n° 9.034/95, consoante a qual não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva

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participação na organização criminosa, com efeito, revela-se coerente com o disposto no art. 312, do CPP. 7. Habeas corpus denegado198.

A decisão ora transcrita, da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal,

proferida pela Ministra Ellen Gracie, Relatora do processo, torna evidente o

posicionamento daquela Corte, quanto ao conceito da expressão “crime organizado”

nas ações praticadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), ao discriminar sua

estabilidade, permanência, periculosidade e o alto grau de ofensa à ordem pública,

ensejando, inclusive, a permanência da prisão cautelar dos pacientes.

Não obstante a posição da adotada pela Ministra, é de grande importância

colocarmos que o seu entendimento contraria o princípio da presunção da inocência,

garantido constitucionalmente e defendido pela maioria dos Ministros daquela Corte.

3.2.1 – Direito Pátrio

Há algumas décadas, a sociedade brasileira passou a viver num cenário de

grande instabilidade, quando o assunto são ações praticadas por grupos, quadrilhas,

associações e organizações criminosas.

A criminalidade e a grande violência ocupam atualmente o centro da

preocupação da sociedade. Antes o crime era uma preocupação limitada aos agentes

do Estado. Hoje, a segurança pública tornou-se um dos principais pontos de debate,

inclusive no meio social.

A ação dos grupos organizados passou a ter destaque e reflexos diários na

sociedade brasileira e nesse sentido, merece destaque o relato de Anabela Rodrigues:

198 Segunda Turma. HC 94739 /SP, j. 07.10.2008, publ. DJ 14/11/2008, p. 00442.

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Hoje, a segurança tornou-se uma preocupação permanente, os agentes da administração da justiça estão na boca da cena e a criminalidade organizada, ao mesmo tempo encoberta e ameaçadora, é em larga medida responsável, conjuntamente com a criminalidade de massa, por esta alteração do estado de coisas e por uma transformação da atitude social face ao crime. A sociedade não oferece mais um direito penal que realmente seja uma garantia de liberdade: à “magna carta do delinquente" a sociedade opõe a “magna carta do cidadão”, o reclamo por um arsenal de meios efectivos de luta contra o crime e a repressão da violência. 199

Paulatinamente, o assunto crime organizado, em parte influenciado pelas

ações de grupos estrangeiros estabelecidos fora do País, passou a ganhar destaque no

cotidiano da população de nossa Nação.

Até então, os crimes ligados à criminalidade clássica, como por exemplo, o

homicídio, os crimes contra o patrimônio e a liberdade sexual, eram notícias diárias no

caderno criminal dos principais jornais. Contudo, como demonstraremos no Capítulo

seguinte deste trabalho, as ações praticadas por facções criminosas e grupos

criminosos transnacionais passaram a criar um estado de terror no seio do povo

brasileiro.

Por sua vez, os mecanismos de combate à “nova” criminalidade organizada

mostravam-se inoperantes para a prevenção e a repressão dos crimes praticados,

conforme expõe a referida autora:

No pressuposto de que os institutos processuais se devem adequar aos contextos de actuação do comportamento intoleravelmente desviado, defende-se a revisão das regras tradicionais de investigação e intervenção da administração da justiça. Criticam-se, assim, designadamente, aqueles que recusam a modernização tecnológica do processo penal – por o converter, dizem, num mecanismo de polícia do Estado de segurança (a chamada tendência da Verpolizeichung do processo penal), alertando para a inviabilização da perseguição penal efectiva das modernas formas de criminalidade200.

199 In: José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit. p. 281 200 Anabela Rodrigues, O Direito penal Europeu Emergente, p. 185.

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Os especialistas da área de segurança pública, clamavam por novas medidas

penais e investigatórias, de modo a tentar equilibrar as “armas”201, em relação às ações

praticadas por esses grupos criminosos. Contudo, jamais deveremos deixar de observar

os princípios do Estado Democrático de Direito, uma vez que a política de repressão

deve respeitar as regras do Estado de Direito.

Desde a promulgação do Código Penal de 1940, foram diversas as

tentativas de coibir os altos índices de criminalidade com a exasperação de penas e a

criação de novos tipos penais.

O artigo 45, I, do Código Penal, originalmente, já contemplou a figura da

organização como forma de agravamento da pena no concurso de pessoas, conforme

disposto, in verbis:

Art. 45. A pena é ainda agravada em relação ao agente que: I - promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; (...).

Atualmente, após a reforma de 1984, a referida causa de majoração encontra-se

disciplinada no artigo 62, I, do Código Penal, com uma pequena alteração no caput do

referido artigo, ou seja, foi substituída a palavra “é”, por “será”, consoante transcrição,

in verbis:

Artigo 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes;

Podemos mencionar como modelo das ações típicas realizadas por grupos

organizados as seguintes leis: a) Lei de Proteção dos Crimes contra Economia Popular;

201 Princípio da “equiparidade de armas”.

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b) Lei de Prevenção e Repressão ao Tráfico Ilícito de Substâncias Entorpecentes e

Psicotrópicas202; c) Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional; d) Lei dos

Crimes Hediondos; e) Lei 9.034/1995; f) Lei dos Crimes Ambientais; g) Lei de

Lavagem de Bens, Direitos e Valores; h) Lei 10.217/2002 i) Lei 10.409/2002203; e i)

Lei de Drogas.

Em 1989, o Deputado Federal Michel Temer apresentou o Projeto de Lei

3.516, cujo preâmbulo tratava: “sobre a utilização dos meios operacionais para a

prevenção e repressão do crime organizado204”, que foi aprovado pela Câmara dos

Deputados.

O projeto era dividido em cinco capítulos:

a) “Das Definições e das Disposições Processuais;”

b) “Do acesso a documentos e informações;”

c) “Das Ações Controladas;”

d) “Da Infiltração Policial;”

e) “Das Disposições Gerais”.

Atentamos que o referido Projeto de Lei não conceituou, nem tampouco,

tipificou a conduta de crime organizado ou organização criminosa. O seu art. 1°

somente considerava que a persecução penal deveria voltar-se para a apuração de

“crime decorrente de organização criminosa”.

Notamos, assim, que o Projeto de Lei foi elaborado com o objetivo de

dispor de mecanismos de combate aos crimes praticados por organização criminosa,

uma vez que, conforme a sua própria exposição de motivos, o atual Código Penal e o

202 Revogada pela Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006. 203 Revogada pela Lei 11.343/2006. 204 Diário do Congresso Nacional, Brasília, seção I, p. 9.651-9.652,19/09/1989.

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de Processo Penal brasileiro mostravam-se obsoletos para tratar da repressão a essa

modalidade criminosa.

Após sucessivas idas e vindas em ambas as casas do Congresso Nacional,

no dia 03 de maio de 1995, entrou em vigor a Lei 9.034, que dispôs “sobre os meios

operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações

criminosas”. Disciplinando no seu artigo 1º, in verbis:

Art. 1o Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando.

A apresentada Lei, conforme demonstrado na transcrição literal do seu art.

1°, optou por não definir a organização criminosa, como também não disciplinou um

rol de condutas que poderiam ser consideradas crimes organizados

Somente depois de um período de seis anos, por iniciativa do Ministro de

Justiça José Gregori, foi encaminhado o Projeto de Lei 3.275/2000, sugerindo a

alteração da Lei de 1995. Da mesma forma foram realizadas inúmeras tentativas de

alteração, modificação e supressão deste Projeto, por iniciativa de congressistas de

ambas as casas.

Após as sucessivas discussões, finalmente, no dia 11 de abril de 2001, foi

publicada a Lei 10.217, cujo artigo 1°, dispôs que: “Esta lei define e regula meios de

prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações

praticadas por quadrilha ou bando ou organizações criminosas de qualquer tipo”.

Ressalta-se, contudo, que o projeto foi aprovado com algumas alterações do seu texto

original, acrescentando medidas de caráter investigativo, como por exemplo, a

captação ambiental e a infiltração policial.

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A nova Lei não tranquilizou o meio jurídico quanto à sua aplicação e

consequente validade, acabou tornando-se objeto de discórdia tanto quanto a sua

abrangência, como a sua constitucionalidade.

A Constituição Federal, em seu art. 5°, XLIII, determinou que a lei

considerasse “crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de

tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos

como crimes hediondos”.

Merece destaque o relato de Antônio Scarance Fernandes, feito antes da

entrada em vigor da Lei 10.217/2001, sobre a dificuldade que o legislador criou

quando promulgou a Lei 9.034/95:

Não foi boa essa orientação. É ao mesmo tempo ampliativa e restritiva. Abrange crimes que, pelo simples fato de serem resultantes de bando ou quadrilha, serão “crimes organizados”, e, por estarem desvinculados de bando ou quadrilha, ficarão fora da órbita da lei205.

Ao contrário do que dispõe Luiz Luisi sobre a inaplicabilidade pelos

operadores do direito da Lei 9.034/1995, conforme recomendação da Professora Ada

Pelegrini Grinover, os Tribunais Superiores têm aplicado com eficácia a referida

Lei206.

3.2.2 – Direito Comparado

Poderíamos começar este tópico, citando o conceito de crime organizado ou

organização criminosa em diversos ordenamentos jurídicos de diferentes nações.

205 Scarance Fernandes, op. cit., p. 38. 206 Luiz Luisi, op. cit., p. 200.

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Entretanto, nos países europeus e até mesmo nos Estados Unidos, que possuem um

estudo avançando sobre crime organizado, não há um consenso sobre uma definição

concreta dessa matéria e, dificilmente haverá, devido ao dinamismo que a envolve.

Juarez Cirino dos Santos, ao analisar o enfoque dado à matéria, entende

que:

Na verdade, existem dois discursos sobre crime organizado estruturado nos pólos americano e europeu do sistema capitalista globalizado: o discurso americano sobre organized crime, definido como conspiração nacional de etnias estrangeiras, e o discurso italiano sobre crimine organizzato, que tem por objeto de estudo original a Mafia siciliana. O estudo desses discursos pode contribuir para desfazer o mito do crime organizado, difundido pela mídia, pela literatura de ficção, por políticos e instituições de controle social e, desse modo, reduzir os efeitos danosos do conceito de crime organizado sobre os princípios de política criminal de direito penal do Estado Democrático de direito207.

Na opinião de Anabela Miranda Rodrigues, ao citar em seu artigo Jean

Ziegler, relata que:

Não há acordo em torno de uma definição de crime organizado. Jean Ziegler indica que a biblioteca do palácio das Nações Unidas em Genebra é, de longe, a maior biblioteca de ciências sociais na Europa [e que] o seu computador central, em relação ao conceito de criminalidade organizada internacional, não aponta menos de vinte e sete definições diferentes208.

Dando seguimento, enumera a autora, com fundamentos em estudos

recentes, seis das principais características das atuais organizações criminosas

internacionais209:

207 Crime organizado, p.215. 208 In: José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 281. 209 Ibid., p. 282.

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a) Organização hierárquica;

b) “Leis” e sanções internas;

c) Branqueamento de capitais criminosos;

d) Intimidação;

e) Compra de funcionários públicos;

f) Diversidade de crimes cometidos.

Antônio Scarance Fernandes, igualmente se pronunciou quanto à

dificuldade da tipificação da matéria no âmbito internacional, principalmente, com

relação à observância dos direitos e garantias fundamentais do homem:

O campo problemático para o legislador e para a doutrina é o da criminalidade grave ou organizada, em que as soluções e propostas não são as mais variáveis. Têm os países dificuldades em enfrentar essa criminalidade. Não sabem nem mesmo como criar um corpo legislativo que, permitindo eficiência ao sistema regressivo, não fira os direitos e garantias dos indivíduos, assegurados nas Constituições e Convenções de Direitos Humanos. Enquanto isso, o crime violento cresce assustadoramente, alastrando o medo e a insegurança entre os cidadãos210.

Alguns países optaram por definir em sua legislação o conceito de

organização criminosa. Já outras nações utilizam modelos e características para

orientar a repressão ao crime organizado.

No ano de 2003, foi elaborado pela União Européia um documento sobre a

criminalidade organizada, que discrimina algumas das características das organizações

criminosas, conforme transcrevemos:

a) Os grupos são formados por poucas pessoas e não têm uma estrutura

hierárquica muito rígida, não sendo possível, portanto, identificar a

cadeia de comando; esses grupos parecem mais células, com poucas

210 Op. cit., p. 32.

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pessoas comandando; além disso, é comum a entrada ou a saída de

integrantes;

b) Relação/comunicação com outras células/outros grupos organizados;

c) As atividades são concentradas geralmente em mais de um tipo de

delito;

d) Lavagem de dinheiro;

e) Corrupção de agentes estatais.

Importante ressaltar que as atuais organizações criminosas internacionais,

não necessariamente possuem as características dos grupos mafiosos italianos e

americanos.

Nesse contexto, notamos o aparecimento de uma nova composição de

organização criminosa internacional, onde se formam diversos grupos não

necessariamente ligados como membros de uma estrutura piramidal e hierárquica, mas

sim com a divisão de diversas células que interagem, conforme o momento da prática

criminosa.

Anabela Miranda Rodrigues, ao citar G Kellens, afirma que:

Os estudos mais recentes, efectivamente, tendem sobretudo a colocar em evidência a acção de redes trabalhando em mercados criminais, onde grupos e indivíduos mais ou menos interligados oferecem e procuram a realização de acções criminosas 211.

Esse novo modelo de organização criminosa traz uma série de

conseqüências tanto no campo interno, como no externo.

211 G Kellens.Elements de criminologie, p. 239, apud Anabela Rodrigues, in: José de Faria Costa; Marco

Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 282.

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No campo interno da organização criminosa, notamos que a divisão em

células proporciona uma série de consequências que facilitam a prática criminosa,

tendo em vista que, cada grupo será responsável por uma tarefa.

Podemos expor como exemplo atual, a organização criminosa internacional

comandada pelo narcotraficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia212.

As investigações sobre o grupo revelaram que esta organização era dividida

em diversas células, no Brasil e no Exterior; cada uma delas possuía uma função

específica, sem necessariamente haver contato entre elas213.

A ação do grupo não se limitava apenas na exportação de drogas do “Cartel

Vale del Norte” para os Estados Unidos da América214 e Europa. Dessa forma, para a

execução das diversas ações criminosas do grupo de Abadia, foram criadas várias

redes internacionais de logística, apoio, coordenação, financiamento e lavagem de

valores, de modo que cada uma delas atuasse de forma individual e especializada.

A ação do grupo não se limitava apenas à exportação de drogas do “Cartel

Vale del Norte” para os Estados Unidos da América215 e Europa. Dessa forma, para a

execução das diversas ações criminosas do grupo de Abadia, foram criadas várias

212 Consta da acusação o seguinte: “Segundo se apurou ABADIA é um dos principais líderes do “Cartel do Vale

del Norte” da Colômbia – organização criminosa de narcotráfico – e está sendo processado nos Estados Unidos da América pela prática de tráfico internacional de entorpecentes (fls. 1232/1273)”. (Processo n. 2007.61.81.011245-7, Sexta Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional e em Lavagem de Valores, p. 4491).

213 A Sentença proferida no Processo n. 2007.61.81.011245-7, demonstrou que a organização criminosa de

Abadia praticava diversos crimes, desde a corrupção de agentes públicos, falsificação de documentos, lavagem de bens, direitos e valores, quadrilha ou bando, entre outros crimes, cada uma das atividades delituosas era desenvolvida por uma célula determinada (Idem, p. 4488-4807).

214 Segundo Representação do Governo Americano ao Supremo Tribunal Federal, Abadia era investigado pela

prática de crime de conspiração no tráfico internacional de drogas. 215 Segundo Representação do Governo Americano ao Supremo Tribunal Federal, Abadia era investigado pela

prática de crime de conspiração no tráfico internacional de drogas.

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redes internacionais de logística, de apoio, de coordenação, de financiamento e de

lavagem de valores, atuando cada uma delas de forma individual e especializada.

A seguir, destacamos parte do Relatório Anual sobre a Política de

Repressão a Drogas do Governo Americano, sobre a ação conjunta entre a Polícia

Federal e o Departamento de Drogas Americano (DEA):

United States-Brazilian cooperation led to the 2007 capture of Juan Carlos Ramirez-Abadia, aka ‘la Chupeta,’ one of the leaders of Colombia’s Norte del Valle cartel. Following his conviction and sentencing in Brazil, Ramirez-Abadia was extradited to the United States in 2008 and faces federal murder, drug trafficking, and money laundering charges in the Eastern District of New York. DEA agents in Brazil and Colombia, working with the DPF and Colombian National Police, have subsequently seized more than $700 million in cash and other assets from his organization216.

O aludido modelo permite que cada uma delas atue não só de maneira

independente como também autônoma. Todavia, ao mesmo tempo com um controle

final, ou seja, do próprio Abadia.

A “falência” de uma das células não implicaria, necessariamente, na

inoperância das demais, mesmo que um dos organismos fosse, por exemplo,

desarticulado. Com a continuidade das demais práticas delitivas, rapidamente as

demais células supririam a “falida”, ou então, uma nova célula poderia substituir

aquela já inoperante.

216 A cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos levou a prisão de Juan Carlos Ramire Abadia, conhecido como “o Chupeta”, um dos líderes do um dos líderes do Cartel do Vale do Norte da Colômbia. Depois de processado e condenado no Brasil, em 2008 Ramirez-Abadia foi extraditado para os Estados Unidos, devido a acusação de envolvimento em homicídios, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, responde a processo no Distrito Leste de Nova York. Os agentes da DEA estabelecidos na Colômbia e no Brasil, trabalharam com o DPF e a Polícia Nacional colombiana, posteriormente, foram apreendidos mais de US$ 700 milhões em dinheiro e outros ativos de sua organização. (Relatório Internacional Estratégico sobre Drogas, (2009 International Narcotics Control Strategy Report) <http://www.state.gov/p/inl/rls/nrcrpt/2009/vol1/116520.htm>, consulta realizada em 24/08/2009.

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Em se tratando da repressão aos referidos grupos, esse novo modelo de

organização criminosa dificulta não só a identificação dos próprios envolvidos na

prática criminosa, como também as ações de combate, uma vez que eles não atuam

concertadamente.

Assim, mesmo com a prisão do líder do grupo, as demais células não

ficariam, em tese, desarticuladas, tendo em vista a independência no comando de cada

uma delas, apesar do controle final estar sempre na mão de poucos indivíduos.

Fica claro, portanto, que a separação das células e a consequente ocultação

dos seus membros, torna a ação mais segura para os criminosos, já que muitos deles,

apesar de pertencerem, em tese, à mesma organização, acabam não se conhecendo,

garantindo, dessa forma, a impunidade em caso de eventual colaboração nas

investigações, de membros envolvidos no mesmo grupo.

Consecutivamente, poderemos até encontrar uma espécie de “terceirização”

de serviços, de forma a evitar o contato entre diversos membros do grupo.

Quando da participação de seminário promovido pelo Setor de Inteligência

da Polícia Real Montada Canadense - Projeto “Sleipnir” 217, foi possível identificarmos

um novo modelo de organização criminosa, caracterizado pelos atributos classificados

e definidos na seguinte ordem218:

217 Na mitologia nórdica, Sleipnir é um lendário corcel de oito patas, o ser mais rápido entre os planos. É a montaria de Odin, o maior dos deuses vikings e senhor de todas as magias. Seu nome significa suave ou aquele que plana no ar. Ele também é associado com as palavras esguio e escorregadio.

218 O projeto “Sleipinir foi concluído em 1999 e desenvolvido pela “RCMP” (Royal Canadian Mounted Police)

apresentado durante conferência realizada no Peru, cujo objetivo é apresentar recomendações e inteligência corroborativa de forma consica, informando as deliberações de gerentes superiores no estabelecimento de prioridades em nossos eforços contra o crime organizado. (Seminário CICAD/RCMP – Seminário de capacitacion sobre operacionaes de infiltracion. Lima, Peru (23 a 26/02/2004).

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1. Corrupção: esforços contínuos para corromper figuras públicas,

representantes do sistema judiciário e líderes comerciais, por meio de práticas de

influência ilícita, exploração dos mais fracos e chantagem. Define-se como a

habilidade de infiltrar criminosos da organização em “posições-chave";

2. Violência: caracteriza-se pela disposição clara de usar informações

obtidas com a aplicação da violência, bem como com a intimidação, ou também por

meio de ameaças de violência para a consecução dos objetivos de determinada

organização;

3. Infiltração: define-se como esforços contínuos para ganhar a confiança

não só de instituições públicas e privadas, como também de organizações e instituições

comerciais legítimas, com o objetivo é de lavar dinheiro e esconder propriedades. A

fachada de legitimidade é usada para proteger e ocultar iniciativas criminosas, bem

como para a coleta de informações de inteligência;

4. Experiência: adquire-se experiência em química, lavagem de dinheiro ou

uso de armas, para aumentar suas habilidades para cometer atividades criminosas;

5. Sofisticação: as operações demonstram habilidades em desenvolver e

empregar métodos complexos, nas áreas de comunicação, tecnologia, gerenciamento

de bens, funções jurídicas/policiais e penetração em agências de execução da lei;

6. Subversão: clara disposição e experiência para subverter procedimentos

legislativos e leis da sociedade em seu interesse próprio, por meio de corrupção,

intimidação, violência ou manipulação das forças da lei, do governo, dos tribunais ou

de outros órgãos de controle, bem como de comissões e de agências reguladoras;

7. Estratégia: intenção de criminosos organizados em manter ou aumentar

seu tamanho em esfera de operações e influência, bem como para manter ou aumentar

seu poder e prestígio resultando em acumulação de riquezas;

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8. Disciplina: práticas de obediência coercitiva, que mantém a organização

unida. Caracteriza-se por intimidação e violência, executadas com brutalidade e sem

respeito à vida e à propriedade;

9 Isolamento: os principais líderes protegem-se atrás de subordinados,

“laranjas” e do uso de corrupção;

10. Uso de Inteligência: é a capacidade de Inteligência e Contra-Inteligência

de criminosos organizados. Usada para defender-se de forças da lei e de grupos rivais,

bem como para identificar novos alvos;

11. Múltiplas Frentes: atividades ilícitas diversificadas. Componentes-

chave: controle e lucro;

12. Mobilidade: disponibilidade e habilidade de se mover e operar empresas

criminosas em jurisdições e em fronteiras municipais, nacionais e internacionais;

13. Estabilidade: manutenção do equilíbrio e da solidez da estrutura

organizacional e pessoal dos grupos criminosos;

14. Âmbito: esfera geográfica de operações e influência da organização

criminosa;

15. Monopólio: controle de uma ou mais atividades criminosas dentro da

área geográfica de operações, sem tolerância para competição – o que não evita

parcerias de conveniência lucrativa entre as organizações. Violência ou intimidação

são métodos usuais aplicados para estabelecer ou manter o monopólio;

16. Coesão do Grupo: fortes laços são fomentados nos âmbitos indivíduo-

indivíduo e indivíduo-organização, a fim de criar solidariedade criminosa e proteção

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em comum. Os laços podem ser criados por meio de fatores comuns, como vidas

pregressas, relações consanguíneas, financeiras e origens geográficas. Estes laços são

frequentemente instituídos com ritos de iniciação e atos “obrigatórios” de lealdade

criminosa;

17. Continuidade: manutenção, com o passar do tempo, das atividades

criminosas, assim como das práticas que sustentam tais atividades;

18. Vínculos com outros grupos do crime organizado: estabelecimento de

relações entre grupos estáveis de crime organizado no país da investigação e no

exterior; e

19. Vínculos com grupos criminosos extremistas: estabelecimento de

relações estáveis com grupos do crime organizado com os grupos criminosos

extremistas ou terroristas.

Para analisar a existência, ou mesmo, a periculosidade de um determinado

grupo organizado, os 19 atributos são avaliados em uma escala graduada entre os graus

alto, médio, baixo, nulo, ou desconhecido. Assim, é possível traçar o perfil de cada

uma das organizações criminosas investigadas, de modo a identificar os pontos fracos

e fortes de cada uma delas.

A graduação, ora indicada, é estabelecida tendo-se por base as organizações

criminosas-modelo, como por exemplo, a máfia italiana, os cartéis colombianos,

grupos extremistas, entre outros grupos criminosos.

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3.2.3 – Convenção de Palermo

Conforme narrado no início do Capítulo,219 demonstramos que o

ordenamento jurídico brasileiro não definiu nas leis 9.034/1995, nem tampouco na Lei

10.271/2001, a definição de crime organizado.

Contudo, com a promulgação da Convenção das Nações Unidas contra o

Crime Organizado Transnacional, conhecida como “Convenção de Palermo”,

recepcionada pelo Decreto 5.015, de 12, de março de 2004, finalmente surgiu no

ordenamento jurídico brasileiro, com força de lei ordinária,220 um conceito sobre grupo

criminoso organizado, conforme anteriormente transcrito no artigo 2 da aludida

Convenção.

A Convenção, além de definir o conceito de “Crime Organizado

Transnacional”, relacionou os crimes decorrentes da criminalidade organizada. Assim,

acabou por estabelecer em diversos dispositivos, normas para a Cooperação

Internacional e previsões legais a serem adotadas pelos Países que a recepcionaram.

O caráter transnacional do crime, hoje é uma realidade presente em diversas

investigações realizadas pelos órgãos de repressão brasileiros.

Atualmente, a título de exemplo, a Polícia Federal brasileira criou em sua

estrutura grupos especializados no combate ao crime organizado221.

219 Ver item 3.2.1. 220 Ver item 5.1.1. 221 Desde de ano de 2004, o Departamento de Polícia Federal criou a Diretoria de Combate ao Crime Organizado

(DCOR), cuja atribuição é coordenar as ações de inteligência e repressão às organizações criminosas, direcionando suas atividades conforme a realidade de cada Estado-membro.

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As jurisprudências dos Tribunais Superiores, ao enfrentar o conceito de

crime organizado nos termos da Convenção de Palermo222, chega a recepcioná-la ao

reconhecer determinado grupo criminoso voltado a atividade de lavagem de bens,

direitos e valores, em crimes praticados por organizações criminosas, nos moldes

delineados pelo artigo 2 da Convenção, disciplinado pela Lei n. 9.034/1995 e

amparado pela redação da Lei n. 10.217/2001, conforme transcrição, in verbis, do v.

acórdão, proferido pela Ministra Laurita Vaz:

1. Hipótese em que a denúncia descreve a existência de organização criminosa que se valia da estrutura de entidade religiosa e empresas vinculadas, para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante variadas fraudes – mormente estelionatos –, desviando os numerários oferecidos para determinadas finalidades ligadas à Igreja em proveito próprio e de terceiros, além de pretensamente lucrar na condução das diversas empresas citadas, algumas por meio de “testas-de-ferro”, desvirtuando suas atividades eminentemente assistenciais, aplicando seguidos golpes. 2. Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98, que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei n.º 9.034/95, com a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.° 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004. Precedente. 3. O recebimento da denúncia, que se traduz em mera admissibilidade da acusação diante da existência de sérios indícios de autoria e materialidade, mostra-se adequado, inexistindo a alegada inépcia, porquanto preenchidos todos seus pressupostos legais. 4. Nesta fase inaugural da persecução criminal, não é exigível, tampouco viável dentro do nosso sistema processual penal, a demonstração cabal de

222 Conforme decisão unânime da Quinta Turma do STJ, sob relatoria da Ministra Jane Silva, ao julgar Habeas Corpus impetrado em benefício de integrantes de organização criminosa investigada pela Polícia Federal, (Operação Anaconda) ficou decidido que: “(...) E, contrariamente ao que defende a Impetrante, penso que a discussão acerca da existência ou não de definição do que seja organização criminosa já foi inteiramente superada com a adesão do Brasil à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Nova York, 15 de novembro de 2000), por meio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, o qual, considerando que o Congresso Nacional havia aprovado, por meio do Decreto Legislativo n° 231, de 29 de maio de 2003, o texto da mencionada convenção, estabeleceu, em seu artigo 1°, que esta “será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém”. Dentre outros objetivos, a convenção pretende a criminalização, nos Estados signatários, da participação em um grupo criminoso organizado, da lavagem do produto do crime, da corrupção e da obstrução à justiça, e, de sorte a uniformizar a terminologia, definiu, em seu artigo 2º, que grupo criminoso organizado é: Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material (...)”. (Quinta Turma. HC 63716/SP, j. 28.11.2007, publ. DJ 17/12/2007, p. 237).

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provas contundentes pela acusação. Esse grau de certeza é reservado para a prolação do juízo de mérito. Este sim deve estar calcado em bases sólidas, para eventual condenação. 5. Mostra-se, portanto, prematuro e temerário o acolhimento do pedido da defesa de trancamento da ação penal, de maneira sumária, retirando do Estado, de antemão, o direito e, sobretudo, o dever de investigar e processar, quando há elementos mínimos necessários para a persecução criminal. 6. Ordem denegada223.

A decisão da Corte Superior224, também menciona como precedente o

Inquérito Judicial n. 2245/MG225, cuja investigação destina-se à apuração de desvio de

recursos públicos para o pagamento de dívidas de campanhas de partidos políticos,

entre outros crimes. Tornando-se valiosa, na ocasião, a exposição da decisão proferida

pelo Ministro Joaquim Barbosa, quando do recebimento da denúncia elaborada pelo

Procurador Geral da República:

Capítulo II. Da denúncia. Imputação do crime de formação de quadrilha ou bando (artigo 288 do CP). Circunstâncias de tempo, modo e lugar do crime adequadamente descritas. Elemento subjetivo especial do crime devidamente indicado. Estabilidade da suposta organização criminosa constatada. Comunhão de desígnios demonstrada na inicial. Tipicidade, em tese, das condutas narradas. Individualização das condutas. Existentes suficientes indícios de autoria e materialidade. Denúncia recebida226.

Oportuno, neste momento, transcrevermos a Recomendação n. 03, do

Conselho Nacional de Justiça, que se manifesta sobre a adoção do conceito de crime

organizado transnacional, disciplinado pela Convenção de Palermo, para o julgamento

das ações praticadas por organizações criminosas, in verbis:

223 Quinta Turma, HC 77771/SP, j. 30.05.2008, publ. DJ 22/09/2008, p. 1120. 224 Idem, p. 1120. 225 O referido Inquérito Judicial por foro privilegiado, foi objeto de investigação pela Comissão Parlamentar de

Inquérito, conhecida como CPI do “mensalão”, termo que foi definitivamente incorporado ao vocabulário político e cotidiano do país com a identificação de um suposto esquema de pagamentos mensais a deputados federais.

226 Tribunal Pleno. Inq. 2245/MG, j. 28.08.2007, publ. DJ 09/11/2007, p.0038.

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RECOMENDAÇÃO 3, DE 30.05.2006: Recomenda a especialização de varas criminais para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas e dá outras providências. 1. Recomenda ao Conselho da Justiça Federal e aos Tribunais Regionais Federais, no que respeita ao Sistema Judiciário Federal, bem como aos Tribunais de Justiça dos Estados, a especialização de varas criminais, com competência exclusiva ou concorrente, para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas. 2. Para os fins desta recomendação, sugere-se: a) a adoção do conceito de crime organizado estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, de 15 de novembro de 2000 (Convenção de Palermo), aprovada pelo Decreto Legislativo 231, de 29 de maio de 2003 e promulgada pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004.

Importante, ainda, trazer à colação os elementos descritivos da aludida

Convenção: a) Grupo estruturado de três ou mais pessoas:

A Convenção inovou ao disciplinar o número mínimo de três pessoas para a

configuração do grupo. Dessa forma, optou por um número intermediário em relação

aos crimes de associação da atual Lei de Drogas, em que bastam apenas dois agentes,

em relação ao crime de Quadrilha ou Bando, em que se exige um mínimo de quatro

agentes. Dessa forma, o art. 2, da Convenção, utilizou o mesmo critério do crime de

associação, da Lei de Genocídio, a qual exige o número mínimo de três pessoas para a

tipificação inicial da conduta.

O mesmo diploma, igualmente estabeleceu o conceito de “grupo

estruturado”, com a seguinte redação:

(...) grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada; (...).

b) Existente há algum tempo:

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O fator temporal já era um pré-requisito para a tipificação dos crimes de

associação ou de quadrilha ou bando, uma vez que não basta uma mera reunião

eventual de agentes, mas sim, o propósito de animus associativo (societas sceleris) e a

estabilidade.

c) Propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na

Convenção:

A própria Convenção, em seu art. 2, “b”, conceitua o termo “infrações

graves”, conforme a seguir disciplinado, in verbis:

Artigo 2 Terminologia Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) (...); b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;

O critério adotado pela Convenção foi a pena mínima atribuída ao crime

praticado, independentemente, da gravidade da conduta criminosa, como poderíamos

pensar em uma leitura precipitada do tópico acima tratado.

Na sequência, notamos que o texto do artigo 3, da Convenção de Palermo,

remete-se às outras infrações por ela tutelada, conforme disposto, in verbis:

Artigo 3 Âmbito de aplicação 1. Salvo disposição em contrário, a presente Convenção é aplicável à prevenção, investigação, instrução e julgamento de: a) Infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção; e b) Infrações graves, na acepção do Artigo 2 da presente Convenção; sempre que tais infrações sejam de caráter transnacional e envolvam um grupo criminoso organizado;

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3.3 – Tipificação da Organização criminosa

A imperativa necessidade de agravamento e criação de novos tipos penais,

como imaginária solução para a crise da segurança pública e como uma resposta aos

anseios da sociedade, fomenta no legislador a necessidade de criação de uma norma

incriminadora para a figura da organização criminosa227.

Conforme analisado, o ordenamento jurídico brasileiro não contempla,

atualmente, a figura típica da organização criminosa. Na questão conceitual, a própria

doutrina pátria e estrangeira não chega a um consenso e oscila no quanto aos seus

elementos e características, conforme expõe Antonio Scarance Fernandes:

Por várias razões, considera-se difícil tipificar em lei o crime organizado ou enunciar os elementos essenciais de uma organização criminosa. É comum os autores apontarem muitas características para explicar a organização criminosa, o que dificulta sintetizá-las em alguns caracteres fundamentais: associação permanente e estável de diversas pessoas; estrutura empresarial, hierarquizada e piramidal, com poder concentrado nas mãos dos líderes, os quais não mantêm contato diretamente com as bases; poder elevado de corrupção; uso de violência e de intimidação para submeter os membros da organização e para obter a colaboração ou o silêncio de pessoas não participantes do núcleo criminoso; finalidade de lucro; uso de sistemas de lavagem de dinheiro para legalizar as vultuosas somas obtidas com as práticas delituosas; regionalização ou internacionalização da organização; o uso de modernas tecnologias228.

Todavia, René Ariel Dotti tem uma opinião mais enfática a respeito das

tentativas e das frustrações do direito pátrio, em buscar uma tipificação para a conduta

de organização criminosa, transcrito in verbis:

É notório o fracasso das tentativas para tipificar taxativamente um fato social que se assemelha a um caleidoscópio pela mutação contínua na composição

227 Segundo Luiz Luisi: “No Brasil, - onde, diga-se na passant, a neocriminalização vem sendo feita pelo Parlamento de forma desvairada e com incompetência e irresponsabilidade, - a criminalidade organizada tem sido objeto de preocupação de numerosos penalistas. (op. cit., p. 193)

228 Crime Organizado: aspectos processuais, p. 12-13.

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de seus membros, na estratégia de ação, nos processos de corrupção e de intimidação, além de outros componentes229.

No Brasil, há um considerável movimento sócio-político para a criação de

leis, com base no exacerbado crescimento da criminalidade. Ao mesmo tempo em que,

de um lado existe o apelo social pela maior segurança da sociedade, devido à

repercussão de crimes praticados por grupos criminosos, há do outro lado, a reação

política a esse apelo, aproveita-se, assim, da ciência penal para dar uma resposta

imediata à coletividade.

Ante a situação, importante relatar trecho da obra de Manoel Pedro

Pimentel: “É sabido que o fato social sempre caminha adiante das leis. É justamente o

reclamo da realidade que impulsiona o legislador a editar normas para coibir abusos

que atentam contra bens ou interesses dignos de proteção”230.

Ao mesmo tempo, em função dos compromissos internacionais, o Brasil

obrigou-se a reprimir determinados comportamentos e se impor na necessidade de

tipificar certas condutas pelo imediatismo. No próximo tópico deste estudo,

examinaremos melhor esta questão.

Surge, contudo, um intenso movimento midiático na doutrina penal,

sustentado por alguns “aventureiros”, que pregam a flexibilização dos direitos

fundamentais para o efetivo combate à criminalidade organizada231.

Os princípios limitadores do Direito Penal, entre eles, o da

subsidiariedade232, da fragmentariedade233 e o da intervenção mínima 234 são por eles

229 IBCCRIM, A organização criminosa é uma forma qualificada no concurso de pessoas, p. 06-07. 230 Direito Penal Econômico, p. 34 231 Jorge Miranda, Semana Luso-Brasileira, DVD. 232 “Entende-se, por este princípio, que o direito penal é o último recurso a ser utilizado diante da desorganização

social, e somente será válido quando fracassarem ou não estiverem disponíveis outras medidas de controle

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desconsiderados, em razão da distorção da natureza da ultima ratio 235 do Direito

Penal. Acreditam que, com a criação de leis penais mais severas, poder-se-ia dar uma

resposta à sociedade, garantindo a paz pública e a segurança do cidadão.

Por sua vez, Winfried Hassemer opõe-se à criação de novos tipos penais,

quando do anseio político e social, em decorrência de novas situações ameaçadoras da

sociedade moderna, sem que haja uma reflexão sobre a real necessidade de tutelar

determinados bens jurídicos, uma vez que acabará colidindo com os princípios

limitadores consagrados pelo Direito Penal Constitucional:

As situações para as quais uma regulação penal é justificável não devem ser livremente determinadas pelo legislador penal. Antes, elas devem ser-lhe predispostas, pelo menos como molduras de suas decisões. Com efeito, como objetivo de política criminal, só deve entrar em cogitação a proteção de interesses humanos (bens jurídicos). Meras concepções morais ou idéias de ordem, ainda que partilhadas por toda a sociedade, não merecem uma valoração penal. O Direito penal passa a ser domesticado: é fragmentário, subsidiário; em caso de dúvida, deve-se abdicar da regulamentação penal (...)236.

Defronte dos motivos que afastam a dogmática jurídico-penal, surgiram,

precipitadamente, diversos projetos, alguns ainda em andamento no Congresso

social.” (Marco Antonio Marques da Silva, Acesso à Justiça Penal e o Estado Democrático de Direito, p. 09).

233 “O uso deste instrumento de intervenção somente deve ser aplicado nos casos de ataques intoleráveis que

impedem a manutenção da ordem social.” (Ibid., mesma página). 234 “O princípio da intervenção mínima, que se reconhece um défict de legitimação do Direito Penal, pretende

que este controle social atinja somente aqueles fatos de gravidade insuportável para a sociedade, com sanções adequadas, como o último recurso de aplicação das normas penais, dado que já ficou demonstrado o fracasso da política social, o controle não jurídico ou outro subsistema jurídico”. (Ibid., mesma página).

235 Ibid., p. 08. 236 Direito Penal: fundamentos, estrutura, política, p. 36.

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Nacional, cujo objetivo é tipificar a conduta do crime organizado237, bem como dos

crimes modernos, atingindo, conforme expõe Hassemer, “bens jurídicos universais”238.

Para melhor exame da tipificação da organização criminosa, torna-se

necessário estudar os princípios limitadores do Direito Penal.

3.3.1 – Princípio da Reserva Legal

De caráter basilar no estudo do Direito Penal, o princípio da Reserva Legal

jamais poderá deixar de ser mencionado, quando analisarmos o ordenamento jurídico

que vigora no Estado de Direito Democrático, da República Federativa do Brasil239.

Luiz Luisi destaca a presença deste importante princípio em todas as

Constituições brasileiras:

Ressalte-se que o princípio em causa tem historicamente gabarito constitucional. A nossa primeira Constituição, a de 1824, em seu artigo 179, XII, a de 1891 no artigo 72, parágrafo 15, a de 1934, no inciso 26 do artigo 113, a de 1946 no artigo 141, parágrafo 25 a de 1967, no parágrafo 16 do artigo 150 e no parágrafo 16 do artigo 153 da Emenda Constitucional n° 1 de 17/10/69, consagram o postulado da Reserva Legal240.

237 Ver tópico 3.3.3. 238 “Trata-se de bens jurídicos universais (que só seriam aceitáveis em conexão com a proteção de interesses

individuais), e eles ainda são formulados tão genericamente que podem dar suporte a qualquer criminalização. Eles já não possuem a potencialidade crítica original. A forma de descrição corrente e preferida dessa criminalidade moderna é a figura do crime de perigo abstrato. Concretamente, isso significa uma drástica redução nos requisitos clássicos da punibilidade: já não mais é necessário um resultado lesivo da conduta, nem sequer a produção de um perigo palpável. Conseqüentemente, renuncia-se a qualquer tipo de relação de causalidade: a punibilidade torna-se inevitável já com a mera prática de uma conduta que o legislador incriminou, por considerá-la em tese perigosa. E a redução dos requisitos da punibilidade significa, para o acusado, uma redução de suas possibilidades de defesa”. (Direito Penal: fundamentos, estrutura, política, p. 40)

239 Artigos 1º e 5º da Constituição Federal do Brasil. 240 Os princípios constitucionais penais, p. 18.

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Desde a Independência, todas as nossas Constituições contemplaram o

princípio da reserva legal. Atualmente, está previsto no Título II (Direitos e Garantias

Fundamentais), do Capítulo I, (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), artigo

5°, inciso XXXIX241 da Carta Magna, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I. (...) XXXIX. não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

Fica claro, que o princípio da legalidade, disciplinado pela Constituição

Federal, somente permite que se puna, quando uma lei anterior definir a conduta como

crime242, de modo que os seus elementos sejam claramente descritos pelo legislador243,

para que não haja ofensa a este preceito.

Digna de consideração a citação de Francisco de Assis Toledo, in verbis:

Lex praevia significa proibição de edição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade. Lex scripta, a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário. Lex stricta, que é a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia (analogia in malam partem). Lex certa a proibição de leis penais indeterminadas244.

241 Segundo Luiz Luisi: “Registre-se ainda, que o postulado da Reserva Legal, além de arginar o poder punitivo

do Estado nos limites da lei, dá ao direito penal uma função de garantia, posto que tornando certos o delito e a pena, asseguram ao cidadão que só por aqueles fatos previamente definidos como delituosos, e naquelas penas previamente fixadas pode ser processado e condenado”. (op.cit., p. 23).

242 Segundo Francisco de Assis Toledo: “O princípio da legalidade costuma ser enunciado por meio da expressão

latina nullum crimen, nulla poena sine lege, esta última construída por Feurbach, no começo do século XIX”. (Princípios básicos de direito penal, p. 21).

243 Ver tópico 4.3.3. 244 Op. cit., p. 22.

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Igualmente, torna-se importante citar Jorge Miranda, quanto ao preceito ora

analisado:

Nenhuma restrição pode ser definida ou concretizada senão por lei; a regra é de reserva absoluta de lei; não pode haver regulamentos restritivos de direito, nem a Administração pode agir para esse efeito a não ser com fundamento na lei e no exercício de um poder vinculado 245.

Na atualidade, quando tratamos do princípio da legalidade, principalmente,

na questão da segurança pública, encontraremos opiniões diversas sobre a crise

enfrentada por este preceito constitucionalmente garantido, entre elas a de Alberto

Silva Franco:

Vale ressaltar, por fim, que se apregoa, na atualidade, a existência de uma crise do princípio da legalidade, crise essa que se origina dos problemas, em nível de segurança pública, exigidos pela sociedade em processo de contínuas transformações 246.

Logo em seguida, o autor cita as considerações quanto ao tema, de Antonio

García-Pablos de Molina, in verbis:

O princípio da legalidade se vê hoje também sutilmente ameaçado pelo antigarantismo da sociedade da sociedade pós-industrial de nosso tempo, que bem poderíamos denominar sociedade da segurança. (...) A sociedade pós-industrial do risco professa um perceptível antigarantismo. Não teme o ius incertum, nem os possíveis excessos do “Estado, do Leviatã, mas sim reclama deste as maiores cotas de eficácia na luta contra o delito e não tem dificuldade em renunciar a tudo quanto possa supor ser um obstáculo ao exercício do poder punitivo e ao controle expedito da criminalidade. Do legislador espera – e exige – resposta severa e pronta ao delito, encontrando lógica satisfação no Direito Penal simbólico que a tranqüilizará. Dos Juízes, uma aplicação da lei sem considerações nem formalismos, que confirme a seriedade das cominações legais. Do procedimento penal, uma via flexível e ágil que assegure a eficácia da

245 A dignidade da Pessoa Humana e a unidade do sistema de direitos fundamentais, p. 170. 246 Crimes Hediondos, p. 57

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persecução e castigo da criminalidade, livre de prejulgamentos garantísticos. No Estado da Contra-ilustração, o cidadão não se considera destinatário e eventual alvo do ius puniendi, porque pensa que delinqüente potencial somente pode ser outro247.

Contudo, as restrições estão sujeitas ao princípio da razoabilidade248 e da

proporcionalidade 249, devendo somente ser estabelecidas quando os fins, os interesses

e os valores constitucionais, puderem ser protegidos por estes princípios corolários da

legalidade. Devem, portanto, em cada caso, realizar esses fins e não os outros, de

forma a corresponder à justa medida, conforme análise do caso concreto250.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, discorre a

respeito da incompatibilidade de restrições infundadas com os direitos fundamentais,

com base no princípio da proporcionalidade, in verbis:

A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade. Essa nova orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheitz) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit)251.

247 Alberto Silva Franco, op. cit., mesma página. 248 Segundo Carlos Roberto de Siqueira: “a moderna teoria constitucional tende a exigir que as diferenciações

normativas sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que a norma classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa, devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas”. (O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil, p. 157).

249 Este princípio é de suma importância no Estado Democrático de Direito, uma vez que obriga a ponderar a

gravidade da ação típica com relação ao bem jurídico protegido e as consequências do delito. (Carlos Roberto de Siqueira, op. cit., p. 14)

250 Jorge Miranda, op. cit. p. 173 -185 251 Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 39.

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De imensurável importância, devemos no estudo do tema ora apresentado,

diferenciarmos o sistema anglo-americano que é baseado preponderantemente em

precedentes jurisprudenciais, dos sistemas codificados que são amparados no princípio

da reserva legal. Hassemer, ao expor a diferença entre os dois sistemas, demonstra a

preocupação e o cuidado que o legislador deve ter, ao elaborar uma norma penal:

Uma vez escolhida como forma de organização de regras jurídicas fundamentais, a codificação produz conseqüências graves e extensas para o significado da linguagem no Direito. É que a lei ganha uma função padronizadora com a qual o papel dos precedentes (quer dizer, das decisões antecedentes e similares de casos concretos), nos sistemas neles fundados, só de longe se pode comparar: a lei não é apenas prévia a decisão, mas também é produzida num processo específico, construído com competências especiais; ela é publicada segundo regras especiais num local destacado; os representantes do povo eleitos devem (de iure) trabalhá-la e votá-la cuidadosamente. Por isso, é coerente que uma ordem jurídica assim organizada coloque todas as decisões fundamentais sob a “reserva legal”: a lei escrita e produzida de acordo com procedimentos próprios constitui padrão central para o julgamento da juridicidade252.

O princípio da reserva legal exerce um efetivo controle sobre o poder

punitivo e normativo do Estado e sempre será uma garantia da dignidade da pessoa

humana, conforme narra, com propriedade, José Renato Nalini:

Ancorar a Carta Política sobre o princípio da dignidade da pessoa humana é reconhecer que ele inspira a descoberta de todas as demais exigências reclamadas para o potencial crescimento das criaturas. Não é apenas a dimensão filosófica de humanidade a pretender que a primícia da espécie alcance patamares diferenciados de bem estar em todos os sentidos. É o direito posto a proclamar a vocação perene do ser humano para concretizar seus objetivos, até alcançar a plenitude possível253.

252 Op. cit., p. 48-49. 253 Duração Razoável do Processo, p. 192.

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3.3.2 – Princípio da Taxatividade

Nas lições da doutrina, o princípio da taxatividade, que é um dos

desdobramentos do princípio da reserva legal254, impõe que os tipos penais sejam

fechados, ou seja, sem margem de discricionariedade para o julgador.

Diante dessa afirmação, especialmente no âmbito do Direito Penal, não

basta que o legislador, ao elaborar uma norma penal incriminadora, atenda aos

pressupostos do devido processo legislativo constitucional, mas também que as

referidas normas sejam claras e objetivas, de forma que ao interpretá-la reduza ao

máximo, ou mesmo, elimine a dúvida ou dubiedade quanto ao seu alcance. O

magistério de Luiz Luisi nos elucida a questão:

O postulado em causa expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as de natureza incriminadora, sejam claras e o mais possível certas e precisas. Trata-se de um postulado dirigido ao legislador vetando ao mesmo a elaboração de tipos penais com a utilização de expressões ambíguas, equivocas e vagas de modo a ensejar diferentes e mesmo contrastantes entendimentos. O princípio da determinação taxativa preside, portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação e competência do legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma linguagem rigorosa e uniforme255.

O legislador ao elaborar a lei não pode, simplesmente, atender ao clamor

público e aos discursos políticos, muitas vezes, decorrentes de um único

acontecimento que gerou aquele sentimento de aparente falência dos órgãos estatais

competentes. A lei não deve ser vista como uma solução para as mazelas da segurança

pública.

254 Para Luiz Luisi: “O segundo corolário lógico do princípio da legalidade é o postulado da ‘determinação’, também dito da ‘taxatividade’, a que prefiro chamar de determinação taxativa”. (op. cit., p. 24).

255 Op.cit., mesma página.

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André Callegari expõe sua preocupação com relação aos tipos penais

abertos:

Isso pode ser visto claramente nos discursos políticos e nos debates sobre segurança pública. Também se revela na hora da aprovação de novas leis penais imbuídas de caráter repressivo com supressão de garantias ou ampliação das condutas típicas. Dito de outro modo, a revelação dessa nova legislação muitas vezes de imediato não demonstra este viés, porém, nunca se viu uma abertura tão grande nos tipos penais, onde o princípio da taxatividade que norteava o Direito penal foi olvidado256.

Por conseguinte, o mesmo autor, indica com precisão a implicação da

criação dos referidos tipos penais ao tratarmos do conceito de “organização

criminosa”, problemática na questão dogmática da segurança jurídica penal:

Os problemas da nova tendência da nova política criminal recaem em dois aspectos na hora da configuração dos tipos penais. Em primeiro lugar, em face dos problemas pra tornar concreto legislativamente o conceito de “organização criminosa”, opta-se por definições abertas, com traços próximos ao do crime habitual ou da formação de quadrilha. Em segundo lugar, mediante estas figuras delitivas, está se impondo na doutrina e na legislação um modelo de transferência da responsabilidade de um coletivo a cada um dos membros da organização, que se afasta dos critérios dogmáticos de imputação individual de responsabilidade que vigem normalmente para o Direito Penal257.

Oportunamente, Alberto Silva Franco, com base no art. 5º, XXXIX, da

Constituição Federal, rechaça com contundência a criação de um tipo penal para a

conduta ora em estudo. A instabilidade que o legislador pode alcançar com a

tipificação despropositada e emergencial, não ocasiona apenas problemas de

interpretação, mas também, um enorme perigo à própria segurança do cidadão, de

acordo com o exposto, in verbis:

256 Crime Organizado: tipicidade – política criminal – investigação e processo: Brasil, Espanha e Colômbia, p. 12.

257 Op. cit., p. 18-19.

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Definir uma figura criminosa, nos termos do art. 5º, inc. XXXIX, da Constituição Federal, tem duas acepções. Pela primeira, quer dizer explicitar com marcos precisos os contornos de um tipo para que não se confunda com outro, nem sirva de parâmetro para situações fáticas avizinhadas. Já definir, na segunda acepção, significa estruturar com clareza as figuras criminosas para que possam ser, com facilidade, compreendidas por seus destinatários. Se o legislador, desavisado ou malicioso, emprega, na construção típica, termos indefinidos para a descrição do comportamento humano, corre-se o sério risco de estabelecer a insegurança do cidadão e transferir-se ao juiz a incumbência do legislador, com a possibilidade de que a arbitrariedade judicial possa campear à solta, sem rei nem roque258.

3.3.3 – Projetos de Lei

Tramitam no Congresso Nacional, diversos projetos relacionados ao crime

organizado, desde assuntos que contemplam a tipificação da conduta de “organização

criminosa”, alteração do Decreto-Lei nº 2.848, de 07/12/1940 – Código Penal, até a

criação de regimes diferenciados de cumprimento de penas e a mudança das atuais

disposições processuais, que disciplinam não só as medidas relacionadas na fase pré-

processual, como também outras que implicam mudanças, após o transito em julgado

da decisão259.

André Callegari demonstra, com propriedade, a sua preocupação diante

desta situação:

Esse fato fica demonstrado através do aumento de projetos apresentados em matéria de leis penais e processuais, cujo discurso é sempre o de melhorar o sistema já existente. Assim, estaria justificado o uso político do Direito Penal, porque há vários deputados e senadores trabalhando para uma suposta melhoria na segurança pública e na proteção de bens jurídicos, ainda que isto não seja verificado na prática260.

258 Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial, p. 576. 259 Podemos citar como exemplo a Lei n. 10.792, de 01°, de dezembro de 2003, que instituiu na Lei de Execução

Penal, o regime disciplinar diferenciado. No § 2°, do art. 52, da referida Lei, entre outras disposições, instituiu o regime excepcional para “o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando".

260 Op. cit., p. 19.

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Conforme analisamos, muitas vezes o legislador age de modo precipitado à

dogmática jurídico-penal, enfraquecendo o próprio objetivo da norma penal que visa a

real tutela de bens jurídicos consagrados na proteção ao homem. Caso contrário, a

própria sociedade pode sofrer os efeitos de uma legislação prematura e violadora das

garantias fundamentais do indivíduo.

Na ocasião, Hassemer critica a política criminal que impera em nossa

sociedade moderna, nos termos do trecho, in verbis:

Com isto, as necessidades de legitimação desaparecem furtivamente: o que antes exigiria uma complexa elaboração, brilha hoje imediatamente como atual, necessário, sem alternativa ou simplesmente eficiente. No debate sobre a direção correta da política do Direito penal, sobressaem, antes de tudo, interesses políticos e de apuração dos crimes; ouve-se pouco sobre considerações filosófico-penais, e a teoria do Direito penal se apresenta mais para aprovar do que para criticar261”.

Notamos que hoje a tendência contempla a exacerbação das penas

cominadas e a criação de novos tipos penais. O insigne, diante dessa observação,

demonstra preocupação acerca da atuação meramente simbólica do Direito Penal:

Essas novas criminalizações não têm mais qualquer relação com a tradição do Direito penal iluminista: na dúvida acerca da legitimidade e efetividade de uma proibição, decide-se pela criminalização. Esta passa a ser abrangente e generalizada, e não mais fragmentária, e se serve de uma terminologia imprecisa. O Direito penal, de ultima ratio, converte-se em prima ou sola ratio: onde quer que surja um problema digno de alguma atenção, logo aparece o legislador munido do Direito penal262.

261 Direito Penal: fundamentos, estrutura, política, p. 38. 262 Ibid., p. 39.

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Em ordem cronológica, cabe destacar o Projeto de lei nº 724-A, de 1995263,

encaminhado pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados, por intermédio das

Mensagens nºs. 723, 724, 725. O aludido Projeto altera dispositivos da parte geral e da

parte especial do Código Penal.

René Ariel Dotti nos afirma que:

O Ministro da Justiça Nelson Jobim instituiu comissão integrada por Francisco de Assis Toledo, Elizabeth Sussekind, René Ariel Dotti, Vicente Greco Filho, Juarez Tavares, Miguel Reale Júnior, Antônio Lucho Ferrão E Alceu loureiro Ortiz (Portaria 215 (sic) “315”, DOU DE 10.04.95)264.

É oportuno destacar, o trecho da Mensagem nº 783, elaborada pela

mencionada comissão, encaminhada aos membros do Congresso Nacional:

Os fatos sociais, entretanto, não esperam. Precipitam-se. Novas formas de criminalidade manifestam-se trazendo intranqüilidade aos habitantes das cidades, especialmente das grandes concentrações urbanas já de si mesmas sobrecarregadas de problemas. A isso acrescente-se a superveniência de uma vasta gama de normas penais constantes de leis esparsas ou complementares ao Código estabelecendo incongruências no interior do sistema penal, em prejuízo da fácil compreensão e aplicação de preceitos e, portanto, estimulando debates intermináveis, em prejuízo de um eficiente e mais ágil julgamento do feitos criminais265.

Adotando esse caminho, a comissão optou por alterar dispositivos do atual

Código Penal, em especial os crimes de alta periculosidade social, com destaque para

os tipos de quadrilha ou bando armados, tráfico de drogas e armas, contrabando,

extorsão mediante sequestro, genocídio, associação para o fim de terrorismo, criando,

assim, uma nova categoria de crimes, denominados “de especial gravidade”.

263 Diário da Câmara dos Deputados, 19/01/1996, p. 01895. 264 IBCCRIM , Propostas de alterações setoriais do Código Penal, p. 01. 265 Diário da Câmara dos Deputados, 19/01/1996, p. 01898.

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O Projeto encontra-se sobrestado desde 12 de dezembro de 2001266.

O Projeto de lei do Senado nº 67, de 1996, cuja ementa dispõe: “sobre as

organizações criminosas, os meios de obtenção da prova e o Procedimento criminal”,

foi apresentado no dia 11 de abril de 1996, e, atualmente, encontra-se na Comissão de

Constituição, Justiça e Cidadania.267

Dispõe o Projeto não só sobre as medidas investigatórias e procedimentos

processuais relacionados ao combate as organizações criminosas, como também prevê

a própria definição de organização criminosa, estipulando critérios como a quantidade

de pessoas e demais critérios.

Nos seus termos, tem-se a seguinte definição de organização criminosa, in

verbis:

Associação de três ou mais pessoas, por meio de entidade jurídica ou não estruturada de forma estável, visando obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, para a prática dos crimes especificados nos incisos I a XVII do mesmo artigo268.

Quando do exame deste Projeto, verificamos que sua opção, até o presente

momento, foi elaborar um rol taxativo de condutas criminosas.

Na redação do documento, podemos destacar as seguintes condutas típicas:

a) terrorismo; b) contrabando ou tráfico ilícito de armas de fogo, acessórios, artefatos,

munições, explosivos ou materiais destinados à sua produção; c) extorsão mediante

sequestro e suas formas qualificadas; d) crimes contra a administração pública; e)

crimes contra o sistema financeiro nacional; f) crimes contra a ordem tributária e

266 Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes> Acesso em: 01º/07/2009. 267 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=1232> Acesso

em: 01º/07/2009. 268 Ibdem.

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financeira, g) lenocínio e tráfico de mulheres, h) tráfico internacional de criança ou

adolescente; i) lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores; j) tráfico

ilícito de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano; k) homicídio qualificado, l)

falsificação, adulteração ou alteração de produtos destinados a fins terapêuticos ou

medicinais; m) crimes contra o meio ambiente e patrimônio cultural. Por fim, dispõe

sobre outros crimes previstos em tratados e convenções internacionais que o Brasil faz

parte269.

Aparentemente, ele demonstra de uma forma ampla e vaga, os elementos

que caracterizam uma suposta organização criminosa. Entretanto, discrimina

taxativamente os crimes que poderiam ser englobados por aquelas condutas dentro da

tipificação da sua definição.

Merece destaque, segundo o tema abordado, a crítica elaborada por André

Callegari. Devendo-se compará-la ao sistema de repressão das nações afetadas prima

facie pelos atentados terroristas, em relação à efetiva resposta jurídica que deve

orientar o combate ao crime organizado em geral:

Este tipo de resposta de emergência ou excepcional se aproxima à política criminal contra o terrorismo de alguns países, assimilando-se o tratamento penal da criminalidade organizada ao do terrorismo, como se não importasse nada que a eficácia na repressão possa comportar a perda de eficácia do pacto social. Questão é se é legítimo aceitar erosões ao Estado de Direito impostas pela normativa particular da criminalidade organizada para combater fenômenos criminais que não são dominados por grupos complexos e estruturados, mas que podem ultrapassar os confins da microcriminalidade, igualmente difusa. Existe o risco de que a legislação dirigida especificamente ao crime organizado se transforme em um “cavalo de Troya” capaz de anular os princípios do Direito Penal liberal270.

269 Rodrigo Carneiro Gomes, O crime organizado na Convenção de Palermo, p. 204-205. 270 Op. cit., p. 22-23.

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No que diz respeito à alteração da Parte Geral do Código Penal, é

importante destacar o Projeto de Lei n. 3.473/2000271, uma vez que acrescenta o “art.

31-A” ao referido diploma, de acordo com transcrição, in verbis:

Causa de aumento de pena

Art. 31-A. A pena será aumentada de um sexto a dois terços em relação ao agente que:

I – promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes;

II – (...)

III – (...)

IV – (...)

Convém lembrar que o atual art. 62, I, do Código Penal, dispõe de uma

agravante genérica para aquele que “promove, ou organiza a cooperação no crime ou

dirige a atividade dos demais agentes272.

O objetivo do referido Projeto de Lei, que altera diversos dispositivos da

Parte Geral do atual Código Penal, é precisamente ajustar a referida circunstância

agravante com às disposições legais do “Concurso de Pessoas”, além de auferir uma

causa de aumento em balizas (“de um sexto a dois terços”) para aqueles que Noronha

classificava como “cabeça do crime”273.

É imperioso ressaltar outra mudança pontual, contemplada no Projeto de

Lei n. 2.858/2000274, cuja redação altera o art. 1º, da Lei nº 9.034, de 03 de maio de

1995, ao dispor no art. 1º do referido projeto, sobre a conduta de “Organização

Criminosa”, conforme transcrição in verbis, que também acrescenta o art. 288-A, à

Parte Especial do Código Penal:

271 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/2000/msg1107-00.htm. 272 Var Capítulo 1. 273 Direito Penal, Vol.1: 10. Ed: Saraiva, SP, 1973; vol. P.202. 274 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/2000/msg496-00.htm

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Art. 1o O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), fica acrescido do seguinte artigo:

"Organização criminosa

Art. 288-A. Associarem-se mais de três pessoas, em grupo organizado, por meio de entidade jurídica ou não, de forma estruturada e com divisão de tarefas, valendo-se de violência, intimidação, corrupção, fraude ou de outros meios assemelhados, para o fim de cometer crime:

Pena - reclusão, de cinco a dez anos, e multa.

§ 1o Aumenta-se a pena de um terço à metade se o agente promover, instituir, financiar ou chefiar a organização criminosa.

§ 2o O participante e o associado que colaborar para o desmantelamento da organização criminosa, facilitando a apuração do delito, terá a pena reduzida de um a dois terços." (NR)

Art. 2o O inciso III do art. 1o da Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, passa a vigorar acrescido da seguinte alínea:

"p) organização criminosa (art. 288-A do Código Penal)." (NR)

Art. 3o O art. 1o da Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1o Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando e de organização criminosa (art. 288 e 288-A do Código Penal)." (NR)

Dessa forma, o referido projeto, ao tipificar a conduta de “organização

criminosa”, não engessa o conceito do crime, uma vez que enumera algumas

características de forma exemplificativa, de acordo com o disposto ao final do, já

citado art. 288-A (“ou de outros meios assemelhados”). Assim, o aplicador da lei

poderá atribuir outras características que não as discriminadas no tipo em referência,

àquela associação de pelo menos quatro pessoas, de acordo com a análise da conduta

típica.

Por outro lado, possibilita ao intérprete discutir o real alcance do tipo, uma

vez que poderia ferir o princípio da taxatividade275, permitindo ao aplicador da lei,

grande margem de arbitrariedade na tipificação da conduta de organização criminosa.

275 Ver Capítulo 5

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Paralelamente, tramita no Senado Federal, o Projeto de Lei n. 118/2002,

que dispõe sobre as organizações criminosas, os meios de obtenção de prova, o

procedimento criminal e o regime especial de cumprimento de pena de líderes de

organizações criminosas.

O conceito atribuído à organização criminosa é similar ao do Projeto n.

2.858/2000, contudo elenca em rol taxativo as infrações a serem praticadas pela

associação de pelo menos três pessoas276.

Por sua vez, também encontra-se em andamento, o Projeto de Lei do

Senado n. 150/2006277, de 23 de maio de 2006, apresentado pela Senadora Serys

Slhessarenko, que dispõe sobre a repressão ao crime organizado e dá outras

providências.

Segundo Parecer nº 264/2007, da Comissão de Constituição, Justiça e

Cidadania, de autoria da Senadora, o Projeto em questão pretende revogar a Lei nº

9.034/1995, de modo que a nova lei seja harmonizada com o texto da Convenção das

Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo).

Uma das alterações adotadas é a troca da expressão "crime organizado" por

"organização criminosa", devendo ser definida como:

associação, de três ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de um ou mais dos crimes previstos nos incisos I a XVIII, do art. 1º, do referido Projeto.

276 Diário do Senado Federal, 07/05/2002, p. 07399.

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Conforme sua análise, a nova lei passaria a tipificar a conduta organização

criminosa para a prática de determinados delitos taxativamente previstos, entre eles,

podemos destacar os crimes de tráfico de drogas, nos termos da Lei nº. 11.343/2006;

terrorismo; extorsão mediante sequestro; crimes contra a ordem tributária, entre outros,

levando-se em conta a sua gravidade.

Por sua vez, seu artigo 2º prevê a conduta de “promover, constituir,

financiar, cooperar, integrar ou favorecer, pessoalmente ou por interposta pessoa,

organização criminosa”.

Destacamos que nele estão previstas causas de aumento de pena, quando a

organização criminosa possuir mais de vinte integrantes, emprego de arma de fogo,

concurso de agente público responsável pela repressão ao crime ou colaboração de

criança ou adolescente; participação de agente que se valha dessa condição; destinação

ao exterior do produto ou proveito da infração penal; e para quem exerce o comando,

individual ou coletivo do crime organizado.

Diante dos efeitos nocivos da infiltração ilegal de agentes públicos em

organizações criminosas, podemos destaca, ainda, o afastamento cautelar do agente

envolvido em caso de recebimento de denúncia.

Tendo em vista a apresentação de emendas, este Projeto se encontra em

tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.

Os estudos sobre os Projetos em tramitação no Congresso Nacional

demonstraram que o legislador brasileiro busca a incriminação a qualquer custo da

conduta organização criminosa. Com exceção ao Projeto de Lei 3473/2000, todos os

277 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=77859>, Acesso em: 16/06/2009.

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demais buscam a incriminação da referida conduta, sem enfrentar o impacto futuro de

tão complexa questão que atualmente se reflete no cenário mundial.

Cabe ressaltar a postura tomada de Moraes Pitombo, sobre a necessidade de

se buscar outras soluções para o tratamento das organizações criminosas:

Sugere-se a inserção de causa de aumento de pena no tipo de concurso de pessoas (art. 29, do CP) a fim de que o juiz de direito possa majorar a pena de um sexto a dois terços quando estiver diante de fato em que mais de três pessoas tenham se associado em organização, cuja atividade seja a prática de crimes278.

René Ariel Dotti concorda com a opinião de Moraes Pitombo e faz menção

a diversos precedentes históricos da legislação estrangeira, para justificar essa posição:

Em meu entendimento, tal proposta atende ao primado do direito penal da culpa e constitui solução de lógica jurídica porque grande parte dos projetos interessados na formatação da fattispecie associativa remetem-se ao Código de Napoleão de (1810). O art. 265 e seguintes inspiram os estatutos italianos vigentes no período anterior à unificação e posteriormente, como o Código Zanardelli, de 1989 (arts. 248/251), o Codice Penale em vigor (art. 416) e os diplomas de outros países, a exemplo da Alemanha, Argentina e Chile279.

278 Tipificação da organização criminosa, p. 169. 279 A organização criminosa é uma forma qualificada no concurso de pessoas, p. 07

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4. O CRIME ORGANIZADO NO CENÁRIO BRASILEIRO

CONTEMPORÂNEO

SUMÁRIO: 4.1. Introdução; 4.2. As Facções Criminosas; 4.2.1 Primeiro

Comando da Capital; 4.2.2 Comando Vermelho; 4.3 Organizações Transnacionais; 4.4

Crimes econômicos e crime organizado.

4.1 Introdução

A grande celeuma que envolve o crime organizado no cenário

contemporâneo brasileiro é pela existência ou não de modelos como os demonstrados

nos capítulos anteriores nos termos das legislações comparadas, ou mesmo, conforme

os moldes estabelecidos pela “Convenção de Palermo”, conforme recepcionada pelo

ordenamento jurídico brasileiro.

O objetivo deste capítulo é demonstrar que o crime organizado no Brasil é

uma realidade. Que não se trata de mais uma questão ligada somente à repressão

policial, mas sim a um grande problema sócio-político, que atinge não só a segurança

da população brasileira, como também a estabilidade econômica e o próprio Estado de

Direito.

Procuraremos demonstrar ao longo deste tema que não se pode ignorar o

crescimento e a organização de grupos como o Primeiro Comando da Capital e o

Comando Vermelho, uma vez que são figuras que, na atualidade, aproximam-se de

estruturas pré-mafiosas e dos cartéis.

O crescimento da violência nas grandes cidades brasileiras, ataques

esporádicos das facções criminosas, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e

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São Paulo. O último grande atentado presenciado no primeiro semestre de 2006, que

culminou na morte de diversos policiais e autoridades280, são ocorrências que

fortalecem o pensamento sobre a existência de grupos similares as máfias italianas,

russas, americanas.

Nessa ocasião, Ives Gandra da Silva Martins relata, in verbis, que:

Os acontecimentos que culminaram com a luta campal entre criminosos do PCC e a polícia estadual têm sido comentados por especialistas, autoridades e pessoas de renome, à luz das causas que levaram ao movimento, dos erros da política carcerária e penal do Brasil, da permissividade da legislação, da lentidão da Justiça, cujas leis processuais permitem que se retardem julgamentos e possibilitam a prescrição e a impunidade, e diversos outros aspectos relacionados ao diagnóstico da crise, suas causas com soluções de médio e longo prazo, mais do que para a premente necessidade de um novo comportamento dos governos e da sociedade sobre a questão281.

Com razão a sociedade tende a sentir não só um total desamparo, como

também percebe um descontrole entre os órgãos de segurança pública, ao presenciar

fatos graves como o último grande atentado do Primeiro Comando da Capital. Assim,

a população passa a constatar a inoperância do Estado, a falta de mecanismos de

controle e, principalmente, a necessidade de mudança do cenário contemporâneo.

Do ponto de vista político, muitas vezes o legislador aproveita-se da

comoção social para a sua promoção perante o eleitorado, acenando algumas

possibilidades de salvação na luta por “justiça”, utilizando-se de mecanismos inócuos,

tais como a criação de CPI’s (Comissões Parlamentares de Inquérito)282, bem como a

280 Segundo o jornalista Fernando Canzian: “Mas, assim como deseja Marcos Willians Camacho, o Marcola, líder do PCC, vários ‘capos’ italianos controlavam prisões no país. Da mesma forma, o PCC também ensaia ‘eliminar’ autoridades, como no caso do assassinato do juiz-corregedor de Presidente Prudente, Antônio Machado Dias, morto em emboscada encomendada pela facção em 2003. (Crime Organizado. Será que não já temos um Estado mafioso? Folha de São Paulo, 17 de maio de 2006, p. C11).

281 O Crime Organizado. Folha de São Paulo, 22 de maio de 2006, p. A3. 282 Segundo Relatório Final da CPI do narcotráfico sob a relatoria do Deputado Federal Morani Torgan: As

atividades do crime organizado são altamente lucrativas. O faturamento do tráfico de drogas é avaliado entre 300 e 500 bilhões de dólares (ou seja, de 8 a 10 por cento do comércio mundial). Somadas outras atividades criminosas, o produto criminal mundial bruto ultrapassa largamente 1 trilhão de dólares anuais

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elaboração de leis emergenciais que, invariavelmente, criam emaranhados jurídicos

que somente beneficiam a marginalidade.

Destaca Carlos A. G. de Sequeira que:

Na realidade, levando-se em consideração o modelo mafioso de crime organizado, com as características que foram anteriormente expostas, não há em São Paulo evidências de sua existência. O que há, no Estado, deixando de lado a contravenção do jogo do bicho, é, conforme se analisará adiante, a presença de quadrilhas mais ou menos estruturadas, algumas delas com envolvimento de policiais, modalidades delinquenciais que buscam avançar para um modelo de organização (ainda distinto da estrutura mafiosa) e crimes que podem ser transformar, se não fossem alvo – como já vem sendo – de combate específico, em embriões de máfias no futuro.283

Infelizmente, conforme demonstraremos ao longo deste estudo, o

dinamismo e a constante evolução da criminalidade organizada desmentem a

afirmação do referido autor.

Por esse lado, observamos que, pelo menos, o crescimento do crime

organizado não reflete no Brasil.

Ademais, conforme relato do jornalista Marcelo Auler284:

Ao longo destas três décadas em que o tráfico de drogas ingressou no Rio de Janeiro e ocupou a maioria das comunidades carentes da cidade, não resta dúvida de que a violência aumentou consideravelmente. As estatísticas indicam isto claramente. Mas, ao contrário do que se fala, os traficantes se aglutinaram em facções, mas não conseguiram constituir uma organização criminosa.

(correspondentes a quase 20 por cento do comércio mundial). Admitindo-se que os custos representem 50 por cento dessa movimentação financeira, restam 500 bilhões de dólares a serem legalizados anualmente.

283 Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol.16, p.263 284 Enjaulados. Presídios, Prisioneiros, Gangues e Comandos, p. 198

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Na cidade do Rio de Janeiro, podemos citar alguns grupos que teriam o

suposto controle sobre a distribuição de drogas, por exemplo, o Comando Vermelho,

Terceiro Comando e Amigos dos Amigos, todos também conhecidos pela mídia

jornalística e pela sociedade, através das siglas, “CV”, “TC” e “ADA”,

respectivamente.

Já na cidade de São Paulo, o estudo será concentrado sobre o principal

grupo criminoso em atuação nesse Estado, conhecido como Primeiro Comando da

Capital, ou seja, “PCC”, famoso pelas diversas condutas criminosas ocorridas no ano

de 2006, o qual desencadeou uma série de rebeliões em presídios, atentados contra

autoridades públicas, causando um verdadeiro estado de terror, principalmente na

população paulista.

Preliminarmente, torna-se de fundamental importância analisar a origem

desses grupos, uma vez que, diferentemente de organizações narcoterroristas ou

mesmo transnacionais, a origem dos grupos acima discriminados é decorrente de

subdomínios em estabelecimentos prisionais e favelas cariocas.

Em um segundo momento, ainda neste capítulo, será examinado a ligação

do crime organizado brasileiro com as organizações transnacionais e também a

presença de grupos estrangeiros em atuação no território brasileiro.

Por derradeiro, realizaremos uma análise dos crimes econômicos praticados

por organizações criminosas e seus efeitos na estabilidade econômica e social na nação

brasileira.

4.2 - As Facções Criminosas

Se anteriormente eram, um problema circunscrito às duas principais cidades

do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro, hoje as facções Criminosas tornam-se um

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grande problema de caráter criminológico, cujo crescimento exacerbado atinge toda a

Nação Brasileira.

Desde os anos 60 e 70285, a superlotação dos presídios e distritos policiais já

era um grande problema, não só no cenário penitenciário, como também trazia reflexos

negativos na política repressiva criminal, conforme observou René Ariel Dotti, ao

comentar o Projeto de Lei 2, de 1977286, que se converteu na Lei 6.416/1977287:

A exposição de motivos que introduzia o projeto, salientava que um dos graves problemas determinantes do pensamento de reforma se devia à superlotação dos estabelecimentos prisionais gerando, além da situação de promiscuidade, o acúmulo de tensões, principalmente nas prisões obsoletas de grande porte. Os órgãos da administração penitenciária têm conseguido, a muito custo, conter a situação, em atmosfera de apreensão constante, que cria problemas de toda espécie para os que lidam com a justiça penal288.

É interessante notar, como foi observado pelo referido doutrinador, que

desde àquela época, os efeitos colaterais já eram uma grande preocupação das

autoridades e ocasionavam a superlotação de presídios:

285 Em 1975, diante da crise do sistema prisional, a Câmara dos Deputados, foi criada A Comissão Parlamentar de Inquérito, que em seu relatório concluiu: “A deterioração do caráter resultante do da influência corruptora da subcultura criminal, o hábito da ociosidade, a alienação mental, a perda paulatina da aptidão para o trabalho, o comprometimento da saúde, são conseqüências desse tipo de confinamento promíscuo, já definido alhures como sementeira de reincidência, dados os seus efeitos criminógenos.” (René Ariel Dotti, op. cit., p. 317).

286 O Projeto n. 2/77, reconheceu a moderna tendência em se reservar a privação da liberdade somente para os

agentes de crimes mais graves e para as categorias de sujeitos que revelam especiais características de periculosidade. (Ibid., p 305).

287 Já a Lei 6.416/77, alterou profundamente o sistema de penas dando nova redação ao caput do art. 30 do

Código Penal, alterando os parágrafos existentes e criando outros. Com destaque: a) a supressão do isolamento celular contínuo; b) a instituição dos regimes de execução (fechado, semi-aberto, aberto), adotando-se como referências a quantidade de pena e a não periculosidade do condenado; c) a institucionalização da prisão-albergue, como espécie de regime aberto; d) a regulação do trabalho externo para os condenados em qualquer regime, entre outros direitos, todos como princípio a individualização da pena. (Ibid., p. 306).

288 Ibid., p. 305.

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Sob outro ângulo, o aumento dos índices de criminalidade em larga escala preocupava extraordinariamente os poderes públicos, diante da constatação de que um grande número de condenados ou acusados sujeitos à prisão provisória e medidas de internamento não estavam recolhidos, por falta de capacidade dos estabelecimentos penais289.

No cenário contemporâneo, notamos que aqueles pequenos grupos

criminosos, cuja origem e capacidade de influência se limitavam a uma comunidade,

ou até mesmo a um determinado estabelecimento prisional, passaram a se disseminar

para outros setores do submundo da criminalidade, frente à necessidade de uma nova

organização, buscando profissionalizar suas atividades ilícitas, aumentar o seu poder

de “comando” e intimidação, bem como, principalmente expandir a sua capacidade de

captação de recursos econômicos.

Assim, no próximo assunto, de modo a traçar um perfil da criminalidade

organizada genuinamente brasileira, passaremos a analisar o Primeiro Comando da

Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), com suas principais características e

reflexos no panorama internacional.

4.2.1 Primeiro Comando da Capital

Após uma série de atentados desencadeados a partir do início do século

XXI 290, autoridades públicas passaram a ter plena consciência de que o Primeiro

Comando da Capital deixava definitivamente de ser um problema ligado à falta de

estrutura do sistema penitenciário brasileiro, ou mesmo, pequenas modalidades

criminosas ligadas à estrutura de uma quadrilha ou bando291.

289 Ibid., mesma página. 291 No maior ataque já realizado contra as forças de segurança de São Paulo, a facção criminosa PCC (Primeiro

Comando da Capital) provocou a morte de 30 pessoas, feriu outras 24, bombardeou delegacias, metralhou carros e bases da Polícia Militar, de guardas municipais e até do Corpo de Bombeiros, e ainda promoveu 24 rebeliões simultâneas em presídios da região metropolitana e do interior do Estado, segundo o governo. (Maior ataque do PCC faz 30 mortos em SP. Folha de São Paulo, 14.05.2006, p. A1).

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O Primeiro Comando da Capital foi fundado em 1993, durante uma

rebelião na Casa de Custódia de Taubaté. Alguns presos que articularam a rebelião,

criaram a facção com o nome inspirado no time de futebol do presídio, ou seja,

“Primeiro Comando”292.

Em um primeiro momento, o PCC foi uma facção reduzida aos muros dos

presídios e, a própria comunicação entre os presos e o mundo exterior era restrita às

visitas, aos advogados e às correspondências.

Posteriormente, com base nos atentados praticados pelo PCC, surgiram

diversas opiniões de juristas e especialistas da área de segurança pública. Alguns

opinaram alegando total inoperância e despreparo do Estado no combate às ações do

crime organizado, uma vez que por muito tempo as autoridades públicas omitiram-se,

ao não reconhecer a dimensão do problema que representava aquele pequeno grupo em

escala crescente que se insurgia contra as mazelas do sistema penitenciário brasileiro.

Contudo, outros profissionais ligados aos altos escalões da segurança

pública do Estado de São Paulo, negavam a existência do PCC como uma organização

criminosa, uma vez que não passava de um grupo que apenas era conhecido como uma

“facção” criminosa que praticava pequenos delitos e rebeliões em presídios, e não

oferecia risco à sociedade, pois era uma “organização falida”, conforme trecho da

entrevista concedida pelo Delegado de Polícia Civil Godofredo Bittencourt, ao jornal

Folha de São Paulo:

Em 2002, após a divulgação pelo Deic de um organograma da facção – na qual Marcola aparecia no topo da hierarquia-, Bittencourt afirmou, em tom de ironia e vitória, que o PCC era uma “organização falida”.293

292 O presidiário César Augusto Roriz da Silva, vulgo Cesinha, fundou o PCC em 1993, junto com sete criminosos, no anexo da Casa de Custódia de Taubaté. (Folha de São Paulo, Fundador do PCC é assassinado na prisão, 14/08/2006, p. C4).

293 Folha de São Paulo, Justiça rejeita provas contra líderes do PCC, 16-04-2006, p. C7.

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Em contraposição s essa opinião, algumas autoridades da área de segurança

pública chegaram a comparar o PCC com as “máfias” e com os cartéis de drogas,

principalmente após os atentados desencadeados simultaneamente pelo grupo, que

culminaram com a morte de autoridades públicas, rebeliões em presídios, deixando a

sociedade em estado de terror, conforme trecho em destaque:

O PCC (Primeiro Comando da Capital já pode ser considerado uma organização pré-mafiosa, um embrião similar às estruturas criminosas italianas e colombianas, conhecidas na América Latina como cartéis. (...) As máfias e cartéis estão apenas alguns passos à frente. O Brasil está em um nível intermediário, e não apenas com o PCC. É só olhar o controle que algumas organizações exercem no Rio, afirma o norte-americano William Perry, ex diretor do Conselho de Segurança Nacional (1981-1989)294.

Já o Secretário de Assuntos de Segurança Nacional do Centro de Estudos

para Defesa do Hemisfério de Washington, Thomaz Costa, acredita que “Já há uma

violência aberta que desafia as autoridades a barganhar295 com o crime”. Num segundo

estágio, o crime deve sobrepor à área de atuação do Estado, o que é muito caro296”.

Baseando-nos na opinião do citado autor americano, não podemos deixar de

mencionar que, atualmente, o PCC, não só coordena rebeliões, atentados e praticas

criminosas localizadas, mas sim, através do controle territorial e político, alimenta

todo um setor terciário ligado a atividades econômicas controladas direta ou

294 Folha de São Paulo. Justiça rejeita provas contra líderes do PCC, 16/04/2006, p. C7. 295 Em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, o então Governador Cláudio Lembo negou qualquer tentativa do

Estado ceder as exigências da organização PCC, mas confirmou que houve uma reunião com o líder do PCC (Willians Herbas Camacho), de modo a facilitar o diálogo e impedir uma escalada maior da violência, conforme trecho a seguir em destaque: “A opinião pública imagine o que achar oportuno. O que devo dizer é que não houve acordo.” (Ibid., mesma pag.).

296 Ibid, mesma página.

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indiretamente pelo Estado, como por exemplo, o transporte público e a distribuição de

combustíveis297. Também não podemos deixar de destacar a lavagem de dinheiro

decorrente dos benefícios materiais e econômicos das atividades ilícitas do “Partido”.

É importante destacarmos que, segundo o Conselho de Controle de

Atividades Financeiras (COAF), entre o mês de novembro de 2005 e setembro de

2006, o PCC movimentou pelo menos 36,6 milhões no sistema financeiro298. Já o

segundo relatório produzido pelo mesmo órgão do Poder Executivo Federal,

identificou um crescimento exacerbado na movimentação do PCC, que passou para a

cifra dos 63 milhões de reais, entre os meses de novembro de 2005 a julho de 2007,

por meio de 686 contas correntes299.

Como forma de tentar controlar as rebeliões no interior dos presídios,

diversos líderes do PCC foram transferidos para outros Estados do Brasil. Nesse

momento, ocorreu um dos maiores equívocos da política de Segurança Pública e

Penitenciária do País300, uma vez que houve uma grande disseminação301 do “Partido”

entre outros detentos e facções presentes nas prisões brasileiras.

297 Segundo inquérito policial presidido pelo Delegado Ítalo Zaccaro Neto, o PCC comprou 44 postos de gasolina na região do ABC para facilitar o processo de lavagem de dinheiro obtido decorrente das ações ilícitas da organização. (O Estado de São Paulo. 60 indiciados por lavagem, 12/12/2006, Caderno Metrópole).

298 O Estado de São Paulo. Nas contas bancárias do PCC, 36 milhões,13/12/2006, Caderno Metrópole. 299 Folha de São Paulo, Governo afirma que facção movimentou R$ 63 milhões, 04/03/2008, p. C6. 300 Segundo relato do Delegado de Policia Federal Orlando Rincon, responsável pelas investigações da CPI do

tráfico de armas: “a transferência de presos do PCC para outros Estados foi uma experiência negativa, esta formando uma escola do crime. A solução são os presídios federais, os líderes ficam isolados”

(...) “No Rio Grande do Sul, o PCC está voltado para a aquisição de armas. Em Mato Grosso do Sul, os

criminosos contam com a frágil fiscalização da fronteira para adquirir e transportar armas e drogas. “O Paraná entrou como rota do PCC pela fronteira com o Paraguai. Algumas pessoas foram presas nesse trajeto e ficaram no Estado, o que começou a disseminação, alimentada pelo remanejamento de presos. Os transferidos levaram a ideologia do PCC, diz o policial. (O Estado de São Paulo. Transferência criou filiais do PCC. 28.05.2006, Caderno Metrópole)

301 (...) outra forma de disseminação do PCC é uma espécie de pregação feita pelos integrantes da facção presos

fora de São Paulo. Segundo o Delegado Rincon: “eles costumam levar com eles o estatuto da facção, é sinal de status andar com cópia. Se são presos, passam a disseminar a cultura nos presídios aonde vão”. (Ibid., Caderno Metrópole p.)

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Assim, aqueles líderes, além de aliciarem novos integrantes para o

“Partido” passaram a contar com uma gama de contatos para divulgar as suas idéias e,

principalmente, pontos de apoio para a concretização de suas atividades criminosas.

Como se já não bastasse à experiência negativa anteriormente citada, alguns

detentos do PCC também dividiram celas com presos estrangeiros, entre os quais,

muitos haviam sido condenados por tráfico internacional de drogas e sequestro302.

A título de exemplo, o qual comprova suposta influência entre as

organizações criminosas estrangeiras, como por exemplo, a Máfia da Camorra303,

sobre o PCC, foram relatados documentos, em uma reportagem publicada pelo jornal

O Estado de São Paulo304, enviados pelos irmãos mafiosos Bruno e Renato Torsia

Mizael Aparecido da Silva, vulgo “Miza”305.

Destaca-se que o “Miza” foi um dos oito fundadores da “facção” criminosa

e hoje se encontra preso na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté.

Ainda, nesse contexto, é oportuno salientar, que os irmãos camorristas

Renato e Bruno Corsi foram extraditados a pedido do Governo italiano, com base em

302 Segundo investigações dos serviços de inteligência das secretarias da Segurança Pública e da Administração

Penitenciária, em reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo: “Condenado a 30 anos de prisão pelo seqüestro do publicitário Washington Olivetto, em 2001, o chileno Maurício Hernandes Norambuena ensinou , na cadeia, táticas de terrorismo a aos líderes do PCC. (Folha de São Paulo. Seqüestrador de Olivetto ensinou PCC, 14/07/2006, p. C7.)

303 Roberto Saviano relata que: (...) a Camorra é a maior organização criminosa da Europa. Para cada filiado

siciliano há cinco da Campânia, para cada ’ndrangheta, até mesmo oito, ou seja, quase o triplo, o quádruplo das outras organizações.(Gomorra, p. 60).

304 O Estado de São Paulo. Documentos revelam a influência da Camorra na criação do PCC, 25.01.2009,

Caderno Metrópole. 305 Conforme documento apreendido pelas autoridades penitenciárias, Mizael escreveu uma carta aos fundadores

do PCC, cujo conteúdo revela que apreendeu os ensinamentos dos irmãos Torsi: propôs rebeliões em série nos presídios e sequestros de políticos e jornalistas. (O Estado de São Paulo. Documentos revelam a influência da Camorra na criação do PCC, 25/01/2009, Caderno Metrópole)

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diversas condenações naquele País, tais como associação criminosa de tipo camorrista,

extorsão mediante sequestro, porte ilegal de armas, detenção de munições e

receptação306.

Diante da afirmação de uma autoridade do governo italiano ligada ao setor

de extradições, os irmãos camorristas orientaram os integrantes do PCC a fortalecer a

facção paulista como uma empresa, nos termos a seguir:

Aprendeu graças ao contato com os camorristas na prisão brasileira. Assim como a Camorra, o PCC hoje investe em várias atividades, lava o dinheiro com o lucro obtido principalmente com o tráfico de drogas. Logo, logo não vai dar para saber qual o investimento e lícito ou ilícito, advertiu307.

Portanto, além da rede de contatos criados em âmbito nacional, o PCC

passou a contar com uma nova realidade, ou seja, a possibilidade de adquirir drogas308

e armas diretamente dos fornecedores estrangeiros, em especial traficantes

colombianos, bolivianos e paraguaios.

Já no final do século XX, a telefonia móvel celular, aliada às centrais

telefônicas clandestinas, foi incorporada à comunicação entre os presos e o mundo

exterior, fato esse que ocasionou um grande crescimento na continuidade das

atividades criminosas A partir desse momento, dentro dos presídios, uma vez que os

líderes continuavam com o seu poder de comando, agora de dentro da prisão.

306 STF, Tribunal Pleno, Ext. 528/ IT - Itália, Rel. Min. Néri da Silveira, v.u., j. 18-09-1991, pub. DJU 08-11-1991, seção 1, p. 14

307 O Estado de São Paulo. Documentos revelam a influência da Camorra na criação do PCC, 25.01.2009,

Caderno Metrópole. 308 Segundo o promotor Marcio Christino, segundo “Relatório de Análise e Sugestões”, desenvolvido em

conjunto pelo Ministério Público e Polícia Civil, o PCC trafica cerca de 200 quilos de cocaína a cada 40 dias, com faturamento entre 800 mil e 1 milhão de reais. Folha de São Paulo. Tráfico é o principal negócio do PCC, indica investigação, 13/08/2006, p. C1.

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Nos termos dos dados colhidos junto ao Serviço de Inteligência da

Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o PCC contava no ano de

2006, com 5.012 filiados, atuando preponderantemente no tráfico de drogas e armas,

seqüestros, roubos a bancos e cargas309.

As ações criminosas do PCC demonstram que os integrantes do grupo

respeitam uma rígida hierarquia com características “mafiosas”. No topo da estrutura,

encontraremos o núcleo decisório: são os criminosos conhecidos como “torres”. Por

meio deles, as instruções chegam a centenas de membros do “partido”310.

A estrutura da organização é dividida em diversas áreas e funções, como

modelo citamos, os “pilotos”, os quais, por sua, vez são divididos em dois subgrupos:

os pilotos-detentos, responsáveis pelas rebeliões e o contato com outros presos; e os

pilotos gerentes, criminosos que estão fora dos presídios, responsáveis por monitorar

cada região do Estado de São Paulo, retransmitindo ordens e articulando ações

criminosas311.

Em outro plano, encontraremos também a base operacional, responsável

pelos crimes e atentados; são os chamados “soldados” 312.

O PCC também possui em seus quadros tesoureiros, encarregados de

receber a contribuição dos criminosos soltos, ou mesmo, checar o depósito dessas

quantias

309 Folha de São Paulo. Polícia Identifica 5.012 filiados do PCC, 22/07/2006, p. C9. 310 Segundo dados colhidos junto ao Setor de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São

Paulo, Willians Herbas Camacho, vulgo “Marcola”, detêm o controle centralizado e a logística financeira do “partido do crime”. Revista Veja. O poder nas mãos dos bandidos, 19/07/2006, p. 44-55

311 Folha de São Paulo, Promotoria vê PCC ‘poderoso e eficaz’, 13/07/2006, p. C10. 312 Folha de São Paulo. Promotoria vê PCC ‘poderoso e eficaz. 13/07/2006, p. C10.

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Não podemos deixar de mencionar a participação de advogados, não só

como “pombos correios”313 do PCC, mas também como integrantes da organização, ao

permitir que suas contas sejam utilizadas para a lavagem de dinheiro314.

Segundo o promotor José Reinaldo Carneiro, “os advogados confessaram o

envolvimento com integrantes do PCC”. A operação do Ministério Público de São

Paulo flagrou através de escutas telefônicas, o envolvimento dos advogados na

organização de rebeliões, tráfico de celulares para dentro dos presídios e corrupção de

agentes penitenciários315.

Cabe ressaltar outras características marcantes do PCC, tais como o poder

de corrupção, a intimidação, a violência e a participação de agentes públicos na

organização.

Mediante investigações da Polícia Civil e do Ministério Público do Estado

de São Paulo, a corrupção é uma marca presente nas ações criminosas do “partido”. As

interceptações telefônicas revelaram que o custo de um agente penitenciário para

introduzir um aparelho de telefonia celular no presídio pode chegar à quantia de até

5000 reais316.

313 Segundo reportagem do Jornal o Estado de São Paulo três advogados foram presos em Presidente Prudente e Presidente Venceslau, interior do Estado de São Paulo, sob a suspeita de participação no PCC. Eles são acusados de levar celulares para presos e retransmitir ordens da cúpula da facção. O Estado de São Paulo, Presos três advogados do PCC, 29/06/2006, Caderno Metrópole

314 Segundo reportagem do Jornal Folha de São Paulo: “A CPI do Tráfico de Armas quebrou o sigilo bancário,

fiscal e telefônico de 14 advogados suspeitos de trabalhar para o crime organizado. Ao todo a comissão investiga 34 advogados, a maioria deles por possível ligação com o PCC”. Folha de São Paulo. CPI quebra sigilos de 14 advogados sob suspeita de elo com o crime organizado. 13/07/2006, p. C8

315 Revista Veja. 19/07/2006, p. 50. 316 A cada mês são apreendidos por volta de 200 aparelhos de telefonia celular nos presídios do Estado de São

Paulo. Revista Veja, 19.07.2007, p. 48

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A intimidação e a violência também são utilizadas como forma de garantir a

“lei do silêncio”, dentro e fora das penitenciárias317.

No tocante à participação de agentes públicos nas atividades da

organização, cabe destacar o suposto envolvimento de uma juíza de direito da comarca

de Mauá, Grande São Paulo, flagrada em interceptações telefônicas, envolvida em

atividades relacionadas à lavagem de dinheiro. Em sessão do Órgão Especial do

Tribunal paulista, os desembargadores votaram de forma unânime pelo afastamento da

magistrada318.

Podemos compreender, portanto, que o PCC possui uma estrutura

verticalizada, organizada como uma empresa, com tesouraria, almoxarifado, setor de

crédito e departamento pessoal. É a opinião de Adriano Oliveira, do Núcleo de Estudo

de Instituições Coercitivas, da Universidade Federal de Pernambuco, conforme

transcrito:

A estrutura verticalizada dá ao PCC vantagens competitivas em relação a outras facções criminosas conhecidas, como o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro. A centralização favorece a tomada de decisões e fortalece o senso de unidade em torno das lideranças do PCC319.

É essencial registrarmos que cada um dos integrantes do grupo, também

contribui com uma mensalidade320. O dinheiro é destinado a um fundo de reserva

utilizado para o pagamento de honorários advocatícios, compra de celulares,

317 Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, entre os meses de maio a agosto

de 2006, o PCC assassinou 59 pessoas, entre as vítimas havia policiais militares e civil, agentes penitenciários e seguranças particulares. O Estado de São Paulo. Em três meses, facção teve 769 baixas, 20/08/2006

318 Folha de São Paulo. Juíza suspeita de ajudar facção é afastada, 22/06/2007, p. C13. 319 Revista Veja, 19/07/2009, p. 48. 320 De acordo com a polícia, quem está preso paga uma mensalidade de R$ 50, em troca de proteção. Criminosos

em liberdade contribuem com R$ 1000. (Revista Veja. O poder nas mãos dos bandidos, 19/07/2006, p. 47).

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manutenção das famílias dos integrantes e, principalmente, para o financiamento do

tráfico de drogas e armas321.

Nos moldes da “máfia” italiana, o PCC possui um “estatuto”, contendo

normas rígidas sobre condutas, contribuições, bem como as respectivas penalidades

em caso de descumprimento delas, em alguns casos, como por exemplo, a colaboração

do integrante com a polícia, ou mesmo, a traição a um líder do “partido”; o culpado,

após um julgamento sumário, será punido com a pena capital322.

Oportuno transcrever, sobre o tema, a opinião de Silvio Luiz Martins de

Oliveira:

“Uma das preocupações das organizações criminosas é a de , na medida do possível, se manter nas sombras. A visibilidade de suas operações, como mencionamo, é uma característica indeseijável vez que atrai a cobiça de outros grupos e a possibilidade de repressão mais intensa de suas atividades pelos órgãos de Estado. Assim, as organizações criminosas mais tradicionais possuem códigos de conduta caracterizados pela absoluta exigência de fidelidade de seus membros (...) Para os membros dessas organizações, o descortinamento, acidental ou proposital, de suas operações é falta grave, normalmente punidas com morte. (...) Este é apenas um exemplo da brutal sanção aplicada àqueles que ousam infringir a lei do silêncio, ou omertà, forma alterada de umiltà (humildade), usada na Itália setentrional para indicar submissão, deferência, consideração ou respeito às regras da Camorra.323

A título de exemplo, citamos que durante uma operação de combate àquele

grupo, além da apreensão de um míssil (artefato de uso bélico), a Polícia Civil do

321 O dinheiro ilícito da organização tem destino certo, conforme documentos apreendidos em poder da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, inclusive parte do capital do O PCC era utilizado em uma “cooperativa de crédito” que financia as “operações pessoais” de seus integrantes, com empréstimos de até 118.000 reais. (Ibid., p. 48).

322 O artigo 7º do estatuto do PCC dispões que: “Aquele que estiver em liberdade, bem estruturado, mas esquecer

de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, será condenado à morte sem perdão”. O Estado de São Paulo. Como empresa, PCC tem atas de reunião e relatórios disciplinares, 07/07/2008, Caderno Metrópole.

323 Silvio Luiz Martins de Oliveira. Direito Público Atual, ed. Quartier Latin, São Paulo. 2003, p. 265-266.

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Estado de São Paulo também encontrou documentos que demonstram a organização

do PCC, conforme trecho destacado da reportagem do Jornal Folha de São Paulo:

Um estatuto com os 11 mandamentos do PCC (Primeiro Comando da Capital) e os nomes de seus “padrinhos” dentro da organização criminosa foram encontrados no bolso da camisa de Roberto Ramos, o Beto Bomba, quando foi preso (...). (...) A ajuda de Ramos aos integrantes do PCC presos tem uma de suas justificativas no sétimo mandamento do estatuto. Nele, está definido que “aqueles que estiverem em liberdade (...) e esquecerem de contribuir com os irmãos que estão na prisão serão condenados à morte324

Diante do quadro de terror social e do crescimento exacerbado da

criminalidade, o Governo Federal, realizou um estudo de mapeamento das

organizações que atuam nos presídios dos Estados. Perante os resultados assustadores

do domínio do PCC e outras “facções”, o governo decidiu investir na criação de

presídios federais de segurança máxima, como forma a isolar os principais líderes,

como “Marcola” e “Beira Mar”325.

O cenário contemporâneo demonstra que o PCC possui táticas que

recordam as utilizadas por organizações terroristas, apesar da ausência de uma

ideologia, conforme encontramos nos grupos criminosos fundamentalistas326.

Conforme sustentado no início deste tópico, uma das grandes falhas da

política penitenciária brasileira foi permitir que presos brasileiros e estrangeiros

compartilhassem o mesmo estabelecimento prisional.

324 Folha de São Paulo, Polícia afirma ter apreendido míssil do PCC, 13/07/2005, p. C4. 325 O isolamento dos principais líderes do PCC e do Comando Vermelho, não propiciaram o efeito desejado

pelas autoridades públicas, conforme demonstraremos no tópico seguinte. 326 Segundo analistas ouvidos pelo jornal Folha de São Paulo, as ações do PCC tem elementos de ligação com

atos terroristas, mas não se encaixam perfeitamente nessa definição, embora já não se trate de criminalidade “tradicional”. Folha de São Paulo. Ação Criminosa indica traços de terrorismo, mas sem ideal, 16/07/2006, p. C7.

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Na esteira das organizações criminosas transnacionais, os membros da

organização criminosa “PCC” estão cada vez mais profissionais. Como forma de evitar

a aproximação entre os líderes e financiadores do grupo e os executores, abandonaram

a estrutura clássica verticalizada, ou seja, passaram a articular-se em células

compartimentadas, independentes, sem contato entre elas, nos moldes das

organizações comandadas pelos narcotraficantes colombianos Pablo Rayo Montano e

Juan Carlos Ramirez Abadia327.

Por intermédio de dados obtidos junto à Inteligência da Polícia Federal, no

ano de 2006, foram realizadas 175 operações somente no Estado de São Paulo, sendo

85 delas contra o PCC. O referido relatório revela que integrantes do “partido” já

possuem contatos no Paraguai e na Bolívia, local em que buscam a droga para

abastecer o mercado nacional328.

Já, no ano de 2008 foi realizada uma operação pela Polícia Federal que

apurou a ligação de traficantes colombianos e bolivianos com integrantes do PCC. A

investigação resultou na apreensão de toneladas de cocaína e na prisão de 41 suspeitos

de integrar a organização329.

De acordo com artigo publicado em periódico: “o PCC já não usa mais

intermediários para comprar cocaína e maconha na Bolívia e Paraguai. Eles agora

compram diretamente dos traficantes nestes dois países330”.

327 Ver Capítulo 4. 328 Folha de São Paulo. Mapa indica as áreas de atuação do PCC, 24/07/2006, p. C1. 329 Folha de São Paulo. Presos 41 suspeitos de fornecer droga ao PCC, 13/12/2008, p. C1. 330 Folha de São Paulo. Para promotor, PCC ‘internacional’ é exagero, 04/03/2009, p. C3.

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Nesse contexto, o Juiz Federal Odilon Oliveira afirma que: “Há muitos

[PCC] atuando no território paraguaio, cumprindo ordens da facção, como seqüestros e

homicídios. Outros são encarregados de buscar cocaína na Bolívia331”.

O relatório anual do Departamento de Estado Americano, que trata sobre a

situação do tráfico de drogas em âmbito mundial, destaca que as organizações

Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), passaram a atuar em

outros países, tais como Paraguai, Bolívia e “possivelmente” Portugal332.

No relatório final da CPI do Tráfico de Armas concluiu-se que o PCC

possui representantes na Argentina, Uruguai e Paraguai333.

4.2.2 Comando Vermelho

Posterior ao seu estabelecimento em favelas da Baixada Fluminense, o

Comando Vermelho acabou por demarcar territórios nas principais comunidades

cariocas, disseminando suas atividades ilícitas em diversas cidades do interior do

Estado do Rio de Janeiro.

Adriano Oliveira, ao citar Julita Lemberg, ex-diretora do Sistema

Penitenciário e ex-ouvidora de Polícia do Rio de Janeiro, discorre que:

A compreensão do Comando Vermelho requer uma revisão da história, particularmente do Instituto Penal Cândido Mendes, conhecido como Presídio da Ilha Grande. Desde os anos 70, nessa penitenciária havia um

331 Folha de São Paulo. Cresce ação do PCC no exterior, dizem EUA, 04/03/2009, p. C1. 332 Dados obtidos através do Volume I: Drogas e Controle Químicos, Relatório Internacional Estratégico sobre

Drogas, (2009 International Narcotics Control Strategy Report) <http://www.state.gov/p/inl/rls/nrcrpt/2009/vol1/116520.htm, consulta realizada em 24/08/2009.

333 A referida conclusão somente foi possível após um ano e meio de investigações, com base no depoimento de

156 pessoas. (O Estado de São Paulo. No arsenal do PCC, rifles e fuzis, 06/08/2009)

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grupo que se auto-intitulava Falange Vermelha, Outro grupo, localizado na terceira galeria, decidiu criar o Terceiro Comando. (...). Com o passar dos anos, os grupos foram adquirindo representação nas comunidades, consequentemente, obtendo controle de territórios – conquistados com grande influência do comércio de drogas. Diante disso, foram criados espaços geográficos, alguns conhecidos como pertencentes ao Comando Vermelho; outros ao Terceiro Comando, além de outros grupos/facções, como Amigos dos Amigos334.

Além do domínio do Comando Vermelho sobre diversas comunidades na

Capital daquele Estado, como, por exemplo, na “Rocinha” (zona sul do Rio), no

Complexo do Alemão, no Jardim Esperança, no Buraco do Boi, no Jardim Peró, bem

como na Praia da Siqueira, os últimos levantamentos realizados, fundamentados em

atuações da Polícia Federal e Civil local, o Comando Vermelho passou a deter o

monopólio concernente à distribuição de drogas e armas em cidades como Angra dos

Reis (cidade a 150 km do Rio de Janeiro), Campos dos Goytacazes (278 km do Rio),

Itaperuna (356 km do Rio), Cabo frio (154 km do Rio), Macaé (a 188 km do Rio),

Volta Redonda (a 129 km do Rio), entre outras335.

O contato entre membros do PCC e do Comando Vermelho ocorreu no

início do Século XXI, no momento em que José Márcio Felício, vulgo “Geleião”,

César Augusto Roris da Silva, vulgo “Cesinha”, então líderes do “partido”, foram

transferidos para o presídio Bangu 1, na zona oeste da capital fluminense.

Até aquele momento a entrada do “crack” era proibida pelos traficantes dos

morros cariocas, tendo em vista o seu baixo valor no mercado consumidor, bem como

o poder destrutivo da droga, ou seja, os narcotraficantes dependem de sua clientela,

portanto optavam por mantê-la viva.

334 Tráfico de drogas e crime organizado: peças e mecanismos, p. 150.. 335 Facções se expandem para litoral e interior. Folha de São Paulo, p. C4

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Em Bangu 1, os dois aludidos condenados estreitaram ligações com o

Comando Vermelho, fato que possibilitou a entrada do “crack” no Rio de Janeiro336. A

parceria também fomentou o tráfico de armas entre os dois grupos criminosos337.

O delegado titular da Delegacia de Combate às Drogas do Rio, Marcos

Vinícius Braga, afirma que: “a entrada do crack nas favelas cariocas foi a condição

imposta pela facção criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) para continuar a

vender cocaína para o Comando Vermelho”338.

Nos termos do relatório da Secretaria da Segurança Pública do Rio de

Janeiro, há uma forte ligação entre o PCC e o Comando Vermelho. O documento

revela que não há subordinação entre as duas facções, mas um intercâmbio de rotas

para o tráfico de armas e drogas, aliada a utilização de entrepostos para o

armazenamento dos produtos ilícitos comuns às duas facções339.

Curioso ressaltar que o Comando Vermelho ainda não possui uma estrutura

empresarial como o PCC. Sobre o assunto, válido o relato de Adriano de Oliveira: “No

Rio, o Comando Vermelho disputa o poder com várias facções. Por isso, as lideranças

não permanecem muito tempo no comando, como ocorre em São Paulo”.

336 Conforme depoimento do Delegado de Polícia Civil Rodrigo de Oliveira: “é certo que existe uma ligação entre as duas facções, tanto que o crack no Rio só se encontra nas favelas do Comando Vermelho. O PCC abria portas para o Comando Vermelho buscar (a droga em São Paulo)”. (O Estado de São Paulo, PCC levou a cracolândia para o Rio, 26/09/2008, Caderno Metrópole).

337 A última prisão de integrantes da facção criminosa no Rio ocorreu no ano passado, quando três criminosos

foram flagrados da Favela do Jacarezinho, zona norte, comandada pelo CV, tentando negociar a venda de fuzis. (Ibid., mesma data)

338 O Estado de São Paulo, PCC levou a cracolândia para o Rio, 26/09/2008, Caderno Metrópole. 339 O relatório entre a CPI do Tráfico de Armas: “Na comparação das duas facções, o relatório diz que o CV,

criado em 1979, no Presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, em Angra dos Reis, é uma organização com estrutura horizontal, com o poder de mando exercido por vários integrantes que formam sua cúpula, mas que nem sempre seguem ou concordam em todas as decisões”. (O Estado de São Paulo, Polícia apura coligação do PCC-CV, 12/09/2006, Caderno Metrópole).

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No mesmo sentido da opinião de Oliveira, o sociólogo Ignácio Cano

defende que:

As quadrilhas do Rio precisam disputar áreas de atuação porque sua sustentação principal é o tráfico de drogas, que tem por base o controle de pontos-de-venda. Em São Paulo, o crime organizado atua em várias atividades ao mesmo tempo.

Não podemos deixar de recordar que o narcotraficante Luiz Fernando da

Costa, conhecido como “Fernandinho Beira-Mar, estabeleceu-se na cidade de Pedro

Juan Caballero e fez contatos com membros das Forças Armadas Revolucionárias

Colombianas, local em que foi preso pelas autoridades daquele País340.

Mesmo detido em um presídio federal de Segurança Máxima, “Beira-Mar”

não deixou de atuar no tráfico internacional de drogas. Em recente operação de

combate ao narcotráfico, a Polícia Federal conseguiu apurar novamente a ligação entre

o Comando Vermelho e o PCC, conforme relato do jornalista Marcelo Auler:

Para a PF, a aproximação de Beira-Mar com representantes do PCC e de outros Estados foi facilitada pela convivência dele com bandidos que não conhecia no presídio federal de Catanduvas (PR). Lá ficou confinado, por exemplo, na mesma ala de José Claudio Arantes, o Tio Arantes, de Mato Grosso do Sul, e Sidney Romualdo, paulista de Diadema. A aproximação incluiu o pagamento do aluguel de duas casas em Catanduvas para familiares de presos de outros Estados. Uma cortesia de Beira-Mar para os colegas341.

340 Segundo o relato de um integrante do PCC, estabelecido na cidade de Pedro Juan Caballero, ao lado da cidade brasileira de Ponta-Porá, o PCC se estabeleceu há 5 anos no Paraguai, 3 anos depois do Comando Vermelho, a facção criminosa de Beira-Mar. (O Estado de São Paulo, No Paraguai, uma base do PCC, 27/08/2006, Caderno Metrópole).

341 O Estado de São Paulo, Apreensão mostra ligação de Beira-Mar com o PCC, 10/02/2008, Caderno

Metrópole

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138

4.3 Organizações Transnacionais

Na definição de crime organizado transnacional não devemos nos limitar ao

complexo intercâmbio entre grupos de criminosos estabelecidos em diversas Nações.

Devemos, ainda, considerar os outros fatores que impulsionaram aqueles grupos a

interagir integrada e harmonicamente, principalmente, nas últimas décadas no cenário

internacional.

Quanto às origens das organizações transnacionais podemos citar, em um

sentido amplo, a globalização, uma vez que esta propiciou a imigração entre diversos

povos, a integração econômica e política, o progresso dos sistemas de comunicação,

entre outras facilidades que favoreceram o agrupamento 342.

Apesar dos avanços sócio-econômicos e até políticos proporcionados pela

globalização, não podemos deixar de relatar as mazelas ocasionadas por esse grande e

complexo intercâmbio de dados, pessoas e tecnologia, as quais trouxeram excessivo

prejuízo à segurança pública mundial.

Merece destaque a opinião de Anabela Miranda Rodrigues, sobre os

malefícios proporcionados pela globalização em relação ao crime organizado:

A globalização consistiria, assim, numa nova desordem mundial ou numa ordem caótica que caracteriza a nova organização planetária, em que ilhas de ordem emergem de uma espécie de magma desorganizado. Em volta desta ilhas crescem regiões com estatutos diversos. Umas, de economias geralmente destroçadas e com instituições políticas frágeis ou inexistentes, abaladas por múltiplas perturbações que a anomia social provoca e em que

342 Segundo relato de Moisés Naím: “Negócios de todos os tipos surgiram nos anos 90 à medida que, um após outro, os países derrubavam suas barreiras às importações e exportações e eliminavam regulamentações que inibiam investimentos estrangeiros. A mudança foi dramática. Em 1880, a tarifa média – ou o imposto que os governos cobravam sobre importações e exportações – era de 26,1%. Em 2002, caiu para 10,4%. Alguns fatos de destaque dessa nova orientação foram a aprovação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que reunião os Estados Unidos, o Canadá e o México, em 1994; o estabelecimento da Organização de Comércio em 1995 e a adesão da China a essa organização, após longas negociações, em 2002; a expansão da União Européia de 15 para 25 países membros na primavera de 2004 (...). (Ilícito: o ataque a pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. p. 22-23.

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as mergulha a sua instabilidade, são as que valorizam as matérias primeiras do crime: drogas, armas, seres humanos (prostituição, escravatura, tráfico de pessoas, etc.)343.

Por sua vez, diante da política adotada pelo governo americano, como

também por alguns países da Europa, há um grande controle sobre a atividade

financeira internacional, como forma de evitar a livre circulação de dinheiro,

proveniente de atividades ilícitas. Em contrapartida, surgem os paraísos fiscais,

conforme parecer formulado pela referida doutrinadora:

Estes paraísos financeiros fiscais, que são um pouco a mão esquerda dos países desenvolvidos, cuja mão direita ignora o que a esquerda faz, servem ao mesmo tempo de válvula de escape à rigidez das regras nacionais e de reguladores das relações entre as economias destes países e a sua criminalidade interna e externa. As zonas cinzentas são aquelas onde é produzida e reciclada a criminalidade que será consumida nos pólos de estabilidade344.

Atualmente, há diversas nações que favorecem o cenário nocivo que a

globalização proporciona para o fomento das organizações criminosas. Podemos

mencionar como exemplo, no cenário brasileiro, os grupos formados por nigerianos,

colombianos, bolivianos, chineses e, mais recentemente, estrangeiros provenientes do

leste europeu, destacando-se, entre estes, os provenientes da Sérvia, da Croácia e da

Bulgária 345.

343 O direito penal europeu emergente, p. 169. 344 Ibid., mesma página. 345 Conforme o histórico de investigações desenvolvidas pelas autoridades sérvias, cidadãos de países formados

com a dissolução da República Socialista Federativa Iugoslávia e posteriormente República Federal da Iugoslávia (Sérvia, Croácia, Kosovo - protetorado da ONU - Montenegro, Bósnia e Herzegovina, Eslovênia e Macedônia), estão associados num esquema de tráfico de drogas que compreende a aquisição de quantidades significativas de cocaína na América do Sul e posterior remessa para países da Europa.

Como meio de transporte são utilizados navios de carga que exploram a rota comercial América do Sul ↔ Europa, contudo, contrariando prática usual, a droga não é transportada dissimulada em contêineres com produtos objeto de exportações legais, mas transportada a bordo sob responsabilidade de membros da tripulação dos navios.

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O movimento migratório tende a fomentar e facilitar o intercâmbio multi-

cultural entre as organizações criminosas. A imigração de pessoas de diferentes

nacionalidades e culturas, bem como a miscigenação entre as diferentes raças, etnias, e

classes fizeram com que o nosso País, gradativamente se tornasse uma nação

significativa para o aporte das organizações criminosas.

Em Recente reportagem publicada no jornal “O Estado de São Paulo”,

percebe-se que uma houve uma mudança sensível no cenário da imigração com o fim

da Guerra Fria e o declínio do regime comunista. A ausência de “barreiras” fomentou

a mão de obra para as organizações criminosas, nos termos, in verbis

Nos anos da Guerra Fria, a fronteira entre Leste e Oeste era formada por arames farpados, muros, tanques, soldados e minas. O perigo para o Ocidente não era a invasão de imigrantes, mas um eventual ataque militar. Além disso, quem se ocupava de evitar a fuga de seus nacionais eram os próprios regimes ditatoriais. Hoje, o medo não é de uma invasão de um Exército. Imigração, armas, drogas e contrabando estão no centro das atenções. No lugar de minas e tanques, a UE investiu na instalação de sensores, barreiras eletrônicas e um sistema informatizado ligado aos dados da Interpol e das agências de inteligência dos países europeus346.

Ratificando as informações contidas na reportagem anteriormente citada,

ressaltamos que devido à grande dificuldade de controlar as fronteiras, em decorrência

de problemas sócio-econômicos, tais como o desemprego, guerras, e em virtude

também da dificuldade do controle migratório, surgiu um novo contingente de

indivíduos, que não tendo perspectivas, em virtude dessa situação de clandestinidade,

buscou amparo junto às organizações criminosas, constituindo-se em mão-de-obra

atuante no mercado ilícito, muitas vezes como medida de sobrevivência.

Diante desse quadro, houve uma inversão do foco de repressão a esses

grupos.

346 O Estado de São Paulo, União européia levanta sua cortina de ferro, pub. 12/04/2009, Caderno Metrópole.

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Importante destacarmos a reportagem de David Crossland, que mostra essa

mudança, ao citar o relato de autoridades competentes do Governo alemão e da

Europol sobre o tema, in verbis:

FRANKFURT AN DER ODER, Alemanha (Reuters) - A expansão da União Européia para o leste do continente, marcada para 1o. de maio, vai permitir que quadrilhas trafiquem drogas e imigrantes ilegais para a Europa Ocidental com mais facilidade, disse a polícia alemã na quinta-feira.

Após a ampliação, essas máfias devem se beneficiar dos controles menos rígidos do que os atuais em fronteiras como a do leste da Alemanha, disse a polícia em uma conferência sobre a criminalidade na cidade de Frankfurt an der Oder, na fronteira com a Polônia.

A polícia disse que, com a adesão dos dez novos países, a maior parte deles da Europa Oriental, a fronteira leste do bloco ficará menos segura, apesar da impressionante rede de torres e equipamentos de observação que está sendo instalada.

O problema é o fator humano. Um guarda de fronteira que ganha pouco vai achar uma propina de cem euros muito atraente", disse Uwe Kranz, especialista em crime organizado do Leste Europeu na Europol. "A nova fronteira oriental da UE não é tão fechada quanto a atual", afirmou ele, acrescentando que vai levar alguns anos até que os novos países se adaptem ao padrão. "Apesar disso, o progresso já feito é impressionante", declarou.

Depois da adesão dos novos países, ainda haverá controles migratórios entre os novos e os antigos países membros, mas os controles alfandegários habituais serão eliminados.

Ingmar Weitemeier, chefe do departamento de polícia criminal do Estado alemão de Mecklenburg-Vorpommern, que faz fronteira com a Polônia, disse ver "um potencial seguro para o crime organizado" com a expansão. "Formaram-se nos países que vão aderir vários grupos que querem explorar a situação."

Apesar disso, a polícia disse que os temores sobre uma onda de criminalidade após a expansão são infundados, principalmente porque ela já aconteceu há mais de uma década, com o fim do comunismo no Leste Europeu. A polícia considera que as organizações criminais de todo o bloco ex-comunista já estão firmemente arraigadas no oeste do continente.

De acordo com Weitemeier, a polícia alemã já se acostumou, na década de 1990, com os métodos mais violentos usados no Leste. "Enquanto um criminoso alemão usa um cortador de vidro, um do Leste Europeu age com mais violência, jogando um carro contra uma janela."347

347 O Estado De São Paulo, União Européia Levanta sua Cortina de Ferro, p. 12-04-2009, Caderno Internacinal.

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Esse cenário foi identificado em diversas investigações realizadas pela

Polícia Federal brasileira, em conjunto com outros órgãos estrangeiros de repressão ao

crime organizado.

No ano de 2005, em uma ação conjunta envolvendo as autoridades

brasileiras, alemãs e americanas348, a Polícia Federal deflagrou uma operação que

culminou na desarticulação de uma organização criminosa transnacional, cujo

resultado foi à prisão simultânea de 19 pessoas, entre elas, 15 eram estrangeiros de

origem libanesa preponderantemente349, bem como a apreensão de grande quantidade

de cocaína.

É imperioso destacar, também, que durante os quase dois anos de

investigação sobre o referido grupo, em virtude da ação controlada sobre os

integrantes da organização, foram presas diversas “mulas” e apreendia grande

quantidade de drogas.

É oportuno destacar, em especial, in verbis, trecho da sentença condenatória

que classifica o grupo como:

A associação delituosa em foco constitui verdadeira organização criminosa transnacional, tal como definida pelo Decreto nº 5.015/2004, que promulgou em nosso país a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, uma vez que voltada para a consecução de crimes considerados graves – tráfico de drogas (art. 2º, letra “b” da citada

348 A agência Anti-Drogas dos Estados Unidos da América (Drug Enforcement Administration- DEA), em

documento datado de 30.06.04, noticiou a prisão, na Turquia, de dois cidadãos norte-americanos, envolvidos com o tráfico internacional de “cocaína”, e alertou que estes, colaborando com as investigações, afirmaram que receberam o entorpecente em São Paulo, de fornecedores de origem libanesa. Com base nestas informações e com supedâneo ainda em apurações preliminares da Polícia Federal, foi instaurado procedimento criminal visando apurar a prática de tráfico internacional de drogas (Processo n. 2005.61.81.007476-9. Nova Vara Criminal Federal j. 20/04/2006 (operação Tâmara, p. 4324-4325).

349 Processo n. 2005.61.81.007476-9. Nova Vara Criminal Federal j. 20/04/2006 (operação Tâmara, p. 4297-

4395).

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Convenção) e praticados em mais de um Estado (art. 3º, §1., letra “b” e §2., letra “a” da citada Convenção350.

Ressalvamos que essas investigações foram desenvolvidas ao longo de dois

anos, uma vez que os suspeitos formaram três diferentes células de atuação no tráfico

internacional de drogas.

A primeira das células era responsável pela arregimentação das “mulas”,

responsáveis pelo transporte da droga para a Europa e Oriente Médio.

A segunda era responsável pelo contato com traficantes colombianos,

paraguaios e bolivianos, fornecedores da cocaína. Durante toda a investigação a

negociação droga obtida naqueles países eram encaminhadas sem intermediários, ou

seja, diretamente para a organização.

Por sua vez, a terceira e última, era constituída por um restrito grupo de

financiadores, que não tinham contato com as “mulas” e que, muitas vezes, sequer

conheciam seus aliciadores. Alguns deles eram responsáveis pelos contatos com os

receptadores e financiadores da droga. Eram criminosos estabelecidos principalmente

no Líbano, Alemanha e Suíça.

O modus operandi da organização criminosa revelou que os

narcotraficantes não só utilizavam o Brasil como uma rota para a exportação de drogas

para outros países, mas que também, passaram a investir o dinheiro obtido em diversas

atividades da economia formal, como por exemplo, na compra de imóveis,

supermercados e restaurantes.

Relatamos parte da decisão que demonstra a organização transnacional dos

condenados:

350 Processo n. 2005.61.81.007476-9. Nova Vara Criminal Federal j. 20/04/2006 , operação Tâmara, p. 4327.

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O alentado e minucioso trabalho de investigação policial revelou que o grupo criminoso é complexo e estende suas atividades a mais de um Estado da Federação, havendo um trabalho ordenado de aquisição de entorpecentes, em geral oriundo de Foz do Iguaçu e de Ponta Porã, ambos na região sul do país; armazenamento e escoamento do tóxico por aeroportos internacionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Pernambuco; recrutamento de pessoas para a realização do transporte da droga (“mulas”); recepção do entorpecente na Europa (especialmente em Portugal e Alemanha) e por fim, remessa de vultosos lucros produzidos com o comércio ilegal de entorpecentes ao país, para ser distribuído aos integrantes do bando reinvestido no tráfico de cocaína351.

Alguns deles chegaram inclusive a constituir família no nosso País,

demonstrando a vontade de perpetuar a atividade criminosa em terras brasileiras.

Assim, a falta de uma política imigratória de determinados países, ligada à

facilidade de atravessa as fronteiras brasileiras, fomentou a entrada de criminosos,

tornando-se o Brasil um pólo atrativo e seguro para desenvolvimento de suas

atividades ilícitas, transformando-se, de acordo com a citação de Marques da Silva, em

um “paraíso jurídico penal352”.

Anabela Rodrigues afirma que a problemática criminal está na ausência de

uma política séria de controle, sobre os novos rumos de intercâmbio de pessoas e

informações. A autora preocupa-se com a invocação de tendências securitárias que

alimenta atitudes “anti-europeistas” no âmbito penal, conforme citação in verbis:

A nova criminalidade é expressão deste novo modelo de organização social para que tendem as sociedades contemporâneas. A mobilidade de pessoas e dos capitais põe em causa a lógica territorial sobre a qual elas repousam. Este movimento de fundo – um pouco retardado pela confrontação Leste-Oeste – produz agora todos os seus efeitos. As grandes construções institucionais e a concentração do poder dão lugar ao declínio dos Estados e a um mundo onde proliferam as redes353.

351 Processo n. 2005.61.81.007476-9, Nova Vara Criminal Federal, j. 20/04/2006, operação Tâmara, p. 4325-4326.

352 Ibid., p. 428 353 Op. cit. p. 171.

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O desemprego e a marginalização fornecem mão de obra farta e, muitas

vezes, qualificada para o recrutamento das organizações criminosas. Para esta

afirmação temos como exemplo, as organizações criminosas de narcotraficantes, que

se utilizam de “mulas”354 para o transporte de drogas.

Temos também como modelo, a operação Oceanos Gêmeos, como uma

organização criminosa transnacional estabelecida no Brasil, com ramificações em

outros oito países, entre eles, os Estados Unidos, o Panamá, a Colômbia, a Venezuela,

a Argentina, o Equador e o México355

O Brasil era utilizado como o centro das atividades ilícitas do grupo, uma

vez que o narcotraficante Colombiano, Pablo Joaquim Rayo Montano356, o líder da

organização, montou uma rede de contatos na cidade de São Paulo, sendo que grande

parte das pessoas envolvidas sequer tinham antecedentes em qualquer outra

modalidade criminosa.

Através dessas pessoas, Pablo Rayo investiu o seu dinheiro proveniente do

narcotráfico, em atividades propícias à lavagem de dinheiro, tais como, investimento

em galerias de arte, joalherias, cavalos, restaurantes e empresas de eventos.

354 O termo “mulas” passou a ser incorporado pejorativamente no cenário brasileiro como uma alusão aos

animais que transportam cargas. 355 Procedimento Criminal nº 2006.61.81.005518-4, Segunda Vara Criminal Federal de São Paulo. 356 Com base em informações do Departamento de Drogas Americano (DEA) sobre a existência de Pablo

Joaquim Rayo Montano no Brasil foi representado pelo Governo americano um pedido de extradição, com base nos crimes de tráfico e associação para fins de trafico de drogas. A Ação foi julgada procedente por unanimidade. (STF, Tribunal Pleno, Ext. / 1.051 – Estados Unidos da América, Rel. Min. Marco Aurélio, v.u., j. 21-05.2009, pub. DJU 07-08-2009, seção 1, p. 63).

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Por outro lado, a organização de Abadia, também narcotraficante

colombiano, não utilizava o Brasil como rota para o tráfico de drogas, mas sim para

“limpar” a origem ilícita do dinheiro obtido.

A transnacionalidade da organização não serviu de empecilho para que

todos os países envolvidos na investigação pudessem desarticular as ações do grupo.

Pela primeira vez na história brasileira, os mandados de busca e apreensão, bem como

as prisões dos principais suspeitos foram cumpridos simultaneamente, devido à eficaz

cooperação internacional entre as autoridades estrangeiras e brasileiras.

Conforme dados obtidos em decorrência de flagrantes e apreensões

realizados pela Polícia Federal, entre os anos de 2001 a 2009, houve um sensível

incremento na prisão e apreensão de traficantes, com posse de cocaína no Aeroporto

Internacional de Guarulhos. No ano de 2001, foram presas 38 pessoas e apreendidos

aproximadamente 402 kg de cocaína. No ano de 2009, (janeiro a 11 de agosto), já

foram presas 269 pessoas e apreendidos 738 kg da mesma droga357.

As ações da Polícia Federal no combate às organizações de

narcotraficantes, entre outras modalidades criminosas de alta periculosidade, tais como

o tráfico de armas, de pessoas, o contrabando e o descaminho, revelam que os

referidos grupos possuem uma grande rede de contatos358, localizada em diversos

países.

Logo, aliada à farta mão de obra para a operacionalização das referidas

atividades criminosas, há uma grande facilidade de aliciamento de pessoas dispostas a,

357 Ibid., mesma página. 358 Segundo dados colhidos junto a Polícia Federal: A Europa responde pela maior fatia de “funcionários” do

narcotráfico presos em Guarulhos até este mês: 37%. Em 2008, europeus estavam na terceira posição. Antes, a liderança pertencia à América do Sul, que foi para o segundo lugar, com 30%. Os africanos vêm em seguida, com 24%. Asiáticos aparecem em último. (Ibid., mesma pág.)

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efetivamente, compor a base da estrutura organizacional, como forma de possibilitar a

execução das tarefas, como verdadeiros “soldados” do crime.

Anabela Rodrigues aponta a problemática dessa farta mão de obra que se

submete aos encantos dos aliciadores do crime organizado, diante da oportunidade de

ascensão social e financeira:

Trata-se, portanto, de uma forma de divisão do trabalho entre a economia legal e a economia criminal, que externaliza a produção criminosa para fora das regiões estáveis, mas que reintegra aqui os seus benefícios, ao mesmo tempo que submete (...) as populações marginais destes pólos estáveis à lógica do desenvolvimento criminoso359.

Após transitória exposição sobre os reflexos do crime organizado

transnacional no cenário brasileiro e internacional, cabe buscar na legislação uma

conceituação da transnacionalidade do delito.

O artigo 3, da Convenção de Palermo, traça alguns parâmetros para definir

o crime transnacional, nos termos, in verbis:

Artigo 3 Âmbito de aplicação 1. Salvo disposição em contrário, a presente Convenção é aplicável à prevenção, investigação, instrução e julgamento de: a) (...) b) (...) sempre que tais infrações sejam de caráter transnacional e envolvam um grupo criminoso organizado; 2. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração será de caráter transnacional se: a) For cometida em mais de um Estado; b) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planejamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado; c) For cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado.

359 Op. cit., p. 169.

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Torna-se oportuno destacar que o artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/2006360,

disciplinou como causa de aumento das penas dos artigos 33 a 37 da mesma Lei, o

caráter transnacional do delito de tráfico de drogas e figuras equiparadas, reproduzido,

in verbis:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; (...).

O examinado dispositivo veio corrigir uma lacuna da antiga causa de

aumento prevista no artigo 18, I, da Lei 6.368/1976361, uma vez que esta revogada

norma somente abrangia o tráfico internacional de drogas ou extra-territorialidade da

Le penal, dispondo, in verbis:

Art. 18. As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços): I - no caso de tráfico com o exterior ou de extra-territorialidade da lei penal;

Notamos, assim, que o legislador intensificou a abrangência do artigo que

aumenta a pena dos crimes praticados fora do território nacional, ainda que o delito

não alcance o território de outra Nação.

Na opinião de Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi:

O correspondente revogado referia o tráfico com o exterior e os casos de extraterritorialidade. A disposição atual é mais ampla, abrangendo situações

360 A Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.

361 Ver Capítulo 2.

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antes não previstas, porque o conceito é mais aberto. Estarão nas hipóteses de aumento e, consequentemente, de competência da Justiça Federal (art. 70), de tráfico no exterior

(...) Os critérios para se saber se o delito tem caráter de transnacionalidade são: a natureza da droga, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato. A natureza da droga, por exemplo, se se trata de droga não produzida no Brasil; a procedência, se, por exemplo, a droga é apreendida em embarcação ou aeronave em trânsito para o Brasil ou se a embalagem denuncia a origem estrangeira; outras circunstâncias, também poderão levar à convicção da transnacionalidade do crime362.

A natureza da droga ou mesmo sua procedência não bastam para a

caracterização da transnacionalidade do delito ora em estudo363. Devemos analisar

faticamente se há provas de que pelo menos o início da execução da conduta ocorreu

fora do território brasileiro.

As jurisprudências dos Tribunais Superiores, já consolidaram o tema

relacionado ao caráter transnacional do delito de tráfico de drogas, nos precedentes

ressaltados, in verbis:

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS – ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – DEMORA PARA O JULGAMENTO DO WRIT IMPETRADO PERANTE A CORTE A QUO – SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO – PEDIDO PREJUDICADO – ADITAMENTO DA INICIAL – CONHECIMENTO DO PEDIDO COMO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO – EXCESSO DE PRAZO – INSTRUÇÃO ENCERRADA – SÚM. 52/STJ – COMPLEXIDADE DO FEITO – TRINTA E SETE DENUNCIADOS – EXPEDIÇÃO DE VÁRIAS CARTAS PRECATÓRIAS – PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE – PRISÃO PREVENTIVA – DECISÃO DE 1º GRAU NÃO JUNTADA AOS AUTOS – ÔNUS DO IMPETRANTE – RESGUARDO DA ORDEM PÚBLICA – VULTOSA ASSOCIAÇÃO – PACIENTE TIDO COMO UM DE SEUS LÍDERES – MODUS OPERANDI – PERICULOSIDADE CONCRETA – RESIDÊNCIA FIXA E OCUPAÇÃO LÍCITA –

362 Lei de Drogas Anotada – Lei n. 11.343/2006, p. 143. 363 Conforme observa Sidio Rosa de Mesquita Júnior: “Certamente o tráfico internacional é mais grave, em face

de suas consequências, mas a apuração de suas circunstâncias e de todas as provas de sua concretização dependerá da instrução criminal e do convencimento do Juiz, não sendo razoável pretender vincular a prova da internacionalidade do crime à natureza do produto ou qualquer outro elemento” (Comentários à Lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.08.2006, p. 101).

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IRRELEVÂNCIA – MANUTENÇÃO – INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – INDÍCIOS DA TRANSNACIONALIDADE DO DELITO – ESTREITA VIA DO HABEAS CORPUS – COMPETÊNCIA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ARARAQUARA-SP POR PREVENÇÃO – ORDEM DENEGADA. 1. Evidenciando-se que o writ impetrado perante a Corte Regional já foi julgado, prejudica-se o pedido de constrangimento ilegal em razão da demora para seu processamento. 2. A superveniência do julgamento do mérito do dito remédio constitucional possibilita o conhecimento do presente habeas corpus como substitutivo de recurso ordinário, tendo em vista o aditamento à inicial. 3. “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo” (Súm. 52/STJ). 4. A pluralidade de réus na ação penal de conhecimento (trinta e sete), bem como a necessidade de serem realizadas várias diligências imprescindíveis, autoriza a aplicação do princípio da razoabilidade a fim de permitir dilação no prazo para o término da instrução. Precedentes. 5. A concreta periculosidade do agente, revelada pelo modus operandi com que teria supostamente agido, porquanto tido como um dos líderes de vultosa associação destinada ao tráfico transnacional de drogas, é suficiente para motivar a necessidade da manutenção de sua prisão preventiva, a bem do resguardo da ordem pública. Precedentes. 6. Ademais, ausente dos autos cópia da decisão de 1º Grau que determinou a prisão preventiva do paciente, cuja juntada era ônus do impetrante, mostra-se dificultado o exame da quaestio. 7. Unicamente a residência fixa e ocupação lícita do paciente, ainda que comprovados estivessem, não são aptos a garantir-lhe a revogação da prisão preventiva, notadamente quando presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal no caso concreto. Precedentes. 8. “Salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando, então, a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes” (Súm. 522/STF). 9. Evidenciando-se a existência de indícios dando conta de que o suposto tráfico possua natureza transnacional, a competência para o processamento e julgamento da ação penal é da Justiça Federal. Precedentes. 10. A estreita via do habeas corpus, carente de dilação probatória, não comporta o exame de questões que demandem o profundo revolvimento do conjunto fático-probatório colhido nos autos do inquérito policial instaurado contra o paciente, bem como da ação penal que sobreveio. Precedentes. 11. Quando incerto o local em que teria sido praticado o último ato de execução, a competência se firma pela prevenção. 12. Evidenciando-se que o primeiro Juízo a tomar conhecimento do feito foi o da Subseção Judiciária de Araraquara - SP, perante o qual foi requerida a quebra do sigilo telefônico dos investigados, ele se mostra prevento para conhecer da ação penal. 13. Pedido parcialmente prejudicado e, no restante, denegada a ordem364

Em consonância com o abordado, assevera Luiz Flávio Gomes que o

legislador pátrio passou a atender as recomendações dos tratados e convenções

internacionais:

364 http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&livre=transnacional

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A Lei nova, diferentemente da anterior, preferiu a expressão transnacional (situação ou ação além das nossas fronteiras) ao invés de internacional (situação ou ação concernente a duas ou mais nações). Com a mudança, foram atendidas as recomendações internacionais, em especial da Convenção de Palermo365.

4.4 - Crimes econômicos e o crime organizado

O fenômeno da macrocriminalidade econômica vem, cada vez mais,

crescendo no mundo atual, principalmente no que diz respeito ao crime organizado, já

que se trata de crimes que movimentam volumosa quantia de ativos e muitas vezes

praticados com apenas o uso de um telefone ou de um computador ligado à internet.

Na ocasião, torna-se de fundamental importância diferenciar a

criminalidade clássica, conhecida como microcriminalidade, da criminalidade

avançada ou macrocriminalidade.

Na década de 70, Manoel Pedro Pimentel já tratava do avanço da

macrocriminalidade. Ao traçar o panorama da época, aponta os fatores que fomentam

as suas condutas criminosas, distintas da criminalidade clássica:

A criminalidade refinada, técnica hábil, se desenvolveu paralelamente com o aumento da complexidade da vida moderna, especialmente no campo da economia. Disfarçada aqui, em grupo de homens de negócios, ali em empresas de vulto, acolá em sociedade comercial, a criminalidade prosperou largamente; impunemente, valendo-se das falhas da legislação, das deficiências do sistema, da corrupção, da pressão política, da exploração das mais diversas formas de prestígio social366.

365 Nova Lei de Drogas comentada artigo por artigo: Lei 11.343/2006, de 23.08.2006, p. 183. 366 Direito Penal Econômico, p. 04-05.

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Entretanto, torna-se evidente que, em função do período de sua elaboração,

o Código Penal Brasileiro de 1940, não possuía mecanismos legais para reprimir a

macrocriminalidade econômica.

Nesse momento, é imperioso destacar a citação de Marco Antonio Marques

da Silva, a respeito do impacto da criminalidade econômica, frente aos instrumentos

fornecidos pelo Código Penal de 1940:

Os impactos desta idéias no mundo globalizado são objeto de estudo para encontrar formulas harmônicas para o combate e prevenção da criminalidade econômica, no âmbito dos Estados, bem como, nas suas relações internacionais, tendo em vista que o fator econômico é a base destas relações, que se utilizam de todo avanço tecnológico, impedindo, com isto que se utilizem dos instrumentos do direito penal clássico, para enfrentar estes problemas 367.

A doutrina estrangeira oscila na criação de uma sistematização ampla dos

crimes econômicos. Na Alemanha, por exemplo, houve uma tentativa de sistematizar

os delitos econômicos. Já na Itália, os delitos econômicos são regulamentados em

legislação esparsa 368.

Coube ao legislador elaborar leis extravagantes para tentar corrigir as

lacunas do nosso ordenamento jurídico penal clássico. Por consequência, como critério

meramente exemplificativo e em ordem cronológica, foram elaboradas as seguintes

leis: a) A legislação sobre os crimes contra a economia popular, consubstanciada à

época no Decreto-lei 869, de 18 de novembro de 1938, posteriormente deu ensejo a

Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951369, Lei dos crimes contra a economia popular;

367 Ibid., p. 402. 368Antonio Luis Chaves Camargo, nos ensina que: “Assim, não há unanimidade quanto ao tratamento dos crimes

econômicos no âmbito do Código Penal, ou numa legislação especial, ou em ambos, como ocorre em alguns países. (In: José de Faria Costa; Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 262-263).

369 Segundo Juary C. Silva, ao enfrentar a matéria sobre a macrocriminalidade e o ordenamento jurídico

brasileiro vigente, elabora severa crítica a referida Lei dos crimes contra a economia popular, conforme relato

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b) Lei 7.492, de 16 de junho de 2006, que define os crimes contra o Sistema

Financeiro Nacional e dá outras providências370; c) Lei nº. 8.078/1990 que dispõe

sobre a proteção do consumidor; d) Lei nº. 8.137/1990 - Lei dos Crimes contra a

Ordem Tributária e Financeira; e) Lei nº. 9.613/1998 Lei de Lavagem de Dinheiro e

Ocultação de Bens e Valores; f) Lei Complementar nº. 105/2001 que trata do sigilo das

operações das instituições financeiras.

Não só a legislação extravagante contém os crimes econômicos. No Código

Penal, nos deparamos com diversos artigos, como por exemplo: a) artigo 334,

contrabando e descaminho; b) artigo 172, duplicata simulada; c) artigo 175, fraude no

comércio; d) artigo 177, fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade

por ações; c) artigos 197 a 207, que tratam dos crimes contra a organização do

trabalho, entre outros.

Por força da determinação constitucional, de forma a garantir uma

economia justa e equilibrada, o legislador pátrio, muitas vezes, caminha no sentido de

buscar no Direito Penal os mecanismos para proteger a estabilidade da ordem

econômico-financeira371.

que segue: “Pela sua imprecisão e estreiteza, e máxime pelo seu ponto de vista microcriminal, essa lei está longe de oferecer condições adequadas para o combate à macrocriminalidade econômica [...], porém é interessante observar que ela não nasceu de uma sistematização da matéria, porém ao que parece de uma gafe do então Presidente da República, Getúlio Vargas. Instado a explicar o sentido de frase usada por ele em público (‘o povo fará justiça pelas próprias mãos’), o Presidente teria dito que a punição dos crimes contra a economia do povo far-se-ia através do Júri, e não de juízes togados”. (A Macrocriminalidade , p. 115 - 116).

370 “As condutas praticadas contra o sistema financeiro, durante longo lapso temporal, não foram prevista como

delito no Brasil. A razão dessa lacuna está intimamente ligada à evolução do mercado ocorrida no País, e, como no período de vigência das Ordenações do Reino e do Código Criminal do Império (1830) predominava o trabalho escravo e não existiam instituições financeiras, empresas – pelo menos não da forma como hoje se apresentam -, não havia necessidade de previsão dessa espécie de delito. Os Códigos subseqüentes (1890 e 1940) também foram silentes a esse respeito.” (Luiz Regis Prado, Direito Penal Econômico, p. 209).

371 Constituição Federal de 1988 acabou por impor freios ao avanço do poder econômico, no Título VII – “Da

Ordem Econômica e Financeira”, arts. 170 a 174. Tais princípios e objetivos deverão estar presentes na análise de todos os dispositivos constitucionais. Assim, os princípios fundamentais deverão informar o entendimento exegético de todos os tópicos pertinentes à constituição econômica.

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O desequilíbrio econômico gera consequências gravíssimas, não só na

economia, mas também reflete diretamente no equilíbrio político e social. Como

modelo, podemos citar: a) falência de empresas; b) consequente desemprego em

massa; c) inflação; d) fuga de capitais; e) recessão, entre outros efeitos nefastos para a

ordem econômico-financeira, demonstrados no relator de Anabela Miranda Rodrigues:

De um ponto de vista material, a criminalidade organizada é uma actividade econômica em sentido amplo (ou em todo caso lucrativa, embora possa ir para além disso), caracterizada por efeitos danosos avultadíssimos, normalmente econômicos, mas também políticos e sociais. Destacam-se a sua capacidade de desestabilização geral dos mercados, bem como a corrupção de funcionários e governantes. Trata-se de crimes qualificados criminologicamente como “crimes of the powerful” (crimes dos poderosos), com uma configuração jurídica imprecisa e significativamente diversa da dos tipos de crimes do direito penal clássico (da delinquência passional ou dos “crimes of the powerless”)372.

Oportuno, neste momento, destacar o conceito elaborado por Manuel Pedro

Pimentel, sobre os delitos econômicos: “condutas típicas sancionadas penalmente pelas

leis editadas com o fim de prover a segurança e a regularidade da política econômica

do Estado”373.

O Direito Penal Econômico protege bens jurídicos supra-individuais, ou

seja, àqueles que ultrapassam os bens ligados ao Direito Penal clássico e que são

ligados ao patrimônio individual e, até mesmo, da coletividade. Na opinião de

Goldschimidt, citado por Figueiredo Dias, o autor chega ao ponto de concluir que

inexistem os bens jurídicos nos delitos econômicos, visto que são simples bens

materiais e sem sujeitos.

No entanto, Figueiredo Dias contradiz a afirmação anterior. No seu

entendimento, enquanto o Direito Penal Clássico é ligado aos direitos, liberdades e

372 In: José de Faria Costa e Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 283. 373 A organização criminosa é uma forma qualificada no concurso de pessoas, p. 25.

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garantias fundamentais do cidadão, os bens jurídicos do Direito Penal Econômico são

ligados aos direitos sociais e à organização econômica374.

O objeto jurídico preservado pelo Direito Penal Econômico não pode e nem

deve ser aquele conferido à economia popular, mas sim, visa proteger bens e interesses

relacionados à proteção econômica do Estado, além do patrimônio de indefinido

numero de pessoas, do comércio em geral, da troca de moedas, da fé pública e da

administração pública.

Anabela Rodrigues, ao citar I. Blanco Cordeiro e I.S. Garcia de Paz,

descreve, in verbis, que:

Esta nova criminalidade utiliza as lógicas e as potencialidades da globalização para a organização do crime, permitindo que grupos criminosos homogêneos “aproveitem as vantagens que oferece o novo espaço mundial, com a criação de zonas de livre comércio em algumas regiões do mundo, nas quais se produz uma permeabilidade econômica das fronteiras nacionais e se reduzem os controles”. Neste “mercado gigantesco” para que evoluiu a economia mundial, existe uma procura de bens proibidos que, agora por este motivo, o converte em idôneo para a proliferação de organizações criminosas. Para o satisfazer, surge um mercado de bens e serviços ilegais que coexiste com o mercado global 375.

Importante, na ocasião, destacar, ainda, a atual facilidade de recrutamento

de novos integrantes para atuarem nas examinadas organizações, nos termos relatado

pela aludida autora:

A globalização exclui segmentos de sociedades e economias das redes de informação disponíveis para as sociedades e economias dominantes. Desemprego e marginalização – criando o que Castells chama “buracos negros” do capitalismo da informação – fornecem o mercado ilegal para o recrutamento de delinquentes (...)376.

374 Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 59-71. 375 In: José de Faria Costa e Marco Antonio Marques da Silva, op. cit., p. 284. 376 Anabela Miranda Rodrigues, mesma página.

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É pertinente ainda citar alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal

sobre a matéria crime organizado, no sentido de demonstrar como a corte máxima tem

se posicionado sobre o assunto.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ORDEM PÚBLICA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ALTAMENTE ESTRUTURADA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E OUTROS CRIMES GRAVES. DENEGAÇÃO. 1. A questão de direito tratada neste writ diz respeito à possível nulidade da decisão que decretou a prisão preventiva do paciente por suposta ausência de fundamentação idônea e adequada. 2. A denúncia imputa ao paciente e aos co-réus terem se associado em quadrilha para a prática do tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, na forma de uma organização criminosa estrutura hierarquicamente com divisão de tarefas e funções de seus membros. 3. No caso concreto, há a noção de periculosidade concreta do paciente, acusado de integrar a facção criminosa intitulada "PCC" (Primeiro Comando de Capital) que seria responsável por ataques violentos ocorridos em maio de 2006 contra civis, unidades prisionais, agências bancárias e veículos, em claro confronto com as forças de segurança pública do Estado de São Paulo. 4. Registro que houve fundamentação idônea à manutenção da prisão processual do paciente. Atentou-se, portanto, para o disposto no art. 93, IX, da Constituição da República. A decisão proferida pelo juiz de direito - que decretou a prisão preventiva - observou estritamente o disposto no art. 1°, da Lei n° 9.034/95 e no art. 312, do CPP, eis que há elementos indicativos no sentido de que as atividades criminosas eram realizadas de modo reiterado, organizado e com alta poder ofensivo à ordem pública. 5. A garantia da ordem pública é representada pelo imperativo de se impedir a reiteração das práticas criminosas. 6. A regra do art. 7°, da Lei n° 9.034/95, consoante a qual não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa, com efeito, revela-se coerente com o disposto no art. 312, do CPP. 7. Habeas corpus denegado377.

A transcrita decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a

relatoria da Ministra Ellen Gracie, demonstra claramente o seu posicionamento pela

recepção do conceito da expressão “crime organizado” nas ações praticadas pelo

Primeiro Comando da Capital (PCC), ao discriminar a estabilidade, permanência,

periculosidade e o alto grau de ofensa à ordem pública, ensejando inclusive a

377 Segunda Turma, HC 94739/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie, j. 07.10.2008, publ. DJU 14.11.2008, p. 00442.

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permanência da prisão cautelar dos pacientes. Todavia, a posição da Ministra mostra-

se contraposta ao princípio da presunção de inocência, defendido por Ministros

daquela Corte que defendem a posição garantista.

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5. OS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS, EM

MATÉRIA DO CRIME ORGANIZADO

SUMÁRIO: 5.1 Princípios; 5.1.1 Princípio da Legalidade; 5.1.2

Extraterritorialidade; 5.1.3 Princípio da Soberania; 5.1.4 Princípio da

Complementariedade; 5.2 Validade e Aplicação.

5.1 - Princípios

Gradativamente, conforme tendência mundial adotada pela cooperação

internacional, notamos um considerável crescimento do número de acordos bilaterais,

multilaterais e, principalmente, a implementação de Tratados e Convenções

relacionados ao crime organizado.

A recepção e a consequente validade desses instrumentos no ordenamento

jurídico brasileiro necessitam de certas formalidades, principalmente no que diz

respeito aos princípios, preservados pela Carta Magna, garantidores do Direito Penal

Constitucional.

5.1.1 – Princípio da Legalidade

Os Tratados e Convenções são igualmente submetidos ao princípio da

legalidade, para serem aplicados no nosso ordenamento jurídico. É oportuno ressaltar

que o próprio processo de incorporação de uma norma internacional no nosso País é

extremamente complexo, tanto no ponto de vista político como no legal.

No Estado Federal Brasileiro, a competência para celebrar os acordos ou

tratados bilaterais ou multilaterais é da União, nos termos descritos no artigo 21, inciso

I, da Constituição Federal, in verbis:

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Artigo 21 - Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais.

Contudo, o artigo 49, inciso I, da Lei Maior, submete aos instrumentos à

cláusula de resolução exclusiva do Congresso Nacional, no qual expomos, in verbis:

Art. 49 - É da Competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

A orientação é seguida pelo Pretório Excelso, expressa, in verbis, em

julgamento do Agravo Regimental em uma Carta Rogatória da República da Argentina

(Carta Rogatória n. 8279), julgado pelo Supremo Tribunal Federal:

(...) A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno378.

Nos termos da relatada decisão unânime da Suprema Corte, a Constituição

Federal não consagra o princípio do efeito direto e nem o da aplicabilidade imediata

dos tratados ou convenções internacionais. Torna-se válido complementar este estudo,

transcrevendo, in verbis, parte do v. acórdão proferido pelo Ministro Celso de Mello:

378 Tribunal Pleno, CR 8279 Agr/AT – Argentina, Relator Ministro Celso de Mello, j. 17.06.1998, publ. D.J. 10.08.2000, p. 00006.

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(...) A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata. Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de não poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata).

Assim, concluímos que nos termos do artigo 84, VIII, da Constituição

Federal, compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados,

convenções e atos internacionais. Posteriormente, o instrumento é enviado ao

Congresso Nacional, cuja aprovação é realizada por decreto legislativo, nos termos do

artigo 49, I, da Lei Maior e, no final, submete-se à promulgação por decreto

presidencial.

Cabe consignar que, após a aprovação em nosso País, estes instrumentos

são depositados no órgão competente responsável pelo seu registro e, somente com sua

publicação é que o instrumento passa a ter eficácia no ordenamento jurídico

brasileiro379.

Por derradeiro, importante ressaltar que os tratados e convenções

internacionais possuem a mesma força que as leis ordinárias. Novamente, o Ministro

Celso de Mello, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n°

1480/DF380, posicionou-se a respeito:

O Poder Judiciário - fundado na supremacia da Constituição da República - dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno. Doutrina e Jurisprudência. PARIDADE NORMATIVA

379 Rodrigo Carneiro, O Crime Organizado na Visão da Convenção de Palermo, p. 32-33. 380 Tribunal Pleno, ADI 1480/DF, Relator Ministro Celso de Mello, j. 14.09.1997, publ. D.J. 18.05.2001, p.

00429.

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ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. - Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade.

Ressalva-se, contudo, que os tratados internacionais sobre direitos humanos

são aprovados em cada uma das Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, por três

quintos dos votos dos respectivos membros, possuem força de norma constitucional,

nos termos do artigo 5°, § 3°, da Constituição Federal de 1988381.

5.1.2 – Extraterritorialidade

O nosso País adotou como regra geral o princípio da territorialidade382, na

aplicação da lei penal brasileira para os crimes praticados dentro do território nacional,

incluídos aqui os casos considerados fictamente como sua extensão territorial.

Todavia, cabe consignar que temos o princípio da extraterritorialidade que

se preocupa com a aplicação da lei brasileira às infrações penais cometidas além de

nossas fronteiras, ou seja, nos países estrangeiros.

381 O parágrafo terceiro do artigo 5°, da CF de 1988, foi introduzido por força da Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004.

382 A Exposição de Motivos do Ministro Francisco Campos ao Código Penal de 1940 dispõe: “aplica-se a lei

brasileira não só ao crime, no todo ou em parte, cometido no território nacional, como ao que nele, embora parcialmente, produziu ou devia produzir seu resultado, pouco importando que a atividade pessoal do criminoso se tenha exercido no estrangeiro. A cláusula ‘ou devia produzir seu resultado’ diz respeito à tentativa”.

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No artigo 7°, II, a, do Código Penal, encontramos o princípio da justiça

universal ou cosmopolita. Significa que, o Brasil atendendo às determinadas condições

julgará os crimes que, por tratado ou convenção, obrigou-se a reprimir.

O Brasil é signatário de diversos acordos, Tratados e Convenções na

matéria de crime organizado, em especial no combate ao tráfico internacional de

drogas e pessoas, o genocídio, a prática de tortura, o terrorismo, a lavagem de bens,

direitos e valores383.

5.1.3 – Princípio da Soberania

A relação entre os estudos das jurisdições internas e internacionais

demandam a adoção do princípio da complementariedade presente nos países que

submeteram parte de sua jurisdição ao Tribunal Penal Internacional, assim, torna-se

imperiosa a abordagem do conceito de soberania e sua evolução no cenário

contemporâneo.

O fato de as teorias contemporâneas sobre o julgamento de crimes

praticados no território de uma nação serem submetidas a um órgão externo, implicam

em mudanças de interpretação no próprio conceito do princípio da soberania, bem

como a sua relação e influências no próprio ordenamento jurídico pátrio.

Nessa ocasião, torna-se imperiosa a análise histórica das origens do

princípio da soberania, cujo conceito e interpretação sofreram uma intensa mudança

perante a doutrina jurídica nacional e internacional, conforme destaca Marrielle Maia:

383 O Brasil é signatário dos seguintes instrumentos internacionais: a) Convenção de Substâncias Psicotrópicas, 1971; b) Convenção das Nações Unidas contra as drogas, 1991; b) Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado e Corrupção; c) Convenção Interaamericana de Assistência Mútua em Matéria Criminal; d) Convenção Interamericana sobre o Terrorismo; Convenção Interamericana sobre o tráfico ilícito de drogas e armas de fogo; e) Acordos de cooperação internacional.

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“a noção de soberania já existia na Antiguidade e na Idade Média. O conceito

conhecido estava ligado à posição hierárquica, ou seja, posição daquele que era

superior num bem definido sistema hierárquico”384.

A referida autora evidencia a evolução histórica do conceito de soberania,

situando-a perante a noção de Estado. Na sua significação moderna, o termo

“soberania” apareceu no final do século XVI, com a formação e a consolidação do

Estado moderno, que teve sua construção marcada pela centralização administrativa,

concentração e territorialização do poder político e pela criação de exércitos

permanentes.

O moderno sistema de Estados, que surgiu em 1648, com a Paz de Westfália, baseava-se no pressuposto de que os Estados são os únicos detentores de direitos e deveres no direito internacional. São eles os únicos legítimos agentes para o uso da força, dotados de direito de jurisdição sobre seus territórios e populações385.

Ao analisarmos amplamente o cenário jurídico contemporâneo

internacional perante a ordem política doméstica de uma nação, notamos uma sensível

mudança no exato conceito do termo soberania, uma vez que a necessidade de abertura

sócio-econômica, a qual inevitavelmente implicou uma mudança sensível no cenário

do crime organizado, tornou-se quase que uma obrigação para os Estados, em suas

relações internacionais, que abrissem uma parcela de seu poder unitário perante uma

autoridade supra-estatal.

De acordo com Marriele Maia, multiplicaram-se os instrumentos

internacionais, principalmente, após o final das grandes guerras, no trecho, in verbis::

384 Tribunal Penal Internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementariedade, p. 31-32.

385 Ibid, p. 32.

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Com efeito, após a Segunda Guerra Mundial, reconheceu-se a necessidade de reconstrução do direito internacional com atenção aos direitos do ser humano, como resposta às atrocidades cometidas durante os conflitos e pelo nazismo (...) Um dos elementos do relacionamento internacional que, durante a evolução do direito internacional, precisou ser suplantado para dar lugar à garantia coletiva e ao interesse público foi o da reciprocidade (...).386

Desta feita, o Estado deixa de ser o foco das atenções e o indivíduo passa a

ser beneficiário de uma garantia baseada na primazia da pessoa humana, com base no

sistema internacional de proteção aos direitos humanos.

Portanto, de forma a evitar conflitos entre as normas internas e externas, os

tratados, convenções e acordos entre nações passam a compatibilizar e harmonizar as

legislações de diversos países.

O Brasil, paulatinamente, passou a recepcionar em seu ordenamento

jurídico os tratados, as convenções e ou estatutos, ou seja, as normas de caráter

internacional, cuja aplicação, muitas vezes, reflete-se diretamente na própria jurisdição

do País.

Inauguraremos a matéria, com o conceito de soberania nos termos políticos,

bem como no âmbito jurisdicional, assentado pelo ilustre jurista Dalmo de Abreu

Dallari:

De fato, porém, apesar do progresso verificado, a soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes de Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu povo, não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira; ou como expressão de poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica387.

386 Ibid, p. 36 387 Elementos de Teoria Geral do Estado, p. 84.

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Com base em uma análise preliminar, poderíamos chegar à conclusão de

que a atuação dos tribunais internacionais e das demais normas supra-estatais seria

uma ingerência, um aparente conflito de normas e o fim do poder soberano de um país.

Contudo, novamente invocamos o princípio da complementariedade, de forma que as

aludidas normas seriam uma nova garantia da pessoa humana, aperfeiçoando os

mecanismos de proteção e garantias consagrados na Constituição Federal Brasileira.

Nesse ponto, Marriele Maia destaca a necessidade da criação de uma

jurisdição penal internacional, como garantia à proteção internacional dos direitos

humanos, consoante disposto, in verbis:

A criação de uma corte internacional com jurisdição penal, nesse contexto, reveste-se de muitas dificuldades políticas e de grandes complexidades jurídicas, e seu estatuto somente veio a ser discutido em Roma em decorrência da superação da alegação do domnínio reservado do Estado, pautado no princípio da soberania, graças ao desenvolvimento das relações internacionais e à expansão da proteção internacional dos direitos humanos e do direito internacional humanitário. 388

Os Tratados e Convenções incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro,

expressamente preveem o respeito ao ordenamento jurídico interno. De acordo com o

disposto na Convenção de Palermo, in verbis:

Artigo 4 Proteção da soberania. 1. Os Estados Partes cumprirão as suas obrigações decorrentes da presente Convenção no respeito pelos princípios da igualdade soberana e da integridade territorial dos Estados, bem como da não-ingerência nos assuntos internos de outros Estados. 2. O disposto na presente Convenção não autoriza qualquer Estado Parte a exercer, em território de outro Estado, jurisdição ou funções que o direito interno desse Estado reserve exclusivamente às suas autoridades.

388 Op. cit., p. 43.

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Outro ponto de real importância para este estudo, diz respeito à soberania

dos julgamentos, bem como a aplicação no Direito Pátrio do Tribunal Penal

Internacional, criado em 17 de julho de 1998, pelo Estatuto de Roma e promulgado, no

Brasil, pelo Decreto n.° 4388, de 25 de setembro de 2002389. O artigo 1º, do Estatuto

de Roma, disciplina, in verbis, que:

Artigo 1o O Tribunal É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional ("o Tribunal"). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto.

O art. 5°, do Estatuto prevê que o Tribunal Penal Internacional possui

personalidade jurídica internacional para julgar os crimes de genocídio, os contra a

humanidade, os de guerra e os de agressão390, dispondo, in verbis:

Artigo 5o Crimes da Competência do Tribunal 1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes: a) O crime de genocídio; b) Crimes contra a humanidade;

389 “(...) Mas findo o conflito, e com a criação e funcionamento dos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, decorrentes do Tratado de Londres, de 08 de agosto de 1945, o direito internacional penal ganhou grande incremento. Mas com a guerra fria novamente as condições se mostraram desfavoráveis a continuidade do projeto em causa. Todavia na última década deste século, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas, a idéia tomou significativo impulso. Em 1995, a Assembléia Geral das Nações Unidas, criou um Comitê preparatório para tratar de um Estatuto de uma Corte Penal Internacional, com base em um projeto que fora preparado pela Comissão de Direito Internacional. (...). A aprovação do Estatuto da Corte Penal Internacional em junho de 1998 na Conferência dos plenipotenciários das Nações Unidas realizada em Roma, constitui um fato da mais alta significação, e um passo relevante para a implantação de uma Justiça Penal Internacional”. (Luiz Luisi, Princípios Penais Constitucionais, p. 240)

390 Conforme previsão do Item 2, do art. 5°, “O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime

de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas”.

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c) Crimes de guerra; d) O crime de agressão.

As práticas criminosas anteriormente descritas, quando atendidas

determinadas condições, poderão ensejar o deslocamento da jurisdição brasileira para

julgamento de nacionais que praticaram esses delitos em território nacional, ou

mesmo, aqueles que, após a prática criminosa, vierem aqui refugiar-se, conforme

disciplina o artigo 17, in verbis:

Artigo 17 Questões Relativas à Admissibilidade 1. Tendo em consideração o décimo parágrafo do preâmbulo e o artigo 1o, o Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se: a) O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, não tenha capacidade para o fazer; b) O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer; c) A pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no parágrafo 3o do artigo 20; d) O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal. 2. A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias: a) O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5o; b) Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça; c) O processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de maneira independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de levar a pessoa em causa perante a justiça; 3. A fim de determinar se há incapacidade de agir num determinado caso, o Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo.

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Com base na análise dos artigos 1° e 17, concluímos que o Tribunal Penal

Internacional somente vai exercer a sua jurisdição, no momento em que as Nações

signatárias deixarem de observar os critérios acima estabelecidos. Dessa forma, o

aludido Tribunal tem competência complementar391.

Assim sendo, o Tribunal Penal Internacional responsabiliza os indivíduos,

não os Estados e somente atuará no momento em que verificar a ausência da

disposição de punir, ou mesmo, pela incapacidade de uma nação em garantir eficácias

ao seu próprio ordenamento jurídico.

Aparentemente, do ponto de vista teórico, a questão parece simples,

contudo, ao realizarmos o estudo das condutas praticadas por organizações criminosas

transnacionais, ou seja, àquelas cuja execução ou mesmo o resultado ocorreu em mais

de uma nação soberana, podem surgir dúvidas quanto à aplicação do Direito Penal,

conforme a opinião de Marco Antonio Marques da Silva:

Diante destes fatos, surge a questão sobre a abrangência do direito penal num sistema internacional, em especial no âmbito econômico, quando se confrontam de um lado aqueles que pretendem manter a expansão da dogmática jurídico-penal, atingindo fatos internacionais, e os que propugnam a redução dos efeitos do direito penal a um mínimo 392.

391 Segundo Denise Caldas Figueira: “O Estatuto define rigorosamente a competência do TPI. Este Tribunal foi instituído com base no princípio da complementariedade, o que significa que só pode exercer a sua jurisdição quando um tribunal nacional não puder ou não estiver – de fato – disposto a fazê-lo. Este princípio determina sejam submetidos a julgamento perante o Tribunal Penal Internacional os casos em que o tribunal nacional afastou sua jurisdição ou o julgamento não obedeceu aos princípios de independência e imparcialidade”. (O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para o estabelecimento de uma jurisdição Penal Internacional, p. 636).

392 Ibid., p. 419.

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O mencionado autor destaca, nesse ponto o caráter expansionista do Direito

Penal, de forma que determinadas práticas delituosas devem passar a ser de

preocupação internacional:

O caráter expansionista do Direito Penal é apontada por Winfried Hassemer, que apresenta três características, referentes à parte especial: a primeira como sendo a proteção a bens jurídicos universais e não individuais; a segunda, recurso à técnica do perigo abstrato, que ampliam enormemente o âmbito de aplicação do direito penal e, uma terceira, a estas características conduzem à construção de delitos sem vítimas ou de vítimas difusas, não se exigindo um dolo 393.

É imperioso ressaltar que a matéria ainda é bastante duvidosa na doutrina,

principalmente, quando se trata de “flexibilização” de soberania, desse modo, há um

grande choque de interesses entre Estados soberanos.

Para melhor elucidação do ora visto, podemos citar como exemplo, a

grande dificuldade que envolve o julgamento dos grupos criminosos conhecidos como

“piratas somalis”. Tal organização criminosa, formada preponderantemente por ex-

combatentes das Forças Armadas da Somália, atua no sequestro em alto mar, de

tripulantes de navios de transporte de mercadorias de grande valor. Para efetuarem a

liberação da tripulação e das mercadorias exigem milhões de dólares americanos,

segundo trecho, in verbis, da reportagem publicada pelo Jornal Folha de São Paulo:

Na falta de alternativa melhor, alguns dos piratas responsáveis por 61 ataques no golfo de Áden e no mar Vermelho entre janeiro e março deste ano voltaram à liberdade. Convenção da ONU de 1982 permite que o país dono da bandeira do navio atacado julgue o pirata capturado segundo suas leis. Entretanto, não só a legislação sobre pirataria marítima costuma ser muito antiga, como poucos países queremos piratas em seu território. O somali Abduwali Muse está sendo julgado em Nova York pelo sequestro, em abril, de uma embarcação americana. A primeira audiência apontou alguns dos desafios do caso: o réu não fala inglês, sua idade é incerta (embora tenha

393 Ibid., p. 419–420.

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sido denunciado como adulto), e será julgado conforme lei que está sem uso há mais de um século394.

A globalização pode ser um ponto de interseção entre diversas nações, mas

jamais devemos desprezar os costumes, as tradições e a própria cultura jurídica de

cada País. Dessa forma, a adoção de um ordenamento penal único para tratar de crimes

transnacionais395, ainda é uma matéria bastante prematura, tendo em vista o atual

estágio de evolução da sociedade mundial.

A criação de uma Justiça Penal Internacional, ou mesmo de um Código

Penal Internacional para julgamento de crimes graves, somente terá eficácia, no plano

material e processual, a partir do momento em que garantias consagradas, desde a

época das correntes iluministas que influenciaram a Declaração Francesa dos Direitos

do Homem e do Cidadão de 1889, no que diz respeito à dignidade da pessoa humana,

sejam observadas pelos estatutos internacionais, como uma forma de assegurar um

direito penal humanitário.

É imperioso observar, nessa oportunidade, o cenário europeu, conforme

destacado na obra de Marques da Silva:

Na União Européia, existe uma integração econômica e política que aproxima os Estados membros. A integração econômica supõe políticas comuns, mas não se consegue um acordo com relação à política criminal e muito menos com a uniformização das leis penais 396.

394 Países enfrentam impasses para julgar piratas somalis. Folha de São Paulo, Paula Adamo Idoeta. 10, de maio de 2009, Caderno Mundo. (Acesso em: www1.folha.uol.com.br/folha/.../ult94u563312.shtml, consulta realizada em 19/06/2009).

395 Luiz Luisi destaca em sua obra que a tentativa de criar uma codificação internacional já é uma aspiração

antiga: “Todavia em 1924 foi criada a Associação Internacional de Direito Penal (AIDP) que em seus Estatutos dispôs, como uma de suas finalidades ‘favorecer o desenvolvimento teórico e prático do Direito Penal Internacional visando a elaboração de um direito penal internacional e a harmonização das regras de procedimento criminal’. A partir de então numerosas foram as propostas, levando Vespasiano Pella, um dos juristas mais empenhados no assunto a escrever em 1928, que a proposta da criação de um Código Penal Internacional já se constituía em uma manifestação concreta de um poderoso desideratum da consciência jurídica contemporânea”.

396 Ibid., p. 423.

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Torna-se de fundamental importância, a incorporação nos ordenamentos

jurídicos de Tratados e Convenções, acordos bilaterais397 e, principalmente,

cooperação internacional, entre as diversas Nações.

5.1.3 – Princípio da Complementariedade

A Conferência de Roma disciplinou que o Tribunal Penal Internacional terá

caráter complementar frente às jurisdições nacionais. Assim, aquele Tribunal somente

destina-se a intervir nas situações em que os Estados signatários deixarem de atender

os mandamentos consagrados, frente à total inoperância do sistema persecutório, ou

mesmo, por falta de vontade política.

Nesse momento é importante concluirmos que o julgamento pelo Tribunal

Penal Internacional jamais atenderá a um critério discricionário ou político dos

Estados-membros e dos respectivos órgãos componentes, mas sim, a um critério pré-

estabelecido de princípios e normas complementares e garantidoras aos direitos

fundamentais do indivíduo.

5.2 – Validade e Aplicação

Os dois vocábulos ora apresentados ligam-se à idéia de efetiva vigência no

ordenamento jurídico, bem como à sua recepção pela Constituição Federal de 1988.

397 A realização de acordos bilaterais torna-se uma das soluções viáveis para solucionar o problema de julgamentos de integrantes de organizações criminosas transnacionais, como o acordo celebrado pelos países que foram vítimas destes grupos, conforme trecho de reportagem a seguir transcrita: “Na tentativa de minimizar os dilemas que envolvem os piratas somalis capturados em alto-mar, EUA, União Européia e Reino Unido assinaram, em março, acordos bilaterais com o Quênia, vizinho à Somália, dando ao país africano competência para julgar os casos”.(Folha de São Paulo, 10/05/2009, Seção: Mundo. Acesso em: www1.folha.uol.com.br/folha/.../ult94u563312.shtml, consulta realizada em 19/06/2009).

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Com relação ao específico, é importante tentar responder duas importantes

indagações:

a) As normas e os princípios do Direito Internacional fazem parte

integrante do Direito Pátrio?

b) Os tratados e convenções internacionais vigoram na ordem

interna sem necessidade de qualquer ato do ordenamento jurídico

brasileiro?

Para a solução da primeira indagação, faz-se necessário recorrer à doutrina

constitucional, uma vez que se tratarmos de normas ligadas aos direitos e garantias

fundamentais, como por exemplo, a dignidade humana, a vida, a liberdade, a

intimidade, a validade e aplicação é de caráter imediato.

Quanto à aplicação de normas e princípios, José Joaquim Gomes Canotilho

disciplina que:

A diferenciação de self-executing e non self executing é muitas vezes, identificada com o problema da necessidade ou não de “normas de conversão” do direito internacional em direito interno. Outras vezes, como se verifica nos casos tipificados, o problema relaciona-se com a própria estrutura da norma de direito internacional. (...) a) Aplicabilidade imediata e vigência imediata Uma norma internacional vale na ordem jurídica interna – (tem validade) quando ela se considera incorporada num determinado sistema jurídico interno. E vale imediatamente quando não necessita de sistema de transformação (incorporação) no plano interno, ou seja, não carece de um acto que lhe dê força e valor de norma jurídica. (...) Consequentemente, uma norma de direito internacional directamente aplicável será aquela que, vigorando na ordem interna, pode servir como norma de decisão num caso concreto. b) Aplicabilidade directa e auto-execução Embora os conceitos aplicabilidade directa e auto-execução surjam, muitas vezes, como sinônimos, eles transportam teleologias diferentes. Assim:

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(1) Norma internacional de aplicabilidade directa é aquela que vincula os aplicadores do direito a um dever de aplicação dessa norma, sem garantia de qualquer direito subjectivo aos particulares; (2) Norma internacional auto-executiva é aquela que permite aos particulares reivindicar, com base nela, uma determinada pretensão subjectiva. Neste sentido, seriam as normas internacionais auto-executivas que corresponderiam ao sentido constitucional de aplicabilidade directa das normas garantidoras de direitos e liberdades e garantias398.

No que se refere à validade dos tratados e convenções celebrados pela

Nação brasileira, em matéria de cooperação internacional, em especial com relação à

Convenção de Palermo, manifestou-se a Corte Superior quando cita o “princípio da

efetividade” do poder jurisdicional no combate ao crime organizado transnacional, na

Carta Rogatória 438, representada pelo Governo da Bélgica, in verbis, relatado pelo

Ministro Luiz Fux:

A Lei 9.613/98 (Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro), em seu art. 8° e parágrafo 1°, assinala a necessidade de ampla cooperação com as autoridades estrangeiras, expressamente permite a apreensão ou seqüestro de bens, direitos ou valores oriundos de crimes antecedentes de lavagem de dinheiro, cometidos no estrangeiro. 7. Destarte, a Lei Complementar 105/2001, por sua vez, em seu art. 1°, parágrafo 4°, dispõe que as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados, sendo que a quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes: (...) VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; IX – praticado por organização criminosa. 8. Deveras, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Decreto 5.015/2004) também inclui a cooperação judiciária para "efetuar buscas, apreensões e embargos", "fornecer informações, elementos de prova e pareceres de peritos", "fornecer originais ou cópias certificadas de documentos e processos pertinentes, incluindo documentos administrativos, bancários, financeiros ou comerciais e documentos de empresas", "identificar ou localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros elementos para fins probatórios", "prestar qualquer outro tipo de assistência compatível com o direito interno do Estado Parte requerido" (art. 18, parágrafo 3, letras a até i). Parágrafo 8 do art. 18 da Convenção ressalta que: "Os Estados Partes não poderão invocar o sigilo bancário para recusar a cooperação judiciária prevista no presente Artigo". 9. In casu, A célula de tratamento das informações financeiras (CETIF) denunciou no dia 16 de

398 Métodos de Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, p. 139-140.

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Julho 2002 ao Escritório do Procurador Geral em Bruxelas a existência de índices sérios de branqueamento de capitais (...) entre as pessoas envolvidas no presente processo. 10. Princípio da efetividade do Poder jurisdicional no novo cenário de cooperação internacional no combate ao crime organizado transnacional399.

Na exposição do tema, o Supremo Tribunal Federal vai além daquela

decisão. A Corte Suprema disciplina que em matéria de cooperação internacional, para

a satisfação do pleito, basta que haja o pedido feito pela Justiça do País rogante. Nos

termos da decisão do Tribunal Pleno, exposta, in verbis, de lavra do Ministro Marco

Aurélio:

CARTA ROGATÓRIA - COLABORAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE TRATADO. A inexistência de tratado entre o país no qual situada a Justiça rogante e o Brasil não obstaculiza o cumprimento de carta rogatória, implementando-se atos a partir do critério da cooperação internacional no combate ao crime. CARTA ROGATÓRIA - OBJETO - DADOS DE PROCESSOS EM CURSO NO BRASIL E COLETA DE DEPOIMENTOS. O levantamento de dados constantes de processos em andamento no Brasil não implica a quebra do sigilo assegurado pela Carta da República, ante a publicidade que os reveste. No tocante à coleta de depoimentos, descabe examinar o envolvimento, ou não, no processo em curso no estrangeiro, daqueles que devem ser ouvidos, sob pena de mesclagem de jurisdições400.

Com base na decisão da Suprema Corte, podemos concluir que devemos,

antes de tudo, respeitados os princípios da soberania e dignidade da pessoa humana,

ampliar o conceito de colaboração, evitando que criminosos deixem de ser punidos,

devido á ausência de instrumentos e mecanismos pré-estabelecidos no ordenamento

jurídico de uma Nação, de forma a permitir somente a Justiça da decisão.

399 Superior Tribunal de Justiça, CR 438/BE, Corte Especial, Relator Ministro Luiz Fux, j. 15.08.2007, publ. DJU 24.09.2007, p. 224.

400 Tribunal Pleno, CR 9854/UK, Relator Ministro Marco Aurélio, j. 28.05.2003, publ., D.J. 27.06.2003, p.

00029.

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Não podemos deixar de mencionar ao final deste estudo que, antes de

convenções, tratados e acordos multi ou bilaterais entre Países, devemos sempre ter em

mente a matéria da cooperação internacional.

A cooperação internacional já consagrada por diversos diplomas em

vigência pelo ordenamento jurídico brasileiro, como por exemplo, a Lei de Drogas, a

Lei de Lavagem de Dinheiro, a Lei dos Crimes Ambientais, a Convenção de Viena,

entre outros, possibilita a efetiva resposta ao combate à criminalidade organizada.

As investigações sobre a criminalidade organizada, cuja prática é envolvida

por um notório dinamismo, não permitem que sejam utilizados os mecanismos

tradicionais previstos no Código de Processo Penal, tais como a Carta Rogatória; pelo

contrário, demandam uma atuação direta e imediata dos órgãos de repressão, como

também do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Dessa forma, podemos concluir que o intercâmbio de informações entre os

diversos órgãos de repressão à criminalidade organizada, seja a título de informações

de inteligência, ou mesmo, de empréstimo de provas, como também objetivando a

atuação conjunta entre os órgãos de repressão e, principalmente, a efetiva aplicação

dos acordos internacionais, permitirá um grande avanço no combate à criminalidade

organizada.

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CONCLUSÃO

Toda coletividade, por mais rudimentar que sejam suas condições de vida e

sobrevivência, preocupa-se com condutas que perturbam a paz e a ordem social.

Assim, desde o Direito Penal indígena, notamos um maior rigor em atentados

praticados em grupo contra a coletividade, pela maior capacidade de causar danos ao

homem.

A legislação brasileira, desde o Código Criminal do Império de 1830,

contemplou a figura dos crimes praticados em concurso necessário. Posteriormente, os

demais Códigos, de 1890 e 1940, como também a Consolidação e Projetos de

alteração da Lei Penal, também dispuseram sobre a aludida conduta de perigo abstrato.

Posteriormente, leis especiais foram agregadas ao ordenamento jurídico penal,

dispondo sobre condutas típicas específicas quando praticadas por pelo menos mais de

um agente, onde o perigo ao bem jurídico tutelado é presumido, permitindo, assim,

grande dificuldade de interpretação e aplicação daqueles tipos penais pelos órgãos de

repressão.

Atualmente, o Código Penal vigente contempla a figura da “Quadrilha ou

bando” (art. 288 CP), com apenas uma causa de aumento de pena, ou seja, na hipótese

do “grupo armado”. Por outro lado, igualmente dispõe, em alguns outros dispositivos

específicos, sobre outras majorantes, quando o delito for praticado por mais de um

agente, ainda de forma tímida e abstrata.

Por conseguinte, com a vigência da Lei 9.034/1995, que regulamentou os

meios de prova e procedimentos investigatórios, alterada pela Lei 10.217/2001, que

acabou por diferenciar o crime de quadrilha ou bando da figura não definida de

organização criminosa e associação de qualquer tipo, surgiram diversas controvérsias

no mundo jurídico, sendo que algumas delas persistem até hoje.

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Com a recepção da Convenção de Palermo, pelo Decreto 5.015/2004, houve

uma considerável inovação no ordenamento jurídico, no que diz respeito aos crimes

praticados por organização criminosa transnacional, uma vez que, finalmente o sistema

jurídico brasileiro adotava um conceito para o referido grupo. Contudo, mesmo com a

vigência do referido instrumento internacional, ainda há dúvidas sobre a sua eficácia e

âmbito de aplicação, tendo em vista que a ausência de um conceito para crime

organizado, ou mesmo, a ausência de uma definição típica para a referida figura,

atingiria alguns princípios consagrados pela Constituição Federal de 1988, como o da

legalidade e taxatividade.

O cenário contemporâneo demonstra que o Brasil não é mais um País

apenas de passagem para as organizações criminosas transnacionais. Por outro lado,

temos nossas próprias organizações, como o “PCC” e o “CV”, que são na realidade

“associações” em constante crescimento e profissionalismo, genuinamente brasileiras.

Atualmente, diante da precária política de repressão a esses grupos, percebemos que

“eles” ocupam espaços em que o Estado mostra-se inoperante, ou mesmo ausente, seja

no campo Penal, Penitenciário, Processual Penal, Político e Social.

A criação de um tipo penal que contemple a figura da organização

criminosa, nos termos, por exemplo, do conceito adotado pela Convenção de Palermo,

Projetos de Lei em andamento, ou mesmo, com base no Direito Comparado, pecaria

pela dificuldade de tipificação da conduta criminosa, tendo em vista o dinamismo e a

dificuldade de um conceito hermético do tema estudado, podendo engessar a própria

classificação típica.

Sugere-se, assim, juntamente com a necessária reforma do Código Penal, a

inserção de causas de aumento específicas, disciplinadas na Parte Geral do próprio

Código, como uma forma qualificada de “concurso de pessoas”, em que seja

disciplinado, naquele “grupo” associado, de forma estável e permanente, as principais

características da criminalidade organizada, como por exemplo, o número elevado de

agentes, a corrupção, a violência, a participação de agentes públicos, a vantagem

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material e econômica, a transnacionalidade, entre outras a serem expressamente

previstas. Isso deverá ocorrer para que o aplicador da lei possa, com os elementos

fáticos apresentados, classificar a conduta estudada, conforme as características

“legais” pertinentes a cada caso concreto.

Concluímos, portanto, que o Direito Penal não pode ser utilizado como

instrumento de salvaguarda de questões políticas e apelos sociais. A mera aprovação

dos Projetos de Lei, atualmente em andamento nas respectivas Casas Legislativas,

seria novamente, um grande retrocesso; apenas uma resposta inócua à sociedade,

amparada no Direito Penal de emergência, contrária aos princípios da legalidade e,

principalmente, da dignidade da pessoa humana.

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Estágio do PCC é pré-mafioso, diz analista. Folha de São Paulo, 17-05-2006, p. C11. Facções se expandem para litoral e interior. Folha de São Paulo, p. C4 Fundador do PCC é assassinado na prisão. Folha de São Paulo, 14-08-2006, p. C4 Governo afirma que facção movimentou R$ 63 milhões. Folha de São Paulo, 04-03-2008, p. C6. Juíza suspeita de ajudar facção é afastada. Folha de São Paulo, 22-06-2007, p. C13. Maior ataque do PCC faz 30 mortos em SP. Folha de São Paulo, 14-05-2006, p. A1 Mapa indica as áreas de atuação do PCC. Folha de São Paulo, 24-07-2006, p. C1. Nas contas bancárias do PCC, 36 milhões. O Estado de São Paulo,13-12-2006, Caderno Metrópole. No arsenal do PCC, rifles e fuzis. O Estado de São Paulo, 06-08-2009 No Paraguai, uma base do PCC. O Estado de São Paulo, 27-08-2006, Caderno Metrópole. O poder nas mãos dos bandidos. Revista Veja, 19-07-2006, p. 44-55 PCC levou a cracolândia para o Rio. O Estado de São Paulo, 26-09-2008, Caderno Metrópole Polícia afirma ter apreendido míssil do PCC. Folha de São Paulo, p. C4. Polícia apura coligação do PCC-CV. O Estado de São Paulo. 12-09-2006, Caderno Metrópole. Presos três advogados do PCC. O Estado de São Paulo, 29-06-2006, Caderno Metrópole Presos 41 suspeitos de fornecer droga ao PCC. Folha de São Paulo, 13/12/2008, p. C1. Promotoria vê PCC ‘poderoso e eficaz’. Folha de São Paulo, 13-07-2006, p. C10. 60 indiciados por lavagem. O Estado de São Paulo, 12-12-2006, Caderno Metrópole Seqüestrador de Olivetto ensinou PCC. Folha de São Paulo, 14-07-2006, p. C7.

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Tráfico é o principal negócio do PCC, indica investigação. Folha de São Paulo, 13-08-2006, p. C1. Transferência criou filiais do PCC. O Estado de São Paulo, 28-05-2006, Caderno Metrópole União européia levanta sua cortina de ferro. O Estado de São Paulo, pub. 12-04-2009. Sites consultados: Artigo 5º da Constituição Federal. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em: 1º-6-2009. CPI DO TRÁFICO DE ARMAS. <http://www2.camara.gov.br/comissoes/temporarias/cpi/encerradas.html/cpibiopi/?searchterm=CPI> Acesso em: 21-5-2009. CPI DA BIOPIRATARIA. <http://www2.camara.gov.br/comissoes/t)emporarias/cpi/encerradas.html/cpiarmas/?searchterm=CPI> Acesso em: 30-5-2009. CPI DA PIRATARIA. <http://apache.camara.gov.br/portal/arquivos/Camara/internet/comissoes/temporarias/cpi/encerradas.html/cpipirat/relatoriofinal.pdf> Acesso em: 30-5-2009. CPI DO NARCOTRÁFICO <http://apache.camara.gov.br/portal/arquivos/Camara/internet/comissoes/encerradas/cpi/legislatura-51/cpinarco/relatoriofinal.pdf> Acesso em: 30-5-2009 JURISPRUDÊNCIA – STF - INQ – 2245/MG <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia> Acesso em: 10-6-2009 JURISPRUDÊNCIA – STJ <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp.> Acesso em: 10-6-2009 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8072.htm> Acesso em: 15-05-2009 PARECER Nº. 264/2007 <http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/8236.pdf> Acesso em: 16-6-2009.

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PARECER DO PROJETO, DE 07 DE NOVEMBRO DE 2007 <http://imagem.ca.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=14/9/2000&txpagina=45827&altura=700&largura=800> (substitutivo ao projeto original), Acesso em: 26-6-2009 <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/getPDF.asp?t=23405> Acesso em: 16-6-2009. PROJETO DE LEI 724-A/1995 (Altera dispositivos do CP) <http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=19/1/1996&txpagina=1895&altura=700&largura=800> Acesso em: 1º-7-2009. PL 3275/2000 <http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=24/6/2000&txpagina=33931&altura=700&largura=800> c Acesso em: 26-6-2009 PROJETO DE LEI N 3473, DE 2000: <http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=24/8/2000&txpagina=44962&altura=700&largura=800> Acesso em: 2-7-2009. PROJETOS DE LEI CÂMARA DOS DEPUTADOS E SENADO FEDERAL <http://www2.camara.gov.br/proposicoes> Acesso em: 15-6-2009. PROJETO DE LEI – SENADO <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=1232> Acesso em: 3-7-2009. PROJETO 156/2006 <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/getPDF.asp?t=38856> Acesso em: 16-6-2009. RELATÓRIO UNODC <http://www.unodc.org/pdf/brazil/WDR2009/WDR_2009_Referencias_ao_Brasil.pdf> Acesso em: 24-6-2009. RESOLUÇÕES DA ONU <http://www.onu-brasil.org.br/view_news.php?id=7062> Acesso em: 15-6-2009. RESOLUÇÃO N. 3 DO CNJ <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7317> Acesso em: 19/06/2009. SUBSTITUTIVO AO PL 3275/2000 <http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=12/8/2000&txpagina=42467&altura=700&largura=800> Acesso em: 26-6-2009.

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TRATADO DE ROMA <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm> Acesso em: 15-6-2009. <http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=25/08/1989&txpagina=8555&altura=650&largura=800> Acesso em: 15-6-2009. <http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=19/09/1989&txpagina=9651&altura=650&largura=800> Acesso em: 15-6-2009. <http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=06/04/1995&txpagina=5632&altura=650&largura=800> Acesso em: 15-6-2009. <http://www6.senado.gov.br/legislacao/DetalhaDocumento.action?id=232468&titulo=LEI%2010217%20de%2011/04/2001%20%20-%20LEI%20ORDINÁRIA> Acesso em: 26-6-2009 Outras referências: The Godfather. Direção: Francis Ford Coppola. Produção: Albert S. Ruddy. Roteiro: Mario Puzzo e Francis Ford Coppola: Paramount Pictures, 1972. 175 min. DVD.